lado, um cabide para pendurarmos as roupas da Barbie

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lado, um cabide para pendurarmos as roupas da Barbie
lado, um cabide para pendurarmos as roupas da Barbie. No exterior,
havia um puxador para quando estivesse fechado, preso por um íman que
se assemelhava extraordinariamente a um sinal de igual. A casa podia ser
transportada como se fosse uma mala. E, embora não me lembre de
Simples caixas de
nenhum dos outros presentes que recebi nesse dia, lembro-me da textura
da madeira, do tom exacto da tinta vermelha, do som do íman quando
madeira
baixava a tampa, dos puxadores e das dobradiças enegrecidas pelo tempo.
Lembro-me de como as roupas pendiam delicadamente nos cabides, e de
como tinha de ter cuidado para não puxar o cabelo da Barbie quando
baixava a tampa. Lembro-me de tudo o que é possível recordar, porque
guardámos e estimámos essas caixas muito tempo depois dos dias da
É o coração que torna um homem rico.
Ele é rico por aquilo que é e não por aquilo que tem.
nossa boneca Barbie terem passado.
Já vivi vinte e nove Natais, cada um cheio de frescura e diferente
HENRY WARD BEECHER
dos outros, com um ambiente de excitação muito próprio. Todos com
presentes esperados com ansiedade e recebidos com afecto. Mas poucos
se comparam com aquelas simples caixas de madeira. Por isso não admira
que fique com os olhos rasos de água quando penso no meu pai, ali
parado, naquela manhã fria de Natal, a interrogar-se se o seu presente era
suficientemente bom.
O amor, pai, é sempre suficientemente bom.
Martha Pendergrass Templeton
Suponho que todas as pessoas têm um Natal de infância especial que
se destaca de todos os outros. Quanto a mim, foi o ano em que a fábrica
Burlington, em Scottsboro, fechou. Eu era apenas uma criança. Não
poderia indicar o ano exacto; é uma mancha nebulosa na minha mente,
mas os acontecimentos desse Natal estão para sempre vivos no meu
coração.
O meu pai, que estivera empregado em Burlington, nunca nos disse
que tínhamos dificuldades financeiras. Afinal, as crianças vivem num
Jack Canfield; Mark Victor Hansen
mundo de ingenuidade, onde o dinheiro e os empregos não são mais do
Canja de galinha para a alma – O tesouro do Natal
que palavras sem sentido; e mal podíamos conter a excitação que a
Mem Martins, Lyon Edições, 2002
(adaptação)
proximidade do Natal provocava. Apenas sabíamos que o nosso pai, que
geralmente trabalhava longas e difíceis horas, se encontrava agora mais
a irmã da minha mãe e o marido, tinham vindo da Geórgia para nos
vezes em casa do que o habitual. Cada dia parecia um feriado.
fazerem uma surpresa. Metidos no carro, quase como sardinhas em lata,
A mãe, dona de casa, procurava trabalho nas fábricas têxteis locais,
como se não fosse preciso ar, estavam os meus três primos, a minha tia
mas os empregos eram escassos. Diziam-lhe sempre que não havia vagas
Dean, que recusava que lhe chamassem «tia», e os meus avós. Também
antes do Natal. E foi no regresso a casa, depois de uma dessas entrevistas
não pude deixar de reparar nos inúmeros presentes para todos nós, todos
angustiantes, que estragou o nosso único carro. O magro subsídio de
muito bem embrulhados e presos com belos laços. Sabiam que seria um
desemprego do meu pai seria agora a única fonte de rendimento da nossa
Natal difícil, e tinham vindo ajudar.
família. Para os meus pais, a quadra natalícia trazia montanhas de
preocupações, muitos suspiros e lágrimas, e infindáveis orações.
Na manhã seguinte, acordámos e vimos mais presentes do que eu
alguma vez imaginara. E, embora não tenha nenhuma recordação
Mal posso imaginar aquilo por que os meus pais terão passado
específica dos brinquedos, sei que havia montanhas deles. E foi no meio
durante esse tempo. Não sei ao certo como conseguiam, mas o facto é que
de todo aquele júbilo que o meu pai decidiu não nos dar os presentes
conseguiam. Faziam tudo para arranjar dinheiro suficiente para nos
dele. Com todos aqueles brinquedos que tínhamos recebido, não havia
comprar uma boneca Barbie. Quanto aos outros presentes, confiariam
razão para nos dar as casas de bonecas que fizera. Afinal, eram simples
nos seus talentos, usando restos de materiais que já possuíam.
caixas, de madeira vermelha. Certamente não tão boas como os presentes
Enquanto mãos escuras e calejadas serravam, martelavam e
comprados em lojas e que a família da minha mãe trouxera. A música dos
pintavam, dedos ligeiros cosiam vestido após vestido na máquina de
risos encheu a manhã, e nunca suspeitámos de que, escondido algures,
costura. Vestidos de noiva, vestidos de noite… roupas em miniatura para
cada um de nós tinha outro presente.
a Barbie, para todas as ocasiões imagináveis, saíam da velha e ruidosa
Quando a mãe perguntou ao pai pelos presentes, ele revelou os seus
máquina. Onde estávamos enquanto tudo isto acontecia, não faço a
sentimentos, mas ela insistiu para que no-los desse. E assim, no final da
menor ideia. Mas os meus pais arranjavam tempo para darem forma aos
tarde, depois de todas as visitas se terem ido embora, o pai trouxe, com
nossos presentes, e a excitação do Natal envolvia uma vez mais toda a
relutância, os presentes de amor para a sala de estar.
família.
Caixas de madeira. Caixas de madeira pintadas de vermelho, de
Naquela véspera de Natal, o Sol estava a pôr-se no distante
tampas com dobradiças, para que cada lado pudesse ser aberto e usado
horizonte quando ouvi no caminho o ruído inesperado de um motor. Ao
como uma casa. Em cada um dos lados havia um compartimento
olhar lá para fora, não pude crer no que via. A tia Charlene e o tio Buck,
suficientemente grande para guardar uma boneca Barbie, e, no outro