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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA Instituto de Geociências / Departamento de Geografia Mestrado em Geografia Fábio Antônio Moura Costa de Souza PLANOS DIRETORES PÓS-ESTATUTO DA CIDADE EM MUNICÍPIOS BAIANOS: REGULAÇÃO DO TERRITÓRIO A SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO? Salvador 2008 Fábio Antônio Moura Costa de Souza PLANOS DIRETORES PÓS-ESTATUTO DA CIDADE EM MUNICÍPIOS BAIANOS: REGULAÇÃO DO TERRITÓRIO A SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO? Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia - UFBA, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva Salvador 2008 S586 Souza, Fábio Antônio Moura Costa de, Planos diretores pós-estatuto da cidade em municípios baianos: regulação do território a serviço do desenvolvimento? / Fábio Antônio Moura Costa de Souza. _ 2008. 230 f. Orientador: Prof. Dr. Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Instituto de Geociências, 2008. 1. Geografia urbana – Bahia 2. Planejamento urbano – Bahia 3. Política urbana – Bahia 4. Desenvolvimento regional – Bahia I. Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva, II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências. III. Título. FOLHA DE APROVAÇÃO Fábio Antônio Moura Costa de Souza PLANOS DIRETORES PÓS-ESTATUTO DA CIDADE EM MUNICÍPIOS BAIANOS: REGULAÇÃO DO TERRITÓRIO A SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO? Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia - UFBA, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Geografia. Aprovado em ______________ de 2008 BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ Prof. Dr. Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva – Universidade Federal da Bahia (UFBA) __________________________________________________________________ Prof. Dr. Cristóvão de Cássio da Trindade Brito – Universidade Federal da Bahia (UFBA) ____________________________________________________________ Prof. Dr. Antonio Ângelo Martins Fonseca – Universidade do Estado da Bahia (UNEB) DEDICATÓRIA Para que este trabalho fosse concebido, desenvolvido e concluído algumas pessoas tiveram contribuições especiais e diferenciadas em cada etapa da caminhada. Muito provavelmente, sem estas colaborações o resultado não teria sido o mesmo do aqui apresentado. Em sendo assim gostaria de registrar meus agradecimentos a todos os professores e servidores do Programa de Pós-Graduação em Geografia com os quais mantive contato ao longo do curso. Agradeço também aos colegas de mestrado, especialmente aos da turma de 2006, pelo companheirismo e debates suscitados. Não poderia deixar de agradecer, igualmente, aos professores Eline Menezes e Edvalter S. Santos, que mesmo não pertencendo à UFBA, contribuíram bastante na montagem do anteprojeto por mim apresentando ainda na fase seleção para o mestrado. Agradeço mais ainda ao meu orientador, Profº Sylvio Bandeira, que ofereceu valiosos questionamentos e direcionamentos sobre a minha pesquisa e a sua abordagem dentro da ciência geográfica. Estendo este agradecimento aos Profº Cristóvão Brito e Antonio Ângelo M. da Fonseca enquanto integrantes da minha banca. Por fim, registro um agradecimento especial aos meus pais, a Camila, aos amigos pessoais e ex-colegas de fábrica pela compreensão, apóio, incentivo, desafios e trocas de turno durante esta longa, difícil mas sempre prazerosa jornada. “É chato chegar a um objetivo num instante.” Raul Seixas RESUMO Este trabalho trata sobre planos diretores em quatro municípios baianos elaborados pósEstatuto da Cidade e seu contexto de elaboração que se deu no âmbito da ação do Estado brasileiro na regulação do território. Objetivou-se abordar e detalhar os fundamentos e as características de um plano diretor e do Estatuto da Cidade enquanto instrumentos de regulação do território na escala municipal e analisar a capacidade das administrações dos quatro municípios selecionados induzirem e manterem um processo de desenvolvimento municipal via a elaboração de planos diretores, neste caso funcionando também como um projeto de desenvolvimento territorializado. Os principais resultados encontrados foram três: a) a Constituição Federal de 1988 já trazia, tanto em seu capítulo sobre política urbana quanto em diversos outros artigos fundamentos jurídicos para a elaboração dos planos diretores, mas a falta de detalhamento e de sanções não tornou a elaboração dos planos uma prática comum na gestão pública municipal brasileira; b) o Estatuto da Cidade, ao regulamentar os Artigos 182 e 183 da CF/1988, suscitou muita visibilidade à questão da elaboração dos planos diretores, em particular, e à questão do planejamento urbano, em geral, justamente por conferir-lhe obrigatoriedade, estabelecer conteúdos mínimos e o modo como tal plano deve ser elaborado, e, sobretudo, prever sanções aos municípios e aos prefeitos que não o elaborarem; c) observou-se que o Estado brasileiro continua editando normas, como as Resoluções 25 e 34 do Concidades (ambas de 2005), para fundamentar juridicamente ainda mais a elaboração dos planos (tanto no conteúdo quanto no processo de planejamento); d) diante desta postura do Estado brasileiro observou-se, a partir da edição do Estatuto, a consolidação de um modelo de planejamento urbano que se caracteriza pelo emprego de técnicas e metodologias de sensibilização e mobilização popular na elaboração dos planos diretores, mas sem deixar de lado a formulação de uma ordenação urbana e a inserção de projetos subjacentes à lógica do desenvolvimento econômico capitalista. As três principais conclusões retiradas deste trabalho são: (i) o Estado brasileiro conseguiu aumentar sua capacidade de regulação do território, mesmo considerando a conjuntura derivada do processo de globalização econômica e da organização federativa brasileira, passando a intervir mais incisivamente sobre o planejamento e a gestão territorial dos próprios municípios; (ii) a paulatina fundamentação jurídica como suporte legal à elaboração dos planos diretores municipais ao fortalecer o controle social disseminou, em grande medida, o princípio da gestão democrática da cidade. Por outro lado, isso não significou, na mesma proporção, nem uma melhoria qualitativa dos conteúdos dos planos do ponto de vista do atendimento às demandas e interesses das populações locais, nem resolveu o problema da necessária implantação das propostas contidas nos planos diretores elaborados e a sua gestão pelo Poder Público municipal; e (iii) a verdadeira motivação dos processos de elaboração dos planos diretores municipais, de um modo geral, não parece estar nem na implantação de uma política pública de desenvolvimento municipal nem, ao que se poderia supor, no atendimento a interesses e projetos de agentes econômicos. A motivação está adstrita à normatização do território pelo Estado. PALAVRAS-CHAVE: Estado. Regulação do Território. Desenvolvimento. Planejamento. Estatuto da Cidade. Plano Diretor municipal. ABSTRACT This paper discourses about master plans in four municipalities from Bahia post Statute of the City. Its context of preparation that took place under the action of the State in the regulation of the territory. Its objective was to address and to detail the reasons and characteristics of a Master Plan and the Statute of the City as a tool for regulating the territory in the municipal level and to analyze the capacity of governments of the four selected municipalities induce and to maintain a process of municipal development through the preparation of Master Plans, in this case also worked as a project of territorialized development. The main results were three: a) the Federal Constitution of 1988 has brought, both in its chapter about urban policy as in several other articles, legal basis for the preparation of Master Plans, but the lack of detail and sanction do not make the format of plans a common practice in Brazilian public administration, b) the Statute of the City of 2001 when regulates the articles 182 and 183 of FC/1988, aroused much visibility to the issue of preparation of Master Plans, in particular, and the issue of urban planning in general, just by giving it compulsoriety to establish minimum content and the way that this plan should be developed, and above all provide for penalties to municipalities and mayors who fail to produce it, c) it was observed that the Brazilian State continues editing standards, as the resolutions 25 and 34 of Concidades (both 2005), to legally justify further the development of plans (both in content as in the planning process), d) In front of this posture of the Brazilian state it was observed, from the edition of the Statute, the consolidation of a model of urban planning which is characterized by the use of techniques and methodologies to increase public awareness and popular mobilization in the preparation of Master Plans, but without forgetting the formulation of an urban ordination and the insertion of projects underlying logic of development capitalist economy. The three main conclusions obtained from this study are: (i) the Brazilian State managed to increase its power to regulate the territory, even considering the conjuncture derived from the process of economic globalization and the Brazilian federal organization, through a more effectively intervention on the planning and management Territorial of their own municipalities, (ii) the gradual legal reasoning and legal support to the drafting of Master Plans by the strengthening the municipal social control spread largely on the principle of democratic management of the city. On the other side, this hasn’t meant, in the same proportion, neither a qualitative improvement of the content of the plans from the standpoint of service to the demands and interests of local people, nor solved the problem of the necessary implementation of the proposals contained in the plans drawn up and its directors municipal management by governmental agencies, and (iii) the real motivation of the processes of preparing the Municipal Master Plans, in general, does not appear to be either in the implantation of a public policy and municipal development nor to, what you might assume, in attendance the interests and projects of economic agents. The motivation is to standardize the territory assigned by the state. KEY WORDS: State. Regulation of the Territory. Municipal Master Plan. Development. Planning. Statute of the City. LISTA DE ABREVIATURAS ACS - Agentes Comunitários de Saúde BM - Banco Mundial CAR - Companhia de Ação Regional CNM - Confederação Nacional dos Municípios CONCIDADES - Conselho Nacional de Cidades DESEMBAHIA - Agencia de Fomento do Estado da Bahia S/A DESENBANCO - Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia S/A EC - Estatuto da Cidade IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH - Índice de Desenvolvimento Humano IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias LOA - Lei Orçamentária Anual MCID - Ministério das Cidades MNRU - Movimento Nacional pela Reforma Urbana OGU - Orçamento Geral da União PDM - Plano Diretor Municipal PIB - Produto Interno Bruto PNB - Produto Nacional Bruto PPA - Plano Pluri Anual SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEPLANTEC - Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia SNIU - Sistema Nacional de Indicadores Urbanos SNPU - Secretaria Nacional de Programas Urbanos LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Localização dos municípios estudados .......................................................... 28 Figura 2 - Capital sócio-territorial e Desenvolvimento – o tripé “mágico” ........................ 67 Figura 3 - Exemplo de macro zoneamento com delimitação de zonas urbanas e rurais num PDM ........................................................................................................ 75 Figura 4 - Exemplo de zoneamento urbano contido em um PDM .................................. 76 Figura 5 - Representação gráfica dos elementos para uma gestão sócio-estatal .......... 100 Figura 6 - Exemplo de espacialização de instrumentos do Estatuto da Cidade em um PDM ................................................................................................................ 108 Figura 7 - Municípios baianos que elaboraram PDM pelo Produr .................................. 121 Figura 8 - Total de municípios baianos que aderiram ao PDP-Ba .................................. 126 Figura 9 - Fotos do município de Barra do Choça .......................................................... 142 Figura 10 - Fotos do município de Morro do Chapéu ........................................................ 143 Figura 11 - Fotos do município de São Felipe .................................................................. 144 Figura 12 - Fotos do município de Tremedal .................................................................... 145 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Principais características dos regimes de acumulação fordista e pósfordista ...................................................................................................... 32 Quadro 2 - Formas clássicas de Poder ....................................................................... 39 Quadro 3 - Elementos constitutivos do Estado ........................................................... 46 Quadro 4 - Principais modelos de desenvolvimento .................................................. 62 Quadro 5 - Dispositivos jurídico-urbanísticos que compõem a ordenação urbana ..... 73 Quadro 6 - Periodização do planejamento urbano no Brasil ...................................... 74 Quadro 7 - Caracterização de dois modelos de planejamento urbano ....................... 79 Quadro 8 - Variáveis e condições favorecedoras à implantação de processos de democracia participativa ........................................................................... 102 Quadro 9 - Base constitucional que trata sobre a ordenação da cidade e PDM ........ 105 Quadro 10 - Instrumentos do Estatuto da Cidade que para serem aplicados precisam ser delimitados espacialmente na lei do PDM .......................................... 107 Quadro 11 - Principais itens para a ordenação territorial que devem estar presentes no PDM segundo a Resolução 34 do Concidades ................................... 110 Quadro 12 - Conteúdo da Resolução 34 que trata do controle social sobre os PDM .. 111 Quadro 13 - Subprogramas, componentes e projetos integrantes do Produr na Bahia 118 Quadro 14 - Princípios norteadores dos PDM do Produr e os principais produtos elaborados pelas empresas de consultoria .............................................. 122 Quadro 15 - As quatro etapas do PDP-Ba .................................................................... 128 Quadro 16 - Síntese de informações para a caracterização geral dos municípios estudados .................................................................................................. 136 Quadro 17 - Datas importantes e formas de organizar a participação popular ............ 147 Quadro 18 - Instrumentos de gestão democrática do Estatuto da Cidade previstos nos PDM estudados .................................................................................. 153 Quadro 19a - Síntese das leis, políticas, planos, programas, projetos, estudos e estruturas administrativas recomendados pelos PDM de Barra do Choça e Morro do Chapéu ........................................................................ 159 Quadro 19b - Síntese das leis, políticas, planos, programas, projetos, estudos e estruturas administrativas recomendados pelos PDM de São Felipe e Tremedal ................................................................................................... 162 Quadro 20 - Mapas Temáticos ou Plantas das proposições recomendadas nos PDM por localização .......................................................................................... 167 Quadro 21 - Instrumentos do Estatuto da Cidade previstos nos PDM estudados ........ 170 Quadro 22 - Propostas para a institucionalização do planejamento municipal contidas nos quatro PDM estudados ........................................................ 174 Quadro 23 - Principais agentes sociais que participaram da elaboração dos PDM entrevistados ............................................................................................. 175 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Instrumentos legais de gestão urbana existentes (%) em municipalidades brasileiras por grandes regiões – 20041 e 2005 ........................................... 19 Tabela 2 - Bahia: distribuição (%) dos domicílios particulares permanentes, por situação de domicilio, segundo alguns aspectos da infra-estrutura urbana, 2006 ............................................................................................................... 20 Tabela 3 - Bahia: domicílios particulares permanentes, por situação do domicilio, segundo a existência (%) de alguns bens duráveis, 2006 ............................ 20 Tabela 4 - Brasil, Nordeste e Bahia: distribuição (%) das pessoas com mais de 5 anos de idade segundo a não-alfabetização por situação do domicílio, 2006 ....... 21 Tabela 5 - Bahia: existência (%) nos municípios de instrumentos do Estatuto da Cidade e de outros instrumentos de planejamento e gestão urbana, 2004 e 2005 .......................................................................................................... 113 Tabela 6 - Informações básicas sobre os municípios estudados ................................... 134 Tabela 7 - Dados populacionais sobre os municípios estudados, 1970 e 2000 ............. 135 Tabela 8 - Quantidade e distribuição espacial dos domicílios nos municípios selecionados – 2000 ...................................................................................... 138 Tabela 9 - Quantidade e distribuição espacial dos moradores nos municípios selecionados – 2000 ...................................................................................... 139 Tabela 10 - Situação (%) da Infra-estrutura urbana disponível nos municípios selecionados – 2000 ...................................................................................... 139 Tabela 11 - Indicativo de residência na sede municipal das pessoas residentes nos municípios selecionados – 2000 .................................................................... 165 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 14 1.1 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA .................................................................................. 16 1.2 PROBLEMAS, HIPÓTESE E OBJETIVOS DA PESQUISA ......................................... 22 1.3 METODOLOGIA ........................................................................................................... 23 1.3.1 Quadro de Análise ................................................................................................... 24 2 A REGULAÇÃO ESTATAL, O TERRITÓRIO E A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO ....................................................................................................... 30 2.1 O ESTADO E SUA ATUAÇÃO CONTEMPORÂNEA NA REGULAÇÃO TERRITORIAL: O PLANO DIRETOR MUNICIPAL ENQUANTO NORMATIZAÇÃO DO TERRITÓRIO ..................................................................................................................... 35 2.1.1 Plano Diretor municipal: instrumento para a normatização do território .......... 41 2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O TERRITÓRIO ............................................................. 47 2.3 DESENVOLVIMENTO, MAS E A TERRITORIALIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO? ...................................................................................................... 57 3 PLANEJAMENTO E GESTÃO URBANA: PRINCIPAIS MODELOS E CARACTERÍSTICAS.......................................................................................................... 69 4 O ESTATUTO DA CIDADE COMO ATUAL PARADIGMA PARA A GESTÃO PLANEJADA DO TERRITÓRIO ........................................................................................ 88 4.1 A QUESTÃO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ELABORAÇÃO DOS PLANOS .... 94 4.2 A QUESTÃO DO CONTEÚDO DOS PLANOS ELABORADOS .................................. 103 5 PROGRAMAS RECENTES ENVOLVENDO A ELABORAÇÃO DE PLANOS DIRETORES NA BAHIA .................................................................................................... 115 5.1 O PRODUR - PROGRAMA DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL E DESENVOLVIMENTO DE INFRA-ESTRUTURA URBANA ............................................... 115 5.2 O PDP-BA - PROGRAMA DE APOIO A ELABORAÇÃO DE PLANOS DIRETORES PARTICIPATIVOS DOS MUNICÍPIOS DOS ESTADO DA BAHIA .................................... 123 6 UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS PLANOS DIRETORES DE QUATRO PEQUENOS MUNICÍPIOS BAIANOS ..................................................................................................... 133 6.1 BREVE CARACTERIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS ESTUDADOS ................................. 134 6.2 PARTICIPAÇÃO POPULAR E O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DOS PLANOS .... 146 6.3 O CONTEÚDO DOS PLANOS: PRINCIPAIS ASPECTOS .......................................... 156 Princípios, diretrizes, estratégias e investimentos para o desenvolvimento municipal ........................................................................................ 156 6.3.1 Os instrumentos de política urbana e de desenvolvimento municipal.......................................................................................................................... 168 6.3.2 6.3.3 Institucionalização do planejamento municipal ............................................ 173 6.4 O QUE REVELAM AS ENTREVISTAS REALIZADAS ................................................. 175 7.0 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 183 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 193 GLOSSÁRIO ...................................................................................................................... 204 APENDICE A - Sumários das Leis dos Planos Diretores municipais ................................. 209 APENDICE B - Mapas dos Municipais estudados ............................................................. 216 ANEXO A - Planos Diretores municipais do PRODUR segundo consultoria contratada e ano de finalização ........................................................................................... 221 ANEXO B - Roteiro de Entrevistas ..................................................................................... 225 ANEXO C - Quadro de Identificação dos Agentes Territoriais entrevistados .................... 230 ANEXO D - Outros Mapas .................................................................................................. 232 14 1 INTRODUÇÃO No momento histórico pelo qual a sociedade mundial passa, marcado pela agudização das desigualdades econômicas, sociais e espaciais, alguns temas vêm ganhando maior relevância para os Estados nacionais e para a sociedade civil, em geral, e para a academia, em particular. No entanto, para a sociedade de países como o Brasil e de estados federados como o da Bahia, maior economia nordestina, as desigualdades e os fenômenos delas decorrentes têm se manifestado com mais força que nos estados do centro-sul brasileiro se constituindo, portanto, em um temário geral do qual temas específicos podem ser retirados para serem tratados no âmbito de um processo de investigação científica, especificamente com a geografia. Fechando mais o foco, no Brasil e especialmente na Bahia a expansão do urbano e de toda uma problemática a ele subjacente até pequenas cidades antes marcadas por uma realidade eminentemente rural, tanto do ponto de vista da paisagem natural como da experiência de vida cotidiana das populações locais, tem colocado a elaboração de Planos Diretores Municipais (PDM) como problema a ser estudado pelas ciências humanas, visto que se trata da construção, em tese política e autônoma, de um projeto político de orientação ao desenvolvimento municipal tocado pelo próprio Poder Público municipal. Projeto este que perpassa, inclusive, a questão da regulação do território pelo Estado nesta escala de governo. E é verdade que o problema ora levantado vem paulatinamente adquirindo importância mais na esfera do Governo federal e na academia que nos próprios Governos municipais. Prova disto é a formação, desde 2001, tanto de um arcabouço jurídico específico como de instâncias de gestão pública federal, respectivamente, a o Estatuto da Cidade (EC) (Lei Federal n 10.257) e a criação do Ministério das Cidades (MCID) em 2003. Ambas as ações primaram por colocar o planejamento e a gestão urbana como diretriz básica para a consecução do desenvolvimento municipal, em grande medida via orientação e cobrança pela elaboração dos PDM. Aliás, a onda de elaboração ou revisão desses tipos de planos gerada com o final do prazo de cinco anos (encerrado em 10 de outubro de 2006) estabelecido pelo EC para que os municípios os elaborem comprova tal fato. 15 No bojo desta política urbana, do ponto de vista da geografia, a questão dos PDM merece toda a atenção por se tratar de como o Estado brasileiro, seja ele na escala nacional ou sub-nacional, pode agir direta ou indiretamente na produção e/ou organização do espaço, que neste caso é o município. Ação esta que tanto pode atender aos interesses e objetivos comuns da população local como um todo ou apenas a grupos específicos, como também pode privilegiar mais os interesses e objetivos de agentes econômicos ou políticos externos interessados em algo naquele território. Do ponto de vista da geografia os PDM sempre fizeram uso do seu arcabouço teórico, mais especificamente da geografia urbana. Via de regra, quase sempre pode ser observado nos planos, capítulos específicos, em seções do tipo “diagnóstico”, que privilegiam aspectos atinentes à organização do espaço urbano, tais como: a inserção regional, a dinâmica populacional, a economia urbana, o processo de urbanização daquele espaço, a disponibilidade das redes de serviços urbanos etc. Entretanto, com a mudança substancial na natureza de um PDM ocorrida nas últimas décadas o estudo desses planos se tornou uma tarefa mais complexa passando a demandar da geografia e dos geógrafos análises mais refinadas e integradoras de diversos fenômenos articulando, assim, um quadro teórico mais amplo que o usualmente empregado nos estudos urbanos stricto sensu. Em primeiro lugar, a Constituição Federal de 1988 (CF/1988) alçou o Plano Diretor municipal de uma condição de peça técnica indicativa de usos e das formas de ocupação do solo urbano, como também de estratégias de desenvolvimento e expansão urbana, à condição de lei municipal responsável pela regulamentação e controle dos usos e do processo de ocupação do solo urbano. Isto significa dizer que a lei do PDM passou a integrar o ordenamento jurídico do qual o Estado brasileiro se vale para exercer o seu poder regulatório sobre o território. Em segundo lugar, a entrada em vigor do Estatuto da Cidade em 2001 ampliou a área de abrangência do Plano Diretor para além do espaço urbano por excelência – a cidade – de forma a contemplar todo o espaço municipal: zona urbana mais zona rural. Da mesma forma, o Estatuto suscitou a politização do processo de elaboração dos planos vide o caráter tecnocrático vigente até a CF/1988, cujo exemplo da atuação do Serviço Federal de Habitação, Arquitetura e Urbanismo (SERFHAU), criado em 1964, é emblemático visto que políticas públicas 16 e planos, sobretudo do setor habitacional, eram formulados por técnicos de forma exógena aos governos locais e sem consultas à sociedade. Diante de tais fatos tratar sobre planos diretores dentro do pensamento geográfico atual inscreve esta pesquisa também no campo da geografia política. Como bem explicita Castro (2005b) ao discutir a geografia política contemporânea em relação àquela de inspiração ratzeliana: (...) a geografia política analisa como os fenômenos políticos se territorializam e recortam espaços significativos das relações sociais, dos seus interesses, solidariedades, conflitos, dominação e poder. Numa linguagem geográfica, estes espaços podem ser identificados como fronteiras, centro, periferia, guetos, unidades políticas etc. (CASTRO, 2005b, p. 53). Portanto, não é por acaso que o objeto de estudo da pesquisa esteja formado a partir da seleção de quatro planos diretores de quatro municípios baianos concebidos segundo o texto legal contido no Estatuto da Cidade, portanto a partir de 2002, cujos critérios de seleção serão detalhados na metodologia da pesquisa. O que se espera alcançar com este trabalho de pesquisa é menos de natureza programática que analítica, ao contrário do que possa parecer em algum momento. O que essencialmente interessa é construir uma discussão que questiona se um Plano Diretor Municipal (PDM), incluindo a forma como ele é elaborado, tem a capacidade de representar e atender aos interesses e objetivos que emanam dos grupos de agentes sociais que animam e dão forma a um determinado território municipal. 1.1 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA Tendo como pano de fundo a problemática acima descrita esta pesquisa aborda três grandes temas – Estado, Desenvolvimento e Planejamento Urbano – a partir da discussão contemporânea e da devida articulação entre eles na escala local de ação estatal política e administrativa para que, desta forma, sejam abordados outros temas mais específicos e mais caros à geografia, tais como a regulação territorial, a gestão planejada do território e a territorialização do desenvolvimento. 17 Não que esses três grandes temas já não tenham sido objeto de estudos com diferentes ênfases por outros pesquisadores, mas justamente pela complexidade da realidade social e pelo dinamismo econômico e espacial que caracterizam o mundo contemporaneamente vêm colocando mais questionamentos e desafios para tais temas. Debates estes suscitados pela polissemia que o conceito de desenvolvimento adquiriu; pela diversidade de modelos e metodologias de planejamento urbano, atualmente derivando para a gestão urbana; e, principalmente, pelo debate sobre o atual papel e tamanho do Estado na medida em que suas formas e campos de ação parecem ser ora mais direcionados aos interesses dos agentes econômicos ligados ao grande capital, ora mais direcionados às demandas da população e ora mais direcionado ao seu próprio fortalecimento enquanto instância social organizadora da vida em sociedade. Aliás, as transformações do Estado nacional brasileiro frente às mudanças na economia mundial, marcadamente a partir dos anos 1980, com grande rebatimento sobre a dimensão local, vêm requalificando o debate em torno de uma das categorias analíticas mais trabalhadas pela geografia – o território – na perspectiva de pontos (áreas) de interlocução entre as pessoas que nele e dele vivem e os agentes representantes de diversas práticas de poder – econômico, político e ideológico – externo e interno a ele. Para além das mais variadas abordagens sobre o Estado envolvendo o conceito e os tipos de poder, as formas de Governo, as formas de Estado e suas funções (BOBBIO, 2007), no decorrer do século XX os estudos e discussões sobre desenvolvimento e planejamento urbano se desdobraram, a partir de diversas interpretações da realidade, em inúmeras problematizações e modelos teóricos. Para o primeiro tema as concepções tem fundamentação em problematizações sobre desenvolvimento econômico propriamente dito, sobre desenvolvimento regional, sobre desenvolvimento humano, sobre desenvolvimento sustentável, sobre desenvolvimento social, sobre desenvolvimento local e sobre desenvolvimento endógeno, entre outras concepções cada uma delas construídas por matrizes filosóficas distintas. Em relação ao planejamento urbano são bastante conhecidas as vertentes que colocam o espaço urbano como objeto de estudo para a intervenção, ou não, do Estado como a físico-espacial, a sistêmica, a estratégica e, mais contemporaneamente, a participativa. No entanto, a discussão sobre planejamento 18 urbano derivou, talvez por ineficácia enquanto práxis, para a construção de modelos de gestão urbana. Neste campo há literatura e experiências envolvendo diferentes visões de cidade, que variam tanto em escala de abordagem quanto em setores prioritários de ação, tais como: a gestão metropolitana (escala regional), a gestão da mobilidade urbana, a gestão do desenvolvimento urbano, a gestão democrática da cidade (ou participativa), a gestão estratégica (empresarial) de cidades, a gestão ambiental urbana, entre outros modelos. Em realidade, o fenômeno que se observa e interessa a esta pesquisa é um duplo movimento de sentidos contrários que, todavia, se tocam no território. De um lado a discussão sobre desenvolvimento passou da escala nacional para a local como alternativa para se obter resultados mais rápidos e consistentes, visto que, em tempos de neoliberalismo, o foco da ação do Estado brasileiro contemporâneo está na agenda macroeconômica cuja base não é espacial, mas sim atrelada ao sistema financeiro internacional. De outro lado, os modelos de planejamento urbano e, agora também, de gestão urbana têm seus conteúdos ampliados da cidade, enquanto materialização do espaço urbano (CARLOS, 1994), para a área do município como um todo incluindo, assim, a zona rural. Mais ainda, a prática contemporânea de planejamento e gestão urbana incorporou a escala regional, tendo em vista que somente o estudo e a intervenção na zona urbana de um município não consegue dar conta da complexa realidade econômica e social hoje vigente. Como explica Castro (2005b): É neste quadro institucional que o tema município começa a exigir a atenção da geografia política como um recorte espacial institucionalizado importante. [...] Afinal, cidadania se conquista através da lei geral, mas é vivida no cotidiano do território, ou seja, naquele das relações de proximidade, de oferta e acesso aos serviços que tornam o direito uma prática social real. A escala municipal é portanto significativa do fazer político no espaço e oferece um vasto campo para a geografia política contemporânea (CASTRO, 2005b, p. 41). Contudo, diante da rica e longa discussão envolvendo os temas Estado, desenvolvimento, planejamento e gestão urbana, dois cenários se impõem e precisam ser enfrentados de alguma forma. Primeiramente o reconhecido quadro de fragilidade institucional que caracteriza a grande maioria dos 5.564 municípios brasileiros (IBGE, 2006). No que toca a questão da gestão planejada do território a 19 fragilidade institucional é caracterizada pela ausência ou subtilização de diversos instrumentos legais disponíveis aos gestores municipais, alguns mais recentes e vários deles há muito conhecido por arquitetos, urbanistas e economistas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da publicação Pesquisa de Informações Básica Municipais (IBGE, 2005; 2006), elenca diversos outros instrumentos legais de gestão urbana, a saber: a Lei de Perímetro Urbano, a Lei de Zoneamento, a Lei de Parcelamento do Solo, a legislação para Áreas de Interesse Social ou Ambiental, o Plano Estratégico de Cidades, a Gestão Orçamentária Participativa, o Plano de Governo, o Plano Plurianual ou PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias ou LDO, os conselhos municipais setoriais (política urbana, habitação, meio ambiente, saúde, educação etc.), entre outros instrumentos de natureza eminentemente formal. A Tabela 1 ilustra tal situação. Tabela 1 – Instrumentos legais de gestão urbana existentes (%) em municipalidades brasileiras por 1 grandes regiões – 2004 e 2005 Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste Lei de Perímetro Urbano 78,3 54,6 62,9 88,0 94,2 85,2 Gestão Orçamentária Participativa 72,1 71,5 60,8 67,4 89,4 88,4 Código de Obras 44,5 35,6 31,0 48,1 59,4 53,6 Lei de Parcelamento do Solo 30,3 17,2 12,9 33,5 55,9 35,8 Lei de Zoneamento ou Equivalente 20,6 13,1 9,0 20,6 40,5 21,0 Plano Diretor 14,5 9,0 9,0 14,9 25,2 10,3 Estudo de Impacto de Vizinhança 7,5 9,1 5,0 7,1 11,4 7,3 Operação Urbana Consorciada 7,1 7,1 4,2 6,4 11,7 8,4 Temas Municipais 1 Fonte: cálculo do autor a partir dos dados do IBGE, 2006; 1IBGE, 2005 Ressalta-se o fato de que com o Estatuto da Cidade o Plano Diretor foi reafirmado como principal instrumento de política urbana e todos os demais instrumentos passaram a ser exigidos, quando aplicáveis, para que os gestores locais promovam o ordenamento municipal sob pena do município deixar de participar de alguns programas federais ou terem repasses de impostos retidos a título de sanção. Ainda assim, o percentual de municípios brasileiros e baianos que possuíam um PDM em 2005 era de, respectivamente, 14,5% e 12,5%. Neste cenário se destacam os municípios da Região Sul com PDM em 25,2% das suas municipalidades. 20 O segundo cenário, em alguma medida decorrente do primeiro, impõe-se diante do quadro de desigualdades econômicas, sociais e espaciais entre inúmeras municipalidades brasileiras, nordestinas e baianas. E, na escala municipal, verificamse desigualdades também entre a cidade a zona rural. Nesta direção, as Tabelas 2, 3 e 4 procuram demonstrar tais afirmações. E em termos de um processo de gestão planejada do território construído pelo poder público municipal com vista ao desenvolvimento estas desigualdades representam não apenas grandes obstáculos, representam mesmo a sua própria finalidade. Tabela 2 – Bahia: distribuição (%) dos domicílios particulares permanentes, por situação de domicilio, segundo alguns aspectos da infra-estrutura urbana, 2006 Domicílios Urbanos Domicílios Rurais Quantidade absoluta (1.000) 2.655 1.162 Abastecimento de Água - por rede geral 95,4 34,5 Esgotamento Sanitário - por rede geral ou fossa séptica 71,7 7,2 Coleta de Lixo - por serviço de limpeza ou caçamba 96,1 18,4 Iluminação Elétrica 99,4 77,7 Telefone 65,8 14,2 Itens da infra-estrutura urbana Fonte: IBGE, 2007. Cálculos do autor com base em dados da PNAD 2006 Tabela 3 – Bahia: domicílios particulares permanentes, por situação do domicilio, segundo a existência (%) de alguns bens duráveis, 2006 Domicílios Total Domicílios Urbanos Domicílios Rurais Fogão 95,0 97,2 89,9 Filtro de Água 61,9 63,5 58,3 Rádio 81,7 83,1 78,5 Televisão 84,5 93,3 64,4 Geladeira 70,7 82,7 42,3 Freezer 7,0 9,0 2,4 Máquina de lavar roupa 11,6 16,1 1,3 Bens Duráveis existentes Fonte: IBGE, 2007. Cálculos do autor com base em dados da PNAD 2006 21 Tabela 4 – Brasil, Nordeste e Bahia: distribuição (%) das pessoas com mais de 5 anos de idade segundo a não-alfabetização por situação do domicílio, 2006 % não-alfabetizadas Níveis espaciais Total Absoluto (1.000) Urbana % Absoluto (1.000) Rural % Absoluto (1.000) % Brasil 21.323 12,3 14.135 9,8 7.188 25,3 Nordeste 10.436 22,1 5.731 16,9 4.706 35,3 Bahia 2.561 20,0 1.235 14,2 1.326 32,1 Fonte: IBGE, 2007. Cálculos do autor com base em dados da PNAD 2006 No caso do estado da Bahia o processo de planejamento econômico e espacial realizado pelos governos estadual e federal desde os anos 1950, baseado fortemente na Teoria dos Pólos de Crescimento de Perroux e de forma exógeno às administrações municipais, não foi suficientemente capaz de transformar o crescimento econômico obtido por meio da instalação de pólos e distritos industriais num desenvolvimento municipal consistente, além disso, a lógica implantada do desenvolvimento via industrialização ficou marcadamente limitada aos municípios do entorno imediato de Salvador e com reflexos econômicos e sociais maiores na capital baiana. É verdade que mais contemporaneamente outras indústrias foram agregadas ao parque baiano – de papel e celulose, automotiva, calçadista, de informática, de transformação plástica, entre outras. E também existem outras atividades econômicas de certo porte no estado – setor imobiliário, turismo, extrativismo vegetal e mineral, agroindústria (produção de grãos, cotonicultura, fruticultura etc.). Ainda assim, a realidade econômica e social da maioria dos municípios baianos não está condizente com os indicadores da economia baiana. Prova disso é fato de que a Bahia ter tido o 6º maior Produto Interno Bruto (PIB) da economia brasileira e o 1º do Nordeste em 2000 (quadro que se mantém até hoje), enquanto sua renda per capita ficou em 14º lugar e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em 22º colocação no ranking nacional (SILVA, 2004). Se tal modelo de planejamento não foi eficaz do ponto de vista social e espacial cabe, então, primar por um planejamento e gestão do território que não seja de cima para baixo e que não secundarize a dimensão local. Um planejamento e uma gestão que formulados e dirigidos localmente, e por assim dizer endógeno, seja 22 ajustado às demandas e realidades econômica/financeira, social, cultural e ambiental do próprio município. 1.2 PROBLEMAS, HIPÓTESE E OBJETIVOS DA PESQUISA Surgem, então, desta contextualização alguns problemas de pesquisas relevantes ora enunciados: em que medida a elaboração de Planos Diretores Municipais representa, no âmbito de um Governo municipal, ações para garantir a incorporação de instrumentos e conteúdos pertinentes à indução de um processo de desenvolvimento municipal territorializado? Neste sentido, pode o Estatuto da Cidade, e o arcabouço jurídico dele derivado, ser fator estruturante de um novo modelo participativo de gestão municipal cuja essência declarada é que a cidade e a propriedade urbana cumpram sua função social? Ou será que a lei do Plano Diretor, Municipal, e o Estatuto da Cidade, na escala nacional, servem apenas como normas jurídicas que garantem ao Estado brasileiro aumentar sua capacidade de regulação do território em detrimento que quaisquer outros interesses e instituições? Acredita-se que como hipótese sobre o problema de pesquisa proposto, enquanto “uma resposta provisória ao problema levantado” (LAGE, 2002, p. 21), um PDM desencadearia um processo de desenvolvimento e a sua territorialização, ou seja, um processo que incorpora a possibilidade de maior proveito e progresso socio-espacial local, se esta ação atender a três premissas: (i) as prefeituras municipais decidissem elaborar os planos localmente e com a mínima influência de interesses, consultores e recursos externos, incorporando nos estudos preparatórios tanto os objetivos e os interesses da população da sede (cidade) quanto da zona rural (vilas, povoados e demais comunidades); (ii) as prefeituras municipais primarem para que tal processo de elaboração do plano, para posterior implantação, ocorresse, desde o início, de forma participativa e publicizada no sentido de que as etapas contassem com o envolvimento dos diversos agentes sociais (civis e políticos) presentes no município; e 23 (iii) as prefeituras municipais aproveitassem o processo de elaboração ou revisão do plano para estruturarem uma prática de gestão urbana que não focasse, apenas, a cidade, ou seja, se daria em escala municipal. Diante de toda problemática exposta e das idéias discutidas esta pesquisa pretende atingir os seguintes objetivos gerais: (i) abordar como a regulação do território, no bojo da questão do tamanho e papel do Estado contemporâneo, ocorre na escala municipal, destacando o PDM e o Estatuto da Cidade como principais instrumentos de regulação; e (ii) elaborar uma análise acerca da real capacidade de Governos municipais baianos induzirem e manterem um processo consistente de desenvolvimento e a sua territorialização por meio dos PDM, tendo em vista as suas atuais competências e responsabilidades legais. Por este caminho investigativo, tais objetivos gerais se desdobram em três objetivos específicos: (i) expor e discutir, na perspectiva da regulação do território, o modus operandi e as principais características de dois recentes programas governamentais que elaboraram PDM para municípios baianos: o Programa de Administração Municipal e Desenvolvimento de Infra-estrutura Urbana (PRODUR) e o Programa de Apoio a Elaboração de Planos Diretores Participativos dos Municípios do Estado da Bahia (PDP-Ba); (ii) a partir de experiências municipais selecionadas destes dois programas, analisar como a questão da territorialização do desenvolvimento foram trabalhados pelos planos, isto é, quais conteúdos e práticas territoriais foram incorporados, ou não, aos planos elaborados; e (iii) tendo em vista que o Estatuto da Cidade e a lei do PDM são os principais instrumentos normativos que regulamentam, atualmente, a prática de planejamento e gestão urbana, expor e (iii) discutir os resultados eventuais advindos do processo de elaboração dos PDM. 1.3 METODOLOGIA George (1986), discutindo os métodos da geografia, a coloca como uma ciência de síntese, uma ciência de relações cujo método consiste em partir da descrição para chegar à explicação mediante as etapas de observação analítica, 24 detecção das correlações e busca das relações de causalidade. Outras características do método geográfico, segundo este autor, são as seguintes: - realiza a correlação de dados heterogêneos diacrônicos como forma de compor uma realidade geográfica; - a pesquisa geográfica é composta pelos diversos métodos inerentes a cada uma das ciências que emprestam seus conhecimentos ao geógrafo no enfrentamento de determinado problema ou estudo; - os pesquisadores geógrafos não devem deixar de agir como geógrafos. Isto implica que a sua formação deverá ser universal/geral, contudo na sua atuação os fatos do espaço é que devem possuir primazia sobre os demais campos do saber; - o geógrafo deve projetar os conhecimentos adquiridos sobre as relações entre dados e as relações entre forças sobre um espaço finito e contínuo. É a exaustividade espacial que o distingue dos economistas, demógrafos, sociólogos, entre outros tipos profissionais; - para garantir uma distinção dos outros tipos de pesquisa e produção científica a Geografia deve correlacionar fatos e movimentos (estes sendo campo de estudos de outros saberes) às formas de existência, distribuição e movimentos dos homens sobre o espaço; - finalmente, a pesquisa geográfica é orientada pela conjuntura, pois na história desta disciplina suas diversas correntes foram determinadas por fatores econômicos, culturais e (geo)políticos então hegemônicos. 1.3.1 Quadro de Análise Em relação aos métodos de procedimento necessários a operacionalização desta pesquisa foram realizadas quatro frentes de pesquisa. A primeira tratou de uma revisão de literatura cujo objetivo foi construir o referencial teórico da dissertação e, portanto, fundamentar a análise dos PDM selecionados. Nesta etapa foram abordados, marcadamente no segundo capítulo, os temas - Estado e regulação do território; a discussão do conceito de território e de territorialização; e a 25 questão das diversas acepções do termo desenvolvimento. Já em termos de técnica de pesquisa para esta etapa realizou-se uma pesquisa bibliográfica abarcando livros, teses e dissertações, entre outras publicações, referentes aos temas elencados, sejam elas contribuições da produção geográfica ou das ciências e disciplinas que oferecem um suporte teórico mais especifico (ciência política, economia, sociologia, direito administrativo e administração pública). Na segunda frente de pesquisa o método de procedimento adotado foi, também, a revisão de literatura cujo conteúdo foi contemplado no terceiro capitulo. Contudo, foram empregadas duas técnicas de pesquisa de modo que uma complementasse a outra: uma pesquisa bibliográfica e uma pesquisa documental (leis, decretos, resoluções e congêneres). Ambas procuraram contemplar e subsidiar as análises sobre: os modelos de planejamento e gestão urbana brasileiros e suas principais características (capitulo 3); e sobre o ordenamento jurídico utilizado pelo Estado para a regulação do território (capitulo 4). Estão incluídos nesta etapa, por exemplo, a análise do texto constitucional sobre a política urbana, a abordagem crítica do Estatuto da Cidade e apreciação das questões dos conteúdos e da participação popular na elaboração dos PDM. A terceira frente de pesquisa foi de cunho histórico. Esta objetivou identificar e caracterizar os dois principais programas envolvendo a elaboração de planos diretores na Bahia (capítulo 5) e, também, fazer uma caracterização básica dos municípios cujos PDM foram selecionados para compor o objeto de estudo (parte inicial do capítulo 6). Neste sentido, a técnica de pesquisa empregada foi a análise documental procurando, assim, levantar dados absolutos e estatísticos e outras informações municipais multidimensionais – demográfica, físico-espacial, socioeconômica e institucional - junto a diversas fontes (prefeituras municipais, IBGE, IPEA, SEI, CAR, websites especializados, entre outras). É o mesmo capítulo 6 que traz os resultados da quarta frente de pesquisa. Nesta etapa foi utilizado o método de procedimento denominado por Gil (2002) de estudo de casos múltiplos. Eles foram estruturados a partir de dois conjuntos de critérios. Primeiramente os critérios responsáveis pela seleção dos quatros Planos Diretores Municipais a serem trabalhados no sexto capítulo, ou seja, a construção do próprio objeto de pesquisa. Foram eles: 26 (1) O universo de pesquisa são os PDM elaborados a partir de 2002 para municípios baianos. O ano de 2002 foi decidido em razão de o Estatuto da Cidade entrar em vigor a partir de outubro de 2001. No entanto, deu-se preferência aos planos mais recentemente finalizados visto que o Conselho das Cidades (CONCIDADES) (que está ligado ao Ministério das Cidades) vem editando desde 2003 várias resoluções no sentido de detalhar e padronizar os conteúdos e a forma de elaboração dos planos; (2) Neste universo foram identificados dois grandes programas ligados à esfera governamental, federal e estadual, que de forma exclusiva ou não objetivaram promover a elaboração de planos diretores para diversas municipalidades baianas. Um dos programas contou com recursos financeiros internacionais para a contratação de consultorias especializadas em planejamento urbano. O outro programa foi custeado com recursos dos tesouros de cada município e apenas contemplou a capacitação e orientação técnico-metodológica de funcionários municipais por consultores contratados; (3) Para o primeiro grupo foram selecionados os municípios de Barra do Choça e Morro do Chapéu. Ambos integraram o Programa de Administração Municipal e Desenvolvimento de Infra-estrutura Urbana (PRODUR). Este programa vigorou entre 1997 e 2004. Seus agentes financiadores e executivos foram, respectivamente, o Banco Mundial (BM) e a Companhia de Ação Regional (CAR). Uma de suas linhas de ação foi, justamente, o financiamento da elaboração de Planos Diretores Municipais via contratação de empresas de consultoria. Por esta modalidade, o município de Morro do Chapéu foi selecionado visto seu PDM ter sido finalizado em 2005 e ter sido elaborado pela UFC Engenharia LTDa. (que participou de mais 14 planos). Já o município de Barra do Choça foi selecionado porque seu PDM é ainda mais recente, de 2006, e a empresa AST Consultoria e Planejamento LTDa. que o elaborou ter finalizado mais 4 planos todos em 2005. O Anexo A traz um quadro listando todos os municípios e empresas de consultoria que fizeram parte do PRODUR; (4) Já no segundo grupo foram selecionados os municípios de Tremedal e São Felipe. Ambos integraram o Programa de Apoio a Elaboração de Planos Diretores Participativos dos Municípios do Estado da Bahia (PDP-Ba). Este programa vigorou entre agosto de 2006 e maio de 2007, bastante recente portanto, e foi coordenado 27 pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), entidade municipalista de natureza jurídica não-governamental e de atuação nacional. Note-se que neste programa os municípios que resolveram a ele aderir pagaram com recursos próprios os serviços técnicos contratados juntos a CNM. Nesta modalidade ambos os municípios foram selecionados pelo fato de que no momento de montagem do projeto de pesquisa (2007) suas experiências se apresentaram consistentes e em estágio de finalização viáveis, portanto, para serem trabalhadas do ponto de vista de uma pesquisa acadêmica. São dois os argumentos que sustentam tais critérios de seleção: o primeiro é o fato de que levando-se em consideração programas e ações governamentais que envolvam a elaboração de PDM para várias municipalidades, como são as experiências do PRODUR e do PDP-Ba com, respectivamente, 96 e 26 municípios (Figura 1), a teorização em torno da análise dos planos possui um maior alcance crítico e de teorização, visto que nestes programas a metodologia que norteia o processo elaborativo dos planos é a mesma. Segundo, ao contrapor prefeituras que elaboraram os planos com recursos financeiros e humanos próprios com prefeituras que elaboraram os planos com recursos financeiros e humanos externos estaria sendo testada a capacidade do PDM priorizar ou não os interesses e objetivos locais constituindo, assim, em um verdadeiro projeto de desenvolvimento ou em mais uma peça de planejamento sem maiores aplicações. Esta capacidade de decisão se traduziria mediante a escolha, e não imposição, dos temas locais a serem discutidos, os diagnósticos e prognósticos elaborados e os instrumentos de planejamento efetivamente implantados. Isto significa dizer que, desta forma, estaria sendo testada também a capacidade do Estatuto da Cidade de fazer valer a tão preconizada gestão democrática da cidade a partir da elaboração dos PDM. O segundo conjunto de critérios é aquele cuja finalidade é a de servir como lastro para a análise dos quatro planos selecionados. Para além do constructo teórico que será exposto ao longo dos capítulos seguintes, esses critérios analíticos foram retirados mais especificamente a partir da observância do texto do Estatuto da Cidade e da legislação dele derivada (conteúdo apresentado no quarto capítulo). 28 Figura 1 – Localização dos Municípios estudados Fonte: IBGE, 2008a e 2008b com elaboração do autor. 29 Por fim, o último procedimento adotado, foi a realização de uma pesquisa de campo (individual, sistemática e não-participante) cujo fito foi levantar, empiricamente, de modo a complementar a leitura e análise dos planos e documentos a eles pertinentes, as condições de realização e os principais resultados das experiências selecionadas. Nesta etapa da pesquisa ocorreram entrevistas padronizadas apoiadas em formulários contendo perguntas abertas (Anexo B) cujo público-alvo foi composto pelos agentes sociais ligados diretamente à problemática da elaboração de políticas públicas, como é o caso dos PDM: membros da sociedade civil e suas representações, empresariado local ou suas representações, representantes dos poderes Executivo e Legislativo municipal. Nesses termos, a análise dos PDM selecionados, descrita no sexto capitulo, foi empreendida tomando como princípio a sua separação em três dimensões analíticas principais. São elas: (i ) o processo de elaboração dos planos sob a perspectiva da participação popular; (ii) o conteúdo efetivamente contemplado nas leis instituidoras dos planos; e (iii) a opinião de pessoas que fizeram parte, diretamente, do processo de elaboração. A análise das duas primeiras dimensões está pautada, sobretudo, na literatura especializada e nos marcos legais que regulam a elaboração dos PDM conforme a pesquisa apontou. Já a terceira dimensão está lastreada nas observações e entrevistas realizadas nas visitas aos municípios. 30 2 A REGULAÇÃO ESTATAL, DESENVOLVIMENTO O TERRITÓRIO E A QUESTÃO DO No período atual é latente a marcha das grandes organizações econômicas e financeiras em direção a todos os aspectos direta ou indiretamente atinentes ao cotidiano dos indivíduos. Tal fenômeno ocorre de diversas formas: abertura e fechamento de plantas industriais e/ou escritórios em diversas cidades mundo a fora; pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e serviços (saúde, finanças, entretenimento etc.); grandes campanhas publicitárias para estimular as vendas de mercadorias; execução de obras públicas relativas à dotação de infra-estrutura urbana ou de equipamentos comunitários, entre outras formas. Ainda que a corrente de pensamento neoliberal exalte a capacidade do mercado em coordenar o sistema capitalista, da mesma forma que intenta diminuir a importância do Estado para esta atividade, está suficientemente claro que as firmas, especialmente as grandes corporações transnacionais, acabam por reorganizar o território na medida em que promovem ações que somente visam ao atendimento dos seus próprios interesses. Também por isso, o Estado está cada vez mais sendo requerido a exercer a função de agente protagonista da regulação. E não somente da regulação econômica ou social, mas da regulação das ações que os agentes podem implementar no espaço, o qual torna-se território. Não se pode tratar da regulação do território pelo Estado sem antes discutir an pasan a origem, a problemática geral e o conceito do termo regulação, visto que a abordagem regulacionista se desenvolveu no seio do pensamento econômico. Segundo Benko (1999, p. 87), a abordagem sobre a regulação tem origem na França a partir da segunda metade dos anos 1970 quando a crise internacional provocada pela alta do preço do petróleo, e as conseqüentes dificuldades econômicas, fazem emergir uma “[...] corrente de pensamento de inspiração múltipla [...]” – quer seja da teoria marxista, da macroeconomia, da Escola de Anais ou do Direito e da Ciência Política. Mais especificamente, ainda segundo este autor, a abordagem da regulação se fundamenta e ganha impulso, àquela época, a partir de duas críticas principais. A primeira direcionada aos economistas neoclássicos para quem o crescimento econômico estava intimamente associado a um conjunto de fatores exógenos às 31 economias nacionais sem considerar, contudo, os fatores endógenos que diferenciavam as trajetórias e as taxas de crescimento de cada economia em particular. Já a segunda crítica partia do desacordo com a visão dos marxistas ortodoxos, em plena expansão desde os anos 1960, cuja abordagem centrava-se na crítica às teorias econômicas convencionais, no capitalismo monopolista de Estado, na inelutabilidade das crises capitalistas e na tendência da queda da taxa de lucros como vetor de aprofundamento destas crises. Mas o conceito de regulação não é originário nem da economia nem das ciências humanas como um todo. Tanto Benko (1999) como Nascimento (1993) citam De Bernis (1977) como o introdutor do termo regulação nas ciências sociais importando-o das ciências biológicas. De acordo com o pensamento original deste autor as instituições, especialmente o Estado, e as normas sociais organizam as forças divergentes ou mesmo antagônicas presentes em toda sociedade capitalista de modo a garantir o crescimento econômico e a coesão social, ou seja, garantir a própria reprodução da sociedade como tal. Para Nascimento (1993), que analisou a conjuntura da crise econômica dos anos 1970 e o pensamento econômico nesta época, a teoria da regulação representa o conjunto articulado de conceitos que objetiva explicar tanto o crescimento capitalista quanto suas crises cíclicas. E a problemática geral de que trata essa teoria é a variabilidade no tempo e no espaço das dinâmicas econômicas e sociais. Com base em autores como De Bernis (s/d), Boyer (1986), Aglieta (1982) e Lipietz (1988), Nascimento (1993) destaca que o objetivo do conceito de regulação é: [...] o de chamar a atenção para as formas que a sociedade cria para superar a natureza intrinsecamente contraditória de suas relações sociais, ou seja, o modo, os mecanismos, os instrumentos, as instituições enfim, capazes de assegurar a sua continuidade (NASCIMENTO, 1993, p. 125). Já Benko (1999, p. 91) formula uma questão chave para se entender como surge e qual a finalidade da chamada teoria da regulação: “Como as estruturas [econômicas e sociais], malgrado seu caráter contraditório, se reproduzem ao longo de tentativas, interesses, ações apriorísticas divergentes dos agentes econômicos?”. A resposta para ele está na “[...] análise dos hábitos e das formas institucionais que 32 induzem ou constrangem os agentes a comportarem-se de maneira não-antagônica à reprodução da estrutura” (BENKO, 1999, p. 91). Neste sentido, Nascimento (1993, p. 130) afirma que “A lei, a regra e o regulamento têm por vocação impor, através da coerção direta ou simbólica, um certo tipo de comportamento econômico aos grupos e indivíduos concernidos”. Daí que por esta linha de argumentação fica clara a assertiva de Bobbio (2007, p. 127) quando destaca o papel do Estado como “[...] força organizada de convivência civil”. Se, essencialmente, o conceito de regulação pode ser colocado em termos de “[...] série de mecanismos que contribuem para a reprodução do conjunto [...]” (NASCIMENTO, 1993, p. 128), ou seja, para a reprodução da sociedade capitalista como um todo, por modo de regulação entende-se o conjunto de procedimentos e de comportamentos individuais e coletivos que possui a capacidade de: (i) reproduzir as relações sociais fundamentais através de formas institucionais determinadas; (ii) sustentar e dirigir o regime de acumulação em vigor, ou seja, de como se dá o processo de crescimento econômico sob cada fase do modo de produção capitalista; e (iii) assegurar a compatibilidade dinâmica de um conjunto de decisões descentralizadas (NASCIMENTO, 1993). Não obstante alguns autores terem relacionado, com sucesso, a teoria da regulação com o espaço, esta produção acadêmica derivou para uma abordagem essencialmente econômica. Prova disto é discussão/confrontação entre regime de acumulação fordista e pós-fordista e a análise dos seus desdobramentos espaciais a partir das pesquisas envolvendo os distritos industriais, os tecnopólos, as metrópoles e megalópoles, a inovação e o debate entre local e global (BENKO,1999). O Quadro 1 traz as principais características e diferenças entre estes dois tipos de regimes de acumulação. Quadro 1 – Principais características dos regimes de acumulação fordista e pós-fordista (continua) FORDISMO Crescimento econômico extensivo aumento do consumo de massas. NOVO PARADIGMA com Economia de escala (padronização produção em grandes quantidades). e Crescimento econômico diversificação do consumo. seletivo com Flexibilidade da produção e ganhos na qualidade e diversidade de produtos (economia de escopo). 33 (conclusão) FORDISMO NOVO PARADIGMA Competitividade baseada em abundância de recursos naturais, baixo custo da mão de obra, e limitado controle ambiental (impactos externalizados) ambientais. Competitividade baseada em tecnologia, conhecimento, informação e recursos humanos qualificados e no controle e qualidade ambiental. Estado de Bem Estar e interventor com gerência burocrática e crescente participação no PIB e no investimento social. Novas institucionalidades, reorientação do papel do Estado para a regulação e administração por resultados (Terceiro Setor). Aumento da produtividade, dos salários (participação na renda nacional) e do emprego. Aumento da produtividade e da qualidade com mudança das relações de trabalho e redução do emprego formal e do trabalho no valor do produto. Dinamização da base industrial e do consumo de bens industrializados de massa. Crescimento de novos segmentos e setores, especialmente terciário, serviços públicos e Quaternário (serviços ambientais). Fonte: BUARQUE, 2002, p. 18 Com base nas leituras de Nascimento (1993), Santos (2006), Castro (1997;2003), Benko (1999) e Antas Junior (2006) entende-se uma abordagem regulacionista do território como sendo a análise de como normas e regulamentos, enfim, como leis editadas pelo Estado da mesma forma que na esfera econômica e social, conseguem mediar ou controlar as formas de ocupação e os usos que diversos agentes podem fazer ou se valer do território de acordo com interesses e objetivos quase sempre conflitantes, para que, assim, não se perca internamente a coesão social subjacente à manutenção da ordem e da reprodução da sociedade como um todo. Não por acaso Castro (2005b) chamar atenção para a dimensão política do espaço, ao escrever: O espaço geográfico é intrinsecamente político, ou seja, ele é a arena de conflitos e, consequentemente, de normas para a regulação que permite o seu controle. [...] Todo o processo de elaboração intelectual e das funções práticas das instituições políticas teve como objetivo o controle dos conflitos para que os projetos sociais, individuais e coletivos pudessem ser alcançados (CASTRO, 2005, p. 139). Vale destacar que quanto menor é a área de abrangência onde se dá esta regulação - especialmente em termos de rua, bairro, município - mais presente e significativa ela se torna para o dia-a-dia das pessoas, haja vista que diz respeito a 34 questões tais como: concessão de licenças e alvarás para construir/reformar casas e prédios ou abrir/ampliar estabelecimentos comerciais ou de serviços; planejamento e gestão da mobilidade no espaço; dotação/conservação de infra-estrutura urbana (água, esgoto, coleta de lixo, iluminação pública, praças e jardins, pavimentação etc.); investimentos em serviços de educação básica e saúde; entre outras questões. Nesta perspectiva, Castro (2005a) contribui para esclarecer e delimitar a questão municipal brasileira ao dizer que: Os municípios brasileiros são recortes territoriais que definem unidades políticas de gestão local. Eles possuem atribuições específicas de governo, de legislação, de regulação do uso do solo urbano, cobrança de impostos e de prestação de diferentes tipos de serviços à população residente como saúde, educação fundamental e assistência social etc. Neles se materializa a institucionalidade da política mais próxima do cidadão, onde podem se desenvolver os fundamentos para o fortalecimento da democracia representativa e participativa ou, ao contrário, podem ser gestados os elementos de rupturas no processo de construção de uma ordem democrática. Mas, eles são também continentes dos interesses e das relações das sociedades locais (CASTRO, 2005a, p. 36). E devido à importância dos equipamentos/serviços urbanos e das ações dos Governos municipais para reprodução social na escala local, recorre-se ao pensamento miltoniano quando este lança uma outra proposta teórica sobre o espaço qual seja “[...] considerar o espaço geográfico como a soma indissolúvel de sistemas de objetos e sistemas de ações” (SANTOS, 2006, p. 77). Nesta análise Santos (2006) corrobora com a questão da proeminência da norma, assim como na economia, como instrumento para a construção de uma ordem na qual tanto as ações – individuais, coletivas, das empresas e das instituições - possam ser direcionadas como também os objetos (técnicos) possam ser organizados espacialmente. É esta questão e uma outra de caráter mais geral na qual está inserida – a discussão sobre a ação do Estado nacional brasileiro contemporaneamente – que serão os temas desdobrados na seção seguinte. 35 2.1 O ESTADO E SUA ATUAÇÃO CONTEMPORÂNEA NA REGULAÇÃO TERRITORIAL: O PLANO DIRETOR MUNICIPAL ENQUANTO NORMATIZAÇÃO DO TERRITÓRIO Na direção antes apontada por Santos (2006) é chamada atenção para o fato de que, no período atual, as normas produzidas pelas empresas são “[...] uma das locomotivas do seu desenvolvimento e da sua rentabilidade [...]” (SANTOS, 2006, p. 230) e que, pela força da globalização da economia, estas normas vêm se espraiando para fora do âmbito empresarial. Antas Junior (2006, p. 45 e 60) chega mesmo a colocar tal fenômeno em termos de “crise de regulação do Estado” ao entender as “[...] corporações transnacionais e as organizações sociais bem estruturadas” como criadoras de “[...] novas juridicidades que influem na vida de todos que vivem num mesmo território”. De forma contundente Antas Junior (2006) destaca: A regulação social e territorial, quer-nos parecer, é efetivamente exercida pelas instâncias que detêm poder de fato e não apenas um poder declarado. Advém daí a proposta de um entendimento de que a regulação do território nacional atravessa hoje uma transição para uma evidente divisão entre poderes: 1. o poder monolítico e extensivo da hegemonia soberana; 2. o poder fragmentado, especializado por setores econômicos (não necessariamente produtivos), formado por redes técnicas e organizacionais – a hegemonia corporativa; e 3. a constituição de novas formas de poder fundadas no multiculturalismo ( ANTAS JUNIOR, 2006, p. 61). Ou seja, de forma similar a várias passagens da obra de Santos (2006), Antas Junior (2006) defende a tese de que, no período atual, a produção de normas para a regulação social e territorial não é mais exclusividade do Estado, mas sim uma tarefa realizada juntamente com os agentes hegemônicos pertencentes ao mundo empresarial, não obstante o aparato normativo/coercitivo ainda seja controlado pelo Estado. E tal fato se deve, continua o autor, haja vista o poder que tais agentes teriam alcançado com a globalização da economia. Nesses termos, pode-se dizer que o debate entre o modus operandi do Estado nacional e sua forte, moderada ou fraca regulação sobre a dinâmica econômico-financeira e social (especialmente em relação às questões trabalhistas) passou a ser discutido entre os mais diversos autores de diferentes linhas de pensamento acadêmico e/ou ideológico – grandes empresários, executivos de 36 grandes empresas, instituições financeiras internacionais e organizações políticas supranacionais, economistas, juristas, cientistas políticos, gestores públicos, parlamentares, somente para ficar entre os principais interlocutores. De fato, observa-se no período atual que as grandes organizações demonstram capacidade de participar da regulação da vida econômica e social e agir como agente modificador do território. Todavia, acredita-se que para ser melhor compreendida a questão que coloca a criação de novas juridicidades pelas empresas em detrimento do exercício da regulação estatal deve ser considerada em pelo menos três aspectos: o que se entende por sociedade civil; o que se entende pela denominada crise do Estado; e o que se entende por poder. Assim, tendo-se em mente as limitações deste trabalho, chama-se a atenção para a discussão que Bresser-Pereira (1995) realiza em torno do conceito de sociedade civil como o primeiro aspecto indispensável à desmistificação da questão colocada anteriormente quando este procura salientar o papel preponderante do Estado independentemente da análise neoliberal ou marxista do modo de produção capitalista. O capitalismo é convencionalmente entendido como o sistema econômico no qual empresas privadas são coordenadas pelo mercado. Nesta definição o Estado é um corpo estranho. O capitalismo seria apenas a soma das empresas capitalistas coordenadas pelo mercado. Esta perspectiva esta presente no pensamento liberal radical contemporâneo —, para o qual o papel do Estado é exclusivamente o de garantir os direitos de propriedade. Marx certamente não pensava nesses termos, mas a definição marxista mais geral do sistema capitalista - o modo de produção no qual os proprietários privados dos meios de produção constituem a classe dominante e o excedente é apropriado pela burguesia no mercado através da troca de valores equivalentes — pode também conduzir à idéia de que o Estado não é essencial ao capitalismo. Na verdade, mesmo se pensarmos em termos de um capitalismo puro, de um modo de produção onde apenas as características essenciais do capitalismo estivessem presentes, o papel do Estado será fundamental. Em qualquer circunstância, inclusive na sua forma liberal, o capitalismo é um sistema econômico complexo constituído por empresas capitalistas coordenadas pelo mercado e reguladas pelo Estado. [...] Não há capitalismo, nem mercado capitalista, sem um Estado que o regulamente e coordene, não apenas criando as condições gerais para a produção capitalista, através da instituição do sistema legal com poder de coerção e de uma moeda nacional, mas também através de uma série de ações na área econômica, social e do meio ambiente (BRESSER-PEREIRA, 1995, p. 85, grifo nosso). 37 Para este autor os conceitos de sociedade civil e de povo não se confundem. Enquanto que por povo se entende o conjunto de cidadãos, teoricamente iguais perante a lei que, vivendo num determinado território, estão sujeitos a obedecer às leis e determinações do Estado que organiza o funcionamento deste território; por sociedade civil entende-se “[...] o povo organizado e ponderado de acordo com os diferentes pesos políticos de que dispõem os grupos sociais em que os cidadãos estão inseridos” (BRESSER-PEREIRA, 1995, p. 91). Em outras palavras, sociedade civil é o povo organizado, formal ou informalmente, como classes sociais, frações de classes, grupos de interesses, associações etc. que, desta forma, consegue colocar suas demandas ao Estado bem mais acentuadamente que o povo em si. Por este ângulo analítico as grandes corporações – em termos de classe capitalista dominante – pretendem impor ao Estado uma forma de agir que as favoreçam em detrimento dos demais grupos sociais. No entanto, desde que a estrutura do Estado cresceu de modo a garantir a execução das “[...] novas funções de regulação e promoção do bem-estar social[...]” (BRESSER-PEREIRA, 1995, p. 98), marcadamente após a crise de 1929, tal tentativa de imposição de um controle absoluto é rechaçada por vários grupos sociais, mas o autor chama a atenção para o crescimento e amadurecimento de um grupo social, cada vez mais influente, denominado por ele de tecnoburocracia. Este grupo social mesmo sofrendo a pressão de agentes sociais do mundo empresarial, via de regra, age em prol dos seus próprios interesses. Diante disso e por isso conclui o autor: O Estado é relativamente autônomo não porque a esfera política é relativamente independente da esfera econômica, mas porque a tecnoburocracia é uma classe situada dentro do aparelho do Estado, que não apenas influencia, de fora para dentro, o Estado, da mesma forma que a burguesia e a classe trabalhadora o fazem como membros que são as três classes da sociedade civil, mas que também exerce uma influência interna, no seio do próprio aparelho estatal (BRESSER-PEREIRA, 1995, p. 99). Em relação ao segundo aspecto, há nos dizeres de Bobbio (2007) duas interpretações para a expressão “crise do Estado” que, de um lado, deriva de uma abordagem que acredita no Estado enquanto instância social e, por outro lado, de uma abordagem que acredita mais no poder das corporações empresariais sobre o Estado ou, como diz Bresser-Pereira (1995), o Estado como instrumento para a 38 realização dos objetivos das empresas. Desta maneira, assim escreve Bobbio (2007): Por crise do Estado entende-se, da parte de escritores conservadores, crise do Estado democrático, que não consegue mais fazer frente às demandas provenientes da sociedade e por ele mesmo provocada; da parte de escritores socialistas ou marxistas, crise do Estado capitalista, que não consegue mais dominar o poder dos grandes grupos de interesse em concorrência entre si. Crise do Estado quer portanto dizer, de uma parte e de outra, crise de um determinado tipo de Estado, não fim do Estado (BOBBIO, 2007, p. 126). Por esse caminho a discussão sobre a crise do Estado está inscrita na problemática travada desde a constatação de que o modelo de Estado do Bem-estar social já não respondia eficazmente às demandas da nova forma de acumulação de capital desencadeada pela transição do regime de acumulação fordista (forte até os anos de 1970) para o regime de acumulação baseado no paradigma da “especialização flexível” (PIORE; SABEL, 1984 apud BENKO,1999), e por isso mesmo denominado de regime de acumulação flexível. A observação de tal fenômeno faz remeter a uma assertiva de Ratzel proferida ainda no século XIX: “A sociedade é o intermediário através do qual o Estado se une ao território. Daí que as relações da sociedade com o território afetam a natureza do Estado, seja qual seja a fase de desenvolvimento que se considere” (RATZEL, 1982, p. 200). Jessop (1998), analisando a questão do Estado nacional no contexto da globalização da economia, cita diversas mudanças, tendências e contra-tendências que fazem pensar sobre a natureza da crise do (de um tipo de) Estado – (i) desnacionalização do Estado frente a instâncias decisórias supra e sub-nacionais; (ii) desestatização do sistema político em detrimento de organizações para e nãogovernamentais; e (iii) a internacionalização dos modos de formulação de políticas públicas. Contudo, ele afirma veementemente que: [...] as várias mudanças, tendências e contra-tendências que levei em conta anteriormente não conduzem a uma mudança fundamental do Estado nacional enquanto tal. Ao invés disso, elas parecem implicar a transformação do Estado keynesiano de bem-estar nacional, que era um aspecto crucial das formações sociais européias dos pós-guerra analisadas por Poulantzas. Isto não exclui a transformação da forma e das funções estatais que mantêm a “nação” como a matriz da organização política e salvaguardam a 39 continuidade e a centralidade do papel político do Estado nacional (JESSOP, 1998, p. 39). Por fim, dentro dos propósitos desta pesquisa, aborda-se a questão do que se entende por poder, como um dos aspectos sugeridos para a análise da crise de regulação estatal frente à ação das grandes organizações. A partir de uma interpretação relacional, Bobbio (2007, p. 78) sintetiza “poder” como “uma relação entre dois sujeitos, dos quais o primeiro obtém do segundo um comportamento que, em caso contrário, não ocorreria”. Mas, nesse sentido, o próprio autor chama atenção para o fato de que coexistem diversas formas de poder, o que por si só já faz pensar sobre a necessária diferenciação do poder que o Estado detém e faz uso e do tipo de poder que as empresas praticam. Necessário, portanto, observar no Quadro 2 a consideração contemporânea que Bobbio (2007) realiza entre as três formas clássicas de poder cujos elementos de análise são: a posse de riqueza, do saber ou da força. Por esta categorização fica claro que uma grande empresa, ou um conglomerado delas, vem a exercer um poder econômico, e um conseqüente poder ideológico, que varia de acordo com a magnitude da sua presença no mercado e da sua distribuição espacial no mundo. Quadro 2 – Formas clássicas de Poder Formas de Poder Significado Poder Econômico É aquele que se vale da posse de certos bens, necessários ou percebidos como tais, numa situação de escassez, para induzir os que não o possuem a adotar uma certa conduta, consistente principalmente na execução de um trabalho útil. Em qualquer sociedade onde existem proprietários e não proprietários dos meios de produção, o poder do proprietário deriva da possibilidade que a disposição exclusiva de um bem lhe dá de obter que o não proprietário trabalhe para ele e nas condições por ele estabelecidas. Poder Ideológico É aquele que se vale da posse de certas formas de saber, doutrinas, conhecimentos, às vezes apenas informações, ou de códigos de conduta, para exercer uma influência sobre o comportamento alheio e induzir os membros do grupo a realizar ou não realizar uma ação. Este é poder dos sacerdotes, dos literatos, dos cientistas, dos técnicos, dos intelectuais Poder Político É aquele que está em condições de recorrer em última instância - extrema ratio - ao uso da força para obter os efeitos desejados porque dela detém a exclusividade do monopólio. Nesses termos a força física, seja por meio da guerra ou da coação sobre indivíduos, é o instrumento decisivo para impor uma vontade, impedir a insubordinação e para domar toda forma de desobediência. Fonte: BOBBIO, 2007, p. 82-85 40 De outra parte, continua Bobbio (2007), somente cabe ao Estado o exercício do verdadeiro poder, o poder político, o summa potestas. Verdadeiro poder não porque o Estado possa se valer do uso do monopólio da força, seja física de fato ou apenas coativa, sobre um determinado grupo de indivíduos como meio para alcançar seus objetivos. O que, segundo Castro (2005), não seria governar e sim dominar conforme a concepção weberiana de poder. Verdadeiro porque, segundo Bobbio (2007) e Bresser-Pereira (1995), este poder político é socialmente legitimado tendo em vista que os comandos – expressados nos regimes democráticos de governo na forma de normas jurídicas impositivas – são aceitos por um grupo de indivíduos, ora de forma mais passiva ora com maior resistência, em função dos princípios morais então em voga numa dada sociedade. Isto significa dizer que um grupo social com base no seu sistema de valores acredita, e daí aceita – o que afasta o uso de estratégias de coação e do uso da violência em si – que aquilo que está sendo ordenado por quem detém o poder político seja efetivamente o melhor para a coesão e reprodução do próprio grupo. Na verdade, tal questão tem haver com o que se denomina de problema de obrigação política. Bobbio (2007) define esta questão da seguinte forma: O problema de obrigação política pode ser posto como a análise das razões pelas quais se obedece aos comandos de quem detém um certo tipo de poder ou como determinação dos casos em que se deve obedecer e dos casos em que é lícita a desobediência ou a obediência passiva (BOBBIO, 2007, p. 87). Além do mais, como nenhuma outra instituição fora da estrutura do próprio Estado pode oferecer sanções a ele, elemento este essencial na definição de poder expressa em Bobbio (2007), não se pode afirmar que o Estado esteja abrindo mão da regulação social e do território em favor de organizações empresariais ou mesmo de organizações não-governamentais. No caso brasileiro, acredita-se que a percepção deste fenômeno esteja mais articulada ao processo de descentralização administrativa encapado desde a CF/1988, passando pelo reforma do Estado dos anos 1990, que com uma crise de regulação do Estado propriamente dita. Atribuir ao poder econômico das empresas um papel hegemônico para a regulação econômica e social, em geral, e para a regulação do território, em particular, somente seria cabível se a análise fosse deslocada do “primado da política” para o “primado do econômico”, ou seja, colocar o fato econômico como 41 determinante de toda organização societal como quer o pensamento marxista clássico (JESSOP, 1998). Nesse sentido prefere-se concordar com Castro (2005) quando destaca a importância da política na ciência geográfica. A necessidade de reencantar a política na geografia, submersa na crença difusa de que os conflitos de interesses nas sociedades e no território se resolvem na solução dos conflitos produtivos, ou seja, daqueles conflitos que emergem das forças que se organizam, comandadas pela lógica da produção e da acumulação (CASTRO, 2005, p. 11). Daí que, mesmo sem se configurar como objetivo central desta pesquisa, é inegável reconhecer a importância da discussão entre a preponderância do poder do Estado ou do poder econômico das empresas, pois dela emergem como problema para a definição do papel (funções) e o tamanho (estrutura administrativa) do Estado brasileiro contemporâneo que desemboca, logicamente, nas formas de ação e no aparato institucional utilizado para promover a regulação do território da escala nacional até a local. Ação esta que faz o uso do poder político para solucionar os diversos tipos de conflitos e tensões que emergem entre os diversos agentes presentes no território, especialmente na cidade. 2.1.1 Plano Diretor Municipal: instrumento para a normatização do território Conforme aventado, o Estado é a única organização social com autoridade legitimada para exercer junto aos indivíduos e à coletividade a regulação do território na medida em que só ele pode fazer uso do poder político para tal tarefa. No entanto, é preciso esclarecer, em alguma medida, modus operandi dessa regulação, especialmente para a escala local. Nesse sentido, destacam-se inicialmente as contribuições da Castro (2003; 2005) e Fonseca; Vieira (2008) quando chamam atenção para a questão do conteúdo institucional do território. O interesse renovado pelas instituições nas ciências sociais, embora o tema tenha sido importante na economia e na ciência política, decorre do fato de as instituições políticas, econômicas e sociais terem crescido e se tornado mais complexas e com maior disponibilidade de recursos, afetando mais profundamente a vida coletiva e o espaço (CASTRO, 2005a, p. 39). 42 Segundo Castro (2003, p. 46) “Os significados atribuídos ao termo instituição derivam do seu conteúdo original de instituir, que, além de fundar e criar, é também disciplinar, educar, formar.”, sendo assim, as instituições são responsáveis em “[...] designar as regras do jogo numa sociedade”. Estas regras podem ser traduzidas em termos de normas e procedimentos organizacionais que agem sobre as relações sociais estabelecidas direta ou indiretamente entre os mais distintos agentes. Sendo o Estado uma instituição, isto significa dizer que a regulação do território pelo Estado em prol da coesão e reprodução social deve ser operada segundo o estabelecimento, politicamente, de um conjunto de normas que, em síntese, possuem a finalidade de controlar e dirimir os conflitos de interesses que emergem do território. E quando se tem em mente que desde a CF/1988 o PDM é uma norma jurídica instituída pela ação de um Governo municipal concorda-se com Fonseca; Vieira (2008, p. 353) quando estes autores incluem, na perspectiva da regulação do território, as noções de recursos e ações institucionais, ao escreverem: Os recursos institucionais referem-se às regras ou normas de regulação e envolvem, na escala municipal, a Lei Orgânica Municipal, o Plano Diretor, Lei de Uso e Ocupação do Solo, de preservação do meio ambiente; o arranjo institucional do governo, o nível de descentralização das políticas locais. Os recursos técnicos, por sua vez, têm passado por modificações qualitativas, uma vez que hoje, somados aos aspectos de infra-estrutura de transportes, energia e comunicações, acrescentam-se também a capacidade informacional e a geração e difusão de tecnologias capazes de transformar o local em um meio inovador ou técnico-científico e informacional, como destaca Santos e Silveira (2001) (FONSECA; VIEIRA, 2008, p. 353, grifos nosso). Portanto, as ações, no contexto das estratégias institucionais, correspondem aos variados procedimentos políticos, administrativos e regulatórios utilizados pelos governos locais, em decorrência dos entrechoques e consensos envolvendo os mais variados agentes, objetivando potencializar e viabilizar o uso do seu território (FONSECA; VIEIRA, 2008, p. 354). Diante do exposto, compreende-se como para a operacionalização da regulação estatal os recursos técnicos e institucionais do território, assim como as ações (institucionais) de um Governo municipal assumem grande relevância. Feito este preâmbulo, o pensamento miltoniano acerca dos sistemas de objetos e sistemas de ações, citado anteriormente, pode ser desenvolvido e correlacionado à questão da elaboração de um PDM que, agora, pode ser definida 43 em termos da análise de como e sob quais condições se dá a instituição desta norma jurídica a partir da ação do Estado brasileiro na escala municipal significando, assim, um recurso institucional do território. Santos (2006) argumenta longamente sobre o entendimento do que seja objeto e ação para, assim, construir teoricamente sua conceituação de sistemas de objetos e sistemas de ações. Neste caminho destaca, enfaticamente, como estes dois sistemas sempre devem ser analisados de forma integrada e dialética, caso contrário a análise fica invalidada. Segundo este autor, por sistemas de objetos entende-se o conjunto, e não a coleção, de objetos técnicos, ou seja, objetos que não existindo nos sistemas naturais são criados pela intencionalidade do intelecto humano e, por isso mesmo, são portadores de uma forma geográfica, uma forma-conteúdo, que decorre, em última instância, da função (finalidade prática) a que se destina tal objeto técnico. E se diz conjunto e não coleção porque, no período atual, ao mesmo tempo que um objeto técnico corresponde e gera informação ele mesmo requer informação de outros objetos técnicos para realizar-se. Por isso a noção de sistemas, por isso o funcionamento em sistema. Por sistemas de ações entende-se o conjunto de atos intencionais de ordem técnica, formal (jurídica) ou simbólica dos agentes sociais – indivíduo(s), empresas, Estado – demandados por necessidades materiais, imateriais, econômicas, sociais, culturais, morais, afetivas que, no entanto, para operarem em forma de sistema estão subordinados às normas jurídicas (códigos, leis, decretos) ou não-jurídicas (moral, costumes, religião). Diante da ênfase que, via de regra, os geógrafos costumam atribuir aos objetos técnicos em seus estudos Santos (2006) ensina que os objetos não agem autonomamente, muito embora atualmente possam ser concebidos de maneira a desempenharem ações específicas. Mas ao contrário, continua o autor, “[...] são as ações que definem os objetos, dando-lhes um sentido” (SANTOS, 2006, p. 86). Diante do exposto fica clara a pertinência e a indissociabilidade entre essas duas categorias analíticas para o estudo do espaço sob o enfoque geográfico segundo esta proposta teórica de Santos (2006). Caso os objetos técnicos sejam tomados de per si ou operando em sistemas, apenas sendo consideradas sua complexidade funcional e estrutural ou, ainda, a configuração territorial decorrente dos seus sucessivos acréscimos no espaço, especialmente no espaço urbano, 44 perde-se a dimensão dos processos sociais que explicariam o porquê do conteúdo, da criação, da substituição por objetos mais atuais ou da obsolescência de um determinado objeto, ou seja, dos processos sociais que animam o próprio espaço. Por outro lado, caso somente as ações, mesmo que tomadas em sistemas, sejam enfatizadas em detrimento aos objetos perder-se-ia a dimensão de como estas ações se geografizam. Se as ações definem e dão sentido aos objetos estes ao serem fixados ao espaço passam a demandar outras ações de cunho tanto sistêmico, sem a qual poderia não se realizar, quanto normativo a fim de que o espaço possa ser ordenado e organizado em prol da ordem social. Nesta exposição da relação entre sistemas de objetos e sistemas de ações o papel da técnica aparece de forma latente visto que é por meio dela que os elementos do espaço (SANTOS, 1997): os homens, as firmas, as instituições, o meio ecológico e as infra-estruturas interagem. Mas, atualmente, não é só a técnica ou os recursos técnicos do território que merecem atenção. A conseqüente interação cotidiana, sistêmica e cada vez mais complexa entre objetos técnicos e as ações humanas no espaço, no bojo de novas conjunturas econômica e política, demanda mais ações de natureza institucional. Trazendo esta problemática para o enfoque municipal, Fonseca; Vieira (2008) assim a contextualizam: As inovações institucionais de 1988, que permitiram maior fortalecimento e visibilidade aos municípios brasileiros no contexto nacional, tiveram como pano de fundo principal a junção entre a ascensão de um novo regime de produção capitalista, denominado por Storper (1990) de tecnológico-institucional e flexível e a reforma do Estado, que foi fruto da mobilização da sociedade brasileira pela democratização. Com isso, o município brasileiro passou a concentrar um poder de decisão e ação jamais observado desde o fim do período colonial, devido a sua maior autonomia política, administrativa e financeira. Também se fortaleceu como agente político e institucional e adquiriu maior visibilidade enquanto escala territorial de gestão local, em função da institucionalização de políticas voltadas ao fortalecimento sócio-econômico e ambiental que passaram a ocorrer em muitas localidades (FONSECA; VIEIRA, 2008, p. 352). Assim, retomando-se a questão da intuição de normas para a regulação do território, Antas Junior (2006) chama atenção, fundamentado no pensamento miltoniano, para essa discussão na qual interessa esclarecer quem a produz, a sua densidade e o que ela representa para a geografia no período atual. Assim escreve o autor: 45 A norma, para a geografia, pode ser vista como o resultado da tensão e/ou da harmonia entre objetos e ações que constituem o espaço geográfico; dito de outro modo, como decorrência da indissociabilidade entre configuração territorial e uso do território, determinantes entre diferentes tipos de normas (ANTAS JUNIOR, 2006, p. 61). Na mesma linha apontada por Nascimento (1993) e Castro (2003), para Antas Junior (2006) destaca que a norma é criada por instituições como a Igreja Católica e o Estado e tem por função elementar regular as ações de indivíduo(s), empresas e outras instituições de modo a promover a coesão e a estabilidade social no espaço geográfico. Existem normas de diferentes naturezas, mas como o foco da pesquisa são os PDM, uma lei municipal, destaca-se em especial as normas jurídicas que são as que “[...] regulam a produção dos sistemas e objetos técnicos e as ações que incidem sob tais objetos [...]” (ANTAS JUNIOR, 2006, p. 65). Segundo este autor, as normas jurídicas possuem uma densidade que varia de acordo com a quantidade de objetos e sistemas técnicos instalados no espaço. Quanto mais o meio é tecnificado maior é a interação envolvendo os elementos do espaço, os objetos e as ações dos agentes sociais e, não por acaso, maior será a demanda por um aparato normativo. É o que Antas Junior (2006) considera como densidade normativa. Noção esta que tem está correlacionada à noção de densidade institucional defendida por Castro (2003), com base em Amin; Thrift (1993), e que também tem haver com a distribuição espacial e qualitativamente desigual de instituições no território. O Estado, então, é a instituição que em seus três níveis de governo edita e institui normas jurídicas para a regulação. Bresser-Pereira (1995), apoiado na teoria do Estado, destaca este conjunto de normas como o ordenamento jurídico que constitui um dos quatro elementos constitutivos do Estado (Quadro 3). Mas, o ordenamento jurídico, podendo também ser considerado como recursos institucionais, criado pelo Executivo e Legislativo municipal para regulação territorial não são monolíticos. Sua incidência varia conforme a origem e motivação das ações institucionais; o setor sobre qual incide (infra-estrutura, usos do solo, atividades econômicas, serviços urbanos etc.); a natureza das relações sociais no espaço (urbano ou rural, mais ou menos tecnificado); e, sobretudo, os agentes sociais ou grupos de interesse que mais conseguem se apropriar deste tipo de recurso ou influenciar sua criação. Ou seja, apesar de que num Estado federativo e 46 democrático a administração municipal seja conduzida autonomamente pelo Poder Público local, tal administração pode ser influenciada tanto pelos interesses de agentes econômicos como pelos interesses de outros setores da sociedade civil organizada. Quadro 3 – Elementos constitutivos do Estado Elementos do Estado Significado Governo O elemento “governo” é formado por membros da elite política, que tendem a ser recrutados junto à classe dominante, e tem por função dirigir o Estado em nome da sociedade. Burocracia Burocracia ou tecnoburocracia pública significa dizer um corpo de funcionários hierarquicamente organizados, que se ocupa da administração cotidiana das coisas do Estado. Força Pública Uma força policial e militar, que se destina não apenas a defender o país contra o inimigo externo, mas também a assegurar a obediência das leis e assim manter a ordem interna. Esta organização política detém o monopólio da violência institucionalizada no sentido weberiano, ou seja, tem o poder de estabelecer um sistema legal e tributário, e de instituir uma moeda nacional. Este elemento somado aos elementos governo e burocracia, comporiam o que Althusser denominou aparelho repressivo do Estado. Ordenamento Jurídico É o conjunto de leis que, extravasando o aparelho do Estado, regula toda a sociedade. Este ordenamento também faz parte do Althusser denominou aparelho ideológico do Estado na medida em que direciona e cobra um determinado comportamento dos cidadãos, sem o uso da violência propriamente dita, fazendo-os crer na necessidade deste comportamento para o bem estar de todos e para manutenção de uma ordem. Fonte: BRESSER-PEREIRA, 1995 Mas o problema da instituição de normas pelo Estado não deve ficar restrito somente ao campo jurídico, afirma-se que elas possuem uma forte relação com a forma geográfica e vice-versa, pois em última análise, é a norma jurídica também uma forma geográfica visto que ela se geografiza. Para melhor compreender esta assertiva de Santos (2006) recuperam-se duas noções por ele trabalhadas: o território normado e o território como norma. No que tange à normatização pelas ações, Milton Santos fala em território normado; no que concerne à configuração territorial produtora de normas, em território como norma. No território normado, o elemento repressivo sobrepõe-se aos demais; no território como norma, o elemento comunicacional fornece o referencial diretor. E ambos os casos, que de fato compõem um par dialético, o elemento sistêmico está presente, primeiro organizacionalmente, depois organicamente (ANTAS JUNIOR, 2006, p. 53). 47 Em Antas Junior (2006) estas duas noções miltonianas são desenvolvidas da seguinte forma. Tanto o território pode ser alvo de normatizações – delimitação de fronteiras, de limites estaduais e municipais, dos perímetros urbanos, da propriedade privada – ou seja, a norma jurídica se transforma em forma geográfica; quanto pode o território demandar por normas jurídicas para a dotação e funcionamento de objetos e sistemas técnicos, neste caso as formas geográficas produzem normas jurídicas. Nas duas situações fica patente a importância do ordenamento jurídico para a promoção da organização espacial e para o ordenamento do uso do território. Tudo isto posto, defini-se aqui o PDM como o recurso institucional criado a partir de uma ação, que se presume legítima e autônoma, de um Governo municipal que tem a finalidade de regular, via normatizações: (i) os objetos e sistemas técnicos contidos no território; (ii) as ações dos agentes sociais, organizados ou não, interessados nele de alguma forma; e (iii) os conflitos de interesses decorrentes das interações assim estabelecidas. No entanto, se é verdade que o PDM normatiza o território este também interage com os agentes sociais responsáveis pela sua elaboração demandando ações institucionais específicas. Acredita-se que somente nestes termos um PDM poderá funcionar como um eficiente e eficaz instrumento de desenvolvimento econômico e social. Para que um PDM alcance tal nível de qualidade é necessário, portanto, o entendimento de que o conceito de território é algo em disputa por diversas disciplinas e correntes de pensadores, ou seja, o emprego do termo território em uma determinada acepção vai comprometer, inexoravelmente, as finalidades regulacionista e, por conseguinte, desenvolvimentista de um PDM. 2.2 VISÕES SOBRE TERRITÓRIO Visto o grande peso atribuído ao território – na geografia em geral e na problemática em tela em particular – cabe recuperar algumas considerações relevantes e diferentes sobre o significado deste conceito. O que se espera com isso é colocar de maneira clara se na elaboração dos PDM o território é considerado na acepção habitualmente trabalhada na ciência/filosofia política ou, ainda, no direito administrativo – o território como substrato físico (área territorial) apropriado e 48 administrado pelo Estado – ou se nos PDM elaborados o significado do termo território assume uma conotação mais ampla onde o exercício das relações de poder no espaço entre diferentes agentes sociais seja equilibrado. Nesta direção, tome-se inicialmente a noção de território contida em Bobbio (2007) quando este discute os elementos constituintes do Estado. Nesta linha de pensamento o território aparece como limite da validade espacial do exercício do poder do Estado, ou seja, a base física onde o poder soberano cria e aplica seu direito mediante a edição de normas vinculatórias, como explica o autor: Do ponto de vista de uma definição formal e instrumental, condição necessária e suficiente para que exista um Estado é que sobre um determinado território se tenha formado um poder em condição de tomar decisões e emanar os comandos correspondentes, vinculatórios para todos aqueles que vivem naquele território e efetivamente cumpridos pela grande maioria dos destinatários na maior parte dos casos em que a obediência é requisitada (BOBBIO, 2007, p. 95). Também é lapidar a conceituação de território que Filomeno (1999) realiza eminentemente do ponto de vista jurídico-político. Além da ênfase no sentido material, físico mesmo do território, este jurista elenca o que chama de “partes” do território: De nossa parte, entendemos ser o território parte imprescindível para a existência do próprio Estado. Senão por razões de lógica evidente, pela simples circunstância de que sempre haverá a nação, com seus vínculos sociológicos e jurídicos, mas não o Estado, com seus vínculos marcadamente políticos (além de jurídicos). Desta forma, podemos dizer que, como elemento material e essencial para a própria existência do Estado, o território compõe-se das seguintes partes: (a) solo, (b) subsolo, (c) espaço aéreo, (d) embaixadas, (e) navios e aviões militares em qualquer parte que se encontrem, (f) navios e aviões de uso comercial ou civil em sobrevôo ou navegação não pertencentes a outros Estados e, (g) o mar territorial, [...] (FILOMENO, 1999, p. 72-73). Trazendo esta discussão para o campo da ciência geográfica encontram-se diversas discussões e acepções. Com efeito, pode-se dizer que existem algumas linhas não excludentes de raciocínio em relação à conceituação de território. Brito (2005), por exemplo, enfatiza que o conceito de território é polissêmico e que ainda está em construção, mas já não se pode concordar que território signifique apenas uma extensão da superfície da Terra apropriada por indivíduos, grupos sociais ou 49 instituições, incluindo o Estado, o que também já contribui para “[...] superar a vinculação biológica que permeia o entendimento sobre o significado do conceito de território” (BRITO, 2005, p. 116). Haesbaert (2002), ao analisar o que chama de discurso da desterritorialização, enfatiza que na questão das acepções atribuídas ao termo território há de se considerar, antes de tudo, as relações sociais nas quais ele está mergulhado. Segundo esse autor, existem basicamente cinco perspectivas tradicionais na conceituação de território. São elas: (i) a materialista – nesta perspectiva o território é visto como fonte de recursos, como base natural da qual os indivíduos e grupos sociais se apropriam como meio de sobrevivência. (ii) a idealista – esta perspectiva enfoca o território como uma dimensão simbólica, que possui um valor simbólico, a partir da(s) diferente(s) representação(ões) de identidades culturais que os diversos agentes dele faz com base em suas diferentes condições de vida, passadas e presentes. (iii) a de integração entre diferentes dimensões sociais – desta perspectiva fazem parte três dimensões. A natural-biológica: que enfoca o território como habitat dos animais. A econômica: que enxerga o território, e o seu controle, como objeto de disputas entre diferentes/divergentes interesses e agentes econômicos. E a política: que analisa o território sob o prisma das relações de poder engendradas na atuação do Estado-nação. (iv) a histórica – por esta perspectiva a análise do território pode ser realizada combinando em diferentes graus uma abordagem ampla, quando por exemplo se tem em mente que as relações sociais são mediadas pelo espaço, com uma abordagem mais restritiva a partir da consideração de recortes histórico-sociais específicos, quando, por exemplo, se toma a questão da atuação do Estado na regulação do território. (v) a absoluta/relacional – esta perspectiva contrapõem a reducionista visão de território como coisa ou substrato concreto ou como palco e mediador de relações sociais, mas de forma reducionista ainda, à uma visão relacional de território como fruto de relações sociais, especialmente as relações de poder (mas não exclusivamente o poder político concentrado nas mãos do Estado). 50 Se existem diferentes epistemologias para a conceituação de território fica claro, então, que qualquer definição que enfatize apenas uma ou duas perspectivas, sem procurar integrar todas elas, perde sua capacidade de abstração para que, somente assim, o conceito de território possa ser de fato operacionalizado na execução de uma pesquisa geográfica. No entanto, visto que neste trabalho está-se discutindo sobre a ação do Estado na regulação do território - enfocando especificamente o território municipal cuja delimitação está arraigada no próprio aparato normativo estatal para fins de gestão pública - credita-se à perspectiva relacional, segundo a classificação de Haesbaert (2002), a que melhor pode fundamentar esta proposta por propiciar uma articulação dos diferentes, mas complementares, conteúdos, agentes e práticas que dizem respeito a uma visão holística do território. Neste sentido, Brito (2005) defende que um território é constituído na medida em que um feixe de inter-relações, decorrentes de um processo social mais amplo, se espacializam numa dada porção do espaço geográfico sendo tais inter-relações mediadas por acordos entre os mais diversos agentes sociais interessados em objetos comuns aí localizados. Para este autor a idéia de controle como sinônimo de poder não é válida. A perspectiva relacional do território também fica bastante clara nos dizeres de Geiger (1996), Becker (1987) e Corrêa (1996): O território vem de terra que, formalmente, significa uma porção não pedregosa, asfaltada ou cimentada da superfície terrestre, e que pode ser argilosa, arenosa ou saibrosa. [...] Refere-se também a uma extensão terrestre, mas inclui uma relação de poder, ou posse, de um grupo social sobre esta extensão terrestre (GEIGER, 1996, p. 235). O território é o espaço da prática. Por um lado é o produto da prática espacial: inclui a apropriação de um espaço, implica na noção de limite – um componente de qualquer prática - manifestando a intenção de poder sobre uma porção precisa do espaço. Por outro lado é também um produto usado, vivido pelos atores, utilizado como meio para sua prática (BECKER, 1987, s.p.). Etimologicamente território deriva do latim terra e torium, significando terra pertencente a alguém. Pertencente, entretanto, não se vincula necessariamente à propriedade da terra, mas a sua apropriação. Essa apropriação, por sua vez, tem um duplo significado (CORRÊA, 1996,p. 251). 51 Em síntese, estes geógrafos realizam uma conexão entre: a dimensão material e concreta do território; os indivíduos que nele estão presente e; a sua dimensão imaterial e abstrata advinda da interação entre processos sociais e espaço material. Este duplo significado que Corrêa (1996) aponta na apropriação do território representa, grosso modo, dois tipos de enfoque mais gerais. O primeiro é aquele que vincula o conceito de território à geografia política e à geopolítica, visto que é enfocado o uso, legitimado ou não, do território por algum tipo de instituição (Estado, Igreja, firmas) ou grupos sociais. Já o outro enfoque é aquele que leva em consideração nas análises a dimensão afetiva, os sentimentos e os simbolismos derivados da interação de grupos sociais com o lugar onde vivem. Em síntese, afirma Corrêa (1996, p. 251) “o território é o espaço revestido da dimensão política, afetiva ou ambas”. Mas prefere-se considerar que o território é sempre continente da dimensão política e da dimensão simbólica ambas sendo consideradas em conjunto e não em separado. Na própria geografia política contemporânea que, segundo Castro (2005), se caracteriza pelo interesse nos debates que tomam o território como fonte ou estratégia de poder, a partir da interpretação de fatos políticos desenvolvidos na própria geografia, a definição de território avança bastante em relação ao enfoque político-jurídico-administrativo tão caro à teoria do Estado e à teoria política e, até mesmo, à própria geografia política tradicional. Poder e estratégias de controle e dominação a partir do território controlado pelo Estado nacional eram sempre implícitas ou explícitas na agenda da geografia política nas primeiras décadas do século XX, o que fez das escalas de análise nacional e global as mais adequadas ao estudo da disciplina (CASTRO, 2005, p. 20). Castro (2005, p. 15), por exemplo, considera que território e política são categorias analíticas inseparáveis visto que “[...] são componentes essenciais do processo histórico de formação das sociedades”. Ainda segundo a autora a política oferece a possibilidade “de controle das ‘paixões’ desencadeadas pelo convívio humano em coletividades” (CASTRO, 1997, p. 161) que sempre geram, com variadas intensidades, alguma forma de conflito e o território é o suporte material para essa convivência sendo, também, detentor de um poder simbólico “estabelecido pelos seus conteúdos materiais, pela sua natureza, pela sua 52 proxemia” (CASTRO, 1997, p. 176), isto é, pela maneira inconsciente que os indivíduos organizam o seu próprio espaço. Dando continuidade à abordagem relacional do território é oportuno, então, confrontar mais diretamente as visões de Raffestin (1993) e de Souza (1995), pois estes autores enxergam o conceito de território por diferentes lentes teóricas. Ponto comum para ambos, entre outros autores mencionados anteriormente, é que as noções de espaço e de relações sociais são questões subjacentes à discussão do conceito de território. Prova disto é que Raffestin (1993) inicia seu constructo teórico a partir da noção de espaço e da sua representação, assim lhe atribuindo este direcionamento, para daí introduzir a questão das relações de poder entre um agente e o espaço onde ele está inserido delimitando, assim, um território. Ele diz que “É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado da ação conduzida por um ator sintagmático [...] em qualquer nível” (RAFFESTIN, 1993, p. 143). E sobre o significado da representação do espaço ele afirma que: Produzir uma representação do espaço já é uma apropriação, uma empresa, um controle portanto, mesmo se isso permanece nos limites de um conhecimento. Qualquer projeto no espaço que é expresso por uma representação revela a imagem desejada de um território, de um local de relações (RAFFESTIN, 1993, p. 144). Já Souza (1995) inicia seu ensaio dando ênfase às relações de poder existentes entre os agentes sociais afirmando que “[...] o território é essencialmente um instrumento de exercício de poder: quem domina ou influência quem nesse espaço, e como?” (1995, p. 79). E, diferentemente de Raffestin (1993) que procura tornar inteligível o conceito de território utilizando-se do processo de formação dos Estados nacionais, Souza (1995) faz uma contundente crítica à tentativa de estabelecimento, por parte tanto da ciência política quanto da geografia política, de uma limitação da análise do território vinculando-a, apenas, ao poder do Estado e ao território nacional deste Estado. Crítica semelhante a que Haesbsert (2002) faz ao dizer que a abordagem da realidade social a partir da questão do Estado é a mais restritiva leitura que se pode fazer do território. Problema este que já havia sido chamado a atenção com Bobbio (2007) e Filomeno (1999). 53 Mas deve ser ressaltado que as críticas de Souza (1995) e de Haesbsert (2002) não se aplicam à geografia política contemporânea nos moldes defendidos por Castro (2005) e sim à visão tradicional desta vertente do pensamento geográfico de inspiração ratzeliana pela qual o território, enquanto solo ocupado e explorado por grupos sociais, era tomado como a fonte em si do poder de um Estado nacional na medida em que tal poder variaria segundo a extensão e densidade de ocupação do território e no controle que este Estado nacional mantinha sobre ele. À medida que os territórios dos Estados se fazem maior, não é somente o número de quilômetros quadrados que cresce, senão também sua força coletiva, sua riqueza, seu poder e, finalmente, sua duração. Igualmente ao espírito humano que se enriquece cada vez mais à medida que os caminhos percorridos pela evolução sobre esta terra se alargam, o progresso pode ser representado, com uma aproximação suficiente, por uma aspiral ascendente cujo raio vai aumentando mais e mais. Porém esta imagem está tão distante da realidade que carece de utilidade. Por isso, basta mostrar, na extensão progressiva dos territórios dos Estados, um caráter essencial e, ao mesmo tempo, um poderoso motor do progresso histórico (RATZEL, 1982, p. 203). Se Raffestin (1993) procura esmiuçar o processo de construção de um território por meio da apresentação de um sistema territorial calcado em três elementos - tessitura, nós e redes - que se constituem a partir das ações (e relações) de indivíduos ou grupos humanos num espaço antes natural, Souza (1995) utiliza também três elementos – rede, nós e arcos – para compor uma nova definição ou ponte conceitual, o de território descontínuo. Ele diz que “cada território descontínuo é, na realidade, uma rede a articular dois ou mais territórios contínuos” (SOUZA, 1995, p. 94). E esta idéia de territórios em rede é central para Haesbaert (2002) que afirma que no mundo de hoje o território é multiescalar, é um território-rede, e somente tendo a rede como referencial teórico se torna factível apreender o movimento, a fluidez e as conexões que atingem o espaço. Sendo atualmente a rede, nessa perspectiva, o principal elemento da configuração territorial do espaço geográfico. Isto posto, percebe-se que em Souza (1995) o termo território aparece com uma conotação mais ampla que em Raffestin (1993), pois para este último o significado de território está fortemente associado à idéia de base material para a ação do Estado-nação, o que não acontece em Souza (1995). Este defende a formação e coexistência de diversos territórios a partir da ação de diferentes agentes 54 sociais. Souza (1995) oferece algumas características que o território pode conter: (i) pode ser construído (e “desconstruído”) ou simplesmente existir; (ii) pode independer até mesmo de um espaço concreto (exemplo do mar territorial); (iii) pode ter caráter permanente ou periódico; (iv) e escalas abrangentes ou diminutas. A afirmação a seguir é, neste sentido, emblemática. O conceito de território deve abarcar infinitamente mais que o território do Estado-Nação. Todo espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma gangue de jovens até o bloco constituído pelos paísesmembros da OTAN (SOUZA, 1995, p. 111). Este pensamento sobre a existência e coexistência de múltiplos territórios, para além do Estado-nação, também é defendido por Corrêa (1996) ao dizer que existem vários territórios sobre a superfície da Terra sem que o arranjo deles derivado formem qualquer tipo de mosaico, pelo contrário, está mais para um caleidoscópio. E isto se deve porque “cada um apresenta uma específica dimensão e conteúdo, sendo apropriado, vivenciado e percebido diferentemente pelos diversos agentes” (CORRÊA, 1996, p. 252). Ademais, num virtual embate teórico sobre a conceituação de território promovido pelo próprio Souza (1995), Raffestin (1993) é acusado por aquele de reduzir o conceito de espaço ao de espaço natural e de igualar o significado de espaço social ao de território. Para Raffestin (1993, p. 143), que cita Lefebvre (1976), o mecanismo para transformar um espaço em território, ou seja, o cerne de um processo de territorialização é o seguinte: “A produção de um espaço, território nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que ai se instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, auto-estradas e rotas áreas etc.”. É fácil perceber a motivação da crítica de Souza (1995), pois para este o território não pode ser tomado simplesmente como um espaço físico transformado em espaço social, assim delimitando-o, pela ação de sujeitos coletivos ou do Estado. Em última instância este espaço social apenas deverá servir como uma referência, como um “substrato referencial”, na qual operam relações de poder com alcances definidos e/ou conhecidos. No entanto, das construções teóricas que pretendem descolar a discussão do território dos limites da ação do poder do Estado umas das mais acuradas e 55 profícuas é a elaborada por Santos (1996). Ainda assim, pode se dizer que a proposta miltoniana de território integra a de perspectiva relacional visto que a questão das relações sociais em geral e das relações de poder em particular como vetor de desorganização do território é a sua base. O que a faz diferente é o peso atribuído ao poder econômico das grandes corporações empresariais no período atual em detrimento do poder político concentrado nas mãos do Estado. Santos (1996, p. 15, 16) chama a atenção para o fato de que “[...] é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto da análise social”. O território “[...] são formas, mas o território usado são objetos e ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado”. Isto significa dizer que não se deve tomar o território tão somente pela sua forma - uma forma geográfica – caso que se estaria incorrendo na clássica abordagem praticada pelo Estado territorial. Deve-se sim tomar o território como uma forma possuidora de conteúdo: uma forma-conteúdo. [...] Essa idéia de território usado, ao meu ver, pode ser mais adequada à noção de um território em mudança, de um território em processo. Se o tomarmos a partir do seu conteúdo, uma formaconteúdo, o território tem de ser visto como algo que está em processo. E ele é muito importante, ele é o quadro da vida de todos nós, na sua dimensão global, na sua dimensão nacional, nas suas dimensões intermediarias e na sua dimensão local. Por conseguinte, é o território que constitui o traço de união entre o passado e futuro imediatos (SANTOS, 1999, p. 19). Para além da importância dos objetos e ações que na escala espacial e temporal dos indivíduos e grupos sociais denotam, historicamente, as práticas e conteúdos territoriais relevantes para a reprodução das condições de vida material e social, Santos (2002) enfatiza que no período atual o mercado e o dinheiro desestabilizam os territórios por causarem desorganização e desagregação espacial. Todavia, acredita-se que tal fenômeno é subjacente ao próprio modo de produção capitalista e ocorre segundo a lógica do território como mercadoria, como valor de troca, sobretudo para as empresas. Nesse embate os interesses dos demais agentes sociais não hegemônicos aparecem marginalmente. Para Santos (2002) ocorre uma verdadeira mudança no conteúdo dos territórios. O conteúdo do território mudou, fundamentalmente, com a globalização, seja o conteúdo demográfico, o econômico, o fiscal, o financeiro, o político. O conteúdo de cada fração do território muda rapidamente. Essa instabilidade e nervosismo atuais do território são 56 a representação empírica do nervosismo, da nervosidade, da impaciência e do vulcanismo da nação (SANTOS, 2002, p. 15). Cabe dizer que essa mudança no conteúdo do território repercutiu, e ainda repercute, fortemente nas formas que o Estado dispõem para promover – dentro das suas esferas legítimas de ação – a regulação econômica, social e territorial ainda que, segundo Santos (2002), o país tenha se tornado ingovernável como nação, como estado e como município diante da ditadura do dinheiro. Da exposição das diversas acepções de território percebe-se que trabalhar a questão do PDM, como parte do ordenamento jurídico necessário à regulação do território, é uma forma de articular a tradicional e fechada visão de território oriunda da ciência política para uma visão multidimensional do território, no qual a ação do Estado-nação como responsável pela organização e ordenamento territorial seja cotejada e negociada com a ação de outros agentes sociais, aliás como defende Castro (2005): Em nome de uma perspectiva pluralista, mais condizente com a complexidade da atualidade, proponho aqui uma agenda temática para a geografia política que partindo da compreensão da forma Estado-nação moderno, de base territorial, suas especificidades institucionais e organizacionais e seus contextos histórico e geográfico seja capaz de avançar na compreensão das mudanças contemporâneas, que afetam e são afetadas por este aparato institucional, incorporando outras escalas de análise para dentro e para fora dele (CASTRO, 2005, p. 47). Assim, para a elaboração de um PDM que pretenda formular e implementar ações de Governo capazes de induzir o desenvolvimento municipal torna-se de fundamental importância empregar uma noção de território que: (i) não enfatize sua dimensão concreta/material em detrimento da sua dimensão abstrata/simbólica; e (ii) leve em consideração a mediação dos diferentes interesses que emergem das relações sociais estabelecidas entre os agentes aí instalados visto que, como salienta Brito (2005, p. 122) o poder, no caso o do Governo municipal, é “garantido pela legitimidade das ações dos agentes autorizadas em nome do consenso.”. Esse aspecto teórico fundamental sinaliza um outro aspecto de ordem mais metodológica/operacional na elaboração de um PDM. Considerando que este documento deve conter uma visão de desenvolvimento a ser perseguida e, também, considerando que este plano deve ser elaborado a partir de uma determinada 57 metodologia de planejamento (incluindo aí a participação popular), acredita-se que é a concepção que uma equipe de planejadores e gestores possua, ou ponha em prática, sobre o território é que vai determinar tal articulação. Por isso mesmo a importância de se considerar a noção de território usado, como recomenda Santos (1999, p. 18), pois para a “[...] produção de projetos, isto é, com vista à política, com ‘P’ maiúsculo, deve-se tomá-lo como território usado”. 2.3 DESENVOLVIMENTO, DESENVOLVIMENTO? MAS E A TERRITORILIZAÇÃO DO Os estudos sobre a questão do desenvolvimento não são recentes nas ciências humanas. Mas nem por isso constitui um debate superado. Conforme a tradição economicista pode-se dizer que, segundo Singer (2004a, p. 147), a “[...] teoria do desenvolvimento econômico procura analisar de que maneira os países, [...] que chegaram tardiamente ao cenário da industrialização, podem recuperar este atraso histórico”. E a idéia subjacente sobre o desenvolvimento econômico decorrente dessa tradição é a de “crescimento econômico (aumento do Produto Nacional Bruto per capita - PNB) acompanhado pela melhoria do padrão de vida da população e por alterações fundamentais na estrutura de sua economia” (SANDRONI, 2004, p. 169). Mas hoje não se deve tomar o termo desenvolvimento apenas nesse sentido predominantemente economicista e, por isso mesmo, reducionista (SOUZA, 1996; BOISIER, 2000; VEIGA, 2005). Foi a partir do final da II Grande Guerra que a questão do desenvolvimento ganhou destaque no panorama internacional. Inicialmente reduzida a observação de que os países pobres eram os mesmos países onde “o processo de industrialização era incipiente ou nem havia começado” (VEIGA, 2005, p. 19) em detrimento dos países industrializados, os ditos países ricos ou desenvolvidos. A partir deste momento, segundo Diniz (2001), a questão do desenvolvimento desigual entre nações, e entre subespaços nacionais, levou os Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha, entre outros, à criação de instituições e políticas de desenvolvimento, via de regra, com base na industrialização. Além disso, estas 58 ações foram uma resposta (velada) à ameaça do socialismo no pós II Guerra. Esta ação articulada internacionalmente via Organização das Nações Unidas (ONU) fortaleceu a idéia do planejamento como forma de superação do subdesenvolvimento e da pobreza (SANTOS, 2003). Além disso, estes fatos acrescentaram à questão do desenvolvimento econômico, enquanto crescimento do PNB per capita decorrente de um processo bem-sucedido de industrialização, um caráter ideológico. Nesse sentido Santos (2003) é enfático. A serviço do planejamento a economia perdeu seu status cientifico e se tornou simples ideologia, cujo fito é persuadir Estados e povos das vantagens daquilo que passou a ser chamado de desenvolvimento: a venda da ideologia do crescimento aos Estados, a imposição de uma ideologia de sociedade de consumo às populações. Ambas combinadas induzem ao capital estrangeiro e à aceitação de um só parâmetro aplicável à economia, à sociedade, à cultura, à ética; em suma, à dependência e à dominação; à dominação através da dependência (SANTOS, 2003, p15). A partir dos anos 1970 prevalece entre os geógrafos uma abordagem marxista do desenvolvimento (HALL,1988). Nesta abordagem as reestruturações espaciais ocorreriam em função das crises de acumulação do sistema capitalista (MARTIN; SUNLEY, 2000). Nesse sentido, cita-se, por exemplo, a contribuição de Neil Smith (1988) com sua teoria do desenvolvimento desigual por meio da qual a questão da divisão espacial (internacional) do trabalho sob o capitalismo, como forma de perpetuá-lo, é central. Assim, A lógica do desenvolvimento desigual deriva especificamente das tendências opostas, inerentes ao capital, para a diferenciação, mas com a simultânea igualização dos níveis e condições da produção. O capital é continuamente investido no ambiente construído com o fito de se produzir mais-valia e expansão da base do próprio capital. Mas, da mesma forma, o capital é continuamente retirado do ambiente construído de forma que ele possa se deslocar para outra parte e se beneficiar com taxas de lucros mais altas. A imobilização espacial do capital produtivo em sua forma material não é nem menos necessária do que a perpetua circulação do capital como valor. Assim, é possível ver o desenvolvimento desigual do capitalismo como a expressão geográfica da contradição mais fundamental entre valor de uso e valor de troca (SMITH, 1988, p. 19). Smith (1988) entende que a tendência para a igualização geográfica – em termos globais – do modelo de produção e de consumo de mercadorias, serviços e do espaço urbano praticado nas sociedades capitalista, dos países ditos 59 desenvolvidos, por indivíduos, famílias ou empresas que compõem uma elite não pode ser tomada por desenvolvimento. Mesmo que outras classes e agentes sociais do mesmo país ou dos países ditos subdesenvolvidos produzam e consumam da mesma forma. Trata-se, antes de tudo, da espacialização da lógica do desenvolvimento desigual. Nessa abordagem crítica Smith (1988), entre outros autores fundamentados no pensamento trotskista, contribui para dissociar crescimento econômico de desenvolvimento. Dentro do debate sobre desenvolvimento, Benko (1999) esclarece que as vertentes de desenvolvimento regional e de desenvolvimento local começam a ganhar importância na esteira do processo de transição do fordismo – vigoroso desde o pós II Guerra, mas em clara crise a partir dos anos 1970 - para o regime de acumulação flexível. A passagem para novo regime de acumulação acompanha-se de mudanças fundamentais multiformes nos modos de produção e de consumo, nas transações e nos mecanismos institucionais de regulação das relações sociais. Eles induzem uma reestruturação espacial da sociedade inteira, redefinição do conteúdo ideológico dos espaços, estabelecimento de nova divisão social e espacial do trabalho, criação de novos espaços de produção e de consumo etc. (BENKO, 1999, p. 29) (grifo nosso). É este processo mais amplo que traz a tona, desde então, a “questão local” que segundo Bourdin (2001, p. 9) se desdobra em três debates: “[...] quando triunfa uma visão hiperlocalista da sociedade; quando o local é definido como baluarte da mundialização; e quando se faz do local o lugar principal da democracia”. Nessa direção, Vitte et al (2002, p. 47) diz que a idéia de local pode ser entendida como um município ou parte dele, ou ainda um conjunto de municípios, um estado (unidade federativa) ou até mesmo uma região. Contudo, para Monié; Silva (2003) o cerne da questão local está na valorização do território como lócus privilegiado da produção em detrimento ao próprio chão de fábrica, então alvo principal de uma reestruturação produtiva. Esta breve introdução demonstra quão rica e extensa é a literatura sobre desenvolvimento. Por isso mesmo, é necessário colocar esta discussão sobre desenvolvimento a partir de três pontos principais. Em primeiro lugar deve ser observado que se o desenvolvimento ocorre em alguns lugares (um país, uma região, um município, uma cidade) e não em outros, mesmo nessas condições, ele 60 acontece de forma diferenciada internamente. E isto se dá desta maneira porque existem fatores – políticos, econômicos, sociais e ambientais – que, historicamente, favoreceram ou não o início e a continuidade de um processo de desenvolvimento. Em segundo lugar chama atenção o fato da polissemia que o conceito desenvolvimento vem assumindo nas últimas décadas derivada de diversas elaborações teóricas e de tantas outras práticas institucionais (governamentais e não-governamentais) que acabaram por desvincular a noção de desenvolvimento daquela conceituação de desenvolvimento econômico decorrente da tradição economicista (BOISIER, 2000; SACHS, 2000; VEIGA, 2005). Da dimensão econômica onde prevalecem indicadores de natureza macroeconômica o termo desenvolvimento vem caminhando para um processo de subjetivização passando a carregar diversas acepções - territorial, regional, local, humano, sustentável, endógeno, entre outros – e, por conseguinte, passa a carregar outros conteúdos e práticas que dão formas a diversos modelos de desenvolvimento. Apesar disto Sachs (2000) defende que apesar dos diversos modelos derivados dos diferentes entendimentos que hoje se tem sobre desenvolvimento o que se deve, efetivamente, ser considerado para a elaboração de projetos e políticas é o desenvolvimento sem adjetivos. Na realidade, o que devemos considerar é o desenvolvimento e, ao risco de chocar a audiência, eu diria: desenvolvimento sem adjetivos. Porque o debate começou há meio século atrás e quando se dizia desenvolvimento, se pensava em crescimento econômico. Depois, as pessoas se deram conta de que não era possível insistir só sobre o econômico porque existe o social. Então começou a se falar em desenvolvimento econômico e social. Mas ai os politólogos gritaram que a política era importante. E têm razão. Os antropólogos vieram para dizer que não se pode esquecer o aspecto cultural e então ficamos com o desenvolvimento econômico social-cultural-político. Aí, veio a revolução ambiental, então começamos a falar em eco-desenvolvimento, depois desenvolvimento ecologicamente sustentável. Ultimamente, o PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, considerou ainda que devemos acrescentar o adjetivo humano, não sei se em oposição a animal ou desumano, mas eu sei que, hoje, para atender às necessidades da diplomacia, devemos parar, respirar e depois dizer: desenvolvimento econômico-social-político-culturalsustentável e humano. A minha proposta é acabar com os adjetivos e redefinir o que pensamos e consideramos como desenvolvimento (SACHS, 2000, p. 8). 61 Por fim, como fora dito anteriormente, todo PDM além de ser operacionalizado mediante uma determinada metodologia de planejamento deve conter uma visão de desenvolvimento. Visão esta encampada, explícita ou tacitamente, por meio da utilização de um modelo teórico de desenvolvimento (ou que se quer teórico) capaz de propiciar aos artífices do plano o estabelecimento de princípios e diretrizes que nortearão tanto a organização do processo de planejamento quanto o plano efetivamente elaborado. Isto porque sem essa predefinição, sem esse objetivo mais amplo, o plano se torna generalista e sem foco, não conseguindo estabelecer de forma consistente e articulada nem ações para fins de desenvolvimento nem normas para a pretendida regulação do território. Pois como diz Dallabrida (2000, p. 196) “[...] está se fazendo ordenação territorial, quando se leva em conta o território na definição da estratégia de desenvolvimento e quando se vinculam a ele as atividades que configuram a dita estratégia”. Diante dos três pontos expostos cabe, então, a cada governo municipal se perguntar sobre que desenvolvimento se deseja alcançar? Da mesma forma, sabese que o desenvolvimento municipal, independentemente de qualquer outro adjetivo incorporado ao termo desenvolvimento como sugere Sachs (2000), deve ser colocado como macro objetivo de todo plano diretor. Então, o que precisa estar claro é menos a divulgação publicitária da adoção num PDM de um determinado modelo de desenvolvimento propriamente dito que as premissas e pressupostos fundamentais que estão sendo considerados para que cada Governo construa o seu “modelo” de desenvolvimento municipal. Como destaca Souza (1996): Um conceito de desenvolvimento livre de ranço etnocêntrico precisa acentuar a idéia de que cada povo, cada grupo social, deve possuir a autonomia necessária para definir o conteúdo desse conceito de acordo com as suas próprias necessidades e de conformidade com as características culturais. [...] O fundamental é que toda e qualquer coletividade humana tenha a oportunidade de evitar ou livrar-se do subdesenvolvimento (SOUZA, 1996, p. 10). Esse aspecto do que se deseja como desenvolvimento é muito importante para a fase propositiva de um PDM visto que “o estilo de desenvolvimento determina o modelo territorial” (GÓMES-OREA, 1993 apud DALLABRIDA, 2000, p. 196). O PDM é capaz de oferecer oportunidades iguais para todos os cidadãos? Vai privilegiar a zona urbana em detrimento da rural ou vai procurar diminuir as 62 desigualdades entre elas? Vai privilegiar o meio ambiente ou as empresas? Vai desconsiderar municípios vizinhos e outras instituições locais e supra locais ou vai promover articulações e parcerias? São questionamentos, entre muitos outros, que tem haver com o modelo de desenvolvimento contido no PDM. Isto posto, coloca-se esse passo como mais um fator de sucesso ou de fracasso na elaboração de um PDM somando-se, assim, à problemática sobre a definição de território. Vale ressaltar que, no mais das vezes, a confrontação da propaganda oficial sobre o modelo de desenvolvimento empregado num determinado PDM não ganha legitimidade acadêmica quando, posteriormente, se observa o conteúdo propositivo desdobrado em programas, projetos e ações executados ou anunciados pelo próprio Governo municipal. É o velho paradoxo entre o discurso do Estado e a sua ação. Nesse sentido, o Quadro 4 traz diversas acepções do conceito de desenvolvimento, inclusive algumas delas poderiam ser tomadas como uma espécie de fundamentação teórica para a construção política de um modelo de desenvolvimento municipal singular, ou seja, de acordo com as necessidades, desejos e interesses da população de cada município. Quadro 4 – Principais modelos de desenvolvimento (continua) Modelo Idéia básica Desenvolvimento Territorial É a mais ampla acepção do termo desenvolvimento do ponto de vista espacial pois refere-se a escala geográfica de um processo de desenvolvimento e não a sua substância. Trabalha com recortes espaciais: mundo, continente, país, região, estado, província, etc1. Desenvolvimento Regional Consiste num processo de mudança estrutural localizado (escala regional) que se associa a um permanentemente processo de progresso da própria região (sujeito coletivo), da comunidade (territorialidade) ou da sociedade como um todo que nele habita como também de cada indivíduo-membro em particular (realizações pessoais/subjetividade)1. Desenvolvimento Local Pode ser conceituado como um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos. Deve mobilizar e explorar as potencialidades locais e contribuir para elevar as oportunidades sociais e a viabilidade e competitividade da economia local; ao mesmo tempo que deve assegurar a conservação dos recursos naturais locais2. 63 (continuação) Modelo Idéia básica Desenvolvimento Humano Decorre de uma revisão de posicionamento (inicio dos anos 1990) por parte dos atores do desenvolvimento [grandes organismos internacionais] diante da constatação de que o abismo socioeconômico entre países não desenvolvidos e desenvolvidos se expandiu demasiadamente. Deixa de focalizar o crescimento dos fluxos de produção, ainda que importantes, para valorizar elementos que expressam uma melhora tangível no modo de vida das populações mais pobres: a renda per capita, a expectativa de vida e o nível de educação. É operacionalizado por meio do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)4. Desenvolvimento Sustentável Está baseado no duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a população atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras. Impele a sociedade a buscar soluções triplamente vencedoras [economicamente, socialmente e ambientalmente], eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de elevadas externalidades negativas, tanto sociais quanto ambientais5. Desenvolvimento Endógeno Representa uma reação ao pensamento e à prática dominante em termos de desenvolvimento territorial, nas décadas de 1950 e 1960, marcados pelo paradigma industrial fordista e pela difusão de inovações e impulsos de mudança do centro para a periferia1. Hoje, a endogenia caracteriza-se mais pela capacidade organizacional das comunidades locais e regionais em definir prioridades e formas de ação inovadoras que possam dinamizar as atividades econômicas, sociais, políticas e culturais em busca de patamares mais elevados6. Desenvolvimento pautado na Cultura A cultura passa a ser vista (a partir de 1995) pelos grandes organismos internacionais como conjunto evolutivo de crenças e modos de comportamento de todo grupo humano e como algo a ser apreendido em sua diversidade na implementação de políticas públicas. A referência à cultura serve como um antídoto de uma visão de desenvolvimento demasiado puramente econômica e quantitativa para torna-se um ponto de apoio ao desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento se reveste de formas múltiplas e imprevisíveis em função de características únicas de cada sociedade4. Desenvolvimento Solidário É o desenvolvimento realizado por comunidades de pequenas firmas associadas ou de cooperativas de trabalhadores, federadas em complexos, guiado pelos valores da cooperação e ajuda mútua entre pessoas ou firmas, mesmo quando competem entre si nos mesmos mercados7. Fontes: 1BOISIER(2000); 2BUARQUE(2002); 3ELIZALDE(2000); 4HERMET(2001); 5SACHS (2004); 6SILVA 7 (2003); SINGER(2004b) O Quadro 4 traz modelos de desenvolvimento que, segundo Boisier (2000), podem ser classificados por dois critérios: o da escala de ação (territorial, regional e local) e o do conteúdo propriamente dito (sustentável, endógeno etc.). Dentro da questão da escala de ação de iniciativas para e análises sobre o desenvolvimento destaca-se a contribuição de Buarque (2002) quando este chama a atenção para os diferentes cortes territoriais nos quais iniciativas que seguem a linha 64 desenvolvimento local podem ser aplicadas definindo o desenvolvimento municipal como “um caso particular de desenvolvimento local com uma amplitude espacial delimitada pelo corte político-administrativo do município” (BUARQUE, 2002, p. 32). No entanto, é importante deixar claro que os modelos de desenvolvimento que se diferenciam pelos conteúdos que professam, especialmente os de desenvolvimento sustentável e desenvolvimento endógeno, que pretendem se colocar como uma alteridade em relação ao processo de desenvolvimento desigual (SMITH, 1988) engendrado pelo modo de produção capitalista, são apenas uma tentativa de tornar o processo de desenvolvimento desigual menos desigual (SINGER, 2004b), mais justo social e espacialmente. O que, de certa forma, retoma uma assertiva de Santos (2003, p. 30) quando ele diz que “[...] o que países de Terceiro Mundo necessitam é de uma combinação adequada de tecnologias que assegurem tanto o crescimento quanto o bem-estar, dentro de um outro sistema econômico e social”. Caso isto não ocorra estar-se-á tratando, apenas, de uma “pobreza planejada” de cima para baixo e em atendimento aos interesses do capital. Caso se queira auscultar a natureza de um dos modelos de desenvolvimento mais propalados na atualidade – por agências governamentais nacionais e internacionais e pela mídia em geral – é interessante, então, observar a crítica feita por Gonçalves (2003) acerca do desenvolvimento sustentável. Muito embora esta acepção de desenvolvimento seja tema de livros e documentários, sirva para a elaboração de manuais por órgãos públicos ou até mesmo seja objeto de pesquisas diversas há de se tomar o cuidado com a pouca cientificidade deste modelo de desenvolvimento já que foi idealizado por diplomatas, e não construído e apoiado no método científico, com o intuito de compatibilizar temas como conservação da natureza e consciência ambiental com a questão do crescimento das economias nacionais e da produção de riquezas subjacentes ao funcionamento do próprio modo de produção capitalista. Pela similaridade de origem e da fraca argumentação teórica, crítica de igual natureza poderia ser estendida, a priori, aos modelos de desenvolvimento humano e de desenvolvimento pautado na cultura, ainda que as noções que eles carreguem sejam, de fato, relevantes para a consolidação de uma nova abordagem sobre o desenvolvimento dos lugares, neste caso de municipalidades brasileiras. Ainda assim, concorda-se com Sachs (2000) quando este, reafirmando a tão hodiernamente realçada pluridimensionalidade do conceito de desenvolvimento, 65 atribui três critérios – o social, o ecológico e o econômico – para avaliar ou empreender um processo de desenvolvimento. Contudo, este autor não atribui aos critérios ecológico e econômico a ênfase tão desejada pela ala ambientalista de cientistas e políticos, no primeiro caso, e da ala desenvolvimentista no segundo caso, em detrimento do critério social. Para Sachs (2000, p. 9) o desenvolvimento quer dizer “um crescimento social razoável, ecologicamente prudente e economicamente eficiente”. E ainda: Podemos imaginar um crescimento ecologicamente sustentável, mas que socialmente não seja aceitável. Esta é uma tendência que hoje está aparecendo, ou seja, mais cuidados com a natureza, mais no crescimento, que se caracteriza por redução de empregos com custos sociais extremamente altos (SACHS, 2000, p. 8). Mesmo antes de Sachs lançar, no seio do debate sobre o desenvolvimento versus meio ambiente, a idéia de soluções triplamente vencedoras, Souza (1996) já defendia uma linha de pensamento pela qual o conceito de desenvolvimento deveria ter o aspecto social realçado em detrimento da visão economicista dominante. Para este autor privilegiar o social como um dos conteúdos do desenvolvimento implica em considerar, ao menos, três aspectos: (i) aceitar que a erradicação da pobreza não depende apenas de altas taxas de crescimento e do progresso técnico; (ii) entender que em meio à desigualdade de renda existente em países como o Brasil são necessárias políticas de redistributivas direcionadas a um público-alvo específico para que o nível de renda se eleve; (iii) entender que em países subdesenvolvidos a satisfação de necessidades básicas da população representa o verdadeiro objetivo de uma política de desenvolvimento. Em relação ao modelo de desenvolvimento endógeno pode-se dizer, com base em Benko (1999), que foi elaborado no bojo da reestruturação espacial da produção engendrada na transição do fordismo para a acumulação flexível. Citando o exemplo da região conhecida como Terceira Itália e colocando-o como um sinal de ruptura com o estruturalismo global presente na Teoria das Etapas de Desenvolvimento de Rostow e na Teoria da Dependência (pensamento latinoamericano), Benko (1999, p. 57) delimita a problemática do desenvolvimento endógeno, que ocorre marcadamente na escala regional, ao dizer que “[...] uma 66 série de trabalhos a princípio esparsos iria convergir, no final da década de 1980, para uma nova ortodoxia: o sucesso e o crescimento das regiões industriais seriam devidos essencialmente à sua dinâmica interna”. Silva (2003) também concorda que a dinâmica interna de um lugar, que denomina endogenia, é importante para a formatação de iniciativas que desejem promover, autonomamente, o desenvolvimento local ou regional. E Dallabrida (2000) caracteriza como endogenização do desenvolvimento ao processo de desenvolvimento que contempla as necessidades e aspirações originadas no interior da coletividade regional. Por sua vez, Braga (2001) traz a seguinte análise sobre o desenvolvimento endógeno: Esta abordagem tem como elemento central a elevação do local ao espaço preferencial da inserção econômica em uma economia globalizada, substituindo a concorrência entre as empresas e entre nações pela concorrência entre localidades (aqui entendidas como cidades ou como microregiões). Paralelo a isto o local é alçado a espaço preferencial de cidadania, articulação social e solidariedade (BRAGA, 2001, p. 26). Ainda segundo Braga, citando os trabalhos de Storper (1990), Jará (1996) e Baquero (1998), é o potencial de desenvolvimento dos territórios o principal fundamento da teoria do desenvolvimento endógeno. E os recursos que fazem parte deste potencial são: a estrutura produtiva local; a capacidade de inovar tecnologicamente; a capacidade empresarial local; a existência de recursos humanos qualificados, de recursos naturais e de infra-estrutura, além dos recursos político-institucionais. Criticando as limitações desta abordagem, que julga atribuir demasiada autonomia à dimensão local, convergindo para os três debates enunciados por Bourdin (2001), Braga (2001) lembra que os conflitos de interesse de classes ou de grupos no interior das localidades, a escassez de recursos para financiar os investimentos, os limites político-administrativos impostos pela hierarquia federativa, e as relações desiguais entre as atividades econômicas de pequeno porte e as do grande capital globalizado são elementos que devem fazer parte de uma efetiva análise do potencial de desenvolvimento dos territórios. Mas num PDM se a utilização do termo território deve ser observado do ponto de vista da ciência geográfica, também o termo desenvolvimento, 67 independentemente do viés economicista, social ou ecológico que possa conter, deve ser geograficizado. Não por acaso se faz necessário aproximar uma noção geral de desenvolvimento, enquanto “[...] um processo de mudanças que permita superar problemas e construir uma sociedade mais justa” (SILVA, 2003, p. 28) e um processo de territorialização deste processo de desenvolvimento, especialmente na escala do município. Nesse sentido a Figura 2 procura ilustrar esta afirmação. Figura 2 – Capital sócio-territorial e desenvolvimento – o tripé “mágico” Fonte: SILVA, 2006 Então, segundo a proposta de Silva (2006), a territorialização é um processo que tem haver com a valorização das questões internas a um território – identidade, cultura, meio-ambiente, infra-estrutura, economia, entre outras. O que também poderia caracterizar uma endogenização do desenvolvimento no dizer de Dallabrida (2000). No entanto, se for tomada de Souza (1996) a noção de territorilização de um espaço como o controle deste espaço por um determinado poder, pode-se dizer que a territorilização do desenvolvimento municipal significa não somente a valorização de suas demandas e prioridades, mas também a regulação do território municipal, por parte dos agentes políticos e sociais locais – não se restringindo às entidades da sociedade civil como bem diferencia Bresser-Pereira (1995). 68 Tal fenômeno passa pela definição, externamente autônoma e internamente consensual, de projetos, ações e normas que visem melhorar o cotidiano dos cidadãos, pois “o cotidiano é a realização das pessoas e, quem sabe, também das instituições e das empresas nos lugares” (SANTOS, 1999, p. 23). 69 3 PLANEJAMENTO E GESTÃO URBANA: ANTECEDENTES E MODELOS A questão colocada anteriormente que levanta a necessidade de cada Governo municipal se perguntar sobre qual desenvolvimento se desejar alcançar, enquanto macro objetivo a ser perseguido, precisa ser complementada. Se o PDM pode ser definido como o instrumento básico da política urbana, então, para que um processo de desenvolvimento seja iniciado se faz mister perguntar: como operacionaliza-lo? Como pensá-lo? E, não menos importante, como gerenciá-lo? Trata-se mesmo de uma opção teórico-metodológica. O modelo de planejamento a ser empregado localmente na elaboração de um PDM tem que estar articulado ao modelo de desenvolvimento que fora escolhido como objetivo a ser perseguido e não o contrário. Não podem estar dissociados, pois desta maneira o desenvolvimento ficaria caracterizado como ideologia (consumismo capitalista) e o PDM como peça de discurso de que algo está sendo feito para resolver os problemas do município, seja no seu espaço urbano ou rural. Pelo mesmo raciocínio, não basta elaborar um PDM e esperar que o desenvolvimento aconteça. Tem-se que gerenciar a sua execução averiguando os resultados obtidos e corrigindo o que for necessário. No que diz respeito ao planejamento urbano pode-se dizer que diversos modelos foram formatados e praticados ao longo do século XX, recentemente portanto. Estes modelos lograram uma diferenciação a depender do contexto econômico, social e político vigente no lugar onde fora empregado (SOUZA, 2002). Os principais fatores de diferenciação foram os paradigmas teóricos adotados, os agentes envolvidos e a capacidade de ação de cada um deles, as metodologias de trabalho, a tipologia propositiva e as escalas espaciais de planejamento. Na sociedade urbano-industrial derivada da Revolução Industrial o pensamento econômico liberal era hegemônico. No entanto, foi-se percebendo (a partir dos anos 1880 na Inglaterra e dos anos 1900 nos Estados Unidos) a necessidade de que algum tipo de planificação deveria recair sobre os espaços urbanos de então, as cidades. Algumas delas estavam se tornando verdadeiras concentrações de problemas sócio-ambientais, visto a grande concentração de mãode-obra (mal paga) vinda do campo para tentar trabalhar no setor industrial instalado, cujas crises cíclicas mantinha o desemprego sempre alto. Problemas 70 estes que colocavam a própria capacidade de reprodução do capital em xeque. Neste sentido, são emblemáticas as revoltas populares por melhores condições de habitação e de trabalho na Londres de 1886 (HALL, 1988). Hall destaca o crescente interesse nos países já industrializados e, por conseguinte, urbanizados, pela formação de um corpo de planejadores urbanos, num primeiro momento, maior na academia que nos Governos então liberais. Na Inglaterra, de forma pioneira, data de 1909 a criação de um Departamento de Projetos Públicos na Universidade de Liverpool e data de 1914 a fundação do Town Planning Institute (TPI) da University College London. Logo em seguida, em 1917, é fundado nos Estados Unidos o American City Planning Institute (ACPI). Cardoso; Ribeiro (1994), analisando a questão do planejamento urbano nas principais sociedades capitalistas do início do século XX, apontam uma motivação específica para a investida acadêmica neste campo, inclusive chamando os planejadores de reformadores sociais. Isto endossa a visão de Harvey (1982) sobre o papel do investimento capitalista na provisão de habitações como instrumento para a manutenção de uma estabilidade social e proteção do instituto da propriedade privada. Assim escrevem os autores: Na década de 10, ocorre uma ‘virada’ no projeto reformador, com a unificação dos movimentos em torno da reforma da cidade. Trata-se de uma mudança que traduz um acordo entre as correntes reformadoras de vários países quanto à necessidade de criação de uma nova ordem social, reformando a vida cotidiana das camadas populares, através da racionalização do ambiente urbano (CARDOSO; RIBEIRO,1994, p. 78). Nesta perspectiva, o planejamento urbano do início do século XX se caracterizou mais pela intervenção do Estado – em vários dos principais centros urbanos ocidentais – por meio de grandes reformas de viés sanitarista, de embelezamento ou de ampliação e melhoramento do sistema viário, visando à circulação de automóveis e de outros meios de transportes modernos. Não por acaso, Villaça (1999) não considera tais ações como caracterizadoras de um planejamento urbano propriamente dito. De acordo com Hall (1988) a vertente regional do planejamento não tardou em ser discutida e institucionalizada. O seu marco é a fundação da Regional Planning Association of America (RPAA) entre 1922 e 1923. Entre os fundadores da RPAA está Lewis Mumford, então inspirado pelas obras de Ebenezer Howard 71 (Garden-cities of tomorrow, de 1902) e de Patrick Geddes (Cities in evolution, 1915). Aliás, a obra The Culture of Cities (de 1938) de Mumford “constitui um dos mais importantes documentos desta história [do planejamento regional]” (HALL, 1988, p. 174). Da mesma forma que os problemas intra-urbanos começaram a ser levantados e discutidos por alguns teóricos, é conjeturado o pensamento regional acerca do fenômeno do crescimento desordenado das cidades e do uso de novas tecnologias industriais. Nesta seara Hall (1988) chama a atenção para pensadores como Patrick Geddes que, segundo ele, tinha como novidade singular um pensamento planificador que abarcava toda uma região-município. Geddes levanta a necessidade de estudar uma cidade, tomada a partir de sua região natural – idéia originalmente atribuída ao geógrafo francês Vidal de La Blache - o qual define como sendo a delimitação de uma determinada região a partir de uma característica natural mais acentuada – relevo, hidrografia, vegetação etc. Ainda segundo Hall (1988), Mumford, em 1925, já apresentara uma distinção entre o planejamento urbano e o regional. Ao primeiro caberia tentar tornar a vida mais tolerável nas cidades superpovoadas mediante o uso de algumas técnicas, enquanto ao segundo caberia desenvolver e utilizar todos os recursos naturais existentes numa dada região, objetivando com isso que a população e os serviços públicos pudessem ser distribuídos da maneira que uma melhor qualidade de vida fosse conseguida. Contudo, não fica claro nesta distinção a cargo de quem ficariam tais empresas: se do Estado ou da iniciativa privada. Apesar do discurso construído, sobretudo com o auxílio da geografia, Hall (1988) afirma que as experiências em planejamento regional nos Estados Unidos não foram consistentes. Os melhores exemplos da aplicação deste arcabouço, já num outro contexto econômico e político, vieram a ocorrer em solo britânico - vide o Plano da Grande Londres, de 1944, elaborado por Patrick Abercrombie – estando inclusive em consonância com os postulados preconizados pela RPAA. Não obstante toda esta discussão, o planejamento do espaço urbano, regional ou mesmo da economia ainda não havia se tornado instrumento de ação do Estado, pelo menos no ocidente capitalista. Foi somente a partir da crise de 1929 e da grande depressão desencadeada que, segundo Santos (2003), os desequilíbrios econômicos entre nações ficaram patentes e instalou-se um clima geral de insegurança entre os países, empresários e investidores capitalistas. Diante de tal 72 quadro “[...] a intervenção do Estado passou a ser aceita e a noção de planejamento começou a se firmar” e o “[...] subdesenvolvimento foi, então, discutido, condenado, definido em um milhar de modos diferentes.” (SANTOS, 2003, p. 14 e 15). A esta época tal intervenção do Estado, segundo Jessop (1997), se caracterizou por diversas ações coordenadas nacionalmente cuja intenção era agir não somente na economia em sentido estrito, mas também nas condições gerais de produção favorecendo, assim, a reprodução ampliada do capital: formulação de política monetária e formulação de políticas para o pleno emprego (criação de infraestrutura, promoção do consumo coletivo, mediação nas negociações salariais) – é o chamado Estado do Bem-Estar social ou keynesiano, de perfil bem mais regulador que liberal. E é claro que no novo escopo de ações deste tipo de Estado estava incluída a organização do ambiente construído urbano mediante o planejamento. Para Villaça (1999) marco disto é o Town and Country Planning Act editado pelo governo britânico em 1947 para viabilizar o Plano da Grande Londres de 1944. É desta forma que a atual definição de planejamento urbano é entendida como “ação do Estado na organização do espaço intra-urbano” ou como “sendo o Estado fazendo pleno uso de seus poderes de controle e disciplinamento da expansão urbana e do uso da terra” (SOUZA, 2002, p. 124). A partir deste momento e ao longo dos anos 1950, rapidamente portanto, esta nova concepção de planejamento se difunde pela Europa no pós II Guerra Mundial. Contudo, se tornam mister técnicas e instrumentos para se planejar o espaço urbano. Mas não de qualquer forma, e sim alinhado ao regime de acumulação capitalista ora vigente – o fordismo. Então, ganha importância a disciplina urbanismo, sendo a obra de Le Corbusier O urbanismo, de 1925, e a Carta de Atenas, de 1933, os grandes tributários do arcabouço teórico do movimento modernista e, na seqüência, do planejamento urbano, como destaca Souza (2002): O modernismo foi o resultado de uma tentativa de melhor adaptar as cidades à era industrial e, por tabela, às necessidades do capitalismo. Mais do que isso: ele buscava mimetizar plenamente a racionalidade da produção industrial, transpondo para a produção do espaço categorias próprias ao universo da produção industrial (SOUZA, 2002, p. 127). Este é o modelo de planejamento que fora institucionalizado e tornado um tipo de ação do Estado sobre o território constituindo-se, assim, no que pode ser chamado de modelo tradicional de planejamento urbano. Por ele os planos diretores 73 de desenvolvimento, ainda que possuindo formatos heterogêneos entre si, figuram como o principal instrumento de referência para a intervenção estatal no espaço urbano na medida em que está “voltado para a orientação racional do desenvolvimento físico da área urbana do município, visando organizar o seu crescimento, estimular e ordenar as principais atividades urbanas” (IBGE, 2006). Ou, nos dizeres de Costa (2006, p. 279), “[...] o plano diretor é dirigido para equacionar e estabelecer objetivos a serem executados, fixando regras gerais e diretrizes a serem satisfeitas”. Mesmo assim, a elaboração de um plano diretor não deve capturar a prática de planejamento urbano como um todo. O plano, quer tenha natureza indicativa (uma peça técnica) quer tenha natureza normativa (um lei), é um dos produtos do planejamento assim como outras leis instrumentais que compõem o que Costa (2006) chama de ordenação urbana (Quadro 5). Quadro 5 – Dispositivos jurídico-urbanísticos que compõem a ordenação urbana Dispositivo Jurídico-urbanístico Definição Lei de Perímetro Urbano É de exclusiva competência municipal. Cabe a esta lei os requisitos que darão à área condições de urbana ou urbanizável, além de delimitar perímetro urbano, área de expansão urbana e os núcleos de urbanização. Portanto serve tanto a fins urbanísticos quanto tributários (cobrança do IPTU). Lei de Zoneamento (Urbanístico) Instrumento que define os possíveis usos do solo em zonas determinadas do 1 município . São leis usadas para que as cidades se tornem mais eficientes, pondo cada edificação, cada atividade e cada grupo econômico e social em seu devido lugar, estabelecendo as zonas comerciais, residências, industriais, de lazer etc. Lei de Parcelamento Instrumento que tem como objetivo criar normas para loteamentos urbanos 1 no município . Lei que trata dos arranjos gerais do espaço e das composições dos terrenos privados entre si e relacionados às áreas e logradouros públicos. Consistem na divisão voluntária do solo em lotes, que são unidades edificáveis, com abertura de vias e logradouros públicos. Código de Obras Contém normas que limitam as construções em diversos aspectos. Conjunto de normas para as construções prediais na área urbana. Dispõe sobre as formas de ocupação dos lotes, coeficientes de aproveitamento do terreno, altura das edificações, condições de iluminação e ventilação, entre outras questões1. Código de Posturas Estabelece as normas de convívio e formas de utilização de espaços públicos e privados na cidade, por exemplo: como devem ser utilizadas as calçadas, como controlar os ruídos, como devem funcionar o comércio e a indústria. Fonte: COSTA, 2006; 1IBGE, 2006 74 Vale lembrar que Fonseca; Vieira (2008) colocam estas mesmas normas como recursos institucionais do território que podem ser utilizados para ações estratégicas de um ou mais agentes. Já as Figuras 3 e 4 procuram ilustrar como algumas das leis instrumentais da ordenação urbana se espacializam no território criando, assim, formas geográficas. Da obra de Villaça (1999) foi construído o Quadro 6 que contém uma periodização, grosso modo, da prática do planejamento urbano no Brasil. Quadro 6 - Periodização do planejamento urbano no Brasil Fases Características 1875 – 1930 Planos de melhoramentos e embelezamentos de cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Porto Alegre. No entanto, não constitui um planejamento urbano propriamente dito. 1930 – 1990 Planejamento como ideologia respaldada na técnica de base cientifica. Colocado pela classe dominante como solução para os problemas crescentes das cidades. O Plano Agache para o Rio de Janeiro em 1930 e Prestes Maia para São Paulo ainda em 1930 são os primeiros. Sub-fases: 1930 – 1965 Planos com destaque para equipar a cidade – lógica industrial (saneamento e transporte). O centro da cidade é o grande alvo. Ex.: EPUCS de Salvador; Plano de Urbanização de Porto Alegre; 1965 – 1971 Superplanos tecnocratas de enfoque sistêmico. Elaboração de Planos Integrados inclusive para a escala regional. Ex.: Doxiadis no Rio; PUB de São Paulo; Plano da Região Metropolitana de Porto Alegre; 1971 – 1990 Planos sem mapas. Plano de Princípios e Diretrizes. Ex.: PDDI de São Paulo; PUB do Rio. (1989/90 – em diante). Inicio da politização dos planos; Plano Diretor como Projeto de Lei; rejeição dos planos tradicionais; abrangência municipal. Discussão dos planos com a sociedade civil organizada por setores. Fonte: a partir de VILLAÇA , 1999 Já nos anos 1970 a transição do fordismo para o pós-fordismo ou regime de acumulação flexível (BENKO, 1999), conforme já mencionado, fez com que este modelo tradicional de planejamento urbano perdesse força tendo em vista as mudanças intrinsecamente provocadas no processo de (re)produção do espaço que, por sua vez, tratou de impor novos desafios a regulação do território pelo Estado. 75 Figura 3 – Exemplo de macrozoneamento com delimitação de zonas urbanas e rurais em um PDM Fonte: CAMAÇARI, 2007 76 Figura 4 – Exemplo de zoneamento urbano contido em um PDM Fonte: CAMAÇARI, 2007 77 Num cenário de globalização da economia muitas experiências de planejamento urbano passaram a adotar o princípio de que se deveria intervir na dimensão econômica da cidade visto que elas estão “submetidas às mesmas condições e desafios que as empresas” (VAINER, 2002a, p. 76). É a lógica da cidade-empresa. Assim, ver a cidade como empresa significa, essencialmente, concebê-la e instaurá-la como agente econômico que atua no contexto de um mercado e que encontra neste mercado a regra e o modelo do planejamento e execução de suas ações. Agir estrategicamente, agir empresarialmente significa, antes de mais nada, ter como horizonte o mercado, tomar decisões a partir de informações e expectativas geradas no e pelo mercado. É o próprio sentido do plano, e não mais apenas seus princípios abstratos, que vem do mundo da empresa privada (VAINER, 2002a, p. 86). Neste sentido, Vainer (2002a) coloca a competitividade urbana, ou seja, a competição entre cidades-empresa como o nexo central de uma nova questão urbana. Por este prisma o Estado diminui a importância e a práxis do planejamento físico-territorial tradicional, baseado nos instrumentos da ordenação urbana, para privilegiar a formatação de algum projeto de especialização urbana – cidades comerciais ou de serviços, cidades turísticas, centros urbanos financeiros e decisórios, cidades com distritos industriais, centros urbanos de lazer e entretenimento etc. – complementada pela existência de outras atividades de menor porte inerentes à economia urbana. A reboque deste projeto ocorreria a estruturação territorial da cidade e do seu entorno, portanto não ao acaso. É no bojo desta nova forma do Estado “regular” o território que pode-se falar em modelo estratégico ou empresarial de planejamento urbano, em função da sua perspectiva mercadófila (SOUZA, 2002). Nele o planejamento estratégico, enquanto ferramenta de gestão sistematizada na Harvard Business School, é alavancado ao posto de melhor instrumento para planejar a intervenção do Estado nas cidades por organismos internacionais de financiamento, por empresas internacionais de consultoria e por Governos adeptos do neoliberalismo econômico (VAINER, 2002a). Por este novo modelo pretende-se substituir o plano diretor pelo plano estratégico que Borja (1996, p. 98) define, muito singelamente, como “um projeto de cidade que unifique diagnósticos, concretize atuações públicas e privadas e estabeleça um quadro coerente de mobilização e de cooperação dos atores sociais 78 urbanos”. Já mais diretamente, Harvey (1996) chega mesmo a sugerir, ainda em 1989, a utilização do termo empresariamento urbano ao invés de gerenciamento para caracterizar este tipo de intencionalidade do Estado, transformada em ação, para a organização espacial das cidades. Cito este caso [o de um colóquio realizado em Orleans em 1985] pois é sintomático de uma reorientação das atitude em relação à administração urbana ocorrida nas duas últimas décadas nos países capitalistas avançados. Mais diretamente, a abordagem do gerenciamento, tão típica dos anos sessenta, deu prontamente lugar as formas de ação de empresariamento nos anos setenta e oitenta. Particularmente nos últimos anos, parece ter surgido um consenso geral em todo mundo capitalista avançado de que benefícios positivos têm que ser obtidos por cidades que assumem um comportamento empresarial em relação ao desenvolvimento econômico (HARVEY, 1996, P. 49). A partir de suas pesquisas, Harvey (1996) enumera quatros “alternativas” que os Governos locais colocaram em prática sob o contexto da competitividade urbana ou da lógica da cidade-empresa. - Alternativa 1: A competição no quadro da divisão internacional do trabalho significa a exploração de vantagens específicas para a produção de bens e serviços. Podem ser elas os recursos naturais, a localização, vantagens criadas a partir da provisão em infra-estrutura física ou social e a concessão de subsídios fiscais. - Alternativa 2: Participar da divisão espacial do consumo por meio dos investimentos em qualidade de vida e na elevação da qualidade do meio urbano, na valorização do espaço, na inovação cultural, em equipamentos de consumo coletivo e de entretenimento - estádios, centros de convenção, shoppings centers, marinas, praças de alimentação, casas de espetáculos, shows e festivais - com o objetivo de atrair consumidores endinheirados. - Alternativa 3: Disputar para assumir o controle e funções de comando de altas operações financeiras, de governo ou de centralização e processamento. O que implica em pesados investimentos em transportes, comunicações, criação de espaços adequados para o funcionamento de escritórios, e formação de recursos humanos qualificados para os serviços de apóio. - Alternativa 4: Competir pela redistribuição dos excedentes dos governos centrais (países financiadores de políticas públicas de outros países) e do próprio governo 79 nacional para que estes excedentes possam financiar, ou mesmo patrocinar, políticas sociais. Com o objetivo de resumir e correlacionar as características mais marcantes de cada um dos dois modelos de planejamento urbano enunciados foi elaborado o Quadro 7. Quadro 7 – Caracterização de dois modelos de planejamento urbano 1e2 3 Modelo Tradicional Modelo Empresarial Possui um caráter normativo e regulatório; Elaboração de planos de espacial para uma cidade ideal; ordenamento É prerrogativa do Estado a sua formulação (mesmo via consultorias) e sua implementação; Preocupação com o traçado urbanístico, densidades de ocupação e uso do solo; Tem o urbanismo modernista, preconizado por Le Corbusier e pela Carta de Atenas de 1933, como seu arcabouço teórico; O poder público assume uma função mais indicativa que normativa e uma postura mais de negociação com o mercado que de subordiná-lo à letra da lei; Preconiza o abandono das visões de planejamento como instrumento de reforma social e de supremacia do saber técnico-científico da arquitetura e do urbanismo sobre outras disciplinas subjacentes à análise socioeconômica e espacial das cidades; A intervenção pública em seu território deve inspirar-se nas novas abordagens teóricas desenvolvidas para o mundo empresarial, sobretudo nas ciências da gestão, da informação e da decisão em sistemas complexos; Abrange todo o espaço urbano e apenas esse espaço e seus vários elementos constitutivos no tocante aos objetivos (a organização e equipamento deste espaço), mas não necessariamente ao diagnóstico feito para fundamentar a intervenção; Adoção de um método participativo, interativo e incremental para a construção de consenso sobre as ações públicas tendo em vista o desenvolvimento; Continuidade de execução e necessidade de revisões e atualizações; Privilégio dos projetos em detrimento dos planos, pois aqueles operam no curto prazo, são mais fáceis de serem financiados e mais ágeis na fase de execução; Interferência da ação sobre a maioria ou grandes contingentes da população; Papel e importância das decisões políticas, especialmente dos organismos políticos formais, com maior participação dos organismos municipais e menor dos federais e estaduais. 1 2 3 Utilização de instrumentos mais flexíveis para o planejamento e gestão do espaço urbano tipo o Planejamento Estratégico; a construção de parcerias público-privada com o objetivo de resolver a questão da provisão de infra-estrutura e/ou serviços urbanos; o marketing urbano; e o urbanismo de projetos que preconiza a ênfase em projetos pontuais e a flexibilidade do controle do uso e da ocupação do solo pelo poder público. Fontes: SOUZA (2004); VILLAÇA (1999); COMPANS (2005) 80 É verdade que a ocorrência, a partir dos anos 1980 e mais frequentemente nos anos 1990, de muitas experiências internacionais baseadas no planejamento estratégico de cidades - São Francisco, Nova Iorque, Baltimore, Barcelona, Madri, Lisboa, Roma, Bolonha, Montpellier, Birmingham, Liverpool, Amsterdã, Glasgow, Rio de Janeiro (BORJA, 1996; HARVEY, 1996) demonstraram a força deste modelo. Ainda assim, críticas de intelectuais como Vainer (2002b) ao Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ), homologado em 1995, chamaram a atenção para a verdadeira natureza destes planos estratégicos, ao menos no caso da inexperiência brasileira. O que significa o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro? O que se pode esperar de um processo de planejamento deflagrado e liderado por empresários e dirigentes governamentais – em primeiro lugar, o prefeito – cuja renitente vocação liberal parece, em tudo e por tudo, avessa à ação planejadora na cidade? Qual o significado, sentido e eficácia do que poderíamos, à espera de uma melhor qualificação, designar de padrão liberal de planejamento urbano(?) em que o discurso da participação parece, finalmente, realizar o ideal de um espaço público aberto a todos os componentes da cidade? (VAINER, 2002b, p. 107). Se forem somados os pífios resultados obtidos pelas prefeituras que encaparam tais planos à críticas como esta, pode-se começar a entender o abortamento ou escamoteamento da utilização do modelo estratégico ou empresarial de planejamento urbano pelo Estado e por empresas de consultoria. Atualmente o que se observa, com louvor, é o aperfeiçoamento e a sistematização, na administração pública e mais ainda na produção acadêmica, de um conjunto de instrumentos e práticas voltadas à administração da cidade que vem sendo rotulada como gestão urbana, mas que toma como ponto de partida a área total municipal, ou seja, inclui a zona rural. Na realidade, tal qual o planejamento urbano, hoje se fala em modelos de gestão urbana. Por isso mesmo se faz interessante discutir, ainda que brevemente, sobre o que se entende por gestão urbana e, principalmente, sobre a sua diferenciação em relação ao planejamento urbano. Neste sentido, recupera-se a discussão colocada, entre outros, por Machado (1995), Reed (1997) e Souza (2004). Souza (2004) salienta que não se pode confundir gestão urbana com planejamento urbano nem se pode pensar que a gestão possa substituir o planejamento como suporte à administração de uma cidade ou de um município. Em 81 realidade, esclarece Souza (2001), tal confusão faz parte do debate ideológico envolvendo os dois modelos de planejamento urbano elencados visto que os defensores do modelo estratégico/empresarial enxergam na gestão urbana um caminho alternativo para substituir o modelo tradicional de planejamento. Para Souza (2004, p. 16) “[...] a gestão é uma atividade que remete ao presente, ao aqui e agora. Ela é a administração de determinadas situações dentro de uma conjuntura, com os recursos disponíveis no presente, tendo em vista as necessidades imediatas”. Mais adiante coloca que “[...] a gestão refere-se às atividades de implementação de rotinas e condução de atividades diversas que tem por horizonte temporal o momento imediato e o curto prazo [...]” (SOUZA, 2004, p. 16). Machado (1995) também defende a idéia de que, atualmente, se faz necessário distinguir gestão de planejamento. O pano de fundo para a sua crítica é a modificação na estrutura social e nas formas de reprodução do espaço e na regulação do território condicionadas pelas transformações científico-tecnológicas ocorridas desde os anos 1970. Nesta perspectiva, a autora afirma que “planejamento e gestão são formas diferenciadas de intervenção [...]” (MACHADO, 1995, p.23). Mesmo considerando que o desejo de controle sobre o território é ponto comum às duas práticas, Machado (1995) utiliza, basicamente, dois argumentos para diferenciá-las enquanto estratégias de poder. Primeiramente destaca que o planejamento é uma atividade que por suas próprias características se reveste de caráter eminentemente técnico, enquanto a gestão assume um caráter político ao mediar a interação – conflito de interesses – entre Governo e sociedade civil na administração das demandas econômicas e sociais que emanam do território. E, neste sentido, a gestão do território funcionaria por meio de acordos e consensos e “[...] estaria dirigida mais ao conteúdo social do território do que sua estrutura física.” (MACHADO, 1995, p. 25). Em seguida, a autora concebe a gestão como processo na medida em que a considera como um conjunto de ações capaz dar sustentabilidade a intervenção no território mesmo que as condições iniciais não se mantenham as mesmas no decorrer do tempo. Capacidade esta negada ao planejamento haja vista que sua elaboração se dá sob uma determinada conjuntura econômica, social, política e, porque não dizer, territorial. Este segundo raciocínio de Machado (2005) 82 complementa a definição de gestão de Souza (2004) pois confere continuidade às tarefas de gestão, ou seja, ela não opera somente no curto prazo como pensa este autor. Mais que isso, para Machado (1995, p. 24) “a gestão está aberta à inovação, à criatividade e à instabilidade [...]” provenientes de situações adversas e/ou inesperadas. Mas se planejamento e gestão estão longe de serem sinônimos, podendo ser o planejamento, no caso o do espaço, ser definido como uma prática de perfil mais técnico e racional cujos objetivos e metas a serem atingidos a médio ou longo prazo são estabelecidos por agentes sociais não neutros e sob uma determinada conjuntura, como, mais precisamente, se daria a gestão do território por um Governo municipal nos moldes defendidos por Machado (1995)? Acredita-se que Reed (1997) ajuda a responder tal questionamento ao analisar o desenvolvimento histórico da gestão moderna no seio das consecutivas alterações nas relações sociais e nas relações de poder entre diferentes agentes e grupos sociais engendradas a cada mudança de regime de acumulação do capital. O autor chama atenção para o rompimento, no final dos anos de 1970, da concepção de gestão fundada no clássico paradigma científico-racional de organização de tarefas cujo melhor exemplo é o taylorismo. Segundo Reed (1997), a gestão, desde então, pode ser considerada a partir de três visões que, no exercício cotidiano das tarefas de gestão se apresentam concomitantemente. Em primeiro lugar a gestão não pode ser tomada como um modelo rígido de trabalho pelo qual decisões são lenta e racionalmente tomadas. Muito pelo contrário. A gestão e o gestor devem ser flexíveis e rápidos o suficiente para operar em situações adversas, ou mesmo conflitantes, em relação aos objetivos e metas anteriormente planejados. Em segundo lugar, continua o autor, a gestão e os gestores além de serem capazes de negociar os conflitos de interesses que sempre aparecem no interior de uma organização quando diferentes agentes sociais estabelecem algum tipo de relação, também tem que serem capazes de construírem alianças e redes organizacionais envolvendo indivíduos e grupos de interesse dentro e fora da organização. Por fim, a gestão e os gestores devem possuir a habilidade de saber empregar recursos de natureza simbólica e informacional – conversas e encontros aparentemente informais, a imagem pessoal e da organização, a retórica do 83 discurso, entre outros recursos – como meios de gerar e manter laços inter-pessoais acordos e compromissos políticos essenciais “[...] para a compreensão da legitimidade moral e política interna às organizações do trabalho.” (REED, 1997, p. 78). Isto significa dizer que sem a construção dessa legitimidade para justificar as relações de poder das quais os gestores se valem para tomar decisões, coordenar tarefas e delegar responsabilidades a outrem a sua autoridade ficaria em xeque. Com base na discussão de Reed (1997) sobre gestão e na discussão sobre o poder do Estado para a regulação do território, discorda-se de Machado (1995) quando a autora afirma que na gestão do território o gestor teria menos autoridade para determinar soluções do que o planejador por ser o gestor o “[...] interlocutor e elemento integrador das discussões [...]” (MACHADO, 1995, p. 25) sobre interesses territoriais que se apresentam sempre conflitantes e cambiantes. Se considerarmos que um prefeito e seus secretários são a elite dos gestores municipais, então qual planejador urbano teria mais autoridade que estes tipos de gestores para negociar, tomar ou implementar soluções para os problemas municipais? Diante do exposto, depreende-se a elaboração de um PDM envolve ambas as práticas – planejamento e gestão – e que estas devem ser operacionalizadas de forma integrada por um Governo municipal, o que muitas vezes dificulta o reconhecimento claro do que é planejamento e do que é gestão. Neste sentido, pode-se reconhecer o planejamento na medida em que uma equipe multidisciplinar de perfil técnico é contratada e/ou um conjunto de instituições ligadas ao território é convidada por um Governo para pensar sobre os problemas, as potencialidades e as demandas que a ele dizem respeito para, assim, projetos possam ser formatados e sugeridos ao Governo, no caso municipal, via PDM. Nesta mesma empreitada pode-se reconhecer a gestão na medida em que os projetos formulados para serem incluídos ou não no PDM e daí, efetivamente, implementados ou não por um Governo municipal precisa passar antes pelo crivo dos gestores municipais (decisão política) para que, somente assim, o processo de intervenção continue. No segundo momento os projetos são repassados às mãos de outros tipos de gestores – que podem ser técnicos contratados ou mesmo os municipais – responsáveis pela divulgação, discussão e registro dos ajustes finais necessários em cada projeto em consenso com a sociedade civil (ação política). Como o processo deve ser dinâmico e o ciclo deve ser fechado, os projetos devem 84 ser reavaliados pelos planejadores e pelos gestores municipais até que possa ser considerado finalizado e incorporado ao PDM. Para tentar responder como se daria a gestão do território por um Governo municipal nos moldes aventados por Machado (1995) é preciso, rediscutir o que se entende por gestão urbana. Primeiramente tomando-se o urbano no sentido estreito – o de urbe – pode-se dizer que a gestão urbana abarca, e muito disto vem desde a antiguidade clássica, a administração dos serviços ligados diretamente à conservação e limpeza da cidade. Entre outras tarefas cuidava-se das vias e espaços públicos (praças, jardins, mercados e feiras, entre outros equipamentos coletivos), da segurança pública, da manutenção de passeios públicos e calçadas, da circulação de veículos (de tração animal e depois motorizados), da coleta de tributos e taxas, bem como da autorização e fiscalização de obras e empreendimentos comerciais e financeiros. Em seu segundo momento, doravante o advento do modo de produção capitalista e a mudança paradigmática, marcadamente a partir do século XIX, no processo de reprodução do espaço e no modo de vida das pessoas (CARLOS, 1994), a gestão urbana passa a incorporar também o gerenciamento de outros serviços urbanos, que mais complexos e mais sofisticados, tinham a função de garantir nas cidades a condição básica dos seres humanos de viverem organizados em grupos, visto a complexidade que assumira a organização da sociedade no capitalismo. Está se tratando concretamente dos serviços urbanos infra-estruturais no mais das vezes organizados na forma de redes ou de sistemas técnicos: abastecimento de água, fornecimento de energia, telecomunicações, coleta e tratamento dos esgotos urbanos, coleta e disposição de resíduos sólidos, transporte público. Em geral, essas duas práticas de gestão urbana elencadas, doravante chamada de gestão urbana tradicional, são as mais difundidas tanto no senso comum dos citadinos quanto na administração pública. Em síntese, esta visão de gestão urbana é aquela que trata, apenas na cidade, da administração dos sistemas técnicos urbanos. Todavia, esta não corresponde à visão de gestão urbana contemporânea. Como foi dito, Vainer (2002a) posicionou a prática da competitividade urbana, no contexto da lógica da cidade-empresa, como o nexo central da questão urbana 85 atual. Mas seria reducionismo tratar tal questão somente por esse viés. Pelo menos outros dois fenômenos podem, nesses termos, serem acrescentados. Um deles é aquele que estende para além da cidade, enquanto espaço urbano por excelência, os efeitos espaciais e condicionantes políticos, econômicos e sociais relacionados ao modo de produção capitalista. É desta forma que a zona rural de cada município vem, paulatinamente, compondo o processo de “urbanização extensiva” que Monte-Mór (2005) entende como [...] o processo de extensão das condições gerais de produção urbano-industrial para além das cidades, atingindo espaços próximos e longínquos, onde as relações socioespaciais urbano-industriais se impõem como dominantes, independentemente de densidades urbanísticas variadas (MONTE-MÓR, 2005, p. 435). O outro fenômeno é o que Costa; Costa (2005) observam a partir de uma redefinição da questão urbana. Assim escrevem os autores: “A chamada ‘questão urbana’ foi então redefinida e desaparece enquanto indicadora das desigualdades que se expressam no urbano, precisamente quando todos os espaços parecem sucumbir (ou pelo menos se transformar) face à inexorabilidade do processo de urbanização” (COSTA; COSTA, 2005, p. 366). Segundo este pensamento temas clássicos da análise urbana, como aqueles ligados à gestão da cidade e às questões não resolvidas da urbanização terceiro mundista – como o controle do uso do solo, a qualidade do transporte público, a questão habitacional e a provisão de saneamento básico – parecem estar sendo considerados como elementos dados, frente ao avanço de novas abordagens sobre o urbano. São fenômenos que combinados e observados localmente, visto que a cidade é a sua base espacial, mas que estão enredados na dinâmica global da sociedade capitalista contemporânea vêm impondo à gestão urbana (mas que se dá apenas na cidade) novos desafios, por conseguinte, novas práticas que, por sua vez, demandam a adoção de novos instrumentos para que se operacionalize a gestão do território por um Governo municipal. Sem deixar de lado as atividades atinentes à gestão da urbe, podem ser identificadas, atualmente, as vertentes da gestão ambiental urbana, a gestão urbana participativa, a gestão urbana do desenvolvimento ou, ainda, a gestão urbana 86 estratégica. Novas abordagens que, em relação à gestão do território, respondem a agudização de questões como a problemática ambiental, o descrédito do modelo de democracia representativa, o atendimento às crescentes demandas sociais e a constante competição empresarial por lucros. Diante do exposto, concorda-se com Pechman (1988) quando este diz que a gestão da cidade já não se confunde mais com a gestão urbana, posto que o próprio urbano já não diz respeito somente à cidade. Ou, nas palavras de Carlos (1994): A idéia do urbano transcende aquela de mera concentração do processo produtivo stricto sensu; ele é um produto do processo de produção num determinado momento histórico, não so no que se refere à determinação econômica do processo (produção, distribuição, circulação e troca) mas também às determinações sociais, políticas, ideológicas, jurídicas, que se articulam na totalidade da formação econômica e social. Desta forma, o urbano é mais do que um modo de produzir, é também um modo de consumir, pensar, sentir, enfim, é um modo de vida (CARLOS, 1994, p. 26, grifo nosso). Não obstante esta constatação, ainda persiste a falta de um amplo entendimento no campo da administração pública sobre o esforço que um Governo municipal, especialmente, deve empreender de forma que a gestão urbana ainda focada em aspectos físico-territoriais amplie suas ações em direção a outros conteúdos do território que mesmo considerando a cidade-sede, os distritos, as vilas e os povoados não se esgotam nos limites político-administrativo dos municípios. Dois exemplos que podem contribuir para a operacionalização da gestão do território nos moldes defendidos por Machado (1995) podem ser verificados no Governo federal. O primeiro deles é uma pesquisa retomada a partir de 1999 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) denominada Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) cujos objetos de interesse são dados e informações multi setoriais a respeito da existência e/ou qualidade da estrutura institucional que deve servir de base para a organização das ações dos Governos municipais (IBGE, 2006). De forma similar, o outro exemplo pode ser constatado através da consulta ao Sistema Nacional de Indicadores Urbanos (SNIU) que se trata de um sistema de informações desenvolvido no âmbito da antiga Secretaria Especial do Desenvolvimento Urbano (SEDU), absorvida pelo Ministério das Cidades a partir de 2003 (SNIU, 2002). Em ambos os casos compõem o tema gestão urbana bases de 87 dados relacionados à infra-estrutura urbana, às políticas públicas e programas municipais, aos serviços prestados à população, aos instrumentos de gestão e, entre mais temas, os indicadores relacionados às finanças municipais e ao quadro administrativo municipal. Em síntese, o que se quer sugerir a partir da discussão sobre planejamento e gestão, e seus respectivos modelos, é a idéia de que a elaboração de um PDM como projeto de desenvolvimento municipal e instrumento de regulação do território apenas finaliza o processo de planejamento e gestão inaugurado com esta finalidade. Assim, as tarefas de planejamento e gestão do território pelo Governo municipal não se esgotam na elaboração do PDM, pelo contrário, o conhecimento gerado e a experiência adquirida por todos os agentes sociais que tenham atuado como planejadores ou gestores no decorrer desse processo deveriam ser direcionados pelos Governos municipais para a organização de uma nova estrutura institucional capaz de operacionalizar a gestão do território em todas as suas dimensões. Mas, se é verdade que os Governos municipais precisam melhor estruturar as práticas de planejamento e gestão do território para desempenharem com mais eficácia a regulação e induzir o desenvolvimento, também é verdade que há de se ter cuidado de como iniciar tal empresa. Não existem modelos de planejamento e de gestão prontos e acabados para serem replicados indiscriminadamente. Ainda mais quando se tem em mente as mudanças econômicas, sociais, políticas e espaciais, engendradas pelos diferentes regimes de acumulação do capital, se refletem nas formas e estratégia de ação das instituições. E no que diz respeito à forma atual de se fazer o ordenamento territorial tendo em vista o desenvolvimento municipal, o Estatuto da Cidade representa umas das maiores inovações institucionais do Estado brasileiro. 88 4 O ESTATUTO DA CIDADE COMO ATUAL PARADIGMA PARA A GESTÃO PLANEJADA DO TERRITÓRIO Com base em Bobbio (2007), Jessop (1997) e Bresser-Pereira (1995) entre outros, acredita-se que o Estado possui, mesmo no período atual, ação hegemônica e indispensável para a regulação do território perante outras instituições, inclusive as econômicas. Entretanto, para além dos agentes sociais, dos objetos e sistemas técnicos instalados no espaço e das normas jurídicas produzidas há de se considerar, também, na questão da elaboração dos PDM por um Governo municipal o problema da escala desse tipo ação estatal. Segundo a proposta de Santos (2006) existem duas escalas de ações: a escala de comando e a escala de realização. Esta diferenciação de escalas referese ao fato de que uma determinada ação poder ser pensada, discutida e resolvida por agentes hegemônicos exogenamente ao lugar e aos interesses do lugar (CASTRO, 2005b) onde a mesma ação de fato se realizará. Considerando tal proposta na perspectiva de uma abordagem regulacionista do território, é preciso ter em mente que, segundo a CF/1988, o município é a menor unidade político-administrativa autônoma que com o Distrito Federal, Estados e a União, dá forma à república federativa do Brasil – é o chamado pacto federativo. Neste contexto, seria correto supor que, como escala de realização, incidem sobre o município não somente as ações empreendidas pelo seu próprio Governo. No entanto, considerar que o Governo municipal estaria a reboque de outras escalas de comando, no caso a estadual e a federal contrariaria o próprio principio constitucional da autonomia político-administrativa que caracteriza o município como ente federado. Costa (2006) assim define o termo autonomia: A palavra autonomia vem do grego autonomia, que significa o direito de se reger por suas próprias leis (nomos), sendo a exteriorização do poder de uma comunidade de se auto-organizar. A autonomia tem limites, pois caso contrário seria soberania. Antes, os termos eram sinônimos, mas a necessidade de se conceituar o poder dos Estados-membros em uma federação acabou por afastar os sentidos. Já hoje se observa duas espécies de autonomia, a estadual e a municipal, cada uma dando a dimensão do poder destas entidades federadas. Ainda que mais restrita, condicionada pelo peculiar interesse, não se pode negar a autonomia dos Municípios e de sua integração ao sistema federativo (COSTA, 2006, p. 116). 89 Então, a proposta de escala de comando e escala de realização de Santos (2006) não parece ser a mais adequada ao enfoque ao fenômeno dos PDM. Como instrumento de regulação territorial e de desenvolvimento municipal, é o Governo que deve elaborar, implantar e fazer a gestão do seu PDM. Todavia, nesta temática, o problema da escala não pode deixar de ser considerado visto que sobre o município tanto incidem ações tomadas unilateralmente pelos Governos federal e estadual assim como o próprio Governo municipal pode demandar e exigir outros tipos de ações daqueles Governos, além de poder refutar as ações que firam a sua autonomia política e administrativa. Por isso considera-se a questão da escala segundo a proposta de Castro (1995): A escala é, na realidade, a medida que confere visibilidade ao fenômeno. Ela não define, portanto, o nível de análise, nem pode ser confundida com ele, estas são noções independentes conceitual e empiricamente. Em síntese, a escala só um problema epistemológico enquanto definidora de espaços de pertinência da medida dos fenômenos, porque enquanto medida de proporção ela é um problema matemático (CASTRO, 1995, 123). Tudo isto significa dizer que a elaboração de um PDM até a edição do Estatuto da Cidade em 2001 era um fenômeno visível apenas na escala local. Contudo, esta inovação institucional (FONSECA; VIEIRA, 2008) no âmbito do Governo federal mudou tal quadro. Desde então, a abordagem do problema da elaboração de um PDM precisa ser realizada de forma integrada, sobretudo, nas escalas local e nacional, ou seja, a escala de ação (SILVEIRA, 2004) não é somente o município, também constitui escalas de ação a União na medida em que o Governo federal por meio de seus agentes políticos e da sua tecnoburocracia também toma decisões, institui diretrizes e cria regulamentos que afetam tanto o processo de planejamento e elaboração de um PDM, inclusive seu conteúdo mínimo. Não por acaso, Castro (1995) e Silveira (2004) enfatizarem que não existe uma escala mais importante que a outra. O que muda é o que se pode observar no mesmo fenômeno ao se mudar a escala de observação. Portanto, tanto a escala local como a nacional são importantes quando se tem em mente a elaboração de um PDM e seus desdobramentos para a regulação do território. Sem este preâmbulo não se pode compreender a dupla importância do Estatuto da Cidade enquanto uma ação gestada no Governo federal mas que, de 90 fato, é objetivada pelo Governo municipal. Dois conjuntos de fatores mais gerais, que poderiam ser desdobrados em diversos outros pormenores, podem ser apontados para esta ação do Estado brasileiro. Em primeiro lugar chama-se a atenção para o quadro de desordem urbana e urbanística latente nos grandes centros urbanos brasileiros causada pelo crescimento econômico, demográfico e urbano, ocorrido na segunda metade do século XX. E em segundo lugar grifa-se a reação que este quadro gerou na sociedade urbana brasileira. O clamor popular, operado pela sociedade civil organizada, passou a exigir uma reforma urbana cujo “[...] principal objetivo seria a instituição de um novo padrão de política pública” (RIBEIRO, 2003, p. 13). Tal reforma deveria enfrentar tradicionais temas subjacentes à questão urbana brasileira tais como: habitação, transportes, universalização da infra-estrutura urbana, democratização do planejamento urbano, maior regulação pública do uso do solo, enfim, problemas que se devidamente enfrentados garantiriam a justiça social nas cidades (VILLAÇA, 1999; SOUZA, 2002). Nesta ocasião, início dos anos 1980, merece destaque a ação do Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) que culminou na elaboração de uma emenda popular com cerca de 200 mil assinaturas encaminhada à Assembléia Nacional Constituinte instaurada em 1986 (GRAZIA, 2003). Dois anos depois, a promulgação da Constituição Federal representou um primeiro avanço nessa direção. A CF/1988 ao incluir em seu texto um capítulo tratando sobre política urbana criou um marco legal para a efetivação de mudanças na atividade de ordenamento territorial encampada pela própria União em suas três esferas de governo. Muito embora, na prática da gestão municipal, tal ordenação tenha continuado a ser produzido, na maioria dos casos, pelos escritórios de consultoria, nacionais ou internacionais, especializados em planejamento urbano. Por meio dos Artigos 182 e 183, a CF/1988 atribuiu aos municípios, mas sem garantir a autonomia financeira deles, o papel de formuladores e gestores da sua própria política de desenvolvimento urbano. Ao mesmo tempo em que ratificou o PDM como instrumento básico para operacionalizar esta política. E esta ação serviu antes para reforçar o modelo tradicional de planejamento, em seu tecnocratismo (SOUZA, 2002), que para superá-lo. Como se isso não fosse suficiente o bastante para causar alterações na forma se fazer planejamento urbano, o cenário econômico nacional sofre uma incrível guinada a partir de 1991 quando entra em vigor o Plano Collor. O Governo Collor, 91 seguindo os princípios do Consenso de Washington, de 1990, começa a promover o processo de abertura econômica do país (KANDIR, 1998). Assim, os estados e municípios brasileiros foram inseridos num mercado econômico globalizado no qual a disputa por mercados consumidores, por fontes de matérias-primas e por mão-deobra barata realizada entre corporações multinacionais cria, transfere ou elimina distritos industriais e regiões produtivas inteiras num ritmo nunca antes observado. Aliás, nesse sentido, a famosa frase de Carl Max “Tudo que parece sólido evapora no ar” nunca pareceu tão aplicável. Frente à complexa realidade política, jurídica, financeira e cultural que cerca a gestão pública brasileira de obscurantismos os poucos dispositivos contidos no texto constitucional não foram capazes de fazer o Estado-nacional brasileiro, operando via municípios, disciplinar o ordenamento territorial das cidades brasileiras. Tal tarefa somente tornou-se factível com a maturação, ao longo de onze anos, do Projeto de Lei Pl-5.788/90 que incorporara o ideário da reforma urbana contida tanto no Pl-775/83 quanto na Emenda Popular elaborada pelo MNRU. É assim que, depois de muita tramitação no Congresso Nacional (CN), é aprovado em 10 de julho de 2001, graças ao processo de contínua mobilização da sociedade brasileira, o Estatuto da Cidade (EC) na forma da Lei Federal Nº 10.257/01 (GRAZIA, 2003). Ribeiro (2003) observa que o Estatuto da Cidade agrega modelos diferenciados de políticas urbanas. Um deles é de natureza regulatória posto que intenta “[...] submeter ao uso e a ocupação do solo urbano os imperativos das necessidades coletivas” (RIBEIRO, 2003, p. 15). Um outro é de natureza distributiva quando se tem em mente que o Estatuto traz diretrizes que impulsionam a ação do Governo municipal a promover a execução de serviços habitacionais e urbanos na cidade. E, ainda, possui uma característica redistributiva visto que o Estatuto da Cidade sistematiza instrumentos que pretendem “capturar parte da renda real gerada pela expansão urbana para financiar a ação pública” (RIBEIRO, 2003, p. 15) de universalização dos sistemas técnicos e outros serviços urbanos. Considerando o que agora foi exposto e a abordagem regulacionista do território, dois princípios gerais preconizados pelo Estatuto da Cidade podem ser destacados. Por um lado a função social da propriedade urbana se destaca como princípio fundamental sobre qual o Estado brasileiro se apóia para exercer a regulação do direito de propriedade privada no espaço urbano. Na medida em que 92 apresenta o discurso de preservar o interesse da coletividade, no que diz respeito ao uso ou a forma de ocupação de um lote urbano ou de uma gleba de terra a ser urbanizada, o Estado cerceia o direito de propriedade de um indivíduo ou de um pequeno grupo de indivíduos. Na verdade, explica Costa (2006), tal princípio encampado pelo EC nada mais é do que o ius politiae rebatizado, um poder medieval do qual o senhor feudal fazia uso para promover uma boa ordem civil dentro das terras do seu reino. E tal faculdade, hoje conhecido por poder de polícia, se confunde com a própria formação do Estado moderno. Para Costa (2006), uma perfeita definição de poder de polícia está contida no Código Tributário Nacional – a Lei Nº 5.172/66. Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Por um longo período, tal instituto atribuiu aos governantes a responsabilidade de cuidar das questões relativas à salubridade, segurança e tranqüilidade pública. Contemporaneamente, Costa (2006) menciona onze modalidades para o exercício do poder de polícia pelo município: polícia das águas; polícia do ar; polícia das atividades urbanas; polícia das construções; polícia dos costumes; polícia dos logradores públicos; polícia dos pesos e medidas; polícia das plantas e dos animais nocivos; polícia mortuária; polícia sanitária; e polícia de trânsito. Note-se que algumas das modalidades elencadas fazem parte mesmo da ordenação urbana detalhada no Quadro 5 e, não raro, cada uma delas é encontrada nos PDM sistematizadas na forma de capítulos. Já o princípio da gestão democrática da cidade preconizado pelo EC se destaca por oferecer ao cidadão comum a possibilidade de participar da gestão da sua cidade. Por este raciocínio a cidade deve oferecer chances iguais para todos, garantindo no mínimo, a posse legal de uma fração da terra urbana, via mercado, onde se possa habitar e dispor de um padrão de qualidade de vida mínimo (BRASIL, 2001b). E, segundo esse princípio, qualquer plano diretor, do maior ao menor município brasileiro, que não passe pelo crivo da participação política ativa dos 93 diversos agentes sociais, sobretudo a da população em geral, nas decisões que dizem respeito aos diversos aspectos inerentes à organização e ordenamento do espaço tornará ilegítimo todo o processo de planejamento. Acredita-se que é justamente este fato que faz agregar o adjetivo “participativo” ao modelo tradicional de planejamento urbano baseado em planos e regulamentos de caráter normativo, ou seja, o tal modelo de planejamento participativo não se sustenta pela prática em si da participação política. Em verdade a ênfase atribuída ao princípio da gestão democrática da cidade como uma das principais diretrizes para a elaboração de políticas públicas urbanas, deu margem a um novo problema. Não raro transformada em bandeira políticopartidária de cunho populista ou em critério para a liberação de recursos por organismos de financiamento (FEDOZZI, 2005), a exigência da participação da população nas experiências de planejamento dos Governos locais fez com que a montagem de uma metodologia participativa para a elaboração dos PDM recebesse mais atenção perante o necessário aprofundamento dos problemas municipais a serem enfrentados pelo plano em si. São duas questões que mesmo amalgamadas podem ser analisadas de forma diferenciada. Primeiramente, a participação popular não pode ser mais importante que o conteúdo técnico do plano diretor. Assim como este conteúdo não deve ser legitimado juridicamente, com a aprovação do plano pela vereança, sem antes ter sido legitimado socialmente pela população. Legitimação esta que se realiza na medida em que a população consegue deliberar sobre as soluções propostas pelo Poder Público e, principalmente, quando consegue colocar temas de seu interesse a serem tratados por ele. Todos estes aspectos só fazem chamar a atenção sobre o Estatuto da Cidade e a função que lhe cabe na atualidade. Ele é norma jurídica que regulamentou os Artigos 182 e 183 da CF/1988 pelas quais o PDM fica definido como principal instrumento normativo a disposição de um Governo municipal para a promoção do ordenamento territorial e implementação de uma política de desenvolvimento. Por isso mesmo, qualquer pesquisa que aborde PDM não pode ficar restrita apenas à escala local. A observação desse fenômeno na escala nacional traz novos e importantes elementos para que se possa entender qual a função de um PDM, sua estrutura e como deve ser elaborado. 94 4.1 A QUESTÃO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ELABORAÇÃO DOS PLANOS Desde as pioneiras experiências de participação popular na gestão local, ocorridas nos idos dos anos 1970, nos municípios de Lajes (SC), Pelotas (RS), Boa Esperança (ES) e Diadema (SP) muito se inovou no campo da gestão pública até a formatação e institucionalização, por meio do Estatuto da Cidade, de um marco legal para a elaboração de PDM diretores mais participativos. Marco este reforçado pela criação do Ministério das Cidades em 2003 e, mais especificamente, detalhado por meio da ação do Conselho Nacional das Cidades (Concidades) também a partir de 2003. Pode-se dizer que, no Brasil, um modelo de planejamento urbano de viés participativo somente começou a ser institucionalizado com a CF/1988 quando esta fixa no Artigo 29 dispositivos que, se levados a termo, garantiriam alguma participação da sociedade civil no esforço de planejamento de um Governo municipal. Nos incisos XII e XIII a CF/1988 preconiza que, respectivamente, tanto deve haver a “cooperação das associações representativas no planejamento municipal” quanto a “iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado” (BRASIL, 2002). Ainda assim, na maioria das experiências municipais do planejamento politizado ora instaurado não foi constatado um aumento substancial da participação popular (SOUZA, 2002). Somente com o Estatuto da Cidade tal matéria viria a ser um pouco mais detalhada pelo Estado brasileiro. Para que se cumpra a gestão democrática da cidade, enquanto umas das principais diretrizes gerais presentes no Artigo 2, o Estatuto fixa no Artigo 43: Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos: I - órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; II - debates, audiências e consultas públicas; III - conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV - iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (BRASIL, 2001a). 95 Mas no momento da sua promulgação a aplicação das diretrizes e instrumentos previstos no Estatuto da Cidade pelos Governos municipais foi posta em suspeição por diversos setores da sociedade (dirigentes políticos, pesquisadores, sociedade civil e população em geral). Com efeito, foi somente com a criação, em 2003, do Ministério das Cidades e da instituição do Concidades que houve a institucionalização, no plano federal, do chamado modelo participativo de gestão planejada do território, muito embora tal acontecimento somente tenha reverberado nos Governos municipais mediante provocação da União via campanhas e conferências organizadas pelo MCID e Resoluções do Concidades. Estas Resoluções vem sendo editando no sentido de fundamentar juridicamente tanto o processo de sensibilização e mobilização da população no que diz respeito à participação no processo de elaboração do PDM, bem como estipular o conteúdo mínimo destes planos. Em relação à primeira questão é a Resolução 25 (BRASIL 2005a) que, em suma, normatiza e regulamenta a organização do processo participativo. Ela reafirma e detalha os conteúdos do Artigo 43 e do §4º do Artigo 40 do EC. Este último responsabiliza os poderes Legislativo e Executivo municipal, no âmbito da elaboração do plano, pela realização de audiências públicas e debates com a população e com associações representativas dos vários segmentos sociais, da mesma forma que impõe a publicidade e o fácil acesso aos documentos e informações produzidos. A Resolução 25 chega a detalhar como a administração municipal deve sensibilizar, mobilizar e capacitar as pessoas para que elas possam, efetivamente, participar do plano. A seguir, apontam-se os principais pontos contidos nesta resolução: (i) No decorrer do processo de elaboração do plano diretor, ou seja, em todas as etapas, a coordenação dos trabalhos deve acontecer de forma compartilhada entre o Poder Público e a sociedade civil; (ii) O Poder Público deverá organizar e realizar debates de forma regionalizada (bairros, distritos, povoados etc.) com a população separando-as por segmentos sociais e por temas; (iii) A elaboração participativa do plano diretor deve ocorrer de forma integrada à elaboração do orçamento municipal. O que significa dizer que se uma prefeitura 96 elabora e os vereadores aprovam um plano, por exemplo, em 2007 e se o orçamento para 2008 não traz nenhum projeto ou ação definidos no plano existente, então existe uma grande probabilidade de que as propostas contidas no plano não saiam do papel; (iv) As audiências públicas realizadas na elaboração do plano têm a finalidade de informar, discutir, colher informações, rever e analisar o seu conteúdo. A normatização para a realização destas audiências, conforme o Artigo 8º da Resolução 25, contempla os seguintes aspectos: I – ser convocada por edital, anunciada pela imprensa local ou, na sua falta, utilizar os meios de comunicação de massa ao alcance da população local; II – ocorrer em locais e horários acessíveis à maioria da população; III – serem dirigidas pelo Poder Público Municipal, que após a exposição de todo o conteúdo, abrirá as discussões aos presentes; IV – garantir a presença de todos os cidadãos e cidadãs, independente de comprovação de residência ou qualquer outra condição, que assinarão lista de presença; V – serem gravadas e, ao final de cada uma, lavrada a respectiva ata, cujos conteúdos deverão ser apensados ao Projeto de Lei, compondo memorial do processo, inclusive na sua tramitação legislativa (BRASIL 2005a). (v) Tendo a prefeitura e a população chegado a uma proposta de plano diretor, antes do seu envio para apreciação dos vereadores tal proposta deve submetida a uma referendo popular, uma conferência por exemplo, que deve atender minimamente aos seguintes requisitos legais: I – realização prévia de reuniões e/ou plenárias para escolha de representantes de diversos segmentos da sociedade e das divisões territoriais; II – divulgação e distribuição da proposta do Plano Diretor para os delegados eleitos com antecedência de 15 dias da votação da proposta; III – registro das emendas apresentadas nos anais da conferência; IV – publicação e divulgação dos anais da conferência (BRASIL 2005a). Mas se até este momento foi exposto como o problema da participação popular na gestão pública em nível municipal foi enfrentado pelo Estado brasileiro procura-se, a partir de agora, percorrer o caminho inverso: enfocar experiências reais de participação no sentido de extrair parâmetros que possam ser úteis a um esforço de avaliação de PDM neste quesito. 97 Nesta direção, a metodologia do chamado Orçamento Participativo (OP) é colocada como paradigma para o estudo de experiências reais de participação popular na gestão municipal. Até porque a sua prática – baseada em mecanismos de sensibilização e mobilização da população; na realização de plenárias organizadas regionalmente no território municipal e tematizadas por assuntos específicos; e na convocação de conferências e congressos para que a população possa discutir e deliberar (GRAZIA et all, s/d) – foi aproveitada na montagem da própria metodologia participativa contida no Estatuto da Cidade. Mas não somente por isso. As experiências de OP em várias municipalidades brasileiras são relevantes porque animam o debate que enaltece o modelo de democracia participativa em detrimento do modelo de democracia representativa hegemônica não só no Brasil, mas em diversas outras democracias ocidentais, quer sejam presidencialistas ou parlamentaristas (CASTRO, 2005b). As experiências de OP começaram a surgir também no final dos anos 1980 a partir de uma inovação trazida menos pela CF/1988 que por um novo arranjo institucional nas administrações de municípios como Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo (FEDOZZI, 2005). Note-se que estas iniciativas ocorreram primeiro no âmbito municipal para, anos depois, serem consideradas, adaptadas – tanto pelo corpo tecnoburocrático do Estado nacional como pelos seus agentes políticos – e finalmente consolidadas no modelo participativo de planejamento preconizado pelo Estatuto da Cidade. Em realidade, o instrumento de planejamento municipal rotulado de gestão orçamentária participativa nada mais é que o Orçamento Participativo rebatizado. Assim está contido no EC: Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal (BRASIL, 2001). Numa alusão a teoria do contrato social de Rousseau, Fedozzi (2005, p. 144) considera o OP como o moderno contrato social, pois possibilita a intervenção popular na elaboração do orçamento municipal enquanto “[...] núcleo duro do planejamento governamental”. Núcleo duro porque é por meio do orçamento que as decisões políticas do governo se objetivam em termos de gestão pública e, assim, se 98 materializam no espaço. Por isso mesmo a população deve tomar parte deste processo. Ainda segundo Fedozzi (2005), o OP como instrumento para a participação surge no final dos anos 1980 em municípios das regiões Sul e Sudeste, com destaque para a paradigmática experiência de Porto Alegra (RS), como decorrência de três fatores principais: (i) a descentralização político-administrativa e a desconcentração dos recursos em favor dos entes federados definidos pela CF/1988; (ii) o aparecimento de novos agentes sociais e novas práticas políticoculturais decorrentes da redemocratização do sistema político brasileiro a partir de 1985; e (iii) o crescimento no número de municípios que passaram a ser administrados por forças políticas de viés progressista em detrimento do perfil conservador predominante nacionalmente de então. Entretanto, mais importante que analisar os diversos arranjos institucionais necessários à prática da gestão orçamentária participativa, que segundo dados do IBGE (2006) estava sendo praticada por 72,1% das municipalidades brasileiras no ano de 2005, é extrair dela aspectos e parâmetros essenciais que possam ser considerados na análise do grau e da efetividade da participação da população na gestão pública municipal. Realizada tal empresa cabe estender estes parâmetros analíticos ao problema da participação popular na elaboração de Planos Diretores municipais e, como já foi mencionado, na gestão do próprio plano. Tal fato representaria um avanço para a gestão democrática da cidade que, mesmo sendo tratada pelo Estatuto da Cidade, carece de metodologias que avaliem os PDM elaborados ou revisados. Não por acaso, tais parâmetros foram retirados da análise que Fedozzi (2005) realiza sobre uma pesquisa abarcando as experiências de OP em municipalidades brasileiras. Nesta oportunidade o autor enuncia, em forma de questionamento, dois interessantes parâmetros sobre a participação popular que podem ser extrapolados para além dos OP, posto que elas “ensejam múltiplas possibilidades de respostas sobre a prática e a teoria da participação” (FEDOZZI, 2005, p. 144). Primeiramente é perguntado pelo autor: “Que lugar a participação ocupa no sistema decisório de gestão?” (FEDOZZI, 2005, p. 144). Para responder a esta questão o mesmo autor lança mão de alguns pressupostos que em conjunto vão apontar dois caminhos para a participação: (1) ou os objetivos e interesses da 99 população de uma localidade estão sendo tratados diretamente por ela junto ao Poder Público municipal; (2) ou se apenas suas demandas estão sendo incorporadas ao discurso do executivo, na figura do prefeito ou do seu secretariado, ou ao discurso do legislativo, na figura dos vereadores que, não raro, se autodenominam representantes legítimos de bairros da zona urbana ou de distritos localizados na zona rural. Segue abaixo os itens elencados por Fedozzi (2005). (i) de uma forma mais geral, para que a participação ocupe um lugar central na vida política municipal é necessário que haja vontade política por parte do chefe do executivo municipal, ou seja, do prefeito. E tal fato se reflete na consideração da participação como um valor ético-político da democracia pela qual se acredita na capacidade da população tomar decisões mais complexas; (ii) também de uma forma geral, a centralidade da participação requer da população local um alto grau de associativismo comunitário e de cultura política; (iii) como o orçamento anual possui um papel central para gestão municipal deve haver um compartilhamento do poder de decisão entre o corpo técnico-burocrático do governo e da vereança com a população; (iv) este compartilhamento do poder de decisão pressupõe a disponibilização pelo Poder Público de informações à população previamente capacitada para que as pessoas possam entender o processo de alocação dos recursos orçamentários; (v) informada e capacitada a população, deve-se proceder a tomada de decisões compartilhadas. Para tanto deve existir a institucionalização de espaços de participação na gestão local – conselhos paritários, conferências municipais, audiências públicas, reuniões temáticas etc. A segunda pergunta que Fedozzi (2005) faz é sobre o poder real de decisão da população e o grau do controle social nos OP. Para respondê-la o autor constrói sua argumentação em cima de três critérios: (i) estrutura e processo da participação; (ii) o seu nível de institucionalização; e (iii) o poder decisório e a sua amplitude sobre o orçamento municipal. Note-se que tal pergunta poderia recair tranquilamente sobre a problemática dos planos diretores. Em relação à estrutura e processo da participação Fedozzi (2005) atribui grande importância à criação de canais institucionais nos Governos locais e, por esse ângulo, defende a implantação de um conselho municipal como o principal 100 canal de centralização da tomada de decisões compartilhadas. Sem estes canais o contato entre a população, o executivo e o legislativo municipal pode até ocorrer, contudo sem organicidade dentro da estrutura da gestão pública e, por isso, sem que haja uma institucionalização da participação. Aliás, é também nesta perspectiva que Castro (2005a, p. 41) destaca os conselhos municipais como “novos recursos institucionais colocados à disposição das sociedades e dos governos locais, a partir do processo de descentralização iniciado com a Constituição de 1988”. Sobre o segundo critério Fedozzi (2005) argumenta que mesmo que a participação logre adquirir um caráter institucional há de se questionar sobre qual é o grau desta institucionalização. Para tanto, se tornar mister no interior da estrutura administrativa municipal a determinação clara de como e quem gerenciará o processo participativo, atribuindo-se especial ênfase na sua coordenação. Esta deve acontecer de forma paritária entre agentes políticos e sociedade civil, deve ajudar na mediação do processamento técnico-político das demandas comunitárias e, principalmente, a coordenação deve ser sempre apoiada pelos dirigentes políticos de maior peso na municipalidade. Por fim, Fedozzi (2005) trata sobre o poder decisório e a amplitude da participação popular no orçamento municipal. Considera este critério o mais consistente na construção do significado do termo participativo. Nesse sentido, o autor evoca seu próprio entendimento sobre co-gestão (Figura 5), mas não para definir o que são os OP. Ele coloca a co-gestão como ideal de prática políticoadministrativa a ser atingida pelos OP e por outros instrumentos de participação popular o que, desta forma, levaria a uma verdadeira transformação do modelo de gestão pública tradicional em direção a um modelo de gestão sócio-estatal. Nesses termos, Fedozzi (2005) chama a atenção para a observação de alguns pontos. Primeiramente a forma que o Executivo municipal atua: se impõe suas decisões em relação aos problemas existentes; se consulta a população antes de decidir; se delega decisões às instâncias deliberativas institucionalizadas; ou se, o que é realmente desejado, adota “o procedimento de produção argumentativa do consenso” (FEDOZZI, 2005, p. 156) já que não é factível a transferência total da tomada de decisões para a população. 101 Figura 5 – Representação gráfica dos elementos para uma gestão sócio-estatal Onde: A = o poder administrativo do Estado; A C B = os fluxos comunicativos advindos da organização autônoma da população para a participação; C = as instâncias deliberativas institucionalizadas (conselhos, conferências etc). B Fonte: adaptado de FEDOZZI, 2005, p. 154-157 Deve ser observado, também, se o processo deliberativo institucionalizado no âmbito da gestão municipal possui caráter procedimental. Isto significa dizer que as decisões devem ser tomadas fazendo-se uso da argumentação e da negociação entre os participantes por meio da adoção de procedimentos claros e elaborados consensualmente entre eles. E mais importante ainda: que as decisões assim tomadas sejam, efetivamente, executas pela prefeitura no exercício seguinte, caso contrário a perda de credibilidade no Poder Público pode inviabilizar a participação popular, mesmo em municipalidades onde ela já esteja consolidada. Assim escreve o autor: A construção consensual de critérios – além de oportunizar uma solução racional para o dilema sempre presente entre “recursos escassos versus demandas reprimidas” – parece ser um dos elementos de maior valor pedagógico das experiências de envolvimento da população, na medida em que permitem exercitar aprendizagens relativas à prática da justiça distributiva e à construção de uma cultura democrática que exige o reconhecimento do outro, pois a legitimidade das decisões passa a depender das relações estabelecidas entre as demandas particulares (de cada grupo, bairro, microrregião, vila, organizações temáticas, etc.) e as regras pactuadas entre todos (FEDOZZI, 2005, p. 159). No entanto, ainda que todos estes critérios abordados venham a ser contemplados na metodologia de participação popular adotada em uma gestão municipal, Fedozzi (2005), baseado na análise das experiências de OP em 103 municípios, levanta a tese de que o rótulo de gestão participativa somente é 102 significante se a população local puder compartilhar com o Poder Público a deliberação do montante total de recursos a serem investidos, bem como sobre a sua melhor alocação. Muito contrariamente a este ideal, fora constatado pelo autor nessa mesma análise que as instâncias populares deliberativas somente têm acesso e decidem sobre 20%, no máximo, do total dos recursos orçamentários o que “constitui simulacros da participação” (FEDOZZI, 2005, p. 163). Pode-se concluir com base nos parâmetros de análise utilizados por Fedozzi (2005) que, em realidade, se o poder decisório e a amplitude da participação se limitam a apenas pensar sobre a utilização de uma pequena fração dos recursos controlados pelos dirigentes políticos, a participação popular fica restrita a uma mera consulta sobre prioridades. Nessas condições a população é convidada a opinar sobre as proposições e sobre a seqüência de execução delas (hierarquizando-as), contudo fica sem exercer a verdadeira participação que somente se processaria no âmbito da construção compartilhada com o Executivo e com o Legislativo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA). Como síntese das observações acerca das vantagens, desafios, resultados e limitações contidas nas experiências dos OP Fedozzi (2005) construiu o Quadro 8. Quadro 8 - Variáveis e condições favorecedoras à implantação de processos de democracia participativa (continua) Variáveis Vontade política de compartilhar decisões Condições Desfavoráveis Condições Favoráveis CENTRALIZAÇÃO DAS DECISÕES: RELAÇÕES VERTICALIZADAS CO-RESPONSABILIDADE: RELAÇÕES EM REDE = CO-GESTÃO Estado – Sociedade Civil Estado – Sociedade civil BAIXA ORGANIZAÇÃO E FRAGMENTAÇÃO SOCIAL Capital social Governabilidade financeira FORTALECIMENTO DO TECIDO SOCIAL E DAS REDES CÍVICAS cultura de tutela, do pedir e do favor. Consciência heterônoma. Pluralismo e autonomia dos atores da sociedade civil. Consciência de direitos. BAIXA CAPACIDADE DE INVERSÃO CIRCULO VIRTUOSO Desestímulo à participação, quebra de vínculo e de confiança. Participação e resultados materiais e subjetivos. Confiança. 103 (conclusão) Variáveis Capacidade de governo Abertura à inovação institucional Condições Desfavoráveis FRAGMENTAÇÃO DA ESTRUTURA E DAS FORMAS DE GESTÃO PÚBLICA Ausência de integração intragovernamental. RIGIDEZ INSTITUCIONAL, LEGALISMO EXACERBADO Temor da “perda de controle” por parte dos dirigentes políticos e dos líderes comunitários. Condições Favoráveis GESTÃO INTERSETORIAL E MULTIDISCIPLINAR Transversalidade, eficiência e eficácia no processamento técnico-político das demandas e na elaboração de projetos. DEMOCRACIA COMO SISTEMA ABERTO: FLEXIBILIDADE E INOVAÇÃO Criatividade dos atores envolvidos. Fonte: FEDOZZI, 2005, p. 164 No Quadro 8 são levantadas condições favoráveis e desfavoráveis à implantação do modelo de democracia participativa, que não se restringir aos OP. O Quadro 8 traz a identificação de quatro variáveis inerentes à forma pela qual o Estado atua na gestão municipal e mais uma variável referente à caracterização da população local em termos de participação política. Insisti-se que tal construção intelectual também pode ser empregada como instrumento de análise de PDM em relação aos processos de elaboração, especialmente, e em relação à implantação dos PDM elaborados. As próprias prefeituras denominam os PDM de participativos, contudo cada um deles guarda aspectos singulares em cada localidade. 4.2 A QUESTÃO DO CONTEÚDO DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL Tendo sido abordada a questão da participação popular na elaboração dos PDM, cumpre agora enfocar a questão do conteúdo para que ele possa cumprir suas duas principais finalidades: operacionalizar a regulação territorial que compete a um Governo municipal; e ser instrumento de desenvolvimento municipal. Nesta direção, tanto é necessário consultar o texto constitucional, enquanto fundamentação legal do instrumento, quanto à legislação que veio a tratar tal matéria posteriormente. 104 Emblemática do processo de descentralização administrativa, a CF/1988 trouxe em seus artigos alguns dispositivos que trataram de estabelecer as matérias sobre as quais o Poder Público municipal tem competência para agir especificamente, ou seja, o que Costa (2006) chama de competência expressa do município. Não por acaso, é a elaboração/revisão do PDM uma das matérias de competência expressa municipal. A competência expressa do município é voltada para os assuntos de interesse local, devendo prevalecer sobre as competências federais e estaduais. O critério básico de distinção é o interesse predominante, isto é, frente aos interesses da União e dos Estados, em determinadas matérias, o interesse municipal deve ter um grau maior [...] (COSTA, 2006, p. 74). E sobre o entendimento do que viria a ser este interesse local o autor diz que: Assim, os assuntos de interesse local são aqueles em que existe uma predominância dos interesses dos habitantes de determinada área, em que o Município, como entidade pública, tem maiores condições de resolver e implementar que as demais entidades federadas (COSTA , 2006, p. 120). Ainda assim, ressalta-se que esta competência municipal não deve se contrapor às competências estaduais e federais a bem da manutenção da harmonia e da independência entre as entidades federadas (COSTA, 2006). Em realidade, e no que tange ao ordenamento territorial, a lei orgânica municipal (a principal lei municipal) deve seguir os princípios fixados pela CF/1988, especialmente os Artigos 21, 29, 30 e 182. Por estes artigos o PDM fica definido como principal instrumento normativo a disposição do Governo municipal para a regulação territorial. Nesse sentido, o Quadro 9 destaca algumas passagens do texto constitucional que fixam algumas das competências municipais, definem a natureza dos PDM e estabelecem algum tipo de conteúdo para eles. Braga (1995), com base somente no texto constitucional, afirma que o PDM deve dispor, ao menos, sobre – delimitação das áreas urbanas, uso do solo urbano, expansão urbana, parcelamento do solo urbano, habitação, saneamento básico e transportes urbanos – e chama a atenção, muito apropriadamente, para o seu caráter acima de tudo urbanístico. 105 Quadro 9 – Base constitucional que trata sobre ordenamento territorial e PDM Dispositivo Constitucional Conteúdo específico dos incisos e parágrafos Compete à União: Artigo 21 XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: Artigo 29 XII - cooperação das associações representativas no planejamento municipal; XIII - iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado; Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; Artigo 30 VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. Artigo 182 § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, sub-utilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, Fonte: BRASIL, 2002. Constituição (1988) Diante da falta de detalhamento na própria Carta Magna do que efetivamente trataria um PDM houve a constatação, e daí as críticas, que muitos deles estavam 106 sendo elaborados de forma superficial. Isto significa dizer que os PDM ou não estavam contemplando todos os tipos problemas passíveis de serem resolvidos no âmbito dos Governos municipais – de forma exclusiva ou concorrentemente às competências dos Governos estadual e federal – ou os PDM não estavam incorporando as demandas de todos os setores sociais locais nas políticas públicas elaboradas. É verdade que o Estatuto da Cidade procurou trazer entre seus artigos passagens que estabelecessem outros conteúdos que qualquer PDM deveria dispor, para além dos mencionados no Artigo 182 da CF/1988. Mesmo assim, a celeuma em torno do conteúdo dos PDM não foi encerrada. De forma sintética, esta norma jurídica limitou-se a tratar tal tema somente no seu Artigo 42, a saber: Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo: I - a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5º desta Lei; II - disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei; III - sistema de acompanhamento e controle (BRASIL, 2001). Pelo Artigo 42 percebe-se que deve haver na lei de um PDM a demarcação espacial de áreas urbanas, mediante a delimitação por mapas, a fim de que os instrumentos de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios possam ser aplicados. Tal critério também é estendido a diversos outros instrumentos do Estatuto. Correlacionando tal obrigatoriedade à perspectiva miltoniana inicialmente discutida, pode-se dizer que se trata da utilização da norma jurídica para a criação de formas geográficas no espaço em prol da normatização do território. O Quadro 10 enumera os instrumentos preconizados pelo Estatuto que, compondo um PDM, carregam consigo esta propriedade. E a Figura 6 ilustra esta aplicação. Chama-se a atenção que os instrumentos do EC elencados no Quadro 10 para serem efetivamente aplicados também necessitam de regulamentação por lei municipal específica. Em outras palavras, não basta um município elaborar e aprovar seu PDM, o Governo municipal tem que editar, na seqüência, leis regulamentando os instrumentos nele previstos. Este aspecto revela-se, na experiência baiana, um ponto negativo nos processos de implementação dos PDM em várias 107 municipalidades pois, via de regra, os instrumentos do EC previstos nos PDM não são regulamentados pelos poderes Executivo e Legislativo municipal. Quadro 10 – Instrumentos do Estatuto da Cidade que para serem aplicados precisam ser delimitados espacialmente na lei do PDM Instrumento Conteúdo básico Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios Este instrumento da à prefeitura o poder de exigir que o proprietário parcele ou construa no seu imóvel vago ou subutilizado e localizado em área com infra-estrutura, assim, induzindo a ocupação destes terrenos e impedindo que áreas vazias da cidades continuem ociosas e como fonte de especulação imobiliária. Direito de Preempção Confere ao Poder Público o direito de preferência, frente a outros possíveis compradores, na aquisição de imóvel urbano destinando-o para: construção de moradia de interesse social, equipamentos e espaços públicos; criação de áreas de lazer e áreas verdes; criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico. Outorga Onerosa do Direito de Construir Mais conhecido como “solo criado”. Por este instrumento o Poder Público concede o direito de construir acima do permitido em determinada região da cidade exigindo do interessado uma contrapartida financeira. Tal contrapartida deverá ser empregada pelo Poder Público para o exercício do seu direito de preempção. Alteração de Uso O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário a ser utilizado da mesma forma que o instrumento anterior. Operações Consorciadas Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. Nos casos em que os proprietários, usuários permanentes ou investidores privados passem a gozar de benefícios advindos com a intervenção deve ser cobrada uma contrapartida deles a ser investida na própria operação consorciada. Transferência do Direito de Construir Este instrumento poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para: implantação de equipamentos urbanos e comunitários; preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural; e servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social. Fonte: BRASIL, 2001; BRASIL. Ministério das Cidades, 2005 108 Figura 6 – Exemplo de espacialização de instrumentos do Estatuto da Cidade em um PDM Fonte: CAMAÇARI, 2007 109 Mas foi somente com a Resolução 34 do Concidades (BRASIL, 2005b), que entrou em vigor quase quatro anos depois do EC (14/07/2005), que o conteúdo mínimo de qualquer PDM passou a ser efetivamente detalhado. De forma geral, esta resolução determina que as leia dos PDM contenham: (i) as ações e medidas que assegurem o cumprimento das funções sociais da cidade (promoção da qualidade de vida de cada cidadão e do bem-estar coletivo) e da propriedade urbana (uso do solo urbano estabelecido pelo Poder Público em prol do interesse coletivo em detrimento do interesse particular do proprietário), tanto na zona urbana quanto na zona rural; (ii) os objetivos, temas prioritários e estratégias necessárias ao desenvolvimento da cidade e organização territorial do município; (iii) os instrumentos de política urbana contidos no Artigo 42 do próprio Estatuto. Mais especificamente, os PDM devem garantir segundo a Resolução 34: a universalização da infra-estrutura urbana básica (água, esgoto, coleta de lixo, iluminação pública, calçamento das vias); o acesso da população de baixa renda e de populações tradicionais (ribeirinhos, quilombolas, indígenas etc.) à terra urbanizada; a preservação do patrimônio histórico, cultural ou artístico; a mobilidade das pessoas no município; a instituição de políticas ambientais (incluindo recursos hídricos) e de saúde pública; e garantir áreas para a indução de atividades econômicas voltadas para pequenos empreendimentos, inclusive os de agricultura familiar. Além de reafirmar a necessidade de espacializar previamente todos os instrumentos a serem aplicados pelo Governo municipal, são cobradas pela Resolução 34 as respectivas indicações/delimitações, também por meio de mapas propositivos, de todas as áreas sobre as quais incidirão as ações (conforme elencadas no parágrafo anterior) previstas no PDM. Se somente estes itens fossem levados em consideração poder-se-ia dizer que o viés generalista do conteúdo de um PDM teria sido diminuído consideravelmente. No entanto, a Resolução 34 do Concidades consegue avançar no sentido mais pragmático que uma lei pode ter – o estabelecimento de critérios e de regras de aplicação prática para que o plano diretor possa cumprir sua função. 110 Com base nesta resolução o Quadro 11 traz os principais itens subjacentes à ordenação territorial que devem compor os PDM. Quadro 11 – Principais itens para o ordenamento territorial que devem estar presentes no PDM segundo a Resolução 34 do Concidades (continua) Assuntos Conteúdos específicos dos parágrafos e incisos - determinar critérios para a caracterização de imóveis não edificados, subutilizados, e não utilizados; - determinar critérios para a aplicação do instrumento estudo de impacto de vizinhança; - delimitar as áreas urbanas onde poderão ser aplicados o parcelamento, a edificação e a utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização; Critérios e Delimitações Espaciais - definir o prazo para notificação dos proprietários de imóveis prevista pelo art. 5º, § 4 º, do Estatuto da Cidade; - delimitar as áreas definidas pelo art. 2º da resolução 34 e respectivas destinações nos mapas, e descrição de perímetros, consolidando no plano diretor toda a legislação incidente sobre o uso e ocupação do solo no território do município; - colocar exposição dos motivos da aplicação de cada um dos instrumentos previstos no inciso II do artigo 42 (instrumentos de indução do desenvolvimento) - destinar áreas para assentamentos e empreendimentos urbanos e rurais de interesse social; - demarcar os territórios ocupados pelas comunidades tradicionais, tais como as indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas, de modo a garantir a proteção de seus direitos; – demarcar as áreas sujeitas a inundações e deslizamentos, bem como as áreas que apresentem risco à vida e à saúde; Zonas Especiais - demarcar os assentamentos irregulares ocupados por população de baixa renda para a implementação da política de regularização fundiária; - definir normas especiais de uso, ocupação e edificação adequadas à regularização fundiária, à titulação de assentamentos informais de baixa renda e à produção de habitação de interesse social, onde couber; - definir os instrumentos de regularização fundiária, de produção de habitação de interesse social e de participação das comunidades na gestão das áreas; – demarcar as áreas de proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico. 111 (conclusão) Assuntos Conteúdos específicos dos parágrafos e incisos - garantir a diversidade das modalidades de transporte, respeitando as características das cidades, priorizando o transporte coletivo, que é estruturante, sobre o individual, os modos não-motorizados e valorizando o pedestre; Plano Diretor do Transporte e da Mobilidade - garantir que a gestão da Mobilidade Urbana ocorra de modo integrado com o Plano Diretor Municipal; - respeitar às especificidades locais e regionais; - garantir o controle da expansão urbana, a universalização do acesso à cidade, a melhoria da qualidade ambiental, e o controle dos impactos no sistema de mobilidade gerados pela ordenação do uso do solo. Fonte: BRASIL, 2005b A Resolução 34, ainda que seja considerada como o principal marco jurídico para o equacionamento do problema do conteúdo de um PDM, fixa nos seus Artigos 6 e 7 diretrizes e instrumentos sobre um tema aventado, mas não detalhado, no EC e na Resolução 25 do Concidades: o chamado sistema de acompanhamento e controle social sobre a execução do próprio PDM (Quadro 12). Quadro 12 – Conteúdo da Resolução 34 que trata do controle social sobre os PDM Temas Conteúdos específicos dos parágrafos e incisos - prever instâncias de planejamento e gestão democrática para implementar e rever o Plano Diretor; Sistema de Acompanhamento e Controle Social - apoiar e estimular o processo de Gestão Democrática e Participativa, garantindo uma gestão integrada, envolvendo poder executivo, legislativo, judiciário e a sociedade civil; - garantir acesso amplo às informações territoriais a todos os cidadãos; - monitorar a aplicação dos instrumentos do Plano Diretor e do Estatuto da Cidade, especialmente daqueles previstos pelo art. 182, § 4º, da Constituição Federal. - o conselho da cidade ou similar, com representação do governo, sociedade civil e das diversas regiões do município, conforme estabelecido na resolução 13 do Conselho das Cidades; - conferências municipais; Gestão Democrática do Sistema - audiências públicas, das diversas regiões do município, conforme parâmetros estabelecidos na Resolução nº 25 do Conselho das Cidades; - consultas públicas; - iniciativa popular; - plebiscito; - referendo. Fonte: BRASIL, 2005b 112 Elemento este que, realçando o paradigma da gestão democrática da cidade, se coaduna com a idéia de que não basta pensar um projeto de desenvolvimento municipal e, a partir disso, elaborar um PDM que se quer participativo. É preciso, igualmente, estruturar uma práxis de gestão urbana no município que garanta a realização dos objetivos e metas contidos na lei do plano e, ainda, que tal processo seja passível de ser acompanhado pela população interessada. Mais do que a quantidade e diversidade de procedimentos e conteúdos exigidos para a elaboração de um PDM, o que deve ser observado a partir dos Artigos 42 e 23 do EC e das Resoluções 25 e 34 do Concidades, do ponto de vista da geografia em geral e da perspectiva miltoniana em especial, é a confirmação que estes recursos institucionais devem ser considerados tanto sob o ponto de vista do território normado como do território como norma. O território normado tem haver com a ação de um Governo municipal de delimitar áreas especiais (formas geográficas) para aplicar os instrumentos contidos no Estatuto e para normatizar os possíveis usos que os agentes sociais podem fazer do território. Já o território como norma significa dizer que um Governo municipal, mesmo tendo autonomia política e legitimidade social para tomar decisões, somente pode agir considerando, sobretudo, os conteúdos técnicos e institucionais do território. Por tudo isso, se acredita que pela qualidade e quantidade dos instrumentos sistematizados para o planejamento e gestão do território – e daí o desencadeamento de um novo conjunto de práticas técnicas, políticas e jurídicas – o Estatuto da Cidade tenha se tornado um paradigma para a consolidação de um modelo democrático de planejamento e gestão urbana. Modelo este que tem viés progressista por incorporar elementos oriundos do modelo empresarial de gestão urbana, mas que, ao mesmo tempo, possui um viés conservador visto que se trata de um planejamento e gestão urbana operacionalizada via modelo tradicional, isto é, fundamentado na edição de normas jurídicas de cunho regulatório (zoneamentos, códigos, leis etc.). Mas a existência de todos estes recursos não significa dizer que o Estatuto da Cidade esteja sendo apropriado e utilizado da mesma forma pelas municipalidades brasileiras e baianas (Tabela 5). Sejam instrumentos de planejamento e gestão municipal mais antigos como as leis de perímetro urbano e de zoneamento, sejam instrumentos preconizados pelo EC como a Operação Urbana Consorciada, o Outorga Onerosa do Direito de Construir e o EIV, com efeito, o fato é que poucos 113 municípios baianos estão utilizando os instrumentos disponíveis como recurso institucional para a promoção do ordenamento territorial e para a indução do desenvolvimento. Tabela 5 – Bahia: existência (%) nos municípios de instrumentos do Estatuto da Cidade e de outros instrumentos de planejamento e gestão urbana, 20041 e 2005 Instrumentos % de municípios Gestão Orçamentária Participativa 64,5 1 Lei de Perímetro Urbano 41,7 Código de Obras 33,8 Contribuição de Melhoria 29,7 Conselho Municipal de Meio Ambiente (ativo) 1 29,0 Utilizam Instrumentos do Estatuto da Cidade 18,9 Outorga Onerosa do Direito de Construir 18,9 Lei de Parcelamento do Solo 16,5 Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) 8,2 Lei de Zoneamento ou Equivalente 7,4 Operação Urbana Consorciada 6,7 Conselho Municipal de Política Urbana – paritário 3,1 Conselho Municipal de Habitação – paritário 3,1 1 Fontes: cálculo do autor a partir dos dados do IBGE, 2006; IBGE, 2005 Este preocupante quadro aponta para o problema que Castro (2005a), considerando a localização das instituições e apropriação dos recursos institucionais, trata como territorialidade das instituições. Assim escreve a autora: [...] a necessidade de a isonomia da norma legal confrontar-se com instituições que se territorializam e, nesta condição, atuam de modo desigual em territórios socialmente diferenciados. Mesmo que os recursos institucionais de participação e de controle da gestão do poder público colocados à disposição da sociedade sejam os mesmos, as formas de apropriação destes recursos pelas sociedades locais são diferenciadas e, consequentemente, os resultados alcançados são muito diferentes (CASTRO, 2005a, p.48). Todavia a realidade dos fatos põe em xeque o Estatuto da Cidade como elemento fundante, na atualidade, de outro modelo de planejamento e revela os seus limites. Mesmo que os seus instrumentos estejam previstos nas leis dos PDM 114 pelos Governos municipais por serem reconhecidos pelos planejadores e gestores como eficazes para a administração e desenvolvimento municipal, a implementação destes instrumentos mostra-se problemática. Será que os instrumentos preconizados pelo EC são incluídos nas leis dos PDM, mas nem sempre implementados após a sua aprovação, porque não existe outra norma federal que obrigue os Governos municipais a tal ação? 115 5 PROGRAMAS RECENTES ENVOLVENDO A ELABORAÇÃO DE PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS NA BAHIA Diante dos princípios que o fundamentam, das diretrizes que preconiza e dos instrumentos sistematizados ou criados, pode-se afirmar que a promulgação do Estatuto da Cidade em 2001 pelo Governo federal representou um verdadeiro marco para o planejamento e gestão urbana empreendida pelo Poder Público municipal. Por ter força normativa, visto que é uma lei federal, o Estatuto da Cidade passou mesmo a ter apelo paradigmático. Desta forma, qualquer iniciativa de órgãos públicos, instituições de pesquisa e pós-graduação, organizações não- governamentais, organismo de financiamento de políticas públicas (nacionais ou internacionais) e/ou empresas privadas especializadas em planejamento urbano tiveram que adequar ou formatar, a partir de 2001, quaisquer projetos envolvendo a elaboração de PDM ao que fora estabelecido pelo EC e também, a partir de 2003, pelo Concidades. Neste sentido, esta seção pretende analisar dois projetos que mesmo tendo PDM como produtos a serem elaborados percorreram caminhos institucionais, teóricos, técnicos, e até mesmo ideológicos, bastante distintos. Adianta-se que um marcado pela complexidade e sofisticação dos PDM, mas também pela extrema fiscalização imposta às municipalidades. Já o outro marcado pela simplicidade dos PDM, por vezes extrema, mas, por outro lado, pelo caráter pedagógico e autônomo do processo de planejamento municipal. 5.1 O PROGRAMA DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL E DESENVOLVIMENTO DE INFRA-ESTRUTURA URBANA – PRODUR No estado da Bahia, após um longo período sem a formulação de políticas urbanas que tivessem em seu escopo a práxis de planejamento urbano, entra em vigência em 1997, portanto anos antes do Estatuto da Cidade, o Programa de Administração Municipal e Desenvolvimento de Infra-estrutura Urbana (Produr), que vigoraria até setembro de 2004. 116 Este programa foi concebido desde, o início dos anos 1990 pelo Governo da Bahia como Programa de Desenvolvimento Urbano nos moldes de programas similares colocados em prática em estados como Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Ceará e com financiamento do BM (RIBEIRO FILHO, 2006). Cabe, ainda, destacar que na fase inicial de concepção do Produr para apresentá-lo ao BM os estudos preparatórios contaram com consultorias dos pesquisadores Paulo Haddad e Sylvio Bandeira de Mello Silva. Na Bahia a primeira formatação do Produr se deu no seio da então Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia do estado da Bahia (Seplantec), cuja finalidade era a coordenação e promoção da execução das políticas e programas integrados de desenvolvimento municipal, urbano e regional. O Produr, assim como nos outros estados, apresentou como foco dos seus diversos programas e ações o município, mais precisamente a sede municipal, tendo em vista a execução da política estadual de desenvolvimento urbano (CAR, 1996). Segundo o Manual Operacional do Produr (volume 1) – orientação aos municípios (CAR, 1997), o arranjo institucional que viabilizou o programa foi o seguinte: o agente executor foi a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR) pertencente à estrutura da Seplantec; o agente repassador dos recursos negociados junto ao BM (planejado para 50% do total do programa foi o Banco de Desenvolvimento do estado da Bahia S/A (Desenbanco) até o ano 2000, quando o agente financeiro passou a ser a Agencia de Fomento do estado da Bahia S/A (Desenbahia); e os beneficiários do programa foram prefeituras e empresas municipais e algumas empresas públicas estaduais, desta forma tanto o Governo da Bahia como os Governos municipais deveriam apresentar contra-partidas aos financiamentos obtidos, 35% e 15% respectivamente, em prazos variados. Ainda segundo o manual operacional do Produr, que seguiu as diretrizes do BM contidas no documento Staff Appraisal Report – Bahia municipal infrastructure development and management project (WORLD BANK, 1997a) os principais objetivos declarados do programa foram: (i) Aumentar a capacidade institucional e financeira dos municípios para planejar, financiar e executar projetos e programas de desenvolvimento urbano cujos custos fossem recuperáveis resultando, assim, na “redução da dependência dos municípios das transferências do estado” (RIBEIRO FILHO, 2006); 117 (ii) Possibilitar a elevação do padrão de qualidade de vida da população local, sobretudo aquelas localizadas em áreas carentes, financiando investimentos em infra-estrutura urbana e/ou regional, com uma preocupação especial quanto ao impacto ambiental; (iii) Promover a coordenação e uma maior integração entre as administrações públicas estadual e municipal, visando a implantação da Política Estadual de Desenvolvimento Urbano. Outros objetivos não explicitados no manual operacional, mas citados por Ribeiro Filho (2006, p. 169) a partir da consulta à versão final do projeto elaborado pelo BM, foram: “Desenvolver um sistema para mapear a pobreza urbana no Estado da Bahia, para orientar nas estratégias de investimentos públicos” e “Apoiar a privatização e a concessão de serviços”. Tendo sido o Produr idealizado para agir em duas linhas diretivas gerais – “institucional development (ID) [...] and an urban infrastructure (UI)” (BANCO MUNDIAL, 1997b, p. 2) – operacionalmente ele foi formatado em três subprogramas, cada um por sua vez detalhado em diversos componentes e projetos (Quadro 13). Neste quadro chama-se atenção para o fato de que a elaboração de PDM se constitui em apenas um dos mais de 25 projetos existentes no programa pertencendo, especificamente, ao componente Planejamento Urbano e à linha de intervenção denominada como Desenvolvimento Institucional (DI). A principal finalidade da linha DI foi: [...] incentivar mudanças no padrão gerencial das administrações municipais, visando sobretudo a recuperação financeira das prefeituras através de instrumentos e meios que possibilitem aumento da arrecadação e planejamento dos investimentos (CAR, 1997). Ressalte-se que nos subprogramas Desenvolvimento Institucional e Áreas Carentes os repasses do agente financiador – correspondendo a até 85% do investimento em cada projeto – foram a fundo perdido, enquanto que no subprograma Infra-estrutura Urbana os prazos de pagamento variaram de 10 a 15 anos, de acordo com o tipo de projeto, sob a incidência de uma taxa de juros anual de 10% (CAR, 1997). 118 Quadro 13 - Subprogramas, componentes e projetos integrantes do Produr na Bahia Subprograma Componente Projeto Informatização Cadastro Técnico Modernização Administrativa Código Tributário Elaboração de Leis Reforma Administrativa Base Cartográfica 1 - Desenvolvimento Institucional Planejamento Urbano Perfil Sócio-Econômico Plano Diretor Urbano Estudos e Programas Cursos Seminários Capacitação de Recursos Humanos Palestras Workshop Treinamento em serviço Abastecimento de Água Esgoto Sanitário Limpeza Pública Saneamento Básico Drenagem Pavimentação Controle de Erosão 2 -Infra-estrutura Urbana Contenção de Encostas Investimentos Complementares Abastecimento Iluminação Pública Manutenção Urbana Matadouros Mercados Terminais Portuários Apoio ao Desenvolvimento Regional Terminais Turísticos Terminais Aeroviários Urbanização de Áreas Periféricas 3- Áreas Carentes Recuperação de Novos Alagados Projetos Integrados de Saneamento Básico Fonte: CAR, 1997 No entanto, o próprio manual operacional já esclarecia que para celebrar os contratos e os convênios com o BM e com a CAR as municipalidades deveriam 119 participar de pelo menos dois subprogramas: o de Desenvolvimento Institucional e o de Infra-estrutura Urbana. Mais que isso. O município somente seguiria no Produr, recebendo os recursos contratados, caso a execução da primeira etapa fosse bem avaliada pelos agentes executor (CAR) e financiador (BM). Tal fato denota a grande importância atribuída às ações de DI sempre constante na agenda do BM. Imposição esta que caiu por terra quando se verificou que mesmo com os créditos já depositados os municípios não os podia sacar visto que não conseguiam avançar do primeiro para o segundo subprograma (RIBEIRO FILHO, 2006). Mas estas foram somente duas das muitas exigências impostas aos municípios para que estes pudessem participar do programa. A razão disso é o pano de fundo que deu o tom ao verdadeiro significado do Produr: A participação do BM [Banco Mundial] no PRODUR foi muito mais do que a de um simples agente financeiro que, muitas vezes, empresta os recursos e fica alheio ao desenvolvimento do projeto. Na realidade, o BM foi o “autor intelectual” do Projeto e zelou para que ele não se desvirtuasse em momento algum do modelo dos PDMs [Planos de Desenvolvimento Municipal]. Para tanto, controlou rigorosamente todas as fases do Projeto e exigiu prestações de contas freqüentes à CAR. Regularmente, esta enviava relatórios de desempenho a Washington, e, pelo menos duas vezes ao ano, o BM enviava missões de avaliação à Bahia. Além disso, todos os projetos de ajustes urbanos ou de “reformas municipais” passavam pelo aval do BM. Enfim, como afirmou a Coordenadora do PRODUR: ‘O tempo todo o Banco estava monitorando’ (RIBEIRO FILHO, 2006, p. 171). Pode-se dizer que, grosso modo, este programa encampado pelo Governo baiano significou a versão adaptada e ampliada do documento Bahia Municipal Development Project do BM (WORLD BANK, 1997a). E concorda-se com Ribeiro Filho (2006), quando este afirma que tal documento objetivou disseminar as estratégias de ação desta instituição financeira internacional no que diz respeito ao planejamento e implementação de políticas urbanas pelos governos municipais. Aliás, desde anos 1970 esta instituição se voltou para os problemas oriundos do processo de urbanização desordenada característico das grandes cidades dos países capitalistas em desenvolvimento. Num primeiro momento como forma de conter o avanço dos ideais comunistas de então no seio da população urbana mais pobre. Tal intencionalidade se objetivou por meio de ações como o financiamento de projetos de urbanização de favelas, a provisão de lotes urbanizados, a melhoria dos 120 transportes urbanos e, ainda, o financiamento de alguns projetos de abrangência regional. Já nos decênios 1980/90 o BM passou a focar mais nos projetos de provisão de infra-estruturas/serviços urbanos e de desenvolvimento institucional da administração pública, ambas as ações com base no discurso de desenvolvimento municipal. Tais ações podem ser interpretadas como uma resposta à agudização de problemas socioeconômicos em pequenas e médias cidades latino-americanas desencadeada após o esforço empreendido pelo pensamento neoliberal para que a ação do Estado na regulação econômica, social e territorial fosse diminuída. O PRODUR é um típico PDM [Plano de Desenvolvimento Municipal], cujo modelo foi desenvolvido pelo BM no início dos anos de 1980 para promover ajustes nas cidades, seguindo a mesma orientação dos ajustes estruturais e setoriais neoliberais implementados na escala do governo nacional. Os objetivos declarados no Projeto não deixam dúvidas sobre as ações reformistas pretendidas pelo BM: realizar “reformas municipais”, com vistas a elevar receitas locais, privatizar serviços públicos municipais e urbanizar áreas faveladas (RIBEIRO FILHO, 2006, p. 213). É neste contexto de indução exógena de reformas municipais e sob condicionantes de ordem financeira, técnica e política, já que a afinidade políticopartidária entre Governos municipais e Governo estadual também pesou para a seleção das municipalidades (RIBEIRO FILHO, 2006), que o Produr se consubstanciou num amplo programa de elaboração de PDM (96 no total) no bojo dos projetos voltados, em última instância, para o desenvolvimento institucional de municípios baianos (Figura 7). Estimulando a contratação de diversas empresas de consultoria, via licitação, para a completa elaboração dos produtos previstos, os PDM do Produr tinham como principal objetivo, segundo documento da CAR (1997b, p. 28), dotar os municípios “do instrumental necessário ao efetivo planejamento e ordenação de suas ações, de modo a promover um desenvolvimento urbano mais integrado e que conduza à melhoria da qualidade de vida da população”. No entanto, Ribeiro Filho (2006) chama a atenção, muito apropriadamente, para uma outra função dos PDM: a de difundir idéias ou doutrinas do BM. O modelo e a metodologia dos PDM do Produr diferem bastante dos tipos de PDM elaborados até então. Antes o enfoque dos planos recaía sobre problemas municipais, que na verdade dizia respeito somente à cidade, tipo – delimitação do 121 perímetro urbano e previsão de área de expansão urbana; zoneamento dos usos do solo urbano; definição da localização de equipamentos urbanos (mercado, postos de saúde, escolas, praças etc.) e de atividades econômicas; pavimentação de vias; água e esgoto; entre outros. Mas, em terras baianas, o Produr inova ao tentar difundir em larga escala o planejamento estratégico e a gestão empresarial de cidades, apesar de ter sofrido em 2001 as devidas adaptações ao texto do Estatuto da Cidade. Figura 7 – Municípios baianos que elaboraram PDM pelo Produr ± 0 50 100 200 Km Fonte: elaboração do autor Nessa perspectiva, não é de se estranhar, portanto, que as cartilhas do Produr abordassem temas como: projetos estratégicos; programas de investimentos; articulação intra-institucional com outros instrumentos de planejamento municipal; 122 abrangência municipal/regional; ação gerencial com foco em resultados; capacitação do setor público; participação comunitária; pacto territorial etc. (CAR, 1997b; 2002). Para adaptá-lo ao EC a CAR elaborou um Termo de Referência que, chancelado pelo BM, deveria ser utilizado como uma espécie de guia para que as empresas de consultoria contratadas pelos Governos municipais elaborassem os PDM sem fugir da essência do modelo original. Trocando em miúdos, isto significa dizer que houve uma padronização da metodologia e dos conteúdos dos PDM para facilitar o monitoramento e a execução do programa, conforme exigência do próprio agente financiador, já que relatórios parciais e os produtos elaborados tinham que ser submetidos a CAR para que seus consultores os revisassem e emitissem pareceres. O Quadro 14 traz os princípios básicos e os principais itens que o Termo de Referência da CAR (CAR, 2002) coloca como aspectos e itens que deveriam estar obrigatoriamente presentes em todos os PDM elaborados no âmbito do Produr. Quadro 14 – Princípios norteadores dos PDM do Produr e os principais produtos a serem elaborados pelas empresas de consultoria Princípios Principais produtos - Indicar metas e objetivos viáveis e em acordo com os interesses a comunidade e da Prefeitura; - Relatório de Planejamento Estratégico: contendo a análise estratégica (SWOT); o pacto territorial (participação comunitária); mapas; etc. - Esboçar estratégias de desenvolvimento urbano, que apontem no sentido da sustentabilidade, da autodeterminação e da eficácia, eficiência e equidade dos sistemas propostos; - Traçar políticas e diretrizes direcionadas, evitando um leque muito grande de recomendações, com poucas prioridades, pois quem as tem em excesso acaba por não ter nenhuma; - Distinguir conceitualmente programas, projetos e ações. - Relatório do Plano Diretor: contendo: cenários; o partido urbanístico; os projetos estratégicos; mais mapas; o balcão de informações; o caderno de oportunidades de desenvolvimento; e os instrumentos administrativos (modelos de planejamento e gestão). - Relatório Final: contendo a síntese dos dois produtos anteriores; o Relatório de Legislação (instrumentos jurídicos de ordenação urbana); e material de divulgação. Fonte: elaboração do autor a partir da CAR, 2002 Frente à metodologia híbrida contida no Termo de Referência e nos próprios PDM resultantes, que combinaria as “virtudes” de diferentes modelos de planejamento urbano, Rocha (2004) afirma que não se pode rotular os PDM do 123 Produr de planos tradicionais, estratégicos ou participativos. Todavia, Ribeiro Filho (2006) aponta opinião diametralmente oposta em, pelo menos, duas passagens: Os planos diretores, mais do que simples instrumentos para controle e ordenamento do crescimento urbano, tinham um caráter estratégico, visando atrair investimentos para as cidades que alavancassem a economia local gerando emprego e renda, mas, sobretudo, receitas (RIBEIRO FILHO, 2006 p. 200). O TR [Termo de Referência] para plano diretor foi o documento do PRODUR, no qual as idéias sobre planejamento urbano e gestão urbana difundidas pelo BM manifestaram-se de forma mais evidente, constituindo-se, assim, no principal documento no âmbito do DI [Desenvolvimento Institucional] de difusão da agenda do BM para as cidades baianas. O documento indicou detalhadamente todos os elementos que deveriam constar dos planos diretores, a metodologia a ser usada, o produto a ser entregue ao final dos trabalhos. Constituía-se em verdadeiro receituário que deixava pouco ou nenhum espaço para manobra (RIBEIRO FILHO, 2006, p. 217, grifo nosso). De forma sintética, estas são as considerações analíticas mais importantes sobre o Produr para esta pesquisa, visto que o foco dela não é o programa em si, mas justamente dois de seus produtos: o PDM de Morro do Chapéu, elaborado entre 2003 e 2005; e o PDM de Barra do Choça, elaborado entre 2004 e 2006. Ambos os PDM serão analisados em capítulo posterior juntamente com mais dois PDM desenvolvidos no âmbito de um outro programa formatado especificamente para tal finalidade. Na próxima seção este será o tema tratado. 5.2 O PROGRAMA DE APOIO A ELABORAÇÃO DE PLANOS DIRETORES PARTICIPATIVOS DOS MUNICÍPIOS DOS ESTADO DA BAHIA – PDP-BA Desde a sua criação em 2003, a principal prioridade declarada do Ministério das Cidades (MCID) foi apoiar “o planejamento territorial urbano e a política fundiária dos municípios” (MCID, 2007). E tal prioridade se desdobrou de lá para cá em diversas ações cuja finalidade comum foi, justamente, a aplicação dos instrumentos previstos pelo EC, incluindo aí a elaboração ou a revisão de PDM. Em termos de estrutura institucional do MCID coube à Secretaria Nacional de Programas Urbanos (SNPU) “apoiar a implementação do Estatuto das Cidades e assessorar os municípios na elaboração de seus Planos Diretores” fazendo uso de 124 recursos provenientes do Orçamento Geral da União (OGU) (MCID, 2007). Para tanto, entre outros programas, foi criado em 2005 o programa Fortalecimento da Gestão Municipal Urbana tendo como objetivo básico “reforçar a capacidade de gestão territorial e urbana, por meio do apoio e da capacitação dos municípios na elaboração ou revisão do Plano Diretor Participativo” (MCID, 2005). No âmbito deste programa a principal ação realizada foi a denominada Ação 1: Apoio à implementação dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e elaboração de Planos Diretores, encampada ainda em 2005. Para que os municípios pudessem aderir a tal ação, e assim receber os recursos federais previstos, era necessário que submetessem propostas elaboradas conforme documento específico elaborado pelo MCID: o Manual de Apresentação de Propostas (MCID, 2005). As diretrizes que nortearam este programa e, portanto, a seleção de propostas foram as seguintes: - Estimular a gestão democrática por meio de processos participativos no planejamento e na gestão urbana e territorial; - Neste processo, estimular a associação e a cooperação entre municípios; - Estimular a organização de uma rede de apoio técnico, jurídico e social para a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU); - Estabelecer mecanismos de monitoramento e controle social para implementação da ação com o apoio técnico, capacitação e acompanhamento da elaboração dos PDM, junto aos municípios; - Garantir que o trabalho dos consultores, caso houvesse necessidade de contratação pelos estados, municípios e Distrito Federal, conduzisse à capacitação institucional das prefeituras, de instituições locais e de segmentos da sociedade civil; - Potencializar e articular programas, ações e recursos, no âmbito do Governo federal e parcerias externas, para a elaboração de PDM; e - Articular as ações do programa com as demais ações de ordenamento territorial, no âmbito do Governo federal. É neste cenário institucional deflagrado com o programa da SNPU, especialmente a Ação 1, que é formatado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), entre 2005 e início de 2006, o Programa de Apóio à Elaboração 125 de Planos Diretores Participativos dos Municípios do estado da Bahia, ou simplesmente PDP-Ba, seguindo as diretrizes e metodologia descritas no próprio manual do MCID. Ele foi lançado em julho de 2006 e encerrado oficialmente em maio de 2007. A CNM é uma entidade municipalista de natureza jurídica não-governamental que tem a faculdade de representar legalmente os interesses dos municípios a ela filiados. Seu principal foco de atuação, mas não exclusivo, até então era a prestação de serviços de assistência político-institucional aos municípios associados, marcadamente os de natureza tributária. Adentrando na área de prestação de serviços técnicos, o PDP-Ba significou um projeto da CNM que teve como objetivo viabilizar, técnica e financeiramente, a elaboração de PDM por meio da capacitação dos técnicos municipais e formação de uma rede de assistência técnica de apoio à equipe das prefeituras (CNM, 2006). Projeto este inspirado no citado programa da SNPU, porém não financiável aos municípios. Estes tiveram que bancar os gastos com recursos próprios. Ao contrário do formato institucional do Produr, a única exigência para que as municipalidades aderissem ao referido programa foi a filiação formal delas à CNM, sem o que a entidade não poderia representar legalmente o município. Logo em seguida, o município deveria assinar um Termo de Adesão ao programa, definindo qual seria o caráter da sua adesão: elaborar o PDM ou apenas revisá-lo. Segundo o supervisor geral do PDP-Ba, três razões iniciais para os municípios aderirem ao programa foram: (i) a imposição do Estatuto da Cidade para que os PDM estivessem elaborados até 31 de outubro de 2006, portanto um exemplo clássico de casuísmo; (ii) a maior facilidade para a captação de recursos governamentais e de outras instituições de financiamento caso o município tivesse o PDM, aqui uma razão de ordem financeira; e (iii) o baixo preço praticado pela CNM em relação aos preços praticados por empresas de consultoria, razão também de ordem financeira (ALMEIDA NETO, 2007). Almeida Neto (2007) grifa que o interesse em participar do programa em função da oportunidade de se desenvolver uma “cultura de planejamento” sequer foi levada em consideração pelos gestores locais no momento de adesão ao programa. A Figura 8 traz o total de municípios que aderiram ao PDP-Ba, que começou com 25 municípios sendo que mais três – Campo Alegre de Lourdes, Oliveira dos Brejinhos e Tanhaçu – ingressaram logo depois. 126 Figura 8 – Total de municípios baianos que aderiram ao PDP-Ba ± 0 50 100 200 Km Fonte: elaboração do autor Mesmo sem que a CNM tenha promovido qualquer tipo de seleção, o traço comum básico dos municípios participantes foi o pequeno tamanho da população e o baixo peso destas economias municipais no rol da economia baiana como um todo. As populações municipais, tomadas no ano 2000, variaram entre 20 mil (a maioria) e 75 mil habitantes (SEI, 2004). Da mesma forma, suas economias variavam entre 0,04% e 0,22% de participação no Produto Interno Bruto – PIB baiano de 2004 (SEI, 2006). Como se observa, foram as pequenas municipalidades (independentemente de questões políticas, socioeconômicas e ambientais) que mais se interessaram em participar do PDP-Ba. Talvez a fragilidade institucional e financeira que marca a estrutura administrativa destes pequenos municípios tenha sido uma motivação a 127 mais para o interesse em participar do programa, complementando as três razões enumeradas por Almeida Neto (2007). Segundo a cartilha que descreve a metodologia do PDP-Ba (CNM, 2006) o programa possuiu quatro macros objetivos, a saber: (i) resgatar a capacidade de planejamento urbano das administrações locais; (ii) dar condições para que estas administrações possam implementar a política urbana ora formulada; (iii) fazer com que estas administrações adotem ou desenvolvam, localmente, instrumentos de gestão; e (iv) formar quadro técnico local apto a realizar a gestão do PDM instituído. Estes objetivos procuram denotar, portanto, o que a CNM definiu como ênfase do programa no protagonismo local. A proposta metodológica de trabalho do PDP-Ba foi pensada e formatada seguindo, unicamente, os procedimentos e/ou metodologias preconizados pelo Estatuto da Cidade, pelas Resoluções 25 e 34 do Concidades e pelo próprio manual do programa Fortalecimento da Gestão Municipal Urbana da SNPU. Se o Produr pode ser criticado por se preocupar mais com a estruturação de uma práxis de planejamento e gestão urbana de viés estratégico-empresarial nos Governos municipais e se preocupar menos com a aplicação dos instrumentos de ordenamento territorial e de indução do desenvolvimento contidos no EC, então o PDP-Ba pode ser criticado pela centralidade total que o EC e o arcabouço jurídico dele derivado exerceu sobre os artífices do programa. Tão central que, analisando seu manual e suas cartilhas, não se percebe qualquer outra discussão teórica ou de base empírica sobre planejamento urbano, territorial, regional etc. que fundamente, ilustre ou enriqueça o próprio programa. Limitou-se, portanto, a uma visão legalista e estatal da práxis de planejamento. Para operacionalizar seu método de forma que pudesse atingir os objetivos propostos, o PDP-Ba foi estruturado em quatro etapas sucessivas com conteúdos e objetivos específicos, porém inter-relacionados, pelas quais um mau desempenho em uma etapa iria comprometer, inexoravelmente, a execução das etapas que se seguiriam. O Quadro 15 traz alguns detalhes de cada uma das quatro etapas. Cada uma destas etapas subdividiu-se em diversos momentos e atividades, sempre seguindo uma ordem lógica e cronológica. Descrever todas elas foge ao escopo desta pesquisa. No entanto, segundo informações contidas no documento Manual para elaboração dos Planos Diretores Participativos (CNM, 2006) e outras informações retiradas do depoimento do supervisor geral do programa (ALMEIDA 128 NETO, 2007), podem ser listadas outras características e procedimentos, senão os principais, do PDP-Ba. Quadro 15 – As quatro etapas do PDP-Ba Etapas Descrição Elaboração do Plano de Ação É o documento que define a estratégia de elaboração do plano diretor participativo. Através dele será estabelecido o marco inicial de pactuação da sociedade (Poder Público + sociedade civil + iniciativa privada) em torno do processo de elaboração do plano diretor participativo. É nesta etapa, por exemplo, que é formada a equipe de técnicos locais que será capacitada pelos consultores técnicos da CNM e que coordenará localmente o processo de planejamento, inclusive sendo responsável pela articulação entre Poder Público municipal e sociedade civil e pelo levantamento inicial das informações e dados existentes no município (inventário preliminar). Leitura da Realidade Municipal Compreende atividades de levantamento e organização de dados e informações sobre as características do município e sua discussão com a população. São duas as leituras: a técnica - diagnóstico do município feito pelos técnicos municipais com base nos dados oficiais dos órgãos federais e estaduais, além de outros existentes na Prefeitura; e a Comunitária - identificação dos problemas, potencialidades e conflitos realizada pelos diversos segmentos que compõem a sociedade civil (empresários, profissionais, trabalhadores, movimentos, populares, ONG`s, associações, grupos de jovens, maçonaria, igrejas, conselhos etc). Seleção e pactuação de propostas, temas e eixos prioritários Elaboração do projeto de lei do plano diretor participativo Compreende o estabelecimento da hierarquia das ações e metas a serem implementadas pelo plano diretor participativo. O objetivo desta etapa é estabelecer a agenda de desenvolvimento do município através de um pacto com a sociedade civil. Selecionados os temas prioritários, deverão ser definidos os objetivos, instrumentos e estratégias que nortearão as ações a serem realizadas em prol do desenvolvimento municipal. Consiste no trabalho técnico de transformar em projeto de lei os temas, propostas e eixos prioritários tirados e pactuados na etapa anterior. Contudo, o documento final passa por duas aprovações: uma na conferência municipal com a participação da população e outra na Câmara de Vereadores. Trata-se, em realidade, da prévia aprovação popular do projeto de lei do plano diretor participativo. Fonte: elaboração do autor a partir da CNM, 2006 Em relação à formatação institucional do PDP-Ba, foi condição básica e amplamente divulgada junto aos Governos municipais que a CNM não elaboraria os PDM. Seguindo as diretrizes do programa da SNPU, a CNM exigiu que as prefeituras formassem uma equipe com técnicos municipais cujo perfil profissional os habilitasse a atuar no Núcleo Gestor Local (NGL) responsável pela organização e condução das atividades atinentes ao processo de elaboração dos PDM. Para tanto, 129 a CNM capacitaria e orientaria estes técnicos mediante visitas dos técnicos da CNM, treinamentos in loco ou em Salvador ou mesmo via telefone ou internet. Isto significa dizer que a relação prefeituras versus CNM foi de assistência técnica, não se caracterizando como consultoria propriamente dita. Interessante registrar que dentro deste formato fez parte do PDP-Ba tanto a coleta em órgãos públicos federais e estaduais e em concessionárias de serviços públicos (água, energia, telefonia) de produtos cartográficos necessários ao planejamento físico-territorial, como também a produção de mapas temáticos pelos técnicos locais assistidos pelos da CNM. Produtos tipo: atualização das plantas da cidade-sede, das vilas distritais e até mesmo do mapa municipal; elaboração de mapas de uso e ocupação do solo urbano; macrozoneamento municipal; elaboração de mapas temáticos sobre a distribuição das redes de infra-estrutura e dos equipamentos públicos (educação, saúde, lazer, governamentais etc.), entre outros. Somente tal fato já se constituiu num importante ganho administrativo para os Governos municipais. No que diz respeito ao método de trabalho, pode ser dito que o da CNM foi peculiar. Via de regra, uma empresa de consultoria monta, a cada PDM a ser elaborado, uma equipe técnica com grande número de profissionais das áreas mais correlatas a este tipo de serviço – engenheiros (sanitaristas, civis ou agrimensores), arquitetos, biólogos, geógrafos, geólogos, topógrafos, economistas, sociólogos, administradores, cadistas etc. Já a CNM organizou os trabalhos em apenas três tipos de funções com produtos bem específicos: o físico-territorial; a mobilização social; e o jurídico. Daí que contratou, aí sim sob o regime de consultoria, apenas 12 profissionais com perfis condizentes à cada um das três funções. Assim, foram criadas quatro equipes de trabalho para assistirem aos 28 municípios participantes do PDP-Ba, ou seja, cada equipe de três consultores ficou atrelada a um grupo de sete municípios geograficamente delimitados pela supervisão local, mas submetidos ao crivo da coordenação cujo escritório central fica em Brasília. Ainda em relação ao método, ao início de cada etapa do programa foi organizado pela CNM um encontro (uma espécie de seminário com dois ou três dias de duração realizado em Salvador) entre todos os técnicos municipais envolvidos diretamente na elaboração dos PDM e o staff técnico da CNM – coordenação, supervisão e técnicos contratados. A finalidade destes encontros foi informar às 130 equipes locais sobre o andamento geral do programa e, principalmente, capacitar os técnicos para as atividades que viriam por meio de palestras, treinamentos e exercícios práticos envolvendo a práxis de planejamento. Em termos de operacionalização todas as etapas do PDP-Ba foram executadas mediante a realização de reuniões comunitárias, especialmente a leitura comunitária da realidade municipal e toda a etapa envolvendo a seleção e pactuação de propostas. Já o produto final de cada etapa se materializou na confecção de relatórios temáticos pelos técnicos municipais, mas revisados pelos da CNM, a saber: Relatório do Plano de Ação; Relatório de Leitura da Realidade Municipal; Relatório de Pactuação. Após a revisão pela CNM todos estes documentos deveriam ser apresentados à população via audiências públicas especialmente convocadas para esta finalidade. No caso da última etapa o produto elaborado teria que ser a minuta de lei do PDM, que discutida e aprovada pela população em uma conferência municipal, seguiria para a Câmara de Vereadores. Como esta experiência de planejamento urbano é bem mais recente que a do Produr falar sobre seus resultados se torna tarefa que requer ainda mais cuidados. Mesmo assim, tomando-se o depoimento de Almeida Neto (2007) e a análise de documentos produzidos no decorrer do PDP-Ba (relatórios, mapas, registros fotográficos e em vídeos) é possível expor diversos fenômenos ocorridos na operacionalização do programa. Não obstante a CNM ter primado pelo protagonismo local na elaboração dos PDM quando formatou o PDP-Ba, inclusive como estratégia para diferenciá-lo de experiências como a do Produr, na fase executiva do programa tal princípio esbarrou em diversas situações municipais não previstas inicialmente: falta de estrutura física para o desenvolvimento das atividades de planejamento; pouca ou nenhuma organização institucional por parte das prefeituras; muitos prefeitos e vereadores sequer sabiam de fato o que era um PDM; a maioria dos prefeitos não deu o apoio financeiro e político necessário ao processo de planejamento; muitos dos técnicos municipais, por sua vez, não desempenharam o papel esperado, quer seja por falta de espírito público quer seja por não terem conseguido entender os procedimentos e as atividades do programa. Somando-se ao quadro anterior, a própria metodologia da CNM apresentou falhas. Pelo fato desta entidade não ter se predisposto a conhecer a realidade 131 cultural, institucional e política das municipalidades baianas antes de montar o cronograma executivo do programa, ocorreu durante todo o PDP-Ba um grande descompasso envolvendo os trabalhos realizados pelas equipes locais, as capacitações dadas e as atividades cobradas pela CNM. Por exemplo: muitos municípios entravam em uma nova etapa sem ter concluído oficialmente a anterior, que se encerrava com a elaboração do respectivo relatório. Resultado prático desta situação: somente quatro municípios conseguiram cumprir o prazo do programa e muitos, já no seu encerramento, nem haviam montado a minuta de lei para ser apreciada pela população em audiência pública. Outra falha marcante da metodologia do PDP-Ba se deu nas cartilhas, treinamentos e capacitações organizados pela CNM. Os manuais não apresentaram fundamentação teórica nem ofereceu muitos exemplos práticos para facilitar o entendimento sobre planejamento urbano e PDM, se caracterizando mesmo pelo enfoque jurídico do tema e pelo viés essencialmente pragmático das capacitações. No tocante a estas capacitações, apesar das visitas freqüentes da equipe técnica da CNM, a experiência mostrou que a opção por convocar os técnicos municipais e os prefeitos para os quatro encontros realizados em Salvador foi insuficiente e pouco frutífera. Em primeiro lugar porque muitas destas pessoas não compareceram a todos os encontros; em segundo lugar porque muitos dos que compareceram não entenderam e/ou não replicaram localmente os conteúdos apresentados; e em terceiro lugar porque era alta a quantidade e a complexidade das informações apresentadas oralmente. Talvez se a CNM tivesse priorizado a realização de todos os treinamentos e capacitações in loco, ou seja, nos próprios municípios e para um público maior, os resultados tivessem sido melhores. Situações estas que instransponíveis para o período de vigência do programa, especialmente as que dizem respeito às próprias dificuldades dos Governos municipais, influenciaram, de um modo geral, bastante negativamente os processos de planejamento e os PDM elaborados: alguns municípios tiveram as atividades de planejamento muito concentradas em uma ou duas pessoas; em outros não houve muita contribuição da população; em outros os PDM foram muito sintéticos contendo o estritamente necessário; em outros PDM os conteúdos apresentaram uma riqueza maior, todavia estavam mal estruturados; e em cinco municípios os PDM não foram elaborados (três municípios abandonaram o 132 programa e dois não conseguiram finalizar as atividades por questões administrativas internas). Mesmo diante de tal quadro, segundo Almeida Neto (2007), pode-se dizer que o PDP-Ba obteve êxitos. Para muitos destes municípios o PDP-Ba representou uma primeira experiência de planejamento e ordenamento do próprio território. O programa também desempenhou um papel pedagógico na medida em que qualificou os técnicos locais que optaram por se envolver, efetivamente, nas atividades propostas, para trabalhar em outros programas, planos e projetos sob a responsabilidade dos Governos municipais. A apresentação das experiências de planejamento urbano e elaboração de PDM do Produr e do PDP-Ba permite observar que cada uma delas teve seus pontos fortes e pontos fracos. Mas tanto um como o outro levaram os Governos municipais a agirem da forma que as instituições por detrás de cada programa desejam. Mas tal fato se deu de forma diferenciada. O PDP-Ba, operado pela CNM, soube se apropriar bastante do Estatuto da Cidade, e da legislação dele derivada, enquanto recurso institucional para tentar formatar um projeto de desenvolvimento. Inclusive se valendo de tais recursos como meios de compelir o Executivo municipal a elaborar os PDM de forma participativa e considerando os instrumentos contidos no EC, incluindo a prática do planejamento urbano diferentemente da vertente físico-territorial clássica. Todas essas práticas eram estranhas aos gestores e técnicos municipais. Já o Produr, operado pelo BM, CAR e consultorias contratadas, se apropriou menos do Estatuto da Cidade como recurso institucional com o desenvolvimento como finalidade. Em realidade, foram as idéias e práticas do BM sobre planejamento e gestão de cidades que fundamentaram o programa e o tipo de desenvolvimento a ser alcançado. Nesses PDM os princípios e diretrizes do EC até que foram incorporados ao discurso oficial dos Governos municipais, bem mais que os instrumentos. No entanto, como o BM é uma instituição financeira privada não sendo suas idéias e práticas normas jurídicas, os gestores e técnicos municipais não se sentiram compelidos a fazerem planejamento urbano, os consultores contratados é que tiveram a responsabilidade de planejar. No próximo capítulo serão enfocados e analisados, detalhadamente, os quatro PDM selecionados. 133 6 UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS PLANOS DIRETORES DE QUATRO PEQUENOS MUNICÍPIOS BAIANOS Ao longo dos capítulos anteriores diversos elementos, ora de natureza mais teórica ora de viés mais pragmático, foram apresentados de modo a enquadrar o problema de pesquisa proposto. Tal procedimento se revela um encaminhamento necessário, mas não suficiente do ponto de vista da construção do conhecimento cientifico que não prescinde, é claro, da análise dos dados e das informações geradas no decorrer do estudo do objeto de pesquisa. Por isso mesmo, é neste capítulo que todo o aporte teórico/informativo pesquisado será direcionado a uma apreciação crítica dos quatro PDM selecionados (Barra do Choça, Morro do Chapéu, São Felipe e Tremedal). Para tal empresa, tornou-se necessário agrupar o esforço analítico em três blocos temáticos que se consideram centrais. A premissa é que fracionando neste momento a análise é possível, a posteriori, formular uma crítica mais adequada e profícua sobre cada plano e, sobretudo, desvele aspectos gerais subjacentes ao processo de elaboração de PDM como fenômeno político e institucional. São estes os três temas centrais: a) o processo de elaboração dos planos sob a perspectiva da participação popular; b) o conteúdo efetivamente contemplado nas leis instituidoras dos planos; c) a opinião de pessoas que fizeram parte, diretamente, do processo de elaboração. Em termos dos critérios de análise utilizados, os temas centrais a e b são cotejados com o teor específico discutido em capítulos anteriores, o que abarca também os marcos legais apresentados. Até porque não se poderia afastá-los do referencial teórico utilizado. Por sua vez, o tema c é aquele que se apóia na análise das entrevistas realizadas em cada um dos municípios (ver roteiro das entrevistas e a relação completa dos entrevistados nos Anexos B e C, respectivamente). Neste momento, cabe salientar que como o Ministério das Cidades ainda não formulou uma metodologia oficial para uma avaliação qualitativa e sistemática dos PDM elaborados, utiliza-se geralmente como base para avaliações qualitativas e para questionamentos formais no Ministério Público critérios extraídos a partir da observância do Estatuto da Cidade, das Resoluções Concidades 25 e 34 e da leitura 134 do documento intitulado “Plano Diretor Participativo – guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos” (BRASIL, 2004). 6.1 CARACTERIZAÇÃO BÁSICA DOS MUNICÍPIOS ESTUDADOS Antes de adentrar, efetivamente, na análise dos PDM faz-se necessário elaborar uma caracterização básica dos quatro municípios. Nesta perspectiva, esta caracterização procura trazer alguns elementos históricos, geográficos e políticoadministrativos de cada um deles. Pretende-se com isso levantar aspectos da dinâmica municipal essenciais a uma primeira caracterização de cada municipalidade. Amalgamada ao quadro teórico-referencial da pesquisa, este tirocínio proporciona uma visão mais sistêmica e realística das diferentes dimensões contempladas nos PDM elaborados. Assim, as Tabelas 6 e 7 trazem algumas informações sobre os municípios selecionados. Tabela 6 – Informações básicas sobre os municípios estudados Município Ano de instalação Distancia da capital Área do município Microrregião Geográfica (Km2) (Km²) (IBGE) 1 Território de Participação % Identidade no PIB baiano 1 (SEPLAN-BA) 2004 Barra do Choça 1962 537 778,34 Vitória da Conquista Vitória da Conquista 0,12 Morro do Chapéu 1864 386 5.531,85 Jacobina Chapada Diamantina 0,09 São Felipe 1880 178 198,70 Santo Antonio Recôncavo de Jesus 0,05 Tremedal 1953 588 1.641,10 Vitória da Conquista 0,05 Brumado 1 Fontes: SEI, 2006; SEI/SEPLAN, 2007 Pelos dados apresentados poderia ser até aventada a hipótese de que se está tratando com diferentes tipos de municípios. E é claro que fatores como: localização geográfica, área municipal, e a densidade demográfica influenciam diretamente no tipo de estratégia territorial adotada por cada Governo municipal. No 135 entanto, quando se confronta elementos como o tamanho da população, a marcante proporção da população rural e o tamanho de cada economia municipal na formação do Produto Interno Bruto (PIB) baiano deduz-se que suas realidades se apresentam de forma muito similar. Tabela 7 – Dados populacionais sobre os municípios estudados, 1970 e 2000 População Residente Total Unidades políticoadministrativas 1970 População Residente Urbana (%) % Variação Total 1970 - 2000 Indicativo de Residência na cidade (2000) 2000 1970 2000 8.904 40.810 16,23 43,45 358,3 17.730 Morro do Chapéu 23.433 34.475 22,40 57,39 47,1 16.408 São Felipe 19.205 20.220 19,17 40,80 5,3 8.034 Tremedal 30.369 21.189 5,10 16,52 - 30,2 2.682 Barra do Choça Fonte: SUDENE, 2008; SIDRA, 2008 Fato extremante peculiar a cada realidade municipal aparece na Tabela 7. Enquanto Barra do Choça apresenta uma variação percentual da ordem de 350% na população residente total (população urbana e população rural) desde que deixou de ser um dos distritos de Vitória da Conquista (um pólo regional), o município de São Felipe em quase nada variou neste mesmo período. Já Tremedal sofreu mesmo uma perda liquida de população, já que Caraívas, um de seus distritos, se emancipou em 1989. Note-se que os quatro municípios possuíam população superior a 20 mil habitantes no ano-base 2000 estando, portanto, obrigados a elaborarem seus PDM. Ainda nesta linha de caracterização básica, apresenta-se um quadro-síntese (Quadro 16) contendo um levantamento mais específico de cada município selecionado, pois em última instância é esta especificidade espaço-temporal que faz, ou deve fazer, com que cada lugar não aceite tratamentos homogeneizadores, quer seja pelo Poder Público municipal quando da formulação de suas políticas, quer seja pelos agentes econômicos – em especial as grandes empresas privadas e instituições financeiras – quando da execução de suas estratégias econômicas no município. 136 Quadro 16 – Síntese de informações para a caracterização geral dos municípios estudados (continua) TEMA SÃO FELIPE MORRO DO CHAPÉU TREMEDAL BARRA DO CHOÇA Criação do município Lei Provincial, 1.952 de 29/05/1880. Lei estadual vigente, 628 de 30/12/1953. Lei Provincial, 933 de 07/05/1864. Lei estadual vigente 628 de 30/12/1953. Lei Estadual, 599 de 05/11/1953. Lei vigente, 628 de 30/12/1953. Lei Estadual, 1.694 de 22/06/1962. Origem Povoação elevada à categoria de freguesia em 1718 sendo desmembrada da freguesia de Maragogipe. Povoação elevada à categoria de freguesia em 1838 sendo desmembrada da freguesia de Santo Antonio da Vila de Jacobina. Vetor do processo de ocupação do território As primeiras explorações O início da ocupação data de territoriais por volta de 1591 1678 motivada pela visaram descobrir jazidas agricultura e impulsionada minerais nesta região. O marco do início da ocupação do que pela reconhecida fertilidade das terras. Não por acaso viria a se tornar o município ficou conhecido como São data dos primeiros decênios do Felipe da Roças. século XVIII quando já se desenvolvia a criação de gado. Distrito criado em 1932 Povoação elevada em 1922 à dentro do território do então sede do distrito de São Felipe, município de Conquista então integrante do município (atual Vitória da Conquista) de Condeúba do qual foi do qual foi desmembrado emancipado e tornado cidade. em 1962. O início da ocupação data de 1885 quando da criação da fazenda Brejo (o nome Tremedal deriva disso). A fertilidade da região motivou a chegada de várias famílias. A formação do povoado de Barra do Choça data do século XIX quando fazendas de café e de criação de gado foram criadas e colonos se fixaram na confluência dos rios Choça e Catolé. Tipologia climática e de vegetação predominante Úmido a Subúmido e Subúmido a Seco. Floresta Estacional Semidecidual e Floresta Ombrófila Densa. Subúmido a Seco. Contato Caatinga-Floresta Estacional e Floresta Estacional Semidecidual. Subúmido a Seco e SemiÁrido. Caatinga Arbórea Aberta, sem palmeiras e Floresta Estacional Decidual. Subúmido a Seco. Floresta Estacional Decidual e Floresta Estacional Semidecidual. Bacia hidrográfica e principais rios Bacia do Rio Jaguaripe. Rio Copioba, Rio Caraí, Rio das Pedras. Bacias do Rio Jacuípe e Rio São Francisco. Rio Jacuípe, Rio Jacaré. Bacia do Rio de Contas. Rio Gavião, Córrego Bom Jardim, Ribeirão da Ressaca, Riacho da Venda Velha, Riacho da Volta. Bacia do Rio Pardo. Rio Água Fria, Rio dos Morros, Riacho Catolé Grande, Riacho Choça. 137 (conclusão) TEMA SÃO FELIPE MORRO DO CHAPÉU TREMEDAL BARRA DO CHOÇA Limites intermunicipais atuais São Félix, Conceição do Almeida, Santo Antonio de Jesus, Maragogipe, Nazaré, Dom Macedo Costa, Cruz das Almas e Muniz Ferreira. Ourolândia, Miguel Calmon, Sento Sé, João Dourado, Piritiba, América Dourada, Tapiramutá, Cafarnaum, Várzea Nova, Bonito, São Gabriel e Utinga. Caraíbas, Belo Campo, Presidente Jânio Quadros, Cândido Sales e Piripá. Caatiba, Planalto, Vitória da Conquista e Itambé. Configuração territorialadministrativa (Censo 2000) Cidade de São Felipe (distrito-sede) e vila Caraípe (sede distrital). Cidade de Morro do Chapéu (distrito-sede) e vilas de Camirim, Dias Coelho, Duas Barras do Morro, Iço, Tamboril e Ventura (sedes distritais). Cidade de Tremedal (distritosede) e vila de Lagoa Preta (sede distrital). Cidade de Barra do Choça. Centro Regional mais próximo Santo Antônio de Jesus Irecê e Jacobina Vitória da Conquista Vitória da Conquista Principais produtos de extração mineral Areia, argila, produtos alimentares e bebidas. Areia, barita, calcário, mármore e pedra para construção. Areia e pedra para construção. Areia e pedra para construção. Principais culturas (2005) Mandioca, laranja e cana-deaçúcar. Mamona (baga), sisal (fibra), feijão (em grão), café (beneficiado). Mandioca, feijão (em grão) e milho (em grão). Café (beneficiado) e feijão (em grão). Principais rebanhos (2005) Galos/frangos, galinhas e bovinos. Bovinos, galos/frangos, caprinos. Bovinos, galos/frangos e galinhas. Bovinos e galos/frangos. Principais produtos de extração vegetal (2005) Castanha de caju. Lenha, madeira em tora, Umbu. Lenha, carvão vegetal e madeira em tora. Lenha e madeira em tora. Fontes: IBGE, 1958; SEI, 2004; SEI/SEPLAN, 2007; SIDRA, 2008 138 Apesar da não linearidade histórica de cada município, novamente as informações sinalizam pontos em comum entre si. Em resumo, pode-se dizer que os quatro municípios são o resultado do processo de ocupação e povoamento, ora espontâneo ora intencional, do espaço baiano. No caso de Barra do Choça pode-se falar em desenvolvimento regional como vetor de desenvolvimento municipal haja vista que a posição que Vitória da Conquista assumiu no cenário estadual. Cabe ainda dizer que, invariavelmente, o grosso da atividade econômica do conjunto dos municípios gira em torno da agropecuária. Aliás, chame-se a atenção, fenômeno ainda muito comum no cenário econômico baiano perante as sucessivas políticas industriais elaboradas pelo Governo estadual. Já as Tabelas 8 e 9 procuram realçar a natureza eminentemente rural desses municípios, em termos de localização e distribuição espacial dos domicílios e dos seus moradores. Tal constatação não se coaduna com tão propalado caráter urbano do estado da Bahia em si, que é determinado em grande medida pelo peso da população urbana da capital no rol do total estadual (27,9% para o ano-base 2000). Tabela 8 – Quantidade e distribuição espacial dos domicílios* nos municípios selecionados - 2000 Unidades políticoadministrativas Domicílios Total Domicílios Urbanos Domicílios Rurais Absoluto % Absoluto 3.170.403 100,0 2.207.712 69,6 962.691 30,4 651.293 20,5 651.066 99,97 227 0,03 Barra do Choça 8.208 0,26 3.773 46,0 4.435 54,0 Morro do Chapéu 8.188 0,26 4.768 58,2 3.420 41,8 São Felipe 4.930 0,16 2.157 43,8 2.773 56,2 Tremedal 5.017 0,16 879 17,5 4.138 82,5 Bahia Salvador % Absoluto % Fonte: cálculo do autor a partir do SIDRA, 2008 * Dos domicílios particulares permanentes Percebe-se pela Tabela 8 que somente em Morro do Chapéu a quantidade de domicílios nas zonas rurais não é predominante, mesmo assim a concentração é grande (quase 42%). E fechando o foco para temas subjacentes à problemática da gestão urbana comumente praticada – aquela que conforme foi discutido constitui o modelo de gestão urbana cujo objeto de gestão é formado pelos serviços e pelos 139 sistemas técnicos urbanos instalados na cidade – a Tabela 10 traz dados sobre a existência destes elementos nas cidades-sede dos municípios estudados. Tabela 9 – Quantidade e distribuição espacial dos moradores* nos municípios selecionados - 2000 Moradores Total Unidades políticoadministrativas Absoluto Moradores Urbanos Moradores Rurais % Absoluto 12.954.457 100,0 8.708.151 67,2 4.246.306 32,8 2.428.388 18,7 2.427.400 99,96 988 0,04 Barra do Choça 40.523 0,31 17.647 43,5 22.876 56,5 Morro do Chapéu 34.029 0,26 19.705 57,9 14.324 42,1 São Felipe 20.114 0,16 8.202 40,8 11.912 59,2 Tremedal 21.148 0,16 3.502 16,6 17.646 83,4 Bahia Salvador % Absoluto % Fonte: cálculo do autor a partir do SIDRA, 2008 • Dos domicílios particulares permanentes A Tabela 10 evidencia como a disponibilidade dos sistemas técnicos urbanos ainda é um grave problema a ser enfrentado pelos PDM e, também, mostra como é espacialmente desigual sua existência de município para município. Neste sentido, projetos e ações de melhoria precisam ser previstas nos planos no que se refere, sobretudo, ao esgotamento sanitário por rede e a universalização da iluminação publica, identificação dos domicílios e pavimentação das vias. Tabela 10 – Situação (%) da infra-estrutura urbana disponível nos municípios selecionados - 2000 Tema (somente para domicílios urbanos)* Bahia Barra do Choça Morro do Chapéu São Felipe Tremedal Abastecimento de água – por rede geral 89,4 97,9 80,4 59,7 84,5 Esgotamento sanitário – por rede geral ou fossa séptica 58,6 4,7 46,7 7,4 1,7 Coleta de lixo – por serviço de limpeza ou caçamba 85,6 96,8 65,5 81,5 82,0 Existência de iluminação pública, identificação e calçamento/pavimentação de ruas no entorno dos domicílios urbanos. 31,5 41,5 11,4 9,6 36,1 Fonte: cálculo do autor a partir do SIDRA, 2008 * Dos domicílios particulares permanentes 140 Paradoxalmente aos déficits de equipamentos e serviços urbanos como os da Tabela 10, a experiência brasileira de planejamento urbano tem mostrado que muitos PDM se concentram sobremaneira justamente em questões referentes à infra-estrutura urbana, deixando à margem temas urbanos mais amplos assim como o devido tratamento das áreas rurais municipais. O que mais uma vez faz crer que a execução do que está contido nos dos PDM elaborados é algo problemático. De um modo geral, nas visitas realizadas às sedes municipais pôde-se perceber mais nitidamente os seguintes tipos de problemas: esgoto doméstico correndo a céu aberto; falta de locais devidamente preparados para a deposição de resíduos sólidos; usos de lotes urbanos não compatíveis entre si e/ou incompatíveis com o uso do solo predominante na rua; falta de maior ordenamento das atividades econômicas e do tráfego; abertura de loteamentos ilegais; e processos de ocupação inadequada de glebas rurais (expansão urbana desordenada). Neste sentido, foram selecionadas algumas fotos para ilustrar alguns destes problemas (Figuras 9, 10, 11 e 12). Infelizmente, o entendimento do que seja urbano aparece como um problema de fundo que não é assunto pacífico entre os órgãos de planejamento e os institutos de pesquisas e pesquisadores. Mesmo fugindo aos limites deste trabalho, esclarecese que para fins de regulação territorial pelo Estado uma zona urbana, nos termos da legislação federal vigente (a LF Nº 5.172/66), vem ser a área definida pela própria legislação municipal como zona urbana desde quando atenda, pelo menos, a existência de dois sistemas técnicos (construídos ou mantidos pelo Poder Público municipal): I. Meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II. Abastecimento de água; III. Sistema de esgotamento sanitário; IV. Rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V. Escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. Segundo esta mesma legislação federal, a lei municipal ainda pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos municipais competentes, mesmo que 141 localizados fora do perímetro urbano definido em lei. Como se observa, tal “metodologia” para caracterizar como urbanas diferentes porções do território municipal se apresenta por demais anacrônica e reducionista do fenômeno urbano. Talvez o que explique tal quadro seja o fato de que aqueles critérios tenham sido estabelecidos na norma jurídica que dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional aplicável à União, estados e municípios. Mais especificamente no artigo que trata sobre a incidência do IPTU. Em outras palavras, quanto maior for o número de áreas passíveis de serem caracterizadas como urbanas, maior será a base espacial de cobrança do referido imposto. Diante do exposto, fica claro que os problemas municipais a serem tratados pelos PDM são muitos e de diferentes tipos e magnitudes, inclusive alguns deles sequer podem ser resolvidos somente pela ação dos Governos locais ou mesmo considerando somente a área de um município (a poluição de rios e lençóis freáticos, por exemplo). É neste sentido que se pode falar em território como norma, pois a realidade dos fatos e os conteúdos do território passam a demandar ações dos agentes sociais em geral, mas, sobretudo dos governos haja vista sua responsabilidade em planejar e administrar o território em nome da coletividade e em prol do bem-estar social. Por ora esses são os dados e informações básicos para uma primeira caracterização municipal. Da próxima seção em diante serão abordados e analisados os três temas centrais já elencados. 142 Figura 9 – Fotos do município de Barra do Choça Fonte: o autor 143 Figura 10 – Fotos do município de Morro do Chapéu Fonte: o autor 144 Figura 11 – Fotos do município de São Felipe Fonte: o autor 145 Figura 12 – Fotos do município de Tremedal Fonte: o autor 146 6.2 PARTICIPAÇÃO POPULAR E O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DOS PLANOS Inicia-se a análise propriamente dita dos PDM selecionados a partir do tratamento dispensado à questão da participação popular no bojo da elaboração dos planos. Para tanto, desdobra-se esta análise em dois momentos: como a formatação do processo de planejamento municipal enfocou a participação no decorrer das atividades; e como os planos assim elaborados incorporaram o princípio de gestão democrática da cidade tão caro ao Estatuto da Cidade e às Resoluções 25 e 34 do Concidades. Nesse sentido, o Quadro 17 sintetiza algumas informações essenciais sobre cada um dos planos. No entanto, a informação mais importante nele contida, que será detalhada logo em seguida, é a forma que a participação da população foi organizada em cada municipalidade. De uma forma geral, pode-se dizer que as metodologias participativas empregadas pelos técnicos contratados não apresentaram grandes inovações. Em realidade, tais métodos de tão conhecidos e praticados nacionalmente já foram alvo de uma institucionalização em âmbito federal, como prova, aliás, a edição da Resolução 25 do Concidades já mencionada. A seguir são listadas, via de regra, as principais técnicas e instrumentos de sensibilização e mobilização utilizadas pelas equipes para “chamar” a população para participar das atividades inerentes à elaboração dos PDM: a) Divulgação em carros de som e rádios comunitárias; b) Produção de faixas e cartazes a serem espalhados pelas ruas da sede e povoados; c) Mensagens impressas em contas de água e energia; d) Treinamento dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) para que estes fizessem divulgação, quando das suas visitas, de casa em casa; e) Levantamento e cadastramento de todas as entidades sociais representativas de setores da sociedade local (associações e sindicatos em geral, por exemplo); f) Realização de concursos de redação nas escolas versando sobre a história do município e/ou de como o município deveria ser no futuro próximo; 147 g) Criação de urnas, com disponibilização em locais públicos, para que a população pudesse contribuir com sugestões por escrito; e h) Emissões de convites personalizados entregues diretamente nas residências, devidamente protocolados, comunicando e convidando para os eventos públicos. Quadro 17 - Datas importantes e formas de organizar a participação popular MUNICÍPIOS INÍCIO DATA DE PÚBLICO FINAL DAS APROVAÇÃO DAS ATIVIDADES DO PDM ATIVIDADES FORMA DE ORGANIZAR A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE • Criação do GAP; • Comissões Temáticas; Morro do Chapéu 21/07/2003 03/2005 23/05/2005 • Reuniões Públicas; • Regionalizada por 5 núcleos urbanos (12 bairros) e 9 rurais (70 povoados); • Conferência Municipal. • Criação do GTA; • Comissões Temáticas; Barra do Choça 18/02/2004 03/2006 09/10/2006 • Reuniões Públicas; • Regionalizada por bairros (6) e 4 núcleos rurais (31 povoados); • Conferência Municipal. • Criação do NGL; • Reuniões Públicas; São Felipe 13/09/2006 05/2007 21/09/2007 • Regionalizada por 3 núcleos urbanos e 7 rurais (aprox. 75 povoados); • Conferência Municipal. • Criação do NGL; • Reuniões Públicas; Tremedal 27/09/2006 05/2007 21/05/2007* • Regionalizada por 7 núcleos rurais (68 comunidades) mais a sede; • Conferência Municipal. Fonte: elaboração do autor Mesmo quando se analisa pelo viés da concepção das estratégias de promoção da participação, a homogeneidade entre o processo de elaboração dos quatro PDM é muito grande, como o Quadro 17 denota. Grosso modo, a operacionalização desse tipo de estratégias é descrita a seguir: 148 I. Formação de uma equipe municipal (de 3 a 6 pessoas) para tocar o processo localmente. Esta equipe é sempre composta por alguns funcionários municipais cujo principal critério não é a formação técnica ou capacidade de trabalho da pessoa, mas sim pertencer ao grupo de pessoas ligadas diretamente ao chefe do Executivo, quando não indicadas e nomeadas pelo próprio. II. Organização de um grande evento público, em geral na maior/melhor praça ou ginásio da sede municipal, que marcasse o lançamento e o início oficial dos trabalhos. III. Criação de um grupo local cuja composição deve respeitar o equilíbrio entre membros do Poder Público municipal e membros da sociedade civil. Em Morro do Chapéu este grupo recebeu o nome de Grupo de Apóio ao Plano (GAP); em Barra do Choça se chamou de Grupo de Apoio Técnico (GAT).; e em Tremedal e São Felipe foi definida a mesma designação: Núcleo Gestor Local (NGL), visto que ambos seguiam a metodologia-padrão da CNM. Foram estes grupos que deliberaram em nome de toda população municipal sobre, por exemplo, os locais, datas e horários das reuniões e eventos; quando e como publicizar os resultados das atividades; as pautas a serem discutidas com a população; a elaboração de atas e relatórios discorrendo e analisando o conhecimento gerado nas reuniões públicas; onde guardar/arquivar todo o material produzido no decorrer da elaboração dos planos etc. IV. Organização de reuniões públicas cujo objetivo declarado foi discutir com a população os problemas locais e as potencialidades municipais. Nestas reuniões também eram registradas, por membros das equipes municipais, as demandas dos moradores. V. Para operacionalizar estas reuniões o município foi dividido em regiões (por agregação de vilas e povoados considerados próximos) e a sede municipal foi regionalizada por bairros. E isto se deu em todos os casos sem nenhum tipo de consulta prévia à população interessada. Assim foram definidas as unidades de planejamento por assim dizer, sendo as demandas locais organizadas a partir da eleição de prioridades pelos próprios moradores de cada região criada, já que as próprias prefeituras assumiram não poder atender a todas as demandas de uma só vez. 149 VI. De posse de todos os problemas, demandas e sugestões registradas e hierarquizadas de forma regionalizada, as equipes, grupos ou núcleos de planejamento discutiam internamente a respectiva relevância e viabilidade de modo a elaborar uma lista unificada de temas e demandas prioritárias para serem incorporadas ao texto final do PDM. VII. Mas não somente isso. Também internamente, ou seja, longe de reuniões ou consultas públicas – e aí reside a crítica – as equipes locais eram convidadas pelos consultores para pensar o município de forma mais ampla e menos limitado às demandas de caráter especificamente físico-espacial (estradas, pontes, casas, praças, jardins, matadouros etc.) almejando, assim, “construir” um projeto de cidade, algo considerado essencial pelos teóricos ou ideólogos do planejamento empresarial-estratégico de cidades. Neste sentido, a passagem abaixo extraída de um dos relatórios que fundamentaram o Plano Diretor de Barra do Choça dá o tom! Conforme apresentado na proposta técnica, a estratégia de participação da comunidade aponta para dois focos de discussão com metodologias e públicos diferenciados. O primeiro se refere ao espaço constituído por técnicos e dirigentes da Prefeitura, Vereadores, funcionários públicos, lideranças dos diversos segmentos da sociedade civil e demais cidadãos interessados – o Grupo de Trabalho e Acompanhamento (GTA) – grupo que discute e aprofunda temas referentes à problemática urbana e as proposições necessárias à superação dos problemas e aproveitamento das potencialidades. O segundo foco de discussões refere-se às questões territoriais, realizadas com moradores dos bairros, distritos e povoados, [...] (BARRA DO CHOÇA; AST, 2006, p. 30). As reuniões serviram para as discussões dos grupos de bairros, que discutiram questões de demandas e projetos espacializados, e do GTA, que discutiram questões referentes a alguns temas importantes do município (BARRA DO CHOÇA; AST, 2006, p. 31). VIII. Todavia, tal fenômeno ocorreu de forma diferenciada para os municípios que fizeram parte do Produr e os que integraram o PDP-Ba. Enquanto que neste grupo os municípios de Tremedal e São Felipe confeccionaram, via trabalho dos próprios técnicos municipais, a denominada “Leitura da Realidade Municipal”, os do grupo do Produr – Barra do Choça e Morro do Chapéu – receberam das mãos dos técnicos contratados os chamados “Relatório do Plano Estratégico” e o “Caderno de Oportunidades” prontos e acabados, conforme a metodologia desenvolvida, aplicada e cobrada pelo Banco Mundial e, no caso baiano, levado a cabo por meio de CAR. 150 IX. Para legitimar socialmente a hierarquização empreendida pelo GAP, GAT ou NGL dos temas, demandas ou propostas prioritárias a serem consideradas nos planos, em todas as municipalidades foi evocado uma prática denominada pelas próprias metodologias de Pacto Territorial. No entanto, percebe-se uma diferença conceitual no entendimento do que seja um Pacto Territorial no âmbito dos municípios do Produr e no âmbito dos municípios do PDP-Ba. O primeiro grupo assim aborda esta questão. É importante colocar que o resultado deste trabalho [o Pacto Territorial] é fruto de extensas reuniões com as comunidades territoriais da sede e das vilas localizadas no município, amplamente documentadas (MORRO DO CHAPÉU; UFC, 2003, p. 187). [...] A partir das discussões sobre os aspectos positivos e negativos [de Morro do Chapéu], os moradores listaram uma série de propostas de intervenções, tanto na sede quanto nas demais localidades, que atenderiam às suas necessidades e que poderiam promover melhorias nas condições de moradia, de trabalho, de circulação, de convivência, de divertimento e de segurança (MORRO DO CHAPÉU; UFC, 2003, p. 188). O Pacto Territorial se caracteriza pelo registro das opiniões e solicitações dos moradores de Barra do Choça sobre as questões que envolvem a oferta de serviços públicos e de infra-estrutura urbana nas comunidades territoriais em que vivem, seja o bairro, a cidade ou o distrito (BARRA DO CHOÇA; AST, 2006, p. 31). [...] A partir das discussões sobre os aspectos positivos e negativos de Barra do Choça os moradores listaram uma série de propostas de intervenções, tanto na sede quanto nas demais localidades, que atenderiam às suas necessidades e que poderiam promover melhorias nas condições de moradia, de trabalho, de circulação, de convivência, de divertimento e de segurança (BARRA DO CHOÇA; AST, 2003, p. 31). A propósito, chama-se a atenção que nas citações acima dois parágrafos de fato se repetem, não obstante sejam oriundos de diferentes empresas de consultoria. Isto posto, cumpre citar o entendimento do que representa o Pacto Territorial segundo a proposta metodológica do PDP-Ba. A equipe técnica deve apresentar propostas para serem apresentadas ao Núcleo Gestor Local. As propostas devem ser discutidas em um debate interno. Na defesa das propostas, muitas vezes, acontecem tensões e disputas, e isso é saudável, desde que se transformem em discussões públicas e não em negociatas “por baixo do pano”. É necessário detalhar os impactos e os benefícios das propostas. [...] 151 É importante identificar a extensão dos ganhos e perdas para cada comunidade. O pacto sócio-territorial baseia-se na avaliação desses ganhos e perdas em cada proposta. A abrangência dos benefícios coletivos da proposta também devem ser consideradas (CNM, 2007, p. 15). Percebe-se, então, que a noção de Pacto Territorial trabalhada pela metodologia da CNM direciona o processo de elaboração e seleção de propostas para o campo mesmo do fazer político, visto que os moradores da sede, vilas e povoados devem discutir entre si, e com as prefeituras, quais as demandas deveriam ser atendidas prioritariamente e quais demandas poderiam ser implementadas a posteriori. Enquanto a metodologia do Produr, ainda que também promova uma hierarquização das propostas apresentadas aos membros da equipe técnica municipal, reduz o Pacto Territorial a uma institucionalização mediante listagem, registro e espacialização delas em mapas ou plantas. Como se as prefeituras estivessem apenas garantido que havia registrado as demandas populares, sem discussões entre cada unidade de planejamento. X. Por fim, nada é tão idêntico no processo de elaboração de um PDM, atualmente, quanto a sua apresentação pública por meio da organização de um grande evento geralmente denominado como Conferência da Cidade ou, após o aparecimento Estatuto da Cidade, como Conferência Municipal. Com este evento, as equipes técnicas municipais e os consultores contratados procuram obter da população presente uma legitimação social do produto elaborado. Conforme preconiza o EC, somente após a aprovação do texto do PDM neste fórum, tal documento pode ser encaminhado à Câmara de Vereadores para que receba ou não a legitimação jurídica. O que difere em muito de práticas anteriores à 2001 quando os PDM não eram obrigados por lei a passar por um processo de avaliação popular. Com base nas idéias de Fedozzi (2005) no que tange a questão da participação popular na gestão pública municipal pode-se tecer algumas considerações sobre os fatos expostos até agora nesta seção. Como até o início das atividades não existiam nas quatro municipalidades nenhum tipo de organização institucionalizada de participação popular, houve no processo de planejamento um esforço positivo das equipes técnicas responsáveis pela mobilização social e pela condução das atividades necessárias à elaboração 152 dos PDM – organização e condução de diversos eventos públicos; criação e emissão de convites; elaboração de relatórios a partir dos registros em atas etc. Se se considerar que a obrigatoriedade de realizar reuniões públicas não somente na zona urbana, mas também nas diversas localidades existentes na zona rural, conforme o §2º do artigo 40 do Estatuto da Cidade, fez com que estas equipes tivessem que se deslocar por todo município visitando povoados que, não raro, sequer conheciam pessoalmente. Da mesma forma, é fato positivo que neste esforço para o planejamento participativo as equipes municipais de São Felipe e Tremedal, por estarem seguindo a metodologia do PDP-Ba, tiveram que se envolver nas atividades de forma bem mais acentuada que as outras equipes municipais, visto que pela metodologia do Produr cabia a elas atuar mais em regime de apóio local às equipes de consultores contratados para elaborar os planos, inclusive emitindo pareceres sobre os relatórios produzidos pelas empresas de consultoria. Ainda que tardia e derivada de obrigatoriedade, a criação de espaços e fóruns para que a população pudesse expor suas demandas e desejos pode ser considerada também um aspecto positivo do processo de planejamento. Mesmo assim, cabe dizer que a separação dos moradores em diferentes núcleos derivada das estratégias de regionalização adotadas foi prejudicial à elaboração dos PDM. Primeiramente porque a maioria dos moradores de povoados que não sediaram reuniões terminaram por não participar de outras realizadas em povoados próximos, nem participando de forma adequada das reuniões realizadas na sede municipal. Isto significa dizer que muitos habitantes das zonas rurais ficaram à margem da elaboração dos planos por não terem sido efetivamente incorporados aos canais de participação então criados. Em segundo lugar, porque a própria concepção de participação popular, sobretudo nos Planos Diretores de Morro do Chapéu e de Barra do Choça cuja preocupação com projetos estratégicos de desenvolvimento econômico foi notória, reduziu a participação dos moradores das vilas, povoados e bairros da sede em geral a uma consulta sobre suas necessidades e “demandas territoriais” mais prioritárias. Se aos próprios técnicos municipais não coube pensar e formular um projeto “estratégico” de cidade de fato, já que isto foi tarefa dos consultores contratados, não era de se esperar que a participação da população fosse tão ampla. 153 Com isto não se quer dizer que em um ou outro município estudado a participação popular possa ser classificada como melhor ou pior. Em todos quatro municípios as chamadas metodologias participativas ficaram devendo. Emblemático disso é que em nenhum dos processos de elaboração dos planos houve uma avanço em direção à discussão de como as propostas prioritárias ditas “pactuadas” entre sociedade e Poder Público entrariam no orçamento municipal subseqüente, conforme defende Fedozzi (2005). Ou seja, se discutiu e se aprovou os PDM sem que se discutisse com a população a necessária formulação/adequação dos Planos Pluri Anuais (PPA) e das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) à própria lei municipal que instituiu cada PDM. Ainda no contexto da elaboração dos PDM, é possível também analisar a questão da participação popular enquanto princípio a partir da aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade (síntese no Quadro 18) que procuram promover a gestão democrática da cidade, uma importante inovação institucional. Quadro 18 – Instrumentos de gestão democrática do Estatuto da Cidade previstos nos PDM estudados INSTRUMENTOS (POR TIPO) BARRA DO CHOÇA MORRO DO CHAPÉU SÃO FELIPE TREMEDAL Estudo de Impacto de Vizinhança Sim Não Sim Sim Órgão Colegiados de Política Urbana Sim Cita, mas não institui Sim Sim Debate, Audiências e Consultas Públicas Sim, mas somente para a revisão do Plano Diretor Cita, mas não institui Sim Sim Conferências sobre Assuntos de Interesse Local Sim Cita, mas não institui Não Sim Iniciativa Popular de Projetos de Lei, Planos e similares Não Cita, mas não institui Não Sim Fonte: elaboração do autor Observando-se o Quadro 18 constata-se que somente o município de Tremedal previu em seu plano a aplicação de todos os recursos institucionais dessa natureza. Entre os principais cita-se: (i) a criação do Sistema de Informações Municipais (SIM), que deverá conter diversos tipos de dados (cadastros e plantas todos georeferenciados) de modo a dar suporte à gestão municipal; (ii) a instituição (com bom nível de detalhamento) do Conselho Municipal da Cidade (COMCID) 154 como instância e órgão central de planejamento municipal participativo; e (iii) as Conferências Municipais, a serem realizadas a cada dois anos, como principal fórum de gestão democrática, mas que, no entanto, tem sua natureza limitada a casos específicos ligados à alteração ou não de algum conteúdo do plano mediante comprovação técnica somente, não prevendo, assim, convocação extraordinária para discutir outros temas. O município de São Felipe também instituiu o COMCID, nos mesmos moldes de Tremedal, mas sem detalhá-lo. Todavia, não contemplou na lei do seu PDM um dos mais importantes instrumentos – as Conferências sobre Assuntos de Interesse Local – para fazer com que a população questione, opine e delibere sobre temas importantes para o desenvolvimento e/ou qualidade de vida na cidade ou no município como um todo. Talvez pelo fato de seguirem a metodologia da CNM, em ambos os planos o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) aparece como importante instrumento para a discussão entre população e Poder Público, mediante a realização de audiências públicas, sobre o licenciamento ou não de empreendimentos privados ou públicos causadores de impactos sócio-ambientais na cidade ou na zona rural. No município de Barra do Choça a lei do PDM se revelou profícua na criação de estruturas institucionais que pudessem viabilizar a gestão democrática da cidade. Por ela foram criados: (i) o Sistema Municipal de Planejamento (SMP), definindo seus integrantes e atribuições; (ii) o Centro de Informações Municipais (CIM), que deve ser o órgão responsável pela sistematização de dados e informações necessários a avaliação da implantação do plano (na verdade se trata do Balcão de Informações cobrado pela metodologia BM/CAR); (iii) o Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano (CMPDU), que deve funcionar como um fórum consultivo e deliberativo sobre questões – obras, recursos, licenças, prazos – relativas a execução do plano; e (iv) as Conferências Municipais da Cidade, que sendo realizadas a cada dois anos ou por convocação extraordinária, somente podem alterar algum conteúdo do plano mediante comprovação técnica. Em Barra do Choça o EIV, apesar de previsto no plano e suficientemente detalhado quanto a sua aplicabilidade, não aparece com a conotação de instrumento de gestão democrática, posto que não menciona a realização de audiências públicas para discutir com a população o licenciamento ou não de empreendimentos. 155 Já a situação do município de Morro do Chapéu é mais delicada visto que não traz em seu plano de forma clara e precisa, como toda lei deve ser, a aplicação dos instrumentos de democratização da gestão pública. Preferiu se valer de artifícios jurídicos do tipo encontrado no inciso IX do artigo 25 da lei do plano. §1º O Poder Público municipal terá o prazo de até 03 (três) meses, a partir do início da vigência desta lei, para promover as reuniões de debates e aprovar com a comunidade os instrumentos de gestão democrática a serem implementados no Município. §2º Uma vez escolhido os instrumentos de gestão democrática, o Poder Público municipal terá o prazo de 05 (cinco) meses para regulamentar a composição, funcionamento e gestão destes instrumentos, na forma determinada pelo Estatuto da Cidade (MORRO DO CHAPÉU, 2005, p. 27). Acredita-se que as normas jurídicas federais que regulam, desde o ano de 2001, a elaboração dos PDM são suficientemente claras e isonômicas às municipalidades brasileiras e, deseja-se acreditar, amplamente conhecida pelos agentes públicos municipais e pelos consultores especializados em planejamento urbano. E pelo aqui exposto, se percebe que em termos de organização da participação popular as metodologias são tão similares que denotam uma certa padronização, ou mesmo uma fórmula amplamente replicada, mas não criticada. No entanto, quando se tem em mente a análise da criação e da instituição de estruturas capazes de levar a termo o princípio da gestão democrática da cidade os resultados observados são bem distintos daqueles que a norma preconiza. Em cada um dos municípios estudados observam-se dissonantes e indesejáveis situações. Fenômeno este que confirma o problema da territorialidade das instituições apontado por Castro (2005a). Emblemático disso é o fato de um município como Morro do Chapéu, cujo número de moradores urbanos representava em 2000 57,4% da população total, não definir objetivamente em seu PDM (ou em outra lei que o complemente) a aplicação dos instrumentos de gestão democrática da cidade, enquanto Tremedal, cujo número de moradores urbanos representava em 2000 apenas 16,5% da população municipal (cerca de 3.500 pessoas), ter previsto em seu plano a aplicação de todos eles. 156 6.3 O CONTEÚDO DOS PLANOS: PRINCIPAIS ASPECTOS Cumpre nesta seção abordar outro tema de igual importância para a problemática em tela: a questão dos conteúdos que um PDM deve contemplar. No capítulo quatro foram apresentados, na perspectiva da intenção do Estado em regular o território, os principais marcos jurídicos que tratam desta matéria, a saber: a CF/1988, o Estatuto da Cidade e a Resolução 34 do Concidades. Nesta direção, o estudo do PDM de Barra do Choça, Morro do Chapéu, São Felipe e Tremedal (ver Apêndice A contendo os sumários das leis municipais instituidora dos planos) revelou que três grandes temas, ou títulos no jargão jurídico, se destacam enquanto tipos de conteúdo. Podendo, portanto, serem considerados em separado caso se queira realizar uma análise crítica mais precisa. É justamente com base nestes quatros sumários que se agruparam os tipos de conteúdos que serão analisados nas subseções seguintes. 6.3.1 Princípios, diretrizes, estratégias e investimentos para o desenvolvimento municipal Em qualquer peça de planejamento governamental, como planos, programas, projetos e ações, é mister a definição de diretrizes gerais e/ou setoriais, de objetivos gerais e específicos, de metas e suas quantificações, prazos de execução, entre outros itens necessários a práxis da gestão pública. Para mencionar apenas um exemplo de tal prática cita-se o PPA que é elaborado pelo poder Executivo em todos os níveis governamentais para um período de quatro anos, ou seja, sua elaboração requer um esforço de planejamento em políticas públicas para além da conjuntura momentânea. Analisando por este prisma e tendo em mente que o PDM é considerado o principal instrumento de execução da política urbana, pode-se dizer que tal peça de planejamento deveria seguir esta mesma lógica, guardando as devidas proporções é claro. Focalizando os PDM de Barra do Choça, Morro do Chapéu, São Felipe e Tremedal observou-se que em todos eles houve uma preocupação em definir, de 157 forma clara e objetiva, os princípios e diretrizes que os regem. Tal aspecto dos respectivos PDM é revelador, seja de forma intencional seja de forma despercebida, da visão de desenvolvimento e de território que seus artífices carregam. Questões como a função social da cidade e da propriedade urbana e a promoção da participação popular na gestão pública municipal encabeçaram todos os planos diretores enquanto princípios ou diretrizes gerais. Mas isto já era esperado visto que estes temas compõem a base do próprio Estatuto da Cidade. Portanto não servindo, nesta perspectiva, como elemento revelador de uma determinada intencionalidade subjacente aos agentes institucionais envolvidos na elaboração de cada plano: BM e CAR para os municípios de Barra do Choça e Morro do Chapéu; e no caso de Tremedal e São Felipe a Secretaria Nacional de Programas Urbanos (SNPU) do MCID e a CNM. Também não casou estranhamento que a abordagem da temática ambiental nos quatro planos diretores acontecesse pelo viés do polemico paradigma do desenvolvimento sustentável – também preconizado pelo Estatuto, mas institucionalizado anos antes dele por organismos internacionais de cooperação e financiamento – compondo, juntamente com os temas anteriores, uma fundamentação teórica, por assim dizer, para a construção de um projeto de desenvolvimento urbano e municipal. Ainda nesta mesma linha argumentativa estão inscritos nos quatro planos, porém com menor ênfase, dois temas: • a abrangência espacial dos PDM: que com o EC passam a ter que considerar todo o território municipal e não somente a zona urbana, disposição esta que favorece a integração territorial e, por conseguinte, a construção de um amplo projeto de desenvolvimento municipal e não somente de desenvolvimento urbano; e • a centralidade do PDM para o planejamento municipal: para além da ordenação urbana correlata a este plano, leis de caráter mais administrativo como o PPA, a LDO e LOA devem ser ajustadas e elaboradas em função do conteúdo propositivo do plano. Vencido este conteúdo de natureza mais teórico-filosófica do processo de planejamento, fica nítida uma diferenciação entre os planos elaborados no âmbito do Produr e os do PDP-Ba quando tratam das estratégias e dos investimentos 158 considerados necessários a um processo de desenvolvimento. Os do primeiro grupo incorporaram, com muita fidelidade, as orientações contidas nos manuais elaborados pelo BM e pela CAR. Enquanto no segundo grupo o elo de identidade ficou por conta da observância das cartilhas produzidas pela CNM com base nos manuais da SNPU. Por isso não constitui surpresa que municípios com dimensões administrativas, econômicas e financeiras tímidas, senão frágeis, como Barra do Choça e de Morro do Chapéu abordarem a questão do desenvolvimento urbano (foco principal) e municipal em termos de propostas e projetos estratégicos e estruturantes. Art. 8º. Os projetos urbanos aqui apresentados foram classificados em três categorias: I- Projetos estratégicos – são aqueles considerados estratégicos, disposto no art. 9º desta Lei, que incidem na área urbana da sede municipal e são apontados como capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico do município, gerar oportunidades de trabalho e estruturar o espaço urbano e municipal; II- Projetos urbanos estruturantes ou de apoio aos projetos estratégicos – aqueles que incidem na estruturação do espaço urbano de forma a diminuir a vulnerabilidade urbana ou que apresentam perspectivas de desenvolvimento e que assim, direta ou indiretamente, dão apoio aos projetos estratégicos urbanos e III- Projetos urbanos – são os demais projetos que contribuem para a elevação da qualidade ambiental urbana, melhoria dos serviços públicos e que atendem as demandas registradas pelos grupos comunitários (BARRA DO CHOÇA, 2006). Pelo Quadro 19a percebe-se que é grande o volume de propostas contidas nesses dois planos cujos focos são, sobretudo, setores econômicos estratégicos como o agronegócio, o turismo, a logística e, ainda o chamado desenvolvimento institucional. No entanto, grande parte delas é recomendada sob a rubrica de projetos desvinculados de políticas públicas ou outros planos municipais. Tal postura faz remeter ao modelo de planejamento e gestão estratégica/empresarial de cidades encampado pelo BM desde os anos 1990. 159 Quadro 19a – Síntese das leis, políticas, planos, programas, projetos, estudos e estruturas administrativas recomendados pelos PDM de Barra do Choça e Morro do Chapéu (continua) TEMA BARRA DO CHOÇA MORRO DO CHAPÉU Lei de Perímetro Urbano / Lei de Parcelamento do Solo e Leis Lei de Política Ambiental / Lei de Polícia Administrativa / Lei Zoneamento Municipal / Código de Obras / Código de Posturas / Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo / Ajustar a Lei de Política Ambiental / Alteração da Lei Orgânica Municipal / Lei de Orgânica Proteção a Sítios Arqueológicos Rurais ou Urbanos / Lei de Proteção Municipal / Leis de regulamentação dos instrumentos do Estatuto da Cidade. ao Patrimônio Histórico-Cultural-Arquitetônico / Leis de regulamentação dos instrumentos do Estatuto da Cidade. Políticas Planos Política de Melhoria das condições de Habitabilidade. - Plano de Melhoria de Transporte Coletivo. - Estimulo a Agroindústria / Capacitação para o Empreendedorismo / Valorização e Aproveitamento de Recursos Minerais / Capacitação/Aperfeiçoamento de Professores / Qualificação de Técnicos e Servidores da Saúde / Melhoria de Acessibilidade aos povoados e vila / Programas Destinação Alternativa de Esgotos Domésticos / Arborização Urbana / Melhorias Habitacionais / Construção de Sanitários / Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos / Proteção de Nascentes e Mananciais / Educação Ambiental / Estimulo e apoio a Agro-Floresta / Recomposição da Mata Ciliar / Reflorestamento Municipal. Programa de Desenvolvimento Institucional / Programa de Desenvolvimento da Cidadania / Programa Pacto Territorial (zerar débitos de obras, serviço públicos e ações prioritárias identificadas pela comunidade) / Programa de Turismo Especializado / Programa de Florestas Sociais para Morro do Chapéu (formação de bosques privados e comunitários voltados para a produção florestal para múltiplos usos). 160 (conclusão) TEMA BARRA DO CHOÇA MORRO DO CHAPÉU Especialidades para o Mercado Socialmente Justo – Fair Trade1 / 1 Indústria de Beneficiamento de Café / Parque de Exposições / Melhoria das Estradas Municipais / Eixo Sócio-cultural e Institucional (rede de equipamentos urbanos) / Implantação de Escola Agrotécnica / Industria de Projetos Beneficiamento de Banana* / Produção de Flores / Implantação de Entreposto de Carne / Melhoria da Qualidade das Matrizes de Pecuária / Valorização do Pedestre / Ampliação da Fábrica Municipal de Infraestrutura. Terra Mística, Valores Simbólicos ao Pé do Morrão / Centro de Apoio ao Transporte Rodoviário1 / Centro de Apoio Rodoviário e Via de 2 2 Contorno / Estruturação da Rua João Modesto / Implantação de 2 Parque Urbano e Integração de Espaços Públicos e Áreas Verdes / Implantação de Área de Proteção de Pinturas Rupestres2 / 2 Preservação e Recomposição das Matas Ciliares / Valorização de Saberes e Práticas Tradicionais3 / Projeto de Marca, Design e Griffe Social3 / Pequenos negócios de Apoio ao Lazer Regional3 / Turismo Científico (Panorama Geológico, Refúgios do Pleistoceno e Imagens do Homem Americano)3 / Turismo Histórico (Rota das Bandeiras, 3 Estrada de Dona Joana e o Túmulo de Gabriel Soares de Souza) . Fonte: elaboração do Autor 161 Cabe ainda salientar que o elenco de todas as propostas derivadas do processo de planejamento de Barra do Choça e de Morro do Chapéu somente foi possível recorrendo-se à leitura dos relatórios técnicos parciais produzidos pelas empresas de consultorias contratadas sob regime de financiamento. Caso a análise ficasse adstrita apenas ao texto das leis municipais que instituíram os planos, o conteúdo efetivamente propositivo neles presentes, ou seja, desconsiderando-se o discurso oficial, denotaria a falta de um conteúdo subjacente à noção miltoniana de território usado, em detrimento da ênfase dada às dimensões econômica e institucional. Já no caso dos municípios de São Felipe e Tremedal a abordagem da questão do desenvolvimento urbano e municipal ocorreu quase que de forma inversa. Duas características marcaram estes dois PDM. Primeiramente a recomendação (Quadro 19b) de diversos tipos de políticas e planos setoriais ao invés da formatação de projetos estratégicos setoriais, incluindo até a recomendação de alguns tipos de estudos (algo inexistente nos outros dois PDM). Em segundo lugar, o fato de que nas próprias leis dos planos serem tratadas minúcias não condizentes com a natureza específica de um PDM e que, por isso mesmo, poderiam ser deixadas a cargo dos próprios planos setoriais aí recomendados. Acredita-se que tal postura dos formuladores deva ter comprometido em muito a fluidez e uma boa compreensão dos planos por parte da população em geral além de, inexoravelmente, comprometer a fase de implementação dos planos. Por outro lado, estes dois PDM incluíram no corpo da lei, na forma de ações, diversas demandas subjacentes à noção miltoniana de território usado. Somam-se a isto as propostas derivadas do processo de planejamento que haviam sido registradas nos relatórios técnicos parciais produzidos pelos próprios membros das equipes de trabalho municipais. 162 Quadro 19b – Síntese das leis, políticas, planos, programas, projetos, estudos e estruturas administrativas recomendados pelos PDM de São Felipe e Tremedal TEMA SÃO FELIPE TREMEDAL Lei de Uso e Ocupação do Solo / Lei de Parcelamento do Solo Urbano / Lei de Regularização Código Ambiental / Lei de Uso e Ocupação do Solo / Lei de Parcelamento do Solo Leis Fundiária / Código de Edificações / Código de Urbano / Revisão do Código Tributário e do Código de Posturas / Leis de Posturas / Leis de regulamentação dos instrumentos regulamentação dos instrumentos do Estatuto da Cidade. do Estatuto da Cidade. Política de Infra-estrutura / Política de Transporte e Políticas Mobilidade Urbana / Política Habitacional / Política Educacional. Plano de Saneamento Ambiental (LF 11.445/07) / Planos Plano de Habitação (LF 11.124/05) / Plano Decenal de Educação. Programa de Geração de Emprego e Renda / Programas Programa de Capacitação de Agricultores / Programa de Regularização Fundiária. Política de Infra-estrutura / Política Habitacional / Política de Transporte e Mobilidade Urbana. Plano de Recursos Hídricos / Plano de Saneamento Ambiental (LF 11.445/07) / Plano de Habitação (LF 11.124/05) / Plano de Redução de Riscos / Plano Municipal da Juventude / Plano de Carreira Docente / Plano Municipal de Cultura / Plano de Manejo das Zonas de Desenvolvimento Agropastoril. Programa de Geração de Emprego e Renda / Programa de Capacitação de Agricultores / Programa de Reflorestamento e Revitalização de Rios / Programas de Saúde da Mulher, da Criança e do Idoso / Programa de Assistência Farmacêutica / Programa de Capacitação sobre Planejamento e Gestão Territorial. Projeto Urbanístico de Pólos Industriais / Projeto de Projeto de Delimitação de Áreas de Sítios Arqueológicos e de Preservação Projetos Estudos Desenvolvimento do Turismo. Identificação do Potencial Turístico. Fonte: elaboração do autor Ambiental. Constituição de Arranjos Produtivos Locais (APL) / Desenvolvimento do Turismo / Normas para a Preservação do Patrimônio Cultural. 163 O conteúdo nestes dois PDM, diferentemente dos dois casos anteriores, dá mais ênfase a questão do território usado. Demandas sociais ligadas ao cotidiano e ao espaço banal, na perspectiva miltoniana, são tratadas como questão de investimentos prioritários do Poder Público municipal. São elencadas, neste sentido, ações específicas referentes a temas urbano-ambientais como habitação, saneamento e recursos hídricos, energia elétrica, transportes e mobilidade, equipamentos comunitários. E ainda temas rotulados pelos próprios PDM como de desenvolvimento sócio-cultural: saúde, educação, assistência social, cultura e esportes. Noutro viés analítico, a falta de uma definição espacial, temporal e quantitativa atingiu boa parte das propostas mencionadas nos textos das quatro leis sendo, portanto, um problema comum aos quatro processos de planejamento. Muitas vezes elas aparecem nos PDM da forma descrita a seguir, sem que sejam detalhadas em anexos complementares às leis: • Projeto estratégico de melhoria das estradas municipais (em Barra do Choça); • Desenvolvimento da cidadania no município e programas de oferta de lazer e estimulo cultural aos jovens (em Morro do Chapéu); • Criação de programas de geração de emprego e renda, diminuindo o índice de desemprego (em Tremedal); • Implantação de abrigos em pontos de ônibus, táxis e vans no município; construção de novas salas de aulas, novos postos médicos e um centro esportivo (em São Felipe). Nos PDM de Barra do Choça e Morro do Chapéu pode ser identificado mais um tipo de problema: no que pese a riqueza dos seus relatórios técnicos parciais, não se encontrou nas suas respectivas leis uma só proposta de caráter físicoespacial que fizesse referência a um lugar específico. Aspecto este considerado satisfatório nos PDM de São Felipe e Tremedal. Todavia, nem todas as propostas de caráter físico-espacial foram formuladas nestes planos como as abaixo se destaca: • Apoio à instalação de indústrias privadas na Zona Urbana, no Distrito de Lagoa Preta, São Felipe, Venda Velha e Furado da Cancela (em Tremedal); • Implantação de programas de reflorestamento e revitalização dos rios Ressaca, Tapioconga e Gavião e de córregos e nascentes (em Tremedal); 164 • Instalação de Postos de Saúde da Família (PSF), no Distrito de Lagoa Preta e nas comunidades de Serrinha, Grota, Venda Velha, Tanção, Riachão, Berrador e Neblina (em Tremedal); • Construção e/ou ampliação de saneamento ambiental na sede, no distrito de Lagoa Preta e nos povoados de São Felipe, Venda Velha e Furado da Cancela e construção de fossas séptcas para as famílias carentes das demais comunidades (em Tremedal); • Construção de um terminal rodoviário na zona urbana do município e pavimentação asfáltica ligando o distrito de Lagoa Preta e a Sede (em Tremedal); • Elaboração e implantação do projeto de terminal rodoviário, na entrada da cidade, obedecendo aos critérios estabelecidos no estudo de impacto de vizinhança (em São Felipe); • Elaborar projetos visando a execução dos serviços e obras de drenagem e pavimentação com paralelepípedos nas vias e logradouros públicos na sede e nas praças centrais dos povoados rurais não dotados de pavimentação e sistema de drenagem (em São Felipe); • Implantação do sistema de telefonia pública nas comunidades rurais da Pitinga, Caboclo, Chaves e Bom Gosto e nas demais onde ainda não constar esse serviço (em São Felipe); • Construção de posto médico-odontológico nos povoados rurais da Pitinga e do Bom Gosto, com implantação de uma equipe de saúde da família em cada um deles (em São Felipe). Aliás, pelo teor das propostas supra citadas, grifa-se que este dois municípios contemplaram muito satisfatoriamente no texto das leis dos PDM os núcleos urbanos existentes na zona rural como vilas e povoados. E a leitura dos relatórios técnicos parciais, elaborados segundo a metodologia do PDP-Ba, confirma que as propostas hierarquizadas e pactuadas com a população, de acordo com a regionalização definida para as reuniões públicas (apresentadas no Quadro 17) de fato foram incluída nos PDM. A observação da Tabela 11 mostra que a questão da formulação e inclusão de propostas para localidades outras que não a cidade, enquanto sede municipal, é 165 extremamente pertinente para o problema dos conteúdos dos PDM. Independentemente do Estatuto da Cidade determinar que os planos devam abranger todo o território municipal, as pessoas que tem tais localidades como seu espaço de vida precisam ter suas demandas consideradas e atendidas pelo Poder Público municipal de forma isonômica ao atendimento das demandas das pessoas que vivem nas cidades, sob pena de se fragmentar mais ainda o território social. Tabela 11 – Indicativo de residência na sede municipal das pessoas residentes* nos municípios selecionados – 2000 Barra do Choça Morro do Chapéu Absoluto Absoluto São Felipe Tremedal Indicativo de Residência % % Absoluto % Absoluto % Total 40.810 100 34.475 100 20.220 100 21.189 100 Reside na sede 17.730 43,4 16.408 47,6 8.034 39,7 2.682 12,6 Não reside na sede 23.080 12.186 60,3 18.507 87,3 56,5 18.067 52,4 Fonte: cálculo do autor a partir do SIDRA, 2008 * Dos domicílios particulares permanentes Os dados do IBGE mostrados na Tabela 11 indicam um alto percentual de pessoas que não residem na cidade, variando de 52,4% em Morro do Chapéu a 87,3% em Tremedal. Isto significa dizer que a grande maioria da população municipal está distribuída espacialmente pela zona rural em vilas e povoados. Com efeito, pode-se dizer que o fato da organização do processo de planejamento e os PDM elaborados contemplarem a população rural e suas demandas não deve ser motivo de regozijos. É antes de tudo uma obrigação política, social, humanitária e legal dos governantes municipais. Trata-se mesmo do território como norma, seguindo o pensamento miltoniano. Por fim, em termos da questão dos conteúdos dos planos cabe ainda comentar sobre mais uma dimensão pertinente a qualquer práxis de planejamento do espaço: a utilização de mapas e plantas como instrumentos da representação cartográfica da área do município, dos problemas de caráter físico-espacial e para a espacialização das propostas de intervenção. Não há dúvidas que no decorrer do rico processo de planejamento e elaboração dos quatro PDM a opinião das pessoas residentes nas zonas urbana e rural não só foi ouvida como também registrada e divulgada por meio de listas de 166 presença, atas, fotos, vídeos e de relatórios parciais. Infelizmente, no momento da elaboração das minutas de lei dos PDM muitas das demandas e propostas populares não tenham sido efetivamente incluídas, marcadamente, pelos Governos municipais de Barra do Choça e Morro do Chapéu. Isto significa dizer que no durante o processo de elaboração dos PDM o território como norma foi respeitado pelas equipes de planejadores (municipais ou contratados), no entanto, quando todo o conhecimento produzido chegou aos gestores municipais e às câmaras de vereadores as coisas não aconteceram da mesma forma. Nesses municípios recorreu-se ao expediente cartográfico para tentar encaixar de alguma maneira nos PDM as chamadas questões territoriais, seguindo a própria definição do Plano Diretor de Barra do Choça. O Quadro 20 elenca todos os mapas temáticos e plantas elaboradas com base nas propostas formuladas durante o processo de planejamento. E mesmo quando a análise do conteúdo propositivo dos PDM destes dois municípios é realizada pelo viés da produção cartográfica fica clara uma primazia da cidade, e dos projetos econômico setoriais a serem nela realizados, e a pouco importância dispensada à zona rural em relação à representação espacial das suas propostas. De forma negativa, chama atenção no Quadro 20 o fraco desempenho de Tremedal na espacialização do conteúdo propositivo do seu PDM, seja para a cidade seja para a zona rural, visto que no texto da lei, como já destacado, muitas propostas foram contempladas. Por outro lado, chama atenção de forma positiva a produção cartográfica espacialmente equilibrada no PDM de São Felipe. 167 Quadro 20 – Mapas temáticos ou plantas das proposições recomendadas nos PDM por localização MUNICÍPIOS CIDADE ZONA RURAL • Plantas do Perímetro Urbano (com coordenadas geográficas); • Plantas do Partido Urbanístico; Barra do Choça • Plantas do Projeto de Cidade (com espacialização de propostas); • Planta de Zoneamento da vila de Barra Nova; • Plantas de espacialização dos Projetos Estratégicos e Estruturantes; • Planta de Zoneamento de dois povoados. • Plantas de Zoneamento do Uso e Ocupação do Solo; • Plantas da Hierarquização Viária com delimitação de bairros. • Plantas do Projeto de Cidade (contendo projetos habitacionais, de Morro do Chapéu • • • • saneamento, de qualificação urbana e ambiental e de equipamentos comunitários); • Plantas de Situação dos povoados (em croquis); Plantas do Zoneamento Urbano; • Plantas de Zoneamento do Parque Municipal de Mapa das Unidades de Conservação e de Proteção Rigorosa; Morrão; Plantas do Parque da Cidade; • Plantas dos Lugares de Interesse Turístico. Plantas definindo a Poligonal Histórica e a Hierarquização Viária e localizando o Centro de Apoio Rodoviário. • Plantas de Perímetro Urbano (sem georeferenciamento); • Mapa de Infra-estrutura (reforma de estradas, pontes, energia elétrica, abastecimento de água, pavimentação de ruas dos povoados); • Plantas de Infra-estrutura Urbana (esgotamento sanitário; sistema • Mapa de Proposta de Desenvolvimento Sócioseparador absoluto; implantação de coleta seletiva; e pavimentação); Cultural e Ambiental; • Plantas de Acessibilidade (implantação de rampas e faixa tátil); • Mapa de Necessidades Habitacionais; • Planta de Espacialização de Propostas (centro esportivo; casa da cultura; • Planta espacializando propostas para a vila de imóveis a serem tombados; área de potencial turístico). Caraípe. • Plantas do Zoneamento Urbano; São Felipe • Plantas de Zoneamento Urbano (incluindo delimitação do perímetro Tremedal urbano, mas sem georeferenciamento); • Mapa espacializando diversas propostas para a vila de Lagoa Preta e povoados. • Plantas de Infra-estrutura Urbana (rede de esgotamento sanitário; pavimentação de ruas; rede elétrica). Fonte: elaboração do autor 168 6.3.2 Os instrumentos de política urbana e de desenvolvimento municipal Se na perspectiva dos princípios ou diretrizes gerais norteadores dos PDM questões fundamentais como a função social da cidade e da propriedade urbana e a promoção da participação popular na gestão pública municipal não são reveladoras de intencionalidades tácitas, porque são compulsórias, conforme aventou-se na subseção anterior, no que diz respeito a aplicação de instrumentos de política urbana e de desenvolvimento o significado é bem distinto. Na literatura especializada em planejamento e gestão urbana, gestão pública ou direito urbanístico, uma das características mais comentadas do Estatuto da Cidade é a sistematização nele de um arsenal de instrumentos cuja finalidade essencial é proporcionar aos governantes uma gestão municipal mais eficiente, eficaz, democrática e responsável social e ambientalmente falando. Por isso mesmo, nesta pesquisa não se poderia deixar de analisar como os PDM em tela fizeram uso destes recursos institucionais que tanto servem à regulação do território como à indução do desenvolvimento. O essencial aqui não é entrar na discussão do histórico e da conceituação dos instrumentos e das suas vantagens e problemas decorrentes da aplicação por uma prefeitura municipal. Na perspectiva da regulação do território e da construção de um projeto de desenvolvimento municipal, o essencial é averiguar nas leis dos quatro PDM, enquanto produto final e legal do processo de planejamento, quais e sob que condições esses instrumentos foram apropriados pelas equipes de planejamento. O documento intitulado Estatuto da Cidade: guia para a implementação pelos municípios e cidadãos (BRASIL, 2001b) agrupa os instrumentos contidos no Estatuto em três categoriais principais. São elas: • Instrumentos de Indução do Desenvolvimento Urbano: que reúne os instrumentos que incorporam a avaliação dos efeitos da regulação sobre o mercado de terras oferecendo, assim, ao poder público uma maior capacidade de intervir no uso, na ocupação e na rentabilidade das terras urbanas, tendo em vista efetiva operacionalização da função social da cidade e da propriedade urbana. 169 • Instrumentos de Regularização Fundiária: estes instrumentos possibilitam novas formas de legalização de áreas urbanas ocupadas por populações de baixa renda em áreas que não lhes pertencem legalmente. O objetivo da regularização fundiária é legalizar a permanência destas populações em seus locais de moradia, o que significa a integração dessas populações ao espaço urbano, aumentando sua qualidade de vida e resgatando sua cidadania. • Instrumentos de Gestão Democrática da Cidade: o intuito deste tipo de instrumento é ampliar a base de conhecimento, planejamento e sustentação da política urbana, que assim vai deixando de ser um assunto restrito aos especialistas e passando a ser um patrimônio de toda a sociedade que por ela é afetada. A utilização deste último tipo de instrumento já foi abordada na subseção que analisou a organização da participação popular e o processo de elaboração dos PDM. E constatou-se que eles foram mal e desigualmente aproveitados, com exceção de Tremedal que incorporou todos eles. Cumpre, portanto, completar o esforço de pesquisa focando os dois outros tipos de instrumentos. Da mesma forma que foram tratados os instrumentos de Gestão Democrática da Cidade, em todos os quatro PDM foram encontrados capítulos específicos para tratar dos instrumentos de política e desenvolvimento urbano (rever sumários no Apêndice A). Mas isto não significa dizer que todo o instrumental previsto no EC tenha tido apropriado e previsto pelos agentes responsáveis pelo conteúdo técnico dos planos. E, nesta seara, o problema apontado por Castro (2005a) também se confirma. O estudo da realidade mostrou situações municipais bastantes díspares umas das outras. Com o objetivo de articular e sintetizar esta análise, facilitando assim a compreensão global desta questão, foi elaborado o Quadro 21. Já é sabido que a aplicação de alguns dos instrumentos do EC pelo Poder Público municipal de forma legal depende de dois pré-requisitos, conforme já fora destacado no capítulo quatro (apresentados no Quadro 10): (i) a edição de lei específica que regulamente o instrumento previsto no plano; e (ii) a delimitação espacial por meio de mapa temático que aponte as áreas onde o instrumento pretende ser aplicado. Então, além de apontar quais instrumentos foram colocados em cada PDM, o Quadro 21 informa se as leis dos planos atendem a essas duas condições. 170 Quadro 21 – Instrumentos do Estatuto da Cidade previstos nos PDM estudados (continua) INSTRUMENTOS BARRA DO CHOÇA MORRO DO CHAPÉU SÃO FELIPE TREMEDAL Não Prevê regulamentação por LE e aponta as áreas de incidências. Elaborou MT, mas não o cita na lei. Prevê regulamentação por LE e aponta as áreas de incidência, mas não elaborou MT. Sim. Mas não faz absolutamente nenhum detalhamento quanto à regulamentação. - Indução do Desenvolvimento Urbano Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios Aponta as áreas de incidência, mas não prevê 1 regulamentação por LE . 2 Elaborou MT , mas não o cita na lei. IPTU progressivo no tempo Não Não Remete à LE que regulamentar o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios. Desapropriação com pagamento em títulos Não Não Sim (não requer LE nem MT). Consórcio Imobiliário Não Não Não Sim (não requer LE nem MT). Outorga Onerosa do Direito de Construir Prevê regulamentação por LE. Elaborou MT, mas não o cita na lei. Não Prevê regulamentação por LE, mas não aponta as áreas de incidências. Elaborou MT, mas não o cita na lei. Não Alteração de Uso Prevê regulamentação por LE, mas não aponta as áreas de incidências nem elaborou MT. Não Prevê regulamentação por LE, mas não aponta as áreas de incidências nem elaborou MT. Não Direito de Superfície Não Não Indica a área de incidência, (não requer LE nem MT). Não Sim. Mas absolutamente detalhamento não faz nenhum 171 (conclusão) Não Prevê regulamentação por LE, mas não aponta as áreas de incidência nem elaborou MT. Não Prevê regulamentação por LE. Elaborou MT, mas não o cita na lei Prevê regulamentação por LE. Aponta as áreas de incidência e elaborou MT citando-o na lei. Prevê regulamentação por LE. Elaborou MT, mas não o cita na lei. Não Prevê regulamentação por LE. Elaborou MT, mas não o cita na lei. Prevê regulamentação por LE. Aponta as áreas de incidência e elaborou MT citando-o na lei. Indica as áreas de incidência, mas não prevê LE. Elaborou MT citando-o na lei. Prevê regulamentação por LE e aponta as áreas de incidência, mas não elaborou MT. Indica as áreas incidência. Elaborou mas não o cita na lei. Indica as áreas incidência. Elaborou mas não o cita na lei. Transferência do Direito de Construir Não Operações Urbanas Consorciadas Direito de Preempção - Regularização Fundiária Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) Sim. Mas não indica áreas de incidência. Elaborou MT, mas não o cita na lei. Aponta as áreas de incidência e elaborou MT citando-o na lei. Uso Especial de Imóvel Urbano Não Não Sim (não requer LE nem MT). Concessão Especial para fins de moradia2 Não Não Não Usucapião Especial de Imóvel Urbano Não Não Não Sim (não requer LE nem MT). Concessão de Direito Real 3 de Uso (CDRU) Não Não Não Sim (não requer LE nem MT). Fonte: Elaboração do Autor 1 LE = Lei Específica 2 3 Vetado no texto do Estatuto da Cidade mas regulamentado pela Medida Provisória n°2.220/01 4 Instrumento criado pelo Decreto-Lei n°271 de 28/02/1967 ME = Mapa Específico de MT, de MT, Não Sim. Mas absolutamente detalhamento. não faz nenhum 172 O que se revela é, no mínimo, um quadro de inobservância geral para com o texto do Estatuto de Cidade, que é normativo e isonômico às municipalidades. Problema este que deve ser creditado tanto aos agentes políticos municipais como às equipes de planejadores. No primeiro caso pelas decisões políticas tomadas por esses agentes responsáveis, em última análise, por incluir determinado instrumento, ação, projeto ou programa na lei do PDM. No segundo caso, cabe lembrar que tanto os municípios do Produr quanto do PDP-Ba as equipes de técnicos municipais foram acompanhadas e assessoradas pelas equipes técnicas das consultorias contratadas, que subtende-se altamente qualificadas. Mais grave ainda no caso do Produr, visto que os PDM finalizados pelas empresas UFC Engenharia e AST Planejamento foram analisados pela CAR antes de serem submetidos às conferências municipais e, consequentemente, ao processo de votação nas câmaras de vereadores. Em relação aos instrumentos de indução do desenvolvimento, os PDM de Barra do Choça e Morro do Chapéu parecem ignorar aqueles institutos mais básicos e facultados ao Poder Público municipal desde a CF/1988 – Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios; IPTU progressivo no tempo; Desapropriação com pagamento em títulos da divida pública. E mesmo quando o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios é previsto no PDM de Barra do Choça não é prevista a compulsória regulamentação por lei específica. E apesar de ter elaborado o mapa temático delimitando as áreas de incidência, não faz a correlação no texto da lei com o referido mapa. Isso não representa um caso isolado. As falhas de não prever regulamentação específica ou não incorporar à lei do PDM o devido mapa temático acontece para outros instrumentos também, conforme revela o Quadro 21 mais detalhadamente. No que pese Morro do Chapéu ter previsto a aplicação de apenas dois instrumentos de indução do desenvolvimento, o fez totalmente da forma como é cobrada pelo EC. Os municípios de São Felipe e Tremedal fizeram bastante uso deste instrumental, especialmente o primeiro. Inclusive deram um tratamento detalhado a cada um deles já nas leis dos respectivos PDM. Todavia, pecaram no mais básico. Dos instrumentos que requerem atenção especial pode-se dizer que, com base na análise sintetizada no Quadro 21, todos os instrumentos previstos possuem algum tipo de inconsistência! 173 Em termos dos instrumentos para a promoção da regularização fundiária municipal, o Quadro 21 mostra que todos os quatro PDM privilegiaram a aplicação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Mas somente o PDM de Tremedal fez um uso completo destes importantes instrumentos de combate a um dos problemas sociais mais comuns e graves em qualquer município baiano ou brasileiro. Se observarmos as Tabelas 7 e 8, que trazem dados sobre a quantidade de moradores e domicílios urbanos em cada município, fica difícil entender o porquê dos PDM de Barra do Choça e de Morro do Chapéu não preverem os demais instrumentos dessa natureza. 6.3.3 Institucionalização do planejamento municipal Um terceiro viés de análise do conteúdo de um PDM pode ser o que ele traz em termos de pensar e institucionalizar, no âmbito dos Governos municipais, a práxis de planejamento e gestão urbana, mas que deve abranger toda a área municipal. Em outras palavras, trata-se de averiguar se houve uma preocupação, por parte dos artífices dos quatro PDM em tela, de dotar a gestão pública municipal de instrumentos e instâncias capazes de não somente darem continuidade ao processo de planejamento deflagrado com a elaboração dos PDM, mas também serem capazes de gerirem a sua implementação e a do próprio ideal de desenvolvimento enquanto elemento animador de todo este processo. As análises das quatro leis revelam que somente no município de Morro do Chapéu não houve nem menção formal, nem programática de tal conteúdo. Já nos demais municípios a questão da institucionalização do planejamento municipal apareceu nas leis na forma de capítulos ou seções específicas (Apêndice A). Novamente, com o intuito de propiciar a compreensão deste terceiro tema e a comparação entre os municípios estudados, foi elaborado o Quadro 22 sintetizando todas as proposições assim identificadas. Com base nas proposições elencadas, pode-se dizer que nos PDM aprovados em Barra do Choça e em Tremedal houve uma institucionalização, pelo menos em termos jurídicos, da atividade de planejamento urbano. Cada um ao seu modo, mas seguindo as diretrizes das instituições responsáveis pelos programas de 174 elaboração dos PDM, procurou dotar as prefeituras de estruturas institucionais capazes de viabilizar localmente a práxis do planejamento. Enquanto Morro do Chapéu e São Felipe se limitaram, basicamente, à criação de conselhos, nos outros dois municípios as propostas se mostraram muito mais abrangentes em termos de recursos institucionais: criação de secretarias e órgãos de planejamento; instâncias de sistematização do planejamento; ferramentas de suporte ao planejamento como centros ou sistemas de informações municipais; fundos que pudessem financiar os programas e as ações planejadas; além de conselhos paritários e deliberativos focados no planejamento e no desenvolvimento. Quadro 22 – Propostas para a institucionalização do planejamento municipal contidas nos PDM estudados MUNICÍPIOS ESTRUTURAS ADMINISTRATIVAS • • Barra do Choça • • • • Morro do Chapéu • • • São Felipe • • • • Tremedal • • • • Secretaria de Planejamento; Sistema Municipal de Planejamento; Centro de Informações Municipais (CIM); Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano (CMPDU); Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano; Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano. Conselho Municipal de Desenvolvimento; Agência de Desenvolvimento Local. Conselho da Cidade (COMCID); Conselho de Meio Ambiente; Fundo Municipal de Cultura. Conselho da Cidade (COMCID); Conselho Ambiental; Órgão de Planejamento e Gestão Territorial (secretaria especial); Sistema de Planejamento e Gestão Territorial; Fundo de Desenvolvimento Territorial; Sistema de Informações Municipais. Fonte: elaboração do autor O fato do PDM de Barra do Choça privilegiar a questão do desenvolvimento urbano nas estruturas administrativas previstas talvez seja facilmente compreendido quando se tem em mente que o Produr foi originalmente formatado com ênfase no desenvolvimento urbano e no desenvolvimento institucional pensamento do BM, conforme explanado no capítulo cinco. inerentes ao 175 Em realidade, de acordo com a observação das estruturas propostas, foi somente em Tremedal, o município de perfil mais rural entre os quatro estudados, que o planejamento e a gestão com foco em toda a área municipal puderam ser identificados. Não que isto tenha sido fruto de uma rigorosa cobrança metodológica do PDP-Ba, mas, verificou-se que tal iniciativa tenha partido da própria equipe municipal sob orientação dos técnicos contratados pela CNM. 6.4 O QUE REVELAM AS ENTREVISTAS REALIZADAS Mais do que oferecer uma complementaridade da necessária relação entre teorização e empirismo para a construção do conhecimento científico, esta seção pretende expor as observações sobre o processo de elaboração dos quatro PDM aqui estudados colhidas durante a pesquisa de campo. Em verdade, se quer coletar elementos – com base nos relatos de indivíduos que participaram do planejamento representando entidades sociais ou os poderes Executivo e Legislativo – para analisar o comportamento destes agentes e, em última instância, a legitimidade social dos planos elaborados e aprovados legalmente. Nesta direção, o Quadro 23 elenca os agentes sociais que foram alvos de entrevistas específicas, segundo os representantes pertençam ao Executivo ou Legislativo municipal ou pertençam a entidades da sociedade civil. O roteiro das entrevistas, previamente definido, podem ser apreciados nos Anexos B e C. Em relação ao roteiro das entrevistas, pode-se dizer que eles foram estruturados tendo como critérios as discussões empreendidas pela pesquisa girando em torno, assim, dos aspectos mais pragmáticos dos PDM: o processo de elaboração em sentido amplo, a participação da população e o conteúdo dos planos, conforme preconizam as Resoluções 25 e 34 do Concidades. De um modo geral, pode ser dito que em todos os quatro municípios estudados o processo de elaboração dos PDM foi bastante divulgado pelas equipes componentes dos núcleos de planejamento, sejam elas compostas por técnicos contratados ou por funcionários municipais. Todos os representantes das entidades 176 entrevistadas confirmaram que foram convidados, mediante convite formal e personalizado, para participar das atividades. Quadro 23 – Principais agentes sociais que participaram da elaboração dos PDM AGENTES MUNICIPAIS EXECUTIVO MUNICIPAL LEGISLATIVO MUNICIPAL SOCIEDADE CIVIL • Conselho de Dirigentes Lojistas (CDL); Barra do Choça • Secretário de Administração e Planejamento; • Diretoria Técnica da Secretaria de Infraestrutura. • Associação de Moradores do Bairro de Ouro Preto; • 01 Vereador – 1º Secretário da Câmara. • Associação de Moradores do Bairro Primavera (AMBAPRI); • Associação Barra Chocense de Integração dos Deficientes (ABAIDE); • Sindicato dos Professores Municipais de Barra do Choça. • Grupo Ambientalista Morrense (GAM); • Secretário de Administração; Morro do Chapéu São Felipe Tremedal • Secretário de Cultura, Turismo e Meio Ambiente; • 01 Vereador – 1º Secretário da Câmara. • Sindicato dos Trabalhadores Rurais; • Associação de Produtores de Flores (CÁLLAMO); • Conselho Municipal de Cultura (compôs o grupo local). • Conselho de Dirigentes Lojistas (CDL); • Assistente social (compôs o grupo local); • Associação das Igrejas Evangélicas; • Procurador da Prefeitura (compôs o grupo local); • Grupo de Educação Integral Minhoca. • 01 Vereador – sem • Baú de Leitura; função específica • Sindicato dos Trabalhadores na Câmara. Rurais; • Fiscal de Obras (compôs o grupo local). • Associação Comunitária de Desenvolvimento de Xangô. • Secretário de Administração na época (compôs o grupo local); • Associação dos Produtores Rurais de Riachão; • Secretário de Meio Ambiente (compôs o grupo local); • Topógrafo contratado pela Prefeitura para compor o grupo local. Fonte: elaboração do autor • 01 Vereador – líder • Sindicato dos Trabalhadores governista na Rurais; Câmara. • Associação de Igrejas Evangélicas; • Secretaria Paroquial (Ig. Católica). 177 Da mesma forma, todos esses agentes afirmaram que as reuniões públicas organizadas, sobretudo na fase inicial do processo, foram bastante didáticas, por assim dizer. Nesses eventos foram apresentadas palestras procurando explicar aos leigos, inclusive do próprio quadro de funcionários municipais, sobre o que é o Estatuto da Cidade e o que é o PDM, sobre a obrigatoriedade da elaboração dos planos e sobre o papel da prefeitura, dos vereadores e da população, entre outros pormenores. Tendo em mente que a maioria das pessoas envolvidas neste processo não sabia o que era um PDM até o início da elaboração, parece que aquelas reuniões surtiram, ao menos, certo efeito pedagógico a posteriori. O fato é que mesmo muitos dos entrevistados não saberem definir de forma exata o que é um plano diretor, mais de 90% deles compreenderam sua essência ou o seu sentido. Destacam-se abaixo algumas respostas para esta questão. “Serve para definir os rumos da cidade. Definir a questão das casas e usos do solo e melhorar a acessibilidade dos deficientes.” (Damião A. Reis, representante da Associação Barra Chocense de Integração dos Deficientes Físicos - ABAIDE). “É o levantamento das prioridades do povoado. É uma forma de convocar a sociedade para participar do desenvolvimento” (Roberval B. Gonçalves, representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Morro do Chápeu). “É uma organização para as coisas que estão acontecendo. Se preparar para o futuro.” (Etivaldo J. Pereira, representante da Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Riachão em Tremedal). “É a participação popular na realização das obras e investimentos no município. Antes as obras eram realizadas de forma errada.” (Cilda Mary, representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Felipe). Ainda sobre esta questão, uma observação mais acurada de todos os formulários, revela algo de relevante e diferenciador nas municipalidades. Enquanto que em Tremedal e São Felipe (PDP-Ba) 62,5% das respostas apresentam alguma referência à participação popular na gestão pública, nos municípios de Barra do Choça e Morro do Chapéu este percentual atinge 25,0% apenas. Não se quer com isso fazer ilação sobre uma possível cultura participativa menor nestas duas últimas administrações municipais. Talvez o que explique tal 178 fenômeno seja a própria ênfase no protagonismo local encapada de forma mais contundente na metodologia do PDP-Ba (focada na legislação derivada do Estatuto da Cidade) que na metodologia do Produr (mais focada no planejamento estratégico). Nesta perspectiva, o papel dos técnicos locais e dos técnicos contratados, ao longo do processo de planejamento, também aparece nas entrevistas como elemento diferenciador das duas experiências. Se nos municípios do PDP-Ba tanto a coordenação quanto a operacionalização das atividades foram percebidas pelos representantes das entidades entrevistados como atribuições dos técnicos das próprias prefeituras – cabendo aos técnicos contratados apenas atuarem mais na orientação técnica-metodológica – nos municípios do Produr a equipe municipal foi identificada com a função de apenas apoiar os técnicos contratados que, assim, foram identificados como coordenadores das atividades. Na tentativa de colher uma auto-avaliação, pelos agentes políticos municipais, relativa à questão da participação popular no processo de elaboração dos PDM as respostas obtidas denotam diferentes discursos. Em Barra do Choça os membros do Executivo entrevistados consideraram satisfatória a participação da população, mesmo reconhecendo que poderia ter havido mais tempo de trabalho e mais divulgação. Já o vereador entrevistado classificou a participação popular como inadequada devido a dois fatores: acredita que houve poucas reuniões na zona rural e que, de um modo geral, as reuniões eram convocadas sem muita antecedência, o que impedia uma mobilização maior. Em Morro do Chapéu os representantes dos poderes Executivo e Legislativo entrevistados consideraram a participação como regular. No primeiro caso devido a pouca atuação das pessoas que integraram os grupos temáticos de trabalho (inclusive criticando a atuação da consultora técnica coordenadora do PDM) e, também, a falta de uma capacitação dirigida aos dirigentes das entidades sociais. Já no segundo caso foi mencionada a quantidade insuficiente de reuniões, sobretudo na zona rural. Passando para o grupo do PDP-Ba, em São Felipe aconteceu a mesma situação: a participação popular foi classificada como regular pelos entrevistados de ambos poderes. No entanto, a crítica não recaiu sobre a quantidade de reuniões realizadas, que foi considerada suficiente pelos entrevistados. Os fatos que contribuíram para esta classificação foram, principalmente, a quantidade de pessoas 179 presentes nas reuniões e o volume inadequado de recursos financeiros destinados pelo Prefeito à organização destes eventos. A assistente social do município também apontou a “falta de consciência das pessoas em relação ao seu papel na participação voluntária” como um dos problemas. E em Tremedal os membros do Executivo e do Legislativo entrevistados analisaram a participação popular como satisfatória de um modo geral. E a quantidade de reuniões, assim como em São Felipe, não foi apontada como problema. A própria coordenadora do PDM salienta que na zona urbana apenas houve uma grande participação popular no evento da Conferência Municipal, apesar das diversas convocações para as reuniões públicas, enquanto que na zona rural as pessoas se fizeram mais presentes e contribuíram ao longo de todo o processo. Estes entrevistados apontaram como causas para a desmobilização da população três problemas: o baixo nível de instrução do povo; o descrédito da população para com a política e a falta de experiência da própria equipe local na condução das atividades. É claro que a participação popular não pode ser cotejada, como já fora discutido em Fedozzi (2005), apenas em termos da quantidade de reuniões realizadas e da quantidade de pessoas nelas presentes. Ainda que tais indicadores tenham a capacidade de sinalizar deficiências metodológicas no processo de elaboração dos PDM ou posturas incompatíveis com o regime democrático, o que é mais grave ainda. Por isso mesmo foi perguntado aos representantes dos poderes Executivo e Legislativo se as demandas sugeridas pela população e pactuadas com o Poder Público, via os tais “Pactos Territoriais”, foram incluídas de fato nos PDM. Elemento este que também já faz a análise entrar na questão dos conteúdos dos planos. As respostas, no entanto, se revelaram frustrantes em alguns casos quando se compara com o teor das leis dos PDM. Todos os agentes públicos entrevistados nas quatro municipalidades afirmaram que todas as propostas e demandas oriundas das reuniões públicas, exceto aquelas que exorbitavam da competência municipal ou que não apresentavam viabilidade econômica ou técnica, foram incorporadas à lei dos PDM. Infelizmente, sabe-se que, marcadamente, para os municípios de Barra do Choça e Morro do Chapéu estas veemente assertivas não correspondem a realidade dos fatos. Tais municipalidades deixaram de incorporar na lei dos PDM, de forma clara e 180 objetiva, diversos instrumentos do EC e ações diretas para a melhoria da qualidade de vida local. Não se quer dizer com isso que em Tremedal e São Felipe 100% das proposições tenham sido contempladas. Mas somente para relembrar, a análise das leis dos PDM, ou de qualquer documento fisicamente anexados a elas, revelou a inexistência de propostas diretamente ligadas à questão do território usado pelos cidadãos naqueles dois municípios do Produr. Aliás, tal pergunta suscitou controvérsias quando foi direcionada aos representantes das entidades sociais entrevistados. No que pese a maioria das pessoas não terem procurado ler os PDM após aprovados pelas câmaras municipais, houve alguns indícios de falta de transparência por parte de gestores e vereadores municipais. Em São Felipe, por exemplo, a representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais comentou que os vereadores alteraram por conta própria, após a aprovação do projeto de lei na Conferência Municipal, alguns artigos referentes à aplicação de instrumentos do Estatuto da Cidade (Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios) sem que tais mudanças fossem apreciadas ou comunicadas à sociedade civil. Também em São Felipe o representante da entidade Baú de Leitura afirmou que tentou ter acesso ao PDM logo após a sua aprovação, mas a Prefeitura alegou que ainda iria providenciar a impressão do documento e que, naquele momento, a lei do PDM estava disponível para consulta na internet. Já em Morro do Chapéu, o representante do Grupo Ambientalista Morrense (GAM) afirmou que não procurou ler o PDM aprovado haja vista a Câmara de Vereadores, costumeiramente, não facilitar o acesso das pessoas aos documentos lá arquivados. E os representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) destacaram que a própria prefeitura morrense não divulgou mais nada relativo ao PDM após sua aprovação pelos vereadores. Por outro lado, em Barra do Choça o representante da Associação Barra Chocense de Integração dos Deficientes Físicos (ABAIDE) afirmou ter recebido da Prefeitura uma cópia do PDM e, acredita ele, que todos os outros representantes das entidades sociais envolvidas no processo de elaboração também receberam. Em Tremedal, por fim, os entrevistados nem relataram fatos que colocasse a postura do Poder Público em suspeição nem relataram fatos que fossem dignos de 181 maiores elogios. Em verdade, nenhum dos representantes entrevistados procurou ter acesso ao PDM após a apresentação do projeto de lei na Conferência Municipal. Nesse sentido, é de se lamentar o desinteresse geral de pessoas que se dizem representar interesses de outrem. Outra observação pertinente, ainda referente à questão dos conteúdos dos PDM, foi o fato de que em todas as municipalidades e entre quase todos entrevistados ficou patente uma dificuldade dos entrevistados em citar as principais e mais gerais proposições dos PDM. O que revela um envolvimento das pessoas com os problemas municipais estritamente compartimentado, de acordo com seus próprios interesses e objetivos ou da instituição que representa. Com efeito, somente os técnicos municipais que trabalharam mais diretamente na coordenação dos trabalhos souberam falar sobre os projetos e propostas para os municípios. Em realidade, o pouco envolvimento até mesmo de representantes de entidades sociais que participaram de reuniões públicas ao longo do processo de elaboração dos PDM não constitui um caso isolado. Quando os entrevistados foram perguntados sobre a participação dos principais agentes políticos municipais – prefeitos e vereadores – o panorama delineado é preocupante. Em relação à participação dos prefeitos no processo de planejamento, tanto do ponto de vista do apóio político quanto do apoio financeiro, ou seja, da disponibilização de recursos para o custeio das atividades, somente em Tremedal o gestor municipal foi bem avaliado por técnicos municipais, pelo representante dos vereadores e pelos representantes das entidades sociais. Em Barra do Choça esse mesmo público-alvo classificou a participação geral do prefeito como satisfatória. Já em Morro do Chapéu e São Felipe os técnicos municipais e os representantes das entidades sociais avaliaram como fraca a atuação dos seus respectivos prefeitos. Somente os vereadores acharam que tais gestores apoiaram a elaboração dos PDM, aliás, isto ocorreu nos quatro municípios estudados. Fenômeno este que para ser compreendido precisa ser considerado na perspectiva do jogo político enquanto elemento das relações de poder entre o Executivo e o Legislativo, e não simplesmente a partir dos fatos mais superficiais. Mas, sem dúvida, quem perde com tal postura dos prefeitos são os habitantes e os cofres públicos. Pior ainda foi a avaliação da participação dos vereadores na elaboração dos PDM, inclusive segundo eles próprios. Em todas as municipalidades e entre todos os 182 entrevistados a opinião foi a mesma: de fraca a inexistente. Seria mesmo toda unanimidade burra? Entre os principais motivos que levaram a esta avaliação tão negativa estão: a recorrente ausência dos vereadores (tanto da situação como da oposição) nas reuniões públicas e o desinteresse em contribuir com propostas para os PDM. Neste contexto, qualquer vereador que tenha participado de pelo menos dois eventos foi considerado pelos entrevistados como o mais atuante. Com efeito, a impressão passada no momento das entrevistas era a de que os representantes das entidades sociais estavam bastante decepcionados e frutados com a postura dos agentes políticos municipais, sobretudo os vereadores. Diante de tudo que foi exposto, não causam a menor estranheza as respostas obtidas quando os agentes entrevistados foram questionados sobre sua opiniões à respeito da motivação das administrações municipais para elaborar os PDM. Por ordem de menção, esta é a hierarquização dos motivos citados: • A obrigatoriedade imposta pelo Estatuto da Cidade; • A necessidade de ter o PDM para assim poder obter recursos do Governo federal ou financiamentos de instituições privadas; • • O município precisa fazer algo para melhorar a administração pública; A população tem que ser mais ouvida pelos governantes. Portanto, enganam-se aqueles que ainda pensam que as pessoas podem ser ludibriadas com eloqüentes discursos sobre a melhoria da vida da população ou com refinadíssimos trabalhos técnicos. Mesmo aqueles indivíduos que vivem em pequenos municipais ou em povoados das zonas rurais já estão cientes das estratégias empregadas pelos agentes políticos. Mesmo acreditando que a verdadeira motivação para a elaboração dos PDM é mais de ordem legal e financeira, todos os entrevistados consideraram tal processo como uma experiência positiva para o município ou mesmo um marco para a história municipal. E isto porque, pela primeira vez, os munícipes tiveram alguma chance de expressar formalmente suas demandas junto aos seus gestores e legisladores e, também, chance de cobrar deles, frente a frente, ações que viessem a melhorar suas condições de vida. Se tais ações vão ser realmente atendidas, visto que a aprovação dos PDM é coisa recente, é a maior dúvida dos cidadãos. 183 7 CONCLUSÃO Na perspectiva da ciência geográfica, este trabalho utilizou como recorte espacial de investigação a unidade municipal. E este tipo de recorte é muito relevante, como bem destacaram Castro (2005a; 2005b) e Fonseca; Vieira (2008), haja vista que é no município, especialmente na sua sede, a cidade, onde muitos dos direitos e deveres dos cidadãos são objetivados e as maiores densidades de objetos e sistemas técnicos responsáveis por viabilizar, no bojo da atual fase do modo de produção capitalista, o modo de vida contemporâneo, são identificadas. Entretanto, tratar do município brasileiro pelo prisma da geografia política implica uma abordagem que não examine somente a organização espacial de uma cidade ou de um município ou os usos que os diversos agentes sociais fazem dele. Nesta perspectiva, esta pesquisa tem como ponto de partida da sua abordagem a ação do Estado na organização e regulação do território. Desta maneira, destacou-se neste trabalho o PDM como sendo a norma jurídica editada autonomamente pelo próprio Governo municipal, mas respaldada por uma legislação criada pelo Governo federal, que pode ser utilizada para o exercício do seu poder de polícia sobre o ordenamento e a regulação do território e, também, como recurso institucional para a indução do desenvolvimento municipal. Para percorrer o caminho investigativo, foi necessário identificar e expor outras normas jurídicas que respaldando ou complementando a lei do PDM, compõem a chamada ordenação urbana. Para além das leis de perímetro urbano, de zoneamento e de uso e parcelamento do solo, e dos códigos de obras e de postura, estão consolidadas, também, como fundamentação jurídica para fins de regulação do território: o capítulo sobre política urbana na CF/1988; o Estatuto da Cidade de 2001; e as Resoluções 25 e 34 do Concidades. Do Estatuto da Cidade de 2001, que regulamentou os Artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, até a Resolução 34 do Concidades observa-se uma normatização pormenorizada de técnicas de mobilização popular, de práticas e instrumentos para uma gestão pública mais democrática e de conteúdos econômicos, sociais, culturais, ambientais e jurídicos que devem ser contemplados em qualquer PDM. Todavia, ainda que este estudo tenha se limitado à problemática da elaboração dos PDM, pode-se dizer que em termos da regulação do território a 184 pesquisa dos marcos legais necessários a esta função estatal, seja em nível nacional ou sub-nacional, aponta para um paulatino fortalecimento do Estado enquanto instância social. Ou seja, prefere-se concordar com Bresser-Pereira (1995), Jessop (1997) e, ainda, Bobbio (2007) quando estes rechaçam a idéia de que o poder do Estado estaria enfraquecido em detrimento do poder econômico das grandes corporações. E o tipo de normalização do território abordada nesta pesquisa não constitui caso isolado no Estado brasileiro. Sintomático deste fortalecimento institucional do Estado está a contínua edição de normas jurídicas cada vez mais focadas em determinada dimensão do território. Para além da chamada ordenação urbana contemporânea grifa-se, por exemplo, as legislações que tratam sobre meio ambiente e sobre trânsito como outros grandes vetores de regulação estatal sobre as ações e atividades encampadas por organizações empresariais ou por indivíduos isolados ou associados em grupos de interesses. No entanto, concomitantemente a este fortalecimento institucional propiciado pelas normas jurídicas, é latente no âmbito da gestão pública municipal a fragilidade da maioria dos Governos locais para realizar a regulação do território. E a observação de três situações envolvendo os PDM dá a exata medida deste fenômeno: os imbróglios técnicos, políticos e jurídicos que envolvem o processo de elaboração dos PDM em vários municípios brasileiros; a falta de implementação dos projetos, ações e instrumentos de desenvolvimento e gestão previstos; e quando a população percebe que o PDM em sua versão final deixa de ser uma expressão das discussões públicas e das propostas “pactuadas” para ser a agenda política de um determinado tipo de pensamento econômico ou fica refém de interesses políticos por parte dos gestores e vereadores locais. Acredita-se, então, que são pelo menos estes três fatos, articulados ou não, que motivam, nos agentes sociais relevantes, o sentimento de crise do Estado sendo, assim, considerado incapaz de governar o território frente aos interesses de agentes econômicos e às disputas por poder político realizadas por grupos socais locais/regionais. Não se quer dizer com isso que as organizações empresariais não tenham alguma influência em setores da vida econômica e social, em geral, até porque suas estratégias de ação acabam por agente desorganizador do espaço. O que se quer ressaltar é que se tal fenômeno é latente no período atual não é simplesmente 185 porque o Estado está a reboque das ações e intencionalidades de grandes organizações empresariais ou de grupos de interesse. Há de se lembrar que o Estado mesmo enquanto instância social não é um bloco monolítico. Como bem salienta Bresser-Pereira (1995), o Estado para realizar suas funções precisa, internamente, de pessoas – a chamada tecnoburocracia. Infelizmente, é neste grupo social que agentes públicos movidos por interesses pessoais e familiares ou em atendimento a interesses estranhos a coletividade social – motivações estas que por si só já negam a sua condição de membro do Estado – criam um terreno fértil para que os agentes sociais específicos e seus representantes coloquem seus próprios objetivos e interesses, ora de forma tácita, ora de forma mais declarada, a frente dos objetivos, interesses, ou mesmo necessidades dos demais cidadãos. E se o Estado está intervindo, no período atual, de maneira mais ou menos acentuada na economia, na vida social ou na regulação do território, isto somente confirma o pensamento ratzeliano de que a natureza do Estado é afetada pelas relações da sociedade com seu território. Esta capacidade de adaptação já fora observada em diversos outros momentos da história. Ou seja, à medida que a sociedade capitalista, em sentido amplo, e as cidades, em específico, continuam se tornando mais complexas, o que inclui o impacto da globalização sobre o Estado e sobre sua estrutura institucional, mais essa instituição é impelida a produzir normas jurídicas que preservem ou aumentem seu poder de polícia sobre as demais instituições, sobre a coletividade e sobre as ações dos indivíduos para que, assim, a coesão e a ordem social não sejam afetadas pelos crescentes conflitos de interesses. Então, o cerne desta problemática não reside, apesar de importante, na ênfase e na obrigatoriedade dos próprios municípios elaborem seus PDM e conduzirem suas políticas territoriais, devido a ação do Governo federal. Tal fato apenas parece ser o indicativo de que o Estado brasileiro adotou o “estímulo” ao planejamento municipal como meio para enfrentar a questão da formulação e implantação de estratégias de desenvolvimento em escala sub-nacional frente à inviabilidade, em tempos de globalização, de levar a cabo planos e projetos nacionais de desenvolvimento nos moldes da experiência brasileira de meados do século passado. 186 Todavia, esta recente e expressa obrigatoriedade de elaboração dos PDM de forma alguma garante, a priori, que estes planos sejam uma estratégia eficaz para induzir ou intensificar um processo de desenvolvimento municipal de forma consistente. Primeiramente devido a fragilidade institucional da maioria das municipalidades brasileiras expressa na falta de recursos institucionais necessários ao Governo local. Em segundo lugar porque está profundamente impregnada na cultura política brasileira um fazer político pautado na troca de favores e no tráfico de influência entre os agentes políticos locais. Por outro lado, tem-se a certeza de que o PDM, enquanto discurso, é um grande instrumento para disseminar e concretizar objetivos e interesses desterritorializados e/ou desterritorializadores. Tal fragilidade na administração pública municipal pode ser minimamente explicada por alguns fatores que possuem correlação. Um deles é a tímida estrutura administrativa das prefeituras evidenciada no: quadro de profissionais nãoespecializados ou com remuneração inadequada, inexistência de órgãos específicos de planejamento e gestão urbana, falta ou má gestão de recursos financeiros, falta de equipamentos básicos etc. Outro é a falta de autonomia financeira dos municípios brasileiros que dependem, em grande medida, dos repasses e recursos oriundos dos Governos federal e estadual, senão de financiamentos internacionais. Um terceiro, de caráter mais estrutural que conjuntural, reside na falta de espírito público por partes de muitos dos gestores, legisladores e servidores municipais no trato da res publica. Seja do ponto de vista da regulação do território em sentido estreito, seja do ponto de vista de um ordenamento territorial em prol do desenvolvimento municipal, acredita-se que este último fator aparece como o principal pano de fundo para ineficácia dos Governos municipais. Uma das conseqüências mais diretas deste estado de coisas se revela na incapacidade que os Governos municipais apresentam para construir, por seus próprios meios, projetos de desenvolvimento municipal e/ou sua própria ordenação urbana. Considerada uma postura normal, infelizmente, a produção de peças de planejamento territorial e de projetos de leis municipais importantes para a regulação do território – como o PDM, a lei de uso do solo, o código ambiental, entre outras – terminam por ser repassadas a consultores técnicos sem laços de identidade com aquele lugar. Mas que isso, os ditos projetos de desenvolvimento continuam a ser 187 financiados, de diversos modos, por instituições financeiras alheias às questões e dinâmicas internas de um município. Daí então, acredita-se que para a elaboração de um PDM representar no território um projeto de desenvolvimento, e não apenas uma normatização do território, os PDM deveriam apresentar objetivos e conteúdos mais focados na base local, na sua dinâmica interna e nos aspectos sociais, culturais, econômicos e administrativos que os agentes sociais locais entendem como significativo para um processo de desenvolvimento. Nesta sentido, reafirma-se: a contribuição de Santos (1999; 2006) a respeito das noções de território como norma e do território usado para a formulação de políticas públicas; a contribuição de Silva (2003) sobre a territorialização enquanto processo de valorização de questões internas a um território; a ênfase no aspecto social presente na concepção de desenvolvimento de Souza (1996); e, também, as contribuições de Castro (2005a) e Fonseca; Vieira (2008) sobre a necessidade de valorizar o conteúdo institucional do território. Diante de tudo que foi exposto ao longo da pesquisa conclui-se que do modo como os PDM dos municípios de Barra do Choça, Morro do Chapéu, São Felipe e Tremedal foram elaborados será muito difícil que um processo de desenvolvimento territorializado na escala municipal possa ser alavancado e, muito menos, mantido a médio ou longo prazo em qualquer uma das municipalidades. Em essência, nos dois primeiros casos se detectou uma grande ênfase na programação de projetos econômicos mais amplos e que superam a própria capacidade administrativa/institucional de ambas as prefeituras. E nos dois outros casos, não obstante a inclusão de muitas das demandas populares, se detectou uma falta de consistência e articulação entre objetivos, projetos e meios de execução. Em todos eles se detectou uma grande preocupação em atender a legislação federal que regulamenta a matéria, como um casuísmo. O Produr/BM primou por fazer com que os Governos municipais seguissem a agenda temática do seu agente financiador, incorporando aos PDM suas idéias e práticas sobre planejamento estratégico e gestão urbana competitiva – algo que Vainer (2002a e 2002b) já havia denunciado desde o Plano Estratégico para o Rio de Janeiro e que Ribeiro Filho (2006) identificou também no próprio Produr. Já o PDP-Ba/CNM primou para que a concepção de planejamento territorial desenvolvida pelo Ministério das Cidades fosse disseminada e posta em prática pelos municípios 188 estabelecendo, assim, uma intervenção direta da União e da sua tecnoburocracia sobre as políticas urbanas municipais. Nos dois programas a regulação do território municipal, uma competência dos Governos municipais, sofreu ações diretas, de distintas naturezas, na construção – idealmente local e autônoma – de seus PDM. No caso do Produr/BM uma intervenção de caráter indicativa e ideológica, visto que operada pelo poder econômico do agente financiador, somente pôde induzir e acompanhar a adoção efetiva, ou não, das idéias propostas na execução do programa. Já no caso do PDPBa/CNM uma intervenção de caráter normativo e permanente por ser mediada pelo poder de polícia do Estado, que impôs sanções às municipalidades que não elaborassem seus PDM. E como bem ficou claro por meio das entrevistas, o fato de poder sofrer sanções, na forma de improbidade administrativa ou de ordem financeira, por instâncias governamentais que lhes são superiores foi um dos principais motivadores para que os municípios adotassem e seguissem localmente o Estatuto da Cidade e a legislação dele derivada. Mas tal ação do Governo federal está longe de ser uma perversidade para com os Governos municipais. Se mesmo diante da obrigatoriedade e regulamentação dos PDM ainda existem, na atualidade, centenas de municípios que não elaboraram ou revisaram seus planos, imagina-se: como estaria este quadro caso o Estatuto da Cidade não tivesse estabelecido que todos os municípios com mais de vinte mil habitantes no ano de 2000 (entre outros critérios) deveria elaborar seus PDM ate outubro de 2006? Em relação aos quatro municípios estudados em geral, o que pôde ser observado é a construção de um verdadeiro paradoxo intimamente ligado ao exercício do poder do Estado, que lhe é soberano, e ao fazer político no território. Apesar de que nos quatros municípios o processo de planejamento denote que o conceito de território tenha sido apropriado pelas equipes de planejadores com o conteúdo próprio da noção miltoniana de território como norma, o que é bastante salutar, a análise das leis dos PDM revelou que, efetivamente, o território foi tratado pelo Poder Público conforme sua tradição – como base física para o Governo da sociedade. Por outro lado, isso não significa dizer que a elaboração dos PDM tenha obtido como resultado, exclusivamente, o incremento da capacidade do Estado para 189 intervir e regular o território. A confrontação da análise dos PDM com a análise dos processos de planejamento revelou nuances de processos sociais complexos tanto quanto a problemática envolvendo projetos de desenvolvimento versus regulação. Nesta perspectiva, concorda-se com Almeida Neto (2007) sobre o efeito pedagógico destes tipos de programas e dos PDM elaborados sobre a administração pública dos quatro municípios estudados. Primeiramente, destaca-se como efeito positivo a constatação que, de fato, houve um crescimento profissional dos funcionários municipais que integraram as equipe de planejamento. Tendo contato com consultores especializados e seus métodos de trabalho, assumindo nas prefeituras atividades e tarefas além das habituais e recebendo mais responsabilidades do próprio gestor local, os técnicos municipais desenvolveram novas habilidades e adquiriram muitos conhecimentos sobre a práxis de planejamento territorial. Neste contexto, não é exagero dizer que os técnicos de Tremedal e de São Felipe demonstraram um amadurecimento muito maior que os de Barra do Choça e de Morro do Chapéu. Mas se isto não tem haver somente com características pessoais ou institucionais, localmente falando, pregressa à elaboração dos PDM. Com efeito, foi um reflexo positivo da metodologia formulada pela CNM e aplicada pelo PDP-Ba aos municípios que aderiram ao programa. A bem da verdade, tal constatação diz respeito ao processo geral de planejamento e não aos méritos ou deficiências dos PDM elaborados em si. Pelas características da metodologia do PDP-Ba ficou claro que o grau de autonomia dos Governos municipais para construir um projeto de desenvolvimento territorializado foi mais acentuado que no âmbito do Produr. No caso da equipe técnica local formada no âmbito do PDP-Ba as capacitações técnicas realizadas pelos consultores da CNM propiciou a estes técnicos adquirir muitos conhecimentos novos podendo, inclusive, se tornarem multiplicadores dentro da estrutura administrativa local. Fato este não observado nos técnicos dos municípios do Produr. Tal aprendizagem incluiu atividades como pesquisar dados estatísticos e informações gerais e especificas sobre o próprio município e em todas as suas dimensões; como mobilizar a população e organizar reuniões, audiências públicas e conferências sobre realidade municipal, no sentido de perceber seus anseios e registrar suas demandas e necessidades; e como empregar todo este conhecimento 190 para a formulação de políticas urbanas e rurais, como bem preconiza o Estatuto da Cidade. Por esta linha argumentativa, pode-se entender melhor o porquê dos PDM de São Felipe e Tremedal apresentarem um conteúdo mais equilibrado quando se consideram as propostas ligadas a lógica do desenvolvimento econômico, as normas referentes ao ordenamento do território e as propostas referentes às demandas populares, no que pese ser um conteúdo bastante extenso e setorialmente desarticulado. Em segundo lugar, deve ser ressaltado como bastante positivo a disseminação entre a população em geral, mas sobretudo nos líderes das entidades sociais (associações de moradores, de artesãos, de produtores rurais, de sindicatos etc.), de técnicas e instrumentos para a prática de uma gestão pública mais democrática, ainda que este agentes sociais não tenham podido acompanhar de dentro da administração municipal o processo de planejamento. Na medida em que as pessoas recebiam convites para reuniões públicas, viam carros de som, cartazes e faixas de divulgação, assistiam a palestra sobre os problemas dos seus municípios, tinham a oportunidade de se expressar diante dos gestores locais e de fazer perguntas aos seus prepostos, verificou-se que essas pessoas passaram a entender melhor o significado do termo participação popular. Em especial, talvez pela qualidade do processo de planejamento, ou seja, por critérios como: o envolvimento do gestor local e dos técnicos municipais; a quantidade e distribuição espacial das reuniões públicas; e o conjunto de proposições contempladas na lei do PDM; acredita-se que o município de Tremedal consiga melhorar, em alguma medida, a qualidade da sua gestão pública e os serviços prestados aos seus habitantes. Nos demais municípios, pelos diferentes motivos apontados pela avaliação realizada, não se pode afirmar que tal fim possa ser atingido. Percebe-se, então, que mesmo diante da insuficiente mobilização da população dos municípios em torno de questões políticas mais amplas e determinantes, assim como, da pouca transparência que caracteriza a gestão pública municipal, foi válido o esforço das equipes de planejadores para garantir a participação popular e das suas demandas na elaboração dos PDM por meio da aplicação de instrumentos do Estatuto da Cidade. 191 Deduz-se de tudo isso que as singularidades encontradas no contexto político local, a existência e qualidade das instituições públicas em cada município e a capacidade de mobilização e participação política das diversas entidades representativas dos setores sociais são, com perdão do chavão, condições necessárias, mas não suficientes para construção local de um projeto de desenvolvimento municipal territorializado. A motivação e o método de elaboração dos PDM – sobretudo sua fundamentação teórica e orientação ideológica – tem muito a dizer sobre as reais intencionalidades e eficácia de cada um deles. Para além dos quatros municípios estudados, a cobrança e o decorrente processo de elaboração de PDM, por meio de reuniões com as populações urbanas ou rurais, vêm reafirmando a importância de se manter uma freqüente conversação entre a sociedade e o Poder Público municipal e mostrando aos agentes públicos municipais a facilidade de organizar tais encontros. Com base nestas experiências, se torna possível, estruturar canais de informação, de participação popular e controle social sobre a gestão pública, para além da aprovação da lei do PDM. Esse quadro da gestão pública municipal não pode mais ser aceita passivamente pela sociedade brasileira em geral e pela intelectualidade em particular. Ela precisa ser sistematicamente estudada/denunciada, seja por pesquisadores seja pela mídia seja por agentes do próprio Estado. Mesmo que garantida juridicamente, o poder de polícia do Estado (em nível federal, estadual ou municipal) sobre as ações dos indivíduos e de outras instituições não pode ser apenas em razão da normatização do território. O capítulo sobre política urbana na CF/1988, passando pelo Estatuto da Cidade de 2001 até a edição da Resolução 34 do Concidades, torna possível que o povo, a sociedade civil organizada ou o próprio Estado (via Ministério Público) questionem na justiça o conteúdo do PDM de um município caso qualquer um destes agentes entenda que tal norma não é representativa das demandas sociais locais que emergem do território. Mas apesar da alta relevância de todos os conteúdos que o território contem – espacial, político, institucional, social, cultural, ambiental, econômico – inclusive justificando a cobrança do Estado brasileiro pela elaboração dos PDM como instrumento de uma política de desenvolvimento municipal, não se pode perder de vista que somente ações de planejamento não constituem vetores de transformação profunda da realidade social. 192 Se a prática de planejamento e gestão do território, hoje predominante, qualquer que seja a escala espacial ou modelo adotado – tradicional, empresarial, participativo, ou uma combinação deles – não se prestam a rediscutir o modo de produção capitalista e o subjacente processo de desenvolvimento desigual que está na sua base, muito menos almejam questionar o poder do Estado, então, é a discussão sobre a renovação da práxis de planejamento e gestão do território que precisa ser aprofundada para que as administrações municipais possam melhor enfrentar os efeitos espaciais e sociais do desenvolvimento desigual. Cabe, então, primar por um planejamento e gestão do território que: não secundarize a escala municipal; que tenha a participação dos agentes sociais como um princípio de trabalho e não somente como uma exigência legal; e cujo elemento norteador não seja apenas o desenvolvimento econômico. Um planejamento e gestão do território que formatados e dirigidos localmente, e por assim dizer endógeno, seja ajustado às capacidades institucional, econômica, financeira e ambiental do seu próprio Governo. Os recursos institucionais para isso estão postos e as metodologias e as técnicas para promover a mobilização e a participação da população nesse processo são deveras conhecidas. Então, mãos-à-obra! 193 REFERÊNCIAS ALMEIDA NETO, Prudente de. Depoimento sobre o PDP-Ba. Salvador, 2007. Entrevista concedida a Fabio M. C. de Souza em 01 ago. 2007. ANTAS JUNIOR, Ricardo Mendes. Território e regulação: espaço geográfico fonte material e não-formal do direito. São Paulo: Fapesp, 2005. BANCO MUNDIAL. 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Atividade - Conjunto de operações que se realizam de modo contínuo e que concorrem para a manutenção e o funcionamento de órgãos e entidades governamentais e para a prestação de serviços públicos utilizados pela população. Audiência Pública e Debates - Tratam de temas específicos e devem ser convocados com antecedência e divulgados amplamente para que a participação não seja restrita a poucos envolvidos. Devem sempre procurar trazer o contraditório, ou seja, a posição das diferentes partes envolvidas no tema a ser decidido, que devem ter espaço equivalente para expressar sua opinião. Código de Obras - Conjunto de normas para as construções prediais na área urbana. Dispõe sobre as formas de ocupação dos lotes, coeficientes de aproveitamento do terreno, altura das edificações, condições de iluminação e ventilação, entre outras questões. Conferências – Instrumento que têm por objetivo mobilizar o governo e a sociedade civil para a discussão, a avaliação e a formulação das diretrizes e instrumentos de gestão das políticas públicas, definir uma agenda da cidade contendo um plano de ação com as metas e prioridades sociais para a cidade. As Conferências devem ser instituídas como componente do sistema de gestão da política urbana, podendo se realizar no período de cada dois anos para avaliar a política urbana e definir as ações de governo e da sociedade. Conselho Consultivo – Tipo de conselho em que seus integrantes têm o papel apenas de estudar e indicar ações ou políticas sobre sua área de competência. Conselho Municipal - Órgão colegiado formado por representantes do setor governamental e/ou da sociedade civil, que tem como função formular políticas públicas municipais setoriais nas áreas de Saúde, Transporte, Educação, entre outras, possibilitando a descentralização administrativa no governo municipal. Conselho Deliberativo - Tipo de conselho que efetivamente tem poder de decidir sobre a implantação de políticas e a administração de recursos relativos à sua área de atuação. 205 Conselho Paritário - Tipo de conselho que apresenta um número igual de representantes da sociedade civil e do setor governamental. Consenso de Washington – Conjunto de trabalhos e resultado de reuniões de economistas do FMI, do Bird e do Tesouro dos Estados Unidos realizados em Washington D.C. no início dos anos 1990. Dessas reuniões foi formatado o documento conhecido como “decálogo de Washington” contendo recomendações de políticas econômicas direcionadas aos países ditos em desenvolvimento. Contrapartida - Recursos próprios que os órgãos e entidades do Estado se comprometem a aplicar em determinado objetivo ou projeto/atividade, mediante contrato, convênio ou outros instrumentos assemelhados. Eficácia - Capacidade de obter resultados por meio da escolha dos objetivos adequados. Eficiência - Capacidade de fazer as coisas certas. É a maximização de resultados empregando determinada quantidade e qualidade de recursos. Equipamentos Comunitários - Equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares. Equipamentos Urbanos - Os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado. Estratégia - Alternativa escolhida entre outras opções para o perfeito atendimento da missão ou dos objetivos de uma organização. Estudo de Impacto de Vizinhança - Estudo realizado antes da aprovação do empreendimento ou da atividade para mostrar seus efeitos quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades. Fundo Municipal - Fundo destinado ao gerenciamento dos recursos financeiros obtidos para conclusão de políticas setoriais estabelecidas por um Conselho Municipal. Fundo Perdido – Termo que caracteriza um tipo de investimento ou financiamento realizado pelo qual o agente financeiro (Estado ou instituição privada) não possui expectativa de retorno do montante investido ou emprestado. Georeferenciamento - Processo de referenciar dados (objetos geométricos, fotos, imagens de satélite etc.) a um determinado sistema de coordenadas terrestre (coordenadas geográficas, por exemplo) ou a uma unidade territorial (bairro, município etc.) por meio do estabelecimento de relacionamentos entre dados espaciais e não-espaciais. Gestão Orçamentária Participativa – Tipo de prática no âmbito da gestão municipal que visa a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. Governo - É o gerenciamento ou administração das funções públicas. A administração superior; o ministério; o poder executivo. Improbidade Administrativa – é o ato praticado por agente público, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, ou seja, aquele ato que indica falta de honradez e de retidão de conduta no modo de proceder perante a administração pública nas três esferas e níveis de poder. 206 Infra-estrutura Básica - Os equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, redes de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, e de energia elétrica pública e domiciliar e as vias de circulação pavimentadas ou não. Iniciativa Popular – Segundo o Direito Constitucional, é o instituto de Direito Público mediante o qual os cidadãos têm participação direta na iniciativa da elaboração de leis. IPTU progressivo - Instrumento utilizado para estimular novas construções e contribuir para a diminuição do déficit habitacional. Consiste no estabelecimento de alíquotas progressivamente maiores de imposto territorial de terrenos vazios, onde não há construções, para desestimular a retenção de terrenos ociosos por parte de seus proprietários. Lei Orçamentária Anual - Lei especial de iniciativa do Poder Executivo que contém a discriminação da receita e despesa pública para determinado exercício financeiro, de forma a evidenciar a política econômica financeira do Governo e o programa de trabalho dos Poderes, seus órgãos, fundos e entidades da Administração Indireta. Compreendendo: orçamento fiscal; orçamento de investimento de empresas estatais; orçamento da seguridade social. Lei de Diretrizes Orçamentárias - Lei de iniciativa do Poder Executivo que compreende as metas e prioridades da administração pública federal, estadual ou municipal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orienta a elaboração da Lei Orçamentária Anual, dispõe sobre as alterações na legislação tributária e estabelece a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. Lei de Parcelamento do Solo - Instrumento que tem como objetivo criar normas para loteamentos urbanos no município. Lei de Perímetro Urbano - Instrumento legal que define a área urbana do município. A fixação do perímetro urbano é de exclusiva competência municipal e serve tanto para fins urbanísticos quanto tributários, só podendo ser loteadas parcelas de terra incluídas dentro dos seus limites. Indica o limite oficial entre as áreas urbanas e rurais. Lei de Zoneamento - Instrumento que define os possíveis usos do solo em zonas determinadas do município. Lei Orgânica Municipal - Conjunto de leis básicas do município, de formulação obrigatória após a Constituição Federal de 1988. Lote Urbano - O terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe. Mapa – Representação dos aspectos físicos naturais ou artificiais, ou aspectos abstratos da superfície terrestre, numa folha de papel ou monitor de vídeo, que se destina para fins culturais, ilustrativos e para análises qualitativas ou quantitativas genéricas. Mapa Temático – São mapas em qualquer escala, destinadas a um tema específico, necessária às pesquisas socioeconômicas, de recursos naturais e estudos ambientais. A representação temática, distintamente da geral, exprime conhecimentos particulares para uso geral. Meta - Unidade operacional básica da programação governamental cujo produto ou resultado contribui para a consecução do objetivo do projeto/atividade e do programa. Uma 207 ou mais metas constituem um projeto ou uma atividade finalística. Operação Urbana Consorciada - Conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo poder público municipal, com participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental. Orçamento Público - Lei de iniciativa do Poder Executivo que estima a receita e fixa a despesa da Administração Pública, evidenciando a programação governamental para um exercício. Organizações - São grupos de indivíduos com um objetivo em comum e ligados por um conjunto de relacionamentos de autoridade-responsabilidade para assim atingi-los. Órgão Colegiado – Tipo de órgão que integra a gestão pública e que conta a representação tanto do governo como de diversos setores da sociedade civil. O conselho, por exemplo, é um órgão colegiado que faz parte do Poder Executivo mas é independente dele para que, assim, a sociedade civil participe do planejamento e da gestão cotidiana da cidade. Plano de Governo - Conjunto de objetivos e linhas gerais de ação, expostos de forma a orientar o desenvolvimento local e a melhorar as condições de vida da população numa determinada gestão. Plano Plurianual – Plano de ação governamental que orienta os investimentos e compromissos de uma gestão. A Constituição manda que o Poder Executivo Municipal, durante o primeiro ano de seu mandato, dê continuidade ao plano existente e elabore o plano que vai vigorar durante os três anos restantes de seu governo e o primeiro ano do governo que o suceder. Planejamento Estratégico – Peça de planejamento que inclui atividades que envolvem a definição da missão da organização (pública ou privada), os seus objetivos e a estratégia para alcançá-los. Planta – Representação concebida em escala muito grande (1:500 a 1:2000), de áreas suficientemente pequenas que podem ser assimiladas, sem erro sensível às superfícies planas, isto é, onde a curvatura da terra pode ser desconsiderada. Política Pública - São as ações tomadas pelo governo no sentido de satisfazer necessidades básicas, como alimentação emprego, educação, saúde, habitação, transporte, lazer, meio ambiente, etc. Política Urbana - São as ações tomadas pelo governo no sentido de gerenciar, expandir ou dotar as cidades, e outros núcleos urbanos, de equipamentos de infra-estrutura urbana e equipamentos comunitários. Programa - É o instrumento de organização da ação governamental com vistas ao enfrentamento de um problema, atendimento a uma demanda ou o aproveitamento de uma oportunidade. Projeto - Instrumento de programação orçamentária para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações, limitadas no tempo, das quais resulta um produto que concorre para a expansão ou aperfeiçoamento da ação de Governo. Projeto de Lei - Texto articulado contendo normas que virão a ter caráter jurídico através 208 do processo legislativo. Sistema de Informações - Sistema que se valendo do uso de um computador e de um software especifico manipula dados e informações por meio de um de banco de dados digital. Website - Conjunto de documentos apresentados ou disponibilizados na internet por um indivíduo, instituição, empresa etc., e que pode ser fisicamente acessado por um computador e em endereço eletrônico específico da rede. Zona Habitacional de Interesse Social (ZEIS) - A infra-estrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de: II - vias de circulação; II - escoamento das águas pluviais; III rede para o abastecimento de água potável; e IV - soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar. 1 Glossário elaborado pelo autor com base em diversos documentos. 209 APÊNDICE A – SUMÁRIOS DAS LEIS DOS PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS 210 APÊNDICE A1 – Sumário da Lei do Plano Diretor de Barra do Choça Lei Complementar n° 04/06 de 09 de Outubro de 2006 TÍTULO I – Das Disposições Preliminares CAPÍTULO I - Dos Objetivos e das Diretrizes do Plano Diretor Urbano CAPÍTULO II – TÍTULO II - Das Função Social da Propriedade e dos Conceitos Das Estratégias de Desenvolvimento Urbano CAPÍTULO I – Das Propostas Estratégicas CAPÍTULO II – Dos Projetos Estratégicos do PDU CAPÍTULO III - Do Partido Urbanístico TÍTULO III - Dos Instrumentos de Política e Desenvolvimento Urbano CAPÍTULO I - Do Parcelamento, Edificação ou Utilização compulsórios CAPÍTULO II - Do Direito de Preempção CAPÍTULO III - Das Operações Urbanas Consorciadas CAPÍTULO IV - Da Outorga Onerosa do Direito de Construir CAPÍTULO V - Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança TÍTULO IV - Sistema e Processo Municipal de Planejamento CAPÍTULO I - Da Função do Sistema Municipal de Planejamento CAPÍTULO II - Dos Componentes do Sistema e suas Competências CAPÍTULO III - Do Processo de Planejamento CAPÍTULO IV - Dos Instrumentos do Sistema Municipal de Planejamento Seção I Seção II - Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano Centro de Informações Municipal – CIM CAPÍTULO V - Dos Canais de Democratização da Gestão Seção I Seção II TÍTULO V - Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano (Cmpdu) Conferência Municipal da Cidade Das Disposições Transitórias e Finais 211 APÊNDICE A2 – Sumário da Lei do Plano Diretor de Morro do Chapéu Lei n° 715/05 de 23 de Maio de 2005 TÍTULO I – Da Conceituação e dos Objetivos CAPÍTULO I - Disposições Preliminares CAPÍTULO II - Dos Princípios Fundamentais Seção I Seção II Seção III Seção IV CAPÍTULO III TÍTULO II - Da Função Social da Cidade Da Função Social da Propriedade Da Gestão Democrática Da Sustentabilidade Dos Objetivos e Diretrizes Das Estratégias de Desenvolvimento Urbano CAPÍTULO I – Dos Projetos Estruturantes CAPÍTULO II – Dos Projetos Estratégicos CAPÍTULO III - Ações e Projetos Prioritários TÍTULO III - Da Preservação ao Patrimônio Natural e Construído CAPÍTULO I - Do Patrimônio Natural CAPÍTULO II - Do Patrimônio Cultural e do Patrimônio Construído Seção I Seção II Cultural TÍTULO IV - Dos Sítios Arqueológicos Dos Casarões, Igrejas e demais Construções de Valor Histórico- Dos Instrumentos de Política Urbana CAPÍTULO I - Instrumentos de Indução ao Desenvolvimento Urbano CAPÍTULO II - Dos Instrumentos de Regularização Fundiária Seção Única - Das Zonas Especiais de Interesse Social CAPÍTULO III Seção Única - Dos Instrumentos de Democratização da Gestão Urbana Do processo de Avaliação do Plano Diretor 212 APÊNDICE A3 – Sumário da Lei do Plano Diretor de São Felipe Lei Complementar n° 05/2007 de 21 de Setembro de 2007 TÍTULO I – CAPÍTULO I - Das Disposições Preliminares CAPÍTULO II - Das Definições CAPÍTULO III - Dos Princípios da Política Urbana CAPÍTULO IV TÍTULO II - Do Conselho Municipal de Planejamento Urbano Conselho da Cidade Dos Investimentos Prioritários e das Diretrizes Setoriais CAPÍTULO I – Das Diretrizes Setoriais para a Infra-estrutura Seção I - Do Sistema Viário e da Mobilidade CAPÍTULO II – Seção I Seção II - Do Plano Municipal de Saneamento Ambiental Das Diretrizes Setoriais para o Meio Ambiente Das Diretrizes Setoriais para os Recursos Hídricos CAPÍTULO III Seção I Seção II Seção III - Da Habitação Da Política Municipal de Habitação Do Plano Municipal de Habitação Do Fundo Municipal de Habitação CAPÍTULO IV - Do Sistema de Geração de Energia, Distribuição de Energia Elétrica e Iluminação Pública CAPÍTULO V - Da Implantação de Equipamentos Comunitários Seção I - Das Diretrizes Setoriais para a Implantação de Equipamentos Comunitários Das Diretrizes Setoriais para a Saúde Pública Das Diretrizes Setoriais para a Assistência Social Seção II Seção III CAPÍTULO VI Seção I Seção II - Das Diretrizes Setoriais do Desenvolvimento Sócio-Cultural Da Educação e do Desporto Da Preservação do Patrimônio Cultural CAPÍTULO VII TÍTULO III - Das Diretrizes Setoriais do Desenvolvimento Econômico Do Ordenamento Territorial CAPÍTULO I - Das Diretrizes para a Urbanização e Uso de Solo CAPÍTULO II - Do Macrozoneamento Seção I Da Macrozona Urbana Subseção I Zona Urbana Consolidada Subseção II Zona Urbana de Expansão Seção II - Da Macrozona Rural 213 Seção III - Da Macrozona de Proteção Ambiental TÍTULO IV - Dos Parâmetros para Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo CAPÍTULO I - Do Uso e Ocupação do Solo CAPÍTULO II - Do Parcelamento do Solo Urbano TÍTULO IV - Dos Instrumentos de Política Urbana CAPÍTULO I - Do Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios Seção I Seção II Seção III Seção IV Seção V Seção VI Seção VII Seção VIII Seção IX Seção X Seção XI - Do Estudo de Impacto de Vizinhança Do Direito de Preempção Do Usucapião Especial de Imóvel Urbano Da Regularização Fundiária Das Operações Urbanas Consorciadas Do Direito de Superfície Da Zona Especial de Interesse Social Do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) Progressivo no Tempo Da Outorga Onerosa do Direito de Construir e Alteração do Uso do Solo Da Transferência do Direito de Construir Da Desapropriação com Pagamento em Títulos CAPÍTULO II - Dos Instrumentos de Planejamento CAPÍTULO III TÍTULO VI - Dos Instrumentos de Gestão Democrática Da Gestão Democrática da Política Urbana TÍTULO VII - Das Disposições Finais e Transitórias 214 APÊNDICE A4 – Sumário da Lei do Plano Diretor de Tremedal Lei Complementar n° 07/2007 de 21 de Maio de 2007 TÍTULO I – CAPÍTULO I - Dos Objetivos e Princípios Gerais da Política Territorial CAPÍTULO II - Das Diretrizes Gerais da Política Territorial CAPÍTULO III - Das Diretrizes, Objetivos Gerais e Específicos do Plano Diretor TÍTULO II - Dos Investimentos Prioritários e das Diretrizes Setoriais CAPÍTULO I – Das Diretrizes Setoriais do Desenvolvimento Econômico CAPÍTULO II – Das Diretrizes Setoriais para o Meio Ambiente CAPÍTULO III - Das Diretrizes Setoriais para os Recursos Hídricos CAPÍTULO IV - Das Diretrizes Setoriais para a Saúde Pública CAPÍTULO V - Das Diretrizes Setoriais para a Assistência Social CAPÍTULO VI - Das Diretrizes para a Política Municipal de Infra-Estrutura Seção I Seção II - Do Plano Municipal de Saneamento Ambiental Do Sistema de Geração, Distribuição de Energia Elétrica e Iluminação Pública Seção III - Da Habitação Subseção I Subseção II Subseção III Seção IV Seção V - Do Plano Municipal de Redução de Riscos Do Sistema Viário e da Mobilidade Subseção I Seção VI - Das Diretrizes Setoriais do Desenvolvimento Sócio-Cultural Da Educação e do Desporto Da Preservação do Patrimônio Cultural CAPÍTULO VIII TÍTULO III - Do Plano Municipal de Mobilidade Da Implantação de Equipamentos Comunitários CAPÍTULO VII Seção I Seção II - Da Política Municipal de Habitação Do Plano Municipal de Habitação Do Fundo Municipal de Habitação Dos Investimentos Prioritários no Desenvolvimento Institucional da Administração Pública Do Ordenamento Territorial CAPÍTULO I - Diretrizes e Parâmetros para a Ocupação e Uso de Solo CAPÍTULO II - Do Parcelamento do Solo Urbano CAPÍTULO III - Do Perímetro Urbano e do Macrozoneamento Seção I Da Macrozona Urbana Subseção I Zona Urbana Consolidada Subseção II Zona Urbana de Expansão Seção II - Da Macrozona Rural 215 Seção III - Da Macrozona Especial TÍTULO IV CAPÍTULO I - Dos Instrumentos de Política Urbana Do Estudo de Impacto de Vizinhança Seção I Seção II Seção III Seção IV Seção V Seção VI Seção VII Seção VIII Seção IX - TÍTULO V - Da Regularização Fundiária Do Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios Do Consorcio Imobiliário Do Direito de Preempção Do Estudo de Impacto de Vizinhança Da Concessão Especial para Fins de Moradia Do Usucapião Especial de Imóvel Urbano Da Concessão de Direito Real de Uso de Terras Públicas Da Zona Especial de Interesse Social Do Sistema de Planejamento e Gestão Democrática Territorial CAPÍTULO I - Órgãos Técnicos da Administração Municiapl CAPÍTULO II - Do Conselho da Cidade Seção I Seção II Seção III - Das Atribuições do Conselho da Cidade Composição do Conselho da Cidade Funcionamento do Conselho da Cidade CAPÍTULO III - Fundo Municipal de Desenvolvimento Territorial Seção I Seção II - Fontes de Recursos do Fundo Destinação dos Recursos do Fundo CAPÍTULO IV - Da Conferência Municipal CAPÍTULO V - Do Sistema de Informações Municipais CAPÍTULO VI - Das Audiências Públicas CAPÍTULO VII - Plebiscito e Referendo Popular CAPÍTULO VIII - Consulta Pública CAPÍTULO IX - Iniciativa Popular de Projeto de Lei CAPÍTULO X - Dos Acordos de Convivência CAPÍTULO XI TÍTULO VI - Programa de Capacitação sobre Planejamento e Gestão Territorial Das Disposições Finais e Transitórias 216 APÊNDICE B – MAPAS DOS MUNICIPAIS ESTUDADOS 217 APÊNDICE B1 – Mapa municipal de Barra do Choça 218 APÊNDICE B2 – Mapa municipal de Morro do Chapéu 219 APÊNDICE B3 – Mapa municipal de São Felipe 220 APÊNDICE B4 – Mapa municipal de Tremedal 221 ANEXO A – PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS DO PRODUR SEGUNDO CONSULTORIA CONTRATADA E ANO DE FINALIZAÇÃO Plano Diretor Municipal Consultoria contratada Ano de Finalização Canavieiras Teuba Arquitetura e Urbanismo c/s Ltda. 1999 Cruz das Almas UFC Engenharia Ltda. 1999 Jacobina UFC Engenharia Ltda. 1999 Paulo Afonso Caires de Brito Consultoria Empresarial 1999 Santo Amaro Teuba Arquitetura e Urbanismo c/s Ltda. 1999 Candeias CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em Administração 2000 Entre Rios UFC Engenharia Ltda. 2000 Eunápolis BA Consultoria, Assessoria e Eventos Ltda. 2000 Feira de Santana PLANARQ - Planejamento Ambiental e Arquitetura Ltda. 2000 Ituberá UFC Engenharia Ltda. 2000 Nazaré CTD Cooperativa 2000 Senhor do Bonfim CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em Administração 2000 Teixeira de Freitas Grupo Novo Arquitetura e Planejamento Urbano S/C. 2000 Alagoinhas* Tecnosan Engenharia s/c Ltda. 2001 Camamu TCI Engenharia e Sistemas 2001 Casa Nova PBLM Consultoria Empresarial 2001 Conceição do Coité TCI Engenharia e Sistemas Ltda. 2001 Euclides da Cunha UFC Engenharia Ltda. 2001 Ilhéus TC/BR - Tecnologia e Consultoria Brasileira S.A. 2001 Itaberaba Aquino Consultores Associados Ltda. 2001 Itabuna PLANARQ - Planejamento Ambiental e Arquitetura Ltda. 2001 Jaguaquara Tecnosan Engenharia s/c Ltda. 2001 Mucuri Interage Engenharia de Gerenciamento Ltda 2001 Poções TCI Engenharia e Sistemas Ltda. 2001 Pojuca TCI - Treinamento, Consultoria e Informática Ltda. 2001 Santa Maria da Vitória Damicos Consultoria e Negócios 2001 222 Plano Diretor Municipal Consultoria contratada Ano de Finalização Simões Filho TCI Engenharia e Sistemas Ltda. 2001 Valença e Guaibim ECONTEP - Empresa de Consultoria Técnica, Engenharia e Projetos Ltda. 2001 Brumado CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em Administração 2002 Camaçari Caires de Brito Consultoria Empresarial 2002 Ibotirama CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em Administração 2002 Ipiaú UFC Engenharia Ltda. 2002 Juazeiro Caires de Brito Consultoria Empresarial 2002 Santo Antônio de Jesus Aquino Consultores Associados Ltda. 2002 Araci Damicos Consultoria e Negócios 2003 Campo Formoso Bourscheid Engenharia Ltda. 2003 Catu Aquino Consultores Associados Ltda. 2003 Igrapiúna UMK Arquitetos 2003 Ipirá UFC Engenharia Ltda. 2003 Luis Eduardo Magalhães UFC Engenharia Ltda. 2003 Nilo Peçanha Teuba Arquitetura e Urbanismo c/s Ltda. 2003 Santo Estavão Damicos Consultoria e Negócios 2003 Serrinha UFC Engenharia Ltda. 2003 Taperoá Teuba Arquitetura e Urbanismo c/s Ltda. 2003 Andaraí IHS Engenharia s/c Ltda. 2004 Barra GEOHIDRO - Consultoria e Operação de Sistemas Ltda. 2004 Barreiras Plannus Consultores Associados 2004 Barrocas Damicos Consultoria e Negócios 2004 Bom Jesus da Lapa GEOHIDRO - Consultoria e Operação de Sistemas Ltda. 2004 Cachoeira PCL - Projetos e Consultoria Ltda. 2004 Cairú COHIDRO Engenharia s/c Ltda. 2004 Caravelas PCL - Projetos e Consultoria Ltda. 2004 Castro Alves Oeste Organização, Estradas, Topografia e Engenharia Ltda. 2004 223 Plano Diretor Municipal Consultoria contratada Ano de Finalização Coaraci PCL - Projetos e Consultoria Ltda. 2004 Gandu Oeste Organização, Estradas, Topografia e Engenharia Ltda. 2004 Iaçú UFC Engenharia Ltda. 2004 Itamaraju CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em Administração 2004 Itapetinga Damicos Consultoria e Negócios 2004 Jandaíra Pólis Designer Consultoria 2004 Lençóis PLANARQ - Planejamento Ambiental e Arquitetura Ltda. 2004 Mucugê Prefeitura de Mucugê 2004 Nova Viçosa Teuba Arquitetura e Urbanismo c/s Ltda. 2004 Riachão do Jacuípe CETEAD - Centro de Tecnologia Educacional em Administração 2004 Ribeira do Pombal* TEC SYSTEM - Tecnologia, Engenharia e Sistemas Ltda. 2004 Rio de Contas PCL - Projetos e Consultoria Ltda. 2004 São Desidério PCL - Projetos e Consultoria Ltda. 2004 Sobradinho Bourscheid Engenharia Ltda. 2004 Xique-Xique IHS Engenharia s/c Ltda. 2004 Alcobaça COHIDRO Engenharia s/c Ltda. 2005 Belmonte AST Consultoria e Planejamento Ltda. 2005 Camacan UFC Engenharia Ltda. 2005 Conde AST Consultoria e Planejamento Ltda. 2005 Esplanada Prefeitura de Esplanada 2005 Ibacaraí Pólis Designer Consultoria 2005 Ibirapitanga COHIDRO Engenharia s/c Ltda. 2005 Itajuípe PCL - Projetos e Consultoria Ltda. 2005 Itambé AST Consultoria e Planejamento Ltda. 2005 Itaparica PCL - Projetos e Consultoria Ltda. 2005 Itapebi AST Consultoria e Planejamento Ltda. 2005 Maragogipe Aquino Consultores Associados Ltda. 2005 Maraú COHIDRO Engenharia s/c Ltda. 2005 224 Plano Diretor Municipal Consultoria contratada Ano de Finalização Mata de São João UFC Engenharia Ltda. 2005 Morro do Chapéu UFC Engenharia Ltda. 2005 Piraí do Norte CTD Cooperativa 2005 Ponto Novo PCL - Projetos e Consultoria Ltda. 2005 Prado Prefeitura de Prado 2005 Ruy Barbosa Caires de Brito Consultoria Empresarial 2005 São Felix Prefeitura de São Felix 2005 Saubara UFC Engenharia Ltda. 2005 Vera Cruz PCL - Projetos e Consultoria Ltda. 2005 Vitória da Conquista UFC Engenharia Ltda. 2005 Barra do Choça Prefeitura de Barra do Choça 2006 Tancredo Neves CTD Cooperativa 2006 Sento Sé Prefeitura de Sento Sé aberto 225 ANEXO B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS PARTE A - à representantes da população 1- O senhor(a) é natural de onde? Vive neste município? Há quanto tempo? R: 2- O senhor(a) mora na zona urbana ou na zona rural? Se na zona rural em qual distrito ou povoado? R: 3- Qual a entidade que o senhor(a) representa? Onde fica localizada a sede? R: 4- O senhor(a) soube da elaboração do Plano Diretor deste município? Como soube? R: 5- O que você entende por Plano Diretor municipal? R: 6- Em sua opinião, por que este do município elaborou um Plano Diretor? R: 7- A entidade que o senhor(a) representa foi convidada a participar do processo de elaboração do Plano Diretor? Se sim, de que forma foi convidada e em que momento? R: 8- A entidade participou de alguma reunião comunitária ou audiência pública sobre o Plano Diretor? Em caso negativo diga o por quê? R: 9- Como ocorreu a reunião? O que foi discutido? Quem coordenou? Técnicos da Prefeitura ou técnicos locais ou de fora da prefeitura? Faça um breve resumo. R: 10- Caso as reuniões e audiências tenham sido coordenadas por técnicos locais, o senhor(a) percebeu se algum técnico/consultor de fora da cidade participou das reuniões e audiências públicas? Qual foi o papel deles? O que eles fizeram? R: 226 11- O senhor(a) sabe se alguma demanda ou proposta sugerida pela população foi colocada no Plano Diretor? Quais são elas? R: 12- O senhor(a) procurou ler o Plano Diretor depois que ele foi aprovado pelos Vereadores? Conseguiu? O que achou? R: 13- O senhor(a) soube de algum caso de alguém ter tentado ler o Plano Diretor depois que ele foi aprovado e não tenha tido acesso ao documento? Como foi isso? R: 14- Em sua opinião como o senhor(a) classificaria a atuação da Prefeitura no processo de elaboração do Plano Diretor? Por quê? R: 15- E em relação a atuação dos Vereadores o que o senhor(a) tem a dizer? R: 16- O senhor(a) possui alguma filiação partidária? Se sim, qual é ela? É da situação ou da oposição? R: PARTE B – à membros do executivo municipal 1- Qual seu nome, formação profissional e cargo dentro da Prefeitura? R: 2- O senhor(a) é natural de onde? Vive em neste município? Se sim, onde e há quanto tempo? R: 3- O senhor(a) soube da campanha do Ministério das Cidades para a elaboração dos Planos Diretores? Se sim, como soube? R: 4 – O que você entende por Plano Diretor? R: 5- Na sua opinião por que este município elaborou um Plano Diretor? R: 227 6- Você participou da elaboração do Plano Diretor? Integralmente ou somente em algumas atividades? Qual foi seu papel na elaboração do Plano? R: 7- Foi formada alguma equipe ou grupo de trabalho local para atuar na elaboração do Plano? Como se deu isso? R: 8- Esta equipe ou grupo foi composto somente por técnicos da própria Prefeitura ou foram contratados consultores? Se sim, de onde eles eram? R: 9- Quem efetivamente conduziu as atividades de elaboração do Plano? Os técnicos municipais ou os consultores contratados? Por quê? R: 10- Como você avalia a participação do Prefeito na elaboração do Plano Diretor deste município? R: 11- Como você avalia a participação dos vereadores na elaboração do Plano Diretor deste município? R: 12- Na sua opinião qual foi o grau de autonomia da equipe municipal na condução das atividades envolvendo o Plano Diretor? Por quê? R: 13- O que você achou da participação da população na elaboração do Plano Diretor? suficiente ou inadequada? Por quê? Ela foi R: 14- Você poderia fazer um breve resumo de como ela ocorreu? R: 15- O que poderia ter sido feito para melhorar esta participação? R: 16- Você acha que ocorreram reuniões suficientes tanto na zona urbana quanto na zona rural para tratar do Plano Diretor? Você participou de quantas? R: 228 17- Você acha que as demandas e propostas sugeridas pela população foram incorporadas ao Plano? Quais propostas ou demandas você destacaria? R: 18- Você possui filiação partidária? Qual? É da situação ou da oposição? R: Parte C – à membros do legislativo municipal 1- Qual seu nome e formação profissional? Exerce alguma função especifica dentro da Câmara? R: 2- O senhor(a) é natural de onde? Vive neste município? Se sim, onde e há quanto tempo? R: 3- Você soube da campanha do Ministério das Cidades para a elaboração dos Planos Diretores? Se sim, como soube? R: 4 – O que você entende por Plano Diretor? R: 5- Na sua opinião por que este município elaborou um Plano Diretor? R: 6- Você participou da elaboração do Plano Diretor? Em todas as etapas ou somente em algumas atividades/reuniões ? Como você definiria seu papel na elaboração do Plano? R: 7- Como o senhor(a) avalia a participação do Prefeito e do Executivo municipal na elaboração do Plano Diretor? Por quê? R: 8- Como o senhor(a) avalia a participação dos próprios Vereadores Prefeito na elaboração do Plano? R: 9- Na sua opinião, qual foi o grau de autonomia do município na condução das atividades envolvendo o Plano Diretor? Por quê? R: 229 10- O que você achou da participação da população na elaboração do Plano Diretor? suficiente ou inadequada? Por quê? Ela foi R: 11- Você poderia fazer um breve resumo de como ela ocorreu? R: 12- O que poderia ter sido feito para melhorar esta participação? R: 13- Você acha que ocorreram reuniões suficientes tanto na zona urbana quanto na zona rural para tratar do Plano Diretor? Você participou delas? R: 14- Você acha que as demandas e propostas sugeridas pela população foram incorporadas ao Plano? Quais propostas ou demandas você destacaria? R: 15- Qual sua filiação partidária? É da situação ou da oposição? R: 230 ANEXO C – QUADRO DE IDENTIFICAÇÃO DOS AGENTES TERRITORIAIS ENTREVISTADOS (continua) Município Entidade que Representou Período de visita e realização das entrevistas 01. Juliana Dias Amorim Barra do Choça Secretaria de Administração e Planejamento 10 e 11/03/2008 02. Ronaldo A. Sampaio Sandes Barra do Choça Diretoria Técnica da Secretaria de Infra-estrutura 10 e 11/03/2008 03. Maria da Glória P. dos Anjos Barra do Choça Vereança 10 e 11/03/2008 04. Rosilda Novaes dos S. West Barra do Choça Conselho de Dirigentes Lojistas – CDL 10 e 11/03/2008 05. Genivaldo A. Ribeiro Barra do Choça Associação de Moradores do Bairro Primavera – AMBAPRI 10 e 11/03/2008 06. Damião Alves Reis Barra do Choça Associação Barra Chocense de Integração dos Deficientes - ABAIDE 10 e 11/03/2008 07. Flavio Barra do Choça Sindicato dos Professores Municipais de Barra do Choça – SIMPROBAC 10 e 11/03/2008 08. Edina Robério Novaes Tremedal Secretaria de Administração 12 e 13/03/2008 09. Derivaldo Almeida de Carvalho Tremedal Secretaria de Meio Ambiente 12 e 13/03/2008 10. Lourival da Paixão Tremedal Topógrafo contratado pela Prefeitura 12 e 13/03/2008 11. Paulo Célio N. de Avelar Tremedal Vereança 12 e 13/03/2008 12. Etivaldo José Pereira Tremedal Associação dos Produtores Rurais de Riachão 12 e 13/03/2008 13. Hélio Francisco de Oliveira Tremedal Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STR 12 e 13/03/2008 14. Alberlan Costa Correia Tremedal Associação de Igrejas Evangélicas 12 e 13/03/2008 15. Maria Mônica F. de Melo Tremedal Secretaria Paroquial (Ig. Católica) 12 e 13/03/2008 16. Edinéia de Lima Silva São Felipe Assistente Social (compôs o grupo local) 07 e 08/04/2008 Nome 231 (conclusão) 17. Pedro da Silva A. Junior São Felipe Procurador da Prefeitura (compôs o grupo local) 07 e 08/04/2008 18. Valdir Faleiros São Felipe Fiscal de Obras (compôs o grupo local) 07 e 08/04/2008 19. Marinaldo Almeida de Souza São Felipe Vereança 07 e 08/04/2008 20. Egídio Rosa Santana São Felipe Associação das Igrejas Evangélicas 07 e 08/04/2008 21. José Reinaldo Barreto Gomes São Felipe Baú de Leitura 07 e 08/04/2008 22. Cilda Mary São Felipe Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STR 07 e 08/04/2008 23.José Reinaldo Barreto Gomes São Felipe Associação Comunitária de Desenvolvimento de Xangô 07 e 08/04/2008 24. Milton Morro do Chapéu Secretaria de Cultura, Turismo e Meio Ambiente 21, 22 e 23/04/2008 25. Marcio José B. Oliveira Morro do Chapéu Conselho Municipal de Cultura 21, 22 e 23/04/2008 26. José Mário Morro do Chapéu Secretaria de Administração 21, 22 e 23/04/2008 27. José Ribeiro da Cruz Morro do Chapéu Vereança 21, 22 e 23/04/2008 28. Edegil Alves de Souza Morro do Chapéu Grupo Ambientalista Morrense – GAM 21, 22 e 23/04/2008 29. Roberval Barberino Morro do Chapéu Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STR 21, 22 e 23/04/2008 30. Maria Márcia A. da Silva Morro do Chapéu Associação de Produtores de Flores – CÁLLAMO 21, 22 e 23/04/2008 31. Teotônio Noronha Morro do Chapéu Conselho de Dirigentes Lojistas – CDL 21, 22 e 23/04/2008 32. Luis Alberto Pereira da Rocha Morro do Chapéu Grupo de Educação Integral Minhoca 21, 22 e 23/04/2008 232 ANEXO D – OUTROS MAPAS 233 ANEXO D1 – MUNICÍPIOS DO ESTADO DA BAHIA 234 ANEXO D2 – MAPA DAS MICRORREGIÕES DO IBGE, BAHIA – 2007 235 ANEXO D3 – SISTEMA DE TRANSPORTES – RODOVIAS ESTADO DA BAHIA, 2001 Fonte: DERBA, 2001 236 ANEXO D4 – MAPA DOS TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE DA BAHIA – 2007 Fonte: Coordenação Estadual dos Territórios – CET, 2007