Austin: dizer é fazer
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Austin: dizer é fazer
Austin: dizer é fazer Referências: Austin, John L., How to do Things with Words, Oxford, Oxford University Press, 1975. Rodrigues, Adriano, A Partitura Invisível, Lisboa, Colibri, 2001. Searle, John, Speech Acts, Cambridge, Cambridge University Press, 1969. Strawson, Peter, “Intention and convention in speech acts”, in LogicoLinguistic Papers, London, Methuen, 1971. Ideia de senso comum: dizer não é fazer. “Eles falam, falam, falam, falam, mas não os vejo a fazer nada”. Austin: falar (dizer algo) é um tipo de acção. Crítica da ideia de que o discurso consiste essencialmente em relatar/constatar/descrever o que é verdadeiro ou falso (privilégio das afirmações: “falácia descritiva”). Há enunciados que têm sentido mas que não descrevem um estado de coisas exterior a eles; ao contrário, eles produzem um estado de coisas, no próprio acto de serem proferidos, desde que a sua enunciação obedeça a certas regras convencionais e seja feita nas circunstâncias apropriadas. Nestes casos, dizer é fazer. Exemplos: (1) Eu vos declaro marido e mulher (2) Prometo que não vou mais atrasar-me (3) Peço desculpa (4) Eu baptizo este navio Dom Afonso Henriques 1 Nestes exemplos, não se está a descrever ou relatar que se está a celebrar um casamento, fazer uma promessa ou pedir desculpa; está-se efectivamente a celebrar um casamento, prometer ou pedir desculpa. Casos como estes estão na base da distinção de Austin entre enunciados “constatativos” (que constatam um determinado estado de coisas, e podem ser verdadeiros ou falsos) e “performativos” (que podem produzir um determinado estado de coisas e não são nem verdadeiros nem falsos, mas efectivos ou não efectivos). O desenvolvimento das ideias de Austin vai no sentido de considerar também os enunciados constatativos como actos – que, tal como os performativos, também têm de obedecer a certas condições para serem bem sucedidos (p.ex., pressuposição e implicação). Assim, também aqui, dizer é fazer. E tanto os performativos como os constatativos podem “falhar” caso as suas enunciações sofram diversos tipos de “infelicidades”. Donde, generalização da hipótese de Austin rumo ao conceito mais abrangente de actos de fala (speech acts). Toda enunciação é um acto de fala que, por sua vez, consiste em três actos: 2 Acto locutório: o que se diz (locução) (a) (b) (c) Acto fonético: produção de uma sequência de fonemas. Acto fático: produção de uma sequência de vocábulos estruturados sintacticamente. Acto rético: produção de palavras e frases com significação (“sentido” e “referência”). Acto ilocutório: o que se faz no dizer, de uma forma convencional e de acordo com regras. Acto perlocutório: o que se faz através do dizer; efeitos não necessariamente convencionais. Conceito central: acto ilocutório. Para Searle, na sua reformulação e sistematização da teoria dos actos de fala, o acto ilocutório é “a unidade básica da comunicação linguística”. Searle: actos ilocutórios são convencionais, desempenhados segundo regras constitutivas. Regras constitutivas têm geralmente a forma “X conta como Y no contexto C”. São constitutivas porque constituem as actividades que regulam. Distinguem-se assim das regras meramente regulativas, que regulam actividades preexistentes. 3 Searle critica a distinção de Austin entre acto locutório e ilocutório, especialmente no que diz respeito ao acto rético (produção de palavras e frases com significação). Segundo Searle, a especificação da significação das frases inclui já elementos ilocutórios. Donde, proposta de uma nova distinção, entre “actos proposicionais” (os actos de expresssar uma proposição) e actos ilocutórios. Importante: expressar uma proposição (realizar um acto proposicional) não é necessariamente o mesmo que afirmar uma proposição. Nos exemplos abaixo, as frases expressam a mesma proposição (que João vai à festa): (1) João vai a festa. (2) João vai à festa? (3) João, vai à festa! Todas realizam o mesmo acto proposicional. Mas apenas a primeira afirma a proposição expressa – ou seja, tem a força ilocutória de uma afirmação. Força ilocutória: enunciados com o mesmo “conteúdo proposicional” podem ter diferentes forças ilocutórias (a ideia de força ilocutória já está presente em Austin). 4 Exemplo: “Está um lindo dia”. O mesmo acto locutório pode ter a força de uma afirmação, um convite, uma resposta a uma pergunta, uma ameaça, ou um número indefinido de outros actos ilocutórios, dependendo do contexto da enunciação (cf. Adriano Duarte Rodrigues, A Partitura Invisível). A relação força ilocutória / “conteúdo proposicional” está na base das críticas à concepção “convencionalista” da teoria dos actos de fala. Crítica de Strawson (“Intention and convention in speech acts”): se é verdade que em muitos casos a força ilocutória é convencional, há muitos outros em que tal não ocorre, e em que “a força ilocutória de uma elocução … não se deve a nenhuma convenção para além das que contribuem para o seu significado”. Para Austin, o carácter convencional dos actos ilocutórios fundamenta-se na possibilidade de que, mesmo nos casos em que a força ilocutória não é explícita, ela pode sê-lo, bastando para isto a reformulação do enunciado de forma a indicar convencionalmente a sua força ilocutória. No entanto, há casos em que são as intenções do falante num determinado contexto, mais do que as convenções, a determinar a força ilocutória. O enunciado “Está um lindo dia” é um exemplo: em casos como a afirmação, é possível tornar explícita a força ilocutória (“Eu afirmo que está um lindo dia”). No entanto, num convite para sair, tal não é possível – embora a força ilocutória seja a de um convite, ela não é convencionalmente determinada. Nestes casos, são as intenções 5 dos falantes (e não as convenções ligadas a um acto ilocutório) que desempenham um papel decisivo. Os actos de fala “indirectos” constituem assim um problema para a teoria dos actos de fala. Para Searle, é necessário, ao menos em certos casos, combinar aspectos das hipóteses de Austin com processos inferenciais envolvidos na identificação de intenções em contextos particulares – uma abordagem da comunicação e da significação proposta por Paul Grice. 6
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