a defesa da ordem econômica constitucional como pressuposto
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a defesa da ordem econômica constitucional como pressuposto
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO “Os Comedores de Batata” (1885) - Vincent Van Gogh COORDENADORES Lourival José de Oliveira Marcela Andresa Semeghini Pereira ORGANIZADORES Lourival José de Oliveira Marcela Andresa Semeghini Pereira AUTORES Beatriz Vessoni de Mendonça Flávia Francovig Menegazzo Lourival José de Oliveira Luitt Conceição Ortega Marcela Andresa Semeghini Pereira Margarete de Cássia Lopes Rodolfo Menderico Costa Cruz Sandro Dias A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO 2014 São Paulo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE Nossos Contatos São Paulo Rua José Bonifácio, n. 209, cj. 603, Centro, São Paulo – SP CEP: 01.003-001 Acesse: www. editoraclassica.com.br Redes Sociais Facebook: http://www.facebook.com/EditoraClassica Twittter: https://twitter.com/EditoraClassica L784 A defesa da ordem econômica constitucional como pressuposto para a valorização do trabalho humano. Beatriz Vessoni de Mendonça / Luitt Conceição Ortega /Margarete de Cássia Lopes / Rodolfo Menderico Costa Cruz /Sandro Dias / Flávia Flancovig Menegazzo . Organizadores e coordenadores: Lourival José de Oliveira /Marcela Andresa Semeghini Pereira. Título independente – São Paulo – SP. 1ª ed. Clássica Editora, 2014. ISBN 978-85-8433-027-5 1. Dignidade humana. 2. Reforma trabalhista. I. Título. CDD 344-81 EDITORA CLÁSSICA Conselho Editorial Allessandra Neves Ferreira Alexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros Vita José Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete Pozzoli Leonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão Luiz Eduardo Gunther Luisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos Equipe Editorial Editora Responsável: Verônica Gottgtroy Produção Editorial: Editora Clássica Capa: Editora Clássica (Ilustração: “Os Comedores de Batata” - Vincent Van Gogh) Apresentação A coletânea de artigos que compõe esta obra tem como ponto central a busca da dignidade humana através do trabalho. Ou, melhor explicando, dentro da sociedade capitalista de consumo extremo, onde a grande maioria da população encontra-se desprovida dos meios de produção, não existe outra maneira de tentar atingir o resultado dignidade da pessoa humana, no sentido de princípio e de resultado esculpido na constituição, a não ser que efetivamente seja valorizado o trabalho humano. Segundo dados do relatório anual da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado em 2013, de um total de 2,34 milhões de mortes relacionadas ao trabalho a cada ano, somente 321 mil se devem a acidentes, sendo que outras 2,02 milhões de mortes são causadas por diversos tipos de enfermidades relacionadas ao trabalho, o que significa dizer que são mais de 5,5 mil mortes por dia, com tendência a aumentar, demonstrando uma espécie de desconstrução das qualidades ou garantias mínimas para o trabalho. Também, segundo levantamentos da mesma organização, agora em parceria com a Oxfam (trata-se de uma confederação internacional que reúne mais de 13 organizações internacionais, com aproximadamente 3000 parceiros que atuam em mais de 100 países), com o colapso dos mercados internacionais por conta da crise de 2008, mais de 202 milhões de pessoas estão desempregadas, fazendo com que houvesse ainda mais uma concentração de renda nas mãos de poucos. Esta concentração de renda, o acúmulo extraordinário do capital também irá promover a desvalorização do trabalho humano, com sistemas de controle que quantificam o valor do trabalho humano como uma simples mercadoria, que a cada dia está sendo desprovida de valor. Diante deste triste quadro, o grupo que elaborou os artigos aqui colecionados, que faz parte de um dos projetos de pesquisa vinculado ao Programa de Mestrado em Direito da Unimar (começou a ser desenvolvido no ano de 2013, com término programado para o final do ano de 2014), intitulado “A Função Econômica do Direito do Trabalho: análise das possíveis reformas trabalhistas no Brasil”, passou pesquisar, participar de discussões e eventos científicos, no sentido de, sob vários espectros, elaborar estudos tendo como marco norteador a proteção ou valorização do trabalho humano, levando em conta a ordem constitucional estabelecida constitucionalmente, sem perder de vista a desmistificação da própria relação de trabalho hoje existente. Observa-se que existe um elo entre todos os artigos, constituído pela incessante busca do aperfeiçoamento das relações de trabalho, levando-se em conta principalmente o processo de precarização que se abate sobre esta mesma relação, de forma a propor alternativas e ou construir críticas que sejam levadas em conta como premissas necessárias nas tentativas de flexibilizar as relações de trabalho e ao mesmo tempo entender como estão se dando estas mesmas relações. Espera-se que a presente obra se constitua em mais uma contribuição para o debate e a construção de propostas para o resgate do valor trabalho humano. Lourival José de Oliveira Marcela Andresa Semeghini Pereira Sumário REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA E O PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO BRASIL Beatriz Vessoni de Mendonça – Lourival José de Oliveira ...................... 09 DA NECESSIDADE DA EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FRENTE À DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO SÉCULO XXI Lourival José de Oliveira ......................................................................... 30 VALORIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO: UM AVANÇO NECESSÁRIO OU RETROCESSO INEVITÁVEL? Lourival José de Oliveira – Luitt Conceição Ortega ............................... 52 A FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA: OS LIMITES DO TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS Marcela Andresa Semeghini Pereira ....................................................... 73 FORMAS DE PROTEÇÃO CONTRA A DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NA RELAÇÃO DE EMPREGO DE ACORDO COM A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL Margarete de Cássia Lopes - Lourival José de Oliveira ......................... 96 ACESSO À JUSTIÇA ATRAVÉS DO EMPREGO DA ARBITRAGEM NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DO TRABALHO Rodolfo Menderico Costa Cruz ............................................................. 117 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO A PARTICIPAÇÃO DA EMPRESA NA RESSOCIALIZAÇÃO DE EX-PRESIDIÁRIOS ATRAVÉS DO TRABALHO PRODUTIVO: O PROJETO “COMEÇAR DE NOVO” Sandro Dias - Lourival José de Oliveira ................................................. 139 NOVOS PARADIGMAS DE SUBORDINAÇÃO NA RELAÇÃO DE EMPREGO Flávia Francovig Menegazzo - Lourival José de Oliveira ..................... 166 8 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA E O PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO BRASIL STRATEGIC COMPENSATION AND THE PRINCIPLE OF VALUATION OF HUMAN WORK IN BRAZIL Beatriz Vessoni de Mendonça1 Lourival José de Oliveira2 RESUMO O presente trabalho fez uma abordagem do tema remuneração estratégica no desenvolvimento do trabalho na sociedade atual, de forma que, para se chegar ao resultado pretendido, focou-se, primeiramente, no princípio da valorização do trabalho humano. Constatou-se que os baixos valores pagos aos trabalhadores no Brasil é um dos fatores de insatisfação no trabalho. Ao mesmo tempo, também foi identificado que as empresas estão empregando meios e ou procedimentos para estimular a produção e, por conta disso, os trabalhadores, através de “estratégias” de pagamento, poderão demonstrar mais eficiência no sentido de “estimulá-los” a obterem maior produtividade. Através destes novos procedimentos remuneratórios, aqui chamados de “estratégias” de remuneração, criou-se uma competição entre os trabalhadores dentro da própria organização empresarial. O objeto principal do presente estudo foi saber, até que ponto, procedimentos desta natureza efetivamente estão em harmonia com a valorização do trabalho humano ou se estes procedimentos podem resultar em mais um fator para a sua precariedade. A questão principal é buscar um meio em que as variadas formas de remuneração estratégica possam também atender o princípio da valorização do trabalho humano. Adotou-se o método dedutivo, com pesquisas bibliográficas. Palavras-chave: Precarização do trabalho; Remuneração estratégica; Valorização do trabalho humano. Bacharel em Direito, advogada em Assis/SP e Mestrando em Direito Empresarial pela UNIMAR. e-mail: [email protected] 2 Doutor em Direito das Relações sociais (PUC-SP). Docente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília; Docente do Curso de Graduação da Universidade Estadual de Londrina; Docente e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Paranaense; advogado em Londrina. 1 9 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ABSTRACT This paper made a strategic approach to the subject in the development of labor remuneration in the current society, so that to reach the desired outcome focused primarily on the principle of recovery of human labor. It was found that low amounts paid to workers in Brazil is one of the factors of job dissatisfaction. At the same time it was also identified that companies are employing means or procedures and to stimulate production and because of that the workers, through “strategies” for payment, may prove more efficient in order to “encourage” them to achieve greater productivity. Through these new remuneration procedures, here called ‘strategies’ compensation, it created a competition between workers within the business organization. The main object of this study was to what extent procedures of this nature are effectively in line with the valuation of human work or if this can result in over a factor for their instability. The main issue is to find a way in which the various forms of strategic compensation can also meet the principle of recovery of human labor. We adopted the deductive method with literature searches. Kew-words: Precarious work; Strategic compensation; Valuation of human work. 1 INTRODUÇÃO A proposta desse trabalho foi de apresentar os produtos da remuneração estratégica na formação e no desenvolvimento do trabalho na sociedade atual. Para tanto, foram abordados os vários sistemas de remuneração estratégica existentes até o momento e, ao mesmo tempo, buscou-se fazer um paralelo com o princípio constitucional da valorização do trabalho humano e a função social da empresa, que ao mesmo tempo se constituem em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme se encontra esculpido no artigo 1º, inciso IV, do mesmo texto. Pagamentos feitos em decorrência da prestação de trabalho podem gerar insatisfação para os trabalhadores e constituem um poderoso desestimulante que coloca em risco a eficácia e a eficiência de uma organização empresarial. Neste trabalho, pretende-se resgatar, por intermédio da combinação escrita de diferentes autores e das experiências de organizações produtivas, a importância da realização da valorização do trabalho humano, para que seja atingido o princípio maior, que é a dignidade da pessoa humana, fazendo um corte e realizando estudos especificamente na questão da remuneração, aqui denominada de remuneração ou remunerações estratégicas. 10 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Antes de adentrar respectivamente no assunto, foi feita uma retrospectiva do que seria trabalho, sua origem histórica e evolução, mostrando a sua inexorável complexidade, além de suas diversas formas de remuneração, sempre no intuito de contextualizar o objeto aqui em estudo, de forma a poder apresentar proposições concretas através de um estudo paralelo entre os resultados produzidos pelas variadas formas de remuneração estratégica e a valorização do trabalho humano. É possível constatar que as organizações se modernizam com extrema rapidez e com elas, as formas de produzir produtos ou serviços. Esta modernização é resultado daquilo que se passou a chamar de globalização, que diga-se, possui um conceito multidisciplinar. Dentro deste contexto, é comum também encontrar várias formas de estímulo à maior rapidez (velocidade) na realização de tarefas que são realizadas pelos empregados, como forma de obterse o incremento da produção e, como resultado, uma maior competitividade empresarial através, principalmente, da redução dos custos operacionais. Acontece que, pensar-se na remuneração do trabalhador em grandes organizações significa estabelecer a primeira premissa que deve nortear o referido estudo. Ou seja, que a remuneração deva estar acompanhada com os objetivos e necessidade da empresa e também deve proporcionar a valorização do trabalho humano. Não é possível que os meios ou métodos de remuneração estratégicos possam priorizar o aumento da produção e de outra ordem produzir a precarização do trabalho humano. Sem essa associação, pode resultar em formas de remuneração estratégica inconstitucionais, considerando a sua contrariedade aos princípios contidos, principalmente, no artigo 170, da Constituição Federal. Outro ponto que necessita ser abordado para o presente estudo é a função social da empresa, ou seja, a empresa produtora de bens e sua obrigação de realização da chamada função social. Trata-se de promover os valores contidos no ordenamento jurídico, os princípios constitucionais em relação ao trabalho humano e a função social da propriedade, previsto no Art. 170, da Constituição Federal. O trabalho que ora se apresenta foi elaborado utilizando-se o método dedutivo. Enquanto meios de pesquisa, foram utilizadas obras jurídicas das áreas de Direito do Trabalho, Direito Administrativo e Direito Constitucional, comportando também pesquisas em obras específicas da administração empresarial e sociologia, principalmente, de forma a compor um estudo multidisciplinar. 11 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO 2 A HISTÓRIA DA REMUNERAÇÃO Neste primeiro item, procurar-se-á demonstrar que a remuneração no Brasil adotou vários critérios de valoração do trabalho do empregado, a ponto de serem criadas várias espécies de remuneração, que, em muitas situações, apresentam-se de forma compartimentadas, que ora buscam garantir ao empregado uma retribuição pelo trabalho prestado no sentido de trabalho e, muitas vezes, como uma espécie de “indenização” pelos malefícios causados a ele, em razão do trabalho prestado. A remuneração, ao lado de outras questões como a jornada de trabalho e o próprio ambiente de trabalho, ocupou posição fundamental no estudo da relação de emprego. Na Roma antiga, era costume pagar aos domésticos com sal, sendo também este o pagamento que se fazia às legiões romanas, para que os soldados comprassem comida. A palavra salário deriva do latim salarium, e este de sal (sal, salis; em grego, hals). Em grego, por sua vez, a palavra salário traduz-se por merced, isto é, prêmio ao trabalho – míodos, composto de mísos (ódio) e íodos (afastar, afugentar), pois que, por meio da merced recebida, os escravos, dedicados ao trabalho material, reconciliavam-se com os seus senhores (VIANA, 1997, p. 1. apud PORTO, 2009). Antes de a humanidade inventar a moeda, a remuneração do trabalho humano era feita com mercadorias, como carneiro, porco, sal e peles. A palavra salário, aliás, surgiu a partir da porção de sal que era dada como pagamento aos soldados na Roma antiga. Ao descobrir que o sal, além de ajudar na cicatrização, servia para conservar e dar sabor à comida, os romanos passaram a considerá-lo um alimento divino, uma dádiva de Salus, a deusa da saúde. A ideia de que o trabalho deveria ser remunerado era inexistente. Na Idade Média, os servos, em busca de proteção, cultivavam a terra dos nobres, recebendo em troca apenas a possibilidade de tirar dela seu sustento. Mais tarde, com a criação das corporações de ofício, trabalhadores livres vendiam no mercado os produtos que produziam. O salário como remuneração que o trabalhador recebe pelo tempo e esforço gastos na produção de bens e serviços surgiu só na segunda metade do século 14, época marcada pelo declínio do poder feudal e pelo desenvolvimento de fortes nações-estado. (SALÁRIO, 1987) O vocábulo remuneração também é de origem latina: vem de remuneratio, do verbo remuneror, composto do re (ligado à reciprocidade) e 12 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO de muneror (recompensar). Trata-se de verbo derivado do substantivo múnus, muneris (atributo, presente). Rudolf von Jhering sustenta que a palavra remuneratio foi usada pelos romanos em contraposição à merced, que retribuía o trabalho exclusivamente manual (VIANA, 1997, p.1 apud PORTO, 2009). A função primordial da remuneração é servir de contraprestação ao empregado pelo trabalho prestado, ou seja, proporcionando a ele a dignidade e fazendo com que trabalho, em contrapartida, receba a remuneração por seus préstimos dados a um determinado trabalho exercido. A respeito da história da remuneração, pode-se afirmar que ela teve seu início nos modelos americanos e que, na década de 40, chegam ao Brasil as primeiras técnicas a serem aplicadas nas empresas governamentais. (SISTEMAS, 2008). Ainda há que se ressaltar que, nos anos 60 e 70, no Brasil, o modelo tido como de administração salarial passou a ser mais conhecida e utilizada nas empresas multinacionais. (SISTEMAS, 2008). Na doutrina, é possível identificar ao menos três conceitos básicos de remuneração a respeito, os quais seriam: remuneração como sinônimo de salário; remuneração como gênero das parcelas contraprestativas, sendo o salário a espécie mais importante; remuneração como somatório do salário, mais as gorjetas. Para essa terceira corrente, a CLT definiu o salário com base na origem da parcela contributiva, sendo o conjunto de parcelas devidas e pagas diretamente pelo empregador (arts. 29, §1º, 76 e 457, caput, CLT), ao passo que as gorjetas são pagas por terceiros (PORTO, 2009). Do terceiro conceito acima exposto, desenvolveram-se duas correntes. Tendo sua primeira vertente, muito importante no passado, entendeu-se que “remuneração” foi a fórmula utilizada pela CLT para incluir as gorjetas habituais na base de cálculo do salário, para fazê-las incidir nas demais parcelas salariais (13º salário, férias e respectiva gratificação de 1/3, adicionais calculados sobre o salário contratual, horas-extras, repouso semanal remunerado, aviso-prévio, FGTS e multa de 40%, etc.) (PORTO, 2009). A segunda vertente defende que a CLT, em seus arts. 76 e 457, caput, criou dois tipos legais distintos: o salário, pago diretamente pelo empregador, e a remuneração, paga diretamente por terceiros. Assim, as parcelas remuneratórias, como as gorjetas, não produzem efeitos próprios às parcelas salariais (v.g., não compõem o salário mínimo legal), nem integram o salário contratual do empregado, não produzindo, portanto, reflexos em outras parcelas. Nesse sentido é a Súmula n. 354 do TST, in verbis: [...] as gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração 13 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado (BRASIL, 2003). Todavia, para alguns cálculos, deve-se levar em conta a média das gorjetas habituais, como o recolhimento previdenciário (a estimativa das gorjetas deve, inclusive, ser anotada na CTPS – art. 29, §1º, da CLT), os depósitos do FGTS (o art. 15 da Lei n. 8036/90 fala em “remuneração” e menciona expressamente o art. 457 da CLT, o qual, ao definir a remuneração, inclui aí as gorjetas), 13º salário (as Leis n. 4090/62 e n. 4749/65 mencionam a remuneração do mês de dezembro como base de cálculo dessa parcela salarial). A segunda vertente, em contraponto à primeira, leva à diminuição da contraprestação paga ao empregado que recebe gorjetas habituais, pois estas produzem menos reflexos. Todavia, abre caminho para uma outra interpretação: se a remuneração é o conjunto das parcelas pagas por terceiros, ela incluiria, não somente as gorjetas, mas outras verbas (honorários advocatícios do advogado empregado, participação em publicidade paga por terceiro, habitualmente recebida por atleta ou artista), que teriam reflexos nos depósitos FGTS, no 13º salário e no recolhimento previdenciário. A crítica que é feita a essa interpretação tem a ver com o art. 457 da CLT, que, ao definir a remuneração, menciona somente as gorjetas, não dando espaço para a inclusão de outras verbas (PORTO, 2009). Por outro lado, também é possível identificar, no sistema brasileiro de pagamento das remunerações, outros indicativos que merecem estudo. Trata-se dos valores pagos a título de adicionais, como por exemplo, os adicionais de insalubridade e periculosidade, que prima face buscam coibir o empregador da prática ou utilização de locais impróprios para o trabalho e, ao mesmo tempo, buscam repor ao empregado os malefícios resultantes do trabalho em condições insalubres ou perigosas, o que de fato nem um nem outro dos objetivos são alcançados, considerando o valores que são pagos sob este título. De outra sorte, tem-se também os valores pagos como contraprestação do trabalho prestado que levam o nome de gratificações, adicionais de produtividade, prêmios, que, de certa forma, querem estimular a produtividade, assiduidade, as responsabilidades excedentes assumidas pelo empregado, no contexto organizacional. Conclui-se, assim, que o sistema brasileiro de remuneração apresenta, há décadas, variadas formas de remuneração do empregado pelo seu trabalho prestado, com “fatos geradores” distintos, a ponto de criar um verdadeiro emaranhado de designações de valores pagos ao empregado, os quais irão compor ao final o todo, que é frequentemente chamado de remuneração. Neste 14 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO diapasão, é possível afirmar que no Brasil, praticamente desde os primórdios da Consolidação das Leis do Trabalho (1943), já vem sendo adotada de certa forma aquilo que passou a ser denominado de “remuneração estratégica”. Não obstante, no próximo item, buscar-se-á aprofundar os estudos no conceito de “remuneração estratégica”, enquanto ponto de partida para o desenvolvimento das proposições que aqui se pretende apresentar. 3 CONCEITO E OBJETO DA REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA Neste segundo item, abordar-se-á a respeito do conceito de remuneração estratégica e o seu objeto. Para tanto, a remuneração estratégica, como foi dito, já vem sendo usada há muito tempo, mas foi recentemente que tomou por conceito remuneração estratégica, uma vez que faz uma abordagem de vários tipos de remuneração, que logo mais serão tratados. De alguns anos para cá, diante da competição crescente, os empresários têm tentado incessantemente modernizar suas empresas. Essa tentativa de modernização tornou-se um desafio, no sentido de descobrir novos elementos ou estratégias para aumentar o lucro da empresa e seus acionistas. Com isso, a própria criação de valor tornou-se uma preocupação, não apenas para os altos executivos, mas também a todos os demais membros da organização. Sendo assim, a remuneração estratégica é um conjunto de diferentes maneiras para remunerar os funcionários, representando um elo entre os trabalhadores e a nova realidade das organizações. A remuneração estratégica deve considerar todo o contexto em que a organização está inserida, levandose em conta as suas características e planejamentos atuais e futuros. Os empregados sentem-se mais valorizados e melhor remunerados, maximizando a sua contribuição individual para o sucesso da organização e cumprimento das metas estabelecidas (WOOD, PICARELLI, 1999). Contudo, esta afirmativa deve ser apresentada na condicional, uma vez que o resultado poderá ser inverso. Para os estudiosos Wood e Picarelli (1999, p. 44), a definição de remuneração estratégica é uma ponte entre os indivíduos e a nova realidade das organizações, ou seja, primeiramente no sentido de considerar todo o contexto organizacional, levando-se em conta as grandes categorias que dão forma e conteúdo à empresa, a estratégia, a estrutura e o estilo gerencial. O ideal principal a ser atingido através da remuneração estratégica é remunerar os trabalhadores de acordo com a sua contribuição para a organização empresarial, de forma a atingir os objetivos da mesma organização, levando-se em conta o cargo ocupado pelo trabalhador, à forma de produzir e outros elementos que fazem parte do próprio método de produzir. Além das características acima citadas, um projeto de remuneração estratégica também 15 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO engloba os conhecimentos do trabalhador, as suas habilidades, as competências, o desempenho e os resultados (WOOD, PICARELLI, 1999). Ainda definindo a remuneração estratégica: A remuneração estratégica é também um catalisador para a convergência de energias na organização. À medida que o sistema de remuneração é alinhado ao contexto e à estratégia da empresa, constitui fator de harmonização de interesses, ajudando a gerar consensus e atuando como alavanca de resultados (WOOD, PICARELLI, 1999, p. 45). Segundo Marras (2012, p. 23) um plano de remuneração estratégica seria: Denomina-se remuneração estratégica aquela que representa um modelo de compensação que permite premiar aqueles empregados da empresa que, por uma razão ou por outra, se destacaram dos demais num determinado período. Essa afirmativa considera, portanto, que a remuneração estratégica faz com que os empregados passem a ser considerados em concordância a um conjunto de fatores que possuem e que podem influenciar diretamente nos resultados oferecidos à companhia. Faz-se necessária a compreensão de que as bases da remuneração estratégica servem para qualquer modelo que for aplicada. Passará pelo desempenho do trabalhador e também por um conjunto de três fatores indispensáveis para que a organização assim o implante. Deve-se ter conhecimento, habilidade e atitude, ou seja, os resultados desses fatores resultam no comportamento do trabalhador, traduzido em termos de resultados esperados. Assim, o trabalhador será avaliado pela organização por meio de um sistema de remuneração estratégica que lhe dará, como recompensa pela sua contribuição produtiva, no caso, sendo positiva, um acréscimo em seus ganhos econômicos (MARRAS J, MARRAS, 2012, p. 25). Remuneração é sempre um assunto que normalmente é tratado pela alta direção e um ponto de atenção para conselheiros e acionistas. Portanto, é extremamente importante que esse assunto não esteja relegado a apenas um grupo de especialistas que domina a metodologia de cargos e salários, mas sim, ser pauta obrigatória da área de gestão de pessoas, que tenha como pretensão ser tratada como área estratégica (TENDÊNCIA, 2013). Nesta seara, as empresas precisam ter flexibilidade e pensar de modo estratégico para administrar seu pacote de remuneração monetária e de recompensas não monetárias neste tipo de ambiente, como flexibilizar 16 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO a administração salarial, manter os níveis de remuneração alinhados com a inflação, enxergar além dos índices formais de inflação, observar o mercado, tornar-se inovador, utilizando-se de ferramentas alternativas de retenção, estudar reajustes salariais múltiplos anuais, considerar o aumento do custo de benefícios, intensificar os programas de comunicação ao empregado, em linhas gerais, esteja preparada para “o dia seguinte”, buscar a vantagem competitiva”. (TENDÊNCIA, 2013 ) A partir desse conceito de remuneração estratégica, foi criado o sistema de remuneração estratégica, que nada mais é que uma forma ou instrumento para equilibrar as diferentes fontes de remuneração. Desta forma, pode-se concluir que a remuneração estratégica é o estudo, a construção de ferramentas que auxiliam as empresas a desenhar e implementar um modelo de remuneração alinhado à geração de valor aos negócios que motivam os colaboradores a atingirem os resultados desejados, a partir de alguns pressupostos, como a definição do pacote de remuneração de acordo com as necessidades da organização e de seus colaboradores, a segmentação da solução para os diferentes tipos de colaboradores que a organização necessita e a motivação dos colaboradores para atingir as metas e objetivos da organização (WOOD, PICARELLI, 1999, p. 45). Após apresentado o conceito de remuneração estratégica, no próximo item, será feita uma abordagem dos vários sistemas que a compõem. 4 SISTEMAS DE REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA Acompanhando as grandes e rápidas transformações que as empresas vêm sofrendo, ou seja, mudanças significativas, tanto na automação, quanto na multifuncionalidade, é correto afirmar que as formas de remunerar sofrem diretamente as mesmas transformações. Para que as empresas se tornem cada vez mais ágeis, competitivas e com lucros cada vez maiores, há de se pensar no fundamental, o qual seja o trabalhador, e para isso as diversas formas de remuneração estratégica estão presentes para fazer com que o trabalhador possa se doar integralmente à empresa e assim a empresa o remunerar de “forma justa”, obtendo-se como resultado, a satisfação de ambas as partes. Pelo menos este é o objetivo que ideologicamente justifica a remuneração estratégica, da forma como hoje ela está sendo empregada. Para dar continuidade ao presente estudo, no intuito de localizar o leitor de forma mais detalhada nas variadas formas de remuneração estratégica, vale apreender algumas espécies. A Remuneração Funcional é comumente conhecida popularmente como Plano de Cargos e Salários (PCS), e trata-se de um dos sistemas mais 17 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO tradicionais e o mais praticado nas empresas. É conhecido nas grandes empresas que a utilizam como o procedimento que tende ao conservadorismo e à inércia. Já a remuneração por habilidade é mais empregada ao nível operacional das empresas, como manufatura e atendimento a clientes e é determinada pela formação e capacitação dos funcionários, onde desloca o foco do cargo ou função para o trabalhador, de forma que as habilidades ou os blocos de habilidades passam a determinar a base da remuneração. Com a implantação da remuneração por habilidades, o sistema tradicional, que visa avaliar e remunerar o cargo, deixa de ser considerado, passando a ser avaliado o que o funcionário é capaz de desenvolver (WOOD, PICARELLI, 1999, p. 45). Outra forma ainda seria remuneração por competências, que é determinada pela formação e qualificação do empregado, e difere, porém, da remuneração por habilidades, por ser mais adequada ao nível gerencial. Assim, desloca o foco da empresa para o trabalhador, incentivando o desenvolvimento do empregado. Vale aqui citar, também, que o salário indireto é conhecido como um conjunto de benefícios e outras vantagens que são oferecidos pelas empresas aos seus empregados, representando uma considerável parcela da remuneração total. Na forma mais tradicional, os benefícios variam de acordo com o nível hierárquico. Na forma flexibilizada, cada colaborador escolhe o “pacote” de benefícios, de acordo com suas necessidades e preferências, a partir das alternativas disponíveis. A flexibilização maximiza o investimento da empresa em benefícios, proporcionando uma alocação mais racional de recursos e um aumento do valor percebido pelo colaborador. Os mais comuns são: automóveis, assistência médica e odontológica, previdência privada, transportes, creches etc. (WOOD, PICARELLI, 1999, p. 45). Os planos privados de aposentadoria também contribuem para a valorização do compromisso de longo prazo entre empresa e empregados, em que o crescimento dos fundos de pensão relaciona-se diretamente à disseminação dos sistemas de previdência privada. É uma forma complementar de remuneração, que tem atraído a atenção de empresários e executivos (WOOD, PICARELLI, 1999, p. 45). No caso da participação acionária, muitas das vezes sendo usada como alternativa à participação dos lucros da empresa é vinculada a objetivos de lucratividade da empresa e utilizada para reforçar o compromisso de longo prazo entre empresa e colaboradores. As alternativas criativas são prêmios, gratificações e outras formas de reconhecimento, homenagens em público e títulos honorários. Estas formas têm 18 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO sido utilizadas como apoio no esforço de construir um ambiente organizacional, caracterizado pela convergência de esforços e energias voltados para o atendimento de objetivos estratégicos da organização (WOOD, PICARELLI, 1999, p. 46). Finalmente, tem-se a remuneração variável, que é o conjunto de diferentes formas de recompensa oferecidas aos empregados, complementando a remuneração fixa e atrelando fatores como atitudes, desempenho e outros, com o valor percebido. Remuneração por resultados e participação acionária são duas formas de remuneração variável e estão vinculadas ao desempenho. O desempenho individual pode ser recompensado por incentivos e prêmios e o desempenho da equipe pode ser reconhecido através de remuneração por resultados. Os objetivos da remuneração variável são: criação de vínculos entre o desempenho e a recompensa, compartilhamento dos resultados da empresa e transformação do custo fixo em variável (WOOD, PICARELLI, 1999, p. 46). No conjunto, fica claro observar que, a cada uma das formas de remuneração estratégica, tem-se um elemento específico para a sua formação ou incidência que, de certa forma, acaba explicando o seu emprego ou utilização, criando vários “modelos” de mensuração na retribuição do valor do trabalho dispendido pelo empregado. Também é possível afirmar que, praticamente todas as formas alinham-se na busca do resultado produtividade, que dentro de um contexto organizacional, também pode ser explicado pelo fator redução do custo da produção. A questão que será abordada no item seguinte gira em torno de saber se as formas de remuneração aqui estabelecidas harmonizam-se com o princípio da valorização do trabalho humano, que se trata do ponto nuclear deste estudo. 5 REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA E O RESPEITO AO PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Cabe aqui tratar a respeito da remuneração estratégica e as suas principais regras ou, no caso, em que ponto que ela e o princípio da valorização do trabalho humano encontram-se e harmonizam-se. Para tanto, será feita uma abordagem no presente artigo para, ao final, fazer a comparação. A valorização do trabalho humano é tratada como um dos temas basilares da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1, inciso IV, a respeito da valorização do trabalho e a livre iniciativa. Adiante, o trabalho também vem descrito no Art. 6º, e logo em seguida, como um dos direitos sociais. Por sua vez, o Art. 7º apresenta os direitos dos trabalhadores constitucionalmente previstos, com a finalidade de salvaguardá-los. 19 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Uma vez que se trata o trabalho como imposição para que se possa atingir os meios necessários de subsistência, podendo, assim, satisfazer às necessidades vitais para a dignidade humana em sociedade, o legislador constituinte atribuiu tamanha relevância para a valorização do trabalho humano. É no capítulo destinado aos princípios gerais da atividade econômica que o trabalho humano ganha sua maior ênfase constitucional, justamente no Art. 170, caput, em que a valorização do trabalho humano vem emparelhada com a livre iniciativa. A liberdade dos agentes econômicos para atuarem no mercado deverá ser exercida de forma que se valorize o trabalho humano. A valorização do trabalho humano, segundo BARBOSA (2003, p. 205): [...] aponta que o trabalho na Antiguidade não era considerado digno, sendo desempenhado pelos menos favorecidos, já que os nobres não deveriam se envolver em atividades consideradas tão baixas. Somente no período Medieval esse conceito sofreu modificações, em face do Cristianismo, passando a ser vislumbrado como um vetor contributivo da dignidade. Seguindo o princípio da valorização do trabalho humano, GRAU (2012, p. 197), no entanto, conceitua da seguinte forma: Valorização do trabalho humano e reconhecimento do valor social do trabalho consubstanciam cláusulas principiológicas que, ao par de firmarem compatibilização – conciliação e composição – a que acima refere, portam em si evidentes potencialidades transformadoras, em sua interação com os demais princípios contemplados no texto constitucional. O artigo 170, da Constituição Federal, ao tratar da ordem econômica, estabeleceu que deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa. Pode-se notar que o valor do trabalho humano é consagrado e deve ser extremamente valorizado; por conta disso, muitos doutrinadores dizem que os valores do trabalho humano sobressaem-se, em consideração aos valores econômicos. A Constituição Federal de 1988 consagra da maneira mais natural e excepcional o homem, no caso, o valor do trabalho humano. Ficou bem evidente que o constituinte pretendeu valorizar a força de trabalho do trabalhador brasileiro, como direito fundamental uma vez que veio de um passado escravista. E por ser a Constituição Federal de 1988 democrática, respeita e valoriza acima de qualquer outra norma, o ser humano e, nesse caso específico, o valor do trabalho humano. 20 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Nas palavras de SILVA (1999, p. 766): [...] embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado, na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil. (grifo nosso) Com isso, ao passo que o Estado deve preocupar-se com a criação de políticas econômicas, deverá, conjuntamente, preocupar-se com o trabalho digno, através do cumprimento dos princípios elencados no mesmo artigo 170, da Constituição Federal, destacando-se, dentre eles, o pleno emprego. Nesse sentido, o Estado moderno deve regular a ordem econômica e social, de maneira que sejam respeitados os princípios de justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho, como condição da dignidade humana (SUSSEKIND, 2002, p. 200). Com a industrialização e a grande tecnologia de ponta usada hoje, os agentes econômicos sempre tentam reduzir as despesas ao máximo, buscando um custo de produção cada vez menor. Com isso, acabam por reduzir não só as despesas, mas também deixam à margem do vínculo de emprego, boa parte da população em plena capacidade laboral. Desta forma, faz-se mister a valorização do trabalho humano, que, se por um lado, traz as benesses da justiça social, gerando mais e melhores empregos, também fortalece a economia, ao passo que reinsere no mercado de consumo os trabalhadores, que são consumidores em potencial. A valorização do trabalho humano aborda duas situações. Primeiramente, deve se entender como oferecimento de mais trabalho com qualidade (digno), ou seja, mais postos de trabalho e em segundo, que seja construído um conjunto de situações que proporcionem melhores condições de trabalho, fazendo com que repercuta de forma positiva na vida do trabalhador, resultando, principalmente, na redução das desigualdades sociais. Para Oliveira (2011, p. 24), a valorização do trabalho é conceituada: Como se valoriza o trabalho? Em um primeiro momento, através da geração de mais postos de trabalho; havendo um melhor trabalho com mais satisfação, com menos riscos, com mais criatividade, com participação de quem trabalha no gerenciamento empresarial, sem discriminação; por meio de uma melhor retribuição, com a 21 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO efetivação dos direitos sociais consubstanciados nos arts. 6 a 11 da CF; e, uma efetiva política pública de qualificação da mão de obra, capacitando criativamente o ser humano. (grifo nosso). Partindo do mesmo conceito, ficou de forma bem clara e abrangente, a possibilidade do respeito ao sistema de remuneração estratégica, de acordo com a forma em que for empregado, vir a atender o objetivo constitucional sobre a necessidade de valorização do trabalho humano. Nota-se que a partir deste momento do estudo, procurar-se-á fazer uma ponte entre o princípio da valorização do trabalho humano e a remuneração estratégica. A empresa precisa exercer, de forma necessária e obrigacional, o trato com o trabalho humano, enquanto um valor social e não puramente econômico, o que significa avançar no sentido e evoluir de um tratamento puramente enquanto mercadoria, de fácil substituição ou descarte e apreendendo-o como necessário para a atividade econômica, considerando-se, principalmente, as várias formas de remunerá-lo. Em outras palavras, é possível fazer uma leitura, a partir das variadas formas de remuneração, sobre a condição em que o trabalho humano está sedo concebido. Quer dizer, se ele está sendo tratado como simples mercadoria ou como valor social. Em relação à valorização do trabalho humano, esta tem como finalidade proporcionar ao ser humano um trabalho que lhe resulte em orgulho na sua realização. Que proporcione prazer, de forma que o trabalhador realmente sinta-se bem ao iniciar o labor. Desta forma, o trabalho transcende à condição de requisito necessário à sobrevivência e passa a ser condição necessária à dignidade humana. Com isso, a remuneração estratégica, compreendida dentro deste contexto, deverá estar voltada a atender as necessidades do trabalhador, como forma de valorizálo, incentivá-lo e motivá-lo a exercer seu labor de forma gratificante, sem desmerecer que, dentro do modo capitalista de produção, deverá também contribuir positivamente para a geração do lucro empresarial. Sob este ponto de vista, ambos saem vencedores, tanto a empresa, reduzindo custos e obtendo lucros, quanto o trabalhador, trabalhando-se de forma valorada socialmente, considerando que os resultados da atividade empresarial estará atendendo os objetivos constitucionais consubstanciados em especial no artigo 3º da Constituição Federal. O ambiente organizacional, que guarda um sistema de remuneração estratégica adequada com os objetivos constitucionais, estará voltado para o investimento no desenvolvimento das potencialidades dos trabalhadores, considerando que o investimento social empresarial é o fator diferenciador 22 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO entre as atividades puramente lucrativas e aquelas que atendem aos princípios da ordem econômica. Em se falando de valorização do trabalho humano, deve ser considerada uma outra variável a complementar a remuneração dos trabalhadores, ou seja, a variável volitiva. Portanto, segundo Marras, a variável volitiva é aquela que permitirá ao homem realmente realizar aquilo que se propõe a fazer. É o desejo interno de fazer. É a vontade intrínseca de realizar um feito (MARRAS J., MARRA P., 2012, p. 27). Ainda segundo esse pensamento, para que algo seja feito, realizado, é preciso que o trabalhador tenha o conhecimento suficiente para assim fazê-lo. Apenas o conhecimento não basta, ou seja, ter o poder de saber para executar. É necessário e fundamental que se tenha a vontade de fazer. Melhor explicando, é essencial neste pensamento aqui demonstrado de remuneração estratégica e valorização do trabalho humano, que exista a vontade do trabalhador, no sentido que ele queira fazer. Trata-se da variável volitiva, na qual o trabalhador deve desejar fazer o trabalho, tenha vontade própria e não o dever. Com isso, fica bem evidente que o trabalhador, em seu íntimo, terá o desejo de realizar determinado trabalho. Que esse seja um desejo seu e não uma ordem do superior hierárquico, ou melhor dizendo, que caminhe junto, como complemento, para obter-se a valorização do trabalho humano. O labor exercido pelo trabalhador é essencial para a efetivação da justiça social e, sendo assim, faz-se necessária a intervenção do Estado na relação entre trabalhadores e agentes econômicos, pois a parte mais fraca, embora em maior número, vê-se submetida ao domínio do capital, o que significa que a liberdade de mercado, sem a intervenção do Estado, pode produzir uma situação em que o trabalho passe a ser entendido apenas como um fator de produção, trazendo como consequência, a sua desumanização (MORAES, 2014, p. 56). No item seguinte, será feita uma abordagem no tocante à remuneração estratégica e a função social da empresa, no momento em que ambas devem estar em sintonia, a fim de proporcionar o fim social para a empresa e o valor agregado ao trabalhador. 6 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E OS NOVOS SISTEMAS DE REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA O objetivo deste item é estudar o papel desempenhado pelas empresas na realização das atividades pelo trabalhador, relacionadas com a prestação dos direitos sociais que, por fim, almejam realizar, de fato, a função social empresarial. 23 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Para tanto, será traçado um breve histórico do desenvolvimento da empresa e da disciplina normativa de suas atividades e analisada a relação remunerações estratégicas empreendidas e os valores e ou princípios constitucionais dirigidos à valorização do trabalho humano. Através de um breve relato histórico produzido pelo antigo Direito Comercial, a empresa passou por quatro fases, sendo que a primeira delas foi uma fase primitiva (escambo de mercadorias); na segunda fase, foi chamada de corporativa (corporações de artesãos e feiras), e a terceira, chamada de mercantil (direito comercial como antes conhecido). Atualmente, localiza-se a fase empresarial (PEREIRA, 2014). Hoje, com o advento do Novo Código Civil - Lei 10.406 de 10/01/2002, a essência mudou. O empresário de hoje não é mais concebido como pessoa que explora a atividade econômica. Tornou-se agente social, ou seja, deve realizar a atividade econômica norteado pelos princípios de valores sociais e individuais, nesse caso, consciente da função social que deve margear qualquer ação empreendedora. Para tanto, conforme já foi defendido no item anterior, e agora parafraseando Roberto Grau, é imprescindível a intervenção do Estado. Em outras palavras, constitui em intervenção estatal na economia por direção, na classificação de GRAU (2012, p. 162-163), que: […] consiste na edição de normas de comandos imperativos, de observância obrigatória e necessária. […] é o Direito um nível de realidade social. Mais não é preciso considerar para que se comprove a insuficiência da ideologia estática da interpretação jurídica e do pensamento voltados ao legislador. A realidade social é o presente; o presente é a vida – e a vida é movimento. […] A constituição é um dinamismo […] assim o significando válido dos princípios é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. (grifo nosso). Com relação ao princípio da função social da empresa, o mesmo deve ser estendido à atividade econômica. Assim, faz-se necessário que a empresa, no exercício de suas funções, exerça a liberdade de iniciativa e a livre concorrência e que estes princípios estejam em contrapartida ligados com os valores fundamentais da dignidade da pessoa humana, do trabalho e da solidariedade. A Constituição Federal, ao assegurar a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, garantindo assim o exercício da empresa, impõe o dever de observar a função social da propriedade, e no caso aqui abordado, inclui-se a remuneração estratégica. Para as empresas que aderem à remuneração estratégica e atingem de forma completa a função social da empresa, seu principal ganho é envolver 24 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO funcionários na atividade empresarial. O referido envolvimento pode ganhar concretude, a partir do momento em que os trabalhadores participem diretamente da organização empresarial, de forma a compor a organização. A finalidade da remuneração estratégica, conjuntamente com o princípio da função social da empresa, entrelaça-se no ponto em que o conjunto composto pela remuneração fixa, somada a ganhos extras e benefícios, têm de vir acompanhados também das metas econômicas estabelecidas pela empresa, sem que o segundo se sobreponha ao primeiro. Na relação organizacional da empresa é interessante que, quanto mais as pessoas estiverem envolvidas nos processos de produção, melhores serão os resultados. Além do ganho financeiro, os empregados sentem-se parte das conquistas das organizações (SMITH, 2014). A questão principal, dentro da análise que se encontra em desenvolvimento e já apresentada neste estudo, é o fato das remunerações estratégicas hoje implantadas no Brasil priorizarem o indivíduo, ou seja, a pessoa do trabalhador, fazendo com que se formem processos de concorrência entre trabalhadores atuando na mesma empresa. A forma integrativa organizacional, que atenderia os princípios constitucionais da função social da empresa, valorização do trabalho humano, através da construção de um meio ambiente empresarial digno, não está acontecendo. Os planos de metas individuais estabelecidos, com a forma de retribuição salarial por produção, simplesmente espanam as possibilidades do alcance a qualquer um dos resultados empresariais estabelecidos constitucionalmente. Em outras palavras, trata-se de uma metodologia ou procedimento que dissocia, desarticula, coloca fim a qualquer forma organizacional de trabalhadores, restringindo-se assim o plano coletivo e por outro lado, compondo uma premissa que está se formando de forma inversa às matrizes de valorização do trabalho humano. Sem se afastar da individualidade de cada trabalhador, quer seja pela sua capacidade de produzir, quer seja pela sua qualificação ou perfeição técnica, não é possível pensar a remuneração estratégica no campo individual, afastando-se do tratamento coletivo, o que significa levar em consideração o conjunto dos trabalhadores de determinada empresa. Também, não é possível pensar em formas de remuneração estratégicas sem que seja considerada a integração dos trabalhadores nas atividades empresariais. Em descompasso com as duas premissas aqui apresentadas, com certeza, o que será apresentado são formas individuais de remuneração que não atenderá a função social da empresa, compondo uma base organizacional onde o trabalho humano não se constituirá em um dos principais objetivos a serem alcançados pela ordem econômica. 25 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO 7 CONCLUSÃO As organizações empresariais devem construir suas bases, restringindose aqui ao tema do presente estudo, que é a forma de remuneração do trabalho humano, levando-se em conta as finalidades constitucionais estabelecidas para a empresa, consubstanciadas na função social da propriedade, com vista a atingir a valorização do trabalho humano, enquanto condição necessária para obter a dignidade da pessoa humana. As remunerações estratégicas atualmente existentes na legislação infraconstitucional no Brasil, bem como em acordos coletivos e convenções coletivas de trabalho, principalmente, estão edificadas, levando-se em conta o trabalhador individualizado, considerando-se como formas de contraprestação pelo trabalho individualmente prestado à organização empresarial. Diante desta constatação, conclui-se que se faz necessária a mudança das matrizes ou formas de remuneração. Ou seja, priorizar para a construção dos procedimentos de remuneração estratégica a matriz coletiva, levando-se em conta o conjunto dos trabalhadores e ainda, que estas mesmas formas possam propiciar a participação efetiva dos trabalhadores nas atividades empresariais. Não pode ser desprezada a necessidade do lucro empresarial, considerando-se o modo de produção capitalista, que é onde se acham as organizações empresariais. Acontece que, constitucionalmente, a empresa passou a ser obrigada a realizar ou cumprir uma série de finalidades outras, que não se resume apenas no lucro. Também, a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano (artigo 170 da C.F.), o que significa que a matriz de remuneração dos empregados é um dos primeiros elementos ou premissa a ser reconstruído, sob pena de não se tornar possível atingir os fins constitucionais estabelecidos no artigo 3º da mesma carta. Descortina-se, então, a remuneração estratégica, enquanto um dos procedimentos ou forma, ou elemento que devem compor o contrato de trabalho de maneira coerente com os princípios da ordem econômica, enquanto requisito inarredável, para que, sobre ela, seja construída uma matriz empresarial organizacional ou uma nova relação de trabalho que efetivamente prime pela valorização do trabalho humano. A dignidade no trabalho deve ser iniciada a partir da forma constitucionalmente correta de remuneração do trabalho prestado. Não é possível tentar atender os objetivos constitucionais estabelecidos para a atividade empresarial sem que se construam procedimentos ou formas remuneratórias que levem em conta o coletivo, a participação direta dos trabalhadores na organização empresarial, o trabalho enquanto valor social e não apenas uma mercadoria. A partir da conclusão aqui formada, que ainda se encontra em um plano genérico, é possível analisar cada uma das propostas de remuneração e, de fato, propor mudanças em respeito aos ideários constitucionais que devem ser perseguidos. 26 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO REFERÊNCIAS ANDREOTTI, Paulo Antonio Brizzi, OLIVEIRA, Lourival José. DIGNIDADE NO TRABALHO E COMPETITIVIDADE EMPRESARIAL: NECESSIDADE DE CONSTRUIR UM SISTEMA DE VALORES COMPARTILHADOS. 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A tendência moderna em relação às relações de trabalho é a geração de um trabalho fragmentado, precário, voltado somente à sobrevivência humana, encontrando-se em desacordo com os princípios constitucionais e por sua vez com os direitos sociais que preveem um trabalho que possa contribuir com a redução das desigualdades sociais, com a emancipação do homem enquanto dando-lhe condições de expor sua criatividade e de localizar-se no meio social como agente realizador. O objeto do presente artigo foi estudar o significado da expressão trabalho livre em sua dimensão constitucional, enquanto sendo aquele trabalho que contrariando a lógica do mercado, é suficiente para proporcionar ao trabalhador não somente a sobrevivência mas uma vida construtiva, de valorização efetiva da pessoa humana. A crítica à lógica da produção deve ser capaz de criar mecanismos de intervenções nas relações de trabalho capazes de restabelecer a dignidade no trabalho. Esta crítica está incorporada aos princípios constitucionais, na medida em que o desenvolvimento econômico só se justifica a partir do momento em que o trabalho humano é valorizado, conforme ficou consignado no artigo 170 da Constituição Federal. Concluiu-se que a construção de formas de apropriação do trabalho pelo trabalhador, como no caso dos núcleos de trabalho e ou cooperativas de trabalho, onde aquele que trabalha consiga identificar o seu trabalho no produto realizado, pode se constituir em uma das alternativas na tentativa de resgatar a dignidade no trabalho, redesenhando uma nova estrutura social a partir de novas formas de organizações produtivas. Adotou-se o método dedutivo, com pesquisas bibliográficas em obras nacionais e estrangeiras. Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC-SP); Professor do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Marília; Integra o corpo docente das seguintes instituições: Universidade Estadual de Londrina; Universidade de Marília; Coordenador de Curso e docente da Faculdade Paranaense (FACCAR). Advogado em Londrina. Endereço eletrônico: lourival.oliveira40@ hotmail.com. 3 30 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Palavras chaves: avanço tecnológico; centralização do trabalho; dignidade no trabalho; humanização no trabalho. ABSTRACT Technological advances have imposed to man a new work routine, because of the greater intensity, with higher productivity and competitiveness, helping to reduce too much the possibility of the existence of a free time. The modern trend in relation to labor relations is generating a fragmented, precarious work, directed only to human survival, finding himself at odds with the constitutional principles, and turn to the social rights that provide a job that can contribute reducing social inequalities, with the emancipation of man while giving him conditions to expose their creativity and find yourself in the social environment as a director agent. The object of this Article the meaning of free labor in its constitutional dimension was studying, being the work that contradicting the logic of the market, is sufficient to provide the worker not only survival, but a constructive life, effectively valuing person human. The criticism of the logic of production must be able to create mechanisms for intervention in labor relations able to restore dignity at work. This criticism is incorporated into the constitutional principles, to the extent that economic development is only justified from the moment in which human labor is valued, as was enshrined in Article 170 of the Federal Constitution. It was concluded that the construction of forms of appropriation of work by the employee, as in the case of the working groups and labor unions, or, where that working can identify their work done on the product, can constitute an alternative in an attempt restore the dignity of work, redesigning a new social structure based on new forms of productive organizations. Adopted the deductive method, with bibliographical research in domestic and foreign works. Keywords: technological progress, centralization of employment, decent work, human work. 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO O avanço do capitalismo através da descoberta de novas técnicas para serem empregadas na produção deu origem à várias reflexões sobre o destino a ser trilhado pela humanidade. Muitas vezes tudo parece natural, quando na verdade trata-se de uma construção histórica. O mercado de trabalho assim como o mercado econômico, não são entes imaginários formados naturalmente. Trata-se de construções feitas pelo homem, muito embora, por vários momentos, 31 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO queira transparecer como algo imodificável, que se rege por leis naturais, como se tudo já tivesse uma direção e um desenvolvimento previamente estabelecido. Todas essas mudanças lançam cada dia mais um intenso debate sobre o significado do trabalho no século XXI, considerando que é público e notório que o seu início apresenta como característica a oferta de postos de trabalho em sua maioria precários. Dentro da teoria marxista, o trabalho é o que difere o homem do resto dos animais. Por sua vez, otimismo tecnológico, que poderia geral mais tempo livre para o trabalhador, é negado pelo desemprego, pelos baixos salários, pela exclusão social que se produz em relação à própria tecnologia. Tem-se no planeta os países desenvolvidos que se utilizam de uma tecnologia bastante superior em relação à utilizada pelos países não desenvolvidos, fazendo com que o mundo seja dividido em vários papéis. Existe aquela parte do planeta que fornece a matéria prima, que absorve os restos de uma produção industrial, produzindo nestes locais um modo de vida que talvez não alcance a subsistência para aqueles que ali moram. E a outra parte que industrializa ou simplesmente detém os lucros de processos de industrialização que ocorrem em outros locais. E ainda uma terceira parte que detém o conhecimento, onde os bens intangíveis sãos os únicos comerciáveis. Portanto, a tecnologia espalhada pelo mundo não é homogênea. A própria durabilidade das mercadorias que são produzidas atualmente, quer seja pelo seu tempo de utilização, de funcionalidade, quer seja pelo modismo, se apresenta com períodos cada vez mais curtos. Trata-se da intensificação do consumo, enquanto elemento necessário para a sustentação do modo de produção capitalista. Desse modo, a sociedade se mantém como um sistema produtivo manipulando até mesmo a aquisição dos chamados ‘bens de consumo duráveis’ que necessariamente são lançados ao lixo (ou enviados a gigantescos ferros-velhos, como os ‘cemitérios de automóveis’ etc.) muito antes de esgotada a vida útil (MÉSZÁROS, 2002, p. 640). O interesse privado é o que se sobrepõe, podendo traduzir aqui em lucratividade. Muitas vezes tem-se até mesmo a criatividade humana sendo freada pelos interesses de determinados oligopólios que dominam uma parte da produção científica, que não é livre e nem democratizada. A indústria bélica hoje consome grandes recursos mundiais. Baron (2004, p.144) afirma que os Estados Unidos são responsáveis pela metade dos gastos mundiais em armamentos, e mantém bases e missões de treinamento militar em 121 países do planeta. Mészários (2004, p. 285) 32 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO aponta que o complexo militar-industrial controla 70% de toda a pesquisa científica dos EUA. Ao mesmo tempo, na Grã-Bretanha os índices percentuais correspondem a 50%. Marx sustentou que a tecnologia demonstra a forma de ação do homem sobre a natureza (como se produz a vida) e as suas condições sociais de vida, ao ponto de Einstein, anos depois, afirmar: “por que a ciência aplicada, que é tão magnífica, economiza trabalho e torna a vida mais fácil, nos proporciona tão pouca felicidade? A resposta é simples: ainda não aprendemos a utilizá-la adequadamente” (Apud, MÉSZÁROS, 2004, p. 288). Dentro desta análise desponta-se a importância do estudo sobre o trabalho, o seu significado na sociedade do século XXI, podendo apontar aqui duas linhas teóricas. A primeira que apresenta o trabalho como ponto de centralidade e a segunda que o coloca em um segundo plano, ou seja, descentralizado. Nos tópicos que seguem serão apresentadas estas duas vertentes e mais a frente será traçado o lineamento constitucional sobre a valorização do trabalho humano e os pontos de estrangulamento quando comparado com o que ocorre na prática. O objetivo final é apresentar uma nova alternativa para o resgate da valorização do trabalho humano ou para a quebra da ideologia do trabalho, considerando as duas vertentes teóricas estudadas. 2 DA CENTRALIDADE A NÃO CENTRALIDADE DO TRABALHO E AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS. Robert Cantil (Apud, CASTEL, 1988) defende a ideia da necessidade de um novo pacto social (ou contrato social), com a construção de um “capitalismo mais humanizado”, objetivando uma maior distribuição de renda. Os excluídos socialmente são aqueles que não tem emprego e condições de empregabilidade ou que se encontram em condições de subemprego. O individualismo cresce ao ponto de não ser sentido o coletivo. Desta feita, o que se tem é a crise do trabalho, de integração dos menos favorecidos no mundo do trabalho. Neste contexto, o trabalho passa a ser uma referência social e psicológica. Mantendo-se o trabalho como centro, mas seguindo outra vertente, existem aqueles que o concebem como a alienação do homem. Vale citar Antunes Mészáros, Frigotto, Lucena, Gounet, Kuenser, Machado, Mello, Salm, Bihr, Saviani, dentre outros. Os homens exercem o papel mais importante na produção das riquezas. O problema é que elas estão concentradas. O capitalismo produz as riquezas mas não consegue de forma satisfatória distribuí-las. A construção do ser social, de acordo com Marx, está centrado no trabalho. Os laços sociais, a 33 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO própria forma de existência humana está centrada no trabalho. A forma como se realiza o trabalho determina o tipo de ser social. (GRESPAN, 2008). Em um primeiro plano, o trabalho é a relação do homem com a natureza. É a sua força natural confrontando-se com a natureza. Depois, ao mesmo tempo em que ele (homem) modifica esta natureza, ele se modifica também. Na primeira fase, o trabalho enquanto força natural não se encontra desapropriado da pessoa humana. Na segunda fase ele se constitui como mercadoria a ser vendida por aquele que naturalmente a possui, construindo com isto a sua condição de vida. No caso do homem, o trabalho nasce em um primeiro momento na sua cabeça, no seu inconsciente e depois se materializa. Esta forma de produzir o trabalho acaba por distinguir, dentro da teoria marxista, o homem dos animais, tornando o trabalho um produto social e não um simples produto natural, algo que acontece como força do acaso. O trabalho, que deveria ser um meio voltado para a humanização, com os avanços tecnológicos (invenção das máquinas), passou a ser a forma de dominação, onde aqueles que detêm os modos de produção passaram a controlar aqueles que não possuem esses meios. A máquina com suas variadas e sucessivas revoluções tecnológicas foi para o marxismo o grande ponto de transformação da sociedade, definindo inclusive a concentração de riquezas em detrimento de uma maioria. Esta é a própria expressão maior da coisificação do homem, tendo o trabalho ou a forma de prestação de trabalho como ingrediente de grande importância. O modo de se vestir, a forma de o homem viver, de sentir, de gostar, são construídas a partir do trabalho. Neste sentido, o trabalho contribui para a alienação humana. Seguindo Hegel, Marx escreve suas obras baseando-se no citado autor, que acaba diferenciando o homem dos animais, por conta dos seus anseios ilimitados. A alienação do homem é um processo histórico com sólidas relações com o trabalho. O produto do trabalho produzido pelo trabalhador lhe é estranho. Quando se tem a mercadoria, pronta e acabada, o valor do trabalho que a produziu desaparece, razão pela qual ela pode ser trocada por um valor determinado, valor este que foi construído através do mercado. Sendo assim, pode ser afirmado que o modo de produção capitalista provoca a alienação daquele que contribuiu com a sua força de trabalho. Não possuindo os meios de produção, os trabalhadores são obrigados a venderem suas forças de trabalho sem mesmo saber aquilo que estão produzindo e o valor que este produto detém. Desta maneira, os trabalhadores tornaram-se indiferentes em relação àquilo que produzem, bastando apenas que consiga com a venda de sua força de trabalho o necessário para a sua sobrevivência. Este talvez seja o significado maior para a expressão alienação através do trabalho. 34 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO A questão que se coloca é: mesmo com as inovações tecnológicas, o trabalhador continua necessário para a produção capitalista? Talvez seja o caso de se questionar até que ponto a tecnologia poderá avançar, ao ponto de não mais necessitar da mão-de-obra humana. Será isso possível? Será possível viver em um mundo que a mão-de-obra humana seja dispensável ou utilizada de forma mínima ao ponto de uma grande massa de trabalhadores, qualificados ou não, serem dispensáveis? Jeremy Rifikin (2007), se posiciona no sentido que a tendência do emprego é chegar a um fim. Segundo o autor, os postos de trabalho que são extintos em face do avanço tecnológico não serão mais recuperados, e, ainda com a diversidade e a criação de novos postos de trabalho, com novas atividades a serem desenvolvidas pelos seres humanos, não será suficiente para atender toda a demanda por empregos. A automação gera maior produção, que acaba fazendo com que os preços dos produtos abaixem, tornando-os mais competitivos. Esta cadeia, que de certa forma traz vantagens para o consumidor, acaba por produzir também a redução do emprego ou empregos precários. Trata-se do aumento da produtividade sem a geração de emprego ou com a redução dos custos empregados na compra da força de trabalho. Kurs (1992) afirma que a luta de classes não é o motor de transformação da sociedade e sim o fetiche da mercadoria. Estes pensamentos ganharam valoração para fins de estudo com a crise do capitalismo do final da década de 60 (século XX). Ao mesmo tempo, Habermas (1998) aponta a dificuldade do homem em se desvincular da racionalização crescente. Para este último autor, a linguagem e não o trabalho apresenta-se como o centro das relações humanas. A linguagem é o que possibilita dar nomes às coisas, tratando-se de um ato de consciência. O trabalho não seria tão importante, ele só acontece a partir de uma simbologia social, que se expressa através da linguagem. Continuando com Habermans, trabalho tem como pressuposto a linguagem, que pressupõe a interação entre pessoas. Com o avanço do capitalismo, a ciência se transformou na principal força produtiva. Para Habermans, que se contrapõe a Marx, a possibilidade de superação não está no trabalho e sim nas mediações construídas a partir de um agir entre das pessoas. Surge desta visão descentralizada do trabalho a estruturação de novas classes sociais, agora baseadas no tempo livre (GORZ, 1987), explicando assim o conceito de socialismo pós-industrial, que seria uma sociedade baseada no desperdício mínimo. Ou seja, viver mais com menos. Trata-se de uma nova planificação daquilo que se é produzido. Uma nova coordenação, reduzindo ao mínimo as atribuições dos homens e 35 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO estendendo-se as atribuições autônomas. O Estado passa a ter um papel decisivo nesta emancipação humana. Deve haver uma superação do trabalho alienado, crescendo-se os incentivos para o trabalho cooperado. Esta linha de pensamento ganhou muita expressão no Brasil, a partir de Ladislaw Dowbor, que lança luz em outras formas de prestação de serviços, realização de trabalho, que não a assalariada (que seria o maior exemplo de trabalho assalariado), como instrumento de superação da crise. Uma delas se apresenta através da apropriação pela própria comunidade do processo de produção (Dowbor, 2009), conforme será desenvolvido no decorrer do presente estudo. 3 DIGNIDADE DO TRABALHADOR, O NOVO CENÁRIO GLOBALIZADO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. Primeiramente precisa-se tentar conceituar globalização, ainda que sendo uma tarefa bastante difícil. Contudo, rapidamente conceituando, para servir para o momento, globalização é um misto de realidade e ideologia. Parece que o homem é globalizante em seu instinto (no sentido de uniformizar comportamentos). Através desta onda globalizante, o Estado se contrai e as políticas púbicas se desfazem sob o mito de que o público não presta. Nesse sentido, especialmente no Brasil, em meados da década de 90, criou-se um discurso que o público, a coisa pública, deve ser vendida para que se construa a otimização a partir de processos de privatização. O que ninguém esperava é que a crise inaugurada de forma concreta a partir de setembro de 2008 tenha ocorrido pela liberdade que se deu ao mercado financeiro de se auto organizar, chegando a ser defendido atualmente que o mercado financeiro deva ser regulado. A economia é privada e através dela monta-se o estudo de uma competitividade sem precedentes que tende a concentrar capital a ponto de eliminar os competidores e caminhar para a construção de um mundo estruturado em monopólios. São condições necessárias para atingir esta realidade monopolista: 1) desregulamentação e liberdade de mercado sem interferência do Estado, salvo naquilo que interessa, como por exemplo, dificuldade de cumprir os pressupostos legais para a realização da greve ou a liberação da exploração das jazidas de petróleo desde que as empresas que se habilitem a explorá-las cumpra certos requisitos só possíveis de serem cumpridos pelas líderes de mercado; 2) liberdade de mercado com reservas de proteção alfandegárias; 3) destruição de armamento nuclear com exceção dos Estados que estão ampliando seu arsenal bélico (EUA e Inglaterra); e, 4) união de grandes empresas que atuam no mesmo setor da produção, produzindo agora de forma descentralizada e multinacional. 36 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Neste último caso, com o referendo do Estado nacional, que apoia as fusões de empresas como sendo o requisito necessário para constituir grandes empresas a fim de enfrentar o mercado internacional. Ocorre que se esquece na maioria das vezes a questão da liberdade de mercado, por conta que as mesmas fusões acabam formando grandes monopólios em determinados setores da produção, controlando preços e tornando praticamente indefeso os consumidores, como também regulando o valor do trabalho. E como se encontra a organização do trabalho (ou divisão do trabalho) neste mundo globalizado? As empresas se redimensionaram, alterações são feitas todos os dias, sempre em busca de melhorar a produtividade e aumentar a competitividade. O trabalho imaterial e criativo ganha peso por conta de que a máquina já está podendo fazer o resto. Resta saber quantos trabalhadores criativos serão necessários para atender as necessidades deste novo modo de produção. Isto porque, outro processo que está ocorrendo é a concentração de atividades sobre a mesma pessoa, o que torna possível afirmar que haverá desemprego também para os chamados qualificados criativos. A dignidade da pessoa humana é a base da República (artigo 1º da C.F). O Estado Democrático de Direito está assentado na limitação do Estado pelo Direito e na legitimação do poder político pelo povo. Os direitos sociais, caso sejam fundamentais também são inalteráveis. Para Ives Gandra Martins (1998), a Constituição apenas declara os direitos fundamentais, ela não os constitui (preexistem à própria Constituição). É possível afirmar que os direitos fundamentais e econômicos compõem o que se convencionou chamar de cidadania social e econômica, que nada mais é que uma nova concepção do conceito de cidadania. Depois, o mesmo autor apresenta a chamada “teoria da justiça”, que nada mais é que o artigo 6º da Constituição Federal complementado com o artigo 170 da mesma carta, com os resultados que devem ser obtidos contidos no artigo 3º da mesma carta. Para Bobbio (1992), os direitos individuais traduzem-se em liberdades, exigindo-se obrigações negativas dos órgãos públicos, ao passo que os sociais se constituem em poderes, somente sendo realizados por ações positivas. Desta feita, seguindo as lições de Canotilho (2007), ainda que através de um poder constituinte originário, não se pode construir uma Constituição num vácuo histórico-cultural. A construção de uma constituição está vinculada a valores e princípios internacionais, que se contrapõe ao que era pregado quando da Revolução Francesa, onde o poder de constituir tinha uma espécie de atributo divino (que era a ideia da onipotência constituinte). Daí surge à necessidade da observância dos princípios de justiça supra positivos ou supra legais como limitadores 37 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO da liberdade de constituir. Um poder constituinte não pode se dissociar da observância dos direitos humano. Segundo Oscar Vilhena Vieira (1999) só é possível pensar a constituição levando-se em consideração o seu valor ético. Sendo assim, até cláusulas “petreas” seriam modificáveis quando em desacordo com os princípios da dignidade da pessoa humana. Conforme já afirmado anteriormente, a economia baseia-se em fatores privados, onde o que conta é a lógica do lucro e não a satisfação das necessidades sociais. Segundo Keynes, o volume de emprego é que determina o nível dos salários reais. Significa que o Estado deve coordenar os investimentos porque os juízos privados estão exclusivamente voltados para o “lucro privado”. E esse pensamento reinou na Europa até o início da década de 70. Ou seja, se queria combater o desemprego e promover o emprego, bastava ter inflação. Caso desejasse baixar a inflação, deveria sujeitar-se ao crescimento do desemprego. (Apud, NUNES, 2003, p. 4 a 8) Ocorre que a contar da década de 70 na Europa, teve-se uma subida dos preços (elevação da inflação) com taxa de desemprego elevando-se também. Daí em diante a inflação foi eleita o inimigo número um do emprego, que devia ser combatida com vistas ao pleno emprego. Essa nova teoria, chamada de monetarista, explicava o desemprego enquanto sendo algo voluntário. Ou seja, o trabalhador está desempregado por uma opção sua, ainda que diante da existência de empregos cujos salários não atendam suas necessidades. Para a teoria monetarista, o trabalhador é visto individualmente, o que explica o combate às organizações sindicais. Para os monetaristas, os sindicatos são os responsáveis pela queda do número de empregos. E o crescente desemprego, quando questionado, explicase pelo aumento natural do desemprego, resultado da evolução demográfica, da derrota das economias, como se a pobreza fosse algo natural, podendo ser combatida através da redução salarial, compatibilizando os custos de produção a fim de viabilizar a continuação do empreendimento privado. O que vale é a continuação do empreendimento privado, ainda com desemprego, a fim de que ele se recupere, recuperando assim o fluxo de emprego. Este raciocínio, com algumas variações, é o que está hoje sendo empregado no Brasil e nas propostas econômicas internacionais, com investimentos públicos para salvar empreendimentos privados. Para alguns fisiocratas (Dupont de Nemours principalmente), o aumento das riquezas trás necessariamente o aumento das desigualdades sociais. A aquisição da propriedade exclusiva de uma coisa gera uma exclusão em relação às demais pessoas (François Quesnay). A desigualdade econômica é considerada uma característica inerente às sociedades burguesas, apesar de 38 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO terem vindo proclamar que todos os homens são livres e iguais perante a lei (NUNES, 2003). A economia política, surgida com o capitalismo justifica a miséria como algo natural, legítimo, inerente às coisas, como que uma lei natural e absoluta. Keynes se opunha ao fato de que a miséria deve ser encarada como algo natural. As economias precisam ser equilibradas, devendo o Estado assumir referida tarefa. Por esta razão, devem ser preservados os consumos de massas, o subsídio às doenças e a previdência estatal, que se traduzem no chamado Estado Providência (1930) (NUNES, 1988). O próprio Adam Smith, em suas reflexões, afirma que o contrato de trabalho não é um contrato com os outros porque ao trabalhador falta a liberdade para contratar. O maior dos liberais pressupunha a diferença fática para contratar quando o objeto era o trabalho, transcendendo assim a igualdade puramente jurídica. Desta feita, o evoluir tecnologicamente não está fazendo com que na mesma proporção seja diminuída a pobreza. É preciso uma reorganização social. Torna-se necessária a construção da crítica ao desenvolvimento disforme, o surgimento de novas formas de relações sociais de produção. Deve haver a negação da ciência do progresso, a não ser que esteja ela voltada ao crescimento do ser humano. O progresso econômico não significa necessariamente avanço social, e, a partir desta premissa, reorientar as formas de prestação de trabalho. Caso assim não faça, a lógica da produção atual imporá a cada dia mais a redução de custos operacionais, trazendo grandes sacrifícios sociais para aqueles que verdadeiramente produz, no caso, os trabalhadores. O processo de automação extingue postos de trabalho, as representações sindicais são esfaceladas pela crise, sobrando para o trabalhador o ônus de arcar com o restante dos custos empresariais. 4 O SIGNIFICADO E O ALCANCE DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL É difícil não debater, em um primeiro momento, a aproximação entre a economia e o Direito. Basta dizer da valoração normativa que o Direito atribui a uma diversidade de fenômenos econômicos. Atualmente, grandes evoluções tecnológicas, que possuem repercussões econômicas, são objetos de estudos e tentativas de regulamentação pelo Direito, o que significa que a Economia e o Direito são indissociáveis. Basta dizer que qualquer agente econômico, como exemplo, uma grande montadora, estará disposta a instalar sua fábrica neste ou naquele país, levando-se em conta as condicionantes normativas (limites jurídicos impostos) para aquela localidade, em especial no que se refere às proteções sociais. 39 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Caso em uma determinada localidade exista normas de ordem pública que atribuem aos trabalhadores determinados direitos, a empresa que ali se instalar saberá que terá um custo adicional para somar ao valor do seu produto final. Efetivamente é desta maneira que economicamente se visualiza o valor empresarial despendido com os trabalhadores que diretamente laboram naquela determinada atividade empresarial. Os argumentos econômicos se destacam dos argumentos normativos. Os argumentos normativos dizem respeito ao que poderia ser. São impregnados de valor, confrontando-se argumentos filosóficos, religiosos, culturais e etc. Os argumentos econômicos dizem respeito ao que foi, ao que é e o que poderá vir a ser. Pelo menos, caso abstenha a economia do seu dever ético. Tudo parece indicar que atualmente na prática, o que está prevalecendo é o posicionamento positivo, aqui empregado no sentido de econômico. Desta feita, propõe-se a tentativa de libertar a economia de uma influência hegemônica dos paradigmas mais apropriados às ciências físicas, partindo-se para uma formulação do dever ser, à semelhança do Direito, na medida em que a ela deve-se agregar o conteúdo ético. Contudo, deve-se também tomar cuidado que o Direito não pode assumir o papel de querer normatizar a economia, de tal maneira a desconsiderar a realidade econômica existente (lembrar dos insucessos dos planos econômicos). Da mesma forma, precisa ser levado em conta o equívoco cometido pelos positivistas que viam o Direito com certa simplicidade, como uma rede hierarquizada e formal de normas. As estruturas lógico-normativas do positivismo de Kelsen desconsideraram a trajetória móvel do Direito no mundo dos valores, podendo ter surgido daí o convencimento que a norma é capaz de regular a economia. Daí recai a preocupação maior do intérprete com o fim buscado pela lei e não, com a sua vontade. Trata-se de hierarquizar os princípios na sua interpretação. O Direito é um sistema aberto, razão pela qual ao intérprete caberá a busca pelo maior significado no caso concreto, superando as antinomias a partir das confrontações teleológicas, tendo em vista a solução de casos concretos. Para Juarez Freitas, a norma não pode ser interpretada separada dos fatos (2004). Tem-se então a concepção defendida por Miguel Reale, para quem o Direito não é só fato, ou só, valor ou só norma, más estes três elementos integrados na experiência jurídica, estando todos dialeticamente correlacionados. As normas jurídicas, longe de serem mera captação do que no fato já se contém, envolve uma tomada de posição opcional e constitutiva por parte do homem, à vista do fato e segundo critérios de valores 40 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO irredutíveis ao plano da facticidade [...]”. Mister é reconhecer que a norma jurídica permanece sempre em uma situação tencional. (REALE, 1978, p.79) Voltando-se para o dilema Direito e Economia, aparece a questão do desenvolvimento. O crescimento econômico é desenvolvimento? Alguns autores apontam que crescimento econômico deve estar relacionado com melhoria da qualidade de vida e com liberdade para que se tenha desenvolvimento. Crescimento econômico é diferente de desenvolvimento econômico e a partir desta constatação, começa-se a colocar no desenvolvimento econômico a necessidade de se alcançar o desenvolvimento social, o que pode ser chamado também de conteúdo ético. Por esta razão principal é que indicadores como renda “per capita”, produto nacional”, quantidade de exportação, não podem medir o desenvolvimento econômico. Questões como verificação de níveis de pobreza, do desemprego, da desigualdade social, da qualidade da moradia, da qualidade da educação e atendimento público à saúde pode propiciar a aquilatação do desenvolvimento econômico. Na Constituição Federal, quando se examina o Capítulo II em sua totalidade, a melhor interpretação que deve ser extraída é a seguinte: na compreensão de desenvolvimento econômico devem estar contido os elementos qualidade de vida, bem estar social, alcance efetivo da dignidade da pessoa humana. Esta é a interpretação constitucional que se deve fazer no que diz respeito à leitura econômica, dentro de uma análise sistêmica, que se faz a partir do artigo 170 da Constituição Federal, de tal forma a compreender a economia não a partir de uma lógica exata e sim a partir de uma lógica humana. Segundo a concepção constitucional, a ordem econômica deve propiciar maior liberdade às pessoas, que se dá quando o desenvolvimento econômico é usufruído da forma mais ampla possível pela sociedade, não podendo significar um mero crescimento da renda “per capita” ou apropriar-se de outros indicadores isolados. É neste sentido que a economia deve ser entendida, para juntamente com o Direito, estabelecer novos padrões para a produção, onde, o investimento em qualidade de vida dos trabalhadores passa a ser algo importante, assim como os produtos resultantes de um processo que teve como pontos fundamentais ações que se prenderam a questões que contribuíram para a defesa dos valores humanos e sociais. Trata-se da humanização do próprio mercado, a partir de condutas econômicas éticas. 41 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO 5 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, A NECESSIDADE DA PRESERVAÇÃO DA LIBERDADE NO TRABALHO E O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA DO SÉCULO XXI Discute-se na moderna relação de trabalho: a- de um lado o mundo globalizado exigindo redução de custos e aumento da produtividade, fazendo com que se busquem novas formas de relações laborais (que em regra são mais fragilizadas em termos de direitos para os trabalhadores); b- também se encontram as empresas menores, que se acham tão fragilizadas quanto se acham os trabalhadores; c- o Direito Previdenciário, com os sistemas públicos de previdência em situações que inspiram cuidados. Dentro deste diálogo, muitas vezes contrapostos, surge a seguinte indagação: Como se valoriza o trabalho humano? Para responder de forma didática e com a maior objetividade, usou-se aqui apropriar dos seguintes parâmetros: a- que o trabalho seja livre, liberdade aqui no sentido de o ser humano ter várias oportunidades e possibilidades de trabalho; b- que o trabalho seja de qualidade, entendendo-se como tal aquele em que o ser trabalhador possa se expressar através dele. Trata-se de um trabalho que mostra a importância do seu agente trabalhador perante a sociedade. Esta concepção está voltada para a centralização do trabalho, que de certa forma apropria-se de conceitos marxistas, porém, buscando ações que possam revelar o trabalhador, a fim de que o mesmo se situe dentro do fluxo da produção enquanto ser valorado. Trata-se do trabalho a partir de um novo conceito de vida ou da vida a partir do trabalho valorado. Ao mesmo tempo não se pode perder de vistas no plano normativo o artigo 1º, IV e o artigo 193, ambos da Constituição Federal. Dentro desta ótica conclui-se que: constitucionalmente não é possível apreender o conceito de trabalho dentro de uma visão meramente patrimonialista. Também significa que o trabalho não é somente um fator de produção. Por essa razão é que o trabalho está estruturado sob a forma de contrato, sem, contudo, ser um simples contrato, tendo por objeto a força de trabalho, por conta que não se trata de um objeto descartável e medido apenas patrimonialmente. Através do trabalho se expressa a vida e produz-se o homem. Justificado assim fica, normativamente, a proteção dispensada pelo sistema normativo ao trabalhador. De forma mais simples, o próprio princípio protetivo do Direito do Trabalho em relação ao ser trabalhador e ao ser que ainda não tem seu trabalho. Voltando-se à mesma indagação. Como se valoriza o trabalho? Em um primeiro momento, através da geração de mais postos de trabalho; que haja um melhor trabalho com mais satisfação, com menos riscos, com mais criatividade, 42 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO com a participação de quem trabalha no gerenciamento empresarial, sem discriminação; que seja melhor retribuído, com a efetivação dos direitos sociais consubstanciados nos artigos 6º a 11º da C.F.; que haja uma efetiva política pública de qualificação da mão de obra, capacitando criativamente o ser humano. Outra questão que importa no estudo dos princípios e que se encontra contido no artigo 170 da Constituição Federal trata-se do princípio da livre iniciativa. A livre iniciativa se constitui em um dos fundamentos da ordem econômica, como o direito que todos possuem de investirem no mercado de produção de bens ou serviços por sua conta e risco. Nesta esteira, novamente se faz necessária a presença do Estado para garantir esta livre iniciativa? A livre iniciativa trata-se da principal marca do Estado capitalista. Prende-se também ao direito de propriedade. Para estudar a livre iniciativa não pode ser perdida a finalidade ou o objetivo da ordem econômica, da forma como foi apreendida pela Constituição Federal. Ou seja, a ordem econômica, constitucionalmente compreendida tem por finalidade alcançar a existência digna do homem. Desta feita, cria-se uma grande condicionante da autonomia privada, que é a de agir com respeito aos valores substanciais ligados à pessoa humana. Na parte final do artigo 170 da Constituição Federal tem-se: “conforme os ditames da justiça social”. Em outras palavras, a justiça social como fim da ordem econômica. Sendo assim, não cabe qualquer assertiva sobre a eventual possibilidade de confronto de princípios constitucionais, no caso a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano. A Constituição Federal consagra o princípio básico da ordem capitalista, que é a iniciativa privada, e, ao mesmo tempo, a prioridade de valores do trabalho humano sobre os demais valores. Conjugando os dois princípios, a liberdade econômica só deve existir e ser exercida quando no interesse da justiça social, o que implica necessariamente na presença do Estado regulador e interventor. Cabe citar neste momento do trabalho os ensinamentos de Eros Grau. A Constituição Federal consagra um regime de Estado organizado, com a defesa da livre iniciativa, admitindo-se a sua intervenção para: a - coibir abusos; b-preservar a livre concorrência; c-evitar a formação de monopólios; d- evitar o abuso do poder econômico. A Constituição Federal contempla a economia de mercado e repudia o dirigismo estatal. A Constituição é capitalista, sendo que a liberdade de mercado só é admitida enquanto exercida no interesse da justiça social. (GRAU, 2005) Em outras palavras, o que ocorre é a necessidade de serem transplantados os princípios contidos nos artigos 1º, 3º, 5º, do 7º aos 11, artigo 24, I, artigo 37, XIX, todos da Constituição Federal, para obter-se a 43 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO interpretação do conteúdo transcrito no artigo 170 também da Constituição Federal, a fim de que se torne possível entender a ordem econômica segundo a Constituição Federal. Resta por último indagar sobre a incoerência do atual modo de vida, criado a partir da exploração do trabalho humano em comparação com os princípios que norteiam a Constituição Federal, passando pela crítica às inovações tecnológicas, segundo o modelo imposto internacionalmente a partir do final do século XX. Em outras palavras, unir o que até aqui foi dito, de forma crítica e construtiva, de forma a entender o que está acontecendo com o trabalho humano no Brasil e no mundo. O primeiro apontamento diz respeito às defesas que se fazia em que a tecnologia poderia libertar o homem do trabalho, dando a ele condições de ter um maior tempo para o laser, para a sua família acabou se perdendo em face da dura realidade atualmente vivida. Em outras palavras e parafraseando a historiadora Marilena Chauí, “o sonho acabou”. (CHAUÍ, 2000). Com o progresso tecnológico, tornou-se mais distinto, principalmente após a II Grande Guerra Mundial (1950), a diferença entre empregar a tecnologia de forma criativa e emprega-la de forma destrutiva. Também, começou a despontar o significado de avanço científico, tecnológico, aumento do consumo e felicidade social ou desenvolvimento humano. O consumo de determinado aparelho doméstico, por exemplo, em um primeiro momento criou a utopia da felicidade ou da realização pessoal, que aos poucos desaparecia, talvez pela facilidade que foi sendo construída do acesso àquele mesmo aparelho, ou, pelas inovações que se apresentavam, criando novas ansiedades e novos desejos. Desta feita, a “manipulação” sofrida a partir do trabalho se estende para a manipulação quanto ao que consumir, dando por assim dizer início a uma sociedade de massa, criando por assim dizer uma espécie de tentativa de uniformização contínua, vencendo diferenças culturais, históricas e expandindo-se sem limites de fronteiras, no que se traduz na expressão “imposição de modo de vida”. Tem-se uma construção que já vinha do século XIX, em torno do trabalho assalariado, crescendo para uma paixão desmedida pelo trabalho, como se o trabalho representasse a própria essência do ser humano, que não pode existir sem que esteja trabalhando. Tal concepção contou em grande parte com doutrinas religiosas, sem aqui entrar a fundo no estudo dessas variadas doutrinas. Dessa paixão pelo trabalho, tiveram-se as seguintes situações concretas: a necessidade da dupla jornada, que foi crescendo no mesmo compasso em que os salários foram reduzidos; a participação da mulher de forma maciça no mercado de trabalho, como que com isso houvesse a sua 44 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO libertação, inclusive de ordem sexual; a polivalência do trabalhador como sinônimo de algo moderno e qualificado, sem falar aqui de outros exemplos clássicos que se seguiram, a partir do momento que o trabalho passou a ser o principal objetivo a ser alcançado. Ocorre que dentro do trabalho, tem-se a sua própria classificação. Em um primeiro plano vem o trabalho permanente, aquele trabalho estável, que pode promover a tranquilidade de sobrevivência. E, o trabalho fragilizado, que no caso se encontram aqueles que se sujeita a iniciativa privada no Brasil, na maioria das vezes, onde incessantes processos de adaptação e de reengenharia consomem ou modificam postos de trabalho, tornando-o fragmentado, de curta duração e mal remunerado. O homem do século XXI quer ter um trabalho de qualidade, considerado como tal aquele trabalho cuja fonte é estável, exemplificado como o trabalho advindo do setor público em determinadas carreiras para o caso brasileiro. Acontece que impregnado por todo este culto ao trabalho, hoje, muito mais do que nos séculos XIX e XX, o ser trabalhador se aliena, se individualiza, se consome e se torna ignorante do seu próprio ser social que representa. Ao mesmo tempo em que a busca do trabalho de boa qualidade guarda no seu interior a busca pela melhoria das condições de vida do trabalhador, não percebe o próprio trabalhador que já se encontra na maioria das vezes exercendo um trabalho que lhe rende a miséria, o sofrimento, não lhe produzindo qualquer reconhecimento social ou bem-estar. A expectativa de uma melhor condição de vida, para a grande massa de trabalhadores acaba ficando só na expectativa, posto que através do trabalho, cada vez mais se afere somente o necessário para uma subvida. É a racionalização extrema do trabalho, que pode ser sentida quando se abate as chamadas crises econômicas financeiras, onde os primeiros resultados concretos foram a extinção de postos de trabalho ou a redução da qualidade no trabalho, precarizando-se mais ainda aquilo que já se encontrava precário. A teoria marxista, já citado neste estudo, compreende que o poder libertador advirá do trabalho, na medida em que a classe trabalhadora é o sujeito que detém o poder de transformar a sociedade. O proletariado seria por assim dizer o sujeito para criar uma nova sociedade, uma nova forma de se prover a vida. Agora, a questão que se coloca é: como alcançar este intento dentro das condições que hoje se encontra o trabalho, em especial pela sua substituição do trabalhador pelas máquinas? As máquinas conseguem produzir por menores custos, contribuindo assim fortemente para um crescimento quantitativo do número de mercadorias e bens que são encontrados no mercado. A superprodução acaba por influenciar 45 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ainda mais no mercado de trabalho, que de certa forma torna-se a viga mestra que embala um novo sonho. O sonho no sentido que somente com muita produção e acelerando-se o consumo se constrói uma sociedade menos desigual e mais livre. Em outras palavras, que o crescimento econômico é o fator necessário para a liberdade humana. Ocorre que este crescimento econômico é acolhido e realizado através de processos que estabelecem uma lógica despida de valor ético. Na verdade, o que se desperta com essas afirmativas é a pura intenção do lucro, da maior concentração de capital, das antigas recomendações feitas por economistas, agora presos e transmudados para conceitos voltados à era da modernidade. Talvez possa ser afirmado, sem qualquer cientificidade, que se está para atingir o maior nível de exploração nunca visto na história da humanidade. Até que ponto a crise econômica atual (2008-2009) não foi construída como parte dessa articulação de super-exploração do trabalho humano? O resultado maior desta chamada crise financeira já ocorreu e afetou em demasia as condições em que o trabalho humano é prestado, de forma que o trabalho que passou a ser produzido perdeu ainda mais a sua condição de valorizar o trabalhador. Este tipo de trabalho que se está produzindo atualmente vem em descompasso com os principais princípios que nutrem a Constituição Federal, em especial a respeito da organização econômica que valorize o trabalho (artigo 170 da C.F.). Referidos princípios são contrários à obsessão pelo trabalho. O homem não vive para trabalhar. Da forma como o trabalho encontrase colocado de fato, não dá espaço para qualquer outra atividade humana a não ser o trabalho em tempo integral, não restrito às 08 horas diárias, considerando as duplas jornadas, o duplo emprego, as rotinas “free lance” e outros modos de prestação de serviços. Como então produzir a consciência social partindo-se dessa situação de abnegação total ao trabalho? Como pensar, como criar, como interagir socialmente de forma criativa, de acordo com os novos métodos ou padrões de produzir que são colocados? Parece que agora sim está se vivendo de fato a alienação humana de forma completa. O trabalho pela sobrevivência e o medo do desemprego castrando qualquer perspectiva do trabalhador promover os seus anseios enquanto ser humano, se é que vai lhe sobrar algum outro anseio a não ser a sua sobrevivência para continuar podendo vender a sua força de trabalho. Como falar em humanização em um tempo em que o esforço pela sobrevivência é cada vez mais cobrado? Fala-se em como preservar a liberdade no trabalho ou a busca da liberdade no trabalho dentro do modo de produção atual. Primeiramente, talvez 46 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO não deixar que todo o esforço do ser humano seja empreendido no trabalho para sua sobrevivência. A ele seja reservado um tempo, o que implica na redução das jornadas de trabalho. Sem que haja tempo, como produzir algo? Como refletir socialmente? Trata-se de estabelecer algo contrário daquilo que se está construindo atualmente no mundo do trabalho. Primar pela valorização da arte, da música, da filosofia, mudar o trato que se dá às informações que são recebidas. Estes são os primeiros passos para a libertação do homem do julgo do trabalho. Existem aqueles que ainda defendem a possibilidade de associar o trabalho, só que não qualquer tipo de trabalho, a algo prazeroso e criativo, com a consequente geração de um tempo livre, em face do incremento da tecnologia. Porém, o tempo livre é a base para a geração deste trabalho criativo, que diante da rotina empresarial empregada, está cada vez menor. Ou, misturar o trabalho com o lazer, o estudo, de tal maneira que não se soubesse quando começa um ou termina o outro (DE MASI, 2000). A grande questão é que não é mais possível que a vida fique contida somente no trabalho. Para tanto, deve-se buscar a reorganização do que hoje é apresentado, um novo modelo de vida, que possui como premissa a existência de um tempo livre, podendo ser chamado de um trabalho inteligente. O trabalho constitucionalmente apreendido pressupõe este tempo livre a partir do momento que através dele deve-se, por exemplo, prover o lazer, na forma como se encontra no artigo 7º, IV da Constituição Federal. Ou ainda, quando no artigo 226, estabelece a família como base da sociedade, sob a proteção do Estado. Como manter laços familiares sem a existência de um tempo livre? Como realizar a assistência à criança sem a existência de um tempo livre? Tem-se nos dias atuais um verdadeiro culto ao trabalho, sendo tomado como o único espaço existente na vida, impedindo outras manifestações sociais e sendo desta forma inconstitucional. O trabalho somente como fator de produção é inconstitucional, o que significa que deve haver uma mudança urgente na atual lógica da produção. 6 CONCLUSÃO O trabalho encontra-se erigido em uma das ferramentas ou meios voltados à humanização, à realização do homem, talvez uma das poucas possibilidades de se reduzir as desigualdades sociais, de forma a construir uma sociedade solidária. No entanto, da forma como ele está sendo realizado, partindo-se da própria compreensão das estruturas empresariais atualmente existentes, percebe-se que os principais objetivos buscados através do trabalho é a máxima 47 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO exploração do trabalhador, utilizando-se para tanto das novas tecnologias existentes, que proporcionam controles nunca vistos sobre a forma de se realizar o trabalho. Podem ser citados como exemplos, o emprego de métodos que apontam para a individualização do trabalhador, a não existência de laços de afetividade, criando uma filosofia de vida a partir do trabalho para o aperfeiçoamento do trabalho. Isto se explica por conta que a sobrevivência passou a ser a maior meta criada e buscada através do trabalho. Este processo de reducionismo do trabalho humano inverteu a ordem valorativa da vida, uma vez que ela passou a ser pensada a partir do trabalho, o que pode ser constatado na prática com o processo contínuo de redução do tempo livre do trabalhador. Não se trata de trabalhar com causas e consequências más sim de forma dialética, dentro de uma dinâmica que se aperfeiçoa e aliena a cada vez mais aquele que trabalha. A construção de formas de apropriação do trabalho pelo trabalhador, através de núcleos de trabalho e ou cooperativas de trabalho, onde aquele que trabalha consiga identificar o seu trabalho no produto realizado, pode se constituir em uma das alternativas para esta segunda via, na tentativa de resgatar a dignidade no trabalho, redesenhando uma nova estrutura social a partir de novas formas de organizações produtivas. 48 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Campinas: Cortez, 1995. _____. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. – São Paulo: Boitempo, 1999. ARON, R. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BAUMAN, Z. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 9ª ed., Rio de Janeiro:Campus, 1992. BORON, Atílio A. 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Lourival José de Oliveira4 Luitt Conceição Ortega5 5 RESUMO O Brasil economicamente emergente, inserido na economia mundial globalizada, buscando manter seu crescimento e desenvolvimento econômico precisa desenvolver medicas criativas para competir. A legislação trabalhista brasileira criada há 70 anos é protetiva e rigorosa. Para os empregadores, a aplicação a rigor da CLT representa um entrave e prejuízos aos negócios. Eles denominam essas normas de ultrapassadas. Afirmam que acordos celebrados com seus empregados trazendo benefícios para ambos são questionados judicialmente e isso, além de prejudicá-los, lesa também os trabalhadores interessados nas negociações e causa insegurança jurídica. Tramitam nas casas legislativas projetos de lei visando a flexibilização da legislação trabalhista e projetos que valorizam a negociação coletiva sobrepondo inclusive ao que está estatuído. A pesquisa evidenciou que o sistema jurídico laboral brasileiro concorre para uma iminente transformação, seja para flexibilizar ou para valorar a negociação coletiva. A investigação cientifica revelou que seria um risco de retrocesso aos direitos sociais já alcançados, lançar ao trabalhador brasileiro a decisão sobre dispor ou não de seus direitos e garantias em negociações com os seus empregadores, diante do modelo sindical atualmente adotado pelo sistema brasileiro que deve ser reformado urgentemente sob pena do avanço necessário em matéria de reforma trabalhista resultar em um retrocesso inevitável. Palavras-chave: Reforma Sindical Brasileira; Reforma Trabalhista Brasileira; Valorização da Negociação Coletiva. Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC-SP); docente da Universidade Estadual de Londrina; Docente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília; docente e coordenador do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Paranaense; advogado em Londrina - PR. 5 Mestranda em Direito pela Universidade de Marília; servidora pública estadual da carreira dos profissionais técnicos da educação superior da Universidade do Estado de Mato Grosso; advogada no MT. 4 52 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ABSTRACT The Brazil economically emerging inserted into the globalized world economy, seeking to maintain its economic growth and development needs to develop medical creative to compete. The Brazilian labor legislation created 70 years ago is protective and strict. For employers, the rigorous application of the CLT is a hindrance and loss to business. They call these outdated standards. Claim that agreements with their employees with benefits for both are challenged in court and that, in addition to harm them, also harms workers interested in negotiations and cause legal uncertainty. Proceed through the legislative houses bills aimed at easing labor laws and projects that value the collective bargaining including overlapping to what is laid. The research showed that the Brazilian legal system work contributes to an impending transformation, either to relax or to value collective bargaining. Scientific research has revealed that it would be a risk of kickback social rights already achieved, release the Brazilian worker’s decision on whether or not to have their rights and interests in negotiations with their employers before the union model currently adopted by the Brazilian system that must be reformed urgently needed lest the progress in reforming labor result in a setback inevitable. Kew-words: Union Reform Brazilian; Brazilian Labor Reform; Appreciation of Collective Bargaining. 1 INTRODUÇÃO Este estudo tem por objetivo identificar e, avaliar alguns dos aspectos que envolvem a valorização da negociação coletiva do trabalho no Brasil, principalmente quando se refere a ela poder sobrepor a própria legislação em matéria de Direito do Trabalho. Por reiteradas vezes tramitaram e ainda tramitam projetos nas casas legislativas brasileiras, propondo alterações de normas trabalhistas, almejando flexibilizá-las ou mesmo, permitindo que sejam afastadas mediante negociações coletivas. Para alcançar o resultado pretendido, analisou-se o cenário empresarial brasileiro atual, identificando alguns fatores que motivam a classe dos empregadores a impulsionar a reforma trabalhista, com vista à flexibilização da legislação ou mesmo alterá-la, mediante negociação coletiva pretende resolver as possíveis contendas no próprio meio ambiente laboral, evitando as demandas judiciais. Investigou-se ainda o que poderia ser pactuado nessas negociações coletivas e ao observar os conteúdos dos anteprojetos de lei, revelou-se indispensável a realização de uma análise critica a respeito do instituto sindical brasileiro atual. 53 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Para conhecer o sistema sindical brasileiro os autores buscaram a opinião de autores do quilate de Arnaldo Lopes Sussekind que além de sua história de vida acadêmica, participou da elaboração da Consolidação das Leis Trabalhistas e já há muito, opinou ser contrário à manutenção da unicidade sindical pelo sistema brasileiro. Tornou-se inevitável questionar se esse sistema deve permanecer como está, ou se melhor seria adotar outros modelos, como os que consagram princípios como o da pluralidade e/ou unidade sindical. Qual seria o modelo que melhor atenderia as demandas sociais decorrentes do processo de globalização vivenciado nesta pós-modernidade? A partir de então se revelou forçosa a perquirição à resposta ao questionamento de que poderia representar um risco de retrocesso aos direitos sociais já alcançados, lançar ao trabalhador brasileiro a decisão sobre dispor ou não de seus direitos e garantias em negociações com os seus empregadores, diante do modelo sindical atualmente adotado pelo sistema brasileiro? As reformas que se pretendem seriam avanço necessário? poderiam elas representar um retrocesso inevitável em matéria de direitos socialmente já tutelados? O que se espera é que o sistema jurídico trabalhista brasileiro, já que inevitável, esteja caminhando para a flexibilização e jamais para o retrocesso de direitos já normatizados, culminando com a precarização das condições de trabalho. 2 OS SETENTA ANOS DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS No Brasil, as normas de Direito do Trabalho estão compiladas na CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas. Foi o Decreto Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943 que aprovou a CLT, que com mais de 900 artigos, passou a estabelecer às regras que passaram a regular as relações individuais e coletivas de trabalho. Em 70 (setenta) anos de existência, o compendio de leis trabalhistas já sofreu quase 500 (quinhentas) alterações segundo Tadeu Rover (2013). Entretanto, conforme levantamento realizado por Fabiano Costa (2013), tramitam 437 projetos de lei na Câmara dos Deputados Federais, e 132 no Senado Federal propondo modificações à CLT. Considerando tanto o número de alterações que a legislação em estudo já foi submetida, quanto o das que se pretendem, dado o expressivo número de projetos de leis em tramite nas casas legislativas que somam 569, demonstram que a necessidade de reforma trabalhista foi um assunto em evidencia, desde a promulgação da CLT. Além de outras tantas relevantes alterações no Direito do Trabalho, importante mencionar a trazida pela Emenda Constitucional nº 45 de 30 de 54 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO dezembro de 2004, pois até a sua edição, que deu nova redação ao artigo 114 da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, a competência da Justiça Especializada do Trabalho, salvo raras exceções, restringia-se à apreciação das lides decorrentes das relações de emprego, ou seja, entre empregados e empregadores, entretanto, a partir de então, a competência antes prevista no caput do artigo 114 foi ampliada e passou a ser descrita em nove incisos, sendo que agora está previsto que “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho”. Outras inovações também foram contempladas no artigo 114 com nova redação trazida pela emenda Constitucional nº 45 de 30 de dezembro de 2004. Dentre elas, refere-se à competência da Justiça Especializada para processar e julgar as ações que envolvam o exercício do direito de greve. Também para processar e julgar ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores. Nessa mesma linha de inovações expressas na sobredita emenda constitucional, está a competência para apreciação de mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição e o julgamento das ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho. Em razão do objeto de investigação proposto neste estudo, focar-seão as propostas de alterações voltadas à valorização da negociação coletiva em tramite e que já tramitaram nas casas legislativas brasileiras. 3 DAS PROPOSTAS DE VALORIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA PODENDO SOBREPOR A LEGISLAÇÃO EM MATÉRIA DE DIREITO DO TRABALHO Direcionando o presente estudo ao objeto investigativo que se propôs desvendar, faz-se importante mencionar que a CLT prevê dois instrumentos resultantes da negociação coletiva, sendo eles a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho. A convenção coletiva é resultante das negociações entre entidades sindicais de trabalhadores e de empresas, no âmbito das categorias, e dispõe sobre questões gerais pertinentes às duas partes interessadas. Já o acordo coletivo de trabalho igualmente como previsto na CLT, é resultado de processo negocial entre sindicatos de trabalhadores com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, visando estipular condições de trabalho aplicáveis no âmbito das respectivas empresas. Esse acordo pode ser construído por empresa ou empresas, em âmbito mais limitado do que a convenção coletiva e com efeitos somente aplicáveis aos envolvidos. Na tutela de ambos os institutos, estabeleceu-se regras que visam coibir que direitos e garantias do trabalhador sejam vilipendiados, no uso desses recursos. 55 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Em matéria trabalhista, muitos direitos são indisponíveis, uma vez que estão garantidos constitucionalmente e outros, ainda que dispostos num status legal infraconstitucional, reclamam certa cautela em sua flexibilização. Entretanto, ainda assim, é corriqueira a divulgação pelos informativos dos tribunais ou até pelos meios de comunicações televisivos e escritos de noticias de mau uso desses instrumentos. O procurador do Trabalho Rafael de Araújo Gomes (2012) relatou que recentemente, em 2008, realizou em conjunto com a também procuradora do trabalho, Larissa Lima, uma audiência pública visando alertar “dezenas de sindicatos de trabalhadores e empregadores rurais da região abrangida pela Procuradoria do Trabalho no Município de Patos de Minas”, onde predomina dentre outras, a cultura de lavouras de café e feijão, a respeito de cláusulas que poderiam ser objetos de deliberação em acordos ou convenções coletivas. O procurador diz ter realizado a audiência após a: [...] descoberta da proliferação, em toda a região, de acordos coletivos firmados com grandes fazendeiros que previam, entre outras coisas, que: a) o custo das ferramentas de trabalho (enxada e rastelo, por exemplo) seria suportado pelos trabalhadores rurais; b) o empregador era dispensado de fornecer na fazenda água potável e fresca; c) seria considerado como falta o dia em que o empregado não apresentasse a produtividade esperada pelo empregador, d) não haveria limitação ao número de horas extras diárias durante a colheita; entre outros absurdos. (GOMES, 2012) Segundo relata o procurador, os endossantes de tais acordos e convenções assinaram Termo de Ajuste de Condutas – TAC, comprometendose a não mais pactuar tais cláusulas, sob pena de multa. Entretanto, essa prática não é realizada somente nos confins de Minas Gerais, veja: Dou agora exemplos mais recentes, deste ano de 2012 e da rica região do interior de São Paulo que engloba Araraquara e São Carlos, onde me deparei com diversos acordos, celebrados por sindicatos de trabalhadores de categorias tradicionalmente fortes (alguns deles filiados à CUT), instituindo a possibilidade de supressão de anotação da jornada de trabalho, o desconto salarial por horas negativas lançadas no Banco de Horas, a redução do horário para descanso e alimentação para apenas vinte minutos e a sonegação de verbas rescisórias, entre outros problemas. (grifos nossos). (GOMES, 2012) 56 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Na mesma esteira desses episódios reais mencionados neste estudo, observa-se que por reiteradas vezes, projeto visando à flexibilização das normas trabalhistas, especialmente, alguns com escopo de valorar a negociação coletiva no Brasil, suportando que sobreponha inclusive, à própria legislação trabalhista tramitaram e ainda tramitam nas casas legislativas brasileiras. Eis algumas delas. 2.1 A PRIMEIRA IMPORTANTE PROPOSTA: O NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO A primeira importante proposta que visava à valorização do negociado pelos atores da relação de trabalho, face ao legislado foi apresentada em outubro de 2001. Tramitou no Congresso Nacional através do Projeto de Lei 5.483/2001, proposto no segundo mandato de governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso – FHC. Esse Projeto tinha como ementa alterar o artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. A proposta de nova redação era a seguinte: Art. 618 As condições de trabalho ajustadas mediante acordo ou convenção coletiva prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal; as Leis nº 6.321 , de 14 de abril de 1976, e nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985; a legislação tributária, a previdenciária e a relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, bem como as normas de segurança e saúde do trabalho. (Comissão de trabalho..., 2001) Além de contar com a oposição expressa de vários sindicatos e da Central Única dos Trabalhadores - CUT, o projeto foi repudiado por entidades como a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho ANAMATRA, a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas -ABRAT e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho –ANPT que expediram um documento conjunto manifestando tal posicionamento (Juízes trabalhistas debatem ..., 2001). Naquela época, a Central Única dos Trabalhadores - CUT era dirigida por fundadores com histórico de participação em grandes movimentos, como as greves das décadas de 1980, e que contribuíram para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - o Lula fosse reconhecido como uma das maiores lideranças sindicais do país. Perseguindo essa linha coerente de raciocínio, a CUT opôs-se a proposta que pretendia ver prevalecer nas matérias de ordem trabalhista, o negociado sobre o legislado. Em 2003, por meio da mensagem nº 78/2003 57 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO (nº 132, de 2003, na Presidência da República), o então presidente solicitou a retirada de tramitação do referido projeto de Lei. A solicitação foi apreciada pelo Senado e aprovada em sessão de 30 de abril de 2003. O projeto de Lei nº 5483, de 2001 foi arquivado. 2.2 A SEGUNDA PROPOSTA: ACE – ACORDO COLETIVO ESPECIAL, APRESENTADO PELO SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC PAULISTA Em setembro de 2011, os trabalhadores metalúrgicos das bases dos sindicatos do ABC, Taubaté, Sorocaba e Salto apresentaram ao Governo Federal, uma proposta denominada ACE – Acordo Coletivo Especial, que está em tramite e é destinada “a modernização das relações de trabalho no Brasil”. Segundo consta na cartilha coordenada por Santana (2011) elaborada para esclarecimento, o projeto tem como objetivo criar condições jurídicas para que com base na vontade de trabalhadores, e seus respectivos tomadores de serviço, possam estabelecer normas sindicais e trabalhistas, visando elevar o padrão e a qualidade das relações laborais no Brasil, observando o art. 7º da Constituição e as regras democráticas. O anteprojeto prevê como requisitos para que se possa pactuar o ACE, a comprovação da representatividade pelo sindicato; e para a empresa, a admissão da representação sindical fisicamente no local de trabalho e a comprovação da não existência de praticas antissindicais de sua parte. Já na exposição de motivos do projeto apresentado, o sindicato proponente alega que a legislação trabalhista atual, apesar de já alterada por vezes, ainda reclama mudanças capazes de atender as demandas atuais, especialmente nos setores mais dinâmicos da economia. Ainda na exposição de motivos consta que foram difundidas no país, práticas sindicais em que ocorreram negociações coletivas, com soluções voluntárias de conflitos que contribuíram para a redução significativa de reclamações trabalhistas individuais e coletivas, e para a melhoria da gestão de pessoas nas empresas. Também foi apresentada a figura dos Comitês Sindicais de Empresa que instalados nos locais de trabalho, visam contribuir para o dialogo social e a celebração de Acordos e solução voluntária de conflitos no meio ambiente onde as demandas se manifestaram, e segundo a proposta, como já mencionado, comporão os requisitos para que o ACE tenha validade. Às autoridades do Ministério do Trabalho quem aferirão o cumprimento dos requisitos legais para a negociação coletiva e a celebração do acordo coletivo especial. Elas fiscalizarão o seu cumprimento. Na cartilha em comento consta que as negociações praticadas atualmente entre os sindicatos brasileiros, “alcançam resultados acima do padrão nacional de relações de trabalho”, e a submissão para a análise da regularidade jurídica 58 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO desses atos, geram frequentemente, “passivos trabalhistas que não interessavam a nenhuma das partes” nessa relação, e inviabilizam o cumprimento de clausulas de interesse dos trabalhadores e das empresas, mais adequadas à sua realidade. O proponente afirma que as tentativas de promover reformas por meio do diálogo social e da negociação sempre esbarraram na resistência conservadora de parte dos representantes dos trabalhadores, empregadores e operadores do direito, em certa medida, pelo temor de que essa valorização do acordado reflita em precarização dos direitos trabalhistas e insegurança jurídica para as empresas. Entretanto, afirma-se que se aprovado, o projeto de lei Acordo Coletivo Especial poderá se tornar um divisor de águas para o mundo do trabalho, pois será um instrumento moderno para a solução dos conflitos relacionados às relações trabalhistas, e à representação sindical na fábrica, revelando-se uma condição fundamental à democratização das relações entre trabalhadores e empresas. De qualquer forma, o ACE está em tramite e pretende alterar a legislação trabalhista, criando o Acordo Coletivo Especial para autorizar os sindicatos a negociar com as empresas, acordos coletivos cujas cláusulas podem alterar, ou mesmo desconsiderar o que já está estatuído na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 2.3 A TERCEIRA PROPOSTA DE VALORIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA: APRESENTADA PELA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI Em 2012, em documento coordenado por Emerson CASALI, (2012), a Confederação Nacional das Indústrias – CNI apresentou 101 propostas de alterações na legislação trabalhista brasileira. Esse trabalho apresentado pela CNI indica necessidade de instauração de sessenta e cinco projetos de lei, três projetos de lei complementar, cinco projetos de emenda à Constituição, treze atos normativos, sete revisões de sumulas do STJ, seis decretos, cinco portarias e duas normas de regulamentação do Ministério do Trabalho na área de saúde e segurança do trabalho. As proposições apresentam-se enumeradas, e para cada uma delas, são apresentadas o que a CNI denomina ‘irracionalidades’ da legislação trabalhista. Também as suas consequências para o sistema e a solução e forma legal para adotá-la, enumerando supostos ganhos e as mudanças decorrentes da adoção essas soluções. A primeira das 101 propostas apresentadas foi denominada “a Valorização da Negociação Coletiva”. A ementa propõe a valorização e o fortalecimento da negociação coletiva. 59 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO No documento apresentando as 101 propostas, a CNI alega que o problema que remete a essa alteração proposta, consiste no fato de que a legislação trabalhista nacional foi embrionada no contexto social e produtivo do inicio do século passado, e por essa razão, possui um caráter protetivo e rígido, que já não se justifica mais na sociedade, economia e modos de produção atuais. Para a CNI, mesmo essas normas tendo sofrido alterações, elas não conseguiram acompanhar as modificações do mundo atual porque, segundo consta no documento, essas premissas já não têm aplicabilidade no atual contexto produtivo e de relações trabalhistas e sindicais. Para o proponente, as instituições do trabalho, “especialmente os sindicatos”, evoluíram. Os trabalhadores são menos hipossuficientes e a velocidade com que ocorrem as transformações, nos modos de produção, não tem precedente na história e a legislação é incapaz de dar soluções adequadas aos desafios de produtividade e proteção necessários. A CNI afirma no mencionado documento que a negociação coletiva tem se revelado mais célere e adequada para que os atores sociais trabalhistas, por meio de seus sindicatos, regulem suas relações de trabalho de acordo com suas “realidades e necessidades”, e reclamam que ainda assim, a tutela legal tem prevalecido sobre a sindical, limitando a efetividade dos acordos e convenções, gerando problemas para as empresas e para os trabalhadores, e causando insegurança jurídica nessas relações. A CNI aponta como a seguir, as conseqüências do problema acima diagnosticado, pelo estudo realizado: i. Custo – afirma que o cumprimento de determinados dispositivos legais, pouco ajustados à sua realidade específica, nos diferentes setores e regiões, aumenta os custos do trabalho; ii. Insegurança Jurídica – alega que o risco de modificação ou anulação de negociações coletivas pela Justiça traz insegurança jurídica; iii. Burocracia – diz que ao ter que seguir toda a detalhada e burocrática legislação, obrigações que não fazem sentido em certas situações são mantidas; iv. Restrição à Produtividade/ Inovação – alegando que diversos aspectos da legislação normatizam o relacionamento entre empresas e trabalhadores de forma única, impondo aos diferentes setores e regiões obrigações idênticas em aspectos que mereceriam tratamento individualizado, restringindo à produtividade e à competitividade; e, v. Outras – onde afirma que a conflituosidade das relações trabalhistas atuais onera a sociedade. Como solução para o problema identificado, a CNI propõe o fortalecimento da negociação coletiva para que trabalhadores por meio de sindicatos representativos, e empregadores regulem amplamente suas relações de trabalho, “adequando as necessidades e os interesses a suas realidades, mesmo que de forma diferente ao que estabelece a legislação”. Para isso, propõe 60 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO que seja “explicitamente previsto que a negociação coletiva feita por sindicatos representativos tenha a mesma força da tutela legal”. O documento aponta que haverá melhoria nas relações de trabalho com redução da “conflituosidade, da judicialização, e maior segurança jurídica para todos”. Afirma que a proposta permitirá que as empresas possam adequar a “legislação à sua necessidade produtiva, trazendo maior competitividade”. Para a CNI, “certamente essa possibilidade trará maiores ganhos para os trabalhadores”. A efetivação dessa solução proposta seria uma Emenda à Constituição ou um projeto de Lei ordinária. Essa proposta está em tramite no legislativo. 3 APECTOS ATUAIS E HISTÓRICOS SOBRE O REGIME SINDICAL BRASILEIRO Sobre o regime sindical, Nascimento lembra que: [...] a Constituição Federal de 1934 dispunha em seu texto original, explicitamente, a instituição do pluralismo sindical, ou seja, a possibilidade de se criar mais de um sindicato da mesma categoria. No entanto, esse dispositivo não demorou muito até que fosse substituído pelo da unicidade sindical. (NASCIMENTO: 2000, p 163) A Constituição de 1937 apresentou diversos dispositivos relacionados a organização do trabalho. Nela também se optou pela submissão dos sindicatos ao controle estatal e a proibição do direito greve, entretanto, a unicidade sindical surgiu pela primeira vez no Decreto-lei n.º 1.402, em 5 de julho de 1939, que regulava a associação em sindicato. Foi nessa norma que surgiu, expressamente, a opção pela unicidade sindical, com previsão em seu art. 6º, que possuía a seguinte redação: “Não será reconhecido mais de um sindicato para cada profissão”. Foi a Constituição de 1988 que consagrou explicitamente o princípio da liberdade sindical, pelo menos quanto à liberdade de associação sindical e a autonomia sindical. Todavia, apesar dos avanços, ela trouxe também dispositivos das legislações anteriores que segundo DELGADO, “contrariam o princípio da liberdade sindical plena, como foi o caso da manutenção da unicidade sindical”, veja: Esses mecanismos autoritários preservados pela Carta de 1988 atuam frontalmente sobre a estrutura e dinâmica sindicais, inviabilizando a construção de um padrão democrático de gestão social e trabalhista no Brasil. Na verdade, o acoplamento de figuras jurídicas corporativistas a 61 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO um universo de regras e princípios democráticos tem produzido efeitos perversos no mundo sindical do país. (DELGADO: 2008, p. 118) É justamente no âmbito desse principio da liberdade sindical que muitos autores discordam sobre os sistemas de unicidade, pluralidade e unidade sindicais. Infere-se das declarações de Sergio Pinto Martins, uma opinião contrária ao sistema da unicidade sindical, nos moldes adotados pela Carta Constitucional de 1988, veja: Está a estrutura sindical brasileira baseada ainda no regime corporativo de Mussolini, em que só é possível o reconhecimento de um único sindicato […]. Um único sindicato era mais fácil de ser controlado, tornando-se obediente. (MARTINS: 2006, p. 699) Apesar de Alice Monteiro de Barros (2009, p. 1235.) afirmar que a unicidade sindical encontrou justificativa nos “primórdios de nosso Direito Coletivo, inspirado no modelo fascista de Mussolini, na sociedade brasileira contemporânea tornou-se intolerável”, implicando violação aos princípios democráticos, cada vez que impede membros de determinada categoria a escolher com liberdade, o sindicato para se filiarem. A autora preocupou-se em apresentar o posicionamento divergente na doutrina acerca dos dois sistemas, ou seja, os que defendem e os que dizem não haver possibilidade de compatibilização entre o principio da liberdade sindical e o sistema de unicidade sindical. Segundo informa a autora, os defensores do monismo sustentam, em geral, que o sindicato representa toda uma coletividade e não apenas os seus associados, impondo a unidade de representação, uma vez que os objetivos identificados são os mesmos. Afirma ainda que os adeptos a esse entendimento contestam a capacidade de reivindicar desses sindicatos múltiplos, pois acabam se enfraquecendo e tornando vulnerável a ação destruidora dos Estados totalitários. (BARROS: 2009, p. 1233-1234.) Na sequencia, a autora expõe a tese defendida pelos contrários, esclarecendo que os críticos a unicidade sindical vislumbram uma violação aos princípios democráticos e mais especificamente, à liberdade sindical. [...] sublinham a importância da saudável competição entre as entidades, evitando a acomodação de lideranças sindicais, advindas da exclusividade de representação classista. (BARROS: 2009, p. 1234) 62 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Diferentemente do Brasil que optou pela unicidade sindical, países como França, Espanha e Itália adotaram o pluralismo sindical. Como expõe Amauri Mascaro Nascimento (2000, p. 161-162): “A pluralidade pode ser: a) total, quando atingidos todos os níveis da organização sindical; b) restrita, quando coexistentes níveis de pluralidade e de unicidade”. Exemplificando ainda: Se os empregados de uma empresa têm o direito de votar para escolher o sindicato que querem como representante, e sendo o sindicato eleito o único, vedado outro na empresa, haverá unicidade sindical em nível de empresa e pluralidade sindical em nível orgânico de sistema. (NASCIMENTO: 2000, p. 161-162) A doutrina contraria ao sistema do pluralismo sindical questiona se ao instaurar esse sistema sindical não haveria um elevado numero de sindicatos representantes das diversas categorias, o que poderia resultar em confusão e consequentemente enfraquecimento desses entes. Sergio Pinto Martins esclarece a esse respeito: Com a pluralidade sindical, cada um poderia constituir o sindicato que quisesse. Os sindicatos devem ser criados por profissão ou por atividade do empregador, porém livremente. A tendência seria, num primeiro momento, a criação de muitos sindicatos. Posteriormente, as pessoas iriam perceber que muitos sindicatos não têm poder de pressão e iriam começar a se agrupar, pois sozinhos não teriam condições de reivindicar melhores condições de trabalho. (MARTINS: 2006, p. 700) Oportuna a distinção de unicidade com unidade sindical lecionada por Sergio Pinto Martins (2006, p. 699). Àquela existe a partir de uma imposição, por parte do Estado, de somente se criar um único sindicato, em dada base territorial, enquanto que “a unidade sindical é o sistema em que os próprios interessados se unem para a formação de sindicatos”. Por fim, defendendo a pluralidade sindical como modelo mais adequado, bem como a unidade sindical, Arnaldo Süssekind citado por Amauri Mascaro Nascimento, declara: Também nós já defendemos o monopólio de representação sindical e, até hoje, justificamos que Getúlio Vargas o tenha adotado visando a evitar o fracionamento dos sindicatos e o conseqüente enfraquecimento das respectivas representações, numa época em 63 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO que a falta de espírito sindical dificultava a formação de organismos sindicais e a filiação de trabalhadores aos mesmos. Afinal, esse espírito resulta das concentrações operárias, que dependem do desenvolvimento industrial. Daí por que, hoje, defendemos a liberdade de constituição de sindicatos, embora reconhecendo que o ideal seja a unidade de representação decorrente da conscientização dos grupos de trabalhadores ou de empresários interligados por uma atividade comum. Outrossim, as centrais brasileiras, de diferentes matizes filosóficos, criaram uma realidade, que não pode ser desprezada, justificadora da pluralidade sindical. (SUSSEKIND, Apud NASCIMENTO: 2000, p. 160). Ainda que autores defendam a permanência do modelo sindical brasileiro que optou pela unicidade, após o estudo realizado e a opinião balizada de autores como Arnaldo Süssekind, revela que a discussão sobre a necessidade de revê-lo não é recente, e a unicidade sindical já não atende aos anseios sociais. A tendência ao fortalecimento das negociações coletivas, podendo elas, inclusive sobrepor à legislação trabalhista, sem que se repense o modelo sindical, poderá hipoteticamente, colocar em risco as condições de trabalho no Brasil, podendo ocorrer retrocesso em direitos já alcançados, ou mesmo, uma precarização das condições de trabalho, motivadas por sindicatos atrelados e sem condições para se manter frente às negociações que devem ser acirradas. Urge repensar esse modelo sindical brasileiro com vistas a fortalecê-lo para melhor desempenho de sua função. A pesquisadora filia-se a corrente que defende a pluralidade sindical, ainda que com atuação restringida pela unidade sindical, ou seja, que haja possibilidade de instituição de mais de um sindicato por categoria em uma mesma base territorial, ainda que aquela categoria, através de um processo de amadurecimento, tenha que escolher a que melhor lhe represente. 4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA VALORIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA PODENDO SOBREPOR A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA Antes de adentrar a essa temática, faz-se necessário observa-se que a pressão econômica do capitalismo tem impulsionado o setor patronal a avançar em busca de se posicionar no mercado, pois o mundo capitalista atual, em que se observa uma economia mundial globalizada, com concentração de uma espécie de estrutura produtiva internacional em incessante movimento, visando maximizar os lucros de seus investidores pela conquista de novos mercados, reclama mudanças sob pena de se suportar as duras consequências 64 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO desse mercado feroz a competir por preço e qualidade que fulmina empresas e marginaliza trabalhadores com o desemprego estrutural. É notória a busca de meios por parte de países com economias emergentes para ingressar nessa ordem econômica, quase como uma condição para seu desenvolvimento, até porque como diz Gilberto Dupas: A não inserção nessa ordem mundial trás a ameaça de manterse o atraso tecnológico e de aprofundar-se o fosso entre países desenvolvidos e periféricos. O papel do governo é propiciar a abertura e fazer a regulamentação cuidadosa e apropriada, cabendo ao setor privado, investir e operar. Essa é a lógica do mundo moderno. (DUPAS: 1999, p 257-258) O Brasil experimenta essa condição de mercado emergente buscando manter-se nessa ordem econômica mundial. É o desafio atual manter o crescimento econômico com vista ao desenvolvimento, e para isso é preciso acompanhar as transformações sociais. Manter-se nesse mercado reclama condições favoráveis ao desenvolvimento das atividades produtivas. Não foi por outra razão que a CNI ao apresentar as 101 propostas, em documento coordenado por CASALI (2012), disse que o objetivo era inaugurar as discussões visando reduzir os altos custos do emprego formal, que segundo o proponente, é um dos “mais graves gargalos ao aumento da competitividade das empresas brasileiras”. Assim, tem se observado ao longo dos anos que algumas propostas de valorização da negociação coletiva podendo sobrepor a legislação foram submetidas à apreciação do legislativo nacional. Nesse desiderato, também o foram diversas propostas com vistas à flexibilização das leis trabalhistas sob os argumentos de modernização das relações de trabalho, valorização do principio da boa fé que norteia as relações negociais e principalmente a segurança jurídica aos juridisdicionados. A exemplo disso, atualmente diversos projetos nesse sentido tramitam nas casas legislativas, e na pretensão de demonstrar as evidencias de que, se por um lado não houver a flexibilização legal de alguns direitos, há necessidade de que elas ocorram pela via da negociação, faz-se necessário a menção de alguns desses projetos. Das 101 propostas apresentadas pela CNI, a de nº 2, por exemplo, propõe a criação de um espaço de negociação individual, porque segundo a ementa, alguns empregados deixaram de ser hipossuficientes e merecem um maior espaço para a negociação individual das condições de trabalho. Com proposta de nº 78, a ementa propõe que haja reconhecimento da Rescisão consensual, por “culpa recíproca” fixada por negociação coletiva ou 65 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO definida individualmente. Com a proposta de nº 92 a revogação ou a suspensão da obrigatoriedade de adoção do Registrador Eletrônico de Ponto (REP). O Ponto eletrônico. Ao contrário do objetivo para o qual foi criada a Certidão negativa de débitos, a proposta nº 96 propõe a possibilidade de obtenção da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) mesmo não atendendo a cláusulas do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Também a proposta de regulamentação da Terceirização para permitila acontecer em qualquer atividade da empresa, inclusive as atividades fim, mantendo a responsabilidade subsidiária do contratante da terceirizada em relação às atividades trabalhistas. E para arrematar, eis o Projeto de Lei nº 948/2011, em tramite e que admite cláusula contratual que impede que o empregado demitido possa reclamar na Justiça do Trabalho. Com isso, é forçoso concluir que a aprovação dos projetos mencionados podem causar danos aos direitos dos trabalhadores já estatuídos. Imagine um empregado, seja ele que tipo de profissional for, negociando com o patrão as condições de seu contrato de trabalho, podendo dispor livremente de seus direitos garantidos. Some a isso a possibilidade dele negociar com seu contratante se vai ou não acatar a clausula que lhe impede de reclamar judicialmente lesão advinda da relação do trabalho. Quem seria a titulo de exemplo esse trabalhador, hipossuficiente, capaz de deliberar livremente sobre esses requisitos? A obrigatoriedade do registro do ponto tem objetivo de evitar as ações voltadas a fraudar o computo de horas trabalhadas e a certidão negativa de débitos trabalhistas obrigar que se cumpra o acordado antes de se valer de benefícios. É um instrumento de combate a fraude à execução. A pretensão de colocar termo a essas obrigações não seria outra coisa a não ser retroceder. Qual será a efetiva garantia de que a rescisão recíproca seja realmente consensual? e a terceirização utilizada para realização de atividade fim com a manutenção da responsabilidade subsidiária do contratante da terceirizada não fragmentaria as categorias e ramos do trabalho, enfraquecendo a luta da classe e aniquilando seu poder negocial, aumentando a precarização do trabalho que essa categoria já enfrenta? Na cartilha apresentada pelo sindicato dos metalúrgicos do ABC para esclarecer a proposta de ACE consta o seguinte: O Brasil caminha para ser o quinto PIB mundial e não pode continuar convivendo com trabalho escravo em pleno século 21 nem transformar em caso de polícia reivindicações trabalhistas [...] 66 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Isso é preocupante na medida em que em negociações coletivas, empregadores poderão continuar cobrando de trabalhadores, o custo pela aquisição de suas ferramentas. Eles poderão dispor das horas in itinere se quiserem trabalhar e também ter as férias e outros direitos reduzidos para manter o emprego. O patrão poderá não ter mais a obrigação de fornecer água potável, banheiro e condições mínimas para mantença da dignidade da pessoa humana. Ao final, não haverá mesmo mais o que se considerar trabalho escravo porque tudo se resolverá no ambiente laboral e não mais na órbita judicial. Os proponentes das alterações alegam na cartilha coordenada por SANTANA (2011), que o direito será mais dinâmico, as possíveis contendas se resolverão “de maneira ágil, socialmente eficaz e juridicamente segura, sem que este processo resulte em qualquer possibilidade de precarização de direitos”. Também não faltam alegações de que as relações trabalhistas brasileiras estão sujeitas a uma extensa e detalhada legislação que nem sempre, atendem a realidade dos trabalhadores e das empresas. Vale mencionar que Ives Gandra Martins da Silva Filho (2006) na defesa da tese de flexibilização da CLT e valorização da negociação coletiva, utiliza-se do argumento de que a própria Constituição Federal, no artigo 7º já permitiu nos incisos VI, XIII e XIV que dispõem sobre irredutibilidade de salário e jornada de trabalho (que compõe o rol de direitos sociais e do trabalho de maior relevância) a disposição por meio de acordo coletivo. Continuando, observam que os direitos sociais, assim como os direitos coletivos não foram elevados a categoria de clausulas pétreas, uma vez que o artigo 60, § 4º, inciso IV da Constituição não os alcançam pois tão somente os direitos e garantias individuais estariam contemplados. Assim, para Ives Gandra Martins da Silva Filho, “aquilo que é possível de flexibilização pelas partes, através de negociação coletiva, não pode ficar a margem de alteração pelo legislador” (2006), podendo a reforma ocorrer não só por Emenda constitucional, como também por lei ordinária. Historicamente verificou-se que as conquistas sociais, principalmente as de Direito do Trabalho, foram alcançadas em certo período de tempo em que foram travadas verdadeiras batalhas da classe operária, através de grandes movimentos e muita resistência com vistas a terem esses direitos almejados estabelecidos em diploma jurídico. Vale lembrar que outrora, alguns direitos foram conquistados em negociações porque no computo final, a classe empresarial industrial sairia lucrando, pois na contabilização do valor do custo de direitos como férias anuais (quando não se tinha esse direito estatuído) em contraposição ao dos dias de prejuízos, decorrentes de greves dos trabalhadores, o resultado seria lucrativo. Certo o é que nas negociações entre patrão e empregado, o empregador jamais dará o braço a torcer se a negociação onerar seus custos. 67 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Um emblemático exemplo desse interesse negociado foi verificado quando Jorge Street (A transformação da indústria paulista...) posicionou-se favorável ao diálogo entre patrão e empregado. Ele, um empresário visionário, que posteriormente foi um dos fundadores do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo em 1928 e que futuramente foi transformado no sistema FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Enfim, o estudo aponta que o sistema jurídico que regula as relações de trabalho no Brasil concorre para uma iminente transformação, ou seja, parece inevitável que ocorra a flexibilização da legislação laboral; seja pela alteração do texto normativo ou pela autorização legal para transacionar ou negociar direitos em sede de negociação coletiva entre patrões e empregados. A economia mundial globalizada faz com que as nações que ai se inserem, experimentem efeitos positivos e negativos. A produção acelerada e as oportunidades comerciais podem levar o país ao desenvolvimento, mas também pode marginalizar seus compatriotas como consequencia, por exemplo, do desemprego estrutural. Talvez um dos maiores e o mais certeiro efeito negativo desse modelo de economia globalizada seja o desemprego estrutural, pois milhares de trabalhadores serão desempregados e o mercado dificilmente conseguirá absorvê-los. Como conseqüência, há a migração para o trabalho informal além de diversas formas de degradação humana e perda do bem estar social, obrigando o Estado, inclusive, a arcar com medidas sociais a fim de amenizar esses efeitos. DUPAS explica que: O grande problema do vetor tecnológico que privilegia automação, qualificação da mão de obra e maior produtividade, é que a quantidade de empregos gerados pela estrutura produtiva moderna é insuficiente para compensar o crescimento populacional, além de ser decrescente a cada aumento marginal do investimento direto. Exige-se maior qualificação da mão-de-obra e a oferta de emprego é menor. (DUPAS: 1999, p 252) O desemprego estrutural já bate as portas do Brasil e os trabalhadores lutam diariamente para isso não ocorra. Noticiários relatam casos de abusos, opressão, precarizaçao de condições de trabalho, doenças laborais do trabalho e assédio moral. As noticias demissão em massa ou negociação de direitos para evitá-las também são correntes. É por essa razão que a reforma sindical já discutida há décadas deve ser posta em pratica, visando o fortalecimento da instituição sindical brasileira 68 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO tornando-a legitima, representativa, livre e verdadeiramente defensora da vontade de seus representados a fim de se evitar que essas mudanças ao invés de representarem um avanço necessário se alvitrem num retrocesso inevitável. A flexibilização das leis trabalhistas que por suas razões guardam uma maior proteção ao trabalhador, parte mais frágil da relação capital e trabalho, evidentemente economicamente mais frágil, lançando sua sorte na restauração do principio liberal da autonomia da vontade, determinará a sua sujeição aos interesses do economicamente mais forte e isso poderá resultar num inevitável retrocesso nas conquistas sociais alcançadas ao longo de décadas Não seria medida mais acertada possibilitar renuncia de direitos pelos trabalhadores, mediante negociação coletiva, quando ainda se consagra, em nosso ordenamento, a unicidade sindical CONCLUSÃO 1. o Brasil economicamente emergente, inserido na economia mundial globalizada, buscando manter seu crescimento e desenvolvimento econômico precisa desenvolver técnicas e medicas criativas para competir nesse voraz mercado; 2. a legislação trabalhista brasileira é protetiva e rigorosa. Criada há 70 anos, seus operadores e guardiões ainda se esforçam para que sua aplicação seja eficiente a coibir abusos dos patrões economicamente mais fortes em face do trabalhador brasileiro que luta por uma vida minimamente digna. 3. para os empresários, a aplicação a rigor da CLT representa um entrave e prejuízos aos negócios. Eles denominam essas normas de ultrapassadas e dizem que pela sua genérica não são aplicadas em situações em que deveriam ser consideradas suas especificidade. Dizem que acordos celebrados com seus empregados trazendo benefícios para ambos são questionados judicialmente e isso, além de prejudicá-los, lesa também os trabalhadores que tinham interesses nas negociações e causa insegurança jurídica. 4. há décadas tramitam nas casas legislativas projetos de lei visando a flexibilização da legislação trabalhista e projetos que valorizam a negociação coletiva sobrepondo inclusive ao que está estatuído. A pesquisa evidenciou que o sistema jurídico laboral brasileiro concorre para uma iminente transformação, podendo contemplar as duas faces da reforma pleiteada ou uma delas. 5. a investigação cientifica que se propôs revelou que seria um risco de retrocesso aos direitos sociais já alcançados, lançar ao trabalhador brasileiro a decisão sobre dispor ou não de seus direitos e garantias em negociações com os seus empregadores, diante do modelo sindical atualmente adotado pelo sistema brasileiro. 69 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO 6. as discussões sobre a necessidade de reforma do sistema sindical adotado pelo Brasil são antigas e devem ser colocadas em práticas urgentemente sob pena do avanço necessário em matéria de reforma trabalhista resultar em um retrocesso inevitável. 7. o que se espera é que o sistema jurídico trabalhista brasileiro esteja caminhando para a flexibilização e jamais para o retrocesso de direitos já normatizados, levando a precarização das condições de trabalho. 70 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO REFERÊNCIAS A transformação da indústria paulista. 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Tratou em especial dos limites da flexibilização da legislação trabalhista que originou-se com o argumento da necessidade do aumento da competitividade das empresas, no intuito de alcançar melhores salários e maior empregabilidade, sendo considerada fundamental na sociedade moderna. No entanto, estas modificações devem ser efetuadas primando pela efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana através da valorização do trabalho. Na pesquisa analisou a flexibilização da jornada de trabalho considerando que esta deve ser exercida para realização dos princípios da dignidade da pessoa humana através de ações que resultem na valorização do trabalho. A delimitação do tempo de trabalho é uma das formas de promoção do tempo de lazer, produzindo como consequência tempo livre para descansar, refletir e participar em ações familiares. Uma das modificações sugeridas pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) é permitir a todas as categorias profissionais o trabalho aos domingos e feriados, sem necessidade de aprovação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego local. As práticas laborais exercidas aos domingos e feriados, caso aprovadas de acordo com a proposta, resultará no descumprimento do direito ao lazer, produzindo consequentemente resultados danosos aos trabalhadores, o que repercutirá no próprio convívio social e em último caso na desvalorização do trabalho humano, desconstituindo-se a construção de um trabalho digno. Palavras-chave: Dignidade no Trabalho. Direito ao Lazer. Valoração do Trabalho Humano. Discente do Programa de Mestrado em Direito/Unimar. Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Unesp - Marília e Bacharel em Direito – Univem, MBA em Desenvolvimento Regional Sustentável, pela Universidade Federal do Mato Grosso. Bolsista CAPES/PROSUP. Atualmente é bancária no Banco do Brasil. E-mail: [email protected]. 6 73 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ABSTRACT This paper presented a reflection of changes in the world, culminating with the phenomenon of globalization. Addressed in particular the limits of flexibility of labor laws that originated with the argument for increasing the competitiveness of enterprises, in order to achieve better wages and greater employability, considered essential in modern society. However, these changes must be made striving for realization of the principle of human dignity by valuing work. In the research analyzed the flexibility of working hours whereas this should be exerted to achieve the principles of human dignity through actions that result in the value of labor. The definition of working time is a form of promotion of leisure time, producing consequently free to relax, reflect and participate in family time shares. One of the changes suggested by the National Confederation of Industries (CNI) is to enable all professional groups work on Sundays and holidays, without the approval of the Regional Labour and Employment site. Labor practices performed on Sundays and holidays, if approved in accordance with the proposal will result in breach of the right to leisure, thus producing harmful results to employees , which will have repercussions in social life itself and in the latter case the devaluation of human work , taking from the construction of decent work . Kew-words: Dignity at Work. Right to Leisure . Evaluation of Human Work 1 INTRODUÇÃO Nesta pesquisa, apresentou uma reflexão sobre as influências da globalização no trabalho e, em destaque, o posicionamento em defesa das flexibilizações das legislações trabalhistas, que se em parte se encontra plasmado na proposta feita pela Confederação Nacional das Indústrias, em específico, no que diz respeito à desregulamentação da jornada de trabalho no Brasil. No primeiro capítulo faz-se um breve histórico sobre o trabalho e sua regulamentação. No segundo capítulo tratou-se dos princípios da dignidade da pessoa humana e do trabalho humano, previstos na Constituição Federal de 1988, na condição de fundamento da República e do Estado Democrático de Direito do Brasil. Considera-se que a flexibilização da legislação trabalhista é necessária, visto que a globalização exige modificação para que as empresas e os próprios trabalhadores sejam competitivos e se mantenham no mercado. No entanto, estas devem ser efetivadas à luz dos princípios da dignidade e da humanidade. No terceiro capítulo cita-se um exemplo de flexibilização que é a jornada de trabalho, fazendo um contraponto com os prejuízos que podem ser 74 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO causados a partir do momento que venha a ser admitida a proposta inovadora apresentada pela Confederação Nacional da Indústria. Foi citada a legislação vigente que delimita a jornada de trabalho e ampara o trabalhador para que este possa programar a utilização de seu tempo livre com antecedência. A Confederação Nacional das Indústrias propõe, sob o título de modernização trabalhista, 101 ementas sendo que a 10ª ementa recomenda o trabalho aos domingos e feriados a todas as categorias. Resta saber quais as consequências possíveis que podem ser produzidas a partir dessa proposta, como também, qual o impacto ou significado em relação à afetação do princípio da valorização do trabalho humano. Fica então delimitado o objeto do presente estudo, bem como estabelecidos os objetivos pretendidos, adotando-se para a presente pesquisa o método dedutivo, com pesquisas doutrinárias em especial, compartilhando o presente estudo com outras áreas do conhecimento. 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL O homem, em relação ao trabalho, passou pelas fases de escravidão, servidão e trabalho em corporações, sendo que a Revolução Industrial produziu talvez uma das maiores transformações na Europa do século XVIII no que diz respeito às mudanças nas estruturas políticas e na própria formação dos agentes sociais, que antes estava baseada na atividade agrícola e a partir dessa transformação, passou a ter como centro a atividade industrial. Somente nesta última fase houve maior preocupação com os direitos trabalhistas, podendo ser afirmado que o modo de produção capitalista, que de início produziu um grande desequilíbrio na chamada infraestrutura humana, por outro lado, também gerou o início daquilo que passou na sequência a ser traduzido como processo de valorização do trabalho humano. O proletário do século XVIII tinha uma jornada de trabalho de até 16 horas, quase que transformado em uma máquina, se levado em consideração a sua não condição de pessoa humana, na maioria das vezes com pouco desenvolvimento intelectual. Seu ambiente de trabalho e de habitação era degradante, visto que pouco ganhava para viver em condições humanas. Nesta época, em especial na Inglaterra, a exploração do trabalho humano atingiu um grau extremo, se comparada à rotina de trabalho, levando-se em conta o tempo da jornada e condições gerais de vida social (NASCIMENTO, 2002). No século XVIII, ainda na Europa (França, Inglaterra, Alemanha), em que pese às particularidades existentes em cada um dos Estados, o empregador impunha as condições de trabalho, como: o tempo trabalhado, os horários do trabalhador e as condições do meio ambiente de trabalho. O trabalhador, tendo 75 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO apenas a sua força de trabalho para sua manutenção e da sua família, sujeitavase se ao que era imposto pelo empregador (NASCIMENTO, 2002, p. 40). Com o avanço da industrialização (Europa, século XIX), a regulamentação do trabalho tornou-se necessidade, visto que este, até então, foi marcado por grande exploração, excessos e desgastes, produzindo baixos salários e condição humana desprezível (NASCIMENTO, 2002, p. 40). Com o surgimento do capitalismo iniciaram as discussões em torno da questão social, moral e ética, uma vez que o empobrecimento dos trabalhadores em todos estes aspectos foi notória (NASCIMENTO, 2002, p. 40). A questão aqui colocada não repousa somente no fato da preservação ou a geração de melhores condições de trabalho, mas também na preocupação do empresariado da época por conta do número abusivo de acidentes laborais, que estavam por provocar um colapso no próprio oferecimento de mão-de-obra principalmente para a indústria que se desenvolvia na época (NASCIMENTO, 2002, p. 40). Em 15 de maio de 1891 a Encíclica Rerum Novarum, de autoria do Papa Leão XIII trouxe por assim dizer o prelúdio daquilo que após passou a ser chamado por dignidade no trabalho, pois considerava o trabalho não como uma mercadoria, mas um modo de expressão direta da pessoa humana, sendo que, para a maioria dos homens o trabalho é a única fonte de meios de subsistência e de realização onde desenvolve suas habilidades. No entanto, por outro viés, não pode ser esquecido que o referido documento serviu para “abafar” principalmente os movimentos do leste europeu, que propugnavam a conquista pelos trabalhadores dos meios de produção. Foi também um combate às teorias socialistas e comunistas que estavam em franco desenvolvimento na parte ocidental da Europa. Consta na mesma Encíclica que o homem deve aceitar com paciência sua condição, pois é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível e, portanto, as diversas classes devem entrar em acordo. Esta divulga que (LEÃO XIII, 2013): Toda a economia das verdades religiosas, de que a igreja é guarda e intérprete, é de natureza a aproximar e reconciliar os ricos e os pobres, lembrando às duas classes os seus deveres mútuos e, primeiro que todos os outros, os que derivam da justiça. O que é vergonhoso e desumano é usar os homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O papa defendia o status quo e a resignação à situação social e econômica de todo ser humano, propondo o cristianismo como o melhor dos meios para garantir a paz social. No entanto, a regulamentação das relações 76 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO de trabalho era fundamental, visto que embora não fosse possível que todo ser humano tenha a mesma condição social e econômica, era necessário garantir sua dignidade. O aparecimento do Direito do Trabalho se deu principalmente a partir no século XVIII, com a Revolução Industrial, na Inglaterra, conforme já apresentado nos parágrafos anteriores. Com a invenção da máquina e sua utilização, ocorreram mudanças nos métodos de trabalho e nas relações entre patrão e empregado. A máquina a vapor, o tear mecânico e a expansão do comércio e da indústria acarretaram uma drástica redução da mão-de-obra utilizada e a consequente substituição do trabalho escravo, servil e corporativo, pelo trabalho assalariado. No Brasil, aquilo que precariamente pode ser chamado de indústrias começa a surgir em 1808, com a chegada da família real. Tem-se que o processo de industrialização no Brasil foi lento, ganhando algum dinamismo a partir do inicio do século XX, com o fim do tráfico negreiro e da escravidão, surgindo às primeiras associações operárias e anticapitalistas, com o prelúdio de formas de organização dos trabalhadores urbanos, incitando greves e manifestações dos trabalhadores (CUNHA, 1997, p. 11). O Brasil sofreu influências advindas de países Europeus como a Inglaterra, Alemanha e Itália que exerceram, de certo modo, alguma pressão no sentido de levar o Brasil a elaborar leis trabalhistas. Também, o compromisso internacional assumido pelo Brasil ao ingressar na Organização Internacional do Trabalho, criada pelo Tratado de Versalhes (1919), propondo-se a observar normas trabalhistas foi fundamental para a elaboração de um sistema próprio que passou a compor a chamada legislação trabalhista. Contudo, somente após a Revolução de 1930 em especial com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que se iniciou a fase da legislação trabalhista. Ainda que na década de 1910 já houvesse alguma forma de organização anarco-sindicalista e que a fundação do Partido Comunista seja de 1922, considera-se para fins desse estudo, que os principais diplomas legais específicos de proteção ao trabalho humano advieram somente após 1932, embora carecessem de uma ordem sistêmica, uma vez que se apresentava de forma fragmentada e despossuída da condição de abranger todos os trabalhadores. No ano de 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho foi decretada, e com ela apresentou-se a junção de várias leis trabalhistas já existentes e a criação de outras que formou a estrutura primeira do sistema trabalhista normativo nacional. Trata-se da era Vargas, com a formação de um complexo unitário diante do trabalhador urbano, que no Brasil, apresentava-se como algo novo. Nesta legislação os princípios e garantias constitucionais foram atestados no Brasil (DELGADO, 2001, p. 44). 77 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, houve lugar para se estabelecerem as condições das relações de trabalho, em especial visando proteger o trabalhador e enaltecendo os valores mínimos do trabalho humano. Foi estabelecido em seu artigo o art.7º, incisos XXX a XXXII e XXXIV, o equilíbrio entre trabalho e descanso, nos incisos XII a XV e XVII a XIX, também foi disposto sobre a duração da jornada de trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horário e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva. Tratou sobre o repouso semanal remunerado preferencialmente aos domingos, férias e licenças. O jurista José Afonso da Silva (1999, p. 292), preleciona: O art. 6º define o trabalho como direito social, mas nem ele nem o art. 7º, trazem norma expressa conferindo o direito ao trabalho. Este, porém, ressai do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho. Assim, no art. 1º, IV, se declara que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, entre outros, os valores sociais do trabalho; o art. 170 estatui que a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho, e no art. 193 dispõe que a ordem social tem como base o primado do trabalho. Tudo isso tem o sentido de reconhecer o direito social ao trabalho, como condição da efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, da dignidade da pessoa humana, fundamento, também, da República Federativa do Brasil (art. 1º, III) [...] As condições dignas de trabalho constituem objetivos dos direitos dos trabalhadores. Por meio delas é que eles alcançam a melhoria de sua condição social (art.7, caput), configurando, todo, o conteúdo das relações de trabalho, que são de dois tipos: individuais ou coletivas. Portanto, o objetivo maior dos direitos sociais é garantir uma vida digna e humana aos trabalhadores, sendo que somente poderá ser alcançada com a melhoria das condições de trabalho favorecendo, desta forma, a qualidade de vida. A Constituição Federal de 1988 e antes a Consolidação das Leis do Trabalho conferiram aos trabalhadores segurança jurídica e justiça social, que são características essenciais em um Estado Democrático de Direito. Nestas condições, a dignidade e a humanidade são características fundamentais para a realização do contido nestas cartas. 3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O TRABALHO HUMANO: PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA ORDEM ECONÔMICA A Constituição Federal de 1988, ao referir-se a dignidade como fundamento da República e do Estado Democrático de Direito reconheceu que é o 78 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Estado que existe em função da pessoa humana, e não o oposto, já que o ser humano constitui finalidade e não meio da atividade estatal. Portanto, a principal função do Estado é o bem estar das pessoas e proporcionar, a estas, uma vida digna. Celso Ribeiro Bastos (1995, p. 149), a respeito do assunto nos ensina que: A Constituição traz como fundamentos do Estado brasileiro a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a crença nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Estes fundamentos devem ser entendidos como o embasamento do Estado; seus valores primordiais, imediatos, que em momento algum podem ser colocados de lado. O Estado deve fazer valer os princípios constitucionais, e quando necessário, deve intervir de forma direta ou indireta para garantir o cumprimento dos objetivos fundamentais da República e do Estado Democrático de Direito. O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamental no ambiente de trabalho, é desrespeitado quando há exploração do homem através do trabalho, onde o ambiente de trabalho é insalubre e onde o salário mínimo não supre as necessidades básicas do trabalhador. O valor dignidade da pessoa humana vincula-se à tradição do pensamento cristão, ao colocar cada homem relacionado com um Deus que também é pessoa. Dessa verdade teleológica que identifica o homem à imagem e semelhança do Criador, derivam sua eminente dignidade e grandeza, bem como seu lugar na história e na sociedade. Por isso, a dignidade da pessoa humana não é, nem nunca foi, uma criação constitucional, mas um dado que preexiste a toda experiência especulativa, razão por que, no âmbito do Direito, só o ser humano é o centro de imputação jurídica, valor supremo da ordem jurídica (GOMES, 2005, p. 21). Todo ser humano deve ser respeitado, incluindo a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, no âmbito do Direito do Trabalho, sendo conferidas condições justas, equitativas e satisfatórias de trabalho. O princípio da dignidade é violado sempre que o indivíduo é tratado como um objeto ou instrumento de geração de lucro, sendo desumanizado e não possibilitando que este desenvolva suas potencialidades. Segundo Kant (2004, p. 58), as pessoas devem ser referenciadas como seres humanos, e não como um meio ou uma mercadoria para se obter lucro: No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade. 79 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Portanto, o homem, como ser racional, é um fim em si mesmo e não o uma mercadoria explorada por outrem. A liberdade de pensamento e principalmente a liberdade no ambiente de trabalho é primordial para que o homem se sinta humano e digno. A dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático de Direito e constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões considerada a democracia o único regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos desrespeitados no Estado autoritário, e que podem voltar a ser com as medidas flexibilizatórias. Estas medidas visam alterar as condições de trabalho de acordo com as modificações geradas, principalmente pela globalização, no entanto deve-se certificar que estas flexibilizações não violarão os princípios da dignidade e do trabalho humano, princípios estes preconizados na Magna Carta. 3.1 FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NO BRASIL E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Quando a Constituição Federal coloca o valor da pessoa humana como um princípio fundamental no artigo 1º, inciso III, este deve ser realizado sob o olhar de diferentes aspectos no cenário social, seja no tocante ao próprio interesse individual da pessoa, seja no plano econômico ou social, demonstrando os limites a serem respeitados pela flexibilização sob pena de tornar-se inconstitucional e violar o Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988 abrange o princípio da dignidade da pessoa humana, descrevendo diversas dimensões deste princípio. Em seu artigo 170 determina que a ordem econômica garanta a todos uma existência digna. O processo de flexibilização, ou um ajuste das normas jurídicas aplicáveis ao Direito do Trabalho, só é legítimo com a observação dos direitos e garantias fundamentais aplicáveis a todo cidadão seja ele trabalhador ou não, sob pena de estar ferindo norma de cunho legal e até mesmo podendo se tornar uma medida inconstitucional. Portanto, a flexibilização da legislação trabalhista não pode ferir nenhum princípio constitucional. A flexibilização trabalhista é conhecida como meio de adequação e redução das leis trabalhistas. Este processo pode ser realizado através de negociações coletivas, sendo apresentadas como necessidade de mercado ou com a menor intervenção do Estado na atividade econômica e redução das normas de proteção aos trabalhadores. Flexibilizar contratos trabalhistas como forma única de propiciar um incremento na geração de empregos, na ânsia de combate ao crescente desemprego, com vistas ao desenvolvimento econômico e social, apresentados 80 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO por muitos através do termo modernidade, pode ocasionar sérios riscos aos trabalhadores, na medida em que retira do Estado o poder intervencionista. De acordo com Karl Marx (1980), em sua obra O Capital, a indústria moderna exige, por suas características, variação e fluidez do trabalho, ou seja, este deve se adaptar e se adequar as modificações constantes típicas. Marx também informa a respeito da elasticidade que as máquinas e a força humana revelam, quando distendidas ao máximo pela diminuição compulsória da jornada de trabalho. Para o autor, o trabalhador se desdobra para cumprir sua função em um tempo de trabalho reduzido, faz em 1 (uma) hora o que deveria ser feito em 2 (duas), gerando maior exploração e desgaste físico e mental. Nesta mesma linha de pensamento, Giovanni Alves (2009, p. 43) considera que a flexibilização do trabalho possui duas características marcantes: “a precarização estrutural do estatuto salarial (o que implica perdas históricas de empregos, vantagens salariais e direitos e da classe do proletariado) e a constituição de uma nova precariedade salarial [...]”. Para estes dois autores, as flexibilizações não gerarão emprego, melhores salários, melhores condições de trabalho, e sim são postas em prática, na maioria das vezes, para explorar ainda mais o trabalhador e causar o estranhamento deste com a sua função e com ele mesmo. Para Alves (2009, p. 46): Deste modo, a mundialização do capital, a ‘acumulação flexível’ e o neoliberalismo constituíram nas últimas décadas de capitalismo global, um novo (e precário) mundo do trabalho complexificado, fragmentado e heterogeneizado. (grifo do autor). Dinaura Godinho Pimentel Gomes (2005, p. 92) leciona que a flexibilização, posta em prática na atualidade, afasta o Estado da proteção ao trabalhador, desampara-o, ficando suscetível a violações do princípio da dignidade e do trabalho humano, para ela: [...] a flexibilização e a desregulamentação, nos moldes hoje determinadas, têm por escopo justamente afastar o Estado desta modalidade de relação contratual e, consequentemente, em detrimento desses mesmos princípios e regras que resguardam aquele mínimo de dignidade, duramente conquistado. E complementa, afirmando que (GOMES, 2005, p. 93): Na verdade, tais imposições advindas do neoliberalismo e da globalização, trazem pois, como resultado, o amargo retorno à 81 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO pré-modernidade, o que evidencia a volta da barbárie; ou, mais precisamente impõe uma nova forma de regulação feudal, a ignorar completamente o longo percurso da conquista desses direitos. De acordo com a autora, a flexibilização e a desregulamentação das leis trabalhista são retrocesso e perda de direitos conquistados através de muita luta. O processo de flexibilização de forma descuidada poderá redundar na descaracterização do próprio Direito do Trabalho, a partir do momento que o mesmo é apreendido como instrumento necessário à proteção do trabalho humano. Caso os processos flexibilizatórios venham a negar esse valor e provoque a fragilização da proteção dos direitos sociais, ter-se-á a própria inconstitucionalidade desta adequação da legislação. Também, a própria justiça social, pode ser afetada pelas modificações da legislação. Sobre justiça social escreve José Afonso da Silva (1999, p. 764): Um regime de justiça social será aquele em que cada um deve dispor dos meios materiais para viver confortavelmente segundo as exigências de sua natureza física, espiritual e política. Não aceita as profundas desigualdades, a pobreza absoluta e a miséria. O reconhecimento dos direitos sociais, como instrumento de tutela dos menos favorecidos, não teve, até aqui, a eficácia necessária para reequilibrar a posição de inferioridade que lhes impede o efetivo exercício das liberdades garantidas. Assim, no sistema anterior, a promessa constitucional de realização da justiça social não se efetivará na prática. A Constituição de 1988 é ainda mais incisiva no conceber a ordem econômica sujeita aos ditames da justiça social para o fim de assegurar a todos existência digna. Dá à justiça social um conteúdo preciso. Preordena alguns princípios da ordem econômica - a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução as desigualdades regionais e pessoais e a busca do pleno emprego – que possibilita a compreensão de que o capitalismo concebido há de humanizar-se (se é que isso seja possível). Traz, por outro lado, mecanismos na ordem social voltados à sua efetivação. Tudo depende da aplicação das normas constitucionais que contêm essas determinantes, esses princípios e esses mecanismos. (grifo do autor). Buscando-se o equilíbrio social, frente à nova realidade, o processo de flexibilização das normas trabalhistas não é uma imperiosa necessidade. A urgência, pois, não está na modificação de normas jurídicas laborais, mas 82 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO na implementação de políticas públicas que propiciem o desenvolvimento econômico do país, com justa distribuição de renda e medidas que inibam o engessamento do mercado de trabalho. Todavia, qualquer alteração a ser promovida deve respeitar o núcleo de normas constitucionais, que deverá permanecer inatingível, pois a ordem jurídica tem o dever de assegurar a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, que são fundamentos do Estado Democrático de Direito. 3.2 A GLOBALIZAÇÃO E NECESSIDADE DE ADEQUAÇÕES NAS RELAÇÕES DE TRABALHO O mundo vive o processo de globalização, ou mundialização, onde a competitividade gera aceleração do desenvolvimento tecnológico, exigindo que as empresas nacionais acompanhem esta evolução para conseguirem competir no mercado nacional e internacional. No entanto, o desenvolvimento das máquinas gera o desemprego e a extinção de postos de trabalho. A globalização que o mundo está vivendo aumenta a competitividade, o que acarreta aceleração da revolução tecnológica, sem o que as empresas não conseguem competir no mercado. Isto vem causando taxas de desemprego crescentes, que não se têm estabilizado, pois mesmo que crie novos e especializados mercados, estes são insuficientes para a absorção do número de postos extintos devido a substituição do homem pela máquina, além do que a especialização é algo que demanda tempo para ser alcançada.(CARLI, 2005, p. 50) O Direito do Trabalho visa à proteção do trabalho digno e à busca constante de uma igualdade substancial, que resulta em uma sociedade justa. Historicamente, pois, o Estado passou a regulamentar detalhadamente as condições de trabalho. De qualquer forma, com a globalização da economia mundial, é necessário que o Estado atue na economia, a fim de possibilitar a criação, manutenção e qualidade do emprego, conforme demonstra o professor Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 06): Com efeito, no âmbito da globalização econômica e da afirmação do pensamento neoliberal, verifica-se que a redução do Estado, caracterizada principalmente pela desnacionalização, desestatização, desregulação e diminuição gradativa da intervenção estatal na econômica e sociedade, tem ocasionado, paralelamente ao enfraquecimento da soberania interna e externa dos Estados 83 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO nacionais (sem que se possa, contudo, falar em seu desaparecimento), um fortalecimento do poder econômico, notadamente na esfera supranacional. Além de uma atuação segura por parte do Estado, cada dia mais o empregado necessita de uma efetiva representatividade nas negociações trabalhistas, e a atuação sindical revela-se um procedimento importante e necessário, na medida em que defenda e não coloque em risco os direitos fundamentais. A globalização da economia produziu efeitos substanciais nas relações individuais de trabalho. E é certo dizer que tais inovações, como a tecnológica, juntamente com a competitividade entre as economias transnacionais produzem um novo cenário jus-laboral. Tais alterações, consideradas isoladamente, não maculam os princípios que norteiam o Direito do Trabalho. Todavia, estes fatores, aliados a uma economia que não propicia o crescimento econômico, produz distúrbios no mercado de trabalho, prejudicando tanto empregados como também os próprios empregadores. A crítica que se faz sobre a flexibilização, como posta pelo sistema neoliberal, não é fundamental, pois não está atrelada à exigência de uma ética de justiça social, inspirada em uma ordem democrática que conserve o exercício de direitos fundamentais, assim como ensina Silvano Gomes (2002, p. 60): A globalização da economia demonstra dois pontos fundamentais: a necessidade de adaptação do trabalho à demanda imposta pelo fenômeno econômico, social e tecnológico, e a capacidade de flexibilização do trabalho encarado modernamente, matéria de competência do Direito do Trabalho. No entanto, há que se compreender denominação e conceituação do termo flexibilização, afim de que melhor se faça a delimitação do problema. Vilma Maria Inocêncio Carli (2005, p. 50), leciona que: A flexibilização é um fenômeno irreversível e o direito do trabalho deve aceitá-la para não obstar o desenvolvimento, com ela conviver, apesar dela promover melhorias no mercado de trabalho. Pela desregulamentação a taxa de desemprego pode ter aumento significativo, pois, sabemos que os fatores para seu surgimento são produzidos pela crise econômica, através das transformações tecnológicas e de melhor qualidade de vida. 84 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Mesmo os flexibilistas admitem que o problema na geração de empregos não é fato único e exclusivo das normas protecionistas que regram o Direito do Trabalho. Pois a própria autora acima mencionada na posição de flexibilista assumida, mais adiante traz à baila questões de ordem tributárias bem como no sistema burocrático previdenciário e os custos com encargos sociais, observa-se (CARLI, 2005, p. 50): O papel do contrato de trabalho, tem na flexibilização das relações entre empregados e empregadores, com a revolução tecnológica, os avanços da microeletrônica e da telecomunicação no mundo que mudou, e as empresas foram forçadas a enfrentar uma feroz competição e o inovar tornou-se absolutamente essencial para ser vencido o desafio e gerar empregos, realizando várias mudanças na contratação individual e coletiva, todas orientadas pela flexibilização, simplificando o sistema previdenciário, reduzindo os encargos sociais, descentralizando as negociações, aumentando a produtividade do trabalho, subcontratando e terceirizando a mão de obra, vencendo a competição, elevando o nível do emprego, portanto, é a flexibilização que dará ao País as condições de competir e manter seu povo empregado. Portanto, vê-se que as causas estruturais do desemprego são mais diversas e são consequências de outros fatores que não têm qualquer ligação com a suposta rigidez da legislação. A Constituição Federal de 1988 estabelece os permissivos de flexibilização de salário bem como de jornada de trabalho segundo as normas contidas no artigo 7º incisos VI e VIII, ao especificar que são os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem à melhoria de sua condição social. Observa-se que já existem regramentos que possibilitam flexibilização do Direito do Trabalho, inclusive para questões primordiais como: salário, jornada de trabalho, contrato de trabalho e outros. No entanto, estas modificações não geraram novos postos de trabalho, ou não se verificou melhora na situação econômica e social dos trabalhadores. Após todas as considerações feitas, há necessidade de analisar a flexibilização sob o enfoque da jornada de trabalho, no intuito de coadunar com a proposta apresentada pela Confederação Nacional da Indústria, anteriormente anunciada. 4 FLEXIBILIZAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO A limitação da jornada de trabalho é necessária para efetividade dos princípios da dignidade da pessoa humana e do trabalho humano para que desta 85 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO forma o trabalhador tenha delimitado o tempo de trabalho e o tempo de lazer, podendo utilizar este para descansar, refletir, harmonizar com a família, pescar, ir ao cinema, jantar fora, ler etc. As novas demandas da sociedade moderna desafiam o Direito a apresentar soluções para atender a empresa/empregador e o empregado. Desta forma, surge à necessidade de adequar a jornada de trabalho. A flexibilização da jornada de trabalho é apresentada como uma situação em que o trabalhador escolhe o horário em que deve estar na empresa para exercer sua função, neste caso possui o horário livre, no caso da flexibilização em horário fixo o trabalhador deve estar presente “obrigatoriamente” no horário determinado pelo empregador em um limite mínimo e máximo de trabalho (MARTINS, 2002, p. 77). O que se observa é que a flexibilização da jornada de trabalho não é consequência do desemprego e do baixo salários, tratando-se de um meio de adequação às constantes modificações da sociedade moderna. No entanto, devese destacar que estas adequações devem, necessariamente, estarem condizentes com os princípios da Constituição Federal para que desta forma os direitos indisponíveis dos trabalhadores não sejam lesados. 4.1 TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS: DISPOSIÇÕES NORMATIVAS A Constituição Federal (BRASIL, 2003) dispõe no artigo 7º, inciso XV, o “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”. O repouso semanal remunerado é uma medida de proteção ao trabalhador, que consiste no direito do empregado de não trabalhar durante pelo menos um dia, pré-fixado em cada semana, sem prejuízo da remuneração correspondente. O repouso semanal remunerado está disciplinado nos artigos. 67 e 68 da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como nos artigos da Lei nº 605/49. Os artigos da Consolidação das Leis do Trabalho proclamam: Art. 67. Será assegurado a todo empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte. Parágrafo único. Nos serviços que exijam trabalho aos domingos, com exceção quanto aos elencos teatrais, será estabelecida escala de revezamento, mensalmente organizada e constando de quadro sujeito à fiscalização. 86 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Art. 68 O trabalho em domingo, seja total ou parcial, na forma do art. 67, será sempre subordinado à permissão prévia da autoridade competente em matéria de trabalho. Parágrafo único. A permissão será concedida a título permanente nas atividades que, por sua natureza ou pela conveniência pública, devem ser exercidas aos domingos, cabendo ao Ministro do Trabalho expedir instruções em que sejam especificadas tais atividades. Nos demais casos, ela será dada sob forma transitória, com discriminação do período autorizado, o qual, de cada vez, não excederá de 60 (sessenta) dias. O artigo 1º da Lei nº 605/49 preleciona que: “Art. 1º. Todo empregado tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferentemente aos domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feridos civis e religiosos, de acordo com a tradição local”. A legislação prevê que em virtude de exigências específicas das empresas, poderá ser concedida autorização em caráter transitório ou permanente para o trabalho aos domingos. Há regra inserta no art. 8º combinado com o art. 10 da Lei nº 605/49: Art. 8º Excetuados os casos em que a execução do serviço for imposta pelas exigências técnicas das empresas, é vedado o trabalho em dias feriados civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a remuneração respectiva, observados os dispositivos dos art. 6º e 7º. Art. 10. Na verificação das exigências técnicas a que se referem os artigos anteriores, ter-se-ão em vista as de ordem econômica, permanentes ou ocasionais, bem como as peculiaridades locais. Parágrafo único. O Poder Executivo, em decreto especial ou no regulamento que expedir para fiel execução desta lei, definirá as mesmas exigências e especificará, tanto quanto possível, as empresas a elas sujeitas, ficando desde já incluídas entre elas as de serviços públicos e de transportes. O trabalho aos domingos nos estabelecimentos do comércio varejista em geral foi autorizado pelo Decreto nº 99.467/90. A autorização ficava condicionada à prévia de um acordo ou convenção coletiva de trabalho, conforme o art. 1º do decreto: 87 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Art. 1º Fica facultado o funcionamento aos domingos do comércio varejista em geral, desde que estabelecido em Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, respeitadas as normas de proteção ao trabalho e o art. 30, inciso I, da Constituição Federal. A Lei 10.101/2000 alterou o Decreto 99.467 autorizando o trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, independentemente da prévia celebração de convenção ou acordo coletivo de trabalho. Art. 6º. Fica autorizado, a partir de 9 de novembro de 1997, o trabalho aos domingo no comércio varejista em geral, observado o art. 30, inciso I, da Constituição. Parágrafo Único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras previstas em acordo ou convenção coletiva. Desta forma, através autorização legislativa federal, o trabalho aos domingos no comércio varejista em todo o território nacional, em 1997, foi plenamente autorizado. As empresas deveriam conceder o repouso semanal no domingo pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas, respeitar as demais normas de proteção ao trabalho e outras previstas em convenção coletiva de trabalho. De outra parte, em relação aos feriados, não havendo qualquer autorização expressa, em princípio, ao comércio varejista em geral estava vedado o direito de funcionar em tais datas. As empresas legalmente autorizadas a funcionar aos domingos são obrigadas a organizar escalas de revezamento, a fim de que cada empregado usufrua de pelo menos um domingo de folga no mês, sendo os restantes em outros dias da semana A escala de revezamento será efetuada por meio de livre escolha do empregador (art. 6º do Decreto n. 27.048, de agosto de 1949, e alínea “b” do art. 2º da Portaria n. 417, de 10 de junho de 1966). No dia 24 de março de 2014, o Ministério do Trabalho e Emprego publicou a Portaria 375 (BRASIL, 2014), que dispõe sobre pedidos para autorização de trabalho em domingos e feriados, elencando no art. 2 e alíneas os documentos necessários: laudo elaborado por instituição Federal, Estadual ou Municipal, indicando as necessidades de ordem técnica e os setores que exigem a continuidade do trabalho, com validade de quatro anos; acordo coletivo de trabalho ou anuência expressa de seus empregados, manifestada 88 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO com a assistência da respectiva entidade sindical; e escala de revezamento. As autorizações serão concedidas por até dois anos, renováveis por igual período. Esta norma também declara que a empresa que tiver histórico de reincidência em irregularidades no que se refere à jornada de trabalho ou norma de segurança, terá o pedido negado. Verifica-se que a legislação trata o trabalho aos domingos e feriados como exceção, em regra estas datas devem ser de tempo livre e de lazer em que o trabalhador utilize destes momentos para harmonizar com sua família, ler, descansar, pescar, ir ao cinema, viajar, contemplar algo enfim, momento de liberdade. 4.2 PROPOSTAS DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA PARA MODERNIZAÇÃO TRABALHISTA No ano de 2012, a Confederação Nacional da Indústria, publicou 101 ementas propondo a modernização das leis trabalhistas (2013). O argumento para a publicação e efetivação das demandas é que além da necessidade de adequação às transformações decorrentes da globalização há a necessidade de garantia de competitividade às empresas possibilitando a oferta de produtos e serviços a preços acessíveis aos consumidores, e a geração de mais e melhores empregos. Dentre as ementas há a que propõe o trabalho aos domingos e feriados sem a obrigatoriedade de autorização do Ministério do Trabalho e do Emprego, sendo permitido para todas as atividades laborais, e função do empregador a verificação da necessidade desta jornada. Faz-se análise quanto ao corolário da aprovação desta ementa, principalmente com enfoque no núcleo familiar e na saúde mental e física do trabalhador. 4.1.2 EMENTA 10 DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA: TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS O Repouso Semanal Remunerado aos domingos e feriados é um costume religioso, sendo parte da cultura da sociedade. No entanto, em função da globalização e da competitividade da economia os agentes produtivos tentam “por todos os meios” incluir os domingos e feriados como dias úteis de trabalho. A décima ementa da Confederação Nacional da Indústria propõe que o trabalho aos domingos e feriados seja estendido para todas as categorias, sem restrições, desde que se mantenha o direito a repouso semanal remunerado e às formas de pagamento contido na legislação vigente. A proposta visa permitir o trabalho em domingos e feriados, sem necessidade da autorização pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, para 89 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO todas as categorias, a partir de negociação coletiva ou de escala de revezamento especial para tais dias, de forma que para cada domingo e para cada feriado fosse escalado um grupo de funcionários diferentes. A Constituição Federal de 1988 garante aos trabalhadores o direito a um dia de repouso por semana, preferencialmente aos domingos, a Consolidação das Leis do Trabalho em seu artigo 67 e seguintes proíbe o trabalho aos domingos e feriados, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade do serviço. A lei 605/1949, estabelece que todo o empregado tem direito ao repouso de 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos e nos limites das exigências das empresas. O Decreto 27.048/1949 definiu a relação de algumas atividades consideradas “essenciais” e que independem de autorização prévia para funcionamento. Em 2007, com a edição da Lei 11.603/2007, houve a ampliação da possibilidade do trabalho aos domingos. Este benefício foi exclusivo para as atividades de comércio. O trabalho nos feriados ficou autorizado desde que previsto em convenção coletiva de trabalho e nos limites da legislação local. A lógica para a restrição do trabalho nesses dias é frágil e está em sentido contrário à tendência de consolidação de um conjunto de atividades nos domingos. O descanso semanal precisa ser mantido e esse direito está garantido constitucionalmente. Com a concessão deste benefício, há necessidade de fiscalização do trabalho, podendo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego determinar o cancelamento da autorização a qualquer tempo. O processo de autorização do trabalho aos domingos é burocrático, iniciado com a solicitação de autorização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego local. Esta deve estar acompanhada do laudo técnico indicando a necessidade de ordem técnica e os setores que exigem a continuidade do trabalho e o acordo coletivo de trabalho ou anuência expressa de seus empregados, manifestada com a assistência da respectiva entidade sindical, também deve constar a escala de revezamento organizada a fim de que, em um período máximo de sete semanas de trabalho, cada empregado usufrua de um domingo de folga. A ementa propõe um projeto de lei ordinária alterando o artigo 67 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho e alteração da Lei 605/1949 e Decreto 27.048/1949 para determinar a permissão do trabalho aos domingos e feriados. O ganho esperado com a efetividade desta modificação é o aumento da produtividade e da competitividade das empresas brasileiras, além do número de empregados e de salários pelos trabalhadores e aumento de arrecadação de impostos pelo Estado. 90 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO 4.3 TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS E A UNIDADE FAMILIAR A família e sua unidade são elementos primordiais para a qualidade de vida de todo ser humano, esta deve ser valorizada, destacada e protegida pelo Estado que apesar da necessidade de flexibilizações nas leis trabalhistas, precisa ser mantida sob pena de ir contra a efetividade do princípio da dignidade e da humanidade. A aprovação do trabalho aos domingos e feriados seria uma tragédia às famílias brasileiras visto que os domingos e os feriados são tempo livre em que todos passam juntos, é um dia em que utilizam para reunir-se, conversar, trocar informações, enfim, é um dia em que estreitam os laços familiares e mantêm a sua unidade. Sem os domingos e feriados os membros de um núcleo familiar não teriam essa união, esse dia de reunião e lazer, visto que cada um teria um dia de descanso diferente do outro. Esta flexibilização não traria benefício à família, nem ao trabalhador que teria de readequar-se ao seu tempo de trabalho e ao seu tempo livre. De acordo com Lourival José de Oliveira (2013): As novas rotinas de trabalho, como por exemplo, naquelas atividades que se exige o trabalho aos domingos e feriados com vistas a compensar o horário gasto em forma de banco de horas, podem traduzir a própria desagregação familiar ou a transformação dessa estrutura para algo nutrido por outras necessidades que não mais a afetiva e sim a racional, sintonizada de acordo com as necessidades do modo de produção em que a família está envolvida. Portanto, os membros do núcleo familiar trocam as relações de afeto e espontaneidade por comportamentos racionais e de encontro com as exigências do mundo do trabalho, retornando a Kant, o homem deixa de ser um fim em si mesmo, deixa de ser ele mesmo para se tornar um instrumento de realização do mundo capitalista. Esta desagregação familiar, ligada à precariedade do trabalho, podem gerar danos psicológicos devastadores aos membros da família como: sensação de incapacidade, vergonha, desespero, depressão e outras doenças mentais que podem resultar em doenças físicas, baixa auto-estima, uso de drogas e bebidas, violência familiar e fora do núcleo familiar. A própria Constituição Federal, conforme já citado neste artigo, estabelece o repouso semanal remunerado preferencialmente aos domingos, ou seja, somente em situações excepcionais o repouso pode ser em outro dia da semana. Tornando este 91 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO estabelecido como regra, todos os membros da família podem se reunir neste dia, mesmo que todos exerçam alguma atividade laboral. No entanto, se a cada membro for dada um dia da semana diferente, não será possível o exercício da intimidade familiar e a vida de cada um será voltada, fundamentalmente, ao trabalho. Neste sentido, ensina Lourival José de Oliveira (2013): É possível, sem radicalização, afirmar que a família, na forma como está se comportando diante do modo de produção atual (capitalismo globalizado), com as alterações a ela impostas, não possui condições de cumprir com seus deveres, constitucionalmente consagrados. Diante disso, tem-se como desaguadouro o não cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana. O ser humano que não exerce as atividades familiares ou que pertence a um núcleo familiar desagregado não possui qualidade de vida, não possui referência e aspectos mínimos para se considerar digno, consequentemente, verifica-se uma desestruturação social, ou seja, toda a sociedade sentirá os efeitos devastadores de um mundo onde a família é deixada em segundo plano, onde esta é desvalorizada e não praticada. A prática desta ementa apresenta-se de forma totalmente inviável e prejudicial não apenas ao trabalhador, mas a toda a sociedade e desta forma é primordial a intervenção do Estado para fazer valer sua função de protetor e garantidor dos princípios constitucionais. 5 CONCLUSÕES As relações de trabalho sofrem os efeitos das transformações produzidas pelo fenômeno da globalização e, como consequência, ocorre o processo de reestruturação produtiva, sendo considerado como as modificações no sistema de produção e prestação de bens, em que as empresas adequam-se criando novos procedimentos de trabalho, modificando a rotina do trabalhador e, consequentemente, a de sua família; Dentre as transformações está flexibilização das leis trabalhistas que deve ser efetuada em consonância com os princípios da Constituição Federal de 1988, com ênfase aos princípios da dignidade da pessoa humana e do trabalho humano. No entanto há casos em que esses princípios não são observados como no exercício do trabalho aos domingos e feriados, esta prática contribui com o processo de desagregação familiar; A jornada de trabalho deve ser delimitada para que o trabalhador tenha organizado o seu tempo de trabalho e o seu tempo de lazer, podendo 92 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO utilizar este para descansar, refletir, conviver com a família, sair com amigos, pescar, ir ao cinema, jantar fora, ler etc. As condições para a realização dessa prática fazem parte do processo de valorização do trabalho humano, que em último caso, constitui-se também na construção de um tempo livre, que pode ser traduzida em parte no chamado direito ao lazer. A aprovação da décima ementa da Confederação Nacional da Indústria que considera o trabalho aos domingos e feriados contribuiria para o possível distanciamento do trabalhador do seu núcleo familiar. Desponta-se por fim a necessidade da intervenção estatal em proteger a família e através desta proteção, também a proteção das relações de trabalho ou vice-versa, por conta do comprometimento dos dois ambientes citados. Compreender que o homem produz sua vida a partir da produção do trabalho, cuja forma de realização expande-se alcançando o meio ambiente familiar, estabelece novos limites que se encontram compreendido na própria valorização do trabalho humano, tornando-se um propósito multifacetário. Por esta razão e compreendendo a proteção constitucional dirigida à família (artigo 226) principalmente, conclui-se que a proposta já descrita, apresentada pela Confederação Nacional da Indústria é inconstitucional, não comportando a flexibilização pretendida. 93 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. A condição de proletariedade: a precariedade do trabalho no capitalismo global. 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São Paulo: Malheiros, 1999. 95 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO FORMAS DE PROTEÇÃO CONTRA A DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NA RELAÇÃO DE EMPREGO DE ACORDO COM A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL FORMS OF PROTECTION AGAINST SUPPLY WITH THE EMPLOYMENT DISCRIMINATION UNDER THE CONSTITUTIONAL ECONOMIC ORDER Margarete de Cássia Lopes7 Lourival José de Oliveira8 RESUMO O presente artigo tratou sobre a proteção dos empregados diante da resilição do contrato de trabalho, quando ocorre de forma comprovada a dispensa discriminatória. Buscou fazer a releitura do instituto da dispensa e os instrumentos de proteção, levando-se em conta a prevalência dos Direitos Humanos e os princípios da ordem econômica, tendo em vista a aplicação na relação de direito privado, em especial na relação de emprego. Foram estudados os meios de proteção previstos na legislação ordinária voltada ao tema, o instituto da reintegração ao emprego, as formas de indenização compensatórias e a criminalização do ato do empregador, levando-se em conta as tutelas específicas para cada uma das situações expostas. Foi dado relevância a Ação Civil Pública, enquanto um dos instrumentos de proteção, sob o enfoque da tutela coletiva, nas formas preventiva e inibitória. Por último, foram considerados para as mesmas defesas os atores Ministério Público do Trabalho e os Sindicatos, levando-se em conta as suas potencialidades, atribuições e as vantagens existentes na atuação enquanto representantes ou assistentes processuais. Adotou-se o método dedutivo, com pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais. Palavras-chave: Dispensa discriminatória; proteção da relação de emprego; tutela coletiva ABSTRACT This paper discussed about the protection of employees on the termination of the employment contract, when it occurs so proven discriminatory Mestranda do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília; Docente da Rede Gonzaga de Ensino Superior – Unidade de Dracena/SP Presidente da 49ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Dracena/SP; Advogada em Dracena-SP. 8 Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC –SP), Docente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília; Docente do Curso de Graduação em Direito da Universidade Estadual de Londrina-PR; Coordenador de Curso de Direito da FACAR; Advogado em Londrina-Pr. 7 96 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO dismissal. Pursue to reread the Institute of layoff and hedging instruments, taking into account the prevalence of human rights and the principles of economic policy, with a view to application in respect of private law, in particular in the employment relationship. The safeguards provided for in ordinary legislation geared to the theme were studied, the institute’s reinstatement to employment, forms of compensatory damages and the criminalization of the act of the employer, taking into account the specific guardianships for each of the situations described . Importance was given to Civil Action, as one of the instruments of protection, with a focus on collective protection, the preventive and inhibitory forms. Finally we considered the same defenses actors Ministry of Labor and Unions, considering their potential and existing advantages in its action as procedural representatives. We adopted the deductive method, with bibliographical and jurisprudential research. Kew-words: Fundamental human rights, discriminatory dismissal, Legal Instruments of protection, Specific guardianships and Collective 1 INTRODUÇÃO Buscou-se com o presente trabalho trazer uma releitura da dispensa discriminatória e dos institutos de proteção do empregado levando-se em conta a proteção dos Direitos Fundamentais que fundamentam de forma direta e indireta os princípios do Direito do Trabalho, valendo citar em especial, a proteção da relação de emprego sob o prisma da dignidade do trabalho humano e sob a ótica dos princípios da ordem econômica. Normas e entendimentos anteriormente consolidados passam a ser objetos de releitura por parte do legislador, da jurisprudência, de acadêmicos e demais operadores do direito, com vistas a coaduná-los com novos paradigmas a partir do status de Direito Fundamental alcançado pelos direitos trabalhistas na Constituição Federal, de forma a compatibilizá-los com as bases da República Federativa do Brasil e por sua vez com o Estado Democrático de Direito. Sob o imperativo maior de proteção à dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, visa este artigo trazer para a discussão acadêmica os instrumentos jurídicos de proteção do trabalhador quando se depara com situações de dispensa discriminatória. Com a busca da concretização da doutrina constitucional dos Direitos Fundamentais, surgem decisões emanadas dos tribunais superiores buscando expurgar a conduta discriminatória praticada pelo empregador, não se permitindo que este ofenda Direitos Fundamentais durante a relação de emprego. O valor trabalho é fundamental para o desenvolvimento do ser humano sob diversas óticas: física, psicológica, social e financeira, fazendo-se 97 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO indispensável para o crescimento pessoal. Os cidadãos inseridos no mercado de trabalho dedicam grande parte do dia ao trabalho razão pela qual, no local da prestação do serviço deva prevalecer a urbanidade e o respeito entre as pessoas com constante busca da harmonia na convivência diária. O trabalho não é somente um instrumento de concretização da dignidade humana, condição de subsistência, é também meio de construção da vida digna do homem, tornando-o principalmente em uma das formas de revelação da potencialidade humana. A atividade econômica, empresarial, somente se justifica se resultar na valorização do trabalho humano de forma a propiciar vida digna, contribuindo para o bem-estar e distribuição de justiça social, com a prevalência os Direitos Humanos e os princípios que norteiam a ordem econômica. Dada à relevância e atualidade do tema, a questão que se pretende examinar no presente trabalho reside na verificação da efetividade dos instrumentos jurídicos de proteção contra a dispensa discriminatória, tutelas específicas como reintegração, indenização e criminalização, bem como a utilização de tutelas coletivas preventivas e inibitórias como concretização das garantias constitucionais, no curso da relação de emprego e da atividade empresarial. Por meio do método dedutivo, e com a utilização da pesquisa bibliográfica, pretende-se elaborar um estudo interdisciplinar, levando em conta a dispensa discriminatória sobre os mais diversos ângulos, estando os estudos sempre pautados nos Direitos Fundamentais, no caso específico, sob o ângulo da proteção do trabalho digno. 2 DA DISCRIMINAÇÃO NA RELAÇÃO DE EMPREGO Arendt coloca que a atividade humana pode ser estudada em várias concepções:“Labor é a atividade que atende às condições vitais do homem, envolvendo o consumo para seu crescimento espontâneo, metabolismo e declínio têm a ver com as necessidades de subsistência”. O trabalho já se volta à produção de mundo artificial de coisas que o homem erige para si, individualmente, diferente do mundo natural. Não se confunde com o Labor, voltado para o consumo. Por fim, a ação é a atividade que diz respeito à condição humana da pluralidade, diretamente entre os homens, sem relação com bens materiais. É a relação dos homens entre homens, tão somente, para partilha do mundo entre si, com caráter essencialmente político. (ARENDT, 1981, pp. 15-20) Desta forma, os contratos de trabalho, como todos os outros, extinguem-se em razão de um fato que lhes põe fim. No ordenamento jurídico nacional localiza-se a resilição, a resolução, a revogação, a rescisão e a força maior como causas de dissolução do contrato de trabalho. 98 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO A resilição do contrato de trabalho ocorre, em vias normais, por acordo entre as partes em por fim ao contrato. No contrato de trabalho por prazo indeterminado, a resilição espécie de dispensa própria dos contratos sucessivos e sem prazo, reflete-se de forma diversa, onde a possibilidade de distrato vem atribuída a ambas as partes por declaração unilateral. Veja-se o conceito de dispensa extraído da obra de Amauri Mascaro Nascimento: “dispensa é a ruptura do contrato de trabalho por ato unilateral e imediato do empregador, independente da vontade do empregado” (NASCIMENTO, 2012, p. 1169). E ainda segundo a obra “Instituições de Direito do Trabalho” defendida pelos autores Arnaldo Sussekind, Délio Maranhão, Segados Viana e Lima Teixeira: [...] a resilição unilateral configura um direito potestativo. A declaração de vontade traduz o exercício desse direito tem caráter receptício e, de regra não está subordinado a requisito de forma. Pela natureza receptícia a declaração, ela se dirige ao destinatário determinado, considerando-se o ato perfeito, independente de aceitação deste. (SÜSSEKIND; MARANHÃO; VIANA; TEIXEIRA, 2005, p. 562/563) Assim, a dispensa discriminatória se encontra dentre as espécies de dispensas arbitrárias, classificada por Sérgio Pinto Martins, espécie de dispensa quanto aos motivos: [...] motivos: imotivadas ou arbitrária, em que não há motivo específico para dispensa do trabalhador; motivada ou sem justa causa em que o trabalhador é dispensado por motivos de capacidade, tecnológicos, econômicos, financeiros; com justa causa, em razão de ato grave praticado pelo empregado. Tem fundamento no art. 482 da CLT; e discriminatória, conforme previsão da Lei nº 9.029/95; (MARTINS, 2008, p. 346) No conceito semântico do vocábulo tem-se conforme dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: s.f ação ou efeito de discriminar ou diferenciar; capacidade de distinguir ou estabelecer diferenças; discernimento. Ação de afastar, segregar ou apartar; designação da ação de marginalizar ou tratar de maneira diferente ou parcial, devido a diferenças sexuais, raciais, religiosas. 99 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO O conceito jurídico diz-se como ato que quebra o princípio constitucional da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferências, motivado por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas. A Convenção 111 da OIT – Organização Internacional do Trabalho possui dispositivo que muito contribui para compreensão do conceito dentro da relação de emprego: artigo 1º: Para fins desta Convenção, o termo discriminação inclui: “ a) toda distinção, exclusão ou preferência, feita com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha efeito de anular ou impedir a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego ou na ocupação. B) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou impedir a igualdade de oportunidades ou tratamento no emprego ou na ocupação, conforme pode ser definido pelo Membro em questão, após consultar organizações representativas de empregadores e de trabalhadores, se as houver, e outros organismos convenientes. Para Delgado dispensa discriminatória traduz-se: [...] a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação jurídica concreta por ela vivenciada. Esclarece que a causa da discriminação reside, muitas vezes, no cru preconceito, isto é, um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de uma característica, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou seguimento mais amplo de indivíduos cor, raça, sexo, nacionalidade, riqueza, etc). (DELGADO, 2002, p. 752) Ressalta-se a conceituação proposta pelos juristas espanhóis, Manoel Alonso Olea e Maria Emília Casas Baamonde, segundo a qual é aquela caracterizada pela presença de “motivaciones determinantes de la volundad de despedir opuestas a princípios esenciales del ordenamiento” (OLEA e BAAMONDE, 2000, p. 456). Discriminação, portanto, seria uma forma diferenciada de tratamento dada a determinado indivíduo ou grupos de indivíduos, para situações iguais podendo-se dizer que se trata de valorização de estereótipos, em regra negativos, que ocorrem em relação à estética física, à doença mental ou incapacitante, à opção sexual e à etnia. 100 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Segundo Olmos, Conclui-se, portanto, que a discriminação está intimamente ligada à diferenciação feita entre pessoas, em determinada situação, em razão de determinada característica, que, por si só, não interfere no bom andamento do trabalho, ou, ainda, que não possui qualquer relação com a atividade desenvolvida. (OLMOS, 2008, p. 27) A Constituição Federal de 1988 prestigiou o indivíduo e o interesse social quando elegeu dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, e este último, o valor do trabalho humano, como fundamento da Ordem Econômica, respectivamente artigo 1º incisos e art. 170 da CF. Somados a estes dispositivos tem-se o fundamento da proibição da discriminação no Estado Brasileiro, qual seja, o princípio da igualdade, (art. 5º “caput”) o seu conteúdo quando empregado como proteção, inibe, coíbe ou não permite nenhuma forma de discriminação pessoal. O fato dos referidos valores serem fundamentos da República Federativa do Brasil e esta constituir-se em Estado Democrático de Direito, significa que o Estado atrai para si a tutela dos mesmos, tornando-se guardião social impõe-se a imprescindibilidade de ações de proteção com a edição de leis, ações afirmativas com a instituição de políticas públicas, buscando a não ocorrência de qualquer dispensa discriminatória, e em ocorrendo a punição exemplar ao empregador que mantém atividade econômica em desacordo com os princípios constitucionais que norteiam todas as relações dos cidadãos brasileiros que vivem sob a égide deste Estado. Constata-se que o constituinte, objetivando concretização dos fundamentos do Estado Brasileiro, inseriu no art.7º elementos essenciais da proteção da relação de emprego contra qualquer forma de discriminação, aplicando os princípios da igualdade, da liberdade e da isonomia, incisos XVIII, XIX, XX, XXX, XXXI, XXXII, XXXIV, todos da Constituição Federal. Tratando-se de princípios constitucionais que garantem Direitos Fundamentais, os mesmos orientam toda a ordem jurídica infraconstitucional, aplicando-se na atuação dos particulares ao firmarem os contratos, no encaminhamento de espécies legislativas que possuam conteúdo discriminatório de forma negativa. E mais, obrigando o Estado a desenvolver discriminações positivas, quais sejam, regras ou leis que visam a proteger grupos socialmente segregados, atribuindo determinadas proteções e direitos específicos aos grupos que com frequência são vítimas de posturas discriminatórias. Tem-se na relação de emprego que o empregador abusa de seu direito de comando em razão da situação de maior poder diretivo e financeiro, agindo com absoluto desrespeito em relação à dignidade da pessoa de seu empregado. 101 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO A obrigação de não discriminar equivale à restrição da liberdade do empregador e à limitação de seu poder diretivo em favor do empregado. Tratase de limitação e se encontra em perfeita harmonia com o direito moderno, uma vez que a ordem jurídica nacional privilegia a função social da empresa e limita o poder do empregador, que não mais se admite absoluto, orientado a não mais preocupar-se exclusivamente com os interesses da própria empresa, mas ao desenvolver sua atividade econômica valorizar o trabalho humano, respeitando-o em primeiro lugar. Vale dizer que, mesmo tendo pleno poder de direção de seu negócio, por ele respondendo em todos os aspectos (art. 2ª CLT), não pode o empregador agir de maneira exacerbada ou abusiva no exercício desses direitos. O empregador, como todo cidadão brasileiro, é obrigado a tratar todos, principalmente seus empregados, com igualdade, quando em situação idêntica e na contratação e na demissão, ou seja, no início e fim da relação de emprego. Ainda, há que se respeitar o aspecto contratual da relação de emprego, sendo que estes devem seguir sempre os mesmos critérios gerais aplicados a todo e qualquer contrato, previstos no art. 422 do Código Civil, no que tange a boa-fé que obrigatoriamente deve orientar todas as fases do contrato de trabalho – précontratual, contratual e pós-contratual. Assim, ao firmar o contrato de trabalho muito cuidado deve existir, pois neste se encontra a condição ideal à discriminação, o fato de que no momento da contratação existe a sujeição de um homem pelo outro, decorrente das necessidades do primeiro de trabalhar para garantir sua sobrevivência e de sua família. O empregador, por sua função de comando, pode agir em diversas situações de forma discriminatória, onde coloca o empregado em situação de humilhação e inferioridade. Quando a discriminação é direta, é de fácil percepção e ocorre por uma ação do empregador, ignorando quaisquer princípios ou dispositivos legais – sujeito ativo agredindo claramente o direito à igualdade - e ocorre quando este adota medidas ou políticas de gerenciamento em cuja finalidade se identifica atitudes discriminatórias contra uma pessoa ou um grupo de pessoas. Na forma direta, o ato discriminatório é explícito, pois plenamente verificado a partir da simples análise de seu conteúdo, tais como exigência de idade (art. 7º XXX da CF), crença religiosa (art. 5º, VIII), situação familiar ou estado civil (existência de filhos como obstáculo à admissão de mulheres), filiação ou parentesco, convicção filosófica ou política, opção sexual, procedência e nacionalidade, estado de saúde, patrimônio genético, exercício de direitos. A discriminação indireta, também advém de uma ação do empregador, aparentemente neutra, mas que, por via oblíqua, tem efeitos proibidos, 102 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO discriminatórios e prejudiciais ao trabalhador ou a um determinado grupo de trabalhadores. Tem-se que o ato ilícito acoberta-se pelo manto da legalidade, mas na realidade, descumpre os direitos fundamentais do empregado, tornandose mais difícil sua identificação e punição. Tem uma aparência de igualdade, mas na realidade consubstancia-se em uma situação de desigualdade. Nas discriminações ocultas, o ato discricionário reveste-se de má-fé, porém este se dá de forma velada, não declarada e de difícil identificação, sendo disfarçado pelo emprego de instrumentos aparentemente neutros, ocultando a real intenção efetivamente discriminatória. Mas em todas as situações é necessário coibi-las e buscar a responsabilização do empregador. No próximo tópico será estudada a dispensa discriminatória e suas formas de proteção, tendo como âncora os princípios constitucionais da ordem econômica. 3 DISPENSA DISCRIMINATÁRIA E A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL A proteção constitucional do emprego contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa prevista no inciso I do art.7º, não menciona expressamente a dispensa discriminatória que está inserida nos referidos conceitos e vem protegida por princípios e garantias fundamentais ligados à dignidade da pessoa humana, mas também pelos princípios que informam a Ordem Econômica do Estado Brasileiro, existindo inclusive proteção via legislação infraconstitucional conforme se verifica, por exemplo, através da Lei nº 9.029/95. A interpretação majoritária do conteúdo do Inciso I do art.7º, não pode ser interpretado somente o sentido gramatical. Necessário alterar esta postura, estendendo a eficácia do conteúdo da norma, também sob a ótica da legislação internacional, como por exemplo, as convenções internacionais de Direito do Trabalho, impondo-se avaliação, discussão da mesma sobre o abuso de direito do empregador. Quanto ao poder de contratar e dispensar, analisando-a sob a ótica da constitucionalização do princípio da continuidade da relação empregatícia e exigindo-se que a aplicação da mesma seja realizada considerando-se a hermenêutica constitucional do máximo de efetividade das normas da constituição, com a conseguinte ampliação da eficácia da norma prevista no inciso I, do artigo 7º, da Constituição Federal de 1988, reconhecendo-a como direito fundamental ao trabalho por ela tutelado. O Direito Fundamental ao trabalho mediante a norma que protege a relação de emprego contra a dispensa discriminatória, deve levar em conta a intrínseca relação que o trabalho mantém com a dignidade humana. 103 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Robert Alexy, defende que: [...] os direitos fundamentais, vistos sob a finalidade do livre desenvolvimento da personalidade humana, ressaltando que o trabalho além de ser instrumento de concretização da dignidade humana, é o meio de construção da vida digna do homem. (ALEXY, 2008, p. 90). O Direito ao Trabalho como essência do dispositivo constitucional que proíbe dispensa imotivada do trabalhador, principalmente a discriminatória, impõe ao Estado a implementação de instrumentos jurídicos para a concretização da proteção, voltando-se para a defesa do emprego, protegendo o trabalhador contra qualquer dispensa discriminatória, buscando a realização da dignidade do trabalhador, por meio de tutelas específicas como a integração e reparação de danos e tutelas coletivas por ação civil pública e outras ações afirmativas. A dispensa discriminatória de trabalhadores, em um mundo marcado por altas taxas de desemprego, que favorece o império da lei da oferta e da procura, impõe aos trabalhadores condições subumanas de trabalho, portanto, inadmissível a tolerância de atividade econômica desenvolvida sem a observância dos princípios constitucionais que a orientam. É certo que atividade econômica empresarial e a propriedade privada são protegidas pela Constituição Federal, onde os proprietários ou sócios têm direito exclusivo de usá-las, usufruí-las desde que respeitando a função social da propriedade objetivando o bem estar da coletividade. Levando-se em conta que a empresa é uma atividade econômica organizada que gera empregos, tributos, movimenta o mercado de produção com a compra e venda de produtos e prestação de serviços, a mesma, ao desenvolver suas atividades, cumpre a sua função econômica, existindo para gerar riquezas, garantir o trabalho, ou seja, para promover o desenvolvimento econômico. Porém, de acordo com o previsto no art. 174 da CF, o Estado exercerá, como agente normativo e regulador da atividade econômica, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. O Direito Econômico organiza as relações existentes normatizando a produção, circulação de produtos e serviços buscando o desenvolvimento econômico do país. Segundo Toledo: [...] a concreção ou eficácia das normas constitucionais de natureza econômica deve guardar simetria com as possibilidades respectivas e, sobretudo, com as necessidades reveladas pela dinâmica da economia sem o que, a despeito da força normativa das mesmas, não se alcançarão os objetivos propostos pela constituição formal, 104 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO especialmente aqueles postos no art. 3º da Carta Magna (objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil) e no art. 170 e incisos. (TOLEDO, 1999, p. 257) É certo que a Ordem Econômica definida na Constituição Federal faz opção por um sistema na qual atribui um papel primordial à livre iniciativa o que se deflui dos preceitos veiculados pelos artigos, 1º, 3º e 170 a CF enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e para a sociedade. A livre iniciativa é expressão da liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Na composição, entre esses princípios e regras, há de ser preservado o interesse da coletividade, ou seja, o interesse público primário. A Ordem Econômica constitucional propõe-se em dois princípios essenciais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, que se apresentam como condições que se impõem à atividade econômica que deverá observá-los, consagrando uma economia de mercado com uma ordem econômica que prioriza os valores do trabalho humano sobre todos os demais. Essa importância objetiva fixar o caminho a ser seguido pelo Estado quando promove intervenções na economia para a concretização dos valores essenciais do trabalho. O direito à propriedade privada não pode ser exercido egoisticamente, de forma improdutiva e em afronte à dignidade humana, devendo cumprir sua função social. A livre concorrência é princípio basilar, pois assegura a cada indivíduo a oportunidade de participar da atividade econômica igualmente e colher os frutos produzidos em razão de seus esforços. Observa-se que os princípios gerais da atividade econômica são direitos fundamentais (propriedade e liberdade), fundamentos da República (soberania, dignidade, valorização do trabalho), objetivos da República (justiça social, redução das desigualdades regionais) e diretrizes da atuação Estatal, de maneira que a sua eficácia está sendo condicionada ao exercício da atividade econômica nos termos da norma contida no art. 170, combinada de forma una e sistemática a todos os demais princípios correlatos. A Constituição Federal consagra uma economia de mercado de natureza capitalista, pois a livre iniciativa revela a adoção de política da forma de produção capitalista como o meio legítimo de que se podem valer os agentes sociais no direito brasileiro, ou seja, os indivíduos que, por meio da atividade social útil a que se dedicam livremente, devem procurar a realização da justiça social e, portanto do bem-estar social. Somente através da aproximação da economia ao Direito do Trabalho ter-se-á a humanização das relações econômicas e, como ensinava John Maynard Keynes, na “Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro” por Carlos Araújo (ARAÚJO, 1995, 105 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO p. 50.) “Histórias do Pensamento Econômico – Uma Abordagem Introdutória”: “... o desenvolvimento econômico só se justifica se ao mesmo tempo tivermos o desenvolvimento social”. Segundo GRAU em sua obra “A Ordem na Constituição de 1988”: [...] o empresário/empreendedor tem a liberdade de escolher a combinação dos fatores produtivos, isto é, dose a quantificação dos fatores segundo o próprio critério de conveniência, ampliando ou restringindo a produção segundo esse mesmo critério, não se pode pensar em restrições à despedida pura e simples de trabalhadores, e muito menos a discriminatória, pois só se justifica a atividade econômica respeitando a dignidade da pessoa humana. (GRAU, 2011, p 262.) Assim, os condicionamentos à liberdade de iniciativa na atividade econômica surgem exatamente na proporção em que se verifica a necessidade de garantir a realização da justiça social e do bem-estar coletivo. A liberdade privada em dedicar-se a uma determinada atividade econômica significa tão somente a liberdade de desenvolvimento dessa atividade nos moldes fixados pelo Ordenamento Jurídico, dentro dos limites normalmente impostos a essa liberdade. Ocorre que, os maiores problemas do mercado de trabalho reside na baixa qualidade dos empregos gerados e na grande instabilidade da relação empregatícia, fazendo surgir facilmente situações de dispensa discriminatória. Jorge Souto Maior destaca o seguinte ensinamento de Karl Larentz, quando este autor analisa a relações jurídicas sob o aspecto da teoria geral do direito: [...] a vinculação em uma dada relação jurídica não retira da parte seu direito subjetivo fundamental, que é direito da personalidade, que se insere no contexto da proteção da dignidade humana, e que pode ser exercido em face de qualquer pessoa, logo o exercício do direito potestativo, nas relações jurídicas que o preveem, encontra, naturalmente, seus limites na noção de abuso de direito e no princípio da boa-fé. (KEYNES, 1983, p. 101) Os direitos da personalidade são garantidos ao empregado na relação jurídica trabalhista e estes direitos se exercem em face do empregador, sendo agressões, ofensas claras a esses direitos, a cessação abrupta e imotivada da relação jurídica, na medida em que se perde o meio de sua subsistência, em 106 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO razão de sua cor, opção sexual, portador de doença contagiosa, dentre inúmeras outras situações de dispensa discriminatória. Atualmente, é importante a compreensão que as atividades econômicas devem ser realizadas em observância aos princípios constitucionais que a informam e que, portanto a empresa possui função social, a qual deve ser concretizada em todas as suas ações. Destaca-se a o conceito de compromisso social publicado em recente obra de autoria de David Grayson e Adrian Hodges, defendem os autores que uma empresa socialmente irresponsável é economicamente inviável (GRAYSON e HODGES, 2002, p. 29). A Constituição da Republica Federativa, com a adoção dos princípios que orientam as atividades econômicas busca efetivação destes e impõem um alcance social nas suas relações com os trabalhadores, consumidores e meio ambiente, objetivando o fomento do desenvolvimento sustentável em todas as suas acepções. O direito, em sua função de regular a vida social, atua com regras de caráter positivo e negativo. As regras positivas, que imputam vantagens jurídicas em favor de seus titulares ou incentivam atos socialmente valorizados. As regras negativas, que inviabilizam a prática de condutas agressoras sobre o patrimônio moral e material dos indivíduos. É necessário que a ordem jurídica nacional avance no combate à discriminação, pois somente com a consolidação da democracia ter-se-á campo fértil para a sua eliminação. Todos se tornam iguais no plano da participação política. Como destaca Luigi Ferrajoli: “a igualdade, sob a forma de universalismo dos direitos a todos é conferidos, é também constitutiva da unidade política das pessoas entre as quais se manifesta”. Afinal, a sociedade democrática distingue-se por ser uma sociedade suscetível a processos de inclusão social. (GRAYSON e HODGES, 2002, p. 29). Consequentemente tem-se que a não discriminação nas relações de trabalho e a proteção ao emprego, o que significa a proibição de resilições contratuais na forma desmotivada, por contrariar frontalmente os princípios basilares da ordem econômica constitucional, o que por sua vez implica dizer que a proteção ao trabalho humano acha-se mais potencializada na parte referente à ordem econômica em comparação com os dispositivos constitucionais específicos referentes aos Direitos Sociais. 4 MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI 9.029/1995 – TUTELAS ESPECÍFICAS: INTEGRAÇÃO, REPARAÇÃO DE DANOS E CRIMINALIZAÇÃO Para o ato ser considerado discriminatório em relação ao empregado, o mesmo deve produzir algum tipo de prejuízo a ele, quer moral ou material. É 107 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO certo que o ato ilícito discriminatório sempre produzirá prejuízo moral que, por sua natureza, fere a dignidade, a intimidade e muitas vezes a própria hombridade do ser humano. Assim, uma vez constatada a existência de prejuízo em razão do ato ilícito provocado ou tolerado pelo empregado, que possua conteúdo discriminatório, pode o trabalhador requerer a reparação moral e material dele decorrente. Nesse sentido, a Lei nº 9.029/95, constitui-se um progresso da nossa legislação, uma vez que fixa penalidades que se referem tanto em pagamento de multas pecuniárias, quanto em obrigação de fazer, destacando-se o art. 1º da Lei referida: Art.1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. Conclui-se da analise do referido dispositivo legal que é vedado/ proibido ao empregador, quando da contratação, desde a fase pré-contratual, emitir anúncios que determinem algum tipo de identificação, e também não pode adotar quaisquer práticas que possuam natureza discriminatória durante a relação de emprego ou após o término dela. Ainda que alguns autores divirjam, a maioria entende ser necessário considerar que as situações descritas na referida lei são exemplificativas, podendose aplicar as penalidades, por analogia, a qualquer situação discriminatória que cause prejuízo ao indivíduo, nos termos do artigo. 4º, da Consolidação das Leis Trabalho, como também do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A citada lei, objetivando ressaltar a proteção do bem jurídico constitucionalmente garantido, a igualdade, no seu artigo 2º, criminaliza as situações ali descritas, veja-se: Art. 2º. Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias: I – a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou o estado de gravidez; II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem: 108 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO a) Indução ou instigamento à esterilização genética; b)Promoção de controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de aconselhamento de planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS). Pena: detenção de um a dois anos e multa; A criminalização objetiva a concretização dos valores fundamentais do trabalho, pois a imputação de pena de detenção, além da pena administrativa e pecuniária, comprova a relevância da proteção quanto ao direito à igualdade. Porém na prática referida medida punitiva não trouxe o resultado pretendido, não conseguindo assim impedir as práticas discriminatórias na relação de emprego. As previsões legislativas se encontram na seara individual do trabalhador e ainda são propostas individualmente dentro da reclamação trabalhista, após a rescisão do contrato de trabalho. É necessário o fomento de instrumentos de proteção preventiva como por exemplo, utilizando-se de tutelas coletivas, que produzirão resultados de caráter geral buscando a eliminação da discriminação e não somente a indenização dos danos após o ocorrido. Constata-se que o legislador ordinário buscou regulamentar, enunciando hipóteses em que se verifica a dispensa discriminatória, objetivando assegurar a concretização dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição absoluta de qualquer forma de discriminação bem como a punição de tais práticas. Conforme vem sendo tratado no presente artigo, a Constituição Brasileira dispõe sobre os direitos e garantias individuais no artigo 5º, sendo estes auto-aplicáveis. A Carta Política brasileira está fundamentada na soberania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho, na livre iniciativa e no pluralismo político, sob o Estado Democrático de Direito (art. 1º, I a V). Destaca-se a considerações de Trindade quanto trata da “construção da moderna cidadania se insere assim dentre outros direitos humanos, a democracia e o desenvolvimento, com atuação especial ao atendimento das necessidades básicas da população a começar pela superação da pobreza extrema e a construção de uma nova cultura de observância dos direitos humanos”. (TRINDADE, 1998, p. 88-89) Assim, constata-se que os princípios constitucionais ampliam os Direitos Fundamentais e conduzem as ações dos Poderes da República para a 109 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO garantia a esses direitos. Porém, uma das maiores preocupações dos estudiosos se volta para a efetividade destas previsões constitucionais. Observam-se no ordenamento jurídico nacional legislações trabalhistas que protegem minimamente os Direitos Humanos, focando referida proteção apenas e tão somente no momento posterior à ocorrência da discriminação. Verifica-se ainda que existam legislações que, ao fomentar a instalação de atividades econômicas e comercialização de seus produtos com menor custo, buscando maior competitividade, produzem consequências sérias de desrespeito aos Direitos Fundamentais do trabalhador. No sistema de prestação jurisdicional brasileiro, predomina o acesso à justiça individualmente, o que se traduz em grande dificuldade de concretização dos Direitos Humanos, pois na ausência de uma prestação jurisdicional que atenda às reclamações dos trabalhadores por tutelas coletivas pode resultar na própria impunidade aos ilícitos praticados em face da preocupação do trabalhador em se expor individualmente. O modelo brasileiro de busca pelo efetivo cumprimento da legislação trabalhista, concretização do direito do reclamante, na grande maioria das vezes se realiza por tutela individual e, em regra, após a rescisão do contrato de trabalho, ou seja, depois que o dano ocorreu. Discute-se na atualidade novas formas de solução de conflitos, pois embora o acesso a justiça seja garantia constitucional (art. 5º), para que se realize as partes devem ser atendidas em suas expectativas e necessidades, o que não vem sendo realizado, em especial na forma preventiva. Sabe-se que a máquina estatal se revela incapaz e estafada na prestação de serviços ao cidadão. Os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo estão cada vez mais desacreditados pela morosidade, aumento de gastos, falta de planejamento que não atendem às demandas atuais. Desta maneira faz-se imprescindível a mudança na legislação para tornar o sistema processual brasileiro efetivo para que atenda às necessidades dos cidadãos. Nesse sentido surgem a busca de direitos por tutelas coletivas efetivas, objetivando o impedimento do ato ilícito, no caso, da prática de qualquer discriminação na relação de emprego. Para Dinamarco:“A ação coletiva possui grande relevo no que atina ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, diante da vocação inata de proteger um número elevado de pessoas mediante um único processo.” (DINAMARCO, 2001, p. 268/273) A Consolidação das Leis do Trabalho traz dispositivos com conteúdos coletivos, como por exemplo, quando trata da ação de dissídios coletivos. Somente em 1990, com a Lei 8.078 de 11 de setembro, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, e que nos incisos do art. 81 define os conceitos 110 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO de interesses ou direitos difusos, interesses ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogêneos, têm-se um contorno da abrangência das tutelas coletivas. No Direito do Trabalho, verifica-se grande inovação quanto à tutela coletiva no âmbito da Justiça do Trabalho, com a promulgação da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, que introduziu o artigo 83, inciso III, à Lei Orgânica do Ministério Público da União. Em síntese, seguindo os ensinamentos de Leite. “Código de Processo Coletivo” está constituído por: “aplicação direta e simultânea das normas da CF (art.129, III e IX, 8, III e 114) da LOMPU (Lei Complementar n. 75/93, art.83, iii, 84, caput) da LACP (Lei 73/47/85) e pelo Título III do CDC (Lei n. 8.078/90), restando à CLT e ao CPC o papel de diploma legais subsidiários”. (LEITE, 2009, p. 137). Necessário destacar algumas das vantagens na busca pela concretização de Direitos Humanos do trabalhador por instrumentos de proteção de tutela coletiva: a) o pedido sendo coletivo, o risco de retaliação do empregador fica muito reduzido; b) a decisão alcança a todos que se encontram na mesma situação, produzindo a eliminação do fator discriminatório dentro da relação de emprego, na categoria; c) a verdadeira prestação jurisdicional, pois efetiva e útil, concretizando o acesso à justiça; d) a busca por tutela jurisdicional no curso da relação de emprego, pois, ao final do contrato, a pretensão do trabalhador, muitas vezes, tem sido atingida pela prescrição, dentre outras. Da análise das legislações pertinentes, consta-se que, atualmente, são legitimados para promover por tutela coletiva a defesa dos trabalhadores, o Ministério Público e os Sindicatos. O Ministério Público, por força de destinação institucional, deve voltar atenção para a tutela coletiva contra todas as formas de discriminação (BRASIL 2009, p. 69-87). E ainda, segundo ensina Mazzilli: [...] já deve o Ministério Público zelar pelo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos dos idosos assegurados na CF; dessa forma, deve cobrar, até em juízo, a observância de normas constitucionais e ordinárias que dispõem sobre a proteção à pessoa idosa incluindo a fiscalização de asilos, casas e clínicas de repouso e ajuizamento de ações que exijam o cumprimento de garantias e direitos constitucionais da categoria. (MAZZILLI, 2001, p. 471) Referidos ensinamentos se aplicam analogicamente aos interesses coletivos de natureza trabalhista, a quaisquer lesões genéricas e potenciais, 111 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO a toda coletividade de empregados de uma determinada empresa, em relação a qualquer dos direitos constitucionalmente garantidos pela CF, art.º 7º, LC 75/93, art. 83, inciso III. A Ação Civil Pública no Direito do Trabalho, a Lei 7347/85, confere legitimidade aos entes públicos: 1) Ministério Público do Trabalho, para defender a ordem jurídica protetiva, a atuação do órgão ministerial está relacionada à matéria tratada, já que o ajuizamento objetiva a defesa de interesse público através de interesses “ que não sejam meramente coletivos, mas que transcendam os limites de uma categoria para se tornar pretensão de toda sociedade”; 2) Sindicatos, para defender os trabalhadores protegidos pelo ordenamento jurídico laboral; Normalmente, a Ação Civil Pública é precedida de inquérito civil com a finalidade de tentativa de composição administrativas de litígios – termo de ajuste de condutas - evitando a propositura de ação e também para colheita de provas. As decisões obtidas nas Ações Civis Públicas possuem natureza cominatória (art. 3º, a imposição de obrigação de fazer ou não fazer, com cominação de multa) ou condenatória genérica (art. 13º - Fundo Genérico de Reparação) l; ressalte-se que a legitimidade é concorrente para propor ação civil pública trabalhista, ou seja, tanto é do Ministério Público do Trabalho (CF, art. 129, III) quanto dos Sindicatos (art.129, §1º, art.8, III da CF); (NASCIMENTO, 2002, p. 475) Além disso, por proteger os direitos metaindividuais de ordem trabalhista, o Ministério Público do Trabalho realiza papel fundamental na sociedade atual, em que as lesões aos direitos e interesses, na grande maioria das vezes, possuem conotação coletiva ou transindividual. O Ministério Público do Trabalho é a instituição permanente, essencial à Justiça, promovendo a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CF/1988), a atuação do Parquet do trabalho apresenta relevância diferenciada para o bem comum, justamente por defender os Direitos Humanos Fundamentais de ordem social, pertinentes às relações de trabalho, concretizando o fundamento constitucional do Estado Brasileiro de dignidade da pessoa humana (arts. 1º, II, III e IV; 3º, I, III w IV; 5º; 6º; 7º; 8º; e 9º; da CF/1988). Desta forma, a Ação Civil Pública surge como instrumento adequado e efetivo para proteger interesses metaindividuais, como a ofensa aos direitos de classes de trabalhadores, minorias discriminadas na relação de emprego, de grupos ou categorias com problemas intrínsecos, protegendo inclusive o dano moral coletivo, que vem definido por Xisto: Em síntese, o dano moral ou extrapatrimonial consiste na lesão injusta imprimida a determinados interesses não materiais, sem equipotência 112 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO econômica, porém concebidos como bens jurídicos protegidos, integrantes do leque de projeção interna (por exemplo o bem-estar, a intimidade, a liberdade, a privacidade, o equilíbrio psíquico e a paz) ou externa (como o nome, a reputação e a consideração social) inerente à personalidade do ser humano(abrangendo todas as áreas de extensão de sua dignidade) podendo também alcançar os valores extrapatrimoniais reconhecidos pelo sistema legal à pessoa jurídica ou a uma coletividade de pessoas (XISTO, 2004, p. 54/55). Trata-se a Ação Civil Pública de instrumento jurídico eficiente na proteção do empregado preventivamente contra atos discriminatórios, em especial no momento da extinção do contrato de trabalho, não podendo suprimir o seu emprego antes ou durante o contrato de trabalho. Na verdade, o que se pretende é ver demonstrada a mudança de paradigmas, se comparado ao modelo atual. Em síntese, deixar em parte a proteção individual, primando pela coletiva e adotar o modelo da prevenção do dano em lugar da sua reparação. 5 CONCLUSÃO Buscou-se no presente artigo analisar a dispensa discriminatória e os meios de proteção existentes no ordenamento jurídico nacional sob a ótica dos princípios da ordem econômica, que se encontram contidos em especial no artigo 170 da Constituição Federal. De acordo com os princípios da ordem econômica, todas as formas de relação de trabalho, em especial a relação de emprego, devem resultar na valorização do trabalho humano de forma a propiciar condições de vida digna, contribuindo para o bem-estar e distribuição de justiça social (art.193 da Constituição Federal), reconhecendo-se também que deve prevalecer nas relações privadas a observância dos Direitos Fundamentais, especialmente no contrato de trabalho, exatamente pela diferença de forças entre os sujeitos - o empregador, mais forte, impor sua vontade sobre o empregado, mais fraco e em razão do objeto estar diretamente ligado à sobrevivência digna e pela enorme relevância do valor dos Direitos Humanos no atual universo jurídico Verificou-se que as medidas de proteção previstas na Lei nº 9.029/95 não conseguem ser efetivas na forma de prevenção, pois dispõem sobre situações ocorridas, ou seja, após a efetivação da dispensa, contendo instrumentos de proteção com previsão de tutelas específicas de reparação integral, como a reintegração, indenização, ou seja, tudo se resolve em perdas e danos e ainda quanto a previsão de criminalização sequer foi encontrada aplicação às situações concretas. Quanto ao instrumento de proteção preventivo coletivo, realizado através da Ação Civil Pública, tendo como legitimados o Ministério Público 113 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO do Trabalho e os Sindicatos em defesa dos Direitos Fundamentais dos trabalhadores conclui-se ser o instrumento de proteção mais efetivo, com as seguintes vantagens: 1) da promoção de defesa dos trabalhadores sem a necessidade de nominá-los, identificá-los, trazendo pedido coletivo reduz-se o risco de retaliação; 2) trabalha com a tutela preventiva ou inibitória impedindo a ocorrência de danos que, na maioria das vezes, são irreversíveis, sendo a prevenção a verdadeira forma de eliminação dos conflitos e ofensas aos Direitos Fundamentais e 3) a sentença na Ação Civil Pública tem efeito “erga omnes”, evitando multiplicidades de ações que seriam propostas nas Varas do Trabalho, ou seja, contribuem para o acesso à Justiça. Concluindo, a dispensa discriminatória de trabalhadores, no cenário atual de elevados índices de desemprego, favorece ainda mais a prevalência da lei oferta e da procura, impondo aos trabalhadores condições de trabalho com redução de salários e demais vantagens, ferindo textualmente a dignidade do trabalhador, o que justifica cada vez mais a adoção de medidas de proteção, políticas públicas, ações afirmativas, objetivando a eliminação de práticas discriminatórias da relação de emprego. Ficou demonstrado que a prestação jurisdicional na forma de tutela individual para a reparação de danos já ocorridos não é a melhor maneira de efetivação dos Direitos Fundamentais. Também, restou demonstrada que a tutela coletiva é atualmente a maneira mais adequada, juridicamente falando, de alcançar a melhor proteção. Não é possível permanecer indiferente a estas situações tão injustas, em pleno Século XXI. Devem ser aperfeiçoados os instrumentos de proteção sociais, até porque uma sociedade somente pode se construída com base em uma normatividade jurídica caso esta forneça a efetiva segurança jurídica, através da adoção de medidas de proteção eficazes para que as injustiças não se legitimem. 114 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, traduzido por Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90. ARAÚJO, Carlos. Histórias do Pensamento Econômico – Uma Abordagem Introdutória. São Paulo: Atlas, 1995, p. 50. ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Florense Universitária, 1981, pp. 15-20. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: Códigos Civil, Comercial, Processo Civil e Constituição Federal. 5 ed., São Paulo : Saraiva, 2009, pp 69-87. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 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São Paulo: Editora LTr, 2004, p. 54/55. 116 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ACESSO À JUSTIÇA ATRAVÉS DO EMPREGO DA ARBITRAGEM NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DO TRABALHO ACCESS TO JUSTICE THROUGH THE USE OF ARBITRATION TO RESOLVE LABOR CONFLICTS Rodolfo Menderico Costa Cruz9 RESUMO O acesso à justiça no Brasil se realiza, fundamentalmente, através do judiciário. Resulta desse fato um grande número de processos e, consequentemente, morosidade na prestação jurisdicional, causando sérios prejuízos à efetividade do acesso à justiça no Brasil. Nesse contexto, a arbitragem, por ser meio extrajudicial de solução de conflitos, pode contribuir para desafogar o poder judiciário e ampliar a efetividade do acesso à justiça. Entretanto, há grande discussão sobre a abrangência de aplicação da arbitragem na resolução dos conflitos do trabalho. Analisando a Constituição Federal em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor poder-se-ia estender a aplicação da arbitragem para além dos conflitos coletivos do trabalho abrangendo também certos conflitos individuais trabalhistas. Palavras-chave: Direito do Trabalho. Arbitragem. Tutela Coletiva. ABSTRACT Access to justice in Brazil takes place primarily through the judiciary. Results of this fact a large number of processes and, consequently, delay of judgment, causing serious damage to the effectiveness of access to justice in Brazil. In this context, arbitration, an extrajudicial way to resolve conflicts, can help to relieve the judiciary and increase the effectiveness of access to justice. However, there is a lot of discussion about the scope of application of arbitration to resolve labor disputes. Analyzing the Brazilian Federal Constitution and the Consumer Code the application of arbitration could be extended beyond the collective labor disputes also covering some individual labor conflicts. Mestrando em Direito pela Universidade de Marília - UNIMAR. Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (2010) e graduação em Administração Pública pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP - FCL Araraquara (2005). Fez MBA em Gestão Empresarial na FGV (2009). Atualmente trabalha no Banco do Brasil S/A. 9 117 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Kew-words: Labour Law. Arbitration. Collective protection. 1 INTRODUÇÃO O acesso à justiça no Brasil se realiza, prioritariamente, através de demandas judiciais individuais. Resulta desse fato um grande número de processos judiciais e, consequentemente, morosidade na prestação jurisdicional. Dessa forma, cabe discutir meios de se quebrar esse paradigma de individualismo através do incentivo as tutelas coletivas. Outra discussão pertinente é a importância da arbitragem nesse contexto das tutelas coletivas, uma vez que por ser meio extrajudicial de solução de conflitos, poderia contribuir para desafogar o poder judiciário. Sendo assim, a discussão não se finaliza na análise dos problemas enfrentados internamente pelo judiciário. É necessário ir mais além e questionar certas tradições socioculturais e buscar soluções inclusive em formas extrajudiciais de solução de conflitos. Esta pesquisa tem por objetivo analisar os principais entraves ao acesso à justiça para a solução dos conflitos originários das relações de trabalho e apresentar propostas para o seu aperfeiçoamento, considerando a tutela coletiva e utilizando-se da arbitragem como meio constitucional preconizado. Para alcançar os objetivos do trabalho foi realizado levantamento bibliográfico para, após análise da questão, apresentar de forma estruturada um plano para solucionar os conflitos das relações de trabalho de forma a maximizar o direito de acesso à justiça dos cidadãos. As fontes consultadas foram: livros, artigos, periódicos e publicações on-line, com a finalidade de identificar os posicionamentos mais relevantes para a análise proposta, possibilitando a realização de um estudo aprofundado sobre o tema. 2 ACESSO À JUSTIÇA O acesso à justiça não fica reduzido, como no senso comum, a simples ideia de acesso de todos ao judiciário e suas instituições. Não é o acesso a Fóruns e Tribunais que faz com que os cidadãos tenham ou não acesso à Justiça. Apesar desse conceito advindo do senso comum, sem dúvida alguma, fazer parte do que é verdadeiramente o acesso à justiça, é necessário analisá-lo de maneira um pouco mais abrangente. 118 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Assim também é o entendimento de Kazuo Watanabe (1988, p. 128): A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites dos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. Sob essa ótica, Alexandre Cesar (2002, p. 40-50) entende que leis justas e que não discriminem ou privilegiem determinadas pessoas ou grupos e que sejam capazes de assegurar determinados direitos e garantias tidos como fundamentais também fazem parte desse conceito mais amplo. Entretanto, quando se tem um descumprimento desse ordenamento jurídico justo necessita-se de meios aptos a garantir seu devido cumprimento a fim de que se possa concretizar o direito de acesso à justiça. Sem dúvida, um desses meios, e o mais utilizado hodiernamente, é o judiciário, entretanto, ele não é o único. O acesso à justiça se dá na medida em que os mecanismos de resolução de conflitos estejam aptos a produzir resultados que sejam individualmente e socialmente justos. Sob essa perspectiva uma justiça funcional, mas morosa, não é capaz de atender ao conceito mais amplo de acesso à justiça. A globalização e a revolução tecnológica trouxeram relações sociais cada vez mais complexas e sujeitas a uma infinidade de litígios, gerando aumento considerável na demanda pelo judiciário já que este, especialmente no Brasil, é considerado como o principal meio de resolução dos conflitos. Ocorre que, mesmo que investimentos materiais e humanos fossem realizados no judiciário, ele dificilmente atenderia aos anseios sociais, pois sua estrutura é pautada na segurança e na cautela e, portanto, morosa demais para atender a dinâmica sociedade atual como única forma de resolução de conflitos. É por isso que, há muito tempo, o judiciário brasileiro enfrenta verdadeira crise de confiança e legitimidade motivada por sua excessiva morosidade que, em alguns casos, faz com que o cidadão busque formas de solução de litígios ilícitas como, por exemplo, a justiça pelas próprias mãos. A resolução dessa crise não passa apenas pelo investimento no judiciário e sim pela redução na quantidade exagerada de processos. Mas como reduzir a quantidade de processos sem prejudicar o acesso à justiça? Talvez a resposta para essa questão esteja além da remodelação do judiciário, passando também pela adoção de formas extrajudiciais de resolução dos conflitos (mediação, conciliação e arbitragem) como formas prioritárias, sendo o judiciário acionado apenas em último caso, e não o inverso como ocorre hoje. Até mesmo na China do século VII o imperador Hangs Hsi já identificava esse mesmo problema, levando a edição do decreto a seguir: 119 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Ordeno que todos aqueles que se dirigirem aos Tribunais sejam tratados sem nenhuma piedade, sem nenhuma consideração, de tal forma que se desgostem tanto da ideia do Direito quanto se apavorem com a perspectiva de comparecerem perante um magistrado. Assim o desejo para evitar que os processos não se multipliquem assombrosamente, o que ocorreria se não existisse o temor de se ir aos Tribunais; o que ocorreria se os homens concebessem a falsa ideia de que teriam a sua disposição uma justiça acessível e ágil; o que ocorreria se pensassem que os juízes são sérios e competentes. Se essa falsa ideia se formar, os litígios ocorrerão em número infinito e a metade da população será insuficiente para julgar os litígios da outra metade. É claro que tal pensamento é, evidentemente, radical e extemporâneo, mas dele pode-se extrair que a crise na prestação jurisdicional pelo Estado se arrasta há vários séculos e que novas formas de resolução dos litígios são cada vez mais necessárias e bem-vindas. 2.1 ENTRAVES DO JUDICIÁRIO QUE AFETAM O ACESSO À JUSTIÇA Os direitos só se tornarão mais efetivos na medida em que os cidadãos passem a ter maior acesso à justiça. Infelizmente, são muitos os entraves existentes no judiciário e, consequentemente, na efetividade do acesso à justiça no Brasil que se dá, quase que exclusivamente, pelo judiciário. Pode-se agrupálos da seguinte forma a fim de facilitar o estudo: restrições econômicas, restrições socioculturais, restrições psicológicas e restrições jurídicas/ judiciárias. 2.1.1 RESTRIÇÕES ECONÔMICAS O custo processual, tanto no Brasil como nos demais países, é muito alto: honorários advocatícios, custas de distribuição, produção de provas, preparo de recursos eventualmente interpostos e, por fim, o ônus da sucumbência para aquele que teve suas alegações improvidas, arcando com as despesas da parte vencedora. Soma-se a isso, ainda, no caso do Brasil, uma das piores distribuições de renda do globo e elevado grau de miserabilidade e temse um grande entrave à efetividade do acesso à justiça. Por essa razão é que Cândido Rangel Dinamarco (apud CESAR, 2002, p. 94-95) afirma que: O custo do processo e a miserabilidade das pessoas ocupam, apesar de não preencherem todo o espaço, lugar de muito destaque nas 120 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO preocupações acerca da universalidade da tutela jurisdicional. A justiça é cara e da brasileira pode-se dizer o que com sarcástico humor britânico fora dito: is open to all, like the Ritz Hotel. Agravando ainda mais o cenário exposto, pesquisas coordenadas por Mauro Cappelletti (1988, p.19) demonstram que as ações de menor valor são as que possuem os custos proporcionalmente mais elevados em relação ao valor da ação. Dessa forma, pode-se constatar que a justiça é cara de forma geral, mas é proporcionalmente mais cara aos cidadãos mais pobres que são, geralmente, os autores das ações de menor valor. Outro fator limitante do efetivo acesso à justiça é a longa duração dos processos. Quanto mais moroso, maiores são os custos. Além do mais, outra vez, aqueles que possuem pior renda são os mais afetados pela demora, por não terem recursos suficientes para arcar com a espera, e se veem pressionados a aceitarem acordos desfavoráveis ou, até mesmo, abandonarem a causa (CESAR, 2002, p. 95). 2.1.2 RESTRIÇÕES SOCIOCULTURAIS Esse tipo de entrave é decorrente da desigualdade social, porém, vai mais além, adentrando em questões de cunho cultural. Em regra, quanto menor o nível econômico de um cidadão, menor seu grau de instrução e, portanto, menor a capacidade de identificar um direito violado e passível de reparação judicial. Essa situação ainda é agravada com o péssimo ensino público a que a população brasileira mais carente tem acesso. Entretanto, essas barreiras que obstam o acesso à justiça não atingem somente as camadas mais pobres da população. Como bem explicita Cappelletti e Garth (1988, p. 23), mesmo: [...] consumidores bem informados, por exemplo, só raramente se dão conta de que sua assinatura em um contrato não significa que precisem, obrigatoriamente, sujeitar-se a seus termos, em quaisquer circunstâncias. Falta-lhes conhecimento jurídico básico não apenas para fazer objeção a esses contratos, mas até mesmo para perceber que sejam passíveis de objeção. Dessa forma, a falta de conhecimento jurídico, principalmente, mas não exclusivamente, da parcela mais pobre da população, afeta consideravelmente a afetividade do acesso à justiça. 121 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO 2.1.3 RESTRIÇÕES PSICOLÓGICAS O receio de estar em juízo é uma restrição psicológica que parece, em um primeiro momento, estar ligada somente ao íntimo da pessoa, não havendo nenhuma medida cabível ao Estado para amenizá-la. Entretanto, uma breve análise das causas de tal receio aponta que o Estado está diretamente ligado a ele. No sentido comum do brasileiro, o Poder Judiciário, assim como a maioria das instituições, é inacessível, não é confiável e não faz justiça; o magistrado é visto como um ser superior, diferente do restante dos mortais, e os advogados são vistos como ‘pessoas em quem se deve confiar, desconfiando’ (CESAR, 2002, p. 99). Além do mais, o excesso de formalismo, a linguagem e vestimentas rebuscadas, entre outros, são capazes de intimidar, principalmente os mais pobres, e contribuir, sobremaneira, para o surgimento de certo receio de se estar em juízo. Observa-se, portanto, que as causas de tal receio são, em sua maioria, oriundas da forma como a atividade jurisdicional é organizada pelo Estado e, também, decorrência da própria ineficiência das instituições judiciárias. Como se não bastasse, até a falta de segurança pública ameaça a efetividade do acesso à justiça uma vez que muitos temem sofrer represálias se entrarem com ação, fato que o Estado deveria coibir. 2.1.4 RESTRIÇÕES JURÍDICAS E JUDICIÁRIAS O judiciário brasileiro apresenta algumas particularidades que acabam por desmotivar, dificultar ou, até mesmo, restringir o acesso à justiça para alguns cidadãos. Entre elas, pode-se destacar: o elevado tempo de duração dos feitos; o discurso jurídico de difícil compreensão e a abundância de normas. As excessivas espécies de recursos existentes acabam fornecendo meios para que uma das partes procrastine a resolução da lide demasiadamente. Necessita-se, portanto, de uma urgente reforma processual no judiciário brasileiro com vistas a tornar os processos efetivamente mais céleres tendo, como uma das medidas, a diminuição da enorme quantidade de recursos existentes. Outro fator que contribui para a longa duração dos processos é o excesso de burocracia, o apego excessivo à forma. Estes não podem ser mais relevantes do que a premência da decisão. Inúmeras vezes o judiciário acaba por se perder no excessivo número de regras e rituais esquecendo-se que o mais 122 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO importante é entregar aos envolvidos uma solução concreta para a lide. O meio, que deveria ser apenas um processo no qual se deve passar para obter o resultado pretendido, acaba por se tornar mais importante do que o fim almejado. Por fim, o discurso jurídico de difícil compreensão e linguagem excessivamente rebuscada e técnica, aliada a constante proliferação de normas, acaba por dificultar ou inibir a participação, principalmente da parcela menos instruída da população, tornando o judiciário e os ordenamentos cada vez mais distantes da realidade do cidadão comum. Como facilmente se nota, muitas dessas restrições jurídicas e judiciárias elencadas têm reflexos nos outros tipos de restrições anteriormente abordados. A linguagem rebuscada pode causar uma restrição psicológica no cidadão, ou seja, um medo de estar em juízo. Já a longa duração dos processos no Brasil é uma das causas, por sua vez, de restrições econômicas uma vez que quanto mais longo o processo maior é o custo que as partes devem suportar. 3 ARBITRAGEM COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA O judiciário é a principal forma de acesso à justiça no Brasil. Sendo assim, toda vez que ele se encontra parcialmente obstruído pelos inúmeros entraves citados anteriormente, a efetividade do acesso à justiça como um todo também acaba sendo prejudicada. É nesse cenário que surge a arbitragem, a mediação e a conciliação como alternativas ao judiciário e seus problemas, apresentando uma nova fórmula para resolução dos conflitos, trazendo em si a possibilidade de desafogar o judiciário e de maximizar o acesso à justiça no seu sentido mais amplo. 3.1 CONCEITO DE ARBITRAGEM Inicialmente, cabe diferenciar mediação, conciliação e arbitragem. Ambas são formas de resolução de conflitos que contam com a participação de um terceiro não interessado, porém na mediação (somente extrajudicial) e na conciliação (pode ser tanto judicial como extrajudicial) esse terceiro não toma decisão alguma, ele apenas promove o entendimento das partes conduzindo o processo e apresentando sugestões para que ao final as próprias partes cheguem a um entendimento. Na arbitragem é justamente o oposto, um terceiro eleito pelas partes terá o mesmo papel de um juiz, ou seja, ouvirá as partes e ao fim tomará sua decisão com relação ao conflito. Nas palavras de Sérgio Pinto Martins (2009, p. 290): Na arbitragem, uma terceira pessoa ou órgão, escolhido pelas partes, vem a decidir a controvérsia, impondo a solução aos litigantes. É uma 123 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO forma voluntária de terminar o conflito, o que importa dizer que não é obrigatória. A pessoa designada chama-se árbitro. A sua decisão denomina-se laudo arbitral. As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendidos a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei nº 9.307/96). Cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir relativamente a tal contrato (art. 4º da Lei 9.307). Compromisso arbitral é a convenção por meio da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial (art. 9º da Lei nº 9.307). Entretanto, no que concerne ao enquadramento jurídico da arbitragem pode-se constatar certa controvérsia. Os meios de solução de conflitos podem ser divididos em autotutela, autocomposição e heterocomposição, sendo que na autotutela e na autocomposição a controvérsia é resolvida pelas partes (por uma das partes no caso da autotutela) e sem interferência de terceiros; já na heterocomposição há a intervenção de um agente externo alheio as partes. Consoante grande parte dos autores a conciliação e a mediação são meios autocompositivos já que o conflito é resolvido pelas próprias partes, apenas com o auxilio de um terceiro que apesar de conduzir o processo não tem poderes para impor decisões. Caberia, então, a arbitragem a classificação de meio heterocompositivo, uma vez que um terceiro escolhido pelas partes agirá como um juiz, analisando os argumentos das partes e impondo uma decisão. Ocorre que alguns autores entendem que a arbitragem consensual, em que o árbitro é escolhido pelas partes, deveria ser enquadrada como autocomposição, pois o terceiro responsável pela sentença foi escolhido de comum acordo pelas partes. Há outros autores, como Mauricio Godinho Delgado, que entendem que, assim como a jurisdição é meio heterocompositivo; a arbitragem, a conciliação e a mediação também o são. Assim é explicado tal entendimento por Mauricio Godinho Delgado (2013, p. 1477-1478): É que a diferenciação essencial entre os métodos de solução dos conflitos encontra-se, como visto, nos sujeitos envolvidos e na sistemática operacional do processo utilizado. Na autocomposição, apenas os sujeitos originais em confronto é que se relacionam na busca da extinção do conflito, conferindo origem a uma sistemática 124 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO de análise e solução da controvérsia autogerida pelas próprias partes. Já na heterocomposição, ao contrário, dá-se a intervenção de um agente exterior aos sujeitos originais na dinâmica de solução do conflito, transferindo, como já exposto, em maior ou menor grau, para este agente exterior a direção dessa própria dinâmica. Isso significa que a sistemática de análise e solução da controvérsia deixa de ser exclusivamente gerida pelas partes, transferindo-se em alguma extensão para a entidade interveniente. 3.2 TIPOS DE ARBITRAGEM A arbitragem pode ser classificada levando-se em consideração diversos parâmetros. Os mais relevantes são: arbitragem obrigatória e voluntária; arbitragem por oferta final e livre; arbitragem de direito e de equidade. A arbitragem obrigatória é aquela que é imposta às partes, seja pela lei, seja por convenção estipulada pelas partes anteriormente ao surgimento da lide (cláusula compromissória). Já na arbitragem voluntária ou facultativa as partes decidem, após o surgimento da lide, submetê-la ao procedimento arbitral por meio do denominado compromisso arbitral. Outra distinção interessante é a arbitragem por oferta final. Nessa modalidade a decisão do árbitro deve ser a proposta de uma das duas partes sem alterá-la. Essa sistemática “[...] tem a finalidade de fazer com que as propostas que as partes apresentarem para que o árbitro venha a decidir sejam próximas da realidade e não se distanciem muito uma da outra para evitar riscos” (NASCIMENTO, 2008, p.20). Quando o árbitro não possui tal limitação denomina-se a arbitragem de livre. Por fim, a arbitragem de direito tem como objeto da lide leis ou princípios jurídicos, enquanto que a arbitragem de equidade tem por objeto interesses de cunho meramente econômico. 3.3 PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA ARBITRAGEM A arbitragem possui vantagens significativas, a saber: celeridade; informalidade; confiabilidade; flexibilidade e sigilo. Trata-se de um procedimento célere, que busca uma solução rápida para a divergência, até porque é dotada também de certa informalidade, ou seja, não possui apego excessivo a certas formalidades e burocracias que acabam por retardar a rápida solução da lide. Pode-se dizer, também, que a arbitragem é uma forma confiável de resolução dos conflitos, uma vez que os árbitros são escolhidos de comum 125 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO acordo pelas partes. Outro fator de segurança para as partes é que a sentença arbitral tem a eficácia de título executivo judicial (art. 584, VI, do CPC), podendo ser executada, caso a sentença não seja cumprida. Outro ponto positivo que nos cabe ressaltar é seu caráter flexível. Por não se prender necessariamente às leis e ordenamentos, o árbitro possui elevado grau de liberdade em suas decisões. Aliás, a arbitragem é muito utilizada para dirimir meras “divergências de interesse” entre empresas, já que decisões desse tipo não encontram amparo legal. A flexibilidade também pode ser analisada sob o ponto de vista do procedimento arbitral que, mais uma vez, também não se prende a regras rígidas, podendo, a qualquer momento, ser alterado de comum acordo pelas partes. Por fim, no procedimento arbitral, ao contrário do judiciário, não há o que se falar em publicidade dos atos, portanto, a arbitragem é revestida pelo sigilo. Todavia, a arbitragem também possui pontos negativos que merecem ser observados. Um deles é o alto custo, uma vez que para atuar na função de árbitro geralmente é contratado indivíduo de renomado saber na área do conflito e, como se pode supor, o valor cobrado por tal indivíduo, na maioria das vezes, é bastante elevado. Além do mais, sendo o trabalhador a parte mais fraca financeiramente, pode o processo arbitral ser tendencioso em prol do empregador que se aproveitaria de seu poderio econômico para influenciar na decisão do árbitro ou para intimidar o empregado a fim de obter um acordo que lhe seja mais favorável. Dessa forma, a arbitragem poderia ser usada como forma de fugir do judiciário buscando decisões mais rápidas e mais aprazíveis aos olhos do empregador. 3.4 APLICABILIDADE NO BRASIL A arbitragem está devidamente regulamentada nos dias atuais pela Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, mas no que tange sua aplicação no Direito do Trabalho ainda gera grandes discussões. A utilização da arbitragem no âmbito dos conflitos coletivos do trabalho é amplamente aceita até porque se encontra embasada em disposição constitucional constante no art. 114, § 1º a seguir: Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...) § 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. Ocorre que para os conflitos individuais trabalhistas a análise não é tão simples assim. Aqueles que se opõe a sua utilização na esfera individual 126 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO evocam o próprio artigo 114 da CF onde consta apenas a possibilidade da arbitragem nas negociações trabalhistas coletivas como o art. 643 da CLT, a seguir, que dispõe que os litígios entre empregados e empregadores devem ser levados à Justiça do Trabalho. Art. 643 - Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho. Há ainda os que alegam que a arbitragem nos dissídios individuais do trabalho estaria fora do campo de ação da Lei de Arbitragem (lei 9.307/96), uma vez que a arbitragem deve ser aplicada para direitos disponíveis e os direitos individuais trabalhistas são, em regra, indisponíveis. O art. 1º da lei 9.307/96 estabelece o seguinte: Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Outro argumento recorrente daqueles que se posicionam de forma contrária a aplicação da arbitragem nos conflitos individuais do trabalho é de que, por ser o trabalhador a parte hipossuficiente, a arbitragem o deixaria vulnerável a decisões que beneficiem os empregadores. Os que são favoráveis à arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas ressaltam que se o artigo 114 da CF (anteriormente citado) não contempla a arbitragem nesses casos, ele também não veta sua aplicação. Além do mais, ponderam que não é tão simples dizer que os direitos trabalhistas individuais, por serem públicos, são indisponíveis e que por isso não foram contemplados pela Lei de Arbitragem. Tanto isso é verdade que o próprio artigo 764 da CLT dispõe que tanto os dissídios individuais como os coletivos estão sujeitos à conciliação pela Justiça do trabalho: Art. 764 - Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação. § 1º - Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos. Ora, se é admitida a conciliação para direitos individuais é porque esses seriam disponíveis e, portanto, também estariam sujeitos a arbitragem. 127 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO De forma intermediária, alguns autores alegam que há que se falar em indisponibilidade dos direitos individuais trabalhistas apenas na vigência do contrato de trabalho, que é quando o empregado é parte hipossuficiente e vulnerável e, portanto, necessita ser protegido contra arbitrariedades inclusive as que possam ser advindas da arbitragem. Após a dissolução do contrato de trabalho ou no caso de executivos, especialistas e outros profissionais de alto nível hierárquico e remuneratório, é impróprio afirmar que são hipossuficientes e, portanto, a arbitragem nesses casos seria meio adequado para “desafogar” o judiciário brasileiro e dar mais celeridade e, portanto, eficiência e eficácia àqueles que buscam seus direitos trabalhistas na Justiça. Aplicável ou não nos conflitos individuais trabalhistas, o que é indiscutível é sua aplicação nos dissídios coletivos e, portanto, o Brasil deveria fortalecer o ingresso das ações trabalhistas coletivas (nas quais o Ministério Público e sindicatos são parte legítima) a fim de reduzir o volume de ações individuais que torna moroso o nosso judiciário e ampliando a aplicação da arbitragem na resolução dos conflitos já que para os dissídios coletivos sua aplicação é incontestável. 3.4.1 PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO A ampla adoção de meios extrajudiciais para solução de controvérsias esbarra, muitas vezes, no denominado princípio da inafastabilidade do poder judiciário, expresso no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal do Brasil, que dispõe o seguinte: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Entretanto, ao analisar esse princípio deve-se fazê-lo conjugado ao princípio da autonomia da vontade. Não se pode coibir alguém, de forma alguma, de ter sua lide analisada e julgada pelo poder judiciário. Todavia, se as partes decidem de comum acordo pelo julgamento da lide através da arbitragem ao invés do judiciário, não há que se falar em descumprimento do princípio da inafastabilidade do poder judiciário, uma vez que não houve impedimento para que a questão alcançasse o judiciário e, sim, uma mera decisão das partes oriunda da autonomia de vontade que possuem e que lhes é assegurada pela lei. A arbitragem não ofende os princípios constitucionais da inafastabilidade do controle jurisdicional, nem do juiz natural. A Lei de Arbitragem deixa a cargo das partes a escolha, isto é, se querem ver sua lide julgada por juiz estatal ou por juiz privado. Seria inconstitucional a Lei de Arbitragem se estipulasse arbitragem compulsória, excluindo do exame, pelo poder Judiciário, a ameaça ou 128 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO lesão a direito. Não fere o juiz natural, pois as partes já estabelecem, previamente, como será julgada eventual lide existente entre elas. O requisito da pré-constituição na forma da lei, caracterizador do princípio do juiz natural, está presente no juízo arbitral (NERY JÚNIOR; NERY, 2006, p. 1164). Dessa forma, o princípio da inafastabilidade do poder judiciário não pode constituir óbice no fortalecimento da arbitragem como forma de resolução de conflitos no Brasil. 4 O ACESSO À JUSTIÇA ATRAVÉS DAS TUTELAS COLETIVAS 4.1 A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E O AUMENTO DOS CONFLITOS COLETIVOS A globalização intensificou a busca das empresas pelo corte nos custos de produção, seja para garantir a viabilidade das mercadorias frente a um cenário concorrencial mundial, seja para que possa haver uma elevação do lucro. Esse corte de custos vem se dando, dentre outras formas, pela precarização do trabalho humano. Muitas empresas instalam suas fábricas em países onde os direitos trabalhistas não são fortalecidos, com o intuído de elevar sua vantagem competitiva e/ou ampliar seus lucros. Já em 1776, até mesmo Adam Smith, um dos maiores ícones do denominado liberalismo econômico, reconhecia a existência de um intenso conflito entre classes. Anteriormente ao capitalismo os indivíduos possuíam os meios de produção e a força de trabalho, agora, eles possuem somente a força de trabalho, sendo que os meios de produção ficam concentrados nas mãos de poucos homens. Estes poucos ganham dinheiro empregando pessoas; ficam com uma parte do valor que é produzido por esses trabalhadores e a outra parte retorna aos trabalhadores como salário. Smith reconhecia que os empregadores querem sempre pagar o menor salário possível aos empregados a fim de ter maior lucro e, por sua vez, os empregados querem salários maiores. Nessa luta, ainda segundo Smith, os empregadores levam vantagem pela sua riqueza, capacidade de influenciar a opinião pública e de controlar o governo (HUNT, 2005, p.45-46). Fala-se muito, hodiernamente, sobre a importância da flexibilização das normas trabalhistas a fim de adequar o país ao mundo globalizado. Isso decorre do fato de que a vantagem competitiva proporcionada às empresas que precarizaram as condições de trabalho forçam as outras empresas do globo a fazerem o mesmo a fim de se manterem competitivas. 129 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Boaventura de Sousa Santos (2001, p. 40) expôs de forma precisa os reflexos do atual pensamento neoliberal no campo social: No domínio da globalização social, o consenso neoliberal é o de que o crescimento e a estabilidade econômicos assentam na redução dos custos salariais, para o que é necessário liberalizar o mercado de trabalho, reduzindo os direitos laborais, proibindo a indexação dos salários aos ganhos de produtividade e os ajustamentos em relação ao custo de vida e eliminando a prazo a legislação sobre salário mínimo. O objetivo é impedir “o impacto inflacionário dos aumentos salariais”. A contração do poder de compra interno que resulta desta política deve ser suprida pela busca de mercados externos. A economia é, assim, dessocializada, o conceito de consumidor substitui o de cidadão e o critério de inclusão deixa de ser o direito para passar a ser a solvência. Entretanto, em que pese o consenso neoliberal, não se pode esquecer que as legislações trabalhistas foram criadas no intuito de proteger os trabalhadores, parte mais fraca da relação de emprego, frente à busca desenfreada pelo lucro que é o objeto norteador do sistema capitalista de produção. De acordo com os artigos 1º, inciso III e IV e 170, caput, ambos da Constituição Federal, são fundamentos da República Federativa do Brasil e fins da ordem econômica, a dignidade da pessoal humana e a valorização do trabalho. Ou seja, se a atividade produtiva capitalista objetiva o lucro, é dever do Estado garantir que esse interesse seja compatibilizado com a valorização do trabalho e dignidade da pessoa humana. De nada adianta crescimento econômico por si só se ele não está fundado no desenvolvimento social. Conforme bem salienta Dinaura Godinho Pimentel Gomes (2013, p. 128): Por isso, incumbe a toda empresa, no pleno exercício de sua livre iniciativa, exercer sua função social, a fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, nos termos do art. 170 da Constituição Federal Vigente. Assim, ao satisfazer a exigência de assegurar a todos, sem distinção (seja na condição de empregados, de fornecedores, de trabalhadores terceirizados, entre outros) existência digna, conforme os ditames da justiça social, os agentes econômicos assumem o perfil de verdadeiros partícipes dos objetivos e finalidades próprios do Estado Democrático de Direito (CF, art. 3º). Nessa sociedade globalizada, a busca por lucro tem levado as empresas, cada vez mais, a descumprirem os fundamentos da dignidade da 130 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO pessoa humana e da valorização do trabalho, atingindo, com isso, um grupo cada vez mais abrangente de pessoas, levando a um aumento considerável no número de conflitos de natureza coletiva em detrimento dos de natureza individual. Apesar dessa coletivização dos conflitos estar em curso há décadas, o Direito do Trabalho brasileiro ainda mantêm uma forte tradição individualista. Prova disso é que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não possui normas voltadas especificamente para o atendimento dos interesses coletivos. Um passo muito importante para possibilitar uma transição da tradição individualista para a coletiva foi dado primeiramente pela Constituição Federal de 1988 e, recentemente, pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). A Norma Maior, em seu art. 129, inciso III, diz que são funções institucionais do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (grifo nosso). Entretanto, somente em 1990, com o Código de Defesa do Consumidor, ficou estabelecido os conceitos que integram a noção de interesses difusos e coletivos com aplicação em qualquer ramo do direito que necessite de tal conceituação: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. Dessa forma, apesar da CLT não regulamentar especificamente os conflitos coletivos, a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor assim o fazem, possibilitando o avanço na área da tutela coletiva e a ampliação do acesso à justiça no país. 131 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO 4.2 O PAPEL DA TUTELA COLETIVA NA AMPLIAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA O acesso à justiça não se resume tão somente a possibilidade de ingressar com ação. Na área trabalhista, especificamente, observa-se que ações individuais trazem uma série de malefícios que em nada combinam com o conceito de “justiça”. Hodiernamente, os empregados veem-se compelidos a buscar seus direitos na justiça apenas após o término da relação de trabalho já que o ingresso de ação individual na constância do contrato de trabalho poderia resultar na demissão do trabalhador como forma de represália. Ocorre que a espera do empregado pelo término do contrato de trabalho leva muitos dos seus direitos a serem alcançados pela prescrição de 5 (anos) estabelecida no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal (GOMES, 2013, p. 134). Além do mais, se esses funcionários estiverem trabalhando, por exemplo, sem equipamentos de proteção, essa espera pelo término do contrato de trabalho para ingresso da ação trabalhista pode resultar em prejuízos irreversíveis a saúde do empregado. Sendo assim, as ações individuais trabalhistas muitas vezes não se mostram eficazes para resolver os conflitos de forma justa. Não se pode ignorar que ser forçado pelas circunstâncias a ingressar com ação trabalhista apenas após o término da relação de trabalho agride o conceito universal da palavra “justiça” e, portanto, é uma agressão a efetividade do acesso à justiça no país. Dessa forma, torna-se necessário criar meios que possibilitem aos empregados ingressarem com suas ações mesmo na constância do contrato de trabalho a fim de que possam ter seus direitos imediatamente reparados e que não venham a sofrer com a prescrição. Entretanto, esse novo meio deve dificultar ou impossibilitar as represálias por parte do empregador, ou seja, o empregado não pode ser identificado na ação para que não venha a ser demitido pelo empregador. Uma solução imediata para derrubar esse verdadeiro entrave ao acesso à justiça é o fortalecimento das denominadas ações coletivas que podem ser movidas pelo Ministério Público do Trabalho, conforme estabelecido no art. 129, inciso III, da Constituição Federal e art.83, III da Lei Complementar n. 75/93, ou subsidiariamente pelos sindicatos, conforme art. 129, § 1º e art. 8º, III, ambos da CF e art. 5º, V, da Lei 7.347/85. As ações coletivas, uma vez que são promovidas pelo Ministério Público ou sindicato, geram a despersonalização dos trabalhadores em face dos empregadores permitindo o ingresso de ações no curso da relação de trabalho e o reparo imediato de lesões a direitos. 132 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Apesar da CLT não normatizar a tutela coletiva de direitos, o Brasil conta com verdadeiro conjunto de normas, algumas delas já citadas anteriormente, que tornaria possível esse fortalecimento das ações coletivas. Fala-se, aqui, da Constituição Federal (arts. 129, III e IX, 8º, III, e 114), da LOMPU (Lei Complementar nº 75/93, arts. 83, III, 84, caput), da LACP (Lei nº 7.347/85) e do Título III do CDC (LEITE, 2009, p.137). Além do mais, a tutela coletiva também auxilia na resolução de outro grande entrave ao acesso à justiça que é a morosidade. Ela traz maior celeridade para a prestação jurisdicional na medida em que reduz consideravelmente o número de processos uma vez que ações individuais diversas podem ser substituídas por uma única ação coletiva já que os interesses são os mesmos. Tem-se, dessa forma, maior efetividade dos direitos trabalhistas e, portanto, maior efetividade do acesso à justiça. 4.3 A PRIMAZIA LEGAL DA ARBITRAGEM NAS TUTELAS COLETIVAS E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS Conforme abordado neste estudo, o judiciário, através das tutelas individuais, é o principal meio utilizado hodiernamente para alcançar o acesso à justiça no Direito do Trabalho brasileiro. Ocorre que diversos são os entraves que impedem muitos cidadãos de verem suas demandas judiciais atendidas. Dessa forma, torna-se necessário encontrar outros meios para resolução de conflitos trabalhistas no Brasil. O artigo 114, §1º da Constituição Federal dispõe que, na impossibilidade de negociação coletiva o conflito coletivo pode ser dirimido por meio da arbitragem. Sendo assim, muitos autores entendem que não está autorizado o uso da arbitragem nos conflitos que envolvem direitos individuais trabalhistas, até porque a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), em seu art. 1º, veda seu uso para litígios relativos a direitos indisponíveis e grande parte da doutrina entende que os direitos individuais trabalhistas são direitos indisponíveis. Em que pese essa discussão do cabimento ou não da arbitragem aos direitos individuais trabalhistas, cabe nesse momento lembrar que a tutela coletiva dos direitos vem ganhando cada vez mais importância atualmente, uma vez que a globalização intensifica a concorrência entre as organizações e gera, dentre outras consequências, uma busca pela redução dos custos de produção através da precarização do trabalho humano e desrespeito reiterado às normas trabalhistas. Dessa forma, o descumprimento de certas normas trabalhistas deixa de ser fato isolado para se tornar algo frequentemente compartilhado por todos os trabalhadores de uma mesma empresa ou setor. A tutela coletiva, quando comparada com a individual, possui as vantagens de possibilitar uma despersonalização do empregado em relação 133 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ao empregador além da reparação imediata dos direitos atingidos, entre outras. Ela começou a ganhar importância apenas recentemente e, portanto, não está devidamente amparada na CLT que teve sua vigência iniciada 70 (setenta) anos atrás. A base legal para esse tipo de tutela é encontrada, pormenorizadamente, no Código de Defesa do Consumidor que clarifica em seu art. 81 quais interesses e direitos são abrangidos pela tutela coletiva, e pode ter seus conceitos aplicados, por certo, em todos os ramos do direito que deles necessitarem, inclusive o trabalhista. Sendo assim, conforme o CDC, a defesa coletiva de direitos pode ser utilizada toda vez que forem violados interesses ou direitos difusos, interesses ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogênios. Este último item é o mais importante para este estudo, pois os direitos individuais homogêneos são àqueles que apesar de serem individuais, decorrem de uma origem comum e, portanto, são classificados como coletivos. Como exemplo, pode-se lembrar daqueles vários trabalhadores de uma mesma empresa que tem seus direitos desrespeitados pelo empregador. Se os direitos individuais homogêneos são abarcados pela tutela coletiva segundo o Código de Defesa do Consumidor, então o artigo 114, § 1º da Constituição Federal deve ser interpretado à luz desse conhecimento, ou seja, se o texto constitucional dispõe que a arbitragem é aplicável na resolução dos conflitos coletivos do trabalho, então se pode deduzir que a arbitragem também pode ser aplicada aos conflitos individuais homogêneos do trabalho. Esse entendimento é de fundamental importância na medida em que o citado processo de globalização e decorrente precarização do trabalho humano levaram a um notável aumento no número de direitos individuais homogêneos infringidos. Dessa forma, pode-se sugerir, com as devidas bases legais, que os conflitos coletivos do trabalho, incluindo aqui os direitos individuais homogêneos, devem ser resolvidos prioritariamente por meio da arbitragem, conforme disposição do texto constitucional e Código de Defesa do Consumidor. Não sendo possível a solução arbitral, a solução mais indicada é a tutela coletiva judicial e, em último lugar, a tutela individual judicial. Ou seja, propõese aqui uma total inversão nas formas comumente utilizadas para resolução dos conflitos trabalhistas no Brasil. Dessa forma, tem-se um procedimento que se efetivado poderá dar cabo a milhares de demandas e desafogar de forma considerável o judiciário nacional. 5 CONCLUSÃO O acesso à justiça não se faz, tão somente, através do judiciário. Existem outras formas de se garantir o acesso dos cidadãos a uma ordem jurídica justa. 134 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO A arbitragem é um meio extrajudicial de resolução de conflitos que também é capaz de proporcionar acesso à justiça para os que dela se utilizam. Tradicionalmente, o judiciário é a principal forma de resolução dos conflitos no Brasil, incluindo aqueles relativos ao Direito do Trabalho. Entretanto, ele contém verdadeiras barreiras que impedem os cidadãos de terem seu direito de acesso à justiça efetivado. Cite-se, por exemplo, os altos custos de um processo judicial que é verdadeiro obstáculo aos cidadãos de menor poder aquisitivo, o ambiente excessivamente formal em termos de vestes e linguajar que gera certo receio em acionar o judiciário, a excessiva demora na obtenção da prestação jurisdicional que desestimula a busca pela justiça, o baixo grau de instrução da população brasileira que muitas vezes desconhece quando tem um direito seu violado, entre outras. Dessa forma, apesar do judiciário ser, em tese, acessível a todos, na prática sua utilização como principal forma de resolução de conflitos acaba por minar o direito de acesso à justiça dos cidadãos. É exatamente nesse contexto que ganha importância o estudo da arbitragem. Nesta, a escolha de um terceiro de comum acordo entre as partes para atuar como arbitro em determinado conflito proporciona inúmeras vantagens em comparação com a tutela jurisdicional, a saber: celeridade; informalidade; confiabilidade; flexibilidade e sigilo, além de evitar as barreiras existentes na prestação jurisdicional estatal. No que tange os conflitos trabalhistas, alvo principal deste estudo, a possibilidade de aplicação da arbitragem aos conflitos coletivos é unânime entre os doutrinadores por se tratar de disposição constitucional (art. 114, §1º da CF), todavia sua aplicabilidade aos conflitos individuais trabalhistas ainda é muito questionada. Entretanto, para melhor compreender essa questão cabe, previamente, um levantamento do contexto histórico recente na área trabalhista. Nas últimas décadas, os direitos coletivos ganharam importância e passaram a ser mais bem analisados e compreendidos, inclusive sob o ponto de vista legal. Isso porque com o advento da globalização e, consequentemente, a busca por redução de custos e aumentos dos lucros, muitas empresas passaram a desrespeitar de forma reiterada o disposto nas legislações trabalhistas ocasionando um aumento considerável do número de conflitos trabalhistas de natureza coletiva. Entretanto, nesse novo contexto, vai ficando claro que o uso da tutela judicial individual na área trabalhista começa a causar inúmeros prejuízos aos trabalhadores. Grande parte deles se vê obrigado a continuar trabalhando em condições abusivas e/ou inseguras e ingressar com sua ação trabalhista apenas após o término do contrato de trabalho por temer perder sua fonte de renda caso ingresse com a ação ainda na constância do contrato de trabalho, correndo, como isso, o risco de ser atingido pela prescrição. Sendo 135 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO assim, ganhou importância o estudo das ações coletivas no âmbito judicial promovidas pelo Ministério Público ou, subsidiariamente, pelos sindicatos, por gerarem a despersonalização dos trabalhadores em face dos empregadores, permitindo o ingresso das ações ainda na constância do contrato de trabalho e a reparação imediata dos danos. Fazendo jus a essa tendência de crescimento dos conflitos coletivos trabalhistas, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) trouxe para o direito brasileiro a definição do termo “tutelas coletivas”. Segundo o CDC, a tutela coletiva de direitos abrange os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Sendo assim, voltando à questão da possibilidade de aplicação da arbitragem aos conflitos individuais trabalhistas, quando a Constituição afirma que a arbitragem é aplicável aos conflitos coletivos do trabalho deve-se interpretar o termo “coletivos” em conjunto com a definição de tutela coletiva trazida pelo CDC. Assim fazendo, não restam dúvidas sobre a legalidade da aplicação da arbitragem também aos conflitos que envolvem direitos individuais homogêneos a despeito do que pensam alguns doutrinadores. Dessa forma, a arbitragem somente não abarcaria os direitos individuais absolutos. Portanto, o que se propõe neste estudo é uma total inversão de prioridade das formas de resolução dos conflitos trabalhistas com base no disposto pela Constituição Federal do Brasil (art. 114, §1º) que adota a arbitragem como forma prioritária de resolução dos conflitos coletivos do trabalho, incluindo-se, aqui, os conflitos que envolvem direitos individuais homogêneos, já que eles integram o conceito de conflitos coletivos segundo o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor. Não sendo possível a solução por via arbitral, caberia a tutela coletiva judicial na resolução dessas lides e, apenas na impossibilidade de ter a pretensão atendida das formas anterior. 136 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO REFERÊNCIAS CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002. DELGADO, Mauricio Godinho. 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Atualmente, são aproximadamente 574 mil pessoas presas no Brasil, homens e mulheres que enfrentam obstáculos ao voltarem para suas comunidades, pois devido ao estigma negativo do passado criminal, não encontram trabalho facilmente. Ademais, a negligência estatal frente às obrigações estipuladas pela lei de execuções penais de preparar o preso para sua inclusão no mercado de trabalho e a resistência das empresas em contratar a mão de obra de ex-detentos, contribuem para a taxa de reincidência brasileira que alcança o índice de 70%, isto é, em cada dez presos libertados, sete retornam para a prisão. Por outro lado, observou se nesse estudo que a participação das empresas na viabilização de oportunidades de trabalho para ex-condenados é uma alternativa para construção de uma sociedade mais igualitária, justa e fraterna. Focado nessa problemática nacional procurou-se através do presente artigo científico, traçar uma visão das possibilidades e viabilidades de criação de um sistema voltado à efetiva reintegração do ex-apenado no mercado de trabalho, por meio da participação empresarial. A partir desse estudo obteve – se os seguintes resultados: que o trabalho produtivo é uma das medidas que mais contribui para que os excluídos possam reconstruir suas vidas; também, sobre a necessidade de edição de uma legislação nacional que estimule as empresas a contratarem egressos do sistema prisional. Quanto à metodologia adotada, utilizou se o método dedutivo, apoiando-se na pesquisa bibliográfica nacional e estrangeira, compondo um estudo interdisciplinar. Estudante do Curso de Mestrado da Universidade de Marília – UNIMAR. Delegado de Polícia Civil do Estado do Tocantins e docente da Faculdade Católica Dom Orione de Araguaína. [email protected]. 11 Docente do Curso de Graduação e do Curso de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina; docente do Curso de Mestrado da Universidade de Marília; docente e coordenador de Curso da Faculdade Paranaense; advogado em Londrina. lourival.oliveira40@ hotmail.com. 10 139 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Palavras-Chave: Empresa; Ressocialização; Egressos ABSTRACT The Ministry of Justice (MJ) has reported that between January 1992 and June 2013, the Brazilian prison mass increased 403.5 %, while the population grew by 36 %. Currently, there are approximately 574 000 people arrested in Brazil, men and women who face a lot of obstacles to return to their communities due to the negative stigma of a criminal past. They don’t find work easily after prison. Moreover, the state has neglected the obligations stipulated by the law of criminal executions to prepare the prisoner for their inclusion in the job market and also the resistance of the companies to hire manpower for ex -offenders have contributed for Brazilian recurrence rate that reaches an index around 70% , by the way, every ten prisoners released, seven of them went back to prison . Furthermore , this study observed that the participation of companies in enabling job opportunities for ex -convicts is an alternative to building a more equal , fair and fraternal society . Focused on this national problem this scientific article aims to outline a study of possibilities and feasibility of creating an effective reintegration system of ex - convicts in the job market through companies’ participation. From this study it was obtained the following results: the productive work is one of the alternatives to help the excluded people to rebuild their lives and it is necessary to create a national law that could encourage Brazilian companies to hire ex-convicts. Regarding the methodology, it was used the deductive method based on national and foreign literature, set up an interdisciplinary study. Kew-words: Company; Resocialization; Convict 1 INTRODUÇÃO A Empresa ganhou nova roupagem a contar da última década do século XX, muito embora esta necessidade de transformação venha sendo debatida desde a primeira metade do mesmo século, conforme o conteúdo presente na Declaração dos Direitos Humanos (1948), a qual serviu de base para a construção que se seguiu décadas após, em especial sobre responsabilidade social empresarial. Todavia, observa se que no Brasil, em pleno século XXI, o ideal de responsabilidade social empresarial, ainda não faz parte do cotidiano da maioria das empresas, quando a questão é viabilizar uma oportunidade de trabalho para um ex-detento. 140 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Ademais, a sociedade em geral, principalmente os empresários têm uma grande resistência em reabsorver a mão de obra daquele que acabara de sair da prisão, pois presidiários geralmente são definidos como pessoas más, perigosas, que devem ser evitadas. Nesse contexto, os apenados sofrem a exclusão social, uma “pena invisível”, que não foi imposta na sentença criminal, mas que repercute pelo resto da vida. A exclusão e o preconceito da sociedade levam ao desemprego prolongado, fator de impacto na pobreza, na desorganização familiar e na delinquência. Nesse sentido: Prisão é de fato uma monstruosa opção. O cativeiro das cadeias perpetua – se ante a insensibilidade da maioria, como uma forma ancestral de castigo. Para recuperar, para ressocializar, como sonharam os nossos antepassados? Positivamente, jamais se viu alguém sair de um cárcere melhor do que quando entrou. E o estigma da prisão? Quem dá trabalho ao indivíduo que cumpriu pena por crime considerado grave? Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra terrível condenação. Legalmente, dentro dos padrões convencionais não podem viver ou sobreviver. A sociedade que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinseri – los depois em seus seios, repudia – os, repele – os, rejeita – os (DE BECCARIA, 1991, pp17-43). É fato que nem todo ex-infrator que deixa a prisão, aceita trabalhar e mudar seu comportamento criminoso. Alguns jamais se arrependem do delito praticado. Outros fazem do crime um estilo de vida. Entretanto, alguns presos utilizam – se do tempo na prisão de forma produtiva, participando de programas educacionais, profissionais e de desenvolvimento pessoal, na expectativa de sair da prisão e arrumar um emprego digno e sair da criminalidade. Todavia, a omissão estatal frente às obrigações estipuladas pela Lei de Execuções Penais de oferecer condições para que o preso se reintegre no mercado de trabalho e a resistência das empresas em contratar um ex-preso, dificultam a ressocialização daqueles que querem uma oportunidade de emprego. Dados do Ministério da Justiça (MJ) mostram o ritmo crescente da população carcerária no Brasil. Entre janeiro de 1992 e junho de 2013, o número de pessoas presas aumentou 403%. É a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil) (BRANDÃO, 2014). Além disso, o déficit de vagas nas cadeias é da ordem de 180 mil. Todos os anos, as prisões recebem aproximadamente 25 mil presos 141 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO e libertam 20 mil. Se fossem cumpridos os 150 mil mandados de prisões pendentes na Justiça, o Brasil precisaria de quase 500 mil vagas no sistema prisional (MJ, 2009). Essa realidade de “encarceramento em massa” é preocupante e demonstra necessita se de políticas públicas de integração entre Estado, sistema prisional e empresa, no escopo de promover a reintegração social daqueles que querem trabalhar após cumprir a pena. Some-se a isso que o crime e a violência geram prejuízos econômicos para o país, pois um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revelou que em 2005, o Brasil gastou cerca de 92 bilhões de reais para lidar com o crime e a violência, o que representou cerca de 4% do Produto Interno Bruto do país (CEQUEIRA, 2003, p18). Nessa ótica de falta de oportunidade de trabalho enfrentada pela massa carcerária quando em liberdade, surgiu a proposta número 49 da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a qual relata que os ex presidiários têm dificuldades de reinserção no mercado e que a não reinserção produtiva de ex apenados gera a reincidência no crime, a qual tem elevado o ônus para a sociedade, haja vista os custos mensais do sistema com cada preso, além dos gastos com segurança pública e com o próprio sistema Judiciário. Na prática, Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão do governo federal, está desenvolvendo um programa voltado à empregabilidade de ex presidiários, denominado “Começar de Novo”, o qual tem como um dos objetivos buscar parcerias entre governo e empresas no objetivo de oferecer trabalho para ex presos, visando também o resgate da dignidade do egresso, a erradicação da marginalização e a promoção do bem estar de ex detentos, fundamentos constitucionais da República. Em termos legislativos, há no Congresso Nacional Brasileiro projetos de lei que ao mesmo tempo em que obrigam, motivam instituições empresariais a contratar egressos. Focado nessa problemática nacional, o presente trabalho pretende estimular o debate a cerca da temática: Quais são as políticas públicas que o Estado está desenvolvendo para os egressos que saem diariamente da prisão e que efetivamente desejam reintegrar à sociedade por meio do trabalho? Ademais, é possível por meio de benefícios às empresas, estimular à contratação de ex presidiários, tendo como resultado final, a efetiva reintegração social e resgate da dignidade humana do apenado? Adotou-se o método dedutivo, com pesquisas bibliográficas sobre o tema, de forma multidisciplinar. Também, a pesquisa não faz distinção entre função social da empresa e responsabilidade social, apesar da doutrina clássica estabelecer diferenças, para fins desse estudo, compreende-se as duas denominações enquanto fazendo parte do mesmo conceito. 142 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO 2 O ATO DE TRABALHAR COMO INSTRUMENTO DE RESGATE DA DIGNIDADE HUMANA A população carcerária cresce de forma assustadora, aproximadamente 7,31% ao ano. Entre 1995 e 2009, o número de presos triplicou. Em 2010, cerca de 500 mil presos faziam parte do sistema penitenciário, sendo que todos, exceto os enclausurados que falecem durante a custódia penal, um dia voltarão para o convívio social. E ao retornar para o convívio social, o egresso vai buscar no trabalho seu sustento e pelo trabalho inicia se um processo de reintegração social (MENDES, 2010). Todavia, não existe no país uma política explícita focada para o “ato de trabalhar” como forma de reintegração social dessa massa de egressos do sistema prisional de desempregados, apesar dos vários dispositivos legais, tais como a Constituição Federal de 1988 e a Lei 7.210 de 1984 (Lei de Execução Penal), que orientam o Estado a sistematizar políticas públicas voltadas para a classe de ex presidiários que querem realmente trabalhar, devendo ajudá-los a reintegrar à vida em liberdade, em especial, contribuindo para a sua colocação no mercado de trabalho. Sob a ótica constitucional tem se o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é orientador de todo ordenamento jurídico brasileiro, servindo como critério e parâmetro de valoração de sistema normativo e deve ter aplicação imediata por parte do Estado, quando a questão é oferecer uma vida digna para aquele que deseja voltar à sociedade. Significa dizer que, também ex apenados, quando submetidos à tutela do Estado ou após terem cumprido sua pena, são merecedores da atenção constitucional, notadamente quando buscam serem reinseridos no convívio social, por meio do trabalho, o qual vai proporcionar meios de sobreviver, deixando a vida pretérita de crimes e desacertos. Desse modo, o Estado e a sociedade organizada devem criar e fomentar políticas públicas sólidas que permitam meios para essa reintegração social e, paralelamente, buscar a conscientização daquele que errou, fazendo com que o ex apenado entenda qual sua função, seus deveres e direitos diante da coletividade na qual passará, novamente, a conviver e que o Estado e a sociedade estão lhe proporcionando efetivamente uma oportunidade para sair da criminalidade. 2.1 O ATO DE TRABALHAR E SUA VALORIZAÇÃO SOCIAL Ao abordar a temática do “ato de trabalhar e sua valorização social”, é necessário a priori, descrever um pouco a respeito da evolução histórica do conceito de trabalho. 143 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO O termo trabalho é de difícil compreensão, haja vista, não é universal e nem tão pouco imutável, perceptível somente do ponto de vista semântico. Ademais, a palavra trabalho é polissêmica, com várias noções e significados conforme os diferentes períodos históricos. Durante a evolução histórica da Grécia, o ato de trabalhar era desprovido de qualquer valorização social ou dignidade humana, sendo destinado somente aos escravos e mulheres. Para os gregos, a verdadeira dignidade estava no fato de poder viver no ócio e para poder participar na gestão de negócios das “polis”. O historiador e antropólogo Funari descreve de forma clara esse período da humanidade. “Apenas os espartanos e seus descendentes pertenciam ao grupo dos chamados iguais; proibidos de trabalhar, eram sustentados pelo trabalho dos hilotas. Por outro lado, deviam dedicar-se aos assuntos da cidade” (FUNARI, 2002, p. 22). Durante esse período, o conceito de trabalho estava relacionado a algo penoso, duro e como forma de castigo, considerado como principal indicativo do estatuto social do indivíduo, não sendo sinônimo de realização pessoal, nem tão pouco de inclusão social. Entretanto, mesmo entre os gregos, não havia um consenso em relação ao ato de trabalhar e sua valorização, pois Hesíodo, poeta do século VII a.c., chegou a afirmar que “não há vergonha no trabalho, a vergonha está na ociosidade” (FUNARI, 2002, p. 31). A Idade Média caracterizava se pela economia ruralista e supremacia da igreja católica, a qual pregava que o trabalho era uma atividade essencial para vida do homem. A socióloga Christine Afriat, no trabalho “La place du travai dans la société” relata: “A valorização do trabalho anda de mãos dadas com a crença que é uma atividade do homem e uma fonte vital de coesão social. Ele aparece muito mais tarde e somente em alguns países”. (Tradução livre) (AFRIAT, 1997, p. 61). Nos séculos XVII e XVIII, as grandes descobertas científicas proporcionaram o desenvolvimento das grandes navegações, contribuindo para a expansão do capitalismo mercantil. Surge então uma nova ideologia com relação ao conceito de trabalho, representada principalmente nas obras de Smith: Assim como essa exportação extraordinária de ouro e prata não aumentaria a riqueza e a renda reais das pessoas ociosas, da mesma forma não faria aumentar muito seu consumo. Provavelmente, essas mercadorias importadas, ao menos a maior parte delas — e com certeza, uma parte delas — consistiriam em materiais, instrumentos de trabalho e provisões para dar emprego e sustento a pessoas 144 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO trabalhadoras, as quais reproduziriam, com lucro, o valor total de seu consumo (SMITH, vol II, 1983, p. 20). Tais concepções de trabalho trouxeram profundas transformações na economia do século XIX, quando a mão de obra humana passou a ter um papel fundamental no crescimento da produção industrial. O trabalho indústrial passa a ser fundamental para o desenvolvimento da economia, passando a ser valorizado pelo Estado do ponto de vista da produção de bens e como fator de inclusão social. Dentro desse contexto histórico, Bocorny tecendo comentários à respeito da importância do trabalho na economia, posiciona – se com a seguinte assertativa: O grande avanço do significado do conceito que se deu no último século foi no sentido de se admitir o trabalho (e o trabalhador) como principal agente de transformação da economia e meio de inserção social, por isso, não pode ser excluído do debate relativo às mudanças das estruturas de uma sociedade. Assim, o capital deixa de ser o centro dos estudos econômicos, devendo voltar-se para o aspecto, talvez subjetivo, da força produtiva humana (BOCORNY, 2003, pp. 42-43). Com a evolução histórica, o ato de trabalhar passa a ter maior relevância nas lentes dos doutrinadores, enquanto agente de transformação da economia e importante meio de inserção social. Busca se valorizar o trabalho e o trabalhador frente ao modelo capitalista estabelecido, dentro de uma concepção multidisciplinar de trabalho e não somente economicista, estabelecida nas ideias de Adam Smith. Com esse raciocínio, segue os ensinamentos de Marques, a qual descreve o trabalho como instrumento de valorização social, nos moldes do princípio da dignidade humana: Observa-se, portanto, que a valorização do trabalho consequentemente irá proporcionar uma vida digna ao trabalhador, evitando que ele se sinta mera engrenagem, ou apenas mais um número naquela empresa ou folha de pagamento. [...] É inquestionável, portanto, que o trabalho é elemento essencial à vida. Logo, se a vida é o bem jurídico mais importante do ser humano e o trabalho é vital à pessoa humana, devese respeitar a integridade do trabalhador em seu cotidiano, pois atos adversos vão, por consequência, atingir a dignidade da pessoa humana (MARQUES, 2007, p. 21). 145 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO No Brasil, os primeiros regramentos legislativos voltados para assegurar direitos e garantias aos trabalhadores iniciam se com a Constituição de 1934. Entretanto, somente após a segunda guerra, com o crescimento nas atividades econômicas, que a valorização do trabalho humana passa a ser um princípio da ordem econômica e social, estabelecido na Carta Magna maior. Nesse contexto de inserção de direitos, surgem os primeiros regramentos de proteção ao trabalho e trabalhador, sendo que Vasconcelos apresenta o seguinte comentário a respeito da temática: A intervenção estatal com vistas à proteção do trabalhador dá início no país com o advento da Constituição de 1934, mas observa-se que é a partir da edição da Constituição de 1946 que a valorização do trabalho humano se equipara à liberdade de iniciativa como princípio da ordem econômica e social (VASCONCELOS, 2012, p.17). Entretanto, o trabalho humano e sua valorização somente se concretizaram no país, após a Constituição Federal de 1988, na vigência do estado democrático de direito, quando afirma se no cenário jurídico nacional uma ideologia liberal voltada para a produção de bens nos moldes capitalista, mas sem deixar de atender uma série de direitos objetivando a proteção ao trabalho humano e do trabalhador. Considerando a assertiva supra, oportuno transcrever, o comentário de Borcony acerca do assunto: Dessa maneira, o trabalho ganha importância (social, econômica, política) e, por isso, precisa das garantias jurídicas necessárias. Nas sociedades democráticas, é possível a existência de tais garantias, na medida em que se elejam princípios os quais os cidadãos entendem como importantes para o seu desenvolvimento. [...]. O princípio da valorização do trabalho, agora elevado a status constitucional, determina que o desenvolvimento seja orientado nas duas perspectivas já explicadas: social e econômica (BOCORNY, 2003, p. 71-72). Do ponto de vista legislativo, resta plenamente satisfeita à proteção e garantia ao ato de trabalhar e sua valorização social, no que concerne à previsão textual de tais direitos e garantias (aspecto formal). O Estado brasileiro, por meio de sua Carta Política maior, reconhece e prescreve vários direitos e garantias, o que significa dizer que a questão não é mais de ordem existencial, ou quanto aos efeitos (amplitude) destes direitos e garantias, mas sim de concretização e plena realização no seio do sistema já formalmente estabelecido. 146 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Há, todavia, enorme distância entre a legislação e a realidade do sistema prisional atual. É notório que o tratamento dado aos presos nas prisões brasileiras está longe de propor a recuperação prevista no Código Penal e na Lei de Execução Penal. Por isso, faz-se mister que ocorra a valorização do trabalho humano por parte do Estado e empresa, enquanto atividade que coloca o cidadão em contato com a sociedade de forma a realizar se como ser social, principalmente aqueles que se encontram fora do mercado de trabalho, em especial as pessoas que tiveram uma passagem pelo sistema prisional. Assim, é o pensamento de Oliveira: Como se valoriza o trabalho? Em primeiro momento, através da geração de mais postos de trabalho: que haja um melhor trabalho com mais satisfação, com menos riscos, com mais criatividade, com a participação de quem trabalha no gerenciamento empresarial, sem discriminação; que seja melhor retribuído, com a efetivação dos direitos sociais consubstanciados nos artigos 6º a 11 da C.F.; que haja uma efetiva política pública de qualificação da mão de obra, capacitando criativamente o ser humano (OLIVEIRA, 2009, p. 86). Conclui-se que o ato de trabalhar no decorrer da história, revelou se como um dos fatores mais efetivos para reconstruir a dignidade da pessoa e para sua reintegração na sociedade. 3 O ATO DE TRABALHAR ENQUANTO PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO É importante para a sociedade em geral, dar uma oportunidade de trabalho para aqueles que deixam as cadeias brasileiras diariamente, e sem nenhuma perspectiva de vida, buscam voltar ao mercado de trabalho e ganhar um salario digno. O ato de trabalhar enquanto processo de ressocialização deve ser contínuo, e digno para poder mudar a vida daqueles que desejam deixar as condutas criminosas. O contrato por prazo determinado leva à precariedade do trabalho, o que prejudica na ressocialização devido a alguns lapsos de tempo em que o ex-preso fica aguardando ser contratado novamente, e sem emprego. Por sua vez, no Brasil não existem estatísticas que comprovem quantos ex-apenados são reintegrados no mercado de trabalho e quantos efetivamente retornam para o cárcere. Deve se observar que dentro do sistema prisional existem aqueles presos que querem uma oportunidade para poder voltar ao mercado de trabalho, 147 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO e que demonstram esse interesse de reintegrar à sociedade, já dentro da prisão, pois estudam, participam de programas e cursos de profissionalização quando oferecidos e desenvolvem bom comportamento prisional. Nesse contexto, é o relatório da Segundo a Secretaria do Trabalho do Estado de São Paulo: Os cursos implantados, com 230 horas para habilitação em várias profissões, foram muito bem recebidos pelos presos, que, além de terem o interesse despertado pela profissão, recebem uma bolsa de estudos no valor de 310 reais mensais. Ademais, eles têm nesses cursos uma oportunidade para sair da cela (PASTORE, 2011, p.134). Outros infratores não abandonam o mundo do crime, mesmo dentro da prisão, pelo contrário saem da cadeia com mais experiência no crime devido o contato com novos criminosos. Referindo á aqueles presos que querem trabalhar e outros que desejam continuar na vida criminosa, assim é o entendimento de Petersilia: Igualmente, um aspecto para entender quem está retornando para casa relaciona – se as experiências dentro da prisão. É notório, que alguns ex-dententos usarão o tempo na prisão de forma produtiva, participando na educação, indústria, aconselhamento, e outros programas aprimoramento pessoal. Mas certamente, outros tornam se piores e mais violentos devido às experiências vividas na prisão (Tradução Livre) (PETERSILIA, 2005, p. 16). Para os presos que querem se integrar novamente à sociedade, o ato de trabalhar enquanto processo de ressocialização deve ser desenvolvido no início do cumprimento da pena, dentro dos presídios, principalmente por meio da qualificação profissional que permitirá que o detendo se adapte mais facilmente ao ambiente de trabalho quando sair da prisão. Com o mesmo entendimento se expressa Desrosiers: Muitos especialistas em estabelecimentos correcionais acreditam que quando um delinquente participa de programas de emprego durante o seu encarceramento, há boas chances de se adaptar a vida na prisão e em seguida, uma reintegração social bem sucedida (DESROSIERS, 2013, p. 9). Some se a isso, que na Noruega, uma pesquisa desenvolvida pelo Departamento de pesquisa de Oslo, demonstrou que os egressos que buscam por 148 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO meio do trabalho fora da prisão construir uma vida digna, têm 63% probabilidade de não reincidir quando comparados com os presos que não trabalham quando saem da prisão (SKARDHAMAR, 2009, p 1). No Brasil, dados estatísticos demonstram que 70% dos ex infratores voltam para o sistema prisional por falta de uma oportunidade de emprego, logo após deixar a prisão e que a reincidência cai para 48% quando encontram uma oportunidade de trabalho efetivo (MENDES, 2013). É de fundamental importância, desenvolver ações para que ao deixar à penitenciária, o preso tenha uma oportunidade de trabalho digno, moldando seus valores, atitudes e comportamentos, sendo o ato de trabalhar um instrumento que proporcione sua integração no mercado de trabalho, na família e na comunidade onde vive. Acompanhando o raciocínio da efetividade do processo de ressocialização pelo ato de trabalho, faz se presente o pensamento de Lukács: [...] Somente o trabalho tem na sua natureza ontológica um caráter claramente transitório. Ele é em sua natureza uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto com a natureza inorgânica [...], quanto com a orgânica, inter-relação [...] que se caracteriza acima de tudo pela passagem do homem que trabalha, partindo do ser puramente biológico ao ser social. Todas as determinações que, conforme veremos, estão presentes na essência do que é novo no ser social estão contidas in nuce no trabalho (LUKÁCS, 1980, IV-V). O trabalho é um dos melhores caminhos para facilitar a integração dos egressos na sociedade, sendo que as redes de relacionamento desenvolvidas dentro das empresas ajudam a construir um ambiente que evitar a reincidência. Logo, Estado, empresa e sociedade devem buscar por meio de políticas público-privadas alternativas de oferecer vagas de trabalho para a grande massa de ex presidiários, tendo por meio do trabalho, um processo que simultaneamente altera a natureza e auto transforma o próprio ser que trabalha, proporcionando uma vida com sentido e um reencontro com a dignidade. Nesse diapasão segue o ensinamento de Antunes: [...] Na busca de uma vida cheia de sentido, a arte, a poesia, a pintura, a literatura, a música, o momento de criação, o tempo de liberdade, têm um significado muito especial. Se o trabalho se torna autodeterminado, autônomo e livre, e por isso dotado de sentido, será também (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, da pintura, da literatura, da música, do uso autônomo do tempo livre e da liberdade 149 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO que o ser social poderá se humanizar e se emancipar em seu sentido mais profundo (ANTUNES, 2001, p. 20). Por fim, por meio do ato de trabalhar é possível que ex preso obtenha certa estabilidade financeira, sinta se independente e produtivo, comportando conforme as normas sociais e legais. 4 A PARTICIPAÇÃO DA EMPRESA NA RESSOCIALIZAÇÃO DE EX-PRESIDIÁRIOS A omissão estatal na busca de políticas pública efetivas de soluções para os problemas sociais que afligem a sociedade brasileira, faz surgir a “cidadania empresarial”, a qual compreende que o papel da empresa não é apenas pagar impostos e criar empregos, mas desenvolver ações para a implementação de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária. Assim é a visão de Comparato, [...] a atuação mais marcante exercida pela empresa atualmente diz respeito á sua influência na determinação do comportamento de outras instituições e grupos sociais, há pouco tempo, permaneciam alheios ao alcança da órbita empresarial (COMPARATO, 1985, p. 9). Desse modo, a partir do envolvimento das empresas com os problemas sociais, surge o termo “responsabilidade empresarial”, a qual corresponde a uma recente etapa de maior conscientização do empresário no que diz respeito as desigualdades sociais e ao seu potencial papel na resolução das mesmas, principalmente em virtude da crescente falta de capacidade e de credibilidade do Estado na busca da eliminação daqueles. Assim, compartilha da mesma ideologia Arnoldi e Ribeiro: [...] Até recentemente, o empresário brasileiro entendia que o seu papel era apenas pagar impostos e criar empregos, e que seria responsabilidade do Estado resolver os problemas sociais. Atualmente, o empresário sabe que o Poder Público, em todas as esferas, mal tem recursos para financiar sua pesada máquina administrativa (ARNOLDI, 2002, p.217). Desse modo, um dos traços mais evidentes do mundo do trabalho é a crescente vocalização dos direitos das minorias. Nesse diapasão, a responsabilidade social da empresa na reintegração social do ex presidiário no mercado de trabalho, consiste num gesto voluntário do empresário em admitir dentro do seu quadro de funcionários, aqueles que tiveram passagem pelo sistema prisional. Assim, dar oportunidade de trabalho para um ex presidiário, trata se de uma forma da empresa contemporânea colaborar com o Estado na busca da justiça social, ao invés de ficar esperando somente pelo poder público. 150 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Todavia, o processo de reintegração social de um ex presidiário não é tão simples, como o ingresso de qualquer trabalhador no mercado de trabalho. Além dos fatores de baixa escolaridade, falta de qualificação profissional, o apenado tem em seu desfavor um estima social negativo de preconceito devido ao passado criminoso. Eros Grau, em sua lapidar construção a respeito do significado do fundamento constitucional de “uma sociedade livre, justa e solidária”, acaba por extrair a necessidade da participação da sociedade na reintegração social do apenado. “[...] Solidária, a sociedade que não inimiza os homens entre si, que se realiza no retorno, tanto quanto historicamente viável, à Geselschaft – a energia que vem da densidade populacional fraternizando e não afastando os homens uns dos outros (GRAU, 2011, p. 212). O ex presidiário não é autossuficiente e depende do setor empresarial para retornar ao mercado de trabalho e dando oportunidade de emprego ao apenado, a empresa contemporânea estaria realizando a função social empresarial. Acolha-se os escritos de Canotilho: [...] O empresariado brasileiro aparece nesses contextos como mais um ator ativo em combate das desigualdades sociais no país. Assim desenvolve seus negócios em meio às responsabilidades sociais. Criase uma consciência de cidadania, entre o empresariado e também na população. Cabe salientar que essa filantropia é adaptada com as vantagens e formas de lucro empresarial, ecoando um discurso neoliberal que prioriza o individual contra a ineficiência do Estado em solucionar os conflitos sociais. Cresce dessa maneira o elogio e inserção ao terceiro setor. Os empresários juntamente com outras organizações, contribuem para as políticas públicas, auxiliando uma carente parcela da população (CANOTILHO, 1993, p. 82). Ademais, o artigo 170 da constituição federal carrega em seu bojo valores sociais às atividades empresariais. Sendo que a união entre Estado e empresas tem como escopo auxiliar no processo de reintegração social do apenado por meio do “ato de trabalhar”, possibilitando ao mesmo uma vida digna. Assim, a empresa pode atuar na operacionalização da ressocialização do apenado, mudando sua realidade extramuro com relação a oportunidade de trabalho. Por sua vez, o ex-preso pretende vender sua força de trabalho em prol de uma vida mais digna. Conforme ensina Oliveira: “[...] Aquele que trabalha, trabalha porque precisa trabalhar para prover o seu sustento e de seus dependentes. Trabalha por 151 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO conta de que o único bem a ser ‘vendido’ é a sua força de trabalho” (OLIVEIRA, 2011, p.15). Do ponto de vista normativo, a Resolução n.º 08 de 12 de julho de 1994 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária nos conduz a seguinte garantia legal: “Artigo 58. Os órgãos oficiais ou não, de apoio ao egresso devem: II – ajudá-lo a reintegrar à vida em liberdade, em especial, contribuindo para sua colocação no mercado de trabalho.” Sobre o processo de reintegração social do ex presidiário temos na legislação brasileira a Lei 7.210 de 1984 (Lei de Execução Penal) traz no seu artigo primeiro o seguinte: “Execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Entende-se por integração social, os sinônimos recuperação, ressocialização, readaptação, reinserção, reeducação social e reabilitação, fenômenos sociais que permitem aos apenados tornar-se útil a si mesmo, à sua família e a sociedade. Desse modo, a Lei de Execução Penal garante aos egressos, apoio e orientação para reintegrá-lo à vida em liberdade, conforme reza o dispositivo legal abaixo: Artigo 25: A assistência ao egresso consiste: I - na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; Il - na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses. (BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984) Todavia, apesar desse amplo rol legislativo de obrigação estatal na reinserção social do apenado, a ineficácia é notória, haja vista, a alta taxa de reincidência criminal dos egressos da prisão. Desse modo, deveria haver por meio de políticas públicas, uma interação entre o Estado e empresa, com escopo de promover a inclusão social do ex presidiário. Nesse sentido aponta o jurista Mirabete: [...] A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior [...]. A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão 152 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação. Sozinha a pena não consegue reintegrar o indivíduo apenado, se faz pertinente a junção de outros meio (MIRABETE, 2002, p. 73). Nesse contexto, os presídios não fazem a recuperação dos presos, estes costumam sair da prisão com deficiências no campo profissional e na área comportamental. Para resolver essa omissão estatal, o Estado vem oferecendo benefícios fiscais às empresas contratantes de egresso do sistema prisional, como alternativa de reaproximar a sociedade civil do ex apenado. 5 BENEFÍCIOS FISCAIS ÁS EMPRESAS NA CONTRATAÇÃO DE EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL Tendo em vista que, cedo ou tarde, os presos são libertados e segundo José Pastore, no livro “Trabalho Para Ex Infratores”, mensalmente saem dos presídios cerca de dois mil infratores que cumpriram suas penas. Trata-se de ex infratores que cumpriram suas penas e que voltam para o convívio da sociedade. Todavia, existe o problema da reinserção desses ex presidiários no mundo do trabalho, pois de modo geral, as empresas resistem em contratar um ex detento, e não existe uma lei nacional que verse a respeito da temática. E segundo Pastore: [...] A resistência para oferecer trabalho ao ex detento decorre de muitos fatores. As pessoas com passado criminal são tidas como não confiáveis. São raras as mulheres, por exemplo, que se dispõem a contratar uma ex presidiária como empregada doméstica ou como babá (PASTORE, 2011, p.63). Ademais, traçando um perfil dos ex presidiários, cerca de 96% são homens; 95% são muito pobres; 65% são negros ou mulatos; 60% têm entre 18 e 30 anos; e apenas 26% trabalham nas prisões (JULIÃO, 2006). Com relação aos presos que tiveram acesso a educação tem-se os seguintes dados: [...] Do ponto de vista educacional, 8% são analfabetos; 57% têm o ensino fundamental incompleto; 12% completaram o fundamental; 10% têm o ensino médio incompleto; 7% completaram esse nível; 5% cursou a universidade sem chegar ao diploma; e 1% completou o curso superior. (MJ, 2009) 153 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Desse modo pode se construir o seguinte gráfico do perfil educacional dos infratores: Gráfico - Perfil educacional dos infratores. Fonte: Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do Departamento Nacional Penitenciário (2009) Assim, com baixa escolaridade e sem qualificação profissional, associado ao preconceito e medo dos empresários em contratar um ex-preso, os desafios de reinserir ex-apenados tornam se mais difícil. Focado nessa problemática nacional, desde o ano de 2010 tramita no Congresso Nacional o projeto de lei n.º 70, de autoria da senadora Marisa Serrano, o qual traz benefícios à empresa que contrate ex-apenados do sistema prisional, tal como, dedução de encargos sociais. Assim, para melhor elucidar o escopo do projeto de lei, segue a Ementa abaixo: [...] Estabelece que a pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir do imposto devido, em cada período de apuração, os encargos sociais incidentes sobre a remuneração dos empregados egressos do sistema prisional, durante os primeiros dois anos de contratação, devidos à Previdência Social, ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ao salário-educação, às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma 154 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Agrária (INCRA) e ao seguro contra os riscos de acidente de trabalho (BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei nº 70/10). Na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, o relator do projeto senador Pedro Simon opinou a favor da proposta: [...] Assim, justifica-se plenamente que o Poder Público subsidie a empresa que colabore para possibilitar a reinserção do egresso ao mercado de trabalho e contribua para diminuir os índices de reincidência. Certamente o custo desse subsídio trará benefícios mais que proporcionais – não apenas em termos puramente financeiros, comparativamente à despesa que o estado tem com o prisioneiro – mas, principalmente, em termos de pacificação social e de reconstrução de famílias (SIMON, 2010). Dentro dessa perspectiva de reintegração social por meio do trabalho, faz se presente na Câmara dos Deputados o projeto de lei n. 7815 de 2010, de autoria do Deputado Inocêncio Oliveira, que dispõe sobre incentivos fiscais para as empresas que cooperarem na recuperação de presos e as reservas de vagas para egressos nas obras licitadas em contratos com a administração pública. A exposição de motivo do projeto de lei está fundamentada nos valores sociais do trabalho e na livre iniciativa, conforme se segue abaixo: [...] Ao estabelecer os valores sociais do trabalho como um dos pilares do sistema constitucional brasileiro resta claro que a garantia do exercício profissional, por um lado, é um acontecimento importante para o desenvolvimento social e, de outro, se apresenta como bem jurídico inerente à condição humana. O respeito aos valores sociais do trabalho e à livre iniciativa como um dos fundamentos da democracia brasileira, em sua repercussão para o âmbito do Direito Processual Penal, garante ao acusado, e mesmo ao condenado, o direito de exercer, dentro do possível, atividade profissional que lhe propicie cooperar com o sustento de sua família ou mesmo a formação de um pequeno fundo monetário a ser utilizado para satisfazer suas necessidades futuras, principalmente para uso após a saída da prisão, em razão do cumprimento da pena ou da concessão de livramento condicional (BRASIL. Câmara. Projeto de lei nº 7.815/10). Por outro lado, com relação aos projetos de lei acima, observa se que o Projeto de Lei n. 7815/2010 de autoria do Deputado Inocêncio Oliveira foi 155 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO arquivado em 05/03/2012, conforme memorando n.º 8/12 da Coordenação de Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei n.º 70 de autoria da Senadora Marisa Serrano encontra se na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado desde 18/05/2011. Enquanto isso, quando se consideram o custo de oportunidade e as perdas de investimento, o crime consome cerca de 7,5% do PIB do Brasil. (Apud SILVA FILHO, 2006) A diminuição da criminalidade no Brasil é possível com a participação das empresas na inserção de ex presidiários no mercado de trabalho, através da contratação de sua mão de obra. Assim, para solucionar o problema social da inclusão do apenado no mercado de trabalho, o Estado precisa promover incentivos fiscais para as empresas, no objetivo de desenvolver parcerias na contratação de ex presidiários. Desse modo, preocupado com a modernização das leis trabalhistas, a Confederação Nacional da Indústria – CNI desenvolveu as “101 Propostas para Modernização Trabalhista”, onde consta a proposta de número 49, voltada para os “Incentivos à contratação de egressos do sistema penitenciário”, conforme descrição abaixo: [...] Criação de um sistema de incentivos para que as empresas contratem ex presidiários e presos em regimes abertos e semiabertos. Os incentivos devem incluir pagamento pelo Estado, diretamente via INSS, de parte do salário (50%, por exemplo, até o limite do teto da Previdência), dos principais encargos sociais e dos gastos com sua qualificação. A partir do segundo ano, as vantagens seriam reduzidas de forma gradual (CASALI, 2012, p. 79). Por outro lado, dentro da ótica responsabilidade social empresarial, a contratação de empregado (ex presidiário) como forma de contribuição para uma sociedade mais justa e solitária, é um ato voluntário do empresário, não havendo uma obrigação estatal para que isso ocorra. Logo, para incentivar tais contratações, cabe ao Estado estabelecer políticas fiscais no escopo de incentivar as empresas a contratar ex apenados do sistema prisional, fazendo com que o mesmo não retorne à vida do crime, devido ao fato de não encontrar emprego após o cumprimento da pena. A intervenção da empresa na reintegração do ex apenado, visa contribuir de forma efetiva para diminuição da violência. Segundo o Instituto Ethos: [...] Mais de 85% de todos os crimes praticados no Brasil são contra o patrimônio — furtos e roubos — e, destes, outros 85% são praticados contra pessoas jurídicas, e não contra pessoas físicas. Crimes de 156 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO sequestro — exceto os chamados sequestros-relâmpagos —, ainda que vitimem pessoas físicas, na maior parte das vezes têm como alvo as empresas a que estão ligadas as vítimas. As razões pelas quais as empresas podem e devem investir em política criminal e penitenciária não são mais de natureza filantrópica. São, fundamentalmente, razões de sobrevivência a longo prazo. Os sonhos, projetos e ambições realizáveis por meio do trabalho e da ascensão gradativa na carreira profissional estão hoje comprometidos em função da violência e da criminalidade (SILVA, 2001). Para estabelecer uma parceira entre poder público e empresa, com o escopo de promover a inclusão do ex apenado no mercado de trabalho, o governo federal por meio do Conselho Nacional de Justiça e o Supremo Tribunal Federal desenvolveram o Projeto “Começar de Novo” lançado em 2009, tendo como objetivo a reinserção de ex presos no mercado de trabalho, implementando uma série de medidas para dar mais efetividade às Leis de Execução Penal e mudar a realidade da situação prisional no país. O programa visa à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil para que forneçam postos de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário. O objetivo do programa é promover a cidadania e consequentemente diminuir a reincidência de crimes. A Integração é a pedra angular do programa. A articulação de parcerias no setor público e na iniciativa privada é a principal ferramenta de trabalho. Para tanto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Portal de Oportunidades. Trata-se de página na internet que reúne as vagas de trabalho e cursos de capacitação oferecidos para presos e egressos do sistema carcerário. As oportunidades são oferecidas tanto por instituições públicas quanto por entidades privadas, que são responsáveis por atualizar o Portal. A “Cartilha do Empregador” desenvolvida pelo CNJ explica o funcionamento do programa: [...] O Programa funciona com as empresas e instituições disponibilizando vagas no Portal de Oportunidades existente no site do CNJ. Os Tribunais de Justiça indicam ao CNJ algum responsável (magistrado, servidor ou outro) que fará a intermediação entre o candidato e a vaga. Esse responsável é o contato, que realizará a seleção de candidatos e encaminhará às empresas e instituições empregadoras. O preso ou egresso interessado em uma oferta de emprego ou curso acessa o Portal e consulta se há uma vaga na qual se enquadra. Em caso positivo, entrará em contato direto com o responsável indicado pelo Tribunal. Jamais o interessado irá diretamente à instituição empregadora (CNJ, 2009). 157 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Os convênios assinados estabelecem compromissos às empresas e as instituições descritas acima, de contratar os egressos do sistema prisional encaminhados pelo Tribunal. 6 A CONTRATAÇÃO DE EX-PRESIDIÁRIOS PELO SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL COMO AÇÃO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL – COPA DO MUNDO DE 2014 A construção civil e a indústria são os setores que mais absorvem trabalhadores egressos do sistema penal. A quantidade de prédios, casas e estradas em construção no Brasil favorece o emprego de ex detentos pela construção civil. Nesse sentido, devido à realização da copa do mundo de 2014 no país, há necessidade de ampliar aeroportos e estágios de futebol para que reúnam condições de sediar a competição. Desse modo, com fulcro no projeto “Começar de Novo” do CNJ, foi desenvolvido um programa em que as empresas vencedoras das licitações das obras de infraestrutura e serviços são obrigadas a disponibilizar um percentual de 5% (cinco por cento) das vagas àqueles participantes do projeto que trabalharão nos canteiros de obras das construções. Segundo o Termo de Acordo de Cooperação Técnica n. 1, realizado entre o CNJ e a FIFA, os presidiários que integrarem o programa receberão uma Bolsa Ressocialização, cujo valor aproximado corresponde a um salário mínimo, além de auxílios para alimentação e transporte. Por exemplo, no Estado do Ceará, para construção do estádio Arena Castelão, em Fortaleza, local que vai sediar a Copa do Mundo de 2014, teve a participação de ex-presos. Devido essa iniciativa, o governo do estado do Ceará planeja incluir egressos do sistema prisional nas obras do Centro Olímpico do Ceará e na construção de unidades habitacionais em curso na capital (CNJ, 2013). Por isso, nos editais de licitação das obras e serviços, e respectivos contratos, a exigência estará prevista. Os editais de reforma e ampliação de estádios já contemplam cláusula com a obrigatoriedade. De acordo com a Lei de Execução Penal Brasileira (artigo 7º), a classificação para o trabalho atenderá às capacidades física e intelectual e à aptidão profissional do sentenciado. Somente serão admitidos ao trabalho externo os assistidos que forem considerados aptos pela Comissão Técnica de Classificação, segundo critérios de personalidade, antecedentes e grau de recuperação, sem prejuízo do processo seletivo a cargo de cada empresa contratante. O fundamento do programa não está somente na redução da reincidência penal, mas na erradicação da marginalização e a promoção do bem de ex detentos, fundamentos constitucionais da República. 158 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Assim, enfatiza Reale Júnior: “[...] A maneira de a sociedade se defender da reincidência é acolher o condenado, não mais como autor de um delito, mas na sua condição inafastável de pessoa humana” (REALE JÚNIOR, 1983, p.88). Portanto, é possível por meio do futebol, sensibilizar os empresários quanto a importância de reintegrar ex presidiários na sociedade e no mundo do trabalho. Ademais, a eficácia do programa do CNJ é devidamente comprovada pelas 688 contratações de ex detentos até o momento nas obras da Copa do Mundo. Seguindo o exemplo de contratação de ex presidiários na construção de obras ligadas à Copa do Mundo de 2014, alguns clubes de futebol passaram a abrir vagas para ex infratores nos trabalhos de zeladoria, limpeza e conservação e manutenção dos prédios de sua sede social, - sendo que os primeiros casos foram do Santos Futebol Clube e do Sport Club Corinthians Paulista. Além dessas, outras iniciativas começaram a se multiplicar depois de lançado o “Projeto Começar de Novo”, no objetivo de viabilizar a reintegração social do preso e promover uma aproximação entre ele e a sociedade. É o caso das cooperativas de trabalho. Elas mantêm vínculos com a prefeitura local e com órgão governamentais que encaminha os presos para as cooperativas. No Estado de São Paulo tem se a Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel – FUNAP, subordinada á Secretaria de Administração Penitenciária do Governo do Estado de São Paulo, a qual dedica – se fundamentalmente à educação e treinamento profissional dos presos. A FUNAP faz a seleção e encaminha presos para as cooperativas de trabalho. A cooperativa focaliza as profissões que melhor se ajustam ao nível educacional dos egressos: pedreiro, costureira, cabeleireira, conservação e limpeza, jardinagem, manejo de materiais. Pastore descreve o papel da FUNAP: [...] Dentre os 165 mil presos existentes no Estado de São Paulo em 2010, a entidade atendeu a cerca de 40 mil. O principal trabalho é a preparação dos presos para sair dos presídios. As empresas parceiras assinam com a Fundação um Termo de Contrato Coletivo, no qual se estabelecem o número de presos atendidos, as atividades e as responsabilidades de cada parceiro. As empresas pagam os custos da parceria, a saber, um salário mínimo para cada preso e as despesas com alimentação, seguro de vida, transporte e mais uma taxa de administração para a FUNAP – sem nenhum encargo social (PASTORE, 2011, p. 130). 159 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Apesar de todos esses esforços de reintegrar o preso à sociedade, não existe no Brasil uma estatística de quantos presos realmente se reabilitaram após sair do cárcere. Todavia, a FUNAP realiza pesquisas sobre os detentos, que visam melhorar o conhecimento a respeito de sua problemática. Segundo a FUNAP os presos se classificam da seguinte maneira: [...] cerca de 35% abandonaram a idéia do crime e estão convencidos de que irão se recuperar por meio do trabalho produtivo; cerca de 33% ainda se prendem ao mundo do crime, sonhando com as gratificações rápidas que vêm no furto, roubo e outros delitos; em torno de 13% estão os que desenvolveram boa sociabilidade, fazendo muitos amigos, mas continuam mentalmente ligados aos ilícitos, não tendo muito interesse em sair dessa situação, 13% são presos astutos que exercem posição de liderança no grupo e continuam muito ligados ao mundo do crime; finalmente 6% dos presos são dominados pelas drogas (PASTORE, 2011, p. 131). Todavia, é possível aumentar as chances de recuperação e reintegração social do preso por meio do trabalho, a partir de medidas adequadas dotadas dentro e fora dos presídios, as quais incluem aconselhamento, treinamento e apoio familiar. Expõe Alvino Augusto de Sá: [...] a reintegração social do preso só será viável mediante a participação efetiva, tecnicamente planejada e assistida, da sociedade, da comunidade. Existem, sem dúvida, os casos que estariam a demandar um atendimento propriamente clínico, sob forma de do que comumente se chama de tratamento (SÁ, 1998, p. 118). 7 CONCLUSÃO As empresas brasileiras e as multinacionais instaladas no Brasil devem seguir o modelo econômico constitucional nacional que é fundamentado dentre outros, no princípio da livre iniciativa, valorização do trabalho e dignidade humana. Nesse contexto, as empresas não devem somente buscar aferir lucros, dentro de um capitalismo sem precedentes, pelo contrário, as organizações empresariais devem participar nas soluções dos problemas sociais. A efetivação da ideologia responsabilidade empresarial, pode ser construída pela oferta de trabalho digno ao ex presidiário, restabelecendo um ambiente de inclusão social. 160 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Por outro lado, não existe no país um controle para saber quantos ex apenados são reintegrados no mercado de trabalho pela participação empresarial e quantos efetivamente retornam para o cárcere. O certo é que a omissão estatal em não cumprir com a lei de execução penal em relação aos direitos do preso de ser reintegrado socialmente pelo trabalho e o preconceito da sociedade em não dar uma oportunidade de emprego para um ex preso, contribuem para o aumento da reincidência, pois sem trabalho, o ex preso é excluído, o que aumenta suas chances de voltar para o mundo do crime. Observa se que o trabalho é um instrumento que ajuda o ex - preso a recuperar sua autoestima e sua valorização enquanto ser humano, dentro de sua comunidade. No entanto, oferecer trabalho ao ex presidiário não é colocá-lo para fazer serviços que ninguém queira executar, ou fazê-lo praticar serviços em condições inadequadas e desumanas. Algumas iniciativas estão sendo tomadas de forma a aproximar empresas e Estado, em prol da contratação de egressos do sistema prisional, cite se como exemplo o Conselho Nacional de Justiça que desenvolveu o projeto “Começar de Novo”, que tem como fulcro a reinserção de ex apenados no mercado de trabalho por meio da participação empresarial. No Brasil não existe uma legislação federal voltada para a viabilização de oportunidades de emprego para aqueles que passaram pelo sistema prisional. Todavia, alguns parlamentares vêm apresentando no Congresso Nacional Brasileiro projetos que ao mesmo tempo em que obrigam, motivam instituições empresariais a contratar egressos. Cite como exemplo, o projeto de lei n.º 70/10 e o projeto de n.º 7815 de 2010, que estabelecem reduções de encargos sociais e vantagem fiscais as empresas contratantes de egressos do sistema penal. Todos estes projetos obrigam as empresas que realizam parcerias com a União a contratarem egressos do sistema penitenciário. Um resultado que está dando certo, é a parceira União e Empresa, no que se refere à construção e reformas de estágios para a Copa do Mundo de 2014, onde a mão de obra de ex presidiários está sendo empregada, como requisito para a participação nas licitações. Tais parcerias publico-privado é uma alternativa para aqueles que deixam os presídios diariamente, e querem mudar de estilo de vida, mantendo a distância das influências negativas e das oportunidades para comportamentos criminosos. 161 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO REFERÊNCIAS AFRIAT, Christine. La place du travail dans la societè. DEES 107 /MARS 1997, pp 61-67 disponível em:< http://www2.cndp.fr/revuedees/pdf/107/06106711. pdf>. Acesso em: 24 março 2014. ALVIM, Wesley Botelho. A ressocialização do preso brasileiro. São Paulo: DireitoNet, disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2965/ A-ressocializacao-do-preso-brasileiro>. Acessado em: 24 março 2014. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 5. ed. São Paulo: Boitempo, 2001. ARNOLDI, Paulo Roberto; RIBEIRO, Ademar. A revolução do empresariado. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 9. 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O presente estudo demonstrou que a releitura do conceito de subordinação pode ser realizada pela via interpretativojurisprudencial. É o que se tem feito através da aplicação da teoria da subordinação estrutural, que parte do princípio que é a atividade do obreiro que é passível da subordinação. Contatou-se que a aplicação da subordinação estrutural não é pacífica na doutrina e na jurisprudência, vez que não é prevista por lei. Como conclusão final, a aplicação da subordinação estrutural representa a essência da valorização do trabalho humano, considerando as mudanças na forma de produção e nas relações empresariais. Utilizou-se o método dedutivo, com pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais. Palavras-Chave: Direito do trabalho. Subordinação. Relação de emprego. ABSTRACT New production mode parameters as well as subordination methods were included in the modern society, since this aspect, as traditional as it was developed, has turned out to be to be insufficient to the labor law principles to Bacharel em Direito; endereço: [email protected] Doutor em Direito das Relações Sociais. Docente do Curso de Graduação em Direito da Universidade Estadual de Londrina; Docente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília; Coordenador de Curso e Docente do Curso de Graduação em Direito da FACCAR; advogado; endereço: [email protected] 12 13 166 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO work out successfully on the daily basis employee and employer relationship. Therefore, new subordination types were constructed, such as the parasubordination, the structural subordination and the integrative subordination. The research has demonstrated that the rereading of the concept of subordination can be performed by interpretive - judicial means. It is what has been done by applying the theory of structural. Although, such new teories application still not peaceful. Finally, the development of such interesting and challenging theories represents the essence of exploitation of human labor considering the changes in production and in business relationships . The research was taken regarding the deductive method. Key words: Employment. Subordination. Employment relationship. 1 INTRODUÇÃO A ótica capitalista alterou o sentido do trabalho humano. A modernização tecnológica alterou os paradigmas de produção, possibilitando novos parâmetros de competividade entre as empresas e as relações de trabalho não se quedaram imunes a tais transformações. Pari passu às mutações no gênero “relação laboral”, a subordinação, como elemento principal caracterizador de tal relação, vem enfrentando novas fronteiras uma vez que seus critérios, se observados através da tradicional contraposição com o elemento da autonomia, não são mais suficientes à proteção de todas as formas de relação de trabalho. No cenário atual brasileiro, visto que a Consolidação das Leis do Trabalho, datada de 1943, foi gerada tendo como parâmetro a realidade do trabalho à época, podendo afirmar que atualmente existe uma carência de normatização das novas tipologias de relação de emprego. Logo, ao analisar o caso in concreto resultante de uma relação de trabalho, o magistrado se depara com uma legislação obsoleta, a qual faz “vistas grossas” à situação dos trabalhadores que não mais se encaixam na rigidez classificatória da legislação a respeito do trabalho subordinado ou autônomo. Dessa forma, além da tutela jurídica não se amoldar de forma adequada ao caso prático, fenômenos até então legitimados pela prática e pelo ordenamento jurídico, tais quais a terceirização, o trabalho à distância e os grandes conglomerados empresariais, passam a se tornar evidentes oportunidades de subterfúgio à proteção justrabalhista, vez que as relação empregatícias que reúnem se dão através de uma subordinação mitigada, tênue e algumas vezes quase imprevisível, totalmente oposta à subordinação clássica, fundada na relação de sujeição do empregado ao empregador mediante o exercício do poder diretivo presencial e constante. 167 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO A doutrina italiana criou um terceiro gênero entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo, qual seja o trabalho parassubordinado a fim de ao menos estender uma tutela mínima de direitos, podendo ser afirmado que se trata de um exemplo clássico de precarização das relações de trabalho. Diante desse contexto pós-moderno, a teoria da subordinação estrutural ainda que recente e sem previsão legal, busca complementar a ideia clássica de subordinação, analisando se a subordinação incide sobre a pessoa do trabalhador ou sobre a atividade laboral e será subordinado aquele que presta atividade imprescindível à existência do empreendimento. Assim, situações de fraude à relação de emprego disseminadas hoje via terceirização, via “pejotização” poderão ser evitadas? Como é possível a subordinação no teletrabalho, enquanto fazendo parte de um conglomerado empresarial, sem uma relação direta com determinada empresa, se este é prestado fora do ambiente físico da empresa ou até fora do espaço territorial nacional? A subordinação estrutural alcança os trabalhadores das empresas-rede? Para poder responder aos questionamentos apresentados e outros que se desenvolverão no decorrer deste trabalho. Partiu-se do estudo dos princípios basilares ao Direito do Trabalho e dos princípios da livre iniciativa e do valor social do trabalho, analisando-se a dialética entre trabalho e economia e a função protetiva do ramo jurídico juslaboral por meio dos princípios. Após, foi abordada a evolução histórica do trabalho subordinado, desde a sociedade pré-industrial até a sociedade pós-industrial para, em seguida, analisar os pressupostos da relação de emprego, dentre eles a subordinação, onde se discorreu sobre a dependência e a alteridade na formação do critério da subordinação, bem como se analisou a sua concepção clássica. Na sequência, abordou-se a aplicabilidade do critério clássico de subordinação jurídica nas formas de labor pós-modernas e em decorrência disso, as formas paralelas ao trabalho subordinado e ao autônomo. Por fim, foram estudadas as propostas de novas nuances da subordinação jurídica, dentre elas a subordinação estrutural, oportunidade em que foi abordada sua aplicabilidade em relação à terceirização, ao teletrabalho, em sua maior amplitude, e às empresas-rede. Quanto à metodologia, fez-se necessário recorrer-se ao método dedutivo, com pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais. 2 OS NOVOS PARADIGMAS DE SUBORDINAÇÃO 2.1 A VISÃO TRADICIONAL E AS NOVAS FORMAS DE CONTRATAÇÃO Ainda que os processos de produção tenham evoluído e juntamente a eles o modelo de organização empresarial, a concepção tradicional de subordinação não foi substituída. Persiste e se faz eficaz nos casos em que 168 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO a detenção dos meios de produção bem como a superioridade técnica para a execução do trabalho remanescem nas mãos do empregador, tornando a submissão do trabalhador ao poder empregatício algo inerente à exploração da atividade econômica. Basta analisar os trabalhadores manuais ou aqueles que laboram em uma cadeia produtiva fragmentada, como uma montadora de automóveis. Em tais situações, o empregado apenas segue as orientações do seu superior hierárquico, uma vez que não possui know how suficiente para o desempenho da atividade. No trabalho intelectual, ao contrário, frequentemente, nem sempre, a dependência técnica é mitigada – prevalece a dependência técnica invertida (apud FRAGA, 2013, p11.) – caso em que a inserção do trabalhador na organização empresarial é suficiente à caracterização da subordinação objetiva ou estrutural. Embora as formas de trabalho subordinado clássico persistam hoje – não havendo que se falar em crise do conceito, portanto – deixaram de ser dominantes, revelando-se como apenas mais uma entre as várias situações juslaborais, quais sejam, trabalho a domicílio, a distância ou teletrabalho, além de formas de trabalho atípico juridicamente autônomas. Dessa forma, o desafio não reside em quantificar novas formas laborais, mas sim em fazer com que o ordenamento jurídico seja extensível à elas. Segundo Barros o conteúdo diversificado de determinadas relações laborais leva à dificuldade de se enxergar a subordinação, o que resulta nas perigosas zonas cinzentas ou “grises”, “habitadas por trabalhadores que tanto poderão ser enquadrados como empregados quanto como autônomos” e, portanto alheios à proteção juslaboral. “Tem-se um sistema inócuo que, apesar de provido de extensa legislação e direitos consagrados inclusive na Constituição Federal, não tutela o sujeito do trabalhador”. (BARROS apud Fraga, 2013, p.11) Como visto, a dicotomia entre trabalho autônomo e trabalho subordinado é de fato cada vez mais estreita e nebulosa, o que incentiva a doutrina a buscar adaptações, ou seja, a criar novos modelos para disciplinar as transformações operadas nas modalidades de trabalho. Assim é que é sugerido um modelo intermediário entre o trabalha subordinado e o trabalho autônomo, qual seja o trabalho parassubordinado ou coordenado. Na realidade brasileira a doutrina é incipiente na matéria. Os magistrados – a fim de evitarem a precarização da relação de trabalho – se valem de princípios tal qual o da primazia da realidade, para reconhecerem o vínculo de emprego no caso em concreto, pouco importando o nome conferido pelas partes à relação contratual. 169 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Com este entendimento é que comunga Lorena Vasconcellos Porto (2010, p. 219.), ao defender a não necessidade da intervenção do legislador para a ampliação do conceito de subordinação. Para ela, a melhor alternativa se dá através da via interpretativo-jurisprudencial, a qual possibilita uma constante adaptação do conceito às mudanças ocorridas na realidade, “Mesmo sem alteração do texto legal, pode ser conferida uma nova interpretação às suas normas pelos juízes, aos quais cabe qualificar as relações de trabalho nos casos concretos”. Ainda que a ampliação via interpretação jurisprudencial seja possível e desejável, autores como Nelson Mannrich (2010, p. 219.) defendem a urgente reforma da Consolidação da Legislação Trabalhista (1943) – criada com base na realidade à época – a fim de que se possa se enxergar o vínculo de emprego em relações que vão além da dicotomia do trabalho “autônomo x subordinado”, para somente assim evitar o tratamento desigual pela jurisprudência a casos idênticos, “enquanto não houver uma legislação regulando as novas formas de trabalho é natural que haja resistência de alguns operadores do direito, como juízes e auditores fiscais do trabalho, que permanecerão aplicando regras antigas a novos cenários”. Tal situação de restrição legislativa além de ser um grande desafio a ser enfrentado pelos magistrados quando da subsunção dos fatos às normas, oportuniza as subcontratações, a flexibilização dos direitos trabalhistas, a “pejotização” e a terceirização, fenômenos e fatores cada vez mais valiosos às empresas na busca interminável da redução de custos e sobrevivência no mercado competitivo. Segundo a autora, a jurisprudência acerca da terceirização lícita descrita na Súmula n. 331, III do TST ao assegurar a não formação de vínculo de emprego com o tomador de serviços em atividade-meio também oportuniza a precarização do trabalho, devendo o fenômeno ser enxergado pela ótica da subordinação estrutural a fim de incluir tal categoria no âmbito da proteção juslaboral. Para não abandonar os trabalhadores pós-modernos à sua própria sorte na espera de uma legislação adequada, é que se busca a releitura da subordinação jurídica. A doutrina italiana criou como uma nova nuance a parassubordinação. No Brasil ainda que a atuação doutrinária seja incipiente, doutrinadores como Mauricio Godinho Delgado e Paulo Emilio Ribeiro Vilhena buscaram a readequação do conceito e criaram teorias da qual a jurisprudência já vem se valendo para enfrentar a problemática. É do que tratará o estudo adiante. 3 NOVAS NUANCES DA SUBORDINAÇÃO JURÍDICA 3.1 SUBORDINAÇÃO OBJETIVA Que o modelo toyotista de produção, herança da terceira revolução industrial trouxe outra tônica ao trabalho é indiscutível. Calcadas na fragmentação 170 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO do modo de produção e na especialização da mão-de-obra, empresas passaram a confiar à horizontalidade– terceirização e subcontratação de seus setores de produção – a sobrevivência no mercado competitivo e globalizado. Neste rumo, as inovações tecnológicas e a multiplicação de formas laborais afetaram de modo incisivo a estrutura do comando interno empresarial fazendo com que a prestação de mão-de-obra, mais qualificada e versátil, tornasse a administração centralizada e piramidal, dos tempos do fordismotaylorismo, desnecessária e ultrapassada. O nascimento de uma nova modalidade de empregado “de alto padrão intelectual e com amplo ‘know how’ (PORTO, 2010, p. 227.), tornou a supervisão de um superior hierárquico dispensável. Se antes o sinalagma no contrato de trabalho correspondia ao binômio ordem-subordinação, no contexto contemporâneo se traduz em colaboração-dependência, reflexo da conjugação de esforços entre empregado e empregador para se atingir um fim comum, qual seja, segundo Rodrigues, a sobrevivência da empresa no mercado globalizado. Uma vez que tais mudanças se tornaram demasiado evidentes, a doutrina lançou mão de novas teorias na tentativa de adaptar o critério da subordinação – insuficiente (SAYÃO, 1979, p. 79.) – à realidade do contexto pós-moderno de organização empresarial. Verificou-se segundo Porto (PORTO, op. cit., p. 214.), uma tendência em substituir a noção única de subordinação – clássica – por subordinações diferenciadas, de modo a “não mais incidir em relação à intensidade da subordinação, pois esta muitas vezes é imperceptível, mas sim na debilidade contratual do trabalhador [...] mesmo que este não esteja sob às ordens diretas de quem o contratou”. Sendo assim, foi criada a noção de subordinação objetiva, através da qual se propôs encarar a subordinação não pelo critério de intensidade dos comandos empresariais sob a pessoa do trabalhador, mas sim pela integração da atividade laborativa aos fins da empresa por intermédio do vínculo contratual. Paulo Ribeiro Vilhena (VILHENA, 1999 apud PORTO, 2010, p. 217) introdutor de tal conceito na doutrina brasileira expõe com propriedade a definição: [...] uma relação de coordenação ou de participação integrativa ou colaborativa, através da qual a atividade do trabalhador como que segue, em linhas harmônicas, a atividade da empresa, dela recebendo o influxo próprio ou remoto de seus movimentos. Assevera Cadidé (2010, p.572) que a inclusão de obreiros marginalizados pela subcontratação e pela terceirização e por outras formas informais e precárias de labor, se faz possível via constatação da subordinação objetiva no caso concreto: 171 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Ela (subordinação objetiva) se revela pela circunstância do trabalhador se inserir nos fins do empreendimento, mesmo não sendo atividade-fim (...), não recebendo necessariamente ordens, mas pela circunstância social diária esse trabalhador de ingressar na estrutura e funcionamento empresarial, ao comando implícito das ordens da empresa diuturnamente. De acordo com Godinho (DELGADO, 2006, p. 667.) os conceitos de subordinação jurídica clássico, de subordinação objetiva e de subordinação integrativa ou estrutural não se excluem, mas se completam com harmonia. Como construtor da teoria da subordinação estrutural, o doutrinador observa que a noção de subordinação objetiva, embora louvável, é por demais ampla, pois engloba sem distinção todos os colaboradores que, de forma contínua e autônoma, estão incorporados ao cumprimento da atividade econômica explorada pela empresa: Tal noção, de fato, mostrava-se incapaz de diferenciar, em distintas situações práticas, entre o real trabalho autônomo e o labor subordinado, principalmente quando a prestação de serviços realizava-se fora da planta empresarial, mesmo que relevante para a dinâmica e fins da empresa. Para evitar tal falha da noção de subordinação objetiva, Porto (2010, p. 238), assim como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), propõe a análise conjunta do critério em tela com os critérios que excluem a autonomia, os quais, uma vez presentes e conjugados com a noção de subordinação objetiva, dão azo à configuração da subordinação integrativa ou estrutural. Considerando a realidade do ordenamento jurídico brasileiro, Godinho propõe, portanto, a conjugação das três dimensões da subordinação – clássica, objetiva e estrutural – e destaca o papel da doutrina, da jurisprudência e do legislador para uma leitura moderna e renovada do fenômeno da subordinação. Para ele, a Lei n.12.551 de 15.12.2011 que conferiu nova redação ao caput do artigo 6° da CLT e lhe agregou um novo parágrafo único, é exemplo de tal conjugação, pois incorporou ainda que implicitamente, os conceitos de subordinação objetiva e subordinação estrutural, permitindo a inclusão do teletrabalho, exemplo das novas faces da subordinação. Enfim, o método mais racional de se verificar a subordinação segundo Porto (2010, p.238) é verificar se subordinação em sua dimensão tradicional se faz presente no caso concreto. Se não, parte-se à análise de sua dimensão integrativa. Presente uma das duas dimensões estará configurada a subordinação. 172 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Dessa forma, não é cabível afirmar que o critério da subordinação encontra-se em crise ante as novas tipologias de trabalho – teletrabalho e terceirização, por exemplo – como vem sido afirmado por parte da doutrina. Ela sempre estará presente, já que inerente ao contrato de trabalho. São os seus critérios que adquiriram nova roupagem, gerando novas “subordinações”. 3.2 SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL Conforme elucida Cadidé (2010, p. 572.), vive-se hoje o sistema ohnista – modelo toyotista – em que empresas horizontalizadas terceirizam a maior parte da produção. Em tal contexto permeado pela gestão flexível, predominam as relações de trabalho embasadas no binômio colaboraçãodependência, mais compatíveis com a concepção estruturalista de subordinação, “Na verdade, através da subordinação estrutural cria-se um novo tipo de tempo que confere poder e riqueza a alguns, é um direito protetivo que trouxe a marca democrática da sociedade humana e da inclusão social”. Como Valdete Souto Severo (apud FRAGA, 2013, p. 14) justifica, o indivíduo ao prestar o trabalho expende horas de vida, gasta neurônios, envelhece e vive. Por conta disso, sua condição humana na terra se subordina a uma finalidade menor – em termos de objetivo de existência humana – a diretamente ligada ao lucro: Se enquanto trabalha, o homem – em sua condição de ser humano – está submetido a uma estrutura de organização empresarial destinada a um objetivo, do qual o trabalho por ele prestado faz parte, juntamente com todos os outros elementos da empresa, está-se diante de uma relação de trabalho subordinado. Partindo do estudo sobre a ampliação do campo de incidência do Direito do Trabalho, “via mais eficiente e factível para o avanço dos direitos fundamentais” – a teoria da subordinação estrutural, que tem como principal defensor Maurício Godinho Delgado, busca o enquadramento dos trabalhadores marginalizados pelo conceito clássico de subordinação para assim combater a fraude à relação de emprego o movimento de redução progressista de direitos trabalhistas. Como analisado em tópico anterior, a visão estruturalista desenvolvida por Godinho busca a readequação não somente da noção clássica de subordinação, mas também a do conceito de subordinação objetiva, a qual, como defende o juslaboralista, não se consolidou na área jurídica vez que, em que pese a linha ser por demais tênue, abrangeria trabalhadores tipicamente autônomos. 173 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Como leciona Maurício Godinho Delgado (2013, p. 667.), a subordinação estrutural consiste naquela “subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente sua dinâmica de organização e funcionamento”. Há que se fazer uma breve correção do conceito, pois não é a pessoa do obreiro que é inserida na organização empresarial e sim a atividade por ela desempenhada, aí abrangidos o trabalho a domicilio e do teletrabalho. A subordinação atua, como elucida o próprio autor, sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador. Neste sentido, destaca Arion Sayão Romita (1979, p. 81.) a objetividade da concepção: A subordinação gravita em torno da atividade. Exercita-se, porém, sobre os comportamentos de recíproca expressão, que se definem pela integração da atividade do empregado na organização empresarial. É certo que a própria pessoa do trabalhador está envolvida na relação de trabalho, mas é a atividade do empregado que se insere na organização da empresa. A relação de trabalho, caracterizada pela subordinação, é uma relação intersubjetiva (por isso não isenta de conotações pessoais), mas o vínculo de subordinação é de ordem objetiva, pois visa à atividade do empregado. Sendo assim, a teoria da subordinação estrutural parte do mesmo patamar conceitual que a teoria da subordinação objetiva desenvolvida por Arion Sayão Romita e Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena. Na exegese de Delgado (2013, p. 667) a diferenciação consistiria na inserção da atividade nos fins do empreendimento: A subordinação objetiva, ao invés de se manifestar pela intensidade de comandos empresariais sobre o trabalhador (conceito clássico), despontaria da simples integração da atividade laborativa obreira nos fins da empresa. Com isso reduzia-se a relevância da intensidade de ordens, substituindo o critério pela ideia de integração aos objetivos empresariais. Contudo, defende Arion Sayão Romita (1979, p.88) que a configuração da subordinação objetiva não está necessariamente relacionada a essa inserção da atividade do obreiro nos objetivos da empresa. Ao conceitua-la, o autor deixa expresso que se trata de uma integração da atividade na organização da empresa pactuada contratualmente, em virtude do qual o empregado aceita as determinações do empregador sobre as modalidades de prestação de trabalho. 174 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Sendo assim, por mais que a integração da atividade do obreiro na estrutura empresarial se dê para a consecução dos fins da empresa e seja, portanto, interessante para a organização técnica e funcional do empreendimento, tal inserção pode se dar por mera vontade do empregador e não por exigência para a consecução dos fins empresariais. Daí porque a subordinação objetiva comungar dos mesmos fundamentos da subordinação estrutural: a integração da atividade do trabalhador na estrutura da empresa. Embora o reconhecimento da relação empregatícia via constatação da subordinação estrutural nos casos concretos seja a postura adotada por um número já considerável de decisões judiciais tal nuance da subordinação parece ser vista, ainda, pela maioria dos julgadores, como um tentativa de flexibilização um tanto frágil, “os clássicos requisitos do artigo 3° da CLT continuam sendo basilares na grande maioria das decisões (RODRIGUES, p.17, 2004). Alice Monteiro de Barros (2010, p. 285.) explica a fragilidade da noção de subordinação estrutural. Segundo ela, a integração do trabalhador na organização empresarial não é suficiente para determinar a existência de um contrato de emprego, justamente porque isso poderia determinar também o trabalho autônomo. Por isso, “o juiz deverá recorrer a critérios complementares para aferir os elementos essenciais da subordinação”. Cumpre, pois, ao julgador após constada a subordinação estrutural no caso concreto, proceder a uma análise excludente dos requisitos do trabalho autônomo. A “base desse procedimento está na doutrina espanhola, a qual traz a noção do termo alienação” já abordado em tópico particular (RODRIGUES, 2004). A subordinação consistiria então a partir do fato de a produção do empregado, seja esta derivada de atividade manual ou intelectual, pertencer originariamente, desde a celebração do contrato de trabalho, ao empregador. Coaduna com tal procedimento de exclusão, a teoria do professor alemão Rolf Wank, citada por Lorena Vasconcelos Porto, para o qual a noção de subordinação deve ser necessariamente teleológica, ou seja, apta a propiciar que o Direito do Trabalho cumpra a sua elevada missão de proteção e tutela. Neste sentido, propõe a diferenciação a partir e critérios negativos, que excluem a subordinação e apontam para a existência de autonomia: a liberdade empresarial para adotar decisões, a participação nos riscos com a imputação econômica do resultado e a possibilidade de obter lucro e realizar ganhos. Muda-se o foco: “ao invés de se definir diretamente a subordinação [...], como se faz tradicionalmente, cuida-se de se definir a autonomia, deixando subordinação como figura residual e, por isso mesmo, mais ampla.” (WANK 2007 apud PORTO, 2010, p. 230) Eis a noção de subordinação integrativa: 175 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO A subordinação, em sua dimensão integrativa, faz-se presente quando a prestação de trabalho integra as atividades exercidas pelo empregador e o trabalhador não possui uma organização empresarial própria, não assume riscos de ganhos ou perdas e não é proprietário dos frutos do seu trabalho, que pertencem, originariamente, à organização produtiva alheia para qual presta a sua atividade. (PORTO, 2010, p. 239). Para a autora então, subordinação estrutural e a subordinação integrativa não são sinônimas. “Tem-se de se diferenciar a integração do trabalhador à empresa, e a integração entre trabalhador e empresa”. No primeiro caso, tem-se a subordinação estrutural, no segundo a integrativa. (RODRIGUES, 2004, p.18). Para a autora o fator estrutural é uma consequência e não uma característica da subordinação, como para a subordinação estrutural. Visto que a subordinação integrativa é reconhecível a partir da conjugação da subordinação objetiva com os critérios que excluem a autonomia, Porto sugere que primeiro seja analisada a presença da subordinação clássica para depois, caso esta não seja passível de configuração no caso sub judice, proceder-se com a análise da subordinação integrativa. Para a autora, a noção de subordinação integrativa é hábil para a distinção entre trabalhadores verdadeiramente autônomos e subordinados. Enfim, essas novas nuances da subordinação refletem a árdua tarefa doutrinária e jurisprudencial de adaptação do conceito à relação de trabalho pós-moderna e por isso, não se excluem mas se completam com harmonia (DELGADO, 2006, p. 296). Assim é que a releitura da subordinação, meio hábil a universalizar a proteção juslaboral e o arcabouço dos direitos fundamentais aos trabalhadores marginalizados pela subordinação clássica, se faz relevante. Trata-se de uma flexibilização necessária (RODRIGUES, 2004, p.18). À luz da Constituição Federal e dos princípios da proteção, da primazia da realidade e da norma mais favorável, bem como também da noção de inclusão social, alguns magistrados têm condenado os beneficiários diretos ou indiretamente da energia do trabalho em responsabilidade solidária, com fulcro no Código Civil Brasileiro de 2002, com base no arcabouço jurídico dos arts. 923, 927, 933 e 942: É neste sentido que surgiu uma nova interpretação desta questão por meio da socialização dos riscos, ou seja, o risco deve ser repartido com todos aqueles quer sejam o prestador de serviço empresário, o tomador, a administração pública e todos da sociedade, que direta ou indiretamente se beneficiaram do produto que o obreiro gerou (grifo nosso). (CADIDÉ, 2010, p. 573.). 176 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Nesse sentido, resta claro que enquanto o instituto da subordinação estrutural é includente, o da parassubordinação é excludente. Esta encontra sustentáculo na autonomia do trabalhador, o que afasta o reconhecimento da relação de emprego. O conceito em tela caminha em direção oposta, pois trata de inserir no âmbito de proteção juslaboral aquele trabalhador que teve seus direitos e garantias renegados pelo fenômeno da terceirização e outras formas de trabalho precarizado. Dessa forma, cumpre-se analisar como se dá o reconhecimento da subordinação estrutural nessas formas de trabalho. 3.2.1 A SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL E A TERCEIRIZAÇÃO Para o reconhecimento da subordinação estrutural, não é importante a legalidade ou não da terceirização. Como defende Cadidé (2010, p. 573.), a jurisprudência acerca da terceirização descrita na Súmula 331, III, do C.TST, quando assegura que não se forma vínculo de emprego com o tomador de serviços em atividade-meio, já não serve mais para explicar ausência de subordinação. Para o ordenamento pátrio, a utilização de mão-de-obra por meio de empresa interposta é ilegal. Contudo, o inciso III da Súmula 331 do TST chancela algumas exceções pertinentes à realização de atividade-meio: III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. Nesse diapasão, mesmo o tomador de serviços se beneficiando da energia de trabalho despendida pelo trabalhador, se provar a ausência de subordinação direta, não responde em nada pelos direitos do obreiro. Desse entendimento do TST sumulado depreende-se que somente a terceirização de atividade-fim é ilícita. Por isso que surge o conflito com a aplicação da subordinação estrutural, que se vale do termo atividade essencial. A partir da definição de subordinação estrutural, atividade essencial é aquela essencial às atividades básicas da empresa tomadora de serviços. Resta saber se compreende a atividade-fim ou atividade-meio. Cristiano Fraga (2013, p. 25) leciona a diferença entre os termos: Atividade-meio pode ser compreendida coma aquela útil para a realização do objeto social, enquanto atividade-fim será fundamental, 177 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO sendo que sem ela o resultado social da empresa não seria alcançado. A atividade essencial é tanto útil quanto fundamental e, por conta disso, o trabalhador que presta atividade essencial sob a análise da subordinação estrutural, pode tanto prestar atividade-fim quanto atividade-meio (grifo nosso). Assim, como mencionado acima, para a teoria da subordinação estrutural, sendo a atividade-fim e atividade-meio essenciais à realização dos fins da empresa, não se faz relevante a licitude ou ilicitude da terceirização, mas sim distinguir quais as atividades não essenciais. Aí reside a dificuldade e as críticas doutrinárias sobre a subordinação estrutural: é muito abrangente. Severo leciona que, para se averiguar a essencialidade da atividade se faz necessário imaginar a subsistência da empresa sem sua realização. Se não se puder imaginar a empresa sem a realização da atividade analisada então restará configurada a subordinação objetiva: Poderia ter-se como exemplo de uma atividade não essencial o serviço de jardinagem contratado por uma instituição educacional privada (...). Nesse caso, seria lícita a contratação de um jardineiro terceirizado, uma vez que a atividade contratada mesmo não sendo realizada, em nada afetará a existência da instituição. O mesmo poderia não ocorrer, por exemplo, com o serviço de vigilância. A não contratação desta atividade poderia inviabilizar o funcionamento da instituição. (SEVERO apud RODRIGUES, 2004, p. 25.) Assim é que se valendo de uma interpretação de inclusão social, uma vez que o tomador de serviços usufruiu da energia de trabalho para auferir lucro e essa energia explorada não é retornável, ele deverá ser responsabilizado pelos direitos e garantias do trabalhador. Portanto, a empresa tomadora de serviços, antes responsável subsidiária, passa a ser a devedora principal, “obrigando-se a proporcionar aos empregados terceirizados os mesmos direitos trabalhistas conferidos aos empregados diretos.” (RODRIGUES, 2004.). Assim, sempre que os obreiros de uma empresa tiverem suas atividades organizadas de forma a integrar a dinâmica geral da empresa contratante, o vínculo empregatício se estabelecerá com esta e não com aquela. Sob esse aspecto, o reconhecimento da subordinação estrutural é de suma importância no combate à fraude à relação de emprego praticada sob a forma de intermediação de mão-de-obra. Cumpre analisar alguns julgados paradigmáticos para elucidar a aplicação da subordinação estrutural aos casos de terceirização, nos quais os 178 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO trabalhadores tiveram seus vínculos reconhecidos diretamente com o tomador de serviços. Como elucida Cadidé (CADIDÉ, 2010, p. 571), essa concepção vem impactar todo um setor empresarial o qual já estava ambientado a licitude da terceirização protegida pela Justiça do Trabalho, “os empresários tomadores de serviço que tinham construído um dogma clássico de subordinação jurídica e através dela conseguiram, muitas vezes, reduzir seus custos e aumentar seu lucro”. É a inclusão social fazendo com que a função social da empresa e o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana – e todos os direitos fundamentais que lhe são ínsitos – se tornem mais próximos do alcance do trabalhador terceirizado. 3.2.2 SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL E O TELETRABALHO A teoria da subordinação estrutural também busca a ampliação do conceito de subordinação para definir e reconhecer a subordinação no teletrabalho. Diante das diversas modalidades de contratação abarcadas por este gênero e à ausência de uma legislação brasileira nítida a respeito, cria-se uma multiplicidade de interpretações jurisprudenciais divergentes: ora o teletrabalho é tido como trabalho subordinado ora como trabalho autônomo. Até mesmo o conceito de teletrabalho é objeto de controvérsias na doutrina. Existem muitas definições. Otávio Pinto e Silva (2004, p. 124.) leciona que é “toda forma de trabalho à distância, desenvolvido por meio do uso das tecnologias de informática e telemática”. Dessa forma, nem todo o trabalho à distância será tido como teletrabalho, somente aquele que se utilizar da tecnologia da comunicação para sua prestação. Ademais, o teletrabalho não se reduz meramente ao trabalho realizado em domicílio. Como explica Daniela Rodrigues Lettermann (2014, p.11), o teletrabalho pode ser em domicílio, em telecentros e centros satélites, em telecottages e ainda nômade ou móvel. Segundo Nelson Mannrich: O teletrabalhador geralmente desenvolve atividade intelectual, desvinculada do centro de trabalho de sue tomador. Executa, com autonomia ou subordinação, dependendo de caso (...). Por sua vez, o empregado em domicílio em geral desenvolve atividades braçais, mantendo pouco contato com o empregador. (MANNRICH, 2013, p. 10.) Logo, o elemento peculiar do teletrabalho não é o local onde é prestado, mas sim a conexão via tecnologia entre e empregado e a empresa, 179 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO que determina como a produção se estrutura e como se dá o poder diretivo, não definindo por sí só a existência ou não da relação de emprego. Cabe à interpretação do caso concreto definir se há ou não os requisitos caracterizadores do vínculo empregatício, dentre eles, a subordinação jurídica. Destaca-se que a subordinação clássica também pode ser configurada no teletrabalho se o controle por parte do empregador se der de maneira intensa: telessubordinação. Como o próprio dispositivo legal aduz, o trabalho fora do estabelecimento do empregador, seja ele em domicílio ou simplesmente à distância, não exclui a subordinação, mas prevê as mudanças dos seus critérios a fim de possibilitar o seu reconhecimento no mundo dos fatos. A noção de subordinação estrutural tenta adaptar o conceito, vez que ela em si surge como uma necessidade imposta pelas inovações tecnológicas e a complexidade do trabalho à distância: Desta forma, a subordinação que decorre do poder de direção do empregado continua sendo aplicada, porém, quando esta for de difícil verificação, ter-se-á a inserção do teletrabalhador na estrutura orgânica da empresa como elemento fundamental para a caracterização da subordinação na modalidade estrutural (FRAGA, 2013, p. 33.). A partir da inserção do teletrabalhador na estrutura empresarial sob o comando do empresador e para se atingir os objetivos do empreendimento, resta configurada a subordinação estrutural: A subordinação estrutural deixaria de exigir o controle do empregador no teletrabalho, abrigando todo e qualquer teletrabalhador como empregado, desde que sua atividade integre os objetivos sociais da organização. (FRAGA, 2013, p. 36.). Destaca mais uma vez a doutrina a análise cuidadosa do caso concreto, para que não se generaliza por demasiado o conceito, a fim de evitar que profissionais liberais e autônomos adquiram o status de empregado, ainda que a linha divisória entre eles no âmbito do teletrabalho seja tênue. Como destaca Fraga (FRAGA, op. cit., p. 34), o fato de o teletrabalhador estar distante da vigia de seu chefe em nada altera a caracterização da subordinação. “Fosse assim, uma empresa que contratasse à distância estaria livre de qualquer responsabilidade pelos créditos trabalhistas de seus colaboradores, uma vez que seriam todos estes considerados autônomos”. Existe uma telessubordinação. Não há como confundir o a subordinação presente no teletrabalho com o trabalho parassubordinado. Neste há coordenação, no teletrabalho há a subordinação, que é avaliada por critérios distintos dos utilizados pela subordinação clássica. 180 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Como elucida Daniela Rodrigues Lettermann (2014, p. 11.), embora o teletrabalhador possua um certo grau de autonomia, não deixa de ser subordinado. “Ao denominar o teletrabalho como um parassubordinado, perdese a proteção jurídica, pois, pela falta de regulamentação, não há uniformidade de quais direitos pertencem ao trabalhador parassubordinado”. Enfim, compete-se ao jurista enquadrar o novo tipo social, pressuposto da regulamentação normativa. É possível aplicar aos teletrabalhadores o regime próprio dos autônomos, ou, se for o caso, o estatuto típico dos empregados, quando presente a autonomia ou subordinação, respectivamente. (MANNRICH, 2013, p. 11.). Assim, através da ótica da subordinação estrutural, seria a melhor forma de ampliar a tutela trabalhista aos teletrabalhadores e assim proteger a relação empregatícia (CF, artigo 7°, I) como pressuposto necessário para efetivar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho (CF, artigos 1°, III e IV, e 170, caput), assim como os demais direitos fundamentais que lhes são consequentes. 3.2.3 SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL-RETICULAR A subordinação estrutural também é analisada sobre o grupo econômico (artigo 2°, §2°). Segundo Cadidé (2010, p. 573): A rede econômica formada pelas empresas em coalizão, coordenação ou de hierarquia, solidariedade passiva ou ativa é uma realidade e somente através da ressignificação do conceito de subordinação, é que se pode reenquadrar a atividade econômica da rede desenvolvida pelo terceirizado, imputando aos empregadores dela integrante a responsabilidade e o vínculo por todos os direitos trabalhistas ali explorados. (grifo nosso). Dessa forma, uma vez reconhecida a atividade econômica em rede, é necessário imputar a todos os seus integrantes a condição de empregador, estendendo assim a incidência do princípio da proteção e seus aspectos consequentes, entre eles a aplicação da norma mais benéfica. Para Jorge Souto Maior então, a subordinação estrutural-reticular é uma espécie de fórmula para se evitar o movimento reducionista dos direitos trabalhistas, pois ela liga o capital ao trabalho: [...] basta lembrar que o artigo 2° da CLT considera empregador a empresa que assume os riscos da atividade econômica. Ou seja, (...) 181 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO é empregador o capital e não a pessoa física ou jurídica que pura e simplesmente emite ordens ao trabalhador” (MAIOR, 2008, p. 93). Ademais, ideia de subordinação estrutural-reticular busca inibir a prática do dumping social pelos grandes conglomerados empresariais na medida em que traz aos empregadores coalizados a responsabilidade solidária pelos direitos trabalhistas das diversas categorias profissionais abrangidas pela atividade econômica explorada. Ou seja, múltiplas atividades exploradas, múltiplos instrumentos coletivos a serem observados e respeitados. Como se vê, a ideia de rede empresa à subordinação jurídica um efeito reticular, portador da ideia de proteção e promoção do trabalho e da dignidade da pessoa humana, e ao mesmo tempo chancelador da ideia de fair trade, sancionando a concorrência desleal fundada numa das espécies de dumping. (MENDES, 2007, p. 215.) Essa abordagem estrutural e reticular pela subordinação jurídica como vem sendo abordada pela jurisprudência, dota o trabalho de uma força ressolidarizadora visto que propaga a isonomia entre os trabalhadores pertencentes a uma mesma rede de empresas, sejam estes subordinados clássicos ou ditos “autônomos-dependentes”. Neste sentido elucida a ementa do decisium pela Oitava Turma do Tribunal Regional da 1ª Região, relatado pelo Desembargador Leonardo Dias Borges: PRODUÇÃO E PROTEÇÃO EM REDE. CONVERGÊNCIA DOS FLUXOS DA ESPECIALIZAÇÃO DO TRABALHO. O EMPREGADO POR INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL-. SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL. I - O conceito de -empregado por interpretação constitucionalpermite reduzir a -zona gris- de aplicação do Direito do Trabalho, sem interditar a legítima atividade de especialização do trabalho e terceirização das atividades econômicas e, ao mesmo tempo, ressolidarizar o trabalho (quando a rede de empresas se configurar em verdadeira rede de empregadores). II - Ora, se há semelhança entre o trabalhador dito -autônomodependente- e o empregado clássico, manda a boa regra de hermenêutica não reduzir o potencial expansivo e protetivo do 182 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Direito do Trabalho. A isonomia dos trabalhadores decorre da própria dicção constitucional, tanto dirigida aos trabalhadores habituais (caput do art. 7º) como aos avulsos (inciso XXXIV), não submetidos ao trato sucessivo. Trata-se, pois, de ressignificar ou plurissignificar o conceito de subordinação jurídica, para compreendê-lo de modo dinâmico. A subordinação jurídica emerge não apenas do uso da voz do empregador, do supervisor, ou do capataz. Ela pode se formar na retina dos múltiplos agentes econômicos coordenados pela unidade central, de modo silencioso e aparentemente incolor e até indolor. A subordinação jurídica pode ser então -reticular-, também nesse sentido e através de instrumentos jurídicos de associação empresária, onde nenhuma atividade econômica especializada é desenvolvida pelo suposto empregador, que se envolve na produção de um determinado resultado pactuado com a unidade central. Suposto, não porque em verdade não o seja, mas por não ser o único empregador14. À guisa de tal decisão, representativa de uma tendência doutrinária e jurisprudencial (FRAGA, 2013), é possível concluir que a noção de subordinação estrutural enxerga as relações pós-modernas através do reconhecimento do “empregado por interpretação constitucional” ( MENDES, 2007, p. 215.), uma vez que busca o tratamento equitativo dos trabalhadores legalmente autônomos que ingressam na estrutura da empresa ou da rede de empresas. Tais considerações a respeito da interpretação inclusiva proposta pelo critério da subordinação estrutural somente se faz possível se, de fato, fosse levada a cabo através de uma visão expansionista pelos operadores do Direito. De acordo com Cadidé (CADIDÉ, 2010, p. 573.), em diversos países – no Brasil é incipiente – os magistrados se valem de técnicas denominadas de “conjunto de indícios qualificadores” ou mixed text para, a partir de uma valoração global do caso concreto, constatar ou não a subordinação estrutural: O juiz ao analisar o caso concreto na ação trabalhista, deve proceder de uma valoração global da relação a ser qualificada para enquadrar na subordinação estrutural: por exemplo, a remuneração, os meios RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional do Trabalho. Processo: 0000732-61.2012.5.01.0016 RO. Apelante: TNT PCS S/A (Henrique Claudio Maes), Contax S.A. (Gilda Elena Brandao de Andrade D Oliveira). Apelado: Maria do Rosário Teixeira de Lima (Antonia de Maria Ximenes Oliveira). Relator: Leonardo Dias Borges, 16 ago. 2013. Disponível em: < http://www.jusbrasil. com.br/diarios/58325743/doerj-justica-do-trabalho-27-08-2013-pg-12>. Acesso em: 14 mar. 2014. p. 1. 14 183 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO de produção, os equipamentos utilizados, bens materiais e imateriais, a origem do capital social, organização de horário de trabalho, tipo e intensidade do controle exercido, quem se beneficia do labor, a vinculação do prestador do serviço ao tomador do serviço à estrutura da empresa, dentre outros, para concluir se este trabalhador ao exercer sua atividade está integrado na organização empresarial. Como já exposto pelo presente estudo, Lorena Vasconcelos Porto defende que a intervenção do legislador para a releitura da subordinação é prescindível. Aliás, segundo ela elucida, até meados da década de 70, quem dava conta da atualização das normas jurídicas por meio da interpretação era a jurisprudência: A jurisprudência pode e deve cumprir o papel de atualizar as normas jurídicas por meio da interpretação adaptando o seu sentido aos novos tempos, sem a necessidade de intervenção do legislador. É exatamente o que se propõe em relação ao conceito de subordinação (PORTO, 2010, p. 136). Se a expansão do critério de subordinação jurídica é desejável para a efetividade não somente dos direitos e garantias trabalhistas, mas dos direitos humanos individuais, tido como fundamentais, não é a inércia do legislador e ou a obsolescência da CLT, que obstará a extensão da tutela jurisdicional adequada. Como defende Porto basta sua reinterpretação ampliativa e universalizante pelos juízes. CONCLUSÃO A concepção de subordinação é de extrema importância para o Direito do Trabalho, vez que constitui o elemento qualificador por excelência da relação de emprego, a qual, por sua vez, é a base fundamental de tal ramo especializado. Ela constituiu a verdadeira “chave de acesso” ao arcabouço protetivo juslaboral. Frente às alterações ocorridas na realidade socioeconômica e no mundo do trabalho nas últimas décadas, o conceito de subordinação deve passar por uma ressignificação interpretativa, uma vez que desta depende a própria finalidade e missão essencial do Direito do Trabalho, qual seja, a proteção do trabalhador. Nesse contexto, não se deve perder de vista o equilíbrio constitucionalmente tutelado entre livre iniciativa e o trabalho, ambos inclusive erigidos pelo Texto Maior à condição de valores sociais, fundamentos do Estado 184 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO brasileiro. Por isso, a releitura universalizante se faz condição sine qua non para que esse ramo jurídico possa cumprir a nobre missão de assegurar o equilíbrio entre capital e trabalho, em prol da verdadeira justiça social. À luz de tais considerações, para que tal releitura possa ser realizada, a intervenção do legislador é prescindível, pois, com efeito, não são as normas legais atinentes à subordinação, tais quais os artigos 2° e 3° da CLT, que carecem de alteração, mas sim o modo de observá-los quando da análise de cada caso em concreto por parte dos operadores jurídicos. Destarte, uma vez que tal necessidade se mostrou uma problemática comum e pertinente à doutrina de outros países, o estudo partiu da análise de propostas desenvolvidas pela doutrina alienígena até chegar na teoria da subordinação estrutural, muito embora ainda se apresente desprovida de maior aprofundamento teórico. Todavia, esta teoria já se faz aplicada pelo Tribunal Superior do Trabalho. É bom que se afirme que a teoria da subordinação estrutural ainda é apresentada por alguns estudiosos como carecedora de respaldo legal. Ela não pode ser apreendida como a solução, mas sim como uma alternativa preciosa, vez que abarca situações que o conceito clássico de subordinação não se propõe a realizar, sendo mais benéfica ao trabalhador. Cumpre destacar, que não se trata de abandonar o critério clássico, já sedimentado, porque este ainda se faz aplicável. Atuando sobre a atividade laboral prestada e não sobre a pessoa do trabalhador, a subordinação estrutural ou objetiva se faz mais abrangente vez que ao contrário do critério clássico que se pautava na subjetividade, adota se faz presente uma concepção objetiva: a integração da atividade do trabalhador na estrutura da empresa. Protegendo-se a atividade, resguarda-se o ser humano que a executa, visto que indissociáveis. De acordo com a teoria da subordinação estrutural, toda a atividade integrada dentro da estrutura empresarial é insubstituível para a existência e funcionamento regular do empreendimento, ou seja, uma atividade essencial. Portanto, na seara da terceirização, tal concepção é valiosa na inibição da fraude à relação de emprego, vez que ultrapassa a noção de atividade-fim e atividademeio contido na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho para, através de uma interpretação de inclusão social, responsabilizar o tomador de serviços como devedor principal na responsabilização pelos direitos trabalhistas. No teletrabalho, a aplicação da subordinação estrutural é o meio de excelência para a ampliação da tutela trabalhista A subordinação estrutural, portanto, é também um instrumento que de forma real irá demonstrar a caracterização do vínculo trabalhista, por comportar a nova dinâmica da atividade empresarial. 185 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Ademais, tratando-se da ideia de subordinação estrutural-reticular, é possível concluir que ela também poderá inibir a prática do dumping social pelos grandes conglomerados empresariais, na medida em que traz aos empregadores coalizados a responsabilidade solidária pelos direitos trabalhistas das diversas categorias profissionais abrangidas pela atividade econômica explorada. Ou seja, múltiplas atividades exploradas, múltiplos instrumentos coletivos a serem observados e respeitados. Enfim, em que pese ainda sua tímida apresentação pela doutrina, a corrente da subordinação estrutural mostra-se não somente como meio de revitalização do conceito de subordinação em si, mas também como forma de se resgatar o valor do trabalho tão vilipendiado nos últimos tempos pela primazia da ordem econômica neoliberal, visto que parte da análise da atividade laboral pela sua imprescindibilidade para a existência da estrutura empresarial, independentemente do status de quem a desempenhou. Protege-se o trabalho per si. Se a expansão do critério de subordinação jurídica é desejável para a efetividade não somente dos direitos e garantias trabalhistas, mas dos direitos humanos individuais, tido como fundamentais, não é a inércia do legislador e ou a obsolescência da CLT, que obstará a extensão da tutela jurisdicional adequada. Basta sua reinterpretação ampliativa e universalizante pelos juízes, sendo a subordinação estrutural uma valiosa diretiva. Dessa forma, à luz dos princípios constitucionais do valor social do trabalho e da livre iniciativa, bem como dos princípios basilares do ramo juslaboral, dentre eles o princípio protetor, é que a subordinação estrutural se faz essencial à extensão do Direito do Trabalho a concretização da dignidade da pessoa humana. 186 A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro de. Trabalhadores intelectuais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 39, n. 69, p. 147-165, jan./jun. 2004. CADIDÉ, Iracema Mazetto. A Subordinação estrutural no contexto da terceirização. Revista Legislação do Trabalho, São Paulo, v. 74, n. 5, p. 566575, maio 2010. DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. Revista LTr, São Paulo, n. 6, v. 74, p. 657-667, 2006. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013. FRAGA, Cristiano. 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