Comentário Ac. TJ Liga Portuguesa de Futebol Profissional
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Comentário Ac. TJ Liga Portuguesa de Futebol Profissional
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO EUROPEU BREVE COMENTÁRIO ao Acórdão da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e “Bwin” v. Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – Processo C – 42/07 1. Introdução 2. Desenvolvimento 3. Conclusão 1. Introdução A título de intróito, cabe-me sublinhar que o especial interesse neste aresto comunitário emerge do facto de, profissionalmente (em 12.01.2006), já ter sido confrontado com questão similar, no âmbito de providência cautelar em que era requerente a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa e requeridos Sporting Clube de Braga; Sporting Clube de Braga – Futebol SAD; Sportingbet PLC e Internet Opportunity Entertainment Limited, em que estava em causa precisamente um contrato de patrocínio e publicidade entre o Sporting Clube de Braga (que pertence à Liga Portuguesa de Futebol Profissional) e a sociedade “Sportindbet PLC” para aquela publicitar a marca “Sportingbet”, associada à exploração de um jogo de apostas mútuas electrónicas (na internet), mormente no site do aludido clube. Por sua vez, a empresa “Internet Opportunity”, com sede em Barbados e Antiqua, era a proprietária da marca “ Sportingbet” e a registadora do domínio “Sportingbet.com” (através do qual se acedia ao jogo de apostas futebolísticas), sendo que a dita Sportingbet PLC, enquanto titular (100%) daquela requerida “ Internet”, sua subsidiária, era uma sociedade de direito inglês. Em súmula, a Santa Casa pretendia a proibição da publicidade e promoção da marca “Sportingbet” nas camisolas dos jogadores e na Internet (em sítio do Clube), sendo certo que no respectivo link electrónico qualquer utilizador era convidado para um jogo de apostas. 1 2. Desenvolvimento No presente caso “Liga” e “Bwin” contra “Santa Casa”, suscitou-se o reenvio prejudicial pelo Tribunal de Primeira Instância Criminal do Porto, porque àquelas foram aplicadas coimas, por infracção à legislação portuguesa relativa à oferta de determinados jogos de fortuna e azar, sendo que a Liga tem sede no Porto. Concretamente, a Liga e a Bwin negociaram contrapartidas entre si, por via do qual o sítio da Liga na Internet continha referências a uma ligação ao sítio Internet da Bwin, que possibilitava a qualquer utilizador usar os serviços de jogo de apostas. Realço essencialmente as seguintes considerações nele explanadas: O Estatuto do Tribunal de Justiça e o seu Regulamento não permitem uma resposta das partes às conclusões do advogado-geral, ou seja, não há contraconclusões. O sistema de cooperação estabelecido pelo artº 234º CE baseia-se numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça. A interpretação das normas nacionais cabe aos tribunais dos EstadosMembros e não ao Tribunal de Justiça. Isto foi frisado pelo TJ, a propósito de uma observação (diria “picardia”) do Governo Italiano, no sentido de que o reenvio em questão convidava o TJ a pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma disposição de direito nacional com o direito comunitário. Glosando, ao Tribunal de Justiça o que é do TJ( interpretar o direito europeu à luz das normas comunitárias ), ao Tribunal Nacional o que é do TN ( aferir da compatibilidade das normas internas com o direito comunitário). Ainda assim, o TJ tem competência para fornecer ao órgão jurisdicional nacional quaisquer elementos de interpretação do direito comunitário que lhe permitam a compatibilidade das normas de direito interno com o direito europeu. Nesta vertente, é indispensável que o juiz nacional forneça um mínimo de explicações sobre os motivos da escolha das disposições comunitárias cuja interpretação pede e sobre o nexo que estabelece entre estas disposições e a legislação nacional aplicável. Neste sentido, o Acórdão Placanica, de 06.03.2007. 2 Também se sublinha que, por força dessa separação de funções entre TJ e tribunal nacional, não é exigível a este que, antes de submeter a questão prejudicial, proceda a toda a apreciação da matéria de facto e de direito. Aliás, se tribunal nacional o fizesse nestes termos, então já teria proferido uma decisão definitiva, colocando-se a questão de ter esgotado o seu poder jurisdicional e, em suma, a questão do caso julgado. Ora, o reenvio prejudicial deve assegurar a intangibilidade do caso julgado. Quanto ao mérito da questão prejudicial colocada, o TJ afasta a aplicabilidade ao caso do artº 43ºCE (sobre a liberdade de estabelecimento, por se tratar de actividade da Bwin sem intermediários e sem intenção de se estabelecer em Portugal) e artº 56ºCE (sobre a liberdade de capitais e pagamentos, por considerar que esta é apenas a consequência inevitável de eventuais restrições impostas à livre prestação de serviços, plasmada no artº 49 CE (liberdade de serviços). Cita o Acórdão Fidium Finanz, de 03.10.2006, para ilustrar tal posição. Sobre a aplicação do artº 49º CE ao caso concreto, o acórdão em análise reafirma que a legislação de um EM que proíbe que prestadores, como a Bwin, com sede noutros EM, ofereçam serviços do referido Estado, ma Internet, constitui uma restrição à livre prestação de serviços garantida por aquele normativo e também uma restrição à liberdade dos residentes do EM quanto a beneficiarem, pela Internet, dos serviços oferecidos noutros EM. Simplesmente, no que respeita à legislação nacional em causa, que proíbe que operadores (como a Bwin), com sede noutros EM, onde prestam legalmente serviços análogos, ofereçam jogos de fortuna ou azar na Internet, o TJ considerou tratar-se de uma situação de excepção à dita restrição, com base nos seguintes parâmetros: a) - por via do artº 46º, nº 1, CE, admite-se restrições justificadas por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública, acolhendo-se nesse acórdão os motivos de ordem pública e segurança pública: a legislação nacional visa o combate à criminalidade, isto é, protecção dos consumidores de jogos de fortuna e azar contra fraudes cometidas pelos operadores, consubstanciando assim uma razão imperiosa de interesse geral. Trata-se, contudo, de um entendimento no mínimo discutível, já que, sendo este um argumento para excepcionar a restrição, como explicar a liberdade desses serviços noutros EM, como assegurar essa protecção, quando o acesso 3 electrónico a esses sites nos EM permissivos é livre em qualquer ponto do globo (lá se vai o combate a esse tipo de crime), mesmo por um português. Não será uma forma do EM garantir também o monopólio (mais um?) de uma receita, para além desse alegado combate ao jogo ilícito? b) Não há harmonização comunitária no sector dos jogos de fortuna ou azar. Este ponto revela o equilíbrio de interesses, de “rules and balances” da UE, nomeadamente quando estão em causa razões de natureza financeira, enfim, financiamento de cada um dos EM. Exemplo disso pode ver-se também ao nível de fiscalidade. c) Considera-se que a especificidade deste tipo de jogos de fortuna e azar, ou seja, o modo de acesso, exploração e utilização por via da Internet potencia maior risco de fraude do que o mercado tradicional de jogo (v.g. por parte dos operadores,) o que justifica que se deva cometer a cada EM, a nível interno (no caso através de uma autoridade administrativa com poderes para o efeito, a Santa Casa) os meios para esse combate à criminalidade. Estarão, pois, salvaguardados os princípios de necessidade e proporcionalidade ínsitos ao conceito de excepção à liberdade de serviços. 3. Conclusão Para terminar, cabe-me apenas dar enfoque aos seguintes considerandos: O acórdão em causa concluiu que o artº 49º CE não se opõe à legislação de um EM que proíbe que uma pessoa colectiva, com sede noutro EM, preste serviços naquele EM. Enfim, aceitou uma excepção à restrição à livre prestação de serviços junto de um EM. Mas, se fosse uma pessoa singular a promover esse tipo de jogo, se fosse a própria Santa Casa a explorar esse jogo por meio da Internet (isto é, no lugar da “Bwin”), se a “Bwin” tivesse estabelecimento em Portugal (o que colocava também a questão da liberdade de estabelecimento) - será que argumentos como o interesse geral (ou até o interesso social ou de solidariedade ou altruísmo ínsitos à Santa 4 Casa) ou de combate à fraude e criminalidade não cederiam perante a regra geral de proibição de restrições à livre prestação de serviços? Seguindo este acórdão a jurisprudência perfilhada no acórdão da Associação Nacional de Operadores de Máquinas Recreativas (ANOMAR) e Outros contra o Estado Português, de 11.09.2003 (aqui estava em causa a concessão e a prática de jogos de fortuna e azar às salas de casinos pelo Estado Português), como conciliá-lo com a posição, de pendor algo diversa, defendida no já citado Acórdão Placanica. O futuro o dirá. Também aqui, no trapézio europeu, a rede das “rules and balances” é fundamental para que a acrobacia seja um êxito! António Sobrinho, aluno nº 15170 5