Mesmo atrasada, BR-163 atrai cobiça de empresários

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Mesmo atrasada, BR-163 atrai cobiça de empresários
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Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 21/6/2010 (21:1) - Página 16- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW
Enxerto
A16
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Valor
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Segunda-feira, 21 de junho de 2010
Especial
Desenvolvimento Até agora, apenas 23% do que foi contratado está pronto
Mesmo atrasada, BR-163
atrai cobiça de empresários
Mauro Zanatta
De Altamira, Novo Progresso,
Itaituba e Rurópolis (PA)
Aos poucos, e ainda lentamente,
o asfaltamento da BR-163 começa
a sair do projeto onde permaneceu
ao longo dos últimos 34 anos. Mas
a rodovia que rasga o coração do
país, ligando Cuiabá (MT) a Santarém (PA), ainda terá um sinuoso
caminho até superar crateras, atoleiros e o poeirão típicos de seus
956 quilômetros de terra batida.
Otimista, o governo estima concluir metade da obra de R$ 1,5 bilhão até o fim de 2010. Até agora,
porém, apenas 93 km dos 408 km
contratados foram efetivamente
terminados, informa o Departamento Nacional de Infraestrutura
de Transportes (Dnit). Em 12 trechos, só 23% foram finalizados até
aqui. Outros 506 km da estrada,
que figura como prioridade no
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ainda são um esboço
dependente da contratação de
empreiteiras — isso equivale a 45%
do total da obra. Os trechos em
convênio com o Exército são alguns dos mais atrasados. Ainda assim, a confiança na pavimentação
da BR neste ano é tanta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve
inaugurar, em julho, um pequeno
trecho de 5 km que corta a cidade
de Novo Progresso, mas que ainda
liga o nada a lugar nenhum.
Embora em ritmo demorado, a
rodovia registra alguns trechos
um pouco mais avançados, onde é
possível avistar as máquinas dos
sete consórcios empreiteiros e dos
dois batalhões de engenharia do
Exército. A movimentação de
peões e máquinas já excita os moradores das cidades do eixo da
BR-163 e desperta a cobiça de empresários por oportunidades futuras, sobretudo em infraestrutura,
agroindústria e serviços. A cons-
trução de pontes, galerias pluviais
e obras de drenagem e terraplenagem sinaliza aos empreendedores
a chance de bons negócios.
No fim de maio, o Valor acompanhou um grupo de empresários
durante as vistorias do diretor-geral do Dnit, Luiz Antônio Pagot, às
obras da rodovia. “A BR vai ser um
forte vetor de atração de capital.
Estamos fazendo devagar, mas
bem feito. Temos 2 mil máquinas
nos trechos e toda a estrada já está
em obras”, disse Pagot. Ao longo
de 1,3 mil km, de Sinop (MT) a Santarém (PA), a comitiva foi efusivamente recebida por políticos e lideranças locais com foguetórios e
propostas de investimento.
Grandes grupos, como Bertin e
Amaggi, aguardam avanços na BR
para tirar planos do papel. “Itaituba, por exemplo, vai virar um porto importante para escoar os
grãos do norte de Mato Grosso”,
disse o ex-governador Blairo Maggi, dono da Amaggi. “Estamos
aqui por isso, já que progresso
não passa em estrada de chão
nem dorme no escuro”, discursou
em Rurópolis, no entroncamento
da Transamazônica com a BR-163.
O prefeito local, Aparecido Florentino (PMDB), fez apelos à caravana. “Invistam aqui, por favor”.
Sob o sol abrasador, o administrador do porto de Santarém, Celso
Lima, informou que aplicará R$ 68
milhões na expansão das instalações em 2011. “A demanda vai passar de 6 milhões para 10 milhões
de toneladas de grãos por ano. E
teremos madeira e carga frigorificada. Tudo alfandegado”, previu. A
multinacional Cargill, segundo Lima, ampliará sua área portuária
para receber outras 5 milhões de
toneladas de grãos das novas fazendas de soja e milho da região.
Em Castelo de Sonhos, o gerente
da usina Curuá, controlada pelos
grupos Bertin e Dias, revelou que
as empresas têm um projeto de
R$ 6 milhões para levar aos confins
do Pará “banda larga” de internet
por meio de 150 km de cabos de fibra ótica, a partir de Guarantã do
Norte (MT). “Teremos uma demanda forte por aqui”, previu Flávio
Belloni. Uma das maiores empresas de leilão de gado do mundo,
que chegou a vender 31 mil bois
em uma tarde, a Estância Bahia já
começou a comercializar rebanhos da região. “Num raio de 200
km de Castelo, existe 1,5 milhão de
bois. É muito gado. Vamos fazer
muito negócio aqui”, disse o empresário Maurício Tonhá.
No mesmo tom entusiasmado,
Aldo Locatelli, cuja rede de postos
fornece 10% de todo o óleo diesel
consumido em Mato Grosso, planeja ampliar os negócios. “Temos
muito interesse, mas depende desse asfalto sair”, ressalvou. O dono
da Verde Transportes, ex-Real Norte, prevê aumentar a frota de 150
ônibus para atender à nova demanda que virá com o asfalto. “Vamos dobrar o movimento em pouco tempo. Hoje, ficamos sem rodar
alguns dias do ano por causa dos
atoleiros”, disse Eder Pinheiro.
Dono da revenda Mitsubishi em
Cuiabá, Paulo Boscolo colocou a
163 no radar. “Essa região tem
muito futuro. Estamos testemunhando um momento que vai ficar
na história”, disse na viagem. O
empresário Joci Piccini, dono da
revenda New Holland em Lucas do
Rio Verde (MT), também entusiasmou-se. “Esse asfalto vai, finalmente, chegar. Depois disso, nossa
região vai ter outro impulso. E vamos participar”, afirmou.
Ao longo dos três dias de viagem pela BR-163, os empresários
identificaram as oportunidades,
mas constataram a morosidade
das obras. Em alguns trechos, máquinas novas se perfilavam sem
trabalhar. Em outros, a terra bati-
da molhada para a passagem da
comitiva denunciava a preocupação em impressionar a caravana. E
toparam com o ceticismo de parte
dos moradores. “Só acredito vendo”, resumiu o potiguar Francisco
Nogueira, 75 anos. Há 20 anos em
Castelo de Sonhos, ele lembra de
ter levado 11 horas para chegar a
Cuiabá e implantar um marca-passo. “Foi um desespero”.
Em Trairão, o produtor Elias Alves Pontes também duvidava do
asfalto: “Todo ano de política é assim. Prometem tudo, mas o asfalto
nunca chega”. Em Novo Progresso,
o vereador Ubiraci Soares (PT) ironizou: “É um momento histórico.
Foi a primeira vez que vimos a Polícia Rodoviária por aqui”, disse ele.
Há dois anos, a reportagem do Valor percorreu a BR-163 entre Sinop e
Novo Progresso. De lá para cá, pouca
coisa mudou. Fora os “batedores” da
Polícia Rodoviária Federal, e alguns
poucos PMs locais, a estrada continua sem patrulhamento efetivo. As
fazendas de gado continuam a todo
vapor, mesmo aquelas em situação
irregular localizadas dentro da Floresta Nacional do Jamanxim. Em
Castelo de Sonhos, os pecuaristas
querem liberar 580 mil hectares
ocupados de forma ilegal para seguir produzindo. “É um direito nosso”, disse Nelci Rodrigues, presidente da associação dos produtores.
No eixo da estrada, ainda jazem
enormes castanheiras queimadas
em pé. E caminhões abarrotados
de toras de madeira seguem o percurso esburacado. A população
das localidades continuam a reclamar mais atenção do Poder Público para a urgência de sua presença
na região, ainda assolada por grileiros, pistoleiros e crimes ambientais. O plano federal de regularização fundiária começou a engatinhar, mas ainda não foi concluído.
Pé no asfalto
Dados sobre as obras nos diversos segmentos da BR-163
PA
BR-163
Construção
de 57 pontes
Da divisa de MT até o
entroncamento com a
BR-230 (Transamazônica)
Santarém
Itaituba
AM
Altamira
Rurópolis
Trairão
BR-230
MA
Novo Progresso
Castelo
dos Sonhos
R$ 112,3
milhões
TO
MT
Em contratação
(empresas AM, Arteleste,
Vereda e A. Gaspar)
Santarém
Trecho 3
Obras: 8º BEC (100% executado)
Valor: R$ 20,8 milhões
KM 914
Trecho 2
Obras: 8º BEC (83% executado)
Valor: R$ 26,1 milhões
KM 872,8
KM 892,8
KM 869,8
Trecho 1
Obras: 5º e 8º BECs (em andamento)
Valor: R$ 130,4 milhões
KM 789,5
KM 676,3
Entrada BR-230
Itaituba
Altamira
KM 674,5
Rurópolis
Trairão
KM 537
Segmento 8
Obras contratadas: EIT
Valor total: R$ 141,4 milhões
Valor empenhado: R$ 80 milhões
Extensão: 112,7 km
Segmento 7.3
Menor preço: consórcio
CBEMI/Contern/DM
Valor total: R$ 150,4 milhões
Extensão: 137,5 km
Segmento 7.2
KM 419,9
Menor preço: consórcio
CCM/EHL/Ferfranco/
França Simões
Valor total: R$ 223,2 milhões
Extensão: 117,1 km
Segmento 7.1
Moraes de Almeida
Menor preço: consórcio
Trimec/Encomind
Valor total: R$ 78,4 milhões
Extensão: 65 km
Segmento 6
O jornalista viajou a convite do Dnit
KM 354,9
ANTONIO PUGAS / DIVULGAÇÃO
Obras contratadas: Cimcop
Valor total: R$ 50,5 milhões
Valor empenhado:
R$ 11 milhões
Extensão: n/d
Segmento 5
KM 313,4
Novo Progresso
KM 308,5
Obras contratadas: JM
Valor total: R$ 16,6 milhões
Valor empenhado:
R$ 14 milhões
Extensão: 4,9 km
Segmento 4
Obras contratadas:
3 Irmãos-Camter
Valor total: R$ 72,3 milhões
Valor empenhado:
R$ 30 milhões
Extensão: 68 km
KM 240,5
Segmento 3
KM 173,2
Obras contratadas:
Contem-Cetenco
Valor total: R$ 75,5 milhões
Valor empenhado:
R$ 55,4 milhões
Extensão: 67,3 km
Segmento 2
KM 102,3
Castelo dos Sonhos
KM 0
Governo federal ainda quer concluir metade da obra até o fim do ano, mas apenas 93 dos 408 quilômetros contratados foram asfaltados até agora na BR-163
Obras contratadas: Torc-JM
Valor total: R$ 76,9 milhões
Valor empenhado: R$ 24,8 milhões
Extensão: 70,9 km
Segmento 1
Menor preço: consórcio
Cavalca/Agrimat/Lotufo
Valor total: R$ 206,4 milhões
Extensão: 102,3 km
Fonte: Dnit
Programas ambientais não detêm desmatamento na região
De Novo Progresso (PA)
Principal preocupação de ambientalistas de todos os matizes
na região Amazônica, o asfaltamento da BR-163 tem sido cercado de cuidados com a preservação da floresta. Mas essa preocupação está longe de significar
um freio nas pressões por desmatamento na região.
Criticado pela demora em tirar do papel o “Plano BR-163
Sustentável”, o governo contratou alguns consórcios para supervisionar e garantir a implantação dos programas ambientais
na região de influência da rodovia federal. Até agora, porém, so-
mente metade das iniciativas está em andamento, o que foi insuficiente para brecar o avanço
da devastação na região. Para
chegar a 100%, serão necessários
mais seis meses de trabalho.
“As estradas vicinais estão se
expandindo. A mudança no uso
do solo é rápida e a integração
dos órgãos do governo é muito
difícil”, diagnosticou o geógrafo
Marcos Freitas, coordenador de
14 dos 21 programas da “BR-163
Sustentável”. O esforço ambiental do governo, segundo ele,
“segura a estrada, mas não dá
conta da dinâmica de ocupação
da região” provocada pelo
sonhado asfalto.
No comando de 120 pessoas e
de um sistema de informações
via satélite ao longo de 956 km
entre Guarantã do Norte (MT) e
Santarém (PA), Freitas aposta em
“alternativas reais” ao cultivo de
soja, à criação de gado e à extração ilegal de madeira. O coordenador prega uma “mudança de
modelo econômico” para, além
de cumprir as exigências legais,
ser “mais equilibrado” em sua
aplicação. “A 163 pode trazer
ideias novas. Mas se for só para
proteger os 20 km da faixa de domínio, aí teremos problemas”,
afirmou. “A soja não vai vingar,
mas a pecuária extensiva está aumentando”, disse Freitas, coorde-
nador-executivo do Instituto Virtual Internacional de Mudanças
Globais (IVIG) da Coppe-UFRJ.
A “nova ideia” defendida por
Marcos Freitas é a aposta na cultura de dendê na região. “É uma
bela oportunidade. Temos logística e vai gerar muito mais emprego e renda aos moradores locais”, argumentou. “O dendê gera até 10 empregos a cada 30 hectares e o boi dá um a cada 1 mil
hectares”. Freitas calcula que o
dendê da BR-163 seria suficiente
para atender todo o sistema elétrico isolado do Norte do país,
hoje abastecido por óleo diesel.
“Com 700 mil hectares de palma,
ou apenas 1% da área degradada
atual, é possível resolver o caso”,
disse o especialista. Isso equivaleria, segundo ele, à metade de um
ano de desmatamento médio registrado nos anos 1990.
Entusiasta da alternativa, Freitas dá outro exemplo: se o Brasil
usasse uma mistura de 25% de
biodiesel no óleo combustível, o
país teria que canalizar 90% do
óleo de soja produzido em território nacional. “Por isso, precisamos do dendê. E aqui é o lugar”.
Dos programas mais importantes para convencer a população local da importância de preservar a floresta, Marcos Freitas
aponta a educação em escolas,
canteiros de obras e empresas da
região. “Mais do que tudo, é a
educação, a consciência, que vai
ajudar a preservar a Amazônia”,
argumentou. O professor disse
que as empresas que operam ou
têm planos de operar na região
terão que buscar um certificado
de qualidade ambiental, tipo
“ISO”, para permanecer na região. “E isso pode ser um trunfo
que nos garantirá aliados preciosos”, disse Marcos Freitas.
As ações sociais previstas no
“Plano BR-163 Sustentável”, porém, estão longe de melhorar a vida dos moradores locais. “Rezamos
dia e noite para isso aqui dar certo”,
disse Cleo Becker, dona de pousada
em Castelo de Sonhos. (MZ)