UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA Instituto de

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA Instituto de
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA
Instituto de Geociências / Departamento de Geografia
Mestrado em Geografia
Fábio Antônio Moura Costa de Souza
PLANOS DIRETORES PÓS-ESTATUTO DA CIDADE EM MUNICÍPIOS
BAIANOS: REGULAÇÃO DO TERRITÓRIO A SERVIÇO DO
DESENVOLVIMENTO?
Salvador
2008
Fábio Antônio Moura Costa de Souza
PLANOS DIRETORES PÓS-ESTATUTO DA CIDADE EM MUNICÍPIOS
BAIANOS: REGULAÇÃO DO TERRITÓRIO A SERVIÇO DO
DESENVOLVIMENTO?
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal da Bahia - UFBA, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Sylvio Carlos Bandeira de
Mello e Silva
Salvador
2008
S586
Souza, Fábio Antônio Moura Costa de,
Planos diretores pós-estatuto da cidade em municípios baianos: regulação do
território a serviço do desenvolvimento? / Fábio Antônio Moura Costa de
Souza. _ 2008.
230 f.
Orientador: Prof. Dr. Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Instituto de
Geociências, 2008.
1. Geografia urbana – Bahia 2. Planejamento urbano – Bahia 3. Política
urbana – Bahia
4. Desenvolvimento regional – Bahia
I. Sylvio Carlos Bandeira
de Mello e Silva, II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências.
III. Título.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Fábio Antônio Moura Costa de Souza
PLANOS DIRETORES PÓS-ESTATUTO DA CIDADE EM MUNICÍPIOS
BAIANOS: REGULAÇÃO DO TERRITÓRIO A SERVIÇO DO
DESENVOLVIMENTO?
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal da Bahia - UFBA, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Mestre em Geografia.
Aprovado em ______________ de 2008
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Prof. Dr. Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva – Universidade Federal da Bahia (UFBA)
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Cristóvão de Cássio da Trindade Brito – Universidade Federal da Bahia (UFBA)
____________________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Ângelo Martins Fonseca – Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
DEDICATÓRIA
Para que este trabalho fosse concebido, desenvolvido e concluído algumas pessoas
tiveram contribuições especiais e diferenciadas em cada etapa da caminhada. Muito
provavelmente, sem estas colaborações o resultado não teria sido o mesmo do aqui
apresentado.
Em sendo assim gostaria de registrar meus agradecimentos a todos os professores
e servidores do Programa de Pós-Graduação em Geografia com os quais mantive
contato ao longo do curso.
Agradeço também aos colegas de mestrado, especialmente aos da turma de 2006,
pelo companheirismo e debates suscitados.
Não poderia deixar de agradecer, igualmente, aos professores Eline Menezes e
Edvalter S. Santos, que mesmo não pertencendo à UFBA, contribuíram bastante na
montagem do anteprojeto por mim apresentando ainda na fase seleção para o
mestrado.
Agradeço mais ainda ao meu orientador, Profº Sylvio Bandeira, que ofereceu
valiosos questionamentos e direcionamentos sobre a minha pesquisa e a sua
abordagem dentro da ciência geográfica.
Estendo este agradecimento aos Profº Cristóvão Brito e Antonio Ângelo M. da
Fonseca enquanto integrantes da minha banca.
Por fim, registro um agradecimento especial aos meus pais, a Camila, aos amigos
pessoais e ex-colegas de fábrica pela compreensão, apóio, incentivo, desafios e
trocas de turno durante esta longa, difícil mas sempre prazerosa jornada.
“É chato chegar a um objetivo num instante.”
Raul Seixas
RESUMO
Este trabalho trata sobre planos diretores em quatro municípios baianos elaborados pósEstatuto da Cidade e seu contexto de elaboração que se deu no âmbito da ação do Estado
brasileiro na regulação do território. Objetivou-se abordar e detalhar os fundamentos e as
características de um plano diretor e do Estatuto da Cidade enquanto instrumentos de
regulação do território na escala municipal e analisar a capacidade das administrações dos
quatro municípios selecionados induzirem e manterem um processo de desenvolvimento
municipal via a elaboração de planos diretores, neste caso funcionando também como um
projeto de desenvolvimento territorializado. Os principais resultados encontrados foram três:
a) a Constituição Federal de 1988 já trazia, tanto em seu capítulo sobre política urbana
quanto em diversos outros artigos fundamentos jurídicos para a elaboração dos planos
diretores, mas a falta de detalhamento e de sanções não tornou a elaboração dos planos
uma prática comum na gestão pública municipal brasileira; b) o Estatuto da Cidade, ao
regulamentar os Artigos 182 e 183 da CF/1988, suscitou muita visibilidade à questão da
elaboração dos planos diretores, em particular, e à questão do planejamento urbano, em
geral, justamente por conferir-lhe obrigatoriedade, estabelecer conteúdos mínimos e o modo
como tal plano deve ser elaborado, e, sobretudo, prever sanções aos municípios e aos
prefeitos que não o elaborarem; c) observou-se que o Estado brasileiro continua editando
normas, como as Resoluções 25 e 34 do Concidades (ambas de 2005), para fundamentar
juridicamente ainda mais a elaboração dos planos (tanto no conteúdo quanto no processo
de planejamento); d) diante desta postura do Estado brasileiro observou-se, a partir da
edição do Estatuto, a consolidação de um modelo de planejamento urbano que se
caracteriza pelo emprego de técnicas e metodologias de sensibilização e mobilização
popular na elaboração dos planos diretores, mas sem deixar de lado a formulação de uma
ordenação urbana e a inserção de projetos subjacentes à lógica do desenvolvimento
econômico capitalista. As três principais conclusões retiradas deste trabalho são: (i) o
Estado brasileiro conseguiu aumentar sua capacidade de regulação do território, mesmo
considerando a conjuntura derivada do processo de globalização econômica e da
organização federativa brasileira, passando a intervir mais incisivamente sobre o
planejamento e a gestão territorial dos próprios municípios; (ii) a paulatina fundamentação
jurídica como suporte legal à elaboração dos planos diretores municipais ao fortalecer o
controle social disseminou, em grande medida, o princípio da gestão democrática da cidade.
Por outro lado, isso não significou, na mesma proporção, nem uma melhoria qualitativa dos
conteúdos dos planos do ponto de vista do atendimento às demandas e interesses das
populações locais, nem resolveu o problema da necessária implantação das propostas
contidas nos planos diretores elaborados e a sua gestão pelo Poder Público municipal; e (iii)
a verdadeira motivação dos processos de elaboração dos planos diretores municipais, de
um modo geral, não parece estar nem na implantação de uma política pública de
desenvolvimento municipal nem, ao que se poderia supor, no atendimento a interesses e
projetos de agentes econômicos. A motivação está adstrita à normatização do território pelo
Estado.
PALAVRAS-CHAVE: Estado. Regulação do Território.
Desenvolvimento. Planejamento. Estatuto da Cidade.
Plano Diretor municipal.
ABSTRACT
This paper discourses about master plans in four municipalities from Bahia post Statute of
the City. Its context of preparation that took place under the action of the State in the
regulation of the territory. Its objective was to address and to detail the reasons and
characteristics of a Master Plan and the Statute of the City as a tool for regulating the
territory in the municipal level and to analyze the capacity of governments of the four
selected municipalities induce and to maintain a process of municipal development through
the preparation of Master Plans, in this case also worked as a project of territorialized
development. The main results were three: a) the Federal Constitution of 1988 has brought,
both in its chapter about urban policy as in several other articles, legal basis for the
preparation of Master Plans, but the lack of detail and sanction do not make the format of
plans a common practice in Brazilian public administration, b) the Statute of the City of 2001
when regulates the articles 182 and 183 of FC/1988, aroused much visibility to the issue of
preparation of Master Plans, in particular, and the issue of urban planning in general, just by
giving it compulsoriety to establish minimum content and the way that this plan should be
developed, and above all provide for penalties to municipalities and mayors who fail to
produce it, c) it was observed that the Brazilian State continues editing standards, as the
resolutions 25 and 34 of Concidades (both 2005), to legally justify further the development of
plans (both in content as in the planning process), d) In front of this posture of the Brazilian
state it was observed, from the edition of the Statute, the consolidation of a model of urban
planning which is characterized by the use of techniques and methodologies to increase
public awareness and popular mobilization in the preparation of Master Plans, but without
forgetting the formulation of an urban ordination and the insertion of projects underlying logic
of development capitalist economy. The three main conclusions obtained from this study are:
(i) the Brazilian State managed to increase its power to regulate the territory, even
considering the conjuncture derived from the process of economic globalization and the
Brazilian federal organization, through a more effectively intervention on the planning and
management Territorial of their own municipalities, (ii) the gradual legal reasoning and legal
support to the drafting of Master Plans by the strengthening the municipal social control
spread largely on the principle of democratic management of the city. On the other side, this
hasn’t meant, in the same proportion, neither a qualitative improvement of the content of the
plans from the standpoint of service to the demands and interests of local people, nor solved
the problem of the necessary implementation of the proposals contained in the plans drawn
up and its directors municipal management by governmental agencies, and (iii) the real
motivation of the processes of preparing the Municipal Master Plans, in general, does not
appear to be either in the implantation of a public policy and municipal development nor to,
what you might assume, in attendance the interests and projects of economic agents. The
motivation is to standardize the territory assigned by the state.
KEY WORDS: State. Regulation of the Territory. Municipal Master Plan. Development.
Planning. Statute of the City.
LISTA DE ABREVIATURAS
ACS - Agentes Comunitários de Saúde
BM - Banco Mundial
CAR - Companhia de Ação Regional
CNM - Confederação Nacional dos Municípios
CONCIDADES - Conselho Nacional de Cidades
DESEMBAHIA - Agencia de Fomento do Estado da Bahia S/A
DESENBANCO - Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia S/A
EC - Estatuto da Cidade
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias
LOA - Lei Orçamentária Anual
MCID - Ministério das Cidades
MNRU - Movimento Nacional pela Reforma Urbana
OGU - Orçamento Geral da União
PDM - Plano Diretor Municipal
PIB - Produto Interno Bruto
PNB - Produto Nacional Bruto
PPA - Plano Pluri Anual
SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
SEPLANTEC - Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia
SNIU - Sistema Nacional de Indicadores Urbanos
SNPU - Secretaria Nacional de Programas Urbanos
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Localização dos municípios estudados ..........................................................
28
Figura 2 - Capital sócio-territorial e Desenvolvimento – o tripé “mágico” ........................
67
Figura 3 - Exemplo de macro zoneamento com delimitação de zonas urbanas e rurais
num PDM ........................................................................................................
75
Figura 4 - Exemplo de zoneamento urbano contido em um PDM ..................................
76
Figura 5 - Representação gráfica dos elementos para uma gestão sócio-estatal .......... 100
Figura 6 - Exemplo de espacialização de instrumentos do Estatuto da Cidade em um
PDM ................................................................................................................ 108
Figura 7 - Municípios baianos que elaboraram PDM pelo Produr .................................. 121
Figura 8 - Total de municípios baianos que aderiram ao PDP-Ba .................................. 126
Figura 9 - Fotos do município de Barra do Choça .......................................................... 142
Figura 10 - Fotos do município de Morro do Chapéu ........................................................ 143
Figura 11 - Fotos do município de São Felipe .................................................................. 144
Figura 12 - Fotos do município de Tremedal .................................................................... 145
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Principais características dos regimes de acumulação fordista e pósfordista ......................................................................................................
32
Quadro 2 - Formas clássicas de Poder .......................................................................
39
Quadro 3 - Elementos constitutivos do Estado ...........................................................
46
Quadro 4 - Principais modelos de desenvolvimento ..................................................
62
Quadro 5 - Dispositivos jurídico-urbanísticos que compõem a ordenação urbana .....
73
Quadro 6 - Periodização do planejamento urbano no Brasil ......................................
74
Quadro 7 - Caracterização de dois modelos de planejamento urbano .......................
79
Quadro 8 - Variáveis e condições favorecedoras à implantação de processos de
democracia participativa ........................................................................... 102
Quadro 9 - Base constitucional que trata sobre a ordenação da cidade e PDM ........ 105
Quadro 10 - Instrumentos do Estatuto da Cidade que para serem aplicados precisam
ser delimitados espacialmente na lei do PDM .......................................... 107
Quadro 11 - Principais itens para a ordenação territorial que devem estar presentes
no PDM segundo a Resolução 34 do Concidades ................................... 110
Quadro 12 - Conteúdo da Resolução 34 que trata do controle social sobre os PDM .. 111
Quadro 13 - Subprogramas, componentes e projetos integrantes do Produr na Bahia 118
Quadro 14 - Princípios norteadores dos PDM do Produr e os principais produtos
elaborados pelas empresas de consultoria .............................................. 122
Quadro 15 - As quatro etapas do PDP-Ba .................................................................... 128
Quadro 16 - Síntese de informações para a caracterização geral dos municípios
estudados .................................................................................................. 136
Quadro 17 - Datas importantes e formas de organizar a participação popular ............ 147
Quadro 18 - Instrumentos de gestão democrática do Estatuto da Cidade previstos
nos PDM estudados .................................................................................. 153
Quadro 19a - Síntese das leis, políticas, planos, programas, projetos, estudos e
estruturas administrativas recomendados pelos PDM de Barra do
Choça e Morro do Chapéu ........................................................................ 159
Quadro 19b - Síntese das leis, políticas, planos, programas, projetos, estudos e
estruturas administrativas recomendados pelos PDM de São Felipe e
Tremedal ................................................................................................... 162
Quadro 20 - Mapas Temáticos ou Plantas das proposições recomendadas nos PDM
por localização .......................................................................................... 167
Quadro 21 - Instrumentos do Estatuto da Cidade previstos nos PDM estudados ........ 170
Quadro 22 - Propostas para a institucionalização do planejamento municipal
contidas nos quatro PDM estudados ........................................................ 174
Quadro 23 - Principais agentes sociais que participaram da elaboração dos PDM
entrevistados ............................................................................................. 175
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Instrumentos legais de gestão urbana existentes (%) em municipalidades
brasileiras por grandes regiões – 20041 e 2005 ...........................................
19
Tabela 2 - Bahia: distribuição (%) dos domicílios particulares permanentes, por
situação de domicilio, segundo alguns aspectos da infra-estrutura urbana,
2006 ...............................................................................................................
20
Tabela 3 - Bahia: domicílios particulares permanentes, por situação do domicilio,
segundo a existência (%) de alguns bens duráveis, 2006 ............................
20
Tabela 4 - Brasil, Nordeste e Bahia: distribuição (%) das pessoas com mais de 5 anos
de idade segundo a não-alfabetização por situação do domicílio, 2006 .......
21
Tabela 5 - Bahia: existência (%) nos municípios de instrumentos do Estatuto da
Cidade e de outros instrumentos de planejamento e gestão urbana, 2004
e 2005 ..........................................................................................................
113
Tabela 6 - Informações básicas sobre os municípios estudados ................................... 134
Tabela 7 - Dados populacionais sobre os municípios estudados, 1970 e 2000 ............. 135
Tabela 8 - Quantidade e distribuição espacial dos domicílios nos municípios
selecionados – 2000 ...................................................................................... 138
Tabela 9 - Quantidade e distribuição espacial dos moradores nos municípios
selecionados – 2000 ...................................................................................... 139
Tabela 10 - Situação (%) da Infra-estrutura urbana disponível nos municípios
selecionados – 2000 ...................................................................................... 139
Tabela 11 - Indicativo de residência na sede municipal das pessoas residentes nos
municípios selecionados – 2000 .................................................................... 165
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................
14
1.1 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA ..................................................................................
16
1.2 PROBLEMAS, HIPÓTESE E OBJETIVOS DA PESQUISA .........................................
22
1.3 METODOLOGIA ........................................................................................................... 23
1.3.1 Quadro de Análise ................................................................................................... 24
2 A REGULAÇÃO ESTATAL, O TERRITÓRIO E A QUESTÃO DO
DESENVOLVIMENTO ....................................................................................................... 30
2.1 O ESTADO E SUA ATUAÇÃO CONTEMPORÂNEA NA REGULAÇÃO
TERRITORIAL: O PLANO DIRETOR MUNICIPAL ENQUANTO NORMATIZAÇÃO DO
TERRITÓRIO ..................................................................................................................... 35
2.1.1 Plano Diretor municipal: instrumento para a normatização do território ..........
41
2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O TERRITÓRIO .............................................................
47
2.3 DESENVOLVIMENTO, MAS E A TERRITORIALIZAÇÃO DO
DESENVOLVIMENTO? ...................................................................................................... 57
3 PLANEJAMENTO E GESTÃO URBANA: PRINCIPAIS MODELOS E
CARACTERÍSTICAS..........................................................................................................
69
4 O ESTATUTO DA CIDADE COMO ATUAL PARADIGMA PARA A GESTÃO
PLANEJADA DO TERRITÓRIO ........................................................................................
88
4.1 A QUESTÃO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ELABORAÇÃO DOS PLANOS ....
94
4.2 A QUESTÃO DO CONTEÚDO DOS PLANOS ELABORADOS .................................. 103
5 PROGRAMAS RECENTES ENVOLVENDO A ELABORAÇÃO DE PLANOS
DIRETORES NA BAHIA .................................................................................................... 115
5.1 O PRODUR - PROGRAMA DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL E
DESENVOLVIMENTO DE INFRA-ESTRUTURA URBANA ............................................... 115
5.2 O PDP-BA - PROGRAMA DE APOIO A ELABORAÇÃO DE PLANOS DIRETORES
PARTICIPATIVOS DOS MUNICÍPIOS DOS ESTADO DA BAHIA .................................... 123
6 UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS PLANOS DIRETORES DE QUATRO PEQUENOS
MUNICÍPIOS BAIANOS ..................................................................................................... 133
6.1 BREVE CARACTERIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS ESTUDADOS ................................. 134
6.2 PARTICIPAÇÃO POPULAR E O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DOS PLANOS .... 146
6.3 O CONTEÚDO DOS PLANOS: PRINCIPAIS ASPECTOS .......................................... 156
Princípios, diretrizes, estratégias e investimentos para o
desenvolvimento municipal ........................................................................................ 156
6.3.1
Os instrumentos de política urbana e de desenvolvimento
municipal.......................................................................................................................... 168
6.3.2
6.3.3 Institucionalização do planejamento municipal ............................................ 173
6.4 O QUE REVELAM AS ENTREVISTAS REALIZADAS ................................................. 175
7.0 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 183
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 193
GLOSSÁRIO ...................................................................................................................... 204
APENDICE A - Sumários das Leis dos Planos Diretores municipais ................................. 209
APENDICE B - Mapas dos Municipais estudados ............................................................. 216
ANEXO A - Planos Diretores municipais do PRODUR segundo consultoria contratada e
ano de finalização ........................................................................................... 221
ANEXO B - Roteiro de Entrevistas ..................................................................................... 225
ANEXO C - Quadro de Identificação dos Agentes Territoriais entrevistados .................... 230
ANEXO D - Outros Mapas .................................................................................................. 232
14
1 INTRODUÇÃO
No momento histórico pelo qual a sociedade mundial passa, marcado pela
agudização das desigualdades econômicas, sociais e espaciais, alguns temas vêm
ganhando maior relevância para os Estados nacionais e para a sociedade civil, em
geral, e para a academia, em particular. No entanto, para a sociedade de países
como o Brasil e de estados federados como o da Bahia, maior economia nordestina,
as desigualdades e os fenômenos delas decorrentes têm se manifestado com mais
força que nos estados do centro-sul brasileiro se constituindo, portanto, em um
temário geral do qual temas específicos podem ser retirados para serem tratados no
âmbito de um processo de investigação científica, especificamente com a geografia.
Fechando mais o foco, no Brasil e especialmente na Bahia a expansão do
urbano e de toda uma problemática a ele subjacente até pequenas cidades antes
marcadas por uma realidade eminentemente rural, tanto do ponto de vista da
paisagem natural como da experiência de vida cotidiana das populações locais, tem
colocado a elaboração de Planos Diretores Municipais (PDM) como problema a ser
estudado pelas ciências humanas, visto que se trata da construção, em tese política
e autônoma, de um projeto político de orientação ao desenvolvimento municipal
tocado pelo próprio Poder Público municipal. Projeto este que perpassa, inclusive, a
questão da regulação do território pelo Estado nesta escala de governo.
E é verdade que o problema ora levantado vem paulatinamente adquirindo
importância mais na esfera do Governo federal e na academia que nos próprios
Governos municipais. Prova disto é a formação, desde 2001, tanto de um arcabouço
jurídico específico como de instâncias de gestão pública federal, respectivamente, a
o Estatuto da Cidade (EC) (Lei Federal n 10.257) e a criação do Ministério das
Cidades (MCID) em 2003.
Ambas as ações primaram por colocar o planejamento e a gestão urbana
como diretriz básica para a consecução do desenvolvimento municipal, em grande
medida via orientação e cobrança pela elaboração dos PDM.
Aliás, a onda de
elaboração ou revisão desses tipos de planos gerada com o final do prazo de cinco
anos (encerrado em 10 de outubro de 2006) estabelecido pelo EC para que os
municípios os elaborem comprova tal fato.
15
No bojo desta política urbana, do ponto de vista da geografia, a questão dos
PDM merece toda a atenção por se tratar de como o Estado brasileiro, seja ele na
escala nacional ou sub-nacional, pode agir direta ou indiretamente na produção e/ou
organização do espaço, que neste caso é o município. Ação esta que tanto pode
atender aos interesses e objetivos comuns da população local como um todo ou
apenas a grupos específicos, como também pode privilegiar mais os interesses e
objetivos de agentes econômicos ou políticos externos interessados em algo
naquele território.
Do ponto de vista da geografia os PDM sempre fizeram uso do seu arcabouço
teórico, mais especificamente da geografia urbana. Via de regra, quase sempre
pode ser observado nos planos, capítulos específicos, em seções do tipo
“diagnóstico”, que privilegiam aspectos atinentes à organização do espaço urbano,
tais como: a inserção regional, a dinâmica populacional, a economia urbana, o
processo de urbanização daquele espaço, a disponibilidade das redes de serviços
urbanos etc.
Entretanto, com a mudança substancial na natureza de um PDM ocorrida nas
últimas décadas o estudo desses planos se tornou uma tarefa mais complexa
passando a demandar da geografia e dos geógrafos análises mais refinadas e
integradoras de diversos fenômenos articulando, assim, um quadro teórico mais
amplo que o usualmente empregado nos estudos urbanos stricto sensu.
Em primeiro lugar, a Constituição Federal de 1988 (CF/1988) alçou o Plano
Diretor municipal de uma condição de peça técnica indicativa de usos e das formas
de ocupação do solo urbano, como também de estratégias de desenvolvimento e
expansão urbana, à condição de lei municipal responsável pela regulamentação e
controle dos usos e do processo de ocupação do solo urbano. Isto significa dizer que
a lei do PDM passou a integrar o ordenamento jurídico do qual o Estado brasileiro se
vale para exercer o seu poder regulatório sobre o território.
Em segundo lugar, a entrada em vigor do Estatuto da Cidade em 2001
ampliou a área de abrangência do Plano Diretor para além do espaço urbano por
excelência – a cidade – de forma a contemplar todo o espaço municipal: zona
urbana mais zona rural. Da mesma forma, o Estatuto suscitou a politização do
processo de elaboração dos planos vide o caráter tecnocrático vigente até a
CF/1988, cujo exemplo da atuação do Serviço Federal de Habitação, Arquitetura e
Urbanismo (SERFHAU), criado em 1964, é emblemático visto que políticas públicas
16
e planos, sobretudo do setor habitacional, eram formulados por técnicos de forma
exógena aos governos locais e sem consultas à sociedade.
Diante de tais fatos tratar sobre planos diretores dentro do pensamento
geográfico atual inscreve esta pesquisa também no campo da geografia política.
Como bem explicita Castro (2005b) ao discutir a geografia política contemporânea
em relação àquela de inspiração ratzeliana:
(...) a geografia política analisa como os fenômenos políticos se
territorializam e recortam espaços significativos das relações sociais,
dos seus interesses, solidariedades, conflitos, dominação e poder.
Numa linguagem geográfica, estes espaços podem ser identificados
como fronteiras, centro, periferia, guetos, unidades políticas etc.
(CASTRO, 2005b, p. 53).
Portanto, não é por acaso que o objeto de estudo da pesquisa esteja formado
a partir da seleção de quatro planos diretores de quatro municípios baianos
concebidos segundo o texto legal contido no Estatuto da Cidade, portanto a partir de
2002, cujos critérios de seleção serão detalhados na metodologia da pesquisa.
O que se espera alcançar com este trabalho de pesquisa é menos de
natureza programática que analítica, ao contrário do que possa parecer em algum
momento. O que essencialmente interessa é construir uma discussão que questiona
se um Plano Diretor Municipal (PDM), incluindo a forma como ele é elaborado, tem a
capacidade de representar e atender aos interesses e objetivos que emanam dos
grupos de agentes sociais que animam e dão forma a um determinado território
municipal.
1.1 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA
Tendo como pano de fundo a problemática acima descrita esta pesquisa
aborda três grandes temas – Estado, Desenvolvimento e Planejamento Urbano – a
partir da discussão contemporânea e da devida articulação entre eles na escala local
de ação estatal política e administrativa para que, desta forma, sejam abordados
outros temas mais específicos e mais caros à geografia, tais como a regulação
territorial, a gestão planejada do território e a territorialização do desenvolvimento.
17
Não que esses três grandes temas já não tenham sido objeto de estudos com
diferentes ênfases por outros pesquisadores, mas justamente pela complexidade da
realidade social e pelo dinamismo econômico e espacial que caracterizam o mundo
contemporaneamente vêm colocando mais questionamentos e desafios para tais
temas. Debates estes suscitados pela polissemia que o conceito de desenvolvimento
adquiriu; pela diversidade de modelos e metodologias de planejamento urbano,
atualmente derivando para a gestão urbana; e, principalmente, pelo debate sobre o
atual papel e tamanho do Estado na medida em que suas formas e campos de ação
parecem ser ora mais direcionados aos interesses dos agentes econômicos ligados
ao grande capital, ora mais direcionados às demandas da população e ora mais
direcionado ao seu próprio fortalecimento enquanto instância social organizadora da
vida em sociedade.
Aliás, as transformações do Estado nacional brasileiro frente às mudanças na
economia mundial, marcadamente a partir dos anos 1980, com grande rebatimento
sobre a dimensão local, vêm requalificando o debate em torno de uma das
categorias analíticas mais trabalhadas pela geografia – o território – na perspectiva
de pontos (áreas) de interlocução entre as pessoas que nele e dele vivem e os
agentes representantes de diversas práticas de poder – econômico, político e
ideológico – externo e interno a ele.
Para além das mais variadas abordagens sobre o Estado envolvendo o
conceito e os tipos de poder, as formas de Governo, as formas de Estado e suas
funções (BOBBIO, 2007), no decorrer do século XX os estudos e discussões sobre
desenvolvimento e planejamento urbano se desdobraram, a partir de diversas
interpretações da realidade, em inúmeras problematizações e modelos teóricos.
Para o primeiro tema as concepções tem fundamentação em problematizações
sobre desenvolvimento econômico propriamente dito, sobre desenvolvimento
regional, sobre desenvolvimento humano, sobre desenvolvimento sustentável, sobre
desenvolvimento social, sobre desenvolvimento local e sobre desenvolvimento
endógeno, entre outras concepções cada uma delas construídas por matrizes
filosóficas distintas.
Em relação ao planejamento urbano são bastante conhecidas as vertentes
que colocam o espaço urbano como objeto de estudo para a intervenção, ou não, do
Estado
como
a
físico-espacial,
a
sistêmica,
a
estratégica
e,
mais
contemporaneamente, a participativa. No entanto, a discussão sobre planejamento
18
urbano derivou, talvez por ineficácia enquanto práxis, para a construção de modelos
de gestão urbana. Neste campo há literatura e experiências envolvendo diferentes
visões de cidade, que variam tanto em escala de abordagem quanto em setores
prioritários de ação, tais como: a gestão metropolitana (escala regional), a gestão da
mobilidade urbana, a gestão do desenvolvimento urbano, a gestão democrática da
cidade (ou participativa), a gestão estratégica (empresarial) de cidades, a gestão
ambiental urbana, entre outros modelos.
Em realidade, o fenômeno que se observa e interessa a esta pesquisa é um
duplo movimento de sentidos contrários que, todavia, se tocam no território. De um
lado a discussão sobre desenvolvimento passou da escala nacional para a local
como alternativa para se obter resultados mais rápidos e consistentes, visto que, em
tempos de neoliberalismo, o foco da ação do Estado brasileiro contemporâneo está
na agenda macroeconômica cuja base não é espacial, mas sim atrelada ao sistema
financeiro internacional.
De outro lado, os modelos de planejamento urbano e, agora também, de
gestão urbana têm seus conteúdos ampliados da cidade, enquanto materialização
do espaço urbano (CARLOS, 1994), para a área do município como um todo
incluindo, assim, a zona rural. Mais ainda, a prática contemporânea de planejamento
e gestão urbana incorporou a escala regional, tendo em vista que somente o estudo
e a intervenção na zona urbana de um município não consegue dar conta da
complexa realidade econômica e social hoje vigente. Como explica Castro (2005b):
É neste quadro institucional que o tema município começa a exigir a
atenção da geografia política como um recorte espacial
institucionalizado importante. [...] Afinal, cidadania se conquista
através da lei geral, mas é vivida no cotidiano do território, ou seja,
naquele das relações de proximidade, de oferta e acesso aos
serviços que tornam o direito uma prática social real. A escala
municipal é portanto significativa do fazer político no espaço e
oferece um vasto campo para a geografia política contemporânea
(CASTRO, 2005b, p. 41).
Contudo, diante da rica e longa discussão envolvendo os temas Estado,
desenvolvimento, planejamento e gestão urbana, dois cenários se impõem e
precisam ser enfrentados de alguma forma. Primeiramente o reconhecido quadro de
fragilidade institucional que caracteriza a grande maioria dos 5.564 municípios
brasileiros (IBGE, 2006). No que toca a questão da gestão planejada do território a
19
fragilidade institucional é caracterizada pela ausência ou subtilização de diversos
instrumentos legais disponíveis aos gestores municipais, alguns mais recentes e
vários deles há muito conhecido por arquitetos, urbanistas e economistas.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da
publicação Pesquisa de Informações Básica Municipais (IBGE, 2005; 2006), elenca
diversos outros instrumentos legais de gestão urbana, a saber: a Lei de Perímetro
Urbano, a Lei de Zoneamento, a Lei de Parcelamento do Solo, a legislação para
Áreas de Interesse Social ou Ambiental, o Plano Estratégico de Cidades, a Gestão
Orçamentária Participativa, o Plano de Governo, o Plano Plurianual ou PPA, a Lei de
Diretrizes Orçamentárias ou LDO, os conselhos municipais setoriais (política urbana,
habitação, meio ambiente, saúde, educação etc.), entre outros instrumentos de
natureza eminentemente formal. A Tabela 1 ilustra tal situação.
Tabela 1 – Instrumentos legais de gestão urbana existentes (%) em municipalidades brasileiras por
1
grandes regiões – 2004 e 2005
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro
Oeste
Lei de Perímetro Urbano
78,3
54,6
62,9
88,0
94,2
85,2
Gestão Orçamentária Participativa
72,1
71,5
60,8
67,4
89,4
88,4
Código de Obras
44,5
35,6
31,0
48,1
59,4
53,6
Lei de Parcelamento do Solo
30,3
17,2
12,9
33,5
55,9
35,8
Lei de Zoneamento ou Equivalente
20,6
13,1
9,0
20,6
40,5
21,0
Plano Diretor
14,5
9,0
9,0
14,9
25,2
10,3
Estudo de Impacto de Vizinhança
7,5
9,1
5,0
7,1
11,4
7,3
Operação Urbana Consorciada
7,1
7,1
4,2
6,4
11,7
8,4
Temas Municipais
1
Fonte: cálculo do autor a partir dos dados do IBGE, 2006; 1IBGE, 2005
Ressalta-se o fato de que com o Estatuto da Cidade o Plano Diretor foi
reafirmado como principal instrumento de política urbana e todos os demais
instrumentos passaram a ser exigidos, quando aplicáveis, para que os gestores
locais promovam o ordenamento municipal sob pena do município deixar de
participar de alguns programas federais ou terem repasses de impostos retidos a
título de sanção. Ainda assim, o percentual de municípios brasileiros e baianos que
possuíam um PDM em 2005 era de, respectivamente, 14,5% e 12,5%. Neste cenário
se destacam os municípios da Região Sul com PDM em 25,2% das suas
municipalidades.
20
O segundo cenário, em alguma medida decorrente do primeiro, impõe-se
diante do quadro de desigualdades econômicas, sociais e espaciais entre inúmeras
municipalidades brasileiras, nordestinas e baianas. E, na escala municipal, verificamse desigualdades também entre a cidade a zona rural. Nesta direção, as Tabelas 2,
3 e 4 procuram demonstrar tais afirmações. E em termos de um processo de gestão
planejada do território construído pelo poder público municipal com vista ao
desenvolvimento estas desigualdades representam não apenas grandes obstáculos,
representam mesmo a sua própria finalidade.
Tabela 2 – Bahia: distribuição (%) dos domicílios particulares permanentes, por situação
de domicilio, segundo alguns aspectos da infra-estrutura urbana, 2006
Domicílios
Urbanos
Domicílios
Rurais
Quantidade absoluta (1.000)
2.655
1.162
Abastecimento de Água - por rede geral
95,4
34,5
Esgotamento Sanitário - por rede geral ou fossa
séptica
71,7
7,2
Coleta de Lixo - por serviço de limpeza ou caçamba
96,1
18,4
Iluminação Elétrica
99,4
77,7
Telefone
65,8
14,2
Itens da infra-estrutura urbana
Fonte: IBGE, 2007. Cálculos do autor com base em dados da PNAD 2006
Tabela 3 – Bahia: domicílios particulares permanentes, por situação do
domicilio, segundo a existência (%) de alguns bens duráveis, 2006
Domicílios
Total
Domicílios
Urbanos
Domicílios
Rurais
Fogão
95,0
97,2
89,9
Filtro de Água
61,9
63,5
58,3
Rádio
81,7
83,1
78,5
Televisão
84,5
93,3
64,4
Geladeira
70,7
82,7
42,3
Freezer
7,0
9,0
2,4
Máquina de lavar roupa
11,6
16,1
1,3
Bens Duráveis existentes
Fonte: IBGE, 2007. Cálculos do autor com base em dados da PNAD 2006
21
Tabela 4 – Brasil, Nordeste e Bahia: distribuição (%) das pessoas com mais de 5
anos de idade segundo a não-alfabetização por situação do domicílio, 2006
% não-alfabetizadas
Níveis espaciais
Total
Absoluto
(1.000)
Urbana
%
Absoluto
(1.000)
Rural
%
Absoluto
(1.000)
%
Brasil
21.323
12,3
14.135
9,8
7.188
25,3
Nordeste
10.436
22,1
5.731
16,9
4.706
35,3
Bahia
2.561
20,0
1.235
14,2
1.326
32,1
Fonte: IBGE, 2007. Cálculos do autor com base em dados da PNAD 2006
No caso do estado da Bahia o processo de planejamento econômico e
espacial realizado pelos governos estadual e federal desde os anos 1950, baseado
fortemente na Teoria dos Pólos de Crescimento de Perroux e de forma exógeno às
administrações municipais, não foi suficientemente capaz de transformar o
crescimento econômico obtido por meio da instalação de pólos e distritos industriais
num desenvolvimento municipal consistente, além disso, a lógica implantada do
desenvolvimento via industrialização ficou marcadamente limitada aos municípios do
entorno imediato de Salvador e com reflexos econômicos e sociais maiores na
capital baiana.
É verdade que mais contemporaneamente outras indústrias foram agregadas
ao parque baiano – de papel e celulose, automotiva, calçadista, de informática, de
transformação plástica, entre outras. E também existem outras atividades
econômicas de certo porte no estado – setor imobiliário, turismo, extrativismo vegetal
e mineral, agroindústria (produção de grãos, cotonicultura, fruticultura etc.).
Ainda assim, a realidade econômica e social da maioria dos municípios
baianos não está condizente com os indicadores da economia baiana. Prova disso é
fato de que a Bahia ter tido o 6º maior Produto Interno Bruto (PIB) da economia
brasileira e o 1º do Nordeste em 2000 (quadro que se mantém até hoje), enquanto
sua renda per capita ficou em 14º lugar e o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) em 22º colocação no ranking nacional (SILVA, 2004).
Se tal modelo de planejamento não foi eficaz do ponto de vista social e
espacial cabe, então, primar por um planejamento e gestão do território que não seja
de cima para baixo e que não secundarize a dimensão local. Um planejamento e
uma gestão que formulados e dirigidos localmente, e por assim dizer endógeno, seja
22
ajustado às demandas e realidades econômica/financeira, social, cultural e
ambiental do próprio município.
1.2 PROBLEMAS, HIPÓTESE E OBJETIVOS DA PESQUISA
Surgem, então, desta contextualização alguns problemas de pesquisas
relevantes ora enunciados: em que medida a elaboração de Planos Diretores
Municipais representa, no âmbito de um Governo municipal, ações para garantir a
incorporação de instrumentos e conteúdos pertinentes à indução de um processo de
desenvolvimento municipal territorializado? Neste sentido, pode o Estatuto da
Cidade, e o arcabouço jurídico dele derivado, ser fator estruturante de um novo
modelo participativo de gestão municipal cuja essência declarada é que a cidade e a
propriedade urbana cumpram sua função social? Ou será que a lei do Plano Diretor,
Municipal, e o Estatuto da Cidade, na escala nacional, servem apenas como normas
jurídicas que garantem ao Estado brasileiro aumentar sua capacidade de regulação
do território em detrimento que quaisquer outros interesses e instituições?
Acredita-se que como hipótese sobre o problema de pesquisa proposto,
enquanto “uma resposta provisória ao problema levantado” (LAGE, 2002, p. 21), um
PDM desencadearia um processo de desenvolvimento e a sua territorialização, ou
seja, um processo que incorpora a possibilidade de maior proveito e progresso
socio-espacial local, se esta ação atender a três premissas:
(i) as prefeituras municipais decidissem elaborar os planos localmente e com a
mínima influência de interesses, consultores e recursos externos, incorporando nos
estudos preparatórios tanto os objetivos e os interesses da população da sede
(cidade) quanto da zona rural (vilas, povoados e demais comunidades);
(ii) as prefeituras municipais primarem para que tal processo de elaboração do
plano, para posterior implantação, ocorresse, desde o início, de forma participativa e
publicizada no sentido de que as etapas contassem com o envolvimento dos
diversos agentes sociais (civis e políticos) presentes no município; e
23
(iii) as prefeituras municipais aproveitassem o processo de elaboração ou revisão do
plano para estruturarem uma prática de gestão urbana que não focasse, apenas, a
cidade, ou seja, se daria em escala municipal.
Diante de toda problemática exposta e das idéias discutidas esta pesquisa
pretende atingir os seguintes objetivos gerais: (i) abordar como a regulação do
território, no bojo da questão do tamanho e papel do Estado contemporâneo, ocorre
na escala municipal, destacando o PDM e o Estatuto da Cidade como principais
instrumentos de regulação; e (ii) elaborar uma análise acerca da real capacidade de
Governos municipais baianos induzirem e manterem um processo consistente de
desenvolvimento e a sua territorialização por meio dos PDM, tendo em vista as suas
atuais competências e responsabilidades legais.
Por este caminho investigativo, tais objetivos gerais se desdobram em três
objetivos específicos: (i) expor e discutir, na perspectiva da regulação do território, o
modus operandi e as principais características de dois recentes programas
governamentais que elaboraram PDM para municípios baianos: o Programa de
Administração Municipal e Desenvolvimento de Infra-estrutura Urbana (PRODUR) e
o Programa de Apoio a Elaboração de Planos Diretores Participativos dos
Municípios do Estado da Bahia (PDP-Ba); (ii) a partir de experiências municipais
selecionadas destes dois programas, analisar como a questão da territorialização do
desenvolvimento foram trabalhados pelos planos, isto é, quais conteúdos e práticas
territoriais foram incorporados, ou não, aos planos elaborados; e (iii) tendo em vista
que o Estatuto da Cidade e a lei do PDM são os principais instrumentos normativos
que regulamentam, atualmente, a prática de planejamento e gestão urbana, expor e
(iii)
discutir os resultados eventuais advindos do processo de elaboração dos
PDM.
1.3 METODOLOGIA
George (1986), discutindo os métodos da geografia, a coloca como uma
ciência de síntese, uma ciência de relações cujo método consiste em partir da
descrição para chegar à explicação mediante as etapas de observação analítica,
24
detecção das correlações e busca das relações de causalidade. Outras
características do método geográfico, segundo este autor, são as seguintes:
- realiza a correlação de dados heterogêneos diacrônicos como forma de compor
uma realidade geográfica;
- a pesquisa geográfica é composta pelos diversos métodos inerentes a cada uma
das ciências que emprestam seus conhecimentos ao geógrafo no enfrentamento de
determinado problema ou estudo;
- os pesquisadores geógrafos não devem deixar de agir como geógrafos. Isto implica
que a sua formação deverá ser universal/geral, contudo na sua atuação os fatos do
espaço é que devem possuir primazia sobre os demais campos do saber;
- o geógrafo deve projetar os conhecimentos adquiridos sobre as relações entre
dados e as relações entre forças sobre um espaço finito e contínuo. É a
exaustividade espacial que o distingue dos economistas, demógrafos, sociólogos,
entre outros tipos profissionais;
- para garantir uma distinção dos outros tipos de pesquisa e produção científica a
Geografia deve correlacionar fatos e movimentos (estes sendo campo de estudos de
outros saberes) às formas de existência, distribuição e movimentos dos homens
sobre o espaço;
- finalmente, a pesquisa geográfica é orientada pela conjuntura, pois na história
desta disciplina suas diversas correntes foram determinadas por fatores econômicos,
culturais e (geo)políticos então hegemônicos.
1.3.1 Quadro de Análise
Em relação aos métodos de procedimento necessários a operacionalização
desta pesquisa foram realizadas quatro frentes de pesquisa. A primeira tratou de
uma revisão de literatura cujo objetivo foi construir o referencial teórico da
dissertação e, portanto, fundamentar a análise dos PDM selecionados. Nesta etapa
foram abordados, marcadamente no segundo capítulo, os temas - Estado e
regulação do território; a discussão do conceito de território e de territorialização; e a
25
questão das diversas acepções do termo desenvolvimento. Já em termos de técnica
de pesquisa para esta etapa realizou-se uma pesquisa bibliográfica abarcando
livros, teses e dissertações, entre outras publicações, referentes aos temas
elencados, sejam elas contribuições da produção geográfica ou das ciências e
disciplinas que oferecem um suporte teórico mais especifico (ciência política,
economia, sociologia, direito administrativo e administração pública).
Na segunda frente de pesquisa o método de procedimento adotado foi,
também, a revisão de literatura cujo conteúdo foi contemplado no terceiro capitulo.
Contudo, foram empregadas duas técnicas de pesquisa de modo que uma
complementasse a outra: uma pesquisa bibliográfica e uma pesquisa documental
(leis, decretos, resoluções e congêneres). Ambas procuraram contemplar e subsidiar
as análises sobre: os modelos de planejamento e gestão urbana brasileiros e suas
principais características (capitulo 3); e sobre o ordenamento jurídico utilizado pelo
Estado para a regulação do território (capitulo 4). Estão incluídos nesta etapa, por
exemplo, a análise do texto constitucional sobre a política urbana, a abordagem
crítica do Estatuto da Cidade e apreciação das questões dos conteúdos e da
participação popular na elaboração dos PDM.
A terceira frente de pesquisa foi de cunho histórico. Esta objetivou identificar
e caracterizar os dois principais programas envolvendo a elaboração de planos
diretores na Bahia (capítulo 5) e, também, fazer uma caracterização básica dos
municípios cujos PDM foram selecionados para compor o objeto de estudo (parte
inicial do capítulo 6). Neste sentido, a técnica de pesquisa empregada foi a análise
documental procurando, assim, levantar dados absolutos e estatísticos e outras
informações
municipais
multidimensionais
–
demográfica,
físico-espacial,
socioeconômica e institucional - junto a diversas fontes (prefeituras municipais,
IBGE, IPEA, SEI, CAR, websites especializados, entre outras).
É o mesmo capítulo 6 que traz os resultados da quarta frente de pesquisa.
Nesta etapa foi utilizado o método de procedimento denominado por Gil (2002) de
estudo de casos múltiplos. Eles foram estruturados a partir de dois conjuntos de
critérios. Primeiramente os critérios responsáveis pela seleção dos quatros Planos
Diretores Municipais a serem trabalhados no sexto capítulo, ou seja, a construção do
próprio objeto de pesquisa. Foram eles:
26
(1) O universo de pesquisa são os PDM elaborados a partir de 2002 para municípios
baianos. O ano de 2002 foi decidido em razão de o Estatuto da Cidade entrar em
vigor a partir de outubro de 2001. No entanto, deu-se preferência aos planos mais
recentemente finalizados visto que o Conselho das Cidades (CONCIDADES) (que
está ligado ao Ministério das Cidades) vem editando desde 2003 várias resoluções
no sentido de detalhar e padronizar os conteúdos e a forma de elaboração dos
planos;
(2) Neste universo foram identificados dois grandes programas ligados à esfera
governamental, federal e estadual, que de forma exclusiva ou não objetivaram
promover a elaboração de planos diretores para diversas municipalidades baianas.
Um dos programas contou com recursos financeiros internacionais para a
contratação de consultorias especializadas em planejamento urbano. O outro
programa foi custeado com recursos dos tesouros de cada município e apenas
contemplou a capacitação e orientação técnico-metodológica de funcionários
municipais por consultores contratados;
(3) Para o primeiro grupo foram selecionados os municípios de Barra do Choça e
Morro do Chapéu. Ambos integraram o Programa de Administração Municipal e
Desenvolvimento de Infra-estrutura Urbana (PRODUR). Este programa vigorou entre
1997 e 2004. Seus agentes financiadores e executivos foram, respectivamente, o
Banco Mundial (BM) e a Companhia de Ação Regional (CAR). Uma de suas linhas
de ação foi, justamente, o financiamento da elaboração de Planos Diretores
Municipais via contratação de empresas de consultoria. Por esta modalidade, o
município de Morro do Chapéu foi selecionado visto seu PDM ter sido finalizado em
2005 e ter sido elaborado pela UFC Engenharia LTDa. (que participou de mais 14
planos). Já o município de Barra do Choça foi selecionado porque seu PDM é ainda
mais recente, de 2006, e a empresa AST Consultoria e Planejamento LTDa. que o
elaborou ter finalizado mais 4 planos todos em 2005. O Anexo A traz um quadro
listando todos os municípios e empresas de consultoria que fizeram parte do
PRODUR;
(4) Já no segundo grupo foram selecionados os municípios de Tremedal e São
Felipe. Ambos integraram o Programa de Apoio a Elaboração de Planos Diretores
Participativos dos Municípios do Estado da Bahia (PDP-Ba). Este programa vigorou
entre agosto de 2006 e maio de 2007, bastante recente portanto, e foi coordenado
27
pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), entidade municipalista de
natureza jurídica não-governamental e de atuação nacional. Note-se que neste
programa os municípios que resolveram a ele aderir pagaram com recursos próprios
os serviços técnicos contratados juntos a CNM. Nesta modalidade ambos os
municípios foram selecionados pelo fato de que no momento de montagem do
projeto de pesquisa (2007) suas experiências se apresentaram consistentes e em
estágio de finalização viáveis, portanto, para serem trabalhadas do ponto de vista de
uma pesquisa acadêmica.
São dois os argumentos que sustentam tais critérios de seleção: o primeiro é
o fato de que levando-se em consideração programas e ações governamentais que
envolvam a elaboração de PDM para várias municipalidades, como são as
experiências do PRODUR e do PDP-Ba com, respectivamente, 96 e 26 municípios
(Figura 1), a teorização em torno da análise dos planos possui um maior alcance
crítico e de teorização, visto que nestes programas a metodologia que norteia o
processo elaborativo dos planos é a mesma.
Segundo, ao contrapor prefeituras que elaboraram os planos com recursos
financeiros e humanos próprios com prefeituras que elaboraram os planos com
recursos financeiros e humanos externos estaria sendo testada a capacidade do
PDM priorizar ou não os interesses e objetivos locais constituindo, assim, em um
verdadeiro projeto de desenvolvimento ou em mais uma peça de planejamento sem
maiores aplicações.
Esta capacidade de decisão se traduziria mediante a escolha, e não
imposição, dos temas locais a serem discutidos, os diagnósticos e prognósticos
elaborados e os instrumentos de planejamento efetivamente implantados. Isto
significa dizer que, desta forma, estaria sendo testada também a capacidade do
Estatuto da Cidade de fazer valer a tão preconizada gestão democrática da cidade a
partir da elaboração dos PDM.
O segundo conjunto de critérios é aquele cuja finalidade é a de servir como
lastro para a análise dos quatro planos selecionados. Para além do constructo
teórico que será exposto ao longo dos capítulos seguintes, esses critérios analíticos
foram retirados mais especificamente a partir da observância do texto do Estatuto da
Cidade e da legislação dele derivada (conteúdo apresentado no quarto capítulo).
28
Figura 1 – Localização dos Municípios estudados
Fonte: IBGE, 2008a e 2008b com elaboração do autor.
29
Por fim, o último procedimento adotado, foi a realização de uma pesquisa de
campo
(individual,
sistemática
e
não-participante)
cujo
fito
foi
levantar,
empiricamente, de modo a complementar a leitura e análise dos planos e
documentos a eles pertinentes, as condições de realização e os principais resultados
das experiências selecionadas.
Nesta etapa da pesquisa ocorreram entrevistas padronizadas apoiadas em
formulários contendo perguntas abertas (Anexo B) cujo público-alvo foi composto
pelos agentes sociais ligados diretamente à problemática da elaboração de políticas
públicas, como é o caso dos PDM: membros da sociedade civil e suas
representações, empresariado local ou suas representações, representantes dos
poderes Executivo e Legislativo municipal.
Nesses termos, a análise dos PDM selecionados, descrita no sexto capitulo,
foi empreendida tomando como princípio a sua separação em três dimensões
analíticas principais. São elas: (i ) o processo de elaboração dos planos sob a
perspectiva da participação popular; (ii) o conteúdo efetivamente contemplado nas
leis instituidoras dos planos; e (iii) a opinião de pessoas que fizeram parte,
diretamente, do processo de elaboração.
A análise das duas primeiras dimensões está pautada, sobretudo, na
literatura especializada e nos marcos legais que regulam a elaboração dos PDM
conforme a pesquisa apontou. Já a terceira dimensão está lastreada nas
observações e entrevistas realizadas nas visitas aos municípios.
30
2
A REGULAÇÃO ESTATAL,
DESENVOLVIMENTO
O
TERRITÓRIO
E
A
QUESTÃO
DO
No período atual é latente a marcha das grandes organizações econômicas e
financeiras em direção a todos os aspectos direta ou indiretamente atinentes ao
cotidiano dos indivíduos. Tal fenômeno ocorre de diversas formas: abertura e
fechamento de plantas industriais e/ou escritórios em diversas cidades mundo a
fora; pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e serviços (saúde, finanças,
entretenimento etc.); grandes campanhas publicitárias para estimular as vendas de
mercadorias; execução de obras públicas relativas à dotação de infra-estrutura
urbana ou de equipamentos comunitários, entre outras formas.
Ainda que a corrente de pensamento neoliberal exalte a capacidade do
mercado em coordenar o sistema capitalista, da mesma forma que intenta diminuir a
importância do Estado para esta atividade, está suficientemente claro que as firmas,
especialmente as grandes corporações transnacionais, acabam por reorganizar o
território na medida em que promovem ações que somente visam ao atendimento
dos seus próprios interesses. Também por isso, o Estado está cada vez mais sendo
requerido a exercer a função de agente protagonista da regulação. E não somente
da regulação econômica ou social, mas da regulação das ações que os agentes
podem implementar no espaço, o qual torna-se território.
Não se pode tratar da regulação do território pelo Estado sem antes discutir
an pasan a origem, a problemática geral e o conceito do termo regulação, visto que
a abordagem regulacionista se desenvolveu no seio do pensamento econômico.
Segundo Benko (1999, p. 87), a abordagem sobre a regulação tem origem na
França a partir da segunda metade dos anos 1970 quando a crise internacional
provocada pela alta do preço do petróleo, e as conseqüentes dificuldades
econômicas, fazem emergir uma “[...] corrente de pensamento de inspiração múltipla
[...]” – quer seja da teoria marxista, da macroeconomia, da Escola de Anais ou do
Direito e da Ciência Política.
Mais especificamente, ainda segundo este autor, a abordagem da regulação
se fundamenta e ganha impulso, àquela época, a partir de duas críticas principais. A
primeira direcionada aos economistas neoclássicos para quem o crescimento
econômico estava intimamente associado a um conjunto de fatores exógenos às
31
economias nacionais sem considerar, contudo, os fatores endógenos que
diferenciavam as trajetórias e as taxas de crescimento de cada economia em
particular. Já a segunda crítica partia do desacordo com a visão dos marxistas
ortodoxos, em plena expansão desde os anos 1960, cuja abordagem centrava-se na
crítica às teorias econômicas convencionais, no capitalismo monopolista de Estado,
na inelutabilidade das crises capitalistas e na tendência da queda da taxa de lucros
como vetor de aprofundamento destas crises.
Mas o conceito de regulação não é originário nem da economia nem das
ciências humanas como um todo. Tanto Benko (1999) como Nascimento (1993)
citam De Bernis (1977) como o introdutor do termo regulação nas ciências sociais
importando-o das ciências biológicas. De acordo com o pensamento original deste
autor as instituições, especialmente o Estado, e as normas sociais organizam as
forças divergentes ou mesmo antagônicas presentes em toda sociedade capitalista
de modo a garantir o crescimento econômico e a coesão social, ou seja, garantir a
própria reprodução da sociedade como tal.
Para Nascimento (1993), que analisou a conjuntura da crise econômica dos
anos 1970 e o pensamento econômico nesta época, a teoria da regulação
representa o conjunto articulado de conceitos que objetiva explicar tanto o
crescimento capitalista quanto suas crises cíclicas. E a problemática geral de que
trata essa teoria é a variabilidade no tempo e no espaço das dinâmicas econômicas
e sociais.
Com base em autores como De Bernis (s/d), Boyer (1986), Aglieta (1982) e
Lipietz (1988), Nascimento (1993) destaca que o objetivo do conceito de regulação
é:
[...] o de chamar a atenção para as formas que a sociedade cria para
superar a natureza intrinsecamente contraditória de suas relações
sociais, ou seja, o modo, os mecanismos, os instrumentos, as
instituições enfim, capazes de assegurar a sua continuidade
(NASCIMENTO, 1993, p. 125).
Já Benko (1999, p. 91) formula uma questão chave para se entender como
surge e qual a finalidade da chamada teoria da regulação: “Como as estruturas
[econômicas e sociais], malgrado seu caráter contraditório, se reproduzem ao longo
de tentativas, interesses, ações apriorísticas divergentes dos agentes econômicos?”.
A resposta para ele está na “[...] análise dos hábitos e das formas institucionais que
32
induzem ou constrangem os agentes a comportarem-se de maneira não-antagônica
à reprodução da estrutura” (BENKO, 1999, p. 91).
Neste sentido, Nascimento (1993, p. 130) afirma que “A lei, a regra e o
regulamento têm por vocação impor, através da coerção direta ou simbólica, um
certo tipo de comportamento econômico aos grupos e indivíduos concernidos”. Daí
que por esta linha de argumentação fica clara a assertiva de Bobbio (2007, p. 127)
quando destaca o papel do Estado como “[...] força organizada de convivência civil”.
Se, essencialmente, o conceito de regulação pode ser colocado em termos de
“[...] série de mecanismos que contribuem para a reprodução do conjunto [...]”
(NASCIMENTO, 1993, p. 128), ou seja, para a reprodução da sociedade capitalista
como um todo, por modo de regulação entende-se o conjunto de procedimentos e
de comportamentos individuais e coletivos que possui a capacidade de: (i) reproduzir
as relações sociais fundamentais através de formas institucionais determinadas; (ii)
sustentar e dirigir o regime de acumulação em vigor, ou seja, de como se dá o
processo de crescimento econômico sob cada fase do modo de produção capitalista;
e (iii) assegurar a compatibilidade dinâmica de um conjunto de decisões
descentralizadas (NASCIMENTO, 1993).
Não obstante alguns autores terem relacionado, com sucesso, a teoria da
regulação com o espaço, esta produção acadêmica derivou para uma abordagem
essencialmente econômica. Prova disto é discussão/confrontação entre regime de
acumulação fordista e pós-fordista e a análise dos seus desdobramentos espaciais a
partir das pesquisas envolvendo os distritos industriais, os tecnopólos, as metrópoles
e megalópoles, a inovação e o debate entre local e global (BENKO,1999). O Quadro
1 traz as principais características e diferenças entre estes dois tipos de regimes de
acumulação.
Quadro 1 – Principais características dos regimes de acumulação fordista e pós-fordista
(continua)
FORDISMO
Crescimento econômico extensivo
aumento do consumo de massas.
NOVO PARADIGMA
com
Economia de escala (padronização
produção em grandes quantidades).
e
Crescimento
econômico
diversificação do consumo.
seletivo
com
Flexibilidade da produção e ganhos na
qualidade e diversidade de produtos (economia
de escopo).
33
(conclusão)
FORDISMO
NOVO PARADIGMA
Competitividade baseada em abundância de
recursos naturais, baixo custo da mão de
obra, e limitado controle ambiental (impactos
externalizados) ambientais.
Competitividade baseada em tecnologia,
conhecimento, informação e recursos humanos
qualificados e no controle e qualidade
ambiental.
Estado de Bem Estar e interventor com
gerência burocrática e crescente participação
no PIB e no investimento social.
Novas institucionalidades, reorientação do
papel do Estado para a regulação e
administração por resultados (Terceiro Setor).
Aumento da produtividade, dos salários
(participação na renda nacional) e do
emprego.
Aumento da produtividade e da qualidade com
mudança das relações de trabalho e redução
do emprego formal e do trabalho no valor do
produto.
Dinamização da base industrial e do
consumo de bens industrializados de massa.
Crescimento de novos segmentos e setores,
especialmente terciário, serviços públicos e
Quaternário (serviços ambientais).
Fonte: BUARQUE, 2002, p. 18
Com base nas leituras de Nascimento (1993), Santos (2006), Castro
(1997;2003), Benko (1999) e Antas Junior (2006) entende-se uma abordagem
regulacionista do território como sendo a análise de como normas e regulamentos,
enfim, como leis editadas pelo Estado da mesma forma que na esfera econômica e
social, conseguem mediar ou controlar as formas de ocupação e os usos que
diversos agentes podem fazer ou se valer do território de acordo com interesses e
objetivos quase sempre conflitantes, para que, assim, não se perca internamente a
coesão social subjacente à manutenção da ordem e da reprodução da sociedade
como um todo. Não por acaso Castro (2005b) chamar atenção para a dimensão
política do espaço, ao escrever:
O espaço geográfico é intrinsecamente político, ou seja, ele é a arena
de conflitos e, consequentemente, de normas para a regulação que
permite o seu controle. [...] Todo o processo de elaboração intelectual
e das funções práticas das instituições políticas teve como objetivo o
controle dos conflitos para que os projetos sociais, individuais e
coletivos pudessem ser alcançados (CASTRO, 2005, p. 139).
Vale destacar que quanto menor é a área de abrangência onde se dá esta
regulação - especialmente em termos de rua, bairro, município - mais presente e
significativa ela se torna para o dia-a-dia das pessoas, haja vista que diz respeito a
34
questões tais como: concessão de licenças e alvarás para construir/reformar casas e
prédios ou abrir/ampliar estabelecimentos comerciais ou de serviços; planejamento e
gestão da mobilidade no espaço; dotação/conservação de infra-estrutura urbana
(água, esgoto, coleta de lixo, iluminação pública, praças e jardins, pavimentação
etc.); investimentos em serviços de educação básica e saúde; entre outras questões.
Nesta perspectiva, Castro (2005a) contribui para esclarecer e delimitar a questão
municipal brasileira ao dizer que:
Os municípios brasileiros são recortes territoriais que definem
unidades políticas de gestão local. Eles possuem atribuições
específicas de governo, de legislação, de regulação do uso do solo
urbano, cobrança de impostos e de prestação de diferentes tipos de
serviços à população residente como saúde, educação fundamental
e assistência social etc. Neles se materializa a institucionalidade da
política mais próxima do cidadão, onde podem se desenvolver os
fundamentos para o fortalecimento da democracia representativa e
participativa ou, ao contrário, podem ser gestados os elementos de
rupturas no processo de construção de uma ordem democrática.
Mas, eles são também continentes dos interesses e das relações das
sociedades locais (CASTRO, 2005a, p. 36).
E devido à importância dos equipamentos/serviços urbanos e das ações dos
Governos municipais para reprodução social na escala local, recorre-se ao
pensamento miltoniano quando este lança uma outra proposta teórica sobre o
espaço qual seja “[...] considerar o espaço geográfico como a soma indissolúvel de
sistemas de objetos e sistemas de ações” (SANTOS, 2006, p. 77). Nesta análise
Santos (2006) corrobora com a questão da proeminência da norma, assim como na
economia, como instrumento para a construção de uma ordem na qual tanto as
ações – individuais, coletivas, das empresas e das instituições - possam ser
direcionadas como também os objetos (técnicos) possam ser organizados
espacialmente.
É esta questão e uma outra de caráter mais geral na qual está inserida – a
discussão sobre a ação do Estado nacional brasileiro contemporaneamente – que
serão os temas desdobrados na seção seguinte.
35
2.1 O ESTADO E SUA ATUAÇÃO CONTEMPORÂNEA NA REGULAÇÃO
TERRITORIAL:
O
PLANO
DIRETOR
MUNICIPAL
ENQUANTO
NORMATIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
Na direção antes apontada por Santos (2006) é chamada atenção para o fato
de que, no período atual, as normas produzidas pelas empresas são “[...] uma das
locomotivas do seu desenvolvimento e da sua rentabilidade [...]” (SANTOS, 2006, p.
230) e que, pela força da globalização da economia, estas normas vêm se
espraiando para fora do âmbito empresarial. Antas Junior (2006, p. 45 e 60) chega
mesmo a colocar tal fenômeno em termos de “crise de regulação do Estado” ao
entender as “[...] corporações transnacionais e as organizações sociais bem
estruturadas” como criadoras de “[...] novas juridicidades que influem na vida de
todos que vivem num mesmo território”. De forma contundente Antas Junior (2006)
destaca:
A regulação social e territorial, quer-nos parecer, é efetivamente
exercida pelas instâncias que detêm poder de fato e não apenas um
poder declarado. Advém daí a proposta de um entendimento de que
a regulação do território nacional atravessa hoje uma transição para
uma evidente divisão entre poderes: 1. o poder monolítico e
extensivo da hegemonia soberana; 2. o poder fragmentado,
especializado por setores econômicos (não necessariamente
produtivos), formado por redes técnicas e organizacionais – a
hegemonia corporativa; e 3. a constituição de novas formas de poder
fundadas no multiculturalismo ( ANTAS JUNIOR, 2006, p. 61).
Ou seja, de forma similar a várias passagens da obra de Santos (2006), Antas
Junior (2006) defende a tese de que, no período atual, a produção de normas para a
regulação social e territorial não é mais exclusividade do Estado, mas sim uma
tarefa realizada juntamente com os agentes hegemônicos pertencentes ao mundo
empresarial, não obstante o aparato normativo/coercitivo ainda seja controlado pelo
Estado. E tal fato se deve, continua o autor, haja vista o poder que tais agentes
teriam alcançado com a globalização da economia.
Nesses termos, pode-se dizer que o debate entre o modus operandi do
Estado nacional e sua forte, moderada ou fraca regulação sobre a dinâmica
econômico-financeira e social (especialmente em relação às questões trabalhistas)
passou a ser discutido entre os mais diversos autores de diferentes linhas de
pensamento acadêmico e/ou ideológico – grandes empresários, executivos de
36
grandes empresas, instituições financeiras internacionais e organizações políticas
supranacionais, economistas, juristas, cientistas políticos, gestores públicos,
parlamentares, somente para ficar entre os principais interlocutores.
De fato, observa-se no período atual que as grandes organizações
demonstram capacidade de participar da regulação da vida econômica e social e
agir como agente modificador do território. Todavia, acredita-se que para ser melhor
compreendida a questão que coloca a criação de novas juridicidades pelas
empresas em detrimento do exercício da regulação estatal deve ser considerada em
pelo menos três aspectos: o que se entende por sociedade civil; o que se entende
pela denominada crise do Estado; e o que se entende por poder.
Assim, tendo-se em mente as limitações deste trabalho, chama-se a atenção
para a discussão que Bresser-Pereira (1995) realiza em torno do conceito de
sociedade civil como o primeiro aspecto indispensável à desmistificação da questão
colocada anteriormente quando este procura salientar o papel preponderante do
Estado independentemente da análise neoliberal ou marxista do modo de produção
capitalista.
O capitalismo é convencionalmente entendido como o sistema
econômico no qual empresas privadas são coordenadas pelo
mercado. Nesta definição o Estado é um corpo estranho. O
capitalismo seria apenas a soma das empresas capitalistas
coordenadas pelo mercado. Esta perspectiva esta presente no
pensamento liberal radical contemporâneo —, para o qual o papel do
Estado é exclusivamente o de garantir os direitos de propriedade.
Marx certamente não pensava nesses termos, mas a definição
marxista mais geral do sistema capitalista - o modo de produção no
qual os proprietários privados dos meios de produção constituem a
classe dominante e o excedente é apropriado pela burguesia no
mercado através da troca de valores equivalentes — pode também
conduzir à idéia de que o Estado não é essencial ao capitalismo. Na
verdade, mesmo se pensarmos em termos de um capitalismo puro,
de um modo de produção onde apenas as características essenciais
do capitalismo estivessem presentes, o papel do Estado será
fundamental.
Em qualquer circunstância, inclusive na sua forma liberal, o
capitalismo é um sistema econômico complexo constituído por
empresas capitalistas coordenadas pelo mercado e reguladas pelo
Estado. [...] Não há capitalismo, nem mercado capitalista, sem um
Estado que o regulamente e coordene, não apenas criando as
condições gerais para a produção capitalista, através da instituição
do sistema legal com poder de coerção e de uma moeda nacional,
mas também através de uma série de ações na área econômica,
social e do meio ambiente (BRESSER-PEREIRA, 1995, p. 85, grifo
nosso).
37
Para este autor os conceitos de sociedade civil e de povo não se confundem.
Enquanto que por povo se entende o conjunto de cidadãos, teoricamente iguais
perante a lei que, vivendo num determinado território, estão sujeitos a obedecer às
leis e determinações do Estado que organiza o funcionamento deste território; por
sociedade civil entende-se “[...] o povo organizado e ponderado de acordo com os
diferentes pesos políticos de que dispõem os grupos sociais em que os cidadãos
estão inseridos” (BRESSER-PEREIRA, 1995, p. 91). Em outras palavras, sociedade
civil é o povo organizado, formal ou informalmente, como classes sociais, frações de
classes, grupos de interesses, associações etc. que, desta forma, consegue colocar
suas demandas ao Estado bem mais acentuadamente que o povo em si.
Por este ângulo analítico as grandes corporações – em termos de classe
capitalista dominante – pretendem impor ao Estado uma forma de agir que as
favoreçam em detrimento dos demais grupos sociais. No entanto, desde que a
estrutura do Estado cresceu de modo a garantir a execução das “[...] novas funções
de regulação e promoção do bem-estar social[...]” (BRESSER-PEREIRA, 1995, p.
98), marcadamente após a crise de 1929, tal tentativa de imposição de um controle
absoluto é rechaçada por vários grupos sociais, mas o autor chama a atenção para
o crescimento e amadurecimento de um grupo social, cada vez mais influente,
denominado por ele de tecnoburocracia. Este grupo social mesmo sofrendo a
pressão de agentes sociais do mundo empresarial, via de regra, age em prol dos
seus próprios interesses. Diante disso e por isso conclui o autor:
O Estado é relativamente autônomo não porque a esfera política é
relativamente independente da esfera econômica, mas porque a
tecnoburocracia é uma classe situada dentro do aparelho do Estado,
que não apenas influencia, de fora para dentro, o Estado, da mesma
forma que a burguesia e a classe trabalhadora o fazem como
membros que são as três classes da sociedade civil, mas que
também exerce uma influência interna, no seio do próprio aparelho
estatal (BRESSER-PEREIRA, 1995, p. 99).
Em relação ao segundo aspecto, há nos dizeres de Bobbio (2007) duas
interpretações para a expressão “crise do Estado” que, de um lado, deriva de uma
abordagem que acredita no Estado enquanto instância social e, por outro lado, de
uma abordagem que acredita mais no poder das corporações empresariais sobre o
Estado ou, como diz Bresser-Pereira (1995), o Estado como instrumento para a
38
realização dos objetivos das empresas. Desta maneira, assim escreve Bobbio
(2007):
Por crise do Estado entende-se, da parte de escritores
conservadores, crise do Estado democrático, que não consegue
mais fazer frente às demandas provenientes da sociedade e por ele
mesmo provocada; da parte de escritores socialistas ou marxistas,
crise do Estado capitalista, que não consegue mais dominar o poder
dos grandes grupos de interesse em concorrência entre si. Crise do
Estado quer portanto dizer, de uma parte e de outra, crise de um
determinado tipo de Estado, não fim do Estado (BOBBIO, 2007, p.
126).
Por esse caminho a discussão sobre a crise do Estado está inscrita na
problemática travada desde a constatação de que o modelo de Estado do Bem-estar
social já não respondia eficazmente às demandas da nova forma de acumulação de
capital desencadeada pela transição do regime de acumulação fordista (forte até os
anos de 1970) para o regime de acumulação baseado no paradigma da
“especialização flexível” (PIORE; SABEL, 1984 apud BENKO,1999), e por isso
mesmo denominado de regime de acumulação flexível.
A observação de tal fenômeno faz remeter a uma assertiva de Ratzel
proferida ainda no século XIX: “A sociedade é o intermediário através do qual o
Estado se une ao território. Daí que as relações da sociedade com o território afetam
a natureza do Estado, seja qual seja a fase de desenvolvimento que se considere”
(RATZEL, 1982, p. 200).
Jessop (1998), analisando a questão do Estado nacional no contexto da
globalização da economia, cita diversas mudanças, tendências e contra-tendências
que fazem pensar sobre a natureza da crise do (de um tipo de) Estado – (i)
desnacionalização do Estado frente a instâncias decisórias supra e sub-nacionais;
(ii) desestatização do sistema político em detrimento de organizações para e nãogovernamentais; e (iii) a internacionalização dos modos de formulação de políticas
públicas. Contudo, ele afirma veementemente que:
[...] as várias mudanças, tendências e contra-tendências que levei
em conta anteriormente não conduzem a uma mudança fundamental
do Estado nacional enquanto tal. Ao invés disso, elas parecem
implicar a transformação do Estado keynesiano de bem-estar
nacional, que era um aspecto crucial das formações sociais
européias dos pós-guerra analisadas por Poulantzas. Isto não exclui
a transformação da forma e das funções estatais que mantêm a
“nação” como a matriz da organização política e salvaguardam a
39
continuidade e a centralidade do papel político do Estado nacional
(JESSOP, 1998, p. 39).
Por fim, dentro dos propósitos desta pesquisa, aborda-se a questão do que se
entende por poder, como um dos aspectos sugeridos para a análise da crise de
regulação estatal frente à ação das grandes organizações. A partir de uma
interpretação relacional, Bobbio (2007, p. 78) sintetiza “poder” como “uma relação
entre dois sujeitos, dos quais o primeiro obtém do segundo um comportamento que,
em caso contrário, não ocorreria”.
Mas, nesse sentido, o próprio autor chama
atenção para o fato de que coexistem diversas formas de poder, o que por si só já
faz pensar sobre a necessária diferenciação do poder que o Estado detém e faz uso
e do tipo de poder que as empresas praticam.
Necessário, portanto, observar no Quadro 2 a consideração contemporânea
que Bobbio (2007) realiza entre as três formas clássicas de poder cujos elementos
de análise são: a posse de riqueza, do saber ou da força. Por esta categorização
fica claro que uma grande empresa, ou um conglomerado delas, vem a exercer um
poder econômico, e um conseqüente poder ideológico, que varia de acordo com a
magnitude da sua presença no mercado e da sua distribuição espacial no mundo.
Quadro 2 – Formas clássicas de Poder
Formas de Poder
Significado
Poder Econômico
É aquele que se vale da posse de certos bens, necessários ou percebidos
como tais, numa situação de escassez, para induzir os que não o
possuem a adotar uma certa conduta, consistente principalmente na
execução de um trabalho útil. Em qualquer sociedade onde existem
proprietários e não proprietários dos meios de produção, o poder do
proprietário deriva da possibilidade que a disposição exclusiva de um bem
lhe dá de obter que o não proprietário trabalhe para ele e nas condições
por ele estabelecidas.
Poder Ideológico
É aquele que se vale da posse de certas formas de saber, doutrinas,
conhecimentos, às vezes apenas informações, ou de códigos de conduta,
para exercer uma influência sobre o comportamento alheio e induzir os
membros do grupo a realizar ou não realizar uma ação. Este é poder dos
sacerdotes, dos literatos, dos cientistas, dos técnicos, dos intelectuais
Poder Político
É aquele que está em condições de recorrer em última instância - extrema
ratio - ao uso da força para obter os efeitos desejados porque dela detém
a exclusividade do monopólio. Nesses termos a força física, seja por meio
da guerra ou da coação sobre indivíduos, é o instrumento decisivo para
impor uma vontade, impedir a insubordinação e para domar toda forma de
desobediência.
Fonte: BOBBIO, 2007, p. 82-85
40
De outra parte, continua Bobbio (2007), somente cabe ao Estado o exercício
do verdadeiro poder, o poder político, o summa potestas. Verdadeiro poder não
porque o Estado possa se valer do uso do monopólio da força, seja física de fato ou
apenas coativa, sobre um determinado grupo de indivíduos como meio para
alcançar seus objetivos. O que, segundo Castro (2005), não seria governar e sim
dominar conforme a concepção weberiana de poder.
Verdadeiro porque, segundo Bobbio (2007) e Bresser-Pereira (1995), este
poder político é socialmente legitimado tendo em vista que os comandos –
expressados nos regimes democráticos de governo na forma de normas jurídicas
impositivas – são aceitos por um grupo de indivíduos, ora de forma mais passiva ora
com maior resistência, em função dos princípios morais então em voga numa dada
sociedade. Isto significa dizer que um grupo social com base no seu sistema de
valores acredita, e daí aceita – o que afasta o uso de estratégias de coação e do uso
da violência em si – que aquilo que está sendo ordenado por quem detém o poder
político seja efetivamente o melhor para a coesão e reprodução do próprio grupo. Na
verdade, tal questão tem haver com o que se denomina de problema de obrigação
política. Bobbio (2007) define esta questão da seguinte forma:
O problema de obrigação política pode ser posto como a análise das
razões pelas quais se obedece aos comandos de quem detém um
certo tipo de poder ou como determinação dos casos em que se
deve obedecer e dos casos em que é lícita a desobediência ou a
obediência passiva (BOBBIO, 2007, p. 87).
Além do mais, como nenhuma outra instituição fora da estrutura do próprio
Estado pode oferecer sanções a ele, elemento este essencial na definição de poder
expressa em Bobbio (2007), não se pode afirmar que o Estado esteja abrindo mão
da regulação social e do território em favor de organizações empresariais ou mesmo
de organizações não-governamentais. No caso brasileiro, acredita-se que a
percepção deste fenômeno esteja mais articulada ao processo de descentralização
administrativa encapado desde a CF/1988, passando pelo reforma do Estado dos
anos 1990, que com uma crise de regulação do Estado propriamente dita.
Atribuir ao poder econômico das empresas um papel hegemônico para a
regulação econômica e social, em geral, e para a regulação do território, em
particular, somente seria cabível se a análise fosse deslocada do “primado da
política” para o “primado do econômico”, ou seja, colocar o fato econômico como
41
determinante de toda organização societal como quer o pensamento marxista
clássico (JESSOP, 1998). Nesse sentido prefere-se concordar com Castro (2005)
quando destaca a importância da política na ciência geográfica.
A necessidade de reencantar a política na geografia, submersa na
crença difusa de que os conflitos de interesses nas sociedades e no
território se resolvem na solução dos conflitos produtivos, ou seja,
daqueles conflitos que emergem das forças que se organizam,
comandadas pela lógica da produção e da acumulação (CASTRO,
2005, p. 11).
Daí que, mesmo sem se configurar como objetivo central desta pesquisa, é
inegável reconhecer a importância da discussão entre a preponderância do poder do
Estado ou do poder econômico das empresas, pois dela emergem como problema
para a definição do papel (funções) e o tamanho (estrutura administrativa) do Estado
brasileiro contemporâneo que desemboca, logicamente, nas formas de ação e no
aparato institucional utilizado para promover a regulação do território da escala
nacional até a local. Ação esta que faz o uso do poder político para solucionar os
diversos tipos de conflitos e tensões que emergem entre os diversos agentes
presentes no território, especialmente na cidade.
2.1.1 Plano Diretor Municipal: instrumento para a normatização do território
Conforme aventado, o Estado é a única organização social com autoridade
legitimada para exercer junto aos indivíduos e à coletividade a regulação do território
na medida em que só ele pode fazer uso do poder político para tal tarefa. No
entanto, é preciso esclarecer, em alguma medida, modus operandi dessa regulação,
especialmente para a escala local. Nesse sentido, destacam-se inicialmente as
contribuições da Castro (2003; 2005) e Fonseca; Vieira (2008) quando chamam
atenção para a questão do conteúdo institucional do território.
O interesse renovado pelas instituições nas ciências sociais, embora
o tema tenha sido importante na economia e na ciência política,
decorre do fato de as instituições políticas, econômicas e sociais
terem crescido e se tornado mais complexas e com maior
disponibilidade de recursos, afetando mais profundamente a vida
coletiva e o espaço (CASTRO, 2005a, p. 39).
42
Segundo Castro (2003, p. 46) “Os significados atribuídos ao termo instituição
derivam do seu conteúdo original de instituir, que, além de fundar e criar, é também
disciplinar, educar, formar.”, sendo assim, as instituições são responsáveis em “[...]
designar as regras do jogo numa sociedade”. Estas regras podem ser traduzidas
em termos de normas e procedimentos organizacionais que agem sobre as relações
sociais estabelecidas direta ou indiretamente entre os mais distintos agentes.
Sendo o Estado uma instituição, isto significa dizer que a regulação do
território pelo Estado em prol da coesão e reprodução social deve ser operada
segundo o estabelecimento, politicamente, de um conjunto de normas que, em
síntese, possuem a finalidade de controlar e dirimir os conflitos de interesses que
emergem do território.
E quando se tem em mente que desde a CF/1988 o PDM é uma norma
jurídica instituída pela ação de um Governo municipal concorda-se com Fonseca;
Vieira (2008, p. 353) quando estes autores incluem, na perspectiva da regulação do
território, as noções de recursos e ações institucionais, ao escreverem:
Os recursos institucionais referem-se às regras ou normas de
regulação e envolvem, na escala municipal, a Lei Orgânica
Municipal, o Plano Diretor, Lei de Uso e Ocupação do Solo, de
preservação do meio ambiente; o arranjo institucional do governo, o
nível de descentralização das políticas locais. Os recursos técnicos,
por sua vez, têm passado por modificações qualitativas, uma vez que
hoje, somados aos aspectos de infra-estrutura de transportes,
energia e comunicações, acrescentam-se também a capacidade
informacional e a geração e difusão de tecnologias capazes de
transformar o local em um meio inovador ou técnico-científico e
informacional, como destaca Santos e Silveira (2001) (FONSECA;
VIEIRA, 2008, p. 353, grifos nosso).
Portanto, as ações, no contexto das estratégias institucionais,
correspondem aos variados procedimentos políticos, administrativos
e regulatórios utilizados pelos governos locais, em decorrência dos
entrechoques e consensos envolvendo os mais variados agentes,
objetivando potencializar e viabilizar o uso do seu território
(FONSECA; VIEIRA, 2008, p. 354).
Diante do exposto, compreende-se como para a operacionalização da
regulação estatal os recursos técnicos e institucionais do território, assim como as
ações (institucionais) de um Governo municipal assumem grande relevância.
Feito este preâmbulo, o pensamento miltoniano acerca dos sistemas de
objetos e sistemas de ações, citado anteriormente, pode ser desenvolvido e
correlacionado à questão da elaboração de um PDM que, agora, pode ser definida
43
em termos da análise de como e sob quais condições se dá a instituição desta
norma jurídica a partir da ação do Estado brasileiro na escala municipal significando,
assim, um recurso institucional do território.
Santos (2006) argumenta longamente sobre o entendimento do que seja
objeto e ação para, assim, construir teoricamente sua conceituação de sistemas de
objetos e sistemas de ações. Neste caminho destaca, enfaticamente, como estes
dois sistemas sempre devem ser analisados de forma integrada e dialética, caso
contrário a análise fica invalidada.
Segundo este autor, por sistemas de objetos entende-se o conjunto, e não a
coleção, de objetos técnicos, ou seja, objetos que não existindo nos sistemas
naturais são criados pela intencionalidade do intelecto humano e, por isso mesmo,
são portadores de uma forma geográfica, uma forma-conteúdo, que decorre, em
última instância, da função (finalidade prática) a que se destina tal objeto técnico. E
se diz conjunto e não coleção porque, no período atual, ao mesmo tempo que um
objeto técnico corresponde e gera informação ele mesmo requer informação de
outros objetos técnicos para realizar-se. Por isso a noção de sistemas, por isso o
funcionamento em sistema.
Por sistemas de ações entende-se o conjunto de atos intencionais de ordem
técnica, formal (jurídica) ou simbólica dos agentes sociais – indivíduo(s), empresas,
Estado – demandados por necessidades materiais, imateriais, econômicas, sociais,
culturais, morais, afetivas que, no entanto, para operarem em forma de sistema
estão subordinados às normas jurídicas (códigos, leis, decretos) ou não-jurídicas
(moral, costumes, religião).
Diante da ênfase que, via de regra, os geógrafos costumam atribuir aos
objetos técnicos em seus estudos Santos (2006) ensina que os objetos não agem
autonomamente, muito embora atualmente possam ser concebidos de maneira a
desempenharem ações específicas. Mas ao contrário, continua o autor, “[...] são as
ações que definem os objetos, dando-lhes um sentido” (SANTOS, 2006, p. 86).
Diante do exposto fica clara a pertinência e a indissociabilidade entre essas
duas categorias analíticas para o estudo do espaço sob o enfoque geográfico
segundo esta proposta teórica de Santos (2006). Caso os objetos técnicos sejam
tomados de per si ou operando em sistemas, apenas sendo consideradas sua
complexidade funcional e estrutural ou, ainda, a configuração territorial decorrente
dos seus sucessivos acréscimos no espaço, especialmente no espaço urbano,
44
perde-se a dimensão dos processos sociais que explicariam o porquê do conteúdo,
da criação, da substituição por objetos mais atuais ou da obsolescência de um
determinado objeto, ou seja, dos processos sociais que animam o próprio espaço.
Por outro lado, caso somente as ações, mesmo que tomadas em sistemas,
sejam enfatizadas em detrimento aos objetos perder-se-ia a dimensão de como
estas ações se geografizam. Se as ações definem e dão sentido aos objetos estes
ao serem fixados ao espaço passam a demandar outras ações de cunho tanto
sistêmico, sem a qual poderia não se realizar, quanto normativo a fim de que o
espaço possa ser ordenado e organizado em prol da ordem social.
Nesta exposição da relação entre sistemas de objetos e sistemas de ações o
papel da técnica aparece de forma latente visto que é por meio dela que os
elementos do espaço (SANTOS, 1997): os homens, as firmas, as instituições, o meio
ecológico e as infra-estruturas interagem. Mas, atualmente, não é só a técnica ou os
recursos técnicos do território que merecem atenção. A conseqüente interação
cotidiana, sistêmica e cada vez mais complexa entre objetos técnicos e as ações
humanas no espaço, no bojo de novas conjunturas econômica e política, demanda
mais ações de natureza institucional. Trazendo esta problemática para o enfoque
municipal, Fonseca; Vieira (2008) assim a contextualizam:
As inovações institucionais de 1988, que permitiram maior
fortalecimento e visibilidade aos municípios brasileiros no contexto
nacional, tiveram como pano de fundo principal a junção entre a
ascensão de um novo regime de produção capitalista, denominado
por Storper (1990) de tecnológico-institucional e flexível e a reforma
do Estado, que foi fruto da mobilização da sociedade brasileira pela
democratização. Com isso, o município brasileiro passou a
concentrar um poder de decisão e ação jamais observado desde o
fim do período colonial, devido a sua maior autonomia política,
administrativa e financeira. Também se fortaleceu como agente
político e institucional e adquiriu maior visibilidade enquanto escala
territorial de gestão local, em função da institucionalização de
políticas voltadas ao fortalecimento sócio-econômico e ambiental que
passaram a ocorrer em muitas localidades (FONSECA; VIEIRA,
2008, p. 352).
Assim, retomando-se a questão da intuição de normas para a regulação do
território, Antas Junior (2006) chama atenção, fundamentado no pensamento
miltoniano, para essa discussão na qual interessa esclarecer quem a produz, a sua
densidade e o que ela representa para a geografia no período atual. Assim escreve
o autor:
45
A norma, para a geografia, pode ser vista como o resultado da
tensão e/ou da harmonia entre objetos e ações que constituem o
espaço geográfico; dito de outro modo, como decorrência da
indissociabilidade entre configuração territorial e uso do território,
determinantes entre diferentes tipos de normas (ANTAS JUNIOR,
2006, p. 61).
Na mesma linha apontada por Nascimento (1993) e Castro (2003), para Antas
Junior (2006) destaca que a norma é criada por instituições como a Igreja Católica e
o Estado e tem por função elementar regular as ações de indivíduo(s), empresas e
outras instituições de modo a promover a coesão e a estabilidade social no espaço
geográfico. Existem normas de diferentes naturezas, mas como o foco da pesquisa
são os PDM, uma lei municipal, destaca-se em especial as normas jurídicas que são
as que “[...] regulam a produção dos sistemas e objetos técnicos e as ações que
incidem sob tais objetos [...]” (ANTAS JUNIOR, 2006, p. 65).
Segundo este autor, as normas jurídicas possuem uma densidade que varia
de acordo com a quantidade de objetos e sistemas técnicos instalados no espaço.
Quanto mais o meio é tecnificado maior é a interação envolvendo os elementos do
espaço, os objetos e as ações dos agentes sociais e, não por acaso, maior será a
demanda por um aparato normativo. É o que Antas Junior (2006) considera como
densidade normativa. Noção esta que tem está correlacionada à noção de
densidade institucional defendida por Castro (2003), com base em Amin; Thrift
(1993), e que também tem haver com a distribuição espacial e qualitativamente
desigual de instituições no território.
O Estado, então, é a instituição que em seus três níveis de governo edita e
institui normas jurídicas para a regulação. Bresser-Pereira (1995), apoiado na teoria
do Estado, destaca este conjunto de normas como o ordenamento jurídico que
constitui um dos quatro elementos constitutivos do Estado (Quadro 3).
Mas, o ordenamento jurídico, podendo também ser considerado como
recursos institucionais, criado pelo Executivo e Legislativo municipal para regulação
territorial não são monolíticos. Sua incidência varia conforme a origem e motivação
das ações institucionais; o setor sobre qual incide (infra-estrutura, usos do solo,
atividades econômicas, serviços urbanos etc.); a natureza das relações sociais no
espaço (urbano ou rural, mais ou menos tecnificado); e, sobretudo, os agentes
sociais ou grupos de interesse que mais conseguem se apropriar deste tipo de
recurso ou influenciar sua criação. Ou seja, apesar de que num Estado federativo e
46
democrático a administração municipal seja conduzida autonomamente pelo Poder
Público local, tal administração pode ser influenciada tanto pelos interesses de
agentes econômicos como pelos interesses de outros setores da sociedade civil
organizada.
Quadro 3 – Elementos constitutivos do Estado
Elementos do
Estado
Significado
Governo
O elemento “governo” é formado por membros da elite política, que
tendem a ser recrutados junto à classe dominante, e tem por função dirigir
o Estado em nome da sociedade.
Burocracia
Burocracia ou tecnoburocracia pública significa dizer um corpo de
funcionários hierarquicamente organizados, que se ocupa da
administração cotidiana das coisas do Estado.
Força Pública
Uma força policial e militar, que se destina não apenas a defender o país
contra o inimigo externo, mas também a assegurar a obediência das leis e
assim manter a ordem interna. Esta organização política detém o
monopólio da violência institucionalizada no sentido weberiano, ou seja,
tem o poder de estabelecer um sistema legal e tributário, e de instituir uma
moeda nacional. Este elemento somado aos elementos governo e
burocracia, comporiam o que Althusser denominou aparelho repressivo do
Estado.
Ordenamento
Jurídico
É o conjunto de leis que, extravasando o aparelho do Estado, regula toda
a sociedade. Este ordenamento também faz parte do Althusser denominou
aparelho ideológico do Estado na medida em que direciona e cobra um
determinado comportamento dos cidadãos, sem o uso da violência
propriamente dita, fazendo-os crer na necessidade deste comportamento
para o bem estar de todos e para manutenção de uma ordem.
Fonte: BRESSER-PEREIRA, 1995
Mas o problema da instituição de normas pelo Estado não deve ficar restrito
somente ao campo jurídico, afirma-se que elas possuem uma forte relação com a
forma geográfica e vice-versa, pois em última análise, é a norma jurídica também
uma forma geográfica visto que ela se geografiza. Para melhor compreender esta
assertiva de Santos (2006) recuperam-se duas noções por ele trabalhadas: o
território normado e o território como norma.
No que tange à normatização pelas ações, Milton Santos fala em
território normado; no que concerne à configuração territorial
produtora de normas, em território como norma. No território
normado, o elemento repressivo sobrepõe-se aos demais; no
território como norma, o elemento comunicacional fornece o
referencial diretor. E ambos os casos, que de fato compõem um par
dialético, o elemento sistêmico está presente, primeiro
organizacionalmente, depois organicamente (ANTAS JUNIOR, 2006,
p. 53).
47
Em Antas Junior (2006) estas duas noções miltonianas são desenvolvidas da
seguinte forma. Tanto o território pode ser alvo de normatizações – delimitação de
fronteiras, de limites estaduais e municipais, dos perímetros urbanos, da propriedade
privada – ou seja, a norma jurídica se transforma em forma geográfica; quanto pode
o território demandar por normas jurídicas para a dotação e funcionamento de
objetos e sistemas técnicos, neste caso as formas geográficas produzem normas
jurídicas. Nas duas situações fica patente a importância do ordenamento jurídico
para a promoção da organização espacial e para o ordenamento do uso do território.
Tudo isto posto, defini-se aqui o PDM como o recurso institucional criado a
partir de uma ação, que se presume legítima e autônoma, de um Governo municipal
que tem a finalidade de regular, via normatizações: (i) os objetos e sistemas técnicos
contidos no território; (ii) as ações dos agentes sociais, organizados ou não,
interessados nele de alguma forma; e (iii) os conflitos de interesses decorrentes das
interações assim estabelecidas.
No entanto, se é verdade que o PDM normatiza o território este também
interage com os agentes sociais responsáveis pela sua elaboração demandando
ações institucionais específicas. Acredita-se que somente nestes termos um PDM
poderá funcionar como um eficiente e eficaz instrumento de desenvolvimento
econômico e social. Para que um PDM alcance tal nível de qualidade é necessário,
portanto, o entendimento de que o conceito de território é algo em disputa por
diversas disciplinas e correntes de pensadores, ou seja, o emprego do termo
território em uma determinada acepção vai comprometer, inexoravelmente, as
finalidades regulacionista e, por conseguinte, desenvolvimentista de um PDM.
2.2 VISÕES SOBRE TERRITÓRIO
Visto o grande peso atribuído ao território – na geografia em geral e na
problemática em tela em particular – cabe recuperar algumas considerações
relevantes e diferentes sobre o significado deste conceito. O que se espera com isso
é colocar de maneira clara se na elaboração dos PDM o território é considerado na
acepção habitualmente trabalhada na ciência/filosofia política ou, ainda, no direito
administrativo – o território como substrato físico (área territorial) apropriado e
48
administrado pelo Estado – ou se nos PDM elaborados o significado do termo
território assume uma conotação mais ampla onde o exercício das relações de poder
no espaço entre diferentes agentes sociais seja equilibrado.
Nesta direção, tome-se inicialmente a noção de território contida em Bobbio
(2007) quando este discute os elementos constituintes do Estado. Nesta linha de
pensamento o território aparece como limite da validade espacial do exercício do
poder do Estado, ou seja, a base física onde o poder soberano cria e aplica seu
direito mediante a edição de normas vinculatórias, como explica o autor:
Do ponto de vista de uma definição formal e instrumental, condição
necessária e suficiente para que exista um Estado é que sobre um
determinado território se tenha formado um poder em condição de
tomar decisões e emanar os comandos correspondentes,
vinculatórios para todos aqueles que vivem naquele território e
efetivamente cumpridos pela grande maioria dos destinatários na
maior parte dos casos em que a obediência é requisitada (BOBBIO,
2007, p. 95).
Também é lapidar a conceituação de território que Filomeno (1999) realiza
eminentemente do ponto de vista jurídico-político. Além da ênfase no sentido
material, físico mesmo do território, este jurista elenca o que chama de “partes” do
território:
De nossa parte, entendemos ser o território parte imprescindível para
a existência do próprio Estado. Senão por razões de lógica evidente,
pela simples circunstância de que sempre haverá a nação, com seus
vínculos sociológicos e jurídicos, mas não o Estado, com seus
vínculos marcadamente políticos (além de jurídicos).
Desta forma, podemos dizer que, como elemento material e
essencial para a própria existência do Estado, o território compõe-se
das seguintes partes: (a) solo, (b) subsolo, (c) espaço aéreo, (d)
embaixadas, (e) navios e aviões militares em qualquer parte que se
encontrem, (f) navios e aviões de uso comercial ou civil em sobrevôo
ou navegação não pertencentes a outros Estados e, (g) o mar
territorial, [...] (FILOMENO, 1999, p. 72-73).
Trazendo esta discussão para o campo da ciência geográfica encontram-se
diversas discussões e acepções. Com efeito, pode-se dizer que existem algumas
linhas não excludentes de raciocínio em relação à conceituação de território. Brito
(2005), por exemplo, enfatiza que o conceito de território é polissêmico e que ainda
está em construção, mas já não se pode concordar que território signifique apenas
uma extensão da superfície da Terra apropriada por indivíduos, grupos sociais ou
49
instituições, incluindo o Estado, o que também já contribui para “[...] superar a
vinculação biológica que permeia o entendimento sobre o significado do conceito de
território” (BRITO, 2005, p. 116).
Haesbaert
(2002),
ao
analisar
o
que
chama
de
discurso
da
desterritorialização, enfatiza que na questão das acepções atribuídas ao termo
território há de se considerar, antes de tudo, as relações sociais nas quais ele está
mergulhado. Segundo esse autor, existem basicamente cinco perspectivas
tradicionais na conceituação de território. São elas:
(i) a materialista – nesta perspectiva o território é visto como fonte de recursos, como
base natural da qual os indivíduos e grupos sociais se apropriam como meio de
sobrevivência.
(ii) a idealista – esta perspectiva enfoca o território como uma dimensão simbólica,
que possui um valor simbólico, a partir da(s) diferente(s) representação(ões) de
identidades culturais que os diversos agentes dele faz com base em suas diferentes
condições de vida, passadas e presentes.
(iii) a de integração entre diferentes dimensões sociais – desta perspectiva fazem
parte três dimensões. A natural-biológica: que enfoca o território como habitat dos
animais. A econômica: que enxerga o território, e o seu controle, como objeto de
disputas entre diferentes/divergentes interesses e agentes econômicos. E a política:
que analisa o território sob o prisma das relações de poder engendradas na atuação
do Estado-nação.
(iv) a histórica – por esta perspectiva a análise do território pode ser realizada
combinando em diferentes graus uma abordagem ampla, quando por exemplo se
tem em mente que as relações sociais são mediadas pelo espaço, com uma
abordagem mais restritiva a partir da consideração de recortes histórico-sociais
específicos, quando, por exemplo, se toma a questão da atuação do Estado na
regulação do território.
(v) a absoluta/relacional – esta perspectiva contrapõem a reducionista visão de
território como coisa ou substrato concreto ou como palco e mediador de relações
sociais, mas de forma reducionista ainda, à uma visão relacional de território como
fruto de relações sociais, especialmente as relações de poder (mas não
exclusivamente o poder político concentrado nas mãos do Estado).
50
Se existem diferentes epistemologias para a conceituação de território fica
claro, então, que qualquer definição que enfatize apenas uma ou duas perspectivas,
sem procurar integrar todas elas, perde sua capacidade de abstração para que,
somente assim, o conceito de território possa ser de fato operacionalizado na
execução de uma pesquisa geográfica. No entanto, visto que neste trabalho está-se
discutindo sobre a ação do Estado na regulação do território - enfocando
especificamente o território municipal cuja delimitação está arraigada no próprio
aparato normativo estatal para fins de gestão pública - credita-se à perspectiva
relacional, segundo a classificação de Haesbaert (2002), a que melhor pode
fundamentar esta proposta por propiciar uma articulação dos diferentes, mas
complementares, conteúdos, agentes e práticas que dizem respeito a uma visão
holística do território.
Neste sentido, Brito (2005) defende que um território é constituído na medida
em que um feixe de inter-relações, decorrentes de um processo social mais amplo,
se espacializam numa dada porção do espaço geográfico sendo tais inter-relações
mediadas por acordos entre os mais diversos agentes sociais interessados em
objetos comuns aí localizados. Para este autor a idéia de controle como sinônimo de
poder não é válida.
A perspectiva relacional do território também fica bastante clara nos dizeres
de Geiger (1996), Becker (1987) e Corrêa (1996):
O território vem de terra que, formalmente, significa uma porção não
pedregosa, asfaltada ou cimentada da superfície terrestre, e que
pode ser argilosa, arenosa ou saibrosa. [...] Refere-se também a uma
extensão terrestre, mas inclui uma relação de poder, ou posse, de
um grupo social sobre esta extensão terrestre (GEIGER, 1996, p.
235).
O território é o espaço da prática. Por um lado é o produto da prática
espacial: inclui a apropriação de um espaço, implica na noção de
limite – um componente de qualquer prática - manifestando a
intenção de poder sobre uma porção precisa do espaço. Por outro
lado é também um produto usado, vivido pelos atores, utilizado como
meio para sua prática (BECKER, 1987, s.p.).
Etimologicamente território deriva do latim terra e torium, significando
terra pertencente a alguém. Pertencente, entretanto, não se vincula
necessariamente à propriedade da terra, mas a sua apropriação.
Essa apropriação, por sua vez, tem um duplo significado (CORRÊA,
1996,p. 251).
51
Em síntese, estes geógrafos realizam uma conexão entre: a dimensão
material e concreta do território; os indivíduos que nele estão presente e; a sua
dimensão imaterial e abstrata advinda da interação entre processos sociais e espaço
material.
Este duplo significado que Corrêa (1996) aponta na apropriação do território
representa, grosso modo, dois tipos de enfoque mais gerais. O primeiro é aquele
que vincula o conceito de território à geografia política e à geopolítica, visto que é
enfocado o uso, legitimado ou não, do território por algum tipo de instituição (Estado,
Igreja, firmas) ou grupos sociais.
Já o outro enfoque é aquele que leva em
consideração nas análises a dimensão afetiva, os sentimentos e os simbolismos
derivados da interação de grupos sociais com o lugar onde vivem. Em síntese,
afirma Corrêa (1996, p. 251) “o território é o espaço revestido da dimensão política,
afetiva ou ambas”. Mas prefere-se considerar que o território é sempre continente da
dimensão política e da dimensão simbólica ambas sendo consideradas em conjunto
e não em separado.
Na própria geografia política contemporânea que, segundo Castro (2005), se
caracteriza pelo interesse nos debates que tomam o território como fonte ou
estratégia de poder, a partir da interpretação de fatos políticos desenvolvidos na
própria geografia, a definição de território avança bastante em relação ao enfoque
político-jurídico-administrativo tão caro à teoria do Estado e à teoria política e, até
mesmo, à própria geografia política tradicional.
Poder e estratégias de controle e dominação a partir do território
controlado pelo Estado nacional eram sempre implícitas ou explícitas
na agenda da geografia política nas primeiras décadas do século XX,
o que fez das escalas de análise nacional e global as mais
adequadas ao estudo da disciplina (CASTRO, 2005, p. 20).
Castro (2005, p. 15), por exemplo, considera que território e política são
categorias analíticas inseparáveis visto que “[...] são componentes essenciais do
processo histórico de formação das sociedades”. Ainda segundo a autora a política
oferece a possibilidade “de controle das ‘paixões’ desencadeadas pelo convívio
humano em coletividades” (CASTRO, 1997, p. 161) que sempre geram, com
variadas intensidades, alguma forma de conflito e o território é o suporte material
para essa convivência sendo, também, detentor de um poder simbólico
“estabelecido pelos seus conteúdos materiais, pela sua natureza, pela sua
52
proxemia” (CASTRO, 1997, p. 176), isto é, pela maneira inconsciente que os
indivíduos organizam o seu próprio espaço.
Dando continuidade à abordagem relacional do território é oportuno, então,
confrontar mais diretamente as visões de Raffestin (1993) e de Souza (1995), pois
estes autores enxergam o conceito de território por diferentes lentes teóricas. Ponto
comum para ambos, entre outros autores mencionados anteriormente, é que as
noções de espaço e de relações sociais são questões subjacentes à discussão do
conceito de território.
Prova disto é que Raffestin (1993) inicia seu constructo teórico a partir da
noção de espaço e da sua representação, assim lhe atribuindo este direcionamento,
para daí introduzir a questão das relações de poder entre um agente e o espaço
onde ele está inserido delimitando, assim, um território. Ele diz que “É essencial
compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir
do espaço, é o resultado da ação conduzida por um ator sintagmático [...] em
qualquer nível” (RAFFESTIN, 1993, p. 143). E sobre o significado da representação
do espaço ele afirma que:
Produzir uma representação do espaço já é uma apropriação, uma
empresa, um controle portanto, mesmo se isso permanece nos
limites de um conhecimento. Qualquer projeto no espaço que é
expresso por uma representação revela a imagem desejada de um
território, de um local de relações (RAFFESTIN, 1993, p. 144).
Já Souza (1995) inicia seu ensaio dando ênfase às relações de poder
existentes entre os agentes sociais afirmando que “[...] o território é essencialmente
um instrumento de exercício de poder: quem domina ou influência quem nesse
espaço, e como?” (1995, p. 79). E, diferentemente de Raffestin (1993) que procura
tornar inteligível o conceito de território utilizando-se do processo de formação dos
Estados nacionais, Souza (1995) faz uma contundente crítica à tentativa de
estabelecimento, por parte tanto da ciência política quanto da geografia política, de
uma limitação da análise do território vinculando-a, apenas, ao poder do Estado e ao
território nacional deste Estado. Crítica semelhante a que Haesbsert (2002) faz ao
dizer que a abordagem da realidade social a partir da questão do Estado é a mais
restritiva leitura que se pode fazer do território. Problema este que já havia sido
chamado a atenção com Bobbio (2007) e Filomeno (1999).
53
Mas deve ser ressaltado que as críticas de Souza (1995) e de Haesbsert
(2002) não se aplicam à geografia política contemporânea nos moldes defendidos
por Castro (2005) e sim à visão tradicional desta vertente do pensamento geográfico
de inspiração ratzeliana pela qual o território, enquanto solo ocupado e explorado
por grupos sociais, era tomado como a fonte em si do poder de um Estado nacional
na medida em que tal poder variaria segundo a extensão e densidade de ocupação
do território e no controle que este Estado nacional mantinha sobre ele.
À medida que os territórios dos Estados se fazem maior, não é
somente o número de quilômetros quadrados que cresce, senão
também sua força coletiva, sua riqueza, seu poder e, finalmente, sua
duração. Igualmente ao espírito humano que se enriquece cada vez
mais à medida que os caminhos percorridos pela evolução sobre
esta terra se alargam, o progresso pode ser representado, com uma
aproximação suficiente, por uma aspiral ascendente cujo raio vai
aumentando mais e mais. Porém esta imagem está tão distante da
realidade que carece de utilidade. Por isso, basta mostrar, na
extensão progressiva dos territórios dos Estados, um caráter
essencial e, ao mesmo tempo, um poderoso motor do progresso
histórico (RATZEL, 1982, p. 203).
Se Raffestin (1993) procura esmiuçar o processo de construção de um
território por meio da apresentação de um sistema territorial calcado em três
elementos - tessitura, nós e redes - que se constituem a partir das ações (e
relações) de indivíduos ou grupos humanos num espaço antes natural, Souza (1995)
utiliza também três elementos – rede, nós e arcos – para compor uma nova
definição ou ponte conceitual, o de território descontínuo. Ele diz que “cada território
descontínuo é, na realidade, uma rede a articular dois ou mais territórios contínuos”
(SOUZA, 1995, p. 94).
E esta idéia de territórios em rede é central para Haesbaert (2002) que afirma
que no mundo de hoje o território é multiescalar, é um território-rede, e somente
tendo a rede como referencial teórico se torna factível apreender o movimento, a
fluidez e as conexões que atingem o espaço. Sendo atualmente a rede, nessa
perspectiva, o principal elemento da configuração territorial do espaço geográfico.
Isto posto, percebe-se que em Souza (1995) o termo território aparece com
uma conotação mais ampla que em Raffestin (1993), pois para este último o
significado de território está fortemente associado à idéia de base material para a
ação do Estado-nação, o que não acontece em Souza (1995). Este defende a
formação e coexistência de diversos territórios a partir da ação de diferentes agentes
54
sociais. Souza (1995) oferece algumas características que o território pode conter: (i)
pode ser construído (e “desconstruído”) ou simplesmente existir; (ii) pode independer
até mesmo de um espaço concreto (exemplo do mar territorial); (iii) pode ter caráter
permanente ou periódico; (iv) e escalas abrangentes ou diminutas. A afirmação a
seguir é, neste sentido, emblemática.
O conceito de território deve abarcar infinitamente mais que o
território do Estado-Nação. Todo espaço definido e delimitado por e a
partir de relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado
por uma gangue de jovens até o bloco constituído pelos paísesmembros da OTAN (SOUZA, 1995, p. 111).
Este pensamento sobre a existência e coexistência de múltiplos territórios,
para além do Estado-nação, também é defendido por Corrêa (1996) ao dizer que
existem vários territórios sobre a superfície da Terra sem que o arranjo deles
derivado formem qualquer tipo de mosaico, pelo contrário, está mais para um
caleidoscópio. E isto se deve porque “cada um apresenta uma específica dimensão
e conteúdo, sendo apropriado, vivenciado e percebido diferentemente pelos diversos
agentes” (CORRÊA, 1996, p. 252).
Ademais, num virtual embate teórico sobre a conceituação de território
promovido pelo próprio Souza (1995), Raffestin (1993) é acusado por aquele de
reduzir o conceito de espaço ao de espaço natural e de igualar o significado de
espaço social ao de território. Para Raffestin (1993, p. 143), que cita Lefebvre
(1976), o mecanismo para transformar um espaço em território, ou seja, o cerne de
um processo de territorialização é o seguinte: “A produção de um espaço, território
nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e
fluxos que ai se instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e
bancários, auto-estradas e rotas áreas etc.”.
É fácil perceber a motivação da crítica de Souza (1995), pois para este
o território não pode ser tomado simplesmente como um espaço físico transformado
em espaço social, assim delimitando-o, pela ação de sujeitos coletivos ou do Estado.
Em última instância este espaço social apenas deverá servir como uma referência,
como um “substrato referencial”, na qual operam relações de poder com alcances
definidos e/ou conhecidos.
No entanto, das construções teóricas que pretendem descolar a discussão do
território dos limites da ação do poder do Estado umas das mais acuradas e
55
profícuas é a elaborada por Santos (1996). Ainda assim, pode se dizer que a
proposta miltoniana de território integra a de perspectiva relacional visto que a
questão das relações sociais em geral e das relações de poder em particular como
vetor de desorganização do território é a sua base. O que a faz diferente é o peso
atribuído ao poder econômico das grandes corporações empresariais no período
atual em detrimento do poder político concentrado nas mãos do Estado.
Santos (1996, p. 15, 16) chama a atenção para o fato de que “[...] é o uso do
território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto da análise social”. O
território “[...] são formas, mas o território usado são objetos e ações, sinônimo de
espaço humano, espaço habitado”. Isto significa dizer que não se deve tomar o
território tão somente pela sua forma - uma forma geográfica – caso que se estaria
incorrendo na clássica abordagem praticada pelo Estado territorial. Deve-se sim
tomar o território como uma forma possuidora de conteúdo: uma forma-conteúdo.
[...] Essa idéia de território usado, ao meu ver, pode ser mais
adequada à noção de um território em mudança, de um território em
processo. Se o tomarmos a partir do seu conteúdo, uma formaconteúdo, o território tem de ser visto como algo que está em
processo. E ele é muito importante, ele é o quadro da vida de todos
nós, na sua dimensão global, na sua dimensão nacional, nas suas
dimensões intermediarias e na sua dimensão local. Por conseguinte,
é o território que constitui o traço de união entre o passado e futuro
imediatos (SANTOS, 1999, p. 19).
Para além da importância dos objetos e ações que na escala espacial e
temporal dos indivíduos e grupos sociais denotam, historicamente, as práticas e
conteúdos territoriais relevantes para a reprodução das condições de vida material e
social, Santos (2002) enfatiza que no período atual o mercado e o dinheiro
desestabilizam os territórios por causarem desorganização e desagregação
espacial. Todavia, acredita-se que tal fenômeno é subjacente ao próprio modo de
produção capitalista e ocorre segundo a lógica do território como mercadoria, como
valor de troca, sobretudo para as empresas. Nesse embate os interesses dos
demais agentes sociais não hegemônicos aparecem marginalmente. Para Santos
(2002) ocorre uma verdadeira mudança no conteúdo dos territórios.
O conteúdo do território mudou, fundamentalmente, com a
globalização, seja o conteúdo demográfico, o econômico, o fiscal, o
financeiro, o político. O conteúdo de cada fração do território muda
rapidamente. Essa instabilidade e nervosismo atuais do território são
56
a representação empírica do nervosismo, da nervosidade, da
impaciência e do vulcanismo da nação (SANTOS, 2002, p. 15).
Cabe dizer que essa mudança no conteúdo do território repercutiu, e ainda
repercute, fortemente nas formas que o Estado dispõem para promover – dentro das
suas esferas legítimas de ação – a regulação econômica, social e territorial ainda
que, segundo Santos (2002), o país tenha se tornado ingovernável como nação,
como estado e como município diante da ditadura do dinheiro.
Da exposição das diversas acepções de território percebe-se que trabalhar a
questão do PDM, como parte do ordenamento jurídico necessário à regulação do
território, é uma forma de articular a tradicional e fechada visão de território oriunda
da ciência política para uma visão multidimensional do território, no qual a ação do
Estado-nação como responsável pela organização e ordenamento territorial seja
cotejada e negociada com a ação de outros agentes sociais, aliás como defende
Castro (2005):
Em nome de uma perspectiva pluralista, mais condizente com a
complexidade da atualidade, proponho aqui uma agenda temática
para a geografia política que partindo da compreensão da forma
Estado-nação moderno, de base territorial, suas especificidades
institucionais e organizacionais e seus contextos histórico e
geográfico seja capaz de avançar na compreensão das mudanças
contemporâneas, que afetam e são afetadas por este aparato
institucional, incorporando outras escalas de análise para dentro e
para fora dele (CASTRO, 2005, p. 47).
Assim, para a elaboração de um PDM que pretenda formular e implementar
ações de Governo capazes de induzir o desenvolvimento municipal torna-se de
fundamental importância empregar uma noção de território que: (i) não enfatize sua
dimensão concreta/material em detrimento da sua dimensão abstrata/simbólica; e (ii)
leve em consideração a mediação dos diferentes interesses que emergem das
relações sociais estabelecidas entre os agentes aí instalados visto que, como
salienta Brito (2005, p. 122) o poder, no caso o do Governo municipal, é “garantido
pela legitimidade das ações dos agentes autorizadas em nome do consenso.”.
Esse aspecto teórico fundamental sinaliza um outro aspecto de ordem mais
metodológica/operacional na elaboração de um PDM. Considerando que este
documento deve conter uma visão de desenvolvimento a ser perseguida e, também,
considerando que este plano deve ser elaborado a partir de uma determinada
57
metodologia de planejamento (incluindo aí a participação popular), acredita-se que é
a concepção que uma equipe de planejadores e gestores possua, ou ponha em
prática, sobre o território é que vai determinar tal articulação. Por isso mesmo a
importância de se considerar a noção de território usado, como recomenda Santos
(1999, p. 18), pois para a “[...] produção de projetos, isto é, com vista à política, com
‘P’ maiúsculo, deve-se tomá-lo como território usado”.
2.3
DESENVOLVIMENTO,
DESENVOLVIMENTO?
MAS
E
A
TERRITORILIZAÇÃO
DO
Os estudos sobre a questão do desenvolvimento não são recentes nas
ciências humanas. Mas nem por isso constitui um debate superado. Conforme a
tradição economicista pode-se dizer que, segundo Singer (2004a, p. 147), a “[...]
teoria do desenvolvimento econômico procura analisar de que maneira os países,
[...] que chegaram tardiamente ao cenário da industrialização, podem recuperar este
atraso histórico”.
E a idéia subjacente sobre o desenvolvimento econômico decorrente dessa
tradição é a de “crescimento econômico (aumento do Produto Nacional Bruto per
capita - PNB) acompanhado pela melhoria do padrão de vida da população e por
alterações fundamentais na estrutura de sua economia” (SANDRONI, 2004, p. 169).
Mas hoje não se deve tomar o termo desenvolvimento apenas nesse sentido
predominantemente economicista e, por isso mesmo, reducionista (SOUZA, 1996;
BOISIER, 2000; VEIGA, 2005).
Foi a partir do final da II Grande Guerra que a questão do desenvolvimento
ganhou destaque no panorama internacional. Inicialmente reduzida a observação de
que os países pobres eram os mesmos países onde “o processo de industrialização
era incipiente ou nem havia começado” (VEIGA, 2005, p. 19) em detrimento dos
países industrializados, os ditos países ricos ou desenvolvidos.
A partir deste momento, segundo Diniz (2001), a questão do desenvolvimento
desigual entre nações, e entre subespaços nacionais, levou os Estados Unidos,
Inglaterra, França e Alemanha, entre outros, à criação de instituições e políticas de
desenvolvimento, via de regra, com base na industrialização. Além disso, estas
58
ações foram uma resposta (velada) à ameaça do socialismo no pós II Guerra. Esta
ação articulada internacionalmente via Organização das Nações Unidas (ONU)
fortaleceu
a
idéia
do
planejamento
como
forma
de
superação
do
subdesenvolvimento e da pobreza (SANTOS, 2003). Além disso, estes fatos
acrescentaram à questão do desenvolvimento econômico, enquanto crescimento do
PNB per capita decorrente de um processo bem-sucedido de industrialização, um
caráter ideológico. Nesse sentido Santos (2003) é enfático.
A serviço do planejamento a economia perdeu seu status cientifico e
se tornou simples ideologia, cujo fito é persuadir Estados e povos
das vantagens daquilo que passou a ser chamado de
desenvolvimento: a venda da ideologia do crescimento aos Estados,
a imposição de uma ideologia de sociedade de consumo às
populações. Ambas combinadas induzem ao capital estrangeiro e à
aceitação de um só parâmetro aplicável à economia, à sociedade, à
cultura, à ética; em suma, à dependência e à dominação; à
dominação através da dependência (SANTOS, 2003, p15).
A partir dos anos 1970 prevalece entre os geógrafos uma abordagem
marxista do desenvolvimento (HALL,1988). Nesta abordagem as reestruturações
espaciais ocorreriam em função das crises de acumulação do sistema capitalista
(MARTIN; SUNLEY, 2000). Nesse sentido, cita-se, por exemplo, a contribuição de
Neil Smith (1988) com sua teoria do desenvolvimento desigual por meio da qual a
questão da divisão espacial (internacional) do trabalho sob o capitalismo, como
forma de perpetuá-lo, é central. Assim,
A lógica do desenvolvimento desigual deriva especificamente das
tendências opostas, inerentes ao capital, para a diferenciação, mas
com a simultânea igualização dos níveis e condições da produção. O
capital é continuamente investido no ambiente construído com o fito
de se produzir mais-valia e expansão da base do próprio capital.
Mas, da mesma forma, o capital é continuamente retirado do
ambiente construído de forma que ele possa se deslocar para outra
parte e se beneficiar com taxas de lucros mais altas. A imobilização
espacial do capital produtivo em sua forma material não é nem
menos necessária do que a perpetua circulação do capital como
valor. Assim, é possível ver o desenvolvimento desigual do
capitalismo como a expressão geográfica da contradição mais
fundamental entre valor de uso e valor de troca (SMITH, 1988, p. 19).
Smith (1988) entende que a tendência para a igualização geográfica – em
termos globais – do modelo de produção e de consumo de mercadorias, serviços e
do espaço urbano praticado nas sociedades capitalista, dos países ditos
59
desenvolvidos, por indivíduos, famílias ou empresas que compõem uma elite não
pode ser tomada por desenvolvimento. Mesmo que outras classes e agentes sociais
do mesmo país ou dos países ditos subdesenvolvidos produzam e consumam da
mesma forma. Trata-se, antes de tudo, da espacialização da lógica do
desenvolvimento desigual. Nessa abordagem crítica Smith (1988), entre outros
autores fundamentados no pensamento trotskista, contribui
para dissociar
crescimento econômico de desenvolvimento.
Dentro do debate sobre desenvolvimento, Benko (1999) esclarece que as
vertentes de desenvolvimento regional e de desenvolvimento local começam a
ganhar importância na esteira do processo de transição do fordismo – vigoroso
desde o pós II Guerra, mas em clara crise a partir dos anos 1970 - para o regime de
acumulação flexível.
A passagem para novo regime de acumulação acompanha-se de
mudanças fundamentais multiformes nos modos de produção e de
consumo, nas transações e nos mecanismos institucionais de
regulação das relações sociais. Eles induzem uma reestruturação
espacial da sociedade inteira, redefinição do conteúdo ideológico dos
espaços, estabelecimento de nova divisão social e espacial do
trabalho, criação de novos espaços de produção e de consumo etc.
(BENKO, 1999, p. 29) (grifo nosso).
É este processo mais amplo que traz a tona, desde então, a “questão local”
que segundo Bourdin (2001, p. 9) se desdobra em três debates: “[...] quando triunfa
uma visão hiperlocalista da sociedade; quando o local é definido como baluarte da
mundialização; e quando se faz do local o lugar principal da democracia”.
Nessa direção, Vitte et al (2002, p. 47) diz que a idéia de local pode ser
entendida como um município ou parte dele, ou ainda um conjunto de municípios,
um estado (unidade federativa) ou até mesmo uma região. Contudo, para Monié;
Silva (2003) o cerne da questão local está na valorização do território como lócus
privilegiado da produção em detrimento ao próprio chão de fábrica, então alvo
principal de uma reestruturação produtiva.
Esta breve introdução demonstra quão rica e extensa é a literatura sobre
desenvolvimento. Por isso mesmo, é necessário colocar esta discussão sobre
desenvolvimento a partir de três pontos principais. Em primeiro lugar deve ser
observado que se o desenvolvimento ocorre em alguns lugares (um país, uma
região, um município, uma cidade) e não em outros, mesmo nessas condições, ele
60
acontece de forma diferenciada internamente. E isto se dá desta maneira porque
existem fatores – políticos, econômicos, sociais e ambientais – que, historicamente,
favoreceram ou não o início e a continuidade de um processo de desenvolvimento.
Em segundo lugar chama atenção o fato da polissemia que o conceito
desenvolvimento vem assumindo nas últimas décadas derivada de diversas
elaborações teóricas e de tantas outras práticas institucionais (governamentais e
não-governamentais) que acabaram por desvincular a noção de desenvolvimento
daquela conceituação de desenvolvimento econômico decorrente da tradição
economicista (BOISIER, 2000; SACHS, 2000; VEIGA, 2005).
Da dimensão econômica onde prevalecem indicadores de natureza
macroeconômica o termo desenvolvimento vem caminhando para um processo de
subjetivização passando a carregar diversas acepções - territorial, regional, local,
humano, sustentável, endógeno, entre outros – e, por conseguinte, passa a carregar
outros
conteúdos
e
práticas
que
dão
formas
a
diversos
modelos
de
desenvolvimento. Apesar disto Sachs (2000) defende que apesar dos diversos
modelos derivados dos diferentes entendimentos que hoje se tem sobre
desenvolvimento o que se deve, efetivamente, ser considerado para a elaboração de
projetos e políticas é o desenvolvimento sem adjetivos.
Na realidade, o que devemos considerar é o desenvolvimento e, ao
risco de chocar a audiência, eu diria: desenvolvimento sem adjetivos.
Porque o debate começou há meio século atrás e quando se dizia
desenvolvimento, se pensava em crescimento econômico. Depois,
as pessoas se deram conta de que não era possível insistir só sobre
o econômico porque existe o social.
Então começou a se falar em desenvolvimento econômico e social.
Mas ai os politólogos gritaram que a política era importante. E têm
razão. Os antropólogos vieram para dizer que não se pode esquecer
o aspecto cultural e então ficamos com o desenvolvimento
econômico social-cultural-político. Aí, veio a revolução ambiental,
então começamos a falar em eco-desenvolvimento, depois
desenvolvimento ecologicamente sustentável. Ultimamente, o PNUD,
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, considerou
ainda que devemos acrescentar o adjetivo humano, não sei se em
oposição a animal ou desumano, mas eu sei que, hoje, para atender
às necessidades da diplomacia, devemos parar, respirar e depois
dizer:
desenvolvimento
econômico-social-político-culturalsustentável e humano. A minha proposta é acabar com os adjetivos
e redefinir o que pensamos e consideramos como desenvolvimento
(SACHS, 2000, p. 8).
61
Por
fim,
como
fora
dito
anteriormente,
todo
PDM
além
de
ser
operacionalizado mediante uma determinada metodologia de planejamento deve
conter uma visão de desenvolvimento. Visão esta encampada, explícita ou
tacitamente, por meio da utilização de um modelo teórico de desenvolvimento (ou
que se quer teórico) capaz de propiciar aos artífices do plano o estabelecimento de
princípios e diretrizes que nortearão tanto a organização do processo de
planejamento quanto o plano efetivamente elaborado.
Isto porque sem essa predefinição, sem esse objetivo mais amplo, o plano se
torna generalista e sem foco, não conseguindo estabelecer de forma consistente e
articulada nem ações para fins de desenvolvimento nem normas para a pretendida
regulação do território. Pois como diz Dallabrida (2000, p. 196) “[...] está se fazendo
ordenação territorial, quando se leva em conta o território na definição da estratégia
de desenvolvimento e quando se vinculam a ele as atividades que configuram a dita
estratégia”.
Diante dos três pontos expostos cabe, então, a cada governo municipal se
perguntar sobre que desenvolvimento se deseja alcançar? Da mesma forma, sabese que o desenvolvimento municipal, independentemente de qualquer outro adjetivo
incorporado ao termo desenvolvimento como sugere Sachs (2000), deve ser
colocado como macro objetivo de todo plano diretor. Então, o que precisa estar claro
é menos a divulgação publicitária da adoção num PDM de um determinado modelo
de desenvolvimento propriamente dito que as premissas e pressupostos
fundamentais que estão sendo considerados para que cada Governo construa o seu
“modelo” de desenvolvimento municipal. Como destaca Souza (1996):
Um conceito de desenvolvimento livre de ranço etnocêntrico precisa
acentuar a idéia de que cada povo, cada grupo social, deve possuir a
autonomia necessária para definir o conteúdo desse conceito de
acordo com as suas próprias necessidades e de conformidade com
as características culturais. [...] O fundamental é que toda e qualquer
coletividade humana tenha a oportunidade de evitar ou livrar-se do
subdesenvolvimento (SOUZA, 1996, p. 10).
Esse aspecto do que se deseja como desenvolvimento é muito importante
para a fase propositiva de um PDM visto que “o estilo de desenvolvimento determina
o modelo territorial” (GÓMES-OREA, 1993 apud DALLABRIDA, 2000, p. 196). O
PDM é capaz de oferecer oportunidades iguais para todos os cidadãos? Vai
privilegiar a zona urbana em detrimento da rural ou vai procurar diminuir as
62
desigualdades entre elas? Vai privilegiar o meio ambiente ou as empresas? Vai
desconsiderar municípios vizinhos e outras instituições locais e supra locais ou vai
promover articulações e parcerias? São questionamentos, entre muitos outros, que
tem haver com o modelo de desenvolvimento contido no PDM. Isto posto, coloca-se
esse passo como mais um fator de sucesso ou de fracasso na elaboração de um
PDM somando-se, assim, à problemática sobre a definição de território.
Vale ressaltar que, no mais das vezes, a confrontação da propaganda oficial
sobre o modelo de desenvolvimento empregado num determinado PDM não ganha
legitimidade acadêmica quando, posteriormente, se observa o conteúdo propositivo
desdobrado em programas, projetos e ações executados ou anunciados pelo próprio
Governo municipal. É o velho paradoxo entre o discurso do Estado e a sua ação.
Nesse sentido, o Quadro 4 traz diversas acepções do conceito de
desenvolvimento, inclusive algumas delas poderiam ser tomadas como uma espécie
de fundamentação teórica para a construção política de um modelo de
desenvolvimento municipal singular, ou seja, de acordo com as necessidades,
desejos e interesses da população de cada município.
Quadro 4 – Principais modelos de desenvolvimento
(continua)
Modelo
Idéia básica
Desenvolvimento
Territorial
É a mais ampla acepção do termo desenvolvimento do ponto de
vista espacial pois refere-se a escala geográfica de um processo de
desenvolvimento e não a sua substância. Trabalha com recortes
espaciais: mundo, continente, país, região, estado, província, etc1.
Desenvolvimento
Regional
Consiste num processo de mudança estrutural localizado (escala
regional) que se associa a um permanentemente processo de
progresso da própria região (sujeito coletivo), da comunidade
(territorialidade) ou da sociedade como um todo que nele habita
como também de cada indivíduo-membro em particular (realizações
pessoais/subjetividade)1.
Desenvolvimento Local
Pode ser conceituado como um processo endógeno de mudança,
que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de
vida da população em pequenas unidades territoriais e
agrupamentos humanos. Deve mobilizar e explorar as
potencialidades locais e contribuir para elevar as oportunidades
sociais e a viabilidade e competitividade da economia local; ao
mesmo tempo que deve assegurar a conservação dos recursos
naturais locais2.
63
(continuação)
Modelo
Idéia básica
Desenvolvimento
Humano
Decorre de uma revisão de posicionamento (inicio dos anos 1990)
por parte dos atores do desenvolvimento [grandes organismos
internacionais] diante da constatação de que o abismo
socioeconômico entre países não desenvolvidos e desenvolvidos se
expandiu demasiadamente. Deixa de focalizar o crescimento dos
fluxos de produção, ainda que importantes, para valorizar elementos
que expressam uma melhora tangível no modo de vida das
populações mais pobres: a renda per capita, a expectativa de vida e
o nível de educação. É operacionalizado por meio do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH)4.
Desenvolvimento
Sustentável
Está baseado no duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica
com a população atual e de solidariedade diacrônica com as
gerações futuras. Impele a sociedade a buscar soluções triplamente
vencedoras [economicamente, socialmente e ambientalmente],
eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de elevadas
externalidades negativas, tanto sociais quanto ambientais5.
Desenvolvimento
Endógeno
Representa uma reação ao pensamento e à prática dominante em
termos de desenvolvimento territorial, nas décadas de 1950 e 1960,
marcados pelo paradigma industrial fordista e pela difusão de
inovações e impulsos de mudança do centro para a periferia1. Hoje,
a endogenia caracteriza-se mais pela capacidade organizacional das
comunidades locais e regionais em definir prioridades e formas de
ação inovadoras que possam dinamizar as atividades econômicas,
sociais, políticas e culturais em busca de patamares mais elevados6.
Desenvolvimento
pautado na Cultura
A cultura passa a ser vista (a partir de 1995) pelos grandes
organismos internacionais como conjunto evolutivo de crenças e
modos de comportamento de todo grupo humano e como algo a ser
apreendido em sua diversidade na implementação de políticas
públicas. A referência à cultura serve como um antídoto de uma
visão de desenvolvimento demasiado puramente econômica e
quantitativa para torna-se um ponto de apoio ao desenvolvimento. O
conceito de desenvolvimento se reveste de formas múltiplas e
imprevisíveis em função de características únicas de cada
sociedade4.
Desenvolvimento
Solidário
É o desenvolvimento realizado por comunidades de pequenas firmas
associadas ou de cooperativas de trabalhadores, federadas em
complexos, guiado pelos valores da cooperação e ajuda mútua entre
pessoas ou firmas, mesmo quando competem entre si nos mesmos
mercados7.
Fontes: 1BOISIER(2000); 2BUARQUE(2002); 3ELIZALDE(2000); 4HERMET(2001); 5SACHS (2004); 6SILVA
7
(2003); SINGER(2004b)
O Quadro 4 traz modelos de desenvolvimento que, segundo Boisier (2000),
podem ser classificados por dois critérios: o da escala de ação (territorial, regional e
local) e o do conteúdo propriamente dito (sustentável, endógeno etc.). Dentro da
questão da escala de ação de iniciativas para e análises sobre o desenvolvimento
destaca-se a contribuição de Buarque (2002) quando este chama a atenção para os
diferentes
cortes
territoriais
nos
quais
iniciativas
que
seguem
a
linha
64
desenvolvimento local podem ser aplicadas definindo o desenvolvimento municipal
como “um caso particular de desenvolvimento local com uma amplitude espacial
delimitada pelo corte político-administrativo do município” (BUARQUE, 2002, p. 32).
No entanto, é importante deixar claro que os modelos de desenvolvimento
que se diferenciam pelos conteúdos que professam, especialmente os de
desenvolvimento sustentável e desenvolvimento endógeno, que pretendem se
colocar como uma alteridade em relação ao processo de desenvolvimento desigual
(SMITH, 1988) engendrado pelo modo de produção capitalista, são apenas uma
tentativa de tornar o processo de desenvolvimento desigual menos desigual
(SINGER, 2004b), mais justo social e espacialmente. O que, de certa forma, retoma
uma assertiva de Santos (2003, p. 30) quando ele diz que “[...] o que países de
Terceiro Mundo necessitam é de uma combinação adequada de tecnologias que
assegurem tanto o crescimento quanto o bem-estar, dentro de um outro sistema
econômico e social”. Caso isto não ocorra estar-se-á tratando, apenas, de uma
“pobreza planejada” de cima para baixo e em atendimento aos interesses do capital.
Caso se queira auscultar a natureza de um dos modelos de desenvolvimento
mais propalados na atualidade – por agências governamentais nacionais e
internacionais e pela mídia em geral – é interessante, então, observar a crítica feita
por Gonçalves (2003) acerca do desenvolvimento sustentável. Muito embora esta
acepção de desenvolvimento seja tema de livros e documentários, sirva para a
elaboração de manuais por órgãos públicos ou até mesmo seja objeto de pesquisas
diversas há de se tomar o cuidado com a pouca cientificidade deste modelo de
desenvolvimento já que foi idealizado por diplomatas, e não construído e apoiado no
método científico, com o intuito de compatibilizar temas como conservação da
natureza e consciência ambiental com a questão do crescimento das economias
nacionais e da produção de riquezas subjacentes ao funcionamento do próprio modo
de produção capitalista.
Pela similaridade de origem e da fraca argumentação teórica, crítica de igual
natureza poderia ser estendida, a priori, aos modelos de desenvolvimento humano e
de desenvolvimento pautado na cultura, ainda que as noções que eles carreguem
sejam, de fato, relevantes para a consolidação de uma nova abordagem sobre o
desenvolvimento dos lugares, neste caso de municipalidades brasileiras. Ainda
assim,
concorda-se
com
Sachs
(2000)
quando
este,
reafirmando
a tão
hodiernamente realçada pluridimensionalidade do conceito de desenvolvimento,
65
atribui três critérios – o social, o ecológico e o econômico – para avaliar ou
empreender um processo de desenvolvimento. Contudo, este autor não atribui aos
critérios ecológico e econômico a ênfase tão desejada pela ala ambientalista de
cientistas e políticos, no primeiro caso, e da ala desenvolvimentista no segundo
caso, em detrimento do critério social. Para Sachs (2000, p. 9) o desenvolvimento
quer
dizer
“um
crescimento
social
razoável,
ecologicamente
prudente
e
economicamente eficiente”. E ainda:
Podemos imaginar um crescimento ecologicamente sustentável, mas
que socialmente não seja aceitável. Esta é uma tendência que hoje
está aparecendo, ou seja, mais cuidados com a natureza, mais no
crescimento, que se caracteriza por redução de empregos com
custos sociais extremamente altos (SACHS, 2000, p. 8).
Mesmo antes de Sachs lançar, no seio do debate sobre o desenvolvimento
versus meio ambiente, a idéia de soluções triplamente vencedoras, Souza (1996) já
defendia uma linha de pensamento pela qual o conceito de desenvolvimento deveria
ter o aspecto social realçado em detrimento da visão economicista dominante. Para
este autor privilegiar o social como um dos conteúdos do desenvolvimento implica
em considerar, ao menos, três aspectos:
(i) aceitar que a erradicação da pobreza não depende apenas de altas taxas de
crescimento e do progresso técnico;
(ii) entender que em meio à desigualdade de renda existente em países como o
Brasil são necessárias políticas de redistributivas direcionadas a um público-alvo
específico para que o nível de renda se eleve;
(iii) entender que em países subdesenvolvidos a satisfação de necessidades básicas
da população representa o verdadeiro objetivo de uma política de desenvolvimento.
Em relação ao modelo de desenvolvimento endógeno pode-se dizer, com
base em Benko (1999), que foi elaborado no bojo da reestruturação espacial da
produção engendrada na transição do fordismo para a acumulação flexível. Citando
o exemplo da região conhecida como Terceira Itália e colocando-o como um sinal de
ruptura com o estruturalismo global presente na Teoria das Etapas de
Desenvolvimento de Rostow e na Teoria da Dependência (pensamento latinoamericano), Benko (1999, p. 57) delimita a problemática do desenvolvimento
endógeno, que ocorre marcadamente na escala regional, ao dizer que “[...] uma
66
série de trabalhos a princípio esparsos iria convergir, no final da década de 1980,
para uma nova ortodoxia: o sucesso e o crescimento das regiões industriais seriam
devidos essencialmente à sua dinâmica interna”.
Silva (2003) também concorda que a dinâmica interna de um lugar, que
denomina endogenia, é importante para a formatação de iniciativas que desejem
promover, autonomamente, o desenvolvimento local ou regional. E Dallabrida (2000)
caracteriza
como
endogenização
do
desenvolvimento
ao
processo
de
desenvolvimento que contempla as necessidades e aspirações originadas no interior
da coletividade regional.
Por sua vez, Braga (2001) traz a seguinte análise sobre o desenvolvimento
endógeno:
Esta abordagem tem como elemento central a elevação do local ao
espaço preferencial da inserção econômica em uma economia
globalizada, substituindo a concorrência entre as empresas e entre
nações pela concorrência entre localidades (aqui entendidas como
cidades ou como microregiões). Paralelo a isto o local é alçado a
espaço preferencial de cidadania, articulação social e solidariedade
(BRAGA, 2001, p. 26).
Ainda segundo Braga, citando os trabalhos de Storper (1990), Jará (1996) e
Baquero (1998), é o potencial de desenvolvimento dos territórios o principal
fundamento da teoria do desenvolvimento endógeno. E os recursos que fazem parte
deste potencial são: a estrutura produtiva local; a capacidade de inovar
tecnologicamente; a capacidade empresarial local; a existência de recursos
humanos qualificados, de recursos naturais e de infra-estrutura, além dos recursos
político-institucionais.
Criticando as limitações desta abordagem, que julga atribuir demasiada
autonomia à dimensão local, convergindo para os três debates enunciados por
Bourdin (2001), Braga (2001) lembra que os conflitos de interesse de classes ou de
grupos no interior das localidades, a escassez de recursos para financiar os
investimentos, os limites político-administrativos impostos pela hierarquia federativa,
e as relações desiguais entre as atividades econômicas de pequeno porte e as do
grande capital globalizado são elementos que devem fazer parte de uma efetiva
análise do potencial de desenvolvimento dos territórios.
Mas num PDM se a utilização do termo território deve ser observado do ponto
de
vista
da
ciência
geográfica,
também
o
termo
desenvolvimento,
67
independentemente do viés economicista, social ou ecológico que possa conter,
deve ser geograficizado. Não por acaso se faz necessário aproximar uma noção
geral de desenvolvimento, enquanto “[...] um processo de mudanças que permita
superar problemas e construir uma sociedade mais justa” (SILVA, 2003, p. 28) e um
processo de territorialização deste processo de desenvolvimento, especialmente na
escala do município. Nesse sentido a Figura 2 procura ilustrar esta afirmação.
Figura 2 – Capital sócio-territorial e desenvolvimento – o tripé “mágico”
Fonte: SILVA, 2006
Então, segundo a proposta de Silva (2006), a territorialização é um processo
que tem haver com a valorização das questões internas a um território – identidade,
cultura, meio-ambiente, infra-estrutura, economia, entre outras. O que também
poderia caracterizar uma endogenização do desenvolvimento no dizer de Dallabrida
(2000).
No entanto, se for tomada de Souza (1996) a noção de territorilização de um
espaço como o controle deste espaço por um determinado poder, pode-se dizer que
a territorilização do desenvolvimento municipal significa não somente a valorização
de suas demandas e prioridades, mas também a regulação do território municipal,
por parte dos agentes políticos e sociais locais – não se restringindo às entidades da
sociedade civil como bem diferencia Bresser-Pereira (1995).
68
Tal fenômeno passa pela definição, externamente autônoma e internamente
consensual, de projetos, ações e normas que visem melhorar o cotidiano dos
cidadãos, pois “o cotidiano é a realização das pessoas e, quem sabe, também das
instituições e das empresas nos lugares” (SANTOS, 1999, p. 23).
69
3 PLANEJAMENTO E GESTÃO URBANA: ANTECEDENTES E MODELOS
A questão colocada anteriormente que levanta a necessidade de cada
Governo municipal se perguntar sobre qual desenvolvimento se desejar alcançar,
enquanto macro objetivo a ser perseguido, precisa ser complementada. Se o PDM
pode ser definido como o instrumento básico da política urbana, então, para que um
processo de desenvolvimento seja iniciado se faz mister perguntar: como
operacionaliza-lo? Como pensá-lo? E, não menos importante, como gerenciá-lo?
Trata-se mesmo de uma opção teórico-metodológica. O modelo de
planejamento a ser empregado localmente na elaboração de um PDM tem que estar
articulado ao modelo de desenvolvimento que fora escolhido como objetivo a ser
perseguido e não o contrário. Não podem estar dissociados, pois desta maneira o
desenvolvimento ficaria caracterizado como ideologia (consumismo capitalista) e o
PDM como peça de discurso de que algo está sendo feito para resolver os
problemas do município, seja no seu espaço urbano ou rural. Pelo mesmo
raciocínio, não basta elaborar um PDM e esperar que o desenvolvimento aconteça.
Tem-se que gerenciar a sua execução averiguando os resultados obtidos e
corrigindo o que for necessário.
No que diz respeito ao planejamento urbano pode-se dizer que diversos
modelos foram formatados e praticados ao longo do século XX, recentemente
portanto. Estes modelos lograram uma diferenciação a depender do contexto
econômico, social e político vigente no lugar onde fora empregado (SOUZA, 2002).
Os principais fatores de diferenciação foram os paradigmas teóricos adotados, os
agentes envolvidos e a capacidade de ação de cada um deles, as metodologias de
trabalho, a tipologia propositiva e as escalas espaciais de planejamento.
Na
sociedade
urbano-industrial
derivada
da
Revolução
Industrial
o
pensamento econômico liberal era hegemônico. No entanto, foi-se percebendo (a
partir dos anos 1880 na Inglaterra e dos anos 1900 nos Estados Unidos) a
necessidade de que algum tipo de planificação deveria recair sobre os espaços
urbanos de então, as cidades. Algumas delas estavam se tornando verdadeiras
concentrações de problemas sócio-ambientais, visto a grande concentração de mãode-obra (mal paga) vinda do campo para tentar trabalhar no setor industrial
instalado, cujas crises cíclicas mantinha o desemprego sempre alto. Problemas
70
estes que colocavam a própria capacidade de reprodução do capital em xeque.
Neste sentido, são emblemáticas as revoltas populares por melhores condições de
habitação e de trabalho na Londres de 1886 (HALL, 1988).
Hall destaca o crescente interesse nos países já industrializados e, por
conseguinte, urbanizados, pela formação de um corpo de planejadores urbanos,
num primeiro momento, maior na academia que nos Governos então liberais. Na
Inglaterra, de forma pioneira, data de 1909 a criação de um Departamento de
Projetos Públicos na Universidade de Liverpool e data de 1914 a fundação do Town
Planning Institute (TPI) da University College London. Logo em seguida, em 1917, é
fundado nos Estados Unidos o American City Planning Institute (ACPI).
Cardoso; Ribeiro (1994), analisando a questão do planejamento urbano nas
principais sociedades capitalistas do início do século XX, apontam uma motivação
específica para a investida acadêmica neste campo, inclusive chamando os
planejadores de reformadores sociais. Isto endossa a visão de Harvey (1982) sobre
o papel do investimento capitalista na provisão de habitações como instrumento para
a manutenção de uma estabilidade social e proteção do instituto da propriedade
privada. Assim escrevem os autores:
Na década de 10, ocorre uma ‘virada’ no projeto reformador, com a
unificação dos movimentos em torno da reforma da cidade. Trata-se
de uma mudança que traduz um acordo entre as correntes
reformadoras de vários países quanto à necessidade de criação de
uma nova ordem social, reformando a vida cotidiana das camadas
populares, através da racionalização do ambiente urbano
(CARDOSO; RIBEIRO,1994, p. 78).
Nesta perspectiva, o planejamento urbano do início do século XX se
caracterizou mais pela intervenção do Estado – em vários dos principais centros
urbanos ocidentais – por meio de grandes reformas de viés sanitarista, de
embelezamento ou de ampliação e melhoramento do sistema viário, visando à
circulação de automóveis e de outros meios de transportes modernos. Não por
acaso, Villaça (1999) não considera tais ações como caracterizadoras de um
planejamento urbano propriamente dito.
De acordo com Hall (1988) a vertente regional do planejamento não tardou
em ser discutida e institucionalizada. O seu marco é a fundação da Regional
Planning Association of America (RPAA) entre 1922 e 1923. Entre os fundadores da
RPAA está Lewis Mumford, então inspirado pelas obras de Ebenezer Howard
71
(Garden-cities of tomorrow, de 1902) e de Patrick Geddes (Cities in evolution, 1915).
Aliás, a obra The Culture of Cities (de 1938) de Mumford “constitui um dos mais
importantes documentos desta história [do planejamento regional]” (HALL, 1988, p.
174).
Da mesma forma que os problemas intra-urbanos começaram a ser
levantados e discutidos por alguns teóricos, é conjeturado o pensamento regional
acerca do fenômeno do crescimento desordenado das cidades e do uso de novas
tecnologias industriais. Nesta seara Hall (1988) chama a atenção para pensadores
como Patrick Geddes que, segundo ele, tinha como novidade singular um
pensamento planificador que abarcava toda uma região-município. Geddes levanta a
necessidade de estudar uma cidade, tomada a partir de sua região natural – idéia
originalmente atribuída ao geógrafo francês Vidal de La Blache - o qual define como
sendo a delimitação de uma determinada região a partir de uma característica
natural mais acentuada – relevo, hidrografia, vegetação etc.
Ainda segundo Hall (1988), Mumford, em 1925, já apresentara uma distinção
entre o planejamento urbano e o regional. Ao primeiro caberia tentar tornar a vida
mais tolerável nas cidades superpovoadas mediante o uso de algumas técnicas,
enquanto ao segundo caberia desenvolver e utilizar todos os recursos naturais
existentes numa dada região, objetivando com isso que a população e os serviços
públicos pudessem ser distribuídos da maneira que uma melhor qualidade de vida
fosse conseguida. Contudo, não fica claro nesta distinção a cargo de quem ficariam
tais empresas: se do Estado ou da iniciativa privada.
Apesar do discurso construído, sobretudo com o auxílio da geografia, Hall
(1988) afirma que as experiências em planejamento regional nos Estados Unidos
não foram consistentes. Os melhores exemplos da aplicação deste arcabouço, já
num outro contexto econômico e político, vieram a ocorrer em solo britânico - vide o
Plano da Grande Londres, de 1944, elaborado por Patrick Abercrombie – estando
inclusive em consonância com os postulados preconizados pela RPAA.
Não obstante toda esta discussão, o planejamento do espaço urbano,
regional ou mesmo da economia ainda não havia se tornado instrumento de ação do
Estado, pelo menos no ocidente capitalista. Foi somente a partir da crise de 1929 e
da grande depressão desencadeada que, segundo Santos (2003), os desequilíbrios
econômicos entre nações ficaram patentes e instalou-se um clima geral de
insegurança entre os países, empresários e investidores capitalistas. Diante de tal
72
quadro “[...] a intervenção do Estado passou a ser aceita e a noção de planejamento
começou a se firmar” e o “[...] subdesenvolvimento foi, então, discutido, condenado,
definido em um milhar de modos diferentes.” (SANTOS, 2003, p. 14 e 15).
A esta época tal intervenção do Estado, segundo Jessop (1997), se
caracterizou por diversas ações coordenadas nacionalmente cuja intenção era agir
não somente na economia em sentido estrito, mas também nas condições gerais de
produção favorecendo, assim, a reprodução ampliada do capital: formulação de
política monetária e formulação de políticas para o pleno emprego (criação de infraestrutura, promoção do consumo coletivo, mediação nas negociações salariais) – é
o chamado Estado do Bem-Estar social ou keynesiano, de perfil bem mais regulador
que liberal. E é claro que no novo escopo de ações deste tipo de Estado estava
incluída a organização do ambiente construído urbano mediante o planejamento.
Para Villaça (1999) marco disto é o Town and Country Planning Act editado
pelo governo britânico em 1947 para viabilizar o Plano da Grande Londres de 1944.
É desta forma que a atual definição de planejamento urbano é entendida como
“ação do Estado na organização do espaço intra-urbano” ou como “sendo o Estado
fazendo pleno uso de seus poderes de controle e disciplinamento da expansão
urbana e do uso da terra” (SOUZA, 2002, p. 124).
A partir deste momento e ao longo dos anos 1950, rapidamente portanto, esta
nova concepção de planejamento se difunde pela Europa no pós II Guerra Mundial.
Contudo, se tornam mister técnicas e instrumentos para se planejar o espaço
urbano. Mas não de qualquer forma, e sim alinhado ao regime de acumulação
capitalista ora vigente – o fordismo. Então, ganha importância a disciplina
urbanismo, sendo a obra de Le Corbusier O urbanismo, de 1925, e a Carta de
Atenas, de 1933, os grandes tributários do arcabouço teórico do movimento
modernista e, na seqüência, do planejamento urbano, como destaca Souza (2002):
O modernismo foi o resultado de uma tentativa de melhor adaptar as
cidades à era industrial e, por tabela, às necessidades do
capitalismo. Mais do que isso: ele buscava mimetizar plenamente a
racionalidade da produção industrial, transpondo para a produção do
espaço categorias próprias ao universo da produção industrial
(SOUZA, 2002, p. 127).
Este é o modelo de planejamento que fora institucionalizado e tornado um tipo
de ação do Estado sobre o território constituindo-se, assim, no que pode ser
chamado de modelo tradicional de planejamento urbano. Por ele os planos diretores
73
de desenvolvimento, ainda que possuindo formatos heterogêneos entre si, figuram
como o principal instrumento de referência para a intervenção estatal no espaço
urbano na medida em que está “voltado para a orientação racional do
desenvolvimento físico da área urbana do município, visando organizar o seu
crescimento, estimular e ordenar as principais atividades urbanas” (IBGE, 2006). Ou,
nos dizeres de Costa (2006, p. 279), “[...] o plano diretor é dirigido para equacionar e
estabelecer objetivos a serem executados, fixando regras gerais e diretrizes a serem
satisfeitas”.
Mesmo assim, a elaboração de um plano diretor não deve capturar a prática
de planejamento urbano como um todo. O plano, quer tenha natureza indicativa
(uma peça técnica) quer tenha natureza normativa (um lei), é um dos produtos do
planejamento assim como outras leis instrumentais que compõem o que Costa
(2006) chama de ordenação urbana (Quadro 5).
Quadro 5 – Dispositivos jurídico-urbanísticos que compõem a ordenação urbana
Dispositivo
Jurídico-urbanístico
Definição
Lei de Perímetro
Urbano
É de exclusiva competência municipal. Cabe a esta lei os requisitos que
darão à área condições de urbana ou urbanizável, além de delimitar
perímetro urbano, área de expansão urbana e os núcleos de urbanização.
Portanto serve tanto a fins urbanísticos quanto tributários (cobrança do
IPTU).
Lei de Zoneamento
(Urbanístico)
Instrumento que define os possíveis usos do solo em zonas determinadas do
1
município . São leis usadas para que as cidades se tornem mais eficientes,
pondo cada edificação, cada atividade e cada grupo econômico e social em
seu devido lugar, estabelecendo as zonas comerciais, residências,
industriais, de lazer etc.
Lei de
Parcelamento
Instrumento que tem como objetivo criar normas para loteamentos urbanos
1
no município . Lei que trata dos arranjos gerais do espaço e das
composições dos terrenos privados entre si e relacionados às áreas e
logradouros públicos. Consistem na divisão voluntária do solo em lotes, que
são unidades edificáveis, com abertura de vias e logradouros públicos.
Código de Obras
Contém normas que limitam as construções em diversos aspectos. Conjunto
de normas para as construções prediais na área urbana. Dispõe sobre as
formas de ocupação dos lotes, coeficientes de aproveitamento do terreno,
altura das edificações, condições de iluminação e ventilação, entre outras
questões1.
Código de
Posturas
Estabelece as normas de convívio e formas de utilização de espaços
públicos e privados na cidade, por exemplo: como devem ser utilizadas as
calçadas, como controlar os ruídos, como devem funcionar o comércio e a
indústria.
Fonte: COSTA, 2006; 1IBGE, 2006
74
Vale lembrar que Fonseca; Vieira (2008) colocam estas mesmas normas
como recursos institucionais do território que podem ser utilizados para ações
estratégicas de um ou mais agentes.
Já as Figuras 3 e 4 procuram ilustrar como algumas das leis instrumentais da
ordenação urbana se espacializam no território criando, assim, formas geográficas.
Da obra de Villaça (1999) foi construído o Quadro 6 que contém uma
periodização, grosso modo, da prática do planejamento urbano no Brasil.
Quadro 6 - Periodização do planejamento urbano no Brasil
Fases
Características
1875 – 1930
Planos de melhoramentos e embelezamentos de cidades: Rio de Janeiro, São
Paulo, Recife e Porto Alegre. No entanto, não constitui um planejamento
urbano propriamente dito.
1930 – 1990
Planejamento como ideologia respaldada na técnica de base cientifica.
Colocado pela classe dominante como solução para os problemas crescentes
das cidades. O Plano Agache para o Rio de Janeiro em 1930 e Prestes Maia
para São Paulo ainda em 1930 são os primeiros.
Sub-fases:
1930 – 1965
Planos com destaque para equipar a cidade – lógica industrial (saneamento e
transporte). O centro da cidade é o grande alvo. Ex.: EPUCS de Salvador;
Plano de Urbanização de Porto Alegre;
1965 – 1971
Superplanos tecnocratas de enfoque sistêmico. Elaboração de Planos
Integrados inclusive para a escala regional. Ex.: Doxiadis no Rio; PUB de São
Paulo; Plano da Região Metropolitana de Porto Alegre;
1971 – 1990
Planos sem mapas. Plano de Princípios e Diretrizes. Ex.: PDDI de São Paulo;
PUB do Rio.
(1989/90 – em
diante).
Inicio da politização dos planos; Plano Diretor como Projeto de Lei; rejeição dos
planos tradicionais; abrangência municipal. Discussão dos planos com a
sociedade civil organizada por setores.
Fonte: a partir de VILLAÇA , 1999
Já nos anos 1970 a transição do fordismo para o pós-fordismo ou regime de
acumulação flexível (BENKO, 1999), conforme já mencionado, fez com que este
modelo tradicional de planejamento urbano perdesse força tendo em vista as
mudanças intrinsecamente provocadas no processo de (re)produção do espaço que,
por sua vez, tratou de impor novos desafios a regulação do território pelo Estado.
75
Figura 3 – Exemplo de macrozoneamento com delimitação de zonas urbanas e rurais em um PDM
Fonte: CAMAÇARI, 2007
76
Figura 4 – Exemplo de zoneamento urbano contido em um PDM
Fonte: CAMAÇARI, 2007
77
Num cenário de globalização da economia muitas experiências de
planejamento urbano passaram a adotar o princípio de que se deveria intervir na
dimensão econômica da cidade visto que elas estão “submetidas às mesmas
condições e desafios que as empresas” (VAINER, 2002a, p. 76). É a lógica da
cidade-empresa.
Assim, ver a cidade como empresa significa, essencialmente,
concebê-la e instaurá-la como agente econômico que atua no
contexto de um mercado e que encontra neste mercado a regra e o
modelo do planejamento e execução de suas ações. Agir
estrategicamente, agir empresarialmente significa, antes de mais
nada, ter como horizonte o mercado, tomar decisões a partir de
informações e expectativas geradas no e pelo mercado. É o próprio
sentido do plano, e não mais apenas seus princípios abstratos, que
vem do mundo da empresa privada (VAINER, 2002a, p. 86).
Neste sentido, Vainer (2002a) coloca a competitividade urbana, ou seja, a
competição entre cidades-empresa como o nexo central de uma nova questão
urbana. Por este prisma o Estado diminui a importância e a práxis do planejamento
físico-territorial tradicional, baseado nos instrumentos da ordenação urbana, para
privilegiar a formatação de algum projeto de especialização urbana – cidades
comerciais ou de serviços, cidades turísticas, centros urbanos financeiros e
decisórios, cidades com distritos industriais, centros urbanos de lazer e
entretenimento etc. – complementada pela existência de outras atividades de menor
porte inerentes à economia urbana. A reboque deste projeto ocorreria a estruturação
territorial da cidade e do seu entorno, portanto não ao acaso.
É no bojo desta nova forma do Estado “regular” o território que pode-se falar
em modelo estratégico ou empresarial de planejamento urbano, em função da sua
perspectiva mercadófila (SOUZA, 2002). Nele o planejamento estratégico, enquanto
ferramenta de gestão sistematizada na Harvard Business School, é alavancado ao
posto de melhor instrumento para planejar a intervenção do Estado nas cidades por
organismos internacionais de financiamento, por empresas internacionais de
consultoria e por Governos adeptos do neoliberalismo econômico (VAINER, 2002a).
Por este novo modelo pretende-se substituir o plano diretor pelo plano
estratégico que Borja (1996, p. 98) define, muito singelamente, como “um projeto de
cidade que unifique diagnósticos, concretize atuações públicas e privadas e
estabeleça um quadro coerente de mobilização e de cooperação dos atores sociais
78
urbanos”. Já mais diretamente, Harvey (1996) chega mesmo a sugerir, ainda em
1989, a utilização do termo empresariamento urbano ao invés de gerenciamento
para caracterizar este tipo de intencionalidade do Estado, transformada em ação,
para a organização espacial das cidades.
Cito este caso [o de um colóquio realizado em Orleans em 1985] pois
é sintomático de uma reorientação das atitude em relação à
administração urbana ocorrida nas duas últimas décadas nos países
capitalistas avançados. Mais diretamente, a abordagem do
gerenciamento, tão típica dos anos sessenta, deu prontamente lugar
as formas de ação de empresariamento nos anos setenta e oitenta.
Particularmente nos últimos anos, parece ter surgido um consenso
geral em todo mundo capitalista avançado de que benefícios
positivos têm que ser obtidos por cidades que assumem um
comportamento empresarial em relação ao desenvolvimento
econômico (HARVEY, 1996, P. 49).
A partir de suas pesquisas, Harvey (1996) enumera quatros “alternativas” que
os Governos locais colocaram em prática sob o contexto da competitividade urbana
ou da lógica da cidade-empresa.
- Alternativa 1: A competição no quadro da divisão internacional do trabalho significa
a exploração de vantagens específicas para a produção de bens e serviços. Podem
ser elas os recursos naturais, a localização, vantagens criadas a partir da provisão
em infra-estrutura física ou social e a concessão de subsídios fiscais.
- Alternativa 2: Participar da divisão espacial do consumo por meio dos
investimentos em qualidade de vida e na elevação da qualidade do meio urbano, na
valorização do espaço, na inovação cultural, em equipamentos de consumo coletivo
e de entretenimento - estádios, centros de convenção, shoppings centers, marinas,
praças de alimentação, casas de espetáculos, shows e festivais - com o objetivo de
atrair consumidores endinheirados.
- Alternativa 3: Disputar para assumir o controle e funções de comando de altas
operações financeiras, de governo ou de centralização e processamento. O que
implica em pesados investimentos em transportes, comunicações, criação de
espaços adequados para o funcionamento de escritórios, e formação de recursos
humanos qualificados para os serviços de apóio.
- Alternativa 4: Competir pela redistribuição dos excedentes dos governos centrais
(países financiadores de políticas públicas de outros países) e do próprio governo
79
nacional para que estes excedentes possam financiar, ou mesmo patrocinar,
políticas sociais.
Com o objetivo de resumir e correlacionar as características mais marcantes
de cada um dos dois modelos de planejamento urbano enunciados foi elaborado o
Quadro 7.
Quadro 7 – Caracterização de dois modelos de planejamento urbano
1e2
3
Modelo Tradicional
Modelo Empresarial
Possui um caráter normativo e regulatório;
Elaboração de planos de
espacial para uma cidade ideal;
ordenamento
É prerrogativa do Estado a sua formulação
(mesmo
via
consultorias)
e
sua
implementação;
Preocupação com o traçado urbanístico,
densidades de ocupação e uso do solo;
Tem o urbanismo modernista, preconizado por
Le Corbusier e pela Carta de Atenas de 1933,
como seu arcabouço teórico;
O poder público assume uma função mais
indicativa que normativa e uma postura mais de
negociação com o mercado que de subordiná-lo
à letra da lei;
Preconiza o abandono das visões de
planejamento como instrumento de reforma
social e de supremacia do saber técnico-científico
da arquitetura e do urbanismo sobre outras
disciplinas subjacentes à análise socioeconômica
e espacial das cidades;
A intervenção pública em seu território deve
inspirar-se nas novas abordagens teóricas
desenvolvidas para o mundo empresarial,
sobretudo nas ciências da gestão, da informação
e da decisão em sistemas complexos;
Abrange todo o espaço urbano e apenas esse
espaço e seus vários elementos constitutivos
no tocante aos objetivos (a organização e
equipamento deste espaço), mas não
necessariamente ao diagnóstico feito para
fundamentar a intervenção;
Adoção de um método participativo, interativo e
incremental para a construção de consenso
sobre as ações públicas tendo em vista o
desenvolvimento;
Continuidade de execução e necessidade de
revisões e atualizações;
Privilégio dos projetos em detrimento dos planos,
pois aqueles operam no curto prazo, são mais
fáceis de serem financiados e mais ágeis na fase
de execução;
Interferência da ação sobre a maioria ou
grandes contingentes da população;
Papel e importância das decisões políticas,
especialmente dos organismos políticos
formais,
com
maior
participação
dos
organismos municipais e menor dos federais e
estaduais.
1
2
3
Utilização de instrumentos mais flexíveis para o
planejamento e gestão do espaço urbano tipo o
Planejamento Estratégico; a construção de
parcerias público-privada com o objetivo de
resolver a questão da provisão de infra-estrutura
e/ou serviços urbanos; o marketing urbano; e o
urbanismo de projetos que preconiza a ênfase
em projetos pontuais e a flexibilidade do controle
do uso e da ocupação do solo pelo poder público.
Fontes: SOUZA (2004); VILLAÇA (1999); COMPANS (2005)
80
É verdade que a ocorrência, a partir dos anos 1980 e mais frequentemente
nos anos 1990, de muitas experiências internacionais baseadas no planejamento
estratégico de cidades - São Francisco, Nova Iorque, Baltimore, Barcelona, Madri,
Lisboa, Roma, Bolonha, Montpellier, Birmingham, Liverpool, Amsterdã, Glasgow, Rio
de Janeiro (BORJA, 1996; HARVEY, 1996) demonstraram a força deste modelo.
Ainda assim, críticas de intelectuais como Vainer (2002b) ao Plano
Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ), homologado em 1995, chamaram
a atenção para a verdadeira natureza destes planos estratégicos, ao menos no caso
da inexperiência brasileira.
O que significa o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro? O
que se pode esperar de um processo de planejamento deflagrado e
liderado por empresários e dirigentes governamentais – em primeiro
lugar, o prefeito – cuja renitente vocação liberal parece, em tudo e
por tudo, avessa à ação planejadora na cidade? Qual o significado,
sentido e eficácia do que poderíamos, à espera de uma melhor
qualificação, designar de padrão liberal de planejamento urbano(?)
em que o discurso da participação parece, finalmente, realizar o ideal
de um espaço público aberto a todos os componentes da cidade?
(VAINER, 2002b, p. 107).
Se forem somados os pífios resultados obtidos pelas prefeituras que
encaparam tais planos à críticas como esta, pode-se começar a entender o
abortamento ou escamoteamento da utilização do modelo estratégico ou empresarial
de planejamento urbano pelo Estado e por empresas de consultoria. Atualmente o
que se observa, com louvor, é o aperfeiçoamento e a sistematização, na
administração pública e mais ainda na produção acadêmica, de um conjunto de
instrumentos e práticas voltadas à administração da cidade que vem sendo rotulada
como gestão urbana, mas que toma como ponto de partida a área total municipal, ou
seja, inclui a zona rural. Na realidade, tal qual o planejamento urbano, hoje se fala
em modelos de gestão urbana.
Por isso mesmo se faz interessante discutir, ainda que brevemente, sobre o
que se entende por gestão urbana e, principalmente, sobre a sua diferenciação em
relação ao planejamento urbano. Neste sentido, recupera-se a discussão colocada,
entre outros, por Machado (1995), Reed (1997) e Souza (2004).
Souza (2004) salienta que não se pode confundir gestão urbana com
planejamento urbano nem se pode pensar que a gestão possa substituir o
planejamento como suporte à administração de uma cidade ou de um município. Em
81
realidade, esclarece Souza (2001), tal confusão faz parte do debate ideológico
envolvendo os dois modelos de planejamento urbano elencados visto que os
defensores do modelo estratégico/empresarial enxergam na gestão urbana um
caminho alternativo para substituir o modelo tradicional de planejamento.
Para Souza (2004, p. 16) “[...] a gestão é uma atividade que remete ao
presente, ao aqui e agora. Ela é a administração de determinadas situações dentro
de uma conjuntura, com os recursos disponíveis no presente, tendo em vista as
necessidades imediatas”. Mais adiante coloca que “[...] a gestão refere-se às
atividades de implementação de rotinas e condução de atividades diversas que tem
por horizonte temporal o momento imediato e o curto prazo [...]” (SOUZA, 2004, p.
16).
Machado (1995) também defende a idéia de que, atualmente, se faz
necessário distinguir gestão de planejamento. O pano de fundo para a sua crítica é a
modificação na estrutura social e nas formas de reprodução do espaço e na
regulação do território condicionadas pelas transformações científico-tecnológicas
ocorridas desde os anos 1970. Nesta perspectiva, a autora afirma que
“planejamento e gestão são formas diferenciadas de intervenção [...]” (MACHADO,
1995, p.23).
Mesmo considerando que o desejo de controle sobre o território é ponto
comum às duas práticas, Machado (1995) utiliza, basicamente, dois argumentos
para diferenciá-las enquanto estratégias de poder. Primeiramente destaca que o
planejamento é uma atividade que por suas próprias características se reveste de
caráter eminentemente técnico, enquanto a gestão assume um caráter político ao
mediar a interação – conflito de interesses – entre Governo e sociedade civil na
administração das demandas econômicas e sociais que emanam do território. E,
neste sentido, a gestão do território funcionaria por meio de acordos e consensos e
“[...] estaria dirigida mais ao conteúdo social do território do que sua estrutura física.”
(MACHADO, 1995, p. 25).
Em seguida, a autora concebe a gestão como processo na medida em que a
considera como um conjunto de ações capaz dar sustentabilidade a intervenção no
território mesmo que as condições iniciais não se mantenham as mesmas no
decorrer do tempo. Capacidade esta negada ao planejamento haja vista que sua
elaboração se dá sob uma determinada conjuntura econômica, social, política e,
porque não dizer, territorial. Este segundo raciocínio de Machado (2005)
82
complementa a definição de gestão de Souza (2004) pois confere continuidade às
tarefas de gestão, ou seja, ela não opera somente no curto prazo como pensa este
autor. Mais que isso, para Machado (1995, p. 24) “a gestão está aberta à inovação,
à criatividade e à instabilidade [...]” provenientes de situações adversas e/ou
inesperadas.
Mas se planejamento e gestão estão longe de serem sinônimos, podendo ser
o planejamento, no caso o do espaço, ser definido como uma prática de perfil mais
técnico e racional cujos objetivos e metas a serem atingidos a médio ou longo prazo
são estabelecidos por agentes sociais não neutros e sob uma determinada
conjuntura, como, mais precisamente, se daria a gestão do território por um Governo
municipal nos moldes defendidos por Machado (1995)?
Acredita-se que Reed (1997) ajuda a responder tal questionamento ao
analisar o desenvolvimento histórico da gestão moderna no seio das consecutivas
alterações nas relações sociais e nas relações de poder entre diferentes agentes e
grupos sociais engendradas a cada mudança de regime de acumulação do capital.
O autor chama atenção para o rompimento, no final dos anos de 1970, da
concepção de gestão fundada no clássico paradigma científico-racional de
organização de tarefas cujo melhor exemplo é o taylorismo.
Segundo Reed (1997), a gestão, desde então, pode ser considerada a partir
de três visões que, no exercício cotidiano das tarefas de gestão se apresentam
concomitantemente. Em primeiro lugar a gestão não pode ser tomada como um
modelo rígido de trabalho pelo qual decisões são lenta e racionalmente tomadas.
Muito pelo contrário. A gestão e o gestor devem ser flexíveis e rápidos o suficiente
para operar em situações adversas, ou mesmo conflitantes, em relação aos
objetivos e metas anteriormente planejados.
Em segundo lugar, continua o autor, a gestão e os gestores além de serem
capazes de negociar os conflitos de interesses que sempre aparecem no interior de
uma organização quando diferentes agentes sociais estabelecem algum tipo de
relação, também tem que serem capazes de construírem alianças e redes
organizacionais envolvendo indivíduos e grupos de interesse dentro e fora da
organização.
Por fim, a gestão e os gestores devem possuir a habilidade de saber
empregar recursos de natureza simbólica e informacional – conversas e encontros
aparentemente informais, a imagem pessoal e da organização, a retórica do
83
discurso, entre outros recursos – como meios de gerar e manter laços inter-pessoais
acordos e compromissos políticos essenciais “[...] para a compreensão da
legitimidade moral e política interna às organizações do trabalho.” (REED, 1997, p.
78). Isto significa dizer que sem a construção dessa legitimidade para justificar as
relações de poder das quais os gestores se valem para tomar decisões, coordenar
tarefas e delegar responsabilidades a outrem a sua autoridade ficaria em xeque.
Com base na discussão de Reed (1997) sobre gestão e na discussão sobre o
poder do Estado para a regulação do território, discorda-se de Machado (1995)
quando a autora afirma que na gestão do território o gestor teria menos autoridade
para determinar soluções do que o planejador por ser o gestor o “[...] interlocutor e
elemento integrador das discussões [...]” (MACHADO, 1995, p. 25) sobre interesses
territoriais que se apresentam sempre conflitantes e cambiantes. Se considerarmos
que um prefeito e seus secretários são a elite dos gestores municipais, então qual
planejador urbano teria mais autoridade que estes tipos de gestores para negociar,
tomar ou implementar soluções para os problemas municipais?
Diante do exposto, depreende-se a elaboração de um PDM envolve ambas as
práticas – planejamento e gestão – e que estas devem ser operacionalizadas de
forma integrada por um Governo municipal, o que muitas vezes dificulta o
reconhecimento claro do que é planejamento e do que é gestão. Neste sentido,
pode-se reconhecer o planejamento na medida em que uma equipe multidisciplinar
de perfil técnico é contratada e/ou um conjunto de instituições ligadas ao território é
convidada por um Governo para pensar sobre os problemas, as potencialidades e as
demandas que a ele dizem respeito para, assim, projetos possam ser formatados e
sugeridos ao Governo, no caso municipal, via PDM.
Nesta mesma empreitada pode-se reconhecer a gestão na medida em que os
projetos formulados para serem incluídos ou não no PDM e daí, efetivamente,
implementados ou não por um Governo municipal precisa passar antes pelo crivo
dos gestores municipais (decisão política) para que, somente assim, o processo de
intervenção continue. No segundo momento os projetos são repassados às mãos
de outros tipos de gestores – que podem ser técnicos contratados ou mesmo os
municipais – responsáveis pela divulgação, discussão e registro dos ajustes finais
necessários em cada projeto em consenso com a sociedade civil (ação política).
Como o processo deve ser dinâmico e o ciclo deve ser fechado, os projetos devem
84
ser reavaliados pelos planejadores e pelos gestores municipais até que possa ser
considerado finalizado e incorporado ao PDM.
Para tentar responder como se daria a gestão do território por um Governo
municipal nos moldes aventados por Machado (1995) é preciso, rediscutir o que se
entende por gestão urbana. Primeiramente tomando-se o urbano no sentido estreito
– o de urbe – pode-se dizer que a gestão urbana abarca, e muito disto vem desde a
antiguidade clássica, a administração dos serviços ligados diretamente à
conservação e limpeza da cidade. Entre outras tarefas cuidava-se das vias e
espaços públicos (praças, jardins, mercados e feiras, entre outros equipamentos
coletivos), da segurança pública, da manutenção de passeios públicos e calçadas,
da circulação de veículos (de tração animal e depois motorizados), da coleta de
tributos e taxas, bem como da autorização e fiscalização de obras e
empreendimentos comerciais e financeiros.
Em seu segundo momento, doravante o advento do modo de produção
capitalista e a mudança paradigmática, marcadamente a partir do século XIX, no
processo de reprodução do espaço e no modo de vida das pessoas (CARLOS,
1994), a gestão urbana passa a incorporar também o gerenciamento de outros
serviços urbanos, que mais complexos e mais sofisticados, tinham a função de
garantir nas cidades a condição básica dos seres humanos de viverem organizados
em grupos, visto a complexidade que assumira a organização da sociedade no
capitalismo.
Está se tratando concretamente dos serviços urbanos infra-estruturais no
mais das vezes organizados na forma de redes ou de sistemas técnicos:
abastecimento de água, fornecimento de energia, telecomunicações, coleta e
tratamento dos esgotos urbanos, coleta e disposição de resíduos sólidos, transporte
público.
Em geral, essas duas práticas de gestão urbana elencadas, doravante
chamada de gestão urbana tradicional, são as mais difundidas tanto no senso
comum dos citadinos quanto na administração pública. Em síntese, esta visão de
gestão urbana é aquela que trata, apenas na cidade, da administração dos sistemas
técnicos urbanos. Todavia, esta não corresponde à visão de gestão urbana
contemporânea.
Como foi dito, Vainer (2002a) posicionou a prática da competitividade urbana,
no contexto da lógica da cidade-empresa, como o nexo central da questão urbana
85
atual. Mas seria reducionismo tratar tal questão somente por esse viés. Pelo menos
outros dois fenômenos podem, nesses termos, serem acrescentados.
Um deles é aquele que estende para além da cidade, enquanto espaço
urbano por excelência, os efeitos espaciais e condicionantes políticos, econômicos e
sociais relacionados ao modo de produção capitalista. É desta forma que a zona
rural de cada município vem, paulatinamente, compondo o processo de “urbanização
extensiva” que Monte-Mór (2005) entende como
[...] o processo de extensão das condições gerais de produção
urbano-industrial para além das cidades, atingindo espaços próximos
e longínquos, onde as relações socioespaciais urbano-industriais se
impõem como dominantes, independentemente de densidades
urbanísticas variadas (MONTE-MÓR, 2005, p. 435).
O outro fenômeno é o que Costa; Costa (2005) observam a partir de uma
redefinição da questão urbana. Assim escrevem os autores:
“A chamada ‘questão urbana’ foi então redefinida e desaparece
enquanto indicadora das desigualdades que se expressam no
urbano, precisamente quando todos os espaços parecem sucumbir
(ou pelo menos se transformar) face à inexorabilidade do processo
de urbanização” (COSTA; COSTA, 2005, p. 366).
Segundo este pensamento temas clássicos da análise urbana, como aqueles
ligados à gestão da cidade e às questões não resolvidas da urbanização terceiro
mundista – como o controle do uso do solo, a qualidade do transporte público, a
questão habitacional e a provisão de saneamento básico – parecem estar sendo
considerados como elementos dados, frente ao avanço de novas abordagens sobre
o urbano.
São fenômenos que combinados e observados localmente, visto que a cidade
é a sua base espacial, mas que estão enredados na dinâmica global da sociedade
capitalista contemporânea vêm impondo à gestão urbana (mas que se dá apenas na
cidade) novos desafios, por conseguinte, novas práticas que, por sua vez,
demandam a adoção de novos instrumentos para que se operacionalize a gestão do
território por um Governo municipal.
Sem deixar de lado as atividades atinentes à gestão da urbe, podem ser
identificadas, atualmente, as vertentes da gestão ambiental urbana, a gestão urbana
participativa, a gestão urbana do desenvolvimento ou, ainda, a gestão urbana
86
estratégica. Novas abordagens que, em relação à gestão do território, respondem a
agudização de questões como a problemática ambiental, o descrédito do modelo de
democracia representativa, o atendimento às crescentes demandas sociais e a
constante competição empresarial por lucros.
Diante do exposto, concorda-se com Pechman (1988) quando este diz que a
gestão da cidade já não se confunde mais com a gestão urbana, posto que o próprio
urbano já não diz respeito somente à cidade. Ou, nas palavras de Carlos (1994):
A idéia do urbano transcende aquela de mera concentração do
processo produtivo stricto sensu; ele é um produto do processo de
produção num determinado momento histórico, não so no que se
refere à determinação econômica do processo (produção,
distribuição, circulação e troca) mas também às determinações
sociais, políticas, ideológicas, jurídicas, que se articulam na
totalidade da formação econômica e social. Desta forma, o urbano é
mais do que um modo de produzir, é também um modo de consumir,
pensar, sentir, enfim, é um modo de vida (CARLOS, 1994, p. 26,
grifo nosso).
Não obstante esta constatação, ainda persiste a falta de um amplo
entendimento no campo da administração pública sobre o esforço que um Governo
municipal, especialmente, deve empreender de forma que a gestão urbana ainda
focada em aspectos físico-territoriais amplie suas ações em direção a outros
conteúdos do território que mesmo considerando a cidade-sede, os distritos, as vilas
e os povoados não se esgotam nos limites político-administrativo dos municípios.
Dois exemplos que podem contribuir para a operacionalização da gestão do
território nos moldes defendidos por Machado (1995) podem ser verificados no
Governo federal. O primeiro deles é uma pesquisa retomada a partir de 1999 pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) denominada Pesquisa de
Informações Básicas Municipais (MUNIC) cujos objetos de interesse são dados e
informações multi setoriais a respeito da existência e/ou qualidade da estrutura
institucional que deve servir de base para a organização das ações dos Governos
municipais (IBGE, 2006).
De forma similar, o outro exemplo pode ser constatado através da consulta ao
Sistema Nacional de Indicadores Urbanos (SNIU) que se trata de um sistema de
informações
desenvolvido
no
âmbito
da
antiga
Secretaria
Especial
do
Desenvolvimento Urbano (SEDU), absorvida pelo Ministério das Cidades a partir de
2003 (SNIU, 2002). Em ambos os casos compõem o tema gestão urbana bases de
87
dados relacionados à infra-estrutura urbana, às políticas públicas e programas
municipais, aos serviços prestados à população, aos instrumentos de gestão e, entre
mais temas, os indicadores relacionados às finanças municipais e ao quadro
administrativo municipal.
Em síntese, o que se quer sugerir a partir da discussão sobre planejamento e
gestão, e seus respectivos modelos, é a idéia de que a elaboração de um PDM
como projeto de desenvolvimento municipal e instrumento de regulação do território
apenas finaliza o processo de planejamento e gestão inaugurado com esta
finalidade. Assim, as tarefas de planejamento e gestão do território pelo Governo
municipal não se esgotam na elaboração do PDM, pelo contrário, o conhecimento
gerado e a experiência adquirida por todos os agentes sociais que tenham atuado
como planejadores ou gestores no decorrer desse processo deveriam ser
direcionados pelos Governos municipais para a organização de uma nova estrutura
institucional capaz de operacionalizar a gestão do território em todas as suas
dimensões.
Mas, se é verdade que os Governos municipais precisam melhor estruturar as
práticas de planejamento e gestão do território para desempenharem com mais
eficácia a regulação e induzir o desenvolvimento, também é verdade que há de se
ter cuidado de como iniciar tal empresa. Não existem modelos de planejamento e de
gestão prontos e acabados para serem replicados indiscriminadamente. Ainda mais
quando se tem em mente as mudanças econômicas, sociais, políticas e espaciais,
engendradas pelos diferentes regimes de acumulação do capital, se refletem nas
formas e estratégia de ação das instituições. E no que diz respeito à forma atual de
se fazer o ordenamento territorial tendo em vista o desenvolvimento municipal, o
Estatuto da Cidade representa umas das maiores inovações institucionais do Estado
brasileiro.
88
4 O ESTATUTO DA CIDADE COMO ATUAL PARADIGMA PARA A GESTÃO
PLANEJADA DO TERRITÓRIO
Com base em Bobbio (2007), Jessop (1997) e Bresser-Pereira (1995) entre
outros, acredita-se que o Estado possui, mesmo no período atual, ação hegemônica
e indispensável para a regulação do território perante outras instituições, inclusive as
econômicas. Entretanto, para além dos agentes sociais, dos objetos e sistemas
técnicos instalados no espaço e das normas jurídicas produzidas há de se
considerar, também, na questão da elaboração dos PDM por um Governo municipal
o problema da escala desse tipo ação estatal.
Segundo a proposta de Santos (2006) existem duas escalas de ações: a
escala de comando e a escala de realização. Esta diferenciação de escalas referese ao fato de que uma determinada ação poder ser pensada, discutida e resolvida
por agentes hegemônicos exogenamente ao lugar e aos interesses do lugar
(CASTRO, 2005b) onde a mesma ação de fato se realizará.
Considerando tal proposta na perspectiva de uma abordagem regulacionista
do território, é preciso ter em mente que, segundo a CF/1988, o município é a menor
unidade político-administrativa autônoma que com o Distrito Federal, Estados e a
União, dá forma à república federativa do Brasil – é o chamado pacto federativo.
Neste contexto, seria correto supor que, como escala de realização, incidem sobre o
município não somente as ações empreendidas pelo seu próprio Governo. No
entanto, considerar que o Governo municipal estaria a reboque de outras escalas de
comando, no caso a estadual e a federal contrariaria o próprio principio
constitucional da autonomia político-administrativa que caracteriza o município como
ente federado. Costa (2006) assim define o termo autonomia:
A palavra autonomia vem do grego autonomia, que significa o direito
de se reger por suas próprias leis (nomos), sendo a exteriorização do
poder de uma comunidade de se auto-organizar. A autonomia tem
limites, pois caso contrário seria soberania. Antes, os termos eram
sinônimos, mas a necessidade de se conceituar o poder dos
Estados-membros em uma federação acabou por afastar os
sentidos. Já hoje se observa duas espécies de autonomia, a estadual
e a municipal, cada uma dando a dimensão do poder destas
entidades federadas. Ainda que mais restrita, condicionada pelo
peculiar interesse, não se pode negar a autonomia dos Municípios e
de sua integração ao sistema federativo (COSTA, 2006, p. 116).
89
Então, a proposta de escala de comando e escala de realização de Santos
(2006) não parece ser a mais adequada ao enfoque ao fenômeno dos PDM. Como
instrumento de regulação territorial e de desenvolvimento municipal, é o Governo
que deve elaborar, implantar e fazer a gestão do seu PDM.
Todavia, nesta temática, o problema da escala não pode deixar de ser
considerado visto
que
sobre
o município
tanto
incidem
ações
tomadas
unilateralmente pelos Governos federal e estadual assim como o próprio Governo
municipal pode demandar e exigir outros tipos de ações daqueles Governos, além
de poder refutar as ações que firam a sua autonomia política e administrativa. Por
isso considera-se a questão da escala segundo a proposta de Castro (1995):
A escala é, na realidade, a medida que confere visibilidade ao
fenômeno. Ela não define, portanto, o nível de análise, nem pode ser
confundida com ele, estas são noções independentes conceitual e
empiricamente. Em síntese, a escala só um problema epistemológico
enquanto definidora de espaços de pertinência da medida dos
fenômenos, porque enquanto medida de proporção ela é um
problema matemático (CASTRO, 1995, 123).
Tudo isto significa dizer que a elaboração de um PDM até a edição do
Estatuto da Cidade em 2001 era um fenômeno visível apenas na escala local.
Contudo, esta inovação institucional (FONSECA; VIEIRA, 2008) no âmbito do
Governo federal mudou tal quadro. Desde então, a abordagem do problema da
elaboração de um PDM precisa ser realizada de forma integrada, sobretudo, nas
escalas local e nacional, ou seja, a escala de ação (SILVEIRA, 2004) não é somente
o município, também constitui escalas de ação a União na medida em que o
Governo federal por meio de seus agentes políticos e da sua tecnoburocracia
também toma decisões, institui diretrizes e cria regulamentos que afetam tanto o
processo de planejamento e elaboração de um PDM, inclusive seu conteúdo
mínimo.
Não por acaso, Castro (1995) e Silveira (2004) enfatizarem que não existe
uma escala mais importante que a outra. O que muda é o que se pode observar no
mesmo fenômeno ao se mudar a escala de observação. Portanto, tanto a escala
local como a nacional são importantes quando se tem em mente a elaboração de um
PDM e seus desdobramentos para a regulação do território.
Sem este preâmbulo não se pode compreender a dupla importância do
Estatuto da Cidade enquanto uma ação gestada no Governo federal mas que, de
90
fato, é objetivada pelo Governo municipal. Dois conjuntos de fatores mais gerais,
que poderiam ser desdobrados em diversos outros pormenores, podem ser
apontados para esta ação do Estado brasileiro. Em primeiro lugar chama-se a
atenção para o quadro de desordem urbana e urbanística latente nos grandes
centros urbanos brasileiros causada pelo crescimento econômico, demográfico e
urbano, ocorrido na segunda metade do século XX.
E em segundo lugar grifa-se a reação que este quadro gerou na sociedade
urbana brasileira. O clamor popular, operado pela sociedade civil organizada,
passou a exigir uma reforma urbana cujo “[...] principal objetivo seria a instituição de
um novo padrão de política pública” (RIBEIRO, 2003, p. 13). Tal reforma deveria
enfrentar tradicionais temas subjacentes à questão urbana brasileira tais como:
habitação, transportes, universalização da infra-estrutura urbana, democratização do
planejamento urbano, maior regulação pública do uso do solo, enfim, problemas que
se devidamente enfrentados garantiriam a justiça social nas cidades (VILLAÇA,
1999; SOUZA, 2002). Nesta ocasião, início dos anos 1980, merece destaque a ação
do Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) que culminou na elaboração
de uma emenda popular com cerca de 200 mil assinaturas encaminhada à
Assembléia Nacional Constituinte instaurada em 1986 (GRAZIA, 2003).
Dois anos depois, a promulgação da Constituição Federal representou um
primeiro avanço nessa direção. A CF/1988 ao incluir em seu texto um capítulo
tratando sobre política urbana criou um marco legal para a efetivação de mudanças
na atividade de ordenamento territorial encampada pela própria União em suas três
esferas de governo. Muito embora, na prática da gestão municipal, tal ordenação
tenha continuado a ser produzido, na maioria dos casos, pelos escritórios de
consultoria, nacionais ou internacionais, especializados em planejamento urbano.
Por meio dos Artigos 182 e 183, a CF/1988 atribuiu aos municípios, mas sem
garantir a autonomia financeira deles, o papel de formuladores e gestores da sua
própria política de desenvolvimento urbano. Ao mesmo tempo em que ratificou o
PDM como instrumento básico para operacionalizar esta política. E esta ação serviu
antes para reforçar o modelo tradicional de planejamento, em seu tecnocratismo
(SOUZA, 2002), que para superá-lo.
Como se isso não fosse suficiente o bastante para causar alterações na forma
se fazer planejamento urbano, o cenário econômico nacional sofre uma incrível
guinada a partir de 1991 quando entra em vigor o Plano Collor. O Governo Collor,
91
seguindo os princípios do Consenso de Washington, de 1990, começa a promover o
processo de abertura econômica do país (KANDIR, 1998). Assim, os estados e
municípios brasileiros foram inseridos num mercado econômico globalizado no qual
a disputa por mercados consumidores, por fontes de matérias-primas e por mão-deobra barata realizada entre corporações multinacionais cria, transfere ou elimina
distritos industriais e regiões produtivas inteiras num ritmo nunca antes observado.
Aliás, nesse sentido, a famosa frase de Carl Max “Tudo que parece sólido evapora
no ar” nunca pareceu tão aplicável.
Frente à complexa realidade política, jurídica, financeira e cultural que cerca a
gestão pública brasileira de obscurantismos os poucos dispositivos contidos no texto
constitucional não foram capazes de fazer o Estado-nacional brasileiro, operando via
municípios, disciplinar o ordenamento territorial das cidades brasileiras.
Tal tarefa somente tornou-se factível com a maturação, ao longo de onze
anos, do Projeto de Lei Pl-5.788/90 que incorporara o ideário da reforma urbana
contida tanto no Pl-775/83 quanto na Emenda Popular elaborada pelo MNRU. É
assim que, depois de muita tramitação no Congresso Nacional (CN), é aprovado em
10 de julho de 2001, graças ao processo de contínua mobilização da sociedade
brasileira, o Estatuto da Cidade (EC) na forma da Lei Federal Nº 10.257/01
(GRAZIA, 2003).
Ribeiro (2003) observa que o Estatuto da Cidade agrega modelos
diferenciados de políticas urbanas. Um deles é de natureza regulatória posto que
intenta “[...] submeter ao uso e a ocupação do solo urbano os imperativos das
necessidades coletivas” (RIBEIRO, 2003, p. 15). Um outro é de natureza distributiva
quando se tem em mente que o Estatuto traz diretrizes que impulsionam a ação do
Governo municipal a promover a execução de serviços habitacionais e urbanos na
cidade. E, ainda, possui uma característica redistributiva visto que o Estatuto da
Cidade sistematiza instrumentos que pretendem “capturar parte da renda real
gerada pela expansão urbana para financiar a ação pública” (RIBEIRO, 2003, p. 15)
de universalização dos sistemas técnicos e outros serviços urbanos.
Considerando o que agora foi exposto e a abordagem regulacionista do
território, dois princípios gerais preconizados pelo Estatuto da Cidade podem ser
destacados. Por um lado a função social da propriedade urbana se destaca como
princípio fundamental sobre qual o Estado brasileiro se apóia para exercer a
regulação do direito de propriedade privada no espaço urbano. Na medida em que
92
apresenta o discurso de preservar o interesse da coletividade, no que diz respeito ao
uso ou a forma de ocupação de um lote urbano ou de uma gleba de terra a ser
urbanizada, o Estado cerceia o direito de propriedade de um indivíduo ou de um
pequeno grupo de indivíduos.
Na verdade, explica Costa (2006), tal princípio encampado pelo EC nada mais
é do que o ius politiae rebatizado, um poder medieval do qual o senhor feudal fazia
uso para promover uma boa ordem civil dentro das terras do seu reino. E tal
faculdade, hoje conhecido por poder de polícia, se confunde com a própria formação
do Estado moderno. Para Costa (2006), uma perfeita definição de poder de polícia
está contida no Código Tributário Nacional – a Lei Nº 5.172/66.
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração
pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade,
regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse
público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes,
à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades
econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder
Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos
direitos individuais ou coletivos.
Por
um
longo
período,
tal
instituto
atribuiu
aos
governantes
a
responsabilidade de cuidar das questões relativas à salubridade, segurança e
tranqüilidade
pública.
Contemporaneamente,
Costa
(2006)
menciona
onze
modalidades para o exercício do poder de polícia pelo município: polícia das águas;
polícia do ar; polícia das atividades urbanas; polícia das construções; polícia dos
costumes; polícia dos logradores públicos; polícia dos pesos e medidas; polícia das
plantas e dos animais nocivos; polícia mortuária; polícia sanitária; e polícia de
trânsito. Note-se que algumas das modalidades elencadas fazem parte mesmo da
ordenação urbana detalhada no Quadro 5 e, não raro, cada uma delas é encontrada
nos PDM sistematizadas na forma de capítulos.
Já o princípio da gestão democrática da cidade preconizado pelo EC se
destaca por oferecer ao cidadão comum a possibilidade de participar da gestão da
sua cidade. Por este raciocínio a cidade deve oferecer chances iguais para todos,
garantindo no mínimo, a posse legal de uma fração da terra urbana, via mercado,
onde se possa habitar e dispor de um padrão de qualidade de vida mínimo (BRASIL,
2001b). E, segundo esse princípio, qualquer plano diretor, do maior ao menor
município brasileiro, que não passe pelo crivo da participação política ativa dos
93
diversos agentes sociais, sobretudo a da população em geral, nas decisões que
dizem respeito aos diversos aspectos inerentes à organização e ordenamento do
espaço tornará ilegítimo todo o processo de planejamento.
Acredita-se que é justamente este fato que faz agregar o adjetivo
“participativo” ao modelo tradicional de planejamento urbano baseado em planos e
regulamentos de caráter normativo, ou seja, o tal modelo de planejamento
participativo não se sustenta pela prática em si da participação política.
Em verdade a ênfase atribuída ao princípio da gestão democrática da cidade
como uma das principais diretrizes para a elaboração de políticas públicas urbanas,
deu margem a um novo problema. Não raro transformada em bandeira políticopartidária de cunho populista ou em critério para a liberação de recursos por
organismos de financiamento (FEDOZZI, 2005), a exigência da participação da
população nas experiências de planejamento dos Governos locais fez com que a
montagem de uma metodologia participativa para a elaboração dos PDM recebesse
mais atenção perante o necessário aprofundamento dos problemas municipais a
serem enfrentados pelo plano em si.
São duas questões que mesmo amalgamadas podem ser analisadas de
forma diferenciada. Primeiramente, a participação popular não pode ser mais
importante que o conteúdo técnico do plano diretor. Assim como este conteúdo não
deve ser legitimado juridicamente, com a aprovação do plano pela vereança, sem
antes ter sido legitimado socialmente pela população. Legitimação esta que se
realiza na medida em que a população consegue deliberar sobre as soluções
propostas pelo Poder Público e, principalmente, quando consegue colocar temas de
seu interesse a serem tratados por ele.
Todos estes aspectos só fazem chamar a atenção sobre o Estatuto da Cidade
e a função que lhe cabe na atualidade. Ele é norma jurídica que regulamentou os
Artigos 182 e 183 da CF/1988 pelas quais o PDM fica definido como principal
instrumento normativo a disposição de um Governo municipal para a promoção do
ordenamento territorial e implementação de uma política de desenvolvimento. Por
isso mesmo, qualquer pesquisa que aborde PDM não pode ficar restrita apenas à
escala local. A observação desse fenômeno na escala nacional traz novos e
importantes elementos para que se possa entender qual a função de um PDM, sua
estrutura e como deve ser elaborado.
94
4.1 A QUESTÃO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ELABORAÇÃO DOS PLANOS
Desde as pioneiras experiências de participação popular na gestão local,
ocorridas nos idos dos anos 1970, nos municípios de Lajes (SC), Pelotas (RS), Boa
Esperança (ES) e Diadema (SP) muito se inovou no campo da gestão pública até a
formatação e institucionalização, por meio do Estatuto da Cidade, de um marco legal
para a elaboração de PDM diretores mais participativos. Marco este reforçado pela
criação do Ministério das Cidades em 2003 e, mais especificamente, detalhado por
meio da ação do Conselho Nacional das Cidades (Concidades) também a partir de
2003.
Pode-se dizer que, no Brasil, um modelo de planejamento urbano de viés
participativo somente começou a ser institucionalizado com a CF/1988 quando esta
fixa no Artigo 29 dispositivos que, se levados a termo, garantiriam alguma
participação da sociedade civil no esforço de planejamento de um Governo
municipal. Nos incisos XII e XIII a CF/1988 preconiza que, respectivamente, tanto
deve haver a “cooperação das associações representativas no planejamento
municipal” quanto a “iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do
município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco
por cento do eleitorado” (BRASIL, 2002). Ainda assim, na maioria das experiências
municipais do planejamento politizado ora instaurado não foi constatado um
aumento substancial da participação popular (SOUZA, 2002).
Somente com o Estatuto da Cidade tal matéria viria a ser um pouco mais
detalhada pelo Estado brasileiro. Para que se cumpra a gestão democrática da
cidade, enquanto umas das principais diretrizes gerais presentes no Artigo 2, o
Estatuto fixa no Artigo 43:
Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser
utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:
I - órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional,
estadual e municipal;
II - debates, audiências e consultas públicas;
III - conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis
nacional, estadual e municipal;
IV - iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano (BRASIL, 2001a).
95
Mas no momento da sua promulgação a aplicação das diretrizes e
instrumentos previstos no Estatuto da Cidade pelos Governos municipais foi posta
em
suspeição
por
diversos
setores
da
sociedade
(dirigentes
políticos,
pesquisadores, sociedade civil e população em geral). Com efeito, foi somente com
a criação, em 2003, do Ministério das Cidades e da instituição do Concidades que
houve a institucionalização, no plano federal, do chamado modelo participativo de
gestão planejada do território, muito embora tal acontecimento somente tenha
reverberado nos Governos municipais mediante provocação da União via
campanhas e conferências organizadas pelo MCID e Resoluções do Concidades.
Estas Resoluções vem sendo editando no sentido de fundamentar
juridicamente tanto o processo de sensibilização e mobilização da população no que
diz respeito à participação no processo de elaboração do PDM, bem como estipular
o conteúdo mínimo destes planos.
Em relação à primeira questão é a Resolução 25 (BRASIL 2005a) que, em
suma, normatiza e regulamenta a organização do processo participativo. Ela
reafirma e detalha os conteúdos do Artigo 43 e do §4º do Artigo 40 do EC. Este
último responsabiliza os poderes Legislativo e Executivo municipal, no âmbito da
elaboração do plano, pela realização de audiências públicas e debates com a
população e com associações representativas dos vários segmentos sociais, da
mesma forma que impõe a publicidade e o fácil acesso aos documentos e
informações produzidos.
A Resolução 25 chega a detalhar como a administração municipal deve
sensibilizar, mobilizar e capacitar as pessoas para que elas possam, efetivamente,
participar do plano. A seguir, apontam-se os principais pontos contidos nesta
resolução:
(i) No decorrer do processo de elaboração do plano diretor, ou seja, em todas as
etapas, a coordenação dos trabalhos deve acontecer de forma compartilhada entre o
Poder Público e a sociedade civil;
(ii) O Poder Público deverá organizar e realizar debates de forma regionalizada
(bairros, distritos, povoados etc.) com a população separando-as por segmentos
sociais e por temas;
(iii) A elaboração participativa do plano diretor deve ocorrer de forma integrada à
elaboração do orçamento municipal. O que significa dizer que se uma prefeitura
96
elabora e os vereadores aprovam um plano, por exemplo, em 2007 e se o
orçamento para 2008 não traz nenhum projeto ou ação definidos no plano existente,
então existe uma grande probabilidade de que as propostas contidas no plano não
saiam do papel;
(iv) As audiências públicas realizadas na elaboração do plano têm a finalidade de
informar, discutir, colher informações, rever e analisar o seu conteúdo. A
normatização para a realização destas audiências, conforme o Artigo 8º da
Resolução 25, contempla os seguintes aspectos:
I – ser convocada por edital, anunciada pela imprensa local ou, na
sua falta, utilizar os meios de comunicação de massa ao alcance da
população local;
II – ocorrer em locais e horários acessíveis à maioria da população;
III – serem dirigidas pelo Poder Público Municipal, que após a
exposição de todo o conteúdo, abrirá as discussões aos presentes;
IV – garantir a presença de todos os cidadãos e cidadãs,
independente de comprovação de residência ou qualquer outra
condição, que assinarão lista de presença;
V – serem gravadas e, ao final de cada uma, lavrada a respectiva
ata, cujos conteúdos deverão ser apensados ao Projeto de Lei,
compondo memorial do processo, inclusive na sua tramitação
legislativa (BRASIL 2005a).
(v) Tendo a prefeitura e a população chegado a uma proposta de plano diretor, antes
do seu envio para apreciação dos vereadores tal proposta deve submetida a uma
referendo popular, uma conferência por exemplo, que deve atender minimamente
aos seguintes requisitos legais:
I – realização prévia de reuniões e/ou plenárias para escolha de
representantes de diversos segmentos da sociedade e das divisões
territoriais;
II – divulgação e distribuição da proposta do Plano Diretor para os
delegados eleitos com antecedência de 15 dias da votação da
proposta;
III – registro das emendas apresentadas nos anais da conferência;
IV – publicação e divulgação dos anais da conferência (BRASIL
2005a).
Mas se até este momento foi exposto como o problema da participação
popular na gestão pública em nível municipal foi enfrentado pelo Estado brasileiro
procura-se, a partir de agora, percorrer o caminho inverso: enfocar experiências
reais de participação no sentido de extrair parâmetros que possam ser úteis a um
esforço de avaliação de PDM neste quesito.
97
Nesta direção, a metodologia do chamado Orçamento Participativo (OP) é
colocada como paradigma para o estudo de experiências reais de participação
popular na gestão municipal. Até porque a sua prática – baseada em mecanismos
de sensibilização e mobilização da população; na realização de plenárias
organizadas regionalmente no território municipal e tematizadas por assuntos
específicos; e na convocação de conferências e congressos para que a população
possa discutir e deliberar (GRAZIA et all, s/d) – foi aproveitada na montagem da
própria metodologia participativa contida no Estatuto da Cidade.
Mas não somente por isso. As experiências de OP em várias municipalidades
brasileiras são relevantes porque animam o debate que enaltece o modelo de
democracia participativa em detrimento do modelo de democracia representativa
hegemônica não só no Brasil, mas em diversas outras democracias ocidentais, quer
sejam presidencialistas ou parlamentaristas (CASTRO, 2005b).
As experiências de OP começaram a surgir também no final dos anos 1980 a
partir de uma inovação trazida menos pela CF/1988 que por um novo arranjo
institucional nas administrações de municípios como Porto Alegre, Belo Horizonte e
São Paulo (FEDOZZI, 2005). Note-se que estas iniciativas ocorreram primeiro no
âmbito municipal para, anos depois, serem consideradas, adaptadas – tanto pelo
corpo tecnoburocrático do Estado nacional como pelos seus agentes políticos – e
finalmente consolidadas no modelo participativo de planejamento preconizado pelo
Estatuto da Cidade. Em realidade, o instrumento de planejamento municipal rotulado
de gestão orçamentária participativa nada mais é que o Orçamento Participativo
rebatizado. Assim está contido no EC:
Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de
que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei incluirá a
realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as
propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do
orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação
pela Câmara Municipal (BRASIL, 2001).
Numa alusão a teoria do contrato social de Rousseau, Fedozzi (2005, p. 144)
considera o OP como o moderno contrato social, pois possibilita a intervenção
popular na elaboração do orçamento municipal enquanto “[...] núcleo duro do
planejamento governamental”. Núcleo duro porque é por meio do orçamento que as
decisões políticas do governo se objetivam em termos de gestão pública e, assim, se
98
materializam no espaço. Por isso mesmo a população deve tomar parte deste
processo.
Ainda segundo Fedozzi (2005), o OP como instrumento para a participação
surge no final dos anos 1980 em municípios das regiões Sul e Sudeste, com
destaque para a paradigmática experiência de Porto Alegra (RS), como decorrência
de três fatores principais: (i) a descentralização político-administrativa e a
desconcentração dos recursos em favor dos entes federados definidos pela
CF/1988; (ii) o aparecimento de novos agentes sociais e novas práticas políticoculturais decorrentes da redemocratização do sistema político brasileiro a partir de
1985; e (iii) o crescimento no número de municípios que passaram a ser
administrados por forças políticas de viés progressista em detrimento do perfil
conservador predominante nacionalmente de então.
Entretanto, mais importante que analisar os diversos arranjos institucionais
necessários à prática da gestão orçamentária participativa, que segundo dados do
IBGE (2006) estava sendo praticada por 72,1% das municipalidades brasileiras no
ano de 2005, é extrair dela aspectos e parâmetros essenciais que possam ser
considerados na análise do grau e da efetividade da participação da população na
gestão pública municipal.
Realizada tal empresa cabe estender estes parâmetros analíticos ao
problema da participação popular na elaboração de Planos Diretores municipais e,
como já foi mencionado, na gestão do próprio plano. Tal fato representaria um
avanço para a gestão democrática da cidade que, mesmo sendo tratada pelo
Estatuto da Cidade, carece de metodologias que avaliem os PDM elaborados ou
revisados.
Não por acaso, tais parâmetros foram retirados da análise que Fedozzi (2005)
realiza sobre uma pesquisa abarcando as experiências de OP em municipalidades
brasileiras. Nesta oportunidade o autor enuncia, em forma de questionamento, dois
interessantes parâmetros sobre a participação popular que podem ser extrapolados
para além dos OP, posto que elas “ensejam múltiplas possibilidades de respostas
sobre a prática e a teoria da participação” (FEDOZZI, 2005, p. 144).
Primeiramente é perguntado pelo autor: “Que lugar a participação ocupa no
sistema decisório de gestão?” (FEDOZZI, 2005, p. 144). Para responder a esta
questão o mesmo autor lança mão de alguns pressupostos que em conjunto vão
apontar dois caminhos para a participação: (1) ou os objetivos e interesses da
99
população de uma localidade estão sendo tratados diretamente por ela junto ao
Poder Público municipal; (2) ou se apenas suas demandas estão sendo
incorporadas ao discurso do executivo, na figura do prefeito ou do seu secretariado,
ou ao discurso do legislativo, na figura dos vereadores que, não raro, se
autodenominam representantes legítimos de bairros da zona urbana ou de distritos
localizados na zona rural. Segue abaixo os itens elencados por Fedozzi (2005).
(i)
de uma forma mais geral, para que a participação ocupe um lugar central na
vida política municipal é necessário que haja vontade política por parte do chefe do
executivo municipal, ou seja, do prefeito. E tal fato se reflete na consideração da
participação como um valor ético-político da democracia pela qual se acredita na
capacidade da população tomar decisões mais complexas;
(ii)
também de uma forma geral, a centralidade da participação requer da
população local um alto grau de associativismo comunitário e de cultura política;
(iii)
como o orçamento anual possui um papel central para gestão municipal deve
haver um compartilhamento do poder de decisão entre o corpo técnico-burocrático
do governo e da vereança com a população;
(iv)
este compartilhamento do poder de decisão pressupõe a disponibilização pelo
Poder Público de informações à população previamente capacitada para que as
pessoas possam entender o processo de alocação dos recursos orçamentários;
(v)
informada e capacitada a população, deve-se proceder a tomada de decisões
compartilhadas. Para tanto deve existir a institucionalização de espaços de
participação na gestão local – conselhos paritários, conferências municipais,
audiências públicas, reuniões temáticas etc.
A segunda pergunta que Fedozzi (2005) faz é sobre o poder real de decisão
da população e o grau do controle social nos OP. Para respondê-la o autor constrói
sua argumentação em cima de três critérios: (i) estrutura e processo da participação;
(ii) o seu nível de institucionalização; e (iii) o poder decisório e a sua amplitude sobre
o orçamento municipal. Note-se que tal pergunta poderia recair tranquilamente sobre
a problemática dos planos diretores.
Em relação à estrutura e processo da participação Fedozzi (2005) atribui
grande importância à criação de canais institucionais nos Governos locais e, por
esse ângulo, defende a implantação de um conselho municipal como o principal
100
canal de centralização da tomada de decisões compartilhadas. Sem estes canais o
contato entre a população, o executivo e o legislativo municipal pode até ocorrer,
contudo sem organicidade dentro da estrutura da gestão pública e, por isso, sem
que haja uma institucionalização da participação. Aliás, é também nesta perspectiva
que Castro (2005a, p. 41) destaca os conselhos municipais como “novos recursos
institucionais colocados à disposição das sociedades e dos governos locais, a partir
do processo de descentralização iniciado com a Constituição de 1988”.
Sobre o segundo critério Fedozzi (2005) argumenta que mesmo que a
participação logre adquirir um caráter institucional há de se questionar sobre qual é o
grau desta institucionalização. Para tanto, se tornar mister no interior da estrutura
administrativa municipal a determinação clara de como e quem gerenciará o
processo participativo, atribuindo-se especial ênfase na sua coordenação. Esta deve
acontecer de forma paritária entre agentes políticos e sociedade civil, deve ajudar na
mediação do processamento técnico-político das demandas comunitárias e,
principalmente, a coordenação deve ser sempre apoiada pelos dirigentes políticos
de maior peso na municipalidade.
Por fim, Fedozzi (2005) trata sobre o poder decisório e a amplitude da
participação popular no orçamento municipal. Considera este critério o mais
consistente na construção do significado do termo participativo. Nesse sentido, o
autor evoca seu próprio entendimento sobre co-gestão (Figura 5), mas não para
definir o que são os OP. Ele coloca a co-gestão como ideal de prática políticoadministrativa a ser atingida pelos OP e por outros instrumentos de participação
popular o que, desta forma, levaria a uma verdadeira transformação do modelo de
gestão pública tradicional em direção a um modelo de gestão sócio-estatal.
Nesses termos, Fedozzi (2005) chama a atenção para a observação de
alguns pontos. Primeiramente a forma que o Executivo municipal atua: se impõe
suas decisões em relação aos problemas existentes; se consulta a população antes
de decidir; se delega decisões às instâncias deliberativas institucionalizadas; ou se,
o que é realmente desejado, adota “o procedimento de produção argumentativa do
consenso” (FEDOZZI, 2005, p. 156) já que não é factível a transferência total da
tomada de decisões para a população.
101
Figura 5 – Representação gráfica dos elementos para uma gestão sócio-estatal
Onde:
A = o poder administrativo do Estado;
A
C
B = os fluxos comunicativos advindos da
organização autônoma da população para a
participação;
C = as instâncias deliberativas
institucionalizadas (conselhos, conferências
etc).
B
Fonte: adaptado de FEDOZZI, 2005, p. 154-157
Deve ser observado, também, se o processo deliberativo institucionalizado no
âmbito da gestão municipal possui caráter procedimental. Isto significa dizer que as
decisões devem ser tomadas fazendo-se uso da argumentação e da negociação
entre os participantes por meio da adoção de procedimentos claros e elaborados
consensualmente entre eles. E mais importante ainda: que as decisões assim
tomadas sejam, efetivamente, executas pela prefeitura no exercício seguinte, caso
contrário a perda de credibilidade no Poder Público pode inviabilizar a participação
popular, mesmo em municipalidades onde ela já esteja consolidada. Assim escreve
o autor:
A construção consensual de critérios – além de oportunizar uma
solução racional para o dilema sempre presente entre “recursos
escassos versus demandas reprimidas” – parece ser um dos
elementos de maior valor pedagógico das experiências de
envolvimento da população, na medida em que permitem exercitar
aprendizagens relativas à prática da justiça distributiva e à
construção de uma cultura democrática que exige o reconhecimento
do outro, pois a legitimidade das decisões passa a depender das
relações estabelecidas entre as demandas particulares (de cada
grupo, bairro, microrregião, vila, organizações temáticas, etc.) e as
regras pactuadas entre todos (FEDOZZI, 2005, p. 159).
No entanto, ainda que todos estes critérios abordados venham a ser
contemplados na metodologia de participação popular adotada em uma gestão
municipal, Fedozzi (2005), baseado na análise das experiências de OP em 103
municípios, levanta a tese de que o rótulo de gestão participativa somente é
102
significante se a população local puder compartilhar com o Poder Público a
deliberação do montante total de recursos a serem investidos, bem como sobre a
sua melhor alocação.
Muito contrariamente a este ideal, fora constatado pelo autor nessa mesma
análise que as instâncias populares deliberativas somente têm acesso e decidem
sobre 20%, no máximo, do total dos recursos orçamentários o que “constitui
simulacros da participação” (FEDOZZI, 2005, p. 163).
Pode-se concluir com base nos parâmetros de análise utilizados por Fedozzi
(2005) que, em realidade, se o poder decisório e a amplitude da participação se
limitam a apenas pensar sobre a utilização de uma pequena fração dos recursos
controlados pelos dirigentes políticos, a participação popular fica restrita a uma mera
consulta sobre prioridades.
Nessas condições a população é convidada a opinar sobre as proposições e
sobre a seqüência de execução delas (hierarquizando-as), contudo fica sem exercer
a verdadeira participação que somente se processaria no âmbito da construção
compartilhada com o Executivo e com o Legislativo da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA).
Como síntese das observações acerca das vantagens, desafios, resultados e
limitações contidas nas experiências dos OP Fedozzi (2005) construiu o Quadro 8.
Quadro 8 - Variáveis e condições favorecedoras à implantação de processos de democracia
participativa
(continua)
Variáveis
Vontade política
de compartilhar
decisões
Condições Desfavoráveis
Condições Favoráveis
CENTRALIZAÇÃO DAS DECISÕES:
RELAÇÕES VERTICALIZADAS
CO-RESPONSABILIDADE: RELAÇÕES EM
REDE = CO-GESTÃO
Estado – Sociedade Civil
Estado – Sociedade civil
BAIXA ORGANIZAÇÃO E
FRAGMENTAÇÃO SOCIAL
Capital social
Governabilidade
financeira
FORTALECIMENTO DO TECIDO SOCIAL E
DAS REDES CÍVICAS
cultura de tutela, do pedir e do favor.
Consciência heterônoma.
Pluralismo e autonomia dos atores da
sociedade civil. Consciência de
direitos.
BAIXA CAPACIDADE DE INVERSÃO
CIRCULO VIRTUOSO
Desestímulo à participação, quebra
de vínculo e de confiança.
Participação e resultados materiais e
subjetivos. Confiança.
103
(conclusão)
Variáveis
Capacidade de
governo
Abertura à
inovação
institucional
Condições Desfavoráveis
FRAGMENTAÇÃO DA ESTRUTURA E DAS
FORMAS DE GESTÃO PÚBLICA
Ausência de integração intragovernamental.
RIGIDEZ INSTITUCIONAL, LEGALISMO
EXACERBADO
Temor da “perda de controle” por
parte dos dirigentes políticos e dos
líderes comunitários.
Condições Favoráveis
GESTÃO INTERSETORIAL E
MULTIDISCIPLINAR
Transversalidade, eficiência e eficácia
no processamento técnico-político das
demandas e na elaboração de
projetos.
DEMOCRACIA COMO SISTEMA ABERTO:
FLEXIBILIDADE E INOVAÇÃO
Criatividade dos atores envolvidos.
Fonte: FEDOZZI, 2005, p. 164
No Quadro 8 são levantadas condições favoráveis e desfavoráveis à
implantação do modelo de democracia participativa, que não se restringir aos OP. O
Quadro 8 traz a identificação de quatro variáveis inerentes à forma pela qual o
Estado atua na gestão municipal e mais uma variável referente à caracterização da
população local em termos de participação política.
Insisti-se que tal construção intelectual também pode ser empregada como
instrumento de análise de PDM em relação aos processos de elaboração,
especialmente, e em relação à implantação dos PDM elaborados. As próprias
prefeituras denominam os PDM de participativos, contudo cada um deles guarda
aspectos singulares em cada localidade.
4.2 A QUESTÃO DO CONTEÚDO DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL
Tendo sido abordada a questão da participação popular na elaboração dos
PDM, cumpre agora enfocar a questão do conteúdo para que ele possa cumprir suas
duas principais finalidades: operacionalizar a regulação territorial que compete a um
Governo municipal; e ser instrumento de desenvolvimento municipal. Nesta direção,
tanto é necessário consultar o texto constitucional, enquanto fundamentação legal
do instrumento, quanto à legislação que veio a tratar tal matéria posteriormente.
104
Emblemática do processo de descentralização administrativa, a CF/1988
trouxe em seus artigos alguns dispositivos que trataram de estabelecer as matérias
sobre
as
quais
o
Poder
Público
municipal
tem
competência
para
agir
especificamente, ou seja, o que Costa (2006) chama de competência expressa do
município. Não por acaso, é a elaboração/revisão do PDM uma das matérias de
competência expressa municipal.
A competência expressa do município é voltada para os assuntos de
interesse local, devendo prevalecer sobre as competências federais
e estaduais. O critério básico de distinção é o interesse
predominante, isto é, frente aos interesses da União e dos Estados,
em determinadas matérias, o interesse municipal deve ter um grau
maior [...] (COSTA, 2006, p. 74).
E sobre o entendimento do que viria a ser este interesse local o autor diz que:
Assim, os assuntos de interesse local são aqueles em que existe
uma predominância dos interesses dos habitantes de determinada
área, em que o Município, como entidade pública, tem maiores
condições de resolver e implementar que as demais entidades
federadas (COSTA , 2006, p. 120).
Ainda assim, ressalta-se que esta competência municipal não deve se
contrapor às competências estaduais e federais a bem da manutenção da harmonia
e da independência entre as entidades federadas (COSTA, 2006). Em realidade, e
no que tange ao ordenamento territorial, a lei orgânica municipal (a principal lei
municipal) deve seguir os princípios fixados pela CF/1988, especialmente os Artigos
21, 29, 30 e 182. Por estes artigos o PDM fica definido como principal instrumento
normativo a disposição do Governo municipal para a regulação territorial.
Nesse sentido, o Quadro 9 destaca algumas passagens do texto
constitucional que fixam algumas das competências municipais, definem a natureza
dos PDM e estabelecem algum tipo de conteúdo para eles.
Braga (1995), com base somente no texto constitucional, afirma que o PDM
deve dispor, ao menos, sobre – delimitação das áreas urbanas, uso do solo urbano,
expansão urbana, parcelamento do solo urbano, habitação, saneamento básico e
transportes urbanos – e chama a atenção, muito apropriadamente, para o seu
caráter acima de tudo urbanístico.
105
Quadro 9 – Base constitucional que trata sobre ordenamento territorial e PDM
Dispositivo
Constitucional
Conteúdo específico dos incisos e parágrafos
Compete à União:
Artigo 21
XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos;
O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da
Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos
nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes
preceitos:
Artigo 29
XII - cooperação das associações representativas no planejamento
municipal;
XIII - iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do
Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo
menos, cinco por cento do eleitorado;
Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
Artigo 30
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a
legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o
bem-estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para
cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política
de desenvolvimento e de expansão urbana.
Artigo 182
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor.
§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e
justa indenização em dinheiro.
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para
área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do
proprietário do solo urbano não edificado, sub-utilizado ou não utilizado, que
promova seu adequado aproveitamento,
Fonte: BRASIL, 2002. Constituição (1988)
Diante da falta de detalhamento na própria Carta Magna do que efetivamente
trataria um PDM houve a constatação, e daí as críticas, que muitos deles estavam
106
sendo elaborados de forma superficial. Isto significa dizer que os PDM ou não
estavam contemplando todos os tipos problemas passíveis de serem resolvidos no
âmbito dos Governos municipais – de forma exclusiva ou concorrentemente às
competências dos Governos estadual e federal – ou os PDM não estavam
incorporando as demandas de todos os setores sociais locais nas políticas públicas
elaboradas.
É verdade que o Estatuto da Cidade procurou trazer entre seus artigos
passagens que estabelecessem outros conteúdos que qualquer PDM deveria dispor,
para além dos mencionados no Artigo 182 da CF/1988. Mesmo assim, a celeuma
em torno do conteúdo dos PDM não foi encerrada. De forma sintética, esta norma
jurídica limitou-se a tratar tal tema somente no seu Artigo 42, a saber:
Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:
I - a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a
existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma
do art. 5º desta Lei;
II - disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;
III - sistema de acompanhamento e controle (BRASIL, 2001).
Pelo Artigo 42 percebe-se que deve haver na lei de um PDM a demarcação
espacial de áreas urbanas, mediante a delimitação por mapas, a fim de que os
instrumentos de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios possam ser
aplicados. Tal critério também é estendido a diversos outros instrumentos do
Estatuto. Correlacionando tal obrigatoriedade à perspectiva miltoniana inicialmente
discutida, pode-se dizer que se trata da utilização da norma jurídica para a criação
de formas geográficas no espaço em prol da normatização do território. O Quadro 10
enumera os instrumentos preconizados pelo Estatuto que, compondo um PDM,
carregam consigo esta propriedade. E a Figura 6 ilustra esta aplicação.
Chama-se a atenção que os instrumentos do EC elencados no Quadro 10
para serem efetivamente aplicados também necessitam de regulamentação por lei
municipal específica. Em outras palavras, não basta um município elaborar e aprovar
seu PDM, o Governo municipal tem que editar, na seqüência, leis regulamentando
os instrumentos nele previstos. Este aspecto revela-se, na experiência baiana, um
ponto
negativo
nos
processos
de
implementação
dos
PDM
em
várias
107
municipalidades pois, via de regra, os instrumentos do EC previstos nos PDM não
são regulamentados pelos poderes Executivo e Legislativo municipal.
Quadro 10 – Instrumentos do Estatuto da Cidade que para serem aplicados precisam ser
delimitados espacialmente na lei do PDM
Instrumento
Conteúdo básico
Parcelamento,
edificação ou utilização
compulsórios
Este instrumento da à prefeitura o poder de exigir que o proprietário
parcele ou construa no seu imóvel vago ou subutilizado e localizado
em área com infra-estrutura, assim, induzindo a ocupação destes
terrenos e impedindo que áreas vazias da cidades continuem
ociosas e como fonte de especulação imobiliária.
Direito de Preempção
Confere ao Poder Público o direito de preferência, frente a outros
possíveis compradores, na aquisição de imóvel urbano destinando-o
para: construção de moradia de interesse social, equipamentos e
espaços públicos; criação de áreas de lazer e áreas verdes; criação
de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de
interesse ambiental; proteção de áreas de interesse histórico,
cultural ou paisagístico.
Outorga Onerosa do
Direito de Construir
Mais conhecido como “solo criado”. Por este instrumento o Poder
Público concede o direito de construir acima do permitido em
determinada região da cidade exigindo do interessado uma
contrapartida financeira. Tal contrapartida deverá ser empregada
pelo Poder Público para o exercício do seu direito de preempção.
Alteração de Uso
O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida
alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo
beneficiário a ser utilizado da mesma forma que o instrumento
anterior.
Operações
Consorciadas
Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de
intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal,
com a participação dos proprietários, moradores, usuários
permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em
uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais
e a valorização ambiental. Nos casos em que os proprietários,
usuários permanentes ou investidores privados passem a gozar de
benefícios advindos com a intervenção deve ser cobrada uma
contrapartida deles a ser investida na própria operação consorciada.
Transferência do
Direito de Construir
Este instrumento poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano,
privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante
escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou
em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel
for considerado necessário para: implantação de equipamentos
urbanos e comunitários; preservação, quando o imóvel for
considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou
cultural; e servir a programas de regularização fundiária,
urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e
habitação de interesse social.
Fonte: BRASIL, 2001; BRASIL. Ministério das Cidades, 2005
108
Figura 6 – Exemplo de espacialização de instrumentos do Estatuto da Cidade em um PDM
Fonte: CAMAÇARI, 2007
109
Mas foi somente com a Resolução 34 do Concidades (BRASIL, 2005b), que
entrou em vigor quase quatro anos depois do EC (14/07/2005), que o conteúdo
mínimo de qualquer PDM passou a ser efetivamente detalhado. De forma geral, esta
resolução determina que as leia dos PDM contenham:
(i) as ações e medidas que assegurem o cumprimento das funções sociais da
cidade (promoção da qualidade de vida de cada cidadão e do bem-estar coletivo) e
da propriedade urbana (uso do solo urbano estabelecido pelo Poder Público em prol
do interesse coletivo em detrimento do interesse particular do proprietário), tanto na
zona urbana quanto na zona rural;
(ii) os objetivos, temas prioritários e estratégias necessárias ao desenvolvimento da
cidade e organização territorial do município;
(iii) os instrumentos de política urbana contidos no Artigo 42 do próprio Estatuto.
Mais especificamente, os PDM devem garantir segundo a Resolução 34: a
universalização da infra-estrutura urbana básica (água, esgoto, coleta de lixo,
iluminação pública, calçamento das vias); o acesso da população de baixa renda e
de populações tradicionais (ribeirinhos, quilombolas, indígenas etc.) à terra
urbanizada; a preservação do patrimônio histórico, cultural ou artístico; a mobilidade
das pessoas no município; a instituição de políticas ambientais (incluindo recursos
hídricos) e de saúde pública; e garantir áreas para a indução de atividades
econômicas voltadas para pequenos empreendimentos, inclusive os de agricultura
familiar.
Além de reafirmar a necessidade de espacializar previamente todos os
instrumentos a serem aplicados pelo Governo municipal, são cobradas pela
Resolução 34 as respectivas indicações/delimitações, também por meio de mapas
propositivos, de todas as áreas sobre as quais incidirão as ações (conforme
elencadas no parágrafo anterior) previstas no PDM.
Se somente estes itens fossem levados em consideração poder-se-ia dizer
que o viés generalista do conteúdo de um PDM teria
sido diminuído
consideravelmente. No entanto, a Resolução 34 do Concidades consegue avançar
no sentido mais pragmático que uma lei pode ter – o estabelecimento de critérios e
de regras de aplicação prática para que o plano diretor possa cumprir sua função.
110
Com base nesta resolução o Quadro 11 traz os principais itens subjacentes à
ordenação territorial que devem compor os PDM.
Quadro 11 – Principais itens para o ordenamento territorial que devem estar presentes no
PDM segundo a Resolução 34 do Concidades
(continua)
Assuntos
Conteúdos específicos dos parágrafos e incisos
- determinar critérios para a caracterização de imóveis não edificados,
subutilizados, e não utilizados;
- determinar critérios para a aplicação do instrumento estudo de
impacto de vizinhança;
- delimitar as áreas urbanas onde poderão ser aplicados o
parcelamento, a edificação e a utilização compulsórios, considerando a
existência de infra-estrutura e de demanda para utilização;
Critérios e
Delimitações
Espaciais
- definir o prazo para notificação dos proprietários de imóveis prevista
pelo art. 5º, § 4 º, do Estatuto da Cidade;
- delimitar as áreas definidas pelo art. 2º da resolução 34 e respectivas
destinações nos mapas, e descrição de perímetros, consolidando no
plano diretor toda a legislação incidente sobre o uso e ocupação do
solo no território do município;
- colocar exposição dos motivos da aplicação de cada um dos
instrumentos previstos no inciso II do artigo 42 (instrumentos de
indução do desenvolvimento)
- destinar áreas para assentamentos e empreendimentos urbanos e
rurais de interesse social;
- demarcar os territórios ocupados pelas comunidades tradicionais, tais
como as indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas, de modo a
garantir a proteção de seus direitos;
– demarcar as áreas sujeitas a inundações e deslizamentos, bem como
as áreas que apresentem risco à vida e à saúde;
Zonas Especiais
- demarcar os assentamentos irregulares ocupados por população de
baixa renda para a implementação da política de regularização
fundiária;
- definir normas especiais de uso, ocupação e edificação adequadas à
regularização fundiária, à titulação de assentamentos informais de
baixa renda e à produção de habitação de interesse social, onde
couber;
- definir os instrumentos de regularização fundiária, de produção de
habitação de interesse social e de participação das comunidades na
gestão das áreas;
– demarcar as áreas de proteção, preservação e recuperação do meio
ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico,
artístico, paisagístico e arqueológico.
111
(conclusão)
Assuntos
Conteúdos específicos dos parágrafos e incisos
- garantir a diversidade das modalidades de transporte, respeitando as
características das cidades, priorizando o transporte coletivo, que é
estruturante, sobre o individual, os modos não-motorizados e
valorizando o pedestre;
Plano Diretor do
Transporte e da
Mobilidade
- garantir que a gestão da Mobilidade Urbana ocorra de modo
integrado com o Plano Diretor Municipal;
- respeitar às especificidades locais e regionais;
- garantir o controle da expansão urbana, a universalização do acesso
à cidade, a melhoria da qualidade ambiental, e o controle dos impactos
no sistema de mobilidade gerados pela ordenação do uso do solo.
Fonte: BRASIL, 2005b
A Resolução 34, ainda que seja considerada como o principal marco jurídico
para o equacionamento do problema do conteúdo de um PDM, fixa nos seus Artigos
6 e 7 diretrizes e instrumentos sobre um tema aventado, mas não detalhado, no EC
e na Resolução 25 do Concidades: o chamado sistema de acompanhamento e
controle social sobre a execução do próprio PDM (Quadro 12).
Quadro 12 – Conteúdo da Resolução 34 que trata do controle social sobre os PDM
Temas
Conteúdos específicos dos parágrafos e incisos
- prever instâncias de planejamento e gestão democrática para implementar e
rever o Plano Diretor;
Sistema de
Acompanhamento
e Controle Social
- apoiar e estimular o processo de Gestão Democrática e Participativa,
garantindo uma gestão integrada, envolvendo poder executivo, legislativo,
judiciário e a sociedade civil;
- garantir acesso amplo às informações territoriais a todos os cidadãos;
- monitorar a aplicação dos instrumentos do Plano Diretor e do Estatuto da
Cidade, especialmente daqueles previstos pelo art. 182, § 4º, da Constituição
Federal.
- o conselho da cidade ou similar, com representação do governo, sociedade
civil e das diversas regiões do município, conforme estabelecido na resolução
13 do Conselho das Cidades;
- conferências municipais;
Gestão
Democrática do
Sistema
- audiências públicas, das diversas regiões do município, conforme parâmetros
estabelecidos na Resolução nº 25 do Conselho das Cidades;
- consultas públicas;
- iniciativa popular;
- plebiscito;
- referendo.
Fonte: BRASIL, 2005b
112
Elemento este que, realçando o paradigma da gestão democrática da cidade,
se coaduna com a idéia de que não basta pensar um projeto de desenvolvimento
municipal e, a partir disso, elaborar um PDM que se quer participativo. É preciso,
igualmente, estruturar uma práxis de gestão urbana no município que garanta a
realização dos objetivos e metas contidos na lei do plano e, ainda, que tal processo
seja passível de ser acompanhado pela população interessada.
Mais do que a quantidade e diversidade de procedimentos e conteúdos
exigidos para a elaboração de um PDM, o que deve ser observado a partir dos
Artigos 42 e 23 do EC e das Resoluções 25 e 34 do Concidades, do ponto de vista
da geografia em geral e da perspectiva miltoniana em especial, é a confirmação que
estes recursos institucionais devem ser considerados tanto sob o ponto de vista do
território normado como do território como norma. O território normado tem haver
com a ação de um Governo municipal de delimitar áreas especiais (formas
geográficas) para aplicar os instrumentos contidos no Estatuto e para normatizar os
possíveis usos que os agentes sociais podem fazer do território. Já o território como
norma significa dizer que um Governo municipal, mesmo tendo autonomia política e
legitimidade social para tomar decisões, somente pode agir considerando,
sobretudo, os conteúdos técnicos e institucionais do território.
Por tudo isso, se acredita que pela qualidade e quantidade dos instrumentos
sistematizados
para
o
planejamento
e
gestão
do
território
–
e
daí
o
desencadeamento de um novo conjunto de práticas técnicas, políticas e jurídicas – o
Estatuto da Cidade tenha se tornado um paradigma para a consolidação de um
modelo democrático de planejamento e gestão urbana. Modelo este que tem viés
progressista por incorporar elementos oriundos do modelo empresarial de gestão
urbana, mas que, ao mesmo tempo, possui um viés conservador visto que se trata
de um planejamento e gestão urbana operacionalizada via modelo tradicional, isto é,
fundamentado na edição de normas jurídicas de cunho regulatório (zoneamentos,
códigos, leis etc.).
Mas a existência de todos estes recursos não significa dizer que o Estatuto da
Cidade esteja sendo apropriado e utilizado da mesma forma pelas municipalidades
brasileiras e baianas (Tabela 5). Sejam instrumentos de planejamento e gestão
municipal mais antigos como as leis de perímetro urbano e de zoneamento, sejam
instrumentos preconizados pelo EC como a Operação Urbana Consorciada, o
Outorga Onerosa do Direito de Construir e o EIV, com efeito, o fato é que poucos
113
municípios baianos estão utilizando os instrumentos disponíveis como recurso
institucional para a promoção do ordenamento territorial e para a indução do
desenvolvimento.
Tabela 5 – Bahia: existência (%) nos municípios de instrumentos do Estatuto da
Cidade e de outros instrumentos de planejamento e gestão urbana, 20041 e 2005
Instrumentos
% de municípios
Gestão Orçamentária Participativa
64,5
1
Lei de Perímetro Urbano
41,7
Código de Obras
33,8
Contribuição de Melhoria
29,7
Conselho Municipal de Meio Ambiente (ativo)
1
29,0
Utilizam Instrumentos do Estatuto da Cidade
18,9
Outorga Onerosa do Direito de Construir
18,9
Lei de Parcelamento do Solo
16,5
Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)
8,2
Lei de Zoneamento ou Equivalente
7,4
Operação Urbana Consorciada
6,7
Conselho Municipal de Política Urbana – paritário
3,1
Conselho Municipal de Habitação – paritário
3,1
1
Fontes: cálculo do autor a partir dos dados do IBGE, 2006; IBGE, 2005
Este preocupante quadro aponta para o problema que Castro (2005a),
considerando
a
localização
das
instituições
e
apropriação
dos
recursos
institucionais, trata como territorialidade das instituições. Assim escreve a autora:
[...] a necessidade de a isonomia da norma legal confrontar-se com
instituições que se territorializam e, nesta condição, atuam de modo
desigual em territórios socialmente diferenciados. Mesmo que os
recursos institucionais de participação e de controle da gestão do
poder público colocados à disposição da sociedade sejam os
mesmos, as formas de apropriação destes recursos pelas
sociedades locais são diferenciadas e, consequentemente, os
resultados alcançados são muito diferentes (CASTRO, 2005a,
p.48).
Todavia a realidade dos fatos põe em xeque o Estatuto da Cidade como
elemento fundante, na atualidade, de outro modelo de planejamento e revela os
seus limites. Mesmo que os seus instrumentos estejam previstos nas leis dos PDM
114
pelos Governos municipais por serem reconhecidos pelos planejadores e gestores
como eficazes para a administração e desenvolvimento municipal, a implementação
destes instrumentos mostra-se problemática.
Será que os instrumentos preconizados pelo EC são incluídos nas leis dos
PDM, mas nem sempre implementados após a sua aprovação, porque não existe
outra norma federal que obrigue os Governos municipais a tal ação?
115
5 PROGRAMAS RECENTES ENVOLVENDO A ELABORAÇÃO DE PLANOS
DIRETORES MUNICIPAIS NA BAHIA
Diante dos princípios que o fundamentam, das diretrizes que preconiza e dos
instrumentos sistematizados ou criados, pode-se afirmar que a promulgação do
Estatuto da Cidade em 2001 pelo Governo federal representou um verdadeiro marco
para o planejamento e gestão urbana empreendida pelo Poder Público municipal.
Por ter força normativa, visto que é uma lei federal, o Estatuto da Cidade
passou mesmo a ter apelo paradigmático. Desta forma, qualquer iniciativa de órgãos
públicos,
instituições
de
pesquisa
e
pós-graduação,
organizações
não-
governamentais, organismo de financiamento de políticas públicas (nacionais ou
internacionais) e/ou empresas privadas especializadas em planejamento urbano
tiveram que adequar ou formatar, a partir de 2001, quaisquer projetos envolvendo a
elaboração de PDM ao que fora estabelecido pelo EC e também, a partir de 2003,
pelo Concidades.
Neste sentido, esta seção pretende analisar dois projetos que mesmo tendo
PDM como produtos a serem elaborados percorreram caminhos institucionais,
teóricos, técnicos, e até mesmo ideológicos, bastante distintos. Adianta-se que um
marcado pela complexidade e sofisticação dos PDM, mas também pela extrema
fiscalização imposta às municipalidades. Já o outro marcado pela simplicidade dos
PDM, por vezes extrema, mas, por outro lado, pelo caráter pedagógico e autônomo
do processo de planejamento municipal.
5.1 O PROGRAMA DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL E DESENVOLVIMENTO DE
INFRA-ESTRUTURA URBANA – PRODUR
No estado da Bahia, após um longo período sem a formulação de políticas
urbanas que tivessem em seu escopo a práxis de planejamento urbano, entra em
vigência em 1997, portanto anos antes do Estatuto da Cidade, o Programa de
Administração Municipal e Desenvolvimento de Infra-estrutura Urbana (Produr), que
vigoraria até setembro de 2004.
116
Este programa foi concebido desde, o início dos anos 1990 pelo Governo da
Bahia como Programa de Desenvolvimento Urbano nos moldes de programas
similares colocados em prática em estados como Paraná, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, Minas Gerais e Ceará e com financiamento do BM (RIBEIRO FILHO,
2006). Cabe, ainda, destacar que na fase inicial de concepção do Produr para
apresentá-lo ao BM os estudos preparatórios contaram com consultorias dos
pesquisadores Paulo Haddad e Sylvio Bandeira de Mello Silva.
Na Bahia a primeira formatação do Produr se deu no seio da então Secretaria
do Planejamento, Ciência e Tecnologia do estado da Bahia (Seplantec), cuja
finalidade era a coordenação e promoção da execução das políticas e programas
integrados de desenvolvimento municipal, urbano e regional. O Produr, assim como
nos outros estados, apresentou como foco dos seus diversos programas e ações o
município, mais precisamente a sede municipal, tendo em vista a execução da
política estadual de desenvolvimento urbano (CAR, 1996).
Segundo o Manual Operacional do Produr (volume 1) – orientação aos
municípios (CAR, 1997), o arranjo institucional que viabilizou o programa foi o
seguinte: o agente executor foi a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional
(CAR) pertencente à estrutura da Seplantec; o agente repassador dos recursos
negociados junto ao BM (planejado para 50% do total do programa foi o Banco de
Desenvolvimento do estado da Bahia S/A (Desenbanco) até o ano 2000, quando o
agente financeiro passou a ser a Agencia de Fomento do estado da Bahia S/A
(Desenbahia); e os beneficiários do programa foram prefeituras e empresas
municipais e algumas empresas públicas estaduais, desta forma tanto o Governo da
Bahia como os Governos municipais deveriam apresentar contra-partidas aos
financiamentos obtidos, 35% e 15% respectivamente, em prazos variados.
Ainda segundo o manual operacional do Produr, que seguiu as diretrizes do
BM contidas no documento Staff Appraisal Report – Bahia municipal infrastructure
development and management project (WORLD BANK, 1997a) os principais
objetivos declarados do programa foram:
(i) Aumentar a capacidade institucional e financeira dos municípios para planejar,
financiar e executar projetos e programas de desenvolvimento urbano cujos custos
fossem recuperáveis resultando, assim, na “redução da dependência dos municípios
das transferências do estado” (RIBEIRO FILHO, 2006);
117
(ii) Possibilitar a elevação do padrão de qualidade de vida da população local,
sobretudo aquelas localizadas em áreas carentes, financiando investimentos em
infra-estrutura urbana e/ou regional, com uma preocupação especial quanto ao
impacto ambiental;
(iii) Promover a coordenação e uma maior integração entre as administrações
públicas estadual e municipal, visando a implantação da Política Estadual de
Desenvolvimento Urbano.
Outros objetivos não explicitados no manual operacional, mas citados por
Ribeiro Filho (2006, p. 169) a partir da consulta à versão final do projeto elaborado
pelo BM, foram: “Desenvolver um sistema para mapear a pobreza urbana no Estado
da Bahia, para orientar nas estratégias de investimentos públicos” e “Apoiar a
privatização e a concessão de serviços”.
Tendo sido o Produr idealizado para agir em duas linhas diretivas gerais –
“institucional development (ID) [...] and an urban infrastructure (UI)” (BANCO
MUNDIAL, 1997b, p. 2) – operacionalmente ele foi formatado em três subprogramas,
cada um por sua vez detalhado em diversos componentes e projetos (Quadro 13).
Neste quadro chama-se atenção para o fato de que a elaboração de PDM se
constitui em apenas um dos mais de 25 projetos existentes no programa
pertencendo, especificamente, ao componente Planejamento Urbano e à linha de
intervenção denominada como Desenvolvimento Institucional (DI). A principal
finalidade da linha DI foi:
[...] incentivar mudanças no padrão gerencial das administrações
municipais, visando sobretudo a recuperação financeira das
prefeituras através de instrumentos e meios que possibilitem
aumento da arrecadação e planejamento dos investimentos (CAR,
1997).
Ressalte-se que nos subprogramas Desenvolvimento Institucional e Áreas
Carentes os repasses do agente financiador – correspondendo a até 85% do
investimento em cada projeto – foram a fundo perdido, enquanto que no
subprograma Infra-estrutura Urbana os prazos de pagamento variaram de 10 a 15
anos, de acordo com o tipo de projeto, sob a incidência de uma taxa de juros anual
de 10% (CAR, 1997).
118
Quadro 13 - Subprogramas, componentes e projetos integrantes do Produr na Bahia
Subprograma
Componente
Projeto
Informatização
Cadastro Técnico
Modernização Administrativa
Código Tributário
Elaboração de Leis
Reforma Administrativa
Base Cartográfica
1 - Desenvolvimento
Institucional
Planejamento Urbano
Perfil Sócio-Econômico
Plano Diretor Urbano
Estudos e Programas
Cursos
Seminários
Capacitação de Recursos
Humanos
Palestras
Workshop
Treinamento em serviço
Abastecimento de Água
Esgoto Sanitário
Limpeza Pública
Saneamento Básico
Drenagem
Pavimentação
Controle de Erosão
2 -Infra-estrutura
Urbana
Contenção de Encostas
Investimentos
Complementares
Abastecimento
Iluminação Pública
Manutenção Urbana
Matadouros
Mercados
Terminais Portuários
Apoio ao Desenvolvimento
Regional
Terminais Turísticos
Terminais Aeroviários
Urbanização de Áreas
Periféricas
3- Áreas Carentes
Recuperação de Novos
Alagados
Projetos Integrados de
Saneamento Básico
Fonte: CAR, 1997
No entanto, o próprio manual operacional já esclarecia que para celebrar os
contratos e os convênios com o BM e com a CAR as municipalidades deveriam
119
participar de pelo menos dois subprogramas: o de Desenvolvimento Institucional e o
de Infra-estrutura Urbana. Mais que isso. O município somente seguiria no Produr,
recebendo os recursos contratados, caso a execução da primeira etapa fosse bem
avaliada pelos agentes executor (CAR) e financiador (BM). Tal fato denota a grande
importância atribuída às ações de DI sempre constante na agenda do BM.
Imposição esta que caiu por terra quando se verificou que mesmo com os
créditos já depositados os municípios não os podia sacar visto que não conseguiam
avançar do primeiro para o segundo subprograma (RIBEIRO FILHO, 2006). Mas
estas foram somente duas das muitas exigências impostas aos municípios para que
estes pudessem participar do programa. A razão disso é o pano de fundo que deu o
tom ao verdadeiro significado do Produr:
A participação do BM [Banco Mundial] no PRODUR foi muito mais do
que a de um simples agente financeiro que, muitas vezes, empresta
os recursos e fica alheio ao desenvolvimento do projeto. Na
realidade, o BM foi o “autor intelectual” do Projeto e zelou para que
ele não se desvirtuasse em momento algum do modelo dos PDMs
[Planos de Desenvolvimento Municipal]. Para tanto, controlou
rigorosamente todas as fases do Projeto e exigiu prestações de
contas freqüentes à CAR. Regularmente, esta enviava relatórios de
desempenho a Washington, e, pelo menos duas vezes ao ano, o BM
enviava missões de avaliação à Bahia. Além disso, todos os projetos
de ajustes urbanos ou de “reformas municipais” passavam pelo aval
do BM. Enfim, como afirmou a Coordenadora do PRODUR: ‘O tempo
todo o Banco estava monitorando’ (RIBEIRO FILHO, 2006, p. 171).
Pode-se dizer que, grosso modo, este programa encampado pelo Governo
baiano significou a versão adaptada e ampliada do documento Bahia Municipal
Development Project do BM (WORLD BANK, 1997a). E concorda-se com Ribeiro
Filho (2006), quando este afirma que tal documento objetivou disseminar as
estratégias de ação desta instituição financeira internacional no que diz respeito ao
planejamento e implementação de políticas urbanas pelos governos municipais.
Aliás, desde anos 1970 esta instituição se voltou para os problemas oriundos
do processo de urbanização desordenada característico das grandes cidades dos
países capitalistas em desenvolvimento. Num primeiro momento como forma de
conter o avanço dos ideais comunistas de então no seio da população urbana mais
pobre. Tal intencionalidade se objetivou por meio de ações como o financiamento de
projetos de urbanização de favelas, a provisão de lotes urbanizados, a melhoria dos
120
transportes urbanos e, ainda, o financiamento de alguns projetos de abrangência
regional.
Já nos decênios 1980/90 o BM passou a focar mais nos projetos de provisão
de infra-estruturas/serviços
urbanos e de desenvolvimento institucional da
administração pública, ambas as ações com base no discurso de desenvolvimento
municipal. Tais ações podem ser interpretadas como uma resposta à agudização de
problemas socioeconômicos em pequenas e médias cidades latino-americanas
desencadeada após o esforço empreendido pelo pensamento neoliberal para que a
ação do Estado na regulação econômica, social e territorial fosse diminuída.
O PRODUR é um típico PDM [Plano de Desenvolvimento Municipal],
cujo modelo foi desenvolvido pelo BM no início dos anos de 1980
para promover ajustes nas cidades, seguindo a mesma orientação
dos ajustes estruturais e setoriais neoliberais implementados na
escala do governo nacional. Os objetivos declarados no Projeto não
deixam dúvidas sobre as ações reformistas pretendidas pelo BM:
realizar “reformas municipais”, com vistas a elevar receitas locais,
privatizar serviços públicos municipais e urbanizar áreas faveladas
(RIBEIRO FILHO, 2006, p. 213).
É neste contexto de indução exógena de reformas municipais e sob
condicionantes de ordem financeira, técnica e política, já que a afinidade políticopartidária entre Governos municipais e Governo estadual também pesou para a
seleção das municipalidades (RIBEIRO FILHO, 2006), que o Produr se
consubstanciou num amplo programa de elaboração de PDM (96 no total) no bojo
dos projetos voltados, em última instância, para o desenvolvimento institucional de
municípios baianos (Figura 7).
Estimulando a contratação de diversas empresas de consultoria, via licitação,
para a completa elaboração dos produtos previstos, os PDM do Produr tinham como
principal objetivo, segundo documento da CAR (1997b, p. 28), dotar os municípios
“do instrumental necessário ao efetivo planejamento e ordenação de suas ações, de
modo a promover um desenvolvimento urbano mais integrado e que conduza à
melhoria da qualidade de vida da população”. No entanto, Ribeiro Filho (2006)
chama a atenção, muito apropriadamente, para uma outra função dos PDM: a de
difundir idéias ou doutrinas do BM.
O modelo e a metodologia dos PDM do Produr diferem bastante dos tipos de
PDM elaborados até então. Antes o enfoque dos planos recaía sobre problemas
municipais, que na verdade dizia respeito somente à cidade, tipo – delimitação do
121
perímetro urbano e previsão de área de expansão urbana; zoneamento dos usos do
solo urbano; definição da localização de equipamentos urbanos (mercado, postos de
saúde, escolas, praças etc.) e de atividades econômicas; pavimentação de vias;
água e esgoto; entre outros. Mas, em terras baianas, o Produr inova ao tentar
difundir em larga escala o planejamento estratégico e a gestão empresarial de
cidades, apesar de ter sofrido em 2001 as devidas adaptações ao texto do Estatuto
da Cidade.
Figura 7 – Municípios baianos que elaboraram PDM pelo Produr
±
0
50
100
200 Km
Fonte: elaboração do autor
Nessa perspectiva, não é de se estranhar, portanto, que as cartilhas do
Produr abordassem temas como: projetos estratégicos; programas de investimentos;
articulação intra-institucional com outros instrumentos de planejamento municipal;
122
abrangência municipal/regional; ação gerencial com foco em resultados; capacitação
do setor público; participação comunitária; pacto territorial etc. (CAR, 1997b; 2002).
Para adaptá-lo ao EC a CAR elaborou um Termo de Referência que,
chancelado pelo BM, deveria ser utilizado como uma espécie de guia para que as
empresas de consultoria contratadas pelos Governos municipais elaborassem os
PDM sem fugir da essência do modelo original. Trocando em miúdos, isto significa
dizer que houve uma padronização da metodologia e dos conteúdos dos PDM para
facilitar o monitoramento e a execução do programa, conforme exigência do próprio
agente financiador, já que relatórios parciais e os produtos elaborados tinham que
ser submetidos a CAR para que seus consultores os revisassem e emitissem
pareceres.
O Quadro 14 traz os princípios básicos e os principais itens que o Termo de
Referência da CAR (CAR, 2002) coloca como aspectos e itens que deveriam estar
obrigatoriamente presentes em todos os PDM elaborados no âmbito do Produr.
Quadro 14 – Princípios norteadores dos PDM do Produr e os principais produtos a serem
elaborados pelas empresas de consultoria
Princípios
Principais produtos
- Indicar metas e objetivos viáveis e em acordo
com os interesses a comunidade e da
Prefeitura;
- Relatório de Planejamento Estratégico:
contendo a análise estratégica (SWOT); o pacto
territorial (participação comunitária); mapas; etc.
- Esboçar estratégias de desenvolvimento
urbano, que apontem no sentido da
sustentabilidade, da autodeterminação e da
eficácia, eficiência e equidade dos sistemas
propostos;
- Traçar políticas e diretrizes direcionadas,
evitando um leque muito grande de
recomendações, com poucas prioridades, pois
quem as tem em excesso acaba por não ter
nenhuma;
- Distinguir conceitualmente programas, projetos
e ações.
- Relatório do Plano Diretor: contendo: cenários;
o partido urbanístico; os projetos estratégicos;
mais mapas; o balcão de informações; o
caderno de oportunidades de desenvolvimento;
e os instrumentos administrativos (modelos de
planejamento e gestão).
- Relatório Final: contendo a síntese dos dois
produtos anteriores; o Relatório de Legislação
(instrumentos jurídicos de ordenação urbana); e
material de divulgação.
Fonte: elaboração do autor a partir da CAR, 2002
Frente à metodologia híbrida contida no Termo de Referência e nos próprios
PDM resultantes, que combinaria as “virtudes” de diferentes modelos de
planejamento urbano, Rocha (2004) afirma que não se pode rotular os PDM do
123
Produr de planos tradicionais, estratégicos ou participativos. Todavia, Ribeiro Filho
(2006) aponta opinião diametralmente oposta em, pelo menos, duas passagens:
Os planos diretores, mais do que simples instrumentos para controle
e ordenamento do crescimento urbano, tinham um caráter
estratégico, visando atrair investimentos para as cidades que
alavancassem a economia local gerando emprego e renda, mas,
sobretudo, receitas (RIBEIRO FILHO, 2006 p. 200).
O TR [Termo de Referência] para plano diretor foi o documento do
PRODUR, no qual as idéias sobre planejamento urbano e gestão
urbana difundidas pelo BM manifestaram-se de forma mais evidente,
constituindo-se, assim, no principal documento no âmbito do DI
[Desenvolvimento Institucional] de difusão da agenda do BM para as
cidades baianas. O documento indicou detalhadamente todos os
elementos que deveriam constar dos planos diretores, a metodologia
a ser usada, o produto a ser entregue ao final dos trabalhos.
Constituía-se em verdadeiro receituário que deixava pouco ou
nenhum espaço para manobra (RIBEIRO FILHO, 2006, p. 217, grifo
nosso).
De forma sintética, estas são as considerações analíticas mais importantes
sobre o Produr para esta pesquisa, visto que o foco dela não é o programa em si,
mas justamente dois de seus produtos: o PDM de Morro do Chapéu, elaborado entre
2003 e 2005; e o PDM de Barra do Choça, elaborado entre 2004 e 2006. Ambos os
PDM serão analisados em capítulo posterior juntamente com mais dois PDM
desenvolvidos no âmbito de um outro programa formatado especificamente para tal
finalidade. Na próxima seção este será o tema tratado.
5.2 O PROGRAMA DE APOIO A ELABORAÇÃO DE PLANOS DIRETORES
PARTICIPATIVOS DOS MUNICÍPIOS DOS ESTADO DA BAHIA – PDP-BA
Desde a sua criação em 2003, a principal prioridade declarada do Ministério
das Cidades (MCID) foi apoiar “o planejamento territorial urbano e a política fundiária
dos municípios” (MCID, 2007). E tal prioridade se desdobrou de lá para cá em
diversas ações cuja finalidade comum foi, justamente, a aplicação dos instrumentos
previstos pelo EC, incluindo aí a elaboração ou a revisão de PDM.
Em termos de estrutura institucional do MCID coube à Secretaria Nacional de
Programas Urbanos (SNPU) “apoiar a implementação do Estatuto das Cidades e
assessorar os municípios na elaboração de seus Planos Diretores” fazendo uso de
124
recursos provenientes do Orçamento Geral da União (OGU) (MCID, 2007). Para
tanto, entre outros programas, foi criado em 2005 o programa Fortalecimento da
Gestão Municipal Urbana tendo como objetivo básico “reforçar a capacidade de
gestão territorial e urbana, por meio do apoio e da capacitação dos municípios na
elaboração ou revisão do Plano Diretor Participativo” (MCID, 2005).
No âmbito deste programa a principal ação realizada foi a denominada Ação
1: Apoio à implementação dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e
elaboração de Planos Diretores, encampada ainda em 2005. Para que os municípios
pudessem aderir a tal ação, e assim receber os recursos federais previstos, era
necessário que submetessem propostas elaboradas conforme documento específico
elaborado pelo MCID: o Manual de Apresentação de Propostas (MCID, 2005). As
diretrizes que nortearam este programa e, portanto, a seleção de propostas foram as
seguintes:
-
Estimular a gestão democrática por meio de processos participativos no
planejamento e na gestão urbana e territorial;
- Neste processo, estimular a associação e a cooperação entre municípios;
- Estimular a organização de uma rede de apoio técnico, jurídico e social para a
implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU);
- Estabelecer mecanismos de monitoramento e controle social para implementação
da ação com o apoio técnico, capacitação e acompanhamento da elaboração dos
PDM, junto aos municípios;
- Garantir que o trabalho dos consultores, caso houvesse necessidade de
contratação pelos estados, municípios e Distrito Federal, conduzisse à capacitação
institucional das prefeituras, de instituições locais e de segmentos da sociedade civil;
- Potencializar e articular programas, ações e recursos, no âmbito do Governo
federal e parcerias externas, para a elaboração de PDM; e
- Articular as ações do programa com as demais ações de ordenamento territorial,
no âmbito do Governo federal.
É neste cenário institucional deflagrado com o programa da SNPU,
especialmente a Ação 1, que é formatado pela Confederação Nacional dos
Municípios (CNM), entre 2005 e início de 2006, o Programa de Apóio à Elaboração
125
de Planos Diretores Participativos dos Municípios do estado da Bahia, ou
simplesmente PDP-Ba, seguindo as diretrizes e metodologia descritas no próprio
manual do MCID. Ele foi lançado em julho de 2006 e encerrado oficialmente em
maio de 2007.
A CNM é uma entidade municipalista de natureza jurídica não-governamental
que tem a faculdade de representar legalmente os interesses dos municípios a ela
filiados. Seu principal foco de atuação, mas não exclusivo, até então era a prestação
de serviços de assistência político-institucional aos municípios associados,
marcadamente os de natureza tributária. Adentrando na área de prestação de
serviços técnicos, o PDP-Ba significou um projeto da CNM que teve como objetivo
viabilizar, técnica e financeiramente, a elaboração de PDM por meio da capacitação
dos técnicos municipais e formação de uma rede de assistência técnica de apoio à
equipe das prefeituras (CNM, 2006). Projeto este inspirado no citado programa da
SNPU, porém não financiável aos municípios. Estes tiveram que bancar os gastos
com recursos próprios.
Ao contrário do formato institucional do Produr, a única exigência para que as
municipalidades aderissem ao referido programa foi a filiação formal delas à CNM,
sem o que a entidade não poderia representar legalmente o município. Logo em
seguida, o município deveria assinar um Termo de Adesão ao programa, definindo
qual seria o caráter da sua adesão: elaborar o PDM ou apenas revisá-lo.
Segundo o supervisor geral do PDP-Ba, três razões iniciais para os
municípios aderirem ao programa foram: (i) a imposição do Estatuto da Cidade para
que os PDM estivessem elaborados até 31 de outubro de 2006, portanto um
exemplo clássico de casuísmo; (ii) a maior facilidade para a captação de recursos
governamentais e de outras instituições de financiamento caso o município tivesse o
PDM, aqui uma razão de ordem financeira; e (iii) o baixo preço praticado pela CNM
em relação aos preços praticados por empresas de consultoria, razão também de
ordem financeira (ALMEIDA NETO, 2007).
Almeida Neto (2007) grifa que o interesse em participar do programa em
função da oportunidade de se desenvolver uma “cultura de planejamento” sequer foi
levada em consideração pelos gestores locais no momento de adesão ao programa.
A Figura 8 traz o total de municípios que aderiram ao PDP-Ba, que começou com 25
municípios sendo que mais três – Campo Alegre de Lourdes, Oliveira dos Brejinhos
e Tanhaçu – ingressaram logo depois.
126
Figura 8 – Total de municípios baianos que aderiram ao PDP-Ba
±
0
50
100
200 Km
Fonte: elaboração do autor
Mesmo sem que a CNM tenha promovido qualquer tipo de seleção, o traço
comum básico dos municípios participantes foi o pequeno tamanho da população e
o baixo peso destas economias municipais no rol da economia baiana como um
todo. As populações municipais, tomadas no ano 2000, variaram entre 20 mil (a
maioria) e 75 mil habitantes (SEI, 2004). Da mesma forma, suas economias
variavam entre 0,04% e 0,22% de participação no Produto Interno Bruto – PIB
baiano de 2004 (SEI, 2006).
Como se observa, foram as pequenas municipalidades (independentemente
de questões políticas, socioeconômicas e ambientais) que mais se interessaram em
participar do PDP-Ba. Talvez a fragilidade institucional e financeira que marca a
estrutura administrativa destes pequenos municípios tenha sido uma motivação a
127
mais para o interesse em participar do programa, complementando as três razões
enumeradas por Almeida Neto (2007).
Segundo a cartilha que descreve a metodologia do PDP-Ba (CNM, 2006) o
programa possuiu quatro macros objetivos, a saber: (i) resgatar a capacidade de
planejamento urbano das administrações locais; (ii) dar condições para que estas
administrações possam implementar a política urbana ora formulada; (iii) fazer com
que estas administrações adotem ou desenvolvam, localmente, instrumentos de
gestão; e (iv) formar quadro técnico local apto a realizar a gestão do PDM instituído.
Estes objetivos procuram denotar, portanto, o que a CNM definiu como ênfase do
programa no protagonismo local.
A proposta metodológica de trabalho do PDP-Ba foi pensada e formatada
seguindo, unicamente, os procedimentos e/ou metodologias preconizados pelo
Estatuto da Cidade, pelas Resoluções 25 e 34 do Concidades e pelo próprio manual
do programa Fortalecimento da Gestão Municipal Urbana da SNPU.
Se o Produr pode ser criticado por se preocupar mais com a estruturação de
uma práxis de planejamento e gestão urbana de viés estratégico-empresarial nos
Governos municipais e se preocupar menos com a aplicação dos instrumentos de
ordenamento territorial e de indução do desenvolvimento contidos no EC, então o
PDP-Ba pode ser criticado pela centralidade total que o EC e o arcabouço jurídico
dele derivado exerceu sobre os artífices do programa. Tão central que, analisando
seu manual e suas cartilhas, não se percebe qualquer outra discussão teórica ou de
base empírica sobre planejamento urbano, territorial, regional etc. que fundamente,
ilustre ou enriqueça o próprio programa. Limitou-se, portanto, a uma visão legalista e
estatal da práxis de planejamento.
Para operacionalizar seu método de forma que pudesse atingir os objetivos
propostos, o PDP-Ba foi estruturado em quatro etapas sucessivas com conteúdos e
objetivos específicos, porém inter-relacionados, pelas quais um mau desempenho
em uma etapa iria comprometer, inexoravelmente, a execução das etapas que se
seguiriam. O Quadro 15 traz alguns detalhes de cada uma das quatro etapas.
Cada uma destas etapas subdividiu-se em diversos momentos e atividades,
sempre seguindo uma ordem lógica e cronológica. Descrever todas elas foge ao
escopo desta pesquisa. No entanto, segundo informações contidas no documento
Manual para elaboração dos Planos Diretores Participativos (CNM, 2006) e outras
informações retiradas do depoimento do supervisor geral do programa (ALMEIDA
128
NETO, 2007), podem ser listadas outras características e procedimentos, senão os
principais, do PDP-Ba.
Quadro 15 – As quatro etapas do PDP-Ba
Etapas
Descrição
Elaboração do Plano
de Ação
É o documento que define a estratégia de elaboração do plano diretor
participativo. Através dele será estabelecido o marco inicial de pactuação
da sociedade (Poder Público + sociedade civil + iniciativa privada) em
torno do processo de elaboração do plano diretor participativo. É nesta
etapa, por exemplo, que é formada a equipe de técnicos locais que será
capacitada pelos consultores técnicos da CNM e que coordenará
localmente o processo de planejamento, inclusive sendo responsável
pela articulação entre Poder Público municipal e sociedade civil e pelo
levantamento inicial das informações e dados existentes no município
(inventário preliminar).
Leitura da Realidade
Municipal
Compreende atividades de levantamento e organização de dados e
informações sobre as características do município e sua discussão com a
população. São duas as leituras: a técnica - diagnóstico do município feito
pelos técnicos municipais com base nos dados oficiais dos órgãos
federais e estaduais, além de outros existentes na Prefeitura; e a
Comunitária - identificação dos problemas, potencialidades e conflitos
realizada pelos diversos segmentos que compõem a sociedade civil
(empresários, profissionais, trabalhadores, movimentos, populares,
ONG`s, associações, grupos de jovens, maçonaria, igrejas, conselhos
etc).
Seleção e pactuação
de propostas, temas e
eixos prioritários
Elaboração do projeto
de lei do plano diretor
participativo
Compreende o estabelecimento da hierarquia das ações e metas a serem
implementadas pelo plano diretor participativo. O objetivo desta etapa é
estabelecer a agenda de desenvolvimento do município através de um
pacto com a sociedade civil. Selecionados os temas prioritários, deverão
ser definidos os objetivos, instrumentos e estratégias que nortearão as
ações a serem realizadas em prol do desenvolvimento municipal.
Consiste no trabalho técnico de transformar em projeto de lei os temas,
propostas e eixos prioritários tirados e pactuados na etapa anterior.
Contudo, o documento final passa por duas aprovações: uma na
conferência municipal com a participação da população e outra na
Câmara de Vereadores. Trata-se, em realidade, da prévia aprovação
popular do projeto de lei do plano diretor participativo.
Fonte: elaboração do autor a partir da CNM, 2006
Em relação à formatação institucional do PDP-Ba, foi condição básica e
amplamente divulgada junto aos Governos municipais que a CNM não elaboraria os
PDM. Seguindo as diretrizes do programa da SNPU, a CNM exigiu que as
prefeituras formassem uma equipe com técnicos municipais cujo perfil profissional os
habilitasse a atuar no Núcleo Gestor Local (NGL) responsável pela organização e
condução das atividades atinentes ao processo de elaboração dos PDM. Para tanto,
129
a CNM capacitaria e orientaria estes técnicos mediante visitas dos técnicos da CNM,
treinamentos in loco ou em Salvador ou mesmo via telefone ou internet. Isto significa
dizer que a relação prefeituras versus CNM foi de assistência técnica, não se
caracterizando como consultoria propriamente dita.
Interessante registrar que dentro deste formato fez parte do PDP-Ba tanto a
coleta em órgãos públicos federais e estaduais e em concessionárias de serviços
públicos (água, energia, telefonia) de produtos cartográficos necessários ao
planejamento físico-territorial, como também a produção de mapas temáticos pelos
técnicos locais assistidos pelos da CNM. Produtos tipo: atualização das plantas da
cidade-sede, das vilas distritais e até mesmo do mapa municipal; elaboração de
mapas de uso e ocupação do solo urbano; macrozoneamento municipal; elaboração
de mapas temáticos sobre a distribuição das redes de infra-estrutura e dos
equipamentos públicos (educação, saúde, lazer, governamentais etc.), entre outros.
Somente tal fato já se constituiu num importante ganho administrativo para os
Governos municipais.
No que diz respeito ao método de trabalho, pode ser dito que o da CNM foi
peculiar. Via de regra, uma empresa de consultoria monta, a cada PDM a ser
elaborado, uma equipe técnica com grande número de profissionais das áreas mais
correlatas a este tipo de serviço – engenheiros (sanitaristas, civis ou agrimensores),
arquitetos, biólogos, geógrafos, geólogos, topógrafos, economistas, sociólogos,
administradores, cadistas etc.
Já a CNM organizou os trabalhos em apenas três tipos de funções com
produtos bem específicos: o físico-territorial; a mobilização social; e o jurídico. Daí
que contratou, aí sim sob o regime de consultoria, apenas 12 profissionais com
perfis condizentes à cada um das três funções. Assim, foram criadas quatro equipes
de trabalho para assistirem aos 28 municípios participantes do PDP-Ba, ou seja,
cada equipe de três consultores ficou atrelada a um grupo de sete municípios
geograficamente delimitados pela supervisão local, mas submetidos ao crivo da
coordenação cujo escritório central fica em Brasília.
Ainda em relação ao método, ao início de cada etapa do programa foi
organizado pela CNM um encontro (uma espécie de seminário com dois ou três dias
de duração realizado em Salvador) entre todos os técnicos municipais envolvidos
diretamente na elaboração dos PDM e o staff técnico da CNM – coordenação,
supervisão e técnicos contratados. A finalidade destes encontros foi informar às
130
equipes locais sobre o andamento geral do programa e, principalmente, capacitar os
técnicos para as atividades que viriam por meio de palestras, treinamentos e
exercícios práticos envolvendo a práxis de planejamento.
Em termos de operacionalização todas as etapas do PDP-Ba foram
executadas mediante a realização de reuniões comunitárias, especialmente a leitura
comunitária da realidade municipal e toda a etapa envolvendo a seleção e
pactuação de propostas. Já o produto final de cada etapa se materializou na
confecção de relatórios temáticos pelos técnicos municipais, mas revisados pelos da
CNM, a saber: Relatório do Plano de Ação; Relatório de Leitura da Realidade
Municipal; Relatório de Pactuação. Após a revisão pela CNM todos estes
documentos deveriam ser apresentados à população via audiências públicas
especialmente convocadas para esta finalidade.
No caso da última etapa o produto elaborado teria que ser a minuta de lei do
PDM, que discutida e aprovada pela população em uma conferência municipal,
seguiria para a Câmara de Vereadores.
Como esta experiência de planejamento urbano é bem mais recente que a do
Produr falar sobre seus resultados se torna tarefa que requer ainda mais cuidados.
Mesmo assim, tomando-se o depoimento de Almeida Neto (2007) e a análise de
documentos produzidos no decorrer do PDP-Ba (relatórios, mapas, registros
fotográficos e em vídeos) é possível expor diversos fenômenos ocorridos na
operacionalização do programa.
Não obstante a CNM ter primado pelo protagonismo local na elaboração dos
PDM quando formatou o PDP-Ba, inclusive como estratégia para diferenciá-lo de
experiências como a do Produr, na fase executiva do programa tal princípio esbarrou
em diversas situações municipais não previstas inicialmente: falta de estrutura física
para o desenvolvimento das atividades de planejamento; pouca ou nenhuma
organização institucional por parte das prefeituras; muitos prefeitos e vereadores
sequer sabiam de fato o que era um PDM; a maioria dos prefeitos não deu o apoio
financeiro e político necessário ao processo de planejamento; muitos dos técnicos
municipais, por sua vez, não desempenharam o papel esperado, quer seja por falta
de espírito público quer seja por não terem conseguido entender os procedimentos e
as atividades do programa.
Somando-se ao quadro anterior, a própria metodologia da CNM apresentou
falhas. Pelo fato desta entidade não ter se predisposto a conhecer a realidade
131
cultural, institucional e política das municipalidades baianas antes de montar o
cronograma executivo do programa, ocorreu durante todo o PDP-Ba um grande
descompasso envolvendo os trabalhos realizados pelas equipes locais,
as
capacitações dadas e as atividades cobradas pela CNM. Por exemplo: muitos
municípios entravam em uma nova etapa sem ter concluído oficialmente a anterior,
que se encerrava com a elaboração do respectivo relatório. Resultado prático desta
situação: somente quatro municípios conseguiram cumprir o prazo do programa e
muitos, já no seu encerramento, nem haviam montado a minuta de lei para ser
apreciada pela população em audiência pública.
Outra falha marcante da metodologia do PDP-Ba se deu nas cartilhas,
treinamentos e capacitações organizados pela CNM. Os manuais não apresentaram
fundamentação teórica nem ofereceu muitos exemplos práticos para facilitar o
entendimento sobre planejamento urbano e PDM, se caracterizando mesmo pelo
enfoque jurídico do tema e pelo viés essencialmente pragmático das capacitações.
No tocante a estas capacitações, apesar das visitas freqüentes da equipe
técnica da CNM, a experiência mostrou que a opção por convocar os técnicos
municipais e os prefeitos para os quatro encontros realizados em Salvador foi
insuficiente e pouco frutífera. Em primeiro lugar porque muitas destas pessoas não
compareceram a todos os encontros; em segundo lugar porque muitos dos que
compareceram não entenderam e/ou não replicaram localmente os conteúdos
apresentados; e em terceiro lugar porque era alta a quantidade e a complexidade
das informações apresentadas oralmente. Talvez se a CNM tivesse priorizado a
realização de todos os treinamentos e capacitações in loco, ou seja, nos próprios
municípios e para um público maior, os resultados tivessem sido melhores.
Situações estas que instransponíveis para o período de vigência do
programa, especialmente as que dizem respeito às próprias dificuldades dos
Governos municipais, influenciaram, de um modo geral, bastante negativamente os
processos de planejamento e os PDM elaborados: alguns municípios tiveram as
atividades de planejamento muito concentradas em uma ou duas pessoas; em
outros não houve muita contribuição da população; em outros os PDM foram muito
sintéticos contendo o estritamente necessário; em outros PDM os conteúdos
apresentaram uma riqueza maior, todavia estavam mal estruturados; e em cinco
municípios os PDM não foram elaborados (três municípios abandonaram o
132
programa
e
dois
não
conseguiram
finalizar
as
atividades
por
questões
administrativas internas).
Mesmo diante de tal quadro, segundo Almeida Neto (2007), pode-se dizer
que o PDP-Ba obteve êxitos. Para muitos destes municípios o PDP-Ba representou
uma primeira experiência de planejamento e ordenamento do próprio território. O
programa também desempenhou um papel pedagógico na medida em que qualificou
os técnicos locais que optaram por se envolver, efetivamente, nas atividades
propostas, para trabalhar em outros programas, planos e projetos sob a
responsabilidade dos Governos municipais.
A apresentação das experiências de planejamento urbano e elaboração de
PDM do Produr e do PDP-Ba permite observar que cada uma delas teve seus
pontos fortes e pontos fracos. Mas tanto um como o outro levaram os Governos
municipais a agirem da forma que as instituições por detrás de cada programa
desejam. Mas tal fato se deu de forma diferenciada.
O PDP-Ba, operado pela CNM, soube se apropriar bastante do Estatuto da
Cidade, e da legislação dele derivada, enquanto recurso institucional para tentar
formatar um projeto de desenvolvimento. Inclusive se valendo de tais recursos como
meios de compelir o Executivo municipal a elaborar os PDM de forma participativa e
considerando os instrumentos contidos no EC, incluindo a prática do planejamento
urbano diferentemente da vertente físico-territorial clássica. Todas essas práticas
eram estranhas aos gestores e técnicos municipais.
Já o Produr, operado pelo BM, CAR e consultorias contratadas, se apropriou
menos do Estatuto da Cidade como recurso institucional com o desenvolvimento
como finalidade. Em realidade, foram as idéias e práticas do BM sobre planejamento
e gestão de cidades que fundamentaram o programa e o tipo de desenvolvimento a
ser alcançado. Nesses PDM os princípios e diretrizes do EC até que foram
incorporados ao discurso oficial dos Governos municipais, bem mais que os
instrumentos. No entanto, como o BM é uma instituição financeira privada não sendo
suas idéias e práticas normas jurídicas, os gestores e técnicos municipais não se
sentiram compelidos a fazerem planejamento urbano, os consultores contratados é
que tiveram a responsabilidade de planejar.
No próximo capítulo serão enfocados e analisados, detalhadamente, os
quatro PDM selecionados.
133
6 UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS PLANOS DIRETORES DE QUATRO PEQUENOS
MUNICÍPIOS BAIANOS
Ao longo dos capítulos anteriores diversos elementos, ora de natureza mais
teórica ora de viés mais pragmático, foram apresentados de modo a enquadrar o
problema de pesquisa proposto. Tal procedimento se revela um encaminhamento
necessário, mas não suficiente do ponto de vista da construção do conhecimento
cientifico que não prescinde, é claro, da análise dos dados e das informações
geradas no decorrer do estudo do objeto de pesquisa.
Por isso mesmo, é neste capítulo que todo o aporte teórico/informativo
pesquisado será direcionado a uma apreciação crítica dos quatro PDM selecionados
(Barra do Choça, Morro do Chapéu, São Felipe e Tremedal). Para tal empresa,
tornou-se necessário agrupar o esforço analítico em três blocos temáticos que se
consideram centrais. A premissa é que fracionando neste momento a análise é
possível, a posteriori, formular uma crítica mais adequada e profícua sobre cada
plano e, sobretudo, desvele aspectos gerais subjacentes ao processo de elaboração
de PDM como fenômeno político e institucional. São estes os três temas centrais:
a)
o processo de elaboração dos planos sob a perspectiva da participação
popular;
b)
o conteúdo efetivamente contemplado nas leis instituidoras dos planos;
c)
a opinião de pessoas que fizeram parte, diretamente, do processo de
elaboração.
Em termos dos critérios de análise utilizados, os temas centrais a e b são
cotejados com o teor específico discutido em capítulos anteriores, o que abarca
também os marcos legais apresentados. Até porque não se poderia afastá-los do
referencial teórico utilizado. Por sua vez, o tema c é aquele que se apóia na análise
das entrevistas realizadas em cada um dos municípios (ver roteiro das entrevistas e
a relação completa dos entrevistados nos Anexos B e C, respectivamente).
Neste momento, cabe salientar que como o Ministério das Cidades ainda não
formulou uma metodologia oficial para uma avaliação qualitativa e sistemática dos
PDM elaborados, utiliza-se geralmente como base para avaliações qualitativas e
para questionamentos formais no Ministério Público critérios extraídos a partir da
observância do Estatuto da Cidade, das Resoluções Concidades 25 e 34 e da leitura
134
do documento intitulado “Plano Diretor Participativo – guia para a elaboração pelos
municípios e cidadãos” (BRASIL, 2004).
6.1 CARACTERIZAÇÃO BÁSICA DOS MUNICÍPIOS ESTUDADOS
Antes de adentrar, efetivamente, na análise dos PDM faz-se necessário
elaborar uma caracterização básica dos quatro municípios. Nesta perspectiva, esta
caracterização procura trazer alguns elementos históricos, geográficos e políticoadministrativos de cada um deles.
Pretende-se com isso levantar aspectos da dinâmica municipal essenciais a
uma primeira caracterização de cada municipalidade. Amalgamada ao quadro
teórico-referencial da pesquisa, este tirocínio proporciona uma visão mais sistêmica
e realística das diferentes dimensões contempladas nos PDM elaborados. Assim, as
Tabelas 6 e 7 trazem algumas informações sobre os municípios selecionados.
Tabela 6 – Informações básicas sobre os municípios estudados
Município
Ano de
instalação
Distancia
da capital
Área do
município
Microrregião
Geográfica
(Km2)
(Km²)
(IBGE)
1
Território de Participação %
Identidade no PIB baiano
1
(SEPLAN-BA)
2004
Barra do Choça
1962
537
778,34
Vitória da
Conquista
Vitória da
Conquista
0,12
Morro do Chapéu
1864
386
5.531,85
Jacobina
Chapada
Diamantina
0,09
São Felipe
1880
178
198,70
Santo Antonio
Recôncavo
de Jesus
0,05
Tremedal
1953
588
1.641,10
Vitória da
Conquista
0,05
Brumado
1
Fontes: SEI, 2006; SEI/SEPLAN, 2007
Pelos dados apresentados poderia ser até aventada a hipótese de que se
está tratando com diferentes tipos de municípios. E é claro que fatores como:
localização geográfica, área municipal, e a densidade demográfica influenciam
diretamente no tipo de estratégia territorial adotada por cada Governo municipal. No
135
entanto, quando se confronta elementos como o tamanho da população, a marcante
proporção da população rural e o tamanho de cada economia municipal na formação
do Produto Interno Bruto (PIB) baiano deduz-se que suas realidades se apresentam
de forma muito similar.
Tabela 7 – Dados populacionais sobre os municípios estudados, 1970 e 2000
População
Residente
Total
Unidades políticoadministrativas
1970
População
Residente Urbana
(%)
% Variação
Total
1970 - 2000
Indicativo de
Residência na
cidade (2000)
2000
1970
2000
8.904
40.810
16,23
43,45
358,3
17.730
Morro do Chapéu
23.433
34.475
22,40
57,39
47,1
16.408
São Felipe
19.205
20.220
19,17
40,80
5,3
8.034
Tremedal
30.369
21.189
5,10
16,52
- 30,2
2.682
Barra do Choça
Fonte: SUDENE, 2008; SIDRA, 2008
Fato extremante peculiar a cada realidade municipal aparece na Tabela 7.
Enquanto Barra do Choça apresenta uma variação percentual da ordem de 350% na
população residente total (população urbana e população rural) desde que deixou de
ser um dos distritos de Vitória da Conquista (um pólo regional), o município de São
Felipe em quase nada variou neste mesmo período. Já Tremedal sofreu mesmo
uma perda liquida de população, já que Caraívas, um de seus distritos, se
emancipou em 1989. Note-se que os quatro municípios possuíam população
superior a 20 mil habitantes no ano-base 2000 estando, portanto, obrigados a
elaborarem seus PDM.
Ainda nesta linha de caracterização básica, apresenta-se um quadro-síntese
(Quadro 16) contendo um levantamento mais específico de cada município
selecionado, pois em última instância é esta especificidade espaço-temporal que faz,
ou deve fazer, com que cada lugar não aceite tratamentos homogeneizadores, quer
seja pelo Poder Público municipal quando da formulação de suas políticas, quer seja
pelos agentes econômicos – em especial as grandes empresas privadas e
instituições financeiras – quando da execução de suas estratégias econômicas no
município.
136
Quadro 16 – Síntese de informações para a caracterização geral dos municípios estudados
(continua)
TEMA
SÃO FELIPE
MORRO DO CHAPÉU
TREMEDAL
BARRA DO CHOÇA
Criação do município
Lei Provincial, 1.952 de
29/05/1880. Lei estadual
vigente, 628 de 30/12/1953.
Lei Provincial, 933 de
07/05/1864. Lei estadual
vigente 628 de 30/12/1953.
Lei Estadual, 599 de
05/11/1953. Lei vigente, 628
de 30/12/1953.
Lei Estadual, 1.694 de
22/06/1962.
Origem
Povoação elevada à
categoria de freguesia em
1718 sendo desmembrada
da freguesia de Maragogipe.
Povoação elevada à categoria
de freguesia em 1838 sendo
desmembrada da freguesia de
Santo Antonio da Vila de
Jacobina.
Vetor do processo de
ocupação do território
As primeiras explorações
O início da ocupação data de
territoriais por volta de 1591
1678 motivada pela
visaram descobrir jazidas
agricultura e impulsionada
minerais nesta região. O marco
do início da ocupação do que
pela reconhecida fertilidade
das terras. Não por acaso
viria a se tornar o município
ficou conhecido como São
data dos primeiros decênios do
Felipe da Roças.
século XVIII quando já se
desenvolvia a criação de gado.
Distrito criado em 1932
Povoação elevada em 1922 à
dentro do território do então
sede do distrito de São Felipe,
município de Conquista
então integrante do município
(atual Vitória da Conquista)
de Condeúba do qual foi
do qual foi desmembrado
emancipado e tornado cidade.
em 1962.
O início da ocupação data de
1885 quando da criação da
fazenda Brejo (o nome
Tremedal deriva disso). A
fertilidade da região motivou
a chegada de várias famílias.
A formação do povoado de
Barra do Choça data do
século XIX quando
fazendas de café e de
criação de gado foram
criadas e colonos se
fixaram na confluência dos
rios Choça e Catolé.
Tipologia climática e de
vegetação predominante
Úmido a Subúmido e
Subúmido a Seco. Floresta
Estacional Semidecidual e
Floresta Ombrófila Densa.
Subúmido a Seco. Contato
Caatinga-Floresta Estacional e
Floresta Estacional
Semidecidual.
Subúmido a Seco e SemiÁrido. Caatinga Arbórea
Aberta, sem palmeiras e
Floresta Estacional Decidual.
Subúmido a Seco. Floresta
Estacional Decidual e
Floresta Estacional
Semidecidual.
Bacia hidrográfica e
principais rios
Bacia do Rio Jaguaripe. Rio
Copioba, Rio Caraí, Rio das
Pedras.
Bacias do Rio Jacuípe e Rio
São Francisco. Rio Jacuípe,
Rio Jacaré.
Bacia do Rio de Contas. Rio
Gavião, Córrego Bom Jardim,
Ribeirão da Ressaca, Riacho
da Venda Velha, Riacho da
Volta.
Bacia do Rio Pardo. Rio
Água Fria, Rio dos Morros,
Riacho Catolé Grande,
Riacho Choça.
137
(conclusão)
TEMA
SÃO FELIPE
MORRO DO CHAPÉU
TREMEDAL
BARRA DO CHOÇA
Limites intermunicipais
atuais
São Félix, Conceição do
Almeida, Santo Antonio de
Jesus, Maragogipe, Nazaré,
Dom Macedo Costa, Cruz
das Almas e Muniz Ferreira.
Ourolândia, Miguel Calmon,
Sento Sé, João Dourado,
Piritiba, América Dourada,
Tapiramutá, Cafarnaum,
Várzea Nova, Bonito, São
Gabriel e Utinga.
Caraíbas, Belo Campo,
Presidente Jânio Quadros,
Cândido Sales e Piripá.
Caatiba, Planalto, Vitória da
Conquista e Itambé.
Configuração territorialadministrativa (Censo
2000)
Cidade de São Felipe
(distrito-sede) e vila Caraípe
(sede distrital).
Cidade de Morro do Chapéu
(distrito-sede) e vilas de
Camirim, Dias Coelho, Duas
Barras do Morro, Iço, Tamboril
e Ventura (sedes distritais).
Cidade de Tremedal (distritosede) e vila de Lagoa Preta
(sede distrital).
Cidade de Barra do Choça.
Centro Regional mais
próximo
Santo Antônio de Jesus
Irecê e Jacobina
Vitória da Conquista
Vitória da Conquista
Principais produtos de
extração mineral
Areia, argila, produtos
alimentares e bebidas.
Areia, barita, calcário, mármore
e pedra para construção.
Areia e pedra para
construção.
Areia e pedra para
construção.
Principais culturas (2005)
Mandioca, laranja e cana-deaçúcar.
Mamona (baga), sisal (fibra),
feijão (em grão), café
(beneficiado).
Mandioca, feijão (em grão) e
milho (em grão).
Café (beneficiado) e feijão
(em grão).
Principais rebanhos
(2005)
Galos/frangos, galinhas e
bovinos.
Bovinos, galos/frangos,
caprinos.
Bovinos, galos/frangos e
galinhas.
Bovinos e galos/frangos.
Principais produtos de
extração vegetal (2005)
Castanha de caju.
Lenha, madeira em tora, Umbu.
Lenha, carvão vegetal e
madeira em tora.
Lenha e madeira em tora.
Fontes: IBGE, 1958; SEI, 2004; SEI/SEPLAN, 2007; SIDRA, 2008
138
Apesar da não linearidade histórica de cada município, novamente as
informações sinalizam pontos em comum entre si. Em resumo, pode-se dizer que os
quatro municípios são o resultado do processo de ocupação e povoamento, ora
espontâneo ora intencional, do espaço baiano. No caso de Barra do Choça pode-se
falar em desenvolvimento regional como vetor de desenvolvimento municipal haja
vista que a posição que Vitória da Conquista assumiu no cenário estadual. Cabe
ainda dizer que, invariavelmente, o grosso da atividade econômica do conjunto dos
municípios gira em torno da agropecuária. Aliás, chame-se a atenção, fenômeno
ainda muito comum no cenário econômico baiano perante as sucessivas políticas
industriais elaboradas pelo Governo estadual.
Já as Tabelas 8 e 9 procuram realçar a natureza eminentemente rural desses
municípios, em termos de localização e distribuição espacial dos domicílios e dos
seus moradores. Tal constatação não se coaduna com tão propalado caráter urbano
do estado da Bahia em si, que é determinado em grande medida pelo peso da
população urbana da capital no rol do total estadual (27,9% para o ano-base 2000).
Tabela 8 – Quantidade e distribuição espacial dos domicílios* nos municípios selecionados - 2000
Unidades políticoadministrativas
Domicílios
Total
Domicílios
Urbanos
Domicílios
Rurais
Absoluto
%
Absoluto
3.170.403
100,0
2.207.712
69,6
962.691
30,4
651.293
20,5
651.066
99,97
227
0,03
Barra do Choça
8.208
0,26
3.773
46,0
4.435
54,0
Morro do Chapéu
8.188
0,26
4.768
58,2
3.420
41,8
São Felipe
4.930
0,16
2.157
43,8
2.773
56,2
Tremedal
5.017
0,16
879
17,5
4.138
82,5
Bahia
Salvador
%
Absoluto
%
Fonte: cálculo do autor a partir do SIDRA, 2008
* Dos domicílios particulares permanentes
Percebe-se pela Tabela 8 que somente em Morro do Chapéu a quantidade de
domicílios nas zonas rurais não é predominante, mesmo assim a concentração é
grande (quase 42%). E fechando o foco para temas subjacentes à problemática da
gestão urbana comumente praticada – aquela que conforme foi discutido constitui o
modelo de gestão urbana cujo objeto de gestão é formado pelos serviços e pelos
139
sistemas técnicos urbanos instalados na cidade – a Tabela 10 traz dados sobre a
existência destes elementos nas cidades-sede dos municípios estudados.
Tabela 9 – Quantidade e distribuição espacial dos moradores* nos municípios selecionados - 2000
Moradores
Total
Unidades políticoadministrativas
Absoluto
Moradores
Urbanos
Moradores
Rurais
%
Absoluto
12.954.457
100,0
8.708.151
67,2
4.246.306
32,8
2.428.388
18,7
2.427.400
99,96
988
0,04
Barra do Choça
40.523
0,31
17.647
43,5
22.876
56,5
Morro do Chapéu
34.029
0,26
19.705
57,9
14.324
42,1
São Felipe
20.114
0,16
8.202
40,8
11.912
59,2
Tremedal
21.148
0,16
3.502
16,6
17.646
83,4
Bahia
Salvador
%
Absoluto
%
Fonte: cálculo do autor a partir do SIDRA, 2008
•
Dos domicílios particulares permanentes
A Tabela 10 evidencia como a disponibilidade dos sistemas técnicos urbanos
ainda é um grave problema a ser enfrentado pelos PDM e, também, mostra como é
espacialmente desigual sua existência de município para município. Neste sentido,
projetos e ações de melhoria precisam ser previstas nos planos no que se refere,
sobretudo, ao esgotamento sanitário por rede e a universalização da iluminação
publica, identificação dos domicílios e pavimentação das vias.
Tabela 10 – Situação (%) da infra-estrutura urbana disponível nos municípios selecionados - 2000
Tema
(somente para domicílios urbanos)*
Bahia
Barra do
Choça
Morro do
Chapéu
São
Felipe
Tremedal
Abastecimento de água – por rede geral
89,4
97,9
80,4
59,7
84,5
Esgotamento sanitário – por rede geral
ou fossa séptica
58,6
4,7
46,7
7,4
1,7
Coleta de lixo – por serviço de limpeza ou
caçamba
85,6
96,8
65,5
81,5
82,0
Existência
de
iluminação
pública,
identificação e calçamento/pavimentação
de ruas no entorno dos domicílios
urbanos.
31,5
41,5
11,4
9,6
36,1
Fonte: cálculo do autor a partir do SIDRA, 2008
* Dos domicílios particulares permanentes
140
Paradoxalmente aos déficits de equipamentos e serviços urbanos como os da
Tabela 10, a experiência brasileira de planejamento urbano tem mostrado que
muitos PDM se concentram sobremaneira justamente em questões referentes à
infra-estrutura urbana, deixando à margem temas urbanos mais amplos assim como
o devido tratamento das áreas rurais municipais. O que mais uma vez faz crer que a
execução do que está contido nos dos PDM elaborados é algo problemático.
De um modo geral, nas visitas realizadas às sedes municipais pôde-se
perceber mais nitidamente os seguintes tipos de problemas: esgoto doméstico
correndo a céu aberto; falta de locais devidamente preparados para a deposição de
resíduos sólidos; usos de lotes urbanos não compatíveis entre si e/ou incompatíveis
com o uso do solo predominante na rua; falta de maior ordenamento das atividades
econômicas e do tráfego; abertura de loteamentos ilegais; e processos de ocupação
inadequada de glebas rurais (expansão urbana desordenada). Neste sentido, foram
selecionadas algumas fotos para ilustrar alguns destes problemas (Figuras 9, 10, 11
e 12).
Infelizmente, o entendimento do que seja urbano aparece como um problema
de fundo que não é assunto pacífico entre os órgãos de planejamento e os institutos
de pesquisas e pesquisadores. Mesmo fugindo aos limites deste trabalho, esclarecese que para fins de regulação territorial pelo Estado uma zona urbana, nos termos
da legislação federal vigente (a LF Nº 5.172/66), vem ser a área definida pela própria
legislação municipal como zona urbana desde quando atenda, pelo menos, a
existência de dois sistemas técnicos (construídos ou mantidos pelo Poder Público
municipal):
I.
Meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II.
Abastecimento de água;
III.
Sistema de esgotamento sanitário;
IV.
Rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição
domiciliar;
V.
Escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três)
quilômetros do imóvel considerado.
Segundo esta mesma legislação federal, a lei municipal ainda pode
considerar urbanas as áreas urbanizáveis ou de expansão urbana, constantes de
loteamentos aprovados pelos órgãos municipais competentes, mesmo que
141
localizados fora do perímetro urbano definido em lei. Como se observa, tal
“metodologia” para caracterizar como urbanas diferentes porções do território
municipal se apresenta por demais anacrônica e reducionista do fenômeno urbano.
Talvez o que explique tal quadro seja o fato de que aqueles critérios tenham
sido estabelecidos na norma jurídica que dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional
aplicável à União, estados e municípios. Mais especificamente no artigo que trata
sobre a incidência do IPTU. Em outras palavras, quanto maior for o número de áreas
passíveis de serem caracterizadas como urbanas, maior será a base espacial de
cobrança do referido imposto.
Diante do exposto, fica claro que os problemas municipais a serem tratados
pelos PDM são muitos e de diferentes tipos e magnitudes, inclusive alguns deles
sequer podem ser resolvidos somente pela ação dos Governos locais ou mesmo
considerando somente a área de um município (a poluição de rios e lençóis
freáticos, por exemplo).
É neste sentido que se pode falar em território como norma, pois a realidade
dos fatos e os conteúdos do território passam a demandar ações dos agentes
sociais em geral, mas, sobretudo dos governos haja vista sua responsabilidade em
planejar e administrar o território em nome da coletividade e em prol do bem-estar
social.
Por ora esses são os dados e informações básicos para uma primeira
caracterização municipal. Da próxima seção em diante serão abordados e
analisados os três temas centrais já elencados.
142
Figura 9 – Fotos do município de Barra do Choça
Fonte: o autor
143
Figura 10 – Fotos do município de Morro do Chapéu
Fonte: o autor
144
Figura 11 – Fotos do município de São Felipe
Fonte: o autor
145
Figura 12 – Fotos do município de Tremedal
Fonte: o autor
146
6.2 PARTICIPAÇÃO POPULAR E O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DOS PLANOS
Inicia-se a análise propriamente dita dos PDM selecionados a partir do
tratamento dispensado à questão da participação popular no bojo da elaboração dos
planos. Para tanto, desdobra-se esta análise em dois momentos: como a formatação
do processo de planejamento municipal enfocou a participação no decorrer das
atividades; e como os planos assim elaborados incorporaram o princípio de gestão
democrática da cidade tão caro ao Estatuto da Cidade e às Resoluções 25 e 34 do
Concidades.
Nesse sentido, o Quadro 17 sintetiza algumas informações essenciais sobre
cada um dos planos. No entanto, a informação mais importante nele contida, que
será detalhada logo em seguida, é a forma que a participação da população foi
organizada em cada municipalidade.
De uma forma geral, pode-se dizer que as metodologias participativas
empregadas pelos técnicos contratados não apresentaram grandes inovações. Em
realidade, tais métodos de tão conhecidos e praticados nacionalmente já foram alvo
de uma institucionalização em âmbito federal, como prova, aliás, a edição da
Resolução 25 do Concidades já mencionada. A seguir são listadas, via de regra, as
principais técnicas e instrumentos de sensibilização e mobilização utilizadas pelas
equipes para “chamar” a população para participar das atividades inerentes à
elaboração dos PDM:
a)
Divulgação em carros de som e rádios comunitárias;
b)
Produção de faixas e cartazes a serem espalhados pelas ruas da sede e
povoados;
c)
Mensagens impressas em contas de água e energia;
d)
Treinamento dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) para que estes
fizessem divulgação, quando das suas visitas, de casa em casa;
e)
Levantamento e cadastramento de todas as entidades sociais representativas
de setores da sociedade local (associações e sindicatos em geral, por
exemplo);
f)
Realização de concursos de redação nas escolas versando sobre a história do
município e/ou de como o município deveria ser no futuro próximo;
147
g)
Criação de urnas, com disponibilização em locais públicos, para que a
população pudesse contribuir com sugestões por escrito; e
h)
Emissões de convites personalizados entregues diretamente nas residências,
devidamente protocolados, comunicando e convidando para os eventos
públicos.
Quadro 17 - Datas importantes e formas de organizar a participação popular
MUNICÍPIOS
INÍCIO
DATA DE
PÚBLICO
FINAL DAS
APROVAÇÃO
DAS
ATIVIDADES
DO PDM
ATIVIDADES
FORMA DE ORGANIZAR A PARTICIPAÇÃO
DA SOCIEDADE
• Criação do GAP;
• Comissões Temáticas;
Morro do
Chapéu
21/07/2003
03/2005
23/05/2005
• Reuniões Públicas;
• Regionalizada por 5 núcleos urbanos (12
bairros) e 9 rurais (70 povoados);
• Conferência Municipal.
• Criação do GTA;
• Comissões Temáticas;
Barra do
Choça
18/02/2004
03/2006
09/10/2006
• Reuniões Públicas;
• Regionalizada por bairros (6) e 4 núcleos
rurais (31 povoados);
• Conferência Municipal.
• Criação do NGL;
• Reuniões Públicas;
São Felipe
13/09/2006
05/2007
21/09/2007
• Regionalizada por 3 núcleos urbanos e 7
rurais (aprox. 75 povoados);
• Conferência Municipal.
• Criação do NGL;
• Reuniões Públicas;
Tremedal
27/09/2006
05/2007
21/05/2007*
• Regionalizada por 7 núcleos rurais (68
comunidades) mais a sede;
• Conferência Municipal.
Fonte: elaboração do autor
Mesmo quando se analisa pelo viés da concepção das estratégias de
promoção da participação, a homogeneidade entre o processo de elaboração dos
quatro PDM é muito grande, como o Quadro 17 denota. Grosso modo, a
operacionalização desse tipo de estratégias é descrita a seguir:
148
I.
Formação de uma equipe municipal (de 3 a 6 pessoas) para tocar o processo
localmente. Esta equipe é sempre composta por alguns funcionários municipais cujo
principal critério não é a formação técnica ou capacidade de trabalho da pessoa,
mas sim pertencer ao grupo de pessoas ligadas diretamente ao chefe do Executivo,
quando não indicadas e nomeadas pelo próprio.
II.
Organização de um grande evento público, em geral na maior/melhor praça ou
ginásio da sede municipal, que marcasse o lançamento e o início oficial dos
trabalhos.
III.
Criação de um grupo local cuja composição deve respeitar o equilíbrio entre
membros do Poder Público municipal e membros da sociedade civil. Em Morro do
Chapéu este grupo recebeu o nome de Grupo de Apóio ao Plano (GAP); em Barra
do Choça se chamou de Grupo de Apoio Técnico (GAT).; e em Tremedal e São
Felipe foi definida a mesma designação: Núcleo Gestor Local (NGL), visto que
ambos seguiam a metodologia-padrão da CNM.
Foram estes grupos que
deliberaram em nome de toda população municipal sobre, por exemplo, os locais,
datas e horários das reuniões e eventos; quando e como publicizar os resultados
das atividades; as pautas a serem discutidas com a população; a elaboração de atas
e relatórios discorrendo e analisando o conhecimento gerado nas reuniões públicas;
onde guardar/arquivar todo o material produzido no decorrer da elaboração dos
planos etc.
IV.
Organização de reuniões públicas cujo objetivo declarado foi discutir com a
população os problemas locais e as potencialidades municipais. Nestas reuniões
também eram registradas, por membros das equipes municipais, as demandas dos
moradores.
V.
Para operacionalizar estas reuniões o município foi dividido em regiões (por
agregação de vilas e povoados considerados próximos) e a sede municipal foi
regionalizada por bairros. E isto se deu em todos os casos sem nenhum tipo de
consulta prévia à população interessada. Assim foram definidas as unidades de
planejamento por assim dizer, sendo as demandas locais organizadas a partir da
eleição de prioridades pelos próprios moradores de cada região criada, já que as
próprias prefeituras assumiram não poder atender a todas as demandas de uma só
vez.
149
VI.
De posse de todos os problemas, demandas e sugestões registradas e
hierarquizadas de forma regionalizada, as equipes, grupos ou núcleos de
planejamento discutiam internamente a respectiva relevância e viabilidade de modo
a elaborar uma lista unificada de temas e demandas prioritárias para serem
incorporadas ao texto final do PDM.
VII.
Mas não somente isso. Também internamente, ou seja, longe de reuniões ou
consultas públicas – e aí reside a crítica – as equipes locais eram convidadas pelos
consultores para pensar o município de forma mais ampla e menos limitado às
demandas de caráter especificamente físico-espacial (estradas, pontes, casas,
praças, jardins, matadouros etc.) almejando, assim, “construir” um projeto de cidade,
algo considerado essencial
pelos teóricos ou ideólogos
do planejamento
empresarial-estratégico de cidades. Neste sentido, a passagem abaixo extraída de
um dos relatórios que fundamentaram o Plano Diretor de Barra do Choça dá o tom!
Conforme apresentado na proposta técnica, a estratégia de
participação da comunidade aponta para dois focos de discussão
com metodologias e públicos diferenciados.
O primeiro se refere ao espaço constituído por técnicos e dirigentes
da Prefeitura, Vereadores, funcionários públicos, lideranças dos
diversos segmentos da sociedade civil e demais cidadãos
interessados – o Grupo de Trabalho e Acompanhamento (GTA) –
grupo que discute e aprofunda temas referentes à problemática
urbana e as proposições necessárias à superação dos problemas e
aproveitamento das potencialidades. O segundo foco de discussões
refere-se às questões territoriais, realizadas com moradores dos
bairros, distritos e povoados, [...] (BARRA DO CHOÇA; AST, 2006, p.
30).
As reuniões serviram para as discussões dos grupos de bairros, que
discutiram questões de demandas e projetos espacializados, e do
GTA, que discutiram questões referentes a alguns temas importantes
do município (BARRA DO CHOÇA; AST, 2006, p. 31).
VIII.
Todavia, tal fenômeno ocorreu de forma diferenciada para os municípios que
fizeram parte do Produr e os que integraram o PDP-Ba. Enquanto que neste grupo
os municípios de Tremedal e São Felipe confeccionaram, via trabalho dos próprios
técnicos municipais, a denominada “Leitura da Realidade Municipal”, os do grupo do
Produr – Barra do Choça e Morro do Chapéu – receberam das mãos dos técnicos
contratados os chamados “Relatório do Plano Estratégico” e o “Caderno de
Oportunidades” prontos e acabados, conforme a metodologia desenvolvida, aplicada
e cobrada pelo Banco Mundial e, no caso baiano, levado a cabo por meio de CAR.
150
IX.
Para legitimar socialmente a hierarquização empreendida pelo GAP, GAT ou
NGL dos temas, demandas ou propostas prioritárias a serem consideradas nos
planos, em todas as municipalidades foi evocado uma prática denominada pelas
próprias metodologias de Pacto Territorial. No entanto, percebe-se uma diferença
conceitual no entendimento do que seja um Pacto Territorial no âmbito dos
municípios do Produr e no âmbito dos municípios do PDP-Ba. O primeiro grupo
assim aborda esta questão.
É importante colocar que o resultado deste trabalho [o Pacto
Territorial] é fruto de extensas reuniões com as comunidades
territoriais da sede e das vilas localizadas no município, amplamente
documentadas (MORRO DO CHAPÉU; UFC, 2003, p. 187).
[...]
A partir das discussões sobre os aspectos positivos e negativos [de
Morro do Chapéu], os moradores listaram uma série de propostas de
intervenções, tanto na sede quanto nas demais localidades, que
atenderiam às suas necessidades e que poderiam promover
melhorias nas condições de moradia, de trabalho, de circulação, de
convivência, de divertimento e de segurança (MORRO DO CHAPÉU;
UFC, 2003, p. 188).
O Pacto Territorial se caracteriza pelo registro das opiniões e
solicitações dos moradores de Barra do Choça sobre as questões
que envolvem a oferta de serviços públicos e de infra-estrutura
urbana nas comunidades territoriais em que vivem, seja o bairro, a
cidade ou o distrito (BARRA DO CHOÇA; AST, 2006, p. 31).
[...]
A partir das discussões sobre os aspectos positivos e negativos de
Barra do Choça os moradores listaram uma série de propostas de
intervenções, tanto na sede quanto nas demais localidades, que
atenderiam às suas necessidades e que poderiam promover
melhorias nas condições de moradia, de trabalho, de circulação, de
convivência, de divertimento e de segurança (BARRA DO CHOÇA;
AST, 2003, p. 31).
A propósito, chama-se a atenção que nas citações acima dois parágrafos de
fato se repetem, não obstante sejam oriundos de diferentes empresas de
consultoria. Isto posto, cumpre citar o entendimento do que representa o Pacto
Territorial segundo a proposta metodológica do PDP-Ba.
A equipe técnica deve apresentar propostas para serem
apresentadas ao Núcleo Gestor Local. As propostas devem ser
discutidas em um debate interno. Na defesa das propostas, muitas
vezes, acontecem tensões e disputas, e isso é saudável, desde que
se transformem em discussões públicas e não em negociatas “por
baixo do pano”.
É necessário detalhar os impactos e os benefícios das propostas. [...]
151
É importante identificar a extensão dos ganhos e perdas para cada
comunidade. O pacto sócio-territorial baseia-se na avaliação desses
ganhos e perdas em cada proposta. A abrangência dos benefícios
coletivos da proposta também devem ser consideradas (CNM, 2007,
p. 15).
Percebe-se, então, que a noção de Pacto Territorial trabalhada pela
metodologia da CNM direciona o processo de elaboração e seleção de propostas
para o campo mesmo do fazer político, visto que os moradores da sede, vilas e
povoados devem discutir entre si, e com as prefeituras, quais as demandas
deveriam ser atendidas prioritariamente e quais demandas poderiam ser
implementadas a posteriori. Enquanto a metodologia do Produr, ainda que também
promova uma hierarquização das propostas apresentadas aos membros da equipe
técnica municipal, reduz o Pacto Territorial a uma institucionalização mediante
listagem, registro e espacialização delas em mapas ou plantas. Como se as
prefeituras estivessem apenas garantido que havia registrado as demandas
populares, sem discussões entre cada unidade de planejamento.
X.
Por fim, nada é tão idêntico no processo de elaboração de um PDM,
atualmente, quanto a sua apresentação pública por meio da organização de um
grande evento geralmente denominado como Conferência da Cidade ou, após o
aparecimento Estatuto da Cidade, como Conferência Municipal. Com este evento, as
equipes técnicas municipais e os consultores contratados procuram obter da
população presente uma legitimação social do produto elaborado. Conforme
preconiza o EC, somente após a aprovação do texto do PDM neste fórum, tal
documento pode ser encaminhado à Câmara de Vereadores para que receba ou
não a legitimação jurídica. O que difere em muito de práticas anteriores à 2001
quando os PDM não eram obrigados por lei a passar por um processo de avaliação
popular.
Com base nas idéias de Fedozzi (2005) no que tange a questão da
participação popular na gestão pública municipal
pode-se tecer algumas
considerações sobre os fatos expostos até agora nesta seção.
Como até o início das atividades não existiam nas quatro municipalidades
nenhum tipo de organização institucionalizada de participação popular, houve no
processo de planejamento um esforço positivo das equipes técnicas responsáveis
pela mobilização social e pela condução das atividades necessárias à elaboração
152
dos PDM – organização e condução de diversos eventos públicos; criação e
emissão de convites; elaboração de relatórios a partir dos registros em atas etc. Se
se considerar que a obrigatoriedade de realizar reuniões públicas não somente na
zona urbana, mas também nas diversas localidades existentes na zona rural,
conforme o §2º do artigo 40 do Estatuto da Cidade, fez com que estas equipes
tivessem que se deslocar por todo município visitando povoados que, não raro,
sequer conheciam pessoalmente.
Da mesma forma, é fato positivo que neste esforço para o planejamento
participativo as equipes municipais de São Felipe e Tremedal, por estarem seguindo
a metodologia do PDP-Ba, tiveram que se envolver nas atividades de forma bem
mais acentuada que as outras equipes municipais, visto que pela metodologia do
Produr cabia a elas atuar mais em regime de apóio local às equipes de consultores
contratados para elaborar os planos, inclusive emitindo pareceres sobre os relatórios
produzidos pelas empresas de consultoria.
Ainda que tardia e derivada de obrigatoriedade, a criação de espaços e fóruns
para que a população pudesse expor suas demandas e desejos pode ser
considerada também um aspecto positivo do processo de planejamento. Mesmo
assim, cabe dizer que a separação dos moradores em diferentes núcleos derivada
das estratégias de regionalização adotadas foi prejudicial à elaboração dos PDM.
Primeiramente porque a maioria dos moradores de povoados que não sediaram
reuniões terminaram por não participar de outras realizadas em povoados próximos,
nem participando de forma adequada das reuniões realizadas na sede municipal.
Isto significa dizer que muitos habitantes das zonas rurais ficaram à margem da
elaboração dos planos por não terem sido efetivamente incorporados aos canais de
participação então criados.
Em segundo lugar, porque a própria concepção de participação popular,
sobretudo nos Planos Diretores de Morro do Chapéu e de Barra do Choça cuja
preocupação com projetos estratégicos de desenvolvimento econômico foi notória,
reduziu a participação dos moradores das vilas, povoados e bairros da sede em
geral a uma consulta sobre suas necessidades e “demandas territoriais” mais
prioritárias. Se aos próprios técnicos municipais não coube pensar e formular um
projeto “estratégico” de cidade de fato, já que isto foi tarefa dos consultores
contratados, não era de se esperar que a participação da população fosse tão
ampla.
153
Com isto não se quer dizer que em um ou outro município estudado a
participação popular possa ser classificada como melhor ou pior. Em todos quatro
municípios as chamadas metodologias participativas ficaram devendo. Emblemático
disso é que em nenhum dos processos de elaboração dos planos houve uma
avanço em direção à discussão de como as propostas prioritárias ditas “pactuadas”
entre sociedade e Poder Público entrariam no orçamento municipal subseqüente,
conforme defende Fedozzi (2005). Ou seja, se discutiu e se aprovou os PDM sem
que se discutisse com a população a necessária formulação/adequação dos Planos
Pluri Anuais (PPA) e das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) à própria lei
municipal que instituiu cada PDM.
Ainda no contexto da elaboração dos PDM, é possível também analisar a
questão da participação popular enquanto princípio a partir da aplicação dos
instrumentos do Estatuto da Cidade (síntese no Quadro 18) que procuram promover
a gestão democrática da cidade, uma importante inovação institucional.
Quadro 18 – Instrumentos de gestão democrática do Estatuto da Cidade previstos nos PDM
estudados
INSTRUMENTOS (POR TIPO)
BARRA DO
CHOÇA
MORRO DO
CHAPÉU
SÃO
FELIPE
TREMEDAL
Estudo de Impacto de
Vizinhança
Sim
Não
Sim
Sim
Órgão Colegiados de Política
Urbana
Sim
Cita, mas não
institui
Sim
Sim
Debate, Audiências e Consultas
Públicas
Sim, mas
somente para a
revisão do Plano
Diretor
Cita, mas não
institui
Sim
Sim
Conferências sobre Assuntos de
Interesse Local
Sim
Cita, mas não
institui
Não
Sim
Iniciativa Popular de Projetos de
Lei, Planos e similares
Não
Cita, mas não
institui
Não
Sim
Fonte: elaboração do autor
Observando-se o Quadro 18 constata-se que somente o município de
Tremedal previu em seu plano a aplicação de todos os recursos institucionais dessa
natureza. Entre os principais cita-se: (i) a criação do Sistema de Informações
Municipais (SIM), que deverá conter diversos tipos de dados (cadastros e plantas
todos georeferenciados) de modo a dar suporte à gestão municipal; (ii) a instituição
(com bom nível de detalhamento) do Conselho Municipal da Cidade (COMCID)
154
como instância e órgão central de planejamento municipal participativo; e (iii) as
Conferências Municipais, a serem realizadas a cada dois anos, como principal fórum
de gestão democrática, mas que, no entanto, tem sua natureza limitada a casos
específicos ligados à alteração ou não de algum conteúdo do plano mediante
comprovação técnica somente, não prevendo, assim, convocação extraordinária
para discutir outros temas.
O município de São Felipe também instituiu o COMCID, nos mesmos moldes
de Tremedal, mas sem detalhá-lo. Todavia, não contemplou na lei do seu PDM um
dos mais importantes instrumentos – as Conferências sobre Assuntos de Interesse
Local – para fazer com que a população questione, opine e delibere sobre temas
importantes para o desenvolvimento e/ou qualidade de vida na cidade ou no
município como um todo.
Talvez pelo fato de seguirem a metodologia da CNM, em ambos os planos o
Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) aparece como importante instrumento para a
discussão entre população e Poder Público, mediante a realização de audiências
públicas, sobre o licenciamento ou não de empreendimentos privados ou públicos
causadores de impactos sócio-ambientais na cidade ou na zona rural.
No município de Barra do Choça a lei do PDM se revelou profícua na criação
de estruturas institucionais que pudessem viabilizar a gestão democrática da cidade.
Por ela foram criados: (i) o Sistema Municipal de Planejamento (SMP), definindo
seus integrantes e atribuições; (ii) o Centro de Informações Municipais (CIM), que
deve ser o órgão responsável pela sistematização de dados e informações
necessários a avaliação da implantação do plano (na verdade se trata do Balcão de
Informações cobrado pela metodologia BM/CAR); (iii) o Conselho Municipal do Plano
Diretor Urbano (CMPDU), que deve funcionar como um fórum consultivo e
deliberativo sobre questões – obras, recursos, licenças, prazos – relativas a
execução do plano; e (iv) as Conferências Municipais da Cidade, que sendo
realizadas a cada dois anos ou por convocação extraordinária, somente podem
alterar algum conteúdo do plano mediante comprovação técnica.
Em Barra do Choça o EIV, apesar de previsto no plano e suficientemente
detalhado quanto a sua aplicabilidade, não aparece com a conotação de instrumento
de gestão democrática, posto que não menciona a realização de audiências públicas
para discutir com a população o licenciamento ou não de empreendimentos.
155
Já a situação do município de Morro do Chapéu é mais delicada visto que não
traz em seu plano de forma clara e precisa, como toda lei deve ser, a aplicação dos
instrumentos de democratização da gestão pública. Preferiu se valer de artifícios
jurídicos do tipo encontrado no inciso IX do artigo 25 da lei do plano.
§1º O Poder Público municipal terá o prazo de até 03 (três) meses, a
partir do início da vigência desta lei, para promover as reuniões de
debates e aprovar com a comunidade os instrumentos de gestão
democrática a serem implementados no Município.
§2º Uma vez escolhido os instrumentos de gestão democrática, o
Poder Público municipal terá o prazo de 05 (cinco) meses para
regulamentar a composição, funcionamento e gestão destes
instrumentos, na forma determinada pelo Estatuto da Cidade
(MORRO DO CHAPÉU, 2005, p. 27).
Acredita-se que as normas jurídicas federais que regulam, desde o ano de
2001, a elaboração dos PDM são suficientemente claras e isonômicas às
municipalidades brasileiras e, deseja-se acreditar, amplamente conhecida pelos
agentes públicos municipais e pelos consultores especializados em planejamento
urbano. E pelo aqui exposto, se percebe que em termos de organização da
participação popular as metodologias são tão similares que denotam uma certa
padronização, ou mesmo uma fórmula amplamente replicada, mas não criticada.
No entanto, quando se tem em mente a análise da criação e da instituição de
estruturas capazes de levar a termo o princípio da gestão democrática da cidade os
resultados observados são bem distintos daqueles que a norma preconiza. Em cada
um dos municípios estudados observam-se dissonantes e indesejáveis situações.
Fenômeno este que confirma o problema da territorialidade das instituições
apontado por Castro (2005a).
Emblemático disso é o fato de um município como Morro do Chapéu, cujo
número de moradores urbanos representava em 2000 57,4% da população total,
não definir objetivamente em seu PDM (ou em outra lei que o complemente) a
aplicação dos instrumentos de gestão democrática da cidade, enquanto Tremedal,
cujo número de moradores urbanos representava em 2000 apenas 16,5% da
população municipal (cerca de 3.500 pessoas), ter previsto em seu plano a
aplicação de todos eles.
156
6.3 O CONTEÚDO DOS PLANOS: PRINCIPAIS ASPECTOS
Cumpre nesta seção abordar outro tema de igual importância para a
problemática em tela: a questão dos conteúdos que um PDM deve contemplar. No
capítulo quatro foram apresentados, na perspectiva da intenção do Estado em
regular o território, os principais marcos jurídicos que tratam desta matéria, a saber:
a CF/1988, o Estatuto da Cidade e a Resolução 34 do Concidades.
Nesta direção, o estudo do PDM de Barra do Choça, Morro do Chapéu, São
Felipe e Tremedal
(ver Apêndice A contendo os sumários das leis municipais
instituidora dos planos) revelou que três grandes temas, ou títulos no jargão jurídico,
se destacam enquanto tipos de conteúdo. Podendo, portanto, serem considerados
em separado caso se queira realizar uma análise crítica mais precisa. É justamente
com base nestes quatros sumários que se agruparam os tipos de conteúdos que
serão analisados nas subseções seguintes.
6.3.1 Princípios, diretrizes, estratégias e investimentos para o desenvolvimento
municipal
Em qualquer peça de planejamento governamental, como planos, programas,
projetos e ações, é mister a definição de diretrizes gerais e/ou setoriais, de objetivos
gerais e específicos, de metas e suas quantificações, prazos de execução, entre
outros itens necessários a práxis da gestão pública. Para mencionar apenas um
exemplo de tal prática cita-se o PPA que é elaborado pelo poder Executivo em todos
os níveis governamentais para um período de quatro anos, ou seja, sua elaboração
requer um esforço de planejamento em políticas públicas para além da conjuntura
momentânea.
Analisando por este prisma e tendo em mente que o PDM é considerado o
principal instrumento de execução da política urbana, pode-se dizer que tal peça de
planejamento deveria seguir esta mesma lógica, guardando as devidas proporções é
claro.
Focalizando os PDM de Barra do Choça, Morro do Chapéu, São Felipe e
Tremedal observou-se que em todos eles houve uma preocupação em definir, de
157
forma clara e objetiva, os princípios e diretrizes que os regem. Tal aspecto dos
respectivos PDM é revelador, seja de forma intencional seja de forma despercebida,
da visão de desenvolvimento e de território que seus artífices carregam.
Questões como a função social da cidade e da propriedade urbana e a
promoção da participação popular na gestão pública municipal encabeçaram todos
os planos diretores enquanto princípios ou diretrizes gerais. Mas isto já era esperado
visto que estes temas compõem a base do próprio Estatuto da Cidade. Portanto não
servindo, nesta perspectiva, como elemento revelador de uma determinada
intencionalidade subjacente aos agentes institucionais envolvidos na elaboração de
cada plano: BM e CAR para os municípios de Barra do Choça e Morro do Chapéu; e
no caso de Tremedal e São Felipe a Secretaria Nacional de Programas Urbanos
(SNPU) do MCID e a CNM.
Também não casou estranhamento que a abordagem da temática ambiental
nos quatro planos diretores acontecesse pelo viés do polemico paradigma do
desenvolvimento
sustentável
–
também
preconizado
pelo
Estatuto,
mas
institucionalizado anos antes dele por organismos internacionais de cooperação e
financiamento
–
compondo,
juntamente
com
os
temas
anteriores,
uma
fundamentação teórica, por assim dizer, para a construção de um projeto de
desenvolvimento urbano e municipal.
Ainda nesta mesma linha argumentativa estão inscritos nos quatro planos,
porém com menor ênfase, dois temas:
•
a abrangência espacial dos PDM: que com o EC passam a ter que considerar
todo o território municipal e não somente a zona urbana, disposição esta que
favorece a integração territorial e, por conseguinte, a construção de um amplo
projeto de desenvolvimento municipal e não somente de desenvolvimento
urbano; e
•
a centralidade do PDM para o planejamento municipal: para além da
ordenação urbana correlata a este plano, leis de caráter mais administrativo
como o PPA, a LDO e LOA devem ser ajustadas e elaboradas em função do
conteúdo propositivo do plano.
Vencido este conteúdo de natureza mais teórico-filosófica do processo de
planejamento, fica nítida uma diferenciação entre os planos elaborados no âmbito do
Produr e os do PDP-Ba quando tratam das estratégias e dos investimentos
158
considerados necessários a um processo de desenvolvimento. Os do primeiro grupo
incorporaram, com muita fidelidade, as orientações contidas nos manuais
elaborados pelo BM e pela CAR. Enquanto no segundo grupo o elo de identidade
ficou por conta da observância das cartilhas produzidas pela CNM com base nos
manuais da SNPU.
Por
isso
não
constitui
surpresa
que
municípios
com
dimensões
administrativas, econômicas e financeiras tímidas, senão frágeis, como Barra do
Choça e de Morro do Chapéu abordarem a questão do desenvolvimento urbano
(foco principal) e municipal em termos de propostas e projetos estratégicos e
estruturantes.
Art. 8º. Os projetos urbanos aqui apresentados foram classificados
em três categorias:
I- Projetos estratégicos – são aqueles considerados estratégicos,
disposto no art. 9º desta Lei, que incidem na área urbana da sede
municipal e são apontados como capazes de impulsionar o
desenvolvimento econômico do município, gerar oportunidades de
trabalho e estruturar o espaço urbano e municipal;
II- Projetos urbanos estruturantes ou de apoio aos projetos
estratégicos – aqueles que incidem na estruturação do espaço
urbano de forma a diminuir a vulnerabilidade urbana ou que
apresentam perspectivas de desenvolvimento e que assim, direta ou
indiretamente, dão apoio aos projetos estratégicos urbanos e
III- Projetos urbanos – são os demais projetos que contribuem para a
elevação da qualidade ambiental urbana, melhoria dos serviços
públicos e que atendem as demandas registradas pelos grupos
comunitários (BARRA DO CHOÇA, 2006).
Pelo Quadro 19a percebe-se que é grande o volume de propostas contidas
nesses dois planos cujos focos são, sobretudo, setores econômicos estratégicos
como o agronegócio, o turismo, a logística e, ainda o chamado desenvolvimento
institucional. No entanto, grande parte delas é recomendada sob a rubrica de
projetos desvinculados de políticas públicas ou outros planos municipais. Tal postura
faz remeter ao modelo de planejamento e gestão estratégica/empresarial de cidades
encampado pelo BM desde os anos 1990.
159
Quadro 19a – Síntese das leis, políticas, planos, programas, projetos, estudos e estruturas administrativas recomendados pelos PDM de Barra
do Choça e Morro do Chapéu
(continua)
TEMA
BARRA DO CHOÇA
MORRO DO CHAPÉU
Lei de Perímetro Urbano / Lei de Parcelamento do Solo e
Leis
Lei de Política Ambiental / Lei de Polícia Administrativa / Lei
Zoneamento Municipal / Código de Obras / Código de Posturas / Lei
de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo / Ajustar a Lei
de Política Ambiental / Alteração da Lei Orgânica Municipal / Lei de
Orgânica
Proteção a Sítios Arqueológicos Rurais ou Urbanos / Lei de Proteção
Municipal
/
Leis
de
regulamentação
dos
instrumentos do Estatuto da Cidade.
ao
Patrimônio
Histórico-Cultural-Arquitetônico
/
Leis
de
regulamentação dos instrumentos do Estatuto da Cidade.
Políticas
Planos
Política de Melhoria das condições de Habitabilidade.
-
Plano de Melhoria de Transporte Coletivo.
-
Estimulo
a
Agroindústria
/
Capacitação
para
o
Empreendedorismo / Valorização e Aproveitamento de
Recursos Minerais / Capacitação/Aperfeiçoamento de
Professores / Qualificação de Técnicos e Servidores da
Saúde / Melhoria de Acessibilidade aos povoados e vila /
Programas
Destinação
Alternativa
de
Esgotos
Domésticos
/
Arborização Urbana / Melhorias Habitacionais / Construção
de Sanitários / Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos /
Proteção de Nascentes e Mananciais / Educação Ambiental
/ Estimulo e apoio a Agro-Floresta / Recomposição da Mata
Ciliar / Reflorestamento Municipal.
Programa
de
Desenvolvimento
Institucional
/
Programa
de
Desenvolvimento da Cidadania / Programa Pacto Territorial (zerar
débitos de obras, serviço públicos e ações prioritárias identificadas
pela comunidade) / Programa de Turismo Especializado / Programa
de Florestas Sociais para Morro do Chapéu (formação de bosques
privados e comunitários voltados para a produção florestal para
múltiplos usos).
160
(conclusão)
TEMA
BARRA DO CHOÇA
MORRO DO CHAPÉU
Especialidades para o Mercado Socialmente Justo – Fair Trade1 /
1
Indústria
de
Beneficiamento
de
Café
/
Parque
de
Exposições / Melhoria das Estradas Municipais / Eixo
Sócio-cultural
e
Institucional
(rede
de
equipamentos
urbanos) / Implantação de Escola Agrotécnica / Industria de
Projetos
Beneficiamento de Banana* / Produção de Flores /
Implantação de Entreposto de Carne / Melhoria da
Qualidade das Matrizes de Pecuária / Valorização do
Pedestre / Ampliação da Fábrica Municipal de Infraestrutura.
Terra Mística, Valores Simbólicos ao Pé do Morrão / Centro de Apoio
ao Transporte Rodoviário1 / Centro de Apoio Rodoviário e Via de
2
2
Contorno / Estruturação da Rua João Modesto / Implantação de
2
Parque Urbano e Integração de Espaços Públicos e Áreas Verdes /
Implantação de Área de Proteção de Pinturas Rupestres2 /
2
Preservação e Recomposição das Matas Ciliares / Valorização de
Saberes e Práticas Tradicionais3 / Projeto de Marca, Design e Griffe
Social3 / Pequenos negócios de Apoio ao Lazer Regional3 / Turismo
Científico (Panorama Geológico, Refúgios do Pleistoceno e Imagens
do Homem Americano)3 / Turismo Histórico (Rota das Bandeiras,
3
Estrada de Dona Joana e o Túmulo de Gabriel Soares de Souza) .
Fonte: elaboração do Autor
161
Cabe ainda salientar que o elenco de todas as propostas derivadas do
processo de planejamento de Barra do Choça e de Morro do Chapéu somente foi
possível recorrendo-se à leitura dos relatórios técnicos parciais produzidos pelas
empresas de consultorias contratadas sob regime de financiamento. Caso a análise
ficasse adstrita apenas ao texto das leis municipais que instituíram os planos, o
conteúdo efetivamente propositivo neles presentes, ou seja, desconsiderando-se o
discurso oficial, denotaria a falta de um conteúdo subjacente à noção miltoniana de
território usado, em detrimento da ênfase dada às dimensões econômica e
institucional.
Já no caso dos municípios de São Felipe e Tremedal a abordagem da
questão do desenvolvimento urbano e municipal ocorreu quase que de forma
inversa. Duas características marcaram estes dois PDM. Primeiramente a
recomendação (Quadro 19b) de diversos tipos de políticas e planos setoriais ao
invés
da
formatação
de
projetos
estratégicos
setoriais,
incluindo
até
a
recomendação de alguns tipos de estudos (algo inexistente nos outros dois PDM).
Em segundo lugar, o fato de que nas próprias leis dos planos serem tratadas
minúcias não condizentes com a natureza específica de um PDM e que, por isso
mesmo, poderiam ser deixadas a cargo dos próprios planos setoriais aí
recomendados. Acredita-se que tal postura dos formuladores deva ter comprometido
em muito a fluidez e uma boa compreensão dos planos por parte da população em
geral além de, inexoravelmente, comprometer a fase de implementação dos planos.
Por outro lado, estes dois PDM incluíram no corpo da lei, na forma de ações,
diversas demandas subjacentes à noção miltoniana de território usado. Somam-se a
isto as propostas derivadas do processo de planejamento que haviam sido
registradas nos relatórios técnicos parciais produzidos pelos próprios membros das
equipes de trabalho municipais.
162
Quadro 19b – Síntese das leis, políticas, planos, programas, projetos, estudos e estruturas administrativas recomendados pelos PDM de São
Felipe e Tremedal
TEMA
SÃO FELIPE
TREMEDAL
Lei de Uso e Ocupação do Solo / Lei de
Parcelamento do Solo Urbano / Lei de Regularização Código Ambiental / Lei de Uso e Ocupação do Solo / Lei de Parcelamento do Solo
Leis
Fundiária / Código de Edificações / Código de Urbano / Revisão do Código Tributário e do Código de Posturas / Leis de
Posturas / Leis de regulamentação dos instrumentos regulamentação dos instrumentos do Estatuto da Cidade.
do Estatuto da Cidade.
Política de Infra-estrutura / Política de Transporte e
Políticas
Mobilidade Urbana / Política Habitacional / Política
Educacional.
Plano de Saneamento Ambiental (LF 11.445/07) /
Planos
Plano de Habitação (LF 11.124/05) / Plano Decenal
de Educação.
Programa de Geração de Emprego e Renda /
Programas
Programa de Capacitação de Agricultores / Programa
de Regularização Fundiária.
Política de Infra-estrutura / Política Habitacional / Política de Transporte e
Mobilidade Urbana.
Plano de Recursos Hídricos / Plano de Saneamento Ambiental (LF 11.445/07) /
Plano de Habitação (LF 11.124/05) / Plano de Redução de Riscos / Plano
Municipal da Juventude / Plano de Carreira Docente / Plano Municipal de Cultura /
Plano de Manejo das Zonas de Desenvolvimento Agropastoril.
Programa de Geração de Emprego e Renda / Programa de Capacitação de
Agricultores / Programa de Reflorestamento e Revitalização de Rios / Programas
de Saúde da Mulher, da Criança e do Idoso / Programa de Assistência
Farmacêutica / Programa de Capacitação sobre Planejamento e Gestão Territorial.
Projeto Urbanístico de Pólos Industriais / Projeto de Projeto de Delimitação de Áreas de Sítios Arqueológicos e de Preservação
Projetos
Estudos
Desenvolvimento do Turismo.
Identificação do Potencial Turístico.
Fonte: elaboração do autor
Ambiental.
Constituição de Arranjos Produtivos Locais (APL) / Desenvolvimento do Turismo /
Normas para a Preservação do Patrimônio Cultural.
163
O conteúdo nestes dois PDM, diferentemente dos dois casos anteriores, dá
mais ênfase a questão do território usado. Demandas sociais ligadas ao cotidiano e
ao espaço banal, na perspectiva miltoniana, são tratadas como questão de
investimentos prioritários do Poder Público municipal. São elencadas, neste sentido,
ações
específicas
referentes
a temas
urbano-ambientais
como habitação,
saneamento e recursos hídricos, energia elétrica, transportes e mobilidade,
equipamentos comunitários. E ainda temas rotulados pelos próprios PDM como de
desenvolvimento sócio-cultural: saúde, educação, assistência social, cultura e
esportes.
Noutro viés analítico, a falta de uma definição espacial, temporal e quantitativa
atingiu boa parte das propostas mencionadas nos textos das quatro leis sendo,
portanto, um problema comum aos quatro processos de planejamento. Muitas vezes
elas aparecem nos PDM da forma descrita a seguir, sem que sejam detalhadas em
anexos complementares às leis:
•
Projeto estratégico de melhoria das estradas municipais (em Barra do Choça);
•
Desenvolvimento da cidadania no município e programas de oferta de lazer e
estimulo cultural aos jovens (em Morro do Chapéu);
•
Criação de programas de geração de emprego e renda, diminuindo o índice de
desemprego (em Tremedal);
•
Implantação de abrigos em pontos de ônibus, táxis e vans no município;
construção de novas salas de aulas, novos postos médicos e um centro
esportivo (em São Felipe).
Nos PDM de Barra do Choça e Morro do Chapéu pode ser identificado mais
um tipo de problema: no que pese a riqueza dos seus relatórios técnicos parciais,
não se encontrou nas suas respectivas leis uma só proposta de caráter físicoespacial que fizesse referência a um lugar específico. Aspecto este considerado
satisfatório nos PDM de São Felipe e Tremedal. Todavia, nem todas as propostas de
caráter físico-espacial foram formuladas nestes planos como as abaixo se destaca:
•
Apoio à instalação de indústrias privadas na Zona Urbana, no Distrito de Lagoa
Preta, São Felipe, Venda Velha e Furado da Cancela (em Tremedal);
•
Implantação de programas de reflorestamento e revitalização dos rios Ressaca,
Tapioconga e Gavião e de córregos e nascentes (em Tremedal);
164
•
Instalação de Postos de Saúde da Família (PSF), no Distrito de Lagoa Preta e
nas comunidades de Serrinha, Grota, Venda Velha, Tanção, Riachão, Berrador
e Neblina (em Tremedal);
•
Construção e/ou ampliação de saneamento ambiental na sede, no distrito de
Lagoa Preta e nos povoados de São Felipe, Venda Velha e Furado da Cancela
e construção de fossas séptcas para as famílias carentes das demais
comunidades (em Tremedal);
•
Construção de um terminal rodoviário na zona urbana do município e
pavimentação asfáltica ligando o distrito de Lagoa Preta e a Sede (em
Tremedal);
•
Elaboração e implantação do projeto de terminal rodoviário, na entrada da
cidade, obedecendo aos critérios estabelecidos no estudo de impacto de
vizinhança (em São Felipe);
•
Elaborar projetos visando a execução dos serviços e obras de drenagem e
pavimentação com paralelepípedos nas vias e logradouros públicos na sede e
nas praças centrais dos povoados rurais não dotados de pavimentação e
sistema de drenagem (em São Felipe);
•
Implantação do sistema de telefonia pública nas comunidades rurais da Pitinga,
Caboclo, Chaves e Bom Gosto e nas demais onde ainda não constar esse
serviço (em São Felipe);
•
Construção de posto médico-odontológico nos povoados rurais da Pitinga e do
Bom Gosto, com implantação de uma equipe de saúde da família em cada um
deles (em São Felipe).
Aliás, pelo teor das propostas supra citadas, grifa-se que este dois municípios
contemplaram muito satisfatoriamente no texto das leis dos PDM os núcleos
urbanos existentes na zona rural como vilas e povoados. E a leitura dos relatórios
técnicos parciais, elaborados segundo a metodologia do PDP-Ba, confirma que as
propostas hierarquizadas e pactuadas com a população, de acordo com a
regionalização definida para as reuniões públicas (apresentadas no Quadro 17) de
fato foram incluída nos PDM.
A observação da Tabela 11 mostra que a questão da formulação e inclusão
de propostas para localidades outras que não a cidade, enquanto sede municipal, é
165
extremamente
pertinente
para
o
problema
dos
conteúdos
dos
PDM.
Independentemente do Estatuto da Cidade determinar que os planos devam
abranger todo o território municipal, as pessoas que tem tais localidades como seu
espaço de vida precisam ter suas demandas consideradas e atendidas pelo Poder
Público municipal de forma isonômica ao atendimento das demandas das pessoas
que vivem nas cidades, sob pena de se fragmentar mais ainda o território social.
Tabela 11 – Indicativo de residência na sede municipal das pessoas residentes* nos municípios
selecionados – 2000
Barra do Choça
Morro do Chapéu
Absoluto
Absoluto
São Felipe
Tremedal
Indicativo de Residência
%
%
Absoluto
%
Absoluto
%
Total
40.810
100
34.475
100
20.220
100
21.189
100
Reside na sede
17.730
43,4
16.408
47,6
8.034
39,7
2.682
12,6
Não reside na sede
23.080
12.186
60,3
18.507
87,3
56,5
18.067
52,4
Fonte: cálculo do autor a partir do SIDRA, 2008
* Dos domicílios particulares permanentes
Os dados do IBGE mostrados na Tabela 11 indicam um alto percentual de
pessoas que não residem na cidade, variando de 52,4% em Morro do Chapéu a
87,3% em Tremedal. Isto significa dizer que a grande maioria da população
municipal está distribuída espacialmente pela zona rural em vilas e povoados. Com
efeito, pode-se dizer que o fato da organização do processo de planejamento e os
PDM elaborados contemplarem a população rural e suas demandas não deve ser
motivo de regozijos. É antes de tudo uma obrigação política, social, humanitária e
legal dos governantes municipais. Trata-se mesmo do território como norma,
seguindo o pensamento miltoniano.
Por fim, em termos da questão dos conteúdos dos planos cabe ainda
comentar sobre mais uma dimensão pertinente a qualquer práxis de planejamento
do espaço: a utilização de mapas e plantas como instrumentos da representação
cartográfica da área do município, dos problemas de caráter físico-espacial e para a
espacialização das propostas de intervenção.
Não há dúvidas que no decorrer do rico processo de planejamento e
elaboração dos quatro PDM a opinião das pessoas residentes nas zonas urbana e
rural não só foi ouvida como também registrada e divulgada por meio de listas de
166
presença, atas, fotos, vídeos e de relatórios parciais. Infelizmente, no momento da
elaboração das minutas de lei dos PDM muitas das demandas e propostas
populares não tenham sido efetivamente incluídas, marcadamente, pelos Governos
municipais de Barra do Choça e Morro do Chapéu. Isto significa dizer que no
durante o processo de elaboração dos PDM o território como norma foi respeitado
pelas equipes de planejadores (municipais ou contratados), no entanto, quando todo
o conhecimento produzido chegou aos gestores municipais e às câmaras de
vereadores as coisas não aconteceram da mesma forma.
Nesses municípios recorreu-se ao expediente cartográfico para tentar
encaixar de alguma maneira nos PDM as chamadas questões territoriais, seguindo a
própria definição do Plano Diretor de Barra do Choça. O Quadro 20 elenca todos os
mapas temáticos e plantas elaboradas com base nas propostas formuladas durante
o processo de planejamento. E mesmo quando a análise do conteúdo propositivo
dos PDM destes dois municípios é realizada pelo viés da produção cartográfica fica
clara uma primazia da cidade, e dos projetos econômico setoriais a serem nela
realizados, e a pouco importância dispensada à zona rural em relação à
representação espacial das suas propostas.
De forma negativa, chama atenção no Quadro 20 o fraco desempenho de
Tremedal na espacialização do conteúdo propositivo do seu PDM, seja para a
cidade seja para a zona rural, visto que no texto da lei, como já destacado, muitas
propostas foram contempladas. Por outro lado, chama atenção de forma positiva a
produção cartográfica espacialmente equilibrada no PDM de São Felipe.
167
Quadro 20 – Mapas temáticos ou plantas das proposições recomendadas nos PDM por localização
MUNICÍPIOS
CIDADE
ZONA RURAL
• Plantas do Perímetro Urbano (com coordenadas geográficas);
• Plantas do Partido Urbanístico;
Barra do Choça
• Plantas do Projeto de Cidade (com espacialização de propostas);
• Planta de Zoneamento da vila de Barra Nova;
• Plantas de espacialização dos Projetos Estratégicos e Estruturantes;
• Planta de Zoneamento de dois povoados.
• Plantas de Zoneamento do Uso e Ocupação do Solo;
• Plantas da Hierarquização Viária com delimitação de bairros.
• Plantas do Projeto de Cidade (contendo projetos habitacionais, de
Morro do Chapéu
•
•
•
•
saneamento, de qualificação urbana e ambiental e de equipamentos
comunitários);
• Plantas de Situação dos povoados (em croquis);
Plantas do Zoneamento Urbano;
• Plantas de Zoneamento do Parque Municipal de
Mapa das Unidades de Conservação e de Proteção Rigorosa;
Morrão;
Plantas do Parque da Cidade;
• Plantas dos Lugares de Interesse Turístico.
Plantas definindo a Poligonal Histórica e a Hierarquização Viária e
localizando o Centro de Apoio Rodoviário.
• Plantas de Perímetro Urbano (sem georeferenciamento);
• Mapa de Infra-estrutura (reforma de estradas,
pontes, energia elétrica, abastecimento de água,
pavimentação de ruas dos povoados);
• Plantas de Infra-estrutura Urbana (esgotamento sanitário; sistema • Mapa de Proposta de Desenvolvimento Sócioseparador absoluto; implantação de coleta seletiva; e pavimentação);
Cultural e Ambiental;
• Plantas de Acessibilidade (implantação de rampas e faixa tátil);
• Mapa de Necessidades Habitacionais;
• Planta de Espacialização de Propostas (centro esportivo; casa da cultura; • Planta espacializando propostas para a vila de
imóveis a serem tombados; área de potencial turístico).
Caraípe.
• Plantas do Zoneamento Urbano;
São Felipe
• Plantas de Zoneamento Urbano (incluindo delimitação do perímetro
Tremedal
urbano, mas sem georeferenciamento);
• Mapa espacializando diversas propostas para a vila
de Lagoa Preta e povoados.
• Plantas de Infra-estrutura Urbana (rede de esgotamento sanitário;
pavimentação de ruas; rede elétrica).
Fonte: elaboração do autor
168
6.3.2 Os instrumentos de política urbana e de desenvolvimento municipal
Se na perspectiva dos princípios ou diretrizes gerais norteadores dos PDM
questões fundamentais como a função social da cidade e da propriedade urbana e a
promoção da participação popular na gestão pública municipal não são reveladoras
de intencionalidades tácitas, porque são compulsórias, conforme aventou-se na
subseção anterior, no que diz respeito a aplicação de instrumentos de política
urbana e de desenvolvimento o significado é bem distinto.
Na literatura especializada em planejamento e gestão urbana, gestão pública
ou direito urbanístico, uma das características mais comentadas do Estatuto da
Cidade é a sistematização nele de um arsenal de instrumentos cuja finalidade
essencial é proporcionar aos governantes uma gestão municipal mais eficiente,
eficaz, democrática e responsável social e ambientalmente falando. Por isso mesmo,
nesta pesquisa não se poderia deixar de analisar como os PDM em tela fizeram uso
destes recursos institucionais que tanto servem à regulação do território como à
indução do desenvolvimento.
O essencial aqui não é entrar na discussão do histórico e da conceituação
dos instrumentos e das suas vantagens e problemas decorrentes da aplicação por
uma prefeitura municipal. Na perspectiva da regulação do território e da construção
de um projeto de desenvolvimento municipal, o essencial é averiguar nas leis dos
quatro PDM, enquanto produto final e legal do processo de planejamento, quais e
sob que condições esses instrumentos foram apropriados pelas equipes de
planejamento.
O documento intitulado Estatuto da Cidade: guia para a implementação pelos
municípios e cidadãos (BRASIL, 2001b) agrupa os instrumentos contidos no
Estatuto em três categoriais principais. São elas:
•
Instrumentos de Indução do Desenvolvimento Urbano: que reúne os
instrumentos que incorporam a avaliação dos efeitos da regulação sobre o
mercado de terras oferecendo, assim, ao poder público uma maior capacidade
de intervir no uso, na ocupação e na rentabilidade das terras urbanas, tendo
em vista efetiva operacionalização da função social da cidade e da propriedade
urbana.
169
•
Instrumentos de Regularização Fundiária: estes instrumentos possibilitam
novas formas de legalização de áreas urbanas ocupadas por populações de
baixa renda em áreas que não lhes pertencem legalmente. O objetivo da
regularização fundiária é legalizar a permanência destas populações em seus
locais de moradia, o que significa a integração dessas populações ao espaço
urbano, aumentando sua qualidade de vida e resgatando sua cidadania.
•
Instrumentos de Gestão Democrática da Cidade: o intuito deste tipo de
instrumento é ampliar a base de conhecimento, planejamento e sustentação da
política urbana, que assim vai deixando de ser um assunto restrito aos
especialistas e passando a ser um patrimônio de toda a sociedade que por ela
é afetada.
A utilização deste último tipo de instrumento já foi abordada na subseção que
analisou a organização da participação popular e o processo de elaboração dos
PDM. E constatou-se que eles foram mal e desigualmente aproveitados, com
exceção de Tremedal que incorporou todos eles. Cumpre, portanto, completar o
esforço de pesquisa focando os dois outros tipos de instrumentos.
Da mesma forma que foram tratados os instrumentos de Gestão Democrática
da Cidade, em todos os quatro PDM foram encontrados capítulos específicos para
tratar dos instrumentos de política e desenvolvimento urbano (rever sumários no
Apêndice A). Mas isto não significa dizer que todo o instrumental previsto no EC
tenha tido apropriado e previsto pelos agentes responsáveis pelo conteúdo técnico
dos planos. E, nesta seara, o problema apontado por Castro (2005a) também se
confirma. O estudo da realidade mostrou situações municipais bastantes díspares
umas das outras. Com o objetivo de articular e sintetizar esta análise, facilitando
assim a compreensão global desta questão, foi elaborado o Quadro 21.
Já é sabido que a aplicação de alguns dos instrumentos do EC pelo Poder
Público municipal de forma legal depende de dois pré-requisitos, conforme já fora
destacado no capítulo quatro (apresentados no Quadro 10): (i) a edição de lei
específica que regulamente o instrumento previsto no plano; e (ii) a delimitação
espacial por meio de mapa temático que aponte as áreas onde o instrumento
pretende ser aplicado. Então, além de apontar quais instrumentos foram colocados
em cada PDM, o Quadro 21 informa se as leis dos planos atendem a essas duas
condições.
170
Quadro 21 – Instrumentos do Estatuto da Cidade previstos nos PDM estudados
(continua)
INSTRUMENTOS
BARRA DO CHOÇA
MORRO DO CHAPÉU
SÃO FELIPE
TREMEDAL
Não
Prevê regulamentação por
LE e aponta as áreas de
incidências. Elaborou MT,
mas não o cita na lei.
Prevê regulamentação por
LE e aponta as áreas de
incidência, mas não elaborou
MT.
Sim.
Mas
não
faz
absolutamente
nenhum
detalhamento
quanto
à
regulamentação.
- Indução do Desenvolvimento Urbano Parcelamento, Edificação
ou Utilização
Compulsórios
Aponta
as
áreas
de
incidência, mas não prevê
1
regulamentação por LE .
2
Elaborou MT , mas não o
cita na lei.
IPTU progressivo no
tempo
Não
Não
Remete
à
LE
que
regulamentar
o
Parcelamento, Edificação ou
Utilização Compulsórios.
Desapropriação com
pagamento em títulos
Não
Não
Sim (não requer LE nem
MT).
Consórcio Imobiliário
Não
Não
Não
Sim (não requer LE nem
MT).
Outorga Onerosa do
Direito de Construir
Prevê regulamentação por
LE. Elaborou MT, mas não o
cita na lei.
Não
Prevê regulamentação por
LE, mas não aponta as
áreas
de
incidências.
Elaborou MT, mas não o cita
na lei.
Não
Alteração de Uso
Prevê regulamentação por
LE, mas não aponta as
áreas de incidências nem
elaborou MT.
Não
Prevê regulamentação por
LE, mas não aponta as
áreas de incidências nem
elaborou MT.
Não
Direito de Superfície
Não
Não
Indica a área de incidência,
(não requer LE nem MT).
Não
Sim.
Mas
absolutamente
detalhamento
não
faz
nenhum
171
(conclusão)
Não
Prevê regulamentação por
LE, mas não aponta as
áreas de incidência nem
elaborou MT.
Não
Prevê regulamentação por
LE. Elaborou MT, mas não o
cita na lei
Prevê regulamentação por
LE. Aponta as áreas de
incidência e elaborou MT
citando-o na lei.
Prevê regulamentação por
LE. Elaborou MT, mas não o
cita na lei.
Não
Prevê regulamentação por
LE. Elaborou MT, mas não o
cita na lei.
Prevê regulamentação por
LE. Aponta as áreas de
incidência e elaborou MT
citando-o na lei.
Indica
as
áreas
de
incidência, mas não prevê
LE. Elaborou MT citando-o
na lei.
Prevê regulamentação por
LE e aponta as áreas de
incidência, mas não elaborou
MT.
Indica
as
áreas
incidência. Elaborou
mas não o cita na lei.
Indica
as
áreas
incidência. Elaborou
mas não o cita na lei.
Transferência do Direito
de Construir
Não
Operações Urbanas
Consorciadas
Direito de Preempção
- Regularização Fundiária Zonas Especiais de
Interesse Social (ZEIS)
Sim. Mas não indica áreas
de incidência. Elaborou MT,
mas não o cita na lei.
Aponta
as
áreas
de
incidência e elaborou MT
citando-o na lei.
Uso Especial de Imóvel
Urbano
Não
Não
Sim (não requer LE nem
MT).
Concessão Especial para
fins de moradia2
Não
Não
Não
Usucapião Especial de
Imóvel Urbano
Não
Não
Não
Sim (não requer LE nem
MT).
Concessão de Direito Real
3
de Uso (CDRU)
Não
Não
Não
Sim (não requer LE nem
MT).
Fonte: Elaboração do Autor
1
LE = Lei Específica
2
3
Vetado no texto do Estatuto da Cidade mas regulamentado pela Medida Provisória n°2.220/01
4
Instrumento criado pelo Decreto-Lei n°271 de 28/02/1967
ME = Mapa Específico
de
MT,
de
MT,
Não
Sim.
Mas
absolutamente
detalhamento.
não
faz
nenhum
172
O que se revela é, no mínimo, um quadro de inobservância geral para com o
texto do Estatuto de Cidade, que é normativo e isonômico às municipalidades.
Problema este que deve ser creditado tanto aos agentes políticos municipais como
às equipes de planejadores. No primeiro caso pelas decisões políticas tomadas por
esses agentes responsáveis, em última análise, por incluir determinado instrumento,
ação, projeto ou programa na lei do PDM.
No segundo caso, cabe lembrar que tanto os municípios do Produr quanto do
PDP-Ba as equipes de técnicos municipais foram acompanhadas e assessoradas
pelas equipes técnicas das consultorias contratadas, que subtende-se altamente
qualificadas. Mais grave ainda no caso do Produr, visto que os PDM finalizados
pelas empresas UFC Engenharia e AST Planejamento foram analisados pela CAR
antes de serem submetidos às conferências municipais e, consequentemente, ao
processo de votação nas câmaras de vereadores.
Em relação aos instrumentos de indução do desenvolvimento, os PDM de
Barra do Choça e Morro do Chapéu parecem ignorar aqueles institutos mais básicos
e facultados ao Poder Público municipal desde a CF/1988 – Parcelamento,
Edificação ou Utilização Compulsórios; IPTU progressivo no tempo; Desapropriação
com pagamento em títulos da divida pública. E mesmo quando o Parcelamento,
Edificação ou Utilização Compulsórios é previsto no PDM de Barra do Choça não é
prevista a compulsória regulamentação por lei específica. E apesar de ter elaborado
o mapa temático delimitando as áreas de incidência, não faz a correlação no texto
da lei com o referido mapa. Isso não representa um caso isolado. As falhas de não
prever regulamentação específica ou não incorporar à lei do PDM o devido mapa
temático acontece para outros instrumentos também, conforme revela o Quadro 21
mais detalhadamente.
No que pese Morro do Chapéu ter previsto a aplicação de apenas dois
instrumentos de indução do desenvolvimento, o fez totalmente da forma como é
cobrada pelo EC. Os municípios de São Felipe e Tremedal fizeram bastante uso
deste instrumental, especialmente o primeiro. Inclusive deram um tratamento
detalhado a cada um deles já nas leis dos respectivos PDM. Todavia, pecaram no
mais básico. Dos instrumentos que requerem atenção especial pode-se dizer que,
com base na análise sintetizada no Quadro 21, todos os instrumentos previstos
possuem algum tipo de inconsistência!
173
Em termos dos instrumentos para a promoção da regularização fundiária
municipal, o Quadro 21 mostra que todos os quatro PDM privilegiaram a aplicação
das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Mas somente o PDM de Tremedal
fez um uso completo destes importantes instrumentos de combate a um dos
problemas sociais mais comuns e graves em qualquer município baiano ou
brasileiro. Se observarmos as Tabelas 7 e 8, que trazem dados sobre a quantidade
de moradores e domicílios urbanos em cada município, fica difícil entender o porquê
dos PDM de Barra do Choça e de Morro do Chapéu não preverem os demais
instrumentos dessa natureza.
6.3.3 Institucionalização do planejamento municipal
Um terceiro viés de análise do conteúdo de um PDM pode ser o que ele traz
em termos de pensar e institucionalizar, no âmbito dos Governos municipais, a
práxis de planejamento e gestão urbana, mas que deve abranger toda a área
municipal. Em outras palavras, trata-se de averiguar se houve uma preocupação, por
parte dos artífices dos quatro PDM em tela, de dotar a gestão pública municipal de
instrumentos e instâncias capazes de não somente darem continuidade ao processo
de planejamento deflagrado com a elaboração dos PDM, mas também serem
capazes de gerirem a sua implementação e a do próprio ideal de desenvolvimento
enquanto elemento animador de todo este processo.
As análises das quatro leis revelam que somente no município de Morro do
Chapéu não houve nem menção formal, nem programática de tal conteúdo. Já nos
demais municípios a questão da institucionalização do planejamento municipal
apareceu nas leis na forma de capítulos ou seções específicas (Apêndice A).
Novamente, com o intuito de propiciar a compreensão deste terceiro tema e a
comparação entre os municípios estudados, foi elaborado o Quadro 22 sintetizando
todas as proposições assim identificadas.
Com base nas proposições elencadas, pode-se dizer que nos PDM
aprovados em Barra do Choça e em Tremedal houve uma institucionalização, pelo
menos em termos jurídicos, da atividade de planejamento urbano. Cada um ao seu
modo, mas seguindo as diretrizes das instituições responsáveis pelos programas de
174
elaboração dos PDM, procurou dotar as prefeituras de estruturas institucionais
capazes de viabilizar localmente a práxis do planejamento.
Enquanto Morro do Chapéu e São Felipe se limitaram, basicamente, à criação
de conselhos, nos outros dois municípios as propostas se mostraram muito mais
abrangentes em termos de recursos institucionais: criação de secretarias e órgãos
de planejamento; instâncias de sistematização do planejamento; ferramentas de
suporte ao planejamento como centros ou sistemas de informações municipais;
fundos que pudessem financiar os programas e as ações planejadas; além de
conselhos paritários e deliberativos focados no planejamento e no desenvolvimento.
Quadro 22 – Propostas para a institucionalização do planejamento municipal contidas
nos PDM estudados
MUNICÍPIOS
ESTRUTURAS ADMINISTRATIVAS
•
•
Barra do Choça
•
•
•
•
Morro do Chapéu
•
•
•
São Felipe
•
•
•
•
Tremedal
•
•
•
•
Secretaria de Planejamento;
Sistema Municipal de Planejamento;
Centro de Informações Municipais (CIM);
Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano (CMPDU);
Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano;
Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano.
Conselho Municipal de Desenvolvimento;
Agência de Desenvolvimento Local.
Conselho da Cidade (COMCID);
Conselho de Meio Ambiente;
Fundo Municipal de Cultura.
Conselho da Cidade (COMCID);
Conselho Ambiental;
Órgão de Planejamento e Gestão Territorial (secretaria especial);
Sistema de Planejamento e Gestão Territorial;
Fundo de Desenvolvimento Territorial;
Sistema de Informações Municipais.
Fonte: elaboração do autor
O fato do PDM de Barra do Choça privilegiar a questão do desenvolvimento
urbano nas estruturas administrativas previstas talvez seja facilmente compreendido
quando se tem em mente que o Produr foi originalmente formatado com ênfase no
desenvolvimento
urbano
e
no
desenvolvimento
institucional
pensamento do BM, conforme explanado no capítulo cinco.
inerentes
ao
175
Em realidade, de acordo com a observação das estruturas propostas, foi
somente em Tremedal, o município de perfil mais rural entre os quatro estudados,
que o planejamento e a gestão com foco em toda a área municipal puderam ser
identificados. Não que isto tenha sido fruto de uma rigorosa cobrança metodológica
do PDP-Ba, mas, verificou-se que tal iniciativa tenha partido da própria equipe
municipal sob orientação dos técnicos contratados pela CNM.
6.4 O QUE REVELAM AS ENTREVISTAS REALIZADAS
Mais do que oferecer uma complementaridade da necessária relação entre
teorização e empirismo para a construção do conhecimento científico, esta seção
pretende expor as observações sobre o processo de elaboração dos quatro PDM
aqui estudados colhidas durante a pesquisa de campo.
Em verdade, se quer coletar elementos – com base nos relatos de indivíduos
que participaram do planejamento representando entidades sociais ou os poderes
Executivo e Legislativo – para analisar o comportamento destes agentes e, em
última instância, a legitimidade social dos planos elaborados e aprovados
legalmente.
Nesta direção, o Quadro 23 elenca os agentes sociais que foram alvos de
entrevistas específicas, segundo os representantes pertençam ao Executivo ou
Legislativo municipal ou pertençam a entidades da sociedade civil. O roteiro das
entrevistas, previamente definido, podem ser apreciados nos Anexos B e C.
Em relação ao roteiro das entrevistas, pode-se dizer que eles foram
estruturados tendo como critérios as discussões empreendidas pela pesquisa
girando em torno, assim, dos aspectos mais pragmáticos dos PDM: o processo de
elaboração em sentido amplo, a participação da população e o conteúdo dos planos,
conforme preconizam as Resoluções 25 e 34 do Concidades.
De um modo geral, pode ser dito que em todos os quatro municípios
estudados o processo de elaboração dos PDM foi bastante divulgado pelas equipes
componentes dos núcleos de planejamento, sejam elas compostas por técnicos
contratados ou por funcionários municipais. Todos os representantes das entidades
176
entrevistadas confirmaram que foram convidados, mediante convite formal e
personalizado, para participar das atividades.
Quadro 23 – Principais agentes sociais que participaram da elaboração dos PDM
AGENTES
MUNICIPAIS
EXECUTIVO
MUNICIPAL
LEGISLATIVO
MUNICIPAL
SOCIEDADE CIVIL
• Conselho de Dirigentes Lojistas
(CDL);
Barra do
Choça
• Secretário de
Administração e
Planejamento;
• Diretoria Técnica da
Secretaria de Infraestrutura.
• Associação de Moradores do Bairro
de Ouro Preto;
• 01 Vereador – 1º
Secretário da
Câmara.
• Associação de Moradores do Bairro
Primavera (AMBAPRI);
• Associação Barra Chocense de
Integração dos Deficientes
(ABAIDE);
• Sindicato dos Professores
Municipais de Barra do Choça.
• Grupo Ambientalista Morrense
(GAM);
• Secretário de
Administração;
Morro do
Chapéu
São Felipe
Tremedal
• Secretário de Cultura,
Turismo e Meio
Ambiente;
• 01 Vereador – 1º
Secretário da
Câmara.
• Sindicato dos Trabalhadores
Rurais;
• Associação de Produtores de
Flores (CÁLLAMO);
• Conselho Municipal de
Cultura (compôs o
grupo local).
• Conselho de Dirigentes Lojistas
(CDL);
• Assistente social
(compôs o grupo local);
• Associação das Igrejas
Evangélicas;
• Procurador da
Prefeitura (compôs o
grupo local);
• Grupo de Educação Integral
Minhoca.
• 01 Vereador – sem • Baú de Leitura;
função específica • Sindicato dos Trabalhadores
na Câmara.
Rurais;
• Fiscal de Obras
(compôs o grupo local).
• Associação Comunitária de
Desenvolvimento de Xangô.
• Secretário de
Administração na
época (compôs o
grupo local);
• Associação dos Produtores Rurais
de Riachão;
• Secretário de Meio
Ambiente (compôs o
grupo local);
• Topógrafo contratado
pela Prefeitura para
compor o grupo local.
Fonte: elaboração do autor
• 01 Vereador – líder • Sindicato dos Trabalhadores
governista na
Rurais;
Câmara.
• Associação de Igrejas Evangélicas;
• Secretaria Paroquial (Ig. Católica).
177
Da mesma forma, todos esses agentes afirmaram que as reuniões públicas
organizadas, sobretudo na fase inicial do processo, foram bastante didáticas, por
assim dizer. Nesses eventos foram apresentadas palestras procurando explicar aos
leigos, inclusive do próprio quadro de funcionários municipais, sobre o que é o
Estatuto da Cidade e o que é o PDM, sobre a obrigatoriedade da elaboração dos
planos e sobre o papel da prefeitura, dos vereadores e da população, entre outros
pormenores.
Tendo em mente que a maioria das pessoas envolvidas neste processo não
sabia o que era um PDM até o início da elaboração, parece que aquelas reuniões
surtiram, ao menos, certo efeito pedagógico a posteriori. O fato é que mesmo muitos
dos entrevistados não saberem definir de forma exata o que é um plano diretor, mais
de 90% deles compreenderam sua essência ou o seu sentido. Destacam-se abaixo
algumas respostas para esta questão.
“Serve para definir os rumos da cidade. Definir a questão das casas
e usos do solo e melhorar a acessibilidade dos deficientes.” (Damião
A. Reis, representante da Associação Barra Chocense de Integração
dos Deficientes Físicos - ABAIDE).
“É o levantamento das prioridades do povoado. É uma forma de
convocar a sociedade para participar do desenvolvimento” (Roberval
B. Gonçalves, representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Morro do Chápeu).
“É uma organização para as coisas que estão acontecendo. Se
preparar para o futuro.” (Etivaldo J. Pereira, representante da
Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Riachão em
Tremedal).
“É a participação popular na realização das obras e investimentos no
município. Antes as obras eram realizadas de forma errada.” (Cilda
Mary, representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São
Felipe).
Ainda sobre esta questão, uma observação mais acurada de todos os
formulários, revela algo de relevante e diferenciador nas municipalidades. Enquanto
que em Tremedal e São Felipe (PDP-Ba) 62,5% das respostas apresentam alguma
referência à participação popular na gestão pública, nos municípios de Barra do
Choça e Morro do Chapéu este percentual atinge 25,0% apenas.
Não se quer com isso fazer ilação sobre uma possível cultura participativa
menor nestas duas últimas administrações municipais. Talvez o que explique tal
178
fenômeno seja a própria ênfase no protagonismo local encapada de forma mais
contundente na metodologia do PDP-Ba (focada na legislação derivada do Estatuto
da Cidade) que na metodologia do Produr (mais focada no planejamento
estratégico).
Nesta perspectiva, o papel dos técnicos locais e dos técnicos contratados, ao
longo do processo de planejamento, também aparece nas entrevistas como
elemento diferenciador das duas experiências. Se nos municípios do PDP-Ba tanto a
coordenação quanto a operacionalização das atividades foram percebidas pelos
representantes das entidades entrevistados como atribuições dos técnicos das
próprias prefeituras – cabendo aos técnicos contratados apenas atuarem mais na
orientação técnica-metodológica – nos municípios do Produr a equipe municipal foi
identificada com a função de apenas apoiar os técnicos contratados que, assim,
foram identificados como coordenadores das atividades.
Na tentativa de colher uma auto-avaliação, pelos agentes políticos municipais,
relativa à questão da participação popular no processo de elaboração dos PDM as
respostas obtidas denotam diferentes discursos. Em Barra do Choça os membros do
Executivo entrevistados consideraram satisfatória a participação da população,
mesmo reconhecendo que poderia ter havido mais tempo de trabalho e mais
divulgação. Já o vereador entrevistado classificou a participação popular como
inadequada devido a dois fatores: acredita que houve poucas reuniões na zona rural
e que, de um modo geral, as reuniões eram convocadas sem muita antecedência, o
que impedia uma mobilização maior.
Em Morro do Chapéu os representantes dos poderes Executivo e Legislativo
entrevistados consideraram a participação como regular. No primeiro caso devido a
pouca atuação das pessoas que integraram os grupos temáticos de trabalho
(inclusive criticando a atuação da consultora técnica coordenadora do PDM) e,
também, a falta de uma capacitação dirigida aos dirigentes das entidades sociais. Já
no segundo caso foi mencionada a quantidade insuficiente de reuniões, sobretudo
na zona rural.
Passando para o grupo do PDP-Ba, em São Felipe aconteceu a mesma
situação: a participação popular foi classificada como regular pelos entrevistados de
ambos poderes. No entanto, a crítica não recaiu sobre a quantidade de reuniões
realizadas, que foi considerada suficiente pelos entrevistados. Os fatos que
contribuíram para esta classificação foram, principalmente, a quantidade de pessoas
179
presentes nas reuniões e o volume inadequado de recursos financeiros destinados
pelo Prefeito à organização destes eventos. A assistente social do município
também apontou a “falta de consciência das pessoas em relação ao seu papel na
participação voluntária” como um dos problemas.
E em Tremedal os membros do Executivo e do Legislativo entrevistados
analisaram a participação popular como satisfatória de um modo geral. E a
quantidade de reuniões, assim como em São Felipe, não foi apontada como
problema. A própria coordenadora do PDM salienta que na zona urbana apenas
houve uma grande participação popular no evento da Conferência Municipal, apesar
das diversas convocações para as reuniões públicas, enquanto que na zona rural as
pessoas se fizeram mais presentes e contribuíram ao longo de todo o processo.
Estes entrevistados apontaram como causas para a desmobilização da população
três problemas: o baixo nível de instrução do povo; o descrédito da população para
com a política e a falta de experiência da própria equipe local na condução das
atividades.
É claro que a participação popular não pode ser cotejada, como já fora
discutido em Fedozzi (2005), apenas em termos da quantidade de reuniões
realizadas e da quantidade de pessoas nelas presentes. Ainda que tais indicadores
tenham a capacidade de sinalizar deficiências metodológicas no processo de
elaboração dos PDM ou posturas incompatíveis com o regime democrático, o que é
mais grave ainda.
Por isso mesmo foi perguntado aos representantes dos poderes Executivo e
Legislativo se as demandas sugeridas pela população e pactuadas com o Poder
Público, via os tais “Pactos Territoriais”, foram incluídas de fato nos PDM. Elemento
este que também já faz a análise entrar na questão dos conteúdos dos planos. As
respostas, no entanto, se revelaram frustrantes em alguns casos quando se
compara com o teor das leis dos PDM.
Todos os agentes públicos entrevistados nas quatro municipalidades
afirmaram que todas as propostas e demandas oriundas das reuniões públicas,
exceto aquelas que exorbitavam da competência municipal ou que não
apresentavam viabilidade econômica ou técnica, foram incorporadas à lei dos PDM.
Infelizmente, sabe-se que, marcadamente, para os municípios de Barra do Choça e
Morro do Chapéu estas veemente assertivas não correspondem a realidade dos
fatos. Tais municipalidades deixaram de incorporar na lei dos PDM, de forma clara e
180
objetiva, diversos instrumentos do EC e ações diretas para a melhoria da qualidade
de vida local.
Não se quer dizer com isso que em Tremedal e São Felipe 100% das
proposições tenham sido contempladas. Mas somente para relembrar, a análise das
leis dos PDM, ou de qualquer documento fisicamente anexados a elas, revelou a
inexistência de propostas diretamente ligadas à questão do território usado pelos
cidadãos naqueles dois municípios do Produr.
Aliás, tal pergunta suscitou controvérsias quando foi direcionada aos
representantes das entidades sociais entrevistados. No que pese a maioria das
pessoas não terem procurado ler os PDM após aprovados pelas câmaras
municipais, houve alguns indícios de falta de transparência por parte de gestores e
vereadores municipais.
Em São Felipe, por exemplo, a representante do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais comentou que os vereadores alteraram por conta própria, após a aprovação
do projeto de lei na Conferência Municipal, alguns artigos referentes à aplicação de
instrumentos do Estatuto da Cidade (Parcelamento, Edificação ou Utilização
Compulsórios) sem que tais mudanças fossem apreciadas ou comunicadas à
sociedade civil.
Também em São Felipe o representante da entidade Baú de Leitura afirmou
que tentou ter acesso ao PDM logo após a sua aprovação, mas a Prefeitura alegou
que ainda iria providenciar a impressão do documento e que, naquele momento, a
lei do PDM estava disponível para consulta na internet.
Já em Morro do Chapéu, o representante do Grupo Ambientalista Morrense
(GAM) afirmou que não procurou ler o PDM aprovado haja vista a Câmara de
Vereadores, costumeiramente, não facilitar o acesso das pessoas aos documentos
lá arquivados. E os representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da
Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) destacaram que a própria prefeitura morrense
não divulgou mais nada relativo ao PDM após sua aprovação pelos vereadores.
Por outro lado, em Barra do Choça o representante da Associação Barra
Chocense de Integração dos Deficientes Físicos (ABAIDE) afirmou ter recebido da
Prefeitura uma cópia do PDM e, acredita ele, que todos os outros representantes
das entidades sociais envolvidas no processo de elaboração também receberam.
Em Tremedal, por fim, os entrevistados nem relataram fatos que colocasse a
postura do Poder Público em suspeição nem relataram fatos que fossem dignos de
181
maiores elogios. Em verdade, nenhum dos representantes entrevistados procurou
ter acesso ao PDM após a apresentação do projeto de lei na Conferência Municipal.
Nesse sentido, é de se lamentar o desinteresse geral de pessoas que se dizem
representar interesses de outrem.
Outra observação pertinente, ainda referente à questão dos conteúdos dos
PDM, foi o fato de que em todas as municipalidades e entre quase todos
entrevistados ficou patente uma dificuldade dos entrevistados em citar as principais
e mais gerais proposições dos PDM. O que revela um envolvimento das pessoas
com os problemas municipais estritamente compartimentado, de acordo com seus
próprios interesses e objetivos ou da instituição que representa. Com efeito, somente
os técnicos municipais que trabalharam mais diretamente na coordenação dos
trabalhos souberam falar sobre os projetos e propostas para os municípios.
Em realidade, o pouco envolvimento até mesmo de representantes de
entidades sociais que participaram de reuniões públicas ao longo do processo de
elaboração dos PDM não constitui um caso isolado. Quando os entrevistados foram
perguntados sobre a participação dos principais agentes políticos municipais –
prefeitos e vereadores – o panorama delineado é preocupante.
Em relação à participação dos prefeitos no processo de planejamento, tanto
do ponto de vista do apóio político quanto do apoio financeiro, ou seja, da
disponibilização de recursos para o custeio das atividades, somente em Tremedal o
gestor municipal foi bem avaliado por técnicos municipais, pelo representante dos
vereadores e pelos representantes das entidades sociais.
Em Barra do Choça esse mesmo público-alvo classificou a participação geral
do prefeito como satisfatória. Já em Morro do Chapéu e São Felipe os técnicos
municipais e os representantes das entidades sociais avaliaram como fraca a
atuação dos seus respectivos prefeitos. Somente os vereadores acharam que tais
gestores apoiaram a elaboração dos PDM, aliás, isto ocorreu nos quatro municípios
estudados. Fenômeno este que para ser compreendido precisa ser considerado na
perspectiva do jogo político enquanto elemento das relações de poder entre o
Executivo e o Legislativo, e não simplesmente a partir dos fatos mais superficiais.
Mas, sem dúvida, quem perde com tal postura dos prefeitos são os habitantes e os
cofres públicos.
Pior ainda foi a avaliação da participação dos vereadores na elaboração dos
PDM, inclusive segundo eles próprios. Em todas as municipalidades e entre todos os
182
entrevistados a opinião foi a mesma: de fraca a inexistente. Seria mesmo toda
unanimidade burra? Entre os principais motivos que levaram a esta avaliação tão
negativa estão: a recorrente ausência dos vereadores (tanto da situação como da
oposição) nas reuniões públicas e o desinteresse em contribuir com propostas para
os PDM. Neste contexto, qualquer vereador que tenha participado de pelo menos
dois eventos foi considerado pelos entrevistados como o mais atuante.
Com efeito, a impressão passada no momento das entrevistas era a de que
os representantes das entidades sociais estavam bastante decepcionados e frutados
com a postura dos agentes políticos municipais, sobretudo os vereadores.
Diante de tudo que foi exposto, não causam a menor estranheza as respostas
obtidas quando os agentes entrevistados foram questionados sobre sua opiniões à
respeito da motivação das administrações municipais para elaborar os PDM. Por
ordem de menção, esta é a hierarquização dos motivos citados:
•
A obrigatoriedade imposta pelo Estatuto da Cidade;
•
A necessidade de ter o PDM para assim poder obter recursos do Governo
federal ou financiamentos de instituições privadas;
•
•
O município precisa fazer algo para melhorar a administração pública;
A população tem que ser mais ouvida pelos governantes.
Portanto, enganam-se aqueles que ainda pensam que as pessoas podem ser
ludibriadas com eloqüentes discursos sobre a melhoria da vida da população ou com
refinadíssimos trabalhos técnicos. Mesmo aqueles indivíduos que vivem em
pequenos municipais ou em povoados das zonas rurais já estão cientes das
estratégias empregadas pelos agentes políticos.
Mesmo acreditando que a verdadeira motivação para a elaboração dos PDM
é mais de ordem legal e financeira, todos os entrevistados consideraram tal
processo como uma experiência positiva para o município ou mesmo um marco para
a história municipal. E isto porque, pela primeira vez, os munícipes tiveram alguma
chance de expressar formalmente suas demandas junto aos seus gestores e
legisladores e, também, chance de cobrar deles, frente a frente, ações que viessem
a melhorar suas condições de vida. Se tais ações vão ser realmente atendidas, visto
que a aprovação dos PDM é coisa recente, é a maior dúvida dos cidadãos.
183
7 CONCLUSÃO
Na perspectiva da ciência geográfica, este trabalho utilizou como recorte
espacial de investigação a unidade municipal. E este tipo de recorte é muito
relevante, como bem destacaram Castro (2005a; 2005b) e Fonseca; Vieira (2008),
haja vista que é no município, especialmente na sua sede, a cidade, onde muitos
dos direitos e deveres dos cidadãos são objetivados e as maiores densidades de
objetos e sistemas técnicos responsáveis por viabilizar, no bojo da atual fase do
modo de produção capitalista, o modo de vida contemporâneo, são identificadas.
Entretanto, tratar do município brasileiro pelo prisma da geografia política
implica uma abordagem que não examine somente a organização espacial de uma
cidade ou de um município ou os usos que os diversos agentes sociais fazem dele.
Nesta perspectiva, esta pesquisa tem como ponto de partida da sua abordagem a
ação do Estado na organização e regulação do território.
Desta maneira, destacou-se neste trabalho o PDM como sendo a norma
jurídica editada autonomamente pelo próprio Governo municipal, mas respaldada
por uma legislação criada pelo Governo federal, que pode ser utilizada para o
exercício do seu poder de polícia sobre o ordenamento e a regulação do território e,
também, como recurso institucional para a indução do desenvolvimento municipal.
Para percorrer o caminho investigativo, foi necessário identificar e expor
outras normas jurídicas que respaldando ou complementando a lei do PDM,
compõem a chamada ordenação urbana. Para além das leis de perímetro urbano,
de zoneamento e de uso e parcelamento do solo, e dos códigos de obras e de
postura, estão consolidadas, também, como fundamentação jurídica para fins de
regulação do território: o capítulo sobre política urbana na CF/1988; o Estatuto da
Cidade de 2001; e as Resoluções 25 e 34 do Concidades.
Do Estatuto da Cidade de 2001, que regulamentou os Artigos 182 e 183 da
Constituição Federal de 1988, até a Resolução 34 do Concidades observa-se uma
normatização pormenorizada de técnicas de mobilização popular, de práticas e
instrumentos para uma gestão pública mais democrática e de conteúdos
econômicos, sociais, culturais, ambientais e jurídicos que devem ser contemplados
em qualquer PDM.
Todavia, ainda que este estudo tenha se limitado à problemática da
elaboração dos PDM, pode-se dizer que em termos da regulação do território a
184
pesquisa dos marcos legais necessários a esta função estatal, seja em nível
nacional ou sub-nacional, aponta para um paulatino fortalecimento do Estado
enquanto instância social. Ou seja, prefere-se concordar com Bresser-Pereira
(1995), Jessop (1997) e, ainda, Bobbio (2007) quando estes rechaçam a idéia de
que o poder do Estado estaria enfraquecido em detrimento do poder econômico das
grandes corporações.
E o tipo de normalização do território abordada nesta pesquisa não constitui
caso isolado no Estado brasileiro. Sintomático deste fortalecimento institucional do
Estado está a contínua edição de normas jurídicas cada vez mais focadas em
determinada dimensão do território. Para além da chamada ordenação urbana
contemporânea grifa-se, por exemplo, as legislações que tratam sobre meio
ambiente e sobre trânsito como outros grandes vetores de regulação estatal sobre
as ações e atividades encampadas por organizações empresariais ou por indivíduos
isolados ou associados em grupos de interesses.
No entanto, concomitantemente a este fortalecimento institucional propiciado
pelas normas jurídicas, é latente no âmbito da gestão pública municipal a fragilidade
da maioria dos Governos locais para realizar a regulação do território. E a
observação de três situações envolvendo os PDM dá a exata medida deste
fenômeno: os imbróglios técnicos, políticos e jurídicos que envolvem o processo de
elaboração dos PDM em vários municípios brasileiros; a falta de implementação dos
projetos, ações e instrumentos de desenvolvimento e gestão previstos; e quando a
população percebe que o PDM em sua versão final deixa de ser uma expressão das
discussões públicas e das propostas “pactuadas” para ser a agenda política de um
determinado tipo de pensamento econômico ou fica refém de interesses políticos por
parte dos gestores e vereadores locais.
Acredita-se, então, que são pelo menos estes três fatos, articulados ou não,
que motivam, nos agentes sociais relevantes, o sentimento de crise do Estado
sendo, assim, considerado incapaz de governar o território frente aos interesses de
agentes econômicos e às disputas por poder político realizadas por grupos socais
locais/regionais.
Não se quer dizer com isso que as organizações empresariais não tenham
alguma influência em setores da vida econômica e social, em geral, até porque suas
estratégias de ação acabam por agente desorganizador do espaço. O que se quer
ressaltar é que se tal fenômeno é latente no período atual não é simplesmente
185
porque o Estado está a reboque das ações e intencionalidades de grandes
organizações empresariais ou de grupos de interesse. Há de se lembrar que o
Estado mesmo enquanto instância social não é um bloco monolítico. Como bem
salienta Bresser-Pereira (1995), o Estado para realizar suas funções precisa,
internamente, de pessoas – a chamada tecnoburocracia.
Infelizmente, é neste grupo social que agentes públicos movidos por
interesses pessoais e familiares ou em atendimento a interesses estranhos a
coletividade social – motivações estas que por si só já negam a sua condição de
membro do Estado – criam um terreno fértil para que os agentes sociais específicos
e seus representantes coloquem seus próprios objetivos e interesses, ora de forma
tácita, ora de forma mais declarada, a frente dos objetivos, interesses, ou mesmo
necessidades dos demais cidadãos.
E se o Estado está intervindo, no período atual, de maneira mais ou menos
acentuada na economia, na vida social ou na regulação do território, isto somente
confirma o pensamento ratzeliano de que a natureza do Estado é afetada pelas
relações da sociedade com seu território. Esta capacidade de adaptação já fora
observada em diversos outros momentos da história. Ou seja, à medida que a
sociedade capitalista, em sentido amplo, e as cidades, em específico, continuam se
tornando mais complexas, o que inclui o impacto da globalização sobre o Estado e
sobre sua estrutura institucional, mais essa instituição é impelida a produzir normas
jurídicas que preservem ou aumentem seu poder de polícia sobre as demais
instituições, sobre a coletividade e sobre as ações dos indivíduos para que, assim, a
coesão e a ordem social não sejam afetadas pelos crescentes conflitos de
interesses.
Então, o cerne desta problemática não reside, apesar de importante, na
ênfase e na obrigatoriedade dos próprios municípios elaborem seus PDM e
conduzirem suas políticas territoriais, devido a ação do Governo federal. Tal fato
apenas parece ser o indicativo de que o Estado brasileiro adotou o “estímulo” ao
planejamento municipal como meio para enfrentar a questão da formulação e
implantação de estratégias de desenvolvimento em escala sub-nacional frente à
inviabilidade, em tempos de globalização, de levar a cabo planos e projetos
nacionais de desenvolvimento nos moldes da experiência brasileira de meados do
século passado.
186
Todavia, esta recente e expressa obrigatoriedade de elaboração dos PDM de
forma alguma garante, a priori, que estes planos sejam uma estratégia eficaz para
induzir ou intensificar um processo de desenvolvimento municipal de forma
consistente. Primeiramente devido a fragilidade institucional da maioria das
municipalidades brasileiras expressa na falta de recursos institucionais necessários
ao Governo local. Em segundo lugar porque está profundamente impregnada na
cultura política brasileira um fazer político pautado na troca de favores e no tráfico de
influência entre os agentes políticos locais. Por outro lado, tem-se a certeza de que o
PDM, enquanto discurso, é um grande instrumento para disseminar e concretizar
objetivos e interesses desterritorializados e/ou desterritorializadores.
Tal fragilidade na administração pública municipal pode ser minimamente
explicada por alguns fatores que possuem correlação. Um deles é a tímida estrutura
administrativa das prefeituras evidenciada no: quadro de profissionais nãoespecializados ou com remuneração inadequada, inexistência de órgãos específicos
de planejamento e gestão urbana, falta ou má gestão de recursos financeiros, falta
de equipamentos básicos etc. Outro é a falta de autonomia financeira dos municípios
brasileiros que dependem, em grande medida, dos repasses e recursos oriundos
dos Governos federal e estadual, senão de financiamentos internacionais. Um
terceiro, de caráter mais estrutural que conjuntural, reside na falta de espírito público
por partes de muitos dos gestores, legisladores e servidores municipais no trato da
res publica.
Seja do ponto de vista da regulação do território em sentido estreito, seja do
ponto de vista de um ordenamento territorial em prol do desenvolvimento municipal,
acredita-se que este último fator aparece como o principal pano de fundo para
ineficácia dos Governos municipais.
Uma das conseqüências mais diretas deste estado de coisas se revela na
incapacidade que os Governos municipais apresentam para construir, por seus
próprios meios, projetos de desenvolvimento municipal e/ou sua própria ordenação
urbana. Considerada uma postura normal, infelizmente, a produção de peças de
planejamento territorial e de projetos de leis municipais importantes para a regulação
do território – como o PDM, a lei de uso do solo, o código ambiental, entre outras –
terminam por ser repassadas a consultores técnicos sem laços de identidade com
aquele lugar. Mas que isso, os ditos projetos de desenvolvimento continuam a ser
187
financiados, de diversos modos, por instituições financeiras alheias às questões e
dinâmicas internas de um município.
Daí então, acredita-se que para a elaboração de um PDM representar no
território um projeto de desenvolvimento, e não apenas uma normatização do
território, os PDM deveriam apresentar objetivos e conteúdos mais focados na base
local, na sua dinâmica interna e nos aspectos sociais, culturais, econômicos e
administrativos que os agentes sociais locais entendem como significativo para um
processo de desenvolvimento. Nesta sentido, reafirma-se: a contribuição de Santos
(1999; 2006) a respeito das noções de território como norma e do território usado
para a formulação de políticas públicas; a contribuição de Silva (2003) sobre a
territorialização enquanto processo de valorização de questões internas a um
território; a ênfase no aspecto social presente na concepção de desenvolvimento de
Souza (1996); e, também, as contribuições de Castro (2005a) e Fonseca; Vieira
(2008) sobre a necessidade de valorizar o conteúdo institucional do território.
Diante de tudo que foi exposto ao longo da pesquisa conclui-se que do modo
como os PDM dos municípios de Barra do Choça, Morro do Chapéu, São Felipe e
Tremedal foram elaborados será muito difícil que um processo de desenvolvimento
territorializado na escala municipal possa ser alavancado e, muito menos, mantido a
médio ou longo prazo em qualquer uma das municipalidades.
Em essência, nos dois primeiros casos se detectou uma grande ênfase na
programação de projetos econômicos mais amplos e que superam a própria
capacidade administrativa/institucional de ambas as prefeituras. E nos dois outros
casos, não obstante a inclusão de muitas das demandas populares, se detectou
uma falta de consistência e articulação entre objetivos, projetos e meios de
execução. Em todos eles se detectou uma grande preocupação em atender a
legislação federal que regulamenta a matéria, como um casuísmo.
O Produr/BM primou por fazer com que os Governos municipais seguissem a
agenda temática do seu agente financiador, incorporando aos PDM suas idéias e
práticas sobre planejamento estratégico e gestão urbana competitiva – algo que
Vainer (2002a e 2002b) já havia denunciado desde o Plano Estratégico para o Rio
de Janeiro e que Ribeiro Filho (2006) identificou também no próprio Produr. Já o
PDP-Ba/CNM primou para que a concepção de planejamento territorial desenvolvida
pelo Ministério das Cidades fosse disseminada e posta em prática pelos municípios
188
estabelecendo, assim, uma intervenção direta da União e da sua tecnoburocracia
sobre as políticas urbanas municipais.
Nos dois programas a regulação do território municipal, uma competência dos
Governos municipais, sofreu ações diretas, de distintas naturezas, na construção –
idealmente local e autônoma – de seus PDM. No caso do Produr/BM uma
intervenção de caráter indicativa e ideológica, visto que operada pelo poder
econômico do agente financiador, somente pôde induzir e acompanhar a adoção
efetiva, ou não, das idéias propostas na execução do programa. Já no caso do PDPBa/CNM uma intervenção de caráter normativo e permanente por ser mediada pelo
poder de polícia do Estado, que impôs sanções às municipalidades que não
elaborassem seus PDM.
E como bem ficou claro por meio das entrevistas, o fato de poder sofrer
sanções, na forma de improbidade administrativa ou de ordem financeira, por
instâncias governamentais que lhes são superiores foi um dos principais
motivadores para que os municípios adotassem e seguissem localmente o Estatuto
da Cidade e a legislação dele derivada.
Mas tal ação do Governo federal está longe de ser uma perversidade para
com
os
Governos
municipais.
Se
mesmo
diante
da
obrigatoriedade
e
regulamentação dos PDM ainda existem, na atualidade, centenas de municípios que
não elaboraram ou revisaram seus planos, imagina-se: como estaria este quadro
caso o Estatuto da Cidade não tivesse estabelecido que todos os municípios com
mais de vinte mil habitantes no ano de 2000 (entre outros critérios) deveria elaborar
seus PDM ate outubro de 2006?
Em relação aos quatro municípios estudados em geral, o que pôde ser
observado é a construção de um verdadeiro paradoxo intimamente ligado ao
exercício do poder do Estado, que lhe é soberano, e ao fazer político no território.
Apesar de que nos quatros municípios o processo de planejamento denote que o
conceito de território tenha sido apropriado pelas equipes de planejadores com o
conteúdo próprio da noção miltoniana de território como norma, o que é bastante
salutar, a análise das leis dos PDM revelou que, efetivamente, o território foi tratado
pelo Poder Público conforme sua tradição – como base física para o Governo da
sociedade.
Por outro lado, isso não significa dizer que a elaboração dos PDM tenha
obtido como resultado, exclusivamente, o incremento da capacidade do Estado para
189
intervir e regular o território. A confrontação da análise dos PDM com a análise dos
processos de planejamento revelou nuances de processos sociais complexos tanto
quanto a problemática envolvendo projetos de desenvolvimento versus regulação.
Nesta perspectiva, concorda-se com Almeida Neto (2007) sobre o efeito
pedagógico destes tipos de programas e dos PDM elaborados sobre a administração
pública dos quatro municípios estudados. Primeiramente, destaca-se como efeito
positivo a constatação que, de fato, houve um crescimento profissional dos
funcionários municipais que integraram as equipe de planejamento. Tendo contato
com consultores especializados e seus métodos de trabalho, assumindo nas
prefeituras
atividades
e
tarefas
além
das
habituais
e
recebendo
mais
responsabilidades do próprio gestor local, os técnicos municipais desenvolveram
novas habilidades e adquiriram muitos conhecimentos sobre a práxis de
planejamento territorial.
Neste contexto, não é exagero dizer que os técnicos de Tremedal e de São
Felipe demonstraram um amadurecimento muito maior que os de Barra do Choça e
de Morro do Chapéu. Mas se isto não tem haver somente com características
pessoais ou institucionais, localmente falando, pregressa à elaboração dos PDM.
Com efeito, foi um reflexo positivo da metodologia formulada pela CNM e aplicada
pelo PDP-Ba aos municípios que aderiram ao programa.
A bem da verdade, tal constatação diz respeito ao processo geral de
planejamento e não aos méritos ou deficiências dos PDM elaborados em si. Pelas
características da metodologia do PDP-Ba ficou claro que o grau de autonomia dos
Governos municipais para construir um projeto de desenvolvimento territorializado foi
mais acentuado que no âmbito do Produr.
No caso da equipe técnica local formada no âmbito do PDP-Ba as
capacitações técnicas realizadas pelos consultores da CNM propiciou a estes
técnicos adquirir muitos conhecimentos novos podendo, inclusive, se tornarem
multiplicadores dentro da estrutura administrativa local. Fato este não observado nos
técnicos dos municípios do Produr.
Tal aprendizagem incluiu atividades como pesquisar dados estatísticos e
informações gerais e especificas sobre o próprio município e em todas as suas
dimensões; como mobilizar a população e organizar reuniões, audiências públicas e
conferências sobre realidade municipal, no sentido de perceber seus anseios e
registrar suas demandas e necessidades; e como empregar todo este conhecimento
190
para a formulação de políticas urbanas e rurais, como bem preconiza o Estatuto da
Cidade.
Por esta linha argumentativa, pode-se entender melhor o porquê dos PDM de
São Felipe e Tremedal apresentarem um conteúdo mais equilibrado quando se
consideram as propostas ligadas a lógica do desenvolvimento econômico, as
normas referentes ao ordenamento do território e as propostas referentes às
demandas populares, no que pese ser um conteúdo bastante extenso e
setorialmente desarticulado.
Em segundo lugar, deve ser ressaltado como bastante positivo a
disseminação entre a população em geral, mas sobretudo nos líderes das entidades
sociais (associações de moradores, de artesãos, de produtores rurais, de sindicatos
etc.), de técnicas e instrumentos para a prática de uma gestão pública mais
democrática, ainda que este agentes sociais não tenham podido acompanhar de
dentro da administração municipal o processo de planejamento.
Na medida em que as pessoas recebiam convites para reuniões públicas,
viam carros de som, cartazes e faixas de divulgação, assistiam a palestra sobre os
problemas dos seus municípios, tinham a oportunidade de se expressar diante dos
gestores locais e de fazer perguntas aos seus prepostos, verificou-se que essas
pessoas passaram a entender melhor o significado do termo participação popular.
Em especial, talvez pela qualidade do processo de planejamento, ou seja, por
critérios como: o envolvimento do gestor local e dos técnicos municipais; a
quantidade e distribuição espacial das reuniões públicas; e o conjunto de
proposições contempladas na lei do PDM; acredita-se que o município de Tremedal
consiga melhorar, em alguma medida, a qualidade da sua gestão pública e os
serviços prestados aos seus habitantes. Nos demais municípios, pelos diferentes
motivos apontados pela avaliação realizada, não se pode afirmar que tal fim possa
ser atingido.
Percebe-se, então, que mesmo diante da insuficiente mobilização da
população dos municípios em torno de questões políticas mais amplas e
determinantes, assim como, da pouca transparência que caracteriza a gestão
pública municipal, foi válido o esforço das equipes de planejadores para garantir a
participação popular e das suas demandas na elaboração dos PDM por meio da
aplicação de instrumentos do Estatuto da Cidade.
191
Deduz-se de tudo isso que as singularidades encontradas no contexto político
local, a existência e qualidade das instituições públicas em cada município e a
capacidade de mobilização e participação política das diversas entidades
representativas dos setores sociais são, com perdão do chavão, condições
necessárias, mas não suficientes para construção local de um projeto de
desenvolvimento municipal territorializado. A motivação e o método de elaboração
dos PDM – sobretudo sua fundamentação teórica e orientação ideológica – tem
muito a dizer sobre as reais intencionalidades e eficácia de cada um deles.
Para além dos quatros municípios estudados, a cobrança e o decorrente
processo de elaboração de PDM, por meio de reuniões com as populações urbanas
ou rurais, vêm reafirmando a importância de se manter uma freqüente conversação
entre a sociedade e o Poder Público municipal e mostrando aos agentes públicos
municipais a facilidade de organizar tais encontros. Com base nestas experiências,
se torna possível, estruturar canais de informação, de participação popular e controle
social sobre a gestão pública, para além da aprovação da lei do PDM.
Esse quadro da gestão pública municipal não pode mais ser aceita
passivamente pela sociedade brasileira em geral e pela intelectualidade em
particular. Ela precisa ser sistematicamente estudada/denunciada, seja por
pesquisadores seja pela mídia seja por agentes do próprio Estado. Mesmo que
garantida juridicamente, o poder de polícia do Estado (em nível federal, estadual ou
municipal) sobre as ações dos indivíduos e de outras instituições não pode ser
apenas em razão da normatização do território.
O capítulo sobre política urbana na CF/1988, passando pelo Estatuto da
Cidade de 2001 até a edição da Resolução 34 do Concidades, torna possível que o
povo, a sociedade civil organizada ou o próprio Estado (via Ministério Público)
questionem na justiça o conteúdo do PDM de um município caso qualquer um
destes agentes entenda que tal norma não é representativa das demandas sociais
locais que emergem do território.
Mas apesar da alta relevância de todos os conteúdos que o território contem –
espacial, político, institucional, social, cultural, ambiental, econômico – inclusive
justificando a cobrança do Estado brasileiro pela elaboração dos PDM como
instrumento de uma política de desenvolvimento municipal, não se pode perder de
vista que somente ações de planejamento não constituem vetores de transformação
profunda da realidade social.
192
Se a prática de planejamento e gestão do território, hoje predominante,
qualquer que seja a escala espacial ou modelo adotado – tradicional, empresarial,
participativo, ou uma combinação deles – não se prestam a rediscutir o modo de
produção capitalista e o subjacente processo de desenvolvimento desigual que está
na sua base, muito menos almejam questionar o poder do Estado, então, é a
discussão sobre a renovação da práxis de planejamento e gestão do território que
precisa ser aprofundada para que as administrações municipais possam melhor
enfrentar os efeitos espaciais e sociais do desenvolvimento desigual.
Cabe, então, primar por um planejamento e gestão do território que: não
secundarize a escala municipal; que tenha a participação dos agentes sociais como
um princípio de trabalho e não somente como uma exigência legal; e cujo elemento
norteador não seja apenas o desenvolvimento econômico. Um planejamento e
gestão do território que formatados e dirigidos localmente, e por assim dizer
endógeno, seja ajustado às capacidades institucional, econômica, financeira e
ambiental do seu próprio Governo. Os recursos institucionais para isso estão postos
e as metodologias e as técnicas para promover a mobilização e a participação da
população nesse processo são deveras conhecidas. Então, mãos-à-obra!
193
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Brasil. FUPAM/EDUSP: São Paulo, 1999.
203
VITTE, Claudete de C. S. et al. Novas abordagens de desenvolvimento e sua
inserção na gestão de cidades. In: KARRUZ, Ana P.; KENNERT, Tania M. M. (orgs.).
Qualidade de vida: observatórios, experiências e metodologias. São Paulo:
Annablume/FAPESP, 2002.
WORLD BANK. Bahia municipal infrastructure development and management
project.
Washington,
DC,
1997a.
Disponível
em:
<http://wwwwds.worldbank.org/external/default/main>. Acesso em 08 fev. 2008.
204
GLOSSÁRIO1
Ação - Operação da qual resulta um produto (bem ou serviço) ofertado à sociedade que
contribui para atender aos objetivos de um programa.
Administração - Atividade que envolve recursos humanos, financeiros e materiais, para
atingir objetivos organizacionais através do desempenhos das funções de planejar,
organizar, liderar e controlar.
Administração Pública - Conjunto de órgãos, entidades e agentes que compõem máquina
governamental.
Agente Financiador - Organismo ou fundo, nacional, internacional, ou estrangeiro
responsável pelo financiamento total ou parcial do programa, projeto/atividade e/ou meta.
Agente Político – São as pessoas, denominadas genericamente como agentes públicos,
componentes dos primeiros escalões da administração pública como Prefeitos e
Vereadores e Promotores de Justiça.
Agente Público – Todas as pessoas envolvidas vinculadas à prestação de um serviço pela
administração pública.
Atividade - Conjunto de operações que se realizam de modo contínuo e que concorrem
para a manutenção e o funcionamento de órgãos e entidades governamentais e para a
prestação de serviços públicos utilizados pela população.
Audiência Pública e Debates - Tratam de temas específicos e devem ser convocados com
antecedência e divulgados amplamente para que a participação não seja restrita a poucos
envolvidos. Devem sempre procurar trazer o contraditório, ou seja, a posição das
diferentes partes envolvidas no tema a ser decidido, que devem ter espaço equivalente
para expressar sua opinião.
Código de Obras - Conjunto de normas para as construções prediais na área urbana.
Dispõe sobre as formas de ocupação dos lotes, coeficientes de aproveitamento do terreno,
altura das edificações, condições de iluminação e ventilação, entre outras questões.
Conferências – Instrumento que têm por objetivo mobilizar o governo e a sociedade civil
para a discussão, a avaliação e a formulação das diretrizes e instrumentos de gestão das
políticas públicas, definir uma agenda da cidade contendo um plano de ação com as metas
e prioridades sociais para a cidade. As Conferências devem ser instituídas como
componente do sistema de gestão da política urbana, podendo se realizar no período de
cada dois anos para avaliar a política urbana e definir as ações de governo e da
sociedade.
Conselho Consultivo – Tipo de conselho em que seus integrantes têm o papel apenas de
estudar e indicar ações ou políticas sobre sua área de competência.
Conselho Municipal - Órgão colegiado formado por representantes do setor governamental
e/ou da sociedade civil, que tem como função formular políticas públicas municipais
setoriais nas áreas de Saúde, Transporte, Educação, entre outras, possibilitando a
descentralização administrativa no governo municipal.
Conselho Deliberativo - Tipo de conselho que efetivamente tem poder de decidir sobre a
implantação de políticas e a administração de recursos relativos à sua área de atuação.
205
Conselho Paritário - Tipo de conselho que apresenta um número igual de representantes
da sociedade civil e do setor governamental.
Consenso de Washington – Conjunto de trabalhos e resultado de reuniões de economistas
do FMI, do Bird e do Tesouro dos Estados Unidos realizados em Washington D.C. no
início dos anos 1990. Dessas reuniões foi formatado o documento conhecido como
“decálogo de Washington” contendo recomendações de políticas econômicas
direcionadas aos países ditos em desenvolvimento.
Contrapartida - Recursos próprios que os órgãos e entidades do Estado se comprometem
a aplicar em determinado objetivo ou projeto/atividade, mediante contrato, convênio ou
outros instrumentos assemelhados.
Eficácia - Capacidade de obter resultados por meio da escolha dos objetivos adequados.
Eficiência - Capacidade de fazer as coisas certas. É a maximização de resultados
empregando determinada quantidade e qualidade de recursos.
Equipamentos Comunitários - Equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e
similares.
Equipamentos Urbanos - Os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços
de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado.
Estratégia - Alternativa escolhida entre outras opções para o perfeito atendimento da
missão ou dos objetivos de uma organização.
Estudo de Impacto de Vizinhança - Estudo realizado antes da aprovação do
empreendimento ou da atividade para mostrar seus efeitos quanto à qualidade de vida da
população residente na área e suas proximidades.
Fundo Municipal - Fundo destinado ao gerenciamento dos recursos financeiros obtidos
para conclusão de políticas setoriais estabelecidas por um Conselho Municipal.
Fundo Perdido – Termo que caracteriza um tipo de investimento ou financiamento
realizado pelo qual o agente financeiro (Estado ou instituição privada) não possui
expectativa de retorno do montante investido ou emprestado.
Georeferenciamento - Processo de referenciar dados (objetos geométricos, fotos, imagens
de satélite etc.) a um determinado sistema de coordenadas terrestre (coordenadas
geográficas, por exemplo) ou a uma unidade territorial (bairro, município etc.) por meio do
estabelecimento de relacionamentos entre dados espaciais e não-espaciais.
Gestão Orçamentária Participativa – Tipo de prática no âmbito da gestão municipal que
visa a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano
plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição
obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.
Governo - É o gerenciamento ou administração das funções públicas. A administração
superior; o ministério; o poder executivo.
Improbidade Administrativa – é o ato praticado por agente público, contrário às normas da
moral, à lei e aos bons costumes, ou seja, aquele ato que indica falta de honradez e de retidão
de conduta no modo de proceder perante a administração pública nas três esferas e níveis de
poder.
206
Infra-estrutura Básica - Os equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais,
iluminação pública, redes de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, e de
energia elétrica pública e domiciliar e as vias de circulação pavimentadas ou não.
Iniciativa Popular – Segundo o Direito Constitucional, é o instituto de Direito Público
mediante o qual os cidadãos têm participação direta na iniciativa da elaboração de leis.
IPTU progressivo - Instrumento utilizado para estimular novas construções e contribuir
para a diminuição do déficit habitacional. Consiste no estabelecimento de alíquotas
progressivamente maiores de imposto territorial de terrenos vazios, onde não há
construções, para desestimular a retenção de terrenos ociosos por parte de seus
proprietários.
Lei Orçamentária Anual - Lei especial de iniciativa do Poder Executivo que contém a
discriminação da receita e despesa pública para determinado exercício financeiro, de
forma a evidenciar a política econômica financeira do Governo e o programa de trabalho
dos Poderes, seus órgãos, fundos e entidades da Administração Indireta.
Compreendendo: orçamento fiscal; orçamento de investimento de empresas estatais;
orçamento da seguridade social.
Lei de Diretrizes Orçamentárias - Lei de iniciativa do Poder Executivo que compreende as
metas e prioridades da administração pública federal, estadual ou municipal, incluindo as
despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orienta a elaboração da Lei
Orçamentária Anual, dispõe sobre as alterações na legislação tributária e estabelece a
política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.
Lei de Parcelamento do Solo - Instrumento que tem como objetivo criar normas para
loteamentos urbanos no município.
Lei de Perímetro Urbano - Instrumento legal que define a área urbana do município. A
fixação do perímetro urbano é de exclusiva competência municipal e serve tanto para fins
urbanísticos quanto tributários, só podendo ser loteadas parcelas de terra incluídas dentro
dos seus limites. Indica o limite oficial entre as áreas urbanas e rurais.
Lei de Zoneamento - Instrumento que define os possíveis usos do solo em zonas
determinadas do município.
Lei Orgânica Municipal - Conjunto de leis básicas do município, de formulação obrigatória
após a Constituição Federal de 1988.
Lote Urbano - O terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos
índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se
situe.
Mapa – Representação dos aspectos físicos naturais ou artificiais, ou aspectos abstratos
da superfície terrestre, numa folha de papel ou monitor de vídeo, que se destina para fins
culturais, ilustrativos e para análises qualitativas ou quantitativas genéricas.
Mapa Temático – São mapas em qualquer escala, destinadas a um tema específico,
necessária às pesquisas socioeconômicas, de recursos naturais e estudos ambientais. A
representação temática, distintamente da geral, exprime conhecimentos particulares para
uso geral.
Meta - Unidade operacional básica da programação governamental cujo produto ou
resultado contribui para a consecução do objetivo do projeto/atividade e do programa. Uma
207
ou mais metas constituem um projeto ou uma atividade finalística.
Operação Urbana Consorciada - Conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo
poder público municipal, com participação dos proprietários, moradores, usuários
permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar transformações
urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental.
Orçamento Público - Lei de iniciativa do Poder Executivo que estima a receita e fixa a
despesa da Administração Pública, evidenciando a programação governamental para um
exercício.
Organizações - São grupos de indivíduos com um objetivo em comum e ligados por um
conjunto de relacionamentos de autoridade-responsabilidade para assim atingi-los.
Órgão Colegiado – Tipo de órgão que integra a gestão pública e que conta a
representação tanto do governo como de diversos setores da sociedade civil. O conselho,
por exemplo, é um órgão colegiado que faz parte do Poder Executivo mas é independente
dele para que, assim, a sociedade civil participe do planejamento e da gestão cotidiana da
cidade.
Plano de Governo - Conjunto de objetivos e linhas gerais de ação, expostos de forma a
orientar o desenvolvimento local e a melhorar as condições de vida da população numa
determinada gestão.
Plano Plurianual – Plano de ação governamental que orienta os investimentos e
compromissos de uma gestão. A Constituição manda que o Poder Executivo Municipal,
durante o primeiro ano de seu mandato, dê continuidade ao plano existente e elabore o
plano que vai vigorar durante os três anos restantes de seu governo e o primeiro ano do
governo que o suceder.
Planejamento Estratégico – Peça de planejamento que inclui atividades que envolvem a
definição da missão da organização (pública ou privada), os seus objetivos e a estratégia
para alcançá-los.
Planta – Representação concebida em escala muito grande (1:500 a 1:2000), de áreas
suficientemente pequenas que podem ser assimiladas, sem erro sensível às superfícies
planas, isto é, onde a curvatura da terra pode ser desconsiderada.
Política Pública - São as ações tomadas pelo governo no sentido de satisfazer
necessidades básicas, como alimentação emprego, educação, saúde, habitação,
transporte, lazer, meio ambiente, etc.
Política Urbana - São as ações tomadas pelo governo no sentido de gerenciar, expandir ou
dotar as cidades, e outros núcleos urbanos, de equipamentos de infra-estrutura urbana e
equipamentos comunitários.
Programa - É o instrumento de organização da ação governamental com vistas ao
enfrentamento de um problema, atendimento a uma demanda ou o aproveitamento de
uma oportunidade.
Projeto - Instrumento de programação orçamentária para alcançar o objetivo de um
programa, envolvendo um conjunto de operações, limitadas no tempo, das quais resulta
um produto que concorre para a expansão ou aperfeiçoamento da ação de Governo.
Projeto de Lei - Texto articulado contendo normas que virão a ter caráter jurídico através
208
do processo legislativo.
Sistema de Informações - Sistema que se valendo do uso de um computador e de um
software especifico manipula dados e informações por meio de um de banco de dados
digital.
Website - Conjunto de documentos apresentados ou disponibilizados na internet por um
indivíduo, instituição, empresa etc., e que pode ser fisicamente acessado por um
computador e em endereço eletrônico específico da rede.
Zona Habitacional de Interesse Social (ZEIS) - A infra-estrutura básica dos parcelamentos
situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS)
consistirá, no mínimo, de: II - vias de circulação; II - escoamento das águas pluviais; III rede para o abastecimento de água potável; e IV - soluções para o esgotamento sanitário
e para a energia elétrica domiciliar.
1
Glossário elaborado pelo autor com base em diversos documentos.
209
APÊNDICE A – SUMÁRIOS DAS LEIS DOS PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS
210
APÊNDICE A1 – Sumário da Lei do Plano Diretor de Barra do Choça
Lei Complementar n° 04/06 de 09 de Outubro de 2006
TÍTULO I –
Das Disposições Preliminares
CAPÍTULO I - Dos Objetivos e das Diretrizes do Plano Diretor Urbano
CAPÍTULO II –
TÍTULO II -
Das Função Social da Propriedade e dos Conceitos
Das Estratégias de Desenvolvimento Urbano
CAPÍTULO I – Das Propostas Estratégicas
CAPÍTULO II –
Dos Projetos Estratégicos do PDU
CAPÍTULO III -
Do Partido Urbanístico
TÍTULO III -
Dos Instrumentos de Política e Desenvolvimento Urbano
CAPÍTULO I - Do Parcelamento, Edificação ou Utilização compulsórios
CAPÍTULO II - Do Direito de Preempção
CAPÍTULO III -
Das Operações Urbanas Consorciadas
CAPÍTULO IV -
Da Outorga Onerosa do Direito de Construir
CAPÍTULO V - Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança
TÍTULO IV -
Sistema e Processo Municipal de Planejamento
CAPÍTULO I - Da Função do Sistema Municipal de Planejamento
CAPÍTULO II - Dos Componentes do Sistema e suas Competências
CAPÍTULO III -
Do Processo de Planejamento
CAPÍTULO IV -
Dos Instrumentos do Sistema Municipal de Planejamento
Seção I Seção II -
Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano
Centro de Informações Municipal – CIM
CAPÍTULO V - Dos Canais de Democratização da Gestão
Seção I Seção II TÍTULO V -
Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano (Cmpdu)
Conferência Municipal da Cidade
Das Disposições Transitórias e Finais
211
APÊNDICE A2 – Sumário da Lei do Plano Diretor de Morro do Chapéu
Lei n° 715/05 de 23 de Maio de 2005
TÍTULO I –
Da Conceituação e dos Objetivos
CAPÍTULO I - Disposições Preliminares
CAPÍTULO II - Dos Princípios Fundamentais
Seção I Seção II Seção III Seção IV CAPÍTULO III TÍTULO II -
Da Função Social da Cidade
Da Função Social da Propriedade
Da Gestão Democrática
Da Sustentabilidade
Dos Objetivos e Diretrizes
Das Estratégias de Desenvolvimento Urbano
CAPÍTULO I – Dos Projetos Estruturantes
CAPÍTULO II –
Dos Projetos Estratégicos
CAPÍTULO III -
Ações e Projetos Prioritários
TÍTULO III -
Da Preservação ao Patrimônio Natural e Construído
CAPÍTULO I - Do Patrimônio Natural
CAPÍTULO II - Do Patrimônio Cultural e do Patrimônio Construído
Seção I Seção II Cultural
TÍTULO IV -
Dos Sítios Arqueológicos
Dos Casarões, Igrejas e demais Construções de Valor Histórico-
Dos Instrumentos de Política Urbana
CAPÍTULO I - Instrumentos de Indução ao Desenvolvimento Urbano
CAPÍTULO II - Dos Instrumentos de Regularização Fundiária
Seção Única - Das Zonas Especiais de Interesse Social
CAPÍTULO III Seção Única -
Dos Instrumentos de Democratização da Gestão Urbana
Do processo de Avaliação do Plano Diretor
212
APÊNDICE A3 – Sumário da Lei do Plano Diretor de São Felipe
Lei Complementar n° 05/2007 de 21 de Setembro de 2007
TÍTULO I –
CAPÍTULO I - Das Disposições Preliminares
CAPÍTULO II - Das Definições
CAPÍTULO III -
Dos Princípios da Política Urbana
CAPÍTULO IV TÍTULO II -
Do Conselho Municipal de Planejamento Urbano Conselho da
Cidade
Dos Investimentos Prioritários e das Diretrizes Setoriais
CAPÍTULO I – Das Diretrizes Setoriais para a Infra-estrutura
Seção I -
Do Sistema Viário e da Mobilidade
CAPÍTULO II –
Seção I Seção II -
Do Plano Municipal de Saneamento Ambiental
Das Diretrizes Setoriais para o Meio Ambiente
Das Diretrizes Setoriais para os Recursos Hídricos
CAPÍTULO III Seção I Seção II Seção III -
Da Habitação
Da Política Municipal de Habitação
Do Plano Municipal de Habitação
Do Fundo Municipal de Habitação
CAPÍTULO IV -
Do Sistema de Geração de Energia, Distribuição de Energia
Elétrica e Iluminação Pública
CAPÍTULO V -
Da Implantação de Equipamentos Comunitários
Seção I -
Das Diretrizes Setoriais para a Implantação de Equipamentos
Comunitários
Das Diretrizes Setoriais para a Saúde Pública
Das Diretrizes Setoriais para a Assistência Social
Seção II Seção III CAPÍTULO VI Seção I Seção II -
Das Diretrizes Setoriais do Desenvolvimento Sócio-Cultural
Da Educação e do Desporto
Da Preservação do Patrimônio Cultural
CAPÍTULO VII TÍTULO III -
Das Diretrizes Setoriais do Desenvolvimento Econômico
Do Ordenamento Territorial
CAPÍTULO I - Das Diretrizes para a Urbanização e Uso de Solo
CAPÍTULO II - Do Macrozoneamento
Seção I Da Macrozona Urbana
Subseção I Zona Urbana Consolidada
Subseção II Zona Urbana de Expansão
Seção II -
Da Macrozona Rural
213
Seção III - Da Macrozona de Proteção Ambiental
TÍTULO IV -
Dos Parâmetros para Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo
CAPÍTULO I - Do Uso e Ocupação do Solo
CAPÍTULO II - Do Parcelamento do Solo Urbano
TÍTULO IV -
Dos Instrumentos de Política Urbana
CAPÍTULO I - Do Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios
Seção I Seção II Seção III Seção IV Seção V Seção VI Seção VII Seção VIII Seção IX Seção X Seção XI -
Do Estudo de Impacto de Vizinhança
Do Direito de Preempção
Do Usucapião Especial de Imóvel Urbano
Da Regularização Fundiária
Das Operações Urbanas Consorciadas
Do Direito de Superfície
Da Zona Especial de Interesse Social
Do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) Progressivo
no Tempo
Da Outorga Onerosa do Direito de Construir e Alteração do Uso do
Solo
Da Transferência do Direito de Construir
Da Desapropriação com Pagamento em Títulos
CAPÍTULO II - Dos Instrumentos de Planejamento
CAPÍTULO III TÍTULO VI -
Dos Instrumentos de Gestão Democrática
Da Gestão Democrática da Política Urbana
TÍTULO VII - Das Disposições Finais e Transitórias
214
APÊNDICE A4 – Sumário da Lei do Plano Diretor de Tremedal
Lei Complementar n° 07/2007 de 21 de Maio de 2007
TÍTULO I –
CAPÍTULO I - Dos Objetivos e Princípios Gerais da Política Territorial
CAPÍTULO II - Das Diretrizes Gerais da Política Territorial
CAPÍTULO III -
Das Diretrizes, Objetivos Gerais e Específicos do Plano Diretor
TÍTULO II -
Dos Investimentos Prioritários e das Diretrizes Setoriais
CAPÍTULO I – Das Diretrizes Setoriais do Desenvolvimento Econômico
CAPÍTULO II –
Das Diretrizes Setoriais para o Meio Ambiente
CAPÍTULO III -
Das Diretrizes Setoriais para os Recursos Hídricos
CAPÍTULO IV -
Das Diretrizes Setoriais para a Saúde Pública
CAPÍTULO V - Das Diretrizes Setoriais para a Assistência Social
CAPÍTULO VI - Das Diretrizes para a Política Municipal de Infra-Estrutura
Seção I Seção II -
Do Plano Municipal de Saneamento Ambiental
Do Sistema de Geração, Distribuição de Energia Elétrica e Iluminação
Pública
Seção III -
Da Habitação
Subseção I Subseção II Subseção III Seção IV Seção V -
Do Plano Municipal de Redução de Riscos
Do Sistema Viário e da Mobilidade
Subseção I Seção VI -
Das Diretrizes Setoriais do Desenvolvimento Sócio-Cultural
Da Educação e do Desporto
Da Preservação do Patrimônio Cultural
CAPÍTULO VIII TÍTULO III -
Do Plano Municipal de Mobilidade
Da Implantação de Equipamentos Comunitários
CAPÍTULO VII Seção I Seção II -
Da Política Municipal de Habitação
Do Plano Municipal de Habitação
Do Fundo Municipal de Habitação
Dos Investimentos Prioritários no Desenvolvimento Institucional
da Administração Pública
Do Ordenamento Territorial
CAPÍTULO I - Diretrizes e Parâmetros para a Ocupação e Uso de Solo
CAPÍTULO II - Do Parcelamento do Solo Urbano
CAPÍTULO III -
Do Perímetro Urbano e do Macrozoneamento
Seção I Da Macrozona Urbana
Subseção I Zona Urbana Consolidada
Subseção II Zona Urbana de Expansão
Seção II -
Da Macrozona Rural
215
Seção III - Da Macrozona Especial
TÍTULO IV CAPÍTULO I - Dos Instrumentos de Política Urbana
Do Estudo de Impacto de Vizinhança
Seção I Seção II Seção III Seção IV Seção V Seção VI Seção VII Seção VIII Seção IX -
TÍTULO V -
Da Regularização Fundiária
Do Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios
Do Consorcio Imobiliário
Do Direito de Preempção
Do Estudo de Impacto de Vizinhança
Da Concessão Especial para Fins de Moradia
Do Usucapião Especial de Imóvel Urbano
Da Concessão de Direito Real de Uso de Terras Públicas
Da Zona Especial de Interesse Social
Do Sistema de Planejamento e Gestão Democrática Territorial
CAPÍTULO I - Órgãos Técnicos da Administração Municiapl
CAPÍTULO II - Do Conselho da Cidade
Seção I Seção II Seção III -
Das Atribuições do Conselho da Cidade
Composição do Conselho da Cidade
Funcionamento do Conselho da Cidade
CAPÍTULO III - Fundo Municipal de Desenvolvimento Territorial
Seção I Seção II -
Fontes de Recursos do Fundo
Destinação dos Recursos do Fundo
CAPÍTULO IV - Da Conferência Municipal
CAPÍTULO V - Do Sistema de Informações Municipais
CAPÍTULO VI - Das Audiências Públicas
CAPÍTULO VII -
Plebiscito e Referendo Popular
CAPÍTULO VIII -
Consulta Pública
CAPÍTULO IX - Iniciativa Popular de Projeto de Lei
CAPÍTULO X - Dos Acordos de Convivência
CAPÍTULO XI TÍTULO VI -
Programa de Capacitação sobre Planejamento e Gestão
Territorial
Das Disposições Finais e Transitórias
216
APÊNDICE B – MAPAS DOS MUNICIPAIS ESTUDADOS
217
APÊNDICE B1 – Mapa municipal de Barra do Choça
218
APÊNDICE B2 – Mapa municipal de Morro do Chapéu
219
APÊNDICE B3 – Mapa municipal de São Felipe
220
APÊNDICE B4 – Mapa municipal de Tremedal
221
ANEXO A – PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS DO PRODUR SEGUNDO
CONSULTORIA CONTRATADA E ANO DE FINALIZAÇÃO
Plano Diretor Municipal
Consultoria contratada
Ano de
Finalização
Canavieiras
Teuba Arquitetura e Urbanismo c/s Ltda.
1999
Cruz das Almas
UFC Engenharia Ltda.
1999
Jacobina
UFC Engenharia Ltda.
1999
Paulo Afonso
Caires de Brito Consultoria Empresarial
1999
Santo Amaro
Teuba Arquitetura e Urbanismo c/s Ltda.
1999
Candeias
CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em
Administração
2000
Entre Rios
UFC Engenharia Ltda.
2000
Eunápolis
BA Consultoria, Assessoria e Eventos Ltda.
2000
Feira de Santana
PLANARQ - Planejamento Ambiental e Arquitetura
Ltda.
2000
Ituberá
UFC Engenharia Ltda.
2000
Nazaré
CTD Cooperativa
2000
Senhor do Bonfim
CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em
Administração
2000
Teixeira de Freitas
Grupo Novo Arquitetura e Planejamento Urbano S/C.
2000
Alagoinhas*
Tecnosan Engenharia s/c Ltda.
2001
Camamu
TCI Engenharia e Sistemas
2001
Casa Nova
PBLM Consultoria Empresarial
2001
Conceição do Coité
TCI Engenharia e Sistemas Ltda.
2001
Euclides da Cunha
UFC Engenharia Ltda.
2001
Ilhéus
TC/BR - Tecnologia e Consultoria Brasileira S.A.
2001
Itaberaba
Aquino Consultores Associados Ltda.
2001
Itabuna
PLANARQ - Planejamento Ambiental e Arquitetura
Ltda.
2001
Jaguaquara
Tecnosan Engenharia s/c Ltda.
2001
Mucuri
Interage Engenharia de Gerenciamento Ltda
2001
Poções
TCI Engenharia e Sistemas Ltda.
2001
Pojuca
TCI - Treinamento, Consultoria e Informática Ltda.
2001
Santa Maria da Vitória
Damicos Consultoria e Negócios
2001
222
Plano Diretor Municipal
Consultoria contratada
Ano de
Finalização
Simões Filho
TCI Engenharia e Sistemas Ltda.
2001
Valença e Guaibim
ECONTEP - Empresa de Consultoria Técnica,
Engenharia e Projetos Ltda.
2001
Brumado
CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em
Administração
2002
Camaçari
Caires de Brito Consultoria Empresarial
2002
Ibotirama
CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em
Administração
2002
Ipiaú
UFC Engenharia Ltda.
2002
Juazeiro
Caires de Brito Consultoria Empresarial
2002
Santo Antônio de Jesus
Aquino Consultores Associados Ltda.
2002
Araci
Damicos Consultoria e Negócios
2003
Campo Formoso
Bourscheid Engenharia Ltda.
2003
Catu
Aquino Consultores Associados Ltda.
2003
Igrapiúna
UMK Arquitetos
2003
Ipirá
UFC Engenharia Ltda.
2003
Luis Eduardo Magalhães
UFC Engenharia Ltda.
2003
Nilo Peçanha
Teuba Arquitetura e Urbanismo c/s Ltda.
2003
Santo Estavão
Damicos Consultoria e Negócios
2003
Serrinha
UFC Engenharia Ltda.
2003
Taperoá
Teuba Arquitetura e Urbanismo c/s Ltda.
2003
Andaraí
IHS Engenharia s/c Ltda.
2004
Barra
GEOHIDRO - Consultoria e Operação de Sistemas
Ltda.
2004
Barreiras
Plannus Consultores Associados
2004
Barrocas
Damicos Consultoria e Negócios
2004
Bom Jesus da Lapa
GEOHIDRO - Consultoria e Operação de Sistemas
Ltda.
2004
Cachoeira
PCL - Projetos e Consultoria Ltda.
2004
Cairú
COHIDRO Engenharia s/c Ltda.
2004
Caravelas
PCL - Projetos e Consultoria Ltda.
2004
Castro Alves
Oeste Organização, Estradas, Topografia e
Engenharia Ltda.
2004
223
Plano Diretor Municipal
Consultoria contratada
Ano de
Finalização
Coaraci
PCL - Projetos e Consultoria Ltda.
2004
Gandu
Oeste Organização, Estradas, Topografia e
Engenharia Ltda.
2004
Iaçú
UFC Engenharia Ltda.
2004
Itamaraju
CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em
Administração
2004
Itapetinga
Damicos Consultoria e Negócios
2004
Jandaíra
Pólis Designer Consultoria
2004
Lençóis
PLANARQ - Planejamento Ambiental e Arquitetura
Ltda.
2004
Mucugê
Prefeitura de Mucugê
2004
Nova Viçosa
Teuba Arquitetura e Urbanismo c/s Ltda.
2004
Riachão do Jacuípe
CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em
Administração
2004
Ribeira do Pombal*
TEC SYSTEM - Tecnologia, Engenharia e Sistemas
Ltda.
2004
Rio de Contas
PCL - Projetos e Consultoria Ltda.
2004
São Desidério
PCL - Projetos e Consultoria Ltda.
2004
Sobradinho
Bourscheid Engenharia Ltda.
2004
Xique-Xique
IHS Engenharia s/c Ltda.
2004
Alcobaça
COHIDRO Engenharia s/c Ltda.
2005
Belmonte
AST Consultoria e Planejamento Ltda.
2005
Camacan
UFC Engenharia Ltda.
2005
Conde
AST Consultoria e Planejamento Ltda.
2005
Esplanada
Prefeitura de Esplanada
2005
Ibacaraí
Pólis Designer Consultoria
2005
Ibirapitanga
COHIDRO Engenharia s/c Ltda.
2005
Itajuípe
PCL - Projetos e Consultoria Ltda.
2005
Itambé
AST Consultoria e Planejamento Ltda.
2005
Itaparica
PCL - Projetos e Consultoria Ltda.
2005
Itapebi
AST Consultoria e Planejamento Ltda.
2005
Maragogipe
Aquino Consultores Associados Ltda.
2005
Maraú
COHIDRO Engenharia s/c Ltda.
2005
224
Plano Diretor Municipal
Consultoria contratada
Ano de
Finalização
Mata de São João
UFC Engenharia Ltda.
2005
Morro do Chapéu
UFC Engenharia Ltda.
2005
Piraí do Norte
CTD Cooperativa
2005
Ponto Novo
PCL - Projetos e Consultoria Ltda.
2005
Prado
Prefeitura de Prado
2005
Ruy Barbosa
Caires de Brito Consultoria Empresarial
2005
São Felix
Prefeitura de São Felix
2005
Saubara
UFC Engenharia Ltda.
2005
Vera Cruz
PCL - Projetos e Consultoria Ltda.
2005
Vitória da Conquista
UFC Engenharia Ltda.
2005
Barra do Choça
Prefeitura de Barra do Choça
2006
Tancredo Neves
CTD Cooperativa
2006
Sento Sé
Prefeitura de Sento Sé
aberto
225
ANEXO B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS
PARTE A - à representantes da população
1- O senhor(a) é natural de onde? Vive neste município? Há quanto tempo?
R:
2- O senhor(a) mora na zona urbana ou na zona rural? Se na zona rural em qual distrito ou povoado?
R:
3- Qual a entidade que o senhor(a) representa? Onde fica localizada a sede?
R:
4- O senhor(a) soube da elaboração do Plano Diretor deste município? Como soube?
R:
5- O que você entende por Plano Diretor municipal?
R:
6- Em sua opinião, por que este do município elaborou um Plano Diretor?
R:
7- A entidade que o senhor(a) representa foi convidada a participar do processo de elaboração do
Plano Diretor? Se sim, de que forma foi convidada e em que momento?
R:
8- A entidade participou de alguma reunião comunitária ou audiência pública sobre o Plano Diretor?
Em caso negativo diga o por quê?
R:
9- Como ocorreu a reunião? O que foi discutido? Quem coordenou? Técnicos da Prefeitura ou
técnicos locais ou de fora da prefeitura? Faça um breve resumo.
R:
10- Caso as reuniões e audiências tenham sido coordenadas por técnicos locais, o senhor(a)
percebeu se algum técnico/consultor de fora da cidade participou das reuniões e audiências públicas?
Qual foi o papel deles? O que eles fizeram?
R:
226
11- O senhor(a) sabe se alguma demanda ou proposta sugerida pela população foi colocada no
Plano Diretor? Quais são elas?
R:
12- O senhor(a) procurou ler o Plano Diretor depois que ele foi aprovado pelos Vereadores?
Conseguiu? O que achou?
R:
13- O senhor(a) soube de algum caso de alguém ter tentado ler o Plano Diretor depois que ele foi
aprovado e não tenha tido acesso ao documento? Como foi isso?
R:
14- Em sua opinião como o senhor(a) classificaria a atuação da Prefeitura no processo de elaboração
do Plano Diretor? Por quê?
R:
15- E em relação a atuação dos Vereadores o que o senhor(a) tem a dizer?
R:
16- O senhor(a) possui alguma filiação partidária? Se sim, qual é ela? É da situação ou da oposição?
R:
PARTE B – à membros do executivo municipal
1- Qual seu nome, formação profissional e cargo dentro da Prefeitura?
R:
2- O senhor(a) é natural de onde? Vive em neste município? Se sim, onde e há quanto tempo?
R:
3- O senhor(a) soube da campanha do Ministério das Cidades para a elaboração dos Planos
Diretores? Se sim, como soube?
R:
4 – O que você entende por Plano Diretor?
R:
5- Na sua opinião por que este município elaborou um Plano Diretor?
R:
227
6- Você participou da elaboração do Plano Diretor? Integralmente ou somente em algumas
atividades? Qual foi seu papel na elaboração do Plano?
R:
7- Foi formada alguma equipe ou grupo de trabalho local para atuar na elaboração do Plano? Como
se deu isso?
R:
8- Esta equipe ou grupo foi composto somente por técnicos da própria Prefeitura ou foram
contratados consultores? Se sim, de onde eles eram?
R:
9- Quem efetivamente conduziu as atividades de elaboração do Plano? Os técnicos municipais ou os
consultores contratados? Por quê?
R:
10- Como você avalia a participação do Prefeito na elaboração do Plano Diretor deste município?
R:
11- Como você avalia a participação dos vereadores na elaboração do Plano Diretor deste município?
R:
12- Na sua opinião qual foi o grau de autonomia da equipe municipal na condução das atividades
envolvendo o Plano Diretor? Por quê?
R:
13- O que você achou da participação da população na elaboração do Plano Diretor?
suficiente ou inadequada? Por quê?
Ela
foi
R:
14- Você poderia fazer um breve resumo de como ela ocorreu?
R:
15- O que poderia ter sido feito para melhorar esta participação?
R:
16- Você acha que ocorreram reuniões suficientes tanto na zona urbana quanto na zona rural para
tratar do Plano Diretor? Você participou de quantas?
R:
228
17- Você acha que as demandas e propostas sugeridas pela população foram incorporadas ao
Plano? Quais propostas ou demandas você destacaria?
R:
18- Você possui filiação partidária? Qual? É da situação ou da oposição?
R:
Parte C – à membros do legislativo municipal
1- Qual seu nome e formação profissional? Exerce alguma função especifica dentro da Câmara?
R:
2- O senhor(a) é natural de onde? Vive neste município? Se sim, onde e há quanto tempo?
R:
3- Você soube da campanha do Ministério das Cidades para a elaboração dos Planos Diretores? Se
sim, como soube?
R:
4 – O que você entende por Plano Diretor?
R:
5- Na sua opinião por que este município elaborou um Plano Diretor?
R:
6- Você participou da elaboração do Plano Diretor? Em todas as etapas ou somente em algumas
atividades/reuniões ? Como você definiria seu papel na elaboração do Plano?
R:
7- Como o senhor(a) avalia a participação do Prefeito e do Executivo municipal na elaboração do
Plano Diretor? Por quê?
R:
8- Como o senhor(a) avalia a participação dos próprios Vereadores Prefeito na elaboração do Plano?
R:
9- Na sua opinião, qual foi o grau de autonomia do município na condução das atividades envolvendo
o Plano Diretor? Por quê?
R:
229
10- O que você achou da participação da população na elaboração do Plano Diretor?
suficiente ou inadequada? Por quê?
Ela
foi
R:
11- Você poderia fazer um breve resumo de como ela ocorreu?
R:
12- O que poderia ter sido feito para melhorar esta participação?
R:
13- Você acha que ocorreram reuniões suficientes tanto na zona urbana quanto na zona rural para
tratar do Plano Diretor? Você participou delas?
R:
14- Você acha que as demandas e propostas sugeridas pela população foram incorporadas ao
Plano? Quais propostas ou demandas você destacaria?
R:
15- Qual sua filiação partidária? É da situação ou da oposição?
R:
230
ANEXO C – QUADRO DE IDENTIFICAÇÃO DOS AGENTES TERRITORIAIS ENTREVISTADOS
(continua)
Município
Entidade que Representou
Período de visita e
realização das
entrevistas
01. Juliana Dias Amorim
Barra do Choça
Secretaria de Administração e Planejamento
10 e 11/03/2008
02. Ronaldo A. Sampaio Sandes
Barra do Choça
Diretoria Técnica da Secretaria de Infra-estrutura
10 e 11/03/2008
03. Maria da Glória P. dos Anjos
Barra do Choça
Vereança
10 e 11/03/2008
04. Rosilda Novaes dos S. West
Barra do Choça
Conselho de Dirigentes Lojistas – CDL
10 e 11/03/2008
05. Genivaldo A. Ribeiro
Barra do Choça
Associação de Moradores do Bairro Primavera –
AMBAPRI
10 e 11/03/2008
06. Damião Alves Reis
Barra do Choça
Associação Barra Chocense de Integração dos
Deficientes - ABAIDE
10 e 11/03/2008
07. Flavio
Barra do Choça
Sindicato dos Professores Municipais de Barra do
Choça – SIMPROBAC
10 e 11/03/2008
08. Edina Robério Novaes
Tremedal
Secretaria de Administração
12 e 13/03/2008
09. Derivaldo Almeida de Carvalho
Tremedal
Secretaria de Meio Ambiente
12 e 13/03/2008
10. Lourival da Paixão
Tremedal
Topógrafo contratado pela Prefeitura
12 e 13/03/2008
11. Paulo Célio N. de Avelar
Tremedal
Vereança
12 e 13/03/2008
12. Etivaldo José Pereira
Tremedal
Associação dos Produtores Rurais de Riachão
12 e 13/03/2008
13. Hélio Francisco de Oliveira
Tremedal
Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STR
12 e 13/03/2008
14. Alberlan Costa Correia
Tremedal
Associação de Igrejas Evangélicas
12 e 13/03/2008
15. Maria Mônica F. de Melo
Tremedal
Secretaria Paroquial (Ig. Católica)
12 e 13/03/2008
16. Edinéia de Lima Silva
São Felipe
Assistente Social (compôs o grupo local)
07 e 08/04/2008
Nome
231
(conclusão)
17. Pedro da Silva A. Junior
São Felipe
Procurador da Prefeitura (compôs o grupo local)
07 e 08/04/2008
18. Valdir Faleiros
São Felipe
Fiscal de Obras (compôs o grupo local)
07 e 08/04/2008
19. Marinaldo Almeida de Souza
São Felipe
Vereança
07 e 08/04/2008
20. Egídio Rosa Santana
São Felipe
Associação das Igrejas Evangélicas
07 e 08/04/2008
21. José Reinaldo Barreto Gomes
São Felipe
Baú de Leitura
07 e 08/04/2008
22. Cilda Mary
São Felipe
Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STR
07 e 08/04/2008
23.José Reinaldo Barreto Gomes
São Felipe
Associação Comunitária de Desenvolvimento de
Xangô
07 e 08/04/2008
24. Milton
Morro do Chapéu
Secretaria de Cultura, Turismo e Meio Ambiente
21, 22 e 23/04/2008
25. Marcio José B. Oliveira
Morro do Chapéu
Conselho Municipal de Cultura
21, 22 e 23/04/2008
26. José Mário
Morro do Chapéu
Secretaria de Administração
21, 22 e 23/04/2008
27. José Ribeiro da Cruz
Morro do Chapéu
Vereança
21, 22 e 23/04/2008
28. Edegil Alves de Souza
Morro do Chapéu
Grupo Ambientalista Morrense – GAM
21, 22 e 23/04/2008
29. Roberval Barberino
Morro do Chapéu
Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STR
21, 22 e 23/04/2008
30. Maria Márcia A. da Silva
Morro do Chapéu
Associação de Produtores de Flores – CÁLLAMO
21, 22 e 23/04/2008
31. Teotônio Noronha
Morro do Chapéu
Conselho de Dirigentes Lojistas – CDL
21, 22 e 23/04/2008
32. Luis Alberto Pereira da Rocha
Morro do Chapéu
Grupo de Educação Integral Minhoca
21, 22 e 23/04/2008
232
ANEXO D – OUTROS MAPAS
233
ANEXO D1 – MUNICÍPIOS DO ESTADO DA BAHIA
234
ANEXO D2 – MAPA DAS MICRORREGIÕES DO IBGE, BAHIA – 2007
235
ANEXO D3 – SISTEMA DE TRANSPORTES – RODOVIAS ESTADO DA BAHIA,
2001
Fonte: DERBA, 2001
236
ANEXO D4 – MAPA DOS TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE DA BAHIA – 2007
Fonte: Coordenação Estadual dos Territórios – CET, 2007