Um foco sobre a situação sociolinguística dos Países Africanos de
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Um foco sobre a situação sociolinguística dos Países Africanos de
Um foco sobre a situação sociolinguística dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa Letícia Cao Ponso RESUMO: O presente trabalho apresenta os resultados preliminares de um mapeamento panorâmico da diversidade linguística que caracteriza os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOPs) no contexto póscolonial. Tem-se como objetivo delinear a complexa situação de colonização linguística em contextos multilíngues africanos que envolvem o português como língua ex-colonial ao lado de dezenas de línguas autóctones ou crioulas de base portuguesa. Assim, pretende-se contribuir para uma divulgação de tal realidade sociolingüística entre os estudantes e pesquisadores que têm como interesse a língua portuguesa como idioma transnacional. PALAVRAS-CHAVE: multilinguismo, português, línguas africanas, colonização linguística ABSTRACT: This paper presents some preliminary data concerning a panoramic mapping of the linguistic diversity of the Portuguese Speaking African Countries in a post-colonial context. Our aim is to delineate the complex linguistic relations which comprehend Portuguese as ancient colonial language and dozens of native and Portuguese grounded creole languages. In this way, we aim at contributing in making public the diverse sociolinguistic reality of Portuguese speaking African countries among students and researchers who are interested in the transnational character of Portuguese language. KEYWORDS: multilingualism, portuguese, african languages, linguistic colonization 0. Introdução A ideia de escrever este artigo surgiu de conversas informais não só com colegas da pós-graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, onde curso Doutorado em Estudos da Linguagem, mas com estudantes de várias partes do Brasil durante congressos e simpósios tanto aqui como em Portugal. Quando eu falava sobre meu tema de pesquisa, Atitudes sobre o português em Moçambique – diversidade linguística e identidade no contexto pós-colonial, revelava-se, por um lado, certa admiração pelo estudo de algo tão “distante”, e por outro – o que sempre me chamou a atenção – um desconhecimento total da realidade linguística de outros países da CPLP que não fossem Brasil e Portugal. A imensa maioria dos estudantes dizia: “Nunca ouvi falar sobre eles na graduação, a não ser nas aulas de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa”. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense (UFF), bolsista CAPES. De fato, conforme apontou a linguista portuguesa Mira Mateus na abertura do I SIMELP (I Simpósio de Estudos da Língua Portuguesa) em 2008, se os estudos sobre a língua portuguesa não têm muito reconhecimento na comunidade linguística internacional, também é verdade que os estudos sobre os países de língua oficial portuguesa de Ásia e África gozam de menos prestígio ainda entre a comunidade linguística de língua portuguesa. Apesar de quatro entre oito mesas-redondas do I SIMELP terem versado sobre algumas das ex-colônias portuguesas asiáticas e africanas – Macau, Timor-Leste, Moçambique e Cabo Verde –, tais discussões não são amplamente divulgadas nos meios acadêmicos brasileiros, especialmente nos cursos de graduação e pós-graduação. Essa “distância” e esse “silêncio” na comunidade científica brasileira e portuguesa em relação a investigações mais detalhadas e específicas sobre o português dos PALOPs foi um dos primeiros dados que obtive em minha pesquisa. Em países como Portugal e Brasil (que fazem parte com seus países vizinhos de dois importantes blocos econômicos, o Mercosul e a União Europeia), os estudos sobre identidade e diversidade linguística acham respaldo no grande acervo legado pela pesquisa sociolinguística empreendida nas últimas cinco décadas. No entanto, esse “volume” de estudos e de dados não é encontrado em outras comunidades cuja consolidação da língua portuguesa em termos políticos e sociais tem como cenário situações extremamente complexas de multilinguismo e pluralismo cultural, como é o caso de Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. Vatomene Kukanda, ex-presidente do Instituto Nacional das Línguas de Angola, afirma sobre a África sub-sahariana: “a situação linguística dos países da zona bantu é essencialmente multilíngue. (...) Essa situação obriga a uma complementaridade das línguas. Não há saída com uma só língua, e tal complementaridade encontra-se a níveis diferentes e é ditada pelo contexto linguístico” (KUKANDA, 2000, p. 110). Percebe-se a atualidade do tema – o português como língua transcontinental – no investimento por parte dos Estados em promover a valorização e a inserção da língua portuguesa no cenário internacional, em alianças diplomáticas estratégicas para uma cooperação internacional com base na língua comum. Em 1989, por exemplo, criou-se a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), órgão que “se assume como um novo projeto político, cujo fundamento é a língua portuguesa” 1. Com a CPLP, é criado também o Instituto Internacional da Língua Portuguesa – ideia lançada pelo então presidente brasileiro José Sarney –, cuja sede situa-se na capital de Cabo Verde, a cidade de Praia. Segundo Faraco (2009), “apesar dos esforços dos seus dirigentes, (o instituto) estava, já em 2004, em estado de falência técnica. Mesmo equilibradas suas finanças, sua ação tem sido pífia”. Em 1996, houve a criação dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), grupo formado com o intuito de firmar protocolos de cooperação com outros países e instituições nos campos da cultura, educação e fomento. Durante os anos do governo Lula, as relações Sul-Sul – entre Brasil, os PALOPs e Timor Leste – foram uma preocupação constante da agenda da política externa brasileira (ZOPPI-FONTANA, 2009: 14; FARACO, 2009: 9). Por outro lado, no campo das associações científicas, foi criada, em 2001, a AILP (Associação Internacional de Linguística do Português), numa ação conjunta da APL (Associação Portuguesa de Linguística) e da ABRALIN (Associação Brasileira de Linguística), a que se associaram ainda alguns investigadores de Moçambique, Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Tal instituição define seu objetivo como “promover a 1 Conferir o site: www.cplp.org defesa da língua portuguesa num plano internacional, por meio da divulgação de informações e materiais para o seu ensino, contemplando a enorme diversidade que apresentam as variedades nacionais da língua” 2. Porém, a fim de que se estabeleça o diálogo entre os países de língua portuguesa, é importante que um conheça a realidade linguística do outro; nesse propósito, entretanto, ainda estamos caminhando a passos lentos. Felizmente, a atual gestão da AILP, presidida por Alan Baxter, da Universidade de Macau, ressalta como um ponto principal em sua plataforma (para o triênio 20112014) a importância de desenvolverem-se estudos que contemplem a descrição do português em suas variedades africanas e asiáticas. Nosso objetivo aqui, então, é traçar um breve e modesto panorama da situação linguística dos PALOPs e indicar leituras de aprofundamento, a fim de estimular a aproximação e o interesse dos estudantes de Letras brasileiros acerca de estudos sobre tais países constituintes da CPLP. Um comentário sobre o termo lusofonia O guarda-chuva do que hoje se chama lusofonia comporta tanto países em que o português é adotado com língua materna da esmagadora maioria da população, como Brasil e Portugal, quanto países que têm o português como língua oficial, porém não majoritária, como os PALOPs e Timor-Leste, e ainda aquelas comunidades em que o português é a língua de uso e comunicação para apenas uma pequena parte da população, como Goa, na Índia, e Macau, na China (BRITO, 2003). Em geral, os países que são o centro irradiador da ideia de lusofonia são aqueles cujas variedades nacionais do português – o português europeu e o português brasileiro 2 Disponível em http://www.fl.ul.pt/pessoais/ailp/. Acesso em 30.08.2010. – têm mais visibilidade e representatividade. Por serem consideradas as variedades standard do português, sustenta-se a crença de que têm normas mais rígidas, maior uniformidade na escrita, melhores recursos para exportar sua variedade em programas de ensino de língua, bem como para publicar gramáticas, dicionários e livros didáticos (CLYNE, 2004). Ainda assim, linguistas portugueses e brasileiros encaram a lusofonia de pontos de vista nem sempre concordantes; enquanto aqueles parecem buscar uma certa redenção ou reparação da época colonial e imperialista e “a continuidade da dominação com outra roupagem” (FARACO, 2009:11), estes apoiam-se no discurso da lusofonia “como parte de uma estratégia de projeção geopolítica do país” (ibid. 10). O sonho lusófono dos portugueses, anunciado por Eduardo Lourenço “como um espaço de refúgio imaginário, o espaço de uma nostalgia imperial, que os ajude hoje a sentirem-se menos sós e mais visíveis nas sete partidas do mundo” (LOURENÇO, apud MARTINS, 2006) está impregnado de uma idealização romântica, de uma monumentalização da língua (ZOPPI-FONTANA, 2009), que prega a irmandade, a solidariedade, a cooperação, a tolerância: Como espaço de cultura, a lusofonia não pode deixar de nos remeter para aquilo que podemos chamar o indicador fundamental da realidade antropológica, ou seja, para o indicador de humanização, que é o território imaginário de arquétipos culturais, um inconsciente coletivo lusófono, um fundo mítico de que se alimentam sonhos. (MARTINS, 2006:30) Tal discurso apaga, ou no mínimo abranda em muito, os conflitos e ressentimentos resultantes da violenta colonização portuguesa na África: Nesse discurso de exaltação e celebração, não há, evidentemente, espaço para uma leitura crítica da exploração colonial. Ou do papel central que os luso-brasileiros exerceram no tráfico internacional de escravos africanos durante 300 anos; não há espaço para discutir o estado de imensa miséria social, econômica e cultural em que foram deixados, no momento da independência, os territórios africanos e asiáticos que estiveram sob o domínio português; não há espaço para deixar visíveis a ideologia e as práticas racistas do colonialismo português na África; não há também espaço para compreender a heterogeneidade dos diferentes países, salvo se ela puder ser reduzida ao exótico e devidamente folclorizada (a culinária, por exemplo);3 e, mais ainda, não há espaço para se reconhecer e discutir o fato de que a língua portuguesa funciona socialmente também como forte fator de discriminação e exclusão nas sociedades em que é falada (FARACO, 2009). A lusofonia envolve, portanto, uma relação assimétrica entre o estatuto das diferentes variedades nacionais da língua portuguesa, assimetria a respeito da qual pouco se dialoga, pouco se divulga, pouco se questiona. Portugal é a “pátria-mãe” desse idioma, enquanto que o Brasil tem um território e uma população muito maiores (85% dos falantes de português no mundo) e, atualmente, maior poder econômico, características que podem levar a uma relação simétrica das variedades nacionais do português brasileiro e do português europeu em termos de status, apesar de suas diferenças. Mas e Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Timor Leste, nos quais o processo de colonização envolveu a imposição violenta da língua européia que deixa até os dias de hoje um imaginário de submissão e insuficiência produzido no período colonial? O quanto se sentem representados pelo termo lusofonia? Os efeitos de controle, exclusão e violência simbólica a que foram submetidos os povos africanos deixaram consequências que se vêem ainda hoje no período póscolonial, herdeiro da ideia de que as línguas não europeias são dificultosas, defeituosas, sem racionalidade (MARIANI, 2004, 2007a e 2007b). E por mais que seja do interesse da ex-metróple silenciar ou reparar tal assimetria, dificilmente a memória das excolônias poderá ser apagada. Segundo Namburete (2006: 63), da Universidade Eduardo Mondlane de Moçambique, o termo lusofonia “ainda constitui um pólo de divergência, pois o seu 3 Sobre essa questão da heterogeneidade, diz Mia Couto (no evento mencionado na nota 2): “Os lusófonos são pensados e falados do seguinte modo: Portugal, Brasil e os PALOPS [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa]. Surgimos como um triângulo com vértices um no Brasil, um em Portugal e um terceiro em África. Ora, os países africanos não são um bloco homogéneo que se possa tratar de modo tão redutor e simplificado. Não se pode conceber como uma única entidade os 5 países africanos que mantêm, entre si, diferenças culturais sensíveis. As nações lusófonas não são um triângulo, mas uma constelação em que cada um tem a sua própria individualidade”. entendimento ainda não é compartilhado por todos aqueles que deveriam nela se sentir representados”. O autor questiona a identidade linguística de tantos falantes que vivem em países ditos lusófonos, mas que “não falam, não lêem e muito menos escrevem na língua de Camões” e afirma que tal tema é inevitavelmente enfrentado do lado africano com ceticismo e nem sempre de forma pacífica. Pretendemos ainda consubstanciar a nossa recusa à congregação dos países africanos de expressão oficial portuguesa sob o manto da lusofonia usando para tal o argumento de que em português todos nós nos entendemos. Recusamo-nos a perpetuar a falsa verdade de que os países africanos colonizados por Portugal se comunicam usando os fones lusos. Moçambique estaria mais bem categorizado no grupo dos países bantúfonos. (Op. cit. p. 70) Percebe-se, nas citações acima, a diferença de sentidos que o termo lusofonia assume quando é visto do ponto de vista de linguistas portugueses, brasileiros ou africanos. Fiorin, sobre tal questão, defende Para que a lusofonia seja um espaço simbólico significativo para seus habitantes, é preciso que seja um espaço em que todas as variantes linguísticas sejam, respeitosamente, tratadas em pé de igualdade. É necessário que não haja autoridade paterna dos padrões lusitanos. (...) A lusofonia não será pátria, porque não será um espaço de poder ou de autoridade. Será mátria e será frátria, porque deve ser o espaço dos iguais, dos que têm a mesma origem. Se assim não for, ela não terá nenhum significado simbólico real, será um espaço do discurso vazio de um jargão político sem sentido (FIORIN, 2006: 46). 1. Colonização linguística e descolonização na África colonial portuguesa Em primeiro lugar, queremos enfatizar o problema que representa considerar a África como uma identidade cultural única. Do ponto de vista linguístico, deve-se tomar o cuidado de não generalizar a situação específica de um país para todos os países, nem ao menos entre os PALOPs, que conservam, cada um, peculiaridades culturais, linguísticas, tradicionais, religiosas, étnicas. O português moçambicano ou o português angolano, por exemplo, têm uma configuração singular, devido não apenas às línguas de substrato e adstrato que com eles entraram em contato, mas às próprias políticas de língua que são praticadas em cada país especificamente, as quais produzem conhecimento sobre a língua, seu uso, suas funções, suas estruturas, etc 4. Quando há a dominação de um povo sobre o outro, o contato linguístico coloca a situação de multilinguismo em um panorama de conflito. Se os conquistadores exógenos, detentores do poder político, militar e econômico, delimitam artificialmente para o Estado um território que abrange territórios de diversos povos e línguas, haverá uma relação de subordinação linguística: De uma perspectiva cultural e política, a reunião de diversos grupos etnolinguísticos dentro de um só estado leva à tensão sócio-política e grupal, prejuízos e legislações injustas, que tentam proteger a maioria e fazer a minoria vulnerável. A pressão da minoria pela maioria, os grupos étnicos majoritários obliterando a existência as minorias até a total assimilação, pressões para a sobrevivência individual e do grupo, foram outras das consequências dos novos estados criados pelos colonialistas (OBENG & ECHU, 2004, p. 10 tradução nossa). A política assimiladora do regime colonial português impunha medidas oficiais restritivas das línguas autóctones. Tem-se como exemplo a publicação do decreto nº 77 (estampado no então Boletim Oficial de Angola, nº50, 1ª série), de 9 de dezembro de 1921, que indicava a proibição de se falar as línguas africanas de Angola: Artigo 1º (ponto 3): É obrigatório, em qualquer missão, o ensino da língua portuguesa; (ponto 4): É vedado o ensino de qualquer língua estrangeira; Artigo 2º: Não é permitido ensinar, nas escolas de missões, línguas indígenas; O uso de verbos como obrigar, vedar, permitir, proibir demonstra tanto a violência simbólica da coibição, como a falta de reconhecimento da alteridade; em outras palavras, as colônias portuguesas na África não tinham direito a outra língua que não fosse o português5. Apesar disso, o português não se tornou a língua materna 4 É possível que inclusive as línguas portuguesas e francesas faladas na África constituam, pela sua especificidade de contato multilíngue, uma outra geração de línguas românicas, dando origem a uma România que teria como substrato dezenas de línguas africanas. 5 ... enquanto no Brasil algumas línguas indígenas, como o Tupinambá, foram estudadas e gramaticalizadas pelos missionários jesuítas. Sobre as diferenças da colonização linguística portuguesa no Brasil e na África (Moçambique), conferir Mariani, 2011. majoritária dos PALOPs (com exceção, recentemente, de S. Tomé e Príncipe), apesar de ser a língua de comunicação corrente entre a diminuta classe dos administradores que impunham os valores culturais “civilizados e civilizadores” do imperialismo europeu, num processo que Mariani (2004, p. 28) chama de colonização linguística: Colonização linguística resulta de um processo histórico de encontro entre pelo menos dois imaginários linguísticos constitutivos de povos culturalmente distintos – línguas com memórias, histórias e políticas de sentidos desiguais – em condições de produção tais que uma dessas línguas, chamada de língua colonizadora, visa impor-se sobre a(s) outra(s), colonizadas. Como é de se imaginar, o forte multilinguismo e a preeminência política do português geraram e geram até hoje diversas tensões. Gregório Firmino (2002, p. 2021), ao pesquisar sobre a questão do multilinguismo em Moçambique, aponta que existem dois posicionamentos sobre a coexistência entre as línguas coloniais (usadas em domínios secundários, como governo, administração, sistema judicial, educação, ciência, tecnologia) e as línguas africanas autóctones (usadas em domínios primários, como vida social, família, amigos, mercados). Por um lado, há a concepção de que as línguas coloniais afastariam os africanos de sua “identidade autêntica”, aumentando a dependência em relação ao mundo ocidental. Por outro, há os que defendem que as línguas coloniais promoveram uma re-nacionalização dos países pós-coloniais em associação (e não em oposição) às línguas autóctones. Para efeitos didáticos, optaremos por seguir neste texto uma abordagem descritiva baseada na comparação e no contraste, uma vez que os processos históricos e políticos na formação desses países guardam muitas semelhanças, em virtude da colonização portuguesa, mas por outro lado têm características específicas em virtude de suas diferenças culturais. Assim, começamos por apresentar os pontos de convergência que os vinculam em sua história de colonização e descolonização linguística. Em seguida, traçamos um panorama sócio-histórico e linguístico de cada um por separado. Todos os países africanos colonizados por Portugal são essencialmente marcados pela violência em sua história: pela violência da repressão colonial (representada nas colônias pela PIDE, Polícia Internacional de Defesa do Estado de Portugal), pelas lutas armadas de libertação nacional e guerras civis subsequentes, pelos golpes de estado, pelas forças armadas, pelo monopólio comercial e exploração econômica da metrópole portuguesa e depois do capitalismo internacional. Todos eles enfrentaram enormes dificuldades na administração das nações recém-independentes, quer pela falta de quadros preparados, quer pela corrupção herdada do sistema colonial. Todos esses países tiveram até muito pouco tempo índices altíssimos de analfabetismo, mortalidade infantil, baixa expectativa de vida, problemas como AIDS, fome, desemprego, falta de saneamento básico, energia elétrica, água potável. Todos eles mantiveram no poder, depois da independência, os partidos libertadores. Em todos eles, as eleições multipartidárias ocorreram no início dos anos 1990, depois da abertura ao Ocidente e ao capitalismo. Todos eles tentam empreender, apenas muito recentemente, esforços pela implementação de uma educação multilíngue em português e nas línguas autóctones, a qual infelizmente encontra enormes empecilhos para efetivar-se. 2. A situação sociolinguística dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa Há uma dificuldade de se encontrarem dados oficiais sobre as línguas autóctones nos PALOPs, pois nem todos os censos são atuais (o da Guiné é de 1991, o de Angola de 1993). O próprio site Ethnologue, ao listar a quantidade de falantes de cada língua nacional, usa como referência estudos de anos diferentes, o que confere uma heterogeneidade que não permite uma comparação mais fidedigna dos dados. Mesmo assim, fazemos um apanhado das informações estatísticas, citando para cada uma a fonte e o ano de referência. 2.1 Guiné Bissau Um dos países mais pobres do mundo, a Guiné-Bissau é um pequeno país localizado na costa oriental africana. Sua extensão territorial é de 36.125km², que comportam uma população de 1.647.380 habitantes. A fundação do partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), defendendo a união dos dois países foi um marco na luta anticolonial dos países africanos contra a metrópole portuguesa. Seu líder, Amílcar Cabral, foi um dos grandes ideólogos da luta armada pela libertação colonial na África. Talvez o texto que mais represente a utopia africana dos anos 60-70 seja A Arma da Teoria, discurso pronunciado por Cabral em nome dos povos e das organizações nacionalistas das colônias portuguesas na 1ª Conferência de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina, em Cuba, 1966, no sétimo aniversário da Revolução Cubana: “Para nós, o pior ou o melhor mal que se pode dizer do imperialismo, qualquer que seja sua forma, é pegar em armas e lutar. É o que estamos a fazer e faremos até a liquidação total da dominação estrangeira nas nossas pátrias africanas.” (CABRAL, 1980). O PAIGC havia tentado a busca da independência em princípio pela negociação; entretanto, depois que 50 trabalhadores desarmados foram fuzilados em um levante de estivadores do porto de Pindjiguiti (Bissau), em 1959, teve início a ação armada, até que em 10 de setembro de 1974, ano da Revolução dos Cravos, Portugal reconhece a independência da Guiné-Bissau. Infelizmente, a partir de então, a falta de infra-estrutura do país no período pósindependência levou-o a uma precariedade econômica que só se agravou com o passar dos anos. Os antigos administradores coloniais deixaram os cofres públicos completamente vazios, faltavam quadros preparados em todas as áreas, o índice de analfabetismo da população a essa época era de 99%. As empresas portuguesas foram nacionalizadas, mas o Estado não tinha capacidade nem financeira nem humana para geri-las; os centros agrícolas foram isolados dos centros urbanos, com consequências graves para o escoamento da produção, que acabava apodrecendo (COUTO, 2010: 16). Embora o território da Guiné seja pequeno, o país abriga cerca de 20 línguas, que coabitam com o crioulo, língua vernacular e nacional, e o português, língua oficial, conhecido por 13% da população. Segundo Couto (2010: 28), com base no recenseamento feito em 1991, as principais línguas étnicas são: Fula (25%), Balanta (24%), Mandinga (14%), Manjaco (9%), Papel (9%), Brame (4%), Beafada (3%), Outras (12%). Com número pouco significativo de falantes, ainda podem ser citadas as línguas: Bayote, Banhum, Badyara, Cobiana, Nalu, Cunante, Cassanga, Wolof. Tais línguas não estão codificadas e não são consideradas línguas de ensino. Desde o primeiro ano escolar, a língua do ensino é o português. Para Couto (2010: 41), isso é tapar o sol com a peneira, pois apesar de oficialmente proibido, os professores têm de fazer uso do crioulo nos primeiros anos, porque, se falam em português, não são entendidos pelas crianças. Como a alfabetização e todo o ensino posterior se dá numa língua estrangeira, os resultados são calamitosos. Assim, somente um em cada 500 alunos transita da primeira à décima primeira classe sem nenhuma repetição. No nível elementar, apenas um em 400 chega ao sexto ano com sucesso. 41% dos alunos inscritos na primeira classe não são admitidos na segunda. Isso tudo levando em consideração que apenas 40% das crianças guineenses se matriculam em alguma escola. Portanto, não é de se admirar que a taxa de analfabetismo é de 86% (COUTO, 2010:42). Uma experiência de ensino em crioulo nos primeiros anos primários foi feita entre 1984 e 1993 no âmbito dos Centros Experimentais de Educação (CEEF). Segundo Couto (2010: 42), “comparativamente com as classes tradicionais, os resultados dessa experiência foram considerados bons e permitiram verificar que as crianças que viviam num meio em que se falava o crioulo tinham melhores resultados escolares do que as que viviam em zonas rurais onde o crioulo era pouco ou nada falado”. 6 2.2 Cabo Verde O arquipélago de Cabo Verde, constituído por dez ilhas, está localizado a 640 km a oeste do Senegal. Tem uma superfície de 4.033km² e uma população (em 2010) de 512.582 habitantes, de acordo com dados da Divisão de Estatísticas das Nações Unidas7. São residentes da área urbana 61,09% da população e da área rural, 38,91%. Em 5 de julho de 1975, proclamou-se a independência do país, considerado na altura por muitos como um país inviável, devido à fragilidade de sua infra-estrutura. Quando se instituiu como nação independente, proclamou-se um país de língua oficial portuguesa, mas esta, desde sempre, conviveu com o crioulo cabo-verdiano. A situação de insularidade fez com que cada uma das dez ilhas desenvolvesse uma forma própria de falar crioulo, ou seja, em cada ilha há uma variante diferente da mesma língua que é o crioulo cabo-verdiano. As variantes mais importantes são as de Fogo, Santiago, São Nicolau e Santo Antão. 6 Para aprofundar: Couto, 2010; Cabral, 1980. (Acho que deveria vir em nota). In United Nations Statistics Division. Demographic and Social Statistics. Statistical Products and Databases. Social Indicators, 2010. Disponível em: http://unstats.un.org/unsd/demographic/products/socind/population.htm Acesso em 17.04.2011. 7 Logo, a maior parte da sociedade crioula cabo-verdiana pode ser classificada de bilingue e diglóssica, mas, embora o bilinguismo esteja largamente espalhado em Cabo Verde, o cabo-verdiano não necessita do português para a comunicação no dia-a-dia. O português restringe-se às funções burocráticas e oficiais e à comunicação com o exterior. Diferentemente de outros PALOPs, houve em Cabo Verde medidas de política de língua, por meio de uma legislação que apresentou sucessivas propostas de lei constitucional referentes ao estatuto do português e do cabo-verdiano. Nas constituições cabo-verdianas de 1975 a 1999, a língua portuguesa foi considerada língua oficial, enquanto que a língua cabo-verdiana manteve o estatuto de língua materna/língua nacional. Em 1991, o país conheceu uma virada na vida política nacional, tendo realizado as primeiras eleições multipartidárias, instituindo uma democracia parlamentar. Pela Constituição da República de Cabo Verde a partir de 1999, declara-se, no Artigo 9°, que é língua oficial o português, mas que o Estado promove as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa. Ainda antes da revisão da Constituição feita em 1999, por meio do DECRETO-LEI Nº 67/98 de 31 de Dezembro, o Governo aprovara o Alfabeto Unificado para a Escrita do Caboverdiano (ALUPEC) que foi resultado de uma consensualização entre os linguistas e outros estudiosos do cabo-verdiano (ÉVORA, 2010). Assim, o crioulo cabo-verdiano, ou simplesmente o cabo-verdiano, passa a ter o estatuto de “língua oficial em construção” enquanto que se exige ao homem caboverdiano que “conheça as duas línguas” e se respeite o “direito de usá-las”.8 3.3 São Tomé e Príncipe 8 Para aprofundar: Teixeira, 2010; Delgado, 2008; Fernandes, 2002; Semedo, 1995. São Tomé e Príncipe é um complexo insular localizado no Golfo da Guiné – na parte ocidental da África – composto por duas ilhas grandes (São Tomé e Ilha do Príncipe) e várias pequenas ilhas. Tem no total uma superfície de apenas 964km². Segundo dados da Divisão de Estatísticas das Nações Unidas9, a população em 2010 era de 165.397 habitantes. Durante a colonização das ilhas, a partir de 1493, foram trazidos escravos provenientes da Guiné, Benin, Gabão e Angola para a cultura da cana-de-açúcar. Do seu contato com os senhores portugueses surgiu um pidgin que, por sua vez, deu lugar a crioulos que gradualmente se tornaram estruturados. Segundo Hagemeijer (2009: 4), a maioria dos autores concorda em que o contato linguístico resultante do povoamento de S. Tomé provocou o aparecimento de uma (única) língua crioula de base lexical portuguesa que se ramificou em quatro. Se essa crioulização esteve intimamente ligada à cultura açucareira do séc. XVI, as culturas do cacau e do café, a partir de meados do século XIX, trouxeram um contingente populacional de “contratados” de diferentes origens ultramarinas: Cabo Verde, Angola e Moçambique, mas também Benim, Gabão, Camarões, Serra Leoa e Libéria (HAGEMEIJER, 2009: 17). O crioulo de Cabo Verde, especialmente, teve uma forte penetração por todo o arquipélago, sendo conservado até hoje – devido a sua homogeneidade, em comparação à diversidade das línguas de Angola ou Moçambique. A presença destas últimas línguas em algumas roças, por outro lado, levou ao surgimento de uma língua de contato chamada Português dos Tongas (BAXTER, 2002). O constante contato com a língua portuguesa, minoritária, mas de prestígio, fez com que ela se tornasse popular entre aqueles para os quais tinha sido inicialmente uma simples forma de comunicação limitada à condição social. São Tomé é o terceiro país 9 In United Nations Statistics Division. Demographic and Social Statistics. Statistical Products and Databases. Social Indicators, 2010. Disponível em: http://unstats.un.org/unsd/demographic/products/socind/population.htm Acesso em 17.04.2011. na ordem de porcentagem de falantes de português (depois de Portugal e Brasil), e a variedade nacional chama-se português são-tomense. Cerca de 98% da população acima de cinco anos fala português, e mais de 50% da população usa-a como primeira língua. Assim, São Tomé e Príncipe parecem ser o único país da África de língua portuguesa onde a maioria da população tem o Português como primeira língua. Ainda que crescentemente adotado como língua materna, o português ainda convive com os quatro crioulos do Golfo da Guiné (Dados do Censo de 2001, segundo HAGEMEIJER, 2009): a) o Forro ou Santome, língua de S. Tomé, falado por 72,4% da população; b) o Lung’ie ou língua da ilha do Príncipe, falado por 2,4%; c) o Angolar, falado na parte ocidental e na parte oriental de S. Tomé, tem como base um dialeto do Umbundo, língua bantu de povos do interior de Angola (para ele, o censo de 2001 não apresenta dados, mas Lorenzino (1996) estima que sejam 5,3%), d) o Fá d’Ambô10, da Ilha de Ano Bom (Guiné Equatorial), falado por cerca de 4 mil indivíduos; À semelhança das línguas autóctones nos outros países africanos de língua oficial portuguesa, as línguas crioulas faladas em S. Tomé e Príncipe não gozam do estatuto de língua oficial, não possuem uma ortografia oficial e estão excluídas do sistema educativo. O acesso generalizado ao ensino em português e aos meios de comunicação na língua oficial, bem como a ausência de políticas linguísticas orientadas para as línguas crioulas são fatores que desfavorecem as línguas minoritárias das ilhas.11 10 Esta última não é falada nos espaço geográfico de S. Tomé e Príncipe, mas sim na ilha de Annobón, que pertenceu a Portugal até 1778, quando passou para a coroa espanhola (HAGEMEIJER, 2009). 11 Para aprofundar: Hagemeijer, 2009; Mata, 2004; Baxter, 2002; Lorenzino, 1996; Espírito Santo, 1985. 3.4 Angola Angola localiza-se na costa ocidental do Sul da África, tem uma superfície de 1.246.700 km² divididos em 18 províncias. Pela vastidão territorial, Angola é o segundo maior país de língua oficial portuguesa (INVERNO, 2004). De acordo com dados da Divisão de Estatísticas das Nações Unidas 12, a população, em 2010, era de 18.992.707 habitantes, dos quais 58,5% constituem a população urbana e 41,5, a população rural. A expectativa de vida ao nascer é de 48,5 anos; apenas 50% dos domicílios têm acesso à água potável e rede sanitária, e a população subnutrida representa 46%. O país esteve em guerra desde 1961 até 2002, primeiro em virtude da luta contra o domínio colonial português, depois como consequência da guerra civil que eclodiu em 1975 entre os principais partidos do país, que anteriormente constituíram os movimentos de libertação. O poder político manteve-se na posse do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, apoiado pela União Soviética) desde 1975, embora o partido da oposição, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, apoiado pela África do Sul e, consequentemente, pelos Estados Unidos) tenha dominado parte do território até ao fim da última guerra civil. Com o reforço de um numeroso e bem armado exército cubano, que forçou o recuo das tropas sul-africanas, a luta entre esses dois partidos devastaria Angola pelos 25 anos subsequentes à independência. Em Luanda, capital de Angola, onde vive a grande maioria da população angolana que fala português, a diversificação étnica é muito grande. A exemplo da maioria dos povos africanos, Angola vive uma situação de plurilinguismo na qual coabitam três grandes grupos linguísticos que se distinguem genética e estruturalmente. Além da língua a língua portuguesa, de origem neolatina, há ainda: 12 In United Nations Statistics Division. Demographic and Social Statistics. Statistical Products and Databases. Social Indicators, 2010. Disponível em: http://unstats.un.org/unsd/demographic/products/socind/population.htm Acesso em 17.04.2011. (a) as línguas africanas de origem não-bantu, chamadas línguas khoisanas: Kamusekele, Kazama, Kede, Kuissi, Kwepe (b) as línguas bantu, em número de 41, divididas nos seguintes grupos: Kikongo, Kimbundo, Umbundo, Tchokwe, Nganguela, Nyaneka, Ambo, Herero, Oxindonga. Atualmente, de acordo com o site www.etnologue.com, a percentagem da população que tem o português como língua materna é por volta dos 14% a 20%. Uma segunda fonte, o Instituto Nacional de Estatística (INE), indica que apenas 26% dos angolanos têm o português como língua materna, 30% têm o umbundu como língua materna, 16 % o kimbundu, 8 % o kikongo, 6 % o tchokwe e 14 % as restantes línguas do país. Portanto, o idioma mais falado como língua materna em Angola não é o português. É o umbundu. A ausência de pressões normativas fora da região de Luanda somada aos altos índices de analfabetismo são fatores que contribuem para a heterogeneidade linguística e a manutenção das línguas autóctones angolanas. Mesmo assim, o português é a língua oficial de Angola, e os cidadãos a consideram a língua de prestígio, de mobilidade social e econômica e, por conseguinte, de poder. Falar português é sinônimo de ascensão social, enquanto que falar uma língua angolana, num dado contexto comunicacional, pode influenciar, negativamente, o processo de aceitação, ou não, por parte da sociedade (QUINO, 2005). Ao contrário do português brasileiro ou europeu, quando se fala em português angolano, fala-se “não da língua de todo um país, mas de uma língua falada por classes sociais específicas (i.e., elites instruídas e camadas jovens), em regiões geográficas determinadas (i.e., centros urbanos costeiros), numa situação de nítida diglossia” (INVERNO, 2004). Em 1985, o Conselho de Defesa e Segurança, através do Decreto nº 40 de 18 de Novembro criou o atual Instituto de Línguas Nacionais, sob tutela do Ministério da Cultura. Esse instituto tem como finalidade estudar cientificamente as línguas nacionais, contribuir para a sua normalização e ampla utilização em todos os setores da vida nacional e desenvolver estudos sobre a tradição oral. Alguns documentos foram produzidos, como o Histórico Sobre a Criação dos Alfabetos em Línguas Nacionais; Esboço Fonológico; Alfabeto. A partir deles, foram aprovados, a título experimental, pela Resolução nº 3/78, de 23 de Maio de 1987, do Conselho de Ministros, os alfabetos das línguas nacionais kikongo, kimbundu, umbundu, cokwe, oxikwanyama e mbunda e suas respectivas regras de transcrição. Em caráter experimental, o Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação (INIDE), envolveu em um projeto 4,5 mil alunos da 1º classe de algumas escolas do ensino primário de Luanda, 35 coordenadores, cinco para cada língua a ser ministrada e 105 professores do ensino primário. De acordo com o site do INIDE, terão prioridades nesta fase, seis línguas escritas, designadamente, o Cokwe, Kimbundu, Kikongo, Nganguela, Oshikwanyama e Umbundu. 3.5 Moçambique Moçambique está situado na costa oriental do Sul da África, tem uma superfície de 801.590 km². De acordo com dados da Divisão de Estatísticas das Nações Unidas 13, a população, em 2010, era de 23.405.670 habitantes, dos quais 38,43% constituem a população urbana e 61,47%, a população rural. A expectativa de vida ao nascer é de 48,4 anos; a porcentagem de subnutridos é 38% e a taxa bruta de matrícula para todos os níveis de ensino é de 54,8%. Moçambique esteve em guerra durante mais de 30 anos, de 1975 até 1992. Após a independência, em 25 de junho de 1975, com a denominação de República Popular de 13 In United Nations Statistics Division. Demographic and Social Statistics. Statistical Products and Databases. Social Indicators, 2010. Disponível em: http://unstats.un.org/unsd/demographic/products/socind/population.htm Acesso em 17.04.2011. Moçambique, foi instituído no país um regime socialista de partido único, cuja base de sustentação política e econômica se viria a degradar progressivamente até a abertura feita nos anos de 1986-1987, quando foram assinados acordos com o Banco Mundial e o FMI. Apesar da imposição do português pelo colonizador europeu, o combate ao colonialismo foi feito por um elemento importante da cultura do colonizador de que a nova nação não conseguiu libertar-se: a própria língua portuguesa. As origens de tal processo remontam à resolução pela FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) de que, entre tantas línguas faladas em Moçambique, o português seria aquela falada pelos combatentes, sob o pretexto de ser uma língua “neutra” para servir aos objetivos da luta e também combater o tribalismo (LIPHOLA, 1998 apud NAMBURETE, 2006, p. 67). Hoje, à semelhança de Angola, o português convive com as línguas autóctones – em número de 23 – e também com outras línguas estrangeiras como o inglês e as línguas de origem asiática. De acordo com Firmino (1996: 82), baseado no Censo de 1980, pode considerar-se que as línguas autóctones são faladas por toda a população de Moçambique, já que 98,8% afirmou que conhecia uma delas como língua materna, em contraste com o português, que é falado como língua materna apenas por 1,2% da população. No mesmo censo, 76% dos moçambicanos afirmaram ser falantes exclusivos de uma língua autóctone, ou seja: não se consideram pessoas que conhecem o português; 23,2% afirmaram ser bilíngues: falantes de pelo menos uma língua autóctone e o português. As principais línguas autóctones (pelo censo de 1980) são: Macua (27,7%), Tsonga (12,4), Sena (9,3%), Lomwe (7,8%), Shona (6,5%), Tswa (5,9%), Chuabo (5,7%), Ronga (3,6%), Marendje (3,4%), Nyanja (3,3%). Outras ainda: Chope, Nyumgwe, Maconde, Bitonga,Yao, etc. Como Moçambique é rodeado de países falantes de inglês e recebe trabalhadores emigrantes dos países vizinhos, a maior parte da África do Sul, o inglês é uma língua muito presente na vida social moçambicana; é uma mercadoria social, “um capital distintivo que as pessoas podem usar para exibir, entre outras coisas, seu nível acadêmico, as suas ligações com organizações internacionais, etc. (FIRMINO, 1996: 119). Há, em Moçambique, uma iniciativa por parte do governo para o ensino bilíngue: o Ministério da Educação e Cultura introduziu oficialmente a educação bilíngue em línguas moçambicanas e português, em todo o país a partir de 2002 (PATEL, 2006). Por uma pressão social e exigência da sociedade civil, a partir de 2004, as escolas moçambicanas passaram a ter um currículo do ensino primário que inclui um modelo monolíngue só em português destinado a crianças que têm o português como língua materna e um modelo bilíngue em línguas moçambicanas e português para crianças de zonas rurais que não têm o português como língua materna. 14 3. Conclusão Os instrumentos linguísticos (gramáticas, dicionários, livros didáticos, exames de língua) e as instituições reguladoras da língua (escolas, universidades, institutos de pesquisa, imprensa, órgãos de gestão do governo, etc.) intervêm nas políticas de língua em determinada nação, no sentido em que constituem e legitimam os usos linguísticos dos idiomas envolvidos (ORLANDI, 1993, 2009; GUIMARÃES, 2002; PAYER, 2006, ZOPPI-FONTANA, 2009). No Brasil, em um percurso que durou séculos, a língua 14 Para aprofundar: Patel, 2006; Firmino, 1996. portuguesa percorreu um longo itinerário15 que foi desde a ausência total de um saber metalinguístico e a consideração de construções brasileiras como inadequadas por escritores e gramáticos portugueses, até uma posição de autoria em relação a esse saber, que hoje configura uma disciplina científica nas universidades brasileiras e um lugar de enunciação institucional e internacionalmente reconhecido como legítimo e passível de ser exportado (ZOPPI-FONTANA, 2009: 17). Esse processo está intimamente ligado à independência política e cultural do Brasil, na sua constituição como Estado independente de Portugal. Em outras palavras, há, no processo brasileiro, um gesto de apropriação do idioma gerando a relação do sujeito com o Estado através da língua, uma língua simbolicamente estigmatizada durante séculos como uma deturpação da língua do colonizador, que na atualidade goza de um estatuto de prestígio político e econômico para além das fronteiras do território nacional. Tal caminho ainda não foi percorrido pelos PALOPs. As nações multiculturais e multilíngues no contexto pós-colonial apresentam uma riqueza que merece especial consideração por parte dos outros países da CPLP. No caso específico dos países africanos, há um quadro de dialetação diatópica e diastrática muito vivo e relações ainda muito recentes de mescla, dominação, preconceitos, lutas políticas, etc. que certamente têm implicações linguísticas. O presente artigo buscou mostrar um pouco da realidade desses países e despertar a curiosidade sobre a sua realidade sociolingüística e educacional. 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