Projétil Edição 58 – Maio/2008
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Projétil Edição 58 – Maio/2008
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 2 Direito ao espaço Espaço: área de possibilidades e limites reais ou simbólicos. Para nós, local de debate, discussão e aprendizagem. Discutimos o espaço legislativo de Mato Grosso do Sul, que é político e deveria ser público, mas se esconde em atitudes escusas. O debate universitário, pautado pela transformação proposta pelo Reuni e pela avaliação de qualidade do ensino público superior no Brasil. Também a falta de espaço ilustrada pelo paradoxo entre oferta de emprego e escravidão indígena, resultado do crescimento não-planejado das indústrias de etanol. E então, a discussão vem à tona: de quem é o espaço em Mato Grosso do Sul? Da pecuária, do álcool, dos indígenas ou dos quilombolas? Os destaques são esses espaços que se modificam em prol de um “desenvolvimento” econômico. Espaços culturais que se perdem, o respeito ambiental que é deixado de lado e os impactos trazidos com a transformação de uma cidade. Temas que colocam em discussão a complexidade da área geográfica e seu significado social. Também nos propomos a falar sobre a solidariedade, a doença que separa, a inteligência que exclui e o porquê de algumas pessoas não estarem mais no espaço em que gostaríamos que estivessem. Lembramos do caso Dudu: o Projétil mostra como está a vida de uma família que, de uma hora para outra, perdeu um filho e convive há mais de cem dias alimentando esperanças sobre seu paradeiro. Na cultura, há lugar para a discussão simbólica do cinema. O Pantanal, sempre tema central dos filmes da terra, é assunto único para as produções locais? Cinema também é polêmica, reunida nas opiniões de David Cardoso, ator e cineasta. E por falar em polêmica, as relações entre imprensa e liberdade não poderiam fugir da pauta dessa publicação. Após vinte anos da Lei de Imprensa, o debate sobre sua extinção (ou não) continua, e aqui queremos saber o que pensam os profissionais da área. Nesta edição do Projétil, as fronteiras que parecem distantes, debatem cada vez mais de perto com o poder das restrições que o ambiente nos impõe, impedindo-nos de enxergar a sutil relação entre fatos do dia-a-dia. Uma edição voltada para esses limites e contradições do espaço cotidiano, que pretende discutir temas que estão em pauta, sob uma nova perspectiva. Tudo isso dentro de um espaço universitário marcado por incoerências. Assim, a 58ª edição do Projétil é resultado do trabalho de estudantes em teste e com muita vontade de arriscar. Tome seu espaço e boa leitura. Jornal laboratório do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. - Produzido pelos acadêmicos do 3° ano de Jornalismo, sob orientação dos professores Antônio Sardinha (Redação e Expressão Oral em Jornalismo II), Fernanda Nascimento Prochmann - DRT 149/MS(Edição), Jose Marcio Licerre (Planejamento Gráfico II). Produção: Adriane Mascaro, Kaká Fernandez, Anne Durey, Bruno Grubertt, Camila Valderrama, Caroline de Paula, Fabrício Barbosa, Fernanda Pereira, Gisleine Rodrigues, Graziela Reis, Jefferson Baicere, Karine Dias, Marcelle de Souza, Nathaly Feitosa, Patrícia Belarmino, Pedro Torraca, Pilar Velasquez, Renan Kubota, Stephanie Ribas, Thiago Gonçalves, Vinícius Squinelo. Correspondência: Jornal Projétil – Departamento de Comunicação Social – Jornalismo (DJO/CCHS) – Cidade Universitário S/N° - Cep 79070-900 – Campo Grande – MS. Fone (67) 3345-7600 – E-mail: [email protected]. Tiragem 5.000 exemplares. As matérias veiculadas não representam necessariamente a opinião da UFMS ou de seus dirigentes, nem da totalidade da turma. Filme repetido Opinião Renan Kubota Editorial Fernanda Pereira 6,5 milhões de reais foi o custo da obra da reitoria da UFMS, de acordo com as informações do site Campo Grande News. Conhecida pelos acadêmicos como “Palácio das Capivaras”, a obra é o complexo administrativo da universidade reunindo a reitoria, pró-reitorias, órgãos colegiados, assessoria de imprensa, controle interno, área jurídica e auditório. Ocupa uma área de 4.780 metros quadrados. E no campus, como em todo castelo da Idade Média, não poderia deixar de existir o “calabouço” - salas de aulas, laboratórios e todos os outros espaços fundamentais para as atividades acadêmicas. Apenas esse ano, depois de muita briga, o CCHS ‘ganhou’ um banheiro feminino adaptado para cadeirantes. A escuridão, buracos pelo piso, escadas sem rampas próximas às salas de aula, banheiros sem condições de uso, infiltrações no teto e paredes, bebedouros enferrujados e sujos, muitos sem água. Eis o retrato da UFMS sem máscaras e sem pisos marmóreos. Na matéria ‘Um ano de Reuni’, que você lê neste jornal, o professor José Luiz Magalhães acredita que “o maior patrimônio de uma universidade são seus ‘cérebros’”, opinião que parece não ser partilhada pela cúpula de muitas entidades educacionais. Vários cursos oferecidos nesta renomada instituição não tem nem a metade de seu quadro de professores efetivos completo. A manifestação dos alunos do curso de Direito, no início de abril, ilustra bem esse fato. Alunos se mobilizando para pedir por salas de aula. Seria cômico se não fosse trágico. O curso de Jornalismo, por exemplo, ocupa salas emprestadas do curso de Letras. A redação que os alunos dispõem para escrever este jornal tem oito computadores, três com acesso à internet, que funcionam na base da fé de tão antigos que são. E o presidente Lula, com o seu Reuni, quer duplicar o número de vagas oferecidas nas Instituições de Ensino Superior sem que para isso faça os reais investimentos. A cabeça do nosso presidente pensa para uma universidade particular onde o que importa é quantidade e não qualidade, salvo poucas exceções. A educação superior pública que sempre ostentou os melhores resultados e se orgulhou de formar os melhores profissionais agora pode ter um ensino de baixa qualidade, defasado e super lotado. Com a única função de criar mão-de-obra diplomada para a sociedade do desemprego. Retratar os problemas da Educação Superior neste país é mostrar apenas a ponta do iceberg daquilo que vem mal das pernas há muito. Não é de hoje que a educação pública não atende aos requisitos básicos de formação para ingresso nas universidades, as federais principalmente. No decorrer dos anos, os processos seletivos seguiram o padrão rigoroso de peneirar os candidatos. Mas a universidade é um dos elos mais fracos da corrente educacional. Os problemas começam muito antes do ensino superior. Os investimentos e democratização do ensino devem ser feitos na educação de base. Os alunos do sistema público devem sair do Ensino Médio prontos para a concorrência com os de colégios particulares. Facilitar o ingresso de jovens na universidade, por qualquer que seja o motivo, não adianta. É despir um santo para vestir outro. O presidente Lula quer ampliar o acesso à educação superior a custa da seriedade e qualidade de instituições públicas. Não seria um valor muito alto a se pagar? Basta olhar para trás. Já vimos esse filme, o ensino público - antigo 1° e 2° graus - viveu sua época de ouro, mas com o sucateamento ao longo do tempo o governo forçou a migração de alunos para escolas particulares. Tomemos cuidado, o Ensino Superior público cami- 3 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Jefferson Baicere Você é doador de medula óssea? Já pensou em fazer cadastro no sistema nacional de doadores? Sabe como funciona a doação, do cadastro à cirurgia? Se você tem medo de ficar preso em uma cadeira de rodas após a operação da retirada da medula, provavelmente é mais um que acredita nos mitos que a cercam. Ao contrário do que se pensa, a doação não apresenta graves riscos à saúde do doador. Muitos confundem a medula óssea, responsável pela produção dos componentes do sangue, com a medula espinhal, localizada na coluna vertebral, que tem a função de transmitir impulsos nervosos. Com isso, criou-se um mito de que a retirada cirúrgica da medula pode deixar a pessoa sem o movimento dos braços e pernas. Esse pensamento é um dos entraves na busca por cadastros de quem está disposto a doar. Para a médica e chefe do Setor de Medula Óssea do Hemosul, Lucéia Maria Fernandes da Silva, “as pessoas têm receio de doar porque elas confundem as duas medulas. Mas para decidir ser um doador ou não, é preciso entender como funciona todo o processo”. No dia 28 de maio o Hemosul vai fazer uma campanha de conscientização e incentivo à população para aumentar o número de doadores de medula óssea no Estado. Uma equipe do banco de sangue vai estar na Praça Ary Coelho, a partir das 8 horas, com uma unidade móvel fazendo os cadastros com (Inca), com o auxílio dos bancos de a coleta da amostra de sangue. sangue. O número de doadores cadastrados no Registro Nacional de DoadoCadastro res de Medula Óssea (Redome) chega O cidadão deve ir até um banco a 32 mil em Mato Grosso do Sul. Apede sangue ou hospital e manifestar o sar de parecer alto, poucos são comseu desejo de doar. Em Campo Granpatíveis com quem está na fila de espede, o cadastro pode ser feito no ra e são necessários mais cadastros para Hemosul, Hospitais Universitário e Reaumentar a probabilidade de se encongional, e Santa Casa. Além das infortrar um doador. mações pessoais, serão retirados cinco Desde o início dos trabalhos em mililitros de sangue para fazer o exa2001, somente duas pessoas foram me HLA (histocompatibilidade), que compatíveis. Uma delas é Anderson possibilitará encontrar pacientes para reSidrack, 41 anos. O policial rodoviário ceberem a sua mefederal já doava dula. A única restrisangue há anos ção imediata é se a quando o convida- “Quando dizem que você é pessoa já teve cânram para se cadascompatível e pode doar é cer ou passou por trar no Redome. difícil dizer não. algum processo Após um período, constatou-se que A única chance da pessoa quimioterápico. É muito importante era um doador não morrer é você.” que, após o cadascompatível e ele viAnderson Sidrack tro, qualquer alteraajou até Jaú, em São ção nos dados seja Paulo, para fazer a repassada ao Inca cirurgia. Anderson para que o doador possa ser localizadiz que doou para ajudar e explica que do caso seja identificada a compatibili“tem pessoas que ficam 10 anos na fila dade. de espera e não conseguem. Quando Nesse primeiro exame serão anadizem que você é compatível e pode lisadas e registradas, no sistema naciodoar é difícil dizer não. A única chance nal, as características genéticas específida pessoa não morrer é você.” cas do possível doador. Caso haja comDesde 2001 o Redome atua com patibilidade, o banco de sangue é coum banco nacional de doadores de municado e entra em contato com o medula óssea. Regularmente é feita doador para ser feito um novo exame uma varredura no sistema para comque comprove a possibilidade da doaparar pacientes e doadores de todo o ção. Apenas após essa segunda confirpaís na busca pela compatibilidade. O mação é que o Inca convida a pessoa a sistema é controlado e monitorado doar a medula óssea. pelo Instituto Nacional do Câncer Medula Óssea A retirada da medula pode ser feita de duas formas: ou através do osso na bacia ou por punção sangüínea. No primeiro caso, em uma pequena cirurgia, são feitas punções nas cavidades dos ossos e as medulas são aspiradas. Já no outro o doador toma um comprimido que faz com que as medulas entrem na corrente sangüínea onde o sangue é filtrado e é feita a separação dos componentes. Em casos onde o doador e o receptor não são do mesmo município, todas as despesas são pagas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), desde os exames até a viagem com um acompanhante para realizar a operação. Em Mato Grosso do Sul, a compatibilidade aumentou consideravelmente há dois meses. Outros 11 doadores cadastrados foram classificados como compatíveis após o segundo exame. “Antes, para você fazer um cadastro era demorado, pois não tinha um laboratório no Estado que fizesse isso. Mandávamos para o Paraná. Em janeiro de 2007 informatizaram todo o cadastro e agora um laboratório aqui do Estado já faz o exame. Depois desse primeiro resultado obtido eu coloco no site do INCA e ele logo faz a procura. Tudo ficou mais rápido.”, afirma a médica Lucéia. De 1984 até fevereiro de 2008, o INCA realizou 1212 transplantes de medula óssea no Brasil. E mesmo com baixas porcentagens de compatibilidade entre doador e paciente (25% para familiares e 1% para não-familiares), as chances existem. Para mais informações basta ligar no Hemosul no telefone (67) 3312-1500. Sociedade Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 4 Medo Doença do mundo moderno consegue sequer tomar banho sem que a esposa esteja com ele no banheiro. “Quando estou andando tenho a senRubens Andrade de Souza Júnior sação de que alguém está me seguindo. tinha uma vida comum. Casado, pai de Quando vem o mal-estar, a sensação é dois filhos e gozando de boa saúde, de que tem alguém me estrangulando”. aos 39 anos trabalhava como gerente Ao ocorrer a primeira crise, o inde supermercado. O cargo que ocudivíduo passa a viver em um círculo pava exigia metas a serem alcançadas, vicioso onde o medo de reincidência mas as pressões e responsabilidades já precipita a própria crise. A partir daí, faziam parte do seu dia-a-dia há muito ele passa a evitar locais e situações até tempo. No passado, ele sofreu uma se isolar dentro de casa e não ter coragrande perda, seu pai deixou a família gem de ir a lugar algum. “Tem dia que quando Rubens tinha apenas 11 anos e eu não atendo telefone e não tenho desde então, como filho mais velho, vontade de fazer absolutamente nada” passou a assumir os deveres de casa. conta Rubens. Para o psiquiatra Luiz Aparentava lidar muito bem com toSalvador, a partir da primeira crise, o dos os desafios, até ser internado com que passa a assustar é o medo de sentir suspeita de infarto. Os exames não idena mesma sensação de pânico outra vez. tificaram problemas em sua saúde físi“A ansiedade antecipatória é pior do ca, mas foi o chefe que sugeriu o diagque o transtorno em si, a pessoa fica nóstico, confirmado depois por um refém do próprio medo especialista. Rubens soe sofre por antecipação. fria de Síndrome do A auto-estima fica baixa, Pânico. ela perde oportunidades O Transtorno do e deixa de assumir resPânico, como a doença ponsabilidades”. também é chamaRubens enda, é um quadro controu uma opclínico onde ocorção de refúgio nos rem crises agudas livros: “Comecei a de ansiedade e ler sobre a Sínmedo excessivo Caroline de Paula drome do Pânico, sem que haja peripsicologia e psiquigo aparente. O Passei a entencorpo reage como “Hoje, minha grande atria. der mais e isso me se estivesse sofrenterapia são os livros” trouxe uma melhodo risco de morte. ra no meu com“O pânico é o Rubens Andrade portamento. Hoje, medo exagerado, é minha grande teraum tipo de condipia são os livros” ção patológica declara. A esposa, Regina Célia dos Sanpelo qual a pessoa apresenta manifestos Souza, também teve que pesquisar tações de medo sem nenhum motivo. e conhecer a doença. “Fui procurar ler Ele [o paciente] age como se estivesse também e me inteirar sobre o assunsob ameaça” define o professor douto”, diz. A ajuda da família é fundator e médico psiquiatra Luiz Salvador mental para a recuperação do paciende Miranda Sá Júnior. Rubens conhece te. “Minha esposa é meu anjo da guarbem esse terror. Hoje, aos 43 anos, o da, minha escola, minha psiquiatra, migerente aposentado por invalidez não Caroline de Paula Como o stress, as pressões do dia-a-dia e grandes traumas podem levar à Síndrome do Pânico nha enfermeira, minha professora. A família entender suas limitações, compreender, respeitar, saber que você está doente e que você vai melhorar, isso é primordial”, declara. A recomendação de Rubens aos que estão com a síndrome é aceitar sua condição, conhecer o problema e procurar ajuda profissional para um tratamento físico e psicológico. “A parte espiritual é fundamental, independente da igreja”, conclui. A informação é importante nesse caso para evitar preconceitos que levam pessoas a enxergarem a síndrome como um mero capricho. “Tinha ocasiões em que eu saía cinco e meia da manhã de casa, às três horas da tarde eu não tinha chegado no trabalho ainda, eu entrava no ônibus, o ônibus enchia e eu descia. Acabei perdendo um emprego por causa disso”, lembra Rubens. Desmistificando a Síndrome Geralmente a doença atinge mais mulheres do que homens. De acordo com o psicólogo e psicoterapeuta paulista, Francisco Fernandes, 64% dos casos ocorrem em pessoas do sexo feminino. Começa a se manifestar na juventude a partir dos 17 anos podendo atingir indivíduos com até 50 anos. Não é muito comum, mas crianças também podem sofrer desse mal. A doença pode ser genética, pois é mais freqüente em quem já tenha casos na família. “Ela [a Síndrome] é relativamente simples e fácil de tratar, porém depois dos 30 anos curar fica muito difícil. Mas dá para ter controle com doses muito baixas de remédios”, afirma o psiquiatra Luiz Salvador. São várias as op- ções de tratamento, entretanto a mais recomendada é a psicoterapia, que pode ser feita com um psicólogo, auxiliada pelo uso de medicação controlada receitada por um psiquiatra. Em Campo Grande, o paciente pode se consultar gratuitamente com um especialista em um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) oferecido pela Prefeitura. A Síndrome foi primeiramente reconhecida e descrita pelo Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria em 1980. Porém, é provável que ela tenha surgido no século XIX durante a guerra civil americana; a doença, que já recebeu vários nomes, naquele tempo era chamada de “síndrome do coração irritável” ou “síndrome de Da Costa”, o primeiro médico que observou o distúrbio. Sua incidência foi maior nos últimos anos e este aumento pode ser atribuído a modificações sócio-culturais impostas pelos tempos atuais. A sociedade capitalista tem cultivado a cultura do individualismo. A vida conturbada e agitada, característica principalmente das grandes cidades, leva muitas pessoas a sofrerem de stress e depressão, que está diretamente ligada à Síndrome do Pânico. Para o psiquiatra Luiz Salvador, a doença não veio com a modernidade, mas reflete um mal estar da atualidade. “O que faz mal é o distanciamento das pessoas. Cada um vê no próximo um adversário, ao invés de um amigo. O que estraga a sociedade não é o mundo moderno, mas são as pessoas na forma com que elas tratam os demais com quem se relacionam”. Sensibilidade 5 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Alterações no comportamento e dificuldades na comunicação caracterizam os portadores da síndrome do autismo Pilar Velasquez Gabriel tem cabelos ruivos e uma beleza encantadora. No entanto, o menino de apenas 10 anos precisa de cuidados especiais da mãe, Laura, e da escola em que estuda, pois é autista. A síndrome do autismo foi detectada quando Gabriel tinha apenas três anos; entre algumas das características estava a dificuldade no aprendizado e na comunicação e por isso, ausência da fala. Laura não podia acreditar no que a psicóloga lhe dizia. Para a família de um autista o início é doloroso, já que o diagnóstico é muito difícil. Mesmo se manifestando até os primeiros três anos da criança, não existe uma diferença neurológica e nem física, apenas no comportamento. Os pais precisam realizar uma verdadeira maratona por várias especialidades médicas, como pediatras, neurologistas e psiquiatras, para tentar descobrir o que há de especial com o filho. A primeira pessoa que identificou Gabriel como autista foi a psicóloga do colégio infantil onde ele estudava, devido às diferenças de comportamento dele em relação a outras crianças. “Meu filho não encarava as pessoas e tinha algumas dificuldades na comunicação”. No começo Laura relutou e não aceitou o diagnóstico. Nessa época, a família mudou de Campo Grande para o Rio de Janeiro e as manifestações da síndrome aumentaram. “Ele não conseguia dormir, passou noites acordado até que um médico deu um remédio para ajudá-lo” conta. Laura foi a vários médicos no Rio de Janeiro. Alguns, mesmo sem conhecer, diziam entender de autismo e outros, mais sinceros, não souberam realizar um diagnóstico preciso. No entanto, o custo das consultas eram altos. Foi então que uma amiga lhe indicou uma fonoaudióloga especialista em crianças especiais, que tinha acabado de voltar de uma especialização em autismo, na França. A médica confirmou que Gabriel era autista e lhe encaminhou para tratamentos e terapias. O autismo é um distúrbio neurológico que afeta a criança em vários aspec- Método de ensino utilizado na escola tos, principalmente na comunicação e no convívio social e em muitos casos pode apresentar um retardo mental. Não há uma causa definida, por isso é conhecido como síndrome, que significa um conjunto de determinados sintomas. O autismo é caracterizado principalmente pela dificuldade na relação interpessoal, que causa um atraso na fala, ou ausência dela, e uma tendência ao isolamento. Crianças com a síndrome costumam realizar movimentos repetitivos e estereotipados, podem reagir a mudanças de rotinas, não possuem contato visual direto e têm uma certa resistência ao aprendizado. É preciso muita perseverança para ensinar um autista, porque ele não consegue se concentrar. Laura conta que Gabriel não gostava de beijar as pessoas, mas aos poucos e com muito cuidado, ela conseguiu ensiná-lo e o garoto passou a aceitar. “No começo, ele dava a mão para as pessoas e depois que elas beijavam a sua mão, ele limpava”. O autista não gosta do contato físico e para que isso mude é preciso estimulá-lo desde pequeno. Educação Alternativa A Escola Clínica Raio de Luz, iniciou no fim de abril, um novo método de ensino, o Sistema de Intercâmbio de Figuras de Comunicação – PECS, que busca ensinar através de figuras. O método estimula a comunicação em vários tipos de linguagem, através de objetos, figuras e símbolos. O objetivo é auxiliar na educação básica da escola. O PECS foi desenvolvido nos EUA pelo psicólogo Andrew Bondy e pela fonoaudióloga Lori Frost. Eles encontraram uma forma de comunicação mais simples para os pais e outras pessoas entenderem os autistas. O primeiro passo desenvolvido pela fonoaudióloga Maria Rita, diretora da escola, foi fotografar as situações cotidianas dos alunos. Assim, quando eles têm necessidade de alguma coisa, basta apontar a figura. A partir deste primeiro contato outras situações de casa e matérias Fotos Pilar Velasquez Diferenças à flor da pele Gabriel foi diagnosticado como autista aos três anos escolares são incluídas no ensino dos autistas. “O intuito é estimular a comunicação, podendo assim evoluir para fala” afirma a fonoaudióloga Maria Rita. Este sistema é um dos mais utilizados na educação dos portadores da síndrome, pois permite que o autista se torne mais independente e aprenda a se comunicar. Mas uma dificuldade encontrada é a falta de recursos financeiros, tanto para treinamento de professores, quanto para adquirir o material necessário. O autista precisa de cuidado constante e é necessário que a todo o momento o professor esteja lhe chamando atenção para que ele não vá para um mundo que é só dele. Por isso existe a necessidade de uma educação especial, mais direcionada. Por mais que o portador da síndrome não tenha uma independência completa é preciso ser estimulado e aprender a se comunicar.”No começo ficaria feliz se meu filho conseguisse amarrar o tênis, mas hoje sei que ele pode muito mais e vou fazer de tudo para isso”, afirma Laura. A mãe reconhece que Gabriel depende de uma educação que o estimule a viver melhor. Desenvolvimento Insustentável Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 6 Senzala indígena do etanol Mais de mil e seiscentos trabalhadores escravos foram libertados em 2007 em Mato Grosso do Sul. Muitos eram índios. Todos trabalhavam em usinas de cana-de-açúcar. Essas usinas, mesmo “sujas”, continuam recebendo incentivos fiscais. E o Estado, que apóia essas implantações, é palco de cenas de exploração e ocupa o sexto lugar no ranking de libertações de trabalhadores escravos no Brasil. menta Maucir Pauletti, coordenador da Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho do Estado de Mato Grosso do Sul, que acompanhou a interdição da Debrasa. Mato Grosso do Sul possui a segunda maior população indígena do Brasil. Esses índios formam o que Pauletti denomina “favelas rurais”, “grandes estoques de mão-de-obra barata e desqualificada que está prepara- da para qualquer tipo de trabalho”. Com a falta de terra, de emprego e a miséria nas aldeias, os índios que ainda não trabalham para uma das oito usinas em funcionamento, provavelmente vão cortar cana para outras 43 empresas que vão se instalar no estado até 2012. Além do aumento da quantidade de usinas, MS subiu em outra estatística. É agora o sexto no ranking de libertações de trabalhadores escravos no Em entrevista ao Projétil, José Pessoa de Queiroz Bisneto, presidente da Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool em Brasilândia e do Sindalcool (Sindicato dos Produtores de Álcool do MS) se defende e fala sobre as libertações na Debrasa, criticando a fiscalização. José – Em 1991 e 1996, você tem esses mesmos problemas em todas as usinas do Estado. A relação entre o índio e a empresa vem se alterando, e a última mudança foi em 1997. dio, que a Funai tinha exigido para não misturar índio e branco. A de 2005 foi quando destruímos o alojamento dos índios e passamos a trazer para o dos brancos. Projétil – Por que foi encontrado trabalho degradante na Debrasa? José Pessoa - É muito simples, há 20 anos a empresa emprega índio e índio é muito visado em MS. Fomos fiscalizados três vezes em 2007, se os alojamentos não são condizentes, como que há 20 anos eles servem? Disseram que os índios pareciam animais comendo no chão. Só que na hora do almoço em vez de sen- Projétil – E em 2005? “Alguns dos que Projétil – Por que contratar mão-de-obra indígena? José – 2005? Não conheço estavam na José – Em 1997, depois do últiessa... fiscalização mo conflito, resolvemos que queriam se Projétil – A vistoria desse ano auto-promover” não íamos mais contratar. Compramos colheitadeiras relatou condições degramecânicas. Em 1999 paramos dantes e instalações precáride contratar índios e a colheita passou as. A empresa disse que iria demolir os a ser mecânica. Em 2000, o governaalojamentos e construir novos. dor José Orcírio Miranda, do PT, nos José – Nós demolimos. Eram três aloprocurou, fez um apelo para voltar a jamentos. Um só para trabalhador ín- Marcelle Souza e Nathaly Feitosa No dia 13 de novembro de 2007, fiscais do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério Público do Trabalho (MPT) resgataram 1.011 índios em trabalho degradante na Usina Debrasa, empresa da Cia. Brasileira de Açúcar e Álcool (CBAA), em Brasilândia. Quando chegaram, os alojamen- tos, superlotados, estavam em situação precária. O lixo espalhado pelo chão se misturava a moscas e outros insetos. Os sanitários exalavam mau cheiro e não tinham condições mínimas de uso. O esgoto corria a céu aberto e faltava água para o banho. “A situação era absurdamente dantesca, em relação às condições de trabalho e de submissão dos trabalhadores nestes alojamentos após uma jornada exaustiva no corte de cana”, la- “Tudo não passou de uma grande palhaçada” tar à mesa, ele põe o prato no colo e prefere sentar no chão. Não podemos aculturá-los. Tudo não passou de uma grande palhaçada de alguns que estavam lá para se auto-promoverem. Projétil – O Sr. disse que é novidade classificar os alojamentos como degradantes. Mas desde 1991 há relatórios com as mesmas características. Em 1991, 1996, 2005... 7 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS lhorar as condições da população, só que ele não pode vir com o aumento da exploração do trabalhador e com a degradação do meio ambiente”. Empresa “suja” Mas a exploração é fato e o que impressiona é que muitas indústrias mesmo “sujas” e reincidentes continuam recebendo incentivos fiscais do governo. Segundo a Organização nãogovernamental Repórter Brasil, o Desenvolvimento Insustentável rismo (Seprotur), “as 8 usinas em funcionamento em MS e as 16 já em implantação receberam benefícios fiscais, com exceção das de Quebra-Coco e Sonora”. Diante do incentivo estadual, o procurador do trabalho Jonas Ratier Moreno enfatiza que “é legítimo e engrandecedor que um empreendimento se instale em uma região e traga progresso, mas não basta ter o Brasil, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra. Em 2006, foram 29 trabalhadores libertados. Em 2007, o número saltou para 1.634, resultado da soma das libertações na Debrasa e na Destilaria Centro Oeste Iguatemi Ltda (Dcoil), em Iguatemi. O estado só fica atrás de Tocantins, Bahia, Maranhão, Mato Grosso e Pará. Todos os empregados da Debrasa e um terço dos funcionários da Dcoil eram indígenas. “A população daqui do estado não se sujeita a este tipo de trabalho, que por si só já é insalubre”, declara Egon Heck, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em MS. “Isso faz com que as usinas contratem índios e muita gente do Nordeste. Essas pessoas ficam mais vulneráveis porque estão longe de casa e acabam se submetendo ao trabalho escravo”. Diante da expansão das usinas, o advogado Maucir Pauletti teme a relação entre avanço da cana e trabalho escravo. “Se hoje já temos problemas aos montes, com as usinas que virão isso vai se tornar um caos. Ou colocam quatro vezes mais fiscais do trabalho, procuradores, juízes e varas do trabalho, ou isso aqui se torna terra de ninguém”. Pelo levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Mato Grosso do Sul será o 7º estado com maior produção de cana-de-açúcar do país na safra 2007/ 2008 com 15,8 milhões de toneladas. “Esse crescimento me assusta”, revela Luís Antônio Camargo de Melo, subprocu-rador-geral do Ministério Público do Trabalho. “Sou amplamente favorável ao desenvolvimento do setor, porque gera divisas e vai me- orçamento estadual prevê a renúncia de R$ 48,5 milhões na arrecadação de impostos que incidiriam sobre as empresas de álcool combustível em 2008. Conforme a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da Indústria, do Comércio e do Tu- contratá-los porque era um problema tantos índios na miséria. Então, em 2001, redistribuímos as máquinas e voltamos a contratar. Para nós era muito melhor colher com as máquinas. Mas depois desse episódio de 2007, estamos repensando. Se não contratarmos mais, ninguém vai poder dizer que somos escravagistas de índio. Acho que quem perde nisso é o índio. Os caras que fizeram essa palhaçada toda, que bem fizeram aos índios? Eles se intitulam libertadores dos índios, eu acho até um absurdo usar esse termo ‘libertar’. Libertar de quê? Não tinha vale, não existia privação de liberdade, nem vigilância. gurança do trabalho, nem eram condiProjétil - Mas e os salários atrasados? ções precárias. A única coisa que eles José - Não sei disso não. Podia ser que viram de fato foi sujeira, cano rasgado, estivessem uns dias, mas não foi só a colchão rasgado. Isso acontece porque gente. Isso não tem nada a ver com as vezes o cara rasga com trabalho escravo e degradano facão. Em maio você te. O rapaz tá trabalhando, pinta, fica tudo limpinho, pelo menos não está desem“Não existia mas até novembro o cara pregado. privação de vai usando e às vezes rasliberdade, nem ga. Ainda mais sendo ínProjétil - Então por que os ínvigilância” dio. É a única diferença. dios foram libertados e os demais não? A Comissão Projétil - Em 2005, a emaponta condições precárias presa era signatária do Pacto Nacional nos alojamentos dos indígenas e para de Erradicação do Trabalho Escravo, os outros só faltavam algumas ferramas foi retirada após a fiscalização de mentas de segurança. 2007. José - Nem faltavam ferramentas de se- Trabalhadores aglomerados em instalações precárias posto de trabalho, porque se ele for indigno é melhor não tê-lo”. Ele foi o coordenador da operação do MPT na Debrasa. E não foi a primeira vez que a CBAA-Brasilândia foi pega com trabalho escravo e condições degradantes. O histórico de inspeção na indústria aponta irregularidades desde 1991. Nos relatórios são apresentadas deficiências na segurança e saúde do trabalhador, nos refeitórios e alojamentos. Em vários deles há observações que enfatizam que “essa é a única destilaria que não tem realizado nenhum esforço para melhorar as condições de trabalho e vida dos trabalhadores, especialmente as de moradia dos indígenas”. Como meio de tentar barrar que desenvolvimento sucro-alcooleiro venha junto com exploração, o deputado Pedro Kemp (PT) apresentou em fevereiro deste ano, na Assembléia Legislativa, um projeto de lei que cancela a concessão de serviços e incentivos fiscais para empresas com trabalho análogo à escravidão. “Nesse momento, eu acho que entra a obrigação do Estado de suspender os incentivos fiscais e cobrar dessas empresas o cumprimento das obrigações trabalhistas”. “Explorar a de mão-de-obra indígena de maneira discriminatória não garantindo a devida remuneração e os demais direitos trabalhistas”. Esta é uma das definições de trabalho escravo presentes no projeto, que destaca a especificidade do trabalho indígena. Só que a aprovação do projeto está ameaçada. Uma estranha coincidência revela que parte do dinheiro arrecado nas campanhas de alguns deputados estaduais foi financiado por empresas do setor sucro-alco-oleiro. Das 16 prestações de conta do Tribunal Regional Eleitoral de MS analisadas pelo Projétil, de 24 deputados, a metade apresentou arrecadação de dinheiro de empresas de açúcar e álcool totalizando mais de meio milhão de reais. Continua José - Ainda participamos do pacto porque acreditamos nele. Esse episódio na Debrasa nós não achamos que seja trabalho nem escravo, nem degradante. É um benefício social empregá-los. O Ministério Público deve ir às aldeias e fazer o mesmo escândalo com a Funai, reclamar das condições degradantes para ver que lá as coisas são muito piores do que em qualquer usina de Mato Grosso do Sul. Projétil – O que o Sr. tem a dizer sobre a declaração: “Perto da Debrasa, qualquer usina é o céu”. José - Manda eles irem nas outras usinas, porque eu acho que não estão indo não. Desenvolvimento Insustentável Foto: MPT/ MS Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 8 Do Quilombo A luta pela terra entre comunidades quilombolas e fazendeiros Adriane Mascaro Em 1740, reportando-se ao rei de Portugal, o Conselho Ultramarino valeu-se da seguinte definição de quilombo: “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”. Mas não é assim que as mais de 2.000 comunidades quilombolas brasileiras se identificam, ou seja, com um passado de rebelião e isolamento ou simplesmente pela cor da pele. O poeta negro Abdias do Nascimento define bem este conceito: “Quilombo não significa escravo fugido. Quilombo quer dizer reu- No corte de cana, a mão-de-obra indígena é considerada de alta produtividade e pouca exigência de alimentação e hospedagem Direito de ser diferente Recebendo pouco e com um trabalho insalubre, o indígena é, para as usinas, uma mão-de-obra com boa lucratividade. “Eles usam a mãode-obra indígena porque tem alta produtividade, pouca exigência de alimentação e hospedagem, e com eles o usineiro tem mais controle”, revela o coordenador do CIMI/MS, Egon Heck. “Quem faz a intermediação entre a usina e os indígenas geralmente é um índio que se destaca na aldeia, chamado cabeçante. Ele é responsável por reunir e coordenar um grupo de 40, 50 índios que vai trabalhar na usina. O que facilita e faz com que haja um tipo de controle”, explica Egon. O líder da comunidade indígena de Dourados, Anastácio Peralta, confirma a existência desses cabeçantes. Mas, segundo ele, “essa relação entre usinas e a mão-de-obra indígena é uma faca de dois gumes: como na aldeia falta trabalho e não temos terra, a solução é ir para a cana”, declara. Para evitar que o trabalho prejudique a relação do indígena com sua comunidade, o Ministério Público do Trabalho adota procedimentos específicos na garantia de seus direitos. Os acordos e contratos de tra- balho são baseados na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que garante aos povos indígenas o direito de conservar seus costumes diante das relações de trabalho. Mesmo assim, os impactos desse tipo de trabalho são sentidos nas aldeias. “Está dando muitos problemas de saúde, gripe, diarréia e câimbra. O trabalho é forçado é o homem chega em casa sem disposição para nada, nem mesmo para a família”, diz Peralta. Enquanto isso, diante deste quadro de vulnera-bilidades e violações, o procurador Cícero Rufino afirma: “perto da Debrasa, qualquer usina é o céu”. E ainda ameaça, “se voltarmos naquele alojamento, naquela senzala, com possibilidade de trabalho escravo, vamos pedir para que fechem a empresa, seja o que for”. nião fraterna e livre, solidariedade, convivência, comunhão existencial”. A relação harmônica com a natureza é outro fator inerente à história das comunidades quilombolas, pois suas ações cotidianas estão ligadas ao meio ambiente. A questão do território é, portanto, a base para a concepção de suas relações e manifestações culturais, capaz de resgatar sua história e manter suas tradições. Mas, como terra é sinônimo de poder, a garantia de posse desses territórios é motivo de discórdias entre comunidades quilombolas e fazendeiros no Brasil, inclusive no Mato Grosso do Sul, principalmente depois da aprovação do Decreto 4.887 em novembro de 2003. Identidade Nacional 9 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS ao Congresso Nacional Enquanto isso em Brasília... A segunda-feira está agitada. Nos corredores modernos do Congresso Nacional, circulam os “representantes” do povo brasileiro. Entre eles, Waldir Neves, deputado federal pelo PSDB de Mato Grosso do Sul em mais um dia de trabalho. Waldir Neves, 45 anos, branco, é bacharel em Direito e História. Uma de suas ações como representante dos sulmato-grossenses em Brasília foi elaborar, com o deputado Valdir Colatto (PMDB – SC), um projeto de lei dizendo que o decreto 4.887/2003, que garante às comunidades quilombolas o direito à terra, é contrário à Constituição Federal. Elaborado em 20 de novembro de 2003, o decreto é resultado de uma luta que vem desde a elaboração da Constituição Federal de 1988, quando movimentos negros e lideranças de comunidades quilombolas luta- Maria Helena Bicudo, servidora da ram pelo direito à preservação de sua AGRAER (Agência de Desenvolvicultura e identidade, bem como o mento Agrário e Extensão Rural) direito à titulação das terras que ocu“trabalhando firme pelo voto demopam. A própria OIT (Organização crático, pela ética na política, pelos Internacional do Trabalho), na Condireitos humanos, por justiça aos disvenção 169, deu-lhes o direito de se criminados, enfim, há tanto por faautodefinirem, dando-lhes autonomia zer neste país e eles ficam perdendo para reconhecer sua identidade como tempo com este tipo de atitude?”. remanescente de quilombo, segundo Neves se defende levantando a sesua trajetória histórica comum, cosguinte pergunta “e os proprietários, tumes e tradições. O decreto, portannão possuem seus direitos, não deto, regulamentou o procedimento de vem ser defendiidentificação, redos?” conhecimento, A luta pela terdelimitação, dera no Brasil é carmarcação e regada de interestitulação das terses e cada um irá ras ocupadas pedefender o seu los quilombolas. lado, o que acrediA identificata ser seu por direição e o reconheto. cimento são fei“Eu não luto por tos pela FCP Reconheci(Fundação Cultuuma coisa que é mento ral Palmares). A só para mim, Em todo o delimitação, deBrasil, conforme marcação e mas para todos” dados do CPISP titulação, pelo D. Ceci (Comissão PróINCRA (InstituIndio de São Pauto Nacional de lo), até novembro Colonização e de 2007, 81 territórios quilombolas Reforma Agrária),. É justamente esse encontravam-se titulados. Essas processo que os deputados contestitulações beneficiaram 136 comunitam. “Contestamos não o direito que dades, com cerca de 8.742 famílias. os quilombolas possuem, mas a forAté o fim de 2007, a Fundação Palma como está sendo conduzido o mares já tinha certificado 1.170 coprocesso. Ele precisa ser mais claro. munidades e outras 3.524 estavam na E quando for provado o direito defila. les à terra, que sejam pagas indenizaNo Mato Grosso do Sul, segunções justas aos proprietários, para do Maria Helena Bicudo, são cerca que possam recomeçar a vida em oude 33 comunidades em 18 municítro local.”, diz Neves. Seu aliado, pios, algumas já reconhecidas, outras Valdir Colatto, ainda é membro da em fase de reconhecimento e outras bancada ruralista e é contra qualquer ainda levantando dados para culmitipo de distribuição de terras a indínar também no seu reconhecimento. genas, quilombolas e sem-terra. José Roberto Camargo de Souza, adPara Jhonny Martins de Jesus, vogado responsável pela comissão coordenador do CONERQ (Coordos quilombos no INCRA – MS, denação das Comunidades Negras acrescenta que, dentre estas comuniRurais Quilombolas), a ação dos dedades, quatro já foram reconhecidas putados é reflexo do desconhecimenpela FCP como remanescentes de to deles da situação das comunidaquilom-bos e 12 já estão com prodes quilombolas. E acrescenta: “são cesso de delimitação, demarcação e pessoas da classe ruralista, o que imtitulação das terras. porta para eles são os grandes emEntre elas a comunidade de preendimentos”. “Picadinha”, em Dourados, forma“Eles deveriam tratar de dar esda por descendentes de Dezidério peranças a nossa juventude”, diz Adriane Mascaro Furnas do Dionísio Domingo de manhã, a comunidade está silenciosa. Ouve-se somente o som de um riacho e do canto das galinhas d’angola. Em meio aos morros e furnas, rodeada de flores e pássaros está a comunidade de Furnas do Dionisio. No pé de uma das serras está a casa de D. Maria, 49 anos, negra e dona de casa. Ela é filha da moradora mais velha de Furnas, D. Sinhana, neta de Dionisio Antônio Vieira. Situada a cerca de 45 Km de Campo Grande, em Jaraguari, a Comunidade foi fundada por volta de 1901 pelo ex-escravo, vindo de Minas Gerais, Dionísio Antônio Vieira. Ele intitulou 914 hectares de terras que depois ficaram para seus descendentes. A comunidade foi reconhecida, em 2000, pela Fundação Cultural Palmares (FCP), como “remanescente de quilombos”, primeiro passo para garantir sua identidade e o direito à terra. Mas isso ainda não está muito claro para os moradores do local. D. Maria desabafa: “O meu sonho é que cada um tenha a escritura da sua terra, porque a gente vive uma incerteza, sem saber do dia de amanhã”. Sonho compartilhado com outras comunidades que vivenciam cotidianamente o impasse da questão agrária. Felipe de Oliveira. Ela já foi reconhecida como remanescente de quilombo e possui processo no INCRA, onde cerca de 100 famílias reivindicam a demarcação de 3.748 hectares, encravada entre as grandes fazendas da região. Atualmente moram no local 14 famílias, que ocupam uma área de 40 hectares. Segundo José Roberto, a maior luta é contra os fazendeiros que compraram ou ocuparam terras dos quilombolas. No caso de Picadinha, eles questionam a identidade quilombola da comunidade. Em Furnas do Dionisio o INCRA terminou de notificar os fazendeiros lideiros e chacareiros e estes estão em processo de reivindicação das terras. “Não existe um conflito direto, pois as pessoas que têm terra em Dionísio possuem pequenas chácaras e nem sempre têm um poder aquisitivo para brigar na justiça.”, diz Jhonny. Direito garantido O respaldo constitucional é o que motiva as comunidades a lutarem pelo mínimo de dignidade. No Artigo 68, está expresso “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. José Roberto do INCRA alega não existir ameaça dos quilombolas perderem suas terras e, mesmo com essa ação dos deputados, não haverá entraves nos processo de demarcação e titulação dos territórios. Segundo ele, a escritura das terras ficará em posse da associação de moradores de cada comunidade, ou seja, as terras pertencerão a todos os moradores. Quanto aos não quilombolas, estes terão que sair das terras que compraram e serão indenizados por isso. “Nós temos muitas dificuldades, mas aqui é muito bom”, comenta D. Ceci, moradora de Dionísio, que se emociona quando relembra o passado e as vivências na comunidade. “Eu não luto por uma coisa que é só para mim, mas para todos”, diz ela, e ainda completa, “Eu ainda vou conseguir conquistar os sonhos desse povo aqui”. Entrevista Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 10 Sônia Hess Durey Fotos Anne “Está na hora da gente parar de ser hipó Anne Durey Karine Dias Nascida em Florianópolis, a professora pós-doutora em química dos produtos naturais, Sônia Corina Hess chegou ao Estado em 1992. Trabalhou no campus da UFMS em Corumbá e em 1998 veio para Campo Grande. Reconhecida nacionalmente como defensora do Meio Ambiente, enfrentou governos pela luta ambiental. Foi contra a implantação de uma usina de energia a partir do uso de lixo em Campo Grande. Luta contra a atuação das carvoarias na região do Pantanal e é a favor da cobrança diferenciada para quem gera mais lixo, “por que na minha casa são dois saquinhos por semana, e o meu vizinho produz dois sacões a cada dois dias? Ele deveria pagar mais.” Na Capital, esteve envolvida com o projeto de implantação de coleta seletiva realizado pelo governo municipal. Foi uma das especialistas que discordaram com o modelo proposto, pois o manejo do lixo coletado seria feito por apenas uma empresa de reciclagem após aprovação de licitação. Os catadores não poderiam mais trabalhar e outras empresas não poderiam pegar o lixo. “Ao invés de se contratar uma empresa pra fazer trabalho, deveria incluir o catador como agente desta ação”. Atualmente subcoordena o Projeto “UFMS Lixo Zero”, que procura estimular a coleta seletiva no campus da universidade. Além disso, articula a implantação de outros dois projetos junto à prefeitura de Campo Grande: “Fumaça Zero”, que propõe utilizar o lixo para geração de energia, evitando a poluição com a queima desses resíduos e “Cidade Verde”, pensado com o objetivo de obrigar o proprietário de qualquer área a manter 20% do seu terreno como área verde. Nesta entrevista, a ambientalista analisa as políticas públicas de tratamento de lixo na Capital, o trabalho realizado pelos catadores e declara que a situação poderia melhorar se leis fossem estabelecidas e cobradas. Existe coleta seletiva do lixo em Campo Grande? Existe a coleta não oficial. Praticamente todas as ruas da cidade são percorridas por pessoas que recolhem materiais recicláveis. Entretanto, na maioria dos casos elas não têm o apoio necessário da população. O governo municipal até fez trabalho com os catadores. Ofereceu carrinho, uniforme e deu capacitação, só que o número de pessoas que realiza este trabalho é maior do que a prefeitura pode atender. São profissionais não cadastrados e não registrados que trabalham na marginalidade. Qual seria o modelo ideal de coleta para a cidade? Qualquer modelo que inclua os catadores, até por uma questão de respeito por estas pessoas. É difícil porque quem trabalha nessa área são pessoas de difícil acesso, que não aceitam participar de cooperativas ou associações, eles preferem ficar na informalidade. Isso traz junto uma situação até cruel, porque tem pessoas doentes que trabalham, até crianças. É um problema sério, que acontece porque o poder público não consegue resolver sozinho. A meu ver a sociedade é muito hipócrita e pouco solidária com essas pessoas. Não é difícil auxilia-los em seu trabalho. Se a população deixasse esse material limpo, pronto para o catador levar, ele teria uma condição de vida bem melhor. Deveria haver essa sensibilidade da prefeitura para ampliar essa atenção com o catador, até pela importância do trabalho dele, mas o mais importante é a sociedade. Porque na hora que a sociedade se importar e tentar ajudar, haverá cobrança do poder público. Como funciona este sistema de coleta na cidade? Hoje funciona um sistema em que se tem o catador como parte de uma cadeia de reciclagem, uma cadeia muito rica, onde circula muito dinheiro. As grandes empresas da reciclagem estabeleceram parcerias com pequenas empresas que recebem o material dos catadores. Elas repassam para as grandes porque não têm a infra-estrutura para transportar o material coletado para grandes indústrias. Mato Grosso do Sul tem poucas indústrias para absorver o material reciclável, e tem áreas que não existe este tipo de trabalho. A cadeia produtiva da reciclagem está bem estabelecida, mas é muito complexa. Eu acho que vale a pena fazer um trabalho do governo do estado para ver quais os “gargalos” para trazer as indústrias de reciclagem para o nosso Estado, porque com os pólos de reciclagem daqui bem estruturados, aumentariam os lucros e a geração de empregos. As cooperativas, elas existem mesmo na capital? A Coopervida é sempre mencionada, mas ela não consegue dentro de sua estrutura manter o que é efetivamente uma cooperativa, ou seja, ela não cumpre com toda a legislação necessária para isso. Basicamente porque as pessoas que fazem esse trabalho de coleta seletiva são pessoas desconfiadas que não aceitam com facilidade a associação em grupos. A organização desse setor é muito difícil. O que é necessário para que haja uma conscientização da população em relação à reciclagem e ao trabalho do catador? Acho que no Brasil a gente vive um momento bem ruim em termos de cultura e de atitude. Eu vejo as pessoas muito centradas em si, parecem não se importar com o que acontece ao seu redor. Elas querem chegar em casa, ter seu conforto. Se o caminhão de lixo passar está ótimo, se não passar elas se incomodam, as pessoas querem que o lixo saia da frente de casa. Fala-se muito em meio ambiente, em lixo, mas o que eu vejo nas ruas desmente o que as pessoas falam. Eu vejo o povo muito mal educado, pessoas que não têm o básico da educação, se não têm o básico da educação como vão conseguir o resto? A solidariedade para com o catador e a consciência de que a pessoa que gera o lixo deve se interessar em minimizar este impacto não existem. Onde está o início do problema? O que deveria investir? A educação da população tem que estar na base de todo o processo, por- Entrevista 11 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS que quem gera o lixo é a população. Não adianta o governo inventar as coisas se quem vai meter a mão na massa é a população. Nós estamos vivendo em uma sociedade completamente desagregada, ninguém age em favor do bem coletivo. A sociedade brasileira tem que mudar rapidamente para absorver os conceitos de responsabilidade pelo bem coletivo, de agir efetivamente. Além das ações da população, o que pode ser feito? A indústria tem que ser cobrada. Por que a indústria pode gerar o que quiser e quem tem que se importar com o lixo é o governo ou a sociedade? Por que ninguém vai em cima da indústria para ela pensar no resíduo que gera? Já se tentou muitas vezes, mas o lobby delas é muito grande, e em Brasília nada muda. A responsabilidade pós-consumo está acontecendo em várias partes do mundo, por que no Brasil não? A indústria gera produtos perigosos, ela gera materiais que não são recicláveis e não tem que dar explicação para o poder público do que fazer com aquilo. Ela não tem que gastar dinheiro com nada para ajudar a tratar seu resíduo, isso está errado, quem gera tem que ser co-responsável. Como cobrar? Leis. A gente deveria cobrar que fossem estabelecidos regulamentos e leis para obrigar as indústrias a colocar em cada produto uma indicação dizendo “O melhor destino final para esta embalagem é tal”, “Este produto con- tém tais e tais substâncias que fazem com que ele não seja adequado para tal tratamento”. Porque hoje as embalagens são como caixas pretas, ninguém sabe o que há dentro que possa gerar problemas para o meio ambiente. Qual o futuro da coleta seletiva e do aproveitamento de lixo em Campo Grande? Eu acredito que o mercado dita muito disso, estamos com o petróleo a 117 dólares o barril. Assim, seus derivados vão ficar cada vez mais caros no mercado e isso vai valorizar ainda mais o aproveitamento de materiais. Em 2003 eu fui frontalmente contra a incineração do lixo de Campo Grande. A reciclagem dos materiais, como as garrafas pet que demoram até 400 anos para se decompor, vão começar a ser procuradas como material precioso. A tendência, com a escassez de matérias-primas é a valorização da reciclagem. Lixo Zero na UFMS Foto: Ariane Comineti ó crita e agir de acordo com o que se fala” Com nove anos de história, o Projeto UFMS Lixo Zero já produziu mais de 10 mil cadernos, reduzindo em 70% a produção de lixo no campus. Com a coordenação de Alberto Pontes da Divisão de Urbanismo da faculdade e Sônia Hess, o projeto acontece por meio da coleta seletiva de materiais recicláveis e orgânicos, recolhidos duas vezes por semana. Desse material são separados os papéis brancos, que são transformados em cadernos pela equipe do projeto, que inclui alunos da APAE. O restante é vendido para catadores ou recicladores. O dinheiro arrecadado é convertido para a compra de cola, espirais e tesouras que são utilizados na confecção dos cadernos. As capas são feitas com caixas de leite longa vida, limpas e cortadas, que são doadas pela comunidade interna e externa da UFMS. Além do reaproveitamento de materiais recicláveis, o lixo orgânico produzido no campus é convertido em adubo. E para o meio ambiente, quais as perspectivas? Não podemos achar que está tudo bem, que os recursos da Terra são infinitos. É agora que a gente tem que mudar, se a sociedade não mudar não há o que se fazer daqui a 10 anos. Está na hora da gente parar de ser hipócrita e agir de acordo com o que se fala. Se as pessoas se importam com o meio ambiente e com o bem-estar do próximo é agora que tem que parar de agir como se nada estivesse acontecendo. - Somente 2% do lixo produzido no país é coletado seletivamente Por que a indústria pode gerar o que quiser e quem tem que se importar com o lixo é o governo ou a sociedade? - Apenas 6% das residências são atendidas por serviços de coleta seletiva - O Brasil é recordista mundial em reciclagem de latas de alumínio: mais de 89% do volume produzido é reciclado - Em 9 anos (1993-2002) a reciclagem de papel aumentou apenas 5,1% IBGE – Indicadores de Desenvolvimento Sustentável - 2004 Incoerência Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 12 Renan Kubota Assembléia Blindada Bruno Grubertt Patrícia Belarmino Quando se trata de mandatos políticos, está na moda falar em transparência. Seja por conta de alguns episódios como irregularidades nas compras com os cartões de crédito do Governo Federal ou pela ampla repercussão das pesquisas e levantamentos feitos por setores organizados da sociedade. Informações referentes ao perfil dos deputados e a forma como eles gastam o dinheiro que recebem estão à disposição do eleitor na rede mundial de computadores para a consulta em qualquer momento. Segundo a organização não-governamental Transparência Brasil, cada deputado de Mato Grosso do Sul custa aos cofres públicos quase R$ 6 milhões por ano, o que classifica o legislativo estadual como o sexto mais caro do Brasil. Apesar de o montante ser considerável, não se sabe para onde vai tanto dinheiro, pois não há divulgação oficial dos gastos de cada deputado. Para o cientista político Eron Brum, deveria ser obrigatória a divul- gação desses dados, porque o dinheimente divulgadas. Em outubro de ro vem da própria população. “A 2007, ele entrou com uma ação públitransparência das ações parlamentares ca contra todos os deputados estadudeveria ser uma obrigação. Os repreais de Mato Grosso do Sul. O motisentados elegem os representantes para vo? Eles estavam recebendo mais do um cargo aberto, transparente, e não que deveriam. para uma sociedade secreta”, pondera A Constituição Federal, no artiEron. Foi pensando nisso que José Mago 27, parágrafo 2, prevê que a regalhães Filho, militar reformuneração dos deputamado, acreditou que a não dos estaduais deverá ser divulgação das movimenfixado por lei de iniciatações financeiras da tiva da própria AsAssembléia Legislasembléia Legistiva poderia esconder lativa, na razão de, alguma irregularidano máximo, 75% de. Ao ler as manchedo subsídio destites dos jornais da canado aos deputapital, Magalhães soudos federais. Em be que os salários dos Mato Grosso do deputados estariam Sul estava aconteem situação ilegal. Foi cendo diferente. “Tem deputado que atrás dos dados, reuSegundo Maganiu provas para conlhães, os deputados não gosta de testar a remuneração recebiam mais de divulgar não. Acho dos legisladores e no R$ 15 mil, enquanque a sociedade tem ano passado resolveu to o certo seria buscar, na justiça, inpouco mais de R$ que saber” formações que já de12 mil. “Um depuPedro Kemp veriam ser amplatado não pode ale- gar que fazia isso por não conhecer a lei. Não sejamos tão anjos assim. Isso é premeditado.” De acordo com ele, o acontecido é um crime que deve ser investigado para que se possa saber desde quando acontece e quais os valores envolvidos no caso. José afirma que a ação “é uma oportunidade para mostrar à sociedade o que está acontecendo”. As afirmações do militar estão baseadas em uma certidão emitida em 2005 e assinada pelo primeiro secretário da Assembléia Legislativa, o deputado Ary Rigo (PDT). Conforme o documento, cada deputado recebia um salário de R$15.502,50, mais R$12.902,57 como cota de serviço, ou verba indenizatória - valor máximo mensal ressarcido aos deputados mediante comprovação por recibos e/ou notas fiscais para cobrir os gastos com abastecimento de automóveis de assessores, investimentos em publicidade, entre outros. Além desses rendimentos, duas vezes por mandato - no início e no final dele - os deputados ainda tinham direito a uma “ajuda de custos” de R$9.540,00 . À época, o deputado Jerson Incoerência 13 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS galidade dos proventos até então recebidos. Falsa transparência A divulgação dos dispêndios do legislativo estadual é feita somente como manda a lei. A cada três meses, a Assembléia Legislativa divulga o balanço de gastos por meio do Diário Oficial, disponível na internet e, na versão impressa, nos órgãos governamentais. A última publicação, referente aos meses de janeiro e fevereiro, foi feita no último dia 27 de março. Entretanto, os gastos não são discriminados na planilha de custos do legislativo sulmato-grossense, o que dificulta o entendimento das receitas e despesas. Os dados publicados são enquadrados apenas em duas categorias: despesas correntes, que englobam gastos com pessoal, encargos e “outras despesas correntes”; e de capital, relativas aos investimentos e inversões financeiras – repasses para outros fundos ou para o OGU (Orçamento Geral da União). A publicação não contempla a discriminação dos investimentos feitos com a cota de ser viço, ou verba indenizatória, dinheiro que engrossa ainda mais os salários dos deputados. A reportagem do Projétil procurou o primeiro-secretário da Assembléia, deputado Ary Rigo, para esclarecer os gastos publicados no Diário Oficial, mas ele não atendeu. Outros deputados e assessores também foram procurados, mas quando informados do tema da entrevista., preferiram não comentar o assunto. A realidade de MS é a mesma da maioria das assembléias legislativas brasileiras. Somente o Rio Grande do Sul saiu na frente com relação à efetiva transparência. Lá, todos os 55 legisladores têm os seus gastos discriminados e divulgados através do site da Assembléia gaúcha. A assessoria de imprensa da Assembléia de MS afirmou que não tem nem mesmo previsão para que isso aconteça aqui. Questionado sobre os gastos de seu gabinete, o deputado Pedro Kemp (PT) afirmou que não vê empecilhos para a divulgação dos dados. “Não vejo problema em divulgar isso (planilha de despesas mensais) no meu site, por exemplo, mas tem deputado que não gosta de divulgar não. Acho que a sociedade tem que saber sim dos gastos dos parlamentares”, afirmou Pedro Kemp. O deputado, entretanto, não divulga esses números. O assessor parlamentar Marcos Augusto está na Casa há mais de 15 anos e, atualmente, trabalha com a deputada Dione Hashioka (PMDB). Ele garante que até mesmo dentro da própria assembléia muita gente, inclusive deputados, não sabe para onde vai o dinheiro do orçamento anual. Para os especialistas, essa realidade é difícil de ser mudada, seja por falta de vontade política ou pela falta de interesse dos eleitores e de toda a população. O professor David Tauro defende que somente entidades organizadas da sociedade conseguiriam exigir a efetiva transparência política. “Apenas movimentos sociais poderi- am conseguir alguma mudança”. No mesmo caminho, o cientista político Eron Brum defende a mobilização da sociedade para a mudança da conjuntura atual. “A partir do momento em que a população acordar e exigir os seus direitos ‘a casa cai’. É necessário um movimento nacional para exigir a reforma, pois, sem ela, vamos continuar patinando” ressalta. O militar José Magalhães, cidadão dedicado e defensor da transparência, também concorda, mas pondera: “Para ser cidadão leva tempo. É demorado”. Bruno Grubertt Domingos (PMDB), presidente da casa, chegou a afirmar que os holerites (documentos que comprovam os proventos) seriam publicados em outdoors pela capital. Isso até hoje não aconteceu. O juiz Dorival Moreira dos Santos determinou, então, que os deputados deveriam discriminar seus gastos. Eles, por sua vez, reagiram. Entraram com um recurso questionando a competência da Vara na qual o processo tramita – Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos. José Wanderley Bezerra Alves, advogado dos deputados, justifica a reação afirmando que “a ação teria que ter sido distribuída a uma das Varas de Fazenda Pública e Registros Públicos de Campo Grande, e não à Vara de Direitos Difusos”. O questionamento dos deputados atrasou a decisão, e até hoje nenhum deles apresentou a comprovação de seus salários. Para Eron Brum, a atitude do militar é legítima, apesar do paradoxo de se requerer na justiça algo que já deveria ser divulgado. Para ele, a atitude dos deputados também é compreensível. “A fúria se explica porque eles não estão interessados que o povo saiba como é gasto o seu ‘santo’ dinheirinho ganho todos os meses”, ironiza. O cientista social e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, David Tauro, concorda. “É perfeitamente legítimo esse pedido. A fúria dos deputados é devida à divulgação possível das somas de gastos hoje desconhecidos”. Enquanto a competência do julgamento da ação é questionada por nossos legisladores, tudo parece acontecer como sempre. Só parece, pois no começo deste ano, os deputados estaduais diminuíram seus salários, mesmo sem uma redução do subsídio dos deputados federais. O salário foi reduzido para R$12,3 mil, exatamente 75% do valor do salário dos deputados federais, que é de R$16,4 mil. “Porque diminuíram seus salários? Espírito público ou consciência da ilegalidade? Estavam dando tempo para se adequarem ao que estavam roubando. O crime foi cometido. Ou eles assumem ou a justiça vai dar conta disso”, acredita Magalhães. “Eu entendo que nossos deputados iriam diminuir seus salários silenciosamente. Eles queriam que isso fosse enrolando na Justiça. Mas eles têm que responder por isso”, completa. Ao anteciparem-se à decisão judicial e diminuírem silenciosamente seus salários, os deputados atestam a ile- Lição de Cidadania José Magalhães Filho, 62 anos, define-se como uma pessoa que hoje tem emoções que um jovem não tem. Durante os mais de 30 em que esteve no Exército Brasileiro, Magalhães morou no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e em Mato Grosso do Sul, onde reside até hoje. Quando se aposentou, decidiu que passaria a se envolver diretamente nas questões políticas. Havia então dois caminhos a seguir: filiar-se a um partido político ou criar uma ONG (Organização NãoGovernamental). Ele ficou com a segunda opção, já que os partidos, na sua opinião, eram muito ‘viciados’. A ONG Pela Cidadania no Brasil foi criada por ele com o objetivo de levar informações aos menos favorecidos. Magalhães queria ajudar a transformar indivíduos em cidadãos. No começo, muita gente ajudou, mas a falta de resposta fez com que desanimassem. Magalhães continuou firme, pois acredita que quem vai mudar a Nação é cada um de nós. O modo de conscientizar agora mudou: nos finais de semana, seu José pega um megafone e vai para a Avenida Afonso Pena expor suas convicções políticas e defender a não-reeleição dos cargos públicos. Ele acredita que nenhuma instituição deve permanecer na dependência de uma pessoa e que os cargos eletivos não são profissão, por isso, não deveria existir reeleição. Por acreditar nisso e viver em permanente estado de alerta sobre os passos do poder público, Magalhães já foi expulso várias vezes da Assembléia Legislativa e da Câmara Municipal. Se tiver que interromper uma sessão, ele interrompe. É um cidadão que sabe cobrar seus direitos e que tem consciência de seus deveres. Industrialização e Sociedade Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 14 O Custo do Progresso Expansão industrial de Três Lagoas agrava problemas urbanos e questiona os impactos do desenvolvimento no Estado Pedro Torraca Com o maior crescimento econômico do Estado de Mato Grosso do Sul, segundo o IBGE, e um orçamento atual 18% maior do que em 2007 - 126 milhões – Três Lagoas está entre as cidades do estado na mira dos investidores. O município vai receber duas grandes multinacionais que pretendem gerar 30 mil novos empregos, além dos nove mil trabalhadores já contratados. Frente à atrativa realidade econômica, as mudanças são percebidas no cotidiano com o aumento da população e dos problemas na infra-estrutura urbana. A falta de moradia e saneamento básico na cidade de pouco mais de 87 mil habitantes refletem uma polêmica que se repete em regiões de fronteiras agrícolas, como a Amazônia, e em países como a China que passa por um surto de crescimento. A questão central que divide opiniões de empresários e ambientalistas é focada nos custos ambientais e sociais do desenvolvimento econômico. A dúvida é como solucionar uma contradição aparente: garantir geração de riquezas e emprego sem prejudicar o meio ambiente e a população local, alvo do setor produtivo. Três Lagoas, com localização estratégica na divisa com o estado de São Paulo, já despertava o interesse de investidores em épocas remotas. A construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) impulsionou o desenvolvimento do município. Na década de 1990, a chegada de indústrias alimentícias e a construção de uma hidroelétrica alteraram de maneira significativa a economia local, inaugurando um período de prosperidade. No ano passado, contudo, a implantação de duas indústrias internacionais de produção de papel fez a cidade abrigar não apenas caldeiras, galpões e campos de eucalipto, mas também trabalhadores que migraram principalmente das regiões Norte e Nordeste do país para servir de mão-de-obra. A situação mudou a geografia urbana do município e trouxe problemas comuns a cidades que crescem sem planejamento ordenado, como habitação e saneamento urbano. Mesmo apostando em um plano de urbanização, a prefeitura tem dificuldades para minimizar impactos causados pela ampliação das atividades produtivas. As mudanças passaram a ser percebidas pelos moradores como Zuleika Freitas. “Os problemas sociais gerados pela superpopulação ainda marcam presença no jornal diário”, explica. Zuleika, que vive em Três Lagoas há exatos 41 anos, presenciou outros períodos de crescimento. “Dessa vez nunca chegou tanta gente para trabalhar em um lugar só, colocando põe os riscos da falta de saneamento em localidades, fazendo referência ao caso de um hotel notificado no início de 2008 onde uma fossa se rompeu na entrada da cidade. “As questões urbanas acentuadas pela industrialização rápida começam a delinear três grandes dimensões do desenvolvimento sustentável. As dimensões econômica, social e ambiental”, explica a bioquímica e mestre em Desenvolvimento Sustentável Tânia Marchesi. Para a especialista, o desenvolvimento sustentável só é possível quando crescimento econômico acontece com preservação ambiental e eqüidade social. A unidade da Votorantim Celulose e Papel em Três Lagoas uma grande quantidade de habitantes em uma cidade pequena, sem estruturar seu espaço urbano”, afirma. Para ela, além do problema da violência, a questão da moradia e do saneamento básico tem chamado atenção nos últimos meses. “Três Lagoas está mais suja e algumas localidades passaram a não comportar a quantidade de gente”, diz. É comum encontrar dentro da cidade residências sendo habitadas por até 20 trabalhadores. O fiscal sanitário, Fábio Bogamil, alerta para a realidade do saneamento básico. “A rede de esgoto doméstico não está agüentando”, atesta. Fábio ex- A prefeita de Três Lagoas, Simone Tebet (PMDB), já começou a proibir o aluguel de casas na cidade para as repúblicas dos novos trabalhadores, mas acredita que os recursos gerados com os investimentos privados pode solucionar a falta de moradia. Para o fiscal sanitário Fábio Bogamil, ainda há muito que ser feito, principalmente na questão do esgoto O que a população se pergunta é se o desenvolvimento econômico, a geração de empregos e riquezas compensam os problemas com que passam a conviver todos os dias. Quadro Industrial Com 79% das obras construídas, a fábrica em Três Lagoas da multinacional americana, e segunda maior empresa de celulose do mundo, International Paper (IP), terá capacidade inicial para produzir 200 mil toneladas de papel por ano. Juntamente com a IP, a Votorantim Celulose e Papel (VCP) mostra claramente seu potencial na cidade. Considerada a maior planta de celulose do País com uma única linha, a unidade da VCP de dois milhões de metros quadrados vai ter capacidade de produção de 1,3 milhão de toneladas de celulose branqueada de eucalipto por ano, das quais 80% será destinada à exportação e 20% para o mercado interno.. A fábrica, que projeta o início de sua produção para maio de 2009, estima contribuir economicamente com a região com 30 mil novos postos de trabalho, elevando o Produto Interno Bruto (PIB) da cidade em 300% e em 13,5% o PIB de Mato Grosso do Sul. Segundo o técnico da VCP Ilton Dias Viana, neste quadro o serviço de contratação de mão-de-obra para a montagem das unidades é tercerizado e “a empresa espera receber 14 mil trabalhadores até o início do segundo semestre deste ano”, explica. A VCP, que atualmente está com 55% de suas obras concluídas, em parceria com a IP escreve assim seu nome em um momento de crescimento ímpar para a cidade de Três lagoas e, conseqüemntemente o Mato Grosso do Sul. 15 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Planejamento Urbano Estragos: até quando? Prefeitura inicia plano de trabalho para evitar enchentes na capital Campo Grande vive, em sua história recente, uma situação de constantes cheias e enchentes. Desde 2005, e com uma piora este ano, o centro e a periferia da cidade têm tido uma série de estragos decorrentes das fortes chuvas. A prefeitura iniciou, em parceria com engenheiros especialistas na área, um estudo que pretende diagnosticar e, posteriormente, resolver os problemas de drenagem urbana. A preocupação do poder público, e de toda sociedade campograndense, não é sem motivo. A temporada de chuvas desse ano realmente vem castigando a capital. Para se ter uma idéia, somente no dia primeiro de abril, foram registrados 55 mm de chuva, ou seja, em cada metro quadrado de Campo Grande caíram 55 litros de água, que no total, seriam suficientes para encher dois estádios Morenão. O centro foi bastante atingido, principalmente a Av. Mato Grosso, que foi, em alguns pontos, destruída pela força das águas. Os bairros também foram danificados, principalmente o Caiobá (saída para Sidrolândia). Na vila Marli (próximo a UCDB), a erosão formou uma enorme cratera na lateral da Av. Tamandaré. As enchentes trazem enormes prejuízos para a administração municipal. As reformas das vias urbanas, por exemplo, são muito caras para o cofre público. Somente no citado primeiro de abril, a prefeitura teve um ônus calculado em mais de R$ 2 milhões. Com todos esses prejuízos sociais e financeiros, a prefeitura lançou o “Plano Diretor de Drenagem Urbana”. Ainda em fase de estudos, o projeto foi iniciado em três de março e tem previsão de término de oito meses. O objetivo, segundo o professor Carlos Tucci, um dos engenheiros responsáveis pelo plano, é “estudar e di- agnosticar os problemas de inundação, identificando os locais críticos e o planejamento do controle dessas áreas para um determinado risco, e medidas para evitar que a urbanização continue aumentando a freqüência das inundaNorte-Sul, esquina da Ernesto Geisel com a Bom Sucesso, ções”. Essas ações em dias de chuva forte devem servir para auxiliar o escoamenvernamental acrescenta que deve existo nos “canais naturais”. As medidas do às “alterações climáticas” e porque tir a conscientização da população. “A envolvem propostas de legislação para as “chuvas estão bem mais fortes”, exidrenagem inclui outros fatores, como as novas construções e melhoria da mindo a culpa da prefeitura. Estudos o lixo e o desmatamento; deve existir gestão por parte da prefeitura. Nesta comprovam que o problema é grave, uma solução coletiva; de todos em fase do Plano, o detalhamento de connão é recente, e que não é somente culconjunto”, completa. trole estrutural ocorrerá no córrego pa das fortes chuvas. Lorena Gutierrez, Prosa e o diagnóstico para toda essa em trabalho realizado em conjunto Nada de novo bacia. com o INPE (Instituto Nacional de PesComo o problema, a reivindicaCampo Grande não é a primeira quisas Espaciais), revela que Campo ção também é antiga. Já em 2006, o cidade a realizar um plano como esGrande não suporta chuvas fortes. A ECOA enviou uma carta ao prefeito ses antes, Porto Alegre, Caxias do Sul capital tem um índice de escoamento pedindo melhorias e Curitiba já pas(volume de águas pluviais que correm e sugerindo medisaram por essa pelo terreno sem se infiltrar) de 80% das e técnicas para reformulação espara 100 mm de chuva, valor consideEm apenas um dia, as evitar os alagamentrutural. A vantarado péssimo. enchentes causaram tos. Dentre elas está gem de ter um PlaA expansão do asfalto e o desno desta ordem é prejuízo de R$ 2 milhões o “desenvolvimenmatamento também influenciam no baito de ações nas mipermitir o investixo índice de escoamento. O Professor ao município cro-bacias do mumento mais eficiMauro Polizer, mestre em Tecnologias nicípio, sendo essas ente dos fundos Ambientais, afirma que “a cobertura veas principais fontes de acomodamento públicos disponíveis ao longo do temgetal atenua os picos de chuvas e o de águas, criação de novas leis, principo. Quando implementada as ações desmatamento e urbanização auxiliam na palmente as que protejam a vegetação podem reduzir os prejuízos. impermeabilização do solo. As cheias urbana”. Também aconselhava um esDentre as mudanças sugeridas, possuem estreita ligação com o grau de tudo detalhado dos córregos, para espor exemplo, na capital gaúcha, desimpermeabilização do solo urbano”. tabelecer diretrizes de preservação taca-se a legislação criada. A princiMesmo com esses alertas sobre ambiental. Alessandro Menezes ainda pal, segundo Tucci, é a que regulamencomo o asfalto pode prejudicar a dreacrescenta que deve existir uma política ta a for ma de desenvolver os nagem urbana, a prefeitura continua de “solo permeável”, ou seja, a preserloteamentos urbanos, que devem precom seus projetos de urbanização. Em vação de parte da vegetação em cada zar pela vazão, natural ou não, das junho de 2007, em mega evento realilote, para melhor escoamento. “Se em águas pluviais. zado na capital, o prefeito anunciou São Paulo, por exemplo, cada terreno A prefeitura espera que esse plaseu pacote “200 Obras”, até agora a mantivesse cinco metros quadrados de no seja o “salva-vidas” contra as enprincipal realização de sua gestão. vegetação, a cidade não teria problemas chentes. Por outro lado Alessandro Dentre elas, 70 frentes de trabalho são com inundações”, explica Alessandro. Menezes, presidente do ECOA (Ecopara construção de asfalto, com custo O prefeito Nelson Trad Filho logia e Ação), acredita que somente de R$ 100 milhões. A Prefeitura, por (PMDB), afirmou, após os prejuízos do obras não devem resolver a situação. meio de sua assessoria, não quis coinício de abril, que os estragos são deviO presidente da organização não-gomentar o assunto. Foto: Victor Morelo Vinícius Squinelo Stéphanie Ribas Em abril de 2007, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, publicou o decreto que institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o Reuni, causando polêmica e muitas manifestações em várias universidades do país. O que incomodou parte dos estudantes foi o aumento da proporção de alunos por professor. A meta do governo é que as salas de aula tenham 18 alunos para cada professor. Para se ter uma idéia, a proporção atual na Universidade Federal Mato Grosso do Sul é de 12 alunos por professor. Uma outra queixa dos acadêmicos é a exigência, pelo Ministério da Educação, de aumento para média de conclusão dos cursos de graduação em 90%. Um dos problemas das universidades públicas é a evasão, que, para alguns alunos, não seria resolvido com aumento do percentual de conclusão porque estimularia a aprovação sem critérios de qualidade. Para receber recursos federais pelo Reuni, as universidades se comprometem a alcançar até 2012 metas pactuadas com o MEC, ligadas à melhoria de infra-estrutura, aumento de alunos por professor, de matrículas, de vagas e dos índices de conclusão de curso. As críticas ao programa acontecem porque as contrapartidas exigidas das universidades para recebimento de recursos podem comprometer a qualidade do ensino superior no país, apesar do Reuni destacar a preocupação com a formação, mesmo com a ampliação do acesso e o aproveitamento da estrutura física já existente. Com a implementação do Reuni, o investimento na UFMS será de R$ 34,2 milhões para os próximos quatro anos. De acordo com o MEC, o número de cursos da UFMS vai subir de 83 para 111. Em números absolutos, as vagas vão de 3.280 para 5.006 e as matrículas de 15.457 para 23.282, no período de 2007 a 2012. Além disso, a partir de 2008, as universidades integradas ao Reuni devem cumprir o aumento mínimo de 20% nas matrículas, principal- Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 16 Entre expectativas e queixas, está a promessa de expansão do ensino superior André Hollender Educação Superior Acadêmicos de Direito em manifesto em frente à reitoria mente no período noturno. Os acadêmicos que rejeitam o programa afirmam que não é possível aproveitar uma estrutura física que não apresenta boas condições nem para os alunos que estão matriculados. Em alguns cursos, é freqüente o compartilhamento de recursos. “Às vezes, no laboratório não há computadores disponíveis para todos os alunos”, afirma Lucas Santos, acadêmico do primeiro ano do curso de Ciência da Computação. O colega de curso, Rafael Nascimento, lembra que “o laboratório só comporta 45 alunos, não tem como manter a qualidade com tanta gente”. Ele acredita que “o Reuni vai tornar o ensino público superior abrangente, porém fraco”. A reação dos estudantes aos problemas da universidade gerou um manifesto no último dia 10 de abril em frente à reitoria da UFMS. Acadêmicos do curso de Direito exigiam professores efetivos, salas de aula e um Núcleo de Práticas Jurídicas. De acordo com a aluna do 1º ano, Cecí Medeiros, após o protesto “a universidade se comprometeu a implantar um Núcleo de Práticas Jurídicas nas redondezas da UFMS, sob a justificativa de que o núcleo não pode ser dentro do campus por motivos de segurança, visto que haverá circulação de pessoas”. Marcus Vinícius da Cruz de Mendonça, acadêmico do 1º ano do curso de Medicina, diz que apesar de serem poucas as reclamações em relação ao seu curso, lamenta a pouca disponibilidade de livros na biblioteca e diz que “as salas da FAMED (Faculdade de Medicina Dr. Hélio Mandetta) deveriam ter sistemas de refrigeração condizentes com seu tamanho, para melhorar o aprendizado”. O professor José Luiz Magalhães, do departamento de Matemática, ressalta que a eficiência do Reuni depende da integração de vários fatores como investimentos em recursos humanos, por meio de novas contratações, da melhoria das condições de trabalho e da capacitação de seu quadro de servidores, investimentos na infra-estrutura física e aprimoramento do funcionamento dos órgãos de gestão e os instrumentos de avaliação e regulação em todas as áreas e setores. O professor considera injusta a contratação de professores substitutos, pois recebem salários baixíssimos e não têm vínculos empregatícios. Magalhães atenta que “o maior patrimônio de uma universidade são seus cérebros”. Ambientes de estudo e, em particular a biblioteca, devem ser o “coração” da universidade e permanecerem em funcionamento o máximo de tempo possível”. O Reuni prevê também a oferta de bolsas de mestrado e doutorado nas universidades federais de todo o país. A meta para 2012 é ofertar 4.115 bolsas de mestrado e 5.746 de doutorado. A voz da minoria O Reuni entrou em discussões inclusive na internet. No site de relacionamentos Orkut, Luanda Chaves Botelho, for mada em Direito e mestranda em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, é moderadora da comunidade “Reuni: eu digo sim!”, que conta com 73 membros. Ela diz que muitas mentiras são veiculadas sobre o programa. “A meta de formatura de 90% dos alunos que ingressarem na universidade não implicará na adoção da aprovação automática. Quem reprova nesse semestre, irá se formar com atraso, mas irá se formar, de modo que a meta não fica prejudicada. O que se visa é apenas a redução das taxas de evasão”. E ainda complementa: “outra mentira muito veiculada e que é facilmente abraçada pelos setores mais conservadores das universidades é a da superlotação das salas de aula. Na verdade, o que a meta de 18 alunos por professor pretende é evitar o sub-aproveitamento de recursos universitários”. Apesar disso, a comunidade oposta “Diga não ao Reuni!!” ainda é maioria, compartilhada com 1.591 participantes. 17 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Super Cérebros Quando habilidade é confundida com deficiência Fabrício Barbosa Larissa tem 12 anos e está no sétimo ano escolar. Vai para a escola pela manhã e à tarde vê televisão ou brinca na casa de suas amigas. É muito comunicativa, se relaciona bem com todos e vive feliz com a sua família. Uma criança igual a todas as outras, mas com uma característica especial: ela é superdotada. Apesar disso, Larissa não tem nada a ver com a figura típica dos “nerds”, tidos como pessoas retraídas, que vivem escondidas atrás de livros, óculos gigantes e aparelhos dentais. Pelo contrário, Larissa é uma das mais “populares” de sua turma, sempre rodeada por amigos. Ao contrário do que muitos imaginam, os alunos superdotados não são deficientes e apresentam as mesmas características mentais, sociais, emocionais e físicas de outros alunos da mesma idade, e isso os torna nem sempre facilmente identificáveis. A diversidade de características que podem ser apresentadas pelo superdotado, tais como habilidades psicomotoras, artísticas, traços de criatividade e senso de liderança, implica na necessidade de utilizar os mais diversos recursos para a identificação. “Nunca pensei que o fato de minha filha ser muito comunicativa e ter espírito de liderança poderiam ser características da superdotação”, conta Neusa, mãe de Larissa. A dificuldade na identificação de alunos superdotados também se deve ao despreparo dos educadores. “A formação do professor é deficiente. Ele não é treinado para olhar e mapear os interes- tir de então, iniciar o atendimento dos ses, estilos de aprendizagem e haalunos superdotados dentro da própria bilidades do aluno”, afirma a escola, porém sem descartar os atenpesquisadora Jane Chagas, do dimentos extra-escolares, para o aperInstituto de Psicologia da Univerfeiçoamento das habilidades e necessisidade de Brasília(UnB). dades particulares de cada um. A superdotação é, na verNo entanto, segundo Nilcemar dade, uma predisposição genétiMartins, diretora da Escola Estadual ca. Todos os tipos de superdoCoração de Maria, não é bem isso que tação e talento correspondem a acontece na prática. Nilcemar conta que características psicológicas e a haa escola onde trabalha só começou a bilidades que estão sempre muser atendida pelo NAAH/S em 2007. dando. Essas características exisHoje, um aluno já foi identificado cotem em diferentes intensidades, mo superdotado e outros quatro esem todas as pessoas, variando de tão realizando acompanhamento junuma para outra. Até mesmo entre os to ao núcleo. Contudo, ainda há muito superdotados existem diferenças de a ser feito. A diretora relata que quanperfis. Um aluno pode demonstrar do o primeiro aluno foi identificado, grande aptidão com máquinas e não houve uma conscientização entre tecnologia, enquanto outro se destaca os outros alunos sobre a superdotação, nas artes. O processo de identificação muitos inclusive nem sabem que estudeve levar em conta todas essas condidam com um colega superdotado. A ções e a conscientização da escola e da única formação que aconteceu foi com família também é importante, já que os professores, que receberam orienmuitas vezes a superdotação é confuntações sobre como lidar com alunos dida erroneamente com deficiências ou superdotados, sem autismo, o que um maior aprofungera preconceito damento. e sofrimento para O Censo Esos superdotados. Superdotação colar 2006, do InsNas escolas não é doença, mas tituto Nacional de estaduais de MS, o Estudos e Pesquisas processo de idenuma predisposição Educacionais Anísio tificação da sugenética presente Teixeira (Inep), perdotação é feiaponta a existência to pelo NAAH/S em todas as de 2.553 alunos suNúcleo de Ativipessoas perdotados no Bradades de Altas sil, mas a estimativa Habilidades / é que possam exisSuperdotação, órtir até 1.487.431 jovens de 6 a 17 anos gão do Governo Federal. O NAAH/ S é um projeto que foi criado pelo /com superdotação que ainda não foram identificados. Segundo Nilcemar, MEC em 2005 e implantado em todo é um risco muito grave não identificar o Brasil. Ele identifica superdotados e esses alunos e deixar de explorar suas desenvolve atividades personalizadas de habilidades, seria um desperdício de acordo com o perfil de cada aluno, no potencialidades muito grande, tanto horário oposto ao da escola. A para o aluno quanto para o país onde pedagoga Angélica Guerra, funcionária ele vive. Larissa é um exemplo disso: do NAAH/S, disse que o atendimento “Quando soube que era superdotada oferecido fora do contexto escolar se fiquei muito feliz, pois poderia usar deve ao fato de que as Altas Habilidaminhas qualidades para ajudar quem des só começaram a ser atendidas reprecisa”. Por isso é extremamente imcentemente e, portanto, não são de coportante investir na identificação de tais nhecimento da grande maioria dos proalunos e na conscientização das pessofissionais da educação. Segundo ela, a as que convivem com eles – só assim proposta do núcleo visa antes a formais Larissas poderão surgir. mação desses profissionais para, a par- Inclusão pedagógica Mitos e verdades Mito: A superdotação é uma doença. Superdotados são frágeis, orgulhosos, instáveis e solitários. Não é uma doença. Pelo contrário, é uma predisposição genética presente em todas as pessoas e que implica em habilidades avançadas em determinadas áreas. A superdotação se manifesta mais em algumas pessoas do que em outras. Os superdotados, ao contrário do que se imagina, têm menos transtornos de conduta que os alunos “médios” e se destacam por seus recursos pedagógicos, autonomia, autocontrole e sociabilidade. Mito: O superdotado possui bom rendimento escolar. Destaca-se em todas as áreas do currículo acadêmico. Superdotação não é garantia de rendimento escolar. Cerca de 33% dos superdotados passam despercebidos e outros 33% fracassam ou têm problemas de aprendizagem Mito: O superdotado é um gênio e é superior em todas as categorias da vida e em todas as áreas de desenvolvimento. O superdotado não precisa, necessariamente, ser um gênio. São conceitos diferentes. O habitual é que ele se destaque em um aspecto ou área específica. Mito: Os superdotados formam um único estereótipo: o de indivíduo esquisito, que vive constantemente aborrecido. Os superdotados apresentam tantas diferenças entre si como o resto das crianças e jovens chamados “normais”. Na escola, podem se aborrecer se as atividades não corresponderem às suas capacidades. Fonte: NAAH/S Campo Grande - MS Justiça e Jornalismo Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 18 Reformulação de lei da época da ditadura mobiliza discussão na imprensa nacional No dia 21 de fevereiro deste ano, o Ministro Carlos Ayres Britto do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu 22 dos 77 artigos da Lei de Imprensa graças a uma ação impetrada pelo deputado federal Miro Teixeira (PDTRJ). Criada em 1967 pelo governo do presidente Castelo Branco é ainda anterior à Constituição vigente. A decisão do Supremo renova as discussões a respeito da necessidade de uma lei que regulamente a atuação do jornalista e dos órgãos de imprensa no país. Mário Magalhães, repórter especial e exombudsman da Folha de S.Paulo, afirma que “essa Lei de Imprensa é parte do chamado entulho autoritário. A ditadura militar se foi em 1985. É o que também precisa acontecer com essa Lei: ser revogada”. Entre os artigos derrupositivos da lei ficam suspensos até o bados estão os que permitem censura a julgamento do mérito que será feito pelo espetáculos e diversões, vedam aos jorplenário do STF. Está incluído nesse grunalistas a possibilipo inclusive, o podade de provar lêmico caso Igreja que publicaram a Universal X Folha verdade caso os de S.Paulo. atingidos sejam alO duelo entre “A imprensa não é tas autoridades da igreja e jornal comepara ser cerceada, República. Caíram çou com a matéria também artigos da jornalista Elvira embaraçada que permitem Lobato: “Universal É para ser facilitada, apreensão e fechachega aos 30 anos agilizada” mento de emprecom império emsas de comunicapresarial”, publicada ção por mero ato em 15/12/2007. Carlos Ayres Britto do Executivo, sob A reportagem deso argumento de tacava o conglome‘subversão da orrado empresarial dem política e social’ e os que impõem construído pelo bispo Edir Macedo, limites à indenização por dano moral. proprietário da Rede Record e de ouTodos os processos judiciais que a tras 23 emissoras de TVs, 40 de rádio e invocaram e estão em tramitação bem de importantes jornais impressos. Em como as decisões com base nos 22 disresposta à divulgação desses fatos, fiéis e dirigentes da universal moveram, de acordo com o jornal, 85 processos semelhantes em dezenas de comarcas de diferentes estados. Foi uma ação visivelmente orquestrada na opinião do jornalista Graciliano Rocha. “Qualquer cidadão que se sinta ofendido tem o direito de processar veículos de imprensa. É um direito inalienável, porém nesse caso a Igreja tenta intimidar a jornalista e o veículo de comunicação”, defende. Até agora 28 ações já foram julgadas, todas favoráveis à Folha e à repórter. Os juízes não têm acolhido as ações e estão enquadrando os autores por litigância de má fé, (tentar usar a Justiça para fins ilícitos) “defendendo assim o livre exercício do jornalismo”, pondera Mario Magalhães. O ministro Ayres Britto declara que a Constituição fez da imprensa a Renan Kubota Fernanda Pereira Renan Kubota irmã siamesa da democracia. Uma se alimenta da outra, é uma relação de mútuo proveito. “Em termos de imprensa, essa lei, em boa parte prolonga a vida de uma ordem constitucional superada. Entendi que havia perigo na demora, não poderia permitir que essa lei continuasse sendo aplicada”, explica em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, justificando sua atitude ao suspender parte da legislação. “A imprensa não é para ser cerceada, embaraçada. É para ser facilitada, agilizada”, completa. Justiça e Jornalismo Divulgação Para o jornalista e advogado Vinícius Ferreira Laner essa desatualização cria graves prejuízos aos interesses públicos e atrasa o processo de democratização dos meios de comunicação. “E o que é pior, o próprio jornalista, por ocasião de sua graduação, não é instruído a respeito da legislação que vigora na área”, adverte Laner. Outro ponto negativo é o Decreto-Lei nº 972, editado pela junta militar que governou o Brasil em 1969 e criou a exigência do diploma e da nacionalidade brasileira para trabalhar e exercer a profissão no país. Os militares acreditavam que barrando os intelectuais e os estrangeiros, não haveria ataques ao governo, pela imprensa. E essa medida afeta profissionais da área como a recém- formada, Amanda* (que prefere que as previstas no Código Penal e a não ser identificada), chilena que mora blindagem de autoridades contra as regularmente no Brasil desde os dois quais não se poderia provar a veracianos e que ao tentar tirar seu registro dade de reportagem, além de ter ponprofissional, deparou-se com essa exitos divergentes do resto da Constituigência. “Meus pais vieram ao Brasil para ção Federal. Enfugir de uma ditaquanto a Lei de Imdura que sufocava prensa prevê para o a liberdade de pen“Qualquer cidadão crime de calúnia samento, e hoje sou uma pena máxima vítima de um preque se sinta ofendido de três anos de deconceito bobo, frutem o direito de tenção, o código to de uma lei que penal prevê dois; nada têm a ver com processar veículos para a injúria, a lei esse país que nos de imprensa prevê um ano e o acolheu”, declara É um direito Código, seis meses; indignada. e para a difamação, Apesar disso, inalienável” a lei estabelece 18 o presidente do Graciliano Rocha meses e o Código, Sindicato dos Jorum ano. nalistas de Mato Com a queda Grosso do Sul desses pontos a tendência é que ela seja (SindJor-MS) Clayton Sales, ressalta que derrubada e reformulada na íntegra. De “apesar da lei de imprensa ter pontos acordo com Magalhães uma nova Lei altamente autoritários ela também posde Imprensa deve assegurar direitos sui pontos positivos, como o que obricomo o de resposta, que não é garanga a presença de um profissional para tido pelas leis gerais. Independente de realizar qualquer publicação”. Já para o quais sejam os novos artigos, ela deve jornalista Mário Magalhães, “a manutencaminhar em harmonia com a constição da Lei de Imprensa herdada da dituição, assim como toda lei. tadura é incompatível com o Estado Porém a criação de uma nova leDemocrático de Direito, não haverá degislação não é um consenso entre os mocracia plena enquanto o arcabouço empresários e profissionais da área. No jurídico do regime autoritário se mantidebate da 3ª Conferência Legislativa ver, ainda que residualmente”. O advosobre Liberdade de Imprensa que gado Gildo Sandoval Campos, acrediaconteceu no final de abril no auditóta que “a atual lei de imprensa mutila rio da TV Câmara, em Brasília, dois certos artigos da Constituição e carrega dos maiores jornais impressos do país, um espírito autoritário que não está em O Estado de S. Paulo e a Folha de harmonia com a mesma”. S.Paulo, divergiram em suas opiniões. O jornalista Júlio César Ferreira de Ter ou não ter, eis a questão Mesquita, do Conselho de AdministraA Lei de Imprensa no Brasil perção do Grupo Estado, declarou-se mitia, entre outras coisas, apreensão de contrário a uma nova Lei de Imprenpublicações sem decisão judicial, penas sa. “A profissão de jornalista é igualzide prisão mais duras para jornalistas “A manutenção da Lei de Imprensa herdada da ditadura é incompatível com o Estado Democrático de Direito, não haverá democracia plena enquanto o arcabouço jurídico do regime autoritário se mantiver, ainda que residualmente” Mário Magalhães nha a qualquer outro tipo de profissão, o jornalista erra como qualquer outro ser humano erra, e o jornalista, quando erra, tem que ser enquadrado pelo Código Penal e pelo Código Civil”, explica. Porém, acredita que deva existir a imposição de limites, por lei, ao valor das indenizações pagas por jornais e jornalistas. No mesmo debate a opinião do jornalista Luís Frias, da Folha de S.Paulo, foi diferente. Frias acredita que deva existir uma nova lei de imprensa “para evitar o vazio jurídico de hoje”, e ressalta que a nova legislação deveria contemplar dois valores principais: o direito à informação e o direito que cada cidadão tem de controlar o uso de seu nome, imagem ou identidade. Para o empresário da Editora Abril, Roberto Civita a imprensa não deve ser regulamentada, mas garantida e exercida com responsabilidade. “Na imprensa, quanto menos legislação, melhor. Nenhuma lei deve restringir a atividade dos meios de comunicação. A auto-regulação e a livre concorrência são as melhores formas de “O mais importante para uma possível nova lei é a atualização, porque os meios tecnológicos mudaram e o fazer jornalístico vem se adaptando a isso” Daniela Ota evitar eventuais abusos ou distorções na circulação de notícias”, frisa. O presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), favorável à aprovação de nova lei, afirma que o assunto está pronto para ser discutido e votado nos próximos meses, porém não há previsão de quando será incluído na pauta. Em Campo Grande, o advogado Laércio Arruda Guilhem, que responde pelo Grupo Correio do Estado, acredita não haver necessidade de uma nova lei de imprensa, já que a Constituição garante a liberdade de expressão. “Não há necessidade de uma nova lei, os códigos civil e penal, podem responder pela demanda quando houver abusos por parte de veículos ou jornalistas, assim como também pode defendêlos”, acredita Guilhem. A mesma opinião tem o acadêmico de jornalismo Lucas Marinho, ele acredita que a criação de uma nova lei de imprensa seria somente para ‘preencher tabela’, e que a Constituição de 1988 é suficiente para defender jornalistas e empresários da comunicação. A coordenadora do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Daniela Ota, acredita ser necessário a existência de uma lei específica para a imprensa, pois a Constituição não dá conta sozinha e dá margem a diversas interpretações. “O mais importante para uma possível nova lei é a atualização, porque os meios tecnológicos mudaram e o fazer jornalístico vem se adaptando a isso”, argumenta a coordenadora, ressaltando que o mais importante é uma nova lei que respeite a liberdade de expressão, o direito à informação e de resposta e o livre exercício do jornalismo brasileiro, dando exemplos de democracia e responsabilidade. Fernanda Pereira 19 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS “Por favor, devolvam o Dudu” Pai vive em função da espera do filho desaparecido há quase quatro meses Graziela Reis “Toda Criança tem o direito de ser criança. Até quando? Já se faz 128 dias sem o Dudu”. A faixa amarela que estampa a frente da casa de Seu Roberto faz contraste ao amontoado de cartazes que forram as paredes, todos com um só sorriso e apenas um comunicado: Luiz Eduardo Martins Gonçalves, 10 anos, desaparecido desde o dia 22 de dezembro de 2007. Foi visto pela última vez em Campo Grande/MS, após ter entrado na noite de sábado na casa do ex-padrasto José Aparecido Bispo da Silva, de 51 anos. As histórias de desaparecimento são em geral as mesmas, as crianças saem para brincar ou passear com os amigos e não voltam para casa. A Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (Redesap) estima que anualmente 40 mil meninos e meninas desaparecem no país. Em Mato Grosso do Sul, de acordo com a DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção a Criança e ao Adolescente) esse número chega a 200 casos por ano. As estatísticas eram apenas números que não faziam parte da vida do vendedor de salgados Roberto Gonçalves Martins, 60 anos, pai de seis filhos. “Minha vida parou, o tempo parou, eu não consigo trabalhar, não consigo fazer mais nada depois que o neném desapareceu”, desabafa o pai. Seu Roberto conta que Dudu brincava na rua com um amigo quando foi chamado para ir à casa do ex-marido da mãe, de onde não mais voltou. A suspeita que recaiu sobre o ex-padrasto, José Aparecido, levou a polícia a quebrar o piso da casa onde mora à procura do corpo da criança. Os policiais não encontraram nenhuma prova. No dia do desaparecimento o menino queria dormir na casa da mãe, há sete quadras dali. “Como já era noite eu não deixei ele ir sozinho, então o Dudu me pediu para ficar brincando com os amigos há duas quadras daqui, e que quando o jantar estivesse pronto era pra eu chamar”. Uma pequena pau- sa interrompe o relato, Seu Roberto olha para o portão da casa, como se esperasse algo vindo dali. “Eu disse, pode ir meu filho, quando a janta ficar pronta o pai chama você”, completa. E foi a última vez que Seu Roberto ouviu a voz do filho. Era 22 de Dezembro. Às vésperas de Natal, a família de Dudu se preparava para comemorar o nascimento de Jesus. “Meu Natal foi péssimo”. O silêncio que outrora interrompia a fala de Seu Roberto, agora calava o choro que ele segurava. “Ele estava todo feliz com o brinquedo que tinha acabado de ganhar, Dudu deixou seu posto de gasolina ainda montado na varanda da casa”, conta Regina Martins, tia do menino. No quarto de Luiz Eduardo, a vela acesa sobre a mesa clareia a face do garotinho de chinelos, camiseta azul e bermuda amarela. A foto do garoto, ao lado de uma imagem religiosa, traz à memória uma lembrança. “Ele estava desse jeitinho quando o levaram”. Para Seu Roberto, a saudade de Dudu só não é maior que as esperanças em encontrá-lo vivo séria, mais rápida”, explica o detetive da Central Única Federal dos Detetives do Brasil (CUFDB), Edilmar Silva. Para o profissional, que tem acompanhado o caso pela mídia, houve falha nas investigações. “Eles [polícia de Campo Grande] mentiram dizendo que a polícia do Paraná estava investigando as denúncias, sendo que eles nem estavam sabendo. Para mim faltou investigação mais incisiva, mais imediata e se fosse uma família de classe média Controvérsias na investigação alta, com certeza tudo já teria sido soPara a DEPCA, que diariamente lucionado”. atua na busca por desaparecidos, o A delegada afirma que algumas incaso envolvendo formações sobre o o garoto Dudu caso permanecem foge à regra dos em sigilo para não “Para a polícia desaparecimentos atrapalhar a investisomos apenas de crianças regisgação, mas aponta estatísticas” trados no Estado. que na própria faA maioria foge de mília há opiniões Ivanise Esperidião casa por conflitos contraditórias sobre familiares e acaba o desaparecimento encontrada pela polícia. que tornam a situação ainda mais comNa opinião da delegada responplicada. O pai de Dudu desabafa. “Pasável pelo caso, Marli Kaiper, a investirece que a polícia colocou uma pedra gação tem dado trabalho. Ela aponta no assunto, para eles está tudo bem, que o garoto tinha uma vida “bastante basta esquecer o caso. Tem algo de erdescontrolada e uma liberdade muito rado dentro da polícia, como que até grande” pelo fato de “permanecer na agora não acharam vestígios?”. rua até altas horas”. “Para a polícia somos apenas estaDesde o início das investigações, a tísticas, depender só dela fica muito difídelegada tem trabalhado com todas as cil de encontrar”, critica Ivanise Esperidião, possibilidades de desaparecimento, inclupresidente da Associação Brasileira de sive a de homicídio, hipótese consideraBusca e Defesa a Crianças Desaparecida acertada por especialistas em investidas (ABCD) Mães da Sé de São Paulo. gações dessa natureza. “Essa linha de raEla é mãe de Fabiana, desaparecida há ciocínio seguiria uma investigação mais 12 anos e quatro meses, e hoje coordena um grupo que auxilia na busca de desaparecidos e propõe políticas públicas para solucionar o problema. História sem fim Os dias sem Dudu vão passando e fazendo desaparecer a noção do tempo para o pai. Em um depoimento à polícia Seu Roberto dormiu falando na cadeira. “Ele não dorme a noite, pensa que o filho pode aparecer a qualquer momento”, afirma Regina. Aprender a conviver com a dor e jamais desistir é o que aconselha a presidente da ABCD, Ivanise Esperidião. “Com o tempo você acaba se conformando com a morte, mas com a angústia e a incerteza de não saber se seu filho está vivo ou morto você nunca se conforma”. A mãe de Fabiana confessa que a vida dos pais de desaparecidos passa a ser “uma ferida que nunca cicatriza, um luto irreal”. Mantendo as esperanças, o pai Roberto tem fixa em sua mente a imagem do seu menino com o mesmo sorriso dos cartazes correndo em sua direção. No peito a camiseta com a foto do garoto, nos olhos as marcas do tempo e na boca a frase que seu Roberto repete várias vezes: “Eu tenho certeza que meu filho está vivo”. Com a voz trêmula da dor paterna, Seu Roberto olha para a rua e imagina uma cena que naquele momento sonha se tornar real. “Se ele aparecesse agora aqui eu iria ajoelhar, agradecer a Deus e gritar para todo mundo ouvir, meu filho voltou pra casa”. Graziela Reis Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 20 Angústia Formação Profissional 21 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Sem políticas educacionais eficientes, jovens não têm espaço no mercado de trabalho rintendência Regional do Trabalho (SRT/MS), Regina Rupp. Priscilla, campo-grandense de 18 As atuais políticas do Governo anos, representa os jovens que concluFederal para geração de emprego aos íram o Ensino Médio, fizeram curso jovens ainda não conseguiram reverprofissionalizante, mas não conseguiter um cenário preocupante. Pesquiram emprego por não se enquadrasas do professor Márcio Pochmann, rem nas exigências do mercado: ter do Centro de Estudos Sindicais e de experiência e qualificação. O que ela Economia do Trabalho (Cesit) mosquer resume o desejo de uma geração: tram que entre 1995 e 2005 o país carteira assinada e renda que possa gerou 17,5 milhões de novas ocupacomplementar a familiar. “Não imporções, mas somente 1,8 milhão de vata o salário, nem a carga horária, desde gas foram preenchidas por pessoas de que tenha serviço”, diz a jovem. Os 15 a 24 anos. A percentagem de deadolescentes consideram importante sempregados que deseja trabalhar é estudar para terem mais possibilidades 3,7 vezes maior entre os jovens que de conseguir emprego, mas encontram entre os adultos. restrições diante do O jovem pobre é sistema educacional 20% dos jovens o mais visado nesse público, que têm dicenário de desempre- brasileiros estão em ficuldade de pensar go. A necessidade de em uma educação situação de buscar trabalho o voltada a atender as obriga a abandonar a vulnerabilidade; não exigências de formaescola. Sem qualificatrabalham, nem ção para o mercado ção, deixa de compede trabalho. estudam tir no mercado de traUma trajetória balho e acaba se avenque normalmente não faz parte da turando na informalidade. Dados do vida de muitos jovens no país é a de Índice de Desenvolvimento Juvenil Marcos, que desde 2002 procurava (IDJ) 2007 mostram que cerca de 20% trabalho. Aos 18 anos tentou ser office dos jovens brasileiros estão em situaboy, auxiliar administrativo, mas não ção de vulnerabilidade, não trabalham conseguiu. As empresas cobravam nem estudam. sempre o mesmo: experiência e qualiDe acordo com o Banco Munficação. Após várias tentativas sem sudial, cerca de 50% da juventude brasicesso, conseguiu seu primeiro serviço leira trabalha. O número de jovens com renda familiar inferior a dois salários mínimos que procuram emprego é muito maior que o de jovens ricos. Piora a situação o fato de o adolescente ter uma educação deficiente e enfrentar dificuldades para completar os estudos. Em Campo Grande, cerca de 90% das vagas para esse público são procuradas por jovens pobres que querem trabalhar para sobreviver.“A maioria trabalha pela necessidade de se sustentar, consideram que isso é o mais importante. Se o empregador oferecer 50 reais a mais para que ele deixe de estudar, certamente ele aceitará trabalhar em tempo integral pela empresa”, afirma a auditora fiscal da Supe- Funsat Náufragos no mar do desemprego Gisleine Rodrigues Com educação deficiente, jovens buscam emprego sem qualificação Ilustração Paulo Anibal na lavanderia do Hospital Adventista do Pênfigo (HAP). Não se contentou, queria crescer, decidiu voltar a estudar, terminou o Ensino Médio e começou a fazer faculdade de Ciências Contábeis. Trabalhou no departamento pessoal do HAP, e desde o final de 2005 atua como contador da Associação Sul-mato-grossense da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Esse ano, conclui a faculdade e foi escolhido pela Associação como contador responsável pelas escolas adventistas. Hoje, oferece uma vida financeira confortável para sua família. O governo federal diz investir no jovem por meio da implementação de programas como o ProJovem, que visa proporcionar ao cidadão de baixa renda, qualificação profissional e um primeiro trabalho, com um incentivo de R$100. Cícero Ávila, diretor-presidente da Fundação do Trabalho de Mato Grosso do Sul, crê que o Estado também colabora para o desenvolvimento juvenil ao propor que seja efetivado “um conjunto de medidas, que una trabalho, educação e assistência social para colocar o jovem no mercado de trabalho”. Algumas iniciativas municipais têm funcionado com o desenvolvimento de propostas de qualificação profissional, como programas Juventude Cidadã e Escola de Fábrica, e de geração de emprego e renda, por meio do programa Campo Grande Digital. Entretanto, para a socióloga Maria Virgínia de Freitas, coordenadora do Programa Juventude da ONG paulista, Ação Educativa, as políticas públicas são consideradas pontuais, com pouco impacto positivo na vida da juventude. O problema está na desatenção com a área educacional que, segundo Maria Virgínia, é essencial para prevenir situações de riscos, mas não tem recebido devida atenção, por isso os programas têm resultados limitados. O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) aponta o nível de escolaridade, a qualificação profissional e a experiência anterior, como dificuldades da juventude para acesso ao mercado. A falta de investimentos no jovem - hoje 19% da população brasileira - pode levar o país a perder R$320 bilhões na próxima década, estimulando a exclusão ao desenvolvimento profissional e intelectual do jovem, conforme estudos do Banco Mundial. O desafio, segundo a socióloga Maria Virgínia, é estabelecer programas que permitam a continuidade da formação escolar e do desenvolvimento da trajetória profissional do jovem. Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 22 Rapidinha David Fotos:Renan Kubota O Rei diz a que veio, sem delongas Lima Duarte é Lima Duarte, Tarcísio Meira é Tarcísio Meira, Cardoso é David Cardoso Kaká Fernandez Achá-lo não é difícil. David Cardoso se “esconde” em um escritório, aos fundos de um de seus imóveis na Avenida Afonso Pena, região central de Campo Grande. Nascido em Maracajú, hoje com 63 anos, esbanjando saúde, com o humor ácido e pensamento aguçado típicos de um ariano, apresenta impressões sobre carreira, projetos futuros e questões que envolvem um cotidiano ainda agitado. O ator começou a carreira em 1961, por trás das câmeras, nos filmes do consagrado Mazzaropi, em uma época que se fazia cinema “por amor a causa. Da minha turma 50% já morreram”. Antes disso, ele atuou como modelo. Os recortes de propagandas da época estão em quadros espalhados pela saleta, com pôsteres de filmes e fotos com outros famosos, como Pelé e De Niro. Ele não nega que o cinema é sua grande paixão e sente falta da produção artesanal em que os atores faziam quase tudo sozinhos. “Motivava mais a gente, porque você ia descobrindo o filme aos poucos”. O auge do cinema de David foi durante o governo militar, onde censura era rotina. Para o ator, o seu filme de maior sucesso foi rodado em Mato Grosso do Sul. Era o 19 mulheres e um homem e tinha seios e bumbuns como parte do figurino. “Para a época era pesado, mas hoje é uma bobagem, você vê na novela das oito cenas muito mais fortes”. E engana-se quem acredita que o ator já se aposentou. Ele acaba de terminar o filme Os Niños de la Guerra, sobre a Guerra do Paraguai, e deve gravar um filme a convite do ator global Marco Ricca, em Pedro Juan Caballero. Incansável, no jeito de viver e pensar, David Cardoso parece a todo o momento reafirmar suas idéias de vanguarda, tornando uma entrevista de duas horas, um “papo” rápido como um filme de ação. Provocado, David ironiza e apresenta visões peculiares sobre temas que para outros olhares, pareceriam triviais, mas que em sua mente ávida, tornam-se nitroglicerina. “Sou o único artista no Brasil a sair duas vezes nas páginas amarelas da Veja” “Se eu fosse governador colocaria cassino em Corumbá” Cinema novo - Uma câmera na mão, uma idéia na cabeça e uma merda na tela? “Tem exceções.(...) Por exemplo, o Glauber Rocha foi um dos grandes críticos de cinema desse país, mas como diretor era péssimo, ele não entendia nada, tinha uma idéia na cabeça, fazia um filme que às vezes nem ele via. Agora você pega um Anselmo Duarte, que fez o Pagador de Promessas, é o diretor com 90 anos mais consagrado do cinema. Mas só falam de Glauber Rocha, porque quem escreve é o pessoal de esquerda, que gosta desse tipo de coisa”. Igreja Universal – Templo é dinheiro? “Fui entrevistado em uma rádio, e o cara me perguntou: ‘- e aí David, como está o cinema?’, e eu respondi:’O cinema tá mal, o povo não vai mais ao cinema, e por que ir? Para você ter uma idéia, só o Edir Macedo comprou 40 cinemas pra transformar em igreja, e esse desgra... . Quando eu ia terminar o cara falou: ‘Pois ele é o dono dessa rádio’, e eu disse:”‘Parabéns pra ele, vai dar emprego pra muita gente...”. Mas pra falar a verdade eu deveria ter entrado nessa merda dessa igreja quando começou, mas agora já era”. Nosso estado – Provinciano demais ou com identidade de menos? “Se eu fosse governador colocaria cassino em Corumbá; pega esse dinheiro dá 15% pros donos, o resto aplica tudo, porque Corumbá é a cidade mais bonita do Brasil. Histórica como é, aqueles casarões, o rio Paraguai à sua frente e o Pantanal inteiro. O que quer mais, cara?(...) Se eu for pra Bahia eu não quero comer mandioca, lingüiça de Maracaju ou pintado, então se eles vem pra cá, têm que escutar a nossa música, comer as nossas iguarias”. Quem David Cardoso, o Rei da Pornô-Chanchada, acha que é? “Sou o único artista no Brasil a sair duas vezes nas páginas amarelas da Veja, o Lula saiu na capa e eu na amarelinhas, o Fernando Henrique saiu na capa e eu na amarelinhas, então devo ter alguma coisa pra dizer, porque não Cinema em pauta 23 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Para bons filmes, bons cinemas Arquivo MIS Dinheiro x Fama – O que termina primeiro? “Tive a sorte, premonição ou o senso de ver que tudo passa, e que dinheiro não aceita desaforo. (...) Não sou o felizardo da turma, mas posso me dar ao luxo hoje de toda noite ter minha picanha e meu uísque, não vou viver tanto pra ver acabar o que tenho. Fiz a minha história, fui pequenininho, mas lancei um gênero”. Meio Ambiente - Ainda tem fôlego para ser ecologicamente correto? “Era jurado do Raul Gil, eu já entrava fazendo uma denúncia, contra caça criminosa, pesca predatória, desmatamento irregular, peguei vários inimigos por causa disso. Eu não agüento não falar, posso pecar por falar demais, mas não por omissão. (...) Esses dias passando no rio uma menina jogou uma lata e eu disse: ‘Oh querida, jogando lata de cerveja!’, e ela: ‘Pega pra você’! Apesar da forma invejável ’’peso 80 quilos há 20 anos”-, ninguém escapa do tempo. As rugas e a experiência inquieta garantem mais um projeto ambicioso: O Museu David Cardoso, que abrigará peças de seu acervo pessoal, com filmes dele e de cineastas e atores como Mazzaropi, Anselmo Duarte, Grande Otelo e Dercy Gonçalves. Boa parte do acervo ficará em Campo Grande e a outra em um segundo museu em São Paulo. Controverso, engraçado, com o charme inconfundível de um galã, a majestade não perde o trono. “David Cardoso - O Rei da Pornô Chanchada” continua sua trajetória de produções. Pretende filmar agora “Amor Pantaneiro”, com Camila Pitanga, David Cardoso Jr. e o outro rei, o Pelé. O que se pode esperar de uma produção como essa? Ele responde e fecha o bate-papo: “Eu quero filmar mesmo, ou eu faço um espetáculo pra encher os olhos ou eu não faço nada”. Considerado um cinema popular, o Alhambra tinha capacidade para 1500 pessoas e ficava na Afonso Pena, entre a 14 e a Calógeras Camila Valderrama Thiago Gonçalves Uma boa companhia, o cheiro da pipoca, a escolha de um bom filme, tudo isso envolve o prazer de ir ao cinema. Em Campo Grande, quando vemos as poucas opções oferecidas, nem imaginamos a quantidade de salas de cinema que nossa cidade já teve. Eram lugares onde as pessoas não iam apenas para ver filmes. Era um acontecimento social, cheio de expectativas e encontros que não iriam acontecer em outros lugares. Na falta de bares e boates, era em torno dos cinemas que a vida social campograndense girava. Para contar a história desses cinemas, será lançado em junho, o livro “Salas dos Sonhos – História dos cinemas em Campo Grande”, da jornalista Marinete Pinheiro. Ela conta, por meio de depoimentos e entrevistas, a história de cada cinema da capital. Voltando ao passado A primeira exibição cinematográfica do Estado aconteceu em Corumbá, no ano de 1903. E só cinco anos depois o cinema chegava em Cuiabá. Em Campo Grande, que ainda era apenas uma vila, o Cine Brasil foi o primeiro, e durou de 1910 a 1912. Era um cinema a céu aberto, com assentos feitos de tábuas e caixotes. Mais tarde veio o Cine Central, que ficava em frente ao quartelgeneral da avenida Afonso Pena. Em tempos de cinema mudo, havia uma orquestra para animar os filmes. As salas também não se restringiam a exibições cinematográficas, elas eram palco de eventos políticos e culturais da história. O Cine Trianon, que ficava na 14 de julho, surgiu em 1919 e era um bom exemplo disso. Mais tarde apareceram o Santa Helena, na Dom Aquino, o Rialto na Antônio Maria Coelho e o Alhambra, que era na Afonso Pena entre a 14 de julho e a Calógeras. Este tinha capacidade para 1500 pessoas e ficava onde, desde 1993, está uma construção desativada. Uma das curiosidades contadas no livro, e que ainda não tinha sido relatada, fala sobre uma sala de cinema construída no bairro Nova Campo Grande. A intenção era que essa região da cidade se desenvolvesse, mas como não foi o que aconteceu, o projeto que era monumental, logo fracassou. Entre as várias salas que a capital já teve, havia o Cine Acapulco na 26 de agosto. Hoje seu prédio é apenas ruína do que um dia foi um ponto de encontro da cidade. O cinema que pegou fogo, sequer desperta curiosidade de quem por ali passa. No máximo tem fotos de sua fachada destruída publicadas nos jornais, por ser um criadouro de mosquitos da dengue. Os donos são os irmãos Abud e Bernardo Elias Lahdo, que foram donos de várias salas por todo o Estado e também de São Paulo. A família Lahdo tem uma importante história ligada ao cinema em Mato Grosso do Sul, pois eles produziam, distribuíam, exibiam e importavam filmes. Outra sala dos Lahdo é a do Cine Plaza que fica na estação rodoviária e está desativada. Lá também está o Cine Center, que hoje exibe filmes pornográficos mas que, em 1997, chegou a exibir Titanic como último filme convencional. Nas salas de cinema de Campo Grande foram exibidos grandes lançamentos que nem mesmo na capital brasileira da época (Rio de Janeiro) haviam chegado. Isso só mostra que, ao contrário do que pensam os mais jovens, Campo Grande teve tempos áureos em termos culturais. Camila Valderrama sou ator de novela, fiz só seis, não sou o João de tal novela. Ou me conhece como David Cardoso ou não me conhece, Lima Duarte é Lima Duarte, Tarcísio Meira é Tarcisio Meira, David Cardoso é David Cardoso, poucos são assim, e eu estou parado vinte anos, imagina se tivesse trabalhando”. As ruínas do Cine Acapulco, que hoje só é lembrado quando se fala dos criadouros do mosquito da dengue Cinema em pauta Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 24 Glooge Imagens Além da fronteira O cinema em Mato Grosso do Sul vai além dos regionalismos e mostra sua outra face Camila Valderrama Thiago Gonçalves Thiago Gonçalves Lançado no dia 17 de abril, o filme ‘A Poeira’ coloca em pauta a discussão sobre o cinema sul-matogrossense. Baseado no conto “Nessa poeira não vem mais seu pai”, de Augusto César Proença, o filme foi produzido e dirigido pelo próprio au- tor e por Hélio Godoy - figura de destaque no meio audiovisual em Campo Grande. A produção tem características bem regionalistas, mas é nesse contexto que descobrimos que quem trabalha com cinema no Estado começa a percorrer novos caminhos. A questão é que poucas pessoas sabem, mas o cinema em Mato Grosso do Sul tem facetas diferentes. Um caso interessante é o do curta Nanquim “Nossa cultura é multifacetada e está em constante mutação, reinventando-se a todo instante, a todo momento” Rodolfo Ikeda (2005), de Mauricio Copetti. O filme brinca com a percepção sensorial, misturando imagem, som e forma e mostra que nem só de pantanal vivem as produções sul-mato-grossenses. “Fazer cinema é difícil em qualquer lugar, não é um problema exclusivo do Estado. O que falta são idéias novas, transgressoras. Chega de ficar estereotipando a cultura daqui dizendo que ela é assim e pronto”, diz Copetti. Um dos fatores que permitiram essas mudanças é a tecnologia. Com ela fica mais fácil de se produzir e divulgar o trabalho, que há alguns anos atrás precisaria de muito mais investimento. Hoje estamos bem mais próximos da máxima de que basta “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão.” A internet, que hoje está repleta de sites de vídeos e relacionamentos, traz uma imensa facilidade. Mas apesar das novas possibilidades, ainda há muito por fazer: “precisamos de mais preparo técnico, pessoas com uma melhor formação, mais estudo específico, mais arte na hora de produzir cinema”, afirma Ubirajara Martins, que é jornalista e docu- mentarista local. Ele também nos diz que começam a surgir idéias inovadoras, mas ainda faltam pessoas dispostas a trabalhar. Uma figura nova na área, Rodolfo Ikeda, segue por essa trilha. Um de seus trabalhos, o documentário Entremundos, fala sobre a integração bioceânica da América do Sul. “Acho que através do audiovisual, podemos não só difundir, valorizar e (re)conhecer nossa cultura, nossa identidade, mas construí-la. Porque nossa cultura, assim como quase todas as outras do mundo contemporâneo, é multifacetada e está em constante mutação, reinventando-se a todo instante, a todo momento”, diz Ikeda. É comum imaginar o cinema do Estado, como algo que retrata apenas tuiuiús e outras cenas pantaneiras. Mas ao conversar com as pessoas do meio vemos que há idéias diferentes. Ubirajara Martins afirma que para as novas mudanças, esse é o momento propício, quando estão surgindo pessoas dispostas a trazer um outro conceito de cinema para Mato Grosso do Sul.