O Leite em Minas Gerais
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O Leite em Minas Gerais
O em Minas Belo Horizonte 2010 Gerais SXC / RF Ao lado do sal, da salsa, (A receita nunca é falsa) Todos boiam na manteiga De natural d oce e meiga. E para ma ior deleite, Um copo e meio de leite. Carlos Drummond de Andrade Poema Culinário 3 Tecnologia e qualidade em construção Apresentação 6 1 A expansão do gado leiteiro Cá entre nós 26 Uma verdadeira especiaria 36 Maior produtor de leite do país 38 Sonho realizado no cerrado 48 Está no sangue 54 2 Evolução do mercado 56 O comércio de leite nas grandes cidades 60 Unidos, fazendo história 63 Do pequeno Laticínios Lagoa da Prata à gigante Embaré 71 O Brasil conquista a Nestlé 77 Apareceu a margarina 81 Equipamentos para laticínios 82 Fabricação mineira 83 Queijos finos 92 10 108 Renovação com a SuperAgro 125 Universidade Federal de Viçosa 140 Difundindo o saber 141 Da produção artesanal à industrializada 142 Doces prêmios 143 Instituto Cândido Tostes 147 O leite como prioridade 148 Ensinar inovando 149 A primeira laticinista do país 150 Alguns espinhos 151 Tradição nas letras e em eventos 152 A máquina em funcionamento 153 4 De mãos dadas Projetos Educampo e Balde Cheio 156 Referências 174 Acervos fotográficos 178 Glossário de siglas 180 Ronaldo Guimarães A presentação Tempos atrás, pesquisa sobre a agropecuária em Minas Gerais mostrou que a produção de leite é a atividade econômica rural mais frequente no estado. A constatação surpreendeu muita gente, que, até por causa da origem no campo, sempre teve a impressão de que a roça de milho era a principal marca produtiva das fazendas mineiras. O levantamento não deixou dúvidas, pois ninguém contestou a predominância leiteira. Esse resultado está intimamente ligado à história do desenvolvimento rural de Minas Gerais, que lidera o mercado nacional de leite e derivados, com quase 30% da produção, um índice de enorme relevância social e econômica. Numa nova parceria, destinada a resgatar, registrar, divulgar e preservar as tradições mineiras, o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG) e a Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg) decidiram unir esforços para contar, nesta publicação, a história do leite no estado. Evandro Fiuza As duas instituições sempre incentivaram e apoiaram projetos e programas que ajudam o agricultor a entender sua realidade e a agir em benefício do negócio, contribuindo para o bem-estar da população. O Sebrae-MG desenvolve o Educampo, em diferentes regiões do estado, com resultados tão positivos que avança em direção a outros setores do agronegócio, como café e frutas. A iniciativa se concentra na gestão de pequenas propriedades rurais, capacitando o produtor com técnicas e conhecimento sobre produtividade, controle de custos e competitividade empresarial. O objetivo é a habilitação para um novo modelo de negócio, na moderna fase de exploração do leite. A Faemg adotou o Balde Cheio, desenvolvido pela Embrapa, em São Carlos (SP), sob coordenação do técnico Arthur Chinelato. Já implantado Brasil afora, envolvendo parcerias com cooperativas e entidades-âncoras, o programa contrata técnicos, para orientar grupos de produtores nas fazendas. Na coordenação geral do programa, a Faemg cuida permanentemente da reciclagem dos especialistas que ensinam atualizadas técnicas de gestão no campo. Por tudo isso e, muito especialmente, por vivermos na “era da informação e do conhecimento”, ressaltamos a importância de O Leite em Minas Gerais. Desde os tempos coloniais, a produção leiteira, sustentada por alguns personagens conhecidos e uma legião de anônimos, sempre teve de superar desafios, que não a impediram de chegar à expressiva situação atual. Uma realidade marcada pela exigência de alta produtividade e competitividade, sem as quais não seria possível sobreviver em um mercado globalizado, de concorrência acirrada. Mais do que nunca, são imprescindíveis a gestão do negócio, a produção eficiente e os cuidados com custos, para alcançar melhor lucratividade. Ao longo da trajetória, múltiplos fatos econômicos e sociológicos determinaram as características atuais do setor. Entre eles, a redução do número de produtores, gerando aumento do volume da produção individual dos que permanecem na atividade. Apesar de todas as dificuldades, a gradual consolidação possibilita a certeza de que o Brasil será um dos maiores exportadores mundiais de leite, como já é de carne, porque pode elevar a produção, por ter áreas e condições favoráveis à expansão. Bastam apenas alguns ajustes. Todos que participam dessa saga sabem a importância que O Leite em Minas Gerais pode ter na modernização e crescimento da atividade leiteira. O setor e o país ganham referências de que podem orgulhar-se, porque resgatam a origem e a história do negócio agropecuário que sustentou sonhos e continua a se atualizar para garantir a concretização de novos projetos do produtor rural. Trata-se de obra indispensável à compreensão do passado, melhoria do presente e projeção do futuro da atividade leiteira, de fundamental importância para o agronegócio. Roberto Simões Presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae-MG Presidente da Faemg Ronaldo Guimarães 1 A expansão do gado leiteiro 1 a expansão do gado leiteiro 12 3 Por todo o território De olhos no passado, é impossível imaginar que a cadeia produtiva do leite seria um dia, como é hoje, uma das maiores em faturamento e geração de emprego e renda no Brasil. É a única que cria emprego no interior do país de maneira contínua, porque envolve atividades intensivas em mão de obra e está espalhada pelos 5.560 municípios brasileiros. É curioso lembrar que a pecuária de leite não teve incentivos estatais para se desenvolver no país durante o período pré-colonial e colonial, embora aqui estivesse praticamente desde o início da presença europeia. 1 2 No período pré-colonial (1500/1530), a Coroa portuguesa só se interessou em investir naquilo que fosse possível exportar, como madeira (pau-brasil). Essa característica se manteve durante o Brasil Colônia, com itens como açúcar, metais preciosos, tabaco, couro etc. O leite, dado seu caráter pere cível, não servia ao propósito dos portugueses naquela época. 1. Foto Maurício Farias/Arquivo ABCZ 2. Foto Ronaldo Guimarães/Arquivo Sebrae-MG 3. Mapa produzido pelo cartógrafo piemontês Giacomo Gastaldi, em 1565, para Delle Navigationi et Viaggi, um livro sobre relatos de viagens do geógrafo veneziano Giovanni Battista Ramusio (1485/1557). Arquivo Biblioteca Nacional O frade dominicano Bartolomeu de Las Casas, que chegou ao continente americano em 1503, escreveu em Historia de las Indias que os primeiros bovinos a pisar o continente americano foram trazidos por Cristóvão Colombo em 1493. No Brasil, quem trouxe os primeiros animais foi a espanhola Ana Pimentel, mulher do navegador português Martim O to que feminino Afonso de Souza. Ele desembarcou em São Vicente (considerada a primeira vila brasileira, localizada em terras paulistas) na terceira década do século XVI, à frente da primeira armada com objetivos colonizadores enviada pelo rei de Portugal, que assim pretendia garantir o domínio em terras brasileiras, cobiçadas por outros países, sobretudo a França. Martim Afonso tornou-se donatário da Capitania de São Vicente, mas teve que voltar a Portugal em 1534, cerca de dois anos depois de ter chegado, pois foi nomeado capitão-mor da armada da Índia. Ana Pimentel foi então nomeada pelo marido procuradora da capitania, que passou a governar. E em meados da década de 1530, ela trouxe para São Vicente 32 bovinos. Pintura do artista plástico Carlos Fabra que ilustra a chegada ao Brasil das primeiras cabeças de gado, trazidas por Ana Pimentel. Arquivo Prefeitura de São Vicente (SP) 1 a expansão do gado leiteiro Apesar de pou co lembrada nos livros, Ana Pimentel está entre as mulheres mais importantes d a história brasileira. Sua generosid ade deu origem à pecuária 16 1 2 no Rio Grande do Sul, pois, quando sua dama de companhia se casou com um índio gaúcho, deu-lhe como dote algumas reses de sua fazenda. Levados para a estância nos pampas, os animais se multiplicaram livremente e, já no século XVIII, serviram de meio de transporte e de alimento para os mineiros que retiravam ouro das Minas Gerais. Nos primeiros tempos da colonização portuguesa, as terras férteis do litoral foram usadas para a agricultura, principalmente para o plantio de cana-de-açúcar. Martim Afonso de Souza proibiu os colonos de subirem a Serra do Mar. O donatário temia conflitos com os índios que habitavam as terras mais férteis e de clima mais ameno do planalto paulista. Em 1545, quando essa ordem foi revogada por Ana Pimentel, os moradores de São Vicente puderam aventurar-se “dez a doze léguas pelo sertão e terra adentro”, como contou o Padre Anchieta em seus relatos. 1. Óleo sobre tela de Benedicto Calixto (sem data), ilustrando a praia de São Vicente, a primeira vila da Colônia, fundada em 1532. Pinacoteca Benedicto Calixto (SP) 2. O navegador português Martim Afonso de Souza, fundador da Vila de São Vicente (SP), pintado por Benedicto Calixto. Arquivo Prefeitura de São Vicente (SP) 2 1 a expansão do gado leiteiro No Nordeste, com as terras litorâneas ocupadas pelos canaviais e engenhos, a pecuária foi-se afastando para o amplo sertão e, com o tempo, desceu até Minas Gerais, onde se multiplicou pelo Vale do São 19 Francisco e se espalhou pelo Norte e Oeste do estado, pelo Triângulo, chegando a Goiás. Historiadores concordam em que a ocupação do interior do Brasil foi sustentada pela pecuária, sendo o boi usado como força de trabalho, meio de transporte e fonte de proteína. Outra via de entrada do gado em Minas Gerais foi São Paulo, que recebia a manada trazida por boiadeiros do Rio Grande do Sul. Esta era revendida para fazendeiros do Sul do estado e também servia de alimento para a população das regiões ricas em ouro. Estima-se que em 1770 o Brasil tinha dois milhões de habitantes, enquanto só nos pampas gaúchos cerca de um milhão de bovinos viviam soltos, à disposição de quem os laçasse. Caça aos bois Os bandeirantes que tinham se dedicado à caça aos índios, para ve ndê-los como escravos aos senhores de engenho, d escobriram na caça aos bovinos um negóc io mais rendoso e menos arriscado. Depois de laçados, os animais eram levados até São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, em uma jornada que durava cerca de seis meses. Essas expedições de caça ao boi nem sempre foram pacíficas, pois os animais eram cobiçados por outros caçadores e pelos próprios gaúchos. Gravura de Louis Julien Jacottet, de 1835, sobre paisagem mineira, onde se veem carros de bois usados para o transporte de mercadorias, na região de Matosinhos (MG). Arquivo Biblioteca Nacional 8 2 1 3 De outras terras O gado chegou a Minas Gerais também trazido do Rio de Janeiro, espalhando-se pela Serra da Mantiqueira, pela região de Barbacena e por toda a Zona da Mata. Foi por 4 essa via que se introduziu no estado o gado Holandês, o pardo-Suíço e o gado Mestiço proveniente do cruzamento dessas raças com o gado comum. 1, 2 e 3. Gado da raça Holandesa, na região da Mantiqueira. Foto M. C. Vianna/Arquivo Público de Santos Dumont (MG) 4 e 5. Bezerras da raça Holandesa, malhadas de vermelho, que pertenceram a fazendeiro da região da Mantiqueira, no início do século XX. Foto M. C. Vianna/Arquivo Público de Santos Dumont (MG) 6. Campeão da raça Holandesa na Exposição Agropecuária de 1920, realizada em Belo Horizonte. Pertencia ao fazendeiro Jorge de Sá Fortes, da Fazenda Jacutinga, na região de Santos Dumont. Arquivo Público de Santos Dumont (MG) 7 e 8. Desenho das características do touro Albert, da raça 7 Holandesa, importado no início do século XX por fazendeiro da região de Santos Dumont e cópia do seu Certificado de Exportação. Arquivo Público de Santos Dumont (MG) 6 5 1 a expansão do gado leiteiro No século XVIII, o comér cio de gado em Minas Gerais era bem organizado. 23 Quase três séculos depois de Ana Pimentel, outra mulher se tornou lenda nos sertões mineiros ao substituir o marido no comando de suas fazendas espalhadas pelo Centro-Oeste do estado. Sede já demolida, da fazenda de Dona Joaquina de Oliveira Campos, em Pompéu (MG). Reprodução do livro Dona Joaquina de Pompéu, de Coriolano Ribeiro e Jacinto Guimarães/Foto Sara Torres Nascida Joaquina Maria Bernarda da Silva Abreu Castelo Branco SoutoMayor de Oliveira Campos, no Arraial Ribeirão do Carmo, hoje cidade de Mariana, em 1752, Dona Joaquina de Pompéu (por causa do nome de sua principal fazenda e do local da propriedade) era filha de advogado português casado com uma açoriana. Ela se transformou em grande criadora de gado, atuando no abastecimento de inúmeras vilas. Um negócio e tanto Dona Joaquina se destacou na sociedade também porque manteve relação próxima com a Corte portuguesa, pois ajudou a alimentar a família real e outros portugueses quando eles desembarcaram no Rio de Janeiro, em 1808 — a cidade sofreu falta de abastecimento com o repentino crescimento da população. Ao morrer, em 1824, aos 72 anos, deixou aos numerosos herdeiros 11 fazendas e 40 mil cabeças de bovinos. A organização do negócio de gado no estado, naqueles tempos, se refletia na estrutura do comércio. Havia paragens de tropeiros em pontos determinados, travessias de rios e áreas de venda de animais em pé ao longo dos “caminhos dos currais” que ligavam as fazendas do sertão de Sete Lagoas e Curvelo a Ouro Preto. Uma das áreas de passagem dos tropeiros era o arraial do Curral Del Rey, hoje Belo Horizonte; outra, Ribeirão das Abóboras, atual Contagem, na Região Metropolitana da capital. Além de funcionarem como ponto de venda, facilitavam o trabalho dos fiscais da Coroa na cobrança de impostos. Como as taxas eram consideradas altas, o contrabando de gado se desenvolveu quase tanto quanto o do ouro e dos diamantes. 1. Reprodução de cartas escritas por Dona Joaquina de Pompéu/Sara Torres 2. Curral Del Rey, hoje Belo Horizonte, era rota de tropeiros que levavam gado para outras regiões do estado. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte 1 a expansão do gado leiteiro 1 No começo do século XVIII, o bandeirante João Leite da Silva Ortiz (fundador do arraial do Curral Del Rey) chegou à região de Sete Lagoas e resolveu cuidar do comércio de gado. De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, o novo contrato para o comércio de carne e leite, em condições pouco favoráveis à população, provocou ondas de protestos que resultaram na chamada Guerra dos Emboabas, embora outros historiadores prefiram atribuir esse conflito à disputa pelo direito de exploração de jazidas de ouro. 25 De qualquer forma, o rebanho se expandiu na mesma velocidade com que jazidas de ouro e diamante eram descobertas nas Minas Gerais, 2 atraindo milhares de novos habitantes. No Brasil, nos cem anos que se seguiram a 1770, a população quintuplicou, chegando a 10 milhões de habitantes. Ao mesmo tempo, crescia o rebanho bovino. O mercado consumidor de leite foi-se formando entre 1820 e 1930, período em que cerca de 4,5 milhões de imigrantes europeus desembarcaram no país e em que o leite se transformou na principal atividade econômica de boa parte das fazendas mineiras. Exemplo dessa realidade foi a efervescência econômica em torno dos laticínios na Zona da Mata. Continua na página 30 Cá entre nós É referência também o texto bíblico sobre a saga dos judeus que fugiram da escravidão no Egito e se dirigiram a Canaã, a terra em que manam leite e mel. Três séculos antes de Cristo, o grego Hipócrates, “Pai da Medicina”, escreveu que leite é alimento muito próximo da perfeição e preventivo de várias doenças. Desde a antiguidade, o leite está presente no preparo de refeições. No Egito dos faraós, queijo e leite compunham os tesouros guardados nas pirâmides para que os mandatários falecidos pudessem ter uma viagem bem alimentados ao mundo dos mortos. Plínio, historiador grego, relata que tribos sármatas fabricavam doce de leite de camela e misturavam leite à farinha de milho. Na Idade Média, o leite puro era consumido quase exclusivamente pelas crianças. No Brasil, a primeira referência escrita ao leite é de 1552, feita pelo padre Manuel da Nóbrega, em carta aos superiores em Portugal. Ele revelou que vinha atraindo os indiozinhos para a catequese e para o colégio instalado na vila que deu origem a Salvador, na Bahia, oferecendolhes leite retirado de 12 vacas. Só bem mais tarde, contudo, os adultos brasileiros adotaram o hábito de beber leite. Fabricado artesanalmente, o Queijo de Minas ganhou fama e até se tornou patrimônio. Mas nem sempre foi apreciado, especialmente pela falta de higiene em que era produzido nas casas de fazendas que usavam formas e queijeiras (mesas de madeira) pouco recomendáveis. Foto Sara Torres/Museu de Artes e Ofícios O viajante inglês John Barrow, que visitou o Rio de Janeiro em 1792, escreveu que os moradores das cidades raramente bebiam leite e quase nunca comiam queijo e manteiga. Foi difícil conseguir um pouco de leite para seu chá. Quando encontrado, disse Barrow, era de péssima qualidade. 1 a expansão do gado leiteiro A importância do leite para o homem é reconhecida desde a idade da pedra, tanto que fazia parte de ritos da fecundidade, da literatura clássica e das antigas lendas, como a de Rômulo e Remo, fundadores de Roma. Eles teriam ficado órfãos muito cedo e, abandonados à própria sorte, sobreviveram porque uma loba os alimentou. O queijo e a manteiga eram produzidos principalmente em Minas Gerais, em pequenos cômodos nas fazendas, às vezes na própria residência da família. Não havia máquinas apropriadas ou atenção à higiene, mesmo quando a produção era destinada ao consumo doméstico. Em geral, a fabricação era dirigida pela mulher do fazendeiro. O autor de Viagens ao Interior do Brasil, John Mawe, um britânico que esteve no país durante dois anos, a partir de 1809, escreveu sobre o assunto. Na região de Juiz de Fora, ele chegou à Fazenda do Capitão Rodrigo de Lima e se espantou ao visitar a “fábrica de queijo”. Em vez de um compartimento apropriado à fabricação do produto, encontrou um quarto sujo, de cheiro insuportável. E ouviu, como explicação, que não era época de fabricação de queijo, pois as vacas só produziam leite na estação das águas. Pela mesma razão, ninguém tinha se preocupado em lavar os utensílios, desde a última vez em que haviam sido usados. Mawe se deu ao trabalho de ensinar ao fazendeiro entediado o modo correto da produção de queijo, como se fazia em seu país. Foi ouvido educadamente, mas não percebeu no ouvinte qualquer demonstração de que seguiria suas orientações. Porém, em outras regiões mineiras, suas lições foram bem aproveitadas. Ele escreveu que a mulher do Conde de Linhares, proprietário da Fazenda do Barro, a 80 quilômetros de Ouro Preto, “olhou nossos preparativos e pareceu muitíssimo interessada neles”. O britânico se encantou também com o interesse de uma mulher no Tijuco, atual Diamantina: “A senhora se mostrou vivamente interessada na experiência: ela mesma participou das tarefas, com a ajuda das filhas, convidou várias amigas para ver como era fácil o processo e distribuiu entre elas o produto obtido. Um raro exemplo de atividade e boa vontade.” 27 Quase não se produzia manteiga aqui, como observou o príncipe alemão Maximilian Wied-Neuwied, autor de Viagem ao Brasil, publicado em 1820. Ele viajou pelo Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, durante os anos de 1815 e 1816, e constatou que a população não sabia fabricar manteiga. A conservação do produto era prejudicada pelo clima quente e pelo preço elevado do sal. Ao contrário do inglês e do alemão, o conhecido naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire fez três viagens a Minas Gerais, entre 1817 e 1822, e não reclamou, em seus vários escritos, da qualidade de nosso leite. Até fez comparações com o produzido nas montanhas da Auvérnia, região francesa famosa pela indústria de laticínios, principalmente a dos queijos AOC. 1 a expansão do gado leiteiro 2 29 1 Possivelmente, com a chegada ao Brasil da família real, os produtores de leite ganharam ma is estímulo para melhorar a qualidade. Os nobres portugues es faziam questão de queijo e manteiga nas refeições. Os quei jos preferidos eram o chester e o português da Serra da Estrela, feito com leite de cabra, mas a fama do queijo Mina s chegara ao litoral. 1. Vista do Rio de Janeiro, em gravura de 1821, de John Heaviside. Foi nessa época que o príncipe alemão Maximilian Wied-Neuwied fez seus relatos de Viagem ao Brasil, nos quais reclamou da qualidade da manteiga nacional. Arquivo Biblioteca Nacional 2. Paisagem de Diamantina, em foto de Augusto Riedel, de 1868/69. Anos antes, pela cidade passou o britânico John Mawe, que ensinou a fazendeiros, especialmente mulheres, a produzirem queijo. Arquivo Biblioteca Nacional 1 a expansão do gado leiteiro 1 31 Continuação da página 25 O prim eiro laticínio 2 “A transparência do céu, a doçura do ar, a benigni dade do clima, o encanto da paisagem, a beleza das flores, a graça das mulheres, a excelência dos corações, a brandura dos costume s, a franqueza da hospitalidade fazem de Palmyra a miniatura d e um paraíso Rui Barbosa, em crônica de 1920 abrigado entre as austeras serranias mineiras.” Quem não conhece a história de Santos Dumont, ex-Palmyra, cidade da Serra da Mantiqueira, na Zona da Mata mineira, se surpreende ao saber que ali, ainda no século XIX, na terra do “pai da aviação”, a indústria de laticínios era mais do que uma promessa. Era uma realidade econômica que transformou o pequeno município no maior polo brasileiro de produtos lácteos. 1. A primeira fábrica de laticínios da América Latina. Arquivo Biblioteca ILCT 2 e 3. O gado Holandês foi introduzido nas fazendas da região de Palmyra por Carlos Sá Fortes, avô do criador do Laticínios Mantiqueira, o médico Sá Fortes, que implantou o primeiro laticínio da América Latina. Arquivo Público de Santos Dumont (MG) Em 1888, antes mesmo de Palmyra ser reconhecida como município, foi instalada ali a primeira fábrica de laticínios da América do Sul. O proprietário era o médico Carlos Pereira de Sá Fortes, neto de Carlos Sá Fortes, primeiro importador de gado Holandês na região. Nascido em Barbacena em 1850, seu sonho era produzir queijos com a mesma qualidade dos europeus. Para isso, foi à Europa visitar laticínios e comprou na Holanda o maquinário da Companhia de Laticínios da Mantiqueira, erguida às margens do Rio Pinho. 3 3 1 a expansão do gado leiteiro 2 Convivendo com Santos Dumont A família Sá Fortes fez história em Palmyra e deixou registros interessantes, além do envolvimento com a produção de leite e derivados. Um deles é sobre a amizade entre o coronel José Jorge Sá Fortes, também grande fazendeiro, e o inventor do avião. Santos Dumont (1873/1936) nasceu na Fazenda Cabangu, localizada a 16 quilômetros da então vila de João Gomes. Seu pai, o engenheiro Henrique Dumont, se instalou na propriedade em 1870, pois era o construtor responsável pelo ramal da Estrada de Ferro Dom Pedro II que passaria pela região. 1 O coronel Sá Fortes foi uma referência para Santos Dumont quando se tratava de cuidar da fazenda. Ele aconselhava o amigo sobre a administração da propriedade, criadora de gado Holandês e fornecedora de leite para laticínios como o Alberto Boeke e Jong e Companhia. Transformada em museu, a antiga casa da Fazenda Cabangu guarda rastros dessa história. 33 De funcionário a patrão Outro amigo de Santos Dumont também foi importante personagem da história da então cidade pólo de laticínios. O holandês João Kingma era gerente do laticínio do também holandês Alberto Boeke, quando constatou que fabricar coalho seria uma grande oportunidade de negócio. De certa forma, Kingma repetiu a história de seu patrão. Boeke era um mecânico que veio para o Brasil montar os equipamentos do laticínio de Carlos Pereira Sá Fortes. Anos depois, em 1907, se tornou fabricante do queijo da marca Borboleta. Sua empresa, fundada naquele ano com três sócios, chamava-se Alberto Boeke e Jong e Companhia, nome mudado em 1922 para Companhia de Lacticínios Alberto Boeke. Pois não é que, em 1923, depois de trabalhar para Boeke, Kingma resolveu também montar sua própria indústria em sociedade com o maior pecuarista da Mantiqueira, João Geraldo Freiks. Por mais de 50 anos, a fábrica foi a única de coalho no Brasil. 1. Ferro de marcar gado, com as inscrições de Santos Dumont. Museu Cabangu/Reprodução Ronaldo Guimarães 2. Recibo do laticínio de Alberto Boeke e Jong mostra a relação da fábrica com a administração de Palmyra. Arquivo Câmara Municipal de Santos Dumont (MG) 3. Muito premiado, o laticínio de Alberto Boeke foi adquirido, em 1960, pela Ribeiro Fonseca. Fruto da compra de laticínios ainda na década de 1920, o Ribeiro Fonseca foi, ao longo de muitos anos, o maior de Santos Dumont. Arquivo Ribeiro Fonseca A trajetória de Kingma é contada por seu neto, o escritor Victor Kingma. Filho de uma família tradicional de laticinistas da Frísia (região no noroeste da Europa), João Kingma, que se formara técnico em laticínios, leu num jornal holandês anúncio que procurava um profissional para montar o equipamento comprado na Europa pelo médico Hermenegildo Vilaça, que estava instalando um laticínio em Juiz de Fora, na longínqua Minas Gerais. Ele enviou carta a Vilaça pedindo o emprego e, só depois de aceito, informou aos pais que ia viajar para o Brasil. Concluído o serviço, preparava-se para voltar à sua terra, mas foi convidado por Boeke, em 1909, a ser gerente de sua fábrica em Palmyra. 3 Fonseca Laticínios S/A teve sua origem na fábrica Santa Martha, fundada em 1920 por Pedro José Ribeiro, produtora dos queijos das marcas Palmyra 35 e Chantecler. Em 1935, a empresa muda de nome, com a entrada de outro 1 O coalho nacional O Coalho Frísia, de Kingma, era bem mais barato do que o importado, o que possibilitou o surgimento de dezenas de pequenos laticínios na região. “Só ele dominava a técnica de fazer coalho. Depois passou para um filho, meu tio”, diz Victor. A empresa resistiu nas mãos da família por cerca de 80 anos, antes de falir. Hoje, até o prédio da fábrica histórica desapareceu, como o de tantas outras que deram a Palmyra o título de “capital do queijo”. Sobrevivem ali poucas e pequenas fábricas. Durante anos, a maior empresa do setor em Santos Dumont, a Ribeiro 1 a expansão do gado leiteiro 2 sócio, Galileu Fonseca. Não basta ser grande A Ribeiro Fonseca chegou a empregar mais de 500 pessoas em 60 laticínios espalhados pela região. Em 1960, morreu Albert Boeke, e, cinco anos depois, o laticínio fundado por ele foi comprado pela Ribeiro Fonseca. Esta, por sua vez, foi adquirida, em 1975, pelo paulista Jorge Chammas Neto, dono do grupo Moinho São Jorge, do qual fazia parte a Leite União. Em 1996, a Ribeiro Fonseca foi fechada. Segundo a Secretaria de Agricultura e Desenvolvimento Econômico de Santos Dumont, o município produz ainda cerca de 100 mil litros de leite por dia e possui seis pequenos laticínios, nenhum fabricante de queijo do Reino, que deu fama à região. Não é à toa que, na época em que a Ribeiro Fonseca foi montada (ainda como Santa Martha), Minas Gerais já era o maior produtor de lácteos do país, com seus 965 laticínios, no fim da década de 1920. No estado, eram fabricados queijos, caseína, leite em pó, leite condensado e leite pasteurizado, o que embalava o mercado consumidor nacional. O estado nunca perdeu a liderança conquistada naquele início de século. Atualmente, a produção diária de leite é calculada em 18 milhões de litros. A produção ocorre em todos os municípios mineiros, mas alguns se destacam. Patos de Minas, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), produziu em 2008 mais de 109 millhões de litros de leite, só perdendo no país para Castro, no Paraná, com 138 millhões. 1. Kingma teve importância nacional, ao fabricar o primeiro coalho no país, passando a fornecedora para as dezenas de laticínios existentes na região da Mantiqueira. Arquivo Víctor Kingma 2 e 3. Funcionários da fábrica Ribeiro Fonseca, a que mais empregava na região da Mantiqueira. Arquivo Ribeiro Fonseca Continua na página 37 1 a expansão do gado leiteiro “...Se as condições objetivas para o desenvolvimento laticinista como atividade econômica foram tão hostis, o mesmo não se pode dizer de seu desenvolvimento culinário. Nesse verdadeiro laboratório experimental em que se transformou nossa culinária, o leite — é verdade, sempre como um subproduto — mesclou-se com todos os demais ingredientes locais ou estrangeiros. Sua culinária floresceu e rendeu inúmeros pratos inesquecíveis. Com o milho, deu origem a angus, broas e bolos de fubá, a canjicas, a inúmeras receitas de milho verde ou de seu derivado, a farinha de milho. Também se transformou em queijo, outra forma de busca de permanência, e com ele foram feitos pães de queijo, pudins, bons-bocados, queijadinhas, além, é claro, do célebre requeijão. Com o açúcar colonial, às 37 Continuação da página 35 Do café ao leite A pecuária do Sul de Minas Gerais se beneficiou do crescimento do mercado consumidor de leite na capital paulista, para onde o produto era transportado Uma verdadeira especiaria a partir da década de 1880, por vagões de carga, em latões de 50 litros. Quando o Vale do Paraíba se viu castigado pela decadência da cafeicultura, no começo do século XX, e seus fazendeiros começaram a substituir os cafezais por pastagens de capim-gordura ou a vender terras, os do Sul do estado souberam Foi na culinária que o leite encontrou seu espaço como alimento do brasileiro. Na descrição de Maria Luiza de Brito Ctenas e André Constantim Ctenas, essa característica se evidencia: Gravura A Nurse (Ama de Leite). Data provável entre 1846 e 1849. Arquivo Biblioteca Nacional vezes na forma de rapadura, outras de melado, o leite transmutou-se em bebidas, balas, doce de leite e roscas doces. Em conjunto com a mandioca, resultou talvez nos pratos mais originais do período colonial. Começando pela própria farinha, que se presta para bolos e doces; o polvilho, ótimo para biscoitos; a tapioca e o carimã, para doces diversos e mingaus. A mandioca rende tantos produtos e combina tão bem com o leite que é um capítulo especial na culinária brasileira, única e deliciosa. Com os ovos, surgem as ambrosias, as babas de moça, inúmeros cremes de ovos e pudins. Já com o coco e seu subproduto, o leite de coco, o leite participa de alguns de seus pontos altos da culinária brasileira. Cuscuzes, manjares e docinhos de coco, sempre com leite, continuam surpreendendo paladares desavisados. Com a europeia farinha de trigo, o leite surpreende menos, porém, modificado por mãos negras e influências indígenas, rende ótimos pães, bolos e doces. E, por último, o arroz nos brinda com ótimos arrozes-doces, bolos, mãesbentas e alguns pratos salgados...” aproveitar a oportunidade. Eles compraram terras baratas pertencentes a fazendas de café em decadência, passando a produzir leite mais perto da cidade de São Paulo, beneficiando-se também da boa infraestrutura de transporte existente no Vale do Paraíba. Esses mineiros ajudaram a construir ali, nos primeiros anos do século XX, a principal bacia leiteira paulista — um movimento que se repetiria mais tarde no Paraná e em Goiás, entre outras regiões. Continua na página 40 1 a expansão do gado leiteiro A propriedade produz leite e café e ocupa terras dos dois estados. Os cafezais estão em território mineiro, ao contrário do que diz a canção de Noel Rosa — “São Paulo dá café, Minas dá leite, e a Vila Isabel dá samba”. Com cerca de 3.000 animais em lactação e uma produção média de 25 litros por cabeça, a produção diária é de aproximadamente 75 mil litros de leite tipo A, industrializados na própria fazenda e vendidos em grande parte na capital paulista, a 290 quilômetros de distância. 39 Olavo Barbosa, como é mais conhecido, nasceu em 1923, em Guaxupé, onde começou a trabalhar, em 1940, na Companhia Brasileira de Café, da qual adquiriu dez anos depois seu primeiro armazém. Em 1960, comprou sua primeira fazenda. E mais outras, até os atuais 1.400 alqueires. As áreas altas dessa imensidão de terra foram reservadas à produção de café; as mais planas, à pecuária leiteira. Maior produtor de leite do país A ligação de produtores de leite do Sul de Minas Gerais com São Paulo, o principal mercado consumidor do país, continua até hoje. Um exemplo é Orostrato Olavo Barbosa, de Guaxupé, que instalou na cidade vizinha de Tapiratiba, em território paulista, a sede da Fazenda São José, maior produtora de leite do Brasil. A Fazenda São José tem cerca de 6.000 animais, ordenhados mecanicamente. Arquivo Fazenda Bela Vista A fazenda produz leite desde 1960, quando iniciou com vacas Gir e touros Holandeses vermelho e branco. Em 1966, introduziu gado Dinamarquês, criando animais tri-cross. Na década de 1980, a fazenda fez opção pelo gado Holandês preto e branco, importando 300 novilhas dos Estados Unidos e trocando o pasto pelo confinamento free-stall (baia livre), inventado na Califórnia, e o leite B pelo tipo A, comercializado com a marca Fazenda Bela Vista. A sala de ordenha, construída em aço inoxidável, tem capacidade para 500 animais por hora. A ordenha é toda mecanizada, sem qualquer contato manual, bem como todo o resto da linha de produção, até o envasamento feito na própria fazenda, que também fabrica as embalagens. O rebanho é formado por 6.000 animais. A São José produz ração e tem laboratório próprio. Foi pioneira no país em contagem de células somáticas do leite. Em 1990, montou um laboratório de transferência de embriões, o que possibilita a reposição de animais e o aprimoramento genético do rebanho. Ate 2005, eram realizadas cerca de 3.600 transferências de embriões. Atualmente, a fazenda importa embriões dos Estados Unidos e realiza um programa de fertilização in vitro, no qual os embriões são transferidos para receptoras meio-sangue Simental/Nelore, multiplicando assim os melhores animais e fazendo o aprimoramento genético. Continuação da página 37 Na Zona da Mata, a pecuária leiteira também se desenvolveu à medida que a produção de café entrava em decadência. Curiosamente, o poeta Olavo Bilac, em crônica publicada em 1902, no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, culpa o hábito de se tomar café com leite pela crise da cafeicultura, alegando que a população havia perdido o costume de tomar café puro, o que teria reduzido seu consumo. 2 3 4 Bilac chegou ao a bsurdo de pedir punição a quem insistisse em beb er café com leite no Brasil, mas ninguém levou a sério esse delírio do poeta. Um barão dos trilhos 1 A chegada da ferrovia à Zona da Mata, em meados do século XIX, possibilitou o transporte do leite in natura para a capital federal, em latões de 50 litros. Isso prosseguiu até meados do século seguinte. Meireles (1983) revela que na década de 1950 a Cooperativa de São João Nepomuceno enviava sua produção para a CCPL, no Rio de Janeiro, em vagão-tanque de 15 mil litros da Estrada de Ferro Leopoldina, mas esse tipo de transporte mais eficiente não chegou a ser usado em outras regiões. Nos Estados Unidos, porém, era comum o uso de composições frigoríficas especialmente fabricadas para o leite — a primeira foi inaugurada em 1838. Os avanços observados na Europa e nos Estados Unidos demoravam a aportar em terras brasileiras. O primeiro trecho ferroviário no país só foi inaugurado no Rio de Janeiro em 1854, a partir de iniciativa do industrial Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Denominada Estrada de Ferro de Petrópolis, tinha apenas 14,5 km, entre a Estação Guia de Pacobaíba, na praia de Estrela (no Porto de Mauá), até Fragoso, localidade de Inhomirim, hoje município de Magé. Os poucos quilômetros foram percorridos pela locomotiva Baronesa, fabricada na cidade inglesa de Manchester, que levou Dom Pedro II na viagem inaugural. No dia seguinte, iniciou-se o transporte regular de passageiros, mas o de mercadorias demorou ainda sete meses para acontecer. Em 1881, Dom Pedro II viajou para a Zona da Mata mineira em trens da Leopoldina e da Companhia União Mineira. Almoçou na casa do Barão de Cataguazes, escreveu em seu diário que Juiz de Fora deveria arborizar sua bela avenida, passou por Serraria e percorreu mais 84 quilômetros até o arraial de São João de Nepomuceno. 1. Primeira a ser inaugurada no Brasil, em 1854, a Estrada de Ferro de Petrópolis saía da Estação de Pacobaíba (foto) e seguia para Fragoso, ambas no Rio de Janeiro. 2. O feito do Barão de Mauá só subiu a Serra de Petrópolis, entretanto, 30 anos mais tarde, quando foi instalada a estação na cidade. Arquivo CBTU 3. Trabalhadores na Estrada de Ferro de Petrópolis. 4. Locomotiva Baronesa Arquivo CBTU 1 a expansão do gado leiteiro 1 5 43 “A estra da para subir parte da serra do Macuco tem 2 z iguezagues com plataformas. Tem 7 estaçõe s pequenas porém bem construídas confor me a aparência. Vista muito bela assim como mato viçoso de Bicas para diante. Descobre-se amplo vale fechado por altas montanhas, e perto de S. João avista-se a alta serra do descoberto de contorno original. ” Dom Pedro II em seu diário, durante viagem de trem à Zona da Mata mineira 1. Dom Pedro II. Arquivo Biblioteca Nacional 2. Desenho das características de touro da raça Holandesa. Arquivo Público de Santos Dumont (MG) 2 Em meados da década de 1950, um levantamento da situação da bacia leiteira de Belo Horizonte mostrou que 94% do rebanho era constituído por gado azebuado ou comum. Meio século depois, registrava-se evolução significativa, conforme estudo da A primeira rodovia Personagem da história das estradas de ferro no Brasil, Dom Pedro II também foi quem inaugurou a primeira rodovia macadamizada do país, em junho de 1861. O imperador percorreu toda a estrada de 144 quilômetros, entre Petrópolis e Juiz de Fora, viajando em diligência puxada a cavalo. A história da Estrada União Indústria começou em 1854, quando o engenheiro Mariano Procópio Ferreira Lage ganhou a concessão para construí-la, em troca da cobrança de pedágio por 50 anos. Para arrecadar fundos, criou a Companhia União e Indústria e trouxe artífices alemães para ajudar na construção. Os imigrantes e suas famílias foram morar na Colônia Dom Pedro II, nos arredores de Santo Antônio do Paraibuna, atual Juiz de Fora. Desde 1840, o governo brasileiro incentivava a imigração, prometendo terras para europeus empobrecidos pelas guerras napoleônicas. E assim, com o tempo, as rodovias tomaram o lugar dos trens no transporte de leite. O uso de caminhões-tanque começou provavelmente em 1955, quando a Cooperativa de Laticínios de São José dos Campos instalou, sobre um chassi Mercedes-Benz adaptado, um tanque de aço inox revestido com chapas de ferro, mas sem isolamento térmico, com capacidade para 17.500 litros. A ideia foi aperfeiçoada por algumas indústrias 1 Federação da Agricultura de Minas Gerais: 62% do rebanho era formado, em 2004, 1 a expansão do gado leiteiro 2 45 por gado mestiço, com predominância de raças especializadas na produção de leite. Os números ao longo de décadas Mas a situação em todo o estado revelava manutenção de estruturas inadequadas de produção, com o leite sendo extraído de rebanhos de corte, com a proliferação de pequenos produtores que consideravam o leite alternativa de sobrevivência e de complementação da renda familiar. Assim, perpetuava-se “uma conjuntura favorável à manutenção de baixa produtividade e sedimentação de atividade não tecnificada, até hoje disseminada por todo o estado”, conforme atestam os pesquisadores Vidal Pedroso de Faria e Paulo do Carmo Martins. Apesar dos problemas provocados pela política governamental para o abastecimento das grandes cidades, como veremos mais adiante, a produção de leite brasileira cresceu 43% na década de 1960, chegando a 4,8 bilhões de litros anuais, enquanto a de Minas Gerais aumentava 157%, atingindo 2,4 bilhões, de acordo com pesquisas do IBGE. Não obstante esse incremento acima da média nacional, a participação mineira nessa década recuou de quase 35% para 33,2% devido à entrada mais forte de outras regiões na atividade. 3 produtoras de semirreboque, que substituíram a cortiça usada para o isolamento com lã de vidro por placas de isopor e, finalmente, por poliuretano. A Estrada União Indústria, construída pelo mineiro Mariano Procópio, ligava Petrópolis a Juiz de Fora (1). Ela foi percorrida por Dom Pedro II e família, passeio registrado pelo fotógrafo do Império Revert Klumb (2). Arquivo Mapro 3. Transporte de leite em carroça, na região da Mantiqueira. Foto Ronaldo Guimarães 1 a expansão do gado leiteiro 1 2 46 Na década de 1970, técnicas para aproveitamento do cerrado chegaram ao conhecimento dos fazendeiros, iniciando-se nova migração da produção de leite e a ocupação da região. O cerrado como alternativa Quando o então secretário da Agricultura de Minas Gerais no governo Rondon Pacheco, Alysson Paulinelli, promoveu a desapropriação de 60 mil hectares de áreas de cerrado na região de São Gotardo, no Alto Paranaíba, o proprietário, Antônio Luciano Pereira Filho, mantinha no local apenas gado de corte, empregando seis pessoas para seu trato. Paulinelli implantou ali o Padap — Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba, que garante hoje milhares de empregos. Segundo Martins, não é possível falar em tecnologia no cerrado sem citar Paulinelli. Foi na sua época como ministro da Agricultura que a Embrapa (Empresa Brasleira de Pesquisa Agropecuária) e a Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) se desenvolveram e deram ao cerrado as vantagens de hoje. 1. Monte Azul, na região do cerrado, Norte do estado. Foto Giselle Fagundes 2. O ex-ministro Alysson Paulinelli é considerado um dos principais articuladores do aproveitamento do cerrado no Brasil. Foi ele quem criou o Centro de Pesquisa Agropecuária do Cerrado, a Embrapa Cerrados, localizada em Planaltina, a 35 quilômetros de Brasília. Arquivo Embrapa Cerrados O aproveitamento do cerrado se deu muito em função de políticas implantadas por Paulinelli, que ocupou o cargo de ministro no período de 1974/1979. Ele foi homenageado, em 2006, com o The World Food Prize (Prêmio Mundial de Alimentação), por sua contribuição ao aproveitamento das extensas áreas do cerrado brasileiro. São 297 milhões de hectares, o segundo maior bioma nacional, que, até a década de 1970, era improdutivo ou servia apenas para a criação extensiva de gado, cultivo de arroz, extração de madeira e produção de carvão vegetal. Tendo iniciado o trabalho em 1971, como secretário da Agricultura de Minas Gerais, Paulinelli foi bem além quando no governo federal. Criou políticas para o setor, instituições e infraestrutura para estimular o desenvolvimento. Concentrou recursos consideráveis nos projetos e atraiu financiamentos privados, nacionais e estrangeiros para as regiões de cerrado. Promoveu, por exemplo, a instalação do Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados (CPAC) da Embrapa, responsável pelo amadurecimento e avanço de tecnologias para utilização da área. O cerrado se transformou nas décadas seguintes, ganhando em aproveitamento e diversidade de produção. Segundo dados da Embrapa, 42% do rebanho brasileiro estão no cerrado, que é responsável por 55% da produção de carne. Em Minas Gerais, um estudo da Faemg e do Sebrae, publicado em 2006, revelou que já em 2005 as regiões de cerrado no Alto Paranaíba e Triângulo lideravam a produção mineira de leite, com 24,7%, enquanto a Zona da Mata, que no passado ocupara a primeira posição, caíra para apenas 9,9%. Entre as 12 mesorregiões que compõem o estado, a que abrange o Triângulo e o Alto Paranaíba mantinha, em 2007, a maior produção de leite, com cerca de 1,8 bilhão de litros. A segunda, Sul e Sudoeste, produziu 1,3 bilhão no mesmo ano, ficando a Zona da Mata em terceiro lugar, com 762 milhões. No período de 1998 a 2008, as mesorregiões que mais cresceram em volume de leite foram duas outras de cerrado, o Noroeste e o Norte de Minas. Continua na página 50 1 a expansão do gado leiteiro A Fazenda São João, situada em Inhaúma, a 85 quilômetros da capital mineira, em região de cerrado, tem 1,2 mil hectares e produz em média 40 mil litros de leite por dia. É banhada pelo Rio São João numa extensão de aproximadamente quatro quilômetros, tendo água suficiente para irrigar 400 hectares e produzir milho e aveia para alimentação do rebanho. 49 Sonho realizado A propriedade começou a ser formada em 1994, depois que o empresário Flavio Guarani resolveu produzir leite em escala comercial. Filho único de Antônio Luiz Noronha Guarany — que foi sócioproprietário do Banco Mercantil do Brasil e da Remil (Refrigerantes Minas Gerais), engarrafadora da Coca-Cola em Belo Horizonte —, Flavio começou a trabalhar muito cedo nas empresas do pai, mas sempre se interessou pela atividade rural. Quando resolveu trocar o lazer rural pela produção de leite em escala comercial, encontrou em Inhaúma a fazenda dos sonhos de Dona Huguette, sua mulher e sócia, outra apaixonada pela vida no campo. A fazenda foi adquirida pela holding da família, a True Type, nome que designa, em inglês, um animal perfeito. Antes dos investimentos na área, foi encomendado a especialistas o projeto detalhado da futura fazenda leiteira, que tem como meta produzir 80 mil litros por dia. Para isso, Huguette e Flávio apostaram no aperfeiçoamento genético do rebanho. Com o projeto pronto, iniciou-se experiência pioneira no Brasil de se montar toda uma infraestrutura antes de trazer o primeiro animal para a fazenda. Foram cinco anos de trabalho, desde a preparação da terra para plantio até a construção de galpões, plataformas de ordenha e dois tanques de resfriamento de leite com capacidade para 20 mil litros cada, entre outras benfeitorias. Em janeiro de 2002, a Fazenda São João entrou em operação, com o nascimento da primeira bezerra no local. Seis meses depois, produzia 30 mil litros/dia, em média. Em 2009, o número de animais havia aumentado para 3.120, sendo 1.600 vacas em lactação. A cada ano, a reposição é feita com cerca de 500 novilhas parindo. O confinamento dos animais é do tipo free-stall (baia livre). O setor de produção de leite conta com quatro galpões para 3.800 vacas e mais três para 40 a 50 animais em cada. Todas as camas são repostas a cada quatro dias com areia nova. A taxa de ocupação é de 80% a 90%. Para resfriar o ambiente nessa região quente do cerrado mineiro, o sistema de aspersão fica ligado por um minuto e desligado por cinco minutos, de maneira rotativa. É acionado sempre que a temperatura ambiente fica acima de 19ºC, o que assegura conforto para as vacas Holandesas. O leite é pesado individualmente em todas as três ordenhas diárias, de 220 vacas por hora. A média de produção diária por animal é de cerca de 28 litros. Na propriedade, são adotadas práticas de preservação ambiental, que garantem a qualidade da água das nascentes. Não é permitido o despejo de qualquer tipo de dejeto nos mananciais da fazenda, que também emprega as mais avançadas técnicas de plantio direto para conservar o solo e garantir a agricultura sustentável. O conforto das vacas da Fazenda São João, localizada em Inhaúma, é garantido por sistemas de ventilação, resfriamento do ambiente e limpeza das áreas. Arquivo True Type 1 a expansão do gado leiteiro Continuação da página 47 O IBGE, na Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM) de 2008, calculou a produção nacional em 27,5 bilhões de litros de leite, apontando um aumento de 5,5% em relação ao ano anterior, sendo que, de Apesar da produtividade ainda baixa e da qualidade deficiente, o 1996 a 2006, se apurou um aumento de 19,5%. aumento do rebanho possibilitou que o país se posicionasse entre os grandes produtores mundiais de leite no final do século XX. A Avanço nacional partir de 1970, em apenas 14 anos, a área de pastagens do Brasil aumentou de 147 milhões de hectares para 179 milhões. Os números fazem do Brasil o q uinto maior produtor do mundo, atrás apen as dos Estados Unidos, Índia, China e Rússia. O consumo per capita, entretanto, é baixo, de 146 litros/ano. Em Minas Gerais, a produção leiteira chegou, em 2008, a 7,6 bilhões de litros, ou 37% a mais que em 1998. De 2007 para 2008, cresceu também o número de vacas ordenhadas no país (2,3% mais), sendo que Minas Gerais tem a maior parcela desse contingente, com 5,1 milhões de cabeças. O certo é que a fronteira da pecuária de leite avançou no estado, repetindo o fenômeno que aconteceu em outras regiões do país, como resultado das novas tecnologias e da melhoria da infraestrutura que, embora ainda precária, foi suficiente para a expansão da atividade por todo o território nacional. Censo Agropecuário de 2006 mostrou que as áreas de pastagem diminuíram, mas o rebanho cresceu. Foto Xará O Censo Agropecuário de 2006 constatou mudanças importantes nos números. Contabilizou 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, que ocupavam 36,7% do território nacional e tinham, como atividade mais comum, a criação de bovinos. Em relação ao Censo de 1995, a área diminuiu em 23,7 milhões de hectares, ou -6,7%, com a criação de novas Unidades de Conservação Ambiental e demarcação de terras indígenas. Houve também redução das áreas de florestas nesses estabelecimentos agropecuários (-11%) e de pastagens naturais (-6,6%), mas aumentou em quase 2% a área de pastagens plantadas, sobretudo na região Norte. No entanto, no período entre os dois censos, a área de pastagens diminuiu cerca de 3% no país, embora o rebanho bovino tenha aumentado 11%, somando 169,9 milhões de cabeças (em 2008, o número subiu para 202 milhões de bovinos, conforme a PPM), o que mostra avanço na produtividade por hectare. Foram ocupadas novas áreas no Leste do Pará, Noroeste do Maranhão e Rondônia, com a pecuária bovina aparecendo também na faixa ao longo do Rio Amazonas e de alguns afluentes importantes, do Norte do Pará ao Norte do Acre. A concentração da distribuição das terras permaneceu praticamente inalterada: 43% da área eram ocupados por estabelecimentos com mais de 1.000 hectares e 47% por estabelecimentos com menos de dez hectares. Entre os proprietários entrevistados pelo IBGE, mais de 80% tinham baixa escolaridade ou eram analfabetos. Isso, sem dúvida, dificulta a apreensão de práticas voltadas para o aumento da produtividade. 51 1 a expansão do gado leiteiro Com base no Censo Agropecuário 2006, a Fundação Getúlio Vargas divulgou um estudo, em 2010, no qual afirma que os 3,3 milhões de produtores de leite 53 enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) representam 64,4% dos estabelecimentos rurais e geram 47,1% do valor do leite produzido no país, contra 52,5% dos que não pertencem ao programa e que somam 1,6 milhão de produtores. Tamanho é documento Esses números demonstram que existe amplo espaço de atuação para programas de capacitação de produtores e de gestão das propriedades, como os desenvolvidos no estado pelo Sebrae-MG e pela Faemg — Educampo e Balde Cheio, respectivamente. Para o engenheiro agrônomo Roberto Simões, presidente da Faemg (2006/2011) e do Sebrae-MG (2007/2010), os programas das entidades são importantíssimos, mas o país precisa também de uma profunda mudança de mentalidade em relação aos produtores rurais, sobretudo em relação aos médios, que não contam hoje com assistência técnica do governo nem com financiamentos específicos. Segundo a Pesquisa Pecuária Mu nicipal, o valor da produção do leite em 2008 foi de R $ 17,5 bilhões no Brasil e R$ 7,6 bilhões em Minas Gerais, estado que respondia, naquele ano, por 27,8% da produç ão nacional. São os médios produtores que levaram o Brasil a ser um grande produtor e exportador de alimentos, afirma Simões, mas eles não são valorizados na cadeia produtiva e ainda sofrem discriminação, pois não recebem a atenção devida do governo, como os pequenos, nem podem sobreviver como os grandes. “Os agricultores da Europa e dos Estados Unidos recebem 300 bilhões de dólares por ano de subsídio, enquanto os brasileiros, sem ajuda dos governos, fazem a agricultura mais barata e mais farta As propriedades de médio porte sofrem com a falta de assistência e de financiamentos específicos. Programas como o Educampo, implantado pelo Sebrae-MG, ajudam o produtor a ter mais conhecimento da gestão de sua fazenda. Foto Ronaldo Guimarães do mundo inteiro”, afirma Simões. 1 a expansão do gado leiteiro Entre abril e setembro ou outubro, todo o gado é alimentado no Está no sangue estábulo, à base de silagem e milho. No restante do ano, parte do 55 gado fica no pasto. O sistema utilizado por Gontijo não é o freestall: “É um sistema em que faço pistas de tráfego. O animal tem uma área para andar no pasto, mas come no cocho. Meu gado é de meio sangue a 7/8 Holandês”. Um dos que atenderam ao apelo do governo pelo desenvolvimento do cerrado em Minas Gerais foi José Álvares Filho, presidente da Faemg de 1969 a 1981. Ele pediu ao filho, o engenheiro civil Jacques Gontijo Álvares, que o ajudasse a desenvolver a propriedade familiar de 1.500 hectares, no município de Bom Despacho, no CentroOeste do estado. “Quando saíram aqueles financiamentos do governo para aproveitamento do cerrado, já tínhamos começado a mexer na fazenda”, lembra o atual presidente da Itambé, contando que foram aproveitados 1.200 hectares com pastagens e capineiras, ficando o restante como reserva legal. Antes de ser eleito presidente da Itambé em 2007, Jacques Gontijo foi presidente da Cooperativa Agropecuária de Bom Despacho, da Comissão de Leite da Faemg e da Comissão de Pecuária de Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), além de coordenar a Câmara Temática do Leite da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Em 1993, passou a integrar a diretoria da Itambé, como vice-presidente Comercial. Como a maioria dos produtores mineiros de leite, Gontijo vem de uma família de fazendeiros. O bisavô materno, Altino Teodoro, era dono da Fazenda do Sapé, também em Bom Despacho. A casa da sede, construída por volta de 1800, ainda existe, mas a grande gameleira que havia no meio do curral caiu. Quando essa casa foi erguida, a fazenda tinha cerca de 7 mil alqueires ou quase 17 mil hectares, mas certamente já era bem menor na época de seu Altino, morto em meados da década de 1950. “Ele falava que só comprava sal e querosene”, conta o bisneto. O presidente da Itambé era menino, mas se lembra de algumas observações de Altino, entre elas, “uma Jacques Gontijo possui atualmente cerca de 200 hectares da fazenda, pois a maior parte foi dividida entre os demais herdeiros de José Álvares Filho. Para arroba de boi vale 100 litros de leite” e “uma vaca vale o leite que ela dá numa cria”. Não é muito diferente de hoje em dia, observa Gontijo. produzir 3.500 litros de leite por dia, ele utiliza apenas 70 hectares, o que significa alta produtividade e elevada utilização de tecnologia. Parte dessa área é formada por pastagens, e parte é irrigada para produção de silagem. As demais áreas são ocupadas por reflorestamento com eucalipto. “Eu tenho uma produtividade boa por área. É um regime mais estabulado do que de pasto”, diz. Jacques Gontijo, hoje presidente da Itambé, foi criado em ambiente de rica referência rural. Arquivo Itambé Arquivo Prefeitura de Santos Dumont (MG) 57 2 Evolução do mercado Arquivo Itambé 2 evolução do mercado 1 Faltando dez anos para terminar o século XIX, a maior cidade brasileira, o Rio de Janeiro, tinha 522 mil moradores. Em 1940, já eram 990 mil. Em apenas 50 anos, de 1890 a 1940, o número de habitantes na capital paulista subiu de 65 mil para 1,32 milhão, ultrapassando o da então capital federal. Mais 30 anos, e São Paulo se aproximava dos 6 milhões de moradores, em 1970, e o Rio dos 4,26 milhões, um aumento bem acima dos 126% de crescimento da população brasileira, que chegou a 93 milhões naquela época. Nesse período, o percentual de moradores nas cidades saltou de 31% para 56% da população brasileira. Belo Horizonte não escapou dessa realidade. Inaugurada em 12 de dezembro de 1897, com cerca de 10 mil moradores, estava com 211 mil em 1940 e 1,2 milhão em 1970. Os mineiros que moravam na zona rural somavam aproximadamente 5 milhões, contra 1,7 milhão nas cidades, em 1940. Trinta anos depois, 6 milhões nas cidades e 5 milhões no campo. 59 O país se urbanizou rapidamente, as grandes cidades incharam e seus problemas se multiplicaram, entre eles o do abastecimento, inclusive o de leite. A urbanização vigorosa se refletiu no mercado de laticínios. Nos anos de 1950, a produção brasileira de leite cresceu 107%, chegando a 4,6 bilhões de litros em 1959. Para fazer frente à ocupação urbana, aumentar a rentabilidade dos produtores e melhorar a distribuição do produto no país, foram criadas cooperativas, individuais e centrais (de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Goiás). O grande impulso para isso ocorreu ainda na década 2 3 de 1930, motivado pelo descontentamento dos produtores com o preço pago pelos laticínios. 1. O crescimento do Rio de Janeiro foi vertiginoso ainda na primeira metade do século XX. Foto Luiz Pedro Gomes 2 e 3. A formação de cooperativas vinculadas a uma cooperativa central foi um passo muito importante no processo de distribuição do leite.Nas fotos, leite sendo coletado, ainda em latões, em cooperativa ligada à CCPR. Arquivo Itambé Continua na página 62 2 evolução do mercado No começo do século XX, Francisco Andrade, morador de Belo Horizonte, foi autorizado pelo governo estadual a sair com suas vacas pelas ruas, vendendo de porta em porta o leite tirado na hora. Foi a forma encontrada por ele para que o freguês não se sentisse enganado, por temer água adicionada ao produto, como se dizia ser hábito na época. 61 O comércio de leite nas grandes cidades 2 Em 1910, entretanto, os habitantes Aos poucos, a Itambé, que comandava as “vaquinhas”, mudou da capital já podiam comprar leite esse hábito, lançando mão da confiança conquistada por pasteurizado, vendido pela Arthur seus entregadores, que distribuíam o leite no comércio, em Savassi Laticínios & Cia., fundada garrafas de vidro, com alto custo para a empresa. O problema na Rua Goiás, pelo empresário das garrafas foi resolvido quando a cooperativa adotou Arthur Savassi. A empresa publicava pioneiramente os sacos plásticos de um litro para embalar anúncios nos jornais garantindo o leite. Reduzindo custos, foi possível vender produto mais que era a única a distribuir leite barato e aumentar o número de consumidores de leite tipo C. pasteurizado — e fazia isso numa carroça, puxada por dois cavalos. Mais tarde, a venda nas ruas das grandes cidades passou a ser feita por pequenos caminhões. Em Belo Horizonte, eram apelidados de “vaquinhas”. Até a 3 década de 1970, podiam ser vistos nas ruas centrais. Chegavam apitando. Atrás do caminhãozinho se 1 formavam filas de pessoas que levavam suas próprias garrafas e leiteiras. Era produto pasteurizado, mas a dona de casa ainda fervia o leite. 1. No início do século XX, o imigrante italiano Arthur Savassi vendia leite pasteurizado nas ruas de Belo Horizonte. Ele também estava à frente de padarias e uma cerâmica. Reprodução Livro Belo Horizonte & o Comércio 2. As “vaquinhas” marcaram época ao venderem leite diretamente ao consumidor. Na foto, a “vaquinha” e alunos de escolas públicas. Arquivo Itambé “Os carreteiros da CCPR/Itambé tinham as chaves das padarias e, todas as noites, envolvidos pela escuridão e o silêncio da madrugada, entravam, colocavam o leite nas geladeiras, pegavam o dinheiro em uma caixinha, fechavam a porta e iam embora. Naquela época, o leite chegava à mesa do consumidor em garrafas de vidro, o que tornava o processo de distribuição muito oneroso. As garrafas, distribuídas nas primeiras horas do dia, eram recolhidas à tarde. Portanto, havia o custo de distribuir e recolher as garrafas todos os dias. Somem-se a isso as perdas com as garrafas que quebravam e, ainda, o custo de lavá-las, com dispêndio elevado de energia, já que eram higienizadas por meio de vapor.” Revista Laticínios, maio de 2009 3. Serviço de entrega da Itambé ao comércio em Belo Horizonte. Arquivo Itambé 2 a evolução do mercado 62 Continuação da página 59 A Cooperativa Central de Laticínios do Estado de São Paulo (CCL) foi a primeira das cooperativas centrais de produtores de leite a ser criada no país, em 17 Unidos, fazendo história de setembro de 1933, durante assembleia que reuniu representantes de sete cooperativas. À CCL se filiaram inclusive cooperativas mineiras. O processo de organização Pouco tempo antes, surgira em São Paulo a Federação dos Produtores de Leite, também a primeira do setor no país. Para resolver o problema do abastecimento de leite na cidade do Rio de Janeiro, ainda capital da República, o governo federal estimulou a criação da Cooperativa Central dos Produtores de Leite (CCPL). Começou pela formação, em julho de 1940, da Comissão Executiva do Leite (CEL). Os cinco entrepostos existentes no Rio, sem recursos para ampliar o parque industrial, não conseguiam atender ao aumento do consumo dos cariocas e às necessidades de remuneração dos fornecedores. A primeira coisa que a CEL fez foi comprar todos eles e adquirir terreno para construir uma usina central, iniciando-se também a formação das cooperativas que mais tarde criariam a CCPL. Em 1946, o governo extinguiu a CEL e transferiu seu patrimônio para a recém-criada cooperativa central. Nessa época, o Rio de Janeiro era abastecido por 69 usinas. Entre elas, 42 estavam localizadas em Minas Gerais e forneciam mais de 55% do leite consumido na capital federal. As cooperativas mineiras e fluminenses que abasteciam o Rio se filiaram, em sua maioria, à CCPL. Em Minas Gerais, o surgimento, em 1948, da Cooperativa Central dos Produtores de Leite Ltda. (CCPL, como a sigla do Rio de Janeiro, mudada mais tarde), recebeu impulso inicial do governo do estado. A capital tinha 295 mil moradores e enfrentava problemas, apesar de a Secretaria da Agricultura ter criado em 1944 uma estatal que construiu a Usina Central de Leite para garantir o abastecimento local. Continua na página 64 No começo do século XX, João Pinheiro, presidente de Minas Gerais, implantou um programa agrícola que tinha a formação de cooperativas como propósito. Arquivo Público Mineiro A primeira cooperativa de que se tem notícia foi criada na Inglaterra, em 1844, por um grupo de 28 tecelões, em Manchester, cidade onde se iniciou a industrialização britânica. Era a Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, que lançou os princípios do cooperativismo no mundo. No Brasil, a primeira cooperativa foi criada no Paraná, por um grupo de colonos europeus, sob a liderança do médico francês Jean Maurice Faivre. No setor agropecuário, Minas Gerais saiu à frente. O presidente do estado, João Pinheiro, estabeleceu em 1907 o programa agrícola que priorizava a constituição de cooperativas para reduzir a intermediação nas transações comerciais, sobretudo de café. Naquele ano, foi aprovada a primeira legislação brasileira sobre sociedades cooperativas. Estipulava em 30 anos a vida máxima de qualquer cooperativa e adotava o voto democrático nas assembleias: cada sócio teria direito a um único voto, independentemente de quantas cotas possuísse, e não poderia votar em nome de outro sócio. Essa lei permitia a associação das cooperativas em centrais ou federações. Ela foi alterada em 1932, e a nova legislação acabou com o limite de duração das cooperativas. Em 1966, o governo criou por decreto-lei o Conselho Nacional de Cooperativismo (CNC). 2 a evolução do mercado 64 Continuação da página 62 Dentro de algum tempo, o prédio da Rua Itambé, número 40, será apenas um retrato na parede. Foi construído para abrigar uma indústria e adaptado na década de 1970 para servir de sede administrativa. Recentemente, foi condenado pelos bombeiros, pois não tem saída de emergência, as escadas são estreitas, há pavimentos com pé direito de cinco metros, entre outros problemas de segurança. A saída 2 3 encontrada foi erguer uma nova sede, na área ao lado, até então destinada a estacionamento. Da CCPL à Itambé A obra já foi iniciada. O projeto prevê a construção de um prédio de cinco pavimentos, com área eq uivalente à da sede atual, que será transferida para ele. Depois, o velho prédio será demolido e no lugar será erguido um novo, que pod erá servir à própria Itambé. A capacidade instalada da Usina Central de Leite era de 60 mil litros, mas só distribuía a metade, por falta de fornecedores, pois os produtores sofriam com os baixos preços pagos pelo produto e ainda recebiam com atraso. No final da década de 1940, Belo Horizonte produzia apenas 900 litros de leite por dia, e a usina precisava buscar sua matéria-prima nos municípios vizinhos e até em outros mais distantes, como Carmo do Cajuru, a mais de 120 quilômetros, que fornecia 4.500 litros por dia, transportados em latões, por ferrovia. 1 O secretário estadual da Agricultura era Américo Renné Giannetti, que se elegeria prefeito de Belo Horizonte em 1950, ficando no cargo por quatro anos, período em que o ex-prefeito Juscelino Kubitschek governava Minas Gerais. Empresário e político habilidoso, Giannetti reuniu, em 1948, no Parque Municipal, que hoje tem seu nome, um grupo de produtores de leite, para propor que organizassem cooperativas e fundassem uma cooperativa central, para que esta assumisse a Usina Central de Leite e a distribuição na cidade. Em Sete Lagoas, a 60 quilômetros da capital, a ideia de criar cooperativas fora lançada dois anos antes, em 1946, pelo jovem líder ruralista João Raimundo Dutra Reis, durante 1. Na década de 1970, a bacia leiteira de atuação da CCPR. Revista Realidade Rural nº35 churrasco oferecido por ele a produtores na Fazenda Mata Grande. Com o empurrão de Giannetti, 65 produtores se reuniram para constituir a Cooperativa Regional de Produtores Rurais de Sete Lagoas (Coopersete). Mês depois da reunião de Giannetti com os produtores, nascia, em 10 de novembro de 1948, a Cooperativa Central dos Produtores de Leite Ltda. (CCPL), formada pela Coopersete e pelas cooperativas de Pará de Minas, Pedro Leopoldo, Itaúna, Matozinhos e Esmeraldas, além de cinco produtores individuais: Armindo Caixeta, José Alvarenga Costa, Sebastião Fernandes, Manoel da Fonseca Viana e Vitor de Freitas Figueira. Seu primeiro presidente foi Alcides 4 Teixeira França, associado da Coopersete. Para se diferenciar da central carioca, a CCPL mudou seu nome, em 1956, para Cooperativa Central dos Produtores Rurais Ltda. (CCPR). Entretanto, ficou mais conhecida por Itambé, marca por ela lançada em 1950 para comercialização do leite e subprodutos. O nome, que em tupi significa pedra afiada, ficou tão forte que se tornou também o nome de fantasia da cooperativa central. Itambé é também nome do monumento natural localizado no Parque Estadual Pico do Itambé, entre Serro e Santo Antônio do Itambé, municípios famosos por seus queijos artesanais. 2. Nascida em 1948, a Cooperativa Central viveu momentos difíceis, mas criou estrutura e se consolidou como empreendimento de sucesso ao longo das décadas. Arquivo Itambé 3. Américo Renné Giannetti lançou a semente da Cooperativa Central, quando secretário estadual de Agricultura, no final dos anos 40. Arquivo Fiemg 4. A constituição da CCPR foi um marco para os produtores mineiros. Revista Realidade Rural nº70 2 evolução do mercado 66 Pouco depois de sua criação, o governo estadual arrendou para a CCPR a Usina Central de Leite. Nos anos seguintes, a cooperativa central enfrentou muitos desafios, gerados sobretudo pelas intervenções do governo federal no setor. Em 1967, José Pereira Campos Filho, o doutor Pereira, assumiu a presidência da cooperativa central, aos 32 anos de idade, sete anos após se formar em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Um homem e quatro décadas 2 Doutor Pereira era p residente da Cooperativa de Pará de Minas e a cumulou os dois cargos durante um ano e m eio. 1 A CCPR se encontrava em situação de grande No começo de sua gestão, doutor Pereira subia algumas vezes, às fragilidade financeira. Quando deixou o cargo duas horas da madrugada, na boleia de um caminhão de entrega de 40 anos depois, ela era exemplo de sucesso leite, para ver de perto como era feita a distribuição para as padarias no cooperativismo brasileiro. Em 2005, a de Belo Horizonte. Logo no primeiro ano, ele introduziu os sacos Itambé recebeu o prêmio Primeira Empresa plásticos para substituir os vidros, revolucionando a embalagem no Setor de Laticínios do Brasil, resultado de do leite fluido no Brasil. Conseguiu reduzir estoques de leite em pó, análise realizada pela revista Globo Rural, vendendo-o em embalagens plásticas de 250 gramas, visando às que seleciona anualmente as 500 maiores classes C e D, décadas antes de se tornarem alvo do marketing das empresas do país no setor de agronegócios. grandes indústrias brasileiras. 3 3. A Cooperativa Agropecuária de Araxá (Capal) foi 1 e 2. Construída na Floresta, a antiga Usina Central do Leite se transformou na Cooperativa Central dos Produtores Rurais, que usou a marca Itambé para se projetar e ganhar o mercado. Arquivo Itambé fundada em 1958 e hoje é uma das filiadas à CCPR. A entidade, com estrutura privilegiada, atua também com café e outros grãos. Possui ainda uma fábrica de ração, que dá suporte a atividade leiteira dos seus cerca de 1200 cooperados. Arquivo Itambé 2 Dr. Pereira dizia que a cooperativa tem de ser competente na venda do leite do cooperado, procurando obter o maior valor possível e dando lucro. Sua estratégia deu tão certo que, quatro anos após assumir a presidência, a Itambé pôde isentar os cooperados do pagamento da taxa de 3% do valor do leite, recurso que era destinado à formação de capital para investimentos. O então presidente da Itambé se preocupava também em oferecer serviços aos cooperados. Investiu na rede de armazéns, para preencher um vazio na venda de insumos no interior de Minas Gerais e Goiás. A rede conta hoje com 24 lojas, que do gênero no país. Em sua gestão, a Itambé se tornou pioneira na produção de rações da pecuária leiteira para o cerrado e expandidas e peletizadas e líder em vendas no mercado mineiro. direcionou a Itambé para a área. Foi pioneiro ao se deslocar da região central Em vários momentos da história, doutor Pereira assumiu a liderança do setor. Um exemplo — primeiro para o Triângulo, depois para muito citado é a carta que escreveu ao presidente Costa e Silva, em 1967, denunciando a Goiás, construindo ali novas fábricas. Em difícil situação em que as cooperativas e os produtores de leite se encontravam, em razão da política governamental. Defendeu que as taxações impostas aos produtores nacionais 2006, foram inauguradas as de Uberlândia equivaliam a um subsídio dado aos produtos lácteos importados pelo Brasil. “A pesada carga e Goiânia, que exigiram investimentos de tributária incidente sobre o leite in natura aniquila a atividade do pecuarista, mormente R$ 270 milhões. agora com a instituição do imposto sobre circulação de mercadorias”, escreveu. Arquivo Itambé 2. Ao abandonar o processo de envase do leite em garrafas de vidro, implantando o saco plástico como embalagem, a Itambé aumentou sua capacidade de distribuição do produto. Arquivo Itambé 69 Ele também percebeu a movimentação vendem aos cooperados cerca de 5 mil itens de produtos agropecuários. É a maior rede 1. Ao longo de 40 anos, doutor Pereira presidiu a Itambé. 2 evolução do mercado 1 Sua liderança ultrapassou as divisas de Minas Gerais, ao presidir a Organização das Cooperativas Brasileiras e a Confederação Brasileira das Cooperativas de Laticínios. 3 3. Itambé, uma marca que se consolidou com a união das cooperativas e com o símbolo da vaquinha. Revista Realidade Rural 2 Na década de 1960, o carioca Haroldo Antônio Antunes e o alemão Herbert Schmidt se juntaram para participar de um negócio que nasceu quase do acaso. Tentaram negociar, para uma empresa produtora de leite em pó, a aquisição do Laticínios Lagoa da Prata, localizado na cidade de mesmo nome, no Oeste mineiro. Por força de divergências na empresa que representavam, os dois acabaram comprando o laticínio em próprio nome, formando então a sociedade que ainda perdura. Do peque no Laticínios Lagoa da Prata à gigante Embaré 1 Cooperativas e laticínios em números Ao contrário da Itambé, muitas cooperativas centrais não entenderam a situação criada pela abertura do mercado em 1991 e, como muitos laticínios, fecharam as portas ou entraram em sérias dificuldades. Entretanto, as cooperativas agropecuárias ainda são fundamentais no cenário da produção agrícola e pecuária do estado. Em 2009, representaram cerca de 10,67% do PIB do agronegócio mineiro, sendo o leite e o café responsáveis por cerca de 43,7% e 44,7% da produção estadual. Dados de 2010 mostram que 101 cooperativas de leite in natura e 46 cooperativas de laticínios possuem registro na Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Ocemg). No Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), órgão responsável pela inspeção e fiscalização sanitária oficial do estado, foram listadas 68 usinas de beneficiamento de leite e 131 fábricas de laticínios. Continua na página 72 1. Ronaldo Scucato, presidente da Ocemg desde 2001. Entidade reúne 46 das 101 cooperativas de leite in natura de Minas Gerais. Arquivo Ocemg 2. Rótulos antigos usados pela Embaré. Arquivo Embaré Sob o comando de Haroldo e Herbert, o Laticínios Lagoa da Prata reforçou suas vendas para o Norte e Nordeste do país, especialmente da marca Camponesa, e exibiu resultados que mostrariam um futuro promissor. A empresa foi, por exemplo, pioneira na produção de leite em pó embalado em sacos plásticos. Em 1963, os dois sócios foram a Taubaté, no interior paulista, adquirir o controle acionário da Produtos Laticínios Embaré S.A. (hoje Embaré Indústrias Alimentícias S.A.), dando novo rumo a uma empresa que tinha décadas de existência e havia sido criada com o nome de Inglez de Souza Filho & Cia Ltda. Fundada em 1935, na Granja Embaré, na zona rural de Taubaté, a Inglez de Souza vendia seus produtos (doces, geleias, sopas e derivados de tomate) para São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1947, comprou equipamentos modernos e importados para fabricação de caramelos, criou esta nova linha de produção, agora na região urbana de Taubaté, adotou o nome de Embaré e desativou a antiga fábrica. A Embaré se despediu de Taubaté em 1969, quando a unidade industrial foi transferida para Lagoa da Prata. Conquistou, nas décadas seguintes, posição de destaque no cenário nacional, com a produção de doces, caramelos, manteiga e leite em pó. A empresa exporta seus produtos para vários países. A moderna fábrica, instalada em terreno de mais de 35 mil metros quadrados, trabalha com matéria-prima vinda de postos de resfriamento de leite em Divinópolis, Dores do Indaiá e Bambuí (Oeste), Araxá, Sacramento e Santa Juliana (Triângulo Mineiro) e Coromandel (Alto Paranaíba), captando cerca de 300 mil litros de leite por dia. A empresa emprega mais de mil funcionários e tem filiais comerciais em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. 2 a evolução do mercado 72 Continuação da página 70 Sob controle. De Vargas a Collor O setor leiteiro enfrentou no controle de preços pelo governo uma verdadeira pedreira, formada por números, cálculos e tabelas, que emperrou por quase meio Por longo tempo século o seu desenvolvimento, algo inesquecível para produtores e para a indústria. Essa regulação foi bem recebida por consumidores e, inadvertidamente, A intervenção do governo começou quando a ditadura do Estado Novo chegava ao fim. Getúlio Vargas, que a propaganda oficial apresentava como o pai dos pobres, renunciou em 29 de novembro de 1945, pressionado por políticos e militares. No começo de abril daquele mesmo ano, entrara em vigor a Resolução nº 102, que fixava preços para o leite in natura. Vargas caiu oito meses depois, mas a intervenção estatal no setor leiteiro permaneceu até 1991, quando o presidente Fernando Collor de Mello acabou com a regulação sobre o leite. A resolução nº 102, do Serviço de Abastecimento, tinha uma tabela de preços válida apenas para a capital da República. O preço do litro de leite pago ao produtor subiu de 70 centavos para 90 centavos de cruzeiro, equivalente a 60% do valor pago pelo consumidor. O aumento foi justificado por José Milliet, membro da Comissão Consultiva do Serviço de Abastecimento. Ele reconheceu que o produtor recebia preço insuficiente para cobrir os custos da produção e criticou a “plena liberdade” concedida à indústria, que, segundo ele, podia vender seus produtos pelo maior preço possível, causando desequilíbrio entre a produção agropecuária e a industrial. Milliet afirmou ainda que a produção de leite, por causa do preço, estava desestimulada, pois o boi de corte solto no campo, criado sem qualquer trabalho, valia muito mais. Alegou que o governo gostaria de dar reajuste maior para o produtor de leite, para estimular mais a produção, mas, por outro lado, teria de servir a “uma população assoberbada” pelo encarecimento dos gêneros de primeira necessidade e que já não suportava qualquer aumento de preços. O controle do preço do leite foi proposto no fim do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945). Ele voltou a governar o país de 1951 a 1954. Arquivo FGV pelos representantes dos produtores de leite. O fim do governo Vargas não impediu que a Coordenação da Mobilização Econômica continuasse, como órgão responsável por essa política na época, alterando os preços do leite de 1946 a 1949. Nos anos 50, o primeiro reajuste ocorreu em 1952, um ano depois de Getúlio Vargas voltar ao poder. Em janeiro, foi baixada portaria estabelecendo o preço mínimo a ser pago ao produtor das zonas geoeconômicas que abasteciam as capitais de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O produtor recebia mais pelo leite entregue na plataforma da usina ou dos postos de refrigeração do interior. 2 a evolução do mercado 74 2 Variação de preço Desde 1957, segundo ano do governo Juscelino Kubitschek, o preço pago ao produtor correspondia a 60% do preço final, ficando a margem de intermediação em 40%. A maior preocupação do governo, por razões políticas, era manter o preço final pago pelo consumidor relativamente baixo. Para isso, ora achatava o preço do produtor, ora a margem de intermediação. 1 Em 1959, fez as duas coisas. Em seu último ano no governo, JK estabeleceu que o produtor receberia pelo leite fornecido à indústria preço mínimo correspondente a 77% do preço do leite de consumo. Esse percentual foi aumentado para 80% em 1961, por Jânio Quadros. Dois anos depois, com João Goulart na presidência da República, essa política foi abandonada, e o preço passou a ser igual para indústria e consumo. 1. Juscelino Kubitschek assumiu a presidência em 1955. Fez muitas mudanças no país, mas manteve o controle dos preços do leite. Foto Mario Fontenelle/Arquivo Público Distrito Federal Bacia leiteira Dois meses antes de Jânio renunciar à presidência da República, foi assinada portaria aumentando o controle para o leite destinado à industrialização nas regiões fornecedoras das capitais. Em dezembro de 1963, quase 12 meses após a volta do presidencialismo, o governo de João Goulart publicou outra resolução definindo como bacia leiteira, em Minas Gerais, as zonas da Mata, Metalúrgica, Campos de Mantiqueira Mineira, Sul, Rio Doce e Oeste. Foram incluídos na bacia leiteira dois municípios do Alto São Francisco (Corinto e Curvelo) e quatro do Alto Jequitinhonha (Monjolos, Diamantina, Gouveia e Serro). Essa classificação foi mudada em 1966. A bacia leiteira no Brasil passou a ser os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O regime militar já havia deixado, em novembro de 1964, de fixar preço para leite de indústria e acabara com a tabela de preços de venda dos derivados. O leite em pó e demais subprodutos e derivados do leite foram incluídos no regime do tabelamento. Outra portaria, no início do governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, em 1969, voltou com o regime de preço de leite-quota e de leiteexcesso. Com isso, o governo esperava conseguir maior regularidade na produção, desvalorizando gradativamente o preço de leite-excesso. Com tantas mudanças na década de 1960, a margem de intermediação diminuiu. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a margem do produtor variou de 61% a 68% nos primeiros cinco anos da década. Nos quatro anos seguintes, a margem aumentou para 72% e caiu até 68%, em 1969. 2. Cidade do Serro, que foi incluída no mapa da bacia leiteira de Minas Gerais durante o governo João Goulart. Arquivo Setur A empresa foi fundada em 1867, na Suíça, pelo farmacêutico Henri Nestlé, inventor da farinha láctea, mas apenas sete anos depois ele a vendeu, por cerca de 1 milhão de francos, e foi ser empresário de hotelaria e turismo. Em 1905, a Nestlé se juntou à Anglo Swiss Condensed Milk, que se tornou, com o tempo, empregadora de aproximadamente 265 mil pessoas em quase todos os países do mundo, sob o controle da holding suíça Nestlé Alimentana. O grupo iniciou suas atividades no Brasil em 1921 e, por muito tempo, não teve aqui concorrente multinacional na área de produtos lácteos. Ainda em 1921, a Nestlé inaugurou sua primeira fábrica brasileira, em Araras (SP). A segunda só surgiu em 1937, em Barra Mansa (RJ). 2 O Brasil conquista a Nestlé 1 Importação permitida O achatamento de suas margens de preço trouxe graves distorções para os laticínios, mas a produção aumentou e o governo não teve que recorrer à importação e à reidratação de leite para a regularização do abastecimento. No entanto, permitiu que grandes empresas privadas importassem leite, para aumentar seus lucros. Os produtores, apesar dos percalços, faziam de tudo para continuarem na atividade. Durante a década de 1960, as empresas de laticínios concentravam suas operações em seus mercados regionais, excetuandose as multinacionais estruturadas para atingir os melhores mercados brasileiros, como a Nestlé. Continua na página 78 1. Caminhão de leite em pó, usado pela assistência social da prefeitura de Belo Horizonte, em 1957. Arquivo Público de Belo Horizonte 2. A primeira fábrica dos produtos Aviação foi criada em Passos (foto), no Sul de Minas Gerais, na década de 1920. Hoje está instalada em São Sebastião do Paraíso, e sua principal produção continua sendo a “manteiga da latinha”. Arquivo Aviação 3. A Nestlé chegou ao Brasil em 1921. A empresa lançou produtos voltados para as classes C e D, usando como apelo em suas propagandas a economia usufruída pelos consumidores. Livro Belo Horizonte e o Comércio/Fundação João Pinheiro Em 1953, a Nestlé começou a diversificar sua produção, com o Nescafé, primeiro produto fora da linha de lácteos. Cinco anos depois, inaugurou fábrica de leite em pó em Três Corações, no Sul de Minas. Era a maior da América Latina. Na década de 1960, o número de fábricas no Brasil subira para cinco, sendo três em Minas Gerais — as outras duas em Ibiá, inaugurada em 1964, e Ituiutaba, em 1966. Foi no início da década de 1960 que chegou a primeira concorrente multinacional da Nestlé: a Fleischmann Royal; depois, em 1968, a Yakult S.A. Mas essa concorrência não atrapalhou os planos da Nestlé no país. Em 1983, inaugurou a fábrica de Montes Claros, atualmente a maior do mundo. Sete anos depois, a de Teófilo Otoni iniciou suas atividades. E passou a engarrafar água mineral em São Lourenço, de fonte vendida pelo governo de Minas Gerais. No começo do novo século, a Nestlé formou uma joint venture com a Fonterra, cooperativa da Nova Zelândia e maior exportadora de lácteos do mundo. É a DPA (Dairy Partners America), em que cada sócia tem 50% de participação no capital. A nova empresa começou a operar em janeiro de 2003, com uma fábrica na Argentina, uma na Venezuela e sete no Brasil, estendendo-se depois para outros países do continente americano. Antes, a Nestlé já havia feito aliança com a General Mills, na área de cereais, e com a Coca-Cola, na de bebidas. Agora atua também no segmento de leite longa vida premium, com as marcas Ninho e Molico. Em março de 2010, o presidente da Nestlé, Ivan Zurita, informou ao governo de Minas Gerais que seriam investidos mais R$ 525 milhões no estado, até 2015. Dos 2,3 bilhões de litros de leite que a empresa processava no Brasil, 800 milhões (34,7%) eram captados em Minas Gerais. A filial mineira representa 16% da operação da Nestlé no Brasil e, com os novos investimentos, vai superar os 20%. O Brasil é hoje o segundo país em volume e faturamento da Nestlé no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Há dez anos, o Brasil era o nono no ranking da empresa. O salto se deu com a entrada no mercado de produtos lácteos das classes C e D, que já representavam 82% dos R$16 bilhões faturados pela Nestlé no Brasil em 2009. 3 transporte no chamado segundo percurso, entre a usina e o entreposto ou a indústria, passou a ser deduzido do preço mínimo tabelado. O Sul de Minas Gerais e outras regiões demoraram a reagir à baixa de preços, mas a produção de leite em São Paulo também vinha caindo, causando sérios problemas no abastecimento. 2 a evolução do mercado O produtor de leite viu o preço do produto cair ainda mais após maio de 1970, pois o custo de 79 Continuação da página 76 Dança de cadeiras na Agricultura Para tentar resolver o problema, a Cooperativa Central dos Produtores de Laticínios do Estado de São Paulo ampliou sua atuação em Minas Gerais. Foram admitidas 15 novas cooperativas no quadro de sócias nessa década. A primeira, em agosto de 1970, foi a Cooperativa Agropecuária de Jacutinga, no Sul de Minas Gerais, após oito anos de funcionamento independente. Quando em março de 1974, Alysson Paulinelli foi nomeado ministro da Agricultura pelo presidente Ernesto Geisel — em quase 30 anos, nada menos que 35 pessoas haviam ocupado o cargo, mas ele permaneceu ministro por cinco anos —, o preço do leite ao produtor subiu 59%, contra a inflação de 31% medida pelo Índice Geral de Preços (IGP) da Fundação Getúlio Vargas. Mas essa recuperação não se manteve constante nos anos seguintes. Pouco depois de sua posse, o ministro divulgou as Diretrizes para a Pecuária Bovina de Leite, que esclareciam: “A política de preços do governo não visa tão-somente manter a renda real do setor, mas também proporcionar os estímulos necessários para que o verdadeiro produtor de leite melhore a sua produtividade e mantenha um fluxo regular de leite enviado para as usinas durante o ano todo”. No entanto, faltaram recursos para implementar as diretrizes. De acordo com Meireles (1983), Paulinelli analisou adequadamente o setor, mas esbarrou no excesso de centralização de poder decisório nos ministérios da área econômica, que sacrificaram a política de leite em prol de outros interesses. Na década de 1970, as cooperativas enfrentaram as dificuldades da variação dos preços realizando investimentos e ampliando o espaço de atuação. Revista Realidade Rural 2 a evolução do mercado Produzida com gorduras vegetais misturadas ao leite desnatado, ao sal e a emulsionantes, a margarina foi inventada na França pelo químico Hippolyte Mège-Mouriés. Ele venceu o concurso lançado, em 1866, pelo imperador Napoleão III, para estimular a invenção de uma gordura sadia, econômica e de boa conservação, a ser fornecida ao exército francês e à marinha. 80 Salto nas importações Para contornar o problema da escassez de leite, foi instituído, em outubro de 1974, subsídio para Apareceu a margarina O invento foi comprado, em 1871, por uma empresa holandesa fabricante de manteiga, que passou a vender margarina o transporte do produto do interior para as capitais. Dez meses depois, o subsídio foi alterado, passando a ser dado à usina desde que o leite fosse distribuído in natura nas regiões metropolitanas. pela metade do preço de seu produto tradicional. Em 1895, a produção atingiu a marca de 300 mil toneladas, ou 10% Isso provocou redução do capital de giro das empresas que vendiam à vista a maior parte do leite in do mercado da manteiga. A firma foi um dos pilares para a natura, agravando o problema da pequena margem de comercialização. fundação da Unilever, que lidera esse mercado na Europa e nos Estados Unidos. Outra medida de Paulinelli foi reduzir, em junho de 1974, o teor de gordura do leite C, de 3% para 2%. A gordura assim obtida seria usada na reidratação do leite em pó. Naquele ano, o Brasil importou 14.261 toneladas de leite em pó; o número aumentou para 18.241 no ano seguinte; e pulou para 55 mil em 1977. Esse salto nas importações foi provocado por acordos firmados na Alalc (Associação LatinoAmericana de Livre Comércio) e resultou, em 1978, em elevados estoques de manteiga, leite em pó e queijo, agravados pelo crescimento da produção brasileira. O foco do governo era o abastecimento. Ele próprio se tornara grande comprador de leite em pó para atender aos programas assistenciais. Desse modo, também como comprador, o governo passou a ter grande influência no mercado. Entre as consequências da intervenção estatal, destacam-se a falta de crescimento vertical da produção de leite e o enfraquecimento ou desaparecimento de empresas nacionais no setor de laticínios. Sem condições para crescer verticalmente, por meio de investimentos para aumentar a produtividade, registrou-se forte expansão horizontal das bacias leiteiras (com o aproveitamento de outras regiões), aumentando as despesas de transporte a grandes distâncias. Para reduzir custos, algumas cooperativas passaram por processos de fusão. Continua na página 84 Os anos de intervenção governamental nos preços do leite prejudicaram pequenos produtores e laticínios, atingindo também as cooperativas. Foto Ronaldo Guimarães/Arquivo Sebrae Em 2007, a Unilever fechou acordo com a Perdigão para aumentar sua fatia no mercado brasileiro, estimado em 330 mil toneladas anuais. Somente no século atual fabricantes de margarina se animaram a construir unidades em Minas Gerais para concorrer com os produtores mineiros de manteiga. Em junho de 2006, a Sadia, que entrou nesse segmento em 1991, inaugurou em Uberlândia a primeira dessas fábricas, com capacidade para produzir 4.500 toneladas por mês de margarinas das marcas Qualy, Deline e Bom Sabor. Antes, ela já havia montado fábrica em Paranaguá, no estado do Paraná. Em 2009, a Sadia se juntou à Perdigão, nascendo dessa fusão a BRF (Brasil Foods). Equipamentos para laticínios 83 Fabricação mineira 2 Até praticamente meados do século XX, os laticínios brasileiros eram muito dependentes da importação de máquinas produzidas na Europa e nos Estados Unidos. Meireles (1983) cita trabalho da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), de setembro de 1977, que analisa a demora de se instalar no país um setor produtor de bens de capital para a indústria de laticínios. O estudo afirma que o marco inicial é a instalação, em 1952, em São Paulo, da APV do Brasil, subsidiária da APV inglesa, mantendo-se mesmo assim baixo índice de nacionalização. 2 a evolução do mercado Meireles e Finep não levaram em consideração a existência em Lambari, desde 1913, da Biasinox, que atualmente fabrica tanques automáticos para produção de queijos, tanques de prensagem e dessoragem de massa e prensas pneumáticas. Mais recentemente, a importante estância hidromineral do Sul de Minas Gerais vem-se destacando nessa área. Ali foi oficialmente estabelecido, em 2005, o Arranjo Produtivo Local (APL) de fabricação de equipamentos em inox para laticínios, com apoio do Sebrae-MG e Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Quatro anos depois, a Fibrav, a Inoxul, a Injesul Plásticos e a Lambari Inox, integrantes do APL, participaram em Juiz de Fora da 37ª Expomaq e do 26º Congresso Nacional de Laticínios, realizados pelo Instituto de Laticínios Cândido Tostes. As quatro empresas foram incluídas no Projeto “É provável que a lentidão da expansão da produção interna por parte da APV tenha-se devido aos conhecidos subsídios à importação de bens de capital na década de 1950 e que a APV internacional a tenha usado como estratégia para o Brasil manter um baixo índice de nacionalização, apenas compatível com um fortalecimento de sua posição no mercado brasileiro, que até então ela dividia basicamente com a Alfa-Laval e a Silkborg”. 1 1 e 2. Multinacionais, como a APV e a Alfa-Laval, investiam no Brasil praticamente sem concorrentes. Revista Realidade Rural A Alfa Laval, fundada no século XIX pelo engenheiro sueco Carl Gustaf Patrik de Laval, inventor do centrifugador e separador de leite e creme, chegou ao Brasil em 1962. A presença da dinamarquesa Silkborg ocorreu dois anos antes, ao conceder à empresa nacional Inoxil, de São Paulo, licença para fabricação de equipamentos de sua linha de produção. Extensão Industrial Exportadora, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações 3 e Investimentos. Também a Inoxmilk faz parte do APL, com uma linha de cerca de três dezenas de equipamentos. Em Além Paraíba, na Zona da Mata, foi fundada, em 1981, a Emil (Empresa Mineira Ltda.), que fabrica máquinas de envasamento de leite e outros produtos, já tendo vendido mais de duas mil unidades, inclusive para o exterior. 3. Equipamentos fabricados pela Biasinox, em Lambari, no Sul de Minas Gerais. Arquivo Biasinox 2 a evolução do mercado Que mau humor! 84 O presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Alvim, recorda que a Parmalat — cuja falência foi decretada na Itália em 2003 e a filial brasileira vendida, entrando em processo de recuperação judicial — começou a comprar o leite diretamente dos produtores, desestabilizando as cooperativas. Continuação da página 80 O avanço das multinacionais As empresas procuravam superar problemas, ao longo da década de 1970, Parecia bom negócio, mas quando a coopera tiva fechava por falta de fornecedores, a situaç ão para o produtor regredia ao tempo em que ela não havia ainda sido criada. recorrendo ao marketing, com lançamento de novos produtos lácteos em embalagens coloridas e atraentes. Passaram a prestar mais atenção às técnicas de comercialização e à posição de seus produtos no mercado. Mas nada disso evitou o aumento da concentração de capital, com as grandes comprando as pequenas e médias empresas e se posicionando em todos os principais mercados do país. No fim da década de 1970, havia sete multinacionais atuando no mercado de laticínios no país: Nestlé (suíça), Fleischmann Royal (americana), Yakult (japonesa), Danone (francesa), Polenghi/Bongrain Gerard (francesa), Anderson Clayton (americana) e Parmalat (italiana). Com fama de turrão e estourado, o ex-presidente general João Batista Figueiredo (o terceiro da esquerda para a direita; na foto, em campo da Embrapa) deixou os gaúchos irritados com declarações ofensivas aos produtores de leite. Arquivo FGV Ele se via obrigado a entregar o leite à Parmalat pelo preço que ela impunha, pois não havia opção: a multinacional comprara todos os pequenos e médios laticínios da região, fechando praticamente todos. Essa situação parecia inevitável, pois as empresas nacionais não tinham capital para investir na fabricação de produtos mais rentáveis que dependem de vendas em grande escala e grandes investimentos em publicidade. E o problema piorou para muitas delas, na década de 1990, após a abertura do mercado brasileiro pelo governo Collor. Se os anos de 1970 foram difíceis para as cooperativas de leite e os laticínios nacionais, a situação foi ainda pior na década seguinte. No governo de João Batista Figueiredo, o produtor de leite do Rio Grande do Sul — e do restante do país — se viu atingido por uma declaração injuriosa lançada na imprensa pelo próprio presidente do Brasil: “Durante muito tempo, o gaúcho foi gigolô de vaca”. Independentemente do mau humor do último general na presidência do país diante das críticas dos produtores de leite ao seu governo, deve-se reconhecer que, quando ele assumiu o cargo, em março de 1979, a existência de estoques enormes em mãos do governo e dos laticínios justificava a manutenção de preços ainda mais baixos ao produtor. 2 a evolução do mercado Desse modo, a produção de leite no estado de São Paulo e Sul de Minas, no começo da década de 1980, cairia para a metade do volume da década de 1960, de acordo com Meireles (1983). De fato, entre 1977 e 1984, os preços reais recebidos pelos produtores de leite haviam se reduzido 87 anualmente, chegando ao fim desse período a 66% do que eram em 1977. O tabelamento Em razão disso, no governo de José Sarney, logo depois de inaugurado o Plano Cruzado, quando a população se viu livre provisoriamente do imposto inflacionário, o país viveu um período de forte escassez de leite. Para tentar se contrapor à queda da produção por falta de incentivo, foi criada a Planilha de Custo de Produção de Leite da Embrapa, em 1987, com novos parâmetros para o reajuste do preço recebido pelo produtor, mas sem resultados O governo brasileiro não agia de forma isolada no mundo, quando intervinha no mercado do leite. Em seu estudo de 2004, em que analisa as políticas públicas e o mercado do leite, Paulo Martins conclui que a atividade láctea é intensamente regulamentada em todo o mundo, o que a situa distante dos postulados de livre comércio. “Isso leva a distorções sólidas nos mercados domésticos, com reflexos apreciáveis no mercado internacional, que é estreito, por consequência”, escreveu. Um salto nos anos 90 concretos no aumento da produção. Na realidade, depois de 1964, o Estado passara a intervir dir etamente na economia, estendend o para outros setores o controle de p reços. Criou novas estatais, tabelamentos e confiscos. No setor agropecuário, aqueles problemas Apesar disso, e da desorganização inicial do mercado, que se seguiu à desregulamentação ocorrida em 1991, a produção nacional de leite cresceu cerca de 36% na década de 1990 em relação à década anterior, o que não é um grande feito, dada a tragédia que foram os anos 80 para a economia brasileira como um todo. Esse movimento foi impulsionado em parte pelo aumento da produtividade nas fazendas, com a adoção de novas tecnologias de produção, para enfrentar a concorrência externa. Ficou mais fácil importar derivados lácteos, com a simplificação burocrática e a adoção de câmbio identificados por Milliet em 1945 nunca foram resolvidos, e se agravaram com os anos. sobrevalorizado. Até a abertura do mercado, só o Conforme Faria e Martins (2008), o tabelamento do leite não deixou de ser um programa de grandes cooperativas centrais espalhadas pelo país. políticos junto aos consumidores, e não à causa da pecuária leiteira. Sem dúvida, no início, o para poder importar. Até borracharia comprou leite governo importava leite e distribuía a cota para as garantia de preços mínimos, apesar de que os valores estabelecidos visavam os resultados Quando se afastou desse mercado, bastava ter CNPJ fim do tabelamento criou problemas para adaptação dos produtores, pois eles não estavam no exterior, lembra Rodrigo Alvim. “Era uma festa! preparados para entrar na economia de mercado, e essa fase difícil não se apagou ainda da memória de muitos deles. Importavam com 560 dias para pagar, e os juros cobrados pelos exportadores estrangeiros eram insignificantes em comparação aos juros cobrados pelos bancos no Brasil.” No início do Plano Cruzado, instituído no governo do presidente José Sarney, houve escassez de leite no mercado, que já vinha sofrendo com a queda da produção. Agência Brasil 2 a evolução do mercado 88 Nesse cenário de competição muitas vezes desleal, as empresas que sobreviveram foram aquelas, como a Itambé, que perceberam as mudanças e tiveram tempo e condições para se adaptar à frenética busca por ganhos de escala e produtividade que se verificava no mercado após 1991. Investir para competir De acordo com Martins (2004), os laticínios brasileiros mais bem administrados adotaram o conceito de logística integrada, visando à redução de custos, à melhoria da qualidade e à diversificação dos produtos lácteos, tendo em vista o aumento da competição no setor. Investiram para que os produtores a dotassem tecnologias modernas, oferecendo b ônus para incentivar a qualidade e a produtivi dade. A Itambé seguiu esse movimento, adaptando-se bem aos novos tempos. Em 1991, contratou a empresa de consultoria externa McKinsey & Company para fazer o diagnóstico empresarial, criou um fundo para implantação do programa de aumento da qualidade e produtividade das cooperativas associadas, lançou novos produtos, de maior valor agregado. Ao contrário de outras cooperativas centrais, a Itambé se fortaleceu no mercado, investindo em tecnologia e produtos. Foto Xará Nos anos seguintes, iniciou a pasteurização e o envase de leite C em Goiânia (que ganhou outra unidade), encomendou duas máquinas para embalar leite longa vida, construiu novas fábricas em Brasília e nas cidades mineiras de Pará de Minas e Uberlândia, ampliou e modernizou outras e seguiu investindo muito em produtos. No começo da década de 1990, a Itambé tinha oito linhas de produtos e 45 itens. No ano 2000, já eram 19 e 152, respectivamente, o que refletia seu planejamento estratégico. A meta era ampliar o raio de atuação e se consolidar como empresa de caráter nacional, conquistando mais consumidores pela qualidade e diversidade dos produtos oferecidos ao mercado. Dentro desse espírito, depois de ter promovido várias ações para profissionalizar e melhorar a gestão, foi criada em agosto de 2000 a Itambé S.A., que elegeu como objetivo a busca de parceiro estratégico do ramo alimentício que deveria trazer novas tecnologias e recursos financeiros. O vicepresidente administrativo financeiro da Itambé, Marcos Elias, informou que na época apareceram muitos interessados, mas, devido à situação política do país e ao risco Brasil elevado, o projeto foi adiado. 2 a evolução do mercado 1 2 90 3 Resfriamento nas fazendas Um dos marcos mais importantes para o setor leiteiro no Brasil data de 2002, quando o ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, tomou a decisão histórica de aprovar a polêmica Instrução Normativa 51. Os produtores seriam obrigados a fazer o que 95% deles nunca tinham feito: resfriar o leite na fazenda, para ser levado às usinas em tanques isotérmicos de caminhões. Uma das consequências da IN 51 foi a criação, em 2005, da Rede Brasileira de Laboratórios de Qualidade. Atualmente, são oito laboratórios credenciados formalmente pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura. Eles realizam análises para cerca de 1.300 laticínios e produtores. Os dois laboratórios localizados em Minas Gerais analisam mais de 70 mil amostras de leite por mês. Por sua vez, a Itambé lançou um programa de qualidade. Amostras são coletadas nas fazendas fornecedoras e analisadas em seu laboratório. Dependendo do resultado, o produtor recebe bônus por qualidade. A Itambé se antecipara à exigência da IN 51 sobre o resfriamento do leite. Até 1997, ele era coletado nas fazendas, em latões, por caminhões abertos das cooperativas, e só depois resfriado. Da unidade de resfriamento da cooperativa, era levado em caminhões isotérmicos até a usina mais próxima. O plano da Itambé previa que até 2007 todo o leite seria resfriado nas fazendas e recolhido a granel, em caminhões isotérmicos. De acordo com alguns estudos, a coleta a granel reduz em mais de 30% o custo do frete, em relação ao transporte por latão. Por outro lado, a introdução do conceito de logística integrada pelos laticínios resultou no fechamento de postos de resfriamento, na redução de rotas de coletas e na demissão de pessoal. A meta de dez anos estabelecida pela Itambé foi alcançada em apenas três, pois os cooperados se apressaram a tomar financiamento em condições vantajosas e comprar o tanque resfriador, para poder fazer duas ordenhas por dia e elevar assim a produção de leite em 30%, em média. Para incentivar o uso correto do resfriamento, a Itambé criou também a bonificação pela temperatura do leite. Em 2003, implantou um modelo de participação nos lucros, mediante a distribuição de sobras, com o objetivo de fidelizar o produtor. 1 e 2. O transporte do leite em latões é uma realidade rural cada vez mais distante. Na foto, leiteiros da comunidade de Rio Acima. Foto Oswaldo Filho/Prefeitura de Alagoa 3. A Itambé já recolhe o leite diretamente em algumas cooperativas, em caminhões próprios, como na Cooperativa Agropecuária de Araxá. Arquivo Capal Continua na página 95 2 a evolução do mercado A fabricação de queijos especiais é a principal atividade de Minduri e municípios vizinhos que fazem parte do Circuito do Queijo, no Sul de Minas Gerais, de lá saem cerca de 80% desse tipo de produção nacional, que concorre em qualidade com os produtos franceses e italianos. A atividade foi iniciada no começo do século passado por colonos dinamarqueses, entre eles Thorvald Nielsen, que chegou ao Brasil em 1913. 1 Queijos finos Nove anos depois de estabelecido no país, Thorvald buscou a família na Dinamarca e arrendou uma pequena queijaria da Fazenda Campo Lindo, em Aiuruoca, entre as cidades de Cruzília e Minduri, e começou a fabricar no local queijos finos, que “exportava” para o Rio de Janeiro. Para trabalhar com Thorvald, chegaram na Campo Lindo alguns técnicos dinamarqueses em laticínios, ainda na década de 1920. Entre eles, Leif Kai Godtfredsen — que adotou o nome de Godofredo e também se tornou empresário, comprando, em 1942, uma fábrica de queijos em Itutinga e, três anos depois, uma outra fábrica que pertencia ao ex-patrão Thorvald, em Seritinga, onde fundou a Laticínios Skandia. Foi ali que Godofredo fabricou o primeiro queijo roquefort do Brasil, conhecido atualmente como gorgonzola. Ele chegou a possuir 13 laticínios na região. Muitas décadas depois de sua iniciativa, em 93 2 Outro jovem técnico dinamarquês, Axel Sorensen, depois de malsucedidas experiências para obtenção de um queijo tradicional de seu país, chegou a um produto novo que teve boa aceitação no mercado: o queijo prato. Mas quem passou para a história como o inventor do novo queijo foi o patrão, Thorvald. Ao descrever o novo produto, fiscais do Ministério da Fazenda registraram ser ele “um queijo grande, circular, com formato de prato.” O nome pegou. Podiam ter dito também que o queijo tem cor amarelo-ouro, consistência untuosa e sabor e aroma suaves. Seria mais apropriado às condições atuais, pois, além dessa forma tradicional, o queijo prato se apresenta ao mercado em outros formatos e com outros nomes. Axel se tornou sócio de Thorvald e acabou comprando a participação do ex-patrão em uma de suas empresas. Na década de 1930, ele hospedou por três dias na Fazenda Encruzilhada, em Cruzília, o presidente Getúlio Vargas, que aproveitou para conhecer, numa viagem a cavalo de cerca de 10 quilômetros, a Fazenda Campo Lindo. 1983, a Skandia foi comprada pelo grupo francês Bongrain, que se tornou dono também da empresa fundada por Thorvald. 1. Thorvald Nielsen foi o pioneiro entre os dinamarqueses e o responsável pela vinda de compatriotas que fizeram a história do queijo no Sul de Minas Gerais. Arquivo Prefeitura de Minduri 2. Em torno de Minduri, a produção de queijos finos se desenvolveu a partir do envolvimento de imigrantes dinamarqueses que vieram para o Brasil tentar a sorte. Arquivo Prefeitura de Minduri Ele inventou o queijo estepe quadrado e abriu queijarias em Andrelândia, Madre de Deus e Carrancas, que produziam queijos finos, como o port-salut, o gorgonzola, o camembert e o gruyère. Na década de 1980, os herdeiros venderam o laticínio para o grupo Polenghi. O também dinamarquês Hans Norremose Petersen desembarcou no Rio de Janeiro no final de 1929, com 21 anos. De lá, partiu para a fabriqueta de Campo Lindo, de Thorvald. Sua trajetória como grande empresário começou quando propôs ao patrão fundar uma fábrica na beira da Ferrovia Oeste de Minas, em Minduri, o que facilitaria o transporte dos queijos Dana para o Rio de Janeiro. Na sociedade, ele entraria com o trabalho. 1 O único vivo dos dinamarqueses pioneiros do queijo fino do Sul do estado, Norremose se casou, em 1935, com Paulina, filha de Paul Bartholdy, um ano antes de o sogro ter arrendado a Campo Lindo. Não demorou muito e ele comprou a parte do patrão na fábrica de Minduri, adquirindo também a produção de Sorensen, que passaria a ser comercializada como Dana. Norremose criou ainda a marca Luna, avançou com as vendas por São Paulo, e lançou no mercado o primeiro o camembert fabricado no hemisfério sul, entre outros tipos de queijo. Ele chegou a ter 21 fábricas de queijos espalhadas por fazendas de oito municípios da região de Minduri e, em 1975, vendeu-as para a Anderson Clayton. Na década de 1980, a Luna foi comprada pela Gessy Lever. Uma cooperativa de Cruzília adquiriu a marca Dana. 1. Hans Norremose, casado com Paulina, chegou a ter 21 fábricas de queijos na região de Minduri, entre elas a da marca Dana. Depois vendeu o patrimônio para multinacionais, mas se tornou uma lenda na cidade, onde ainda vive, e que há décadas organiza torneios entre produtores. Arquivo Prefeitura de Minduri Continuação da página 91 Selo de qualidade 2 a evolução do mercado Antes de Thorvald, outro dinamarquês, Paul Bartholdy, desembarcara no Brasil em 1911, instalando-se também no Sul de Minas Gerais. Em 1936, Bartholdy, que uns dez anos antes ganhara o primeiro prêmio da loteria federal, comprou a queijaria da Fazenda Campo Lindo e a Companhia Oeste de Laticínios, criada em 1912 por ricos fazendeiros de São Vicente de Minas, fundando o Laticínio Campolindo. 95 O governo de Minas Gerais vem se preocupando também com a qualidade do leite. Em março de 2010, criou o Programa de Qualidade para Certificação, desenvolvido pelo Polo de Excelência do Leite da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. A empresa alemã TÜV Rheinland é parceira nesse projeto, fazendo treinamentos, preparações para certificação e auditoria. Os produtores recebem orientações sobre limpeza de latas e latões e aprendem a usar um kit de ordenha. É um cinturão com uma solução para limpeza das mãos e das tetas das vacas e papel-toalha. O objetivo é reduzir a contagem bacteriana total. A Instrução Normativa 51 (IN 51) prevê que em janeiro de 2011 o número de bactérias por mililitro deve cair de 700 mil para 100 mil. O programa envolve também os laticínios. O governo iniciou o processo de certificação e criou o selo Cert Leite, em três categorias (bronze, prata e ouro), que exige a adoção de boas práticas e diferentes procedimentos. Quando um laticínio cumpre todas as exigências, seu produto final atinge padrões europeus. Em julho de 2010, foi certificado o primeiro, o Laticínios MB Ltda., na categoria prata, produtor dos queijos da marca Jong, em Lima Duarte, na Zona da Mata. O laticínio processa até 90 mil litros de leite por dia. Seu principal mercado é o Nordeste brasileiro, mas, com o selo, o laticínio pretende exportar. A origem do MB remete a Jong, um dos pioneiros da indústria de laticínios naquela região. Sócio de Albert Boeke, em Santos Dumont, eles tinham também a fábrica de Lima Duarte, que permaneceu com Jong depois do fim da sociedade. 2 2. Em Lima Duarte, na Zona da Mata, o MB Laticínios, produtor dos queijos da marca Jong, foi o primeiro a conquistar o Cert Leite, selo de qualidade instituído pelo governo estadual. O fundador Jong é um dos pioneiros da indústria de laticínios na Zona da Mata. Arquivo MB Laticínios 2 a evolução do mercado 2 Além de estimular a melhoria da qualidade, a IN 51 amplia a possibilidade de exportação dos 96 produtos nacionais. Em 1998, o Brasil importava US$508 milhões em produtos lácteos e leite em pó e exportava US$8 milhões. O consumo interno havia subido significativamente após o Plano Real. O de iogurte, por exemplo, aumentou 180% de 1994 para 1995, comprovando que a elevação da renda das famílias tem reflexo positivo sobre o consumo de lácteos. Perturbação na economia mundial 1 Rodrigo Alvim lembra que em 2001, durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o governo anunciou que o PIB cresceria 4,5%. Prevendo o aumento da renda dos consumidores, os fazendeiros começaram a melhorar a nutrição e o manejo das vacas, e a produção de leite aumentou quase 12% naquele ano. Porém, ninguém previu, continua o presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA, que na mesma época haveria a crise econômica da Argentina, a crise do “apagão” elétrico no Brasil e, ainda, que em 11 de setembro as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, seriam derrubadas por terroristas. Em consequência, a economia mundial viria abaixo, por um período. Para o setor leiteiro no Brasil, a crise só não foi mais grave por causa das medidas antidumping adotadas em fevereiro de 2001. A economia brasileira só cresceu 1,5% e, “no fim do ano, havia 2 bilhões de litros de leite em excesso no mercado, derrubando os preços. A indústria resolveu experimentar exportar e, para sua surpresa, Potencial de consumo 3 A produção de leite em 2001 aumentara cerca de 12%, mas o consumo per capita no Brasil continuava no patamar tradicional de 130 litros por ano, bem inferior aos 210 litros por ano recomendados pela Organização Mundial de Saúde. A situação não havia mudado muito em 2005, quando o país produziu 24,6 bilhões de litros e o consumo per capita passou a 134 litros. A expectativa do aumento de consumo do leite e seus derivados indicava um grande potencial de crescimento para a pecuária leiteira. Apesar do consumo baixo, não era a primeira vez em nossa história que o país enfrentara problemas de estoques elevados. Na década de 1970, a Itambé teve que recorrer ao mercado externo para escoar estoques acumulados de leite em pó e manteiga. Por meio de uma trading, vendeu os produtos para países da Europa e da África, em embalagens industriais. De outra vez, no começo da década de 1990, exportou cerca de 4 mil toneladas de leite em pó para a Argélia. descobriu que éramos competitivos no mercado internacional. Por sorte, o mercado estava comprador, apesar de toda a crise que se estabeleceu no mundo”, lembra Alvim. 1. O atentado que jogou no chão as torres do WTC, em 2001, deixou fortes marcas não só no coração dos Estados Unidos, mas na economia mundial. Arquivo Wikimedia 2. Consumo baixo interno estimulou a venda para o exterior de produtos Itambé em 1972. Arquivo Itambé 3. Foto Xará 2 a evolução do mercado 2 Mas o grande passo nessa área ocorreu no início dessa década. “Em 2002, criamos 98 a Serlac Trading S/A, unindo cinco empresas brasileiras: três cooperativas — Itambé, Central Paulista e Confepar, do Paraná —, a Embaré e a alagoana Iupiza. Criamos a trading exatamente para não brigar lá fora e tentar exportar juntos”, lembra, Jacques Gontijo. O presidente da Itambé conta que ao longo de cinco anos as outras empresas exportaram pouco e, por isso, se retiraram da Serlac. Serlac contra a crise A Itambé assumiu 50% do capital da trading, ficando a outra metade com a Sertrading, controlada por especialistas em comércio internacional que trabalhavam na Cotia Trading e cujo principal acionista é o mineiro Paulo Brito, de Uberaba. “No decorrer desses anos, exportamos muito, e a Itambé foi a maior exportadora”, diz Gontijo. 1 A atuação da Serlac no mercado externo é notável. No mesmo ano em que foi criada, a trading negociou contratos de venda de 5 mil toneladas de leite em pó para o World Food Program, da Organização das Nações Unidas (ONU), para serem enviadas ao Iraque. O contrato foi mantido no ano seguinte, com igual volume. Nessa época, a Itambé exportava 8 mil toneladas de leite em pó, leite condensado e leite evaporado para 13 países. Em 2004, eram 15 mil toneladas, para 28 países. As exportações aumentaram no ano seguinte, quando a Itambé conseguiu vender também para os Estados Unidos, após associação com grande distribuidor local de produtos lácteos. Pela primeira vez, as exportações eram feitas em embalagens individuais com a marca Itambé. Em 2005, as exportações chegaram a 45 países e representaram 5% do faturamento total da Itambé, de R$ 1,4 bilhão. Era a maior indústria brasileira de laticínios de capital nacional. Em 2008, os produtos chegavam a 62 países, e a Itambé era, desde o ano anterior, a maior exportadora brasileira de produtos lácteos. Apesar do excelente desempenho na exportação, desde a criação da Serlac, o negócio não escapou à crise financeira mundial. Em 2009, a Itambé exportou apenas cerca de US$ 50 milhões, contra US$ 220 milhões em 2008. As exportações continuaram caindo ao longo de 2010. Gontijo destaca que os preços lá fora baixaram muito no final da década, enquanto o mercado interno absorvia quase toda a produção. Junto com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), as empresas estão revendo acordos sanitários e barreiras tarifárias. “Leite é um produto muito protegido no mercado internacional e o mais subsidiado no mundo inteiro”, lembra Gontijo, ressalvando que no Brasil não existe tal subsídio, mas prevalece certa proteção contra a importação. 1. Produto Itambé. Arquivo Itambé 2. A Confepar era uma das cooperativas que integravam a trading Serlac, criada para enfrentar o mercado externo. Arquivo Confepar 2 a evolução do mercado 100 O mercado internacional de leite é limitado e tem poucos players. Há muitos anos, Canadá, Estados Unidos, Japão e União Europeia se protegem com sobretaxas variando de 230% a 300%, contrariando a defesa que fazem do livre comércio. Poucos na disputa Em 2008, do Brasil saíam apenas 2% do leite em pó e 16% do leite condensado comercializado entre países. O volume exportado de lácteos representou faturamento de US$ 541 milhões, praticamente o dobro do resultado do ano anterior. Nesses dois anos, os estoques europeus e dos Estados Unidos estavam praticamente zerados. Mas em 2009, com a crise financeira mundial, a União Europeia voltou a conceder mais fortemente subsídios aos criadores de gado leiteiro, para aumentar a produção e as exportações, e os preços do leite em pó desabaram no mercado internacional. Produtos da Itambé são exportados para mais de 60 países. A crise econômica mundial de 2008 afetou os negócios e, em 2010, a produção foi quase toda absorvida pelo mercado interno. Arquivo Itambé Para complicar, ocorreu forte desvalorização do real frente ao dólar, prejudicando as exportações brasileiras como um todo e facilitando a entrada de lácteos em nosso mercado. No segundo semestre de 2009, o governo suspendeu as licenças automáticas para importações de leite do Uruguai e Argentina e negociou cotas com os países do Mercosul. Nos últimos meses de 2009, os preços internacionais de produtos lácteos iniciaram tendência de alta. A produção mundial de leite, durante o ano, aumentou 1%, superando 700 milhões de toneladas, com destaque para os países em desenvolvimento. 2 a evolução do mercado 102 Em todo o mundo, continua forte o movimento de concentração de capital, observa Roberto Simões. “Para ganhar escala, as empresas se reúnem, e as cooperativas também. O fundamental é aumentar o nível de produtos trabalhados por cooperativas. Estamos hoje ao redor de 40%, quando sabemos que nos Estados Unidos, por exemplo, 85% do leite é cooperativado. É caminhar nessa linha, com cooperativas modernas, funcionais, que retornem benefício ao produtor. Já temos exemplos fora. Cooperativismo é o caminho Unidas em um novo negócio Nos Estados Unidos, a DFA — Dairy Farmers of América, a maior cooperativa captadora de leite do mundo, que vende cerca de 27 bilhões de litros por ano, mais do que toda a Na Europa, existem cooperativas ch amadas de terceira ou quarta geração, eficientes, que disp utam preço e trazem retorno aos seus cooperados”, anali sa o presidente da Faemg e do Sebrae-MG. Ele ressalta que a Itambé, meritoriamente, sobreviveu como cooperativa central. “Tínhamos centrais no Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul etc, e elas quebraram. A Itambé prevaleceu e hoje está tentando crescer ainda mais, associarse a outras para ganhar volume e condições de competição. Esse é o caminho, é o futuro”, assinala Simões, destacando ainda que para disputar mercado é preciso ter tamanho e modernizar o sistema cooperativo, no qual a decisão é geralmente muito lenta, o que . prejudica a competitividade. “É preciso evoluir nesses processos, porque o caminho é o cooperativismo. Montar uma S/A associada que seja mais ágil, algo nessa linha”, defende. A Itambé é a terceira maior captadora de leite do Brasil, com 1,125 bilhão de litros em 2009. Já foi a segunda, mas foi superada pela BR Foods, que é a união da Perdigão e da Sadia e está no mercado de lácteos há pouco tempo. Se houver a fusão das cooperativas centrais de Minas Gerais, Goiás e Paraná, a Itambé ficará em primeiro lugar. Essa posição é ocupada atualmente pela DPA/Nestlé, que em 2009 captou 2,05 bilhões de litros. No setor de leite, o cooperativismo fortalece os produtores e garante possibilidades de grandes negócios. atual produção brasileira — nasceu da fusão de quatro cooperativas. No Brasil, dirigentes de três cooperativas se tornaram protagonistas, em 2009, de ambicioso projeto de fusão da CCPR com outras quatro cooperativas: Cemil e Minas Leite, de Minas Gerais; Centroleite, de Goiás; e Confepar, do Paraná. Segundo Jacques Gontijo, a união das cooperativas é uma ideia antiga. Mas a oportunidade de concretizá-la surgiu apenas em agosto de 2009. Um ano depois, ele relata os avanços obtidos, manifestando a esperança de que o processo seja brevemente concluído. A Cemil desistiu de participar do projeto, o que reduziu de cerca de 7 milhões para perto de 6,5 milhões por dia a previsão de captação de leite pela nova cooperativa, dos quais 3,5 milhões vindos de produtores ligados à Itambé. Uma empresa especializada foi contratada para avaliar cada cooperativa, e estavam acertados, praticamente, os percentuais de cada uma no empreendimento. O Memorando de Entendimento definiu as premissas, e as assembleias de cada cooperativa deverão aprová-las. além de gestão profissional da cooperativa. É proibida a competição entre cooperativas associadas e cooperativas centrais, o que representa inovação para as sócias no empreendimento, mas não para a CCPR. “Esse é o modelo que a Itambé vem seguindo”, afirma Gontijo. Modelo único e nosso Com esse modelo único, a captação de leite seria unificada na nova grande cooperativa, acabando com o sistema de dupla intermediação, no qual a cooperativa compra o leite do produtor e depois fornece para a central. “É um modelo mais moderno de cooperativa, sempre visando criar valor para o produtor. O objetivo final é esse, e a cooperativa deixará de ser um meio oneroso para ele”, explica o presidente da Itambé, lembrando que é assim que funciona a cooperativa da Nova Zelândia, que, para ele, representa um grande avanço no mercado internacional de leite. “Estamos copiando muita coisa da DFA e da Fonterra”, salienta. De acordo com Jacques Gontijo, a nova grande cooperativa de leite vai atuar em condições diferentes daquelas em que operava a Fonterra, que capta 95% do leite produzido na Nova Zelândia, onde as cooperativas locais têm o monopólio da comercialização do leite no mercado interno. “A Fonterra está instalada aqui, mas nem a Itambé nem a Nestlé nem ninguém pode ir para lá. Eles reservaram o mercado deles. Tinham monopólio na exportação. Era um órgão do governo que exportava. Privatizaram, passaram para a cooperativa, mas continuou o monopólio”, critica Gontijo. A nova cooperativa brasileira pretende também conseguir um sócio importante. “Ela precisa, para crescer, de um parceiro. Pode ser estratégico ou financeiro”, explica o presidente da Itambé. “Precisamos de alguém para capitalizar, porque o problema maior do produtor é que ele tem dificuldade de capitalização.” O modelo prevê a criação de uma sociedade anônima controlada pela nova cooperativa central. A Fonterra, uma das maiores cooperativas de leite do mundo, instalada na Nova Zelândia, serve de exemplo para um novo modelo de negócio de cooperativas brasileiras. Arquivo Wikimedia Ranking disputado 2 a evolução do mercado As premissas do novo negócio estabelecem a proporcionalidade de volume de leite, capital e voto, 105 Apesar do otimismo do idealizador da nova grande cooperativa, que prevê que o Brasil será o quarto maior produtor de leite do mundo em 2020 — depois dos Estados Unidos, Índia e China — dificilmente o país conseguirá avançar ainda mais nesse ranking. A Índia é o segundo maior produtor de leite de vaca, animal sagrado no país, e, se for incluída a produção de leite de búfala, já ultrapassa os Estados Unidos. No entanto, a Índia não é exportadora de leite e ainda precisa importar da Oceania para alimentar sua população. A produção de leite da China, por sua vez, cresce muito, de 15% a 20% ao ano; enquanto o PIB aumenta 10%. Nos primeiros cinco anos deste século, os chineses produziam menos que o Brasil, e hoje se aproximam dos 40 bilhões de litros de leite por ano. O que ainda é muito pouco, considerando a população da China. O esforço do país para aumentar a produção é bem maior que o do Brasil, pois há hoje na China o entendimento de que o leite é alimento essencial, o que não ocorria até recentemente. Tanto que a China vem importando grandes volumes da Nova Zelândia e da Austrália. Aurélie Trouvé citam, em artigo publicado pelo Le Monde Diplomatique, previsão do GEB–Institut de L’élevage de que haverá expressiva redução no número de produtores franceses de leite em razão do aumento da produtividade, entre outros fatores. Seu número cairia dos atuais 88 mil para 60 mil em 2015 e para 20 mil em 2030. Realidade europeia 1 Os autores lembram o ocorrido na Inglaterra, depois que o governo de Margaret Thatcher suprimiu, em 1994, as Milk Marketing Boards, agências governamentais criadas em 1933 para garantir aos produtores um preço mínimo negociado com seus parceiros da indústria de transformação. Para enfrentar a redução dos preços, os produtores recorreram à mão-de-obra proveniente do Leste Europeu, que se submetia a trabalhar, em condições difíceis, mais de 50 horas por semana. O mesmo ocorreu nos Estados Unidos, com os trabalhadores mexicanos, e em outros países. O Brasil não foi citado. Para Cassez e Trouvé, o problema dessa modernização está em como garantir a alimentação de 9 bilhões de pessoas no mundo até 2050 sem destruir os recursos naturais. Empreendimentos de grandes dimensões vêm adotando o sistema de pastagem zero. Os autores argumentam que esse modelo produtivista induz ao aumento do número de animais por hectare e à redução das pastagens extensivas, consumindo mais energia e insumos de produção e elevando a emissão de protóxido de nitrogênio, poderoso gás de efeito estufa. A alimentação animal à base de soja geneticamente modificada provoca em vários países, como o Brasil, a abertura de novas fronteiras para o plantio, à custa de desmatamentos e de eliminação de pequenos produtores rurais, afirmam Cassez e Trouvé. Acrescentam que a União Europeia é ainda a maior produtora mundial de leite, mas não mais desempenha o papel de “estocadora pública”. Não mais existem, segundo os autores, instrumentos para ajustar os preços e volumes frente à evolução dos mercados internacionais. Em 2007, quando os preços explodiram por causa do crescimento da demanda dos países asiáticos e da queda da produção de alguns exportadores, a UE esgotou seu estoque. Com isso, ocorreu um movimento para aumentar a produção, provocando nova queda brutal de preços, agravada pela crise financeira mundial e pela desregulamentação dos mercados. Na União Europeia, com o fim dos limites de produção, os excedentes voltaram a aparecer e foram dirigidos “de maneira desleal aos países do Sul, em operações incentivadas pelas subvenções dadas às exportações e financiadas pelos contribuintes europeus”, criticam Cassez e Trouvé. Mudar o perfil brasileiro 2 a evolução do mercado Enquanto isso, na Europa, as perspectivas são menos otimistas. Os pesquisadores franceses Matthieu Cassez e 107 Se o governo brasileiro vai insistir na “política de alimentos baratos” adotada em relação ao leite, conforme Martins (2004), ele deveria tomar algumas 2 medidas. Nos fóruns de negociações internacionais de comércio, o leite requer atenção maior, pois a redução de subsídios internacionais significa mais emprego e mais renda no Brasil. Mesmo na situação atual, inexiste no país, segundo o autor, atividade que empregue mais pessoas que a produção de leite, presente em todo o território nacional. Acrescenta que, por sua importância como produtor mundial de leite, o Brasil não pode deixar que a Nova Zelândia exerça sozinha o papel que vem desempenhando hoje no setor. Outra ação prioritária está relacionada com a política fiscal. Ela precisa ser reformada, para que o leite e derivados deixem de ser sobretaxados, proporcionalmente, mais do que outros setores da economia. “Preço mínimo, treinamento de produtores e financiamentos assegurados são instrumentos relevantes a merecer a atenção de formuladores de políticas públicas”, conclui Martins. No Brasil, são muitas ainda as barreiras que precisam ser superadas para melhorar o perfil do setor leiteiro. Há grande número de pequenos produtores que apenas subsistem nessa atividade, com precária situação sanitária, sendo que 30% da produção sequer é inspecionada pelo governo. Porém, em Minas Gerais e em outros estados com tradição na produção de leite, há muitos produtores com gado de qualidade que primam pelos cuidados higiênicos e pela tecnologia, chegando a alcançar produtividade comparável à dos Estados Unidos. 1. Margareth Thatcher, conhecida como a “dama de ferro”, introduziu reformas polêmicas na Inglaterra quando primeira-ministra, na década de 1980. Arquivo Nato Pequenos produtores brasileiros precisam de maior atenção, pois são parte de um contingente que faz da pecuária leiteira a atividade de maior permanência no país. 2. Foto Maurício Farias/Arquivo ABCZ 3. Foto Xará 3 Tela de Marc Chagal, O Vendedor de Gado. Masp 3 Tecnologia e qualidade em construção Um alimento de longa data 3 tecnologia e qualidade em construção 2 111 O leite faz parte da história da humanidade. Por volta do oitavo milênio antes de Cristo, comunidades nômades se estabeleceram em terras férteis, começaram a cultivar alimentos e descobriram como ordenhar fêmeas de animais domesticáveis, como cabras e vacas, que deixaram de ser apenas caça. Conforme alguns autores, a origem mais remota da Alguns estudiosos acreditam que os homens aprenderam a fazer queijo no sétimo milênio antes de Cristo, antes de terem inventado a cerâmica. Eles guardavam o leite dentro de bolsas feitas com estômago de animais e, portanto, em contato com a renina — que é uma enzima existente no estômago e que serve de catalisadora para a formação de coalho e queijo. palavra leite é associada ao termo mirjati, que, na 1 língua indo-europeia, falada antes do latim, significa acariciar ou esfregar. Em inglês, milk derivaria do germânico melki ou melkan, traduzido como ordenhar. Essas comunidades pré-históricas foram, certamente, as primeiras a descobrir que o leite, quando vira coalhada por efeito de alguns tipos de bactérias, continua servindo de alimento. 1. Também na antiguidade, o leite de cabra foi usado como alimento pelo homem. RF/SXC Com ajuda dos animais O uso dessas bolsas teria conduzido a outra descoberta valiosa: a da manteiga. Os homens perceberam que a manteiga se formava na medida em que o leite era sacudido, durante longas viagens. O passo seguinte significou um avanço tecnológico: alguém teve a ideia de remexer o leite dentro de um vasilhame até que ele se transformasse em manteiga, um alimento mais durável. Há algumas referências à manteiga em escritos antigos, como num provérbio de Salomão, que reinou de 1009 a 922 antes de Cristo, nos textos do Deuteronômio, o quinto livro da Bíblia, e em Samuel. Ao que parece, a manteiga não era alimento comum na Grécia antiga e até mesmo na Idade Média, na Europa, era raridade, só consumida em banquetes. Ao contrário do queijo, alimento sempre presente nas mesas de assírios, caldeus, egípcios, gregos e romanos. Eles produziam diversas variedades de queijos. Para coagular leite, os romanos usavam flores de cardo e suco de figo verde. 2. O queijo é um alimento antigo, consumido por assírios, caldeus, egípcios, gregos e romanos. RF/SXC 3 tecnologia e qualidade em construção 1 Sabedoria asteca 113 O mesmo acontecia quando o leite era misturado ao chocolate, mas isso ocorreu muito tempo depois de o chocolate ser cultuado pelos astecas, no México, e maias, na América Central. Vem da França, o moderno Na Idade Média, as técnicas de maturação do leite, aumentando sua durabilidade, foram aperfeiçoadas pelos monges, nos conventos. Essa experiência acumulada chegou aos nossos dias, e hoje existem milhares de variedades de queijo. Acredita-se que os precursores dos modernos laticínios surgiram no ano de 1267 de nossa era, na região francesa de Doubs, onde eram produzidos grandes queijos conhecidos por beaufort, emental e comte. Antes da invenção dos refrigeradores e de outros métodos de conservação do leite, os queijos tinham a grande vantagem de poder ser estocados por mais tempo sem estragar. Tais civilizações produziam a bebida moendo a semente de cacau e adicionando o pó na água, misturado ao mel ou ao açúcar e a algumas especiarias. Em 1528, o conquistador do México, Hernan Cortés, levou o chocolate para a Espanha e, progressivamente, a bebida foi-se espalhando pela Europa, mas era consumida apenas pelos mais ricos. 2 1. As dificuldades de conservar alimentos não impediram, mesmo na antiguidade, que as técnicas de fabricação de queijo se desenvolvessem. Foto da gravura: Duas mulheres no interior da cozinha, de Guillaume Duvivier, século XVII. Arquivo Masp 2. A partir do cultivo do cacau, as civilizações asteca e maia conheceram o chocolate, foi levado para a Espanha pelo conquistar do México, Hernan Cortés. Foto de uma réplica da “pedra do sol” asteca. Wikimedia Foundation. 3 tecnologia e qualidade em construção 4 Das delícias suíças Na segunda década do século XIX, o suíço François-Louis Cailler teve a ideia de fabricar chocolate em barras. Em 1875, seu filho, Daniel Peter Cailler, criou o chocolate ao leite e, mais tarde, juntou sua empresa à de Charles-Amédé Kohler, o inventor do chocolate Hazelnut. A empresa resultante da fusão acabou nas mãos da Nestlé. Ainda no século XIX, outros fabricantes suíços se destacaram, como Philippe Suchard, Jean Tobler e Rodolphe Schifferli, e novos processos de fabricação foram sendo introduzidos. Em 1900, eram consumidas 115 mil toneladas de chocolate no mundo. 114 1 3 O século XIX foi marcado por grande progresso científico e pelo rápido crescimento das cidades. As populações se distanciavam das tradicionais fontes de alimentos, e os cientistas buscavam técnicas de conservação, para que alimentos perecíveis, como o leite, pudessem ser produzidos em grande escala e estocados, para a venda aos moradores nas cidades. Vivendo uma nova era Logo no começo do século, o francês Denis Papin, inventor da máquina a vapor, fez experiências com a conservação de alimentos e verificou que a durabilidade aumentava muito quando cozidos e mantidos em vidros hermeticamente fechados. A descoberta foi aproveitada pelo confeiteiro francês Nicolas Appert, em 1804, para conservar alimentos em latas. Napoleão Bonaparte empregou o método de Appert para abastecer suas tropas em terra e também a marinha, nas longas viagens por mar. Em 1809, o imperador francês concedeu prêmio de 12 mil francos franceses a Appert, para que suas descobertas fossem tornadas públicas, surgindo assim o livro A Arte de Conservar Todas as Substâncias Animais e Vegetais, logo traduzido para o alemão e o inglês. 5 Um filho de Appert, Chevallier-Appert, foi o inventor das autoclaves modernas. Com base no método de Appert, o 2 inventor francês Malbec criou em 1828 o leite condensado. E o suíço J. B. Meyenberg usou, em 1880, o sistema de autoclave para aperfeiçoar o método de fabricação desse tipo de leite. Os suíços, como Jean Tobler e Charles-Amédé Kohler, se destacaram na produção de chocolate, uma história que começou com Françoise-Louis Cailler, fundador da fábrica de mesmo nome. 4. A descoberta de Papin foi aproveitada com êxito por 1. Arquivo Tobler 5. A ebulição vivida pela França no século XIX produziu 2. Arquivo LTM 3. Arquivo Chocolates Cailler Nicollas Appert e ainda mais por Napoleão Bonaparte, que conseguiu abastecer suas tropas com alimentos em lata. Arquivo Palácio Pitti/Florença inventores como Denis Papin (na reprodução) que, ao fabricar a máquina a vapor, incentivou métodos que permitiram a conservação de alimentos por muito tempo. Em 1851, o cientista francês Louis Pasteur descobriu os fundamentos teóricos que sustentam as experiências feitas pelo confeiteiro Appert. Pasteur mostrou que o processo de tratamento baseado na elevação da temperatura Vida longa com o UHT do alimento a até 57ºC por alguns minutos era eficaz na prevenção da fermentação anormal do vinho e da cerveja. Em sua homenagem, o método utilizado também para o leite ficou conhecido como pasteurização. Pasteur entra em cena 1 2 No começo do século XVIII, grandes casas europeias tinham compartimentos subterrâneos para armazenar gelo durante o inverno e desse modo conservar carnes e peixes por mais tempo. No século seguinte, cientistas como Gay-Lussac descobriram que a expansão de gases subtrai calor do ambiente e que um método de compressão de gás, seguido pela sua liberação, promovia refrigeração. Com isso, as câmaras poderiam criar ambientes frios, e não apenas conservar o frio. O gelo artificial foi fabricado pela primeira vez em 1834, pelo americano Jacob Perkins. Dezessete anos depois, outro americano, John Gorrie, obteve a patente do primeiro compressor de ar movido a vapor para refrigerar câmaras de hospitais. Em 1879, foi lançado o refrigerador para uso doméstico, inventado pelo alemão Carl Von Linde, o que possibilitou que o leite pasteurizado fosse vendido em grande escala. Surgiam os grandes laticínios. Para pasteurizar, os laticínios aqueciam o leite por meia hora, à temperatura de 31°C. Vendido em garrafas de vidro, o leite não podia ficar estocado por 3 tecnologia e qualidade em construção 3 117 muitos dias, o que impossibilitava seu transporte a grandes distâncias. Para quem não tinha refrigerador em casa, a grande maioria da população, o leite continuava sendo produto altamente perecível. Novas experiências mostraram que era possível eliminar micro-organismos aumentando a temperatura e 4 diminuindo o tempo gasto no processo de pasteurização e, assim, ampliar a capacidade dos laticínios, que passaram a aquecer o leite a 72ºC por 15 segundos. Outra descoberta: resfriando o leite logo após o aquecimento, a carga calórica residual cozinhava o alimento. As pesquisas avançaram. Em 1913 surgiu na Inglaterra o método HTST (High Temperature — Short Time). Esse processo foi aperfeiçoado mais tarde. Com o processo UHT (Ultra High Temperature), o leite é aquecido por três segundos, com temperaturas variando entre 138ºC e 150ºC. Essa tecnologia é usada também para conservar outros alimentos, como leites aromatizados, iogurtes, bebidas à base de soro de leite, cremes, sorvetes, pudins e tortas. 5 1. Carl Von Linde foi o inventor do refrigerador doméstico. Arquivo Carrier Commercial Refrigeration 2 e 3. O cientista francês Louis Pasteur. Wikimedia Foundation 4 e 5. O leite de “caixinha” conquistou o mercado de vez com a tecnologia UHT. Arquivo Sig Combibloc 3 tecnologia e qualidade em construção 118 Mas não bastava eliminar rapidamente todos os micro-organismos patogênicos. Para que o leite fosse conservado por muito tempo, era preciso mantê-lo em ambiente estéril. O leite longa vida surgiu em meados do século XX. O empresário sueco Ruben Rausing lançou a embalagem “Tetra Pak”, capaz de conservar o leite UHT na prateleira por quatro a seis meses, em temperatura ambiente. Longa vida ao leite A nova tecnologia chegou a Minas Gerais na década de 1970, embora a Tetra Pak tenha iniciado suas atividades no Brasil em 1957, para vender embalagens importadas. Inaugurou sua primeira fábrica brasileira em 1978, no município paulista de Monte Mor. A segunda só foi inaugurada em 1999, em Ponta Grossa, no Paraná. Por causa do preço , a nova embalagem demorou a ser usada pelas i ndústrias e cooperativas brasileiras para a venda do leite no varejo. As pioneiras, em 1961, foram os laticínios paulistas Vigor e Leco. Mesmo assim, só embalavam com Tetra Pak o leite tipo B, que não era tabelado, e apenas o destinado ao mercado paulistano. Em 1964, para incentivar o comércio do leite longa vida, o governo permitiu que o custo da embalagem fosse repassado ao consumidor do leite C, mas a iniciativa não teve êxito, porque indústrias e cooperativas relutavam em fazer os investimentos necessários para embalar automaticamente o leite tabelado. As embalagens Tetra Pak, hoje usadas pelos laticínios e outras indústrias no mundo inteiro, viraram sinônimo de embalagem cartonada. A fábrica foi fundada pelo sueco Ruben Rausing. Arquivo Tetra Pak 3 tecnologia e qualidade em construção 120 A opção que se verificou nos últimos anos pela embalagem cartonada, praticamente imposta pelos supermercados, eleva o preço do leite pago pelo consumidor, de acordo com estudo feito por Paulo Martins (2004). Segundo o economista, embalagem cartonada é o item que mais onera a cadeia produtiva do leite, correspondendo a mais de 50% de todos os custos variáveis consolidados. “Para a indústria, o custo da embalagem está próximo do custo de obtenção do leite não beneficiado, posto na plataforma de processamento”, escreveu ele. Em julho de 2010, o Laticínio Cordilat, de Santa Catarina, anunciou que seria o primeiro no Brasil a envasar leite Tudo na caixinha Recentemente, chegou ao Brasil uma concorrente da Tetra Pak, a Sig Combibloc. Em outubro de 2007, a Cemil, de Patos de Minas, anunciou ter se tornado a primeira cliente brasileira do ramo de leite dessa empresa do Grupo Rank, sediado na Nova Zelândia e que está presente em 40 países. Em junho de 2010, a Sig Combibloc anunciou investimentos de 90 milhões de euros, até 2016, para construir em Campo Largo, no Paraná, sua primeira longa vida em saquinhos de polietileno com capacidade para um litro. Fundado em 2003, é hoje o sexto maior laticínio catarinense, com duas fábricas no estado e uma arrendada em Sergipe. O Cordilat afirma que o sachê garante vida útil do produto por até seis meses sem refrigeração e custa a metade do preço da embalagem cartonada. Além disso, o número de fornecedores da embalagem é maior, sendo possível, portanto, negociar preços. fábrica brasileira, que terá capacidade para produzir dois bilhões de embalagens cartonadas por ano. Empresas mineiras já têm acordo comercial com a Sig Brasil, concorrente no país da Tetra Pak no fornecimento de embalagens. Arquivo Sig Combibloc 2 Terra de muitas raças 3 Não adiantaria muito avançar nas técnicas de conservação do leite e seus derivados e no próprio marketing desses produtos se o país não evoluísse na cadeia de produção, começando pela melhoria do rebanho leiteiro. Esse esforço já era observado no começo do século XIX. Um 4 dos pioneiros foi Dom Pedro I. O imperador era proprietário, no Rio de Janeiro, da Fazenda Real de Santa Cruz, que pertencera aos jesuítas. A Santa Cruz chegou a ter 1.600 vacas. Para administrá-la, Dom Pedro I contratou o inglês John Mawe. Ele deveria transformá-la numa espécie de fazenda-modelo, com lavouras irrigadas, pastagens artificiais, solos fertilizados, açougue e fábrica de queijo e manteiga. Em 1826, o imperador importou gado Zebu do Egito. Esses animais se espalhavam pela Eurásia há pelo menos seis milênios, mas aqueles comprados por Dom Pedro I não ultrapassaram as porteiras de sua fazenda, pois os criadores não se interessaram. Eles preferiam o gado europeu. Animais da raça Holstein, símbolo mundial do leite, eram criados em Portugal na época do descobrimento do Brasil, de acordo com Cotrim (1913). Por isso, o autor acredita que exemplares dessa raça tenham sido trazidos para o Brasil ainda no século XVI, com o nome de turina, juntamente com animais das raças Algárvia, Alentejana, Minhota, Andalusian Black, Andalusian e Galican Blond. Do cruzamento dessas raças, teriam resultado gado Crioulo, Curraleiro, China, Sertanejo, Caracu Manchado e Franqueiro. No distrito de Palmyra (atual Santos Dumont), o coronel Carlos de Sá Fortes fez importações a partir de 1852 que deram origem ao gado Holandês na região da Mantiqueira. Porteira aberta para o Zebu O Brasil se tornou a Meca do gado Zebu, de acordo com Dias (2006), começando por Minas Gerais. A dispersão dessa raça se iniciou em 1906, cerca de 80 anos depois da primeira importação feita por Dom Pedro I. Mas, desde fins do século XIX, a iniciativa privada buscava alternativas para suas fazendas de criação de gado. Animais das raças Guzerá, Nelore, Gir, Sindi e Kangayam, que eram selecionados em fazendas de marajás indianos, entraram no Brasil. Foram importados, principalmente, por criadores mineiros, que desafiaram a preferência nacional por raças europeias. O primeiro brasileiro a viajar à Índia para comprar gado foi Teófilo de Godoy, fazendeiro em Araguari, no Triângulo Mineiro. Isso aconteceu em 1893. Outro pioneiro na importação de Zebu, João Martins Borges, morreu em Calcutá, na Índia. Só meio século depois, em 1975, os restos mortais dele foram transferidos para Uberaba, sua terra natal. Os que conseguiram voltar ao Brasil trazendo gado enfrentaram outras dificuldades. 1. Carta Real Fazenda Santa Cruz. Data provável entre 1811 e 1822. Arquivo Biblioteca Nacional 1 O Brasil é um dos maiores criadores de gado Zebu (2) no mundo. Outras raças que convivem no país, como Nelore (4) e Sindi (3), foram importadas inicialmente da Índia. Foto Jadir Bison/Arquivo ABCZ 2 Queda de braço nas exposições No começo do século XX, havia disputa acirrada entre criadores de gado originário da Europa e da Renovação com a SuperAgro 1 A SuperAgro resultou de um esforço da Faemg para fazer com que a tradicional feira de exposições agropecuárias da Gameleira, em Belo Horizonte, se tornasse realmente a vitrine do agronegócio mineiro. A primeira foi realizada em 2005. Quando a Faemg assumiu a coordenação financeira da exposição, em parceria com o governo e o IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária), a operação ficou mais ágil, o evento cresceu muito e se tornou talvez o mais diversificado do estado, atraindo milhares de visitantes — 75 mil em 2010. Índia. Na primeira exposição paulista, em 1925, foi proibida a presença de Zebu. Os criadores de gado europeu alegavam que Zebu não era nada além de aventura genética que não trazia qualquer contribuição à pecuária brasileira. A proibição vigorou até 1934, quando a exposição do Parque da Água Branca, na capital paulista, ganhou forte presença do gado Indubrasil, para grande regozijo dos criadores de Uberaba. As exposições foram importantes para a propagação de raças e para avanços genéticos. Naquele tempo havia grande interesse dos criadores por novos conhecimentos. Em 1936, por exemplo, a Semana do Fazendeiro, promovida pelo Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Lavras, teve 340 participantes. Eles se inscreveram em cursos que se iniciavam às seis e meia da manhã e iam até as onze da noite. Os professores eram estimulados a participar das exposições para orientar os criadores. A primeira exposição estadual ocorreu em Porto Alegre, em 1901, e a segunda foi marcada para ser realizada em Minas Gerais, em outubro de 1907, mas os organizadores enfrentaram problemas e precisaram adiar para o dia 24 de fevereiro de 1908. Foi realizada no Prado Mineiro, onde funcionava um clube de turfe. Para a exposição, foram construídos estábulos para cavalos, bovinos e caprinos, rotundas para suínos e pavilhões para restaurantes. Participaram 94 criadores, que inscreveram 224 animais, a maioria bovinos e equinos. Um dos premiados foi o coronel Francisco Libânio de Sá Fortes, grande criador de gado Holandês na região de Santos Dumont, na Zona da Mata. Quase cinco mil pessoas compareceram à inauguração. Atualmente, ocorrem no Brasil cerca de 1.500 exposições de criadores de gado por ano, número provavelmente não ultrapassado por nenhum país. Um destaque do evento foi a II Conferência Nacional sobre Defesa Agropecuária, um dos mais importantes espaços para orientação da produção. Mas a SuperAgro se qualifica também como fonte de bons negócios, inclusive com a exibição de maquinários e produtos alimentícios. “Em 2010, tivemos quase a capacidade máxima no número de leilões, todos eles com resultados muito positivos”, afirma Roberto Simões. O presidente da Faemg lembra que os 12 leilões resultaram na venda de 380 animais, no valor total de R$ 6,1 milhões. Foram mais de 3.000 animais expostos, todos em julgamento. É uma exposição diferente de todas as outras no seu aspecto cultural e social, porque a população mais jovem de Belo Horizonte conhece pouco o que é a produção agrícola, a origem dos alimentos. “Muitas crianças só alcançam o supermercado, dali em diante não sabem nada. Então, nessa ocasião, recebemos milhares de estudantes, que visitam a fazendinha, montada no espaço, com animais e produtos agrícolas”, conta Roberto Simões. 3 Continua na página 126 1. No início do século XX, as exposições de gado já mostravam ser importantes para propagação das raças e avanços genéticos. Na foto, exposição de 1908, em Belo Horizonte. Arquivo Público Mineiro 2 e 3. No Parque da Gameleira, em Belo Horizonte, a Superagro estimula negócios e também conhecimento para os mais jovens. Arquivo Superagro 3 tecnologia e qualidade em construção 126 Continuação da página 124 Equívoco certeiro Outro marco importante da pecuária de leite é a chegada do gado Gir em 1910, trazido por criadores mineiros que foram à Índia em busca de Zebu puro sangue. Equivocados, acabaram escolhendo o Gir por causa do tamanho de suas orelhas, mas, apesar disso, foram bem-sucedidos. A raça foi tão apreciada pelos criado res que, na década de 1960, já existiam 105 m il animais registrados, contra 48 mil Nelores. Paulo Martins, que foi chefe-geral da Embrapa Gado de Leite, esclarece que o Gir trazido da Índia não era animal especializado na produção de leite. A especialização resultou de processo de seleção, com teste de progênie, dando origem a uma raça brasileira. A pesquisa foi coordenada, durante mais de 20 anos, por Mário Luiz Martinez (morto em 2006), engenheiro-agrônomo e PósDoutor pela Iowa State University (EUA) e pelo Animal Research Center, do Canadá. O trabalho começou em 1983 e, logo depois, a Embrapa Gado de Leite e a Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro (ABCGIL) lançaram o Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro (PNMGL). Martinez também coordenou estudos com marcadores genéticos, para identificar no genoma bovino características de interesse econômico, como a produção de carne e leite e a resistência aos carrapatos e ao estresse térmico. As grandes orelhas do gado Gir confundiram os criadores, que acabaram acertando na importação da raça. Arquivo ABCZ O Gir no país tropical Mesmo antes das pesquisas de Martinez, o Gir já ocupava lugar de destaque na pecuária brasileira, conforme Dias (2006), tendo o primeiro núcleo de criação sido formado em Minas Gerais. A primeira vaca inscrita no registro genealógico, a Moreninha, pertencia ao criador Rodolfo Machado Borges. O registro foi feito em 1938 pelo ministro da Agricultura Fernando Costa, durante solenidade na Exposição Nacional do Parque da Gameleira, em Belo Horizonte. O registro genealógico passou a ser realizado pela Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), com sede em Uberaba (Triângulo), depois de vencer a disputa com uma associação paulista fundada em 1950. De acordo com a ABCGIL, atualmente é grande o interesse por animais dessa raça. Em 2008, por exemplo, foram vendidas mais de 805 mil doses de sêmen, ocupando o segundo lugar entre as raças leiteiras com maior comércio desse produto. O Gir leiteiro está presente em praticamente todos os estados brasileiros e vem tendo preferência para cruzamentos com gado leiteiro europeu, como Holandês, Jersey e Pardo Suíço, resultando em um animal mestiço rústico, fértil, de alta conversão alimentar e produtividade de leite. O Gir é raça menos sujeita a doenças e infestações de ecto e endoparasitas do que outras de clima temperado, exigindo menos uso de carrapaticidas, vermífugos e antibióticos. Portanto, produz leite mais saudável. Como são animais resistentes e adaptados ao clima tropical, sua alimentação tem como base as pastagens, o que implica menor custo de produção. 3 tecnologia e qualidade em construção 128 Também está sediada em Uberaba a Associação Brasileira dos Criadores de Girolando. A raça Girolando foi desenvolvida principalmente em Minas Gerais, pelo cruzamento das raças Bos Taurus e Bos Indicus. Ela nasceu oficialmente em 1996, com o surgimento da Associação e a aprovação do padrão morfológico. Vice-presidente da entidade, o médico-veterinário Maurício Silveira Coelho, do Grupo Cabo Verde, é sócio-proprietário e administrador da Fazenda Santa Luzia, em Passos, no Sul de Minas Gerais. Girolando Com área de 900 hectares, ela produz cerca de 18 mil litros de leite por dia. Dispõe de modelo próprio de produção a pasto, empregando alta tecnologia. Com 300 hectares de pastagem intensificada e 60 hectares de capineira e 150 hectares de milho para silagem, a fazenda consegue manter 3.500 fêmeas. As vacas Girolando, na Fazenda Santa Luzia, produzem em média 4.800 kg de leite na lactação. Silveira Coelho diz que a tecnologia de produção de leite a pasto vem evoluindo muito, possibilitando alta produtividade, com oito a dez animais por hectare. Inspeção sanitária Além do manejo eficiente de fêmeas em propriedades leiteiras, a atenção às condições sanitárias é essencial para o crescimento do rebanho e da produção leiteira, uma exigência Extraoficialmente, segundo Dias (2006), a raça Girolando começou a aparecer na perseguida há muito no país. No governo Getúlio Vargas, o Ministério da Agricultura criou, em segunda metade do século XIX, principalmente nas bacias leiteiras de Minas Gerais 1952, o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, visando e São Paulo, depois que criadores promoveram o cruzamento de animais Zebu e melhorar a qualidade do leite. Antecipando-se a isso, em 1934, o governo paulista se inspirou Holstein, interessados em produzir leite com baixo custo. O autor acredita que existam atualmente no Brasil, não registradas, 20 milhões de vacas Girolando produzindo leite e formando o maior rebanho originado desse cruzamento no mundo. no Código Sanitário de Nova York para publicar o Regulamento de Fiscalização Sanitária do Leite e Derivados. Como resultado dessa legislação, autoridades paulistas se viram obrigadas a sacrificar milhares de cabeças de bovinos, pois cerca de 40% do rebanho estava atacado pela tuberculose. Pressionado pelos produtores, o governo indenizou os donos dos animais abatidos. Essa legislação também criou a tipologia A, B e C para o leite e proibiu que os “vaqueiros” vendessem nas ruas leite não pasteurizado. Gado na fazenda Santa Luzia, do Grupo Cabo Verde, em Passos (MG), onde se produzem 20 mil litros de leite por dia. Arquivo Grupo Cabo Verde 3 tecnologia e qualidade em construção 130 A atividade dos produtores de leite ficou mais fácil com a chegada ao país da ordenha mecânica, lançada pioneiramente no mundo pela sueca Alfa Laval, quando a empresa fundada em 1883 por Gustaf Laval se chamava ainda AB Separator. A máquina foi lançada na Europa em 1918, mas a primeira desembarcou no Brasil por volta de 1930. Demorou, mas não tanto quanto se gastou para inventá-la. A primeira referência à máquina que substituiria a mão do homem na ordenha do gado data de 1819, no jornal Avanço das técnicas de reprodução New England Farmer. Entre 1877 e 1898, foram patenteadas 80 dessas máquinas, mas quase nenhuma veio a ser fabricada. Já a inseminação artificial foi introduzida no país por um de seus inventores, o professor inglês Christopher Polg, Substituindo as mãos humanas 1 1. Ordenha mecânica: uma realidade, mas ainda pouco usada nas pequenas e médias fazendas mineiras. Ronaldo Guimarães/Arquivo Sebrae 2 e 3. Técnicas de melhoramento e seleção genética foram introduzidas no país, aprimorando a qualidade do rebanho nacional. Arquivo ABS Pecplan A primeira ordenha mecânica a ter sucesso surgiu em 1917. Foi inventada pelo neozelandês Norman John Daysh, contratado pela empresa fundada por Laval, que morreu quatro anos antes de a máquina chegar ao mercado. Filho de fazendeiro, Daysh partiu do princípio de que mais importante do que dar conforto ao homem era construir algo que não causasse incômodo à vaca. Em 1995, apenas 6% dos produtores de leite em Minas Gerais tinham adotado a ordenha mecânica, segundo levantamento realizado pelo Sebrae. Dez anos depois, pesquisa da Faemg mostrou que o percentual subira para 17% na média das fazendas produtoras de leite, mas naquelas com produções mais elevadas o índice ultrapassava 80%. 2 do National Institute of Medical Specialties in Mill-Hill, de Londres. Ele foi convidado, em 1953, pelo Ministério da Agricultura, para fazer a primeira demonstração do processo na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e a segunda exibição na Faculdade de Medicina Veterinária da USP (Universidade de São Paulo). Mas o uso prático do sêmen congelado só teve início em 1974, com o surgimento da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia). Após o fim do tabelamento do leite, o método foi muito usado para elevar a produtividade das fazendas. Em fins de 2005, cerca de 5% do rebanho leiteiro nacional era inseminado, sendo metade das vendas por sêmen da raça Holandesa. Dois anos depois, o Brasil deu mais um passo na seleção genética, com o primeiro transplante de embrião, feito em Sorocaba (SP), numa fazenda do banqueiro Pedro Conde. Em Jaboticabal, também em São Paulo, realizou-se em 1992 a primeira fertilização in vitro, nascendo um bezerro Zebu, apenas 14 anos desde o nascimento do primeiro bebê de proveta do mundo — Louise Brown, em 1978, na Inglaterra — e dez anos após o primeiro bezerro produzido por fecundação in vitro nos Estados Unidos. Atualmente, quase metade da produção in vitro de embriões no mundo, principalmente na pecuária de corte, ocorre no Brasil. 3 3 tecnologia e qualidade em construção 2 Genética na Embrapa 132 Em 1998, a Embrapa apresentou o protocolo para a produção de embrião das raças Zebuína, Gir e Guzerá. Esse procedimento laboratorial dá aos criadores resultados mais seguros em relação à multiplicação de reprodutores. Em 1977, a instituição iniciou os primeiros testes de progênie em touros mestiços resultados do cruzamento de Holandês e Gir, para mostrar aos criadores seu valor para o aperfeiçoamento da raça. Pesquisas De acordo com o professor Geraldo Carneiro, da Escola Superior de Agricultura de de alta tecnologia às vezes levam décadas para dar Viçosa, em 1924 a produção média em Minas Gerais foi de 346 litros por vaca por ano. resultados e, para atingir seus objetivos, a Embrapa No início da década de 1970, a produtividade do rebanho leiteiro nacional era inferior Gado de Leite tem mantido mil animais em teste. A a 700 litros por vaca ordenhada por ano. Essa produção vinha principalmente de vacas instituição foi criada três anos após o surgimento, em abril de 1973, da estatal Embrapa. Naquela época, a pesquisa era ineficiente, e apenas 12% dos técnicos do Ministério da Agricultura eram graduados (atualmente, só a Embrapa Gado de Leite emprega mais de 60 pesquisadores com PhD). A mortalidade 1 de bezerros ultrapassava 20%, contra os atuais 5%. A mortandade diminuiu depois que a Embrapa Gado de Leite passou a divulgar métodos corretos de alimentação e a orientar os criadores para abrigar os bezerros em casinhas minúsculas, como as que existem hoje em sua fazenda de Coronel Pacheco, na Zona da Mata. Seus técnicos verificaram que o modelo americano de currais coletivos não servia para climas quentes, pois tais currais podiam se transformar em focos permanentes de doenças dos bezerros, como diarreia e pneumonia. 1. Na Embrapa Gado de Leite são realizadas importantes pesquisas para o setor. Foto Ronaldo Guimarães de raças zebuínas de baixa produtividade, de alguns nichos de gado Holandês e de raças originadas do cruzamento de Holandês e Zebu. Produção em baixa Enquanto nos Estados Unidos, na década de 1920, algumas vacas Holandesas forneciam 55 litros de leite por dia, nossas melhores vacas, meio século depois, não produziam o suficiente para encher um balde. Em meados da década de 1970, poucos produtores se preocupavam com alternativas de alimentação para o período da seca, com a vacinação do rebanho e a qualidade do leite. Os criadores de gado controlavam as doenças empiricamente, queimando as pastagens secas uma vez por ano, no fim da entressafra, e ainda lutavam contra as saúvas, essa praga brasileira que por sua voracidade já chamava a atenção de frei Manuel da Nóbrega, em seus escritos de 1549. Os fazendeiros também recorriam ao permanganato de potássio para tratar do problema causado pela retenção da placenta das vacas após o parto e a métodos primitivos para cuidar das bicheiras e de outras doenças. 2. Casarão da Embrapa. Foto Ronaldo Guimarães 3 tecnologia e qualidade em construção Essa situação começou a mudar em 26 de outubro de 1976, quando o ministro da Agricultura Alysson Paulinelli inaugurou, em Coronel Pacheco, o Centro 134 Nacional de Pesquisa de Gado de Leite (CNPGL), que, na década de 1990 ganhou o atual nome Embrapa Gado de Leite. Suporte essencial Faria e Martins (2008) observam que o início da pesquisa científica mais elaborada se deu após 1980. Antes, ela foi pouco eficiente no Brasil por inexistência de pessoal treinado e capacitado para equacionar não só ensaios experimentais, mas também os problemas encontrados nas fazendas leiteiras. Só em 1962 iniciaram-se no país cursos de pós-graduação com o objetivo de preparar pessoal qualificado para pesquisa e ensino, e também o treinamento de brasileiros em cursos de mestrado e doutorado no exterior. Atualmente, várias universidades, entidades de pesquisa e empresas privadas contribuem para a formação de pessoal capacitado e o país conta com corpo técnico razoavelmente numeroso e de boa qualidade. O acervo da Embrapa, em suas várias áreas, incluindo gado de corte, é formado por 2.000 animais em campos de pesquisa, 2.850 hectares de terra e 12 laboratórios, que representam investimentos de 10 milhões de dólares para sua montagem. Não é preciso dizer, porém, que o maior patrimônio da Embrapa são os recursos humanos. Ao comemorar os 37 anos de existência, a Embrapa apresentou o Balanço Social 2009, defendendo que suas atividades deram lucro social de R$ 18,84 bilhões, tendo em conta os resultados de 104 tecnologias e 140 cultivares desenvolvidas pela empresa e seus parceiros e transferidas para a sociedade. Hoje praticamente todos os pesquisadores da Embrapa têm mestrado ou doutorado, e cerca de 70% das pesquisas públicas sobre gado de leite se originam na estatal. A performance da Embrapa é comparada à de países desenvolvidos, embora os investimentos brasileiros em pesquisa estejam no nível de países do Terceiro Mundo. A instituição mantém acordos de cooperação técnica com meia centena de países e com mais de 150 instituições de pesquisa. O trabalho da Embrapa em relação ao melhoramento genético de bovinos e de forrageiras fez com que o Brasil se tornasse referência para países de clima tropical. Aqui os custos de produção são dos mais baixos do mundo. Pesquisas feitas na Embrapa Gado de Leite, em Coronel Pacheco, na Zona da Mata, foram essenciais para a evolução do setor leiteiro no país. Foto Ronaldo Guimarães 3 tecnologia e qualidade em construção A Embrapa recuperou erosões nas colinas, ao associar capim braquiária com leguminosas, em fileiras sucessivas, distantes dez metros uma da outra, deixando entre elas o capim nativo que desapareceria completamente depois de algum tempo. Esse processo foi acelerado pelos fazendeiros que se apressaram a retirar o capim gordura com arados. O capim gordura era bastante usado nas fazendas mineiras, porque transfere para o leite um sabor 136 muito apreciado, mas ele só garante boa lactação durante três meses por ano. O capim faz a diferença A introdução em Minas Gerais de sementes selecionadas de capim foi mais um marco importante na pecuária leiteira. Antes, entraram no Brasil, por outros meios, vários tipos de sementes africanas. Dias (2006) supõe que, na época da escravidão, navios negreiros tenham transportado inadvertidamente sementes de capim-angola, marmelada, gordura e jaraguá, presas em cabelos, roupas e colchões dos escravos. De fato, em 1829, o viajante alemão Carl von Martius observou capim-angola em Salvador, na Bahia, e capim-de-guiné no Rio de Janeiro. Em 1885, atuavam no Brasil empresas importadoras de sementes de capim e leguminosas, como a grama-estrela e a alfafa, entre outras, trazidas da Guiana, Estados Unidos, Austrália e Venezuela. Oficialmente, o brachiaria decumbens entrou no Brasil em 1952, quando técnicos do Instituto de Pesquisa da Amazônia, em Belém, trouxeram sementes da Colômbia, mas sua propagação pelo país ocorreu de fato após 1965. Hoje, existem no Brasil cerca de 110 espécies de forrageiras. São aproximadamente 70 espécies de capins e 40 tipos de ervas leguminosas. O capim nativo havia perdido o vigor natural tão admirado no passado pelos portugueses recém-chegados ao país, mas o plantio das sementes importadas era caro e difícil, como se verifica no Manual Prático de Criação de Gado Bovino no Brasil, escrito em 1918, em Castro, no Paraná, por Fernand Ruffier. Campo de capim. RF/SXC Renovação de pastagem Em 1977, a Embrapa Gado de Leite se tornou a primeira empresa do mundo a cultivar napiê para formação de pastagens. Atualmente, o napiê é muito usado como pasto de reserva para alimentação verde e para silagem. Esse capim alcança até cinco metros de altura — daí o apelido de capim elefante. É muito nutritivo e se adapta bem a qualquer tipo de clima. Cinco anos depois, a Embrapa começou a divulgar as vantagens de rotação de pastagem com naipê. Na época, a bibliografia mundial ainda se restringia às forragens cortadas. No ano seguinte, a Embrapa lançou campanha nacional, com apoio da Petrobras, defendendo a adoção da cana misturada com ureia para alimentação do gado bovino. Paulo Martins afirma que o que mais diferencia o Brasil, em termos de pecuária de leite, é o capim. “O capim que existe na África, naturalmente, nós o transformamos em algo produtivo. Fizemos seleção genética com os capins e hoje temos uma produção altamente qualificada. E estamos exportando. Existem empresas brasileiras que estão vendendo sementes para a África.” Os adubos minerais não eram produzidos no Brasil e só foram importados a partir do fim do século XIX, mas seu uso se intensificou em meados da década de 1920. Os precursores foram os produtores de café e algodão de Campinas. Esse município paulista contava com polo agroindustrial importante e desenvolveu bacia leiteira equiparada à de poucos países. Foi ali que se iniciou a produção no Brasil do leite tipo A e B. 3 tecnologia e qualidade em construção 138 1 No Brasil, estudos sobre agricultura eram feitos nas academias desde o século XVIII, mas, em meados do século XIX, o imperador Dom Pedro II estabeleceu uma política para modernização do setor no país, preocupado com o atraso tecnológico visto nas diferentes regiões. Foram criados então vários institutos imperiais agrícolas, como os de Pernambuco (1859), Sergipe (1860), do Rio de Janeiro (1860) e do Rio Grande do Sul (1861). O aprendizado nas escolas Os institutos imperiais tinha m a missão de criar escolas agrícolas, estudar as causas d a decadência da agricultura brasileira, introduzir máqui nas e equipamentos na realidade dos agricultores. Um dos marcos dessa política foi o Imperial Instituto Bahiano de Agricultura (que Até 1929, foram criadas 20 escolas de agricultura e veterinária ciências agrárias do Brasil), criado em 1859, e a assemelhada Imperial Estação Agronômica Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), de 2008, Tecnologia dos Agronegócios), em 1887. engenharia florestal e silvicultura, 24 de engenharia agrícola precedeu a Imperial Escola Agrícola da Bahia, responsável pelo primeiro curso superior de no país. Quase 80 anos depois, o último censo do Instituto de Campinas (hoje Instituto Agronômico de Campinas, órgão da Agência Paulista de registrou 200 cursos de Agronomia, 156 de veterinária, 48 de e 95 de zootecnia. Outro curso importante surgiu em 1891, na Escola Superior de Agricultura Eliseu Maciel, em Pelotas (RS). Em Minas Gerais, o primeiro curso data de 1908, na Escola Agrícola de Lavras (hoje Universidade Federal de Lavras), criado nesse município do Sul de Minas Gerais por uma instituição religiosa presbiteriana, o Instituto Gammon. A UFLA ocupa área de mais de 600 hectares, sendo cerca de 160 mil metros quadrados de área construída, e dedica-se ao ensino, à pesquisa e à extensão. 1. Ruínas do antigo prédio do Imperial Instituto Bahiano, antes um mosteiro. Instalado na localidade de São Bento das Lages (Recôncavo), foi criado no século XIX, por Dom Pedro II. Foto Eugênio Junqueira Ayres 2 e 3. Os institutos imperiais tiveram grande importância na estrutura acadêmica brasileira e muitos, como o de Campinas, se transformaram em entidade de grande valor para pesquisa agrícola. Arquivo Histórico IAC Continua na página 144 2 3 3 tecnologia e qualidade em construção Universidade Federal de Viçosa 141 A Universidade Federal de Viçosa (UFV), na cidade de mesmo nome, na Zona da Mata, foi criada em 1922, como Escola Superior de Agricultura e Veterinária, mas começou a funcionar apenas cinco anos depois. Em 1948, seu nome foi mudado para Universidade Rural do Estado de Minas Gerais e, em 1969, se tornou instituição federal. 1 Em 1955, a Escola Média de Agricultura de Florestal, localizada a 70 quilômetros da capital mineira e dedicada ao ensino técnico, foi encampada pela UFV, funcionando como um segundo campus. O terceiro foi implantado em 2006, em Rio Parnaíba, no Alto Paranaíba. Difundindo saber Foi o presidente de Minas Gerais Arthur Bernardes, nascido em Viçosa, em 1875, quem decidiu criar a escola Na década de 1960, a UFV iniciou programas de formação que se tornou referência nas pesquisas agrícolas para de pessoas em cursos de pós-graduação, lançando bases o país. Em 1995, a UFV comprou a casa do político, sólidas para a pesquisa em bovinocultura de leite. Nos anos tombada pelo Instituto Estadual de Patrimônio 70, a Embrapa contratou centenas de jovens universitários, Histórico e Artístico, e hoje o espaço abriga um museu e inclusive de Viçosa, e os encaminhou ao exterior para se eventos artísticos e culturais. tornarem PhDs. Para dirigir a escola, foi contratado o professor Peter Os resultados começaram a surgir na década seguinte, quando Henry Rolfs, que nos cinco anos anteriores dirigira o os pesquisadores voltaram ao Brasil e começaram a adaptar Florida Agricultural College, da University of Florida. tecnologias desenvolvidas em outros países para a realidade Rolfs chegou à cidade em 1921, disposto a aplicar brasileira. Essa movimentação foi muito importante após métodos americanos de ensino em ciências agrárias. 1991. Se o governo não tivesse se antecipado, gerando oferta de Contratou professores de várias partes do mundo e de diversos estados brasileiros. serviços antes de haver demanda dos produtores, o país seria 2 hoje um dos maiores importadores de leite do mundo. 1. O então presidente de Minas Gerais, Arthur Bernardes, foi quem criou a escola que se tornaria a Universidade Federal de Viçosa. Na antiga e suntuosa casa do político, naquela cidade, funciona hoje um museu pertencente a UFV. Wikimedia 2.Arthur Bernardes. Wikimedia A Usina Piloto de Laticínios da UFV foi fundada em julho de 1971, pelo professor dinamarquês Beck Anderson, com o objetivo de apoiar as aulas práticas do Departamento de Tecnologia de Alimentos. Fabricados artesanalmente, os produtos tiveram grande aceitação entre consumidores, o que obrigou a universidade a criar estrutura administrativa e industrial para o laticínio. 1 Doces prêmios 3 tecnologia e qualidade em construção Da produção artesanal à industrializada 143 O Doce de Leite Viçosa conquistou, por quatro vezes, o prêmio de melhor do Brasil, no Concurso Nacional de Produtos Lácteos, promovido pelo Instituto de Laticínios Cândido Tostes. Desde que começou a participar do concurso, em 2000, o principal produto do laticínio da Funarbe tem sido destacado entre os três primeiros, tornando-se o doce de leite mais premiado nas 36 edições do evento, até 2009. Em 2006, o Requeijão Viçosa ganhou o título de melhor do Brasil nesse No começo, a UFV assinou contrato com a CCPL, que passou a gerenciar concurso, depois de subir ao pódio por 4 a usina; depois, foi a vez da Funarbe três vezes em outras posições. (Fundação Arthur Bernardes), ligada à universidade, que adotou a marca Viçosa para os produtos em 1992. O laticínio processa cerca de 13 mil litros por dia, produzindo leite pasteurizado C e B, iogurtes, requeijão, manteiga e doces de leite 2 puro e com chocolate e queijo. 3 1 e 2. A usina piloto de laticínios da UFV foi em grande parte responsável pelo amadurecimento do setor na instituição. Arquivo Funarbe 3 e 4. Linha de produtos Viçosa, entre eles o premiado Doce de Leite. Arquivo Funarbe Continuação da página 139 Espaço para as estatais e entidades As iniciativas governamentais na área de pesquisa e ensino indicam que se sabia da importância da agropecuária para a economia brasileira. Contudo, o governo demorou a criar um serviço público de extensão rural, algo que existia nos Estados Unidos desde a década de 1880. Naquele país, os resultados das pesquisas feitas em centros de experimentação e em colégios agrícolas eram divulgados pelo Extention Service, com demonstrações realizadas diretamente nas fazendas. Em certas datas, reuniam-se, numa fazenda, produtores rurais da vizinhança, para aprender a “fazer fazendo”. No Brasil, esse serviço começou em 1948, em Minas Gerais, com a criação da Associação de Crédito e Assistência Rural (Acar), que em 1976 passou a se chamar Emater-MG (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais). 1. Carta sindical de criação da Faemg. Arquivo Faemg O exemplo em Minas Gerais Os bons resultados obtidos pela Acar levaram o governo federal a criar, em 1956, a Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (Abcar). Com sede no Rio de Janeiro, a entidade também ganhou novo nome em 1974, passando a se chamar Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater), que durou até 1991, quando foi extinta pelo governo do expresidente Fernando Collor. 1 O Sistema Brasileiro Descentralizado de Assistência Técnica e Expansão Rural (Sibrater) foi criado em substituição à Embrater, ainda no começo da década de 1990, e atualmente é coordenado pela Embrapa. Tem entre seus objetivos a transferência de tecnologia e a articulação entre as instituições geradoras de tecnologia e as transferidoras. A Emater-MG, porém, continuou existindo e, em 2009, contava com 2.700 funcionários, espalhados em escritórios em 805 municípios do estado. Ainda assim, para suprir as deficiências da estatal, cooperativas passaram a oferecer serviços de assistência técnica aos associados. Com o tempo, também sindicatos e federações mantidos por produtores rurais se tornaram atuantes em extensão rural. Em 1951, surgiu a Faemg, que hoje reúne quase 400 sindicatos, que congregam mais de 400 mil pequenos, médios e grandes produtores. A entidade integra o Sistema Sindical Patronal Rural, liderado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A Faemg oferece aos sindicatos e produtores filiados diversos serviços nas áreas jurídica, econômica, sindical, contábil e ambiental. Seu trabalho é subsidiado por comissões técnicas, formadas por produtores representativos de cada setor. 3 tecnologia e qualidade em construção 1 Instituto Cândido Tostes 146 A primeira instituição especializada no ensino de laticínios da América do Sul foi criada oficialmente em 1935, em Juiz de Fora, na Zona da Mata. Seu nome homenageia o maior produtor mineiro de café no começo do século XX, Cândido Teixeira Tostes. Ao lado do esforço governamental e de entidades ligadas aos produtores na área de extensão rural, a iniciativa privada teve papel importante na evolução da produção de leite no país. Empresas à frente 2 Nascido em 1842 e morto em 1927, Cândido Tostes era formado em Direito, mas se tornou um grande fazendeiro e diretor do Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Ele A maior indústria multinacional de laticínios no Brasil criou, em 1952, o programa Assistência Nestlé aos Produtores de Leite (ANPL). Seus fornecedores passaram a contar com a ajuda de técnicos especializados em todos os aspectos da produção, sem ônus. A empresa, além de receber produto de melhor qualidade, era contemplada com vantagens tributárias para manter esse serviço. Em um cenário mais recente, grandes cooperativas têm trabalhado para que seus fornecedores aumentem a produtividade e melhorem a qualidade do leite. Em 1992, a Itambé, por exemplo, lançou morava no Solar dos Tostes, na Fazenda São Mateus, para onde foi transferida, em maio de 1935, a sede do governo de Minas, para que Benedito Valadares assinasse o Decreto nº 50, que criou a Escola de Indústrias Agrícolas 3 Cândido Tostes. Na Fazenda da Tapera, lugar bastante ermo, onde havia apenas um batalhão da Polícia Militar e um presídio de segurança máxima em construção — cujo projeto foi adaptado para receber a Fábrica-Escola pioneiramente o programa de pagamento de leite por qualidade e volume, que envolvia a definição de parâmetros de qualidade e a de Laticínios Cândido Tostes, inaugurada em setembro de 1940 —, foi instalada a instituição de ensino. premiação de produtores pelos resultados. A Itambé apoia o melhoramento genético do rebanho dos fornecedores de leite. Periodicamente, promove entre os associados leilões de reprodutores de alta qualidade genética das raças Holandesa, Jersey, Girolando e Gir. Continua na página 154 1. Foto Elias Kfouri 2. Cândido Tostes foi um importante plantador de café em Minas Gerais. Foto Ronaldo Guimarães 3. O Instituto Cândido Tostes é um patrimônio da história dos laticínios mineiros. Por ele, passaram centenas de pesquisadores que contribuíram para a pesquisa nacional. Foto Ronaldo Guimarães O método de atuação do instituto, que se baseia no modelo de ensino-pesquisa-extensão, se antecipou à atual concepção social de educação, que propõe a vinculação da escola ao mundo do trabalho. Quatro dos primeiros professores vieram da Dinamarca, durante a construção da escola, para instalar os equipamentos industriais, laboratórios e demais instalações. Ela foi instituída nos moldes da escola profissionalizante em laticínios da cidade dinamarquesa de Dalun. Ensinar inovando 3 tecnologia e qualidade em construção 2 149 Em 2009 foi lançado o curso de pós-graduação em Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados, com dez vagas a cada ano. É pioneiro no Brasil em mestrado profissional na cadeia produtiva do leite. A Universidade Federal de Juiz de Fora e a Embrapa Gado de Leite são parceiras nesse curso. O leite como prioridade Foi no Cândido Tostes que surgiu o Queijo Minas padrão, além de adaptações para a fabricação de queijos gorgonzola (Queijo Azul de Minas), Em setembro de 1956, a Lei 1.476 mudou o nome Camembert, Saint Paulin, Morbier, entre outros; e da escola para Instituto de Laticínios Cândido de queijos de leite de cabra, como o chabichou. Ali é Tostes, integrado à estrutura da Secretaria de desenvolvida também a tecnologia de fabricação do Estado da Agricultura. Em 1974, com a criação leite de cabra em pó. da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária 1 de Minas Gerais), ele passou a fazer parte da nova estatal, institucionalizando sua atividade de pesquisa. A Cândido Tostes se tornou uma enorme referência em ensino, pesquisa e difusão de tecnologia em leite e derivados, no setor laticinista nacional e até fora do Brasil. Há ex-alunos trabalhando em 40 países e em todos os estados 3 brasileiros. Não existe um laticínio grande ou médio no Brasil que não tenha uma pessoa formada no Instituto Cândido Tostes. 4 3. Os alunos da Fábrica-Escola de Laticínios Cândido Tostes 1. Antigos produtos do ILCT. Arquivo Cândido Tostes 2. Alunos e professores do ILCT, nas primeiras décadas de funcionamento da instituição. Arquivo Cândido Tostes aplicavam nos laboratórios as teorias aprendidas em sala de aula. Arquivo Cândido Tostes 4. Ao longo dos tempos, a produção de queijo evoluiu muito e a variedade atraiu apreciadores nos quatro cantos do mundo. Wikimedia Numa sala do instituto passou a funcionar, a partir de 1976, o Centro de Organização e Assistência Laticinista Ltda. (Coal), fundado pela primeira laticinista brasileira, Pautilha Guimarães de Carvalho, que vive em Juiz de Fora. A primeira laticinista do país O Coal assessorou a construção de uma centena de fábricas de queijo em todo o Brasil. Aos 80 anos, Pautilha ainda viajava pelo país, dando assessoria na montagem de novos laticínios. 3 tecnologia e qualidade em construção 2 1 151 Alguns espinhos O instituto também enfrentou graves problemas em 1987, e quase teve seus equipamentos vendidos em leilão, por decisão judicial. No final da década de 1990, só restavam cinco pesquisadores no Cândido Tostes. Vários pediram demissão ou se aposentaram, mas em 2005 foi aberto concurso e o quadro técnico foi se recuperando. Nascida na Fazenda Estrela do Norte, em Bocaina de Minas, na Zona da Mata, A equipe ainda está em formação, com a maioria fazendo ela estudou química no Rio de Janeiro. Em 1948, fez o curso de especialização em cursos de mestrado ou doutorado. Todos os pesquisadores laticínios do Cândido Tostes e se tornou gerente do laticínio do pai, o Estrela do também dão aulas no Cândido Tostes. O instituto faz pesquisa Norte. Na década de 1950, Pautilha foi cursar doutorado nos Estados Unidos, um aplicada, demandada por outras instituições ou empresas de feito raro entre as mulheres naqueles anos. laticínios que precisam resolver algum problema específico em equipamentos ou na fabricação de queijos. Como técnica especialista em laticínios do Escritório Técnico de Agricultura Brasil-Estados Unidos (ETA), criado pela Aliança para o Progresso (Usaid), ela percorreu o Brasil, avaliando as condições para instalação de novos laticínios e treinando extensionistas para assessorar pequenos produtores de queijo na zona rural. 1. Pautilha Guimarães de Carvalho primeira laticinista brasileira. Epamig 2. Alunos fabricando queijos no ILCT. Arquivo Cândido Tostes 3 tecnologia e qualidade em construção Tradição nas letras e em eventos Em meados de 2010, eram realizados 38 projetos de pesquisas financiados por órgãos de fomento, num total de cerca de R$ 1,4 milhão. A revista do instituto, que começou a ser publicada em 1946, é veiculada a cada três meses, sem interrupção há mais de 60 anos; o Cândido Tostes já publicou mais de 50 livros. 1 153 3 A Semana do Laticinista foi realizada pela primeira vez em julho de 1950 e deu origem ao Congresso Nacional de Laticínios, considerado marco na história do agronegócio do leite no Brasil e referência na América Latina. 4 É um fórum privilegiado para apresentação de pesquisas e debates, que recebe participantes A máquina em funcionamento de vários países do mundo. Ao mesmo tempo, são realizadas a Exposição de Máquinas, Equipamentos, Embalagens e Insumos para Laticínios, a Exposição de Produtos Lácteos e o Concurso Nacional de Produtos Lácteos. Em 2011 o Cândido Tostes deverá processar em seus laboratórios cerca de 8.000 litros de leite por dia, em modernos laboratórios que foram reformados e ampliados no final da década — juntamente com outras unidades da instituição —, tornando-se não o maior, mas certamente o mais moderno laticínio mineiro. 2 1. O evento, idealizado por um grupo de técnicos e professores do ICT, conquistou reconhecimento junto à comunidade científica e atualmente é considerado um marco no agronegócio do leite no Brasil. Arquivo Congresso Nacional de Laticínios/ Fernando Priamo 2. Degustação dos queijos durante edição de 2010 do Concurso Nacional de Produtos Lácteos. Epamig/ Fernando Priamo 3 e 4. Equipamentos dos laboratórios modernizados do ILCT. Foto Ronaldo Guimarães 3 tecnologia e qualidade em construção Continuação da página 146 Relatório do Sebrae e da Faemg, publicado em 2006, sobre a pecuária leiteira no estado mostra que os problemas estruturais encontrados são muitos: 35% dos rebanhos são constituídos por vacas, e somente 23,7% delas produziam leite, enquanto 28,4% são 155 machos destinados à venda como animais de corte ou para reprodução. Passado rico e futuro próspero O chamado rebanho leiteiro é muito grande para uma produção pequena. A lotação média de 1,24 cabeça por hectare exige áreas e investimentos grandes em infraestrutura. As fazendas com produção acima de 500 litros por dia mantêm mais de três animais improdutivos para cada vaca que produz leite durante o ano. É inegável o avanço e o sucesso d a pecuária de leite nos últimos anos no Brasil e, em especial, em Minas Gerais. Mas os mesmos números que identificam os esforços, a evolução e a performance vencedora de toda a cadeia produtiva no estado comprovam também que há ainda muito a realizar. Comprovam ainda que, quando coletivos, os esforços constroem uma realidade mais próspera e incentivadora de boas práticas na produção, na organização e na administração dos negócios, e também consolidam as bases necessárias aos avanços científicos e tecnológicos capazes de brindar consumidores com uma variedade formidável de produtos de qualidade inquestionável. A evolução do rebanho nacional preconiza um cenário próspero para a pecuária leiteira. Foto Ronaldo Guimarães Pintura “Duas Vacas” de Alexandre Default. Masp Pr ojetos Educampo e Balde Cheio 4 De mãos dadas 4 de mãos dadas — projeto educampo 158 Com foco no desenvolvimento de pessoas e na administração da propriedade rural, vem-se consolidando no país um novo modelo de extensão rural, o projeto Educampo. Lançado em 1997 pelo Sebrae-MG, para a cadeia produtiva do leite, o projeto obteve grande visibilidade no meio e resultados muito positivos, estendendo-se, então, ao café, cana-de-açúcar e fruticultura. Novas lições no campo O Educampo, t al como existe em Minas Gerais, foi um marco n a história do leite, um salto enorme, tanto que outros seguiram, país afora, esse caminho aberto pelo Sebrae-MG. A entidade ousou sair da trilha assistência técnica tradicional ao produtor rural e descobriu novos caminhos que levam a resultados mais duradouros para toda a cadeia produtiva do leite. Por meio do projeto, o Sebrae-MG viabiliza consultoria gerencial e técnica ao produtor de leite, para que ele modernize processos de produção agropecuária e se integre ao complexo agroindustrial. O Educampo difunde inovações, de modo a elevar a produtividade e o lucro das propriedades participantes, além de torná-las referência para outros produtores, estimulando o senso cooperativo, com atividades em grupo. O Educampo proporciona aos produtores técnicas de gestão que transformam as propriedades. Foto Ronaldo Guimarães 4 de mãos dadas — projeto educampo 3 1 2 160 Empresas agroindustriais são parceiras do Educampo. Elas apostam no projeto como forma de receberem retorno imediato no próprio processo Parceria com a agroindústria O modelo adotado é o de consultoria gerencial e técnica intensiva, para grupos de produtores da mesma atividade econômica, vinculados a uma agroindústria. Ele procura agregar a gestão de negócio ao conceito da assistência técnica tradicional, em propriedades onde os administradores demonstrem, antes de tudo, vontade de fazer melhor e diferente. O foco está, fundamentalmente, no controle dos custos e no acompanhamento dos resultados. produtivo, já que passam a trabalhar com matéria-prima mais adequada às necessidades do mercado, em quantidade e qualidade. Além disso, ao se aproximarem dos fornecedores, as empresas ganham no processo de planejamento, reduzindo as incertezas em torno do negócio. O presidente do Sebrae-MG, Roberto Simões, acredita que o sucesso do Educampo está em seu formato, por apostar, ao longo dos anos, que o atendimento a programas coletivos oferece mais resultados do que o individual. Até julho de 2010, o Sebrae-MG realizou 59 projetos, compreendendo 942 fazendas, localizadas em 194 municípios, que somam 4% da produção de leite de vaca em Minas Gerais. Foram formados 58 grupos, com os parceiros Itambé, Danone, Embaré, Coopa (Cooperativa Agropecuária de Patrocínio Ltda.), Coolvam (Cooperativa de Laticínios do Vale do Mucuri), Nestlé, Copervale (Cooperativa de Produtores de Leite de Uberaba), Tirolez, Laticínio Santo Antônio (Yema), Agroverde (Cooperativa Agropecuária Vale do Rio Verde), Laticínios Bom Gosto, BR Foods, Copril (Cooperativa dos Produtores Rurais de Itambacuri Ltda.), Cooproleite (Cooperativa de Produtores de Leite da Bacia do Rio Paranaíba Ltda.), Cooperonça (Cooperativa dos Empresários 1 e 2. A Cooperativa de Produtores de Leite de Uberaba (Copervale) é um dos parceiros do Educampo na região do Triângulo. Arquivo Copervale 3. O leite sendo reservado para a adição de fermentos e coalho. Arquivo Tirolez Rurais de Onça do Pitangui) e Cooperman-Terra Boa. 4 de mãos dadas — projeto educampo 163 O Sebrae-MG é responsável p ela sensibilização, implementação e coordenaçã o geral do projeto, capacitando e atualizando os consultores de campo e gerenciando seus resultados para os participa ntes. O funcionamento do projeto parte de uma estrutura simples. Por meio de um coordenador técnico, o Sebrae-MG avalia a aplicação da metodologia e seus resultados sistematicamente. Consultores técnicos de campo, treinados pelo Sebrae-MG e contratados pelas propriedades e pelas agroindústrias, atuam diretamente junto aos produtores, transferindo conhecimento sobre gestão do negócio e tecnologias adequadas à empresa rural. Para o Educampo não importa o tamanho da propriedade e sim o comprometimento dos produtores. Foto Ronaldo Guimarães 4 de mãos dadas — projeto educampo Empreendedores nas fazendas 164 Dinâmico, o Educampo se adapta às características dos grupos e das cadeias produtivas e está em constante evolução. Os resultados alcançam segmentos da cadeia produtiva na qual o produtor está inserido, antes e depois da porteira da fazenda. Para participar do Educampo, é i mportante que o produtor tenha perfil empreend edor e disposição para aprender e adotar as orientações sobre as melhores técnicas de produção e de control e gerencial. Ao contratar os serviços de consultoria, os produtores constroem um plano de trabalho, que conta com a participação também dos parceiros do projeto e atende às prioridades de cada grupo de produtores, identificados por diagnósticos individuais. O Educampo se pauta ainda pelo cumprimento de metas, estabelecidas de acordo com a capacidade de investimento e com as características produtivas de cada propriedade. Os resultados de rentabilidade e lucratividade alcançados no negócio são monitorados pela Central de Processamento de Dados do Educampo (CPDE) e pelos consultores que atendem diretamente aos produtores. Para tanto, contam com apoio de um software do Sebrae-MG desenvolvido exclusivamente para avaliar e controlar os custos nas empresas rurais participantes do Educampo. Essa tecnologia de informação faz parte do dia a dia dos produtores e consultores de campo. Educampo. Foto Ronaldo Guimarães fazendas que são tratadas como únicas. O produtor aumenta sua renda e recupera, especialmente, a dignidade como trabalhador do campo, gerador de desenvolvimento e empregos para o país. Em parte, o programa Balde Cheio pode ser assim definido. Tecnicamente, entretanto, se caracteriza por um trabalho exaustivo, apoiado na transferência de tecnologia aos técnicos extensionistas, de entidades públicas ou privadas, responsáveis por levarem às pequenas propriedades o conhecimento necessário a uma produção de leite intensiva e sustentável. Transferir tecnologia é o princípio O Balde Cheio foi criado, em 1998, pela Embrapa Pecuária Sudeste, sediada em São Carlos (SP), em parceria com a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Teve vários nomes até ser, como hoje, um programa nacional, presente em 23 estados. Produtores de Carmo do Cajuru são atendidos pelo projeto Balde Cheio. Foto Xará 4 de mãos dadas — projeto balde cheio Os resultados mostram uma produção que pode sair de 20 para 200 litros por dia, em 167 apoiadores do projeto, do qual participam 1.200 produtores. A metodologia se baseia na escolha de uma propriedade de pequeno porte e de base familiar, cuja principal atividade é a produção leiteira, que serve de exemplo no município para as demais que se interessam pelo projeto. O autor do projeto, professor Arthur Chinelato de Camargo, desenvolveu a ideia motivado pelo questionamento de produtores que queriam saber como poderiam realmente transformar suas propriedades leiteiras em negócios rentáveis, adotando técnicas e tecnologia difundidas nas palestras proferidas pelo próprio Chinelato. O espelho como ponto de partida O presidente das Comissões de Pecuária de Leite da Faemg e da CNA, Rodrigo Alvim, acompanhou de perto o processo de desenvolvimento do Balde Cheio e lembra que, só em Minas Gerais, foram realizados entre 1997 e 1999, 56 encontros regionais, reunindo 22 mil produtores, em 56 lugares diferentes. A essência do Balde Cheio é a transferência de conhecimento, estimulada pelo convívio de donos de diferentes propriedades. Foto Xará A propriedade é acompanhada pelo especialista técnico do projeto no estado e pelo técnico extensionista contratado, a partir de um questionário sobre o sistema de produção, aspectos da situação socioeconômica da família e questões sobre o ambiente. O produtor, que cumpre tarefas e orientações que norteiam o projeto, recebe em sua fazenda (identificada como uma Unidade de Demonstração) a visita do extensionista, pelo menos uma vez por mês, e do especialista técnico do Balde Cheio a cada quatro meses, durante quatro anos. Ao integrar o projeto, o produtor admite que sua propriedade será exemplo para outras na região e, portanto, se compromete a incentivar a presença de outros produtores no local durante as reuniões técnicas, como forma de repassar o aprendizado. 4 de mãos dadas — projeto balde cheio No estado, a Faemg e o Serviço Nacional de Aprendizagem (Senar) Minas são os 169 4 de mãos dadas — projeto balde cheio 2 3 171 1 Ao apresentar tecnologias de baixo custo, pelas quais os produtores podem realmente pagar, aplicando em suas pequenas fazendas ou sítios, o Balde Cheio envolve o produtor de uma maneira diferente. Ribeiro se lembra de um produtor do Vale do Jequitinhonha que, ao receber o técnico do projeto, foi logo avisando que não teria condições de adubar a pastagem, uma das orientações técnicas. Baixo custo e grandes resultados Em Minas Gerais, o coordenador do programa, contratado pela Faemg, é o engenheiro agrônomo Walter Miguel Ribeiro, um discípulo de Chinelato. Ele explica que o trabalho começa pela recuperação da auto-estima dos produtores, que geralmente é muito baixa pelos inúmeros problemas enfrentados na atividade. Mas o mesmo produtor acabou se convencendo de que poderia passar seis meses limpando curral de vizinhos a troco do esterco e, com isso, criar condições para adubar meio hectare de pastagem com cinco quilos de esterco de curral por metro quadrado, para substituir toda a adubação inicial de correção da área. O importante é que a área serviu para que o produtor aprendesse como manejar sua pastagem, enfrentando os problemas financeiros de uma outra maneira. Os conceitos do Balde Cheio são os mesmos, mas o técnico precisa encarar cada propriedade como se fosse única, levando tecnologias aplicáveis de acordo com a condição financeira do proprietário. “Se o dono de pequena propriedade consegue bons resultados com pouco dinheiro, passa a servir de exemplo a outros, bem mais do que aqueles que investiram muito dinheiro para tornar uma grande fazenda mais produtiva”, ressalta o coordenador em Minas Gerais. 1 e 2. O Balde Cheio cativa os produtores, discutindo com eles tecnologias de baixo custo e viáveis nas propriedades. Foto Xará 3. Foto Ronaldo Guimarães 4 de mãos dadas — projeto balde cheio 173 O desafio de todos os participantes do projeto é fazer com que diferentes propriedades se sintam motivadas a aderir ao Balde Cheio a partir dos exemplos de resultados positivos. O programa começou em Minas Gerais em maio de 2007. Três anos depois, está presente em 132 municípios, em todas as regiões, com a participação de 150 técnicos — engenheiros agrônomos, veterinários, zootecnistas e técnicos agrícolas —, cedidos pela entidade que for parceira no município. São normalmente sindicatos rurais, cooperativas, laticínios, prefeituras e Ribeiro conta que, em Inhapim, na Região do Rio Doce passou praticamente um ano treinando o técnico, para que ele atendesse inicialmente a apenas uma propriedade. associações de produtores. As entidades disponibilizam o profissional para Quando esta começou a mostrar resultados, no entanto, outros produtores se município interessados em aderir ao projeto. técnicos contratados pela prefeitura. Esse é apenas um dos muitos exemplos que que ele faça parte do treinamento e possa atender aqueles produtores do As propriedades rurais ainda sofrem muito com assistência técnica deficiente e por isso valorizam projetos como o Balde Cheio. Foto Xará interessaram e, ao fim de três anos, o Balde Cheio atendia 57 produtores com dois o projeto coleciona em Minas Gerais. referências Ronaldo Guimarães 175 BAER, Werner. A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico do Brasil. 3ª edição. Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1977. BICALHO, Renata de Almeida; MACHADO, Márcia Cristina da Silva; PAÇOCUNHA, Elcemir. Estudo das Relações Laticínios-Pequenos Produtores na Região de Juiz de Fora. Apresentado no XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural. 2008. referências BOLETIM DA COMISSÃO EXECUTIVA DO LEITE. Ano IV, nº 44, agosto de 1945 BOLETIM DA COMISSÃO EXECUTIVA DO LEITE. Ano IV, nº 47, novembro de 1945. CANAL RURAL. “Criadores — Flávio Guarani, o guardião do ouro branco”. Disponível em: http://mediacenter.clicrbs.com.br/templates/player.aspx?uf= 1&contentID=78597&channel=99. Acesso: 22/7/2010 CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. 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(Rio de Janeiro) ima Instituto Mineiro de Agropecuária ccpr-Itambé Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais cna Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil cnc Conselho Nacional de Cooperativismo in nº 51 Instrução Normativa nº 51 ocb Organização das Cooperativas Brasileiras Ocemg Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais oms Organização Mundial da Saúde cnpgl Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Leite onu Organização das Nações Unidas Coopersete Cooperativa Regional de Produtores Rurais de Sete Lagoas Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar cpac Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados Sebrae-mg Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas de Minas Gerais Emater-mg Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Epamig-mg Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais pib Produto Interno Bruto ufmg Universidade Federal de Minas Gerais ufla Universidade Federal de Lavras ufv Universidade Federal de Viçosa Sebrae-MG Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais Presidente do Conselho Deliberativo Roberto Simões Diretor-superintendente Afonso Maria Rocha Diretor de Operações Matheus Cotta de Carvalho Diretor-técnico Luiz Márcio Haddad P. Santos Unidade de Agronegócios Gerente Priscilla Magalhães Gomes Lins O Leite em Minas Gerais 2010 Sebrae-MG Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida — em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação, etc. — nem apropriado ou estocado em sistema de banco de dados, sem prévia autorização, por escrito, do Sebrae-MG Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Castro, José de Souza O leite em Minas Gerais / José de Souza Castro. — Belo Horizonte: Medialuna Editora, 2010. ISBN 978-85-63051-03-5 1. Agroindústrias — Minas Gerais (Estado) 2. Indústria leiteira — Minas Gerais (Estado) 3. Leite — Aspectos econômicos — Minas Gerais (Estado) 4. Leite — Comercialização — Minas Gerais (Estado) 5. Leite — Produção — Minas Gerais (Estado) 6. Planejamento estratégico I. Título. 10-13186 CDD-338.47641371098151 Índices para catálogo sistemático: 1. Minas Gerais : Estado : Leite : Planejamento e gestão estratégica : Economia 338.47641371098151 Equipe Técnica (Leite) Franklin Ireno Aquino Ricardo Augusto Boscaro Rogério Nunes Fernandes Assessoria de comunicação Assessor Lauro Diniz Coordenação Editorial Aline de Freitas Faemg Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais Presidente Roberto Simões Diretor-secretário Marcos de Abreu e Silva Diretor-tesoureiro João Roberto Puliti Produção Editorial Consultoria Técnica da Edição Medialuna Comunicação e Editora Roselena Nicolau Maria Carmen Lopes Priscilla Magalhães Gomes Lins Gerente de Agronegócios do Sebrae-MG Assistente de Edição Gabriela Carvalho Texto José de Souza Castro Fotografia Ronaldo Guimarães Xará Elias Kfoury Gisele Fagundes Jadir Bison Martinho Caires Sara Torres Maurício Farias M. C. Vianna Marcelo Prates Mario Fontenelle Osvaldo Filho Fernando Priamo Revisão de Texto Jurani Garcia Edmundo de Novaes Gomes Projeto Gráfico Assessoria Técnica Guili Seara Design Coordenador Pierre Santos Vilela Direção de criação Guili Seara Equipe Aline de Freitas Veloso Caetano de Carvalho Berlatto Rodrigo França Padovani Designers Anna Carolina Perim Lorena Marinho Yannick Falisse Rodrigo Sant’Anna Alvim Presidente da Comissão Nacional do Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) Presidente da Comissão Técnica do Leite da Faemg Rodrigo França Padovani Analista de Agronegócio da Assessoria Técnica da Faemg