Hipódromo do Cristal, uma construção da era de ouro do turfe gaúcho

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Hipódromo do Cristal, uma construção da era de ouro do turfe gaúcho
Hipódromo do Cristal, uma construção da era de ouro do turfe gaúcho
Qua, 12 de junho de 2013 15:30 - Última atualização Qui, 09 de outubro de 2014
Hipódromo do Cristal, uma construção da era de ouro do turfe gaúcho
Por Emílio Chagas Foram-se os tempos em que belas damas da sociedade desfilavam de chapéus e vestidos desenhados por
sóbrios costureiros para as elegantes tardes do turfe da cidade. A partir de 1959 todo esse charme passou a ter
um novo lugar: o Hipódromo do Cristal, do Jockey Club do Rio Grande do Sul, que durante décadas reuniu os
adeptos desse esporte, chegado ao estado ainda no século XIX. À frente de um grupo de aproximadamente 100
pessoas, o arquiteto Cláudio Calovi Pereira, professor de História da Arquitetura e Projeto Arquitetônico, da
Faculdade de Arquitetura da UFRGS, e doutor em Arquitetura pelo M.I.T (Cambridge/EUA), além de orientador
nos programas de Mestrado e Doutorado do Pós-graduação e Arquitetura da UFRGS, deu uma aula pública sobre
o monumental projeto arquitetônico do Hipódromo, em mais um passeio do Programa Viva o Centro a Pé.
Calovi começou explicando que, em 1950, a área onde está o conjunto de prédios do Hipódromo era parte de um
aterro novo, onde havia uma enseada formada pelas águas do Guaíba, aterrada. “Era uma zona completamente
desocupada. Foi feito um concurso onde o arquiteto vencedor foi o uruguaio Román Fresnedo Siri, e o projeto
começou a ser construído em 1951”. Ele é famoso também pela autoria do projeto do edifício Esplanada, na
esquina da Avenida Independência com a Ramiro Barcellos, um dos precursores da arquitetura modernista, que
dava ares mais cosmopolitas a Porto Alegre. Na entrada do pavilhão principal, formado por uma grande “caixa de
vidro”, onde está embutida a primeira escada rolante de Porto Alegre – que na época causou grande frisson na
cidade. “Vocês imaginem isso em 1951, as pessoas vinham andar de escada rolante. Era como viajar numa nave
espacial, neste enorme edifício, apoiado nas suas colunas esbeltas. Foi um feito tecnológico e teve um papel
muito importante no futuro da arquitetura da cidade”, explicou o professor.
O charme do turfe – sofisticado, e ao mesmo tempo popular
O conjunto é formado por três pavilhões: o social, previsto para três mil pessoas, o popular (atualmente
desativado), para quatro mil e quinhentas, e o salão menor, também chamado de paddock, onde ficava a
imprensa, treinadores, proprietários e jóqueis, para 800. Além deles, mais duas construções – o prédio em S dos
guichês de apostas, e um prédio semicircular, com as baias onde os cavalos aguardam para sair para as raias de
corrida. Originalmente eram previstos quatro pavilhões populares. “Até 1920 Porto Alegre tinha vários
hipódromos, sendo os mais importantes no bairro Moinhos de Vento e na avenida Getúlio Vargas. O turfe era um
esporte de prestígio, que atraía todas as classes sociais, levando milhares de pessoas para assistir suas provas.
Por isso, dá para entender a dimensão do projeto, muito caro”, avalia Calovi. No primeiro andar do pavilhão
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social, situa-se o restaurante, que permite uma ampla e bela vista das arquibancadas e de toda a pista do
Hipódromo. “O restaurante, em dois níveis, foi colocado no meio, como uma espécie de tribuna de honra, onde se
pode comer e beber, assistindo aos páreos”. Aindano salão do restaurante, Calovi chamou a atenção para o piso
intermediário, com colunas duplas apoiando as marquises de cobertura das arquibancadas, de 27 metros de um
lado e 17 do lado frontal, sustentado por tirantes verticais.
Uma estrutura revolucionária e modernizante
O salão principal na parte superior, exclusivo para associados, funciona como um mirante, uma espécie de grande
belvedere, nas palavras do professor, onde se pode enxergar o Guaíba e a pista. Nele também se destacam as
colunas duplas e a marquise em formato de V, com dutos dentro das colunas para recolher a água da chuva.
Também se destaca o imenso vão livre, onde sente-se claramente os efeitos do, até então, inédito uso do vidro
pelo arquiteto uruguaio. Percebe-se a nítida intenção de valorizar a proximidade com o Guaíba, bem como as
formas das proteções solares. Todo o volume revela-se uma grande caixa de vidro, sem nenhum bloqueio, para
que a vista seja completa. Calovi também destaca a ousadia estrutural da marquise, lembrando que Porto Alegre,
até o momento da construção dessas três grandes tribunas que formam o Hipódromo, tinha poucas expressões de
tecnologia na construção. Até os anos 30 havia alguns arranha-céus, com um sistema construtivo convencional.
Era uma cidade provinciana, usando materiais convencionais e estrutura de concreto, segundo o professor.
“Quando começa a construção do Hipódromo, em 1951, é uma revolução reunindo progresso, tecnologia e
desenvolvimento da construção, além do uso do vidro. Praticamente não enxergam paredes”, sublinha ele. Outro
detalhe destacado é o uso de pastilhas, que revestem todo o edifício. Segundo Calovi, é um tributo que Fresnedo
Siri encontrou para homenagem a arquitetura brasileira, em especial, Lúcio Costa e Niemayer, que popularizaram
as pastilhas.
A pujança do Jockey Club
O Jockey Club do Rio Grande do Sul foi fundado em 7 de setembro de 1907, em Porto Alegre, por José Joaquim
da Silva Azevedo, e recebeu o nome de Sociedade Protetora do Turfe. Seu primeiro presidente foi Oscar
Canteiro, e o primeiro programa de corridas aconteceu em 1907, no Prado Independência. As provas se
alternavam entre o Prado Independência, mais tarde conhecido como Hipódromo dos Moinhos de Vento, e o
antigo Prado Riograndense, hoje o atual Hipódromo do Cristal. O clube tem aproximadamente quatro mil sócios e
as corridas de cavalos são realizadas às quintas-feiras, a partir das 16h45min. Sua área total é de 59 hectares,
possuindo duas pistas, uma de areia e outra de grama. Os Grandes Prêmios Bento Gonçalves e Protetora do
Turfe são as principais competições realizadas atualmente. Os três pavilhões foram construídos ao mesmo
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tempo, mostrando o poder e prestígio que o Jockey Club tinha na época, e principalmente, a grande demanda de
público que o turfe gerava. Hoje a realidade é muito diferente: com público reduzido e poucos adeptos entre as
novas gerações, além das transmissões de corridas por canais de TV de turfe, simultâneas de diferentes
hipódromos [simulcast], o turfe deixou de atrair multidões. Contudo, o Hipódromo do Cristal, considerado uma
obra-prima da arquitetura brasileira, está tombado como patrimônio histórico da cidade.
Fotos: Emílio Chagas
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