Tendências Demográficas: reestruturação produtiva
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Tendências Demográficas: reestruturação produtiva
A dinâmica populacional altera-se na história, sendo que determinadas circunstâncias afetam com maior ou menor intensidade os aspectos demográficos. Assim, componentes como fecundidade, mortalidade e migração devem ser cuidadosamente acompanhados e analisados, no sentido não apenas de compreender suas ocorrências conjunturais, mas também de municiar-se das melhores condições para fundamentar projeções demográficas. Respondendo a desafios econômicos, sociais e culturais, demógrafos e pesquisadores reavaliam constantemente técnicas, propostas e hipóteses, para melhor aferir o fenômeno demográfico. A atual fase do desenvolvimento capitalista vem gerando novas condições de realização do capital e do trabalho, abrindo inusitadas perspectivas tanto para a sociedade quanto para os seus analistas, que experimentam amplo avanço tecnológico e crescente inserção internacional. Neste sentido, o presente número da São Paulo em Perspectiva busca apontar as novas vinculações que estão sendo estabelecidas entre a reestruturação produtiva e o comportamento das variáveis demográficas, procurando responder aos novos desafios postos à Demografia. Para tanto, os artigos foram elaborados com base nas participações dos autores no Seminário "Subsídios para a Construção de Hipóteses de Projeções Demográficas para o Estado de São Paulo", realizado pela Fundação Seade, em dezembro de 1995, sob coordenação de Felícia Reicher Madeira. O primeiro artigo apresenta problemáticas e temas debatidos neste número, sintetizando algumas conclusões e registrando avanços. Em seguida, sucedem-se conjuntos de artigos interligados, que tratam seqüencialmente do cenário socioeconômico e metodológico (para localizar as atuais questões demográficas), dos componentes específicos da projeção demográfica (no caso, fecundidade e mortalidade), das variáveis que afetam a migração (trabalho, produção industrial e agricultura), da migração especificamente e, finalmente, de métodos exclusivos para projeções populacionais. file:///C|/RevistaSPP/Volumes_PDF/v10n02/notaed.htm[27/02/2014 10:48:34] POPULAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: NOVOS ELEMENTOS PARA... POPULAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA novos elementos para projeções demográficas FELÍCIA MADEIRA Socióloga, Diretora Adjunta de Análise Socioeconômica da Fundação Seade HAROLDO DA GAMA TORRES Economista, Consultor da Fundação Seade P rojeções demográficas vêm ganhando importância crescente para o planejamento público e privado. Afinal, estimativas da demanda por bens e serviços, bem como a taxa de crescimento dos mercados, têm que se referir, em alguma medida, a hipóteses quanto ao tamanho que a população terá no futuro. Este elemento é tanto mais importante na medida em que as políticas públicas tendem a se descentralizar (o que faz com que estimativas populacionais acuradas sejam necessárias no âmbito municipal) e na proporção em que os governos se envolvem em processos de privatização, sendo necessário que o próprio preço de uma empresa esteja de acordo com estimativas minuciosas de seu tamanho de mercado. Contraditoriamente, este é um momento em que o sistema estatístico nacional encontra-se em crise. O Censo Demográfico de 1991 foi realizado com um atraso de um ano, interrompendo uma série de censos decenais que remontava a 1940, e mesmo hoje, maio de 1996, os dados deste Censo não se encontram inteiramente acessíveis. Além disso, há mais de 11 anos não são realizados censos econômicos no país. Neste cenário, a Fundação Seade tem conseguido se constituir numa exceção notável. Na área demográfica, por exemplo, a série de estatísticas vitais é um exemplo de dados produzidos com periodicidade e confiabilidade, que configuram, certamente, insumos fundamentais para projeções demográficas no Estado de São Paulo. Na área de estudos regionais, o aprofundamento do conhecimento da dinâmica das várias regiões permite uma melhor fundamentação das hipóteses para estas projeções quando desagregadas para as diversas áreas do estado e municípios. Porém, o exercício das projeções, mesmo quando fundamentado em bons dados e em boa técnica demográfi- ca, sempre implica aspectos delicados, uma vez que diz respeito à previsão de futuro. De fato, mesmo assumindo que os componentes da dinâmica demográfica (mortalidade, fecundidade e migrações) apresentam características muito regulares ao longo do tempo, deve sempre se levar em conta a possibilidade de outros elementos interferirem nas tendências históricas. Este último aspecto é tanto mais plausível num momento em que se assiste uma grande transformação nas economias e sociedades mundiais, no sentido de uma impressionante aceleração no progresso técnico, de uma maior integração dos mercados e da concomitante constituição de mercados de trabalho crescentemente competitivos e seletivos. Este processo também tem sido chamado de reestruturação produtiva. Entretanto, os estudos populacionais, de modo geral, ainda não se detiveram o suficiente nestes fenômenos. Até recentemente, continuava-se a operar com verdades relativamente consolidadas, baseadas tanto na teoria quanto na experiência do passado. Imaginava-se que a fecundidade continuaria a cair e se estabilizaria em algum momento, próximo à taxa de reposição.1 Acreditava-se também que a mortalidade cairia para todos os grupos etários e regiões. Finalmente, muitos estudiosos partilhavam o pressuposto de que grupos populacionais, principalmente jovens do sexo masculino, tenderiam a se deslocar continuamente para as áreas mais industrializadas até que um novo “equilíbrio regional” viesse a se estabelecer. O recente seminário Subsídios para a Construção de Hipóteses de Projeções Demográficas para o Estado de São Paulo, realizado pela Fundação Seade em dezembro de 1995, mostrou que várias destas certezas estão abaladas: a taxa de fecundidade em vários países está abaixo 3 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 dos níveis de reposição; a mortalidade, principalmente entre jovens do sexo masculino, vem crescendo nos últimos anos na Região Metropolitana de São Paulo. Além disso, esta metrópole expulsou migrantes na década passada e o emprego industrial manteve-se, entre 1985 e 1995, em persistente queda, mesmo quando a atividade econômica cresceu, como no período 1991-95. Em outras palavras, do ponto de vista da linha de argumentação aqui desenvolvida, existem evidências de que a reestruturação produtiva, aparentemente em curso, poderia estar afetando também a maneira como estas variáveis demográficas se comportam. Além disso, outras variáveis demográficas tradicionalmente negligenciadas, como as migrações internacionais, passariam a merecer destaque. De fato, imagina-se que a reestruturação produtiva poderia estar na raiz da emergência, como processo demograficamente significativo, da migração de brasileiros para outros países. Em linhas muito gerais, o desafio colocado pelo seminário implica pensar as tendências demográficas frente à reestruturação produtiva e a seus impactos nas esferas social e urbana. Neste artigo, procurar-se-á refletir sobre este debate, destacando as principais polêmicas despertadas ao longo deste seminário e apontando, em particular, aqueles elementos que mais fortemente podem causar a revisão dos modelos de projeções demográficas. Trata-se de um artigo especulativo e impressionista, concebido, sobretudo, como estímulo à reflexão e ao debate. argumentos, Soja (1994) chegou a identificar seis formas distintas de reestruturação urbana: a urbanística, a social, a política, a econômica, a cultural (ou simbólica) e a étnica. Evidentemente, trata-se de um debate complexo, totalmente voltado para as transformações em curso nas metrópoles dos países desenvolvidos. As cidades de referência para esta reflexão têm sido Los Angeles, Nova York, Tóquio, Londres, etc. Assim, além das dificuldades inerentes a este debate específico, cabe questionar até que ponto esta discussão teria sentido para uma metrópole como São Paulo. As evidências empíricas acumuladas ao longo das discussões apontam, no entanto, para a adequação da utilização da categoria reestruturação produtiva – caracterizada pela substituição de insumos, automação, reestruturação administrativa e o surgimento de novos bens – para o contexto do complexo produtivo instalado na Região Metropolitana de São Paulo. Existem também evidências de que a categoria reestruturação social poderia ser utilizada no entendimento dos complexos desdobramentos daquela reestruturação produtiva: o aumento do desemprego industrial, o crescimento do setor serviços, a maior precarização do mercado de trabalho, o aumento da marginalidade, etc. De fato, os dados relativos ao mercado de trabalho, por exemplo, são muito eloqüentes. A análise apresentada por Paula Montagner e Sandra Brandão, incluída neste número da Revista, mostra que emprego industrial da Região Metropolitana de São Paulo apresentou queda significativa entre 1985 e 1995, com pequenas recuperações episódicas. Mesmo quando a economia teve maior desempenho (como entre 1993 e 1995), o crescimento do emprego industrial foi baixo ou mesmo negativo. Enquanto isto, o emprego no setor serviços apresentava crescimento continuado e importante. Neste processo, diminuía o número de trabalhadores com carteira assinada, caracterizando também a maior precarização deste mercado.2 Além disso, o processo de desconcentração da indústria na Região Metropolitana em relação ao interior do estado, que se verificou no período compreendido entre o início dos anos 70 e o começo da década de 90, também poderia ser incluído entre os elementos que dão forma a esta reestruturação. Em outras palavras, a reestruturação industrial, além dos seus aspectos intrafabris e de seus desdobramentos para o mercado de trabalho, teria também a ver com a reorganização do espaço industrial brasileiro. Colocadas desta forma, as articulações entre reestruturação e questões demográficas passam a fazer mais sentido. De fato, este quadro de deterioração do mercado de trabalho e de reorganização do espaço produtivo impli- REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E A REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO A categoria reestruturação tem sido utilizada para descrever várias das transformações em curso nas sociedades capitalistas deste fim de século. A reestruturação produtiva tem sido entendida como fruto das novas formas de organização da produção frente à revolução tecnológica e à abertura dos mercados (Feagin e Smith, 1987). Por outro lado, a categoria reestruturação social tem sido também mencionada para caracterizar os impactos das transformações na estrutura ocupacional, caracterizados pela diminuição do emprego industrial, pelo aumento da participação da mulher no mercado de trabalho e pelo crescimento do emprego no setor de serviços. Estes fenômenos seriam associados à precarização do mercado de trabalho e ao aumento da pobreza (Castells e Mollenkopf, 1992). Além disso, a expressão reestruturação urbana também tem sido usada para descrever o impacto destas transformações sobre as cidades, isto é, caracterizando os aspectos propriamente urbanísticos desta reestruturação (Soja, 1994). Vale mencionar que, ao desdobrar seus 4 POPULAÇÃO cam, evidentemente, transformações importantes nas formas de se pensar, por exemplo, a questão migratória. Temas como aumento da mortalidade adulta e a reorganização da estrutura familiar podem também estar associados a esta precarização do mercado de trabalho, que emerge no contexto desta reestruturação. A seguir, serão desenvolvidos alguns dos argumentos que permitem aprofundar estas conexões. E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: NOVOS ELEMENTOS PARA... centração ou concentração produtiva na metrópole paulistana. Entre seus principais argumentos, destacam-se a evidência de continuidade do dinamismo da Região do ABC paulista, ao contrário da capital propriamente dita, e o papel relativamente negligenciado do setor serviços na atração de indústrias e na geração de emprego e renda. De qualquer modo, estes dois autores ressaltam o fato de que, dada a precariedade da informação estatística disponível, os efeitos da abertura comercial, combinados com a atração de setores industriais de ponta, ainda não permitem conclusões definitivas sobre a dinâmica industrial metropolitana. Em outras palavras, ainda não se sabe se a metrópole voltará ou não a concentrar, em termos relativos, a produção industrial nacional. Num certo sentido, pode-se argumentar que este quadro analítico relativamente organizado, referente aos impactos da reestruturação industrial na metrópole, não parece se encaixar com tanta facilidade à explicação dos processos em curso no interior paulista. Nos textos dos autores que discutiram estas questões na perspectiva desta região, identificam-se elementos que permitiriam relativizar este quadro analítico. De fato, o interior teria apresentado uma dinâmica do emprego relativamente diferenciada segundo regiões, e existem sinais de efetiva continuidade do processo de desconcentração industrial. É verdade, segundo Sinésio Pires Ferreira, que o quadro geral é também de redução do emprego industrial e de crescimento dos setores de serviços, comércio e construção civil. No entanto, segundo os dados da Rais por ele utilizados, as taxas de desemprego seriam consistentemente mais elevadas na Região Metropolitana, no Litoral e no Vale do Paraíba, enquanto as regiões de São José do Rio Preto, Central e Barretos teriam apresentado crescimento significativo do emprego, inclusive industrial. Este quadro do emprego sugere tanto um contexto de deslocamento da produção industrial quanto de reestruturação produtiva. De fato, os dados apresentados mostram que, atualmente, regiões como Campinas e São José dos Campos registram uma proporção maior de empregados da indústria, com carteira assinada, do que a própria Região Metropolitana. Embora os valores relativos sejam pouco eloqüentes diante do peso do emprego industrial (em valores absolutos) da Região Metropolitana, não se pode deixar de negar que estes elementos são indicadores de processos importantes de desconcentração industrial, principalmente se comparados com indicadores de uma ou duas décadas atrás. Na realidade, tanto a reestruturação produtiva quanto a desconcentração industrial podem estar ocorrendo simultaneamente. O mais provável é que cada gênero da indústria tenha um comportamento diferenciado. Assim, apenas uma análise desagre- A REESTRUTURAÇÃO E A QUESTÃO MIGRATÓRIA A análise migratória no Brasil tem enfatizado, desde os clássicos estudos de Paul Singer nos anos 60, uma clara conexão entre o crescimento do emprego industrial e a atração de migrantes. Porém, como tratar deste tema, agora que a principal metrópole industrial deixou de gerar empregos e parece já não atrair migrantes? Estará a população se deslocando para outras localidades onde a indústria apresenta maior dinamismo, ou a conexão entre emprego industrial e migração já não seria tão significativa? Estes elementos serão discutidos a seguir, tanto no contexto do debate sobre a reorganização do espaço produtivo, quanto a partir da questão migratória propriamente dita. A Reorganização do Espaço Produtivo Paulista As posições dos diversos autores presentes no Seminário citado, e que aqui se apresentam, parecem ser relativamente contraditórias no que diz respeito à interpretação das tendências principais da dinâmica espacial da atividade produtiva nas diversas regiões do Estado de São Paulo. Entretanto, estas interpretações convergem, de certo modo, para o entendimento de uma possível crise no mercado nacional de trabalho, derivada do processo de reestruturação industrial. Wilson Cano, por exemplo, considera que a reestruturação industrial, no contexto particular da economia brasileira, teria efeitos ambíguos para a dinâmica econômica da Região Metropolitana de São Paulo. Isto ocorreria porque, por um lado, a reestruturação induziria um efeito de reconcentração espacial da produção, uma vez que a presença de serviços, de conhecimentos técnicos e de tecnologia atrairiam setores de ponta, tais como a microeletrônica e a informática. Por outro, a abertura comercial também em curso poderia ameaçar vários outros setores industriais atualmente concentrados na metrópole (autopeças, eletroeletrônicos, bens de capital, etc.). No mesmo sentido, Maria de Fátima Araújo, ao analisar o processo de metropolização, reivindicava uma discussão mais complexa sobre os processos de descon- 5 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 gada das tendências espaciais e setoriais da indústria permitiriam uma compreensão mais efetiva destes processos. Neste sentido, as observações de Aurílio Caiado, relativas às tendências espaciais da indústria, baseadas nos dados de Valor Adicionado (ICMS), apontam para a continuidade do processo de desconcentração relativa da indústria da capital em direção ao interior. Esta desconcentração ocorreria, agora, num ritmo mais lento, restringindo-se a alguns setores mais importantes (como a agroindústria, por exemplo) e continuando a se estruturar principalmente num anel de 150km em torno de São Paulo, englobando especialmente as regiões de Sorocaba, Campinas e São José dos Campos.3 Há consenso, no entanto, de que os processos em curso no interior possuem também alguma conexão com a dinâmica do complexo agroindustrial. Neste sentido, José Graziano da Silva chama a atenção para a relativa estabilidade apresentada pela agricultura paulista do ponto de vista da geração de empregos no período recente. Dessa forma, os deslocamentos da mão-de-obra rural, por um lado, já não pressionariam tão intensamente o mercado de trabalho urbano e, por outro, não exerceriam grande atração migratória (como foi o caso dos bóias-frias na década de 70). No entanto, este autor manifesta sua preocupação com os destinos do Pró-álcool, cujo impacto para geração de renda e emprego, em algumas regiões (Ribeirão Preto, principalmente), teria o potencial de desestabilizar o mercado de trabalho rural. Apesar da relativa divergência entre este conjunto de autores, no que diz respeito à eventual continuidade, ou não, do processo de desconcentração industrial, todos parecem convergir para a hipótese de constituição, em algumas áreas do interior, de uma economia mais industrializada, mais sofisticada e com tendências de crescimento econômico e de geração de empregos relativamente divergentes do principal pólo regional, a Região Metropolitana de São Paulo. No entanto, fica claro – até para os mais otimistas quanto ao desempenho da metrópole – a perspectiva de crise no mercado de trabalho que, mesmo na hipótese de reconcentração da produção, não mais repetiria a trajetória de crescimento acelerado apresentada no passado. serviços e atuais configurações no sistema de cidades poderiam redefinir, se não a direção, ao menos a intensidade dos fluxos migratórios. Deve-se porém admitir que, de certo modo, os dados migratórios da década passada continuam a se apresentar como relativamente articulados às tendências de crescimento econômico e do emprego observadas nas várias regiões do estado. Sonia Perillo mostra que o oeste paulista teria revertido suas tendências históricas de perda demográfica, enquanto as regiões de Campinas e de Ribeirão Preto continuariam a atrair migrantes. As regiões com perdas migratórias importantes seriam a Metropolitana de São Paulo, Litoral e São José dos Campos, coincidentemente ou não, as menos dinâmicas do ponto de vista da geração de emprego formal, segundo os dados apresentados por Sinésio Pires Ferreira. Em outras palavras, as tendências migratórias observadas no interior paulista parecem consistentes com modelos migratórios que associam geração de emprego a movimentos populacionais. O que se poderia discutir, a partir destes dados, é a suposta primazia do emprego industrial como indutor de atração migratória. No caso da Região Metropolitana, as transformações sugeridas parecem mais pronunciadas. Embora a metrópole paulistana já não desempenhe o papel de grande pólo de fixação de migrantes, estariam ocorrendo, segundo Neide Patarra, novos processos tais como o de “substituição populacional”, em que tanto o número de imigrantes quanto o de emigrantes seriam expressivos. Ao mesmo tempo, consagrar-se-iam também novas tendências, tais como a migração de retorno, as migrações de curta duração e de curta distância. De fato, informações levantadas por José Marcos Pinto da Cunha e Rosana Baeninger mostram que, em praticamente todas as regiões de governo, as cidades do chamado entorno crescem mais rapidamente do que o município-sede, configurando a hipótese de que, mesmo nos municípios do interior, migrações pendulares e de curta distância passariam também a integrar de maneira importante o cenário demográfico. Esta informação tem, evidentemente, importância significativa para o exercício de projeções populacionais no âmbito municipal. Além disso, observar-se-ia a emergência de um novo elemento – as migrações internacionais. Este aspecto desafia as possibilidades de modelagem das tendências migratórias, como as até hoje produzidas para esta metrópole, uma vez que não se pode contar com informações relativas aos locais de destino destes migrantes. A análise apresentada por Valmir Aranha parece, em parte, reforçar estes argumentos. Ao discutir os processos migratórios recentes na Região Metropolitana de São Paulo (1990-95), o autor aponta para evidências signifi- Uma Nova Dinâmica Migratória? A indústria paulista, como aponta a discussão anterior, não mais convergiria para um único pólo central, mas sim para uma área polarizadora. Além disso, existem indicações de que a dinâmica dos fluxos migratórios não necessariamente se articula de forma rígida à localização de novas plantas industriais. Assim, novos elementos, como o crescimento desproporcional do emprego no setor de 6 POPULAÇÃO cativas de “substituição de população”, caracterizada pela continuidade da entrada de migrantes de baixa escolaridade e pela saída (para o interior do estado) de grupos de idade mais elevada e mais escolarizados. Entre os interessantes elementos observados por Valmir Aranha, está a coincidência entre os volumes migratórios e os ciclos de emprego e desemprego, observados por Paula Montagner e Sandra Brandão, bem como a evidência de que esta ocorrência de migração de grupos etários mais elevados (30-35 anos) poderia estar caracterizando padrões de migração familiar para o interior. Voltado para estes mesmos temas do ponto de vista do interior do estado, Paulo Jannuzzi aponta a formação, nesta área, de estruturas ocupacionais mais complexas e sofisticadas. O perfil do migrante com destino a esta região, apesar das diferenças intra-regionais, seria o de um migrante relativamente escolarizado, com idade média mais elevada e, talvez, migrando em família. Ao lado dos migrantes de baixa renda que continuariam a chegar ao interior, este migrante mais sofisticado teria, inclusive, rendimentos médios superiores ao das pessoas naturais daquela região com o mesmo nível de escolaridade. Em síntese, o exercício de projeções na área migratória, talvez a mais problemática, implica importantes desafios. Já não se pode buscar com tanta segurança hipóteses econômicas para dar sustentação às projeções migratórias. Por um lado, as tendências econômicas – como a polêmica entre os especialistas sugere – já não são tão uniformes, seja espacialmente, seja setorialmente. Por outro, existiria um descolamento relativo entre crescimento da produção e crescimento do emprego, fazendo com que o impacto demográfico de determinados processos de crescimento econômico não necessariamente se fizessem significativos. Finalmente, o crescimento demográfico bastante diferenciado por porte de cidades, ocorrido na última década, implica significativas dificuldades para projeções desagregadas no âmbito municipal. E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: NOVOS ELEMENTOS PARA... trariando a hipótese já clássica de queda universal. De fato, Carlos Eugenio Ferreira mostrou que as áreas onde é mais dramática a questão do desemprego – a Região Metropolitana de São Paulo e o Litoral – registram uma mortalidade em crescimento entre os homens jovens, principalmente por causas violentas. Não por acaso, este também é o grupo etário, segundo os indicadores de emprego, mais afetado pelo processo de reestruturação. Para 1995, os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) indicam que, de um total de 1.105 mil desempregados, 505 mil eram pessoas de 15 a 24 anos. Esta mesma pesquisa mostra que as taxas de desemprego são recorrentemente mais elevadas neste grupo etário. Neste sentido, vale também chamar a atenção para o aumento significativo da proporção de jovens adolescentes matriculados no 2° grau em São Paulo, nos últimos 10 anos, indicando talvez a busca por uma melhor qualificação como instrumento para uma entrada mais qualificada no mercado de trabalho. Mais do que isto, os dados disponíveis mostram que os jovens, além de encontrarem maior dificuldade do que os demais no mercado de trabalho, aparentemente não dispõem de alternativas migratórias significativas e ainda têm que concorrer com os migrantes da mesma faixa etária que continuam chegando à metrópole. De fato, como observou Valmir Aranha, o processo de “substituição” de população implicaria a continuidade da entrada de jovens, predominantemente de baixa escolaridade, e a saída de outros grupos populacionais com perfil familiar. Neste sentido, o destino migratório dos jovens paulistanos é um dos grande quebra-cabeças que as análises aqui apresentadas sugerem. Sabe-se que eles não são o contingente mais importante de migrantes para o interior do estado. Estarão, então, migrando para outras regiões do Brasil e para o exterior? Ou continuam a viver na metrópole, enfrentando o elevado desemprego e um nível de violência crescente? Ao mesmo tempo, doenças como a Aids acrescentam novas complexidades à modelagem da mortalidade. Embora a mortalidade feminina adulta, por exemplo, continuasse a apresentar ao longo do tempo tendência de queda, o crescimento das mortes por Aids parece ser praticamente exponencial entre as mulheres. Este elemento indica que, a partir de agora, seria preciso investir em modelos de projeção que também entrem no detalhe das causas de morte. No que diz respeito aos problemas relativos às projeções para o número de domicílios, Sonia Nahas observou, para Região Metropolitana de São Paulo, que não apenas o tamanho médio das famílias tem diminuído, mas que também é crescente o número de indivíduos que atualmente residem sozinhos. Como elemento que reforça este A REESTRUTURAÇÃO E A DINÂMICA DEMOGRÁFICA Num primeiro momento, poder-se-ia se imaginar que os aspectos migratórios são os únicos fortemente afetados pela reestruturação produtiva. Porém, os dados disponíveis e as hipóteses levantadas ao longo de nossos debates e desta publicação apontam também para o fato de que tanto a estrutura familiar como as tendências de mortalidade e mesmo de fecundidade poderiam ser afetadas pela reestruturação produtiva e por seus desdobramentos nas esferas do mercado de trabalho e das economias urbanas. As taxas de mortalidade, por exemplo, apresentaram crescimento para alguns grupos etários importantes, con- 7 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 NOTAS quadro de mudança da estrutura familiar e dos domicílios, observa-se o aumento do número de famílias cujos chefes são mulheres. É provável que este último dado reflita, em parte, a elevação dos níveis de mortalidade adulta masculina, discutidos anteriormente. As mulheres também têm conseguido aumentar sua taxa de participação, mesmo num mercado de trabalho em crise. O desemprego e o desalento crescentes entre os jovens, combinados com este aumento da taxa de participação das mulheres, talvez estejam sugerindo uma mudança nos arranjos familiares relativos à participação dos membros da família no mercado de trabalho. Finalmente, poder-se-ia afirmar que, do conjunto de hipóteses demográficas aqui discutidas, apenas aquelas referentes à fecundidade, tais como as apresentadas por Paulo Campanário, tenderiam a confirmar os pressupostos clássicos dos modelos de projeção. De fato, a fecundidade continuaria em queda e tenderia a se homogeneizar entre os grupos de renda e entre as regiões do estado. No entanto, os textos de Ana Amélia Camarano e Neide Patarra tentam relativizar estes argumentos. Não apenas o próprio nível de reposição teria deixado de se constituir num tabu como fecundidade mínima a ser projetada, como bem sugere Campanário, mas também seria necessário considerar – principalmente em projeções de longo prazo – a eventual possibilidade de crescimentos episódicos da fecundidade. Neste sentido, Ana Amélia Camarano e Neide Patarra, em seus artigos, advertem para a tese de que a expressiva queda da fecundidade poderia ter sido acelerada pela crise econômica da década anterior, e apontam a possibilidade de ocorrência de padrões de fecundidade mais elevados, ao menos sub-regionalmente, num contexto de estabilidade ou de crescimento econômico, de médio e longo prazos. Em síntese, mesmo as hipóteses mais tradicionais aos modelos demográficos – as de queda universal da fecundidade e da mortalidade – parecem se relativizar à luz dos debates aqui apresentados. Estes argumentos são tanto mais consistentes, quanto mais as projeções se sofisticam, tornando-se desagregadas regionalmente e organizadas para domicílios ou para subgrupos etários ou de renda. 1. Número próximo a dois filhos por mulher ou, em outras palavras, o número de filhos necessário para que uma população se estabilize no longo prazo. 2. No entanto, este fenômeno era diferenciado segundo grupos de sexo e idade. 3. Vale advertir que tanto Aurílio Caiado quanto Sinésio Ferreira são bastante enfáticos quanto à precariedade das fontes dos dados utilizadas, que não permitiriam conclusões definitivas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZZONI, C.R. “Formação sócio-espacial metropolitana: novas tendências ou novas evidências?” In: GONÇALVES, M.F. (org.). O novo Brasil urbano. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1995, p.289-304. CASTELLS, M. The informational city. Oxford, Blackwell, 1989. CASTELLS, M. e MOLLENKOPF, J.H.Ïs New York a dual city?". In: MOLLENKOPF, J.H. e CASTELLS, M. (orgs). 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As razões desse grande afluxo líquido imigratório já foram explicitadas pela literatura contemporânea: expansão cafeeira (1870-1930); diversificação agrícola e industrialização restringida (1930-1955); e industrialização pesada e intensificação urbana (1955-1980). Entretanto, à medida que avançavam os anos 80 e que a crise se afigurava “sem solução a médio prazo”, verificava-se que o ímpeto imigratório para o Estado de São Paulo diminuía sua velocidade, devido tanto à redução das oportunidades de expansão do emprego no estado, quanto ao fato de que na periferia nacional ocorriam várias situações: expansão do garimpo e da fronteira agrícola amazônica; auge da zona franca de Manaus; maturação dos investimentos periféricos do II PND; desconcentração industrial espacial; expansão agroindustrial em algumas regiões periféricas; expansão do turismo interno, notadamente no Nordeste; considerável expansão urbana periférica – principalmente nas cidades médias –, que possibilitou o crescimento de atividades de serviços mais produtivos; expansão do gasto público (estadual e municipal) periférico, que resultou em notável aumento do emprego público; disseminação, por grande parte do território nacional, da violência (crime, prostituição, droga, etc.) – que também é vetor “empregatício” –, antes mais restringida ao Rio de Janeiro. No plano interno do Estado de São Paulo, as migrações também sofreram mudanças periódicas tanto na sua origem quanto no seu destino. Assim, o café interiorizou o imigrante, mas ainda ficaram “sobras” suficientes para fazer surgir uma cidade como São Paulo. No período inicial da industrialização, que convivia com um moderado grau de modernização agrícola, a Grande São Paulo era a região que atraía maior número de migrantes nacionais e do interior, em busca de emprego e do nível de vida urbano. Ocorriam, portanto, um “esvaziamento” demográfico do interior e a metropolização de São Paulo. A consolidação da indústria pesada, os problemas decorrentes de uma urbanização descontrolada e o aumento absoluto das camadas sociais mais pobres constituíramse em fatos negativos para uma continuidade do tipo de crescimento da metrópole. A isso se associam gestões diretas e indiretas que resultaram em considerável expansão econômica (agroindustrial, industrial e terciária) e urbana do interior paulista. Essa “interiorização do desenvolvimento econômico” teve, resumidamente, os seguintes determinantes principais: política de incentivos às exportações; instalação de refinarias da Petrobrás em Paulínia e São José dos Campos; incentivos à expansão da indústria aeronáutica em São José dos Campos; programa de incentivo à produção de álcool carburante, de cana-de-açúcar (Pró-Álcool); investimentos federais e estaduais em infra-estrutura, notadamente de transportes e telecomunicações; políticas municipais atrativas de investimentos; aumento dos custos de aglomeração na Grande São Paulo; reorganiza- 9 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 ção sindical moderna de trabalhadores, na Grande São Paulo. Estes fatos acarretaram o aumento da concentração industrial no interior do estado, reduzindo o efeito provável de uma descentralização e desconcentração ainda maior para outros estados. Assim, essa “interiorização” alterou os fluxos migratórios internos entre as várias regiões paulistas, engrossando a urbanização daquelas que mais se beneficiavam daquele movimento, como Campinas, Sorocaba e Vale do Paraíba. Além disso, com um crescimento econômico muito à frente do que ocorria na Grande São Paulo, o interior do estado passou também a atrair parte substancial de imigrantes não-paulistas, entre 1970 e 1985. Após este período, deu-se início à desaceleração econômica e migratória. A persistência da crise na década de 80 não deixava dúvidas quanto à diminuição dos fluxos imigratórios para o estado e notadamente para a Grande São Paulo, obrigando a revisões, para baixo, da taxa demográfica da metrópole, depois confirmada pelo Censo de 1991. O medíocre comportamento econômico da renda e do emprego no estado, provocado pela abertura iniciada por Collor, em 1990, e aprofundada por Fernando Henrique, certamente reduziu ainda mais – em termos relativos – aqueles fluxos para São Paulo. Tendo em vista que esta dinâmica afetou mais seriamente o Rio de Janeiro e São Paulo e dada a situação em que se encontrava o problema social nessas áreas antes dos anos 90, não é difícil entender as razões básicas que embasam o extraordinário aumento da violência nestes dois estados, agora não mais radicada apenas nestas duas áreas, mas já espraiada em quase todas as cidades de grande porte do país. Infelizmente, a destruição de vários aparelhos do Estado, que vem sendo praticada nestes últimos seis anos e que atinge a Fundação IBGE, está convertendo a questão da informação econômica e demográfica em algo raro e tortuoso para os pesquisadores. Por exemplo, foram feitas somente as tabulações “gerais” do Censo Demográfico de 1991 e, por isso, não se sabe, com certeza e detalhes, o que ocorreu com o fenômeno migratório nacional quando se confronta 1991 com 1980. Entretanto, através dos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1993, que estimou a população residente em 1993 “por lugar de domicílio e de nascimento”, é possível fazer as seguintes considerações: - embora o censo demográfico e a PNAD sejam metodologicamente comparáveis, pode-se constatar algumas divergências decorrentes de amostragem, em vários estados de pequena absorção ou expulsão absoluta de imigrantes, bem como advertir o leitor para o fato de que a PNAD não computou a população (e sua migração) ru- ral da região Norte. Tais fatos, contudo, não comprometem os “grandes números” para o Estado de São Paulo; - a desconcentração industrial e a expansão urbana melhoraram a situação de Minas Gerais e de Santa Catarina, estados que, até 1980, expulsavam grande número de migrantes; - ao mesmo tempo, a situação do Rio de Janeiro se agrava, passando de recebedor a expulsador líquido de migrantes; - o Estado de São Paulo, que entre 1970 e 1980 recebera 2.821 mil imigrantes nacionais (e expulsara 182 mil), teria recebido entre 1980 e 1993 um fluxo menor (1.712 mil) e expulsado um maior (510 mil); - dos imigrantes para o Estado de São Paulo entre aqueles períodos, o fluxo de nordestinos diminuiu pouco (de 1.445 na década dos 80 para 1.121 no período recente), ao passo que a redução relativa maior ocorreu com o dos mineiros, que passou de 607 mil para 126 mil; - os problemas econômicos e sociais, apontados anteriormente, fizeram com que a deslocação inter-regional acumulada de brasileiros passasse do total de 7,6 milhões, em 1960, para 11,2 milhões, em 1970, 16,5 milhões, em 1980, e já teria ultrapassado 20,5 milhões, em 1993. Como se vê, apesar da diminuição das entradas no Estado de São Paulo, mais 4 milhões (40% dos quais do Nordeste) de brasileiros deslocaram-se de suas regiões no último período, em que pesem o “fechamento” da fronteira agrícola, a diminuição do garimpo e a crise industrial e urbana vivenciada. Assim sendo, as análises têm que se restringir a essas estatísticas e às especulações que se podem fazer com a contra-face econômica do fenômeno, cujos “resultados” foram apresentados anteriormente. Portanto, indagar sobre o futuro cenário migratório para o Estado de São Paulo passou a ser uma questão ainda mais difícil de se responder pelas razões antes relatadas e, notadamente, pela certeza de que a política neoliberal de Collor e Fernando Henrique Cardoso trás, para o desempenho da economia nacional, uma perigosa via de desestruturação econômica e crescente desemprego. Por um lado, a quebra a que estão sendo levados o Estado nacional e os estaduais paralisa quaisquer intenções de planejamento. Por outro, o sacrifício inútil a que as finanças públicas (notadamente as federais) estão sendo submetidas, com o explosivo aumento da dívida interna e dos juros pagos pelo Tesouro Nacional, já desnuda claramente a impossibilidade da retomada do gasto e, principalmente, do investimento público. Adicione-se a isso a escorchante taxa de juros, que afasta o investimento privado. Essa política neoliberal de abertura, desregulamentação, privatização e estabilização potencializa ainda mais os efeitos perversos decorrentes da chamada Terceira 10 NOTAS PARA UM CENÁRIO MIGRATÓRIO NO ESTADO DE SÃO PAULO Revolução Industrial (substituição de trabalho e de insumos tradicionais, automação, informatização, concentração privada do capital e outros). Assim, com a abertura, com a reestruturação empresarial (imposta pelas transnacionais) e com a busca insana pela diminuição de um suposto “custo Brasil”, assiste-se, passivamente, a desestruturação parcial de vários setores produtivos (autopeças, têxtil, confecções e agricultura são os exemplos mais notados até o momento), a maior precarização do trabalho – aliás, estimulada fortemente pelo próprio ministro do Trabalho – e um “leilão” nacional (em quase todos os estados) pela maior doação possível de incentivos e subsídios para atrair mirabolantes e prometidos investimentos estrangeiros. A falsa idéia de que, com a abertura, as empresas tornar-se-iam mais competitivas e eficientes obriga a reflexão sobre os seguintes fatos trazidos da realidade econômica nas transações comerciais internacionais contemporâneas: - as nações de pequeno ou médio porte, que constituem a maioria dos países subdesenvolvidos, só atingiram baixo grau de industrialização e, com exceção de alguns produtos primários tradicionais, só exportam manufaturados em condições excepcionais (nichos, subsídios, mercados preferencialmente concedidos a nível do Gatt-OMC, etc.), pouco ou nada tendo de especialização ou eficiência competitiva industrial frente às nações desenvolvidas; Índia, China e Rússia, em geral também apresentam pautas exportadoras diversificadas, porém, sem maiores especializações competitivas em setores de tecnologia avançada. Se “especializam” na produção de bens que utilizam mão-de-obra barata e recursos naturais (escassos, na maioria de países desenvolvidos) para produzir insumos básicos ou produtos agroindustriais ou ainda produtos de alto consumo de energéticos e/ou altamente poluidores do meio ambiente. Assim, suas eficiências competitivas estão predeterminadas e raramente podem ser ampliadas. Dessa forma, é uma ilusão pensar no “poder transformador” de modernização e competitividade que uma política neoliberal possa trazer ao mundo subdesenvolvido. Dito de outra forma, não há nem sombra de se vislumbrar uma rota de crescimento firme, alto e seguro que pudesse sustentar o emprego. Voltando às considerações sobre a economia paulista, o que se pode no máximo intuir é que, provavelmente, o desemprego e a precarização do trabalho aumentarão, a despeito da possível reconcentração local (em algumas áreas do Estado de São Paulo) de setores industriais e de serviços de alta tecnologia, ampliando ainda mais a miséria e a violência, inibindo assim maiores fluxos imigratórios de não-paulistas para São Paulo. A desconcentração produtiva industrial, no sentido Grande São Paulo – interior, continuará em marcha mais reduzida do que no passado recente, implicando maior importância de fluxos imigratórios de não-paulistas para o interior do que para a Grande São Paulo. Além disso, os fluxos de saída das regiões interiores de menor desempenho econômico, de São Paulo, dirigir-se-ão, preferencialmente, para as regiões que têm maior possibilidade de receber os novos investimentos industriais, como Campinas, Sorocaba e Vale do Paraíba. - os países desenvolvidos de porte pequeno ou médio, ao contrário, além de industrializados, contam com estruturas altamente especializadas em suas pautas exportadoras, competindo, então, de forma eficiente, com os países desenvolvidos de maior porte; - países desenvolvidos de grande dimensão territorial e/ou mercado (como os EUA e o Japão) apresentam historicamente pautas exportadoras industriais muito diversificadas, mas que contêm vários itens altamente especializados, como, por exemplo, equipamentos de grande porte, no caso dos EUA, e eletrônicos, no do Japão; NOTA Notas revistas sobre a palestra proferida pelo autor no Seminário “Subsídios para a construção de hipóteses de projeções demográficas para o Estado de São Paulo”, Fundação Seade, São Paulo, 07/12/95. - o caso dos países subdesenvolvidos de grande tamanho territorial ou de mercado interno médio, como Brasil, 11 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS velhos desafios, novas necessidades NEIDE LOPES PATARRA Socióloga e Demógrafa do Departamento de Sociologia do IFCH e Nepo/Unicamp N este artigo, pretende-se contribuir para um debate oportuno sobre o desafio de se construir hipóteses a respeito da dinâmica populacional em períodos intercensitários, com sistemas de informação existentes e viáveis num contexto socioeconômico que condiciona rápidas mudanças nos componentes demográficos. Assim sendo, estas hipóteses, na verdade, constituem algumas reflexões rápidas e recentes, que refletem muito mais inquietações, indagações e percepções pontuais da prática profissional cotidiana do que afirmações documentadas e dados empíricos acabados. Seguramente, mais dúvidas do que certezas estarão apresentadas. O debate, que ora se apresenta nesta publicação, e o diálogo contínuo com os colegas são complementos indispensáveis ao que aqui está exposto. A exposição, para fins de maior clareza, subdividese em três partes. Na primeira, busca-se tecer algumas considerações sobre a prática usual de elaboração de projeções demográficas e os riscos maiores dessa prática numa situação de mudanças sociais rápidas. Na segunda, consideram-se as implicações, para a montagem dos cenários demográficos futuros, das tendências recentes e da configuração de distintos perfis populacionais frente a uma situação de aumento dos níveis de pobreza e piora das condições de vida de expressivos contingentes. Finalmente, na terceira, coloca-se a necessidade de novos arranjos institucionais e novas modalidades de levantamento de informação em face dos crescentes desafios que cercam o compromisso com a produção e divulgação de cenários demográficos prospectivos. O “CONSERVADORISMO” DA TÉCNICA O professor Philip Hauser, conhecido demógrafo norte-americano, preparador de muitas gerações de especialistas de países não desenvolvidos, costumava aconselhar seus alunos a só elaborarem projeções demográficas para um período bem distante do presente, pois, quando chegasse o momento de cotejar os resultados das projeções com aqueles obtidos nos levantamentos do período correspondente, eles já estariam mortos. A ironia do professor Hauser, aliada à sua experiência, mesmo num país com estatísticas oficiais como as dos Estados Unidos, ilustra os riscos que normalmente estão envolvidos nessa prática profissional. No contexto brasileiro, o também conhecido demógrafo professor José Alberto Magno de Carvalho freqüentemente compara as projeções demográficas da população brasileira para o ano 2000, elaboradas na década de 70, com projeções mais recentes e com o resultado do Censo Demográfico de l99l: naquela época, previa-se uma população de 212 milhões de pessoas, enquanto as projeções atuais prevêem um total de apenas 170 milhões, ou seja, uma diferença de aproximadamente 40 milhões de pessoas. Esses dois exemplos ilustram as vicissitudes que cercam a elaboração de projeções, tarefa essa que, ao mesmo tempo, constitui-se no grande desafio e na maior legitimação da disciplina científica. Na lógica das projeções, na verdade, sintetiza-se o conhecimento interdisciplinar a respeito das características e tendências de todas as dimensões da dinâmica populacional, num determinado espaço de tempo, para uma determinada área. 12 PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS: VELHOS DESAFIOS, NOVAS NECESSIDADES No chamado “método dos componentes”, em sua versão mais sofisticada, é necessário estabelecer-se hipóteses sobre o comportamento futuro da fecundidade, da mortalidade e das migrações, cujos níveis e tendências, como se sabe, obedecem a distintas dimensões e condicionamentos da sociedade. Estabelecer hipótese sobre cada um dos componentes da dinâmica demográfica significa: quantificar processos interligados, porém específicos; observar defasagens entre os condicionantes e seus resultados; pressupor irreversibilidade ou não irreversibilidade de certas tendências; e transformar em números a articulação de fenômenos distintos. Além disso, as tendências passadas de cada um desses componentes inter-atuam entre si, conformando distintas estruturas etárias, operando com velocidades distintas e condicionando, dessa forma, pelo próprio “metabolismo” demográfico, as estruturas e velocidades das mudanças futuras. O procedimento, em si já complexo, significa um desafio tanto maior quanto maior for o espaço de tempo considerado para a projeção e menor a área geográfica considerada como unidade de referência. Frente a essas dificuldades, é compreensível que predomine uma atitude “conservadora” na formulação de hipóteses, ou seja, diante do risco de errar, reforça-se a prospecção de tendências passadas, ou fazem-se pequenas alterações de tendências, apenas quando há fortes indícios de mudança. É por isso que a maioria das estimativas e hipóteses relacionadas ao declínio da fecundidade no Brasil, nas últimas décadas, por exemplo, estiveram aquém dos resultados diretos obtidos posteriormente, que registram a rapidez com que se processou seu declínio. Mesmo no caso da mortalidade – em que o nível de certeza poderia ser relativamente maior dada a irreversibilidade esperada de certos avanços no processo de combate à morte e o aumento da longevidade –, certa cautela tem sido sugerida pelos especialistas. Considerando-se a vulnerabilidade dos níveis de mortalidade infantil, devido a retrocessos nas políticas sociais, assim como o avanço de novas enfermidades e o retorno de outras julgadas já controladas, a chamada transição epidemiológica já não é formulada de maneira tão rígida como foi no passado. Avanços e retrocessos, oscilações de curto prazo, efeitos conjunturais e o expressivo aumento da mortalidade por causas violentas fazem parte do debate atual a respeito dos níveis e tendências da mortalidade e, portanto, também devem ser levados em conta nas hipóteses relacionadas às tendências futuras. Se é verdade que a formulação de hipóteses sobre tendências futuras da mortalidade e da fecundidade requerem cautela, no caso das hipóteses a respeito dos movimentos migratórios seguramente o desafio é maior: de um lado, trata-se de um fenômeno exclusivamente social e, portanto, diretamente suscetível aos condicionamentos da dinâmica global da sociedade e de seus efeitos de curto e longo prazos; e, de outro, tendo como fonte de informação quase exclusiva o levantamento censitário, com sua periodicidade decenal, a defasagem já implica procedimentos arriscados, que não captam oscilações de curto prazo. O “conservadorismo” da técnica fica ainda mais exposto numa situação de inversão de tendências passadas. Como prever, por exemplo, que o Estado do Paraná transformar-se-ia de uma área de forte atração populacional, nos anos 60, para uma área expulsora de população na década seguinte? Como antecipar o saldo migratório negativo da Região Metropolitana de São Paulo registrado no Censo Demográfico de l99l? Essas considerações gerais serão retomadas, posteriormente, a partir do conhecimento que se produziu a respeito da dinâmica demográfica brasileira recente, cujas características implicam novos desafios à já usualmente arriscada tarefa de elaboração de projeções demográficas e sugerem o uso de novas modalidades de informação, frente ao contexto de rápidas mudanças e inversões de tendências. NOVOS DESAFIOS E NOVAS NECESSIDADES A divulgação dos primeiros resultados do Censo Demográfico de l99l constituiu momento propício a um intenso debate a respeito das características e tendências da dinâmica demográfica brasileira. Mediante a comparação possível entre a década de 80 e os resultados obtidos para os anos 70, verificam-se a inversão de algumas tendências, a configuração de novas questões demográficas, bem como a continuidade de processos de declínio do crescimento vegetativo, acentuando o envelhecimento da estrutura etária da população. Foi um momento, também, de cotejamento entre as projeções e estimativas realizadas ao longo da década passada e os resultados censitários. Em função das taxas de crescimento encontradas, podese confirmar a continuidade do declínio acentuado da fecundidade, que, mediante resultados de surveys, PNADs e outras informações disponíveis, já se sabia estar ocorrendo em todas as regiões do país, atingindo camadas urbanas e rurais e englobando também os setores mais pobres da população. Tem sido ressaltado, a propósito desse declínio, que a transição demográfica vem se processando em condições rudes e adversas para considerável parcela das mulheres envolvidas, pois, diante da ausência de políticas abrangentes de planejamento familiar, o declínio vem se processando com alta incidência de aborto provocado e esterilização. Além disso, o período 13 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 transcorrido desde o início desse declínio já permite assegurar não ter havido correlação entre diminuição do número de nascimentos e melhoria nas condições de vida das famílias, como apregoavam os defensores do controle da natalidade nos países não desenvolvidos até os anos 70. Ao contrário, reforçou-se a idéia de que a pobreza, a miséria, a crescente incidência de abandono familiar, enfim, as condições gerais de precariedade de amplos e crescentes segmentos da população brasileira teriam levado um contingente expressivo de mulheres ao controle da prole mais por premência do que por opção; teria sido fruto imediato das condições de vida e não de mudanças de valores e de conhecimento do processo reprodutivo. Além de sua importância para o fortalecimento de programas de saúde e outros programas sociais, a retomada dessa argumentação tem a ver também com a formulação de hipóteses para as projeções demográficas, à medida que se pode conjecturar a respeito da própria irreversibilidade do declínio da fecundidade. Nesse sentido, vale ressaltar a iniciativa, por parte de alguns especialistas, de tentar incorporar, nas projeções, a proporção de mulheres esterilizadas, portanto, definitivamente incapacitadas para a reprodução. Por outro lado, embora não se imagine um retorno aos altos níveis de fecundidade anteriores, não seria possível um ligeiro aumento em seus níveis se houvesse uma melhoria nas condições de vida das famílias? Apesar de a chamada “década perdida” ter provocado efeitos negativos notórios nas condições de vida da população, os diagnósticos apontavam a tendência geral à continuidade do declínio da mortalidade iniciado em décadas anteriores, com significativo aumento da esperança de vida. Essa tendência refletiu-se nitidamente no envelhecimento da estrutura etária da população em seu conjunto, embora as desigualdades regionais e sociais tenham também se refletido nos acentuados e, em alguns casos, crescentes diferenciais regionais e por grupos sociais. Recentes discussões a respeito do eventual aumento da mortalidade infantil em determinadas localidades, da permanência de níveis ainda elevados de seus indicadores em alguns setores sociais e em determinadas áreas, do aumento expressivo da mortalidade por causas violentas e de outras dimensões que cercam os condicionantes da mortalidade, como já foi mencionado, sugerem a necessidade de revisão contínua das hipóteses relativas a essa dimensão. Além disso, a questão da terceira idade, que passou a constituir tema de destaque na agenda governamental, requer monitoramento contínuo para se poder antecipar o nível de demanda social que esse contingente populacional irá representar, bem como, especificamente, para a reformulação do sistema providenciário. A dimensão migratória, no conjunto dos diagnósticos elaborados sobre a dinâmica demográfica recente, foi a que causou maior surpresa. Sem pretender aqui sistematizar o conjunto de mudanças, inversões de tendências e características dos movimentos migratórios que puderam ser captados com os resultados censitários iniciais, alguns aspectos merecem destaque em função do tipo de discussão em pauta. Através dos resultados sobre as populações residentes, no âmbito do município, constatam-se: tendência à desconcentração populacional no país; perda de força de atração das metrópoles – embora com permanência e reforço do crescimento maior das periferias das grandes cidades –; taxas de crescimento relativamente mais altas nos municípios do entorno dos pólos já existentes; crescimento de cidades médias e de pequenos aglomerados urbanos, entre outros aspectos. Esses indicadores, por sua vez, sugerem movimentos de retorno, maior incidência de migração intra-regional e dispersão dos fatores de atração dos deslocamentos populacionais. O caso da Região Metropolitana de São Paulo foi, como se sabe, o mais surpreendente e discutido, em função do enorme contraste com a década anterior. Num primeiro momento, o impacto causado pelo saldo migratório negativo suscitou, inclusive, a idéia de desmetropolização. A saída das pessoas da área mais concentrada e dinâmica do país seria a resultante da confluência de vários fatores, envolvendo não somente os tradicionais determinantes econômicos, mas também outros aspectos, como a busca de melhores condições ambientais e de maior segurança longe dos grandes aglomerados urbanos, à semelhança do que vem ocorrendo nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos. Para o conjunto do país, a desconcentração dos movimentos populacionais sugerida pelos dados iniciais foi interpretada, por alguns especialistas, como uma resposta, com defasagem temporal, à desconcentração das atividades econômicas no espaço. Essa desconcentração, ademais, seria benéfica, possivelmente por associarem-na, quem sabe um tanto mecanicamente, a possibilidades mais favoráveis de melhoria nas condições de vida. Esse panorama, vale ressaltar, foi montado na ausência de informações completas do Censo Demográfico e até o presente momento não foram divulgados os resultados da amostra, com dados sobre emprego, educação, movimentos migratórios, família e outros. Não se tem informação, portanto, sobre os fluxos migratórios, sobre o cronograma dos deslocamentos ao longo de onze anos transcorridos entre um censo e outro, não se sabe quem são esses migrantes, enfim, não há elementos para se responder à importante questão: estariam essas características realmente configurando um novo padrão de distribuição espacial da população brasileira ou tratar-se-ia apenas de efeitos de conjuntura? 14 PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS: VELHOS DESAFIOS, NOVAS NECESSIDADES presentes. Inseridos, muitas vezes, em situações de preconceito ou racismo, as dificuldades aparecem, bem como surgem os casos que requerem proteção das autoridades brasileiras. A emigração brasileira ainda não é incorporada ao cálculo das projeções oficiais, que continuam tratando o contingente populacional total como uma população fechada. Apesar das dificuldades de obtenção de dados fidedignos para sua inclusão nas projeções demográficas, o volume possivelmente crescente de brasileiros residentes no exterior e as implicações dessa nova modalidade de movimento populacional justificam um esforço no sentido de que futuras estimativas e projeções reflitam essa nova realidade da população brasileira. Entrar na rota dos intensos e diversificados fluxos internacionais significa, também, receber contingentes populacionais estrangeiros. Em estudo recente realizado sobre emigração e imigração internacionais, no Brasil, detectou-se, entre outros aspectos, a crescente entrada de coreanos e latino-americanos, principalmente bolivianos. Essa modalidade de fluxo imigratório, na verdade, constitui um caso bastante expressivo, pois insere-se no contexto atual da “sociedade global”. Concentrados, principalmente, na região central do município de São Paulo, esses imigrantes organizaram um sistema fechado de vida social, com hierarquias e definição interna de poder, em que se desenvolvem relações de trabalho organizadas com altos níveis de exploração do trabalho feminino e de menores com o objetivo de produzir mercadorias a níveis competitivos no contexto internacional. Em termos de projeções, desagregadas no âmbito do município, o caso dos coreanos-bolivianos se reveste de relevância específica; de difícil e perigosa mensuração, percebe-se já se tratar de contingente expressivo do ponto de vista numérico. A instalação desse grupo de imigrantes em São Paulo põe em questão a idéia de área expulsora de população que se formou a partir dos resultados censitários. Ao invés de inversão de tendências, ou de desmetropolização, não se trataria, na verdade, de um processo de substituição de população? É possível que a Região Metropolitana de São Paulo não volte a ter taxas de imigração tão elevadas como no passado, mas que se configure como uma área de intenso e contínuo movimento de entrada e saída de população. Efeitos possíveis sobre os processos de deslocamentos internacionais e internos no Brasil podem advir, ainda, do tratado de livre comércio entre países do Cone Sul, ou seja, o chamado Mercosul. Além do já antigo movimento de trabalhadores rurais sem terra e proprietários agrários rumo ao Paraguai, somado aos tênues movimen- Há indícios de que, no contexto atual, os deslocamentos populacionais estejam se processando com diversidade e intensidade maiores e imprevistas. Longe de configurarem novos padrões estruturados de deslocamentos de determinadas áreas de origem para certas áreas de destino, os deslocamentos sucessivos e contínuos podem significar a resposta possível às condições vigentes de inserção no mercado de trabalho. A imprensa tem assinalado e informações advindas de outras fontes indicam uma chegada considerável de migrantes à Região Metropolitana de São Paulo, a Campinas e outras cidades-pólo do interior do estado. Recentemente, foram divulgadas informações a respeito do rápido afluxo de imigrantes para a Região Metropolitana de Curitiba e da permanência da situação de Brasília como área receptora de novos contingentes, entre outros exemplos. Os efeitos perversos do avanço tecnológico e da reestruturação do mercado de trabalho, o expressivo aumento do setor informal, a terceirização das atividades e os crescentes níveis de desemprego e subemprego possivelmente estão gerando distintas estratégias de deslocamentos populacionais. Nestes casos, outros podem ser os fatores de atração, como, por exemplo, localidades com algum tipo de política social mais eficiente. Outro aspecto que merece destaque é a questão das migrações internacionais. Ao que tudo indica, o Brasil também entrou na rota dos intensos, crescentes e diversificados fluxos entre países. Estimativas realizadas pelo professor José Alberto Magno de Carvalho e por técnicos do IBGE, bem como levantamento recentemente realizado pelo Ministério de Relações Exteriores, convergem para um contingente de aproximadamente 1.400.000 brasileiros residindo fora do país. Esses deslocamentos, ademais, teriam ocorrido, predominantemente, a partir dos anos 80. Embora constituindo uma parcela pequena do total da população brasileira, os números são suficientes para indicar que se trata de uma nova questão demográfica. Em outras palavras, as estimativas indicam respostas coletivas, por parte de determinados grupos sociais, frente a condições consideradas mais vantajosas no exterior. Estudos recentes sobre alguns tipos de movimentos migratórios internacionais indicam a existência de redes de comunicação bem organizadas, modalidades de cooperação e solidariedade entre o emigrados, concentração dos mesmos em determinadas localidades e algumas especificidades na inserção em atividades econômicas, em geral de baixa qualificação, mas com salários bem mais elevados do que os correspondentes nacionais. A tentativa de “fazer um pé de meia” ou procedimentos mais regulares de remessas de dinheiro para o país de origem estão 15 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 tos fronteiriços com os demais países, o tratado comercial pode propiciar uma intensificação da mobilidade espacial. Diferenças de oportunidades de emprego e salário, maior possibilidade de circulação e troca de mercadorias e acesso mais fácil à documentação para transitar entre os países signatários são dimensões que podem favorecer deslocamentos temporários ou mais duradouros. Além disso, o tratado comercial implica também a alocação competitiva de indústrias em determinadas cidades, não só influenciando a formação de uma rede urbana internacional, como também favorecendo deslocamentos internos de população em função da atração exercida pelo novo dinamismo dessas localidades. Prenúncios dessa situação já estão esboçados, por exemplo, no caso das cidades de Campinas e Curitiba. O contexto atual, em resumo, suscita a emergência de novos processos sociais e efeitos conjunturais que, somados às determinações de caráter estrutural, colocam novos e sérios desafios à tentativa de se estabelecer cenários demográficos futuros. Isso, justamente quando o esforço projetivo torna-se cada vez mais importante, considerando-se a urgência da ação político-institucional do Estado frente às acirradas condições de pobreza e miséria, à questão do desemprego estrutural e conjuntural e às implicações adversas do contexto de internacionalização da economia. Um esforço sério para se retomar o desenvolvimento econômico, para se estabelecer prioridades legítimas e planejar ações compensatórias não pode prescindir de sistemas de informação desagregadas, contínuas e eficientes, capazes de detectar, a curto prazo, as transformações, diversificação e emergências de demandas sociais. de desagregação requerido, quanto maior for o tempo transcorrido desde o último levantamento censitário, que é a base fundamental de cálculo. Talvez a utilização mais comprometedora dessas projeções municipais seja a de constituir a base para a partilha de recursos federais provenientes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Esse Fundo, cuja partilha é proporcional ao tamanho da população, constitui a base de receitas para um elevado número de municípios, sendo sua importância decisiva, principalmente, para aqueles de pequeno porte. Num caso típico de interferência indevida de interesses políticos na produção de indicadores estatísticos, o Tribunal de Contas da União proibiu que, ao longo da década, os resultados das projeções apresentassem decréscimos populacionais, o que ocasionou uma superestimação, que foi se acumulando ao longo do período. O cotejamento com os resultados do Censo gerou uma forte, intensa e acirrada polêmica, amplamente noticiada pela imprensa, que partia, principalmente, de dirigentes municipais inconformados com a diminuição populacional de seus municípios. Esse caso constitui, na verdade, apenas um exemplo mais visível das vicissitudes que cercam o processo de produção e divulgação das projeções demográficas oficiais. A necessidade de se realizar estimativas anuais desagregadas por município, no entanto, é indiscutível, mormente quando se considera a tendência descentralizadora das políticas sociais, como saúde e educação, entre tantas outras demandas. Relevante para a pauta de discussão atual, portanto, não é a produção dessas estatísticas, mas sim o arranjo institucional que cerca essa produção, bem como a oportunidade de se modificar certos procedimentos técnicos, em face da necessidade de se detectar mudanças rápidas e de se captar efeitos conjunturais de curto prazo do entorno social sobre os componentes da dinâmica demográfica. A experiência da Fundação Seade, nesse sentido, é bastante importante, uma vez que a prática, já tradicional nessa instituição, de utilização das estatísticas vitais e indicadores sintomáticos, permitiu avanços interpretativos expressivos e análises prospectivas importantes, pela simples oportunidade de se poder trabalhar com saldos migratórios desagregados. A possibilidade ora apresentada de se trabalhar conjuntamente outros sistemas de informação, como a PED e a PCV, para balizamento das hipóteses de projeção, também constitui perspectiva estimulante na tarefa de interpretar e monitorar as relações entre os níveis demográficos e as condições de vida da população. O CONTEXTO INSTITUCIONAL DA PRODUÇÃO DE PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS A demanda por projeções demográficas inclui um amplo leque de instituições públicas e privadas, com distintos requisitos de temporalidade e desagregação espacial. Seria redundante listar, neste momento, o grande elenco de usuários com objetivos tão distintos, como, por exemplo, o planejamento do público-alvo numa campanha de vacinação, ou a configuração do perfil do eleitorado de uma determinada localidade. No entanto, os dispositivos constitucionais que cercam a produção oficial das projeções, em si, já constituem tema para debate e atualização. Em função desses dispositivos, como se sabe, o IBGE se compromete a realizar projeções anuais, para cada um dos municípios da Federação. Essas projeções tornam-se mais arriscadas, além das dificuldades inerentes ao nível 16 PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS: VELHOS DESAFIOS, NOVAS NECESSIDADES Levantamentos contínuos, rápidos e desagregados parecem constituir o caminho mais propício para se enfrentar os novos desafios e as novas necessidades da produção de dados. Experiência recente realizada no Instituto de Economia da Unicamp, com apoio da Fapesp, sobre trajetórias migratórias, emprego e condições de vida numa amostra domiciliar em São Paulo, também reforçou a convicção de que é viável, com recursos relativamente modestos, proceder-se a levantamentos periódicos e mais condizentes com as características atuais da dinâmica social. Parcerias institucionais entre órgãos produtores de informação, universidades, centros de pesquisa e outras instituições podem preencher lacunas, diminuir atrasos, rebaixar custos e aumentar compromissos conjuntos frente à tarefa em questão. Com cautela, mas também com firmeza, é necessário que se descentralize o processo de produção e difusão de informação. Além disso, a oportunidade do debate que ora se realiza permite evidenciar a necessidade da confluência de saberes oriundos de distintas disciplinas científicas. Afinal, construir hipóteses sobre os componentes da dinâmica demográfica significa aceitar o desafio de reconstruir o real em seu movimento, e isso só é possível com interdisciplinaridade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERQUÓ, E. “Uma queda (cirúrgica) na fecundidade”. Revista Imprensa (O Brasil dos Brasileiros – Encarte). São Paulo, ano VII, n. 76, jan. 1994. CARVALHO, J.A.M. de. “Um Brasil mais velho e mais estável. Revista Imprensa (O Brasil dos Brasileiros – Encarte). São Paulo, ano VII, n. 76, jan. 1994. MARTINE, G. “Os mitos demográficos e os Censos”. Revista Imprensa (O Brasil dos Brasileiros – Encarte). São Paulo, ano VII, n. 76, jan. 1994. __________ . Processos recentes de concentração e desconcentração urbana no Brasil: determinantes e implicações. Brasília, Instituto SPN, Documento de trabalho n. 11. PATARRA, N.L. “Mudanças na dinâmica demográfica”. In: MONTEIRO, C.A. (org.). Velhos e novos males da saúde no Brasil. São Paulo, Editora HucitecNupens/USP, l995. __________ . (coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. Campinas, FNUAP, 1995. 17 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 A HIPÓTESE DE CONVERGÊNCIA DOS NÍVEIS DE FECUNDIDADE NAS PROJEÇÕES POPULACIONAIS ANA AMÉLIA CAMARANO Coordenadora da Área de Estudos Populacionais do Ipea U m dos desafios enfrentados por aqueles que lidam com projeções de população diz respeito à previsão dos níveis de fecundidade. Para este caso, o instrumental teórico mais utilizado pelos demógrafos é a teoria da transição demográfica. Segundo o dicionário de demografia, a transição demográfica é definida como a descrição de longo prazo das tendências de fecundidade e mortalidade baseada na experiência dos países da Europa Ocidental, constituindo-se num modelo que tenta explicar estas tendências (Pressat, 1985:5253). Embora muito criticada, revisada e emendada, esta teoria continua sendo o elemento central da demografia. A versão clássica da teoria da transição demográfica assume que o desenvolvimento de uma sociedade urbanoindustrial traz melhoramentos no padrão de vida e difunde o valor de família pequena. Fica implícito, nesta teoria, que todas as sociedades que atingem esta fase de desenvolvimento convergirão para este padrão de família. Algumas reformulações desta teoria sugerem uma inversão na relação: a queda da fecundidade pode levar a uma melhoria nas condições de vida. Neste caso, as condições necessárias ao alcance da redução da fecundidade foram transferidas de melhoria de condições de vida para políticas governamentais de planejamento familiar. Isto, aliado ao rápido declínio da fecundidade observado no Terceiro Mundo, tem levantado a questão da emergência, nestes países, de um mesmo padrão de formação de família observado naqueles desenvolvidos, o que sugere a convergência das taxas de fecundidade. Apesar de a teoria não explicitar a que taxa a fecundidade convergirá, a taxa líquida de reposição tem sido largamente identificada como tal.1 É fato amplamente conhecido que a fecundidade das mulheres brasileiras está decrescendo de forma rápida, em todas as regiões do país e grupos sociais, mas ainda existem grandes diferenças regionais e por grupos sociais nas taxas de fecundidade. Análises realizadas em trabalhos anteriores, que utilizaram a padronização, indicam um papel importante exercido pelos diferenciais regionais de educação, renda e grau de urbanização nos diferenciais de fecundidade. Entretanto, as características regionais específicas exercem uma forte influência nas taxas de fecundidade total, através de preferências reprodutivas e estratégias utilizadas para o alcance destas preferências (Camarano, 1996). O objetivo deste artigo é especular sobre a possibilidade de convergência nas taxas de fecundidade de três áreas brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo e Nordeste. A hipótese examinada é a de que, embora a fecundidade esteja declinando nestas três áreas, não há elementos para assumir homogeneidade ou estabilização nas taxas de fecundidade num futuro próximo. Para tanto, o artigo divide-se em cinco partes, além desta introdução. A primeira discute os fundamentos teóricos do terceiro elemento da teoria da transição demográfica, ou seja, o seu poder preditivo. Na segunda parte, são apresentadas as tendências de longo prazo da fecundidade nas três áreas mencionadas. A terceira parte discute as preferências quanto ao tamanho de família e a quarta as atitudes usadas em relação ao processo reprodutivo. Por atitudes estão sendo considerados o uso (ou não uso) de métodos anticoncepcionais, a idade da mãe ao ter o primeiro e o último filho, bem como a idade da mulher no período em que se submeteu à esterilização. Na quinta parte, analisam-se os diferenciais regionais tanto das taxas de fecundidade quanto do processo de formação de família, visando inferir sobre a possibilidade de convergência das taxas de fecundidade. 18 A HIPÓTESE DE CONVERGÊNCIA DOS NÍVEIS DE FECUNDIDADE NAS... FUNDAMENTOS TEÓRICOS dados mostram que nem mesmo as taxas de fecundidade por coortes são estáveis. Na maioria dos países europeus e em alguns não europeus, como Japão, Hong Kong, Coréia do Sul e Cingapura, o nível de fecundidade já atingiu valores abaixo dos de reposição. Cleland mostrou que a fecundidade tem declinado na maioria dos países em desenvolvimento. Embora os países da região Saárica da África tenham sido mais resistentes à mudança, entre os 11 países onde existem dados levantados pelas Pesquisas de Saúde Materno-Infantil até 1986, só a Uganda não havia apresentado sinais de mudança nos níveis de fecundidade (DHS, 1995:12). A fecundidade já atingiu níveis bem baixos na América Latina, no sul e no leste da Ásia. No final dos anos 80 e início da década de 90, as taxas de fecundidade total atingiram valores baixos na Tailândia (2,2) e no Sri Lanka (2,7). Não foram observados sinais de arrefecimento desta queda, nem mesmo na China, onde a fecundidade ficou estável na maior parte da década de 80. O que se verificou naquele país foi uma aceleração da queda da fecundidade, em resposta ao endurecimento da política de controle da natalidade (Freedman e Blanc, 1991:16). A redução da fecundidade está ocorrendo até em áreas de baixo nível de desenvolvimento socioeconômico, como é o caso de Bangladesh. Os países de origem muçulmana também têm sido atingidos por esta transformação: na Turquia, por exemplo, em 1993, observou-se uma taxa de fecundidade total de 2,7 filhos por mulher. Entretanto, a continuação da fecundidade nos países do Terceiro Mundo não implica, necessariamente, que taxas de reposição serão inevitáveis. A taxa de fecundidade da Argentina tem se mostrado estável em torno de 2,6 filhos por mulher nos últimos 30 anos (Cleland, 1994:230). Freedman e Blanc mostraram que o movimento dos países do Terceiro Mundo em direção a taxas de reposição perdeu intensidade em algumas regiões do mundo, tais como o sul da África, Caribe e América Central, durante 1980-85 (Freedman e Blanc, 1991:8-9). A evidência empírica não parece suficiente para comprovar a hipótese de estabilização e homogeneização das taxas de fecundidade num nível predeterminado e universal, como por exemplo as taxas de reposição. Já foi suficientemente demonstrado que não houve estabilidade nas taxas de fecundidade no passado e nem foi o caso de que, a partir do momento em que a fecundidade começou a cair, este declínio seria irreversível (Watkins, 1986 e Camarano, 1996). A Pesquisa Mundial de Fecundidade para um grupo de países do Terceiro Mundo indicou que, no período 1965-70, o intervalo de variação das taxas de fecundidade total entre as grandes regiões continentais não era muito grande, sendo que as taxas variavam de uma média de 5,0 filhos, na região no Cari- Uma das mais importantes utilizações da teoria da transição demográfica tem sido o seu poder preditivo, o que tem fundamentado, teoricamente, a maioria das projeções populacionais. Em 1944, Kirk já acreditava que a teoria da transição demográfica tornar-se-ia universal. Para ele, a tendência da fecundidade seria a alteração de uma situação de estabilidade a níveis altos para outra de estabilidade a níveis baixos. “Estes são os elementos mais previsíveis num mundo imprevisível”. Kirk afirmava que os diferentes países do mundo alocam-se num único continuum de desenvolvimento econômico e demográfico (Kirk, 1944:28-29). Entretanto, não há menção, nem nos escritos de Kirk nem em outros da teoria da transição, quanto ao timing e/ou quanto aos padrões específicos em que estas tendências da fecundidade seriam atingidas. É muito claro que o futuro significa redução sustentada da fecundidade e estabilidade de taxas, mas a que nível e quando estas taxas irão se estabilizar não são estabelecidos por esta abordagem teórica. A idéia de estabilidade implicitamente conduz à idéia de níveis homogêneos de fecundidade, de desaparecimento de diferenciais de fecundidade e de um fim para o processo de transição demográfica. A evidência empírica mostra que a transição de altos para baixos níveis de fecundidade está em curso em quase todo o mundo, mas que, entretanto, é conflitante com a idéia de fim da transição e mesmo de estabilização das taxas de fecundidade. Por exemplo, a fecundidade marital declinou, na França, de 1780 até a metade do século XIX, quando aumentou até 1880, tornando, então, a declinar, conjuntamente com a maioria dos países da Europa Ocidental. Outras evidências empíricas desfavoráveis à idéia de estabilização foram o acréscimo da fecundidade observado durante o Governo nazista na Alemanha e o baby boom verificado nos anos 50 e início da década de 60 nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e outros países da Europa Ocidental. Esforços para aumentar a fecundidade têm sido recentemente promovidos na França, Suécia e Cingapura. A taxa de fecundidade sueca, entre 1984 e 1990, aumentou de 1,6 para 2,0 filhos por mulher (Pauli, 1992:978). Para o período mais recente, taxas de fecundidade para coortes de mulheres nascidas entre 1930 e 1960, estimadas por Sardon para 14 países da Europa Ocidental, indicam um contínuo declínio da fecundidade, com exceção da Suécia. A redução foi regionalmente diferenciada: as taxas variavam de 2,6 filhos por mulher na França a 2,0 em Luxemburgo, para coortes de mulheres nascidas em 1930; e de 2,1 na Suécia a 1,6 na Itália, para coortes de mulheres nascidas em 1960 (Sardon, 1994:7). Estes 19 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 GRÁFICO 1 be, para 6,9, nas regiões leste e oeste da África. Resultados da Pesquisa de Saúde Materno-Infantil, para 198085, apontam para uma expressiva redução na fecundidade e um alargamento no intervalo de variação entre as taxas: de 2,3, na Ásia ocidental, para 6,9, na África oriental. A queda mais acentuada foi verificada na Ásia ocidental, onde a taxa de fecundidade total caiu de 5,4 filhos por mulher para 2,6 (Freedman e Blanc, 1991:6). A fecundidade tem continuado a cair, mas esta queda não foi uniforme entre os vários países cobertos por esta pesquisa. Valores elevados para a taxa de fecundidade ainda foram encontrados, em 1992, no Níger (7,2), na Zâmbia (6,5) e na Tanzânia (6,3), resultando uma ampliação dos diferenciais de fecundidade entre os vários países. É claro que está em curso um movimento em direção a um tamanho pequeno de família tanto em nível agregado quanto individual, mas a homogeneização das taxas de fecundidade não parece provável. Também não existe evidência empírica suficiente para sustentar a hipótese de homogeneização no número desejado de filhos. Por exemplo, Blake (1970) colheu informações sobre o número ideal de filhos entre mulheres americanas brancas, por meio de 13 surveys levados a cabo entre 1936 e 1961. Em todos os surveys, a grande maioria das respostas estava concentrada em torno de dois a quatro filhos. O valor modal flutuou em todos os surveys, sem indicar uma redução na proporção de mulheres que desejavam quatro filhos. A preferência por nenhum filho não foi estatisticamente significante.2 Dados colhidos pela Pesquisa Mundial de Fecundidade, durante a segunda metade dos anos 70, e pela Pesquisa de Saúde Materno-Infantil, para a segunda metade dos anos 80 e início da década de 90, indicam um largo intervalo de variação na fecundidade desejada qualquer que seja a medida utilizada. No final dos anos 70, por exemplo, o tamanho desejado de família variou de 8,3, no Senegal, a 3,7, na Tailândia (Westoff, 1991:4). Quinze anos mais tarde, a taxa de fecundidade desejada variou de 7,4, no Níger, a 1,8, na Tailândia e na Turquia (DHS, 1995:12). Estes dados mostram que, embora a tendência apresentada seja a de preferência por famílias menores, não há indícios de homogeneização nem mesmo na fecundidade desejada. Taxas de Fecundidade Total dos Coortes de Mulheres Nascidas Entre 1890 e 1970 Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste Rio de Janeiro 100,0 São Paulo Nordeste Em % 7,00 6,00 5,00 4,00 3,00 2,00 1890-95 1900-05 1910-15 1920-25 1930-35 1940-45 1950-55 1960-65 Ano de Nascimento Fonte: Fundação IBGE. Censos Demográficos. Nordeste. Acredita-se que estas três áreas representam a realidade brasileira em termos de diversificação socioeconômica, além de serem responsáveis por 69,5% da população brasileira e 60,5% do Produto Interno Bruto. Isto pode levar a que as conclusões sejam representativas para o Brasil como um todo. O Gráfico 1 mostra as tendências de longo prazo da fecundidade, nestas três áreas, apresentando as taxas de fecundidade dos coortes sintéticos de mulheres nascidas entre 1890 e 1970. Para este cálculo, utilizou-se a técnica de Brass dos coortes sintéticos (1985:69-70). Desde o começo do período analisado, os diferenciais regionais de fecundidade já eram expressivos. As mulheres cariocas tinham, em média, 2,5 filhos a mais que as paulistas e/ou as nordestinas. A fecundidade declinou no Rio em cinco coortes sucessivos de nascimento e em seis sucessivos coortes em São Paulo, sendo que o declínio foi mais rápido neste último estado. Os níveis de fecundidade entre estes coortes ficaram aproximadamente constantes no Nordeste. Através do Gráfico 1, verifica-se que a fecundidade, no Rio de Janeiro e em São Paulo, após um período de declínio, registrou aumento, voltando posteriormente a declinar. Este acréscimo parece ter sido uma espécie de baby boom como ocorreu em muitos países europeus e da América do Norte. Isto contradiz um dos pressupostos básicos da teoria da transição demográfica, o qual estabelece que uma vez iniciado o processo de queda da fecundidade, este é irreversível. No Rio de Janeiro e no Nordeste, o aumento da fecundidade começou com o coorte das mulheres nascidas entre 1920 e 1925. Em São Paulo, isto se deu, aproximadamente, dez anos mais tarde, ou seja, com o coorte das mulheres nascidas em 1930 TENDÊNCIAS DA FECUNDIDADE NO BRASIL Procurar-se-á, a partir daqui, analisar as tendências de fecundidade em três áreas brasileiras ao longo do século XX, buscando extrair alguma inferência sobre as tendências futuras da fecundidade e a possibilidade de convergência destas taxas. As três áreas escolhidas são os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo e a região 20 A HIPÓTESE DE CONVERGÊNCIA DOS NÍVEIS DE FECUNDIDADE NAS... e 1935. O declínio da fecundidade reiniciou em todas as áreas entre os coortes das mulheres nascidas entre 1940 e 1945, sendo mais intenso que o anterior e atingindo também de forma marcante o Nordeste, onde as taxas de fecundidade ainda estavam bastante elevadas. O decréscimo total observado durante o período foi de 4,7 para 2,0 filhos no Rio de Janeiro; de 6,4 para 2,2 filhos em São Paulo; e de 6,5 para 3,6 filhos no Nordeste. GRÁFICO 3 Porcentagem das Mulheres que Desejam Outro Filho, por Parturição Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste – 1986 Rio de Janeiro PREFERÊNCIAS EM RELAÇÃO AO TAMANHO DE FAMÍLIA Nesta parte, investiga-se a existência de uma preferência consciente por um determinado tamanho de família nas três áreas em estudo: Rio de Janeiro, São Paulo e Nordeste. Duas medidas diretas de preferência são apresentadas aqui: o tamanho médio de família e o desejo de mais um filho. Ambas são informações levantadas pela Pesquisa de Saúde Materno-Infantil, empreendida pela Bemfam, em 1986. O Gráfico 2 apresenta as porcentagens de mulheres casadas que declararam a preferência por um certo número de filhos. Mulheres estéreis foram excluídas da análise. Poucas mulheres declararam não ter preferência. É importante salientar que esta informação apresenta problemas de racionalização a posteriori, ou seja, as mulheres tendem a declarar, como desejado, o número de filhos já tidos. A preferência por famílias com dois filhos é bem clara em todas as três áreas, embora as porcentagens de mulheres que expressaram o desejo de dois filhos variou de 46,5%, no Rio de Janeiro, a 36,5%, no Nordeste. Em São Paulo, um número expressivo de mulheres (28,8%) indicou preferência por três filhos. Por 0 São Paulo Nordeste 4 5 ,0 4 0 ,0 3 5 ,0 3 0 ,0 2 5 ,0 2 0 ,0 1 5 ,0 1 0 ,0 5 ,0 0 ,0 1 2 3 2 3 4 5 outro lado, mais mulheres no Nordeste do que nas outras duas áreas desejavam quatro filhos (28%). Já o Rio de Janeiro foi a área que apresentou a maior proporção de mulheres que desejavam ter apenas um filho (9,2%). O tamanho ideal de família variou de 2,4 filhos, no Rio de Janeiro, a 2,8 em São Paulo e no Nordeste. Uma outra medida de preferência é analisada no Gráfico 3: a proporção de mulheres casadas, classificadas pelo número de filhos vivos, que desejam ter um outro filho. Mulheres grávidas e estéreis foram excluídas da análise. Esta não é uma medida de preferência pura, pois indica um ajustamento de preferências à fecundidade observada. Entretanto, esta é considerada a menos viesada das medidas de preferência, por não ser afetada por racionalização a posteriori. As informações apresentadas referem-se às mulheres que declararam desejar um outro filho em qualquer época, ou não estão seguras quanto a ter ou não filhos. Uma proporção significativa de mulheres nordestinas sem filhos (24%) declarou não querer ter filhos. Por outro lado, entre aquelas que já eram mães, um número maior de mulheres desejavam continuar tendo filhos, quando comparado às outras duas áreas, especialmente ao Rio de Janeiro: cerca de 67,5% das mulheres no Nordeste e em São Paulo, que tinham um filho vivo, declararam querer ter mais outro filho, enquanto entre as cariocas esta porcentagem foi de 51%. Em todas as áreas, observou-se um efeito grande do número de filhos já tidos sobre o desejo de continuar a vida reprodutiva, principalmente entre as mulheres com dois filhos, ou seja, quanto maior o número de filhos já tidos menor é a proporção de mulheres que querem continuar a vida Em % 0 1 Fonte: Bemfam. GRÁFICO 2 Rio de Janeiro Nordeste Parturição Tamanho Ideal de Família Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste – 1986 100,0 5 0 ,0 São Paulo Em % 100,0 90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 -10,0 4+ No de Filhos Desejados Fonte: Bemfam. 21 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 reprodutiva. Apesar deste efeito ter sido verificado em todas as áreas, ele foi mais significativo no Rio de Janeiro. As diferenças regionais quanto ao desejo de continuar a vida reprodutiva são mais significativas entre as mulheres com dois filhos. Isto sugere um novo padrão de formação de família, baseado em dois filhos, que estava mais solidificado no Rio de Janeiro. Sugerem também que o fato de ter dois filhos funciona como um divisor de águas entre o novo e o antigo padrão de formação de famílias, uma vez que não são muito expressivas as diferenças nas proporções de mulheres com mais de dois filhos que desejam continuar o processo reprodutivo. TABELA 1 Idade Média da Mulher ao Ter o Primeiro Filho Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste – 1940-1993 Em anos Períodos 1940 1950 1960 1970 1980 1993 Rio de Janeiro 23,4 23,2 22,4 24,0 23,7 24,1 São Paulo 23,2 23,2 22,5 23,8 23,5 23,8 Região Nordeste 22,7 22,6 22,4 23,3 22,3 22,6 Fonte: Fundação IBGE. Censo Demográfico. Rio de Janeiro, 1940 a 1980 e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. Rio de Janeiro, 1993. ATITUDES QUANTO AO PROCESSO REPRODUTIVO Contracepção Vários trabalhos já demonstraram que o principal determinante próximo dos níveis de fecundidade e dos seus diferenciais regionais é a taxa de prevalência ou de uso de métodos anticoncepcionais. Por exemplo, em 1986, o uso de métodos reduziu 68,7% da fecundidade marital potencial paulista, 65,7% da carioca e 50,6% da nordestina (Camarano, 1996:172). Entre as mulheres casadas, 71,4% usavam anticoncepcionais em São Paulo, 69,2% no Rio e 47,0% no Nordeste, em 1986. Diferenças nestas proporções explicam 73% da diferença entre as taxas de fecundidade do Rio e do Nordeste e 80% daquelas entre o Nordeste e São Paulo. Contraceptivos têm sido usados tanto para espaçar quanto para encerrar a vida reprodutiva, como é o caso da esterilização. A grande maioria das mulheres que declararam o desejo de parar de ter filhos em São Paulo e no Rio de Janeiro estava usando métodos anticoncepcionais. No Nordeste, 40,9% das mulheres que queriam interromper a vida reprodutiva não estavam usando métodos, sendo que 42,3% destas declararam não ter nem intenção de usálos. No Rio, as porcentagens comparáveis foram de, respectivamente, 20,2% e 48,3%. Em São Paulo, embora aproximadamente 14% das mulheres que expressaram vontade de interromper a vida reprodutiva não usavam métodos, todas estas declararam intenção de usar. Esterilização foi o método preferido pelas mulheres que desejavam parar de ter filhos (50,2% em São Paulo, 48,9% no Rio e 36,5% no Nordeste). A pílula anticoncepcional foi escolhida pela maioria das mulheres que desejavam espaçar os nascimentos (38,0% das paulistas, 36,6% das cariocas e 25,2% das nordestinas). Os outros métodos tiveram uma maior aceitação por parte das mulheres paulistas, principalmente entre as que queriam continuar tendo filhos (20,4% delas). As taxas de fecundidade são resultados de atitudes tomadas pelas mulheres nas várias fases do processo reprodutivo: o início, o espaçamento e o encerramento. Como será visto a seguir, as diferenças regionais são grandes nas várias fases deste processo, o que explica os diferenciais regionais nas taxas de fecundidade. Diferenças no Início da Vida Reprodutiva O impacto da idade ao começar a vida reprodutiva nas taxas de fecundidade e a variável que deve ser usada para medir o início da vida reprodutiva já foram bastante discutidos na literatura. Considerou-se aqui a idade da mãe ao ter o primeiro filho, utilizando o procedimento proposto por Hajnal para o cálculo da idade média à primeira união (Hajnal, 1953), que indica o timing do primeiro filho para diferentes coortes de mulheres num período de aproximadamente 35 anos. A Tabela 1 mostra idades médias das mulheres ao ter o primeiro filho, calculadas com base nos Censos de 1940 a 1980 e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1993. No Rio de Janeiro, as mulheres começam a vida reprodutiva mais tarde do que aquelas residentes nas duas outras áreas, sendo que as nordestinas são as que começam mais cedo. Embora este indicador tenha flutuado ao longo do tempo, está claro que as mulheres do Rio e de São Paulo adiaram o primeiro filho, enquanto as nordestinas mantiverem este timing aproximadamente constante. Os diferenciais entre o Rio e São Paulo não são significativos, enquanto aqueles entre o Nordeste e estas duas áreas ampliaram-se ao longo do período. As diferenças regionais neste indicador sugerem que uma parte dos diferenciais nas taxas de fecundidade pode ser explicada pelo início da vida reprodutiva. 22 A HIPÓTESE DE CONVERGÊNCIA DOS NÍVEIS DE FECUNDIDADE NAS... A aparente inconsistência entre o desejo de terminar a vida reprodutiva e a não-utilização de métodos parece estar associada a elevados níveis de fecundidade indesejada. Estimativas apontam níveis mais altos no Nordeste (52,8%) do que em São Paulo (32,6%). No Rio, esta porcentagem foi estimada em 34,9%.3 Estes altos níveis levarão necessariamente a uma continuação da queda da fecundidade em todas as três áreas, independentemente de mudanças nas preferências reprodutivas. TABELA 2 Idade Média da Mulher ao Ter o Último Filho e ao Submeter à Esterilização Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste – 1986 Em anos Encerramento da Vida Reprodutiva O Encerramento da Vida Reprodutiva A análise do padrão de encerramento da vida reprodutiva requer a identificação de mulheres que não terão mais filhos. Na prática, isto significa analisar mulheres mais velhas, cuja vida reprodutiva começou 30 anos atrás e estava afetada por circunstâncias diferentes daquelas que influenciam o comportamento reprodutivo das mulheres mais jovens. Além disto, a única informação disponível para estudar este fenômeno nas três áreas é oriunda da Pesquisa de Saúde Materno-Infantil de 1986, cujo universo é restrito às mulheres em idade reprodutiva (15 a 44 anos). Neste caso, se o último coorte de idade é considerado, não há nenhuma garantia de que todas estas mulheres interromperam a vida reprodutiva. A única variável que definitivamente mede o final da vida reprodutiva é a esterilização, que é o método anticoncepcional mais usado nas três áreas. Não há nenhuma garantia de que variáveis como divórcio e viuvez indiquem o encerramento da vida reprodutiva, sendo que o mesmo se aplica para a menopausa ou o encerramento da vida sexual. Isto depende basicamente da percepção da mulher se estes fenômenos atingiram (ou não) o ponto de não retorno. Não há, portanto, nenhuma distinção clara entre espaçamento e encerramento da vida reprodutiva. Entretanto, uma tentativa é feita aqui no sentido de construir algumas estimativas de encerramento da vida reprodutiva, baseadas na idade da mulher ao ter o último filho e ao se submeter à esterilização. Na Pesquisa de Saúde Materno-Infantil, foi perguntada a todas as mulheres a idade ao ter o último filho. Para muitas delas que tinham mais de 40 anos no momento da pesquisa, este será de fato o seu último filho. As idades medianas ao ter o último filho nascido vivo e ao se submeter à esterilização estão apresentadas na Tabela 2. Como esperado, é no Nordeste que se verifica a mais alta idade mediana ao ter o último filho, 5,2 anos mais tarde do que no Rio de Janeiro, onde se verificou a mais baixa idade. A adoção da esterilização como método de interromper a vida reprodutiva registra uma redução dramática nas diferenças regionais quanto ao timing de encerramento da vida reprodutiva. Na verdade, isto implica a eliminação Rio de Janeiro São Paulo Região Nordeste Através de Último Filho Através de Esterilização 31,3 30,2 33,3 30,1 36,5 30,5 Idade ao Ter o Primeiro Filho das que Encerraram a Vida Reprodutiva Através de: Último Filho Esterilização 23,3 22,2 22,1 21,7 22,1 20,7 Intervalo Reprodutivo das que Encerraram a Vida Reprodutiva Através de: Último Filho Esterilização 8,0 8,0 11,2 8,4 14,4 9,8 Fonte: Camarano (1996:287). destas diferenças, o que poderia contribuir para uma redução dos diferenciais regionais de fecundidade. No entanto, já foi observado que as mulheres que terminam a vida reprodutiva por meio da esterilização têm uma fecundidade bem mais alta do que as que a encerram por menopausa (Camarano, 1996:149). Na Tabela 2 são apresentadas também as idades medianas ao ter o primeiro filho das mulheres que encerraram a vida reprodutiva, segundo a categoria último filho (mulheres que tinham 40 a 44 anos no momento da pesquisa) ou esterilização. Além disso, a tabela mostra a amplitude do intervalo reprodutivo. Quando o encerramento da vida reprodutiva é dado pela idade da mãe ao ter o último filho, observa-se um maior tempo de exposição ao risco de ter filho por parte das mulheres nordestinas. Este período foi de 8,0 anos no Rio de Janeiro, 11,2 em São Paulo e 14,4 no Nordeste. Isto pode explicar parte das diferenças regionais. No caso do final da vida reprodutiva ser medida pela esterilização, as mulheres de todas as três áreas experimentam uma redução importante no intervalo reprodutivo. O impacto é mais significativo no Nordeste. A comparação da idade média ao ter o primeiro filho, para os dois grupos de mulheres que encerraram a vida reprodutiva, mostra que as mulheres esterilizadas começaram mais cedo do que as outras. Esta diferença foi mais acentuada no Nordeste (1,4 anos) e menor em São Paulo (l ano). Isto sugere que a esterilização foi usada para controlar a fecundidade, mas sem outras mudanças significativas no processo reprodutivo, como o início, por exemplo. 23 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 SÍNTESE DOS DIFERENCIAIS REGIONAIS: PODE-SE FALAR EM CONVERGÊNCIA DAS TAXAS DE FECUNDIDADE? TABELA 3 Indicadores do Processo de Formação de Família Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste – 1986-1991 As tendências mais recentes da fecundidade apontam para uma aceleração da queda da fecundidade nas três áreas em estudo, especialmente no Nordeste. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, as taxas de fecundidade já atingiram níveis próximos ou abaixo daqueles de reposição. A questão aqui levantada é em que medida este declínio indica convergência nas taxas de fecundidade. O Gráfico 4 apresenta os coeficientes de variação das taxas de fecundidade dos coortes analisados no item Tendências da Fecundidade no Brasil. Foram consideradas, como base, as taxas de fecundidade do Rio de Janeiro, pois, se as taxas de fecundidade iriam convergir, estas deveriam alcançar os níveis do Rio de Janeiro, que são mais baixos. A tendência de longo prazo destes diferenciais parece ser de redução relativa, mas esta queda tem sido oscilante. Pode-se observar que os diferenciais regionais de fecundidade aumentaram quando a fecundidade declinou e diminuíram quando a fecundidade aumentou. A queda mais acelerada da fecundidade nordestina relativamente às outras provocou uma redução neste indicador no período mais recente, porém, o seu valor ainda era relativamente alto (74%). A sua oscilação faz com que seja difícil pensar em convergência nos níveis de fecundidade. Uma outra maneira de se analisar a possibilidade de convergência nas taxas de fecundidade é através das diferenças (ou semelhanças) no processo de formação de família nas três áreas. A referência continua a ser o Rio de Janeiro, no ano de 1986. A comparação feita é com Nordeste e São Paulo em 1991. A questão é saber se os Indicadores Taxa de Fecundidade Total Idade ao Ter o Primeiro Filho Idade ao se Submeter à Esterilização Prevalência (%) Espaçadoras (%) (1) Planejadoras (%) (2) Controladoras (%) (3) Mulheres que Querem Três ou Mais Filhos (%) Taxa de Fecundidade Marital Desejada Fecundidade Indesejada (%) Em % 120 110 100 90 80 70 60 50 40 1910-15 1920-25 1930-35 1940-45 1950-55 1960-65 2,2 22,9 2,3 - 3,7 21,0 30,2 69,2 51,8 55,9 79,8 77,0 - 28,4 60,7 42,2 22,7 88,6 13,1 - 26,9 2,3 25,7 - 2,7 36,8 diferenciais regionais de fecundidade seriam reduzidos caso não houvesse mudanças nos níveis de fecundidade e no padrão de formação da família carioca entre 1986 e 1991. A Tabela 3 apresenta um resumo dos principais indicadores do processo de formação de família, muitos já analisados anteriormente. Pode-se observar que os diferenciais nas taxas de fecundidade total ainda são bastante elevados; a taxa de fecundidade nordestina em 1991 era 1,5 filho mais alta do que a observada no Rio em 1986. Diferença semelhante é encontrada quando as taxas do Nordeste e de São Paulo, para o mesmo período, são comparadas. Diferenças bem marcadas são encontradas também no processo de formação de família. Como se viu anteriormente, estas são muito expressivas no começo da vida reprodutiva e entre as mulheres que encerram a vida reprodutiva por idade (ou último filho). A esterilização encurta o período reprodutivo e reduz as diferenças regionais no encerramento da vida reprodutiva. As mulheres nordestinas, em 1991, foram esterilizadas mais jovens do que as cariocas em 1986. Embora a taxa de prevalência tenha aumentado expressivamente no Nordeste, em 1991 esta ainda era bem menor do que a observada no Rio em 1986. Além disto, as diferenças nas estratégias reprodutivas são bem expressivas. Por exemplo, o crescimento da taxa de prevalência nordestina foi resultado do aumento de uso de métodos entre as mulheres que querem “controlar“ o processo reprodutivo, ou seja, entre aquelas que começaram a usá-los depois de terem GRÁFICO 4 1900-05 Região Nordeste 1991 Fonte: Camarano (1996:342). (1) Mulheres que estavam usando métodos, mas querem continuar tendo filhos. (2) Mulheres que começaram a usar métodos antes do primeiro filho. (3) Mulheres que começaram a usar métodos depois do segundo filho. Coeficiente de Variação da Taxa de Fecundidade Total dos Coortes de Mulheres Nascidas entre 1890 e 1975 1890-95 São Paulo 1991 Rio de Janeiro 1986 1970-75 Fonte: Fundação IBGE. Censos Demográficos. 24 A HIPÓTESE DE CONVERGÊNCIA DOS NÍVEIS DE FECUNDIDADE NAS... tido dois filhos ou mais. Esta proporção, em 1991, foi mais elevada do que a das mulheres cariocas em 1986. Por outro lado, a proporção de mulheres que usavam métodos para “planejar” a prole, ou seja, aquelas que começaram a usálos antes do primeiro filho, era muito mais alta no Rio, em 1986, do que Nordeste, em 1991. Já foi também mostrado que as mulheres que começam a usar métodos antes do primeiro filho atingem níveis de fecundidade observados e indesejados bem mais baixos do que as demais (Camarano, 1996:135 e 316). Outra diferença importante é encontrada na preferência por um determinado tamanho de família. Embora as diferenças nas taxas de fecundidade desejada não sejam muito grandes (0,4 filhos), a proporção de mulheres que desejavam ter o terceiro filho variou de 13,1%, no Rio, para 26,9%, no Nordeste. Portanto, pode-se considerar que a tendência para o médio prazo é de aumento no número de famílias com dois filhos, mas não de forma homogênea. Há alguma evidência de que as taxas de prevalência aumentaram substancialmente em São Paulo no último qüinqüênio da década de 80 (Tabela 3). No entanto, apesar de a taxa de prevalência paulista ser mais alta do que a carioca, suas taxas de fecundidade, mesmo em 1991, ainda eram maiores do que as do Rio. Isto sugere que, embora taxas de prevalência sejam um importante determinante da fecundidade, anticoncepção, por si só, não é suficiente para explicar as suas variações. A fecundidade de uma mulher é o resultado de uma série de eventos multirrelacionados e experiências. Concluindo, acredita-se que a fecundidade continuará a cair nestas três áreas num futuro próximo. A existência de uma proporção ainda elevada de fecundidade indesejada sugere isto, principalmente no Nordeste. A fecundidade já atingiu níveis próximos ao de reposição no Rio e em São Paulo, mas não há indicações de convergência e/ou de estabilização nas taxas de fecundidade. Não é improvável que elas aumentem no mais longo prazo no Rio ou em São Paulo. A fecundidade final é também resultado de um número de eventos não esperados, como falha de anticoncepcionais, esterilidade, perda fetal, longo tempo de espera para concepção, uma combinação indesejada de filhos por sexo, divórcio, viuvez ou morte de um dos filhos. O impacto nos níveis de fecundidade de novos fatores como a Aids e re-casamen- tos também deve ser levado em conta. Portanto, é difícil pensar num declínio irreversível, estabilização e homogeneização de taxas de fecundidade em algum ponto no tempo. É difícil pensar num fim da transição da fecundidade brasileira, até porque transição significa movimento para qualquer direção e não necessariamente redução da fecundidade. NOTAS Parte deste trabalho está baseado nos capítulos 1, 7 e 8 de Camarano (1996). A autora agradece a colaboração de Marcelo Medeiros na elaboração dos gráficos e discussão do texto. 1. Veja, por exemplo, as projeções do Banco Mundial, das Nações Unidas, do próprio IBGE, etc. 2. Exemplo extraído de Souza (1990:41). 3. Estas porcentagens referem-se à razão entre a taxa de fecundidade desejada e a total. A taxa de fecundidade total foi calculada com base no método de Bongaarts que usa informações sobre o desejo de continuar tendo mais filhos. Veja Camarano (1996). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASS, W. “P/F synthesis and parity progression ratios”. Advances in methods for estimating fertility and mortality from limited and defective data. Londres, Centre for Population Studies, London School of Hygiene & Tropical Medicine, 1985, p.69-74. CAMARANO, A.A. Fertility transition in the twentieth century. A comparative study of three areas. Tese de Doutorado. Londres, Universidade de Londres, jan. 1996. CLELAND, J. “Different pathways to demographic transition”. In: GRAHAMSMITH (ed.). Population-the complex reality (A report of the Population Summit of the world's scientific academies). The Royal Society, 1994, p.22947. DHS. Newsletter, v.7, n.2, 1995. 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Demographic and Health Surveys Comparative Studies, n.3, 1991. 25 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 FECUNDIDADE tendências e modelo de projeção PAULO CAMPANÁRIO Demógrafo, Analista da Fundação Seade RUTE GODINHO Demógrafa, Analista da Fundação Seade A dinâmica da população, ou seja, sua variação de tamanho, seu ritmo de crescimento e sua distribuição por sexo e idades, depende da inter-relação simultânea de três variáveis demográficas: mortalidade, fecundidade e migrações. Estas variáveis, por sua vez, dependem ou são determinadas por fatores sociais, econômicos, culturais, etc. A fecundidade, objeto de análise deste artigo, torna-se cada vez mais importante para a compreensão dessa dinâmica, principalmente porque tem sofrido abruptos decréscimos a partir dos anos 60, se comparados aos que já ocorreram em outros países. Por outro lado, houve forte diminuição das taxas de mortalidade a partir dos anos 40, com conseqüente estabilização em níveis bastante baixos. Finalmente, os dados do Censo de 1991 indicam a tendência recente de redução dos fluxos migratórios, em geral, e mais especificamente os rural-urbanos, no Brasil, e os do Nordeste em direção principalmente a São Paulo. O conhecimento desta dinâmica, através de suas tendências passadas e outras características, permite que se preveja, com certa margem de segurança, a população nas próximas décadas, o que se torna cada vez mais necessário para o planejamento de políticas públicas de educação, saúde, habitação, transporte, previdência, etc., bem como para o planejamento de produção e estratégias de mercado, no caso de empresas privadas. Os métodos tecnicamente mais sofisticados de projeção de populações exigem a elaboração de hipóteses de comportamento futuro separadamente para cada uma das três variáveis citadas. No entanto, como já foi dito, estas dependem de um emaranhado de fatores, o que dificulta sua escolha. Entretanto, a preocupação de políticos e estrategistas com uma possível “explosão demográfica”, devido ao rápido crescimento das populações dos países do Terceiro Mundo, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, provocou uma avalanche de estudos que, ao fim e ao cabo, aprofundaram o conhecimento de muitas das peculiaridades e tendências populacionais, antes desconhecidas. Além disso, estas pesquisas mostram, com clareza, a relação entre as variáveis demográficas e outras, provenientes de diversas áreas do conhecimento. Esta sólida base de conhecimento possibilita aos demógrafos arriscarem-se, com certa segurança e ousadia, no sempre polêmico campo das projeções populacionais. A seguir, apresentam-se alguns fatores que tornam as projeções relativamente científicas e não meros exercícios de futurologia: - as variáveis demográficas são facilmente mensuráveis, devido à existência de boa base de dados disponíveis para o território nacional, especialmente para o Estado de São Paulo, e também a uma metodologia de aferição dos indicadores já mundialmente consagrada no meio científico, o que não ocorre necessariamente com muitas outras variáveis como, por exemplo, o nível socioeconômico das pessoas, sempre alvo de polêmicas entre pesquisadores; - as variáveis socioeconômico-culturais, das quais dependem as demográficas, mudam paulatinamente, o que faz com que alterações nos padrões populacionais sejam também relativamente morosas. A exemplo disto, pode-se constatar que a escolaridade das pessoas, o grau de industrialização, a porcentagem de mulheres que trabalham fora de casa, o grau de assalariamento da população, a urbanização, etc. – que são variáveis explicativas das demográficas – levam algumas décadas para apresentarem 26 FECUNDIDADE: TENDÊNCIAS E MODELO DE PROJEÇÃO quase sempre maior nas idades mais avançadas das mães.1 Mais especificamente, quando diminui o número médio de filhos das mulheres, há uma redução da idade média das mães no momento do parto, bem como uma concentração dos nascimentos em torno desta idade. Isto quer dizer que as mulheres, ao diminuírem a fecundidade, passam a ter filhos em idades mais jovens e de forma concentrada, completando suas famílias precocemente. Tradicionalmente, o nível da fecundidade é medido e analisado através das Taxas de Fecundidade Totais (TFT).2 Por outro lado, a distribuição das taxas por idades (a denominada estrutura da fecundidade) é medida e analisada por meio das Taxas Específicas de Fecundidade (fi), ou de sua distribuição percentual. Para constatar a existência da relação entre o nível e a estrutura da fecundidade, no Estado de São Paulo, foram utilizadas duas medidas estatísticas clássicas: a idade média da fecundidade e seu desvio-padrão, que descrevem, de forma acurada e resumida, a estrutura da fecundidade, pois a primeira mede a idade média das mães ao terem seus filhos e a segunda calcula a dispersão ou o afastamento dos nascimentos em torno desta média. Esta operação foi aplicada em todas as regiões de governo para 1980 e 1992, período em que houve um declínio significativo dos níveis da fecundidade. A idade média da fecundidade (IMRG) é a média dos valores centrais da idade de cada grupo etário (Xi), ponderados pelas Taxas Específicas (fi), com i variando de 1 (grupo de 15 a 19 anos) a 7 (grupo de 45 a 49 anos). Também pode ser interpretada como a idade média das mães no momento do parto. O desvio-padrão (DPRG), por outro lado, mede a dispersão dos valores em torno da média, sendo definido como a raiz quadrada da média do quadrado dos "desvios" (diferenças) entre os valores centrais dos grupos etários (Xi) e a idade média (já calculada anteriormente), ponderada pelas fi. Um desvio-padrão pequeno significa que as crianças estão nascendo concentradamente, ou seja, relativamente perto da idade média em que as mães têm filhos. Já um desvio grande indica que as crianças estão nascendo de forma mais dispersa (Tabela 1). Antes de desenvolver o modelo, tentar-se-á demonstrar, empiricamente, a existência da alegada relação entre o nível da fecundidade e a sua estrutura etária, ou seja, que há uma lei que relaciona estas duas dimensões da fecundidade. Mais concretamente, procurar-se-á mostrar a correlação linear entre as Taxas de Fecundidade Totais e as idades médias e os desvios-padrões das Taxas Específicas de Fecundidade. Houve, no período estudado, mudanças muito importantes no nível da fecundidade no Estado de São Paulo, que sofreu uma redução de quase 33%, passando de 3,40 mudanças substanciais. No caso dos padrões demográficos, alterações de comportamento em 20 ou 30 anos são consideradas rápidas; - no século XX, os níveis das taxas de fecundidade, mortalidade e migrações, além de se alterarem lentamente, apresentam poucas oscilações, exceto em caso de catástrofes naturais, guerras, epidemias, etc.; - existe uma tendência à convergência das taxas de mortalidade e de fecundidade em torno de determinados valores, no âmbito mundial, descrita pela “Teoria da Transição Demográfica” (Notestein, 1945), o que permite a comparação entre países mais e menos adiantados, prevendo com maior segurança quais serão as tendências futuras, visto que os primeiros já percorreram etapas de transição ora experimentadas pelos últimos; - a distribuição da população por sexo e idade depende diretamente dos níveis de mortalidade e fecundidade e, portanto, acompanha a evolução destas variáveis, ou seja, sua mudança é relativamente lenta, o que favorece o conhecimento de seu comportamento futuro; - a existência da denominada “inércia demográfica” faz com que as tendências populacionais, num futuro próximo, dependam quase que integralmente da população existente hoje. A atual população carrega consigo, no que se refere às variáveis demográficas, um determinado padrão de comportamento já adquirido, que sofrerá alterações lentas, como visto anteriormente. A China, por exemplo, continuará sendo, durante algum tempo, um país muito populoso, mesmo que a fecundidade das mulheres hoje já tenha atingido níveis bastante baixos. Devido a esta inércia, é muito importante o estudo das tendências passadas. Este artigo tenta mostrar, de maneira muito sucinta, os passos seguidos para projetar a fecundidade – uma das variáveis involucradas na projeção da população de São Paulo – desagregada por regiões administrativas, regiões de governo e municípios, segundo sexo e idade, com base nos dados do Censo Demográfico de 1991. TENDÊNCIAS DOS NÍVEIS E DA ESTRUTURA DA FECUNDIDADE Nesta parte, propõe-se um modelo para projetar a fecundidade, apropriado para o Estado de São Paulo, que será construído a partir da conhecida relação entre os níveis e a estrutura da fecundidade por idade. Esta relação já foi exaustivamente comprovada com dados de diferentes países e foram criados modelos que utilizam esta mesma idéia, como por exemplo o de Gompertz. Em outras palavras, estes modelos partem do fato de que quando há uma redução geral da fecundidade, este decréscimo é 27 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 filhos por mulher, em 1980, para 2,28, em 1992. Nas regiões de governo, este percentual de queda varia entre 31% (São João da Boa Vista) e 44% (Jales). Por outro lado, as idades médias das fecundidades, na maioria das regiões de governo, também sofreram redução de mais de um ano no período, assim como os desvios-padrões, o que reforça constatações de outros trabalhos citados anteriormente. O significado destas diminuições é que a estrutura das taxas de fecundidade específicas por idade está tornando-se cada vez mais jovem, ou seja, a cúspide da curva3 tornou-se precoce graças à diminuição da idade média da fecundidade. Ao mesmo tempo, pode-se afirmar, devido à queda do desvio-padrão, que está ocorrendo uma concentração da curva em torno desta média. Este comportamento, similar em todas as regiões de governo, tornou possível a elaboração de um modelo que relaciona estas variáveis, adaptado às especificidades das regiões de governo do Estado de São Paulo. Resumidamente, e em primeiro lugar, foi feito o estudo das funções lineares aplicadas entre a TFT e a idade média, cujos resultados são coeficientes de correlação de 0,71 para os dados de 1980 e de 0,69 para os de 1992 (Tabela 2). Estas cifras mostram que o nível da fecundidade (TFT) tem uma forte relação com a idade média da fecundidade, visto que os coeficientes de correlação tornam-se estatisticamente significativos, com níveis de significância de 1%, quando apresentam valores superiores a 0,3932.4 Devido à similaridade dos resultados em 1980 e 1992, decidiu-se trabalhar com o conjunto destes dados. Com as taxas assim duplicadas para cada região de governo, o coeficiente de correlação aumenta ainda mais, alcançando 0,91, como se pode constatar na Tabela 2. Por outro lado, os resultados das funções lineares entre o nível da fecundidade (TFT) e o desvio-padrão correspondem a coeficientes de correlação ainda maiores: 0,86 para 1980, 0,89 para 1992 e, para os dados acoplados dos dois anos, 0,86. Isso mostra que a relação entre estas duas variáveis é altamente relevante. Um outro tipo de análise partiu da observação dos gráficos construídos com as taxas específicas de fecundidade de cada grupo etário cruzadas com as TFT, em ordem decrescente, de 1980 e 1992. Estes gráficos acusaram um comportamento decrescente para todos os grupos, com exceção para o de 15 a 19 anos, no qual as taxas são praticamente constantes, com ligeira tendência ascendente. Todas as constatações anteriores permitem gerar um modelo baseado no ajuste das taxas específicas com a ajuda de uma função matemática. A questão, agora, é encontrar a função de ajuste que mais se adeque ao comportamento destas taxas. Se, por um lado, as taxas TABELA 1 Taxas de Fecundidade Específicas e Totais (TFT), Idade Média e Desvio-Padrão das TFT Estado de São Paulo – 1980-1992 Por mil Taxas Específicas de Fecundidade Grupos Etários 15 a 19 Anos 20 a 24 Anos 25 a 29 Anos 30 a 34 Anos 35 a 39 Anos 40 a 44 Anos 45 a 49 Anos TFT Idade Média Desvio-Padrão 1980 1992 73,49 185,64 186,46 129,63 72,37 25,88 4,20 3,39 27,82 6,56 76,82 137,98 120,05 74,26 34,66 10,88 1,71 2,28 26,40 6,33 Fonte: Fundação Seade. TABELA 2 Coeficiente de Correlação entre TFT e Idade Média e Desvio-Padrão das TFT Estado de São Paulo – 1980-1992 Coeficiente de Correlação entre Anos 1980 1992 1980 e 1992 TFT e Idade Média TFT e Desvio-Padrão 0,71 0,69 0,91 0,86 0,89 0,86 Fonte: Fundação Seade. específicas tendem a baixar, por outro, esta queda não pode ser linear, senão ultrapassariam, em algum momento, o valor zero, alcançando valores negativos. Isto não é possível, por definição, visto que estas taxas significam número de filhos tidos por mulher. Por este motivo, optou-se por um ajuste das taxas específicas através de uma curva exponencial, que possui o requisito de nunca se anular. Para cumprir estas condições, foram calculados, primeiro, os logaritmos naturais (ln) das taxas específicas das 82 regiões de governo, construindo-se, sobre estes, as regressões lineares (ln y = a + bx) para cada grupo etário. Os dados mostraram comportamento linear decrescente, com exceção dos referentes ao grupo de 15 a 19 anos, que foram ligeiramente crescentes. Encontrada a função para determinado grupo, calcularam-se os valores ajustados das fi, através da função exponencial de retorno,5 cujos resultados são exibidos na Tabela 3. Nesta Tabela, encontram-se os resultados obtidos para os valores da TFT dentro do intervalo de 4,0 a 1,4 filhos por mulher. Para efeito de comparação, foram incluídos 28 FECUNDIDADE: TENDÊNCIAS E MODELO DE PROJEÇÃO TABELA 3 Taxas Específicas de Fecundidade, Idade Média e Desvio-Padrão, segundo Taxas de Fecundidade Totais entre 4,00 e 1,40 Estado de São Paulo – 1980-1992 Por mil Taxas de Fecundidade por Grupos Etários (por mil) TFT 15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 Idade Média Desvio-Padrão 4,00 79,24 212,11 210,56 153,11 97,81 41,06 3,90 79,40 208,78 205,80 148,14 93,37 38,74 6,11 28,34 6,82 5,78 28,23 3,80 79,57 205,37 200,96 143,13 88,96 6,80 36,46 5,45 28,13 3,70 79,75 201,91 196,09 138,15 6,77 84,63 34,26 5,13 28,02 3,60 79,93 198,42 191,20 6,75 133,20 80,39 32,13 4,82 27,91 3,50 80,12 194,80 6,73 186,19 128,18 76,17 30,03 4,52 27,80 3,40 80,31 6,70 191,11 181,11 123,16 72,00 27,99 4,22 27,68 3,30 6,67 80,52 187,37 176,01 118,18 67,94 26,03 3,94 27,56 6,64 3,20 80,74 183,54 170,83 113,19 63,93 24,13 3,66 27,43 6,61 3,10 80,96 179,62 165,58 108,20 60,00 22,29 3,39 27,30 6,58 3,00 81,20 175,59 160,24 103,19 56,13 20,50 3,13 27,16 6,55 2,90 81,45 171,49 154,86 98,23 52,37 18,80 2,88 27,02 6,51 2,80 81,71 167,26 149,37 93,23 48,66 17,15 2,63 26,88 6,47 2,70 81,99 162,94 143,82 88,28 45,06 15,58 2,40 26,72 6,43 2,60 82,28 158,49 138,18 83,32 41,53 14,07 2,17 26,56 6,39 2,50 82,02 154,05 132,62 78,51 38,20 12,67 1,96 26,41 6,34 2,40 78,77 150,18 127,84 74,46 35,46 11,55 1,80 26,33 6,28 2,30 75,49 146,23 123,00 70,43 32,78 10,47 1,63 26,24 6,22 2,20 72,17 142,17 118,09 66,40 30,18 9,44 1,48 26,16 6,15 2,10 68,88 138,06 113,19 62,45 27,68 8,47 1,33 26,07 6,09 2,00 65,51 133,79 108,17 58,49 25,24 7,55 1,19 25,98 6,02 1,90 62,15 129,44 103,12 54,59 22,91 6,69 1,06 25,88 5,95 1,80 58,77 124,98 98,02 50,73 20,66 5,88 0,94 25,79 5,87 1,70 55,38 120,41 92,88 46,94 18,52 5,13 0,82 25,69 5,79 1,60 51,96 115,68 87,66 43,17 16,46 4,42 0,71 25,59 5,71 1,50 48,49 110,78 82,35 39,44 14,50 3,77 0,61 25,49 5,62 1,40 45,13 105,77 77,01 35,81 12,65 3,18 0,52 25,38 5,52 Fonte: Fundação Seade. os resultados da idade média e do desvio-padrão, já comentados. Os resultados fornecem, para cada nível que se escolha de TFT, os valores correspondentes das taxas específicas de fecundidade. Cabe aqui fazer alguns comentários a respeito da fecundidade do grupo de 15 a 19 anos. A regressão linear das taxas, nesta faixa etária, mostra que as mesmas sobem ligeiramente, tendência completamente oposta à das outras idades, que baixam sempre, acompanhando a queda da TFT. Por este motivo, decidiu-se examinar mais detidamente as taxas deste grupo. Para fins comparativos, apresentam-se, na Tabela 4, os dados de outros países, entre 1970 e 1990. O único país que, na década de 80, teve taxa crescente no grupo de 15 a 19 anos foram os EUA, embora tenha havido queda entre 1970 e 1980 e o nível em 1990 tenha sido inferior ao de 1970. Porto Rico apresenta taxa levemente ascendente. Nos outros países, nos anos 80, a tendência foi de queda, mas houve incremento, em vários deles, no período 1970-80: Argentina, Costa Rica, Uruguai, Espanha, Portugal, Grécia e Bulgária. Cinco destes países são católicos e latinos, como o Brasil e o Estado de São Paulo, e todos ainda pertencem ao Terceiro Mundo ou deixaram de pertencer há pouco tempo. Por outro lado, parece haver um padrão diferente entre os países latino-americanos e os europeus, onde as taxas de fecundidade do grupo de 15 a 19 anos são bem mais baixas, mesmo quando as TFT também são muito reduzidas. Este é o caso, por exemplo, de Cuba, que, com uma TFT em 1990 de 1,86 filhos, apresenta taxa específica 29 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 TABELA 4 Taxas de Fecundidade do Grupo de 15 a 19 Anos Países Selecionados – 1970-1990 Taxas de Fecundidade de 15 a 19 Anos (por mil mulheres) Países Tendência 1970 Cuba Costa Rica 1990 128 84 81 Descendente 1,86 (1) 94 (2) 100 (3) 96 Descendente (3) 3,54 134 112 (4) 94 Descendente (4) 2,88 69 65 66 Estável 2,55 (1) 60 66 (5) 57 Descendente (5) 2,49 Panamá Chile Uruguai 1980 Taxas de Fecundidade Total – 1990 Venezuela 114 104 (6) 101 Descendente (6) 3,42 Porto Rico 73 (2) 67 (7) 72 Ascendente (7) 2,42 Argentina 69 82 74 Descendente 3,00 EUA 69 54 81 Ascendente 2,01 1,51 Japão 4 4 4 Estável Israel 50 35 20 Descendente 3,02 França 26 18 9 Descendente 1,81 Espanha 14 26 17 Descendente 1,54 Suécia 34 16 13 Descendente 2,02 Reino Unido 50 31 33 Estável 1,85 Polônia 30 33 32 Estável 2,04 Portugal 29 40 26 Descendente 1,54 Grécia 36 53 (3) 41 Descendente (3) 1,82 Bulgária 72 81 70 Descendente 1,73 Fonte: United Nations (1975, 1986 e 1991). (1) Dados de 1973. (2) Dados de 1983. (3) Dados de 1984. (4) Dados de 1989. (5) Dados de 1985. (6) Dados de 1987. (7) Dados de 1988. de 81 por mil. Em contraste, os países da Europa ostentam taxas menores que 40 por mil, a metade da cubana, com exceção da Bulgária (70 por mil). Encontram-se numa situação similar à cubana (baixas TFT acompanhadas de elevadas taxas no grupo de 15 a 19 anos) outros países como Chile, com 66 por mil, Uruguai, com 57, Porto Rico, com 72, Argentina, com 74, assim como o Estado de São Paulo, com 77. A revolução sexual dos anos 60 e o grau de escolaridade das mulheres explicam, de forma bastante plausível, o fenômeno. Com efeito, relações sexuais antes do casamento ou de uma união estável passaram de prática condenada e pouco usual a aceita – ou, pelo menos, tolerada – por segmentos cada vez mais abrangentes da sociedade. Provavelmente, como sugerem os dados de vários países, os efeitos mais marcantes desta mudança ocorreram nos países emergentes, onde o conservadorismo, a religiosidade e a ignorância a respeito do sexo eram – e são ainda – mais arraigados. Por outro lado, é natural que tenha sido justamente nas idades adolescentes e préadultas, até os 20 anos, que esta transformação tenha deixado marcas mais profundas, pois a atividade sexual, além de estar, nestas idades, relativamente mais desvinculada da procriação, aparece de forma crescente e notória já na fase do namoro. Em contraposição, nos grupos adultos, essa atividade sempre esteve, e continua a estar, muito relacionada ao casamento, a uniões mais estáveis e à procriação. A conseqüência é um número absoluto e relativo crescente de jovens que têm vida sexual ativa. Caso não tenham os conhecimentos necessários para evitar os filhos indesejados, as taxas de fecundidade nestas idades tendem a subir, até que a própria sociedade tome consciência do problema e tome as medidas adequadas para sua diminuição tais como educação sexual nas escolas, campanhas públicas e privadas, etc. Como já mencionado, os países que apresentaram aumento nas taxas foram justa- 30 FECUNDIDADE: TENDÊNCIAS E mente os mais atrasados econômica e culturalmente. Suécia, França, Israel e Japão passaram pela mesma revolução sexual, sem sofrerem aumento nas taxas de fecundidade das adolescentes. As observações anteriores devem ser confrontadas com os dados do Estado de São Paulo. Na Tabela 5, verificase que a fecundidade do grupo de 15 a 19 anos das mães com quatro anos ou menos de instrução é igual a 222 filhos por mil mulheres, cinco vezes mais alta do que a daquelas com nove e mais anos de estudo, que é de 46. Por outro lado, a diferença entre as TFT, que representam todas as idades, é de duas vezes apenas. Portanto, as maiores diferenças de fecundidade, segundo o nível de instrução, ocorrem no grupo de mulheres adolescentes, o que mostra que o conhecimento sobre como controlar a fecundidade, cada vez mais difundido na sociedade, inclusive nas camadas mais pobres e menos instruídas, é, por si mesmo, um fator determinante da diminuição da fecundidade nestes grupos etários, o que não significa, no entanto, que seja o único. Por isto, espera-se que as taxas diminuam no futuro. O problema é determinar qual o nível e qual o ritmo desta redução. A hipótese aqui proposta para projetar as taxas do grupo de 15 a 19 anos levará em conta os fatos e observações anteriormente apresentados, a saber: - tendência de diminuição da fecundidade neste grupo em quase todos os países, inclusive os da América Latina; - aumento nas taxas neste grupo durante um certo período, com posterior tendência de queda em muitos países, inclusive da América Latina; - diferenças marcantes de fecundidade segundo o grau de escolaridade das mulheres paulistas nesta faixa etária; - tendência a ligeiro aumento da fecundidade neste grupo no Estado de São Paulo, pelo menos até um nível de TFT igual a 2,5 filhos por mulher. A hipótese básica é a de que as taxas específicas de fecundidade do grupo de 15 a 19 anos subirão até que a TFT decline ao nível de 2,5 filhos por mulher. Neste nível, estas taxas específicas sofrerão inflexão e começarão a baixar até o valor de 45 nascidos vivos por mil mulheres, quando a TFT atingir o nível de 1,4 filhos por mulher. PROJEÇÃO DO NÍVEL DA FECUNDIDADE Para fins de análise complementar, foi estudada a relação entre as TFT de 1980 e 1992 e os Índices Socioeconômicos (ISE) correspondentes a 1990, elaborados e utilizados na Secretaria de Planejamento do Estado,6 e as diferenças percentuais entre as TFT dos dois anos, para as regiões de governo. A relação entre as TFT de 1992 e os ISE resultou num alto coeficiente de correlação da ordem de 0,765, demonstrando que o nível de fecundidade (TFT) das regiões de governo relaciona-se fortemente com as condições socioeconômicas.7 Paradoxalmente, no entanto, as diminuições das TFT, nas regiões de governo, na década, giram sempre entre 30% e 35%, independentemente do nível socioeconômico da região. O estudo da relação entre esta queda da TFT de 1980 a 1992 não aponta nenhuma participação dos fatores socioeconômicos, uma vez que o coeficiente de correlação encontrado entre ambas variáveis é praticamente nulo (0,074). Isto significa que a diminuição do nível da fecundidade no estado, pelo menos a partir dos anos 80, é universal e acontece tanto nas regiões mais quanto nas menos desenvolvidas. Este fenômeno está sendo constatado também nas diferentes regiões do Brasil. A teoria da difusão pode explicar este comportamento novo no país. Esta teoria “surgiu nos anos 60. Tenta explicar o fato de que, em muitos países, a fecundidade diminuiu tão rápida e bruscamente que ficou difícil explicar esta queda através do desenvolvimento econômico. Com efeito, a correlação entre desenvolvimento e nível de fecundidade não é muito elevada, como ficou demonstrado em vários trabalhos feitos em vários países (...). Guengant (...) mostra esta situação no Caribe de maneira muito clara, pois os países aí incluídos têm hoje níveis de fecundidade considerados de ‘Primeiro Mundo’, mas suas economias ainda são, sem dúvida, de ‘Terceiro Mundo’. Esta teoria tenta explicar a diminuição da fecundidade pela difusão dos valores (ideologias, religiões) de certos segmentos da sociedade, países ou mesmo meios de comunicação para outros setores sociais ou países. Assim sendo, por influência da TV Globo, por exemplo, as classes menos abastadas tenderiam a adquirir os hábitos e modos de agir e pensar dos setores médios, dominantes nas teledramatizações dessa empresa de comunicação” (Campanário e Yazaki, 1994:87-88). TABELA 5 Taxas Específicas de Fecundidade do Grupo Etário de 15 a 19 Anos e Taxas de Fecundidade Totais e Índices, segundo Classes de Anos de Estudo Estado de São Paulo – 1986 Classes de Anos de Estudo Taxas Específicas de Fecundidade (por mil mulheres) Índice (1) das f(15-19) Taxas de Fecundidade Totais Índice (1) das TFT Total 125 2,71 2,70 1,79 Menos de 4 Anos 222 4,83 3,14 2,08 5 a 8 Anos 98 2,13 2,38 1,58 9 Anos e Mais 46 1,00 1,51 1,00 MODELO DE PROJEÇÃO Fonte: Godinho e Morell (1994). (1) Base: 9 anos e mais = 1,00. 31 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 TABELA 6 Projeção Logística da Taxa de Fecundidade Total (TFT) Regiões Administrativas – 1992-2030 Valores Estimados para a TFT (Hip. Média) Regiões Administrativas 1992 2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030 Estado de São Paulo 2,28 1,878 1,734 1,642 1,586 1,552 1,521 1,519 Região Metropolitana de São Paulo 2,27 1,880 1,737 1,647 1,690 1,555 1,533 1,520 RA de Registro 3,28 2,281 2,094 2,030 2,010 2,003 2,001 2,000 RA de Santos 2,16 1,785 1,663 1,593 1,552 1,529 1,516 1,509 RA de São José dos Campos 2,45 1,943 1,764 1,655 1,590 1,552 1,530 1,517 RA de Sorocaba 2,59 2,022 1,814 1,686 1,608 1,563 1,536 1,521 RA de Campinas 2,22 1,860 1,727 1,642 1,588 1,554 1,533 1,520 RA de Ribeirão Preto 2,31 1,936 1,789 1,689 1,623 1,579 1,551 1,533 RA de Bauru 2,26 1,849 1,708 1,622 1,571 1,541 1,524 1,514 RA de São José do Rio Preto 2,01 1,703 1,611 1,561 1,533 1,518 1,509 1,505 RA de Araçatuba 2,08 1,740 1,634 1,574 1,541 1,523 1,512 1,507 RA de Presidente Prudente 2,18 1,787 1,662 1,591 1,550 1,528 1,515 1,508 RA de Marília 2,28 1,848 1,703 1,617 1,567 1,538 1,521 1,512 Fonte: Fundação Seade. filhos por mulher); média-alta (1,7); média (1,5); e baixa (1,3). No entanto, no caso específico da RA de Registro, onde as TFT são tradicionalmente mais elevadas, tomaram-se valores também mais elevados: 2,4; 2,2; 2,0 e 1,8, respectivamente. O cálculo foi feito para as 12 regiões administrativas e o resultado encontra-se na Tabela 6, em que se apresentam apenas os valores da projeção média. Uma vez projetadas as TFT, pode-se facilmente encontrar as Taxas Específicas de Fecundidade correspondentes (Tabela 3). Para efeito comparativo, mostram-se, na Tabela 7, os valores das taxas específicas de fecundidade obtidos através de três estimativas diferentes: a do modelo proposto; a obtida por Campanário e Yazaki (1994); e a do método de Gompertz. Para este exemplo demonstrativo, foi utilizada uma TFT de 1,60 filhos por mulher. Foi encontrada uma notável semelhança, nos principais grupos etários, entre o modelo proposto e o calculado com a função de Gompertz. Apesar de maiores, não são grandes as diferenças com o modelo proposto por Campanário e Yazaki, construído através de seguimento de coortes. Este último modelo não pode ser aplicado para as regiões de governo por falta de uma série histórica de dados, sendo possível apenas para o total do estado. Parece que estes valores difundidos sobrepõem-se cada vez mais aos fatores socioeconômicos na explicação da queda da fecundidade. O Estado de São Paulo, ao que tudo indica, estaria entrando numa etapa em que os valores difundidos a respeito da fecundidade pesam cada vez mais na explicação do nível e dos padrões da mesma. As constatações anteriores, aliadas ao fato de que em todos os países e regiões a fecundidade tende, no futuro, a um nível baixo e estável, reforçam a idéia de adotar uma função logística para a previsão das TFT por região de governo. Com efeito, por um lado, a expressão matemática a ser utilizada deverá estar fortemente influenciada pelo timing da queda, em torno de 30% ou 35% no período estudado e, por outro, no futuro, a função deverá ter um valor-limite inferior que represente um nível de TFT baixo e constante. Ora, a curva logística atende perfeitamente a estas duas condições, desde que se adote como pontos centrais desta função os valores das TFT de 1980 e de 1992, uma TFT baixa como limite inferior (o k1 da função), representando o futuro, e uma TFT alta como limite superior (k1 + k2), representativa do passado. Desta maneira, as TFT ainda diminuirão rapidamente nos anos 90, sendo este decrescimento relativo cada vez mais lento.8 Para o cálculo dos dois parâmetros, considerou-se que k1 + k2 é sempre igual a 6,00, significando um valor de TFT alto e representativo do passado, no Estado de São Paulo. Para a projeção futura dos valores da TFT, foram admitidas quatro hipóteses de limite mínimo (k1): alta (2,0 CONCLUSÕES Sendo a fecundidade a variável demográfica que mais influencia a estrutura etária de uma população, o estudo 32 FECUNDIDADE: TENDÊNCIAS E 4. Ver Levin (1987:362). TABELA 7 5. fx = . Exp [ln (f i estimados)]. Distribuição das Taxas Específicas de Fecundidade Projetadas para TFT em Torno de 1,60 Filho por Mulher e Diferenças Percentuais, por Três Métodos Diferentes Em porcentagem 6. Ver Azzoni et alii (1993). 7. Ver Campanário e Yazaki (1994) e Godinho e Morell (1994). 8. A função logística adotada aqui é: k2 Métodos Idades (em anos) 15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 TFT Modelo Campanário Função de Proposto e Yazaki Gompertz (a) (b) (c) Diferença entre (a) e (b) Diferença entre (a) e (c) 52,0 115,7 87,7 43,2 16,5 4,4 0,7 1,60 -14,9 +10,2 +0,1 +3,3 +7,8 -46,3 -30,0 0,0 +0,2 +2,1 -0,9 -4,6 -1,8 +12,8 +133,3 0,0 61,1 105,0 87,6 41,8 15,3 8,2 1,0 1,60 MODELO DE PROJEÇÃO 51,9 113,3 88,5 45,3 16,8 3,9 0,3 1,60 TFT(t - 80) = k1 + –--------------------------1 + EXP [a + b (t-80)] onde: TFT(t - 80) é a Taxa de Fecundidade Total num momento t que tem como referência o ano 1980, k1 é a assíntota inferior, k1 + k2 é a assíntota superior e a e b são os dois parâmetros da função. Os parâmetros a e b são assim calculados: k1 + k2 - TFT(80) a = ln { ----------------------------} TFT(80) - k1 Fonte: Campanário e Yazaki (1994); Chackiel (1982). k1 + k2 - TFT(92) b = 1 / (92-80) { ln ------------------------ - a } de sua evolução torna-se condição sine qua non para se efetuar projeções populacionais. Embora haja uma série de métodos já propostos na literatura demográfica, optou-se por construir um novo modelo que partisse da realidade paulista, visto que se dispõe de uma longa série de dados de registro civil completos e confiáveis para o Estado. Para a construção desse modelo, partiu-se da conhecida relação entre o nível e a estrutura da fecundidade, já apontada em vários estudos. Esta relação é constatada também no presente estudo, em primeiro lugar, através dos altos coeficientes de correlação encontrados nas funções lineares entre as TFT e as idades médias da fecundidade e os desvios-padrões destas idades, estimados para todas as regiões de governo, e, em segundo, pelas relações entre as taxas específicas de fecundidade para cada grupo etário e as TFT das referidas regiões. Os valores das TFTs são projetados segundo uma função logística e os das taxas específicas segundo as regressões exponenciais resultantes das relações observadas entre as TFTs e as taxas específicas de cada grupo etário. TFT(92) - k1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZZONI, C.R. et alii. "Como está a produção paulista? Alguns indicadores econômicos". Como está São Paulo; as pessoas/a produção/os municípios/o meio ambiente. São Paulo, Secretaria de Planejamento e Gestão, Coordenadoria de Planejamento Regional. Fundação Seade, Fundação Prefeito Faria Lima, Secretaria de Meio Ambiente, 1993. 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São Paulo, Fundação Seade, 1994. LEVIN, J. Estatística aplicada a ciências humanas. São Paulo, Editora Harper & Row do Brasil Ltda., 1987, p.362. NOTAS NOTESTEIN, F.W. “Population: the long view”. Food for the world. Schultz, T.W. Chicago, University of Chicago Press, 1945. 1. Taxa específica de fecundidade ou taxa de fecundidade por idades é o quociente entre o número de nascidos vivos de mães de determinado grupo etário pela população feminina deste mesmo grupo etário. UNITED NATIONS. Demographic Yearbook. New York, Department of International Economic and Social Affairs, Statistical Office, 1975, 1976 e 1991. 2. A TFT é definida como o número médio de filhos nascidos vivos tidos por mulher no decorrer de seu período fértil, dos 15 aos 49 anos de idade. __________ . Manual X; Indirect techniques for demographic estimation. New York, Department of International Economic and Social Affairs, Population Studies, n. 81, ST/ESA/SER.A/81, 1983, p.25. 3. Entende-se por cúspide da curva de fecundidade o ponto mais alto que ela atinge nos intervalos de idade, ou seja, que grupo etário tem mais alta taxa de fecundidade. Esta cúspide se diz tardia quando atinge este máximo no grupo de 25 a 29 anos, precoce quando no grupo de 20 a 24 anos, e dilatada quando ambos os grupos tem taxas bem semelhantes. __________ . Patterns of fertility in low-fertility settings. New York, Department of Economic and Social Development, ST/ESA/SER.A/131, 1992. WONG, L.R. "Tendência e perspectiva de fecundidade no Estado de São Paulo". Informe Demográfico. São Paulo, Fundação Seade, n.19, 1986. 33 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 O RÁPIDO AUMENTO DA MORTALIDADE DOS JOVENS ADULTOS EM SÃO PAULO uma trágica tendência CARLOS EUGENIO DE CARVALHO FERREIRA Demógrafo, Analista da Fundação Seade LUCIANE LESTIDO CASTIÑEIRAS Analista da Fundação Seade A evolução da esperança de vida ao nascer da população paulista está associada a transformações profundas na composição das causas de morte e no padrão etário da mortalidade. A teoria da transição epidemiológica, tal como foi formulada por Omran (1983), considera que durante a transição ocorrem mudanças nos padrões de morbidade e mortalidade, verificando-se uma substituição gradual das ocorrências de doenças infecciosas pelas doenças degenerativas e aquelas provocadas pelo homem. Além disso, esta teoria considera que as mudanças mais intensas nestes padrões são observadas entre as crianças e mulheres jovens, uma vez que estes grupos populacionais são mais atingidos pelas causas infecciosas e parasitárias. Na medida em que a saúde pública e o saneamento básico reduzem a incidência dessas doenças, acentua-se o diferencial de mortalidade por sexo, com a esperança de vida elevando-se mais rapidamente entre as mulheres. Mais recentemente, Ruzicka (1990) propôs uma classificação para os países, dividindoos em quatro grupos de acordo com a etapa da transição epidemiológica alcançada, baseada em informações sobre mortalidade, composição das causas de morte e esperança de vida ao nascer. O Brasil encontrar-se-ia no estágio intermediário da transição epidemiológica, sendo incluído no segundo grupo dos países em que, apesar das doenças crônico-degenerativas já aparecerem como as principais causas, as infecciosas e parasitárias ainda representam uma parcela considerável dos óbitos (Laurenti, 1990). Seguindo esta linha de raciocínio, o Estado de São Paulo estaria mais próximo das características do primeiro grupo, que engloba os países de baixa mortalidade, onde as doenças do aparelho circulatório, os neoplasmas e as causas externas são responsáveis pela maior parte dos óbitos. Nesta última década, os processos da transição vêm apontando para alterações inesperadas devido ao surgimento de novas doenças, ao reaparecimento de outras do passado e às variações nas tendências de algumas doenças crônico-degenerativas, que suscitam uma reflexão mais aprofundada sobre os novos caminhos e perspectivas, tendo em vista as manifestações cada vez mais freqüentes de casos de retrocesso a níveis e características da mortalidade do passado. A epidemia de Aids, que tem surpreendido os especialistas em várias partes do mundo, também surpreende em São Paulo pela velocidade de sua propagação (Waldvogel, 1992). As estatísticas vitais de São Paulo revelam, por exemplo, que em 1994 o número de óbitos provocados pela Aids equivalia à soma de todas as ocorrências de doenças infecciosas e parasitárias (Camargo, 1996), sendo que a população dos jovens adultos é o grupo mais atingido. É nesta faixa etária que se concentram também as mortes violentas. A tendência ascendente das taxas de mortalidade por estas causas vem provocando o aumento progressivo dos riscos de morte entre os jovens adultos em todo o Estado de São Paulo e mais intensamente na Região Metropolitana de São Paulo. É verdade que se trata de um fenômeno mundial, mas o que se destaca aqui é a elevada intensidade dos índices registrados. Para 1991, verifica-se que os níveis de mortalidade alcançados pela população masculina em torno dos 20 anos de idade haviam retrocedido a patamares de 1950, acarretando uma mudança inédita no padrão etário da mortalidade paulista. O objetivo deste artigo é apresentar algumas características destas transformações que vêm ocorrendo nos perfis da mortalidade no Estado de São Paulo, como contribuição para a elaboração de cenários futuros da evolução da mortalidade e projeções de população. 34 O RÁPIDO AUMENTO DA MORTALIDADE DOS JOVENS ADULTOS EM SÃO PAULO... EVOLUÇÃO DA VIDA MÉDIA PAULISTA: A QUEDA SELETIVA DA MORTALIDADE TABELA 1 Evolução da Esperança de Vida ao Nascer Estado de São Paulo – 1940-1991 Em anos A esperança de vida ao nascer do Estado de São Paulo, para 1991, foi estimada em 68,85 anos. Este indicador tem sido muito utilizado pelos demógrafos para sintetizar as condições de mortalidade que prevalecem na população em um determinado momento, uma vez que é de fácil compreensão e reflete um conceito muito concreto, ou seja, o tempo de vida médio de um ser humano. Por outro lado, trata-se de uma construção abstrata desenvolvida a partir de um modelo – a tábua de mortalidade de momento –, já que nenhuma geração real viveria desde o nascimento até a sua extinção total sob as mesmas condições de mortalidade. A principal vantagem deste indicador é a de não sofrer influência da estrutura etária da população e de permitir, portanto, uma comparação adequada no tempo e no espaço. As estatísticas de mortalidade produzidas pela Fundação Seade possibilitam a construção periódica de tábuas de mortalidade de momento e, conseqüentemente, o acompanhamento da esperança de vida e outros indicadores mais detalhados da mortalidade ao longo do tempo. As tábuas disponíveis referem-se ao período 1940-91, sendo que para 1970, 1980 e 1991 foram também desagregadas por regiões administrativas. Em 1940, a esperança de vida ao nascer do Estado de São Paulo era de 44,29 anos para a população masculina e de 46,68 anos para a feminina. Em 1991, estas cifras passaram a 64,87 e 73,24 anos, respectivamente (Tabela 1). Isto significa um acréscimo de cerca de vinte anos e meio de vida média para os homens e vinte e seis anos e meio para as mulheres. Embora seja um progresso considerável, São Paulo ainda conserva uma distância importante com relação às sociedades mais desenvolvidas. Como exemplo, verifica-se que o Estado de São Paulo, em 1991, situava-se no patamar de esperança de vida alcançado pela França em torno de 1960. Esta defasagem certamente foi agravada pelas crises e retrocessos ocorridos durante o processo evolutivo da mortalidade no estado, como o aumento da mortalidade infantil durante quase dez anos desde meados da década de 60 e, mais recentemente, a explosão de mortes por violência na população masculina, causando uma elevação significativa da mortalidade entre os jovens adultos. A evolução da esperança de vida no período 1940-91 caracteriza-se por ganhos importantes de anos de vida média, nas décadas de 40 e 50, e por uma diminuição sistemática desses ganhos ao longo das décadas subseqüentes (Tabela 1). É conhecido o impacto positivo sobre as condições de saúde durante as décadas de 40 e 50, causado pelas Anos 1940 1950 1960 1970 1980 1991 População Feminina População Masculina e0 incremento 44,29 52,75 59,04 59,32 63,30 64,87 8,46 6,29 0,28 3,98 1,57 e0 46,68 55,89 63,67 65,48 70,02 73,24 incremento Diferença Entre os Sexos e0(fem.) – e0(masc.) 9,21 7,78 1,81 4,54 3,22 2,39 3,14 4,63 6,16 6,72 8,37 Fonte: Ferreira (1980); Ortiz e Yazaki (1984). medidas adotadas na área da saúde pública e do saneamento básico pela introdução dos antibióticos e pela conseqüente redução da incidência e letalidade, ou mesmo erradicação, de muitas doenças infecciosas e parasitárias. Desta forma, as mortes precoces foram reduzidas substancialmente com reflexos diretos sobre a vida média da população. A população infantil, que geralmente representa o setor populacional mais sensível às agressões do meio ambiente, foi beneficiada pela redução muito rápida dos riscos de morte por doenças infecciosas, que produziu um impacto decisivo no mecanismo demográfico de elevação da esperança de vida ao nascer, ou seja, a transferência da morte de uma idade mais jovem para outra mais avançada. Durante a década de 60 e a primeira metade da de 70, os fatores determinantes do processo já não produziam os mesmos efeitos. Em primeiro lugar, foi alcançada uma redução importante da incidência das doenças infecciosas, de forma que os ganhos, a partir daí, passaram a ser sistematicamente menores. Em segundo, o rápido crescimento populacional das cidades não foi acompanhado pela expansão, no mesmo ritmo, da infra-estrutura urbana de serviços básicos. Isto acarretou um rápido processo de deterioração da qualidade de vida nos setores periféricos das grandes cidades, aumentando sensivelmente os diferenciais de mortalidade entre o centro e a periferia urbana. Como reflexo direto destes fatores e do agravamento das condições socioeconômicas, a mortalidade infantil inverteu a tendência histórica e passou a apresentar aumentos sistemáticos desde meados da década de 60 até a primeira metade dos anos 70. Porém, ainda na década de 70, as intervenções governamentais na área da saúde, com ênfase na expansão da rede de água e esgoto, da rede de serviços básicos, de atendimento médico-sanitário, da cobertura de vacinas, etc. resultaram em ganhos estatisticamente mais visíveis através dos indicadores de saúde. Este novo comportamento interferiu, de forma direta, na di- 35 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 minuição das taxas de mortalidade infanto-juvenil e adulta e no aumento da esperança de vida calculada para 1980. A eliminação de mortes tão precoces teve um forte impacto na esperança de vida ao nascer, representando uma retomada do processo anterior, após um longo período de retrocesso das condições da mortalidade infantil. Durante a década de 80, continuou a tendência de redução dos riscos de morte da população infanto-juvenil, o que representou uma contribuição importante para o crescimento da esperança de vida ao nascer. Nas demais faixas etárias, observa-se o seguinte comportamento: para a população masculina, houve aumento da mortalidade na faixa etária de 15 a 39 anos e quase estabilidade naquela acima dos 40 anos; para a população feminina, registrouse redução da mortalidade em todas as faixas etárias. Estas tendências diferenciadas por idade e sexo explicam porquê a esperança de vida masculina aumentou bem menos que a feminina (1,57 anos contra 3,22) no período 1980-91. Enquanto a mortalidade, para as mulheres, diminuiu em praticamente todas as idades, o que representa uma somatória de ganhos em termos de vida média, para os homens, os ganhos obtidos com a redução da mortalidade infanto-juvenil foram parcialmente anulados pelo forte aumento da mortalidade dos jovens adultos. AMPLIAÇÃO DAS DIFERENÇAS DE MORTALIDADE ENTRE HOMENS E MULHERES Uma forte característica da evolução da mortalidade em São Paulo é a rápida ampliação da diferença entre a esperança de vida feminina e a masculina, que passou de 2,39 anos, em 1940, para 8,37 anos, em 1991 (Tabela 1). Isto resulta, por sua vez, de diferenças por idade, que também sofreram modificações ao longo do tempo. A evolução do padrão etário destas diferenças fica mais nítida através da construção de curvas que representam a relação entre o nível da mortalidade masculina e o da feminina para cada faixa etária qüinqüenal, ou seja: qm qf, 5 x 5 x sendo que qm e qf são as probabilidades de morte mas5 x 5 x culinas e femininas, respectivamente para cada grupo qüinqüenal de idade. É evidente que, quando o valor da relação for igual a 1, o nível da mortalidade é o mesmo para homens e mulheres. Este valor unitário da relação está assinalado no Gráfico 1 por uma linha reta correspondente ao valor 1 do eixo das ordenadas. Desta forma, quanto maior for o deslo-camento das curvas acima desta reta, maior será a sobremortalidade masculina, enquanto os deslocamentos para baixo da linha indicam uma sobremortalidade feminina. GRÁFICO 1 Índices de Sobremortalidade Masculina, Segundo Faixas Etárias Estado de São Paulo – 1940-1991 qmx /qfx Faixas Etárias (em anos) Fonte: Ferreira (1980); Ortiz e Yazaki (1984); Ferreira e Castiñeiras (1996). 36 O RÁPIDO AUMENTO DA MORTALIDADE DOS JOVENS ADULTOS EM SÃO PAULO... Através do Gráfico 1, observa-se a ampliação da sobremortalidade masculina no período 1940-91, sendo que de 1980 a 1991 o agravamento das diferenças foi muito rápido. Além disso, verifica-se que as maiores diferenças localizam-se na faixa etária correspondente aos jovens adultos. Este fenômeno vem ocorrendo em diversos países, inclusive nos mais desenvolvidos, onde se nota um aumento dos riscos de morte da população masculina em uma faixa etária que corresponde aproximadamente às idades acima de 15 anos e abaixo de 40 anos. Este agravamento está associado ao crescimento da mortalidade por causas externas e da Aids, que atingem com maior intensidade a população masculina. As curvas representadas no Gráfico 1 também mostram a transição da sobremortalidade feminina nas idades da procriação, ainda muito visível na curva de 1940, para uma situação de sobremortalidade masculina. Esta transição foi marcada por duas tendências que convergiam: a redução rápida da mortalidade materna e o aumento rápido da mortalidade masculina por causas externas. GRÁFICO 2 Probabilidades de Morte q(x), por Sexo Estado de São Paulo – 1940-1991 Homens qx 1 0,1 0,01 TENDÊNCIAS RECENTES DA MORTALIDADE POR IDADE Idade 0,001 1 A origem da concentração das diferenças entre os jovens adultos fica mais nítida quando se observam as tendências dos riscos de morte em cada faixa etária, tanto para a população masculina como para a feminina, no período 1940-91. No Gráfico 2, foram representadas as probabilidades de morte q(x) masculinas e femininas para todas as faixas etárias qüinqüenais até 75-79 anos, sendo que as duas primeiras são de 0 a 1 ano e de 1 a 4 anos de idade. O conjunto de curvas demonstra as mudanças no padrão etário da mortalidade masculina causadas pela tendência de aumento da mortalidade nas faixas etárias de 15 a 39 anos de idade. Cabe destacar que, nas faixas etárias de 15 a 19 e 20 a 24 anos, as probabilidades de morte q(x), em 1991, superam os níveis observados 40 anos antes. Trata-se de um retrocesso muito intenso nos níveis de mortalidade, que distorce o padrão anterior da mortalidade masculina, diferenciando-o fortemente do padrão de mortalidade feminina, que mantém aproximadamente a mesma estrutura das décadas anteriores. Esta tendência também vem ocorrendo em vários outros países, inclusive nos mais desenvolvidos, porém, em geral, com intensidade inferior à de São Paulo e está diretamente associada à evolução de algumas causas de morte que serão analisadas em seguida. Diante da rápida elevação dos níveis de mortalidade da população masculina, nas idades situadas entre 15 e 39 anos, cabe examinar mais detalhadamente as tendên- 10 20 30 40 50 60 70 Mulheres qx 1 0,1 0,01 Idade 0,001 1 10 20 30 40 50 60 70 1940 1950 1960 1970 1980 1991 Fonte: Ferreira (1980); Ortiz e Yazaki (1984); Ferreira e Castiñeiras (1996). 37 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 giu o risco máximo observado, seguido por um curto período de decréscimo até 1992; e de 1993 a 1994, quando foram registrados aumentos sucessivos sem, contudo, alcançar o nível máximo observado em 1989. É importante salientar que a taxa de mortalidade por causas externas passou de um patamar da ordem de 150 por 100.000 habitantes, em 1980, para um outro acima de 200 óbitos por 100.000, em 1991. Este aumento da mortalidade por causas externas foi decisivo na tendência geral da mortalidade masculina no grupo etário de 15 a 39 anos. Dentre as causas externas que atingem a população masculina nesta faixa etária, os homicídios aparecem em primeiro lugar, seguidos pelos acidentes de veículo a motor. Com relação às demais causas de morte agrupadas nos capítulos selecionados, não se verifica uma tendência nítida de aumento, prevalecendo uma certa estabilidade ou um pequeno decréscimo, como por exemplo, as doenças do aparelho circulatório, a partir de 1989. Resta então o caso da epidemia de Aids, que se destaca pela rápida ascensão entre 1988 e 1994 e que representa um outro fator de risco crescente que se soma àqueles associados com as causas externas. É importante ressaltar que a taxa de mortalidade por Aids, a partir de 1991, passou a superar todas as taxas calculadas por capítulo, com exceção daquelas referentes às causas externas. Para a população feminina, o panorama é bem diferente do anterior. Primeiramente, os níveis de mortalidade são cias das principais causas de morte no estado, com o objetivo de uma melhor caracterização do comportamento evolutivo de cada uma delas, em especial o grupo das causas externas e a Aids. As estatísticas de mortalidade produzidas pela Fundação Seade encontram-se disponíveis em uma base de dados que contempla o conjunto de informações coletadas nas declarações de óbitos. Para o desenvolvimento desta análise, consideraram-se os óbitos de residentes no Estado de São Paulo classificados por causa básica, faixa etária e sexo, no período 1980-94, e as estimativas da população, também por faixa etária e sexo, para o mesmo período. A partir daí, foram elaboradas as taxas de mortalidade para a faixa etária de 15 a 39 anos, adotando, como critério de classificação para as causas de morte, os Capítulos da Classificação Internacional de Doenças (9a revisão). Foram selecionados alguns capítulos de maior peso para efeito de comparação com aquele das causas externas. A mortalidade por Aids foi considerada isoladamente, mesmo se tratando de uma causa específica (classificação com 4 dígitos), devido à sua elevada incidência e rápido crescimento nesta faixa etária (Gráfico 3). No caso da mortalidade masculina, verifica-se o papel predominante das causas externas com relação aos demais capítulos, sendo que sua tendência de aumento ocorre em duas etapas: de 1980 a 1989, quando se atin- GRÁFICO 3 Taxas de Mortalidade da População de 15 a 39 Anos, por Sexo, Segundo Grupos de Causas Estado de São Paulo – 1980-94 Homens Mulheres Por 100.000 hab. Por 100.000 hab. Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade. 38 O RÁPIDO AUMENTO DA MORTALIDADE DOS JOVENS ADULTOS EM SÃO PAULO... Fica evidente, portanto, o caráter determinante das causas externas e da Aids nas taxas de mortalidade da população masculina de 15 a 39 anos. Já para as mulheres nesta mesma faixa etária, estas causas têm menor peso relativo e dividem sua influência com outros capítulos que se destacam isoladamente, como é o caso das doenças do aparelho circulatório que apresentaram uma tendência de decréscimo importante, contribuindo significativamente para a resultante final. bem inferiores aos dos homens, tornando necessária uma adaptação da escala do gráfico para uma melhor visualização das tendências. Em segundo lugar, as taxas por causas externas, além de bem inferiores, oscilam muito ao longo do período de observação: identifica-se um acréscimo sistemático entre 1980 e 1986 e um posterior decréscimo até 1992, voltando a apresentar taxas crescentes em 1993 e 1994, tal como se verificou para a população masculina. Dentre as causas externas que atingem a população feminina, as de maior peso são os acidentes de veículos a motor e os homicídios. Quanto aos demais capítulos selecionados, cabe destacar a nítida tendência de queda observada nas taxas de mortalidade por doenças do aparelho circulatório: em 1980, igualavam-se ao nível do capítulo das causas externas, diminuindo sistematicamente, em seguida, até 1991, quando atingiram um mínimo que representava cerca de dois terços do nível inicial e mantendo-se estáveis de 1991 a 1994. As taxas por neoplasmas apresentaram uma ligeira tendência de acréscimo e os demais capítulos registraram pequeno declínio. As taxas de mortalidade por Aids da população feminina cresceram rapidamente a partir de 1988, superando os níveis de vários capítulos e se igualaram, em 1994, às taxas de mortalidade por neoplasmas. Se esta tendência continuar, em pouco tempo a mortalidade por Aids, na faixa etária de 15 a 39 anos, será predominante, tal como já acontece no grupo mais reduzido de 20 a 34 anos. VIVE-SE MAIS NO INTERIOR DO QUE NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO As esperanças de vida ao nascer calculadas para a Região Metropolitana de São Paulo e para o interior do estado, com referência ao ano de 1991, indicam diferenças regionais importantes, com mais vantagem para a população interiorana. Os resultados mostram que a esperança de vida ao nascer da população masculina residente no interior é 2,6 anos superior àquela dos homens residentes na Região Metropolitana e 2,3 anos à da capital, significando um risco de morte mais elevado na área metropolitana do que no restante do estado. Com relação à população feminina, as diferenças são pequenas, mas também favorecem o interior. Ao se desagregar a análise no âmbito das regiões administrativas do estado, constata-se que o interior também apresenta grandes disparidades dentro TABELA 2 Esperança de Vida ao Nascer, por Sexo Regiões Administrativas do Estado de São Paulo – 1980-1991 Homens Mulheres Regiões Administrativas Estado de São Paulo Região Metropolitana de São Paulo Município de São Paulo Interior de São Paulo RA de Registro RA de Santos RA de São José dos Campos RA de Sorocaba RA de Campinas RA de Ribeirão Preto RA de Bauru RA de São José do Rio Preto RA de Araçatuba RA de Presidente Prudente RA de Marília RA Central RA de Barretos RA de Franca 1980 1991 Incremento 1980 1991 63,30 62,65 63,58 64,17 60,58 61,88 63,71 61,83 64,62 64,88 63,89 66,45 66,23 66,25 64,06 65,98 63,77 64,24 64,87 63,51 63,90 66,18 64,99 62,66 65,61 64,81 66,29 66,68 66,45 68,06 67,56 68,89 66,69 67,82 66,47 67,44 1,57 0,86 0,32 2,01 4,41 0,78 1,90 2,98 1,67 1,80 2,56 1,61 1,33 2,64 2,63 1,84 2,70 3,20 70,02 69,85 70,83 70,73 69,64 70,51 70,23 67,85 71,68 72,11 70,29 72,45 71,47 71,92 69,90 71,72 70,92 69,93 73,24 72,89 73,64 73,59 72,32 72,20 72,43 71,38 74,32 74,11 74,04 75,00 75,36 74,62 73,95 74,34 73,34 73,96 Fonte: Ferreira e Castiñeiras (1996). 39 Incremento 3,22 3,04 2,81 2,86 2,68 1,69 2,20 3,53 2,64 2,00 3,75 2,55 3,89 2,70 4,05 2,62 2,42 4,03 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 TABELA 3 Probabilidades de Morte q(x), por Sexo, Segundo Grupos de Idade Estado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo e Interior – 1991 Estado de São Paulo Grupos de Idade Região Metropolitana de São Paulo Interior Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres 0 a 14 Anos 0,04055 0,03203 0,04302 0,03382 0,03810 0,03014 15 a 24 Anos 0,02844 0,00703 0,03752 0,00728 0,01975 0,00677 25 a 39 Anos 0,06219 0,02025 0,07124 0,02074 0,05300 0,01981 40 a 64 Anos 0,29760 0,16467 0,31005 0,16918 0,28662 0,16040 65 a 80 Anos 0,57776 0,42206 0,59569 0,42614 0,56435 0,41840 Fonte: Ferreira e Castiñeiras (1996). de seu contorno. Os maiores níveis de esperança de vida ao nascer, para os homens, foram registrados nas regiões de Presidente Prudente (68,89), São José do Rio Preto (68,06) e Central (67,82) e, para as mulheres, em Araçatuba (75,36), São José do Rio Preto (75,00) e Presidente Prudente (74,62). As regiões que apresentaram as menores cifras foram Santos (62,66), Região Metropolitana de São Paulo (63,51) e Capital (63,90), para os homens, e Sorocaba (71,38), Santos (72,20) e Registro (72,32), para as mulheres. É evidente que estas diferenças regionais não se distribuem homogeneamente em todas as faixas etárias, sendo que algumas idades contribuem mais que as outras para este comportamento. Com a finalidade de analisar as diferenças por este ângulo, recorreu-se aos indicadores de mortalidade por idade q(x) (probabilidade de morte específica por faixa etária), apresentados na Tabela 3. Através dos dados da Tabela 3, constata-se que o risco de morte para os habitantes do interior é inferior em relação aos da Região Metropolitana de São Paulo para todas as faixas etárias, mas de forma muito diferenciada. As menores diferenças entre estas duas áreas foram registradas na faixa de população mais idosa (65 anos e mais), seguida da faixa mais jovem (0 a 14 anos). Para os homens, o risco de morte na faixa etária de 15 a 24 anos é quase duas vezes maior na Região Metropolitana do que no interior e no grupo de 25 a 39 anos as diferenças são da ordem de 34%. Já para a população feminina, estas diferenças são relativamente pequenas. Os riscos de morte da população acima de 15 anos de idade, agravados pelos acidentes e violências, sobretudo os homicídios e aciden- tes de trânsito, atingem com mais intensidade a população masculina residente na Região Metropolitana e são determinantes na explicação dos diferenciais encontrados entre Região Metropolitana e interior. COMENTÁRIOS FINAIS As novas tendências da mortalidade no Estado de São Paulo estão associadas às transformações importantes na composição das causas de morte e, conseqüentemente, no padrão etário dos riscos de morte. Os resultados das análises aqui realizadas constituem insumos para o delineamento de cenários futuros da evolução da mortalidade dentro do modelo mais geral, adotado pela Fundação Seade, de projeção da população. O impacto do rápido aumento da mortalidade dos jovens adultos sobre a esperança de vida ao nascer vem adquirindo importância e, no futuro próximo, poderá ser responsável pela estagnação ou mesmo diminuição da esperança de vida. A velocidade do crescimento das taxas de mortalidade por Aids e o aumento dos riscos de morte por homicídios adquirem um peso ainda maior ao atingirem especialmente uma população jovem. A elevada freqüência de mortes precoces, que caracterizava o passado e respondia pelos níveis baixos de esperança de vida, está ressurgindo por outra razões, com ênfase em outras faixas etárias, e já revela as suas conseqüências sobre a evolução da vida média da população paulista. Para se ter uma idéia mais concreta sobre este impacto, realizou-se um simples exercício de simulação para responder à seguinte questão: qual seria a esperança de 40 O RÁPIDO AUMENTO DA MORTALIDADE DOS JOVENS ADULTOS EM SÃO PAULO... FERREIRA, C.E.C. “Tábuas abreviadas de mortalidade para o Estado de São Paulo – 1939/41, 1949/51, 1959/61, 1969/71”. Informe Demográfico. São Paulo, Fundação Seade, n.4, 1980. vida ao nascer, em 1991, se os níveis de mortalidade da população masculina na faixa etária de 15 a 39 anos de idade não tivesse piorado no período 1980-91? A resposta seria um aumento da esperança de vida ao nascer, na capital, de 1,66 ano, ou seja, um ganho cinco vezes maior do que o realmente registrado entre 1980 e 1991. Quanto ao estado, o ganho seria de aproximadamente um ano de vida média. A importância desse impacto dependerá, em última análise, da tendência futura das causas de morte mencionadas anteriormente. De qualquer maneira, já se atingiu uma certa aceleração, cuja inércia poderá realimentar os mecanismos de deterioração dos ganhos de vida média até provocar uma reversão total na evolução histórica da esperança de vida da população paulista. Uma trágica tendência. FERREIRA, C.E.C. et alii. Reconstrução das tábuas de vida regionais de 1980 para as novas regiões administrativas do Estado de São Paulo. São Paulo, Fundação Seade, 1995, mimeo. FERREIRA, C.E.C. e CASTIÑEIRAS, L.L. Novas tábuas de vida regionais para o Estado de São Paulo 1990-1992. São Paulo, Fundação Seade, 1996, mimeo. 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Transição epidemiológica no Brasil: evolução e novos fatos. (Apresentado em Seminário sobre Previdência Social. Brasília, 1996). 41 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO PAULA MONTAGNER Economista, Analista da Fundação Seade SANDRA MÁRCIA CHAGAS BRANDÃO Economista, Analista da Fundação Seade E nquanto movimento de deslocamento populacional inter e intra-regional, a migração é usualmente associada à busca, por indivíduos e famílias, de melhores oportunidades socioeconômicas. Além dos fatores de expulsão identificáveis na região de origem, esta motivação pode ser associada a vários fatores de atração, dentre os quais cabe destacar: - o acesso a bens e serviços de consumo coletivo mais modernos e/ou adequados, o que, no caso brasileiro, tendeu a significar a migração do campo e de pequenas cidades para os grandes centros urbanos. Na década de 80, a direção deste movimento sofreu relativa alteração e as cidades de porte médio adquiriram maior importância como destino dos fluxos migratórios. Em parte, esta mudança pode ser relacionada aos crescentes custos, em termos de qualidade de vida, de residir em grandes metrópoles; 50 anos precedentes. Deve ser destacado que esta reversão pode ser explicada, em grande medida, pela forte evasão populacional observada na capital paulista, que registrou saldo migratório negativo de 756 mil pessoas no período 1980-91. Explicar os determinantes desta reversão de tendência e identificar as possibilidades de sua continuidade nas próximas décadas são tarefas instigantes que permitirão subsidiar o planejamento de múltiplas políticas e ações na região. Uma das formas de tentar compreender os resultados migratórios da década de 80 e pensar suas características no futuro é a análise do comportamento do mercado de trabalho regional, visto que um dos determinantes da intensa migração dos anos 70 foi o extraordinário ritmo de criação de postos de trabalho na RMSP. Trata-se, contudo, de um exercício sujeito a grandes incertezas, devido à instabilidade que ainda caracteriza a economia brasileira, na qual a idéia de longo prazo persiste como uma referência muito abstrata, e às possibilidades de transformações estruturais colocadas pela crescente abertura ao comércio exterior e pelo atual momento tecnológico e produtivo internacional. Consideradas estas questões, o objetivo do presente artigo é estudar a evolução do mercado de trabalho metropolitano no período 1985-95, buscando discutir as características do processo de demanda e de oferta de postos de trabalho e identificar comportamentos que possam ter provocado fragilização do potencial de atração de migrantes pela RMSP. A escolha da segunda metade dos anos 80 como ponto de partida do estudo decorre do fato de a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), fonte de informações utilizada no trabalho, ter sido iniciada em outubro de 1984. - a tentativa de obter um posto de trabalho qualitativamente melhor, que viabilize maior renda individual e familiar, propiciando ampliação da cesta de consumo passível de aquisição, e permita a ascensão social, movimento que, no Brasil, tem sido determinado fundamentalmente pela forma de inserção no mercado de trabalho. Considerados estes dois aspectos, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) foi, até os anos 70, o principal pólo de atração populacional no Brasil. No período 1970-80, por exemplo, o saldo migratório superou dois milhões de pessoas, tornando a migração o principal fator explicativo do crescimento da população na metrópole (Fundação Seade, 1993). Nos anos 80, ao contrário, o saldo migratório tornou-se negativo e a região perdeu 275 mil habitantes entre 1980 e 1991, movimento inédito nos 42 MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO O artigo é subdividido em quatro itens. No primeiro, são descritos os aspectos centrais da evolução do mercado de trabalho da RMSP no período 1985-95, com ênfase na mudança de patamar da taxa de desemprego e na perda de participação do emprego industrial, fenômenos observados na década de 90. No segundo, são analisadas as tendências básicas da evolução das taxas de participação e de ocupação por sexo e faixa etária, visando associar mudanças na possibilidade de obter trabalho verificadas para determinadas parcelas populacionais e seus possíveis efeitos sobre os movimentos migratórios. No terceiro, é estudada a trajetória do nível ocupacional das diversas atividades desenvolvidas na região, de forma a caracterizar a inserção dos indivíduos no contingente de ocupados e identificar as principais alterações ocorridas no período em análise. O último item apresenta a evolução do perfil dos desempregados, buscando enfatizar as transformações ocorridas na primeira metade dos anos 90 e suas conseqüências sobre a situação socioeconômica de indivíduos e famílias. a atratividade da região, que o desempenho do nível ocupacional fosse bastante expressivo. A participação dos ocupados na População em Idade Ativa (PIA) mostra que o intenso dinamismo do emprego na década de 70, quando o nível de ocupação chegou a expandir-se a taxas superiores às de crescimento da população, não se repetiu. Na comparação entre os anos extremos do período em análise, a parcela ocupada da PIA era idêntica (53,0%). Isto indica que a maior demanda por postos de trabalho teve como contrapartida o aumento do desemprego. Assim, a parcela desempregada da PIA cresceu de 7,3%, em 1985, para 8,1%, em 1995, após ter atingido 5,3%, em 1989, e 9,4%, em 1992, melhor e pior ano, respectivamente, quanto ao desempenho desta variável na RMSP. A estimativa do contingente desempregado passou de 777.000 pessoas para 1.085.000 pessoas, nos anos extremos da série. Em termos quantitativos, ocorreu, portanto, uma significativa deterioração das condições do mercado de trabalho na RMSP. O distanciamento entre o crescimento da força de trabalho e o do nível ocupacional, tendo como conseqüência a elevação do desemprego, tenderia a atuar – isolados todos os demais fatores – como um desestímulo ao deslocamento inter-regional em busca de oportunidades de trabalho. Como o perfil ocupacional da região também se alterou, cabe analisar qual o sentido deste movimento. A composição setorial da ocupação sofreu acentuadas mudanças, sinalizando um rompimento da imagem de metrópole industrial, sob o aspecto do emprego. Entre 1985 e 1995, a ocupação na indústria decresceu de 17,4% para 13,2% da PIA. Embora tenha havido ampliação da parcela da PIA ocupada no comércio e nos serviços, 2 estes setores foram incapazes de gerar postos em volume suficiente de modo a evitar que o ajuste no emprego industrial resultasse em maior desemprego. Também aumentou a fragilidade das formas de inserção dos ocupados, tendendo a relativizar também a imagem de predomínio de emprego de maior qualidade na região. As formas regulamentadas de inserção – assalariamento com carteira de trabalho assinada no setor privado e emprego no setor público – perderam participação na PIA, decrescendo de 32,7% para 28,7%, 3 no período 1985-95. Em contraposição, as formas de inserção mais precárias – como o assalariamento sem carteira assinada e o trabalho do autônomo para o público – passaram a representar parcela mais substantiva do conjunto de ocupados na PIA, elevando-se de 8% para 12%, no período. Já a construção civil e o emprego doméstico, usualmente tratados como as principais portas de entrada no A DINÂMICA DO MERCADO DE TRABALHO NO PERÍODO 1985-95 Nos onze anos que compõem o período em análise, ocorreram profundas mudanças no cenário econômico, determinadas por inúmeras tentativas de estabilização da economia, por transformações na forma de relacionamento do país com o setor externo e por ajustes nos padrões produtivos e gerenciais das empresas. No caso da RMSP, os efeitos deste conjunto de movimentos sobre o mercado de trabalho foram promovendo alterações em sua estrutura e dinâmica que, em grande medida, relativizaram características usualmente atribuíveis à região. Ademais, atenuaram as diferenças existentes frente ao restante do país, em especial quanto à potencialidade de criação de postos de trabalho de alta qualidade. O ritmo de ampliação da força de trabalho regional pode ser avaliado através da evolução da taxa de participação global 1 que, entre 1985 e 1995, apresentou pequeno crescimento, passando de 60,3% para 61,1%. Este movimento foi determinado pelo aumento da participação feminina no mercado de trabalho (de 44,7% para 48,8%), pois houve diminuição desta taxa entre a população masculina (de 77,1% para 74,6%). A elevação da taxa de participação das mulheres, observada também em outras regiões do país, neutralizou, em parte, os efeitos do menor ritmo do movimento migratório e do crescimento vegetativo da população regional. Como a demanda por postos de trabalho permaneceu em trajetória ascendente, seria necessário, para se manter 43 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 mercado de trabalho para o migrante recém-chegado, perderam progressivamente participação entre os ocupados na PIA. Na construção civil, a queda foi de 3,3%, em 1985, para 2,7%, em 1995, e nos serviços domésticos, de 8,2% para 7,7%, no mesmo período. Estes movimentos não ocorreram, no entanto, de forma contínua ou linear, visto que um dos traços mais característicos do período 1985-95 foi a grande instabilidade das condições de funcionamento do mercado de trabalho. Podem ser identificadas duas fases distintas, tomando como marco divisório a política de abertura comercial e de estabilização implementadas em 1990, cuja combinação resultou em um processo de forte recessão e em transformações na forma de organização da produção, com reflexos importantes sobre o nível e a composição do emprego, principalmente no setor industrial. O Período 1990-95 A primeira metade dos anos 90 foi marcada por variações acentuadas na taxa de participação global, que decresceu em 1990, atingindo 60,2%, ampliou-se no biênio 1991-92 e voltou a diminuir nos anos seguintes, alcançando 61,1%, em 1995. Neste período, ocorreu contínua redução da taxa de participação masculina, que passou de 76,4% para 74,5%, entre 1990 e 1995, enquanto a feminina manteve-se em ascensão, evoluindo de 45,2% para 48,8%, em 1995. Como decorrência do comportamento adverso da ocupação, a parcela de ocupados na PIA manteve-se, em todos os anos, inferior ao percentual registrado em 1989, alcançando os mais baixos patamares de todo o período analisado. Por esta razão, o contingente de desempregados permaneceu, em todos os anos, acima de um milhão de pessoas. A parcela em desemprego na PIA cresceu dos 5,3%, em 1989, para 9,4%, em 1992, apresentando leve tendência de decréscimo nos anos finais do período e alcançando 8,1%, em 1995. As principais variáveis relativas a este subperíodo mostram que houve uma redução do espaço ocupacional na região, não revertida a despeito da recuperação da economia, a partir de 1993. Mesmo tendo ocorrido uma diminuição relativa da taxa de participação global, equivalendo a menor de demanda por postos de trabalho, a permanência da taxa de desemprego em elevados patamares indica que o ritmo de criação de postos de trabalho tem sido insuficiente para propiciar o retorno às condições anteriores à crise, situação relativamente inédita na RMSP. Além desta deterioração quantitativa, ocorreu também uma fragilização das condições ocupacionais neste subperíodo, cujo desempenho foi determinante para a alteração da estrutura de emprego regional. Nestes anos, houve redução em termos relativos e absolutos do nível de ocupação industrial, não compensada pela criação de postos no comércio e em serviços. Foi também nesta primeira metade dos anos 90 que ocorreu o mencionado declínio das formas regulamentadas de inserção ocupacional, com a contrapartida do aumento da participação de postos de trabalho precários na estrutura ocupacional. Na medida em que estes movimentos estão associados a mudanças na configuração da economia, em resposta ao novo padrão competitivo e de preços, este cenário geral coloca em questão a possibilidade de o mercado de trabalho da RMSP continuar exercendo atração sobre as correntes migratórias. Em especial, se considerada a possibilidade de as atividades industriais e de vários ramos de serviços virem a sofrer transformações mais intensas em seus processos de trabalho, voltando a excluir mão-de-obra. O Período 1985-89 Entre 1985 e 1989, a taxa de participação global elevou-se de 60,3% para 61,1%, devido à ampliação das taxas de participação feminina – de 44,7% para 46,1% – e masculina – 77,1% para 77,3%. A despeito do crescimento da força de trabalho, foi criado um número de postos suficiente para permitir o aumento da parcela de ocupados na PIA, que passou de 53,0% para 55,8%, no período. Como conseqüência deste bom desempenho do emprego, a participação dos desempregados na PIA decresceu de 7,3%, em 1985, para 5,3%, em 1989, o mais baixo patamar para todo o período analisado. Em números absolutos, isto significou a diminuição do contingente em desemprego de 777.000 para 614.000 pessoas. Neste período teria ocorrido, portanto, um saldo positivo do processo de geração de postos de trabalho na região, em especial se considerada a ampliação da demanda por trabalho, expressa no aumento da taxa de participação. Ademais, a Indústria manteve sua participação no total de postos de trabalho existentes, criando 291.000 novos postos, entre 1985 e 1989. As formas regulamentadas de inserção no mercado também adquiriram maior expressão na estrutura ocupacional, com um aumento de 61,8%, em 1985, para 62,8%, em 1989, da parcela de ocupados com acesso aos direitos definidos pela legislação trabalhista. Apesar da instabilidade monetário-financeira e econômica do período, não houve um processo de precarização do mercado de trabalho regional, que foi capaz de incorporar a crescente oferta de força de trabalho sem ampliação do desemprego ou de formas mais frágeis de inserção. O ajuste incidiu, fundamentalmente, sobre o nível e a distribuição dos rendimentos do trabalho, cuja deterioração foi acelerada neste período. 44 MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO patíveis com determinadas faixas etárias, seja por características físicas ou por habilidades atribuídas pelo senso comum a determinado gênero e/ou faixa etária; - mudanças na probabilidade de conseguir um posto de trabalho, dependendo de quais segmentos populacionais tenham suas chances de obter ocupação alteradas, afetam de forma distinta o processo de migração. Assim, por exemplo, a redução da possibilidade de adolescentes obterem emprego não deve ter impacto tão expressivo sobre a decisão familiar de migrar quanto a diminuição do espaço ocupacional para homens de 25 a 30 anos. Como o comportamento das taxas de participação específicas, entre 1985 e 1995, foi bastante diferenciado por gênero, o indicador de taxa de ocupação utilizado na análise equivale à relação4 A EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE PARTICIPAÇÃO E DE OCUPAÇÃO Embora no nível agregado a configuração do mercado de trabalho da RMSP mostre-se, no presente, adversa, é possível que, para segmentos específicos da população ativa, existam mais oportunidades ocupacionais que as vislumbradas para o conjunto. Como as decisões de deslocamento são tomadas por indivíduos ou unidades familiares, considerada a potencialidade específica de obter um posto de trabalho de maior qualidade, que está determinada por fatores de mercado e por atributos pessoais, faz-se necessário analisar o impacto dos movimentos antes descritos sobre parcelas específicas da população. Um recorte que pode oferecer informações mais precisas sobre a alteração das oportunidades ocupacionais na RMSP pode ser a desagregação das taxas de participação e de ocupação por sexo e faixa etária, de modo a se identificar tendências de longo prazo e alterações associáveis aos movimentos conjunturais. A opção por centrar a análise nestes atributos está assentada em três supostos: - a inserção na força de trabalho tem importância diferenciada para os segmentos populacionais, pois, para alguns, o retorno à inatividade pode ser a alternativa à perda da ocupação. Desta forma, haveria segmentos para os quais a importância do fluxo inatividade-ocupação-inatividade é maior, enquanto, para outros, predominariam fluxos desemprego-ocupação-desemprego; ocupadosgênero i, faixa etária j população em idade ativa gênero i, faixa etária j que permite: - avaliar em que medida o aumento da taxa de participação de segmentos específicos tem resultado em ampliação da parcela ocupada ou daquela em desemprego, ou seja, se a crescente população economicamente ativa de determinada parcela populacional tem encontrado maiores oportunidades ocupacionais. Isto é possível porque a diferença entre a taxa de participação e a taxa de ocupação assim calculada equivale à proporção do segmento em idade ativa que se encontra desempregada e, portanto, o distanciamento entre os dois indicadores corresponde ao crescimento da taxa de desemprego específica; - a possibilidade de obtenção de um posto de trabalho é variável segundo sexo e faixa etária, seja por demandas mínimas de formação educacional e profissional incom- TABELA 1 Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação, por Gênero Região Metropolitana de São Paulo – 1985-95 Em porcentagem Gênero 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 Total Taxa de Participação Taxa de Ocupação Taxa de Desemprego 60,3 53,0 6,7 61,9 55,9 6,0 61,7 56,0 5,7 61,4 55,5 5,9 61,1 55,8 5,3 60,2 54,0 6,2 61,3 54,1 7,2 61,5 52,1 9,4 61,4 52,5 8,9 60,7 52,1 8,6 61,1 53,0 8,1 Homens Taxa de Participação Taxa de Ocupação Taxa de Desemprego 77,1 69,3 7,8 78,5 72,5 6,0 78,4 72,7 5,7 77,8 71,5 6,3 77,3 71,5 5,8 76,3 69,4 6,9 76,2 68,0 8,2 75,7 65,2 10,5 75,3 65,2 10,1 74,7 65,3 9,4 74,5 65,7 8,8 Mulheres Taxa de Participação Taxa de Ocupação Taxa de Desemprego 44,7 37,8 6,9 46,6 40,6 6,0 45,9 40,3 5,6 46,2 40,6 5,6 46,1 41,2 4,9 45,4 39,9 5,5 47,7 41,5 6,2 48,4 40,1 8,3 48,8 40,9 7,9 47,9 40,1 7,8 48,8 41,4 7,4 Fonte: SEP. Convênio Seade — Dieese. 45 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 - verificar em que medida as evoluções diferenciadas das taxas de participação masculina e feminina, quando desagregadas por faixas etárias, estão relacionadas a alterações na taxa de ocupação específica ou se podem ser explicadas como tendências de mais longo prazo, que apresentam relativa independência da evolução desta variável. Em outras palavras, se as variações nas taxas de participação respondem às oportunidades ocupacionais existentes ou são resultado de tendências estruturais. GRÁFICO 1 Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação da População em Idade Ativa Região Metropolitana de São Paulo — 1985-95 Em % Para exemplificar o significado deste indicador, podese analisar a evolução das taxas de participação e de ocupação para o conjunto da PIA da RMSP no período 198595 (Tabela 1 e Gráfico 1). Como já comentado, houve um pequeno aumento da participação global entre os anos extremos, tendo sido registrada, em 1990, a mais baixa participação de toda a série. Embora idêntica nos extremos do período, a taxa de ocupação apresentou comportamento bastante diverso. Após ter aumentado em 1986, permaneceu relativamente estável até 1989, sofrendo uma primeira redução em 1990 e novo e mais intenso decréscimo em 1992. Somente em 1995 registraram-se sinais de recuperação do espaço ocupacional na região. O resultado destes movimentos distintos foi a ampliação da diferença entre os dois indicadores (ou da distância entre as curvas, no caso do gráfico), indicando um crescente desemprego na região, como já analisado. Em outras palavras, a crescente população disponível para o trabalho não encontrou oportunidades ocupacionais em volume e ritmo necessários à sua demanda. Anos Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese. GRÁFICO 2 Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação da População Masculina em Idade Ativa Região Metropolitana de São Paulo — 1985-95 Em % Anos Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação por Gênero Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese. No caso da população masculina em idade ativa, verifica-se que, após relativa estabilidade entre 1986 e 1989, a taxa de ocupação decresceu intensamente até 1992, experimentando uma pequena recuperação, a partir de 1993 (Tabela 1, Gráfico 2). Isto indica que parte substancial do ajuste do nível ocupacional na RMSP, ocorrido nos primeiros anos da década de 90, recaiu sobre este segmento populacional, o que pode ser explicado pelo fato de a indústria, que emprega majoritariamente homens, ter sido a responsável pelo maior volume de demissões. Frente à intensidade do declínio das oportunidades ocupacionais para os homens, nem mesmo a contínua redução de sua taxa de participação, indicativa de sua saída do mercado de trabalho, foi suficiente para impedir acentuado e rápido aumento de sua taxa de desemprego. Assim, a parcela de homens em idade ativa desempregados, que oscilou em torno de 6% no período 1985-89, saltou GRÁFICO 3 Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação da População Feminina em Idade Ativa Região Metropolitana de São Paulo — 1985-95 Em % Anos Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese. 46 MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO para 6,9%, em 1991, passando a variar, nos anos seguintes, entre 8% e 10%. Em termos relativos, não parece ter-se ampliado, no período 1985-95, a disponibilidade de postos de trabalho para as mulheres. Sua taxa de ocupação oscilou entre 40% e 41% em todos os anos, excetuando 1985, quando estava no mais baixo patamar (Tabela 1). Com esta relativa estabilidade de sua taxa de ocupação, as variações na parcela de mulheres em idade ativa desempregadas foram determinadas, nos anos em questão, basicamente pelas mudanças no patamar de sua taxa de participação, ou seja, no tamanho da oferta de mãode-obra feminina. Esta variou em torno de 46% no período 1986-89 e, após pequeno declínio em 1990, cresceu de forma mais intensa nos anos seguintes. A parcela em desemprego apresentou evolução muito semelhante e, como pode ser visto no Gráfico 3, o aumento da distância entre as duas curvas deveu-se à tendência da taxa de participação. Assim, do ponto de vista quantitativo, a experiência de homens e mulheres no mercado de trabalho da RMSP tem sido bastante diversa, em especial no período mais recente, a partir de 1990. Ainda que para os dois segmentos tenha havido ampliação da parcela em idade ativa desempregada, os determinantes foram distintos; no caso dos homens, isto se explica pela menor disponibilidade de postos de trabalho e, no das mulheres, pela maior oferta de mão-de-obra. Além de diferentes do período final da década de 80, estes movimentos têm importantes implicações quanto à capacidade do mercado de trabalho regional de atrair migrantes, principalmente dependendo de quais faixas etárias da população masculina tenham sido mais afetadas pela retração do espaço ocupacional. anos; a taxa para os homens de 50 anos e mais não sofreu redução tão brusca a partir de 1990, ainda que também tenha apresentado ligeira diminuição a partir daquele ano; - para as mulheres, a tendência ascendente da taxa de participação, descrita para o conjunto da população, foi registrada para todas aquelas com 25 anos e mais, com menor intensidade para aquelas acima de 50 anos (Tabela 2). Para as crianças e adolescentes, houve declínio da participação e para as jovens de 18 a 24 anos, após mudança para um patamar mais elevado em 1991, a taxa de participação apresentou leve tendência de declínio. Quanto à taxa de ocupação, repetiu-se, para as mulheres de 10 a 24 anos, o movimento descrito para a população masculina, enquanto, para as demais, a tendência foi de ampliação desta taxa, ainda que em ritmo inferior ao do aumento da participação, com a conseqüente elevação do desemprego. Parecem existir, portanto, comportamentos das taxas de participação e de ocupação para determinadas faixas etárias que se reproduzem nas populações masculina e feminina. Assim, tomando-se a variável faixa etária como referência, destacam-se as seguintes características da trajetória das taxas de participação e de ocupação ao longo do período 1985-95 (Tabela 2): - entre as crianças e adolescentes de 10 a 17 anos, o declínio simultâneo das taxas de participação e de ocupação pode ser observado para homens e mulheres. Apesar do retorno à inatividade, ocorreu também aumento do desemprego (medido pela diferença entre os dois indicadores) para esta parcela da população, em maior proporção entre os homens. A diminuição das oportunidades ocupacionais para os indivíduos desta faixa etária, independente do gênero, parece ser, portanto, o traço básico da evolução no período em análise; - para os jovens de 18 a 24 anos, o comportamento da taxa de ocupação apresenta, por gênero, mais semelhanças que o da taxa de participação. Quanto à primeira, permaneceu relativamente estável, para os homens, até 1989 e, para as mulheres, até 1991, apresentando queda substantiva em 1992 para ambos e estabilidade em novo patamar, mais baixo que o anterior, nos anos seguintes. Quanto à taxa de participação, ao contrário dos homens, para os quais a tendência de redução é contínua, entre as mulheres houve diminuição em 1987, nova elevação em 1991 e, a partir de então, declínio suave. A despeito destas diferenças, como marca do período, haveria também uma dificuldade crescente para indivíduos desta faixa etária de obter um posto de trabalho, expressa no aumento da parcela em desemprego nas duas populações; - as populações de 25 a 30 anos e de 31 a 39 anos registram movimentos semelhantes para as taxas de participa- Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação por Gênero e Faixa Etária Ao combinar os atributos gênero e faixa etária, tornase possível identificar se os movimentos observados para o conjunto das populações masculina e feminina são comuns a todas as idades ou se existem comportamentos para determinados segmentos etários que independam do gênero. Assumindo, em um primeiro momento, a variável gênero como referência, observam-se os seguintes traços na evolução das taxas de participação e de ocupação por faixa etária: - o declínio da taxa de participação global dos homens foi determinado pelo decréscimo registrado para todos aqueles que têm de 10 a 39 anos (Tabela 2). Somente para os homens com mais de 40 anos não houve decréscimo. Quanto à taxa de ocupação, o comportamento observado para o total da população masculina é reproduzido, com diferenças muito pequenas, para todos os homens com até 49 47 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 TABELA 2 Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação, segundo Gênero e Faixa Etária Região Metropolitana de São Paulo – 1985-95 Em porcentagem Gênero e Faixa Etária 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 Homens 10 a 17 Anos Taxa de Participação Taxa de Ocupação 39,0 26,5 42,4 30,9 39,9 31,1 38,7 28,8 38,5 29,8 35,7 26,4 34,7 25,4 34,4 21,9 33,1 20,7 30,7 19,4 31,7 21,7 18 a 24 Anos Taxa de Participação Taxa de Ocupação 93,4 80,5 93,7 84,5 93,2 83,1 93,0 82,7 92,6 83,0 91,3 79,2 91,2 78,0 91,2 73,8 90,4 73,4 90,2 73,7 88,7 73,5 25 a 30 Anos Taxa de Participação Taxa de Ocupação 97,1 89,9 97,1 92,4 96,8 91,3 96,7 90,2 96,3 90,8 96,3 88,9 95,6 86,5 95,8 84,5 95,7 84,9 95,6 85,6 94,8 84,8 31 a 39 Anos Taxa de Participação Taxa de Ocupação 96,8 91,8 96,6 93,1 97,0 93,4 96,5 92 96,4 91,9 96,2 90,6 96,1 88,6 95,8 86,2 96,0 87,1 95,9 87,5 95,3 88,0 40 a 49 Anos Taxa de Participação Taxa de Ocupação 91,0 86,4 92,3 89,6 92,3 89,5 92,7 89,5 92,6 89,2 92,9 88,8 93,5 87,1 93,1 85 93,0 85,7 92,7 85,9 93,6 87,1 50 Anos e Mais Taxa de Participação Taxa de Ocupação 52,7 50,1 55,7 53,6 57,0 55,3 57,1 55,4 57,0 55,3 55,7 53,5 57,6 54,4 56,6 52,7 56,4 52,9 57,1 53,8 56,4 53,1 Mulheres 10 a 17 Anos Taxa de Participação Taxa de Ocupação 26,4 17,5 28,5 19,3 26,7 19,2 26,8 18,5 26,3 18,9 23,6 16,3 24,1 16,6 23,7 13,7 23,8 13,9 22,5 12,9 23,0 13,8 18 a 24 Anos Taxa de Participação Taxa de Ocupação 69,0 56,0 70,3 59,2 67,5 57,0 67,3 57,0 67,8 58,4 67,5 56,8 69,9 57,5 70,1 54,0 69,8 54,6 69,3 53,7 68,7 54,0 25 a 30 Anos Taxa de Participação Taxa de Ocupação 57,5 49,6 59,2 53,1 58,3 51,9 58,9 52,9 59,7 54,3 58,9 52,3 63,0 55,7 65,3 55,4 67,1 57,3 66,4 56,6 67,2 58,7 31 a 39 Anos Taxa de Participação Taxa de Ocupação 54,4 48,5 56,0 51,6 55,7 51,2 57,1 52,4 56,9 52,9 57,3 53,0 61,6 56,0 62,6 55,0 63,6 56,0 63,0 55,6 65,0 58,1 40 a 49 Anos Taxa de Participação Taxa de Ocupação 45,4 41,7 47,9 45,0 50,1 46,9 51,6 48,8 50,9 48,6 51,3 48,2 55,0 51,3 56,1 50,9 57,3 52,5 55,8 51,5 59,0 54,2 50 Anos e Mais Taxa de Participação Taxa de Ocupação 17,6 16,6 20,4 19,4 21,6 20,7 20,9 20,1 21,2 20,6 21,0 20,2 21,8 20,7 22,6 21,1 22,7 21,3 22,3 20,9 22,2 20,8 Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese. 48 MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO peito da diminuição da parcela disponível para o trabalho, conformou-se uma tendência de aumento do desemprego para este segmento, independente do gênero. Isto parece indicar que, em um momento de menor dinamismo do nível de emprego, esta parcela populacional, possivelmente pela falta e/ou pequena experiência profissional, tem sido preterida nas contratações, mesmo apresentando, em média, nível de instrução mais elevado que o do total da população ativa.5 Na análise da relação entre emprego e migração, este movimento tem importantes implicações, em especial por gerar um cenário desfavorável à obtenção de emprego para uma parcela da população que, pelos vínculos relativamente mais tênues com suas regiões de origem, tenderia mais à migração motivada por mobilidade ocupacional ascendente. A segunda questão está relacionada ao crescimento do desemprego entre a população masculina de 25 a 39 anos, a despeito da redução, no período, de sua taxa de participação. Diretamente relacionada ao desempenho desfavorável do nível de emprego na indústria e na construção civil, esta retração do espaço ocupacional para os indivíduos que constituem a chamada força de trabalho primária sinaliza uma mudança no perfil de mão-de-obra regional. Este processo produz forte impacto sobre a situação socioeconômica das famílias, principalmente se se considerar que, na região, cerca de 40% dos domicílios são chefiados por homens nesta faixa etária (Fundação Seade, 1992). Como a estrutura familiar no país ainda tende a centrar-se no chefe, basicamente do sexo masculino, terse-ia, também sob este aspecto, um fator de desestímulo à mobilização das famílias para a RMSP. A terceira questão relaciona-se à população feminina, para a qual se verificou uma tendência de aumento da participação no mercado de trabalho. Ao desagregar este movimento por faixa etária, pode-se perceber que, exceto para as mulheres de 50 anos e mais, ele não pode ser tomado como resposta ao surgimento de oportunidades ocupacionais, fator tradicionalmente utilizado como explicação para as oscilações da participação feminina simultaneamente às variações do nível de emprego. Embora venha assumindo, na RMSP, um caráter estrutural, a elevação da taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho não tem sido acompanhada, em termos relativos, por maior disponibilidade de postos de trabalho, como demonstra a estabilidade de sua taxa de ocupação. Esta ausência de resposta do mercado a uma demanda crescente por emprego pode também atuar como desestímulo ao movimento migratório, visto que o trabalho das chefes de família, cônjuges e filhas tem se tornado fonte imprescindível de rendimento familiar. ção e de ocupação, mas que se distinguem por gênero. Para a população masculina nestas faixas etárias, houve leve mas contínua tendência de declínio da taxa de participação, enquanto para as mulheres, o movimento foi de ampliação da parcela economicamente ativa, adquirindo maior intensidade a partir de 1990. Quanto à taxa de ocupação dos homens de 25 a 39 anos, houve intenso declínio, no triênio 1990-92, e recuperação a partir de 1993. No caso das mulheres de 25 a 39 anos, o aumento da taxa de ocupação persistiu ao longo de todo o período 198595, excetuando pequena queda, em 1990, entre as mulheres de 25 a 30 anos. Desta forma, o aumento do desemprego para indivíduos destas duas faixas etárias, observado na comparação entre os anos extremos da série, teve determinantes bastantes distintos por gênero; no caso dos homens, explica-se pela redução da parcela que conseguiu obter ocupação e, no das mulheres, pela ampliação da oferta de força de trabalho; - para a faixa etária de 40 a 49 anos, ocorreu ampliação da taxa de participação entre as populações masculina e feminina, mais expressiva entre as mulheres (de 41,7%, em 1985, para 54,2%, em 1995). A evolução das taxas de ocupação por gênero apresenta, contudo, grandes diferenças; entre os homens, verifica-se relativa estabilidade até 1990, queda intensa no biênio 1991-92 e tendência de recuperação nos anos seguintes; entre as mulheres, o movimento foi de contínua elevação. Como conseqüência, o aumento da parcela de homens de 40 a 49 anos em desemprego foi muito mais intenso que entre as mulheres, apesar da ampliação da oferta de mão-de-obra feminina nesta faixa etária; - para os indivíduos de 50 anos e mais, o comportamento das duas taxas apresenta mais oscilações que para as demais faixas etárias. No caso dos homens, a taxa de participação, após elevar-se em 1986, passou a oscilar em torno de 57% e a taxa de ocupação, depois do crescimento no período 1985-87, manteve-se estável até 1989, decresceu em 1990, passando a variar em torno de 53% a partir de então. No caso das mulheres, chama a atenção a semelhança quanto ao comportamento – ligeira tendência de crescimento – e à magnitude entre as taxas de participação e de ocupação, parecendo demonstrar que sua inserção no mercado de trabalho supõe basicamente o fluxo entre inatividade e ocupação, ou seja, que sua entrada na força de trabalho ocorre se existir oportunidade de trabalho adequada à sua qualificação. Há três grandes questões que emergem da descrição anterior. A primeira refere-se à menor disponibilidade de postos de trabalho para os jovens de 18 a 24 anos. A des- 49 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 sua importância para o conjunto da região não tenha se alterado substancialmente (passou de 0,9% para 1,1% da PIA, entre 1985-95). Do ponto de vista quantitativo, a redução mais expressiva de postos de trabalho ocorreu na cadeia metal-mecânica, cuja participação na PIA declinou de 7,7% para 5,3% no período em análise, movimento de retração que afetou principalmente homens de 25 a 39 anos, segmento populacional predominante entre os ocupados do setor. Ainda que devam ser consideradas a redução das atividades eletroeletrônicas e as especificidades das empresas produtoras de máquinas da região, o principal elemento explicativo do desempenho da cadeia encontra-se nas mudanças em curso nas montadoras de veículos e nas indústrias de autopeças. Também neste caso, a retomada do volume de produção sem o correspondente crescimento do emprego parece sinalizar que não deve ocorrer ampliação do número de postos de trabalho nestas indústrias. Além disso, frente às tendências internacionais, os postos remanescentes tendem a passar por importantes transformações, principalmente no que diz respeito à ampliação de responsabilidades individuais e das equipes de trabalho, diminuição do retrabalho das peças, supressão de níveis hierárquicos intermediários e redefinição do tipo de contato intra-hierarquia, demandando mão-de-obra com perfil distinto dos momentos anteriores. A ampliação dos cursos de alfabetização e a maior utilização dos cursos modulares oferecidos pelo Senai são indicativos das mudanças no tipo de qualificação dos ocupados nestes postos de trabalho. A eliminação de postos de trabalho na indústria tem importante papel no movimento de diminuição do assalariamento na RMSP. Em 1985, 52% dos ocupados eram assalariados com carteira de trabalho assinada no segmento privado, decrescendo para cerca de 45% em 1995. Na indústria, onde o assalariamento sempre foi predominante, já em 1995 havia decrescido para 75% o percentual de seus ocupados que tinham esta forma de inserção, provocando uma forte queda dos rendimentos médios do setor e do conjunto da região. O aumento das ocupações nos serviços e no comércio, cuja participação no conjunto da PIA cresceu de 22% e 8% para 25% e 9%, respectivamente, no período em análise, deve ser visto com atenção, pois a compensação relativa encobre importantes diferenças quanto ao tipo de inserção, mão-de-obra contratada e rendimentos pagos. Para efeito de análise, os ramos de serviços podem ser agrupados segundo a finalidade principal de suas atividades (Fundação Seade/Dieese, 1991), isto é, prestação de serviços a outras empresas produtivas (serviços ligados à produção), a indivíduos e famílias (serviços ligados ao consumo) e ao conjunto da população (serviços CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE GERAÇÃO DE OCUPAÇÕES O objetivo deste item é identificar as principais alterações ocorridas no dinamismo setorial da criação de postos de trabalho da RMSP, indicando assim as possibilidades de inserção dos indivíduos que buscam atuar neste mercado de trabalho. Um primeiro aspecto, já mencionado, diz respeito à menor intensidade de geração de postos na região, na primeira metade dos anos 90. No período 1986-89, apesar das oscilações provocadas pelas diversas tentativas de implementar planos de estabilização, a taxa de ocupação variou em torno de 56% da população em idade ativa, declinando para 54%, no biênio 1990-91, e para pouco mais de 52%, no biênio subseqüente. Entre 1994 e 1995, período marcado pelo crescimento do nível de produção, a taxa de ocupação teve um crescimento relativamente restrito, atingindo, no final do período, 53% da PIA, mesma taxa observada em 1985. A fragilidade deste desempenho obedeceu a dois determinantes. De um lado, está associado às medidas restritivas ao crescimento das atividades econômicas, impostas pela política macroeconômica voltada a garantir a estabilidade dos preços.6 De outro, resulta do tipo de ajuste realizado por alguns ramos de atividade durante a crise dos anos 90, dentre os quais se destacam os setores automotivo e bancário. A racionalização das atividades nas empresas destes ramos não apenas eliminou um número expressivo de postos de trabalho, como permitiu que estas ampliassem a produção de bens e serviços com uma demanda menor de mão-de-obra em comparação com a década passada. Ainda que esta tendência possa ser entendida como específica de algumas empresas mais expostas à concorrência externa ou de atividades que vêm passando por importantes mudanças técnicas e institucionais, os resultados são sugestivos do crescente descolamento entre a capacidade de geração de produto e de ampliação de empregos estáveis e bem remunerados. A combinação destes dois determinantes pode ser avaliada mediante a comparação entre as estruturas ocupacionais de 1985 e 1995, anos em que se observou a mesma taxa de ocupação (53%). A diminuição do emprego industrial foi notável; sua participação relativa diminuiu de 33%, em 1985, para 25%, em 1995. Esta perda de participação relativa correspondeu a uma redução do contingente de ocupados, entre estes anos, de cerca de 72.000 postos de trabalho. Este desempenho setorial desfavorável também se verifica na maior parte dos ramos que o compõem, sendo a indústria gráfica e papeleira a principal exceção, ainda que 50 MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO para a coletividade). Considerando esta desagregação, embora se verifique aumento da ocupação em todos os segmentos, este foi menor no último, onde se concentram os serviços públicos. A ampliação do número de postos de trabalho nos serviços de educação e de saúde (de 3% para 4% da PIA), nos quais predominam mulheres, mais que contrabalançou a redução da participação do emprego nas atividades de administração, segurança e utilidade pública (de 2,7% para 2,4%), nas quais os homens são majoritários. A redução da participação deste último ramo resulta da deterioração da situação financeira do estado e a reposição destes postos contrasta não apenas com a redefinição das funções das diferentes esferas do setor público, mas também com as necessidades crescentes de informatização em muitas destas atividades. Além da tendência apontada, deve-se considerar ainda o impacto representado pela diminuição do número de postos que exigiam concurso público e que, mesmo para cargos com baixos rendimentos, permitiam a estabilidade no trabalho, ao contrário da maior parte dos postos similares no segmento privado. O aumento das ocupações nos serviços ligados à produção encobre importante declínio do nível ocupacional do setor bancário, mais que compensadas pela ampliação ocorridas nos serviços especializados, auxiliares e de transportes. A reestruturação das atividades bancárias – pela automação crescente de suas atividades, pela fusão de empresas regionais e pelo rearranjo administrativo permitido pela unificação das carteiras em bancos múltiplos – tem como reflexo o decréscimo da participação dos ocupados nestas atividades na região de 2,7% para 1,7% da PIA, apesar da ampliação do número de agências e serviços oferecidos aos clientes ao longo do período. Adicionalmente, vale notar que a redução de postos nestes ramos atingiu de forma mais intensa os homens que as mulheres, destacando-se também a diminuição da participação de jovens ocupados em atividades bancárias. O aumento de 2% para 3% da PIA da participação dos postos de trabalho nos serviços especializados, que agrupam atividades de informática, assessorias e consultorias técnicas e administrativas, propaganda, pesquisa de mercado e outros serviços predominantemente direcionados às empresas produtivas, caracteriza as necessidades da malha produtiva da região e, em parte, os processos de terceirização. No entanto, por envolverem maior grau de escolaridade e aquisição de aptidões técnicas mais amplas, em geral demandam maior experiência anterior de trabalho, o que explica a tendência de os ocupados encontrarem-se em faixas etárias mais elevadas. Nos serviços destinados a indivíduos e famílias, destaca-se a expansão de ocupações em que predominam jovens de 18 a 24 anos. No entanto, estas atividades en- contram-se entre as que apresentam os menores rendimentos médios da RMSP, além de predominar o assalariamento sem carteira assinada e jornadas de trabalho mais extensas, como é o casos dos serviços de alimentação (cuja participação cresceu de 2% para cerca de 3% da PIA, entre 1985 e 1995). No comércio, o crescimento do contingente de ocupados de 7,5% para 9% da PIA, no período em análise, ocorreu com a ampliação do número de ocupados com idade superior a 31 anos e diminuição na participação daqueles em faixas etárias mais jovens. Contudo, as oportunidades para indivíduos com menor grau de qualificação, representadas, por exemplo, pelo emprego na construção civil e nos serviços domésticos, também diminuíram, pois ambos os segmentos apresentaram declínio em sua participação na PIA da RMSP. Além destas características da situação ocupacional, há outros elementos que também devem ser considerados ao se avaliar o quadro com que se defrontam aqueles que buscam inserção no mercado de trabalho na região. A elevação contínua do nível de escolaridade entre os ocupados – cerca de 52% haviam concluído pelo menos a 8a série do 1o grau e cerca de 33% haviam completado o 2o grau, em 1995 – é um aspecto importante. Embora esta situação reflita, em parte, maior nível de escolaridade para o conjunto da população, está associada também à busca de trabalhadores com capacidade crescente de intervir em situações relativamente novas e que precisam de solução imediata, para atender a uma clientela cada vez mais exigente. Neste sentido, talvez possa ser encontrada uma explicação para um dos aspectos mais intrigantes das mudanças na estrutura ocupacional ao longo do período em análise. Entre o conjunto dos ocupados, verifica-se uma tendência à menor participação relativa dos estratos mais jovens (menos de 30 anos), que declinou de 52% para pouco menos de 45%, entre 1985 e 1995. Se esta situação pode estar associada, em parte, ao envelhecimento da população, em alguma medida decorre do tipo e dos requisitos dos novos postos de trabalho na região. Entre os jovens nas faixas etárias de 18 a 24 e 25 a 30 anos, houve decréscimo da participação no conjunto de postos na indústria e nos serviços ligados à produção, que não foram compensados pelo aumento de sua participação no comércio, nos serviços ligados ao consumo e na construção civil. Para aqueles com idade mais elevada, verificou-se ampliação da participação nos serviços e no comércio. Este quadro sugere, portanto, que o mercado de trabalho regional não tem sido capaz de criar postos de trabalho no volume e no ritmo demandados pela população ativa disponível para o trabalho. Os ramos dinâmicos ou 51 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 contra 60% no período anterior, principalmente pelo aumento da proporção de pessoas com 40 anos e mais (10% para 15%) nesta condição. Considerado o grau de instrução dos desempregados, observa-se que, embora 53% ainda não possuíssem o 1o grau completo, sua participação decrescera em 12 pontos percentuais em relação a 1985. Ampliou-se, neste período, principalmente, o percentual de pessoas com o 2o grau completo (de 14% para 23%). Nesta primeira metade dos anos 90, a permanência da taxa de desemprego em patamar elevado e a longa duração média em desemprego na RMSP mostram que as dificuldades para reinserção são expressivas. Além disto, este problema não tem se limitado a segmentos com baixa qualificação ou sem experiência, atingindo principalmente pessoas que já tiveram trabalho assalariado e crescentemente aquelas com nível relativamente elevado de instrução. Estas características parecem configurar o desemprego como decorrência de alterações no modo de funcionamento do mercado de trabalho regional, não cabendo atribuí-lo a uma inadequação entre os atributos da força de trabalho e os requisitos demandados pelas empresas. mais estruturados, por determinantes conjunturais ou por mudanças na forma de organização de seus processos produtivos e/ou gerenciais, vêm contribuindo cada vez menos para o aumento do emprego na região. Ademais, as alterações na composição do contingente de ocupados têm sinalizado crescente dificuldade para a inserção de alguns segmentos, em especial os jovens. Combinados ao crescimento do desemprego no início dos anos 90, estes movimentos tendem a desestimular a migração para a região em busca de oportunidades ocupacionais mais adequadas. O DESEMPREGO CRESCENTE E O PERFIL DOS DESEMPREGADOS O conjunto de desempregados na RMSP equivalia, em 1989, a 614.000 pessoas, que despendiam, em média, 15 semanas para obter uma nova ocupação. Durante o período 1992-95, este contingente permaneceu superior a um milhão de pessoas, oscilando entre 13% e 16% da PEA.7 Entre suas principais características, destacam-se a elevada proporção (85%) dos que possuíam experiência de trabalho anterior – dos quais aproximadamente dois terços eram assalariados no último emprego – e o fato de cerca de 63% terem sido demitidos. O tempo médio utilizado na procura por um novo trabalho cresceu progressivamente entre 1989 e 1993, quando atingiu seu ponto máximo (26 semanas), diminuindo expressivamente entre 1994 e 1995, quando, em média, representava 22 semanas. No entanto, devido às peculiaridades de um mercado pouco estruturado como o brasileiro, em que freqüentemente ocorrem interrupções na procura de trabalho, seja por motivos pessoais (doença, falta de dinheiro para locomoção, etc.), ou por falta de estímulo frente à conjuntura difícil, vale destacar o comportamento de um indicador complementar, o tempo em desemprego. O tempo médio em desemprego na RMSP é, em geral, cerca de duas vezes maior que o tempo de procura. Entre 1989 e 1993, passou de 36 para 55 semanas, mantendose nesse patamar em 1994 e caindo para 48 semanas em 1995. A mediana atingiu 29 semanas em 1993, seu ponto máximo, tendo diminuído para 26 semanas em 1994 e para 17 semanas em 1995. Outro aspecto a ser considerado refere-se às alterações nas características individuais dos desempregados. Acompanhando o envelhecimento da população, verifica-se o aumento da participação de desempregados em faixas etárias mais elevadas. Entre 1989 e 1995, os jovens com até 24 anos passaram a representar 53% dos desempregados, CONSIDERAÇÕES FINAIS O desempenho do mercado de trabalho da RMSP, na primeira metade dos anos 90, foi muito desfavorável, ao contrário da década anterior. A ausência de dinamismo do emprego industrial, os processos de racionalização dos ramos de atividade dinâmicos e/ou organizados dos serviços, a evolução adversa da ocupação na construção civil, em decorrência das limitações das políticas de obras públicas e habitacionais, e as mudanças no perfil etário e educacional da população ocupada são características que sintetizam este movimento. Este quadro tende a oferecer menores atrativos à migração para a RMSP, se este deslocamento for determinado pela busca de melhores oportunidades ocupacionais. Ignorando, em um primeiro momento, todos os demais fatores e caso se mantivesse a mesma trajetória do nível ocupacional na segunda metade da década de 90, seria de se esperar a reprodução de resultado similar ao dos anos 80, quando o saldo migratório regional mostrou-se negativo. Ou seja, a região não voltaria a ser pólo de atração de migrantes no volume e com o perfil observado em períodos anteriores. No entanto, frente às incertezas que ainda cercam a evolução da economia e do emprego no país nos demais anos da década de 90, esta conclusão deve ser relativizada. 52 MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO Como a migração é determinada também pela situação econômica vigente no lugar de origem, isto é, pelos fatores de expulsão, a evolução dos níveis de produção e de emprego em outras regiões pode vir a ser mais desfavorável que a registrada na RMSP, contribuindo, desta forma, para incentivar a retomada do fluxo migratório. Acrescente-se que, diante da precariedade da infra-estrutura urbana e, em especial, dos serviços sociais básicos, é possível que os fluxos migratórios passem a ser influenciados também pela tentativa de obter acesso a programas de maior qualidade e amplitude, tipicamente oferecidos em cidades de médio e grande portes. Caso venha a se acentuar a diferenciação da RMSP em relação a outras regiões quanto à implementação deste tipo de política, pode-se supor a existência de um novo fator de incentivo à migração. Embora não deva ser desconsiderada, a influência do comportamento do mercado de trabalho na RMSP sobre os movimentos migratórios deve ser redimensionada, não cabendo atribuir-lhe o mesmo papel da década de 70. Além de poder atrair (e expulsar) pessoas com perfil distinto do anteriormente observado, gerando fluxos para segmentos populacionais e ocupacionais específicos, a evolução deste mercado tende a se combinar crescentemente com outros fatores, problematizando a elaboração de cenários sintéticos para subsidiar as projeções demográficas. 3. Isto significa que estes postos regulamentados passaram de cerca de 62% para 54% do total da ocupação regional. Embora ainda pouco mais da metade dos ocupados disponha de acesso às garantias trabalhistas, trata-se de uma redução substancial, principalmente por se tratar de um dos mercados de trabalho mais organizados do país. 4. A opção por utilizar esta relação justifica-se pelo fato de os indicadores usualmente utilizados para acompanhar o comportamento do nível ocupacional – a distribuição da ocupação por características produtivas ou por atributos pessoais e a construção de séries de índices, tomando um ponto qualquer no tempo como base – fornecerem informações incompletas ou distorcidas, quando o propósito é avaliar a evolução desta variável para um segmento específico da população. No primeiro caso, isto pode ocorrer devido ao peso diferenciado de cada parcela na população e à possibilidade de aumentos (diminuições) na participação de um segmento resultarem de comportamentos observados para qualquer outro, refletindo apenas um ajuste de caráter estatístico na distribuição. No segundo, por não considerar variações no tamanho do segmento em análise que, embora não afetem o resultado verificado, transferem parte dos movimentos de ajuste para outras variáveis não analisadas. Ver Seghin (1995). 5. Entre a população ativa de 18 a 24 anos na RMSP, cerca de 53% completaram pelo menos o 1 o grau. No total da PIA metropolitana, a participação de pessoas com, no mínimo, este nível de escolaridade equivale a 38%. Ver Fundação Seade – Dieese (1994). 6. Apesar das dificuldades de realizar comparações, não deixa de ser ilustrativo considerar que, entre 1985-86, quando a economia cresceu em ritmo mais intenso, a taxa de ocupação ampliou-se em 1,9 pontos percentuais. 7. Destaque-se que cerca de 67% destes desempregados encontravam-se em desemprego aberto, o que significa não ter nenhum trabalho regular no período de referência da pesquisa (sete dias) e ter realizado procura efetiva de trabalho nos 30 dias anteriores. Cerca de 25%, em simultâneo à procura de trabalho, realizavam algum tipo de trabalho descontínuo e sem regularidade, que lhes tomava, em média, uma hora na semana, como forma de obter algum tipo de remuneração, enquanto os demais encontravam-se desestimulados a continuar procurando, apesar de ainda necessitar de trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FUNDAÇÃO SEADE. Pesquisa de Condições de Vida – definição e mensuração da pobreza na Região Metropolitana de São Paulo: uma abordagem multissetorial. São Paulo, Fundação Seade, 1992. __________ . O Novo Retrato de São Paulo – avaliação dos primeiros resultados do Censo Demográfico de 1991. São Paulo, 1993. FUNDAÇÃO SEADE – DIEESE. O terciário na Região Metropolitana de São Paulo. Como entender sua evolução. Boletim n. 81 da Pesquisa de Emprego e Desemprego. São Paulo, 1991 p. B21-B26. __________ . Educação formal e mercado de trabalho. Suplemento do Boletim n. 112 da Pesquisa de Emprego e Desemprego. São Paulo, 1994. SEGHIN, A. “Les taux d´occupation en Europe – Le choix des indicateurs pertinents”. Futuribles. Paris, Sage, maio 1995, p. 17-41. NOTAS 1. A taxa de participação corresponde ao quociente entre a População Economicamente Ativa e a População em Idade Ativa, a primeira englobando os contingentes de ocupados e desempregados e a segunda, toda a população de 10 anos e mais. A taxa de participação global fornece esta relação para o conjunto destas populações, e a específica estabelece esta relação para um determinado segmento populacional, por exemplo, as mulheres ocupadas e desempregadas em relação a todas as mulheres de 10 anos e mais. 2. A participação na PIA dos ocupados pelo comércio cresceu de 7,5% para 9,0%, entre 1985 e 1995, e a dos serviços, de 21,6% para 25,2%. 53 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 DESENVOLVIMENTO REGIONAL novos requisitos para a localização industrial em São Paulo AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO Arquiteto, Analista da Fundação Seade N os últimos anos tem havido uma verdadeira explosão da literatura na área de estudos urbanos, todos voltados para a compreensão da problemática da reestruturação socioespacial. Diversas têm sido as abordagens e justificativas apresentadas para explicar tais transformações: desindustrialização e crise global do capital num suposto sistema mundial; surgimento de uma nova divisão internacional do trabalho a partir das estratégias das multinacionais de busca de mão-deobra; novas relações de produção; alta tecnologia e reorganização das forças produtivas; e o surgimento de um novo regime de acumulação de capital, denominado flexível, que tem substituído o regime fordista de produção.1 Em que pese as divergências conceituais entre os diversos autores, os estudiosos da reestruturação têm em comum a idéia de que as recentes mudanças no capitalismo provocadas pela crise, especialmente a partir de 1970, são responsáveis pela reorganização das estruturas espaciais urbanas e das relações entre as cidades no sistema urbano (Gottdiener, 1990). Ou, em outras palavras, "as realidades territoriais atuais, nacionais e regionais, constituem o terreno onde se dão os conflitos dos novos modelos de desenvolvimento." (Leborgne e Lipietz, 1990:12). Sem dúvida, o debate sobre a reestruturação socioespacial deve ser inserido numa discussão mais ampla sobre a globalização da economia, a reestruturação produtiva e o surgimento do paradigma tecnológico da terceira revolução industrial. A globalização da economia, que segundo Coutinho pode ser entendida como um estágio mais avançado do processo histórico de internacionalização, tem como características a aceleração intensa e desigual da mudança tecnológica entre as economias centrais, a reorganização dos padrões de gestão e de produção de forma a combinar os movimentos de globalização e regionalização, a difusão desigual da revolução tecnológica, reiterando os desequilíbrios comerciais e de balanço de pagamentos, o significativo aumento do número de oligopólios globais, de fluxos de capitais e da interpenetração patrimonial dentro da tríade, e a ausência de um padrão monetário mundial.2 O crescente peso do complexo eletrônico e da utilização de novos materiais, a automação integrada flexível como novo paradigma industrial, a revolução nos processos de trabalho, a transformação nas estratégias empresariais, as alianças tecnológicas como forma de competição e a globalização são as principais inovações em curso nas economias capitalistas, apontadas pela bibliografia. É importante destacar também a unanimidade dos autores quanto à necessidade de constantes e vultosos investimentos em pesquisa e desenvolvimento na busca de novos processos e produtos e a necessidade de pleno domínio e controle tecnológico dos novos processos produtivos e de gestão para se manter competitivo no mercado globalizado. Esses requisitos reforçam o caráter concentrador e excludente do novo paradigma, ampliando a desigualdade entre nações e estimulando a organização de alternativas regionais através da articulação dos países em blocos, com ampliação da integração produtiva e comercial entre seus membros. REESTRUTURAÇÃO A BRASILEIRA: O MENU PRINCIPAL Os reflexos da globalização e da reestruturação estão causando impacto na indústria e no conjunto da economia brasileira, apesar de o caráter periférico de seu ca- 54 DESENVOLVIMENTO REGIONAL: pitalismo. Inclusive, o impacto foi reforçado pelo fato de os processos de globalização e reestruturação econômica terem surgido, nas economias centrais, num período em que o país estava mergulhado em uma forte crise – cuja tônica foi o desajuste estrutural da economia expresso pelo desequilíbrio na balança de pagamentos, crise cambial, déficit fiscal e escalada inflacionária, aliado à ausência de política industrial e de desenvolvimento regional – fatos que contribuíram para ampliar o gap tecnológico. Além de ter provocado retração no mercado interno e redução nos níveis de investimento, o longo período de crise, tristemente conhecido como a década perdida, exigiu das empresas a busca individualizada de alternativas à crise, através da inserção no mercado internacional com conseqüente ampliação do coeficiente de exportação. 3 Assim, as empresas e setores que se modernizaram e incorporaram novas tecnologias e novos processos produtivos conseguiram inserir-se em nichos de mercado internacional e passaram a se constituir nos segmentos mais modernos, distanciando-se do padrão tecnológico dos segmentos voltados exclusivamente para o mercado interno. A interrupção do longo período de estagnação com a implantação do novo plano de estabilização da economia veio acompanhada de uma atabalhoada abertura da economia, que expôs a indústria nacional à abrupta concorrência de importados que desembarcavam com preços bem menores que os praticados pelos nacionais. A resposta imediata da indústria foi um forte ajuste na estrutura de custos de produção, concentrado, em grande parte, na redução dos postos de trabalho, na terceirização e na redução dos níveis hierárquicos, num movimento que ficou conhecido como reestruturação espúria. A reestruturação produtiva e o processo de globalização da economia, aliados ao ajuste neoliberal do início dos anos 90 expuseram a indústria nacional à concorrência externa, impondo-lhe um forte ajuste. Ou seja, a necessidade de produzir com uma estrutura de custos de produção internacionalmente competitivos exigiu fortes medidas de ajuste patrimonial, nos sistemas produtivos e gerenciais, e ampliou a importação de bens de capital e a incorporação de componentes importados aos produtos nacionais. Isso, aliado à importação de produtos acabados, tem contribuído para a redução dos níveis de integração na indústria nacional, com alterações na divisão social e espacial do trabalho. Esse movimento, na ausência de uma política industrial nacional, tem provocado uma fragmentação da economia nacional com esgarçamento da integração produtiva e exigido a busca de alternativas de linkage regionais ou locais.4 Assim, o processo de reestruturação, mesmo que em medida e intensidade bem menores que as observadas nas NOVOS REQUISITOS PARA A LOCALIZAÇÃO... economias centrais, seja a partir da maior participação do país no mercado internacional de mercadorias e serviços, seja por determinação das matrizes às filiais brasileiras das grandes empresas multinacionais, mesmo que paulatinamente e a partir de uma demanda adaptativa à crise econômica e à competição internacional, tem mudado as feições da indústria brasileira, racionalizando e modernizando a produção, reduzindo os postos de trabalho e o escopo das atividades, realizando mudanças organizacionais e tentando flexibilizar os contratos de trabalho. 5 Esse processo tem levado à eliminação dos segmentos menos competitivos e tecnologicamente mais atrasados, que vêm sendo incorporados ou adquiridos por grandes grupos transnacionais, à implantação de novas estratégias empresariais de terceirização de todas as atividades secundárias, à construção de parcerias e à articulação de redes produtivas. Essas novas estratégias de articulação produtiva e gestão empresariais com estoque zero, just in time, etc., têm reduzido o número de fornecedores, agora transformados em parceiros, e exigido uma proximidade física que, em alguns casos como a nova planta da Volkswagen em Resende, chegam a compartilhar o mesmo espaço físico.6 Isso significa que a necessidade de articulação e integração produtiva interempresarial, associada aos outros requisitos de localização tratados a seguir, num país estruturalmente heterogêneo como o Brasil, tende a arrefecer o processo de desconcentração industrial, podendo até mesmo interromper o processo de redução da participação do Estado de São Paulo na produção industrial nacional. Isso equivale a dizer que os efeitos do processo de reestruturação, no caso brasileiro, devem se expressar em grande medida sobre o território paulista e, por conseguinte, em seu sistema de cidades, pois, como já apontado por alguns autores, a tendência, num cenário de reestruturação industrial, é de reconcentração de alguns segmentos ou setores industriais em São Paulo. Esta peculiaridade do processo brasileiro deixa claro que aqui ele não estará centrado no surgimento de novos espaços locacionais, nem a região de localização industrial tradicional – o Estado de São Paulo – entrará em declínio. Como afirma Cano (1991:21), "creio que a flexibilização da 3a revolução industrial não virá acompanhada de desconcentração espacial em países de dimensão continental e heterogeneidade estrutural como o Brasil". De fato, o fim da escalada inflacionária e a retomada do crescimento econômico dos últimos anos têm sido acompanhados de uma inflexão da desconcentração relativa da produção industrial, com indícios de reconcentração em São Paulo.7 As informações disponíveis, apresentadas na Tabela 1, indicam que deve estar havendo uma 55 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 total e regional. É bem provável, inclusive, que essa seja uma forte componente na explicação para a recente interrupção do processo de desconcentração industrial e para o crescimento da participação de São Paulo no valor de transformação industrial, medido pelo IBGE nas pesquisas industriais anuais. Além disso, sem dúvida, a estabilização da economia e a consolidação do processo democrático, associadas à existência de grande volume de capitais internacionais que buscam novas oportunidades de investimento e novos mercados, têm propiciado a retomada do crescimento econômico e ampliado o interesse de grandes empresas transnacionais por se localizarem no Brasil. Outra face dessa mesma discussão pode ser sintetizada na disputa pela localização industrial. Praticamente todos os estados da federação montaram programas de incentivos e subsídios com objetivo de ampliar suas vantagens comparativas e conseguir atrair novas indústrias para seu território. Os programas de incentivos criados pelos estados, via de regra, procuram compensar a inexistência de vantagens estruturais ou sistêmicas da competitividade, presentes basicamente em São Paulo, em algumas regiões de seu entorno e em outros poucos estados.9 Destacam-se, como aspectos centrais nas vantagens locacionais do Estado de São Paulo frente às demais re- TABELA 1 Participação do Estado de São Paulo no Valor de Transformação Industrial do Brasil 1970-1994 Em porcentagem Anos 1970 1975 1980 1985 1990 1992 1994 (1) Participação 58,1 55,9 54,4 51,9 52,9 54,1 54,9 Fonte: Fundação IBGE. Censos Industriais de 1970, 1975, 1980 e 1985; PIA 1990 e 1992 e PIM/PF 1992 e 1994. (1) Calculado a partir da taxa de crescimento da produção física enre 1992 e 1994. inflexão na curva da participação de São Paulo no valor de transformação industrial nacional. Parece que foi interrompida a trajetória declinante observada no período entre 1970 e 1985, retornando a participação paulista, em 1994, ao mesmo patamar observado em 1980. Todavia, isto não quer dizer que a trajetória de desconcentração industrial que tem ocorrido dentro do Estado de São Paulo, nas duas últimas décadas, sofrerá uma reversão. Pelo contrário, o processo de interiorização do desenvolvimento, no qual a produção industrial – que até final dos anos 70 tinha forte concentração na capital – tem se transferido para a periferia metropolitana e para o interior, seguirá ocorrendo, mesmo que em menores dimensões. 8 Isso pode ser observado na Tabela 2, que mostra a evolução da participação das diversas regiões na composição do valor adicionado na indústria de transformação do Estado de São Paulo. TABELA 2 Participação das Regiões Administrativas no Valor Adicionado da Indústria de Transformação Estado de São Paulo e Regiões Administrativas – 1980-1994 Em porcentagem OS NOVOS REQUISITOS PARA A LOCALIZAÇÃO INDUSTRIAL Tão importante quanto toda essa discussão sobre os impactos espaciais da reestruturação produtiva da indústria brasileira são as estratégias de localização que estão sendo adotadas pelas novas empresas transnacionais que têm tomado a decisão recente de se instalarem no Brasil, bem como o impacto da retomada do crescimento sobre o parque produtivo já instalado. Isso porque, no longo período de recessão, os segmentos industriais mais modernos puderam se proteger através, dentre as diversas estratégias implementadas, da ampliação da capacidade ociosa planejada e da manutenção do mark up. Com a retomada do crescimento, a resposta imediata tem sido sentida exatamente naqueles segmentos, com crescimento da participação relativa de alguns gêneros na produção Regiões Administrativas 1980 1985 1990 1992 1994 ESTADO DE SÃO PAULO RM de São Paulo 100,0 64,4 100,0 57,6 100,0 57,9 100,0 52,2 100,0 53,5 Interior 35,6 42,4 42,1 47,8 46,5 RA de Araçatuba RA de Barretos RA de Bauru RA de Campinas RA de Franca RA de Marília RA de Presidente Prudente RA de Registro RA de Ribeirão Preto RA de Santos RA de São José dos Campos RA de São José do Rio Preto RA de Sorocaba RA Central 0,3 0,4 1,1 15,2 0,7 0,5 0,4 0,1 1,1 4,3 5,0 0,6 4,0 1,8 0,5 0,7 1,4 17,5 0,9 0,8 0,4 0,2 1,6 4,1 6,4 0,7 5,0 2,3 0,7 0,5 1,2 19,2 1,2 0,9 0,4 0,1 1,2 2,6 6,4 1,0 5,0 1,8 0,7 0,5 1,2 21,1 0,8 0,7 0,4 0,2 1,2 5,1 8,2 0,8 4,9 2,0 0,7 0,5 1,5 20,1 1,0 0,8 0,4 0,1 1,6 3,4 8,8 0,9 4,8 2,1 Fonte: Secretaria da Fazenda – Dipam; Fundação Seade. 56 DESENVOLVIMENTO REGIONAL: NOVOS REQUISITOS PARA A LOCALIZAÇÃO... do sul de Minas Gerais (Varginha, Pouso Alegre, Poços de Caldas, dentre outros), são exemplos paradigmáticos desta situação. Na verdade, além dos centros industriais já consolidados de Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e Santos, e seus respectivos entornos, a localização industrial em São Paulo tem se orientado pelos grandes eixos de ligação à capital, privilegiando as cidades com melhor infra-estrutura do seu entorno. Assim, destacamos quatro eixos principais: o primeiro formado pelas rodovias Bandeirantes e Anhangüera, com uma derivação para a Washington Luiz, onde se destacam Ribeirão Preto, São Carlos, Araraquara, Limeira, Piracicaba e Rio Claro. No eixo formado pelas rodovias Presidente Dutra e Carvalho Pinto, destacam-se Jacareí, Taubaté, Lorena e Guaratinguetá, extrapolando a divisa estadual para algumas cidades do Rio de Janeiro. Bauru e Botucatu destacamse no eixo Castelo Branco-Marechal Rondon. A peculiaridade está no eixo formado pela rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte, pelo fato de estar surgindo um novo implante industrial, em grande medida determinado pela proximidade com São Paulo, mas localizado já em território mineiro, principalmente nos municípios de Pouso Alegre, Varginha e Poços de Caldas. 12 Observa-se também que tem-se ampliado a disputa pela localização industrial não só entre estados da federação, mas também entre as localidades, com a generalização de políticas municipais de atração industrial (Caiado e Vasconcelos, 1994:100 e seg.). Todavia, os incentivos municipais, ainda menos que os estaduais, podem ser necessários, mas não são suficientes para uma estratégia bem sucedida no longo prazo. Para que haja um processo de crescimento local bem sucedido, a ação do poder público deve extrapolar a esfera dos incentivos – que são ações subjetivas – e atuar na criação ou ampliação das vantagens objetivas que o município possa oferecer e que podem dar origem a vantagens estruturais, associadas à implantação de uma eficiência coletiva. Assim, o investimento dos escassos recursos públicos deve ser canalizado para dotar o município de infraestruturas sociais adequadas, notadamente educação e saúde, e também para formular e implementar políticas de desenvolvimento urbano que contribuam para a elevação da qualidade de vida, tanto no que diz respeito a um bom atendimento nos serviços públicos básicos quanto à implantação de um padrão ambiental que privilegie a natureza. Essas ações, associadas ao empenho político- administrativo pela criação de sinergias entre os agentes do desenvolvimento, consubstanciam-se nas ações fundamentais para tornar o processo de desenvolvimento mais efetivo. Isso porque, na estratégia empresarial de localização industrial, cada vez mais, deixam de ser giões brasileiras, o parque produtivo já instalado, um mercado de trabalho sem paralelos no país, a infra-estrutura, sobretudo viária, a grande concentração de instituições de ensino e pesquisa de alto nível e uma gama extensa de serviços de apoio à produção. Esses são fatores fundamentais e que estão substituindo os antigos requisitos de mão-de-obra barata e matéria-prima abundante. O fato a ser destacado é que esse novo fluxo de investimentos deve privilegiar o interior do estado, pois, na medida em que se homogeneízam as vantagens de localização entre a Região Metropolitana de São Paulo e parte do interior, pode-se dizer que o processo de localização industrial deverá ocorrer de forma desconcentrada. Ou seja, não se dirigirá necessariamente para a Região Metropolitana, podendo abarcar uma área mais ampla, que contenha diversas regiões do interior paulista.10 Assim, graças às condições estruturais existentes no interior – infra-estrutura, transportes, comunicações, proximidade do mercado consumidor, existência de mão-deobra qualificada e de centros de pesquisa e ensino, dentre outras –, esse é o espaço mais adequado ao surgimento de articulações que levem a uma collective efficiency, tão procurada pela nova indústria (Schmitz, 1990). Têm peso também na decisão locacional as deseconomias de aglomeração, existentes na metrópole e ainda não presentes no interior. Faz-se necessário, entretanto, lembrar que este processo não deverá ser homogêneo em todo o estado, mas privilegiará as regiões mais industrializadas, com alguma sinergia entre as instituições públicas de P&D e a iniciativa privada, e contíguas aos grandes eixos de ligação da metrópole com o restante do país. Assim, as Regiões Administrativas de Campinas, Vale do Paraíba, Sorocaba, Central (São Carlos e Araraquara) e Ribeirão Preto já têm sido as mais privilegiadas. As RAs de Bauru e São José do Rio Preto, por se localizarem em importantes eixos de ligação com o oeste do estado e a região centrooeste do país, deverão ser secundariamente privilegiadas, enquanto as outras regiões deverão prosseguir tendo sua dinâmica econômica baseada na agroindústria ou, no caso da RA de Santos, na indústria e no setor terciário.11 Há que ser destacado, também, que as fronteiras estaduais não constituem limites à localização industrial. Ao contrário, a concessão de incentivos e benefícios por estados vizinhos pode determinar a migração ou o transbordamento da localização para porções contíguas ao Estado de São Paulo, também localizadas próximas aos grandes eixos de transporte que ligam à Região Metropolitana de São Paulo, sem contudo perder as vantagens advindas dessa proximidade. Casos recentes de decisões locacionais no município de Resende, no Rio de Janeiro, bem como o recente implante industrial nos municípios 57 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 NOTAS preponderantes a existência de mão-de-obra abundante e barata, os grandes volumes de recursos naturais e os ganhos de escala – tão comuns no regime fordista de produção em massa – e passam a determinar a localização industrial a existência de mão-de-obra qualificada, a possibilidade de constituição de um network produtivo, os ganhos de escopo, a proximidade do mercado consumidor, a possibilidade de uma qualidade de vida amena para seus funcionários, dentre outros. Esses são os motivos que justificam a escolha da localização da nova indústria estar recaindo nos municípios de médio porte.13 Acredito que num futuro próximo devam continuar prevalecendo os mesmos critérios e as cidades que queiram entrar na disputa por localização industrial, cada vez mais, deverão se preocupar mais com a criação de vantagens objetivas do que com estruturas municipais de incentivos fiscais, que, aliás, já são praticamente universais. Este artigo contou com a colaboração da equipe da Divisão de Estudos Regionais da Diretoria Adjunta de Produção de Dados da Fundação Seade. 1. Ver a respeito Scott e Storper (1987); Castells (1988); Harvey (1992), Gottdiener (1993); dentre outros. 2. Sobre a natureza do processo de globalização ver Coutinho (1995). 3. Há que ser observado, entretanto, que nos períodos de contração do consumo e redução da taxa de investimento produtivo a crise não se abateu homogeneamente sobre o conjunto da indústria, foi mais forte nos setores voltados para o mercado interno e na indústria de bens de capital. 4. A redução nos níveis de integração produtiva e o processo de fragmentação da economia nacional, aqui sumariados, são temas brilhantemente tratados em Pacheco (1996). 5. Sobre o processo de reestruturação da indústria brasileira ver Coutinho e Ferraz (1994). 6. Pacheco aponta que há uma tendência à reaglomeração industrial indicada pela bibliografia internacional em função da dimensão sistêmica que tem assumido a competitividade dos modernos sistemas industriais: "... além da dimensão microeconômica da empresa, uma série de externalidades construídas passa a desempenhar papel fundamental nos ganhos de produtividade do conjunto do sistema industrial: a sinergia interna do network produtivo; a capacidade tecnológica e a inter-relação entre os aparatos públicos de C&T e a empresa privada; as novas relações de trabalho e requisitos de qualificação de mão-de-obra; a infraestrutura de transporte e comunicações, etc. Com isto relativizam-se vantagens advindas da dotação de recursos naturais ou de baixos salários" (Pacheco et alii, 1994). 7. Deve ser alertado, entretanto, que a interrupção dos censos econômicos em 1985 torna precária qualquer tentativa de análise da dinâmica econômica e requer a composição de indicadores alternativos, sujeitos sempre a uma possibilidade de erro. Assim, a análise aqui desenvolvida, por estar ancorada em proxis, deve ser observada com precaução. 8. Sobre o processo de interiorização do desenvolvimento ver Cano (1988, 1992a, 1992b e 1994). 9. A discussão sobre as vantagens sistêmicas da competitividade encontra-se em Coutinho e Ferraz (1994). 10. Não há nenhuma semelhança entre as teses aqui apresentadas e a idéia de desindustrialização da metrópole paulista. Pelo contrário. Os dados apresentados na Tabela 3 mostram que a perda relativa de participação na produção industrial do estado está restrita basicamente à capital, que, sem dúvida, tem ampliado suas feições de cidade terciária. Mesmo assim, o parque industrial lá instalado a mantém como a cidade brasileira de maior produção industrial. Ou seja, mesmo relativamente reduzida, a produção industrial do município de São Paulo é superior à de qualquer outro estado da federação, além do Estado de São Paulo. Esta é uma peculiaridade brasileira, pois aqui o centro financeiro e terciário de maior importância segue tendo também a maior produção industrial, sem apresentar nenhum sinal de obsolescência em seu parque industrial. 11. Sobre a trajetória econômica das diversas RAs e as novas estratégias de localização industrial, ver Caiado e Vasconcelos (1994). 12. Aqui foram listados os eixos e localidades atualmente privilegiados para a localização industrial fora dos grandes centros do interior (Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e Santos). Não se pode esquecer, todavia, que a área metopolitana de Campinas – formada basicamente pela Região de Governo de Campinas – tem sido o espaço mais privilegiado para a localização industrial no interior paulista, notadamente pela indústria de alta tecnologia. Além do tradicional eixo de localização industrial formado pela Anhangüera (onde se localizam as cidades de Americana, Hortolândia, Sumaré, Valinhos e Vinhedo), a rodovia Campinas-Mogi-Mirim-Jaguariúna tem recebido grandes investimentos e, na Santos Dumont, Indaiatuba, Salto e Itu tendem a criar um forte eixo industrial articulando Campinas até Sorocaba. 13. Sobre a rede urbana paulista e a dinâmica socioespacial ver Caiado (1995). TABELA 3 Participação das Regiões no Valor Adicionado da Indústria Estado de São Paulo, Regiões Administrativas e Regiões de Governo – 1980-1994 Em porcentagem Regiões Administrativas e de Governo 1980 1985 1990 1994 100,00 100,00 100,00 100,00 RM de São Paulo Município de São Paulo Demais Municípios da RMSP 64,40 35,91 28,49 57,57 29,41 28,16 57,95 29,30 28,65 53,51 22,57 30,94 RA de Campinas RG de Campinas Demais RGs da RA de Campinas 15,18 8,82 17,53 10,86 19,22 11,76 20,06 12,03 6,36 6,67 7,46 8,03 RA de São José dos Campos RG de São José dos Campos Demais RGs da RA de São José dos Campos 5,01 3,23 6,35 4,12 6,36 4,66 8,76 7,11 1,78 2,23 1,70 1,65 RA de Sorocaba RG de Sorocaba Demais RGs da RA de Sorocaba 4,00 3,08 4,96 3,94 4,99 3,16 4,77 3,54 0,92 1,02 1,84 1,23 RA de Santos RG de Santos 4,29 4,29 4,10 4,10 2,63 2,63 3,36 3,36 Total das RGs selecionadas (RGs de Campinas, Sorocaba, S. J. dos Campos e Santos) 19,42 23,02 22,20 26,04 Demais RGs do Estado de São Paulo 16,17 19,40 19,85 20,45 ESTADO DE SÃO PAULO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAIADO, A.S.C. “Regionalização e dinâmica socioeconômica”. Relatório de pesquisa do projeto. A nova realidade socioeconômica do Estado de São Paulo. Campinas, Nesur/IE/Unicamp, Fundação Seade, Fecamp, 1994. __________ . “Dinâmica socioespacial e a rede urbana paulista”. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.9, n.3, jul./set. 1995, p.46-53. CAIADO, A. e VASCONCELOS, L.A. “As políticas de atração municipal: localização industrial e os distritos industriais”. Relatório de pesquisa do projeto A nova realidade regional da indústria paulista: subsídios para a política de desenvolvimento regional do Estado de São Paulo. Campinas, IE/ Unicamp, Fundação Seade, Fecamp, 1994. CANO, W. (coord.). O processo de interiorização da indústria paulista – 1920 a 1980. 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In: VALADARES, L. e PRETECEILLE, E. op.cit . HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1992. 59 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 O RURAL PAULISTA muito além do agrícola e do agrário JOSÉ GRAZIANO DA SILVA Professor do Instituto de Economia da Unicamp OTAVIO VALENTIM BALSADI Analista da Fundação Seade FLÁVIO PINTO BOLLIGER Analista da Fundação Seade MARIA ROSA BORIN Analista da Fundação Seade MARIA REGINA PARO Analista da Fundação Seade A tese a ser desenvolvida neste artigo é a de que as tradicionais atividades produtivas agrícolas e pecuárias já não são suficientes para explicar a dinâmica do emprego e da população rural do Estado de São Paulo. É preciso incluir outras variáveis, como as atividades rurais não-agrícolas decorrentes da crescente urbanização do meio rural (moradia, turismo, lazer e outros serviços), as atividades de preservação do meio ambiente, além de um conjunto de atividades intensivas (olericultura, floricultura, fruticultura de mesa, piscicultura, criação de pequenos animais, como rãs, canários, aves exóticas) que buscam "nichos de mercado" específicos para sua inserção econômica. A atual crise agrícola – que se traduz basicamente na queda dos preços das principais commodities, como suco de laranja, café e grãos, e do valor dos imóveis rurais – impôs limites à expansão das tradicionais atividades agropecuárias. Nesse contexto, ganham importância "novas atividades rurais" altamente intensivas e de pequena escala, propiciando novas oportunidades para um conjunto de pequenos produtores que já não se pode chamar de agricultores ou pecuaristas e que muitas vezes nem são produtores familiares, uma vez que a maioria dos membros da família está ocupada em outras atividades nãoagrícolas e/ou urbanas. Este trabalho procurará comprovar essa tese. Na primeira parte, mostraremos o desempenho das atividades agrícolas e pecuárias; na segunda, das atividades agroindustriais; na terceira, as mudanças ocorridas nas propriedades agropecuárias; na quarta, a ocupação rural e a evolução do emprego agrícola; e na quinta, o crescimento das atividades não-agrícolas. DESEMPENHO DAS ATIVIDADES PECUÁRIAS E AGRÍCOLAS As informações sobre a área onde se desenvolvem as atividades agropecuárias foram extraídas do Levantamento Objetivo e do Levantamento Subjetivo, ambos realizados pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) e pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), cinco vezes no ano-safra: setembro, novembro, fevereiro, abril e junho. O Levantamento Objetivo baseia-se numa amostra de 3.622 imóveis sorteados do Cadastro do Incra e fornece, além de outros itens, a previsão de safra para as principais culturas. Já o Levantamento Subjetivo consta de um questionário por município do estado, aplicado por técnicos das Casas da Agricultura, segundo uma amostragem intencional de imóveis rurais. Serve para validar os dados do Levantamento Objetivo e para a previsão de safra das culturas e atividades não presentes naquele levantamento, como por exemplo as atividades de olericultura e reflorestamento. Os dados da Tabela 1 mostram as taxas de crescimento anual das principais atividades agropecuárias no Estado de São Paulo nas duas últimas décadas. Nos anos 70, a área com culturas perenes cresceu mais de 5% ao ano, graças ao desempenho extraordinário dos preços da laranja no mercado internacional; enquanto a área com pastos naturais diminuiu drasticamente. Na década de 80, o crescimento das culturas permanentes foi bem menor, mas ainda expressivo (quase 1% a.a.); e as pastagens plantadas praticamente recuperaram as áreas perdidas no período anterior. Nos últimos anos, apenas as áreas com florestas plantadas e com pastos naturais vêm perdendo espaço na agropecuária paulista. 60 O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO pastagens) se tornou um fenômeno alarmante, pelo impacto sobre população ocupada na agricultura (Carrer, 1995); TABELA 1 Taxas Anuais de Crescimento das Principais Atividades Agropecuárias Estado de São Paulo – 1969-1992 - segundo, a mudança qualitativa da atividade pecuária, com a melhoria da qualidade das pastagens, que possibilitou a elevação do padrão genético do gado, destacandose os cruzamentos industriais a partir do uso de reprodutores de raças melhoradas; o aparecimento de uma atividade nova, altamente intensiva e tecnologicamente sofisticada, que é a própria criação e melhoramento de raças puras; o crescimento da atividade de confinamento, tanto por parte de pecuaristas tradicionais, como por parte de novos produtores (muitos de origem urbana), aproveitando-se da disponibilidade de subprodutos agroindustriais como a ponta de cana, bagaço de laranja e a cama de frango; Em % a.a. Atividades 1969-1980 1981-1992 TOTAL DA ÁREA - (1) 0,4 Total Culturas Culturas Anuais Culturas Perenes (1) 1,0 -0,2 (2) 5,3 0,2 -0,1 (2) 1,0 Total Pastagem Pastagem Natural Pastagem Cultivada (2) -2,0 (2) -4,4 (1) -0,7 0,2 (2) -2,0 (1) 1,0 - (2) -1,6 Florestas Plantadas(3) Fonte: Instituto de Economia Agrícola – IEA,1994. (1) Significativo a 5%. (2) Significativo a 1%. (3) As áreas de florestas plantadas só abrangem o período 1978-92. - terceiro – e talvez a mais importante – a mudança no padrão de comportamento dos pecuaristas. A grande instabilidade financeira vigente nos anos 80, ancorada na melhoria das pastagens e do padrão genético dos animais e no crescimento da atividade de confinamento, praticamente anulou o tradicional comportamento cíclico dos preços do boi gordo. Com isso, a retenção ou não de animais no pasto passou a ser guiada pelo comportamento dos ativos financeiros, incluído o próprio mercado de animais de reposição, o que deu origem a uma atividade produtiva de caráter fortemente especulativa. É importante salientar que esse novo padrão de comportamento dos pecuaristas só foi possível graças às mudanças tecnológicas que propiciaram a base material a essa "especulação produtiva" (Mielitz, 1994). É importante salientar que a área total ocupada com atividades agropecuárias no estado praticamente não sofreu alteração nos últimos anos. Pode-se dizer que as mudanças na composição das atividades agropecuárias nos anos 80 e 90 se fizeram através de um processo de substituição de culturas. Pecuária Dentre as atividades agropecuárias, a área de pastagem é a mais expressiva, tendo ocupado, em 1995, quase 60% dos 17.823 mil hectares cultivados, segundo os dados da Tabela 2. Conforme salientado anteriormente, esta atividade apresentou uma taxa de crescimento significativa a partir de 1981, ocupando 8.316 mil hectares em 1995. Por outro lado, as pastagens naturais decresceram 30% no período 1983-95, cedendo espaço tanto para as pastagens cultivadas quanto para as culturas anuais e perenes, atividades mais rentáveis e intensivas. O crescimento da área de pastagens plantadas reflete as profundas mudanças na atividade pecuária bovina no Estado de São Paulo, nas últimas décadas, entre as quais se destacam: - primeiro, o crescimento físico do rebanho que passou de 11,6 milhões de cabeças, em 1982, para 12,6 milhões, em 1992, segundo os últimos dados disponíveis da pesquisa Produção da Pecuária Municipal (PPM) do IBGE. Esse crescimento de 0,8% a.a. foi o maior da região Sudeste e também maior que o da região Sul do país, ficando abaixo do Centro-Oeste, onde o rebanho cresceu a uma taxa de 3,9% a.a. no mesmo período, e do Nordeste, onde a pecuarização (substituição de culturas tradicionais por De acordo ainda com Carrer, "com a instabilidade econômica, os produtos intermediários (bezerro desmamado, garrote, boi magro, novilha) ganharam importância (...) incentivando um processo de verticalização e fazendo com que as empresas buscassem implantar, pelo menos mais uma fase de produção"(Carrer, 1995:12). O principal resultado dessas mudanças na atividade pecuária nos anos 80 foi o tão sonhado encurtamento do tempo de abate e a melhoria da taxa de desfrute do rebanho paulista. Esta taxa traduz a relação entre o número de animais anualmente abatidos e o efetivo total do rebanho. No Estado de São Paulo, é superior a 18% (a média nacional é de 13%), segundo estimativas do Centro Nacional de Gado de Corte da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A pecuária paulista deixou de ser o reduto dos grandes latifúndios atrasados para converter-se num ramo moderno do ponto de vista produtivo (ainda que se mantenha como o bastião do conservadorismo agrário, segundo Pessanha, 1995), com forte presença de segmentos de pequenos e médios produtores. Esses produtores, muitos dos quais sem 61 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 tradição anterior na atividade pecuária e alguns até mesmo de origem urbana (comerciantes, por exemplo), foram atraídos pela facilidade de entrada e saída que a atividade oferece atualmente. Isso decorre da menor escala exigida para se ingressar na atividade (pode-se até mesmo alugar vacas de cria ou bois de engorda) em função da proliferação de mercados secundários mais livres, como os leilões, por exemplo. Além da bovinocultura de corte e leite, a avicultura e a suinocultura têm participação importante na produção agropecuária do estado. A avicultura consolidou-se como parte de um importante complexo integrado de granjas, abatedouros, fábricas de ração e pintos de um dia, atividades impulsionadas tanto pelo aumento do consumo interno da carne de frango quanto pelas exportações. A suinocultura tem-se consolidado, também, como produtora de matrizes e reprodutores e vem apresentando grande avanço tecnológico, propiciado por investimentos no setor. Nos anos recentes, os padrões técnicos de eficiência nessas atividades têm-se alterado em favor de unidades de escala cada vez maior. Frente aos novos padrões, a criação de suínos com poucas matrizes, mesmo com milho próprio, tem-se mostrado cada vez mais inviável. As novas granjas são integradas à produção de soja e milho em larga escala e produzem sua própria ração, valendose de máquinas extrusoras de pequeno porte, hoje disponíveis no mercado. Essa tendência questiona o modelo de integração com pequenos produtores e favorece o deslocamento da atividade para o Centro-Oeste. TABELA 2 Área Cultivada e Participação Relativa das Principais Atividades Agropecuárias Estado de São Paulo – 1983-1995 1983 Principais Atividades Total Culturas Anuais Culturas Perenes Olerícolas Reflorestamento Pastagem Natural Pastagem Cultivada 1995 Área Cultivada (Em 1.000 ha) % Área Cultivada (Em 1.000 ha) 18.017 5.096 1.565 37 1.064 2.883 7.372 100,0 28,3 8,7 0,2 5,9 16,0 40,9 17.823 5.319 1.228 71 879 2.010 8.316 % 100,0 29,8 6,9 0,4 4,9 11,3 46,7 Fonte: Instituto de Economia Agrícola – IEA; Camargo et alii (1995). cativa da área ocupada pela cultura de café, devido a problemas fitossanitários, geada e queda dos preços internacionais. Também houve redução da área plantada com culturas de goiaba, mamão e tangerina. Em contrapartida, tiveram expansão as áreas de cultivo perene de banana, laranja, limão, manga e seringueira, com maior destaque para a laranja e a seringueira, impulsionadas pelo desempenho de suas agroindústrias processadoras. Nas atividades de reflorestamento, também houve redução da área plantada da ordem de 17,5%, no período 1983-1995. Atualmente, estas atividades respondem por apenas 5% (879 mil hectares) da área cultivada no estado. Merece destaque o crescimento da área ocupada com olerícolas no período 1983-95 (92%). Apesar de responderem por apenas 0,4% da área total, essas culturas caracterizam-se pelo uso intensivo de mão-de-obra em modernos sistemas produtivos (plasticultura e hidroponia) e constituem uma importante alternativa de renda para os agricultores paulistas. Uma característica importante da agricultura paulista, que tem permanecido relativamente inalterada nas últimas duas décadas, é a concentração da área cultivada e da produção em poucas regiões. As Diras com maior participação na área cultivada das principais culturas são Campinas, Ribeirão Preto, Sorocaba, São José do Rio Preto, São Carlos e Bauru (Camargo et alii, 1995). Esse comportamento é semelhante também para as olerícolas (que estão concentradas nas regiões de Sorocaba e Campinas), além das culturas da seringueira, do chá e de frutíferas como o abacaxi, banana, goiaba, morango e uva, que apresentam um perfil regional muito significativo. A concentração da produção tem reflexos importantes sobre a demanda da força de trabalho agrícola no estado. Atividade Agrícola Com uma área cultivada de 5.319 mil hectares, as culturas anuais (temporárias) representavam 30% da área total do estado, em 1995. Entre 1983 e 1995, as culturas anuais que cederam área para outros cultivos foram algodão, amendoim, arroz, feijão, mamona, mandioca, tomate rasteiro e trigo. Como a área total ocupada por culturas anuais (temporárias) não sofreu mudança tão drástica (até aumentou um pouco), algumas culturas compensaram essas perdas, como é o caso, principalmente, da cana-deaçúcar, além de outras de menor escala, como o abacaxi e o tomate envarado. Nesse período, as áreas cultivadas com batata, cebola, milho e soja praticamente mantiveram-se constantes, apesar de pequenas oscilações (Tabela 2). A área ocupada com culturas perenes totalizou 1.228 mil hectares, cerca de 7% da área total cultivada, participação menor do que a registrada em 1983 (8,7%). O principal fator responsável por esta retração, nos últimos anos, tem sido uma redução extremamente signifi- 62 O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO As Diras já mencionadas têm respondido, nos últimos anos, por cerca de 70% do total do emprego agrícola, consideradas as 46 principais culturas (Fundação Seade, 1995). Também na distribuição da demanda da força de trabalho agrícola por cultura, que será analisada posteriormente, pode-se observar uma concentração em poucas atividades. Por outro lado, registrou-se uma diminuição importante do número de estabelecimentos. Contribuem para esse comportamento principalmente os ramos de beneficiamento de grãos e de fibras têxteis e a fabricação de aguardentes e óleos (Tabela 3). Esse último resultado é coerente com a diminuição da produção da maioria dos grãos, trigo (-8,0 a.a.), soja (0,4% a.a.), arroz (-3,3% a.a.), amendoim (-6,3% a.a.) e algodão (-5,0% a.a.), e do café (-6,6% a.a.). Observa-se diminuição também na produção da agroindústria do algodão (-1,2% a.a.), da soja (-2,2% a.a.) e de milho e rações (-0,7% a.a.). Já as agroindústrias do trigo, baseada em matéria-prima importada, e do café cresceram, respectivamente, 1,2% e 0,9% a.a. Esses dados sugerem o deslocamento de algumas agroindústrias para fora do estado (algodão e soja), combinado a um processo de concentração da produção agroindustrial (café e trigo). Pequenos estabelecimentos de atuação local, como os de beneficiamento simples de grãos e fabricação de aguardente, dão lugar a plantas maiores e com atuação mais ampla, inclusive valendose de matéria-prima vinda de outros estados. A agroindústria do café teve de se adaptar às alterações de mercado decorrentes da suspensão das cláusulas econômicas do Acordo Internacional do Café, em julho de 1989, o que provocou acentuada queda de preços do produto nos anos subseqüentes. As modificações ocorridas redundaram em enormes perdas para os cafeicultores e exportadores. A aquisição de café verde pelas grandes torrefadoras vem mudando o perfil da comercialização do produto no âmbito interno. A supressão de intermediários no percurso da transformação do produto passa a ser uma condição para que ele se mantenha competitivo e um fator de oportunidades (Vegro, 1994). Segundo Belik (1994:13), “depois da desregulamentação (1990) a indústria moageira de trigo começou a mudar rapidamente. Muitas ‘trading companies’ estão agora investindo nesta atividade, substituindo o governo no suprimento do trigo e buscando integrar elos da cadeia a jusante. Como conseqüência, os preços estão caindo rapidamente e as companhias tradicionais estão perto do colapso. Por outro lado, novos capitais entraram nesse setor saturado como companhias independentes ou como resultado de integração para trás.” Como já foi dito anteriormente, a redução da produção de alguns ramos agroindustriais e da maioria das culturas teve como contrapartida incrementos verificados na produção das agroindústrias de cana-de-açúcar (1,6%), laranja (5,4%) e papel e celulose (2,9%) e na produção agrícola de cana-de-açúcar (5,8%), laranja (4,2%) e látex (34%). ATIVIDADES AGROINDUSTRIAIS As alternativas de séries estatísticas, passíveis de serem organizadas em complexos agroindustriais, são poucas e bastante problemáticas. Negri Neto (1995) faz uma análise da distribuição regional dos estabelecimentos agroindustriais no Estado de São Paulo, a partir de dados do Cadastro Geral de Contribuintes de 1978 e do Cadastro da Cetesb de 1989. Procedimento similar foi adotado aqui para obtenção de informação para 1995, usando-se dados do Cadastro de Empresas Empregadoras do Ministério do Trabalho. Essas informações estão reunidas na Tabela 4, porém, numa categorização mais restrita e agregada.1 A Tabela 4 mostra as taxas anuais de crescimento da produção de segmentos agroindustriais selecionados e de suas principais matérias-primas, calculadas a partir dos índices de produção física da agroindústria derivados da PIM-PF/IBGE; as taxas relativas à produção agropecuária tiveram como base os dados do IEA e da PAM/IBGE. A mesma tabela incorpora ainda informações sobre o valor da produção agropecuária, o que permite a comparação da importância relativa de cada um dos ramos considerados. A comparação de informações de cadastros distintos deve ser tomada com restrições em decorrência das diferenças dos critérios de levantamento e método de atualização dos dados. Por outro lado, o levantamento PIM/PF baseia-se num painel fixo, construído a partir do levantamento censitário de 1980, para o qual não houve uma atualização sistemática. Isto pode ter levado a distorções nos indicadores agroindustriais, dependendo do nível de reestruturação empresarial do setor considerado. Por esses motivos, a análise será restrita ao conjunto dos dados disponíveis para o Estado de São Paulo e, sempre que possível, buscará referências em estudos setoriais. Vista como um todo, a produção agroindustrial paulista apresentou crescimento entre 1981 e 1993. O processamento de produtos da agricultura expandiu-se a uma taxa de 0,9% a.a. e o de produtos pecuários a 1,3% a.a. Esse desempenho decorreu do peso e comportamento de algumas de suas principais atividades: açúcar e álcool, suco de laranja, café, papel e celulose, leite e laticínios e aves (Tabela 4). 63 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 TABELA 3 Número de Agroindústrias, por Divisões Regionais Agrícolas (DIRAs), segundo Atividades Selecionadas Estado de São Paulo – 1978-1995 DIRAs (1) Agroindústrias Anos(2) Total 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 Total A (3) 1978 1989 1995 128 131 231 384 329 619 426 329 347 1.836 1.736 1.258 406 184 361 246 222 232 853 276 310 343 227 159 376 280 246 174 187 128 200 103 107 189 60 69 268 136 202 5.829 4.200 4.269 Total B (4) 1989 1995 136 243 440 665 414 407 2.038 1.450 252 412 278 282 315 352 250 179 298 276 208 141 125 129 88 88 162 234 5.004 4.858 Beneficiamento de Borracha 1989 1995 0 2 3 3 3 1 6 7 1 1 0 0 5 7 1 1 0 0 1 1 0 0 5 0 0 0 25 23 Couros 1978 1989 1995 2 1 4 9 5 20 18 1 20 66 31 46 37 30 40 13 18 18 9 2 10 10 6 11 12 8 13 4 6 6 3 1 1 3 2 2 4 2 10 190 113 201 Óleos e Gorduras 1989 1995 2 2 3 8 7 3 25 13 2 1 7 5 5 3 2 0 1 2 0 1 0 0 0 1 3 2 57 41 Beneficiamento de Fibras Têxteis 1978 1989 1995 1 0 9 37 21 55 10 10 17 266 144 115 6 10 18 3 4 14 6 13 4 7 2 1 13 10 9 2 0 3 1 0 2 1 3 3 3 5 6 356 222 256 Beneficiamento, Moagem e Torrefação 1978 1989 1995 50 42 73 115 84 156 256 127 129 550 442 318 246 51 114 146 93 73 711 173 156 252 134 81 258 135 110 121 115 58 159 69 68 135 21 35 173 61 83 3.172 1.547 1.454 Conservas 1978 1989 1995 25 25 32 31 29 37 13 25 22 152 124 96 19 14 25 6 12 17 13 14 14 8 6 8 10 6 10 4 11 2 2 5 2 6 4 0 10 14 11 299 289 276 Abate e Frigoríficos 1978 1989 1995 4 12 29 58 59 101 43 52 50 218 253 213 32 17 72 26 36 40 55 26 40 18 20 19 24 39 30 5 12 11 10 8 14 10 8 2 13 16 41 516 558 662 Leite e Laticínios 1978 1989 1995 1 3 13 22 27 43 18 42 29 54 83 60 14 14 15 9 7 9 14 23 23 13 26 14 19 19 21 9 15 12 9 6 9 10 9 10 7 12 6 199 286 264 Açúcar 1978 1989 1995 2 2 5 0 0 30 3 3 13 43 30 76 20 18 11 8 6 9 3 4 14 1 0 4 0 1 8 1 1 8 4 4 3 2 2 2 13 9 5 100 80 188 Alimentos Diversos (Inclusive Rações) 1978 1989 1995 43 46 66 112 104 177 65 69 67 487 629 334 32 30 66 35 46 52 42 21 49 34 33 21 40 62 45 28 27 28 12 10 8 22 11 15 45 17 40 997 1.105 968 Bebidas 1989 1995 3 8 105 35 75 56 271 172 65 49 49 45 29 32 20 19 17 28 20 11 22 22 23 18 23 30 722 525 Fonte: Fundação Seade; Ministério da Fazenda. Cadastro Geral de Contribuinte; Companhia de Tecnologia Saneamento Ambiental - Cetesb; Ministério do Trabalho. Cadastro de Empresas Empregadoras; Negri Neto (1995). (1) Relação das DIRAs: 2- Registro; 3- São José dos Campos; 4- Sorocaba; 5- Campinas; 6- Ribeirão Preto; 7- Bauru; 8- São José do Rio Preto; 9- Araçatuba; 10- Presidente Prudente; 11- Marília; 12- Vale do Paranapanema; 13- Barretos; 14- São Carlos. (2) Para 1995, os dados referem-se a fevereiro. (3) Inclui apenas as Agroindústrias para as quais há possibilidade de dados para os três anos considerados:1978, 1989 e 1995. (4) Inclui todas as Agroindútrias analisadas. 64 O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO partir da PIM/PF é fortemente negativa (-6%), enquanto a taxa de abate de suínos no levantamento subjetivo do IEA é fortemente positiva (4%). Especialistas consultados confirmam a expansão dessa atividade no estado (Tabela 4). Observa-se, ainda, decréscimos na produção agroindustrial e na produção de carne bovina (-2,5% e -0,4%). Já os desempenhos da agroindústria de aves e da avicultura são positivos (3,1% e 2,7%, respectivamente). Os dados da Tabela 3 registram o crescimento do número de estabelecimentos de abate e frigoríficos. Assim, não refletem a migração da agroindústria de carne por motivos fiscais. Note-se que essa migração tem sido mais vinculada ao abate e processamento bovino do que ao de aves e suínos. Nos anos 80, a indústria processadora de carne bovina iniciou o fluxo migratório para o Centro-Oeste, seguindo o avanço da atividade agropecuária na região e aproveitando os benefícios e incentivos fiscais de programas estaduais, como mostra Carrer (1995): “A produção dessas regiões começou a concorrer com as mais tradicionais do Estado de São Paulo, tanto no momento da compra do boi como na venda da carne, ocasionando uma queda no diferencial de preços paulistas em relação aos dos outros Estados. Tal competição acirrou a disputa pelos Estados pela manutenção das suas empresas instaladas ou em fase de implantação, tornando a questão da tributação e a conseqüente ‘guerra fiscal’, o grande debate no setor para o final dos anos 80 e início dos 90.”(Carrer, 1995:15). “A aparente estabilidade do real tirou a rede protetora que a inflação propiciava e costumava ser suficiente para amortecer as ineficiências de toda a ordem. Analistas do setor indicam um alto grau de obsolescência dos grandes abatedouros, sendo que começam a ser suplantados por unidades menores e mais ágeis, distribuídas regionalmente.” (Carrer, 1995:27). Os dados das Tabelas 3 e 4 indicam ainda um crescimento importante da pecuária leiteira (5,8% a.a.) no estado, assim como da indústria processadora, seja na produção (1,6 %), seja no número de estabelecimentos. Segundo Vegro e Sato (1995), antes de 1990, predominavam na agroindústria de leite e laticínios processadores atomizados de atuação regional. A partir da desregulamentação do setor e do surgimento do Mercosul, intensificou-se um processo de fusões e aquisições capitaneado por empresas transnacionais. A expansão do domínio de mercado das grandes empresas e cooperativas deve ter impacto na organização e localização dessa atividade. Em relação à distribuição das agroindústrias nas Diras, verifica-se que alguns setores tiveram alterações significativas. Por um lado, houve redução do número de unidades de beneficiamento, moagem e torrefação, com re- TABELA 4 Taxa Anual de Crescimento da Produção Física Agroindustrial e Agropecuária (Matérias-Primas Principais) e Valor da Produção Agropecuária Estado de São Paulo – 1980 -1995 Agroindústria/ Produto Agropecuário TOTAL Produção Agroindustrial Taxa (1) % a.a. Produção Agropecuária Valor (1994) Taxa (2) % a.a. US$ milhões % ... ... 4.095 100,0 Derivados da Agricultura (3) Cana-de-Açúcar Laranja Café Milho Soja Papel e Celulose/ Silvicultura Algodão Arroz Amendoim Trigo Borracha Uva Fumo 0,9 1,6 5,4 0,9 -0,7 -2,1 ... 5,8 4,2 -6,6 1,9 -0,5 3.456 1.575 657 573 222 174 84,4 38,5 16,04 14,0 5,4 4,3 2,9 -1,1 ... ... 1,2 ... -2,3 -3,1 ... -5,0 -3,3 -6,3 -8,0 34,1 -6,8 -10,3 137 70 28 18 2 ... ... ... 3,3 1,7 0,7 0,4 0,1 ... ... ... Derivados da Pecuária (3) Carne Bovina Leite e Laticínios Aves Carne Suína Lã 1,3 -2,4 2,3 3,1 -6,0 4,6 ... -0,4 0,9 2,7 4,3 ... 639 397 242 221 78 ... 15,6 9,7 5,9 5,4 1,9 ... Fonte: Instituto de Economia Agrícola – IEA; Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade. (1) Variação entre os triênios 81/82/83 e 91/92/93. (2) Variação entre os triênios 80/81/82 e 93/94/95. (3) A taxa de crescimento da produção agroindustrial considera outros ramos de menor importância, além dos aqui relacionados. Observa-se um aumento significativo das unidades agroindustriais dedicadas à produção de açúcar e, em menor grau, daquelas que produzem álcool etílico. A variação do número de estabelecimentos de beneficiamento de borracha foi pouco expressiva e o dado da atividade de conservas não é adequado para qualquer indicação a respeito do ramo de suco de laranja nele incluído. A análise da agroindústria de carnes é particularmente prejudicada pela precariedade das estatísticas disponíveis. Afora os problemas metodológicos, conta para isso o nível de sonegação fiscal em que opera o setor, que resulta no caráter parcial das informações por ele prestadas. Medidas para praticamente o mesmo período, a taxa de crescimento anual da agroindústria de suínos apurada a 65 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 MUDANÇAS NAS PROPRIEDADES AGROPECUÁRIAS flexo em quase todas as Diras; de fibras têxteis, especialmente na Dira de Campinas; e de bebidas, em Campinas, São José dos Campos, Sorocaba, Ribeirão Preto e Marília. Por outro lado, houve aumento nos setores de leite e laticínios, com destaque para São José dos Campos, Sorocaba e São José do Rio Preto; e de açúcar, em Campinas e São José dos Campos. As Diras com grande variação negativa foram Campinas, São José do Rio Preto, Araçatuba, Marília, Vale do Paranapanema, Barretos e São Carlos. Apresentaram aumento do número de agroindústrias as Diras de São José dos Campos e Registro, ambas nos setores de beneficiamento e moagem e torrefação, abate, leite e laticínios, açúcar e alimentos diversos. Na Dira de Bauru a perda em beneficiamento, moagem e torrefação foi compensada por ganhos na maioria das outras agroindústrias. Conforme assinala Negri Neto (1995:69), “a variável número de agroindústrias não é suficiente para caracterizar a importância entre as Diras ... (e sua redução) não significa enfraquecimento do setor.” Como vimos anteriormente, o processo de reestruturação dos setores com ganhos de eficiência pode se dar ou com a concentração em um número menor de plantas (café e trigo), ou com dispersão em unidades menores e mais ágeis (abate e frigoríficos). Se esses dados de cadastros refletem, em alguma medida, um movimento efetivo, este se traduz no grande dinamismo experimentado pela agroindústria paulista, nos últimos 15 anos. A emergência dos complexos agroindustriais para a articulação de interesses de inúmeros ramos agropecuários, industriais e comerciais é uma das marcas do desenvolvimento paulista do período. O desenvolvimento da agroindústria orientou o reordenamento das atividades agropecuárias e induziu mudanças de grande impacto no padrão tecnológico agropecuário e na organização da produção no meio rural. O fenômeno da industrialização e desenvolvimento urbano do interior do estado pode, inclusive, ser creditado, em grande medida, ao crescimento do setor agroindustrial. Hoje o setor está consolidado e já não encontra uma base de crescimento extensivo na produção agropecuária do estado. Em que pese a importância da agroindústria de São Paulo, outras regiões do país são hoje mais atrativas para muitos dos novos investimentos e para expansão do setor agroindustrial. Pelo menos num horizonte de médio prazo, não são previstos movimentos importantes de realocação de seus diversos ramos nas fronteiras do estado, nem impactos significativos de reestruturação agropecuária. Assim, nada indica que venha a desempenhar o mesmo papel que teve no passado, na dinâmica futura da população rural do estado. No final de 1994, a Fundação IBGE começou a divulgar alguns resultados preliminares da amostra em que se baseia a Pesquisa de Previsão e Acompanhamento de Safras (Prevs) para os estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Essas informações econômicas foram obtidas com a mesma metodologia utilizada para as estimativas de previsão de safras,2 cuja coleta de dados é baseada em um sistema de amostras probabilísticas.3 Os dados da Tabela 5 mostram a participação relativa das despesas e receitas totais nos estabelecimentos agropecuários. Antes de mais nada, é preciso destacar a surpreendente queda do valor total das despesas pagas no período 1985-93. Consulta realizada junto a técnicos do próprio IBGE sobre os dados socioeconômicos da Prevs nos leva a tratá-los com bastante cautela, mas uma possível explicação para o fato é a diferença do patamar inflacionário. Em 1985, os preços subiram cerca de 200% ao longo do ano, enquanto em 1993 tinham subido quase oito vezes até setembro, época do levantamento da Prevs. Como os informantes não necessariamente atualizam monetariamente as informações prestadas, pode-se supor que os dados de 1993 estão subestimados relativamente aos de 1985, o que poderia explicar a queda generalizada das despesas dos estabelecimentos agropecuários. Por isso, a cautela nos faz ressaltar apenas os dados que apresentaram crescimento ou queda muito fortes no período 198593. Os itens que mais cresceram foram os juros e despesas bancárias – que passaram de 5% para 15,3%, no período 1985-93 – e os que mais diminuíram relativamente foram as despesas com o arrendamento e a parceria (que denominamos pagamento da renda da terra), impostos e taxas e o pagamento dos serviços de empreitada que, no caso, engloba mão-de-obra, máquinas e equipamentos.4 O crescimento das despesas bancárias já era esperado diante da grande instabilidade financeira do período considerado. Ainda que a magnitude do crescimento seja assustadora, nunca é demais lembrar que os dados de 1993 podem estar subestimados em relação aos de 1985. Ou seja, o crescimento das despesas bancárias deve ter dobrado no período 1985-93. A queda no valor das empreitadas está, sem a menor dúvida, associada à brutal redução dos salários pagos aos trabalhadores rurais (Tabela 6) no Estado de São Paulo como um todo. Para todas as categorias de trabalhadores rurais houve significativa redução salarial, no período 1985-94. Nos anos de 1993 e 1994, houve uma pequena recuperação dos salários, que chegaram próximos aos 66 O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO valores de 1990, com exceção das categorias tratorista e mensalista, mas num patamar ainda muito inferior ao registrado no ano de 1985. É interessante ressaltar que as despesas com salários pagos aumentaram em termos relativos no período 1985-93, ainda que o salário de todas as categorias de trabalhadores rurais tenha se reduzido. Isso significa que cresceu muito o assalariamento na agricultura paulista, confirmando as mesmas tendências para o Brasil.5 Nos dados da Tabela 5 é surpreendente a grande redução dos pagamentos relativos à renda da terra. Essa indicação – acrescida da despesa com pagamento de parceiros (incluído no item Outros), que permaneceu praticamente a mesma no período (2%) – contradiz as notícias de um grande aumento nos contratos de arrendamento nas áreas de cana-de-açúcar em todo o estado, especialmente com pequenos e médios produtores. Esse tipo de contrato, considerado juridicamente como uma "falsa parceria", tornou-se na verdade uma "alternativa" de sobrevivência da pequena produção nas regiões canavieiras, uma vez que os pequenos proprietários arrendam as melhores terras para a expansão das usinas e retêm as terras consideradas impróprias para o plantio da cana para outras atividades, como a pecuária de corte intensiva (confinamento a céu aberto). A queda das rendas pagas reflete-se no item referente a outras receitas do produtor rural, as quais reduziramse, assim como a venda de produtos vegetais, dada a queda de preços reais para a maioria dos principais produtos da agricultura paulista no período 1985-93 (Tabela 5). Outro fato muito importante para a estrutura dos estabelecimentos agropecuários paulistas é que o único item das receitas que cresceu em termos absolutos, no período 1985-93, foi o de prestação de serviços para terceiros. Ou seja: reduziu-se a importância das receitas oriundas das atividades agrícolas, pecuárias e outras fontes e cresceu a das realizadas fora do estabelecimento. Os serviços prestados a terceiros representavam, em 1993, quase 10% das receitas dos estabelecimentos agropecuários paulistas.6 Isso nada mais é, na nossa opinião, que o reflexo da crescente importância dos produtores part-time na agricultura do Estado de São Paulo, tema que não é possível desenvolver aqui.7 TABELA 5 Participação Relativa das Despesas e Receitas Totais dos Estabelecimentos Agropecuários Estado de São Paulo – 1985-1993 % US$ 1.000 (1) % Variação Real % 2.756 510 100,0 18,5 1.756 362 100,0 20,6 -36,3 -29,1 Renda da Terra Adubos e Corretivos Sementes e Mudas 198 364 85 7,2 13,2 3,1 42 254 42 2,4 14,5 2,4 -78,8 -30,0 -50,7 Defensivos Agrícolas Medicamentos Animais 163 5,9 100 5,7 -38,5 50 1,8 63 3,6 27,4 Alimentação Animal Serviços de Empreitada 259 9,4 107 6,1 -58,7 1985 Despesas e Receitas 1993 US$ 1.000 (1) Despesas Salários Pagos 201 7,3 49 2,8 -75,6 Juros e Despesas Bancárias Impostos e Taxas 138 94 5,0 3,4 268 21 15,3 1,2 94,9 -77,5 Combustíveis e Lubrificantes Outras 218 477 7,9 17,3 147 298 8,4 17,0 -32,3 -37,4 Receitas Venda de 4.668 100,0 2.354 100,0 -49,6 Produtos Vegetais Venda de Produtos Animais 3.394 72,7 1.534 65,2 -54,8 1.092 23,4 593 25,2 -45,7 23 159 0,5 3,4 195 30 8,3 1,3 736,9 -80,7 Serviços Prestados Outras Fonte: Fundação IBGE. Censo Agropecuário de 1985 e Prevs de 1993. (1) Valores constantes de 1993, deflacionados pelo índice de preços ao consumidor nos EUA. TABELA 6 Salários Rurais, segundo Categoria do Trabalhador Estado de São Paulo – 1985-1994 Categorias 1985 1990 1993 1994 Administrador (1) 391 281 267 280 Tratorista (1) 257 178 158 162 Capataz (1) 256 183 184 183 Mensalista (1) 195 125 118 114 Diarista a Seco (2) 7 5 4 5 Volante (2) 8 6 5 6 OCUPAÇÃO E EMPREGO RURAL Os dados da Prevs também permitem uma comparação com os dados do Censo Agropecuário de 1985 sobre a mão-de-obra ocupada nos estabelecimentos agropecuários. Vale a pena ressaltar que o conceito de ocupação utilizado nos Censos e na Prevs refere-se a todas as pessoas que tenham prestado qualquer tipo de trabalho nas Fonte: Instituto de Economia Agrícola – IEA. (1) Em reais/mês. (2) Em reais/dia. Nota: Os dados referem-se ao mês de novembro e foram corrigidos para abril de 1995, utilizando-se o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas. 67 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 propriedades rurais, independentemente da idade e do tempo que permaneceram na atividade. Verifica-se na Tabela 7 que a categoria dos trabalhadores familiares (incluindo o produtor ou administrador e os membros não-remunerados da família que prestam algum tipo de serviço no estabelecimento) foi a que mais perdeu, tanto em termos absolutos como relativos. A que mais ganhou foi a dos trabalhadores temporários – aliás, foi praticamente a única que teve um aumento tanto absoluto quanto relativo, porque entre as outras categorias, na verdade, aumentam os que não tiveram sua condição bem definida. Essas mudanças no perfil da população ocupada na agricultura paulista, no período 1985-93, mostram que está havendo uma redução das unidades "familiares puras" e um forte crescimento de uma categoria híbrida que combina o trabalho familiar com o de assalariados temporários, o nosso farmer caboclo, parcialmente mecanizado (Graziano da Silva, 1995). TABELA 7 Participação Relativa do Pessoal Ocupado na Agropecuária Estado de São Paulo – 1985-1993 Categorias 1985 Total (Nos Absolutos) Familiares (%) Empregados Permanentes (%) Empregados Temporários (%) Outras (%) 1.357.113 48,2 30,3 17,7 3,8 1993 Variação 1.314.100 28,9 25,6 39,5 6,0 -43.013 -42,0 -18,0 116,0 53,0 Fonte: Fundação IBGE. Censo Agropecuário de 1985 e Prevs de 1993. TABELA 8 Área Cultivada e Demanda da Força de Trabalho Agrícola Anual, segundo Produto Estado de São Paulo – 1990-95 Área Produtos 1995 Em 1.000 ha EVOLUÇÃO DO EMPREGO AGRÍCOLA NOS ANOS 90 Total Cana-de-Açúcar Café Olerícolas(1) Laranja Algodão Eucalipto Feijão Milho Banana Uva Cebola Arroz Mandioca Soja Batata Amendoim Seringueira Pinus Chá Maracujá Goiaba Melancia Pêssego Tomate Rasteiro Abacaxi Figo Trigo Mamona A Tabela 8 mostra que no período 1990-95, apesar de algumas oscilações, houve um pequeno aumento (1,5%) da demanda da força de trabalho agrícola para as 46 principais culturas no Estado de São Paulo. O pior desempenho ocorreu no ano de 1993, como conseqüência da maior retração de área cultivada dos anos 90. Esse comportamento foi possível em função, principalmente, dos desempenhos da cana-de-açúcar, da laranja (especialmente no começo da década) e das olerícolas, que apresentaram aumentos de, respectivamente, 25%, 15% e 95% de demanda de força de trabalho. Também contribuíram as culturas de eucalipto (4%), mandioca (97%), seringueira (172%) e algumas frutíferas, como maracujá (134%), abacaxi (514%) e uva (6%). Destaque-se que algumas dessas culturas, apesar do enorme crescimento relativo, geraram, em termos absolutos, um número de empregos bem menor do que as citadas inicialmente. As culturas que apresentaram as maiores quedas na ocupação da força de trabalho agrícola foram café (42%), algodão (44%), feijão (35%), banana (19%), arroz (27%), soja (7%) e pinus (16%), seguidas por outras de menor expressão quanto à extensão da área cultivada e à demanda absoluta da força de trabalho, como de pêssego, tomate rasteiro, figo, trigo e mamona. Chama a atenção que apenas seis culturas (cana-deaçúcar, café, laranja, algodão, eucalipto e feijão) respondam por mais de 70% da demanda total de força de trabalho agrícola no estado. Se acrescentarmos as olerícolas, o milho, a banana e a uva atingimos 80% desse total. 7.274,40 2.707,50 268,54 70,71 763,47 179,65 696,39 237,12 1.200,04 40,14 10,17 14,39 132,13 49,34 530,74 27,86 79,08 31,68 181,47 4,44 4,80 3,24 5,10 2,09 5,56 3,81 0,39 23,88 0,67 EHA Variação 90-95 Rel. (%) (%) 100,00 37,22 3,69 0,97 10,50 2,47 9,57 3,26 16,50 0,55 0,14 0,20 1,82 0,68 7,30 0,38 1,09 0,44 2,49 0,06 0,07 0,04 0,07 0,03 0,08 0,05 0,01 0,33 0,01 0,12 28,25 -46,72 95,60 9,76 -40,28 8,79 -35,50 4,25 -6,98 6,49 -3,75 -39,69 36,87 -5,43 9,17 15,38 28,57 -21,80 -23,45 172,73 43,36 8,97 12,37 -32,69 486,15 -77,46 -87,12 -94,42 1995 Em 1.000 ha Rel. (%) 814,34 360,82 96,07 73,07 62,03 30,19 29,61 21,07 18,20 18,15 17,89 15,03 11,28 9,75 9,31 9,22 7,45 6,67 5,59 2,46 2,32 2,32 1,78 1,61 0,90 0,86 0,39 0,21 0,09 100,00 44,31 11,80 8,97 7,62 3,71 3,64 2,59 2,23 2,23 2,20 1,85 1,39 1,20 1,14 1,13 0,91 0,82 0,69 0,30 0,28 0,28 0,22 0,20 0,11 0,11 0,05 0,03 0,01 Variação 90-95 (%) 1,45 25,41 -41,57 94,44 14,45 -43,64 4,11 -35,43 2,13 -19,12 6,36 -4,39 -27,41 96,57 -7,55 9,76 10,53 172,24 -16,57 -20,39 134,34 0,87 8,54 -12,97 -32,84 514,29 -77,06 -86,88 -95,14 Fonte: Fundação Seade. (1) Incluem abóbora, abobrinha, alface, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cenoura, chuchu, couve, couve-flor, milho verde, mandioquinha, pepino, pimentão, quiabo, repolho, tomate envarado e vagem. 68 O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO deve) ser acompanhada por uma redução do número de empregos, haja vista o caráter poupador de mão-de-obra das modernas tecnologias (biológicas, mecânicas e químicas) em importantes culturas como a cana-de-açúcar, algodão, café, laranja, entre outras. Seria uma “estabilização perversa” da demanda da força de trabalho, com um padrão de sazonalidade mais homogêneo e um nível de emprego agrícola significativamente mais baixo. Salienta-se, finalmente, que para captar o impacto das mudanças ocorridas no meio rural paulista é fundamental avançarmos na estimativa do emprego não-agrícola, com vistas a uma melhor compreensão do emprego rural como um todo. Mesmo porque, como dito anteriormente, as inovações tecnológicas disponíveis, principalmente relacionadas com a quimificação e mecanização dos tratos culturais e colheita, devem influenciar significativamente o nível de emprego agrícola nas principais atividades agropecuárias, tornando premente a neces-sidade de alternativas de ocupação para os trabalhadores rurais. GRÁFICO 1 Sazonalidade da Demanda da Força de Trabalho Agrícola Estado de São Paulo – 1993-95 1993 1993 11994 994 1995 1995 Em % 14 12 10 8 6 4 Jan Fev Mar Abr Maio Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Fonte: Fundação Seade. Sobre as olerícolas é importante destacar que, apesar de representarem 1% da área cultivada das 46 culturas analisadas, elas respondem por 9% do total da força de trabalho. Isso evidencia o caráter labor intensive dessa atividade, que demanda cerca de dez vezes mais mão-deobra por hectare do que as culturas temporárias e permanentes (Fundação Seade, 1995). Com relação à variação sazonal da demanda da força de trabalho agrícola no estado, pode-se dizer que ela intensifica-se no segundo semestre do ano, a partir de junho. Configura-se uma distribuição bimodal da força de trabalho, com um pico menor nos primeiros meses do ano (fevereiro, março) e um maior no segundo semestre (setembro), que pode ser observada no Gráfico 1. Esse padrão de sazonalidade, com pico da demanda no segundo semestre, é muito influenciado pelas culturas da cana-de-açúcar, café e laranja, que apresentam maior necessidade de mão-de-obra nesse período e, como visto anteriormente, têm um peso significativo na demanda total da força de trabalho no estado. As atividades de reflorestamento, fruticultura e olericultura, dados seus perfis de ocupação da força de trabalho durante o ano, juntamente com a utilização de modernas tecnologias em quase todas as operações de cultivo das principais culturas, têm contribuído para uma aparente diminuição da sazonalidade da demanda da força de trabalho agrícola, principalmente nos sistemas de produção mais modernizados (Fundação Seade, 1995). Um agravante é que, na ausência de outras oportunidades de ocupação (agrícolas e não-agrícolas), essa maior estabilidade na demanda da força de trabalho pode (ou CRESCIMENTO DAS ATIVIDADES NÃO-AGRÍCOLAS Nesta rápida caracterização das atividades não-agrícolas no meio rural paulista, é preciso destacar a proliferação dos sítios de recreio, ou simplesmente chácaras, como são chamadas no interior. São pequenas áreas de terra destinadas ao lazer de famílias de classe média urbana, geralmente variando de 0,1 a 1 hectare, localizadas nas periferias dos grandes centros urbanos, na orla marítima ainda não densamente povoada ou em áreas próximas a rios, lagos, represas ou reservas florestais, ou com fácil acesso através das principais rodovias do estado. As Estatísticas Cadastrais do Incra de 1978 revelam a existência de inexpressivos 18.482 sítios de recreio, ocupando uma área total de 896.586 hectares, num total de mais de 3 milhões de imóveis e quase 420 milhões de hectares em todo o país. No Estado de São Paulo, somam apenas 9.094 imóveis, com uma área de 306.954 hectares, num total de mais de 258 mil imóveis e 20 milhões de hectares recadastrados naquela data. Ocorre que o Incra classifica como sítios de recreio apenas os imóveis sem declaração de qualquer exploração agropecuária, ou seja, apenas aqueles com áreas de lazer. Embora uma parte significativa das chácaras de recreio seja destinada exclusivamente ao lazer, como é o caso dos "ranchos de pescaria", é comum encontrar também – e provavelmente são muito mais representativas – unidades que combinam as atividades de fim de semana do proprietário e seus familiares com alguma atividade produtiva – agropecuária ou não – do seu morador, geralmente chamado de "caseiro". 69 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 antigas colônias das fazendas e disponibilizando meios de transporte público para os trabalhadores urbanos que aí vierem a residir. Terceiro: o uso menos intensivo do solo, de água e de outros recursos naturais tem favorecido um tipo de povoamento rural até então desconhecido num país que se caracteriza por grandes conglomerados urbanos. Recente trabalho de Abramovay et alii (1996) reforça nossas considerações anteriores. Com dados obtidos a partir de questões sobre o uso de trabalho assalariado, introduzidas no questionário de 1991 na mesma amostra do IEA utilizada para a previsão de safras, os autores concluíram que: - "a agricultura paulista é predominantemente patronal. Embora conte com dois terços dos imóveis, as unidades familiares entram com um terço do valor da produção agropecuária do estado; - o desempenho econômico da agricultura familiar aproxima-se daquele verificado na média do estado, com exceção dos imóveis com menos de 20 hectares que não empregam qualquer tipo de trabalho assalariado(...); - estes pequenos imóveis que não empregam assalariados e que possuem menos de 20ha têm renda agrícola baixa, mas intensificam o uso de mão-de-obra por unidade de área; como costuma ocorrer em situações tipicamente camponesas.(...) seus habitantes conseguem compensar sua baixa renda agrícola com outras ocupações pelas quais acabam evitando a pobreza rural" (Abramovay et alii, 1996:17). Os autores citados assinalam ainda que nas propriedades em que não há contratação de trabalho assalariado "muitos membros da família trabalham fora do imóvel, inclusive em ocupações não-agrícolas. É importante lembrar que são muito freqüentes os casos de pequenos sitiantes que moram na cidade e deslocam-se para o sítio diariamente. "As famílias agrícolas no Estado de São Paulo são menores que a média nacional, o que (...) limita a unidade produtiva como “refúgio” de mão-de-obra. Em outras palavras, a hipótese aqui levantada é de que a precariedade da situação agrícola dos menores imóveis (que não contratam nenhum trabalho assalariado) não é provavelmente sinal de que aí existe uma grande concentração de pobreza rural" (Abramovay et alii, 1996:16). Evidentemente, isso somente é possível se a renda das ocupações não-agrícolas for suficientemente elevada para compensar a baixa renda dos membros das famílias que permanecem ocupados nas poucas atividades agropecuárias que ainda existem nesses pequenos imóveis, tema que trataremos adiante. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1981 e 1990, apresentados na Tabela 9, Muitas dessas chácaras de recreio apresentam atividades produtivas de considerável valor comercial, ultrapassando até mesmo a idéia corrente de "abater parte das despesas de sua manutenção". Em 1995, uma exposição desses pequenos imóveis rurais, realizada em São Paulo, estimou em cerca de 70 mil os pequenos chacareiros com atividades comerciais no Estado de São Paulo. Estes se dedicam principalmente à criação de abelhas, peixes, aves e outros pequenos animais, produção de flores e plantas ornamentais, frutas e hortaliças, atividades de recreação e turismo (pesque-pague, hotel fazenda, pousadas, restaurantes, spas). O impacto da proliferação das chácaras de fim de semana tem sido notável sobre a paisagem rural. Primeiro, elas contribuem para elevar ou para manter elevado o preço da terra, mesmo nos piores momentos de crise de preços dos produtos agrícolas. Segundo, expulsam as culturas intensivas que, em geral, utilizam-se de grandes quantidades de químicos, como as hortas e a fruticultura comercial das periferias dos grandes centros. Em lugar destas proliferam os pomares domésticos, mantêmse as áreas de preservação/conservação do que restou da flora local e inicia-se um processo de reflorestamento, mesclando espécies exóticas e nativas. Terceiro, dão novo uso a terras antes ocupadas com pequena agricultura familiar, inclusive assalariando antigos posseiros e moradores do local, como "caseiros" e jardineiros e estimulam outras práticas de preservação, principalmente a de guardiões do patrimônio, imobilizado na ausência dos proprietários. As chácaras de fim de semana representam, em nossa opinião, uma versão “terceiro-mundista” da política européia das "duas velocidades", atribuindo-se aos pequenos produtores das regiões desfavorecidas a tarefa de guardiões da natureza e reservando às grandes explorações o papel produtivo clássico. Infelizmente, até agora, pouco tem sido feito para coibir os aspectos negativos desse importante fenômeno, como por exemplo, a especulação imobiliária, a sonegação fiscal e trabalhista e o desvio de recursos do crédito rural, que ocorrem com muita freqüência. Há, porém, aspectos positivos que, se devidamente direcionados, poderiam vir a ser objeto de novas políticas públicas. O primeiro é o do emprego: bem ou mal, o contingente de caseiros representa hoje um segmento expressivo dos trabalhadores domésticos que está por merecer uma atenção específica da legislação trabalhista brasileira. Segundo: a cessão da casa de moradia (e por vezes também do direito de manter uma horta doméstica e criações) que, em geral, acompanha o vínculo empregatício. Prefeituras do interior do Estado de São Paulo, por exemplo, têm desenvolvido verdadeiros programas habitacionais, visando recuperar casas abandonadas nas 70 O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO TABELA 9 crescimento das atividades não-agrícolas da população economicamente ativa com domicílio rural. Os dados das PNADs mostram que a taxa de crescimento do contingente de pessoas ocupadas em atividades agrícolas com domicílio urbano (os trabalhadores rurais volantes), para o Estado de São Paulo, foi fortemente negativa: -2,81% a.a. Isso acarretou uma redução na proporção da PEA agrícola com domicílio urbano de 41,5%, em 1981, para 37,9%, em 1990. A Tabela 10 aponta a atividade agrícola como a que proporciona a menor renda relativa das pessoas economicamente ativas com domicílio rural. No caso das pessoas com domicílio urbano, as atividades de serviços e da indústria da construção civil são as que oferecem renda inferior. Verifica-se ainda que a relação entre a renda média das pessoas com domicílio urbano é sempre superior – e quase sempre muito superior – à renda média das pessoas residentes no meio rural num mesmo ramo de ocupação. Isso significa que as pessoas com domicílio rural ocupadas em atividades agrícolas receberam as menores rendas no ano de 1990, fato que se repetiu nos anos de 1981 e 1986, com base nas mesmas informações da PNAD. Taxa de Crescimento Anual da PEA, por Situação do Domicílio, segundo Ramos de Atividade Estado de São Paulo – 1981-1990 Em porcentagem Domicílio Ramos de Atividade Total Agrícola Indústria de Transformação Indústria da Construção Outras Indústrias Comércio Serviços Serviços Auxiliares Transporte e Comunicação Social Administração Pública Outros Procurando Emprego Urbano Rural Total 3,3 -2,6 2,6 1,8 0,9 4,9 3,9 6,5 3,3 5,0 5,2 2,2 1,5 4,3 -1,0 9,8 11,1 -0,2 12,7 11,9 20,2 16,1 13,6 8,8 7,1 7,3 3,4 -1,7 3,0 2,4 0,8 5,1 4,4 6,8 3,8 5,2 5,4 2,3 1,7 Fonte: Fundação IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. permitem inferir um grande crescimento das atividades não-agrícolas no meio rural brasileiro, em especial no Estado de São Paulo. Note-se que enquanto o número de pessoas ocupadas em atividades agropecuárias no Estado de São Paulo reduziu-se a uma taxa anual de 1,0%a.a., no período 1981-90 (em número absoluto diminuiu de 681 mil pessoas para 616 mil), o total de pessoas residindo no meio rural paulista aumentou 4,3% a.a., passando de 1 milhão para quase 1,5 milhão de pessoas, no mesmo período. Em 1990, de cada cinco pessoas residindo nos campos paulistas, apenas duas estavam ocupadas em atividades agropecuárias; as outras três tinham um emprego rural em atividades não-agrícolas. São cifras surpreendentes para quem está acostumado a ouvir falar de redução do emprego no campo, em função da crescente mecanização das nossas principais culturas. Os principais ramos de atividades não-agrícolas em que estavam ocupadas as pessoas que residiam na zona rural paulista eram: indústria de transformação e agroindústrias (17,8%); prestação de serviços pessoais (15,5%); construção civil (5,7%); comércio (5,0%); e prestação de serviços sociais (3,9%) . Todos os ramos de atividades não-agrícolas apontaram um crescimento do emprego substancialmente elevado para o período, considerando-se a taxa média das pessoas ocupadas no meio rural, de 2,5% a.a. É preciso dizer também que a urbanização da agricultura paulista vem-se acelerando não mais pelo crescimento da população economicamente ativa com domicílio urbano – os trabalhadores rurais volantes –, mas sim pelo TABELA 10 Distribuição Relativa e Renda Média Relativa da PEA, por Situação do Domicílio, segundo Ramos de Atividade Estado de São Paulo – 1990 Domicílio Urbano Ramos de Atividade Total Agrícola Indústria de Transformação Indústria da Construção Outras Indústrias Comércio Serviços Serviços Auxiliares Transporte e Comunicação Social Administração Pública Outros Procurando Emprego Domicílio Rural Relação Distribuição Renda Renda (%) Relativa Urbano/ Rural (1) Distribuição (%) Renda Relativa (1) 100,0 2,7 98 100 100,0 41,2 145 100 2,1 3,1 26,5 103 17,8 214 1,5 6,5 0,9 14,1 18,0 4,9 79 138 102 61 165 5,7 0,9 4,9 15,6 1,8 202 196 184 125 182 1,2 2,2 1,7 1,5 2,8 4,6 8,8 134 116 2,6 3,9 259 136 1,6 2,6 4,3 3,8 132 158 2,1 1,2 259 236 1,6 2,1 5,0 - 2,2 - - Fonte: Fundação IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. (1) Índice simples considerando a renda média da atividade agrícola = 100. 71 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 3. Isso significa que, ao contrário do que ocorre com os dados censitários, há um erro associado a cada uma das estimativas. Os coeficientes de variação (que nesse caso medem o erro amostral) das variáveis aqui utilizadas (pessoal ocupado, receita e despesa total) variaram entre 44,4% e 49,7% no caso de São Paulo. Pode-se dizer, então, que as pessoas residentes no meio rural ocupadas em atividades agrícolas têm basicamente "dois caminhos" distintos para aumentar sua renda: mudar para a cidade – o mecanismo clássico que alimentou o êxodo rural – ou mudar de ramo de atividade e continuar residindo no próprio meio rural, alternativa que parece desenhar-se como importante, a partir dos anos 80.8 Em função disso, o meio rural paulista não pode mais ser tomado apenas como o conjunto das atividades agropecuárias e agroindustriais. O meio rural ganhou, por assim dizer, novas funções e "novos" tipos de ocupações: - propiciar lazer aos paulistanos nos feriados e fins de semana através dos pesque-pague (especialmente as famílias de renda média/baixa que têm transporte próprio), hotéis-fazenda, chácaras de fins de semana; - oferecer moradia a um segmento crescente da classe média alta (condomínios rurais fechados nas zonas suburbanas); - estimular atividades de preservação e conservação que propiciam o surgimento do eco-turismo, além da criação de parques estaduais e estações ecológicas, como já ocorre com a Juréia (Vale do Ribeira) e a Serra do Japi, por exemplo. - abrigar um conjunto de atividades tipicamente urbanas que estão se proliferando no meio rural, em função da urbanização do trabalho rural assegurada com a igualdade trabalhista obtida na Constituição de 1988 (motoristas de ônibus para transporte de trabalhadores rurais, mecânicos, contadores, secretárias, digitadores, trabalhadores domésticos). Em resumo, já não se pode caracterizar o meio rural brasileiro somente como agrário; muito menos o paulista. E mais: o comportamento do emprego rural, principalmente dos movimentos da população residente nas zonas rurais do estado, já não pode ser explicado apenas pelo calendário agrícola e pela expansão/retração das áreas e/ou produção agropecuárias. Há um conjunto de atividades não-agrícolas – como a prestação de serviços, o comércio e a indústria – que, cada vez mais, respondem pela nova dinâmica populacional do meio rural paulista. 4. A Prevs permite separar essas despesas, ficando aproximadamente metade do valor para mão-de-obra e metade para máquinas e equipamentos, no ano de 1993. 5. É possível que parte desse crescimento dos salários pagos se deva a uma maior contratação direta dos trabalhadores volantes pelos proprietários rurais depois dos movimentos grevistas de 1984-86. A esse respeito, ver Graziano da Silva (1993). As informações disponíveis não permitem, todavia, quantificar essa possibilidade. 6. Se considerarmos apenas os estabelecimentos cuja atividade principal é a agricultura, a participação dos serviços prestados a terceiros é ainda maior: 15,6%. 7. Ver a respeito Schneider (1995). 8. É oportuno salientar que somente a renda média das pessoas residentes no meio rural ocupadas em serviços pessoais era inferior às ocupadas em atividades agrícolas nas PNADs de 1981 e 1986. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, R. et alii. Novos dados sobre a estrutura social do desenvolvimento agrícola em São Paulo. São Paulo, 1996 (versão preliminar). BALTAR, P.; DEDECCA, C. e HENRIQUES, W. O comportamento da estrutura ocupacional brasileira nos anos 80. Campinas, Instituto de Economia da Unicamp, Relatório de Pesquisa, 1982. BELIK, W. The food industry in Brazil. Towards a restructuring? Research Papers no 35. London, Institute of Latin American Studies, University of London, 1994. 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NOTAS SCHNEIDER, S. “As transformações recentes da agricultura familiar no Rio Grande do Sul: o caso da agricultura em tempo parcial”. Ensaios FEE. Porto Alegre, v.16, n.1, 1995, p.105-129. 1. Adotando um conceito mais estrito de agroindústria, excluimos da presente análise atividades como fabricação de laminados, fios, espumas e artefatos de borracha, preparação e fabrico de conservas de pescado, fabricação de balas, chocolates, gomas de mascar, produtos de padaria, confeitaria, massas alimentícias, biscoitos, sorvetes, cigarros e outros. SCHWARTZMAN, S. O presente e o futuro do IBGE. Rio de Janeiro, Fundação IBGE, 1995. VEGRO, C.L.R. “Competitividade da indústria brasileira de café”. Informações Econômicas. São Paulo, IEA, v.25, n.2, fev. 1994, p.65-72. 2. É basicamente a mesma metodologia utilizada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos nas suas pesquisas agrícolas. Ver a respeito Schwartzman (1995). A coleta foi realizada nos meses de outubro e novembro de 1993, tendo como data de referência o dia 30/09/93 para pessoal ocupado e o período de 01/ 01/93 a 30/09/93 para os valores de receita e despesa total. VEGRO, C.L.R. e SATO, G.S. “Fusões e aquisições no setor de produtos alimentares”. Informações Econômicas. São Paulo, IEA, v.25, n.5, maio 1995, p.9-21. 72 NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO SONIA REGINA PERILLO Demógrafa, Analista da Fundação Seade O s anos 80 foram marcados por transformações socioeconômicas e políticas profundas, tanto em âmbito mundial como nacional (Martine, 1993; Cano e Semeghini, 1992). Estas mudanças tiveram desdobramentos importantes alterando os padrões de redistribuição espacial da população. No contexto nacional, a década de 80 mostrou novas e importantes tendências. A taxa de crescimento da população brasileira que, entre 1950 e 1980, era da ordem de 2,8% a.a., caiu para 1,9% a.a., entre 1980 e 1991. O ritmo de crescimento urbano também diminuiu: de 4,9% a.a., em 1970-80, para 2,6% a.a., em 1980-91. Esta tendência também se verificou para o conjunto das regiões metropolitanas brasileiras: a taxa de crescimento destas áreas diminuiu sensivelmente, de 3,8% a.a. para 1,9% a.a., entre 1970 e 1991. Nesta direção, Martine (1992) destacou que o crescimento das metrópoles brasileiras acabou ocorrendo cada vez mais distante de seus respectivos núcleos, desencadeando um processo de "periferização" das áreas metropolitanas. O Estado de São Paulo que, desde a década de 40, desempenhou papel de relevância na dinâmica demográfica nacional, também experimentou mudanças significativas. Seguindo a mesma tendência verificada nas metrópoles, apresentou sensível redução no ritmo de crescimento populacional nos anos 80. Ressalte-se, inclusive, que, para o Estado de São Paulo, a desaceleração em 20 anos foi ainda mais acentuada: de 3,5% a.a., em 1970-80, para 2,1% a.a., em 1980-91. As mudanças na dinâmica populacional paulista podem ser evidenciadas, em grande medida, pela análise dos componentes vegetativo e migratório. O componente vegetativo teve papel importante no crescimento da população estadual. A migração também teve peso relevante, contribuindo para a manutenção das altas taxas de crescimento verificadas no estado até 1980. Na década de 40, a migração respondia por 24,8% do crescimento populacional do estado; em 1970-80, essa participação evoluiu para 42,4%. No período seguinte, os papéis dos componentes vegetativo e migratório se inverteram. Os resultados da Sinopse Preliminar do Censo Demográfico de 1991, combinados com as Estatísticas do Registro Civil do Estado de São Paulo, mostraram que o componente vegetativo passou a responder por 91% do crescimento populacional do estado no período 1980-91; à migração coube uma participação de apenas 9%. Em função destas alterações, o Estado de São Paulo passou a exibir um novo padrão demográfico. Em que pese a importância do crescimento vegetativo, a contribuição da migração neste novo cenário foi notável. A desaceleração do ritmo de migração no/para o Estado de São Paulo nos anos 80 implicou uma sensível redução no ritmo de crescimento da população estadual. Considerando-se a relevância da migração para o entendimento da dinâmica demográfica paulista, este artigo pretende examinar a trajetória dos deslocamentos populacionais no/para o Estado de São Paulo desde os anos 40, bem como apontar os novos rumos da migração nesta área nos anos 80. Vale destacar que as dificuldades inerentes à análise dos deslocamentos populacionais têm origem na própria definição do fenômeno. De fato, a migração comporta várias interpretações, que têm como única idéia comum a dimensão temporal e espacial. Acresça-se a dificuldade de mensuração e/ou interpretação desta variável, bem 73 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 TABELA 1 Evolução da População, por Componentes Estado de São Paulo – 1940-1991 Anos População 1940 7.180.316 1950 9.134.423 1960 12.974.699 1970 17.771.948 1980 25.040.712 1991 31.546.473 Crescimento Absoluto Decenal Saldo Vegetativo Decenal Saldo Migratório Decenal Proporção dos Componentes (%) Vegetativo Migratório Taxa de Crescimento Anual (%) 1.954.107 1.469.600 484.507 75,21 24,79 2,44 3.840.276 2.691.489 1.148.787 70,09 29,91 3,57 4.797.249 3.372.211 1.425.038 70,29 29,71 3,20 7.268.764 4.185.591 3.083.173 57,58 42,42 3,49 6.505.761 5.919.097 586.664 90,98 9,02 2,12 Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE. Sinopse preliminar do Censo Demográfico de 1991. como uma série de restrições quanto à disponibilidade dos dados e metodologias de análise. Além disso, a falta de registros contínuos dos movimentos populacionais faz com que a análise da migração fique praticamente dependente dos dados publicados nos censos demográficos. Atualmente, os estudiosos deste tema ainda enfrentam uma dificuldade adicional: até o momento, ainda não se encontram disponíveis os resultados sobre migração referentes ao Censo Demográfico de 1991. Estas informações contribuiriam para o entendimento das novas tendências da redistribuição espacial da população paulista, bem como de suas repercussões na dinâmica demográfica metropolitana estadual e até mesmo nacional (Fundação Seade, 1992; Perillo e Aranha, 1994; Araújo e Pacheco, 1992; Martine, 1994). Em que pesem estas limitações, este artigo procurará indicar, com base nas informações disponíveis, os possíveis caminhos da migração no Estado de São Paulo no período 1980-91. determinados produtos, como cítricos e soja para exportação, cana para o Proálcool, entre outros. A região Sudeste se sobressai, quando comparada às demais regiões brasileiras. Em 1940, esta área respondia sozinha por 44,5% da população do país; em 1991, manteve uma participação expressiva de 42,7%. Tem um papel decisivo na dinâmica demográfica desta área o Estado de São Paulo. Localizado no chamado "núcleo industrial", passou a contar com setores de comércio e serviços urbanos altamente diversificados e com o setor agrícola mais moderno e desenvolvido do país. Estas características contribuíram bastante para o dinamismo desta área. Assim, em 1991, São Paulo concentrava 21,5% da população nacional em seus limites geográficos e 50,3% da população da região Sudeste. Ao longo das décadas, o estado fortaleceu-se cada vez mais, consolidando-se como um importante pólo de atração da população que emigrava de outras partes do país. Grande parte da dinâmica demográfica paulista devese, sem dúvida, ao peso da fecundidade e da mortalidade no crescimento populacional. Ressalte-se, no entanto, a importância da migração, que chegou a representar 42% do acréscimo populacional registrado no estado nos anos de 70. A intensidade dos movimentos migratórios no/para o Estado de São Paulo pode ser dimensionada pelo volume de migração registrado no período 1970-80, da ordem de três milhões de pessoas, praticamente o dobro daquele apresentado no período 1960-70 (Tabela 1). Já no período 1980-91, verificaram-se mudanças surpreendentes. A taxa de crescimento do Estado de São Paulo, que se mantinha superior a 3% a.a., desde a década de 50, passou a ser de apenas 2% a.a., no período 1980-91. TRAJETÓRIA DA MIGRAÇÃO EM SÃO PAULO A redistribuição espacial da população pode ser entendida como reflexo das transformações econômicosociais ocorridas no bojo do desenvolvimento do país. Tais transformações, muitas vezes induzidas por políticas governamentais, ao definirem o modelo econômico, não só favoreceram a concentração do parque industrial em determinadas regiões brasileiras – como é o caso das regiões Sul e, mais especificamente, Sudeste –, como estimularam o surgimento de fronteiras internas e transformações na estrutura produtiva, mediante incentivos a 74 NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO A desaceleração no ritmo de crescimento populacional já era esperada face à expectativa de queda nas taxas de fecundidade: de 3,4 filhos por mulher no início dos anos 80, a fecundidade atingiu 2,5 no final, ou seja, houve uma redução de, em média, um filho por mulher neste período. Por outro lado, a migração contribuiu para reforçar esta tendência. Enquanto o peso do componente vegetativo no crescimento populacional elevou-se de 57,6% para 91%, a participação da migração reduziu-se de 42,4% para 9% entre 1970 e 1991. O saldo migratório do estado, que superava três milhões de pessoas nos anos 70, passou a ser de apenas 586 mil pessoas em 1980-91.1 Chama a atenção não apenas a brusca mudança de comportamento da migração nos anos 80, como também a alteração significativa do papel desempenhado, há várias décadas, pelo Estado de São Paulo, enquanto pólo de intensa atração e concentração da população do país. Considerando-se as profundas alterações na dinâmica demográfica, notadamente na redistribuição populacional em todo o território paulista, é interessante avaliar o impacto diferenciado destas mudanças no contexto intraestadual. GRÁFICO 1 Evolução dos Saldos Migratórios Região Metropolitana de São Paulo e Município de São Paulo – 1940-1991 Fonte: Fundação Seade. e das atividades econômicas em direção ao interior paulista (Fundação Seade, 1990 e 1993). Em que pesem estas mudanças, a migração desempenhou papel de grande expressão na metrópole ao longo das décadas. Em 1970-80, o saldo migratório desta área já superava dois milhões de pessoas (Araújo e Pacheco, 1992; Perillo, 1993). Contrariamente ao esperado, verificou-se, nos anos 80, uma importante reversão das tendências migratórias desta área. A metrópole passou a contar com um saldo migratório negativo, da ordem de 275 mil pessoas no período 1980-91, decorrente de uma variação brusca e de difícil previsão. O Gráfico 1 ilustra o pronunciado êxodo populacional desta área no período 1980-91. Alguns trabalhos já apontavam uma tendência de desaceleração no ritmo da migração da área metropolitana (Rodrigues e Perillo, 1986; Cunha, 1987). Nesta linha de discussão, inclusive, Cunha destacou um fenômeno interessante, ocorrido na metrópole na década de 70. Segundo o autor, a RMSP vinha experimentando perdas populacionais importantes nas trocas migratórias efetuadas com outras regiões do Estado de São Paulo nos anos 70. O autor mostra que, apesar do grande poder de atração populacional da metrópole, cerca de 450 mil pessoas haviam deixado esta área em direção a regiões circunvizinhas, como Campinas, Litoral, Vale do Paraíba e Sorocaba na década de 70 (Cunha, 1987). Mesmo considerando as tendências assinaladas, seria difícil prever uma mudança tão acentuada a ponto de reverter, nos anos 80, a característica inerente à RMSP de área de atração e concentração, não só da população estadual como também nacional. REVERSÃO DAS TENDÊNCIAS MIGRATÓRIAS As heterogeneidades presentes no Estado de São Paulo são visíveis e bastante acentuadas. Ao lado de regiões industrializadas e com grande dinamismo populacional, coexistiam outras, praticamente dependentes das atividades agrícolas, nitidamente caracterizadas como áreas de evasão de população. Assim, contando com dinâmicas econômicas diferenciadas, as regiões paulistas assumiram papéis distintos quanto à redistribuição espacial da população. A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), maior centro econômico e populacional do país, vem se configurando há várias décadas como o grande pólo de atração populacional do estado. A migração mostrou-se como a variável determinante do crescimento desta área. Ressalte-se, porém, que desde os anos 60 e, mais especificamente, no período 1970-80, houve diminuição no ritmo de crescimento da população desta região. A taxa de crescimento passou de 5,6% a.a. em 1960-70 para 4,5% a.a., em 1970-80. A participação do componente migratório, que alcançava 59,7% na década de 60, reduziu-se para 51,6% em 1970-80. A queda relativa da migração no crescimento da metrópole associou-se não só a fatores demográficos, como às transformações ocorridas na estrutura produtiva do Estado de São Paulo pós-1956. Esses processos tiveram repercussões no mercado de trabalho, nos movimentos populacionais e no processo de urbanização, criando condições para a descentralização relativa da população 75 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 EVASÃO POPULACIONAL NA CAPITAL PAULISTA bindo para 29 entre 1980 e 1991. Por outro lado, onze áreas registravam altas taxas de crescimento populacional, superiores a 4%, na primeira década analisada. Esse número reduziu-se para quatro no período seguinte (Mapa 1). A tendência diferenciada de crescimento populacional nos diversos distritos e subdistritos, nos períodos considerados, definiu três áreas homogêneas na capital quanto a esta característica. A área central ficou composta pelos subdistritos com taxas negativas de crescimento. Na área intermediária, as taxas de crescimento variaram entre 0 e 4% a.a. A periferia da capital exibia as maiores taxas superiores a 4% a.a. (Fundação Seade, 1992). A participação relativa das três áreas na população da capital mostrou que tanto a parte central como a intermediária perderam peso. A participação da área central no crescimento da população da capital diminuiu de 16,4%, em 1980, para 12,7%, em 1991; na área intermediária, passou de 51,6% para 48,1%. Na área periférica, porém, ocorreu um aumento significativo da participação da população, de 32% para 39,2%. Em síntese, verificou-se que a população está tendendo a se afastar cada vez mais do centro para a periferia, extrapolando, inclusive, os limites geográficos da capital paulista (Fundação Seade, 1992). O município de São Paulo contribuiu sobremaneira para as mudanças ocorridas na metrópole. Historicamente, a capital paulista registrava elevadas taxas de crescimento. A taxa média de crescimento no período 1900-80, por exemplo, foi da ordem de 4,5% a.a., face à intensidade das migrações, em associação com os elevados níveis de fecundidade e com o declínio da mortalidade. Vale destacar, inclusive, que os movimentos migratórios favoreceram o crescimento populacional da capital ao longo das décadas, ainda que a diminuição da fecundidade tenha contribuído para desacelerar o ritmo de crescimento desta área. Nos anos 70, porém, a queda da fecundidade, aliada à expectativa de redução da migração, tornou bastante provável a diminuição do ritmo de crescimento da população. Apesar desta tendência, seria muito difícil prever que a taxa de crescimento da capital apresentasse uma redução tão pronunciada: de 3,7% a.a., em 1970-80, para 1,2% a.a., em 1980-91. Para avaliar o impacto desta mudança, vale observar que, "apenas com o crescimento vegetativo ocorrido no município de São Paulo (diferença entre os nascimentos e os óbitos), no período 1980-91, a população paulistana já chegaria a 10,4 milhões de habitantes, perfazendo uma taxa de crescimento de 1,8% a.a., contra os 9,6 milhões contados pelo Censo em 1991" (Fundação Seade, 1992). A tendência do crescimento da população da capital guarda estreita relação com a pronunciada redução da migração nesta área. A diferença entre a entrada e a saída da população passou do patamar de um milhão, durante as décadas de 60 e 70, para um saldo migratório negativo de 755 mil pessoas entre 1980 e 1991, indicando uma forte evasão populacional (Gráfico 1). Neste sentido, é importante destacar que, concomitantemente à elevação do saldo migratório, a participação relativa da migração no crescimento populacional já vinha seguindo uma tendência de acentuado declínio, de 72,2%, em 1940-50, para 44,5%, em 1970-80. Assim, o crescimento populacional, antes fortemente influenciado pela migração, passou a ter no componente vegetativo seu principal responsável, 44,5% contra 55,5%, respectivamente, na década de 70. A própria taxa de crescimento da capital vinha diminuindo ao longo das décadas: de 4,9% a.a., em 1960-70, para 3,7% a.a., em 1970-80. Outro aspecto que merece destaque refere-se às mudanças no ritmo de crescimento dos distritos e subdistritos da capital paulista nas últimas décadas. Considerando-se a divisão administrativa que contempla 48 subdistritos e 8 distritos, observa-se que apenas 5 subdistritos apresentavam taxas negativas de crescimento na década de 70, su- CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO NO CONTEXTO INTRAMETROPOLITANO Nos anos 80, além do município de São Paulo, outras áreas predominantemente industriais e que concentravam grande parcela da população da metrópole, como Osasco, Santo André e Diadema, passaram a contar com taxas de migração negativas. Segundo Cunha (1987), estes municípios tinham absorvido fluxos migratórios importantes, originários principalmente do município de São Paulo na década de 70. Também neste grupo, encontravam-se os municípios de São Caetano do Sul e Salesópolis, onde persistiu a tendência de taxas de migração negativas, já evidenciada na década anterior (Mapas 2 e 3). Apenas seis municípios aumentaram as taxas de migração em relação à década de 70: Arujá, Barueri, Franco da Rocha, Mairiporã, Pirapora do Bom Jesus e Santana de Parnaíba. Estes municípios que, em 1980, concentravam as menores parcelas da população metropolitana, tiveram um crescimento populacional acelerado no período 1980-91. Ressalte-se que o município de Santana de Parnaíba teve sua população praticamente quadruplicada; a migração foi responsável por 89,8% do crescimento populacional desta área em 1980-91. Os demais municípios metropolitanos mantiveram taxas de migração positivas no período 1980-91, porém, com menor intensidade que na década de 70. Neste grupo, in- 76 São Paulo em Perspectiva - Errata São Paulo em Perspectiva TENDÊNCIAS DEMOGRÁFICAS: reestruturação produtiva v.10/ nº.2/ Abr-Jun 1996 Errata Pág. 77, Mapa 1 - No mapa: onde se lê: 1970-80; leia-se: 1980-91; onde se lê: 1980-91; leia-se: 1970-80. Pág. 78, Mapa 2 - No título: onde se lê: Mapa 2; leia-se: Mapa 3; onde se lê: 1970-80; leia-se: 1980-91. Pág. 79, Mapa 3 - No título: onde se lê: Mapa 3; leia-se: Mapa 2; onde se lê: 1980-91; leia-se: 1970-80. file:///C|/RevistaSPP/Volumes_PDF/v10n02/errata.htm[27/02/2014 10:49:13] NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO MAPA 1 Taxas Líquidas de Migração Região Metropolitana de São Paulo – 1970-1991 1970-80 Negativa 0 — 40% 40 — 100% Mais de 100% 1980-91 1-Arujá 2-Barueri 3-Biritiba-Mirim 4-Caieiras 5-Cajamar 6-Carapicuíba 7-Cotia 8-Diadema 9-Embu Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE. 77 10-Embu-Guaçu 11-Ferraz de Vasconcelos 12-Francisco Morato 13-Franco da Rocha 14-Guararema 15-Guarulhos 16-Itapecerica da Serra 17-Itapevi 18-Itaquaquecetuba 19-Jandira 20-Juquitiba 21-Mairiporã 22-Mauá 23-Mogi das Cruzes 24-Osasco 25-Pirapora do Bom Jesus 26-Poá 27-Ribeirão Pires 28-Rio Grande da Serra 29-Salesópolis 30-Santa Isabel 31-Santana de Parnaíba 32-Santo André 33-São Bernardo do Campo 34-São Caetano do Sul 35-São Paulo 36-Suzano 37-Taboão da Serra 38-Vargem Grande Paulista SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 MAPA 2 Taxas de Crescimento Populacional Distritos e Subdistritos do Município de São Paulo – 1970-80 Negativa De 0 a 2% De 2 a 4% Perus Mais de 4% 22 Jaraguá 40 48 31 4 44 43 8 41 23 47 14 19 39 45 13 20 35 15 25 11 5 6 10 1 7 16 34 17 2 33 12 28 9 21 30 São Miguel Paulista 3 27 38 46 37 24 29 36 Ermelino Matarazzo Guaianases 26 18 Itaquera 42 1o Sé 2o Liberdade 3o Penha 4o Nossa Senhora do Ó 5o Santa Ifigênia 6o Brás 7o Consolação 8o Santana 9o Vila Mariana 10o Belenzinho 11o Santa Cecília 12o Cambuci 13o Butantã 14o Lapa 15o Bom Retiro 16o Mooca 17o Bela Vista 18o Ipiranga 19o Perdizes 20o Jardim América 21o Saúde 22o Tucuruvi 23o Casa Verde 24o Indianópolis 32 Parelheiros Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE. 78 25o Pari 26o Vila Prudente 27o Tatuapé 28o Jardim Paulista 29o Santo Amaro 30o Ibirapuera 31o Pirituba 32o Capela do Socorro 33o Alto da Mooca 34o Cerqueira César 35o Barra Funda 36o Vila Maria 37o Aclimação 38o Vila Matilde 39o Vila Madalena 40o Brasilândia 41o Cangaíba 42o Jabaquara 43o Jaguara 44o Limão 45o Pinheiros 46o Vila Formosa 47o Vila Guilherme 48o Vila Nova Cachoeirinha NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO MAPA 3 Taxas de Crescimento Populacional Distritos e Subdistritos do Município de São Paulo – 1980-91 Negativa De 0 a 2% De 2 a 4% Perus Mais de 4% 22 Jaraguá 40 48 31 4 44 43 8 41 23 47 35 15 14 19 39 1 7 20 28 16 21 30 18 São Miguel Paulista 3 27 10 9 24 29 25 6 34 17 2 12 37 45 13 5 11 36 Ermelino Matarazzo 33 38 46 Guaianases 26 Itaquera 42 1o Sé 2o Liberdade 3o Penha 4o Nossa Senhora do Ó 5o Santa Ifigênia 6o Brás 7o Consolação 8o Santana 9o Vila Mariana 10o Belenzinho 11o Santa Cecília 12o Cambuci 13o Butantã 14o Lapa 15o Bom Retiro 16o Mooca 17o Bela Vista 18o Ipiranga 19o Perdizes 20o Jardim América 21o Saúde 22o Tucuruvi 23o Casa Verde 24o Indianópolis 32 Parelheiros Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE. 79 25o Pari 26o Vila Prudente 27o Tatuapé 28o Jardim Paulista 29o Santo Amaro 30o Ibirapuera 31o Pirituba 32o Capela do Socorro 33o Alto da Mooca 34o Cerqueira César 35o Barra Funda 36o Vila Maria 37o Aclimação 38o Vila Matilde 39o Vila Madalena 40o Brasilândia 41o Cangaíba 42o Jabaquara 43o Jaguara 44o Limão 45o Pinheiros 46o Vila Formosa 47o Vila Guilherme 48o Vila Nova Cachoeirinha SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 área vinha se transformando num ponto de passagem para parcela significativa da população migrante, principalmente para os migrantes originários de outros estados brasileiros (Cunha, 1987). Assim, a RMSP, notadamente o município de São Paulo, seria o primeiro ponto de referência do estado, a partir do qual ocorreriam movimentos migratórios de caráter mais definitivo. Vale ressalvar que, até o momento, os determinantes deste processo não puderam ser devidamente sistematizados. Procurou-se, no entanto, apontar as principais alterações ocorridas na dinâmica populacional desta área e identificar elementos relevantes para o entendimento desta nova realidade demográfica. cluem-se os municípios "dormitórios": Carapicuíba, Ferraz de Vasconcelos, Itapevi, Jandira, Poá e Taboão da Serra. O município de Carapicuíba apresentou taxa de migração positiva, embora com uma queda acentuada da participação da migração, de 82,8%, em 1970-80, para 39,9%, em 1980-91. As profundas alterações registradas na metrópole nos anos 80 abrem um amplo espaço de reflexão, principalmente quando se faz necessário traçar cenários futuros da dinâmica demográfica desta área. Nesta linha de discussão, alguns estudos (Araújo e Pacheco, 1992) revelam que uma das hipóteses plausíveis para o entendimento destas mudanças seria a própria redução absoluta da migração interestadual para o Estado de São Paulo neste período, afetando, conseqüentemente, o ritmo de migração para a metrópole nos anos 80. Outros estudos destacaram a importância da redistribuição populacional em direção ao interior do Estado de São Paulo a partir da RMSP. Segundo Perillo e Aranha (1992), é interessante observar o peso crescente do interior do Estado em relação à metrópole quando se analisam os deslocamentos populacionais nas últimas décadas. O fortalecimento do interior relacionou-se, principalmente, ao grande dinamismo da produção industrial para o mercado externo, à agricultura e à agroindústria, em que também se desenvolveram as estruturas do setor de comércio e serviços. Esses fatores, em conjunto, contribuíram tanto para a aceleração dos movimentos migratórios em direção ao interior quanto para a retenção da população do interior em suas regiões de origem. Dessa forma, contrariamente ao ocorrido na RMSP, o saldo migratório do interior apresentou ligeiro acréscimo: de 787 mil pessoas, em 1970-80, para 861 mil pessoas, em 1980-91. Tal fenômeno estaria refletindo o processo de interiorização do desenvolvimento econômico, notadamente da indústria, no Estado de São Paulo. Neste sentido, Cano e Semeghini (1992) destacaram que "os efeitos da profunda recessão dos anos 80 foram bem mais fortes sobre a RMSP quando comparado ao interior do Estado de São Paulo". Entre outros fatores, os autores mostram que a produção industrial da metrópole diminuiu 1,5%, entre 1980 e 1987, enquanto a do interior cresceu 6,3%, no mesmo período. A RMSP continuou concentrando a mais expressiva parcela da indústria do país, mesmo a partir de meados da década de 70, com o redirecionamento das atividades industriais para o interior do estado e outras regiões do país – movimento que se traduziu no declínio de sua participação de 43,5%, em 1970, para 33,6%, em 1980, e 30,6%, em 1987 (Araújo e Pacheco, 1992.). Outra hipótese plausível para explicar as mudanças ocorridas na metrópole nos anos 80 seria a de que esta NOVAS TENDÊNCIAS MIGRATÓRIAS NO INTERIOR DO ESTADO As transformações recentes na dinâmica econômica e populacional da metrópole paulista repercutiram significativamente no interior do Estado de São Paulo,2 que se tornou a segunda concentração industrial do país, só perdendo para a RMSP. Além disso, o interior apresentou uma mobilidade espacial de grande magnitude, evoluindo de um saldo migratório negativo de 454 mil pessoas, na década de 60, para um saldo positivo de 787 mil pessoas, em 1970-80. No período 1980-91, esta tendência persistiu, de tal modo que a migração alcançou um volume de 861 mil pessoas (Perillo e Aranha, 1992). Nos anos 70, alternavam-se num mesmo espaço regiões com elevadas taxas de migração negativas e outras com taxas positivas superiores a 20 por mil habitantes. As regiões situadas a oeste do estado, como Presidente Prudente, Araçatuba e Marília, caracterizavam-se como áreas de acentuada evasão de população do Estado de São Paulo. Em contrapartida, as regiões situadas a leste, notadamente aquelas circunvizinhas à metrópole, registravam taxas de migração superiores a 15 por mil habitantes, como Campinas, Santos, São José dos Campos e Ribeirão Preto. Nesse período, algumas regiões consolidaram-se enquanto importantes pólos de atração populacional no Estado de São Paulo – como Região Metropolitana de São Paulo, Campinas, Sorocaba, São José dos Campos, Ribeirão Preto, Bauru e São José do Rio Preto. Nos anos 80, assistiu-se a mudanças importantes nas tendências migratórias. Nas regiões a leste do estado, o ritmo da migração, neste período, sofreu forte redução. Ao mesmo tempo, a Região Metropolitana, além de Registro, mais ao sul do estado, e outras regiões reverteram o sinal de seus saldos migratórios em 1990-91. Pela primeira vez na história, a RMSP passou a fazer parte do grupo de regiões com saldos migratórios negativos (Mapa 4). 80 NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO MAPA 4 Taxas Líquidas de Migração Regiões Administrativas do Estado de São Paulo – 1970-1991 1970-80 1980-91 RA de São José do Rio Preto RA de Barretos RA de Franca RA de Ribeirão Preto RA de Araçatuba RA de Presidente Prudente RA Central RA de Marília RA de Bauru RA de Campinas RA de São José dos Campos RA de Sorocaba RMSP RA de Santos RA de Registro Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE. listas. Na década de 70, 62% dos municípios caracterizavam-se como áreas de evasão populacional (Fundação Seade, 1992). Em outras palavras, a saída de pessoas mostrou-se maior do que a entrada em 352 municípios. No período 1980-91, a situação foi mais equilibrada: 53% apresentaram taxas negativas de migração e 47%, taxas positivas. Verificou-se uma redução no número de municípios com altas taxas negativas de migração, de 196, em 1970-80, para 99 no período seguinte. Também diminuiu o número daqueles com altas taxas positivas neste período, passando de 90 para 63. Outro dado interessante é que em 21% dos municípios registrou-se, entre 1970 e 1991, uma inversão de sinais As regiões a oeste e norte do estado, com taxas de migração negativas na década de 70, reduziram a intensidade da evasão populacional, destacando-se, sobremaneira, as regiões de Araçatuba, Presidente Prudente e Marília. A região de São José do Rio Preto chegou, inclusive, a apresentar uma reversão da tendência migratória, passando a contar com taxa de migração positiva nos anos 80. As áreas centrais do estado registraram manutenção dos níveis migratórios, como é o caso das regiões de Sorocaba, Bauru e Central. Destacaram-se também Barretos e Franca, que passaram a contar com taxas de migração positivas no período 1980-91. Vale destacar também algumas alterações importantes em termos da dinâmica populacional dos municípios pau- 81 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 no movimento migratório: 85 deles, caracterizados até então como áreas de evasão de população, tornaram-se áreas de atração. Situação oposta ocorreu em 36 outros municípios. NOTAS Este trabalho contou com a colaboração de Magaly de Losso Perdigão. 1. As estimativas dos saldos migratórios para o período 1980-91 foram obtidos pelo Método das Estatísticas Vitais, mediante a utilização das Estatísticas do Registro Civil do Estado de São Paulo e das informações da Sinopse Preliminar do Censo Demográfico de 1991. CONSIDERAÇÕES FINAIS 2. O interior é definido aqui como o conjunto de todas as regiões paulistas, excluída a Região Metropolitana de São Paulo. A análise das informações censitárias disponíveis até o momento permitiu a identificação de novas tendências migratórias no Estado de São Paulo nos anos recentes. Contrariando uma tendência predominante há várias décadas no país, de concentração da população em cidades cada vez maiores, especialmente nas grandes metrópoles, os dados censitários revelaram uma reversão significativa nos padrões de redistribuição populacional. No Estado de São Paulo, verificou-se que a área metropolitana, notadamente a capital paulista, que se consolidavam como os grandes pólos de atração e concentração da população nacional, passaram a se caracterizar como áreas de evasão de população nos anos 80. Outro aspecto marcante da reorganização espacial paulista foi o rápido crescimento dos municípios periféricos. Esse processo de "periferização" generalizou-se no país, confirmando a tendência de transferência da população das áreas centrais para as áreas mais distantes. No interior do estado, a recuperação econômica e populacional, constatada na década anterior, teve prosseguimento. O processo de interiorização do desenvolvimento econômico paulista contribuiu, em grande medida, não apenas para a aceleração dos movimentos migratórios partindo da metrópole paulista em direção ao interior, como também para uma maior retenção da população do interior em suas regiões de origem. Verificou-se uma tendência à concentração populacional menos intensa em áreas que, até os anos 70 se caracterizavam como bastante atrativas e, ao mesmo tempo, um crescimento acelerado de áreas que antes perdiam população. Em síntese, as regiões do interior do Estado de São Paulo passaram a apresentar comportamentos migratórios menos díspares nos anos recentes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, M.F.I. e PACHECO, C.A. "A trajetória econômica e demográfica da Metrópole nas décadas de 70-80". São Paulo no limiar do século XXI. São Paulo, Fundação Seade, n.6, mar. 1992. CANO, W. e SEMEGHINI, V.C. "Urbanização, crise social e o perfil das entidades regionais em São Paulo".VIII Encontro de Estudos Populacionais. Anais... Brasília, Abep, out. 1992. CUNHA, J.M.P. da."As correntes migratórias na Grande São Paulo". São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.1, n.2, jul.-set. 1987. FUNDAÇÃO SEADE. "Migrações no Interior do Estado de São Paulo". Informe Demográfico. 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São Paulo, Fundação Seade, n.19, 1986. 82 MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA VALMIR ARANHA Sociólogo, Analista da Fundação Seade A falta de informação sobre a dinâmica migratória recente no Brasil, bem como o atraso na divulgação dos dados relativos ao questionário da amostra do Censo Demográfico de 1991, confere importância fundamental à análise de fontes alternativas de informação sobre migração. Em que pese esta falta de dados, a Fundação IBGE divulgou, em 1992, uma versão preliminar do último Censo que, entre outras contribuições, permitiu identificar o ritmo do crescimento e a distribuição da população nas diversas cidades e regiões do país. Estes dados, indiretamente, indicaram mudanças nas tendências migratórias recentes e subsidiaram a elaboração de vários estudos que procuraram interpretar o sentido dessas mudanças.1 De modo geral, o Censo de 1991 revelou uma sensível redução do crescimento populacional em todo o território brasileiro: a taxa do país, que era de 2,5% a.a. em 197080, passou para 1,9% a.a., em 1980-91. O declínio da fecundidade é, sem dúvida, o principal responsável por esta mudança. Entretanto, a moderação no processo de metropolização também conforma outra transformação importante na dinâmica demográfica recente. De fato, se no início da década de 80 a fecundidade já vinha apresentando uma tendência decrescente, os dados preliminares do Censo não somente confirmaram esta queda, como também indicaram o acelerado ritmo em que ela se processou. Por outro lado, a redução da concentração populacional, sobretudo nas principais metrópoles do país, mostrou uma tendência diferenciada de crescimento populacional segundo o tamanho das cidades: nos anos 80, as maiores cresceram proporcionalmente menos em benefício das médias e pequenas. Do ponto de vista migratório, estas mudanças poderiam sugerir uma diminuição na intensidade e/ou um redirecionamento dos fluxos migratórios, sobretudo nas regiões que tradicionalmente apresentavam elevadas taxas de crescimento e uma grande concentração de população. Os efeitos destes processos indicariam um certo "imobilismo populacional" ou um arrefecimento do processo migratório, assim como um redirecionamento dos fluxos migratórios, que teriam se tornado predominantemente de curta distância, ou de caráter intra-regional, em detrimento dos tradicionais fluxos de longa distância. Ressalte-se que estas mudanças ocorreram em um contexto bastante complexo, em que os efeitos da desconcentração industrial, mudanças na composição do emprego, flexibilização, automação e abertura da economia, concomitantemente à alternância entre períodos de estabilização e momentos de crises, teriam incidido diretamente e diferencialmente sobre os movimentos migratórios. A principal expressão destas mudanças foi, sem dúvida, o processo ocorrido na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Historicamente a principal área de concentração de população e de recepção de migrantes do país, a metrópole paulista passou a registrar uma taxa de crescimento populacional de apenas 1,9%a.a., no período 1980-91, contra os 4,5% a.a. registrados em 1970-80. Na mesma direção, os dados preliminares do Censo de 1991, associados às Estatísticas Vitais do Estado de São Paulo, reunidas pela Fundação Seade, indicaram um saldo migratório negativo de 274 mil pessoas para a RMSP no período 1980-91. Este resultado não representa apenas uma simples diminuição da intensidade da imigração rumo a São Paulo. Mais do que isso, revela um importan- 83 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 te êxodo de população, que estaria emigrando para outras regiões do país.2 É nesse contexto de falta de informação e de indicações sobre as tendências migratórias recentes que este trabalho pretende contribuir, apresentando novos resultados a partir de duas fontes alternativas: a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pela Fundação Seade e pelo Dieese, e a Pesquisa de Condições de Vida (PCV), também da Fundação Seade. A análise destas fontes conduz a indicações interessantes, já que a PED acumula mais de uma década de pesquisa sobre a RMSP, chegando até 1995 com resultados bastante atualizados, enquanto a PCV, na versão de 1994, é representativa para a área urbana do Estado de São Paulo e contém informações relevantes sobre a dinâmica migratória do interior do Estado de São Paulo. Nosso objetivo é bastante simples. Os dados relativos à migração contidos nessas pesquisas serão apresentados aqui de forma a se poder identificar as tendências, tanto em relação à intensidade quanto aos sentidos, dos fluxos de migrantes para a RMSP. Na medida do possível, procurar-se-á também acompanhar algumas mudanças no perfil socioeconômico e demográfico dos migrantes. Pretende-se, dessa forma, indicar outras possibilidades de interpretação da dinâmica migratória recente, sobretudo na metrópole paulista. grantes segundo tempo de residência na RMSP. Os dados relativos a ocupação, educação e local de residência anterior dos migrantes foram agrupados em períodos bianuais, compatibilizando estas informações com as características do plano amostral. Vale ressaltar ainda que a PED é uma pesquisa restrita à RMSP e reflete somente o comportamento da entrada de migrantes na região, sem se referir, evidentemente, ao volume de saídas, ou seja, de emigração. São apresentados também alguns resultados da tendência migratória metropolitana levantados pela PCV de 1994. Esta pesquisa consiste em um levantamento sobre emprego, habitação, acesso a serviços de saúde, instrução e rendimentos, visando dimensionar o grau de pobreza que atinge a população paulistana. É orientada pela noção de pobreza enquanto um fenômeno multifacetado e combina diversos indicadores de carências que atingem as famílias no Estado de São Paulo (Fundação Seade, 1992). A PCV define como migrantes aqueles que declararem como último local de residência um município diferente daquele em que residiam no momento da entrevista. Esta definição possibilita uma melhor captação das diversas tendências migratórias no espaço paulista que a da PED. Procurou-se aqui compatibilizar os dois conceitos a partir da PED para mapear fluxos distintos de entrada e de saída de migrantes na RMSP. A partir da PCV, considerou-se os migrantes residentes na RMSP e os do interior do Estado de São Paulo que declararam como local de residência anterior algum município da RMSP. Estas informações retratam não só a tendência migratória em direção à RMSP, como também um movimento específico de saída de população da RMSP rumo ao interior. Optou-se por definir os migrantes da PCV como aqueles que declararam residir há menos de quatro anos no interior ou na RMSP, indicando o provável comportamento da migração no período pós-censitário. Vale ressaltar que a PCV de 1994 é uma pesquisa restrita ao Estado de São Paulo, não possibilitando a identificação dos fluxos migratórios com origem na RMSP e destino para outras localidades fora do estado. Com base nos conceitos e nas possibilidades de mapeamento da dinâmica migratória assim definidas, acredita-se ter uma importante indicação sobre a mobilidade populacional recente na RMSP. As fontes alternativas são utilizadas como complemento das informações censitárias ou como indicativas de novas características migratórias. CONCEITOS, POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES DAS FONTES ALTERNATIVAS PARA O ESTUDO DAS MIGRAÇÕES A PED, que teve início em 1984, é um sistema permanente de pesquisa domiciliar na RMSP que permite quantificar a evolução conjuntural da mão-de-obra e caracterizar os diferentes tipos de desemprego, especificando os setores mais afetados pelas oscilações e modificações ocorridas no mercado de trabalho (Haga,1987). Através desta pesquisa, é possível acompanhar a participação dos migrantes residentes na RMSP (local de residência anterior, tempo de residência, sexo, idade, escolaridade, etc.), os impactos dos movimentos migratórios sobre a população economicamente ativa e o desemprego e as especificidades da inserção setorial do migrante no mercado de trabalho. Segundo a metodologia da PED, são definidos como migrantes aqueles que declararem como último local de residência outros municípios do Estado de São Paulo, exceto a RMSP, outros estados e outros países. Por exclusão, os que sempre residiram na RMSP e os que migraram de um município para outro dentro da própria região são considerados não-migrantes. As informações referentes à PED, apresentadas aqui, correspondem ao período 1988-953 e consideram os mi- OS IMIGRANTES RESIDENTES NA RMSP SEGUNDO A PED Contrariando as tendências apontadas pela análise das taxas de crescimento e dos saldos migratórios calculados 84 MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA TABELA 1 Distribuição de Migrantes, segundo Tempo de Residência Região Metropolitana de São Paulo – 1988-95 Em porcentagem Tempo de Residência Total 1988 (1) 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Não-Migrante 52,7 53,4 54,0 54,3 52,8 53,0 52,8 52,9 Migrante 47,3 46,6 46,0 45,7 47,2 47,0 47,2 47,1 6,2 5,9 5,6 5,2 5,7 5,7 5,7 6,3 Menos de 1 Ano 2,7 2,7 2,3 2,1 2,3 2,5 2,6 2,9 De 1 a Menos de 2 Anos 1,8 1,6 1,7 1,5 1,6 1,5 1,6 1,7 De 2 a Menos de 3 Anos 1,8 1,7 1,6 1,6 1,8 1,7 1,6 1,6 14,8 14,0 13,7 13,4 14,6 14,7 15,3 15,9 Menos de 3 Anos Menos de 10 Anos De 3 a Menos de 10 Anos Mais de 10 Anos 8,6 8,0 8,0 8,2 8,9 9,1 9,6 9,6 32,4 32,6 32,4 32,3 32,6 32,3 31,9 31,2 Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese. (1) Refere-se ao período fev./dez. Se estas informações da PED parecem ratificar, num primeiro momento, a tendência ao menor crescimento populacional e, conseqüentemente, a diminuição de intensidade dos fluxos migratórios rumo à RMSP, os dados sobre os migrantes segundo tempo de residência apontam em outra direção. O Gráfico 1 resume algumas informações da tabela anterior, tomando apenas os migrantes com menos de três anos de residência,4 e mostra que continua ocorrendo uma entrada significativa de migrantes durante todo o período 1988-95. Ainda que apresentando o mesmo movimento de inflexão no ano de 1991, a participação deste grupo de migrantes recentes foi diferenciada ao longo do período considerado, sobretudo aqueles com menos de um ano de residência. Estes migrantes, que poderiam ser considerados como recém-chegados a São Paulo, representavam 2,7% da população total em 1988, passando a 2,1% no ano de 1991, aparentemente o momento de menor entrada de migrantes na RMSP. Após esse ano, verificou-se um aumento pequeno, mas nitidamente crescente, da participação deste grupo de migrantes, que chegaram a representar quase 3% da população total no ano de 1995 – em termos absolutos, aproximadamente 480 mil pessoas da população estimada para este ano. Esta participação diferenciada dos migrantes recentes ao longo do período analisado revela um movimento de chegada de migrantes na RMSP que parece ter sido relativamente menor no momento mais agudo da crise, se comparado àquela ocorrida em outros anos. O que aparentemente é válido para este contexto de "atração de migrantes" não se aplica à situação de permanência destes migrantes na RMSP. Apesar do aumento sis- a partir das informações do Registro Civil do Estado de São Paulo, as informações da PED sobre os migrantes, segundo tempo de residência, indicam que continua ocorrendo uma entrada bastante intensa de migrantes na RMSP no período recente. Os dados da Tabela 1 mostram que a participação dos migrantes no total da população metropolitana no período 1988-95 apresenta dois movimentos distintos. Num primeiro momento (1988-91), verifica-se uma pequena diminuição da participação dos migrantes no total da população e, conseqüentemente, um aumento relativo da participação dos não-migrantes. Dentre a população residente na RMSP no ano de 1988, 52,7% eram não-migrantes e 47,3,%, migrantes; em 1991, estes valores alteraram-se para 45,7% e 54,3%, respectivamente. Ressalte-se que o ano de 1991 registrou a maior diferença entre migrantes e não-migrantes de todo o período, da ordem de 8,6%. A partir de 1991, ocorre uma pequena alteração desta tendência, mas no sentido contrário, fazendo com que a participação relativa dos migrantes aumentasse gradativamente até o final do período. No ano de 1995, os migrantes representavam 47,1% da população e os não-migrantes 52,9%, atingindo praticamente o mesmo patamar registrado em 1988. Percebe-se nitidamente um movimento de diminuição e crescimento, tendo o ano de 1991 como um possível ponto inflexão na dinâmica migratória recente rumo à RMSP. Dessa forma, a menor participação de migrantes em 1991, em comparação com os demais anos aqui considerados, pode ser um indicativo de porquê o resultado do Censo de 1991 indica um aparente "imobilismo" da população ou um arrefecimento nos movimentos migratórios. 85 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 GRÁFICO 1 representatividade destes em termos populacionais? Como interpretar o saldo migratório negativo e a pequena taxa de crescimento populacional registrada na região no período 1980-91? Algumas pistas são fornecidas pelos dados dos migrantes por tempo de residência. Do total da população residente na RMSP no ano de 1991, aproximadamente 13,4% era constituída por migrantes com menos de dez anos de residência. Este percentual representa uma cifra bastante expressiva de cerca de 2 milhões de migrantes que permaneceram residindo na RMSP durante os anos que compreendem praticamente todo o período intercensitário. O volume migratório registrado pela PED equivale aproximadamente ao de entrada de migrantes na RMSP registrado pelo Censo, durante o período 1970-80, da ordem de 2,4 milhões de pessoas.6 Isto mostra que a RMSP continua recebendo um fluxo significativo de população e que, contrariamente ao que indicavam as taxas de crescimento populacional e os saldos migratórios, esta região continua sendo importante em termos da mobilidade de população, não apenas para o Estado de São Paulo, mas também nacionalmente. Estas informações poderiam revelar que a diminuição da migração para a RMSP realmente ocorreu, mas não com a intensidade sugerida pelos dados preliminares do Censo. Na verdade, o grupo de migrantes residentes há menos de dez anos aumentou sistematicamente sua participação na população total da RMSP a partir de 1991, chegando a representar 15,9% em 1995. Uma hipótese, que só poderá ser verificada através das informações censitárias sobre os fluxos migratórios, é que, concomitantemente à entrada expressiva de migrantes na RMSP na década de 80, deve ter ocorrido também uma evasão bastante significativa rumo a outras regiões do país ou do Estado de São Paulo, ou até mesmo ao exterior, que mais do que compensou a expressiva entrada de migrantes registrada pela PED.7 Uma tal interpretação da dinâmica migratória recente da RMSP – mais fundamentada em hipóteses que enfatizam predominantemente a mobilidade populacional contínua, de circulação permanente ou mesmo de substituição de população – contrapõe-se a modelos interpretativos bastante sedimentados nos estudos migratórios pautados em tendências de maior ou menor crescimento ou em fatores que atraem ou expulsam população. Há de se perguntar se, dentro da tendência recente da migração na metrópole paulista, atração e expulsão não são processos que coexistem no mesmo tempo/espaço regional e que afetam grupos e dinâmicas populacionais distintos. Neste caso, quais seriam os migrantes que continuariam chegando na RMSP? Quem estaria deixando a RMSP? Para onde? Por quê? Distribuição de Migrantes com Menos de Três Anos de Residência Região Metropolitana de São Paulo – 1988-95 Menos de 1 Ano De 1 a Menos de 2 Anos De 2 a Menos de 3 Anos % Anos 1988(1) 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 Fonte: SEP e Convênio Seade – Dieese. (1) Refere-se ao período fev./dez. temático da participação dos migrantes no total da população metropolitana, não se verificou, no período pós-91, uma ampliação no processo de absorção dos migrantes recentes. Mesmo estes dados não sendo de coortes e sim de períodos, se considerarmos que os migrantes com menos de um ano, por exemplo, de 1988, seriam potencialmente os migrantes residentes de um a menos de dois anos de residência no ano de 1989, e assim sucessivamente, aparentemente a capacidade de retenção dos migrantes na RMSP permaneceu estável. Girando sempre em torno de 1,5% e 2%, a participação dos migrantes residentes na RMSP de um a menos de dois, e de dois a menos de três anos de residência parece indicar que este foi o limite da capacidade de absorção dos migrantes durante todos esses anos, independentemente de ser um período de crise, como em 1990-91, ou de estabilização como em 1995. Sob este ângulo, estas informações podem ser um indicativo de que o processo migratório na RMSP continua apresentando características de nítida seletividade. Se, por um lado, verifica-se que somente uma parte dos migrantes que chegaram à RMSP durante o período permaneceram na região após um ano de residência, por outro, continua ocorrendo um processo de reemigração de um segmento da população migrante que, passando pela Região Metropolitana e não se fixando, parte novamente em busca de novas possibilidades de sobrevivência em outras regiões.5 Estes fluxos de reemigrados poderiam, inclusive, estar engrossando um provável movimento de migração de retorno, hipótese bastante plausível para este contexto de saída de população da RMSP. Se os dados da PED indicam que continua ocorrendo uma entrada sistemática de migrantes na RMSP, qual a 86 MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA paulista, sendo responsáveis por mais da metade dos migrantes residentes há menos de três anos. Em 1994-95, respondiam por praticamente 59% da migração para a RMSP. Os migrantes com último local de residência nos estados das regiões Norte, Centro-Oeste e Sul tiveram uma pequena redução em sua participação relativa durante o período. Do total dos migrantes residentes há menos de três anos na RMSP, estes representavam 10,9% nos anos 1988-89, passando para 9,7% em 1994-95. Aparentemente, as migrações internacionais, no contexto da mobilidade populacional contemporânea brasileira, são muito mais significativas enquanto processo de saída de população para outras partes do mundo.8 Os dados da PED, entretanto, indicam uma participação relativa ascendente destes migrantes na RMSP. Em 1988-89, os migrantes de outros países representavam 1,3% do total dos migrantes com menos de três anos de residência na RMSP, passando, em 1994-95, a 2,5%. Embora os migrantes de outros países não sejam tão representativos quanto os nacionais, muitos estudos já vinham indicando a presença cada vez mais significativa de algumas nacionalidades na população metropolitana de São Paulo, sobretudo de bolivianos e coreanos. Para alguns setores da economia metropolitana, a inserção destes estrangeiros é fundamental, constituindo uma das alavancas dos processos de terceirização das tarefas que exigem utilização mais intensiva de mão-de-obra das indústrias de confecções (BID, 1995 e Silva, 1995). A inserção do migrante no trabalho é outra informação que a PED possibilita analisar. Neste artigo, porém, só indicaremos de modo bastante genérico algumas tendências da ocupação destes migrantes em comparação com o total dos ocupados da RMSP. Deve ficar para um trabalho específico analisar com maior grau de detalhamento as especificidades da recente inserção dos migrantes no mercado metropolitano. De modo geral, as mudanças na inserção dos migrantes segundo os setores de atividades acompanham a evolução e a tendência do total da população em idade ativa (PIA) metropolitana. Os dados da Tabela 3 mostram que a menor participação da PIA na indústria, com um aumento proporcional nas atividades de comércio e serviços, é um processo comum tanto para o total dos ocupados como para os migrantes com menos de três anos de residência. O total da PIA ocupada na indústria da RMSP representava 18,1% do total dos ocupados em 1988-89, passando para 14,1% em 1994-95. Esta diminuição ocorreu também, e foi ainda ainda maior entre os migrantes com menos de três anos de residência (de 18,3% em 1988-89 para 10,8% em 1994-95). TABELA 2 Distribuição da População Migrante Residente Há Menos de 3 Anos, segundo Último Local de Residência Região Metropolitana de São Paulo – 1988-1995 Em porcentagem Migrante com Menos de Três Anos de Residência Último Local de Residência Total Interior do Estado de São Paulo Regiões NO, CO e Sul Sudeste Menos Estado de São Paulo Nordeste Outro País 1988(1)/89 1990/91 1992/93 1994/95 100,0 100,0 100,0 100,0 13,5 10,9 14,4 10,6 17,9 11,6 16,3 9,7 15,0 59,4 1,3 15,3 58,0 1,8 13,7 54,8 2,1 12,9 58,6 2,5 Fonte: SEP e Convênio Seade – Dieese. (1) As informações relativas ao ano de 1988 referem-se ao período fev./dez. É bastante difícil responder a estas perguntas e, com certeza, não são as fontes alternativas que vão abarcá-las em sua totalidade. Ainda assim, na quarta parte deste artigo procurou-se explorar dados da PCV que indiquem algumas tendências deste processo. Outro aspecto importante apontado pelas informações da PED é que, diferentemente do que os dados preliminares vinham sugerindo, não ocorreram mudanças muito significativas quanto ao local de residência anterior dos migrantes que se dirigiram para a RMSP nos anos recentes. Verificase através da Tabela 2 que, apesar de os migrantes de âmbito regional ou de curta distância – caracterizados aqui como aqueles procedentes do interior do Estado de São Paulo ou dos outros estados da região Sudeste – apresentarem uma participação significativa, continuam predominando os migrantes originários na região Nordeste. Os migrantes com último local de residência no interior do estado que se dirigiram para São Paulo representaram ainda uma importante parcela do processo migratório metropolitano. No biênio 1988-89, correspondiam a 13,5% do total dos migrantes na RMSP com menos de três anos de residência; em 1994-95, essa participação elevou-se para 16,3%. Também os migrantes com local de residência anterior nos estados do Sudeste, excetuado São Paulo, representam uma parcela expressiva, embora tenham apresentado a maior diminuição relativa dos migrantes residentes há menos de três anos na metrópole paulista. Se, nos anos 1988-89, eram 15,0%, no biênio 1994-95 passaram a ser 12,9%. Os estados do Nordeste ainda se caracterizam como os grandes "exportadores" de migrantes para a metrópole 87 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 Os setores de comércio e serviços apresentaram um aumento relativo na participação dos ocupados, tanto para o total da PIA metropolitana como também para a PIA migrante. A proporção da PIA inserida no comércio e nos serviços elevou-se de 8,1% para 9% em 1994-95. No setor serviços, estes percentuais passaram de 23,1% para 20,2%, respectivamente. A proporção de migrantes com menos de três anos de residência ocupados em cada um desses setores também aumentou de 7,2% e 20,2% para 8,4% e 21,3% no mesmo período. Vale ressaltar que os setores que tradicionalmente constituíam portas de entrada para os migrantes recentes no mercado de trabalho metropolitano apresentaram tendências distintas. A construção civil, atividade predominantemente masculina, apresentou uma nítida diminuição na participação da PIA ocupada; os serviços domésticos, atividade predominantemente feminina, apresentou um pequeno aumento relativo. Enquanto a PIA migrante ocupada na construção civil passou de 6,8% para 3,9%, durante todo o período analisado, os serviços domésticos apresentaram um aumento de 1,0%. Verificam-se também algumas características interessantes relacionadas aos desempregados e inativos da metrópole paulista. Ao se considerar a PIA total, verifica-se que, enquanto os inativos mantiveram uma participação praticamente estável durante o período, em torno de aproximadamente 38% e 39%, os desempregados apresentaram um aumento proporcional significativo, que teve no período 1992-93 sua maior expressão, cerca de 8,0% da PIA. Com relação aos migrantes, apesar destes estarem proporcionalmente em maior condição de atividade em comparação com a PIA total, a participação dos inativos migrantes aumentou sistematicamente, chegando a representar 32,8% da PIA migrante em 1994-95. Já os desempregados migrantes apresentaram uma participação crescente, chegando a representar 13,3% da PIA em 1992-93. TABELA 3 Distribuição da População em Idade Ativa, segundo Condição de Migração e Setor de Atividade Região Metropolitana de São Paulo – 1988-1995 Em porcentagem Condição de Migração e Setor de Atividade População Total 1988(1)/89 1990/91 1992/93 1994/95 100,0 100,0 100,0 100,0 18,1 16,6 14,5 14,1 Construção Civil 2,3 1,7 1,6 1,7 Comércio 8,1 8,6 8,6 9,0 Serviços 23,1 23,3 24,2 25,0 Serviços Domésticos 3,6 3,5 3,7 4,4 Outros 0,5 0,5 0,4 0,2 Desempregado 5,6 6,3 8,0 7,6 38,8 39,3 38,9 38,1 100,0 100,0 100,0 100,0 16,2 15,8 14,5 13,9 Construção Civil 1,1 1,0 0,9 0,9 Comércio 8,2 8,5 8,7 8,9 Serviços 23,0 22,8 23,5 24,2 Serviços Domésticos 1,7 1,6 1,5 1,6 Outros 0,5 0,5 0,4 0,4 Desempregado 6,6 6,8 7,6 8,0 42,7 43,0 42,8 42,3 100,0 100,0 100,0 100,0 18,3 15,7 11,2 10,8 Construção Civil 6,8 4,2 4,6 3,9 Comércio 7,2 8,5 8,3 8,4 Serviços 20,2 20,3 21,3 21,3 Serviços Domésticos 8,6 9,4 10,1 9,6 Outros 0,5 0,6 0,4 0,2 Desempregado 9,0 10,1 13,3 13,0 29,5 31,2 30,8 32,8 100,0 100,0 100,0 100,0 Indústria Inativo Não-Migrante Indústria Inativo Migrante com Menos de 3 Anos de Residência Indústria Inativo A MIGRAÇÃO NA RMSP SEGUNDO A PCV Migrante com Mais de 3 Anos de Residência Indústria 19,7 17,5 14,8 14,6 Construção Civil 2,6 2,1 2,0 1,8 Comércio 8,0 8,7 8,6 9,1 Serviços 23,5 24,1 25,2 25,8 Serviços Domésticos 4,5 4,5 4,8 5,2 Outros 0,5 0,5 0,4 0,2 Desempregado 4,3 5,5 7,7 6,7 36,8 37,1 36,4 36,6 Inativo Se os dados da PED indicam características importantes quanto ao volume e à direção da dinâmica migratória recente na RMSP, as informações da PCV de 1994 também apontam importantes diferenciais socioeconômicos segundo condição de migração da população na metrópole paulista. A PCV é atualmente a única fonte de informação disponível capaz de mapear a população que deixou de residir na RMSP no período recente, ainda que estes dados se limitem ao fluxo migratório específico entre RMSP e interior. A migração rumo ao interior do Estado de São Paulo é um processo migratório sinificativo desde a década de 70 Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese. (1) As informações relativas ao ano de 1988 referem-se ao período fev./dez. 88 MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA Esta diferença no perfil etário entre imigrantes e emigrantes da RMSP também pode ser observada através da idade média ao migrar. Os migrantes que chegaram na RMSP caracterizam-se por uma estrutura etária mais jovem, com a média em torno de 21,3 anos; para os emigrantes, a média foi de aproximadamente cinco anos a mais, chegando a 26,9 anos. Em um primeiro momento, a comparação destas duas estruturas poderia indicar um diferencial importante no processo migratório com um fluxo predominantemente "individual" para a RMSP e a saída de um fluxo predominantemente "familiar" para o interior do estado. Parece mais interessante apostar que as estruturas etárias dos fluxos que chegam e que saem da RMSP são diferentes, em grande medida, por estarem relacionadas com distintos ciclos familiares. Assim, provavelmente estariam chegando na RMSP famílias com diferentes arranjos, mas predominantemente jovens com poucos ou sem filhos e, é claro, migrantes sozinhos, enquanto estariam saindo famílias também com diferentes arranjos, mas predominantemente mais envelhecidas, para o interior. Ressalte-se ainda duas características relacionadas com a idade dos migrantes. A primeira diz respeito à intensa concentração de migrantes jovens que chegaram à RMSP. De fato, o grupo etário de 15-19 anos concentrava mais de 20% de todos os migrantes que residiam há menos de quatro anos na metrópole no ano de 1994. Por outro lado, as informações de saída de migrantes indicam também características importantes relacionadas com os grupos etários mais avançados; no ano de 1994 os emigrantes com mais de 50 anos da RMSP que passaram a residir no interior do Estado de São Paulo representavam aproximadamente 13% do total de emigrantes. A constituição de um fluxo migratório específico formado por "idosos" é destacada em quase todos os trabalhos sobre tendências recentes, constituindo uma das manifestações das diversidades dos movimentos migratórios, sobretudo no Estado de São Paulo. Com relação ao sexo, observa-se que a "razão de sexo", indicador que reflete o equilíbrio entre homens e mulheres, é praticamente igual, considerando-se tanto a população imigrante como os emigrantes da metrópole paulista. Percebe-se apenas um pequeno predomínio de homens quando se consideram os emigrantes da RMSP com residência no interior, o que se traduz por uma razão da ordem de l04,5% no ano de 1994 (Tabela 5). Os dados relativos à escolaridade são uma indicação de que, provavelmente, trata-se de fluxos distintos que chegaram e que saíram da RMSP nos anos recentes. De modo geral, observa-se uma maior escolaridade no grupo de migrantes que deixaram a RMSP em comparação e, aparentemente, continua representando importante parcela da dinâmica migratória estadual. De fato, a PCV indica que continua ocorrendo um processo de saída da metrópole rumo ao interior; dos migrantes recentes do interior paulista ano de 1994, aproximadamente 19% tinham como local de residência anterior algum município da RMSP (Jannuzzi, 1996). Mesmo com as limitações e as possibilidades de cruzamento do plano amostral da PCV, é possível comparar alguns indicadores dos migrantes que chegam e que saem da RMSP. Essas informações mostram que a migração para a RMSP vem se tornando, aparentemente, cada vez menos um processo de atração e fixação, passando a ser, predominantemente, um processo de substituição de população. A análise da estrutura etária da população que entrou e que saiu da metrópole nos últimos anos aponta neste sentido (Gráfico 2). A distribuição por idade dos imigrantes com menos de quatro anos de residência na RMSP é bastante distinta daquela dos emigrantes que saíram da RMSP e residiam há menos de quatro anos no interior do Estado de São Paulo. Enquanto para os migrantes que chegaram na RMSP a curva etária possui um formato bastante tradicional, concentrando a maior parte dos migrantes nas idades produtivas, com menor participação dos grupos de crianças e nas idades mais avançadas, para os migrantes que saíram, a estrutura é quase de uma linha contínua, mostrando uma emigração distribuída em todos os grupos etários, destacando uma pequena, embora maior, participação proporcional nas primeiras e nas últimas faixas etárias. GRÁFICO 2 Estrutura Etária dos Migrantes (Idade ao Migrar) Região Metropolitana de São Paulo – 1994 Im igrantes com até 4 anos de Residência na R M SP Em igrantes com até 4 anos de Residência no Interior do Estado de São Paulo e R esidência Anterior na RM SP % Grupos de Idade Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV 1994. 89 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 imigrantes da RMSP. Os imigrantes que chegaram na RMSP apresentavam um rendimento médio mensal de aproximadamente 400 reais, enquanto os emigrantes da RMSP com residência no interior do Estado de São Paulo apresentavam um rendimento praticamente 30% superior ao da população imigrante (Tabela 5). TABELA 4 Distribuição dos Migrantes com 10 Anos e Mais que Residiam Há Menos de 4 Anos, segundo Instrução Região Metropolitana de São Paulo e Interior – 1994 Em porcentagem Instrução Total Analfabeto e Primário Incompleto 1o Grau Incompleto 2o Grau Incompleto 2o Grau Completo 3o Grau Incompleto/Completo Imigrantes da RMSP 100,0 31,6 39,4 12,7 10,3 6,0 Emigrantes da RMSP com Residência no Interior doESP CONSIDERAÇÕES FINAIS As possibilidades de exploração das fontes alternativas, com certeza, não se esgotam nas informações aqui apresentadas; este estudo reflete apenas um momento específico de uma etapa de trabalho. Foram indicadas, contudo, algumas informações que, somadas aos dados censitários, abrem novas possibilidades para a interpretação da dinâmica migratória recente da metrópole paulista. As características da migração na RMSP, no período mais recente, com certeza não são decisivas para confirmar as hipóteses aqui levantadas, mas, sem dúvida, indicam que o processo migratório vem apresentando mudanças importantes. Diferentemente das hipóteses anteriores, as fontes de informações alternativas revelam uma significativa mobilidade de população. Verificaram-se uma intensa entrada e uma grande saída de população da RMSP nos anos recentes. É somente a partir desse movimento de entradas e saídas que se pode avaliar o que representou, recentemente, o fato migratório para a metrópole paulista. Dessa forma, nem o imobilismo nem a mobilidade de curta distância ou intra-regional caracterizam a dinâmica migratória recente. O aumento na circularidade dos movimentos migratórios e, até mesmo, um provável processo de substituição de população da RMSP são características que podem refletir melhor o momento migratório metropolitano. Se, aparentemente, esta mobilidade recente não ocorreu somente pela busca de novas oportunidades de sobrevivência, com certeza reflete a impossibilidade ou a dificuldade não de migrar, mas sim de permanecer na maior metrópole do país. 100,0 18,9 37,1 (14,9) (13,5) (15,7) Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV 1994. Nota: Os valores entre parênteses estão sujeitos a erro amostral relativo superior a 30%. com os que chegam à metrópole; esta diferença chega a aproximadamente um ano em termos de escolaridade média (Tabela 5). Considerando os migrantes analfabetos e aqueles que possuíam somente o primário incompleto, ou seja, o mais baixo patamar de escolaridade formal, os imigrantes da RMSP com menos de quatro anos de residência representavam 31,6%, enquanto emigrantes que deixaram a região com idêntica escolaridade no mesmo período representavam apenas 18,9%. Para aqueles que possuíam somente o 1o grau incompleto, verifica-se também uma diferença, mas não tão acentuada, de respectivamente 39,4% e 37,1% (Tabela 4). Os migrantes que possuíam pelo menos o 1o grau completo são muito mais significativos quando se consideram os que deixaram a RMSP, aproximadamente 44,1%. Para os imigrantes da RMSP com esta mesma escolaridade, esta participação era de 29%. O rendimento médio também é outro indicador que revela diferenciais significativos entre os emigrantes e TABELA 5 Caracterização Sintética dos Migrantes, segundo Condição de Migração Região Metropolitana de São Paulo – 1994 Condição de Migração Idade Média Razão de Sexo Média de Pessoas por Família Rendimento Médio (em reais)(1) Escolaridade Média(em anos)(1) Imigrantes da RMSP 21,3 100,5 3,4 405,5 6,5 Emigrantes da RMSP com Residência no Interior do ESP 26,9 104,5 3,5 526,0 7,2 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV 1994. (1) Informações padronizadas considerando-se a estrutura etária da população metropolitana. 90 MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA NOTAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Ver a respeito Martine (1992 e 1994), Perillo e Aranha (1992) e Pacheco (1992). Não se pretende aqui reconstruir toda argumentação destes trabalhos, mas somente ressaltar, em linhas gerais, suas principais contribuições para o entendimento das tendências migratórias recentes. BID. "Migraciones laborales". Programa de Apóio Técnico BID para o Mercosul. Relatório n.3, 1995, mimeo. CUNHA, J.M.P.da."Migrações nas regiões administrativas do Estado de São Paulo segundo o Censo de 1980". Revista Brasileira de Estudos Populacionais. Campinas, v.4, n.2, jul.-dez. 1987. FUNDAÇÃO SEADE. "O impacto da migração recente e a inserção do migrante no mercado de trabalho da Grande São Paulo". Pesquisa de Emprego e Desemprego: Grande São Paulo, Estudos Especiais, n.15, 1986, p.23-34. 2. Apesar de vários trabalhos indicarem a diminuição da intensidade dos deslocamentos populacionais rumo à RMSP e, até mesmo, de saída de migrantes para outras regiões (Rodrigues e Perillo, 1986; Cunha, 1987), o que surpreende nos dados preliminares de 1991 é a intensidade deste processo, que chegou, inclusive, a inverter a tendência migratória da metrópole paulista. __________ . "Definição e mensuração da pobreza na Região Metropolitana de São Paulo: uma abordagem multissetorial". Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo, 1992. HAGA, A."Pesquisa de Emprego e Desemprego na Grande São Paulo". São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.1, n.3, out.-dez. 1987, p.86-87. JANNUZZI, P.de M."Aspectos da dinâmica migratória recente no interior paulista: contribuições da PCV 94 para delineamento de hipóteses para as projeções populacionais no Estado de São Paulo". São Paulo, 1996, mimeo. 3. Neste trabalho, optou-se por utilizar as informações de migração da PED a partir de fevereiro de 1988 devido a mudanças do questionário no quesito relativo a tempo de residência e local de residência anterior, que tornaram possível especificar o estado de última residência dos migrantes e o tempo de residência em anos completos. 4. Em outro estudo desenvolvido pela Fundação Seade (1986), constatou-se que este grupo de migrantes recentes é bastante singular no que diz respeito à sua inserção no mercado de trabalho: estavam ocupados de forma mais representativa nos setores da construção civil e dos serviços domésticos, recebiam salários menores e cumpriam uma jornada de trabalho maior do que os demais trabalhadores, a maior parte deles não possuía formalização nos contratos de trabalho, apresentavam a maior participação dos analfabetos e daqueles com o 1o grau ou então engrossavam as taxas de desemprego. MARTINE, G."Adaptação dos migrantes ou sobrevivência dos mais fortes?" In: MOURA, H.A.(coord.). Migrações internas: textos selecionados. Fortaleza, BNB, t.2, 1980, p.949-74. __________ . Processos recentes de concentração e desconcentração urbana no Brasil: determinantes e implicações. Brasília, Instituto SPN, Documento de Trabalho n.11, 1992. __________ . A distribuição espacial da população brasileira durante a década de 80. Brasília, IPEA, Texto para Discussão n. 329, 1994. 5. Esta argumentação foi desenvolvida por Martine (1980). Aparentemente, o processo de seletividade e reemigração ainda é uma das características presentes na dinâmica migratória da metrópole paulista. PACHECO, C.A."Dinâmica econômica regional dos anos 80: notas para uma discussão dos resultados do Censo de 91". In: VIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Anais... São Paulo, Abep, 1992, p.145-159. PATARRA, N.L.(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. Campinas, Funuap, v.1, 1995. PERILLO, S.R. e ARANHA, V. "Tendências recentes da migração. Conjuntura demográfica". São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.6, n.3, jul-set. 1992, p. 109-115. 6. Para comparar a PED com o Censo de 1980, foram excluídos dos resultados censitários 920 mil migrantes que realizaram movimentos intrametropolitanos na RMSP, segundo Cunha (1987). 7. Para se ter uma dimensão da magnitude desta provável evasão de população da RMSP, se for considerado que o número de migrantes foi cerca de 2 milhões no período 1981-91, como apontam os dados da PED, seria necessária a saída de aproximadamente 2,2 milhões de pessoas para que o saldo migratório neste período se tornasse negativo, da ordem de 270 mil pessoas, como registrado pela Fundação Seade. Se a relação estiver correta, teriam deixado a RMSP, nos anos 80, o equivalente a aproximadamente duas vezes a população de Campinas, o maior município do interior do estado. RODRIGUES, R.do N. e PERILLO,S.R. "Perspectiva da migração no Estado de São Paulo e nas 11 regiões administrativas para o período 1980-2000". Informe Demográfico. São Paulo, Fundação Seade, n.19, 1986, p.1-78 SILVA, S.A.da. Costurando sonhos: etnografia de um grupo de bolivianos que trabalham no ramo de costura em São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1995. 8. Ver os artigos publicados sobre fluxos migratórios de brasileiros para o exterior em Patarra (1995). 91 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 DINÂMICA MIGRATÓRIA RECENTE NO INTERIOR PAULISTA PAULO DE MARTINO JANNUZZI Demógrafo, Analista da Fundação Seade, Professor da PUCCAMP A migração vem se tornando, já há algumas décadas, a componente demográfica mais importante para a explicação da redistribuição espacial da população pelo Estado de São Paulo. Nos anos 80, com a progressiva redução dos diferenciais de fecundidade e mortalidade pelo estado, os fluxos migratórios interestaduais, inter-regionais e intra-regionais passaram a ter um peso ainda maior na dinâmica populacional dos municípios e regiões paulistas. Na presente década, não há evidências empíricas que se contraponham a essa tendência. Se, por um lado, tal fato vem colocando o campo de estudos da migração em posição de destaque na agenda da pesquisa demográfica no estado – o que, em si, é um aspecto positivo –, por outro, introduz dificuldades adicionais na já complexa atividade de elaborar projeções populacionais – temática para a qual este artigo visa contribuir. Se persistirem as tendências apontadas anteriormente, a qualidade das estimativas populacionais futuras dependerá, cada vez mais, da consistência das hipóteses sobre os níveis e padrões etários da migração no estado. Antecipar cenários futuros consistentes para a migração – ou para qualquer outra componente demográfica – é uma atividade de extrema complexidade, dada a natureza multifacetada dos processos demográficos. Dimensões econômicas, sociais e culturais concorrem, simultânea e independentemente, para a conformação dos níveis e padrões de fecundidade, mortalidade e migração. Entre as condições ditadas pela estrutura econômica e a manifestação demográfica há uma interface de mediação extremamente complexa, que pode amenizar, potencializar ou mesmo inverter os efeitos primários das condições estruturais. A crise paradigmática em que se encontra a teoria explicativa da migração é outro fator que dificulta a tarefa de delineamento de hipóteses para a dinâmica migratória futura. Nas palavras de Simmons (1987:1) “... a diversidade de padrões migratórios que têm sido descobertos e de modelos conceituais que têm sido desenvolvidos para analisá-los conduziu-nos a uma crise teórica. Os modelos explicativos existentes são muito específicos para contextos ou preocupações particulares. Eles parecem ser incapazes de integrar os diversos padrões de mobilidade, contextos históricos e tradições de pesquisa das várias disciplinas científicas”. Além disso, a progressiva desvinculação entre produção econômica e emprego na sociedade contemporânea vem colocar em xeque abordagens teórico-metodológicas que pressupõem uma relação mecânica entre mobilidade populacional e emprego industrial. Manifestações mais recentes do processo de urbanização no Brasil – em especial a contra-metropolização aludida por Martine (1994) e o acirramento da polarização do crescimento demográfico em direção a alguns centros urbanos no interior do estado (Bógus e Baeninger, 1995) – também introduzem elementos novos na discussão dos níveis e padrões migratórios futuros da população paulista. Por fim, e não menos importante para o estabelecimento de hipóteses para a migração, destaca-se a lacuna de informações estatísticas – atuais e passadas – sobre a realidade social, econômica e demográfica em nível microrregional. O desprestígio das atividades relacionadas ao planejamento público, neste final de século, tem se refletido de forma desastrosa sobre as agências oficiais de coleta, processamento e disseminação de dados estatísticos, em especial sobre o IBGE. Portanto, não é de se estranhar que, transcorridos mais de quatro anos da realização do Censo Demográfico, não se disponha de quais- 92 DINÂMICA MIGRATÓRIA RECENTE NO INTERIOR PAULISTA quer informações públicas sobre os quesitos investigados especificamente no questionário da amostra do Censo. Acrescente-se a isto o fato de que a migração tem sido historicamente o componente demográfico menos visado nos levantamentos amostrais intercensitários (Patarra e Cunha, 1987). Para o Estado de São Paulo, felizmente, esta lacuna de informações censitárias sobre migração e outros aspectos da realidade socioeconômica vem sendo contornada pelo uso de outras fontes alternativas. Graças à confiabilidade das Estatísticas Vitais no Estado (Waldwogel et alii, 1994; Paes, 1994), algumas questões sobre a dinâmica migratória já vêm sendo respondidas. Vários trabalhos têm contribuído para descrever o novo quadro redistributivo da população no estado e os diferenciais regionais de migração líquida nos anos 80, bem como para avançar no entendimento dos determinantes do processo.1 Para regozijo dos pesquisadores da migração no estado e alívio dos formuladores de hipóteses de projeções, é possível ainda complementar o quadro da dinâmica migratória estadual com os resultados de dois surveys realizados nos anos 90: a pesquisa de campo do Projeto “Migrações, Emprego e Projeções Populacionais”2 e a Pesquisa de Condições de Vida (PCV) da Fundação Seade. Assim, com o objetivo de contribuir para o entendimento da dinâmica recente da mobilidade populacional no interior paulista e fornecer subsídios para a elaboração de hipóteses acerca dos níveis e padrões migratórios a serem incorporadas nas projeções demográficas para o Estado de São Paulo, este artigo apresenta um painel descritivo do perfil sociodemográfico dos migrantes e dos diferenciais regionais da migração recente no interior paulista, na forma possibilitada pela PCV Interior de 1994. ANÁLISE DA MIGRAÇÃO PELA PCV 1994: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES A Pesquisa de Condições de Vida é um survey domiciliar voltado à caracterização da situação socioeconômica das famílias a partir do levantamento de informações em cinco áreas temáticas: renda, inserção no mercado de trabalho, acesso a serviços de saúde, instrução e habitação. Esta pesquisa foi realizada, pela primeira vez, na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), em 1990. Em 1994, o levantamento contemplou, além da RMSP, os 37 municípios do estado que possuíam, em 1991, mais de 80 mil habitantes na zona urbana. Ainda que não se trate de uma pesquisa voltada à avaliação de tendências demográficas, o questionário levanta algumas informações de interesse para pesquisadores da área: idade, sexo, etnia, nupcialidade, estrutura familiar, parturição, mês e ano do último filho nascido vivo, natureza do parto e quesitos relacionados à migração. Sobre estes últimos, o questionário coletou dados, para todos os membros da família, sobre o estado de nascimento (quesito aberto), local de procedência migratória (categorizado em seis alternativas: o mesmo município, do município de São Paulo, de outros municípios da RMSP, de outros municípios do interior, de outros estados e de outros países), tempo de residência no estado, tempo de residência na RMSP (só para moradores desta região), tempo de residência no município atual, tempo de resi- QUADRO 1 Quesitos com Informação Intrinsecamente Demográfica da PCV 94 Variável Idade Sexo Etnia Posição na Família Situação Conjugal Parturição Mês/Ano do Último Filho Nascido Vivo Natureza do Parto Estado de Nascimento Tempo de Residência no Estado Tempo de Residência no Município Atual Tempo de Residência na RMSP Tempo de Residência no Domicílio Atual Município de Residência Anterior Município onde Trabalha Tipo de Quesito aberto categórico – 2 cat. categórico – 4 cat. categórico – 13 cat. categórico – 7 cat. aberto aberto categórico – 4 cat. aberto aberto aberto aberto aberto categórico – 6 cat. categórico – 2 cat. Fonte: Fundação Seade. 93 População-Alvo todos membros da família todos membros da família todos membros da família todos membros da família todos membros da família mulheres de 10 anos ou mais mulheres de 10 anos ou mais mulheres de 10 anos ou mais todos membros da família todos membros da família todos membros da família todos, só p/ PCV/RMSP todos membros da família todos membros da família Ocupados de 10 anos ou mais SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 1994; Cunha e Baeninger, 1994), não foi passível de ser captada pela PCV. Os limites metodológicos e interpretativos da PCV na compreensão da dinâmica migratória no estado não devem se constituir em obstáculo para sua utilização como fonte alternativa para a análise do fenômeno.3 Na realidade, ao estudioso da migração não resta outra opção senão trilhar por outros caminhos menos convencionais para entender aspectos da dinâmica migratória no estado, enquanto não se publicam resultados mais abrangentes. Vale observar que, para a RMSP, a PCV pode ser usada com maior potencialidade. Através desta pesquisa é possível estudar aspectos da migração para a região em dois momentos (1990 e 1994), além da migração intrametropolitana e da mobilidade pendular para o trabalho e escola dentro da RMSP. Além disso, pode-se ter uma indicação da parcela da emigração que se deslocou para o interior do estado. dência no domicílio atual e local de exercício do trabalho (categorizado em duas alternativas: mesmo município de residência ou outro diferente). Tais informações, ainda que muito úteis e insubstituíveis em sua atualidade, apresentam algumas limitações para a compreensão da dinâmica migratória regional passada. Estas limitações referem-se ao tipo de delineamento de pesquisa, à forma de coleta das informações e ao plano amostral implementado. Como toda pesquisa amostral de delineamento sincrônico, o migrante identificado em uma região é aquele residente no momento da realização da entrevista. Muitas pessoas podem ter passado pela região e se deslocado ou falecido antes do momento da pesquisa. Movimentos sazonais de mão-de-obra podem não ser captados dependendo dos meses em que se realizou a coleta de dados. As características demográficas e socioeconômicas do migrante referem-se ao momento da entrevista, não ao período em que ele migrou. A categorização adotada quanto ao local de última procedência não permite reestabelecer a origem microrregional dos fluxos captados, nem avaliar a proximidade dos mesmos em relação ao local de residência atual do migrante, algo que tem se tornado cada vez mais importante na análise da dinâmica migratória no país, e em particular no estado (Baeninger, 1994). Não é possível, assim, diferenciar fluxos inter-regionais daqueles de natureza intra-regional. Também não é possível identificar a origem rural/urbana do movimento, o que, em certa medida, não traz grandes conseqüências para a análise, já que os fluxos do tipo urbano-urbano tornaram-se predominantes já nos anos 70 (Bógus e Baeninger, 1995). A impossibilidade de reestabelecer a origem microrregional do fluxo no interior paulista não permite o estudo da parcela provavelmente mais numerosa e dinâmica da migração no estado, pois, se de fato houve o arrefecimento de fluxos migratórios de longa distância como aponta Martine (1994), é de se esperar que os migrantes com mobilidade intra-estadual tenham aumentado sua participação no contingente total de migrantes no estado. Já nos anos 70, a mobilidade intra-estadual respondia por 58% dos fluxos de migrantes residentes no estado (Jardim et alii, 1991). Em função dos objetivos gerais da pesquisa, privilegiou-se a coleta de dados nos municípios com perfil urbano-industrial e de médio/grande porte do interior paulista. Assim, se é possível captar a migração para cidades mais industrializadas, de maior dinamismo econômicoregional e com maior oferta de serviços públicos, o mesmo não se pode dizer com relação à migração para cidades pequenas e médias ou para aquelas com estrutura econômica mais voltada à produção agropecuária. Neste sentido, a intensa atividade imigratória para municípios de pequeno porte, estâncias hidrominerais e balneários do litoral, antecipada na bibliografia corrente (Martine, DEFINIÇÕES OPERACIONAIS A definição operacional do conceito de migrante não é uma decisão metodológica trivial. Está relacionada com a natureza espacial da unidade de análise (migração intramunicipal, intrametropolitana, inter-regional, internacional, etc.), com a temporalidade do processo migratório em estudo e com o contexto histórico associado ao mesmo. A adoção de uma unidade de análise mais abrangente ou cortes temporais mais elásticos levam, em geral, a resultados muito distintos e, possivelmente, divergentes com relação a outros trabalhos, como bem observam – em contextos distintos – Martine (1980) e Simmons (1987). A adoção de uma definição de migrante apresenta ainda algumas dificuldades adicionais quando a fonte dos dados é uma pesquisa amostral, como o caso em questão, pois, às considerações metodológicas da unidade espacial de análise e da temporalidade, deve-se juntar o pragmatismo operacional ditado pela possibilidade de desagregação da amostra. Por fim, deve-se ter em conta que a qualidade da declaração do tempo de residência é outro fator condicionador da definição operacional. De fato, a análise descritiva do tempo de residência das pessoas que declararam vir de outras localidades revelou a forte atratividade digital a que esta informação está sujeita na PCV. Identificou-se uma preferência sistemática por anos de residência finalizados em 0 e 5, como pode ser visto no Gráfico 1. O Índice de Myers relativo aos anos de residência de migrantes é de 29,3 contra 3,0 dos naturais. Depois de diversas tentativas de definição operacional, buscando compatibilizar os vários aspectos anteriormente mencionados, decidiu-se que: 94 DINÂMICA MIGRATÓRIA RECENTE NO INTERIOR PAULISTA hinterlândia dos municípios compreendidos. Como já se observou anteriormente, a migração captada pela PCV é aquela que se processa nos centros urbanos médios, de maior porte ou de maior dinamismo econômico regional. De fato, a taxa líquida de migração centrada em 1985, derivada das Estatísticas Vitais e Censo Demográfico de 1991, é de 100 migrantes por mil pessoas no conjunto das Acurs, valor substantivamente maior que a verificada para a totalidade do interior (22 por mil). - migrante é toda pessoa cujo município de residência anterior tenha sido diferente do atual há menos de 14 anos; - para atender às demandas específicas do trabalho e às perspectivas futuras de análise, a população migrante foi segmentada em três grupos: migrantes recentes (tempo de residência de 0 a 3 anos), migrantes com tempo de residência de 4 a 8 anos; e migrantes com tempo de residência de 9 a 13 anos. Vale lembrar que, entre os não-migrantes, estão incluídos os indivíduos que, mesmo não sendo originários do município atual, lá residem por 14 anos ou mais. Tendo em vista a necessidade de avaliar, tanto quanto possível, manifestações espacializadas do processo migratório no interior paulista, promoveu-se uma desagregação dos dados da PCV Interior em seis conjuntos de municípios, segundo critérios de homogeneidade do comportamento demográfico e econômico das Regiões Administrativas que os englobam. Assim, Americana, Bragança Paulista, Campinas, Indaiatuba, Jundiaí, Limeira, Mogi-Guaçu, Piracicaba, Rio Claro, Santa Bárbara d’Oeste e Sumaré compõem um único conjunto: a Agregação de Centros Urbanos da Região Leste (Acur Leste). A Acur Oeste congrega Araçatuba, Catanduva, Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto. A Acur Norte reúne os municípios de Araraquara, Barretos, Franca, Ribeirão Preto e São Carlos. A Acur Central é composta por Bauru, Botucatu, Itapetininga, Itu, Jaú e Sorocaba; a Acur Litoral, por Cubatão, Guarujá, Praia Grande, Santos e São Vicente e, finalmente, a Acur Vale do Paraíba, por Guaratinguetá, Jacareí, Pindamonhangaba, São José dos Campos e Taubaté. Não se pode esperar, naturalmente, que a migração captada em cada agregado de centros urbanos regionais seja representativa do que se passa na totalidade da CARACTERÍSTICAS DO MIGRANTE RECENTE DO INTERIOR A população migrante representa cerca de 31% da população das cidades onde se realizou a pesquisa e dividese em proporções muito próximas entre as três classes de tempo de residência: migrantes com tempo de residência de 9 a 13 anos perfazem 9,2% da população pesquisada; aqueles com 4 a 8 anos de residência correspondem a 10,8% da amostra; e os recentes, com até 3 anos de residência, compreendem 11,1% da população. Dado o interesse prioritário nas tendências recentes da migração, toma-se como objeto de análise principal, nesta seção, o conjunto de migrantes com tempo de residência de 0 a 3 anos. Com o objetivo de eliminar o efeito composicional exercido pelos filhos de migrantes nascidos no município de residência atual sobre as características da população não-migrante, excluiu-se do conjunto em análise a população de 0 a 14 anos. A seletividade por idade é uma característica da migração recente no interior, tal como em outros movimentos populacionais no país de modo geral. Dentre estes migrantes recentes, cerca de 50% são jovens entre 15 a 29 anos . A classe modal dos migrantes recentes é a de 20 a 24 anos, com freqüência relativa de 18%. Tal distribuição etária apresenta-se bastante distinta em relação à da população natural (Tabela 1), em que os jovens entre 15 e 29 anos totalizam 34%. Nas principais faixas etárias da população ativa (de 20 a 44 anos), há um predomínio de homens entre os migrantes recentes, algo que não ocorre entre os naturais. No balanço geral, juntando-se todas as classes de idade, há um equilíbrio numérico entre homens e mulheres na população de migrantes recentes. Parecem pouco significativos os traços de seletividade migratória por etnia. A população classificada como branca compõe a grande maioria entre migrantes e naturais (mais de 77% nos dois casos). Negros e amarelos aparecem com uma participação relativa ligeiramente superior entre os migrantes recentes. A distribuição da população de 15 anos e mais por status conjugal revela uma proporção maior de solteiros e de pessoas em união consensual entre os migrantes recen- GRÁFICO 1 Distribuição da População, por Tempo de Residência Interior do Estado de São Paulo (1) – 1994 Em % Anos de residência no município atual Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994. (1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou de médio e grande portes do interior paulista. 95 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 TABELA 1 TABELA 2 Estrutura Etária e Razão de Sexo da População de 15 ou Mais, Naturais e Migrantes Recentes, segundo a Faixa Etária Interior do Estado de São Paulo(1) – 1994 Parturição Média das Mulheres Casadas ou em União, Naturais e Migrantes Recentes, segundo a Faixa Etária Interior do Estado de São Paulo (1) – 1994 Estrutura Etária Razão de Sexo Faixa Etária Natural Migrante Recente Faixa Etária Natural Total Migrante Natural Recente Migrante Recente 100,0 100,0 95 15 a 19 Anos 12,9 15,2 104 97 20 a 24 Anos 11,1 18,2 104 106 25 a 29 Anos 11,2 15,1 100 117 30 a 34 Anos 10,3 13,3 94 115 35 a 39 Anos 10,1 11,3 95 101 40 a 44 Anos 9,4 8,1 96 111 45 a 49 Anos 7,9 4,6 78 71 50 a 54 Anos 6,7 4,8 91 118 55 a 59 Anos 5,5 2,7 89 115 60 a 64 Anos 4,6 1,9 83 99 65 a 69 Anos 3,9 1,8 70 75 70 Anos ou Mais 6,3 2,9 76 70 15 a 24 Anos 25 a 34 Anos 35 a 44 Anos 45 a 50 Anos Média Média pd(2) 104 1,4 2,1 2,8 3,3 2,5 2,5 1,6 2,1 3,3 4,1 2,6 2,9 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994. (1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou de médio e grande portes do interior paulista. (2) Baseada na estrutura etária de mulheres naturais. ração das projeções populacionais para o estado nos anos 80, os diferenciais de nível de fecundidade entre mulheres migrantes e não-migrantes são menores hoje do que já foram no passado. Esses resultados parecem dispensar a necessidade de projetar separadamente as populações migrante e natural. A análise da escolaridade média da população de 15 anos e mais revela que os migrantes recentes são, em média, mais instruídos que a população natural, mesmo controlando-se o efeito da estrutura etária mais jovem do primeiro grupo. Em todas as faixas etárias analisadas, a proporção de migrantes recentes com pelo menos o 2o grau completo é mais elevada que entre os naturais. A escolaridade padronizada de migrantes é de 7,1 anos contra 6,8 dos naturais. O estereótipo comumente associado aos migrantes como indivíduos de baixa qualificação é, pois, no mínimo simplista demais para caracterizar os migrantes encontrados no interior paulista. Migrantes ocupados com pelo menos o 2o grau completo auferem rendimento total cerca de 20% maior que os naturais ocupados com o mesmo nível de instrução (Tabela 3). Controlando-se o efeito composicional da estrutura etária mais velha dos naturais ocupados, verificase que as diferenças de rendimento entre os dois grupos de ocupados se amplificam: se as estruturas etárias fossem iguais, os migrantes receberiam 34% mais que os naturais. Considerando-se os indivíduos ocupados que completaram, na melhor das hipóteses, o 1o grau, a relação não se mantém, já que os naturais passam a apresentar rendimentos um pouco mais elevados que os migrantes recentes, a despeito da estrutura etária mais jovem destes últimos. A julgar por estes dados, a desigualdade na percepção de rendimentos para os migrantes é maior do que para os naturais. Em termos de situação ocupacional, a população migrante de 15 anos ou mais apresenta taxa de ocupação mais Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994. (1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou de médio e grande portes do interior paulista. tes: enquanto entre estes cerca de 36% são solteiros e 12% estão em união consensual, entre os naturais tais categorias perfazem 31% e 7%, respectivamente. Em contrapartida, viúvos e casados apresentam maior incidência entre os naturais. Observe-se que tais características devem-se, em grande parte, às diferenças entre as estruturas etárias das duas populações. Vale observar também que, agrupando-se os casados e as pessoas unidas consensualmente em uma única categoria conjugal, as diferenças entre migrantes e naturais deixam de ser expressivas: 55% dos migrantes são casados/unidos e 58% dos naturais estão nesta categoria. Esses fatos sugerem que, controlados os efeitos das diferenças nas estruturas etárias, o padrão conjugal entre as duas populações é muito semelhante e que, portanto, parcela significativa da migração recente é de natureza familiar. Mulheres migrantes há até 3 anos apresentam um nível de fecundidade um pouco maior que as naturais em todas as faixas etárias. A parturição média, padronizada segundo a estrutura etária das mulheres naturais, é de 2,9 filhos para as migrantes recentes e de 2,5 para as naturais, fato explicado pela fecundidade mais alta das mulheres migrantes provenientes de outros estados. Mulheres migrantes há mais de 3 anos apresentam parturição muito próxima às naturais. Comparativamente ao quadro analisado por Rodriguez Wong (1986), quando da elabo- 96 DINÂMICA MIGRATÓRIA RECENTE NO INTERIOR PAULISTA elevada e menor taxa de inatividade comparativamente à população natural. Controlando-se, no entanto, o efeito composicional da estrutura etária mais jovem dos migrantes recentes, as relações se invertem: se os migrantes tivessem a mesma estrutura etária que os naturais, eles apresentariam taxas de ocupação mais baixas (54,8% contra 56,8% dos naturais) e taxas de inatividade mais altas (38,2% contra 36,4%). O desemprego entre migrantes recentes é mais alto que entre os naturais em idade ativa de 15 anos ou mais, característica que se mantém – e até se acentua – se as diferenças entre as estruturas etárias das PIAs forem consideradas. Com relação ao setor de atividade, as diferenças nas participações relativas entre migrantes recentes e naturais são mais expressivas nos serviços domésticos/construção civil e serviços sociais (educação, saúde, utilidade pública, etc.). Cerca de 20% dos migrantes recentes ocupados trabalham no setor serviços domésticos/construção civil e 11,1% nos serviços sociais. Para os naturais, as participações relativas nestes setores são de 13,5% e 17,8%, respectivamente. Observe-se que na indústria de transformação, onde os requerimentos de qualificação profissional são maiores, as diferenças nas participações relativas de migrantes e naturais são inferiores a 2,5 pontos percentuais. TABELA 3 Nível de Instrução, Escolaridade e Renda Média Mensal Total da População de 15 Anos ou Mais, Naturais e Migrantes Recentes Interior do Estado de São Paulo(1) – 1994 Instrução, Escolaridade e Renda Natural Nível de Instrução (%) Com Até 1o Grau Completo Com 2o Grau Completo ou Mais Migrantes Recentes 75,0 25,0 69,7 30,3 Escolaridade (em anos) Média Média Padronizada (2) 6,8 6,8 7,5 7,1 Renda Média dos Ocupados (em reais) Total Com Até 1o Grau Completo Com 2o Grau Completo ou Mais Com Até 1o Grau Completo pd (3) Com 2o Grau Completo ou Mais pd (3) 439 298 740 298 740 460 252 897 273 990 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994. (1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou de médio e grande portes do interior paulista. (2) Baseada na estrutura etária da população natural de 15 anos ou mais. (3) Baseada na estrutura etária da população natural ocupada de 15 anos ou mais. TABELA 4 DIFERENCIAIS REGIONAIS Distribuição dos Ocupados, segundo Setor de Atividade Econômica e Situação Ocupacional da População de 15 Anos ou Mais, Naturais e Migrantes Recentes Interior do Estado de São Paulo (1) – 1994 Em porcentagem Setor de Atividade e Situação Ocupacional Naturais Migrantes Recentes Total 100,0 100,0 56,8 23,1 57,8 20,8 13,5 17,0 18,0 9,0 17,8 1,6 20,0 16,9 17,9 11,1 11,1 2,2 6,8 8,8 36,4 33,4 100,0 56,8 6,8 36,4 100,0 54,8 9,4 38,2 Ocupados Indústria de Transformação Serviços Domésticos/ Construção Civil Comércio Serviços para Produção Serviços para Consumo Serviços Sociais Outras Atividades Desempregados Inativos Taxas Padronizadas (2) Ocupados pd Desempregados pd Inativos pd O conjunto de municípios situados a leste do estado reúne o maior contingente de migrantes recentes dentre todos. Cerca de um terço dos migrantes levantados residiam nestes municípios (Acur Leste) por ocasião da pesquisa. As Acurs Norte e Vale do Paraíba apresentaram os menores volumes de migrantes recentes. Considerandose o impacto do fluxo migratório sobre a população residente dos municípios receptores, as Acurs Litoral e Oeste foram as que apresentaram as maiores intensidades de migração recente, com taxas de 141 e 130 migrantes por mil habitantes.4 Embora não se disponha de informação sobre a proximidade ou não destes fluxos, a intensificação da migração na Acur Oeste deve decorrer da migração proveniente dos pequenos e médios municípios da própria região em direção aos principais centros urbanos pesquisados no Oeste. Nos municípios da Acur Central, o fenômeno migratório parece ter as mesmas características. A julgar pela distribuição de migrantes por coorte de chegada (ou, equivalentemente, por classe de tempo de residência), os municípios das Acurs Norte e Central parecem ter apresentado uma redução da intensidade migratória a partir de 1991 comparativamente ao período anterior. Estas duas Acurs foram as únicas que apresentaram proporções de migrantes recentes menores do que a de Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994. (1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou de médio e grande portes do interior paulista. (2) Média padronizada baseada na estrutura etária da população natural de 15 anos e mais. 97 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 Litoral, ao contrário, a participação dos migrantes de outros estados é um pouco maior que a média. Na Acur Norte, a participação de migrantes de outros estados/países é bem mais elevada (43%), em detrimento da participação daqueles provenientes da RMSP (9%). A maior parte dos migrantes recentes do interior não naturais do Estado de São Paulo provêm da região Norte/ Nordeste e dos estados limítrofes Minas Gerais e Paraná. Para a Acur Litoral, destaca-se a elevada proporção de migrantes recentes nascidos no Norte/Nordeste. Na Acur Norte e em menor medida nas Acurs Vale do Paraíba e Leste há uma participação significativa de migrantes nascidos em Minas Gerais. A mobilidade pendular para o trabalho parece ser significativa pelas Acurs. Cerca de 13% da população ocupada de 15 anos ou mais do interior trabalha em município diferente daquele onde reside. Para os migrantes recentes, este percentual sobe para 19%. Nas Acurs Leste e Oeste, 30% e 40%, respectivamente, dos migrantes ocupados deslocam-se para trabalhar em outro município, enquanto entre os naturais ocupados das mesmas localidades as proporções correspondentes são de 11% e 7%. Há diferenças significativas entre os perfis etários da população migrante recente pelo interior paulista, como ilustra o Gráfico 2. A faixa de maior concentração de migrantes, nas Acurs, é a de 20 a 29 anos, com exceção da Acur Vale do Paraíba, onde 40% da população migrante tem até 19 anos. Na Acur Litoral, os migrantes recentes apresentam-se mais dispersos entre as faixas etárias mais avançadas em relação às outras regiões, fazendo com que a idade média dos migrantes seja de 28,6 anos, 2,3 anos a mais que a médias das Acurs. A Acur Norte tem sua população migrante concentrada nas faixas etárias mais jovens e adultas, o que faz com que apresente a menor idade média entre os grupos analisados (24,3 anos). A maior carga de dependência (52%) é verificada na Acur Leste. Em termos da distribuição por sexo, com exceção da Acur Oeste, todas as outras apresentam maior proporção de homens entre os migrantes recentes na faixa de maior intensidade migratória (de 15 a 29 anos). Considerandose a totalidade das faixas etárias, o balanço migratório masculino prevalece mais intensamente apenas nas Acurs Vale do Paraíba e Norte. Em todas as Acurs, o tamanho médio das famílias de chefes migrantes recentes é de, no mínimo, 3,4 membros, atingindo o valor máximo de 4,0 pessoas na Acur Vale do Paraíba. Todos estes perfis demográficos dos migrantes recentes, embora distintos regionalmente, indicam a importância da migração familiar na composição dos fluxos regionais recentes. A população migrante recente também mostra diferenciais regionais significativos em termos de níveis de escolaridade e rendimento médio mensal dos ocupados, TABELA 5 Distribuição e Intensidade da Migração Recente, segundo a Acur de Residência Atual Interior do Estado de São Paulo (1) – 1994 Em porcentagem Distribuição Migrantes por Coorte de Chegada Migrantes Recentes Acur Leste Oeste Norte Central Litoral Vale do Paraíba Distribuição Taxa Migratória 0a3 Anos 4a8 Anos 9 a 13 Anos Total 33,0 14,0 11,0 14,0 16,0 10,7 13,0 8,8 11,2 14,1 36,9 43,9 36,9 38,0 39,5 35,1 32,1 39,2 38,2 34,0 28,0 24,0 23,9 23,8 26,5 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 12,0 9,9 38,0 33,9 28,1 100,0 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 94. (1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou de médio e grande portes do interior paulista. migrantes com tempo de residência entre 4 e 8 anos. A elevada proporção (44%) de migrantes recentes na Acur Oeste em relação aos migrantes com 4 a 8 anos de residência (32%) é outro indício da intensificação da migração para os centros urbanos nesta região, algo que a análise dos saldos migratórios relativo à década passada já parecia indicar.5 Metade dos migrantes recentes nas Acurs provêm de cidades do próprio interior paulista, seguidos por aqueles provenientes de outros estados e/ou países (31% dos migrantes) e da RMSP (19%). Tal padrão é, no entanto, diferenciado pelas Acurs, especialmente em relação à participação de migrantes do interior e de outros estados/países. Nas Acurs Central e Oeste, a migração intraestadual tem peso maior que a média das Acurs. Na Acur TABELA 6 Composição dos Fluxos Imigratórios, por Origem, segundo a Acur de Residência Atual Interior do Estado de São Paulo(1) – 1994 Em porcentagem Origem Acur Leste Oeste Norte Central Litoral Vale do Paraíba Interior Municípios da RMSP Municípios do Interior 20,0 20,0 9,0 21,0 21,0 19,0 19,0 48,0 55,0 48,0 58,0 44,0 53,0 50,0 Outros Estados/Países 32,0 25,0 43,0 21,0 35,0 28,0 31,0 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 94. (1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou de médio e grande portes do interior paulista. 98 DINÂMICA MIGRATÓRIA RECENTE NO INTERIOR PAULISTA GRÁFICO 2 riormente. Os migrantes ocupados residentes na Acur Norte possuem os maiores níveis de rendimento, seguidos daqueles das Acurs Oeste e Central. O rendimento médio mensal dos migrantes da Acur Litoral é o mais baixo dentre as demais. Eliminando-se o efeito composicional da estrutura etária, a maior taxa de desemprego entre os migrantes recentes foi a verificada na Acur Vale do Paraíba. A Acur Litoral tem os menores níveis de desemprego e os maiores índices de ocupação da população em idade ativa. A Acur Leste registra a menor taxa de ocupação da PIA, comparativamente às demais. Distribuição dos Migrantes Recentes, por Faixas Etárias, segundo as Acurs Acur/Interior do Estado de São Paulo (1) – 1994 Em % 35,0 25,0 30,0 Acur 20,0 Norte 15,0 CONSIDERAÇÕES FINAIS Vale do Paraíba 10,0 Central Oeste 5,0 0a9 Anos Com o objetivo de levantar subsídios para o estabelecimento de hipóteses de níveis e padrões migratórios a serem incorporadas nas projeções populacionais para o Estado de São Paulo, apresentou-se neste artigo um quadro descritivo da migração recente pelo interior do estado, de acordo com as informações coletadas pela PCV 1994. Um dos aspectos importantes levantados através dos dados da PCV diz respeito às características demográficas da população migrante. Jovens entre 15 e 29 anos, de ambos os sexos, provenientes de localidades do próprio estado compõem o contingente principal de migrantes recentes identificados nos municípios pesquisados. A migração “inter-interiorana” é predominante, mas também são expressivos os fluxos migratórios oriundos da Região Metropolitana e de outros estados. Há fortes indicações da predominância de migração de natureza familiar. A Leste 0,0 20 a 29 Anos Litoral 40 a 49 Anos 60 Anos ou Mais Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 94. (1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou de médio e grande portes do interior paulista. como revelam os indicadores padronizados.6 Retirandose o efeito composicional da estrutura etária, as Acurs Norte, Central e Oeste apresentam proporção de migrantes recentes com 2o grau completo ou mais muito superior à observada nas Acurs Leste, Litoral e Vale do Paraíba. Migrantes residentes na Acur Litoral apresentam, comparativamente às demais, a menor escolaridade média. O comportamento do rendimento médio mensal padronizado dos ocupados segue a mesma lógica descrita ante- TABELA 7 Caracterização Sintética dos Migrantes Recentes, segundo a Acur de Residência Atual Interior do Estado de São Paulo(1) – 1994 15 Anos e Mais Pd (2) Acur Interior Leste Oeste Norte Central Litoral Vale do Paraíba Razão de Sexo Razão População Dependência de 15 a 39 População População Total Anos Total Idade Média População Total Migrantes Recentes de 15 a 39 Anos (%) 26,3 26,2 26,2 24,3 25,8 28,6 53,0 51,0 54,0 59,0 57,0 49,0 45 52 39 38 39 43 101 99 91 112 104 99 26,0 55,0 47 113 Tamanho da Família População Total Migrantes com 2o Grau e Mais (%) Escolaridade Média Renda Média dos Ocupados (em reais) 107 104 92 113 116 105 3,4 3,6 3,4 3,6 3,6 3,5 30,0 26,0 35,0 37,0 36,0 25,0 7,5 7,0 7,8 7,9 8,0 6,9 460 440 497 511 484 385 8,8 9,6 9,1 6,7 7,9 6,5 57,8 55,9 57,1 57,7 56,1 66,3 120 4,0 26,0 8,0 438 12,8 58,1 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994. (1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou de médio e grande portes do interior paulista. (2) Padronizações pela estrutura etária verificada no conjunto das Acurs. 99 Taxa de Desemprego (%) Taxa de Ocupação (%) SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 fecundidade de mulheres migrantes é mais elevada do que a das naturais, algo que não se mantém para mulheres de coortes de migração mais antigas. O estereótipo do migrante pobre, semi-alfabetizado e subempregado não corresponde ao daquele encontrado no interior paulista. Na realidade, a população migrante parece poder ser segmentada em pelo menos dois contingentes, de acordo com suas características socioeconômicas: há um grupo menos escolarizado, que aufere rendimentos mais baixos que a população natural e que, provavelmente, está empregado em ocupações no setor de serviços domésticos/construção civil; e outro segmento composto por indivíduos de escolaridade mais elevada, com rendimentos maiores do que a população natural e alocados em setores mais modernos da economia. Ao que parece, este segundo segmento é relativamente mais numeroso entre os migrantes do que entre os naturais. Há indicações de diferenças regionais significativas tanto na intensidade migratória quanto nos perfis demográficos e socioeconômicos dos migrantes recentes. Os municípios mais populosos do Litoral e do Oeste do estado parecem estar apresentando taxas de migração elevadas, comparativamente à sua população residente. Os fluxos dirigidos aos municípios do Norte e Centro do estado parecem estar se arrefecendo em relação ao que já foram há quatro anos. Campinas e outros municípios da região leste constituem-se, em termos de volume, no destino final do maior número de migrantes recentes identificados na pesquisa. Em todas as Acurs, em especial nas Litoral e Leste, a mobilidade pendular para o trabalho é expressiva. O migrante que se dirigiu aos centros urbanos mais populosos da região norte do estado é mais novo, com escolaridade mais elevada, maior rendimento, proveniente de outros municípios do próprio interior ou de outros estados e, com maior freqüência, do sexo masculino. Nas Acurs Leste e Vale do Paraíba, as famílias de migrantes são um pouco maiores e os indivíduos possuem escolaridade mais baixa, com rendimentos menores e sujeitos a taxas de desemprego e carga de dependência mais elevadas. Migrantes residentes nos centros urbanos do Litoral têm idade média mais elevada e maiores taxas de ocupação no mercado de trabalho. As Acurs Central e Oeste destacam-se por apresentar migrantes com níveis médios de instrução mais elevados, provenientes em larga medida de municípios do interior do estado – provavelmente da própria hinterlândia dos municípios pesquisados. A análise descritiva aqui apresentada tem utilidade intrinsecamente qualitativa no estabelecimento de hipóteses de migração para as regiões do estado, decorrente das limitações inerentes ao uso de uma fonte de dados não es- pecífica para análise da dinâmica migratória. São insuficientes para estabelecimento de níveis quantitativos de migração líquida por sexo e idade – uma das informações básicas na metodologia adotada para as projeções demográficas no estado. No entanto, tais apontamentos são úteis – e até o momento insubstituíveis7 – para o balizamento qualitativo das hipóteses alternativas quanto aos padrões e tendências da migração pelo estado, na presente década. NOTAS Agradeço as sugestões e comentários de colegas pesquisadores do Projeto “Migrações, Emprego e Projeções Populacionais”, do Nepo e da Fundação Seade para a elaboração deste artigo. À professora Neide Patarra agradeço também pela minha iniciação nos estudos de migração e incentivos pessoais e materiais à minha formação acadêmica. 1. Para tanto ver: Perillo (1992), Fundação Seade (1992), Baeninger (1994), Patarra e Baeninger (1994), Cunha e Baeninger (1994), Jannuzzi (1994), Bizelli (1995), Caiado (1995) e Bógus e Baeninger (1995) . 2. Conduzida pelo Nepo e Nesur/Unicamp, em 1993. 3. Em uma eventual reaplicação da pesquisa, talvez se pudesse modificar a forma de coleta de alguns quesitos, assim como acrescentar alguns novos, nos moldes recomendados pelas Nações Unidas (1972) e Carvalho e Machado (1994). 4. Taxas calculadas como a razão entre a proporção de migrantes recentes na Acur em relação ao total do interior e proporção de pessoas da Acur (também relativa ao total do interior). Conceitualmente são medidas similares às taxas líquidas de migração derivadas de saldos migratórios, fornecendo, pois, uma indicação da intensidade do fluxo migratório em direção aos municípios considerados. 5. Naturalmente, estas indicações supõem, de forma implícita, que as taxas de re-migração de migrantes é a mesma em todas as Acurs. 6. As padronizações das medidas apresentadas na Tabela 7 tomaram por base a distribuição etária do conjunto das Acurs do interior em cada variável avaliada. Vale ressaltar que taxas padronizadas são valores hipotéticos que só assumem significado em uma perspectiva comparativa. 7. Os resultados da PNAD 1993 tornaram-se disponíveis após a elaboração da análise aqui apresentada. Uma avaliação preliminar da incidência de não-naturais do estado residentes no interior paulista pela PNAD é muito próxima, em nível e padrão etário, ao levantado pela PCV. Na PCV, há uma incidência ligeiramente maior de não-naturais (2 pontos percentuais maior) nas faixas etárias de 15 a 59 anos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAENINGER, R. “Homogeneização de tendências populacionais em São Paulo”. IX Encontro de Estudos Populacionais. Anais... Caxambu, Abep, 1994, p.473-498. BIZELLI, E.A. “Considerações sobre a urbanização interiorana”. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.9, n.3, 1995, p.38-45. BÓGUS, L.M. e BAENINGER, R. “Redesenhando o espaço no interior paulista: desconcentração e expansão urbana”. São Paulo em Perspectiva. 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Até os anos 70, a dinâmica e a localização das atividades industriais pautavam, em grande medida, os possíveis caminhos da população no território paulista. De fato, estava-se vivenciando um processo em que era bastante evidente e direta a relação entre movimentos populacionais e estruturação das atividades e oportunidades econômicas, especialmente aquelas oriundas dos investimentos governamentais em direção ao interior paulista (Cano, 1988). Nesse contexto, emergiram importantes pólos regionais, que já indicavam, embora de maneira incipiente, novas formas de redistribuição espacial da população, mapeando novos contornos ao espaço paulista (Patarra e Baeninger, 1989). Na década de 80, o poder de atração exercido pela indústria diminuiu consideravelmente, em função do “esgotamento dos ciclos de investimentos dos anos 70, que fez a economia do interior paulista tender a apresentar um comportamento similar ao da metrópole” (Cano et alii, 1994:5). Porém, o novo patamar alcançado pelo processo de urbanização nas áreas, com a diversificação de atividades e do consumo urbano, contribuiu para uma certa continuidade do dinamismo regional e, provavelmente, 102 para uma redistribuição espacial da população muito mais intensa em termos intra-regionais. Assim, “a nova configuração espacial da migração e da urbanização aponta agora para novas inter-relações entre os sistemas urbanos, a rede de cidades, as cidades e seu entorno e os fenômenos sociais” (Baeninger, 1994:490). Nesse novo cenário urbano, as grandes metrópoles e os maiores centros assistiram uma desaceleração em seus ritmos de crescimento populacionais, evidenciando um processo de desconcentração demográfica. O pano de fundo deste cenário está associado, de um lado, ao processo de interiorização da indústria, deslanchado nos anos 70 e, de outro, às transformações advindas, nos anos 80, do novo processo de reestruturação da indústria em âmbito internacional. Tais mudanças refletem-se de maneira acentuada na estrutura urbana e no papel das cidades e metrópoles no cenário mundial,1 uma vez que a dispersão da produção reforça contextos regionais específicos, ao mesmo tempo em que promove a competitividade entre as localidades urbanas. Assim, o menor crescimento populacional da Região Metropolitana de São Paulo está associado, de um lado, à continuidade da queda da fecundidade, bem como ao menor saldo migratório verificado nos anos 80, e, de outro, ao novo cenário econômico que começa a se impor no caso brasileiro, onde a Região Metropolitana de São Paulo se consolida como grande centro financeiro e de serviços sofisticados, não mais absorvendo expressivos contingentes populacionais em seu mercado de trabalho, como ocorreu em outras décadas. Nesse sentido, projetar população para o Estado de São Paulo requer que se considere o papel da metrópole paulista nos contextos nacional e internacional, bem como as especificidades de uma MIGRAÇÃO, DINÂMICA REGIONAL E PROJEÇÕES POPULACIONAIS nova territorialidade, com a formação de pólos inter e intra-regionais. A consolidação de novas formas de redistribuição espacial da população – em que, muito provavelmente, pesará a menor participação da migração externa e a crescente mobilidade intra-regional – bem como a emergência dessa realidade em outras regiões, mais distantes do principal eixo de desenvolvimento do Estado, representam desafios para a adequação de hipóteses de projeções populacionais, particularmente no que se refere à unidade geográfica de referência a ser adotada. O presente artigo pretende contribuir no sentido de apresentar algumas reflexões sobre essa nova dinâmica espacial no estado vis-à-vis a necessidade de elaboração de estimativas de população em níveis cada vez mais reduzidos, tais como o municipal. respondiam, em 1980, a 6,92 óbitos por mil habitantes e a 51,21 óbitos infantis por mil nascidos vivos, passando a 6,3 óbitos por mil habitantes e a 26,78 óbitos infantis por mil nascidos vivos em 1992, com poucas diferenças inter-regionais (Fundação Seade, 1993a). Diante dessas evidências – em que o crescimento vegetativo tende a ser cada vez mais homogêneo entre as várias regiões do estado – poder-se-ia supor que, na década de 80 e no futuro, o componente migratório seria aquele que daria o rumo da redistribuição espacial e do crescimento populacional das regiões e municípios do Estado de São Paulo.2 Contudo, como já se adiantou, os anos 80 revelaram uma nova e inusitada face da migração que, grosso modo, se resumiria no arrefecimento, sem precedentes, da migração líquida tanto para o total do Estado de São Paulo quanto para as regiões tradicionalmente mais atrativas, como é o caso da Região Metropolitana de São Paulo. Embora se possa prever que a persistência dessa situação terá efeitos inibidores no crescimento demográfico futuro das regiões, é preciso levar em conta as conseqüências, para o estado e sobretudo para a dinâmica de várias regiões e seus respectivos municípios, causadas pela forte imigração durante mais de três décadas. De qualquer maneira, para a elaboração de hipóteses de migração, seria necessário considerar que: - mesmo tendo sido notada uma diminuição da migração nos âmbitos estadual e metropolitano, a população continuou se redistribuindo em direção ao interior – para o que contribuiu sobremaneira os fluxos inter-regionais, principalmente aqueles oriundos da Região Metropolitana de São Paulo; REPENSANDO AS PROJEÇÕES MUNICIPAIS Ao considerar alguns indicadores demográficos, podese dizer, em termos gerais, que houve, especialmente na última década, uma relativa diminuição das heterogeneidades regionais no Estado de São Paulo. De fato, como mostram os dados mais recentes, a diminuição das taxas de migração líquida – para grande parte das regiões paulistas – não apenas contribuiu para reduzir substancialmente suas taxas de crescimento, mas também para diminuir a distância relativa entre as regiões, particularmente no que se refere aos patamares de crescimento demográfico. Assim, muito embora não se trate de considerar uma homogeneização de tendência em termos migratórios, as discrepâncias observadas, em relação a períodos passados, caíram significativamente. No caso das taxas de fecundidade, a tendência relativa à homogeneização manifestou-se fortemente nos anos 80 e início dos 90, apesar das distintas trajetórias regionais. Para se ter uma idéia da intensa queda da fecundidade paulista, observa-se que, em 1980, a média estadual era de 3,39 filhos por mulher, com apenas três regiões do estado registrando taxas inferiores a três filhos por mulher (regiões de governo de Rio Claro, de São José do Rio Preto e de Fernandópolis). Já em 1992, a taxa média estadual passou para 2,28 filhos por mulher, sendo que em todas as regiões, inclusive a metropolitana, a taxa de fecundidade não ultrapassava três filhos por mulher (Campanário e Yasaki, 1994). Com relação aos indicadores de mortalidade, estes já vêm há mais tempo apontando para uma homogeneização de tendências. Em 1985, a esperança de vida no interior do Estado de São Paulo era de 68,5 anos e na Região Metropolitana de 67,9 anos (Ferreira e Perini, 1989). As taxas de mortalidade geral e infantil, para o estado, cor- - nas maiores concentrações urbanas do estado, evidencia-se uma dinâmica, em que as trocas populacionais, no âmbito intra-regional, têm contribuído para o crescimento elevado de uma série de municípios, particularmente aqueles limítrofes ou muito próximos aos pólos regionais. De fato, os dados do Censo de 1991 são reveladores desse crescente padrão no estado, o qual se manifestava claramente em algumas áreas já na década de 70 (Tabela 1). O maior ritmo de crescimento da população residente no entorno regional e o arrefecimento do crescimento dos núcleos constituem as características mais marcantes do processo de urbanização em curso no Estado de São Paulo. Considerando as regiões administrativas3 – unidades geográficas tradicionalmente utilizadas para a elaboração das projeções estaduais – nota-se que, comparando as taxas de crescimento das sedes regionais nos períodos 197080 e 1980-91, as regiões localizadas na porção centroleste do estado4 apresentaram uma significativa diminuição nos ritmos de crescimento populacional de suas sedes (re- 103 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 população) sem, contudo, terem conseguido atingir um patamar de desenvolvimento urbano capaz de absorver expressivos contingentes populacionais. É mais provável que essas áreas tenham, na verdade, apenas aumentado o seu poder de retenção da população residente. De modo geral, pode-se dizer que parte considerável desse crescimento no entorno das regiões deveu-se ao próprio processo de redistribuição espacial interna, o que impõe, portanto, novos desafios para a elaboração de projeções populacionais no âmbito dos municípios. Ou seja, tais municípios, em muitas regiões de São Paulo, poderão eventualmente seguir crescendo, até mesmo independente da manutenção ou não dos fluxos migratórios inter-regionais ou interestaduais, uma vez que estariam sendo também alavancados por transferências intra-regionais de população. Esse fenômeno reflete, por um lado, a concentração demográfica e a intensa urbanização em diversos subespaços e, por outro, a influência de tais processos na forma de estruturação da rede de cidades no âmbito regional. TABELA 1 Taxas de Crescimento da População, por Sedes e Entornos Regionais Regiões Administrativas do Estado de São Paulo – 1970-1991 Em porcentagem Taxas de Crescimento Regiões Administrativas 1970/80 Sedes(1) Entornos Estado de São Paulo RM de São Paulo RA de Registro RA de Santos RA de São José dos Campos RA de Sorocaba RA de Campinas RA de Ribeirão Preto RA de Bauru RA de São José do Rio Preto RA de Araçatuba RA de Presidente Prudente RA de Marília RA Central RA de Barretos RA de Franca 3,52 3,49 4,88 1,89 5,01 3,46 4,67 4,11 2,92 2,99 1,00 1,71 1,74 2,91 1,05 4,21 3,45 6,34 2,57 5,87 2,80 2,53 4,17 2,62 1,36 -0,65 -0,51 -1,10 -0,78 2,86 0,89 0,01 1980/91 Sedes(1) Entornos 1,86 1,15 2,06 0,25 2,95 2,76 2,14 2,90 2,62 2,86 1,65 1,34 2,11 2,50 3,58 3,80 2,63 3,2 1,81 3,45 2,58 2,59 3,57 2,86 1,44 0,55 1,33 -0,50 0,68 2,87 2,70 1,42 Regionalização, Migração e Tamanho de Município Como mencionado anteriormente, nos anos 80 houve uma diminuição da migração na participação do crescimento populacional das regiões. Porém, a análise das taxas médias anuais de migração líquida regional, segundo categoria de tamanho de municípios, possibilita verificar o impacto diferenciado desse componente demográfico na rede urbana das regiões (Tabela 2). Considerando as regiões administrativas com rede urbana mais adensada,5 verifica-se um decréscimo acentuado em suas taxas médias anuais de migração líquida de 1970-80 para 1980-91. Nesse conjunto de áreas, as taxas de migração líquida para os municípios com menos de 20 mil habitantes mostraram-se mais elevadas no período 1980-91, em relação à década anterior, sendo que para a RA de Santos já se evidenciava, nos anos 70, taxas de migração líquida nesta categoria de municípios superiores às demais. Ressalte-se, ainda, que para tais regiões as taxas de migração líquida nos municípios com mais de 100 mil habitantes registraram decréscimos significativos. Desse modo, em contextos regionais, como os anteriormente mencionados, poder-se-ia trabalhar com hipóteses de migração considerando o novo papel dos municípios pequenos e intermediários na configuração da região e, em contrapartida, o arrefecimento da migração líquida para os grandes centros urbanos. Em um outro grupo de regiões administrativas (Bauru, São José do Rio Preto, Araçatuba, Presidente Prudente, Franca, Marília e Barretos), embora se observe tendência a uma certa recuperação nos municípios com menos Fonte: Fundação IBGE. Censo Demográfico de 1970, 1980 e 1991. (1) Considerou-se não apenas a sede da região administrativa, mas também todas as sedes das regiões de governo que compõem as RAs. giões administrativas de Santos, São José dos Campos, Sorocaba, Campinas e Ribeirão Preto). No caso do entorno regional dessas áreas, verificou-se, nos anos 80, uma continuidade da tendência a um maior crescimento – embora, em alguns casos, em níveis menores do que na década de 70 –, porém com regiões onde o entorno registrou taxas de crescimento populacional superiores às dos núcleos, como são os casos de Santos e Campinas. Nas regiões de Bauru, São José do Rio Preto, Barretos, Franca e Central, observa-se, em geral, um crescimento maior das sedes regionais nas duas décadas – com poucas oscilações na taxa de crescimento de 1970-80 para 1980-91 –, embora o entorno regional apresente um aumento em suas taxas de crescimento de uma década para outra. Para a RA de São José do Rio Preto, o entorno passou de uma taxa negativa de 0,65% a.a., na década de 70, para uma taxa positiva de 0,55% a.a., no período 1980-91. No caso da RA de Registro, observou-se um menor crescimento da sede e do entorno regional. A década de 80 apontou um crescimento maior das sedes nas regiões de Araçatuba e Marília e a passagem para taxas de crescimento positivas de seus entornos, bem como a redução do crescimento negativo do entorno da RA de Presidente Prudente. Vale lembrar que tais regiões diminuíram significativamente suas perdas populacionais (refletidas na recuperação das taxas de crescimento da 104 MIGRAÇÃO, DINÂMICA REGIONAL E PROJEÇÕES POPULACIONAIS TABELA 2 População Residente, Taxas de Crescimento e Saldo Migratório, segundo Categorias de Tamanho de Município e Eixos Econômicos-Populacionais Estado de São Paulo – 1970-1991 Áreas Número de Municípios (1) Taxas de Crescimento (%) População 1970 1980 1991 1970-80 Taxa Média Anual de Migração Líquida (%) Saldo Migratório 1980-91 1970-80 1.164.269 806.070 1,86 Eixo Consolidado(2) 211 5.186.388 7.558.013 10.177.939 3,84 2,74 Menos de 20.000 Habitantes 1980-91 1970-80 1980-91 0,84 133 1.040.226 1.228.693 1.627.205 1,68 2,59 -21.791 109.158 -0,19 0,7 20.000-50.000 Habitantes 41 964.447 1.350.904 1.856.919 3,43 2,93 164.704 174.138 1,44 1,01 50.000-100.000 Habitantes 22 961.052 1.434.500 2.016.397 4,09 3,14 245.270 217.978 2,09 1,17 100.000-300.000 Habitantes 12 1.286.290 2.144.180 2.966.350 5,24 2,99 516.874 274.817 3,11 0,99 300.000-500.000 Habitantes 2 558.509 735.177 864.634 2,79 1,49 70.616 -846 1,1 -0,01 500.000-1.000.000 Habitantes 1 375.864 664.559 846.434 5,86 2,22 188.596 30.825 3,77 0,37 Eixo em Formação Recente(3) 310 4.297.964 4.699.309 5.715.335 0,9 1,8 -378.407 62.377 -0,84 0,11 Menos de 20.000 Habitantes 249 1.836.260 1.685.572 1.827.603 -0,85 0,74 -441.200 -166.554 -2,51 -0,86 20.000-50.000 Habitantes 44 1.156.660 1.296.373 1.593.223 1,15 1,89 -83.639 20.086 -0,68 0,13 50.000-100.000 Habitantes 10 559.516 685.636 873.565 2,05 2,23 17.772 47.884 0,29 0,56 100.000-300.000 Habitantes 7 745.528 1.031.728 1.420.944 3,3 2,95 128.660 160.961 1,47 1,21 300.000-500.000 Habitantes - - - - - - - - - - 500.000-1.000.000 Habitantes - - - - - - - - - - 12 137.893 185.562 227.266 3,01 1,86 7.441 -13.012 0,47 -0,58 Menos de 20.000 Habitantes 9 78.131 94.524 111.337 1,92 1,5 -4.553 -10.765 -0,53 -0,95 20.000-50.000 Habitantes 3 59.762 91.038 115.929 4,3 2,22 11.994 -2.247 1,63 -0,2 50.000-100.000 Habitantes - - - - - - - - - - 100.000-300.000 Habitantes - - - - - - - - - - 300.000-500.000 Habitantes - - - - - - - - - - 500.000-1.000.000 Habitantes - - - - - - - - - - (4)533 9.622.245 12.442.884 16.120.540 2,6 2,38 793.303 855.435 0,73 0,55 391 2.954.617 3.008.789 3.566.145 0,18 1,56 -467.544 -68.161 -1,57 -0,19 20.000-50.000 Habitantes 88 2.180.869 2.738.315 3.566.071 2,3 2,43 93.059 191.977 0,38 0,56 50.000-100.000 Habitantes 32 1.520.568 2.120.136 2.889.962 3,38 2,86 263.042 265.862 1,47 0,98 100-300 mil Habitantes 19 2.031.818 3.175.908 4.387.294 4,57 2,98 645.534 435.778 2,54 1,06 100.000-300.000 Habitantes 2 558.509 735.177 864.634 2,79 1,49 70.616 -846 1,1 -0,01 500.000-1.000.000 Habitantes 1 375.864 664.559 846.434 5,86 2,22 188.596 30.825 3,77 0,37 RA de Registro Interior Menos de 20.000 Habitantes Fonte: Fundação IBGE. Censo Demográfico de 1970, 1980 e 1991; Fundação Seade. (1) Fixou-se o tamanho do município segundo o volume populacional em 1980. (2) Compreende as RAs de Santos, São José dos Campos, Sorocaba, Campinas e Ribeirão Preto. (3) Compreende as RAs de Bauru, São José do Rio Preto, Araçatuba, Presidente Prudente, Marília, Central, Barretos e Franca. (4) O município de Serra Azul não está contemplado, uma vez que seu saldo migratório não consta na fonte de dados de referência (Fundação Seade, 1993b). 105 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 paulistas. Este comportamento deve-se ao fato de que parte considerável do território desta região constitui-se área de conservação ambiental, o que, além de ter restringido historicamente seu crescimento, será cada vez mais um elemento de tensão para qualquer projeto que não leve em conta a questão do desenvolvimento sustentável.8 de 20 mil habitantes e naqueles com 20 a 50 mil no sentido de uma diminuição de suas taxas negativas, nota-se que estas regiões ainda se encontram em fase de estruturação de seus próprios núcleos regionais, onde os municípios de porte médio – portanto, as sedes regionais – foram responsáveis pelas maiores taxas de migração líquida. Nestes casos, poderiam ser consideradas hipóteses de migração que contemplassem, em um horizonte de médio prazo, a consolidação das sedes regionais, ao mesmo tempo em que, levando em conta os distintos processos de desenvolvimento, se apostasse em crescentes participações dos municípios pequenos e intermediários nas dinâmicas das áreas. Contudo, não se pode deixar de resgatar os nítidos diferenciais em termos de perspectivas regionais,6 considerando-se áreas como São José do Rio Preto e Bauru – que já despontavam nos anos 70 como importantes regiões no contexto estadual – ou como Presidente Prudente e Marília, onde o processo de desenvolvimento econômico é bem menos acentuado. Este aspecto, aliás, é de fundamental importância para se pensar o comportamento futuro da população dos municípios de cada área. Assim, para efeito das projeções, estes dois grandes conjuntos de regiões administrativas – agrupadas segundo as taxas líquidas de migração por tamanho de municípios – constituiriam ponto de partida para se pensar o futuro da população paulista em âmbito municipal. Destaque-se que o primeiro grupo de regiões figura como o eixo econômico-populacional consolidado de São Paulo, onde a redistribuição espacial da população e seus condicionantes já estão mais bem delineados, facilitando projetar cenários demográficos e econômicos alternativos. No caso do segundo grupo, as características apresentadas, nos anos 80, pelos processos de urbanização e de desconcentração populacional nessas áreas configuram um eixo em formação recente. Esta área, além de apresentar realidades diferenciadas, podem ser bastante suscetíveis à implantação de projetos locais, necessitando, portanto, de um esforço maior de apreensão das especificidades e seus desdobramentos futuros como, por exemplo, a viabilidade de certos empreendimentos, tais como a expansão da agroindústria (em regiões como São José do Rio Preto e Bauru) ou a implantação da Hidrovia Tietê-Paraná7 (como nos casos de Araçatuba, Fernandópolis e Votuporanga). Torna-se necessário ainda destacar a região administrativa de Registro, que não contempla nenhum dos perfis apresentados pelo comportamento da taxa líquida de migração segundo categoria de tamanho de município. No caso desta região, a taxa de migração líquida mostrou-se negativa para todos os tamanhos de cidades, em especial, para aquelas com menos de 20 mil habitantes, indicando, portanto, uma tendência contrária à das demais regiões Desafios Metodológicos Do lado da demanda, há muito tempo, a necessidade de projeções de pequenas áreas vem sendo ditada pela crescente procura por parte dos planejadores e administradores, razão pela qual tem sido constante motivo de investimento e interesse de especialistas da área (Waldvogel, 1987). Além disso, o atual contexto demográfico do Estado de São Paulo agrega um novo elemento à necessidade já existente por projeções ainda mais refinadas, ou seja, a consideração das especifidades intraregionais e mesmo inter-regionais. Assim sendo, a precisão de uma projeção para os municípios do Estado de São Paulo, principalmente aqueles localizados em áreas de maior concentração demográfica, dependerá, em grande medida, do grau com que se logre considerar a nova forma como se estruturam as cidades. Neste sentido, pode-se dizer que os modelos matemáticos tradicionalmente utilizados – como o ai bi (Madeira e Simões, 1972) – ou mesmo aqueles mais complexos – como o “método quase-componente” (Hakkert, 1985) – por suas próprias formulações não são capazes de captar a inter-relação existente, no âmbito regional, entre áreas, sobretudo as urbanas.9 Na verdade, o ideal seria uma abordagem multirregional do tipo daquela introduzida por Rogers (1966) e aplicada, nos estados brasileiros, por Machado (1993). Segundo Hakkert (1987:135), “em circunstâncias onde existam condições mínimas para definir os fluxos migratórios inter-regionais, esta metodologia seria preferível”. Como se sabe, o Censo de 1991 oferece condições de gerar um rico conjunto de dados, que poderiam espelhar as especificidades das trocas populacionais interestaduais, inter-regionais e, particularmente, intra-regional. Contudo, Hakkert (1987:134) considera tal metodologia pouco apropriada para a projeção ao nível municipal “devido à grande quantidade de informações necessárias (...) e complexidade analítica”. Fica, portanto, um desafio para os especialistas desta área, ou seja, o de adaptar este instrumental através de simplificações ou supostos, de forma que o mesmo possa ser viabilizado, não apenas para as grandes regiões, como fez Machado (1993), mas também para as sub-regiões e seus municípios. Diante da dificuldade em modelar o comportamento demográfico futuro dos municípios, tendo em vista as es- 106 MIGRAÇÃO, DINÂMICA REGIONAL E PROJEÇÕES POPULACIONAIS pecificidades regionais e intra-regionais, o presente artigo apresenta algumas considerações que buscam sugerir possíveis critérios para a projeção populacional nos municípios. A proposta baseia-se em um enfoque ancorado no tamanho dos municípios. De fato, como se mostrou, o comportamento demográfico dos municípios – e em especial o migratório – apresentou uma relação muito estreita com o volume populacional dos mesmos, apesar desta relação variar de acordo com o patamar de desenvolvimento urbano e econômico das regiões em que estão inseridos. Tal regularidade sugere, portanto, um caminho metodológico que projete a trajetória migratória do município, considerando tanto o contexto e as perspectivas regionais específicas, como o tamanho do mesmo, que, como se sabe, são informações normalmente requeridas pelas projeções tradicionalmente realizadas. As soluções técnicas para tal procedimento não fazem parte do escopo deste artigo, contudo, a combinação desta lógica – migração-contexto regional-tamanho de municípios – com métodos como o do “quase-componentes” (Hakkert, 1987), por exemplo, poderia ser uma alternativa, à medida que se teria um novo parâmetro – talvez mais próximo da realidade – para a distribuição da migração líquida regional dentre os vários municípios. - ligeira diminuição ou, no máximo, manutenção dos saldo migratórios nos níveis da década de 80; - retomada da posição de principal pólo de atração migratória do país e, portanto, aumento nos saldos migratórios. Decidir por uma das alternativas não é tarefa das mais simples. Há a possibilidade, bastante viável, de que o comportamento do saldo migratório do estado seja decorrência da crise econômica que assolou o país na década de 80 e, portanto, espelhe um fenômeno conjuntural; ainda mais quando se considera o quadro de estabilidade e retomada de crescimento econômico dos anos 90. Neste caso, poder-se-ia pensar que, na presente década bem como nas próximas, ocorreria um crescimento da migração líquida, muito embora nunca nos patamares das décadas de 60 e 70, porque, além da descentralização econômica do estado, está-se, como já se mencionou, diante de um novo perfil da produção que traz, de imediato, novas dimensões na relação capital-trabalho, a qual provavelmente terá menores impactos sobre os deslocamentos populacionais. Outro elemento a ser considerado, pois certamente terá implicações importantes nas regiões paulistas, refere-se à natureza do saldo migratório da década de 80. De fato, levando-se em conta que os fluxos interestaduais poderão contribuir para o aumento da mobilidade intra-estadual – e que esta, sabidamente, tem importância no crescimento das regiões do interior do estado –, é fundamental, para se projetar a população por regiões, saber a respeito do comportamento dos fluxos migratórios oriundos de outros estados; informação esta impossível de ser captada pelos saldos migratórios. Se, por um lado, se considera que a diminuição do saldo migratório estadual esteja realmente refletindo um arrefecimento da migração interestadual em direção a São Paulo, por outro, dados da Pesquisa de Condição de Vida da Fundação Seade mostram que 13,79% dos residentes na Área Metropolitana (cerca de 2 milhões de pessoas) eram, em 1990, migrantes com menos de 10 anos de residência, o que coloca em cheque aquela hipótese. Cabe lembrar que essa evidência não necessariamente estaria em contradição com o saldo negativo registrado para a Região Metropolitana – já que a mesma, desde os anos 70, caracterizava-se como uma área de distribuição de população para o interior do estado (Cunha, 1987) –, mas surpreende à medida que estaria dando indícios de que, ao nível do conjunto do estado, tivesse havido uma emigração sem precedentes.10 Como se percebe, as distintas alternativas – arrefecimento ou manutenção da imigração interestadual – teriam diferentes implicações para se pensar as trajetórias futuras da população das regiões paulistas. Con- CONSIDERAÇÕES FINAIS Não há dúvidas de que a década de 80 foi, para o Brasil, um período de grandes transformações demográficas. No contexto nacional, observou-se uma diminuição generalizada das taxas de crescimento populacional nos âmbitos estadual e regional, fruto não apenas da importante queda da fecundidade, mas também da suposta diminuição dos fluxos migratórios inter-regionais. Neste contexto, apesar da urbanização ainda crescente, registrou-se uma desaceleração da concentração demográfica nas grandes aglomerações urbana e, dentro destas, um crescimento maior das áreas periféricas em detrimento da cidade central. Particularmente no Estado de São Paulo, os anos 80 constituíram um marco de transformações que surpreenderam muito mais pela intensidade do que pela natureza das mesmas. De fato, não se esperava uma redução tão importante da migração líquida neste estado e, muito menos, um saldo migratório negativo para sua mais importante aglomeração urbana – a Região Metropolitana de São Paulo –, apesar de que já se apostava em uma redução do ímpeto de atração populacional desta área, uma vez que era um processo que já se delineava nos anos 70. Assim, pensar o futuro da população no conjunto do Estado de São Paulo exige, neste momento, refletir sobre os seguintes cenários: 107 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 NOTAS tudo, apenas os dados do Censo de 1991, prestes a serem divulgados, poderão trazer maiores subsídios para esta questão. De qualquer forma, o equacionamento das hipóteses sobre a migração no âmbito interestadual, embora seja decisiva para o futuro da população localizada na região de polarização do desenvolvimento paulista (Região Metropolitana de São Paulo, e seus entornos, Santos, São José dos Campos e Campinas), não teria a mesma importância para as demais regiões; não obstante, como se mencionou acima, se deva reconhecer que várias delas, principalmente as agroindústrias localizadas no principal eixo econômico do estado (Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Bauru), também se beneficiariam. É fundamental considerar, no caso destas regiões mais interioranas, a importância que terá o comportamento futuro das trocas migratórias intra-estaduais e, em algumas áreas, os intercâmbios fronteiriços – como aqueles que ocorrem, por exemplo, nas regiões de Presidente Prudente e Andradina com os seus estados limítrofes (Paraná e Mato Grosso do Sul). Pode-se pensar que as perspectivas para estes tipos de deslocamentos populacionais são de uma continuidade, o que daria um certo fôlego ao crescimento de regiões inteiras como Ribeirão Preto ou São José do Rio Preto, independentemente da intensidade e volumes dos fluxos migratórios interestaduais de maneira geral. No caso das regiões do oeste, ou mesmo Registro, tais processos possivelmente ainda continuariam tendo implicações apenas para as sedes e subsedes regionais. Do ponto de vista das projeções populacionais, ao nível municipal, a análise apresentada apontou o potencial da adoção de um caminho metodológico enfocando, ao mesmo tempo, o contexto regional e o tamanho dos municípios. Como se destacou, em contextos urbanos mais dinâmicos, é bastante provável que ocorra um crescimento maior dos municípios de portes pequeno e intermediário, tendo em vista o processo de expansão e adensamento urbano dessas áreas. Em contrapartida, nas áreas menos dinâmicas do estado, o que poder-se-ia prever é que qualquer recuperação demográfica – que, de fato, se espera observar – seja ainda, por algum tempo, em favor dos municípios de maior porte, o que implicaria a manutenção de um processo de crescimento demográfico mais concentrado do que aquele observado nas áreas mais desenvolvidas. Finalmente, cabe mencionar que, para a elaboração desses cenários demográficos, é fundamental que se considerem os rumos das atividades econômicas em São Paulo, sobretudo diante do quadro de desconcentração e reestruturação da indústria e da agroindústria em âmbito nacional.11 1. Veja-se, a respeito desse novo padrão da produção e seus impactos territoriais: Sassen (1988), Harvey (1992), Coutinho (1995), Panizi (1995), Cano (1995), entre outros. 2. A importância da migração no processo de redistribuição espacial da população no Estado de São Paulo é discutida em maior detalhe em Cunha (1986). 3. É importante destacar que, no âmbito das regiões de governo, esse fenômeno urbano torna-se muito mais evidente. Considerando a RG de Sorocaba, por exemplo, a sede regional cresceu a uma taxa de 3,12%a.a. e o entorno a 3,41% a.a., enquanto para a RA de Sorocaba estas taxas de crescimento da população foram de 2,76% a.a. e de 2,59% a.a., respectivamente(Baeninger, 1994). 4. Regiões que já fazem parte, há várias décadas, do eixo de desenvolvimento econômico estadual e consideradas pólos regionais consolidados (Baeninger, 1995). 5. Refere-se às regiões de Santos, São José dos Campos, Sorocaba, Campinas e Ribeirão Preto e, inclusive, à RA Central, as quais respondem por 34% da população do estado e 66,5% da do interior. 6. Para uma melhor compreensão das distintas especificidades regionais, veja-se a Série Migração em São Paulo – Textos Nepo/Unicamp e os relatórios do Projeto “Urbanização e Metropolização no Estado de São Paulo: desafios da política urbana”. Nesur-IE/Unicamp, 1992. 7. Sobre este aspecto, veja-se Vidal e Baeninger (1994). 8. Alguns dos elementos dessa questão encontram-se em Rodrigues (1995). 9. O método ai bi, assim chamado por ajustar a população futura de um município ou região i a partir de uma regressão linear com parâmetros ai e bi, baseia-se na relação existente entre a população do município e população total do país, sendo os parâmetros calculados com base na tendência passada. Já o método quase-componente, considerando que os níveis e padrões da fecundidade e mortalidade do município seriam aproximadamente os mesmos de suas respectivas regiões (que teriam suas populações estimadas pelo método dos componentes tradicional), modela apenas a migração, supondo a manutenção da relação entre a taxa de migração líquida municipal e a taxa regional. 10. Considerando o fato de que o Estado de São Paulo registrou, na década de 80, um ganho líquido populacional de 500 mil pessoas e somente a Região Metropolitana recebeu, segundo a PCV 90, mais de 2 milhões de imigrantes, ter-seia, no mínimo, que cerca de 1,5 milhão de pessoas deixaram o Estado de São Paulo, fenômeno com implicações importantes no âmbito nacional. 11. A respeito do comportamento da economia paulista no contexto nacional nos anos 80 e 90, veja-se Pacheco (1996). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAENINGER, R. “Homogeneização de tendências populacionais em São Paulo: o papel dos pólos regionais no processo de urbanização e de redistribuição espacial da população”. IX Encontro Nacional da Abep. Anais... Caxambu, 1994. __________ . Migração e regionalização: o caso de São Paulo – Brasil. Seminário Internacional Impactos Territoriales de la Reestructuración. Santiago do Chile, 1995. 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Belo Horizonte, Cedeplar-UFMG, 1993. 109 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 PROJEÇÃO POPULACIONAL PARA SÃO PAULO um método analítico como alternativa BERNADETTE WALDVOGEL Estatística e Demógrafa, Gerente de Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade O ~ uantos somos hoje e quantos seremos amanhã? Esta é uma questão sempre presente na agenda de pesquisadores e planejadores da administração pública e privada, para uma adequada previsão de futuras demandas em todos os setores e campos de atuação, nos âmbitos nacional, estadual ou regional. Considerando-se que na maioria dos países, e no nosso também, a realização dos recenseamentos gerais da população só ocorre em intervalos aproximados de dez anos, surge a necessidade de utilizar e desenvolver metodologias que permitam, entre outras finalidades, estimar o volume e a composição da população nos períodos inter e pós-censitários. O Brasil e suas unidades geográficas vêm passando por transformações demográficas profundas, com impactos crescentes sobre todas as demandas sociais. A queda rápida, generalizada e dificilmente reversível da fecundidade, o redirecionamento dos grandes fluxos migratórios e as mudanças nos padrões epidemiológicos com suas conseqüências na mortalidade e na vida média da população atribuem à transição demográfica um papel estratégico dentro do planejamento. Assim sendo, a construção de cenários demográficos passa a se constituir um importante instrumento de planejamento, a partir da elaboração de projeções baseadas tanto nas transformações populacionais recentes quanto na realização de simulações para as tendências da dinâmica demográfica futura. Neste sentido, o método demográfico de projeção representa um procedimento mais adequado nesta conjuntura de transição, pois se baseia em uma análise detalhada dos componentes demográficos: mortalidade, fecundidade e migração, bem como na construção de hipóteses de comportamento futuro para estas variáveis. Por outro lado, os métodos matemáticos de extrapolação de séries históricas tornam-se limitados em tempo de transição, uma vez que as quebras de tendência verificadas são incompatíveis com o pressuposto desta classe de modelos, que consiste na manutenção da tendência observada no passado. PROJEÇÕES PARA O ESTADO DE SÃO PAULO A Fundação Seade, órgão vinculado à Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, tem como uma de suas funções fornecer, aos mais diferentes usuários, informações relativas ao movimento anual da população, como as Estatísticas Vitais do Registro Civil e as projeções de população. O procedimento metodológico utilizado por esta instituição para a projeção de população para o Estado de São Paulo e suas regiões administrativas é o método dos componentes demográficos, ou método de projeção dos componentes por coorte. Foi aplicado pela primeira vez ainda com os resultados do Censo de 1970 e tem sido renovado com os sucessivos Censos (Fundação Seade, 1980 e 1986). Este método possui caráter analítico, deixando explícitas as hipóteses consideradas sobre o comportamento futuro das variáveis demográficas: fecundidade, mortalidade e migração. A partir destas hipóteses são estabelecidas todas as combinações possíveis, de modo a obter um conjunto de projeções em que estão contidos os cenários populacionais mais prováveis, fornecendo aos usuários uma maior flexibilidade de escolha e utilização das projeções. Segundo Pittenger (1975), “uma projeção é uma medida exata de uma condição futura que existiria se as regras e suposições intrínsecas ao método de projeção 110 PROJEÇÃO POPULACIONAL PARA SÃO PAULO: UM MÉTODO ANALÍTICO... de Población” (Granados), onde foram discutidos os problemas mais importantes referentes à realização de projeções para subáreas e as metodologias existentes e propostas para sua efetivação. Dentre os problemas assinalados nesta ocasião, é possível destacar os seguintes: - os reduzidos tamanhos populacionais das subáreas têm, como conseqüência, a ocorrência de um número limitado de eventos demográficos (nascimentos, óbitos e migrações). Isto dificulta o uso de metodologias tradicionais para analisar a tendência histórica das respectivas dinâmicas demográficas; - a qualidade da informação básica – das fontes de dados para o total da população, provenientes dos recenseamentos demográficos, e daquelas para as variáveis demográficas, oriundas do Registro Civil – nem sempre é satisfatória para as áreas menores, existindo muitas vezes um grau de subnumeração que, na falta de correção, acarretará erros nas estimativas; - as áreas geográficas de um país constituem populações abertas, geralmente expostas a fortes movimentos migratórios internos, com efeitos significativos nas tendências de crescimento que alteram, a curto prazo, a dinâmica demográfica destas regiões; - o período de tempo contemplado pela projeção é um fator determinante nas probabilidades de erro, pois, devido aos fatores já mencionados anteriormente, quanto maior for a extensão temporal, menores serão as chances de acerto com a realidade; - outro fator determinante nas probabilidades de erro é o tamanho da população, sendo que quanto menor for a área, maiores serão as incertezas nos resultados; - por último, cabe assinalar que, ao se considerar um número elevado de áreas geográficas, a quantidade de informações envolvidas é muito grande, sendo difícil obter o mesmo grau de detalhamento para todas as suas partes. É importante ressaltar a conveniência de as projeções dos municípios de cada região, ou país, serem realizadas como parte de um plano mais global, a fim de assegurar a comparabilidade dos resultados com as cifras do total do país, como recomendam Garcia e Rincón (1989). Devem ser feitas, preferencialmente, por uma metodologia comum, no sentido de reduzir as possibilidades de distorção que possam ser provocadas por procedimentos muito distintos. Quando o demógrafo se incumbe da tarefa de projetar populações de municípios, depara-se, em geral, com um dilema: por um lado, há o fato de que, demograficamente, as estimativas das variáveis populacionais destas áreas não são muito precisas, onde o maior problema resulta da volatibilidade dos componentes, principalmente da migração, o que torna difícil a formulação de tendências espe- considerado provassem ser empiricamente válidas no futuro”. Ou seja, as projeções são condicionais, como observou Irwin (1976), pois indicam o comportamento futuro da população caso realmente se verifiquem as tendências assumidas na ocasião da realização das projeções. Uma característica importante do método dos componentes é o acompanhamento da tendência das distintas gerações que constituem a população de base para as projeções. O método dos componentes parte da decomposição da população em coortes, sendo que a cada coorte são aplicadas as taxas específicas de mortalidade, fecundidade e migração durante todo o período de projeção. A projeção é, portanto, o resultado da evolução do volume e da estrutura etária de uma população, segundo as diversas hipóteses de tendência futura das variáveis demográficas e suas inter-relações. Outra característica desta metodologia é permitir a simulação de cenários populacionais futuros, viabilizando a análise prospectiva dos possíveis impactos demográficos na sociedade em geral. Assim, estas projeções permitem, por exemplo, simular o processo de envelhecimento de uma população em função da queda da fecundidade e das alterações no padrão da mortalidade ou quantificar o aumento da proporção de pessoas em idade de se aposentar. Este papel mais analítico das projeções permite caracterizar os processos demográficos que levam aos diversos futuros possíveis, fornecendo importantes subsídios para as tomadas de decisão nas atividades de planejamento e de direcionamento de políticas públicas. As vantagens desta metodologia vêm sendo demonstradas pelos usuários dos setores público e privado, que encontram nesta multiplicidade de projeções uma alternativa para superar as limitações da fatalidade de uma única previsão. A PROBLEMÁTICA DAS PROJEÇÕES PARA ÁREAS MENORES A necessidade de dados populacionais atualizados é crescente em todos os níveis geográficos, devido tanto ao processo de informatização da informação que vem democratizando cada vez mais o uso de bancos de dados, quanto à importância da utilização destas informações para todas as atividades de planejamento regional e municipal. A questão da informação no âmbito das pequenas áreas traz consigo a problemática das projeções populacionais, cuja elaboração é mais complexa do que aquelas feitas para o total do país ou do estado. Em 1988, foi realizado em Girardot, Colômbia, o “Seminário Internacional sobre Proyecciones Subnacionales 111 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 radas para o crescimento populacional futuro; por outro lado, entretanto, existe a premência em responder a uma demanda por projeções municipais que, de todas as formas, necessita ser atendida. Ao se realizar uma projeção de população não é possível obter 100% de precisão no estabelecimento das tendências demográficas futuras. Como destaca Keilman (1985), “a incerteza joga um papel importante, sendo possível fazer apenas uma previsão, ou seja, uma estimativa plausível e realista do futuro baseado em nosso conhecimento do presente”. permitir um alto grau de desagregação sem prejuízo de sua precisão. Primeiro, porque seria necessário um estudo exaustivo da dinâmica demográfica e da situação socioeconômica em cada um dos municípios paulistas, para fundamentar as hipóteses de comportamento no período da projeção. Segundo, porque estas hipóteses formuladas para cada município não poderiam ser consideradas isoladamente, dada a grande influência que as áreas limítrofes e regionais exercem no comportamento de cada população, sendo necessário, também, considerarem-se as interações entre as diversas áreas. Na tentativa de equacionar esta questão, propõe-se estimar os parâmetros demográficos municipais a partir das estimativas encontradas para as regiões e das respectivas hipóteses formuladas até o final do período a ser projetado. Em outras palavras, calcula-se a participação proporcional dos municípios nas funções de fecundidade, de mortalidade e de migração, estimadas para a região correspondente, e encontram-se os componentes proporcionais para os municípios, o que permite utilizar o método dos componentes demográficos para projetar a população municipal. O suposto básico deste procedimento é o de que a tendência esperada para a região como um todo seria resultante das tendências específicas de cada município, de modo que cada um deles contribuiria com uma parcela de participação na dinâmica demográfica da região. Assim, as tendências populacionais de cada município seriam coerentes com o comportamento regional, tanto no período de base quanto no período da projeção, além de conservar as especificidades particulares de cada um. A lógica desta sistemática pressupõe um ajuste final, ficando implícito a interação entre o crescimento das populações municipais, pois as hipóteses formuladas para a região são transferidas indiretamente para o conjunto dos municípios. Desta forma, após serem projetadas, pelo método demográfico, as populações municipais separadamente, promove-se uma compatibilização entre estas projeções e a da população regional, de modo a garantir a coincidência entre a soma das projeções municipais e a correspondente projeção para a região administrativa específica. QUAL A ALTERNATIVA UTILIZADA PELA FUNDAÇÃO SEADE PARA PROJETAR A POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS? A experiência acumulada na Fundação Seade, no que se refere às projeções de população municipal, caminhou no sentido de aprimorar e desenvolver os métodos utilizados para este fim, dando prioridade aos métodos demográficos. Como não é prudente extrapolar a população baseando-se em uma função matemática para um período muito longo, sem uma formulação de hipótese de comportamento futuro, optou-se pela elaboração de procedimentos metodológicos que possibilitassem dimensionar a ordem de grandeza dos municípios tendo controle do resultado final. Contando-se, no âmbito da Fundação Seade, com estudos detalhados e aprofundados dos componentes da dinâmica demográfica regional, no passado e no presente, e com a formulação de hipóteses necessárias à aplicação do modelo demográfico de projeções para o Estado de São Paulo e suas regiões administrativas, foi desenvolvido um procedimento metodológico que possibilitasse aplicar, também para os municípios paulistas, o método dos componentes demográficos para projetar a população por idade. Como o mais difícil nesta aplicação é obter estimativas municipais para as variáveis populacionais, utilizouse a alternativa proposta pelo procedimento “Parâmetros Demográficos Proporcionais” (Waldvogel Giraldelli, 1989), que permite projetar as populações municipais pelo método dos componentes demográficos. O desenvolvimento deste procedimento metodológico procurou solucionar duas grandes dificuldades na aplicação do método dos componentes demográficos para projetar a população municipal: estimar as funções de mortalidade, fecundidade e migração; e formular hipóteses para os municípios, acerca do futuro destas variáveis. Estas duas atividades são, em geral, impraticáveis no âmbito das áreas pequenas, nas quais os dados costumam ser incompletos ou de volume reduzido, de modo a não AVALIAÇÃO DAS PROJEÇÕES POPULACIONAIS COM OS RESULTADOS DO CENSO DEMOGRÁFICO DE 1991 Quando os resultados preliminares do Censo Demográfico de 1991 foram publicados, a Fundação Seade divulgou uma Nota Técnica, apresentando uma comparação entre as projeções realizadas anteriormente e os dados censitários. A principal conclusão foi de que os resulta- 112 PROJEÇÃO POPULACIONAL PARA SÃO PAULO: UM MÉTODO ções em relação aos dados censitários considerou esta divisão estadual. A grande convergência verificada no interior paulista, cuja diferença foi de apenas 1,8%, mantém-se no âmbito mais desagregado das regiões administrativas, como demonstrou a Nota Técnica citada. Atualizando os dados com aqueles já definitivos do Censo Demográfico de 1991, observa-se que com exceção da Região do Litoral, onde há uma diferença de 11,10%, entre as projeções da Fundação Seade e os dados do Censo, todas as demais regiões apresentavam diferenças muito pequenas, considerando os limites aceitáveis para as previsões de longo prazo, conforme mostra a Tabela 2. Esses resultados confirmam plenamente as hipóteses adotadas na projeção. Na elaboração das hipóteses sobre a fecundidade e a mortalidade, como citado na Nota Técnica, foram considerados os dados do Sistema de Estatísticas Vitais da Fundação Seade, que permite acompanhar anualmente o crescimento vegetativo da população (diferença entre nascimentos e óbitos). Estas hipóteses são, portanto, mais próximas da realidade. Quanto às hipóteses sobre os saldos migratórios (diferença entre entradas e saídas), a sua elaboração mostrase mais complexa, dada a dificuldade em quantificá-las. Elas dependem, até o momento, de informações censitárias disponíveis a cada dez anos. As hipóteses variaram segundo o comportamento econômico de cada região. Conforme descrito na Nota Técnica, “Para as regiões que tradicionalmente perdiam população, considerou-se uma sensível recuperação decorrente do processo de interiorização do desenvolvimento paulista. Já nas áreas típicas de maior atração de migrantes, optou-se pela hipótese de desaceleração do crescimento migratório, tendo presente o comportamento recessivo desta década. No caso da Região da Grande São Paulo, a avaliação realizada evidencia que as tendências consideradas nas hipóteses da projeção estavam corretas. O fato surpreendente foi a velocidade da queda, que ocorreu brusca e de muito difícil previsão”. TABELA 1 Diferença entre a População Censitária e a População Projetada Estado de São Paulo, Região Metropolitana e Interior – 1991 Áreas Censo Seade Projeção Relativa Estado de São Paulo 31.436.273 Região Metropolitana Interior Diferença (%) 34.207.957 8,8 15.369.305 17.853.254 16,2 16.066.968 16.354.703 1,8 Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE. TABELA 2 Diferença entre a População Censitária e a População Projetada Regiões Administrativas – 1991 População Seade Diferença Relativa entre Populações (%) 1.580.962 1.756.412 11,10 1.495.974 1.589.181 6,23 RA de Sorocaba 1.969.723 1.961.145 -0,44 RA de Campinas 4.402.048 4.600.324 4,50 RA de Ribeirão Preto 2.400.841 2.309.493 -3,80 825.404 858.816 4,05 Regiões Administrativas População Censo RA do Litoral RA do Vale do Paraíba RA de Bauru RA de São José do Rio Preto 1.196.741 1.143.909 -4,41 RA de Araçatuba 617.624 585.973 -5,12 RA de Presidente Prudente 758.501 769.677 1,47 RA de Marília 819.150 779.773 -4,81 ANALÍTICO... Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE. dos censitários identificavam-se bastante com as projeções da Fundação Seade para o interior do estado, sendo que as diferenças concentravam-se na Região Metropolitana. Na Nota Técnica, destacava-se: “Alterando uma tendência histórica, os dados preliminares do Censo de 1991, para a Grande São Paulo, resultam num saldo migratório negativo para o período 1980/91, decorrente de uma variação de difícil previsão” (Fundação Seade, 1992a). A base operacional das projeções foi a divisão administrativa vigente na década de 80, pela qual o estado era constituído por 11 regiões administrativas. A análise da dinâmica demográfica e a formulação das hipóteses de comportamento futuro levaram em consideração esta agregação, de modo que as projeções de população para as maiores áreas do estado obedeceram a este critério regional. Assim sendo, a investigação da precisão das proje- TABELA 3 Média dos Desvios para os Municípios Paulistas, segundo Classes de Tamanho Populacional Estado de São Paulo – 1991 Classes de Tamanho Número de Municípios Média dos Desvios (%) Total dos Municípios 572 -3,33 Menos de 10.000 Habitantes 245 -5,29 De 10.000 a 50.000 Habitantes 231 -3,75 96 2,47 Mais de 50.000 Habitantes Fonte: Fundação Seade. 113 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 TABELA 4 QUAL O RESULTADO DA AVALIAÇÃO DAS PROJEÇÕES MUNICIPAIS? Distribuição de Freqüência dos Municípios, segundo as Classes de Erro Médio para a Estrutura Etária Estado de São Paulo – 1991 Quanto às projeções populacionais para as 42 regiões de governo e no âmbito municipal, os resultados obtidos pelo procedimento “Parâmetros Demográficos Proporcionais” (Waldvogel Giraldelli, 1989), que permite aplicar o método dos componentes demográficos para projetar a população por idade e sexo para as áreas menores, apresentou um bom desempenho no sentido de aproximar a população projetada à real observada no Censo Demográfico de 1991, em termos tanto absolutos quanto de estrutura etária final. Considerando o desvio médio relativo de cada população projetada em relação às censitárias, observa-se que 50% das regiões de governo do Estado de São Paulo apresentaram erros entre -5% e +5%, e 76% delas entre -10% e +10%, indicando uma boa precisão para este nível de desagregação. O Gráfico 1 descreve bem a aderência do modelo de projeção utilizado com os resultados definitivos do Censo, para as Regiões de Governo. Quantos aos municípios, observa-se que praticamente a metade (48%) apresentou medidas de erro inferiores a 10%, o que representa um grau de precisão bastante aceitável em se tratando de projeções de áreas pequenas e de longo prazo. Apenas 45 dos 572 municípios paulistas apresentaram desvios superiores a mais ou menos 30%. Também foi possível verificar que quanto menores os municípios, maiores foram os desvios médios esperados para Classes de Erro Médio Inferior a -10 De -10 a -5 De -5 a 5 De 5 a 10 Mais de 10 População Projetada (em mil pessoas) 1.000 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0 300 400 500 600 700 800 900 3 51 451 50 17 0,5 8,9 78,9 8,7 3,0 as projeções quando comparadas às populações censitárias. A avaliação da precisão das projeções municipais considerou também dois outros aspectos, além da convergência/divergência em relação aos totais populacionais. O primeiro refere-se à ordenação dos municípios dentro do estado como um todo, ou seja, a distribuição dos municípios por tamanho de população. O segundo diz respeito à estrutura por idade e sexo de cada município. Para averiguar se o método de projeção utilizado para os municípios alterou ou não a ordem dos municípios dentro do Estado de São Paulo, em relação ao número de habitantes, considerou-se o coeficiente de correlação de Spearman. Este coeficiente é calculado a partir das diferenças entre os postos associados aos municípios, em ordem crescente, tanto para a população projetada quanto para a censitária. Quanto mais próximo de 1,00 estiver este coeficiente, melhor será a correlação entre os pontos. O coeficiente de correlação de Spearman encontrado para os municípios paulistas em 1991 foi de 0,99, o que representa uma correlação perfeita, ou seja, a projeção considerada para os municípios paulistas garantiu, de forma bastante precisa, a distribuição dos municípios segundo o tamanho populacional dentro do Estado de São Paulo. Quanto à estrutura etária, a média encontrada para os erros relativos à precisão da composição por idade e sexo, para cada município, foi de apenas 0,33%. A Tabela 4 apresenta a distribuição dos erros médios para a estrutura etária para os municípios, sendo que 79% apresentaram erros inferiores a mais ou menos 5%. Isto demonstra a adequação do método dos componentes no sentido de aproximar a distribuição por idade e sexo da população projetada à população censitária. O procedimento metodológico adotado reproduziu de maneira bastante satisfatória a dinâmica das diversas gerações que compõem a população no período da projeção. GRÁFICO 1 200 Proporção dos Municípios (%) Fonte: Fundação Seade. População Censitária e População Projetada Regiões de Governo do Estado de São Paulo – 1991 100 Número de Municípios 1.000 População Censitária(em mil pessoas) Fonte: Fundação Seade. Nota: As regiões de governo de Campinas e Santos não aparecem no gráfico devido à dimensão de suas populações, maiores que 1.000.000 de habitantes. 114 PROJEÇÃO POPULACIONAL PARA SÃO PAULO: UM MÉTODO CONSIDERAÇÕES FINAIS ANALÍTICO... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A dinâmica demográfica tem se alterado expressivamente em nosso país e no Estado de São Paulo. Este novo perfil populacional constitui elemento fundamental na realização das projeções de população, devido a todas as conseqüências sentidas nas tendências de crescimento esperadas no futuro e na composição por idade e sexo da população. Como foi exposto neste artigo, os métodos demográficos considerados para as projeções de população no Estado de São Paulo, nos âmbitos regional e municipal, apresentaram resultados bastante adequados quando comparados às populações do Censo Demográfico de 1991. A elaboração das hipóteses de comportamento futuro para as variáveis demográficas representa a parte mais complexa e importante na aplicação desta metodologia de projeção. Esta etapa tem sido objeto de muita reflexão e de desenvolvimento de metodologias específicas no âmbito da Fundação Seade, na tentativa de que as hipóteses futuras reflitam, da maneira mais fidedigna, as diversas transformações demográficas que têm ocorrido e poderão ocorrer na população paulista. Procurando levantar subsídios para a elaboração destas hipóteses, a Fundação Seade promoveu um Seminário, em dezembro de 1995, contando com a participação de diversos especialistas que, durante dois dias, levantaram questões importantes e abordaram relevantes aspectos que deverão ser incorporados nas projeções a serem realizadas para o início do século XXI. Os técnicos do Seade estão procurando “quantificar” as questões levantadas, para que representem elementos práticos na elaboração das hipóteses de comportamento futuro para cada componente da dinâmica demográfica. Desta forma, procurar-se-á mais uma vez “dimensionar o futuro da população paulista”. FERREIRA, C.E. de C. “Projeções demográficas para São Paulo”. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.1, n.2, jul./set. 1987, p.4549. FERREIRA, C.E. de C. e WALDVOGEL, B. "Os novos cenários da população paulista". Conjuntura Demográfica. São Paulo, Fundação Seade, n.26, jan./mar. 1994. FUNDAÇÃO IBGE. Censo Demográfico de 1991 – Estado de São Paulo. Rio de Janeiro, 1994. FUNDAÇÃO SEADE. "Projeções de população para as 11 regiões administrativas do Estado de São Paulo – 1970-1990 (Um Estudo Demográfico)". Informe Demográfico. São Paulo, n.2, 1980. __________ . “Perspectivas de população para o Estado de São Paulo e suas regiões administrativas (1980-2000)”. Informe Demográfico. São Paulo, n.18, 1986. __________ . “Resultados do Censo para Grande São Paulo alteram tendência histórica”. (Nota Técnica n.4). Pesquisa de Emprego e Desemprego: Grande São Paulo. São Paulo, n.87, 1992a. __________ . O novo retrato de São Paulo. São Paulo, 1992b. GARCIA, A. e RINCON, M. "Sistema para elaborar proyecciones subnacionales de areas intermedias y pequenas, por sexo y grupos de edades". (Celade, Série 0I, n.42). In: GRANADOS, M. del P. (comp.) Métodos para proyecciones subnacionales de población. Bogotá, Dane, 1989, p.253-276. GRANADOS, M. del P. (comp.) Métodos para proyecciones subnacionales de población. Bogotá, Dane, 1988, 313 p. (Celade. Série 0I, 42). IRWIN, R. "Utilização do método dos componentes por coorte nas projeções para pequenas áreas”. Revista Brasileira de Estatística. Rio de Janeiro, v.37, n.146, abr./jun. 1976, p.215-238. KEILMAN, N. "The unpredictability of population trends". Trabalho apresentado na Annual Conference of the International. Association for Impact Assessment (IAIA). Utrecht, Netherlands, jun. 1985. PITTENGER, D.B. Projecting state and local populations. Ballinger Publishing Company, 1975. WALDVOGEL GIRALDELLI, B. (coord.). Projeção de população dos municípios e distritos pertencentes à Região II de planejamento da Sabesp. São Paulo, dez. 1988. (Contrato de prestação de serviço Seade/Sabesp. Relatório Síntese). __________ . "Parâmetros demográficos proporcionais: uma alternativa para aplicar o método dos componentes para projetar a população de áreas pequenas". Informe Demográfico. São Paulo, Fundação Seade, n.22, 1989. 115 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO DO BRASIL: 1980-2020 JUAREZ DE CASTRO OLIVEIRA. Demógrafo, Pesquisador do IBGE FERNANDO FERNANDES Demógrafo, Consultor no IBGE A Demografia é uma ciência eminentemente empírica. Os acontecimentos que marcam o ciclo vital dos indivíduos não seriam passíveis de investigação se não fossem devidamente registrados. Por isso, a Demografia extrai dos registros de pesquisas e de levantamentos específicos seu material de estudo. Do momento em que ocorre um determinado evento (nascimento, ingresso à escola, entrada no mercado de trabalho, mudança no estado conjugal, movimento migratório, morte, etc.) até o instante em que o demógrafo dispõe da informação para interpretá-la, há que se levar em conta uma defasagem temporal. Um levantamento censitário ou uma pesquisa por amostragem pode levar meses para a conclusão das atividades de coleta e apuração, devendo-se agregar mais um tempo para que as informações prestadas sejam analisadas em sua consistência. Assim, ao cumprir todas as etapas, de forma a garantir a melhor qualidade possível dos dados, os estudiosos em população tomam posse de resultados correspondentes a um passado relativamente recente. Esta é uma característica intrínseca da Demografia que, por não possuir a propriedade de realizar experimentos controlados em laboratório, desenvolve-se mediante a observação das etapas do ciclo de vida das pessoas. Contudo, na medida em que se ampliaram as investigações no âmbito dos fenômenos demográficos, diversas leis comuns aos distintos grupos de pessoas que habitam o planeta foram determinadas, fato que as consagraram como de características universais. O desenvolvimento de modelos aplicáveis na Demografia teve como ponto de partida o simples registro das respostas de várias populações frente a certos estímulos, como, por exemplo, o ingresso ao estado matrimonial, o padrão etário da fecundidade feminina, os riscos de morte por idade e sexo, entre outros. Sempre recaiu sobre o demógrafo uma grande cobrança com relação aos fatos que estariam ocorrendo no presente. Geralmente, e até mesmo por recomendação da Organização das Nações Unidas, o maior dos levantamentos populacionais, o Censo Demográfico, é realizado a cada dez anos. Numa parcela considerável dos países, os registros dos fatos vitais são incompletos e, quando muito, são divulgados seis meses ou mais após o término do ano civil. Por estes motivos, a demografia não conhece outra forma de descrever ou se aproximar do presente que não seja através de uma projeção. Em particular, a projeção populacional é um instrumento muito útil quando se trata de anos pós-censitários. Ela busca descrever as alterações que se processarão na dinâmica da população, em função de observações das tendências passadas das componentes demográficas. São três as variáveis que intervêm na dinâmica demográfica: a fecundidade, gerando entrada de pessoas através dos nascimentos; a mortalidade, contabilizando saída de indivíduos por morte; e a migração, que poderá atuar nos sentidos positivo ou negativo, segundo predomine a imigração ou a emigração. Uma projeção de população cumpre vários propósitos, mas o principal refere-se aos subsídios que ela proporciona aos planejadores na formulação de políticas públicas de curto e médio prazos destinadas a segmentos populacionais específicos, sejam crianças e adolescentes, sejam adultos e/ou idosos. Na verdade, os resultados obtidos a partir da elaboração de uma projeção populacional são, em última análise, 116 METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO... Embora seja consensual que, durante os anos 80, tenha ocorrido no país uma considerável saída de brasileiros para o exterior, adotou-se o suposto de população às migrações internacionais, dado que não se dispõe de valores suficientemente precisos que permitam estabelecer cenários relativos aos saldos migratórios líquidos internacionais por sexo e idade. Considerou-se, também, a razão de sexos ao nascimento como sendo igual a 1,04, segundo observado nas estatísticas vitais. Tendo feito estes comentários, descreve-se, a seguir, a metodologia adotada na projeção com relação aos seguintes pontos: - ajuste da população-base (de partida) para 1O de julho de 1980; decorrentes das hipóteses implícitas acerca do comportamento futuro das componentes da dinâmica demográfica. Esta constitui-se na mais delicada etapa do processo como um todo, pois a formulação das hipóteses sobre as perspectivas futuras da fecundidade, da mortalidade e da migração requer o empreendimento de um esforço cuidadoso, no sentido de garantir a coerência entre os parâmetros disponíveis, descritivos das tendências passadas, e aqueles que resultarão da projeção. No contexto nacional, as projeções oficiais de população são realizadas no âmbito da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo seu atual Departamento de População e Indicadores Sociais (Depis). Tradicionalmente, elabora-se uma projeção populacional imediatamente após a divulgação dos resultados censitários concernentes à estrutura por sexo e idade, à fecundidade, à mortalidade e à migração. Além do caráter oficial da projeção da população brasileira, para que haja reconhecimento internacional, o IBGE executa esta tarefa em parceria com o Centro Latino-Americano de Demografia (Celade/Nações Unidas), cumprindo as recomendações metodológicas da Divisão de População da ONU. Durante o intervalo de tempo que separa a última projeção realizada conjuntamente pelo IBGE e pelo Celade (IBGE/Celade, 1984) e a que será apresentada neste documento, diversas mudanças ocorreram nos componentes da dinâmica demográfica brasileira. Os níveis de fecundidade continuaram a diminuir acentuadamente, contrariando previsões de que estes declinariam de forma mais suave durante os anos 80. A mortalidade, por sua vez, passou a apresentar um padrão diferente do contido no conjunto de Tábuas-Modelo Brasil (IBGE, 1981), que é adotado e aceito como representativo do experimentado pela população brasileira durante as décadas anteriores. Vale ressaltar que uma característica importante introduzida pelos autores nesta projeção é a utilização de fontes de dados combinadas, como as Estatísticas Vitais derivadas do Registro Civil, os Censos Demográficos, a partir de 1940, as Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs), das décadas de 70 e de 80, e o Estudo Nacional da Despesa Familiar (Endef) realizado no período 1974-75, para derivar níveis e padrões de fecundidade e mortalidade. - estimativa e projeção da fecundidade; - estimativa e projeção da mortalidade. Ajuste da população-base para 1O de julho de 1980 A população do Brasil utilizada como base para a projeção tem como data de referência 1O de julho de 1980, uma vez que metodologicamente os totais projetados devem referir-se à metade de cada ano considerado. Esta população foi obtida a partir da população residente por sexo e idade em 1O de setembro de 1980, dada pelo Censo Demográfico, de taxas específicas de mortalidade por sexo e idade e de taxas específicas de fecundidade para 1980. A população censitária e as taxas de mortalidade e de fecundidade foram utilizadas para estimar o número anual de mortes e nascimentos e, a partir destes, a taxa de crescimento populacional para 1980. Assim, de posse desta taxa de crescimento populacional, pôde-se estimar a população total na data desejada, 1o de julho de 1980. Esta população total estimada foi, então, distribuída proporcionalmente por sexo e idade de acordo com a distribuição dada pelo Censo Demográfico de 1980. Estimativa e projeção da fecundidade A estimativa do comportamento da fecundidade brasileira para os anos posteriores a 1980 consistiu, primeiramente, em modelar a tendência do nível da fecundidade para cada ano, calculando a taxa de fecundidade total (TFT). A evolução do nível da fecundidade foi modelada a partir do ajuste de uma função logística, com um limite inferior predeterminado, a diversas estimativas iniciais da taxa de fecundidade total para o período entre 1933 e 1990. As estimativas iniciais apresentaram pouca variabilidade PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO DO BRASIL A projeção da população do Brasil por sexo e grupos qüinqüenais de idade, com data de referência em 1O de julho, para o período 1980-2020, foi realizada a partir da população residente estimada para 1O de julho de 1980. 117 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 do de Relé, com base no grupo etário de 0 a 4 anos, o mesmo método de Relé apoiado no grupo etário de 5 a 9 anos (Relé, 1967), a técnica de Arriaga (Arriaga, 1983), o conjunto de equações modelo desenvolvidas por Frias e Oliveira (Frias e Oliveira, 1990) e uma Projeção Reversa com base na população de 0 a 11 anos de idade, em 1980 e 1991. Além destes métodos, que utilizam como fontes de dados os Censos Demográficos, as Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) e o Estudo Nacional da Despesa Familiar (Endef), foram utilizadas também informações do Registro Civil acerca do número de nascimentos por idade da mãe, corrigidos do sub-registro, para a estimativa direta da fecundidade. Com relação à estrutura da fecundidade, utilizou-se, para 1980, a distribuição relativa das taxas específicas de fecundidade dada pelo Censo Demográfico deste mesmo ano, enquanto para 1985 e 1991 adotaram-se as estruturas derivadas das Estatísticas Vitais. Vale esclarecer que a distribuição relativa derivada das Estatísticas Vitais era semelhante, em 1980, à observada no Censo Demográfico. As taxas específicas de fecundidade, para os anos entre 1980, 1985 e 1991, foram obtidas a partir da interpolação das taxas específicas de fecundidade destes anos. Para os anos posteriores a 1991, procedeu-se a uma interpolação entre as taxas específicas de fecundidade de 1991 e as taxas específicas de fecundidade limite adotadas para o ano de 2050. Em um segundo momento, estas taxas específicas de fecundidade interpoladas foram conciliadas às taxas de fecundidade totais obtidas para estes anos a partir do ajuste logístico. GRÁFICO 1 Projeção da Taxa de Fecundidade Total Brasil – 1920-2050 Ajustada Ajustada Brass Brass RRelé Rele RegistroCivil Civil Registro F&O F&O Arriaga Arriaga PProjeção ProjeçãoReversa Reversa Registro RegistroTardio Tardio Anos Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais. entre si, ao longo de todo o período considerado, particularmente a partir dos anos 60, demonstrando a paulatina melhora da qualidade das pesquisas, o que viabilizou um completo ajuste logístico como pode ser constatado no Gráfico 1. Neste sentido, foram traçados três cenários (hipóteses) descritivos das possíveis tendências futuras da fecundidade. No primeiro, a fecundidade apresentará uma trajetória de declínios não muito acentuados, até que alcance, no limite, uma TFT correspondente a 2,01 filhos por mulher (hipótese alta). Em contraposição, na segunda hipótese (considerada baixa), os valores projetados são compatíveis com uma TFT limite de 1,5 filho por mulher, nível já observado em muitos países europeus. Por último, a hipótese média, ou recomendada (e utilizada para fins de análise dos resultados finais da projeção), nada mais é que uma tendência intermediária entre as duas hipóteses anteriores, na qual a previsão do comportamento da fecundidade acarretará, em 2050, uma TFT de 1,8 filho por mulher. Considerando-se a TFT(t) como a taxa de fecundidade total no período t, k1 como a assíntota inferior, k1+k2 como a assíntota superior, a e b como parâmetros e t como o tempo, a função logística adotada para a modelagem da taxa de fecundidade total pode ser expressa da seguinte forma: Estimativa e projeção da mortalidade A estimativa do comportamento da mortalidade brasileira, para a década de 80, foi realizada em três etapas. Inicialmente, foi feita uma estimativa da cobertura dos dados sobre óbitos do Registro Civil para os referidos anos, utilizando-se a técnica de Preston e Coale (Preston, Coale, Trussell, Weinstein, 1980). A segunda etapa consistiu em modelar a tendência de estimativas iniciais da mortalidade infantil, obtidas mediante a aplicação da técnica dos filhos sobreviventes (Brass et alii, 1968; Brass, 1975 e Brass e Bamgboye, 1981) às informações provenientes dos Censos Demográficos de 1940 a 1980, das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) das décadas de 70 e 80 e do Estudo Nacional da Despesa Familiar (Endef), realizado no período 1974-75. A modelagem da evolução do nível da mortalidade infantil foi realizada a partir do ajuste de uma função lo- Os métodos utilizados para a obtenção destas estimativas iniciais da taxa de fecundidade total foram o método da razão P/F de Brass (Brass et alii, 1968 e Brass, 1975), o méto- 118 METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO... gística às diversas estimativas iniciais da mortalidade infantil, para o período entre 1957 e 1985. Embora tenhamse derivado estimativas da mortalidade infantil desde 1926, a grande variabilidade entre as estimativas iniciais não permitiu um ajuste logístico satisfatório, sendo o melhor ajuste obtido a partir das estimativas para o período 1957-85. Finalmente, foram construídas tábuas de mortalidade para os anos de 1980, 1985 e 1990 por sexo, através da conciliação das estimativas da mortalidade infantil obtidas para estes anos com os óbitos do Registro Civil corrigidos na primeira etapa. As tábuas de mortalidade para os anos posteriores a 1990 foram obtidas a partir da interpolação linear dos logaritmos das taxas específicas de mortalidade de 1990 e de uma tábua limite de mortalidade fornecida pelo US Bureau of the Census (com esperança de vida ao nascer igual a 75,51 anos e uma mortalidade infantil igual a 17,6 por mil) adotada para o ano de 2020. GRÁFICO 2 Nascimentos, Óbitos e Crescimento Vegetativo Brasil – 1980-2020 Crescimento Vegetativo 4.000 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 500 1980 Projeções Populacionais Preliminares, segundo Sexo Brasil – 1980-2020 Incremento 118.562.549 144.723.897 165.715.411 200.306.313 26.161.348 20.991.514 34.590.902 2,01 1,36 0,95 Homens 1980 1990 2000 2020 58.904.681 71.625.007 81.677.251 98.321.727 12.720.326 10.052.244 16.644.476 1,97 1,32 0,93 Mulheres 1980 1990 2000 2020 59.657.868 73.098.890 84.038.160 101.984.586 13.441.022 10.939.270 17.946.426 2,05 1,40 0,97 Total 1980 1990 2000 2020 1990 1995 2000 Períodos 2005 2010 2015 2020 No que tange ao crescimento populacional, no período 1980-90, a população brasileira aumentou em 26.161.348 habitantes, valor este que corresponde a uma taxa geométrica de crescimento anual de 2,01% para a década. Nos dez anos seguintes, o aumento populacional será de 20.991.514 pessoas, representando uma taxa geométrica de crescimento anual de 1,36%. De acordo com as hipóteses sobre o comportamento da fecundidade e da mortalidade, a população do Brasil, no período 2000-2020, aumentará seu efetivo em 34.590.902 pessoas, significando uma taxa geométrica de crescimento anual de 0,95% para estes 20 anos. Em função da sobremortalidade masculina, persistirá a maior participação relativa das mulheres na população total e, da mesma forma, sua maior taxa de crescimento. Se, por um lado, as projeções indicam um aumento da participação relativa da população feminina nos 40 anos englobados pela projeção, passando de 50,32% em 1980 para 50,91% em 2020, por outro, apontam para uma queda no diferencial da taxa de crescimento, passando de 0,08% em 1980 (1,97% e 2,05% para homens e mulheres, respectivamente) para 0,04% no ano 2020 (0,93% e 0,97%, respectivamente, para homens e mulheres). A Tabela 1 apresenta estes resultados e o Gráfico 2 ilustra as tendências do número de nascimentos e mortes anuais no período considerado, bem como o crescimento vegetativo. A evolução da taxa de fecundidade total, da esperança de vida ao nascer e da taxa de mortalidade infantil encontra-se nas Tabelas 2 e 3. No tocante à fecundidade, podese notar uma acentuada tendência de declínio nos níveis desta variável demográfica. A estimativa de 4,01 filhos por mulher referente ao ano de 1980 reduziu-se para 2,66, TABELA 1 Anos 1985 Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais. A julgar pelos resultados da projeção preliminar da população brasileira para o período 1980-2020, alguns aspectos acerca das tendências do crescimento da população podem ser ressaltados. Taxa Geométrica de Crescimento Anual (%) Óbitos 3.500 ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE OS RESULTADOS DA PROJEÇÃO População (em 1o de julho) Nascimentos Em 1.000 Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais. 119 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 TABELA 2 População e Indicadores Demográficos Implícitos na Projeção Preliminar Brasil – 1980-2000 Indicadores Demográficos 1980 1985 1990 1995 2000 118.562.549 131.978.412 144.723.897 155.822.440 165.715.411 Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%) 38,2 36,6 34,7 31,8 28,3 Proporção no Grupo de 15 a 64 anos (%) 57,7 59,4 61,1 63,5 66,5 4,0 4,0 4,2 4,7 5,2 Ambos os Sexos Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%) Homens 58.904.681 65.456.545 71.625.007 76.948.360 81.677.251 Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%) 38,9 37,3 35,5 32,6 29,1 Proporção no Grupo de 15 a 64 Anos (%) 57,4 59,0 60,6 63,1 66,3 3,8 3,7 3,9 4,3 4,6 Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%) Mulheres 59.657.868 66.521.867 73.098.890 78.874.080 84.038.160 Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%) 37,6 35,8 34,0 31,0 27,6 Proporção no Grupo de 15 a 64 Anos (%) 58,1 59,9 61,5 63,9 66,8 4,3 4,3 4,5 5,1 5,7 73,2 68,2 63,8 57,5 50,3 Nascimentos Anuais 3.702.250 3.721.516 3.420.711 3.137.754 3.021.696 Óbitos Anuais 1.066.834 1.017.651 1.041.045 1.070.370 1.108.819 Crescimento Vegetativo 2.635.416 2.703.865 2.379.666 2.067.384 1.912.877 Taxa Bruta de Natalidade (por mil) 31,23 28,20 23,64 20,14 18,23 Taxa Bruta de Mortalidade (por mil) 9,00 7,71 7,19 6,87 6,69 2,223 2,049 1,645 1,327 1,154 Taxa de Fecundidade Total 4,01 3,27 2,66 2,26 2,04 Taxa Bruta de Reprodução 1,96 1,59 1,30 1,10 0,99 Taxa Líquida de Reprodução 1,75 1,47 1,21 1,04 0,94 Ambos os sexos 61,76 64,34 65,62 67,03 68,51 Homens 58,95 61,17 62,28 63,81 65,41 Mulheres 64,68 67,65 69,09 70,38 71,74 69,10 57,30 49,70 44,40 39,20 Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%) Razão de Dependência Taxa de Crescimento (%) Esperança de Vida ao Nascer (em anos) Taxa de Mortalidade Infantil (por mil nascidos vivos) Ambos os sexos Homens 76,30 64,40 56,80 50,50 44,30 Mulheres 61,70 50,00 42,30 38,10 33,90 Fonte: Fundação IBGE. 120 METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO... TABELA 3 População e Indicadores Demográficos Implícitos na Projeção Preliminar Brasil – 2000-2020 Indicadores Demográficos 2000 2005 2010 2015 2020 165.715.411 175.077.284 184.157.039 192.695.701 200.306.313 Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%) 28,3 25,4 23,6 22,4 21,2 Proporção no Grupo de 15 a 64 anos (%) 66,5 68,7 69,8 70,0 69,8 5,2 5,9 6,5 7,5 9,0 Ambos os Sexos Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%) Homens 81.677.251 86.156.943 90.522.164 94.643.677 98.321.727 Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%) 29,1 26,2 24,4 23,2 22,0 Proporção no Grupo de 15 a 64 Anos (%) 66,3 68,6 69,9 70,2 70,3 4,6 5,2 5,8 6,6 7,8 Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%) Mulheres 84.038.160 88.920.341 93.634.875 98.052.024 101.984.586 Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%) 27,6 24,7 22,9 21,7 20,5 Proporção no Grupo de 15 a 64 Anos (%) 66,8 68,8 69,8 69,9 69,4 5,7 6,5 7,3 8,5 10,1 50,3 45,5 43,2 42,8 43,2 Nascimentos Anuais 3.021.696 3.013.796 2.985.572 2.885.285 2.742.984 Óbitos Anuais 1.108.819 1.160.690 1.216.546 1.266.322 1.321.893 Crescimento Vegetativo 1.912.877 1.853.106 1.769.026 1.618.963 1.421.091 Taxa Bruta de Natalidade (por mil) 18,23 17,21 16,21 14,97 13,69 Taxa Bruta de Mortalidade (por mil) 6,69 6,63 6,61 6,57 6,60 1,154 1,058 0,960 0,840 0,709 Taxa de Fecundidade Total 2,04 1,92 1,85 1,82 1,81 Taxa Bruta de Reprodução 0,99 0,94 0,90 0,89 0,88 Taxa Líquida de Reprodução 0,94 0,89 0,87 0,86 0,86 Ambos os sexos 68,51 70,09 71,77 73,57 75,51 Homens 65,41 67,10 68,90 70,80 72,82 Mulheres 71,74 73,20 74,77 76,46 78,31 39,20 33,80 28,50 23,10 17,60 Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%) Razão de Dependência Taxa de Crescimento (%) Esperança de Vida ao Nascer (em anos) Taxa de Mortalidade Infantil (por mil nascidos vivos) Ambos os sexos Homens 44,30 37,90 31,50 25,10 18,50 Mulheres 33,90 29,60 25,30 21,00 16,60 Fonte: Fundação IBGE. 121 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 GRÁFICO 3 em 1990, refletindo uma queda de 33,7%. No período seguinte, a taxa de fecundidade total atingirá a média de 2,04 filhos, o que representará um declínio de 23,3%. Entre 2000 e 2020, quando os níveis da fecundidade já se encontrarem em patamares bastante baixos, o declínio será de apenas 11,3%. No caso particular da esperança de vida ao nascer (Gráfico 3), observam-se ganhos de 3,86 e 3,74 anos, respectivamente, ao longo dos períodos 1980-1990 e 2010-2020. Em termos relativos, estes ganhos representam acréscimos de 6,3% e 5,2%. A sobremortalidade masculina indica uma esperança de vida ao nascer, para os homens, inferior em 5,73 anos quando comparada à das mulheres, em 1980 (58,95 para os homens e 64,68 para as mulheres) e em 6,81 anos em 1990 (62,28 e 69,09, respectivamente). Entretanto, a partir deste ano, a diferença passará a declinar, atingindo 5,73 anos em 2020 (72,82 para os homens e 78,31 para as mulheres). A taxa de mortalidade infantil experimentará reduções proporcionais mais expressivas (Gráfico 4). Somente no período 1980-1990, estimou-se um declínio de 28,1%. Entre 1990 e o ano 2000, a queda será de 21,1% e, nos primeiros 20 anos do próximo século, de 55,0%. Ademais, o diferencial da taxa de mortalidade infantil entre homens e mulheres também declinará acentuadamente. Enquanto em 1980 este era da ordem de 14,6 por mil nascidos vivos (76,3 para os homens e 61,7 para as mulheres), no ano 2000 será de 10,4 (44,3 para os homens e 33,9 para as mulheres) e, em 2020, de apenas 1,9 (18,5 para os homens e 16,6 para as mulheres). Finalmente, é importante destacar as alterações processadas na estrutura etária da população brasileira nos 40 anos de horizonte da projeção (Tabelas 2 e 3). Os resultados tornam evidente a necessidade de empenho por parte dos organismos nacionais de planejamento no sentido de formularem políticas públicas voltadas para atender às demandas específicas da população da “terceira idade”, uma vez que a população experimentará um processo contínuo de envelhecimento de sua estrutura etária. Através do Gráfico 5, observa-se que a proporção de jovens de 0 a 14 anos diminuirá de 38,2% para 21,2%, entre 1980 e 2020. Por sua vez, neste mesmo período, a população com 65 anos e mais elevar-se-á de 4,0%, em 1980, para 9,0%, em 2020. De acordo com esta projeção preliminar, em 1980 os idosos correspondiam a 4,8 milhões de pessoas. Já em 2020, este segmento englobará 17,9 milhões de pessoas. Neste contexto, e em função da sobremortalidade masculina, a população feminina possuirá uma estrutura etária proporcionalmente mais velha que a masculina. Em 1980, enquanto 3,8% dos homens possuíam 65 anos e mais, Esperança de Vida ao Nascer, por Sexo Brasil – 1980-2020 80 Em anos 75 70 65 60 55 Períodos 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020 Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais. GRÁFICO 4 Taxa de Mortalidade Infantil, por Sexo Brasil – 1980-2020 Por mil nascidos vivos 80 70 60 50 40 30 20 10 Períodos 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020 Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais. GRÁFICO 5 Proporção de Crianças (0 a 14 Anos) e de Idosos (65 Anos e Mais) Brasil – 1980-2020 40 0 a 14 anos 65 anos e mais 10 35 8 30 6 25 4 20 2 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 Períodos Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais. 122 2020 METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO... GRÁFICO 6 Pirâmide Estária Relativa Brasil – 1980-2020 1980 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1990 2000 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 2020 2010 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais. as mulheres nesta faixa etária representavam 4,3% de sua população. Ao final do período da projeção (2020), estas participações relativas terão evoluído para, respectivamente, 7,8% e 10,1%. Por último, é importante destacar o caráter preliminar desta projeção, que será atualizada com as informações sobre fecundidade e mortalidade oriundas do Censo Demográfico de 1991 e das PNADs de 1992 e 1993, bem como será passível de correção a estrutura inicial por sexo e idade. De qualquer forma, os resultados desta projeção são bastante expressivos por revelarem que o Brasil encontra-se em uma nova etapa de sua transição demográfica, caracterizada, por um lado, pela pressão exercida pelo segmento adulto da população sobre o mercado de trabalho e, por outro, por um aumento de demandas nas áreas de saúde e previdenciária por parte de um contingente cada vez maior de idosos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARRIAGA, E. Estimating fertility from data on children ever born by age of mother. Washington, 1983. BRASS, W. et alii. The Demography of Tropical Africa. Princeton, Princeton University Press, 1968. BRASS, W. Methods for estimating fertility and mortality from limited and defective data. Chapel Hill, The University of North Carolina at Chapel Hill, Carolina Population Center, 1975. BRASS, W. e BAMGBOYE, E. A. A simple approximation for the time-location of estimates of child mortality from proportions dead by age of mother. London, CPS, London School of Hygiene and Tropical Medicine, 1981, mimeo. FRIAS, L.A.M. e OLIVEIRA, J.C. Um modelo para estimar o nível e o padrão da fecundidade por idade com base em parturições observadas. Rio de Janeiro, IBGE, 1990 (Textos para Discussão, 37). IBGE. Brasil: tábuas-modelo de mortalidade e populações estáveis. Rio de Janeiro, 1981, 141p. (Série Estudos de Pesquisas, n.10). IBGE/CELADE. Brasil, estimaciones y proyecciones de población 1950-2025. Santiago de Chile, Celade, 1984 (Fascículo F/BRA.1). PRESTON, S.; COALE, A. J.; TRUSSELL, J. e WEINSTEIN, M. “Estimating the completeness of reporting of adult deaths in populations that are approximately stable”. Population Index, v.46, n.2, summer 1980, p.179-202. RELÉ, J.R. Fertility analysis through extension of stable population concepts. Berkeley, University of California at Berkeley, 1967. 123