Banheiro seco
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Banheiro seco: avaliação da percepção do usuário Felipe Jacob Pires (1) e Túlio M.S. Tibúrcio (2) (1) Departamento de Engenharia Civil, UFV, Brasil. E-mail: [email protected] (2) Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UFV, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: Introdução: Entende-se a conservação e uso racional da água como forma de se minimizar o uso de recursos naturais e diminuir os impactos ambientais, tendo em vista não somente a utilização de sistemas e tecnologias ecológicas, mas principalmente na mudança comportamental com a integração da tecnologia e o usuário. O banheiro seco surge como forma alternativa à reciclagem convencional dos resíduos orgânicos, redução do consumo e contaminação da água e ainda promove a utilização de nutrientes na agricultura. Objetivo: Este trabalho teve caráter exploratório, com o objetivo de investigar tecnologias em banheiro seco coletivo e em habitações unifamiliares, identificando as alterações no modo de vida do usuário, e as percepções quanto a sua utilização. Método/Abordagens: A metodologia proposta nessa pesquisa inclui revisão de literatura, estudos de casos, entrevistas e questionário para avaliar a aceitação no uso do banheiro seco pelo usuário e os impactos advindos dessa relação. Resultados: Como resultados foram identificados alguns sistemas de banheiro seco, incluindo os materiais e tecnologias utilizados, sistemas construtivos, manutenção e operação. A percepção dos usuários mostra uma mudança de hábitos e conscientização dos mesmos. Contribuições/Originalidade: A investigação feita contribui no conhecimento e divulgação de técnicas sustentáveis que contribuem para a produção de uma arquitetura mais sustentável. Palavras-chave: Banheiro seco, Percepção, Usuário, Tecnologias ecológicas Abstract: Introduction: The conservation and rational use of water is understood as a way to minimize the use of natural resources and reduce environmental impacts, in view not only the use of green technologies and systems, but primarily on behavioral change with integration of technology and the user. The dry toilet emerges as an alternative to conventional recycling of organic wastes, reducing consumption and contamination of water and also promotes the use of nutrients in agriculture. Objective: This research is an exploratory study, aiming to investigate technologies in public dry toilet and detached houses, identifying changes in the lifestyle of the user, and perceptions of their use. Methods / Approaches: The methodology used in this research includes a literature review, case studies, interviews and questionnaires to assess the acceptance in use of the dry toilet by the user and the upcoming impact from this relationship. Results: The results identified some dry toilet systems, including the materials and technologies used, building systems, maintenance and operation. The perception of users shows a change of habits and awareness of them. Contributions / Originality: Research done contributes to the dissemination of knowledge on sustainable techniques which help to produce a more sustainable architecture. Keywords: Dry Toilet, Sustainable systems, Ecological Technologies, Users perception. 1. INTRODUÇÃO Os sistemas tradicionais de coleta de esgoto presentes nas cidades utilizam grande quantidade de água para transportar uma pequena parcela de dejetos até uma estação de tratamento, localizada no final da rede coletora. Visto a problematica atual inerente à água e o modo de utilização deste recurso, alguns autores (BERGER 2010, MORGAN 2007, VAN LENGEN 2004) têm apostado em tecnologias inovadoras e simplificadas de tratamento próximo a fonte geradora dos resíduos. O banheiro seco, tradicionalmente utilizado por vários povos antigos, atualmente vem sendo estudado e incorporado como uma tecnologia em saneamento ecológico em várias habitações unifamiliares, em diferentes modelos e formatos. Essa tecnologia traz mudanças no modo de vida dos usuários e a questão VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 sustentável que se busca precisa ser repensada para atender as novas demandas da sociedade que também passa por um processo de mudança de comportamento e de consciência ecológica. 1.1. Banheiro Seco: uma tecnologia sustentável Também chamado de sanitário compostável (composting toilet), banheiro biológico (biological toilet) e banheiro ecológico (ecological toilet), o banheiro seco é uma unidade sanitária que não precisa de água para o seu funcionamento básico (BERGER, 2010 e MORGAN, 2007), ou seja, é um sistema sanitário de tratamento a seco dos dejetos humanos, funcionando como uma alternativa eficiente para a solução de problemas de saneamento básico e recursos hídricos (VAN LENGEN, 2004). O banheiro seco é uma tecnologia já consagrada em diversos países do mundo e, basicamente, utiliza o processo de compostagem para transformação do residuo sólido em adubo orgânico (ALVES, 2009). O banheiro em si consiste de duas unidades básicas: um local de assento e outro de armazenamento dos dejetos, sendo que este ultimo pode ser o local onde ocorre o processo de degradação biológica ou compostagem. Segundo a Agência Alemã de Cooperação Técnica (GTZ), a compostagem no banheiro seco consiste na degradação da matéria orgânica através de bactérias aeróbias termofílicas, fungos e actinomicetos e sob condições ótimas de temperatura, é possível a remoção efetiva de patógenos. Para alcançar a eficiência no processo, é necessário uma boa aeração do material, certo nível de umidade e uma relação de carbono e nitrogênio (C:N) específica, em torno de 30:1. Pelo fato dos dejetos humanos não fornecerem tais condições ideais, devido às altas concentrações de nitrogênio (BERGER, 2010), outro material, rico em carbono, deve então ser adicionado, como a serragem por exemplo (VAN LENGEN, 2004). Atualmente existem diversos modelos de banheiro seco, porém todos seguem praticamente o mesmo princípio. A presente pesquisa se ateve ao estudo de quatro modelos, cada qual localizado em uma residência diferente, que se assemelham a alguns aspectos, porém trazem em si particularidades nos materiais construtivos, formas de armazenamento do composto, de acordo com as necessidades e modos de vida dos usuários. Os banheiros pesquisados podem ser enquadrados em duas categorias: banheiro compostável em câmaras múltiplas e banheiro com coleta em compartimentos móveis. 1.1.1. Banheiro compostável em câmeras múltiplas Unidade sanitária composta por duas ou mais câmaras impermeáveis e intercambiáveis. Neste sistema, uma das câmaras tem seu volume preenchido e é lacrada para que ocorra a maturação do composto, enquanto a outra é utilizada normalmente. Assim que esta fica cheia, a outra é esvaziada. Modelos de câmara dupla são os mais utilizados e muito simples. Entretanto, um dimensionamento cuidadoso deve ser levado em consideração para assegurar que o tempo mínimo para maturação do composto seja respeitado. Um processo secundário de compostagem pode ser requerido para assegurar a total remoção dos patógenos (BERGER, 2010). Outro ponto importante é a insolação das câmaras, sendo imprescindível que estas estejam voltadas para o ponto de maior incidência de luz solar, auxiliando na manutenção da umidade, assim como da temperatura para o processo de compostagem (GTZ, 2006a). Esta unidade sanitária pode ser aplicada em todo o mundo, tanto fora quanto dentro de casa, desde que as condições ideais de ventilação e insolação sejam respeitadas. Não há limitações quanto ao tipo de terreno (GTZ, 2006a). Assim como em sanitários de compostagem contínua, uma quantidade de aditivo rico em carbono deve ser adicionada após cada uso. Contudo, quando comparado a outros modelos de banheiro seco, o sanitário de câmara múltipla exige uma menor manutenção, uma vez que problemas de compactação e anaerobiose são raros devido ao menor volume de material sólido nas câmaras (BERGER, 2010). Além disso, o esvaziamento da câmara se dá de forma mais aceitável por parte do usuário, uma vez que o composto maturado encontra-se totalmente separado das fezes frescas. Outro ponto importante é a VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 atenção do usuário para o nível de dejetos dentro da câmara que está sendo utilizada, a fim de decidir quando uma deve ser lacrada, dando uso à outra (BERGER, 2010). 1.1.2. Banheiro com coleta em compartimentos móveis Alguns autores não o consideram como banheiro compostável, mas sim compartimento para coleta de excreta, a qual pode ser compostada seqüencialmente. Para isso, as fezes coletadas devem ser transportadas até uma pilha maior de compostagem, ou uma câmara designada para esse fim (GTZ, 2006b). Tal modelo sanitário é composto por um compartimento móvel (como barril ou semelhante) localizado abaixo do assento sanitário, designado a receber a excreta. Após completo o volume útil do compartimento fecal, este é substituído por outro semelhante e carregado para um local adequado de modo a ser esvaziado. Mesmo sendo indicado para todas as regiões do mundo, a escolha deste modelo sanitário deve ser priorizada em locais que requerem pouco uso do sanitário (como casas de veraneio) ou áreas que possuam um sistema eficiente de coleta em larga escala e processamento por empresas especializadas e pré designadas. Isso se deve ao fato do pequeno volume do compartimento de coleta e à possível rejeição do sistema, por parte do usuário, quando a responsabilidade pelo esvaziamento e tratamento das excretas é atribuída a este (GTZ, 2006b). A manutenção associada a essa unidade sanitária é alta, mesmo que o volume do compartimento seja grande, visto que o usuário deve esvaziá-lo regularmente após o transporte. Além disso, outra unidade deve ser especificada para propósitos de compostagem, a qual pode ocorrer no próprio terreno que gera o resíduo, ou ainda, em unidades centrais de tratamento previamente estabelecidas. (GTZ, 2006b). 1.2. A tecnologia e o usuário Segundo Santos (2000), toda relação do homem com a natureza é portadora e produtora de técnicas e tecnologias que se foram enriquecendo, diversificando e avolumando ao longo do tempo. A história da relação do homem com suas fezes data de tempos em que primeiramente a técnica de defecar seguia o bom senso de se usar o solo como um meio de descarte, distante de qualquer veio d’água. Posteriormente, viu-se que no lugar em que se depositavam as fezes, devidamente enterradas, crescia uma exuberante vegetação. Com o avanço da tecnologia, experiências inovadoras no ramo foram surgindo na medida em que se necessitava de novas adaptações em ambientes e culturas diferentes, porém o uso do banheiro seco foi decaindo na medida em que surgiram as descargas hidráulicas. Atualmente se vê o surgimento, ainda que lento, de novas tecnologias em banheiro seco, porém ainda há receio quanto a sua utilização e funcionamento. A implantação de um modelo sanitário, qualquer que seja ele, não pode ser imposta. Em se tratando de sanitários ecológicos, um maior cuidado deve ser tomado em relação à implantação. Isso se deve ao fato de as excretas humanas serem, culturalmente, vistas como repulsivas devendo ser mantidas fora da visão do usuário do banheiro. Assim, qualquer intenção de reutilização próxima dos dejetos acaba por ir de encontro aos inúmeros preconceitos sobre as fezes e urina humana. Segundo Morgan (2007), fatores como odor e patogenicidade limitam o uso de modelos sanitários alternativos, por serem vistos como um incômodo ao usuário. Em seu livro intitulado “Banheiros que produzem compostos”, o autor frisa que qualquer tipo de banheiro (incluindo o hídrico) provoca odores caso não sejam mantidas as condições básicas de higiene e utilização. Desse modo, a educação acerca da correta manutenção do modelo sanitário ecológico é de extrema importância e faz parte do início da aceitação por parte dos usuários. Segundo Bava (2003), é verdade que as experiências inovadoras nascem “de baixo para cima”, também é verdade que, para que possam ultrapassar sua dimensão de experiências, são necessários esforços para a VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 construção de ambientes institucionais favoráveis, isto é, novas leis, novas linhas de financiamento, enfim, novos arcabouços institucionais que envolvem não só o governo local, como as demais instâncias políticas do Estado. É de extrema importância também, que o usuário esteja ciente das decisões tomadas durante o processo de concepção e execução da sua habitação e das ações que continuam ocorrendo, como o funcionamento de todas as tecnologias de reaproveitamento e economia de recursos naturais presentes. O usuário não deve agir simplesmente como um consumidor final de energia e produtos e sim como um gestor de recursos, sendo consciente e eco-alfabetizado, entendedor do funcionamento da tecnologia em que esta utilizando (ADAM, 2001). Do ponto de vista dos recursos naturais, Corral-Verdugo (2003) afirma que a escassez de água possui componentes psicológicos e sociais. Em estudos realizados no México nos quais investigou sobre o efeito da carência da disponibilidade de água observou-se que a escassez de água é um dos fatores que influi na conservação da mesma. Pessoas que vivem sob disponibilidade limitada de água tendem a diminuir seu uso. Esta condição promove o desenvolvimento de tendências de comportamento (motivos, habilidades e crenças) que levam o indivíduo a economizar água. Ter conhecimento sobre comportamentos específicos sobre como economizar água também pode levar a adoção de comportamentos de conservação da mesma. Entretanto, numerosos projetos de inserção de tecnologias em banheiro seco falharam por não ter trabalhado o envolvimento das comunidades no processo de implantação. Há uma crescente necessidade em incluir o público no processo decisório (HARTLEY, 2006; NANCARROW 2004). O uso dos recursos hídricos tem se apresentado como um dilema de cunho social, sendo estes um bem comum. A dificuldade em achar soluções para os dilemas sociais é devida a duas dinâmicas implícitas freqüentes em tais situações: foco nos interesses de curto prazo e a percepção de que a ação individual é ineficaz (THOMPSON E STOUTEMYER 1991). Um ponto que deve ser ponderado é o que gere a real mudança dos usuários na utilização de um banheiro seco. Diante disso, algumas medidas podem ser tomadas afim de buscar a popularização e implantação de tecnologias em banheiro seco. 2. OBJETIVO O objetivo principal desta pesquisa é investigar diferentes modelos de banheiro seco, através de revisão de literatura e estudos de caso, e a relação que o usuário possui com a tecnologia sustentável. Além disso, buscou-se relatar as motivações e mudanças comportamentais do usuário com o uso dos diferentes sistemas construtivos. 3. MÉTODO A pesquisa realizou primeiramente uma revisão de literatura de forma a contribuir na compreensão da tecnologia do banheiro seco e também, segundo alguns atores, dos motivos pessoais em se utilizar ou não tal tecnologia, além das mudanças comportamentais necessárias para o uso do mesmo. Para exemplificar como estes sistemas têm sido inseridos na habitação unifamiliar, estudos de casos foram realizados, de forma qualitativa e quantitativa, em diferentes residências. Para investigar a visão do usuário no uso do sanitário, tendo como base as referências citadas, um questionário juntamente com uma entrevista semiestruturada foi realizado. Com isso, pretende-se relatar as diferentes experiências com o banheiro seco e os pareceres dos usuários em relação à tecnologia adotada, desde a sua concepção, materiais de construção, até na operacionalização dos sistemas. 4. RESULTADO A elaboração de dois quadros, com os resultados obtidos na pesquisa, facilitou na sistematização dos dados coletados durante as visitas e entrevistas em cada residência. Os dados abrangem os materiais e sistemas construtivos, a operação e manutenção dos sistemas, além das percepções do usuário quanto às VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 tecnologias utilizadas. Os estudos de caso foram realizados em Viçosa-MG, onde foram feitas visitas técnicas in loco. Estas visitas permitiram observar alguns impactos e mudanças comportamentais nos usuários ainda que de forma preliminar e qualitativa. Estes estudos de caso e as entrevistas são discutidas nesta seção. 4.1. Estudos de caso As visitas técnicas foram realizadas em residências situadas nos bairros Palmital, Violeira e Cachoeira de Santa Cruz, em Viçosa-MG. Primeiramente foi realizado um diagnóstico dos sanitários compostáveis em cada habitação, recolhendo informações acerca do tipo de tecnologia empregada, dos materiais construtivos e formas de operação e manutenção dos sistemas. Para melhor sistematização dos dados, foi elaborado um quadro comparativo entre os diferentes banheiros secos, como ilustra o Quadro 1. QUADRO 1 – Informações relativas aos projetos de banheiro seco referentes aos estudos de caso Projeto 1. 2. 3. 4. Banheiro seco no bairro Violeira Banheiro seco em Cachoeira de Santa Cruz Banheiro seco no bairro Palmital Banheiro seco coletivo no bairro Palmital Ficha Técnica Tipologia: Habitação unifamiliar Arquitetura: SAUIPE Data: 2009 Tipologia: uso coletivo Arquitetura: SAUIPE Data: 2010 Tipologia: Habitação unifamiliar Arquitetura: Grabiela Mendes Data: 2007 Tipologia: uso coletivo Arquitetura: Roberto Goulart Data: 2005 Modelo Imagem Banheiro com coleta em compartimentos móveis Banheiro com coleta em compartimentos móveis Banheiro compostável em câmaras múltiplas Banheiro compostável em câmaras múltiplas 4.1.1. Banheiro seco no bairro Violeira O banheiro seco foi construído na área externa da residência pela facilidade de construção e pelo fato da casa já existir antes de sua idealização. Além disso, o material utilizado na construção estava de fácil acesso próximo a residência, como painéis de madeira, peças de eucalipto, tambor de lixo e telhas de amianto. Na residência habitam quatro pessoas, onde todos são estudantes da Universidade Federal de Viçosa. O banheiro foi idealizado com a preocupação do efluente doméstico gerado na residência ser encaminhado diretamente para um córrego próximo a casa, sem nenhum tratamento devido. Além disso, os moradores VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 utilizam o composto gerado, após o processo de compostagem, nos canteiros, hortaliças e árvores frutíferas, como fonte de nutrientes para a vegetação. Durante as entrevistas foi relatada por um dos usuários a presença de algumas larvas de moscas no composto orgânico antes da compostagem. No entanto, após o período de 3 meses, observou-se a ausência destas larvas. Além disso, foi constatado durante as entrevistas que houve presença de maus odores quando não se cobria corretamente as fezes com o material orgânico, no caso a serragem. Observa-se na Figura 1, que o banheiro não possui nenhum aparato de alta tecnologia, mostrando que a inserção de tecnologias sustentáveis pode ser através de estratégias simples. Essa inserção tecnológica leva a mudanças na rotina da casa, porém a consciência ambiental dos moradores e a relação harmônica com que têm com as fezes geradas, não atrapalham nas atividades do cotidiano, fato relatado por um dos moradores. FIGURA 1 – Banheiro no bairro Violeira 4.1.2. Banheiro seco em Cachoeira de Santa Cruz A propriedade em Cachoeira de Santa Cruz consiste em uma área experimental do grupo SAUIPE- Saúde Integral em Permacultura, onde são realizados cursos, vivencias e estudos dentro dos princípios da Permacultura. Atualmente estão residindo na casa duas pessoas, porém recebem regularmente grupos de estudantes e agricultores interessados em conhecer as instalações da propriedade. O banheiro seco é uma das tecnologias ecológicas presente, sendo sua idealização e projeto feito pelo SAUIPE, e sua construção realizada através de oficinas e cursos, ministrados por integrantes do grupo. A idéia foi utilizar materiais disponíveis na área, como terra, areia e madeira, de forma a economizar energia e investimentos desnecessários. Assim, como no banheiro seco da Violeira, o sistema construtivo e as tecnologias utilizadas são simples e de baixo custo, atendendo às necessidades dos usuários. A biodigestão do material fecal juntamente com a serragem é realizada em tambores de latão, o que segundo os usuários, ainda não é o ideal, pois a vida útil do barril é pequena devido ao processo de corrosão do material e o processo de degradação da matéria orgânica é mais lento. O composto orgânico ainda esta em fase de biodegradação, portanto ainda não esta sendo utilizado, porém os usuários relataram que irão utilizá-lo como fertilizante orgânico no pomar e canteiros. Em relação aos maus odores, um dos usuários relatou que a utilização de cinza juntamente com a serragem, em que esta última já esta sendo utilizada, ajudou a eliminar a presença do cheiro de amônia. 4.1.3. Banheiro seco no bairro Palmital O banheiro seco está instalado no segundo pavimento da residência voltado para a face norte, que de acordo com o proprietário, foi este o fator principal para a disposição dos restantes dos cômodos da casa. O banheiro consiste basicamente em duas câmaras de alvenaria e dois assentos (Figura 2), sendo utilizados a cada um ano de forma alternada. Este tempo, segundo um dos usuários, é o necessário para que ocorra a completa decomposição da matéria orgânica. VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 Além disso, as câmaras e o sistema de ventilação foram pintados de preto, de forma a aumentar a temperatura no local de armazenagem acarretando no aumento da eficácia do processo de exaustão e decomposição. Em relação aos maus odores, o proprietário relatou que presenciou cheiro de amônia quando a temperatura ambiente estava fria, porém com a abertura das janelas diminuiu o mau cheiro. A presença de insetos foi observada por um dos usuários, porém não se incomodou diante disso, dizendo que bastava abrir a tampa do vaso sanitário e eles saiam pela janela. Houve também ocorrência de pássaros no interior da câmara, que entraram pela abertura da chaminé, fato contornado com a utilização de tela de mosqueteiro. FIGURA 2 – Detalhe banheiro Palmital 4.1.4. Banheiro seco coletivo no bairro Palmital O banheiro seco coletivo está instalado em uma área externa de uma igreja, pela facilidade de construção e uso pelos freqüentadores do espaço. Este banheiro também possui duas câmaras de armazenagem e decomposição, e seus usos são alternados. As câmaras foram construídas em alvenaria, sendo que na laje foram utilizadas placas de zinco pintadas de preto, pelo mesmo motivo do banheiro seco descrito anteriormente. Para a incorporação de carbono no composto é utilizada pó de serragem, proveniente de uma marcenaria localizada próximo ao local. De acordo com alguns usuários, o composto ainda não foi retirado, apesar dos quase cinco anos de uso, evidenciando que o processo de decomposição e a compactação é alto, de modo que houve uma diminuição acentuada do volume. Foi observado também minhocas na parte inferior do composto, demonstrando o processo de humificação. De forma a facilitar a sistematização dos dados coletados referentes às observações feitas pelos usuários em relação à tecnologia ecológica utilizada e observações feitas pelo pesquisador durante as visitas in loco, foi elaborado um quadro (Quadro 2): QUADRO 2 – Dados coletados a partir das visitas e entrevistas realizadas em cada residência Projeto Materiais construtivos das câmaras Balde de plástico com tampa removível Tambor de plástico 1. Banheiro seco no bairro Violeira 2. Banheiro seco em Cachoeira de Santa Cruz Banheiro seco no bairro Palmital Alvenaria, rampa e lajes de concreto Banheiro seco coletivo no bairro Palmital Alvenaria, rampa de concreto e laje de zinco 3. 4. Operação Fonte de carbono Manutenção Compostagem após retirada do balde Serragem Limpeza periódica Biodigestão em um latão de ferro Serragem e cinzas Limpeza periódica O composto é utilizado diretamente no pomar O composto ainda não foi retirado Pó de serragem Limpeza periódica Pó de serragem Limpeza periódica VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 Foram entrevistas 15 pessoas que utilizam freqüentemente o banheiro seco ou que já utilizaram pelo menos uma vez os respectivos banheiros. Com isso, além de obter informações a respeito das tecnologias, como descritos anteriormente, pode-se analisar as motivações pessoais e opiniões a respeito da sua utilização. Um primeiro questionamento feito a respeito da interação entre o usuário e o banheiro, diz respeito aos inconvenientes em se utilizar o banheiro seco na percepção pessoal de cada um. A Figura 3 demonstra os resultados obtidos. FIGURA 3 - Os inconvenientes em se utilizar o banheiro seco na visão do usuário Observa-se no gráfico que a operação e manutenção do banheiro seco são os maiores inconvenientes, de acordo com os usuários. Pode concluir, portanto, que este fato se dá principalmente devido à necessidade de se manejar as fezes em decomposição e dar um destino final ao composto gerado, fato já confirmado por GTZ (2006b). Outro dado estatístico interessante obtido trata-se da motivação inicial do usuário em utilizar o banheiro seco, representado na Figura 4. FIGURA 4 – As motivações do usuário na utilização do banheiro seco Com os dados obtidos no gráfico acima, observa-se que a motivação principal dos usuários em utilizar o banheiro seco é a preocupação com o meio ambiente, de modo que o banheiro seco evitará a poluição de águas potáveis que podem ser utilizadas para fins mais nobres, como relatado por um dos usuários. O resultado em relação à economia de água neste caso não foi tão relevante devido à região possuir abundancia em água, fato já observado por Corral-Verdugo (2003). Em se tratando de meios e medidas para a implantação e popularização do banheiro seco, foi questionada qual a opinião dos usuários para se alcançar esse objetivo na comunidade em que residem. A Figura 5 traz os resultados da pesquisa. VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 FIGURA 5 – As medidas e meios mais importantes para a popularização e implantação do banheiro seco Pode-se observar que de acordo com a maioria dos usuários, são os meios informativos e a conscientização e mudança de hábito da população que podem proporcionar a popularização e aceitação da sociedade. Este resultado condiz com o que disse o autor Morgan (2007), que a educação é de extrema importância e faz parte do inicio da aceitação por parte dos usuários. 5. CONCLUSÃO Observa-se diante dos sistemas construtivos utilizados, em se tratando de banheiro seco, que o uso de alta ou baixa tecnologia está intimamente relacionada com a preferência e ideologia do usuário, adequados com a realidade em que estão inseridos. Porém, para se obter uma boa eficiência na compostagem do resíduo orgânico é preciso que o sistema seja dimensionado de forma correta, e as condições ambientais favoreçam o processo. A presença de maus odores, principalmente a amônia, relatada pelos usuários, está relacionada principalmente com a quantidade incorreta de material orgânico utilizada, como serragem e cinzas, adicionadas no composto, não se obtendo uma correlação ótima entre nitrogênio e carbono, que segundo Berger (2010), deve estar em torno de 30:1. Além disso, pode-se dizer que nos sistemas com compartimentos móveis, não se atingiu a temperatura ótima de degradação da matéria orgânica (termofílica), necessitando de um processo posterior de compostagem. Em se tratando da percepção do usuário quanto ao uso do banheiro seco, pode-se concluir que o que mais motivou a utilização do sanitário compostável é a preocupação com o meio ambiente em que está inserido. Essa resposta era de se esperar devido à região ter abundância em recursos hídricos e a maioria dos usuários não terem utilizado o composto orgânico. O usuário está intimamente ligado à tecnologia utilizada, possuindo domínio e conhecimento da sua utilização, convivendo e aprendendo a viver com ela. Além disso, o usuário já possui plena consciência da importância e benefícios ambientais que a tecnologia carrega, sendo sua utilização facilitada por este ponto. A inserção desta tecnologia está intimamente ligada à sustentabilidade local, sendo mais um sistema que busca minimizar os impactos e integrar ainda mais o ser humano ao meio ambiente em que esta inserido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADAM, R. S. Princípios do Ecoedifício: Interação Entre Ecologia, Consciência e Edifício. São Paulo, Aquariana, 2001. ALVES, B. S. Q. Banheiro Seco: Análise da eficiência de protótipos em funcionamento. Trabalho de conclusão de curso – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. CACCIA B. S. A produção da agenda social mundial: uma discussão sobre contextos e conceitos. In: Mitos e realidades sobre inclusão social, participação cidadã e desenvolvimento local. PGU-AL, 2003. VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 BERGER, W. Basic overview of composting toilets (with or without urine diversion). Technology Review “Composting toilets”. 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