curso de historia da psicanlise
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Texto para uso (pedagógico) exclusivo do autor CURSO DE HISTÓRIA DA PSICANÁLISE ; apontamentos. Gustavo Adolfo Ramos Mello Neto prefiro evitar dar significados de antemão a esse devir histórico, pois suponho que uma história é algo muito mais complexo que isso e, talvez, não se deixe aprisionar tão facilmente em uma tese. Dessa forma, proponho, pois, uma história « anatômica », isto é, primeiro descrevo a aparência geral do « corpo », através do roteiro histórico e, no decorrer, vou abrindo-o ou dissecando-o, para examinar suas víceras, seus detalhes, através da análise de textos. ************************ INTRODUÇÃO O que aqui apresento são notas preparadas para um estudo de uma rápida história do pensamento psicanalítico, dirigido a curso de Especialização. Trata-se ainda de material bruto, mas serve às finalidades de um curso. A estrutura geral do texto é feita na forma de um roteiro cronológico e temático, estruturado a partir de Vida e obra de Sigmund Freud, de Ernest Jones e de História da psicanálise, de Roger Perron. A esse roteiro, agreguei notas referentes à leitura direta dos autores psicanalíticos citados. Tais notas são feitas na forma de resumos e comentários meus e de outros autores. Ao incluir ao roteiro essas notas, utilizei os símbolos / e [ ]. Isto é, todas as vezes que o leitor encontrar um desses caracteres, estará frente à inclusão de um resumo de texto ou um comentário meu ou, ainda, algum comentário de outros dentro desses mesmos resumos. Enfim, é preciso dizer uma palavra sobre a linha diretora do trabalho. Pensei, a princípio, apresentar a história geral da psicanálise a partir de uma tese; isto é, da proposição de que essa história é feita de um ir e vir, de avanços e recuos (e não de progresso e acumulação, como pensam os anglo-saxões) no que diz respeito ao biologicismo versus linguagem e da ênfase na sexualidade, em alguns momentos e, em outros, um recuo representado pelo relevo da ao princípio de autoconservação e de realidade. Tudo isso acrescido das mudanças ocorridas no espírito de cada época e país onde se produziram os conhecimentos psicanalíticos. Essa tese não é rejeitável, contudo, Ementa : Compreensão histórica do nascimento da psicanálise, de seu desenvolvimento sob a condução de S. Freud e de sua diversidade enquanto pós-freudiana. PROGRAMA Parte 1 — Freud, uma ruptura no saber instituído : a) A formação intelectual de Freud b) Os anos 1890 : o surgimento dos conceitos de defesa e de recalcamento. Do método catártico ao método associativo. c) A interpretação dos sonhos como auto-análise de Freud e como estabelecimento do conceito de inconsciente. c.1) Os Três ensaios... e a sexualidade como motor do psiquismo. d) Anos 1910 A chegada de discípulos, a psicanálise se enriquece e se diversifica. As dissidências. d) Anos 1920 : a 2a segunda tópica ; a libido em situação de cultura. Parte 2 — Pós-Freud, tendências temáticas e metodológicas : a) Melanie Klein e Anna Freud, a gênese conflitiva da tradição psicanalítica anglo-saxônica. b) O problema dos inícios da vida psíquica : Spitz, Bowlby e Winnicott c) A cultura e o grupo : c1) Geza Roheim, Reich e Erich Fromm : cultura e sociedade. c2) W. R. Bion e o pequeno grupo d) P. Federn e o problema das psicoses 2 e) Heinz Hartman e a Psicologia do Ego f) J. Lacan e o problema das estruturas liguageiras. f) Dissidências pós-lacanianas. OBS : Como se trata de um curso genérico, algumas partes, sobretudo a primeira, serão mais exploradas que outras. BIBLIOGRAFIA ABRAHAM, K., Esquisse d’une histoire du développement de la libido basée sur la psychanalyse des troubles mentaux, IN : Oeuvres Complètes, Paris, Payot, s. d.. BION, W. R., Experiências com grupos, Rio de Janeiro, Imago, 1975. BOWLBY, Apego e perda, Martins Fontes, FEDERN, P. La psychologie du moi et les psychoses, Paris, PUF, 1979. FERENCZI ; S., Transferência e introjeção, IN : Obras Completas, Psicanálise I, São Paulo, Martins Fontes, 1991. FREUD, A., Normalidad y patología en la niñez, Paidós,1971. FREUD, S. El problema econômico del masoquismo, IN : Obras Completas, Madrid, Biblioteca Nueva, s. d.. FREUD, S. Estudios sobre la histeria, IN : Obras Completas, Madrid, Biblioteca Nueva, s. d.. FREUD, S. História del movimiento psicoanalítico, IN : Obras Completas, Madrid, Biblioteca Nueva, s. d.. FREUD, S. 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Freud acaba por passar pela 1 parte de seu doutorado em medicina - um aluno lento que jamais terá gosto pela medicina. • Aos 24, seus professores o consideram um grande aluno - entretanto tem poucas chances de posições de forma que, 2 anos depois, Brücke o aconselha à prática médica. • A aventura científica de Freud começa antes dele. Em 1845, jovens (E. Dubois -Raymond, H. Hemholtz, C. Ludwig e E. Brücke) exaltam o materialismo : só forças físico-químicas podem explicar a vida. • Freud teria aderido a duas grandes idéias desse movimento. 1) que todo sistema vivo é organizado por forças ; 2) a unidade do ser vivo - o evolucionismo darwinista e a recusa do dualismo corpo-mente. Ver Assoun, P-L. Introdução à epistemologia freudiana, Rio de Janeiro, Imago, 1983. Da anatomia comparada a outros domínios • um organismo complexo é melhor entendido à luz da análise dos organismos simples. • E haveria duas linhas de análise : a ontogenética e a filogenética. • Lei de Haeckel - homologia entre filo e onto. • Freud foi aluno de Carl Claus, discípulo de Haeckel. • Essa marca pode ser encontrada em Totem e tabu : a revivescência pela criança de acontecimentos da História (pré). Trata-se de um darwinismo sociológico em voga no início do século. 2« A questão da verdade » • Em 1885, Freud ouve Charcot dizer particularmente, sobre os histéricos : « é sempre a coisa genital ». • Mais tarde o ginecologista Chrobak diz sobre os histéricos : receitas « penis vulgaris, bis repetatur ». Mas esses homens não teriam assumido seus dizeres. • Freud jurava jamais ser conformista e jogou toda a sua reputação médica, a partir de 1885, afirmando que as neuroses são perturbações da psicossexualidade e que as crianças são seres sexuados. Daí viria o dito (Análise terminável e interminável, 1937) « a psicanálise se baseia no amor à verdade ». /Suponho que aí mora um problema. O aspecto moral e antimoralista desse dito tem sido algo que levaria a psicanálise, junto com o marxismo a mexerem com o nosso século. Mas lugar de mal-entendidos, pois a história das sociedades psicanalíticas nem sempre se pautou pela verdade./ 3Fins do século XIX • O triunfo do racionalismo • otimismo capitalista • Viena, como Paris, é efusiva, mas vive um clima vitoriano (mulheres de casar versus mulheres de gozo) - miséria sexual. • Ao mesmo tempo, há grande interesse pela sexualidade, seja na forma de anedotas, seja na forma de estudos sobre os casos escabrosos. • Freud, portanto, se insere nessa tradição de estudos da sexualidade, mas seu escândalo está em fazer equivaler o normal e o patológico e em mostrar a situação social de miséria sexual. • Segundo Anzieu, teria sido a abstinência de Freud, apesar de ser contra a abstinência, o que permitiu a criação da psicanálise : pensar e não agir. • Freud conta que um dia, após hipnotizar uma paciente, esta se atirou em seus braços - Freud compreende a transferência. 4Sigmund Freud 1) Sua constelação familiar • Sua família era muito diferente das outras, o que lhe deu motivo de comparação - por que não era o irmão e, sim, o pai (bem mais velho) que dormia com a mãe. 4 Essa estrutura familiar teria marcado-o por pressupostos não ortodoxos sobre os laços de parentesco. • Era o primogênito da mãe, e era o seu preferido, o que lhe teria dado autoconfiança. • 2) Ser judeu a) O prazer da hermenêutica ; b) o inconformismo que marcaria a prática psicanalítica. / Todos esses « fatores » são interessantes para explicar o nascimento da psicanálise, contudo, prefiro supor que a psicanálise nasce como uma contradição no movimento histórico da modernidade. De um lado, ela surge na mesma corrente dos movimentos psiquiátricos, de cercar todos os pontos do ser e da sociedade, discipliná-los, tê-los sob controle, exercer poder coercitivo cartesianamente. De outro, pode-se pensar a psicanálise aparecendo num movimento contrário, de libertação, posto que propõe ao paciente a apropriação de sua própria loucura, a reapropriação de seu inconsciente ou, ainda, propõe ao ser dar, ele mesmo, destino aos seus movimentos anímicos. Quanto a porque Freud, suponho que isso jamais será explicado, a não ser por hipóteses, como aquelas que o próprio Freud tem sobre Leonardo. Mas, pergunto se interessa sabê-lo \ CAP. II - FUNDAMENTOS 1) A passagem pela neurologia p. 217 - Jones, cap. 10 • Em 1883, Freud inicia carreira pela neurologia e permanece 15 anos Hospital Geral de Viena, dep. de doenças nervosas de Scholz, 14 meses. • Trabalha em 2 direções : a) trabalho de laboratório sobre anatomia do SN e desenvolve métodos de coloração de células. b) estudo da ontogênese do SN de animais, buscando estrutura em etapas sucessivas (método genético) c) pesquisa da afasia Em lugar de pesquisar a partir das localizações anatômicas, Freud volta-se para as funções. Utiliza a hipótese de H. Jackson segundo a qual os processos de destruição no SN ocorrem em direção inversa de sua evolução, das funções mais complexas às mais simples. /ordem regressiva : que será a ordem de sua pesquisa • o SN composto de estruturas hierarquizadas. / vide Totem e tabu e a ordem do pensamento. Vide teoria evolutiva/ Na minha opinião, só Lacan irá derrubar esse evolucionismo/ 2) Passagem para a psiquiatria / Questionável esse título. Jones fala de um período de neurologia até 1897. Quanto a esse item, Jones nomeia período com Breuer./ • Nesse momento o estudo das doenças nervosas é altamente organicista e neurológico. • Mas a histeria não podia ser estudada como tal e portanto não era levada a sério • Junto ao desdém pela histeria, havia a explicação pela teoria da degenerescência. • Segundo essa teoria, há linhagens familiares que, depois de algumas gerações, a qualidade de homem se degrada (relaxamento nos costumes e mesmo a idiotia e a loucura) Muitos escritores carregaram essa teoria : Zola, Nietzsche, Euclides da Cunha e isso vai até à consciência popular. A degenerescência seria um fracasso em elevar-se acima do animal e note-se que é o século do otimismo com a racionalidade. A histeria seria um momento dessa degradação, em que pobres mulheres sucumbiam ao peso de sua hereditariedade. • Numa linguagem mais erudita, P. Janet fala da fraqueza da « tensão psíquica » e Breuer em estados hipnóides. Essa era também a posição de Charcot. • Freud começa a trabalhar com J. Breuer, que conhecia desde 1880, através de Brücke. Breuer, médico de alta reputação, a quem Freud se filia. 5 • Freud impressiona-se com o caso Ana O. a. Breuer conta que tratara Bertha Pappenheim (mais tarde a 1 assistente social da Alemanha), diagnosticada de histeria. 21 anos, inteligência não comum, e os sintomas se apresentavam em conexão com a morte de seu pai - paralisias com contrações e anestesias graves, conturbação da vista e da fala, tosse nervosa. Apresentava uma dissociação de estados psicológicos, dois estados de consciência : um normal e outro infantil e cruel. A transição para os dois estados lembrava uma auto-hipnose. Bertha adquiriu o hábito de relatar suas vivências a Breuer. Esse relato, por vezes resultava na desaparição do sintoma. Ela mesma chamou isso de « limpeza de chaminé ». Depois de certo tempo, Breuer suplementou esse método com indução hipnótica. A tudo isso, Breuer deu o nome de catarse / Mas Roudinesco nos diz que no relatório de Breuer não consta a palavra catarse / Breuer decidiu encerrar o tratamento pois sua mulher estava com ciúmes. Nessa mesma tarde foi chamado. Ana tivera uma pseudociese. Breuer a acalmou e saiu de férias com sua mulher rumo a Veneza. Onde teriam feito uma filha (que se suicidou 60 anos depois em Nova York) Jones p. 237-239. / Roudinesco contesta esse fato : a criança teria sido concebida antes, a notar sua data de nascimento—um mito, o mito de nascimento da psicanálise / De mais importante, o que aparece no caso Ana O. é o estudo da amnésia do histérico no qual pode-se revelar que o conteúdo ideativo manifesto não era o todo, mas outros conteúdos subjacentes podiam ser revelados : um conteúdo inconsciente. E é justamente no relatório de Breuer que aparece pela primeira vez a expressão « o inconsciente » (AE, p. 68) Se, então, tratava-se de estudar o inconsciente e não o consciente, havia que haver um método especial : a hipnose apareceu, de forma evidente, como esse método. • A hipnose, nesse momento, era vista de forma suspeita, menos em um lugar : La Salpetrière. • Freud obtém bolsa de estágio e vai para Paris, 1885-86. • Charcot - um mágico que faz aparecer e desaparecer sintomas histéricos. Mesmo pensando nessa simetria entre histeria e hipnose, para Charcot o mal é orgânico. Entretanto, Charcot fez aparecer o fenômeno psíquico, o que vai ocupar profundamente Freud. ___________________________________________________ _____________ Inserção da tese de Honda : A primeira teoria freudiana das neuroses Método de Charcot : • partir das formas simples da histeria e constituir tipos de histeria • a partir dos tipos, obtém uma fórmula geral. A grande histeria com fases bem definidas : a) uma espécie de aura b) o ataque, com perda de consciência e rigidez muscular fase epilética ; c) movimentos violentos - fase verdadeiramente histérica ; d) risos e choros. • Ora, o que distinguiria a histeria e o ataque histérico, nesse quadro, seria o conteúdo emocional, que para Charcot era evidente. • Para tudo isso, Charcot utiliza o método comparativo, anátomo-patológico, inclusive para, através de observações comparar uma epilepsia orgânica e uma histérica (isolando características) . • Mas, isso não mostrava diferentes naturezas entre essas duas formas da epilepsia, pois deveria existir um quadro orgânico qualquer. • Através da hipnose, Charcot descobre que é possível induzir uma histeria - por exemplo, fazer permanecer uma contração depois do paciente acordado. 6 • Charcot passa a crer em uma simetria entre a hipnose e a histeria, tem-se O grande hipnotismo. • Fala então em histeria artificial e não artificial. • Na histeria haveria uma predisposição à auto-infecção só os histéricos seriam hipnotizáveis. • Charcot descobre histerias causadas por acidentes traumas - e, a partir daí, descobre a histeria masculina. • Freud volta à Viena, expõe sua viagem e é muito criticado (pela idéia de histeria masculina, sobretudo). / A leitura desse relatório não revela nada de absolutamente escandaloso. É um texto de pouco conteúdo seja teórico ou empírico, mas que, de fato, menciona a idéia de histeria masculina e a realidade da histeria (AE, vol I, p. 5-14) / • Volta a Nancy em 1889, onde estagia com Berheim, cuja grande preocupação é explicar a hipnose pela sugestão. • Intensifica sua colaboração com Breuer e redige com este Estudos sobre a histeria (onde consta, na parte de Breuer, o caso de Ana O.) / Além de Charcot, é preciso lembrar que Freud estudou com Brentano. Para este autor, a realidade psíquica é a única fora da intencionalidade. Este último não ignora o fenômeno : mas é uma cor, para meus olhos, um som para meus ouvidos, etc. Isto é, a importância do psíquico. / • Duas noções : catarse e ab-reação (ab-reação : descarga adequada do afeto ; catarse : « purificação », o efeito esperado da ab-reação. • Estudo sobre a histeria marca o fim da colaboração entre Breuer e Freud. • Breuer e os estados hipnóides - estado em que se realizava uma espécie de auto-hipnose. • Freud : acentuação da idéia de defesa. o núcleo será a teoria do recalcamento visto como mecanismo ativo, diferente da submissão passiva que Breuer concebia com os estados hipnóides. • O termo recalcamento não era novo, mas vai ser encontrado em Herbart, que publica em 1824, segundo a qual uma idéia desagradável pode sair da consciência e voltar sob outras formas. / Aqui, introduzir textos de Freud e de Strachey, mostrando a evolução/construção das idéias : • Introdução de Estudos sobre a histeria, trabalhar sobretudo as partes 2 e 3. • Charcot (1893) • Considerações preliminares (1893), In : Estudos sobre a histeria • As neuropsicoses de defesa (1894) • A psicoterapia da histeria (1895, segundo a carta 22 a Fliess), In : Estudos sobre a histeria • Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa (1896) / A questão diretora é « o que caracteriza a psicanálise, nessa sua fase originária ? ». Vejamos um pouco desses textos / FREUD, S., Charcot - 1893 Após contar a vida de Charcot, Freud relata que Charcot, com toda a sua autoridade, afirmou que a histeria não era simulação, mas uma doença autêntica. Uma revolução, segundo Freud. Libertada a histeria, segundo Freud. « Um observador ingênuo » teria pensado que haveria na histeria um processo psíquico do qual os fenômenos somáticos seriam manifestações, onde o indivíduo não poderia dizer qual é a impressão que o atormenta. Dominado por uma afecção cuja causa afirma ignorar. Se se observa isso e mais a idéia de que há um processo psíquico, esse carece de lógica integrada, de forma que as impressões e recordações possam se manifestar por via somática, sem mque os demais processos psíquicos (o eu) dê-se conta. / Vê-se nessas afirmações, o próprio pensar de Freud / • Mas charcot não teria ido por esse caminho. 7 Entretanto, tomada a histeria como autêntica, Charcot a teria descrito minuiciosamente, de maneira a mostrar coisas surpreendentes ; a histeria no homen ; a histeria por acidentes e enfermidades nervosas causadas por traumas. Mas Charcot condensou toda a histeria em : a herança, de forma que tratar-se-ia de degeneração, todos os demais fatores seriam apenas provocadores. Num certo momento, trabalhando com paralisias histéricas, Charcot consegue reproduzí-las artificialmente com a hipnose. Com isso mostrou que tais paralisias eram resultantes de idéias dominantes « adquiridas » em estados especiais de consciência. Assim, Janet, Charcot, Breuer desenvolveram a idéia de uma etiologia psíquica. Entretanto, o clima médico francês não pode aceitá-lo e persiste em Charcot a etiologia final como herança. / Note-se que o observador ingênuo é Freud / FREUD. Considerações preliminares. IN Estudos sobre a histeria. 1893 / embora a sua inclusão é de 1855. Veja-se que são vários estudos. • A idéia de histeria acidental e neurose traumática descobertas por Charcot, toma volume em Freud. • Freud supõe que se pode detectar no próprio sintoma histérico a repetição do evento que o causou. Por vezes é preciso usar a hipnose para encontrar a conexão. • Supõe que em grande parte dos casos esse evento está na infância. • Exemplos de eventos : um homem que assiste a operação de quadril de seu irmão. Ouve um estalo, sente dor e essa dor não passa mais. • Mas, na maior parte das vezes a conexão não é tão simples, mas simbólica, como ocorrem nos sonhos, diz Freud. • A conclusão de Freud é que a etiologia da histeria é análoga à da neurose traumática. / Notemos o termo « analogia » / • Na neurose traumática o que há é o sobressalto / Lembremos de Além do princípio de prazer e de Inibição, sintoma e angústia / Para fazer essa analogia, Freud extende a noção de trauma : « qualquer sentimento que provoque medo, angústia, vergonha ou dor psíquica pode agir como tal trauma » ou o evento traumático pode vir por associação ao evento penoso . • Diferente de Charcot, notemos, o trauma não é apenas provocador, mas causa « Achamos que o trauma, psíquico, ou sua recordação atua como [corpo estranho], que continua exercendo sobre o organismo uma ação eficaz » (p. 22). • A confirmação dessas conclusões está na cura do sintoma : estes desapareciam mediante a recordação do evento e descarga de seu afeto no verbal (p. 23) recordação e descarga. Visto assim, o fator traumático não age indiretamente, mas diretamente, de maneira que o « histérico sofre de reminiscências ». É interessante que se trata aí de uma reprodução artificial do processo originador da patologia e Freud relata que, no tratamento, os sintomas aumentam e, enfim, desaparecem. / noção de crise: medicina que supõe necessitar da crise para a intervenção / II • Mas por que a permanência da reminiscência ? • A desaparição de um estado afetivo depende de sua descarga, que pode ire desde o pranto até vingança, • Mas se ele é reprimido (inibido), há a sua permanência, posto que efeito catártico só é alcançado com uma reação adequada. • Mas o homem alcança um substituto da reação na palavra - ab-reação • Além da ab-reação, associação (às redes associativas conscientes) é também um meio de anular o trauma daí vem o « esquecimento ». 8 • Mas as recordações histéricas são aquelas que se conservaram. Contudo, o doente não dispõe delas, estão ausentes da memória (consciente) ! / « O sujeito não sabe que sabe, Conferências introdutórias - VI» / E só através da hipnose, em muitos casos, é que elas sobrevêm. Mas também por ocorrências espontâneas (não hipnóticas) • Essas recordações são excessões à regra do desgaste ou esquecimento - a não descarga traumática. / há aí uma espécie de « lei » - descarga = esquecimento normal ; não descarga = conservação patológica / • não descarga: o fator patológico; mas também um problema das redes associativas / já está aí o princípio de constância / • Razões para a não descarga : 1) A natureza do trauma impedia a descarga : por exemplo, a perda de alguém, ou porque a moral obrigava o sujeito a expulsar os fatos do consciente. 2) A circunstância de ocorrência do trauma era especial : sobresalto ou estados anormais da mente (devaneio, semihipnose ; auto-hipnose) (As duas são encontradas em Charcot) mas note-se o paralelismo Freud/Breuer, pois cada um desses autores irá enfatizar uma dessas causas) Ambas as condições podem coincidir. No primeiro grupo, o sujeito retira da mente consciente o fato. No segundo, o estado anormal não pemite o correr normal das associações (elaboração associativa). Note-se os fluxo da consciência : associações e descarga: o fluxo mental (de associaçõesà) acaba tendo por objetivo a descarga. III • A idéia de estados anormais da consciência como causadores e a idéia de hipnose a idéia de hipnose como forma provocadora de recordação leva a convicção da divisão da consciência (um estado normal e outro semelhante à hipnose Binet e Janet). • Assim, a tendência a essa dissociação e aos estados anormais de consciência são reunidos sob o nome de estados hipnóides. • Freud/Breuer propõem que esses estados são o fenômeno fundamental da histeria. • Se os estados hipnóides já existem, há a predisposição à histeria. Se não, um grave trauma pode produzi-los na forma de dissociação de grupos de representações. / Como estamos longe da idéia de ICS e de recalcamento! Entretanto, o que guia essas explicaçõe é, antes de tudo, tal dissociação. / • Ora, essa idéia de um estado assim coincide com a idéia de Charcot da sugestão como agente etiológico. • Nesse momento há uma rápida comparação com o sonho. (p. 29-30). Nosso sonho é um estado que não influi na vida desperta, ao passo que os estados hipnóides aparecem sob forma de histeria. IV • O ataque histérico • Os fenômenos motores trauma e o estado • A face alucinatória __ ––– __ V todos revelando o hipnóide 9 A terapêutica : « Anula a eficácia da representação não descarregada por ab-reação em princípio, dando vazão, por meio da expressão verbal, ao estado emocional concomitante, que havia ficado impedido, e levando-a à correção associativa por meio de sua atração à consciência normal (em ligeira hipnose) ou de sua supressão por sugestão médica, como acontece nos casos de sonambulismo com amnesia » (p. 34). / Notemos, o que foi conservado por Freud : o princípio da descarga (de constancia ; a idéia de dissociação ; a correção da consciência / • Finalmente, Freud/Breuer confessam estar no caminho de Charcot /Note-se o esforço dos autores para escapar constitucional herdado e encontrar o « acidental ». / do FREUD. As neuropsicoses de defesa - 1894 • Freud promete expor modificações às « Comunicações preliminares », que foram publicas 1 ano antes. • O ponto de partida é (1) o estado hipnóide ou dissociação como base da histeria. • Ter-se-ia como prova disso uma forma de histeria que partiu da volição hipnóide do paciente em dissociar uma idéia (tirá-la voluntariamente da consciência). (2) Uma outra forma seria aquela em que perdura só a ação trumática - histerias de retenção do afeto (bastaria, na terapêtica, fazer escoar o trauma). Um terceiro (3) tipo : a de defesa. / Todos os tipos seriam « adquiridos » / • Na sequência do texto, Freud não deixa claro quando está tratando de um tipo ou de outro ou se as reduz todas à defesa. • Mas dá uma nova explicação da histeria : Esta última se daria quando há impossibilidade de resolver a contradição entre o Eu e uma representação intolerável. Apesar do esforço do eu em oblitera-la, o afeto corresponte e a marca da representação permanecem. O eu, então, debilita a representação (debilita seus caminhos associativos), retirando-lhe afeto (magnitude de excitação). A representação já não se associa à consciência e o afeto tem de encontrar emprego. /Essa vai ser mais ou menos a explicação (do recalcamento) que iremos encontar nos textos da Metapsicologia / • A histeria, então, encontra essa via de emprego do afeto pela conversão somática (parcial ou total). [• A representação debilitada forma um 2° grupo psíquico (um corpo estranho)]. • A idéia de defesa : A impressão mnêmica (relativa à essas repressentações) constitui um nódulo dissociativo. Esse nódulo cresce em momentos traumáticos auxiliares. Esse crescimento fá-lo ultrapassar barreiras e associar-se por algum tempo à consciência. Nova conversão ocorre como defesa. / as representaçõe intoleráveis, nas mulheres, seriam do campo sexual / II /Obsessões e fobias/ • Quando o indivíduo não tem disposição ( o que seria essa disposição ? Disposição ao estado hipnóide ?) à conversão, o mesmo processo ocorre e o afeto retirado da idéia penosa adere a representações neutras provocando um « falso enlace » que são as idéias obsessivas. • Essas idéias intoleráveis seriam de natureza sexual « é compreensível que a vida sexual seja a que mais ocasiões dê para a emergência de representações intoleráveis » (p. 128). 10 // é interessante que a representação obsessiva constitui-se em substituto para a representação intolerável, mas muito mais como defesa e não nesse momento da explicação freudiana como satisfação // • Os enlaces « falsos » dão-se fora da consciência. • Freud fala em « análise clínico-psicológica » / talvez substituindo « clínico-patológico » de Charcot. • Na obsessão, pois, há uma transposição ou « deslocamento » do afeto / deslocamento / • O falso enlace, no caso da fobia, dá-se com uma representação capaz de suscitar um outro afeto : a angústia. Exemplos de obsessões : 1) Uma moça sofre de auto-acusações. No jornal lê um crime. Sente que é a culpada, mesmo sabendo-o absurdo. O interrogatório do médico descobre os falsos enlaces. A moça, após uma sensação voluptuosa, começa a masturbar-se a conselho de uma amiga. Tinha consciência de sua falta moral. Depois de um baile e masturbação conseqüente, surgiu a neurose (psicose). • Freud conta que terapeuticamente seguia o interrogatório sobre as representações sexuais escamoteadas. defesa → enfraquecimento da representação → conversão - histeria afeto livre ⇒ enlace a outra representação → deslocamento / o interrogatório será deixado de lado no setting analítico definitivo / III • Histeria e obsessão – até agora viu-se a defesa pela dissociação da representação e afeto ; • Uma nova defesa – o eu rechaça (Verwerfen) a representação intolerável e o afeto correspondente e conduz-se como se eles jamais tivessem existido o que leva à alucinação desejante. • As psicoses alucinatórias (demência de Meynert, de onde Freud retira o desejo) « o Eu separa-se da representação intolerável, mas esta se acha inseparavelmente unida a um vestígio de realidade e, ao desligar-se dela, o eu desliga-se também, total ou parcialmente da realidade » • O caso da moça que nutria amor não correspondido e que acaba alucinando um romance. / Notemos que os elementos para a teoria do recalcamento já estão aí, mas para que ele esteja de forma mais definitiva, falta a idéia de sua permanência e do jogo dinâmico de forças (Laplanche anota que a diferença entre recalcamento e defesa só surgirá em , em Inibição, Sintoma e Angústia : aí recalcamento será uma das defesas de que o eu se serve) / • Mas há no final uma declaração que irá fundar a « econômica ». « recordarei, por fim, com poucas palavras, a idéia auxiliar, da qual me servi nesta descrição das neuroses de defesa. Tal idéia é a de que nas funções psíquicas deve distinguir-se algo (montante de afeto, magnitude da excitação) que tem todas as propriedades de uma quantidade - embora não possamos medila- ; algo suscetível de aumento, diminuição, deslocamento e descarga, que se estende pelos sulcos mnêmicos das representações como uma carga elétrica pela superfície dos corpos ». Temos então 3 formas de defesa: conversão, substituição e rejeição. Enfim, podemos ver, mesmo que ainda embrionárias, as idéias de defesa-recalcamento, sexualidade como causa e efeito da pulsão, e a teoria econômica. FREUD. histeria A Psicoterapia da Histeria IN : Estudos sobre a 11 • Freud propõe-se a expor novos pontos de vista em relação à Comunicação Preliminares, só em seu nome. Temos, então, um pouco mais clara a divergência com Breuer... • Freud fala em 2 níveis de preocupações : 1) a modificação da técnica e 2) as diferenças entre a histeria e outras neuroses. E já adianta que deparou-se com a dificuldade de encontrar muitas pessoas não hipnotizáveis. • Muitas vezes os resultados do método catártico eram paupérrimos, embora o diagnóstico fosse de histeria. Notava-se algo mais que a histeria nesses casos. Entretanto, como não restava senão o método catártico, tratavam-se outras neuroses como se fossem histeria. • Assim partindo do método catártico, Freud ocupou-se de outros quadros neuróticos. • Freud nota que a etiologia sexual era importante – diferentes etiologias sexuais para neuroses diferentes. • A neurastenia sem nenhum mecanismo psíquico (dependente de acúmulo de produtos sexuais), destacando-se dela a neurose obsessiva, que, semelhante à histeria, mostra um quadro psíquico completo, e a neurose de angústia. • Separados os quadros, em quadros simples, era preciso delimitar a histeria. / note-se o método de « separação » da química analítica ou, melhor, da anatomia patológica ! / • Feita a « separação », Freud nota que o mais comum eram as neuroses mistas, onde a histeria era apenas um dos traços. • Freud fala, então, de um lado em neuroses sexuais, de outro em histeria. • Relata, assim, que só depois de uma certa época passa a olhar os quadros de histeria do ponto de vista das neuroses sexuais. / nesse momento tudo leva a crer que a sexualidade aparece na histeria por misturar-se a outras neuroses / Da descrição dos quadros à discussão da técnica : • O método catártico, pois, próprio à histeria, poderia debelar o lado histérico do quadro, mas não seus outros aspectos. • Além disso, como foi dito nas Comunicações Preliminares, Freud já havia dito que o método catártico não atua sobre as causas – seria um método sintomático e não causal. • O método catártico atuaria especialmente sobre a histeria aguda ********************************** • As dificuldades do método catártico : 1- processo penoso para o médico, exige interesse pessoal pelo paciente ; 2- do doente, exige nível intelectual ; consentimento e confiança, além disso há os doentes que não colaboram e « naqueles outros que se decidem a por no médico toda sua confiança, com plena vontade e sem exigência alguma da parte do mesmo, não se pode evitar que sua relação pessoal com ele ocupe indevidamente por algum tempo um primeiro plano, parecendo mesmo que tal influência do médico é condição indispensável para a solução do problema ». / note-se a transferência e seu aspecto ainda não dominado / • Entretanto, o autor nota que esses inconvenientes não teriam a sua origem no método, mas na doença e sempre estariam nas atividades médicas que exijam estreita relação com o paciente. II A narrativa freudiana da técnica: • Diversos pacientes não eram hipnotizáveis e era difícil saber a causa. 12 • Mesmo não hipnotizáveis, era preciso conhecer suas recordações patógenas. • Freud, então, conta como pôs de lado a hipnose. a) Perguntava ao opaciente o motivo inicial do sintoma ; b) Analogamente ao método de Berheim, pressionava (verbalmente) o paciente ; c) quando surgia um algo qualquer, redobrava a insistência ; pedia, então, que o paciente deitasse num divã, aconselhava que fechasse os olhos e se concentrasse, de foma análoga ao hipnotismo. • A pressão significava um esforço do médico, equivalente ao esforço contrário no indivíduo : « Desse modo, concretizei muitas descobertas na teoria de que por meio do meu esforço psíquico tinha de vencer uma força psíquica oposta, no paciente, à percepção consciente (recordação) das representações patógenas. Essa energia psíquica devia ser a mesma que contribuíra na gênese dos sintomas histéricos, impedindo então a percepção consciente das representações patógenas » / vejamos que isso lembra medidas de inferência, ou indiretas, da física. Nesse sentido, são bastante felizes as afirmações de Lacan de que a teoria psicanalítica é uma espécie de descrição da experiência analítica. Assim, a inferência da resistência é descrita por Freud justamente do ponto de vista do sentimento do analista, este é a « medida » / • Mas havia um caráter comum à essas representações : elas eram todas de natureza penosa : vergonha, remorso, dos moral, sentimento de indignidade que suscitavam defesa. • A explicação : sustentam os psicólogos que a acolhida de uma representação nova na consciência depende da natureza e orientação das outras já reunidas no eu. Assim, a nova representação é submetida a uma censura. • Na forma de Freud, afluiu uma representação que suscitou repulsa do eu que defendendo-se expulsou a representação. • Na terapia essa repulsa se externa na forma de resistência / Equivalências (metáforas) : esforço do analista ≡ resistência ≡ repulsa ≡ recalcamento / • O trabalho terapêutico consiste em vencer essa resistência à associação. • As formas de consegui-lo 1) A « pressão ». Mas não é suficiente. 2) O artifício da pressão física na fronte. a) Comunica-se ao paciente que se vai fazer uma pressão em sua fronte e que a partir daí virão imagens e pensamentos. A regra : seja o que for que lhe venha, o paciente não deverá reter, comunicando tudo para além de toda crítica. Isso vai sendo seguido de perguntas : « E então ? O que foi que você viu ? » b) surgem representações intermediárias, palavras sem nexo, etc., que mostram o caminho [a ser seguido pelo interrogatório] • surgem também representações que o opaciente não assume como suas – assunção que, em geral, viria com a cura. • À isso, Freud dá o nome de análise psíquica (psychisch analyse). • Casos : p. 202 - 205 • Por vezes a terapêutica consiste em comunicar diretamente ao paciente a representação patógena. • Freud, ainda, relata um caso em que as associações vêem de forma alegórica / temos de forma ainda dispersa muito do que a psicanálise assumirá depois / • um caso de alegorias de eu e de ideal (p. 208) • ainda, as formas da resistência • a pressão na fronte seria uma forma de surpreender o Eu. Mas a resistência volta. • o sujeito desobedece a regra básica ; • o sujeito usa de evasivas • as representações patógenas, quando surgem, o fazem despojadas de importância. Ora, foram despojadas de afeto / isso será a base do recalque / • o sujeito usa de negações 13 • Quanto ao médico • deve conservar a autoridade sobre o paciente °transformar o paciente em colaborador : que este veja objetivamente as suas representações. / Observemos que o olhar « neutro » da ciência,neste caso, deve passar do observador ao objeto de observação, o paciente. Entretanto, reunidos, analista e paciente, ambos observam, da maneira serena que compete a homem de ciência algo que os transcende, mas que está neles: o fluxo de representações. É como se o paciente tivesse que assumir consigo mesmo uma análise da contratransferência / °instruir o paciente °desvalorizar os motivos da resistência/ °Ainda : « Agimos o melhor que nos for possível : como esclarecedores, quando a ignorância gera temor ; como mestres, como representantes de uma concepção universal mais livre ou mais reflexiva e, como confessores, que com a perduração de seu interesse e de seu respeito depois da confissão oferecem ao doente algo equivalente à absolvição. Tentamos enfim fazer ao paciente todo o bem que permite a influência de nossa própria personalidade » (p. 213). • O trabalho terapêutico é ainda aquele do método catártico : reproduzir as representações patógenas, dando-lhes expressão verbal e exteriorizando o afeto. / note-se que, se a idéia de causação da neurose ainda fosse essa, as novas liberdades sexuais já teriam derrubado a psicanálise ? / III • Freud ainda chama o método de método catártico. • Na hipnose não se simplifica o trabalho e a resistência ; • Freud questiona a divisão histeria hipnóide, retenção (do afeto) e de defesa. Pergunta-se se a defesa não é geral. • a histeria de defesa seria o modelo privilegiado • Freud propõe, pois, mostrar uma dinânima das representações. / aqui vale a pena (1) perceber que Freud está entendendo a consciência como um fluxo associativo de representações. P.H. Assoun supõe que Freud bebeu-o no filósofo alemão de nome Herbart. Para esse último (1816-1825) não há uma psicologia das faculdades mentais, mas das representações. Herbart fala em dinâmica. Para ele cada representação é um ato pelo qual a alma se conserva. A representação é uma força, mas só se faz força em relação a outra representação oposta. Essa oposição pode se radicalizar como resistência. Um conflito não poderá aniquilar as representações, pois aí a alma deixaria de se autoconservar. Como resultado do conflito entre representações há a possibilidade de uma ou outra ser recalcada (Verdrängen). Esse recalcamento da representação produz a sua clivagem : Uma parte seria uma tendência, a outra um resíduo (resto) [enfraquecimento]. Assim, uma representação chega à consciência se ela não for barrada, caso contrário ela se transforma nesse resto e tendência, que traduzem o seu enfraquecimento. E a vida psíquica é uma cadeia dinâmica de associações de representações. Ainda, em Herbart, tudo é representação e do conflito entre elas nasce o afeto em Herbart. Segundo Assoun, Freud alimenta muito mais o seu associacionismo na fonte herbartiana que na anglo-saxônica (que não é dinâmico). Segundo Assoun o veículo que une Freud e Herbart é um manual do liceu, Manual de Psicologia, de Gustav Adolf Lindner. / nos anglo-saxões o fluxo de associação é contínuo, em Herbart é dinâmico / / Maria Dorer e Siegfried Bernfeld, autores de História dos fundamentos da psicanálise, de 1932, foram os primeiros a identificar a relação Herbart/Freud // 14 • A dinâmica da representação de Freud é bastante descritiva. °o material « esquecido » permanece perfeito, mas fora da memória e das associações, contudo, debelada a resistência, ele aflui • seria como uma segunda personalidade. °o material psíquico das histerias estaria posto em uma tríplice extratificação - 3 dimensões -. (Delta, p. 219 ; AE, p. 295) • haveriam 3 ordens de penetração do material. 1) cronológica – das recordações (em cada tema) 2) temática – concêntrica (haveria um nódulo composto de recordações patógenas e em torno dele materiais diversos). 3) lógica – que forma focos próximo ao nódulo – enlaces e sobredeterminação. / Note-se que isso lembra uma cirurgia e a descrição do que se vai encontrando : uma anatomia / / Lembremos da Interpretação dos sonhos : regressão temporal, formal e tópica / • O material patógeno funcionaria como um corpo estranho e a terapêutica como uma extração /cirúrgica / • Ou um infiltrado que toma grande parte do eu. • a consciência seria como um estreito desfiladeiro, enquanto nela estiver a idéia de resistência, o material não aflui de forma que o que surgem são fragmentos « Deste modo, o terapeuta vê-se obrigado a reconstituir depois com esses fragmentos a organização suspeitada, trabalho comparável ao de formar a figura num ‘jogo de armas’ » (p. 223). / Ver Freud, Construções em Psicanálise, 1937 / • Mas é inútil penetrar diretamente no material patógeno, diz o autor, no núcleo, mesmo que se possa adivinhá-lo. É preciso começar pela periferia. Recomendações : • não confiar plenamente na « inteligência inconsciente », não deixá-la dirigir a análise ; • não confiar no material mais superficial. • O material vem cheio de lacunas e imperfeições – procuram atrás delas ; • Aqui Freud fala em motivos inconscientes ocultos • A descoberta da possibilidade de reassociação permite ver que não há degeneração do pensamento no neurótico, os processos associativos são similares ao do homem normal, mas as representações aparecem com estranhas intensidades devido ao motivo inconsciente oculto. • a pesquisa das representações funciona em zig-zag • Estando a investigação avançada « é conveniente adivinhar a conexão investigada e comunicá-la ao doente antes que a própria análise o revele. Se acertarmos, apressaremos o curso da análise, se nossa hipótese for errônea, auxiliar-nos-á de qualquer maneira, obrigando o doente a tomar partido e arrancando-lhe enérgicas negativas que delatarão melhor conhecimento » (p. 227). / Note-se, aí está a raiz da deutung e não da interpretação fenomenológica. Também, notemos que isso é auxiliar, pois a análise prosseguiria de qualquer maneira (deutung no sentido de explicação realista) / • Freud, então, afirma que é impossível influir ou impor ao paciente as representações. • Também, nota que nada que surge na análise é inútil, tudo está ligado ao nódulo ; / deterministo psíquico ; a redução psicanalítica / • Nota também que no decorrer, os sintomas se alternam com as cenas e recordações, o que leva Freud a pensar que os primeiros representam as últimas / o sintoma como substituto / 15 • Freud afirma, enfim, que só o esgotamento do material leva ao desaparecimento do sintoma. • Fala então de ir do consciente ao inconsciente • Finalmente fala dos problemas da relação médicopaciente, dividindo-os em três : 1) o paciente se crê descuidado pelo médico 2) O paciente tem medo da dependência ao médico, sobretudo sexual 3) Transferência ao médico mediante falsa conexão. Aqui vemos que Freud busca desfazer a « falsa conexão » tornando-a consciente. / Em nenhum momento Freud fala em provocar essas transferências / • Finalmente, Freud compara a análise à uma cirurgia, chamando-a « operações psicoterápicas ». FREUD. Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa. 1896 / Notemos que esse artigo é anterior à auto-análise (1897 - , segundo Jones) e ao começo da interpretação dos sonhos / • Neste texto, Freud fala pela primeira vez em « psicanálise » (em alemão, pois já havia falado em francês) • Faz referência ao texto anterior (Estudos sobre a histeria) onde expôs a idéia « defesa ou recalcamento » I « A etiologia específica da histeria » • O trauma psíquico de caráter sexual • Argumento contra : a) as agressões à pacientes impúberes são tão frequentes que seria problemático conceder-lhes valor etiológico ; b) como sua sexualidade não está desenvolvida, as agressões não poderiam ter efeito ; c) esses pacientes são muito a crédulos e dados à fantasia. • Respostas : a) não são os fatos que agem, mas as recordações ; b) o método psíquico é suscetível de lançar luz / se se trata de recordações e não de fatos, o que muda se os fatos são reais ou não? / • o método (psíquico) consiste em lançar luz, tornar consciente o que é inconsciente. • Os culpados pelas agressões : (13 casos) serviçais e outras crianças. • Os agressores infantis eram aqueles que já haviam sido agredidos (e podem também desenvolver sintomas, o que dá a impressão de hereditariedade, quando é na mesma família) • Os sintomas seriam vestígios dessas ocorrências infantis. • Na puberdade esses vestígios são despertados, não se tornam conscientes, mas provocam afetos e recalcamento. • não haveria, pois, disposição histérica mas recalque do trauma sexual infantil. / o trauma está aí meio como equivalente à um trauma violento, como do pedreiro que caiu da construção e « provou » para Charcot a existência da histeria masculina. / • A histeria seria consequência indireta de influências sexuais nocivas vividas passivamente. / Note-se que aqui o sexual não é mais acidental / • Específico à histeria : o trauma : atividade sexual passiva em épocas pré-sexuais (o sexo feminino mais atrativo à agressão sexual). II « Essência e mecanismos de neurose obsessiva » 16 • A etiologia estaria em acontecimentos sexuais ativos, vividos com prazer. • Mas, para chegar à atividade, a passividade também teria ocorrido • seriam as representações obsessivas, repulsas transformadas, retorno da representação referente à um ato sexual da infância praticado com prazer : 1) Experiência passiva, em seguida ativa 2) Recordação desses atos agradáveis e repulsa 3) Defesa, recalcamento 4) Retorno do recalcado : sintomas • A repulsa e as recordações só passam à consciência se deformadas. • Essa deformação é o resultado de compromisso entre representações recalcadas e representações recalcadoras. • Nessa deformação, o passado é substituído por algo atual e o sexual por algo não sexual. Mas, na representação obsessiva se encontram fragmentos da representação original patogênica. • Duas formas de neurose obsessiva : 1) Representações obsessivas, resultado da transação entre representação original e representação recalcadora. 2) Transformação de afetos, quando a repulsa é também recalcada, em vergonha, hipocondria, medo social, medo à tentação, medo religioso. • Essa defesa básica também falha, e são tomadas, pelo eu, medidas preventivas : defesas secundárias – em geral os atos obsessivos/ III « A análise de um caso de paranóia crônica » • Aqui Freud supõe que a paranóia também é uma psicose de defesa e, assim, tem raíz no fato sexual infantil. • Mas vê diferença da neurose obsessiva no mecanismo da defesa : na paranóia a desconfiança de si mesmo, que na obsessão é transformada em idéia obsessiva, é projetada sobre as outras pessoas : desconfiança do outro. / E mais tarde (Caso Schreber, Freud falará em paranóia como doença social / / A paranóia, em Freud, tem papel importante no sentido de estar trazendo a figura do outro / Aí é pela primeira vez dita a palavra « projeção ». / 3) Fliess e a interpretação dos sonhos. • Entre 1895-96, o essencial da teoria psicanalítica já existe. Possivelmente, Freud passará o resto de sua vida desenvolvendo-o. / A leitura dos textos acima nos leva à forte impressão de que a « metapsicologia », nos anos 90 já está bastante « pronta ». O que ainda não é mais que um germen é a interpretação, o domínio da linguagem e seus jogos, assim como a descrição do sexual / • 1895 - O projeto de uma psicologia para neurólogos uma neurofisiologia imaginária. • Essa mesma discussão será encontrada em a Interpretação dos sonhos, mas sem a linguagem neurofisiológica. • Desenvolve-se entre Fliess e Freud amizade « adolescente », segundo Jones, Freud ainda necessitava de « pai » (Jones, p. 290-321). Uma solução narcísica em espelho, segundo Perron. - [Fliess (1858-1928) era um otorrino de Berlim, que teria « descoberto » a teoria da bissexualidade. Segundo ele, toda a nossa vida biológica e seus períodos seria regida por um ciclo sexual alternadamente fe,inino e masculino, baseado no fenômeno da menstruação, relacionado à mucosa nasal. Freud o conheceu em 1887 e rompeu em torno de 1904, a pretexto de uma acusação de plágio, feita por Fliess, isto é, de, através de um paciente chamado Swoboda, ter entregue a Otto Weininger a idéia de bissexualidade, que a publicou em um livro . Freud, 17 enfim, afirma ter tomado de Fliess as idéias de período de latência e de sublimação]. • Através de cartas e alguns encontros entre ambos, Freud desenvolve a sua teoria, relatando sua auto-análise e a interpretação dos sonhos. • A auto-análise : « se os sintomas histéricos se explicam pelo retorno do recalcado, isto é, se ao recalcamento, que relega ao ICS representações e desejos proibidos, sucede-se uma fase onde tudo aquilo reaparece sob forma disfarçada, será que aconteceria o mesmo com todas as pessoas ? » (Perron, p. 31) • A idéia de que tudo tem sentido • Através do método da livre associação esse sentido deveria ser alcançado e no fundo desse labirinto aparece o complexo de Édipo. • É isso, pois, Freud discutirá na Interpretação dos sonhos, 1889. • É nesse período, então, que será abandonada definitivamente a hipnose, estabelecendo-se o setting definitivo Vejamos algo da intepretação dos sonhos diretamente nos textos freudianos, a partir do abandono temporário da teoria da sedução: / FREUD. Carta a Fliess de 21/09/97 « Permita-me que lhe confie sem mais demora o grande segredo que no curso dos últimos meses revelou-se-me paulatinamente : não creio mais em minha neurótica » Razões : 1) Os fracassos nos tratamentos ; 2) « A assombrosa circunstância de que todos os casos obrigavam a atribuir atos perversos ao pai... e a comprovação da inesperada frequência da histeria, na qual sempre se cumpre dita condição, sendo em realidade pouco provável que os atos perversos cometidos contra crianças possuam semelhante caráter geral » 3) A comprovação de que no inconsciente não existe sinal de realidade [isto já havia sido dito no Projeto] 4) Ter que admitir que nem mesmo na psicose se traduz (se acha) o segredo infantil / o inconsciente é mais forte que se pensava / Enfim, a passagem para reconsiderar a herança : « Volto a duvidar de que só as vivências ulteriores possam suscitar fantasias retrotraídas à infância e, com isso, reconquista seus domínios o fator da disposição hereditária, que eu havia me proposto a desterrar. A nota 1907 aponta que Freud já está trabalhando com a fantasia e já chegou próximo ao complexo de Édipo. / Notemos que nesse período de cartas à Fliess, Freud fala em fantasia em em ICS e na sua auto-análise / FREUD. S. Introdução à psicanálise, parte 2 - Os sonhos • Breuer, segundo Freud, descobre que os sintomas tem sentido (Cap. V - Dificuldades e Primeiras aproximações). Os pacientes, com os sintomas, traziam relatos de sonhos. Freud propõe que o sonho também terá sentido. • Se esse sentido é discernível, está dado um passo importante em direção à psicologia normal, posto que todos sonham. • Mas como fazer do sonho objeto de investigação científica, [como positivá-lo], isto é, como pô-lo disponível à observação ? : Além do desprezo científico de que é objeto, há muito de indeterminado no sonho (esquecimento, falta de clareza, falta de sinceridade). • Positivá-lo significará tomá-lo tal como é relatado (notese a função linguagem, pois o que é tomado não é o sonho em si - nada dele é seguro - mas a linguagem de seu relato). • A ciência « até agora » só tem mostrado o sonho em relação à excitações corporais. Talvez haja outro caminho e este seria o da interpretação, como fazem os antigos. 18 / note-se que se Freud está preocupado em positivar o sonho, de outro lado, fala em interpretá-lo como no ocultismo. Diz na Traumdeutung : « Com grande surpresa minha, descobri um dia que não é a concepção médica do sonho, mas sim a leiga, ainda meio presa à superstição, que se aproxima da verdade » (p. 7) / Observando cientificamente (a visão médica da época) o fenômeno - o que há de comum entre os sonhos ? : • ocorrem em estado de sono. Se se entende estado de sono como proteção contra estímulos e como diminuição da vida anímica, o sonho seria uma perturbação do estado de repouso : uma definição psicológica. • pode-se ainda tomá-lo como reação à estímulos internos e externos, mas nem todos os sonhos podem ser assim explicados, assim como a relação com o estímulo pode complicar-se. • são imagéticos e alucinatórios • Tudo isso pouco explica. • Freud traz em auxílio algo exterior, mas aparentado pela linguagem : o sonho acordado Cujas características seriam : a) nada tem a ver com o estado de sono b) não são alucinatórios c) constam de realizações imaginárias de ambições e desejos eróticos ; d) tem apenas em comum com o sonho a afinidade de nomes. / Traum - Tagtraum / / linguagem, mas note-se que não é a linguagem determinando, mas determinada, pois diz Freud ainda : « Nosso fim é o da ciência em geral : queremos compreender os fenômenos, ligá-los uns aos outros e , por fim, ampliar o mais possível nosso poder sobre eles » / CAP. VI Condições e técnicas de interpretação • Como a via experimental não leva a nenhuma abertura de significados, Freud lança mão da hipótese de que o sonho é fenômeno psíquico / entenda-se fenômeno psíquico como fenômeno que contém significação linguagem ? / • Se é fenômeno psíquico, é fenômeno do sonhador em particular. Interrogá-lo, portanto. • Interrogado, o sonhador não saberá responder. Dessa forma, é preciso introduzir uma segunda hipótese : « o sonhador não sabe que sabe ». • Como demonstrar um saber não sabido ? • a alucinação hipnoticamente induzida ; os jogos de palavras, os atos falhos. • Tem-se, então, a idéia de determinismo psíquico a terceira hipótese. • Tomando em conta a idéia de um saber não sabido, pede-se ao sonhador que explique seu sonho e toma-se em conta tudo que lhe dizer, não importando o que ele diga. • Se as idéias que surgem são determinadas, elas tem sentido - ligadas entre si no espírito. / alinhamento de fenômenos : sonho - sonho diurno sonho/sono artificial - ato falho/jogo de palavras. • associações – o que permite todas as analogias talvez seja uma idéia de unidade do espírito, o que permite também o salto do patológico ao geral - que não é do patológico ao normal, posto que o sonho é também um sintoma neurótico. Possivelmente, a idéia do saber não sabido guarda em si também uma idéia de unidade do espírito, mas não é de forma alguma a unidade da consciência que, nesse caso, é toda entrecortada. Se prestarmos atenção, as idéias tradicionais de que o sonho é inútil ou é um mal funcionamento do pensamento, vemos que elas prevêem uma não unidade do espírito, posto 19 que sua atividade é interrompida toda noite, como se interrompe uma tarefa ou se desliga uma máquina. Nesse sentido, essas idéias prevêem a unidade da consciência mas a descontinuidade do espírito. Em Freud iremos sempre encontrar o contrário : mesmo que a consciência se veja interrompida, o espírito, a atividade significativa do homem não tem paradas. Tudo significa e sempre. Aí está o « não sabe que sabe », que se resolve em dois planos, o plano da consciência e o plano do espírito. A palavra espírito cabe bem, pois Freud não fala em « significantes », mas em pensamentos conscientes pensamentos inconscientes (note-se que o sonho é um modelo de pensamento inconsciente, veja-se representações de coisa versus representações de palavra). / CAP. VII - Conteúdo manifesto e idéias latentes do sonho (corresponde ao cap. 7 da Traumdeutung, « A elaboração onírica ») Posto o determinismo e, ainta, posta a atividade psíquica em dois planos, Freud nos falará de • conteúdo manifesto e idéias latentes do sonho. • Nesse sentido, o manifesto surgirá como muito incompleto e, portanto, inautêntico. • As idéias latentes aparecerão através das formações substitutivas (associações) / mas notemos que, se as associações são substitutos, o manifesto também o será. E desse jogo de substituições, sairá o latente através da intervenção do analista. Portanto, o latente, menos que algo em si, é um produto do esforço analítico intervenção manifesto + substitutos ——→ latente / • Mas o jogo de substituições não será absolutamente tranquilo, o sonhador lançará inúmeras objeções, seja às suas próprias associações, seja à intervenção do analista. Á esse fato Freud dá o nome de resistência. • Ora, como tudo que se passar a respeito está determinado - por aquilo que motiva o sonho - a resistência também o está. • A determinação, que faz interligar os fenômenos, alinhará no mesmo plano tanto a resistência como as deformações do manifesto, como todos os fenômenos de ocultação. / aqui a idéia do « nao sabe que sabe » começa a perder o seu caráter descritivo e a ganhar o caráter dinâmico de esforço de ocultação, de barragem do espírito / CAP. VIII - Sonhos infantis • Este capítulo corresponde ao capítulo 4 de Interpretação dos Sonhos, intitulado « O sonho é uma realização de desejos ». • Freud escolhe esses sonhos de maneira à evitar as dificuldades do sonho deformado. • Características do sonho de criança : • clareza, inteligibilidade • há acontecimentos do dia precedentes que podem explicar o sonho. É desnecessária a interpretação e análise (CL=CM) São atos psíquicos completos, o que nega que os sonhos sejam confusão. • Mostram que a deformação não é essencial ao sonho • Aparece como reação a algum acontecimento onde houve carência - resposta a algum desejo não satisfeito • Portanto resposta a excitações psíquicas (e não a excitações físicas) 20 / notemos que o esquema do arco reflexo S-R é mantido por Freud, mas é metaforizado / • o sonho surge, então, como guardião do sono, como processo que aplacaria a exitação externa através da satisfação alucinatória • o desejo (Wunsch) é o excitante (s) desses sonhos • haveria então uma operação, digamos vetorial, de compromisso entre a tendência ao repouso e as excitações desejos, que tendem a despertar o dormente. tendências confessas do eu exercem contra tendências e desejos indecentes que surgem em nós à noite » (p. 162). -Da permanência dessas tendências ignoradas por nós Freud deduz o ICS sistêmico e o recalcamento como força constante. / censura - resistência - recalcamento / / note-se que esse também é o esquema do sintoma / • Além dos sonhos de crianças, ainda há os sonhos de adultos em privação (por exemplo, o viajante faminto que sonha comer), assim como a palavra sonho, metaforicamente, quer exprimir realização de desejar. • Restaria ainda a pergunta : se o sonho é realização de desejo e se a deformação não é essencial, a que ela serve ? -Isto não consta na Traumdeutung, embora em uma das a. a. edições (4 à 7 , isto é, de 1914 a 1922) Freud anexou, ao capítulo 6 (« O trabalho do sonho ») um apêndice de Otto Rank, que consta de dois artigos: « O sonho e a poesia » e « O sonho e o mito ». Nesses textos o autor fala da universalidade de certos « sentimentos » humanos, como os de Hamlet. -Na Traumdeutung, Freud fala, sim, em sonhos típicos (ítem « d », do cap. 6, « Material e fonte dos sonhos »). ° Freud fala de um certo número de sonhos que todos sonhamos de maneira semelhante. ° Sonhos de vergonha ante a própria nudez: - tratar-se-iam, de forma muito geral - de conteúdos infantis exibicionistas. Estão ligados à fábulas e mitos. Interessa a pessoa a quem o indivíduo dedicou a sua nudez. ° Sonho de morte de pessoas queridas: Seu sentido manifesto se aproxima do latente. É aí que Freud traz com vigor, a tragédia de Édipo (p. 325), ligando-o a Hamlet. ° Sonho de exame: misturam alento e auto-crítica, essa última pode ser referida às « bobagens » sexuais infantis. -Nas conferências, por sua vez, a idéia de elementos universais nos sonhos é levada ao máximo. Segundo Laplanche, é em torno de 1910 que Freud adere à idéia de simpbolismo (talvez influenciado por Stekel). -A idéia de simbolismo, pois, surge ao lado do método psicanalítico. CAP. IX A censura do sonho -Este capítulo corresponde ao cap. 5 da Traumdeutung, « A deformação onírica » -Aqui Freud, então, define sonho: « O sonho é um meio de expressão de excitações (psíquicas) que vem perturbar o sono, supressão essa que se efetiva graças à satisfação alucinatória » (p. 149). -O sonho deformado, seria uma substituição deformada de algo que ignoramos. -Relata um exemplo de sonho deformado, exemplo que está na nota 43 do cap. 5 da Traumdeutung. -Fala, então, nos modos de ação da censura: a) lacunas; b) alusões; c) deslocamento do centro principal; d) resistência. -A censura ganha uma explicação dinâmica: «A deformação do sonho é uma consequência da censura que as Cap. X - O simbolismo do sonho 21 -O símbolo como uma comparação inconsciente entre objetos. -Essas relações entre objetos não são exclusivas do sonhador, mas se encontram nas fábulas e mitos. -No sonho, o simbolismo, diferentemente do que ocorreria nas produções culturais, tem apenas fim sexual. -Freud propõe a teoria, baseado no filólogo Sperber, de que a linguagem, a princípio, teria a finalidade de chamar o parceiro sexual, mas com o desenvolvimento do trabalho, o interesse sexual desloca-se para este, assim como as palavras, que acabam tendo dois sentidos, sexual e laboral. Ver: « O duplo sentido antitético das palavras primitivas », de 1910. -O simbolismo seria reminiscência herdada filogeneticamente e utilizada pela censura com o fim da deformação. / Note-se que a idéia arqueológica de sentido primitivo permanece. Esse texto é bastante criticado por Laplanche, no sentido do simbolismo ser um aporte externo à psicanálise, de não haver articulação com o método (associativo) e de levar à mitos psicanalíticos, pela sua fixidez. Além disso, o simbolismo reduz a função da idéia de recalcamento, ameaçando, mesmo, o conceito de inconsciente. Laplanche propõe uma outra relação entre o mito e o inconsciente, onde o primeiro teria o poder de ordenar aquilo que vem do inconsciente, isso vale, mesmo, para o complexo de Édipo. / CAP. X - A elaboração dos sonhos -Este capítulo corresponde ao cap. 7 da Traumdeutung -A elaboração é definida pela análise - é o seu contrário, trabalho de transformação do latente em manifesto / portanto, trata-se de uma inferência / -Os efeitos da elaboração ° condensação: o manifesto é menor que o latente, onde partes do latente são eliminadas, o que pode ocorrer através da fusão de certos elementos que tem traços comuns. -várias cadeias são fundidas em um único elemento. / Lacan o compara à metáfora, mas notemos aue a união por traços comuns lembra a metonímia / ° Deslocamento: um elemento latente é substituído por alguma coisa afastada (alusão); o elemento afetivo é transferido para « outro centro de gravidade ». / Metonímia, segundo Lacan / ° Transformações de idéias em imagens visuais (hoje figurabilidade). ° Os elementos latentes podem estar distribuídos em vários sonhos de uma mesma noite. ° Os contrários podem coexistir, o que seria comparável à certas línguas antigas. ° Os discursos refinados e os cálculos seriam pretexto, restos diurnos, que não se sustentariam como verdadeiros raciocínios. / O importante, aí, é que esses efeitos de elaboração efeitos de linguagem segundo Lacan - dariam justamente as características (« leis ») do ICS: - a falta de noção de contradição; -a atemporalidade e a espaciabilidade; -as inversões de sentido; -a fluidez das moções, provocada pela energia livre, o que permitiria a condensação e o deslocamento; -a clivagem (dissociação) do afeto e da representação, provocada pelo recalcamento. Tal como está nos textos da Metapsicologia. / Temos até agora a seguinte rede de comparações: 22 sonho - sonho diurno - sonho artificial - atos falhos - jogos de palavras - palavra sonho - sintoma. A elaboração, sobretudo pela idéia de figurabilidade trará um outro conjunto: representações mito-poéticas - línguas arcaicas - sonho - sintoma → sistema de expressão arcaico. Ora, se prestarmos atenção aí se tratam também de substitutos. Se o sonho e o sintoma mostram um deslizar na cadeia significante, o método freudiano de teorizar também o faz. Nesse sentido; a forma de teorizar freudiana e a forma de demonstração parecem da mesma natureza da interpretação; carrear substitutos. Pode-se ainda dizer que Freud, nas suas substituições, segue o eixo da metáfora que, por sua vez, só é possível através de traços em comum, metonímias/ -Finalmente, Freud fala em uma segunda elaboração, que daria o arranjo final do manifesto. -Também, afirma que os efeitos de elaboração são também encontrados na elaboração dos sintomas neuróticos. Cap. XIII - Análise de Alguns Exemplos de Sonhos / Ler sonho 3 e 4a / -Freud encerra este capítulo afirmando que os sonhos podem ser realizações de desejos não sexuais, de necessidades básicas, de necessidade de liberdade, etc., mas os sonhos muito deformados serviriam principalmente para exprimir desejos sexuais. / Isso é interessante, pois complica a idéia de desejo. Daí as duas palavras: Wunsch (que pode ser traduzida como desejo, no sentido de aspiração, votos) e Lust - ou Begierde (para a qual, um dos significados é o de desejo, no sentido de prazer e de paixão). A tradução francesa PUF, da obra de Freud, dirigida por Jean Laplanche, utiliza a palavra souhait (aspiração, votos), para Wunsch, e a palavra désir, para Lust e Begierde). Em inglês, têm-se wish e pleasure / Cap. XIX - Traços arcaicos e infantilismo no sonho -O sonho, enquanto expressão arcaicas remontaria à estados já ultrapassados -- filogenético -- ontogenético. -No nível filogenético, estaria o simbolismo, o que o indivíduo nunca aprendera. -Ao nível ontogenético, estariam as recordações infantis latentes, submersas pela amnésia infantil. ° Freud supõe que as recordaçoes latentes um dia foram conscientes. / isso hoje não é absolutamente aceito / -O sonho, portanto, é trabalho regressivo. ° Assim, explica-se a presença de tanto egoísmo e da perversão. ° Daí porque em muitos sonhos o desejo remonta ao Édipo. / O mito de Édipo, rei, está no cap. 6 da Traumdeutung, p. 325. / ° O sonho, portanto, através da regressão, seria uma recuperação do ICS, onde estariam os souvenirs infantis. Nesse sentido, amplia-se a noção de ICS, no sentido sistêmico - o inconsciente seria o infantil da vida. Façamos um « aparte » e vejamos o que Freud diz a esse respeito no cap. 9, de A interpretação do sonhos, antes de continuarmos com as Conferências... 23 / FREUD. A interpretação dos sonhos, cap. 9 Na Traumdeutung, no famoso cap. 9 « Psicologia dos processos oníricos », tem-se a regressão onírica -° a afirmação de Fechner do sonho se desenrolar em outra cena, oferece a Freud a idéia de localidade psíquica; ° Leva a figurar o aparelho psíquico, exatamente como isso, um aparelho (ótico) composto de instâncias ou, sistemas postos « espacialmente » em ordem de sucessão, sistemas Φ : P HM HM’ HM’’ l________l___l___l______________l M ↑ ↓ ———————————→ P --------- HM = Sistema P (sem memória) -As associações se dariam nos sistemas Hm, e de um para outro na ordem de sucessão, de maneira à uma força de menos resistência. -Os sistemas recebem nomes que exprimem a sua relação com a consciência: P M l___l___l___l___l___l___l___l___l___l ↑ ↓ ———————————→ Extremidade Extremidade motora P sensitiva Legenda: Ordem de sucessão da excitação = → P = percepção M = motricidade / um aparelho ótico, mas que nos lembra o modelo do arco reflexo / - As percepções que nos chegam deixam um rastro mnemônico, que pode consistir em modificações permanentes nos elementos do sistema. -Como é dificil pensar que um mesmo sistema armazena se modificando e, ao mesmo tempo recebe, Freud, propõe dois sistemas de entrada, um que recebe e não guarda nada e outro que conserva, que é provido de memória HM HM’ ICS Prcc l________l___l___l__________I____l M ↑ ↓ ———————————→ -O nome Prec. diz que as excitações podem passar diretamente à consciência, desde que certas condições, como intensidade da excitação, sejam cumpridas. -O sistema ICS, só pode se comunicar com a consciência somente através do pré-conciente. -O sonho será colocado tendo seus estímulos nos sistemas ICS, embora liga-se também à idéias latentes do préconsciente (os restos diurnos) -A tendência será a propagação do sistema inconsciente para o pré-consciente e para a consciência (alucinatória). -Mas entre os sistema ICS e o pré-consciente, há a resistência da censura, de forma que, durante o dia, esse caminho está bloqueado. 24 -Durante à noite, a tendência será ao contrário, será regressiva, ao invés de propagar-se até à extremidade sensorial e chega o sistema perceptivo, o que explica a alucinação. ———————→ progressivo ←——————— regressivo ° Isso explica também a figurabilidade. -Dado o aspecto regressivo, em termos psicológicos, as idéias perdem suas relações intelectuais, que estariam nos últimos sistemas Hm. -Essa regressão é possível devido à uma transformação do investimento energético de cada sistema. -Os estados patológicos da vigília podem ser também assim explicados (fenômenos que produzem alucinação: histeria, psicoses). -Como a regressão anda ao inverso nos sistemas de memória, há o predomínio do infantil e a possibilidade de uma lembrança infantil ser transferida (esse é o sentido inicial) à uma recente. -Essas características da regressão são classificadas em a) tópica, em relação à direção do esquema Φ; b) temporal, como retorno a formações psíquicas mais antigas, c) formal, de acordo com a forma de expressão que se torna mais primitiva. -A regressão seria tento filo como ontogenética. [isso tudo foi já exposto no Projeto] / -O trabalho de elaboração, portanto, realiza-se entre os restos diurnos (Pré-consciente) e o infantil. / Esse esquema Φ lembra muito o funcionamento do computador. A memória RAM é uma falsa memória, pois apenas passa o dado do exterior, do periférico, para a percepção por momentos não definitivos. Já a memória de massa (HDD, FD, CD-ROM) guardam definitivamente o dado através da transformação de seus elementos. O esquema horizontal freudiano será transformado, sobretudo nos anos 20, em um modela da vesícula. / Continuemos com as Conferências: Cap. XIV - Realização de Desejos / A definição de desejo segundo a Traumdeutung: « o acúmulo da excitação (...) é sentido como desprazer e põe em atividade o aparelho psíquico para atrair novamente o acontecimento satisfatório, no qual a diminuição da excitação é sentido como prazer. Essa corrente que parte do desprazer e tende ao prazer é o que denominamos desejo, e dissemos que só um desejo podia ser suscetível de por em movimento o aparelho e que a derivação da excitação era regulada automaticamente nele pelas percepções de prazer e desprazer. O primeiro desejo deve ter sido uma carga alucinatória da lembrança da satisfação » (Delta, p. 367) / -Neste capítulo, Freud busca responder à pergunta: a concepção de sonhos como realização de desejos, que se aplica aos sonhos de crianças, também aplica-se ao sonho deformado? -A resposta de Freud - veja-se o capítulo sobre a regressão - é que todo sonho é infantil, mas o sonho deformado, enquanto realização de desejo, só pode ser percebido após a interpretação, pois o desejo nesses sonhos são interditos, proibidos. -Entretanto, como explicar os sonhos penosos, acompanhados de angústia? a) a não realização total do desejo (acúmulo da excitação) b) penetração da angústia do latente no manifesto (onde estaria essa angústia?) c) o sonhador como dividido em duas pessoas, com dois desejos opostos, onde a punição é um deles 25 (a fábula da salsicha) d) a angústia como último recurso da censura - sinal de perigo / o que será levado ao extremo em Inibição, sintoma e angústia / -a manifestação do desejo, mesmo interdito, no sonho, se deve ao afrouxamento da consciência no sonho (isso poderia dever-se ao desligamento do mundo exterior e enfraquecimento do polo perceptivo). -Economicamente, o desejo seria pois, o motor do sonho e os restos diurnos (também latentes) o seu pretexto (lembremos o esquema Φ. Assim: idéias latentes do dia +desejo: conteúdo latente (elaboração) → manifesto -Se é assim, a partir dos restos diurnos, o sonho pode ser qualquer coisa: projeto, aviso, discurso. Contudo, se se o toma a partir da elaboração, isto é, negação e disfarce, ele é realização de desejos. -A realização de desejos é o seu caráter constante, enquanto o outro, as idéias latentes podem variar. / Aqui latente e restos diurnos são feitos equivalentes. Nesse sentido, penso em duas soluções: 1) há dois níveis de latente ou 2) o desejo não contém representações, as quais ele precisa extrair dos restos diurnos... Entretanto isso é retomado e as idéias latentes são vistas como restos diurnos + conteúdos inconscientes / -Isso o leva a uma analogia com o comércio, onde o desejo é o capital, energia e os restos diurnos o emprendedor do negócio. -Os restos diurnos, levam a colocação do inconsciente descritivo, eles não são inconscientes no mesmo plano do desejo (pré-consciente). / A idéia de que o desejo não conteria representações pode ser falsa. Se o desejo é definido em relação à reativação de restos de satisfação, o elemento ideativo está aí. Entretanto, a idéia de um plano quase puramente energético do ICS pode ser mais tarde vista na idéia de Id / Cap. XV - Incertezas e críticas De interessante: o sonho pode ser provocado pelo analista, mas não mais que no nível de restos diurnos. / CAP. III O CRESCIMENTO DO MOVIMENTO PSICANALÍTICO • Em sua autobiografia, Freud afirma que durante 10 anos, após a separação de Breuer, esteve isolado (o « esplêndido isolamento »), de 1895 - 1905. Entretanto, não parece ser verdade factual, posto que continuava a frequentar reuniões médicas. Em 1902 será nomeado Privat Dozent. Numerosos médicos enviam-lhe clientes. 1.- Os primeiros discípulos.• Em 1902 chegam os primeiros discípulos (Stekel, Adler, etc.) • É formada a « Sociedade Psicológica da Quarta -Feira », que, a princípio, se reunia na casa de Freud. • O « espléndido isolamento », dito na autobiografia, seria realidade psíquica, uma identificação com Moisés e a travessia do deserto, segundo Perron. • Nomes dessa época : 1903 - Max Graf (pai do pequeno Hans) e Paul Federn ; 1906 Otto Rank, Isidor Sadger, C. G. Jung, K. Abraham ; 1908 - S. Ferenczi, A. Brill, E. Jones ; 1909 - Victor Tausk, Ludwig Jekels. 26 • Freud começa a ser conhecido no estrangeiro, sobretudo nos Estados Unidos. • Em 1908, Jones se instala no Canadá, a partir de onde começa a propagar a psicanálise em língua inglesa. • Em 1909, Freud, Jung e Ferenczi viajam para Massachussetts, a convite de S. Hall, da Universidade Clark. As « Cinco lições de psicanálise » são o texto dessas conferências. • Aparecem adeptos na Alemanha graças à K. Abraham. • Na Suíça, Bleuler está atento. • Na França, nada, graças ao racionalismo e à ocupação de P. Janet. • O grupo de Freud é, então, formado de maioria judia. Entretanto, Freud teme que, com o clima de antisemitismo, isso mate a psicanálise e ele seja visto apenas como uma « ciência judaica ». É por isso que estava muito alerta quando o interesse vinha da Suíça, da clínica Burghölzli. • De lá vem Jung, assistente de Bleuler, diretor dessa clínica, que irá estabelecer relações de paixão com Freud. • Em 1910, Freud pensa fazer de Jung seu herdeiro científico. 2.- O desenvolvimento das instituições.• Em 1908, a « Sociedade das Quartas-Feiras » transforma na Sociedade Psicanalítica de Viena. • São criadas sociedades nacionais : 1907, em Zurique, com Jung 1908, em Berlim, com Abraham 1909, em Nova York, com Brill 1910, Sociedade Americana (destinada a coordenar sociedades locais), com Jones 1911, Sociedade Húngara, com Ferenczi • Em 1908 (abril) ocorre o I Congresso Internacional Psicanálise em Salzburgo, onde Freud relatou o caso Hans. • Sucederam-se as reuniões de Nuremberg (1910), Weimar (1911), de Munique (1913). se as de de O congresso de Dresde, que teria lugar em 1914, não ocorreu devido à eclosão da Guerra. • No congresso de 1910 (Nuremberg) é criada a API (Associação Psicanalítica Internacional), encarregada de coordenar as demais associações. Jung é nomeado Presidente e Riklin, secretário, dois suíços. Os vieneses não gostaram dessa nomeação (de suíços), o que foi início de dissenções que foram se agravando. • A API admitia simpatizantes e psicanalistas. Entre os simpatizantes está o pastor Pfister, grande admirador de Freud, que irá buscar reformar os princípios educacionais de acordo com a psicanálise. [As cartas trocadas por eles já estão publicadas]. Nem todos eram médicos, como Otto Rank, por exemplo, e talvez seja pelo fato de não gostar da medicina, é que Freud defende a análise leiga, segundo Jones. A princípio não era prevista nenhuma formação particular, para o exercício da análise. Logo, entretanto, começou-se a fazer um trabalho pessoal, que tomou a forma de análise de sonhos, chistes, atos falhos, comportamentos. Isso era feito no decorrer de discussões informais. Possivelmente é isso que Freud, Jung e Ferenczi fizeram em sua viagem aos Estados Unidos em 1909 e é isso que era feito na sociedade das « quartas-feiras ». Entretanto, isso mais provocava conflitos que outra coisa qualquer. • Após sua fundação, o API teria a finalidade de zelar pelas regras técnicas e éticas do exercício da psicanálise e pelo desenvolvimento da teoria. E de fato, é bem o que ocorre de 1900 à 1915. devido à contribuição dos discípulos. Entretanto, Roudinesco (op. cit.) chama a atenção para a burocratização que teria ocorrido com a psicanálise a partir daí. Além disso, de uma forma lacaniana (o psicanalista é quem se autoriza), crê que a formação do psicanalista, desde então sempre fracassa, permitindo ao candidato, imerso nessa burocracia, estar sempre negligenciando seu próprio inconsciente. 27 3) O desenvolvimentos das idéias (1900-1915) • A interpretação dos sonhos , acontecimento essencial, enquanto a) análise de Freud ; b) « via privilegiada de acesso ao ICS » c) como teoria geral do funcionamento psíquico. • Na mesma linha da A interpretação dos sonhos (1899) : A psicopatologia da vida cotidiana (1901) ; O chiste e suas relações com o inconsciente (1905). Podemos tê-la como uma linha de (1) pesquisa dos fatos experimentados por todos (forma de universalização) e (2) das soluções de compromisso. Nas Conferências (1933), isso ficará bem didático (e é muito interessante ver, aí, que Freud começa a exposição a partir do ato falho e não do sintoma, ao contrário de sua própria démarche. Trata-se de um trabalho didático e essa pedagogia freudiana merece uma reflexão) • 1905 - Três ensaios sobre a sexualidade, primeira edição que será reformulada muitas vezes. / Poder-se-ia realmente aceitar a divisão da pesquisa em fantasia (sonho, ato falho e chiste, de um lado, e da sexualidade (Três ensaios), de outro, como o faz Jones. talvez ambos formem um programa completo de pesquisa, que iniciase com Estudos sobre a histeria e « finaliza-se » com os textos da metapsicologia (1915-17), passando pelos Três ensaios (1905). • Em Três ensaios, das perversões, à vida sexual da criança. Teremos o estudo da libido. Pré-formismo biológico vs. ausência de objeto. / Vejamos algo desse texto: / FREUD. Três ensaios para uma teoria sexual BN: 1169-1237 - Estrutura geral: 1) « As aberrações sexuais »; 2) « A sexualidade infantil » (onde o ítem 6 « fases evolutivas da organização sexual », só aparece em 1915); 3) « A metamorfose da puberdade »; 4) Síntese. -Texto repleto de adições posteriores e de notas também posteriores. -Edições em 1905, 1910, 1915, 1920, 1922, 1925. 1) As aberrações sexuais -A idéia de estudar as aberrações sexuais parece dizer respeito a um « estranho » ponto de entrada à toda sexualidade humana - estranho, mas comum na época. Tanto é genérico o objetivo, que Freud inicia com a idéia de pulsão sexual. -É criticada a idéia popular de instinto pré-formado (mito de Aristófanes) e a pulsão é dividida em seu objeto (por meio do qual a pulsão obtém satisfação) e sua finalidade ou alvo (ação específica capaz de suprimir a excitação interna. Liga-se a uma zona erógena, no sujeito infantil). -As aberrações são, então, descritas de acordo com os desvios de objeto e desvios de finalidade. -Desvio de objeto: as inversões, onde Freud rebate a idéia de degeneração e propõe a disposição bissexual geral e inata; infantofilia e bestialismo. -Desvios relativos à finalidade: -- anatômicas ° supervalorização do objeto, onde a valorização psíquica recai sobre todo corpo e muito mais ° o emprego de mucosas labiais e bucais; ° o emprego do orifício anal ° extensão para outras partes do corpo; ° fetichismo -- fixação dos fins sexuais preliminares ° toque e contemplação ° sadismo e masoquismo .-O pudor e a repugnância como poderes que participam do trabalho de conter a sexualidade dentro dos limites do « normal ». 28 -Disso, tem-se a maleabilidade da pulsão humana em termos de fins e objetos e, ainda, suas transformações internas a partir de diques sociais. / Aí está a belíssima dialética freudiana: mesmo que os diques sejam externos, a sua assunção só pode se dar através de transformações internas da pulsão, regida pelo princípio de constância / -No capítulo das perversões, ainda, no ítem 4, Freud tem a ousadia de colocar as neuroses. De maneira geral, o sintoma neurótico é visto como lugar de exteriorização parcial ou total da vida sexual, a enfermidade como último recurso e solução frágil do conflito entre a sexualidade e a resistência contra ela. -A neurose, então, é classificada como uma perversão negativa ou o negativo da perversão, posto que nos impulsos inconscientes dos neuróticos encontrar-se-iam justamente os « desvios » de fins e objeto vistos nas perversões. -Neste mesmo capítulo, Freud chega à uma definição de pulsão e às idéias de pulsões parciais e zonas erógenas. « Sob o conceito de instinto (pulsão) não compreendemos nada mais que a representação psíquica de uma fonte de excitação (procedente do intrassomático. pulsão é, pois, um dos conceitos limites entre o psíquico e o físico » (p. 1131). / Aqui é interessante a idéia de representante. « Psychische Repräsentanz » Há, no vocabulário de Laplanche e Pontalise 4 verbetes para essa discussão: « representante-meta », « representante ideativo », « representante psíquico » e « representante pulsional » (o que dá uma monografia) / -A pulsão seria o representante psíquico de uma fonte de excitação cujo fim é cessar a excitação no órgão fonte. -É interessante que as várias fontes somáticas são comparadas aos genitais, mesmo no seu aspecto de erectibilidade. -A « descoberta » dos impulsos perversos nos neuróticos, a idéia de que os processos neuróticos conduzem ao conhecimento dos normais e a idéia de infantilismo do neurótico leva ao estudo da sexualidade infantil. 2) A sexualidade infantil ° Neste capítulo, Freud assinalará a dificuldade da amnésia. ° Fala-nos também de um curso geral da libido, num processo oscilante, onde vai sucumbindo a um recalcamento progressivo -- Diques, onde a educação joga a sua parte, mas não tudo, posto que essa evolução é organicamente préformada. ° Fala-nos, então, de formação reativa e sublimação. - « Descreve » a atividade sexual da criança; a sucção como ato de auto-erotismo: A esse respeito, introduz a teoria do apoio (Anlehnung). -Fala-nos de atividades masturbatórias anais e genitais anais: « o presente »; genitais, sua relação com a excreção uretal. -Neste ítem, aparece um tema hoje bastante importante: a sedução. Aí Freud diz não arrepender-se de quando dava total importância, na etiologia das neuroses, à corrupção. Apenas acrescenta que não é necessária essa última, pois há o fator constitucional. Além disso, muitos indivíduos que não têm problemas sexuais também teriam passado pela sedução (motivos externos e internos). A temática da sedução surge a propósito dos motivos internos e externos do aparecimento da 2a. masturbação ( a primeira é a da criança de peito). O fator externo despertaria a disposição perversa polimórfica já existente. -A partir daí, Freud propõe as diversas pulsões parciais: ° voltadas a um objeto exterior - contemplação, exibição e crueldade; além dauelas ligadas às zonas erógenas. 29 -Um ítem também importante é aquele ligado à investigação sexual infantil. ° a pulsão de saber não existiria de forma elementar, mas seria ligada à sublimação e à pulsão de contenplação. ° O enigma da esfinge - da esfinge e da criança: a diferença de sexos e o enigma do nascimento. ° já a primeira teoria sexual é a de que todos têm o mesmo aparato genital, que será abalada pela « castração ». -Em seguida, Freud introduz a idéia de fases evolutivas (ítem 6) da organização sexual. Isso é posto como adição em 1915. ° Aí, Freud fala em organizações pré-genitais, oral e anal. A propósito da primeira introduz a idéia de identificação como canibal; e a propósito da anal, o conceito de atividade passividade (em termos de apreensão). ° na anal, já existiria, assim, objeto e polaridade sexual. ° surge aí também a idéia de ambivalência. ° Fala então da escolha de objeto em dois momentos: um, na infância, sem que haja síntese das pulsões. Num segundo momento, trata-se de algo mais definitivo e começa com a puberdade (e diz respeito a síntese). -As fontes de excitação, Freud as coloca em quase todo o corpo ( e « espírito »): toda a epiderme, alívio muscular; processos afetivos, trabalho intelectual, para além das zonas erógenas e das pulsões de contemplação e crueldade. 3) A metamorfose da puberdade -Aqui as zonas erógenas subordinam-se à genital e o novo fim sexual - o coito determina funções diferentes para cada sexo. / tomemos este ponto como o grande divisor de águas, que vai nos levar, com Lacan, à idéia de posições diferentes quanto ao significane falo / -Como uma perfuração de um túnel começada pelas duas extremidades ao mesmo tempo: confluem as duas correntes colocadas sobre o objeto (terna e sensual) e o fim sexual. A corrente terna acolhe o que ainda resta das pulsões parciais (não transformadas na segunda) -Ainda, o impulso sexual, que até então fora predominantemente auto-erótico, encontra o objeto. -A pulsão sexual se põe a serviço da função reprodutora. / essa é a teleologia de Freud / -Em seguida, em 1915, Freud adiciona « 3) A teoria da libido » « Fixamos o conceito de libido como uma força quantitativamente variável, que nos permite medir os processos e as transformações da excitação sexual » (p. 1221). -Entretanto, separa dessa libido a energia dos processos anímicos e atribui-lhe também um caráter qualitativo (?) Fala em uma libido do eu e uma libido no objeto, sendo o eu a fonte. / vê-se que, em 1915, Freud já havia escrito « Para introduzir o narcisismo ». / -Enfim, atribui à libido um caráter masculino, pois tratar-seia de pulsão puramente ativa (pensa na masturbação clitoridiana). -O ítem final, relativo à puberdade, traz « O achado do objeto sexual ». / do polimorfismo ao achado de objeto, da « desordem » à ordem -- a teleologia freudiana / -O achado de objeto, na puberdade, não é o primeiro, portanto tratar-se-ia de volta ao passado. Volta à felicidade perdida do passado e ao modelo do passado. 30 -A escolha do objeto é preparada bem cedo através do apoio na alimentação -- amar as pessoas que satisfazem as necessidades. -A mãe atende a criança, contudo com sentimento procedente de sua própria vida sexual (p. 1225, ítem « Objeto sexual da época de latência »). / Isso faz voltar à teoria da sedução e é daí a idéia de sedução generalizada / -Um ponto importante: se o objeto se constitui nesse modelo, o objeto mais provável é o incestuoso. Nesse sentido, há que haver diques contra o incesto, na maioria culturais. / Segundo Laplanche, nada em Três ensaios [pelo menos na primeira edição] prevê o desvio biológico . Freud abre o texto com o mito de Aristófanes para criticá-lo. Mas, em Além do princípio de prazer , o mito de Aristófanes torna-se alegoria importante. Mesmo assim, Laplanche vê em Três ensaios , uma verdadeira odisséia do instinto. • no princípio, do cap. das perversões (cap. 1) (A aberrações sexuais), o instinto perdido • no último cap. (As metamorfoses da puberdade), o instinto reencontrado, ou quase. • No cap. das perversões, Freud mata a idéia de uma sexualidade pré-formada, posto que a finalidade de todas essas aberrações não poderia ter um fim biológico. • No 2° cap. (A sexualidade infantil), afirma a mesma coisa sobre a criança, uma sexualidade existente, mas fazendose, polimorfa, cujas zonas podem ser todo o corpo. • No 3° cap. ( « As metamorfoses da puberdade », retoma o instinto, na forma da fonte genital e do objeto sendo do sexo oposto como destinos finais da pulsão. Esse livro tem remanejamentos em 1910, 1915, 1920 e 1924. Todos eles, segundo Lapalnche, tendendo a diminuir o aspecto aberrante da sexualidade. Em 1905, não há ainda a idéia de organizações ou estádios sexuais - é primeiro introduzida a organização anal, depois, a oral. Essa idéia de organização dá a idéia de finalização, de acabado. • Na 1° edição há um hiato entre sexualidade polimórfica e a puberdade. Na final, a idéia de organizações preenche essa lacuna. Será Abraham que vai levar ao máximo esse estadismo / / • As famosas 5 Psicanálises a) Fragmento da análise de um caso de histeria (Caso Dora), 1905. b) Análise de uma fobia de um menino de 5 anos (O pequeno Hans), 1905. c) Um caso de neurose obsessiva (O homem dos ratos),1909. d) Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (Caso Schreber), 1911. e) História de uma neurose infantil (O homem dos lobos), 191418. [cena primitiva e as protofantasias]. • 1911-1915 : artigos sobre a técnica. • 1907. Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen, que vai no mesmo sentido do estudo das soluções de compromisso, mas traz algo de exemplaridade, de confirmação da psicanálise. • Textos sobre arte, como o Leonardo (1910), que vai na mesma linha do estudo da fantasia, mas prenuncia a idéia de narcisismo e de instâncias internas. /Suponho que Leonardo , Schreber , Introdução ao narcisismo e Psicologia de massas formam a linha que chegará ao social da 2° tópica / • Interessam também, desses períodos, os textos dos discípulos. Jones, com seu Hamlet ; Abraham, com análise de Segantini e Amenhotep ; Ferenczi, com texto sobre a introjeção / Ferenczi, S. Transferência e introjeção IN : Obras Completas, Psicanálise I, 1909 : 31 • A transferência tomada de Freud como a particularidade de « transferir seus afetos inconscientes sobre a pessoa do médico, fugindo assim do conhecimento de seu próprio inconsciente », mas, no neurótico, ocorrendo em todas as suas relações e não só no consultório • Seria aí que se veria a tendência do histérico ao contágio e à identificação [e os movimentos sociais, onde o egoísmo pode ser vivido recalcado]. • A pessoa do analista serviria apenas como catalizador da transferência, que seria algo anterior à própria análise. • Essa tendência geral à transferência seria resultante da retirada da libido do complexo desprazeroso e transformada em afeto livremente flutuante. • Livremente flutuante e procurando onde se ligar. • O neurótico (diferente do paranóico) usaria esses afetos para incluir na esfera de seus interesses, uma parte, a maior possível, do mundo exterior, com isso buscando atenuar seus afetos livres. A isso, Ferenczi da o nome de introjeção. • A gênese da introjeção : 1) divisão do mundo em exterior e interior, através da projeção : o percebido objetivo e o vivido subjetivo. 2) Mas uma parte do mundo exterior não se deixa expulsar. O eu cede e extende o seu interesse a essa parte. Trata-se da primeira introjeção (primitiva) - o primeiro amor e o primeiro ódio. A princípio, a criança ama só a saciedade, depois estende esse amor à mãe. Esses primeiro ódio e primeiro amor (primeiras introjeções) são então o modelo de toda transferência. • Com a introjeção, o eu se identifica com uma extensão cada vez maior do mundo, até à toda humanidade. • Ora, esse não seria um processo normal ? Ferenczi responde que para a psicanálise não há diferenças fundamentais entre a neurose e a normalidade / 4) Época de crises • Nesse período (1900-1915) além de desenvolver-se, a psicanálise sofre muitas críticas - pornografia. Diz um certo Weygand, em 1910, em um congresso médico em Hamburgo : « um indivíduo como esse (Freud) não merece ser discutido numa assembléia científica ; cabe à polícia ocupar-se dele ». • Dentro do movimento psicanalítico, tensões, o que atribui-se muito à circulação de interpretações mal controladas. • Há atritos entre Jung e Abraham e, após, entre Jones e Abraham. • Entre 1910 e 1913 há três rupturas importantes com Freud : Adler, Jung e Stekel. • Adler - Freud havia pressionado para que Jung fosse colocado à testa da API, o que desagradou profundamente os vienenses. Para apaziguar, Freud indica Adler e Stekel para presidente e vice, respectivamente, da Sociedade Psicanalítica de Viena (que foi derivada imediatamente da « Sociedade das Quartas-feiras). Mas isso não aplaca as tensões e a ruptura vai se dar no plano teórico (1911) : • Adler sustenta que a neurose e os próprios processos psicológicos têm por centro a luta contra o sentimento de inferioridade, de insuficiência, uma luta animada pelo princípio compensador- do « protesto viril ». O desejo sexual não seria mais que expressão desse objetivo de poder e dominação. / C. Thompson - Adler considerou os sentimentos de inferioridade como universais e que estariam em relação com a inferioridade orgânica morfológica ou funcional (comparação : Demóstenes, que era gago, tornou-se um grande orador). • A compensação : a inferioridade orgânica levaria a um mundo de fantasias de tornar-se superior, sem resolver o problema da realidade. • O próprio fato do desamparo da criança pequena já supre a idéia da inferioridade, sem necessidade de doença orgânica - logo o sentimento de inferioridade seria universal. • Os pais favoreceriam os sentimentos de inferioridade por falta de carinho, negligência e ridículo. 32 • A busca de objetivos para superar a inferioridade terminaria em neurose, quando afastada de possibilidades práticas ; • Do sentimento de inferioridade, surge a necessidade de ampliar o sentimento do próprio eu, mediante o domínio sobre os outros ou da descoberta de um modo de se sentir superior ou homem completo - ficção condutora, uma espécie de finalidade neurótica. De importante, Adler traz o eu e suas defesas. A etiologia sexual da neurose é rejeitada por Adler, substituída pela vontade de poder, o que leva à ruptura com Freud em 1911. Para Freud haveria uma simplificação excessiva e busca de explicação totalitária, o que não seria psicanalítico. / lembrar o desamparo infantil, que Freud retoma em Inibição, sintoma e angústia e em Futuro de uma ilusão. Além disso, podemos encontrar ecos da posição de Adler em Introdução do narcisismo, onde Adler é criticado. / Posteriormente, Adler funda a Sociedade para a psicanálise livre e emigra para os Estados Unidos, onde será conhecido pela Psicologia do Indivíduo. • 1912, Stekel pede demissão da Sociedade. Segundo a versão oficial, era medíocre teoricamente e dado a interpretações excessivamente ousadas. • Apresentou à sociedade um trabalho sobre a influência dos nomes próprios sobre o destino dos indivíduos. Freud ficará profundamente desagradado com o fato de Stekel trazer a público o nome de seus pacientes. Muitos anos depois, Freud referiu-se a ele como um caso de « insanidade moral » (Jones, p. 481). / -Apesar da versão oficial, sobre a mediocridade de Stekel, Laplanche (Simbolizações) diz-nos que Freud inspirou-se em Stekel (e não em Jung) para criar a idéia de simbolismo / • No verão de 1914, Freud e Jung rompem. Uma ruptura importante, pois Jung era tido como « o herdeiro ». • Admirava Freud, mas pretendia seguir seu próprio caminho, seja de análise da psicose, seja do mito. • Freud havia defendido Jung contra todos, mas achava que Jung defendia muito frouxamente a psicanálise contra as críticas dos adversários. Freud, ainda, supunha que Jung vinha apagando sistematicamente o papel da sexualidade da psicanálise. • Espantosamente, nos Estados Unidos, segundo Jones, Jung confessa a Freud, que ganhara muito do interesse do público sendo discreto acerca da sexualidade. • Em 1914, Jung demite-se da presidência da API e, logo depois, retira-se da própria API. • Segundo a versão oficial, Jung desenvolvia uma forte resistência pessoal contra o tema da sexualidade. • Mas, após a ruptura, durante longo tempo Jung utilizará em seu trabalho, o termo psicanálise (assim como Adler). / Jung deu grandes contribuições à psicanálise, sobretudo pela sua erudição. • Em 1910, Jung expõe a idéia de que o ICS dos pais produz na criança fatos importantes ; o que era muito negligenciado por Freud. • Foi o primeiro a realçar a importância da mãe na vida da criança antes do complexo de édipo. • Foi o primeiro a dar ênfase à regressão ao ventre da mãe, símbolo do renascimento. • A princípio, tomou os símbolos como redutíveis à um significado sexual. Depois, ao invés de concluir que todos os símbolos tem um significado sexual, aceita o próprio sexo como símbolo de qualquer outra coisa. • 1912 ; Jung refaz a teoria da libido, marcando divergências com Freud. Sugere que a libido sexual é apenas uma forma de uma (monismo) libido primordial, sinônimo de energia indiferenciada : energia psíquica, força vital em geral. • Quanto ao complexo de Édipo, encara-o como um símbolo dos laços infantis com os pais que devem ser rompidos na puberdade. 33 /note-se a inversão (o sexualidade como símbolo de qualquer outra coisa) e dessexualização/ Apesar disso, não nega o seu caráter erótico (do complexo de Édipo). • Freud considera tudo isso dessexualização. • Jung não acreditava que prazer e satisfação sexual fossem idênticos • Jung não nega o fator infância, mas o dessexualiza, nada há de sexual até o complexo de Édipo. • Descreve a mãe como o 1° objeto de amor, mas não sexual, privilegiando a nutrição, o ser alimentador. • Quanto à neurose, considera como importante a reação dos pais sobre a personalidade da criança e não fatores sexuais. • Diferentemente de Freud, Jung supunha que os aspectos positivos da personalidade também podiam ser recalcados. • Discorda do método causal de Freud, supondo que uma análise funcional procura significados tanto no presente, como no futuro. • Propõe o ICS coletivo, idéia parcialmente utilizada por Freud. • Em Jung, o ICS coletivo representa a sabedoria das idades e contém tendências superiores ao indivíduo. / • Após a ruptura com Jung, foi fundado o Comitê - idéia de Jones. Seria um grupo de « íntimos » que protegeria Freud e a « Causa ». Compunha-se de Freud, Ferenczi, Rank, Sachs, Abraham e Jones e, mas tarde, Eitingon. A primeira reunião foi em 1913, onde cada membro recebeu de Freud um anel com um entalhe grego. (Freud, há muito tempo, usava um anel de ouro com a cabeça de Júpiter ou Zeus - o pai que pariu com a cabeça ?) • Esse comitê, segundo a versão oficial (de Jones, p. 494a. 505) teria preservado a psicanálise durante a I Guerra. CAP. IV ENTRE AS DUAS GUERRAS 1.- Construir sobre escombros • Explode a guerra em 1914 e, a princípio, Freud se entusiasma de forma nacionalista. Mas, irá decepcionar-se com o horror. • A clientela de Freud diminui muito, mas Freud refugia-se no trabalho e publica bastante : • 1915 Artigos sobre a metapsicologia (« Pulsões e destino das pulsões » ; «O recalcamento » ; «O inconsciente » ; « Complemento metapsicológico à doutrina dos sonhos » ; « Luto e melancolia ») • 1915 Reflexões para os tempos de guerra e morte • 1916-17 Conferências • 1917 Luto e melancolia (escrito em 1915) • Em Londres, Jones continua a trabalhar e mantém exígua correspondência com Freud. • Nos Estados Unidos, devido à paz, que se sustenta até 1917, alguns psicanalistas continuam a exercer a psicanálise. • 1918 - Fim da guerra, devido à derrocada, Viena é assolada pela inflação e pela fome. Freud fica sem economias. Durante 2 anos, sobrevive graças à pacientes americanos. Muitos são psiquiatras que levarão a psicanálise consigo. • 1920 - Freud tem 64 anos, toda uma obra atrás de si. Mas produz e provoca uma grande reviravolta teórica : « a grande reviravolta dos anos 20 ». 3 obras marcantes : 1920 - Além do princípio do prazer 1921 - Psicologia de massas e análise do eu 1923- O eu e o isso • A reformulação teórica teria ocorrido em dois planos : 1) Econômico : há algo para além do princípio do prazer. Uma compulsão à repetição que faz pensar uma volta à estados anteriores de vida - Eros versus Tánatos [lembrar as teorias das pulsões]. 34 Em 1924, em O problema econômico do masoquismo, a pulsão de morte é ligada à agressividade. 2) A reformulação tópica : a 2a. tópica, onde o eu é coordenador e adaptador. Essa tópica se superpõe à outra, o que é típico da « arqueologia de Freud » / Discutir O problema econômico do masoquismo ( ?). • Essas modificações levam a discussões que vão por dois caminhos importantes : 1) Vida pulsional e fantasmática (M. Klein). 2) A tópica (Anna Freud, Hartman, etc.) Como ilustração de todo esse período vejamos Introdução ao narcisismo, de 1914, que será o ponto de partida para a grande virada dos anos 20 megalomania. A esse estado poder-se-ia dar o nome de narcisismo secundário, pois um narcisismo primário já estaria existindo. -Isso seria comparável à vida psíquica das crianças e dos ditos primitivos, que manifestam hiperestimação de seus próprios desejos e de sua vida mental (a megalomania da magia). -Daí adviria a idéia de uma carga libidinal primitiva do eu (na criança), da qual uma parte é destinada aos objetos, mas que no fundo continua subsistindo como narcísica / o eu como depósito da libido / -Aqui, tem-se, então, para a neurose uma nova explicação, em termos de conflito psíquico -- a oposição entre libido do eu e libido do objeto. / FREUD. S. Introdução ao narcisismo, BN: 2017-33 -1914 -Termo que Freud empresta a Paul Näcke ou a Havelock Ellis. -A generalização do conceito começa com a observação analítica de homossexuais e de certas dificuldades na análise. -Em seguida, pela tentativa de aplicar a teoria da libido às parafrenias (esquizofrenias, etc.) -- as características dos sujeitos apresentarem idéias de grandeza e desinteresse pelo mundo exterior. ° Também o fato de os neuróticos perderem a sua relação com a realidade exterior - entretanto eles não rompem - esse laço erótico - mas o conservam em sua fantasia. -A essa substituição feita pelo neurótico, retirando a libido do mundo exterior e a colocando em seus objetos internos, Freud dá o nome de introversão da libido, termo tomado de Jung. -Tal substituição, contudo não seria feita pelo parafrênico, nesse caso, a libido é levada ao eu, como sugere a / o conflito psíquico acaba sendo interno à pulsão e não entre pulsão e interdição / -Daí também viria uma interpretação do estado amoroso, como o máximo da libido objetal, que se apresenta como uma dissolução da personalidade em favor da carga de objeto e teria a sua antítese na fantasia paranóia. / Ver o caso Schreber e a regressão ao narcisismo / -Entretanto, só a carga de objeto é percebida como sexual diferente das pulsões do eu (?). -Freud, então, pergunta qual seria a relação entre narcisismo e auto-erotismo. E, ainda, para que diferenciar uma carga sexual do eu de energias não sexuais, as pulsões do eu? -A resposta: a) narcisismo e auto-erotismo: é preciso pensar que o eu a princípio não existe, mas tem de ser desenvolvido. As pulsões auto-eróticas são primordiais, então, para constituir o 35 narcisismo é preciso que se agregue ao auto-erotismo um outro elemento, um novo ato psíquico. / esse ato psíquico poderia ser a criação do eu. Mas notemos que, em o Eu e o isso, o eu se constitui a partir das relações com o mundo exterior. Então, como haverá um narcisimo intacto em relação à realidade externa? / b) Freud « lamenta », mas mantém a diferença entre pulsões do eu e pulsões sexuais. A libido, torna-se dividida em objetal e do eu. -Além das psicoses, Freud propõe para a « observação » do narcisismo os fenômenos das doenças orgânicas, da hipocondria e a vida erótica dos sexos. / note-se a linha de análogos / a) na doença física, as cargas de objeto seriam retiradas em favor da cura. b) na hipocondria seria análogo, a libido é retirada do objeto e posta nos orgãos; mas lembre-se que o orgão também é fonte de prazer erógeno, etc.. -A libido, pois, investirá os objetos quando ultrapassam certa medida no eu, nesse sentido é indiferente que ela invista o eu ou o objeto, seja este real ou imaginário. A diferença viria por consequência de um estancamento da libido no investimento interno / a qualidade vem do efeito quantitativo / ° Pessoas em que a libido sofreu alguma perturbação (como os homossexuais, diz Freud) não escolhem o objeto à imagem da mãe, mas à sua própria imagem -- escolha narcísica. -Dois caminhos de escolha que poderão se manifestar de forma destacada (cada) no indivíduo. -O tipo anaclítico é mais comum nos homens. Amor conforme o objeto, o que leva à superestimação do objeto, o que não deixa de ser um deslocamento do narcisismo primitivo. -O tipo narcísico é mais comum nas mulheres, o que complementa a vida erótica dos homens. -Desse modo, o narcisismo de um é atraente ao outro / ver o líder, em Psicologia de massas e análise do eu /. Daí resultam não só as dúvidas do apaixonado, como a figura da criança como bela e atraente, no que diz respeito ao adulto em geral. -Para a mulher narcísica, o filho é um caminho para o amor objetal - uma parte de seu próprio corpo. -A psicanálise mostraria, pois, uma fase em que as pulsões atuariam no mesmo sentido, sejam as egoístas, sejam as sexuais: a fase narcísica. -Mas, o que teria acontecido com a libido narcísica do adulto? Teria se esgotado no objeto? -O recalque o indica: ° o recalque parte de auto-estima do eu (portanto do narcisismo). ° a condição dessa auto-estima e sua ação seria a construção de um ideal. -A vida erótica dos sexos. ° Pela teoria do apoio nas funções vitais, as pessoas protetoras são os primeiros objetos escolhidos -- escolha anaclítica. ° a este eu ideal consagra-se o amor ególatra de outrora, herdeiro do ególatra eu infantil, seu substituto. -idelização ≠ sublimação 36 °idealização → engrandecimento do objeto sublimação → a pulsão objetal desvia-se do sexual Assim, a idealização não deve ser confundida com a sublimação, pois para o « cumprimento do ideal » há outros mecanismos além da sublimação, o recalcamento, por exemplo, sobretudo quando as exigências do ideal são muito altas. A idealização é independente da sublimação / Talvez seja por isso que em certos movimentos culturais possamos vislumbrar altos graus de neurose / -Essas proposições levam Freud a sugerir a idéia de uma nova instância psíquica. -Tratar-se-ia de uma instância que vigia o eu, comparandoo ao ideal; ao que se dá o nome de consciência moral. -O delírio de auto-referência o mostraria e seria uma regressão ao momento de gênese dessa instância. -O estímulo para a formação do ideal viria dos pais e educadores. -Grandes cargas de libido homossexual para a formação de ideal. Esse ideal encarnaria a figura dos pais e, depois, da sociedade. / o social dentro / -Ainda, sobre a auto-estima ° Essa última seria uma expressão da magnitude do eu, relacionada à primitiva imagem de onipotência e aumenta nas psicoses e se debilita nas neuroses. -Adler teria apontado que uma inferioridade física provocaria uma hipercompensação no plano da auto-estima, mas Freud considera um exagero referir tudo a tal hipercompensação, sobretudo a neurose. -A evolução do eu, pois, seria um distanciamento do narcisismo primário e uma tendência à restabelecê-lo através do ideal / que dialético! / -O ideal de eu pode vir, também, a ser um substituto para o objeto ideal do estado amoroso. Esse tipo de processo seria comum no neurótico. -Enfim, uma conclusão para a psicologia social: o ideal é ao mesmo temo individual e social. O seu não cumprimento deixa livre certo montante de libido homossexual, que se converte em culpa, a angústia social, que um dia foi medo ao castigo dos pais. / 2.- Desenvolvimento da psicanálise • A partir de 20, os opositores afirmam que a psicanálise está morta pelo seu irracionalismo, pansexualismo, por ser pequeno-burguêsa, machista e pelo seu etnocentrismo. • Freud mantém-se sereno. Para ele a psicanálise não é uma Weltanschaung, é uma ciência dos fatos e não de conjeturas. • Em 1917, havia escrito Uma dificuldade no caminho da psicanálise , onde fala de 3 ferimentos no orgulho do homem (que seriam três revoluções epistemológicas : Copérnico : a Terra não e o centro Darwin : o homem não foi criado à imagem de Deus Psicanálise : o principal da vida psíquica escapa à consciência. • Nesse período, frente à essa oposição, os discípulos redobram a luta criando estruturas fortemente organizadas. • Primeiro, as Sociedades Nacionais de Psicanálise. Destaca-se a Associação Psicanalítica Russa, em 1921, reconhecida em 1924. Há um grande incentivo da Revolução Bolchevique. Stalin a suprimiria em 1930 • Funda-se também a Sociedade Psicanalítica de Paris (1932). 37 • Segundo, são criados centros de tratamento chamados « Policlínicas » : Moscou (1919), Berlim (1920), Viena (1922), Budapest (1930). • Terceiro, Institutos de Formação. Berlim (1920), Viena (1924), Londres (1926), Paris (1953). Instaura-se progressivamente a regra da análise pessoal e do analista formador. Além da análise pessoal, leitura, reflexão e discussão. • Nesse período é vasta a produção dos discípulos, então são criadas revistas, como o International Journal of Psychoanalysis (por volta de 1920). • Em 1919, é criada a Editora Psicanalítica Internacional. • Entre 1920 e 1936, Freud é reconhecido pelos mais importantes artistas e intelectuais que, em 1936, no 80° aniversário de Freud, testemunham-lhe o mais alto apreço através de mensagens de felicitações. • Em 1920, morre sua filha Sofia, de gripe e em 1923 morre o 2° filho de Sofia, Heinz, irmão mais novo de Ernst (o fort-da, de Além do princípio do prazer, de 1920). • Em 1923, 1° cirurgia da mandíbula e colocação do « monstro », a prótese mandibular. • Após a guerra, há inúmeros conflitos entre os discípulos, onde Freud, de alguma forma se envolve (Jones, p. 608-637) • 1923, Ferenczi e Rank publicam livro, O progresso da psicanálise. Nesse texto, os autores tratam do acting out e nele vêem valor terapêutico. Tratava-se de um tema atual nas próprias preocupações de Freud. Contudo, segundo Jones (p.619), a proposta deixava entrever um tratamento apenas atual dessas manifestações e não a busca de seu enraizamento infantil. Freud, a princípio, entusiasma-se com o livro, mas, em seguida, considera-o inteiramente não honesto. Nesse texto, também, há nas entrelinhas a teoria do trauma do nascimento. • A teoria de Rank : o essencial do drama humano e as neuroses originam-se do « trauma do nascimento ». O trauma do nascimento ,1923. • Freud acolhe como contribuição de valor, mas Rank faz dessa idéia um princípio universal de explicação, mesmo do complexo de Édipo. • Em 1925, Rank rompe com o movimento psicanalítico. / Em Inibição, sintoma e angústia , Freud critica a teoria de Rank : • a teoria de Rank : o nascimento será a situação prototípica de todo o perigo (mas Freud já o havia dito nas Conferências) • o trauma de nascimento atinge os indivíduos de maneiras diferentes, com intensidades diferentes. • as reações à angústia, dependem da força do trauma e, de acordo com isso, o indivíduo virá a ser normal ou neurótico. Os neuróticos seriam aqueles que não conseguiram a abreagir plenamente a força do trauma. • Freud critica Rank por não ter deixado lugar à herança. • A crítica principal é de que a teoria de Rank não se apoia em fatos - as crianças nascidas de parto difícil teriam mais propensão à neurose, por exemplo ? • Outra crítica : Rank procura uma única causa, última e universal. • Freud defende Rank da crítica, feita por outros discípulos, de retirar a sexualidade - o indivíduo que não pode dominar a angústia inicial de perigo, também não poderá quanto às situações de perigo sexual (p. 65). • mas essa é a teoria de Freud ! ! / [comparar Inibição, sintoma e angústia com o Trauma do nascimento] / ADENDO SOBRE RANK : na teoria : • porções da angústia primordial (do nascimento) são libertadas em todas as situações em que se produz angústia : • por causa do trauma inicial ser de separação, todas as separações adquirem qualidade traumática - desmame, ameaça de castração. 38 • assim o ato sexual seria uma aspitação à volta à mãe e o mito de Édipo é uma tentativa de solução do mistério da origem por meio de « regresso » ao ventre materno. na técnica • abreviar a análise, já que as angústias teriam origem no trauma de nascimento ; • pensar que os pacientes devem renascer, isto é, afirmar sua vontade própria, liberando-se do sentimento de culpa que isso provoca ; • crítica a técnica de Freud por colocar o paciente em submissão ; • ênfase na situação presente • com ênfase no trauma de nascimento, Rank considera a reação ao analista como reação à mãe • estabeleceu prazo para a análise, o que foi revisto. / ******* • Entre 1915 e 1922, Ferenczi questionará a técnica e a teoria. • Ferenczi sustenta que certamente o objetivo da análise é o apaziguamento dos conflitos intrapsíquicos, mas se esse apaziguamento intervém muito cedo, trata-se de uma evitação. Ao contrário, seriam necessários momentos dramáticos, em que a tensão aumenta. O analista deverá favorecer esse aumento da tensão, manipulando pontos que se referem à vida exterior do paciente. Ferenczi chama isso de « técnica ativa » • Ferenczi está seduzido pelos « actings », os quais Freud considera apenas como acidentes contrangedores. • Segundo Perron, Ferenczi pouco a pouco exagera. • A crítica diz respeito a essa técnica constituir-se em manipulações inaceitáveis de um analista onipotente, de um paciente reduzido à passividade, contrária à ética psicanalítica. • Posteriormente, próximo aos anos 30, Ferenczi inverte a técnica e a chama de « relaxamento ». Sustenta que todo o mal é que o neurótico é alguém que sofreu de falsas promessas de amor e satisfação libidinal por parte dos pais (e isso, hoje, é bem moderno), que, depois, o decepcionaram. • Ao analista cumpriria reparar essa ferida, dando amor e praticando « maternagem ». • Freud acha tudo isso muito suspeito e escreve a Ferenczi, em 12/31, dizendo « onde tudo aquilo iria parar ? » « Suruba ? » • Segundo Perron, tudo isso foi marcante, no sentido de uma pedagogia negativa dos analistas : o que não fazer. / ADENDO sobre FERENCZI • a técnica ativa consiste em exigir do paciente privação, o que deve suscitar reações (ab-reação) • abstinência sexual, mictórica e de higiene íntima. Proibia que se comesse ou bebesse por prazer • isso provocava reações violentas, que eram vistas como libertação em relação a imagos importantes. • entretanto, Ferenczi percebe que não eram mais que reações à privação, junto com o ressentimento para o analista. • Ferenczi, então, libera o paciente para seguir ou não a regra da privação. Mas os pacientes a seguiam temendo a desaprovação do analista, mantendo-se, ainda, o ressentimento. • 1927 - técnica de relaxamento • o paciente necessita amor e aceitação • o bom pai ; resultando num novo crescimento • a importância da relação real com o analista (Jung e Rank já haviam feito observações ao respeito) • o analista não nega suas deficiências - realidade (certo sentido educativo) • o analista deveria gostar e aceitar o paciente • introduz a dramatização como uma forma do paciente reviver a infância com um pai melhor 39 [mas os pais internos não correspondem aos externos. Além disso, a exigência de amor é defensiva e insaciável] / a. • Após a II Guerra, também, surge a prática do analista submeter-se à análise. Jones (1913) é o primeiro, e a faz com Ferenczi. Após 1920, a prática se generaliza. • Nesse tempo também, torna-se importante a questão da psicanálise não médica, posto que muitos intelectuais são atraídos • Freud propõe a não discriminação em A questão da análise leiga (1926). • Entretanto, nos Estados Unidos, a Sociedade Psicanalítica consegue fazer aprovar lei proibindo a prática psicanalítica por não médicos. • Mas volta atrás sob pressão de Freud. • 1925, morre Abraham, de câncer no pulmão, num período de desentendimento com Freud, a respeito de cooperar ou não na feitura de um filme « Os mistérios da alma », de Samuel Goldwyn. • 1933 morre repentinamente Ferenczi, após vários episódios de ataques paranóicos e homicidas • 1930, morre Amália Freud (mãe) Vejamos texto de Abraham de 1924: / ABRAHAM, K. Esquisse d’une histoire du développement de la libido basée sur le psychanalyse des trobles mentaux. 1924 IN : Oeuvres Completes, p. 238. • Trata-se de considerar as etapas pré-genitais. • Abraham divide cada organização psico-sexual de Freud emm duas. • Começa pela anal – 2 fontes de prazer, a Primeira de exoneração e de destruição. A segunda, de retenção e dominação. Na exoneração, o produto expulso será reincorporado pela introjeção. • Mas o melancólico vai além, vai à fase anterior cujo alvo sexual é a sucção – pré-ambivalente. ********************************* 1° Estádio I. oral precoce (sucção) – auto-erotismo sem objeto. II. Etapa oral tandia (canibal) – narcisismo, incorporação total do objeto (trancher une fille) castração. III. Etapa sádico-anal precoce – amor parcial e incorporação (exemplo : a menina que incorpora o penis paterno fazendo-o equivalente ao pai ou às fezes à mãe. • destruição e reincorporação (o objeto é repressentado por partes, ambivalente. / lembrar que Laplanche e Lacan vêem o objeto total, um registro dele / IV. Etapa sadico-anal tardia – amor parcial (retenção e dominação) • A possessão não se confundo com a devoração, pois é situada fora do corpo. Assim, a existência externa do objeto é assegurada. Só a partir daí é possível o social • o objeto parcial deixa traços no inconsciente. V. Etapa genital precoce (fálica) – amor objetal excluindo os orgãos genitais. VI. Etapa genital definitiva – amor objetal pósambivalente. / De importante, o momento de destruição - participação e reconstrução do objeto. Além disso, o movimento do interno ao externo. / / 3.- A tempestade • Hitler toma o poder em 1933 e condena, na Alemanha, a psicanálise como « ciência judaica » • muitos analistas judeus-alemães emigram 40 • a Sociedade de Berlim muda de nome : Sociedade Alemã de Psicoterapia, inspirada no « Mein Kampf », dirigida por um primo de Göring. • Na Suíça, Jung teria apoiado indiretamente o nazismo, pois uma das críticas a Freud fora interpretada como marcando uma diferença com uma suposta psicanálise judia. Os jungianos não concordam. • A emigração de psicanalistas para Grã-Bretanha e Estados Unidos, impulsiona as terapias, a psicologia e as Ciências Humanas nesses países. • O Anschluss em 03/38, Martin Freud é preso, na editora, Anna Freud é detida e o apartamento de Freud é saqueado. • Com a ajuda de Marie Bonaparte, princesa da Grécia e da Dinamarca, Freud emigra para a Grã-Bretanha, juntamente com Martha, Anna, Max Schur ( o médico). • Freud pede que Schur faça-lhe uma eutanásia e morre em 23/09/1939. CAP. V DEPOIS DA MORTE DO PAI • Há uma crítica, hoje, de que a psicanálise morreu pelo seu próprio sucesso, que ela não faz mais descobertas. • Mas, segundo Perron, a única descoberta da psicanálise talvez tenha sido aquela da auto-análise de Freud. A psicanálise progride na forma de reorganizações segundo linhas de forças que formam grandes correntes teóricas Algumas delas : 1) Uma batalha de mulheres a respeito de crianças : onde centrar a psicanálise ? • Melanie Reizes ( que torna-se Klein, por seu marido Arthur Klein) - (1882-1960) • M. Klein faz análise com Ferenczi e, depois, com Abraham, de quem se dirá discípula. • Em Berlim, começa a ser conhecida como especialista em análise de crianças. • Em 1926, estabelece-se na Inglaterra, onde permanece até a morte, em 1960. • A análise de crianças Nesse momento (1919-20) isso parece tarefa impossível - o próprio tratamento de Hans não era uma verdadeira análise, ou, pelo menos, não era direta. • Os obstáculos à análise de crianças : a) a demanda não provém da criança b) a psicanálise se baseia na linguagem, o que a criança possui de maneira muito limitada. M. Klein responde : o jogo «é a atividade pela qual as crianças se comunicam » / o que é um grande passo na idéia de linguagem / • Assim, o jogo poderia ser interpretado psicanaliticamente, no mesmo nível que um sonho. • O analista - testemunha da fantasia lúdica - interpreta e, assim, alivia a criança de sua angústia. • Essa idéia de alívio é tida como uma volta à idéia de catarsis, uma regressão em psicanálise. • Essas interpretações são tidas como frias e excessivas, mas tanto selvagens, pois desrespeitariam a regra do passo à passo e se inserem na crítica feita por Freud às « psicanálises selvagens ». / Notemos que em Narrativas da análise de uma criança (1961), já na primeira sessão, M. K. interpreta os temores de Richard, de que entre um vagabundo na casa à noite : « A noite, poderia tê-lo assustado a idéia de que, quando os pais iam para a cama, algo acontecia com os órgãos genitais deles, de modo que a mãe ficasse machucada. Richard ficou surpreso e assustado. Parecia não compreender o significado da palavra genital » (p. 20) / • Dir-se-á que M. Klein, com a análise de crianças faz a descrição de um mundo, inexplorado, um mundo dramático 41 onde reina a pulsão de morte, sobretudo no seu aspecto de agressão. • Há em M. Klein, tendências à recuar cada vez mais próximo às origems, ao nascimento, de forma que o preformismo se torna um problema. / Em termos muito rápidos, esse mundo « descrito » por M. Klein, pode ser assim visto (fonte : Notas sobre alguns mecanismos esquizóides. IN : Os progressos da psicanálise, Rio, Zahar, 1969) : • M. Klein sustenta que as relações objetais existem desde o início, sendo o primeiro objeto o seio da mãe. • Esse objeto é clivado, pelos impulsos orais destrutivos, em bom (gratificador) e mau (frustrador).. • Esse jogo formará o eu e o supereu. • Desde o começo, o impulso destrutivo volta-se contra o objeto. Primeiro, isso se expressa em ataques fantasiados sado-orais ao seio e, logo depois, em fantasias de agressões generalizadas ao corpo da mãe por todos os meios sádicos (despojar o corpo da mãe - oral ; colocar fezes explosivas dentro dela - anais ; urina venenosa, etc..) • Entretanto, à esse ataque, sobrevém a fantasia do contra-ataque ; medo de ser devorado e envenenado, sobretudo. A isso o eu reage através de defesas como negação, idealização do bom objeto, recalcamento de emoções. • Como a maioria dessas fantasias aproxima-se da paranóia e da esquizofrenia, M. Klein chama-as de « posição paranóide » e, depois, adota de Fairbain o termo « esquizóide » (p. 216). • A essa posição « esquizo-paranóide », de profunda divisão do objeto, sobrevirá uma síntese entre aspectos « bons » e « maus » do objeto. O resultado é um elevado medo de perda e um forte sentimento de culpa, sentimentos semelhantes ao luto. Destacam-se, então, os impulsos a realizar reparações (do objeto danificado). No decorrer, as angústias perdem a sua força, os objetos tornam-se menos idealizados e cresce a noção de realidade, de onde nasceria a capacidade de amar e confiar — Posição depressiva./ • Anna Freud (1895-1982) • Sexta filha de Freud e Martha. • Representava seu pai nos últimos dias e fazia parte do « Comitê ». • Anna interessou-se também pela psicanálise de crianças e, em 1927, entra em debate com M. Klein. • Anna estava chocada com a ousadia interpretativa de M. Klein. • Argumenta, então, que a análise de crianças é fundamentalmente diferente da dos adultos, principalmente pela impossibilidade de transferência. • Se a transferência é um transporte de fantasias de outrora, a criança vive tudo no atual com seus pais reais, dessa maneira, cumpre ao analista o papel de ser pai-mãe laterais / note-se o sentido pedagógico dessa proposta / • M. Klein responde que, ao contrário, a vida fantasística da criança é intensa, há a transferência, e o analista deve se abster de papéis pedagógicos. / Adendo de Laplanche A esse respeito, esse autor comenta que a resposta de M. Klein, de que entre 2,5 e 3 anos a criança já tem a sua vida ICS estabelecida, encerra algo mais. Encerra a idéia de que o mundo interior não é o depósito de lembranças reais, mas um conjunto de experiências introjetadas e como tal, modificadas pela projeção. Nesse sentido, objeto real e objeto introjetado são coisas diferentes. O analista reiteria esse corte. / • Outra crítica de Anna é que M. Klein enfatizaria o patológico. • Na verdade, Anna e M. Klein enfatizariam partes diferentes do pensamento de Freud. a. M. Klein enfatizaria a 2 teoria das pulsões (de Além do prícipio do prazer) e a vida de fantasia. 42 Anna enfatizaria a segunda tópica e o papel adaptativo do eu - é nesse sentido que Anna estabelece os mecanismos de defesa e a psicanálise pedagógica. • M. Klein conquista a Grão Bretanha e Anna os Estados Unidos. / Faut-il brûler Mélanie Klein ? IN : La révolution coperniciènne inachavée. Comentário de Laplanche sobre M. Klein : • O « diabólico » que existe em M. Klein, já existe em Freud, como « corpo estranho » dos primeiros estudos (Estudos sobre a histeria). • O bombardeamento interpretativo não é o principal, mas o mais criticável é o pré-estabelecido dessas interpretações. • Na discussão com Anna Freud : Anna Freud vê no jogo funções adaptativas. M. Klein responde que, na análise, ele adquire a função de discurso para o analista. Com isso M. Klein vê a especificidade da situação analítica, que Anna parece não reconhecer. M. Klein mostraria a análise como excluindo o funcionamento, a adaptação, e se tornar linguagem. • Anna faz uma objeção educativa : o perigo de liberar a pulsão, frente a um eu e um supereu inexistentes ou incipientes. Isso seria, segundo Laplanche, mecanicista, pulsão de um lado e eu e supereu de outro, como se essas « instâncias » não se constituíssem pela própria pulsão. M. Klein responde fazendo intervir um supereu precoce. Mais que isso, M. Klein mostra que o supereu é pouco baseado nos interditos parentais reais. O que Freud é obrigado a aceitar em Mal-estar... • De muito mais importante, Laplanche vê em M. Klein a descoberta de que o sadismo está na origem. Nesse sentido, M. Klein aprofunda as relações entre princípio de morte e sexualidade ; como Freud havia descoberto a sexualidade antes do objeto, M. Klein descobre o sadismo antes do amor. • Ainda, voltando à questão do demoníaco, o ataque interno já está em Freud/ 2.- História, cultura e estruturas Eixos teóricos que vão se desenvolvendo a partir de vários pontos da obra freudiana : 1) os inícios de vida psíquica • Freud havia buscado a explicação da vida psíquica em sua história ou, na história de sua construção. Entretanto, Freud nunca realizou observações sistemáticas de crianças. Assim, ele mesmo buscou estimular os trabalhos de Anna e M. Klein. A partir daí desenvolveu-se todo um campo de pesquisa em que se destacaram : nos Estados Unidos - R. Spitz ; B. Bettelheim. na Grão Bretanha - J. Bowlby ; D. W. Winnicott, D.Meltzer, etc. na França - Lebovici ; Diatkine. • Três autores são aqui assinalados : Spitz, Bowlby, Winnicott. Spitz (1887• Médico, aluno de Karl Bühler • banido da Áustria durante o nazismo, foi para França e Estados Unidos, onde desenvolveu obra importante. • Foi o primeiro a chamar a atenção sobre o hospitalismo, uma síndrome de apatia e distúrbios corporais que atinge bebês institucionalizados. • Explica-o pela falta « de cuidados maternos », falta de amor. • Experimentalista, Spitz estuda os primordios da psicogênese, particularmente o primeiro ano de vida e publica em 1965 : Do nascimento à palavra, o primeiro ano de vida. 43 • Nesse texto, inspirando-se na noção embriológica de « organizadores », descreve alguns deles : o estabelecimento da face humana ; a ansiedade dos 8 meses ; o « não ». / Definição de « organizador » : « organizador da psiquê é um constructo, um modelo que achei útil ao tomar conhecimento de certos fenômenos do desenvolvimento psíquico » (Spitz, A genetic field theory of Ego formation, 1959) • Esses constructos permitiriam condensar a multiplicidade de realizações maturacionais. O primeiro ano de vida, São Paulo, Martins Fontes, 1980 : Sobre os organizadores : « Recapitulemos brevemente os dois passos principais que levam à constituição do objeto libidinal : (1) o estabelecimento da apresentação da face humana no sistema de memória como um agente desencadeador nos informa da manifestação do precursor do objeto ; isto assinala o primeiro passo principal no desenvolvimento das relações objetais ». • a criança reage à um rosto humano qualquer em movimento • o sorriso em resposta à uma gestalt, mesmo de máscara. « (2) ansiedade dos oito meses aparece três ou quatro meses depois [do primeiro org.]. Isto mostra que a criança reconhece a face da mãe e lhe conferiu um lugar único entre as outras faces humanas. Doravante, e durante algum tempo no futuro, a criança preferirá a face materna e rejeitará todas as outras faces que dela se diferencie. Em minha opinião, isso é o indicador do estabelecimento do objeto libidinal propriamente dito » (p. 149). (3) « A conquista do sinal de negação e da palavra « não » constitui um indicador tangível da formação do terceiro organizador » (p. 174) • deslocamento de « catexia » agressiva que desemboca em abstração e em julgamento - um símbolo, um conceito : o primeiro da vida da criança. (um afeto que se torn conceito)/ Bowlby • na Inglaterra • Publicou relatório, sob encomenda da OMS, em 1951, sobre carência de cuidados maternos. • Teoriza que o desenvolvimento humano, sobretudo no princípio, procede de uma necessidade fundamental de apego (Apego e perda, Martins Fontes). • Nisso, Bowlby teria sido influenciado por Imre Hermann, aluno de Ferenczi. • Vê-se a influência de Ferenczi através de Bowlby, M. Klein, Michael Balint, Bela Grunberger (França). / -Bowlby propõe que a relação da criança com uma pessoa deva ser contínua baseado em suas observações de jovens delinquentes. • em 1960, O’Connor questiona Bowlby, supondo que a pobreza de estímulos era mais forte que a carência da relação contínua - crianças retardadas/ • Bowlby justifica teoricamente sua proposição pela teoria do apego - seria um sistema comportamental que evoluiu para garantir a sobreviviência da espécie. Seria um sistema cujo alvo é a manutenção da proximidade entre mãe e criança, de forma a garantir a segurança dessa última. Isso porque o ser humano nasceria muito imaturo e a infância é muito longa – etologia (1974 – Attachment theory, separation : anxiety and mourning) • Também, Bowlby contesta a teoria freudiana do apoio e propõe que o apego é necessidade básica (1969 – Attachment and lors) e enfatiza uma pessoa — monotropia. • Entretanto , Schaffer e Emerson (1964 - « The development of social attachment in infancy ») contestam a monotropia. Segundo sua pesquisa, na família nuclear o apego tende a se estabelecer com apenas 1 ou 2 pessoas, mas em famílias extensas, o apego tende a se multiplicar. • Outros estudos mostram que Bowlby não haveria relacionado outras variáveis aos problemas das crianças, reduzindo-os à privação materna. Por exemplo, Bowlby nunca 44 teria observado crianças criadas em boas creches. Kassler, por exemplo, mostra ali variáveis ambientais pobres. referência : Ferreira, Maria Clotilde Rossetti, « O apego e as reações da criança à separação da mãe » IN : Cadernos de Pesquisa. SP (48) :3-19, fev. 84. (ver tese de livre docência). / Donald Winnicott (1896-1971) • Um pediatra que chegou relativamente tarde à psicanálise. • Membro da Sociedade Britânica, sofreu influência direta de M. Klein. • Como pediatra, interessou-se pelo desenvolvimento inicial da criança. • Utilizava uma fórmula-choque : « O bebê não existe », o que existe é a díade mãe-filho. • Tem-se, pois, que compreender os inícios da vida psíquica através das interações desse par. • As idéias mais difundidas de Winnicott são sobre os fenômenos transicionais : entre o eu e o não eu existiria uma área de transição, onde se desenvolvem as atividades lúdicas e artísticas. / O brincar e a realidade. Rio, Imago, 1975. Cap. 1 : • A hipótese da existência de uma zona intermediária entre auto-erotismo e objeto, isto é, entre realidade interna e realidade externa, entre eu e não eu. [existiria um relacionamento entre o uso dos dedos, autoerótica, e os objetos especiais, meses após (a manipulação desses objetos seria contínua ao auto-erotismo)] • à idéia de que o indivíduo forma uma unidade, com uma membrana separadora - interno-externo - Winnicott adenda uma terceira parte, uma área intermediária de experimentação, um repouso para o indivíduo empenhado em manter a separação entre o interno e externo. • Nesse lugar, dá-se a Primeira possessão original, possessão não-eu – objeto transicional. • Esse objeto, segundo o nosso ponto de vista, é oriundo do exterior e não provém de dentro, não é alucinação. • Esse objeto acaba sendo desinvestido com a difusão da zona intermediária, isto é, acaba sendo compartilhado na forma de cultura (difusão por toda a área entre mundo externo e interno). • O objeto transicional é simbólico de algum objeto parcial, « no entanto, o importante não é tanto o seu valor simbólico, mas sua realidade » (p. 19). • Representa o seio ou o objeto da primeira relação. • Significa uma passagem do controle onipotente (mágico) para o controle pela manipulação (muscular). • É possessão e não objeto externo nem interno, representa um seio externo por ser representante do seio interno. • Segundo Winnicott, não há possibilidade do bebê progredir do princípio do prazer para o princípio de realidade (do interno ao externo) sem uma mãe suficientemente boa, que começa com uma adaptação quase completa às necessidades do bebê e vai adaptando-se cada vez menos, segundo a capacidade do bebê lidar com o fracasso materno (a adaptação exata se assemelha à um objeto mágico, interno). • Adaptação quase completa – ilusão ; Desadaptação— desilusão. • Nesse processo com a mãe, o bebê vai passando da desintegração à integração. • Nessa relação diádica, mãe-criança, é interessante que a mãe também é um ser que frui e cria a experiência Ver Masud Khan, Prefácio. IN : Winnicott, Da pediatria à psicanálise, Rio, F. Alves, 1988 : • da mesma forma, na análise, « a psicoterapia ocorre na superposição de duas áreas do brincar (transicionais) : a do paciente e a do terapeuta ». O trabalho terapêutico « visa tirar o paciente de um estado de não capaz de brincar e trazê-lo para um estado de ser capaz de brincar » (Khan, p. 30). 45 • Winnicott modifica o conceito clássico de defesa, colocando a idéia de invasão e reação à invasão. [Vejamos aí a ênfase no ser como organismo, como vesícula separada por membrana, de fala Freud em Mais além do príncipio do prazer. Isso parece ser bastante forte em M. Klein, visto que, influenciada por Abraham, ela baseia sua teoria em um jogo de introjeções e projeções]. • os fracassos graduais resultam em invasões, mas para as quais o bebê já está preparado. • Se não, se há invasão excedente, vem a necessidade de reação que, sendo persistente, « forja a armadura da organização do Falso Self - o ser fora do estado de ser ». Self : « Para mim, o self, que não é o ego, é a pessoa que eu sou, que é somente eu, que possui uma totalidade baseada na operação do processo maturativo (...) o self atinge significativa relação entre a criança e a soma das identificações que se organizam em forma de uma realidade interna psíquica viva » (Khan, p. 45). • díade mãe-criança – espelho duplo. / • Esses pesquisadores do desenvolvimento infantil (Spitz, Winnicott, Bowlby) acentuaram o problema da individuação. • Essas pesquisas levatam à necessidade da « observação direta », o que levanta objeções técnicas e teóricas. 2) O peso da cultura • Freud apontou a idéia da importância da história do sujeito. Entretanto, teria negligenciado as circunstâncias dessa história. Desse ponto de vista, o sujeito seria uma mônada psíquica. Isto é, Freud não daria atenção aos fatores sociais, culturais e econômicos. • O primeiro a tomar para si esta preocupação teria sido W. Reich (1897-1957), buscando uma síntese entre marxismo e psicanálise. Um esforço que tornou célebre, nos anos 50, Herbert Marcuse. / Reich recusa-se a extrair da psicanálise uma sociologia, posto que isso seria metafísica e idealista, uma « sociologia selvagem ». Mas, como uma sociologia não pode renunciar à uma psicologia, diz que a psicanálise permite « descobrir as raízes pulsionais da atividade social do indivíduo - e graças à sua teoria dialética das pulsões - permite esclarecer, no essencial, as repercussões psíquicas das forças produtivas » (Aplicação da psicanálise à investigação social. IN : Psicanálise, fatores sócio-políticos, Rés, Porto, 1976, p. 60). Segundo Reich, a aplicação da psicanálise à sociologia desemboca numa sociologia metafísica e reacionária, enquanto que a aplicação do materialismo histórico à psicologia dá-nos a psicanálise clínica (p. 79). Exemplo : uma análise da greve mostra de forma interessante o método de Reich : 1. A greve é um fenômeno sociológico que pode ser avaliado pelo marxismo. 2. A psicologia, a psicanálise do inconsciente dos grevistas nada poderá dizer sobre a greve em si e pouco sobre as motivações que levaram os operários à greve, nem memso com a descoberta dos conflitos infantis dos operários. 3. Mas, da estrutura capitalista da sociedade, resultam tanto a greve como os conflitos infantis com os pais. 4. Conclui-se, então, que a greve é uma revolta contra o pai. 5. Se não se desvela a greve em si a partir do comportamento dos grevistas, pode-se saber algo sobre a estrutura da sociedade. °Por exemplo, os comportamentos de falta de confiança nos líderes, admiração dos líderes reformistas e angústia perante o patrão levam à admiração e angústias infantis frente ao pai que, por sua vez, levam à família, que é determinada socialmente. Portanto, cabe à psicanálise mostrar as fases intermediárias entre a determinação social-econômica e a 46 atuação dos homemns nesse processo. Sobretudo os fatores irracionais que sustentam essa atuação e a perpetuação dessas estruturas sociais. Assim « o fato de as grandes camadas da classe oprimida admitirem, e até sustentarem, a exploração, sob esta ou aquela forma, só pode ser direta e imediatamente compreendido de modo psicológico, ainda que de forma indireta de modo sociológico » (p. 78). 6. Portanto, o comportamento do grevista não explica a greve, mas revela o modo de sustentação psíquica da sociedade capitalista. • Nesse sentido, há uma crítica de Reich à psicanálise « oficial » de sua época. Segundo ele, essa psicanálise em nome da substituição do prazer pela realidade teria visto a obediência como um dado sem necessidade de explicação. Mas, a realidade é onde mora a lei capitalista da exploração e a consciência da exploração, sendo dolorosa, traria a desadaptação. Além disso, Reich propõe que a estrutura econômica da sociedade não se transforma diretamente em ideologia, mas sim pelo impacto que tem sobre a sexualidade. / Há também o etnólogo Geza Róheim (1897-1953) que estrabelece debate com Malinowski a propósito da sexualidade nas sociedades ditas primitivas. Parte para a Somália, Austrália e Melanésnia. Após fazer suas viagens aos Mares do Sul (viagens financiadas por Marie Bonaparte), G. Roheim criou a « teoria ontogenética da cultura ». (pós - 1928) • Essa teoria serviria para explicar as diferenças culturais, que só o trabalho de campo permitiria. • Nesse momento, Roheim perde um pouco de seu freudismo dogmático. • Segundo essa teoria, as diferenças culturais são produto de experiências infantis e não de experiências da raça. As vivências (libidinais) infantis explicariam o caráter de cada cultura. Em cada cultura a criança viveria crises características. Essas crises dariam origem à estrutura de personalidade adulta e, assim, às formas políticas, econômicas e religiosas da sociedade. • Centra, sobretudo, na criação dos filhos. • Exemplo, em tribos australianas, a estrutura de personalidade era hipermasculina : os homens extremamente agressivos, as mulheres excluídas de todas as funções cerimoniais e a fêmea seria representada no mito e no sonhos como verdadeiro demônio fálico. Uma fêmea nativa conta à Roheim que as mães australianas dormiam sobre os filhos pequenos exactamente na mesma posição que os homens adotavam no coito. • Aí estaria o drama infantil a partir do qual vinha a concepção fálica da mulher e a hipermasculinidade, como formação reativa. • Roheim não aceita o relativismo : se as soluções para conflitos pulsionais variam, o próprio conflito é universal. As soluções estariam ao nível das interpretações do eu, o que poderia dar a falsa idéia de relativismo, enquanto que o conflito teria uma interpretação mais profunda. • Roheim sempre concebeu que os primitivos eram psicologicamente superiores – saúde primitiva e mal-estar ocidental – tolerância geral da cultura primitiva (isso está de acordo com as teses freudianas). / Há também George Devereux (1908-1986), que cria a etnopsiquiatria, trabalhou em Paris e nos Estados Unidos. / Trata-se - a etnopsiquiatria - de ver as relações entre os distúrbios psíquicos e a cultura - distúrbio étnico. Um exemplo é o costume chamado Amok, definido como uma crise de violência homicida que afeta os homens da Malásia, Nova Guiné e Indonésia. Segundo Devereux, isso esta relacionado à mitologia, isto é, ao héroi dessas culturas : Amok . Os jovens quando estão em crise « correm como amok » - o héroi caracterizava-se por ser sanguinário, violento e cuja 47 característica era iniciar o seu ataque com um grito aterrorizante. O jovem em crise corre enlouquecido atacando qualquer pessoa. Cada família tem preparada uma arma para eventualmente se defender do Amok. É uma forma aceita de manifestar um desvio. / IN : Etnopsiquiatria / Ver, em Femme et mythe (livro muito bem recebido pela crítica psicanalítica) sua análise do imaginário grego antigo. Ali, Devereaux, busca mostrar, por exemplo, que, embora os gregos tenham, em seus mitos, utilizado abundantemente de narrações do incesto, nelas mesmas podese encontrar muitos sinais de horror ao incesto / / Psiquiatras modernos que se baseiam em Devereaux. Por exemplo ; Gordon, busca explicar a bulimia / anorexia como manifestações de desvios da nossa época, mas interpretados psicanaliticamente. (Gordon, R. Anorexia e bulimia, anatomia de uma epidemia social, Paris, Stok, 1992). / • A partir de 1933-35, nos Estados Unidos, com a imigração de psicanalistas europeus, descontentes com a guerra, desenvolve-se o movimento chamado « culturalismo » M. Mead, Linton, Kardiner, Erikson. Os nomes talvez mais importantes : E. Fromm e Karen Horney. • Fromm (1900-1980), emigrou para os Estados Unidos em 1933. Em sua enorme obra, discutiu as sociedades atuais e sobretudo a coerção que elas exercem sobre o indivíduo. • Não considerou a satisfação da pulsão como problema central da natureza humana. Enfatizou o treino cultural no lugar do biológico (posto que interpretou a pulsão do ponto de vista ortodoxo do biológico). • A natureza do homem, suas paixões e angústias, segundo esse autor, seriam um produto cultural, posto que o próprio homem seria criação e realização do contínuo esforço humano. O registro desse esgorço seria o que damos o nome de história. • A neurose é vista como resultado das novas necessidades nele criadas por sua cultura e pelas frustrações de suas potencialidades socialmente impostas – sede de poder e ânsia de submissão não são necessidades biológicas fundamentais, mas atitudes. • Há um devir histórico em que o homem chega à consciência de sua separação do outro. Com o separatismo, vem a nostalgia do estado anterior de sentimento de solidariedade. O sujeito, então, utiliza métodos irracionais de relacionar-se : sado-masoquismo, destrutividade, conformismo, como forma de anular a separação. • Esses seriam os mecanismos de evasão. • Em Análise do homem, classifica as pessoas segundo padrões de caráter. • O caráter seria a motivação inconsciente dos traços de comportamento. • Padrões de caráter : • oral receptivo (espera tudo magicamente de fora) • orientação exploradora (todo bem está fora, e, portanto, é tomado por meio da força e astúcia) • orientação acumulativa (preferem poupar, manter o que há dentro, detestam o novo • orientação mercantil (eu sou como você desejar que eu seja, oportunismo) • orientação produtiva (capaz de amor e trabalho criador) Os indivíduos diferem por esses traços em uma mesma sociedade, mas as nações e sociedades têm uma estrutura de caráter peculiar : caráter social, que é a forma particular pela qual a energia é canalizada numa dada sociedade. • Esse caráter social funciona como uma correia de transmissão entre o econômico e o ideológico. (Meu encontro com Marx e Freud, 1962) / por exemplo : no século XIX a posse, no século XX, o uso / • e a família seria o agente psíquico da sociedade, modela o caráter. Base econômica — caráter social — ideologia. 48 • O autor propõe um ICS social : área de recalcamento comum à maioria dos membros de uma sociedade. • O ICS representaria a totalidade do homem menos a parte que corresponde à sociedade - a consciência representa o homem social. • Critica Freud, dizendo que qualquer tentativa de desrecalque que exclua a esfera social será limitada. / visão mecanicista sobre Freud / • a raíz do recalque é o medo ao ostracismo. • Ética : autoridade racional e irracional. • O analista deve ter autoridade racional, à medida que o paciente melhora, a autoridade decresce. • Interpreta o complexo de Édipo como luta da criança numa sociedade patriarcal para libertar-se da autoridade dos pais. No período edípico, a criança procura tornar-se um indivíduo [o que nos faz lembrar Jung e sua discussão com Freud] / dessexualização, mecanicismo, otimismo exagerado, o social parece um instinto, como o instinto gregário, de Trotter / K. Horney (1885-1952), emigrou para os Estados Unidos e escreveu A personalidade neurótica do nosso tempo • nesse texto sublinha a injunção contraditória a que os indivíduos, no que diz respeito à agressividade, são submetidos. Na nossa sociedade, nos indivíduos, a agressividade é, ao mesmo tempo, condenada e aprovada. Horney realça a situação atual. Como outros autores, ela define a neurose como uma perturbação das relações sociais, não no plano das pulsões, mas no medo ao envolvimento. • a necessidade de amor, segundo ela, não é de raíz libidinal, mas necessidade de alcançar segurança. [vê-se aí a ênfase na auto-conservação] • a análise torna-se análise do presente, pondo ênfase no conflito entre o eu e o meio. • Toma partido desse eu que tende à saúde e a se realizar, acomodando-o às normas da cultura. / Crítica de Pontalis (A psicanálise depois de Freud) : • Horney não percebe, ao criticar o biologismo de Freud, que a pulsão não é uma entidade biológica. • Para Freud, a dinâmica das pulsões é inseparável da figura do outro. • O « pan-sexualismo » de Freud não o é, pois o cenário sexual pode bem simbolizar todo o « teatro privado », a fantasia da pessoa... • Horney critica a idéia de repetição na transferência. Pontalis retoma a idéia de que o que se repete na transferência, segundo Freud, seria o fantasma e não fatos. • Há em Horney um forte mecanicismo ao separar sociedade e indivíduo. / • Na França, com Gérard. Mendel, desenvolveu-se a socio-psicanálise - desolcultação das estruturas de poder, nas instituições, através de interpretações psicanalíticas. Essa desolcultação deverá levar ao Ato-poder, a retomada de poder sobre seu próprio ato pelo grupo. • Na França, também, Anzieu e Kaës desenvolvem práticas de grupo - e teoria - psicanalíticamente orientadas (ver Anzieu, A ilusão grupal, Nouvelle Revue de Psycanalise, n° 4, p. 73-93). • Anzieu cria um psicodrama onde os conflitos psíquicos são representados e não ditos : « Psicodrama psicanalítico ». / As pesquisas de Kaës vão no sentido da análise dos investimentos de que o grupo é objeto. • Também no sentido da análise do grupo como organizador do mito e das representações intermediárias (entre o social e o inconsciente). De certa forma, para esse autor, o grupo é organizador do fantasma / 49 / Essas últimas pesquisas são bem próximas da psicanálise, mas aquelas de Fromm e K. Horney tendem a diluir a psicanálise e suas teorias, buscando a explicação do conflito psíquico em uma « sociedade malfeita » – aí, ou o indivíduo aparece como tabula rasa ou o biologismo vem inopinadamente / Outro autor psicanalista que se ocupa do grupo é W. R. Bion. / W. R. Bion, Experiências com grupos, Rio de Janeiro, São Paulo, Imago/ EDUSP, 2° ed., 1975 : • Esse autor dirige e observa pequenos grupos, na maior parte terapêuticos, constituídos de pacientes ditos inadaptados, o que leva a crítica ao questionamento da generalização de suas proposições. • Bion afirma que todo grupo que se reúne para trabalhar mostra uma atividade mental de solução de problema, mesmo quando reunida para outra finalidade. [uma finalidade prática e heurística que permite não reduzir o estudo do grupo à psicanálise simplesmente]. • No decorrer, essa atividade (grupo de trabalho) vai sendo entravada ou, mesmo, nutrida por impulsos emocionais. • Esses impulsos emocionais podem ser reunidos sob o nome de suposições básicas, que seriam suposições sobre « objetivos » do grupo. • 1° suposição : dependência – o grupo deseja receber, ser nutrido, protegido. • 2° suposição acasalamento — um « casamento » é feito dentro do grupo, um par, uma elite instaurando a esperança, uma expectativa de um Messías — tudo está por nascer, inclusive o líder. Utopia — futuro [mas um futuro fantasmático] • 3° suposição : ataque-fuga—o grupo ter-se-ia reunido para lutar contra algo ou fugir desse algo — aparece um líder que se ajusta a esse comportamento. • nos grupos de suposição básica não há cooperação, como nos grupos de trabalho, mas « valências », combinação instantânea e involuntária de indivíduos para partilhar e atuar a SB. • Para Bion, qual seja a suposição básica, ela revela angústias primitivas que servem como defesa. As suposições básicas seriam, então, formações secundárias em relação à mecanismos descritos por M. Klein, de clivagem e identificação projetiva [projeção de partes mas do eu no corpo da mãe e este passa a ser identificado com o eu]. É importante notar que o terapeuta fica no extremo receptor dessa identicação projetiva. • a suposição básica de acasalamento traz ansiedades psicóticas ligadas ao complexo de Édipo e é ela que mais se aproxima ao grupo psicanalítico, isto é, à díade analistapaciente. • Para Bion, o grupo não é mais que uma reunião de indivíduos e a idéia de um grupo para além disso faz parte da regressão que deságua nas suposições básicas, pelo fato da regressão provocar a indistinção individual — o grupo toma essa imagem, de algo diferente dos indvíduos. / Essas asserções são enfatizadas por Pontalis (Après Freud, op. cit.), no sentido de mostrar um não grupismo em Bion. Ou de criticar a psicossociologia, que veria no grupo um escopo imanente de desenvolvimento. Entretanto, notemos, Bion fala também em desenvolvimento. / • Bion concorda com Freud que uma psicologia individual não é diferente de uma psicologia social. Vai mais longe : para ele a reunião grupal apenas demonstra as características de grupo [que estão no indivíduo], como a análise apenas demonstra a transferência. Nenhum indivíduo, em momento nenhum é externo a um grupo. • Nesse sentido, a diferença entre psicologia de grupo e psicologia individual é a ilusão provocada pelos fenômenos que o grupo não mais que coloca em realce. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------• O grupo organizado de McDougall, de que Freud fala em Psicologia de massas e análise do eu, não seria mais que o 50 grupo de trabalho. O grupo de trabalho e o grupo de suposições básicas não seriam dois grupos, mas dois estados de espírito. • A sugestionabilidade do grupo, de que fala Le Bon, também citado por Freud, dependeria de qual sugestão. Se ela incide sobre a suposição básica ativa, o grupo a seguirá, caso contrário, não. • McDougall, citado por Freud, esboça certas condições para o grupo organizado, para o grupo chegar a sê-lo. Uma delas é a continuidade no tempo. Segundo Bion, essa continuidade é uma característica do grupo de trabalho. / portanto, a condição posta por McDougall é circular, pois só os grupos organizados a tem / • O grupo de suposição básica, de Bion, não tem a noção de tempo. Somente a tem o grupo de trabalho. Nesse sentido, as condições de McDougal seriam maneiras de evitar que o grupo de trabalho seja obstruído pela SB. Em Santo Agostinho, a idéia de que a relação correta com os semelhantes só pode ser atingida por relação correta com Deus, está em atingir o grupo de trabalho pelo contado direto com a SB (dependência). • A psicanálise seria um grupo de trabalho que estimula a SB de acasalamento, daí o componente libidinoso visto por Freud nas massas ( seria o seu ponto de vista, o ponto de vista da psicanálise) « A própria idéia messiânica (da SB acasalamento) se trai na suposição de que o paciente individual merece a devoção muito considerável do analista, como também na opinião, às vezes abertamente expressa, que, em resultado do trabalho psicanalítico, será aperfeiçoada uma técnica que, em última análise, salvará a humanidade » (p. 64). • Mas, para Bion, a ligação libidinosa seria apenas uma parte do processo. • Quanto ao líder, Bion também discorda de Freud. Freud teria visto apenas a sua introjeção e, nesse sentido, de que o grupo depende. • Porém, Bion ressalta a identificação projetiva sobre o líder, da SB, só pode ser líder aquele que se adequa a criação do grupo. O líder, então, não seria autônomo, perderia também a sua distintividade para servir aos propósitos do grupo SB. • Já o líder de um grupo de trabalho é alguém fortemente ligado à realidade, sem tantas qualidades como se pinta. • O pânico de massas, que Freud faz referência em Psicologia de massas, seria uma qualidade do grupo ataque e fuga. A morte do general seria como uma ordem, a ordem de fuga [portanto estaria vivo como líder]. / nesse sentido, o pânico não seria ruptura, mas continuidade / • Para Bion, o que Freud traz é o grupo de padrão neurótico, inspirado no grupo familiar, repetição de relações de objeto (parcial). Mas na opinião de Bion, os grupos se aproximam mais aos padrões psicóticos, pelas clivagens e identificação projetiva. • Também, no aspecto da comunicação, os grupos SB não utilizariam a communicação verbal racionalmente, como pensamento, mas como método de ação – uma comunicação psicótica, incapaz de formar símbolos. • Enfim, Bion generaliza esses proposições para todos os grupos. 3- Opções sobre estrutura Heinz Hartman (1894-1970) • Formado em Viena, representou nos EUA, à testa da API, um importante papel, dito renovador. • criou a chamada Ego Psychology ou psicanálise estrutural. • trata-se de centralizar os estudos no eu e buscar uma teoria psicanalítica generalizada, uma psicologia psicanalítica. • nos EUA, Hartman foi aclamado pai de uma nova psicanálise, sendo seguido por Ernst Kris, Rudolf Loewenstein e Rappaport. 51 • Essa teoria foi recebida com suspeita na Europa devido (1) ao fato de propor funções autônomas ao eu, que escapariam ao conflito entre pulsão e a interdição, o que foi sentido como uma tentativa de desvencilhar-se da sexualidade ; (2) minimizado o conflito, enfatizando a relação com o mundo exterior, enfatizando a história dos acontecimentos que marcam a vida da criança, pensou-se que essa teoria seria uma tentativa de reinserção social do desadaptado. Essa, sobretudo, foi a crítica de Lacan. Uma teoria genética, baseada no fato, hoje obsoleta. / Rudolph M. Loewenstein (Psicologia do ego, IN : F. Alexander et alii. História da Psicanálise através dos seus pioneiros, RJ, Imago, sd. ) dá-nos um panorama da obra de Hartman : • Em primeiro lugar, a Ego Pycholgy é reivindicada a partir de certos trechos de Freud mesmo : a) a natureza defensiva do eu, proposta em 1923, em O Eu e o isso. b) a unificação que Freud faz do conceito de angústia como reação ao perigo (1926) mesmo em situações não conflitivas no que diz respeito à pulsão. Freud propõe uma seguência de situações de angústia (medo de perder o objeto, medo de perder seu amor do objeto, medo ao super-eu). Tal sequência seria tomada (ph) como um desenvolvimento de funções autônomas do eu. • Hartman, de fato, ambiciona fazer uma psicologia psicanalítica e afirma que o que caracteriza a psicanálise não é o seu objeto ( o inconsciente ?), mas o seu método e os seus conceitos. Com isso, buscar-se-ia estudar fenômenos psicológicos em geral pesquisados pelas escolas psicológicas. • A proposição geral de Hartman é a de que, embora o eu se desenvolva a partir de um conflito (entre a pulsão e a realidade), essa não é a sua única base. Desde o nascimento existiria uma segunda base, externa ao conflito, abrangendo a percepção, raciocínio, processos motores e de aprendizagem. Essa zona fora do conflito teria um desenvolvimento relativamente autônomo (aos impulsos) e teria forte relação com a realidade externa. • Os processos do eu estariam ligados à adaptação, no sentido de valor de autoconservação. / ênfase na autoconservação / • Nos animais inferiores os instintos garantiriam a autoconservação, mas no homem isso dependeria do eu. [ Ego Psychology and the Problem of Adaptation ] • O eu não surge do isso, mas ambos teriam uma matriz comum, a partir da qual se diferenciariam. [ -As relações objetais seriam vistas a partir de um desenvolvimento favorável ao eu. ] • O problema da adaptação levaria Hartman a enfatizar não só o passado infantil, mas a capacidade de adaptação na vida futura. • Durante a socialização e durante o processo de adaptação, o homem desenvolveria padrões de comportamento, estruturas de caráter, etc. • A estrutura de caráter refletiria derivativos das pulsões e das defesas correspondentes. Essas estruturas, em um segundo momento, passariam a fazer parte da esfera livre, já existente, formando funções autônomas. • O conceito de autonomia é ainda mais desenvolvido por Hartman, que fala em funções autônomas primárias do eu, aquelas que já existem no nascimento, e funções autônomas secundárias, que se desenvolve em mum segundo momento — Por exemplo, os traços de caráter. • Os traços do caráter normal são aqueles que adquiriram independência (em relação ao conflito) e resistência à regressão • O eu teria energia própria. Isso seria baseado na idéia freudiana de dessexualização da libido (1955) ; Hartmann fala em neutralização. E o próprio eu seria visto como um órgão de adaptação (1939). 52 • Hartmann supõe que entre indivíduo e sociedade existe um entrosamento mútuo, onde as peculiaridades do indivíduo lhe permitem se entrosar com a ordem social e essa última, após a experiência de gerações, teria uma espécie de « condescendência » em relação ao indivíduo. [não fica clara a referência à pulsão e a autonomia do eu] • Apesar da idéia de condescendência, Hartmann fala de uma seleção social./ • A Ego-Psychology teve seu lugar de importância até os anos 60 e, então, foi tensionada pela discussão em torno da oposição história versus estrutura. • Essa discussão foi « louvada » pelo estruturalismo em voga. • Feroz opositor da Ego-Psychology : J. Lacan Jacques Lacan (1901-1981) / De interessante a respeito dessa discussão com a Ego Psychology, está o fato de Lacan, que foi analisando de R. Lowenstein ( !), descaracterizar o eu . • Diz o autor em O Seminário I (os escritos técnicos de Freud) : « todo o progresso dessa psicologia do eu pode resumir-se nesses termos - o eu está estruturado exatamente como um sintoma. É o sintoma humano por excelência, é a doença mental do homem » (p. 25). [Em sintoma, alienação e correspondente do outro — espelho] • E, ainda, supõe que certa visão do eu leva a intervenções nefastas na análise. E a pergunta : « por que o sujeito se aliena tanto mais quanto mais se afirma o eu ?» Ainda, quanto a Anna Freud : « O que Anna Freud chama análise das defesas contra o afeto, é unicamente uma etapa da sua própria compreensão e não da compreensão do sujeito (...) Ela depreende algo que deve assemelhar muito à posição de Dora. O sujeito se identificou ao seu pai e essa identificação estruturou o seu eu. Essa estruturação do eu é ali designada enquanto defesa. É a parte mais superficial da identificação, mas pode-se reencontrar, por esse viés, um plano mais profundo e reconhecer a situação do sujeito na ordem simbólica. O contexto da análise não é outra coisa (...) reconhecer que função assume o sujeito na ordem das relações simbólicas que cobre todo o campo das relações humanas, e cuja célula inicial é o complexo de Édipo onde se decide a assunção do sexo » (p. 83). -J.-A. Miller (1884) afirma que a derrubada da noção de eu da Ego Psychology é derrubada por Lacan em sua primeira teoria, uma teoria « pré-lacaniana », voltada ao registro do imaginário. Em 1936, Lacan propõe o estádio do espelho. Trata-se da observação (etológica) do comportamento da criança até 18 meses diante do espelho. A criança reconhece a imagem e se interessa por ela. A criança exulta diante de sua imagem e isso ocorreria porque essa imagem antecipa uma « completeza » que ela ainda não atingiu, enquanto animal prematuro (teoria de Bolk). Dada essa defasagem entre imagem e ser, a imagem especular é, ao mesmo tempo de um outro. Dado isso, a imagem captura a criança e esta se identifica com ela. Ao identificar-se com o outro da imagem ela se aliena e essa alienação é constitutiva é o que constitui o eu, o ser preso a identificações ideais. [Isso me faz lembrar do mito grego do deus Dioniso quando criança. Nesse mito, os Titãs, buscando torturar Dioniso, apresentam-lhe um espelho. O menino, encantado com sua imagem, entra no espelho para capturá-la. Entretanto, é ele quem é capturado e, ao sê-lo, se fragmenta em milhares de partes.] Nessa relação especular com o outro, que é o mesmo e não o é, desenvolve-se toda a ambivalência, posto que o outro é aquele que suplanta. 53 Também desenvolve-se aí uma relação paranóica com o objeto, uma vez que o objeto desejado é aquele que o outro está disposto a tomar. Nesse sentido, o desesjo é o desejo do outro. Essa é a dimensão do imaginário. -Num segundo momento, nos anos 50, Lacan vê essa teoria do imaginário - como rudimentar e introduz o simbólico. Isto é, opera uma disjunção entre o imaginário e o simbólico. Isso é interessante para explicar o pessimismo freudiano. Freud, ao não atentar para o simbólico, vê apenas a relação entre o eu e o outro, que é uma relação mortífera. Nesse sentido, o simbólico surge como pacificador. -O simbólico - onde o sujeito é um termo, diferente do eu a dimensão imaginária que tem esse último - teria duas vertentes: a da palavra e a da linguagem. -Na vertente da palavra, há uma pacificação da relação imaginária. Ainda, nessa vertente, o sintoma é visto como um núcleo (da experiência) que não passou à palavra, que não foi verbalizado. A função da cura seria trazer para o verbal aquilo que não está, onde o sujeito é levado a estabelecer a continuidade perdida de sua história. Nesse sentido, o inconsciente seria uma espécie de capítulo censurado da história do sujeito. Cabe a interpretação lacaniana da diéia de trauma, proposta por Freud, quer dizer, o trauma como forma de traduzir a idéia de existência daquilo que é inassimilável na experiência do sujeito e que é gerador de sintoma. A cura seria a simbolização. -A vertente da linguagem é também conhecida como ordem simbólica. • Aí, o que Lacan introduz contra a ênfase no eu, contra a idéia de aparelho psíquico, é o sentido de discurso, o ser (parlêtre) como discurso ou, ao menos, o inconsciente – « o inconsciente é estruturado como linguagem ». Essa seria, segundo J-A. Miller, a tese central de Lacan, que vai mover todo seu trabalho: de que a única possibilidade d descoberta freudiana ter sustentação é através da linguagem. • Ordem das relações simbólicas, linguagem, numa acepção semiológica estrutural ou diacrítica (Saussure), isto é, trata-se de uma ordem de elementos separados e, assim, sem sentido, que só adquirem valor (entenda-se isso no sentido matemático) nas relações que estabelecem um com o outro. Esses elementos, relacionados, formam um estrutura, um cadeia sincrônica, a-temporal, que não permite a idéia de psicogênese. Assim, os estádios psicossexuais de Freud perdem toda a sua importância genética. A criança já encontra inteira a estrutura, a linguagem, e não a modificará, mas se sujeitará. Temos aí o sentido de sujeito, o assujeitado. Isto é: « o aspecto fundamental, valorizado da experiência analítica, é que o homem é um ser vivo, mas um ser vivo que fala, o que tem inclusive consequências em seu corpo; é que a estrutura escraviza o sujeito, fragmenta-o em efeitos de significante. Que podem compreender da histeria se não admitem a fragmentação significante do próprio corpo » (Miller, p. 24). [A idéia, portanto, do ICS - objeto da situação analítica - como linguagem retira 3 características importantes da psicanálise de então : a idéia de dentro-fora, de aparelho psíquico e a ênfase no eu e de estadismo psicogenético.] -Na vertente do simbólico como palavra, tem-se sobretudo a significação e, na vertente da linguagem, o sem-sentido. Lacan, então, nessa segunda vertente, que é a mais preponderante, propõe (1) que o sem sentido, o significante, precede o significado; (2) introduz a idéia de cadeia significante para dar conta do que Freud chamou sobredeterminação; e (3) propõe o simbólico, que é estrutura, com um termo, « A », mostrando como a rela ção do sujeito com estrutura simbólica é diferente da relação imaginária do eu com o outro: Outro (A) é diferente de outro (a). [A linguagem é um acontecer estrutural, um jogo de posições onde se produz o sujeito (assim como o objeto e, portanto, também a pulsão. 54 Nesse sentido, o afeto também é secundarizado, o que levou a crítica a afirmar que isso também seria uma tentativa de dessexualização. O ICS como linguagem, tem a sua especificidade em Lacan : primeiro, é linguagem que se define estruturalmente (posições) e, segundo, é uma linguagem que não se realiza enquanto significação – trata-se do significante, algo de esvaziado em relação ao signo e incapaz de fazer significar a não ser num limite virtual, o « ponto de estofo ». O sujeito não significa, mas designa termos e lugares : posições (e o sujeito é o que se produz entre 2 significantes, portanto é também produzido como posição).] • O sujeito se define como aquilo que se produz entre dois significantes : esquema « L » ou « Z » : l S S1 l l a’ —— x —— a l l S2 A l • entre S e A : relação simbólica (função da palavra) ; entre a e a’ : relação imaginária (especular). • condições de produção do sujeito : « Ele (o sujeito) está como que puxado nos quatro cantos do esquema : a saber, S, sua inefável (indizível) e estúpida existência, a, seus objetos, a’ seu eu, a saber, o que se reflete de suas formas nos seus objetos, e A, o lugar de onde pode se colocar para ele a questão de sua existência... / Quem sou eu aí... /, concernindo seu sexo a sua contingência no ser, a saber que ele é homem ou mulher, por um lado, e por outro que ele poderia não ser, os dois conjugando seu mistério e anulando-o nos símbolos da procriação e da morte » (Escritos, p. 549). -O Outro é uma noção heterogênea, diversa, como expõe Miller (op. cit.) e pode ser significada como o Outro do discurso universal, da linguagem, que está sempre aí. O Outro também pode ser visto como aquilo que se interpõe no diálogo, isto é, a figura do terceiro, o da verdade, testemunha. O Outro pode ser também aquele « cujo inconciente é o discurso » (Miller, p. 22), o Outro que « no seio de mim mesmo me agita », por isso mesmo é o Outro do desejo, « desejo como insconsciente, esse desejo opaco para os sujeito, acerca do qual ele pede, em certos casos, que lhe informem, recorrendo à cura psicanalítica (Miller, idem, ibidem). Nesse sentido, o inconsciente não resiste, mas repete e, a partir daí, a psicanálise se desenvolve essencialmente no simbólico. Desse ponto de vista, a função do psicanalista é romper com a relação imaginária, desaparecer enquanto eu, é estar no lugar do grande Outro, só desse lugar há condições de desfazer o sintoma -É sobretudo a partir do campo do real, do encontro faltoso, que Lacan desenvolve sua teoria a partir de 1974:o sujeito aí, por sua vez, pode ser definido como surgindo de uma falta no campo do Outro (na Linguagem do não, do simbólico e, ainda, enquanto « Outro que agita em mim ») S(A), o que barra o Outro — A – é desse significante barrado que o sujeito vem a ser como sujeito do (ao) ICS ; como falta, sujeito também barrado S. [ Essas barras podem ser melhor entendidas quando se pensa na influência de Heidegger sobre Lacan : Para o filósofo alemão, só existe ser na linguagem, só na linguagem o ente vem a ser : « a linguagem é a casa do ser ». A barragem, de Lacan, seria, nesse sentido, barragem na linguagem, impossibilidade de algo ser ] • Em Lacan, então, a idéia de falta — falta-a-ser, é feita próxima do complexo de castração e o generaliza. • A produção do sujeito pelo significante barra-o, instaura nele uma « spaltung », uma fenda entre o que está na linguagem e o que não pode estar (entre o discurso consciente e o inconsciente, segundo Lemmaire, p. 216) para a qual o falo é o significante privilegiado. O falo (que falta) no sentido do complexo de castração. E o falo, enquanto significante, é a marca do desejo, como nostalgia, falta-a-ser. O desejo está portanto, no lugar do Outro 55 como significante do desejo do Outro. Então, « se o desejo da mãe é o falo, a criança quer ser o falo para satisfazê-la » (Lemmaire, op. cit.). Nesse sentido a mãe é o Outro. E é nesse Outro (mãe) que o falo será procurado : a fantasia do falo no corpo da mãe (M. Klein). Da mesma forma, o homem procura a mulher com a condição que ela se constitua no falo. E ela se constitui naquilo que ela não é, rejeitando parte essencial de sua feminilidade : « é pelo que ela não é que ela quer (a mascarada) ser desejada » A mulher, por sua vez, « encontra o significante de seu desejo [o falo] no corpo daquele a quem se destina sua demanda de amor. O órgão que se reveste dessa função adquire função de fetiche. [Lacan, J. A significação do falo. IN : Escritos, S. P., Perspectiva, 1989, p. 261-273] O resultado para a mulher, será a privação do objeto que ela doa (o falo), daí a sua maior tendência à frigidez que do homem • Portanto, a assunção da sexualidade é uma posição em relação ao falo (desejo). • Note-se que o Outro, o lugar onde é buscado o falo, é o equivalente da mãe, da Linguagem e do terceiro (lugar da testemunha, da verdade). • Nesse sentido, pode-se pensar que esse Outro representaria a cultura. Mas, notemos, Lacan (op. cit.) nega que seu trabalho tenha a ver com o culturalismo. A linguagem de que fala não se trata de um fenômeno social, mas dos efeitos que constituem o ICS, segunto a metáfora (substituição) e a metonímia (contigüidade). / Existe uma crítica, de Laplanche, de que o significante da castração, significando a humildade do homem em relação ao mundo, será, em Lacan, um símbolo fixo de tudo e qualquer coisa. / • Nesse esquema da falta, o objeto (a) será aquilo que do exterior se propõe como substituto do complemento anatômico perdido « como imagem própria para colmatar a falta » (Lemaire, p. 178). • o objeto (parcial) não terá alteridade, mas o sujeito estará identificado com ele. • para além do objeto, nada haverá, senão vazio, falta, que o objeto dá a ilusão de obturar, substituindo o « mito » da unidade. E a pulsão se entrega infinitamente a restaura-lo. • Dado o corte original (do significante e do significado), o sujeito se identificará aos objetos constituindo o eu — imagem invertida do outro, equivalente à imagem do espelho (a criança se comporta em relação à outra criança como se comporte em relação à sua imagem especular. Esta última prefigura a imagem do eu como unidade). • O eu será o precipitado de identificações que começam na fase do espelho, mas não significa o si do sujeito, é imagem que o sujeito forjaria sobre si com o sacrifício da verdade, é a morte do homem em prol do mundo social. / J. Laplanche, em 1960 (Congresso de Bonneval), ao contrário de Lacan, supõe que a condição da linguagem é o ICS. Mas, modernamente, com a idéia de « enigma do outro » parece voltar à idéia de ICS como efeito de linguagem / 3. Além das neuroses • As grandes correntes teóricas referidas até aqui tem como centro o modelo da neurose. • Mas há outros desenvolvimentos : A psicossomática A base geral seria a idéia de que certas doenças autenticamente orgânicas (não histéricas) teriam importantes fatores psicogênicos. • Tudo se passaria como se os conflitos psíquicos não encontrassem saída através das representações mentais descarregando-se diretamente pelo corpo. / Isso é um pouco a explicação da conversão no Freud dos Estudos sobre a histeria / 56 • O pioneiro é Georg Grodeck (1866-1934) criador do conceito de « id » Ver Grodeck, G. O homem e seu isso. SP, Perspectiva, 1994. • Um problema nessa área tem sido a interpretação selvagem, que acaba negligenciando os fatores somáticos em si. • /Grodeck tem idéias como : o homem só morre quando quer e seu isso sente prazer na morte. As doenças carregam sentidos a serem interpretados. Por exemplo : as amidalites e doenças da laringe teriam sentido de não divulgar coisa alguma do ICS. O sentido da doença deve ser procurado no órgão atingido. ETC./ Ver autores como de M. de M’Uzan e Pierre Marty. As psicoses • Primeiramente, o interesse de Jung, que era assistente de Bleuler na clínica Burghölzli. • O próprio Freud retomou o problema, particularmente no caso Schreber. • É sobretudo Paul Federn quem vai desenvolver o assunto a partir dos estudos que faz do eu. / Por exemplo, Edoardo Weiss (pioneiro da psicanálise na Itália), em prefácio de livro de P. Federn afirma : « Federn caracteriza a psicopatologia da esquizofrenia como problema narcísico causado não por um aumento, mas pour uma deficiência da libido do eu [ao contrário do que dissera Freud da paranóia, no Caso Schreber e em Introdução ao narcisismo]. Essa deficiência leva a uma devastação das funções mentais. Assim, o delírio e a alucinação não são tentativas de compensar a perda de contato [como pensava Freud], mas o fraco investimento do eu » (Edoardo Weiss. Prefácio In : Federn, P. La psychologie du moi et les psychoses, Paris, PUF, 1979 (1° edição de 1952). • Há também os estudos sobre as psicoses infantis, de Bettelheim, Winnicott, M. Mannoni, F. Dolto, R. Diaktine, etc. • Tudo isso começaria com o americano Leo Kanner (1943) que revelou a síndrome do autismo infantil precoce – retardamento intelectual envolvido em extrema incomunicabilidade. / Enfim, poderíamos pensar que a história do pensamento psicanalítico é feito de idas e vindas, em espiral, como diz Laplanche. Nessas idas e vindas poderíamos encontrar dois pares de oposições essenciais nesse movimento. Tais pares seriam : biologicismo vs outro sexualidade vs realidade (ou autoconservação) O movimento psicanalítico teria, em vários momentos, enfatizado um ou outro extremo de cada par. E esse mesmo ir e vir podemos encontrar na obra de Freud. Mas há um fator externo de extrema importância e que dará ao discurso psicanalítico o seu estilo : trata-se do pensamento e sua época (e de seu lugar) ; o pensar, em geral, de cada época. Nesse sentido, estudar a história do pensamento psicanalítico é uma forma de estudar a própria história rescente do pensamento ocidental. É interessante, ainda, que em vários desses momentos históricos de profunda interrelação da psicanálise com outras ciências, a psicanálise esteve na cabeça, como no caso do culturalismo. / Rápida periodização 57 Quatro períodos principais da Psicanálise, desde 1885 : Primeiro período 1885 até 1900, colaboração de Freud com Breuer. Descobertas recolhidas na observação clínica. Surgiram as teorias do recalcamento, resistência, transferência, angústia e etiologia das neuroses. Segundo período de 1900 até uma data entre 1910 e 1920. Da teoria de que as neuroses eram produzidas por traumatismos sexuais passou-se para a teoria de que a evolução da libido e a própria fantasia era tudo o que contava como importante na etiologia. • Teoria da pulsão libidinal e interesse na evolução biológica sexual da criança, teoria da fantasia e das formações do inconsciente. • 1910 ataque de Adler à teoria sexual da neurose. Três anos depois, rompimento com Jung. Terceiro período começou em 1910, mas só em 1920 se manifesta « oficialmente ». • Ampliação dos campos de interesses • Narcisismo no âmbito da pesquisa • Descoberta da importância de outro impulso, a pulsão de morte, como base para uma nova teoria das pulsões. • Até 1925, expansão teórica sem grandes modificações nas técnicas terápicas. Quarto período de 1925 até o presente: proliferação teórica, desconsideração do biologicismo, sobretudo do « herdado », a linguagem e a cultura ganham cada vez maior espaço. -É possível pensar que a história da psicanálise, seja como for, é a história da descoberta de Freud, mais, ainda, é a história do refazer constante dessa descoberta. -Quando, de fato, dar-se-ia essa descoberta?: Entre 1893-97, quando Freud atribui à neurose uma origem psicossexual? Em 1995, com Estudos sobre a histeria? Ou com a descoberta da fantasia e a auto-análise, com a Interpretação dos sonhos? Ou, ainda, com a descoberta do recalcamento e nesse caso é preciso remontar ao estágio de Freud com Charcot, em 1885? Vamos propor que esses três momentos não se constituem um sem o outro e vamos examiná-los como interligados e se construindo paulatinamente.