a complexidade florística dos quintais agroflorestais do litoral centro
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a complexidade florística dos quintais agroflorestais do litoral centro
A COMPLEXIDADE FLORÍSTICA DOS QUINTAIS AGROFLORESTAIS DO LITORAL CENTRO-SUL DE SANTA CATARINA 1 2 3 4, Beretta, M.E. ; Costantin, A.M. ; Rodrigues, A.R.F. , Miller, P.R.M. 2 Bióloga, mestranda do PPG Agroecossistemas/UFSC, [email protected]; Engenheira 3, Ambiental, Mestre em Agroecossistemas/UFSC, Professora Doutora aposentada do Departamento 4, de Fitotecnia/UFSC Professor Doutor do Departamento de Engenharia Rural/UFSC, [email protected]. 1 RESUMO Os quintais agroflorestais de Santa Catarina passam por um processo de abandono e esquecimento. Estes espaços são fontes de conhecimento e tecnologia, visto que atuam como um laboratório de seleção e melhoramento de diferentes espécies e variedades locais. Sua diversidade configura um importante papel na garantia da segurança alimentar, incremento da economia familiar e conservação da diversidade biológica e cultural. O litoral centro-sul catarinense, cuja história foi marcada pela presença de um dos maiores grupos indígenas do Estado, dizimado pela chegada dos europeus e consecutiva colonização açoriana, sempre teve uma forte agricultura de subsistência. Assim, este trabalho objetiva caracterizar e incentivar o uso dos quintais agroflorestais das comunidades pesqueiras e agricultoras de Imaruí e Ibiraquera, litoral centro-sul de Santa Catarina. Para tanto foram analisadas a composição florística, levantadas os usos e as práticas culturais através de um estudo etnobotânico e questionários aplicados em escolas e, por fim, ministradas oficinas e palestras para divulgar a importância destes espaços para a comunidade. A composição florística apresenta grande complexidade. O mais diverso apresentou 133 espécies, e é mantido há mais de 50 anos por seus proprietários. Tem em sua composição principalmente espécies ornamentais, olerícolas, medicinais e pequenos animais domésticos. Durante as oficinas foram sugeridas espécies preferenciais para consumo e comercialização, para geração de renda familiar auxiliar. Manejados preferencialmente por mulheres, os quintais tem como objetivo a qualidade e disponibilidade de alimentos para a família. Foi demonstrado de forma expressiva o gosto pela atividade como parte de suas tradições culturais. Palavras-chave: segurança alimentar, economia familiar, conservação, conhecimento ecológico, composição florística. 1. INTRODUÇÃO Nas extensas áreas desmatadas da região da Mata Atlântica, no litoral do Estado de Santa Catarina, os quintais agroflorestais familiares estão cada vez menores e abandonados. Estes espaços estão se perdendo devido a fatores socioenconômicos, como a pluriatividade e à produção agrícola em larga escala. Neles, são mais freqüentes plantas ornamentais e eventualmente hortas enriquecidas com frutíferas perenes. Porém, os quintais agrolforestais são formas altamente eficientes do uso da terra, pois incorporam diversas espécies e variedades com diferentes hábitos de crescimento e configuração, imitando o processo de sucessão de uma floresta. Assim, atendem às necessidades da família, proporcionando alimentos, forragem, lenha, produtos comerciais, plantas medicinais, ornamentais, etc. (Altirei, 1999), e também melhoram as condições da biota, as otimizando trocas gasosas, ciclagem de nutrientes, oferta de nichos, etc. Isto resulta em uma importante oportunidade para o incremento da economia familiar, segurança alimentar e conservação da diversidade biológica e cultural. O litoral centro-sul de Santa Catarina apresenta o maior complexo lagunar do Estado. Esta é uma região historicamente importante, devido à presença de um dos maiores grupos de índios Guaranis e Gê do Estado (Dias et al 2006), que eram predominantemente sedentários e caçadores (pescadores)coletores, respectivamente. Em 1496, iniciou-se o crescimento urbano no município de Laguna, primeira vila da região sul do litoral. Na época, os portugueses e espanhóis dividiram seus respectivos territórios do novo continente por meio do Tratado de Tordesilhas. Para fins de proteção das terras e expansão da fronteira para as proximidades da Foz do Rio Prata, foi iniciada a colonização da região. Em 1684 foi fundado o povoado de Santo Antonio dos Anjos de Laguna, que foi elevado à categoria de Vila em 1714, tendo importante função no escoamento portuário da produção agrícola e pecuária, que utilizava mão-de-obra escrava. Na metade do século XVIII, o incremento das atividades comerciais e a necessidade de ocupação do território dão início à colonização açoriana da região (Lucena, 1998; Caruso e Caruso. 2000). De tradição essencialmente agrícola, estes imigrantes organizaram uma variada economia familiar de subsistência. Como relatado, os quintais agroflorestais são o tipo de sistema agroflorestal mais antigo e se perpetua através do conhecimento local ao longo das gerações, conforme a cultura das populações por eles responsáveis. Dos índios aos açorianos, a agricultura desenvolveu-se ao longo do tempo em espaços próximos às suas habitações, aprimorando continuamente o manejo dos recursos naturais, garantindo a sobrevivência e o sustento das famílias por séculos. Estes espaços serviram e servem até hoje, como um laboratório de seleção e melhoramento genético de inúmeras espécies e variedades. Visto a importância destes espaços, cada vez mais raros, para a economia familiar, segurança alimentar e conservação da diversidade biológica e cultural, é necessário que se estudem, divulguem e incentivem a sua composição, uso (e possibilidades de) e manejo. Sendo assim, este trabalho objetiva caracterizar os quintais agroflorestais das comunidades pesqueiras e agricultoras do litoral centro-sul de Santa Catarina, incentivando sua permanência na propriedade familiar. Como objetivos secundários, visamos diagnosticar a composição florística e sua estrutura vertical e horizontal, investigar a relação das comunidades com as plantas presentes ao redor de suas casas e verificar de que modo a composição florística colabora para a segurança alimentar e a economia das famílias. 2. MATERIAL E MÉTODOS a. ÁREA DE ESTUDOS A região centro-sul do litoral de Santa Catarina continha, originalmente, os únicos campos de dunas e restingas ricas em butiá, sendo a localidade mais ao sul do litoral do Estado que apresenta elevações junto à linha de costa com mais de 200m de altitude, as quais eram originalmente cobertas por florestas, enquadradas fitogeograficamente no bioma Mata Atlântica. O município de Imaruí, com uma área de 542 km², segundo dados do IBGE (2000), tem uma população de 13.395 habitantes, sendo a maioria pertencente à zona rural do município. É Integrante do entorno do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, uma das maiores unidades de conservação do Sul do Brasil e uma das mais expressivas em relação à área de Mata Atlântica protegida. A vegetação original de Imaruí foi amplamente modificada em função da atividade agropecuária, sendo atualmente a paisagem composta por pastagens naturalizadas e cultivadas. A economia do município é baseada na agricultura familiar e na pesca artesanal, Fig. 1. Mapa do litoral centro-sul de Santa Catarina. Na marcação, que está cada vez mais reduzida, devido Ibiraquera acima, Imaruí, abaixo. à pesca predatória indiscriminada e à grande quantidade de dejetos lançados nas lagoas e rios. Ibiraquera, pertencente ao município de Imbituba, que apesar do desenvolvimento de Imbituba na década de 20, permaneceu isolada até 1960, sendo habitada por algumas poucas famílias de pescadores, os quais praticavam igualmente uma agricultura de subsistência. Nos últimos 10 anos que o turismo começou a crescer a passos largos, incentivando, entre outras modificações do ambiente, o estabelecimento de loteamentos diversos. Ainda assim, a pesca continua sendo uma importante fonte de renda e/ou de alimento, sendo o camarão-rosa e a tainha os dois recursos pesqueiros mais importantes. Lá, situa-se a Lagoa de Ibiraquera, que consiste em uma assembléia de quatro pequenas bacias, com uma área aproximada de 900 ha. No seu entorno constam sete comunidades, onde está sendo desenvolvidas as atividades deste trabalho. b. MÉTODOS Nos quintais selecionados para este estudo, estão sendo contemplada a análise da composição florística e estrutural, o levantamento dos usos e das práticas culturais por meio de um estudo etnobotânico e, aplicação de questionários em escolas. Por fim, ministradas oficinas e palestras para divulgar a importância destes espaços para a comunidade e complementar a percepção deste espaço para as famílias das comunidades. Em Imaruí, foram discutidos os conceitos de conhecimento ecológico local de quintais agroflorestais, utilizando-se da abordagem participativa, principal suporte metodológico da pesquisa. Nas etapas do trabalho de campo foram realizadas entrevistas, oficinas, palestras e observação participante, sendo também aplicados questionários. Os 15 agricultores entrevistados pertencem à Associação de Agropecuaristas de Imaruí e os questionários foram respondidos pelos pais dos alunos de 5º a 8º série da escola da comunidade de Aratingaúba. Estes alunos participaram de atividades que serviram para a publicação de uma cartilha pela prefeitura, sobre os quintais agroflorestais de Imaruí. Em Ibiraquera serão analisadas a composição florística e estrutural de também aproximadamente 15 quintais agroflorestais distribuídos ao longo das sete comunidades existentes. Será realizado um levantamento quali-quantitativo da vegetação presente nas unidades amostrais instaladas a partir da moradia, onde também será desenhado um diagrama de perfil. Em uma segunda etapa, será realizado um estudo etnobotânico, que tem como objetivo levantar os usos e as práticas culturais associadas às plantas cultivadas nos quintais. Por fim, oficinas e palestras serão ministradas nas associações comunitárias e escolas para divulgar a importância destes espaços para a segurança alimentar, economia familiar e conservação da diversidade biológica e cultural, oportunizando, ainda, trocas de experiências e acessos genéticos entre os membros das comunidades. 3. RESULTADOS Dentre os quintais já analisados, o que contém a maior riqueza apresentou 133 espécies e seus proprietários o mantêm há mais de 50 anos, os demais apresentaram uma composição média de 66 espécies distribuídas em diferentes estratos, variando conforme preferências e interesses dos mantenedores. Os quintais são compostos por espécies ornamentais, olerícola e medicinais no primeiro estrato; frutíferas, no segundo; e frutíferas e sombreiras no terceiro estrato, sendo composto também por pequenos animais. Para analisar a diversidade dos quintais, as espécies foram divididas em categorias, onde em média a composição contou com a presença de 25% de frutas; 22% de plantas medicinais; 20% de hortaliças; 15% de plantas ornamentais; 11% criação de animais; e 7% de espécies arbóreas. Esta composição pode variar de quintal para quintal, de acordo com as características culturais e físicas de cada unidade familiar de produção, podendo ter arranjos espaciais bem definidos ou não. As frutas mais comumente encontradas nos quintais foram: laranja (Citrus spp); bergamota (Citrus spp); banana (Musa spp); limão (Citrus spp); caqui (Diospyros spp); uva (Vitis spp); abacaxi (Ananas spp); mamão (Carica spp); abacate (Persea spp); goiaba (Psidium spp); jaboticaba (Myrciaria spp); pitanga (Eugenia spp); acerola (Malpigeaceae spp); carambola (Averrhia spp); melancia (Citrulus spp); pêra (Pirus spp); maracujá (Passiflora spp); e pêssego (Prunus spp). É comum nestes quintais se encontrar mais de uma variedade da mesma fruta, ocorrendo, principalmente, com as laranjas. Na maioria dos quintais, as plantas medicinais apresentaram um papel de destaque, sendo as espécies mais comuns encontra-se: a hortelã (Mentha spp); o capim cidreira (Cymbopogom spp); a malva (Malva spp); o guaco (Mikania spp); a camomila (Matricaria spp); a arruda (Ruta spp); a arnica (Chaptalia spp); a espinheira santa (Maytenus spp); o poejo (Mentha spp); e a losna (Artemisia spp). As hortaliças mais cultivadas nos quintais agroflorestais da comunidade de Aratingaúba foram: alface (Lactuca sativa); beterraba (Beta vulgaris); cebolinha (Allium cepa); salsa (Petroselium sativum); alho (Allium sativum); couve (Brassica oleraceae); cenoura (Daucucus carota); pimentão (Capisicum annum); tomate (Lycopersicum esculentum); abóbora (Cucubita pepo); repolho (Brassica oleraceae); chuchu (Sechium edule); e pepino (Cucumis sativus). Muitos quintais contam com a presença das plantas ornamentais para embelezá-los e servirem de adornos para a casa, sendo as plantas mais comuns encontradas: diferentes cultivares de rosas (Rosa galica); lírios (Hemerocallis flava); dálias (Dahlia pinnata); azaléias (Rhododendron indicum); samambaias (Pteridium aquilinum); comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia picta); e espada-de-sãojorge (Sansevieria zeylanica). Foi possível verificar diferenças nos arranjos dos quintais a partir de características culturais de seus proprietários. As características culturais compreendem a origem étnica desses proprietários e suas tradições. Nos quintais das famílias de origem alemã os arranjos espaciais das espécies são bem definidos. Já nos quintais açorianos, geralmente os arranjos espaciais não se apresentam definidos. Durante as oficinas foram sugeridas espécies preferenciais para compor os quintais, considerando, principalmente, a possibilidade de comercialização de seus produtos e o conhecimento local já existente sobre sua instalação e seu manejo. O principal fator apontado para a ocorrência e permanência dos quintais agroflorestais foi o autoconsumo de seus produtos pelas unidades familiares de produção. Através das práticas de manejo utilizadas nos quintais, geralmente realizadas pelas mulheres agricultoras, evidenciou-se a preocupação com a qualidade dos alimentos. Foi demonstrado de forma expressiva pelos entrevistados (47%), o gosto pela atividade, como parte de suas tradições culturais, com base no conhecimento local que é transmitido através das gerações. Esta preocupação com a segurança alimentar foi reforçada quando estes agricultores falaram da forma como manejam seus quintais, principalmente no que se refere ao uso de agrotóxicos. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os “quintais agroflorestais” são o modelo de SAF que mais se aproximam dos ideais de sustentabilidade, em virtude de sua alta diversidade, pela baixa ou nenhuma utilização de insumos externos, pela estratificação, pela otimização na utilização de fatores de produção (água, luz, nutrientes), gerando uma interdependência entre os componentes do sistema e possibilitando sua manutenção no tempo, de forma sustentável. Uma alternativa para incentivar a implantação e perpetuação dos quintais agroflorestais é sua averbação como Reserva Legal, pois além de promoverem a conservação do meio ambiente através do processo de sucessão, eles também garantem a segurança alimentar dos membros da unidade familiar de produção. Porém, esta é uma alternativa vista sob a ótica da comunidade científica. Para os agricultores, no que se refere aos aspectos ecológicos dos quintais, os agricultores não conseguiram perceber a possibilidade de conservação ambiental que esses quintais podem produzir ao implementarem o processo de sucessão no meio ambiente. Assim, constatou-se não existe interesse em averbar estas áreas, pois os agricultores não recebem benefícios econômicos diretos e não são cobrados quanto a esta conduta pelos órgãos fiscalizadores. De qualquer forma, o principal fator responsável pela implantação e a manutenção dos quintais foi a preocupação com a produção de alimentos para o autoconsumo da família, o que por si só já justifica a importância deste modelo de produção. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas para una agricultura sustentable. Montevideo: Editorial Nordan-Comunidad, 1999. 325p. CARUSO, M.M.L.; CARUSO, R.C. Índios, baleeiros e imigrantes: a aventura histórica catarinense. Tubarão: Editora Unisul, 2000. 368p. DIAS, S.; MAURICO, D.F.; FARIAS, D.S.E. Preservação arqueológica no sul de SC: problemas e perspectivas. In: Encontro do Núcleo Regional Sul da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Florianópolis, 2006. Anais. p. 1 - 4. LOK, R.; V.E. MÉNDEZ. El uso del ordenamiento local del espacio para una clasificación de huertos en Nicaragua. In: LOK, R. Huertos caseros tradicionales de América Central: características, beneficios e importancia, desde un enfoque multidisciplinario. Turrialba: Ed. CATIE/AGUILA/IDCR/ETC Andes, 1998. 267p. LUCENA, L. M. F. Laguna: de ontem e hoje espaços públicos e vida urbana. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Urbano) - Departamento de Geociências, UFSC. 1998. 139p.