A Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército
Transcrição
A Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO Ten Cel Art FREDMAR CABRAL DE OLIVEIRA JUNIOR A Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército Brasileiro Rio de Janeiro 2015 Ten Cel Art FREDMAR CABRAL DE OLIVEIRA JUNIOR A Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército Brasileiro Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares. Orientador: Ten Cel Art ERLON PACHECO DA SILVA Rio de Janeiro 2015 O48p JUNIOR, FREDMAR CABRAL DE OLIVEIRA. A Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército Brasileiro / TC FREDMAR CABRAL DE OLIVEIRA JUNIOR. 2015. 44f. : il ; 30cm. Trabalho de Conclusão de Curso - Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2015. Bibliografia: f. 42-44. 1. Patrimônio Histórico e Cultural. 2. Exército Brasileiro. 3. Estado da Arte. I. Título. CDD 355.2 Ten Cel Art FREDMAR CABRAL DE OLIVEIRA JUNIOR A Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército Brasileiro Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares. Aprovado em 6 de março de 2015. COMISSÃO AVALIADORA _____________________________________________ ERLON PACHECO DA SILVA - Ten Cel Art – Presidente Escola de Comando e Estado-Maior do Exército _______________________________________ RICKMANN SCHMIDT – Ten Cel Cav – Membro Escola de Comando e Estado-Maior do Exército ______________________________________________ WELTON GOMES MAIA JUNIOR – Ten Cel Inf – Membro Escola de Comando e Estado-Maior do Exército À minha esposa e meus filhos, fontes de inspiração e exemplo. AGRADECIMENTOS À Deus, pelo dom da vida, felicidade, tranquilidade e saúde. À minha família, pelo apoio, incentivo, carinho e compreensão em todos os momentos, sendo fundamentais no sucesso da conclusão deste trabalho. Aos meus pais, pela minha educação e formação, me mostrando a importância da dedicação, do trabalho árduo e da disciplina, como fontes prementes do sucesso pessoal. Ao Exército Brasileiro, pela oportunidade em realizar um trabalho monográfico, de modo a ampliar o conhecimento profissional. Ao meu orientador, não apenas pela orientação, como também pelo incentivo e confiança demonstrados em todas as oportunidades. “A educação tem caráter permanente”. Não há seres educados e não educados. Estamos todos nos educando. “Existem graus de educação, mas estes não são absolutos” RESUMO A preservação do patrimônio histórico e cultural passou a ser legitimada a partir do século XIX, na Europa, em função da restauração de monumentos destruídos durante a Revolução Francesa. Neste mesmo século, surgiram diversos pensadores que elaboraram teorias sobre a preservação patrimonial. A mentalidade de preservação só tomou força no Brasil a partir do século XX, em função da difusão internacional desse tema. Assim, o Exército Brasileiro, possuidor de um vasto acervo histórico e cultural, dentre de uma política de valorização cultural, tem buscado, desde a década de 1970, o desenvolvimento constante do tema “preservação do patrimônio histórico e cultural”. O estado da arte apresenta teorias inovadoras, alinhadas com as demandas da atualidade, as quais poderão servir como fonte de inspiração para novas reflexões, a fim de conduzir o Exército uma renovação do seu pensamento de preservação orientado com a atual realidade da Força Terrestre. Palavras-chave: patrimônio histórico e cultural; Exército Brasileiro; estado da arte. RESEÑA La preservación del patrimonio histórico y cultural se ha convertido legitimado desde el siglo XIX en Europa, debido a la restauración de los monumentos destruidos durante la Revolución francesa. En este mismo siglo, hubo muchos pensadores que desarrollaron teorías sobre la preservación del patrimonio. La mentalidad de preservación sólo tomó el poder en Brasil a partir del siglo XX, debido a la propagación internacional de este tema. Por lo tanto, el Ejército Brasileño, poseído de un vasto patrimonio histórico y cultural, a partir de una política de apreciación cultural, ha buscado desde la década de 1970, el tema del desarrollo constante de "conservación del patrimonio histórico y cultural". El estado del arte ofrece las teorías innovadoras, alineadas con las exigencias de hoy en día, que pueden servir de inspiración para una nueva reflexión con el fin de liderar el Ejército una renovación de su pensamiento de preservación orientada a la realidad actual de la Fuerza Terrestre. Palabras clave: patrimonio histórico y cultural; Ejército Brasileño; estado del arte. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Èugene Emmanuel Viollet-le-Duc……………………………………….22 FIGURA 2 Jonh Ruskin.........................................................................................24 FIGURA 3 Camilo Boito........................................................................................25 FIGURA 4 Cesare Brandi......................................................................................27 FIGURA 5 Paolo Marconi......................................................................................29 FIGURA 6 Salvador Muñoz Viñas........................................................................31 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CF Constituição Federal DAC Diretoria de Assuntos Culturais DAED Diretoria de Assuntos Especiais e Desportos DECEx Departamento de Educação e Cultura do Exército DEP Departamento de Ensino e Pesquisa DPHCEx Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército EB Exército Brasileiro FUNCEB Fundação Cultural Exército Brasileiro IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional MEM Material de Emprego Militar SCEx Sistema Cultural do Exército UFSM Universidade Federal de Santa Maria SUMÁRIO 1 1.1 1.2 1.2.1 1.2.2 1.3 1.4 2 3 3.1 3.2 4 4.1 4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.2 4.2.1 4.2.2 4.2.3 5 INTRODUÇÃO......................................................................................... 11 PROBLEMA.............................................................................................. 13 OBJETIVOS............................................................................................. 14 Objetivo Geral......................................................................................... 14 Objetivos Específicos............................................................................ 14 QUESTÕES DE ESTUDO........................................................................ 14 JUSTIFICATIVA....................................................................................... 14 REFERENCIAL TEÓRICO....................................................................... 16 PATRIMÔNIO........................................................................................... 18 NOÇÃO DE PATRIMÔNIO....................................................................... 18 PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL.............................................. 19 A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL...... 21 TEÓRICOS CLÁSSICOS......................................................................... 21 Èugene Emmanuel Viollet-le-Duc (1814-1879)..................................... 21 Jonh Ruskin (1819-1900)....................................................................... 23 Camilo Boito (1836-1914)....................................................................... 25 O ESTADO DA ARTE.............................................................................. 26 Cesare Brandi (1906-1988)..................................................................... 26 Paolo Marconi (1933-2013).................................................................... 28 Salvador Muñoz Viñas (1906- atualidade)............................................ 31 A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DO 6 EXÉRCITO BRASILEIRO........................................................................ 34 CONCLUSÃO.......................................................................................... 38 REFERÊNCIAS........................................................................................ 41 11 1 INTRODUÇÃO A palavra patrimônio nos remete a pensar em bens, quando se associa essa palavra ao termo “histórico e cultural”, imagina-se monumentos, igrejas antigas, edificações, utensílios e obras de arte de reis, etc. O pensamento de preservação do patrimonial remonta o final do século XIV. Nessa época, a Europa viveu um período conhecido como “Renascimento”1 que durou até o século XVI. O Renascimento foi o primeiro movimento de renovação intelectual da história, revalorizando a arte, a história, a literatura, dentre outras manifestações culturais. No entanto, foi um momento de muito apego à beleza. Dessa forma, o pensamento de preservação do patrimônio era realizado por alguns colecionadores e estava mais relacionado com a estética do que com o valor histórico e cultural do patrimônio. Ao longo da História das Civilizações, as diversas sociedades e culturas têm produzido uma gama de bens. Contudo, a preocupação com sua preservação, do modo que conhecemos hoje, representa um pensamento muito mais recente. A partir do século XVIII, a Europa inicia uma fase de grandes transformações econômicas, políticas e sociais, em decorrência das mudanças introduzidas pelo pensamento Iluminista, pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa (1789). Essa última, teve um papel muito importante no que se refere a preservação patrimonial. A Revolução Francesa foi movimento armado, de cunho popular, marcado por atos de violência e vandalismo contra o patrimônio público e privado. Muitos monumentos, obras de arte e edifícios históricos foram destruídos total ou parcialmente nesse conflito. Dessa forma, a partir do século XIX, iniciou-se na França um movimento para restaurar os monumentos e edifícios históricos destruídos nessa revolução. Esse movimento marcou o início do pensamento de preservação do patrimônio histórico e cultural desse país, mudando a mentalidade renascentista de preservação do belo para a conservação baseada no valor cultural e histórico que o bem material representava. Assim, surgiram na França, nesse período, as primeiras leis e teorias voltadas à preservação do patrimônio histórico, a fim de garantir a integridade e a perenidade desse patrimônio. 1 Renascimento, período da história européia caracterizado por um renovado interesse pelo passado greco-romano clássico, especialmente pela sua arte. O Renascimento começou na Itália, no século XIV, e difundiu-se por toda a Europa, durante os séculos XV e XVI. História do Mundo. 12 O pensamento de preservação do patrimônio histórico e cultural dos franceses se disseminou não só na Europa, mas também pelo mundo, contribuindo para que, em 1933, na cidade de Atenas, fosse realizado o IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna. Esse congresso resultou na chamada “Carta de Atenas”, que dentre outras propostas, define o patrimônio material como um testemunho do passado, devendo ser respeitado e preservado. Fruto desse congresso, na década de 1930, no Brasil, Foram criados diversos mecanismos legais, institucionais e administrativos voltados à proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Nesse contexto, em 1937, é criado no Brasil, por intermédio da Lei nº 378, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dando inicio a um processo de gestão, proteção e evolução do patrimônio histórico, artístico e cultural do país. 1.1 O PROBLEMA O Exército Brasileiro, a partir da década de 1970, intensificou suas ações em prol do desenvolvimento dos processos educacionais e de valorização da cultura, criando o Departamento de Ensino e Pesquisa (atual Departamento de Educação e Cultura do Exército). Em 1973, após a reestruturação desse Departamento, foi criada a Diretoria de Assuntos Especiais, Educação Física e Desportos, incluindo as atividades culturais entre os "assuntos especiais” e, em 1990, visando dar maior ênfase as atividades culturais, cria-se a Diretoria de Assuntos Culturais, subordinada ao DEP. Finalmente, em 2008, haja vista o amplo espectro das atividades culturais, o DAC passa a se chamar Departamento do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército, ressaltando a grande importância que o Exército Brasileiro dá ao seu patrimônio histórico e cultural. O DPHCEx é o órgão do EB responsável por supervisionar as atividades e eventos do Sistema Cultural do Exército, bem como a elaboração de propostas de normas para a preservação, utilização e difusão do patrimônio histórico e artístico cultural (material e imaterial) de interesse do Exército . O SCEx é composto por seus comandos, em todos os níveis. A preservação do seu vasto patrimônio demanda grande habilidade dos comandantes e chefes e, ainda, conhecimentos que vão além daqueles recebidos nos bancos escolares das 13 escolas de formação e aperfeiçoamento do EB, bem como recursos financeiros e humanos especializados. . “O SCEx é depositário do rico, amplo e valioso patrimônio histórico e cultural da Instituição, material e imaterial, produto do trabalho de todas as gerações que nos antecederam. O patrimônio histórico material é caracterizado pelos objetos, construções, sítios históricos, monumentos e bens artísticos preservados ao longo da história da Força, enquanto o patrimônio histórico imaterial é traduzido pelos costumes e tradições, pelas crenças e valores e pelas ações históricas e quotidianas que identificam o Exército como uma das instituições de maior credibilidade do País.[...]O SCEx deverá atuar, prioritariamente, no sentido de desenvolver os valores éticos e morais, de aprimorar a vocação militar, de cultuar as tradições e de acentuar o compromisso do Exército com a Nação, manifestado pela dedicação à Pátria e pelo cumprimento de sua destinação constitucional. Deverá, ainda, ser intensamente empregado para divulgar as tradições e os valores da Instituição, para estimular a realização de pesquisas científicas, para a pesquisa e divulgação da História Militar do Brasil, e para contribuir com o desenvolvimento da doutrina militar das Forças Armadas, particularmente, do Exército.” (Disponível em <http://www.dphcex.ensino.eb.br/?page=intro_sist_cult>. Acesso em: 25 março 2014). Conforme as Normas para Preservação e Difusão do Patrimônio Cultural do Exército Brasileiro (2006), Um dos principais problemas da preservação diz respeito à identificação daquilo que deva ser preservado. A seleção do bem cultural a ser alvo da preservação é uma ação para a qual não existem padrões bem definidos. É uma escolha pessoal e difícil, pois não podemos preservar tudo o que foi produzido por gerações. É uma tarefa que depende, fundamentalmente, do bom senso de quem está responsável pela sua execução. Sendo assim, ao se observar as normas do EB, com vistas a preservação do patrimônio histórico, dentro desse contexto de continuo desenvolvimento cultural e de valorização do patrimônio histórico, fruto da evolução do Exército, que emerge a problemática da pesquisa que ora se delineia: o que e como preservar o patrimônio histórico material do Exército Brasileiro? 14 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 Objetivo Geral Analisar as principais correntes teóricas e conceitos relativos à preservação do patrimônio histórico e cultural, a fim de identificar a corrente de pensamento que se aproxima do pensamento do EB, bem como refletir se é a mais adequada a realidade da preservação do patrimônio histórico dessa Instituição, na atualidade. 1.2.2 Objetivos Específicos - Conhecer o que é patrimônio. - Apresentar as principais teorias sobre restauração / preservação do patrimônio histórico. - Analisar, com base nas teorias sobre preservação do patrimônio histórico e cultural, qual corrente teórica o Exército Brasileiro segue para conservar seu patrimônio histórico e cultural material. - Apresentar reflexões que possam contribuir para a melhoria da preservação do patrimônio histórico do Exército Brasileiro. 1.3 QUESTÕES DE ESTUDO - O que é patrimônio histórico e cultural material e imaterial? - Quais são as principais teorias sobre preservação patrimonial? - Qual corrente teórica sobre preservação do patrimônio histórico e cultural seguida pelo EB? - Qual corrente teórica sobre preservação do patrimônio histórico e cultural mais adequada ao EB? 1.4 JUSTIFICATIVA A pesquisa se justifica, na medida em que, do estado da arte, pode-se extrair o embasamento conceitual teórico, por meio de autores renomados, que já se dedicaram ao estudo da conservação do bem material e dos aspectos que envolvem 15 a preservação do patrimônio histórico e cultural, favorecendo o levantamento da importância dessa conservação. Ademais, a pesquisa é importante, pois não há como preservar tudo que é antigo. Assim sendo, é fundamental saber o que preservar, bem como de que maneira se pode preservar o patrimônio histórico e cultural do EB. Desse modo, enfatiza-se que o problema levantado poderá trazer benefícios para a Força Terrestre, uma vez que apresentará reflexões com vistas à preservação do patrimônio e da história militar do Exército Brasileiro, contribuindo positivamente para a imagem da dessa Instituição e para a Educação Patrimonial. 16 2 REFERENCIAL TEÓRICO A importância da preservação do patrimônio histórico, nesta pesquisa encarada axiomaticamente, encontra amparo no consenso de diversos autores nacionais e internacionais. “RESTAURAÇÃO: A palavra e o assunto são modernos. Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momento.”(VIOLLET-LE-DUC, p.29) A teoria clássica, no nível da percepção, de John Ruskin se contrapõe a de LeDuc. Ruskin defendia a não intervenção nos monumentos antigos, por considerar que quaisquer interferências imprimem novo caráter à obra, tirando sua autenticidade. Na sua definição de restauração dos patrimônios históricos, Ruskin considerava a real destruição daquilo que não se pode salvar. Além disso, o estado da arte revela, ainda, autores dedicados ao estudo do presente tema, como Cesare Brandi, Salvador Muñoz Víñas e Paolo Marconi. Esses autores remetem a ideias que vão além dos teóricos clássicos., ampliando a noção de preservação, preocupando com aspectos ora esquecidos ou desprezados (ideologias, religião, valores culturais, valores afetivos, etc.). No que tange ao patrimônio do EB, o sítio do DPHCEx, na internet, apresenta uma vasta regulamentação e legislação que envolve a preservação do patrimônio histórico e cultural do EB, proporcionando uma ação educadora, no sentido de conscientizar instituição para uma melhor compreensão do bem histórico. Paulo Freire, célebre educador brasileiro, com atuação e reconhecimento internacionais, pelo método de alfabetização de adultos, desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político. Para Freire, o objetivo maior da educação é conscientizar. Segundo Freire, a conscientização não está baseada sobre a consciência, de um lado, e o mundo, de outro; por outra parte, não pretende uma separação. Ao contrário, está baseada na relação consciência – mundo. (FREIRE, PAULO p. 15). 17 Segundo o IPHAN, Toda vez que as pessoas se reúnem para construir e dividir novos conhecimentos, investigam pra conhecer melhor, entender e transformar a realidade que nos cerca, estamos falando de uma ação educativa. Quando fazemos tudo isso levando em conta alguma coisa que tenha relação ao com nosso patrimônio cultural, então estamos falando de Educação Patrimonial! O IPHAN concebe educação patrimonial como todos os processos educativos que primem pela construção coletiva do conhecimento, pela dialogicidade entre os agentes sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras das referências culturais onde convivem noções de patrimônio cultural diversas. (Disponível em <http://www.iphan.gov.br>. Acesso em: 25 março 2014) Nesse sentido, teorias de pensadores como Eugene Viollet-le-Duc, Jonh Ruskin e Salvador Muñoz Viñas, dentre outros, voltados à preservação do patrimônio histórico, irão nortear esse estudo, contribuindo com a conscientização e a reflexão sobre preservação patrimonial. Foram efetuadas consultas junto aos bancos de dados da Plataforma Lattes, do Portal da CAPES, do sistema integrado de bibliotecas PERGAMUM, do sistema de arquivamento de periódicos acadêmicos JSTOR e das bibliotecas virtuais SciELO, Google Acadêmico e sistema de bibliotecas integradas da Universidade de São Paulo, além de pesquisa junto às bibliotecas físicas da ECEME, da ESG e da UFRJ. Outrossim, a relação custo/benefício da pesquisa aponta para a importância e aplicabilidade do projeto, haja vista o elevado acervo histórico do Exército Brasileiro e, ainda, a demanda de profissionais habilitados em história, museologia, arqueologia, dentre outras habilitações relacionadas à correta preservação do patrimônio histórico do Exército, haja vista não ser a atividade fim dessa instituição. Assim, o presente projeto tem por finalidade apresentar, por meio de pesquisa qualitativa, reflexões sobre como o Exército Brasileiro pode conservar seu patrimônio histórico e cultural, contribuindo com o DPHCEx na geração de novas estratégias de preservação desse patrimônio. Ressalte-se que este projeto de pesquisa não tem a pretensão de esgotar o assunto, ou mesmo discutir sobre restaurar ou conservar, mas, sim, de servir de instrumento inicial para discussão sobre intervir ou não no bem material e de que forma, a fim de preservá-lo. 18 3. PATRIMÔNIO 3.1 NOÇÃO DE PATRIMÔNIO A noção de patrimônio começou a ser delineada no final do século XVIII, com a formação dos chamados Estados-Nação. A arquitetura peculiar de cada nação (monumentos e outras construções), bem como suas manifestações culturais (artes, música, comidas, costumes, etc.), representava o patrimônio com o qual cada país desenvolveu sua identidade nacional. Conforme o dicionário da língua portuguesa de Silveira Bueno (2007), patrimônio significa herança paterna, bens de família, ou quaisquer bens matérias ou morais. Patrimônio, esta bela e antiga palavra estava, na origem, ligada às estruturas familiares, econômicas, e jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no espaço e no tempo. Requalificada por diversos adjetivos (genético, natural, histórico, etc.) que fizeram dela um conceito “nômade” ela segue hoje uma trajetória diferente e retumbante. (Choay, p. 11). Segundo artigo 216, da Constituição Federal do Brasil de 1988, constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Conforme o IPHAN, o patrimônio material é composto por um conjunto de bens culturais como: bem arqueológico paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Já as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas, que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural, constituem o patrimônio imaterial. 19 Assim, observa-se que a CF expandiu a ideia de patrimônio, incluindo novas percepções como a do valor histórico e cultural, bem como reconhecendo a existência de patrimônios de natureza material e imaterial. 3.2 O PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL A expressão patrimônio histórico e cultural está cada vez mais em evidencia, na imprensa, nas universidades e na internet. Ela representa, de maneira simples, o amplo espectro de abrangência do termo patrimônio. Segundo Choay (2001), a expressão patrimônio histórico designa um bem estimado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, construído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras e obras-primas das belas-artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire2 dos seres humanos. Patrimônio Histórico é o conjunto de bens que contam a história de uma geração através de sua arquitetura, vestes, acessórios, mobílias, utensílios, armas, ferramentas, meios de transportes, obras de arte, documentos. Até final da década de 1970, tinha caráter político/elitista. A partir de 1980, passaram a ser consideradas outras etnias e classes sociais. O Patrimônio Histórico é importante para a compreensão da identidade histórica, para que os seus bens não se desarmonizem ou desequilibrem, e para manter vivos os usos e costumes populares de uma determinada sociedade. (UFSM. Disponível em <http://coral.ufsm.br/ppgppc/index.php/duvidas-edicas/78-atrimonio-historico-cultural-e-ambiental-natural>. Acesso em 14 novembro 2014) Conforme a Declaração de Caracas (1992), o Patrimônio Cultural de uma nação, de uma região ou de uma comunidade é composto de todas as expressões materiais e espirituais que lhe constituem, incluindo o meio ambiente natural. 2 Savoir-faire – saber fazer, Dicionário Linguee 2014. 20 Patrimônio cultural é o conjunto de bens materiais e/ou imateriais, que contam a história de um povo através de seus costumes, comidas típicas, religiões, lendas, cantos, danças, linguagem superstições, rituais, festas. Uma das principais fontes de patrimônio cultural está nos sítios arqueológicos que revelam a história de civilizações antiquíssimas. Através do patrimônio cultural é possível conscientizar os indivíduos, proporcionando aos mesmos a aquisição de conhecimentos para a compreensão da história local, adequandoos à sua própria história. (UFSM. Disponível em <http://coral.ufsm.br/ppgppc/index.php/duvidas-e-dicas/78-atrimoniohistorico-cultural-e-ambiental-natural>. Acesso em 14 novembro 2014). Conhecendo as definições de patrimônio histórico e de patrimônio cultural verifica-se que estão intimamente próximas e se correlacionam, não podendo essas expressões ser tratadas separadamente, pois são indissociáveis. Há de se buscar a memória histórica e integrá-la a cultura, a fim de se construir uma identidade representativa, seja de um grupo ou de uma nação. 21 4. A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL 4.1 OS TEÓRICOS CLÁSSICOS 4.1.1 Èugene Emmanuel Viollet-le-Duc (1814-1879) Figura 1: Èugene Emmanuel Viollet-le-Duc Fonte: http://rethalhos.blogspot.com.br/2011/06/viollet-le-duc.html Èugene Emmanuel Viollet-le-Duc foi dos primeiros teóricos sobre a preservação do patrimônio histórico. Ele nasceu em Paris (França), em 27 de janeiro de 1814, e estudou arquitetura na escola de Belas Artes de Paris, mas não se formou. 22 Seu pensamento arquitetônico esteve associado à arquitetura revivalista3 do século XIX, sendo responsável pelo reconhecimento do estilo gótico como uma das mais importantes etapas da história da arte ocidental. Viollet-le-Duc ficou famoso por intermédio da restauração de diversos monumentos na França, como a Sainte-Chapelle e a catedral de Notre-Dame, e também por supervisionar a recuperação de diversos outros, como a catedral de Amiens, as muralhas de Carcassonne e a igreja de Saint-Sernin, em Toulouse. Autor de vários livros, dentre eles “Ensaio sobre a Arquitetura Militar na Idade Média” e “Dicionário da Arquitetura Francesa do Sec. XI ao Sec. XVI”, pregou um tipo de restauração de monumentos com a finalidade de restabelecer a “situação original do monumento”, quase sempre de maneira suposta e não comprovada, ou seja, não exatamente como foram criados. Através de critérios técnicos, estilísticos e pragmáticos definidos pelo restaurador, os patrimônios eram recuperados sob a forma de um ideal artístico do passado. Dessa forma, justificava-se a eliminação dos acréscimos e intervenções decorrentes do tempo e da história do monumento, os quais eram desprezados em detrimento da unidade estilística. “Restaurar um edifício não significa repará-lo, reconstruí-lo ou mantê-lo. Significa restabelecê-lo no seu estado mais completo, que pode até nunca ter existido” (Viollet-le-Duc 2000, 17). Para Viollet-le-Duc o patrimônio deveria ser restaurado ao melhor estado possível, mesmo que para uma condição que nunca pudesse ter existido, sem, contudo, perder sua coerência com a verdadeira concepção original do patrimônio. Assim, sua filosofia de pensamento ficou conhecida como intervencionista, haja vista valorizar a intervenção no patrimônio histórico de forma a melhorar seu estado físico. 3 Arquitetura revivalista é o nome dado a um conjunto de estilos arquitetônicos que centrava seus esforços em recuperar e recriar a arquitetura dos tempos passados. As tendências revivalistas na arquitetura surgiram na Europa no século XVIII, atingiram seu auge no século XIX e chegaram até meados do século XX. Wikipédia, a Enciclopédia Livre. 23 4.1.2 John Ruskin (1819-1900) Figura 2: John Ruskin Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Ruskin John Ruskin nasceu em Londres (Inglaterra), em 8 de fevereiro de 1819. Teve várias profissões, dentre elas: escritor, poeta e desenhista. Contudo, foi mais lembrado por seu trabalho como crítico de arte e crítico social, haja vista seus estudos e teorias sobre arte e arquitetura, os quais repercutem até a atualidade. As ideias de Ruskin estavam relacionadas ao Romantismo4. Dentro de sua visão, defendia a não intervenção no patrimônio histórico, pois considerava a real destruição daquilo que não se pode salvar, nem a mínima parte, uma destruição acompanhada de uma falsa descrição. Retirar as marcas do passado nos monumentos seria como destruir a própria história desse patrimônio, mesmo que fosse uma simples ruína, haja vista estas marcas representarem o testemunho de seu passado. Dessa forma, qualquer ação 4 Movimento literário e ideológico (final do século XVIII até meado do século XIX), e que dá ênfase a sensibilidade subjetiva e emotiva em contraponto com a razão. Wikipédia, a Enciclopédia Livre. 24 humana sobre bem histórico daria um novo caráter ao objeto, tirando a sua autenticidade. Podemos viver sem a arquitetura de uma época, mas não podemos recordá-la sem a sua presença. Podemos saber mais da Grécia e de sua cultura pelos seus destroços do que pela poesia e pela história. [...] A restauração é a destruição do edifício, é como tentar ressuscitar os mortos. É melhor manter uma ruína do que restaurá-la. (RUSKIN. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/ John_Ruskin>. Acesso em 15 novembro 2014). Então, na perspectiva de Ruskin, os bens do passado deveriam ser conservados para o futuro sem correção das imperfeições causadas pelo ação do tempo, admitindo-se, somente, a restauração a nível de conservação e preservação, evitando a destruição do patrimônio histórico e cultural. Esse pensamento ficou conhecido como anti-intervencionista. 4.1.3 Camilo Boito (1836-1914) Figura 3: Camilo Boito Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Camillo_Boito 25 Camilo Boito (professor, arquiteto, restaurador, escritor e historiador, voltado à crítica de arte e teoria do restauro) nasceu em Roma (Itália), e estudou na Escola de Belas Artes de Veneza. Em 1860, foi nomeado professor na Academia de Belas Artes de Brera, em Milão. Durante seu trabalho, realizou a restauração de diversos prédios italianos antigos. A partir das teorias de Eugene Viollet-le-Duc e John Ruskin, Boito propôs uma visão intermediaria entre esses dois teóricos. Dessa forma, postulou os princípios fundamentais para a restauração, que, de maneira geral, conciliavam as ideias de Viollet-le-Duc e Ruskin. 1. Ênfase no valor documental dos monumentos; 2. Evitar acréscimos e renovações, porém, se necessário, ter caráter diverso do original sem destoar do conjunto; 3. Utilizar material diferenciado do original para realizar complementos de partes deterioradas; 4. Obras de consolidação deveriam limitar-se ao estritamente necessário; 5. Respeitar as várias fases do monumento, sendo retirado algo novo somente se notório a inferioridade em relação ao conjunto; 6. Registrar as obras tanto com fotografias, como documentalmente; 7. Colocar uma lápide apontando a data e as obras de restauro que foram realizadas; 8. Notoriedade. (BOITO. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Camillo_Boito>. Acesso em 15 novembro 2014). Na perspectiva de Boito, a restauração não deveria apagar as marcas das intervenções e modificações sofridas pelos monumentos, ao longo do tempo, pelo contrario, essas marcas deveriam ser ressaltadas, haja vista representar parte integrante do valor desses patrimônios, a fim de manter seu valor histórico-artístico. Assim, para Boito, as intervenções nos monumentos só deveriam ser realizadas em caso de extrema necessidade, a fim de se evitar o risco de afetar a autenticidade artística daquilo objeto a ser restaurado. Dessa forma, sua visão sobre preservação do patrimônio histórico e cultural se aproximava mais da defendida por Ruskin. 26 4.2 O ESTADO DA ARTE 4.2.1 Cesare Brandi (1906-1988) Figura 4: Cesare Brandi Fonte: http://it.wikipedia.org/wiki/Cesare_Brandi Cesare Brandi nasceu em 8 de abril de 1906 em Siena, Itália. Foi historiador e crítico de arte, sendo considerado um especialista na teoria da restauração. Brandi formou-se em Literatura na Universidade de Florença, em 1928. Em 1930, foi responsável por reordenar, catalogar e organizar a coleção de pinturas da Academia de Belas Artes de Toscana. A partir de 1933, foi aprovado no concurso para Inspetor de Administração de Antiguidades e Belas Artes, sendo nomeado Superintendente para os Monumentos de Bologna, e , em 1936, nomeado Diretor de Educação de Udine. Em 1938, participou da criação do Instituto Central de Restauração, em Roma, onde foi Diretor por 20 anos. O instituto tornou-se referência nacional e internacional em restauro do patrimônio histórico e cultural. 27 Brandi faleceu em 1988, em Siena (Itália), e durante sua brilhante carreira escreveu diversos livros, onde destaca-se “Teoria da Restauração”, de 1963, que marcou o início de uma filosofia moderna para a preservação do patrimônio histórico. Suas ideias aproximaram-se de uma ideologia que ficou conhecida como Corrente do Restauro Científico. Brandi (2004), afirma que o restauro constitui “o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão para o futuro”. Conforme Cunha (2004), a partir desse pensamento Brandi elabora 2 axiomas: 1º. axioma5: “restaura-se somente a matéria da obra de arte” (p. 31), que se refere aos limites da intervenção restauradora, levando em conta que a obra de arte, em sua acepção, é um ato mental que se manifesta em imagem através da matéria e é sobre esta matéria – que se degrada - que se intervém e não sobre esse processo mental, no qual é impossível agir. Daí decorrem as críticas às restaurações baseadas em suposições sobre o “estado original” da obra, condenadas a serem meras recriações fantasiosas, que deturpam a fruição da verdadeira obra de arte. 2º. axioma: “A restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo” (p. 33). Ainda que se busque com a restauração a unidade potencial da obra (conceito de todo distinto de unidade estilística), não se deve com isso sacrificar a veracidade do monumento, seja através de uma falsificação artística, seja de uma falsificação histórica. De acordo com Brandi (2004), a restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível, sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço de passagem da obra de arte no tempo. Dessa forma, estabelece 2 aspectos como princípios fundamentais para a restauração: - “a integração deverá ser sempre e facilmente reconhecível; mas sem que por isto se venha a infringir a própria unidade que se visa a reconstruir” (p. 47); e Axioma é uma sentença ou proposição que não é provada ou demonstrada e é considerada como óbvia ou como um consenso inicial necessário para a construção ou aceitação de uma teoria. Wikipédia, A Enciclopédia Livre. 5 28 - “que qualquer intervenção de restauro não torne impossível, mas, antes, facilite as eventuais intervenções futuras” (p. 48). Assim, para Cesare Brandi a intervenção no patrimônio histórico exigiria uma posição crítica, baseada no pensamento científico e da interdiciplinaridade, afastando a ação intuitiva, prejudicial a autenticidade da obra. Esses aspectos conduziram a uma reflexão crítica a respeito do restauro, fundamental para o pensamento de preservação patrimonial atual. 4.2.2 Paolo Marconi (1933-2013) Figura 5: Paolo Marconi Fonte: http://www.ilgiornaledellarte.com/articoli/2013/8/117045.html Paolo Marconi nasceu em 1933, em Roma (Itália) e iniciou sua carreira no campo da restauração arquitetônica em 1958, após formar-se em Arquitetura na Faculdade de arquitetura de Roma, realizou licenciatura em História da Arte e História e Estilos de Arquitetura, tornado-se professor de Literatura nessa faculdade de 1966 a 1967, e Diretor do Curso de Mestrado em Restauração Arquitetônica e Recuperação em Construção, Urbana e Ambiental. 29 Aprovado no concurso nacional para o principal arquiteto da Superintendência de monumentos, dirigiu diversos trabalhos de restauração, dentre eles: do Claustro de Santa Maria Della Pace de Bramante; do Templo de San Giovanni in Oleo Borromini, da Igreja de Santi Luca e Martina e das Igrejas da Piazza del Popolo. Marconi foi, ainda, Arquiteto de Operação do governo francês, de 1971 a 1985, em Roma; Acadêmico Benemérito da Academia Nacional de Ciências Buenos Aires, desde 1972; Acadêmico Meritório da Accademia di San Luca, desde 1975; Médaille d'Argent da Academia de Arquitetura de Restauração de Paris, desde 1991; e Academic Honor da Academia de Design, em Florença, desde 2004. Ele estudou história e filosofia da restauração dos últimos dois séculos e foi autor de numerosas publicações. As teorias de Marconi seguem uma vertente denominada "manutençãorepristinação" ou "hipermanutenção". Segundo kuhl (2005), a hipermanutenção propõe o tratamento da obra através de manutenções ou integrações, ordinárias e extraordinárias, retomando formas e técnicas do passado. Na filosofia da hipermanutenção restauro arquitetônico é diferente do restauro de obras de arte. A intervenção em artefatos móveis, como esculturas e pinturas, mesmo que mínima, representaria uma falsificação da obra. Contudo, nos artefatos arquitetônicos, os quais são expostos às intempéries, admitiria uma intervenção. Assim, as partes desgastadas devem ser periodicamente substituídas, como pintura, troca de telha e etc. Nesse caso a intervenção teria um caráter de manutenção do bem. [...]. Primeiramente, a diferença entre artefatos arquitetônicos e artefatos “móveis” é justamente o fato de que o primeiro é imóvel, e está onde a História o quis, exposto às intempéries agravadas pela poluição, aos terremotos e aos insultos dos usuários. (MARCONI, 1986, apud CUNHA, 2012). As intervenções de grande porte também seriam admitidas nos monumentos. No entanto, as técnicas e matérias empregadas deveriam ser as mais próximas dos originalmente utilizados (estar coerente com o significado do patrimônio), a fim de permitir uma leitura correta do que aquele bem representa. Conforme Almeida (2012), para o arquiteto-restaurador e professor Paolo Marconi, teórico contemporâneo da restauração arquitetônica, a autenticidade da 30 obra de arquitetura está em seu significado (na linguagem e ensinamento arquitetônico) mais do que na matéria. Assim, a obra é parte de um processo estudo, cujos ensinamentos colhidos irão conduzir ao patrimônio histórico cultural, e não apenas vista como um produto do passado. O entendimento do objeto arquitetônico ou urbanístico do restauro como “processo histórico” e não como “artefato acabado” significa apreender o objeto como “monumento vivo” em contínua transformação – a essência da Arquitetura e do Urbanismo. Apropriando-se da retórica exacerbada de Marconi, no caso do “monumento vivo” o arquiteto atua como um “médico” para salvaguardar a vida do paciente, e no caso do “monumento morto” atua como “taxidermista” para preservar um corpo que cessou o seu percurso histórico. (MUSEU MANABU MABE. Disponível em:http://www.museumanabumabe.com.br). 4.2.3 Salvador Muñoz Viñas (1906- atualidade) Figura 6: Salvador Muñoz Viñas Fonte: http://readme.readmedia.com/Salvador-Mu-oz-Vi-as-to-Speak-at-H-SC/5957324 A publicação Teoría Contemporánea de la Restauración, de Salvador Muñoz, representa um dos mais atuais e inovadores conceitos sobre preservação do 31 patrimônio histórico e cultural, além de um dos mais recomendados livros sobre esse assunto. Salvador Muñoz Viñas nasceu em Valência, na Espanha, em 1963, e graduou-se em Belas Artes e História da Arte. Atualmente, é professor titular e diretor do Departamento de Conservação e Restauração de Bens Culturais da Universidade Politécnica de Valência. Em 1991, obteve o título de PhD em 1991, por intermédio de pesquisas realizadas no Centro de Conservação e Estudos Técnicos da Universidade de Harvard. Viñas foi o primeiro espanhol a receber o título de Fellow do “International Institute for Conservation of Historic and Artistic Works”, em reconhecimento ao seu trabalho no campo da conservação do patrimônio. É autor de diversas obras, dentre elas: Teoria Contemporânea da Restauração, um dos textos mais inovadores da atualidade. Para ele, a seleção e a decisão para se restaurar o patrimônio devem ser culturais e não técnicas. Segundo CALDAS (2013), o estudo de Viñas indica que duas correntes dominantes orientaram grande parte das intervenções nos bens culturais nos últimos cem anos: uma inclinada para valores estéticos e outra para preceitos científicos. Sustenta que as teorias clássicas apresentam-se limitadas para o escopo atual da cultura, considerando que nem todos os objetos sujeitos ao restauro são obras de arte, bem como os motivos que levam a restauração desses bens podem relacionarse a outros valores além do histórico e do artístico – sejam estes ideológicos, afetivos, religiosos, etc. - não sendo, portanto, inerentes ao próprio objeto nem, tampouco, cientificamente quantificáveis. De acordo com Muñoz-Viñas (2010) (apud SANTOS e GONÇALVES, 2013), a nova doutrina demonstra clara oposição às concepções objetivas e aos conceitos de verdade das “teorias clássicas”, especialmente no que se refere à autenticidade dos objetos culturais. Isso parece ficar mais claro quando o autor passa a analisar os valores dos objetos de preservação, todos eles subjetivos e relativos aos sujeitos que mantém relações com o universo patrimonial. Para o autor, são as pessoas que conferem valor aos objetos, que interpretam os eixos simbólicos e que tomam decisões sobre como conservar determinado bem cultural. 32 Segundo Granato e Campos (2013), “a teoria contemporânea não recomenda colocar nas mãos do público geral todas as decisões relativas à conservação e ao restauro, mas apenas as pessoas afetadas pelo objeto. A teoria sugere uma democracia conduzida por representantes sociais e profissionais qualificados e pretende estabelecer uma relação dialética e não impositiva entre as idéias do conservador, do restaurador, do político, do cliente, do cientista e das pessoas afetadas. Esse caminho de consenso torna-se muitas vezes impraticável, em função das posições pessoais dos atores sociais envolvidos, o que pode por em cheque a prática da teoria de Viñaz. Do ponto de vista ético, Muñoz Viñas diz que: uma boa restauração é a que satisfaz um maior número de sensibilidades”. Segundo Viñas (2010) (apud SANTOS e GONÇALVES, 2013), explica que atualmente existe a consciência de que nem todos os objetos patrimoniais são obras de arte, alguns nem sequer são obras, tampouco podem ser classificados como antiguidades ou objetos históricos. Além disso, o patrimônio estendido a limites culturais possuem significados que variam a interpretação de pessoa para pessoa, nas classes e níveis culturais diversos. As funções culturais dos artefatos também são diversificadas e excedem o universo institucional, ou seja, admite-se que a restauração não interessa somente aos experts, mas à sociedade em geral, podendo estar relacionada com valores ideológicos, afetivos, religiosos e muitos outros. Desse modo, a doutrina contemporânea da restauração busca satisfazer um número maior de sensibilidades: “La restauración se hace para lós usuários de lós objetos: aquellos para quienes esos objetos significan algo, aquellos para quienes esos objetos cumplen uma función esencialmente simbólica o documental, pero quizá también de otros tipos. [...] Uma buena restauración es aquella que hiere menos um menos número de sensibilidades – o la que satisface más a más gente”. Assim, a teoria contemporânea proposta por Muñoz Viñas vem trazendo uma nova reflexão sobre a conservação do patrimônio, decorrente da própria evolução desse tema. As manutenções bem como a intensidade de intervenção no patrimônio devem estar baseadas em diversos critérios, sejam eles religiosos, históricos, sentimental ou qualquer critério pelo qual o estamento6 que o bem representa lhe confira. 6 Estamento - conjunto de pessoas que desempenham a mesma função social ou que possuem a capacidade de influenciar certo setor: o estamento ideológico. Dicionário Online de Português. 33 Do ponto de vista ético, Viñas diz que “uma boa restauração é a que satisfaz um maior número de sensibilidades” [...]. A conservação e a restauração do objeto devem ser realizadas para os seus usuários, para as pessoas para qual o objeto cumpre uma função essencialmente simbólica, documental e outras. Deverão agradar os gostos e as necessidades intangíveis de usuários futuros. Concluindo, esses objetos são símbolos de aspectos intangíveis de uma cultura, de um grupo social, e devem ser conservados sem alterar a capacidade simbólica (VIÑAS, 2003, apud FRONER, 2014). 34 5. A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DO EXÉRCITO BRASILEIRO O DECEx, por intermédio da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército é o órgão do EB responsável controle e coordenação do patrimônio histórico e cultural do Exército, bem como pela preservação desse patrimônio, dentre outras responsabilidades. A fim de manter seu patrimônio histórico e cultural nas melhores condições possíveis e, ainda, atender as demandas sobre esse tema dentro do SCEx, o EB elaborou, em 1996, as “Normas para Preservação e Difusão do Patrimônio Cultural do Exército Brasileiro”, o qual foi confeccionado com base no XIV Congresso da “International Association of Museums of Arms and Military History”, realizado naquele ano em Amsterdam e Bruxelas, nas visitas realizadas a praticamente todos os principais museus do Brasil, da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá e no acesso a publicações sobre preservação patrimonial. As “Normas para Preservação e Difusão do Patrimônio Cultural do Exército Brasileiro” foram ampliadas e revisadas em 2006, a fim de atender as novas demandas do Exército, bem como se adequar a realidades dos espaços culturais da Força Terrestre. No que diz respeito à preservação do patrimônio histórico e cultural do EB, essas normas apresentam, dentre outros objetivos, preservar, restaurar, recuperar e divulgar o patrimônio material histórico, artístico e cultural do Exército. Conforme essas normas, ainda, o SCEx deverá prever, em simultaneidade com as ações de preservação do patrimônio, pesquisa histórica e divulgação, mecanismos de influência intelectual sobre o público interno e o externo, num processo contínuo de desenvolvimento e aperfeiçoamento de mentalidade coerente com a realidade social do País e com a evolução da humanidade. Para se entender que corrente de pensamento orienta a preservação do patrimônio histórico e cultural do EB, é preciso conhecer alguns conceitos adotados por essa instituição. 35 Restauração é a ação destinada a tentar trazer um objeto, de volta o mais próximo possível, à sua aparência original ou à de uma determinada época, por meio da remoção de acréscimos, adições subseqüentes e/ou pela substituição de partes ou elementos que estejam em falta. (Normas para Preservação e Difusão do Patrimônio Cultural do Exército Brasileiro, 2006). Bem histórico é todo bem cultural que, pelas suas características, pode servir como fonte para a pesquisa histórica. (Normas para Preservação e Difusão do Patrimônio Cultural do Exército Brasileiro, 2006). Conservação é a tecnologia da preservação de coleções, e seu principal objetivo é preservar tudo aquilo que ainda existe de um objeto, o mais próximo possível de um estado inalterado. É o conjunto de medidas de variadas naturezas que se destinam a prolongar a vida de um bem cultural. Ela abrange dois tipos de procedimentos: a conservação preventiva e a restauração. (Normas para Preservação e Difusão do Patrimônio Cultural do Exército Brasileiro, 2006). Preservar significa “realizar um conjunto de ações destinadas a evitar a destruição, a perda ou o desaparecimento de um bem cultural de natureza material ou imaterial”, ou “defender, proteger, resguardar, manter livre de corrupção, perigo ou dano, conservar”, segundo Aurélio Buarque de Holanda, ou, ainda, o “conjunto de medidas de ordem jurídica, administrativa, urbanística, arquitetural ou de natureza técnica que visa a resguardar uma edificação, sítio urbano, obras escultóricas em locais públicos ou ambientes naturais e promover-lhes a eventual restauração ao status quo ante”, na opinião de Teixeira Coelho, no Dicionário Crítico de Política Cultural. Preservar é, acima de tudo, respeitar o direito de nossos descendentes, é garantir, às gerações futuras, o conhecimento de sua própria identidade. Só se ama o que se conhece, e só se preserva o que se ama. (Normas para Preservação e Difusão do Patrimônio Cultural do Exército Brasileiro, 2006). Um dos principais problemas da preservação diz respeito à identificação daquilo que deva ser preservado. A seleção do bem cultural a ser alvo da preservação é uma ação para a qual não existem padrões bem definidos. É uma escolha pessoal e difícil, pois não podemos preservar tudo o que foi produzido por gerações. É uma tarefa que depende, fundamentalmente, do bom senso de quem está responsável pela sua execução. (Normas para Preservação e Difusão do Patrimônio Cultural do Exército Brasileiro, 2006). 36 Conservação preventiva é a ação destinada a prevenir o dano e a minimizar a deterioração causada a um bem pelos agentes da deterioração. Quando um vaso de cerâmica se quebra ao cair de um pedestal, isso significa que a conservação preventiva falhou. Entretanto, ela não significa apenas medidas práticas para se evitar acidentes. É, também, o conjunto de ações desenvolvidas com o objetivo de minimizar a lenta e contínua ação da deterioração. Por exemplo, um meio ambiente desfavorável trabalha diuturnamente de forma imperceptível sobre os objetos; mas é o efeito acumulado, depois de anos de exposição, que acaba provocando a deterioração. A boa conservação preventiva das coleções deve evitar a necessidade da restauração e depende, essencialmente, da forma como os objetos são guardados na reserva técnica, expostos ao público, manuseados e manutenidos, e do meio ambiente onde se encontram. (Normas para Preservação e Difusão do Patrimônio Cultural do Exército Brasileiro, 2006). Ao se observar as definições das Normas para Preservação e Difusão do Patrimônio Cultural do Exército Brasileiro, em especial o conceito de “Restauração”, é possível verificar uma certa tendência clássica intervencionista na filosofia de preservação do patrimônio histórico e cultural do EB, refletindo um pensamento que se aproxima de Viollet-le-Duc, pois, para esse teórico o patrimônio deveria ser restaurado ao melhor estado possível, mesmo que para uma condição que nunca pudesse ter existido, sem, contudo, perder sua coerência com a verdadeira concepção original do patrimônio. Por outro lado, a ideia de conservação preventiva aproxima-se da filosofia contemporânea, evitando a restauração do material. Assim, a ideia de uma intervenção mínima no objeto é fundamental para uma boa preservação. Contudo, conforme essas normas, ainda, a seleção do bem cultural a ser alvo da preservação é uma ação para a qual não existem padrões bem definidos. É uma escolha pessoal e difícil, pois não podemos preservar tudo o que foi produzido por gerações. É uma tarefa que depende, fundamentalmente, do bom senso de quem está responsável pela sua execução. Nesse caso, a Força Terrestre se depara com um grande problema, pois não definiu se o objeto a ser preservado deve satisfazer valores estéticos, valores culturais, preceitos científicos (documentais) ou, ainda, satisfazer a uma mistura desses valores. No que diz respeito à MEM, o Exército Brasileiro, em 2011, publicou as “Instruções Gerais para a Destinação de Material de Emprego Militar de Valor 37 Histórico do Comando do Exército (IG 20-15)”,apresentando diversos requisitos para que um MEM fosse considerado patrimônio histórico. Art. 2º Para efeito destas Instruções Gerais são adotadas as seguintes definições: I - MEM: armamento, munição, equipamentos militares e outros materiais ou meios navais, aéreos, terrestres e anfíbios de uso privativo ou característicos das Forças Armadas, seus sobressalentes e acessórios; II - valor histórico: característica atribuída ao MEM, uma vez atendidos os requisitos de originalidade, raridade, pertinência em relação à história do Exército e/ou do Brasil, emprego em fatos históricos da história do Exército e/ou do Brasil, contribuição como elemento de mudança de paradigma estratégico, tático e doutrinário, ou como elemento de evolução do MEM; (IG 20-15, 2011). Art. 3º Os MEM considerados inservíveis que atendam ao menos a um dos requisitos elencados no inciso II do art. 2º destas IG, independente de sua natureza ou classificação, deverão ser submetidos à análise pelo Corpo Técnico da Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEx), visando a atestar se o referido MEM apresenta valor histórico relevante. (IG 20-15, 2011). Art. 4º Os MEM que venham a ser considerados como sendo de valor histórico deverão ser cedidos7 ou alienados8 na forma de doação aos espaços culturais do Exército Brasileiro que deles necessitem para exposição ou para sua preservação em reserva técnica. (IG 20-15, 2011). Quando trata-se de MEM, o EB possui padrões bem definidos daquilo que deve ser preservado, assumindo uma postura crítica, baseada em preceitos da ciência e da interdiciplinaridade, o que aproxima-se do pensamento de Brandi. Dessa forma, a Força Terrestre evita uma ação intuitiva, selecionando o que deve ser preservado, haja vista não se poder preservar tudo. 7 cessão: modalidade de movimentação de material do acervo, com transferência gratuita de posse e troca de responsabilidade, entre órgãos ou entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, ou entre aqueles e outros integrantes de qualquer dos demais Poderes da União. IG 15-20. 8 alienação: operação de transferência do direito de propriedade do material, mediante venda, permuta ou doação. .IG 15-20. 38 6. CONCLUSÃO Atualmente existem diversas diretrizes para a conservação, restauração e manutenção do patrimônio histórico e cultural, as quais estão expressas em Catas Patrimoniais e propagadas por órgãos internacionais e instituições acadêmicas. Segundo Viñas (2003), ao falar de uma teoria contemporânea da restauração implica em dizer que existe uma teoria da restauração que não é contemporânea, é acreditar que existe uma teoria da restauração que pertence ao passado (e por isso mesmo provavelmente esteja obsoleta), distinta da anterior, e que responde aos problemas de hoje desde uma perspectiva do nosso tempo. Dessa forma, não se trata de dizer se o que o Exército Brasileiro está preservando corretamente ou não seu patrimônio histórico e cultural, mas sim refletir se a filosofia que orienta a preservação desse patrimônio, bem como a seleção do material a ser preservado, atende às atuais perspectivas histórico-culturais dessa Instituição. Tratando-se de filosofia de preservação atual, hoje a conservação preventiva desponta como fator influente na pesquisa científica. Uma abordagem mais crítica do “não tocar” foi desenvolvida, baseada num melhor conhecimento dos problemas de conservação e dos mecanismos de degradação dos objetos. Dessa forma, busca-se a mínima intervenção possível no objeto a ser preservado. Orientar a preservação patrimonial do Exército Brasileiro em conceitos clássicos significa limitar sua filosofia de preservação. Contudo, agir com uma visão de futuro sem observar os ensinamentos do passado é desprezar esses ensinamentos. Dessa forma, quanto se trata preservação, deve-se tomar uma decisão interdiciplinar, a fim de abordar todos os aspectos que envolvem o objeto a ser restaurado, a fim de definir que tipo de intervenção deve sofrer o objeto. Conforme Viñas (apud CALDAS, 2013), as teorias clássicas apresentam-se limitadas para o escopo atual. Ele considera que, nem todos os objetos sujeitos ao restauro são obras de arte, bem como os motivos que levam a restauração desses bens podem relacionar-se a outros valores – sejam estes ideológicos, pessoais ou religiosos - não sendo, portanto, inerentes ao próprio objeto, nem, tampouco, cientificamente quantificáveis. Quanto a seleção do bem a ser preservado, quando se trata de MEM o Exército Brasileiro adota postura científica e interdisciplinar, estabelecendo critérios 39 para definir quais são os MEM que estão alinhados com as atuais demandas histórico-culturais dessa Instituição, o que representa uma mentalidade bastante atual. No que tange ao patrimônio da Força Terrestre não classificado como MEM, a legislação e as normas são vagas. Nessa situação, uma postura clássica implicaria em valorizar apenas aspectos artísticos ou históricos do objeto a ser preservado. O pensamento contemporâneo é muito mais amplo, pois considera além dos valores citados, aspectos científicos da pesquisa historiográfica, aspectos culturais, aspectos sociais do grupo que o patrimônio representa, dentre outros, valorizando aspectos interdisciplinares. Assim, o patrimônio, na atualidade, passou a ser visualizado não só pelo ponto de vista de sua materialidade, mas também pelo o que sua imaterialidade representa para determinado estamento em dado momento da história. Dessa forma, com relação ao Exército Brasileiro, seu patrimônio material está intimamente associado ao imaterial, haja vista ser impossível não relacionar um dos seus bens à práticas, representações, expressões, conhecimentos ou técnicas, que o EB reconhece como parte integrante de seu patrimônio cultural. Segundo Kuhl (2005), é importante salientar que essas vertentes atuais ligadas a preservação, que têm representantes nos vários países, apesar de por vezes operarem de maneira distinta, preconizam um respeito absoluto pelo valor documental da obra, mesmo na pluralidade de suas formulações e dos diversos modos de colocá-las em prática. A principal reflexão trazida pela teoria contemporânea da restauração é o fato de colocar em diálogo os diversos aspectos (culturais, históricos e outros) que giram em torno do objeto da preservação, além disso, a interdisciplinaridade e a sustentabilidade são fundamentais para atender as atuais demandas de preservação, bem como agradar ao grupo que o patrimônio histórico e cultural represente. Portadoras de mensagem espiritual do passado, as obras monumentais de cada povo perduram no presente como o testemunho vivo de suas tradições seculares. A humanidade, cada vez mais consciente da unidade dos valores humanos, as considera um patrimônio comum e, perante as gerações futuras, se reconhece solidariamente responsável por preservá-las, impondo a si mesma o dever de transmiti-las na plenitude de sua autenticidade. (Carta de Venesa, 1964) 40 Por fim, O Exército Brasileiro deve estar atento às novas propostas sobre a preservação do patrimônio histórico e cultural, a fim de levar a novas reflexões sobre esse tema, decorrentes do desenvolvimento de novas teorias de preservação, bem como da própria evolução da Força Terrestre. As manutenções preventivas, além da intensidade de intervenção no bem patrimonial patrimônio devem estar baseadas em critérios conferidos pela própria Instituição, sejam eles sociais, religiosos, históricos, sentimental ou qualquer outro alinhado com os atuais objetivos do DECEx.. ___________________________________________ FREDMAR CABRAL DE OLIVEIRA JUNIOR – TC Art 41 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Antonio. Alguns Conceitos Sobre Cultura. 2012 ARTE.COM. Èscomparso Paolo Marconi, Restauradore di Architettura. Disponivel em: http://www.ilgiornaledellarte.com/articoli/2013/8/117045.html. Acesso em: 15 novembro 2014. AZZI, Christine Ferreira. O Patrimônio Histórico e a Cultura Material no Renascimento. Instituto Brasileiro de Museus. Santa Maria. 2011. BOITO, Camilo. Os Restauradores. Tradução de Beatriz Mugayar Kuhl e Paulo Mugayar Kuhl. Cotia, SP. Ateliê Editorial, 2000. BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia – SP. Ateliê Editorial. 2004. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 14 novembro 2014. BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª Ed. São Paulo. Ed. FTD. 2007. CALDAS, Karen Velleda. A Restauração em Foco: entre Mitos e Realidades. 2013. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/ 12.138/4765. acesso em: 15 novembro 2014. CARTA DE CRACÓVIA. Princípios para a Conservação e o Restauro do Património Construído. Polônia. 2000 CARTA DE VENEZA. II Congresso Internacional dos Arquitetos e Técnicos de Monumentos. 1964 CESARE BRANDI. Disponível em: http://it.wikipedia.org/wiki/Cesare_Brandi. Acesso em 15 novembro 2014. CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade/Ed.UNESP, 2001. COFFY BILHALBA DOS SANTOS, Verônica e REGINA DE FREITAS GONÇALVES, Margarete. A Proposta da Teoria Contemporânea da Restauração aos Profissionais de Restauro no Século XXI. 2013. Disponível em < www.eumed.net/rev/cccss/25/restaurazao.html>. CUNHA, Claudia dos Reis. A Atualidade do Pensamento de Cesare Brandi. Revista Vitruvius – Resenhasonline. Ano 03, ago. 2004. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/resenhasonline /03.032/3181 Acesso em: 15 novembro 2015. 42 CUNHA, Claudia dos Reis. Restauração: Diálogos entre teoria e Prática no Brasil nas Experiências do IPHAN. São Paulo. 2010. CUNHA, Claudia dos Reis. Teoria e Método no Campo da Restauração. São Paulo. 2012 DICIONÁRIO LINGUEE 2014. Disponível em <http://www.linguee.com.br/francesportugues/traducao/savoir+faire.html>. Acesso em 14 novembro 2014. DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS. Disponível http://www.dicio.com.br/estamento/> Acesso em 05 dezembro 2014. em <http:// DIRETORIA DO PATRIMÔNIO E CULTURAL DO EXÉRCITO. Disponível em <http:// www.dphcex.ensino.eb.br/?page=intro_sist_cult>. Acesso em: 25 março 2014. DOS SANTOS, Veronica Coffy Bilhalba, e GONÇALVES, Margarete Regina de Freitas. A Proposta da Teoria Contemporânea da Restauração aos Profissionais de Restauro no Século XXI. Disponível em: http://www.eumed.net/rev/ cccss/25/restaurazao.pdf. Acesso em 15 novembro 2014. EL PAÍS. Paolo Marconi, El Guarda de La Belleza de Roma. Disponível em: http:// cultura.elpais.com/cultura/2013/08/21/actualidad/1377120765_498333.html. Acesso em: 15 novembro 2014. FRONER, Yacy-Ara. Cadernos de Ciência & Conservação -- Teoria e Contexto. UFMG. Minas Gerais. 2014. GRANATO, Marcus e CAMPOS, Guadalupe do Nascimento. Conservação e Desafios Relacionados aos Acervos Científicos. 2013. Teorias da HANNESCH, Ozana. Puxando o Fio da Meada. Rio de Janeiro. RJ. 2010. HISTÓRIA DO MUNDO. Disponível em <http://www.historiadomundo.com.br/idademoderna/renascimento.htm> Acesso em 15 novembro 2014. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Disponível em: http://www.iphan.gov.br>. Acesso em: 25 março 2014 INSTRUÇÕES GERAIS PARA A DESTINAÇÃO DE MATERIAL DE EMPREGO MILITAR DE VALOR HISTÓRICO DO COMANDO DO EXÉRCITO (IG 20-15). Portaria nº 463, de 1º de agosto de 2011, do Comandante do Exército. Disponível em < http://www.dphcex. ensino.eb.br/docs/ligislacao/normas_patrimonio/> Acesso em 15 novembro 2014. KÜHL, Beatrz Mugayar. História e Ética na Conservação e na Restauração de Monumentos Históricos. Centro de Preservação Cultural. USP. São Paulo. 2005. LEAL, Claudia Baeta; TEIXEIRA, Luciano dos Santos; CHUVA, Márcia. Patrimônio Cultural. Vol 1. Rio de Janeiro. Fundação CECIERJ. 2013. MUSEU MANABU MABE. Critérios de Intervenção: Restauro e Reconversão. 2012. Disponível em: http://www.museumanabumabe.com.br. 43 NORMAS PARA PRESERVAÇÃO E DIFUSÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO EXÉRCITO BRASILEIRO. 3ª Edição. 2006. Disponível em < http://www.dphcex. ensino.eb.br/docs/ligislacao/normas_patrimonio/> Acesso em 15 novembro 2014. PAULO, Pedro A Funari, CÁSSIA, Sandra Arauújo Pelegrie. Patrimônio Histórico e Cultural. Por. 2ª Ed. Rio de Janeiro. Ed. ZAHAR . 2009 RETRATABILIDADE: RENOMEANDO E RECONCEITUANDO UM CRITÉRIO.CALDAS. VALLEDA, Karen. Disponivel em:<.http://periodicos.ufpel. edu.br/ojs2/index.php/Arte/article/view/1846/1688> Acesso em 15 novembro 2014. REVISTA MUSEU. Declaração de Caracas – 1992. Disponível em< http://www.revistamuseu.com.br/legislacao/museologia/decl_caracas.asp>. Acesso em 14 novembro 2014. SORJ, Bernardo. A Nova Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 2000. TEORIAS DA RESTAURAÇÃO, EUGENE VIOLLET-LE-DUC. Disponível em < http:// rethalhos.blogspot.com.br/2011/06/viollet-le-duc.html>. Acesso em 15 novembro 2014. VIÑAS, Salvador Muñoz. Teoría Contemporánea de la Restauracion. Madrid: Editora Sintesis. 2003. VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. Tradução de Beatriz Mugayar Kuhl. Cotia, SP. Ateliê Editorial, 2000. WIKIPÉDIA, A ENCICLOPÉDIA LIVRE. Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/ Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal> Acesso em 15 novembro 2014.