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15 de agosto de 2009 DIÁL OGO crítico: Christian DIÁLOGO Mounzeo e Pierre Mujomba Por DW Gibson Publicado originalmente pelo jornal online freeDimensional em Novembro de 2007 - Tradução C.E.M. Por séculos o Reino do Congo se espalhou por uma grande porção da África. A colonização europeia criou fronteiras para delimitar vários países, usando o rio Congo como uma linha de demarcação entre o território belga, a leste, e o território francês, a oeste. O grande fluxo de água, antes parte integrante de uma terra vasta, agora é usado como meio de separação. Segundo a história de seus povos, Christian Mounzeo e Pierre Mujomba são do mesmo Reino; segundo a vontade política ocidental do século XX, são de dois países diferentes: a República do Congo e a República Democrática do Congo, respectivamente. Embora sejam nações que constem nos mapas, ambos evitam os termos. Foram apresentados um ao 1 A cada 15 - DW Gibson outro por meio de algumas entrevistas organizadas pela freeDimensional, uma organização sem fins lucrativos comprometida em fornecer apoio jurídico e abrigo para artistas ameaçados e ativistas. Christian e Pierre foram convidados a compartilhar suas histórias e preocupações. “Se é possível dizer dois Congos?” Pierre pergunta, procurando um ponto de partida. Seu sorriso, de certa forma, é uma continuação de seu rosto perfeitamente redondo, como se tivesse feito uma piada, como se a referência aos dois separados “Congos” fosse absurda e certamente fabricada pelos estrangeiros. Os dois homens relutam em dizer “CongoBrazaville” e “Congo-Kinshasa”. Seus trabalhos foram esculpidos de maneiras muito diferentes e ambos percorreram caminhos bastante distintos, ainda assim Pierre e Christian dividem intersecções. Christian tem confrontado o governo do Congo-Brazaville há quase quinze anos. Seus olhos dizem muito de sua história; eles têm gravidade e não fogem do contato direto com outro olhar. Quando fala, prefere o francês porque o inglês faz com que fique mais lento. Fala de 1993, quando foi assinada uma trégua para por fim à guerra civil em seu país. Christian avisou que o acordo não vingaria porque as armas não tinham sido entregues. Foi chamado de alarmista, e em 1997 outra guerra começou. No mesmo ano, Denis Sassou Nguesso declarouse “Presidente” de uma “democracia” nova. Convidou a voltar para casa quem tinha fugido de Brazzaville durante o conflito. Entre abril e maio desse ano, 400 refugiados desarmados aceitaram a oferta e, enquanto atravessavam o rio Congo – antes partilhado, agora dividido – todos os 400 desapareceram. Seus corpos nunca foram encontrados. Christian procurou as famílias das vítimas e documentou suas histórias. Sem receber nenhuma resposta concreta de seu governo, ele foi para Paris e instou o governo francês a levar o caso à ONU. Isto levou à uma breve detenção, pelo governo francês, do general Jean François Ndenget, Diretor Geral da polícia nacional do Congo-Brazzaville. Na segunda noite na prisão, Ndenget foi libertado por um juiz que tinha recebido orientações diretamente do Presidente Jacques Chirac. O presidente havia recebido um telefonema do governo de Brazzaville, lembrando-lhe dos interesses franceses no Congo – principalmente os da TOTAL, uma das seis maiores petrolíferas do mundo. 2 15 de agosto de 2009 Christian voltou a Brazzaville e associou-se à organização Publish What You Pay, que pressiona pela transparência das receitas advindas do petróleo. Não foi surpresa ele não se mostrar simpático ao governo, que logo lançou-lhe acusações infundadas de desvio de recursos. Durante o julgamento, o juiz levou para casa documentos do tribunal, impedindo que os advogados de Christian pudessem estudar a fundo o caso. Ele também ficou por várias semanas preso, sendo interrogado todas as noites. Pouco depois, Christian partiu para Paris e de lá, para Nova York, para se aprofundar seu trabalho de advocacia. O Departamento de Estado dos EUA pronunciou-se várias vezes em seu favor, e ele se tornou integrante do programa Human Rights Advocacy, da Universidade de Columbia. Foi, também, convidado a falar na ONU. Christian ainda não tem nenhuma garantia de poder voltar para casa e continuar seu trabalho sem ser preso assim que descer do avião – como aconteceu da última vez que foi visitar a famíla em Brazzaville. Pierre Mujomba tem sorte de ter a mulher e os filhos com ele em Providence, em Rhode Island. Seu trabalho tem uma abordagem mais subversiva para confrontar o governo de Kinshasa. Ele começou escrevendo peças quando era professor; produzia roteiros porque não havia materiais disponíveis para apresentações nos teatros da comunidade. Em 1999 seu trabalho O último empregado ganhou o prêmio Decouverte Radio France International Theatre Sud. A peça atacava as indulgências do antigo regime de Mobuto através de uma afiada comédia. A peça foi produzida no CongoKinasha e publicada na Bélgica. Em uma conferência para a imprensa, Pierre foi perguntado onde morava quando a escreveu. Pouco tempo depois, seu senhorio foi assediado num bar local por policiais perguntando por Pierre, queriam informações inusitadas: a que hora do dia Pierre escrevia suas peças? Onde ele se sentava em casa quando trabalhava? Aparentemente eles procuravam por Pierre mas, como o barman testemunhou, Pierre nunca aparecia para beber. Pierre era conhecido como o cara que trabalhava de noite com seu senhorio à porta implorando para que ele fosse dormir um pouco. Os policiais continuaram a pressionar o senhorio por mais informações até que um dia, de repente, ele desapareceu, aparentemente sequestrado. Pierre recebeu dois avisos de que corria perigo de vida e resolveu ir embora. 3 A cada 15 - DW Gibson Pierre deixa claro que nunca escreve especificamente sobre política. “Quando comecei a escrever, pensei que estava escrevendo somente sobre corrupção nas escolas”. Mas Pierre sabia que assuntos ligados à qualidade de vida de seu povo são determinados no âmbito político. Seu último trabalho é sobre um homem chamado Kalemba que ensina por um ano inteiro sem receber salário. Nenhum escritório regional tem autoridade prepara pagar professores, todos os pagamentos devem ser autorizados em Kinshasa. Muitos destes pagamentos jamais chegam ao interior. Quando um finalmente chega à escola em que Kalemba leciona, é rapidamente embolsado pelo diretor. Ou pelo “ditador” da escola, como Pierre diz, deixando claro que a ditadura permeia todos os níveis de autoridade no país. A ditadura, ou um governo restritivo, rotulado como “democrático” para comodidade dos governos dos Estados Unidos e União Europeia, deve, por sua própria natureza, ocupar boa parte da escrita de Pierre. O titilo desta peça foi traduzido para o inglês como The Blank year for Kalemba, e de maneira mais precisa para o francês: Anne Blanche Pour Kalemba. Durante o ano passado, Pierre estabeleceu contato com a Universidade de Brown, com o MIT e com Universidade de Boston, onde ele foi ensinar sua língua tribal, Nandi. Mesmo com o apoio e infraestrutura dos mais respeitados departamentos de linguística americanos, Pierre não tem ainda um visão clara de como traduzir seus trabalhos – não está seguro. Será que deve ter uma peça traduzida para o inglês? Deve manter apenas a tradução para o francês de modo que possa falar aos cidadãos educados de Congo-Kinsasha? Deve ter seu trabalho traduzido para o Swahili de modo que alcance o povo através do Reino do Congo? Ou deve ficar no idioma Nandi, encená-las apenas para aqueles por que o conhecem intimamente e possam compreendê-lo? E quem pode ajudá-lo a tornar viável quaisquer destas alternativas? Christian e Pierre entendem bem o emaranhado de questões que se colocam: falta de um poder central no sistema de facções que dominam as regiões do Gongo; recursos naturais (petróleo) e os interesses internacionais (TOTAL); ajuda do exterior que cria dependência dessa ajuda. Ambos gostariam de resolver cada questão que se apresenta, mas sabem que nada é fácil; sabem que devem abrir os olhos da população para que enxergue por si mesma os problemas. Christian e Pierre sempre 4 15 de agosto de 2009 se voltam a um mesmo tema: a necessidade de educação. Pierre através das tramas de suas peças, Christian através do exercício da advocacia. Pierre é rápido em observar que existem mais de 400 línguas apenas no CongoKinsasha. Atingir as pessoas requer não apenas vencer a opressão do governo, mas disseminar informação em um complexo ambiente linguístico. Congo singular, Congo plural, Brazzaville, Kinshasa – não importa a denominação, Christian e Pierre querem que as pessoas que pertencem às diversas regiões tenham oportunidade de se engajar no governo como cidadãos informados. Por fim, ambos querem voltar para casa para continuar seus trabalhos. Mesmo considerados provenientes de países diferentes, eles enfrentam os mesmos perigos potenciais: opressão, prisão e agressões físicas. Conversando com Pierre, ele sempre volta aos temas que estão embaixo da superfície, às questões incorporadas em suas peças. Ele fala do processo em camadas de seus movimento de mãos, cavando cada vez mais fundo, procurando desenterrar as raízes de um antigo reino. DW Gibso n é diretor executivo da residência de escritores Gibson Ledig House International Writer’s Colony, em Hudson, Nova York, que faz parte Art Omi International Arts Center. É também co-fundador e diretor da Sangam House, programa de residência de escritores em Pondicherry, India. Seu trabalho já apareceu em diversas publicações, incluindo The New York Observer, Oxford Magazine, Tin House e Atlas. Seu romance infanto-juvenil FUNDORADO ISLAND, foi publicada pelo Random House, em 2006. Ele passou algum tempo trabalhando em documentários para as redes de televisão A&E Television Network e MSNBC. Entre seus trabalhos estão “The Hate Network “ e “Alcoholics Anonymous”. Formado em literatura inglesa na Universidade do Texas, cursou especialização na Columbia School of Journalism. 5