Mare Nostrum 62.cdr
Transcrição
Mare Nostrum 62.cdr
Círculo Literário Departamento Cultural do Clube Naval - Mare Nostrum - Ano XIV - Nº62 - Dezembro 2013. Feliz Natal e Ano Novo Canto de Natal O nosso menino Nasceu em Belém. Nasceu tão-somente Para querer bem. Poema completo na Pág. 23 Presidente Vice-Almirante (Ref-FN) Paulo Frederico Soriano Dobbin Diretor Cultural CF(Ref-IM) Osmar Boavista da Cunha Junior Assessor do Diretor Cultural CMG(RM1-T) Adão Chagas de Rezende Novo ano. Novos entusiasmos. A alegria de criar, manter, fazer bem feito é renovada pela simbologia do momento. Foi-se Mandela, deixando o legado de seu milagre. O milagre de construir sobre a diferença e sobre a opressão. Serviu-se do refinado Ubuntu, a elegante filosofia humanista que sustentou a edificação de uma nova nação através da grandeza da solidariedade. Esse também é o caminho do nosso Círculo Literário. Saudamos com entusiasmo a chegada do Comandante Gilberto Machado, companheiro de reconhecido talento e capacidade, no timão de nossa nave. Registramos ao Comandante Silva Filho, a quem ele sucede, a nossa gratidão e respeito pelo dedicado trabalho de muitos anos. Fazemos votos de muita felicidade. Quanto a nós, amigos, saudemonos com alegria o privilégio da nossa comunidade. Temos o firme propósito de enriquecê-la com o carinho da nossa participação, gratificados pelo requintado prazer dessa convivência. Novo ano. Novos entusiasmos. Departamento Cultural Tel.: 2112-2418 Tel/Fax.: (21) 2262-1873 site:www.clubenaval.org.br Av. Rio Branco, 180 - Centro RJ Idealizador CMG(Ref) Agnaldo Xavier Furtado Sócios Fundadores CAlte (Ref) Domingos P. Castelo Branco Ferreira CMG(Ref) Colbert Demaria Boiteux CMG (Ref-IM) Nelio Ronchini Lima CMG(RM1) Agnaldo Xavier Furtado CMG(Ref) Carlos A. de A. Pereira da Silva Conselho Editorial CMG(Ref) Egberto Raymundo da Silva Filho CF(RM1) Gilberto Rodrigues Machado CMG(Ref.) Paulo Roberto Gotaç Coordenador Interino CF(RM1) Gilberto Rodrigues Machado Ilustrações CMG (Ref-IM) Vinício Ruiz CMG(Ref.) Júlio Sérgio Vidal Pessôa (In memoriam) Jornalista Responsável Prof. Antonio de Oliveira Pereira RJ13609JP Endereço Eletrônico [email protected] Atenção: A responsabilidade pelo conteúdo das matérias é exclusiva dos autores, que declaram, por escrito, ao final delas, a cessão de seus DireitosAutorais. As colaborações enviadas serão publicadas após aprovação do Conselho Editorial e não serão devolvidas. Diretor Cultural CF(Ref-IM) Osmar Boavista da Cunha Junior Nossa Capa Homenagem a Manuel Bandeira 2 Natal ou Carnaval ? Lucia Romeu Mês de dezembro. Então já é Natal outra vez?! A agitação toma conta das ruas e lojas dos shoppings e as pessoas não tem mais tempo para nada. Só para o consumo desenfreado. Foi decretada a época das compras, dos presentes, das comidas sofisticadas, dos encontros de turmas de colégio, de trabalho, de esportes, almoços e jantares festivos, troca de "amigo oculto", reiterações de amizades e amores. Asaudação de ordem é Feliz Natal! A casa a ser enfeitada, a árvore com suas luzes coloridas e, por fim, a família reunida à mesa. Nas ruas, vitrines e TV, a mídia usa e abusa da imagem do Papai Noel. Dá até pena ver como o bom velhinho trabalha vendendo produtos, sua réplica subindo e descendo escadas, andando de moto, tocando saxofone, rebolando no bambolê, dormindo e roncando, sorrindo e dançando. Decididamente os homens, como sempre apressados e equivocados, confundem o convidado principal. O Natal não é do Papai Noel. O Natal é de Jesus! 3 Há cada vez menos referência ao nascimento de Jesus, ao presépio com seu lugar de destaque na casa, ao recolhimento e às orações em família, à preparação da alma, enfim, para acolher todas as graças provenientes dessa data infinitamente bela. Seja você, portanto, um out-door vivo do verdadeiro sentimento religioso do Natal: espalhe, com alegria, a boa nova do dia 25 de dezembro, o nascimento de Jesus para nossa salvação, Maria e José reunidos na manjedoura em adoração, os anjos com seus cânticos de Glória, os reis magos com seus presentes, a estrela com sua luz. Conte a todos que puder, o emocionante significado desta festa de Paz! Fale disso com ardor e com amor! Certamente você vai contagiar muitos à sua volta! Quem sabe até mesmo aqueles grupos que saem pelas ruas, tocando samba jingle-bell, com gorros de Papai Noel, no bloco do pseudo Natal. À você, que ouve os sinos tocarem e as vozes todas cantarem, cabe a decisão e a escolha da atitude a tomar na festa que está pra chegar. Cuidado!!! Não vá confundir a euforia escandalosa do Carnaval com a alegria silenciosa do Natal! Parada de Natal 4 EtaVidinha Boa... Ferreira Barbosa Viver, amar, sonhar. Curtir paixões ardentes. Apagar velhas desilusões Sem medo de renascer das próprias cinzas. Enfim, o eterno apaixonado... Amar, mesmo com melodramas, Sonhos eróticos de adolescente. Isso também é bom! Mudo antigos hábitos. Mexo no visual. Surge o garotão! Ainda resta uma dúvida: CMG (Ref) Ney Marino 5 Pinto ou não pinto os cabelos?! Agora, ela decide... Saudade sentimento da alma Essência fluida do espírito Saudade produto do amor Do amor puro que ficou Doce viagem ao passado De tudo de bom que marcou Saudade da infância inocente Do vigor da mocidade Saudade do tempo dos sonhos Saudade das paixões passageiras Saudade dos amores passados Saudade dos entes queridos Saudade das horas alegres Saudade dos tempos felizes Saudade de tudo que amamos Saudade dos amigos diletos Saudade dos que já partiram Saudade de todos que amamos Saudade da vida vivida ESCRAVOS DATERRA, BRASIL Antonio Feitosa dos Santos Em tons verdes era formada, Toda a faixa litorânea, Desta terra Santa Cruz Indo da mata à cercania, Onde a beleza seduz. Quando a Nau Capitânia, Lá dos confins avistou, Pensou-se ser o paraíso, Nas faces fez-se o sorriso, Em águas calmas aportou. Aquela gente pintada De azul, vermelho e amarelo, Por entre o verde escuro, São ligações ou o elo, Por tanto tempo obscuro, Viventes de um paralelo, Indagavam os visitantes, Por suas cores e beleza, Seres intrínsecos à natureza, Pessoas cordiais e amantes. Tiraram-lhe o ouro e a prata, Também pedras preciosas, Sumiram com o pau-brasil, Muitas madeiras famosas, Espécies de aves raras, Presenteavam as senhoras, Fidalgas ou da nobreza, Que destas se orgulhavam, Aos parentes mostravam, Suas raríssimas belezas. Atraídos por presentes, Vindos de terras além-mar, Por mãos de homens maldosos, Deixaram-se enganar. Eram felizes e ditosos, Meiguice sobre o olhar, Mas perderam a liberdade, As suas vidas fagueiras, Impuseram-lhes bandeiras, Roubaram-lhes a ingenuidade. E assim nasce o Brasil, Nosso povo, a nossa gente, Sob o domínio e o jugo, Mas conservou-se a semente, Um povo ordeiro e feliz, Bom caráter a Deus temente, Hoje exporta a alegria; Brasileiros carismáticos, Calorosos e bem simpáticos, Também exportam harmonia. 6 Meu lamento CF(Rm1) Gilberto R. Machado A lua cheia um tapete de luz deita Esteira brilhante que flutua no mar... Nossos sonhos de amor ela vem inspirar Ao ritmo bem suave da brisa que espreita E espera pelo encanto do momento nascer, Renascer, que não cansa de se repetir, Quando teu olhar de paixão me incandescer Ao encontro do meu, num instante... Refletir A chama da identidade de um sentimento Verdadeiro, não tão simples de traduzir Por palavras, nestes tempos de esquecimento, Do fazer às pressas e do mero "curtir" E a vida deixar passar no alheamento! Que pena, a poesia não quiseram sentir... 7 Continuidade BETO CUNHA (RJ, 23/10/2013 - 21:00) SOU TEU ÉS MINHA SOMOS NÓS DUPLICAMOS NÓS SOMOS PAIS SOMOS AVÓS CRIAMOS, EDUCAMOS, AMAMOS CRESCERAM, CASARAM, TIVERAM FILHOS DEIXARAM-NOS VÊM NOS VISITAR DE VEZ EM QUANDO CASA CHEIA, ALMOÇO, JANTAR, ALEGRIA. VÃO EMBORA, NOSTALGIA. SOMOS FELIZES CRIAMOS RAÍZES REGAMOS TODOS OS MINUTOS, NASCERAM OS FRUTOS. PERPETUAMOS NOSSOS NOMES ELES SE ORGULHAM DE NÓS FICAMOS SÓS AINDA SOMOS NÓS AINDA SOU TEU TU ÉS MINHA ELES SÃO NOSSOS, LEVAM-NOS NÓS. ATÉ O FIM DOS SÓIS. 8 Fui iludido Coronel Aluizio Garcia O Mundo, tão cheio de esperanças e iniquidades, me enganou. Eu, tão crédulo em mim mesmo, me iludi. Pior ainda foram as estrelas: como me enganaram. Nelas tantas vezes busquei a inspiração, sem perceber que já tinham entrado em colapso - não mais existiam. Apenas suas fragmentadas luzes, perdidas nos espaços ou engolidas por buracos negros, enriqueciam as tímidas estrofes de uma poesia. Elas jamais teriam percebido os meus vibrantes acenos e minhas inspirações teriam sido meras suposições românticas. Resta-me compreender este determinismo e suplicar ao tempo que humanize mais o mundo, que me fortaleça com novas esperanças, que me ilumine com as luzes cintilantes de estrelas vivas. Prometo até uma ode ao tempo, não ao seu conceito relativo, mas sim na sublime beleza do instante em que Deus concede a sua bênção. Perdoem-me se atropelo as palavras com emoção, comprometendo a sabedoria e a prudência. Confesso que, às vezes, procuro idéias e perco as palavras mas, não raro, acabo perdendo as duas. Na verdade somos partículas fantasmas de um mundo dinâmico que, a cada instante, se transforma e surpreende. Recolho-me, afinal, à humildade e recordo Camões: “Põe-me onde se use toda a feridade. E entre leões e tigres, e verei Se neles achar posso piedade Que entre peitos humanos não achei”. 9 Num banco de jardim Arleni Batista Ali estava absorta em pensamentos... Num banco de jardim Borboletas voavam, colorido especial... Quero asas! Também quero!... Mundo imenso, quero te abraçar... Beleza dos sons... Vento, risos, gritos, sussurros, cantarolar... Perfume de flor Rosas formosas... Amor perfeito... Amor de antigamente... - Pega em minha mão, me conduz... Flor de fantasia, beleza simples... Almas belas; beleza tão pura E a vida seguindo, e o tempo passando... E eu ali observando... Pessoas lindas, crianças a brincar... Num banco de jardim Ah... Grande sonho de minh'alma Sei que escondes de mim tantas surpresas... Mostre-se... Pois quero vivê-las... Vivê-las com fervor todos os dias de minha existência E lembrar que fiquei horas, horas, horas... Num banco de jardim!!! 10 Taissa Sibéria Sperle Abilio Kac A Primavera chegou A estação que seduz Florindo os corações Cheios de raios de luz. Os revérberos da Primavera É um jardim florido É como a flor que abre para vida Pois só quem ame por ter vivido. O colorido das flores Nesta estação, só seduz. Trazendo um colorido à vida Cheio de raios de luz. A Primavera traz Felicidade, Para todos os corações. Um jardim florido de rosas Abrindo as pétalas das ilusões! E os sonhos se renovam Quando chega a Primavera Traz os pássaros cantando Início de uma nova Era. 11 No mais fértil jardim do meu sonhar Uma flor bem mimosa ali nasceu E Deus fez esse sonho transformar No mais rico presente que me deu! Taissa é pura, meiga, veio dar Pela alegria que me concebeu Mais luz para os meus passos alcançar Toda felicidade no apogeu. Tornou-se uma rainha, cinderela, Verdadeira pintura em aquarela, A boneca real mais pretendida. Taissa, a mais formosa das florzinhas É Tatá, a segunda das netinhas. Nova estrela no céu da minha vida! TERRA DE YURI COM IGAPÓS E IGARAPÉS CMG (Ref) Agnaldo Xavier Furtado Nas minhas veias de água ácida, relembro o Rio Tumarã. Vivo a falar numa linguagem de belos Rios no Silêncio, nas noites, entre olhares de árvores e arvoredos mil, lá o Rio Negro, da Amazônia com seus Igapós no Panelão. Passeando de dia, vi os Macacos deslumbrados, magistral! Passeando com Yuri, no igarapé, ele chama seu Jacarezinho, lá vem ele todo silencioso, majestoso, na orla de sua onda. Olhando por cima da água, numa redobrada atenção aproximou, e num relampejar de astúcia, num sobressalto a carne engoliu. Na procura pelas margens, olhamos, eu e Yuri, canta Pica-Pau! Mosquitos não existem, insetos jamais, Oh! Boa água tão ácida, entre as ravinas molhadas caminhamos entre arbustos encharcados. De dia ou de noite, esta beleza de lugar é próximo ao Eco Parque. Almejamos quatro dias de felicidade, de lembranças inesquecíveis. Nós, eu, Lucinha, guia Yuri, o índio, mostrando o local abençoado, que existe nas águas negras tão perto de Manaus, este local genial. 12 Maninho* Agostinho Fortes E lá te foste, meu caro Maninho, Que Deus te guarde com todo o carinho, E que os céus te acolham plenamente. E lá se foi o grande amigo... e agora Que assim, sem mais nem menos, foste embora, Nos deixará uma lembrança eternamente. Ah, meu querido, nem calculas quanto Vamos chorar por ti, mas por enquanto... Depois serão lembranças de alegria Do pai que foste, amado e imprescindível, Do avozão, marido inesquecível, De quem nos lembraremos todo o dia. E nos almoços lá estará com certeza A tua aura sentada a nossa mesa. * Homenagem ao inesquecível amigo CMG Hermenegildo Pereira da Silva Filho, da Turma DEDO 13 Será...? CMG(FN-RM1) Ubiratan B. R. dos Santos Será que estamos fadados ao retorno à Pátria Celestial, sem a compreensão e o amor de alguns dos nossos entes queridos, amigos e outros companheiros de jornada terrena? Isto então significaria termos deixado de cumprir uma das múltiplas tarefas que nos foram confiadas por D’ús (Deus), mesmo convictos de que habitamos um planeta de expiações e provações...? Como se comportará então nosso processo evolutivo, diante de um desafio passível de não ser vencido...? Ainda há tempo suficiente para revertermos o quadro ora emoldurado...? Além da Força Infinita, o Infinito (Deus), com quem mais poderemos contar, para fazer face a esse mister...? Reflitamos, portanto, irmãos e irmãs, acerca dessas difíceis e complexas questões, de uma tese não tão simplória, como alguns possam prejulgar... Todavia, necessariamente orientados pelos ditames da FÉ, da ESPERANÇA, da CARIDADE, da PAZ e do AMOR... Porquanto, nas coisas desta vida, somos e seremos sempre ETERNOS APRENDIZES... 14 Ildefonso CMG (Ref.) Paulo Roberto Gotaç N aquela época, muitos homens iam para o trabalho de terno e gravata. Guarda-chuva era presente estimado, só amigos davam. Canetas e relógios, jóias guardadas por gerações. Algumas poucas famílias possuíam carrilhões, precisão e fina marcenaria. A janela para o mundo era o rádio. Havia uma emissora, a Rádio Relógio Federal que anunciava a hora certa a cada minuto. Para muitos, a solução para o acerto dos relógios. Sorte dos moradores daquela rua. Lá morava o Sr. Ildefonso. Baixinho, 70 anos presumíveis, idade avançada para aqueles tempos sem tomografia e ressonância. Corria que era viúvo. Morava na melhor casa da rua, embora antiga, herdada do pai. Com Cremilda, filha solteirona que raramente aparecia. Saía de casa todo dia, sábados e domingos incluídos, religiosamente às sete da manhã. Percorria placidamente o trajeto de casa à rua principal, onde embarcava num bonde. Sempre de terno preto, cabelos totalmente brancos, não muito fartos, cuidadosamente penteados. Gravata impecavelmente laçada, escura, parecendo sempre a mesma. Camisa branca e uma pequena valise nas mãos semelhante à que os médicos daquele tempo levavam quando eram chamados às casas de clientes. Ninguém na vizinhança sabia aonde ia, nem o que fazia. O trajeto a pé até o bonde durava quinze minutos - andava-se muito mais que hoje. Ao passar pelas residências, marcava o tempo. - Apresse-se, menino. Ildefonso está passando. Já são sete e quatro, vai chegar atrasado à escola. 15 -Acorda José! Já são sete e sete. Aquele velhinho acaba de passar. Numa época em que as coisas demoravam a mudar, dava a impressão que Ildefonso sempre fizera parte da paisagem, sempre caminhou pela rua e as pessoas nunca souberam o que fazia nem o que continha a misteriosa valise. Mas a flecha do tempo é implacável. Um dia, não passou. Algumas crianças chegaram atrasadas à escola. Trabalhadores tomaram café às pressas. Três dias sem vê-lo. Curiosidade. Cremilda informou. Gripe. Já estava melhorando. Uma semana sem Ildefonso. Após dez dias, o falecimento. Segundo Cremilda, a gripe evoluíra para pneumonia, não resistiu. Foi no velório que a vizinhança soube o que fazia e o que continha a valise. Era barbeiro, atendia em domicílio. Fregueses antigos, ilustres, políticos, militares graduados, professores. A valise? Instrumentos do ofício. r o e ã h ç l r u o P M Áurea Stella Aconvivência nem sempre, ou melhor, quase nunca é pacífica. Às vezes, a menina que sou quer se manifestar além do que a parcela em mim a ela destinada permite. Isso causa certa distonia, certo desacerto. É preciso, então, que a minha porção quase (eu disse quase) cinquentenária interfira para evitar o descompasso. Explico (se é que isso pode ser explicado): sou uma menina de dezessete anos no corpo de uma mulher de cinquenta (quase, insisto). Embora esta relação, como mencionei, seja um tanto quanto conflituosa - e isso, aliás, é muito compreensível, já que há uma disparidade de interesses, pensamentos, aspirações, mentalidade e tudo mais - existe uma sintonia fina que tempera a relação fazendo com que idades e disparidades complementem-se criando nova realidade. Sim, a coexistência de duas porções mulher numa mesma alma feminina acaba por fazer com que elas se complementem, dando origem a uma terceira mulher ainda em construção, mas que não carrega o peso de meio século nas costas sozinha. Divide-o em duas porções, pois nutre a alegria e a esperança da juventude e a maturidade e experiência da mulher que, há muito, deixou a balzaquiana para trás. "Esta porção mulher que até então se resguardava é a melhor porção que trago em mim agora", porque carrega em si a leveza da menina de dezessete que sou e a vivência e todas as mazelas inerentes à porção quase cinquentona. A porção cinquenta já cumpriu o circuito pelo qual a de dezessete, inevitavelmente, terá de passar, colhendo as perfumadas flores e deparando-se com todas as pedras e pedregulhos inerentes ao percurso. Esta terceira mulher em fase de construção, muito longe ainda dos acabamentos, é o produto não final, é claro, da fusão destas duas porções que se contrabalançam, sem nunca deixarem de coexistir. Conflitos sempre existirão. Muitas vezes, a menina de dezessete quer se vestir de forma alegre e despojada mas, ao se olhar no espelho, depara-se com a mulher de meio século para censurar e dizer, com todas as letras, o quanto estou ridícula. A menina tenta barganhar, desce bem a saia para achar um contra ponto, 16 mas a mulher madura é radical: "vestido, só um pouquinho acima do joelho. No meio da coxa, não rola!". E por aí vai. Nada contra quem usa e gosta. Sem preconceitos, por favor. Esta é uma questão pessoal. Se no meio de uma festa tocar "eu sou uma fera de pele macia, cuidado garoto eu sou perigosa", a menina fica frenética e ultrapassa todos os limites na pista de dança. Isso, é claro, arrastando a porção cinqüenta consigo. Depois ela quer comer todos os docinhos, mas a quase cinquentona e refreia permitindo apenas um brigadeiro. Eu disse que a convivência não era nada pacífica. Elas discutem muito. Cada uma tem que ceder um pouquinho. Na praia, não tem discussão: é maiô e ponto. Se deixar, a menina sobe no salto agulha, abusa da transparência e do decote e deixa a cinquentona mancando por uma semana. Já a porção madura quer descer do salto, celebrar os ganhos, sem fingir que não houve perdas. Quem sou eu? Eu mesma me pergunto. Eu diria que sou a menina de dezessete lutando ativamente para que a mulher de quase cinquenta se transforme nessa terceira pessoa (do) singular: Ela. Ela, cheia de distonias e desacertos. Ela, que continuará se construindo e reconstruindo. Ela, cheia de dúvidas e incertezas. Ela, que sempre cultivará a alegria e o bom humor. Ela, que acredita na vida. Ela, que alimenta o bom senso. Ela, que jamais, seja em que tempo for, deixará de ser menina. 17 Sem Você Comte Nilberto Silva da Cruz O dia em que eu deixar Você Vou ser barco sem rumo Na correnteza do oceano, Vou ser estrela cadente Num céu de noite escura, Vou ser lampião de gás Numa rua qualquer. O dia em que eu deixar Você Vou ser pássaro que não sabe cantar E nunca voou, Vou ser andarilho Sem ter para onde ir, Vou ser vida vazia Sem sentido de existir. 18 ex... S CC(CD-R1) Paulo Afonso Paiva A partir de agora é oficial: sou um ancião. Não posso negar que a constatação me é um pouco dolorosa. Embora com alguns achaques que começam a aparecer e dos dois comprimidos que tomo pela manhã, não sinto a idade. Além de tudo tenho o ônus e não o bônus da velhice. Ontem fui a uma prestadora de serviço de televisão a cabo. Como a fila estivesse enorme, meio acanhado, tirei a ficha de atendimento para idosos. Enquanto aguardava ser chamado, uma mulher que parecia estar esperando há muito tempo, começou a espinafrar os sujeitos que não tem vergonha de se aproveitar da boa fé dos outros, no que foi apoiada por um gordinho. Aquilo era comigo, 19 mas fiz ouvidos de mercador. A mulher continuou, agora criticando a corrupção generalizada do governo, sempre incentivada pelo gordinho. Acabei desistindo de ser atendido, com medo de ser acusado de recebedor de mensalão. Voltando à vaca fria, já que não posso reverter a passagem do tempo, ser um velho ranzinza posso impedir. Por isso resolvi: vou rir muito. Além de tudo, a idade tem certas vantagens. Por exemplo:... bem, daqui a dez minutos me lembrarei de uma. Pelo menos agora poderei olhar, com a discrição que me é habitual, as moças na praia, já que sou um velhinho inofensivo. No entanto quero enfatizar que estou sessentão, mas com tudo em cima: os peitos em cima da barriga; a barriga em cima dos joelhos; os joelhos... Mandela e Ubuntu: Uma filosofia para o mundo. Raphael Carvalho dos Santos Os humanos são individualistas! Têm metas de vida a serem alcançadas. Deixam de lado o "nós" para pensar exclusivamente no "eu". Na dificuldade em prosseguir sozinhos, algumas vezes, são forçados desistir. Unidos uns aos outros todos poderiam concluir seus objetivos? Os problemas seriam mais facilmente resolvidos? Encontrar pessoas que, neste mundo individual, acreditem em objetivos em prol do bem-estar comum faz-se cada vez mais difícil. Esse estilo está presente na vida dos Sul-Africanos, em sua nova filosofia de vida, também existente em vários países da África, vinda das línguas dos povos Bantos; na África do Sul, nas línguas Zulu e Xhosa. Este tradicional conceito africano, chama-se Ubuntu, palavra que, traduzida para o nosso idioma define-se como: humanidade para os outros. Ubuntu representa a crença no compartilhamento conectando toda a humanidade: "Sou o que sou pelo que nós somos". Seu ideal define o indivíduo e seus relacionamentos, enfatizando sua importância como um conceito religioso: "Zulu umuntu ngumuntu ngabantu" (uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas). Aparentemente não há esta conotação religiosa na sociedade ocidental. O contexto social africano sugere que o indivíduo se caracteriza pela sua humanidade com seus semelhantes através da veneração aos seus ancestrais. Assim, aqueles que compartilham o princípio do Ubuntu continuarão em união com os vivos após a morte. Nelson Mandela foi uma ser humano capaz de exercer essa filosofia com maestria junto a o seu povo. Ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Ex-Presidente da África do Sul, Revolucionário político, Nelson Mandela lutou incessantemente contra o Apartheid dedicando 67 anos de sua vida como advogado dos direitos 20 humanos. Foi prisioneiro de um regime de segregação racial até ser eleito o primeiro presidente negro da África do Sul. Tinha motivos para ser o mais tirano dos tiranos, cruel e racista mas, por incrível que possa parecer, não foi. Levando consigo a bíblia do unbuntu, estudou-a minuciosamente e praticou com perfeição o ideal que revolucionou o modo de vida da população de seu país. Entres as bandeiras levantadas em sua liderança no Movimento contra o regime político de 1933, Mandela praticou a idéia de que não existe raça inferior. Todos são iguais sob os olhares de todos. Devemos ter princípios básicos de cidadania como forma de inclusão na sociedade. Mandela afirmava: "Uma boa cabeça e um bom coração são sempre uma combinação formidável. Ao adicionar a isso uma língua alfabetizada ou uma caneta, então você tem algo realmente especial". Seguindo este caminho ele mudou completamente o pensamento Sul Africano, tornando-se um dos mais influentes lideres da humanidade. Sua morte foi inevitável mas, quando um homem cumpre seu dever perante seu país, ele descansa em paz. Seu legado aqui na terra chega ao fim mas a contribuição de Nelson Mandela consolida em nossas vidas a confirmação de que as ações do coletivo causa muito mais impacto do que as ações de um só ser. A prática do Umbuntu nos faz não somente seres melhores, mas seres iguais. 21 * Zaratrusta - Lucílio Nossas escolhas dizem muito sobre nós mesmos Tudo depende do´ângulo que se vê: certo ou errado? Quanto à moral cristã, luz demais também cega Baseadas em quê mesmo são criadas as regras? Eis o Martelo de Nietzsche a pregar sua filosofia Mas quão longe seu Super Homem chegaria? Vivendo em um pobre mundo dionisíaco De desejos cumpridos, sonhos paradisíacos Eis como se mata um jovem imortal E quem diria, a emoção aliada ao seu algoz De niilismo nunca estamos sós Um grito contido preso ao limbo vital Sequer nasce, é morto Aborto natural? Que vida de mistérios Sobrenatural? *Terceiro Lugar em Poesia, É a lei, é a física no Paiol Literário 2012. E é amoral. Leia um Coração Mara Lúcia V. Joaquim Miranda Leia o que diz um coração Entre dentro dos seus contos E sonhe com seus encontros Não se negue a ele 22 Viva dentro dele Vá e não se despeça E se envolva nesta peça Viverá como nunca viveu Sentirá que nunca sofreu Pensará que nunca percebeu O quanto você perdeu Que só viveu com omissão E deixou passar O que leu num coração... Canto de Natal Manuel Bandeira O nosso menino Nasceu em Belém. Nasceu tão-somente Para querer bem. Nasceu sobre as palhas O nosso menino. Mas a mãe sabia Que ele era divino. Vem para sofrer A morte na cruz, O nosso menino. Seu nome é Jesus. Manuel Bandeira, vestindo o Fardão da Academia Brasileira de Letras Por nós ele aceita O humano destino: Louvemos a glória De Jesus menino. 23 Mensagem da Sereia IMPORTANTE! Aos poetas e escritores, que sempre nos tem honrado enviando suas matérias para publicação, pedimos a sua valiosa atenção para o seguinte: A revista Mare Nostrum, a depender da disposição dos seus colaboradores em ajudar, mediante a formação de uma "equipe", de atuante presença nos dias destinados ao círculo literário, poderá reunir condições de continuar a ser editada. Somente diante dessa iniciativa se poderá cumprir a sua finalidade, como expressão que é do talento literário dos sócios do nosso clube. E, bem assim, manterá vivos os ideais de um dos nossos mais ilustres fundadores, o inesquecível CMG (IM-REF) NELIO RONCHINI LIMA. E, vale a pena citar, a propósito, trecho de sua alocução, por motivo do início das atividades do Círculo Literário do Clube Naval, em 30 de julho de 1998: "Era preciso uma renovação, mais do que isso: uma revolução! um novo alento, um raio de esperança em favor dos nossos valores literários abrindo a nossa cultura ao mundo naval, e mais ainda a um maior universo, ao Rio de Janeiro, ao Brasil, e porque não ao mundo?" E, em outra passagem, era categórico: "Quantos de nós teremos que compensar a nossa velhice com as chamas da persistência. É árduo o caminho, e seja o nosso lema: PER ARDUA PROGREDIOR". Para tanto e de modo a que essa aspiração de ver publicado o que se concebeu literariamente, seja real, se faz necessário o comparecimento às nossas reuniões semanais, às quartas-feiras, a partir das 14:30H, à sede social do Clube Naval. Mas que seja uma participação efetiva e ativa, de maneira a permitir o adequado funcionamento do nosso círculo literário. Por fim, cabe uma reflexão que devemos fazer a respeito da assertiva que diz: “um círculo literário pode prescindir de seu veículo de comunicação (no caso, a revista Mare Nostrum), mas esse veículo JAMAIS poderá prescindir de um círculo literário". CF(RM1) Gilberto R. Machado COORDENADOR INTERINO Acesse o Mare Nostrum pelo site: www.clubenaval.org.br
Documentos relacionados
C:\Users\Antonio Pereira\Desktop\Montagem do Mare
CF (RM1) Gilberto Rodrigues Machado CMG (Ref.) Paulo Roberto Gotaç
Leia mais