O Internet-Relay-Chat como ferramenta de formação - Latec-UFRJ
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O Internet-Relay-Chat como ferramenta de formação - Latec-UFRJ
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE COMUNICAÇÃO O INTERNET-RELAY-CHAT COMO FERRAMENTA DE FORMAÇÃO DE COMUNIDADES DE CONHECIMENTO NA INTERNET SÉRGIO LUIZ TAVARES FILHO Rio de Janeiro 2007 2 O INTERNET RELAY-CHAT COMO FERRAMENTA DE FORMAÇÃO DE COMUNIDADES DE CONHECIMENTO NA INTERNET SÉRGIO LUIZ TAVARES FILHO Trabalho de conclusão de curso apresentado como parte dos requisitos para obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Prof. Dra. Cristina Haguenauer Rio de Janeiro 2007 3 O Internet-relay-chat como ferramenta de formação de comunidades de conhecimento na Internet Sérgio Luiz Tavares Filho Trabalho de conclusão de curso submetido ao corpo docente da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social. Professora Doutora Cristina Haguenauer Professor Doutor Luiz Solon Gonçalves Galloti Professora Doutora Ilana Strozemberg Aprovada em: ____ de _____________________ de ________. Nota: _________ Rio de Janeiro 2007 4 TAVARES FILHO, Sérgio Luiz O Internet-relay-chat como formador de comunidades de conhecimento na Internet. Orientadora: Cristina Haguenauer. Rio de Janeiro: ECO / UFRJ, 2007. 76 fl. Ilustrado (Inclui glossário). 1. Comunidades de conhecimento. 2. Internet-relay-chat. 3. Cibercultura. I Cristina Haguenauer (orient.). II ECO/UFRJ. Publicidade e Propaganda. IV. Título. 5 Dedico este trabalho a todos aqueles que buscam o conhecimento mesmo nos lugares onde o acesso à navegação é difícil. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família, primeiramente. Aos amigos de sempre, pelo suporte possível. Aos colegas e amigos que acreditaram. Aos professores, em especial por terem mostrado o quanto é apaixonante o estudo da comunicação. E agradeço à Lara, por tudo. 7 There is no there. Gertrude Stein 8 TAVARES FILHO, Sérgio Luiz. O Internet-relay-chat como formador de comunidades de conhecimento na Internet. Orientadora: Cristina Haguenauer. Rio de Janeiro: ECO / UFRJ, 2007. 76 fl. Ilustrado (Inclui glossário). RESUMO A ferramenta do IRC (Internet-Relay Chat), pioneira entre usuários de Internet no Brasil e dediário entre internautas do mundo todo é emblemática no que diz respeito à democracia oferecida pela Internet. O IRC é gratuito e pode ser acessado de qualquer computador conectado à rede mundial de computadores, suportando ainda qualquer caractere em qualquer idioma. Agrega usuários em canais de conversação fundados pelos próprios usuários, sendo alguns destes canais com temas ligados conhecimentos específicos – são, assim, comunidades de conhecimentos específicos. Este estudo tem por objetivo familiarizar o meio acadêmico com esta ferramenta através da análise das comunidades de conhecimento #filosofia, da rede de IRC BrasNet, e do canal #philosophy, da rede Undernet. Palavras-chave: IRC – Internet Relay Chat – Comunidades de Conhecimento – Chats – Cibercultura – Internet. 9 TAVARES FILHO, Sérgio Luiz. The Internet-relay-chat tool forming communities of knowledge on the Internet. Advisor: Cristina Haguenauer. Rio de Janeiro: ECO / UFRJ, 2007. 76 pages. Illustrated (Includes glossary). ABSTRACT The IRC (Internet-Relay Chat) tool has been more popular among brazilian Internet users, although it is still popular worldwide. IRC is a free tool, compatible with any language and it can be used in any personal computer connected to the world-wide web. IRC gathers users in conversation channels, created by them. Some of these channels has specific topics related to knowledge – therefore, communities of knowledge with specific characteristics. This study is an attempt to introduce the Academic environment to the IRC tool through the analysis of the channels #filosofia from IRC server BrasNet and #philosophy, from Undernet. Keywords: IRC – Internet Relay Chat – Communities of Knowledge – Chats – Cyberculture – Internet. 10 SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................ 12 O que é o IRC?......................................................................................................... 15 1.1 Histórico ...................................................................................................................... 15 1.2 Uso e usabilidade ........................................................................................................ 16 1.3 Mediação nos canais ................................................................................................... 16 1.4 BOTS – sentinelas e catalisadores de conversação .................................................... 16 As redes BrasNet e Undernet ................................................................................. 19 1.5 Rede BrasNet .............................................................................................................. 19 1.6 Perfil do usuário BrasNet............................................................................................. 20 1.7 Rede Undernet ............................................................................................................ 23 1.8 Perfil do usuário Undernet ........................................................................................... 24 1.9 Redes de IRC no mundo ............................................................................................. 28 A Linguagem no IRC ............................................................................................... 29 O IRC forma comunidades? ................................................................................... 35 Real e virtual no IRC ............................................................................................... 38 Múltiplas identidades no IRC ................................................................................. 43 1.10 A identidade no IRC .................................................................................................. 43 1.11 Nomes, nicknames e facetas no IRC: exemplos reais ............................................... 44 O IRC como ferramenta anti-hegemônica ............................................................. 50 1.12 Uma maneira instantânea de intercâmbio ................................................................. 50 1.13 Momentos históricos.................................................................................................. 52 Comunidades de conhecimento: panoramas de discussão ............................... 55 1.14 #Philosophy @ Undernet........................................................................................... 55 1.15 #Filosofia @ BrasNet................................................................................................. 59 1.16 De Hegel à Nanotecnologia ....................................................................................... 63 Desperdício e aproveitamento da informação no IRC ........................................ 66 11 1.17 A Internet como a Biblioteca de Babel ....................................................................... 66 1.18 O meio corporativo e a Universidade em comunidades de conhecimento ................. 67 Considerações......................................................................................................... 69 Referências .............................................................................................................. 73 Glossário .................................................................................................................. 75 Anexos ..................................................................................................................... 77 12 INTRODUÇÃO Este trabalho pretende adentrar o universo de chats do IRC (Internet Relay Chat) e das comunidades de conhecimentos específicos online, que apresentam grande profusão de discussões, debates e produção de subjetividades acerca de conhecimentos específicos. O objeto de estudo do trabalho são as comunidades de conhecimentos específicos que encontra-se no IRC. O objetivo geral do trabalho é apresentar a ferramenta do IRC ao meio acadêmico, em seus diversos usos. O objetivo especifico é familiarizar o meio acadêmico com as comunidades de conhecimento específicos. A metodologia utilizada inclui pesquisa bibliográfica na área de cibercultura e teoria da comunicação, artigos e reportagens sobre formação de comunidades e conversação via Internet, pesquisas disponibilizadas pelos servidores de IRC estudados, extratos de conversações ocorridas nas comunidades de conhecimentos específicos do IRC e análise das mesmas sob o ponto de vista funcional (temas, coesão, forma) e entrevistas com usuários do IRC. A justificativa para o trabalho, que visa esta aproximação e familiarização do meio acadêmico com as comunidades de conhecimentos específicos, é a afinidade que existe entre os interesses entre o meio acadêmico e os usuários das comunidades: enquanto o primeiro grupo procura e produz o conhecimento de maneira “formatada”, o segundo (as comunidades de conhecimentos) procuram discutir o conhecimento ainda sem um sistema de “legitimação” do mesmo. Com isto percebe-se interesses em comum (a “busca pelo conhecimento”) e uma disparidade que pode resultar em ajuda mútua: tanto o meio acadêmico pode se beneficiar da pluralidade de discursos e agilidade da 13 ferramenta, quanto as comunidades podem se beneficiar com a proximidade das mesmas junto à Academia. Para que o estudo seja melhor compreendido, procura-se apresentar primeiramente o processo da formação de comunidades no IRC e as instâncias de seu uso: processos de identidade, linguagem, conversação. Em seguida apresenta-se duas comunidades de conhecimentos específicos que possuem usuários assíduos e que conseguem, em suas discussões, transcender o uso da Internet como “entretenimento” para uma busca de debates científicos, filosóficos e ligados ao conhecimento. Os primeiros capítulos descrevem o IRC em linhas gerais: sua história, estrutura, servidores, canais, comandos de operação. O objetivo deste conteúdo é uma introdução à ferramenta para que se possa ter noção de sua utilização, recursos e possibilidades de uso. As redes BrasNet e Undernet são apresentadas no capítulo 2. Foram utilizados dados históricos da criação do IRC e das redes BrasNet e Undernet para a pesquisa. Logo após, entra-se no aspecto teórico da utilização da ferramenta, utilizando-se referências bibliográficas de autores na área de cibercultura e teoria da comunicação. Discute-se o aspecto da linguagem no IRC: a maneira como ela, por um lado, empobrece-se (na busca da rapidez) e, por outro, sofistica-se (na tentativa de suprir, com o teclado, as limitações técnicas do chat e imprimir mais personalização ao discurso). Utiliza-se extratos de conversações ocorridas nestes canais para a análise. Em seguida, pretende-se debater se o IRC forma comunidades. Comunidades são grupos de pessoas unidas por vínculos. Tais vínculos existem de fato no IRC? E, se existem, são transitórios ou permanentes? Ainda sobre o processo de utilização da ferramenta do IRC, o tópico é uma discussão sobre o “real” e o “virtual” no IRC. Tal oposição tem razão de ser? Um relacionamento mediado por computador é necessariamente menos profundo que um presencial? Esta dualidade deve ser levada em conta uma vez que não se trata apenas do conteúdo discutido, mas também da forma como ele é discutido. Nos capítulos 6 e 7 discute-se a questão da multiplicidade de personas no IRC. É o IRC uma ferramenta esquizofrênica? Ou apenas uma maneira saudável de pessoas expressarem múltiplas facetas de si próprias? 14 No capítulo 8, valendo-se novamente de fatos históricos, discute-se o IRC como ferramenta Anti-hegemônica. É o IRC um instrumento de guerrilha informativa? É uma ferramenta democrática? Aponta-se alguns momentos históricos que demonstram o quanto a ferramenta do IRC é ágil e eficiente na divulgação de informação de forma síncrona. E quanto às comunidades de conhecimento, são formas democráticas de discussão ou tornam-se elitistas e inacessíveis a leigos nos assuntos abordados? Por fim, através de extratos de conversação dos canais #filosofia e #philosophy, são apresentados panoramas de algumas discussões dentro das ditas comunidades de conhecimento e são discutidos problemas e soluções no que diz respeito ao aproveitamento de seu conteúdo. Entre os anexos, há ainda entrevistas com operadores de canais de IRC que funcionam como comunidades de conhecimento. Espera-se, enfim, que o presente trabalho seja uma contribuição ao estudo da cibercultura de forma aplicada, que transformou não apenas as possibilidades de maior intercâmbio de conhecimento (o foco do estudo), mas também a própria experiência de viver, aprender e existir em comunidade. Para facilitar a compreensão do trabalho, todas as palavras seguidas do sinal gráfico * encontram-se arroladas no glossário, na página 75. 15 1 O QUE É O IRC? O IRC (Internet-Relay Chat) é um sistema de bate-papo síncrono utilizado desde a década de 90 na Internet. Dentro de cada servidor (rede), apresenta canais de conversação e ao acessar um canal o usuário pode conversar com diversos usuários ao mesmo tempo, ou com cada um em particular. Histórico O IRC foi criado em 1988 por Jarkko Oikarinen, da Universidade de Oulu, na Finlândia. Trata-se de um dos “protocolos” de comunicação mais utilizados na Internet, é utilizado basicamente como bate-papo (chat) e para troca de arquivos, permitindo a conversa em grupo ou privada, sendo o predecessor dos mensageiros instantâneos. A diferença é que no IRC converas-se em canais (“salas” virtuais criadas pelos próprios usuários de cada rede), em princípio abertas a todos, diferentemente do MSN, onde são trocadas mensagens apenas com os membros de sua lista particular. Os servidores não são necessariamente isolados, também podem ser reunidos em rede. Grandes redes podem reunir, em horário de pico, dezenas de milhares de pessoas. Há múltiplos servidores que se ligam a redes maiores, assim, todos conversam na mesma rede sem haver “sobrecarga”. 16 1.1 Uso e usabilidade Ao inicializar o mIRC (programa popular para o acesso ao IRC), inicia-se a janela status*. A partir dela, o usuário digita os comandos desejados para acessar os canais de bate-papo. Primeiramente, escolhe seu nickname (apelido)*, em seguida o servidor de rede e então os canais propriamente ditos. Acessando os canais, o usuário visualiza uma tela com as conversações. Cada frase é precedida pelo nickname do autor da frase. Ao lado, há uma lista com os nicknames dos usuários presentes no canal. Como no exemplo da página 18 (Ilustração 1), há a possibilidade de entrar em múltiplos canais em múltiplas redes simultaneamente. Há também a possibilidade de, ao dar um duplo clique no nome de um usuário, iniciar uma conversa particular. 1.2 Mediação nos canais Os canais contam com operadores*. Eles podem mudar os modos do canal (os canais possuem um tópico e algumas regras, como, por exemplo, só permitir a entrada de usuários com nicknames registrados na rede, para evitar usuários-fantasma que estão fazendo propagandas). No que diz respeito a este controle, o mais importante é o fato de que os operadores podem banir* usuários dos canais. Em tese, isto se aplica apenas para usuários que estejam infringindo as regras estabelecidas dos canais: repetindo frases excessivamente, utilizando temas ou vocabulário que não estejam de acordo com o canal. Mas é freqüente ver, em alguns canais, desentendimentos pessoais com operadores serem fator de banimento. 1.3 BOTS – sentinelas e catalisadores de conversação Alguns elementos extras povoam os canais do IRC, como, por exemplo, os BOTs. São “robôs”, ou seja, programas de computador que “cuidam” do canal. Banem usuários que estejam infringindo regras (propagandas, repetição excessiva de frases, palavrões), 17 oferecem jogos (como, por exemplo, em jogos de perguntas), temas e assuntos em comunidades de conhecimento, como o BOT Skept do canal #philosophy, acionado pelo comando “[wheel]”: <I_Ronnie^> so what topic would you like to discuss stratus? <stratus4life> let's wheel <stratus4life> [wheel] <Skept-> Here in the Philosophy channel, we can communicate ideas without knowing race, or age, or where another lives. What is important, in the context of human interaction, for us to KNOW about others?1 O BOT tem um banco de dados de temas e propostas filosóficas para debates. O “abastecimento” deste banco de dados é feito pelos próprios usuários, simplesmente encaminhando uma pergunta ao BOT. 1 <I_Ronnie^> que assunto você gostaria de discutir, stratus? <stratus4life> vamos girar a roda <stratus4life> [wheel] <Skept-> Aqui no Philosophy, podemos comunicar idéias sem saber a raça, idade, ou localização das pessoas. O que é importante, no context da interação humana, que nós SAIBAMOS sobre os outros? 18 Ilustração 1: Tela de IRC em servidores BrasNet (canais #mp3 e #filosofia) e Undernet (#philosophy). Fonte: captura da imagem do IRC em uso simultâneo na rede BrasNet e Undernet, em 25 de jan. 2007. O IRC não é difícil de se usar e tem adeptos no mundo todo. No Brasil, a rede BrasNet engloba a rede BrasIRC, sua principal concorrente. 19 2 AS REDES BRASNET E UNDERNET Este trabalho tem por objeto de análise os canais #filosofia (rede BrasNet) e #philosophy (rede Undernet), entretanto antes de chegar-se aos canais propriamente ditos, avalia-se algumas características das redes, a fim de traçar um perfil genérico de seus usuários. Rede BrasNet Fundada no início do ano de 1996, começa com dois servidores e um grupo de amigos freqüentadores de um canal de bate-papo de uma rede americana de IRC. A BrasNet atrai a atenção dos usuários brasileiros e também de diversos provedores que iniciam suas operações na época. Nos seis primeiros meses a rede conta com 10 provedores conectados e cerca de 300 usuários simultâneos nos horários de maior movimento. No final de 1996 a rede alcança picos de 1000 pessoas conversando simultaneamente, passando para 2500 no final de 1997. Em 1998 há um crescimento de 100% e em 1999 o crescimento é de 300%, chegando a 15 mil usuários simultâneos. Em julho de 2000 ultrapassa o patamar de 18 mil com uma média de 300 mil conexões diárias. No início de 2001 há mais um salto no crescimento da rede: o pico de 22 mil usuários simultâneos e um fluxo diário de 400 mil conexões por dia. Em seis meses (junho/2001) o recorde alcançado foi de 28 mil e em janeiro de 2002, 36 mil usuários simultâneos. O crescimento da rede durante o ano de 2002 acompanha o amadurecimento da Internet no Brasil, com a disseminação da banda larga. Os usuários aumentaram seu 20 tempo de permanência e, em janeiro de 2003, a BrasNet alcança a marca de 48 mil usuários conectados em horário de pico com um fluxo superior a um milhão de conexões por dia. Durante o ano de 2003 o crescimento se acentua, alcançando os recordes de 53 mil em julho e 60 mil em novembro. É interessante observar que no início das férias escolares o tempo de permanência dos usuários aumenta consideravelmente, fato justificado pela maioria dos usuários da rede ser constituida por jovens entre 12 e 24 anos. Os usuários de bate-papo são tipicamente medium users e heavy users, ou seja, usuários que utilizam a Internet numa freqüência regular ou intensa, respectivamente. Cerca de 81% dos internautas brasileiros que utilizam bate o IRC se encontram nessas categorias. Além disto, a maioria deles (84%) está entre as classes A e B (BRASNET, 2004). 2.1 Perfil do usuário BrasNet Segundo os gráficos abaixo, disponibilizados pela rede BrasNet em seu sítio oficial, o perfil do usuário reflete com fidelidade o perfil do internauta brasileiro: em sua maioria são jovens, sexo masculino, de 12 a 24 anos. Quanto aos adultos, o maior número de acesso é entre com idade entre 25 e 34 anos. Aproximadamente 6% dos usuários da rede tem mais de 55 anos, o que é surpreendente se for levada em consideração a dificuldade do idoso para a “alfabetização digital”. Isto pode ser considerado também um reflexo da usabilidade acessível do IRC. Abaixo seguem gráficos, respectivamente, sobre a distribuição por sexo, idade, região, escolaridade e profissão. 21 22 23 Fonte: Rede BrasNet, 2005. 2.2 Rede Undernet A Undernet é uma das maiores redes de IRC do mundo, estabelecida em outubro de 1992 como uma rede experimental para testar uma nova versão do programa de servidor de IRC Efnet Irc2.7. O intuito de diminuir problemas de tráfego na rede, que sobrecarregada, faz com que a partir desta data a Undernet cresça e solidifique-se. A Undernet surge numa época em que muitas pequenas redes de IRC estavam sendo criadas e logo depois desaparecendo. Entretanto, a Undernet consegue tornar-se uma das maiores redes de IRC, mesmo passando por alguns problemas iniciais como, em 1994, uma flame war (guerra de mensagens destrutivas sem o intuito de conversação, também comum em fóruns de Internet). A Undernet tem aproximadamente vinte servidores de IRC, que possibilitam uma conexão média de 120 mil usuários a todo momento. Além do impressionante número de canais, a rede conta com muitos funcionários e voluntários ajudando novos usuários. A Undernet provê uma série de canais de suporte para os iniciantes, como por exemplo #cservice, #help, #helpchan, #mIRC, #beginner. Para ajuda na exclusão de vírus/trojan/malware, a rede oferece os canais #vh, #DmSetup or #NoHack. 24 Há ainda um canal oficial da rede para conversa amigável, #normalpeoplehateme (“pessoas normais me odeiam”). Além disso, a rede promove aulas em tempo real para operadores de canais e aulas básicas de utilização do mIRC. Estas iniciativas compõe um cenário acolhedor para o usuário, que muitas vezes tem o programa instalado no computador mas não sabe utilizá-lo devidamente. E se sabe, muitas vezes não consegue “navegar” pelo programa encontrando informações de seu interesse. 2.3 Perfil do usuário Undernet Pode-se falar sobre o perfil de usuários da Undernet a partir das pesquisas que o site do servidor faz regularmente. São pesquisas informais, uma vez que não se precisa preencher cadastros. As perguntas visam traçar um perfil geral do usuário. Algumas alternativas de resposta são absurdas, como por exemplo a da localidade (“sou um pingüim do Pólo Norte”). É possível que este seja um recurso para evitar que os usuários que não estejam interessados em fornecer os dados corretamente respondam a pesquisa de maneira irreverente. Algumas perguntas não são relativas ao universo do IRC. Fornecem, contudo, algumas informações interessantes sobre o perfil sócio-cultural do usuário enquanto “consumidor”. Pesquisas da rede Undernet – 1994-2007 Pergunta/Resposta Total de Votos Percentual Você pagou pelo mIRC? 2. Não 1213 62% 3. Não utilizo mIRC 460 23% 1. Sim 291 15% Você tem seu próprio canal? 25 3. Sim, tenho meu próprio canal com o BOT X. 479 35% 2. Não, não, apenas fico em canais de outros usuários. 443 33% Eu faria se o BOT X me deixasse registrar. 234 17% 1. Canal? Não tenho televisão! 197 15% Você gostaria de mais encontros presenciais? 1. Sim! 1363 60% 3. Eu não ligo. 700 31% 2. Não! 217 10% 1. Desde 1994 646 18% 4. Desde 1997 457 13% 3. Desde 1996 450 13% 5. Desde 1998 441 12% 2. Desde 1995 374 11% 6. Desde 1999 371 10% 7. Desde 2000 315 9% 9. Desde 2002 259 7% 8. Desde 2001 234 7% Há quanto tempo você usa o IRC? Quanto você se lembra do antigo logo da Undernet? 5. Nós temos um logo? 384 38% 1. Muito. 288 28% 3. Não ligo. 127 12% 26 6. O atual é melhor. 118 12% 2. Um pouco. 55 5% 4. Não me lembro. 45 4% 2. De uma a cinco horas por dia. 353 78% 1. Menos de uma hora por dia. 98 22% 2. Coca-cola 2863 56% 1. Pepsi 1653 32% 3. Nenhuma das duas. 637 12% Quanto tempo você passa no IRC? Pepsi ou Coca-cola? Que você acha da newsletter da Undernet? Não sabia que havia uma 382 41% É chato, nunca li 276 30% Muito interessante, nunca perco os artigos 127 14% Passo esta pergunta 94 10% Muito hi-tech pra mim. Leio às vezes. 48 5% Arrumar uma namorada/namorado 509 46% Não, minha vida é perfeita 305 28% Parar de fumar 159 14% Diminuir uso do IRC 128 12% Qual sua resolução de ano novo? Como devemos nos referir ao servidor do Canadá e EUA? 27 1. na.Undernet.org (na = North America) 935 50% 2. us.Undernet.org (us = United States) 921 50% 3. Europa 1490 41% 1. América do Norte 948 26% 5. Ásia 349 10% 2. América do Sul 301 8% 8. Sou um pingüim do pólo sul 271 7% 7. Sou Papai Noel, do pólo norte 118 3% 4. África 76 2% 6. Oceania 75 2% De onde você é? Fonte: Rede Undernet, 1994-2005. Através das pesquisas vê-se que 62% dos usuários não pagaram pelo mIRC. O mIRC tem uma versão demo disponível em seu sítio oficial. Com a expiração da data de licença, contudo, o programa continua funcionando, apenas exibindo um aviso ao ser iniciado. A pesquisa também informa que 35% dos usuários do servidor têm seus próprios canais registrados (praticamente a mesma quantidades de usuários que apenas visitam canais existentes). Criar e registrar um canal nos BOTs da Undernet demanda um conhecimento um pouco mais aprofundado da ferramenta. Isso suscita outros ítens da pesquisa, como o ano de início de utilização do IRC (1994 para a maioria, 18%) e o tempo diário online: enquanto 22% dos usuários que responderam à pergunta ficam online por menos de uma hora, 78% afirmam ficar de uma a cinco horas por dia na rede. 28 Apesar deste uso intenso, interação entre rede e usuário nos moldes da relação entre produto e consumidor não é grande: quase metade dos usuários não conhece a newsletter2 da rede e 40% não se lembra da antiga logomarca da empresa. A maioria dos usuários concentra-se na Europa (41%) e seguem respectivamente os demais continentes: América do Norte (26%), Ásia (10%), América do Sul (8%), África e Oceania (2%). Peculiaridades da pesquisa: Os usuários da América do Norte dividem-se em dois blocos para o nome do servidor da América do Norte (que faria as conexões do Canadá e dos Estados Unidos da América): a referência na.Undernet com 50% (Undernet North America), contra também 50% de us.Undernet (Undernet United States). Dos entrevistados, 60% afirmam que gostariam de mais reuniões presenciais da rede – os ditos “IRContros”. A Undernet ainda oferece canais onde são ministradas aulas para utilização de BOTs e iniciação para usuários que não dominam ainda a ferramenta plenamente. 2.4 Redes de IRC no mundo Atualmente existem milhares de redes de IRC no mundo. Muitas redes diferentes, mas todas podem ser acessadas com o mesmo programa de acesso ao IRC. Algumas das maiores redes de IRC são: 2 AustNet DALnet EFnet IRCnet QuakeNet Undernet Periódico com notícias, reportagens e artigos enviados por empresas através do e-mail. 29 3 A LINGUAGEM NO IRC Por mais que a Internet esteja subvertendo a escrita (com o uso generalizado de abreviações e de todo um sistema para-gramatical), não se pode dizer que ela a esteja negligenciando. Talvez nunca se tenha lido e escrito tanto na História. Para se instalar qualquer programa (a começar pelo próprio sistema operacional), é preciso entender o que dizem as frases do seu utilitário de instalação. Para se acessar um sítio, é preciso digitar seu endereço. Para se usar qualquer um dos muitos instrumentos de comunicação pessoal existentes (MSN Messenger, ICQ, AIM, etc.), é necessário, antes de mais nada, entender o que dizem seus botões (que estão grafados em linguagem escrita) e, depois, é necessário também usar linguagem escrita para se comunicar com os outros usuários do mesmo programa. O IRC é uma expressão clássica das criações e desvios lingüísticos surgidos com a Internet. Mesmo tendo mudado bastante sua estrutura desde sua criação, ele continua só permitindo o uso de caracteres de texto. No máximo, caracteres coloridos, sem imagens ou sons. É dentro destas limitações que os internautas trabalham. Em toda a lingüística do IRC há dois movimentos: um é o do empobrecimento da língua, resultado da necessidade de se estabelecer diálogos rápidos. Neste caso, tem-se como melhor exemplo as abreviações. O outro é o do enriquecimento da língua, que surge em virtude das limitações técnicas de um chat (que não possui tom de voz, gestos, olhares e tudo o mais que há numa conversa presencial). Aqui tem-se os “emoticons”, para citar apenas um caso. Veja-se isso melhor adiante. 30 A linguagem do IRC é, por óbvio, escrita. Por outro lado, como a troca de mensagens ocorre com enorme rapidez, ganha contornos de linguagem falada coloquial. “ (...) a conversação online é uma nova forma híbrida que é, ao mesmo tempo, falada e escrita e ainda assim não é completamente nenhuma. É falar através do escrever. É escrever porque você digita em um teclado e as pessoas lêem. Mas por causa da natureza efêmera das letras luminescentes na tela, e porque são tão rápidas – algumas vezes instantâneas – as mudanças, é mais semelhante ao falar.” (Coate, 1998, citado em RECUERO) No canal #filosofia (rede BrasNet) há certo conservadorismo no uso dos caracteres, o que constitui uma excessão dentre os demais canais do IRC. No #filosofia busca-se, de preferência, usar uma linguagem formal, até como forma adequada de suporte à “seriedade” dos temas tratados. Mas, ainda assim, pode-se notar subversões. No #philosophy, um alerta é acionado quando faz-se o uso excessivo de abreviações. Além de contrações e abreviações há uma série de recursos utilizados pelos participantes dos canais para enriquecer as conversas. Inclusive tentando adicionar recursos expressivos que em princípio só seriam possíveis numa interação presencial. Numa conversa “ao vivo”, paralelamente às frases, existe a entonação com que elas são pronunciadas, gestos, movimento dos olhos. Há toda uma gama de significados atuando conjuntamente. No IRC, só há os caracteres de texto, que buscam suprir esta relativa pobreza expressiva. Antes de mais nada, tem-se as cores. As cores podem ser usadas como mecanismo expressivo. Por exemplo, o vermelho para significar urgência. Mas via de regra são utilizadas como mecanismo de formação de identidades: o torcedor do Flamengo que só escreve em preto e vermelho, por exemplo. Os usuários também podem optar por escrever com todas as letras em maiúsculas, o que equivale a gritar: <João3> NÃO! O “grito”, assim como numa conversa presencial, não é bem visto no IRC. Além da compatibilidade da linguagem, é também necessária a compreensão de uma etiqueta 3 Usuário ficcional 31 comum. Os participantes que não se enquadram via de regra são expulsos do canal #filosofia, que utiliza o recurso de expulsão (kick/ban) indiscriminadamente. No canal #philosophy, raramente vê-se uma expulsão, todavia também é raro encontrar pessoas que infrinjam as regras propositadamente, como acontece no #filosofia. Algumas regras de etiqueta não são universais como, por exemplo, a do uso da tecla Caps Lock, que é sabidamente indesejada nos canais de conversação. É o caso das mensagens particulares (ou Private Messages, também conhecidas como PVT): no canal #philosophy, pressupõe-se que estão todos num debate aberto, portanto não é recomendada a utilização da mensagem particular. Isto influi diretamente no ideal da construção dos vínculos desta comunidade. Mesmo sob estas regras algumas pessoas conversam em particular sem estarem necessariamente infringindo estas regras: quando trata-se de um comentário sobre o assunto no canal ou sobre um usuário, pode ser configurada a falta de etiqueta (como falar ao ouvido de alguém com outros presentes). Entretanto se o assunto é relevante apenas aos dois usuários, ou se há o intuito de obter informações pessoais como a típica pergunta “ASL?” (ou “Age, Sex, Location?”4), a conversa se afasta do assunto do canal e não é considerada falta de educação. A repetição de letras dentro de uma palavra, especialmente vogais, também cria a impressão de grito. E também a repetição de pontos de exclamação. Este recurso pode ou não vir acompanhado do recurso anterior: <João> NÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOO!!!!! Outro recurso parecido é a “soletração” das palavras, que visa a conferir ênfase ao que é dito: <João> N-Ã-O! <John> N-O! Há ainda os emoticons. Emoticons são caracteres de texto dispostos de maneira que pareçam rostos expressando alguma emoção. Por exemplo: 4 :-) para designar um sorriso; :-( para designar tristeza; “Idade, sexo, localização?”, pergunta típica no início de conversas particulares nos chats internacionais de IRC. 32 >:-( para designar raiva; :-P para designar ironia ou provocação (perceba-se que o P ilustra uma língua de fora) etc. Assim como os demais recursos expressivos, os emoticons servem para tornar mais claras as mensagens. Sobretudo quando pode haver incompreensão, como no caso das ironias. Eles também são muito usados na construção de identidades por parte dos usuários dos canais. Muitos inventam seus próprios emoticons e passam a utilizá-los com freqüência, às vezes após cada mensagem. Além de tudo isso, existem as onomatopéias: Tsc,tsc para expressar desaprovação (Português); Hahahaha para expressar riso (Português e Inglês); Kkkkkkkk para expressar riso (Português); Huahuahuahua para expressar gargalhada (Português e Inglês); Aff para expressar impaciência (Português); Smack para expressar beijo (Português e Inglês); Sniff, sniff para expressar choro (Português e Inglês); Ohhh para expressar surpresa (Português e Inglês); Hmmm para expressar dúvida (Português e Inglês); Ufa para expressar alívio (Português); Wow para expressar espanto (Inglês); Gee também para expressar espanto (Inglês); etc. Um recurso muito interessante é o da descrição de “ações”, que aparecem na tela precedidas de asteriscos, o chamado recurso “reverso”, pois começa-se a frase com o comando “/me”, publicando assim uma frase do tipo “ação”. Ao usuário ficcional que utiliza o nickname Joao digitar a frase “/me aperta a mão de Pedro”, na tela será exibida a seguinte frase: * João aperta a mão de Pedro Obviamente João não aperta fisicamente a mão de ninguém, mas este imaginado comportamento não-verbal contribui para construir a fantasia de um encontro físico entre os usuários. 33 Mas o IRC não é só riqueza expressiva ou construção de um ambiente físico imaginário. A busca da rapidez faz com que, muitas vezes, a linguagem seja truncada, abreviada. Vejam-se algumas abreviações muito utilizadas: Vc – você (Português) Aki – aqui (Português) P/ – para (Português) Kd – cadê (Português) Blz – beleza (Português) Ksa – casa (Português) D+ – demais (Português) Tc – teclar, ou seja, conversar (Português) 4 – for (Inglês) U – you (Inglês) 2 – too (Inglês) BOT – both (Inglês) R – are (Inglês) Também são muito usados os acrônimos, agrupamentos das letras iniciais de palavras. LOL – laughing out loud, rindo alto, ou lots of laughs, muitas gargalhadas (Português e Inglês) ROFL – rolling on the floor laughing, rolando no chão de rir (Inglês) ROTFLOL – rolling over the floor laughing out loud, rolando no chão de tanto rir (Inglês) BBIAB – be back in a bit, de volta em um Segundo (Inglês) BRB – be right back, já volto (Inglês) Rs – risos (Português) Afirmar que a interação via Internet é um tipo de interação enriquecida ou empobrecida é complexo. Um usuário do IRC tem a oportunidade de conversar com pessoas de todo o mundo enquanto que, se não acessasse a ferramenta, tal intercâmbio não serioa possível. Entretanto, pergunta-se se ele procuraria mais interatividade em grupos, conversando mais com amigos próximos e familiares. “Expostos aos contatos facilitados da tecnologia eletrônica, perdemos a habilidade de nos engajar em interações espontâneas com pessoas reais (...) no intuito de 34 escaparmos de interações complexas, confusas, imprevisíveis, difíceis de interromper e de abandonar com pessoas reais.” (BAUMAN, 2005, p. 101) 35 4 O IRC FORMA COMUNIDADES? Este trabalho pretende analisar, além das comunidades de conhecimento #filosofia e #philosophy, o processo da utilização do IRC. Para tanto, discute-se a questão das comunidades virtuais, uma vez que a formação de comunidades influi no uso da ferramenta de conversação e na natureza de interação entre seus usuários. A definição geral de comunidade, aplicada à ecologia e à sociologia, consiste no conjunto de seres vivos inter-relacionados que habita um mesmo lugar. Na ecologia pensa-se em ecossistema e interação, enquanto que na sociologia afirma-se que a comunidade existe a partir de interesses mútuos entre os que habitam ou freqüentam um mesmo local e se organizam dentro de um conjunto de normas. Segundo a definição que consta na Wikipedia (e não havia melhor fonte para se procurar num trabalho sobre comunidades virtuais, uma vez que a própria Wikipedia é fruto de um trabalho coletivo que formou uma autêntica comunidade de colaboradores e contribuintes para o projeto), uma comunidade virtual se estabelece quando há relações num espaço virtual através de meios de comunicação a distância. A comunidade virtual, portanto, “caracteriza-se pela aglutinação de um grupo de indivíduos com interesses comuns que trocam experiências e informações no ambiente virtual”. Na definição da enciclopédia livre, ainda destaca-se o fato de que a dispersão geográfica dos membros contribui para a potencialização da criação de comunidades virtuais. Isto é verificado no IRC, que possui milhares de canais internacionais e nacionais, onde só se restringe geograficamente o perfil de seus usuários quando a 36 própria comunidade em si é ligada a um fator geográfico (por exemplo, os canais #SãoPaulo ou #Rio). Partindo do princípio de que os vínculos são parte fundamentadora de uma comunidade, nas comunidades de conhecimento do IRC eles são o tema destas comunidades. É possível comparar a formação do senso de comunidade nos canais de conhecimento a um diagrama de conjuntos matemáticos onde os subconjuntos são todos recortes contidos nos conjuntos maiores: pessoas que empreendem tempo explorando o espaço virtual nos finais de semana, tardes ou madrugada; dentre estas, pessoas que procuram interação do tipo chat; dentre estas pessoas, aqueles que procuram temas de seu interesse nestes chats. Nestes dois últimos “conjuntos”, a ordem pode ser inversa e pode ser uma interseção com um grupo de pessoas que sequer usa o IRC – pessoas interessadas em debater temas de seu interesse. Acontece que, habituadas ao ciberespaço, tais pessoas recorrem à ferramenta de chat conhecida e assim passam a fazer parte das comunidades de conhecimento. A questão da inclusão e alfabetização digital é que poderia tornar estes dois grupos mais próximos de ser um só. O IRC é uma ferramenta de tempo real e amplamente aberta a “visitação”. Mesmo as comunidades de conhecimento, por terem um número relativamente estável e constante de usuários online, acabam por ser um canal “walk in” (ou seja, o usuário de IRC visita os canais de conhecimento para ver se ali se há algo que lhe interessa, ainda que ele não esteja habituado a discutir filosofia ou política). No IRC há um constante sentimento de “Ei, alguém me ouve?”, lembrando os primórdios do rádio amador ou outros equipamentos que buscavam a comunicação a distância – e isto, por si, já forma vínculos, ainda que transitórios. É comum que usuários se encontrem em momentos onde uma conversação com outra pessoa não é facilmente possível (numa madrugada, por exemplo). Assim, se há alguém “na escuta” isto é o bastante para que se entabule uma conversação: o vínculo comum é que duas pessoas estejam, naquela hora, conectados ao IRC. O estabelecimento de um vínculo contínuo acontece pelo fato simples de que os canais de conhecimento concentram usuários com interesses comuns e “fidelizam” suas 37 relações com o IRC. Não existem tantos interessados em política ou filosofia como existem interessados em música, portanto existem muitos canais de troca de arquivos de MP3. Este interesse gera pouca identificação entre usuários, a não ser que gostem do mesmo tipo de música. Sendo assim, nos abrangentes canais de troca de música existem vínculos transitórios, com freqüentadores assídios que não necessariamente reconhecem-se. Todavia, o usuário fã da banda Pink Floyd poderá acessar o canal #PinkFloyd e lá encontrará um número mais reduzido de usuários que conversam sobre a banda e, em algumas vezes, mantêm-se no canal apenas para que este esteja vinculado à sua identidade no IRC. Percebe-se, na chegada de usuários que se conhecem, uma saudação afetuosa e até certa satisfação das partes por estarem online na mesma hora. Assim entra-se na questão da formação da identidade, quando o indivíduo passa a fazer parte de comunidades de acordo com seus interesses. Algumas vezes, passa a fazer parte de muitas comunidades, como se aquilo fosse lhe definir melhor a identidade (fenômeno observado não apenas no IRC mas também no Orkut, popular sítio de relacionamentos), formando assim na maior parte vínculos transitórios e fluidos. Zygmunt Bauman afirma que “quando a qualidade não está disponível, você tende a procurar redenção na quantidade. Se os compromissos, incluindo aqueles em relação a uma identidade particular, são „insignificantes‟, você tende a trocar uma identidade, escolhida de uma vez para sempre, por uma „rede de conexões‟.” (BAUMAN, 2005, p.37) 38 5 REAL E VIRTUAL NO IRC As concepções corriqueiras para o termo “real” são: aquilo que existe de fato, aquilo que é tangível. Já a palavra “virtual” vem do latim medieval virtualis. Este, por sua vez, vem de virtus: força, potência. Hoje, o significado usual de “virtual” é: aquilo que não existe de fato, mas como potência; aquilo que é intangível. Se não há muitas dúvidas de que os relacionamentos tête-à-tête são reais, convém discutir a suposta “virtualidade” dos relacionamentos mediados por computador. Como se dá uma conversa presencial? O som que sai da boca de cada interlocutor se propaga no ar até atingir o aparelho auditivo do outro. O ar é o meio de propagação do som. A luz reflete-se nos corpos dos falantes e forma uma imagem no aparelho visual de cada um. A luz propaga a imagem. No IRC, a diferença é que mudam as mediações envolvidas no processo. Num chat, cada teclado e placa de silício faz a mediação do usuário com o processador de sua máquina. O processador, por sua vez, faz a mediação da relação entre o teclado e a memória, e também a relação entre a memória e o modem (que é quem vai enviar e receber os caracteres de texto). O servidor, por sua vez, faz a mediação da relação entre os diversos caracteres enviados por cada usuário. Portanto, “não existe, a rigor, diferença entre uma interação ao vivo e uma interação por computador” (DA ROCHA). São todas mediadas. Quando se define o termo “real” como um dos pólos de uma oposição, subentendese, necessariamente, que o outro pólo é “não-real”. E o que é “real”? O que “existe de fato”? 39 Vá-se à segunda definição corriqueira para o termo: “aquilo que é tangível”. De fato, é possível tocar um jornal de papel, mas impossível fazer o mesmo com o website da CNN. – embora ambos existam de fato. E as relações? Não são todas as relações intangíveis – sejam ou não mediadas por computador? Relações são, de fato, abstrações teóricas. O que existem são duas ou mais mentes nas quais estão gravadas a aparência, o tom de voz, os hábitos e o tipo de relacionamento que há com o Outro. Isto vale para relações presenciais ou internéticas. Assim sendo, todas as relações seriam virtuais, no sentido da intangibilidade. O filósofo da informação Pierre Lévy também problematiza esta discussão. Para ele, o contrário do virtual não é o real, mas o atual. Eis sua definição de virtual: “é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização”. (LÉVY, 1996, p.16) Para ele, o contrário de real é o possível. O possível é um real sem existência. Essa definição de virtual, apesar de intrigante, aproxima-se da concepção vulgar “aquilo que não existe de fato, mas como potência”. Como exemplo, Lévy fala da árvore que está virtualmente presente na semente. Tal concepção talvez sirva para descrever os bens culturais disponibilizados pela Internet – textos, imagens, vídeos que, para se tornarem “atuais”, precisam ser decodificados e interpretados por alguém. Mas não funciona quando se quer tratar das relações que se dão por meio do IRC, e mesmo da Internet como um todo. Como dizer que uma amizade surgida via IRC é apenas um “nó de tendências e forças”, que necessita de uma “atualização”? Como já se disse, a Comunicação Mediada por Computador (CMC) apenas sofre mediações diferentes da comunicação presencial. Não há diferença de natureza entre elas. No sentido da potência, uma amizade via IRC não é virtual. Além disto, tente-se diferenciar na prática o possível do virtual. E o real do atual. Está aí uma tarefa inglória. Lévy parece ter tentado dividir o indivisível, separar o inseparável. Já Eduardo O. C. Chaves (1999) propõe duas definições para o termo virtual. Poderia, por um lado, representar aquilo cuja existência é “fraca”. Aquilo que ocorre em 40 peças de teatro, filmes, poemas, contos. É o imaginado. Nesta concepção, a humanidade conviveria com a virtualidade desde os seus primórdios. “A realidade dita virtual de hoje é, portanto, uma realidade que se distingue, conceitualmente, do reino do ficcional e do imaginário”. Para ele, uma livraria virtual existe num sentido “forte”: os livros anunciados em seu sítio existem, o dinheiro pago pelos clientes é real, as compras são efetivamente (espera-se) entregues na casa dos consumidores. Esta posição retoma o que foi dito no início: que não existe diferença de natureza entre uma interação presencial e uma interação mediada por computador. Algumas espécies de “apresentação de si mesmo” são mais comuns na CMC, como por exemplo o estudante entrevistado por Sherry Turkle (autora de A vida no écrã), que apresenta-se na Internet ora como um vaqueiro másculo, ora como uma mulher sedutora, ora como um coelho (WIRED, janeiro de 1996). Pode-se dizer que no IRC, por um lado, ocorre uma espécie de desterritorialização das relações. No lugar do território, a força maior de diferenciação interpessoal é o idioma. Em princípio, pouco importa se você escreve de Angola ou Portugal, contanto que eu entenda o que você escreve. E pouco importa se você é meu vizinho, caso você fale grego. O aspecto do território deve ser bem assinalado, porque, como base física dos relacionamentos tradicionais, é freqüentemente associado à própria noção de realidade. Por outro lado, não é correto dizer que no IRC não haja absolutamente territórios delimitados. Eles apenas são menos rígidos e diferentes dos do mundo “real”. Cada canal possui seus OPs (operadores), que atuam como aristocratas no pequeno território virtual a eles confiado. Antes de mais nada, eles podem exigir que apenas usuários com nicknames registrados possam entrar nos seus canais. Tal qual os países que exigem passaporte de quem deseja neles adentrar. Era o caso do #filosofia. E, uma vez lá dentro, os participantes podem ser expulsos (kick) ou banidos (ban) do canal. Basta, para isto, irritar algum dos OPs. No #filosofia, em especial, há uma longa lista de usuários banidos. Além das punições evidentes, existem outras maneiras mais sutis de fazer um usuário se sentir fora de casa nos canais e elas variam de acordo com os canais. 41 Os canais do IRC não são democracias, mas nem por isto os aristocráticos OPs podem fazer o que bem entenderem nos territórios virtuais que lhes cabem. O abuso de poder por parte dos OPs pode levar à criação de canais dissidentes, como o #humanidades (cisão do #filosofia). No IRC, qualquer um pode criar e gerir seu próprio canal. Nem o mais absolutista dos monarcas pode ignorar totalmente a vontade de seu povo. No IRC, pouco se usa a função fática. As conversas se iniciam com rapidez. Basta um usuário dizer “alguem quer teclar?” ou trazer algum assunto à baila – “vocês acham que a filosofia é uma ciencia ou não?” – para as discussões começarem. Isto não costuma ocorrer quando duas pessoas estão uma em frente à outra. “Quem contacta um desconhecido num café? E quem hesita em o fazer num chat?” (PINTO, 2004, p. 4) A falta de pudores sociais no IRC também está relacionada à possibilidade do anonimato. Mas isto será analisado mais à frente. “Talvez o ciberespeaço seja um dos lugares públicos informais onde possamos reconstruir os aspectos comunitários perdidos quando a mercearia da esquina se transforma em supermercado” (RHEINGOL, apud PINTO, 2004, p.4). Sucederia aqui a “destruição criadora” de Schumpeter – o mesmo progresso que destruiu comunidades tradicionais as estaria recriando em novas bases? A urbanização iniciada na primeira Revolução Industrial, e aguçada no século XX, transportou bilhões de pessoas a um mundo impessoal e distante. Quanto maior a densidade populacional, menos profundas parecem ser as relações humanas. Neste contexto, a Internet talvez esteja causando um retorno às origens. Todo mundo sente-se livre para iniciar uma conversa com todo mundo, assim como numa cidadezinha do interior. Se antigamente o vínculo passageiro que havia entre indivíduos que compartilhavam um ambiente (digamos, um vagão de metrô) era corriqueiro, “hoje o evitamos para procurarmos desesperadamente por conhecidos em nossos aparelhos de celular” (BAUMAN, 2005). O IRC parece reverter a realidade ao estado anterior. Sherry Turkle é professora de Sociologia do MIT (Massachussets Institute of Tecnology). Numa entrevista à revista FAMECOS, recorda: “quando os encontro [os colegas] nos corredores do MIT, por exemplo, não estamos ali uns pelos outros, mas para fazer cada um o seu trabalho. Quando as pessoas participam online de uma 42 comunidade virtual, estão ali para responder umas às outras” (FAMECOS, dezembro 1999). Estar dentro do IRC não é uma obrigação, mas uma vontade. Turkle também propõe uma divisão menos radical, para dar conta de explicar os novos tempos. Para ela, em vez de virtual versus real, mais correto É dizer: virtual versus R-V, resto da vida. Isto porque ambas as dimensões possuem, cada uma a seu modo, sua própria existencialidade. No dia-a-dia da Internet, o que se percebe é uma crescente permeabilidade na duvidosa fronteira que supostamente separaria o “real” do “virtual”. No IRC, são bastante freqüentes os chamados “ircontros”, encontros físicos entre os participantes dos canais. Nesse sentido, a desterritorialização (mencionada anteriormente) se relativiza, e há uma predileção por estabelecer relações com pessoas que estejam fisicamente próximas para facilitar os encontros pessoais. Via de regra, relacionamentos “virtuais”, à medida que ganham profundidade, produzem a necessidade de existência de um prolongamento físico. E esse prolongamento físico, quando acontece, não elimina a necessidade e a vontade da conversa online. São duas esferas (se é que há mais de uma) complementares, não excludentes – digamos, por exemplo, que o flerte ganha novas ferramentas, pois uma mensagem no MSN ou um encontro “por acaso” no IRC não é o mesmo que dar um telefonema à outra pessoa. Por isto é que atribuir à conversação online a expressão “realidade virtual” parece tão adequado: é virtual, mas nem por isto deixa de ser real. 43 6 MÚLTIPLAS IDENTIDADES NO IRC Carl Jung dizia que o ser humano é um todo divisível. Para ele, a alma humana é composta por várias partes. Entre essas partes, haveria algumas que nunca apareceriam associadas ao eu, os chamados complexos autônomos. Esses complexos autônomos seriam os responsáveis pelos sonhos e alucinações. O complexo do eu é apenas um entre vários. Jung rejeitava a unidade da consciência. A psicopatologia surgiria apenas nos casos em que um dos complexos da personalidade se tornasse muito forte, causando ações e pensamentos compulsivos. 6.1 A identidade no IRC Para alguns, o Transtorno Dissociativo de Identidade, anteriormente Transtorno de Personalidade Múltipla, consiste na coexistência, em um mesmo indivíduo, de duas ou mais personalidades. Não raro essas personalidades possuem características bem marcadas, backgrounds culturais distintos e maneiras diferentes de reagir aos estímulos do meio. O principal programa de acesso ao IRC (o mIRC) permite que se mantenham abertas diferentes janelas. E que uma mesma pessoa acesse um mesmo canal com diferentes apelidos (nicknames). Tecnicamente, portanto, é o instrumento ideal para quem deseja manter mais de um perfil de si mesmo. Sherry Turkle e muitos estudiosos da mente defendem que a psicopatologia ocorre quando há um fracasso em se integrar as diferentes personalidades de um indivíduo. “O sintoma da doença é a falta de comunicação entre os componentes do ser” (TURKLE, p.119). 44 Simone Jappour, psicóloga clínica, também reconhece a normalidade da existência de diferentes facetas dentro de cada indivíduo. “Eu posso ter milhões de características”, diz. A doença somente surge “quando as atuações do indivíduo são absolutamente destrutivas”. Embora muitos usuários utilizem o mesmo nickname na maior parte do tempo, compondo-os de maneira a exaltar algo existente em sua personalidade como um todo – semelhantemente à maneira como são atribuídos apelidos às pessoas, a composição do nickname também se faz de maneira a exaltar uma única característica, de maneira que há o questionamento sobre a “esquizofrenia” da ferramenta. Os usuários podem utilizar a interface de forma a multifacetar suas personalidades em personas, por assim dizer, simplificadas e “bidimensionais” e suprimir uma experiência mais balanceada e verdadeira. Turkle também observou jogadores de jogos do tipo RPG (Role-Playing Game, ou seja, cada jogador desempenha um personagem numa narrativa interativa) e propõe que esta experiência na Internet é a vivência de uma narrativa ficcional tanto quanto é a vivência da “RL” (“Real Life”, ou vida real). 6.2 Nomes, nicknames e facetas no IRC: exemplos reais H. V., 27 anos, morador de Brasília, desempregado, é um usuário do #filosofia. Ele possui três nicknames distintos, cada qual com uma personalidade e ideologia diferente. BodeMorrison talvez seja o perfil com o qual seu eu mais se identifique. É um “socialista tranqüilo, que lê mais do que escreve”. Já setembronegro é “terrorista e anti-sionista”. Ele entra no canal geralmente quando BodeMorrison quer se esconder de algo ou alguém. O baadermeinhof não é muito usado, e ele não soube falar muito a respeito. Para ele, sua personalidade como um todo está retratada nos três nicknames. Não há nenhuma faceta de sua personalidade que não esteja contemplada. Se ele se considera um indivíduo mentalmente saudável? “Eu sou normal, o mundo é que é doido”. MORDRED (ou Producao_Independente, ou _Pombo_Negro_) é um caso mais complexo. Tem 25 anos, e também é de Brasília. Ele distingue personalidade de humor. 45 Também freqüentador do #filosofia, alega ter duas personalidades: uma que acessa e outra que não acessa a Internet. A que acessa, por sua vez, é dividida em três “humores”. MORDRED é seu estado “normal”, Producao_Independente é seu estado bem-humorado (“maternal/paternal”) e _Pombo_Negro_ é seu estado “negro”, “calculista”, “sombrio”. Todos esses humores são, no entanto, “balizados pelo mesmo rigoroso código de ética, forma de raciocínio, traumas, etc.” Em relação à sua outra personalidade, aquela que não acessa a Internet, ele diz que há poucas coisas em comum. Também lhe foi perguntado se ele se acha mentalmente saudável. Sua resposta: “sou um cético.. não acredito no conceito de saúde mental. :-) ” L. C. Vieira, 18 anos, Paraná, estudante usa dois nicknames no IRC: _HUMANA_ e Foice dos Ventos. O primeiro para quando quer conversar, o segundo para quando quer apenas “escutar” (ou seja, ler as conversas). Em ambos os casos, ela se diz analítica, racional, crítica. Quando lhe foi perguntado sobre as diferenças entre sua personalidade online e sua personalidade offline, ela disse que fora da Internet não sai falando com qualquer um. O IRC é uma grande ferramenta de desinibição, pois todo mundo se sente à vontade para puxar conversa com todo mundo, conforme já foi visto. Por fim, a usuária Ellen, 21 anos, mora em Mogi das Cruzes e é estudante. Ellen diz ser hermafrodita. Sua identidade sexual de pouco importaria se não estivesse relacionada com seu comportamento no IRC. Ela muda de nickname com altíssima freqüência. Durante o tempo em que se conversou, ela trocou de nickname no mínimo cinco vezes. Ela não se considera metade homem, metade mulher. Mas uma mulher com pênis – que ela pretende, por meio de uma operação, extirpar. O objetivo manifesto de sua troca constante de apelidos é o fato dos outros usuários a confundirem com um homossexual. “Mas sempre me localizam”, lamenta. Ela diz: “eu sempre sou a pessoa da vida real. Não tenho identidades psico-virtuais”. É possível que sua troca constante de nicknames esteja relacionada com a dificuldade de Ellen se aceitar como o ser humano que é, ou em construir efetivamente sua identidade. Como se a cada novo nickname ela pudesse renascer. Mas como a promessa de renascimento não se concretiza (pelo menos, não até a operação), ela 46 continua trocando seus nomes. Sua persona “virtual” parece estar profundamente ligada a sua persona “não-virtual”. A troca de nicknames é bastante comum, apesar de alguns usuários utilizarem sempre a mesma alcunha. Talvez o “normal” seja mudar de humor, e “doença” seja mudar de personalidade. Todos podem mudar de humor, embora alguns mudem de nickname quando isto acontece. Assim, “normal” é mudar de humor ou personalidade, e “doença” é mudar de personalidade sem que as diferentes personalidades se comuniquem entre si. O IRC, com sua possibilidade de anonimato, potencializa a multiplicidade natural do ser humano. Assim sendo, não é um instrumento a favor da loucura, mas, antes, uma maneira do ser humano se mostrar ainda mais humano. Um comentário interessante é atribuído ao novelista britânico J.G. Ballard: “Há vinte anos ninguém imaginaria os efeitos que a Internet teria: relacionemantos inteiros florescem, amizades prosperam… há uma vasta e nova intimidade e poesia acidental, isso para não mencionar a mais estranha pornografia. Toda a experiência humana parece desvelar-se como a superfície de um novo planeta.” (BALLARD, James Graham) 5 A sectarização por interesses e regiões facilita o encontro de usuários com interesses comuns. O anonimato, que era um grande advento da Internet naquele momento, possibilitava ainda falar livremente sobre qualquer coisa, inclusive tabus. Este trabalho não seria completo se não mencionasse este tipo de uso da ferramenta. Em fins da década de 90 a utilização dos chats é maior, as redes brasileiras de IRC tinham mais usuários e a população testemunha uma espécie de sensação de “mágica” com o que via-se na rede: a possibilidade de conversar com pessoas do Brasil e do mundo todo, em tempo real, parece incrível. Com o tempo, o público torna-se mais “exigente”: falar com pessoas do Brasil e do mundo não é mais o bastante para entretê-las. A façanha não parece mais tão incrível e os meios evoluiram de forma a valorizar ferramentas que faziam a manutenção de seus relacionamentos “reais”, como por exemplo o ICQ e posteriormente o MSN. O número de usuários cresceu o suficiente para que isso fosse possível, pois antes a rede era reduzida e num círculo de amigos nem todos tinham acesso à Internet. 5 Disponível em < http://en.wikiquote.org/wiki/J._G._Ballard> Acesso em: 25 jan 2007. 47 Assim, a “face” da Internet migra do grande oceano, que valoriza e faz uso do anonimato e as possibilidades de se falar e ser qualquer coisa, para o modelo do oceano com apenas algumas ilhas povoadas. A população vislumbra o desconhecido e, tendo desbravado-o, aporta-se em lugares seguros. Surgem, assim, instrumentos que mostram o nome e o rosto dos usuários, como os fotologs, que possibilitam uma espécie de “mircroindústria” de “foto-celebridades”, posteriormente surge o Orkut, que literalmente “mapeia” as redes de relacionamentos dos usuários e o YouTube, que ao exibir vídeos dos próprios usuários da Internet, materializa como nunca antes a máxima de Andy Warhol sobre os “quinze minutos de fama”. Assim, as ferramentas da Internet que possibilitam um usuário conhecer o outro dividem-se em “janelas”, compartimentam-se, mantendo o primeiro modelo da Internet com o anonimato, e, em outra janela, utilizando a web de maneira “mapeada”. Usuários do Orkut criam seu cadastro com nome e sobrenome e um outro com pseudônimos, usuários do MSN* criam múltiplas contas, usuários do IRC utilizam nicknames alternados, para assim manter a identidade “pública” e a particular. A linguagem dos anúncios íntimos, troca de fotos e correspondência erótica, antes legada em sua maioria a revistas masculinas, passa a ocupar estes perfis “secretos” e a viabilizar de diversas formas esta faceta da comunicação através do computador. 48 Tira de humor de Peter Steiner no jornal The New Yorker “Na Internet, ninguém sabe que você é um cachorro”. (STEINER, 1993, p. 61). Assim, deixar um menor desacompanhado utilizar a Internet torna-se o mesmo que deixar um menor desacompanhado andar pela rua. A ausência de uma vigilância – pouca coisa é mais controversa e polêmica que a idéia de uma vigilância para a Internet – possibilita inúmeras ações danosas, que variam desde a troca de fotos envolvendo pornografia infantil, como o aliciamento e a sedução de menores, o tráfico de drogas e até a premeditação de crimes. Enquanto alguns usuários afirmam que o IRC é uma maneira de conhecer profundamente as pessoas6, outras realidades surgem e é importante alertar a sociedade para este tipo de ocorrência. Desde o surgimento da Internet, nota-se que as soluções inovadoras surgem, mas seu mau uso compromete seu desenvolvimento. 6 A seção ANEXO deste trabalho apresenta entrevista com o usuário Tau, estudante de matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro e fundador do canal #brsoft, registrado há quatro anos na rede BrasNet, que presta auxílio para programação em informática. Tau defende que o IRC serve não apenas para instruir e prestar auxílio, mas como meio de socialização, estabelecimento de amizades duradouras e inclusive influências construtivas em novos usuários que se aproximam do círculo. 49 Os canais religiosos, políticos ou de conhecimento existem, são freqüentados e possibilitam trocas de informação e debates. Entretanto, é como navegar um pequeno barco numa enxurrada informacional de cultura vigente. Não é, contudo, impossível aportar numa destas “ilhas” e debater seu ponto de vista. Numa alusão ao Admirável mundo novo de Huxley, que inicia-se com as palavras “Comunidade, Identidade, Estabilidade” (HUXLEY, 2000, p.8), o modelo da cultura vigente pode correr por toda a web, como na alegoria do livro, que demonstra uma sociedade normativa e ideologicamente uniforme que tira o lugar das experiências pessoais para as coletivas, num esmagamento da subjetividade. Na “fábula” de Huxley há uma ilha povoada pelos rebeldes que nao se adaptam (pode-se dizer que são aqueles que “vencem” a cultura massificada da sociedade retratada). A web funciona também desta maneira, mesmo que sem a ação de um Estado organizador: ela possibilita um acesso irrestrito a diversas “ilhas” de subjetividade independentes, sejam elas na esfera ideológia, social ou pessoal. 50 7 O IRC COMO FERRAMENTA ANTI-HEGEMÔNICA Falar em hegemonia na sociedade contemporânea é um pouco paradoxal na instância de pensarmos a sociedade de hoje enquanto “sociedade de informação”. Se a explosão de das trocas comunicacionais deu-se de forma a baixar os custos da troca de informação é possível imaginar que a liberdade de expressão e pensamento teria alcançado um nível utópico. 7.1 Uma maneira instantânea de intercâmbio Entretanto o que encontra-se, na realidade, é um mar de informações e grandes fluxos dela. O extremo oposto da sociedade onde a informação era controlada, acarreta num alienamento semelhante – as informações são tantas que não se encontra passivamente as informações “anti-hegemônicas”. A cultura de massa reinforça seus valores estruturais, globalizados e globalizantes, para o espectador passivo. Felizmente, a passividade diante tela de TV não ocorre com mesma intensidade diante da tela do computador. O usuário no computador pode ou não receber passivamente as informações, de forma que a “alfabetização” do meio é que vai proporcionar a capacidade do usuário “surfar” na Internet, ou navegar por sítios que têm conteúdo diverso da informação caracterizada como cultura de massa, por exemplo. O IRC, por sua vez, possibilita a livre expressão e o intercâmbio do bate-papo síncrono. Isto pluraliza e pulveriza a informação de forma que é possível conversar com pessoas do mundo todo sem as grandes dificuldades anteriores, onde apenas “fazer contato” já era fantástico. O IRC permite que pessoas trocassem informações de 51 qualquer natureza, a qualquer momento, em qualquer lugar, segmentadas em canais divididos por tópicos. São quatro as principais promessas propostas por esta nova rede de ampla comunicação: a descentralização de um poder de emitir informações a distância; o anonimato; o novo poder da audiência em relação a representações que lhes são transmitidas; a Internet como um lugar terceiro de sociabilidade, para além da família e do trabalho (VAZ, 2001) A comunicação possibilitada em nível “muitos-para-muitos” era uma novidade, o anonimato possibilita a livre expressão e as comunidades segmentam os interesses de forma a usuários com interesses comuns conseguirem encontrar outros usuários com os mesmos interesses. Esta liberdade gera a necessidade da intervenção de servidores, para combater a pedofilia, a troca de arquivos de pornografia infantil e até crimes que tiveram a Internet como meio. Esta questão é ainda um pouco delicada, tal como é delicada a política para o Orkut: a rede BrasNet, por exemplo, tem registrado o canal C.V. (Comando Vermelho), cujo tópico (mensagem de entrada) em 03/07/2006 era: * Tópico do canal alterado para 'COMANDO VERMELHO PORRAAAA....MACACO E A RAINHA VAI VE..VAI VERMELHAR VAI VE..VAI VERMELHAR..O RIO E TUDO NOSSO PORRA, UM ALO PROS 40 LADRAO PORRA' Esta vigilância é feita aos poucos, nota-se que canais com outros temas como racismo ou pedofilia já são bloqueados pelos servidores. As discussões a temas construtivos e debates de conhecimento e a adesão à ferramenta por usuários habituados com a Internet possibilita o encontro de estudantes e professores, graduandos e profissionais, graduados e pós-graduados, interioranos e habitantes da capital, assim como a possibilidade de se conversar com pessoas do mundo todo. Neste sentido, o IRC é uma ferramenta amplamente democrática – é gratuita e funciona em qualquer computador do mundo, em português, inglês, russo ou chinês. 52 Este intercâmbio cultural e de conhecimento, auto-regulamentado e regulado pelos próprios usuários de cada canal (a intervenção dos servidores é mínima, apenas em abusos de natureza criminosa) permite uma pluralidade de doutrinas e visões políticas que não são divulgadas nos grandes veículos e que são encontradas com maior dificuldade navegando pela web. Afinal, na web o usuário procura aquilo que conhece e numa conversa, nova informação é trazida a ele sem que ele esteja perguntando necessariamente sobre algum tema. Assim, pessoas de todos os países são convidadas a reportarem suas impressões e trocarem idéias. A questão da geografia é inclusive um tema de discussão no canal #philosophy, como foi exposto anteriormente: o BOT Skept- pergunta aos usuários: É melhor saber a origem e localização de um usuário antes ou depois de debater um assunto? A organização dos operadores dos canais de conhecimento pouco influi para que haja uma “posição política” no canal. Isso seria absurdo, e, além do mais, há uma quantidade grande de operadores que freqüentam os canais em horários diferentes e que apresentam diferentes discussões e posições políticas. No canal #filosofia, por exemplo, as discussões entre operadores e usuários são normalmente acompanhadas por usuários conhecidos (vínculos duradouros) que tomam partido de determinado operador (impossível não evocar a figura do bajulador e do monarca). No #philosophy, onde encontra-se menos vínculos duradouros e, ainda que haja a identificação dos presentes, há menos “coalizões” e o panorama é um quadro onde cada usuário opina de forma a ser considerado de forma semelhante (salvo um arruaceiro ou um usuário muito antigo do canal). Isso possibilita uma democracia de opiniões, ainda que não haja necessariamente uma síntese nesta dialética – afinal de contas, ela é necessária? Ou pode-se terminar a discussão ainda tendo pontos de vista diferentes? 7.2 Momentos históricos O fato do IRC ser síncrono e de fácil acesso a várias pessoas ao mesmo tempo, também contribui para que as informações cruzaem o mundo em apenas alugns segundos. Enquanto as agências de notícias completavam suas manchetes, os usuários 53 do IRC podiam ler através do texto leigo dos usuários a narração de fatos históricos antes que qualquer um. Em 1991, com a Geurra do Golfo Pérsico, o IRC foi uma rede de profusão de informações sobre este conflito. Criou-se espontaneamente (como todos os canais de IRC são criados) um canal para ouvir os últimos relatos da guerra. Isso possibilita não apenas uma leitura (literalmente, uma leitura) dos fatos com impressionante atualização temporal, como também permite uma pluralidade de visões e versões do fato que nenhum meio de comunicação apresenta. Afinal, não há comprometimento com instituição alguma, apenas o desejo de dizer ao longe o que acontece por ali. No golpe contra Boris Yeltsin, em setembro de 1993, o IRC novamente aparece como ferramenta de multiplicação de relatos acerca dos fatos acontecidos na situação corrente: Swe-TV> Sovjet security force has taken control over internal (state) affairs department, city council and the TV-hous in Riga. Telephone connections to Vilnius stopped.7 No terremoto em Los Angeles de 1994, seguem extratos do canal #earthquake, criado para trazer informações sobre o episódio: <NeilM> join #quaketalk for talk and chat <KNBC> Fire truck ran into road that had buckled <NeilM> any nuclear facilities affected? <tasm> knbc: when .. just now? bad <KNBC> yeah <tasm> KCBS - house collapsed on 4 year old child feared crushed to death <KNBC> No nuclear affected <11:13AM KFWB> Just in! Death toll to 16 <11:13AM cavalier> CONFIRMED? <11:13AM NPR_News> KPPC Quake felt srongest in San fernando valley, and cut a swath from Northridge <11:13AM KNBC> 17 CONFIRMED <11:52AM KNBC> HOW IS SANTA BARBARA <11:52AM KNBC> ANY INFO ON ANGELES CREST NATIONAL FOREST <11:53AM KNBC> WHT IS HAPPENING IN LANCASTER 7 <SweTV> Força de segurança soviética tomou o poder sobre o departamento de questões internas, o conselho da cidade e a TV-hous em Riga. Conexões por telefone para Vilnius estão paradas. 54 <11:53AM Newswire> ARCO HA SHUT DOWN ALL OIL PIPELINES IN LOS ANGELES TO CHECK FRO STRUCTURAL DAMAGE8 Isso demonstra a possibilidade de intercâmbio síncrono, prático e instantâneo no IRC. O que resta questionar é que até que haja não apenas o acesso à ferramenta do IRC – computador, Internet – é necessária alfabetização digital. Não basta saber operá-lo, é preciso acostumar-se com sua linguagem, sua estrutura, a arquitetura de sua informação e sua funcionalidade para que realmente a ferramenta passe a ser utilizada para fins de interesse dos usuários. 8 <NeilM> entre no #quaketalk para falar e conversar <KNBC> Caminhão de bombeiros entrou em rua que caiu <NeilM> Alguma instalação nuclear afetada? <tasm> KNBC: quando? Agora? Ruim <KNBC> sim <tasm> KCBS – casa caiu com criança de 4 anos soterrada até a morte <KFWB> Entendido! Contagem de mortos para 16 <Cavalier> CONFIRMADO? <NPR_News> KPPC Terremoto sentido com mais força no vale de San fernando e abriu uma vala desde Northridge <KNBC> 17 CONFIRMADO <KNBC> COMO ESTÁ SANTA BARBARA? <KNBC> QUALQUER INFORMAÇÃO SOBRE A FLORESTA NACIONAL ANGELES CREST <KNBC> O QUE ESTÁ ACONTECENDO EM LANCASTER <Newswire> ARCO HA DESLIGUE TODOS OS OLEODUTOS EM LOS ANGELES PARA CHEGAR DANOS ESTRUTURAIS 55 8 COMUNIDADES DE CONHECIMENTO: PANORAMAS DE DISCUSSÃO Não é possível avaliar de fato o andamento das comunidades mencionadas sem que fossem colocadas as discussões na íntegra. Publica-se, assim, dois extratos de conversação, o primeiro do canal #Philosophy da rede Undernet e o segundo do canal #Filosofia da rede BrasNet. 8.1 #Philosophy @ Undernet Este é um extrato de uma conversa ocorrida no #philosophy, em 15/06/2006. No IRC, não é possível dizer com clareza quando uma discussão começa ou termina, dada a continuidade incessante do chat. A intenção desta parte do trabalho é apenas familiarizar o leitor com o ambiente do IRC, de maneira a ilustrar o que foi dito até aqui. O debate é sobre igualitarismo e liberdade. Quem lança a discussão é o BOT Skept. Em seguida, debatem MonaObeys, tikka e kaitlin: <Skept> Egalitarianism and freedom are functionally incompatible. Disagree? <coney> <MonaObeys> egalitarianism is like... equal rights? <MonaObeys> or that all are equal? <MonaObeys> or that they DESERVE to be treated equally? <tikka> no as in microcasm/macrocasm <MonaObeys> hmm <tikka> micro-economic freedom and macro-economic freedom, functionally incompatible? yes, disagree <MonaObeys> economics and freedom are not compatible 56 <tikka> well in egalitarian the economy is based on freedom, whereas in capitalism freedom is based on the economy <kaitlyn> it is if it's not egalitarian at all. back to the barter system. that's freedom. <tikka> they arent necessarily incompatible <tikka> not even functionally <kaitlyn> they aren't compatible because they are extreme and opposite. however, functionally they are compatible because they aren't as extreme (like we have today) <tikka> the family/tribal unit is still very egalitarian, although that may be shifting, i.e. parents charge their kids for rent, use allowance systems to buy additional rights <tikka> that's what i meant one can coexist inside the other larger one9 Agora RevLuv2pondr entra na conversa. Kaitlin debate com MonaObeys a questão da igualdade dentro de um sistema maior. Há divergências de opiniões, e notamos aos poucos pontos de vistas que carregam bagagens histórico-culturais diversas, ainda que semelhantes – uma equação com a variável do espaçamento geográfico e também da globalização. <calf> i used to believe in equality for all 9 <Skept> Igualitarismo e liberdade são funcionalmente incompatíveis. Discordam? <MonaObeys> igualitarismo como… direitos iguals? <MonaObeys> ou é dizer que somos todos iguais? <MonaObeys> ou que DEVEMOS todos ser tratados iguais? <tikka> não em microcosmo/macrocosmo <MonaObeys> hmm <tikka> liberdade micro-economica e liberdade macro-economica, functionalmente incompativeis? sim, discordo <MonaObeys> economia and liberdade não são incompatíveis <tikka> bem, no [modelo] igualitário a economia é baseada na liberdade, enquanto no capitalismo a liberdade é baseada na economia <kaitlyn> é [incompatível] se não for igualitária em absoluto. De volta ao sistema de barter. Isto é liberdade. <tikka> não são necessariamente incompatíveis <tikka> nem mesmo funcionalmente <kaitlyn> são incompatíveis pq são extremos e opostos. entretanto, funcionalmente, são compatíveis porque são são tão extremos (como vivemos hoje) <tikka> a unidade tribal/familiar ainda é bem igualitária, apesar disso estar mudando, por exemplo, pais cobram aluguel de seus filhos, usam suas mesadas para dar direitos adicionais <tikka> é isso que quero dizer, um sistema pode coexistir dentro de outro 57 <MonaObeys> everyone is not equal, that is just a silly concept - but everyone deserves to be treated equally well <RevLuv2pondr> MonaObeys, I totally agree. <tikka> egalitarian tribes even exist in large capitalist cities, i.e. everyone pools their money for the benefit of the group <kaitlyn> well of course. but it's more like everyone buys into the same system. like money. we all use money. i don't use gold while you use copper wire. so basically, there is no freedom to use an alternative system. that's where it's incompatible. <MonaObeys> this channel is neet10 RevLuv2pondr continua dando o tom da discussão. Falam sobre o modelo de ajuda econômica dado aos EUA e sobre o modelo contemporâneo Europeu de organização. Também há uma discussão sobre a esfera “macro” e a “micro” da igualdade numa sociedade. <kaitlyn> unfortunately, you cannot grow by denying the freedoms of your best producers because you consider them extreme. <RevLuv2pondr> The bailout position for "unequal" Europeans during the 18th and 20th centuries was North America. If we make the same mistake as Europe did and allow position and advantage to shape access to opportunity, we'll have failed out purpose and become as boorish and crumbling as Europe presently is. <tikka> i was just stating that egalitarian subcultures can function within a nonegalitarian super-culture <Robert-x> what does it surprise you rev? <LogosD> egalitarian subcultures can function within a non-egalitarian superculture <LogosD> .. try and fit that on a bumper sticker <MonaObeys> :D <RevLuv2pondr> Robert-x, doesn't surprise me at all. It's there to see if you just look at European history for the past 400 years, and look at Europe today. 10 <calf> eu costumava acreditar em igualdade para todos <MonaObeys> todos não são iguais, isto é um conceito tolo – mas todos devem ser igualmente bem tratados <RevLuv2pondr> MonaObeys, concordo totalmente. <tikka> tribos igualitárias existem até mesmo em grandes cidades capitalistas, por exemplo, quando juntam seu dinheiro para benefício do grupo <kaitlyn> bem, é claro. Mas é mais algo como todo mundo comprar uma coisa dentro do mesmo sistema. Como dinheiro. Todo mundo usa dinheiro. Eu nao uso ouro enquanto você usa cobre. Então, basicamente, não há liberdade para utilizar um sistema alternative. É aí que é incompatível <MonaObeys> este canal é legal. 58 North America is on the verge of making the same economic and social mistakes.11 Aqui a discussão se estende ao debate sobre igualdade e idade. Uma criança deve ser tratada como seus pais? No final, ainda surge um novo tópico: o livre-arbítrio só existe para o ser humano? <kaitlyn> i don't think using adults dealing with children proves anything. children are different. they aren't equal at all in society. <Robert-x> ah, fair enough <MonaObeys> they're not? <tikka> no the equality doesnt extend beyond the subculture, i.e. all the kids are treated equal to the parents (well, hopefully) <LogosD> kaitlyn: you're suggesting a revival of carthage? <LogosD> `:/8 <Robert-x> if you cant treat others equal, regardless of age, you're in for some serious backlash12 11 <kaitlyn> infelizmente, você não pode crescer negando as liberdades de seus melhores produtores porque você os considera extremistas. <RevLuv2pondr> A posição de receber ajuda para europeus “desiguais” durante os séculos XXIII e XX foi da América do Norte. Se cometermos o mesmo erro que a Europa fez e permitirmos a posição de vantagem para moldar o acesso à oportunidade, nós teremos falhado no propósito e nos tornaremos ineptos e quebrantados como somos hoje. <tikka> eu só estava argumentando que subculturas igualitárias podem existir dentro de culturas não-igualitárias <Robert-x> o que surpreende você, Rev? <LogosD> subculturas igualitárias podem funcionar dentro de superculturas não-igualitárias <LogosD> .. tente achar isso num adesivo <MonaObeys> :D [risos] <RevLuv2pondr> Robert-x, isso não me surpreende. Você vê isso se olhar para a Europa de 400 anos atrás e olhar a de hoje. A América do Norte está prestes a cometer o mesmo erro agora. 12 <kaitlyn> eu nao acho que usar adultos lidando com crianças prove algo. Crianças são diferentes. Elas não são igualitárias em sociedade. <Robert-x> ah, é justo <MonaObeys> não são? <tikka> não, a igualidade não se extende além de sua subculture, por exemplo, as crianças são tratadas igualitariamente pelos pais (espera-se) <LogosD> kaitlyn: você sugere um renascimento de of carthage? <LogosD> `:/ <Robert-x> se vc nao sabe tartar os outros igualmente, independentemente da idade, você pode sofrer retaliações 59 8.2 #Filosofia @ BrasNet Abaixo segue um trecho de um debate ocorrido no #filosofia, em 10/06/2006. O debate é de natureza sociológica e histórica. Pastor_Ateu defende o conceito da “humanidade pendular”: não evoluiria, mas conheceria uma trajetória pendular. Em cada época haveria um retorno a uma época precendente. <Pastor_Ateu> Humanidade pendular. <Miles_Teg`off> ou seja, ideias que parecem boas quando aplicados a um pequeno grupo selecto, podem não funcionar quando expandem seus horizontes a grupos maiores e menos coeso <Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: não precisa extinguir-se, é uma hipótese, tanto quanto manter-se, logo é incerto <Miles_Teg`off> temos aí outro conceito: jumanidade pendular, exponha melhor o que vc quer dizer com isso <Pastor_Ateu> <Miles_Teg`off> veja <Miles_Teg`off> a analogia da ilha pode tambem ser usada para dar um sentido de tempo <Pastor_Ateu> Não interpreto o curso do tempo, equanto humanos habitaram a terra como uma escada. <Miles_Teg`off> na limitação da ilhas os recursos podem ser exauridos e se não tiverem mais uma fonte de onde crescer, definham <Pastor_Ateu> è uma visão distorcida dizer: que subimos degrais. <Miles_Teg`off> só estou dando exemplos onde vc pode dar base à teoria <Pastor_Ateu> degraus, efim. <Miles_Teg`off> bem, mas é como eu percebi que funciona <Miles_Teg`off> vc crê que a humanidade oscila, e está certo, em parte <Miles_Teg`off> porem algo na humanidade não regride <Miles_Teg`off> há algo nela que está em constante evolução <Pastor_Ateu> quero saber o que é. <Miles_Teg`off> mesmo que ela repita os mesmos erros <Miles_Teg`off> que cometa as emsmas atrocidades <Pastor_Ateu> è um erro interpretar a historicidade humana dentro de uma concepção evolutiva. <Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: ou que se repete! <Pastor_Ateu> <Jesus_of_Suburbia> olhe o retrospecto Pastou_Ateu se mostra um relativista. Não acredita no conceito de evolução. Miles_Teg`off discorda. 60 <Miles_Teg`off> creio que não terão dificuldade em descobrir o que está sempre em evolução em nós como espécie <Pastor_Ateu> biologicamente? <Miles_Teg`off> não <Miles_Teg`off> embora haja comprovadas mudanças nesse setor tb <Pastor_Ateu> Miles_Teg <Pastor_Ateu> Há um emprego errado da palavra evolução <Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: o que se repetiria, é o que cham de medíocre <Pastor_Ateu> Biologicamente entendo que um animal não evolui. <Miles_Teg`off> o que há de errado no emprego dessa palavra? <Miles_Teg`off> o que vc entende por evolução? <Pastor_Ateu> Mas se adapta. è uma questão de adaptação. Adapatar é a palavra. <Miles_Teg`off> adaptar é uma faceta da evolução, mas não única <Miles_Teg`off> para adaptar ele não precisa evolução <Pastor_Ateu> A um determinado contexto natural, se adapta os seres. <Miles_Teg`off> embora possa servir-se dela <Pastor_Ateu> Isso é fato. <Miles_Teg`off> se ele passa por uma mutação para se adaptar, se a mutação é positiva para a sobrevivência, é uma evolução <Miles_Teg`off> se eu invento a roupa para melhor sobreviver ao frio, não há evolução, embora haja adaptação <Pastor_Ateu> <Miles_Teg`off> Mas no sentido lato, evolução poderia nos passar a idéia de que o estágio anterior é pior. Concordo se dissermos que algo é pior relativizando. <Pastor_Ateu> è ruim ser macaco <Pastor_Ateu> Se o planeta terra só tem água Miles_Teg`off diz que, ainda que a história corra como um pêndulo, a humanidade “sempre emerge mais conhecedora”. Seria a história uma espiral? <Miles_Teg`off> o estado anterior é menos propício à sobrevivência, então, nesse sentido é pior <Pastor_Ateu> Este é o ponto. <Pastor_Ateu> Se você mesmo concorda com esta relativização nao tera dificuldades <Pastor_Ateu> em compreender a historicidade como um pendulo. <Miles_Teg`off> em muitas coisas, sim <Miles_Teg`off> imperios nascem crescem e caem <Pastor_Ateu> Então me diga o que não está sob este processo. <Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: que ele voltará a acontecer <Pastor_Ateu> <Jesus_of_Suburbia> Retsorpecto <Pastor_Ateu> Retrospecto 61 <Miles_Teg`off> a consciência de nós mesmos como interdempendentes <Pastor_Ateu> Aí lhe dou cheque-mate Miles. <Pastor_Ateu> xeque-mate <Jesus_of_Suburbia> não é como sugere, um conceito, não necessariamente é substituído <Miles_Teg`off> ainda não atingiu todos, mas muito em breve ou atingirá ou então não terá qqr importância <Pastor_Ateu> Justamente pelo fato de que a propria construção ideologica do ser humano é pendular. <Pastor_Ateu> Não háum estágio de pensamento melhor que outro <Pastor_Ateu> Se não relativizar isso <Miles_Teg`off> vc está quase chegando lá, ela é dual <Pastor_Ateu> Em tempos de guerra, belo é matar para defender a pátria. Miles_Teg`off quase concorda com Pastor_Ateu, mas defende que nem tudo corre pendularmente. O debate adentra um pouco a Física: <Miles_Teg`off> e em quase tudo estamos deslizando entre um extremo e outro <Pastor_Ateu> Não é um bom exemplo mas ilustra um pouco <Pastor_Ateu> Não é o melhor exemplo mas ilustra um pouco <Jesus_of_Suburbia> Miles_Teg`off: lógico <Pastor_Ateu> em quase tudo? Você quer salvar algo dessa inexorável ocorrência? <Miles_Teg`off> sim <Miles_Teg`off> por mais repetitiva que uma coisa seja não é suficiente para se considerar inxorável <Miles_Teg`off> se é preciso que atinjamos o equilibrio para isso, que esperemos até conseguirmos este equilíbrio <Miles_Teg`off> e veja, a humanidade sempre emerge mais conhecedora, deste pêndulo <Miles_Teg`off> o conheciment, exceto por algum cataclisma cósmico, é sempre positivo <Pastor_Ateu> <Miles_Teg`off> Está dizendo entre linhas, que a ciência pode se enganar. <Miles_Teg`off> até mesmo quando cometemos ignominias como queimar livros <Pastor_Ateu> Porquê a Física sempre contou com a lei da gravidade. <Miles_Teg`off> mas isso deveria ser óbvio, a ciência não só pode como se engana muitas vezes, ou nop mínimno, mostra-se incompleta <Miles_Teg`off> sempre contou? <Pastor_Ateu> Digo <Miles_Teg`off> não estou compreendendo <Pastor_Ateu> A partir da concepção dessa lei; 62 <Pastor_Ateu> Formulamos outras <Pastor_Ateu> È como uma casa <Pastor_Ateu> A base sustenta o restante <Pastor_Ateu> A ciência é assim * Knives entrou no canal #filosofia <Miles_Teg`off> veja, as leis de Newton mostraram-se válidas apenas dentro do âmbito terrestre, ela não serve para grandes descios disso, como a física do cosmo e nem a do microcosmo <Pastor_Ateu> Você não pode dizer <Pastor_Ateu> Ah, se um dia deixar de ser assim? <Knives> claro que serve <Pastor_Ateu> Não se pode fazer isso. <Knives> pelas leis de newton dá pra deduzir a orbita dos planetas <Knives> a fisica pra levar o homem a lua é a de newton <Pastor_Ateu> Enfim, voltemos a idéia anterior. <Pastor_Ateu> você diz que algo que se repete desde que o mundo é mundo pode nos surpreender um dia. <Miles_Teg`off> eu não disse isso, mas é um ponto a ponderar <Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: certo <Pastor_Ateu> Então não podemos afirmar nada <Pastor_Ateu> òtimo <Knives> Pastor_Ateu: porque não? já que o que nos surpreende é a frequencia com que algo ocorre, e não o fato de ser algo inédito ou não <Pastor_Ateu> <Knives> você fala de possiblidades. <Pastor_Ateu> òtimo <Pastor_Ateu> Veja o caos em que estamos <Pastor_Ateu> Dormir com o sol e acordar com trevas <Pastor_Ateu> Talvez um dia acordaremos sem o sol <Pastor_Ateu> Vão ainda mais além do que eu <Pastor_Ateu> Eu falava do caos ideológico. <Pastor_Ateu> E vocês já incluem o comportamento do universo * MORDRED entrou no canal #filosofia * Anarquico entrou no canal #filosofia * Filosofia mudou seu nick para Filosofia_longe <Pastor_Ateu> Enfim, gostaria de saber, o que se salva deste pendulo. <Jesus_of_Suburbia> MORDRED: hoje o verme não está aqui <MORDRED> Eu me dou bem com vermes. (o: <Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: a inconstância <Pastor_Ateu> <Jesus_of_Suburbia> Isso é tautológico. * Spiritual|OFF mudou seu nick para Spiritual * J4C0BS3N entrou no canal #filosofia * J4C0BS3N saiu do canal #filosofia <Pastor_Ateu> Miles_Teg estamos de comum acordo sobre a humanidade pendular? * _Pombo_Negro_ entrou no canal #filosofia <Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: por que seria? <_Pombo_Negro_> MORDRED, lerdo da por! 63 <Pastor_Ateu> <Jesus_of_Suburbia> Ora, eu falo da inconstancia exatamente porque afirmo a humanidade pendular. <Pastor_Ateu> Nada SEMPRE sobe. <Pastor_Ateu> Como nada SEMPRE desce. <Pastor_Ateu> Não estamos diante de uma escada <Pastor_Ateu> que subimos degrau por degrau <Pastor_Ateu> Estamos antes diante do caos <Pastor_Ateu> que tentamos ordenar. 8.3 De Hegel à Nanotecnologia Através de amostras de conversa (em ambas as redes), pode-se notar um grau elevado de interdisciplinariedade nas discussões. Exatamente como uma conversa ao vivo, as discussões no IRC têm assuntos iniciados e encerrados como debates e mesasredondas. Apesar de novos assuntos serem tangenciados durante os debates (sempre há usuários mais e menos interessados em diferentes pontos do debate), o que enriquece a discussão, a evocação dos temas a partir do BOT Skept- e do comando [wheel] e a adesão coletiva a esta regra como uma “etiqueta” do canal funciona como uma maneira de respeitar a relevância de cada assunto e as opiniões dos demais usuários, inibindo a divagação excessiva. Quando o assunto é encerrado, os usuários percebem o final do mesmo e evocam “a roda” (do inglês, wheel) novamente, que fará com que o BOT Skept lance um outro tema para um novo debate. Um usuário também pode lançar uma pergunta de seu interesse sobre algum assunto, e os mesmos devem ser respondidos sob a abordagem filosófica. Pode-se notar que os debates do canal #filosofia têm discussões mais ligadas às ciências sociais (inclusive a filosofia “pura”, no sentido dos debates de grandes autores e suas obras – Hegel, por exemplo, aparece com freqüência nas discussões, assim como Marx. No #philosophy, percebe-se uma presença muito maior de debates científicos, novas descobertas, cosmologia, tecnologia. Isto se relaciona também com as facilidades e dificuldades que existem para o debate em cada um dos canais. 64 No canal #filosofia, o conhecimento específico da filosofia clássica muitas vezes se faz necessário para que seja possível o entrosamento na conversação. As apresentações são mais próximas da formalidade do encontro presencial: os usuários procuram saber onde os visitantes/usuários/operadores vivem, o que estudam, qual o grau de instrução. Assim, não raro encontra-se pessoas relatando viagens, diplomas conquistados ou graus de especialização, no intento de posicionarem-se numa hierarquia social/intelectual. Isso afasta e elitiza de certa forma a conversação proveitosa, tornando o debate pouco democrático. Isso pode, inclusive, justificar a presença de tantos usuários desinteressados em um debate efetivo, que acabam por fazer algazarras e atrapalhar qualquer andamento de conversa. Na rede BrasNet, vê-se muitos canais “dissidentes”, como o #humanidades ou #filosofia_ . Brigas entre operadores são constantes, que começam por divergência de opiniões e rapidamente migram para o aspecto pessoal, com insultos à formação acadêmica um do outro, conteúdo de trabalhos publicados etc. Estas questões têm prejudicado grandemente o aproveitamento do canal, que é o canal brasileiro mais antigo no assunto no Brasil. Entretanto o problema não é um problema interente ao Brasil – um outro servidor de IRC no Brasil, o VirtuaLife, surgido após o fechamento da rede BrasIRC, tem sua freqüência composta na maior parte por usuários do sul do Brasil, mais especificamente Santa Catarina. Isto torna a freqüência dos canais mais regionalizada, o que muda certos aspectos de sua visitação. O canal #filosofia da rede VirtuaLife tem visitações diárias de 5 ou 6 usuários, normalmente os mesmos. São, em sua maioria, estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), do departamento de filosofia, letras, física e outros. O IRC nesta instância permite a discussão dos temas filosóficos, que são bastante freqüentes, e aumenta a possibilidade do entrosamento interpessoal, uma vez que os indivíduos encontram-se na mesma Universidade, diminuindo assim o distanciamento cultural e geográfico. No canal #philosophy, em contraste com o canal #filosofia da BrasNet (nosso objeto de análise), o debate é relativamente democrático. Tendo o inglês como língua 65 oficial, é raríssimo que um usuário pergunte a outro sua localização, talvez até como “medida preventiva” para “bairrismos”, manifestações xenofóbicas ou até mesmo preconceitos. Isso dá uma dimensão maior de “chat” para o andamento das discussões – um chat, onde só se “é” o conjunto de opiniões por detrás de seu nickname, evitando comentários identificatórios e dedicando-se mormente a comentários e opiniões universais sobre os assuntos debatidos. As perguntas são muito bem-vindas. Normalmente são discutidas e as opiniões, normalmente, mesmo que sejam divergentes equacionam-se em resultados plurais. São mais raros os debates de “filosofia pura”, ou alta cultura. Encontra-se debates sobre Marx, Nietzsche e outros nomes, mas normalmente utilizados como referência a algum assunto em debate. As discussões científicas são bem mais comuns que nos chats dos servidores brasileiros. Assim, é comum encontrar usuários que entram no canal com uma única pergunta específica sobre, por exemplo, a teoria do Big Bang ou sobre números primos e combinatória. Em ambos os canais, curiosamente, pouco se discute literatura ou cinema. Entretanto, há alguns canais no IRC com estes temas para debate. Em suma, avalia-se que ambos os canais têm seus problemas e qualidades. Enquanto o canal da Undernet mantém a filosofia clássica em papel coadjuvante, o da BrasNet faz o domínio em grau elevado deste conhecimento tão imprescindível que inviabiliza a democracia da discussão. Assim como quanto às ciencias técnicas e exatas, que parecem superestimadas no #philosophy e subestimadas no #filosofia. O intercâmbio das soluções e dinâmicas adotadas em cada um dos canais pode servir, portanto, como base para um modelo de conversação aprimorado, que atente para a democracia tanto na participação dos usuários quanto na pluralidade das ciências debatidas, afinal, como vê-se, as discussões passam da metafísica à aritmética, da fenomenologia à tecnologia em poucos instantes. Assim, há a necessidade de se organizar os discursos, embora seja importante não tolhir as possibilidades. 66 9 DESPERDÍCIO E APROVEITAMENTO DA INFORMAÇÃO NO IRC "As pessoas não navegam pela Web. Elas agora têm o poder de criá-la. Saindo dos túmulos dos planos de negócios falidos, essas comunidades colaborativas de autores e criadores são os profetas da renascença cultural e talvez política." Ecologiadigital.net Nos capítulos anteriores foi descrita a estrutura do IRC, seu funcionamento e usabilidade, o perfil e as possibilidades de utilização dos usuários e um panorama das discussões estabelecidas nos canais escolhidos para avaliação (#philosophy e #filosofia). Analisamos, a partir de agora, como o conhecimento produzido no IRC pode ser melhor aproveitado. 9.1 A Internet como a Biblioteca de Babel A primeira problemática é a do aproveitamento da informação, que constitui em parte a preocupação deste trabalho. Um enorme número de debates são entabulados diariamente, da física quântica ao marxismo, da programação de computadores à biologia, do direito à filosofia, e a não ser pelos participantes presentes, pouco é aproveitado desta dialética. No que diz respeito aos bate-papos, no meio corporativo encontra-se a mesma problemática: encontra-se as “ilhas de conhecimento” no “oceano” da Internet, mas não consegue-se garimpá-la tão facilmente. 67 Evocando a literatura, pode-se trazer o conto de Jorge Luis Borges, “A Biblioteca de Babel” para uma alegoria da Internet. A biblioteca do conto traduz-se infinita, composta de infinitas salas hexagonais, cada uma contendo um determinado número de livros, cada livro contendo um determinado número de caracteres. Sendo assim, todas as combinações possíveis constituem a infinidade da biblioteca, mas apenas alguns poucos livros desta combinatória fazem sentido. O desafio, portanto, consiste em aproveitar as discussões de forma a preservar seus resultados de alguma maneira útil. 9.2 O meio corporativo e a Universidade em comunidades de conhecimento A organização Apache.org, com unidades em diversas cidades diferentes dos EUA, especializada em programação de computadores, estabelece em cada segunda sextafeira de cada mês um get-together (reunião menos formal que uma reunião comercial) de 24 horas utilizando listas de discussão da empresa, o IRC e outras ferramentas colaborativas, para trabalhar no desenvolvimento do software Forrest e para que os usuários conheçam mais uns ao outros. Nas semanas que precedem datas importantes para a empresa, as reuniões têm foco em trabalhos colaborativos e de grupo (como, por exemplo, mudar o formato de sua plataforma interna de programação). A utilização do IRC tem críticas favoráveis. O aproveitamento é grande, o aprendizado é dinâmico e há a possibilidade de diversas conversas, em grupo e em particular, simultâneamente. O contraponto se dá na questão do conhecimento não ser formatado, nem selecionado, nem passível de edição ou “histórico”. Apesar de haver a possibilidade de salvar os arquivos da conversa (habilitando a opção “LOG”), estes arquivos raramente se convertem num arquivo útil, pois há muita informação dispersa entre a informação aproveitável. John Sisson, da Apalache.org, afirma num debate13: 13 Disponível no sítio da Apache <www.apache.org> Acesso em 25 jan 2007. 68 “O IRC pode ser uma grande ferramenta de aprendizado, entretanto o ponto negativo é que o que é aprendido não é documentado (como por exemplo na Wikipédia ou numa lista de discussão por e-mail) para o benefício de outros e as mesmas perguntas acabam sendo feitas muitas vezes. “Eu não acho que seja realista pensar que, num servidor de IRC muito freqüentado, haja um cargo para resumir arquivos de discussão por pessoas diferentes, até porque esta pessoa talvez não entenda tudo o que foi discutido. Provavelmente seria melhor cada indivíduo resumir sua própria discussão”. A questão do “desperdício de informação” ou da “volatilidade dos debates” é preocupação da empresa, que busca uma maneira de maximizar o aproveitamento da ferramenta. O IEA (Instuto de Estudos Avançados) da Universidade de São Paulo (USP) criou um programa “Cidade do Conhecimento”, cuja primeira atividade é o curso de extensão universitária “Educar na Sociedade de Informação”. O projeto é iniciativa do economista, sociólogo, jornalista e professor visitante do IEA Gilson Schwartz. Segundo Schwartz14, o desafio é construir comunidades de conhecimento apontando para a Internet e para as redes como suportes de uma nova era de criatividade empresarial, institucional e política. Schwartz também afirma que a Universidade pública é a arena mais apropriada para esta tarefa e acredita que o desafio é ampliar os impactos da Universidade pública na formação da cidadania, numa época em que ser cidadão ou „estar incluído‟ são praticamente sinônimos de ter acesso ao conhecimento. No sítio da agenda de eventos da USP encontra-se um depoimento de Schwartz sobre comunidades virtuais de conhecimento: “Além da interação em sala de aula, o Cidade do Conhecimento busca um aprendizado sobre a criação e o gerenciamento de comunidades virtuais, iniciativa importante num momento em que a infra-estrutura de telecomunicações no Brasil está em expansão e começa a alcançar também a rede escolar. Para Schwartz, “está nascendo um novo modo de produção de conhecimento em escala global e o País precisa integrar-se a ele com autonomia e capacidades críticas e criativas.” (SCHWARTZ, Gilson, 2007). 14 Sítio da Universidade de São Paulo, seção “Agenda” http://www.usp.br/agen/rede722.htm> Acesso em 25 jan 2007. 69 CONSIDERAÇÕES Criado em agosto de 1988, o IRC, ao longo do tempo, se converteu no mais utilizado sistema de chats do planeta. Suas limitações técnicas – não é possível incrementar a conversação com sons ou imagens – serviu, inclusive, para incentivar o uso criativo da ferramenta. Sua característica síncrona, os múltiplos e simultâneos canais de comunicação chegaram a um importante papel em acontecimentos históricos – como a Guerra do Golfo, de 1991, e outros eventos que exigiam diálogo rápido entre partes distantes. Formador de comunidades dos mais variados aspectos, o IRC problematiza a clássica oposição real e virtual, e cuidou de abrir fronteiras. Amizades e relacionamentos conjugais foram formados dentro dos canais e extrapolaram a tela do computador. A transcendência destes “meios” – tanto para outras comunicações mediadas pelo computador, quanto da comunicação mediada para a direta – também trouxe outros questionamentos: como em todo fenômeno de massa ligado à Internet (a exemplo do Orkut, sítio que divulga a rede de relacionamentos do indivíduo, ou do YouTube, sítio em que usuários comuns podem exibir vídeos) surgem as conseqüências de seu mauuso: o aliciamento e exploração sexual de menores, o tráfico de pornografia infantil, as manifestações de violência dos comandos do narcotráfico. Cada um dos canais estudados possui uma lógica diferente. No #filosofia, exige-se durante os debtaes certo domínio dos textos clássicos e a longo prazo procura-se saber sobre a formação acadêmica de cada um. Utiliza-se o status como legitimação das posições defendidas. O #philosophy é um canal com menos formalidade e justamente 70 por isso, com discussões mais colaborativas. O segredo para isso possivelmente reside na moderação, tanto dos operadores quanto dos usuários. Interessante notar maior presença do conhecimento de filosofia clássica no canal brasileiro do que nos chats internacional. Enquanto na discussão do canal brasileiro temas profundos são tangenciados, no canal #philosophy sempre explica-se desde o princípio a base dos conhecimentos discutidos. E por outro lado, enquanto numa noite discute-se uma infinidade de temas no #philosophy, a “informação garimpável” do #filosofia resume-se a poucos debates durante o mesmo período de tempo. De qualquer forma, ambos os canais são uma tentativa de superar o caráter lúdico que a Internet carrega, além de barreiras geográfica, de nacionalidade ou convenções socioculturais que atrapalham a comunicação no debate. Além do entretenimento, a função de discutir assuntos relevantes para o conhecimento existe no IRC. O Orkut, por exemplo, proporciona uma multiplicade ainda maior de comunidades – mas raramente existe um debate aprofundado, sem contar ainda o fato do Orkut não ser ferramenta síncrona. A avaliação do Orkut foi importante pois foi o surgimento de uma nova maneira de “existir” na rede – sem fazer uso do anonimato que costumava ser característico da rede. O IRC é uma evidência de que mesmo sob a vigência de modismos e cultura de massa, a Internet encontra seus nichos específicos produtivos. A minoria que se dispõe a discutir filosofia e política tem o seu espaço para fazê-lo livremente no espaço do IRC. Este tipo de procura reinforça uma outra observação feita a partir dos estudos deste trabalho, que é o modelo das “ilhas de informação” (onde há informação conhecida) dentro do “oceano” em que se configura a Internet. Assim, percebemos que os modismos também fazem parte de uma transformação sutil no uso da Internet. O intuito do trabalho, além de avaliar aspectos do comportamento dos indivíduos na popular ferramenta de chat do IRC, em especial nas comunidades de conhecimento, foi aproximar o meio acadêmico desta ferramenta – professores, alunos, pesquisadores. Considerando que o IRC já é utilizado por inúmeros profissionais do meio acadêmico, o incentivo por uma adesão maior destes grupos a este ambiente pode ser próspero. 71 Não apenas nos estudos de cibercultura – onde a freqüência ao IRC pode significar uma experiência “real” da virtualidade – mas sim a todos aqueles que procuram debater temas muito específicos em comunidades que exigem diferentes graus de instrução. A presença de graduandos, pós-graduandos, especialistas e doutorados, como visto nas pesquisas, é significativa nas comunidades de conhecimento do IRC. A parceria com Universidades parece-me ser a mais eficiente maneira de integrar o debate das comunidades do IRC com uma formalização e preservação deste conhecimento. As possibilidades de parceria são muitas. Considerando ser uma ferramenta de fácil utilização, uma iniciativa possível é a organização das Universidades brasileiras em torno de um servidor de IRC exclusivo para Universidades, possibilitando não apenas o debate, mas facilitando também instâncias de ensino mediado pelo computador. O IRC poderia servir, inclusive, para plataformas para entrevistas, encontros e debates com professores e autores da área acadêmica. A proximidade com o meio acadêmico pode permitir maior intercâmbio, menos formal e mais “interpessoal”, entre conhecedores de diversas áreas – um intercâmbio muito plural. Um sistema de identificação dos usuários pode ser idealizado também, para que seja possível creditar autores que façam suas contribuições durante e a partir das discussões no IRC, informando a instituição de ensino a qual pertencem, por exemplo. Uma outra iniciativa pode visar a edição dos arquivos de conversação, que na maioria dos canais com presença de BOTs estão arquivados, embora não estejam organizados ou formatados. Um projeto de integração do conhecimento acadêmico em vários níveis desenvolvido para a web – portais de informação, entrevistas, discussões, publicações – poderia utilizar o IRC como grande ferramenta de integração. Este trabalho já tem grande parte de seu intuito cumprido ao trazer à luz do conhecimento acadêmico a existência do IRC e a pluralidade e riqueza de suas comunidades de conhecimento. 72 Assim, é esperado que quando surja a oportunidade de integrar e trabalhar um projeto desta natureza, seja possível contar com mais uma ferramenta no intuito da colaboração com a idéia de integrar o conhecimento, ampliar o intercâmbio e expandir suas fronteiras de forma ordenada e frutífera. 73 REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. CHAVES, Eduardo O C. A virtualização da realidade. Comunicação e Educação Revista do Curso de Gestão de Processos Educacionais da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, Setembro/Dezembro de 1999. Comunidade Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Comunidade> Acesso em: 25 jan. 2007. Internet relay chat Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Internet_Relay_Chat> Acesso em: 25 jan. 2007. FARINA, Sérgio. Referências bibliográficas e eletrônicas. São Leopoldo: UNISINOS, 1997. FERREIRA, João. A heteronímia ou a alma como multiplicidade. 2000 Disponível em <http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.phtml?cod=825&cat=Artigos> Acesso em: 25 jan. 2007. HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. São Paulo: Globo, 2000. LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996. Linguagem e comunicação no IRC Disponível em <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/404nOtF0und/404_12.htm)> Acesso em: 25 jan. 2007. MORAES, Maurício. Real e virtual: da existência de fato à simulação. Disponível em <http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/comunicacaovirtual/0127.htm> Acesso em: 25 jan. 2007. 74 NUNES, Fabio Oliveira. O ciberespaço e a virtualidade. Disponível em <http://www.universia.com.br/html/materia/materia_fgfc.html> Acesso em: 25 jan. 2007. PINTO, Casimiro, 2004. A comunicação mediada por computador. O exemplo do IRC. Revista TEXTOS de la CiberSociedad, 6. Temática Variada. Disponível em <http://www.cibersociedad.net> Acesso em: 25 jan. 2007. RECUERO, Raquel da Cunha. Identidade e comunidades virtuais no IRC: estudo do canal #Pelotas. Disponível em <http://www.pontomidia.com.br/raquel/identidade.pdf> Acesso em: 25 jan. 2007. Revista FAMECOS, Porto Alegre, dezembro 1999. Revista FAMECOS, Porto Alegre, dezembro 2001. Revista WIRED, Nova Iorque, setembro 2006. ROCHA, José Antonio Meira da. O mito do “virtual” e da “virtualidade”. Disponível em <http://www.meiradarocha.jor.br/index.pl/o_mito_do_virtual> Acesso em: 25 jan. 2007.t ROCHA, José Antonio Meira da. Modelo de trabalho de conclusão de curso (TCC). Modelo de documento digital do programa OpenOffice 2.0 disponível em <http://www.meiradarocha.jor.br/uploads/1021/196/modelo_de_projeto_de_TCC-200606-12a.sxw>. Acesso em: 25 jan. 2007. SILVA, Michele Tancman Candido da. A territorialidade do ciberespaço. Disponível em <http://www.tamandare.g12.br/ciber/territoriovirtual.PDF> Acesso em: 25 jan. 2007. SOUZA, Renato Rocha. O que é, realmente, o virtual. Disponível em <http://www.revista.unicamp.br/infotec/artigos/renato.html> Acesso em: 25 jan. 2007. THUMS, Jorge. Acesso à realidade: técnicas de pesquisa e construção do conhecimento. Porto Alegre: Sulina/Ulbra, 2000. 75 GLOSSÁRIO IRC – Internet Relay Chat: é um protocolo de comunicação bastante utilizado na Internet. Ele é utilizado basicamente como bate-papo (chat) e troca de arquivos, permitindo a conversa em grupo ou privada, sendo o predecessor dos mensageiros instantâneos actuais. Servidor de IRC: O IRC é um protocolo aberto que usa o TCP e opcionalmente SSL. Um servidor de IRC pode ser ligado a outros servidores de forma a expandir a rede de IRC. Para que os utilizadores tenham acesso às redes de IRC é necessário ligar a um dos servidores utilizando um cliente apropriado. Nickname: apelido utilizado para identificar o usuário ao acessar um servidor de IRC. Canal: É onde os utilizadores podem juntar-se e enviar mensagens que são depois reenviadas para todos os outros utilizadores do mesmo canal. Os canais que estão disponíveis através de toda a rede de IRC são precedidos de um „#‟. OP ou OpChan: Operador de canal. Os privilégios dos operadores de canal permitem expulsar utilizadores (“kick”), colocar modos (preferências do canal), e alterar o tópico do canal se este estiver „+t‟ (se o modo do canal para tópico estiver habilitado). Voice: Os privilégios dos utilizadores com „voice‟ permitem ao utilizador falar no canal se este estiver moderado (o modo „m‟, dentre os modos de canal, permite apenas usuários com privilégio de operador e voice falarem no canal). Founder: É o usuário com maior privilégio, similar a um operador de canal, mas que pode alterar mais funções no canal. 76 Topic: É o tópico que fica na barra de título da janela do canal. Normalmente tratase do assunto em pauta, avisos ou até datas comemorativas, URLs em evidência ou aniversários de usuários. Ban: É o comando para banimento, ou seja, a expulsão com tempo determinado do usuário do canal. Apenas pode ser executado por um OP. Kick: É uma expulsão imediata, sem tempo determinado para o afastamento do canal. O usuário pode voltar imediatamente para o canal, pois o “kick” serve como alerta. PVT: Janela de conversa particular, aberta a partir do duplo click sobre o nickname do usuário com quem se deseja conversar ou através do comando “/msg” seguido pelo apelido do destinatário. Nuke: Espécie de ataque feito através do IRC, como usar mensagens ICMP do tipo unreachable para desligar ligações TCP ao IRC, feito para chatear utilizadores ou facilitar “takeovers”. Takeover: É quando um usuário ou um grupo de usuários utiliza-se de ataques para tomar o registro de canais ou derrubar os operadores (pois com o canal vazio, o primeiro a entrar recebe automaticamente o privilégio de operador). DCC: Sistema utilizado no IRC para troca de arquivos como imagens, músicas, vídeos. Status (janela): É a janela permanente que mantém o usuário conectado ao servidor de IRC. Ali são exibidas as informações de saudação do servidor, as regras de utilização do servidor e informações sobre a conexão (ping). Ping: Tempo de retorno de envio e recebimento de mensagens para o usuário. Lag: Atraso no tempo de envio das mensagens. Ocorre quando o servidor de IRC está sobrecarregado ou quando a conexão do usuário está lenta. Whois: Comando direcionado ao usuário, exibe informações sobre o usuário digitadas na entrada do IRC (nome, e-mail, sistema operacional, identificação). Exibe também em quais canais o usuário está conectado no momento. List: Comando para exibição da lista de canais do servidor. 77 ANEXOS ENTREVISTA: Zendroid O usuário Zendroid, cursando PhD em psicologia na Austrália, usuário há mais de 6 anos do canal #philosophy na rede Undernet, comenta a construção de seu apelido baseando-se na teoria de Walther sobre “hiperpersonalidade”, que é o teórico que estuda seu projeto de fornecer aconselhamento psicológico online. “Ele [o apelido] fala sobre outros fatores de comunicação na Internet, tipicamente via chat, onde as pessoas criam uma apresentação altamente controlada de si mesmo. Por exemplo, eu sou kungfuzi e zendroid. Estas identidades, se você quiser, tendem a comunicar apenas alguns aspectos de si mesmo. Muito de mim não é compartilhado ou especificamente escolhido para não ser comunicado. “Eu gosto de kung fu, logo, kungfuzi (também uma alusão a Confucius). Meu outro nickname, Zendroid, também é semelhante. Era originalmente Zenjite, mas numa brincadeira, acabei mudando para Zendroid e gostei. Meu nome é Bem, e meus amigos me chamam de Benji – então virou Zenji... até porque devem haver muitos “Bens” que gostam de Zen... Zenjis... e Zenjite para o Zen assim como Israel para Israelita (“Israelite”). “Sobre meu projeto de aconselhamento online, se Walther estiver certo – e a maioria dos teóricos cognitivos concordam com ele – isto significa que as pessoas poderiam conseguir alguns resultados através do aconselhamento online. “Isto significa que quem opta por tentar o aconselhamento online vai desenvolver objetivos pragmáticos que eles crêem serem alcançáveis, e vão apresentar a si mesmos 78 numa maneira bastante específica, sabendo o que eles querem obter daquele que aconselha. “Este “conselheiro”, por sua vez, irá identificar esta “apresentação” e oferecer reflexões sobre ela. Estou sendo bastante breve, mas é mais ou menos assim que funciona”. ENTREVISTA: Tau O usuário Tau, estudante do 3o ano de matemática da UFRJ, é fundador do canal #brsoft na rede BrasNet. Tau diz ter organizado um canal duradouro através de esforços em fazer do canal um ambiente semelhante a uma rede de amigos e, além disso, de ajuda mútua em programação de computação. Pergunta: Você acha que ele contribui para responder tanto perguntas mais simples como mais complexas? Primeiro, eu como idealista e fundador do #brsoft, implemento nas pessoas lá uma ideologia, e uma filosofia minha, adquiridas com a inteligência que possuo e com o tempo de vida que tive. Consiste no seguinte: respeitar uns aos outros, não por poder ser punido, mas por esperar que sempre você precisará de ajuda. As pessoas vão ao #brsoft porque elas já sabem que lá é um canal de amigos e que poderão obter ajuda lá. Quanto à pergunta sobre as perguntas mais complexas, sem sombra de dúvidas. Há algum tempo atrás, quando eu fundei o #brsoft, o pessoal que entrava lá não tinha conhecimento de programação, eu criei programadores do nada. Eu forjei pessoas, e o caráter de cada uma delas. Tome como exemplo o FULIGEM, ele me admira, e eu o ajudo em todos os sentidos da vida. Eu não busco como foco principal mudar o mundo, eu busco como foco principal criar um “mundo” ao meu redor, que seja do meu gosto. Eu sou um dos lideres, para ser líder é preciso ser admirado, mas não basta ser admirado para ser um bom líder, é preciso admirar a si próprio antes de mais nada. Qualquer individuo dotado de bom senso, é capaz de saber o que é correto e errado de acordo com a moral imposta pelos seus antecessores. 79 E o que eu sou? Um sujeito com uma boa moral, apenas isso, por isso me admiro, mas o fato de ser admirado, não está intimamente ligado com a minha moral, mas com minhas vitórias nos campos de batalhas. A idéia é que o brsoft se transforme numa família. Numa corrente, onde todos se ajudem mutuamente, mas sem ligação com religiosidade, apenas com o sentido lógico da coisa. Pergunta: Como você acha que se dá a passagem do mundo virtual para o real? Como isso aconteceu no #brsoft? Eu já conheci várias pessoas do virtual para o real. E vou lhe dizer, não muda em nada. Eu particularmente continuo agindo da mesma maneira. E todos aqueles que conheci, também agiram. É claro que muitas pessoas, dependendo da mente, tem certas restrições. Eu notei essa aproximação nas outras pessoas, não em mim, pois sempre foram o que foram. Independente de estarem a dois passos de mim, ou a dois mil km. Eu tenho amigos de anos aqui. Pergunta: Passar uma sexta-feira teclando é próximo de passar uma sextafeira num bar. Você concorda com isso? Tem algum comentário? Passar uma sexta feira teclando é melhor que passar uma sexta em um bar. Pois num bar você pode voltar com a cara quebrada, pois não sabe com quem conversa. Mas aqui não, você pode saber exatamente com quem conversa antes de tudo. Veja, a tendência das pessoas é se tornar livres. E a Internet proporciona isso a elas. Por mais que se precise se isolar em grupos, as pessoas sempre estarão ligadas via a grande aldeia global. O IRC sem dúvida é o meio mais fantástico de conhecer mentes, e aprender com as pessoas. Você pode estar com 100 pessoas numa sala, e conversar à vontade. Isso sem dúvida é fantástico, você jamais poderia fazer isso ao vivo.