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A VIOLÊNCIA DE GÊNERO DECORRENTE DO ASSÉDIO VERBAL CONTRA AS MULHERES NO ESPAÇO PÚBLICO Juliana Lima Castro1 RESUMO O presente trabalho pretende compreender sociologicamente o assédio sofrido pelas mulheres no espaço público do Café Aquarios na cidade de Pelotas e do polo naval na cidade de Rio Grande, ambos no extremo sul do Rio Grande do Sul no Brasil, e a partir daí de que forma elas identificam essa situação. O escopo do estudo seria pesquisar se as mulheres que são abordadas neste espaço, mais precisamente vítimas das famosas “cantadas”, entendem esse gesto como forma de violência contra elas. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa que se refere ao projeto de dissertação de mestrado é pesquisar de que forma as vítimas dessas situações se identificam diante de referidos comportamentos e o impacto que causam em suas atividades sociais, ou seja, se compreendem que muitas vezes o seu direito de ir e vir pode estar condicionado a ocorrência de determinados atos tendenciosos. Palavras-chave: assédio, violência, gênero, mulher. INTRODUÇÃO O escopo do presente projeto constitui investigar o assédio verbal sofrido pelas mulheres em dois ambientes sociais muito tradicionais nas cidades de Pelotas e Rio Grande no sul do Estado do Rio Grande do Sul, quais sejam: Café Aquarios e Polo Naval, respectivamente. O Café Aquarios localizado no centro da cidade de Pelotas, caracteriza-se por ser um ambiente de presença masculina marcante, frequentado por homens brancos em sua maioria, já o polo naval de Rio Grande, por sua vez, constitui-se por indivíduos basicamente negros e mestiços, de camadas bastante populares, vindos de diversas regiões do Brasil, que diante da instalação do polo para lá migraram buscando oportunidades de trabalho. Desse modo, a partir de cenários sociais aparentemente tão distintos, pretende-se traçar um comparativo entre ambos e compreender sociologicamente a construção social das masculinidades nos referidos espaços, pois são locais de evidente homossociabilidade, ou seja, marcados claramente pela presença masculina, pela relação predominante entre indivíduos do gênero masculino. 1 Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pelotas/UCPEL, Mestranda em Sociologia pela Universidade Federal de Pelotas/UFPEL. Email: [email protected] Nesse diapasão, visa-se compreender ainda, se devido a esta predominância, as mulheres que ali laboram e também as que frequentam são vítimas de assédio verbal e de que forma percebem essa situação. Nesse sentido, busca-se pesquisar se as mulheres que são alvo do assédio verbal, mais precisamente das populares “cantadas” , entendem este fato como uma ocorrência de violência contra elas ou se determinados fatos são entendidos como algo comum e normal, que acaba passando despercebido pela invisibilidade de tal conduta. Além disso, importante analisar se diante do assédio determinadas mulheres passam a se comportar de forma diferente nos espaços sociais em tela, ou seja, se a partir da incidência dos atos assediosos elas se sentem ameaçadas de tal modo que seus direitos fundamentais sejam lesados, a ponto de deixarem de realizar alguns comportamentos para não se submeterem a tal situação, que configura um tipo de violência simbólica. A importância do tema em questão se dá pelo fato de que a partir das transformações sociais contemporâneas das relações de gênero, determinados espaços onde a figura masculina sempre foi predominante e exerceu seu poder simbólico de forma muito marcante, passaram a ser ocupados também pelas figuras femininas, logo, fundamental estudar essa nova configuração social e essas novas sociabilidades que passaram a se desenvolver nesses locais. Essencial analisar também de que modo as relações de gênero e seus desdobramentos como no caso em tela o assédio verbal, se reproduzem em ambientes de trabalho que anteriormente eram marcados apenas pelos fatores econômicos e políticos, considerando gênero como uma construção relacional que apenas se constitui quando o masculino leva em consideração o feminino e vice-versa, abandonando uma visão essencialista mas sim que está em permanente reconstituição. JUSTIFICATIVA As questões relacionadas a gênero e a violência de gênero vem sendo estudadas e pesquisadas já há algum tempo, no que tange a esta última mais ainda após a promulgação da Lei Maria da Penha. Ocorre que, no que se refere a violência ou assédio verbal, ou ainda as chamadas cantadas, não se encontra nada específico sobre o tema, que pode ser em decorrência da naturalização de tal conduta, daí a importância e relevância deste projeto. As chamadas “cantadas”, das quais as mulheres são alvo quase que diariamente, são enfrentadas na maioria das vezes como algo normal, natural e por isso é um tema pouco abordado quando levantadas e discutidas questões sobre gênero. O desconforto causado por mencionado assédio verbal, traz à tona uma série de discussões, como: questões de gênero, sexo, direitos da mulher, machismo, feminismo, violência, entre outros. Neste trabalho, nos preocuparemos em mensurar primeiramente a questão de gênero nos espaços de homossociabilidade, tratando da opressão e dominação masculina e em seguida do assédio verbal nesses locais, buscando identificar a percepção de quem é vítima dele, no que tange ser ou não identificado como um comportamento violento. A naturalização de aludidos constrangimentos configura um cenário de medo, onde a maioria das mulheres deixa de frequentar determinados espaços públicos ou acabam mudando seu perfil, suas roupas, a fim de evitar ouvir determinadas exclamações tendenciosas, temendo as consequências que delas poderão advir, como por exemplo a transposição do campo da violência simbólica e verbal para o da violência física, tudo em decorrência de um sistema histórico de patriarcado e opressão. De acordo com algumas pesquisas recentes de amostras significativas de mulheres, a maioria afirma já ter passado por situações de assédio em espaços públicos. Fugindo da ideia de que determinada prática é “normal”, determinados dados demonstram que há um problema no sistema de tratamento que é dado a mulher brasileira, ainda nos dias de hoje. Desse modo, a relevância do tema em tela insere-se em um questionamento acerca do que significa esse assédio verbal para as mulheres, diante da prerrogativa de configurar ou não violência às vítimas dessas práticas, e identificar se as mesmas se sentem lesadas a ponto disso interferir nas suas participações nas esferas públicas. Por fim, aludida pesquisa, trará ao ambiente acadêmico uma importante discussão acerca de um viés do assunto gênero que não é muito explorada, mas que seu debate contribuirá muito para esse embate cultural. PROBLEMATIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO OBJETO O problema de pesquisa consiste em propor uma questão que deverá ser respondida por meio da pesquisa, ou seja, a pergunta que a pesquisa pretende responder. Desse modo, e diante do acima exposto, o problema provisório que o presente projeto pretende compreender é: as mulheres que frequentam os espaços sociais do Café Aquarios em Pelotas e do Polo Naval em Rio Grande são vítimas de assédio verbal, populares cantadas, tendo em vista serem locais de evidente homossociabilidade masculina? A partir dessa perspectiva, em caso de resposta afirmativa questiona-se: referidas mulheres identificam tal conduta como uma forma de violência contra elas? Diante das questões propostas e antes de adentrarmos na discussão de gênero e sexo, convém, primeiramente, traçar um referencial histórico acerca do movimento feminista a fim de situar o assunto num referencial de tempo e espaço. O feminismo constitui um movimento marcado por diversas fases, dentre elas a chamada primeira onda que teve início no final do século XIX caracterizada pela luta por direitos políticos, mais precisamente pelo voto, e ainda direitos sociais e econômicos como trabalho remunerado, propriedade, entre outros (PEDRO, 2005). Mais precisamente no início do século XX das décadas de 20 e 30 as mulheres mobilizadas começaram obter importantes direitos principalmente no que tange à cidadania e direitos políticos, como direito a propriedade, voto, acesso a educação, entre outros. (PISCITELLI, 2002). A segunda fase do movimento surgiu após a Segunda Guerra Mundial conforme elucida Joana Maria Pedro: O feminismo chamado de “segunda onda” surgiu depois da Segunda Guerra Mundial, e deu prioridade às lutas pelo direito ao corpo, ao prazer, e contra o patriarcado – entendido como o poder dos homens na subordinação das mulheres. Naquele momento, uma das palavras de ordem era: “o privado é político” (PEDRO, 2005, p.22). Assim, diante desse movimento – articulado entre práticas feministas e desenvolvimento teórico - em prol da igualdade de direitos, surgiu um questionamento norteador e central no pensamento feminista a partir de 1960, qual seja: como surgiu a injusta subordinação da mulher e como ela permanece? (PISCITELLI, 2002). Importante sublinhar que as vertentes do pensamento feminista não questionam a subordinação feminina, mas sim a naturalização dela. Afirmam que a subordinação se deve ao fato de como a mulher é construída, e como tudo que é construído pode ser modificado, bastava então que se alterasse a forma de como as mulheres são vistas e desse modo haveria também a mudança dos ambientes sociais por elas ocupados. Desse modo, o movimento buscava o exercício de direitos iguais questionando as bases culturais da assimetria existente, dando origem a figura coletiva das mulheres como forma de criar mecanismos para terminar com a subordinação feminina, apoiando-se ao mesmo tempo em referenciais teóricos capazes de averiguar as causas que deram origem a essa sujeição. (PISCITELLI, 2002). Nesse diapasão, as feministas reivindicavam direitos pelo fato de considerarem a sociedade universalmente masculina de modo que não incluía as demandas femininas, direcionando todas as lutas para as mulheres e não para os homens, denominadas de diferencialistas ou essencialistas pois pregavam a feminização do mundo, ao contrário das igualitaristas que buscavam a igualdade de direitos entre os homens e as mulheres (PEDRO, 2005). A vertente das feministas socialistas, segundo Adriana Piscitelli apoiava-se na ideia: de que a divisão do trabalho baseada no sexo desencadeou desigualdade e opressão sexual no momento em que surgiram as classes sociais baseadas na propriedade privada, teriam a base material na estrutura de classes. A exploração das mulheres assim como a exploração de classe poderiam ser superadas numa sociedade sem classes, ou seja, socialista. (PISCITELLI, 2002) Percebe-se com o explanado acima, que o feminismo socialista baseava-se no capitalismo para justificar as desigualdades existentes entre homens e mulheres, diferentemente das chamadas feministas radicais que além de darem origem a categoria “mulher” acreditavam que a opressão feminina se dava em decorrência do aparelho reprodutivo feminino, ou seja, em questões biológicas já que, segundo esta corrente, conforme os ensinamentos de Adriana Piscitelli: o feminismo radical, como Firestone no livro “A dialética do sexo” afirmam que as causas de opressão das mulheres estão visivelmente localizadas no processo reprodutivo, pois os papéis desempenhados na reprodução das espécies pelos homens e pelas mulheres são fatores fundamentais de onde derivam as características que tornam possível a dominação dos homens sobre as mulheres. As diferenças entre os papéis sociais e econômicos de homens e mulheres, poder político e a psicologia coletiva são resultado da forma como se reproduzem os seres humanos. O período longo que faz com que os filhos dependam da mulher as torna prisioneiras da biologia e dependentes dos homens. o feminismo radical acredita que para a libertação das mulheres é necessário derrocar o patriarcado, e isso só se dá pelo controle sobre a reprodução. Para Firestone deveria acabar não somente os privilégios dos homens mas também a distinção sexual, substituindo a reprodução da espécie pela reprodução artificial e assim as diferenças genitais não teriam mais significados culturais. Após aludidas considerações acerca do feminismo socialista e do radical, importante ressaltar que foi baseado nos ideais deste último que surgiu a categoria mulher, e partir da sua concepção de total dominação masculina sobre a mulher que originou-se o que chamamos de patriarcado, concepção que designa poder e percebe a relação homem/mulher como uma relação política (PISCITELLI, 2002). Diante da discussão que envolvia poder, subordinação e opressão, conforme explicitado acima, surge a categoria de gênero que decorre da categoria “mulheres”, entendida aqui no plural e como categoria coletiva pois mulher se referia apenas ao fato de se diferenciar do homem e já categoria coletiva esclarece que as reivindicações de algumas podem não englobar outras, logo existem diversas formas de opressão e subordinação que não são iguais para todas (PISCITELLI, 2002). No que se refere a gênero, Joan Scott aduz que o conceito foi primeiramente abordado pelas feministas americanas, que levavam em conta o caráter social na sua distinção de sexo, onde gênero se opunha ao determinismo biológico que era aliado a noção de sexo e diferença sexual. O conceito era caracterizado de forma relacional onde as mulheres e os homens eram diretamente relacionados e recíprocos não sendo possível pensar num sem o outro. (SCOTT, 1989). Segundo Scott (1989) as historiadoras ao conceituar e definir gênero ficaram adstritas ao tradicionalismo inerente às ciências sociais, baseando-se em questões genéricas e antigas. Consequentemente, houve uma limitação na ideia que o conceito ensejava, pois eram baseadas em ideias genéricas e universais que simplificavam e retiravam a complexidade da causa, mas também prejudicaram a ideia de mudança das feministas que apoiavam-se nessa corrente. Elucidando a questão sobre gênero dispõe Joan Scott: no seu uso recente mais simples, “gênero” é sinônimo de “mulheres”. Livros e artigos de todo o tipo, que tinham como tema a história das mulheres substituíram durante os últimos anos nos seus títulos o termo de “mulheres” pelo termo de “gênero”. Em alguns casos, este uso, ainda que referindo-se vagamente a certos conceitos analíticos, trata realmente da aceitabilidade política desse campo de pesquisa.O uso do termo “gênero” visa indicar a erudição e a seriedade de um trabalho porque “gênero” tem uma conotação mais objetiva e neutra do que “mulheres”. O gênero parece integrar-se na terminologia científica das ciências sociais e, por conseqüência, dissociar-se da política – (pretensamente escandalosa) – do feminismo. Neste uso, o termo gênero não implica necessariamente na tomada de posição sobre a desigualdade ou o poder, nem mesmo designa a parte lesada (e até agora invisível). “Gênero”, como substituto de “mulheres”, é igualmente utilizado para sugerir que a informação a respeito das mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica no estudo do outro. Este uso insiste na idéia de que o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado dentro e por esse mundo. Esse uso rejeita a validade interpretativa da idéia das esferas separadas e defende que estudar as mulheres de forma separada perpetua o mito de que uma esfera, a experiência de um sexo, tem muito pouco ou nada a ver com o outro sexo. (SCOTT, 1989). Seguindo ainda a ideia da referida autora, os historiadores basearam-se em três premissas para analisar o conceito de gênero, sendo elas: a primeira referindo-se ao patriarcado e a dominação total do homem sobre a mulher, a segunda de cunho marxista e a terceira que explicava gênero através da psicanálise. Joan Scott (1989), afirma que mesmo quando a categoria de gênero é vislumbrada de forma coesa, lógica e fixa, ainda assim apresenta-se instável, pois são identidades de distinção que possuem caráter subjetivo e desse modo devem superar contradições, lacunas e antagonismos a fim de que seja compreendida por todos e tenha coerência, o que não ocorre quando pensamos que a masculinidade pressupõe a rejeição da feminilidade, opondo o masculino e o feminino. A mencionada autora critica as teorias que defendem essa oposição entre os homens e as mulheres e a dimensão individual do sujeito, pois assim há uma tendência de generalização dos grupos masculinos e femininos e a consequente redução dos pesquisadores e historiadores em analisar e compreender os subsídios históricos do passado. Por isso acredita que esse binômio não pode ser visto de forma imutável e sim através da historicização. Conforme o exposto, e de acordo com Joan Scott (1989) até o século XX existiam somente teorias que de certa forma tentaram teorizar sobre gênero sob diversas perspectivas como a oposição do binômio masculino/feminino, a identidade sexual subjetiva, mas nunca partindo da noção de gênero uma categoria central de análise que correspondesse à teorias sociais ou relação entre os sexos, advindo daí a dificuldade de algumas feministas em tentar elucidar a assimetria entre homens e mulheres. Assim, Joan Scott define gênero como: o núcleo essencial da definição baseia-se na conexão integral entre duas proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre à mudança nas representações de poder, mas a direção da mudança não segue necessariamente um sentido único. (SCOTT, 1989). Outra autora muito importante na discussão sobre gênero é Judith Butler, a qual critica o binômio sexo/gênero visto de uma perspectiva essencialista, fixa, imutável, propondo que através da genealogia se estude a origem de ambos os sexos, sendo gênero o meio de produção discursiva e cultural do sexo que é, portanto culturamente produzido e pré- discursivo. Além disso, ela afirma que gênero é um meio de intersecção com outras identidades como classe, raça, entre outros, e por isso não tem como separá-lo de questões políticas e culturais de onde ele é originado, não podendo ser visto de forma sempre coerente já que se verifica em diversos momentos da história.(PISCITELLI, 2002). Portanto, Butler discorda que somente gênero seja abarcado pela teoria social e que sexo teria como base apenas os aspectos naturais e biológicos. Desse modo, defende o caráter histórico de sexo na tentativa de diluir a dicotomia existente entre sexo e gênero. Ao falarmos em gênero não podemos deixar de abordar a construção social da masculinidade, que segundo Kimmel (1998) são construções sociais que fogem da fixidez, da essencialidade e do determinismo biológico pois possui caráter dinâmico e em constante mudanças tendo em vista aspectos como a cultura, o tempo, classe, raça, etnia, região, variando portanto no transcorrer da vida humana. O termo no plural “masculinidades” indica que são identidades diferentes para diferentes grupos em diferentes tempos. Nessa senda, as masculinidades são construídas de forma relacional, em dois campos de poder que se relacionam entre si sendo eles homens e mulheres, e entre homens apenas. A primeira forma de poder origina a desigualdade de gênero enquanto a segunda origina desigualdade de raça, etnia, sexo, idade, entre outros. Assim, para Kimmel (1998) a homofobia e o sexismo são os elementos que constituem a construção social da masculinidade. Referida construção, segundo o autor, é imersa num jogo de poderes que são invisíveis aos homens, cuja ordem de gênero é mais privilegiada em relação aos menos privilegiados, e onde essa relação é mais visível. É um privilégio em dois sentidos: tanto descrevendo as relações de poder que são mantidas pela própria dinâmica da invisibilidade, quanto no sentido de privilégio como um luxo (KIMMel, 1998). Para Daniel Welzer – Lang (2001) as relações sociais de sexo entre homens e mulheres e somente entre homens são caracterizadas por dois modelos naturalistas: um direcionado ao sexismo, a dominação do homem sobre a mulher e separação total entre os sexos e a segunda, é orientada no sentido de que a sexualidade dita “normal” é aquela que se compõe das relações entre homens e mulheres, ou seja, heterossexuais, sendo as outras consideradas como “diferentes”. O paradigma naturalista divide os grupos masculino e feminino de forma hierárquica, onde os privilégios masculinos se dão em detrimento das mulheres. Importante mencionar que, a dominação masculina também se verifica entre os homens. A principal forma pela qual os homens tentavam demonstrar a sua bem sucedida masculinidade era através da desvalorização de outras formas de masculinidade, posicionando o hegemônico por oposição ao subalterno, na criação do outro. Atualmente, são as mulheres e os homens gays que têm servido como as visões clássicas da identidade de gênero subalterna, pano de fundo contra o qual os homens brancos heterossexuais projetam suas ansiedades de gênero e é sobre a emasculação destes que a hegemonia masculina é construída (KIMMEL, 1998). Ainda na visão de Kimmel: a masculinidade hegemônica é invisível àqueles que tentam obtê-la como um ideal de gênero, ela é especialmente visível precisamente àqueles que são mais afetados pela sua violência. Aqui as palavras de mais um clássico canônico, de George Simmel em A Filosofia da Cultura (1911): A posição de poder dos homens não apenas assegura sua relativa superioridade sobre a mulher, mas assegura um padrão e este padrão torna-se generalizado como padrão genericamente humano que deve governar igualmente o comportamento de homens e de mulheres. Se alguém percebe grosseiramente as relações entre os sexos como a relação entre senhor e escravos, então se dará conta que e privilégio dos senhores não ter que pensar continuamente sobre o fato de que são senhores. Ao contrário, a posição do escravo é tal que nunca o deixa esquecer isto. Não há duvida nenhuma que a mulher muito mais raramente perde o sentido do que ser mulher significa do que o home a respeito do que é ser homem. Muito frequentemente parece que os homens pensam em termos de categorias puramente fatuais sem que o significado de masculinidade entre em jogo; em contraste, parece que a mulher nunca perde sentido disto, seja isto claramente sentido ou esteja apenas subjacente ao fato que elas são, de fato, mulheres. A dominação masculina não deve ser vista como algo pronto e acabado, que se reproduz sempre da mesma forma, mas sim articulando a hegemonia masculina às lutas e conquistas femininas e de outros grupos a fim de que o estereótipo das relações sociais sexistas sem modificadas e consequentemente a subordinação feminina ( Welzer – Lang, 2011). Ainda segundo o autor: o paradigma naturalista da dominação masculina divide homens e mulheres em grupos hierárquicos, dá privilégios aos homens à custa das mulheres. E em relação aos homens tentados, por diferentes razões, de não reproduzir esta divisão (ou, o que é pior, de recusá-la para si próprios), a dominação masculina produz homofobia para que, com ameaças, os homens se calquem sobre os esquemas ditos normais da virilidade ( Welzer – Lang, 2011). De acordo com os ensinamentos de Connell (2013) as teorias feministas que relacionavam a assimetria de relações entre homens em mulheres no patriarcado e a discussão acerca do papel do homem na modificação do patriarcado, constituíram a fonte do que ele denominou de masculinidade hegemônica. Referida masculinidade se diferenciou das demais por ter um caráter normativo impondo um padrão de conduta que exige ser seguida pelos demais, através do estereótipo de um homem super honrado em que essa ideologia subordina totalmente as mulheres aos homens. Referido conceito foi alvo de inúmeras críticas, devido ao aludido caráter normativo que essencializava as relações de gênero ignorando as diferenças que existem dentro de referidas categorias. Por isso, as pesquisas direcionadas as masculinidades só avançaram nos últimos 20 anos, a partir do do momento em que o conceito passou a não ser mais visto de forma essencialista, descartando o caráter de fixidez e entendidas como práticas sociais que se modificam em diferentes contextos. Destarte a masculinidade hegemônica foge do funcionalismo e da ideia de autorreprodução pois pode se reconfigurar dependendo das necessidades do momento histórico em que se constitui (Connell, 2013). Em que pese o cenário social objeto do presente projeto ser constituído por ambientes marcados pela homossociabilidade, ou seja, onde as relações sociais se dão exclusivamente entre homens frutos de uma sociedade marcada pela dominação masculina, são também cenários marcados por classes sociais e raças distintas e por isso a importância de interseccionalizar todas essas identidades a fim de compreender suas desigualdades e complexidades. Bilge dispõe que a interseccionalidade: refuta o enclausuramento e a hierarquização dos grandes eixos da diferenciação social que são as categorias de sexo/gênero, classe, raça, etnicidade, idade, deficiência e orientação sexual. O enfoque interseccional vai além do simples reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão que opera a partir dessas categorias e postula sua interação na produção e na reprodução das desigualdades sociais (Bilge apud Hirata, 2014). Ainda nesse sentido, explana Crenshaw: A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as conseqüências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. (CRENSHAW, 2002: 177). Pelo exposto, vislumbra-se a importância de interseccionalizar as identidades referidas, pois os grupos que serão pesquisados são caracterizados como minorias e sujeitos a subordinação e discriminação constantemente não podendo ser tratadas como variáveis independentes. Outra questão de suma relevância a ser abordada é a questão da violência de gênero, tendo em vista a temática do projeto. A violência de gênero é inegavelmente decorrente do patriarcado e da cultura de dominação masculina sobre as mulheres que são as maiores vítimas da violência de gênero, e ainda pode se verificar de diversas formas, tais como: violência física, moral e psicológica. A violência de gênero também exige a interseccionalidade com outras identidades visto que, embora presente em todas as classes e raças, são as minorias as mais atingidas e prejudicadas. Por fim, e diante de todo o exposto, são estas as ideias centrais que vão servir de base para a construção do referencial teórico e da construção do objeto a ser pesquisado neste projeto. HIPÓTESES: Como hipóteses provisórias, tem-se que: a) O Café Aquarios caracteriza-se por ser um ambiente de presença masculina marcante, frequentado por homens brancos, aparentemente bem sucedidos, com poder aquisitivo médio e alto enquanto o polo naval de Rio Grande, por sua vez, constitui-se por indivíduos basicamente negros e mestiços, de camadas bastante populares. b) As mulheres que frequentam e trabalham no Café Aquarios em Pelotas e no Polo Naval em Rio Grande são vítimas do assédio verbal (cantadas) sentindo-se constrangidas e violentadas simbolicamente e psicologicamente, mudando o modo como se comportam em referidos ambientes ou até deixando de frequentá-los. OBJETIVOS Objetivo Geral: Verificar se as mulheres que frequentam o Café Aquarios em Pelotas e o Polo Naval em Rio Grande, tendo em vista serem ambientes de homossociabilidade masculina, são vítimas de situações recorrentes de constrangimento e assédio verbal e como identificam referida conduta. Objetivos específicos: a) Identificar se diante das situações de assédio verbal nos ambientes pesquisados, o qual pode configurar uma violência simbólica, as mulheres se sentem oprimidas e fragilizadas a ponto de alterar o modo como se comportam em referidos espaços. b) Inferir se diante de situações de “cantadas’ nesses locais, num patamar que configure constrangimento violento às mulheres, elas sentem seu direito de ir e vir lesado, ou seja, se acabam deixando de praticar determinados atos ou de participar desses cenários em vista de sentir sua liberdade limitada. c) Apontar se as mulheres entendem essa situação de vulnerabilidade, num contexto de violência, como decorrência da opressão e das desigualdades de gênero e dominação do grupo masculino sobre o feminino. ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA A pesquisa está sendo construída através de uma revisão bibliográfica acerca do tema, englobando os aspectos históricos e os conceitos centrais referentes a gênero e construção das masculinidades nos espaços referidos, bem como todos os referenciais que se fizerem necessários como aporte teórico para discutir os assuntos fundamentais da pesquisa. Juntamente com a análise documental serão realizadas entrevistas com algumas das mulheres que frequentam os ambientes mas também e principalmente as que neles laboram. Para complementar a amostra e para que se possa melhor analisar o contexto da pesquisa, será realizada a observação do campo a fim de que seja contrastada com o resultado das entrevistas e que nos forneça assim uma amostra que retrate a realidade social ali vivida. REFERÊNCIAS BANDEIRA, Lourdes Maria. Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. 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