artigo completo
Transcrição
artigo completo
DO MODUS OPERANDI AO MODUS VIVENDI: uma nova percepção de interfaces1 FROM THE MODUS OPERANDI TO THE MODUS VIVENDI: a new perception of interfaces Eduardo Zilles Borba2 Marcelo Knorich Zuffo3 Resumo: Esta é uma discussão sobre a evolução no modo como lidamos com interfaces digitais. Precisamente, é uma reflexão acerca dos avanços técnicos e/ou tecnológicos destes mecanismos de interação humano-máquina, no sentido de que suas transformações nos direcionam para relacionamentos mais intuitivos com os computadores (2D vs 3D, clique vs toque) e, com isso, nos despertam uma nova forma de compreender o corpo, o espaço e a própria realidade. Na condução do exercício são expostas teorias da comunicação com interfaces e, consequentemente, da imersão no virtual – Baudrillard (1994), Kerckhove (1995), Jenkins (2003), Accioly (2010), Zuffo et al. (2012); seguidas de análise qualitativa, com base no conhecimento empírico provindo do contato com sistemas virtuais no Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas da Universidade de São Paulo (CITI-USP). Em suma, é fomentado o pensamento de que, ao deixar o modus operandi para assumir o modus vivendi nas relações com interfaces, as tecnoexperiências tornam-se mais realistas. Contudo, ao mesmo tempo que nos aproximamos do virtual, o conflito perceptivo para a noção que temos do contexto em que estamos inseridos agrava-se. Os sentidos estimulamnos a acreditar que estamos lidando com algo real (sinto, logo existo no virtual), enquanto a razão insiste em lembrar que tratam-se de simulações (penso, logo não existo virtual). Palavras-Chave: Cibercultura. Realidade Virtual. Imersão. Interface Digital. Interação Humano-Máquina Abstract: This is discussion about the evolution on the way we deal with digital interfaces. Precisely, it’s a reflection about the technical and/or technological advances of human-machine mechanisms, on the way their transformations are directing us to a more intuitive relationship with computers (2D vs. 3D, click vs. touch) and, thereby, awaken a new way of understanding the body, the space and the reality. To conduct this exercise are exposed theories about communications with interfaces and, consequently, virtual immersion – Baudrillard (1994), Kerckhove (1995), Jenkins (2003), Accioly (2010), Zuffo et al. (2012); followed 1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Ibercom (Comunicação e Cultura Digital) do XIV Congresso Internacional IBERCOM, na Universidade de São Paulo, São Paulo, de 29 de março a 02 de abril de 2015. 2 Bolsista do CNPq – Brasil (Atração de Jovens Talentos). Pós-Doutorando em Engenharia de Sistemas Eletrônicos na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP). Doutor em Ciências da Informação (Comunicação Publicitária) pela Universidade Fernando Pessoa (UFP). Professor-Assistente e pesquisador no Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas (CITI-USP). ([email protected]). 3 Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade de São Paulo (USP, Brasil). Coordenador do Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas da Universidade de São Paulo (CITI-USP). Professor Titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). ([email protected]). 1 by a qualitative analyses, based on the empirical knowledge coming from the contact with virtual systems in the Interdisciplinary Center in Interactive Technologies from University of Sao Paulo (CITI-USP). In short, it’s promoted the thought that, leaving the modus operandi to assume the modus vivendi in relations with interfaces, the techno-experiences become more realistic. However, while we approach the virtual, the perceptual conflict to the notion we do have of the context in which we are inserted is aggravated. The senses are encouraged to believe that we deal with something real (I feel, therefore I am in the virtual), while the reason insists to remember us that these are simulations (I think, therefore I am not in the virtual). Keywords: Cyber culture. Virtual Reality. Immersion. Digital Interface. HumanMachine Interactions. CONTEXTUALIZAÇÃO DO ENSAIO A constante evolução no modo como lidamos com as interfaces digitais indica que estamos caminhando na direção de relacionamentos cada vez mais intuitivos com as máquinas. Se nossos primeiros contatos com os computadores foram sustentados por representações de espaços e metáforas de diálogos (menus, setas, botões), na atualidade existe uma inclinação para a exploração mais natural destes ambientes (imagem 3D, gestos, toques). Inclusive, Friedberg (2006) indica que nem teremos mais de aprender o funcionamento de uma interface digital, pois, além de nos apresentar objetos com semelhança estética ao mundo real (forma, cor, textura, escala, perspectiva), ela será capaz de identificar nossos movimentos para, então, traduzi-los em ações coerentes no sistema (caminhar, correr, pular). É caso para dizer que aos poucos estamos deixando de lado o modus operandi para assumir o modus vivendi nas relações humano-máquina (ZILLES BORBA, 2014-A). A evolução técnica e tecnológica das interfaces digitais sugere que nossas tecnoexperiências tornam-se mais interativas, realistas e envolventes. Portanto, mais imersivas (ZUFFO et al. 2012). Entretanto, ao mesmo tempo que nos aproximamos do cenário virtual (e vice-versa), é notável o aumento de um conflito perceptivo diretamente relacionado à noção que temos do contexto em que estamos inseridos. Embora os computadores estejam distantes de proporcionar o conceito fantástico de tele-transporte do átomo, da carne e do osso para mundos virtuais, a partir de um ponto de vista semiótico parece ser cada vez mais evidente a existência de um conflito interpretativo no modo que compreendemos o próprio corpo, o espaço e, até mesmo, a realidade que é projetada nos monitores. Hoje, nos sentimos híbridos, meio que dentro e meio que fora do cenário sintético ao mesmo tempo. E, em grande parte, a explicação para este fenômeno – de ideia de presença noutra 2 realidade – estaria nos mecanismos de imersão visual, sonora e motora aplicados na realidade virtual, no sentido de serem responsáveis por construir narrativas que estimulam-nos a ilusão de deslocamento para universos paralelos, estabelecendo, por consequência, uma espécie de estatuto híbrido para a percepção que temos destas tecnoexperiências (ZILLES BORBA, 2014-B, p.239). Como veremos adiante, em interfaces mais naturais ao nosso conhecimento cognitivo os sentidos estimulam-nos a crer que estamos dentro do espaço sintético (sinto, logo existo no virtual), enquanto nossa razão insiste em nos lembrar que tratam-se de simulações digitais (penso, logo não existo no virtual) (ACCIOLY, 2010). Esta direção bifurcada que a razão e os sentidos tomam para chegar a uma resolução interpretativa da experiência perceptiva gera uma situação híbrida, ambígua e paradoxal; justamente, porque habitamos um ponto de entroncamento entre o real e o virtual (Figura 1). Figura 1. A noção híbrida para a experiência virtual (adaptado de Zilles Borba, 2014-A). METODOLOGIA Este ensaio utiliza de uma metodologia descritiva e exploratória. Desta forma, além de realizar um levantamento bibliográfico sobre a evolução das interfaces digitais, são conduzidas observações exploratórias a diferentes mecanismos de interação humanomáquina. Os dados coletados são analisados de modo qualitativo com o apoio de um modelo de avaliação desenvolvido pelos autores, que procura medir a qualidade percebida 3 de imersão dos sentidos e da razão. O modelo de avaliação é resultado de uma combinação de métodos provindos de ideias lançadas por Miro (1970)4 e Milgram (1994)5. Também, a reflexão é fundamentada pelo pensamento tecnoliberal de Baudrillard (1994), Kerckhove (1995), Lévy (1999), Jenkins (2003), Accioly (2010), Zuffo et al. (2012), Zilles Borba (2014-A), sendo base para a discussão acerca da influência dos avanços das interfaces digitais na formação de uma nova percepção das tecnoexperiências (envolvência, realismo, interatividade) (Figura 2). Ao final do estudo pretende-se trazer contributos para esta área de pesquisa que questiona os impactos da tecnologia no comportamento do ser humano. Figura 2. Metodologia da pesquisa A EVOLUÇÃO DO RELACIONAMENTO HUMANO-COMPUTADOR A comunicação interativa entre pessoas e computadores é um fenômeno consolidado em nossa sociedade. Está entranhada na pele da cultura e vinculada às tarefas rotineiras da vida moderna. Sequer pensamos em abandonar as praticidades que nos proporcionam os sistemas digitais: comércio, serviço, entretenimento (LÉVY, 1999). Por vezes, as máquinas informáticas ainda são vistas como ameaças, no sentido de serem candidatas a substituírem funções, atividades e, até mesmo, pessoas. Contudo, os benefícios que têm nos oferecido é gigantesco e, melhor ainda, muito do seu potencial para 4 5 Teoria do “Vale da Estranheza” (Uncanny Valley). Teoria do “Contínuo Virtual” (Virtual Continuum). 4 a otimização da sociedade está por vir, uma vez que a tecnologia digital ainda dá seus primeiros passos evolutivos (KERCKHOVE, 1995). Ao ritmo dos avanços técnicos e/ou tecnológicos da comunicação digital – banda larga, capacidade de memória, processamento de imagens em tempo real, etc. – observa-se uma interessante tendência para que nossas operações em interfaces interativas busquem cada vez mais a lógica do analógico. Se nos primórdios da comunicação digital para conversar com um computador fora preciso escrever linhas de códigos, hoje nossos inputs são totalmente guiados por cliques, janelas, menus e ícones que valorizam a experiência gráfica; e, amanhã, tudo indica que teremos experiências ainda mais naturais e semelhantes àquelas vivenciadas no mundo físico (JENKINS, 2003). As interações com interfaces caminham no sentido da reutilização de nossas habilidades, pois tendem a criar funções que já dominamos (BLAKE, 2010). Isso, por consequência, produzirá diálogos mais satisfatório entre o humano e a máquina, afinal o esforço cognitivo tornar-se-á baixo e, da mesma forma, a complexidade na interpretação destes mecanismos de comunicação será acessível e de fácil compreensão. A seguir, apresentamos alguns marcos importantes na evolução das interfaces digitais. Classificamos os modelos de interfaces em dois grupos: a) interfaces baseadas no monitor do computador; b) interfaces que estão além do monitor do computador. Interface no monitor do computador Primeiramente, vamos falar de interfaces que estão embutidas no monitor do computador pessoal. Independente de apresentarem-nos imagens que fazem metáforas ou analogias ao mundo real, monitores são exímios mediadores entre o virtual e o real. Porém, devemos ter em conta que atuam como barreira que impede a total imersão no espaço sintético. Isto explica o porquê do sentimento de imersão neste tipo de ambiente virtual estar vinculado a nossa percepção visual, afinal de contas o olhar é centro de atenções no que se refere aos estímulos da máquina na construção da experiência imersiva (ZILLES BORBA, 2014-C). 5 a) Interface de linhas de comandos (a escrita) As primeiras interfaces de interação entre humano e máquina foram totalmente baseadas na escrita de linhas de comando (command-line interface). Com o auxílio de um teclado, responsável pela entrada de comandos pré-definidos no computador, podemos digitar funções específicas para a execução de diversas tarefas que são visualizadas num monitor. Transmitir dados do mundo real para o mundo virtual através de inputs textuais é, de fato, a principal característica deste modelo de interface (STEPHENSON, 1999). Isso significa que, a experiência está condicionada ao nosso repertório de conhecimento acerca de linguagens de programação (Ex: MS-DOS). Ou seja, para usufruir da tecnologia devemos ter um mínimo de conhecimento técnico (o modus operandi da interface). Em nossa experiência com um sistema operativo MS-DOS, embora já soubessemos, foi marcante a ausência de ícones e representações gráficas. Da mesma forma, a falta de mecanismos de interatividade mais sofisticados do que o teclado impediu que tivessemos qualquer imersão (Figura 3). Na atualidade, não podemos esquecer que estes modelos são eficientes para desenvolvedores se comunicarem com as máquinas. Afinal, são interfaces leves e flexíveis, que facilitam o envio de comandos para o sistema. Apesar de não proporcionarem uma experiência de realismo visual são modelos funcionais que facilitam a comunicação humano-máquina para um público muito específico. Figura 3. Análise da experiência de imersão em interfaces de linhas de comando 6 b) Interface gráfica com o usuário (o clique) As interfaces gráficas tornaram nossas experiências com os computadores mais interativas e atrativas, uma vez que trouxeram a imagem para a tela e, também, a navegação em profundidade (hipertexto). Segundo Friedberg (2006), sua vantagem em relação à interface de linhas de comandos está na possibilidade em visualizar e manipular objetos com ações diretas – What You See Is What You Get (WYSIWYG)6. Nesta linha, em 1980, a Apple lança o computador Macintosh, conhecido por promover a interação WIMP (Windows, Icones, Mouse, Pointing Devide)7. Este foi um marco da interação humano-máquina, pois as operações passaram a ser realizadas com dispositivos de entrada de dados mais intuitivos. Além disso, a visualização dos conteúdos passou a ser organizada em janelas e ícones. Ao invés de digitarmos linhas de comandos, a interface tornou-se amigável, inclusive para quem não dominasse linguagens de programação, pois permitia a seleção de comandos através de menus acessíveis ao clique do mouse. Em nossa experiência com este modelo de interface navegamos no sistema operacional Windows 8. Se compararmos à exploração anterior, esta atividade foi mais completa no que se refere o estímulo dos sentidos. Mesmo que a experiência tenha sido governada por metáforas de espaços e diálogos o fator visual tornou a experiência mais intuitiva (navegar, clicar). O uso do mouse para aceder pastas em diferentes níveis de profundidade garantiu que a exploração fosse mais interativa, facilitando o acesso a comandos, sem a necessidade de conhecimento da programação binária (Figura 4). Porém, é importante sublinhar que as interfaces gráficas também exigem o aprendizado do modus operandi. Entretanto, essa aprendizagem é menos complexa do que na interface de linhas de comando. 6 7 Tradução livre: “o que você vê é o que você obtém”. Tradução livre: “janelas, ícones, mouse e cursor”. 7 Figura 4. Análise da experiência de imersão em interfaces gráfica com o usuário c) Interface touchscreen (o toque) A substituição dos dispositivos de comandos (teclado, mouse, joystick) pelo toque direto dos nossos dedos trouxe um novo paradigma para a interação com as interfaces gráficas. Porém, o modo como visualizamos os conteúdos no monitor do computador não altera-se. O que ocorre é a construção de uma experiência imersiva devido ao jeito que selecionamos e manipulamos os objetos. “Touchscreens evoluem no sentido de buscar uma melhora no feedback ao usuário, por meio de respostas hápticas (realimentação física, relativo ao tato)”, (GARBIN, 2010, p.40). Smartphones e tablets são exemplos de aparelhos que funcionam com orientação ao toque. Em ambos, mais do que tocar na tela para mover os objetos são permitidas combinações de gestos específicos para manipular a escala, a rotação ou a movimentação dos elementos na interface. Na experiência com este modelo de interface exploramos o sistema operativo de um iPad. Durante a atividade empírica nos deparamos com uma lógica estética semelhante àquela vista na observação anterior: metáforas de espaços e diálogos (ícones, menus, pastas). Agora, a interatividade foi mais completa, pois passamos a tocar nos objetos com nossos dedos, sem auxílio de um mecanismo de controle (teclado, mouse, joystick) (Figura 5). 8 Figura 5. Análise da experiência de imersão em interfaces touchscreen d) Interface em realidade virtual (o corpo, ele-avatar) O surgimento da realidade virtual remonta o antigo esforço da arte renascentista em continuar o espaço físico no pictórico. Ela nos transporta para dentro da imagem, mas propõe algo a mais: “a possibilidade de navegação por estas imagens, como se fosse possível adentrar, de fato, noutra realidade que existisse para além da realidade física” (FERREIRA, 2010, p.159). Em termos gráficos, a principal diferença de uma interface em realidade virtual para as tradicionais interfaces gráficas está na sua capacidade de imitar o mundo real (ou imaginário) com elevada verossimilhança. Devido à técnica do desenho 3D deixamos de ver representações metafóricas da realidade (menus, janelas e ícones), para visualizar elementos fotorealísticos (formas, cores, texturas, escalas, proporções, profundidade). Esta capacidade de simular objetos, espaços e pessoas despertou o interesse de uso da realidade virtual em simulacros de campos de guerra, construções urbanas e atividades difíceis de serem realizadas no mundo real (ACCIOLY, 2010). “O desafio para a computação gráfica é fazer com que as imagens vistas pela janela pareçam reais”, (GRAU, 2003, p.162). De fato, esta interface está centrada no paradigma ocularcêntrico (imagem), enquanto nosso corpo (fora do monitor) continua estático (ZILLES BORBA, 2104-B). Para a observação exploratória deste tipo de interface elegemos o mundo virtual Second Life (SL). Sua interface proporciona a visualização do cenário 3D à semelhança do mundo real com a opção da perspectiva na 1ª ou 3ª pessoa. Isso garantiu um bom envolvimento, pois olhamos o mundo pelos olhos do avatar e, com ele, caminhamos pelas ruas (mouse e 9 teclado) e dialogamos com pessoas (microfone e caixa de áudio). Embora a relação com a interface fosse guiada por mecanismos de comando que impedem a imersão corporal, a liberdade de percorrer a simulação de espaços arquitetônicos gera uma ilusão de presença. Contudo, é na qualidade da imagem que assenta seu trunfo. Afinal, já não clicamos em ícones, pastas e menus. Simplesmente, pegamos objetos e abrimos portas de casas, numa experiência intuitiva com a interface (Figura 6). Figura 6. Análise da experiência de imersão em interfaces de realidade virtual Interface além do monitor do computador Embora as interfaces que se estendam para fora do monitor do computador não estejam presentes em nossas atividades rotineiras são modelos que tendem a crescer na mediação da comunicação humano-máquina. Além de projetarem imagens fotorealísticas de objetos e/ou espaços, são interfaces que permitem a manipulação mais natural dos elementos. Isto porque, mais do que proporcionar o realismo visual, são modelos em que os movimentos e gestos tornam-se chaves para a realização das tarefas cibernéticas. Ou seja, criam situações de maior envolvimento com os conteúdos virtuais, justamente, porque à imersão visual integra-se a questão corporal, motora e proprioceptiva (Zilles Borba, 2014-B). a) Interface Kinect (o gesto) As interfaces gestuais estão associadas aos videogames. Principalmente os consoles Xbox Kinect e Nintendo Wii popularizaram esta nova realidade de interação com os jogos eletrônicos. Uma vez que rastreiam nossos movimentos e posições para levar tal 10 informação ao sistema dispensam dispositivos de entrada de dados. O nosso corpo é a ferramenta de envio de comandos para a máquina. Desta forma, são interfaces que proporcionam uma experiência mais intuitiva e natural, consequentemente, estimulando a imersão e tranferindo as operações humano-máquina para o modus vivendi. “Devido a expansão do Kinect, percebe-se a conveniência em centrar o estudo na interação gestual, já que essa forma de interação encontra-se mais acessível que outras formas”, (CABREIRA e MULLING, 2012, p.3). Para a condução das observações exploratórias a este modelo de interface optamos por jogar uma partida de tênis no console Nintendo Wii. Em primeiro plano é enfatizado que, apesar da sua imagem não ser fotorealística e estar dentro da televisão, ela faz uso do desenho 3D. Ou seja, a imagem gera efeito de imersão semelhante àquele presenciado na interface de realidade virtual tridimensional baseada no monitor. Seu diferencial está na forma de jogar. Já não existem menus, ícones e botões, pois toda ação é coordenada pelos movimentos do nosso corpo. Neste sentido, é possível dizer que a interface é transparente, pois sequer notamos a sua mediação. Nossas raquetadas são, simplesmente, transferidas da sala de estar para o cenário sintético que simula um court de tênis. Em suma, diagnosticouse que foi a máquina quem passou a se preocupar em compreender a nossa lógica de movimento e no modo como lidamos com os espaços e/ou objetos, transferindo nossas ações para uma espécie de representação do eu, numa conexão entre os corpos orgânico e sintético, um corpo-emprestrado, um corpo-postiço (Figura 7). Figura 7. Análise da experiência de imersão em interfaces Kinect 11 b) Interface em HMD (a cabeça) Nos sistemas de realidade virtual em HMD (head-mounted display) existe um forte apelo à imersão. Isto ocorre porque nossos sentidos são estimulados a acreditarem que estão lidando com um contexto físico e não com uma cópia da realidade. Responsável por criar esta ilusão de presença no virtual, a estereoscopia aplicada neste dispositivo é bastante avançada, pois, além de projetar imagens semelhantes àquelas do mundo real, o aparelho montado em nossas cabeças elimina qualquer vestígio do espaço físico. Apesar da invenção das interfaces em HMD datarem a década de 1960, hoje estão na pauta dos laboratórios de pesquisa, sendo uma das formas mais imersivas de explorar os ambientes digitais. O Oculus Rift, por exemplo, é um dos principais modelos de HMD, no qual uma tela embutida no equipamento e um sensor responsável por rastrear movimentos do corpo produzem uma sensação de envolvimento muito elevada com o contexto virtual. Em nossa experiência com este modelo de interface tivemos um elevado grau de imersão, principalmente devido ao realismo visual e a envolvência com o cenário. A imagem tridimensional de alta resolução que víamos com o óculos se movia conforme mexíamos a própria cabeça. E, pelo fato da tela estar afixada em nossos olhos, qualquer giro do corpo faz com que olhemos o contexto virtual ao nosso redor, criando a ilusão de que realmente estamos dentro da simulação. De fato, os sentidos são estimulados a acreditar que mergulhamos num mundo paralelo. E, mesmo que a razão nos indique que tratam-se de simulações eletrônicas, a sensação de participar de carne e osso do ambiente digital é muito convincente. Inclusive, se olharmos para o gráfico de análise a imersão dos sentidos e da razão, temos um primeiro caso conflituoso, em que os sentidos e a razão entram em discórdia na avaliação do que é verdade ou mentira na experiência (Figura 8). 12 Figura 8. Análise da experiência de imersão em interfaces HMD c) Interface em CAVE (o corpo, eu-avatar) Um dos modelos mais avançados de interfaces em realidade virtual é a Caverna Digital (CAVE – Cavern Automatic Virtual Environment). Nela, somos estimulados a mergulhar no contexto tridimensional, através de uma elevada ilusão de presença no palco virtual. De acordo com Zuffo et al. (2006): Trata-se de um sistema de multiprojeção estereoscópico montado na forma de um cubo, onde imagens de alta resolução são projetadas em cada uma das faces do mesmo, permitindo que usuários sejam totalmente inseridos (imersos) numa simulação gerada por computador, (2006, p.1). No paradigma de interface em Caverna Digital estabelecemos uma relação cognitiva com o sistema informático, pois usamos os sentidos, em especial os movimentos naturais do corpo, a visão e a audição para perceber o espaço e os objetos que nos rodeiam. O conhecimento à respeito do mundo físico orienta-nos no mundo virtual. Em termos técnicos, a imersão ocularcêntrica é sustentada pela estereoscopia, enquanto a imersão motora é depende do rastreamento de nossos movimentos. Para suportar a estereoscopia são incorporados recursos de óculos 3D e para transportar as ações do nosso corpo para o cenário tridimensional são aplicados sensores de rastreamento na estrutura do cubo. “Em sistemas de CAVE, a mente e o corpo são estimulados ao megulho virtual, especialmente por impulsos audiovisuais e motores, configurando uma elevada noção de imersão”, (ZILLES BORBA, 2014-B, p.246). 13 Para a exploração empírica à Caverna Digital utilizamos uma simulação demonstrativa desenvolvida pelos pesquisadores do Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas da Universidade de São Paulo (CITI-USP). Em termos de equipamentos utilizamos a estrutura da CAVE, óculos3D e controles de Nintendo Wii. A simulação consistiu num passeio virtual através de um labirinto com paredes de pedras. Em primeiro lugar, foi verificado que a qualidade das imagens projetadas nas paredes da Caverna Digital convencem de que lidamos com situações reais. É caso para dizer que sentimos o espaço virtual da mesma maneira que sentimos o mundo físico. Interessante, também, registrar que neste modelo de interface a noção de realismo visual é aguçada pelas mesmas características das interfaces em realidade virtual 3D (profundidade, textura, formas), somadas à noção de escala natural dos objetos, pois estamos inseridos num cenário com grandes telas de projeção de imagens. Ainda, como estamos no meio da simulação e visualizamos os elementos ao nosso redor (e no chão), o cenário é extremamente envolvente. Apenas a experiência que tivemos com o Oculus Rift despertou este feeling de envolvimento com o mundo virtual. Como nos indica o gráfico de análise da experiência imersiva com este tipo de interface, a sua capacidade de estimular os sentidos à maneira do mundo real é tão evidente que por vezes nos sentimos dentro de uma realidade física, verdadeira e concreta. Caso para dizer que sentimos o mundo virtual, logo existimos no mundo virtual. Porém, a razão não se deixa enganar pela simulação, nos puxando de volta para o mundo real e, consequentemente, criando uma espécie de situação híbrida, conflituosa e paradoxal entre os sentidos e a razão; algo que nos coloca num ponto híbrido e de intersecção entre ambas as realidades (Figura 9). Figura 9. Análise da experiência de imersão em interfaces em CAVE 14 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme vimos no decorrer do trabalho, a evolução técnica e/ou tecnológica de interfaces digitais tem direcionado as relações humano-computador para caminhos mais naturais e intuitivos. Seja por causa do realismo visual (imagem), do envolvimento (espaço) ou da interatividade (diálogo) existe a tendência de retorno à lógica do analógico. Tal fenômeno é observado em dois níveis: a) experiência de visualização (da metáfora à analogia do real) e b) experiência de operação (do clique ao gesto). Também, conforme já foi apontado, esta transformação dos mecanismos de comunicação com as máquinas está eliminando a necessidade de aprendizagem do modus operandi das interfaces para dar lugar a um paradigma de experiência vinculado ao habitat natural do ser humano: o modus vivendi. Se olharmos para os gráficos que sintetizam nossa experiência de imersão em cada modelo de interface observado neste ensaio é notável uma grande divisão de comportamento (e entendimento) entre as interfaces baseadas no monitor do computador (Figura 3, 4, 5 e 6) e aquelas que se estedem para fora dele (Figuras 7, 8 e 9). Naquelas interfaces em que a imagem está embutida no ecrã e os diálogos dependem de dispositivos de entrada de comandos ocorre uma experiência ligada à metáfora das estéticas e funcionalidades do mundo real, o que exige certo grau de conhecimento técnico do utilizador para navegar pelas ramificaçõesdo sistema. Isso faz com que a imersão do corpo seja pouco atrativa. Afinal, sabemos e sentimos que habitamos realidades opostas ao mundo digital. Neste caso ficou evidente que, quando houve alguma progressão no grau de imersão dos sentidos, ela era totalmente impulsionada pelo mergulho do olhar e da audição na realidade virtual. A razão praticamente não alterou-se quando comparada, por exemplo, com as experiências em interface de linha de comando (Figura 3) e interface touchscreen (Figura 5). Entretanto, devido ao realismo visual (a visão), a sensação de presença na simulação digital na interface de realidade virtual do Second Life (Figura 6) foi superior àquela vivenciada anteriormente (Figuras 3, 4 e 5). Por sua vez, as interfaces que se estedem para além do monitor produzem outro nível de entendimento para a noção das tecnoexperiências. Se olharmos nossos apontamentos da imersão do corpo com estes modelos identificamos um novo sentido para a forma como sentimos o espaço, os objetos e a própria realidade (Figuras 7, 8 e 9). Seja pela capacidade 15 em simular a estética (forma, textura, escala) ou pela transferência dos movimentos para a simulação (gestos), os sentidos são convencidos de que habitam o espaço artificial, criando um conflito psicológico com a razão. Este crescimento da ideia de presença no espaço virtual indica que as interfaces tecnológicas estão criando relações mais imersivas, ao menos no que condiz ao estímulo do corpo (ver, ouvir, tocar), enquanto, por hora, a razão continua a nos recordar que tratam-se de imitações da realidade física. REFERÊNCIAS Accioly, M. (2010). Isto é Simulação. Rio de Janeiro: e-papers. Baudrillard, J. (1994). Simulacra and Simulation. Ann Arbo: The University of Michigan Press. Blake, J. (2010). Multi-touch Development with WPF and Silverlight. Greenwich: Manning Press. Cabreira, A. & Mulling, T. (2012). Perspectivas Para Novas Interfaces: Kinect e integrações gestuais sob o panorama de interfaces naturais do usuário. Recuperado em 15 de fevereiro, 2015, de: http://blogs.anhembi.br/isa2012/anais/artigos/23.pdf Ferreira, E. (2010). Paradigmas do Jogar. Recuperado em 17 de fevereiro, 2015, de: http://www.sbgames.org/papers/sbgames09/culture/full/cult26_09.pdf Friedberg, A. (2006). The Virtual Window: from Alberti to Microsoft. Cambridge: The MIT Press. Garbin, S. (2010). Evolução das Interfaces Homem-Computador. Recuperado em 20 de fevereiro, 2015, de: http://www.tcc.sc.usp.br/tce/disponiveis/18/180450/tce-25112011104445/?&lang=br Grau, O. (2003). Virtual Art: From Illusion to Immersion. Cambridge: MIT Press. Jenkins, H. (2003). Towards an Aesthetics of Transition. Recurperado em 03 de março, 2015, de: http://web.mit.edu/transition/subs/aesthintro.html Kerckhove, D. (1995). A Pele da Cultura. Lisboa, Relógio D`Água Editores. Lévy, P. (1999). Cibercultura. São Paulo, Editora 34. Stephenson, N. (1999). In the Beginning Was The Command Line. New York: Avon Books. Zilles Borba, E. (2014-A). Simulação tecnológica como instrumento para o estudo da publicidade. In: Ramírez, A. e Martínez, C.J. (Orgs.). Líneas emergentes en la investigación de vanguardia. Madrid: McGraw Hill, pp. 689-703. Zilles Borba, E. (2014-B). Imersão visual e corporal: paradigmas da percepção em simuladores. In: Soster, D. e Piccinin, F. (Orgs.). Narrativas Comunicacionais Complexificadas II – A Forma. Santa Cruz do Sul: Edunisc, pp.239-258. Zilles Borba, E. (2014-C). Percepção visual em mundos virtuais. Consumindo mensagens publicitárias através dos olhos do avatar. Recuperado em 20 de fevereiro, 2015, de: http://online.unisc.br/seer/index.php/rizoma/article/view/4390 Zuffo, J.; Soares, L.; Zuffo, M.; Lopes, R. (2006). Caverna Digital - Sistema de Multiprojeção Estereoscópico Baseado em Aglomerados de PCs para Aplicações Imersivas em Realidade Virtual. Recuperado em 07 de Março, 2015, de: http://www.academia.edu/253978/ Caverna_Digital-sistema_De_Multiprojecao_Estereoscopico_Baseado_Em_Aglomerados_De _Pcs_Para_Aplicacoes_Imersivas_Em_Realidade_Virtual Zuffo, M.; Rodrigues, F.; Cabral, M.; Belloc, O.; Ferraz, R. (2012). Sistema de realidade virtual para simulador de passadiço. Recuperado em 15 de Março, 2015, de: http://sbgames.org/ sbgames2012/proceedings/papers/simulacao/W_3.pdf 16
Documentos relacionados
Corpo e Computador: interfaces sensoriais Suzete Venturelli Resumo
paredes são projetadas imagens de mundos virtuais, onde captores de movimento permitem digitalizar os comandos dos interatores. No sentido de definir os sistemas que apresentam interfaces envolven...
Leia maisBaixar arquivo - MOM. Morar de Outras Maneiras.
usuário. Ainda que Zuffo (2001) aposte no conceito de imersão total — situação em que o usuário se sente completamente envolto por outra realidade criada por estímulos computadorizados (Murray, 199...
Leia mais