Elas não estão de brincadeira
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Elas não estão de brincadeira
CONHECIMENTO Na Prática Uma forma de indicar o caminho mais seguro para quem precisa tomar decisões rápidas e vencer desafios. Considerada diferencial de vantagem competitiva, a logística agiliza as entregas, melhora a gestão de compras e estoques e reduz custos Coaching Comércio eletrônico Março/2010 Ano 33 - nº 285 Elas não estão de brincadeira Sem abrir mão do “jeitinho feminino”, as mulheres chegam ao topo das organizações Capa PROFISSIONAL Revista do Conselho Regional de Administração de São Paulo • CRA-SP Elas é que mandam Aumenta a presença de mulheres nos principais cargos de comando de corporações brasileiras. E elas não abrem mão da feminilidade na hora de guiar os negócios por Diego Sartorato O estereotipo do “yuppie” tomou de assalto as referências ao mundo corporativo no fim dos anos 1980 e começo dos anos 1990: foi a era de jovens executivos empacotados em ternos caros e tênis esportivos, gravatas coloridas e promessas de uma guinada na administração conservadora, por vezes sisuda, das grandes companhias. Décadas depois, eles próprios pouco diferem de seus antecessores, mas o que dizer de suas contrapartes femininas? As mulheres que se empenharam em equilibrar a balança dos gêneros no mercado vêm crescendo em quantidade no mesmo ritmo em que apresentam qualidade, sem abrir mão do “jeitinho feminino” para lidar com os negócios. Falando em números, de acordo com levantamento da agência de empregos virtual Catho, entre as quase 90 mil empresas que têm cadastro no site, o número de mulheres presidentes, CEOs ou equivalentes, saltou de 10% do total em 1996 para 21% em 2009. A média de crescimento é mais ou menos a mesma em todas as funções analisadas, ou seja, a presença das mulheres no mercado em geral do18 brou nos últimos 13 anos. Desde o ano passado, elas já são maioria nos cargos de coordenadora, encarregada ou análogos, ocupando 55% das vagas em cada uma dessas áreas, e devem imperar, nos próximos dois anos, também entre chefes e supervisores. A leitura de Chieko Aoki, proprietária da rede de hotéis Blue Tree e presidente de honra do Grupo de Mulheres Líderes Empresariais (Lidem), é de que o tempo em que não havia espaço para a sensibilidade feminina na liderança empresarial acabou com a cultura do pragmatismo exagerado entre as companhias após a segunda guerra mundial –quando o mais importante era reconstruir, e não inovar. “Naquele tempo, as características da mulher eram vistas como desvantagem, um peso que atrasaria o desenvolvimento. Isso mudou. A mulher geralmente se preocupa em compartilhar, em ter contato com as pessoas no ambiente de trabalho. É uma qualidade que tem sido reconhecida e aplicada inclusive pelos homens”, ressalta. Essa proximidade com empregados e clientes está no cotidiano de Chieko, que escreve e responde e-mails, cartas e bilhetes, e visita periodicamente as unidades da A mulher era vista como um peso que atrasaria o desenvolvimento. Isso mudou” Chieko Aoki, proprietária da rede de hotéis Blue Tree e presidente de honra do Grupo de Mulheres Líderes Empresariais (Lidem) 19 Capa PROFISSIONAL Na marra rede de hotéis, onde aproveita para fazer reuniões de trabalho, desde que não sejam longas e possam ser centralizadas em um endereço por dia. “O trânsito anda terrível”, comenta. O pragmatismo faz parte do lado racional de Chieko: ela costuma dizer que se não vai conseguir fazer algo, não insiste. Foi assim com a tentativa de ter filhos. “Mas não tem problema, meus quatro sobrinhos já dão um trabalhão”, brinca. A empresária diz que não há um padrão que descreva a mulher executiva, nem mesmo entre as participantes do Lidem (hoje, são cerca de 90, que atuam em áreas tão distintas quanto o mercado financeiro e a prestação de serviços em tecnologia). Mas existem traços em comum: a idade da mulher que “chegou lá” circunda os 45 anos; elas costumam manifestar o desejo quase nunca realizado de ter filhos, mas negam sob qualquer hipótese abandonar o trabalho para se dedicar exclusivamente à família ou aos afazeres domésticos, 20 Encontrei obstáculos toda vez que cresci na empresa. Tive de provar minha competência na raça” Adm. Elza Aguiar, vice-presidente da Marinho Despachantes Adm. Elza Aguiar diz que um de seus objetivos é ajudar a empresa a criar mais postos de trabalho trabalho ‘misto’”, avalia. A própria Elza diz que, para realizar tudo que gostaria, teria de considerar sua agenda lotada “até os 79 anos de idade” –motivo pelo qual acabou desistindo dos filhos, “porque, depois dos 30, passou da hora”. Mas ela firmou como objetivo ajudar a empresa a criar mais postos de trabalho e mais oportunidades de crescimento como as que ela teve, para ambos os sexos. “Você me pergunta se não me arrependo de não ter tido filhos. Tenho minhas 60 50 40 Presidente/CEO Vice-Presidente Diretor Gerente Supervisor Chefe Encarregado Coordenador 30 20 10 2005 2006 2007 sobrinhas, que são maravilhosas, e 202 filhos e filhas na empresa. É suficiente”, brinca. “Se alguém me pergunta se eu não estou cansada ou se não queria deixar o trabalho para criar família, eu digo que não. Eu quero é cada vez mais”, afirma. Sete véus Aumenta a participação das mulheres no mercado de trabalho (em %) L E G E N D A Chieko Aoki: “não há um padrão que descreva a mulher executiva” A escalada nem sempre é só cor-de-rosa. A administradora Elza Aguiar, hoje vice-presidente da Marinho Despachantes, uma das maiores empresas do setor, começou na empresa com 16 anos de idade, como recepcionista, e teve de conquistar seu espaço contra tudo e todos. “Nosso ramo de atuação é 100% machista. Encontrei obstáculos toda vez que cresci na empresa. Tinha de provar minha competência na raça. Até hoje, com 30 anos de casa, vicepresidente, ainda tenho dificuldades, tanto entre alguns colegas de trabalho quanto com contatos externos”, conta. “Até porque quando comecei a trabalhar aqui, eu era a única mulher na companhia inteira. Hoje, as coisas estão se equilibrando”, acredita. Responsável pelos maiores filões da empresa no mercado –seguradoras e financeiras–, Elza comanda diretamente um diretor e quatro ge- rentes, além dos 202 funcionários da empresa. E já há novas “elzas” entre eles. “A gente percebe que a mulher investe mais em formação pessoal. Quando nós abrimos inscrição para cursos de aprimoramento, elas são as primeiras. Então há mulheres aqui que, em cinco anos de casa, alcançaram postos mais altos que alguns homens em 30 anos”, afirma. Essa transformação na hierarquia da empresa incentiva os homens a se fecharem em ainda mais machismo? Elza não sabe. De qualquer forma, quando eles são forçados a correr atrás, quem ganha é a empresa. “Temos percebido, sim, ganho na produtividade com um espaço de 2008 2009 O fim do primeiro casamento de Patrícia de Toledo, hoje à frente da diretoria de Desenvolvimento e Apoio do Hospital Geral de Pedreira, situado na Zona Sul da capital paulista, teve relação direta com seu crescimento profissional.”Nós brigávamos porque eu tinha maior poder aquisitivo do que ele. Discutíamos também por causa dos compromissos externos que o meu trabalho exige. Acho que ele esperava que eu fosse uma dona de casa”, conta. Ela casou-se novamente e os problemas acabaram. “Mas no começo eu percebia algum desconforto nele, por exemplo, quando queríamos comprar algo. Ele fazia as contas e dizia: ‘não dá’. Aí eu dizia, dá sim, eu tenho esse dinheiro”, lembra. O momento é de atenção total ao Hospital de Pedreira, que se prepara para conquistar as últimas credenciais para que seja considerado o me- Cresci como profissional e estudei muito para deixar sempre clara a minha competência” lhor hospital público do país –sob a direção de uma organização que, há séculos, é liderada por mulheres. “É um grupo de quase 500 anos tocado por freiras, então sempre teve as mulheres à frente. Também por isso nunca sofri preconceito entre os colegas. Cresci profissionalmente aqui dentro e estudei muito para deixar sempre clara a minha competência”, afirma. Para ela, a mulher consegue muito mais facilmente invocar a sensibilidade no ambiente de trabalho. “Se torna uma vantagem sobre os homens. Acho que eles não gostam de ouvir isso, mas...”, comenta. Patrícia tem MBA em serviços de saúde e atualmente faz pós-graduação em administração hospitalar. Sua mãe, que não pôde ter ensino superior, sonhava com esse sucesso. “Mas não acreditava que iria tão longe”, comemora Patrícia. E com tantas atividades, a agenda continua dificultando as horas livres, mas ao menos ela encontrou uma atividade física que, ao mesmo tempo em que reafirma a feminilidade de quem não quer ser vista Foto: Marcelo Marques e frequentemente encontram dificuldades com os parceiros quando são mais bem-sucedidas do que eles. Fora, claro, as adversidades geradas por “núcleos de resistência” do machismo. Foto: Divulçação Foto: Divulgação Revista do Conselho Regional de Administração de São Paulo • CRA-SP Patrícia de Toledo, diretora de Desenvolvimento e Apoio do Hospital Geral de Pedreira (foto) 21 Capa PROFISSIONAL como “gerentona”, ainda agrada ao marido: dança do ventre. “Escolhi porque faz bem à saúde, é prazeroso até para alimentar a vaidade”. Sim, senhora! Já Fátima Ramos Dutra precisa de mais do que exercitar a vaidade para evitar a “curiosidade”, como ela própria diz, sobre sua carreira. Não se trata exatamente de um cargo de CEO, mas exige tanto poder de gerenciamento quanto, ou até mais: ela é coronel da Polícia Militar, subcomandante do Comando de Policiamento 7, baseado em Sorocaba. Sob o seu comando, estão policiais de 79 municípios no interior. “Eu cuido diretamente de todas as questões administrativas dos sete batalhões nessa área mais a sede. É uma carreira mais masculina, mas eu nunca esbarrei em machismo. Sendo uma coronel mulher, vejo muito mais curiosidade. As pessoas ficam me indagando as 22 mesmas coisas que você está perguntando agora”, conta. O primeiro efetivo feminino de polícia de São Paulo surgiu em 1955, com 13 mulheres. Hoje, elas já são 9,5 mil, embora dentro de um contexto de 94 mil policiais militares no total. Mulheres coronéis, há menos de uma dezena. “Elas somam à corporação como qualquer pessoa. A responsabilidade é a mesma entre homens e mulheres. A evolução que houve aconteceu de forma conjunta: estamos todos mais propensos a ouvir, a ser mais sensíveis no trabalho. É uma coisa boa que estejamos todos mais preocupados uns com os outros”, avalia, sobre a contribuição feminina à corporação. Sair da carreira só depois de aposentada. “Talvez dar aulas, que É uma carreira mais masculina, mas nunca esbarrei em machismo” Fátima Ramos Dutra, Cororel da PM e subcomandante do Comando de Policiamento 7 (foto) é algo que eu gosto, ou então lidar com decoração. Parar de trabalhar eu não vou nunca”, ressalta. Fátima vem de família de policiais militares: o pai era PM, sua irmã é sargenta na mesma corporação e a tradição pode ser levada adiante. “Eu ainda quero ter filhos. Por que não? Acho interessante. Mas a polícia eu não largo de jeito nenhum”, afirma. “O importante é ter nos filhos algo que nos motive ainda mais a fazer um bom trabalho. As policiais mulheres que comandamos e que têm filhos são excelentes, prestam um ótimo atendimento. Nossos filhos são beneficiados por uma polícia eficiente”, pondera. Pela internet Mãe de três meninos e diretoraexecutiva da Folha Online e da PubliFolha, respectivamente site e editora de livros do jornal Folha de S.Paulo, Ana Lucia Busch tem a mesma opinião: “Só consigo ser tão feliz por poder trabalhar com o que gosto, do jeito que gosto e ainda assim ter uma família maravilhosa”. Contudo, ela admite que, em um ramo que não tem fins de semana, seu lado dona-de-casa não larga celular e notebook. “Eles reclamam, mas precisam entender. É uma questão de adaptação como em qualquer outra situação da vida”, diz. “É possível separar trabalho e lazer, mesmo que a divisão não seja por dias da semana, e sim por horas do dia”, completa. Pior do que a correria durante a rotina normal, foi estar à frente do veículo eletrônico do Grupo Folha durante o estouro da “bolha” da Internet, em 2002, ocasião em que centenas de empresas virtuais desabaram como um castelo de cartas. “Morreram as empresas que tentaram pôr em prática projetos que só funcionaram em tempos de exceção. Quem manteve um planejamento austero sobreviveu. A Internet é só um meio, não pode alterar a forma de conduzir os negócios. Quem não percebeu isso não tinha como continuar”, avalia. E as finanças pessoais? Independentemente da experiência de enfrentar uma crise de mer- cado em uma grande companhia ou do dia a dia naturalmente puxado, as prioridades de Ana Lúcia resumem o que pesquisas É possível separar trabalho e lazer, mesmo que a divisão não seja por dias da semana, mas por horas do dia” Ana Lúcia Busch, diretora-executiva da Folha Online e da PubliFolha (foto) apontam como consenso entre as mulheres que comandam as contas da casa: “Viagens diferentes, livros para as crianças e Foto: Divulgação Foto: Divulgação Revista do Conselho Regional de Administração de São Paulo • CRA-SP aprendizado de novas coisas”. Lazer, família e aprimoramento p r of i s s io na l. “A r e co m p en s a é enorme”, garante.