Situação de violência no cotidiano da vida do adolescente na zona

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Situação de violência no cotidiano da vida do adolescente na zona
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA NO COTIDIANO DA VIDA DO
ADOLESCENTE NA ZONA NORTE DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
Maria Helena RuZIJIIY', Carmem lides F. Asmus' ,ZiJoh Vieira Meirelles', Suyanna
Linha/es Barker'
'Professora Assistente do Núcleo de Estudos em Saúde do Adolescente - NESAlUERJ; doutoranda da Escola Nacional de Saúde Pública.
2Proressora Assistente do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Fedeml do Rio de Janeiro - NESC/
UFRJ; Médka do NESAlUERJ.
3Espccialisla em Educação e Saúde pelo Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da UFRJ ; Meslranda da
Escola Nacional de Saúde Pública, Assistente Social Consultora de Projetos do NESNUERJ.
·Psicóloga do Núcleo de Estudos em Saúde do Adolescente - NESAlUERJ; Mestre em Psicologia Social.
RESUMO: Com o prop6sito de melhorar a
ABSTRACT: The purpose of this study was
eficácia das ações de saúde prestadas pela equipe
to beuer know the target popu lation served by
the Center for Adolescent HealLh Care of the
Universidade do Estado do Rio de Janeiro at the
Model of Adolescent Health Care Projec~ granted
by Kellogg's Foundation, 10 promote institutional
changes improving lhe efficacy of its activities
of health promotion and assistance delivery. A
self-administered structured queslionnaire was
developed forthe Sludy, which was filled by 1034
adolescents with the average age of 15.6 (SD:
2.13) and 57 percent fema le. As results we found
lhat 45 percent had beeo victim of some type of
violence: assaulls with 63 percent, street fights
30 percent. physical abuse aI home with 16
percent. sexual abuse with 14 percent and
unjustified imprisonment with 3 percent. Some
62 percent indicaled lhat they participated in
organized, social group aClivilies: school. sports,
religious and political. When asked whal they
thought was the best way to bring about positive
change in sociely. 72 percent said lhey thought
that participation in group activities. We conclude
that our target adolescent population is in high
risk ofbeen victim of violence by externaI causes
but also by social and family abuse. Group
activities seem to be real poss ibilities of
intervention by lhe working team in developing
violence prevenlion aClivities.
do Núcleo de Estudos de Saúde do Adolescente
(NESA) da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) no "Projeto Modelo de Atenção
à Saúde Integral do Adolescente" financiado pela
Fundação W.K. Kellogg , foi realizada uma
pesquisa de caráter exploratório e descritivo em
uma amostra da população adolescente que
freqüentava as instituições participantes do
projeto na zona norte do Município do Rio de
Janeiro. Para este artigo foram selecionadas as
informações correspondentes às perguntas sobre
violência e participação em atividades de grupo.
A amostra foi constituída de 1034 participantes,
sendo a média de idade de 15,6 anos (DP: 2,1) e
57% do sexo feminino. Como resultado verificouse que do lotai de participantes 45% referiram
que tinham sofrido algum tipo de violência:
assalto 63%, brigas de rua 30%, agressões ffsicas
em casa 16%, abuso sexual 4% e prisão sem
motivo 3%. Quando perguntados se participavam
em atividades de grupo, 62% responderam
afirmati vamente: escolares, desporti vas,
religiosas e políticas. Ao serem quest'i onados
sobre qual a melhor forma de modificar a
sociedade, 72% optaram por ações coletivas.
Conclui-se que a população assistida pelo projeto
é sujeita a um elevado (ndice de violência, tanto
na rua quanto no meio familiar. A grande
participação de adolescentes em atividades
grupai s apontou à equipe a necessidade destes
espaços serem aproveitados para o
desenvolvimento de ações de prevenção da
violência.
Key words: Adolescence;
Violence.
PubJic Health;
Palavras-chave: Adolescência; Saúde Pública;
Violência.
131
t
Gad. Saúde Co/el. 5 (2), /997
INTRODUÇÃO
A partir de 1990, com O
desenvolvimento do Projeto "Modelo de
Atenção à Saúde do Adolescente"
(MAISA), apoiado pela Fundação W. K.
Kellogg, o NESA expandiu seu campo de
A violência vem sendo um tema
prioritário na agenda dos responsáveis por
programas de atenção ao adolescente devido
aos elevados índices de mortalidade por
causas externas neste grupo populacional.
atuação redimensionando-o para atender
aos problemas primários de saúde dos
adolescentes da IX RA, através da
promoção e prevenção de saúde em di versas
Estes índices refletem, em parte, a grande
proporção dos agravos de saúde provocados
pela violência (YUNES, 1993; PHEBO,
1996; NASCIMENTO, 1996). Por outro
lado , nos serviços que lidam diretamente
com crianças e adolescentes vítimas de
violência o problema nem sempre é encarado
instituições de saúde, educação. trabalho e
organizações comunitárias.
No sentido de nortear as ações
iniciais deste projeto, a equipe do NESA
realizou um estudo sobre o perfil da
população adolescente nas áreas de
expansão do trabalho. Este estudo, inclufa
perguntas para avaliação do perfil da
com O cuidado que merece, com um
planejamento estratégico adequado, sendo
esta clientela abordada sem um atendimento
diferenciado conforme necessita.
Compreende-se que esses serviços seriam
população, grau de conhecimento sobre
aspectos da própria saúde, participação
social e situações de violência. Os resultados
espaços privilegiados de intervenção.
Entretanto, devido às inúmeras dificuldades
em lidar com esta problemática , os
profissionais deixam de atuar de forma eficaz
(SOUZA, 1996). No sentido de melhorar
foram de extrema importância para o
planejamento e a execução dos programas
vai tados para a promoção de saúde do
adolescente pela equipe do projeto. O
objetivo deste artigo é apresentar os dados
desta pesquisa voltados para os aspectos de
esta situação. algumas organizações
governamentais e não-governamentais vêm
violência e participação social comparando-
propondo a implementação de programas de
atenção integral à saúde da população
adolescente com preocupação específica na
os com as publicações de outros autores que
vêm estudando as causas e ereitos da
violência no mundo atual.
prevenção da violência.
Dentro desta perspectiva, o Núcleo
de Estudos de Saúde do Adolescente
(NESA) da Universidade do Estado do Rio
MATERIAL E MÉTODO
Para a realização da pesquisa foi
elaborado um questionário estruturado de
caráter exploratório e descritivo com
perguntas sobre o perfil da população, grau
de Janeiro vem ampliando sua atuação
desenvolvendo um projeto de extensão nas
áreas circunvizinhas ao campus universitário
na IX Região Administrativa, englobando
ações de prevenção da violência. O Núcleo,
criado em 1974, é centro de referência para
problemas de saúde da população
adolescente do Estado do Rio de Janeiro.
de conhecimento sobre aspectos de saúde,
participação social e situações de violência.
Cabe ressaltar que o questionário foi
elaborado com questões fechadas, de fácil
compreensão para auto aplicação;
entretanto, em alguns casos, devido a
Sua linha de atuação, em consonância com
as diretrizes do Programa de Saúde do
Adolescente do Ministério da Saúde PROSAD , tem como proposta a
integralidade das ações de saúde para esta
faixa etária. A estrutura de serviço é bastante
dificuldade de leitura e entendimento do
conteúdo das perguntas por parte de
alguns participantes , optou-se pela
reali zação de entrevistas. Todos os
cálculos amostrais foram realizados para
diversificada, contando com um sistema
hierarquizado de saúde nos três níveis de
atenção: primário, secundário e terciário
uma freqüência esperada de 50%, mais ou
menos 5%, com 95% de limite de
(RUZANY et aI. 1995).
Cad. Saúde Coleto 5 (2i, /997
confiança.
132
l
,
de Educação da UERJ. Nesta escola, por
ocasião da pesquisa, o corpo discente
contava com 993 alunos, formado por 50%
de alunos selecionados em exames de alta
competitividade e 50% por alunos filhos de
A escolha das instituições para
aplicação do questionário foi pelo critério
de envolvimento anterior da equipe, ou
futura participação, nas ações de
intervenção do Projeto "MAISA", dandose prioridade às localizadas na IX RA. A
amostra estudada foi de 1034 adolescentes
que freqüentavam algumas atividades nestas
instituições . Os questionários foram
aplicados em seis instituições abrangendo
os setores de saúde, educação e trabalho.
No setor saúde, optou-se pela
Enfermaria Aloysio Amâncio da Silva,
localizada no Hospital Universitário Pedro
Ernesto, e pelo ambulatório do Pavilhão
Floriano Stoffel, ambas unidades de
atendimento do NESA. Os adolescentes
participantes da pesquisa foram os usuários
destes serviços durante o período do estudo.
A enfermaria, com 20 leitos, estava lotada
e todos participaram . Além destes, três
adolescentes foram incluídos, apesar de já
Cuncionários da universidade ou de
professores universitários, selecionados
através de exames entre seus pares. A
segunda, Colégio João Alfredo, tinha na
ocasião 1554 alunos, sendo uma escola
estadual de segundo grau e destinada à
formação de professores de nível primário.
No sentido de se evitar viés de seleção,
optou-se pela seleção sistemática da
amostra após a auto aplicação de todo O
universo
dos
alunos
das
turmas
selecionadas. O critério de seleção das
turmas foi a presença de alunos dentro da
faixa etária de 10 a 21 anos, sendo
selecionados 273 questionários de cada
escola configurando cerca de 20% do
universo de alunos de cada escola.
No setor trabalho, área recente de
expansão de trabalho da equipe, estudamos
o Camp de Patrulherismo do Bairro de Vila
Isabel e a Empresa Brasileira de Petróleo
(PETROBRÁS), que foram convidados e
aceitaram participar do projeto. Destas duas
instituições, o CAMP de Patrulheirismo é
estarem de alta, pois manifestaram desejo
de participar da pesquisa. No ambulatório,
foi estabelecida uma amostra de cerca de
20% do atendimento mensal no período do
estudo, que durou dois meses, a partir de
uma estimativa de 2000 atendimentos por
mês. Desta forma , participaram 372
adolescentes. Esta amostra foi obtida
através da distribuição do questionário de
maneira sistemática entre os adolescentes
que concordavam participar, procurandose cobrir todos horários e dias de
uma organização não governamental que dá
formação básica a adolescentes carentes na
fase do ingresso no mercado de trabalho,
abrangendo informações sobres entrevistas
para um trabalho até noções de informática.
Vários bairros do Rio de Janeiro têm este
tipo de programa financiados, em parte, pela
Indústria e Comércio do Estado. Na ocasião
do estudo, o CAMP escolhido contava com
63 alunos matriculados, sendo que todos
atendimento.
No setor educação, escolheu-se o
Colégio de Aplicação da UERJ onde a
equipe já vinha participando do
desenvolvimento de ações preventivas antes
da aprovação do Projeto MAISA; e o
Colégio Estadual João Alfredo que foi
participaram da pesquisa. A outra, a
PETROBRÁS, é
uma
instituição-
convidado a participar e aceitou. O primeiro
empresarial estatal, que aceita jovens
é freqüentado por alunos de classe média
alta e o segundo por alunos de classe média
baixa o que permitia à equipe ter um campo
de atuação mais abrangente no que se refere
ao perfil da clientela. O Colégio de
Aplicação da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro recebe alunos de primeiro e
segundo graus e é utilizado como campo
de prática para a formação de professores
de nível secundário, alunos da Faculdade
trabalhadores em seu quadro e eSlá
localizada na IX RA. Na época contava com
120 adolescentes estagiários-bolsistas. A
maioria destes jovens são de baixa renda e
egressos dos cursos de patrulherismo. Esses
adolescentes permanecem na empresa até
completarem 18 anos, quando têm que se
alistar nas Forças Armadas. Para este
estudo, participaram 29 adolescentes
voluntários.
133
Cad. Saúde Colet. 5 (2), 1997
Durante a fase da coleta de dados,
um grupo de profissionais do NESA e
alunos de graduação , bolsistas da
Universidade, ficavam à disposição dos
adolescentes para explicar os objetivos da
pesquisa e tirar dúvidas. No estudo das
variáveis, oplou-se pela utilização do
"software" do Epi-Info, versão 5.0.
escolas, com 48%; desportivos, com 39%;
religiosos, com 18,9%; amigos do bairro
em que moram , com 3,4%; ecológicos,
com 2,2% e políticos, com 0,8 %. Ao
serem questionados sobre a melhor forma
de modificar a sociedade, 72 ,4 %
;
responderam que seria atrav és da
participação em atividades coletivas,
19,6% não tinha idéia e 8, I %, através de
ações individuais.
RESULTADOS
A distribuição geral por idade
variou de 8 a 25 anos, com 67 % da
população entre 14 e 17 anos e média
etária de 15,6 anos (DP: 2, 13). Quanto
ao sexo, 57,4% eram do sexo feminino e
42,6 % do sexo masculino. Quanto à
procedência , 65,9% não moravam na
comunidade próxima da Universidade,
porém freqüentavam os serviços deste
bairro . Do total , 79,5% referiram que
DISCUSSÃO
1
O Município do Rio de Janeiro,
assim como os grandes centros urbanos
do mundo, vem convivendo com um
grande problema de saúde pública: a alta
morbi-mortalidade devido à violência
(REICHENHEIM el ai. 1994). No Bras il,
segundo YUNES (1993) de 1979 a 1990,
o aumento da mortalidade decorrente de
moravam com ambos os pais. entretanto
79,5% referiram a mãe como responsável
pela família e 3,45 não conheciam o pai .
causas violentas foi de 36 % para a
população de adolescentes e joven s,
Em relação ao exercício de atividades
laborativas, 17,8% trabalhavam sendo que
I 1,7% contribuíam com o sustento da
família.
Dos adolescentes participantes do
estudo, 74,9% moravam em casa própria,
sendo que 12,3% das moradias não
contavam com saneamento básico e rede
de esgotos, 12,3% não tinham coleta de
lixo domiciliar e 4,9% não tinham água
encanada. Quanto à escolarização 90,2%
freqüentavam a escola, porém 6 I ,2%
15 a 19 anos de idade, para o qual
sendo mais significante para o grupo de
apresentou um incremento no período de
52% para0 sexo masculino e de 22% para
o sexo feminino . Deve-se levar em conta
que, conforme enfatiza MINAYO (1994),
se por um lado, os dados de mortal idade
são pouco confiáveis, devido a registros
sem causa básica definida; por outro lado,
os de morbidade são ainda mais
problemáticos. pois os traumas físicos,
psicológicos e morais são de difícil
registro.
haviam repetido ano. com média de anos
repetidos de 2,37 (DP: 1,93).
Neste estudo, realizado pelo NESA
na Zona Norte do Rio de Janeiro ,
observou-se que quase a metade dos
entrevistados tinham sofrido algum tipo
Quando inquiridos sobre se tinham
sofrido algum tipo de violência 45,3 %
responderam afirmativamente. A primeira
causa referida foi assalto, com 62,9%,
seguindo-se brigas de rua, com 29,8%,
agressões físicas em casa, com 16,3%,
atropelamentos , com 13,6% , abuso
de violência, sendo que destes, a maioria
referiu ter sido vítima de assaltos.
Comparando com os dados publicados
pelo Hospital Miguel Couto, Zona Sul do
Rio de Janeiro, no período de 1989 a
199 I, verificou-se que, também neste
sexual , com 4,2% e prisão sem motivo,
com 3,1 %.
dos
adolescentes
6 I ,6%
responderam que participavam de
atividades de grupo . Entre as principais
hospital, os motivos de maior procura do
serviço de emergência, foram as causas
externas, compreendendo 3 I ,9 % das
consultas de adolescentes na faixa de 15
a 19 anos, onde 30,3 % foi devido a
atividades foram assinaladas: grupos nas
Cad. Saúde ColeI. 5 (21, /997
134
agressões (PINHEIRO, 1994). Uma
publicação do National Health Interview
Survey (NHIS, 1991) indica que, por ano,
nos Estados Unidos, 30% das crianças e
adolescentes entre 5 a 17 anos, sofrem
alguma lesão traumática, sem especificar
se seriam intencionais ou acidentais.
Analisando estes dados, pode-se verificar
que pesquisas com crianças que sofreram
abuso físico ou emocional e negligência
nas relações familiares, concluíram que
estas crianças apresentavam maior
dificuldade
mundial , o que demonstra que há
necessidade de se colocar em prática
medidas eficazes para a solução do
problema pois, segundo EARLS (1991)
a sociedade que demonstra uma elevada
tolerânci a à violência, pode eSlar
encorajando inadvertidamente a mesma.
Oulros dados relevanles do eSludo
realizado pelo NESA se referem ao alto
percentual de agressões físicas em casa e
ao número significante de relatos de abuso
sexual e prisões sem motivo conhecido.
Este conjunto revela que a falta de
ambiente
do
com
os
mãe, o que indica sua ausência na
supervisão doméstica e uma ~Ita pressão
para solução das dificuldades financeiras
dentro do lar. Vale lembrar que, como uma
característica feminina, as mulheres têm
uma tendência a exercer suas funções em
atividades não remuneradas ou com baixa
remuneração, colocando suas famílias em
constante risco de permanecerem dentro
de situação de extrema pobreza
(ANDERSON, 1994). Por outro lado,
Florenzano, em um artigo que discute a
problemática da situação familiar dos
adolescenles, atribui à deseslabilização da
respeito aos direitos do menor,já aparece
próprio
relação
(GIOVANNONI,1982).
No grupo estudado, pela pesquisa
do NESA, a maioria vive do sustento da
que este fen ômeno tem repercussão
no
na
companheiros e baixa auto estima
lar.
família como
instituição um
dos
problemas que mais lem afetado a
juventude de hoje, não somente pelo
Possivelmente, O elevado grau de
violência doméstica
pode ser
correlacionado à prática abusiva do
direito de repressão da família ao
chamado comporlamento rebelde do filho
(DESLANGES, 1994). Apesar de não se
elevado índice de separação, como
também pela perda da convivência
familiar e pela falia de comunicação entre
os membros da família (FLORENZANO,
1993).
A referência de abuso sexual
merece uma discussão à parte, visto que
o grande alvo desla prática são
adolescentes com idade abaixo de 18 anos
(KILPATRICK, et ai. 1992). A grande
tcr registro neste estudo, o uso de bebidas
alcoólicas ou de outras drogas, pode ser
considerado como uma das causas
possíveis dos fatores desencadeantes dos
maus-tratos (MIN. SAÚDE, 1993). Nesle
âmbito, vale relatar que alguns estudos
chegaram a uma teoria de que a violência
maioria, segundo dados de diversos países
pode ser aprendida dentro dos grupos
mais íntimos como a própria família,
como Chile, Perú , Malásia, México ,
Panamá, Papua Nova Guiné e Eslados
Unidos, é vítima de pessoas conhecidas
(HEISE, et ai. 1994). Como os relatos
turma de amigos e outros, como as
"gangs", lornando-se modelos de
conduta. Esta teoria e alguns trabalhos
sobre abuso sexual , nem sempre são
coletados pelo profissional de saúde, o
empíricos sugerem que experimentar ou
ser vítima de violência aumentaria o ri sco
que um adolescente vir a usar violência
adolescente, na maioria da vezes fi ca sem
orientação e sem a possibilidade de
prevenir os problemas que possam advir
desta prálica.
contra outros (DURANT el aI , 1994).
Estes fatos são relevantes na
medida em que, segundo os estudos de
Muza e outros autores, o adolescente
vítima de violência, apresenta mais
Os poucos registros de prisão sem
motivo conhecido, indica a ponta de um
"iceberg", que se refere à prática da
dificuldade em seus processos adaptativos
(14). Dentro desla análise, vale destacar
repressão gratuita ao adolescente, em
geral de classes sociais desfavorecidas.
135
Cad. Saúde Colet. 5 (21, /997
No Brasil, segundo CRUZ-NETO (1994),
existe hoje uma falta de respeito à
cidadania, justificada pelo incômodo
causado pela presença de uma camada
social sem chances, candidata à
visto como bastante promissor pois deixa
uma possibilidade de intervenção positiva,
principalmente porque os próprios
adolescentes colocam a atividade coletiva
como uma possibilidade de mudança
efetiva da sociedade. GONZALES
PORTAL (1992) incenti va as práticas
grupais como forma de se obter condutas
delinqüência e que, portanto , seria
indesejada pela camada social bem
sucedida ou dominante. Os jovens pobres,
que conseguiram sobreviver à primeira
"prosociais", considerando importante o
reforço individual , através do incentivo
ao relacionamento inlerpessoal. O
desenvolvimento
de
novos
infância , hoje se deparam com uma
organização repressiva que, legitimada
pelo exercício de proteção ao poder
relacionamentos é, segundo FRIEDMAN
( 1993), de todos os aspectos da
vigente. permite o desmando, que vai da
prisão sem motivo ao sumário extermínio
coletivo de menores.
adolescência, o mais saudável. Cabe aos
As referências a atropelamentos
entre os participantes da pesquisa, remete
adultos aproveitar esta brecha para
para um outro tipo de violência ,
sistematizar uma educação mais adequada
visando criar condições mais saudáveis
considerado
para as futuras gerações.
como
fruto
do
desenvolvimento. mas que também pode
Em conclusão, os dados da
denotar um descaso da sociedade frente
a este problema de sa úde pública,
chamado de epidemia do trauma
(MELLO-JORGE, e/ ai). No Brasil, dos
12% de óbitos devidos a causas externas,
30% é devido a acidentes de trânsito. Os
coeficientes padronizados , em quase
pesquisa e a revisão da literatura apontam
que o problema da violência está
todos os municípios do Brasil , são quase
pertinente para intervenção na prevenção
da violência buscando-se o incentivo de
condutas sociais de respeito aos direitos
ocorrendo em nível internacional e que a
grande vulnerabilidade dos jovens é mais
contundente nas camadas sociais menos
favorecidas . O espaço de atividades de
grupo pode se constituir como um local
sempre superiores a 20 por 100 000
habitantes, ou seja. superiores àqueles
observados em outros países. Agravando
este dado, sabe-se que existe um sub
do outro e de reforço individual , no
sentido de aumentar a resistência a
registro destes acidentes, pois a vítima em
condutas perigosas, propiciando a
geral é um pedestre e o perpetrador um
proprietário de um bem de valor,
diminuição da violência e a valorização
demonstrando
mais
uma
vez
da vida.
a
Os autores agradecem aos seguintes
pesquisadores do NESA a contribu ição no
desenvolvimento da pesquisa: CeJia C. Mathias,
Carolina R. P. Barros, Luiza M. F. Cromack. e
Dulce M. F. Castro.
desvalorização da vida de indivíduos de
classes menos ravorecidas.
Os tópicos do questionário que
abordaram perguntas relacionadas com
aspectos
do
conVlVIO
social,
demonstraram uma alta participação em
atividades de grupo. Este fato , pode ser
Cad. Saúde Coleto 5 (2), /997
136
l,,
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