02Ensino médio diversificado

Transcrição

02Ensino médio diversificado
Ciclo de Seminários Internacionais
Educação no século XXI:
modelos de sucesso
02
Ensino médio
diversificado
Rio de Janeiro • 2008
Ciclo de Seminários Internacionais
Educação no século XXI: modelos de sucesso
Iniciativa
CÂMARA DOS DEPUTADOS
Deputado Arlindo Chinaglia - Presidente
COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Deputado Gastão Vieira - Presidente
Organização
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO - SESC - SENAC
Antonio Oliveira Santos – Presidente
Apoio e Coordenação Técnica
INSTITUTO ALFA E BETO
João Batista Araujo e Oliveira – Presidente
Coordenação Executiva:
João Vicente de Abreu Neto - Comissão de Educação e Cultura/CD
Roberto Velloso - Apel/CNC
Editoração:
Arthur Bosisio - Senac Nacional
Márcia Leitão - Senac Nacional
Fotografias:
Rodolfo Stuckert
Projeto Gráfico e Revisão:
Centro de Comunicação Corporativa/Divisão de Administração e Recursos Humanos/Senac Nacional
Copyright Senac Nacional 2008
Av. Ayrton Senna, 5.555
22.775-004 - Rio de Janeiro - RJ
www.senac.br
Agradecimentos:
Agradecemos a todos da equipe da Comissão de Educação e Cultura, da Câmara de Deputados e da equipe da CNC - Sesc - Senac,
pela colaboração decisiva na realização do ciclo de seminários Educação no século XXI: modelos de sucesso.
CICLO DE SEMINÁRIOS INTERNACIONAIS EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI:
MODELOS DE SUCESSO, 1., 2007, Brasília. Ciclo de.... Rio de Janeiro : SENAC/
Departamento Nacional, 2008. 3 v. Publicado em parceria com a Comissão
de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, Confederação Nacional do
Comércio e Instituto Alfa e Beto.
EDUCAÇÃO; REFORMA DO ENSINO; POLÍTICA EDUCACIONAL; ENSINO
MÉDIO; EDUCAÇÃO INFANTIL.
CDD (20.ed.) – 370
Ficha elaborada de acordo com as normas do SICS – Sistema de Informação e
Conhecimento do Senac
Sumário
Apresentação
Claudio de Moura Castro
Ensino médio: no olho do furacão
5
9
Pasi Sahlberg
O ensino secundário nos países de OCDE: desafios comuns e
soluções diferentes
65
Thomas Deissinger
Problemas e desenvolvimento do Sistema Alemão de Formação Profissional e Técnica: o relacionamento conflitante entre
as diferentes opções do ensino secundário pós-obrigatório
153
Candido Alberto Gomes
Ensino secundário nos Estados Unidos: novos problemas e
novas soluções
189
209
225
227
João Batista Araujo e Oliveira
Ensino médio: lições da experiência internacional
Anexo 1
Os autores
Anexo 2
Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados
Apresentação
São apresentadas, nesta publicação sobre ensino médio, as colaborações dos palestrantes do segundo encontro do ciclo de seminários internacionais Educação no século XXI:
modelos de sucesso, juntamente com artigo final que aponta as principais lições extraídas
das experiências relatadas, que podem contribuir de forma efetiva para uma reflexão consistente sobre a educação no Brasil.
O ciclo de conferências foi uma iniciativa da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos
Deputados, e contou com o apoio do Sistema Confederação Nacional do Comércio - Sesc Senac e do Instituto Alfa e Beto.
O objetivo da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, ao promover esses
seminários, foi trazer aos legisladores, formuladores de políticas educacionais, administradores públicos e educadores informações atualizadas sobre os modelos de sucesso em educação
em diversos países do mundo. Dessa forma, se pode, efetivamente, elevar o nível do debate
sobre educação no Brasil e permitir ao público brasileiro refletir, com maior rigor, a respeito
de idéias que podem ser úteis para o nosso país.
A Confederação Nacional do Comércio, através se seus braços educacionais – Sesc e Senac
– tem participado, desde a década de 40, das profundas transformações e dos avanços na educação brasileira. Hoje, mais do que nunca, o empresariado nacional congregado na CNC está
convencido da importância estratégica da educação de qualidade como condição necessária
para alavancar o processo de desenvolvimento de nosso país. Daí o seu envolvimento com essa
importante iniciativa da Câmara dos Deputados.
O Instituto Alfa e Beto tem, como parte de sua missão, o objetivo de promover a discussão de
políticas de educação com base em evidências, permitindo, dessa forma, contribuir para aprimorar a qualidade da informação e do debate sobre temas relevantes da educação.
Os três seminários que compuseram o ciclo foram: Reforma educativa, Ensino médio diversificado e Educação infantil. Vale registrar que os seminários do ciclo Educação no século XXI
possuem três características em comum. Em primeiro lugar, são seminários de nível internacional, com a participação de destacados especialistas da Irlanda, Coréia, Estados Unidos
etc. Assim, procuramos trazer a experiência de países que vêm se esforçando para melhorar a
qualidade de sua educação – e a maioria deles, com notável grau de sucesso. Isso nos permite
aprender com quem sabe fazer. Em segundo lugar, as apresentações se baseiam em evidências.
Os conferencistas convidados nos trazem informações, mas, sobretudo, nos trazem dados e
resultados do que vem ocorrendo em seus países ou em regiões do mundo, especialmente dos
países da OCDE. E, em terceiro lugar, os seminários têm como objetivo provocar a reflexão
dos interessados, e, por essa razão, os conferencistas e os trabalhos que eles apresentam não
explicitam lições para o Brasil. Essa tarefa será conseqüência do seminário. Daí a importância
da presente publicação, pois ela deverá servir de base para a Comissão de Educação e Cultura
e para o leitor interessado em avançar e aprofundar o debate sobre a implicação dessas idéias
para o nosso país.
As idéias estão aí. Cabe ao leitor, nos vários foros de discussão que possa promover, aprofundá-las e aprimorar sugestões úteis para os municípios, estados e para o país como um todo. A
Comissão de Educação e Cultura, a Confederação Nacional do Comércio e o Instituto Alfa e
Beto acreditam firmemente que essa iniciativa irá contribuir para elevar a qualidade do debate
sobre a educação brasileira.
Deputado Gastão Vieira
Presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados
Antonio Oliveira Santos
residente da Confederação Nacional do Comércio
P
João Batista Araujo e Oliveira
Presidente do Instituto Alfa e Beto
Ensino médio:
no olho do furacão
Claudio de Moura Castro*
Resumo: Por tudo que sabemos, o médio é o ciclo do ensino com mais
perplexidades. Está no meio do caminho. Recebe uma diversidade crescente de alunos e não sabe o quê fazer com eles. Tem demasiados papéis.
Espera-se que ofereça uma base sólida de conhecimentos instrumentais,
científicos e nas humanidades. Deve preparar, ao mesmo tempo, para
o mercado e para passar nos vestibulares. É coisa demais. Além disso,
compartilha o déficit de qualidade do ensino básico do país. Sem muito
medo de errar, pode-se dizer que é um nível em crise permanente. Entra
ano, sai ano, em algum lugar do mundo, há protestos ou propostas de
revirar tudo de cabeça para baixo. Talvez os problemas do ensino médio
no Brasil sejam ainda mais acentuados.
1. O que dizem os números
Sem entender primeiro o que dizem os números, pouca confiança poderemos ter em quaisquer análises sobre nosso ensino. As estatísticas educacionais brasileiras são quase sempre de boa qualidade e disponíveis.
Não obstante, são freqüentemente ignoradas.
A Tabela 1 na página seguinte resume, em boa medida, os números que
serão examinados adiante.
* Claudio de Moura Castro é professor da Faculdade Pitágoras e articulista da Revista Veja.
Tabela 1 – Estatísticas básicas da educação brasileira
Nível /Modalidade
Matrícula (mil)
Concluintes fundamental
2.471
Matrícula médio (total)
8.906
Matrícula 1ª série
3.601
Matrícula 2ª série
2.772
Matrícula 3ª série
2.385
Matrícula ensino técnico
774
Matrícula médio e técnico
9.680
Concluintes médio (total)
1.949
Concluintes médio (diurno)
1.014
Concluinte médio (noturno)
935
Matrícula em Educação de Jovens e
Adultos(EJA) médio (total)
Matrícula EJA (presencial)
10
1.750
1.345
Matrícula EJA (semipresencial)
405
Aprovados EJA médio (presencial)
Aprovados EJA médio (semipresencial)
451
-
Matrícula 3ª série e EJA
4.135
Aprovados 3ª série e EJA (presencial)
2.400
Vagas no superior
2.320
Candidatos inscritos
5.053
Ingressos no 1º ano
1.303
Fonte: Inep (2006)
11
1.1 Matrículas e conclusões por série
Em meados da década de 1990, o Brasil se aproximou da universalização do ensino de crianças e jovens de sete a 14 anos. Nesse momento, a proporção freqüentando a escola atingiu 97%. Foi um
avanço memorável no ensino. Superamos um atraso crônico que nos
distanciava até mesmo de nossos vizinhos. Em 1950, 51% da população brasileira era analfabeta. Nesse momento, só 3% da população
norte-americana estava nesse estado. Os nossos vizinhos argentinos
tinham 14% de analfabetos. Finalmente, chegamos aonde muitos
países latino-americanos já haviam chegado, há bem tempo.
• Temos hoje 56 milhões de alunos no ensino básico. É quase um
terço da população total e uma proporção mais elevada do que
a maioria dos países. Em 1960, apenas 11% da população estava
na escola. Isso reflete o grande esforço que se fez, mas esconde também uma grande ineficiência, pois muitos dos alunos
que freqüentam as escolas são repetentes. Por essa razão, na
média, matriculamos cerca de 20% a mais do que o necessário
para obter o mesmo resultado.
• Nosso ensino médio tinha 1.309 milhão alunos em 1960. Com a
aceleração dos anos 1990, passou de 4.104.643 alunos em 1992
para 9.689 milhões no ano de 2006 (incluindo o ensino técnico). É uma expansão muito considerável: multiplica por nove
a matrícula de 1960 e mais do que dobra os efetivos escolares
nesse nível, em comparação com 1992. No entanto, a partir de
2003, houve um estancamento do crescimento e até uma pequena queda. Parte da explicação para tal retrocesso parece
estar no aumento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de
nível médio que, em 2006, matriculava 1.750 milhão de alunos.
Note-se que não podemos comparar esse número com os nove
milhões do ensino regular, pois o curso que leva ao exame do
EJA é de um ano. Ou seja, a comparação seria com o último ano
Estimativas de Ruben Klein (2006).
do ensino médio, que matricula 2.412.701 alunos (em 2006).
Pelos atrasos sucessivos e a inevitável deserção, o ensino que
deveria ser uma segunda chance tornou-se um canal de acesso que matricula mais da metade do ensino regular na última
série.
• Um resultado bizarro, que vem desafiando os estatísticos, é a
comparação entre os 2.471 milhões que se formam no ensino
fundamental e os 3.601 milhões matriculados na primeira série do médio. Ou seja, à primeira vista, há mais matrícula do
que matéria-prima. A repetência na 8ª série é de 8%, e na 1ª do
ensino médio é de 20%. Isso explica a diferença, mas apenas
parcialmente. Salvo uma outra explicação, através da análise
dos fluxos escolares, não há como evitar a conclusão de que há
uma volta ao ensino médio, por parte de alunos mais velhos. A
pressão econômica por mais escolaridade poderia ser o motor
de tal fenômeno.
• Chama também atenção a proporção de alunos do turno da
noite. São 44% dos matriculados. Somados aos do EJA, encontramos 5.208.305 alunos. Esse contingente, no qual predominam alunos adultos, é um pouco maior do que os alunos do
turno diurno. Em outras palavras, o ensino médio é um ciclo
que se alonga no tempo, passando a ser uma educação com
tantos adultos quantos jovens.
• Quando examinamos a matrícula por turno e série, nos deparamos com um resultado muito curioso (Tabela 2). Verificamos
que apenas o porte da 3ª série corresponde a 54% dos alunos
matriculados na primeira série do curso diurno. Em contraste,
a 3ª série do curso noturno corresponde a 83% dos alunos noturnos matriculados na série inicial. Possivelmente, a quebra
no diurno resulta de transferências para o noturno ou para a
EJA, causada pelo excesso de idade.
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Tabela 2 – Ensino médio: matrícula por turno e série (alunos)
Total
Diurno
Noturno
Concluintes 8ª série 2004
2.462.319
2.123.349
338.970
Matrícula 1ª série E.M. 2005
3.660.934
2.201.579
1.459.355
Matrícula 2ª série E.M. 2005
2.846.877
9.580.302
1.266.575
Matrícula 3ª série E.M. 2006
2.412.701
1.194.956
1.217.745
• Em contraste com a alta taxa de aprovação do médio noturno,
notamos justamente o inverso na EJA. Apenas 33% dos matriculados conseguem aprovação na EJA presencial (não há
dados para o semipresencial). Embora não conheçamos boas
análises do que acontece nesse ensino, há certo consenso entre
observadores da educação brasileira que indicam ser esta modalidade ainda mais descuidada do que o ensino regular.
• A nossa educação profissional no nível técnico matrícula pouco mais de 774 mil alunos. É um número muito modesto, englobando apenas 8,6% da matrícula no médio. Está bem abaixo
da média da maioria dos países com nível de desenvolvimento
equivalente ao do Brasil.
• A matrícula na 3ª série do ensino médio atinge 2.385 milhões alunos. A essa matrícula podemos somar os 1.750 milhão de alunos da EJA, obtendo 4.135 milhões de alunos. Se
todos fossem aprovados, teríamos um número de potenciais
candidatos ao ensino superior bem acima da coorte correspondente, que é de pouco mais de três milhões. Ou seja,
deve haver ampla participação de coortes mais velhas no
ensino médio, sobretudo usando o EJA como modalidade
de estudo. Além disso, há os repetentes. No entanto, apenas
1.949 milhão se formam no médio, e mais 451 mil na EJA
presencial (não há dados para o semipresencial, que matri-
cula pouco mais de um quarto do presencial). Isso nos dá um
total de 2.400 milhões de alunos adquirindo o direito de entrar
para o nível superior.
• O Censo de 2006 (INEP, 2006) registra 2.320 milhões de vagas
no superior. É um número muito próximo dos que se formam no
ensino regular e na EJA. Ou seja, do ponto de vista puramente
formal, há tantas vagas no superior quantas pessoas com o direito a entrar no terceiro grau. Na verdade, não são vagas, mas licenças para crescer, adquiridas por parte do setor privado (como
o processo de aprovar vagas é penoso, todos pedem mais do que
imaginam que vão necessitar, como uma reserva futura, e precavendo-se dos cortes impostos pelos visitadores).
• Há 5.053 milhões candidatos inscritos nos vestibulares. Obviamente, esse é um número de significado muito restrito, pois, nos
vestibulares públicos mais concorridos, há candidatos que o repetem, ano após ano. Há também um número enorme de alunos
que fazem múltiplos vestibulares. Aqui mencionamos esse número apenas para minimizar o seu significado e advertir quanto
a interpretações equivocadas. Durante muito tempo, mostrou-se
esse número para denunciar a falta de vagas no superior.
• São inscritos no primeiro ano do ensino superior 1.303 milhão
de alunos. Esse número corresponde a pouco mais de um terço
da coorte. Corresponde também a pouco mais da metade dos
que adquiriram o direito de entrar no superior.
• Curioso notar que, no Brasil, a proporção de graduados do ensino médio indo para o superior está acima de 50%, emparelhada com pouquíssimos outros países. Isso porque o médio
sempre foi muito pequeno, em grande parte, por receber alunos de um fundamental em que apenas uma fração pequena da
coorte conseguia se formar.
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1.2 Nível de escolaridade da população
Uma estatística sempre citada é o nível médio de estudos da população.
A Tabela 3 mostra que passamos de 6,1 em 2001 para 6,6 em 2004. De
um lado, é um número muito modesto, pois nossos concorrentes exibem médias muito mais elevadas. Mesmo na América Latina, não é um
número expressivo. Não obstante, tal crescimento é um avanço muito considerável, tendo em vista que estamos diante de uma estatística
de estoque. Ou seja, a cada ano, somente as coortes jovens aumentam
seus níveis de escolaridade, pesando pouco na média. A partir de certa
idade, digamos, 30 anos, o nível de escolaridade se altera pouco. Como
todas as estatísticas de estoque desse tipo, são muito inerciais.
Tabela 3 – Anos de estudo da população brasileira
Anos de estudo
2001
2004
Brasil
6,1
6,6
Dez a 14 anos
3,9
4,1
15 a 17 anos
6,6
7,1
18 ou 19 anos
7,9
8,4
20 a 24 anos
8,0
8,7
25 a 29 anos
7,5
8,2
30 a 39 anos
7,1
7,5
40 a 49 anos
6,4
6,8
50 a 59 anos
5,0
5,6
60 anos ou mais
3,3
3,5
Fonte: PNAD (IBGE, 2004).
• É possível observar que os níveis de escolaridade mais elevados
estão na faixa dos 20 anos, quando as pessoas já têm idade para
serem melhores educadas, mas já não pertencem às gerações
anteriores, que encontraram uma oferta de escolas muito mais
limitada. Na faixa dos 20 aos 24, encontramos a média mais alta:
8,7 anos de escolaridade. Ainda é um número muito modesto.
Em suma, a escolaridade média é uma estatística que mostra o país
em uma situação muito deficiente. Contudo, captura o passado muito mais do que o presente, pois reflete o peso dos mais velhos, fora de
idade para avanços educativos e fracamente escolarizados. Pela sua
inércia, não é uma variável para balizar políticas educativas.
1.3 Matrícula por idade, por ciclo escolar e
cobertura da coorte
• Como ficou bem conhecido a partir das pesquisas de Philip Fletcher, Costa Ribeiro e Ruben Klein (na primeira das quais, o presente autor participou), o grande problema do ensino brasileiro
não é a deserção, mas a reprovação e a conseqüente repetição
de ano. De fato, está muito bem documentada a teimosia dos
alunos em permanecer na escola, diante das frustrações, do fraco nível de aprendizado e da repetência. Portanto, a ponta do
iceberg das dificuldades da escola brasileira é a repetência e o
atraso idade-série.
• É instrutivo recordar que a perda de efetivos era realmente dramática em 1960. Tomando o índice 100 para o número de alunos no
primeiro ano do primário, encontramos apenas 19,5 na 4ª série e 1,6
na 5ª. Hoje a comparação entre a 1ª e a 5ª séries mostra uma redução
de apenas 2% nas matrículas.
• Comparando as conclusões do ensino fundamental com o tamanho da coorte, encontramos uma perda de 72%. Pelas estimativas
de Ruben Klein, 35,7% da coorte chegava ao fim do ensino médio
em 2003. Embora seja um número modesto, é um avanço significativo sobre 1992, quando apenas 30,9% conseguiam se formar
no médio. Ademais, tal número está subestimado, por conta da expressiva matrícula na EJA médio.
• Note-se que a primeira série do ensino médio diurno tem 1.574
milhão de alunos. Desses, 318 mil são reprovados, ou seja, 20%.
No noturno, de 778 mil, 212 mil são reprovados, ou seja, 27%.
Ruben Klein (2006).
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Ambos os números são muito elevados. Tal resultado nada
mais faz do que repetir o que se observa cronicamente nas séries anteriores.
• Dado o fato de que cerca de 20% dos alunos repete o ano, uma característica marcante do sistema brasileiro é a defasagem idade-série
(Tabela 4). Há uma proporção enorme de alunos cuja idade não corresponde à série em que deveriam estar. Esse desencontro traz um
conjunto de problemas adicionais ao sistema escolar brasileiro.
• Não obstante, juntamente com o avanço na matrícula observado na década de 1990, a redução na defasagem idade-série é uma das áreas nas
quais o ensino brasileiro fez mais progressos. Veja-se a Tabela 4.
Tabela 4 – Percentual de crianças e jovens na escola, na
série correta, no Brasil, por coorte de idade, 1992/2003
Ano
Idade
7
1992
Correta
67,4%
2003
Correta
86,6%
8
52,1%
77,1%
9
42,1%
70,4%
10
36,7%
64,6%
11
32,1%
59%
12
24,2%
52,8%
13
20,3%
46,6%
14
17,2%
43,2%
15
14,7%
37,1%
16
11,2%
32,2%
17
8,4%
23,4%
18
1,8%
4,8%
Fonte: Klein (2006).
Obs.
1.Dados extraídos das PNADs 1992 e 2003.
2. Idade completa em 31 de julho.
3. PNADs não incluem a Região Norte rural.
• O resultado cumulativo da repetência e do atraso pode ser visto
na distribuição de idades dos alunos dos ensinos fundamental
e médio. A Tabela 5 mostra quase um milhão de alunos com 18
anos ou mais cursando o ensino fundamental (que já deveriam
tê-lo terminado aos 14 ou 15 anos). Como o atraso se propaga,
o Censo Escolar de 2006 (INEP, 2006) mostra 4.092 milhões de
alunos ainda freqüentando o ensino médio após completar 18
anos. Não é de admirar que a média de idade de alunos do nível
superior ultrapasse 26 anos.
Tabela 5 – Onde estão os jovens de 15 a 25 anos?
(em milhares)
Ensino fundamental
Total de
alunos
33.282
Ensino médio
8.906
Modalidade
15 a 17 anos
18 a 25 anos
3.895
928
4.723
2.122
Fonte: Censo Escolar 2006 (INEP, 2006).
• A Tabela 6 (preparada por Carlos Moreno Sampaio, do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - Inep) mostra
uma estatística muito usada para medir os progressos do ensino.
Trata-se da matrícula líquida e da matrícula bruta por nível de
ensino. A líquida, tomando as idades corretas para um determinado ciclo, mede a proporção da coorte que está matriculada. A
bruta toma o número efetivamente matriculado no ciclo e compara com o tamanho da coorte. A medida líquida é o atendimento escolar na hora certa. É a proporção de alunos que estão
sendo atendidos na idade correta. A bruta mede o atendimento
total. É quem, de fato, está na escola, mesmo que mais velho.
18
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Tabela 6 – Taxas de escolarização bruta e líquida por
nível de ensino (1996-2005)
Nível de ensino/Ano
Ensino fundamental (7 a 14
anos)
Ensino médio (15 a 17 anos)
Educação superior (18 a 24 anos)
Ensino fundamental (7 a 14
anos)
Ensino médio (15 a 17 anos)
Educação superior (18 a 24 anos)
Ensino fundamental (7 a 14
anos)
Ensino médio (15 a 17 anos)
Educação superior (18 a 24 anos)
Taxa de
escolarização bruta
1996
112,3
Taxa de
escolarização líquida
50,7
9,3
2003
119,3
86,5
24,1
5,8
93,8
81,1
18,6
2005
117,1
43,1
10,6
94,4
80,7
19,9
45,3
11,2
Fonte: IBGE (1996, 2003, 2005). Elaborado por MEC/Inep/DTDIE.
Nota: Exclusive a população rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP para 1996 e 2003
• Como podemos ver claramente, no nível fundamental temos
uma matrícula bruta de 117%. Ou seja, há 17% a mais alunos
na escola do que na faixa etária correspondente. É o velho e
conhecido resultado das repetências sucessivas. No ensino
médio, temos 81% de taxa bruta. É um valor muito elevado,
comparado com outros países. Mas esconde os atrasos, pois a
taxa líquida é de 45%. No superior, a taxa bruta é de 20%. Em
contraste, a líquida de 11%.
Ruben Klein (2006) estima a coorte em 3.350 mil, a partir de 1998.
• Mesmo dentre autoridades educacionais, observa-se muita
ambigüidade na interpretação dessas taxas. Por isso, vale a
pena esclarecer o seu significado. A taxa líquida aponta em que
medida a escola atende aos alunos na hora certa. É um indicador de eficiência. A taxa bruta revela o esforço da sociedade
para educar a sua gente. É o vale tudo. Se não conseguiu se formar na hora certa, menos mal que se forme algum dia.
• Nesse sentido, devemos registrar que a metade dos alunos dos
ensinos médio e superior somente consegue se formar muito
mais tarde do que deveria. A ineficiência é resultante do atraso.
A taxa bruta mostra o enorme esforço de continuar na escola.
No longo prazo, é o que importa. O processo pode ser mais
longo, mas o curso é concluído no dobro do tempo previsto
para a sua conclusão.
2. Perplexidades da profissionalização
A educação acadêmica brasileira é homogeneamente fraca. Em que pese
a ampla superioridade do privado em comparação com o público, mas,
mesmo nele, os resultados não são nada lisonjeiros. De fato, lembremonos de que o quartil superior do Pisa obtém resultados mais baixos do
que o quartil inferior de praticamente todos os países europeus. Ou seja,
nossas elites entendem menos o que está escrito em papel do que os filhos de operários europeus.
Em contraste, a formação profissional oferecida no Brasil é heterogênea,
com alguns subsistemas excepcionalmente bons e outros quase caricatos. De fato, nem sequer podemos falar em sistemas formação profissional. O que há é um cenário fragmentado, com elementos articulados e
outros totalmente desarticulados.
O sonho de um sistema organizado não é apenas impossível como desnecessário. Os Estados Unidos não têm nada que se assemelhe a um sistema harmônico e articulado, e nem por isso deixam de exibir um conjunto de excepcionais méritos.
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É preciso reconhecer: não há a mais remota possibilidade de construir o sistema coerente e harmônico sonhado por muitos, quando há tantos atores
que jamais poderiam operar sob a mesma bandeira governamental. Há a
rede de escolas técnicas federais e mais algumas redes estaduais, estas últimas totalmente independentes. Há o sistema privado de escolas técnicas,
controlado apenas burocraticamente pelo Ministério da Educação (MEC).
Teoricamente controlado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTb), há o
gigantesco Sistema S, no qual estão as jóias da coroa da formação profissional.
É um sistema privado, financiado com recursos públicos. Na prática, faz quase tudo certo, mas não obedece a um ministério tecnicamente fraco e pobre
como o MTb. E ainda menos obedeceria ao MEC. As tentativas de controle
falharam no passado e não há indicações que terão maior sucesso no futuro.
Além disso, e gastando quase 5% do PIB, há uma miríade de opções de
formação profissional, oferecida pelos governos estaduais e municipais,
pelo setor produtivo e por centros de formação isolados. Isso sem falar
das múltiplas iniciativas de utilização de novas tecnologias, como educação a distância, vídeo e TV educativa. Do ponto de vista de qualidade,
há de tudo nesse sistema. Mas como, em grande parte, é governado pelo
mercado, tem os seus mecanismos embutidos de controle de ‘pontaria’ e
qualidade. Nem sequer podemos dizer que seja menos eficiente do que
os sistemas controlados pela lei e pelos ministérios correspondentes.
Essa formação profissional invisível nem tem estatísticas oficiais e nem
é reconhecida legalmente como educação ou treinamento. Do ponto de
vista legal, é como se fosse um sistema clandestino.
Somando tudo, não estamos tão mal assim. É um sistema enorme que
responde às necessidades do setor produtivo e, de muitas maneiras, conserta o mal feito no sistema formal.
Esse enorme ‘não-sistema’ compensa a fragilidade e estreiteza da versão
mais acadêmica de formação profissional que é a escola técnica. De fato,
menos de 10% dos matriculados no ensino médio freqüentam uma escola técnica.
O problema é que nossa formação profissional deixa lacunas, sobretudo
dentre os mais pobres. Embora este não seja um ensaio para propor políticas educativas, cabe notar que faria muito mais sentido para o poder
público identificar e lidar com as lacunas existentes do que tentar abarcar o sistema como um todo, por via de leis e políticas.
Dado o escopo do presente ensaio, trataremos das escolas técnicas e mais
rapidamente do Sistema S. O ‘sistema invisível’ não será aqui tratado,
embora sua presença não possa ser ignorada, pois é a opção quantitativamente mais expressiva. É até irônico que o maior segmento da formação
profissional seja totalmente ignorado pela lei e pelos governantes. Quem
sabe será melhor assim?
2.1 Escolas técnicas
Dentro do sistema acadêmico, a única exceção à nossa solução única
é o ensino técnico. Mas, ainda assim, contém todo o currículo convencional do ensino médio, sem concessões. Ou seja, é um médio
com um técnico a ele aposto. Em nada se modifica ou reduz o seu
currículo médio acadêmico.
Comparado com o que observamos em qualquer país industrializado, o
seu porte é ínfimo, atingindo apenas 7% da matrícula no nível médio.
Na maior parte dos países, pelo menos 30% dos alunos dessa faixa etária
estão em escolas técnicas ou profissionais. No Brasil, além do seu porte
estreito, esse tem sido um nível de ensino cronicamente problemático,
sobretudo no caso da Rede Federal de Escolas Técnicas.
Com as melhores intenções, nos idos de 1960, houve uma tentativa
séria e cara de criar uma ampla rede de escolas técnicas federais. Mas
diante da escassez de escolas acadêmicas públicas e gratuitas, essas
escolas foram cooptadas pelas elites brasileiras, que nelas viam uma
forma eficaz e barata de preparar-se para os vestibulares mais competitivos. O resultado foi bastante bem documentado. Os alunos
que passavam nos ‘vestibulinhos’ vinham de classes sociais que não
tinham interesse algum na formação profissional oferecida.
22
23
Na prática, as escolas negavam o acesso àqueles de classe mais modesta
que, a princípio, se interessariam pelas profissões técnicas ensinadas,
ao mesmo tempo em que dava acesso a uma elite apenas interessada
nos vestibulares. Como resultado, os mais pobres eram alijados e as empresas ficavam sem os profissionais treinados. Era o pior dos mundos.
Em 1996, foi isolada a parte técnica da acadêmica, para que os alunos
interessados no ensino técnico não fossem eliminados pelos outros
de classe mais alta – que apenas buscavam um ensino médio de qualidade. A rede federal tentou, de todos os modos, escapulir desse
processo de democratização de acesso e de recuperação da sua missão original de escola técnica.
Não encontrei quaisquer pesquisas mostrando o que realmente ocorreu na rede federal – e talvez não seja por acaso. Contudo, na Rede
Paula Souza (de São Paulo) aconteceu o que se previa e esperava. Ou
seja, houve uma queda abrupta na classe social dos alunos dos cursos técnicos. Isso significou que, finalmente, os alunos cursando os
técnicos eram aqueles mais modestos, que pretendiam ser técnicos.
Portanto, um resultado que combina eficiência com eqüidade. De
fato, na Paula Souza há da ordem de 30 candidatos por vaga e um
bom aproveitamento dos graduados na profissão ensinada.
É curioso notar que o melhor programa técnico do MEC – o do Cefet
do Paraná – criou um curso técnico não-profissionalizante – quase
uma contradição em termos. Estaria voltado para dar uma preparação
de natureza geral. Tal formação só serviria para preparar os graduados
para entrar no meio do caminho dos seus próprios cursos de tecnólogos ou engenharia. A presunção é que tal curso foi criado com o
objetivo – não confesso – de recuperar o elitismo anterior dos seus
técnicos. Isso porque é fácil imaginar o pouco interesse que teriam
alunos mais pobres por um curso técnico não-profissionalizante.
Nos últimos anos, o MEC voltou a integrar os cursos acadêmicos aos
profissionais. As razões parecem ser de duas naturezas. Uma delas
é puramente doutrinária. A secretaria do MEC incumbida de cui-
dar de ensino técnico passou a ser influenciada por um grupo que,
há muitos anos, defende as idéias criadas por Gramsci e englobadas
sob o termo ‘politecnia’. Seus defensores pregam uma escola técnica
única e integrada, ensinando, ao mesmo tempo, as ciências, as humanidades e preparando para o trabalho.
Embora isso não seja admitido pelos seus defensores, a única escola
próxima da ‘politecnia’, no mundo real, são as compreensive high schools norte-americanas. E a tentativa de reproduzi-las fora dos Estados
Unidos constitui-se, talvez, no caso mais consistente de fracasso do ensino técnico. Financiadas pelo Banco Mundial, foram experimentadas
em muitos países. Mas a avaliação do próprio Banco revelou o mais retumbante malogro, virando a caricatura do seu modelo estadunidense
– que, no próprio país de origem, já não é tão bem-sucedido assim.
A outra razão para a volta do curso integrado é a predisposição das
escolas técnicas federais para ter alunos academicamente muito fortes, como tinha antes. Da mesma forma que não havia bons dados
anteriormente, não os há agora. Mas tudo indica que as escolas não
se conformaram com a queda de nível acadêmico inerente à separação, pois os cursos técnicos, sem o acadêmico junto, teriam se tornado menos atraentes para os alunos academicamente mais fortes.
Diante dos protestos de outras instituições e de alguns estados (como
São Paulo), o MEC desistiu de obrigar todos à integração. Mas a lei
foi aprovada, em benefício das escolas federais.
É interessante notar que a integração legal, plasmada na nova lei, é
perfeitamente desnecessária. Como vinham fazendo as escolas do
Senai/Sesi, quem quiser obter resultados idênticos, basta acertar os
horários para que o ciclo acadêmico não conflite com o ciclo técnicoprofissional. Como a duração é determinada pela Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), é indiferente
se é integrado ou não, não muda a carga – que pode ser o mínimo
exigido por lei (1.800 horas) ou o usual (2.400 horas). Ou seja, a lei
ou é puramente doutrinária ou é para permitir às federais não ofere-
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cerem mais o técnico desvinculado do acadêmico. Ao integrar, todos
os candidatos ao técnico passam a ter a mesma porta de entrada do
acadêmico, voltando ao elitismo anterior.
Uma característica marcante das escolas técnicas federais é a pouca proximidade ao mercado de trabalho e à empregabilidade dos seus gradua­
dos. Jamais vi um estudo de acompanhamento de egressos feito pelo
MEC ou pelas próprias escolas. É interessante notar que, em plena vigência do projeto do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
(por meio do Programa de Expansão da Educação Profissional – Proep,
parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego), a recomendação
contratual de aproximar-se da demanda era interpretada como pesquisas junto aos alunos. Ora, os alunos podem demandar vagas nas escolas. Mas quem contrata os alunos são as empresas. Portanto, a demanda
que mais interessa é a que vem do setor produtivo. Na nova gestão do
MEC, a aproximação com o setor produtivo é ainda mais reticente.
A legislação do ensino técnico é muito rígida. As carreiras são definidas de forma hirta, tornando-se difícil ir alterando o perfil dos cursos
para seguir os meandros do mercado de trabalho e sua evolução.
O crescimento do setor privado de escolas técnicas tem oscilado bastante. Com a separação entre o currículo profissional e o acadêmico, criou-se
um clima de incerteza e uma paralisação do crescimento. As indecisões
e demoras do Conselho Nacional de Educação (CNE) para definir técnico, tecnólogo e seqüencial tampouco ajudaram. Contudo, anos depois, o
clima serenou. Os técnicos estão crescendo de novo e as taxas estão mais
aceleradas do que de qualquer outro segmento educacional. Contudo,
como a base instalada é ainda muito pequena, tal crescimento todavia
não afeta substancialmente o quadro geral de estreiteza da oferta.
Por diversas razões, o setor privado se concentra nos cursos de informática e administração. Faltam bons modelos para serem imitados
pelos operadores no setor – que, em geral, são pequenos e de poucos
recursos. Os cursos do Senai são caros demais e focalizam tecnologias de ponta. Não servem de modelo.
2.2 Sistema S
Em 1942 foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
– Senai. Apoiava-se em uma fórmula que até hoje é única no mundo:
um sistema privado, pertencente às federações de indústria, financiado por um tributo (de 1%) sobre a folha de salários. Seus métodos
de ensino se revelaram sólidos e apoiados na prática profissional.
Anos mais tarde, foi criado o Senac para a área comercial, o Senar
para as ocupações rurais, o Sebrae para a pequena empresa e o Senat
para os transportes. Esse conjunto é conhecido hoje como o Sistema
S, pois todos os seus componentes têm S como primeira letra.
Por ser privado e operado pelos próprios consumidores do seu produto, o sistema revela-se bastante voltado para as reais necessidades do
mercado de trabalho. Comparado com todos os outros de países em
desenvolvimento, apresenta um desempenho superlativo – embora
nem todos os seus participantes sejam igualmente competentes.
Pela mesma forma, mostra bons índices de eficiência, sendo razoa­
velmente vacinado contra o empreguismo e outras disfunções do
serviço público. Obviamente, não é perfeito e tem os seus pecados.
Mas, na ordem geral das coisas, é amplamente superior ao sistema
educativo público.
O número matrículas no Sistema S é muito expressivo. Há da ordem de oito milhões de inscritos anualmente nos seus 4.600 cursos.
Grande parte dos alunos está em cursos de curta duração. Contudo,
Senai opera também cursos técnicos e de tecnólogos, matriculando
56.000 alunos. Em menor grau, o Senac também tem tais cursos.
Embora o número de cursos seja significativo, ainda assim correspondem a uma pequena fração das atividades desses sistemas.
De fato, há que se notar uma curiosidade legal na operação desses
sistemas. Desde os anos 40, o Sistema S vem preparando mão-deobra manual qualificada. Esse tem sido o seu carro-chefe, e não há
qualquer indicação de que isso vá mudar substancialmente no fu-
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turo próximo. Não obstante, a LDB cria uma categoria de formação
profissional: a “Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores”.
Tanto quanto se pode deduzir da lei, é exatamente a mesma coisa
que Senai e Senac formam há mais de meio século.
Ou seja, a LDB cria uma categoria de cursos que englobaria quase
tudo que o Sistema S vem fazendo há muito. As escolas técnicas federais também preparam pessoas em cursos dentro dessa categoria.
Contudo, do ponto de vista do Sistema S, nada aconteceu; este não
toma conhecimento do assunto. Verdade seja dita, não há boas razões para tomar, pois o MEC, pela LDB, se meteu em seara alheia.
Voltemos aos cursos técnicos, a real interface do Sistema S com o
ensino técnico de nível médio. O Senai opera cursos desse tipo em
todo o Brasil. São cursos caros e altamente especializados. Por tudo
que sabemos, têm uma boa aceitação no mercado de trabalho. Suas
interfaces com a indústria são muito íntimas, mercê da proximidade
institucional gerada pelas federações de indústria e da tradição dos
cursos de formação para ocupações manuais especializadas. Na prática, correspondem ao melhor ensino técnico oferecido no Brasil.
O único e sério problema é que o número de escolas técnicas é relativamente pequeno diante do tamanho do parque produtivo brasileiro.
São apenas 700 escolas técnicas, que respondem por algo em torno de
774 mil matrículas somente no ensino técnico. Não obstante, há uma
considerável tendência para o seu crescimento. Por outro lado, ainda há
muita ambigüidade sobre os papéis e os mercados de técnicos e tecnólogos, não ficando claro onde se dará o crescimento mais rápido.
2.3 Aprendizagem
De todas as modalidades de preparação das pessoas para a vida profissional, a aprendizagem no local de trabalho é a mais antiga. De
fato, tradicionalmente se aprende um ofício trabalhando com um
mestre, seja em uma relação formal, seja meramente estando perto
e imitando os comportamentos de quem sabe mais.
Mesmo nos países com formação profissional mais escolarizada, há,
em paralelo, sistemas do tipo mestre-aprendiz. É o caso da França.
Por outro lado, Alemanha, Suíça e Áustria formam, para quase todos
os ofícios, pelo seu Sistema Dual, no qual se alternam as aulas com o
trabalho em empresas (sob orientação de um mestre).
No início do Senai, houve uma tentativa de implantar algo semelhante no
Brasil, o que seria de se esperar sendo suíço o primeiro diretor do Senai/SP.
Durante muito tempo, as empresas contrataram aprendizes e ofereceram
a eles uma programação complementar de cursos. Mas com o passar do
tempo, começaram a predominar os cursos exclusivamente nas escolas
do Senai ou com um estágio depois. Ainda assim, o sistema de aprendizagem formou uma boa proporção dos nossos operários qualificados.
Contudo, a legislação foi tentando proteger cada vez mais o aprendiz. Os
salários aumentaram, igualando-se aos dos maiores de idade. E as exigências para o trabalho do aprendiz nas fábricas ficaram mais rígidas.
Nossas autoridades proibiram o trabalho de menores, por exemplo,
onde há máquinas funcionando. Pode trabalhar em máquina parada,
mas somente se tiver dispositivo que impeça o seu acionamento. Ou
seja, só pode trabalhar em fábrica que não produz. Há 81 proibições,
barrando os menores de praticamente todas as atividades industriais.
A lei obriga a empresa a contratar aprendizes. Mas há outra lei dizendo que os aprendizes não podem trabalhar em fábricas. A solução é
fazer um curso no Senai, longe da fábrica, perdendo os benefícios do
que se aprende com o trabalho “de verdade”. A formação do Senai é
de boa qualidade. Mas além de sacrificar uma valiosa experiência de
trabalho, não há vagas para todos. Ao acolher em suas escolas esses
aprendizes (que são pagos para trabalhar na fábrica), o Senai deixa
de atender a outros tantos jovens – ou adultos –, que igualmente
necessitam de preparação para o trabalho.
A aprendizagem é milenar. Sua estruturação ocorreu na Idade Média,
gerando as corporações de ofício. Continua uma excelente idéia, pois
o aprendiz aprende ao mesmo tempo em que trabalha e produz.
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Todavia, além de pagar a contribuição do Senai, agora o empregador pagará
também a um aprendiz que está proibido de trabalhar. Algumas exceções
serão permitidas, caso a caso. Mas se a mais clássica forma de aprender um
ofício requer favores de alguma autoridade local, no mínimo, é uma grotesca distorção. É também um convite à fraude e ao não cumprimento.
É meritória a intenção de proteger o aprendiz de riscos e abusos. Mas
jamais algum país industrial impediu menores de trabalhar em fábricas. Uns mais, outros menos, mas todos os países da Europa têm
aprendizes em suas fábricas.
Riscos sempre há e todo o cuidado para reduzi-los é justificado. Mas a
chance de acidentes no setor informal e de morte violenta para jovens
nas grandes cidades brasileiras é dezenas de vezes maior do que a amea­
ça de acidentes em fábricas. Em outras palavras, um jovem de classe
operária está mais seguro dentro de uma fábrica séria do que na rua.
Toda vez que exageramos na proteção aos empregados – menores ou
maiores – será às expensas de reduzir os incentivos para o emprego formal. No caso dos aprendizes, chegamos à perfeição. Estamos prestes a
acabar com uma tradição milenar de aprender um ofício. Pior: o aprendiz
que a indústria não pode acolher é mais um jovem no exército da informalidade, trabalhando sem contrato e em situações de muito maior risco
(dentro e fora do seu trabalho). Certamente, a aprendizagem em alternância não é a solução para todos os problemas, não deve substituir a
escola regular e nem tirar o espaço de outras formas. Mas soma às outras
modalidades, enriquecendo a oferta de preparação de mão-de-obra.
Houve abusos no trato com os aprendizes, gerando uma preocupação legítima. Contudo, a resposta do governo foi dar um pontapé na história. A fórmula de coibir o abuso não pode ser pela via simplista de eliminar o uso.
O estágio é uma outra forma de aprender no local de trabalho. Tem suas semelhanças com a aprendizagem. Contudo, é menos estruturado e mais solto.
Muito se fala e se escreve sobre os estágios. Há perorações, denúncias, discursos e tudo mais. Muitos decantam incansavelmente as
virtudes dos estágios. Contudo, os estágios permanecem uma caixa
preta desconhecida. Pouco se sabe acerca do que está lá dentro. Ao
mesmo tempo, o exterior da caixa preta contém pinturas de fantasias e miragens.
Mas também abundam denúncias de que muitos estágios são formas disfarçadas de contratação de mão-de-obra barata. Portanto,
seria preciso coibir os abusos, criando limites às tarefas que os estagiários podem fazer e reduzindo a sua jornada de trabalho.
Recentemente entrou em tramitação uma nova regulamentação para os
estágios, visando impedir as distorções percebidas. Para tal, não mais poderão ser utilizados para o trabalho produtivo. Infelizmente, parece que
estamos diante de uma emenda infinitamente pior que o soneto. Se implementada, teria conseqüências funestas para os alunos mais pobres.
Aqueles que acusam muitos estágios de serem uma forma disfarçada
de emprego a baixo custo estão cobertos de razão. Muitos estágios são
exatamente isso. E é justamente ai que reside um dos seus méritos.
Um número desconhecido de jovens financia seus estudos através desses
falsos estágios. Tiram fotocópias, vão buscar papéis, fazem os trabalhos
mais simples e desinteressantes dos escritórios. No fundo, não são verdadeiros estágios. São empregos baratos reservados para estudantes.
Mas acontece que, se não fossem tais falsos estágios, esses jovens estariam
impedidos de estudar, pois não têm como pagar a mensalidade da escola.
Em outras palavras, diante de uma legislação trabalhista que desencoraja o
emprego, o estágio é uma saída, ainda que seja pela porta dos fundos. É bom
para a empresa, pois é mão-de-obra mais barata. E é bom para o (falso) estagiário, pois tal emprego é infinitamente melhor do que o desemprego.
Se a nova legislação acabar com os falsos estágios, estará punindo severamente um número considerável de jovens que precisam desses rendimentos para pagar a faculdade. São justamente os estagiários mais pobres.
Para explorar melhor o assunto, é preciso entender a natureza dos verdadeiros estágios. Uma empresa pratica a lógica implacável de adotar os comportamentos que trazem mais benefícios e menos custos.
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Se não o fizerem, serão tragadas pela concorrência e fecharão suas
portas. A prosperidade do mundo moderno resulta desse princípio
darwiniano da competição e sobrevivência do mais apto. A filantropia
e a caridade, só da porta da empresa para fora.
Para as empresas, há duas razões para receber estagiários. A primeira é
uma estratégia de pré-selecionar seus futuros funcionários. Nessa lógica, pré-selecionam os melhores candidatos, investem neles e oferecem
o que têm de melhor, pois querem não apenas escolher os mais aptos,
mas que sejam também escolhidas por eles, quando chegar a hora de
contratar. Qualquer lei protegendo os estágios não vai aumentar a vontade do empresário de receber futuros funcionários, de tratá-los muito
bem e, mais adiante, selecionar os melhores para os seus quadros. Esse
número é oriundo das políticas de contratação vigentes na empresa
– refletindo o clima de negócios.
Mas a empresa recebe também estagiários como uma forma de reforçar sua
força de trabalho temporária e de obter serviços adicionais a baixo custo.
Para esses estagiários, não se trata de um real estágio, mas uma reserva de
mercado de empregos simples para estudantes. Ao contrário dos estágios e
programas de trainees, cujo porte é determinado pela intenção de recrutar
mão-de-obra para os quadros da empresa – nesse caso, falamos simplesmente de um cálculo econômico simples. Se é mais barato, contrata-se um
estagiário para tirar xérox. Se a lei não deixa o estagiário produzir ‘de verdade’, limita as horas de presença na empresa e cria outros constrangimentos,
a empresa preferirá contratar office boys comuns e não perderá tempo com
estagiários. Pela racionalidade econômica, as regulamentações propostas
terão um efeito devastador sobre os ‘falsos’ estágios.
Muitos dirão, ora vivas, conseguimos tampar um buraco na lei. Mas
acontece que é por esse buraco que um número enorme de alunos mais
pobres consegue pagar seus estudos. Se mudar a legislação, serão eles os
grandes perdedores. As chances que têm de obter verdadeiros estágios
nas grandes empresas são ínfimas, em função da concorrência dos alunos academicamente mais fortes. E as chances que terão em um falso
estágio desaparecerão.
Mas o prejuízo atinge também os reais estágios, oferecidos pelas grandes empresas. Os autores da proposta de lei, pelo que se depreende, nunca entraram em
uma empresa e jamais entenderam a lógica do milenar processo de ‘aprender
fazendo’. Há muitos conhecimentos que só podem ser adquiridos pelo exercício da ocupação. Se os estagiários não podem trabalhar, não podem aprender.
Um aprendiz de marceneiro pode aprender a serrar em tábuas que serão jogadas fora. Mas um aprendiz nas tarefas gerenciais ou administrativas não pode
decidir e jogar fora a decisão. Aprende-se executando tarefas mais simples ou
ajudando colegas mais experientes. Mas é tudo ‘de verdade’. De resto, é esse ‘de
verdade’ que enobrece o processo de aprendizado no local de trabalho.
Ou seja, trata-se de uma política duplamente infeliz. É altamente discriminatória contra os alunos mais pobres, que são os clássicos beneficiários dessa flexibilidade da lei. Melhor seria continuar fazendo vistas grossas e permitindo a
diplomação de um contingente bem grande de jovens de meios econômicos
modestos. Além disso, esvazia o processo de aprendizado dos reais estagiários.
Ou seja, nossos legisladores já liquidaram o processo de tirar a aprendizagem
do mapa da nossa formação profissional. Serviço perfeito. Não sobrou praticamente nada. Agora estão diligentemente fazendo o mesmo com os estágios.
3. Escola e trabalho:
a educação permanente cabocla
Há três ou quatro décadas, a Europa passou a valorizar a educação permanente ou continuada, como decorrência das transformações econômicas já ocorridas e previstas para o futuro. É a idéia poderosa de que
a educação não acaba após a formatura. A volta à escola demarca a fase
mais madura do desenvolvimento da educação.
No Brasil, acontece algo surpreendente. Quando os alunos se formam, em quaisquer que sejam os níveis, por conta dos conhecidos e persistentes atrasos idadesérie, já estão completamente fora das idades previstas. Por exemplo, mais de
40% dos jovens de 15 a 17 anos estão ainda no ensino fundamental. Ou seja, a
reprovação prolonga a permanência na escola além das idades correspondentes.
Ao que parece, diante de uma pressão da sociedade brasileira por mais educa-
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ção, os alunos freqüentam as escolas em idades bem mais avançadas. Isso ocorre
ou porque se atrasam ou porque voltam aos bancos escolares. Pelos cânones da
educação permanente, muitos dos nossos alunos estão nessa categoria.
Como os alunos continuam estudando, uma proporção enorme das matrículas
se dá em idades de educação permanente. Próximo da metade dos alunos do
ensino médio é composta de adultos que estudam e trabalham. Também no
superior, a metade dos nossos alunos é adulta.
Não há como negar o mérito dos alunos, dispostos a alongar sua carreira educativa muito além do que acontece na maioria dos países. Contudo, não podemos
ignorar que a causa desse fenômeno é a falta de qualidade de nossas escolas.
O Gráfico 1 mostra as curvas que representam a proporção da coorte que
estuda e que trabalha. Em uma sociedade mais convencional, os alunos se
formam ePROPORÇÃO
vão para oDEmercado
de trabalho. Portanto, as curvas corresponINDIVÍDUOS DO SEXO MASCULINO NA ESCOLA E NO MERCADO DE
dentes pouco se cruzam.TRABALHO
O estudo
e CICLO
entãoDAcomeça
o trabalho.
AOtermina
LONGO DO
VIDA
BRASIL, 2000
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
0
2
4
6
8
10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66
+
Freqüencia à escola
Atividade econômica
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2000).
Figura 1 – Proporção de indivíduos do sexo masculino
na escola e no mercado de trabalho ao longo do ciclo da
vida no Brasil em 2000
A curva da escolarização mostra que com seis para sete anos estão praticamente todos na escola. Aos 17, ainda há 68% estudando (ainda que apenas 23% estejam nas séries que corresponderiam às suas idades). Daí para
frente, cai a proporção dos que estudam. Mas não tanto assim. Por volta
dos 30 anos, ainda há cerca de dez por cento na educação formal.
Em outras palavras, começa-se a trabalhar muito antes da idade de deixar a
escola. Dito de outra forma, continua-se estudando muito depois de começar a trabalhar. Ou seja, as duas curvas têm valores importantes em faixas de
idade que se superpõem. A Tabela 7 mostra claramente essa concomitância
para as idades de 15 a 17 anos. Vemos que 35% dos jovens trabalharam ou
procuraram emprego, ao mesmo tempo que freqüentaram a escola.
Tabela 7 – Condição de atividade econômica da população
de 15 a 17 anos no Brasil (2005)
Condição de
atividade
Trabalhou ou
procurou emprego
Não economicamente
ativa
Freqüenta escola
Não freqüenta escola
35,5%
56,6%
64,5%
43,4%
Fonte: IBGE (2005). Elaborado por MEC/Inep/DTDIE.
Todavia, a curva dos que estudam está severamente subestimada. Isso
porque apenas inclui os estudos acadêmicos mais convencionais, constantes das estatísticas oficiais. Mas, como melhor explicado no último
capítulo do presente trabalho, há um sistema invisível de educação e
treinamento, matriculando um número enorme de pessoas, sobretudo
maiores de idade. Pelas nossas estimativas, a curva deveria ser corrigida
pela adição de mais de 40 milhões de pessoas matriculadas em cursos
que não estão nas estatísticas usadas para construir o Gráfico apresentado. Em outras palavras, a concomitância entre emprego e estudo é muito
maior do que indicada nas estatísticas oficiais.
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4. Trajetórias e exclusão
Na presente seção, tomamos uma perspectiva macrossocial para analisar
a situação do ensino.
4.1 Universalização do ensino médio: na contramão dos alunos
Um problema que vem se agravando em todo mundo é a presença no
ensino médio de alunos que preferiam não estar na escola. Os mais jovens não têm opção e nem autonomia. Já o superior é só para quem quer.
No médio, há uma pressão familiar crescente. Nos países mais avançados, há a obrigatoriedade. Portanto, o médio recebe muitos alunos
que não têm afinidades com a vida escolar ou com os estudos, mas que
são obrigados a freqüentar aulas. E isso na idade de maior turbulência
pessoal, impulsionada pelos hormônios em ebulição. Obviamente, as
revoluções existenciais e hormonais criam ainda mais problemas para a
escola. Em nosso país, o problema é agravado pelo atraso escolar.
4.2 A opção de mais escolaridade, em vez de
melhor qualidade
No Brasil, tanto quanto na América Latina em geral, diante da fraca
qualidade do ensino oferecido, os alunos permanecem mais tempo na
escola. Face à fragilidade dos níveis de qualidade obtidos, há uma opção
implícita por compensar tais deficiências com a permanência dos alunos por mais tempo na escola.
Como mencionado, o Pisa mostra que os alunos brasileiros têm níveis
de desempenho equivalentes aos de um europeu com quatro anos a
menos de escolaridade. Os pais e os próprios alunos, encontrando um
setor produtivo que se torna mais complexo e exige mais conhecimentos escolares, optam por uma permanência mais longa na escola.
Diante do fenômeno econômico da inflação, quando a moeda se
desvaloriza, é preciso mais cruzeiros ou reais para comprar os mesmos produtos. Na educação, observamos algo semelhante. Como
a unidade ‘ano de escola’ resulta em menos aprendizado, é preciso
comprar mais anos, para obter o mesmo resultado. É a inflação da
escolaridade.
4.3 A cobertura insuficiente do ensino médio
Apesar de toda a pressão para aumentar a matrícula no ensino médio e da tentativa de ficar mais tempo na escola para compensar a
sua fragilidade, nossas estatísticas de matrícula líquida no médio
ainda são baixas. Mesmo comparada com outros países latino-americanos, ainda estamos deficientes. De fato, a matrícula líquida no
ensino médio é de 45% da coorte.
Na verdade, não é um resultado surpreendente, pois, com a defasagem idade-série do ensino fundamental, o abastecimento do
médio é seriamente retardado. Portanto, não poderíamos esperar
muito mais na matrícula líquida no médio.
Contudo, na matrícula bruta, a proporção sobe para 81%. Ou seja, é
o número de alunos na escola, comparado com o tamanho da coorte
na idade certa para cursar esse nível. Trata-se de um número bastante respeitável, mais alto até que o da Argentina.
Há um grande sucesso em manter na escola os jovens entre 15 e 17
anos. Mas há um grande fracasso, pois apenas 45% da coorte estão
na idade certa e, portanto, cursando o ensino médio. A universalização do médio na idade adequada é um projeto para o futuro.
É preciso admitir, até os primeiros anos do novo milênio, que o crescimento da matrícula no ensino médio foi particularmente elevado.
Poderíamos estar satisfeitos com o progresso. Contudo, houve uma
estagnação recente na matrícula no médio. Trata-se de um travamento cujas causas não são bem conhecidas, mas que, pelo menos
em parte, podem estar associadas à repetência – que está próxima de
20% na série inicial.
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37
5. Renda por nível de educação
Em seu clássico A Riqueza das Nações, Adam Smith (2003) nota que a educação é como um investimento em máquinas, pois aumenta a produtividade das pessoas. Ou seja, já no século XVIII havia sido notado que pessoas
mais educadas recebem rendimentos mais elevados. De lá para cá, tais diferenciais de renda se mantêm previsíveis e elevados.
Alunos e seus pais sabem muito bem disso. Não é por outra razão que há um
enorme afluxo às escolas e somente o excesso de frustrações geradas pelos maus
resultados escolares leva, finalmente, ao abandono dos bancos escolares.
Não cabe aqui aprofundar as análises econômicas dos resultados da educação. Basta ter sempre claras as vantagens de passar mais tempo na escola.
Dependendo das fontes usadas, os diferenciais de renda associados a mais
educação podem variar, mas são sempre sólidos. A Figura 2 apresenta os ganhos de renda por nível de escolaridade. A primeira barra refere-se às rendas
individuais e a segunda, à renda familiar. Podemos ver que o ensino médio
adiciona substancialmente aos rendimentos e o superior, mais ainda.
6.000
5.000
4.000
renda individual
renda familiar
3.000
2.000
pós
graduação
superior
segundo
grau
elementar
(4 anos)
0
primeiro
grau
1.000
Figura 2 – Diferenciais de renda por curso concluído
Estimativas do PNAD mostram também uma estreita associação entre
anos de escolaridade e renda média percebida.
Tabela 8 – O que nos diz o mercado de trabalho sobre
educação, renda e empregabilidade
Nível de
escolaridade
%
desocupados
%
ocupadas
% cumulativa
ocupados
Renda média mensal/
Reais dos ocupados
0
4,1
13
13
291
1
4,9
2,5
15,5
317
2
4,7
4,1
19,6
335
3
6,0
5,7
25,3
360
4
5,7
12,5
37,8
456
5
8,3
6,3
44,1
406
6
9,7
3,5
47,6
397
7
10,4
3,9
51,6
417
8
9,2
9
60,6
532
9
13,9
2,5
63,1
408
10
14,2
3
66,1
449
11
10,3
21,5
87,6
715
12
10,3
1,8
89,4
893
13
10,0
1,5
90,9
1.045
14
7,2
1,5
92,4
1.278
15
4,0
7,1
99,5
2.644
Fonte: IBGE (2006).
Os graduados do ensino médio têm 50% a mais de rendimentos pessoais,
comparados com os que têm apenas o fundamental. Já os graduados do
superior dobram seus rendimentos.
38
39
É interessante verificar também que o diploma tem o seu peso. Alunos
da 7ª série ganham R$ 417,00 por mês. Os da 8ª ganham R$ 532,00. É um
prêmio de 27% de salário, para um aumento de 14% de escolaridade. Para
a 10ª série, os rendimentos são de R$ 449,00, saltando para R$ 715,00 para a
11ª. Trata-se de um aumento de 59%, correspondendo a apenas 10% a mais
de escolaridade. Em outras palavras, a conclusão do ensino médio traz um
benefício desproporcional ao esforço despendido para terminá-lo.
Tabela 9 – Desemprego e renda por anos de estudo
Anos de
estudo
0
Dados para população de 18 anos e mais
Renda mensal de
% desocupados
todos os trabalhos
Total de pessoas
(em reais)
4,1
291,86
15.720.403
1
4,9
317,53
3.045.722
2
4,7
335,73
4.958.514
3
6
360,84
6.932.493
4
5,7
456,05
15.190.110
5
8,3
406,65
7.655.821
6
9,7
397,78
4.216.090
7
10,4
417,84
4.765.335
8
9,2
532,86
10.929.169
9
13,9
408,16
3.060.909
10
14,2
449,87
3.653.992
11
10,3
715,79
26.055.361
12
10,3
893,88
2.175.432
13
10
1.045,73
1.817.539
14
7,2
1.278,12
1.800.224
15
4
2.644,47
8.572.118
120.549.232
Fonte: IBGE (2005).
Controlando sexo, raça e idade, ganhos substanciais podem ser observados na probabilidade de estar ocupado. De fato, as chances de ocupação
são de 1,36 para os graduados do ensino fundamental, 2,3 para os gradua­
dos do médio e 3,8 para o superior. Em outras palavras, o melhor seguro-desemprego ainda é mais escolaridade.
Taxas de retorno ao investimento em educação têm sido sistematicamente estimadas para o Brasil, desde o fim da década de 60. Os resultados confirmam o
que poderíamos prever das diferenças de rendimento por nível educacional.
Fernando de Hollanda Barbosa Filho e Samuel Pessoa estimaram, com
dados de 2004, as taxas internas de retorno. Os resultados mostram 14%
para o ensino médio e mais de 18% para o superior. Ambas as taxas são
superiores àquelas normalmente encontradas para investimento em capital físico.
Diante de tais dados, não podemos repetir a tolice dos que afirmam estarem os alunos sendo iludidos pelos falsos atrativos de uma educação de
má qualidade. Claramente, mais educação de má qualidade é melhor do
que menos da mesma educação. Mais ainda, a probabilidade de conseguir emprego sobe com o nível de educação, reforçando as vantagens de
investir em educação.
6. As medidas da qualidade da educação
Durante muitos anos, discutiu-se animadamente sobre qualidade da
educação. Para uns era elevada, para outros, deficiente. Para uns subia,
para outros descia. Mas, no fundo, era tudo palpite, pois nada era medido. Comparava-se palpite com palpite. As únicas indicações vinham de
pesquisas internacionais, mas a participação do Brasil nelas foi muito
irregular.
Marcelo Néri (2007).
Citado em Marcelo Néri (2007).
40
41
Com base no bom senso e em evidências muito indiretas, houve, ao que
parece, uma queda de qualidade a partir da década de 1960. Isso porque
coincidem, nesse momento, dois eventos.
O primeiro é o início da aceleração do crescimento do ensino básico. Em
1960, apenas 11% dos alunos entravam na escola. Era uma escola pública
para poucos, dominada pela classe média e sob o comando de professoras de origem social relativamente alta, bem recrutadas e razoavelmente
bem formadas. Só que essa relativa qualidade era obtida por uma exclusão severa. Era até maior do que na maioria dos países latino-americanos
– que jamais se destacaram em matéria de educação. Mas, a partir da segunda metade do século, com os avanços da urbanização e da industrialização, a matrícula inicial acelerou. Em qualquer sistema, mesmo nos
países mais ricos, tais acelerações podem coincidir com a incapacidade
do sistema de manter os mesmos padrões de qualidade.
O segundo evento foi à polarização da sociedade na crença do poder catalítico de elites bem educadas. Tal fé levou à rápida expansão do parque
das universidades federais. O modelo era grandioso e custava caro. Tratava-se de criar uma universidade de pesquisa em cada capital. Não só houve um enorme dreno de recursos para o ensino superior, mas as atenções
e as melhores cabeças se mobilizaram para levar a cabo tais planos – de
resto, com bastante sucesso.
Tanto quando sabemos, esta é a melhor hipótese para uma suposta perda
de qualidade do ensino inicial. Como dito, são apenas conjecturas. É somente na década de 1990 que a avaliação toma corpo. Aparecem as primeiras tentativas de criar o que veio a ser o Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb), com resultados pouco confiáveis. Somente em 1995 houve
uma injeção maciça de recursos técnicos para a realização da prova, e passamos a ter uma avaliação de boa cepa. De lá para cá, o Saeb mediu, com
suficiente precisão, o nível e a evolução da qualidade do ensino, produzindo resultados estatisticamente representativos, estado a estado.
Minas Gerais, a partir do início dos 90, criou um sistema de avaliação
abrangendo o universo das escolas – embora, tecnicamente, as provas
não fossem tão boas quanto as do Saeb. Desde então, passamos a ter um
excelente sistema de avaliação. Mais de dez estados tinham seus sistemas
próprios, até o aparecimento da Prova Brasil. Não se conhece o impacto
dessa última prova sobre a decisão dos estados de continuar suas próprias avaliações.
6.1 A qualidade medida pelo Saeb
Como nos indica o nosso Sistema de Avaliação da Educação Básica, os
alunos sabem muito pouco. A primeira informação que salta à vista é
o desnível entre as médias anuais e os níveis de proficiência esperados.
Na média, os alunos não alcançam tais níveis. A questão a merecer
exame é a tendência secular dos escores médios obtidos. No todo, não
se pode negar que tem havido certa estabilidade dos resultados – não
há grandes melhoras, nem tampouco grandes pioras –, apesar do rápido crescimento das matrículas nesse período. O ano de 2001 foi o pior
para todas as turmas em Português e em Matemática – exceto pela
turma de 8ª série que continuou piorando em Língua Portuguesa em
2003. Os melhores resultados em Língua Portuguesa foram em 1995, e
os de Matemática, em 1997. Por fim, as melhorias registradas em 2003
são muito ligeiras – os resultados estão muito mais próximos da pior
nota do que de qualquer outra nota.
A magnitude das flutuações ano a ano e as oscilações entre estados são
pelo menos da mesma magnitude que a tendência secular à queda nos
escores do Saeb. Portanto, essa declividade é muito pequena para ser
considerada seriamente como queda. Ou seja, para efeitos práticos,
o Saeb mostra uma educação de qualidade praticamente constante.
Como veremos adiante, é uma educação muito deficiente diante dos
padrões esperados.
42
43
Tabela 10 – Médias de proficiência em Língua Portuguesa
(1995-2005)
Série
4ª série do EF
8ª série do EF
3ª série do EM
1995
188,3
(1,6)
256,1
(1,4)
290,0
(1,9)
1997
186,5
(1,6)
250,0
(2,0)
283,9
(2,1)
1999
170,7
(0,9)
232,9
(1,0)
266,6
(1,5)
2001
165,1
(0,8)
235,2
(1,3)
262,3
(1,4)
2003
169,4
(0,8)
232,0
(1,0)
266,7
(1,3)
2005
172,3
(1,0)
231,9
(1,0)
257,6
(1,6)
Dif.
Sig.
2,9
*
-0,1
-9,1
*
Dif.
Sig.
5,3
*
-5,5
*
-7,4
*
Fonte: Inep (2007).
Tabela 11 – Médias de proficiência em Matemática
(1995-2005)
Série
4ª série do EF
8ª série do EF
3ª série do EM
1995
190,6
(1,5)
253,2
(1,9)
281,9
(2,6)
1997
190,8
(1,2)
250,0
(2,1)
288,7
(3,0)
1999
181,0
(0,9)
246,4
(1,1)
280,3
(1,7)
2001
176,3
(0,8)
243,4
(1,2)
276,7
(1,3)
2003
177,1
(0,8)
245,0
(1,1)
278,7
(1,4)
2005
182,4
(0,9)
239,5
(1,1)
271,3
(1,8)
Fonte: Inep (2007).
Tabela 12 – Saeb: desempenho dos alunos do ensino
médio por tipo de escola (2005)
Língua Portuguesa
Matemática
Escola pública
248
260
Escola particular
306
333
Fonte: Inep (2007).
A Tabela anterior mostra uma característica marcante e conhecida do
ensino brasileiro. As diferenças entre o ensino particular e o público são
muito grandes. Há o fato inelutável que o capital intelectual das famílias dos alunos das escolas privadas é muito maior. Mas a observação
casual entre as duas redes sugere que esse não deve ser o único fator.
Em virtude das técnicas usadas em sua construção, o Saeb permite
comparar através do tempo e comparar séries diferentes (Tabela 13).
Essa última propriedade nos permite saber o quanto cada nível de
ensino adiciona ao conhecimento.
Tabela 13 – Diferencial de desempenho entre séries
– Língua Portuguesa (pontos)
Série
1995
1997
1999
2001
2003
2005
4ª
188
186
170
165
169
172
8ª
256
250
232
235
232
231
E.M.
290
283
266
262
266
257
Fonte: Inep (2007).
A Tabela acima mostra que, entre a 4ª e a 8ª séries, há um ganho da ordem
de 50 pontos. Contudo, entre a 8ª e o fim do ensino médio, o ganho é da
ordem de 25 pontos. Ou seja, o médio adiciona relativamente menos ao
conhecimento do aluno. Precisar as causas dessa perda de velocidade de
aprendizado nos levaria muito longe dos propósitos do presente ensaio.
Podemos comparar os escores obtidos no Saeb com os níveis de competência esperada em cada série. Essa é uma das características mais
úteis do Saeb, pois permite medir o déficit de qualidade, tendo como
referência níveis de conhecimento esperados.
Segundo as estimativas de Klein, apenas 3% dos alunos da 8ª série
atingem o nível considerado satisfatório (350 pontos no Saeb) e 26%
KLEIN, Ruben. Como está a educação no Brasil. No prelo.
44
45
atingem o nível mínimo (275 pontos). Essa é a matéria-prima com
que trabalha o ensino médio. O resultado é o esperado, pois apenas
7% se formam no médio com o nível básico e 1,3% com o nível satisfatório. Ou seja, a tarefa do médio está muito acima de suas forças.
Tabela 14 – O que revela o Enem sobre o desempenho
dos alunos do ensino médio? (notas com variação de
zero a 100 pontos)
38
Escola
pública
34
Escola
particular
50
57
51
59
Geral
Concluintes
Egressos
Objetiva
31
35
Redação
52
50
Fonte: Inep (2004).
O Enem – Exame Nacional do Ensino Médio é uma prova voluntária,
ao fim do ensino médio, promovida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério
da Educação. Como princípio metodológico, por não ser uma amostra necessariamente representativa do universo seus resultados não
pode ser extrapolados. Não obstante, com 2,5 milhões de jovens fazendo a prova, trata-se de uma amostra tão grande que os possíveis
vieses perdem a seriedade.
Com a perspectiva de candidatar-se ao Programa Universidade para
Todos – ProUni, do MEC, os alunos de escolas públicas aumentaram
consideravelmente o afluxo a essa prova. De fato, hoje 85% dos candidatos têm renda familiar de até cinco salários-mínimos. As comparações entre público e privado repetem o diferencial de qualidade
que conhecíamos do Saeb.
A considerável queda no elitismo social – resultante de enormes aumentos na matrícula – conviveu com uma qualidade muito deficiente, durante a última década. Quando começamos a medir as competências dos alunos, nas primeiras aplicações do Saeb, no início dos
anos 1990, nossa experiência nascente em avaliação foi atropelada
pelo aumento explosivo na matrícula e a pouca preocupação de todos com a qualidade. Por isso, temos uma educação muito fraca. É
bem verdade ser ela bem menos elitista do que nas décadas passadas
– há mais pobres no seu bojo. Mas o lado negativo é ser também
menos intelectualmente elitista, ou seja, não exige muito dos que
sobrevivem e chegam ao fim.
6.2 As comparações internacionais
O Brasil já participou de várias provas internacionais: do International Assessment of Education Progress (IAEP, 1992), do Escritório
Regional da Unesco de Educação para a América Latina e o Caribe
(OREALC, 1997), e do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes/Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(PISA/OCDE, 2000 e 2003) . Os resultados confirmam tudo que o
Saeb diz. O Brasil sai em último lugar no Iaep de Ciências (ver Tabela a seguir) e no teste do Pisa, em 2000.
Tabela 15 – Percentuais de respostas certas no Iaep II
(International Assessment of Educational Progress)
– Brasil e países selecionados (1991)
País/Cidade
Matemática
Ciências
%
Desvio-padrão
%
Desvio-padrão
Coréia
73,4
0,6
77,5
0,5
Espanha
55,4
0,8
67,5
0,6
EUA
55,3
1
67,0
1
Brasil/ São Paulo
37,0
0,8
52,7
0,6
Brasil/ Fortaleza
32,4
0,6
46,4
0,6
Moçambique
28,3
0,3
56,6
0,7
Média Iaep
58,3
66,9
Fonte: Iaep (1992) apud Instituto Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Ifapesp) (2001).
46
47
O Pisa, promovido pela OCDE, testa o desempenho de alunos de 15 anos
em compreensão de leitura e ciências. Praticamente todos os países do
Primeiro Mundo fizeram o teste, mais um grupo de países mais pobres,
como o Brasil e México. Houve uma aplicação em 2000 e outra em 2003.
Na de 2000, o Brasil obteve o último lugar, pouco abaixo do México.
Na aplicação de 2003, houve um aumento no número de países menos ricos. Nessa segunda aplicação, nossos alunos melhoraram ligeiramente em matemática e ciências, mas não em leitura (Tabelas 16 e
17). A pior notícia das comparações internacionais é a constatação de
que a capacidade de compreensão de leitura dos alunos das nossas
elites é inferior ao nível obtido pelos alunos de classes mais baixas
da Europa. É inegável o nível lastimável da nossa educação básica. O
Pisa confirma o que o Saeb registra a cada dois anos.
Provas desse tipo são construídas de tal forma que, em média, há uma
proporção de acertos de 50% para o universo pesquisado. Em outras
palavras, a média dos países que fizeram o Pisa está próxima de 50% de
acertos, o que equivale a 500 pontos.
Tal como o Saeb, o Pisa classifica os alunos por níveis (de um a cinco e
mais um nível “abaixo de um”). Os resultados de nível dois ou abaixo são
considerado insuficientes. No Brasil, 86% dos alunos se encontram no
nível dois ou abaixo. Desses, 23% estão abaixo do nível mínimo (um).
Trata-se de uma proporção muito mais elevada do que aquela observada até para os países de desempenho econômico mais fraco. Em outras
palavras, o Brasil não está apenas mal, está muito mal no Pisa.
Tabela 16 – Desempenho do Brasil no Pisa 2003
Áreas avaliadas
2000
2003
Ciências
375
390
Leitura
403
403
Matemática – Total
-
356
Espaço & forma
300
350
Mudança & relação
263
333
Fonte: Inep (2004).
Tabela 17 – Comparação dos resultados do Brasil no Pisa
2003
Melhores colocados
Pontuação global
Piores colocados
Pontuação global
Hong Kong
Finlândia
550
544
Brasil
Tunísia
356
359
Coréia do Sul
542
Indonésia
360
Fonte: Inep (2004).
Os testes internacionais e, em particular, o Pisa, confirmam os maus resultados medidos pelo Saeb. Estamos nos últimos lugares dentre os paí­
ses. Somente nações como Peru, Tunísia e Indonésia estão no mesmo
nível. Note-se que são países bem mais pobres do que o Brasil.
7. A matéria-prima recebida do ensino
fundamental
Os problemas com o nosso ensino médio começam com a invencível heterogeneidade e fraqueza do ensino fundamental. Chegam ao médio alunos de excelente nível e outros pobremente alfabetizados. Como a matrícula no médio mais do que duplicou nos últimos dez anos, é inevitável
que mais plenamente reproduza a heterogeneidade do fundamental.
Como bem sabemos, as piores deficiências anteriores estão no ensino
do Português, das Matemáticas e das Ciências Naturais. Os alunos chegam com péssima base e há um déficit crônico de professores capazes
de ensinar corretamente tais disciplinas. Como documentado anteriormente, são muito baixos os níveis dos alunos da 8a série no Saeb. Só esse
problema já seria mais do que suficiente para dar pesadelos em quem se
preocupa com a qualidade da educação no Brasil.
Mas não é só isso. A heterogeneidade fermentada no ciclo fundamental
se transforma em taxas altíssimas de reprovação e de repetência. Como
resultado, os atrasos com relação à série se acumulam e os alunos já chegam ao ensino médio muito defasados.
48
49
O único lado bom é a enorme disposição dos nossos alunos para permanecer longo tempo na escola. Os fracassos e frustrações custam muito a
dissuadi-los de continuar na estudando.
8. Problemas acadêmicos
A presente seção discute problemas do ensino médio. Alguns são de estrutura e concepção, outros de regulação.
8.1 Excesso de papéis e a solução única
O ensino médio está em uma encruzilhada. Abaixo, há o fundamental,
que é o mínimo de educação para uma sociedade moderna. Tem uma
agenda bem simples de ensinar os rudimentos da educação. O superior
é profissionalizante e recruta quem, mais ou menos, sabe o que quer.
O problema é que o médio tem um excesso de papéis. Em todos os
países, alguns graduados do médio vão para o superior, outros vão
para o mercado de trabalho. Alguns recebem formação profissional
e outros se empregam, saindo diretamente do médio. São três destinos diferentes. Como lidar com tal variedade de objetivos?
Um dos maiores problemas do nosso ensino médio é que tenha optado
por uma solução única, diante de um tão grande congestionamento de
funções. Seu dilema mais grave é entre preparar para o trabalho ou preparar para o superior. São coisas bem díspares e, quando nada, competem
seriamente pelo tempo do aluno. Mas são ainda maiores as distâncias entre os valores e atitudes que são funcionais em cada uma dessas opções.
Embora não seja objetivo do presente ensaio discutir o ensino médio
em outras partes do mundo, não podemos deixar de mencionar que
nenhum país adotou uma solução única, como fez o Brasil. Países
europeus oferecem múltiplas trajetórias escolares nas alturas do ensino médio. Cada aluno pode escolher um programa mais adequado
ao seu perfil. Nos Estados Unidos, há uma única alternativa, a Comprehensive High School, mas, dentro dela, cada aluno constrói a sua
trajetória, combinando disciplinas acadêmicas e profissionais.
Vejamos com maiores detalhes a multiplicidade de funções do ensino médio.
8.1.1 Formação de base para cidadania
O médio precisa arredondar a formação inicial do aluno – embora não se saiba muito bem como se faz isso. Precisa dar ao
aluno uma cultura mínima nas ciências e nas humanidades.
Precisa ensinar a ler e escrever, de preferência, em mais de
uma língua. Precisa fixar os valores. De fato, é nesse nível que
se burila o espírito de cidadania e a identidade cultural.
Sobre a aquisição de competências mínimas no uso da língua
e dos números não é preciso explicar muito. Essa é a competência mais genérica transmitida pela escola. É o resultado de
ler muito, escrever muito e usar muito freqüentemente a matemática para resolver problemas. Nada disso acontece como
deve acontecer. Mas nem por isso é um assunto obscuro.
A cultura, as tradições do país e da civilização ocidental estão contidas em livros e escritos. Portanto, é na cultura escrita desenvolvida pela escola que sua transmissão encontra um local privilegiado.
É lá que mais sistematicamente os alunos tomam conhecimento
de Literatura, História e adquirem os rudimentos das Ciências Sociais e Naturais. Tradicionalmente, o ensino superior estava voltado apenas para a aquisição de uma profissão específica. Portanto,
toda a formação a ser adquirida por pessoas de boa educação tinha
que se dar no ensino médio. Entre ler poesias e entender um eclipse da lua, tudo deveria ser aprendido nesse nível.
Com a sucessão de revoluções nos processos produtivos, uma
sólida cultura tecnológica passa a integrar o repertório de conhecimentos a serem dominados por quase todos. Que não
seja entender como funciona um celular, pelo menos é preciso saber operar um computador e dominar os programas
50
51
de produtividade. Saber usar o Google é tão indispensável
como era saber usar as listas telefônicas classificadas para a
geração anterior.
Uma sociedade tecnológica requer um conjunto de habilidades básicas hoje bem estudadas e entendidas. Além de boa
compreensão de leitura e de uso dos números, é preciso saber
buscar, selecionar e analisar informações. É preciso saber triar
a cacofonia de informações que chegam de todos os lados.
Faz-se necessário receber e enviar comunicações por escrito,
quase sempre, em meio eletrônico. É essencial operar em hierarquias mais complexas e ambíguas.
Isso tudo é papel do ensino médio. Já seria um desafio e tanto,
se não fosse o fato de que o médio é sobrecarregado com outras missões ainda mais pesadas e difusas.
8.1.2 Formação profissional
Como a proporção de graduados que não vai para o ensino superior é muito grande, o médio precisa dar a eles uma preparação para o trabalho. Na verdade, um pouco menos da metade da
coorte de idade do médio não vai para o superior. Dentro desse
grupo, há duas vertentes. Para mais de quatro quintos dos que
não vão para o superior, trata-se de uma transição direta para o
mercado, apenas com o que foi aprendido no médio.
Cerca de 7% da coorte cursará uma escola técnica (teoricamente),
preparando para ocupações específicas. A formação profissional requer entrar em um mundo distante do mundo da escola. Não apenas diferente, mas com práticas e valores incompatíveis. Pelo menos
em tese, o objetivo seria ensinar a fazer, preparando para tarefas bem
definidas do mundo real. É o império da prática, do conhecimento
voltado para a aplicação concreta. Para que funcione bem, a preparação requer proximidade com as empresas e negócios.
Uma controvérsia de longa data é onde deve estar situada a formação profissional. Uma das alternativas é anexar essa preparação aos currículos do ensino médio. Tal solução desemboca no
ensino técnico, que conhecemos no Brasil há muitos anos. Como
voltaremos a discutir, apesar dos atrativos dessa solução, ela traz
problemas crônicos de indecisão de papéis no ensino médio.
Além disso, se não há uma preocupação intensa em só oferecer cursos para os quais há demanda no mercado de trabalho, as chances
de estudar alguma coisa e não conseguir empregos nessa área são
muito grandes. No Brasil, é enorme a perda dos investimentos em
formação profissional, dada a pequena proporção de graduados
que se dirige às profissões para as quais foram preparados.
O total de cursos técnicos é ainda muito limitado no Brasil. Não
chega a 7% da matrícula no médio, diante de proporções que
ultrapassam 30% ou muito mais, nos países industrializados.
Outra alternativa é separar, pelo menos parcialmente, o ensino médio da formação técnica. A solução proposta pelo MEC
a partir de 1995 e adotada em muitas escolas é separar o currículo médio do acadêmico. Em implementações mais radicais,
isso levaria a deixar cada parte com uma instituição diferente.
Em todas as pesquisas realizadas acerca do êxito da formação
profissional, a alternativa que pior funcionou foi a chamada
profissionalização do médio. Como demonstraram muitos estudos do Banco Mundial realizados no fim da década de 1980,
essa foi a proposta que mais acumulou fracassos.
E finalmente, há uma multiplicidade de roteiros de formação
profissional, totalmente desconectados dos diplomas acadêmicos, seja como precondição, seja como certificado ao fim do
curso. São as trajetórias classicamente associadas ao Sistema
S e ao que chamamos de sistema ‘invisível’.
52
53
8.1.3. Do médio diretamente para o mercado
Diante da estreiteza da oferta de percursos técnicos, quase a
metade dos graduados vai diretamente para o mercado de trabalho, apenas com o que aprendeu no ensino médio. Cumpre
perguntar: o que deverá ser ensinado a eles? É correto dizer
que devemos ensinar coisas práticas – o que não é o mesmo
que ensinar uma profissão.
De fato, a experiência de pelo menos um século demonstrou
que ensinar uma profissão requer a criação de um ambiente
total, no qual as atividades profissionais e os valores possam
vicejar. Ordem, limpeza imaculada, perfeição no gesto, são
valores do trabalho muito distantes daqueles que permeiam
as escolas acadêmicas. Não se ensina profissão em um cantinho da escola.
Podemos sempre afirmar que não há nada mais profissionalizante do que uma boa educação acadêmica. Entender o que
está escrito, escrever, usar números, buscar informações e resolver problemas são conhecimentos supremamente úteis e
versáteis. Como ficará demonstrado ao analisar os resultados
dos testes educacionais, estamos longe de haver obtido um
mínimo de avanços nessa direção.
Enquanto a educação permaneceu puramente decorativa,
pouco importava o que se aprendia ou não se aprendia na escola. Mas em uma sociedade moderna, os conhecimentos escolares se tornam mais essenciais no cotidiano do trabalho.
Aumenta a complexidade da trama de comunicações. É mais
freqüente o uso da linguagem escrita para transmitir informações (boletins, memorandos, manuais de serviço etc.). Expande-se a necessidade de usar ferramentas matemáticas e de
buscar informações.
A fórmula é simples. Precisamos de uma escola que ensine, de
fato, aquilo que prescrevem os currículos oficiais. Mas a implementação dessa meta tem se revelado muito difícil.
8.1.4. Formação para entrar no superior
O papel do ensino médio que mais polariza as atenções é preparar para o ensino superior, isto é, voltar-se para o mundo
acadêmico. É o mundo da escola olhando para o seu próprio
umbigo. É o conhecimento sem meta clara de utilização. Na
melhor das hipóteses, é movido pela beleza das idéias. Mas a
melhor das hipóteses é frágil diante da pressão para aprender
o que quer que seja pedido nos exames para ingresso no superior. Sem falsos pudores, a maioria das escolas mira o seu
ensino no que se exige para admissão nas universidades de
prestígio. Sejam escolas nos Jardins Paulistas, na Rive Droîte,
em Tóquio ou Seul. E não podem deixar de fazê-lo.
Um grande problema dos critérios de entrada no ensino superior é que parecem estar polarizados pelo que os professores
de cada área profissional das universidades desejam que seus
calouros saibam. Como o vestibular é único, o somatório de
todos esses conhecimentos representa um volume tão grande
que somente se consegue memorizar algumas palavras e fórmulas. Não há tempo para o real aprendizado.
Portanto, ao médio pede-se que forme cidadãos cultos e conscientes, pede-se que prepare os graduados para exercer ofícios
ou para trabalhar sem qualquer formação adicional. E finalmente, pede-se que prepare para o ingresso no ensino superior. A existência inelutável desses três objetivos conflitantes
é universal. Não há país sério onde esse não seja o principal
conflito do médio. O que mudam são as fórmulas encontradas
para lidar com essas divergências insolúveis de objetivos. Cada
país tem a sua, refletindo a sua história e cultura. E na maioria
dos casos, a fórmula jamais agrada a todos.
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8.2 As razões da baixa qualidade do médio
Discutimos adiante três razões explicando por que o ensino médio
é tão fraco.
8.1.4. Formação e recrutamento dos professores
O médio compartilha com o fundamental uma deficiência
crônica e grave de professores capazes de um ensino efetivo.
Há os clássicos problemas de recrutamento, demonstrados
pela baixas pontuações nos vestibulares públicos naquelas
áreas que preparam para o magistério.
Esse é um fenômeno macrossocial, potencializado pela ascensão social da mulher que, cada vez mais, têm ocupações indiferenciadas das dos homens. Quando os costumes e tradições
restringiam às ocupações socialmente aceitas pelas mulheres
a um par de atividades, o magistério se beneficiava de um recrutamento privilegiado. Hoje evaporou essa reserva de mercado. Sem entrar no mérito da liberação feminina, a evolução
trouxe uma clara perda de qualidade para o magistério.
O status do professor no sistema público sofre de uma disjunção cognitiva. De um lado, eles são valorizados pela sociedade e pelos pais. Pesquisas mostram uma posição elevada na
percepção da sociedade. Contudo, os professores sentem-se
desprestigiados e desmoralizados, diante da administração
escolar. Sua insatisfação deriva-se justamente de uma relação
mal resolvida com seus superiores. Possivelmente, tal situação
reduz a atratividade da profissão para jovens academicamente
mais talentosos.
Essas são questões estruturais. De resto, são muito parecidas
com o que vemos no resto do continente americano. Contudo,
há deficiência que não precisaria ser assim. Trata-se da formação recebida pelos professores. Para resumir um assunto com-
plexo, delicado e ideológico, os professores aprendem pouco
do conteúdo, quase nada de como manejar uma sala de aula e
gastam muito tempo com teorias pedagógicas.
Na maioria dos cursos de formação de professores há uma
presença hegemônica de ideologia, de marxismo requentado e de teorias pedagógicas. Pratica-se uma falsa ciência,
pois não há verificação empírica do que é afirmado. O conhecimento vale pela persuasão das idéias e pelo prestígio
do guru de plantão.
Em contraste, o professor não aprende o que deverá ensinar
e não aprende como fazê-lo. Os professores dos professores
têm diplomas de pós-graduação, mas, em sua maioria, jamais
ensinaram o que os seus alunos irão ensinar.
Diante disso, os professores entram em sala de aula sem a devida preparação. É difícil imaginar que isso não contribua para
a má qualidade do ensino.
8.2.2 Entre profissionalização e aplicação, não se
consegue nem um nem outro
Faz um par de anos recebi um e-mail de um aluno. Não precisei de muita argúcia para perceber que se tratava de um aluno
talentoso. Na mensagem, ele fez o melhor diagnóstico que conheço do ensino médio.
Segundo ele, quando cursava o fundamental, estudava coisas
interessantes. Saindo da escola e caminhando pela rua ou pelos campos, observava na vida real o que havia aprendido na
escola. Ao galgar o médio, passou a estudar o dobro do tempo.
Mas olhando na rua, não via nada do que havia aprendido. Era
tudo abstrato e distante do mundo real. Estava frustrado.
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O médio é um nível de ensino recheado de perplexidades. Essa
falta de contato dos assuntos ensinados com o mundo real é
mais uma delas.
O que significa ensinar coisas práticas? Costuma-se dizer que
não há nada mais prático do que uma boa teoria. O economista Keynes ironizava dizendo que todo homem prático – sem
saber – é escravo do autor de alguma teoria velha e obsoleta.
Estamos diante de uma contradição? Pelo contrário. Pensar
corretamente é a mais universal das competências, serve para
tudo. Para começar a entender a questão, é preciso registrar a
ambigüidade da palavra “prática”.
Aprender a limar uma superfície, até que se torne perfeitamente plana é uma prática útil para um mecânico ajustador. Essa é uma acepção correta da palavra. E nessa função,
não há ‘teoria’.
Mas vejamos uma outra, também correta. A noção de densidade
dos corpos é um princípio da física que utilizamos no nosso cotidiano, para entender o mundo que nos cerca. O conceito cabe
em um par de linhas. O ensino tradicional transmite essa noção e passa para o capítulo seguinte. Só que apenas alguns poucos alunos excepcionalmente talentosos entendem realmente
o que é densidade. Para que o aluno médio entenda, é preciso
que pese, que meça, que compare, que reflita, que aplique o
conceito em situações diferentes das apresentadas em aula. A
escolha do exemplo não foi casual. Foram feitos experimentos
controlados com alunos que, após todas as explicações convencionais, viram um clipe do Indiana Jones trocando o crânio de
ouro por uma sacola. Em seguida, tiveram que calcular o peso
que a sacola deveria ter, de forma a ser o mesmo do crânio. Isso
deveria ser calculado a partir do volume de um crânio humano
e da densidade do ouro. Testes subseqüentes mostraram resul-
tados muito contundentes. O grupo que fez o exercício do Indiana
Jones sabia o que era densidade, o outro, não. Através do clipe e do
problema, o ensino foi contextualizado, aproximando-se do mundo dos alunos. Isto é, a prática permitiu entender a teoria.
Nessa segunda acepção, a prática é o outro lado da teoria. Na ciên­
cia, teoria sem prática é teoria ainda incompleta. Nesse sentido,
“ensino prático” é aquele que usa amplamente as aplicações do
mundo real para consolidar o aprendizado das teorias mais centrais da nossa civilização. Uma escola deve proporcionar amplas
oportunidades para usar as mãos, mas, nesse processo, é essencial
transformar as manualidades (no caso, medir o crânio do colega)
em exercícios com igual conteúdo intelectual. Como dito, isso é
diferente de ensinar ofícios. O ensino de ofícios permite aplicar as
teorias. Mas no ensino médio, o mais apropriado é aplicar as teorias sem precisar ensinar ofícios.
Aceitemos que o papel da escola seja ensinar boas teorias. Mas,
para que funcione, é preciso que o aprendizado não apenas seja
prático, mas que seja profundo e, de fato, o aluno domine com intimidade o que está sendo aprendido. Nada mais útil do que tais
ferramentas analíticas. O dilema é que, para entrar no superior, o
aluno é bombardeado com tal pletora de conhecimentos que não
há tempo para aprender nada com a profundidade necessária. Ou
seja, o ensino acadêmico para o mundo do vestibular é diferente
do ensino, também acadêmico, para o mundo real. Somem-se a
isso as diferenças de aptidão de cada aluno para as disciplinas mais
acadêmicas e abstratas.
8.2.3 Inexistência de segmentação explícita, por habilidades acadêmicas
A utopia do mesmo ensino para todos, ricos e pobres, talentosos
ou não, monopoliza boa parte do nosso ensino médio. Postula-se
que não deveria haver um ensino mais exigente para os mais pre-
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parados – quase sempre os filhos de gente já bem educada. De fato,
há grande pressão ideológica para que, nas escolas públicas, todos
sejam educados no mesmo grau de dificuldade.
No Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará, o programa Ismart (Instituto
Social Maria Telles) seleciona os melhores alunos da rede pública e
oferece a eles bolsas para as melhores escolas dessas cidades. É instrutivo verificar as dificuldades que teve na obtenção de autorizações para conduzir o seu processo de seleção em escolas públicas.
Administradores de meio escalão das secretarias criaram enormes
dificuldades, todas resultantes de uma visão ideológica que não
aceita a idéia de dar aos melhores alunos uma educação diferente.
Há uma rejeição forte às tentativas de oferecer currículos diferenciados para os mais talentosos. A orientação é de não segmentar as
turmas. Prevalece a ideologia da integração de todos nas mesmas
classes (mainstreaming, na literatura internacional).
Mas é óbvio que qualquer tese de não segmentar as classes por habilidades acadêmicas não pode ignorar a magnitude das distâncias entre alunos e a competência dos professores para lidar com
a heterogeneidade. A partir de certo grau de heterogeneidade, somente professores excepcionais e materiais criados para tal tipo de
situação podem obter bons resultados de quase todos. E nenhuma
dessas duas condições é satisfeita nas escolas públicas.
Daí que muitas escolas segmentam suas turmas por desempenho
acadêmico, ainda que o façam discretamente. Será um mal menor,
diante do grau de heterogeneidade encontrado e da inexistência de
técnicas para lidar com ela?
Somente nos últimos anos começam a aparecer escolas públicas de
nível médio voltadas para os melhores alunos da rede pública. Mas
ainda são tentativas muito tímidas e limitadas. Note-se que todos
os países de Primeiro Mundo operam escolas para alunos talen-
tosos. Nos países do antigo bloco socialista, pregava-se o máximo
aproveitamento dos alunos mais talentosos (no campo acadêmico, nas artes e nos esportes). Segundo o geneticista russo Wladimir Efroimson, “O talento não é uma propriedade privada, é uma
propriedade pública. Ninguém tem o direito de desperdiçá-lo”. Em
suma, nossas autoridades educacionais não são influenciadas nem
pelo exemplo da esquerda e nem da direita. Preferem a alternativa
de manter os talentosos em escolas onde suas potencialidades não
poderão desabrochar.
Na Europa, a segmentação das escolas é feita de acordo com o perfil dos alunos. Ipso facto, cria trajetórias com níveis de abstração
diferentes e exigências acadêmicas também distintas. Note-se que,
na Suíça, cerca de dois terços da coorte vai para o Sistema Dual
de Aprendizagem, no qual recebe uma educação acadêmica mais
aplicada, em paralelo à formação profissional nas empresas. Cerca
de dez por cento vai para cursos com exigências acadêmicas intermediárias e que dão acesso apenas a certos cursos de nível superior. O acesso à universidade é oferecido apenas aos vinte por cento
que cursam o collège, muito mais exigente e descolado de qualquer
tentativa de profissionalização.
8.3 Currículo
Como só há um modelo de escola, todos devem seguir o mesmo currículo.
Na prática, acontece outra coisa. Temos Parâmetros Curriculares Nacionais muito flexíveis e amplos. Sendo amplos demais, não são bons guias
para a maioria das escolas. As escolas públicas, necessitadas de uma boa
orientação sobre o que ensinar, ficam perdidas, diante das idéias pouco
explícitas dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Na prática, ninguém
sabe com exatidão o que deveria ser ensinado. E como não há um sistema
de avaliação correto dentro das escolas, as autoridades não sabem o que
foi ensinado – ao contrário da Inglaterra, onde o assunto de cada aula é
determinado centralmente.
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Nas escolas privadas – que poderiam melhor decifrar os Parâmetros –,
reina supremo o verdadeiro currículo: o vestibular da universidade federal mais próxima. Isso vale tanto naquelas onde alguns poucos alunos poderiam almejar aprovação em uma carreira competitiva, como na vasta
maioria que irá para carreiras cujo ingresso é mais fácil.
Por tudo que sabemos de teoria cognitiva, o preço de ensinar demais é os
alunos aprenderem de menos. Não deve ser por outra razão que todos os
países educacionalmente bem-sucedidos têm graus de exigência diferentes para os diversos segmentos do médio – ou cursos com níveis equivalentes de escolaridade. Pagamos caro pelo ineditismo da nossa decisão de
criar um modelo de escola única.
Os vestibulares das federais (e das estaduais paulistas e paranaenses) são
calibrados para escolher, dentre o 1% de maior desempenho, quais irão
ingressar em medicina. Por isso, são exames difíceis e detalhados. Entram em minudências e cobrem uma enormidade de temas. O resultado
é inevitável. A extensão do que se pede nos vestibulares migra para o que
acontece nas salas de aula do médio. Se os pais dos alunos das escolas privadas souberem que a escola não está ensinando tudo que pode cair no
vestibular, o mundo vem abaixo. Na prática, o inchaço curricular impede
que haja qualquer profundidade no tratamento do que é ensinado. Como
resultado, o aprendizado é superficial e de pouca conseqüência. Não há
tempo para aplicar o que foi aprendido, portanto, não chega mesmo a ser
aprendido. É o ensino escravizado ao vestibular.
Como em poucos estados há aferição de qualidade ao fim do ensino médio,
escola por escola, nem sequer sabemos o que foi aprendido em cada uma.
Temos apenas a amostragem do Saeb – que nos mostra a fragilidade do nível
de ensino oferecido pelos estados. Mas mesmo naqueles que aplicam testes
em todas as escolas, não há uma boa análise e utilização dos resultados.
Como dito, nas privadas, prevalece o excesso de ambição do vestibular.
Nas escolas públicas, todos têm o mesmo currículo, como se fosse possível que todos aprendessem o mesmo. Como isso é impossível, aprendese muito pouco, pois se perde o foco.
Referências
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Brasília, 23 dez. 1996.
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gov.br/censo/>.
______. Pesquisa nacional por amostras de domicílios : síntese de indicadores. Brasília, 1996.
______. ______. Brasília, 2003.
______. ______. Brasília, 2005.
______. ______. Brasília, 2006.
INEP. Melhora desempenho brasileiro no Pisa. Notícias, Brasília, 7 dez.
2004.
______. Saeb, 2005 : primeiros resultados : médias de desempenho do
Saeb/2005 em perspectiva comparada. Brasília, 2007.
______. Sinopse estatística da educação : censo escolar 2005. Rio de Janeiro, 2006.
IFAPESP. Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo
– 2001.[s.d] Disponível em <http://www.fapesp.br/indct/graftab/graftab.htm>.
KLEIN, Ruben. Como está a educação no Brasil? O que fazer? Ensaio :
Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 14, n. 51, p.
139-172, abr./jun. 2006.
______. Como está a educação no Brasil? No prelo.
NÉRI, Marcelo. Equidade e eficiência na educação : motivações e metas.
Rio de Janeiro : FGV/Centro de Políticas Sociais, 2007.
62
63
SCHWARTZMAN, S. A revolução silenciosa do ensino superior. In:
DURHAM, Eunice Ribeiro; SAMPAIO, Helena. O ensino superior em
transformação. São Paulo : USP/Nupes, 2001. p. 13-30.
SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo : M. Fontes, 2003.
65
Ensino secundário nos
países da OCDE:
desafios comuns,
soluções diferentes
Pasi Sahlberg*
Resumo: A demanda pelo ensino secundário está crescendo no mundo inteiro. Mais jovens completam o ensino primário e um número crescente deles
busca oportunidades de continuar estudando em uma escola de ensino secundário. As economias modernas e seus mercados de trabalho necessitam de
pessoas com conhecimento sofisticado, habilidades e competências que não
podem ser desenvolvidas apenas pela escola primária ou por escolas de ensino
secundário de baixa qualidade. Portanto, o ensino secundário desempenha
um papel importante no desenvolvimento da educação em todo o mundo.
Atualmente, na maior parte dos países desenvolvidos, aproximadamente
90% dos graduados em escolas de ensino secundário inferior ingressam
nas escolas secundárias superiores. A relação entre o número de jovens
graduados em escolas de ensino secundário superior e o número total
de jovens na faixa etária de graduação é acima de 70% nesses países. A
maioria desses alunos estuda em programas que conduzem ao ensino
superior. Entretanto, isso não significa que todos eles estudam em escolas de ensino secundário geral. Em quase metade dos países da OCDE,
a maioria dos estudantes do ensino secundário superior estuda em programas vocacionais ou de aprendizagem, que levam à qualificação profissional. Muitos desses programas também oferecem acesso ao ensino
superior. A tendência atual é de que 53% dos jovens dos países da OCDE
ingressarão em programas de tipo A no ensino superior e cerca de 16%
ingressarão em programas de tipo B em algum período de suas vidas.
* Pasi Sahlberg é Ph.D e expert em política e reforma educacionais da European Training Foundation (Itália).
Na média dos países da OCDE, 42% da população adulta terminou somente o ensino secundário superior. Menos de um terço (30%) obteve
somente os níveis de instrução primário ou secundário inferior e um
quarto (25%) atingiu o nível de educação superior. Contudo, os países
diferenciam-se enormemente na distribuição do atendimento educacional entre suas populações.
A organização do ensino secundário superior não é unificada. Há três
maneiras principais de organizá-lo nos países da OCDE: (i) Sistema diversificado de ensino secundário superior. O ensino secundário superior é dividido em escolas de educação geral e de ensino vocacional. (ii)
Sistema de ensino secundário superior unificado. O ensino secundário
é organizado em uma mesma escola, que oferece programas diferentes.
(iii) Sistema Dual de ensino secundário superior – baseado na escola e no
local de trabalho. O ensino secundário superior oferece, paralelamente,
as opções de educação geral e educação vocacional. Essas estruturas organizacionais são, na maioria dos países, muito mais o resultado de uma
tradição histórica que de um modelo intencional.
Atualmente, uma das principais questões no âmbito da discussão das políticas de educação é como assegurar o acesso a um ensino secundário de
melhor qualidade para todos os estudantes. Os formuladores das políticas
educacionais precisam estar cientes das diferentes alternativas, a fim de
desenvolver sistemas de ensino secundário superior flexíveis, que atendam
simultaneamente às necessidades dos empregadores e de educação permanente. Os formuladores das políticas educacionais deveriam:
• garantir oportunidades reais para os jovens que concluíram o ensino
obrigatório continuarem o aprendizado em um ensino secundário
superior de sua escolha;
• evitar fazer dos programas de educação vocacional secundária superior uma escolha para os alunos com desempenho escolar mais
baixo, fadados a empregos de baixa qualidade e à inacessibilidade ao
ensino superior;
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• criar caminhos válidos da educação vocacional secundária para o
ensino superior e incentivar uma porção significativa de estudantes
a adotar essa escolha; e
• estabelecer serviços sistemáticos de orientação e aconselhamento
vocacional para os estudantes em todas as escolas básicas, para evitar o desconhecimento sobre suas opções futuras, auxiliá-los a superar as suas preocupações e prevenir a evasão escolar em todas as
escolas de ensino secundário superior.
Os países da OCDE variam muito em termos de organização e desempenho do ensino secundário. Esses países proporcionam uma arena interessante para se aprender através de experiências diferentes. O sistema de educação na Finlândia, ao contrário de muitos outros países da
OCDE, é um exemplo de como um bom desempenho educacional pode
ser alcançado, a um custo razoável, através da adoção de políticas de educação que enfatizem a eqüidade, a intervenção antecipada, o profissionalismo do professor, a autonomia da escola e a confiança. Melhorar a
qualidade do ensino secundário requer liderança sustentável e políticas
intersetoriais que reconheçam a importância de se criar conhecimentos
e habilidades elevadas para todos os estudantes, desde a escola primária.
O modelo finlandês também mostra que preparar bem os alunos para a
transição da educação básica ao ensino secundário superior pode elevar
o índice de escolhas profissionais bem-sucedidas e, conseqüentemente,
reduzir o insucesso do aluno na escola secundária superior.
1. Uma nova visão sobre o ensino secundário
O ensino secundário desempenha um duplo papel nos sistemas de educação. Por um lado, ele funciona como uma base estendida para que todos os jovens desenvolvam conhecimentos e competências para o futuro
necessários à sociedade civil e à economia do conhecimento. Por outro,
fornece a muitos jovens qualificações relevantes para o mercado de trabalho e para aprendizagens subseqüentes. No passado, a educação secundária representava, principalmente, uma transição educacional das
elites para o ensino superior. Hoje, em contrapartida, a grande maioria
da população ingressa na educação secundária, uma vez que a educação
permanente está se transformando em condição de sucesso profissional
e pessoal. O ensino secundário representa o último estágio da educação
aberta a todos: em média, três quartos dos jovens dos países da OCDE
(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) recebem as qualificações do ensino secundário superior, enquanto apenas
um quarto deles adquire as qualificações do ensino superior.
Até muito recentemente, a educação secundária mantinha uma característica tradicional de não ocupar o centro das atenções nas políticas
educacionais. As reformas da educação, em especial aquelas financiadas
por doadores ou instituições internacionais de desenvolvimento, centravam-se em melhorar o acesso e elevar o número de matrículas na educação primária. Do mesmo modo, nas políticas nacionais de educação, o
financiamento do ensino superior era definido como prioritário em relação ao financiamento do ensino secundário. Uma das razões apontadas
para tal fato é a crença que as taxas de retorno para os ensinos básico e
superior eram relativamente mais elevados, justificando, freqüentemente, as políticas de investimento.
Hoje, na perspectiva internacional, a situação mudou. A demanda pelo
ensino secundário cresceu e a necessidade de melhorar a qualidade e a
relevância da escolaridade secundária foi estabelecida de maneira inequívoca. A revisão internacional da educação secundária identificou
recentemente três fatores de deslocamento do ensino secundário para
o foco das políticas educacionais (WORLD BANK, 2005). Em primeiro
lugar, como um volume maior de jovens completam a escolaridade primária, um número crescente deles busca oportunidades para continuar a
aprendizagem formal nas escolas de ensino secundário. Em todos os países, os pais procuram, igualmente, uma educação para seus filhos melhor
do que a que tiveram para si. Em segundo lugar, o número de jovens na
faixa etária da escola de ensino secundário é o mais elevado de todos os
tempos. Esses jovens serão, certamente, a chave para moldar o nosso futuro. Ao contrário de muitos que analisam tal fato como um risco social,
acreditamos que, futuramente, o nível secundário da educação formal
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oferecerá opções relevantes para todos os jovens que buscarem conti­nuar
aprendendo após completada a escolaridade obrigatória. Em terceiro lugar, economias modernas e mercados de trabalho dinâmicos precisam
de pessoas com conhecimentos, habilidades e competências mais sofisticados, que não podem ser desenvolvidos apenas na escola primária ou
nas escolas de ensino secundário de baixa qualidade. A aprendizagem
permanente exige uma educação básica prolongada e de qualidade, que
consista de um ensino primário e secundário que se adaptem às demandas de aprendizagem dos jovens.
Desde o final dos anos 1960, alguns países vêm implementando ativamente políticas de ensino para assegurar que um número crescente de
jovens atinja a educação secundária. Na Coréia e na Finlândia, por exemplo (ambas apresentam, atualmente, um desempenho muito bom nas
avaliações internacionais dos estudantes), as estratégias do governo concentraram-se, em um primeiro momento, em elevar os índices de conclusão e melhorar a qualidade do ensino primário para, a partir de 1970,
deslocar a ênfase das políticas educacionais para o ensino secundário. A
Figura 1 demonstra como os esforços sistemáticos para melhorar a qualidade da educação primária e estender o ensino secundário a todos conduz ao modelo atual de pirâmide de atendimento educacional, comum a
muitos países líderes na economia do conhecimento.
Brasil
2000
México
7,5%
14,4%
1990
4,3%
9,3%
1980
1,8%
14,3%
78,2%
86,5%
83,9%
2000
1990
1980
Finlândia
1990
1980
Coréia
22%
2000
11%
4%
8%
10,6%
37,9%
51,5%
5,6%
20,4%
74,0%
1,3%
6,5%
92,3%
2000
48%
30%
24%
1990
66%
88%
1980
26%
18%
9%
3%
55%
49%
42%
17%
80%
Porcentagem da população acima dos 15 anos de idade com educação terciária ou superior
Porcentagem da população acima dos 15 anos de idade com educação secundária
Porcentagem da população acima dos 15 anos de idade com educação primária ou
sem nenhum nível de escolaridade
Fonte: World Bank (2005).
Figura 1 – Distribuição da população acima dos 15 anos
de idade por atendimento educacional no Brasil,
México, Finlândia e Coréia
Durante as últimas quatro décadas, algumas modificações significativas moldaram a educação secundária. Lembrando-se que o ensino secundário foi inicialmente criado para atender ao ensino superior acadêmico (orientação educacional,
currículo, modelos de ensino, professores etc.), surgiram as seguintes tendências:
• o ensino secundário está se tornando muito mais uma extensão da
educação primária (ou obrigatória) do que um estágio final de preparação dos alunos para o ensino superior;
• o currículo do ensino secundário está cada vez mais parecido com o
da educação primária, com uma gama maior de disciplinas, menos
especialização e temas mais integrados;
70
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• os modelos de ensino das escolas de educação secundária estão se
tornando similares àqueles constantemente utilizados na educação
primária: projeto pedagógico, aprendizagem cooperativa, métodos
alternativos de avaliação etc.; e
• os professores das escolas de ensino secundário estão sendo treinados
e recrutados como professores da educação primária, alguns deles lecionando nos níveis de ensino secundário e secundário inferior.
As economias do conhecimento e o mundo globalizado exigem, hoje, diferentes conhecimentos e competências dos jovens que saem da escola e
ingressam em estudos subseqüentes ou no mercado de trabalho. Embora os desafios da educação secundária variem de um país da OCDE para
outro, existem vários desafios comuns que a maioria, se não todos os sistemas de ensino, enfrentam atualmente. Com o aumento do número de
matrículas no ensino secundário, a melhora da qualidade do ensino e da
aprendizagem tornam-se mais difíceis. Existe uma grande evidência de
que um maior acesso e índices mais elevados de participação no ensino
secundário, por si só, não resolverão o problema; na verdade, podem até
criar outros novos. Aqui reside o principal desafio: garantir boa qualidade
de ensino e aprendizagem relevante para todos os alunos.
Nas seções seguintes, discutiremos mais detalhadamente as mudanças
na política de ensino secundário nos países da OCDE, descreveremos
os vários tipos de educação secundária, os parâmetros de ingresso e ofereceremos algumas sugestões para o desenvolvimento das políticas de
educação. Na seção de encerramento, apresentaremos, também, uma
análise mais aprofundada sobre a Finlândia para mostrar, concretamente, quais políticas de ensino secundário foram utilizadas para se atingir o
bom desempenho do sistema educacional desse país.
2. O ensino secundário na sociedade
do conhecimento
A estrutura tradicional da educação secundária, que se estabelece como
ponte de ligação entre o ensino primário, de um lado, e o ensino superior
e o mundo do trabalho, de outro, está mudando. Neste milênio, a força
de trabalho está menos envolvida na produção industrial e em profissões
isoladas, e cada vez mais relacionada ao trabalho qualificado, aos serviços, à comunicação e à inovação. Desse modo, as economias e as sociedades estão procurando formas de concentrar seus sistemas educacionais
na construção de capitais metacognitivos e criativos, ambos necessários
para que indivíduos e nações alcancem sucesso no mundo do conhecimento competitivo e da inovação intensiva.
A necessidade de redesenhar os sistemas de educação, inclusive o ensino
secundário, vem da noção de que a mudança das circunstâncias econômicas, sociais e ecológicas criaram a necessidade de indivíduos flexíveis,
capazes de se adaptar às situações de mudança, de aprender de forma
eficaz e criativa, além de criar idéias de modo produtivo. O capital social
e o capital criativo tornam-se cada vez mais importantes, assumindo a
característica de fator de sucesso das nações, tal como, no passado, o
conhecimento básico e as habilidades manuais genéricas representaram
o motor dos países industrializados. Um bom exemplo da mudança na
exigência de competências é apresentado na investigação realizada por
Levy e Murnane (2004). Nesse estudo, as tarefas desempenhadas pelos
trabalhadores são classificadas em cinco categorias:
• pensamento de especialista: resolver problemas para os quais não
existem soluções baseadas em regras preestabelecidas;
• comunicação complexa: interagir com os outros para obter informações, explicá-las, ou convencê-los de suas implicações na ação;
• tarefas cognitivas de rotina: tarefas mentais que podem ser descritas por regras lógicas;
• tarefas manuais de rotina: tarefas físicas que podem ser descritas
através da utilização de regras preestabelecidas; e
• tarefas manuais não-rotineiras: tarefas físicas que não podem ser
descritas como um conjunto de regras “se-então” e, assim, tornamse de difícil sistematização.
72
73


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Figura 2 – Tendências para a adoção de tarefas de rotina e
tarefas não-rotineiras na economia dos EUA (1969 - 1998)
A Figura 2 apresenta as tendências para cada uma dessas categorias no
mercado de trabalho dos Estados Unidos a partir de 1970. Cada tendência reflete as alterações no número de pessoas empregadas em ocupações
que privilegiam determinada tarefa. As tendências são semelhantes em
muitos dos países da OCDE e, por conseguinte, têm-se refletido em suas
políticas educacionais. A educação secundária é comumente vista como
o ciclo de educação que desenvolve e consolida as capacidades cognitivas,
interpessoais e as habilidades de comunicação dos jovens, além de fortalecer suas atitudes em relação à aprendizagem. Portanto, em muitos países
da OCDE, a educação secundária, independentemente de sua organização e estrutura, tornou-se uma continuação da escolaridade primária (e
secundária inferior) para a grande maioria dos jovens. Esse fato alterou o
papel do ensino secundário como estágio final da educação para ingresso
no ensino superior ou no mercado de trabalho.

Nos anos 1960, a maioria dos adultos, em quase todas as sociedades, tinha
apenas a escolaridade básica, ou até menos. Na Finlândia, Países Baixos, Espanha e Itália, por exemplo, 80-90% da população adulta com mais de 15 anos
de idade havia completado apenas o ensino básico, enquanto os 10-20% restantes possuíam algum tipo de qualificação no ensino secundário. A alteração
dos mercados de trabalho em muitos países da OCDE, como demonstrado na
Figura 2, exigiu uma força de trabalho com melhores qualificações escolares
e conhecimentos, aptidões e competências diferentes daquelas apresentadas
pelos estudantes graduados até os anos 1970. Um princípio político comum
aos países industrializados foi o de ampliar o acesso à educação secundária
não só através da expansão do ensino secundário geral a um número maior de
graduados da escola primária, mas também por meio da introdução de novas
opções de educação vocacional e técnica – com possibilidade de ingresso no
ensino superior –, paralelamente à educação secundária acadêmica. Devido a
essa expansão, que começou nos anos 1970 e continuou até a virada do milênio, muitos países foram capazes de reformular as suas pirâmides de atendimento educacional. A Coréia e a Finlândia, por exemplo – como demonstra a
Figura 1 –, passaram de uma população adulta com escolaridade relativamente
baixa nos anos 1960 para o que é considerado como o atendimento educacional típico da sociedade do conhecimento, que conta com cerca de metade da
população adulta com qualificação na educação secundária e pelo menos um
quarto da população com nível de instrução superior.
Existem várias maneiras de se descrever a forma de participação dos estudantes dos países da OCDE na educação secundária. A fim de se obter uma visão
confiável da situação, é necessário analisar os índices líquidos de ingresso, os
índices brutos e os índices de conclusão em cada país. Como veremos mais à
frente, a estrutura da educação secundária varia significativamente de um país
para o outro, tornando-se difícil estabelecer comparações estatísticas entre esses países. O sistema de classificação internacional para os níveis de educação,
por exemplo, não era unificado até 1997, de onde se conclui que as estatísticas anteriores a ele nem sempre são comparáveis. Outro fator dificultador da
análise estatística da educação secundária é que, em muitos desses países, as
escolas de ensino secundário superior não pertencem ao ensino obrigatório;
portanto, os alunos matriculados nesse nível de instrução têm idades diferen-
74
75
tes. É necessário observar também quantos alunos, dentre o total, participam
efetivamente do ensino secundário, sendo essa a razão pela qual os índices
brutos de ingresso na educação secundária precisam ser considerados. Nos
próximos parágrafos, analisaremos alguns dos principais indicadores da educação secundária em 30 países da OCDE e em quatro países parceiros (Brasil,
Chile, Israel e Rússia). Tais indicadores incluem os índices-padrão de ingresso
nos diferentes programas de educação secundária, a distribuição dos alunos
entre os diferentes programas, os índices-padrão de conclusão para as escolas
de ensino secundário e os níveis estimados de atendimento educacional da
população adulta. Em seguida, no capítulo três, discutiremos alguns aspectos
qualitativos do ensino secundário nos países da OCDE.
2.1 Participação na educação secundária
nos países da OCDE
Em muitos países da OCDE, a transição da educação para o emprego tornou-se um processo complexo e, freqüentemente, demanda níveis de instrução mais elevados que os exigidos anteriormente. Como conseqüência,
está sendo proporcionada aos jovens a oportunidade – ou obrigação, por
vezes – de prolongarem sua instrução para que obtenham as competências
necessárias ao mercado de trabalho. Além disso, a conclusão do ensino secundário superior tornou-se uma norma obrigatória na maioria dos países
da OCDE, norma esta que aumenta as chances para um emprego de melhor
qualidade. Na OCDE e nos quatro países parceiros, a faixa etária correspondente à escolaridade obrigatória termina entre 14 anos (Coréia do Sul, Portugal, Turquia, Brasil e Chile) e 18 anos (Alemanha, Países Baixos e Bélgica).
Todos os outros países encontram-se entre esses dois extremos.
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Fonte: OECD (2006).
Figura 3 – Índices totais líquido (NER) e bruto (GER) de
matrículas no ensino secundário superior dos países da
OCDE em 2004
A organização do ensino secundário superior varia consideravelmente
entre os países da OCDE. Em resumo, há três tipos básicos de organização: as escolas de ensino secundário superior geral que, principalmente,
preparam os estudantes para o ensino terciário ou superior; as escolas
de ensino vocacional e técnico, que qualificam ou certificam os alunos
para o ingresso no mercado de trabalho; e os programas alternativos de
aprendizagem profissional que, em sua maioria, correspondem a opções
de aprendizagem baseada no trabalho e oferecem aos alunos qualificações profissionais reconhecidas pelo mercado. No entanto, apesar dos
alunos ingressarem na educação secundária superior em idades diferentes, o mais comum é matricularem-se imediatamente após a conclusão
76
77
do ensino secundário inferior. A Figura 3 demonstra, através dos índices
líquido e bruto de ingresso (conforme disponibilizados), que nos países
da OCDE, cerca de 90% dos alunos em idade de graduação nas escolas de
ensino secundário inferior ingressam na educação secundária superior.
Os índices brutos de ingresso são, por vezes, superiores a 100, posto que
incluem também aqueles alunos que retornam à escola secundária superior com idade acima da faixa etária típica de graduação. Na maioria
dos países da OCDE, a educação secundária superior não é obrigatória e
oferece aos estudantes trajetórias opcionais de instrução. Os programas
de ensino secundário superior são subdivididos em três categorias de
acordo com o nível de instrução e a orientação (OECD, 2006):
1. programas de educação geral: não são concebidos para preparar
os participantes para profissões específicas ou para o ingresso em
programas subseqüentes de ensino vocacional ou técnico. Menos
de 25% do conteúdo programático é direcionado a temas profissionais ou técnicos;
2. programas de educação pré-vocacional ou pré-técnica: são
concebidos, principalmente, para apresentar o mundo do trabalho
aos participantes e prepará-los para o ingresso em programas subseqüentes de ensino vocacional ou técnico. Estes programas não
oferecem qualificações profissionais relevantes ao mercado de trabalho. Pelo menos 25% do conteúdo programático deve ser direcionado a temas profissionais ou técnicos; e
3. programas de educação vocacional ou técnica: prepararam os
participantes para o ingresso imediato em profissões específicas sem
formação complementar. Esses programas conduzem à obtenção de
qualificações profissionais relevantes ao mercado de trabalho.
A maioria dos estudantes dos países da OCDE ingressa em programas de
ensino secundário superior que permitem acesso ao ensino terciário ou
superior. Contudo, a escolha de qualquer uma das três alternativas não
determina, necessariamente, que os alunos terão acesso ao ensino supe-
rior. Em cerca de metade dos países da OCDE, a maioria dos estudantes
da educação secundária superior freqüenta o ensino secundário vocacional ou programas de aprendizagem profissional. Esses programas normalmente oferecem uma mistura de oportunidades de aprendizagens
alternativas, diretamente relacionadas ao mercado de trabalho. A Figura
4 apresenta a proporção de matrículas realizadas entre os cursos profissionais e acadêmicos de nível secundário superior nos países de OCDE.
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Figura 4 – Porcentagem de alunos matriculados em
cursos profissionais e acadêmicos de nível ensino
secundário superior nos países da OCDE em 2004
78
79
O ensino vocacional tem sido o cerne das políticas de educação secundária nos países da OCDE, em particular na União Européia, há uma
década. Na maioria desses países, a formação profissional é tradicionalmente oferecida nas escolas, com exceção do Reino Unido, onde muitos programas de educação vocacional são, de fato, classificados como
educação continuada. No entanto, em países como a Áustria, Islândia
e República Tcheca, cerca de metade dos programas de ensino vocacional e técnico constitui-se da combinação de elementos da formação escolar geral e da formação profissional. Em muitos dos países da
OCDE, novas estruturas e formas alternativas de formação profissional
têm atraído mais estudantes para os programas de ensino vocacional.
Na Finlândia, por exemplo, uma campanha para promover a formação
profissional como alternativa para a educação geral levou a um aumento lento, porém sustentado, do número de matrículas nos programas
de ensino vocacional desde meados da década de 1990. Curiosamente,
muitas economias do conhecimento avançadas têm testemunhado tendências semelhantes às demonstradas na Figura 5. Elevar a qualidade
dos conhecimentos e competências profissionais tem sido visto, nesses
países, como uma das condições prévias para o crescimento econômico
sustentável e para o desenvolvimento social.
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Fonte: Unesco (2006); OECD (2006); Unesco Institut for Statistics (2007).
Figura 5 – Mudança nos índices totais líquidos de
ingresso (NER), em porcentagem, para os programas
vocacionais e gerais de ensino secundário superior, entre
1995 e 2003, em alguns países da OCDE (o comprimento da
barra indica o crescimento de um determinado programa)
O ensino secundário superior não é unificado nos países da OCDE. Sua
estrutura é determinada, tradicionalmente, pelas políticas econômicas e
sociais globais de cada país. Uma característica comum à maioria desses
países é: o ensino secundário superior passou a ser mais flexível e aberto. Flexibilidade significa, em primeira instância, as formas pelas quais
80
81
os alunos têm a oportunidade de escolher e adaptar as suas necessidades
de aprendizagem, independentemente das fronteiras estabelecidas entre
programas ou instituições.
2.2 Graduação nas escolas de ensino secundário
superior nos países da OCDE
A educação secundária superior serve de base para a aprendizagem
ao longo da vida, para novas oportunidades de formação e para a preparação para o ingresso no mercado de trabalho. Como mencionado
anteriormente, embora muitos países da OCDE permitam que os
alunos abandonem o sistema escolar ao final do ensino secundário
inferior, a grande maioria deles opta por continuar seus estudos nas
escolas de ensino secundário superior. A principal razão para essa
escolha é o fato de que aqueles que abandonam o sistema educacional sem uma qualificação secundária superior tendem a enfrentar
severas dificuldades para encontrar um bom emprego.
Os elevados números de matrículas não são suficientes. É importante considerar o número de estudantes que concluem a escola de ensino secundário superior com bons desempenhos. Há uma grande evasão de alunos
entre o início e o fim do ensino secundário superior no México, Turquia,
Espanha e Luxemburgo. Alguns estudantes abandonam definitivamente o
sistema educacional, outros retornarão mais à frente, se houver oportunidade. De modo geral, um entre cinco alunos das escolas de ensino secundário superior dos países da OCDE abandona o sistema educacional antes
da graduação. Essa evasão representa perdas econômicas para a sociedade,
ao mesmo tempo que aponta para a baixa qualidade e para a irrelevância
das escolas de ensino secundário. A ampliação do acesso à educação secundária, associada à melhoria da qualidade do ensino, representam um duplo
desafio para o ensino secundário (WORLD BANK, 2005).
A Figura 6 compara os índices brutos de conclusão para o ensino
secundário superior entre os países da OCDE e quatro países parceiros, apresentando, pela primeira vez, o número de alunos que concluem os programas de ensino secundário superior – representado
no gráfico por uma porcentagem do grupo etário que normalmente
conclui esse nível de escolaridade. Embora nem todos os graduados
estejam contidos nessa faixa etária, o cálculo fornece uma indicação
de quantos jovens completam a educação secundária superior atual­
mente. Em 18 dos 22 países da OCDE, para os quais existem dados
comparáveis disponíveis, a proporção entre os graduados no nível
secundário superior e a população em idade típica de graduação é
maior que 70%. Os índices de conclusão para a Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Irlanda, Japão, Coréia e Noruega situam-se em 90%
ou mais. Em cada um desses países, a qualificação no ensino secundário superior é um requisito mínimo para quaisquer outros estudos
subseqüentes ou empregos permanentes. O desafio então consiste
em assegurar que a parcela restante dos jovens não seja esquecida, o
que pode acarretar a limitação de suas perspectivas profissionais. Os
países da OCDE que contam com estruturas de orientação e aconselhamento vocacional para estudantes apresentam índices elevados
de conclusão para a educação secundária.
Contudo, índices elevados de conclusão não significam que o sistema
de educação tenha dotado seus alunos de conhecimentos, aptidões
e competências relevantes ao mercado de trabalho. Não existem dados confiáveis e comparáveis internacionalmente sobre os níveis de
qualificação dos alunos graduados nas escolas de ensino secundário
superior. Porém, esses índices de conclusão possivelmente indicam
até que ponto os sistemas educacionais foram capazes de preparar
seus alunos para atender às expectativas mínimas do mercado.
82
83
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Fonte: OECD (2006).
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Figura 6 – Índices de conclusão do ensino secundário
superior (2004) nos países da OCDE e nos países parceiros (*)
A maioria dos programas de ensino secundário superior desenvolvidos nos países da OCDE é concebido, essencialmente, para preparar
os estudantes para o ensino superior. Sua orientação, porém, pode
ser geral, pré-vocacional ou vocacional. A maior parte dos estudantes graduados no nível secundário superior participam de programas
que foram concebidos para prepará-los para o ingresso em universidades acadêmicas. Em todos os países da OCDE, os alunos preferem
os programas de ensino secundário que conduzem ao ingresso na
educação superior de tipo A1, com exceção da Alemanha e da Suíça,
onde observam-se maiores probabilidades de graduação em programas do ensino superior de tipo B2.
A Figura 7 apresenta uma comparação entre os índices de conclusão para
os programas de ensino secundário superior concebidos para preparar os
alunos para o ingresso no ensino superior de tipo A e os índices reais de
ingresso para esse subtipo de educação superior. Segundo a OCDE (OECD,
2006), a definição de índice bruto de conclusão refere-se ao “número total
de graduados em um determinado nível de escolaridade (em qualquer faixa
etária), dividido pela população em idade típica de graduação no nível especificado. Em muitos países, torna-se difícil estabelecer a faixa etária típica
de graduação, principalmente porque os graduados na educação secundária superior estão distribuídos ao longo de um amplo intervalo de idades”.
Deve-se observar que existem várias alternativas de trajetória do ensino secundário superior para a educação superior de tipo A e não apenas a escola
acadêmica de ensino secundário superior tradicional.
1. Os programas de ensino superior de tipo A (Isced 5A) são baseados em conteúdos teóricos e
projetados para fornecer aos estudantes as qualificações necessárias para ingresso em programas de pesquisa avançada e profissões com exigências elevadas de competências e habilidades profissionais, como medicina, odontologia ou arquitetura. Esses programas têm uma
duração teórica cumulativa mínima (em nível terciário) equivalente a três anos em período
integral, embora normalmente tenham a duração de quatro anos ou mais, e não sejam exclusivamente oferecidos pelas universidades
2.Os programas de ensino superior de tipo B (Isced 5B) normalmente têm duração menor que
os programas de tipo terciário A e concentram-se em competências e habilidades práticas,
técnicas ou ocupacionais para o ingresso no mercado de trabalho, embora algumas fundamentações teóricas possam ser abordadas por programas específicos. Esses programas têm
uma duração mínima equivalente a dois anos em período integral no nível terciário.
84
85
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
Fonte: OECD (2006).
Figura 7 – Acesso à educação terciária ou superior de tipo A
pelos graduados no ensino secundário superior, 2004
Como a Figura 7 demonstra, nem todos os estudantes graduados nos
programas de ensino secundário superior que se preparam para a educação superior de tipo A ingressam nessas instituições. Na Irlanda, Bélgica
e Grécia, por exemplo, apenas cerca da metade dos graduados na escola
secundária superior com qualificação para a educação terciária de tipo
A se matriculam nesse nível de ensino. Atualmente, 53% dos jovens nos
países da OCDE ingressarão em programas de ensino superior de tipo A
em algum período de suas vidas. De acordo com os dados disponíveis,
apenas 16% dos jovens restantes participarão dos programas de ensino
terciário ou superior de tipo B. Os índices de participação na educação
secundária de tipo B variam de 4% ou menos (Itália, Noruega e México,
por exemplo) a mais de 30% (Coréia, Nova Zelândia e Japão).
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
2.3 Nível de atendimento escolar da população
adulta nos países da OCDE
O nível de atendimento educacional à população adulta é comumente utilizado como um indicador do estoque de “capital humano”, ou
seja, do estoque de conhecimento, habilidades e competências adquiridos por determinada população ou força de trabalho. Considerando-se que as práticas da educação diferem de um país para outro,
faz-se necessário partir do princípio de que, se um ano de estudo é
equivalente em todos os níveis de ensino, o atendimento educacional à população adulta pode ser representado pela média dos anos
de escolaridade concluída. Estima-se em 11,9 anos a média de atendimento educacional à população adulta nos países da OCDE. Para
os 17 países situados acima desta média (ver Figura 8), o período de
escolaridade varia de 12 a 13,9 anos. Para os 13 países abaixo dela, a
variação é maior, oscilando entre 8,5 e 11,8 anos. A Figura 8 descreve a proporção da população adulta, com idade entre 24 e 65 anos,
que concluiu, pelo menos, o ensino secundário superior, bem como
aqueles que concluíram o ensino superior.
86
87
Superior
Pelo menos Nível Médio
Rússia
Estados Unidos
Noruega
Canadá
Suécia
RepúblicaTcheca
Japão
Suíça
Alemanha
Eslováquia
Israel
Finlândia
Dinamarca
Nova Zelândia
Áustria
Hungria
Coréia
Países Baixos
Irlanda
Bélgica
França
Reino Unido
Austrália
Luxemburgo
Polônia
Grécia
Islândia
Chile
Itália
Espanha
Brasil
Portugal
México
Turquia
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Média da OCDE
Fonte: OECD (2006).
Figura 8 – População na faixa etária de 24 a 65 anos que
concluiu, pelo menos, o ensino secundário superior e
população que concluiu o ensino terciário ou superior
nos países da OCDE e nos países parceiros, em 2004
90
100
A proporção de adultos que concluem o ensino secundário superior
vem crescendo em quase todos os países da OCDE. Na maioria deles,
essa proporção varia entre 70 e 97% para a faixa etária compreendida
entre os 25 e os 34 anos. Muitos dos países que apresentavam níveis
de atendimento educacional tradicionalmente baixos têm-se recuperado mais rapidamente em relação aos países mais desenvolvidos.
O objetivo oficial da União Européia, por exemplo, é alcançar um
atendimento educacional de, pelo menos, 85% dos jovens adultos
com qualificação escolar mínima no ensino secundário superior.
Em média, em todos os países da OCDE, 42% da população adulta completou o ensino secundário superior. Menos de um terço dos adultos
(30%) concluiu apenas os níveis de educação primária ou secundária
inferior, e um quarto (25%) deles atingiu o ensino superior. No entanto,
os países diferem amplamente na distribuição do atendimento educacional de sua população. A pirâmide de atendimento educacional, em
qualquer economia do conhecimento, deveria apresentar a maioria dos
cidadãos adultos com o ensino secundário concluído e a parcela da população com educação superior deveria ultrapassar o número de adultos com níveis baixos de instrução (ver Figura 1, como exemplo).
%
Adultos entre 25 e 34 anos de idade
Adultos entre 45 e 54 anos de idade
100
90
80
70
60
50
40
30
20
0
Coréia
Noruega
Japão
Eslováquia
Rússia
Suécia
Canadá
Finlândia
Suíça
Áustria
Estados Unidos
Dinamarca
Israel
Alemanha
Nova Zelândia
Hungria
Países Baixos
Bélgica
França
Irlanda
Austrália
Luxemburgo
Grécia
Reino Unido
Islândia
Itália
Chile
Espanha
Polônia
Portugal
Brasil
Turquia
México
10
Fonte: OECD (2006).
88
Figura 9 – Comparação entre grupos de populações mais jovens
e mais velhas que concluíram, pelo menos, a educação
secundária superior, em 2004 (porcentagem por grupos de idade)
89
A Figura 9 demonstra como os níveis de atendimento educacional a
diferentes grupos etários da população variam de um país para outro.
Na Coréia, Portugal e Espanha, por exemplo, há uma diferença significativa no nível de atendimento educacional aos jovens e aos mais
velhos. De modo geral, a comparação dos níveis de atendimento educacional entre grupos etários mais jovens e mais velhos, nos países
da OCDE e nos países parceiros, sugere um progresso acentuado em
relação ao atendimento educacional do ensino secundário superior.
Em média, a proporção de adultos entre 25 e 34 anos de idade que
completou o ensino secundário superior é 13 pontos percentuais mais
elevada do que o grupo de adultos na faixa entre os 45 e os 54 anos.
3. Questionamentos e tendências da educação
secundária
Esta seção concentra-se em aspectos qualitativos da educação secundária nos
países da OCDE. Em um primeiro momento, analisamos o ingresso no ensino secundário, especialmente sob o ponto de vista da preparação dos alunos
para o ensino secundário superior; em seguida, discutimos as opções entre a
educação geral e vocacional, para finalmente analisarmos os vários modelos
de organização do ensino secundário geral e profissional na prática.
3.1 O que os estudantes sabem quando ingressam
no ensino secundário nos países da OCDE?
Os países da OCDE têm índices elevados de conclusão para a educação secundária inferior. A maior parte dos países parceiros praticamente já universalizou o atendimento nesse nível de ensino, atingindo valores brutos de cerca de 95% de concluintes. Contudo, eles
diferem muito em relação às políticas de retenção de alunos e de taxas de aprovação, fazendo com que os índices líquidos de conclusão
apresentem variações maiores. Em muitos desses países, os valores
líquidos de conclusão da educação básica chegam a se aproximar de
100%. É comumente aceito, na maioria das nações participantes, que
qualquer um que tenha uma qualificação escolar inferior à do ensino secundário superior enfrentará grandes dificuldades no mercado
de trabalho. O aumento dos índices de conclusão para a educação
básica tem como conseqüência direta o fato que os estudantes estão
ingressando nas escolas de ensino secundário superior com conhecimentos e competências que são, ao mesmo tempo, diferentes, mas
todas elas necessárias para os estudos subseqüentes.
Não há conhecimentos ou competências universalmente estabelecidos para o ingresso nas escolas de ensino secundário superior. No
entanto, é comumente esperado que todos os alunos tenham proficiência em leitura e escrita, em aritmética, que sejam alfabetizados
científica e digitalmente, além de desejar-se que tenham adquirido
habilidades avançadas de aprendizagem. Isso deslocou a ênfase dada
às disciplinas básicas e introduziu a informação e as tecnologias
de comunicação como exigências básicas a todos. Com o aumento
do ingresso no ensino secundário superior, aumentam também os
questionamentos sobre o conhecimento e as habilidades reais dos
alunos egressos da educação primária.
Para responder aos questionamentos crescentes sobre o quê os estudantes que concluem a educação básica (normalmente aos 15
anos de idade) podem fazer com o conhecimento e as habilidades
adquiridos, a OCDE lançou o Programa Internacional de Avaliação
Estudantil (Pisa). O primeiro dos ciclos de três anos de coleta de
dados foi realizado em 2000, na alfabetização (compreensão de leitura e escrita) e na iniciação matemática e científica (OECD, 2004a).
O programa Pisa está analisando particularmente o que os jovens
podem fazer com o aprendizado adquirido e não o quanto eles retiveram do currículo que lhes foi ensinado. Dessa maneira, o programa oferece, pela primeira vez, uma análise mais sistemática sobre
a preparação dos jovens, no que diz respeito a seus conhecimentos
e habilidades, tanto para a aprendizagem subseqüente nas escolas
secundárias quanto para o ingresso no mundo do trabalho.
90
91
Abaixo de 1
Nível 1
Nível 2
Nível 3
Nível 4
Nível 5
Nível 6
Finlândia (544)
Coréia (542)
Canadá (532)
Países Baixos (538)
Japão (534)
Austrália (524)
Suíça (527)
Islândia (515)
Nova Zelândia (523)
Dinamarca (514)
Bélgica (529)
República Tcheca (516)
França (511)
Irlanda (503)
Suécia (509)
Áustria (506)
Eslováquia (498)
Noruega (495)
Alemanha (503)
Luxemburgo (493)
Polônia (490)
Espanha (485)
Hungria (490)
Estados Unidos (483)
Portugal (466)
Itália (466)
Grécia (445)
Turquia (423)
México (385)
0%
10%
20%
Fonte: OECD (2004a)
30% 140%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Porcentagem de alunos
Figura 10 – Percentagens de alunos com níveis de
proficiência diferentes na escala Pisa/OCDE de Matemática,
em 2003 (o nível 2 indica a proficiência mais baixa ou profi­
ciência básica e o nível 6 indica a proficiência mais elevada)
Embora os estudos do Pisa 2003 apresentassem um enfoque particular
para a alfabetização matemática – ou seja, compreensão de conceitos,
aplicação de conhecimentos e resolução de problemas –, o desempenho dos estudantes foi avaliado nas três áreas-chave mencionadas
anteriormente (OECD, 2004a). A Figura 10 demonstra, em primeiro
lugar, os diferentes desempenhos dos países em matemática. A pontuação média da OCDE é 500, com o desvio padrão de 100. No topo
da pontuação encontram-se Finlândia, Coréia e Canadá. Em segundo, a
figura descreve as percentagens de estudantes que alcançaram cada um
dos seis níveis de proficiência em cada país. O nível 2 representa a proficiência básica, na qual os estudantes começam a demonstrar habilidades
que lhes permitem utilizar a Matemática ativamente. Nesse nível, eles
são capazes de utilizar a inferência direta para reconhecer os elementos
matemáticos de uma situação, são capazes de utilizar uma representação
única para ajudar a explorar e a entender uma determinada situação, têm
capacidade de utilizar algoritmos básicos, fórmulas e procedimentos,
conseguem de fazer interpretações literais e aplicar o raciocínio direto.
Segundo os estudos Pisa 2003, um quarto ou mais dos estudantes não
conseguem atingir o nível 2 na Grécia, Itália, México, Portugal, Turquia e
Estados Unidos. Na Finlândia, menos de 7% dos estudantes encontramse abaixo desse limite. A Figura 10 também demonstra que mais de 20%
dos estudantes dos países da OCDE apresentam um nível limitado de
alfabetização matemática, ou seja, são capazes de utilizar apenas as funções matemáticas regulares somente em contextos familiares.
Padrões de desempenho semelhantes foram observados nos estudos Pisa
de 2000 e 2003 em relação à alfabetização e à iniciação científica. Tais resultados sugerem que uma porcentagem significativa de estudantes dos
países da OCDE que ingressam nas escolas de ensino secundário superior, ou que decidem dirigir-se ao mercado de trabalho, não têm conhecimentos e habilidades suficientes. Muitos países implementaram não
só novos programas de aconselhamento vocacional para os estudantes,
mas também serviços especiais de educação para prevenir insucesso dos
alunos nas escolas de ensino básico e para auxiliar àqueles que têm dificuldades de aprendizagem nas escolas de ensino secundário superior.
3.2 Comparando o ensino secundário superior
geral e vocacional
Como descrito anteriormente, a maioria dos jovens dos países da
OCDE atualmente ingressa na educação secundária superior. Há
evidências de que aqueles que não o fazem enfrentarão dificuldades
severas para obter empregos permanentes. Em todos esses países, a
92
93
educação secundária superior atende a dois objetivos principais. Em
primeiro lugar, preparar os jovens para a educação terciária ou superior. Em segundo, e igualmente importante, prover as qualificações
profissionais básicas, que permitirão aos jovens o acesso ao mercado
de trabalho. Contudo, o ensino secundário superior nos países de
OCDE não é uniformizado. Podem-se encontrar diferenças significativas na organização da educação secundária de um país para o
outro (WORLD BANK, 2005, 2006; UNESCO, 2006).
Em muitos países, a educação vocacional secundária vem sendo
caracterizada, desde os anos 1990, por quatro tendências comuns
(WORLD BANK, 2005; UNESCO, 2006).
Primeira: a educação vocacional no nível secundário superior
foi concebida para atender às exigências técnicas e profissionais
específicas dos empregadores, o que levou ao estabelecimento de
programas e currículos muito especializados. O campo da educação vocacional foi dividido em centenas de qualificações específicas que conduzem a perfis fragmentados de habilidades, inclusive dentro do mesmo ofício. A redução do número de campos e
programas de educação vocacional e a ampliação das qualificações
profissionais tornam-se conseqüências diretas da modificação dos
mercados de trabalho, que hoje demandam competências técnicas
mais gerais, ao invés de especialização muito específica. A flexibilidade para mover-se de uma profissão para a outra e a capacidade de
aprendizagem transformaram-se também em objetivos integrantes
da nova qualificação profissional. As competências técnicas gerais
referem-se, por exemplo, aos conhecimentos e habilidades necessários ao operador de procedimentos da indústria de papel. Anteriormente, as qualificações eram demandadas separadamente para
a fabricação da massa, fabricação do papel, fabricação do cartão e
para a conversão em papel. Atualmente, há uma qualificação profissional específica para a indústria de papel, que inclui subseções
diferentes dessa profissão. Do mesmo modo, as qualificações foram
ampliadas para as áreas sociais, da saúde, metalurgia, maquinária
e construção civil, mencionando apenas algumas. A especialização
em qualificações profissionais específicas ainda é oferecida, porém
hoje ela se realiza na etapa posterior dos estudos, e não na formação básica, como anteriormente.
Segunda: a ênfase na aprendizagem permanente para todos os níveis
de ensino aproximou a educação vocacional e geral. A criação de “pontes” entre essas duas opções do ensino secundário superior aumentou o
número de disciplinas gerais (línguas estrangeiras, em especial, Ciências
Sociais e Tecnologia de Informação nos currículos da educação vocacional e, por outro lado, introduziu elementos vocacionais aos currículos
da educação geral acadêmica tradicional (por exemplo, na França, Finlândia, Inglaterra e País de Gales). Em alguns países, como na Finlândia,
por exemplo, os estudantes podem escolher as matérias de seus cursos
secundários superiores livremente, em ambos os tipos de escolas.
Terceira: duas formas de organização tradicional de educação vocacional secundária, a saber, baseadas na escola e baseadas não apenas
nas empresas, estão sendo fundidas em muitos países. Os países que
têm, por tradição, um sistema de educação vocacional secundário baseado na escola (países nórdicos, países europeus orientais) incluíram
elementos do sistema vocacional baseado no trabalho aos seus programas. As nações onde a educação vocacional secundária foi organizada,
em sua maioria, a partir do Sistema Dual (Alemanha e Áustria), estão
buscando um novo patamar de equilíbrio entre a educação geral e a formação profissional nos seus currículos.
Quarta: a necessidade de elevar continuamente o nível de atendimento
educacional da população nos países da OCDE abriu portas para mais
jovens continuarem a estudar em instituições da educação terciária ou
superior. Em muitos países, a expansão da educação terciária está acontecendo através da popularização do setor de ensino terciário de base profissional, por exemplo, as escolas politécnicas e as universidades técnicas.
Tal fato ampliou o acesso à educação terciária para todos os graduados
no ensino secundário superior. Portanto, o sistema de ensino secundário
superior moderno oferece aos estudantes um caminho para a educação
terciária, independentemente da trajetória que tenham escolhido.
94
95
Na Figura 4, vimos que cerca de metade dos estudantes secundários
superiores dos países da OCDE escolhem programas de ensino com
orientação vocacional. Contudo, isso varia muito de um país para o
outro. A vasta maioria dos alunos secundários superiores da OCDE
estuda em programas que lhes permitem acesso à educação superior.
Ajustar o ensino secundário superior para que atenda a necessidades
e expectativas mutantes é uma tarefa difícil para os formuladores das
políticas educacionais. É importante observar que não há solução melhor que estabelecer um equilíbrio entre a educação geral e vocacional
nas escolas secundárias superiores. Se, por um lado, a economia do conhecimento emergente requer uma ênfase maior para o aprendizado
de como se deve adquirir e gerenciar o conhecimento – sugerindo, a
princípio, a expansão da educação geral –, por outro, a modificação dos
mercados de trabalho demanda habilidades dinâmicas e competências
que, por sua vez, indicam o deslocamento do foco da educação secundária em direção à educação vocacional. Os formuladores das políticas
de educação precisam estar cientes das diferentes alternativas, a fim de
alcançarem sistemas de ensino secundário superior sensíveis às demandas e flexíveis, que atendam simultaneamente às necessidades dos empregadores e de aprendizado contínuo. Em qualquer circunstância, os
formuladores das políticas educacionais deveriam:
1. garantir oportunidades reais para os jovens que concluíram
o ensino obrigatório (ou ensino secundário inferior) de continuar o aprendizado no ensino secundário superior de sua
escolha;
2. evitar fazer dos programas de educação vocacional secundária superior uma escolha para os alunos com desempenho
escolar mais baixo, fadados a empregos de baixa qualidade e
à inacessibilidade ao ensino superior;
3. criar caminhos válidos da educação vocacional secundária
para o ensino terciário ou superior e incentivar uma porção
significativa de estudantes a adotar essa escolha; e
4. estabelecer serviços sistemáticos de orientação e aconselhamento vocacional para os estudantes, em todas as escolas
básicas, para evitar o desconhecimento sobre suas opções
futuras e auxiliá-los a superar as suas preocupações (além de
prevenir a evasão escolar).
Muitos países da OCDE ainda sofrem com o baixo status que a educação vocacional adquiriu entre os jovens. Muitos estudantes o consideram como uma segunda ou terceira opção educacional e, muitas
vezes, como um sinal de fracasso. À medida que o papel da educação vocacional é fortalecido, diversos países fazem campanha para
melhorar a reputação da educação vocacional secundária. Como
mostrado na Figura 5, várias economias do conhecimento avançadas, como Irlanda, Reino Unido, Finlândia e Noruega, por exemplo,
experimentaram um crescimento significativo do setor da educação vocacional secundária durante a década passada. Grande parte desse crescimento se dá fora do âmbito das escolas vocacionais
tradicionais, isto é, se dá nas escolas de ensino secundário superior
geral e nas escolas alternativas. A educação vocacional e técnica não
é, de modo algum, uma opção do passado que está desaparecendo.
Ao contrário, ela vem se tornando uma parte integrante de qualquer
sistema de ensino secundário moderno que deseja promover o bemestar da sociedade e de sua economia.
3.3 Organização da educação secundária
As taxas de retorno de capital investido constituem um critério comumente usado para determinar o impacto econômico de vários
tipos de educação3. Quanto mais elevada é a taxa de retorno, mais
lucrativo é o tipo de educação, para o indivíduo e para o público.
Pode-se perguntar se há diferenças entre as taxas de retorno para a
educação secundária vocacional e geral. Há, de fato, pesquisas que
sugerem que as taxas de retorno para o ensino secundário acadêmico
são mais altas que as taxas para o ensino vocacional (WORLD BANK,
2005). Por conseguinte, muitos países (em desenvolvimento) estão
96
3.A taxa de retorno representa uma estimativa dos retornos obtidos, ao longo do tempo, em
relação aos custos do investimento inicial na educação. Mais especificamente, a taxa fiscal
interna de retorno é igual à taxa de desconto que iguala os custos aos benefícios da educação
para o setor público.
97
reduzindo a educação vocacional tradicional e dirigindo a maioria
(ou todos) os estudantes para as escolas de ensino secundário geral.
Porém, há também evidências de pesquisas que oferecem uma visão
contrária. Mundle (1998), por exemplo, descreve como alguns dos
“tigres asiáticos” criaram os seus sistemas de ensino secundário. Sua
principal política foi a de dirigir os investimentos para a educação
vocacional secundária superior até que a renda per capta atingisse,
aproximadamente, US$ 8,000 (em 1992), e só então deslocou o foco
das políticas para o currículo geral. Portanto, utilizar as taxas de retorno como uma justificativa para as políticas de ensino secundário,
significa pouco mais que um conselho contraditório.
Há três maneiras principais de organizar o ensino secundário superior nos países da OCDE. Grande parte de suas características estruturais é justificada por tradição, e não por visão estratégica. A maioria dos esforços empreendidos para reformar o sistema secundário
superior também é bloqueada pelas estruturas históricas e hábitos
existentes. As três formas principais de organização são:
1. Sistema de ensino secundário superior diversificado. O
ensino secundário superior é dividido entre escolas de educação geral e formação profissional. Essa forma de organização
é conseqüência da tradição histórica. As escolas de ensino
secundário geral foram criadas para preparar os jovens para
as universidades. As escolas de ensino secundário vocacional, por sua vez, foram concebidas para formar funcionários
para as novas profissões do mercado de trabalho. Em muitos
países da OCDE, o ensino secundário superior geral e o ensino vocacional desenvolveram-se separadamente. Há também uma distinção administrativa entre esses dois sistemas.
As escolas de ensino geral estão subordinadas ao Ministério da Educação, enquanto as escolas de ensino vocacional,
muitas vezes, estão subordinadas a outros ministérios ou às
autoridades regionais ou locais. Em muitos dos países da
OCDE, todas as escolas secundárias superiores atualmente
estão subordinadas ao mesmo ministério (normalmente, ao
Ministério da Educação), são regidas pela mesma legislação
e dirigidas através de estratégias setoriais de educação e formação profissional coerentes. Dentre os países que seguem
essa estrutura de organização estão Finlândia, França, Itália
e Noruega.
2. Sistema de ensino secundário superior unificado O ensino secundário superior é organizado no âmbito de uma
mesma estrutura organizacional, significando que a escola
secundária superior oferece vários programas ou alternativas que são combinações de cursos e campos de estudo diferentes. Em alguns países, como Nova Zelândia e Estados
Unidos, por exemplo, todos os estudantes concluem a escola
secundária superior, que é considerada como educação geral. A formação profissional é oferecida como educação póssecundária (e não como terciária), paralelamente à educação superior. Em alguns outros países, o ensino secundário
superior é organizado em escolas que oferecem tanto programas gerais como vocacionais. Na Suécia, por exemplo, há
17 programas nacionais, cujo propósito é oferecer uma base
educacional geral ampla. Além desses 17, outros 14 programas têm uma orientação mais vocacional.
3. Sistema de ensino secundário superior baseado na escola e no trabalho em paralelo. O ensino secundário superior
oferece a educação geral baseada na escola e opções de educação vocacional baseadas nos postos de trabalho. O objetivo
das escolas de ensino secundário superior geral é preparar os
estudantes para as universidades. Para os estudantes que não
têm tal objetivo, são oferecidas opções de formação técnica
ou profissional, em centros de treinamento específicos, combinadas com aprendizagens práticas nos postos de trabalho
ou aprendizagens técnicas. Esse sistema dual de educação
vocacional comumente consiste de apenas 20 a 30% dos es-
98
99
tudos baseados na formação escolar geral. Não há interação,
ou apenas uma ligeira interação, entre o sistema de educação
vocacional e o sistema de educação geral. Esse padrão de organização pode ser encontrado na Alemanha, Áustria e Suíça.
Uma das principais questões abordadas na discussão das políticas de
educação atualmente é como organizar o ensino secundário superior
não só para que a qualidade da educação seja elevada, mas também
para que o acesso ao sistema seja assegurado para todos. Ainda persiste o debate sobre se a educação vocacional deveria ser estruturada
como educação pós-média, assegurando um conhecimento básico e
qualificações mais elevadas para todos. Porém, é cada vez mais aceito que, se o nível secundário superior for flexível o bastante para
oferecer aos estudantes a oportunidade de escolher entre programas
e orientações diferentes, muitos dos desafios que a educação vocacional enfrenta hoje poderão ser evitados. A solução para o desafio
duplo do ensino secundário – elevar a qualidade e o acesso – não é
fazer mais, ou o mesmo, que foi feito antes. É importante procurar
novas formas de oferecer oportunidades significativas de aprendizagem para um número crescente de estudantes que ingressam nas
escolas de ensino secundário superior para aumentar suas chances
de alcançar empregos sustentáveis e de boa qualidade.
4. Construindo uma sociedade do conhecimento:
políticas educacionais para o ensino
secundário na Finlândia4
4.1 Contexto
O sistema educacional finlandês experimentou um processo de evolução significativo a partir do início dos anos 1970, passando de um
sistema injusto e paralelo, com índices de participação modestos,
para um sistema igualitário, com índices de participação praticamente totais, índices de conclusão consideravelmente mais elevados e amplo reconhecimento do êxito dos estudantes. No entanto,
4. Esta seção é baseada em meu artigo Subiendo el listón: Como responde Finlandia al doble reto de
la educación secundaria? Profesorado, v. 10, n. 1, p. 1-26, 2006. Ver detalhes em Sahlberg (2006b).
Acertar numeração de nota de acordo com os demais textos do livro.
convém observar que a estrutura paralela foi mantida no sistema
de ensino secundário superior na Finlândia, apesar de alguns esforços para acabar com a diferença de status social da educação geral
e vocacional. Concluímos que as políticas de educação que incidem
isoladamente sobre a educação secundária superior, quer com objetivos estruturais ou pedagógicos, não têm sido suficientes para melhorar significativamente a qualidade do ensino secundário, mesmo a longo prazo. Indo mais além, afirmamos que, ao contrário de
muitos outros países que têm seguido a padronização de mercado e
os movimentos de responsabilização pela evolução da educação, os
professores do ensino secundário finlandês lecionam, hoje, em um
ambiente com normas gerais definidas e alta credibilidade na capacidade dos professores e escolas de identificarem os melhores meios
para atingir os objetivos da educação nacional.
Na Finlândia, a maior parte das crianças começa a educação básica
obrigatória – nove anos de estudos – em agosto do ano em que completam sete anos de idade. Neste momento, entretanto, mais de 95%
dos alunos do primeira série concluíram o ensino pré-escolar opcional
– um ano de estudos –, que é normalmente reconhecido como um importante fator para o bom desempenho do aluno no futuro. O ensino
pré-escolar opcional representa também um ponto de transição crucial
para os estudantes, pois é nessa etapa que decidem suas futuras trajetórias educacionais. O ensino secundário finlandês compreende os níveis
secundário inferior obrigatório (séries 7 a 9) e secundário superior nãoobrigatório (séries 10 a 12). Em princípio, após a conclusão da educação
básica obrigatória, aos 16 anos de idade, os jovens têm cinco opções:
escola de ensino secundário superior geral, escola de ensino secundário
superior vocacional, outros tipos de ensino ou formação profissional
pós-obrigatória (por exemplo, os programas de aprendizagem técnica),
10a série da educação básica, adicional e opcional, ou o ingresso no mercado de trabalho. Anualmente, mais de 99% dos alunos da nona série
concluem com êxito a sua escolaridade obrigatória e apenas 5%, aproximadamente, não continua os estudos imediatamente.
100
101
4.2 Desenvolvimento das políticas e princípios
da reforma
Desde dezembro de 2001, quando os primeiros resultados dos estudos
Pisa foram lançados pela OCDE, centenas de especialistas da educação
têm se perguntado qual é o segredo do bom desempenho da educação
na Finlândia. Os resultados encontrados para a melhoria da qualidade
da educação em geral e da aprendizagem dos estudantes em particular
variam desde um corpo docente bem treinado à uma sociedade culturalmente homogênea (VÄLIJÄRVI; LINNAKYLA; KUPARI et al., 2002;
SIMOLA, 2005; SCHLEICHER, 2006; SAHLBERG, 2006b, 2007). Os estudos do Pisa avaliam a capacidade dos estudantes de 15 anos de idade
“concluírem tarefas que se relacionam à vida real e que dependem de um
amplo entendimento de conceitos-chave, ao invés de avaliar o domínio
de conhecimento específico” (OECD, 2001, p. 19). Desse modo, os estudos Pisa demonstram também como os campos da leitura, Matemática
e Ciências são ensinados e aprendidos no ensino secundário inferior.
Em nossa análise recente das políticas de educação da Finlândia (AHO;
PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006, p. 2), concluímos que:
a escola abrangente, que oferece para todas as crianças
a mesma alta qualidade de ensino e o financiamento público da educação que viabiliza não apenas um excelente
corpo docente, mas também aconselhamento vocacional, saúde, nutrição e serviços especiais de educação
– parece desempenhar um papel-chave na construção de
um sistema educacional de alto desempenho. Boa educação para todos, e não apenas para alguns, é o valor
central que impulsiona a educação na Finlândia.
O que é importante nessa conclusão é que o sistema educacional
finlandês estabelece que a boa educação básica para todos é uma
condição necessária – mas não suficiente – para se alcançar bons resultados nos níveis de ensino subseqüentes. Contudo, muitos esforços para melhorar a qualidade da educação secundária não têm tido
êxito, pois os níveis de conhecimentos e habilidades dos estudantes
que estão ingressando no ensino secundário superior não são compatíveis com os níveis exigidos. Conseqüentemente, muitos países
vêem-se obrigados a manter sistemas de ensino secundário superior
seletivos e, muitas vezes, elitistas, nos quais os alunos são agrupados com base no prestígio das escolas de ensino básico e secundário inferior, e não de acordo com as suas competências e interesses.
A seguir, apresentaremos um breve resumo das idéias-chave para o
desenvolvimento de um sistema de ensino abrangente e igualitário,
baseado em ciclos de nove anos de estudos, que oferece a base da
educação convencional para todos os estudantes da Finlândia.
A estrutura e os valores fundamentais do sistema educacional finlandês
atual foram criados nos anos 1960, quando se logrou um consenso político para abolir a estrutura paralela da educação básica, que dividia os
estudantes em duas opções educacionais aos dez anos de idade (HIRVI, 1996; LAMPINEN, 1998; AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). Até
o início da década de 1970, os alunos mais capazes eram selecionados
após a quarto série de ensino para uma opção acadêmica, que representava a única trajetória para o ensino superior, ou para uma opção de
formação profissional prática, que completava a trajetória educacional
dos jovens em idade de 16 anos com um caminho sem volta. A Lei do
Sistema de Ensino, de 1968, criou as bases para o novo sistema de ensino
abrangente, obrigando os municípios a fornecerem a todos os alunos
igualdade de oportunidades para receber a educação básica pública de
alta qualidade, independentemente de sua idade, domicílio, situação
econômica, sexo ou língua pátria. Juntamente com o princípio da eqüidade, essa nova legislação priorizou a melhoria da qualidade da aprendizagem e do nível educacional em todo o país. Como conseqüência, o
governo criou um planejamento do sistema de ensino secundário superior no qual os jovens recém-graduados no ensino secundário inferior
poderiam ingressar imediatamente.
O novo sistema de ensino abrangente, que consistia em seis anos de
ensino primário e três anos de ensino secundário inferior, tornouse o sistema de educação básica permanente para todos os alunos
102
103
finlandeses até o início dos anos 1980. O objetivo desse novo sistema
era integrar um país educacionalmente dividido; porém, foi amargamente criticado por políticos e pelos meios de comunicação, para
não mencionar as críticas dos pais dos estudantes. Os opositores do
sistema alegavam que a educação abrangente reduziria as expectativas acadêmicas e, conseqüentemente, levaria a um empobrecimento
gradual dos níveis de atendimento educacional, principalmente entre os alunos mais capazes e talentosos (AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). Assim sendo, esse novo sistema educacional tornou-se
rapidamente uma questão política. Entretanto, a Lei de Formação
do Professor (1979), que atualizou a formação de todos os professores para o nível de mestrado, e o novo currículo do ensino básico
obrigatório (1971) forneceram os impulsos profissional e pedagógico
necessários. De fato, os primeiros investimentos no desenvolvimento de tecnologias educacionais, métodos de ensino e aperfeiçoamento do conhecimento e das competências dos professores ajudaram a
comprovar que muitas das críticas estavam erradas.
Na sociedade finlandesa, a profissão de docente sempre gozou de
grande respeito e apreço públicos. A profissão de professor é considerada como uma profissão independente, de status elevado, e atrai
alguns dos melhores graduados no ensino secundário para os programas de ensino universitário ou de formação de professores orientada para a pesquisa (VÄLIJÄRVI; LINNAKYLA; KUPARI et al., 2002;
SIMOLA, 2005; WESTBURY; HANSEN; KANSANEN et al., 2005).
De fato, apenas cerca de 10% dos seis mil candidatos a professores do
ensino primário são aceitos anualmente pelas faculdades de educação das universidades finlandesas. A razão principal para o elevado
interesse em tornar-se um docente é o fato de que o nível de mestrado é requisito básico para a contratação permanente pela escola finlandesa. Para as escolas primárias, esse fato teve várias conseqüências positivas, tanto para os professores quanto para a sociedade em
geral. Outro fator importante para o elevado interesse na carreira é
que o mestrado em educação não só qualifica para ensinar em uma
escola, mas também abre portas para o emprego na administração
pública ou no setor privado. Mais importante, no entanto, é que o
nível de mestrado garante o acesso aos estudos de pós-graduação,
amplamente disponibilizados pela maioria das universidades finlandesas hoje. Durante a última década, as escolas finlandesas registraram um significativo aumento de diretores e professores que
possuíam um Ph.D. em educação.
Nas comparações internacionais, os programas de formação dos
professores finlandeses distinguem-se dos demais por sua profundidade e abrangência (JUSSILA; SAARI, 2000; WESTBURY; HANSEN; KANSANEN et al., 2005). Os programas são oferecidos pelas
faculdades de educação em sete universidades. O equilíbrio entre
os conteúdos teórico e prático ajuda jovens docentes a dominar diferentes métodos de ensino e a compreender as bases de um bom
ensino e aprendizagem. A reforma do currículo nacional das escolas
finlandesas, em meados da década de 1990, revelou que professores
com elevada competência profissional são muito motivados e engajam-se facilmente nos processos de desenvolvimento do ensino
de suas próprias escolas, bem como em projetos nacionais e internacionais. Além disso, tendem a trabalhar com a mesma seriedade
no desenvolvimento de seus próprios conhecimentos e habilidades
profissionais.
Os professores finlandeses são usuários conscientes e críticos não
só de seu desenvolvimento profissional, como também dos programas de formação profissional. Da mesma forma que o nível de qualificação profissional do quadro dessa categoria melhorou ao longo
das últimas duas décadas, a qualidade do apoio ao desenvolvimento
profissional dos professores também aumentou. A maior parte dos
currículos tradicionais e obrigatórios para a formação para o trabalho desapareceu. Em seu lugar, encontram-se hoje programas escolares ou municipais de formação profissional de longo prazo, além
de outras oportunidades de desenvolvimento profissional. A atualização contínua da prática pedagógica dos professores tornou-se um
direito, e não uma obrigação.
104
105
Essa mudança nas formas e condições de aprendizagem dos docentes influi, freqüentemente, na maneira como o ensino em sala de
aula é preparado para os alunos. Como conseqüência do aumento do
profissionalismo na educação, professores e escolas tornam-se responsáveis por seu próprio trabalho e resolvem a maioria de seus problemas, ao invés de transferi-los para outras instâncias. Atualmente,
na Finlândia, o ensino como profissão está em condições de igualdade com outras carreiras. Os professores conseguem diagnosticar os
problemas em suas salas de aula e escolas e podem adotar soluções
baseadas em provas ou soluções alternativas para esses problemas,
além de poderem avaliar e analisar os impactos dos procedimentos
implementados. Os pais consideram os mestres como profissionais
que sabem o que é melhor para os seus filhos.
Como a reforma da educação começou a apresentar resultados no final dos anos 1980, o próximo passo lógico na reforma do sistema educacional concentrou-se na reforma do ensino secundário pós-obrigatório. O ensino secundário superior constituía-se de dois setores: a
educação geral, como a trajetória convencional para o ensino superior,
e a educação vocacional, que conduzia à qualificação profissional. O
setor de ensino vocacional, por sua vez, compreendia duas alternativas. A primeira afunilava os alunos em níveis de ensino escolar, e a
segunda guiava-os aos colégios de formação profissional. A formação
profissional de nível escolar variava de seis meses a dois anos de estudos. O ensino nos colégios de formação profissional mais avançados
tinha a duração de três a quatro anos de estudos. De acordo com a
atual classificação internacional, os colégios de formação profissional
situariam-se entre o ensino secundário superior e o ensino superior.
A principal área de reforma do ensino secundário, iniciada a partir
dos anos 1980, correspondia à educação vocacional. Na prática, o ensino secundário superior era – e mantém-se até hoje – uma estrutura
educacional paralela a dois setores de status acadêmico e social diferentes. O objetivo da reforma era tornar a educação vocacional mais
atraente para os egressos da educação básica. Os alunos graduados
nas escolas de ensino vocacional também deveriam ter o direito de
candidatar-se ao ingresso nas instituições de ensino superior. Juntamente com a transformação da educação vocacional em trajetória alternativa para o ensino superior, os formuladores das políticas
educacionais pretendiam reduzir o número de alunos ingressantes
no ensino secundário superior geral e acabar com a diferenças de
status entre esses dois setores de ensino. Curiosamente, em 1981, o
Ministério da Educação finlandês estabeleceu metas anuais de matrículas na educação secundária superior geral de 20.000 a 22.000
alunos, o que representava cerca de um terço da população na faixa
etária de graduação na educação básica. No entanto, esse objetivo
foi subestimado, uma vez que, em 1988, já havia 32.200 novos alunos
matriculados no primeiro ano do ensino secundário superior geral,
ou seja, cerca de 55% desse grupo etário.
A partir de 1985, a educação secundária superior geral passou por
mudanças estruturais e pedagógicas fundamentais. Com o objetivo
de desenvolver um novo currículo, foi criada uma estrutura pedagógica mais flexível para os municípios e para as escolas. Ao mesmo
tempo, um projeto experimental eliminou a organização da educação seriada e introduziu o ensino secundário superior geral baseado em cursos modulares não-seriados, nos quais os estudantes não
eram vinculados a uma carga horária convencional ou ao seu grupo
etário, mas sim aos seus próprios ritmos e interesses. A educação
secundária superior geral baseada em cursos não seriados foi implementada na Finlândia em 1982 e, no final dos anos 1990, todo o
sistema tornou-se não-seriado. Essa estrutura de ensino secundário
superior geral é internacionalmente única. Curiosamente, a China
vem se interessando pela reestruturação do ensino secundário a partir de trajetórias não-classificatórias.
O objetivo principal da reforma do ensino secundário foi oferecer a
todos os graduados do ensino básico uma opção significativa para
prosseguirem seus estudos no ensino secundário superior. Em 1988,
havia vagas nas escolas de ensino vocacional secundário superior,
106
107
nos colégios de formação profissional e na educação superior para
praticamente todas os estudantes graduados dos ensinos básico e
secundário superior geral. As escolas de ensino secundário superior
receberam, em 1988, cerca 55% dos graduados da educação básica;
em 1972, elas receberam aproximadamente 40% dos graduados.
Desse modo, as instituições e colégios de ensino vocacional receberam a grande maioria dos estudantes que havia completado o ensino
secundário superior geral e que não ingressaria no ensino superior.
Programas de ensino especial foram concebidos para esses estudantes, com duração menor que a dos programas oferecidos aos gradua­
dos na educação básica.
Uma das opções políticas adotadas para elevar a eqüidade educacional e melhorar a qualidade do ensino secundário superior na Finlândia, na década de 1980, foi a criação da “escola da juventude”, baseada
na referência da escola sueca de ensino secundário superior integrado, que oferecia programas de ensino geral e vocacional na mesma
estrutura escolar. As lições das experiências desenvolvidas no país
nos anos 1990 levaram à conclusão que, embora a “escola da juventude” apresentasse várias vantagens, tais como mais oportunidades
para os pequenos municípios e uma gama mais rica de programas de
ensino opcional para os estudantes, ela não representava uma solução estrutural para o sistema como um todo (VIROLAINEN, 1996).
Ao contrário, a legislação e as políticas de educação oficiais insistiam
que a cooperação entre as escolas de ensino vocacional e geral precisava ser organizada de forma a permitir aos estudantes flexibilidade
e mobilidade de transição vertical. As escolas de ensino secundário
superior geral não-seriado e as escolas de ensino vocacional modular criaram oportunidades para uma maior cooperação técnica.
Na sociedade finlandesa, o “terceiro setor”, que representa a fusão de organizações sem fins lucrativos, ONGs, atividades voluntárias e doações
que as sustentam, tem desempenhado um papel cada vez mais importante na criação de um setor de ensino secundário mais afinado com as
necessidades e interesses de todos os indivíduos. Durante a década de
1990, quando o sistema de educação sofria uma grande transformação
cultural, grupos de jovens e outras organizações desempenharam um papel ativo no diálogo das políticas de educação e na implementação das
reformas. As organizações de jovens e as agremiações desportivas, por
exemplo, adequaram os aspectos do ensino e aprendizagem de suas atividades específicas aos objetivos da educação escolar formal. Essa foi uma
das alternativas encontradas para envolver um número maior de pais e
outros adultos na discussão da educação familiar e da formação escolar
da juventude.
2005
2000
1995
Educação básica
Educação secundária
1990
1985
Educação terciária ou superior
1980
1975
1960
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Fonte: Statistics Finland (2006).
Figura 11 – Nível de escolaridade da população adulta (15
anos de idade ou mais), na Finlândia, a partir de 1960
O período de implementação da reforma da educação secundária
durou de 1974 a 1992. Ao longo dessas duas décadas, o ingresso no
ensino secundário cresceu significativamente. Em 1970, cerca de 25%
da população adulta da Finlândia havia concluído o ensino secundário ou superior ou a educação superior. Em 1990, metade da população adulta tinha, no mínimo, um nível de qualificação secundária
superior (Figura 11). No entanto, a reforma do ensino secundário não
foi capaz de reduzir a diferença de popularidade entre o ensino geral
e vocacional, como era esperado.
108
109
O desenvolvimento do atual sistema de ensino secundário na Finlândia é resultado de uma melhora sistemática na qualidade, acesso, eficiência e flexibilidade não apenas do ensino secundário, mas do sistema de educação como
um todo (HIRVI, 1996; LAMPINEN, 1998; AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG,
2006). As principais políticas de desenvolvimento e os princípios da reforma foram estabelecidos há décadas e não mudaram muito desde então. A
meta de proporcionar escolhas significativas para todos os alunos que estão
passando da educação básica escolar para o ensino secundário, por exemplo,
tem suas raízes nos planos e políticas de educação dos anos 1970. As autoridades educacionais definiram índices de transição da educação básica para
os níveis de ensino subseqüentes como meta para as políticas de educação,
de modo que, em 2009, pelo menos 97,5% dos graduados no ensino básico
possam continuar a estudar em um campo de sua escolha.
4.3 A educação secundária na sociedade do conhecimento competitivo
A Finlândia passou por transformações econômicas e culturais fundamentais durante as últimas três décadas do século XX. Em 1950, segundo Routti
e Ylä-Anttila (2006), a estrutura econômica finlandesa correspondia à estrutura econômica sueca em 1910. A partir da década de 1950, o desenvolvimento industrial e econômico da Finlândia baseou-se em investimentos
dirigidos à economia, sendo que os principais elementos da produção correspondiam a maquinário, engenharia e às indústrias de silvicultura. Os
anos 1980 marcaram o início da especialização da produção, do comércio
e da pesquisa e desenvolvimento na economia finlandesa. Tal economia
emergente, baseada no conhecimento, coincidiu com a abertura econômica e com a desregulamentação dos fluxos de capitais. Routti e Ylä-Anttila
(2006, p. 6) descrevem essa transformação, afirmando que:
existem poucos outros exemplos de países com recursos
naturais abundantes, se é que existe algum, que conseguiram transformar as suas estruturas industriais em
direção a um nível de conhecimento mais intenso, elevado e, conseqüentemente, de maior valor agregado, de
forma tão rápida e bem sucedida como a Finlândia.
A transição para a economia baseada no conhecimento aumentou
significativamente a geração de conhecimento interno. Ao final dos
anos 1970, a Finlândia era classificada no extremo inferior dos países da OCDE em termos de volume de pesquisa e desenvolvimento
(R&D). Segundo a OCDE, a Finlândia investe hoje 3,5% do PIB em
R&D, ocupando a segunda posição nesta classificação, logo abaixo
da Suécia (ROUTTI; YLÄ-ANTTILA, 2006). Curiosamente, durante
a maior recessão econômica em tempos de paz, no início dos anos
1990, os investimentos em R&D foram mantidos nos níveis previamente estabelecidos e o investimento privado cresceu (CASTELLS;
HIMANEN, 2002). É digno de nota que a construção do sistema
educacional igualitário e de bom desempenho da Finlândia se deu
através de gastos com educação relativamente modestos. Além disso, o sistema de ensino é financiado, principalmente, por recursos
públicos. Em 2002, 2,2% do total das despesas com educação vieram
de recursos privados, sendo que 99,2% das despesas com educação
primária e secundária foram financiadas pelo setor público (OECD,
2005a). De fato, o total de despesas com instituições educacionais
– em porcentagem do PIB para todos os níveis de ensino – caiu de
7,9%, em 1992, para 6,3%, em 1995 e, mais recentemente, em 2002,
para 6% (HIRVI, 1996; OECD, 2005a). Isso indica que os elevados índices de participação e a eqüidade associada a bons níveis de aprendizagem foram alcançados sem o aumento das despesas com educação, muito pelo contrário. Desde a crise econômica dos anos 1990, as
autoridades educacionais locais têm lutado incessantemente contra
a redução dos orçamentos, valendo-se da ampliação de turmas, da
redução de alguns serviços de apoio da escola e, em muitos casos,
da fusão e do fechamento de escolas para ganhar eficiência (RINNE; KIVIRAUMA; SIMOLA, 2002). O número de escolas de ensino
básico (séries 1 a 9) foi reduzido em 20% nos últimos dez anos. Não
obstante, as condições essenciais para o bom nível de escolaridade secundária foram disponibilizadas em todo o país para todos os
estudantes. Acreditamos que assegurar os recursos necessários e os
investimentos na preparação inicial dos professores nas universidades têm contribuído positivamente para que o corpo docente pos-
110
111
sa, mais tarde, ser capaz não apenas de implementar as melhorias
necessárias à educação, mas também de procurar soluções de base
científica para os problemas comuns de suas escolas.
Na Finlândia, as despesas anuais com instituições educacionais – do
ensino primário ao ensino superior – por estudante, em 2002 (em
dólares, utilizando-se a paridade de poder de compra (PPP) para
o PIB), foram US$ 7,300 (média da OCDE: US$ 7,400). As despesas por aluno no ensino secundário atingiram US$ 7,100 (média da
OCDE: US$ 7,000). A comparação entre os gastos reais médios por
aluno, desde o início do ensino primário até a idade de 15 anos, com
a média de desempenho em matemática por estudante na idade
de 15 anos oferece um apoio adicional para o argumento de que o
bom desempenho educacional na Finlândia é atingido a um custo razoável (SAHLBERG, 2007). Na Finlândia, o custo acumulado
(US$ usando PPP) é de US$ 59,000, enquanto na Espanha atinge US$
52,000 e nos Estados Unidos, US$ 84,000.
4.3.1 Participação na educação secundária
superior
Como demonstrado na Tabela 1, 3.400 jovens, ou seja, cerca
de 5,5% dos alunos graduados na escola básica em 2003, decidiram não continuar a educação imediatamente após a conclusão do ensino obrigatório aos 16 anos de idade (FINLAND,
2005). Esse elevado número de jovens abandonando a educação é considerado, hoje, como um dos maiores problemas
no sistema educacional finlandês. Ainda assim, ao invés de
simplesmente resolver o problema através da formulação de
legislação que torne o ensino secundário superior obrigatório,
as autoridades educacionais estão trabalhando em conjunto
para encontrar formas de proporcionar uma opção educacional significativa para todos. A Tabela 1 demonstra como as opções oferecidas aos alunos graduados no ensino básico foram
selecionadas por eles entre 2000 e 2006.
Tabela 1 – Ingresso de alunos que concluíram o ensino
básico obrigatório na educação secundária superior na
Finlândia entre 2000 e 2006
Alunos graduados no ensino básico
Porcentagem e número total de jovens
que continuaram os estudos após a
conclusão do ensino básico obrigatório
- Educação secundária superior geral
- Educação vocacional
- 10a série adicional opcional
Evasão do sistema de educação formal
2000
2003
2006
66.250
60.850
66.700
93%
94,5%
95%
61.650
57.450
63.350
53,7%
55,1%
54,5%
35.600
36,3%
33.500
37%
36.350
37,5%
24.050
3%
22.500
2,4%
25.000
3%
2.000
7%
1.450
5,5%
2.000
5%
4.600
3.400
3.350
Fonte: Statistics Finland (2006).
A Tabela 1 evidencia que, em 2006, cerca de 95% dos estudantes
que completaram o ensino básico obrigatório continuarão seus
estudos no ensino secundário superior ou na 10a série adicional
da escolaridade básica. Em 2003, as porcentagens de alunos matriculados no ensino secundário superior geral e vocacional foram 55,1% e 37%, respectivamente, do total de alunos inscritos.
Espera-se que, em 2006, menos de 5%, ou seja, 3.350 graduados
no ensino básico, optem por não continuar a estudar no ensino
secundário superior formal. Alguns deles ingressarão em outros
programas de educação pós-obrigatória.
A 10a série adicional opcional do ensino básico provou ser uma
alternativa educacional útil para a maioria dos jovens finlande-
112
113
ses que adota essa opção após a escola básica: em 2002, dentre
os 1.800 alunos que freqüentaram o ano suplementar de escolaridade básica, 83% ingressaram na educação secundária superior
geral ou vocacional (35% e 48%, respectivamente). Menos de 2%
dos alunos que se matricularam na 10a série adicional abandonaram o sistema de ensino durante o ano letivo. A meta estabelecida
pelas políticas de educação, de ter apenas 2,5% dos alunos gradua­
dos na educação básica não ingressando imediatamente no ensino secundário superior, é ambiciosa e exige medidas sistemáticas,
não só das autoridades educacionais, mas também das escolas. De
acordo com as políticas de educação atuais (FINLAND, 2005), a
10a série adicional opcional de escolaridade básica será disponibilizado para os jovens que mais se beneficiarão com ele, os serviços
de orientação e aconselhamento vocacional serão disponibilizados para todos os estudantes e os métodos de ensino serão desenvolvidos para a educação básica e secundária.
4.3.2 Índices de conclusão para a educação secundária superior
É digno de nota que, na Finlândia, a educação após os nove
anos do ciclo do ensino básico não é obrigatória. Ao invés de
transformar o ensino secundário superior em parte da escolaridade obrigatória, as políticas de educação finlandesas acreditam no desenvolvimento de igualdades de oportunidades
para que todos possam participar da educação secundária
de sua escolha e na criação de incentivos para que os jovens
permaneçam no sistema educacional após a conclusão da escolaridade obrigatória. Desde a introdução da educação básica abrangente, na década de 1970, a meta das políticas de
educação tem sido oferecer vagas nas instituições de ensino
pós-obrigatório para todos (AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG,
2006). Posto que atualmente a maior parte das escolas de ensino secundário superior geral e vocacional estão submetidas
à administração municipal da educação, são as autoridades
educacionais municipais que decidem sobre as diretrizes de
oferta e de adesão da educação pós-obrigatória. No entanto,
isso não significa que os municípios tenham total liberdade
em relação à oferta da educação. Os currículos, as exigências
profissionais para o corpo docente e as expectativas em relação ao ambiente pedagógico, como um todo, são bastante unificados no país, criando uma cultura comum de escolaridade
na Finlândia.
O planejamento educacional é baseado nas responsabilidades das escolas e dos municípios (principais responsáveis
pela administração das escolas na Finlândia), que formulam
o currículo ideal para as suas necessidades e características
regionais. A estrutura mais recente do currículo nacional foi
estabelecida em 2003 e segue a diretriz do currículo nacional
de 1994, de priorizar a flexibilidade educacional, a educação
geral de base ampla e a confiança na escolha, pelos professores
e diretores das escolas, da melhor forma de organizar ambientes de aprendizagem. A estrutura do currículo nacional é uma
orientação educacional e pedagógica para os formuladores dos
currículos (professores, diretores, pais, dentre outros). Embora especifique genericamente o conteúdo do ensino geral, ela
fornece uma descrição detalhada dos objetivos gerais da educação. Posto que a escola secundária superior não é seriada, a
estrutura do currículo nacional não faz referência às séries ou
aos métodos de ensino.
Devido à natureza não obrigatória do ensino secundário superior, um dos critérios utilizados para avaliar a qualidade e a
eficácia da educação pós-obrigatória é a análise dos índices de
conclusão. A partir de 1999, com a introdução do sistema de
eficiência educacional na Finlândia, as autoridades estaduais
passaram a realizar coletas e análises sistemáticas dos índices
de conclusão para o ensino secundário superior. Se o tempo
114
115
ideal de conclusão da educação secundária superior geral ou
vocacional for estabelecido em 3,5 anos, cerca de três em cada
quatro alunos da educação geral e três em cada cinco estudantes do ensino vocacional completaram seus estudos com êxito
no tempo desejado (Figura 12).
Qualificação
profissional
2003
2004
Exame
Nacional
de Ensino
Secundário
50
60
70
80
90
100
Fonte: Statistics Finland (2006).
Figura 12. Porcentagem de alunos do ensino secundário
superior que concluíram seus estudos com êxito no
tempo padrão (3,5 anos), em 2003 e 2004
Devido ao fato de o planejamento individual dos estudos não estar
vinculado aos grupos etários ou às turmas, muitos estudantes levarão mais tempo para concluir seus estudos que outros. Alguns deles, no entanto, abandonarão o sistema educacional sem nenhuma
qualificação ou diploma. Desse modo, a análise dos índices de evasão escolar oferece uma visão complementar sobre a qualidade e a
eficiência da educação secundária. De acordo com as estatísticas
nacionais (FINLAND, 2005), nos últimos anos, anualmente cerca
de 2% dos alunos do ensino secundário superior geral abandona-
ram os estudos, sem mudar de programa de ensino secundário superior ou de formação profissional. Aproximadamente o mesmo
número de estudantes mudaram do ensino secundário superior
geral para o vocacional, concluindo ali seus estudos. A situação da
educação secundária vocacional é ainda pior. Em 2003, por exemplo, cerca de 11,5% dos estudantes abandonaram a escola vocacional no início dos estudos, sendo que, dentre estes, 1,5% continuou
a estudar em alguma outra escola ou instituição de ensino.
A evasão dos alunos da educação formal e vocacional na Finlândia encontra-se em processo lento de declínio, e os índices
de evasão escolar são substancialmente inferiores aos índices
da maioria dos outros países (OECD, 2005a). Ainda no que diz
respeito ao ensino secundário superior em geral, cerca de 5,6%
dos estudantes não concluíram seus estudos no ano letivo de
2003/2004. A necessidade de prevenir o insucesso escolar e a evasão do sistema educacional é ainda maior para os níveis secundário e terciário da educação vocacional. O programa do governo
central de financiamento educacional com base no desempenho
da escola – implementado no ensino secundário superior vocacional no início desta década – transformou a manutenção dos
alunos no sistema educacional em um incentivo especial para as
escolas. A redução dos índices de evasão escolar, e a conseqüente
elevação dos índices de conclusão, alcançam um peso de 28% no
cálculo dos índices de financiamento educacional com base no
desempenho da escola para a educação geral e vocacional. Embora os índices de financiamento representem uma pequena parcela do orçamento global da educação, eles rapidamente fizeram
com que a atenção das escolas e dos professores fosse canalizada
para medidas que, por um lado, contribuíssem para melhorar o
diagnóstico antecipado e a prevenção de problemas que levam à
evasão, e, por outro, reforçassem o apoio direto à aprendizagem
dos alunos e ao clima geral na escola. As escolas de ensino vocacional, em especial, têm desenvolvido soluções inovadoras para
116
117
aqueles alunos que preferem modelos de aprendizagem baseados em currículos orientados para a prática. As “oficinas práticas
de inovação”, por exemplo, tornaram-se uma forma popular de
aumentar a atratividade e a relevância do ensino secundário para
muitos alunos em risco de abandono escolar.
4.3.3 Participação na educação pós-secundária
Não existem estudos comparativos internacionais com os quais
se possa julgar o nível de qualificação obtido pelos estudantes finlandeses que concluem a educação secundária. Desse
modo, avaliar a qualidade do ensino secundário é uma tarefa
complexa. Um fator que indica a qualidade da educação – em
conjunto com os índices de conclusão do ensino secundário
– é a tendência dos graduados de continuarem aprendendo
em instituições de ensino terciário. O número de alunos que
entra nas instituições finlandesas de ensino superior tem aumentado. A meta atual das políticas de educação é oferecer vagas com financiamento público no ensino superior para 65%
desse grupo etário (FINLAND, 2004). Em 2005, havia cerca de
180.000 estudantes finlandeses matriculados nas universidades e 133.000 nas escolas politécnicas. Comparado ao cenário
de 20 anos atrás, o número de estudantes do ensino terciário
ou superior triplicou. A média de idade dos novos alunos do
ensino superior na Finlândia é de 21 anos. Os críticos argumentam que, dentre esses, não apenas estão os acadêmicos
e líderes empresariais finlandeses, altamente qualificados e
treinados, que ingressam no mercado de trabalho demasiadamente tarde, mas também que as séries acadêmicas tradicionais estão sendo inflacionadas pela redução das expectativas
acadêmicas dos estudantes ingressantes.
Índices de participação elevados e a conclusão exitosa dos níveis de ensino na Finlândia não significam, necessariamente,
que todos se dêem por satisfeitos com a situação. Há dois ti-
pos de críticas que, em grande parte, dizem respeito à qualidade dos conhecimentos e das competências dos graduados na
educação secundária superior quando ingressam na educação
terciária ou no mercado de trabalho. As universidades queixam-se continuamente de que muitos estudantes ingressam
no ensino superior com conhecimentos básicos insuficientes, atitudes inadequadas e habilidades de aprendizagem individual subdesenvolvidas. Um dos motivos dessa reação é o
inchaço crescente das instituições de ensino terciário. Outro
motivo é a “incapacidade” das universidades se adaptar às diferentes competências desenvolvidas pelos alunos que ingressam no ensino superior.
As reclamações dos empregadores têm um tom semelhante.
Embora não existam estudos confiáveis sobre a sua insatisfação, as informações fornecidas pelos líderes empresariais indicam que centrar-se em conhecimentos, aptidões e competências profissionais generalistas nem sempre prepara as pessoas
para empregos que exigem habilidades muito específicas. A
adoção da aprendizagem nos postos de trabalho, como parte
de todos os programas de educação vocacional, e a inclusão
dos empregadores nesses programas, como um terceiro ator
envolvido na avaliação de desempenho da formação profissional, têm amenizado as críticas e aumentado a compatibilidade
entre a educação vocacional e os requisitos mínimos para ingresso no mercado de trabalho.
4.4 Organização da educação secundária
O Programa Internacional de Avaliação Estudantil (Pisa) contém
os indicadores internacionais mais comumente utilizados para a
avaliação da aprendizagem dos estudantes da educação secundária,
avaliando a leitura e a alfabetização em matemática e ciências dos
alunos com idade de 15 anos que cursam a último série do ensino se-
118
119
cundário inferior – ou seja, esses alunos são avaliados na metade do
ciclo do ensino secundário. Nos ciclos Pisa de 2000 e 2003, os jovens
finlandeses foram classificados entre os melhores estudantes de todos os países da OCDE (OECD, 2001, 2004a; SAHLBERG, 2006a).
Além disso, utilizando-se os dados Pisa dos ciclos anteriores para a
variação de desempenho nas escolas, e entre as escolas, a Finlândia
apresenta a menor variação entre os estudantes de melhor e de pior
desempenho (Figura 13).
100
80
Variação de desempenho
nas escolas
60
40
20
0
-20
-40
Variação de desempenho
entre as escolas
-80
Turquia
Hungria
Japão
Bélgica
Itália
Alemanha
Áustria
PaísesBaixos
RepúblicaTcheca
Coréia
Eslováquia
Grécia
Suíça
Luxemburgo
Portugal
México
EstadosUnidos
Austrália
Nova Zelândia
Espanha
Canadá
Irlanda
Dinamarca
Polônia
Suécia
Noruega
Finlândia
Islândia
-60
Figura 13. Variação (percentagem) de desempenho dos
estudantes de 15 anos de idade na escala matemática,
variação nas escolas e entre as escolas (OECD, 2004a)
O fato de quase toda a desigualdade de desempenho na Finlândia
estar compreendida nas avaliações nas escolas, como demonstrado
na Figura 13, significa que a desigualdade que permanece é provavelmente em função, principalmente, da oscilação do “talento natural”
dos estudantes. Dessa maneira, a variação entre as escolas corresponde, em sua maior parte, à desigualdade sociológica. Posto que tal
desigualdade representa um tipo de variação pequena na Finlândia,
ela sugere que as escolas lidam com as desigualdades sociológicas
com muito êxito.
A excelência do sistema educacional na aprendizagem do aluno de
nível secundário inferior indica que a maior parte dos graduados
na educação básica desenvolveu conhecimentos e habilidades de
aprendizagem suficientes para prosseguir, com sucesso, para o ensino secundário superior. Baseando-se nos dados Pisa 2003, a porcentagem de alunos que atingiram apenas os níveis de proficiência zero
ou um em matemática foi de 6,8% na Finlândia. O mesmo indicador
para os Estados Unidos alcançou 25,7% e, para os países da OCDE,
a média geral atinge 21,4%. Além disso, 77% dos estudantes finlandeses alcançaram o nível de proficiência três ou os níveis superiores
– porcentagem mais elevada entre os países/regiões da OCDE (a média para a OCDE é de 57%) – e parecem ter adquirido as competências necessárias para lidar com as demandas dos estudos subseqüentes, bem como com as demandas estabelecidas pelas sociedades do
conhecimento atuais para o mercado de trabalho (OECD, 2004a).
Tendências semelhantes foram observadas na avaliação da leitura
no ciclo Pisa 2000 (OECD, 2001). No entanto, alguns estudos nacionais (NATIONAL BOARD OF EDUCATION, 2005) advertem que
entre 15 e 20% dos graduados na educação básica apresentam graves
lacunas de conhecimentos e competências básicas, que são requisitos gerais para o ingresso no ensino secundário superior. Afirmase, muitas vezes, que o nível de proficiência mínimo exigido para as
disciplinas do ensino básico na Finlândia é superior ao nível Pisa de
proficiência um.
120
121
4.4.1 Transição para a educação secundária
superior
Existem dois fatores que afetam a trajetória de aprendizagem
permanente dos estudantes. Primeiro: quando ingressam no
ensino secundário superior, os alunos finlandeses não têm experiência em testes escolares padronizados de múltipla escolha, ao contrário de seus pares em muitos outros países, onde
esses testes tornaram-se um elemento integrante da vida escolar. Em um estudo comparativo sobre o tema, concluímos
que “a pressão de um modelo estruturado de ensino e avaliação externa do desempenho dos alunos tem apresentado, segundo alguns professores, conseqüências dramáticas” (BERRY;
SAHLBERG, 2006, p. 24). Esse estudo também sugere que, na
Finlândia, a grande maioria dos professores do ensino básico
ajuda seus alunos a aprenderem, e não a passarem em testes.
Os estudos do Pisa 2003 fornecem algumas evidências para
o argumento: os estudantes finlandeses têm menos ansiedade em matemática que seus pares em outros países (OECD,
2004a; KUPARI; VÄLIJÄRVI, 2005; SAHLBERG, 2007). Segundo: os alunos são bem preparados para tomar as suas decisões
em relação às opções de educação pós-obrigatória devido à
grande disponibilidade de serviços de orientação e aconselhamento vocacional na educação básica. Durante o ciclo de três
anos do ensino secundário inferior, todos os jovens têm direito a duas horas semanais de orientação e aconselhamento
educacional. Isso reduz o risco dos alunos tomarem decisões
mal informadas sobre seus estudos subseqüentes. Os serviços
de orientação e aconselhamento educacional também ajudam
os estudantes a empenharem-se mais nas áreas de estudos especialmente necessárias ao ensino secundário superior.
Os alunos, hoje, fazem a transição do ensino básico para a
educação secundária superior com conhecimentos, habilidades e atitudes diferentes do que apresentavam anteriormente.
Essa mudança tem-se caracterizado como um dos fatores que
contribuem para o desenvolvimento do sistema de ensino secundário superior. As reformas implementadas na educação
secundária superior finlandesa provocaram impactos significativos na organização escolar, especialmente no que se refere
ao ensino e à aprendizagem. A organização da escola tradicional, baseada na apresentação/recitação de modelos de instrução, no agrupamento por faixa etária, na carga-horária fixa
e no trabalho predominantemente desenvolvido em sala de
aula, foi sendo gradualmente transformada em ambientes de
aprendizagem mais flexíveis, abertos e ricos em interação (comunicação, tecnologias de informação, trabalho em equipe),
onde o papel ativo dos alunos vem em primeiro lugar (AHO;
PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). Isso significa que vários métodos de ensino centrados no aluno (aprendizagem cooperativa, projeto pedagógico, debates, resolução de problemas etc.)
tornaram-se mais comuns em sala de aula. O melhoramento
contínuo da escola tem sido facilitado não apenas pela implementação de mudanças estruturais na educação secundária
superior, mas também pelo enriquecimento das escolas e salas
de aula com métodos de ensino alternativos.
4.4.2 Educação secundária superior geral
A educação secundária superior geral apresentou uma organização tradicional até 1985, quando a nova Lei de Educação
Secundária Superior Geral aboliu o sistema antigo e implementou uma estrutura curricular modular. A mudança permitiu às escolas reorganizarem o tempo de duração do ensino.
Dois semestres anuais foram substituídos por cinco ou seis
períodos. Essa modificação alterou o planejamento curricular
local, uma vez que as escolas tiveram mais flexibilidade para
alocar as aulas em períodos diferentes (VÄLIJÄRVI, 2004). A
fase seguinte de mudança foi a substituição do agrupamento
dos estudantes por faixa etária por um sistema organizacional
122
123
não-seriado, baseado em cursos modulares. O ensino secundário superior geral não-seriado proporcionou aos estudantes uma gama maior de opções para o planejamento de seus
próprios estudos – tanto em relação ao conteúdo quanto em
relação à seqüência das disciplinas. A nova estrutura curricular privilegiou a compreensão do desenvolvimento cognitivo
dos alunos e estimulou as escolas a fazer melhor uso de seus
próprios recursos e dos pontos fortes da comunidade. Embora
os estudantes tenham mais liberdade em relação aos seus estudos, eles são obrigados a concluir 18 disciplinas obrigatórias
(Matemática, língua pátria (2), Ciências Naturais (4), Ciências
Sociais (3), línguas estrangeiras (2), Educação Física, Artes (2),
orientação vocacional, Saúde, Filosofia e Ética) e um mínimo
de 75 cursos para a obtenção do diploma no ensino secundário
superior geral. Cada curso consiste de 38 aulas (45 minutos
cada), incluindo o exame final. Os estudantes normalmente
completam 30 a 35 cursos por ano. Após concluir os estudos
básicos nas 18 disciplinas obrigatórias (normalmente um ou
dois cursos por tema), eles podem desenvolver seus planos de
estudos fazendo cursos oferecidos por sua escola ou por qualquer outra escola secundária superior. Em média, os alunos
estudam, pelo menos, dez outras disciplinas após a conclusão
das disciplinas obrigatórias. O currículo da educação secundária superior vocacional apresenta uma estrutura semelhante, com exceção do número de disciplinas obrigatórias, que
é menor, normalmente cerca de dez (incluindo Matemática,
Ciências Naturais, línguas estrangeiras, Tecnologia da Informação e algumas disciplinas das Ciências Sociais).
Um fator importante que afeta a natureza do ensino e da aprendizagem na educação secundária superior geral é o padrão
de avaliação do aluno e da escola. Os professores avaliam os
conhecimentos dos estudantes ao final dos cursos, totalizando, aproximadamente, cinco ou seis avaliações por tema, por
ano letivo. O Exame Nacional de Ensino Secundário, ao qual
os jovens são submetidos após a conclusão do número mínimo
de cursos exigidos, é um exame de múltipla escolha e, conseqüentemente, causa impactos visíveis no currículo e nos métodos de instrução. O Exame Nacional de Ensino Secundário
é semelhante, de certa forma, aos testes do IB – International
Baccaleauréat, que é um tipo de exame usado como pré-requisito para o ingresso nas universidades acadêmicas (ensino superior de tipo A). Praticamente todos os estudantes que concluem
o ensino secundário superior geral com êxito (os índices de conclusão atingem, aproximadamente, 95%) são submetidos a esse
exame. Cerca de 93% deles são aprovados anual­mente. Isso significa aproximamente 40% do total de jovens de cada coorte.
Por conseguinte, o ensino secundário superior geral pode ser
melhor caracterizado por privilegiar a aprendizagem, a criatividade e os métodos de estudo alternativos, e não por concentrarse na aprovação em testes e exames.
4.4.3 Educação secundária superior vocacional
O ensino secundário vocacional foi adaptado para adequarse ao novo cenário econômico e político da Finlândia. Sua estrutura, currículos e metodologia de ensino foram renovados
em função das expectativas da economia baseada no conhecimento e das exigências do mercado de trabalho. Uma das
principais metas das políticas de educação é aumentar a atratividade da educação vocacional no ensino secundário superior (FINLAND, 2004). Atualmente, aproximadamente 37,5%
dos alunos do novo ensino secundário superior iniciam seus
estudos nas escolas de ensino vocacional.
A estrutura da educação vocacional foi simplificada e, hoje,
a formação profissional compreende 120 créditos, que equivalem a três anos de estudos em período integral. Um quarto
124
125
do período de estudos é dirigido a cursos gerais ou opcionais.
O número de programas de formação profissional disponibilizados foi reduzido para 52 e os programas de estudos afins,
para 113. Em princípio, os estudantes do ensino vocacional são
qualificados para submeterem-se ao Exame Nacional de Ensino Secundário, porém apenas alguns poucos o fazem. Além
disso, as escolas de ensino secundário devem garantir aos estudantes do ensino vocacional a possibilidade de ingresso nas
escolas de ensino secundário geral e vice-versa, se desejarem
incluir cursos de outras escolas em seus planos de estudos.
O currículo e a avaliação dos estudantes foram revistos para
adequarem-se às mudanças estruturais, às exigências do mercado de trabalho e às necessidades da sociedade do conhecimento. O novo currículo foi estabelecido segundo necessidades profissionais específicas, expectativas crescentes de
flexibilização profissional e diretrizes de formação permanente. As avaliações dos conhecimentos e competências profissionais adquiridos passaram a ser desenvolvidas em conjunto
pelos três principais interessados: as escolas, os empregadores
e representantes dos empregados.
Os métodos de ensino e de formação profissional estão mudando gradualmente nas escolas de ensino secundário vocacional. A formação no emprego tornou-se parte integrante
do currículo: pelo menos um sexto da instrução deve ser desenvolvida nos postos de trabalho. As oficinas alternativas, a
aprendizagem técnica e a educação à distância tornaram-se
comuns no ensino secundário. O sistema de financiamento
educacional com base no desempenho da escola atribui um
fator de 6% para a qualificação do corpo docente. As escolas
de ensino vocacional, por sua vez, investem esses fundos cada
vez mais na atualização dos conhecimentos e competências
pedagógicas dos professores.
4.5 Estratégias para elevar a qualidade da
educação secundária na Finlândia
As reformas da educação em geral e a melhoria da qualidade dos sistemas educacionais em especial são processos complexos e lentos.
Pesquisas anteriores e a análise das políticas de educação sugerem
que, ao invés de investir em inovações únicas e reformas idealizadas
aleatoriamente, a evolução da educação deveria ser compreendida
como um processo sistêmico, a ser construído com base em propostas sólidas e sustentáveis (FULLAN, 2005; HARGREAVES; FINK,
2006; HARGREAVES; GOODSON, 2006). Aho, Pitkänen e Sahlberg
(2006, p. 134) sugerem que:
enquanto o princípio da justiça, isto é, da eqüidade e da
igualdade de oportunidades, representava os principais
valores da visão de educação de longo prazo na Finlândia,
uma orientação forte e sistemática em relação à liderança
em todos os níveis da educação começou a surgir nos anos
1980. Ao longo das décadas, tornou-se claro que as políticas de educação devem ser baseadas na profundidade e
na extensão da liderança, e a diversidade e a desenvoltura
educacional representam princípios permanentes para o
processo de mudança da educação. Finalmente, um dos
fatores-chave para o sucesso da Finlândia é o reconhecimento prévio de que a aprendizagem a partir das experiências passadas pode construir um futuro melhor.
A educação secundária representou, por muito tempo, o tópico menos interessante e atraente para os formuladores das políticas educacionais. Recentemente, devido ao número crescente de jovens
que desejam estender suas trajetórias no sistema de educação, às
necessidades da sociedade do conhecimento emergente e às novas
políticas de aprendizagem permanente, o ensino secundário passou
a ocupar uma posição central na análise das políticas e nos debate
sobre educação no mundo globalizado. Um estudo realizado pelo
Banco Mundial sugere que uma das razões para as demandas crescentes em relação ao ensino secundário é o fato que:
126
127
[...] as economias precisam cada vez mais de uma força de trabalho sofisticada, equipada com competências,
conhecimentos e habilidades relevantes aos postos de
trabalho, que não podem ser desenvolvidas apenas na
escola primária ou em programas de ensino secundário
de baixa qualidade. (WORLD BANK, 2005, p. xvi).
Embora o número de pesquisas sobre a melhoria do ensino secundário esteja aumentando gradualmente, observa-se que esse tipo de
estudo ainda é menos comum que as pesquisas realizadas sobre a
educação primária e secundária inferior.
Os cinco princípios que se seguem foram adotados pelas políticas de educação finlandesas a fim de elevar a qualidade da educação secundária e assegurar a igualdade de oportunidades de acesso para todos os estudantes.
(1) As políticas de desenvolvimento da educação devem privilegiar a visão de longo prazo e a elaboração de objetivos realistas. O sistema atual de ensino secundário da Finlândia, descrito nas
seções anteriores, é resultado de políticas de longo prazo e do desenvolvimento sistemático do sistema de ensino, que tem suas raízes
em valores e princípios estabelecidos há quatro décadas. Observa-se
que, nos primórdios da principal reforma da educação na Finlândia,
os responsáveis pela tomada de decisões vislumbraram a necessidade de tornar o ensino secundário superior mais responsivo às novas
demandas, segundo afirmou o Parlamento em 1968:
A vida profissional e o desenvolvimento tecnológico exigem cada vez mais da sociedade e da força de trabalho
e, por conseguinte, o Parlamento urge que o Governo defina medidas e planos de incentivo ao desenvolvimento
das escolas técnicas, comerciais, agrícolas, dentre outros campos de estudos e de escolas especiais, que, por
sua vez, seriam capazes de criar canais correspondentes
na educação superior. (AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG,
2006, p. 48)
Já em 1974, o governo estabeleceu metas para as políticas de educação que estimulariam a todos os graduados no ensino básico a ingressar na educação secundária superior. O que ocorreu de forma
natural, pois o novo sistema de ensino abrangente, baseado em ciclos básicos de nove anos de estudos, aumentaria rapidamente o número de jovens com conhecimentos e habilidades atualizadas para
a educação subseqüente. Vislumbrou-se, nos anos 1970, que a base
para a economia finlandesa – que incluía a silvicultura e a indústria
metálica pesada – seria o conhecimento. De modo bastante correto,
os formuladores das políticas públicas presumiram que a sociedade
do conhecimento emergente necessitaria de pessoas mais qualificadas, tanto para trabalhar como funcionários na indústria da informação, quanto para utilizar os produtos da informação. Em 1975,
como demonstra a Figura 1, aproximadamente 70% da população
adulta finlandesa havia concluído apenas a educação básica, ou menos que isso, o que representava um nível de escolaridade extremamente baixo para o cenário futuro, dirigido pelo conhecimento.
A visão de longo prazo que determina as políticas de educação, desde o início dos anos 1970, estabeleceu metas para que a maior parte
dos jovens concluísse, com êxito, algum tipo de ensino secundário
superior. Além disso, desde o princípio, os formuladores das políticas de educação acreditavam que, independentemente da escolha
dos estudantes na transição da educação básica para o ensino secundário superior, o acesso à educação terciária deveria ser amplamente
disponibilizado. Uma das decisões políticas mais significativas no
início da reforma do ensino secundário, em 1974, foi a organização
da educação secundária superior em duas linhas (AHO; PITKÄNEN;
SAHLBERG, 2006). Essa nova forma de organização deslocou o foco
das políticas de educação e do compromisso de financiamento crescente para o desenvolvimento da qualidade do ensino secundário,
especialmente para a formação continuada dos professores. Observamos também que algumas mudanças nas políticas e nas escolas de
ensino secundário superior foram reações a condições que surgiram
a posteriori, mais proximamente relacionadas à mudança nas expec-
128
129
tativas e demandas dos jovens e de seus pais do que ao resultado
das reformas intencionais. O setor de ensino secundário geral, por
exemplo, desenvolveu-se bem acima da demanda, a partir dos anos
1930, do que as expectativas.
(2) Estabelecer como prioridade o desenvolvimento de uma
educação primária de alta qualidade, que deverá ser disponibilizada para todos os estudantes. A educação primária – ou seja,
os seis primeiros anos do ensino básico – é muitas vezes vista como
a base para o bom desempenho nas etapas seguintes da educação
(VÄLIJÄRVI; LINNAKYLA; KUPARI et al., 2002; SIMOLA, 2005;
SAHLBERG, 2007). O ensino primário e as diretrizes de educação
específicas, tais como o currículo, a avaliação, a formação dos professores e o material didático, ocuparam o centro das políticas de
desenvolvimento da educação nacional e das estratégias de reforma
desde o início da década de 1970 (AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG,
2006). A estrutura do currículo da Nova Escola Abrangente, de 1971,
forneceu a base para a inclusão de novas abordagens pedagógicas na
grade curricular, independentemente dos contextos social e econômico, domicílio ou características individuais. As avaliações dos estudantes eram analisadas para que os resultados obtidos pudessem
não apenas oferecer subsídios para as políticas de educação nacional
e para a tomada de decisões locais, mas também para apoiar o ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento da escola. Esses mesmos
princípios de avaliação estão incluídos na atual legislação educacional, implantada em 1998. As diretrizes finlandesas de avaliação dos
estudantes diferenciam-se das diretrizes de muitos outros sistemas
educacionais, como, por exemplo, as dos Estados Unidos, onde o
propósito do número elevado de avaliações dos alunos é analisar o
desempenho das escolas e compará-lo a padrões de nível de proficiência determinados. A avaliação do desempenho dos estudantes
não é definida e analisada sob uma ótica competitiva, o que provoca
impactos diretos no desenvolvimento dos métodos de ensino: seus
objetivos principais são promover uma aprendizagem intensiva e
despertar o interesse dos alunos para aprenderem independentemente de seu desempenho escolar. Os professores finlandeses trabalham com padrões livremente definidos (como em muitas escolas
privadas das elites de outros países), porém com alto profissionalismo, confiança e criatividade.
A formação dos professores da educação primária é realizada nas
universidades e concede a titulação de mestre. Ao final dos anos
1970, a preparação dos docentes foi convertida de um programa de
três anos, realizado em colégios de professores, para programas universitários de cinco anos de duração. Desse modo, a grande maioria
dos educadores do ensino primário hoje possui níveis universitários
elevados. Westbury e outros autores (2005) afirmam que a formação
orientada para a pesquisa representa a idéia central do desenvolvimento da preparação dos professores na Finlândia desde meados
dos anos 1970. Uma qualificação acadêmica elevada possibilita às
escolas desempenhar um papel cada vez mais ativo no planejamento
do currículo, na avaliação dos resultados da educação e, principalmente, na melhoria da escola em geral. A reavaliação da eqüidade na
educação finlandesa, realizada pela OCDE, descreve o círculo virtuo­
so criado em torno do ensino.
Status elevado e boas condições de trabalho – turmas
pequenas, suporte adequado para os orientadores e para
as necessidades especiais dos professores, representatividade nas decisões da escola, baixos índices de problemas
de disciplina, elevados índices de autonomia profissional
– geram uma ampla base de recrutamento e programas
de preparação de professores altamente seletivos e intensivos que, por sua vez, levam ao êxito dos professores logo
nos primeiros anos de ensino, à uma estabilidade relativa
do corpo docente, ao êxito na educação (no qual os resultados Pisa são apenas um dos exemplos) e à manutenção
do status elevado do ensino (OECD, 2005b, p. 21).
130
131
Os professores gozam de respeito social e liberdade profissional.
A confiança profissional tornou-se, recentemente, uma das características reconhecidas da educação finlandesa (VÄLIJÄRVI; LINNAKYLA; KUPARI et al., 2002; KUPARI; VÄLIJÄRVI, 2005; SCHLEICHER, 2006; AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). Lecionar no
ensino primário é considerado uma carreira que se compara a qualquer outra profissão elevada da sociedade, como, por exemplo, a de
médico, advogado ou economista. A mobilidade dos docentes entre
as escolas de ensino primário é relativamente baixa, o que significa
que a maior parte dos alunos terá o mesmo professor, bem qualificado, durante os seis primeiros anos de ensino.
(3) Elaborar um sistema de intervenção, orientação e aconselhamento educacional antecipados nas escolas de ensino
primário e secundário. A expressão transição vertical refere-se ao
processo que une dois níveis da educação. As políticas de educação
finlandesas adotaram várias medidas para apoiar a transição exitosa
da educação básica para o ensino secundário superior.
Primeiro: as políticas de reconhecimento e intervenção antecipada
– relacionadas às dificuldades de aprendizagem – foram adotadas
como prática escolar e como pedagogia em sala de aula, em todos
os níveis do sistema educacional. Todo o currículo de formação do
professor contém módulos cujo objetivo é melhorar o conhecimento
e as habilidades necessários a identificação e encaminhamento de
déficits que possam levar ao baixo desempenho dos estudantes. Os
professores-assistentes, os especialistas em necessidades especiais
da educação e as equipes multidisciplinares das escolas estão preparadas para reduzir o número de jovens defasados na aprendizagem.
O fortalecimento dessas primeiras estruturas de intervenção corresponde à uma das ações de longo prazo dos planos de desenvolvimento de educação (ver FINLAND, 2004).
Segundo: a orientação e aconselhamento educacional são partes
integrantes do currículo da educação básica desde os anos 1970.
Segundo a legislação atual, são oferecidas duas horas semanais de
orientação e aconselhamento educacional para todos os alunos de
escola secundária inferior. Na realidade, orientação e aconselhamento educacional apropriados são direitos de todo estudante no
sistema de ensino finlandês. Embora alguns estudos demonstrem
que há sérias falhas no acesso a orientação e aconselhamento educacionais, esse sistema produz impactos significativos no auxílio à
tomada de decisões apropriadas pelos estudantes (NUMMINEN;
KASURINEN, 2003; OECD, 2005b).
Terceiro: os serviços de educação para necessidades especiais foram
ampliados para todos os níveis de ensino. As políticas de intervenção
antecipada foram implantadas especialmente na educação básica.
Tanto na Finlândia como nos Estados Unidos, por exemplo, os alunos que apresentam déficits de leitura, escrita e aprendizagem em
matemática correspondem a, aproximadamente, 40% da população
com necessidades educacionais especiais da 1a à 6a série. A porcentagem da população com necessidades educacionais especiais correspondente as séries de ensino 7 a 9 é de 13% na Finlândia, ao passo que
nos Estados Unidos atinge 62%. Itkonen e Jahnukainen (2006, p. 22)
afirmam que “o sistema escolar finlandês realiza intervenções nas
séries iniciais e depois promove a maioria dos estudantes, especialmente aqueles com deficiência de fala, leitura, escrita e de compreensão matemática”. Apesar dos orçamentos reduzidos da educação,
o número de estudantes com necessidades especiais matriculados
em todos os níveis de ensino vem crescendo: 7% dos estudantes da
educação básica e 5% do ensino secundário vocacional ingressaram
em programas de educação para portadores de necessidades especiais. Cerca de um em cada quatro alunos da escola de ensino básico
freqüentou cursos de meio período na educação para necessidades
especiais durante o ano letivo de 2004/2005.
Quarto: o financiamento da educação vocacional, baseado no desempenho da escola, criou novos estímulos para que as escolas alcancem a conclusão exitosa dos estudos de cada aluno e combatam
132
133
a evasão escolar. Índices de evasão reduzidos e, conseqüentemente, índices de conclusão elevados têm um peso significativo para o
cálculo do financiamento nas instituições educacionais. Na maioria dos casos, é financeiramente mais benéfico para a escola investir
em medidas preventivas, como o aconselhamento educacional e os
serviços de educação para necessidades especiais, por exemplo, que
experimentar um número elevado de evasões escolares.
A expressão transição horizontal no ensino secundário superior refere-se à mobilidade dos estudantes entre os sistemas de educação geral
e vocacional. Em princípio, depois de matricular-se em um ou outro
tipo de ensino secundário superior, o jovem tem direito de mover-se
para outra linha de ensino. Embora seja permitido por legislação, isso
raramente acontece. Contudo, os estudantes selecionam cursos de
outras instituições para seus planos de estudos individuais com muito
mais freqüência do que mudam de linha de ensino. A premissa básica
das políticas de ensino secundário finlandesas é transformar o ensino
secundário superior em um sistema tão flexível quanto possível, em
termos de escolhas e mobilidade para os alunos.
(4) Auxiliar os estudantes a realizarem a transição da educação
primária para o ensino secundário com êxito e criar de alternativas para os alunos em transição, a fim de elevar os índices de escolhas bem sucedidas. Desde o fim da década de 1970, a escola abrangente
oferece igualdade de oportunidades para que todos continuem seus estudos. A transição da educação básica para o ensino secundário superior
representa uma etapa importante nas vidas dos jovens. As políticas de
educação e as estratégias de desenvolvimento reconhecem que a transição do ensino básico para o secundário é mais que uma simples mudança de nível de educação. Segundo afirma o Comitê de Transição da
Educação Básica para o Ensino Secundário Superior Geral e Vocacional,
“a transição deve ser vista como uma etapa mais longa, na qual o jovem
esclarece, gradualmente, as suas preferências e objetivos quanto à nova
educação e futura carreira” (FINLAND, 2005). O sucesso nessa transição
tem importância máxima para os estudos subseqüentes. Dessa forma, a
orientação vocacional e o aconselhamento estudantil realizados durante
o ensino secundário inferior podem desempenhar um papel significativo no esclarecimento de informações sobre alternativas e oportunidades
educacionais e profissionais relevantes para os estudantes.
A 10a série adicional da escola básica foi criada em 1977 como uma experiência para auxiliar aqueles alunos que, devido ao número limitado
de vagas, não haviam sido aceitos pela escola secundária superior. Aproximadamente 3% dos graduados na escola de ensino básico matriculam-se na 10a série, a maior parte deles para melhorar a sua pontuação
e aumentar as possibilidades de serem aceitos pela escola secundária
superior de sua escolha (FINLAND, 2005). O currículo da 10ª série concentra-se em prover os estudantes com experiências de aprendizagem
positivas e assegurar a orientação educacional e o aconselhamento vocacional necessários para a nova educação e para o planejamento de
suas carreiras profissionais. Anualmente, aproximadamente quatro em
um total de cinco estudantes que concluem a 10ª série adicional ingressam imediatamente no ensino secundário superior.
(5) Promover o intercâmbio de “competências laterais” entre
as escolas e os municípios, de forma que uns possam aprender
com os outros. A força comparativa da Finlândia no desenvolvimento da qualidade da educação tornou-se o papel principal da inovação local e do compartilhamento das boas práticas no âmbito do
sistema educacional (SAHLBERG, 2006b). As políticas de educação
em geral promoveram estratégias que Fullan (2005) denomina de
“competências laterais”, em que as escolas aprendem umas com as
outras, enquanto os municípios compartilham seus conhecimentos
sobre as mudanças educacionais. Acreditamos, contudo, que a estratégia finlandesa ainda não é uma estratégia bem desenvolvida e,
assim sendo, representa um recurso subtilizado para o desenvolvimento do sistema educacional. O desenvolvimento de “competências laterais” mobiliza duas forças importantes: o conhecimento, a
inovação na mudança da educação e as práticas produtivas de um
lado, e a identidade compartilhada de outro.
134
135
A credibilidade no desenvolvimento de “competências laterais” e na
aprendizagem com as tentativas de melhoria da educação no passado elevaram o papel da liderança e da gestão escolar na Finlândia.
Cada vez mais, os diretores de escolas e as autoridades municipais
da educação são recrutados de acordo com critérios de excelência
profissional, ao invés das recompensas políticas comumente utilizadas no passado. Os diretores de escolas tornaram-se os principais
facilitadores do desenvolvimento profissional de seu corpo docente
e da cooperação lateral entre as escolas. É comumente reconhecido,
entre esses profissionais finlandeses, que a promoção da cooperação, em vez da concorrência, entre as escolas é a estratégia-chave
para alcançar uma educação de boa qualidade. Os diretores das escolas são considerados como líderes educacionais, e não como meros administradores.
4.6 Políticas inteligentes de educação secundária
Ensinar na Finlândia, especialmente nas escolas secundárias, é profissão reconhecida como de elevado prestígio social. Parte desse reconhecimento vem da formação inicial dos professores, que se baseia na titulação de mestre e tem forte orientação científica. Assim,
todos os educadores são preparados para a pesquisa sobre a prática
docente. O equilíbrio entre os conhecimentos teóricos e práticos
desses programas ajudam jovens professores a dominar diferentes
métodos de ensino, bem como a ciência do ensino e da aprendizagem eficaz. A reforma curricular do ensino secundário, em meados
da década de 1990, revelou que docentes com elevada competência
profissional são muito motivados e engajam-se facilmente não apenas nos processos de desenvolvimento de suas próprias escolas, mas
também em projetos nacionais e internacionais (SAHLBERG, 2007).
Eles tendem, inclusive, a trabalhar seriamente no desenvolvimento
de seus conhecimentos e aptidões profissionais pessoais. O fortalecimento do profissionalismo dos professores transferiu, gradualmente, a autoridade e o locus do controle da administração central
para as escolas.
Muitas das políticas educacionais atuais da Finlândia, incluindo
o movimento de profissionalismo dos educadores, são relevantes
apenas quando os pais, estudantes e autoridades têm confiança no corpo docente e na escola. Deve-se lembrar que o sistema
educacional finlandês era bastante centralizado quando as reformas da educação foram implementadas, em âmbito nacional, na
década de 1970. Naquela época, as escolas eram reguladas pelas
agências nacionais e regionais, freqüentemente, em seus mínimos
pormenores. A mudança em direção à gestão da educação baseada
na confiança e no forte profissionalismo do professor começou na
década de 1980, quando as principais etapas da agenda inicial de
reforma foram colocadas em prática e consolidadas no sistema de
ensino. No início dos anos 1990, a cultura da confiança havia penetrado na gestão do setor público da Finlândia. No entanto, desde
então, as políticas neoliberais de gestão do setor vêm, lentamente,
substituindo a confiança por concorrência, produtividade e outros
valores de mercado.
A cultura da confiança significa que o sistema, ou seja, o Ministério
da Educação e o Conselho Nacional de Educação, acredita que os
professores, em conjunto com os diretores, pais e com as suas comunidades, sabem como prover a melhor educação possível para
suas crianças e para a juventude (O’NEILL, 2002; AHO; PITKÄNEN;
SAHLBERG, 2006). Ou, como Tschannen-Moran (2004, p. 15) afirma, “a confiança manifesta-se em situações nas quais devemos acreditar na competência do outro e na sua vontade de cuidar do que é
precioso para nós”. Na Finlândia, a transição da administração central burocrática para a cultura descentralizada da confiança aconteceu em tempos de profunda crise econômica e cortes do orçamento
público. Felizmente, a dependência da sabedoria local para decidir
o que é o melhor para as pessoas pareceu ser a decisão acertada até
para as questões mais difíceis, como, por exemplo, a redução das
despesas e o realinhamento das operações existentes às novas realidades orçamentárias.
136
137
A cultura da confiança só pode existir em um ambiente construído
sobre a boa governança – ou abertura – e sobre a corrupção perto
de zero – ou honestidade. Embora o valor coletivo das redes sociais
e as inclinações dessas redes para ajudarem-se umas às outras pareçam estar diminuindo na Finlândia, como em muitas sociedades
ocidentais, o capital social representa um componente-chave para a
criação e manutenção da democracia, ocupando um lugar de destaque na sociedade finlandesa. Na realidade, o país está extraordinariamente bem colocado nas classificações internacionais de boa governança e de percepção de corrupção. A organização da sociedade
civil Transparency International classificou-o como um dos países
menos corruptos dentre os 146 países analisados em sua avaliação
anual. As instituições públicas geralmente gozam de alta confiança
e respeito na Finlândia. A confiança nas escolas e nos professores é,
desse modo, uma conseqüência natural de uma sociedade civil que
atua efetivamente. Como Lewis (2005) observou, a honestidade e a
confiança muitas vezes são vistas como os valores fundamentais da
sociedade finlandesa.
Convidar os professores e as instituições educativas para participarem do desenvolvimento social provocou um impacto enormemente
positivo no setor da educação nos anos 1990. A confiança emergente nas escolas, o fortalecimento de sua autonomia e a independência profissional dos docentes têm duas conseqüências importantes
(KUPARI; VÄLIJÄRVI, 2005; AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006).
Primeiro, os educadores perceberam que o sistema acredita que as
escolas e as comunidades constituem o lugar no qual as decisões
acerca do currículo e dos acordos educacionais globais devem ser
feitos. Os professores – com as suas elevadas qualificações profissionais e morais –, em sua grande maioria, deram boas-vindas à essa
nova responsabilidade. Segundo, as escolas abraçaram, muito rapidamente, novos papéis na liderança das mudanças através da cultura
da confiança. A melhoria das escolas não só explodiu na Finlândia,
como conseqüência dessa nova confiança, como também tornou-se
mais diversificada. Cada escola, pelo menos em princípio, poderia
estabelecer a sua própria estratégia de atuação, definindo a missão, a
visão, as metodologias e o período de implementação dos processos
de mudança. Esta última dimensão da confiança desempenhou o
papel mais significativo da impulsão do sistema educacional finlandês à frente dos sistemas de muitos outros países.
O profissionalismo do professor e a confiança da sociedade nas escolas e
no corpo docente protegeram o sistema de ensino secundário finlandês
de muitas políticas de responsibilização por resultados, comuns nos Estados Unidos, Inglaterra e Canadá, por exemplo. Ao contrário, o currículo nacional e as estratégias de avaliação foram estabelecidas segundo
os princípios inteligentes de responsabilização (SECONDARY HEADS
ASSOCIATION, 2003; CROOKS, 2003; FULLAN, 2005). A responsabilização inteligente, no contexto do ensino secundário finlandês, preserva e privilegia a confiança entre professores, estudantes, líderes das
escolas e autoridades da educação nos processos de responsabilização
e, além de envolvê-los nas ações, oferece-lhes um forte senso de responsabilidade e iniciativa profissional. A avaliação de desempenho da
educação vocacional, por exemplo, é baseada em julgamento coletivo
e no retorno das informações fornecidas pelos professores, empregadores e empregados, em conjunto com os estudantes. As formulações
da responsabilidade inteligente finlandesa também requerem avaliações que conduzam a respostas de mérito, com profundidade, e não
à estatísticas audaciosas e relatórios técnicos. Em muitos casos, as escolas e os professores têm acesso às suas avaliações de desempenho,
para que possam identificar as áreas a serem melhoradas. Finalmente,
a responsabilidade inteligente finlandesa, utilizando a formulação de
Croques (2003), reconhece e tenta compensar as limitações severas de
nossa capacidade de capturar a qualidade educacional em indicadores
de desempenho. Esses indicadores são freqüentemente adotados “para
a tranqüilidade da medição e do controle, e não necessariamente por estimarem a qualidade do desempenho de forma precisa” (O’NEILL, 2002,
p. 54). A avaliação baseada na amostra nacional da escola secundária
inferior, em conjunto com a avaliação contínua em sala de aula, realizada pelos professores, fornecem informações imediatas e bem fundadas,
138
139
que promovem o discernimento sobre o desempenho e dão suporte ao
planejamento e à tomada de decisão sobre o quê deve ser melhorado.
De fato, o Exame Nacional de Ensino Secundário, realizado ao final da
educação secundária superior geral, é a única avaliação externa que traz
conseqüências importantes.
A nova legislação da educação (aprovada em 1998) estipula que os municípios são obrigados a realizar auto-avaliações em suas próprias jurisdições.
Nos últimos anos, algumas das áreas do sistema de avaliação da educação
que apresentam necessidades de melhoria correspondem à auto-avaliação, à avaliação dos pares e aos testes de desempenho do sistema. Além
disso, a estrutura do currículo nacional determina que o currículo de cada
escola descreva os critérios de avaliação do desempenho escolar. A avaliação externa do desempenho dos estudantes, do desempenho da escola
e dos indicadores de produtividade, em conjunto com várias formas de
auto-avaliação, correspondem ao que Fullan (2005) denomina de abordagem integrada da responsabilidade inteligente, na qual as avaliações da
aprendizagem e para a aprendizagem são combinadas.
4.7 A Finlândia é um caso especial?
O leitor pode argumentar que a Finlândia é um país especial em muitos aspectos e que, por isso, os dados descritos neste artigo não são
relevantes para nenhum outro sistema de educação. Na realidade,
a Finlândia é um país relativamente pequeno, com uma população
cultural e socialmente homogênea. Ela forma professores altamente
qualificados, que gozam de prestígio e de uma liberdade profissional
substancial. Entre os graduados na educação secundária superior geral, por exemplo, a profissão de docente está no topo da lista das escolha de carreira mais admiradas: segundo uma pesquisa de opinião
realizada em 2004, mais de 26% dos graduados nas escolas de ensino
secundário superior geral classificaram a profissão de docente como a
mais desejável (LIITEN, 2004). Apesar dessas características, há várias
lições que podem ser úteis para o desenvolvimento da qualidade da
educação secundária em qualquer outro sistema educacional.
Para se saber como a Finlândia respondeu ao desafio duplo da educação secundária, é necessário responder à duas perguntas: (1) a educação secundária finlandesa tem melhor qualidade que o ensino secundário em outros países? e (2) há mais jovens ingressando e concluindo
o ensino secundário na Finlândia que em outros países? Posto que
não há medição confiável e comumente aplicada sobre a qualidade do
ensino secundário em especial, precisaremos analisar alguns aspectos do desempenho do sistema educacional que determinam o bom
desempenho e a qualidade global. Incluímos, neste artigo, os índices
de transição do ensino básico para a educação secundária, os índices
de conclusão de vários tipos de ensino secundário superior e os índices de desempenho dos estudantes da educação secundária inferior
– ou seja, aos 15 anos de idade – em leitura e alfabetização matemática e científica. Na Finlândia, aproximadamente 95% dos graduados
no ensino básico, compreendidos na faixa etária típica de graduação,
ingressam imediatamente na educação secundária superior ou na 10ª
série adicional da educação básica. Deve-se observar que mais de 99%
dos estudantes concluem a escola básica. Os índices de conclusão da
educação secundária superior são elevados: 90% para a educação vocacional e 98% para o ensino secundário geral. Isso significa que cerca
de 90% desse grupo etário conclui algum tipo de ensino secundário.
Finalmente, dois ciclos de estudos do Pisa sugerem que o desempenho dos estudantes finlandeses com 15 anos de idade em leitura, Matemática e Ciências alcançam classificações muito elevadas nas comparações internacionais. Se for aceito que esses aspectos indicam a
qualidade do ensino secundário na Finlândia, então as respostas para
as perguntas acima são objetivas: “sim”.
A abordagem finlandesa para o desenvolvimento da educação secundária demonstra que é possível alcançar o bom desempenho no
acesso, na conclusão e na qualidade do ensino, a custos razoáveis,
através da adoção de políticas fundamentadas na eqüidade, na intervenção preventiva e no auxílio ao estudante para que ele seja capaz
de planejar seu futuro e assumir a liderança de sua própria aprendizagem. A Finlândia construiu, sistematicamente, a confiança em seu
140
141
sistema de educação, promovendo o profissionalismo do professor, a
autonomia da escola e a boa liderança – aspectos-chave da mudança
e da melhora da qualidade do sistema educacional. Além disso, segundo a experiência finlandesa, melhorar a qualidade da educação
secundária requer o desenvolvimento de políticas sustentáveis, que
reconheçam a importância da criação de bons conhecimentos, habilidades e atitudes de aprendizagem permanente o mais cedo possível na escola primária, para todos os alunos. O modelo de educação
secundária finlandês também demonstra que a boa preparação dos
jovens para a transição do ensino básico para a escola secundária
superior pode elevar os índices de escolhas de carreira bem-sucedidas e, conseqüentemente, reduzir o insucesso dos alunos na escola
secundária superior. Finalmente, as estratégias de desenvolvimento
da educação devem beneficiar-se das boas práticas já existentes, das
inovações no desenvolvimento de “competências laterais” e, desse
modo, sistematicamente fortalecer e enriquecer os ambientes de
aprendizagem nas escolas de ensino secundário superior.
Apesar da boa qualidade geral da educação secundária, a estrutura
paralela que divide, social e pedagogicamente, o ensino secundário
superior permanece na Finlândia. Além disso, há alguns problemas
recorrentes que demandam atenção. Primeiro, embora os empregadores e os líderes empresariais participem do desenvolvimento do
currículo e da melhoria da qualidade do ensino secundário vocacional, algumas ocupações específicas têm formação inadequada.
Como o número de programas de qualificação profissional foi reduzido e os currículos tornaram-se mais genéricos, os empregadores
ainda recebem jovens trabalhadores, recentemente formados, com
conhecimentos e habilidades pouco especializadas. Em segundo
lugar, apesar dos esforços para aumentar a atratividade do ensino
vocacional para a juventude, a grande diferença de status entre a
educação secundária superior geral e vocacional ainda permanece.
Isso torna-se uma questão de eqüidade, pois muitos estudantes ainda parecem fazer as suas escolhas educacionais baseados no status
das opções disponíveis. O que significa que é o desempenho edu-
cacional que determina a escolha da educação secundária superior,
e não o interesse intrínseco do jovem. Além disso, apenas cerca de
17% dos estudantes que concluem o ensino secundário vocacional
continuam a sua instrução no nível terciário ou superior. Em terceiro, o aumento do número de estudantes que requerem serviços
de educação para necessidades especiais vem gerando preocupações. Quase todo aluno do quarta série da escola de ensino básico
participa desses serviços em algum momento. Isso pode ser parte
da estratégia de fortalecimento da intervenção preventiva, mas,
muito provavelmente, indica problemas sociais e comportamentais
crescentes na sociedade finlandesa, que se refletem nas escolas. As
políticas educacionais vêm insistindo na urgência de estender serviços apropriados de educação para necessidades especiais a todos
os níveis de ensino. Contudo, enquanto as autoridades de educação
locais tiverem de lutar contra o encolhimento dos orçamentos públicos, a educação para necessidades especiais será, muitas vezes,
a área que mais sofrerá. Finalmente, a educação secundária vem se
tornando um desafio particular para os jovens do sexo masculino.
Aproximadamente um em cada cinco rapazes finlandeses não tem
diploma do ensino secundário superior. A redução da diferença do
número de graduados entre gêneros na educação secundária constitui a próxima tarefa para que os formuladores das políticas de educação finlandesas consigam elevar ainda mais os indicadores para o
ensino secundário no futuro.
5. Conclusões
A mensagem principal deste artigo é que a educação secundária tornouse o foco das políticas e reformas da educação não apenas nos países da
OCDE. Para assegurar o emprego e uma melhor qualidade de vida, cerca
de 90% dos jovens ingressam sem atraso etário no ensino secundário
superior. A metade desses estudantes escolhe programas com orientação vocacional ou técnica. Contudo, a maior parte dos alunos graduados
nas escolas de ensino secundário superior são qualificados e têm acesso
à educação terciária ou superior. Existem, no entanto, diferenças signi-
142
143
ficativas na estrutura, conteúdo e organização da educação secundária
superior nos países da OCDE. Na maior parte deles, o ensino secundário
superior ainda é determinado pela tradição histórica, e não pelas demandas das modernas sociedades do conhecimento.
Há quatro conclusões que podem ser formuladas a partir deste artigo:
1)
A educação secundária superior geral e a vocacional vêm se
aproximando uma da outra. Na maior parte dos países da OCDE,
ambos os tipos de escolas secundárias superiores oferecem aos estudantes oportunidades de ingresso na educação terciária. De modo
geral, os programas de educação vocacional tornaram-se mais generalistas e os programas de educação geral passaram a conter mais
elementos vocacionais e técnicos. Muitos países vêm procurando
estabelecer um equilíbrio sustentável entre as percentagens de estudantes que se matriculam em programas secundários superiores
gerais e vocacionais. Contudo, é impossível determinar o equilíbrio
ideal, pois o conteúdo e as estruturas das linhas de educação secundária superior não são unificadas. A mobilidade estudantil, isto é,
a transição horizontal entre esses dois tipos de ensino, permanece
como um desafio político para muitos países.
2) As formas tradicionais de instrução estão abrindo espaço para
os métodos de aprendizagem alternativos. A qualificação profissional obtida apenas através da educação vem se tornando rara nos
países da OCDE. Os programas vocacionais tradicionalmente basea­
dos na formação escolar estão desaparecendo, e as aprendizagens técnicas são cada vez mais desenvolvidas nos postos de trabalho, sob a
supervisão de profissionais experientes. Há, contudo, uma grande variação em relação ao equilíbrio entre a carga horária de aprendizagem
baseada na formação escolar e baseada na formação no emprego nos
países da OCDE. A mistura dos programas de educação vocacional e
geral vem se tornando mais comum devido à oferta de maiores oportunidades de escolha para o planejamento dos estudos pelos próprios
alunos. Com o aumento da flexibilidade, os estudantes têm mais li-
berdade para estabelecer o plano de estudos que mais atende aos seus
interesses. Alguns países da OCDE (Austrália, Canadá e Finlândia)
têm desenvolvido experiências interessantes de ensino à distância
(em sua grande maioria, cursos de formação profissional orientados
para a tecnologia) para aqueles alunos que desejam alcançar a educação secundária sem freqüentar a escola convencional.
3) A qualidade e a relevância da educação secundária superior
permanecem como o principal desafio. Em resumo, em muitos
países da OCDE, os currículos e os programas educacionais das escolas de ensino secundário superior são relíquias do passado, e não
instrumentos que dotariam os jovens de inspiração e oportunidades
de aprendizagem interessantes para a vida e para o trabalho. Atualmente, muitos países da OCDE vêm revisando tanto a estrutura geral quanto os currículos das escolas de ensino secundário superior;
porém, a maior parte das mudanças é demasiado cosmética. Por
conseguinte, como um número maior de jovens ingressa na educação secundária superior com expectativas elevadas, muitos abandonam os estudos, transferem-se para outras instituições de ensino ou
simplesmente não conseguem graduar-se no tempo convencional.
As avaliações internacionais recentes do desempenho dos estudantes indicam que a qualidade do conhecimento e das habilidades que
muitos jovens possuem ao ingressarem na educação secundária superior está aquém das expectativas e não parece ser adequada para
garantir-lhes uma aprendizagem futura bem-sucedida. Desse modo,
uma educação básica de melhor qualidade é a condição mínima necessária para elevar a qualidade do ensino secundário superior.
4) Há muito a se aprender com outros países. Como mencionado
anteriormente, os países da OCDE oferecem uma gama diversificada de alternativas para organizar a educação secundária superior.
Não há nada, ou nenhum país, que a organize da “forma correta”. A
composição do ensino secundário em qualquer país é – pelo menos
até certo ponto – resultado de determinantes culturais, históricos
e sociais e, desse modo, muitas vezes difícil de ser compreendida em
144
145
contextos isolados. Este artigo oferece um exemplo de “estado nórdico
de bem-estar social”, que se diferencia, em muitos aspectos, dos países
latino-americanos e de outros países da OCDE. Assim sendo, as políticas de educação nunca deveriam ser adaptadas ou tomadas por empréstimo de um lugar para o outro, mas sim, apreendidas e melhoradas
através do entendimento do que foi feito e por que foi feito em outros
países. Contudo, a Finlândia pode ensinar uma lição a todos: atingir o
bom desempenho do sistema de educação secundária requer – dentre
outras coisas – tempo e visão sistêmica do papel da educação para a sociedade. O que, por sua vez, demanda liderança sustentável, estratégias
intersetoriais e políticas de educação orientadas para a eqüidade, que
abranjam todos os estudantes e não se limitem a alguns.
Há sinais claros de que, à medida que mais jovens buscam oportunidades para alcançar os conhecimentos e habilidades relevantes para as suas
vidas, a educação secundária torna-se uma parte importante dos sistemas de educação ao redor do mundo. As experiências de muitos países
da OCDE sugerem que repetir as soluções passadas não irá resolver os
problemas atuais da educação secundária. Há também um entendimento entre muitos professores e estudantes que a transformação do ensino
secundário superior em educação obrigatória possivelmente traria mais
problemas do que soluções. Os formuladores das políticas, os militantes
da educação, os estudantes e os pesquisadores precisam reunir-se para
encontrar novas soluções, que ofereçam modos sustentáveis, inteligentes
e econômicos de proporcionar oportunidades de aprendizagem produtiva para todos. Deixar alguns jovens para trás na educação, não oferecendo a eles opções educacionais interessantes e significativas, não é apenas
miopia política; é, principalmente, um erro social com conseqüências
amargas para muitas gerações futuras. Mark Twain uma vez disse que
“não é o quê você desconhece que te traz problemas. O quê você conhece
bem é que assim o faz”. Com isto em mente, à medida que buscamos novas maneiras de educar nossos cidadãos – e não apenas os mais jovens –,
encontramos longos caminhos em direção às melhores soluções.
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150
153
Problemas e
desenvolvimento do
Sistema Alemão
de Formação Profissional
e Técnica:
o relacionamento
conflitante entre as
diferentes opções do
ensino secundário
pós-obrigatório
Thomas Deissinger*
Resumo: O presente artigo esclarece aspectos relevantes da “cultura de
formação profissional” na Alemanha, a partir da análise de seus sistemas
de formação profissional e técnica (VET). São abordadas ainda as diferentes lógicas e funções do sistema VET e os problemas decorrentes dos desequilíbrios entre aprendizagens deficitárias e a formação para o mercado.
1. O Sistema Educacional Alemão e as opções
do ensino secundário
A Alemanha vem enfrentando recentemente alguns desafios com relação
aos seus sistemas de formação profissional e técnica (VET). Na educação
em geral, os estudos Pisa (por exemplo, OECD, 2000) estimularam sérios
* Thomas Deissinger é professor titular da cadeira de Educação para Negócios e Economia da Universidade de Constanza (Alemanha).
debates, não apenas sobre a qualidade do aprendizado e do ensino, mas
também sobre a “seletividade” do chamado Sistema de Três Níveis (Threetier System), composto pelas escolas de ensino secundário inferior, intermediário e superior. Por outro lado, o VET parecia ser capaz de defender-se
das severas críticas ao sistema de aprendizagem denominado como Sistema Dual por parte de políticos e estudiosos de outros países, e até mesmo
das manifestações de respeito e admiração. Tal admiração está presente
especificamente no mundo anglo-saxão (por exemplo, PRAIS, 1981; RAGGATT, 1988; KEATING; MEDRICH; VOLKOFF et al., 2002), onde as tentativas de reviver ou reestruturar o sistema de aprendizagem como trajetória
obrigatória para o emprego qualificado nem sempre foram bem sucedidas
(RYAN, 2001; DEISSINGER, 2003; HARRIS; DEISSINGER, 2003). Pesquisas
comparativas revelaram que os sistemas de ensino vocacional são determinados por uma “filosofia” específica ou “lógica intrínseca”, que lhes confere
o caráter de “caixas-pretas” se comparados “a outras instituições sociais”,
incluindo o mercado de trabalho, a economia, o sistema de relações industriais, o sistema de governo e, naturalmente, seus desenvolvimentos
históricos específicos (RAFFE, 1998, p. 391; DEISSINGER, 1994, 2004a). A
partir dessa premissa, analisar o ensino vocacional sob uma perspectiva
meramente institucional, que se utilize da função estatal como ponto crucial para a tertium comparationis (por exemplo, GREINERT, 1988), reduz
o potencial de compreensão a respeito do que pode ser denominado como
a “cultura de formação profissional” de um determinado país. Certamente, a Alemanha tem sua própria “cultura de aprendizagem” e, conseqüentemente, baseia-se em um modelo de aprendizado específico na área de
formação técnica, modelo este que, apesar de suas origens medievais e terminologia “antiquada”, parece permanecer como um ponto de referência
para as políticas de ensino vocacional nacionais e internacionais. Isso é
especialmente verdadeiro nos países de língua inglesa, tais como Reino
Unido ou Austrália, onde a aprendizagem vem sendo revitalizada ou reformulada nos últimos anos devido à insatisfação não só com a formação das
habilidades escolares básicas, mas também com a tradicional formação
técnica no emprego (CANNING, 2001; RYAN, 2001; DEISSINGER, 2003,
HARRIS; DEISSINGER, 2003, DEISSINGER, 2004b).
154
155
O “caráter histórico” dos Sistemas VET implica na existência de uma
formação cultural para o significado dado à aprendizagem, não apenas
como uma solução institucional para o problema da formação de habilidades, mas também como uma interação, ou mesmo interdependência, entre o sistema de aprendizagem e os sistemas de educação geral
ou de ensino superior, respectivamente. Na Alemanha, observa-se que a
compreensão de uma trajetória de formação profissional independente,
“única” e válida, é um fator que diferencia o país da maioria das outras
sociedades européias (à exceção da Áustria e da Suíça). Entretanto, esse
posicionamento provoca, tradicionalmente, críticas às formas de estruturação do ensino vocacional em relação às diretrizes da educação geral,
estabelecida “de acordo com critérios e sistemas separados de avaliação”, incluindo-se “possibilidades limitadas para a transição entre eles”
(YOUNG, 2003, p. 228). Por outro lado, pode-se argumentar que as trajetórias acadêmicas e vocacionais (não acadêmicas), no caso alemão, estão
enraizadas em subsistemas separados, porém interdependentes, e que
sua interação mútua obviamente contribui para estabilizar uma “diretriz
profissional” mais fortemente que em outros países. O sistema alemão
de aprendizagem representa uma forte crença sobre a importância das
qualificações profissionais e, apesar dos graves problemas presentes no
mercado de formação profissional (DEISSINGER, 2004c; DEISSINGER;
HELLWIG, 2004), não há sinais de que tenha atingido um estágio da degradação.
As práticas tradicionais e a participação de grupos sociais diferentes
sempre representaram as forças do Sistema Dual (PHILLIPS, 1995, p. 61).
Analisando seus princípios de funcionamento e a importância óbvia das
instituições e dos padrões organizacionais definidos por lei, pode-se ainda defini-lo como “o sistema regulador mais abrangente e detalhado para
a aprendizagem técnica no mundo ocidental” (RAGGATT, 1988, p. 175).
Acredita-se ainda que esse sistema de aprendizagem apresenta melhores
resultados que o sistema escolar geral e o ensino superior. Não obstante,
as visões críticas são primordiais no debate científico, enfatizando a “estrutura institucional antiquada” ou “pré-industrial” desse sistema – o que
pode ser igualmente entendido como sua força crucial –, seu caráter emi-
nentemente “técnico” (excluindo as atividades ligadas ao setor de serviços, em um contexto amplo), e seu papel como estabilizador não apenas
da divisão entre os aprendizados acadêmico e vocacional, mas também
entre os Sistemas VET de período integral e de meio período (por exemplo, GREINERT, 2006; BAETHGE, 2007; DEISSINGER, 2006a).
As bases para o Sistema VET, em suas diferentes formas, são a educação
geral (BAUMERT et al., 1979), com duração de nove anos (idades de
seis a 15 anos) – como instrução obrigatória –, e o ensino secundário
avançado nas escolas de educação geral ou de ensino vocacional – como
uma opção subseqüente (com idades de 11, 12 ou 13 anos), dependendo do estado federativo). Os jovens completam a educação obrigatória
quando se graduam no ensino secundário inferior (cinco a nove anos
de estudo) ou nas escolas de ensino secundário intermediário (cinco a
dez anos de estudo). Nos Sistemas VET, precisam permanecer na escola por, pelo menos, mais um ano, pois a Alemanha tem a tradição
do tempo parcial obrigatório, que é normalmente complementado por
uma aprendizagem ou curso de preparação vocacional compatível. Embora seja altamente seletivo, o Sistema de Três Níveis fornece ao Sistema Dual “graduados normais” – que não têm a aspiração, em um primeiro momento, de chegar à universidade –, significando igualmente
que a Alemanha apresenta uma das mais baixas taxas de participação
no ensino superior convencional (ERTL, 2000). Embora pertençam à
educação secundária, os Sistemas VET em geral fazem parte do ensino
pós-obrigatório, contudo, com a adoção do aprendizagem tornam-se
novamente obrigatórios (Berufsschulpflicht, como definido nos atos
federais da escola pública). A faixa etária normal dos estudantes VET
varia entre 15 e 20 anos de idade, dependendo do curso e da formação
escolar precedente.
A distribuição dos estudantes graduados, com relação aos três tipos básicos de educação secundária (geral), em toda a Alemanha, em 2005, é
mostrada na tabela a seguir.
156
157
Tabela 1 – Diferenciação – Estudantes graduados na
educação geral
Número e porcentagem de estudantes 2005
Nenhuma qualificação
78.152
8,2%
Ensino secundário inferior
237.712
24,8%
Ensino secundário intermediário
398.749
41,6%
Educação geral (Abitur)
231.465
24,1%
Qualificação politécnica básica
12.407
1,3%
Fonte: Statistical Office of Germany.
É evidente que os jovens optam por suas futuras carreiras educacionais
e vocacionais ao ingressarem em uma das três principais correntes do
ensino secundário. É igualmente realidade na Alemanha que crianças
socioeconomicamente desfavorecidas encontram maiores dificuldades
nesse processo se comparadas, por exemplo, às crianças na trajetória da
educação superior, as quais se tornam dependentes de qualificação para
ingresso na universidade (Abitur) ou de qualificação politécnica básica
(Fachhochschulreife). Enquanto a qualificação politécnica básica é obtida, na maioria das vezes, na educação vocacional, o Abitur representa,
como no passado, o estágio mais elevado de formação na educação geral,
visto que atualmente também as classes média e trabalhadora matriculam seus filhos nas escolas de ensino secundário superior (Gymnasium).
O ensino secundário superior é iniciado no quarto ou sexto ano do ensino primário (dependendo do estado federativo) e possui, normalmente,
a duração de seis anos (quatro, mais dois ou três anos – estágios inferior
e superior do nível II do ensino secundário), com estudantes na faixa
etária entre dez e 18/19 anos. Os exames Abitur consistem em avaliações
escritas e orais. As disciplinas abordadas por essas avaliações variam de
acordo com a especialização escolhida pelo estudante durante os últimos
dois ou três anos do Gymnasium (Oberstufe). Contudo, a escolha dos
estudantes pode ser limitada mais à frente, dependendo da lei específica
para a educação superior vigente nos diferentes estados federativos, que
possuem uma independência considerável no projeto de seus sistemas
educacionais, recorrendo, desse modo, a um importante princípio constitucional da República Federal da Alemanha (Kulturhoheit). Atualmente, a maioria dos estados federativos centraliza os exames para todas as
escolas envolvidas.
Os estudantes podem escolher as disciplinas a serem abordadas pelos
exames Abitur após o 11o ano de curso. Eles devem escolher três disciplinas obrigatórias (Kernkompetenzfächer), uma disciplina optativa (Profilfach) e uma disciplina eletiva (Neigungsfach), que compreendam uma
carga horária de quatro horas semanais por disciplina. Além dessas, os
estudantes devem escolher outras disciplinas com cargas isoladas de
duas horas semanais. Em geral, a carga horária do sistema educacional
alemão varia entre 30 e 34 horas semanais. A pontuação obtida nestes
exames é somada à pontuação geral dos últimos dois ou três anos de curso. A aprovação nos exames Abitur é importante não só para a admissão na universidade alemã, mas também para a admissão qualificada em
algumas áreas de estudo, em especial medicina e psicologia, nas quais
há um padrão de pontuação mínimo a ser alcançado (Numerus Clausus). A nota final do exame Abitur deve situar-se entre 280 e 840 pontos,
contudo ambos os extremos são raramente alcançados. Estudantes com
pontuação inferior a 280 não são aprovados e não recebem o diploma
de graduação. Se o estudante alcançar os créditos mínimos necessários
para a sua classificação, poderá optar por não cursar todas as disciplinas
oferecidas. Atualmente, 768 pontos são equivalentes a 1,0 (a pontuação
tradicional para o melhor resultado Abitur).
No estado federativo de Baden-Württemberg, as seguintes disciplinas totalizam o currículo do Gymnasium na educação geral:
158
159
Tabela 2 – Disciplinas obrigatórias e optativas
Áreas de conhecimento
Línguas, Literatura e
Artes
Disciplinas obrigatórias
Alemão, Inglês, Francês,
Latim, Grego, Russo, Espanhol, Italiano, Português
Música, Artes
Disciplinas optativas
Línguas estrangeiras iniciadas
antes do 11o ano:
Francês, Latim, Grego, Russo,
Hebreu, Italiano, Espanhol,
Português, Chinês, Japonês,
Turco
Literatura
Ciências Sociais
Matemática e Ciências
Outros
História, Geografia, Estudos
Sociais, Religião/Ética
Filosofia, Psicologia
Estudos sobre Negócios/
Economia
Matemática, Física, Química,
Biologia
Esportes
Astronomia, Geometria,
Ciência da Computação,
Geologia, Tecnologia
Os dois quadros que se seguem mostram as estruturas básicas da educação geral, vocacional e superior no contexto alemão, bem como os
elevados números que envolvem o ensino secundário VET, tornando-o
amplamente diferenciado.
Tabela 3 – Diversificação dentro da educação geral
Classe de orientação
2000/2001
5ª série (11 anos de idade)
16,3
2004/2005
9ª série (15 anos de idade)
x
Secundário inferior
21,3
25,6
Secundário intermediário
18,1
26,6
Educação geral
29,1
30,3
Compreensivo
14,5
16,8
% de alunos
Fonte: Bildungsbericht 2006.
Tabela 4 – Diferenciação no sistema de educação
(Nº alunos/estudantes)
2004
Total de participantes
17.010.828
População total
81.500.849
Ensino elementar
2.493.200
Ensinos primário e secundário
9.624.854
Ensino vocacional e técnico
2.900.857
Ensino superior
1.991.917
Fonte: Bildungsbericht (2006).
2. A cultura de formação profissional
na Alemanha
Tradicionalmente, a Alemanha é um dos países em que uma elevada percentagem da população economicamente ativa possui competências de
nível escolar intermediário (MARSDEN; RYAN, 1995; STEEDMAN, 1998,
p. 81). A razão para tal fato é que a formação profissional é predominantemente realizada no Sistema Dual (ZABECK, 1985; GREINERT, 1994), o
qual representa a principal trajetória não acadêmica para os alemães graduados no ensino secundário, por permitir-lhes acesso formal ao mercado de trabalho como trabalhadores qualificados, artesãos ou auxiliares de
escritório (BYNNER; ROBERTS, 1991). Esse sistema atrai entre 50% e 60%
dos jovens entre 16 e 19 anos de idade e contribui para limitar o número
de trabalhadores não qualificados a uma proporção constantemente baixa
no mercado de trabalho (BÜCHTEMANN; SCHUPP; SOLOFF, 1993,
p. 510 et seq.; GREINERT, 1994, p. 116). Contrariamente ao Reino Unido
ou à França, onde a aprendizagem alternada com o trabalho constitui um
pequeno setor do sistema de formação profissional (GOSPEL, 1995), o Sistema Dual está presente em quase todos os ramos da economia alemã,
incluindo as ocupações ligadas ao funcionalismo público.
160
161
O sistema de aprendizagem alemão atende de maneira eficaz às necessidades dos
estudantes graduados no ensino secundário que buscam obter a formação profissional básica para uma série de ofícios ou “ocupações técnicas reconhecidas” (DEISSINGER, 2001a). Desse modo, seu aspecto mais importante encontra-se no dualismo entre os “locais de aprendizagem” e as responsabilidades legais, embora seus
princípios de atuação façam referência a, pelo menos, mais três características:
• O Sistema Dual é uma trajetória reconhecida e socialmente aceita
para o emprego, uma vez que segue um padrão tradicional profundamente consagrado no antigo modelo de aprendizagem (DEISSINGER, 1994, 2004a). Isso significa que o ensino vocacional é predominantemente dirigido e prático. Significa também que o sistema
funciona a partir de requisitos de habilidade definidos “em torno dos
postos de trabalho” (DEISSINGER, 1998).
• O Sistema Dual é determinado pela participação do Estado no que
tange à natureza e à qualidade das normas profissionais, bem como
no que se refere às condições jurídicas subjacentes à aprendizagem
técnica (RAGGATT, 1988; DEISSINGER, 1996). A “cultura de formação profissional” alemã norteia-se pelo princípio de que a aprendizagem deve basear-se em uma compreensão pedagógica subjacente, que a separa do “trabalho convencional”.
• No Sistema Dual, outros grupos sociais, além do Estado, assumem
responsabilidades na regulamentação formal das aprendizagens.
Isso significa não só que instituições públicas, privadas e semiprivadas trabalham em conjunto, utilizando-se de formas de cooperação longamente estabelecidas dentro do sistema, mas que entidades
patronais e sindicatos também assumem as responsabilidades relacionadas à regulamentação, revisão ou modernização da formação
profissional (DEISSINGER, 2001a).
O aspecto “vocacional” ou “ocupacional” específico da formação profissional remonta à reparação jurídica do sistema mestre-aprendiz e ao desenvolvimento do “caráter vocacional” das novas escolas de ensino técnico em torno de 1900 (DEISSINGER, 1994, GREINERT, 1994, p. 22 et seq.).
A reinvenção histórica do “princípio da auto-administração” torna-se o
ponto de partida para seus processos de consolidação e universalização e,
no início do século XX, incorporam-se as formações industrial e comercial, criando-se assim um princípio institucional geral para a divisão do
trabalho e para a atribuição de competências (HARNEY, 1987, p. 180).
Neste contexto, o significado e a compreensão alemãs do princípio vocacional desenvolvido pelo Sistema Dual referem-se à uma qualidade didática
específica e aos arranjos institucionais que definem os “requisitos de acesso” ao trabalho qualificado (KUTSCHA, 1992, p. 537) através de um sistema
de ocupações que une as esferas da formação profissional e do trabalho
(DEISSINGER, 1998):
• O conceito de “ocupação” se refere a “combinações relativamente complexas de realizações especiais” com qualificações formais correspondentes, típicas de um determinado ofício ou setor. Cada ocupação
deve ser integralmente estruturada e relativamente independente do
emprego. Tanto o setor quanto o valor individual da qualificação obtida ao final do processo de formação são devidos a “qualidades especiais”, relacionadas a outras ocupações e às qualificações do ensino
superior (BECK; BRATER; DAHEIM, 1980, p. 20 et seq.);
• Quando falamos de “ocupações técnicas”, entendemos que esses padrões de qualificação correspondem simultaneamente ao ponto de
partida e ao objetivo do processo de formação, sendo baseados no
que pode ser chamado de “imagem organizacional” (BRATER, 1981,
p. 32), que, por sua vez, é padronizada por leis estaduais significativamente desvinculadas da especificidade dos postos de trabalho.
A quantidade e qualidade dos conhecimentos e informações resultantes do processo de formação técnica são supervisionados e validados através de exames intermediários e finais, bem como através
de certificados reconhecidos pelo mercado de trabalho. Portanto,
a aprendizagem está intimamente associada à noção de cursos de
formação profissional homogêneos, baseados em regulamentações
normalizadas do ensino vocacional (DEISSINGER, 2001a).
162
163
Os conteúdos curriculares obrigatórios das regulamentações do ensino
vocacional são especificados pela Lei de Formação Profissional (VTA),
de 1969/2005 (apud DEISSINGER, 1996). A VTA é o estágio final de um
debate público sobre o grau em que o Sistema Dual, como um todo, deveria ser submetido à influência do Estado no pós-guerra. Como compromisso, a Lei não instalou um novo sistema de ensino vocacional que
incluísse a escola de ensino técnico, mas, principalmente, “consolidou a
prática anterior a ela” (RAGGATT, 1988, p. 175). A Lei de Formação Profissional é, essencialmente, uma lei trabalhista específica, posto que seu
objeto central é o contrato multilateral entre o aprendiz e a empresa de
formação. A Lei foi revisada em 2005 (GERMANY, 2005).
De acordo com o Artigo 5 da VTA, o Sistema Dual deve conter (1) o título
da formação técnica, (2) a duração do período de formação, (3) as qualificações que deverão ser oferecidas pela empresa durante o período de
formação, (4) a especificação do programa “a ser seguido e que possibilitará o alcance das habilidades e conhecimentos relevantes” e, finalmente,
(5) os padrões de avaliação. O “princípio da exclusividade” (Artigo 4, VTA
apud DEISSINGER, 1996) estabelece que as regulamentações do ensino
vocacional representam a única alternativa para conduzir os jovens ao
emprego qualificado. Na verdade, esse é o princípio que define, particularmente, o “caráter de processo” do sistema alemão de aprendizagem e
sua forte ênfase aos aspectos de “informação” ou “conteúdo” (HELLWIG,
2006a, 2006b). A maioria dos programas vocacionais (atualmente 350)
é chamada de “mono-profissionalizante”, pois não permite nenhum tipo
de especialização, sem mencionar a diferenciação no período ou conteú­
do de formação. Admite-se que uma ampla base para as qualificações
profissionais elementares deve envolver um máximo de flexibilidade e
mobilidade entre os diferentes postos de trabalho e empresas. Esse conceito também se torna evidente nos programas lançados nos setores metalúrgico e elétrico no final de 1980: caso a especialização seja comum à
uma gama de ocupações inter-relacionadas, ela normalmente só se torna
possível após um período inicial de um ano de formação técnica (STRATMANN; SCHLÖSSER, 1990, p. 266-269). No entanto, a política atual de
modernização vai além e tenta integrar dinamicamente as evoluções do
mundo do trabalho – em particular, as competências da TI – ao sistema
atual de ensino vocacional (MÜLLER; HÄUSSLER; SONNEK, 1997). Em
2006, assistiu-se ao surgimento de quatro novas ocupações técnicas e 18
das existentes sofreram revisões de procedimentos.
Como mencionado anteriormente, uma das características mais importantes do sistema alemão de aprendizagem é, certamente, seu caráter
dual. Em outros países europeus, como o Reino Unido, a formação no
emprego é complementada pelo treinamento, em caráter opcional e rea­
lizado fora dos locais de trabalho – mesmo nos Programas Modernos de
Aprendizagem (RYAN, 2001) –; na Alemanha, ela é obrigatória. Embora
haja um debate em curso no Reino Unido sobre o “caráter de processo”
do ensino vocacional – incluindo a possibilidade de “participação expansiva” das empresas relacionadas à formação (SENKER et al., 2000;
FULLER; UNWIN, 2003) –, na Alemanha, as Leis Estaduais de Educação
oferecem um elemento jurídico essencial para o Sistema Dual ao exigir
que os estudantes graduados permaneçam no âmbito do sistema educacional. Em consonância com as regulamentações da Lei Federal, os Ministérios Estaduais de Educação desenvolvem os conteúdos curriculares
das disciplinas da educação geral e dos programas vocacionais oferecidos
pelas escolas de ensino técnico de meio período para cada ocupação técnica (GREINERT, 1994).
Além de seus princípios didáticos e aspectos legais e institucionais, o sistema alemão depende de um mercado de formação profissional dinâmico. Esse sistema “tem caráter de fornecedor de mercado” (GREINERT,
1994, p. 80). Uma vez assinado o contrato de ensino vocacional, a principal responsabilidade financeira das empresas no processo inclui, além de
seus subsídios, todos os custos diretos e indiretos da equipe de formação,
equipamentos, administração do programa e contribuições à Previdência Social. O fato do “sistema ser financiado principalmente pelos empregadores” (NATIONAL CENTRE FOR VOCATIONAL EDUCATION
RESEARCH, 2001, p. 38) reflete o princípio de autogestão reafirmado por
lei no fim do século XIX. Portanto, as empresas proporcionam oportunidades de formação profissional de forma voluntária. A formação técnica
164
165
no setor de ofícios tem uma tradição particularmente forte (DEISSINGER, 2001b): em 2005, aproximadamente 477 mil (de um total de 1,6 milhões) de jovens participaram de alguma aprendizagem no Sistema Dual.
No que diz respeito às contribuições financeiras, as empresas deduzem
os custos dos programas vocacionais de seus impostos: em 2000, foram
investidos aproximadamente € 28 bilhões no Sistema Dual. As despesas
médias de formação técnica por aprendiz estão atualmente avaliadas em
€ 16.435 por ano (BEICHT; WALDEN, 2002).
Nesse contexto, o sistema alemão de aprendizagem não deve ser analisado como um sistema de emprego, mas sim, de ensino vocacional. Os salários dos aprendizes refletem essa ênfase: os salários normalmente pagos
aos aprendizes alemães são muito inferiores às remunerações de adultos
e aprendizes na Austrália ou no Reino Unido (PAYNE, 1999, p. 480; NATIONAL CENTRE FOR VOCATIONAL EDUCATION RESEARCH, 2001,
p. 39). Como resultado, altas expectativas são depositadas no Sistema
Dual e atritos no mercado de formação profissional dificilmente poderão
ser resolvidos sem a intervenção do Estado (DEISSINGER, 2004c; DEISSINGER; SMITH; PICKERSGILL, 2006). Dentre essas intervenções, são
primordiais a promoção de opções de formação profissional no exterior e
de incentivos aos empregadores (BERGER; WALDEN, 2002).
Não há dúvidas de que o mercado de formação profissional corresponde
a uma das variáveis externas que conduzem a sérios questionamentos
sobre o sistema alemão de aprendizagem e seu futuro. A figura a seguir
mostra este problema de forma clara (demanda, indicando o número de
estudantes graduados que buscam por alguma aprendizagem e oferta,
indicando o número de postos de trabalho oferecidos voluntariamente
pelas empresas).
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Fonte: Bbb.
Figura 1
– Evolução de demanda e oferta de formação
profissional
3. Diferentes lógicas e funções do sistema VET
3.1 A diversidade funcional do Sistema VET de
tempo integral
Cerca de 60% dos estudantes matriculados no Sistema VET alemão
freqüentam cursos de meio período no Berufsschule (Sistema Dual),
enquanto os 40% restantes estão matriculados no sistema de perío­
do integral, que inclui não só a preparação vocacional, mas também programas que conduzem à qualificação profissional. Sempre
que se discute os Sistemas VET na Alemanha, há um entendimento
que a formação técnica baseada na empresa e a baseada no sistema
escolar representam diferentes lógicas pedagógicas, fundamentadas em dissonantes paradigmas de aprendizagem. O Sistema VET
166
167
está fortemente associado a uma forma relativamente inequívoca de
ethos pedagógico e, portanto, não deve ser meramente relacionado à
socialização ou aos princípios de formação profissional utilitaristas
de uma determinada empresa, que certamente não existiria fora do
ambiente econômico, no qual normalmente prevalece um forte viés
de fins não-educativos. Tal diferença de princípios é reforçada no
Sistema Dual alemão pelo fato de que as escolas de ensino técnico de
tempo parcial utilizam conteúdos que atendem simultaneamente ao
currículo central da formação profissional e da educação geral, em
disciplinas como língua alemã ou política, por exemplo. Enquanto o
ensino vocacional representa o conceito de educação pós-obrigatória, para o graduado normal do Sistema VET em geral, os progra-
mas de tempo parcial estão cada vez mais associados à possibilidade de qualificação para o ingresso no ensino superior. Contudo, o
sistema alemão estabelece fronteiras bem definidas entre o sistema
de aprendizagem e as escolas de ensino técnico de tempo integral
– apesar dos diferentes tipos de escolas serem normalmente constituídos por grupos de instituições de setores de atividade específicos,
muitas vezes chamados de Centros de Formação Profissional (Berufsbildungszentren).
Devido à sua função educacional, o Sistema Dual se sobressai claramente em número de estudantes matriculados e graduados quando comparado às escolas de ensino técnico de período integral. Em
2004, dentre aproximadamente 2,7 milhões de estudantes matriculados no Sistema VET não-acadêmico, cerca de 1,8 milhões – 66%
do total – obtiveram alguma aprendizagem no Sistema Dual. Um
total de 541.830 jovens freqüentaram as escolas comuns de ensino
técnico de tempo integral (Berufsfachschule) – com a opção de formação profissional básica em determinadas áreas de atuação profissional, como a enfermagem ou a fisioterapia (embora dependendo
do tipo de escola e do estado federativo, respectivamente). Muito
curiosamente, no entanto, o número de alunos que cursaram três
dos principais subtipos do Sistema VET de período integral (ano
básico de formação profissional; cursos de preparação vocacional;
escolas comuns de ensino técnico de período integral) aumentou de
400.117 para 670.468, entre 1995 e 2004, representando um crescimento de 68% (GERMANY, 2006, p. 178, 180). Pode-se argumentar
que há uma interação empírica entre esse crescimento e a situação
atual do mercado de formação profissional (WALDEN, 2006). As
empresas sentem-se inseguras quanto à futura demanda por trabalhadores qualificados e queixam-se da falta de maturidade técnica
dos estudantes graduados que buscam trajetórias alternativas, fenômeno que é agravado pelos desequilíbrios regionais de mercado,
além da difícil situação enfrentada pela Alemanha Oriental. Tanto
o número de estudantes que ingressam no ensino superior quanto
o afluxo nas escolas de ensino técnico de tempo parcial cresceram
nos últimos anos, apresentando tendências de crescimento também
para os próximos (GERMANY, 2006, p. 86, 93, 182).
Além da “função de intermediação” ou “função de absorção” atribuída pelas restrições do mercado de formação profissional às escolas de
ensino técnico (REINBERG; HUMMEL, 2001, p. 28; WALDEN, 2006),
o relacionamento entre o Sistema Dual e os diferentes subtipos do Sistema VET regulamentados no âmbito dos estados federativos parece
ser demasiado ambivalente. Isso significa que as escolas de ensino técnico apresentam, basicamente, três funções, que podem até mesmo
ser interligadas, dependendo do curso e da instituição que o oferece
(FELLER, 2000; KELL, 1996; DEISSINGER; RUF, 2006):
• Preparação vocacional (um a dois anos, em sua maioria), o que
significa oferecer aos jovens a possibilidade de aumentar as
suas participações no mercado de formação profissional através de uma aprendizagem.
• Educação continuada (dois a três anos, em sua maioria), o que
significa proporcionar aos jovens um nível mais alto de formação escolar (inclusive a qualificação para o ensino superior ou
Abitur).
• Formação profissional (dois a três anos, em sua maioria), o que
significa proporcionar aos jovens uma qualificação profissional
relevante para o mercado de trabalho, fora do Sistema Dual.
168
169
Acima de tudo, no que tange à função de formação profissional, os subsistemas de ensino VET tornaram-se consideravelmente complexos, posto que as
escolas de ensino técnico de período integral podem oferecer cursos que proporcionam aos estudantes qualificações técnicas previstas, ou não, no âmbito de aplicação da Lei de Formação Profissional. Além disso, algumas escolas
oferecem formações técnicas básicas fundamentadas em regulamentações federais específicas, como na área de atuação das ocupações ligadas à saúde, por
exemplo. As escolas comuns de ensino técnico de tempo integral, em especial,
acolhem uma gama de diferentes estudantes e aspirações. Entre seus principais subtipos encontram-se tanto as escolas que oferecem uma qualificação
profissional plena, quanto as instituições que se concentram, parcialmente,
em ocupações técnicas relevantes ao mercado de trabalho, conduzindo à formação escolar (diploma de graduação no ensino secundário intermediário)
ou apenas à preparação vocacional (FELLER, 2000). Em um contexto em que
o Sistema Dual é claramente dominante, um dos maiores problemas torna-se,
certamente, a falta de aceitação da maior parte das qualificações profissionais
obtidas em cursos de tempo integral baseados no sistema escolar por parte do
mercado de trabalho (EULER, 2000; DEISSINGER; RUF, 2006).
Nesse contexto, o quadro geral no qual se situam os problemas enfrentados pelo sistema de ensino vocacional de tempo integral, e que gera o
arcabouço para as investigações nesse campo até então negligenciado,
consiste em três vertentes principais:
• Sabendo-se que a Constituição alemã delega a responsabilidade pela educação aos estados federativos, há duas formas de
separação de competências: na primeira, a aprendizagem está
subordinada às regulamentações federais e as escolas de ensino técnico de tempo parcial aos sistemas escolares dos estados
federativos; na segunda, há diferentes pontos de vista entre os
dezesseis estados federativos sobre as formas de organização
do sistema escolar de ensino vocacional, afetando, sobretudo,
os cursos de período integral (KELL; SEUBERT, 1990).
• Ao contrário do Sistema Dual, o Sistema VET de período integral inclui diferentes tipos de qualificação profissional – como
a qualificação para ocupações técnicas, por exemplo –, enquan-
to outros cursos oferecem qualificações que, como nas “ocupações ligadas à atividade escolar” (Schulberufe), encontram-se
fora do âmbito de aplicação da Lei de Formação Profissional.
• Devido à essa heterogeneidade, não é possível estabelecer níveis de correspondência sobre a importância do mercado de
trabalho quando comparados o sistema escolar de ensino vocacional e o sistema de aprendizagem que dispensa qualificações
relevantes ao mercado. Os trabalhos de investigação que vem
sendo realizados nesta área desvendam informações deficitárias em relação à motivação e os objetivos dos estudantes, o
destino dos graduados e, especialmente, o valor social e econômico das “qualificações escolares” (FELLER, 2002).
Tradicionalmente, além de um entendimento diferente da função e do
valor da educação vocacional nas escolas, sempre houve divergências
políticas entre os vários estados federativos (KELL; SEUBERT, 1990),
que – quando se trata de políticas educacionais – podem ser subdivididos em “estados A” (governados pelo Partido Social Democrata) e “estados B” (governados pelo Partido Conservador). Considera-se que os
“estados B” priorizam a importância e o valor do Sistema Dual e da responsabilidade da empresa no ensino vocacional. Conseqüentemente,
vêem as escolas de ensino técnico de período integral e os cursos de preparação vocacional, principalmente, como instituições preparatórias
ou reparatórias. Os “estados A”, por sua vez, acreditam que as escola baseadas no Sistema VET constituem uma alternativa em pé de igualdade
à educação geral e ao sistema de aprendizagem devido à sua qualidade
pedagógica. Portanto, a implementação de cursos de período integral,
que ofereçam qualificação profissional e conceitos integradores que
vinculem a educação geral à educação vocacional fora do Sistema Dual,
tem sido reforçada nestes estados de forma mais intensa (BLANKERTZ,
1972). Por outro lado, os “estados B””, como Baden-Württemberg, têm
iniciado e apoiado o desenvolvimento de alternativas para os cursos
universitários e politécnicos, associando os estudos acadêmicos ao que
pode ser chamado de “aprendizagem premium”. O status jurídico da
170
171
academia de ensino vocacional (Berufsakademie), instituído em 1982,
é definido como uma “instituição independente, de cooperação entre o
Estado e as empresas de formação, que opera fora do âmbito de aplicação dos estatutos da escola e da universidade” (ERHARDT, 1993). Usando a palavra Beruf (ocupação ou profissão) para designar o conceito de
academia de ensino vocacional, tal nomenclatura subestima, de forma
clara, a inclinação das políticas conservadoras VET a continuar a apoiar
a idéia culturalmente adquirida de formação profissional através da
empresa (DEISSINGER, 2000).
Observa-se, nos últimos anos, que a evolução do número de alunos
matriculados na educação geral e na educação vocacional desenvolveu-se em sentidos opostos – as escolas de ensino técnico atualmente
representam o “setor em crescimento”. O gráfico a seguir demonstra
esse processo de forma clara (allgemeinbildende Schulen = educação
geral; berufliche Schulen = educação vocacional – incluindo o sistema de aprendizagem):
1992=100%
escola de educação vocacional
escola de educação geral
%
115
2.781.440
110
105
9.344.364
100
9.355.766
2.473.329
95
92
93
* Números parciais
94
95
96 97
98
99 00
01
02
03
04 05 06*
Fonte: Statistiches Bundesamt Deutschland 2007
Figura 2 – Crescimento do número de estudantes em
escolas de educação geral e vocacional
Em 2005/2006, cerca de 395 mil estudantes freqüentaram escolas
de ensino técnico médio no estado federativo de Baden-Württemberg. Dentre eles, 43% foram matriculados como estudantes de período integral – a percentagem para a Alemanha, como um todo, é
inferior e situa-se em 35%. Isso reforça a importância do que é freqüentemente chamado de “segunda trajetória da educação” (zweiter
Bildungsweg), o que significa que são oferecidos cursos aos jovens
através dos quais eles serão capazes de melhorar as suas qualificações escolares. Um estudo intitulado Tosca, realizado em 2001/2002
pelo Max Planck Institute of Educational Research, estima em 9,8%
a proporção de estudantes titulados Abitur que se graduaram na
“escola superior de ensino técnico” ou Gymnasium profissional (berufliches Gymnasium) no estado de Baden-Württemberg (KÖLLER
et al., 2004, p. 19). O estudo argumenta que o desempenho escolar
desses estudantes em disciplinas básicas, como a matemática, por
exemplo, precisa ser analisado em nível de igualdade com os resultados dos graduados “normais” da escola de educação geral, e que as
escolas superiores de ensino técnico tendem a analisar superficialmente os melhores estudantes graduados até mesmo nas escolas de
ensino secundário intermediário. Embora Baden-Württemberg pertença àqueles estados federativos alemães que priorizam fortemente
o sistema de ensino secundário tradicional, denominado de Sistema
de Três Níveis (ERTL, 2000), seus graduados têm a possibilidade de
melhorar as suas qualificações no âmbito do Sistema VET de período
integral. Em suma, a abordagem de Baden-Württemberg parece ser
a de um sistema que prevê, comparativamente, um elevado grau de
inclusão social no que diz respeito aos estudantes oriundos de contextos familiares menos privilegiados. Essa abordagem representa
também uma maior permeabilidade entre as fronteiras educacionais
e, por conseguinte, amplia as trajetórias não tradicionais de ingresso
no ensino superior (KÖLLER et al., 2004). A tabela a seguir ilustra
estas trajetórias, mencionando as alternativas para os estudantes
graduados no ensino secundário intermediário, incluindo o colégio
de ensino técnico (Berufskolleg):
172

173




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Figura 3 –
Trajetórias dos estudantes graduados no ensino
secundário intermediário
4. Colégios de ensino profissional no estado
federativo de Baden-Württemberg
Como muitos dos estudantes que freqüentam o Gymnasium profissional são oriundos de escolas júnior de ensino técnico de tempo integral,
tais como a escola comum de ensino vocacional de tempo integral (Berufsfachschule), estas escolas têm a função, relativamente exclusiva, de
conceder “títulos de graduação” (Berechtigungen) para a progressão na
educação continuada ou superior. Isso significa, a princípio, que elas não
oferecem qualificações profissionais relevantes ao mercado de trabalho.
O Berufskolleg (colégio de ensino técnico) do estado federativo de BadenWürttemberg foi escolhido neste artigo para ilustrar a ambivalência da
educação vocacional de período integral na Alemanha. Esse colégio é um
dos principais subtipos da escola de ensino técnico de período integral,
com atualmente cerca de 55 mil estudantes matriculados (STATISTIS-
CHES LANDESAMT BADEN-WÜRTTEMBERG, 2006, p. 1). Enquanto a
academia de ensino vocacional (como uma instituição de ensino superior) exige um certificado de qualificação básica para o acesso à universidade, o colégio de ensino técnico (BK) é uma escola de ensino secundário
que pode ser freqüentada por estudantes com qualificações escolares de
nível médio (na maioria dos casos, graduados na Realschule).
Os cursos oferecidos pelo BK apresentam as seguintes opções – embora
sua principal função seja a de acrescentar uma qualificação politécnica
básica à formação profissional dos estudantes (exceto o BK I e o BK Misto), é provável que a crescente tendência dos graduados alemães buscarem a educação superior faça surgir no futuro um conceito de modelo
regular:
• BK I – um ano (preparação para o Sistema Dual)
• BK I / II – dois anos com opções…
– qualificação como assistente (tipo convencional)
– qualificação como assistente + qualificação politécnica básica
• BK Línguas (BK-F) – dois anos
• BK Gestão da Informação sobre Negócios – dois anos
• BK com estágio em empresa – dois anos
• BK-FH (acesso à formação técnica de meio período fora do emprego,
proporcionando apenas a qualificação politécnica básica)
• BK Misto (escola especial de meio período para aprendizes com diploma de graduação no Gymnasium profissional) – dois anos (tipo
especial de curso oferecido pelo BK, não analisado nesta pesquisa)
No caso de Baden-Württemberg, a distribuição dos estudantes em 92 colégios públicos de ensino técnico é mostrada a seguir (STATISTISCHES
LANDESAMT BADEN-WÜRTTEMBERG, 2006, p. 1, 3):
174
175
Tabela 5 – Distribuição de estudantes do ensino técnico
Subtipo
Número de estudantes em 2005/2006
BK I
7.389
BK II
3.149
BK Línguas
2.081
BK Gestão da Informação sobre Negócios
1.154
BK-FH
5.572
Todos esses subtipos, exceto o BK-FH, designam as duas principais funções do Sistema VET nas escolas (educação continuada e formação profissional), além de distinguí-lo do sistema de aprendizagem, posto que,
até o momento, o Sistema Dual não estabeleceu ligações com o mundo acadêmico através da oferta de, por exemplo, “qualificações duplas”
(como as proporcionadas pela Suíça – também conhecida como o “país
da aprendizagem” – ver GONON, 2001). De fato, a política de ensino VET
atribui esta função às escolas de ensino técnico de período integral quase
que exclusivamente, o que significa que, uma vez nessas escolas, os jovens podem atualizar seus níveis educacionais e/ou estudar para obter
um certificado profissional relevante para o mercado de trabalho.
5. Problemas e perspectivas na Alemanha
O fato de os desequilíbrios entre as aprendizagens deficitárias e a formação de mercado tenderem a persistir continua a pressionar as escolas baseadas no Sistema VET de maneira específica. Os formuladores
das políticas educacionais não se cansam de afirmar que o sistema de
aprendizagem precisa ser reforçado, ao mesmo tempo que insistem que
a progressão para a educação superior deve ser estimulada. A “multifuncionalidade” das escolas de ensino vocacional em geral deve ser vista sob
uma nova perspectiva. Como, no momento, sua função parece estar mais
fortemente relacionada ao ingresso na educação continuada ou superior
do que ao propósito de oferecer qualificação para o mercado de trabalho
e as escolas precisam atender à uma clientela cada vez mais heterogênea,
no futuro, os professores provavelmente se verão frente a diferentes tipos
de alunos, com variadas aspirações. Atualmente, o Ministério da Educação de Baden-Württemberg parece ter a intenção de encontrar formas
para aumentar a relevância do mercado de trabalho na formação escolar,
o que no futuro poderá se tornar a base para o Sistema Dual, se não um
verdadeiro substituto para a tradição culturalmente enraizada e estritamente codificada do sistema de aprendizagem. (HARRIS; DEISSINGER,
2003; DEISSINGER; SMITH; PICKERSGILL, 2006). Nesse sentido, uma
opção será a cooperação mais estreita com os sindicatos, com o objetivo
de vincular, com mais êxito, os dois subsistemas separados. A nova Lei de
Formação Profissional, sem dúvida, fornece o enquadramento para essa
política no âmbito dos estados federativos.
Em 2004, o governo federal começou a alterar a Lei de Formação Profissional (EULER; PÄTZOLD, 2004). As revisões foram finalmente aprovadas pelo Bundestag em janeiro de 2005 e entraram em vigência em abril
do mesmo ano, referindo-se às seguintes intenções:
• a inclusão dos programas de preparação vocacional no âmbito da
regulamentação da Lei e, com ela, a implementação de um sistema
adequado de módulos de qualificação;
• a transferência de créditos obtidos em escolas baseadas no Sistema VET
através de acordos entre os estados federativos e o governo federal;
• uma internacionalização mais intensa dos Sistemas VET, fornecendo aos estudantes oportunidades de realizarem parte de sua formação profissional no exterior; e
• uma modernização dos exames, incluindo o exame final “estendido”
na lista de tipos de exames finais reconhecidos.
De acordo com os parâmetros para a reforma da Lei de Formação Profissional, a introdução de normas de competência nacional, da forma como
foram recentemente implementadas na educação geral, parece tornar-se
176
177
inevitável (GERMANY, 2004, p. 4). Contudo, até o momento, a modernização do Sistema Dual parece acontecer ao nível curricular e materializa-se na
criação ou revisão de programas vocacionais no âmbito do sistema de “ocupações técnicas qualificadas” (DEISSINGER, 2001a), que, ainda hoje, permite modestos recursos de modularização. Implantar módulos como unidades
didáticas de caráter obrigatório, porém opcional (como nas ocupações da TI
criadas em 1997), nos programas vocacionais, já não parece ser incompatível
com uma abordagem holística da noção de competência (EULER, 1998, p.
96 et seq.; DEISSINGER, 2004c, p. 91). No entanto, existem outras sugestões
para a utilização de módulos sob formas mais amplas, e há uma convicção
geral na comunidade científica de que o sistema deve tornar-se mais flexível
(EULER; SEVERING, 2006; BAETHGE; SOLGA; WIECK, 2007). Por outro
lado, grupos de interesses, como os sindicatos e as entidades patronais, por
exemplo, estão ansiosos para reforçar a sua convicção quanto à eficácia do
Sistema Dual como o “caminho real” para o emprego qualificado. Torna-se
evidente, a partir disso, que o debate sobre a introdução de uma “Estrutura
Nacional Alemã de Qualificação” (DQR) implica em muitos problemas para
o comparativamente sólido sistema educacional alemão e para a cultura de
aprendizagem do país (DEISSINGER, 2006b).
Além das exigências de “modernização interna”, a nova lei, aprovada em
2005, contém regulamentações bastante inovadoras, que foram instituídas para redefinir o relacionamento entre os sistemas de aprendizagem
técnica para ocupações reconhecidas e os cursos VET de período integral
que conduzem à qualificação profissional. Os artigos 7 e 43 da nova Lei
de Formação Profissional tentam construir “pontes” entre os dois subsistemas (LORENZ; EBERT; KRÜGER, 2005):
• De acordo com o artigo 7, os estados federativos obtêm o direito de
determinar quais cursos das escolas de ensino técnico de período
integral, ou de instituições compatíveis, devem obter reconhecimento parcial em uma aprendizagem subseqüente. Os pedidos de
reconhecimento deverão ser submetidos aos órgãos competentes,
individualmente.
• De acordo com o artigo 43, os estudantes graduados em cursos de período integral que conduzam à qualificação profissional devem obter a permissão dos órgãos competentes para realizar o exame final
de uma ocupação reconhecida, se a formação profissional adquirida
for equivalente. Este novo regulamento também inclui as chamadas
“ocupações ligadas à atividade escolar”, que não se enquadram no
âmbito de aplicação da Lei de Formação Profissional ou da Lei de
Regulamentação dos Ofícios.
É demasiado cedo para avaliar as conseqüências dessas novas regulamentações. No entanto, não há dúvidas de que a sua relevância prática
é dependente da participação das empresas e dos sindicatos no Sistema VET de período integral em geral. A aplicação prática das empresas
(Übungsfirmen), por exemplo, pode ser vista – de forma realista – apenas
como um dos instrumentos para estabilizar a escola baseada no Sistema VET, tornando-a mais funcional em relação ao mercado de trabalho
(DEISSINGER; RUF, 2006). Outra questão em aberto é a diferenciação
no âmbito da educação geral, na qual o sistema educacional alemão é
classificado como um dos mais estritos, inflexíveis e seletivos da Europa.
No mínimo, lembrando os estudos Pisa, o debate político nos últimos
anos tem indicado que o tema está de volta à agenda educacional.
178
179
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Ensino secundário nos
Estados Unidos:
novos problemas e novas
soluções
Candido Alberto Gomes*
Resumo: A adolescência e a juventude buscam manter uma identidade
comum por meio das suas linguagens, roupas, costumes e dos seus próprios segredos. No entanto, quanto mais avançam, mais os seus interesses e trajetórias se diversificam, com vários rumos, a exemplo da preparação e da busca pelo trabalho, do prosseguimento dos estudos e de outras
atividades. Além disso, algumas dessas rotas podem ser concomitantes,
como estudar e trabalhar (cf. CIPRIANI-CRAUSTE; FIZE, 2005). A escola da adolescência é precisamente a escola secundária ou média, que
se propõe de vários modos a atender a essa pluralidade de objetivos dos
seus alunos. Os Estados Unidos não constituem exceção. Em sua história, procuraram atender à sua pluralidade e, à medida que surgem novos
problemas, têm buscado novas soluções. Que soluções são essas? Que
contribuições, junto com as de outros países, podem oferecer? Essas são
algumas questões que o presente artigo abordará.
1. Como se organiza a educação?
Partindo do básico, a educação para crianças e adolescentes nos Estados
Unidos vai do jardim de infância (Kindergarten) ao 12º ano de escolaridade, isto é, o chamado K-12. Nessa faixa, que corresponde ao bloco
da educação básica no Brasil, há divisões: o jardim de infância, a escola
primária, o ensino secundário inferior (junior high school) e o ensino secundário superior (senior high school). O número de anos de cada bloco
* Titular da cátedra sobre Juventude, Educação e Sociedade da Universidade Católica de Brasília.
pode variar de estado para estado, pois vigora a descentralização
nos Estados Unidos. O ensino secundário superior, em geral, vai
do 9º ao 12º ano. O país há longo tempo adota a escola compreensiva, isto é, uma escola comum para todos, sem separar os adolescentes previamente por diferentes caminhos. Essa é uma herança
do movimento progressivista, de Dewey, James, Kilpatrick e outros, que, no Brasil, inspirou os pioneiros da Escola Nova. No entanto, para abrigar as diversidades, existem, a rigor, três “escolas”
sob o mesmo teto:
• a acadêmica, na qual os alunos de maior aproveitamento se preparam para a educação superior;
• a vocacional, em que os alunos se preparam para o trabalho. Esta
tende a alcançar um papel maior, embora com mudanças, em face
das exigências crescentes para as ocupações, no palco da economia
do conhecimento; e
• a geral, na qual os alunos, muitas vezes de menor aproveitamento,
têm cursos menos severos.
Dentro de cada uma dessas “escolas” sob o mesmo teto existe ainda uma
subdivisão, em que os discentes são classificados em turmas, segundo
o seu aproveitamento. Assim, um aluno pode fazer a escola secundária,
sendo aprovado a cada ano, na turma de maior exigência, enquanto
outro pode ser promovido sucessivamente numa turma de baixa exigência. Essa organização tem efeitos negativos e positivos, discutidos
há longo tempo com base em inúmeras pesquisas (para a discussão, v.
OAKES, 1985; GOMES, 2005). Nesse conjunto, os alunos podem montar
o seu currículo, dentro das normas, escolhendo ano a ano disciplinas
e práticas mais ou menos rigorosas. É importante não confundir o ensino secundário norte-americano com a visão displicente que a mídia
transmite, como um lugar de diversão, sexo, drogas, rock’n’roll e outros
gêneros mais recentes.
190
191
2. Por que a escola compreensiva?
Os Estados Unidos foram colonizados pela Inglaterra, país onde, desde o
século XIX, havia uma forte diferenciação dos alunos: os mais talentosos
ficavam na grammar school e os demais seguiam a vocational school.
Apenas ao final do século XIX começou a se desenvolver o ensino secundário nos EUA. Até então, a formação profissional se dava dentro da
tradição medieval do mestre-aprendiz. Mas com a industrialização e a
grande expansão econômica ao longo século XIX, o país se defrontou com
pelo menos três desafios: a necessidade de pessoal mais escolarizado, a
fragmentação do trabalho e o atendimento ao princípio da igualdade de
oportunidades. Era preciso manter o binômio qualificação e democracia.
Para isso, as matrículas aumentaram continuamente, de modo que se
construiu progressivamente a escola secundária de massa. Assim, a escola compreensiva não brotou de repente, a exemplo de cogumelo após
dias de chuva: como seria inadequado apenas expandir a escola elitista,
criou-se um novo modelo, bem afastado do inglês, para uma sociedade
também muito diversa.
Tão profundas foram as mudanças que se distinguiram dois tipos ideais
de padrões normativos: os modelos de mobilidade patrocinada e competitiva (TURNER, 1960). Os melhores exemplos desses dois modelos
são os sistemas educacionais da Inglaterra e dos Estados Unidos, respectivamente. No primeiro tipo, característico da Inglaterra, a mobilidade
ascendente é como o ingresso num clube privativo, no qual o candidato
deve ser patrocinado por um ou mais membros da elite. No segundo, a
mobilidade competitiva é baseada na seleção tardia, havendo, pelo menos em tese, um único caminho para todos. É como uma corrida cujo fim
é adiado ao máximo. Ao longo da corrida, a escola socializa, transmite
valores e assegura lealdade ao sistema. Mesmo a chegada final é disputável, porque qualquer pessoa pode ser deslocada por um recém-chegado,
a qualquer momento da vida. Um lugar na elite é, pois, o prêmio de uma
competição aberta. São duas sociedades, a inglesa e a norte-americana,
com duas concepções de mobilidade social e duas orientações para o sistema educacional.
Nos Estados Unidos, a escola compreensiva surgiu para atender a essa
corrida de múltiplas voltas, retardando ao máximo a saída dos adolescentes para a linha de produção e elevando o seu nível de qualificação. O
movimento progressivista nasceu no início do século XX com Dewey e
outros, espalhando-se pelo mundo. No caso do Brasil, Dewey foi professor de Anísio Teixeira no edifício de tijolos vermelhos da escola de educação de Columbia, Nova Iorque. Por sua vez, Anísio foi um dos líderes
da Escola Nova no Brasil, defendendo o modelo de escola compreensiva,
proposta diversas vezes e, em certos casos, transformando-a em realidade. Não por acaso, ao se posicionar a favor da escola compreensiva,
Anísio (TEIXEIRA, 1976) criticava a nossa divisão entre a escola para os
nossos filhos e a escola para os filhos dos outros, que correspondiam à
acadêmica e à profissionalizante. Mais ainda, o movimento influenciou
currículos da escola secundária na maior parte do mundo (KAMENS;
MEYER; BENAVOT, 1996), pelo menos retardando a divisão em ramos.
Isso não significa, entretanto, que a escola compreensiva, tal como existe
nos Estados Unidos, tenha sido reproduzida em outros países.
Assim, a educação de massa e a escola compreensiva se situam no fogo
cruzado de duas missões contraditórias: de um lado, selecionar os alunos
pelo mérito; de outro, democratizar-se para oferecer ao aluno tantas possibilidades quanto possível.
Sobre os dois modelos de mobilidade social citados, é interessante observar que várias pesquisas comparativas entre os Estados Unidos e a
Grã-Bretanha não encontraram impactos muito diferentes sobre a igualdade de oportunidades e a mobilidade social (p. ex., KERCKHOFF, 1974;
TREIMAN; TERRELL, 1975; TYLER, 1977). No entanto, Husén (1979), utilizando dados comparados de numerosos países, concluiu ser preferível
o ensino de tipo geral, pela sua abertura e ausência de exames seletivos
entre os níveis quando se buscam acolher, ao longo da escolaridade obrigatória, todos os talentos disponíveis. Quanto maior a rede, maiores as
possibilidades de uma boa pescaria. É claro que a educação na Inglaterra
e nos Estados Unidos, além dessas diversidades, enraízam-se em contextos sociais diferentes e têm efeitos de socialização também variados.
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3. O funil do ensino secundário
Conforme a tendência internacional, a maior parte da população dos Estados Unidos na faixa etária correspondente está matriculada na escola
secundária. No ano acadêmico de 2003-2004, eram 94,8%1. No entanto,
10,3% do total de alunos se evadiram nesse ano. Esse grupo é composto,
em grande parte, por jovens de baixa renda, mulheres e minorias étnicas, com destaque para os hispânicos. Também inclui tanto a população
que trabalha (e, nesse caso, fica prejudicada nos estudos), como a que
não trabalha e pode estar em situação de exclusão social ou perto dela.
Com isso, a conclusão do curso secundário, sempre no mesmo ano, foi de
74,3%. Aqueles que não se formam constituem uma população vulnerável, pois quem não termina esse nível de ensino tem possibilidades bem
menores de ingressar e permanecer no mercado de trabalho.
A educação superior é aberta a quem tenha capacidade para conquistar
uma vaga. Obviamente, uma parte significativa dos concluintes da escola
secundária não pode ou não quer ingressar na educação superior. Assim,
os formados do ensino secundário público que cursaram currículos mais
exigentes foram 36,2% sobre o total de alunos matriculados (100,0). Um
percentual provavelmente menor que esse fez os testes ACT e/ou SAT 2
(ver Quadro 1), vez que grande parte dos candidatos presta os dois testes
padronizados requeridos, conforme a instituição de educação superior,
para o processo seletivo. Cabe lembrar que as instituições de educação
superior têm liberdade para estabelecer as suas normas para a seleção
de alunos, porém, com muita freqüência, incluem o exame do histórico escolar, a participação nas atividades escolares e esportes, as cartas
de recomendação, o escore num teste padronizado e um ensaio escrito
pelo candidato. Considerando a entrada de alunos das escolas públicas
na educação superior, quase metade dos concluintes entrou num curso
de quatro anos, isto é, um curso acadêmico completo em qualquer tipo
1. A fonte dos dados estatísticos primários é o Digest of education statistics : 2006 (NATIONAL
CENTER FOR EDUCATION STATISTICS, 2007). O ano acadêmico a que se referem é o de
2003-2004, para reunir as estatísticas aqui pertinentes do mesmo período. No que concerne a
ingressantes na educação superior, tomou-se o início do ano acadêmico de 2004-2005.
2. O SAT e o ACT são testes padronizados que os candidatos podem fazer mais de uma vez e que
abrangem a educação acadêmica secundária. Eles são elaborados de modo a predizer o desempenho dos candidatos nos estudos superiores. SAT significa Standard Achievement Test,
enquanto o ACT leva o nome da empresa que o constrói e aplica.
de instituição (das mais às menos prestigiosas) e menos de um terço ingressou em cursos superiores de dois anos de duração, de um community
ou junior college.
Quadro 1 – O funil do ensino secundário
• População na escola/população na faixa etária: 94,8%
• Evasão/total de alunos matriculados: 10,3%
• Alunos concluintes/total de alunos matriculados
(escolas públicas): 74,3%
• Concluintes com currículos mais exigentes/total de
alunos matriculados (escolas públicas): 36,2%
• Concluintes que fizeram ACT/total de concluintes: 38,1%
• Concluintes que fizeram SAT/total de concluintes: 49,0%
• Entrada de alunos das escolas públicas na educação superior:
– Cursos de quatro anos: 44,1%
– Cursos de dois anos: 28,2%
Pode parecer que o funil é largo na passagem do secundário para o superior. Antes de tudo, é preciso ter em mente que, como no Brasil, o mesmo
candidato pode inscrever-se em várias instituições, mais ou menos rigorosas. Depois da inscrição, vem o processo seletivo de cada uma delas. O
candidato pode ser aceito por uma ou mais instituições. Então, ele escolhe uma para matricular-se. Ademais, ex-alunos do secundário, formados em anos anteriores, podem pleitear uma vaga na educação superior.
Um dos fatores é a rejeição em todas as instituições procuradas ou na da
sua preferência. Nada impede que ele concorra outra vez, de modo que o
funil vai estreitando-se. Dessa forma, tomando os dados de 2004-2005,
verifica-se, pelo Quadro 2, que o número de inscritos é bem superior ao
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número de formados no secundário, pois quem não conseguiu vaga em
anos anteriores volta a se candidatar e o mesmo candidato tende a procurar mais de uma instituição. Por isso, pouco mais da metade dos inscritos
é aceita e cerca de um quarto dos aceitos são matriculados. Como existe amplo espectro de instituições de educação superior, uma pequena
parte delas é altamente exigente e, ao mesmo tempo, oferece um futuro
promissor ao seu diplomado. Ao se considerarem as instituições mais
seletivas, menos de 3% dos inscritos conseguem ingressar nelas. Esse
número é muito inferior ao dos que concluem o ensino secundário com
currículos mais rigorosos (pouco mais de um terço deles). Em outras palavras, não é fácil, por múltiplos fatores, ingressar na educação superior,
especialmente aquela que forma a elite intelectual do país.
Quadro 2 – O funil da educação superior
Gargalo inicial:
• Inscritos/formados no secundário: 185,4%
• Inscritos/aceitos: 25,1%
Maior gargalo:
• Matriculados/inscritos nas instituições mais seletivas: 2,8%
4. O que se conclui até aqui?
Uma grande questão para o ensino secundário de qualquer país é para onde
vão os concluintes. Como se pode ver, esse nível está perto da universalização nos Estados Unidos; todavia, só uma fração dos que se formam vai para
a educação superior. A elevada evasão durante o curso secundário e a não
continuidade dos estudos após o secundário sugerem um desencontro entre
a escola e os seus alunos. Além disso, um fator preponderante é que toda a
educação superior, inclusive a pública, é paga. Para chegar lá é preciso ter dinheiro, conseguir crédito educativo ou obter uma bolsa. Embora o país não
apresente estatísticas sobre a matrícula nos ramos acadêmico, vocacional e
geral (trata-se da escola compreensiva, uma só), conclui-se que:
• muitos alunos, auto-avaliando as suas possibilidades e sendo para
isso, em parte, orientados, não escolhem o ramo acadêmico; e
• menos ainda escolhem o ramo acadêmico e conseguem entrar na
educação superior seletiva.
E os que não seguem a educação superior, aonde vão? Aqui não existe só
uma encruzilhada e, sim, múltiplos caminhos. Simplificando o panorama, os formados podem dirigir-se, logo depois da conclusão, a uma das
muitas proprietary schools, isto é, escolas particulares profissionalizantes, com uma miríade de cursos das mais variadas durações. Podem também procurar um programa público de profissionalização ou um curso
pós-secundário que não confere diploma, apenas certificado (não se trata de curso superior). E podem ainda seguir outros rumos, como, por
exemplo, aprender uma ou mais ocupações na prática; não estudar mais,
o que compromete gravemente o futuro, ou ainda outras opções.
É interessante lembrar que o ensino secundário é caro e as perdas representam muito. A despesa média anual por aluno da escola secundária pública
era de US$ 10,286, enquanto a anuidade média de uma escola secundária
particular era de US$ 8,412 (UNITED STATES, 2007a). Entretanto, não é
bom cair numa armadilha: o custo pode ser alto e a qualidade, deficiente.
Educação cara não é necessariamente boa educação. Os Estados Unidos e
muitos outros países têm discutido essa questão há décadas.
5. Novas tendências
Em face das exigências cada vez maiores do mercado de trabalho numa
economia globalizada e das dificuldades de emprego e trabalho, uma
grande preocupação com os alunos de nível secundário é criar novas formas para que a educação lhes seja realmente útil, a fim de que eles permaneçam nas escolas e que estas sejam mais sensíveis às necessidades do
seu alunado (cf. MURNANE; LEVY, 1996). Uma das novas tendências é o
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programa TechPrep, que se traduz, com maior simplicidade, como uma
escola dentro de outra escola (HULL, 1995; UNITED STATES, 2007b).
Trata-se de um programa opcional para os alunos, que a ele se candidatam e podem ser selecionados ou não, com base em grande parte no seu
compromisso. Oferecido em 47% das escolas secundárias norte-americanas, informa e conscientiza os alunos, induzindo-os a, eles mesmos,
formularem os seus objetivos de carreira profissional. O currículo, na
verdade, começa na sétima série, com alunos de cerca de 12 anos de idade, e integra a escola secundária e um curso superior de duração curta,
que, por sua vez, pode abrir as portas para um curso longo. Trata-se da associação 4+2 anos, isto é, pelo menos quatro de ensino secundário, mais
dois de educação superior. O seu foco está na solidez dos fundamentos
acadêmicos e, em seguida, nas opções de trabalho, especialmente onde
vive o aluno. O currículo se compõe de disciplinas, bem estruturadas e
organizadas, para as quais se prescrevem os conteúdos programáticos.
Até aí não há novidade, assim também ocorre no ramo acadêmico e mais
ainda no profissional. A diferença do TechPrep é que são explícitas as
relações entre ciência e vida, ciência e tecnologia, teoria e prática. Dessa
maneira, o aluno estuda sabendo por que e para quê. Por exemplo, um
telefone celular ou outro aparelho pode ser desmontado em laboratório
para os alunos aprenderem física e outros componentes curriculares e
para compreenderem para que servem.
Um exemplo de plano curricular aparece na tabela que se segue. Desde
o sétimo e oitavo anos da escola secundária inferior (junior high school),
começa com as ciências e a matemática, duas grandes pedras de tropeço para a escola e, ainda mais, para os discentes, aprendidas por meio
da descoberta. Simultaneamente, promove o despertar para a carreira. É
comum, na sociedade dos adolescentes, encontrar aqueles que têm planos mirabolantes e outros que consideram não servir para nada. Outros,
ainda, raramente pensaram no futuro e no que farão, sobretudo depois
da escola secundária. Aos poucos, o plano curricular vai ganhando concentração à medida que a idade do corpo discente permite. Assim, do
conhecimento acadêmico aplicado e da exploração de carreiras, parte
para a educação técnica, relacionando teorias e práticas. Daí segue para
o nível superior, com especialidade e conhecimentos acadêmicos avançados, sempre incluindo experiências de trabalho. Não se deve esquecer
que todo o plano é dividido em disciplinas, altamente estruturadas.
Tabela 1 – TechPrep: exemplo de plano curricular3
Associated degree
13º-14º anos: curso superior de dois anos
11º-12º anos: escola secundária superior
9º-10º anos: escola secundária
7º-8º anos: escola secundária
Acesso à universidade. Possibilidades de
aproveitamento de créditos.
Especialização, competências e conhecimento acadêmico avançados; experiência
de trabalho.
Educação técnica com sólida formação
acadêmica, aprendizagem no trabalho.
Fundamentação TechPrep, conhecimento acadêmico aplicado, exploração
de carreiras.
Ciências e matemática para a descoberta,
conhecimento acadêmico básico, despertar para a carreira profissional.
Observação: o ensino por disciplinas se faz a partir de bases curriculares comuns. Portanto, o
aluno não fica “solto”, mas entra num programa bem estruturado.
Com um desenho tão bem elaborado, próximo das necessidades dos adolescentes, quais os resultados? Pode-se ter acesso publicamente a mais
de uma centena de avaliações (ver, por exemplo, o Education Resources
Information Center – Eric, www.eric.ed.gov/search). As pesquisas, entretanto, são fragmentárias, muitas focalizando uma escola, uma cidade
ou um conjunto de escolas selecionadas por vários critérios. De modo
geral, as suas constatações mostram que os participantes do programa
TechPrep têm pequenas vantagens em relação aos seus colegas que não
o freqüentam quanto: 1) à assiduidade à escola; 2) à continuidade dos
estudos; 3) à conclusão e sucesso dos estudos secundários; 4) à menor
3. Hull (1995, p. 103).
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necessidade de programas de recuperação da aprendizagem; 5) ao acesso
à educação superior e 6) ao nível de emprego. É intrigante que os resultados apresentados pelo programa sejam tão tímidos em face de um
desenho e fundamentos tão robustos. A execução corresponderá efetivamente ao programa e aos projetos? De qualquer modo, o panorama das
investigações realizadas talvez não seja o mais apropriado para avaliar o
programa.
6. As Career Academies
Outra experiência inovadora no ensino secundário, do 10º ao 12º anos (senior high school), é o das Career Academies (cf. STERN; RABY; DAYTON,
1992; INSTITUTE OF EDUCATION SCIENCES, 2007). Apesar da sua menor
abrangência – era oferecido em 27% das escolas secundárias –, tem diversos
princípios comuns com o TechPrep, como ser um programa dentro de uma
escola, um curso em que os alunos podem se matricular opcionalmente, e
que conta com um currículo organizado em torno de temas relacionados ao
trabalho. Uma das suas ênfases é também a íntima articulação entre a educação acadêmica e técnica, de modo a favorecer a motivação dos adolescentes e formar uma base adequada e duradoura. Seus currículos e materiais de
ensino-aprendizagem têm como principais tônicas: 1) ensinar para o mundo
real; 2) aprender no contexto; 3) aprender o que é mais relevante e 4) aprender com a mão na massa. No que concerne aos três primeiros, pelo menos de
Dewey em diante, existe amplo consenso. A pesquisa educacional apresenta
amplas evidências favoráveis a esses princípios.
As Career Academies requerem parcerias da escola, especialmente com
o mercado de trabalho – ou seja, a escola não age sozinha. Com isso, visando os grupos de risco, são detectadas as oportunidades ocupacionais
promissoras da região. Além disso, o programa é divulgado nos anos anteriores ao 10º, quando se dá o ingresso nas academias. Os requisitos de
entrada são amplamente divulgados, para que os alunos não se evadam
e esperem pelas novas perspectivas. Para os adolescentes que não alcançam as exigências são oferecidos cursos prévios, como o Programa de
Matemática e Ciências Compreensivas, que dura seis semanas no verão.
Um exemplo é o do Distrito Escolar de Pasadena (até certo ponto similar a
uma das nossas secretarias municipais de educação), uma cidade situada
ao norte de Los Angeles, Califórnia. Foram organizadas dez academias, correspondentes a variadas famílias ocupacionais. Para isso o Distrito fez acordo com o community college da cidade (que oferece cursos superiores de
dois anos, isto é, carreiras curtas), para organizar programas intensivos ou
avançados para estudantes secundários dos dois últimos anos. Igualmente,
firmaram-se parcerias com quatro instituições de educação superior, a fim
de facilitar a transição de concluintes do ensino secundário, integrados às
academias, rumo a cursos de quatro anos de duração (carreiras plenas).
Dessa forma, por exemplo, os alunos da Academia de Informática se beneficiavam de um convênio com o Programa Ocupacional do Condado
de Los Angeles (um condado inclui as cidades), para terem cursos práticos de um ano. Por sua vez, na Academia de Artes Gráficas, os alunos
do 10º ano tinham aulas na escola secundária e no 11º e 12º faziam cursos avançados no Programa Ocupacional referido. Depois da formatura, podiam ingressar no mesmo com 24 créditos cumpridos. Com isso,
aproveitavam estudos prévios para uma carreira curta de nível superior,
podendo, em seguida, matricular-se numa instituição de educação superior do Estado, que, com mais dois anos de estudo, os preparava para um
cargo administrativo na área.
Tendo em vista particularmente a população de risco, não raro encarada
com menor confiança pelos empregadores, a escola secundária passou a
emitir um certificado inicial de desempenho, cujas exigências foram elaboradas por empregadores e que eram verificadas por meio de um portfó­
lio anual (STERN; RABY; DAYTON, 1992):
• freqüência rigorosa, com padrões empresariais, não escolares;
• ética e hábitos de trabalho;
• experiência exploratória de trabalho;
• comunicação oral;
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• comunicação escrita;
• álgebra e suas aplicações; e
• outras competências acadêmicas básicas.
As avaliações são, de modo geral, positivas, porém fragmentárias, como
as do PrepTech (INSTITUTE OF EDUCATION SCIENCES, 2007). Constatam-se impactos positivos sobre os seus alunos e ex-alunos quanto:
1) à continuidade dos estudos; 2) ao avanço escolar; 3) à integração curricular; 4) ao preparo para a carreira na educação e no trabalho; 5) à renda
apenas dos alunos do sexo masculino; 6) o emprego e a renda dos alunos com alto e médio riscos de evasão. As mesmas considerações tecidas
quanto à avaliação do PrepTech se aplicam às Career Academies.
No contexto das tendências inovadoras e das parcerias necessárias, podese mencionar, também a título de exemplo, o Center for Occupational Research and Development – Cord (2007). Trata-se de uma organização não
lucrativa de âmbito nacional dedicada, entre outros objetivos, a: 1) gerar
e promover inovações; 2) elaborar novos currículos, estratégias, materiais e aplicações de tecnologias educacionais; 3) oferecer desenvolvimento profissional a professores; 4) efetuar pesquisa e desenvolvimento. Em
vez de atuar diretamente nas escolas, a organização procura fazer aquilo
que as escolas e os órgãos educacionais muitas vezes não podem fazer. Entre essas missões encontra-se a de produzir materiais de ensino-aprendizagem, que são usados, entre outros, pelas Career Academies e pelo programa
TechPrep. Esses materiais, entre outras características, facilitam a motivação
dos alunos pelas ciências, por meio da sua aplicação.
7 Conclusões
O caso dos Estados Unidos conduz a reflexões interessantes, que podem
caber, com folga ou aperto, como carapuças nas cabeças de outros sistemas educacionais. Formar os alunos para a vida laboral não é tarefa de
baixa prioridade, ao contrário: tendo em vista a exclusão social e a vulnerabilidade de jovens, a escola não pode se declarar indiferente ou oferecer
só enfeites de bolo. De que adiantam estes se não fizer o bolo?
Eis alguns pontos para séria reflexão:
• A educação acadêmica, pela sua generalidade, é necessária, mas
não suficiente: embora ela seja, até certo ponto, profissionalizante, como base para uma parte das ocupações (caso dos serviços, das
ocupações que se aprendem em serviço) que exigem capacidade de
expressão, domínio de língua estrangeira etc. O jovem que deseja
ingressar no mundo do trabalho precisa saber escolher e cursar a
educação profissional. Cada vez se aprende menos só por meio da
prática. Existe forte tendência a mesclar as práticas com as teorias e a
reflexão. O processo de fazer é devidamente instruído e fundamentado nas ciências (cf. MURNANE; LEVY, 1996).
• É urgente a necessidade de atender às exigências crescentes de capacidades para ingressar no mundo do trabalho: fica claro que pessoas
menos competentes têm maior dificuldade que as mais competentes. É bem verdade que a inflação educacional, ou a corrida por mais
diplomas, pode contribuir para isso. Da mesma sorte que o “excesso”
de moeda a desvaloriza, a abundância de diplomas também pode diminuir o seu valor. De qualquer modo, verifica-se que as ocupações
tendem a requerer cada vez mais conhecimentos e habilidades.
• É preciso reduzir o número de “esquecidos” ou “excluídos”: a passividade nada resolve em sociedades e economias excludentes. Até os Estados Unidos os têm. No que se refere à juventude, são conhecidos como a
“metade esquecida”. Trata-se de cidadãos titulares de direitos e deveres,
que não podem ser abandonados no caminho como descartáveis.
• As escolas têm novas funções, em novos ambientes sociais, para as
quais já deveriam estar preparadas: não podem viver dentro dos seus
muros para fazer face à complexidade da vida de crianças, adolescentes e jovens. Isso é sinal de fracasso, não só dela, mas de uma
fração maior ou menor dos seus alunos. Portanto, cabe fazer parcerias cuidadosamente, com as famílias e a comunidade, as empresas
e organizações governamentais e não-governamentais.
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• Cada vez mais ficam atenuadas duas fronteiras: 1) entre a educação
na escola e a educação no trabalho; 2) entre a educação acadêmica e a educação profissional. No primeiro caso, as duas precisam enlaçar-se para não haver teorias sem práticas e práticas sem
teorias. No segundo caso, a educação profissional prepara os jovens
para um mundo ocupacional dinâmico, em que as funções mudam
e diminuem sua padronização. Aprender a fazer certas tarefas sem
base acadêmica é levar os alunos a um beco. Para ir adiante, o jovem
precisa da associação das duas duplas, educação na escola e no trabalho, e educação acadêmica e profissional.
8 Se correr, o bicho pega...
Uma aguda preocupação dos norte-americanos é a vulnerabilidade da sua
juventude. Ela tem dificuldades em se inserir no mercado de trabalho, num
dos países onde o desemprego juvenil é grave. Daí o interesse em programas que facilitem a transição da escola para o trabalho. Essa preocupação
é ou deve ser mais profunda no que tange à “metade esquecida”, isto é, aos
jovens socialmente desprivilegiados, com menor escolaridade. Num mercado de trabalho cada vez mais exigente, aqueles que não terminam o ensino
secundário e aqueles que, concluindo-o, não seguem a educação superior
compõem um grupo ainda mais vulnerável (cf. HALPERN, 2007). No Brasil
a problemática tem características comuns e diferentes. Os jovens formam
também um grupo vulnerável, inclusive quanto à mortalidade pela violência. Que farão os jovens subescolarizados ou não escolarizados pela sua vida
afora? Que tipos de programas educacionais e ocupacionais podem melhor
atender às suas necessidades? É o que cabe pensar.
Quem está de fora dos Estados Unidos ainda pode fazer uma pergunta:
a escola compreensiva vale a pena? Ela é mais democrática? Vale manter
mais de uma escola sob o mesmo teto ou separadas? As respostas, como
se percebe, são complexas e se relacionam às desigualdades da sociedade
e ao contraste de prestígio entre ocupações manuais e não manuais. Oferecer escola acadêmica para todos? Mas como formar para o trabalho?
A transição da escola para o trabalho, há cerca de 30 anos, no Brasil, era
considerada uma inutilidade, na suposição de que tudo se resolvia informalmente. Hoje é uma prioridade.
Quanto à escola compreensiva, não existem ‘sim’ e ‘não’ categóricos – o
que seria simples demais. A ciência é mesmo difícil. A ideologia é fácil,
dá as respostas esperadas para tudo. Alguns críticos afirmam que essa
escola é um manto para encobrir diferenças, fazendo o trabalho sujo para
a manutenção do capitalismo (qual dos capitalismos?). No caso das escolas separadas, as acusações se dirigem à separação precoce dos alunos,
com origens sociais e destinos ocupacionais diferentes, o que levaria à
perda de oportunidades. Ao longo do tempo, diversos sistemas educacionais têm buscado soluções para isso (para uma discussão, v. GOMES,
2005, p. 181 et seq.).
De certa forma, se correr o bicho pega e se ficar... o bicho come. As críticas são muito boas e indispensáveis ao Estado democrático de Direito,
mas é preciso fazer algo. Em princípio, qualquer coisa que se fizer sofrerá
críticas, porque haverá vantagens e desvantagens nas diversas opções. A
arte é ampliar as primeiras e reduzir as segundas. O isolamento da escola em face do trabalho torna-se responsável pela exclusão social, pois o
trabalho é vital para incluir e a falta dele, vital para excluir e deprimir (cf.
XIBERRAS, 1993). Tendo consciência de que a escolaridade está entrelaçada à classe ou status socioeconômico do aluno, porém que a escola tem
ampla margem de atuação, é preciso utilizar esta última, com capacidade. Nem fatalismo pessimista, nem otimismo cego. Temos tendências
e possibilidades. Os determinismos ficam no mundo da fantasia.
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209
Ensino médio: lições da
experiência internacional
João Batista Araujo e Oliveira*
Resumo: Neste artigo apresentamos, de forma sucinta, o que nos parecem ser as lições mais relevantes da experiência dos países mais desenvolvidos no âmbito do ensino médio. As lições decorrem do que foi apresentado nos artigos anteriores, e que foram apresentados no Seminário
Internacional sobre Ensino Médio Diversificado1. O presente trabalho
tem por objetivo ressaltar as principais características e desafios do ensino médio em outros países, de forma a permitir ao leitor tirar suas próprias conclusões sobre o que seria relevante para a realidade brasileira2.
O capítulo aborda os seguintes tópicos: público-alvo e suas características; conceito de diversificação: ensino acadêmico, ensino profissional e
educação geral; diversificação da vertente acadêmica; diversificação do
ensino técnico profissional; e os desafios permanentes: flexibilidade de
acesso, continuidade de estudos e mercados de trabalho.
1. O público-alvo e suas características
O ensino médio, bem como o acesso ao mesmo, está praticamente universalizado nos países da OCDE. Quase 90% dos jovens concluem o ensino fundamental e mais de 90% desses ingressam em algum tipo de
ensino médio. Ao chegar ao ensino médio, os jovens já freqüentaram a
escola durante oito ou nove anos. Entre 60 e 85% dos jovens de cada
coorte concluem o ensino médio nos diferentes países desse grupo.
* O professor João Batista é presidente do Instituto Alfa e Beto.
1. O referido seminário foi promovido pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos
Deputados, e contou com a coordenação técnica do Instituto Alfa e Beto e patrocínio da CNC
– Confederação Nacional do Comércio.
2. Sobre a questão do ensino médio no Brasil, ver os artigos do autor: Repensando o ensino de
segundo grau: subsídios para discussão. Ensaio, v. 8, n. 2, p. 273-284, jul./set. 1995; e Quem
ganha e quem perde com a política do Ensino Médio no Brasil? Ensaio, v. 29, n. 8, p. 459-496,
out./dez. 2000.
O ensino médio refere-se, tipicamente, aos quatr
o últimos anos da escolaridade básica, normalmente oferecida a alunos
de 15 a 18 anos de idade, em escolas que funcionam em regime de tempo integral. A escolaridade obrigatória estende-se, no mínimo, até os 15
anos, mas a tendência da maioria dos países é estendê-la para os 16 anos,
com o objetivo de aumentar o tempo de permanência dos jovens na escola e, com isso, melhorar a qualidade de seu preparo para enfrentar os
desafios do futuro.
Outra característica importante é que a maioria esmagadora dos alunos, em
quase todos os países da OCDE – entre 60 e 80% – atinge acima do nível dois no
teste do Pisa, patamar considerado básico para possibilitar a continuidade dos
estudos secundários de qualquer natureza, inclusive cursos de aprendizagem.
2. O conceito de diversificação: ensino acadêmico,
profissionalizante e educação geral
A característica mais saliente da oferta do ensino médio é a diversificação.
Esta normalmente ocorre na forma de ensino acadêmico e profissionalizante. O conceito de “educação geral” não constitui uma vertente específica de ensino médio. Dentro de cada vertente, há outras diversificações.
A diversificação também ocorre dentro de cada vertente. Dentro das escolas acadêmicas, ela pode ser dar em termos de tipos de cursos – mais
humanísticos ou mais quantitativos, como era o caso do “clássico” e
“científico” no passado –, em termos de opções de matérias ou em de
nível de dificuldade. As opções podem ser exercidas pelos sistemas de
ensino, pelas escolas ou pelos alunos. Ou seja, pode haver escolas mais
ou menos especializadas em determinadas ofertas ou pode haver diversificação dentro de uma mesma escola. Adiante veremos as tendências de
diversificação do ensino acadêmico e as tendências de convergência com
a preparação para o mercado de trabalho.
Dentro das escolas profissionais ou técnicas também existem diversifi-
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cações – geralmente por nível de diploma ou por tipo de ocupação. Em
alguns países, no entanto, há outras diversificações em termos de orientação: formação mais prática, como no Sistema Dual, ou mais acadêmica, como no caso das escolas técnicas. Adiante veremos as tendências
de diversificação do ensino profissional e as tendências de convergência
entre ocupações e também com a formação mais acadêmica.
O grande divisor é o de orientação das escolas: as acadêmicas, com maior
ou menor qualidade, maior ou menor rigor, estão orientadas para o ensino de disciplinas como línguas, matemática, ciências, humanidades
etc. – que muitos denominam de educação geral, conceito discutido no
próximo parágrafo. Em sua grande maioria, procuram preparar os alunos
para o acesso a profissões de nível superior – embora, na prática, 50% ou
mais dos alunos se dirijam diretamente ao mercado de trabalho. As escolas profissionais ou técnicas são mais diretamente voltadas para a formação para o mercado de trabalho. Veremos, mais à frente, as tendências
de articulação entre o ensino médio técnico e o ensino médio-superior,
tecnológico ou superior.
O que se nota, portanto, é um mundo com fronteiras bastante marcadas,
mas também bastante flexíveis, e com crescentes convergências, face aos
desafios da sociedade globalizada. Isso não significa, no entanto, como
observado nos vários artigos apresentados nesta publicação, a perda de
identidade desses dois tipos de escola.
A questão menos controvertida refere-se ao conceito de educação geral. Nos países de língua alemã, o termo bildung, que pode ser traduzido
como formação ou educação, tanto é usado para a educação acadêmica
quanto profissional. A diferença de conceito simplesmente não existe.
Nos demais países da OCDE, também prevalece a idéia de que o ensino
ministrado nas escolas profissionalizantes de qualquer nível – inclusive
da aprendizagem –, constituem uma forma de educação geral, embora
os conteúdos por meio dos quais o indivíduo adquire essa educação geral
sejam mais voltadas para a preparação para o mundo do trabalho. O conceito de educação geral nesses países refere-se à capacidade de aprender
e de usar conhecimentos, e não ao domínio de um determinado corpus
de conhecimento ou a um conjunto determinado de disciplinas.
A única exceção, talvez, se encontre nos Estados Unidos, onde o ensino
médio, de modo geral, se dá na escola compreensiva, descrita no artigo
de Cândido Gomes. Nessa escola, os alunos podem ter uma educação
mais acadêmica, com maior ou menor rigor, e uma educação em que
aprendem algumas habilidades ocupacionais e práticas. Os estudantes
sem maiores pretensões acadêmicas normalmente fazem alguns cursos
mais práticos e de natureza acadêmica mais diluída, e que são denominados também pelo nome de “educação geral”. Mesmo naquele país, ninguém denomina os cursos e escolas de cunho mais acadêmico de escolas
de educação geral, o que deixa claro o sentido dessa palavra o contexto
norte-americano.
A forma da diversificação da oferta do ensino médio tem origens históricas e culturais nos diferentes países, mas, em todos os casos, reflete o
reconhecimento de que as pessoas possuem talentos variados, nível de
preparo, motivação e condições de enfrentar cursos de diferentes níveis
de abstração. E, conseqüentemente, nem todos os jovens – talvez um
grupo relativamente limitado – reúnem as condições necessárias e suficientes para enfrentar e concluir com êxito um curso com forte demanda acadêmica e elevado nível de abstração. A diversificação do ensino
médio também reflete, em alguns países, as características e exigências
do mercado de trabalho, mas isso tem se tornado cada vez menos relevante, dadas as incertezas associadas às mudanças tecnológicas. Mais
recentemente, a diversificação também tem servido como estratégia para
estimular os alunos a permanecerem o mais tempo possível na escola, de
forma a possibilitar aos jovens mudar de idéia, trocar de cursos e manter
aberta a possibilidade de continuidade de estudos, especialmente os de
nível superior. Daí a preocupação, em todos os países, de assegurar formas de equivalência e transição entre os vários tipos de curso.
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3. Diversificação dentro da vertente acadêmica
A diversificação dentro da vertente acadêmica é uma realidade em todos
os países desenvolvidos. A diferenciação pode se referir a:
• número de disciplinas que a escola oferece;
• número de disciplinas que o aluno deve ou pode fazer;
• nível de exigência da disciplina; e
• se a opção é da escola ou do aluno.
As margens de escolha variam nos diferentes países. Atualmente, um dos países
mais flexíveis é a Finlândia, que organizou o currículo em módulos semestrais,
e o ensino não é seriado, bastando ao aluno acumular um determinado número
de créditos para se graduar. Também nos Estados Unidos a flexibilidade é muito
ampla, com apenas algumas exigências relativas a um mínimo de cursos de língua e matemática, embora o nível de dificuldade possa ser variável.
A vertente acadêmica normalmente é orientada à preparação dos alunos
para a continuidade de estudos em nível superior. Mas isso não significa
que todos alunos tenham que fazer um grande número de disciplinas,
as mesmas disciplinas ou segui-las no mesmo nível de dificuldade. Isso
depende, em grande parte, das normas referentes, em cada país, à conclusão do ensino médio e às regras de acesso ao ensino superior.
Conclusão do ensino médio. Na maioria dos países da OCDE – com exceção dos da América do Norte –, a conclusão do ensino médio se dá pela
aprovação em um exame de conclusão, organizado ou supervisionado pelo
Estado, denominado de Baccaleauréat, Abitur, Maturité, Matura, AGSE
ou outras denominações. O número de disciplinas em que o aluno deve
prestar os exames, o número de disciplinas obrigatórias e a possibilidade
de prestar o exame em diferentes níveis de exigência depende de cada país.
Normalmente são obrigatórios exames de língua e matemática, mas mesmo isso varia em cada nação. Essas características determinam, em grande
parte, o número e tipo de disciplinas que os alunos cursam ao longo dos
dois ou quatro anos do ensino médio. Geralmente os alunos fazem um
maior número de disciplinas nos dois primeiros anos e se concentram nas
disciplinas relevantes para a continuidade do ensino superior nos últimos
dois anos – mas isso também oscila muito nos diferentes países.
Raramente os alunos do ensino médio precisam prestar mais do que cinco exames para efeito de conclusão desse nível de escolarização ou para
acesso ao ensino superior – em alguns países, o mínimo são três disciplinas. Em nações como a Irlanda, o aluno pode escolher o grau de dificuldade do exame, embora a disciplina ensinada seja a mesma para todos.
Na maioria dos países, a aprovação nesses exames é requisito para a obtenção do certificado de conclusão do ensino médio. As taxas de aprovação nesses testes são muito variáveis, situando-se entre 60 e 90% dos
candidatos – o que significa que, na maioria dos países, cerca de 60 a 85%
dos jovens concluem o ensino secundário. A diversificação dos tipos de
exame de BAC, na França, inclusive com a introdução de BACs tecnológicos e técnicos, contribuiu para um vertiginoso aumento das aprovações
nesse exame. O International Baccaleauréat – conhecido como IB – é
um exame de nível internacional, de elevada reputação, e que apresenta
as características comuns desses vários tipos de testes. O aluno normalmente presta entre seis e sete provas, podendo escolher entre dois níveis
de dificuldade.
Os Estados Unidos se diferenciam dos demais países no sentido que
não existe um exame para atestar a conclusão do ensino médio, pois
essa é uma opção dos estados, como foi o caso recente do estado de
Nova Iorque. O objetivo perseguido com a introdução desses exames
é estimular a melhoria da qualidade do ensino, mas o desafio sempre
oscila entre encorajar a qualidade sem desestimular a permanência dos
jovens na escola. Em alguns países, notadamente nos Estados Unidos,
há escolas secundárias que se especializam na oferta de cursos mais rigorosos, mais voltadas para o acesso a escolas superiores de maior rigor
seletivo. Essas escolas são denominadas de Prep Schools ou Preppies.
Da mesma forma, dentro das escolas secundárias compreensivas (high
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schools), há cursos identificados com esse conceito – diferenciando-os
dos chamados cursos de educação geral. Isso significa que uma mesma
escola pode conferir diplomas idênticos, mas o histórico escolar irá revelar as diferenças no nível de preparo dos alunos.
Ensino secundário e acesso ao ensino superior. O tipo, número e
nível de matérias que os jovens cursam no ensino secundário também
dependem, em grande parte, das políticas de acesso ao ensino superior de cada país. A relação entre os exames de conclusão do ensino
médio e o acesso ao ensino superior também varia em cada nação.
Na maioria dos países europeus, a obtenção do certificado de conclusão do ensino secundário assegura o acesso a qualquer instituição
de nível superior. Em alguns países, há restrições de acesso a alguns
cursos que têm número limitado de vagas, o chamado“numerus clausus”, como no caso da medicina. Na Inglaterra, o tipo de disciplina, o
nível (básico ou superior) e a nota no teste determinam as chances de
sucesso e para ingressar em certas universidades ou cursos com maior
grau de exigência.
Já nos Estados Unidos, a relação entre ensino médio e superior é bem
mais fluida, já que cada universidade estabelece seus diferentes critérios. A entrada nas universidades mais competitivas, no entanto,
requer que o aluno tenha feito cursos avançados nas disciplinas mais
rigorosas. A maioria das universidades requer ainda determinados níveis de desempenho em provas de inteligência verbal (como o SAT
– Scholastic Achievement Test e, de certa forma, o ACT) ou em exames
avançados correspondentes aos exames mais rigorosos dos sistemas
europeus, como no caso dos A.Ps. ou Advanced Placement Tests.
Cabe observar que, de modo geral, entre 10 e 40% dos alunos, nos vários países, se qualifica para enfrentar os cursos superiores de maior
rigor. Isso pode explicar, em parte, por que os países mais avançados
não unificam seus cursos médios e procuram ampliar a flexibilidade
e diversificação das várias vertentes. Também vale observar que em
nenhum país da OCDE existem testes de acesso ao ensino superior
baseados em competências gerais ou multidisciplinares: ou são basea­
dos em habilidades verbais e cognitivas ou no domínio de conhecimentos disciplinares específicos – ambos fortes preditores de sucesso
acadêmico.
Diversificação da orientação do ensino. O termo “ensino acadêmico”
normalmente é usado como sinônimo de educação geral, como antônimo de “ensino profissionalizante” ou como algo mais teórico e abstrato. Na verdade, todas essas concepções têm um fundo de verdade, mas
não refletem a característica central nem as tendências curriculares mais
recentes. No caso das escolas secundárias acadêmicas (originalmente
denominadas como grammar schools nos países de língua inglesa), o
objetivo é dotar o aluno de conhecimentos disciplinares avançados, nas
várias disciplinas consideradas básicas para uma boa formação – seja ela
humanística, científica ou mais geral. O que isso significa concretamente
vem variando ao longo das décadas e séculos.
As tendências atuais do ensino acadêmico apontam em algumas direções.
De um lado, há ênfase, nos currículos da maioria dos países, em saber
usar a informação, mais do que em seu acúmulo. Isso tanto pode significar uma maior exigência de abstração e dedução quanto uma maior preo­
cupação com aplicações práticas. Por outro lado, há também uma preocupação, nos países da OCDE, de aproximar um pouco mais o conteúdo
dos conhecimentos ministrados nas escolas com os avanços científicos,
tecnológicos e eventuais aplicações no mundo real – o que não significa
necessariamente uma tendência mais profissionalizante. E, finalmente,
como tendência da orientação geral, nas escolas secundárias – inclusive
acadêmicas – há uma preocupação crescente em dar aos jovens uma possibilidade de entender a lógica de funcionamento do mundo do trabalho
e das organizações nas quais ele se realiza. A forma de implementar essas
tendências varia nos diferentes países. Há uma crescente tendência, por
exemplo, de valorizar as atividades de grupo, o empreendendorismo, o
trabalho voluntário na comunidade, o associativismo e o protagonismo,
empresas júnior, simulações de processos decisórios de empresas, países
ou organismos internacionais, enfim, uma série de atividades que trazem o mundo real para as proximidades da escola, e vice-versa.
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Uma tendência recente, que se verifica especialmente nos Estados Unidos, foi
apresentada no artigo de Candido Gomes, e refere-se a uma nova orientação
para os currículos acadêmicos em cursos do tipo TechPrep e das Career Academies. Nessas vertentes, há uma orientação mais aplicada e técnica para os
conteúdos curriculares da escola de ensino médio, abrindo aos alunos possibilidades tanto de terminalidade quanto de acesso a cursos técnicos superiores
de qualidade. Essa tendência, de certa forma, se observa na concepção curricular dos próprios cursos acadêmicos de outros países, como a Inglaterra, por
exemplo, em que se tenta articular cada vez mais a apropriação de níveis mais
e mais abstratos e elevados de conhecimento das disciplinas, com o sentido
de sua utilização prática. Isso se dá tanto para efeito de motivação e contextualização quanto pelo entendimento de que o uso do conhecimento é tão importante quanto sua aquisição. Nesse sentido, essas inovações apontam para
uma importante articulação entre o ensino profissional e acadêmico, entre a
chamada educação geral e a educação profissional. No caso do TechPrep, a
idéia é articular os conteúdos de educação geral com interesses profissionais
mais específicos. No caso das Career Academies, a ênfase é na contextualização do conhecimento disciplinar em focos de aplicação. Em ambos os casos,
o nível de abstração e rigor é variável, nas diferentes escolas, bem como varia a
aproximação entre um entendimento mais aplicado de uma disciplina ou área
de conhecimentos e o conceito de profissionalização.
Em síntese, a relação entre o ensino médio acadêmico e ensino superior
é muito nítida, mas, ao mesmo tempo, permite uma grande flexibilidade
para as escolas de ensino médio. O aluno que quiser entrar numa escola
de alto prestígio acadêmico deverá fazer os cursos acadêmicos mais rigorosos, e se submeter e ser aprovado nos exames mais rigorosos. Mas
esta não é uma opção que restringe a oferta de cursos, exames e acesso ao
ensino superior para a maioria dos alunos que não fazem essa opção.
4. Diversificação do ensino técnico profissional
A diversificação dentro do ensino técnico profissional sempre se deu em
função das diversas especialidades ocupacionais, seja entre os grandes
ramos – comércio e serviços –, seja entre as varias especialidades, como
saúde, mecânica, eletricidade, moda etc.
Além dessas diferenças, em vários países há pelo menos três tipos ou
níveis de formação profissional. O primeiro deles seria o equivalente à
aprendizagem profissional, com cursos mais práticos e cuja duração vai
de um a dois anos, culminando ou não com mecanismos de certificação
ocupacional. O segundo nível seria o equivalente ao nível técnico médio.
Em muitos países, isso se dá em escolas técnicas de nível médio, com
maior ou menor ênfase nas atividades teóricas ou práticas. Em algumas
nações, sobretudo as de tradição germânica, existe o chamado Sistema
Dual, em que é forte a presença do aluno na empresa e das empresas nas
escolas. Essa participação do setor produtivo se dá desde o nível do planejamento das políticas de formação profissional, passa pela definição de
programas de ensino, certificação, supervisão de práticas e estágio, e vai
até o aproveitamento posterior dos egressos nos quadros da empresa.
Cabe observar que, na maioria dos países da OCDE, mesmo naqueles
onde a formação profissional é regulamentada em seus detalhes, como
os países de tradição germânica, os mercados de trabalho são muito flexíveis. Mesmo quando existem certificados e diplomas profissionais, eles
não asseguram reserva de mercado aos seus portadores, nem sua existência limita as empresas de contratarem profissionais não habilitados
formalmente. Em países como a Suíça, por exemplo, as escolas técnicas
se orgulham quando um aluno formado em eletricidade se emprega na
área de mecânica, mecatrônica ou abre seu próprio negócio. Em alguns
países, no entanto, as restrições para o exercício profissional, mesmo no
nível técnico-médio, são mais rigorosas, seja devido à intervenção governamental, seja por pressão das corporações profissionais.
Um terceiro tipo de articulação vem surgindo nas últimas décadas e refere-se a esquemas do tipo 4 + 2 ou 2 + 2. O + 2 (os dois anos adicionais de
estudo) refere-se à articulação entre o ensino médio e o ensino superior,
especialmente em escolas técnicas de ensino superior. Os números quatro e dois referem-se à série do ensino médio em que se inicia essa articulação, ou seja, se todo o ensino médio já é voltado para a especialização
ou se isso se inicia a partir da segunda metade do mesmo.
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Duas tendências do ensino técnico profissional merecem registro. A primeira é que, em nenhum caso, a opção pelo ensino técnico implica que o
aluno passe mais tempo na escola do que aqueles que optaram pelo ensino acadêmico. A chamada “educação geral” ou ensino acadêmico é parte
integrante dos currículos das escolas profissionais, qualquer que seja o
seu nível, e não constitui um conjunto específico de conhecimentos diferentes dos que são ministrados numa boa escola acadêmica.
O segundo aspecto refere-se às tendências de mudança nos currículos dos
cursos técnicos. Nas últimas três décadas, esses currículos vêm sofrendo muitas mudanças, e a direção das alterações é convergente. De um lado, o número
de ocupações e especializações diminuiu, dando lugar a áreas ocupacionais
ou especializações mais amplas – o que permite ao aluno preparar-se para e
engajar-se em diferentes tipos de ocupação, no início da carreira ou ao longo
da vida. De outro lado, há uma tendência para aumentar um pouco mais a
carga de conhecimentos conceituais ou científicos que servem de base para
as várias ocupações. Isso reflete as exigências dos cargos técnicos das empresas, que demandam cada vez menos competências de manipulação física de
objetos e cada vez mais a capacidade de planejar, analisar e tomar decisões
sobre o funcionamento de processos e máquinas. De modo particular, tem
sido ampliada a carga horária de disciplinas como estatística, língua estrangeira e matemática. Além disso, a preocupação com o entendimento prático da
lógica de funcionamento do mundo do trabalho também tem modificado as
formas de ensino, dando aos alunos cada vez mais oportunidades de iniciativa, criatividade, trabalho em grupo, tomada de decisões e uso de ferramentas
da informática. Coincidentemente, como já mencionado, esse mesmo tipo
de preocupação tem caracterizado o currículo das escolas acadêmicas, o que
espelha as demandas da sociedade do conhecimento.
Finalmente, há muitas diferenças entre os países no que se refere à certificação dos conhecimentos técnicos, regulamentação de profissões e a
importância desses certificados para o ingresso no mercado de trabalho.
Essas diferenças refletem mais os aspectos históricos e culturais de cada
país do que as características de seu nível de desenvolvimento econômico e tecnológico ou dos mercados de trabalho.
5. Os desafios permanentes: flexibilidade de
acesso, continuidade de estudos e mercados
de trabalho
O ensino médio – mais que os demais níveis de ensino – sempre sofreu e
sofre grandes tensões em todos os países. A dificuldade de se encontrar consenso para definir currículos para o ensino fundamental em qualquer nação
é ínfima quando comparada às decisões a respeito do ensino médio. Apesar
das tradições e da estabilidade dos sistemas de ensino médio apresentadas
neste volume, essa é uma área de grandes e permanentes tensões. As principais – e possivelmente eternas tensões do ensino médio – incluem:
• Tracking. O termo tracking refere-se ao encaminhamento, mais
ou menos compulsório de alunos para uma determinada via de estudos – tipicamente estudos mais aplicados, menos rigorosos, ou
profissionalizantes. Essa prática ainda existe, sobretudo em países
de tradição germânica, onde alunos de 11 ou 15 anos, dependendo do
país, são encaminhados ou orientados para determinadas vertentes
do ensino. O nível de compulsoriedade do tracking varia dentro das
nações. Em outros países, onde não há tracking, pode haver formas
mais sutis de encaminhamento de alunos para determinadas vertentes. Na América do Norte, não existe qualquer diferenciação formal
até o final da escola secundária.
A existência de diferenciação reflete, além de tradições culturais, o reconhecimento de que as pessoas são diferentes, e que há tratamentos
mais apropriados para diversas combinações de motivação, esforço e
talento. A crítica à diferenciação é sempre no sentido de que não se
deve limitar o potencial das pessoas, ao contrário, devem-se se deixar
sempre abertas as portas para o indivíduo escolher seus caminhos, em
qualquer nível de ensino. No imaginário cultural da maioria das pessoas e países, o ensino acadêmico de qualquer qualidade sempre está
mais associado com a abertura de possibilidades, com a flexibilidade,
ao passo que o ensino técnico está mais associado com a especialização, o fechamento de vias, o mundo do trabalho.
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Diferentes países reagem de forma diferente a essas questões. Qualquer que seja a forma, observam-se algumas regularidades. Primeiro, a existência ou não de tracking não elimina a existência das
diferenças e suas implicações. Alguns países são mais explícitos no
reconhecimento das diferenças, outros, mais sutis. Segundo, a questão do tracking envolve aspectos de filosofia educacional e aspectos
práticos sobre o que fazer com alunos sem motivação ou condições
de seguir determinadas trajetórias. Essas são questões sobre as quais
é impossível qualquer consenso. Independentemente da falta de
consenso, a tendência da maioria dos países é postergar ao máximo ou eliminar o tracking. Terceiro, a questão tracking está sempre
associada à equivalência de estudos e às possíveis pontes entre as
várias vias de formação.
O fato de alguns países abolirem a diferenciação formal, como no
caso da América do Norte, ou a diferenciação forçada, por critérios
acadêmicos, não abole o fato de que os jovens chegam ao ensino médio com diferentes bagagens educacionais e culturais, necessidades,
motivações e perspectivas em relação aos estudos e ao mundo do
trabalho. E essas diferenças – mesmo nos países em que quase todos
os alunos possuem nível dois ou mais no Pisa – afetam as chances de
sucesso dos alunos em cursos e carreiras com maior grau de exigência conceitual e intelectual.
• Equivalência entre as várias vias e acesso ao ensino superior.
As soluções preconizadas em todos os países sempre tendem a adiar
ao máximo as escolhas e manter a equivalência formal e reversibilidade das trajetórias –, mas essas soluções não eliminam os fatores
a elas subjacentes. A experiência empírica vem demonstrando, no
entanto, que a maior flexibilidade tem contribuído para manter os
alunos mais tempo na escola e ensejar o acesso cada vez maior dos
jovens a algum tipo de ensino superior. Uma das conseqüências dessas novas políticas é a diversificação de cursos de nível superior, que
se torna necessária para acomodar uma clientela com níveis mais di-
versificados de preparo acadêmico. Nesse sentido, os cursos de nível
pós-médio, IUTs e community colleges constituem um mecanismo
de acolhida desses alunos no ensino superior – mas não necessariamente aos cursos formais de graduação.
• Status das diferentes vertentes do secundário. Exceto nos países
de tradição germânica – e eventualmente entre subculturas dentro
de algumas nações que prezam a passagem de tradição ocupacional
de pai para filho –, as opções não-acadêmicas tipicamente gozam
de menor status social, mesmo quando isso não se reflete nos ganhos econômicos possibilitados por uma boa formação técnica. A
necessidade de manter os jovens cada vez mais tempo na escola tem
levado países como a Irlanda a desenvolver estratégias para valorizar as ocupações técnicas – mas essa é uma tarefa difícil. Na grande
maioria dos países e culturas ocidentais, uma formação acadêmica
deficiente sempre goza de maior prestígio social do que uma excelente formação acadêmica.
6. Conclusões e lições da experiência
internacional
A análise da experiência de outros países, com base em dados descritivos
e objetivos, permite extrair algumas lições de validade geral e, de modo
especial, alguns ensinamentos particularmente válidos para refletir sobre
a realidade brasileira. Para tanto, é necessário, antes de tudo, entender
as informações em seus contextos originais, antes de se poder pensar em
sua possível aplicação ou relevância para um país como o nosso. Apresentamos, de forma breve, alguns aspectos que talvez sejam relevantes
para essa reflexão.
Idade e preparo. O ensino médio, nos vários países, refere-se ao ensino
dos jovens de 15 a 18 anos. São jovens que concluíram o ensino fundamental e que, em sua esmagadora maioria, atingem acima do nível dois
no Pisa – o que lhes dá condições para prosseguir com êxito alguma forma de ensino secundário. A base do ensino médio, portanto, é um ensino
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fundamental de qualidade para todos. A universalização do ensino médio se deu a partir da universalização da qualidade, e não apenas da oferta de vagas desvinculadas de uma qualificação adequada dos alunos.
Diversificação. A diversificação do ensino médio constitui a norma, e
não a exceção. Há diversificação entre o acadêmico e o profissional. Dentro do acadêmico e do profissional ela também existe. Há diversificação
dentro de escolas e entre escolas. Ela reflete a preocupação dos países em
manter os alunos mais tempo na escola, oferecendo algo que eles sejam
capazes de fazer e para o qual se motivem. Mesmo nos países onde existe
o tracking, a diversificação forçada, o objetivo, pelo menos imediato, é a
inclusão, e não a exclusão dos jovens da escola.
O conceito de educação geral. Educação acadêmica e profissional são
concebidas como formas diferentes de propiciar uma educação geral.
Esta não é concebida como um conjunto de conhecimentos ou disciplinas específicas, e sim, como uma forma de lidar com o conhecimento
– seja ele mais abstrato ou mais concreto. A educação geral tanto se dá
nas escolas de formação profissional quanto nas escolas acadêmicas.
As tendências. As tendências parecem bem definidas. Primeiro, aumentar a participação dos jovens nas várias vertentes do ensino médio,
sem necessariamente tornar compulsório esse nível de ensino. Segundo,
aumentar a relevância dos cursos. No caso dos cursos acadêmicos, trata-se de ressaltar as implicações tecnológicas e ampliar a capacidade de
usar conhecimento. No caso dos cursos mais técnicos, trata-se de dotar
os alunos com instrumentos conceituais que lhes permitam ir cada vez
mais longe e continuar a aprender ao longo da vida. Terceiro, estreitar a
ponte entre o mundo da escola e o do trabalho e a sociedade em geral. Os
temas, comportamentos, atitudes e valores da escola são cada vez mais
próximos dos temas do mundo real. O exercício de opções pelos alunos
do ensino médio é parte da preparação para a vida e para o trabalho.
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Anexo 1
Os autores
Claudio de Moura Castro é formado em Economia pela UFMG, com
mestrado pela Universidade de Yale. Iniciou no programa de doutoramento
na Universidade da Califórnia em Berkeley, terminando na Universidade de
Vanderbilt (em Economia). Ensinou nos programas de mestrado da PUC/
Rio, Fundação Getúlio Vargas, Universidade de Chicago, Universidade de
Brasília, Universidade de Genebra e Universidade da Borgonha em Dijon.
Trabalhou no Ipea/Inpes e foi coordenador técnico do Programa Eciel, passando em seguida a diretor-geral da Capes. Foi também secretário executivo
do CNRH/Ipea. No exterior, foi Chefe da Divisão de Políticas de Formação
da OIT (Genebra), economista sênior de Recursos Humanos do Banco Mundial, passando para o BID como chefe da Divisão de Programas Sociais. Ao
aposentar-se do BID, em fins do ano 2001, assumiu a posição de presidente
do Conselho Consultivo da Faculdade Pitágoras. Autor de mais de 35 livros e
mais de 300 artigos científicos, é articulista da revista Veja.
Pasi Sahlberg é Ph.D e expert em política e reforma educacionais da
European Training Foundation, com sede em Turim (Itália). É cidadão
finlandês e serviu como professor e membro da equipe do Ministério da
Educação da Finlândia. Foi diretor do Centro para Desenvolvimento Escolar da Universidade de Helsinki, atuando depois no Banco Mundial
(Washington, EUA), onde trabalhou como especialista sênior em educação até maio de 2007. Tem grande experiência na análise de políticas
educacionais, no treinamento de professores e de gestores educacionais.
Suas mais recentes publicações incluem: Education Policies for Raising
Student Learning: The Finnish Approach (2007), Policy Development and
Reform Principles of Basic and Secondary Education in Finland since 1968
(2006), Raising the Bar: How Finland Responds to the Twin Challenge of
Secondary Education (2006) e Education Reform for Raising Economic
Competitiveness (2006). Seus interesses em pesquisa incluem mudança
educacional, aprendizagem corporativa e educação matemática.
Thomas Deissinger exerce, atualmente, a função de professor titular da cadeira de Educação para Negócios e Economia da Universidade de Constanza (Alemanha). É membro da Société Internacionale pour
L’Enseignement Commercial (Sociedade Internacional para o Ensino Comercial) e autor de diversos estudos e publicações. Destacam-se entre
eles: Aprendizagem na Alemanha: Modernizando o Sistema Dual, em coautoria com S. Hellwig (2005); Iniciativas e Estratégias para Fixar Oportunidades de Treinamento na Educação Vocacional e no Sistema Alemão
do Treinamento, também com S. Hellwig, (2004); Sistema Alemão de
Educação e do Treinamento Vocacionais: Desafios e Etapas da Modernização, (2004) e Treinamento Vocacional em Empresas Pequenas na Alemanha: a Contribuição do Setor do Ofício, (2001).
Candido Alberto Gomes é doutor em educação pela Universidade da Califórnia, Los Angeles, e tem mais de 150 trabalhos publicados
no Brasil e no exterior. É professor titular da cátedra sobre Juventude,
Educação e Sociedade da Universidade Católica de Brasília. Entre as suas
funções, foi assessor legislativo concursado do Senado Federal e presidente do Comitê de Pesquisa do Conselho Mundial das Sociedades de
Educação Comparada. Tem sido consultor de várias organizações internacionais.
João Batista Araujo e Oliveira é Ph.D em Educação e possui vasta
experiência como professor, pesquisador, administrador público e consultor, tendo trabalhado no Brasil e em mais de 50 países. É autor de mais de
três dezenas de livros científicos, mais de uma centena de artigos técnicos
e científicos, e de várias publicações de caráter didático. Como consultor,
participou de importantes reformas educativas em âmbitos nacional, estadual e municipal. Atualmente preside o Instituto Alfa e Beto.
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Anexo 2
Comissão de Educação e Cultura - CEC
Presidente: Deputado Gastão Vieira
1º vice-presidente: Deputada Maria do Rosário
2º vice-presidente: Deputado Frank Aguiar
3º vice-presidente: Deputado Osvaldo Reis
Titulares
Deputado Alex Canziani
Deputada Alice Portugal
Deputado Angelo Vanhoni
Deputado Antonio Bulhões
Deputado Antônio Carlos Biffi
Deputado Ariosto Holanda
Deputado Átila Lira
Deputado Carlos Abicalil
Deputado Clodovil Hernandes
Deputado Clóvis Fecury
Deputada Fátima Bezerra
Deputado Frank Aguiar
Deputado Gastão Vieira
Deputado Iran Barbosa
Deputado Ivan Valente
Deputado João Matos
Deputado Joaquim Beltrão
Deputado Lelo Coimbra
Deputado Lobbe Neto
Deputada Maria do Rosário
Deputada Nice Lobão
Deputado Nilmar Ruiz
Deputado Osvaldo Reis
Deputado Paulo Renato Souza
Deputado Paulo Rubem Santiago
Deputado Professor Ruy Pauletti
Deputado Professor Setimo
Deputada Professora Raquel Teixeira
Deputado Raul Henry
Deputado Rogério Marinho
Deputado Severiano Alves
Deputado Waldir Maranhão
SUPLENTES
Deputada Andreia Zito
Deputada Angela Amin
Deputada Angela Portela
Deputado Beto Mansur
Deputado Bonifácio de Andrada
Deputado Dr. Pinotti
Deputado Dr. Ubiali
Deputado Eduardo Lopes
Deputado Elcione Barbalho
Deputada Eliene Lima
Deputado Elismar Prado
Deputado Flávio Bezerra
Deputado Gilmar Machado
Deputado Jilmar Tatto
Deputado João Oliveira
Deputado Jorginho Maluly
Deputado Lira Maia
Deputada Luiza Erundina
Deputado Marcelo Ortiz
Deputado Márcio Reinaldo Moreira
Deputado Mauro Benevides
Deputado Mauro Lopes
Deputado Neilton Mulim
Deputado Paulo Magalhães
Deputado Pedro Wilson
Deputado Professor Victorio Galli
Deputado Raimundo Gomes de Matos
Deputado Reginaldo Lopes
Deputado Ribamar Alves
Deputado Ricardo Izar
Deputado Saraiva Felipe
Local: Anexo II, pav. superior, ala C, sala 170
Telefones: 3216-6622/6625/6627/6628
FAX: 3216-6635
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