TURISMO E OS MORADORES DE RUA NO CENTRO DE

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TURISMO E OS MORADORES DE RUA NO CENTRO DE
TURISMO E OS MORADORES DE RUA NO CENTRO
DE SÃO PAULO
Turismo Y Los Habitantes Callejeros En El Casco Antiguo
De “São Paulo”
Patrícia Marcela da Cruz1
RESUMO
Este artigo tem como objetivo levantar uma reflexão sobre o comportamento do turista - em
passagem pelo Centro Velho de São Paulo - diante do morador de rua, bem como o
sentimento deste mesmo morador quando percebido pelo turista. Pretende, ainda, pensar a
possibilidade de inclusão social e ações concretas por meio da atividade turística. Diante da
quantidade significativa de pessoas em situação de rua no local, onde há presença constante
de visitas turísticas, e das constantes queixas de que estes moradores atrapalham o turismo,
decidimos ir a campo para verificar mais de perto esta situação. Em primeiro lugar, não
podemos esquecer de que os moradores de rua, muito mais do que simples pessoas que
ocupam espaços impróprios são seres humanos com uma história e identidades subjetivas.
Assim, tanto o turista como os moradores de rua podem ter inúmeras idéias e estereótipos
formados um a respeito do outro. A população receptora tem papel fundamental para um
turismo bem desenvolvido e acolhedor. Mas, os moradores de rua também estão inseridos
nesta população. Embora ocupem espaços “irregulares”, esses vão ao encontro dos turistas,
seja observando ou sendo observados.
Palavras-chave: Moradores de Rua, Turistas, Centro Velho de São Paulo, Turismo e o Outro.
1
Discente do 6º Período do curso de
Turismo com Ênfase em Meio Ambiente
Universidade Estadual Paulista
E-mail: [email protected]
RESUMEN
Este artículo refleja sobre el comportamiento del turista en paso por el casco antiguo de San
Pablo delante de los callejeros y el sentimiento que despierta en éste al ser percibido por el
turista. Estudiamos la posibilidad del turismo convertirse en un instrumento de inclusión por
medio de actitudes concretas. Debido a la gran cantidad de personas en situación de calle en el
local, constantemente visitado por turistas, y por la suposición común de que habitantes de
calle estorban el turismo, fuimos a campo comprobar si así ocurre. Mucho más que personas
que ocupan espacios inadecuados, los habitantes de las calles son seres humanos con una
historia y una identidad subjetivas. Al fin y al cabo, tanto el turista como el callejero pueden
tener innumerables imágenes y estereotipos formados uno respecto al otro. La población
receptora es fundamental para que el turismo sea bien desarrollado y acogedor, así que no se
debe excluir los habitantes de las calles de esta población. Aunque ocupen espacios
“irregulares”, ellos van al encuentro de los turistas, sea observando o siendo observados.
Palabras Clave: Callejeros, Turistas, Casco Antiguo de São Paulo, El Turismo y el Otro.
O Turismo e os Moradores de Rua
A existência de uma atividade turística no Centro Velho de São Paulo é uma realidade
e embora o local tenha perdido há muitas décadas sua característica de status pela elite
paulistana, ainda mantém sua importância histórico-cultural, social e econômica. Diante disso,
a capacidade de sedução da cidade e, principalmente, o que os seus atrativos representam, em
termos econômicos, culturais e artísticos (museus, exposições, teatro, arquitetura antiga)
constituem um leque de opções constantes para o turismo.
Apesar da opulência do ambiente a presença de moradores de rua é inegável, ainda que
não se queira vê-los. Tal fato leva a uma interação social – entre turistas e moradores de rua –
e pode influenciar no comportamento de ambos, sobretudo no que diz respeito às identidades.
Os tempos atuais, que promovem encontros turísticos muito frequentemente, alteraram a
noção de indivíduo estável. Diz Hall (2003, p.16) que:
O sujeito previamente vivido [na sociedade ocidental] como tendo uma
identidade unificada e estável está se tornando fragmentado; composto não
de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou
não resolvidas.
A mudança constante na era pós-moderna não deixa de interferir também na conduta
do homem pós-moderno, seja ele bem aceito ou não na sociedade. Assim, o encontro entre
diferentes nesta sociedade também pode significar desencontro de olhares e de representações
sobre o Outro cultural.
Além de uma análise comparativa das visões sobre o olhar turístico direcionado ao
morador de rua, esta análise é também funcional, pois “os fatos sociais não ocorrem
separadamente, mas estão sempre relacionados com os fenômenos que os rodeiam”
(DENCKER:1998, p.172) e no turismo os fatos são avaliados concomitantemente, sendo que
o fenômeno turístico, devido à sua inter-relação com a sociedade em geral, não pode ser
analisado isoladamente.
Com razão, Dias (2003, p.125) também relata que o turismo apresenta relevantes
“implicações socioculturais”, tanto por parte dos turistas quanto dos residentes. Se os
habitantes estão na “função” receptora, será que o morador de rua está incluso nessa
sociedade receptora? Pode-se afirmar que sim, já que ocupa o mesmo espaço e, de alguma
forma, encontra-se na posição receptiva, seja agradável ou não pensar nessa imagem de
receptor.
Junto à perda de referenciais identitários na chamada era pós-moderna, temos a
necessidade de classificar, embora esta classificação nunca seja neutra, e os moradores de rua
sabem disso.
Os “Mendigos”
A partir de nossas observações a campo no Centro Velho de São Paulo foi perceptível
uma grande concentração de pessoas em situação de rua, ou, no linguajar popular,
“mendigos”. Segundo a Secretaria do Bem Estar Social (SEBES - SP), são cerca de 10 mil
pessoas que (sobre)vivem nessas condições.
As ruas e avenidas são os lugares mais
procurados para dormitório e, além disso, aqueles que optam por estes locais não carregam
quase nada consigo e buscam abrigo junto às marquises e prédios comerciais. As praças e os
largos aparecem como o segundo tipo de logradouro mais utilizado, tendo os bancos de jardim
e as árvores como abrigo. Em seguida, aparecem os viadutos, sob os quais há geralmente uma
reprodução mais “completa” de uma casa (SEBES, 2004, p.54). Porém, considerando que a
atividade turística tem base na busca de paisagem e de conhecimento cultural, essa
marginalidade social não é um fator muito positivo para o turismo no local.
Na primeira saída – partindo da Praça da Sé - para executar a pesquisa de campo com
a população de rua, foi visível a sua grande concentração no local e percebeu-se, desde então,
que muitas das pessoas que moram na rua geralmente não andam ou ficam sozinhas, mas em
grupos. Tal fato gerou, surpreendentemente, certo temor por conversarem e falarem muitos
palavrões em tom alto. Porém, tal sensação dissipou-se após percorrer os demais logradouros
do eixo da pesquisa e iniciar as entrevistas.
Em meio a esses grupos encontravam-se famílias de três a cinco membros que ali
residiam há anos, segundo informações da polícia presente no local. Dessa posição de
ocupante “ilegal” do espaço, é imediata a resposta de grande parte da sociedade para quem
não se encaixa ao modelo de “pessoa honesta” gerando estigmas como: vagabundo,
maloqueiro, malandro, vadio ou, quando querem demonstrar compaixão, os chamam de
“coitado”. Notamos que “o estigma dissolve a identidade do outro e a substitui pelo retrato
estereotipado a classificação que lhe impomos” (SOARES, 2004, p.175).
Assim, esses
estigmas são na verdade estereótipos que não deixam ver o que o outro é em sua
particularidade ou o que possui de valor enquanto pessoa, ao contrário, enxergamos a imagem
que já está formada em nossa cabeça através do meio social.
Entretanto, infelizmente o morador de rua muitas vezes assume o estigma utilizado
sobre si, até de forma rígida, utilizando-o para se referir aos companheiros e também como
um instrumento para avaliar sua condição social marginalizada. Um exemplo para ilustrar este
fato é o que aconteceu na pesquisa de campo em conversa com alguns dos moradores de rua
entrevistados que alertaram para não abordar os que habitavam na Praça da Sé, pois só havia
“maloqueiros”, “malandros” e pessoas muito “violentas”; até mesmo eles evitavam circular
pelo local.
Notamos, no entanto, que uma das formas encontradas para se livrar da imagem que
lhes é imposta é “negar a sua prática e o seu grupo social” (SEBES, 2004, p.101) por meio das
representações, buscando identificar-se com os modelos aceitos. É o caso de moradores de rua
abordados que se identificaram como trabalhadores, fato constatado na resposta de mais da
metade dos entrevistados.
No caso do turista, pode haver uma alteração na sua atitude quando está diante de
moradores de rua e esta mudança quase sempre envolve julgamentos de valor, que pode ser
expressa, inclusive, por meio de uma linguagem não verbal. Pode haver, por exemplo, a
aceitação passiva da situação marginal do outro, ou seja, vê-lo como um membro constituinte
da paisagem turística, talvez sendo esta uma forma de tranqüilizar a consciência frente às
ações de responsabilidade social.
A criação de imagens estereotipadas sobre o outro torna o indivíduo invisível, quando
este é “marginal”. Soares (2004, p.176) reforça a idéia de que a indiferença leva à
invisibilidade, pois “a maioria de nós é indiferente aos miseráveis que se arrastam pelas
esquinas”, ficando claro que essa forma de visão não é o não enxergar e sim a apatia ao outro.
No entanto, qualquer interpretação sobre um Outro cultural traz consigo inúmeros
fatores (performativos e institucionais) que fogem ao controle daquele que comunica, mas
também daquele que interpreta. A questão teórica que colocamos com esta pesquisa é: O
quanto às identidades, de “morador de rua” e de “turista”, são tanto historicamente formadas
por elementos sociais constituintes (raça, etnia, gênero, sexualidade, cultura) e representações
sobre o Outro cultural? Não se pretende com este estudo falar sobre o Outro, como em
estudos antropológicos tradicionais, mas apresentar uma discussão sobre os mecanismos de
construção do Outro por meio das representações de um grupo distinto que lança olhares
sobre o outro. Este é um estudo sobre “fronteiras” (GUPTA; FERGUSON, 2000, p.45). Estas
fronteiras se estabelecem entre moradores de rua e turistas.
Relação com o Outro
Uma pesquisa de campo foi realizada a fim de avaliar o comportamento dos turistas
diante da imagem do morador de rua e vice-versa. Esta imagem pode já ter sido construída –
ou não – por estereótipos de forma que buscou-se compreender a base dessa relação. A
análise se deu através de entrevistas estruturadas com turistas que percorriam o Centro Velho,
e com moradores de rua, próximos aos locais mais visitados por turistas.
Realizamos
parcialmente as entrevistas com turistas (dois para um total de dez turistas que faltam ser
entrevistados) e com dez pessoas moradoras nas ruas do Centro Velho de São Paulo. O
método utilizado foi o de questionários, com 10 perguntas diferenciadas, algumas interrelacionadas a cada grupo.
Os moradores de rua entrevistados também foram encontrados nas casas de
assistência. É o caso de três pessoas encontradas no salão da igreja Luterana e no Largo
Paissandu, onde são atendidas aproximadamente 250 pessoas em situação de rua todas as
sextas feiras, sendo-lhes fornecido um vale–refeição e lanche da tarde. Os assistenciados,
segundo o pastor F. responsável pelo projeto, passam por análise de um psiquiatra da
entidade, o qual afirmou que dos moradores de rua – ou que viviam em albergues –
diagnosticados, encontravam-se nos seguintes estados psicológicos: 70% irrecuperáveis, 20%
com possíveis chances de recuperação e 10% em processo de recuperação. F. enfatizou que o
objetivo do trabalho é recuperar a auto-estima e a dignidade de cada uma das pessoas que
vivem ou viveram em situação de rua e que muitos deles diziam se sentir “um animal”.
Durante o tempo de espera no local, até que fosse permitido iniciar as entrevistas, a
veracidade da colocação de F. pode ser observada, pois se na expressão de alguns parecia
existir uma alegria incerta, a da maioria demonstrava falta de perspectiva e apatia com a
própria situação, como se nada mais em suas vidas pudesse ser modificado ou melhorado.
O contato com instituições e órgãos de assistência ao morador de rua contribuiu para
nossa pesquisa não só fornecendo dados para conhecer um pouco da realidade dessa parte da
sociedade, mas como exemplo de que há formas de incluir o morador de rua buscando
(re)inserí-lo na sociedade e contribuindo para que ele seja considerado um cidadão. O
turismo, responsável por um acontecimento social, não pode e nem deve se omitir em
participar de práticas de inserção no local. A revitalização do Centro não deveria se limitar a
ações para resgatar somente a parte física (praças, construções antigas, monumentos) mas ir
além e oferecer e desempenhar práticas de recuperação que incluam as pessoas que habitam
esses espaços.
Em entrevista a dois turistas – do interior do estado do São Paulo – estes disseram ter
percebido “muitos pedintes” durante o trajeto turístico, mas na pergunta sobre o que agradou
e o que desagradou na paisagem vista? “os pedintes” não foram citados mas a desagradável
visão de “prédios abandonados” e a “má preservação de monumentos” considerados
importantes. Na questão qual a impressão, o pensamento imediato quando olhou o morador
de rua? a senhora G. pensou na situação da “decadência humana” e o senhor L.C. sentiu “dó e
pena”, também disse que tinha medo de ser roubado e deu o exemplo de que o fato poderia
acontecer quando fosse tirar o dinheiro para comprar balas em alguma banca na rua. A
imagem formada que disse ter sobre os moradores de rua é a de serem “uns desiludidos”.
Apesar da visão e sentimentos desses turistas, ambos disseram já se acostumar com a presença
de pessoas morando nas ruas e que não se importavam em vê-los durante o passeio.
Este é um dado que nos leva a refletir ainda mais sobre a indiferença nessa relação.
Ainda que se encontrem “muitos pedintes” pelas ruas do centro, não significa que morem na
rua. No termo pedinte está incutido não só a mendicância, mas também o estado de pobreza,
que embora indique a situação da maioria das pessoas que vivem na rua não é o que as define.
Um exemplo a ser dado é o de um dos moradores de rua entrevistados, o senhor J. que
trabalha, eventualmente, como entregador de verduras, legumes e frutas do Mercado
Municipal para restaurantes do centro de São Paulo e “cata” latinha e papelão para vender,
que disse fazer isto para “não ficar com a mão estendida pedindo para todos que passam”.
Então, percebemos o quanto é confundido, muitas vezes, o que se sabe junto ao que se
pensa sobre a realidade de fato. Diria ser a falta (ou excesso) de informações que leva a tal
confusão? Não, o costume com a marginalidade mais a falta de sensibilidade tornam o outro
invisível e o diminui em sua particularidade. Ainda que a importância da restauração,
conservação histórica e artística dos prédios deva ser levada em consideração, é
decepcionante perceber que pode se tornar – e já é para alguns – mais digna de atenção do que
a existência de pessoas vivendo em igual ou pior situação de abandono e degradação que os
patrimônios artístico-culturais públicos.
A culpa é de quem? Deles (moradores de rua)? Dos órgãos públicos? Do sistema
econômico? Por agora, não cabe discutirmos um culpado e sim refletirmos a presença das
pessoas em situação de rua que embora sejam invisíveis a muitos, atingem de alguma forma o
turismo realizado no Centro Velho de São Paulo.
Quanto aos moradores de rua entrevistados, as respostas e sentimentos manifestados à
pergunta, Como se sente diante do turista e como acha que ele te vê? tanto se distinguem,
quanto se aproximam das idéias apresentadas pelos turistas. Vejamos na tabela:
Tabela 1 - Respostas dos moradores de rua entrevistados, referente à pergunta: Como se
sente diante do turista e como acha que ele te vê?
Entrevistado
Resposta
1
"Pessoa simples como eles. Eles me vêem normal”."Levando a vida
convivendo com as pessoas... Ta bom à rua”.
2
"No chão. Ele me vê como um trapo". “... Esse é meu mundo". E
culpa a corrupção dos políticos por sua situação.
3
"O desprezado da sociedade brasileira".
OBS: Muito revoltado!
4
“Feliz e melhor do que o turista”, este disse que o veria como,
"Um nada, porque tem dinheiro".
5
"Me sinto bem, é um reflexo da miséria".
Obs: Joga na loteria, pois pensa que só assim poderá comprar uma casa e sair
da rua.
6
“A maioria dos turistas que vejo são nordestinos, eles agem com naturalidade
com quem mora na rua”.
7
Normal e que o turista não a vê como mendiga.
8
"Sinto ser um cidadão como ele. Ele me vê como gente".
Pensa em sair da rua, mas segundo ele não sabe como.
9
"Normal, nunca quis ficar com cara de quem mora na rua".
Apontou para si, mostrando que estava limpa.
10
Afirmou com rispidez que vê o turista sendo um "imbecil", por se interessar
por "coisas inúteis". Já o turista o veria com preconceito devido à "sua
formação burguesa e estúpida".
O entrevistado 2 disse sentir-se vítima da negligência dos políticos e o terceiro diz ser
visto pelos turistas como o “desprezado da sociedade brasileira”. Em contrapartida, o
entrevistado 1, que tem como ponto preferido o Pátio do Colégio José de Anchieta, um dos
maiores atrativos turísticos do local, disse sentir-se bem em meio aos turistas, pois acha que
não se incomodam com a sua presença e mesmo que ele apareça em suas fotos junto aos
monumentos ou outros atrativos, pois se sente como “parte da paisagem”.
Dos 10 entrevistados, 4 se sentem mal vistos pelos turistas, e a maioria desses se sente
bem. Podemos notar a naturalidade que assumiram perante o turista e que há até certa
resignação da sua condição em relação à condição dos turistas. O entrevistado 5, por exemplo,
não tem opinião de como o turista o vê, mas sim de como se sente e disse sentir-se bem, de
fato na entrevista não demonstrou revolta como os entrevistados 3 e 10, e ainda que considere
a sua condição “um reflexo da miséria” não busca justificá-la e nem culpa os turistas que,
supostamente, possuem um alto poder aquisitivo.
Analisamos, ainda, exemplos de invisibilidade nas falas dos entrevistados 7 e 9 que
afirmaram não ser vistos pelo turista como de morador de rua e "Normal, nunca quis ficar
com cara de quem mora na rua", respectivamente. Nisto, analisamos que o próprio morador
de rua quer passar oculta a imagem que venha a refletir a sua condição de pobreza, dando a
entender que não querem que os vejam como sendo inferiores ou desonestos e, como eles
relataram, muitos assim são vistos por grande parte da sociedade. Desse modo, talvez o passar
oculto aos olhos de outros seja uma forma de escapar dos possíveis estereótipos já
comentados.
A própria mídia em determinadas matérias parece querer naturalizar a condição
marginal do morador de rua e de paisagem turística. Nas reportagens, por exemplo, são
ressaltadas as capacidades artísticas dos marginalizados, com materiais como garrafas pets, ou
o gosto de outro pela leitura e que por isso coleciona livros encontrados no lixo. Estas
matérias não contribuem para chamar a atenção de órgãos públicos de que é necessária a
criação de programas eficazes que melhorem as condições de vida dessas pessoas para que
não tenham as pontes e praças como morada. Ao contrário, visam ressaltar particularidades
desses moradores, de modo a atrair para algo diferente neles, para um acontecimento que
pode ser considerado um atrativo, ou seja, como um mendigo que sabe fazer arte e construir
peças com garrafas pets ou um outro que se interessa pelos livros e consegue levar uma vida
normal, ainda que, morando na rua e em abrigo de papelão é um colecionador de livros, por
exemplo.
Assim podemos afirmar com Beatriz Labate (2001, p.58) que:
Com a crescente importância das imagens, o outro (etnias, nacionalidades)
está progressivamente se mediatizando, isto é, cada vez mais sendo
(re)construído através das imagens e, como objeto do olhar turístico,
sobretudo como uma mercadoria.
O morador de rua nesta circunstância e apresentado dessa pelos meios de comunicação
torna-se alvo e até mesmo o foco na paisagem turística não só do centro de São Paulo, mas de
qualquer outro local turístico no meio urbano que tenha presente pessoas nessas condições.
Lash e Urry (1994, p.65 in: op. cit.) dizem que “para ver muitos dos objetos típicos do olhar
não é necessário sair de casa”, pois esse olhar pode ser exercido através da mídia, como no
nosso exemplo, por meio da TV, revistas, jornais. Porém, a maneira que a mídia incita o olhar
do turista a conhecer o morador de rua apresentado por ela, pode muitas vezes gerar alguma
frustração, já que muitos dos moradores que vivem e são encontrados no trajeto turístico não
desenvolvem nenhuma capacidade artística, pelo contrário, se encontram em situação de
indigência.
Vimos que os estereótipos presentes nas respostas dos turistas entrevistados referente
aos moradores de rua são: “pedintes” e “desiludidos”, e mesmo o sentimento de medo do
senhor L. de ser roubado por alguma dessas pessoas leva à construção de mais um estigma
como o de ladrão ou malandro.
Porém a construção de imagens também acontece da parte de quem mora na rua como
declarou o entrevistado 10, que vê o turista como “imbecil” e o considera burguês. Essa fala
reflete uma visão negativa referente a quem pratica qualquer atividade turística, dando a
entender que o turista não tem coisas importantes para fazer e por isso se ocupa de futilidades.
O que é uma noção deturpada da prática turística e em relação ao próprio turista. Tendo em
vista que um dos pontos positivos do turismo é a possibilidade de conhecer e relacionar-se
com diferentes culturas.
Conclusão
Confirmamos, assim, a existência de pontos de vista distintos referentes à imagem do
outro por parte de ambos, composta de acordo com o que cada um carrega na sua bagagem
social, cultural, ou racial. Ainda que seja um episódio do turismo pouco estudado, as formas
de representação sobre o Outro existem e de alguma forma influenciam na atitude tanto do
morador de rua quanto na do turista.
Antes desse levantamento prático, tínhamos a impressão que os moradores de rua
estariam alheios à atividade turística que ocorre no seu meio. Contudo, notamos de forma
clara, a presente construção de estereótipos do morador de rua em relação ao turista. Por
outro lado, da parte do turista, notamos a tendência a se habituar à condição marginal do
morador de rua de São Paulo, considerando-o como parte do atrativo paisagístico.
O turista, em sua maioria, pertence a uma classe social elevada, e sempre que olhamos
não estamos meramente vendo, mas nos relacionando com algo que não somos nós.
Observemos que a busca por pensar a relação entre o turista e o morador de rua não se
fundamenta no contato físico, ou simplesmente no falar, mas através da relação estabelecida
por meio da observação ou não de um sobre o outro, sempre mediada pelo meio social, ou até
midiatizada pelos meios de comunicação, o que pode gerar sentimentos que venham a refletir
nos seus atos: preconceito, alienação, alheamento, negação do que vê e do que é.
Além de pretender chamar a atenção para a reflexão e discussão mais amplas ao
apontar para as relações entre turistas e moradores de rua que ocorrem diariamente num local
de grande importância como o Centro Velho de São Paulo, tem-se por objetivo que esta
análise e os dados apontados venham a contribuir com maneiras de como se pensar estratégias
em torno do turismo como vetor de inclusão pela profusão de um olhar diferenciado para o
turismo e por meio de educação para a cidadania, a consciência social e práticas sócioeducativas.
Afinal, é incoerente pensar em programas de revitalização do Centro Velho
estreitamente vinculados à prática do turismo no local sem pensar em ações conjuntas para
amenizar a condição marginal do morador de rua, sendo isto possível através de atividades
relacionadas com o turismo.
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