Sustentabilidade corporativa
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Sustentabilidade corporativa
SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA – ALIMENTOS E BEBIDAS Por Clarissa Lins (FBDS) e Hiroshi C. Ouchi (FBDS) Revisado por Ulrich Steger (CSM/IMD) INTRODUÇÃO O presente artigo é fruto da pesquisa desenvolvida pela Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável – FBDS, que contou com apoio técnico e metodológico do Forum for Corporate Sustainability Management – CSM do International Institute for Management Development – IMD, instituição que havia realizado pesquisa semelhante na Europa, EUA e Ásia no biênio 2002-2003 em parceria com a World Wide Fund for Nature – WWF. A pesquisa, que contou também com o apoio de pesquisa do Instituo COPPEAD de Administração da UFRJ e com o patrocínio das empresas Klabin, Tetra Pak e Banco Real ABN AMRO, utilizou entrevistas, questionários e informações públicas setoriais e de empresas na busca de avaliar o caso de negócios para a sustentabilidade corporativa em três setores de negócios do Brasil, quais sejam: Papel e Celulose, Alimentos e Bebidas e Energia Elétrica. O setor industrial de Alimentos e Bebidas (A&B) foi escolhido para essa pesquisa por ser muito relevante para a economia brasileira, bem como muito sensível tanto a questões ambientais, dada sua interferência e dependência de recursos naturais, quanto a questões de cunho social, vista sua parte de responsabilidade em aspectos ligados a desnutrição, obesidade e consumo responsável. No período de agosto a dezembro de 2005, foram entrevistados, individualmente, 22 executivos da alta administração das empresas AmBev, Coca-Cola Brasil, Nestlé Brasil, Perdigão e Sadia, além de três stakeholders com papel relevante no setor, oriundo de uma empresa varejista e uma ONG, conforme gráfico 1 a seguir. Adicionalmente, questionários foram respondidos por 30 profissionais 1 da alta e média gerência das empresas do setor. 1 Entre os questionários respondidos, houve um originário da área ligada à sustentabilidade de uma quinta empresa que, embora não tenha participado das entrevistas, decidiu contribuir com o questionário. Janeiro de 2007 - Página 1 Gráfico 2 - Entrevistas e questionários da pesquisa no setor de A&B Gráfico 1 - Entrevistados no setor de A&B Stakeho lders 12% 40 35 30 Vicepresidentes / Direto res 36% 25 20 15 10 5 0 Gerentes 52% Entrevistas aplicadas Questionarios respondidos A partir das informações obtidas nas entrevistas, nos questionários e na coleta de dados secundários2, fez-se uma análise setorial, tendo como premissa básica que as empresas selecionadas estão entre aquelas de vanguarda na visão e gestão de negócios do setor, além de representarem fatia considerável do mesmo em termos de faturamento. No primeiro capítulo deste trabalho está apresentada uma análise resumida das características do setor, com informações que apontam sua relevância no País, bem como uma breve análise da competição, conforme modelo desenvolvido por Porter (1999). No segundo capítulo, são identificadas as principais questões do setor de A&B ligadas ao contexto da sustentabilidade, com ênfase nas interferências econômicas e estratégicas. O terceiro capítulo apresenta os resultados obtidos nas empresas pesquisadas no tocante ao seu desempenho em relação à sustentabilidade, especialmente em relação aos aspectos apontados no capítulo 2, dividindo a análise nos seguintes tópicos: (i) motivação para implementação do conceito, (ii) capacidade de implementação, (iii) alinhamento das diversas áreas da organização, (iv) utilização de ferramentas gerenciais e (v) peculiaridades setoriais. O quarto capítulo aponta as principais conclusões da pesquisa sobre a sustentabilidade no setor de A&B. Por fim, o quinto e último capítulo apresenta sugestões de ações a serem implementadas no setor de A&B para o avanço da agenda da sustentabilidade corporativa. 2 Alguns exemplos de dados secundários utilizados são relatórios públicos e websites das empresas pesquisadas e de instituições que representam o setor. Janeiro de 2007 - Página 2 1 ANÁLISE DA COMPETITIVIDADE DO SETOR 1.1 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DO SETOR O setor de A&B tem a capacidade de interferir fortemente em todos os pilares da sustentabilidade corporativa, dados sua relevância econômica, a interdependência com o meio ambiente e o impacto que gera em aspectos ligados à saúde e ao bem-estar dos cidadãos. No tocante à questão econômica, A&B é um setor que representa uma fatia significativa do PIB brasileiro (conforme apresentado na tabela 1, a seguir) e tem grande vocação para a exportação. Só as exportações brasileiras de carnes e miudezas comestíveis em 2005, por exemplo, foram superiores a US$ 7 bilhões. A indústria de A&B é intrinsecamente ligada ao meio ambiente por ser totalmente dependente de recursos naturais, seja por causa da necessidade de terras apropriadas para produção de matéria-prima ou por sua imensa dependência da água. A água é o fator imprescindível para a indústria de A&B por ser um de seus principais insumos e, no caso específico de bebidas, sua principal matéria-prima. Portanto, para garantir perenidade e competitividade no setor, as empresas têm que preservar o acesso e a qualidade da água utilizada no processo produtivo. Na dimensão social, o setor de A&B interfere diariamente em questões básicas afetas à saúde da sociedade onde atua, em aspectos como desnutrição, obesidade, alcoolismo e outros problemas ligados ao consumo (ou não-consumo) de produtos desta indústria. Assim, mesmo que não acessem diretamente os consumidores finais, as empresas do setor têm um papel fundamental no tratamento dessas questões. A tabela a seguir apresenta alguns dados sócio-econômicos do setor de A&B em 2005, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação – ABIA. Tabela 1 – Dados sócio-econômicos do setor de Alimentos e Bebidas, Brasil - 2005 • Número de empresas: 42,2 mil • o 86% micro e pequena • Faturamento líquido: R$ 184,2 bilhões o 3% média • Participação no PIB: 9,5% o 1% grande • Exportação: US$ 20,1 bilhões • Saldo comercial: US$ 18,6 bilhões Número de empregos diretos: mais de 7 milhões Fonte: ABIA – Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação Janeiro de 2007 - Página 3 1.2 CARACTERÍSTICAS DAS EMPRESAS PESQUISADAS NO SETOR Os principais critérios de escolha das companhias que deveriam fazer parte da pesquisa foram: (i) serem empresas de grande porte; (ii) quando possível, empresas de controle nacional e listadas em bolsa de valores; e (iii) com facilidade de acesso por meio dos contatos da FBDS e de seus parceiros. Portanto, as empresas selecionadas são todas empresas de grande porte com atuação em vários países, seja por meio de suas controladoras (Coca-Cola, Nestlé), ou por meio de suas próprias matrizes brasileiras (AmBev, Perdigão e Sadia). Além disso, as organizações de controle nacional são empresas de capital aberto, comprometidas com transparência ao mercado. Além das empresas citadas acima, outras quatro grandes empresas do setor foram procuradas para a realização das entrevistas da pesquisa, mas não se dispuseram a participar da mesma. Alguns dados básicos das empresas que tiveram participação plena na pesquisa foram selecionados e estão apresentados na tabela a seguir. Tabela 2 - Indicadores selecionados das empresas pesquisadas - ano-base 2005 Empresa AmBev Coca-Cola Nestlé Perdigão Sadia Receita Líquida Total (R$ milhões) 15.959 Não disponível 10.600 * 5.145 7.318 Receita - Mercado Externo (%) 38% Não disponível Não disponível 48% 49% Patrimônio Líquido (R$ milhões) 19.867 Não disponível Não disponível 1.223 2.224 EBITDA (R$ milhões) 6.305 Não disponível Não disponível 656 896 Lucro Líquido (R$ milhões) 1.546 Não disponível Não disponível 361 657 Empregos diretos 28.214 25.000 16.000 * 35.556 45.381 Controle Societário Nacional (nãofamiliar) Estrangeiro Estrangeiro Nacional (nãofamiliar) Nacional (familiar) Ações em Free Float (%) 34% Capital Fechado Capital Fechado 53% 74% Ações Ordinárias (%) 52% Capital Fechado Capital Fechado 35% 38% Governança Corporativa Bovespa Bovespa - Nível 1 Não Não Bolsa de Nova York ADR - nível Não Não ADR - nível II ADR - nível II Integrante do ISE Bovespa Não Não Não Sim Não Relatório Social, Ambiental ou de Sustentabilidade Sim Sim Sim Sim Sim Fonte: Relatórios, websites ou informações cedidas por funcionários das empresas citadas * Dados de 2004 Janeiro de 2007 - Página 4 Bovespa - Novo Bovespa - Nível Mercado 1 1.3 COMPETIÇÃO NO SETOR O setor de A&B conta com um grande número de empresas, especialmente no que diz respeito ao ramo de alimentos. Em relação a esse segmento, é crescente o número de empresas brasileiras que competem no mercado global, ao mesmo tempo em que é muito grande a quantidade de pequenas indústrias que têm como foco atender a mercados regionais. Sendo assim, há forte competição no setor de alimentos, com várias empresas de grande porte disputando mercado com empresas menores. Já no que diz respeito ao segmento de bebidas, o cenário competitivo é um pouco diferente. Dado o aumento significativo de fusões e incorporações nos últimos anos, o número de empresas foi reduzido e as de menor porte tiveram sua participação de mercado diminuída. Por outro lado, as grandes empresas, por atuarem de forma global, sofrem uma competição acirrada em nível internacional. Vale destacar, ainda, que as maiores empresas do setor sofrem da concorrência desleal de pequenas empresas informais, o que distorce de forma significativa o contexto competitivo. A informalidade permite que empresas coloquem seus produtos em diferentes mercados locais sem necessariamente atender às exigências legais mínimas, seja em termos tributários, seja no que diz respeito à legislação sanitária. 1.4 BARREIRAS À ENTRADA As barreiras à entrada no setor de A&B não parecem ser altas, especialmente se o mercado alvo for regional. Embora existam custos e morosidade na formalização do negócio e na adequação a exigências fito-sanitárias, é razoavelmente fácil atuar em alguns segmentos do setor. Além disso, o setor de alimentos tem uma gama diversificada de produtos e está sempre em busca de inovação, o que dificulta o monitoramento e domínio de todos os seus segmentos por parte das grandes empresas. Todavia, quando se olha especificamente para o segmento de bebidas, a dificuldade de ingresso é um pouco maior. Os investimentos exigidos são, em geral, mais expressivos e o mercado é cada vez mais dominado por um pequeno grupo de empresas que detêm tecnologia e escala suficientes para ter baixos custos e conseqüente alta competitividade. Janeiro de 2007 - Página 5 1.5 PRODUTOS SUBSTITUTOS Como o setor A&B está sendo abordado de forma ampla, incluindo todas as suas variações de produtos, não é possível identificar produtos substitutos. Contudo, é possível atestar que a grande variedade de itens e a capacidade de inovar e alterar o mix de produtos no setor são aspectos que apontam para uma crescente ameaça para empresas com baixa flexibilidade, tanto no que diz respeito a alimentos quanto no tocante a bebidas. 1.6 PODER DE BARGANHA DOS FORNECEDORES As principais matérias-primas das empresas de alimentos são itens produzidos por uma grande gama de pequenos produtores, sujeitos a riscos de mercado tais como intempéries do clima, pragas e doenças, descentralização da oferta, falta de informações e pesquisas, entre outros. Toda essa imprevisibilidade gera aos produtores uma instabilidade financeira que, em parte, tem que ser absorvida pelas indústrias de alimentos, sob pena de ocorrer falta de abastecimento às mesmas em algum momento. Já no segmento de bebidas, a principal matéria-prima, como destacado anteriormente, é a água, cujo uso ainda está sendo plenamente regulado pelo poder público. A principal preocupação no tocante ao uso da água é garantir seu acesso e sua qualidade, sabendo que as indústrias competem com demais usuários – comunidades, cidadãos, energia, etc. Assim, devem exercer sua cidadania corporativa quando se fazem representar nos Comitês de Bacias Hidrográficas e participam, de alguma forma, da melhor repartição do uso da água. Quanto aos fornecedores de outras matérias-primas, pode-se afirmar que, dado o peso das indústrias de bebidas e sua capacidade de verticalização, não conseguem ter relevante poder de negociação. 1.7 PODER DE BARGANHA DOS CLIENTES A análise também é diferente para as indústrias de alimentos frente às de bebidas quanto ao poder de barganha dos clientes. No segmento de bebidas, as empresas de pequeno porte têm poder de barganha bem reduzido diante de seus clientes, já que seus produtos não costumam ter marcas conhecidas, consumidores fiéis ou qualquer outro diferencial além do preço. Além disso, boa parte dos seus clientes é formada por redes varejistas com significativo poder de compra. Quando se trata das grandes indústrias deste segmento, estas têm significativo poder de negociação frente aos seus clientes, ainda que esses sejam grandes redes varejistas ou atacadistas. Janeiro de 2007 - Página 6 Isso se dá, principalmente, porque essas empresas têm em seus produtos marcas conhecidas que são constantemente fortalecidas com campanhas maciças de marketing, fidelizando os consumidores finais que, por sua vez, passam a exigir dos pontos de venda a presença de tais itens. Um aspecto importante dessas campanhas é que elas, em geral, conseguem transmitir a mensagem de que existe um diferencial de qualidade, sabor e status em seus produtos. Já as indústrias de alimentos encontram uma situação um pouco diferente. Embora para as empresas de pequeno porte a análise seja semelhante à das pequenas indústrias de bebidas, as grandes empresas de alimentos têm o poder um pouco reduzido quando analisada a questão da fidelização de clientes. Embora essas empresas também façam um grande esforço de marketing, o que se percebe é que existe no consumidor uma forte sensibilidade a preços. É possível que isso ocorra por várias razões, entre as quais a inovação e a regionalização, com baixa percepção quanto a diferenciais de qualidade. Na questão da inovação, nota-se que o mercado está constantemente alterando o mix de produtos que consome. Já no aspecto da regionalização, é possível que a população ainda se apegue à idéia de que, por exemplo, os produtos de açougues, padarias, feiras do bairro ou, até mesmo, de pequenas indústrias regionais tenham tanta qualidade quanto os produtos industrializados por grandes empresas. A figura 1 a seguir busca apresentar um resumo da análise da competição no setor de A&B, utilizando o modelo de Porter (1999), que avalia como as forças competitivas moldam a estratégia. No capítulo seguinte, serão apresentadas as principais questões do setor diretamente relacionadas ao tema da sustentabilidade corporativa, bem como seus aspectos ligados à estratégia de negócios. Figura 1 – Competição no setor de Alimentos e Bebidas no Brasil Alimentos: cadeia de fornecedores com muitos pequenos produtores Bebidas: matéria prima fundamental é recurso natural; outros materiais são de grandes fornecedores Poder de barganha diferenciado de fornecedores Barreiras à entrada relativamente baixas Questão da formalidade Exigências fito-sanitárias Número crescente de empresas globais Alta competição no setor Grande número de empresas regionais Grande gama de produtos Busca de inovação e fortalecimento de marca Ameaça crescente de produtos substitutos Janeiro de 2007 - Página 7 Mercados regionais Poder de barganha dos clientes relativamente alto Alimentos: consumidores sensíveis a preço Bebidas: grandes marcas com fidelidade dos clientes, mas alguma sensibilidade a preço 2 QUESTÕES ECONÔMICAS E ASPECTOS RELEVANTES DA SUSTENTABILIDADE Entender a inserção da sustentabilidade passa pela compreensão de questões-chave do setor que abordam e integram fortemente duas ou as três dimensões da sustentabilidade, quais sejam a econômico-financeira, a social e a ambiental. Ao analisar as questões no setor com maior impacto para o resultado dos negócios, algumas foram identificadas como mais relevantes e divididas em três grupos: upstream, produção e aspectos downstream. No primeiro grupo destacam-se aqueles que dizem respeito ao início da cadeia produtiva, quais sejam: uso eficiente de recursos naturais; impactos socioambientais na geração da matéria-prima; e integração da cadeia produtiva. Já no segundo grupo, os principais são: disponibilidade e qualidade da água; e informalidade. Por fim, no terceiro grupo são itens de destaque aqueles mais ligados à ponta do consumo final, isto é: transparência de questões sanitárias e rastreabilidade; embalagens e reciclagem pós-consumo; e consumo responsável. Estas questões encontram-se mais detalhadas a seguir. 2.1 ASPECTOS UPSTREAM: USO EFICIENTE DE RECURSOS NATURAIS O setor de A&B, quando analisado nas etapas anteriores à produção industrial, apresenta questões ambientais de grande relevância para sua produtividade e sustentabilidade. Essas questões estão relacionadas diretamente ao uso racional e eficiente de recursos naturais, como o solo e a água, imprescindíveis para a própria perenidade do setor. Dada a possibilidade de esgotamento destes recursos, faz-se fundamental o aumento de produtividade e da capacidade de renovação dos mesmos, bem como seu uso sustentável. Nesse contexto, entende-se a importância crescente da conscientização acerca da escassez de recursos naturais junto aos produtores de matéria-prima. 2.2 ASPECTOS UPSTREAM: IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS NA GERAÇÃO DA MATÉRIA-PRIMA Seguindo à idéia de que é necessário ter racionalidade na utilização de recursos naturais, o setor necessita gerar o menor impacto ambiental possível na obtenção de matérias-primas, já que depende fundamentalmente do meio ambiente para a continuidade dos negócios. Logo, questões como poluição de mananciais, assoreamento de rios, desmatamento, erosão do solo, geração de resíduos e utilização de fertilizantes e defensivos agrícolas, precisam ser tratadas de forma adequada e em uma visão integrada da cadeia produtiva do setor de A&B. Janeiro de 2007 - Página 8 Além disso, por ser intensivo em mão-de-obra e ter a geração de sua matéria-prima predominantemente em áreas rurais, o setor de A&B precisa estar atento às suas práticas sociais, trabalhistas e de direitos humanos, banindo de forma definitiva e transparente o trabalho infantil ou escravo e buscando gerar apenas externalidades positivas nas localidades onde atua. 2.3 ASPECTOS UPSTREAM: INTEGRAÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA Diante do exposto, nota-se que a integração da cadeia de fornecimento apresenta-se como fator crítico no setor de A&B, especialmente nas indústrias de alimentos, já que essas sofrem com a grande volatilidade dos preços das matérias-primas e com o risco de desabastecimento. Como já foi ressaltado, a indústria de alimentos depende fundamentalmente de produtos agrícolas ou de animais oriundos de criações, sendo essas atividades sujeitas a percalços de produção provenientes de imprevistos ligados ao clima, pragas e doenças, ou ainda de catástrofes ambientais. Além disso, estão sujeitas a oscilações de oferta, devido a uma espécie de “efeito manada” da produção rural, quando a maioria dos produtores alterna suas produções orientando-as para aqueles mais rentáveis. Frente a esse conjunto de variáveis, a solução encontrada pelas empresas líderes do setor foi a de integrar a estrutura de fornecimento à cadeia produtiva da empresa, transformando assim o produtor de matéria prima em um parceiro que deve garantir um fornecimento mínimo por meio de contratos futuros de compra e venda. Nesse caso, o fornecedor ganha também com a garantia de preços mínimos e fluxo de caixa futuro para os seus negócios, além de assistência técnica e estímulo à pesquisa. Todavia, ao estabelecer esse laço mais forte de parceria com os fornecedores, os chamados “integrados”, a empresa traz para si, com mais ênfase, toda a questão socioambiental da cadeia. A empresa líder passa a ter uma responsabilidade ainda maior com relação às práticas de seus fornecedores, em seus diversos aspectos, o que as estimula a estender suas políticas e práticas sustentáveis aos fomentados, cobrando e verificando seu desempenho até mesmo em cláusulas contratuais. 2.4 ASPECTOS DA PRODUÇÃO PRÓPRIA: DISPONIBILIDADE E QUALIDADE DA ÁGUA Como anteriormente ressaltado, as indústrias de A&B são absolutamente dependentes do abastecimento contínuo e de qualidade da água. Embora esta seja um recurso renovável, a oferta de Janeiro de 2007 - Página 9 recursos hídricos é limitada e depende da preservação ambiental e de uso sustentável para sua renovação. Portanto, duas questões são essenciais para a manutenção do abastecimento de água: a preservação do meio ambiente, em especial dos mananciais e seu entorno; e a maior eficiência do consumo, reduzindo o volume necessário por unidade produzida. Para isso, não basta que apenas a indústria de alimentos e/ou bebidas atue internamente sobre essas questões. É preciso que toda a sociedade o faça, já que a água é um bem comum a todos. Porém, como as indústrias de A&B são mais sensíveis a esse fator, acabam assumindo a responsabilidade de levantar essas questões e apresentar possíveis soluções para um conjunto maior de interessados, agindo como impulsionador da mudança de atitude, de forma a minimizar os possíveis riscos ligados ao uso não sustentável. 2.5 ASPECTOS DA PRODUÇÃO PRÓPRIA: INFORMALIDADE Uma questão muito relevante para o tema da sustentabilidade no setor de A&B é a informalidade de várias pequenas indústrias. Essa informalidade se traduz, basicamente, em sonegação fiscal e em meios irregulares de produção. Estima-se que a sonegação de impostos seja grande no setor, em especial em parte das muitas indústrias de pequeno porte. Essa sonegação pode indicar, ainda, o risco de descumprimento de questões ligadas ao meio ambiente, à vigilância sanitária e à qualidade mínima de produtos. Portanto, reduzir a informalidade do setor é um grande desafio no caminho da sustentabilidade, já que isso não afeta a perenidade apenas das empresas que atuam na informalidade, mas de todo o setor. 2.6 ASPECTOS DOWNTREAM: TRANSPARÊNCIA DE QUESTÕES SANITÁRIAS E RASTREABILIDADE Um aspecto de grande relevância para a sustentabilidade do setor de A&B é o da transparência de exigências fito-sanitárias e da rastreabilidade dos produtos. Alimentos e bebidas contaminados podem gerar graves problemas de saúde pública, inclusive com a disseminação de vírus e bactérias que podem levar à morte. Logo, tal risco deve ser evitado por práticas sustentáveis na cadeia de produção do setor. Nos últimos anos, a maior incidência de doenças como febre aftosa e gripe aviária têm causado temores em todo o mundo, já que, com a globalização, os alimentos são comercializados no Janeiro de 2007 - Página 10 mercado internacional e as doenças ligadas a eles podem não mais ficar confinadas em uma determinada região. Além disso, é cada vez maior a utilização de mecanismos de modificação genética em alimentos, que proporcionam características diferenciadas nos mesmos. Entretanto, ainda não estão claros os impactos de tais manipulações sobre a saúde do ser humano. Dessa forma, a rastreabilidade é aspecto chave na efetividade da sustentabilidade das empresas do setor. 2.7 ASPECTOS DOWNTREAM: EMBALAGENS E RECICLAGEM PÓS-CONSUMO O descarte do lixo tem se tornado um problema crítico para a sociedade de consumo. A cada ano que passa, o ser humano passa a produzir uma quantidade maior de lixo e cria dificuldade crescente em solucionar a seguinte questão: O que fazer com todo esse lixo que, além de ocupar cada vez mais espaço, pode gerar graves problemas ambientais e de saúde pública? Várias alternativas têm sido criadas para os diversos tipos de lixo e todas elas buscam, em algum estágio, atuar sobre os princípios da reutilização, da reciclagem ou da redução de sua produção. Para o setor de A&B, o maior problema de produção de lixo é o das embalagens, que utilizam materiais poluentes e que precisam ser reduzidas e recicladas, ainda que, a partir da reciclagem, se transformem em outros produtos e passem a atender a outros setores de negócios. As iniciativas de reciclagem de suas embalagens demonstram o direcionamento das indústrias para a solução de problemas ambientais e sociais e podem apresentar-se ainda como uma atraente oportunidade de negócio. Os principais itens a serem reciclados após o consumo dos produtos são papel, plástico, alumínio e vidro, para os quais já existem técnicas e ferramentas de reciclagem disponíveis. Contudo, as empresas precisam ainda investir em conscientização de boa parte da população e, fundamentalmente, em soluções de coleta e sistematização do processo. 2.8 ASPECTOS DOWNTREAM: CONSUMO RESPONSÁVEL Quando as pessoas ouvem falar em responsabilidade no consumo, facilmente se remetem ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, o que de fato é um problema ligado ao tema. Contudo, responsabilidade no consumo é um tema ainda mais abrangente, que envolve não apenas as questões ligadas às bebidas alcoólicas, mas também ao consumo desmedido e desapropriado de Janeiro de 2007 - Página 11 quaisquer outros alimentos e bebidas, podendo gerar problemas de saúde como desnutrição e obesidade, mesmo em classes sociais mais escolarizadas. 2.8.1 OBESIDADE, DESNUTRIÇÃO E SAÚDE As questões de A&B ligadas à saúde pública vão desde intoxicação até obesidade, passando por desnutrição e favorecimento ao aparecimento de doenças como diabetes e problemas cardíacos. Por isso, as indústrias de A&B têm um papel importante no esclarecimento da sociedade sobre os aspectos ligados ao consumo de cada produto. Por outro lado, é possível compreender que a indústria não se sinta diretamente responsável pelo consumo inadequado, já que essa responsabilidade é do próprio consumidor, supondo-se que esteja devidamente informado e seja capaz de entender a informação conforme ela é apresentada. Portanto, já não basta à indústria o papel de informar. Ela precisa fazer com que o consumidor compreenda perfeitamente a informação por ele recebida e possa tomar sua decisão de consumo conhecendo os riscos e os benefícios do consumo de cada produto. 2.8.2 CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS E RESTRIÇÕES DE PROPAGANDAS PARA CRIANÇAS (BEBIDAS REFRIGERANTES E ALCOÓLICAS) Uma preocupação que tem ganhado força é a veiculação de campanhas publicitárias que incitem o consumo inapropriado de bebidas refrigerantes e alcoólicas, especialmente por crianças e adolescentes. No tocante às bebidas alcoólicas, já existe uma rigorosa legislação neste sentido, legislação essa que freqüentemente recebe sugestões para ter aumentado seu nível de restrições. Já para os refrigerantes, a legislação não é tão restritiva, embora haja uma preocupação crescente em evitar direcionar campanhas publicitárias a crianças. No que diz respeito ao consumo de bebidas alcoólicas, o principal desafio é aumentar as vendas sem gerar em contrapartida problemas sociais como alcoolismo, acidentes de trânsito causados pela mistura de álcool com a direção de veículos, aumento da violência e doenças diversas originadas ou potencializadas pelo consumo excessivo de álcool. Após conhecer algumas características do setor e de entender como questões socioambientais podem gerar grande impacto nas empresas de A&B, o capítulo 3, a seguir, busca trazer uma avaliação mais estruturada da sustentabilidade corporativa em um conjunto de significativas empresas do setor. Janeiro de 2007 - Página 12 3 AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE NAS EMPRESAS PESQUISADAS Conforme já mencionado, as empresas analisadas no setor de A&B foram AmBev, CocaCola Brasil, Nestlé Brasil, Perdigão e Sadia. Para a avaliação das referidas empresas, além das entrevistas realizadas com seus principais executivos e dos questionários aplicados, também foram consultados seus relatórios públicos e seus websites. Desse conjunto de informações foram extraídos cinco temas de análise, seguindo a metodologia do CSM/IMD, quais sejam: (i) motivação para construir o caso para a sustentabilidade; (ii) capacidade de implementação do mesmo; (iii) alinhamento das diversas áreas da organização; (iv) utilização de ferramentas ligadas ao tema; e (v) peculiaridades do setor que interferem na sustentabilidade. 3.1 MOTIVAÇÃO As empresas pesquisadas apresentaram forte ou média motivação para a implementação do caso para a sustentabilidade. No entanto, um aspecto pode sugerir que essa motivação não seja real em outras grandes empresas do setor, uma vez que quatro das nove empresas procuradas para a realização da pesquisa se negaram a participar das entrevistas. Isso quer dizer que os resultados encontrados devem ser vistos com muito cuidado quando se pensa em uma possível generalização para o universo de grandes empresas do setor, especialmente quando se trata de resultados positivos. Outra constatação importante é que nem todas as empresas procuradas têm a sustentabilidade corporativa fortemente inserida em suas estratégias de negócios, planejamento e avaliações de desempenho. A motivação para a implementação do caso para a sustentabilidade no setor de A&B, quando existente, passa por uma série de fatores, ligados tanto à pressão exercida pelos diversos stakeholders das companhias quanto aos seus direcionadores internos de valor. Quando analisada a pressão exercida por diversos stakeholders, constata-se que os consumidores ainda não apresentam um viés muito forte no Brasil para aspectos da sustentabilidade. Entretanto, alguns nichos de mercado já contam com consumidores mais atentos a essa questão (ex: alimentos e bebidas orgânicas) e, como o setor é muito sensível à pressão exercida do lado do consumo, pequenos grupos de stakeholders já conseguem espaço para exigir boas atuações éticas, ambientais e sociais, reforçando a motivação das organizações no caminho da sustentabilidade. Em geral, as demandas desses grupos chegam às indústrias por meio de canais Janeiro de 2007 - Página 13 diretos como serviços de atendimento ao consumidor, ou por meio de seus clientes, atacadistas e varejistas, já que são esses que sofrem a pressão mais direta da ponta do consumo. Formadores de opinião, ONGs e comunidades do entorno das indústrias parecem ser, após os consumidores finais, os principais stakeholders externos cuja pressão motiva as empresas do setor de A&B. Cobram por uma atuação mais responsável, evidenciam pontos a serem melhorados nas empresas e, muitas vezes, expõem todas essas questões a um grande público de consumidores e clientes, atuais e potenciais. Essa cobrança se torna ainda mais forte nas empresas pesquisadas devido ao fato de serem companhias internacionalizadas e de grande porte, mais em evidência e alvos preferenciais. Aparentemente, os acionistas e demais investidores de A&B têm tido uma postura ainda pouco pró-ativa no tocante à sustentabilidade, com o foco ainda sendo o retorno financeiro de curto prazo. Os reguladores também não parecem ser grandes promotores da sustentabilidade, chegando a serem vistos como potencial barreira ao tema. Portanto, quando questionados sobre as principais barreiras à implementação do conceito nas empresas, os respondentes ao questionário apontaram prioritariamente a cultura organizacional e a regulação, conforme demonstrado no gráfico a seguir. Gráfico 3 - Principais barreiras à implantação da Sustentabilidade Corporativa mentalidade gerencial 11% desinteresse dos outras clientes 5% 11% falta de conhecimento 14% oposição ou desinteresse dos investidores 11% cultura organizacional 19% regulação 18% ausência de ferramentas e processos 11% Janeiro de 2007 - Página 14 N = 37 Além da influência dos stakeholders citados, fatores internos são muito importantes na motivação para a sustentabilidade em A&B, quais sejam: reputação (marca e imagem), atração e retenção de talentos, foco em resultados econômicos advindos das questões ambientais e sociais e busca pela perenidade do negócio. Talvez o principal fator motivador, presente em todas as companhias entrevistadas e bastante enfatizado nas entrevistas, seja a reputação das empresas e o valor de suas marcas. As corporações se preocupam cada vez mais com o juízo que é feito pela opinião pública sobre seu comportamento nas áreas sociais, ambientais e de governança, dado o seu efeito crescente sobre a demanda dos consumidores, que procuram pautar sua demanda também pelos princípios do consumo consciente. A reputação apresenta-se como fator chave na orientação para a busca da sustentabilidade corporativa em A&B. Isso fica evidente nas fontes de divulgação de informações das companhias, dado que todas destacam suas ações de sustentabilidade em seus websites e em seus relatórios anuais (AmBev, Perdigão e Sadia) ou relatórios específicos para o tema (AmBev, Coca-Cola Brasil e Nestlé Brasil). Outro aspecto evidenciado nas entrevistas é a relação percebida pelos executivos entre a atuação no caminho da sustentabilidade e a atração e retenção de talentos. Em geral, os executivos entrevistados entendem que os bons colaboradores são sensíveis ao direcionamento das empresas em questões ligadas ao tema e têm preferência por aquelas que julgam ser mais sustentáveis. Finalmente, um fator que chamou bastante atenção na motivação para a sustentabilidade foi o da busca pela redução de custos e aumento de eficiência de recursos por meio da inovação em processos e produtos. Alguns exemplos claros são os projetos de reutilização de dejetos, a redução e reciclagem de materiais de embalagens e os projetos para redução no consumo de água na produção de bebidas, com impacto direto sobre os custos de produção. Neste sentido, chama atenção o caso da AmBev, que chegou a reduzir em cerca de 25% seu consumo de água por litro produzido ao longo dos últimos cinco anos. 3.2 CAPACIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO De forma geral, encontra-se um razoável alinhamento das dimensões da sustentabilidade com as estratégias de negócios nas empresas entrevistadas. Há também a prática de levar em conta critérios sociais e ambientais em suas principais decisões (investimentos, P&D). Contudo, ainda encontra-se em estágio inicial a disseminação do conceito da sustentabilidade corporativa, o que faz com que diferentes áreas organizacionais ou níveis gerenciais não tenham o mesmo entendimento Janeiro de 2007 - Página 15 sobre o conceito. A exceção pareceu ser a Nestlé Brasil que, graças à orientação de sua matriz e boa aplicação no Brasil, tem na sustentabilidade um de seus pilares de gestão, inclusive na formação de executivos. Assim, tanto o entendimento do conceito quanto a inserção da sustentabilidade na estratégia encontram-se em estágio desigual de implementação entre as empresas pesquisadas. Além disso, ainda é difícil identificar responsáveis específicos pela construção do business case para a sustentabilidade, o que pode ser decorrência da disseminação do conceito estar em estágio muito incipiente e de não haver consciência quanto aos benefícios de uma estrutura exclusiva voltada ao tema ou, no caso oposto, pelo fato de já estar bem disseminado e implementado, como parece ser o caso da Nestlé. Alguns fatores são decisivos no que diz respeito à capacidade de implementação da sustentabilidade nas indústrias de A&B, quais sejam: o grau de exposição internacional da empresa, os programas de qualidade e de gestão integrada e o comprometimento da alta administração para com o tema. Em resumo, pôde-se perceber que as companhias pesquisadas já contemplam as diversas dimensões da sustentabilidade há muito tempo em suas práticas industriais (ex: qualidade, meio ambiente), têm um conhecimento geral sobre o tema, querem incluí-lo de forma mais definitiva na estratégia de negócios, mas ainda não têm uma coordenação central com força e capilaridade necessárias à implantação efetiva do caso para a sustentabilidade. 3.3 ALINHAMENTO DA ORGANIZAÇÃO Em geral, as empresas não demonstraram sofrer internamente grandes resistências ao assunto, o que não significa dizer que há um alinhamento das áreas organizacionais com relação ao tema da sustentabilidade. Dessa forma, despontam as áreas ou unidades de negócios de algumas das empresas, onde os colaboradores conseguem ter melhor percepção dos benefícios advindos da sustentabilidade, como é o caso de unidades industriais localizadas em cidades de menor porte. Isso se dá, segundo os entrevistados, pelo fato dos gestores conseguirem, nessas localidades, verificar e mensurar mais facilmente o impacto das externalidades geradas pelas indústrias. A seguir, o gráfico 4 apresenta o resultado das respostas aos questionários que evidenciaram que, embora baixa, a resistência está mais concentrada na área financeira. Janeiro de 2007 - Página 16 Gráfico 4 - Áreas com maior resistência ao tema outros P&D 0% 0% Produção 23% Finanças 47% RH e áreas corporativas 15% N = 13 Mkt / Vendas 15% Assim como foi difícil identificar nas empresas um responsável específico pela construção do business case para a sustentabilidade, também foi difícil encontrar um líder promotor do tema. É possível concluir que, dada a pouca maturidade das empresas para com o tema, a existência e identificação de liderança é importante e fator de diferenciação em organizações com forte estrutura de comando. Por outro lado, o conceito é de fácil assimilação e aceitação por parte dos executivos de diversas áreas. O gráfico a seguir evidencia as áreas que, na visão dos respondentes, têm maior capacidade de promover o progresso da sustentabilidade corporativa. Gráfico 5 - Áreas que mais podem promover a sustentabilidade outros 10% Finanças 5% P&D 23% Mkt / Vendas 12% Produção 21% RH e áreas corporativas 29% Janeiro de 2007 - N = 81 Página 17 3.4 UTILIZAÇÃO DE FERRAMENTAS GERENCIAIS No tocante à utilização de ferramentas gerenciais voltadas ao tema da sustentabilidade corporativa, ela ainda é incipiente na maioria das empresas e há muito espaço para melhoria nesse quesito. Para incluir a sustentabilidade na estratégia corporativa, as empresas fazem uso de ferramentas como Planejamento Estratégico, Balanced Scorecard, Sistema Integrado de Gestão ou instrumentos desenvolvidos nas próprias empresas para esse fim, como o Nestlé Management Principles (Princípios Nestlé de Gestão Empresarial) ou o sistema de 5Ps da Coca-Cola (Profit, Planet, People, Partners e Portfolio), ou Lucro, Planeta, Pessoas, Parceiros e Portfólio, em português. Além disso, a Nestlé também assume compromissos internacionais voluntários como o Pacto Global e as Metas do Milênio, ambos iniciativas promovidas pela ONU, fazendo de tais compromissos instrumentos de gestão interna. No que diz respeito à Gestão de Riscos, algumas das empresas têm avançado na análise de riscos ambientais e sociais, embora falte em geral um processo bem estruturado de identificação e monitoramento dessas categorias de riscos. Em relação especificamente às questões ambientais, existem iniciativas operacionais, especialmente nas questões ligadas à água e aos dejetos. Destacam-se as iniciativas de redução de consumo de água da AmBev, da Coca-Cola Brasil e da Nestlé Brasil, além das iniciativas de melhor destinação de dejetos da Perdigão, que realiza um projeto em conjunto com universidades, e da Sadia, que utiliza a tecnologia de biodigestores e comercializa créditos de carbono. Outras iniciativas a serem destacadas e que incorporam também as questões sociais, são aquelas ligadas à reciclagem de embalagens da Coca-Cola Brasil e da AmBev. Tais iniciativas podem ser verificadas nos websites e relatórios anuais das referidas empresas. Adicionalmente, uma importante ferramenta para a implantação dos conceitos da sustentabilidade corporativa começa a ser inserida nas empresas analisadas, qual seja: a inclusão de critérios ligados à sustentabilidade influenciando a remuneração variável de executivos. Embora isso ainda aconteça de forma um pouco tímida, não há dúvida de que sua utilização para os níveis gerenciais mais altos da organização impulsionaria o assunto de forma decisiva nas companhias. Por fim, dentre os instrumentos cuja utilização está muito aquém do desejável no setor está a mensuração de resultados advindos de ações relacionadas à sustentabilidade. As empresas demonstraram grande dificuldade em avaliar economicamente os benefícios gerados pela atuação no caminho da sustentabilidade. Isso se mostra mais evidente no gráfico a seguir, que aponta o Janeiro de 2007 - Página 18 entendimento dos respondentes à inserção do conceito da sustentabilidade na empresa por meio das ferramentas gerenciais apresentadas. Conforme pode ser visto no gráfico, das nove ferramentas gerenciais apresentadas no questionamento às companhias, apenas três foram citadas em mais de 50% dos casos, com destaque para aquelas de caráter normativo. Gráfico 6 - Utilização de ferramentas gerenciais com foco em Sustentabilidade Corporativa políticas, práticas e valores corporativos comitês em nível corporativo ferramentas para aumentar a transparência ferramentas para alocação de recursos forças-tarefa para conflitos e melhorias desenvolvimento de executivos planejamento estratégico e procedimentos contábeis sistemas de premiação e punição outras 0% N = 31 50% 100% Nesse sentido, os esforços acadêmicos e gerenciais que contribuam para aprimorar tais ferramentas e sua utilização são bem-vindos, sobretudo nas instituições que ainda questionam o valor de uma gestão sustentável. 3.5 PECULIARIDADES DO SETOR DE ALIMENTOS E BEBIDAS Dentre as peculiaridades do setor já apresentadas na seção 2, os executivos entrevistados destacaram algumas, como: o alto volume de sonegação de impostos; os conflitos éticos ligados a problemas de saúde pública gerados pelo consumo inadequado de bebidas alcoólicas, bebidas refrigerantes ou alimentos; a destinação de dejetos; o consumo de embalagens; o consumo da água e a preservação de bacias hidrográficas. Além disso, os entrevistados ressaltaram que, pelo seu posicionamento no meio da cadeia produtiva e pela força de suas empresas líderes, a indústria é instada a assumir parte da responsabilidade de fornecedores e clientes em relação a questões socioambientais. Nesse contexto, Janeiro de 2007 - Página 19 a rastreabilidade passa a ser fator cada vez mais crucial na efetividade da sustentabilidade, reforçando a necessidade de envolver a cadeia produtiva no esforço de melhorias de práticas socioambientais. Por fim, há ainda algumas outras particularidades que estão relacionadas à ponta do consumo. O Brasil é um país com sérias desigualdades sociais e com muitas deficiências ligadas à educação e à saúde pública, fatores que dificultam o entendimento da população sobre o que exatamente é uma empresa ética e responsável, dificultam o processo de educação alimentar e consumo responsável, fazendo com que as grandes empresas se sintam compelidas a preencherem alguns espaços naturais do poder público, de forma a manterem um bom relacionamento com comunidades e obterem mão-de-obra minimamente qualificada. Janeiro de 2007 - Página 20 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A SUSTENTABILIDADE NO SETOR O setor de A&B tem se movimentado de forma tímida na adoção dos conceitos da sustentabilidade corporativa. Mesmo nas empresas líderes do setor, as etapas de entendimento e disseminação do tema estão em estágio inicial. Existem sim projetos que incorporam um olhar para as dimensões da sustentabilidade, mas são restritos e específicos a algumas empresas, não configurando, portanto, uma percepção mais completa do conceito de sustentabilidade setorial. Assim, pode-se dizer que o setor ainda carece de uma dedicação maior ao tema, levando inclusive o conceito às empresas de menor porte, além de se voltar à implementação de ferramentas e processos que garantam não apenas a inserção do conceito na gestão e na estratégia de negócios, mas também a mensuração sistematizada de seus resultados econômicos. Tal conclusão carrega preocupação com o setor, altamente dependente de recursos naturais finitos. Por conseguinte, acredita-se que fortes impulsionadores da agenda da sustentabilidade corporativa no setor de A&B podem ser fatores externos às corporações, tais como a possibilidade de escassez de recursos naturais e maior cobrança por parte da sociedade civil. Por fim, pode-se concluir que o setor de A&B ainda não tem um business case setorial para a sustentabilidade corporativa e que ainda há a necessidade de fortes avanços neste sentido. Janeiro de 2007 - Página 21 5 PROPOSTAS PARA UMA AGENDA DA SUSTENTABILIDADE NO SETOR Com o objetivo de promover um maior avanço da sustentabilidade corporativa no setor de alimentos e bebidas, são apresentadas quatro propostas de ação. A primeira é promover uma melhor disseminação do conceito, tanto interna quanto externamente, o que pressupõe atuar tanto com os colaboradores quanto com outros stakeholders, especialmente fornecedores, levando-se em conta a grande relevância da cadeia produtiva. Como segunda proposta tem-se: buscar maior movimentação de pequenas empresas do setor para o tema, por meio de exemplos de casos de sucesso de sustentabilidade corporativa em empresas líderes no setor no País, bem como das melhores práticas internacionais. A terceira é estimular nos stakeholders, especialmente consumidores, maior consciência, cobrança e valorização do conceito da sustentabilidade corporativa, gerando assim premiação para as empresas que se diferenciam por uma forte atuação sob este conceito. Por fim, a quarta proposta consiste em incorporar de forma mais efetiva e expressiva o conceito da sustentabilidade aos instrumentos de gestão das companhias, com ênfase na implementação de ferramentas que busquem a quantificação racional dos benefícios da sustentabilidade. Janeiro de 2007 - Página 22 BIBLIOGRAFIA AmBev. Relatório Anual 2004: Sem Fronteiras para o Crescimento. São Paulo: 2005. Disponível em: http://www.ambev-ir.com/ambev/index.htm. _______. Relatório Anual 2005: Paixão pela Execução. São Paulo: 2006. Disponível em: http://www.ambev-ir.com/ambev/index.htm. ARAYA, Mônica. Ensaio: A política da boa transparência. Adiante: inovação para a sustentabilidade. São Paulo: n.0, p.36-39, dez. 2005. 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