Revista Visão Acadêmica
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7 Revista Visão Acadêmica Universidade Estadual de Goiás Unidade de Goiás nº 2 - maio de 2011 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Dados da Publicação Revista Visão Acadêmica Ano 2 - nº 2 – Maio de 2011 Revista Eletrônica - Periodicidade Semestral ISSN 21777276 Contato e Acesso Principal: [email protected] Alternativo: [email protected] Acesso Via sítio http//:www.coracoralina.ueg.br Expediente Universidade Estadual de Goiás ( UEG) Reitor: Luiz Antônio Arantes Unidade Universitária de Goiás Diretor da Unidade: Flávio Antônio dos Santos Av. Deusdete Ferreira de Moura S/N Centro Cidade de Goiás- GO - CEP 76.600 Conselho Editorial Auristela Afonso da Costa - UEG Goiás Gabriela Azeredo Santos - UEG Goiás/PUC-GO Ieda Maria do Carmo - UEG Goiás Itelvides José de Morais - UEG Goiás Luciano Feliciano de Lima - UEG Goiás/UNESP-SP Raquel Miranda Barbosa - UEG Goiás/UEG Jussara Conselho Consultivo Ademar Azevedo Soares Júnior (UEG - Goiânia/ESEFFEGO) Ana Paula Purcina Baumman (UFG - GO/UNESP-SP) 2 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Carla Rosane Mendanha da Cunha (FMB-GO) Célia Sebastiana Silva (UFG - Goiânia) Deis Elucy Siqueira (Universidade de Brasília - UnB) Ebe Maria de Lima Siqueira (UFG - Goiânia /UEG) Eduardo Gonçalves Rocha (UFG - Goiás) Eduardo José Reinato (PUC - GO) Francisco Alberto Severo de Almeida (UEG - Ensino a Distância) Geisa Nunes de Souza Mozzer (UFG - Goiânia) Hamilton Barbosa Napolitano (UEG - Anápolis/UnUCET) Ricardo Trevisan (UnB - FAU) Rogéria Luzia Wolpp Gonçalves (UEG - Itaberaí). Valdeniza Maria Lopes da Barra (UFG - Goiânia) Membros do Conselho Consultivo Convidados Para a Edição Cristiane Fensterseifer Brodbeck (Unisinos - RS) Dominga Correia Pedroso Moraes (UEG - Goiás) Eliane Marquez da Fonseca Fernandes (UFG - GO) Jackeline Silva Alves (UEG - Morrinhos) Liliane Ferreira Neves Inglez de Souza (FAAL - Limeira) Márcio Luppi (Faculdade Anhanguera Anápolis - GO) Maria Célia de Oliveira Papa (FAAL - Limeira) Marta de Paiva Macêdo (UEG - Morrinhos) Maura Regina Petruski (UEPG - Ponta Grossa) Miriam Denise Kelm (UNIPAMPA - Bagé) Rildo Aparecido Costa (UFU - Ituiutaba) Rodrigo Bastos Daúde (UEG - GO) Rosane Maria de Castilho (UEG-GO/UEG - Ap. de Goiânia) Rosangela Patriota (UFU - Uberlândia) 3 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Administração Alair Di Silva Peres (UEG - cidade de Goiás). Correção Gramatical e Ortográfica Pelos Graduandos Cristiane Aparecida Guimarães de Moraes (UEG - Letras - cidade de Goiás) Humberto Moreira Barros Filho (UEG - Letras - cidade de Goiás) Ivani Peixoto dos Santos (UEG - Letras - cidade de Goiás) Juliana de Fátima Ananias de Jesus (UEG - Letras - cidade de Goiás) Lívia Rodrigues Barbosa (UEG - Letras - cidade de Goiás) Renato Garcia Cardoso (UEG - Letras - cidade de Goiás) Formatação e Diagramação Heloísio Mendes (UEG - cidade de Goiás). Itelvides José de Morais (UEG - cidade de Goiás) Informações Gerais A revista é especializada na publicação de artigos científicos escritos por graduandos. Sendo restrito a esse tipo de pesquisadores o direito de publicação nesse periódico. O conteúdo dos artigos não necessariamente representa as posições dos organizadores da Revista Editorial Ser meio de divulgação da produção científica de graduandos dos diferentes ramos é o principal motivo da organização da Revista Visão Acadêmica. De fato não faltam revistas científicas dispostas a abrir algum espaço para publicações de graduandos. Porém, frente ao volume das produções este espaço é aquém do necessário e nem sempre trabalhos de boa qualidade escritos por graduandos conseguem ser divulgados. Por isso é intenção da Visão Acadêmica se voltar apenas para este segmento. Contribuindo para que as universidades continuem a ser local de formação e divulgação de ideias de pensadores com senso crítico em relação às suas crenças e crenças de outros indivíduos. Cidade de Goiás, maio de 2011, Conselho Editorial 4 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Sumário Artigos O Revés da Poesia Expressionista Alemã 7 -21. Patrícia Sheyla Bagot de Almeida O (i)embondeiro e a jindiba: a representação das árvores nas Literaturas Lusófonas....22 - 33 Roselaine Silva Martinez Em Estado de Sítio: uma análise sobre a peça Moço em Estado de Sítio, de Vianninha, e a ditadura militar 34 - 44 Samita Vieira Barbosa Martins Caracterização Geoambiental da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, Ituiutaba/Prata (MG) 45 - 64 Giliander Allan da Silva A Espacialização da Folia de Reis no Município de Faina nos Anos de 2009 A 2010 65.- 86 Eulália Maíra Alves Ferreira O Ensino de Geografia e Conceitos Geográficos: a percepção dos educandos das escolas do campo do município de Iporá-Goiás sobre os conceitos de Meio Ambiente e Cidadania 87 - 104 Silvaci Gonçalves Santiano Rodrigues Educação Patrimonial: leitura da paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado nas aulas de Geografia 105 - 125 Angélica de Oliveira Ribeiro Xavier Avaliação do Ensino Aprendizagem por Meio do Material Concreto Geoplano: um estudo de caso com alunos do 6º do ensino fundamental 126 - 137 Adriana Ítala Magri Traçando Novos Caminhos Para a Formação Docente: A União Entre a Universidade e a Escola. Subprojeto PIBID/UNISINOS Ciências Biológicas 138 - 148 João Alberto Leão Braccini Mariane Cenira Padilha Brizolla Subsídios metodológicos para o Ensino de Ciências - Uma experiência prática 149 - 161 Renan Alves Conceição Thaís Soares Monero Ceci Erci Rodrigues Aplicação dos Conceitos de Medidas de Posição e Dispersão: um Estudo de caso em uma Indústria de Embalagens Plásticas Flexível 162 - 170 Thiago George das Dores 5 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A Timidez Como Entrave Emocional Patológico: levantamento quanti-qualitativo dos relatos de pacientes atendidos na clínica-escola de Psicologia em uma faculdade da rede privada 171 - 185 Keila Cristina Carlos de Souza Havaianas: Além do Imperativo “Recuse Imitações” Dialogismo e Papéis Desempenhados na Campanha Publicitária 186 - 200 Carolina Di Assis Pentecostalismo e Sociedade: estudo sobre similaridades e diferenças entre católicos carismáticos e protestantes pentecostais 201 - 218 Rafael Damião Carmo Rosa de Almeida 6 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ O Revés da Poesia Expressionista Alemã Patrícia Sheyla Bagot de Almeida1 A nossa doença é a de vivermos no declinar dum dia universal, num entardecer que se tornou tão sufocante que mal conseguimos já suportar os vapores da sua decomposição... Mas algo existe que é a nossa saúde: dizer três vezes apesar disso, cuspir três vezes nas mãos como velho soldado, e continuar, seguir a nossa estrada, como nuvens puxadas a vento, em direção ao desconhecido... (Georg Heym). Resumo: A poesia expressionista alemã foi mais do que poderíamos compreender com teoria críticas. O expressionismo não foi mais um movimento de vanguarda, mesmo porque os primeiros poetas expressionistas nem assim se autodenominavam e nem houve um movimento sistemático e uniforme. Acreditavam somente fazer poesia dentro de um campo de dissolução e de uma muda contestação, na qual, a palavra não era um apanhado material somente, mas principalmente, uma mostração da falência dos grandes projetos sociais políticos. Palavras-chave: Poesia Expressionista Alemã. Realidade. Linguagem. Resistência. Introdução: Acusados de desproporção e de não possuírem uma consciência histórica engajada num forte materialismo marxista e de uma dor da perda pequeno burguesa, os expressionistas domaram a linguagem com uma mão e, com a outra, deixaram a materialidade da vida concretamente política fugir. Acusados desta inapreensão e incompreensão, suas poesias parecem deixar a folha em branco e, por vezes, fazer apenas um balbuciar messiânico, místico, didático, exortatório e sem concretude e beleza possíveis. Suas fragilidades estão em suas carências e suas utopias2. Entretanto, se como 1 Patrícia Sheyla Bagot de Almeida é Aluna do sexto período da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás. Professora indicadora Doutora Célia Sebastiana Silva, Universidade Federal de Goiás/CEPAE 2 As críticas esplanadas acima fazem parte de uma crítica mais severa elaborada por Georg Lukács, de posição antivanguardistas. No realismo socialista não havia espaço para as artes de vanguarda, denunciadas 7 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ pensa Heidegger, onde reside o perigo reside também o maior bem, corramos para a boca do dragão. Para além das críticas que foram realizadas sobre estes poetas, vale mostrar que eles criaram exatamente pelo o que lhes faltou e pelo o que não apreenderam, foi exatamente por onde suas poesias aconteceram, e fez-se poesia como acontecimento historial. Em outras palavras, os poetas expressionistas deram conta do que se revelou enquanto acontecimento, a poesia expressionista desvelou no que estruturalmente velou. Um círculo preciso que põe o entendimento, a vida e a linguagem em movimento. Secunda o pesquisador João Barrento, que a poesia expressionista está assim, “longe de ser uma poesia atuante”, porém, ela segue uma trajetória que é inevitável, a do fim dos dualismos, das quimeras morais, econômicas e das certezas cartesianas. Ao pensar, o pensamento é ação, é somente desta forma que pode dar-se. Naquilo que silencia é onde se realiza o melhor diálogo. A onto-epifania destes poetas não é puramente mística, mas sim, de tempo historial que parece deflagrar uma forte percepção do poder da linguagem em tempos de barro. O que se passa depois da morte de Nietzsche em 1900? A morte de deus, mas os alemães já amarguravam sua ausência muito antes de sua morte, o desencanto e a banalidade puseram a linguagem fortemente atenta em sua auto defesa, uma defesa contra o mar de corrosão que passava assolando os modos de ser dos homens e da arte. Neste contexto, os poetas expressionistas impuseram-se como linguagem vigilante e como um novo projeto estético em que unem a intensidade do sentimento e a da expressão. Eis a torção e a tensão que ela fez de si, uma fratura irreconciliável do tempo, do ser e da história. A linguagem passa a ser a secreta moradia e execução da mais perfeita revolução já pensada por algum movimento ultra materialista ou vanguardista. como burguesas e anti-revolucionárias. O que objeta Lukács é que o expressionismo alemão não passa de uma experimentação irracionalista, não crítica e chega, por vezes, a relacionar expressionismo e fascismo. 8 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ O expressionismo pode ser desproporção com os movimentos sociais, porém, é a plena confluência com o pensamento tido na sua mais profunda atividade, uma arte sombria, mas resplandecente, que traça em risco cinza os tons azuis de paisagens esquecidas, e que tem na metáfora a munição necessária para a luta da sobrevivência da humanidade do ser.3 Isto é fazer poesia no turbilhão das águas. A consciência do expressionista está no plano individual e não numa ação estética de conjunto. Eles intuíam, vivenciavam seus acontecimentos e mergulhavam em seus interiores como tempo necessário para aclaramento de sua arte. Isto animava os poetas, era este comportamento que era geral e os faziam produzir numa forma semelhante, era urgente encontrar o homem para poder transfigurá-los em arte universal. E isto foi realizado por um conjunto de vozes com variados modos de entoar seus cantos. O expressionismo é resistência à própria realidade, ao mundo obcecado no progresso, disposto a pagar com a vida as edificações da burguesia e dos centros urbanos faraonicamente erguidos. Neste sentido é que podemos considerar que o expressionismo é a entrada da lírica alemã na modernidade, pois o que é o expressionismo alemão senão a ruptura com o passado, oposição a beleza clássica da métrica, do alvo marfim e da proporcionalidade, oposição a burguesia, compreensão trágica do homem, da existência e o que, aqui neste trabalho, chamamos de apreensão, despretensiosa ou pretensiosa, do paradoxo da linguagem, isto é, uma profunda desconfiança da linguagem usual, impessoal, inautêntica, mas sendo esta mesma a ponte para a linguagem autêntica, aquela que em sua estrutura fundamental nomeia na poesia? É o que nos fala Alfred Wolfenstein no formidável poema A felicidade da comunicação: braços suportam a 3 Apenas um olhar ingênuo pode considerar a poesia expressionista como uma profunda descrição nostálgica da natureza e de uma profunda introspecção humana. Hamburguer exemplifica o típico caso do poeta Ungaretti e de Trakl, no qual, o primeiro espraia-se num subjetivismo, por vezes confessional e Trakl cuja principal preocupação não é mais consigo mesmo, mas com o futuro da Humanidade. Cf. HAMBURGUER, M. A verdade da poesia. Trad. de Alípio Correia de Franca Neto. Cosac & Naify, 1968. p. 216-217. 9 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ palavra, que é levada/ Para os nossos irmãos de face ensoleirada-/ E um mal se apaga: o do silêncio. Doravante/ O homem chega ao homem mais distante.//. 4 Provocar é a natureza do grito de negação, portanto, resistência da poesia expressionista alemã. Resistir, três vezes apesar disso, resistir nos diz Heimy, mas resistir ao que? Ao brilhante positivismo da linguagem que alarga os horizontes burgueses de sua época. O necessário é voltar à nomeação existencial do ser, e isto pode ser feito por um sussurro, um grito, um silêncio criptográfico, um enigma, mas precisará sempre ser feito à revelia da linguagem mecânica e ideologizante. Negar-se pela linguagem para firmar-se na linguagem. Desta forma, o expressionismo é a experiência vivida e sentida na morte de muitos poetas na guerra e pela guerra. Ernst Stadler, Georg Heimy e Georg Trakl não são casos isolados. Trakl consegue seu suicídio depois de uma tentativa frustrada com arma de fogo, mas antes disso, perturba-se em definitivo pela visita em um pavilhão, no setor em que servia, de corpos mutilados na guerra. Seu último poema Grodek lamenta: Oh, dor orgulhosa! Vós, brônzeos altares,/ Uma dor portentosa alimenta hoje a chama escaldante do espírito,/ os filhos ainda hão de nascer.//.5 Engano, eles não nasceram. A primeira guerra era apenas uma gestação de um filho cuja fome seria infinda. Secunda Hamburguer que “a segunda guerra mundial foi a continuação militar dos conflitos ideológicos que a precederam. (...) Essa é uma razão porque a segunda guerra produziu bem menos poetas de atrocidades.” (HAMBURGUER, 1968, p. 213). Este é o maior diferencial desta lírica, seus poetas não são somente escritores, dândis ou profissionais de algum saber, são antes, indivíduos criadores que possuem como matéria a realidade que os fere, não importa se direta ou indiretamente. A isto a crítica pouco ou quase nada compreendeu, ou no mais, acreditou ser a poesia destes uma consequência natural na criação da poética de resistência, afirmando que tudo era visão de mundo, interpretação e crise de mundo. 4 Extraído da obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p. 45. 5 Idem, p. 185. 10 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Entretanto, não se trata de visar o mundo como o biólogo faz com seus objetos de estudo e, sim, de ser mundo e isto quer dizer; ser profundamente mundo, com abertura potencializada, e o inevitável ocorre, a saber; o choque, a queda, a dor, o sofrimento. Como estou atrelado/ À carroça de carvão de minha dor!/ Repelente como uma aranha/ Rasteja sobre mim o tempo./ Cai-me o cabelo,/ Encanece-me a cabeça para o campo,/ Para lá do qual ceifa/ O último segador./ O sono ensombra-me os ossos./ Morri no sonho já,/ Erva nascia do meu crânio,/ De negra terra a minha cabeça.//. 6 É este o canto Sofrimento de Albert Ehrenstein. Encarnado mundo, modos de experienciar que vasa pela existência na qual o poeta é ser, isto é, abertura inconteste que jamais pode ser apreendida em sua totalidade. Como afirma Heidegger em sua carta Sobre o humanismo de 1946: “O ser enquanto destino que destina verdade permanece oculto. Mas o destino do mundo se anuncia na poesia, sem que ainda se torne manifesto como história do ser.” (HEIDEGGER, 1973, p. 359). O que assegura o filósofo é que mesmo que seja constituição própria do mundo e da verdade ocultar-se para não ser objetificada, na poesia, ela salta como a leveza mais pesada, com o brilho mais escuro e implode o que deseja fugir de si próprio. É da sua essência re-velar sem que faça do re-velado um conhecimento objetificável, penetrar na verdade como evento, aberto, descerrado e, por consequência, fundar o historial. Por mais que os poetas expressionistas pudessem resistir à realidade que os oprimia, o fariam, mesmo na recusa, pois se encontravam no pensamento mais abissal da concretude do mundo e com a profunda crença e confiança na existência do acontecer humano. Todavia, a existência hipostasiada ou postulada por verdades sempiternas, pouco conta no momento das escolhas e das vivências práticas da vida. A existência que criam esses poetas era a existência que se erguia de lutas e das dores cotidianas e, consequentemente, sofriam por outra existência mágica que se arrefeceu, a natureza. Assim revela a poesia do poeta e tenente médico da frente ocidental na primeira guerra mundial, Wilhelm Klemm, “não queremos poesia de gênero algum,/ Queremos truques 6 Idem, p. 207. 11 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ mágicos de saco,/ Procuramos tapar na existência um fatal buraco./ E apesar de esforço insano não tapamos nenhum.//.7 Tapar o buraco da existência, mesmo sabendo não fazêlo, é o ápice da mais profunda abertura, aquele do evento iluminador do próprio poeta, que mesmo no mais profundo conforto e sorriso, jamais esquece que as covas correm sempre o risco de serem reabertas. Eis o revés, o oposto que pela estética firmou as forças que se ergueram em tempos de profunda crise social e espreitaram o homem na sua mais profunda abertura, era preciso resistir. É neste contexto, que a poesia expressionista materializava o grotesco, a natureza, a linguagem hermética, patológica e dissoluta. Havia no expressionismo alemão uma provocação não meramente panfletária 8, que se firmou nas ervas daninhas da linguagem usual, portanto linguagem decaída. Numa suposta negação do mundo por ausência de luta, estava a criatividade e afirmação dos expressionistas, pois um estranhamento de mundo, um estar fora de casa, um canto solitário, angustiado, nostálgico e melancólico é o mais profundo ato de autenticidade. Vejamos a poesia O poeta e a guerra do alemão Albert Ehrenstein, canta o poeta: Eu cantei os cânticos de vingança em vermelho [rasgada, E cantei o silêncio do lago de baías arborizadas; Mas ninguém, solitário Como a cigarra canta, Cantei o meu canto para mim. Os meus passos vão-se desvanecendo, extenuados Na areia do meu esforço. Os olhos caem-me de cansaço, 7 Extraído da obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p. 51. 8 Fragoso constata a falta de quaisquer definições programáticas ou de manifestos, ao contrário de outros movimentos vanguardistas, futurismo, dadaísmo, assim como uma inconsistência completa do expressionismo nos seus primórdios. Cf. FRAGOSO. A viagem mítica na lírica de Georg Heym. Fundação Calouste, 2004, p. 32-33. 12 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Estou cansado dos desconsolados vaus, De atravessar rios, mulheres e ruas. Á beira do abismo, não penso No escudo e na lança. Assoprado pelas bétulas, Ensombrado pelo vento, Adormeço ao som da harpa De outros, Para quem ela escorre alegremente. Não me mexo, Porque todos os pensamentos e ações Turvam a pureza do mundo. 9 A profunda evasão e a descrição da paisagem parecem subtrair o canto em confessionalismo e falta de ação, não fosse o canto de um eu-lírico inconformado que pensa o mundo em sua angústia e, ao interrogá-lo sem perguntas e a cantá-lo sem hinos, diz; cantei o silêncio, e mostra que toda ação macula a pureza do mundo. Como podemos compreender a ação referida? Não mais na guerra, mas na falta de uma materialidade perspicaz e sensível do ser mundo. A melancolia do eu-lírico parece dizer-nos que todas as ações e o próprio pensamento já realizados, fragmentaram demais o ser do mundo. Passos, esforços, olhos, travessias, pensamentos, lanças. Não me mexo. Em tempos de entulhos, estes poetas não acreditavam mais na ação redentora, no conhecimento, nos movimentos sociais meramente engajados e, muito menos, na função do poeta, porém, acreditavam na recondução do homem ao próprio do homem. Daí a grotesca afirmação de Werner Mittenzwei, 1968, de que o expressionismo é, em seus traços essenciais, humanista. Porém, acertada é a colação de Claudia Cavalcante para quem “o expressionismo morria porque queria ser mãe da revolução em nome da 9 Op. cit., p.213. 13 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ humanidade, (...) nosso apelo é l’homme pour l’homme ao invés de l’art pour l’art.” Acreditavam os expressionistas. (CAVALCANTI, 2002, p. 50). Eis o denominador comum da poesia expressionista e seu maior revés, um todo e a parte, a maior preocupação; o homem, ou melhor, a decadência do homem. De um pessimismo trágico eram por isto mesmo, contraditório em suas formas. O pessimismo trágico é aquele em que a deliberação não é atenuante da fatalidade, mas pode pesá-la mais. Agir é mover os olhos dos deuses, é ser visto, logo é correr um alto risco. Insistentemente, o poeta expressionista escolhe deliberar sobre uma humanidade perdida. É assim com o poema O novo Orfeu de Iwan Goll, único poeta que se autodenominava expressionista, que terá que ser exposto em sua inteireza. Orfeu Músico de outono Ébrio de mosto estelar Ouves a rotação da terra Ranger hoje mais fortemente do que é hábito? O eixo do mundo enferrujou À tardinha e pela manhã cotovias disparam para o céu Procuram em vão o infinito Leões envelhecem E os miosótis pensam em suicídio Está cansada a boa natureza Rarefeito o oxigênio de eternas florestas Sufoca-se no ozone dos cumes Nuvem chove e sente a nostalgia da lama Homem acaba sempre por voltar aos homens Eterno permanece para nós o destino Eurídice: A mulher a vida incompreendida Todos são Orfeu Orfeu: quem o não conhece: 1 m 78 de altura 68 quilos 14 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Olhos: castanhos Testa: estreita Chapéu entretelado Certidão de nascimento no bolso do casaco Católico Sentimental Pela democracia E músico de profissão A Grécia, esqueceu-a E o canto matutino do alcíone A sombria tristeza dos cedros O casamento das flores E tanta amizade de riachos menineiros De que lhe servem hoje genciana e camurça Os homens estão na miséria Prisioneiros nas profundezas de um submundo Em cidades de argamassa De lata e de papel São estes que ele tem de libertar Os pobres de lua de vento e de pássaros Senhor, pára Tu aí, de fraque impecável Alto: mostra o coração! Cultura da Europa Central Com corações imperiais Sociedades construtoras Combates de boxe Oh, contemporâneo, excelentíssimo senhor! Orfeu veio até junto de ti Das colinas gregas Para a vereda do quotidiano Desceu o novo poeta Encontrá-lo em todo o lado onde lábios procuram [sofregamente Onde corações passam fome 15 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Ele cobre com música, como abafo quente, Todo o teu desengano do mundo Orfeu canta a primavera para os homens Quarta-feira entre o meio-dia-e-meia e a uma-e-meia No papel de tímido professor de piano Liberta uma jovem da avareza da mãe À noite nas variedades mundanas Entre a moça Yankee e o encantador de serpentes O seu couplet sobre o amor humano é o terceiro [número À meia-noite um palhaço No circo de ouro luminoso Acorda com um grande tambor os que já dormem Aos domingos em frente às ligas de combatentes No salão de dança com painéis de carvalho O maestro dos cantos de liberdade Definhado organista Em silenciosas sacristias Toca docemente órgão para menino Jesus Em todos os concertos de assinatura Com Gustav Mahler Trespassa horrivelmente os corações No animatógrafo de bairro, sentado ao martírio do [piano Deixa que o coro dos peregrinos Lamente a morte virgem – Gramofones Pianolas Órgãos Espalham a música de Orfeu Na Torre Eiffel A 11 de setembro 16 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Dá um concerto para telefonia Orfeu torna-se um gênio; De pais para país Sempre em carruagem-cama A sua assinatura Em facsimile para álbuns de poesia Custa vinte marcos E de Atenas viaja para Berlim Através da aurora alemã Lá está à espera na estação da Silésia Eurídice! Eurídice! Lá está a amada da saudade Com o seu velho chapéu de chuva E luvas amarrotadas Tule sobre o chapéu de inverno E bâton a mais nos lábios Como outrora Sem música Pobre de alma Eurídice: a humanidade não libertada! E Orfeu volta-se para trás – e já quer abraçá-la Libertá-la definitivamente do seu arco Estende a mão Levanta a voz Em vão! A multidão já não o ouve Regressa ao submundo ao quotidiano e à dor! Orfeu só na sala de espera Estoura o coração com uma bala.10 É no outono que o novo Orfeu desce. Outono, estação do ano que fica entre o verão e o inverno, uma ponte entre o fim do dia quente e o início da noite gélida, tempo 10 Extraído da obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p. 221- 229. 17 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ de decadência. A terra range mais fortemente porque perdeu o seu eixo, leões perderam a sua natureza bravia, envelhecimento, fim da natureza mágica, a sua perda total. Em tempos de derrocadas todos buscam algo que ficou para trás, esquecido ou abandonado. Somente desta forma, a perspectiva de futuro pôde possuir a força que tem, querer, desejar, ir em frente, sem o conhecimento de que somos impulsionados ao que foi perdido de nós em sua inteireza. Por esta razão, o futuro é apenas uma quimera de pés virados para trás, um tempo de ser perdido. Por isto são todos Orfeus, diz o poeta. Nossa Eurídice pode ser a natureza, o encontro, a dimensão perdida. Orfeu, o andarilho comum que sobrevive no cotidiano, longe e esquecido da primeira intimidade com a natureza. A metáfora mais forte esqueceu o canto matutino do alcíone, ou seja, acostumou-se distante dos turbilhões e seus ninhos não podem mais serem feitos sobre as águas mansas, mas sim, sobre concretos e, assim, vagueia pacato e conformado pelo mundo oposto de si. A quem Orfeu tem de libertar? Aos prisioneiros do submundo. Os pobres de lua de vento e de pássaros. Portanto, aqueles que se perderam de si, homem e natureza sem distinções do mundo e do ser. Mas percebamos que o próprio Orfeu é o desencantado, profissional banal, e homem comum. 1 m 78 de altura/ 68 quilos/ Olhos: castanhos/ Testa: estreita/ Chapéu entretelado/ Certidão de nascimento no bolso do casaco/ Católico/ Sentimental/ Pela democracia/ E musico de profissão//. Teria que ser de outra forma? Não. Como mandar luz para cegos? Orfeu é ninguém, o impessoal que não é visto e nada pode significar para seres que, somente pelas obras, se sentem gloriosos, com corações imperiais. Interpela o eu-lírico, como louco a balbuciar palavras, Oh, contemporâneo, excelentíssimo senhor!/ Orfeu veio até junto de ti/ Das colinas gregas/Para a vereda do cotidiano/ desceu o novo poeta//. Palavras vãs. É de um passado portentoso que o poeta faz de Orfeu o cantor que atravessa o tempo como arauto e guardião e põe-lhe totalmente decaído na nova modernidade. Fim da aurora, fim do tempo. O músico de profissão comum, homem de vida ordinária. Somente mutilado pode chegar a vida do 18 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ homem bestial. Onde está este novo poeta? Nos lábios que procuram, onde corações passam fome, cobrindo com música todo desengano do mundo. Mesmo com horário marcado, quarta-feira entre o meio dia e meia e uma e meia ele ainda, ele ainda liberta. Orfeu está no submundo, sua autorização de entrada foi tornar-se banal, estreito, tacanho, ele que também faz espetáculo para os anômalos da existência e junta sua encenação sobre o olvidado amor humano aos números de atração vulgar. Ainda na hora, À meia noite, ele é o palhaço a acordar a tamboriladas os que dormem, é maestro, toca em concertos, desafinado organista, toca numa igreja qualquer, possivelmente sem deus. Tantas funções precisa ter este novo Orfeu. Entretanto, mais um golpe lhe assaltará a existência. Em tempos de novas tecnologias será diminuído, seu trabalho será amenizado e o contato humano subsumido. Quem tocará e cantará aos homens esquecidos? Eles os gramofones/ pianolas/ órgãos/ espalham a música de Orfeu//. Sua lira perde a aura. Orfeu poderá estar agora em muitos lugares, sem que a sua presença seja necessária e, ao mesmo tempo, experimenta da fama que alguns egos insistem em possuir para idolatria de suas próprias ruínas. Músico pago, profissional e glorioso em fama. “Orfeu torna-se um gênio:/ Viaja de país para país/ Sempre em carruagem – cama// A sua assinatura/ Em facsimile para álbuns de poesia/ Custa vinte marcos//. E assim sendo, ele quase se esqueceu de si, quase esqueceu sua Eurídice, como finalização deste vagar inoportuno. Orfeu desembarca em Berlim, é lá que lembrará sua busca e verá sua Eurídice. Mais do que otimismo alemão, é neste país que o hades está erguido. Podemos observar que o olhar do poeta sobre a Alemanha e a Europa é de um pessimismo contundente, o mundo dos mortos é este que se ergueu imperiosamente decaído. Lá está Eurídice, transfigurada “com seu velho chapéu de chuva/ E luvas amarrotadas/ Tule sobre o chapéu de inverno/ E bâton a mais nos lábios/ Como outrora/ Sem música/ Pobre de alma//. Mas esta Eurídice é a própria humanidade e, é nela que o poeta fracassa. Eurídice é a humanidade irresoluta, inflexível em suas profundas aparências, ela não responde mais a evocação do poeta, a lira de Orfeu perde as cordas, o piano desafina por mais que o canto seja belo. Orfeu, o poeta que ama a humanidade quer possuí-la 19 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ novamente, “volta-se para trás – e já quer abraçá-la/ Libertá-la definitivamente do seu Orco:/ Estende a mão/ levanta a voz/ Em vão! Eurídice, feia, muda e cega não vê seu amado Orfeu, mas o ouve e, mesmo assim, não se move, a resposta vem em bafos de embriagada indiferença. Esta Eurídice quer permanecer no submundo, regressa ao submundo ao cotidiano e a dor! A humanidade desfeita de si, impessoalidade definitiva quer permanecer no mundo dos mortos. A Orfeu, o peso mais pesado, a escolha no desespero, a fatídica falha do poeta que, ainda em espera, estoura o coração com uma bala. Fim do canto, hora das marcas, agora, no verso de Becher, o poeta evita acordes radiosos. Este é o canto que compreende o poeta expressionista no mundo, preocupação com o destino do homem, a decadência da humanidade e a impossibilidade de retorno. E o que nos diz Trakl? Bebi da fonte do bosque/ o silêncio de Deus/ Sobre a minha fronte cai o frio metal. / Aranhas procuram o meu coração. / Há uma luz que se apaga na minha boca. // Diz ainda: esgotou-se a fonte de ouro dos dias, / os tons da tarde, azuis e outonais: / Morreram doces flautas pastorais/ Os tons da tarde, azuis e outonais/ Esgotouse a fonte de ouro dos dias.//.11 Atordoado outono da humanidade. Se é na frágil carência e transmutação dos valores que a poesia se ergue deve ser cautelosa para que este crescimento não pareça uma breve gravidez, mas que esteja lá sem ser vista e possa, profundamente, ser sentida e possa provocar e deflagrar, em dias de alegres e abundantes ofertas, os fossos e as feridas que existem para além dos olhos. Nisto o expressionismo é constante e não pode resumir-se em mera vanguarda, mas uma pergunta persiste: em tempos ‘sem trevas’, mudamos o modo de dar passos ou trocamos de rua? A obviedade - da resposta - é a marca do nosso pensamento. Falta-nos a margem da turbulenta fecundidade. Afinal, quem fala de vitória? Suportar é tudo. 11 Extraído da obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p. 155. 20 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Bibliografia: BARRENTO, J. Expressionismo Alemão, antologia poética. Lisboa: Ática Sarl, n/d. CAVALCANTI, C. O Cabaré do Novo Homem. Cult. São Paulo, n. 39, p. 47-50. 2000. ____________, Poesia Expressionista Alemã. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. FRAGOSO, M. A Viagem Mítica na lírica de Georg Heym. Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. HAMBURGUER, M. A Verdade da Poesia. Trad. Alípio Correia de Franca Neto. Cosac & Naify, 1968. HEIDEGGER, M. Sobre o Humanismo. São Paulo. Abril cultural, 1973. MACHADO, C. Debate Sobre o Expressionismo: um capítulo da história da modernidade estética, Lukács, Bloch, Brecht, Benjamim e Adorno. São Paulo, Unesp, 1998. SCHEIDL. L. O pré-expressionismo na Literatura Alemã. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade Coimbra, 1985. ___________, A Renovação da Literatura de Expressão Alemã na Primeira Década do Pós-guerra. Colibri, 1998. 21 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ O (i)embondeiro e a jindiba: A representação das árvores nas Literaturas Lusófonas Roselaine Silva Martinez12 Resumo: Este estudo pretende analisar a simbologia das árvores ‘(i)embondeiro’ e ‘jindiba’ em obras representativas do imaginário africano presentes nas literaturas em língua portuguesa. A metodologia partiu da (re)leitura do romance Luanda Beira Bahia (1982), do sul-baiano Adonias Filho, do conto ‘O embondeiro que sonhava pássaros’ do livro intitulado Cada homem é uma raça (1990), do escritor moçambicano Mia Couto, e do romance Niketche: uma história de poligamia (2004), da escritora moçambicana Paulina Chiziane. Para tal análise, consideramos algumas lendas africanas que abarcam a simbologia das árvores, o Dicionário de símbolos, organizado por Sérgio Biagi Gregório, o Dicionário de mitos literários (2005) organizado por Pierre Brunel, o Dicionário de termos literários (2004), de Massaud Moisés e o Novo dicionário banto do Brasil: contendo mais de 250 propostas etimológicas acolhidas pelo Dicionário Houaiss (2003), de Nei Lopes. Concluímos nossa análise enfatizando que a simbologia das árvores ‘(i)embondeiro’ e ‘jindiba’, além de aproximar as culturas africana e brasileira, representa o social e o sagrado e, principalmente, a relação homem/natureza, em que a tradição oral e a cultura africana são o pano de fundo desse universo mítico/místico presente nas literaturas lusófonas. Palavras-chave: Literaturas Lusófonas. Simbologia das árvores (i)embondeiro e jindiba. Cultura africana. Relação homem/natureza. Introdução O presente estudo pretende analisar a simbologia das árvores ‘(i)embondeiro’ e ‘jindiba’ em obras representativas do imaginário africano presentes nas literaturas em língua portuguesa, a partir da (re)leitura do romance Luanda Beira Bahia (1982), do sulbaiano Adonias Filho, do conto ‘O embondeiro que sonhava pássaros’ do livro intitulado 12 Roselaine Silva Martinez é Graduanda em Letras Português/Espanhol e respectivas Literaturas pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Unidade Universitária Cidade de Bagé. Professora Indicadora: Doutora Miriam Denise Kelm, da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA); Unidade Universitária Cidade de Bagé; Curso Superior de Licenciatura em Letras Português/Espanhol e respectivas Literaturas. 22 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Cada homem é uma raça (1990), do escritor moçambicano Mia Couto, e do romance Niketche: uma história de poligamia (2004), da escritora moçambicana Paulina Chiziane. As obras referidas nos foram apresentadas ao longo das disciplinas de Literaturas Lusófonas I, II e III do Curso Superior de Licenciatura em Letras Português/Espanhol e respectivas Literaturas da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Durante as leituras realizadas nas disciplinas mencionadas anteriormente foi perceptível a simbiose entre o homem e os elementos da natureza. Essa relação nos enfeitiçou de certa forma, desvendamos a magia de uma literatura pouco difundida nas instituições de ensino, no entanto, discutida, valorizada e focalizada no curso de formação de professores de língua e literatura da UNIPAMPA. Após nosso primeiro contato com essas obras, além do encantamento pela diversidade cultural e pelo comprometimento dos autores com a linguagem e a imaginação, compreendemos que a presença das árvores é um dado recorrente nas literaturas lusófonas, as quais simbolizam o misticismo, a força da terra, das raízes, da alma e, principalmente, do imaginário de um povo. Esse encantamento é resultante da imersão nesse universo repleto de significações, originárias da tradição oral e do imaginário africano, que buscam resgatar histórias, mitos e crenças da tradição do povo moçambicano, sobretudo, no que diz respeito às obras dos escritores Mia Couto e Paulina Chiziane, sendo esta a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. No que se refere à obra Luanda Beira Bahia (1982), de Adonias Filho, percebemos não só a presença do ‘embondeiro’, mas especialmente da ‘jindiba’, esta última sendo apresentada com um tom poético desde o início até o desfecho do romance, como sendo a testemunha cíclica dos acontecimentos. Portanto, partimos da (re)leitura das obras citadas para este estudo, buscando analisar alguns excertos que apresentam a figura da árvore sob diferentes prismas, inclusive, considerando algumas lendas africanas que abarcam a simbologia das árvores. 23 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Finalmente, pretendemos destacar a relevância desta análise para uma melhor compreensão da relação homem/natureza presente nas literaturas lusófonas. A Simbologia das Árvores e as Lendas Africanas De acordo com o Dicionário de Símbolos, organizado por Sérgio Biagi Gregório, a árvore é o tema simbólico mais rico e mais difundido. Símbolo da vida, em perpétua evolução e em ascensão para o céu, ela evoca todo o simbolismo da verticalidade. A árvore põe ao mesmo tempo em comunicação os três níveis do cosmo: o subterrâneo, através de suas raízes sempre a explorar as profundezas onde se enterram; a superfície da terra, através de seu tronco e de seus galhos inferiores; as alturas, por meio de seus galhos superiores e de seu cimo, atraídos pela luz do céu. Nessa perspectiva, a árvore é universalmente considerada como símbolo das relações que se estabelecem entre a Terra e o Céu. No que se refere ao (i)embondeiro (Baobá), percebemos que essa árvore é considerada sagrada por representar a africanidade, inspirando poemas, ritos, lendas, crenças, mitos, romances, etc. De acordo com uma antiga lenda africana, o (i)embondeiro, nome científico Adansonia digitata, por ter inveja das outras árvores, foi castigado pelos deuses e posto de cabeça para baixo, ou seja, a copa foi enterrada e as raízes ficaram para cima. Outra lenda africana diz ainda que uma vez que um morto seja sepultado no interior de um (i)embondeiro, a sua alma irá viver enquanto a árvore existir, inclusive, que a alma dos mortos se pendura nos seus ramos. Curiosamente, essa árvore tem uma vida muito longa, podendo chegar até seis mil anos. Igualmente de origem africana, a árvore ‘jindiba’ que perpassa a obra Luanda Beira Bahia (1982), possui um tronco colossal, suas raízes são profundas e a copa é imensa. Segundo Nei Lopes em o Novo dicionário banto do Brasil, a ‘jindiba’ é conceituada da seguinte forma: “Certa árvore africana (BH) – de provável origem banta. Cp. O quícongo, ngindiba, nzindiba, pesado, gordo.” (p. 122) 24 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A partir desses aspectos simbólicos, lendários e conceituais, destacamos que a representação das árvores nas literaturas lusófonas constitui um elemento mítico/místico que aproxima as culturas africana e brasileira. O Elemento Mítico/Místico na Literatura Africana e Algumas Curiosidades Conforme o Dicionário de mitos literários, organizado por Pierre Brunel, a importância do mito nas sociedades africanas tradicionais, caracteriza-se pela ligação do social e do sagrado. “O mito define as origens, funda a crença, explica e legitima as instituições sociais, dá sentido às realidades cotidianas, constitui o fundo de conhecimentos úteis aos membros da comunidade étnica.” (p. 677). Além disso, afirma que o mito literário possui algumas peculiaridades, vejamos: [...] o mito não é assunto pessoal de alguém, mas de um grupo, de uma coletividade. Na criação literária, o mito intervém na relação do escritor com sua época e seu público: um escritor exprime sua experiência ou suas convicções através das imagens simbólicas que repercutem um mito já ambientado e/ou são reconhecidas pelo público como exprimindo uma imagem fascinante. (p. 731-732) Da mesma forma, segundo o Dicionário de termos literários, Massaud Moisés define mito da seguinte maneira: “Mito – Gr. mythos, fábula*, lenda, narrativa, ação*” (p. 298), além de expor que: [...] o mito resulta das projeções de um povo; é substancialmente coletivo. Se desde Freud, se admite que o distúrbio neurótico é um mito pessoal, o mito da coletividade significa que a visão objetiva da realidade cede lugar às pulsões do inconsciente coletivo, a um só tempo fruto da história, das tendências estéticas e das práticas religiosas de um povo. De onde o mito não se reduzir apenas a uma narrativa, uma vez que é “sobretudo o intercâmbio do pensamento, sentimento, imaginação e linguagem [...] (p. 302) Após considerarmos que o mito representa a coletividade, e dessa forma, o imaginário e a religiosidade/espiritualidade de um povo, focalizamos a simbologia das árvores mediante a presença do ‘embondeiro’ no conto ‘O embondeiro que sonhava 25 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ pássaros’, um dos contos integrantes do livro Cada homem é uma raça (1990), mencionado e escrito da mesma forma em Luanda Beira Bahia (1982). Entretanto, essa árvore é referida como ‘imbondeiro’ na obra Niketche: uma história de poligamia (2004). Cabe salientar que essa diferença na escrita foi um fato que também nos instigou, deste modo, buscamos algumas informações a respeito dessa curiosidade, e descobrimos que há quem escreva ‘embondeiro’, mas em Angola é geralmente escrito ‘imbondeiro’. Etimologicamente, tem origem na palavra mbondo, do idioma Kimbundu. A Representação das Árvores (i)embondeiro e jindiba nas Literaturas Lusófonas Na obra Luanda Beira Bahia, Adonias Filho apresenta como cenário as cidades de Ilhéus e Salvador (Bahia), Luanda (Angola) e Beira (Moçambique). Os personagens refletem a miscigenação e o hibridismo característicos dos países colonizados. Além disso, mostra detalhadamente distintas paisagens, resgatando histórias ligadas à natureza, tais como o mar, o céu, a terra e a árvore. Nessa perspectiva, o autor consegue aproximar as culturas brasileira e africana, excolônias portuguesas, que possuem características em comum, principalmente pela mistura racial originária dessa relação colonizador/ colonizado. Adonias Filho faz uma constante alusão simbólica ao mar e à árvore ‘jindiba’. O primeiro é percebido como elemento de ligação entre um território e outro, e a segunda, de origem africana, foi plantada no Pontal (Bahia), sendo apresentada da seguinte forma no início da obra: IDADE IMPOSSÍVEL DE SABER-SE, talvez cem ou duzentos anos, teria visto a praia ainda selvagem, o Pontal com três choupanas e Ilhéus sem o porto. Canoas, remos nas mãos de escravos e índios, o mar com a serenidade de um lago. [...]. Os sinos chamavam, pouco antes do anoitecer, para a reza dos padres. Quem a trouxe, simples muda em pedaço de bambu, e a plantou assim tão perto da praia, jamais se saberá. E ali já estava, alta e forte, quando se fez a casa. Uma jindiba, aquela árvore. As raízes vinham do chão, espalhavam-se como suportes, bases do tronco imenso que, muito encima, se abria em galhos e na copa gigante. [...] (FILHO, 1982: 3) 26 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Além disso, a ‘jindiba’ é a testemunha cíclica dos acontecimentos, “A testemunha, assim de pé e sem voz, a dez metros da casa, mas a testemunha”. (p. 9). Simboliza a harmonia do homem com a natureza: AS FOLHAS SECARAM, DEPOIS CAÍRAM, e quando isso aconteceu a jindiba pareceu um homem. Corpo era o tronco com os galhos secos abertos como cem braços. Nua, de repente ficara nua, culpa do sol ou do mormaço, talvez uma praga nas raízes. Aquele seu lugar, a dez metros do jardim, conhecendo a casa desde o começo, há anos, muito maior então o capinzal. Em cima, bem no alto, o céu não mudava. Outras nuvens, verdade, com o mesmo vento e as mesmas estrelas. Difícil dizer – para o menino – quem primeiro chegara, se a árvore ou a casa. (FILHO, 1982: 7) A partir do seguinte excerto, percebemos que a ‘jindiba’ também representa a distância dos homens em relação a sua pátria, lembrar da ‘jindiba’ quando se estava longe, era de certa forma resgatar suas raízes, suas origens, a família, portanto, simboliza a tradição e o lugar de reencontro: – Somos amigos, o Sardento e eu. E ele pediu, dona, pediu um ramo de jindiba. Um pedido maluco, sei lá! Não pôde deixar de rir-se. João Joanes pedia um ramo da jindiba, lembrava-se da árvore, era o que estava vendo. Uma coisa viva, que talvez plantasse como muda em uma lata com terra de Ilhéus, com a recordação na casa, na mulher e no filho. Levaria aquilo pelos mares afora, parte de sua bagagem, para não esquecer o que ficara. (FILHO, 1982: 15) Além da ‘jindiba’, destacamos a presença do ‘embondeiro’ em Luanda Beira Bahia (1982). Essa árvore faz parte da paisagem angolana, e é citada mediante um cenário mítico/místico próprio desse meio, representando a religiosidade/espiritualidade de um povo: Em Luanda, porém, quando o vermelho do céu se desmancha em escuro, a noite africana começa. [...] Há terreiros e neles se reúnem para os massembas e os cantos que não chegam à cidade. Deitam-se muitas vezes na terra, e dormem debaixo dos embondeiros, parte da noite como o mormaço e o silêncio. Fogueiras, se existem, podem retirar as mulheres das trevas. Quase nuas, mostrando os seios e os ventres, apenas de tangas, com jingondos nos pescoços, negras tão lindas são que as quiandas – as sereias de Luanda – estremecem de ciúme no fundo do mar. (FILHO, 1982: 40) 27 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Através dos elementos simbólicos, mítico-místicos e religiosos destacados, compreendemos que principalmente a ‘jindiba’, a árvore testemunha desde o início até o desfecho trágico do romance de Adonias Filho, representa a vida e a morte, pois foi cortada e transformada em caixão para abrigar os corpos dos amantes e irmãos Caúla e Iuta, e do pai de ambos, João Joanes. Vejamos: Os mortos na sala, deitados, esperando. Todos escutavam as pancadas do machado e poderiam ver Pé-de-Vento, nu da cintura para cima, o suor na cara e nos peitos, a derribar a jindiba. O machado cortara as velas que também eram raízes e já feria o tronco. Desequilibrava-se a árvore. Pé-de-Vento a inclinara para que caísse com os galhos no mar. E, quando estremeceu, caindo, o Pontal soube. [...] Trouxeram as ferramentas, serraram o tronco, cavaram fundo a jeito de um grande caixão. [...] João Joanes e seus filhos nela embarcariam para sempre. [...] (FILHO, 1982: 138) Passamos à análise da simbologia do embondeiro presente no conto ‘O embondeiro que sonhava pássaros’, um dos contos que compõe a obra Cada homem é uma raça (1990), do escritor moçambicano Mia Couto. O conto mencionado apresenta uma história fascinante, a história de João Passarinheiro, um vendedor de pássaros, que encantava e alegrava todas as crianças com seus pássaros coloridos. No entanto, essas crianças eram filhas (os) dos colonizadores, e “Por trás das cortinas, os colonos reprovavam aqueles abusos”. (p. 29) Percebemos novamente a relação colonizador/colonizado, pois a aldeia dos brancos é transformada pela presença do passarinheiro, alguém que vem de outro espaço, ou seja, o vendedor de pássaros descaracteriza o espaço do colonizador, por esse motivo: [...] Ensinavam suspeitas aos seus pequenos filhos – aquele preto quem era? Alguém conhecia recomendações dele? Quem autorizara aqueles pés descalços a sujarem o bairro? Não, não e não. O negro que voltasse ao seu devido lugar. [...] (COUTO,1990: 29) Entretanto, “Tiago, criança sonhadeira”, desobedecia às ordens dos pais mais do que qualquer criança, e sempre seguia os passos do misterioso vendedor de pássaros, cuja 28 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ “residência dele era um embondeiro, o vago buraco do tronco. Tiago contava: aquela era uma árvore muito sagrada, Deus a plantara de cabeça para baixo”. (p. 30) Nesse sentido, a moradia do passarinheiro está ligada simbolicamente às lendas do ‘embondeiro’ apresentadas no item 2.1 deste estudo, as quais representam o imaginário africano, uma vez que “Aquela árvore é capaz de grandes tristezas. Os mais velhos dizem que o embondeiro, em desespero, se suicida por via das chamas. Sem ninguém por fogo”. [...] (p. 30) Além disso, o passarinheiro evoca uma lenda que revela a harmonia do homem com os espíritos, com a natureza e com o embondeiro: [...] Olhou a enorme árvore, conforme lhe pedisse protecção – Está a ver a flor? – perguntou o velho. E lembrou a lenda. Aquela flor era moradia dos espíritos. Quem que fizesse mal ao embondeiro seria perseguido até o fim da vida. (COUTO, 1990: 32) A presença do passarinheiro na aldeia incomodava os colonizadores, entretanto, enfeitiçava as crianças, até que o “vendedeiro” foi impedido de vender seus pássaros. A partir desse momento, ocorrem algumas situações um tanto sobrenaturais: Em casa dos Silvas: – Quem abriu este armário? Ninguém, ninguém não tinha sido. [...] Em casa dos Peixotos: – Quem espalhou alpista na gaveta dos documentos? O qual, ninguém, nenhum, nada. [...] No lar do presidente do município: – Quem abriu a porta dos pássaros? Ninguém abrira. O governante, em desgoverno de si: ele tinha surpreendido uma ave dentro do armário. Os sérios requerimentos municipais cheios de caganitas. – Vejam este: cagado mesmo na estampilha oficial. (COUTO, 1990: 31). A partir desses episódios estranhos, os colonos procuram o passarinheiro e “Logo procederam pancadas, chambocos, pontapés. O velho parecia nem sofrer, vegetável, não fora o sangue. *...+” (p. 32). Em seguida, levam-no para a prisão, mas o passarinheiro conseguiu fugir. Essa fuga representa um ato de resistência e podemos relacioná-la ao 29 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ “mito” das forças vivas da natureza, que sempre foram desprezadas pelo branco/colonizador. A seguir, o menino Tiago dirige-se até o embondeiro, a morada de João Passarinheiro, e o desfecho de ‘O embondeiro que sonhava pássaros’ torna-se ainda mais mítico/místico, já que no final o menino não morre, ele se incorpora a essa natureza, vejamos: As tochas se chegaram ao tronco, o fogo namorou as velhas cascas. Dentro, o menino desatara um sonho: seus cabelos se figuravam pequenitas folhas, pernas e braços se madeiravam. Os dedos, lenhosos, minhocavam a terra. O menino transitava de reino: arvorejado, em estado de consentida impossibilidade. E do sonâmbulo embondeiro subiam as mãos do passarinheiro. Tocavam as flores, as corolas se envolucravam: nasciam espantosos pássaros e soltavam-se, petalados, sobre a crista das chamas. As chamas? De onde chegavam elas, excedendo a lonjura do sonho? Foi quando Tiago sentiu a ferida das labaredas, a sedução da cinza. Então, o menino, aprendiz da seiva, se imigrou inteiro para suas recentes raízes. (COUTO, 1990: 33-34) No que se refere ao romance Niketche: uma história de poligamia, a escritora moçambicana Paulina Chiziane apresenta a história de Rami, a narradora-protagonista e a primeira esposa de um marido polígamo chamado Tony. Nesse romance, Chiziane expõe a cultura de seu povo, apresentando um universo no qual se confrontam os costumes da sociedade africana com a modernidade. Além disso, a protagonista Rami tenta refletir sobre o seu próprio eu, buscando encontrar respostas para seus conflitos existenciais e para as dualidades em oposição homem/mulher, esposa/amante, tradição/ruptura, e no ritmo da dança Niketche procura resgatar a sua própria identidade. A simbologia do ‘imbondeiro’ no romance é representada pelo desejo de mudança e pela tentativa de resgatar a dignidade perdida, pois Rami e as demais esposas são desprezadas por Tony. Dessa forma, a alusão à árvore sagrada dá-se com um tom de esperança e liberdade: Há um lance de setas envenenadas sobre os nossos peitos. E o nosso sangue corre em coágulos negros nos caminhos do mundo. Todas ficamos encolhidas 30 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ como avestruzes. Com a cabeça debaixo da asa. Chegou o dia de soltar da terra a raiz do imbondeiro. Queda-se a árvore da fruta boa. Sobram as fruteiras que dão frutos azedos como o limão. [...] (CHIZIANE, 2004: 270-271) No entanto, Rami teme pelo seu destino, porque o seu universo gira em torno do marido polígamo, e ao mesmo tempo em que avalia sua situação, não consegue libertarse dessa cultura opressora, vejamos: Apetece-me abandonar este lar, agora! Viajar sem rumo por esta vida fora. Procurar novos solos. Mas dizem que as árvores maltratadas morrem quando são transplantadas. Eu tenho as asas quebradas, eu tenho medo de voar: (CHIZIANE, 2004: 271) Nessa perspectiva, Paulina Chiziane, mulher moçambicana, contadora de histórias provenientes da tradição oral e do imaginário africano, menciona o ‘imbondeiro’ como um símbolo de esperança e libertação. Além de representar o elo mítico/místico entre a mulher e a natureza, comparando as mulheres desprezadas com as árvores maltratadas. Em Niketche: uma história de poligamia percebemos a relação colonizador/colonizado a partir da posição cultural de Rami, a esposa submissa e oprimida que suporta as artimanhas do marido polígamo, visto que “A corda rebenta sempre do lado mais fraco. É o ciclo da subordinação. O branco diz ao preto: a culpa é tua. O rico diz ao pobre: a culpa é tua. O homem diz à mulher: a culpa é tua.” (p. 272) Cabe ressaltar que durante a (re)leitura dessas histórias, sentimos a mesma sensação da primeira leitura, e a partir de uma imersão no universo literário lusófono, conseguimos apreender que os elementos da cultura africana estão especialmente ligados aos elementos do mito. Conclusão: Após analisar os fragmentos das obras Luanda Beira Bahia (1982), do conto ‘O embondeiro que sonhava pássaros’, conto integrante do livro Cada homem é uma raça (1990), e do romance Niketche: uma história de poligamia (2004), e relacioná-las às lendas, mitos e crenças oriundas da cultura africana, entendemos que as árvores 31 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ ‘(i)embondeiro’ e ‘jindiba’ simbolizam o imaginário coletivo de um povo resgatado e valorizado nas literaturas lusófonas. Embora o foco deste estudo fosse a representação das árvores nas três obras analisadas, destacamos brevemente a condição da África e do Brasil como ex-colônias. Condição esta que é abordada pelos autores Adonias Filho, Mia Couto e Paulina Chiziane, uma vez que tanto África quanto o Brasil suportaram e suportam as intensas marcas de sujeição, inclusive, depois de passarem pelo processo de independência. Concluímos nossa análise enfatizando que a simbologia das árvores ‘(i)embondeiro’ e ‘jindiba’, além de aproximar as culturas africana e brasileira, representa o social e o sagrado, e principalmente, a relação homem/natureza, em que a tradição oral e a cultura africana são o pano de fundo desse universo mítico/místico presente nas literaturas lusófonas. Referências: BRUNEL, P (Org.). Dicionário de Mitos Literários. Tradução: Carlos Sussekind; prefácio à edição brasileira Nicolau Sevcenko; capa e ilustrações Victor Burton]. – 4ª ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2005. CHIZIANE, P. Niketche: uma história de poligamia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. COUTO, M. O Embondeiro que Sonhava Pássaros. In:_______Cada homem é uma raça. Lisboa: Editorial Caminho S.A., 1990. FILHO, A. Luanda Beira Bahia. São Paulo: DIFEL Difusão Editorial S.A., 1982. Outras Fontes AngolaPress. Imbondeiro (Baobá). Disponível em: http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/portal/angola/Simbolos-Culturais,7264cd3855b6-44e9-bf67-868387352fc7.html. Acesso em 28/06/2010. GREGÓRIO, S. (Org.). Dicionário de Símbolos. Disponível http://sites.google.com/site/dicionariodesimbolos/arvore. Acesso em 30/06/2010. em: 32 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ LOPES, N. Novo Dicionário Banto do Brasil: contendo mais de 250 propostas etimológicas acolhidas pelo Dicionário Houaiss – R. Janeiro: Pallas, 2003. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=eTggc86Q91UC&pg=PA122&lpg=PA122&dq=orige m+da+jindiba&source=bl&ots=Wky2qTbUOL&sig=vGuy1aFhVBgF2IQ6hh137Y2VW8Y&hl= pt-BR&ei=rt8sTI_gC8T68Ab24T0DQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=5&ved=0CCUQ6AEwBA#v=onepage&q= origem%20da%20jindiba&f=false. Acesso em 01/07/2010. MOISÉS, M. Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Cultrix, 2004. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=0Pn4qAZQyoC&pg=PA301&lpg=PA301&dq=dicionario+de+mitos+literarios+e+a+simbologia+da+na tureza&source=bl&ots=3p_UAvUGPs&sig=UEuMSqFHlQfmpm1FW88tzF_HMek&hl=ptBR&ei=RFwvTNDFIH7lwfF5_nbCQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=10&ved=0CD4Q6AEwCQ#v= onepage&q&f=false. Acesso em 03/07/2010. 33 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Em Estado de Sítio: uma análise sobre a peça Moço em Estado de Sítio, de Vianninha, e a ditadura militar Samita Vieira Barbosa Martins13 Resumo: O presente artigo tem como foco principal desenvolver uma análise sobre a importância das manifestações artísticas que se verifica durante a ditadura militar, e a maneira como estas se inserem no contexto histórico de sua produção, oferecendo-nos um repertório para análise desta época. O artigo trata em específico da peça Moço em Estado de Sítio, do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, por meio da qual se pretende estruturar este estudo sobre a relação entre o teatro e a conjuntura política do país. Palavras-chave: Teatro. Vianninha. Ditadura militar. Introdução O golpe militar que acontece no ano de 1964, através do qual se instaura o período de governo ditatorial no Brasil que viria a se manter pelos próximos 21 anos, é sem dúvidas um momento extremamente marcante para o contexto histórico do país. Tendo apresentado grande repercussão em todas as vertentes sociais, sendo que no campo intelectual ressalta-se a forma de resposta que se apresentará a partir dessas mudanças implementadas no Estado, e as formas de resistência para a maneira opressora com a qual se colocava essa coerção por parte do governo, principalmente no que se refere às manifestações que apresentassem posições contrárias ao regime instaurado. Nesse sentido, ao nos voltarmos para o campo artístico, percebemos a procura por parte dos representantes dessa vertente da sociedade, de maneiras alternativas para o desenvolvimento de uma contra-resposta ao novo regime vigente. Partindo desses pressupostos e voltando-se mais especificamente para o campo teatral, será tomado como referencial para a análise que desejo desenvolver sobre esse 13 Samita Vieira Barbosa Martins é graduanda do sexto período do curso de História da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, cidade de Uberlândia, campus Santa Mônica. Professora Indicadora: Doutora Rosangela Patriota, curso de História da Universidade Federal de Uberlândia. 34 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ período a obra do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho (Vianninha); mais especificamente a peça Moço em Estado de Sítio, escrita em 1965, através da qual é possível desenvolver uma compreensão de diversos aspectos sobre os acontecimentos neste contexto tanto político, quanto social e, principalmente, histórico. Como dramaturgo, observa-se em suas peças a preocupação com questões politico-sociais sempre se colocando presentes, e é de grande importância chamar a atenção para o âmbito e o contexto teatral que se tem neste momento em que Oduvaldo Vianna Filho irá se formar e começar a despontar realmente tanto como ator quanto como dramaturgo. Isto significa ressaltar o panorama que se tinha na época, – década de 1950 basicamente - destacando-se em essência todo o trabalho que vinha sendo desempenhado pelo Teatro de Arena, pelo Teatro Oficina (1958-atual), e também pelo grupo Opinião (1964-1982) que irá brotar deste contexto. E pode-se dizer que desta mobilização dentro do contexto repressivo e de grande censura que todo o setor artístico estava sofrendo, a partir da apresentação da Primeira Feira Paulista de Opinião. Todos estes grupos supracitados, mesmo antes do golpe de 1964, já apresentavam preocupações em fazer um teatro que se diferenciasse da estética básica que se tinha em outros teatros brasileiros, apresentando abordagens mais voltadas às produções de cunho nacionalistas e que interagissem mais com o público. Como destaca Isaías Almada sobre o Teatro de Arena: (...) Era natural que nesse período buscasse a cada momento orientar-se estética e politicamente de acordo com os ideais dos seus principais integrantes, homens e mulheres de esquerda, de origem pequeno-burguesa, alguns dos quais ligados ao Partido Comunista Brasileiro. (Almada, 2004, p 94) Vianninha se inseria neste contexto, e dessa forma, sua trajetória como um todo vai se estruturando na perspectiva de um teatro engajado, sempre pautado na preocupação e na participação política. Assim, com o golpe de 1964, essa sua forma de abordagem irá se voltar bastante para o foco na realidade brasileira daquele momento. 35 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Ao tomar-se de uma maneira abrangente a trajetória de Oduvaldo Vianna Filho e a maneira como sua dramaturgia vai se desenvolvendo, a peça Moço em Estado de Sítio se encontra inserida em uma perspectiva de ruptura de certa forma; um período no qual Vianninha mudará seu foco de abordagem. E pode-se dizer que essa mudança se dará no momento em que o país está passando por certa transição, incluindo a mudança de regime de governo. E isso não apenas torna propícia a forma por meio da qual o autor estará produzindo seu trabalho, assim como possibilita uma diferente maneira deste agir na sociedade. Ou seja, é possível perceber como o contexto histórico do período influenciava na produção, assim como a peça também irá atuar na sociedade modificando-a e influenciando-a dessa mesma forma. A Dramaturgia de Vianninha É importante ressaltar primeiramente, num panorama mais geral, o fato de que Oduvaldo Vianna Filho (Rio de Janeiro 4 de Junho de 1936 – 16 de julho de 1974) iniciou suas atividades no teatro propriamente. Primeiro como ator, por volta de 1955, participando do grupo do Teatro Paulista do Estudante, e como dramaturgo ele estrea no ano de 1959 com a peça Chapetuba Futebol Clube. No entanto, Vianinha se encontra inserido no mundo teatral desde muito antes, sendo filho de Oduvaldo Vianna, dramaturgo que se destacou muito no teatro e no cinema brasileiros principalmente entre as decadas de 20 e 30. Além disso, as suas preocupações de cunho politico também serão algo que Vianinha traz de casa, já que seu pai também fazia parte do Partido Comunista Brasileiro, sendo que dessa forma, tais aspectos estarão presentes em suas obras de maneira muito marcante. Detendo-se na discussão sobre a formação de Oduvaldo Vianna Filho, podemos verificar estes aspectos relacionados a engajamento político no desenvolvimento de sua arte quando da própria inserção do dramaturgo no mundo teatral. Primeiramente no Teatro de Arena, onde participa dos Seminários de Dramaturgia que são organizados por este, e vai realmente iniciar a estruturação dessa visão. Nele, Vianninha irá consolidar em 36 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ um primeiro momento estas preocupações com a estreia de Chapetuba Futebol Clube, a qual já apresenta enorme repercussão. Porém, segundo nos apresenta Rosângela Patriota, apesar de compartilhar o mesmo projeto político e estético do Arena, ele discorda da maneira como este estava sendo realizado, e acaba se desligando do Teatro de Arena, indo para o Rio de Janeiro (Patriota, 2004). A saída de Oduvaldo Vianna Filho do Teatro de Arena por divergências de ideais, o leva à estruturação, juntamente a outros intelectuais da época que também partilhavam dessa mesma perspectiva de engajamento artístico no sentido de ser necessária postura que atingisse mais diretamente a população sem muito contato com as ideias, do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes - UNE, no qual se terá essa atuação voltada entre outros problemas do país para a política. Com isso se voltando para o que Vianninha almejava e que estava além das possibilidades por ele vislumbradas no Arena. Dessa forma, a proposta do CPC em si, apresentava a preocupação no desenvolvimento de um teatro engajado voltado para a questão popular realmente, e será, de certa maneira, onde Vianninha encontrará maior espaço para desenvolver e concretizar suas intenções. Intenções estas voltadas para a discussão acerca da atuação dos intelectuais na sociedade em que se encontram inseridos. A seguinte reflexão de Rosângela Patriota nos elucida bastante sobre isso: A partir da construção de que o intelectual deve exercer sua atividade, apesar das condições em que ele vive, Vianinha elaborou textos dramáticos, procurando refletir sobre o engajamento artístico e acerca dos limites da atividade crítica no mercado de trabalho. O primeiro resultado dessa incursão foi Moço em Estado de Sítio. (Patriota, 2007, p 32) A Dramaturgia em Estado de Sítio A peça Moço em Estado de Sítio narra a história de Lúcio, rapaz de classe média, formado em direito, que participa de um grupo de teatro com os amigos, se apresentando em bairros do subúrbio, com peças que levam mensagens de cunho político e de ênfase 37 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ no alerta, por assim dizer, sobre a condição do proletariado. Porém, Lucio possui muitas divergências com as atividades do grupo, principalmente com Bahia, um dos integrantes, e que é quem escreve e dirige as apresentações. Suas divergências aparecem não apenas no sentido das opiniões diferentes a respeito do trabalho que está sendo realizado, mas também de cunho sentimental, já que Bahia namora Suzana, personagem à qual Lucio também demonstra ter afeto. Além disso, Lucio também possui divergências com seu pai, Cristovão, que procura arrumar emprego para o filho em um escritório de advocacia mesmo contra a vontade deste. A mãe, Cota, é dona de casa e se dedica a cuidar desta e dos filhos. Lucia, irmã de Lucio, está grávida de Estelita, amigo deles, e que não se mostra muito inclinado a assumir um filho. Uma figura que merece destaque é a do personagem Jean Luc, amigo deles, a qual está sempre mostrando um lado um tanto cômico das situações. Tem-se também a personagem Noemia, com quem Lucio mantém um caso e a qual sempre procura em seus momentos de “fuga”. Na segunda parte da peça, Lucio resolve aceitar as propostas do pai e vai trabalhar no escritório de advocacia do seu amigo mesmo contra sua vontade. Ele apresenta uma proposta de uma peça teatral escrita por ele ao grupo, a qual acaba não sendo muito bem aceita. Apesar disso, Suzana auxilia Lucio a convencer Bahia e os outros integrantes do grupo a montar a peça. Porém, após conseguirem organizar a montagem da peça, Lucio desmente toda a situação, e diz para Bahia e para os companheiros do grupo que não possuía conhecimento de que Suzana estava organizando-a. Depois de todos estes problemas com o grupo, Lucio resolve buscar emprego em um jornal, por meio de indicações de Estelita, que também trabalha neste mesmo. Lucio resolve manter-se trabalhando nas publicações deste jornal, apesar de não lidar muito bem com as ideias e opiniões com as quais ele lidava e disseminava. Ele se torna amante da esposa do patrão, Bandeira, e na terceira parte da peça, este decide demitir Estelita e colocar Lucio ocupando o posto em seu lugar. Apesar de inicialmente não se sentir bem 38 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ com essa decisão, Lucio acaba não fazendo nada para evitar que Estelita seja mandado embora do emprego no jornal. Algo interessante que podemos ressaltar, é que o personagem de Jean Luc irá ao longo da peça, realmente destacar o contexto e o que estava se passando naquela situação como um todo. Exemplo disso é no momento no qual ele diz: Jean Luc: Eu disse pro Lucio – pára antes da indignidade... eu disse... Fui na casa dele, com telefone... 27-8737... me olhou com pena... Aquele pobre coitado, sitiado, me olhando com pena... Cabe? Dei dinheiro pra ele, quantas vezes ficou na minha casa? Ele quer ser alguém de qualquer jeito. Pra ter mulher, não entrar em fita, receber convite de avant-premiére... Humanidade filha da mãe que não confia nela mesma... Só tem confiança em eleitos... (Vianna Filho, 1965, p 31) Posteriormente, mais ao final da peça, tem-se um dos pontos bastante chocantes da mesma, quando Jean Luc é encontrado morto em casa, tendo cometido suicídio. Em um momento seguinte, Lucio volta a participar do grupo de teatro junto à Bahia e Suzana, e discutem sobre a adesão ou não à greve de estudantes que está ocorrendo. Lucio defende que o grupo vá se apresentar e participe da greve. Durante a greve, a polícia chega, há grande reviravolta, e Lucio acaba por fugir, indo embora para casa e deixando Suzana no meio da confusão. Assim, pode-se dizer que Vianninha, com esta peça, irá desenvolver “um amargo mergulho nas vicissitudes do trabalho intelectual dentro de uma sociedade de classes” (Ramos, 2004, p 03), e que o protagonista Lúcio, apesar de inicialmente se mostrar um jovem cheio de sonhos e ambições, acaba se deixando levar pelas exigências do sistema e deixando de lado seu engajamento e sua visão repleta de idealismo e confiança no engajamento político, visto como possibilidade de se conseguir mudanças na sociedade. Moço em Estado de Sítio e a Ditadura A peça Moço em Estado de Sítio é vista como um divisor de águas na obra de Vianninha. Muitos críticos da época como Yan Michalski e Sábato Magaldi, irão ressaltar tão fato, no sentido de que a partir desta peça, Vianninha mostrará amadurecimento 39 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ como dramaturgo, e tal amadurecimento é visto de maneira concreta na própria estrutura da peça, a qual “em termos de construção narrativa, seria uma de suas mais arrojadas e inventivas obras. Em três atos, ele estruturou nada menos que 50 breves sequências, sugerindo locais os mais diversos, numa dinâmica verdadeiramente cinematográfica.” (Carvalho, 1991, p 150). Essa maturidade como autor irá se comprovando nas sucessivas obras que virão sendo apresentadas, sendo que Rasga Coração – sua ultima peça, e a qual será concluída já no hospital pouco antes de seu falecimento – é considerada pela crítica realmente a sua obra de maior destaque. Assim, é a partir de Moço, nesse período logo após o golpe de 1964, que ele irá começar a desenvolver peças que se voltam para a realidade, já que o regime militar se encontrava instaurado, e assim, a partir desse novo fato, era verdadeiramente necessário que fossem aplicadas novas questões e propostas com relação à isso. Rosangela Patriota, em sua abrangente análise sobre a dramaturgia de Vianninha deixa tal fato bastante claro: Os acontecimentos de 1964 apresentam para Vianinha importantes questões acerca de sua própria atividade profissional, embora, naquelas circunstâncias, muitas possibilidades poderiam ser aventuradas. No entanto, para alguém tão envolvido com a instrumentalização da arte, em favor de uma transformação social, os novos rumos do país colocaram-lhe, de maneira contundente, a indagação: o que é ser intelectual e/ou artista em uma sociedade de classes? (Patriota, 2007, p 30) Nesse sentido, tentar entender a correlação existente entre a peça que se encontra como foco deste estudo e o seu contexto, traz a imprescindível necessidade de se pensar como o ano de 1965, no qual a peça foi produzida, sendo o ano imediatamente após o golpe militar no Brasil; se articula com as produções e manifestações artísticas que estavam se dando naquele momento, mais especificamente na dramaturgia. Sobre isso, vale destacar as palavras do próprio Vianninha a respeito da situação que se enfrentava naquele momento na conjuntura teatral. As perspectivas do teatro para 1965 não podem ser desligadas da perspectiva geral do Brasil em 1965. (...) Não é mais preciso explicar a importância e o que é a democracia. Sentimos na carne a sua falta. Não é mais preciso explicar o que é 40 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ teatro participante: peças “difíceis” – Moratória, Andorra, Pequenos Burgueses, Depois da Queda, Tartufo, e o espetacular sucesso de Opinião - explicam tudo. (...) Então o teatro brasileiro em 1965 ou se empenha na sua libertação, participando do processo de redemocratização da vida nacional, na consagração dos sentimentos de soberania e vigor do povo brasileiro – ou, então – alheio a um dos momentos capitais de nossa história – poderá ficar incluído entre os que tiveram a responsabilidade de descer sobre o Brasil a mais triste e estúpida de suas noites. (Peixoto, 2008, p 142) Um fato muito interessante, ainda pensando nessa relação entre a obra e o seu contexto de produção e inter-relacionando-os, é o de que a peça só virá a ser encenada pela primeira vez no ano de 1981, quando ela finalmente passa pela censura; sendo que é montada uma primeira encenação sua em 1977, mas esta é proibida. Ela passa doze anos sem vir a público, e até mesmo muitas pessoas próximas de Vianninha também não tinham conhecimento desta obra. A respeito deste acontecimento, o diretor Aderbal Júnior que dirigiu uma das montagens da peça no ano de 1981 apresenta informações nesse sentido, esclarecendo que Moço em Estado de Sítio pode ter sido apresentada para alguns companheiros e amigos, mas não foi bem aceita devido a sua história, posto que o protagonista exprime uma crítica afiada aos próprios artistas que vivam aquele momento e até a si mesmo. E tem-se ainda a questão estrutural de montagem da peça considerada muito arrojada, o que pode não ter trazido uma grande inclinação em montá-la naquele momento (Carvalho, 1991). Além destas reflexões acerca das maneiras como o contexto histórico e as expressões artísticas conseguem se relacionar e estabelecer um diálogo, na obra, aprofundando o enfoque na narrativa desenvolvida na peça Moço em Estado de Sítio, é possível pensar como as ações e o desenrolar da trama em cada personagem se dão e constituem a totalidade da peça. Para início desta proposta, pode-se apreender a maneira como o protagonista Lucio, no decorrer da história, vai perdendo sua busca pelo desenvolvimento de um teatro engajado e uma atuação na sociedade, e se tornando mais propenso a integrar-se e compactuar com ideais os quais ele não defendia ou nem mesmo concordava; pensando na maneira de agir, nas relações que ele estabelece com os outros personagens, com o 41 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ grupo de teatro ao qual ele está vinculado inicialmente e que estabelece influências bastante fortes na sua ação ao longo de todo o texto, assim como a sua relação com a família e com os amigos. Tem-se aí, essencialmente na figura do personagem de Lucio, um caráter bastante metalinguístico que esta obra traz, pois ela de certa maneira mostra como “o dramaturgo internalizou, na personagem Lúcio, esses conflitos, isto é, como autor, o protagonista não tinha ideias bem definidas (...) e essa fragilidade (...) tem seus desdobramentos no trabalho. Nesse caso, a não consistência temática e narrativa de sua escrita refletia-se na conduta social e política.” (Patriota, 2007, p 36) Ainda sobre isso, deve-se refletir no destaque dado ao personagem de Jean Luc, amigo de Lucio, o qual além de dar à peça tom cômico que destoa da linha mestra da obra tem também a intenção de analisar de todo o contexto no qual a obra está inserida. Percebendo as ações de Lucio e enfocando nesse sentido a maneira como se dará o desenvolver da peça. Enfim, englobando de forma mais geral as relações que o protagonista estabelece com todos os personagens que o vão cercando ao longo da trama, podemos perceber que há destaque para a cobrança de posicionamento mais contundente da parte de Lucio com relação a suas ações e acontecimentos ao seu redor. E isso é algo que ele não consegue apresentar. Isso se dá de maneira clara quando a personagem de Suzana resolve se opor ao restante do grupo para montar a peça de Lucio, e este acaba não conseguindo ele mesmo defender sua obra quando é posto a prova sobre isso, deixando Suzana sozinha nesse próprio intento de ajudá-lo. Ou seja, são atos extremamente contraditórios que permeiam toda a história e as práticas de Lucio, e tal fato é um aspecto que Vianninha nos deixa nesta obra: a indecisão, o titubear, a dúvida diante das situações. Fatos que de certa forma estavam permeando os sentimentos de muitos com relação ao desenvolvimento de seu trabalho nesta conjuntura que o Brasil se encontrava. O que se pode dizer, é que “Lucio é o anti-herói ou o herói negativo, que, sabendo o caminho certo, se desvirtua por 42 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ interesses menores e desmedida ambição. Aquele que, pela queda, aponta a direção certa a ser seguida.” (Carvalho, 1991, p 151) Reflexões Conclusivas A vasta obra de Vianninha, tanto na dramaturgia quanto também nas suas incursões na televisão, nos leva inevitavelmente, pensando-se historicamente, a refletir acerca da conjuntura que permeou toda a sua vida, tanto nos aspectos sociais, como políticos e, obviamente, culturais; as quais atuaram e influenciaram a estruturação de tudo que ele produziu, assim como toda a sua produção trouxe irrefutáveis influencias nas produções artísticas daquele momento, porque não até da atualidade; e não apenas no âmbito apenas teatral ou artístico, mas no campo cultural do Brasil verdadeiramente. O que a peça Moço em Estado de Sítio trará como tema central é uma abordagem que estará presente na dramaturgia de Vianninha em geral: “o indivíduo esmagado por uma engrenagem hostil ao seu pleno desenvolvimento. A medição de forças o desfavorece e fragiliza diante de um sistema no qual prevalecem a busca da ascensão social, os preconceitos e falsos valores morais.” (Carvalho, 1991, p 150) Dessa forma, Oduvaldo Vianna Filho era integrante de toda uma geração que apresentava inúmeros anseios e aspirações para uma atuação na sociedade de maneira efetiva, por meio da cultura, do teatro, e que partilhava do intuito de tentar atingir a população por meio disso com objetivos de transformação coletiva. Anseios de transformação estes, que acabaram sendo sitiados com o golpe de 1964. Tem-se uma geração sitiada, e que verá suas ambições se tornando ao mesmo tempo em que ainda mais distantes, também ainda mais necessárias do que eram anteriormente. É importante, por fim, pensar na significância da atuação dessas pessoas politicamente por meio de sua arte, continuando, apesar das dificuldades e a opressão cada vez maiores, na tentativa de implementar as mudanças que eram necessárias naquela conjuntura. Agora não apenas mais de cunho social, de atingir a população e 43 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ conscientizá-la, mas agora é indispensável agir contra um empecilho ainda maior, e buscar pela mudança de todo um regime político. Referências: ALMADA, I. Teatro de Arena: uma estética de resistência. São Paulo: Boitempo, 2004. MORAES, D. de. Vianinha: cúmplice da paixão. Rio de Janeiro: Nordica, 1991. PATRIOTA, R. A Crítica de um Teatro Crítico. São Paulo: Perspectiva, 2007. _______, R. História - Teatro – Política: Vianinha, 30 anos depois. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais, Uberlândia, v. l, ano I, n. 1, p. 3 Out./ Nov./ Dez. 2004. Disponível em: www.revistafenix.pro.br, acesso em 25 de Novembro de 2010. PEIXOTO, F. (org.) Vianninha: Teatro, Televisão, Política. 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Acesso em 15 de Março de 2011. 44 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Caracterização Geoambiental da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, Ituiutaba/Prata (MG) Giliander Allan da Silva14 Resumo: A presente pesquisa objetivou elaborar uma caracterização geoambiental da bacia hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, situada nos municípios de Ituiutaba e Prata MG, além de discorrer sobre procedimentos metodológicos adotados para se realizar um estudo de Fragilidade Ambiental. Esta bacia hidrográfica tem grande importância para a população de Ituiutaba, pois é fonte de abastecimento primordial para a SAE (Superintendência de Água e Esgoto de Ituiutaba) (SAE, 2010). A metodologia utilizada na pesquisa se fundamentou em Tricart (1977), através do conceito de Ecodinâmica. Esse conceito serviu de base para que Ross, em 1994 escrevesse "Análise empírica da Fragilidade dos Ambientes Naturais e Antropizados", cuja obra atribui ao ambiente, de acordo com a correlação de dados naturais e econômicos, diferente classes de fragilidade frente aos processos degradacionais (erosão) e agradacionais (deposição). Assim sendo, a caracterização hidrográfica teve apoio em Christofoletti (1980). Obteve-se como resultado, uma série de mapas (produzidos a partir de análise de Imagens de Satélites, Consultas Bibliográficas e Trabalhos de Campo, etc.) que foram fundamentais para a caracterização geoambiental da bacia do Ribeirão São Lourenço. Além disso, pode-se afirmar que, esta pesquisa servirá de subsídio para a implantação do Plano de Gerenciamento da bacia, principalmente, devido à sua importância para a cidade de Ituiutaba – MG. Palavras-chave: Fragilidade Ambiental. Processos Erosivos. Ribeirão São Lourenço. Ituiutaba. Prata. 14 Giliander Allan da Silva é graduando do nono período do curso de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia - Campus Pontal, na cidade de Ituiutaba-MG. Professor Indicador: Doutor Rildo Aparecido Costa, curso de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia - Campus Pontal, na cidade de Ituiutaba-MG. 45 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Introdução Nos dias atuais, o desenvolvimento científico-tecnológico atrelado ao aperfeiçoamento das técnicas e ao crescimento econômico, possibilita o homem realizar tarefas jamais presenciadas ao longo de sua história. Estas atividades culminam com a modificação no ambiente, seja no campo ou na cidade e, consequentemente com exploração dos recursos naturais. Em função disto, a cada dia torna-se mais importante conhecer melhor o meio natural em que se vive, a fim de planejar e orientar as intervenções geridas pela própria dinâmica econômica, baseada no desenvolvimento. Como salientou Gerasimov (1980, apud ROSS, 1991, p. 15), ao se trabalhar com a questão ambiental, o primeiro problema que o cientista se depara é com a contradição que emerge entre utilizar os recursos naturais ou proteger a natureza. Nesse bojo, a técnica e as tecnologias, além de subsidiar a dinâmica econômica, devem ser elementos auxiliadores para a análise e planejamento das intervenções humanas na natureza. Este estudo teve as geotecnologias 15 como instrumental indispensável para analisar e espacializar os dados obtidos. A área dedicada à pesquisa se refere à bacia hidrográfica do Ribeirão São Lourenço. A escolha desta bacia se deu pela sua importância para a cidade de Ituiutaba, pois, a água do Ribeirão São Lourenço e do Rio Tijuco que suprem as necessidades hídricas da cidade. O primeiro tem função constante no abastecimento e o segundo auxilia nos períodos de estiagem. A figura 1 ilustra os locais de captação de água. 15 Para Silva (2003), fazem parte da geotecnologia o Processamento Digital de Imagens (PDI), a Geoestatística e os SIG's (Sistema de Informação Geográfica). 46 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Figura 1: a) Posto de captação de água no Ribeirão São Lourenço; b) Posto de captação de água no Rio Tijuco. Fonte: SAE - Ituiutaba, 2010. As características econômicas da cidade também tendem a depender grandemente deste recurso natural. Ituiutaba possui economia voltada para as atividades agrícolas. É marcante a presença de frigoríficos e usinas sucroalcooleiras no município. Neste sentido, o Ribeirão São Lourenço se torna um recurso hídrico importante para estas atividades, seja na dessedentação de animais e/ou na irrigação de culturas. A pesquisa faz um paralelo às ideias de Portes et al (2009, p. 2), os quais destacam que "[...] o conhecimento da fragilidade ambiental presentes no sistema de uma bacia hidrográfica possibilita compreender a realidade dinâmica da relação homem/natureza e obter informações relevantes de problemas para subsidiar ações futuras". Contudo, o desígnio primordial se ateve em tecer uma caracterização geoambiental (hidrografia, geologia, geomorfologia, climatologia, morfometria – quantificação das formas da bacia – uso e ocupação, etc.) da bacia hidrográfica e destacar os procedimentos metodológicos para um estudo sobre a sua fragilidade ambiental. Metodologia: Várias fontes foram utilizadas na pesquisa. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) colaborou com bases cartográficas digitais do Brasil (formato "shp") e cartas topográficas (Serra de São Lourenço (SE-22-Z-D-I), 1970 e Ituiutaba (SE-22-Z-B-IV), 1973). 47 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ O site GeoMINAS também contribui substancialmente com a pesquisa. Através dele, se realizaram o download das bases cartográficas digitais do estado de Minas Gerais e de solos em formato "shp". A EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) prestou auxílio também pelo seu site. A plataforma "EMBRAPA - Brasil em relevo" dispõe de imagens de radar da missão SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), as quais possuem dados numéricos de relevo e topografia do Brasil. Estas imagens possibilitaram, entre outras análises, a confecção de mapas morfométricos (hipsometria e declividade). A assistência dada pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) se ateve às imagens de satélite. Este órgão forneceu imagens do satélite LANDSAT 5 TM, cuja resolução é de 30 metros. As datas foram: 02/fev./2010 para órbita/ponto 222/73 e 02/mai./2010 para órbita/ponto 221/73. O software Google Earth contribuiu por meio de suas imagens orbitais. Os satélites Quick Bird (Digital Globe) e Spot forneceram dados amostrais de grande valia, especialmente, pela boa resolução das imagens (0,60 e 2,5 metros) utilizadas durante a interpretação e confecção do mapa de uso e ocupação do terreno. As datas das imagens foram: Quick Bird (20/Nov./2006 e 26/mar./2007) e Spot (16/fev./2010 e 16/jul./2010). O armazenamento, tratamento e cartografação dos dados se realizaram através de SIG (Sistema de Informação Geográfica) cujo software é o ArcMap, versão 9.2. A composição colorida (RGB) das imagens do satélite LANDSAT 5 foi realizada pelo mesmo programa. Já para confeccionar o modelo em três dimensões, utilizou-se o software ArcScene, versão 9.2. Também se realizou trabalhos de campo na área. Portando, as cartas topográficas supracitadas, mapas previamente confeccionados e GPS (Sistema de Posicionamento Global), realizaram visitas a campo com o intuito de conflitar os dados mapeados à realidade local, para que, se houvesse necessidade de novas adequações cartográficas que estas fossem realizadas. 48 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Quanto às metodologias para estudo da fragilidade ambiental da área pesquisada, utilizaram-se basicamente dois autores. O primeiro deles é Jean Tricart, cuja obra "Ecodinâmica" de 1977, deu bases para que, o segundo, Jurandyr Ross, em 1994 escrevesse "Análise empírica da Fragilidade dos Ambientes Naturais e Antropizados". Posteriormente, Amaral e Ross (2009, p. 60) empregaram o conceito de Unidades Ecodinâmicas de Instabilidade Potencial e de Instabilidade Emergente, as quais classificam o ambiente a partir dos diferentes graus de fragilidade que cada área apresenta. Assim, Ross (1994) considera que as Unidades Ecodinâmicas de Instabilidade Potencial (estáveis), são aquelas que estão em equilíbrio dinâmico 16, devido ao seu estado natural, porém, traz consigo a possibilidade de mudança caso haja qualquer intervenção antrópica. As Unidades Ecodinâmicas de Instabilidade Emergente (instáveis) denotam os ambientes alterados pelo homem através do desmatamento, plantio, urbanização, industrialização, entre outros, representando as áreas antropizadas. A correlação entre os dados naturais e econômicos possibilitaram a Amaral e Ross (2009) atribuir ao ambiente, classes de fragilidade. Estas se distinguem em: Muito Baixo, Baixo, Médio, Alto e Muito Alto grau de fragilidade. Nesta pesquisa indica-se este procedimento. Os dados utilizados para estabelecer a correlação são pedologia, uso e ocupação e declividade. Caracterização da Área de Estudo A delimitação da área de estudo é tarefa prioritária em pesquisas de cunho geográfico-ambiental. Segundo Spörl (2001), a bacia hidrográfica 17 possibilita uma análise integrada das inúmeras variáveis que interferem na potencialidade dos recursos naturais. No entanto, este estudo torna possível uma melhor visão da realidade local, indicando suas características e facilitando opções mais adequadas de uso e ocupação. 16 Considera-se como equilíbrio dinâmico um ambiente em que os processos naturais ocorrem em sintonia, ou seja, de forma equilibrada. 17 Para Suguio (1998, p. 76) bacia hidrográfica e bacia de drenagem são sinônimos. Representam uma "[...] parte da superfície terrestre que é ocupada por um sistema de drenagem ou contribui com água superficial para aquele sistema". 49 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A bacia hidrográfica do Ribeirão São Lourenço está presente nos municípios de Ituiutaba e Prata, os quais se localizam na Mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, no Pontal do Triângulo Mineiro. As coordenadas geográficas para localização da área são: 19º 04’ 22” de latitude Sul e 49º 20' 06" de longitude Oeste. (figura 2) O mapa de localização a seguir apresenta imagem de satélite da área da bacia hidrográfica. Podese notar a proximidade do ponto de captação de água, no Ribeirão São Lourenço à malha urbana da cidade, o que denota menor custo para o deslocamento da água. Figura 2: Localização da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, 2010. Autor Giliander A. Silva. O canal principal da bacia hidrográfica se desloca no sentido SE - NW. Suas nascentes principais estão a N/NW do município de Prata, a uma altitude de 750 m. Sua foz se dá no Rio Tijuco, com altitude média de 500 m., contudo, verifica-se uma declividade próxima de 280 m ao longo dos 36 quilômetros de extensão. A área da bacia é de 295 km². Baseando-se nas classificações de Christofoletti (1980), o padrão de 50 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ drenagem que melhor caracteriza a bacia em questão é o dentrítico ou arborescente 18. Os canais afluentes/tributários correm em várias direções e ao se unirem formam ângulos agudos e não retos. Quanto aos tipos de canais fluviais, observaram-se duas distinções: retilíneo e meandrante. Os canais retilíneos predominam em quantidade sendo, sobretudo, tributários. Já os meandros ocorrem principalmente no curso principal, particularmente no médio o baixo curso. Os canais retos são caracterizados por Christofoletti (1980, p. 88) sendo "[...] aqueles em que o rio percorre um trajeto retilíneo, sem se desviar significativamente de sua trajetória normal em direção à foz". No caso dos meandros, Christofoletti (1980, p. 88) acrescenta que consistem nos rios que "[...] descrevem curvas sinuosas, largas, harmoniosas e semelhantes entre si [...]". Comumente ocorre escavação/erosão na margem côncava e deposição/sedimentação na margem convexa (figura 3), este processo configura a sinuosidade do canal. Figura 3: Processo erosão/deposição em um meandro. Fonte: Adaptado de Press, F. & Siever, R. (1997) Opina Christofoletti (1980, p. 115) que, calcular a densidade de rios (Dr) é relevante já que consiste na relação entre o número de rios e a área da bacia. Esta atividade denota o comportamento hidrográfico de determinada área, sobretudo, seu 18 Christofoletti (1980) utiliza este termo para representar o padrão de drenagem que tem semelhança à galhada de árvore. 51 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ aspecto primordial: "a capacidade de gerar novos cursos de água", ou seja, a potencialidade de surgir novos canais. Sendo assim, a bacia hidrográfica do Ribeirão São Lourenço apresenta uma: Dr = 0,2915 rios/km² Tratando do cálculo da densidade da drenagem (Dd), este apresenta diferenças com o conceito anterior e também colabora com outras análises. Este cálculo correlaciona o comprimento de todos os canais com a área da bacia hidrográfica. Ademais, possui relação inversa ao comprimento dos rios, ou seja, se aumenta o valor numérico da densidade, diminui o tamanho dos canais. Sendo assim, a bacia estudada detém uma: Dd = 0,85 km/km² Para Sucupira et al (2006, p. 8), ocasiões em que o valor de (Dd) é superior ao valor de (Dr), revela elevado controle estrutural, com canais em menor número e mais alongados. Ademais, "uma área com índice elevado de densidade de drenagem é resultante de baixa transmissibilidade do terreno e, portanto, mais sujeita à erosão". A hierarquização da drenagem19 foi realizada com base em Strahler (1952, apud CHRISTOFOLETTI, 1980, p. 106-107). Neste sentido, a tabela 1 apresenta o ordenamento dos canais, os quais ocorrem até a 4ª ordem. Auxiliando a apresentação dos dados hidrográficos, a figura 4 ilustra a hierarquização do sistema de drenagem da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço. 19 Segundo Crhistofoletti (1980, p. 106), é o processo de se estabelecer a classificação de determinado curso de água (ou da área drenada que lhe pertence) no conjunto total da bacia hidrográfica na qual se encontra. Isso é realizado com a função de facilitar e tornar mais objetivo os estudos morfométricos (análise linear, areal e hipsométrica) sobre as bacias hidrográficas. 52 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Tabela 1: Quantidade de rios e suas ordens na Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, em 2011. Ordem dos canais (Strahler, 1952) 1ª 2ª 3ª 4ª Número de canais 86 34 22 26 Fonte: IBGE - Cartas topográficas Serra de São Lourenço (SE-22-Z-D-I), 1970 e Ituiutaba (SE-22-Z-B-IV), 1973. Org. ALLAN-SILVA, G. (2011). Figura 4: Hierarquização do sistema de drenagem da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço. Autor Giliander A. Silva. 53 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Pela imagem nota-se que as nascentes do Ribeirão São Lourenço possuem uma cabeceira principal com canais de pequena extensão, sendo de primeira e segunda ordem. Outros canais se unem a este sistema de drenagem no médio curso, com maior número de nascentes e canais de até terceira ordem. Ainda no médio curso, o canal principal recebe o atributo de maior nível hierárquico (4º nível). Por toda a extensão do canal principal, há grande número de afluentes, diferindo das proximidades da foz, a qual recebe pequena quantidade de tributários. Examinando o clima da região, Köppen o classificou como Aw (megatérmico: tropical com verão chuvoso e inverno seco). A estação chuvosa se distribui de Outubro a Abril e o período seco ocorre de Maio a Setembro. As temperaturas oscilam entre 14º C, comum no mês de Junho, a 31ºC em Dezembro. A distribuição pluviométrica na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba apresenta diferenças significativas, sendo que, na direção sudeste - noroeste a média de chuvas tendem a diminuir. (PRADO e SOUZA, 2010). Ainda caracterizando o clima, Prado e Souza (2010) apresentam um mapa pluviométrico o qual aborda os índices de chuva acumulado entre os anos de 2002 a 2008 (figura 5). Como se pode observar, os municípios que abrangem a bacia hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, Ituiutaba (22) e Prata (28), possuem um dos maiores acúmulos pluviométricos da região. Compreendem-se no intervalo de 11.800 a 10.200 mm (média de 1.685 a 1.457 mm/ano), decrescendo na direção sudeste - noroeste, de Prata para Ituiutaba. Analisando as isoietas especificamente na área da bacia hidrográfica, o índice de chuvas acumuladas para os sete anos (2002 a 2008) variou de 11.000 a 10.600 mm (média de 1.570 a 1.515 mm/ano). 54 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ 1-Água Comprida, 2-Araguari, 3-Araporã, 4-Cachoeira Dourada, 5-Campina Verde, 6-Campo Florido, 7Canápolis, 8-Capinópolis, 9-Carneirinho, 10-Cascalho Rico, 11- Centralina, 12-Comendador Gomes, 13Conceição das Alagoas, 14-Conquista, 15-Delta, 16- Fronteira, 17-Frutal, 18-Gurinhatã, 19-Indianópolis, 20-Ipiaçu, 21-Itapagipe, 22-Ituiutaba, 23-Iturama, 24-Limeira do Oeste, 25-Monte Alegre de Minas, 26Pirajuba, 27-Planura, 28-Prata, 29-Santa Vitória, 30-São Francisco de Sales, 31-Tupaciguara, 32-Uberaba, 33-Uberlândia, 34-União de Minas e 35- Veríssimo. Figura 5: Mapa pluviométrico do Triângulo Mineiro, MG de 2002 a 2008. Fonte: Prado e Sousa (2010, p. 15). Segundo Fernandes e Coimbra, (1996 apud Oliveira et al (2010), os estudos geológicos mostram que esta região situa-se sobre o basalto da Formação Serra Geral da Bacia do Paraná (Supersequência Gondwana III) e sedimentos da Formação Marília do Grupo Bauru (figura 6). 55 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Figura 6: Bacia Sedimentar do Paraná. Fonte: Ecoturismo/Turismo de Aventura - Brasil, 2011. A figura apresenta locais de afloramento do basalto na bacia estudada. Material oriundo de vulcanismo ocorrido entre 127 e 137 milhões de anos e encontra-se sotoposto/abaixo aos arenitos do Grupo Bauru, e aflora onde o processo erosivo é mais intenso. Figura 7: Mapa de Substrato Rochoso da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, 2010. Autor Giliander A. Silva 56 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ O Grupo Bauru é dividido em três formações: Adamantina, Marília e Uberaba. A região do Pontal Triângulo Mineiro apresenta os sedimentos das formações Adamantina e Marília. Sendo que, estes estão sobrepostos às rochas vulcânicas da Formação Serra Geral, da Bacia do Paraná. (OLIVEIRA et al, 2010). Ainda de acordo com Oliveira et al (2010), os sedimentos característicos da formação Marília se constituem em arenitos de origem flúvio-lacustre (rios e lagos), com granulométrica fina a média e de coloração vermelhoclaro. Estas particularidades são notadas nos morros testemunhos 20 com uma grande quantidade de cascalho e seixos rolados. Uma característica peculiar desta bacia é a existência de inúmeros relevos residuais de altimetria acentuada ao longo de sua extensão (foto 1). Estas formações, denominadas de Serra do Saltador, Serra de São Lourenço e Serra da Caieira são os interflúvios (divisores de água) da bacia, delimitando-a, sobretudo ao Sul. Esta morfologia caracteriza a formação de anfiteatros 21, os quais abrigam as principais nascentes do Ribeirão São Lourenço. Foto 1: Município de Ituiutaba (MG): Visão parcial do relevo residual. Autor: ALLAN-SILVA, G., out./2009. 20 Termo utilizado para representar áreas de relevos residuais que por algum tipo de cimentação ainda resistem ao processo erosivo, portanto, não foram dissecados por completo e testemunham o processo erosivo. 21 Forma de morros com aparência arredondada, que abriga as nascentes de um sistema de drenagem. 57 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Santos e Baccaro (2004) consideram que os variados modelos de cabeceiras de drenagem em forma de anfiteatros e diferentes níveis de sedimentação são resultados de ações morfogenéticas oriundas do Terciário e Quaternário. As alternâncias entre clima úmido e seco favoreceram o rebaixamento do relevo, porém, algumas áreas, mais resistentes ao processo erosivo se conservaram. Estas feições que permaneceram são os relevos residuais (figura 6). Observando a figura 8, podem-se notar com nitidez as áreas de maior elevação do relevo. Contudo, destacam-se em cores mais quentes, os relevos residuais com altitude de 700 a 760 metros. Por outro lado, no baixo curso do Rib. São Lourenço fica claro o nível de dissecação empreendido pelo sistema de drenagem, onde as águas correm sobre o basalto. Figura 8: Hipsometria da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, 2010. Autor Giliander A. Silva. 58 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Ainda de acordo com os estudos de Santos e Baccaro (2004) o local se caracteriza por vertentes convexas de média a baixa declividade e relevos residuais com bordas escarpadas, cuja sustentação é determinada por rochas cimentadas (arenitos e arenitos conglomeráticos). Em escala regional, Santos e Baccaro (2004) dizem que a área se insere nos “Domínios dos Chapadões Tropicais do Brasil Central” de AB’SABER (1971) ou nos “Planaltos e Chapadas da Bacia Sedimentar do Paraná”, de acordo com o RADAM (1983). Nos dias atuais, o clima mais úmido com chuvas bem distribuídas dá novas características à região. Predominam o processo de dissecação do relevo com maior incisão das drenagens e erosão com retrabalhamento nas vertentes. É sob estas configurações da paisagem que a rede de drenagem do Ribeirão São Lourenço se instala (SANTOS e BACCARO, 2004). Resultados As bibliografias consultadas mostram que a metodologia proposta por Jurandyr Ross (1994) tem sido amplamente empregada em estudos ambientais (SPÖRL, 2001; SPÖRL e ROSS, 2004; SILVEIRA e OKA-FIORI, 2007; SILVA e RODRIGUES, 2009) e apresentando bons resultados. As bases digitais disponibilizadas para download pelo IBGE e GEOminas foram de grande importância para a confecção dos mapas temáticos. Ademais, com auxílio das cartas topográficas foi possível digitalizar a drenagem. A análise de imagens de satélite colaborou em grande medida na pesquisa, sobretudo, no mapeamento das características de uso e ocupação do terreno. A alta resolução das imagens do satélite Quick Bird, possibilitou verificar os distintos tipos de usos do solo na área da bacia, inclusive identificar processos erosivos como voçorocas. 59 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Necessário destaque à colaboração das imagens SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), sobretudo, o Modelo Digital de Elevação (MDE) gerado a partir destas. Este recurso digital possibilita melhor visão e interpretação da geomorfologia, uma vez que oferece maior riqueza de detalhes e, por conseguinte melhor percepção do relevo e suas formas. Além disso, auxiliou na delimitação mais precisa da área da bacia hidrográfica (figura 9). Figura 9: Modelo Digital de Elevação: Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, 2010. Autor Giliander A. Silva Portanto, no caso desta pesquisa, indica-se para a elaboração do mapa de fragilidade ambiental, a sobreposição de três mapas temáticos: declividade, pedologia e uso e ocupação, exemplificados pela figura 10. 60 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Figura 10: Mapas temáticos sugeridos para sobreposição no mapeamento de fragilidade ambiental, 2010. Conclusão Sem pretensões de esgotar as discussões sobre a área pesquisada, pode-se considerar que, uma contribuição substancial foi dada para a implantação do Plano de 61 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço. A caracterização geoambiental e o estudo da fragilidade ambiental da área são os procedimentos iniciais para o gerenciamento da bacia. Espera-se que a partir desta pesquisa outras novas, poderão se desenvolver, no sentido de favorecer melhor acompanhamento dos processos naturais e antrópicos envolvidos nesta área de abrangência, já que, este recurso natural é de extrema importância para o abastecimento da cidade de Ituiutaba - MG. Referências: AMARAL, R.; ROSS, J. 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Eulália Maíra Alves Ferreira.22 RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de conhecer a espacialização da Folia de Reis no município de Faina nos anos de 2009 a 2010, investigando a religiosidade da população, suas crenças, a relação do sagrado e do profano em sua cultura. Retrata o espaço percorrido pela folia, falando da cultura que emana deste povo, cheio de fé e devoção. A consciência humana é pouco espiritualizada, então o ser humano precisa se apegar a algo superior, divino, para se contentar, mas acaba misturando as manifestações divinas com as profanas, em meio a festividades religiosas. A folia faz uma ligação entre a religiosidade e as festas profanas, misturando a história e transformando o lugar por onde passa. Devido a essa manifestação religiosa o trabalho foi pautado em conhecer um pouco o processo de movimentação da Folia, onde foi utilizado o processo de coleta de dados, como as entrevistas de áudio e vídeo, foi aplicado questionários, a pesquisa em si é de natureza qualitativa, mas com introduções quantitativas no decorrer do trabalho, pois investiga as influências da festa na vida do povo Fainense e do município. Com isso, procura-se mostrar um pouco da religiosidade que envolve a folia, nota-se o perfil dos foliões, a faixa etária dos participantes e o movimento que os leva a participar deste evento, dessa forma podem presenciar essa manifestação de fé e devoção a Santo Reis por este povo simples do povo do interior. Palavras-chave: Espaço. Paisagem. Cultura. Fé. Sagrado. Folia. Significados. Introdução Aqui o objetivo é apresentar os resultados da pesquisa sobre a espacialização da Folia de Santo Reis no município de Faina - GO, nos anos de 2009 a 2010. Faina está localizada no Centro-Oeste do país, no noroeste goiano, distante 69 km da cidade de Goiás, pela GO-164 e 201 km da capital Goiânia, pela GO-070. 22 Graduanda do quarto ano de Geografia da Universidade Estadual de Goiás - Unidade de Goiás. Texto elaborado a partir da Monografia “A Espacialização da Folia de Reis no Município de Faina nos Anos de 2009 a 2010”, Com orientação da monografia e indicação para publicação da professora Dominga Correia Pedroso Moraes. 65 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A finalidade do trabalho foi a de compreender esta “manifestação cultural, cheia de fé, amor e devoção a um ser Divino, que possui um importante fator histórico religioso para o povo fainense”. Pessoa (1993) acredita que a folia se faz presente, como um movimento sócio religioso, cheio de significados culturais para a sociedade. Acredita–se que a Folia de Reis é uma festa que não pode ficar apenas na memória do povo, há a necessidade de divulgá-la, deixando documentos para comprovação dessa manifestação cultural de fé que vem atravessando gerações no município de Faina. Entende-se que a valorização das crenças e costumes ainda presentes nos sentimentos do povo é que mantenham viva esta tradição - que é a Folia. As transformações culturais e religiosas na folia evidenciam a necessidade de compreender um pouco mais sobre as percepções dos moradores sobre este assunto. Para Eliade (1996), é de suma importância esta questão das representações simbólicas, pois é aplicada devido as crenças e os credos das pessoas em relação a festas religiosas, sendo assim, a folia faz parte deste movimento que ao longo dos anos faz uma mistura das tradições e dos costumes. Devido à era da globalização e as transformações tecnológicas, as pessoas deixam de lado as suas tradições e costumes para se conectar e viver em um mundo virtual, devido a essa nova era os jovens não se importam com a sua cultura e perdem a sua essência e com isso tudo se torna corrido, as coisas passam despercebidas diante dos olhos. Por isso é preciso ater-se às mudanças que acontecem a cada dia no mundo, no país, estado, região e na cidade, para que não se perca a conexão global e ao mesmo tempo se valorize as manifestações locais. A Folia de Reis tem sua peculiaridade, pois está repleta de símbolos e significados e, por isso, não se deve deixar esta tradição morrer. Origem da Folia de Santos Reis A folia de Santo Reis iniciou em Portugal, antes do descobrimento do Brasil, pois naquela época em Portugal já havia homenagens aos três Reis Magos, que eram organizadas em grupos, fundados no cancioneiro do catolicismo ibérico, como cita 66 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Moreira (1983, p.136): “*...+ as folias começaram a aparecer nos cancioneiros ibéricos a partir dos primeiros anos do século XVI, ainda com instabilidade de ritmo ora binário, ora ternário”. A folia de Santo Reis foi introduzida no Brasil, pelos jesuítas, em forma de liturgia, como forma de catequizar os pagãos. Moreira (1983, p.137-138), ressalta que: A folia entrou no Brasil como uma dança de fundo religioso, mais uma manifestação paralitúrgica que profana. Seguindo o mesmo costume, as danças foram incorporadas ao teatro e as procissões promovidas pelos padres jesuítas mencionando a folia como uma dessas danças. Quando se fala em folia no Brasil a população entende como apenas um folclore, não compreendendo que a folia é a expressão da cultura do povo do interior. Para Pessoa (1993), “a folia se constitui em uma forma própria de saber popular essencial, a sustentação e reprodução de uma forma subalterna da vida”. Com isso a folia expõe seu próprio estilo, introduzindo os saberes populares de uma forma simples, mantendo essa tradição viva, nas paisagens do interior, traduzindo essa expressão religiosa, expondo a simplicidade da vida interiorana e tornando a folia um movimento social e religioso. Brandão (1985, p.138), diz: As folias de reis são a viagem ritual mais difundida no Brasil e a mais rica de ritmos e crenças próprias .Os devotos e promesseiros saem na noite de Natal ou Ano Novo é percorrido um território de estradas e casas pré-determinadas até a tarde do dia 06 de janeiro, a “ Festa dos Três Reis Santos ”, no imaginário popular. È difícil haver um município ou povoado [...] onde não haja pelo menos um, ``as vezes alguns “ternos de Folia de Reis” no exercício devoto de “ cumprimento a missão”. Este ritual faz parte do catolicismo popular, onde as pessoas demonstram sua fé e devoção, esta festa cria uma ligação com as pessoas transformando suas vidas, seus costumes, fazendo uma ligação dos indivíduos com a história. O Centro-Oeste é citado como a segunda região do Brasil com maior concentração de companhias de Folias. Isto aconteceu devido à influência do movimento das Bandeiras, 67 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ que saiam de São Paulo, em direção ao interior do sertão do país, vindo para Goiás por volta dos séculos XVI ao século XVIII. No Estado de Goiás, essa tradição continua presente em várias cidades do interior como em Itaguaí, Jaraguá, Mossâmedes, Pirenópolis, Itaberaí, Lages em Itapuranga, e em várias outras cidades do estado, como também em alguns bairros da capital goiana, como no setor Universitário entre outros, mostrando que o costume e a fé não se extinguem devido a sua localidade, permanecendo viva nos corações dos foliões. A folia de Santo Reis em Faina não é diferente das outras; acontece a folia de Reis duas vezes ao ano, nos meses de maio e de dezembro. A folia de maio gira do dia 1º ao dia 06 e é feita como um pagamento de voto, ou seja, a graça alcançada se paga por meio de um pouso ou almoço, e assim vai se estendendo essa tradição. Já a folia de dezembro, que percorre o espaço da cidade e seus arredores, começa no dia 27 de dezembro e sua entrega é no dia 06 de janeiro, que é o dia de Santo Reis. Os devotos ajudam como podem na realização desta festa, devido à jornada dos pousos que se estende pela cidade e fazendas vizinhas. O povo, incansavelmente propaga sua fé na folia, que acontece há mais de cinco décadas, nesta região, tornando a religião como um sistema mediador entre o sagrado e o profano. Porque nessa mediação implica uma concepção religiosa, como expõe Raffestin (1993, p.119-120): Toda concepção religiosa do mundo implica a destinação do sagrado e do profano, é oposta ao mundo no qual o fiel se dedica livremente as suas ocupações, exerce uma atividade sem conseqüência para sua salvação, um domínio no qual o temor e a esperança o paralisam alternadamente, onde como a beira de um abismo o menor gesto um pouco exagerado pode, irremediavelmente, faze-lo cair. Esta tradição que percorre gerações, traz uma manifestação religiosa de peregrinação e devoção durante um determinado período, onde os devotos saem para propagar sua fé em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. 68 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Brandão (1985), diz que as folias são como grupos de pessoas errantes, mas são devotos e cheios de fé, elas cantam e tocam instrumentos em homenagem a Santo Reis. Os Três Reis Magos viajaram a procura do Deus Menino, para adorá-lo, trazendo consigo presentes, como ouro, incenso, mira; representando as riquezas do mudo. Então, os foliões fazem este trajeto de peregrinação, para seguir os passos dos Três Reis Magos, em adoração a Jesus Cristo. Os foliões sabem que o Santo é Jesus, mas mesmo assim adoram os Três Reis Magos, por crença, fé e devoção. As pessoas os homenageiam mesmo durante este tempo festivo, pois é a eles que o povo recorre no momento de desespero, pedindo ajuda, proteção. Quando suas graças são alcançadas, as pessoas se tornam pagadoras de promessas: elas podem girar na folia, dar pouso ou almoço, ou pode ser até mesmo o festeiro daquele ano. A manifestação da Folia de Santos Reis em Faina – GO A Folia de Reis em Faina tem todo um ritual, onde se incorporou aos costumes do lugar, tornando essa festa em uma tradição familiar, cheia de amor, fé, devoção aos Reis Magos, que já dura mais de 50 anos, como conta Dona Nenzinha (informação verbal) 23 E nossa senhora, põe cinquenta anos nisso, só que meu marido e meu pai morreu já tem quase cinquenta anos. [...] Tinha folia lá do outro lado do rio e nesse tempo chovia de mais, ai o rio enchia e não tinha como passar pra lá, meu marido, ainda nesse tempo não tinha casado ainda, juntou mais meu pai e parente nosso, e foram assistir a folia, Zé Ramos, mas rodiou por caiçara, pra chegar lá, não tinha jeito de passar por aqui. Quando meu pai voltou de lá falou com meu avô e o cumpadre Mane Pedroso (mestre da Folia), o Lua aprendeu com ele. Percebe-se que no depoimento de Dona Nenzinha, como é conhecida por todos da região, ela não consegue lembrar-se da data certa da criação da folia, mas sabe que veio para ajudar a população, pois quando queria prestigiar a folia tinha que viajar muito para 23 Maria Celestina Ferreira de Brito 85 anos, Foliã, depoimento recolhido em 10 de maio de 2010. 69 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ outro local, então devido à fé e a ideia de alguns homens, resolveram criar a folia no Município. Mas isso veio e continua até hoje com a família Felix de Brito e mesmo com tantas dificuldades de manter viva esta tradição, ela ainda faz com que as pessoas possam demonstrar sua fé e amor a Jesus Cristo e a Santo Reis. A folia é composta por diferentes momentos como a saída, o giro, os almoços, os pousos e a chegada ou entrega da Folia. Contudo Pessoa (1993, p.116), diz que: [...] a folia de Reis é uma representação do cotidiano de trabalho, sofrimento, investividade e alegrias da gente do campo. Ê um ritual organizado e vivido com uma grande diversidade de funções que influem todas as pessoas circunscritas no giro. Na visão do autor, a folia mostra rotina de fé e devoção, onde os devotos de Santo Reis homenagear, pois a folia é uma forma de sair da rotina do trabalho, trocando os seus afazeres costumeiros para se divertirem e com isso homenagearem a Santo Reis. Entretanto, uma coisa que não pode se esquecer é que o embaixador seja o conhecedor do espaço a ser percorrido, deve saber algo de geografia, como argumenta Pessoa e Felix (2007, p.200): Na saída da folia, é necessário que o embaixador e o gerente façam um pequeno exercício de geografia. A casa da saída e a casa do arremate, a definição do conjunto todo do trajeto por onde se vai passar tem de obedecer a uma regra fundamental. A Folia precisa sair à direita. De acordo com os autores, é necessário ter pelo menos uma noção geográfica do espaço percorrido, pois é preciso sair sempre à direita da casa da entrega, fazendo com Santo Reis, pois se não sair à direita o giro pode dar todo errado e isso acaba com o giro da folia, fazendo com que uma doença caísse sobre os foliões ou simplesmente eles não conseguiram terminar o percurso. 70 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A Folia é vista como a revelação do sagrado, ela destaca um local, tornando-o diferente e cheio de significado, com um altar erguido na sala, para o terço, durante a comemoração. Brandão (1985) expõe que a reza do terço é um momento de participação conjunta das pessoas na folia, é o momento da louvação e adoração aos Três Reis Magos. Ergue-se um altar para colocar a Bandeira, com a imagem do Santo e duas velas. Perante este altar reza-se o terço, para agradecer a graça alcançada. O terço é rezado como uma obrigação na festa, pois é um dos momentos em que a mulher participa ativamente, à frente do homem. Durante o giro a folia não deixa de visitar ninguém, não importa se é rico ou pobre, o importante é a visita dos Reis Magos a todas as casas. Pessoa (1993, p.137), argumenta que “a folia não tem separação. Do jeito que trata um pobrezinho que não pode dar café, trata um rico”. Por que a situação financeira não interessa, pois Jesus nasceu pobrezinho e não descriminou ninguém. Para os foliões o giro é uma peregrinação, onde eles revivem a viagem dos Três Reis Magos, para visitar o Menino Jesus em Belém. Essa Viagem, ou giro, é feita em forma de agradecimento a Santo Reis, pela sua graças. Essa caminhada é feita durante o dia, em maio e à noite, em dezembro, onde os foliões passam de casa em casa, cantando e pedindo esmola e donativos para a realização da festa. O giro acontece até chegar a hora do almoço ou do pouso, para o descanso. Após uma longa viagem, os foliões param para descansar e almoçar. Quando chegam nas casas, pedem para entrar e depois começam a cantar. Uma coisa que se percebe é a abundância e a diversidade de comida na folia, isso vem quebrando os costumes simples das pessoas do interior, como é citado por Pessoa (2005 p.32): Nas festas populares, nas quais a comida é servida coletivamente, como é o caso das folias de reis, estas incrustam nas pessoas um sentido de comunidade da comida da festa. Explico melhor. Aquele exagero da comida e a sua gratuidade vivenciada em um só dia do ano formam um contraste muito acentuado com os outros trezentos e sessenta e quatro dias do ano. Parece haver ai uma vontade nas pessoas de estenderem ao Máximo aquele dia e fazem por meio de 71 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ fotografias e filmagens de vídeos, mas também através da comida. Nestas festas estas ficando cada vez mais difícil de inibir ou cobrir esta pratica – a de improvisar qualquer vasilha ou recipiente para levar para casa alguma porção da comida da festa. Essa hipótese explicativa impõem –se pelo fato de que os sujeitos desta pratica nem sempre são pessoas carentes não é uma questão de necessidades material da comida, mas um prolongamento simbólico da festa. De acordo com o autor o almoço adquire uma característica simbólica e algumas pessoas até carregam a comida para ter mais tempo para se dedicar a esta festa. A comida é apreciada por todos e com isso acaba sendo levada para casa. Pouso é uma prévia da festa, não é muito diferente do almoço, pois tem todo aquele cerimonial como a comida, a reza do terço, o agradecimento da mesa e, em algumas, casas tem um bom forrozinho. Pessoa e Felix (2007, p.204), argumentam que há “um grande número de pessoas na procura pelo puro prazer da festa e da comida – “às custas do santo”, não escondem -, o que transforma cada pouso em uma previa da festa de encerramento”. Na visão dos autores, esta prévia da festa, faz com que as pessoas se interajam umas com as outras, nesta demonstração de fé e tradição. No encerramento da folia, essa ligação é bem forte, pois é onde se concentra o fervor de todo o giro. Além de os foliões reproduzirem todas as situações rituais de chegada em cada pouso, eles fazem outras, cerimônias: “passagem da Coroa e do galho e adoração do menino Jesus na Lapinha”. A Coroa é um objeto simbólico, utiliza-se a coroa na festa devido à posição do ritual, pois tem o mesmo peso das flores e fitas que enfeitam os instrumentos da folia. A coroa para os foliões é um símbolo da festividade de Reis durante o ano. Como foi supracitado faz-se uma grande roda, onde os foliões rodam e cantam passando por debaixo da Bandeira e após todos terem passado, a roda para e o festeiro que tem uma coroa na cabeça, a pega e gira na roda passando-a de cabeça em cabeça, para ver quem vai ser o próximo festeiro. 72 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ O Sagrado e o Profano se misturam na Festa. O sagrado e o profano são manifestações populares, onde se percebe uma ligação entre as coisas de Deus (sagrado) e as coisas do mundo (profano), pois ambos estão inseridos na vida dos seres humanos, sendo que o sagrado é um tempo mítico, cheio de festas religiosas, onde o homem se relaciona diretamente com Deus. Já o profano é conhecido como o tempo destinado ao lazer, com isso as pessoas vão viver em ritmos variados, conhecendo tempo e festas diferentes das sagradas, pois o profano é visto como não sendo o ser absoluto, como é encarado no sagrado. Sendo assim pode- se dizer que o tempo sagrado é onde Deus se manifesta na suas criações divinas e o tempo profano é onde acontece o desenrolar da existência humana. A manifestação do sagrado é conhecida como hierofania, revela-se como um local sagrado, que assume um dom uma forma de carisma que acaba tomando uma dimensão espacial, que impõe ao um determinado espaço. O espaço sagrado é o lugar onde se define o ponto central de sua manifestação. O ritual da construção do espaço sagrado implica um duplo simbolismo. Primeiramente na construção do “centro do mundo”, este se constrói em referencial, cujo prestigio esta bem determinado. Em segundo lugar a construção do espaço sagrado impõe uma interpretação simbólica da materialização do centro. (ROSENDALH,1997, p.121.) O espaço sagrado se forma como o centro do mundo; todo o tempo o ritual se esbarra com o tempo mítico, assim o sagrado forma um tempo sagrado. Ao seu redor se vincula o espaço profano, sendo o centro a divindade e ao redor, as festas não religiosas, voltadas para diversão. O espaço sagrado coloca o homem em contato direto com Deus. Esta experiência é o oposto do profano, pois ele é o espaço ao redor, onde ocorrem as manifestações privadas dos significados religiosos. O sagrado aflora, criando um caráter, onde tudo se torna algo especial, sem perder seu valor e sua identidade; tudo toma um ar diferente perante o sagrado. Este sistema mediador pode definir o sagrado e o profano, como relações que definem uma 73 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ pela outra, como define Eliade, apud Oliveira (2003, p.67), que “só se pode falar do sagrado a partir e em oposição ao profano. Ora o profano é o normal, o corriqueiro, o que não tem um significado particular, nada comum, transcendente, absoluto, definitivo”. O sagrado é visto em sua organização espacial, onde os devotos integram esta forma entre o tempo e a religião, podendo perceber que os espaços sagrados e profanos se juntam. O espaço sagrado é onde o Santo está, onde ocorrem os cerimoniais e o contato do povo diretamente com os santos. Já o espaço profano é geralmente destinado ao lazer, o comércio, entre outros, tornando estas atividades profanas. O sagrado é um elemento de uma qualidade absolutamente especial que se coloca fora de tudo àquilo que chamamos de racional constituindo assim algo inefável. Este “algo inefável” também é chamado pelo temo latino numen, isto é, a força divina manifestada na ação pessoal de uma ou de outra divindade. [...] assim diante do transcendente, do divino, do sagrado, que se manifesta. [...] a hierofania ou teofania, ou seja, a manifestação do divino em meio ao profano. (OTTO apud REIMER, 2004, p.79). De acordo com o autor, estas manifestações são percebidas de uma forma meio simbólica, pois o homem coloca o sagrado, como algo encantador, divino, ou seja, a manifestação do sagrado ultrapassa as manifestações profanas, colocando-se como algo superior e divino. Na Folia de Reis o momento do sagrado é a peregrinação que os devotos cumprem até chegar ao pouso, e depois vem o terço, os cânticos para agradecer a mesa, a dona da casa e o Santo Reis, por mais um ano de festa. Na folia, o sagrado se aflora transmitindo a sua sacralidade em seus eventos, pois dá um ar de mistério, de sobrenatural. Sendo assim, ele se mostra através dos ritos, como por exemplo, a reza do terço ou as canções baseadas na vida de Jesus. O ser humano busca algo sagrado, no espaço, para se agarrar a ele e, com o tempo tentar transformá-lo em função do seu próprio benefício. Vale ressaltar que Silva (2001, p. 24), relata que: “*...+ festas costumavam confundir as práticas sagradas com as profanas, tanto nas comemorações externas como nas realizadas dentro da igreja”. No entanto, esta confusão é normal, e por isso o ser humano 74 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ acaba interpretando esta manifestação equivocada e certas expressões, sendo que é preciso rezar muito para a sociedade. Na visão de Brandão (1985, p.140), os “cultos de canto e dança e alegria invadem os ritos de fé. O corpo que salvar a alma de ser tão sagrada que esquece de ser humana”. Torna-se, em meio a esta manifestação, pessoas mais desligadas da sua religiosidade, querendo apenas se divertir. Representações do povo sobre a Folia de Santos Reis em Faina Para Moscovici, apud Moraes (2002 p.74): a representação e a informação são partes do conhecimento humano de determinados grupos, segundo o autor: [...] os grupos ou segmentos socioculturais podem variar bastante quando ao grau e consciência da informação que tenha sobre um dado assunto, quando á estruturação visualizável, unidade hierarquização desse conhecimento em um campo de representação, quanto a altitude ou orientação global – favorável/ desfavorável, por exemplo –em relação ao objeto de representação. Na folia também é assim; as pessoas de um determinado grupo (foliões, cozinheiras, etc.); tem uma relação diferente uns dos outros com a Folia e com os Santos. A partir da coleta de dados, foi feito um estudo dos questionários aplicados a 120 pessoas, com perguntas semiestruturadas, sobre a Folia de Santo Reis no município de Faina. Os questionários tiveram a intenção de captar, de maneira simples, os conhecimentos e sentimentos do povo fainense em relação a esta a festa tradicional. Todas as pessoas pesquisadas são residentes no município de Faina. Contudo há uma diversidade de idade entre os participantes, autoridades públicas e autoridades eclesiásticas. Há pessoas que participam da folia por vários motivos, mas principalmente, pela fé “que move montanha” faz as pessoas não terem medo de pedir ou de se arriscar por amor a Deus. Ao analisar os questionários, percebe-se que há certa semelhança nas respostas dos foliões, dos participantes, e de outros pesquisados. Através das perguntas, as pessoas demonstram seu jeito simples de adorar Jesus e aos Reis Magos. Percebeu-se, na pesquisa, que as pessoas entendem o significado da folia de várias formas, como mostra o 75 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ depoimento do Senhor Benedito Ferraz (59) 24 . “Pra mim significa muita coisa, por ter muita fé, pois ano passado eu estava com câncer e com muita dor, então eu pedi pro Três Reis me dar saúde e eu faria a festa e graças a Deus eu estou realizando a festa”. O depoimento traz uma forma de demonstrar o amor, onde o sentimento transmite algo muito forte como uma prestar homenagens aos Reis Magos, repassando este ato de devoção, mostrando a fé deste povo, que mesmo no sofrimento se faz presente na folia. A maioria dos pesquisados diz que o significado da folia é “muita coisa”, pois não sabem ao certo como expressar esse sentimento de pertencimento a esta tradição. Pessoa e Felix (2007), Moreira (1983), entre outros autores, acreditam que a representação da folia está presente no significado adquirido ao longo dos anos. O significado atribuído pelas pessoas faz parte do cotidiano de cada um, eles criam sua própria forma de representar perante a comunidade, pois tem raízes enterradas na tradição, onde as pessoas apreciam a companhia umas das outras, curtindo uma liberdade durante o giro da folia, livre de preocupações. Algumas pessoas gostam da folia, acreditando no sentido de que ela possa preparar o caminho para a chegada do Menino Jesus, com isso cria-se um sentido de pregar o nascimento de Jesus Cristo e assim fazer com que o objetivo, conscientização seja feita demonstrando para tosos os corações de todos que Jesus vem para nos salvar, Adquirindo então um sentido diferente. Ao notar que a folia possui seu próprio jeito, onde seus devotos são reconhecidos pela fé, sendo pessoas simples em meio a um mundo em transição, isso não influencia diretamente na folia, mas a força e a criatividade dos foliões ajudam a definir o seu lugar na história. Pessoa (2005, p.34-35), discorre que a: *...+ “Cultura Goiana”, muito bem caracterizada nas manifestações populares, especialmente nas festas religiosas, que podem, por isso mesmo, ser compreendidas como representações sociais. Mas a fé popular tem revelado 24 Benedito Ferraz de Lima 59 anos, depoimento recolhido em 04 de Janeiro de 2010. 76 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ historicamente uma instigante e criativa indisciplina religiosa, atraindo a ritualidade para o meio da rua. Uma das indagações feitas durante a pesquisa aos foliões e demais participantes foi a questão da participação da família na folia, onde quase todas as respostas foram iguais, sendo que 55% dos entrevistados falaram a respeito de ser uma tradição que é passada de pai para filho e por isso trazem consigo a sua família; enquanto 38% falam que já nasceram dentro da folia, em meio a esta tradição de muita fé; porém, uma mínima parcela de 7% de pessoas, disseram que frequentam a folia por que gostam de ver os festejos a Santo Reis. Devido essa vontade de fazer parte deste universo mágico, de fé, as famílias participam dos eventos e acabam se tornando muitas vezes colaboradores da festa, sendo assim, todos trabalham para que esta tradição não se perca ao longo da história. Contudo, foliões pesquisados falam que a cada ano que passa fica mais difícil girar com a folia, pois não é como antigamente. A vida na cidade está ficando muito cara e muitas vezes as pessoas estão passando por dificuldades e não tem condição de ajudar. Entretanto, se for pedido um pouso ou almoço, eles não podem negar um pedido de Santo Reis, porque a festa tem que continuar, então os foliões vão em busca das pessoas que fizeram votos, promessas para conseguir montar o giro da folia, não importando com a distância e nem com as dificuldades. Percebe-se que nesses depoimentos, há uma escolha que gira primeiramente em volta das promessas das pessoas, que de alguma forma se dispõem em realizar a festa. Todavia “o que é mais usual nas folias, que realizam o pouso ou pousada *...+ é o giro o dia e a noite”. (PESSOA, 2007, p.204). A folia que gira em maio faz sua caminhada durante o dia, e à noite eles descansam. Já a de Dezembro é ao contrário; ela costuma girar durante a noite e descansam durante o dia e fazem uma troca de rotina durante os meses, pois em maio a folia é feita pelos votos das pessoas e a de dezembro é feita em homenagem aos Reis Magos, fazendo a peregrinação de acordo com a deles. 77 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Antigamente, quando se oferecia o pouso, realmente era um pouso onde os foliões dormiam nas casas dos pousos, mas isso foi acabando quando a modernidade chegou aos nossos meios, pois quase todos hoje têm condições de usufruir algum meio de transporte, então eles retornam para suas casas e no dia seguinte começam tudo novamente. Quando se fala do giro da folia fica complicado, pois ela era realizada nas fazendas e com a expulsão dos camponeses de seu hábitat natural, a folia veio acompanhando-os. Mas de uns tempos pra cá, o sertanejo está voltando para o campo e com ele a folia segue rente nesse caminho. Santos, apud Oliveira (2003 p.24), ressalta que: Cada homem vale o lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças, de acessibilidade (tempo, freqüência, preço) independentes de sua própria condição. Pessoas, com as mesmas virtudes. Devido a isso, pode-se dizer que a folia vai onde está o seu devoto, para fazer sempre essa ligação do homem, campo e cidade sem desvalorizar nenhum, pois com isso valoriza-se a cultura local. Os pesquisados demonstram que isso faz com que o espaço urbano e o espaço rural permaneçam juntos, cultivando essa manifestação de fé, pois “no mundo rural, os grupos humanos, são regidos por sistemas próprios e mais ou menos uniformes de valores, leis e costumes *...+ com certa flexibilidade”. (OLIVEIRA, 2003, p.56). A folia faz com que as formas do conhecimento humano, sejam baseadas no seu cotidiano, onde os foliões valorizam suas crenças e costumes, valorizando uns aos outros, mesmo longe, como dona Maria Celestina de 85 anos, que conta que a folia girava antigamente nas fazendas e com o passar do tempo foi para cidade, e que agora está voltando novamente para o campo porque quase todos os foliões estão residindo em fazendas, então a folia precisa visitá-los. Devido a essa nova valorização do campo, ele acaba sendo visto como a extensão da cidade, pois incorporou novos valores, e assim a folia volta a fazer parte dessas mudanças, Uma prática que já foi falada é a esmola, então os foliões foram indagados para que serve a esmola recolhida durante o giro da folia. Eles disseram que é para ajudar o 78 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ festeiro do ano na realização da festa. Para Vigilato, apud Silva (2006, p.62), a esmola possui “duplo sentido: material que são gêneros em grande quantidade para a propagação da festa. E o sentido religioso: significa presentes ofertados pelos Magos ao Menino Jesus”. A festa em si envolve muitas pessoas, a esmola é recolhida justamente para ajudar na elaboração do evento, pois tudo que é recolhido é usado. E no final do giro da folia é uma forma de agradecer por todas as graças recebidas durante o ano e o que é recolhido durante o giro ajuda o festeiro, onde tudo é bem vindo. Como a folia conta a vida de Jesus, foi perguntado aos foliões se a Igreja Católica ajuda de alguma forma - as respostas foram unânimes ao dizerem que não. No final do ano de 2009 surgiu uma rixa entre os foliões e a igreja, pois dona Nenzinha, juntamente com outros membros da folia ficaram decepcionados com a atitude da igreja em relação à esmola. De acordo com os foliões, o Bispo da diocese de Rubiataba, Mozarlândia, veio pedir para que os foliões doassem toda a esmola recolhida durante o giro para a igreja. Isso gerou grande discussão entre os membros da folia com os representantes da igreja no município, pois de acordo com alguns depoimentos, a igreja nunca ajudou e agora vem e quer tudo e isso não é bom para o festeiro, que muita vezes é pobre e não consegue fazer a festa sozinho e a esmola o ajuda. Os foliões reclamaram da falta de bom senso da igreja em pedir tal coisa, pois todos são católicos e participam da igreja. Com isso, a rivalidade estabelecida acaba afastando uma tradição de décadas de sua morada santa e devido a isso Brandão (1985, p.133), diz que: “a história das trocas de ações de serviços e artimanhas de poder entre a hierarquia católica no Brasil e a massa dos fiéis não fugiu a alguns padrões que a história das religiões teima em repetir”. Isso não é bem visto, pois os foliões valorizam sua fé, devoção e amor aos Reis Magos e não aceitam tal imposição, pois a festa é de cunho religioso e é abençoada por Deus, juntamente com os Três Reis Magos, assim, acredita-se que eles não permitiram o fim desta tradição. 79 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Uma coisa que sempre esteve presente na folia é a bebida alcoólica, com os foliões se embriagando e cantando louvores aos Reis. Muitos foliões trabalham muito e para aguentar o pique tomam goles de pinga. [...] muito difícil mandar uma folia quando tá muito desorganizado, muita cachaça, [...] a pinga é um dos itens mais pesados [...] ao longo do giro, muitos moradores já esperavam a folia com um litro ou garrafa (600 ml) do produto para agradar os foliões. (PESSOA, 1993, p.144). De acordo com o autor, não é só os foliões que são culpados pela bebedeira, mas também a população, que os recepciona com os goles de pinga. A Folia de Reis de Faina sabe bem como é esse problema, mas de acordo com dona Maria Celestina (85) 25, o álcool já não faz mais parte da rotina da folia do povo fainense. “[...] o álcool já tem dois anos que não tem! Porque os foliões não podem, mas beber, falavam que a folia dos Pretos só andava bebo e ai pego e dano com eles, e eles conformaram com as regras”. Então, este hábito já não é mais parte constante do giro da folia. No entanto, sempre tem aquela casa que teima em oferecer aguardente - vai de cada um. Mas devido a pinga, muitos foliões estão doentes ou estão ficando doentes por causa da “branquinha” e isso foi mais um dos motivos para a sua suspensão. É preciso lembrar que não são apenas os foliões que gostam da pinga. Ao analisar os questionários dos foliões e de alguns participantes pode-se notar a relação que as pessoas têm com a folia - algo de muita fé, devoção e acima de tudo muito amor ao nosso senhor Jesus Cristo e aos Reis Magos. Na visão de Dom Adair José de Guimarães, bispo da diocese de Rubiataba e Mozarlândia, a igreja está tentando reviver esta fé na folia: A igreja que ajudar a incrementar nossas folias. Elas podem ser uma importante ferramenta de evangelização em nossos tempos. As folias nem sempre andaram em comunhão com a igreja, apenas de sua inspiração e efetivação serem eminentemente católicas. Isso se deve ao fato das folias serem expressões 25 (idem) 80 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ religiosas populares, advindas do próprio povo, sem a tutela eclesiástica. Há na folia um misto de folclore, símbolos religiosos e devoção. Cabe a igreja valorizar e nunca quere suplantar tais expressões. ( Dom Adair José, 49 anos.) ( sic). Percebe-se que a igreja está tentando demonstrar um interesse pela folia, valoriza e incentiva esta tradição, buscando assim interagir com o povo nas suas trocas de saberes, onde as crenças e os valores estão inseridos na cultura local, pois existe uma ligação do universo festivo como os rituais religiosos. Sendo assim, D’Abadia (2003), fala que o fator predominante nestes movimentos humanos demonstra que as decisões são baseadas no social e são feitas a partir da influência religiosa. Porque a sociedade em si, não demonstra seus sentimentos de um único modo, ela usa de artifícios culturais e também religiosos, para representá-los no espaço. Moraes (2002, p.71), diz que: “*...+ o lugar vivido é o ponto de partida para apreender as representações que as pessoas têm do espaço. Estas representações são reveladoras do significado que os lugares têm para cada individuo e |ou para a coletividade”. Na visão da autora, esse espaço se torna algo representativo para a pessoa, possui um significado próprio, onde eles interagem uns com os outros. É o caso da folia, pois as pessoas, estranhas uma das outras, se interagem normalmente, sem receio ou preconceito, numa demonstração coletiva de fé e devoção. Devido à representação da encarnação de Jesus na terra, demonstra uma expressão religiosa que permeia a população. A folia que gira em Faina demonstra uma fé de décadas, pois é guiada pelo amor a Jesus Cristo e aos Reis Magos. Com base nisso foram indagados sobre qual seria a importância da Folia para o município de Faina. A cada pergunta uma resposta envolvendo a tradição e a fé deste povo simples do interior, como conta Caio Velasco (22) 26 ·. “È muito importante, pois é uma tradição e traz várias pessoas de fora, para conhecer um pouco da cultura do povo fainense. 26 Prefeito de Faina,22 anos depoimento recolhido em 15 de maio de 2010. 81 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Nota-se certa peculiaridade em falar desta tradição tão importante para este povo, que bravamente conduz este evento com muito amor, para o senhor João Batista(55) 27, a folia; “É uma tradição, onde o Faina é ainda guerreiro nesta arte, é um folclore, alegria. Sendo assim, pode-se perceber a determinação por parte deste povo, que tem uma necessidade inconsciente de divulgar a festa, como conta a senhora Juciara Castelo(40)28.“Eu acho que é divulgar a cultura local e regional. Com base na pesquisa, pode-se afirmar que a folia fainense é considerada como uma cultura de caráter guerreiro, como foi expresso pelo senhor João Batista, pois mesmo com as transformações, ainda continua de pé, pois a sua origem sobrenatural é revelada durante a viagem dos Reis Magos. Contudo, não se conhece nenhum documento oficial que registra a folia de Reis, nem na igreja e nem nos órgão públicos, apenas os depoimentos verbais e alguns arquivos de fotos particulares de pessoas relacionadas a esta manifestação. O povo de Deus vive no mundo humano[...] com a mesma tarefa que cristo ensinou no sermão da Montanha: vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo que há de brilhar diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai, que está nos Céus [...](MT,5.13,16)ser testemunha de cristo pela vida é condição inerente a graça de ser escolhido como discípulo: quem der testemunho de mim, diante dos homens, também eu darei testemunhos dele diante do meu Pai. (LEERS, apud OLIVEIRA 2003,p.27) Na concepção do autor, o testemunho faz parte da vida do ser humano, na terra, com a chegada de Cristo Salvador, isso se tornou mais frequente, pois os foliões cantam e testemunham as boas novas, e a igreja assume o papel de elo entre o sagrado e o profano.. A Folia de Faina é conhecida regionalmente, é uma festa tradicional do município, aonde vem pessoas de várias cidades para prestigiar esta festa, assim, foi questionado a alguns políticos, o que eles estão fazendo para ajudar a propagar esta mensagem de amor e fé que é a folia e a maioria disse que a folia deveria fazer uma parceria com os órgãos 27 28 Vereador municipal,55 anos, depoimento recolhido em 20 de maio de 2010. Vereadora Municipal, 40 anos, depoimento recolhido em 18 de maio de 2010. 82 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ públicos para sua divulgação regional. A partir disso se poderia elevar a importância do turismo religioso. Devido à divulgação a festa poderia acarretar para si mais seguidores e participantes onde eles iriam demonstrar sua religiosidade, e com o auxilio dos governantes essa tradição continuaria, por muito tempo, onde os órgão públicos poderiam ajudar na sua divulgação, ajudando no transporte da população, conservando as estradas, nas zonas rurais e com isso esta sempre a disposição das necessidades do povo. De acordo com os depoimentos dos governantes municipais, a base para que a festa não venha acabar é a divulgação dela, pois traria benefícios para a mesma e também para o município. Pois as pessoas iriam conhecer melhor a cidade e assim contemplariam um pouco desta tradição, que surgiu bem antes do arraial de Faina, estas experiências religiosas tocam na alma do povo, onde eles transmitem a sua gratidão em forma de homenagens e da festa, porque o ser humano é guiado pelo amor Divino sagrado, algo que esta além da sua compreensão. Então, ao término da pesquisa, todos foram indagados e responderem o que poderiam fazer para que está festa de mistérios e tradições não se percam na história e permaneça na vida e na cultura local. Esta festa está na memória das pessoas, invadindoas com recordações dos festejos e, devido a isso, pode-se notar uma semelhança na resposta. “Simplesmente apoiando e acompanhado a pratica da folia. Essa é a intenção nossa, como igreja, apoiar a prática cultural e religiosa das folias. A humanização e a seriedade precisam ser propositivas nas praticas de nossas folias”. (Dom Adair José, 49) 29 Sendo assim, a igreja irá apoiar cada vez mais a folia e a sua tradição, no entanto, é preciso que a própria população ajude nesta prática, não é o único apoio que a folia precisa como conta no depoimento da missionária Deolinda Oliveira(38) 30 abaixo: “Acompanhar, além disso celebrar quando for solicitado mas é preciso mais apoio do governo municipal”. 29 30 Bispo da Diocesano de Rubiataba /Mozarlândia. Missionária da Comunidade Nova Aliança. 83 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A igreja tem uma visão simples desta manifestação, onde o apoio faz toda a diferença na hora da realização do evento, os foliões mais antigos, precisam entender que os jovens de hoje tem outro tipo de cultura, mas mesmo assim devem investir neles, para que esta festa não acabe devido à falta de interesse da juventude do lugar. Então, precisa-se ter uma formação para os jovens foliões, onde se conte a histórias as folias, criando assim um movimento cheio de cultura, história, fé e devoção aos Reis Magos. Os vereadores juntamente com o prefeito, acreditam que a divulgação é um dos caminhos, que pode ajudar o povo, pois com isso pode-se fazer uma propagação da festa, ajudando também financeiramente na realização dos eventos, como os almoços, pousos ou até mesmo a festa de encerramento da folia. Contudo, a folia precisa de registros, em arquivos municipais, para que se possa ter fácil acesso a este documento, onde a população pode ter um registro maior desta festa, o ensinamento da folia deve ser passado para frente para as futuras gerações para que a tradição não se perca no esquecimento. A folia é formada a partir dos saberes populares, onde os foliões dedicam boa parte das suas vidas na realização dela, eles tentam transmitir uma moral religiosa, social, ética e produtiva, onde todos se respeitam e possuem as suas obrigações de dar e retribuir tudo aquilo que lhe foi oferecido. A folia de Santo Reis do município de Faina é movida pela fé de homens, mulheres e crianças simples, que acima de tudo acreditam em um Deus vivo, que veio ao mundo para redimir os pecados da humanidade - se fez carne, pobre e humilde, pois foi através de seus ensinamentos que mudou o mundo e até hoje muda a vida de muita gente. Pode-se dizer que a folia é um novo processo de evangelização, neste mundo globalizado, onde maioria das pessoas não valoriza mais as tradições, e com isso a folia torna possível uma aproximação maior da festa com o seu público alvo, juntando-os com as cerimônias religiosas. 84 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Conclusão O objetivo do trabalho foi analisar a espacialização da Folia de Reis no município, conhecendo um pouco da cultura local, desvendando os mistérios da festa de Reis. Podese perceber, através da pesquisa, que o povo fainense se orgulha da sua origem e da sua Folia de Reis e eles não irão deixar esta tradição acabar, por que ela está impregnada na vida das pessoas. Ao acompanhar a folia percebeu-se que esta manifestação de fé, promessa e devoção, está ligada ao amor aos Três Reis Magos e à fé que o povo tem em Deus. A folia está presente, na memória cultural do povo fainense, essa mistura de ritmos, crenças, religiosidade se instala no imaginário popular ganhando novas formas e arranjos ao longo do tempo. Para que se possa fazer uma separação entre o sagrado e o profano, precisa-se realizar a materialização do espaço. A folia faz parte da cultura fainense, o povo trabalhador e devoto propaga sua fé, não apenas nas igrejas, pois a religião tem sua história e sua tradição, que remontam acontecimentos bíblicos passados. Na folia é assim, durante um longo período os foliões fazem a peregrinação como se fosse os Três Reis Magos a caminho do encontro do Menino Jesus. A folia é uma manifestação cultural que se mantém viva, os devotos propagam sua fé, fazendo uma peregrinação em homenagem aos Três Reis Magos. Sabe-se que uma pesquisa tem limitações, assim esta não conseguiu, nem teve a pretensão de esgotar o assunto, sendo a Folia de Reis em Faina uma fonte de conhecimentos para outros estudos científicos. Referências: ALMEIDA, C. O Homem Contemporâneo e a Sacralidade. In. MARTINI, A, et. al. (org). O humano no Lugar do Sagrado. São Paulo, Editora Olho d’Agua, 1995. BRANDÃO, C. Memórias do Sagrado: estudo da religião e ritual. São Paulo, Ed Paulinas, 1985. ______. De tão Longe eu Venho Vindo: símbolos, gestos e rituais do catolicismo popular em Goiás. Goiânia, UCG, 2007. 85 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ D’ABADIA, M. Nos Costumes de Muquém: romaria e fé x turismo e lazer. In. Almeida M. et.al (org). Paradigmas do Turismo, Goiânia, Alternativa, 2003. ELIADE, M. Imagens e Símbolos: ensino sobre o simbolismo mágico-religioso. Trad. Sônia Cristiana Tamer, São Paulo, Martins Fontes, 1996. ______. O Sagrado e o Profano. Trad. Rogério Fernandes, São Paulo, Martins Fontes, 1992. MOREIRA, Y. De Folias, De Reis e De Folias de Reis. Revista Goiânia de Artes, UFG-GO, Julho/Dezembro, 1983. MORAES, D. A Cidade de Goiás: patrimônio histórico, cotidiano e cidadania Dissertação, Geografia, UFG, Goiânia, 2002. OLIVEIRA, R. A Romaria na Festa do Divino Espírito Santo na Cidade de Mossâmedes. Monografia, Geografia, Universidade Estadual de Goiás, Unidade de Goiás, 2003. PESSOA, J; FELIX, M. Os Três de Casa em Casa. In. PESSOA, J; FELIX, M. (org.). As Viagens dos Reis Magos, Goiânia, Editora da UCG, 2007. ______. Saberes em Festas: Gestos de Ensinar e Aprender na Cultura Popular. Goiânia, UCG, 2005. PESSOA, J; PESSOA, E ; VIANES, E. Meu Senhor Dono da Casa: os 50 anos da folia de reis de lages. Goiânia, UFG – BSCI, 1993. RAFFESTIN, C. 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Monografia, História, Universidade Estadual de Goiás, Unidade de Goiás, 2003. 86 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ O Ensino de Geografia e os Conceitos Geográficos: a percepção dos educandos das escolas do campo do município de Iporá Goiás sobre os conceitos de Meio Ambiente e Cidadania 31 Silvaci Gonçalves Santiano Rodrigues Resumo: O componente curricular de Geografia tem sido considerado como privilegiado no tratamento das questões ambientais, contudo ocorre certa dificuldade tanto de educadores como de educandos em compreender o espaço geográfico como campo de relações entre ser humano/ser humano e deste com a natureza no processo de transformação da mesma. A questão ambiental é um problema mundial e constantemente discutido pela sociedade, principalmente nas últimas décadas. Entretanto, por mais que haja discussões nesse sentido, os problemas ambientais continuam existindo e alguns se tornando mais graves e irreversíveis. Portanto, as atitudes para resolução dos problemas ambientais dependem do exercício da cidadania em seu sentido pleno. Nesse contexto a Geografia escolar, caracterizada como um componente curricular que busca formar cidadão crítico, reflexivo e participativo, pode ser uma grande aliada para auxiliar os educandos na construção dos conceitos acima citados. A orientação do Ministério da Educação e Cultura – MEC – para ensino de Geografia em relação ao conceito de Meio Ambiente é que este seja trabalhado como tema transversal, para que os educandos possam ter uma visão global da questão, porém estes nem sempre ou raramente são trabalhados de acordo com as orientações do MEC. A efetivação destas propostas para o ensino de Geografia poderia contribuir consideravelmente para que o educador saísse das bases tradicionais da educação geográfica, incorporando em seu trabalho a relação teoria/prática, que pensamos ser essencial para que a Geografia possa cumprir seu papel de componente curricular formadora de cidadãos. Palavras-chave: Ensino de Geografia. Cidadão. Questões ambientais. Educação do Campo Introdução Se atentarmos para o espaço geográfico, veremos mais claramente o tipo de transformação que meio ambiente tem sofrido a partir da ação de atores sociais e entendemos que esta transformação do espaço como meio ambiente onde vive o ser humano, depende do modo de sentir de pensar e de agir de cada cidadão. Pensamos que 1 Silvaci Gonçalves Santiano Rodrigues é Graduanda em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás - Unidade Universitária de Iporá, sendo esta pesquisa realizada para fim de conclusão de curso. Indicadora do artigo para publicação e orientadora da monografia professora Jackeline Silva Alves do curso de Geografia da UEG Morrinhos-GO. 87 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ estas transformações, dependendo do interesse de cada pessoa podem ocorrer em maior ou em menor grau. Podendo também ter impacto positivo ou negativo. Ao nosso entendimento infere-se que atitudes e práticas ambientais corretas dependem da educação. Não nos referimos aqui apenas à educação escolar, embora seja esta o foco principal desta pesquisa. Entendemos que para que ocorra construção do conhecimento é necessária uma inter-relação entre todos os tipos de educação, o formal e o não formal. Nesse contexto o ambiente imediato, ou seja, o lugar de vivência deve ser privilegiado para que ocorra a aprendizagem significativa. Assim poderemos obter uma educação para a formação do cidadão critico e reflexivo que estão presentes nas propostas educacionais. O tema “meio ambiente”, no contexto educacional deve ser visto como tema transversal segundo propostas do Ministério da Educação e Cultura - MEC -, ou seja, deve abranger todas as áreas do conhecimento. Nesse sentido o componente curricular de Geografia tem a oportunidade de trabalhar e cumprir seu papel na formação do cidadão. O propósito da transversalidade para alguns temas se faz necessário, considerando a preocupação das discussões de alguns teóricos da educação, cuja preocupação está relacionada com a formação do educando para vida, o que entendemos como uma formação para o exercício da cidadania. Segundo o PCN, 2001, os componentes curriculares não contemplam temas como: saúde; sexo; meio ambiente; etc. Pensando nestes aspectos, o MEC instituiu os temas transversais objetivando o estudo desses assuntos em todos os componentes curriculares, para que se tenha uma visão global das questões. O debate ambiental parece ser um tema fácil, por envolver o espaço de vivência do educando, porém o educador ao propor uma educação ambiental, deve estar disposto a assumir a tarefa de sair das bases tradicionais que ainda caracterizam o ensino de Geografia, a fim de construir um conhecimento geográfico que permita a compreensão ambiental de forma que meio ambiente não seja reduzido ao meio natural e que não seja 88 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ apenas pautado na definição de conceitos, como o que é preservar, o que é conservar, o que é meio ambiente, mas indo além destes. Acreditamos que para que ocorra a preservação socioambiental é necessário mudanças de hábitos, atitudes, e também do exercício de cidadania, pois a partir deste último aspecto, seremos capazes de cobrar o que nos garante a legislação, que é o direito de viver em ambientes não degradados32. Trabalhar para esta mudança social é também papel da Geografia enquanto componente curricular. Este pode contribuir de forma significativa na formação do cidadão, haja vista que abrange o estudo do espaço e as relações sociais existentes no mesmo. Com a intenção de perceber como a geografia escolar tem contribuído para a construção dos conceitos de Meio Ambiente e Cidadania, a pesquisa aqui apresentada ocorreu nas escolas do campo do município de Iporá-Goiás, com estudantes do 2º ao 5º ano do ensino fundamental. Sendo as escolas: Escola Municipal Vilma Batista Teixeira, localizada na comunidade Jacuba; Escola Mangelo Pedro Borges, localizada na comunidade Cruzeirinho; Escola Municipal do Bugre, na comunidade do Bugre e Escola Boaventura Domingues de Araújo33, localizada na comunidade do Buriti. Para que pudéssemos construir o referencial teórico e também para embasar nossas ideias fizemos pesquisa bibliográfica. Fizemos ainda entrevistas com nove educandos do 2º ano, cinco do 3º, um do 4º e nove do 5º, sendo um total de 24 educandos. Entre os educandos apenas uma educanda da Escola Vilma Batista Teixeira não foi entrevistada 34. E o fato de haver somente um educando do quarto ano durante a pesquisa se deve à forma de organização destas escolas em classes multisseriadas. 2 Capítulo VI, artigo 225 “Todos têm direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”. 3 Quando iniciamos a pesquisa a estava em funcionamento, foi fechada no ano de 2008. 4 Por não estar presente no dia em que os questionários foram aplicados. 89 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Foram feitos questionários fechados para os educandos do 2º e 3º, exceto um estudante do 2º ano da Escola Mangelo Pedro Borges, que segundo a professora este teria condições para responder as questões abertas. Fizemos também entrevistas com roteiros dirigidos às educadoras e para a coordenadora, baseadas em conversa informal. A todos os educandos pedimos que por meio de desenhos representassem seus entendimentos sobre meio ambiente, com o objetivo de perceber se as concepções por meio da representação por imagem e por representação escrita, sobre meio ambiente se equiparavam. Por meio dos documentos oficiais do MEC, como exemplo o Projeto Base 35 fornecido pela Secretaria Municipal de Educação, pudemos analisar o que ocorre na prática e o que estão nos documentos do MEC, e entendemos que existe uma digressão entre o que se propõe e o que se pratica no setor educacional em relação ao tratamento e ao trabalho com estes conceitos por meio do componente curricular de Geografia. Assim, ancorados em alguns teóricos que tratam o tema, apresentamos este trabalho com fim de contribuir para a melhoria do ensino de geografia, em especial no tratamento dos conceitos de Meio ambiente e Cidadania. O que motivou o interesse por esta pesquisa foi o fato de participar de um projeto de pesquisa semelhante, porém em escolas urbanas. Além disso, pensando na possibilidade de em outro momento realizar um paralelo entre os resultados da pesquisa nas escolas do campo e na escola urbana onde realizamos a mesma. Desenvolvimento As discussões ambientais no século XXI se tornaram motivos de debates em vários seguimentos sociais. No setor educacional formal escolar, esse tema tem sido constantemente debatido. Mesmo havendo estes debates, entendemos que ainda não é 5 Projeto Político Pedagógico do Programa Escola Ativa, sendo que o objetivo deste material é estabelecer bases para o programa, preparando gestores e educadores para atuação na Educação do Campo, assim como uma compreensão mais ampliada da escola e dos processos de ensino aprendizagem. (Projeto Base, 2010) 90 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ bem compreendido e constantemente o meio ambiente é considerado como sinônimo de natureza. E parte das dificuldades enfrentadas pelos educadores quando trabalham com esses temas, têm a ver com a falta do material necessário para a correta ministração destes conteúdos; Além de muitas vezes, na grade curricular, o tempo destinado a eles ser aquém do que seria necessário. A partir disso, esses temas, muitas vezes são tratados superficialmente. Tendo como ferramenta base para o trabalho docente, o livro didático, o educador deixa de contemplar os temas propostos para a transversalidade, entre eles o meio ambiente, considerando que para as realidades brasileiras e as diversidades das regiões e até mesmo intra-regiões, em muitos lugares quando se tem muito, é o livro didático, ou por vezes, o uso de outros recursos não é permitido pela pouca flexibilidade dos programas. Podemos perceber na reflexão de Soares que: A contemporaneidade e reduzido acúmulo de experiências em Educação Ambiental, associado à não-implementação de uma efetiva política de Educação Ambiental, refletem-se na formação do professor que se gradua com pouco conhecimento sobre a temática ambiental e precisando, na prática cotidiana, tratar desse tema, conforme preconiza a política educacional. Os profissionais da educação tentam preencher essa lacuna com o auxílio do livro didático, muitas vezes sua única referência, o que acaba transformando o conteúdo do livro no próprio currículo. (SOARES, 2005, p. 2) A Geografia escolar por ser um componente curricular que aborda tanto os aspectos físicos como os humanos, tem privilégio no tratamento das questões ambientais. Para compreender o papel da educação e da Geografia em especial na formação do sujeito capaz de resolver problemas ambientais é necessário que se faça a leitura das propostas educacionais, e em especial as propostas para o ensino de Geografia, ao entendê-las como pilares para o papel da educação geográfica em relação à educação ambiental. Um dos objetivos do ensino de Geografia é capacitar o educando a: Identificar e avaliar as ações dos homens em sociedade e suas consequências, em diferentes espaços e tempos, de modo a construir referenciais que possibilitem 91 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ uma participação propositiva e reativa nas questões socioambientais locais. (PCN, 1997 p. 89) Porém o ensino de geografia pautado no tradicionalismo, numa prática memorativa de conceitos, não se adéqua às propostas feitas pelo MEC, e isto é constatado na pesquisa, pois o que percebemos a partir da análise dos desenhos foi uma visão de meio ambiente, relacionado ao entendimento mais aproximado de meio natural (visão tradicional). Embora alguns dos estudantes pesquisados apresentem o ser humano como parte do meio ambiente, ele não é tido nos desenhos e nas respostas escritas como alguém que possui responsabilidade em relação aos problemas ambientais existentes, aparecendo em alguns desenhos como mero expectador do meio, como apreciador destes espaços, e ao mesmo tempo alguns desenhos demonstram a preocupação humana com a natureza. Isso é passado e repassado no setor educacional escolar há muito tempo e pensamos que isto deve ser mudado. A ideia de natureza está sempre presente quando se fala em meio ambiente, e isso não ocorre apenas na escola, mas na sociedade em geral. Quando falamos em meio ambiente, muito frequentemente essa noção logo evoca as ideias de “natureza”, “vida biológica”, “vida selvagem”, “fauna e flora”. Tal percepção é reafirmada em programas de TV como os tão conhecidos documentários de Jacques Cousteau ou da National Geographic e em tantos outros sobre a vida selvagem que moldaram nosso imaginário sobre a natureza. [...] Essas imagens de natureza, não são como pretendem se apresentar, um retrato objetivo e neutro, um espelho do mundo natural, mas traduzem certa visão de natureza que termina influenciando bastante o conceito de meio ambiente disseminado no conjunto da sociedade. (CARVALHO, 2008, p. 35) Identificamos estas características durante a pesquisa. Acreditamos que concepções por meio das imagens e as representações escritas pelos educandos são caracterizadas pelo ambiente natural pelo fato não haver a construção do conhecimento sobre este conceito, que só é possível a partir de uma aprendizagem significativa. A partir das figuras a seguir podemos ver exemplos da concepção de meio ambiente dos educandos destas escolas. 92 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Figura 1: Alguns dos desenhos confeccionados pelos educandos das escolas do campo do município de Iporá De acordo com a figura 1, percebemos que predomina a visão naturalista de meio ambiente, em alguns desenhos se percebe a figura humana, em outros casos o ser humano não está presente. Quando analisamos as respostas dos educandos do 2º e 3º ano, quando perguntamos o que é meio ambiente para eles, todos os educandos acham que meio ambiente é o lugar onde vivem homens, animais e plantas. Para os educandos do 4º e 5º anos, quando questionados sobre o que entendem por meio ambiente, em apenas dois questionários encontramos respostas mais elaboradas, onde o ser humano aparece também como elemento do meio. Eles dizem que meio ambiente é onde mora os animais e que nós também fazemos parte dele. Nos demais questionários as respostas muito se aproximam de um meio ambiente enquanto natural. Segundo eles meio ambiente são: os rios; os peixes; as plantas; lugares onde vivem os animais; etc. Quando observamos que a ideia de lugar está posta, podemos compreender que há no entendimento do educando uma separação entre “seu meio e o meio ambiente”. 93 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Para compreendermos se veem o ambiente modificado – casas, ruas, praças etc. – como sendo meio ambiente e se percebem o ser humano como transformador deste, perguntamos a eles o que consideram fazer parte do meio ambiente. Responderam com as mesmas palavras que usaram para conceituar Meio Ambiente. Fazem referência ao homem, aos animais, às plantas, aos rios, às pessoas, etc. Sabemos que como afirma Penteado: O meio ambiente é formado pelos elementos pertencentes ao reino mineral, vegetal, animal que compõem um determinado espaço; [...] Estes elementos são todos inter-relacionados; destes elementos destaca-se o homem (pertencente ao reino animal) pela capacidade que tem de interferir em todos estes elementos, alterando-os, consciente e/ou inconscientemente através das dimensões econômicas e políticas, das organizações sociais que constroem. (PENTEADO, 2001, p. 73) Enquanto elemento e transformador do meio ambiente, o ser humano prejudica seu espaço de vivência em defluência dessa transformação, que deve ser compreendida dialeticamente, de modo a entender que ao beneficiar a si e até mesmo outros elementos do meio, podem ao mesmo tempo, dependendo de suas atitudes, acarretar o desequilíbrio ambiental e consequentemente degradá-lo. Percebemos que estas análises não são feitas com os educandos por meio dos educadores ao ministrar as aulas de Geografia, pois se assim fosse, a visão destes educandos em relação ao meio ambiente se diferiria do que constatamos na pesquisa. Segundo a pesquisa, assim como as educadoras, eles se isentam da responsabilidade de serem causadores de problemas ao meio ambiente em que vivem. Eis as questões e respostas dos mesmos: Figura 2: Parte do questionário elaborado aos educandos. 94 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A exemplo da figura 2, inferimos que na concepção dos mesmos, alguém é responsável por poluir, queimar e matar os animais, por isso existem problemas ambientais. Podemos perceber que “alguém polui”. Na figura 3 percebemos que uma forma deste educando (a) resolver problemas ambientais seria pedir às pessoas para não fazer queimadas. Ou seja, existe alguém, que não ele, responsável pelos danos ambientais. É comum entre nós, não nos responsabilizarmos por danos que causamos ao nosso ambiente, embora seja isto um erro. Figura 3: Parte do questionário elaborado aos educandos. Embora a maioria dos entrevistados entenda que meio ambiente é o lugar onde vivem homens, animais e plantas e que estes consideram sua comunidade como sendo meio ambiente, quando questionados sobre a existência de problemas ambientais neste espaço (sua comunidade), a maioria deles desconhecem. Para eles não existem problemas ambientais no lugar onde vivem. De acordo com as respostas para as perguntas acima, dizem que são capazes de resolver problemas ambientais, porém os problemas mencionados nos questionários são referentes: ao lixo; às queimadas; à poluição ambiental pelo lançamento de fumaça e matança de animais. Nesse contexto, percebemos que a Geografia escolar não tem cumprido seu papel de formadora de cidadãos críticos. Segundo a maioria destes educandos, nas aulas de Geografia sempre falam sobre meio ambiente e sobre os problemas ambientais e dizem que gostam das aulas de Geografia. Mas o que percebemos a partir dos materiais analisados é que este componente curricular é trabalhado de forma tradicional, com ensino baseado apenas no livro didático, fazendo com que ocorra apenas a transmissão dos conteúdos que nada tem a ver com a vida do educando. Assim, 95 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ O professor vem atestando o desinteresse, o enfado, a desatenção de crianças e adolescentes quando colocados diante das exigências do estudo calcado apenas no ensino livresco; as respostas decoradas que daí resulta para as provas e para agradar o professor, encerrando na própria escola o ato de aprender. Pouco se leva para a vida. E assim vai se repetindo, se conservando. Perpetuando e multiplicando seus problemas. (PENTEADO, 2001, p. 54) Percebemos os educandos aprendem o que lhes é ensinado, no entanto o que se ensina, a maneira como se ensina, não corresponde à necessidade do educando. Isso pode ser observado também a partir da avaliação escrita aplicada por uma das professoras desta escola. As questões são baseadas no tradicionalismo. Os conceitos são definidos mecanicamente. Carvalho (2008) aponta uma educação ambiental, não importa a disciplina, portanto aconselha que se trabalhe a partir da interdisciplinaridade. Para ela isto significa ousar. Diz não ser cômodo, nem fácil, porém para ela é a forma de se conseguir uma sociedade que pense nos problemas socioambientais, de forma a ter condições de solucioná-los. Embora as educadoras nos informem que trabalham a geografia a partir também de aulas campo. Entendemos que se as teorias forem baseadas nos conhecimentos advindos apenas dos meios de comunicação ou livro didático, pouco adiantará. É de suma importância que o educador conheça as propostas para o ensino de Geografia e para o tratamento que o MEC e as Orientações Curriculares dão aos temas abordados, para proceder na intenção de adaptar estas propostas às realidades destas escolas. Todavia o que se identifica ao perguntar sobre as propostas para o ensino de Geografia, é que estas propostas são desconhecidas por elas. A professora “B” declarou não conhecer nenhuma das propostas para o ensino de geografia, enquanto a professora “C”, afirmou conhecer tais propostas, porém ao responder a pergunta refere-se à horta da escola, aos projetos relacionados ao lixo, poluição do meio ambiente, etc. Eis sua resposta: 96 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Olha, nós temos uma que eu acho que vai né...? Você deve é... talvez vai perguntar mais a frente, mas é a questão aqui da nossa horta, que nós temos na escola. É uma proposta do MEC, de acordo pela Escola Ativa, já incentivando a questão de é...cidadania, porque é uma questão em conjunto, cada um vai tá fazendo sua parte e pra isso vendo a questão do meio ambiente também. [...] olha das outras tem a questão de... nós fizemos até um projeto em relação a essa questão do lixo, da jogada do lixo no meio ambiente, então são várias as atividades de acordo que vem pela proposta do MEC.(informação verbal) 36 Assim, podemos afirmar que quando não desconhecem não sabem de fato explicar quais são estas propostas. O MEC, por meio dos PCNs diz que: Desde as primeiras etapas da escolaridade, o ensino de Geografia pode e deve ter como objetivo mostrar ao aluno que cidadania é também sentimento de pertencer a uma realidade na qual as relações entre a sociedade e a natureza formam um todo integrado – constantemente em transformação – do qual ele faz parte e, portanto, precisa conhecer e sentir-se como membro participante, efetivamente ligado, responsável e comprometido historicamente. (PCN, 2001, p. 113) Subentendemos que os educandos, desde as primeiras séries consigam aprender Geografia de maneira a apreender seu espaço de vivência, sentindo-se participante, pois somente desta forma haverá possibilidades deste educando interferir de maneira a transformar a realidade social por meio de mudanças de hábitos e atitudes socioambientais corretas. Pensamos que a forma como estes conceitos são tratados nestas escolas, a proposta para o ensino de Geografia se torna quase impossível, pois é feito baseado na educação tradicional. A foto que segue refere-se a uma avaliação feita por um (a) educando (a) do 5º ano, no terceiro semestre de 2010 (ocultamos o nome para preservar a identidade do educando (a)). Podemos perceber por meio da foto, impregnada tanto no educando como no educador das instituições escolares pesquisadas, a ideia de apenas o lixo como problema ambiental. 6 Entrevista formal, gravada com a professora “C”. 97 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Constatamos também a forma mecânica de se ministrar os conteúdos, ilustrado também pela foto a seguir. Foto: RODRIGUES, Silvaci Gonçalves Santiano. Fonte: Avaliação referente ao terceiro bimestre em uma das escolas realizada por educando (a) do 5º ano. As concepções dos educandos estão intimamente relacionadas às concepções das educadoras. Podemos observar a partir das diversas questões. Por exemplo, quando interessamos saber o que poderia ser feito para melhorar o meio ambiente, a professora “B” responde que: “Uma das principais atitudes de todos nós seria essa reciclagem do lixo. Eu acredito que se a gente aprendesse a usar tudo mesmo assim, e reaproveitar, nós poderíamos é... estar diminuindo esse impacto que está tendo na natureza”. 37 (informação verbal) A partir da foto e das falas das educadoras, concluímos que estas veem o lixo como um problema, mas não estabelecem o entendimento dialético com o fim de perceber que este tem sua origem no consumo, que nem todas as pessoas podem consumir e muitas vezes consumimos o que não temos necessidade, e também que a classe dominante (ricos) sobrevive nas regalias, enquanto a classe subordinada (pobres) sobrevive de um 7 Entrevista formal gravada com a professora “B” 98 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ tímido consumo. E que também esta última classe (pobres) é explorada para que a segunda classe (ricos) possa consumir. O problema do lixo é dado como um fato, parte de uma atividade corriqueira. Se fosse enfocado nos seus múltiplos aspectos, poderia repercutir melhor na conduta das crianças e adolescentes das escolas. A abordagem de seu sentido mais abrangente, de reflexão de uma cultura shopping center dominante, extremamente consumista, rápida na produção e lenta na recuperação do meio ambiente que desgasta e destrói, dentro de uma perspectiva estritamente economicista poderia desenvolver princípios mais sustentáveis. (TRISTÃO, 2004, p. 129) Nesse contexto, não podemos classificar o problema do lixo como um pequeno problema ambiental, pois consideramos importante o tratamento dado a este tema. Todavia não concordamos com trabalhos sobre meio ambiente e resolução de problemas ambientais restritos a gerenciamento de resíduos sólidos. Educar para cidadania exige pessoas críticas, que saibam qual seu papel na sociedade. Que saibam tomar decisões ante os desafios postos pela complexidade existente no espaço geográfico, que surge da dinâmica existente entre sociedade/sociedade e também da relação entre sociedade e natureza. Portanto, uma tarefa importante para o professor, associada ao tema Meio Ambiente, é a de favorecer ao aluno o reconhecimento de fatores que produzam o real bem-estar; ajudá-lo a desenvolver um espírito de crítica às induções ao consumo e o senso de responsabilidade e solidariedade no uso dos bens comuns e recursos naturais, de modo a respeitar o ambiente e as pessoas de sua comunidade. (PCN, 2001, p. 49) Com relação à proposta de educar para cidadania nestas escolas, segundo a coordenadora das escolas do campo, é uma prioridade para a secretaria, pois buscam base nos materiais do Programa Escola Ativa38, que segundo ela, é todo voltado para o tratamento dos temas, meio ambiente e cidadania. 8 Programa Escola Ativa é a proposta do MEC, para as escolas do campo, adotado pelas escolas do campo em Iporá no ano de 2008. 99 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ As escolas municipais do campo em Iporá se apoiam em um projeto que dá bases para preparar o educando para a vida, para o exercício da cidadania plena. Segundo as educadoras, todos os educandos e educandas destas escolas conseguem se organizar a partir de uma gestão democrática dentro e fora da sala de aula 39. Ao observar algumas aulas e em conversa informal com as educadoras, notamos que sempre selecionam os educandos responsáveis por algumas atividades diárias na escola, tais como: determinar quem distribui o lanche; lembrar o horário de regar a horta da escola; pedir aos responsáveis para regar a horta, entre outras atividades desenvolvidas no dia-a-dia pelos próprios educandos. São eles que determinam estas práticas diárias. Pressupomos então, que existam bases para o exercício da cidadania plena, portanto se a parte teórica não estiver relacionada à prática, não surtirá efeito, pois, [...] o desenvolvimento da cidadania e a formação da consciência ambiental tem na escola um lugar adequado para sua realização através de um ensino ativo, participativo, capaz de superar os impasses e insatisfações vividas de modo geral pela escola na atualidade, calcado em modos tradicionais. (PENTEADO, 2001, p. 54) Quando questionados sobre o entendimento deles sobre o conceito de Cidadania, a concepção de alguns está relacionada apenas aos direitos e deveres, outros não conseguem defini-lo. Dentro das salas de aula existem cartazes que mostram quais são seus deveres. No entanto, não vimos nenhum cartaz com seus direitos. É assim no Brasil, os deveres sempre são explícitos enquanto os direitos são camuflados. A concepção destes educandos sobre cidadania está ligada ao direito de votar (que no Brasil vai além do direito, se tornando quase uma obrigação 40), direito de ter carteira de identidade, enfim, suas concepções sobre cidadania não tem a amplitude que se deve 9 Informações adquiridas a partir da observação das aulas no decorrer da pesquisa. Embora não esteja contida na metodologia a proposta de observação das aulas, achei por bem a prática da observação para melhor compreenção de como ocorrem as aulas de geografia. 10 Exemplo dessa obrigação: para ocupar cargos públicos, ingressar nas universidades públicas, temos que ter documentos que comprovem que votamos, portanto, o que é direito acaba se tornando uma obrigação. 100 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ ter ao pensar este conceito. A maioria dos educandos não tem noção do que seja cidadania, percebemos que não é dada a importância e a dimensão necessária, quando se trabalha o referido conceito nestas escolas. Quando T. H. Marshall em 1950 estrutura o conceito de cidadania, a partir dos direitos sociais – século XX – surge o conceito de cidadania plena, que é o direito de ter direitos. Por exemplo: o direito não somente ao meio ambiente, mas de tê-lo saudável e se isso não é concedido ao cidadão este tem direito de reivindicá-lo. Nesse momento entendemos que há grande avanço no conceito de cidadania, pois reivindicar os direitos civis, políticos e também os direitos sociais, faz parte do exercício de cidadania e agora de uma cidadania plena. Portanto nenhuma das respostas acima se aproxima desta concepção, por isso a base pedagógica para a prática da cidadania, que ocorre na escola – mesmo se limitando aos direitos básicos do cidadão – deveria ser aproveitada por estes educadores a fim de estabelecer relação entre teoria (conceito de cidadania) e prática (exercício de cidadania), haja vista que este é um conceito tão caro à Geografia escolar. Quando pensamos nas propostas dos PCNs para o ensino de Geografia e a digressão entre o que se propõe o que se pratica, entendemos que os resultados não poderiam ser diferentes. Teoria e prática estão bem distantes. As concepções simplistas de meio ambiente e cidadania são reflexos da inexistência de condições suficientes para efetivação dessas propostas, que afetam diretamente educadores, educandos e a sociedade como um todo. Quando fazemos avaliações dos documentos oficiais do MEC, percebemos que são ótimas as propostas, porém ao avaliar a prática dos educadores e a apreensão dos educandos, percebemos que existem falhas do sistema educacional brasileiro. Nesse contexto educacional será quase impossível a formação destes cidadãos críticos, conscientes de suas realidades e prontos para intervir socialmente, que propõe os PCNs, para o ensino de Geografia. 101 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Acreditamos que se houver uma mudança nas práticas pedagógicas destas educadoras, mais formação adequada, para o exercício da função. Assim estes educadores poderão se tornar cidadãos e consequentemente auxiliar estes educandos a se tornarem os cidadãos, capazes de resolver problemas socioambientais, e consequentemente exercer sua cidadania. No entendimento de (Somma, 2003, p. 165) [...] Nós, professores de Geografia, temos a oportunidade de transformar essas percepções desordenadas, baseadas em uma dinâmica funcional, em categorias de conteúdos e habilidades significativas para o desenvolvimento da inteligência. Assim, pensamos que uma das formas de mudar esta realidade seria buscarmos os meios corretos de se trabalhar com estes conceitos, adotando procedimentos metodológicos adequados. Buscar formação continuada, assim como conhecimentos científicos específicos para o tratamento dos conceitos com o objetivo de conhecer a visão de vários autores sobre os temas, o que possibilitaria a transversalidade e também relacioná-los à vivência diária dos educandos. Conclusão Ao concluirmos a pesquisa, observamos quão grande o grau de dificuldade dos educandos em compreender conceitos que fazem parte de seu dia-a-dia. As escolas do campo do município de Iporá possuem um projeto relevante estabelecido pelo Programa Escola Ativa, que se bem trabalhado pela Secretaria Municipal de Educação e pelas educadoras poderia obter grandes sucessos. Com exceção de uma, estas escolas possuem boa estrutura física compatível com a quantidade de estudantes, porém os materiais utilizados pelas educadoras são materiais não suficientes para cumprir o que os PCNs propõem para o ensino de Geografia. Percebemos que ano após ano as escolas do campo neste município estão sendo extintas e para reverter estes e outros problemas socioambientais, é necessário que haja pessoas aptas a atuar em prol da melhoria destas comunidades nas quais estas escolas se encontram localizadas. 102 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Ao mesmo tempo em que enxergamos essa necessidade, vemos também que se não houver mudanças na forma de trabalhar este componente curricular – Geografia – nem a médio e longo prazo, isto será possível, pois atitudes para transformação dependem de pessoas críticas, que sejam capazes de reivindicar direitos, pessoas cientes de seus direitos e deveres e também comprometidas com a sociedade. Diagnosticamos que a Geografia escolar pouco tem contribuído para a construção destes conceitos nas escolas do campo no município de Iporá-Goiás. Pensamos que o conhecimento referente aos conceitos de Meio Ambiente e Cidadania não podem ser construídos a partir de noções em nível de senso comum, e/ou a partir de bases científicas deficientes como o que vimos durante o estudo. O fato de, as orientações educacionais estabelecerem políticas nacionais com o objetivo de auxiliar na elaboração de políticas locais é meio que mais atrapalham do que ajudam, pois o ensino se pauta apenas nessas diretrizes, tomando-as como referência para balizar seu ensino (como por exemplo, o uso do Projeto do Programa Escola Ativa, como único projeto a ser seguido), acarretando prejuízo para o educando, educadores e para a comunidade como um todo. Notamos que a educação para a cidadania, que o sistema propõe fica quase que apenas nas teorias. Detectamos que os efeitos obtidos a partir das práticas pedagógicas ainda são bem são tímidos. Entre os educandos pesquisados não encontramos educandos que tenham conhecimento razoavelmente elaborado sobre os temas tratados. No entanto percebemos que se o ensino de Geografia fosse elaborado e abordado mais responsavelmente por todos os componentes do sistema educacional, poderíamos solucionar alguns problemas a curto e médio prazo e em longo prazo ter cidadãos de fato comprometidos com as questões socioambientais, aptos ao exercício da cidadania plena. Referências ALMEIDA, R; PASSINI, E. O Espaço Geográfico: ensino e representação. São Paulo, Contexto, 1989. BRASIL, Ministério da educação e Cultura. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e diversidade. Escola ativa. Projeto Base.Brasília, 2010. 103 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ _______Ministério da Educação e Cultura, Secretaria da Educação fundamental, Parâmetros Curriculares Nacionais; História e geografia. Brasília, 1997. _______Ministério da Educação e Cultura, Secretaria da Educação Fundamental, Parâmetros Curriculares Nacionais; Meio ambiente e saúde. Brasília, 2001. CARVALHO, I. Educação Ambiental: a formação do sujeito ecológico. ed. 4. São Paulo, Cortez, 2008. CAVALCANTE, L. Geografia, escola e construção do conhecimento. Campinas, Papirus, 2003. PENTEADO, H. Meio ambiente e formação de professores, São Paulo, Cortez, 2001, 4. ed. PINSKY, J. Educação e cidadania, São Paulo: Contexto, 2008, 9 ed. SAITO, C. 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Geografia e Educação do Campo: para que e para quem serve a educação no campo do Estado de Goiás? – Goiânia, Vieira, 2010 TRISTÃO, M. A educação ambiental na formação de professores: rede de saberes. São Paulo, Anablume, Vitória, Facitec, 2004. 104 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Educação Patrimonial: leitura da paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado nas aulas de Geografia Angélica de Oliveira Ribeiro Xavier41 RESUMO: O estudo objetivou compreender a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, que está inserida no centro histórico da cidade de Goiás. Foram feitas considerações sobre a paisagem cultural, pois a Praça Dr. Brasil Ramos Caiado é rica histórica e culturalmente, portanto deve ser preservada. Isso será possível se as pessoas conhecerem a história dessa Praça e de seus monumentos, para que se desperte o sentimento de pertencimento, e, consequentemente, o de valorização. Assim, é relevante trabalhar a Educação Patrimonial nas escolas para que crianças e adolescentes possam ter contato direto e conhecer melhor esse Patrimônio que é de todos. O estudo propõe algumas sugestões de como abordar a paisagem dessa Praça nas aulas de Geografia através da Educação Patrimonial, para que o Patrimônio Histórico e Cultural da cidade seja preservado e sua existência seja garantida para o usufruto de atuais e futuras gerações. Palavras-chave: Geografia. Paisagem. Educação Patrimonial. Ensino. Introdução A pesquisa propôs uma abordagem da paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado e seu entorno, inseridos na área considerada centro histórico da Cidade de Goiás. Fez-se uma análise qualitativa fenomenológica, sendo um estudo de caso da paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado. Partiu-se da compreensão da categoria paisagem, desenvolvendo um estudo sobre paisagem cultural, pois se acredita que é preciso, inicialmente, buscar alguns conceitos para que se possa fazer a leitura da paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado. Fizeram-se considerações sobre a paisagem no ensino de geografia e possibilidades de inserir a paisagem dessa Praça nas aulas de Geografia para alunos de Ensino 41 Graduanda do IV ano do Curso de Geografia da Universidade Estadual de Goiás – UEG da cidade de Goiás. O artigo aqui apresentado é parte da pesquisa de conclusão de curso intitulada Praça Dr. Brasil Ramos Caiado: paisagem como fonte de estudos para aulas de Geografia no ano de 2010, que culminou numa monografia orientada pela professora Dominga Correia Pedroso Moraes, que é a indicadora deste artigo. 105 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Fundamental, trabalhando a paisagem e inserindo-a como espaço vivido pelos alunos da cidade de Goiás. Isso pode ser feito através de Educação Patrimonial. A paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado já foi bastante modificada, desde a construção de seus primeiros monumentos e residências até os dias atuais. Todas essas mudanças ocorreram para atender necessidades de pessoas diferentes, em diferentes momentos da história. Por isso, sua paisagem possui marcas de um passado, que está representada em cada elemento que a constitui. Portanto, ela é histórica e cultural e deve ser preservada. Preservando os elementos que constitui sua paisagem também estará sendo preservada parte da história e da memória do povo da cidade de Goiás. Paisagem Na perspectiva da Geografia Crítica, a paisagem tem sido tomada como um primeiro foco de análise para aproximação do seu objeto de estudo que é o espaço geográfico. Sendo a paisagem o domínio do visível, ela está na dimensão da percepção e essa percepção é sempre um processo seletivo de apreensão. Nessa perspectiva, Santos (1997, p.61), ao definir paisagem afirma que “Tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança é a paisagem. Esta pode ser definida como, o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores e sons, etc.” Geralmente, quando ouvimos falar de paisagem, a primeira ideia que temos é de um lugar bonito, principalmente relacionado à natureza. No entanto, a paisagem deve ser vista e compreendida não só como uma imagem, ou uma vista “bela” e “bonita”, mas também como algo que pode ser “feio” e que está sujeito a um constante processo de transformação. Além disso, a paisagem é caracterizada não apenas pela natureza e pelos elementos que a compõe, mas também, por tudo aquilo que é construído pelo homem. Sobre paisagem, Santos (1997, p. 65), salienta: A paisagem é um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais; é formada por frações de ambas, seja quanto ao tamanho, volume, cor, utilidade, ou por qualquer outro critério. A paisagem é sempre heterogênea. A vida em 106 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ sociedade supõe uma multiplicidade de funções e quanto maior o número destas, maior a diversidade de formas e de atores. Quanto mais complexa a vida social, tanto mais nos distanciamos de um mundo natural e nos endereçamos a um mundo artificial. Assim, pode se afirmar que a proporção entre os elementos naturais e artificiais que estão presentes na paisagem, depende da complexidade da sociedade que a constitui, porque quanto mais complexa é a organização da sociedade, maior será a presença dos elementos artificiais na paisagem, e, quanto menor a complexidade maior é a presença de elementos naturais no meio. De acordo com Santos a paisagem não se cria de uma só vez, mas sim através de acréscimos e substituições. “Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos” (1997, p.66). Sendo assim, a paisagem é objeto de constante mudança. À medida que a sociedade passa por mudanças, seja na economia, na política, nas relações sociais, entre outras, a paisagem também muda. Nesse sentido, Carlos (1994, p. 49) defende a ideia que “a paisagem é uma forma histórica específica que se explica através da sociedade que a produz, um produto da história das relações materiais dos homens que a cada momento adquire uma nova dimensão.” Ainda de acordo com Carlos, dependendo da hora do dia, ou do dia da semana, a observação de uma determinada paisagem vai mostrar um determinado momento do cotidiano da vida das pessoas que moram, trabalham e se locomovem num determinado lugar. Uma paisagem está sempre sujeita a receber atribuições carregadas de valores, pois está ligada diretamente à vida do ser humano. Assim podemos dizer que, o ser humano é o seu agente construtor e transformador. Uma mesma paisagem pode ser observada e interpretada de forma diferenciada, afinal cada um pode ter sua maneira de observá-la, atribuindo a ela, novos significados. 107 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Paisagem Cultural A ação do homem na paisagem é marcante e transformadora. Através da observação de uma paisagem é possível conhecer seu processo histórico e sua dimensão cultural. De acordo com Sauer (apud Ribeiro, R., 2007, p. 22), “a paisagem cultural expressa o trabalho do homem sobre o espaço e, dessa forma, ela não é estática, está sujeita a mudar, tanto pelo desenvolvimento da cultura, como pela substituição desta.” Wagner e Mikesell (2007, p.36), sobre o processo de mudança da paisagem cultural afirmam: Poucas paisagens culturais atuais são inteiramente produtos do trabalho de comunidades contemporâneas. A evolução de uma paisagem é um processo gradual e cumulativo – tem uma história. Os estágios nessa história têm significados para paisagem atual, assim como para as do passado. Além disso, as paisagens culturais atuais do mundo refletem não apenas evoluções locais, mas também grande número de influências devido a migrações, difusão, comércio e trocas. Subjacente à maioria das áreas culturais de hoje está uma longa sucessão de diferentes culturas e desenvolvimentos culturais. Uma paisagem traz a marca da atividade produtiva dos homens, que a modificam e adaptam-na de acordo com suas necessidades. Ela é marcada pelas técnicas materiais que a sociedade domina, e contribui desta maneira, para a compreensão das culturas. As paisagens constituem um importante objeto de estudo, no entanto, sua interpretação é complexa, na medida em que revela informações dos homens que a modelam e que as habitam atualmente e daqueles que lhes precederam; revelam as necessidades do presente e aquelas de um passado muitas vezes difícil de datar. A paisagem cultural é modelada a partir de uma paisagem natural por um grupo cultural. Assim, a paisagem natural tem grande importância por fornecer os materiais com os quais a paisagem cultural é formada. Nesse sentido, Sauer (apud Ribeiro, J., 2006, p.16), ressalta: A cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem cultural o resultado. Sob a influência de uma determinada cultura, ela própria muda através do tempo. A paisagem apresenta um desenvolvimento, passando por fases e provavelmente atingindo no final o término do seu ciclo de desenvolvimento. 108 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Com a introdução de uma cultura diferente, isto é, estranha, estabelece-se um rejuvenescimento da paisagem cultural ou uma nova paisagem se sobrepõe sobre o que sobrou da antiga. Assim, a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, que é o objeto de estudo da pesquisa, é cultural, pois reflete a cultura do povo, conta a história das pessoas que vivem e viveram, trabalham e trabalharam, contribuem e contribuíram para a construção dela. Por isso, é uma paisagem carregada de símbolos e significados para as pessoas que participaram e participam da sua construção. Percebe-se que a Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, tem, além do seu valor histórico, o valor cultural. Esses valores se encontram em sua paisagem que é constituída não só pelos seus monumentos, mas também pelas ruas que a cercam, as casas construídas paredemeia, as pessoas que residem e as que trabalham neste espaço, bem como, toda a dinâmica existente ali cotidianamente. Faz-se necessário ressaltar também a bela paisagem natural desta Praça, que é composta por uma vegetação diversificada, inclusive oitizeiros centenários. De acordo com o que foi explanado anteriormente, uma paisagem pode nos revelar marcas de tempos diferenciados, pois é formada por acréscimos e substituições de diferentes agentes culturais. A paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado é formada por elementos que tem grande importância para a história da cidade e do Estado de Goiás. Praça Dr. Brasil Ramos Caiado – Representações Diferenciadas A Cidade de Goiás no ano de 2001 recebeu o título de Patrimônio Histórico da Humanidade, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Isso aconteceu devido à preservação do traçado do núcleo urbano original e de seu harmonioso conjunto arquitetônico. Além disso, a arquitetura da Cidade de Goiás apresenta particularidades regionais e uma fisionomia cultural específica, que merecem destaque e preservação. Esse Patrimônio Histórico de Goiás, hoje é da Humanidade, mas é em primeiro lugar das pessoas que moram na Cidade, que vivem e relacionam-se cotidianamente com 109 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ esse espaço e tem sentimentos por ele. Segundo Fonseca (apud Moraes, 2002) um Patrimônio Histórico não vale por si mesmo, o valor dele é atribuído pelos sujeitos que o construíram e constroem. Desta forma, pode se afirmar que o valor de uma paisagem que constitui um Patrimônio Histórico, como é o caso da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, que está inserida no centro histórico da cidade de Goiás, é atribuído pelas pessoas e varia de acordo com preferências e de acordo com a perspectiva de cada observador. Por isso, justifica-se um estudo para apreender as representações que os moradores, frequentadores e turistas que visitam os monumentos têm da Praça, pois os mesmos participam do cotidiano dela, trabalhando, estudando, morando e divertindo-se. É fundamental conhecer a sensibilidade desses segmentos, com esse intuito foram aplicados questionários, pois a leitura das representações dessas pessoas pode indicar alternativas de Educação Patrimonial nas aulas de Geografia para alunos de Ensino Fundamental. A particularidade e a beleza do Patrimônio Histórico e Cultural da Cidade de Goiás fazem com que os turistas visitem constantemente a cidade, movimentando o comércio local e visitando os museus e monumentos de Goiás. Na Praça Dr. Brasil Ramos existem alguns monumentos históricos e por isso, os turistas frequentam essa Praça. Desse modo, é importante compreender a leitura que eles fazem da paisagem desse local. Foi perguntado aos turistas sobre a importância de se preservar os elementos que constituem a paisagem da Praça. Diante das respostas, fica claro que ela deve ser preservada em respeito à história, tanto daqueles que contribuíram para sua construção, como da história da cidade como um todo, na medida em que preservando os elementos paisagísticos da Praça, também estará sendo preservada parte da história da cidade de Goiás. Além disso, cada elemento tem sua importância e história. A paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, sobretudo os seus arvoredos seculares, retratam o caráter histórico da própria cidade de Goiás, portanto, a preservação desses elementos paisagísticos contribui para a preservação da 110 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ cidade como um todo, eis que denota um ambiente mais primitivo e natural. (Walter de Paiva Araújo, advogado, 2010) A principal importância de se preservar a Praça em apreço situa-se no esforço contínuo dos moradores e visitantes de resgatar fatos que marcaram a história, legados estes, que além de reforçar as marcas do tempo, atraem o turismo na região. (Cristiane Dias de Oliveira, Escrivã Judiciária, 2010). Foi pedido aos entrevistados que apresentassem sugestões para que essa Praça fosse preservada. Algumas das sugestões foram: - Conscientizar toda a população sobre a importância dessa Praça na cidade; - Investimento público na manutenção dos elementos da Praça; - Implantação de lixeiras seletivas; - Restauração periódica de seus elementos; - Trabalhar a Educação Patrimonial com os cidadãos; - Conscientização das crianças nas escolas, para que elas saibam a importância desses monumentos para a história da cidade; - Propor aulas onde o aluno pudesse visitar os monumentos que compõem a paisagem da Praça e conhecer sua história. A Praça também é frequentada diariamente, por estudantes, trabalhadores, crianças e jovens de vários lugares da cidade. Essas pessoas têm sentimentos por essa Praça, que também são importantes de serem analisados. Aos frequentadores foi perguntado sobre a importância de se preservar os elementos que constituem a paisagem dessa Praça. Entre as respostas podemos citar: É importante a preservação, pois além do fato histórico, que nos remete todos os dias à nossa formação, tem o fator ambiental que também está em destaque nessa praça. (André Café Carvalho, funcionário público federal, 2010). É importante porque ao preservar os elementos constituintes dessa praça, preserva-se também a história desse lugar e também de nossa cidade. Preservase principalmente, características arquitetônicas dos monumentos que estão inseridos nessa paisagem. (Jane Dias de Oliveira, auxiliar de coordenação, 2010). 111 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Também foi questionado se a pessoa considerava importante preservar as características da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado e de que forma ela acha que isso pode ser feito. Todos os entrevistados responderam que as características da Praça devem ser mantidas. Sim, isso pode ser feito conscientizando os moradores da cidade do valor histórico dessa praça, da importância que ela tem pra gente entender a história de Goiás. Porque aí as pessoas vão gostar dela e querer preservar. (Fernanda Oliveira Ribeiro, estudante, 2010). Penso que cada pessoa que frequenta a praça ou que é morador ou turista que passa por essa paisagem precisa preservá-la, respeitando cada monumento, cada detalhe, sua história e seu cotidiano. A partir do momento que se preserva essa paisagem, preserva-se também sua história. (Jane Dias de Oliveira, auxiliar de coordenação, 2010). Os moradores da Praça possuem forte sentimento de pertencimento a esse lugar. Eles desempenham um importante papel na sua preservação. Isso acontece, porque existem laços afetivos dos moradores com suas residências o que contribui para a preservação das mesmas. Além disso, os moradores reconhecem a importância dos monumentos e defendem sua proteção. Por isso, também se torna relevante perceber a leitura que eles fazem da paisagem dessa Praça e de que forma eles contribuem para sua conservação. Inicialmente, foi perguntado se eles gostavam de morar nessa Praça. Houve unanimidade nas respostas, que foram sim. Entre as justificativas pode se ressaltar fatores em comum, como por exemplo, a boa vizinhança que se tem na Praça. Isso mostra que existe afetividade entre os moradores desse lugar. É um lugar tranquilo, de boa vizinhança. (Elizete Matos Ribeiro, professora, 2010). Melhor lugar da cidade para se viver. Amplo, seguro, bonito, boa vizinhança, histórico, silencioso, [...] (Abner Curado, comerciante, 2010). É um lugar tranquilo, arejado, sem poluição sonora. (Sebastião Curado, professor, 2010). 112 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Foi interrogado aos moradores sobre o que a Praça representa para eles. Entre as respostas pode ser ressaltado que os entrevistados mantêm muitas lembranças desse lugar: Como falei, ela faz parte da história da minha vida. Se eu contar a minha história, não tem como não falar dessa praça. (Antônio Carlos, professor, 2010). Para mim, ele representa uma parte da minha infância, trazendo-me fartas e vivas recordações e saudades desse período. (Rafael Bueno de Passos, estudante universitário, 2010). Também foi discutido sobre qual a importância de se preservar os elementos que constituem a paisagem dessa Praça e de que forma eles colaboram para que isso seja feito. A importância da aludida preservação refere-se à boa qualidade de vida dos seus moradores, bem ainda, concerne à manutenção deste lugar para as futuras gerações vilaboenses e para todos os visitantes da nossa cidade. Quanto a essa preservação, eu colaboro não jogando lixo na praça, nem permitindo que ninguém jogue, e informo sobre a praça e seus monumentos históricos para que os turistas os visitem. (Rafael Bueno de Passos, estudante universitário, 2010). Quando falamos em patrimônio cultural devemos lembrar que o patrimônio imaterial exerce um papel muito forte na preservação do patrimônio edificado. Alterar a praça, fazer intervenções, com certeza afetará a relação dos moradores com seu bem material. Colaboro de forma ativa, tanto na preservação quanto na manutenção do conjunto. (Sebastião Curado, professor, 2010). Na última pergunta, foi questionado se as pessoas acreditam que é preciso haver consciência dos moradores sobre a importância dessa Praça, para que ela seja preservada, e todos responderam que sim, que a partir do momento que algo é conhecido é que ele pode ser preservado. A análise das entrevistas revela que a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, além do seu valor histórico, tem também valor cultural e afetivo. Há uma preocupação em preservá-la, porque se trata de um espaço de referência e de importância para estas pessoas. 113 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Desta forma, serão feitas algumas considerações sobre a paisagem no ensino de Geografia, sobre Educação Patrimonial, bem como, serão propostas sugestões de como incluir a paisagem desta Praça nas aulas de Geografia. A Paisagem no ensino de Geografia A Geografia utiliza algumas categorias de análise, para desenvolver a leitura da espacialidade. Essas categorias de análise dão identidade à Geografia e foram sendo construídas ao longo da sua história. As categorias: lugar, paisagem, território, região, espaço, natureza, sociedade, são importantes para a análise geográfica. De acordo com Puntel (2007), percebe-se no ensino da Geografia Escolar a quase ausência, das categorias e das reflexões espaciais. Muitas vezes, falta relação entre os temas abordados e as categorias geográficas. Portanto, faz-se necessário articular os assuntos trabalhados na Geografia Escolar com esses conceitos básicos para, com isso, relacioná-los com a vida do aluno. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Geografia do Ensino Fundamental estabelecem que a categoria paisagem: Tem um caráter específico para a Geografia, distinto daquele utilizado pelo senso comum ou por outros campos do conhecimento. É definida como sendo uma unidade visível, que possui uma identidade visual, caracterizada por fatores de ordem social, cultural e natural, contendo espaços e tempos distintos; o passado e o presente. A paisagem é o velho no novo e o novo no velho. (1998, p. 28) Os PCNs (1998), também indicam que a Geografia estuda as relações entre o processo histórico de formação das sociedades humanas e o funcionamento da natureza, através da leitura do espaço geográfico e da paisagem. A abordagem dos conteúdos da Geografia insere-se na perspectiva da leitura da paisagem, o que permite aos alunos conhecerem os processos de construção do espaço geográfico. A paisagem é considerada um instrumento importante de leitura e de aprendizagem no ensino da Geografia porque através do seu estudo é possível compreender, em parte, a complexidade do espaço geográfico em um determinado 114 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ momento. A análise da paisagem deve focar as dinâmicas de suas transformações e não a descrição e o estudo de um mundo estático. Para tanto, é preciso observar, buscar explicações para aquilo que numa determinada paisagem, permaneceu ou foi transformado, isto é, os elementos do passado e do presente que nela convivem. Para que o educando veja sentido no estudo da paisagem, é importante trabalhá-la como algo presente na vida de cada um, algo dinâmico, que está em constante modificação pelas pessoas que ocupam determinado espaço e interagem constantemente com ele, e cada um, direta ou indiretamente, ajuda a construir a paisagem que ocupa. Entende-se que, a partir do estudo da paisagem, é possível vivenciar um primeiro plano de identificação do lugar, criar elos afetivos e sentir-se parte integrante daquele espaço. Por isso, para o ensino na cidade de Goiás é importante desenvolver a Educação Patrimonial nas escolas, para despertar nos estudantes o sentimento de valorização da paisagem que constitui o Patrimônio Histórico e Cultural existente na cidade. Educação Patrimonial A cidade de Goiás tem nos diferentes lugares do seu espaço urbano, testemunhos materiais e imateriais que lhe conferem singularidade e permitem a compreensão de sua história e dos modos de vida que a construíram em espaços e tempos diversos. A existência desses testemunhos dá a cidade relevância cultural e histórica em relação às outras cidades goianas. (MORAES, 2002). Diante do exposto é notório que a cidade de Goiás tem elementos que justificam trabalhar a Educação Patrimonial com os estudantes da cidade, por isso, cabe à escola desenvolver a consciência patrimonial nas crianças e adolescentes. Nosso país, inclusive a cidade de Goiás, possui um rico patrimônio histórico e cultural que deve ser preservado. Para que aconteça a preservação é necessário que haja inicialmente a valorização desse patrimônio e a valorização depende do conhecimento que é adquirido através de ações que envolvem a comunidade e principalmente a escola. 115 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Pontes (2007, p. 72) salienta: Conhecer com mais propriedade nossa herança cultural é a forma mais viável para trilhar o caminho da preservação, saber que esse patrimônio é parte de sua história e entender o significado que isso tem para si próprio é de uma grande relevância para sua afetividade para com o patrimônio cultural. Vasques e Valio (1994) na cartilha “Para Preservar” lembram que o Patrimônio Cultural de uma sociedade, de um país, diz respeito à sua cultura. Trata-se de um conjunto de objetos ou bens de valor, com significado e importância para um grupo de pessoas. Ele é um produto coletivo, formado pelo conjunto das realizações de uma sociedade e que vem sendo construído ao longo de sua história. Pertence desta forma, a todos os cidadãos. Lamentavelmente, nem todos possuem plena consciência da importância do seu patrimônio cultural, levando à destruição e à perda de uma grande quantidade de bens de incalculável valor, por serem testemunhos insubstituíveis da memória de um povo. Desta forma, a Educação Patrimonial tem grande importância, na medida em que capacita as pessoas a exercerem a prática da cidadania, se sentindo mais preparadas para usufruir o que o nosso país tem enquanto Patrimônio Cultural. (PONTES, 2007). Segundo Horta (apud Queiroz, 2010), a Educação Patrimonial é interpretada como um processo permanente de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento. Isto significa tomar os objetos e expressões do Patrimônio Cultural como ponto de partida para a atividade pedagógica, observando-os, questionando-os e explorando todos os seus aspectos, que podem ser traduzidos em conceitos e conhecimentos. A Educação Patrimonial torna-se, assim, um processo constante de ensino/aprendizagem que tem por objetivo central e foco de ações, o Patrimônio. Através de ações voltadas à preservação e compreensão do Patrimônio Cultural, a Educação Patrimonial torna-se um veículo de aproximação, integração e aprendizagem, objetivando que as pessoas (re)conheçam e (re)valorizem a herança cultural que a elas pertence, proporcionando a elas uma postura mais atuante na (re)construção de sua identidade. 116 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ É através da Educação Patrimonial: Que o ser humano passa a valorizar o seu meio e as riquezas que fazem parte de sua vida e da sociedade, sentindo-se parte desse patrimônio pelo amor que lhe foi despertado através da pesquisa, do contato direto, de troca de saberes e das informações recebidas de um modo em geral, proporcionando o conhecimento e gerando o espírito de preservação. (PONTES, 2007, p. 68) Segundo Horta (2003), a metodologia da Educação Patrimonial pode ser aplicada a qualquer manifestação da cultura, seja um objeto ou conjunto de bens, um monumento ou um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, uma paisagem cultural, um centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural, tecnologias e saberes populares, e qualquer outra expressão resultante da relação entre os indivíduos e seu meio ambiente. Outro aspecto de fundamental importância no trabalho da Educação Patrimonial é que ele pode ser aplicado em várias disciplinas. É importante ressaltar que para haver uma boa relação entre o indivíduo e a metodologia aplicada nesse processo educacional, é necessário que o educador tenha a compreensão sobre patrimônio. Para isso, ele precisa estudar e conhecer o tema a ser trabalhado, de forma que possa embasar os alunos rumo a novos caminhos do saber e do conhecimento. Horta (2003), também aponta que é preciso que o educador defina seus objetivos educacionais e os resultados pretendidos, além de decidir que habilidades, conceitos e conhecimentos querem que os educandos adquiram. Também é importante verificar que outras disciplinas poderiam estar envolvidas na exploração do tema, para realizarem estudos interdisciplinares. A Educação Patrimonial pode ser desenvolvida através de aulas expositivas, iniciando com uma abordagem sobre o tema, para que o aluno tenha uma noção do que será trabalhado. O educador poderá prosseguir o trabalho educacional despertando a curiosidade e o interesse sobre o Patrimônio que o cerca através da aproximação, do contato direto com o objeto. Pontes (2007, p.71) afirma que “Para valorização do patrimônio é 117 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ necessário que desenvolva um trabalho de aproximação entre o patrimônio e a pessoa, possibilitando o acesso ao conhecimento a respeito do que está sendo investigado”. Para isso, o trabalho de campo poderá contribuir muito para o aprofundamento do tema a ser trabalhado, pois a observação direta do objeto de estudo pode ajudar na compreensão sobre a sua utilidade e o seu real valor. Através do trabalho de campo e da pesquisa, o processo de ensino e aprendizagem será enriquecido, pois serão extrapoladas as barreiras da escola e se buscará novas descobertas. A Educação Patrimonial seria importante para a cidade de Goiás, pois poderia ajudar no reconhecimento e valorização da singularidade da paisagem da cidade de Goiás enquanto cidade tombada e protegida pela União; poderia promover um contato dos alunos com conceitos como: patrimônio, tombamento e preservação; poderia desenvolver uma atitude consciente de responsabilidade quanto à preservação desse patrimônio histórico-cultural; identificar a cidade enquanto cenário de fatos históricos de grande relevância; compreender que a história pessoal de cada um está relacionada ao passado da cidade, de tal forma que a salvaguarda do patrimônio local associa-se à preservação e valorização da identidade de cada um. Desta forma, trabalhando a Educação Patrimonial nas escolas da cidade de Goiás, despertará nos alunos a consciência e o entendimento destes com seu patrimônio, no sentido de conhecer a história e a cultura, para despertar o desejo de preservar o patrimônio de sua cidade. Praça Dr. Brasil Ramos Caiado: paisagem como fonte de estudos para as aulas de Geografia A Geografia sendo uma ciência social, ao ser estudada precisa considerar o aluno e a sociedade em que vive. Deve ser uma disciplina interessante, que tenha a ver com a vida e não só fornecer dados e informações que pareçam distantes da realidade do aluno. A partir do entendimento do mundo em que vive, que é uma parte de um todo maior e que representa características desse todo, o educando pode ver mais sentido no 118 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ estudo do espaço geográfico, interessando-se pelo assunto por sentir que ele é um agente participante, um sujeito vivo. A categoria paisagem pode contribuir nessa compreensão do espaço geográfico, pois sua leitura se bem conduzida levará à aprendizagem da complexidade da relação da sociedade com a natureza. Existem alguns aspectos a serem considerados segundo Cavalcanti (1998), para a construção do conceito de paisagem no ensino de Geografia. Um deles é considerar esse conceito como primeira aproximação do lugar, afinal ela é a chave inicial para apreender as diversas determinações desse lugar. Outro aspecto seria considerar a dimensão estética da paisagem, porque muitos alunos e até mesmo os professores, fazem forte relação entre paisagem e beleza. Portanto, este poderia ser um caminho inicial para construção no ensino do conceito de paisagem pelos alunos. As orientações atuais para o ensino de Geografia têm dado ênfase para a necessidade de trabalhar com os conhecimentos prévios dos alunos (CAVALCANTI, 2002). Nesse sentido, poderiam ser feitas com os alunos algumas reflexões que auxiliariam na aprendizagem. Essas reflexões poderiam levar os mesmos a pensarem, por exemplo, porque é tão forte a referência que muitas pessoas fazem de paisagem e beleza; se paisagem tem a ver com aparência; e ainda, quais seriam as diferenças entre uma paisagem ideal e uma real; quem constrói a paisagem e para quem ela é construída; porque as paisagens mudam com o tempo, entre outras. Cavalcanti (1998, p. 100), salienta que “Parece que esse conceito fica associado a algo distante de seus lugares, de suas vidas, de suas realidades, pertencendo mais a um mundo de sonhos”. Percebe-se, desta forma, que não encontrar paisagem no lugar onde vivem, pode influenciar na atitude em relação a esse lugar, tendendo a desvalorizá-lo, já que associam paisagem à beleza e não percebem beleza no seu espaço vivido. Segundo Cavalcanti (1998) isso mostra que a paisagem é transmitida como conteúdo de ensino, não como algo vivo e construído pelo homem, mas como um conceito, não importando sua correspondência com o real. 119 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Nesse sentido, caberia ao ensino, trazer a paisagem para o universo do aluno, para o lugar vivido por ele, trazendo a paisagem conceitualmente como instrumento que o ajude a compreender o mundo que vive. É importante considerar o ensino como um processo de construção de conhecimentos onde o aluno seja um sujeito ativo. Portanto, é preciso dar ênfase para atividades de ensino que permitam a construção de conhecimentos a partir da interação do aluno com os objetos de conhecimento, potencializando oportunidades de um trabalho que possibilite um envolvimento real dos alunos com as atividades de ensino. A construção do conhecimento geográfico pelo aluno ocorre na escola, mas também fora dela. Para trabalhar a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, o professor deverá realizar o procedimento de leitura da paisagem. Para que seja feita a leitura da paisagem dessa Praça, podem ser utilizadas observações indiretas e diretas. Nas observações indiretas podem ser utilizadas representações da sua paisagem, através da observação de fotografias antigas e recentes, para que os alunos possam perceber as transformações que essa paisagem já sofreu, observando o que mudou e porque mudou com o passar do tempo. Também podem ser utilizados prospectos antigos da cidade de Goiás que mostram como era ocupado o espaço urbano da cidade antigamente, para que os alunos possam estabelecer comparações de como a Praça foi sendo povoada com o passar dos anos e de que forma esse povoamento influenciou na mudança de sua paisagem. Na observação direta, o professor poderá propor uma aula de campo na Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, para observar sua paisagem e analisá-la. O aluno deverá perceber a paisagem de uma forma dinâmica, como algo que está em constante modificação, numa perspectiva histórica, em que num mesmo espaço se encontram marcas e testemunhos que registram diferentes tempos. Seria interessante que o trajeto da escola até o local fosse feito a pé pelas ruas que fazem parte do Centro Histórico, para que os alunos percebessem as diferentes paisagens urbanas presentes em uma mesma cidade. Além disso, poderiam identificar os elementos constituidores dessa parte da cidade, as 120 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ edificações, os aspectos arquitetônicos e urbanísticos, os diferentes espaços do cotidiano, entre outros. Ao chegar à Praça o professor pode pedir aos alunos que observem e registrem de forma escrita e através de registros fotográficos o que mais chamou atenção na paisagem dessa Praça, percebendo quais as características das casas, prédios e monumentos que compõem essa paisagem; como são as ruas que dão acesso a essa Praça; quais são os monumentos históricos que estão inseridos nessa paisagem, entre outros. Também seria importante que os alunos visitassem os monumentos históricos os quais fazem parte dessa Praça e constituem sua paisagem cultural, para assim, os alunos conhecerem a história desses monumentos e reconhecerem a sua importância histórica, lembrando que é a partir do momento que se conhece algo, que pode ser despertado o sentimento de valorização e consequentemente o de preservação. Seria interessante o contato direto dos alunos com os bens patrimoniais locais dentro de um processo criativo de reconhecimento e reinterpretação desses bens. As informações sobre os imóveis, os acervos, bem como o significado desse patrimônio seriam de grande relevância nesse processo. Em seguida, o professor pode propor aos alunos que produzam textos falando sobre o que foi observado, suas descobertas, não só no que diz respeito à paisagem da Praça, mas daquilo que foi constatado ao longo do trajeto, e dar sugestões de como preservar a Praça Dr. Brasil Ramos Caiado. O professor também pode solicitar aos alunos que elaborem painéis através de desenhos e fotos que foram obtidas no trabalho de campo. Esses painéis irão ajudar a despertar a criatividade dos alunos e tornar a aula mais dinâmica. Além disso, poderá ser organizada uma exposição dos trabalhos desenvolvidos pelos alunos para mostrar para alunos de outras séries o quanto é rica a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, que constitui parte do patrimônio histórico e cultural da cidade de Goiás. Demo (2002, p. 6,7) destaca: 121 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A base da educação escolar é a pesquisa [...] Tendo se tornado cada vez mais evidente a proximidade entre conhecer e intervir, porque conhecer é a forma mais competente de intervir, a pesquisa incorpora necessariamente a prática ao lado da teoria, assumindo marca política do inicio até o fim. A marca política não aparece apenas na presença inevitável da ideologia, mas, sobretudo, no processo de formação do sujeito crítico e criativo, que encontra no conhecimento a arma mais potente de inovação, para fazer e se fazer oportunidade histórica através dele. Nesse sentido, a cidadania que se elabora na escola não é por sua vez, qualquer uma. Pois é especificamente aquela que sabe fundar-se em conhecimento, primeiro para educar o conhecimento, e segundo, para estabelecer com competência inequívoca uma sociedade ética, mais equitativa e solidária. Levando em consideração a importância que a pesquisa tem para o ensino, o professor pode pedir aos alunos que realizem pesquisas em diferentes fontes, como por exemplo, prospecto de como a cidade era antigamente; obras literárias que mencionem algo sobre o tema de estudo; entrevistas com moradores e frequentadores da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, para que através de relatos os estudantes possam obter dados importantes que não estão registrados de forma escrita, mas apenas na memória de quem os tem, como por exemplo, como era o cotidiano dessa praça em épocas passadas; reportagens em jornais recentes e antigos, que tragam alguma informação sobre a Praça, entre outros. Cavalcanti (2002) salienta que, entre os conteúdos procedimentais da Geografia Escolar, que dizem respeito àqueles temas trabalhados nas aulas com o intuito de desenvolver habilidades e capacidades para se operar com o espaço geográfico, cabe destacar a cartografia. De acordo com ela os alunos podem construir mapas e representações de realidades que foram estudadas, através de esquemas já adquiridos, como nos mapas mentais. Nesse sentido, Simielli (apud Cavalcanti 2002, p. 39): Traz uma proposta para a cartografia no ensino fundamental e médio, em que destaca como objetivo fundamental ajudar o aluno a tornar-se um leitor crítico e um mapeador consciente, por meio de trabalho com o produto cartográfico já pronto, indo da alfabetização cartográfica à leitura crítica, em que se trabalha com um conjunto de correlações e por meio de sua participação efetiva na confecção de maquetes, croquis e elaboração de mapas mentais. Para trabalhar a cartografia nas aulas de Geografia, abordando a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, o professor poderia ainda, propor aos alunos que 122 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ mapeassem o percurso que realizaram da escola até a Praça, além de confeccionar maquetes representando a paisagem da Praça em algum momento da sua história. Se o trabalho com base nessas e outras propostas for bem realizado, os alunos poderão compreender com mais facilidade o conceito paisagem, que para alguns é tão complexo. Isso será possível, porque será trabalhado com algo que faz parte da realidade deles, seja enquanto moradores ou frequentadores. Será possível identificar a importância histórica e cultural que essa Praça tem, não só para os moradores dessa cidade, mas para todos aqueles que conheceram sua paisagem e se encantaram com ela. A partir do momento que isso acontecer, será despertado um sentimento de pertencimento e consequentemente de valorização. Conclusão A Praça Dr. Brasil Ramos Caiado, também conhecida como Largo ou Praça do Chafariz, surgiu por decreto do Governador Luiz de Mascarenhas, em 1739, com o objetivo de ser o principal logradouro da Vila Boa, inclusive comportando o pelourinho. Com o decorrer dos anos passou por várias modificações e também recebeu vários nomes. Constituem a paisagem dessa Praça, vários monumentos históricos, como o Chafariz de Cauda, o Museu das Bandeiras, o Quartel do XX, o Colégio Sant’Ana, além de residências que advém do período colonial. É importante também destacar a bela paisagem natural que a Praça tem, lembrada por muitos, pela existência de oitizeiros centenários. Tudo isso, faz com que a Praça tenha valor histórico e cultural. Um dos meios para que haja a preservação é desenvolver a consciência dos moradores da cidade de Goiás sobre o valoroso patrimônio histórico e cultural que a cidade tem e está representado na sua paisagem. A valorização depende necessariamente, do conhecimento, do pertencimento das pessoas ao patrimônio que é delas. Por esse motivo, foram feitas considerações sobre Educação Patrimonial e apresentadas sugestões de como a paisagem dessa Praça pode ser trabalhada no ensino de Geografia, para que os alunos de nossa cidade possam ter contato direto com tudo que 123 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ constitui o Patrimônio e possam sentir orgulho de serem vilaboenses. A Educação Patrimonial é de suma importância para que os Vilaboenses (re)conheçam, participem e preservem o patrimônio local que é de todos. Portanto, longe de qualquer análise conclusiva, esta pesquisa é apenas um ponto de partida para trabalhar a paisagem da Praça Dr. Brasil Ramos Caiado e a mesma abre possibilidades para o desenvolvimento de outros trabalhos que ajudarão a despertar nos moradores o sentimento de valorização do Patrimônio da cidade de Goiás. Referências: BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/geografia.pdf>. Acesso em: 18 de setembro de 2010. CARLOS, A. A (Re) Produção do Espaço Urbano. São Paulo, Editora da Universidade Estadual de São Paulo, 1994. CAVALCANTI, L. Geografia e Práticas de Ensino. Goiânia: Alternativa, 2002. ______. Geografia, Escola e Construção de Conhecimentos. Campinas, SP: Papirus, 1998. DEMO, P. 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RIBEIRO, R. Paisagem Cultural e Patrimônio. Rio de Janeiro - RJ: IPHAN/COPEDOC, 2007. 124 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ SANTOS, M. Metamorfose do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1997. VASQUES, C. e VALIO, W. Para Preservar. Brasília: IPHAN, 1994. WAGNER, P; MIKESELL, M. Os Temas da Geografia Cultural. In: CORRÊA, R; ROSENDAHL, Z. (orgs.) Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. 125 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Avaliação do Ensino-aprendizagem por Meio do Material Concreto Geoplano: um estudo de caso com alunos do 6º do Ensino Fundamental Adriana Itala Magri42 Resumo: O ensino-aprendizagem de geometria é um assunto que está sendo tratado há anos, pois envolve conceitos dos quais os alunos têm muitas dificuldades. Na tentativa de tornar o ensino-aprendizagem de geometria uma tarefa mais simples, tanto para os alunos como para os professores, diversas atividades com materiais concretos têm sido propostas. Dentre esses materiais concretos, existem vários estudos que propõem atividades ou avaliam a aprendizagem a partir do geoplano. A posposta deste estudo foi verificar se os alunos de 6º ano, de uma escola pública de uma cidade do interior de São Paulo, saberiam calcular o perímetro e área de figuras planas por meio do Geoplano. Os resultados indicaram que os alunos não conseguiriam relacionar as figuras observadas no material concreto com a forma de se calcular seu perímetro e área. Palavras-chave: Ensino-aprendizagem de geometria. Material concreto. Geoplano. Perímetro e área de figuras planas. Introdução: Nas últimas décadas, o ensino da geometria no ensino fundamental tem sido deixado de lado, seja pelas dificuldades que os alunos encontram para entender seus conceitos e abstrair as figuras, seja por não entenderem os conceitos e as propriedades que compõe o conteúdo de geometria. Segundo Grando, Nacarato e Gonçalves. (2008), é urgente a necessidade de discutir as atuais tendências didáticas e pedagógicas para o ensino de geometria, de tal forma, que este ensino seja mais eficaz. Ainda segundo os autores, apesar da existência de muitas pesquisas e discussões teóricas sobre este tema, os conteúdos associados à geometria ainda são deficientes ou mesmo ausentes na maioria das salas de aula. 42 Adriana Itala Magri é graduanda do terceiro ano do Curso de Matemática da Faculdade de Administração e Artes de Limeira - FAAL, da cidade de Limeira Professora indicadora do artigo Maria Célia de Oliveira Papa, curso de Licenciatura em Matemática da Faculdade de Administração e Artes de Limeira – FAAL, da cidade de Limeira. 126 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Os primeiros estudos sobre Geometria Plana foram verificados na Grécia Antiga e datados de 360 a.C. a 295 a.C. Nesta época, esses estudos eram também denominados de Geometria Euclidiana em homenagem a Euclides de Alexandria, que foi um grande matemático educado na cidade de Atenas e frequentador da escola fundamentada nos princípios de Platão (NOÉ, 2010). De acordo com Lorenzatto (1995) e Lamonato e Passos (2007), verifica-se, em muitos casos, que a geometria é ensinada como um tópico específico da matemática, desta forma, não permite estabelecer relações com os demais conteúdos. Essa forma de ensino prejudica o desenvolvimento do raciocínio dos alunos. Segundo Grando et al. (2008), o ensino da geometria até a década de 60 estava pautado no Formalismo, porém, quando o Movimento da Matemática Moderna se acentuou, a geometria tornou-se um conteúdo com menos destaque, ficando em segundo plano tanto no currículo escolar como nos livros didáticos. Este fato resultou no panorama do ensino de geometria que perdura até os tempos atuais, em que a geometria é pouco trabalhada tanto no ensino fundamental como no ensino médio. Apesar de o ensino de geometria ocorrer, ele não supre as necessidades dos alunos, pois ocorre de forma precária e ineficiente. Um dos problemas do ensino de geometria pode ser atribuído ao fato de que, na maioria das vezes, as aulas de geometria são expositivas, baseadas somente na utilização de fórmulas e teoremas. Esse tipo de aula mecanizada, em que os alunos são instruídos a seguir um modelo para a resolução dos exercícios, é o que impede que ele seja capaz de construir uma aprendizagem significativa. De acordo com Lamonato e Passos (2007) pesquisas mostram as potencialidades decorrentes de realizar trabalhos, com tarefas exploratórias e investigativas, porém, é importante que este tipo de trabalho seja desenvolvido de forma planejada. As atividades devem ser bastante elaboradas, caso contrário, esta forma de se trabalhar não terá resultados satisfatórios e o tempo despendido, tanto do professor como dos alunos, será desperdiçado. 127 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Já na década de 70, Freudenthal (1973) afirmou que a geometria deve estar essencialmente relacionada com a compreensão do espaço que o aluno tem, para que ele possa relacionar, conquistar e explorar este espaço enquanto assimila os conceitos de geometria. A fala desse autor é pertinente desde aquela década, pois está estritamente relacionada com a possibilidade dos alunos conseguirem conectar a geometria com seu dia a dia, o que facilitaria, por exemplo, a compreensão do aluno sobre figuras, sólidos e desenhos geométricos. Neste sentido, levanta-se também a problemática de que a geometria deve ser ensinada a partir de exemplos do cotidiano dos próprios alunos, o que facilitaria sua compreensão. Segundo Abrantes (1999) existe uma estreita ligação da geometria com tarefas exploratórias investigativas que, intuitivamente, permitem aos alunos visualizarem e manipularem materiais concretos. Isso permite, dentre outras coisas, descobertas e resoluções de problemas, que podem ocorrer desde os primeiros níveis de escolaridade. Para Fiorentini (2006), as aulas exploratórias investigativas, que mobilizam e desencadeiam em sala de aula, tarefas e atividades abertas, exploratórias e não diretivas do pensamento do aluno, apresentam múltiplas possibilidades de alternativa de tratamento e significação. Estas aulas podem, após a exploração e problematização, desencadear investigações matemáticas devido à elaboração de questões, conjecturas e pela busca de confirmações ou refutações. Quando se trabalha com um material de manipulação ou desenvolve-se uma atividade diferenciada, dá-se ao aluno a oportunidade de agir e de refletir sobre suas ações. Podendo reviver, em pensamento, o que acabou de desenvolver, antecipando o que poderia vir a acontecer e procurando prever resultados (BERDINNEAU et al., 2001). Segundo Serrazina e Matos (1988), a formação de conceitos é a essência da aprendizagem da matemática e ela deve ser baseada na experiência. O geoplano é um material que pode oferecer excelentes oportunidades no aprendizado da geometria e das medidas por meio de experiências. 128 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Desta forma e a partir dos autores apresentados neste estudo, observa-se que a geometria, apesar de ser um conteúdo de grande importância, tem-se a impressão de que ela não está sendo trabalhada de forma completa e adequada com os alunos. Diversos estudos, como por exemplo, Marques, Barbosa, Borbadilha e Tauber.(2007), Tiggemann, Borbadilha, Marques, Cabrera e Barbosa (2006), Pires, Gomes e Koch .(2006), Grando, Nacarato e Gonçalves (2008), entre outros, apresentam sobre a utilização de materiais concretos no auxílio do ensino aprendizagem de geometria e afirmam que esta metodologia é importante e traz benefícios tanto para os alunos quanto para o professor. A partir destes estudos e considerando o crescente número de trabalhos que propõe utilizar materiais concretos em sala de aula, particularmente no ensino de geometria, o objetivo deste estudo é verificar se alunos do ensino fundamental têm familiaridade com o cálculo de perímetro e área de figuras planas mais comuns usando o material concreto geoplano. Desse modo, o artigo discute temas ligados à Geometria Plana, Geoplano e ensinoaprendizagem a partir de materiais concretos; descreve o desenvolvimento do estudo e apresenta o resultado das discussões. O Ensino-aprendizagem a Partir de Materiais Concretos e a Importância do Geoplano. A principal motivação deste estudo é verificar se os alunos conseguem reconhecer e entender conceitos básicos de geometria plana, como perímetro e área, a partir de materiais concretos. Em sala de aula, é comum observarmos, que muitos alunos demonstram pouco ou nenhum conhecimento sobre conceitos geométricos elementares. Em muitos casos, apesar deles conhecerem as definições e enunciados dos teoremas, eles não conseguem aplicá-los na resolução de problemas, isso porque, o aluno não consegue relacionar os elementos concretos do problema às questões teóricas do teorema, impossibilitando-o de construir qualquer relação entre ambos. 129 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Segundo Pavanello (1989), a geometria é praticamente excluída do currículo escolar ou passa a ser, em alguns casos restritos, desenvolvida de uma forma muito formal, este problema se agrava quando aliado a grande dificuldade de percepção espacial que a maioria dos alunos possui. Esse problema não é verificado somente no ensino fundamental ou médio, mas também nos cursos superiores de matemática, no qual, os alunos apresentam muita dificuldade em compreender os processos de demonstração ou mesmo de utilizar qualquer tipo de representação geométrica para a visualização de conceitos matemáticos. A utilização de materiais diferenciados como materiais concretos, softwares, entre outros, destina-se a auxiliar no processo de ensino-aprendizagem de geometria. O geoplano é um material didático-pedagógico dinâmico e manipulativo, o mesmo contribui para explorar problemas geométricos e algébricos, possibilitando a aferição de conjecturas e podendo registrar o trabalho em papel ou reproduzi-lo em papel quadriculado (MACHADO, 2010). Dentre as habilidades que podem ser desenvolvidas com o uso do geoplano, destacam-se as habilidades espaciais, relações, simetria, reflexão, rotação, perímetro, área, translação dentre outros. Além disso, sua utilização auxilia no desenvolvimento de representações mentais e da abstração, que facilitam o entendimento de alguns conceitos geométricos. Desta forma, o desenvolvimento deste estudo, deu-se a partir de duas aulas de matemática, na qual os alunos conheceram e manipularam o Geoplano. Para garantir que todos os alunos tivessem acesso às mesmas informações sobre o material e às mesmas condições de utilização, as aulas foram aplicadas pelo mesmo professor, que usou o mesmo geoplano e as mesmas atividades em todas as séries que seriam avaliadas. O próximo Capítulo descreve a atividade aplicada, o método usado para sua aplicação e a forma de avaliar os resultados. 130 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Desenvolvimento da Proposta A atividade proposta neste estudo foi aplicada aos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola estadual, situada em uma cidade no interior de São Paulo. Esta escola conta com duas turmas deste ano, dessa forma, as atividades foram propostas para ambas as turmas. A atividade foi aplicada em quatro horas aula. Nas duas primeiras aulas, geoplano foi apresentado a todos os alunos de ambas as turmas. Nessa apresentação, foram apresentados os conceitos e aplicações do geoplano. Após a explicação, os alunos foram agrupados em equipes de 5 ou 6 membros para explorar e entender o geoplano. Nessa atividade, os alunos tiveram total liberdade para explorar o geoplano e construir formas geométricas diversas, com o auxílio de pequenos elásticos, como, triângulo quadrado, retângulo, paralelogramo, trapézio e losango, que foram construídos no geoplano. Após a construção de todas as figuras no geoplano, os alunos desenharam as mesmas figuras em papel quadriculado. A partir desses desenhos, os alunos calcularam o perímetro e a área de cada figura, cujos conceitos teóricos eles estudam e aplicam desde os anos anteriores. Apesar da exploração do geoplano ter sido realizada em grupos, os desenhos e os cálculos do perímetro e área foram realizados individualmente. Além disso, todo o trabalho foi conduzido pela autora deste estudo, assim, o professor de matemática das turmas, apenas cedeu as aulas, e observou o desenvolvimento, sem se envolver na atividade. Para análise dos resultados, atribuiu-se o valor máximo de 1,67 pontos para cada figura. Assim, para o caso em que o aluno acertou o resultado e a lógica para o cálculo do perímetro ou da área, ele teve 1,67 pontos para a respectiva figura. A nota total corresponde à soma de todas as notas de cada figura do perímetro e área. Como resultado, tem-se uma análise descritiva dos dados, com gráficos boxplot para análise da mediana e variabilidade das notas dos alunos, para a área e perímetro de cada uma das figuras, além da nota geral, que corresponde à soma da nota de todas as figuras, para 131 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ cada aluno. Para verificar se houve diferença estatisticamente significativa entre as notas médias dos alunos das duas turmas, aplicou-se um método não paramétrico para comparação de médias. Também foi possível verificar se existe relação entre a aprendizagem dos conceitos de perímetro e área, ou seja, se o aluno que sabe calcular o perímetro também sabe calcular a área. Resultados e Discussões A Figura 1 permite avaliar a mediana e a dispersão das notas dos alunos para o cálculo do perímetro, de cada uma das figuras, além da nota total, que representa a soma das notas obtidas por cada aluno, para cada uma das figuras. Figura 1: Boxplot para as notas do perímetro para cada figura e para a nota total. Observa-se na Figura 1 que a nota mediana para o cálculo do perímetro do quadrado, retângulo e paralelogramo é aproximadamente 0,8 que corresponde à nota máxima atribuída. Já para o trapézio, triângulo e losango, a nota mediana foi zero. Deste resultado pode-se dizer que, para as figuras, cujo perímetro é dado por quadrados na malha do geoplano (vide Anexo A), os alunos conseguiram notas maiores, já para os perímetros, cujo cálculo envolveu a soma de triângulos, os alunos tiveram mais dificuldades, pois as notas foram menores. A nota mediana total dos alunos foi de 132 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ aproximadamente 3,2 pontos num total de 10 pontos. A distribuição dos dados é assimétrica à direita, pois os valores estão mais concentrados entre aproximadamente 1,5 pontos e 3 pontos. Outra observação importante é que a nota máxima foi de aproximadamente 5 pontos, ou seja, metade do valor máximo atribuído para a atividade. Como resultado geral, observa-se que a maioria dos alunos não conseguiu calcular o perímetro das figuras, a partir do geoplano. Figura 2: Boxplot para as notas da área para cada figura e para a nota total. As notas observadas para o cálculo da área das figuras é similar aos resultados observados para as notas do cálculo do perímetro das mesmas figuras. A nota mediana para o quadrado, retângulo, triângulo e paralelogramo foi de aproximadamente 0,8 pontos de 1,67. Já para o trapézio e losango, a nota mediana foi zero. A nota mediana geral foi de aproximadamente 3,2 pontos de 10 pontos. Para verificar se existe diferença estatisticamente significativa entre as notas obtidas para cada figura, usou-se o teste Kruskal-Wallis que avalia a variabilidade entre os dados, a partir da mediana. Os resultados são observados na Tabela 1 133 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Tabela 1: Resultado do Teste de Kruskal-Wallis para as notas Variáveis Área Perímetro Nota Total (área e perímetro) P-valor 0,001969 0,001220 0,01893 Os resultados da Tabela 1 mostram que as notas dos alunos para o cálculo da área e do perímetro são diferentes para cada uma das figuras, isso porque, o p-valor para cada uma das variáveis é menor que o nível de significância de 0,05 do teste. O mesmo resultado é observado para a nota total dos alunos, que não foi significativa ao nível de 5%, indicando que existe diferença significativa entre as notas observadas para os alunos. Para finalizar, a Tabela 2 apresenta o resultado do teste de correlação entre as notas do cálculo do perímetro e área para cada figura e para a nota total. Tabela2: Resultado do Teste de Correlação Variáveis Quadrado Retângulo Trapézio Triângulo Paralelogramo Losango Nota Total (perímetro vs área) Coeficiente de Correlação 0,4166 0,5120 0,3896 0,3032 0,5006 0,3157 0,5483 Para interpretar os resultados da Tabela 2, os valores dos coeficientes entre 1 e 0,7 (positivo ou negativo) indica forte correlação entre as variáveis, para valores entre 0,7 e 0,3 (positivo e negativo) indica correlação moderada e valores entre 0,3 e 0 (positivo e negativo) indica fraca correlação. Desta forma, os resultados da Tabela 2indicam que existe correlação moderada entre todas as notas obtidas pelos alunos para o cálculo do 134 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ perímetro e da área, para todas as figuras avaliadas. Além disso, a nota total obtida no cálculo da área possui correlação moderada com as notas obtidas pelos alunos no cálculo do perímetro. Do ponto de vista prático, pode-se dizer que as notas que os alunos obtiveram para o cálculo do perímetro estão relacionadas com as suas notas para o cálculo da área. Considerações Finais Para avaliar o ensino aprendizagem dos alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola do interior de São Paulo, aplicou-se uma atividade na qual deveriam ser calculados o perímetro e a área de algumas figuras planas convencionais, como por exemplo, o quadrado. Os resultados indicaram que os alunos, de forma geral, obtiveram notas baixas, indicando que os mesmos não conseguiram realizar as atividades, a partir do material concreto geoplano. Desse modo, observa-se que mesmo com todo discurso sobre a importância de utilizar materiais concretos para o ensino de matemática, este estudo, deu indícios de que, mesmo o material sendo apresentado e manipulado pelos alunos antes da realização da atividade, eles não conseguiram bons resultados. Assim, pode-se dizer dos resultados deste estudo que os alunos não conseguiram perceber as figuras no material concreto e conectar os conceitos teóricos com a atividade, ou então, eles não conseguiram observar as figuras a partir do geoplano. Observou-se ainda que o aluno que não sabia calcular o perímetro da figura, também não soube calcular a área. Sendo assim, este estudo deu indícios da dificuldade que os alunos possuem diante da utilização de materiais concretos. Porém, a amostra estudada neste trabalho não pode ser generalizada, pois representa uma pequena parcela dos alunos de 6º ano de uma cidade, mas serve de base para uma pesquisa mais ampla, que poderá considerar várias cidades, inclusive avaliar o ensino aprendizagem dos alunos de escolas da periferia e central. 135 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Referências: ABRANTES, P. Investigações em Geometria na Sala de Aula, In: Investigações Matemáticas na Sala de Aula e no Currículo, Projeto MPT e APM, p. 153 – 167, Portugal, 1999. GRANDO, R; NACARATO, A; GONCALVES, L, Compartilhando Saberes em Geometria: investigando e aprendendo com nossos alunos, Cadernos do CEDES UNICAMP, v. 28, p. 39-56, 2008 LAMONATO, M; PASSOS, C. 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Anexo A Figura 3 apresenta um exemplo com figuras planas que foram sugeridas na atividade deste estudo para serem construídas no geoplano e posteriormente no papel quadriculado. 136 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Figura 3: Exemplos de figuras planas construídas na malha quadriculada do geoplano 137 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Traçando Novos Caminhos Para a Formação Docente: A União Entre a Universidade e a Escola. Subprojeto PIBID/UNISINOS Ciências Biológicas. João Alberto Leão Braccini43 Mariane Cenira Padilha Brizolla44 Resumo: A formação inicial de professores enfrenta grandes dificuldades atualmente, pois há falta de conectividade entre teoria e prática. Poucos são os momentos em que os licenciandos se inserem na realidade escolar. Buscando melhorias na formação inicial dos professores e na formação continuada dos profissionais que exercem o magistério, foi lançado o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Neste texto, serão apresentadas narrativas de experiências de dois bolsistas do Subprojeto Ciências Biológicas do PIBID UNISINOS – Universidade e Escola na Qualificação da Docência na Educação Básica. Objetiva-se evidenciar a importância do projeto, uma vez que colabora para a melhoria da aprendizagem dos licenciandos. Após seis meses de bolsa, conclui-se que a vivência da realidade da escola torna mais fácil o entendimento da importância da teoria recebida nas atividades acadêmicas cursadas na universidade. Por sua vez, a escola também se beneficia com a presença do acadêmico, pois ele traz o conhecimento científico, fazendo a ponte entre a escola básica e a universidade. Consequentemente, estes saberes não ficam apenas dentro da escola, os alunos divulgam para a comunidade, que aos poucos, também se apropria dos conhecimentos. Palavras-chave: Formação inicial. Formação continuada. Ensino por projetos. Narrativas. Escola básica. Introdução O processo de formação de professores atualmente enfrenta dificuldades, pois a falta de conectividade entre teoria e prática é muito grande, poucos são os momentos em que os licenciandos se inserem na realidade escolar. Segundo Perrenoud (2002), as 43 João Alberto Leão Braccini é graduando do 6º semestre do curso de Ciências Biológicas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS da cidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Bolsista de Iniciação à Docência – PIBID/CAPES. 44 Mariane Cenira Padilha Brizolla é graduanda do 5º semestre do curso de Ciências Biológicas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS da cidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Bolsista de Iniciação à Docência – PIBID/CAPES. Professora Indicadora: Cristiane Fensterseifer Brodbeck, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; Curso de Ciências Biológicas. 138 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ atividades práticas exercidas durante a formação dos professores são inferiores à sua formação conteudista. Não basta apenas saber o conteúdo, é necessário haver articulação com a prática, mas vale ressaltar que a prática não deve ser apenas mecânica, e sim reflexiva, A ação reflexiva é um importante componente na construção do conhecimento no processo de formação de professores, possibilita a eles verificarem as dificuldades que enfrentam ao se inserir no mercado de trabalho, de modo a encontrar alternativas que contribuam para minimizar os desconfortos provenientes desta nova experiência (ARAUJO, 2010, p. 1). As ações reflexivas são fundamentais também na formação inicial docente, pois o licenciando que já realiza as suas práticas na escola passa a atuar como investigador das ações que desenvolve. Na maioria dos cursos de licenciatura, os acadêmicos primeiro têm toda a teoria sobre a docência ficando a prática, o “chão” da escola, para o final do curso. Visando amenizar estas dificuldades, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, desenvolveu o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, que iniciou seu projeto nas Universidades públicas em 2009, estendendo seu trabalho às Universidades Particulares em 2010. O PIBID tem como foco a valorização do magistério e a melhoria da qualidade da educação, promovendo a integração da universidade com a comunidade. Entende-se que o PIBID, através desta articulação, busca tornar os novos docentes mais reflexivos em suas práticas pedagógicas, se tornando profissionais realmente preocupados com a educação. Inserir-se na realidade escolar é vivenciar todo o seu mundo e entender tudo que está por trás dele e com isso construir aprendizagens. “Despir-se de concepções prévias sobre o professor/a, a escola, os alunos/as é nos desarmarmos para aprendermos aspectos da realidade que não conseguiremos ver, pois não constituem nossos desejos” (AMORIM, 2000, p. 140). Na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, o projeto PIBID UNISINOS – Universidade e Escola na Qualificação da Docência na Educação Básica teve início em 139 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ agosto de 2010. A universidade foi contemplada com 100 bolsas para alunos dos cursos das seguintes licenciaturas: Ciências Biológicas, Física, Letras, Matemática e Pedagogia. Os alunos bolsistas são orientados por cinco professores coordenadores da universidade, cada um da sua respectiva área, e por vinte professores bolsistas supervisores que atuam nas escolas públicas. Os acadêmicos realizam uma carga horária mínima de trinta horas mensais, em quatorze escolas públicas, municipais e estaduais dos municípios de São Leopoldo e Novo Hamburgo (município vizinho à São Leopoldo, sede da universidade). Neste texto, serão apresentadas narrativas de experiências de dois bolsistas do Subprojeto Ciências Biológicas do PIBID UNISINOS, em uma escola da rede municipal de ensino, de São Leopoldo, RS. O Subprojeto Ciências Biológicas é coordenado na universidade pela professora Cristiane Fensterseifer Brodbeck e na escola tem a supervisão da professora bolsista Vitória Regina Casagrande Viel. Atividades Realizadas Pelo Subprojeto Ciências Biológicas na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Emílio Meyer Durante os seis meses de atividades do subprojeto Ciências Biológicas, foram realizadas diferentes atividades. Primeiramente, foi proposta a realização do diagnóstico da escola, no qual teria que ser observada toda a escola, no período de 14 de agosto a 14 de outubro de 2010. Essa construção foi feita, sendo analisado o espaço físico, o setor administrativo da escola, setor técnico-pedagógico, o ensino de ciências, as aulas das professoras de ciências e os alunos. Os critérios de análise foram pré-estabelecidos pela coordenação do Subprojeto Ciências Biológicas. O diagnóstico, em um primeiro momento, foi realizado apenas pelos bolsistas, após pela professora supervisora e, por fim, pela coordenação do Subprojeto. A partir da conclusão do diagnóstico, com seus pontos positivos e negativos, foi estruturado um Plano de Ação. Os planos foram diferentes para cada escola onde ocorre o PIBID. Nelas foram construídos projetos que unem a teoria à prática de ciências, integrados com o contexto no qual a escola está inserida e de acordo com as suas necessidades. 140 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ No Plano de Ação, levaram-se em consideração as atividades práticas no ensino de ciências, a participação da comunidade e a apropriação das atividades desenvolvidas na escola, a existência de uma sala exclusiva para experimentos de ciências, e de atividades diferenciadas às séries finais do ensino fundamental. Uma vez que é preciso, além dos conteúdos escolares, Desenvolver nos estudantes as habilidades práticas e intelectuais necessárias à compreensão das ciências biológicas; apresentar aos alunos o conhecimento biológico através da investigação de seres vivos e do estudo do trabalho dos cientistas (neste processo, os estudantes consideram o trabalho de investigação e as implicações da biologia para a sociedade); desenvolver nos jovens a capacidade para empreender estudo independente e sobretudo dar a eles os meios para fazerem uma avaliação crítica dos dados e dos fatos, em lugar de simplesmente os memorizar. (Nuffield 1966, p. 9-10) Nos relatos, foram fundamentais as observações impressas em “cadernos de campo”, sendo estas ferramentas essenciais para a construção de um trabalho sólido e de qualidade. É sabido que as memórias escolares, para os futuros docentes, os constroem como profissionais, uma vez que a profissão professor se aprende dentro da escola. “O memorial da vida escolar é um registro. Registro de caderno. Registro em papel, com lápis, caneta. Registro que desenha a escola” (AMORIM, 2000, 137). A escolha do desenvolvimento de projetos na escola surgiu como uma forma de contato com os alunos sem assumir a regência das turmas, pois o PIBID não é estágio, mas sim uma Bolsa de Iniciação à Docência. Segundo Barcelos (2001), o ensino por projetos exige uma visão diferenciada da escola e dos alunos, tendo a necessidade de se planejar, aplicar e avaliar as atividades. Todos esses passos são separados em momentos diferentes: primeiro, a percepção de problemáticas, sendo possível através do diagnóstico da escola; o segundo, o planejamento dos projetos, onde é negociado com a escola: datas, turmas envolvidas, etc.; o terceiro, a aplicação e avaliação. Após a aplicação dos projetos, são elaborados relatórios de desenvolvimento, a partir dos “cadernos de campo”. Os relatórios são entregues à coordenação do PIBID na UNISINOS. A avaliação parte do pressuposto da relevância da atividade para a 141 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ aprendizagem dos alunos. Ela é realizada por todos os que participaram da atividade, como: bolsistas, professora supervisora e alunos da escola. Seguem os principais projetos iniciados, as experiências e alguns resultados que puderam ser percebidos após a implementação dos mesmos: Mostra Multidisciplinar A ideia deste projeto teve início em uma das primeiras reuniões com a direção da escola, quando os bolsistas questionaram quais as atividades extracurriculares que a escola desenvolvia. Para surpresa deles, a escola, há muito tempo, não proporcionava aos alunos momentos em que pudessem buscar novos conhecimentos além dos proporcionados pelos professores em sala de aula. Também não havia nenhuma atividade que mostrasse o trabalho realizado pela escola para a comunidade escolar. Pensando nessa problemática, foi decidido implantar uma Feira de Ciências. Os bolsistas fizeram todo o projeto, falaram com os docentes da disciplina e todos concordaram. Porém, com o passar do tempo, os professores não deram mais força ao projeto e ficou claro que apenas os bolsistas não conseguiriam validá-lo. Então eles mudaram o foco do trabalho e o ampliaram, deixando-o com uma nova estrutura. Foi decidido que trabalhariam com a multidisciplinaridade para deixar os alunos livres para a escolha dos temas, não focando apenas em assuntos que envolvessem ciências e para que os bolsistas tivessem maior apoio do corpo docente. Infelizmente, esta atividade não pôde ser efetivada. A direção da escola alegou não haver tempo suficiente para a sua realização e havia poucos trabalhos para serem apresentados. Acredita-se que por não “valer nota” não tenha havido interesse dos alunos em participar da feira. Talvez, a própria desmotivação dos professores tenha contagiado os alunos. Neste ano de 2011, os bolsistas pretendem, efetivamente, realizar esta atividade, pois: 142 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Feira de Ciências é uma forma de a escola criar oportunidades para os alunos integrarem conteúdos de diferentes disciplinas curriculares, além de abrir espaço para o estudo e trabalho de conteúdos extracurriculares, ocultos no currículo (BARCELOS; JACOBUCCI e JACOBUCCI 2010, p. 231). Desta forma, se o nome do projeto vai continuar sendo “Mostra Multidisciplinar” ou “Feira de Ciências” não fará diferença, o que importa é que as crianças e adolescentes tenham esta oportunidade. Feira das Profissões O trabalho é um fenômeno intrinsecamente dotado de grande complexidade. Considerado como conduta humana, vem acompanhando as notáveis mudanças da vida contemporânea e, consequentemente, vem sofrendo profundas modificações ao longo do último século (BARRETO e AIELLOVAISBERG 2007, s/p). No momento em que o professor está na escola, ele não analisa e aprende apenas como dar aula, ou como se portar em frente às turmas. Começa a compreender melhor as dificuldades das crianças e adolescentes, participa de rodas de conversas, pergunta e é perguntado sobre vários assuntos e também é questionado sobre o porquê decidiu ser professor, principalmente pelos alunos dos anos finais do ensino fundamental, os quais já começaram a preocupar-se com a profissão que desenvolverão no futuro. Assim surgiu a ideia de organizar uma Feira das Profissões, a qual se tornou um excelente projeto. Em meados de outubro de 2010, foi iniciada a organização da feira. Os bolsistas tentaram se colocar no lugar dos alunos e pensar em como poderiam deixar a feira mais interessante e que fizesse mais sentido para eles. Chegou-se a uma conclusão: o segredo para este mistério era escolher bem os palestrantes, os quais deveriam ser jovens, moradores do mesmo bairro da escola, que tivessem estudado em escolas públicas e trabalhado muito para alcançar seus objetivos profissionais. Partindo dessas características, foram escolhidas seis pessoas, que, de boa vontade e voluntariamente, abraçaram a causa e se tornaram palestrantes. Foi realizada uma reunião na qual eles assinaram um documento assegurando o trabalho voluntário e a 143 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ presença no dia da feira. A Feira de Profissões ocorreu no dia 16 de dezembro de 2010, no turno da manhã. Enquanto os palestrantes eram escolhidos, ficou decidido que se focaria o projeto em uma única série, porque a escola possuía um auditório com capacidade para até 110 pessoas. Dessa forma, foi escolhida a 8ª série, que tinha três turmas com média de 35 alunos cada uma. Essa decisão foi tomada levando em consideração o fato de estes alunos estarem se formando e era preciso orientá-los. Os regentes das turmas foram avisados, uma data foi marcada e o convite enviado para todos os alunos participarem. Os temas das palestras e os devidos ministrantes foram os seguintes: Vantagens entre ensino médio comum e ensino médio técnico – Regina Reitter, professora convidada da escola; Mundo gastronômico – Érico Rabelo, consultor gastronômico; Realidade digital – Robson Machado Rosa, técnico em eletroeletrônica, bolsista de iniciação tecnológica e estudante do curso superior em jogos digitais pela UNISINOS 1; Enfrentando dificuldades – Cilene Lourdes de Oliveira, estudante do curso normal pelo Colégio Estadual de Ensino Médio Professor Pedro Schneider; Meio ambiente e suas áreas – João Alberto Leão Braccini, bolsista de iniciação científica, bolsista de iniciação à docência e estudante do curso superior em Biologia – Licenciatura pela UNISINOS; Mercado de trabalho – Bianca Brum de Oliveira, gestora de recursos humanos, estudante do curso de Tecnólogo em Recursos Humanos pela FEEVALE2. O foco das apresentações não era em si a profissão que cada um exercia, e sim o que os levou a chegar onde estão quais os caminhos seguiram, dúvidas, escolhas, o que deixaram pra trás, do que se arrependem de não ter feito quando tiveram oportunidades. A intenção era mostrar a realidade da vida de pessoas da comunidade, gente como eles, para que percebessem que é possível exercer bem qualquer função, sendo importante gostar de trabalhar na profissão escolhida, sentir prazer em exercê-la. 1 2 Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Universidade FEEVALE. 144 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ O evento foi um grande sucesso. Foram confeccionados certificados e uma turma da 6ª série fez alguns brindes que foram oferecidos em nome da escola para os palestrantes. Os alunos fizeram muitas perguntas e foi nítida a empolgação e interesse deles. Infelizmente, o período de matrículas das escolas públicas do município de São Leopoldo já havia encerrado, portanto, aqueles que passaram a se interessar mais pelo ensino técnico concomitante com o médio teriam que aguardar as matrículas do ano de 2011. De mais significativo, ficou a experiência vivenciada pelos palestrantes e pelos bolsistas. Essa atividade será desenvolvida no ano de 2011, porém será escolhida uma data antes das matrículas das escolas públicas. Revitalização da Horta e Jardins Analisando o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, descobriu-se que nas suas dependências já teve uma horta escolar. O espaço utilizado anteriormente permanece, mas sem os devidos cuidados. Próximo às grades e em canteiros, no meio do pátio da escola haviam espaços destinados à jardinagem, porém pouco cuidado com esses vegetais. Os alunos normalmente pisoteavam e jogavam resíduos sobre eles. Partindo desse contexto, foi elaborado pelos bolsistas o projeto: “Revitalização da horta e jardins”, em função da importância do contato direto com a terra e da percepção da influência de cada organismo no ecossistema. O objetivo foi a reativação das atividades da horta escolar, que eram desempenhadas no Projeto de Educação Ambiental: Diversidade, Identidade e Sociabilidade1, buscando sensibilizar as crianças, adolescentes e docentes de que a vida depende do ambiente e o ambiente depende de cada um. Além disso, tiveram-se como metas: despertar o interesse das crianças e adolescentes para o cultivo de horta e o conhecimento do processo de germinação; dar 1 Iniciado em 2007 pelo corpo docente da escola, mas, com o passar dos anos, não teve continuidade. 145 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ oportunidades aos alunos de aprender a cultivar plantas utilizadas como alimentos; conscientizar da importância de saborear um alimento saudável e nutritivo; degustar o alimento semeado, cultivado e colhido. O projeto também objetivou criar na escola uma área verde produtiva, em que todos se sintam responsáveis, estimular os alunos a construírem seu próprio conhecimento no contexto interdisciplinar; relacionar os conteúdos aos problemas cotidianos; construir a noção de que o equilíbrio do ambiente é fundamental para a sustentação da vida em nosso planeta. Dialogando com o corpo docente da escola, percebeu-se que quando o projeto já estava em via de ser aplicado, o ano letivo estava próximo do fim e não haveria tempo suficiente para plantar, ver as hortaliças crescerem e as crianças se alimentarem delas. Sendo assim, ficou decidido que era melhor deixar os trabalhos relativos à horta para o ano seguinte (2011). Já se iniciaram as atividades no pátio da escola, mais precisamente, nos canteiros centrais. A professora do 4º ano do ensino fundamental auxiliou os bolsistas, e, com sua turma, foi possível dar início ao projeto. Ela pediu que os alunos trouxessem de casa plantas que considerassem bonitas e o plantio foi iniciado com esses vegetais. Enquanto eles eram plantados, eram explicados os seus processos fisiológicos e a importância de cuidar das plantas e regá-las para a manutenção da vida. Considerações Finais Estar dentro da escola proporciona experiências e, com esse conhecimento, as disciplinas que discutem práticas e teorias pedagógicas passam a adquirir maior sentido para quem as estuda, pois essa prática faz com que o aluno tenha em que se basear para refletir. E por estar inserido na realidade escolar, sente-se mais seguro em realizar um estágio em docência e se torna mais qualificado como futuro docente. Por sua vez, a escola também se beneficia com a presença do acadêmico, pois ele traz o conhecimento científico, fazendo a ponte entre a escola básica e a universidade. 146 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Consequentemente, estes saberes não ficam apenas dentro da escola, os alunos divulgam para a comunidade, que aos poucos, também se apropria dos conhecimentos. Apesar do pouco tempo como bolsistas, percebeu-se que os professores da escola estavam solitários em suas práticas pedagógicas. Algumas dificuldades que foram relatas, já estão resolvidas, pois foram compartilhadas. Essa interação se torna uma “bola de neve”, pois não apenas os professores ganham, mas os alunos também, tanto da educação básica quanto do ensino superior. Com propostas diferenciadas, as aulas passam a ser mais prazerosas e com isso o ensino se torna mais fácil e agradável, o ambiente escolar passa a ser mais acolhedor e uma série de índices ruins tende a diminuir na comunidade, uma vez que o aluno fica mais tempo dentro das dependências escolares. Como podemos perceber, muito pouco foi realizado na escola, mas houve um bom aprendizado, e os projetos continuarão e outras propostas serão implementadas ao longo de mais um ano meio de bolsa. Como referido na Feira de Profissões, é preciso trabalhar com gosto, ter seriedade, respeito e honestidade sempre, e levar estes valores para a vida. Há muito ainda para ver, aprender, pensar, refletir e ouvir, ainda mais na profissão docente em que a formação é um processo contínuo. Agradecimentos: À mestranda Marja Braccini, pela ajuda com conhecimento e referências bibliográficas. À professora mestre Vitória Regina Casagrande Viel, pela paciência e atenção com que sempre se dispôs a nos ajudar. À professora mestre Cristiane Fensterseifer Brodbeck, pela indicação da revista e por ter concedido a bolsa de Iniciação à Docência. Aos colegas bolsistas da escola, que sempre estão ao nosso lado nos apoiando em momentos em que se precisa de um ombro amigo, e a toda equipe diretiva pela abertura e acolhimento. Referências: AMORIM, A. Quando o Currículo não Existe, ele Apenas Acontece. Coleção Educação em Ciências, Ijuí, p.123-160, 2007. ARAUJO, M. A Investigação no Processo de Formação do Professor de Biologia. In: Anais do XV ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, Belo Horizonte, 2010, p.1-11. 147 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ BARRETO, M; AIELLO-VAISBERG, T. Escolha Profissional e Dramática do Viver Adolescente. Psicol. 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Acesso em 26-01-11. 148 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Subsídios metodológicos para o Ensino de Ciências - uma experiência prática 45 Renan Alves Conceição 46 Thaís Soares Monero 47 Ceci Erci Rodrigues Resumo: Diante do desafio de trabalhar Botânica no Ensino Fundamental, o presente trabalho, vinculado ao Programa Institucional de Bolsa Iniciação a Docência (PIBID)/CAPES, teve como escopo a criação de um eixo metodológico fundamentado na visão sistêmica a partir de uma aula prática centralizada na diversidade e importância da Botânica, bem como nas suas relações com o meio ambiente e outros organismos, inclusive o homem, utilizando uma trilha ecológica da UNISINOS como ferramenta pedagógica, deixando de lado o paradigma mecanicista/cartesiano. Esse estudo foi desenvolvido junto com a Escola Municipal de Ensino Fundamental Paul Harris, do município de São Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Este artigo revelou que as aulas práticas desempenham papel importante no desenvolvimento e na construção do conhecimento dos alunos e, sobretudo destacou-se a necessidade de uma escolha criteriosa da metodologia empregada nas aulas práticas de Botânica e, principalmente, que esta escolha considere a heterogeneidade de elementos que possam ser abordados na prática. Palavras-chave: Botânica. Aulas práticas. Visão sistêmica. Educação Ambiental. Ferramentas pedagógicas. 45 Renan Alves Conceição é graduando do sexto semestre do Curso de Ciências Biológicas Licenciatura, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS da cidade de São Leopoldo, RS. 46 Thaís Soares Monero é graduanda do sexto semestre do Curso de Ciências Biológicas Licenciatura, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS da cidade de São Leopoldo, RS. 47 Ceci Erci Rodrigues é graduanda quinto semestre do Curso de Ciências Biológicas Licenciatura, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS da cidade de São Leopoldo, RS. Professora Indicadora Cristiane Fensterseifer Brodbeck, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unidade Universitária Sede de São Leopoldo; Curso Ciências Biológicas. 149 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Introdução Para muitos professores de Ciências e Biologia do Ensino Fundamental e Médio, é um desafio despertar em seus alunos algum interesse pela Botânica, principalmente pelo fato das plantas geralmente não serem dotadas do carisma da movimentação concebida aos animais (MINHOTO, 2002). O principal aliado no despertar do interesse pela Botânica são as aulas práticas, que devem fazer parte do cotidiano escolar. As aulas práticas devem permitir ao aluno observar, vivenciar e discutir um conjunto de experimentos, fenômenos biológicos e físico-químicos. Este momento privilegiado no ensino deve ser aproveitado para o aprofundamento de conceitos, tendo um caráter muito mais qualitativo e formativo (MAJEROWICZ, 2001). Desse modo, temas tais como Botânica, por exemplo, não deveriam ser estudados apenas sob o ponto de vista técnico, sim tendo outra dimensão. Segundo Freire (1994), o treinamento supostamente técnico não é suficiente para compor a formação integral dos alunos. Geralmente as aulas práticas de Botânica não atingem a dimensão desejada, pois são desenvolvidas pelos professores de forma que não visa buscar novos sentidos para a abordagem dessa ferramenta, restringindo o estudo dos vegetais ao ponto de vista técnico. Essa ideia aponta para um equívoco fundamental, visto que os temas abordados nas discussões de estudo de Botânica não podem se pautar apenas no conhecimento morfológico, estrutural e fisiológico de um determinado grupo vegetal. A verdadeira aula prática de vegetais precisa instituir condições de rescindir com o paradigma mecanicista/cartesiano. Segundo Grün (1996), esse modelo é reducionista, fragmentário, sem vida e mecânico. Em diversas localidades do mundo demanda-se que educadores abdiquem deste modelo. Nesta tentativa, optou-se pela trilha interpretativa como ferramenta pedagógica. Nas trilhas o aluno tem a oportunidade de vivenciar, interpretar e registrar todas as interações que ocorrem na natureza sejam ecológicas, sociais ou históricas. 150 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Segundo Andrade (2003), de simples meio de deslocamento, as trilhas surgem como novo meio de contato com a natureza. Além disso, consoante Saul (2002), as trilhas são caminhos preexistentes que favorecem a observação de diferentes aspectos do ambiente. As trilhas interpretativas guiadas levam o visitante, com estímulo do guia, a observar e interpretar o local e os fatos relacionados à atividade proposta. Sendo assim, as trilhas são um recurso didático que permitem o processo de ensino e aprendizagem, o contato organizado do público com o ambiente natural, estabelecendo o vínculo sociedade-natureza e corroborando para a Educação Ambiental. É fundamental criar estratégias práticas de aprendizagem no estudo de Botânica a fim de estabelecer a relação harmônica entre o ser humano e o ambiente. As trilhas, segundo Saul (2002), valorizamas relações entre os seres vivos e o meio ambiente, bem como a investigação dos fenômenos naturais, a necessidade de praticar a observação de forma sistemática e organizada, e o desenvolvimento de habilidades associadas à investigação científica, tais como: comparação, classificação, obtenção de dados, formulação de hipóteses, detecção e resolução de problemas. No entanto, esse universo ambiental e, sobretudo, o universo “vegetal”, muitas vezes se reduz a conhecimentos morfológicos, fisiológicos e taxonômicos, uma vez que o conteúdo sobre a cobertura vegetal no ensino básico é abordado de forma superficial, sem um merecido destaque. Em virtude disso, esse artigo está vinculado ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência – PIBID/CAPES, no qual somos alunos bolsistas e um dos objetivos deste projeto é contribuir com a melhoria do Ensino de Ciências e Biologia na escola onde atuamos. Tendo como escopo uma metodologia fundamentada na visão sistêmica, o presente trabalho objetiva realizar aulas práticas centralizadas na diversidade e importância da Botânica, bem como nas suas relações com o meio ambiente e outros organismos - inclusive o ser humano - utilizando as trilhas ecológicas como ferramenta pedagógica. O trabalho também pretende buscar a harmonização da relação sociedade- 151 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ natureza a partir do reconhecimento pelo ser humano do seu ambiente, auxiliar na construção de valores e atitudes voltadas para o respeito a todas as formas de vida e a melhoria da qualidade desta, e fornecer a conexão entre o conhecimento científico e a vivência da comunidade. Desenvolvimento Esse estudo foi desenvolvido no Campus da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, em parceria com a Escola Municipal de Ensino Fundamental Paul Harris, localizada no Bairro Vila Tereza, município de São Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. A UNISINOS é uma instituição que se preocupa com a gestão do meio ambiente e possui um Sistema de Gestão Ambiental – SGA, o que lhe garante a certificação do ISO 14001. Abriga alguns sistemas lacustres e uma vasta área verde que é extremamente relevante para determinadas espécies e para o ciclo da vida. Por essa característica, a instituição possui trilhas ecológicas demarcadas pelo seu Grupo de Educação Ambiental148, favorecendo o incremento pedagógico na área de Ciências e Biologia. Dentre essas, a atividade prática foi realizada na trilha do Muro, localizada a sudoeste do prédio “Redondo” (Centro Comunitário) do Campus. Construção e aplicação das atividades a) Planejamento das atividades As atividades a serem desenvolvidas foram previamente planejadas sob a supervisão da coordenadora do Subprojeto Ciências Biológicas do PIBID – UNISINOS. O planejamento da atividade foi dividido em objetivo e Metodologia: 48 Desde 1993, o projeto de Educação Ambiental conhecido como Caminhos do Campus, que visa à formação de multiplicadores ambientais através de trilhas interpretativas, vem sendo desenvolvido por um Grupo de Educação Ambiental, conhecido atualmente como o Grupo EA da UNISINOS 152 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Objetivo: Interagir permanentemente com o ambiente externo; buscar a harmonização da relação sociedade-natureza a partir do reconhecimento pelo ser humano do seu ambiente; incluir a conexão entre o conhecimento científico e a vivência da comunidade e compreender que o estudo de vegetais não se restringe somente a estrutura anatômica, fisiologia, e taxonomia. Metodologia: Realização de um diagnóstico dos conhecimentos prévios sobre a região a ser trabalhada e os temas a serem abordados, tais como composição vegetal, relação da cobertura vegetal com o meio ambiente e os outros organismos (inclusive o ser humano), assim como sobre preservação ambiental; sondagem do que os alunos entendem por atividade prática, a fim de caracterizar os sentidos para o termo; instruções de segurança em trilhas, a fim de minimizar acidentes; entrega de lupa de bolso e monóculos para facilitar a observação dos dados; entrega de Quadro de Referências para nortear os dados a serem coletados; realização da atividade “Meditação dos Sentidos”; realização da trilha; coleta de materiais de vestígio antrópico e de vestígio natural; diálogo sobre os materiais coletados e sobre a experiência vivenciada; aplicação da atividade “Teia da Vida” realização da atividade “Meditação dos Sentidos”, para finalização do trabalho. b) Aplicação da Atividade Antes de iniciar a atividade, os alunos receberam instruções e regras de segurança básica e conforto em trilhas, bem como informações sobre atividades que seriam desenvolvidas durante o percurso. Foram distribuídos materiais de apoio para a observação e a caracterização dos vegetais e dos organismos que com eles se relacionam – pranchetas, lupas de bolso e monóculos. Um quadro de referências foi entregue para cada participante, servindo como eixo norteador, para que o apontamento dos dados observados durante o percurso da trilha 153 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ não se restringisse à visão técnica e naturalizada. Nele constavam os seguintes itens a serem preenchidos: “FLORA”, “INTERAÇÕES ENTRE A FLORA E OUTROS ORGANISMOS”, e “PRINCÍPIOS ANTRÓPICOS”. A atividade foi realizada no dia 20 de novembro de 2010, com uma turma de alunos de 5ª série do Ensino Fundamental, dividida em dois momentos: b.1) Momento I No inicio e no término da trilha foi realizado um momento de reconhecimento do ambiente com os alunos, intitulada Meditação dos Sentidos, a fim de perceberem, por meio dos seus sentidos – principalmente visão, olfato, tato e audição – o local da atividade. b.2) Momento II: Do início ao final do percurso, os alunos observaram as atribuições da trilha e anotaram nos quadros de referência os dados relevantes. Por se tratar de uma trilha linear, onde o retorno é realizado pelo mesmo caminho, na volta ao ponto inicial, os alunos foram orientados a coletar um vestígio natural e um vestígio antrópico. Ao final da trilha, foi discutida a origem e composição dos vestígios coletados. Os participantes dialogaram sobre os materiais coletados e sobre a experiência vivenciada. Para a finalização da atividade, foi realizada a atividade da teia da vida, na qual em círculo, de mãos dadas, cada aluno torna-se um dos elementos trabalhados no encontro. A partir daí, a teia começa a se emaranhar ao máximo e, depois, lentamente, retorna ao ponto inicial. Esta é uma atividade de integração que possibilita que os conceitos abordados possam ser experienciados através do corpo. O planejamento é a previsão de uma ação a ser desenvolvida, com o objetivo de atingir os fins desejados de maneira eficiente. O planejamento da atividade proporcionou à aula prática o alcance dos objetivos gerais propostos. 154 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ O diagnóstico do comportamento de entrada dos alunos participantes, ou seja, o conhecimento prévio dos assuntos que foram abordados era reduzido. Os alunos sabiam pouco sobre a composição vegetal, sobre a importância real da vegetação – e sua influência na qualidade de vida, assim como havia muitas dúvidas sobre a interação da composição vegetal com outras formas de vida. Este último assunto causou maior euforia e interesse nos educandos. Como se tratava de assuntos já abordados em sala de aula pôde-se perceber que os alunos constroem o conhecimento a partir da significância particular atribuída ao assunto, assim como a atratividade da aula auxilia na criação de hipóteses e de comportamento investigativo, despertando a curiosidade do aluno. Conforme Barzano (2006) existem quatro tipos de sentido para o termo “prática”: I) visão pragmática, onde a aula prática é mais valorizada do que a teórica; II) contraposição à teoria, onde a aula começa por uma atividade prática e posteriormente por meio do material ou observações tudo pode ser analisado à luz da teoria; III) exemplificação ou demonstrativa, nessa categoria, o aluno é um mero espectador daquilo que o professor demonstra e IV) visão diversificada, onde essa categoria abrange a visão ampliada do termo “prática”, na qual o aluno, de uma só vez, apresenta os vários sentidos dessa palavra. Por meio dos depoimentos dos alunos sobre a concepção de aula prática de Botânica, foram encontradas duas categorias baseadas na classificação de Barzano (2006): exemplificação ou demonstrativa, caracterizada por uma aula prática em que o professor demonstra exemplos em que ele comentou na aula teórica. Foi percebida também a presença da visão pragmática, onde, conforme já referido, valoriza-se mais a aula prática, visto que a prática trata-se de uma visão funcionalista, isto é, serve a um fim utilitário e determinado, que pode até sobrepor a teoria, inclusive a ponto de gerá-la. Alguns autores como Barcelos e Noal (1998) criticam atividades práticas e de Educação Ambiental fora da sala de aula como, por exemplo, em zoológicos, parques e trilhas, visto que sustentam a ideia de que utilizar somente esse tipo de aula pode conduzir a um conceito puramente naturalista, assim como a uma atividade de contato eventual com a ‘natureza’. 155 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Decerto utilizar exclusivamente essa tipologia de aula prática pode gerar apenas um pensamento naturalizado. Isso pode ocorrer somente se não forem planejadas atividades que proporcionem ao aluno a concepção de visão sistêmica e de estimulação do desenvolvimento do seu espírito crítico e senso de investigação. Ademais, a vida moderna, mais do que nunca, transforma-se em ritmo acelerado, e diante disso, é cada vez mais raro o contato com o ambiente natural, tornando-se relevante a adoção de ferramentas que possam reintegrar o ser humano à natureza, desde que sejam bem planejadas. Durante a atividade prática da trilha, os alunos preencheram quadros de referência sobre o ambiente investigado, produzindo assim conhecimentos. Ao atuar como investigadores, o estudo dos vegetais não se reduziu a estudos fragmentados, mas integrados no ciclo natural. A utilização de vários recursos e instrumentos didáticos para Ensino de Ciências pode possibilitar aos alunos a percepção holística e integrada do ambiente. Foi possível estabelecer um pensamento sistêmico, pois segundo Krasilchik (1996), a aula prática confere ao aluno significados próprios, pois a aula dita tradicional não desenvolve o senso crítico e criativo, constituindo-se apenas em instrução e treinamento. O termo “investigadores” justifica-se pelo fato de que experimentar é mais que aplicar receitas, segundo Clement (1999). Esta afirmação é séria e importante, pois muitas vezes o professor, ao impor que o aluno siga uma receita em uma aula prática, o impede de aprender com seus próprios erros e, assim, evoluir em seu aprendizado. Nas aulas práticas e de experimentação, é fundamental a participação ativa do aluno. Atualmente, os textos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais 49 (PCN) (BRASIL, 1999), incentivam a formação de alunos críticos e capazes de raciocinar cientificamente com autonomia. Para que ocorra tal evolução, as aulas práticas são Os PCN,s foram elaborados pelo Ministério da Educação – MEC, em 1998. Há inúmeras críticas a estes, indo de sua concepção até a sua implementação nas escolas. 49 156 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ essenciais, a fim de facilitar a compreensão dos conteúdos e de fazer desenvolver nos alunos as capacidades do saber fazer experimental (PIOCHON, 2002). Em virtude dos resultados da pesquisa, é importante fazer um resgate histórico, visto que nas últimas décadas, diversos artigos foram publicados sobre o Ensino de Ciências e, em sua maioria, sugeriam aulas práticas e experimentação como fundamentais. Ao encontro das publicações, os PCN também sugerem que o Ensino de Biologia e de Ciências seja fundamentado sobre o raciocínio científico e o procedimento experimental. Assim, segundo Piochon (2005), o aluno é levado a aprender dados, bem como outros procedimentos para desenvolver seu espírito crítico e o senso de investigação. A autora ressalta, ainda, que as aulas práticas permitem a diversificação do trabalho pedagógico e, ao mesmo tempo, possibilitam ao aluno o contato com as novas tecnologias. A respeito da importância do ensino experimental, Piochon (2002) apontou que as aulas práticas são decisivas para o aprendizado das Ciências, salientando que elas contribuem nos procedimentos da formação científica, como a observação, a manipulação e a construção de modelos, entre outros. Esta realidade estranha e desconhecida ao discente, que pela primeira vez entra em contato com um estudo mais aprofundado e interessante, pode ocasionar dificuldades ou até mesmo frustrações em relação ao seu conhecimento construído, e pode não estar preparado para administrar a diversidade existente na classe. Ainda mediante aos resultados, a professora de Ciências responsável pela turma observou que os alunos nesta aula prática questionaram mais comparativamente às aulas expositivas, concordando com Bastos (1994) que as aulas práticas promovem e intensificam a interação entre professor e aluno fora e dentro da sala de aula. O aumento do nível de participação e questionamento geral da turma aponta que a metodologia empregada despertou nos alunos um maior interesse nos assuntos abordados, tornando assim, a atividade atrativa sob a perspectiva dos participantes, auxiliando assim, provavelmente no processo de ensino e aprendizagem. 157 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Um grande número de alunos pode não ter ainda participado de aulas práticas de laboratório, ou vivenciado processos de investigação científica no campo, ainda que em nível de baixa complexidade, devido ao atual planejamento educacional, ou pelo fato de a instituição, muitas vezes, não oferecer os recursos e a infra-estrutura adequados para tal. Porém, as práticas de Ciências e Biologia, mais especificamente de Botânica, visam incentivar uma avaliação que valorize a compreensão e a interpretação da natureza (KRASILCHIK, 1996). A complexidade da tarefa educativa exige dispor de instrumentos e recursos que favoreçam a tarefa de ensinar. A aprendizagem dos conteúdos de Botânica exige atividades práticas que permitam aos alunos vivenciar os conteúdos teóricos previamente trabalhados de forma contextualizada (KRASILCHIK, 1996). Para que o pensamento sistêmico se faça presente no Ensino de Ciências, o professor deve ter um conhecimento integrado. Nessa linha, as preocupações sobre a formação docente aproximam-se da concepção de Comênio, na sua Didática Magna, no qual o “bom professor” seria aquele capaz de dominar a “arte de ensinar tudo a todos” (AZANHA, 2004). Neste sentido, cabe ao docente o dever de captar a realidade cotidiana de cada aluno e tentar fazê-lo integrar essa realidade aos conhecimentos adquiridos durante sua vida, chegando ao conhecimento formalizado e significativo (HAMBÚRGUER E LIMA, 1989). Como dizem os nossos pensadores na educação, Delizoicov & Angotti (1994), Krasilchik (1987), Pereira (1998): “pensar a ciência como um conjunto de fatos científicos socialmente produzidos numa sociedade historicamente determinada”. Conclusão As aulas práticas desempenham papel importante no desenvolvimento e na construção do conhecimento dos alunos. Sua utilização no ensino e na formação do aluno pesquisador é preciosa, por isso uma aula prática seja ela na natureza ou na própria sala de aula, admite a visualização de fenômenos reais que permite ao aluno várias formas de leituras de sua realidade. Sobretudo, o investimento do professor em uma metodologia com uma abordagem sistêmica, ou seja, uma visão holística e integrada do mundo pode 158 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ instituir condições de rescindir com o paradigma mecanicista/cartesiano que tudo fragmenta. Diante disto, sublinha-se a necessidade de uma escolha criteriosa das aulas práticas de Botânica e, principalmente, que esta escolha considere a heterogeneidade de elementos que possam ser abordados na prática, ou seja, a visão integradora deve estar presente. Esta preparação, segundo Piochon (2002), visa combinar a motivação dos alunos com a interação destes entre si, assim como destes com o professor em sala de aula ou fora dela. A disponibilidade para modificar a organização do conteúdo deve existir, superando a fragmentação existente, criando novos espaços nos cronogramas, reestruturando disciplinas/atividades, promovendo o diálogo entre estas, associando mais intimamente teoria e prática e, principalmente, integrando ensino e pesquisa, despertando o olhar crítico dos estudantes no Ensino Fundamental, com o objetivo de superar um dos maiores desafios: dinamizar o ensino de botânica, principalmente no que toca a visão sistêmica. Enfim, pode-se afirmar que a abordagem dos conhecimentos científicos por meio de definições que devem ser decoradas pelo estudante contraria as principais concepções de aprendizagem humana. Podemos exemplificar através da abordagem que foca a construção de significados pelo sujeito da aprendizagem, debatida nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998). Quando há aprendizagem significativa, a memorização de conteúdos debatidos e compreendidos pelo estudante é completamente diferente daquela que se reduz à mera repetição automática de textos cobrados em instrumentos de avaliação. Considerando a importância ambiental e a visão integrada do mundo, no tempo e no espaço, a escola deve oferecer meios efetivos para que cada aluno compreenda os fenômenos naturais não somente por meio de visão reducionista, já que escola é o espaço social e o local onde o aluno dará sequência ao seu processo de socialização. 159 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Referências ANDRADE, W. Manual de Ecoturismo de Base Comunitária: ferramenta para um planejamento sustentável. Brasília: WWF Brasil, 2003. AZANHA J. 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Estes conceitos foram aplicados em um estudo de caso para avaliar a variabilidade de um processo de produção de embalagens plásticas flexíveis. Os resultados indicam que o processo avaliado é instável e encontra-se fora de controle estatístico. Além disso, se tem como objetivo verificar a viabilidade de aplicações práticas de conceitos que, na maioria das vezes, não fazem sentido para os alunos de graduação, pois são ensinados apenas de forma conceitual e isolado da prática. Palavras-chave: Estatística. Produção. Embalagens. Introdução Um dos maiores questionamentos dos alunos que ingressam em cursos superiores é sobre a aplicabilidade dos conteúdos que eles aprendem no decorrer do curso, entre eles os relacionados às disciplinas de matemática, estatística e física. Além deste questionamento, alguns alunos do curso de licenciatura em matemática, por exemplo, buscam aplicações destes conteúdos que vão além de sua área acadêmica, seja porque estes almejam uma colocação no mercado, diferente da acadêmica, seja para entender o fenômeno físico que é representado pelo conteúdo gerador do questionamento. 50 Thiago George das Dores é graduando do terceiro ano do Curso de Matemática da Faculdade de Administração e Artes de Limeira - FAAL, da cidade de Limeira. Professora indicadora: Maria Célia de Oliveira Papa, do curso de Licenciatura em Matemática da Faculdade de Administração e Artes de Limeira – FAAL, da cidade de Limeira. 162 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Este estudo propõe aplicar conceitos sobre medidas de posição e de dispersão que fazem parte do conteúdo estudado na disciplina de estatística, que compõe o rol de disciplinas da maioria dos cursos superiores, para analisar as possibilidades de aplicação do aprendido na sala de aula com as práticas do processo produtivo. Nesse caso de uma indústria de Embalagem Plástica Flexível. Para atender aos objetivos aqui propostos, este trabalho está organizado em quatro seções, a segunda seção apresenta as questões teóricas sobre Controle Estatístico de Processo (CEP) e suas aplicações, a terceira seção mostra o desenvolvimento do estudo, que compreende o processo produtivo aqui avaliado e a aplicação do CEP a este processo, os resultados e discussões são apresentados na seção 4 e finalmente as considerações finais sobre o estudo. Conceitos Teóricos sobre CEP e suas Aplicações No caso específico de um processo de fabricação de um determinado produto, tal variabilidade pode ser devida, por exemplo, a matéria prima, as condições ambientais que o processo está submetido, aos operadores, entre outros fatores. Em alguns casos, tal variabilidade pode provocar diferença importante entre os produtos por ele produzidos, sendo causa de prejuízos financeiros para a indústria, uma vez que os produtos podem não atender as especificações desejadas. Para avaliar a variabilidade de um processo, e assim, conhecer e tratar as suas causas, o CEP – Controle Estatístico de Processo é uma ferramenta poderosa. Sendo o CEP uma ferramenta que pode ser aplicada em vários setores, especialmente na indústria, com o objetivo de avaliar a variabilidade dos processos, proporcionando melhorias na qualidade dos produtos, redução dos custos de produção por meio da diminuição de perdas. A literatura apresenta diversos estudos de caso que utilizam o CEP, tais estudos podem ser verificados em diferentes áreas, como por exemplo, Lopes et al (2005) que realizou um estudo para verificar a variabilidade de filmes plásticos para embalagens 163 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ flexíveis, Souza et al. (2010) que faz uma aplicação do CEP para avaliar a capacidade de produção de uma empresa siderúrgica, Oliveira et al. (2010), que utilizam o CEP para monitorar a graduação alcoólica na produção de álcool, dentre outros estudos. De acordo com Montgomery e Runger (2003), as cartas de controle usadas nos estudos de CEP somente são capazes de detectar as causas da variabilidade, porém, para que essa variabilidade seja minimizada necessita de ações do gerente, operadores, engenheiros, dentre outros responsáveis pelo processo, que deverão ser feitas por meio de um plano de ação para avaliar e corrigir os pontos indicados nos gráficos de controle. Existem vários tipos de cartas de controle, cuja utilização depende da aplicação prática, ou seja, do tipo de processo e dos dados que ele fornece. Porém, segundo Montgomery e Runger (2003), a análise de um processo deve ser feita considerando dois tipos de cartas de controle, uma que possibilita avaliar o valor médio das diferentes observações da mesma amostra ou de observações consecutivas de um mesmo lote e outra para avaliar a variabilidade entre os valores médios observados, dados pela carta de amplitude ou de desvio padrão. De acordo com Martins e Laugeni (2005), um gráfico de controle pode ser construído nas cinco etapas seguintes: Determinar os limites de controle inferior (LCI) e superior (LCS) dos gráficos da amplitude ou desvio padrão; Estabelecer um plano para a coleta dos dados do processo; Calcular a média e o desvio padrão para os vários valores observados para a mesma variável ou para medições consecutivas de variáveis do mesmo lote; Colocar os valores observados no gráfico de controle; Verificar se os valores observados no gráfico da média e desvio padrão estão dentro dos limites de controle e consequentemente, verificar se o processo está sob controle estatístico, caso não estejam, devem ser tomadas as ações. 164 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Segundo Montgomery e Runger (2003), existem dois tipos de causas que provocam variabilidade no processo: causas especiais e causas aleatórias. As causas aleatórias são inerentes ao processo, mas não geram problemas na produção, mesmo porque, esta variabilidade está sempre entre os limites de controle do processo. As causas especiais são indicadas pelos pontos que estão fora dos limites de controle inferior ou superior, e indicam algum tipo de problema no processo. De forma sucinta, um estudo de CEP permite avaliar e quantificar a variabilidade de um processo, que consequentemente, possibilita corrigir ou amenizar as causas desta variabilidade, que em geral, resulta em ganhos financeiros para as empresas. Sendo também uma ferramenta de implantação simples que fornece informações importantes para tomadas de decisões. A próxima Seção apresenta um estudo de caso, em que o CEP foi aplicado, na tentativa de avaliar o processo em si, porém, com objetivo maior de aplicar em uma situação real, alguns dos conceitos vistos no curso de Licenciatura em Matemática. Desenvolvimento Este estudo foi desenvolvido em uma empresa de pequeno porte, localizada na região de Campinas, que produz embalagens flexíveis de plástico. Para que o processo de produção de embalagens flexíveis, ilustrado na Figura 1 se inicie, primeiramente, uma ordem de produção é emitida pela diretoria da empresa. Nesta ordem constam as informações importantes do processo, como o tipo de material a ser utilizado, a quantidade [kg] que será produzida, as dimensões da embalagem [mm] e a sua espessura [µ], entre outras características específicas da embalagem que será produzida. 165 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ F Figura 1: Fluxograma Básico de um Processo de Produção de Embalagens Plástica Flexível. Fonte Lopes et al (2005) Conforme observado na Figura 1, este processo de produção se inicia com a separação e a mistura da matéria-prima, que é formada por resina de polímeros granulados. Em seguida, esta matéria-prima é misturada e colocada na extrusora, que mistura a matéria-prima, a qual posteriormente será utilizada em diferentes proporções, dependendo do tipo de embalagem a ser produzida. Na extrusora, a matéria-prima é submetida a temperaturas que variam entre 100º C e 250° C, transformando-a em uma massa homogênea. Desta massa são produzidos filmes plásticos em forma de bobinas. Após este processo, as embalagens que deverão ser impressas vão para as impressoras, que posteriormente são rebobinadas ou cortadas, dependendo do tipo de embalagem, já as que não possuem impressão vão diretamente para o corte ou são rebobinadas. Após estas etapas, elas são embaladas, faturadas e finalmente despachadas. Porém, antes disso, o próprio operador da maquina faz uma inspeção nas embalagens para verificar se elas atendem aos requisitos de qualidade, especialmente, se elas estão dentro das medidas solicitadas. 166 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Além das informações do processo que já foram descritas, as máquinas do setor de corte e solda funcionam em uma velocidade determinada pelo próprio operador, e esta velocidade está relacionada com o tipo de matéria-prima, com a temperatura ambiente, e com a tensão da máquina. A temperatura ambiente deve ser monitorada, pois a temperatura de funcionamento da máquina, que varia entre 140°C e 400°C é estabelecida em função desta temperatura ambiente. Além da temperatura ambiente, outras características devem ser controladas, como a velocidade de corte, o ar guia e a temperatura de corte, pois também são fontes potenciais de variabilidade do processo produtivo de embalagens flexíveis. Para verificar se as embalagens atendem aos requisitos de qualidade especificados na ordem de produção, os operadores do setor de corte e solda medem o comprimento [mm] e a largura [mm], usando uma trena graduada. A próxima seção descreve os dados que foram coletados, os resultados dos gráficos de CEP e a discussão de cada uma das etapas da análise. Resultados e Discussões Neste estudo, verificou-se a estabilidade do processo em longo prazo, para isso, foram retiradas cinco embalagens seguidas, de manhã e outras cinco embalagens à tarde, durante 15 dias. O gráfico da Figura 2 ilustra os valores médios e os desvios padrão das larguras, observados amostras com cinco medições consecutivas de embalagens do mesmo lote, para 30 amostras. 121.0 UCL CL 120.0 Média [mm] Gráfico de Média para a Largura LCL 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 Amostra 0.8 UCL 0.4 CL 0.0 Desvio Padrão [mm] Gráfico de Desvio Padrão para a Largura LCL 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 Amostra Figura 2: Gráfico de Média para a Variável Largura [mm] da Embalagem Plástica Flexível. 167 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Observa-se no gráfico de média da Figura 2, que existem vários pontos fora de controle, que estão indicados pelos pontos vermelhos nos gráficos. Estes pontos estão fora do limite inferior e superior. Nota-se neste gráfico, que a maioria dos valores médios observados varia entre os valores de aproximados, de 119 mm e 121 mm, porém, existem cinco valores acima do limite superior. Desta forma, pode-se dizer que o processo está fora de controle estatístico. O gráfico de desvio padrão da Erro! Fonte de referência não ncontrada. também indica pontos fora do limite inferior e superior, Desta forma, pode-se dizer que existem causas especiais agindo no processo, indicando a necessidade de tomada de ações para correção de tais causas. A Figura 3 apresenta os gráficos de controle para a variável comprimento [mm] da embalagem plástica flexível, para os valores médios e os desvio padrão. 270.5 UCL 269.5 CL LCL 268.5 Média [mm] Gráfico de Média para o Comprimento 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 Amostra 0.8 UCL 0.4 CL 0.0 Desvio Padrão [mm] 1.2 Gráfico de Desvio Padrão para o Comprimento LCL 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 Amostra Figura 3: Gráfico de Média e Desvio Padrão para a variável Comprimento [mm] das Embalagens Plásticas Flexíveis. 168 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ O gráfico das médias dos comprimentos [mm] indica que existem 10 pontos fora dos limites de controle, o que significa dizer que existem causas especiais agindo no processo, assim, estes resultados também indicam que ele está instável, ou seja, fora de controle estatístico. Porém, a variabilidade observada no gráfico do desvio padrão mostra que não existem causas especiais agindo no processo e interferindo nos comprimentos medidos para as cinco medições de cada amostra. Então, de forma análoga aos resultados da largura das embalagens, existem causas especiais agindo no processo, que necessitam de avaliações e ações. Considerações Finais Pode se dizer que a aplicação dos conceitos de variabilidade, estudados na disciplina de estatística, pode ser realizado com sucesso, consequentemente, respondendo a uma das questões mais comuns feita pelos alunos de graduação em geral, que se refere ao fato deles desejarem saber onde aplicarão os conceitos teóricos aprendidos e a demonstração de possibilidades de aplicação é um caminho para isso. Com relação aos objetivos do estudo de caso da aplicação de CEP para avaliar a variabilidade de um processo de produção de embalagens plásticas flexíveis, os resultados indicam que o processo avaliado é instável, pois possuem vários pontos fora de controle. Com relação às ações que podem ser tomadas, basicamente, o processo pode ser considerado em duas partes, o processo de produção das embalagens em si, que eventualmente pode ter algum problema referente ao corte das embalagens, que eventualmente está cortando tais embalagens em tamanhos diferentes. Ou então, a variabilidade pode ser devido ao processo de medição destas embalagens. Para uma avaliação completa deste processo, poderia ser realizada uma análise do sistema de medição, para verificar se a variabilidade do processo está relacionada a ele, como por exemplo, variação causada pelo fato de que diferentes operadores realizaram a medição das embalagens no decorrer do estudo. 169 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Referências: LOPES et al. (2005). “Variabilidade do Processo de Fabricação de Filmes Plásticos Flexíveis: um estudo de caso”, Anais do XII SIMPEP, Bauru, 2005. MARTINS, P; LAUGINI, F. Administração da Produção. São Paulo: Saraiva, 2005, 2ª ed. MONTGOMERY, D; RUNGER, G. Estatística Aplicada e Probabilidade para Engenheiros, Rio de Janeiro: LTC, 2003. OLIVEIRA et al. Utilização do Controle Estatístico do Processo (CEP) Para Monitoramento da Graduação Alcoólica (INPM) na Produção de Álcool. São Carlos: in XXX Encontro Nacional de Engenharia de Produção, 2010. SOUZA, D; CAMPOS, M; RODRIGUES, M. Avaliação de Gráficos de Controle e Análise da Capacidade de uma Empresa Siderúrgica de Minas Gerais, São Carlos: in XXX Encontro Nacional de Engenharia de Produção, 2010. 170 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A Timidez Como Entrave Emocional Patológico: levantamento quanti-qualitativo dos relatos de pacientes atendidos na clínica-escola de Psicologia em uma faculdade da rede privada Keila Cristina Carlos de Souza51 Resumo: O presente estudo tem como objetivo contribuir para a compreensão da timidez como entrave emocional patológico em indivíduos chamados de tímidos, e prejuízos na interação social. Tendo como referencial teórico a psicanálise, abordará a timidez patológica como decorrente do confronto pulsional do Id com o Ego, portanto um fenômeno na esfera do inconsciente do sujeito, que impede a ação diante do seu desejo. Propõe também a revisitar os conceitos sobre o assunto e ressignificar a timidez, com vistas a uma melhora da qualidade de vida para os participantes. A realização da pesquisa se fará por meio de revisão bibliográfica e análise documental dos protocolos de triagens realizadas na clínica-escola de pessoas com a queixa de timidez. A pesquisadora acompanhará a evolução dos casos atendidos por meio dos prontuários de atendimento, os quais tiverem queixa de timidez. Palavras chave: Timidez patológica . Recalque . Desejo . Resistência. Introdução De acordo com pesquisa realizada recentemente, um estudo da faculdade de Windson, no Canadá, aponta que cerca da metade da população sofre com a timidez e esse número aumenta consideravelmente, a timidez não é uma doença, mas traz sofrimento como se fosse uma. Segundo o psicólogo René Schubert o indivíduo até apresenta fenômenos físicos desta retração, dores musculares e sensações de mal-estar generalizado. (2009). A timidez pode ser definida como desconforto e a inibição em situações de interação pessoal que interferem na realização dos objetivos pessoais e profissionais de quem a sofre, caracterizando-se pela obsessiva preocupação com as atitudes, reações e pensamentos dos outros (Soares, 2008). 51 Keila Cristina Carlos de Souza Graduanda em Psicologia pela Faculdade Anhanguera de Anápolis/GO Anhanguera Educacional. Professor indicador Márcio Luppi do Curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera de Anápolis/GO. 171 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A timidez é um fenômeno pouco estudado pelos psiquiatras, ao passo que há extensa literatura sobre o tema elaborado por psicólogos. Apesar de ser um construto mal definido, de origem leiga, pode ser útil uma vez que a timidez parece ser altamente prevalente, causando silencioso e devastador sofrimento. Revemos as conseqüências da timidez subdivididas em somáticas, cognitivas, comportamentais, sociais e seu papel como fator de risco para doenças mentais (Camisão, Carlos et al.) ,1994. Segundo Motta Filho em seu ensaio sobre a timidez: "Todo esforço que o indivíduo emprega como ser-no-mundo, reduz-se para o tímido numa incapacidade e numa frustração.” (pag.54, 1969). Assim, pode-se dizer que toda tentativa do indivíduo tímido resulta num desconforto de querer ir além, o desejo de superação por fim acaba em frustrações e sentimento de derrota frente à timidez. O indivíduo acometido por timidez que o impeça de agir, torna sua vida um acúmulo de fracassos angustiantes que o impossibilita de tentar agir resultando num comportamento do chamado tímido. Ainda sobre esse estudo feito por Motta Filho, onde cita Cassier que “No homem encontramos uma sociedade de pensamento e de sentimento, acontece que essa sociedade não funciona regularmente para o tímido, pois o resultado de suas atividades é uma sequência de déficits." em que o tímido não vivencia essa sociedade torna-se incompleta e desajustada voltada para frustrações e angustias principalmente no campo emocional. Na tentativa de encontrar um nexo causal da timidez buscou-se como referencial teórico o psicanalítico, pelo qual acredita-se que se possa esclarecer a origem da timidez. Possivelmente algo que tenha marcado a infância do indivíduo que o impeça de agir uma castração algo tratado mais adiante. De acordo com Freud (ano), o recalque ocorre na fronteira entre os sistemas Inconsciente (Ics), Pré-consciente (Pcs) e Consciente (Cs), que podem se de ordem primária e recalque de ordem secundária, (ao experenciar algo doloroso no qual o indivíduo não consegue lidar com a situação, ocorre um recalque que é transformado em algo inconsciente não percebido pela consciência), levando em consideração a forma dinâmica do aparelho psíquico, onde as forças entrariam em conflito, fundamentado num dualismo (antagonismo) instintual. Ele frisa que para descrever esse mecanismo de 172 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ recalque é necessário adotar a ideia econômica de catexia, conceito que se refere ao quantum de energia psíquica se deposita numa ideia ou grupo de ideias, o recalque secundário já seria a retração (da energia necessária para a ação reprimida) (Freud apud Bock ET AL, 1999). Esse processo de vir ou não à consciência foi o que levou Freud a chamar essa força psíquica de Resistência e, a este processo de acobertar ou encobrir foi chamado de Repressão, não deixado que se tornasse cônscias representações insuportáveis e dolorosas de onde se origina o sintoma, chamando esses conteúdos psíquicos de inconsciente, surgindo assim uma estrutura do aparelho psíquico e o funcionamento da personalidade, no qual ele teoriza a existência de três sistemas ou entidades psíquicas sua primeira tópica que ele chamou de Inconsciente (ICS), Pré-consciente, (PCS) e Consciente (CS). O inconsciente seria repleto de conteúdos de ordem inconsciente, por vezes reprimidos pela ação de censuras internas que num dado momento na vida do indivíduo podem ter sido conscientes, mas que foram enviados para o inconsciente ou podem ser que nunca foram conscientes e desde a priori sempre foi inconsciente mesmo, aos quais não se tem acesso aos outros dois sistemas, o Consciente e o Pré-Consciente, (Freud, 1915) Já o Pré-Consciente diz respeito a aqueles conteúdos que não estão presentes na consciência, mas que a qualquer momento podem se tornar acessíveis. O consciente é a parte do aparelho psíquico que está em contato com o mundo exterior, a realidade no qual o fenômeno da percepção se acha presente, sobretudo o raciocínio, a atenção. Apud Bock ET AL (1999). Freud afirmava que o que vai determinar o caráter do indivíduo é a maneira que ele canaliza a sua libido, ou é governado por ela e frisa que a contenção, a retenção da libido pode causar histeria, angustia ou a erupção de distúrbios psíquicos, os instintos podem aparecer mais tarde como um grande problema. (apud OSBORNE, 2001). Freud define inibições como sendo restrições do Ego que, em dado momento, foram impostas como medidas de precaução ou, se acarretaram como resultado de um 173 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ empobrecimento de energia, o que a difere de um sintoma, que seria um sinal e um substituto de uma satisfação instintual que permaneceu posicionado em algum lugar, em estado jacente é uma consequência do processo de repressão, ocorrendo a partir do Ego quando este pode ser por ordem do superego, se recusa a associar-se com uma catexia instintual que foi provocada no Id em forma de desejo ou algo parecido e que não lhe foi permitido se manifestar (Freud, 1926]1925). Em Simoda (2009) podemos encontrar a citação: Em muitos casos, o medo de se relacionar com figuras de autoridade (professor, chefe, juiz, etc.) está relacionado profundamente com a forma que você reagia no relacionamento com seus pais. Se o seu pai era muito autoritário, exigente, severo, crítico, desvalorizante e você reagiam com muito medo e inibição, a tendência é transferir essa forma de relacionamento subserviente com as pessoas que ocupam cargos de autoridade ou que tenham um perfil de personalidade semelhante ao do seu pai. Freud, o pai da psicanálise chamava este tipo de relacionamento com essas pessoas, de ‘relação transferencial’. Desta forma, se você - quando criança - tinha muito medo de fazer uma pergunta ao seu pai, é provável que vá transferir esse mesmo temor na fase adulta ao fazer uma pergunta ao seu chefe ou ao seu professor. Em verdade, sua dificuldade em fazer uma simples pergunta é um mecanismo de defesa contra a atitude autoritária de seu pai. Portanto, em muitos casos a timidez é o resultado de uma educação rígida, severa e desvalorizante por parte dos pais que contribuem para a formação da auto-imagem negativa da criança. (Osvaldo Shimoda (2009). Para isso, regras foram instituídas que possibilitem a vida em sociedade, e, segundo Freud seriam essas regras, paradoxalmente, as responsáveis pelos maiores sofrimentos, assim constituído seria inevitável, o que pode ser compreendido como sendo a condição pática (sofrimento, dor, aflição). E que a partir de Freud a civilização trata-se da regulação pulsional, propondo uma relação intrínseca entre o processo civilizador e o desenvolvimento pulsional do indivíduo. Segundo Freud o que determina a constituição do prazer-desprazer será a relação entre a variação da excitação e o tempo. (Freud1930[1929] apud Zavaroni; Celes, 2004. 174 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Pode-se fazer um paralelo entre o que diz Shimoda (2009) e Zavorani e Celes (2004), o receio de se relacionar com pessoas que demonstre autoridade citado por Simoda (2009), no presente esta relacionado à forma que o indivíduo reagia com inibição quando criança, e agora na vida adulta trata-se de um mecanismo de defesa em resposta a identificação daquela pessoa que demonstrou autoridade na infância, contribuindo para uma autoimagem negativa e até uma autoestima baixa. Por sua vez Zavaroni (2004), também cita Freud que diz das regras que enquadraria o indivíduo na sociedade um processo civilizador controlando a pulsão transformando o prazer em desprazer, os dois autores fala das regras impostas, do modelo que era preciso ser seguido (mas como todos passamos por este processo civilizador possivelmente um individuo tímido o vivenciou mais intensamente). Segundo Freud (1914) o que sugere é que , quando algum incidente fortuito na vida posterior inibe o desenvolvimento normal da sexualidade, a conseqüência pode ser o ressurgimento da sexualidade “infantil” indiferenciada, ou seja, há uma regressão. Ai foi possível compreender o efeito da frustração como causa da regressão da libido para alguém, ponto de fixação anterior. De acordo com Freud a regressão seria dividida em três formas: a temporal, a formal e a material, mas acrescenta em 1914 á Interpretação dos sonhos, como sendo todos esses tipos de regressão o mesmo, ocorrendo simultaneamente, pois a que é mais antiga no tempo é a mais primitiva na forma, e na topografia psíquica situa-se mais próxima da extremidade perceptual. Pode-se perceber na fala de Freud sobre narcisismo que a parte mais importante, contudo pode ser isolada sob a forma do complexo de castração (nos meninos, a ansiedade em relação ao pênis, nas meninas, a inveja do pênis, e tratada em conexão com o efeito da coerção inicial da atividade sexual. Sabemos que os impulsos instintuais libidinais sofrem a vicissitude da repressão patogênica se entram em conflito com as ideias culturais e éticas do indivíduo, a repressão provém do ego, poderíamos dizer com maior exatidão que provém do amor próprio do ego. (Freud, 1914). *1 Assim, pode-se dizer que o individuo acometido por Timidez em algum momento em sua biografia possivelmente passou por um tipo de castração, proibição ou retenção da energia libidinal, embasando-se que o Ego causa ansiedade para opor-se às vontades 175 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ instintivas do Id, haveria uma catexia e que com a colaboração do Superego através do meio, cultura, família imposição de regras ascenderia o percurso da Timidez, ou seja, algo inconsciente impediria o indivíduo de se socializar, tomar atitudes frente a outrem em consequência á castração inconsciente sofrida em outro momento. No campo da fantasia, a repressão permanece toda poderosa, ela ocasiona a inibição de ideias in status nascendi antes que possam ser notadas pela consciência, se a catexia destas tiver probabilidade de ocasionar uma liberação de desprazer. (Freud, 1911). Percebe-se na fala de Freud que a repressão age na formação das ideias antes mesmo que a consciência possa perceber produzindo inibição que no caso dos indivíduos tímidos poderá causar um não conseguir agir frente às circunstâncias da vida causando um desprazer no individuo pela energia contida não liberada, energia essa disponível na Psique. Percebe-se nesta fala que a repressão em estado de formação, não é percebida pela consciência, podendo provocar uma liberação de desprazer dependendo da quantidade e intensidade de energia. Para o indivíduo tímido esse desprazer causa um desconforto social no qual não consegue agir “normalmente” como outros não acometidos pela Timidez provocando um entrave emocional que lhe impeça de agir podendo até provocar patologias, somatizações. Freud conta a história do homem de areia, que arranca os olhos das crianças, mais ao final quando fala do sentimento de estranheza, do medo de castração, e fala que, o que é estranho é familiar, que o que é estranho é repressão, e essa repressão fora vivida na infância, complexo de castração da infância. Freud (1919). Possivelmente houve em dado momento a vivência de castração inconsciente pelo indivíduo tímido que ocasiona inibição ao seu desejo de agir, satisfazer seu desejo que pulsa sua consciência. Possibilita-se um link entre o que diz Freud e Dolto (2001): Na verdade, é a superação da história de cada um e da angústia da mutilação, ou seja, a angústia de castração que é uma angústia de mutilação, porque não se 176 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ tem confiança naquele que impõe o fracasso do imaginário, fracasso necessário para que haja sucesso na realidade Dolto (2001) p. 201. A angústia de castração desencadeada pelo Ego diante do Id citado acima, pode impossibilitar ao chamado tímido, de ir ao encontro do outro, de agir dentro da sua realidade tentando evitar o desprazer vivido em outro momento da sua história promovendo assim todos os sintomas e inibições vividos por pessoas tímidas. Parafraseando o que Freud diz: que durante o período de latência total ou parcial erigem-se forças as forças anímicas que mais tarde, surgirão como entraves no caminho da pulsão sexual e estreitarão seu curso á maneira de diques (o asco, o sentimento de vergonha as exigências dos ideais estéticos e morais. Freud, 1905. Objetivos: - Investigar a relação entre timidez e possíveis incapacidades do Ego. - Descrever aspectos psíquicos dos chamados tímidos na interatividade com outros indivíduos e possíveis psicopatologias associadas, baseando-se no modelo estrutural proposto por Freud, nas instâncias Id, Ego e Superego enquanto determinantes nas suas ações e reações. - Realizar um levantamento na clínica-escola de Psicologia em uma faculdade particular onde se pretende constatar quanti-qualitativamente a procura de indivíduos com queixa de timidez na clínica-escola, promovendo um estudo local. Metodologia: Partindo do referencial presente na teoria psicanalítica, realizar uma revisão bibliográfica da obra freudiana, buscando a compreensão de como funciona o desejo do Id em confronto com o Ego, o balizamento de interdição/satisfação dado pelo Super-Ego e sua correlação com a timidez e suas inibições ocasionadas nos sujeitos. A pesquisa possui um elemento quantitativo, pois se realizou pesquisas descritivas que possibilite descobrir e classificar no que se refere à procura de indivíduos com queixa 177 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ de timidez na clínica-escola da Faculdade citada acima e, posteriormente, o quanto a timidez interfere na vida dos que se sentem incomodados por tal queixa no âmbito social. Dada a natureza subjetiva do objeto em estudo, a pesquisa se baseia também na perspectiva qualitativa, na medida em que buscará elementos biográficos, para compreender aspectos psicológicos, cujos dados não podem ser coletados de modo completo por outros métodos devido á complexidade que envolve a pesquisa, neste caso temos estudos á analise de atitudes, motivações, expectativas, valores, opinião, etc. (Tratado de metodologia cientifica pag.117, Silvio Luiz de Oliveira). Instrumento de coleta de dados: Coleta de dados bibliográficos fundamentando-se em estudos já realizados e compreensão da teoria. Análise dos protocolos de triagens realizadas na clínica-escola com a queixa de timidez no período de Agosto a Dezembro de 2010. Participante: pacientes em atendimento na clínica-escola com queixa de timidez e déficit nas habilidades sociais, de ambos os sexos, de faixa etária que compreenda desde crianças até adultos que se queixe de timidez. Os dados foram coletados junto ao Setor de Arquivos da clínica-escola onde a autora fez a seleção de todos os prontuários dos pacientes cujas queixas incluíam a de timidez. Logo após categorizou-se as ocorrências descrevendo a relação desses pacientes no aspecto social, familiar, profissional, emocional, situação socioeconômica, sexo e idade com possíveis transtornos. E por fim as conclusões teóricas e análises dos dados. Local de pesquisa: Clínica-Escola da faculdade referida anteriormente. Deu inicio a algumas atividades em caráter de estágio básico supervisionado no primeiro semestre de 2008, com atendimento na modalidade de avaliações não interventivas, e, em 2009, dando continuidade a essas atividades, também foram acrescentados os atendimentos clínicos com intervenção com a psicoterapia. 178 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Sua equipe é composta por: um Supervisor Geral e Coordenador da Clínica; um Professor Assistente; 12 Professores Supervisores; um Recepcionista. Funcionando de segunda á sexta-feira de 13h00 ás 22h00 e aos sábados de 08h00 ás 12h00. Os atendimentos estão distribuídos em modalidades como: psicoterapia Breve Adulta e Infantil, psicodiagnóstico Adulto e Infantil, Psicoterapia de Grupo Infantil e Psicoterapia Suportiva (nomeada no contexto desta instituição como Clínico-Hospitalar) e Aconselhamento Psicológico. Dentro das perspectivas de cada abordagem, sendo elas: Psicanálise, Sócio-Histórica, Cognitivo Comportamental, Comportamental e Gestalt-terapia/Fenomenologia. (Silva 2009). Foram utilizados recursos como análise documental como prontuários dos pacientes atendidos, sendo que esta vem respaldada pelo termo de consentimento, onde o paciente também autoriza pesquisa referente aos dados coletados, desde que haja manutenção do sigilo de sua história e identificação, observam-se nesta análise variáveis como: faixa etária, sexo, estado civil, escolaridade, ocupação, renda familiar e a queixa. No que se refere aos materiais utilizados foram: prontuários de triagem. Por fim, vale esclarecer que todos os documentos como prontuários utilizados na pesquisa estão arquivados na clínica-escola em questão e são mantidos trancados e com acesso restrito aos profissionais que realizam o atendimento e ao supervisor da clínica. Resultados – Quanti-qualitativos: A pesquisa em questão demonstra dados sob forma de amostragem da população atendida na Clínica-Escola de Psicologia, parte integrativa do Curso de Psicologia, localizada ou inserida em uma Faculdade privada. Especificamente a população participante será a clientela desta clínica, portanto uma amostra de 463 usuários ou pacientes nos quais foram evidenciadas 27 queixas de timidez. Como principal característica a clínica-escola tem como público em seus atendimentos pessoas da comunidade de baixa renda, sem outro meio de acesso ao serviço de Psicologia Clínica. A Tabela 1 contém informações sobre o nível de renda familiar que possibilita a análise dessa categoria. 179 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ No presente estudo verifica-se que de acordo com amostragem de 463 prontuários analisados encontrou-se 27 queixas de timidez equivalendo á seis por cento entre outras queixas. Clínica Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez - 2008-10 Quantidade (amostra) Queixas encontradas Incidência 463 27 6% Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular Na tabela a seguir pode-se analisar que não houve diferença significativa entre gênero e renda familiar, provavelmente não há relação entre Timidez, gênero ou camada social abarcando todas as categorias. Tabela 1:Clínica Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez -renda familiar 2008-10 Renda Familiar Masculino Feminino 600,00 – 2.000,00 06 05 600,00 – 4.200,00 07 09 Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular As informações contidas na Tabela 2 evidenciam que a timidez abarca uma faixa etária que vai desde crianças até a idade adulta, todavia podemos inferir que nessa amostra, a timidez mostrou-se significativamente prevalente no segmento de 6 a 28 anos. 180 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Tabela 2: Clínica – Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez faixa etária- 2008-10 Faixa Etária Masculino Feminino 06 I----------- 28 14 10 29 I----------- 51 01 02 Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular Os dados dispostos na Tabela 3 possibilitam a análise da variável Escolaridade, dos pacientes que se queixam de timidez sendo mais frequente entre homens com menor escolaridade e, entre as mulheres concentrou-se a ocorrência de timidez, com formação apenas no Ensino Médio. Tabela 3: Clínica – Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez escolaridade - 2008-10 Escolaridade Masculino Feminino Ensino Fundamental 08 01 Ensino Médio 05 10 Ensino Superior 02 01 Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular A Tabela 4 contém informações coletadas na amostragem no que se refere ao estado civil dos pacientes comumente tímidos participantes da pesquisa, o que permite sugerir uma investigação futura acerca do quanto a timidez interferiu inibindo a vida afetiva-relacional dessas pessoas. 181 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Tabela 4: Clínica – Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez estado civil- 2008-10 Estado civil Masculino Feminino Solteiro 16 10 Casado --- 1 Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular Na Tabela 5 é possível verificar informações de natureza qualitativa, nos quais os dados referidos na pesquisa possibilitam analise subjetiva dos participantes que sentem uma “perda” particular em sua vida causada pela timidez, nomeada como prejuízo nas áreas afetivas, labor-ativo, biopsicossocial e desenvolvimento intelectual por não terem uma atitude de iniciativa própria causada inconscientemente. Os dados formam lançados pelo Entrevistador que realizou a triagem com base na percepção que os sujeitos tinham de si mesmos ou foram depreendidos pelo entrevistador e apontam para as inibições sofridas pelo sujeito dito tímido. Tabela 5: Clínica – Escola de Psicologia- Incidência queixa de timidez 2008-10 Área prejudicada Nº Indivíduos Déficits Afetivos 03 Dificuldade Falar em público 06 Déficit Profissional 03 Déficit Escolar 06 Dificuldade em se expressar 03 Relacionamento Pessoal 06 Fonte: Base de Dados da Clínica-Escola de Psicologia de uma Faculdade Particular Percebe-se pela amostragem da pesquisa na população da clínica-escola que as queixas de timidez no referido estudo é um número considerável sendo um assunto relevante que merece uma atenção maior na área de Psicologia, devendo ser tratada de 182 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ forma a suprimir ou amenizar os efeitos nos sujeitos comumente tímidos para uma melhor qualidade de vida possibilitando uma resiliência em suas vidas. Considerações Finais Atendendo aos objetivos propostos no presente estudo - investigar a relação entre timidez e possíveis incapacidades do ego, encontramos no aporte teórico revisado na bibliografia que a fragilidade do ego em suportar uma crítica, o medo do autoconhecimento pode ter seu substrato no confronto do Id com o Ego, criando-se inibições frente a situações relacionadas á outrem. Freud define as inibições como sendo restrições do Ego que, em dado momento, foram impostas como medidas de precaução ou se como resultado de um empobrecimento de energia, o que a difere de um sintoma, que seria um sinal e um substituto de uma satisfação instintual que permaneceu posicionado em algum lugar em estado jacente. É, uma consequência do processo de repressão, ocorrendo a partir do Ego quando este, por ordem do superego, se recusa a associar-se com uma catexia instintual que foi provocada no Id em forma de desejo ou algo parecido, e que não lhe foi permitido se manifestar. (Freud, ([1926]1925). Visando elucidar que a timidez decorre do confronto do Id e Ego, fundamentandose na teoria freudiana que evidencia que o ego, para evitar futuras frustrações não permite que o desejo do Id se manifeste, causando assim sintomas somáticos no indivíduo tímido resultando uma vivência de Ego fragilizado, se mostrando incapaz de receber críticas alheias frente suas atitudes, ações, resultando num entrave emocional que dependendo da cronicidade pode lhe causar futuras patologias como perdas sócio afetivas e laborais, na interatividade com outros indivíduos e possíveis psicopatologias, baseandose no método estrutural proposto por Freud, nas instâncias Id, Ego e Superego nos quais determinam as ações e reações. Assim sendo, o indivíduo tímido pode ser regido por um Superego rígido confrontando-se com o Ego não permitindo que o desejo e ação do Id se concretize. 183 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A proposta da descrição do aparelho psíquico de um sujeito com sintomas de timidez seria: o Ego criaria um mecanismo de defesa juntamente com o superego para refutar o desejo do Id evitando assim que ele se manifeste ficando toda sua pulsão de energia instintiva retida. Percebe-se a necessidade de que se haja novos estudos específicos sobre Timidez de natureza mais profunda, haja vista das limitações do presente estudo no que se refere ao tempo limitado para sua execução talvez ligados ao Ideal de Ego, Id, Ego e Superego, um estudo histórico sobre Timidez , como foi tratado por diversas áreas , abordagens, comparando passado e contemporaneidade, por parte de pesquisadores ligados a Psique para que haja uma melhor qualidade de vida dos indivíduos tímidos resultando de maneira tal num ganho social, cognitivo, labor-ativo e ideoafetivo e mais aporte cientifico para futuros profissionais que saberiam como lidar melhor com esse público e não deixando de mencionar claro os resultados de psicoterapias que desencadeiam mais vitalidade. PARECER DE APROVAÇÃO DE COMITÊ Pesquisa autorizada pelo CEP - Comitê de Ética Profissional da Anhanguera Educacional s/a – CEP/AESA- em . 1 de abril de 2010 19:11:48 por meio do parecer: no.: 058/2010 Título: A Timidez Como Entrave Emocional Patológico Resultado aprovado nos termos do CEP. Referências: BOCK et al. Psicologias Uma Introdução ao Estudo de Psicologia .13 ed. São Paulo .Saraiva 2002 p.368 COMISÃO, C. et AL O Sofrimento Silencioso da Timidez, 1994.disponível em: http;www.bvspsi.org.br. Acesso em: abril 2010. DOLTO, F. Solidão. 2ª ed. São Paulo. Martins Fontes. 2001 p.502 FILHO, C. Ensaio Sobre a Timidez. Editora Martins. 1969,p.161 FREUD, S. Apêndice A: O uso do conceito de regressão. Rio de Janeiro: Imago, 1996 495 p. vol. 1 FREUD, S. Sobre o Narcisismo: uma Introdução. Rio de Janeiro: Imago, 1996 396 p. Vol. XIV. 1914 184 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ FREUD, S. Formulações Sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental. Rio de Janeiro: Imago. 1996, 406p. Vol. XII 1911. FREUD, S. Inibições, Sintomas e Ansiedade. Rio de Janeiro: Imago1996, 301 p. (1926[1925]) vol. XX FREUD, S. O Estranho. Rio de Janeiro: Imago1996, 325p. Vol. XVII 1919. FREUD, S. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. Rio de Janeiro: Imago1905. Vol. VII LAKATOS; M. Metodologia do Trabalho Científico.7 ed. São Paulo. Atlas. 2008 p.225 OLIVEIRA, S. Tratado de Metodologia Cientifica. 2ª Ed. São Paulo; Pioneira Thomsom Learning, 2004.320p. OSBORNE, R. Freud Para Principiantes. Rio de Janeiro; Objetiva 2001,131p. SHIMODA, O. (In: Vencendo a Timidez, disponível em http://somostodosum.ig.com.br acesso Agosto 2010 SILVA, R. Caracterização da Clientela da Clínica-Escola de Psicologia 27 de Agosto. 2009 SOARES, W. Hipnose. disponível em www.experimentehipnose.com.br ZAVARONI; D, CELES, L. O Processo Civilizador: uma leitura da pulsão de morte como excessivo. na compreensão freudiana da cultura. Pulsional; revista de Psicanálise ano XVII, n. 179, 2004. 1 Entende-se que se tratando de um estudo na área da Psicologia se faz necessário a busca como referencial nas obras clássicas. Visto que a obra de Freud como sendo de fundamental importância estudá-la, pois esta se mostra em dias atuais, uma teoria que com o passar dos tempos evidencia-se como atual, buscada como base para vários estudos. 185 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Havaianas: Além do Imperativo “Recuse Desempenhados na Campanha Publicitária Imitações” Dialogismo e Papéis 52 Carolina Di Assis Resumo: Este artigo objetiva analisar uma propaganda das sandálias Havaianas, transmitida pela televisão em 2009, a fim de depreender os discursos e os valores presentes na conversa entre avó e neta. Além disso, objetiva-se mostrar os papéis desempenhados pelas duas personagens, explicitando o dialogismo existente na propaganda. Para tanto, foram abordados os conceitos da Análise do Discurso de linha francesa. Espera-se que este trabalho contribua com as indagações levantadas e motive futuras pesquisas na área. Palavras-chave: Discurso. Ideologia. Memória discursiva. Dialogismo. Ethos. Introdução O presente trabalho pretende fazer uma análise de uma propaganda das sandálias Havaianas, transmitida pela televisão no ano de 2009, com base em alguns teóricos da Análise do Discurso. Essa propaganda criou polêmica com o público e foi retirada do ar, sendo substituída por outra que continha uma “justificativa” para a “censura”. Para desenvolver este artigo, os dois comerciais serão utilizados, sendo que ambos foram obtidos da internet, no site de vídeos www.youtube.com. Desta forma, objetiva-se depreender os discursos gerados na conversa entre as protagonistas da campanha publicitária: uma avó e sua neta. Mais especificamente, pretende-se explicitar os papéis desempenhados pelas duas personagens – representantes de duas gerações diferenciadas - e, como consequência, os valores surpreendentes difundidos por meio de suas falas. A fim de desenvolver os objetivos apresentados, os conceitos bakhtinianos serão ressaltados, assim como as definições apresentadas por outros pensadores da mesma linha teórica, tais como Michel Pêcheux e Dominique Maingueneau. Além disso, na 52 Carolina Di Assis é graduanda do sétimo período do curso de Letras da Universidade Federal de Goiás na cidade de Goiânia. Professora Indicadora - Doutora Eliane Marquez da Fonseca Fernandes, da Universidade Federal de Goiás; Campus Samambaia da cidade de Goiânia; Curso de Letras. 186 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ análise, serão considerados tanto os elementos verbais quanto os não-verbais, pois o objeto escolhido é um recurso audiovisual. A escrita do artigo se explica devido à curiosidade despertada pela quebra de expectativa na primeira propaganda e pela intervenção do público, que provocou a censura. Ademais, o objeto de análise escolhido é riquíssimo na produção de conteúdos implícitos. Espera-se, então, que este trabalho contribua com as indagações levantadas e que tente mostrar um lado diferente, não-dito, da campanha publicitária de uma das mercadorias mais vendidas e valorizadas no Brasil: as sandálias Havaianas. Discussões Iniciais Há várias possibilidades de abordar o estudo da língua. A abordagem que colocaremos em foco para a fundamentação deste trabalho é a da Análise do Discurso. Para tanto, as concepções sintetizadas por Ingedore V. Koch (1992) nos parecem bastante relevantes, mesmo que a autora, aparentemente, não diferencie “língua” de “linguagem”. Assim, vemos: língua/linguagem como representação do pensamento e do conhecimento de mundo do homem; língua como um código para comunicação; e língua/linguagem como forma de (inter)ação. A partir do que foi sintetizado por Koch (1992), percebemos uma nítida relação e o aprofundamento teórico, no que tange à língua, por meio de Mikhail Bakhtin. Em Bakhtin (2006), há alguns apontamentos que melhor esclarecem o nosso mote imediato. Para o autor, a língua é uma atividade concreta por se constituir na interação de locutores. Ela sofre um processo constante de evolução, a qual é regida por leis sociológicas, instauradas pela relação “mundo/sujeito e sujeito/mundo”, isto é, pelo ato de enunciação. Além disso, Bakhtin (2006) frisa: as características listadas conferem à língua o aspecto da criatividade, que não pode ser entendido separadamente das ideologias a ela ligadas. De acordo com esse autor, a língua serve às necessidades enunciativas concretas do locutor, ou seja, está orientada no sentido de um ato enunciativo. Dessa maneira, a língua só estabelece sentidos num dado contexto concreto, quando se realiza sob a forma 187 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ de texto. Esse texto, depois de produzido, estabelecerá relações com outros – anteriores ou posteriores - numa interação dita “dialógica”. O conceito de dialogismo também foi proposto por Bakhtin (2006). Retomando o filósofo russo, Orlandi e Lagazzi-Rodrigues (2006) defendem o texto como uma unidade significativa passível de análise, logo ele é possuidor de “textualidade”. Tal conceito é apresentado por M. A. K. Halliday (Halliday, 1976 apud Orlandi e Lagazzi-Rodrigues, 2006) para se referir às relações que o texto apresenta com ele mesmo e ainda com a exterioridade. Em Orlandi (2004), há a ampliação do conceito de texto, tendo-o como um objeto com começo, meio e fim – o que facilitaria a análise – se observado do ponto de vista de sua “apresentação empírica”, de sua materialidade. Entretanto, o texto visto como discurso instaura sua incompletude, levando em conta novamente a definição bakhtiniana de dialogismo que será estudada adiante. Mikhail Bakhtin e sua Relação com a Análise do Discurso Para o desenvolvimento de um trabalho coerente na área pretendida, faz-se indispensável recorrer a Mikhail Bakhtin (2006) e aos conceitos por ele defendidos, cruciais para o entendimento da análise que será feita neste trabalho. Primeiramente, o filósofo discute o conceito de ideologia e desta forma o entendemos: a “elaboração ideológica” se constitui por meio da “atividade mental do nós”, que assim é nomeada por se referir à coletividade. Logo, a ideologia teria caráter social. Tal posição se contrapõe à “atividade mental do eu”, voltada para o indivíduo. Esses dois polos de atividade mental correspondem aos limites da interação entre emissor e ouvinte no ato de enunciação. Bakhtin (2006, p. 126) resume seus apontamentos com a afirmação de que “*T+oda palavra é ideológica e toda utilização da língua está ligada à evolução ideológica”, ou seja, todo dizer carrega valores que se modificam, influenciando a interação verbal. Numa forma mais simples, a ideologia é, nas palavras de Cleudemar A. Fernandes (2005, p. 29), “uma concepção de mundo de determinado grupo social em uma circunstância histórica”, 188 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ pois os valores não podem ser vistos independentemente do contexto social em que eles se encontram. Além da ideologia, outra contribuição bakhtiniana diz respeito à ampliação do conceito de diálogo. Antes, de acordo com José Luiz Fiorin (2008), tal noção era considerada apenas como a comunicação entre duas pessoas feita em voz alta. Depois, o diálogo em Bakhtin se transforma em dialogismo. O dialogismo se refere às relações que podem ser estabelecidas entre enunciados – dizeres veiculadores de discursos e que podem se repetir, apesar de o ato de enunciação não poder – por causa da abertura de espaço para a réplica. Pensando na obra do teórico russo, Fiorin (2008) destaca três definições básicas para dialogismo. A primeira diz respeito ao fato de todo enunciado ser atravessado por discursos de outrem, por vozes alheias, sendo possível afirmar, portanto, que todo dizer é dialógico, ainda que implicitamente. A segunda definição se refere à marcação explícita do aparecimento das vozes alheias. A terceira retoma o que Bakhtin (2006) comenta sobre “atividade mental do eu” e “atividade mental do nós”. Para o filósofo russo, ambas as concepções entrecruzadas levariam a uma terceira, a “atividade mental para si”, na qual o indivíduo se reconhece como integrante de uma sociedade. Assim, como atesta Fiorin (2008), o sujeito vai se constituindo na relação com o outro e com a realidade em que se encontra. Por último, não podemos ignorar outro princípio-chave da obra de Bakhtin (2006): a polifonia. De certa maneira, ela já foi discutida neste trabalho, porque a polifonia está ligada às vozes que atravessam todo dizer e têm origem na consciência social. Segundo Fernandes (2005), é possível perceber na voz de um sujeito discursivo, isto é, em seu dizer, vozes provindas de diversos discursos. Seriam elas as responsáveis pela heterogeneidade do sujeito, pois as vozes não só se conciliam, como também podem se refutar. Finalmente, polifonia e dialogismo se articulam entre si e também com o conceito de Michel Pêcheux acerca de memória discursiva, a ser comentada a seguir. 189 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Michel Pêcheux: primeiras formulações Como se pôde notar, todas as ideias apresentadas até aqui se voltam para o mesmo aspecto teórico: o conceito de discurso. Todavia, tal conceito não foi exposto com mais profundidade por não termos abordado ainda o teórico responsável pelo termo: Michel Pêcheux. Logo, todos os apontamentos feitos até então nos conduzem à pergunta: o que a Análise do Discurso concebe como discurso? Fernandes (2005) discute essa noção, inicialmente, pelo que ela não representa. Conforme o autor, discurso não é língua, nem texto nem fala, mas necessita da linguagem para se materializar. Visto isso, o conceito se refere às ideologias veiculadas pelas palavras num determinado contexto social. O discurso estaria, então, relacionado às escolhas lexicais feitas pelo sujeito discursivo – voz que se constitui no discurso – a fim de produzir efeitos de sentido, segundo Fernandes (2005). Orlandi e Lagazzi-Rodrigues (2006) citam Pêcheux para apresentar a definição de discurso. Segundo as autoras, Pêcheux criticava o “esquema elementar da comunicação” que via o discurso como uma simples “transmissão de informação” (Orlandi e LagazziRodrigues, 2006, p. 14) e defendia a relevância dos sentidos produzidos entre os locutores envolvidos na enunciação. Além disso, para Pêcheux, o ato de dizer é importante na medida em que compreende os locutores, os sentidos produzidos e as condições de produção, aspectos que remetem para muito além da simples comunicação. As autoras ainda argumentam, como já dito anteriormente, acerca da incompletude do discurso, recordando implicitamente o dialogismo de Bakhtin. Tais ideias estão imbricadas no princípio da memória discursiva, também discutida por Pêcheux. Segundo Orlandi e Lagazzi-Rodrigues (2006), a memória discursiva está ligada ao interdiscurso, ou seja, ao que já foi dito antes em outros contextos. Tal noção é marcada pelo esquecimento porque, conforme as autoras, o sujeito não sabe em quais outras enunciações o enunciado que produz apareceu. Podemos concluir, então, que a memória discursiva é formada na coletividade por acontecimentos que antecederam a enunciação. Agora, diante de todas as informações 190 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ explicitadas, faz-se necessário retomar outra definição de Pêcheux, essencial para o desenvolvimento deste trabalho: a formação discursiva (FD). Fernandes (2005) trata a formação discursiva como aquilo que pode ser dito em determinado contexto sócio histórico. Ou seja, é aquilo que se permite enunciar devido à presença de determinados valores em uma conjuntura dada e específica. Nas palavras de Pêcheux (PÊCHEUX, 1990 apud Fernandes 2005, p. 51): “(...) uma FD não é um espaço estruturalmente fechado, pois é constitutivamente ‘invadido’ por elementos que vêm de outro lugar (isto é, de outras FD) que se repetem nela, fornecendo-lhe suas evidências discursivas fundamentais”. Por estarem estritamente relacionadas com o exterior, as formações discursivas trazem arraigadas outro conceito que nos remete a Bakhtin: formação ideológica. De uma forma simples, de acordo com Orlandi e Lagazzi-Rodrigues (2006), a formação ideológica se projeta, na linguagem, por meio das FD. Assim, toda FD pertence a uma formação ideológica. Como o discurso é atravessado por muitas FDs, ele também abrange muitas ideologias e claro, diversas vozes, as quais reinstalam o diálogo com outros enunciados. Ethos: a investigação de Dominique Maingueneau A fim de encerrar a primeira etapa deste trabalho no que concerne às formulações teóricas arroladas até o momento, é indispensável apresentar as reflexões de Dominique Maingueneau (2008) acerca de ethos. Esse conceito é fundamental para o entendimento da análise a ser feita adiante, já que nos propusemos a analisar os papéis desempenhados por uma senhora de idade e por uma jovem numa campanha publicitária. Maingueneau (2008) inicia sua reflexão afirmando a dificuldade em lidar com a definição de “ethos”, pois esse termo possui um sentido mais prático. No entanto, algumas ideias nos são apresentadas. De acordo com Maingueneau (2008), que fez sua pesquisa com base em outros teóricos, o ethos refere-se ao caráter, ao retrato, ao comportamento, à imagem emitida pelo locutor no ato de enunciação. O autor defende não ser possível dizer o ethos no enunciado, pois ele é mostrado no ato de dizer, que é mais amplo. 191 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Diante dessas considerações, Maingueneau (2008) enfatiza: produz-se uma imagem do enunciador antes mesmo que ele fale. Isso se dá por meio da observação de características não-verbais, tais como as roupas do locutor, sua postura, seus gestos, seu olhar, a modulação de sua voz, entre outros. Esse “exame” inicial conduz à construção do ethos pré-discursivo por ser antes da fala. Com a concretização do discurso, outro ethos é traçado e não necessariamente distinto do primeiro: o discursivo. É possível perceber que o ethos tem sua razão de ser, conforme Maingueneau (2008), no contexto social. Primeiro, porque toda a situação (“o aqui e agora”) é levada em conta e não apenas os dizeres. Segundo, o enunciador imagina um retrato de si mesmo, mas esse retrato pode ser diferente do que é feito pelo interlocutor. De maneira resumida: em um ato de enunciação, quem fala faz uma imagem de si próprio e de quem ouve, e vice-versa. Ressaltamos ainda um fenômeno comum, atualmente, no meio publicitário e descrito por Maingueneau (2008): o deslocamento da “propaganda” para a “publicidade”. Se antes o importante era exibir no comercial as qualidades do produto, atualmente os argumentos estão voltados para a promoção da marca. Na propaganda a ser analisada aqui, isso se comprova, como veremos adiante. A Campanha Publicitária em Foco Diante de tudo o que foi exposto, é possível perceber ideias-chave que foram apresentadas na teoria e serão, neste momento, explicitadas na prática. Torna-se imprescindível, dessa maneira, considerar que o desenvolvimento da interação entre sujeitos é repleto de “ecos”, ou seja, ditos e não-ditos que vagueiam pelos discursos. Cada palavra tem, assim, o poder de carregar em si significados outros que não o previsto pelo locutor enunciativo. Temos então uma arena em que a palavra/texto dá forma a ideologias e essas perfazem todo o ambiente de disputas. Essa construção de sentidos a partir de outros e a partir de certas conjecturas será tópico essencial para o trabalho em questão. 192 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Como já dito, o objeto de estudo deste artigo diz respeito a duas campanhas publicitárias das sandálias Havaianas transmitidas na televisão em 2009. A fim de facilitar a análise nas próximas seções, exporemos agora a transcrição do diálogo oral realizado pelas protagonistas: Avó: - Eu não acredito que você veio pro restaurante de chinelo. Neta: - Deixa de ser atrasada, né vó! Isso não é chinelo, é havaianas, oh, Havaianas Fit. Dá pra usar em qualquer lugar. Avó: - Que é bonitinha, é. (Cauã Reymond aparece e diz para quem o atendeu: “Boa tarde, tudo bem?”) Neta: - Olha lá, vó! Avó: - É aquele menino da televisão! Você tinha que arrumar um rapaz assim pra você. Neta: - Ah, mas deve ser muito chato casar com famoso, né? Avó: - Mas quem falou em casamento? Eu tô falando de sexo. Neta: - Vó! Avó: - E depois eu é que sou atrasada?! A campanha publicitária acabou censurada e, no lugar dela, uma nova foi transmitida: a mesma avó aparece alegando que houve reclamações de algumas pessoas e, por isso, a empresa responsável pela venda das sandálias Havaianas decidiu retirar do ar o comercial anterior. No entanto, ela acrescenta, alguns adoraram tal propaganda e, por conseguinte, ela foi mantida na internet. É imprescindível observar os papéis desempenhados pelas personagens do comercial, pois esse aparece num momento em que ainda se tem, no Brasil, uma concepção mais ortodoxa e conservadora em relação às pessoas idosas e, simultaneamente, uma perspectiva mais liberal no que concerne aos jovens. Essas ideologias, ainda vigentes no país, estabelecem uma relação dialógica com a propaganda analisada. Por isso, este trabalho partirá desse ponto, a fim de fazer uma investigação dos implícitos presentes na conversa transcrita anteriormente. 193 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ “Havaianas. Todo Mundo usa. Recuse Imitações.” O slogan feito título desta seção criou raízes na memória discursiva da população brasileira devido ao reconhecimento que a mercadoria anunciada ganhou com o passar dos anos. No início, esse reconhecimento era provavelmente justificado pela qualidade das sandálias, pois vídeos de propagandas antigas – também encontrados no site www.youtube.com – ressaltam que as havaianas não tinham cheiro e não soltavam as tiras. Hoje, o comercial do referido produto trabalha mais com a marca em si: a pessoa é incentivada a comprar havaianas e não outras, tidas como “imitação”. Maingueneau (2008) comenta justamente sobre esse fenômeno ao citar o deslocamento de “propaganda” (ênfase no produto) para “publicidade” (ênfase na marca). Ou seja, tem ocorrido uma mudança de valor no que diz respeito às mercadorias atuais: agora, é crucial que a propaganda veicule uma boa imagem do produto/marca; o ethos deve ser minuciosamente pensado. Na campanha publicitária analisada neste artigo, por exemplo, pouco se fala acerca do produto; o único comentário direto é feito por apenas uma das personagens, a avó, que diz “Que é bonitinha, é” sobre o novo modelo. Assim, há alguma menção sobre a beleza das sandálias, mas as antigas características que as diferenciavam de outras marcas não são nem mencionadas. Os principais argumentos, responsáveis por convencer o telespectador, são ditos pela outra protagonista, a neta: “Isso não é chinelo, é havaianas, oh, Havaianas Fit, dá para usar em qualquer lugar”. Ou seja, se ela diz que não é chinelo, houve uma hipervalorizarão das Havaianas, logo seria possível usar o calçado em qualquer ambiente. Nesse contexto, o slogan é interessante porque “todo mundo usa” não é um fato; afinal de contas, nenhuma pesquisa foi feita para se comprovar isso. Tal afirmação configura-se como um argumento utilizado para convencer o telespectador: se todos usam, independentemente da classe social à qual se pertence e do local onde se está, ninguém deveria rejeitar essa moda. Concluímos, então, que há uma tentativa de 194 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ persuadir os consumidores de que todos podem ter acesso ao produto, independentemente da renda de cada um. Nesse instante, o conceito bakhtiniano de ideologia começa a aparecer: a sociedade brasileira preza muito pelo “estar de acordo com a moda” – um valor estabelecido socialmente. Papéis Desempenhados A propaganda ora em análise é muito significativa para se fazer uma discussão acerca de desempenho de papéis, especialmente se estamos comparando gerações diferenciadas. Podemos considerar a avó como uma representante das pessoas mais idosas e a neta representante da juventude como um todo. Temos ainda um diálogo (em seu conceito mais corrente) entre as protagonistas, o que facilita a identificação de tomadas de turno, fim de um enunciado e início do outro, alternância de sujeitos. Portanto, a cada momento que uma delas para de falar, temos um novo dizer, sob o ponto de vista de outro sujeito. Considerando essas condições, temos no princípio um comentário conservador por parte da senhora: ela faz uma reclamação devido ao fato de a neta estar usando “chinelo” no restaurante. Essa atitude é, frequentemente, esperada de pessoas dessa idade, que foram acostumadas a sair muito bem arrumadas. No comercial, por exemplo, a personagem mais velha usa uma roupa sofisticada e séria – por causa da cor escura - salto alto, colar de pérolas. O traje elegante parece mais adequado ao local onde elas se encontram, pois é possível ver que o restaurante é de bom gosto: não há copos sobre as mesas e sim taças, além de um arranjo floral e, por isso, delicado e sutil; o guardanapo é de pano e não de papel; as cadeiras são maiores e parecem confortáveis; o garçom usa camisa e gravata; o ator Cauã Reymond frequenta o restaurante e usa, na ocasião, uma camisa gola polo, e não uma simples camiseta, por exemplo. A jovem, por sua vez, veste uma roupa colorida e descontraída, afora as Havaianas. Ela responde à crítica feita pela avó, chamando-a antiquada em “Deixa de ser atrasada, né vó!”. Essa rotulação é feita de forma implícita, pois o verbo “deixa” pressupõe que, para a 195 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ menina, a mulher de idade avançada tem a característica. Até esse momento, o comercial evolui normalmente, sem causar surpresa. Porém, a chegada do ator de novelas Cauã Reymond provoca uma sequência de diálogo responsável pela quebra de expectativa. É exatamente essa quebra o aspecto mais chamativo e talvez o “culpado” pela censura. É interessante, antes de tudo, observar um detalhe: a senhora não se lembra do nome do artista – o chama de “menino” -, esquecimento típico nessa idade. Essa visão nos conduz à definição de formação discursiva, proposta por Michel Pêcheux. Em relação à personagem citada, podemos depreender muitas formações discursivas na nossa sociedade: a FD da saúde (idoso é esquecido, fica doente facilmente, tem dificuldade de locomoção), a FD do comércio (idoso necessita de muitos remédios), a FD da família (idoso exige tempo, cuidados e despesas), a FD do trabalho (idoso não tem mais capacidade para trabalhar), a FD da beleza (idoso perdeu a beleza ao envelhecer), a FD da moral (idoso é moralista, conservador), e muitas outras. Cada uma dessas FDs traz consigo uma formação ideológica: pessoas mais velhas são um fardo para a família e para a sociedade, não têm mais “serventia” em relação ao aspecto econômico e não acompanham as mudanças sociais. Além disso, cada um desses pontos de vista constitui uma voz nesse discurso, o que estabelece a polifonia, conceito bakhtiniano. É necessário afirmar também que, em geral, ao vermos a imagem de alguém mais senil, nós nos remetemos a todas aquelas formações discursivas. Isso ocorre porque estamos inseridos num contexto que propicia tais ideologias. Os valores possuídos pela sociedade brasileira, infelizmente, mostram que o idoso não tem tanto valor para os outros, é desrespeitado, abandonado e às vezes sofre maus tratos. Retomando a propaganda, é relevante nos determos um momento na palavra “arrumar”, presente em “Você tinha que arrumar um rapaz assim pra você”. Nota-se que tal verbo constitui, nesse contexto, diferentes interpretações. Foi explicitado anteriormente o fato de os sentidos serem gerados socialmente, dentro de determinadas possibilidades promovidas pelas condições de produção (contexto, situação, locutores, 196 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ ethos). Assim, o dizer da senhora já previa um sentido, provavelmente relacionado a sexo. Todavia, a jovem fez outra suposição e a verbalizou: “arrumar” como sinônimo de casar. Talvez a menina estivesse apenas tentando dar continuidade ao assunto iniciado. Desta forma, ao construir um ethos mais ortodoxo da avó, a neta tendeu a desenvolver uma fala sobre casamento. A outra possibilidade é que ela seja realmente menos “liberal” do que o esperado. Pensando nisso, podemos perceber conteúdos implícitos naquela fala da avó. Se a moça é aconselhada a “arrumar” alguém parecido com o ator Cauã Reymond é porque ela não tem namorado ou porque o homem que está com ela não é tão bom quanto o ator da Rede Globo. Além disso, “um rapaz assim” deixa subentendido, por exemplo, que o escolhido deve ter dinheiro, ser bonito e famoso, assim como o artista mencionado. Todos os apontamentos feitos até aqui nos conduzem novamente a Maingueneau (2008) e sua pesquisa acerca de ethos. Nesse sentido, há o ethos pré-discursivo que a avó constrói da neta antes que essa fale algo, e vice-versa. Esse retrato prévio é justificado pela observação das roupas e acessórios usados pelas personagens; pela aparência de cada uma, o que denuncia a idade; pelo olhar de reprovação por causa da escolha de um calçado dito inadequado; pelo tom de reclamação na voz. Os pormenores citados contribuem para com os estereótipos preconceituosos estabelecidos na sociedade. Antes do diálogo, por conseguinte, a mulher idosa faz uma imagem “moderninha” da menina e essa faz uma imagem antiquada da outra, juntamente com quem assiste à propaganda. O assunto inicial também comprova as primeiras impressões. Após o diálogo, entretanto, ocorre a inversão de valores/papéis, surpreendendo as duas e, simultaneamente, os telespectadores/consumidores. Não é por acaso que, ao final, a moça mostra espanto e grita “Vó!”, enquanto a senhora diz “E depois eu é que sou atrasada?!”. A pergunta/exclamação da protagonista deixa transparecer um subentendido: “a atrasada é você”. 197 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A Censura: constituição de ecos sociais Provavelmente, o aspecto mais fascinante de toda a análise se trate da recepção da campanha publicitária pelo público. Como já foi dito anteriormente, houve a censura e uma nova propaganda foi transmitida na televisão no lugar da primeira. Nesse contexto, o questionamento central seria: por quê? Pudemos observar que há uma inversão de valores/papéis no que se refere à avó e à neta, personagens representantes de gerações distintas. Foram relatadas aqui as formações discursivas e ideológicas que atravessam os discursos veiculados no comercial. Cada ideologia representaria uma voz social: a voz moral de que pessoas mais velhas têm um comportamento mais recatado; a voz da Igreja Cristã que condena o sexo fora do casamento; a voz da família que teme o aparecimento precoce desse assunto na vida dos filhos e também a voz do erotismo que incentiva uma discussão mais aberta do tema. Todas essas vozes constituem a polifonia, conceito bakhtiniano. Se a empresa responsável pela venda de Havaianas se viu obrigada a retirar o comercial do ar, provavelmente a reclamação do público atingiu uma quantidade significativa. Assim, se houve descontentamento, os valores presentes nas falas da avó e da neta e analisados no decorrer deste trabalho perturbaram uma parte da população. O incômodo da inversão de papéis deve ter sido gerado pelos conteúdos recuperados na memória discursiva, sendo que tais informações estabelecem dialogismo com os discursos presentes na propaganda, refutando-os. As ideologias são criadas na sociedade e “internalizadas” durante o nosso desenvolvimento por causa da interação social, passando a constituir a memória discursiva de cada ser humano. Desta forma, uma parte da população vivenciou um estranhamento ao ver na televisão o assunto “sexo” exposto de maneira tão livre e com tanta naturalidade. Isso ocorreu pelo fato de a memória discursiva ter mostrado que, há alguns anos, esse tema era tabu para ser tratado em qualquer lugar, ainda mais publicamente. 198 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Considerando esses apontamentos, é possível perceber que antes havia um interdiscurso: “sexo” é um tópico que não deve ser discutido de maneira tão aberta, principalmente em público e por pessoas idosas. Esse já-dito dialoga com a situação explicitada na campanha publicitária, sendo por ela rejeitado devido à ruptura do ethos da avó. Portanto, o dialogismo de Mikhail Bakhtin (2006) marca presença nesse momento: as diversas vozes sociais dialogam entre si, resgatando discursos antes em voga e indignando uma parcela dos brasileiros. No novo comercial transmitido na televisão, há uma breve reprise do que foi censurado. Não há menção ao motivo, porém o comentário “Eu tô falando de sexo” não é mostrado. Isso indica que deve ser exatamente essa fala a “culpada”. Por outro lado, a avó diz que alguns adoraram a propaganda das Havaianas Fit (sendo que, na verdade, o produto perdeu o posto de centro das atenções) e por isso ela foi mantida na internet. Há uma ironia provocada pelo enunciado “Democrático, né?” já que não deve ter sido um processo democrático, e sim imposto, o banimento da propaganda da televisão. A ressalva de que a campanha publicitária estaria disponível na internet é decisiva no contexto porque na rede digital há, por convenção, mais liberdade e “democracia”, talvez por ser uma criação mais recente. A avó encerra ao dizer “Viu como eu sou moderninha?”, referendando um ethos que corresponderia ao ethos do produto: a mulher idosa demonstra uma imagem moderna (até mesmo por ter no colo um notebook) assim como o produto o faz, por causa da presença da internet na promoção das sandálias Havaianas. Conclusão Este artigo foi desenvolvido com a finalidade de investigar a campanha publicitária, transmitida em 2009, de uma mercadoria bastante conhecida no Brasil: as Havaianas. O que motivou a pesquisa foi o interesse despertado em relação aos conteúdos implícitos presentes na propaganda, além da admirável inversão de papéis protagonizada pelas personagens. Também a censura constituiu-se como um fecho fascinante e intimamente ligado aos valores veiculados na conversa entre avó e neta. 199 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Para atingir nossos propósitos, consideramos desde as falas das protagonistas, até elementos aparentemente secundários, como suas roupas, seus acessórios e o cenário. Isso se explica pelo fato do nosso objeto se tratar de um recurso audiovisual (vídeos). Além disso, o fio mestre responsável por guiar o presente estudo foi a Análise do Discurso de linha francesa, pois nos aproveitamos das definições de dialogismo, ideologia, polifonia, discurso, formações discursivas, memória discursiva e ethos. Esperamos que este trabalho dê alguma contribuição para futuras investigações na mesma área, apesar de termos consciência de que a leitura aqui apresentada é apenas uma possibilidade, dentre tantas. Outras interpretações podem e devem ser realizadas a fim de expandir as discussões acerca da constituição de discursos dentro da sociedade. Referências: BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. M. Lahud e Y. F. Vieira. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006. FERNANDES, C. A. Análise do Discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas, 2005. FIORIN, J. Introdução ao Pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008. KOCH, I. A Inter-ação Pela Linguagem. São Paulo: Contexto, 1992. MAINGUENEAU, D. A Propósito do Ethos. In: MOTTA e SALGADO (Orgs.). Ethos Discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. p. 11-29. ORLANDI, E. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 4ª ed. Campinas: Pontes, 2004. ORLANDI, E; LAGAZZI, S. (Orgs.). Introdução às Ciências da Linguagem: discurso e textualidade. Campinas: Pontes, 2006. Filme “Avó” com Cauã Reymond – Havaianas. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=KxgTJMZo8Kg. Acesso em 20 ago. 2010. Havaianas – Vovó pede desculpas (2009). Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=eRajwoZmc1U. Acesso em 20 ago. 2010. 200 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Pentecostalismo e Sociedade: Estudo Sobre Similaridades e Diferenças Entre Católicos Carismáticos e Protestantes Pentecostais. Rafael Damião Carmo Rosa de Almeida53 Resumo A principal proposta desta pesquisa é observar as similaridades e diferenças das práticas pentecostais dentro de duas vertentes do pentecostalismo, Renovação Carismática Católica (RCC) e a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) desde 1979-2009, na cidade de Inhumas, Goiás. Com essa análise de similaridades e diferenças se quer compreender principalmente o grau de proximidade dessas práticas religiosas. Práticas que ao serem analisadas a partir de “olhares apressados” parecem ter menos em comum do que de fato tem. Durante as pesquisas, concluiu-se que a partir de certos prismas pode haver mais proximidade entre catolicismo carismático e protestantismo pentecostal do que as similaridades existentes entre os catolicismos carismático e tradicional, ou existentes entre os protestantismos tradicional e pentecostal. Palavras-chave: Religião. História. Católico. Carismático. Protestante. Pentecostalismo. Religião, História e Sociedade Pensar os seres humanos inserido numa sociedade traz consigo questionamentos e dificuldades quando pesquisadas a partir do ponto de vista e do conceito da religião. Observar as ações desse “homem” a partir de questões ligadas à religiosidade contribuirá para o campo das Ciências Humanas. E a partir dessas ações humanas discutiram-se alguns termos como religião, fé, rito. Nessa perspectiva de Piazza, a religião é dada como manifestações espirituais do homem, porém reconstruídas a cada geração de forma diferente. Deve-se ao fato que, em cada época o contexto histórico influenciará bastante os seres humanos e suas práticas espirituais as mudanças necessárias para tal período ou contexto. Para Durkheim (1912), a religião é um aspecto “essencial e permanente da humanidade”, a partir daí, a religião é estabelecida, em um plano geral, elementos dentro 53 Rafael Damião Carmo Rosa de Almeida é aluno do 4º ano do curso de História da UEG Goiás. Professor Indicador do artigo Doutor Itelvides José de Morais do Curso de História da Universidade Estadual de Goiás da cidade de Goiás 201 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ destes segmentos religiosos que são permanentes e comparáveis. Schlesinger e Porto definem a religião como algo concreto e visível inserido socialmente, tendo relacionamento do homem com Deus através de práticas ritualísticas, palavras culturais e um acervo patrimonial escriturístico (Schlesinger & Porto, 1982). Em seguida ao conceito de religião, podemos abordar neste trabalho a questão da fé e rito. Tais questões são importantes para o desenvolvimento deste, pois ao ver na pesquisa as diferenças e similaridades de dois movimentos pentecostais; um baseado ainda nos dogmas católicos e outro classificado como evangélico, perceberá que há diferenças, distanciamentos entre opiniões sobre determinados assuntos. A RCC (Renovação Carismática Católica) segue uma forma diferenciada de fé, se comparada ao que de repente seja fé para os grupos adeptos do protestantismo. Segundo Prandi (1997), a fé pregada na RCC é extremamente valorizada, visto que, é utilizada em todos os grupos de oração e nos grandes encontros realizados pelos carismáticos. É importante observar que, a fé é diferenciada de acordo com a doutrina, seja cristã, islâmica, ou qualquer outra. A fé para muitos é necessária e importante, pois como Prandi (1997) expõe, é expressa a fé, a reza do terço, mesmo sendo de tradição antiga, mas que ainda vigora nos tempos atuais. Para Schlesinger e Porto (1982), a questão dá fé é a principal fonte da vida de um religioso, onde o indivíduo enfrenta com segurança o medo, sua fraqueza e preguiça, e de acordo com estes autores, a fé é o que faz crer em Deus. Assim, a fé é essencial tanto para os católicos quanto aos evangélicos. Isto é relacionado na crença total em Deus, nas bênçãos e conquistas que o indivíduo possa vir a ter conquistado fazendo acreditar mais em Deus e que o retorno mesmo sendo demorado, vem a qualquer hora. A intenção da fé seria então, a confiança e segurança em Deus para ter uma resposta esperada pelo indivíduo. Tanto a fé e o rito fazem parte de muitas religiões, tanto no catolicismo e protestantismo, porém, observados aqui no movimento carismático católico e na denominação pentecostal IURD, estas fazem os seus adeptos florescerem ainda mais a fé, 202 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ explorando o lado sensitivo e emotivo deles, transmitindo assim no final, um resultado esperado pelos líderes. O Pentecostalismo O termo evangélico, muito utilizado na contemporaneidade para afirmar que uma pessoa é de uma determinada Igreja ou de tal denominação religiosa, ganhou espaço entre os termos crente e protestante. Tal como explica Morais (2007, p. 15) que, “também oriundo do latim evangelicus, significa aquele que crê nos evangelhos. Entre outros motivos a projeção do termo, justifica-se pela busca de uma maneira de designar que causasse menor impressão de radicalismo”. Os termos aqui abordados serão retomados a todo instante, visto que haverá um envolvimento entre seguidores da linha evangélica, porém muitos talvez vão se declarar protestantes ou até mesmo crentes. Sendo assim, facilitando o entendimento dos conceitos acima expostos, Morais diz a respeito do pentecostalismo surgido no século XX, [...] surgiu como referência que em muitos aspectos parecia se aproximar do termo evangélico. Assim como esse, sua maior ligação seria com as igrejas que chegaram ou foram fundadas no século XX, em países como Brasil. Além dessa, outra de suas características é aliar aos rituais já comuns no protestantismo, como a crença em dois sacramentos, com práticas tais como o batismo pelo Espírito Santo. (MORAIS, 2007, p. 29) Baseado em Morais, o termo evangélico está ligado com o movimento pentecostal, pois tal movimento teve primeiramente influência dentro do “universo” evangélico. Mas no final da década de 1960, este movimento pentecostal ganhou adeptos católicos. Em análise à Maria das Dores Campos Machado, observa-se que o pentecostalismo: comum a elas seria também o estímulo à participação emocionada e espontânea nos rituais, ao proselitismo religioso e à rigidez moral, levando os fiéis a ocuparem lugares separados nos cultos, de acordo com o sexo, e encarregando toda a comunidade religiosa da vigilância constante de seus membros. (MACHADO, 1996, p. 45) 203 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Já Machado (1996), expõe que o pentecostalismo como sistema rígido da moral tem como objetivo a busca da participação do lado emocional e espontânea, além da prática nos seus rituais. Neste sentido seria um movimento resgatando os sentidos da Igreja Primitiva, virtudes mais rígidas. Perbont (1994) e Morais (2007), afirmam que o batismo no Espírito Santo são características importantes deste movimento. Se em certos aspectos as características sob os termos evangélico e pentecostal são de similaridades, por outros aspectos esses termos podem ser pensados a partir de seu distanciamento. Morais (2007) faz algumas observações que os separam, O batismo seria uma das diferenças, somado à constante busca de curas físicas e espirituais, à oração em voz alta, e na maioria dos casos à preocupação em estabelecer regras para vestes, adereços e comportamentos de homens e mulheres, que quando comparadas com os padrões dos demais protestantes, acabam por se mostrar mais rígidas. (MORAIS, 2007, p. 29) Como já observado, o batismo é a chave principal e norteadora do pentecostalismo, mas vale ressaltar aqui uma observação importante de Wrege (2001), o pentecostalismo se expandiu na classe mais pobre, principalmente entre os de baixa renda e escolaridade. Torna-se importante esta observação feita por Werge porque desses segmentos sociais que surgirão os maiores propagadores do movimento pentecostal no Brasil. O pentecostalismo se organiza no Brasil por volta de 1910 e 1911 com a fundação das Igrejas Congregação Cristã do Brasil em São Paulo e Assembleia de Deus no Pará, que fazem parte da chamada Primeira Onda Pentecostal (Araújo, 2008). Ao longo dos anos, o pentecostalismo passou por algumas divisões, e é caracterizado em três ondas ou três fases, de acordo com Morais (2007) apresenta-as da seguinte forma, [...] a primeira dessas subdivisões é normalmente chamada primeira onda pentecostal. No caso do Brasil, sob esse termo estaria a maioria das igrejas surgidas na primeira metade do século XX, tais como a Congregação Cristã do Brasil, e a Assembléia de Deus (MACHADO, 1996 apud MORAIS, 2007, p. 31). 204 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A segunda onda pentecostal, o movimento é caracterizado da seguinte forma: é similar a primeira onda pentecostal, porém surgiu na metade do século XX com outras igrejas e com aspectos mais radicais. De acordo com Morais (2007), [...] essa segunda onda pentecostal, além desses pontos de aproximação com as igrejas da primeira onda, tem como características próprias o radicalismo ainda maior a respeito da sobriedade e recato das vestimentas e a tendência de maior distanciamento de outras igrejas. (MORAIS, 2007, p.32) Já a partir da década de 1970 surgiria a chamada Terceira Onda Pentecostal ou igrejas neopentecostais. Estando entre as igrejas surgidas neste período a Igreja Universal do Reino de Deus (1977), Internacional da Graça de Deus (1980), Renascer em Cristo (1986) e Comunidade Sara Nossa Terra (1992). Sendo assim, definida por Silva: *...+ iniciada nos anos de 1970, *...+ Pelo acréscimo do prefixo latino “neo”, pretendeu-se expressar algumas ênfases que as igrejas identificadas nessa fase assumiram em relação ao campo do qual, em geral, faziam parte: abandono (ou abrandamento) do ascetismo, valorização do pragmatismo, utilização de gestão empresarial na condução dos templos, ênfase na teologia da prosperidade, utilização da mídia para o trabalho de proselitismo em massa e de propaganda religiosa (por isso chamadas de “igrejas eletrônicas”) e centralidade da teologia da batalha espiritual contra as outras denominações religiosas, sobretudo as afro-brasileiras e o espiritismo. (SILVA, 2005, p.152) A RCC também faz parte deste movimento neopentecostal, porém na dimensão católica, conhecido como Movimento Carismático Católico (Araújo, 2008). Nela, assim como nas demais denominações pentecostais surgidas neste período há maior ênfase do que nas igrejas surgidas nas duas ondas pentecostais anteriores dos chamados meios de comunicação de massa; com destaque para rádio, jornais, internet e canais de televisão. E assim como as demais igrejas do período valoriza os cantos, o milagre e o culto baseado na ligação com o Espírito Santo e o que se considera serem seus dons. Esses conceitos sobre pentecostalismo são relevantes porque parecem se aproximar daquilo que provavelmente encontraremos nas manifestações religiosas pesquisadas, ou seja, essas definições se aproximam do que os fiéis carismáticos e evangélicos pentecostais acreditam e defendem. Portanto, esses conceitos facilitarão a 205 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ compreensão do nosso objeto de estudo, visto que as definições conceituais apresentadas estão em sintonia com as práticas diárias dessas formas de expressão religiosa. Católicos Carismáticos e Protestantes Pentecostais: Similaridades e Diferenças Nas pesquisas que embasam essa parte do trabalho, utilizou-se de entrevista com indivíduos adeptos a esses dois fenômenos religiosos, Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e Renovação Carismática Católica (RCC). Portanto, as fontes orais são elementos importantes para fazer a análise das semelhanças e diferenças entre a IURD e RCC. E como essas práticas religiosas são carregadas de símbolos, Bourdieu afirma que “os símbolos são os instrumentos por excelência da <<integração social>>: enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação” (BOURDIEU, 1989, p. 10). Percebe-se que os símbolos são muito utilizados na IURD e RCC, estes símbolos legitimam parte do poder sobre os adeptos a estes grupos, “é enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os <<sistemas simbólicos>> cumprem sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra. (BOURDIEU, 1989, p. 11)”. Essa busca por legitimação do grupo religioso se dá nos âmbito de proporção de número de fiéis. Os símbolos servem também como apoio nos momentos de oração, na IURD percebe mais o uso de símbolos, pois nos momentos de ofertórios e do dízimo, o líder da igreja com a ajuda da sua equipe (obreiros) traz o óleo, a água para aspersão e abençoam os fiéis que estão em dias com seu dízimo e através das ofertas destes, a igreja consegue estar em dias com suas despesas. Foi notado ainda grande uso do sal tanto como símbolo de purificação, pois em alguns cultos da IURD foi utilizado o sal para purificar os fiéis, e também é usado com mais frequência na sextas, pois este é o Dia da Libertação, e, além disso, é utilizado nos momentos em que se aborda ou se coleta dízimos e ofertas. Essa prática de uso de símbolos é apresentada na IURD, “porque assim é e porque não há sujeito social que possa ignorá-lo praticamente, as propriedades (objetivamente) simbólicas, mesmo as mais negativas, podem ser utilizadas 206 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ estrategicamente em função dos interesses materiais e também simbólicos do seu portador”. (BOURDIEU, 1989, p. 112) No grupo de oração da carismática que foi visitado não há uma ênfase em pedir oferta e dízimo. E quando isto acontece, os carismáticos só fazem nos grandes encontros anuais (Encontrão e Rebanhão) 54, quando se encerram os eventos é celebrada uma missa, e neste momento como ritual da missa, é pedido dinheiro no momento de ofertório. E quando se tem uma passagem bíblica envolvendo o tema dízimo, o celebrante (padre) faz uma maior apresentação sobre a importância da contribuição tanto da oferta quanto do dízimo. Mas esses dois momentos não fazem parte da teologia da Igreja Católica, pois há cobranças na Igreja Católica que não são presentes em outras igrejas, como batismo, casamento, missa de sétimo dia, cumprimento dos sacramentos e outras celebrações especiais. Essa diferença é observada na teologia de cada religião, a IURD segue a tendência da Teologia da Prosperidade, e a religião católica segue a tendência da Teologia da Libertação. Em que a primeira é observada a grande presença da questão do enriquecimento econômico e financeiro do fiel, e já a segunda é presente a questão de libertação da vida mundana, envolve mais o assunto da salvação. Interessante observar a Teologia da Prosperidade apresentada em Mariano (2005), em que, para ele, A Teologia da Prosperidade subverte radicalmente o velho ascetismo pentecostal. Promete prosperidade material, poder terreno, redenção da pobreza nesta vida. Ademais, segundo ela, a pobreza significa falta de fé, algo que desqualifica qualquer postulante à salvação. (MARIANO, 2005, p. 159) É interessante observar que as igrejas de tendência a Teologia da Prosperidade, como no caso a IURD, tem um público de grande participação oriunda da classe baixa, muitos não tem escolaridade concluída. Essas pessoas provavelmente buscam nesta igreja uma solução de seus problemas financeiros e econômicos, pois se não há escolaridade concluída (mesmo que seja o ensino fundamental), os participantes desta teologia tem 54 Rebanhão e Encontrão: dois grandes encontros realizados pela RCC, praticamente todo ano se tem esses dois encontros. O primeiro as pessoas se reúnem para louvar ao Senhor Deus nos quatro dias de carnaval. O segundo é uma forma de reunir mais uma vez todos os grupos de oração da cidade. 207 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ empregos em que a remuneração é baixa, e os problemas econômicos são a grande dificuldade para ascensão e status. Essa questão da Teologia da Prosperidade é complexa, mais na IURD, atribui – se o que Mariano (2005) diz, “Daí advêm parte da insistência dos pastores em dizer que somente prosperam os que mantêm fidelidade no pagamento do dízimo. Os demais são merecedores apenas de graças pontuais, similares à sua inconstância no “dar”.” (MARIANO, 2005, p. 164). De acordo com Santana (2001), “o fiel não pode se contentar com a miséria e com a desgraça. Viver na presença de Deus é ter vida abundante. Portanto, suas reuniões e rituais são marcados por uma visão teológica de prosperidade.” (SANTANA, 2001, p. 82). E depois ela nos traz que os discursos que os líderes das duas vertentes religiosas fazem para seu público alvo são semelhantes. Os discursos para pedirem a oferta e estar em dias com o dízimo são sempre para fins sociais. Daí tem-se que no dízimo e no ofertório para esses segmentos religiosos até certo ponto são importantes, mas analisando a forma que os líderes fazem, torna-se diferente dos carismáticos. Os iurdianos (membros da Igreja Universal) pedem de forma diferente dos carismáticos, pois há certa cobrança maior no pagamento do mesmo, e nas ofertas, os iurdianos são mais cobrados em sempre estar ofertando, principalmente em época de campanha de prosperidade. Mas em entrevista feita com Antonieta (pioneira da IURD)55 , a questão do dízimo para ela é o que se percebe na maioria dos fiéis, há uma defesa por parte dela em relação à contribuição do dízimo e ofertório, “... A Igreja Universal visa muito assim, que ela pede muito dinheiro. Mas tem as campanhas, que o povo visa que não está na Bíblia, que não fala sobre dá oferta. Eles leem na palavra de Deus, fala olha tal lugar foi mandado que dava isso que dava aquilo, mas não, eles têm as “campanhas”, agora faz a campanha se a pessoa quiser livre espontânea vontade, o pastor não obriga ninguém, se passa 55 Antonieta Ferreira Oliveira, 76 anos, casada, aposentada. Pioneira da Igreja Universal do Reino de Deus, mas atualmente frequenta a Igreja Maanaim de Inhumas. 208 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ o envelope, passou o envelope. Eu quero pegar eu pego eu não quero não pego. Se tive necessidade de fazer uma campanha eu faço. Lá também eles não visam assim: ó você dá porque a pessoa fala: o fulano você pode dá tanto nessa campanha?...” (entrevista realizada no dia 18/09/10 em Inhumas). Para dona Antonieta, a questão da contribuição da oferta e do dízimo é algo já aceito por parcela das pessoas da Igreja, pode - se analisar essa fala como uma forma de defesa por toda a polêmica que a Igreja Universal tem em relação a suas estratégias de trabalhos com dízimo e ofertório. Ela elenca também a questão da espontaneidade das contribuições nas campanhas de orações. A polêmica que a IURD tem em relação a essa arrecadação e exploração não faz parte desta pesquisa, o que faz parte da pesquisa é a prática religiosa da igreja e o uso dos símbolos como forma de legitimação desta prática da igreja. Chega-se a um ponto de diferença e semelhança neste assunto do dízimo e oferta. Os iurdianos e carismáticos pedem para o mesmo objetivo: social. Mas os meios alternativos e criativos que os dois movimentos usam são diferentes. Para os iurdianos a utilização dos símbolos: passagens bíblicas no boleto do dízimo e a purificação através do sal vão legitimar e dar condições para os líderes chegarem ao objetivo principal que é a totalização dos fiéis em cumprimento do pagamento do dízimo e a maior participação na oferta. Mesmo que os carismáticos pedem para o mesmo objetivo que é o social, não fazem tanto uso da simbologia para conseguir mais ofertas e cumprimentos do dízimo. Conclui-se que a IURD e a RCC pedem para a mesma finalidade que é a social, pautada nas atividades sociais. Mas diferenciam na forma de pedir, e também de apresentar a importância do dízimo e da oferta, já que a IURD aproveita-se de certa simbologia para conseguir mais dizimistas e ofertas na perspectiva de quem contribui com a igreja, terá seu retorno garantido. No campo carismático, e em algumas visitas aos grupos de oração, percebe-se que há um segmento linear nos dias de orações. Diferentemente da IURD, os iurdianos, aliás, o líder da igreja não segue uma linearidade no ritual religioso, porém a cada dia da semana é trabalhado um tema pertinente e que envolve também os dons carismáticos. Nos 209 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ momentos de participação nos grupos carismáticos, percebe-se que há uma “entrega” maior dos fiéis durante o período de oração. Diferente dos iurdianos que elevam o tom de voz quando fazem este tipo de pedido. Em uma das visitas, observou-se que uma parcela dos pastores praticamente esbravejava com os braços nas orações. Os cânticos das músicas também eram muito altos. Estes dois aspectos podem ser considerados também simbólicos exercidos para que seus fiéis tenham maior participação nas orações e cânticos. Segundo Santana, “tanto para os pentecostais quanto carismáticos conservam o apelo à tradição denominacional ou religiosa. Procuram evitar rupturas ou cisões. O objetivo dos dois grupos é a renovação espiritual de cada fiel per si.”. (SANTANA, 2001, p. 80). Para Santana (2001, p. 79) o que seria o marco tanto para o “Pentecostalismo no Protestantismo, quanto do movimento Carismático na Igreja Católica” é o batismo de fogo, em que através deste batizado, os dons carismáticos poderiam desenvolver com mais praticidade. Este objetivo que Santana expõe, foi notado em algumas participações tanto nos grupos de oração da RCC e cultos da IURD, pois nos momentos de oração, pregação os líderes destes grupos apresentavam propostas para uma renovação espiritual das pessoas que estavam com algum tipo de problema: familiar e/ou financeiro. Estes problemas são os mais comuns, em que as pessoas procuram estes movimentos religiosos. Santana (2001) pontua vários assuntos que assemelham e diferenciam os pentecostais (protestantes) dos carismáticos. A utilização da Bíblia é observada em boa parte dos grupos evangélicos, protestantes, mas é mais recente e usado com mais vigor para os católicos quando estes seguem o movimento pentecostal de linha católica. Os católicos tradicionais por muito tempo não era grande utilizador da Bíblia, por mais que nas missas, terços, rezas é utilizada para fazer liturgia, só teve maior ênfase após o surgimento do movimento carismático católico. Santana levanta outra semelhança, “os grupos religiosos, tanto os pentecostais, quanto os carismáticos, buscam a cura divina, fruto dos dons do espírito.” (SANTANA, 2001, p. 81). Segundo Prandi, “*...+ ricos, pobres, católicos carismáticos, pentecostais, 210 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ homens, mulheres... procuravam assistência material e espiritual: paz, melhoria nos relacionamentos pessoais e nos problemas de adaptação e identidade, curas de males físicos e mentais melhorias financeiras, etc. (PRANDI, 1997, p. 125)”. Os indivíduos em si parecem buscar certa religião quando estão precisando de ajuda, no campo espiritual, amoroso, familiar e inclui também o financeiro. Na IURD foi mais notável a participação de alguns fiéis quando o líder (pastor) começa a tocar nos assuntos aqui destacados, pois são os pontos chaves que a IURD trabalha para abarcar mais fiéis. Na pesquisa em campo, percebem-se também diferenças na questão sobre Maria. Para os carismáticos católicos há uma maior aproximação e divulgação do amor à Maria. Bem diferente dos carismáticos, os iurdianos não a consideram tão importante quanto Jesus. Para Santana (2001), em sua observação também entre os pentecostais (protestantes) e carismáticos católicos, os protestantes consideram Maria como “uma mulher que recebeu uma graça especial e que deve ser lembrada como exemplo de conduta, nada mais.” (SANTANA, 2001, p. 80). Nessa mesma análise ainda de Santana, segundo a autora, “Maria é uma fronteira instransponível entre os dois territórios, que de outro modo, poderia ser um só” (SANTANA, 2001, p. 80). E esta fronteira é observada também na entrevista com Maria Helena (M. H.) - membro da RCC - quando ela comenta sobre a IURD, “Nunca participei da Igreja Universal, mas pelo pouco que sei, penso que ela não é completa, pois não acredita na intercessão da Mãe do Filho de Deus, não foi instituída claramente por Deus como a Igreja Católica e parece se deixar levar muito por interesses humanos” Entrevista realizada no dia 25/09/10 em Inhumas. Esta barreira de territórios religiosos, fazendo uma análise da entrevista com M. H. (membro da RCC). Para a entrevistada a RCC e a IURD são muito diferentes e não é Maria que as separam, é a constituição das denominações, pois a RCC como movimento religioso dentro da Igreja Católica, e esta considera a Igreja fundada por Jesus Cristo, consequentemente qualquer outra religião que não seja a católica não é constituída e sagrada, pois são fundadas por interesses do “homem”. 211 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ A questão da “reza do terço” é outro marco radical que separam os carismáticos dos pentecostais (protestantes), em que há uma aversão e condenação, mas que “seria uma forma de assegurar a presença católica na vida carismática.” (SANTANA, 2001, p. 80). Em entrevista com M. H. sobre a influência da RCC na vida de seus seguidores ela diz: “A Renovação influencia totalmente a vida da pessoa que a segue. Ela eleva nossa fé e proporciona conhecimento sobre a lei de Deus e confiança na misericórdia e no amor de Deus. Assim nos tornamos pessoas mais seguras” (Entrevista de 25/09/10), deixa nos claramente que a RCC contribui bastante para ter um contato com Deus. Um pouco diferente da resposta dada por outra entrevistada da RCC sobre a influência que a RCC faz na vida dos seus participantes, Aparecida Siqueira (A. S.) membro da RCC - considera que “Quando se busca uma experiência pessoal com Espírito Santo, Ele eleva a pessoa a um desejo de profunda mudança em suas condutas, desperta para o desejo de sair do egoísmo e ir servir” (Entrevista de 30/09/10). Nesta perspectiva, o Espírito Santo é importante e influencia bastante na vida de quem o busca. Sobre os dons carismáticos e o uso deles nesses segmentos religiosos, há diferenças nas respostas das entrevistadas. Para dona Antonieta (IURD) “Porque a Igreja Universal, a prática dela que ela traduz pra gente assim, é pela Bíblia, o que está escrito na Bíblia que eles transmitem pra gente... Eles recebem também os sete dons né... É usado porque agente tem o ensinamento né, eles nos ensina dentro da palavra de Deus, dá o estudo pra gente sobre a palavra de Deus né, dos mais tudo que está baseado dentro da Bíblia. (Entrevista de 18/09/10)” Portanto, na Igreja Universal, boa parte dos ensinamentos e uso dos dons carismáticos está no ensinamento da Bíblia. E segundo a outra entrevistada da IURD, Jéssica da Silva (J. S.) - obreira da IURD -, o uso dos dons possui naturalidade, “É algo natural, pois é o momento que a pessoa está se libertando, ela abriu o coração para Deus e o mal que estava dentro dela está saindo” (Entrevista de 05/10/10). 212 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Já dessemelhante da resposta da M. H. (RCC) que, “Com a vinda do Pentecostes, Deus nos deu a graça de estar conosco através do Espírito Santo, nos dando uma imensa intimidade de filhos com o Pai. Para isso ele nos concede os dons carismáticos que nos conduzem e nos capacitam a fazermos a sua vontade... e utiliza os dons carismáticos proporcionando aos seus participantes uma vida movida pelo Espírito Santo.” (Entrevista realizada no dia 25/09/10) Destaca-se que para a RCC, os dons carismáticos são concessões de Deus para seus filhos, e estes dons capacitam proporcionando uma vida movida pelo Espírito Santo. Esta resposta nos leva a entender que os dons carismáticos são sagrados, pois praticando o uso deles, os fiéis terão maior contato com Deus. E estes dons também são usados com frequência, segundo A.S. (membro da RCC), pois “fazemos uso dos dons em todas as nossas atividades, procuramos deixarmos ser conduzidos pelo Espírito Santo” (Entrevista de 30/09/10). Quando as entrevistadas são perguntadas sobre as práticas religiosas de seus segmentos, há novamente diferenças em seus discursos. De acordo com dona Antonieta (pioneira da IURD), “Não, eu não digo assim que influencia para seguir ali, porque a Igreja Universal ela recebe pessoas de toda religião, ela não exclui assim de uma religião de outra não, lá participa toda pessoa, pode ser um espírita, católica ou pode ser quem for, procuro a Igreja eles atendi...” (Entrevista de 18/09/10) E na RCC, as práticas religiosas são vistas novamente como concessões de Deus, e M. H. (membro da RCC) afirma que, “Acredito que todos os meios concedidos por Deus para que tenhamos comunhão com Ele são importantes. As práticas do Pentecostes são os mais uns desses meios concedidos por Deus, que nos dá condições para vivermos filhos de Deus, ou seja, para que tenhamos uma vida plena.” (Entrevista de 25/09/10). Analisando a resposta de A. S. (membro da RCC) sobre as práticas religiosas, “sem dúvida quem busca exercer os dons, ser conduzido pelo Espírito Santo, realmente estará 213 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ sendo carismático, fazendo a vontade de Deus em todas as áreas de sua vida, consequentemente viverá com paz e alegria, mesmo nas dificuldades” (Entrevista de 30/09/10). Dessa forma, na RCC, através dos grupos de oração, o exercício e uso dos dons carismáticos, além de servir como contato com o Espírito Santo, serve também como base para se viver em paz e alegria. Percebe-se que a segunda entrevistada da IURD não considera a Igreja Universal como a melhor, mas na IURD o participante desta igreja terá um encontro real com Deus. Para ela “o que faz as pessoas irem para IURD é o encontro real e verdadeiro com Deus é o que Deus faz na vida dela dentro da Igreja Universal”. Então, neste segmento religioso, as pessoas poderão ter este encontro verdadeiro com Deus, segundo J. S. (obreira da IURD) (Entrevista de 05/10/10). Sobre a contribuição que o individuo terá em fazer parte da RCC, M. H. diz que “Ao participar de um grupo de oração, o sujeito vive uma experiência tão sublime de contato com Deus, que se torna uma pessoa mais completa e feliz, buscando sempre viver em intimidade com Deus e também compartilhar essa graça com os outros, evangelizando o próximo” (Entrevista de 25/09/10). Há uma defesa e uso de um discurso de que na RCC a pessoa terá felicidade e também intimidade com Deus. As práticas religiosas dessas manifestações são semelhantes em alguns aspectos não apresentados pelas entrevistadas. Exemplo destas semelhanças destacou através de Santana (2001, p. 87), em que ela considera “a percepção do incondicional amor de Deus; busca de santificação; experiência no Espírito Santo; ideal de igualdade espiritual entre homens e mulheres; busca da cura divina; emocionalismo e o falar em línguas (glossolalia)”. 214 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Tabela 01 - Semelhanças e Diferenças Entre A Renovação Carismática Católica (RCC) e Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Características IURD Maior uso de símbolos nos momentos de oração. Dízimo e oferta: discurso com a mesma finalidade: fins sociais. RCC X X Discurso mais visível e incisivo sobre a importância e a X necessidade de dizimar. Forma de pedir dízimo e oferta. X Linearidade na oração. X Maior participação dos fiéis. X Apelo à tradição religiosa ou denominacional. X Busca por renovação espiritual, melhoria financeira, e familiar. X Uso da Bíblia* . X Busca pela cura divina. X Importância dos santos e da figura de Maria. X A prática da reza do terço. X Maior uso dos dons carismáticos X Autor: Rafael Damião Carmo Rosa de Almeida, 2010 * No caso dos carismáticos a utilização da “Bíblica Católica” com 73 livros enquanto os evangélicos utilizam versões da “Bíblia Protestante” com 66 livros Considerações Finais O trabalho pautou-se na busca de pontos os quais poderiam ter essa aproximação e observando o outro lado, catalogaram-se também as características que distanciavam esses dois fenômenos crescentes que pudessem ser utilizados também para outras regiões do Brasil, mas que fossem analisados a partir de acontecimentos da cidade de Inhumas - Goiás. 215 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276 Cidade de Goiás ; www.coracoralina.ueg.br ______________________________________________________________________________________________________________ Ao decorrer das pesquisas foi observado que o catolicismo e protestantismo têm em suas linhas pentecostais (no caso a RCC e o pentecostalismo protestante) semelhanças em número maior do que a princípio a maioria parece perceber. Ao final das pesquisas, notou-se que o ambiente e as práticas dos cultos da RCC e da IURD, têm semelhanças em tal quantidade, que em determinados prismas parecem aproximar a RCC quase na mesma medida, tanto do catolicismo tradicional quanto do pentecostalismo chamado de Neo pentecostal ou Terceira Onda Pentecostal. Talvez em parte porque o meio no qual a RCC se originou é o mesmo do protestantismo pentecostal. Em comunidades com muitas similaridades do Sul dos Estados Unidos. Então, em muitos aspectos os carismáticos são semelhantes aos iurdianos. Os carismáticos seguem a linha pentecostal, que primeiramente surgiu no âmbito protestante. O avivamento, a imposição das mãos, o uso do “falar em línguas” são aspectos que na ministração das cerimônias se mostraram praticamente idênticos. Referências: ARAÚJO, O. Abordagem Historiográfica e Experiência Protestante em Goiás. In: QUADROS, E; SILVA, M; MAGALHÃES, S. (orgs.) Cristianismos no Brasil Central: História e Historiografia. Ed. 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