Trabalho Completo
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Trabalho Completo
Novos matizes no mercado de terras; Uma aproximação reflexiva Soraya Romero Villarreal Universidade Federal de Paraná - Brasil RESUMO O presente artigo conjuga e expõe um conjunto de reflexões e evidências documentares e estatísticas, sobre como na atualidade e de forma progressiva, a terra é o centro da discussão quando se fala de recursos naturais escassos, segurança alimentar e novas formas de investimento do capital financeiro internacional. Esta proposta foca-se em examinar uma das velhas formas - mas com novos matizes -, em que a terra esta sendo explorada e aproveitada. Denominações como Land Grabbing (em inglês), Acaparamiento (em espanhol) ou Concentração, sintetizam manifestações que diluem o tecido social e a soberania nacional em latino-américa, e privilegiam comportamentos especulativos que produzem cada vez mais efeitos negativos na ligação do homem consigo mesmo e com a natureza numa escala local e inclusive planetária. Palavras-Chave: Mercado de terras, Governança em Latino-américa. ABSTRACT This article combines and presents a set of reflections based in a documentary and statistical evidence on as in the presents days and progressively, the Land is the center of the discussion on topics such as scarce natural resources, food security and new forms of investment international finance capital. This proposal focuses on examining one of the old ways - but with new nuances - in which land is being exploited and taken advantage of. Names like Land Grabbing (in English), Acaparamiento (in Spanish) or Concentration (in Portuguese), synthesized a phenomenon that dilute the social tissue and national sovereignty in Latin America and favors speculative behaviors, increasingly producing negative impacts in man´s relationship with himself and with the nature in local and even planetary scale. Keys Words: Land Market, Governance in Latin America. ______________________ * Mestranda do Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal de Paraná (PPGMADE-UFPR). E-mail: [email protected] Introdução A pesar das inúmeras e maravilhosas provas e testemunhos que desde a história, a antropologia e as artes confirmam uma ligação ontológica, mais além do puramente material entre povos de todos os tempos e a terra onde nasceram ou deram forma aos seus sonhos e objetivos de vida; atualmente e de forma progressiva, a terra passa a ser o centro da discussão quando se fala de recursos naturais escassos, segurança alimentar e novas formas de investimento do capital financeiro. Uma análise cronológica da relação do ser humano com a terra e em particular, as formas de acesso a ela e o tipo de relações e consequências desenvolvidas/resultantes desse processo, permite apreciar com clareza diversas etapas e particularidades, que respondem a um tipo de homem e a uma percepção diferente de mundo. É assim como o nomadismo, o sedentarismo agrícola, a propriedade coletiva ou o feudalismo entre outras, apresentam-se como categorias que contribuem na explicação e compreensão dos momentos pelos quais o nexo sociedade – terra, tem se manifestado em momentos anteriores ao capitalismo e ao neoliberalismo atual. Com a conquista quase absoluta do modelo liberal após o século XIX, a propriedade privada da terra tornou-se, junto com o trabalho e o capital, o eixo de uma nova configuração econômica, de um legado de doutrinas e de um novo projeto cultural e político das sociedades contemporâneas. Projeto que como é evidente em cada uma das suas manifestações, faz a um lado as reivindicações e direitos dos outros seres vivos, além do ser humano, premia as conquistas e o esforço individual e privilegia comportamentos competitivos que produzem cada vez mais, efeitos negativos na ligação do homem com a natureza não só numa escala local, mas também numa escala planetária. Estudos ao redor deste modelo imperante e suas consequências sobre o mundo rural foram feitos por organismos internacionais como, por exemplo, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO); assim como por organizações camponesas, de direitos humanos e analistas do tema de desenvolvimento rural que focam suas pesquisas na África e na América Latina, por considerar que estes continentes são dos locais que mais padecem os efeitos negativos da intensificação de dito modelo no mundo. Em particular organizações como a GRAIN1 e a Farm Land Grab2; estão chamando a atenção cada vez mais sobre a importância de denunciar as novas formas de acesso à terra e as sutis manobras dos promotores de um mercado que conduz à concentração da mesma. As revelações resultantes abrangem temas sobre as consequências e impactos desta dinâmica, sobre a superação da pobreza, a redistribuição da riqueza, o manejo sustentável da terra e dos recursos naturais, a segurança alimentar e a soberania territorial, além de outras realidades próprias e coexistentes com o setor rural. O despertar deste tema como inquietude analítica e reflexiva, deriva-se de uma editorial publicada num dos jornais de maior circulação na Colômbia; no qual se discutiam as posições encontradas no marco das atuais negociações de paz com relação à distribuição da terra no país e fazia alusão por sua vez ao caso da Argentina no tema de posse da terra. Mauricio Botero o editorialista comentou: A segunda premissa errada implica que – só com modificar a propriedade da terra – o campo vai florescer. Hoje em dia quando na agricultura moderna tem mais peso o investimento inicial, as necessidades de capital de trabalho e os gastos de comercialização e vendas que o mesmo custo da terra, a propriedade deixa de ser o fator determinante. Na Argentina, um dos principais produtores agrícolas do mundo, o 80% dos cultivos de milho e soja encontram-se em terras alugadas. A discussão da propriedade da terra tem deixado de ser relevante” 3. BOTERO (2012). Contudo vale a pena esclarecer que este trabalho não centra sua atenção na situação da Colômbia. Esta frase é emblemática por se elemento provocador para as reflexões a seguir, porém a intencionalidade esta baseada em examinar uma das velhas formas, mas com novos matizes, em que a terra esta sendo explorada e aproveitada; o Land Grabbing (em inglês), 1 GRAIN é um coletivo internacional que trabalha desde a década dos oitenta, com sede na Espanha, apoiando através da construção de redes intercontinentais, a pesquisa independente e a defesa de camponeses, agricultores e organizações rurais com foco no fortalecimento da gestão comunitária dos sistemas agro alimentares e o respeito e conservação da biodiversidade no campo. Desde o ano 2008 até o 2011 vêm centrado sua atenção nos estudos sobre concentração da terra. A síntese dos seus esforços pode ser vista em: http://www.grain.org 2 Farm Land Grab é um espaço de consulta e monitoramento independente para que pesquisadores, organizações não governamentais e ativistas sociais possam conhecer mais dados sobre os negócios feitos com a terra. Seu site é: http://farmlandgrab.org/ 3 Editorial: “Receitas do Século XIX para o século XXI” publicada no dia 1° de dezembro de 2012. http://www.elespectador.com/opinion/columna-390181-recetas-del-siglo-xix-el-siglo-xxi Consultada em 02 de dezembro de 2012. Tradução e destacado da autora. Acaparamiento (em espanhol) ou Concentração, que pode se ver parcialmente refletida naquele texto jornalístico, mas que é um fenômeno mundial de velha data com novos artifícios ao seu favor. A proposta é fazer isto através de três eixos analíticos que tentam organizar a abordagem do tema e que serão explicados na seguinte seção. Eles têm sua origem na articulação dos dados sobre desenvolvimento rural e na reflexão sobre a informação oferecida pelos organismos interessados no comportamento sobre a propriedade e posse da terra em países em desenvolvimento. Fatos e Temas Para a maior parte dos governos, um dos temas relevantes no campo da gestão agrária dos seus territórios, está relacionado às estruturas da propriedade e produtividade da terra. O fato de que ela é também o embasamento da biodiversidade, da representação cultural, das formas de vida e subsistência do ser humano, além de materializar um amplo leque de funções e atividades diferentes do clássico fornecimento de alimentos, por exemplo, é muitas vezes marginado a um segundo plano. As teses que têm definido essa gestão agrária e em geral as políticas relacionadas com a terra e o setor rural em Latino-américa, desde a década de 1970 até nossos dias, têm passado por vários arranjos institucionais, que dão conta da construção narrativa e da execução prática com que estes elementos mencionados têm sido legitimados e atendidos, ou pelo contrário ignorados. Nesta ordem e de forma muito simplista podem ser citadas algumas estratégias desenvolvidas, mesmo que parcialmente em Latino-américa, como por exemplo; a substituição de importações, que visava o processo de produção local e de acumulação no campo, como a via mais segura para o crescimento dos países da região - aplicada no Brasil-, a efetivação da reforma agrária como resposta pacificadora das zonas rurais - como acontecido na Colômbia ou no São Salvador -; ou como abalança para a formação de uma burguesia industrial e comercial - estratégia desenvolvida na Argentina-. Outros cenários com governos populistas e de linha revolucionária na região consideravam que a redistribuição da terra seria coadjuvante para a transformação estrutural da sociedade e do exercício do poder (como foi o caso de Cuba), embora as ditaduras vissem nessa mesma estratégia só um obstáculo para a consecução dos seus objetivos e da conservação das formas de vida da oligarquia (por exemplo, no Chile). Lembrando, é claro que mesmo desde diferentes escopos, os assuntos da propriedade e da produtividade da terra são o maior ponto de interesse. Alias, não só dos governos e cidadãos como parte de um tema sócio político, mas também dos mercados. Sem dúvida, desde a década de 1990 até hoje, este assunto - enquadrado no processo histórico diferenciado de cada país-, seus atores e vértices tem mudado substancialmente. O protagonismo do mercado com sua lógica imperante conduzem a uma procura insaciável do capital por novas fontes de sustento e retroalimentação. Desta forma, a terra que sempre foi considerada como origem de riqueza e status, na atualidade é cada vez mais escassa e pela lei do mercado, também mais cara, tendo que ser procurada cada vez mais longe, onde antes não se havia pensado. Neste sentido, a produção de alimentos e a exploração de recursos naturais são as atividades que mais demandam por terra e que mais exercem pressão sobre ela. Rapidez na obtenção do recurso, baixos custos de aquisição e flexibilidade no seu manejo, são, requisitos prévios a todo bom negócio neste setor das atividades comerciais e produtivas das sociedades contemporâneas. A velocidade, dinamização e tipo de impacto destas transações dependem de vários aspectos4, dos quais se ocupara no sucessivo o presente artigo reflexivo. Entre eles encontram-se: 1. O estilo de liderança e a governança das autoridades locais de onde se encontra a terra alvo dos investimentos, 2. Os enquadramentos jurídicos que promovem ou estagnam ditas transações, 3. Os impactos surgidos a partir dos modelos de acesso à terra baseados no mercado, e as reinvidicações que isto promove. 4 O recorte pode parecer arbitrário, mas não sendo exaustivo tenta organizar e exprimir os aspectos mais relevantes e a reflexão sobre as características e o comportamento do acesso à terra no mundo inteiro, e em particular em Latino-américa , considerando que este é o contexto mais próximo e conhecido; aspectos, precisamente achados após logo de um exercício de consulta e seguimento aos documentos desenhados por estudiosos e organizações internacionais volcadas ao assunto. Espera-se com isto fazer o documento o mais consistente e sustentável possível. Cada uma destas variáveis está relacionada e articulada entre si (e com outras que não serão objeto deste trabalho, pois ultrapassam os alcances de tempo e modo deste olhar reflexivo); por vezes caminham em paralelo e por vezes, são postas em contraposição, mas nunca o suficiente como para fazer delas peças independentes da realidade à qual pertencem. Dentro daquele tecido escondem-se com frequência, relações sociais altamente competitivas e marginalistas; formas de negocio desiguais no tocante à distribuição de ativos, como o é a terra; jogos de poder que definem o aproveitamento dela; assim como arranjos institucionais de todo tipo, alheios geralmente a uma gestão sustentável dos recursos naturais e à tentativa de superação da pobreza pela via da redistribuição da riqueza representada na terra junto com investimentos para a promoção da produção. Com todo, o presente trabalho tem como objetivo uma aproximação do funcionamento dessa tessitura, abordando os componentes resenhados de forma gradual, tentando mostrar suas principais características e efeitos em alguns países de Latino-américa; cuidando de não oferecer uma aproximação fragmentada demais ao tema que afaste ao leitor da compreensão de alguns dos por quês, das formas atuais de acesso à terra. O estilo de liderança e a governança das autoridades locais dos lugares onde se situam os investimentos Não há como falar de governança ou de estilo de liderança, sem repassar algumas coordenadas conceituais necessárias; como por exemplo, o termo Estado, que, desde o ponto de vista da ciência política, é uma forma de organização e materialização do poder e o horizonte que sintetiza e cuida das aspirações dos indivíduos reunidos numa sociedade dentro de um território determinado. Uma associação de dominação com caráter institucional como o definiria Max Weber (1919). Os governos, por sua vez, sendo de caráter temporal, são a autoridade que dirige as instituições desse Estado, norteia a condução política e o exercício do poder. Sua forma em tempos modernos pode ser Republicana ou Monárquica5. Por sua vez, o estilo de liderança é a marca que define a orientação e a forma de interpretar o devir da sociedade que esteja sob os cuidados de determinado governo. A 5 Lembrando que este trabalho e as reflexões dele derivadas estão enquadradas geograficamente na América do Sul no marco das repúblicas com sistema presidencialista; forma majoritária vigente na região. inclinação por um ou outro esquema ideológico e técnico determina O que e O como; ou seja, decide sobre quais serão os atores e que tipo de funções e instituições atenderão os problemas ou necessidades da população a qual dizem representar. Por sua parte, a Governança, refere-se ao conjunto de elementos que dão capacidade ao governo de exercer a autoridade no seu país. O termo será usado neste documento, tendo em consideração a definição feita pelo Banco Mundial (BM), que versa: Governança é o conjunto das tradições e instituições pelas quais a autoridade de um país é exercida. Isso inclui o processo pelo qual os governos são selecionados, monitorados e substituídos, a capacidade do governo de efetivamente formular e executar políticas sólidas, e o respeito dos cidadãos e do Estado para as instituições que governam as interações econômicas e sociais entre eles6. Banco Mundial (2013). Os organismos internacionais de apoio ao desenvolvimento e a redução da pobreza, que por sua natureza e missão trabalham temas inerentes à propriedade e uso da terra, como a Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização das Nações Unidas para a alimentação e Agricultura (FAO) e, o Banco Mundial (BM); entre outros, têm desempenhado durante décadas um papel fundamental na formação e promoção de estilos de liderança dos governos latinos. Pese a que esta articulação não tem sido isenta de conflitos e jogos de poder, geralmente os governos tem acabado sendo bastante alinhados às vezes com suas recomendações às vezes com suas exigências. Sendo em muitas ocasiões, considerados como os portadores do conhecimento técnico verídico, seus paradigmas e receitas acertadas ou não, têm sido interpretadas como fonte de inspiração para muitas das agendas públicas da região, em especial, para aquelas que determinam a ação estatal no setor rural. Theodore W. Schultz relata uma ideia relacionada com este contexto; Não há duvida de que uma falta de conhecimentos econômicos gera doutrinas. Tem sido assim com respeito às contribuições do que a agricultura pode prestar ao crescimento. Algumas dessas doutrinas são dogmas políticos arraigados. As mais 6 Tradução da autora, tomado da seção “Worldwide Governance Indicators” da página do Banco Mundial (BM). http://info.worldbank.org/governance/wgi/index.asp, consultada em: Janeiro 27 de 2013. importantes dessas doutrinas levam a respostas equivocas para a pergunta: Qual é o papel da agricultura no crescimento econômico? SCHULTZ (1965) p.19. Efetivamente, considerar, por exemplo, que o setor agrícola não é fonte rentável de investimento comparado com a indústria ou a terceirização da economia; que o campo seria a fonte ingressos para robustecer os processos de urbanização; ou, que os camponeses seriam o stock de mão de obra das cidades e da indústria, foram em suma, tentativas limitadas por parte de alguns governos, setores acadêmicos e organismos de fomento ao crescimento, regionais e internacionais por entender as complexidades e bondades do mundo rural. Embora, são estas, precisamente, algumas das bandeiras que abraçaram e ainda sustentam instituições internacionais no seu papel de altos conselheiros dos Estados latinos. Levando consigo pela região não só a mensagem per se, mas também toda uma construção ideológica da mão de um sólido exército de assessores, encarregados de promover e verificar que o planejamento do desenvolvimento esteja dado dentro dos enfoques e das técnicas previstas, com o olhar para uns resultados específicos que conduzem aos países, geralmente, a mais benefícios creditícios para mobilizar o crescimento do PIB e por essa via promover seu desenvolvimento social. Paradoxalmente, há estudos como o de Fernando Fernández Such (2011), que mostram como instituições de fomento ao desenvolvimento - não todas nem de forma absoluta - têm promovido com sua presença e trabalho o esgotamento das iniciativas e possibilidades de fortalecimento do setor rural e de uma concretização das reformas agrárias no continente. O BM e o FMI são um claro exemplo disto. Com a aplicação dos programas de ajuste estrutural como suposta resposta às crises econômica e financeira de muitos países no inicio dos anos de 1980, a nova política de terras apenas ficou no papel. Tanto o FMI quanto o BM, investiram todas suas energias na imposição do Consenso de Washington para reduzir a intervenção dos Estados latinos na econômica ao mínimo, mediante políticas pouco alentadoras da regularização e a favor da liberalização e privatização, para com isso voltar à senda do crescimento econômico7. 7 Estudo com foco na América do Sul, desenvolvido pela Organização Vasca Emaus Fundación Social, com o apoio da Agencia Vasca de Cooperação para o Desenvolvimento. Este mesmo autor considera que no plano da discussão e do debate internacional, mas sobre tudo, na orientação das políticas com que os governos latinos gestam suas estratégias para o setor agrário, apresenta-se historicamente uma ampla e profunda dominação das técnicas, abordagens e exigências defendidas pelo BM. Instituição que tem conseguido se sobre pôr inclusive à mesma FAO, a qual tem adiantado uma incansável tarefa de análise e recopilação de dados ao redor do tema das políticas da terra e da necessidade de adiantar reformas substanciais no setor agrário da região, estudos e reflexões que, infelizmente, por vezes ignorados neste contexto. O golpe mais rotundo do Banco Mundial sobre a compreensão da importância do acesso à terra na diminuição da pobreza, deu-se após o inicio da década dos noventa quando no marco da onda neoliberal, agenciou ao mercado e não ao Estado para que se encarregasse de levar a cabo as reformas necessárias no setor rural. Este processo é conhecido como reforma agrária assistida pelo mercado ou reforma agrária negociada. Nele o Estado reduz sua intervenção à atividade creditícia e a garantir os direitos de propriedade, assumindo que esta é a via mais viável, em termos econômicos, para alcançar a eficácia econômica e a justiça social (Fernández Fernando Such, 2011). Com isto abre-se passo a uma nova interpretação sobre o poder da propriedade, da posse e da produtividade da terra; que nada tem a ver com empoderamento cidadão, distribuição de ativos ou segurança alimentar. A terra não seria, necessariamente, a partir desse momento para quem a necessita, para que tem direitos ancestrais sobre ela ou para quem a trabalha, mas para quem a pode comprar, vender ou alugar. Seguindo com a classificação sugerida pela autora para abordar o tema, ainda falta um elemento de primeira ordem a ser discutido e que está relacionado com os estilos de liderança antes delimitados, e é a governança na região. A governança de forma como já foi comentado significa quão bem, a legitima e máxima autoridade de um país está sendo exercida. O Banco Mundial é precisamente a entidade que esta liderando o desenvolvimento de uma metodologia com a qual se está monitorando e avaliando este aspecto em 215 economias (países) do mundo, desde 1996 a 20118. Articula-se sobre fatores como; a ausência de violência, rendição 8 O BM afirma ter construído os indicadores com base em consultas a cidadãos, empresas e centros de pesquisa de países industrializados e em desenvolvimento. Os dados e informação por sua vez, são recolhidos a partir dos pública de contas, controle da corrupção, eficácia governamental, eficiência na regulação, Estado de direito entre outros princípios. Segundo OXFAM (2013), a governança é considerada de grande importância dentro do tema, já que os lugares prediletos para investimento daqueles que promovem a concentração da terra no mundo, ora comprando, ora alugando, são precisamente os países onde ela é fraca9. De fato, quanto mais fraca a governança muito melhor, pois a chance das comunidades afetadas de ser escutadas, defendidas ou reivindicadas é mínima; além, um governo que não rende contas aos seus cidadãos, com um sistema de direitos da propriedade pouco definido ou que não tem regulamentado seus sistemas agrícolas, é uma oportunidade a mais para o mercado conseguir os lucros desejados. Isto leva logicamente a uma séria exposição dos lares e meios de vida dos moradores das zonas rurais ao risco de perder suas formas de subsistência e seu nexo cultural e social com o território. Para a campanha GROW inspirada por OXFAM (2013), que insta ao BM a, no seu papel internacional como consultor e assessor em políticas públicas, liderar a luta contra a concentração de terras, evidenciaram-se algumas cifras e conclusões alarmantes. Cruzando para o período 2000 a 2011 os resultados do estudo do BM sobre governança - anteriormente resenhado, e a base de dados sobre negócios de compra de terras, conhecida como Land Matrix10, revela-se o seguinte: Dos 56 países onde os negócios de terra foram acordados durante o período de 12 anos, a maioria (75%) ficou abaixo da média em 4 diferentes índices de governança do Banco Mundial. Mais da metade dos negócios sobre terras registrados nesse resultados do trabalho de 30 organizações não governamentais, empresas do setor privado, institutos de pesquisa e Think Thanks do mundo inteiro. Para maior informação sugere-se ver: http://info.worldbank.org/governance/wgi/index.asp. Consultado em: Dezembro 20 de 2012. 9 O estudo demonstra que os investidores em terras do mundo, procuram países com baixo nível de governança com a finalidade de minimizar a burocracia e aumentar a rentabilidade. 10 Land Matrix é uma base de dados produzida pela organização Land Portal, que registra e faz seguimento às transações de mais de 200 Ha no mundo dos anos 2000 a 2011. Esta organização dirige um portal global de informação relacionada com os negócios sobre a terra e nutre suas cifras e dados como resultado da parceria de varias organizações mundiais interessadas no tema. período tiveram lugar nos 23 países mais subdesenvolvidos do mundo11. OXFAM (2013) As conclusões do estudo da também falam sobre a relação entre a disponibilidade de terras versus o nível de governança. Este último fator parece ser o critério verdadeiramente relevante no momento da decisão sobre o lugar para o qual deve-se levar o capital para ser investido. Um exemplo disto retrata-se numa comparação entre Guatemala e Botsuana, como se menciona a seguir: Na Guatemala, onde a pontuação esta abaixo da média em quatro dos seis indicadores do BM sobre Governança, têm se visto 7.000 hectares mudar de donos entre o ano 2000 e o ano 2011, a pesar dos altos níveis de fome e desnutrição nessas áreas rurais. Isto contrasta com o país de Botsuana que tem uma área semelhante de terras disponível por pessoa, mas que marcou bem acima da média na governança dos indicadores do BM e não registrou um único negócio da terra em grande escala nesse período. OXFAM (2013). Por fim, fica claro que uma fraca governabilidade manifestada em trâmites mais rápidos e baratos, no descumprimento das consultas prévias às comunidades, ou em regulamentações frouxas, aumenta as possibilidades do capital para se expandir de forma extensiva; ocupando regiões e locais que antes não estavam posicionadas como alvo de compras, vendas ou alugueis – por exemplo, fronteiras agrícolas ou terras ancestrais de propriedade coletiva; assim como se expandir de forma intensiva, considerando os grandes volumes de terra que podem chegar a ser transados numa só negociação. Os enquadramentos jurídicos É certo que a concentração de terras não é um processo novo e que de fato tem provocado historicamente muitos conflitos sociais. Contudo, as proporções que esta prática apresenta são cada vez maiores, diversificadas e agressivas. Duas são as formas básicas em que ela se desenvolve atualmente; por um lado, estão os países importadores de alimentos ou com riscos na sua segurança alimentar, mas que contam com o capital suficiente para investir 11 Os resultados completos dos dados analisados por OXFAM e os links de onde se derivam suas conclusões estão disponíveis em: http://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/poor-governance-good-business-oxfammb070213.pdf. Consultado em: 11 de Fevereiro de 2013. em compra ou aluguel de terras noutros lugares fora do seu território. Segundo Fernandez Such, (2011), Coreia, Japão, os países árabes e a China encontram-se neste primeiro grupo. Em segundo lugar, encontram-se os especuladores financeiros que, agindo conforme sua natureza procuram novos locais e novas formas de investimento. É por isto mesmo que muitos países no mundo inteiro, preocupados com as evidencias, estão avançando na construção de limites de tipo jurídico e tributário, para preservar sua soberania alimentar e territorial e que no possível sejam capazes de deter o avanço do capital sobre suas zonas rurais. Os países asiáticos parecem ser os menos coerentes com esta urgência; sendo inclusive superados, por países africanos onde o trabalho em políticas que regulam o mercado de terras, está sendo fortemente incentivado por vários governos. Embora, fazendo honra à verdade, também existem países onde se antes existiu certo tipo de proibições ao redor da compra ou aluguel de terras, hoje em dia são de certa forma, flexíveis frente ao tema, chegando a ofertar porcentagens importantes dos seus territórios, como por exemplo, Serra Leoa na África onde se calcula que tem vendido num período menor aos últimos dez anos, o 32% de tudo seu território a investidores estrangeiros. OXFAM, (2013) p. 3. América do Sul não fica por trás nesta carreira, como veremos através de alguns exemplos ilustrativos desta situação. Limitações à quantidade de terras que podem ser adquiridas e cargas tributárias, são algumas das medidas que, por iniciativa dos governos da região, estão sendo desenvolvidas para fazer frente à volatilidade do mercado de terras. No caso dos limites máximos, conforme dados da publicação La Revista Agrária (2012) p. 4-5, interessada no tema; a Argentina e o Brasil, estabelecem que a propriedade máxima não pode ser maior de 1000 ha no primeiro caso, e não mais de 250 a 5000 ha segundo a zona no segundo caso. No Equador por sua vez, cursou o ano passado no congresso um projeto de lei para regular a propriedade da terra a um máximo de 500 ha, e na Bolívia a constituição define, que o limite deve estar pela ordem de 5000 há; porem, aceita que na ocorrência de tratar-se de uma pessoa jurídica, cada sócio pode aportar essa quantidade, o qual desvirtua totalmente falar de limites ou máximos. Sobre a propriedade da terra em mãos de estrangeiros, Argentina tem definido que máximo o 15% dos territórios com maior vocação rural, pode ser adquirido por estes; o Brasil, por outro lado, estipula como limite o 25% da superfície de um município. Por enquanto no Equador, existem proibições para transferir propriedades rurais de mais de 300 ha a pessoas naturais ou jurídicas estrangeiras, e na Bolívia, os estrangeiros podem comprar sem restrição alguma, terras de propriedade privada, mas não as de propriedade estatal. E com relação às cargas tributárias, Equador, Paraguai e Uruguai, impõem diversas medidas como: o imposto aos prédios que passem das 25 ha no Equador, o imposto de renda às atividades agropecuárias no Paraguai, e o imposto para aquelas propriedades rurais maiores a 2000 ha no Uruguai. La Revista Agrária (2012) p. 5. Mesmo assim as possibilidades de sabotar a lei são múltiplas; fracionar a titularidade de um mesmo prédio, adquirir a nacionalidade ou contar com um aliado nativo do local para ter maior liberdade nas transações comerciais deste tipo, servem a modo de exemplo. Sem contar que os ordenamentos jurídicos, de forma geral, só estão traduzindo o tema em quanto os patamares máximos da propriedade e sua natureza fiscal, mas nada dizem com relação a outras formas de posse da terra, onde os direitos de controle ou de uso estão sendo transferidos a traves de, por exemplo, contratos de alugueis, figura altamente flexível, fomentada entre outras pelo BM na sua lógica de mercado de terras. Fernandez Such (2011). Vale a pena se deter neste último ponto, lembrando que o BM tem promovido ativamente o aluguel de terras, assim como promoveu com entusiasmo em outro momento a via de mercado. A justificativa é a mesma: flexibilidade e custos menores. Embora após sua expansão na África e na Ásia já se tem visto suas consequências; em primeiro lugar este tipo de transação esconde relações de subordinação antigas do tempo dos caciques; dois, os alugueis que sobem indefinidamente pela pressão por terras obrigam a levar o negocio e a problemática da concentração da terra a regiões usadas com outros critérios diferentes à agroindústria ou a produção de alimentos. No quadro No. 01 a seguir, resumem-se de forma geral os instrumentos jurídicos para regular os negócios de terras em alguns países de América do Sul. TABELA No. 01 Aproximação aos Instrumentos Jurídicos que Regulamentam o Mercado da Terra em América Latina País/ Lei de Limite Lei de Imposto à Lei contra negócios Lei de regulação do Ferramenta Máximo concentração com capital mercado de terras estrangeiro Argentina Sim Sim Brasil Sim Sim Bolívia Sim Sim Equador Sim Sim Paraguai Sim Uruguai Sim Sim Sim Fonte: Revista Agraria No. 140, 2012, p. 5. Tradução da autora. Outro aspecto significativo neste contexto é, como pode ser apreciado no esquema anterior, o fato de não existir mais que uma lei de regulação do mercado de terras em toda a região. Uruguai é o pioneiro nesta iniciativa. Infelizmente a Lei de Colonização Uruguaia, que estabelece que todo prédio maior de 500 ha, deve ser oferecido primeiro ao Estado, com a finalidade de redistribuí-lo aos pequenos agricultores, não funciona eficazmente, pois o Instituto Nacional de Colonização, desenhado para este fim, carece de fundos, o que lhe resta idoneidade como cliente para entrar no jogo do mercado12. Instrumentos de alcance mundial que incidam efetivamente ou que tenham matiz de obrigatoriedade sobre a dinâmica dos mercados da terra são praticamente inexistentes. A declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece, no seu artigo 17, o direito de cada ser humano à propriedade, respeitando tanto a forma individual como a coletiva. Este artigo 12 É importante comentar que não só nestes países da região, se tem construído desde o Estado, diversas estratégias tanto a favor como em contra da concentração da terra. Colômbia, México e Panamá entre muitos outros se sumam a este grupo, mas sua situação não servirá de exemplo nem será objeto de analise neste documento. poderia ser mais usado pelos governos para desenvolver as estratégias das reformas agrárias que pudessem ter ficado na metade do caminho (alias que as reformas agrárias como um todo, estão sendo cada vez mais esquecidas na região) e, também, poderia ser útil um maior uso desta perspectiva para que os Estados respondessem integralmente com suas obrigações em matéria de direitos humanos, integrada a uma gestão do território. No entanto, é na primeira tentativa internacional por regulamentar o mercado de terras e não como instrumento de direito internacional no campo da reforma agrária, que o enfoque de direitos está sendo abordado. A FAO é pioneira neste frente, com seus trabalhos e estudos sobre a nova configuração da estrutura agrária e do mercado de terras no mundo. Mediante consultas e foros mundiais sobre o tema, tem formulado e aprovado em maio de 2012, um grupo de diretrizes para os governos, que procuram fomentar condições favoráveis e meios disponíveis para regular o acesso à terra e suas variadas formas de posse de maneira ecológica e socialmente responsável. As diretrizes promovem um ordenamento territorial rural que abrange não só a terra, mas também a pesca e os bosques como eixos de desenvolvimento, todo dentro de um marco que garanta a segurança alimentar; mas, considerando minimizar ao máximo os impactos da nova estrutura de produção agrária e da posse da terra; sobre os grupos mais vulneráveis, sobre o meio ambiente e a soberania territorial. Para espertos e conhecedores do tema, é um passo adiante neste caminho, sem dúvida, mas sendo de aprovação e divulgação tão recentes, ainda está por ver-se o alcance deste instrumento, que de qualquer jeito é de aplicação não vinculante e de caráter voluntário para os governos que queiram aplicá-las. O modelo de acesso à terra baseado no mercado; impactos e reinvidicações Sobre este aspecto em particular, a riqueza de eventos, acontecimentos emblemáticos, mobilizações sociais, referencias e pesquisas, é infinita. Aprofundar em cada um dos elementos que compõem a história das lutas agrárias, das conquistas e afetações sobre o mundo rural da região, ultrapassa os objetivos do presente artigo. Mas sem dúvida é fundamental ter uma visão clara sobre a trajetória que o novo modelo de acesso e produção da terra teve e esta tendo, assim como sobre as perspectivas que se levantam desde a sociedade frente ao tema da terra. As palavras e identidades com que comumente descrevia-se anos atrás, a vida rural e os fenômenos que nela aconteciam têm mudado, e quase que diluído em muitos casos, perante o avanço de novos significados que, como grandes ondas, alteram as lógicas do cotidiano e dos locais antes conhecidos. Não são mais os colonizadores que invadiram as terras das comunidades ancestrais e escravizaram aos seus verdadeiros donos para ter mão de obra barata e conhecedora do saber local; nem os latifundiários que herdaram dos invasores europeus duvidosos títulos e direitos de propriedade para cultivar café, fumo, seringueira ou madeira impondo o sistema de servidão baseado em dívidas ou em condições trabalhistas precárias. Todos os que impuseram e expandiram o sistema agrícola tradicionalmente conhecido no nosso continente, baseado em relações corruptas e clientelistas e numa distribuição da terra bastante desigual, e que produz tantos conflitos sociais não existem mais, mesmo pelos efeitos das mudanças geracionais, mesmo por que a história agora se faz e se pensa diferente. Numa espiral de especulação alimentar, de terras e territórios, investidores interessados nos produtos agroindustriais e na multifuncionalidade do setor rural aparecem e desaparecem, pretendendo importar, exportar e produzir bens de consumo e serviços13, para clientes diversos e cada vez mais exigentes que podem estar ao outro lado do globo. O camponês, as comunidades autóctones e às vezes até as mesmas autoridades locais, não tem ideia com quem estão negociando suas terras, de onde vêm as empresas que ficam nos seus territórios, ou a que mandato comercial responde a aparição de novas formas de exploração dos recursos naturais. De qualquer forma, não é possível afirmar que existe algum governo, nem no continente nem no mundo inteiro, que decida não intervir de forma alguma no seu setor agropecuário ou sobre suas zonas rurais, deixando elas totalmente ao arbítrio de terceiros como, por exemplo, do mercado ou de outros Estados. Infortunadamente como já foi evidenciado muitos dos países da região estão de acordo com esta nova dinâmica e são bastante permissivos frente a 13 O estudo realizado pela FAO em associo com a CEPAL e o IICA faz questão sobre o novo rol do espaço rural que esta se gestando a partir dos noventa, com uma mudança na percepção do espaço rural e do papel da agricultura. Isto se traduz no surgimento de uma visão “pôs –produtivista” onde o conceito de multifuncionalidade ocupa um lugar central: busca-se gerar bens e serviços que vão mais além da produção de alimentos e fibras, tais como o turismo, a manutenção da paisagem, a geração de produtos recreativos, o artesanato o comercio e a conservação da biodiversidade. isto. Sabe-se que, inclusive. missões diplomáticas são feitas para promover as vantagens em recursos hídricos e climáticos da zona, assim como as riquezas dos solos ou das variedades genéticas e a ampla biodiversidade, com a finalidade de atrair o capital estrangeiro. Os contratos, acordos e convênios derivados de esta atividade publicitária e comercial, diminuem a presença do Estado nas zonas rurais conduzindo as instituições e programas para o agro a uma instrumentalização; que deixa em segundo plano os interesses dos movimentos sociais e moradores do campo, subordinados às prioridades empresariais. Além dos impactos ambientais que ficam por conta do país anfitrião, isto força a população a uma migração involuntária, geralmente rumo à cidade, com a consequente perda de tecido social; traz uma diminuição do preço da mão de obra, e uma perda do saber ancestral que se vê substituído pela produção agrícola com variedades e tipos alheios à produção tradicional do local. GRAIN (2010). Além disto, a nova forma de concentração e uso da terra, baseada nas condições previamente descritas dificultam para as comunidades o uso legitimo da defesa. Os mecanismos jurídicos necessários e o marco onde se podem desenvolver os litígios, por exemplo, por devastação, contaminação direta, prejuízo cultural entre outros, vira difuso e complexo (somado a que o esquema neoliberal é consolidado através dos tratados de livre comercio (TLC) fundamentalmente, marginando as constituições políticas na determinação das regras do jogo). O novo corporativismo agrário parece por momentos, anônimo e até omnipresente; frente a uma contra parte assim, como se pode agir com efetividade? As esperanças (e desafios) Algumas organizações no nível local e internacional como é o caso de Via Campesina ou GRAIN vêm trabalhando no apoio à construção de redes de desenvolvimento endógeno no campo, fazendo ênfase na importância do autogoverno e da autogestão do território como forma para brecar o avanço da indústria agroquímica, de transportes e venda de alimentos. A promoção e defesa da soberania alimentar também é um dos eixos importantes no trabalho de muitos movimentos sociais na América do sul, fomentando o uso de sementes nativas, a posse de cultivos próprios, sustentado numa lógica de controle coletivo e consultado sobre a água, os bosques e o ordenamento territorial em geral. No campo das políticas públicas os maiores desafios estão determinados por um lado, de acordo com uma nova forma de interpretação dos recursos naturais dentro das contabilidades e orçamentos públicos. Integrando estes como um elemento finito que deve por tanto ser preservado e vigiado em quanto as atividades produtivas que a partir deles acontecem. Por outro lado, é de suma importância como fica evidenciado através das recomendações de estudos como o da FAO-CEPAL-IICA (2013), manter e aprofundar as estratégias de reforma agrária, não só concebida como acesso a terras, mas também como dotação em infraestrutura e assistência técnica, que qualifique a inserção do camponês de uma forma digna no mercado agrícola mundial. Há também iniciativas como a Land Matrix referida anteriormente, para construir espaços de monitoramento, seguimento e denuncia aos casos de concentração de terras no nível local e regional que os governos, organismos, cidadãos e movimentos preocupados com esta problemática podem ajudar a manter atualizados, para que virem observatórios de referencia com informação completa sobre as tendências do mercado de terras e as suas implicações sobre a agricultura a pequena escala, sobre as pequenas e medianas empresas que trabalham no campo e sobre o meio ambiente. Com isto poderiam articular-se e evidenciar-se outro tipo de opções que, desde os direitos humanos ou da soberania alimentar, ofereçam alternativas aos governos locais e as comunidades para conseguir se libertar o mais possível da lógica de mercado. São exatamente as ações das organizações sociais, dos grupos étnicos e vulneráveis, assim como dos militantes do desenvolvimento rural e da reforma agrária os que têm impedido que o tema da reforma agrária seja totalmente esquecido. Seu papel tem girado, em múltiplas ocasiões, ao redor da reivindicação dos direitos subjetivos das pessoas com relação ao território, o que ajuda a superar a visão reducionista de propriedade da terra que limita bastante o debate sobre outras formas de construção e abordagem do tema que colocam o mercado no lugar que lhe corresponde e não como forma legitima de distribuição e gestão dos recursos naturais. A pesar de todas estas ações terem impactos positivos e legitimar-se como formas viáveis e justas de reivindicação e protesto, são os Estados, em opinião da autora, a quem corresponde o papel preponderante no cenário internacional com os outros Estados e com os participantes do mercado, para definir as regras do jogo. De forma tal que proteja a pequena produção agrícola, a biodiversidade, suas fronteiras territoriais e interesses econômicos e sociais. Uma revisão e modificação dos TLC’s, por exemplo, seria nesse sentido uma ação clara de responsabilidade para com seus eleitores (em particular os que moram no campo), que definiria uma opção política longe das pressões do modelo neoliberal que não é uma proposta utópica, mas sim possível. Seria importante por ultimo, dar um passo ao frente na liderança e governança políticas, que supere a separação histórica entre o rural e o ambiental. Bosques e águas, assim como historias de vida, espécies nativas e saberes tradicionais formam parte de um todo que tem como característica sua natureza finita e sua grande fragilidade perante a ação depredadora do homem. Em conclusão, contrário ao que diz o editorial, a partir da qual, se gesta este tema como interrogante e ponto de reflexão, a terra em si mesma, sim é relevante e importante e a discussão esta mais vigente que nunca. BIBLIOGRAFIA 1. FAO, CEPAL, IICA, Ano 2012. “Perspectivas de la Agricultura y Del Desarrollo Rural en las Américas. Una mirada Hacia América Latina y El Caribe”. Disponível em: http://www.cepal.org/publicaciones/xml/9/48259/perspectivas-2013.pdf Consultado em: Dezembro 19 de 2012. 2. FERNANDEZ SUCH, FERNANDO, 2011. Políticas Públicas Para la Soberanía Alimentaria 2002-2012. Análisis Internacional. Cap. 6; La Reforma Agraria Vuelve al Escenario Político Internacional. San Sebastián, Octubre de 2011. Estudo desenvolvido pela Organização Vasca Emaus Fundación Social, com o apoio da Agencia Vasca de Cooperação para o Desenvolvimento. Disponível em: http://www.desarrollohumanosostenible.org/?q=node/192 Consultado em: Janeiro 14 de 2013. 3. GRAIN, 2010. 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