O:\Doc-Publico\BIBLIOS\BDTD\Dissertações 2016
Transcrição
O:\Doc-Publico\BIBLIOS\BDTD\Dissertações 2016
JEFFERSON MACHADO BARBOSA OLHARES INVESTIGATIVOS SOBRE A FRONTEIRA INTERNACIONAL DE ARAL MOREIRA/BRASIL COM O DEPARTAMENTO SANTA VIRGINIA/PARAGUAI: UM ESTUDO DE CASO ETNOGRÁFICO DOURADOS/MS MARÇO/2015 JEFFERSON MACHADO BARBOSA OLHARES INVESTIGATIVOS SOBRE A FRONTEIRA INTERNACIONAL DE ARAL MOREIRA/BRASIL COM O DEPARTAMENTO SANTA VIRGINIA/PARAGUAI: UM ESTUDO DE CASO ETNOGRÁFICO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Letras, da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras Faculdade, da Universidade de Federal da Grande Dourados, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Letras, sob a orientação da Profª. Dra. Maria Ceres Pereira. Área de Concentração: Linguística e Transculturalidade. DOURADOS/MS MARÇO/2015 Programa de Pós-Graduação Mestrado em Letras: Linguística e Transculturalidade Dissertação intitulada: Olhares Investigativos Sobre a Fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai: Um Estudo de Caso Etnográfico, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: Presidente e orientadora: Profª. Drª Maria Ceres Pereira (FACALE/UFGD - UNILA). 1º Membro examinador (Titular): Profª. Dr. Jones Dari Goettert (UFGD). 2º Membro examinador (Titular): Profª. Drª. Rita Aparecida de Cássia Pacheco Limberti (UFGD). 3º. Membro examinador (Suplente): Profª. Dr. Andérbio Márcio da Silva Martins. (FACALE/UFGD). Dourados-MS, março de 2015 Aral Moreira, Meu Lugar! Uma cidade pacata Com seu ritmo de vida peculiar; Essa região me encanta; Certamente, a fronteira é singular! No seu interior, encontram-se diversidades Como qualquer outro lugar; Minha terra querida, venham apreciar! Intitulada Aral Moreira, Índios, paraguaios e brasileiros se misturam neste belo lugar. O povo dessa região é caracterizado como hospitaleiro; Na culinária, as mulheres mostram os seus dotes regionais Como, por exemplo, no arroz de carreteiro. Hereditariedade que vai passando de geração a geração, Até convidam os turistas para comer sopa paraguaia, chipa, coquito; Acompanhado de um delicioso café ou chimarrão. O produtor experiente; Planta soja e outros soldados verdes enfileirados; Contribuindo para o sustento de toda essa gente. Mulheres guerreiras, moças de fé; A religiosidade é viva Na cidadezinha do tereré. A música e a dança têm lugar especial, A katchaka, o chamamé, a guarânia e a polca; Todos dançam nesse local. Das ruas de Aral Moreira vou me despedindo, Mas no meu Mato Grosso do Sul vou ficando; Com a saudade em meu interior, Agradecendo imensamente ao Criador. (Jefferson Machado Barbosa). BARBOSA, Jefferson Machado. Olhares Investigativos Sobre a Fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai: Um Estudo de Caso Etnográfico. 144 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade de Comunicação, Artes e Letras, Universidade Federal da Grande Dourados, 2015. RESUMO: Com esse estudo etnográfico procurei apresentar como duas docentes de língua portuguesa do Ensino Fundamental de duas escolas públicas da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virgínia/Paraguai “enxergam” e percebem a realidade bilíngue de seu contexto de trabalho. Além disso, busquei traçar um Panorama Histórico da região em estudo. Trata-se de uma pesquisa etnográfica qualitativa, do tipo estudo de caso, com significativa permanência no campo. Também com afastamentos do próprio campo para poder “estranhá-lo e perceber sutilezas invisibilizadas pela permanência e pela familiaridade uma vez que, o próprio pesquisador também é oriundo do campo pesquisado”. A etapa de constituição do corpus consistitiu-se de três momentos, entrevista estruturada, análise do texto corrigido pelas professoras e, posteriormente, entrevistas narrativas com as docentes. Na análise de dados nos apoiamos, especialmente, em Erickson (1990a/1992b/1988c) para realizar a Triangulação de Registros e /ou de Dados coletados. PALAVRAS-CHAVE: Fronteira; Bilinguismo; Ensino; Etnografia RESUMEN: Con este estudio etnográfico yo trato de presentar como dos profesores de lengua portuguesa de la escuela primaria de dos escuelas públicas de la frontera internacional de Aral Moreira/Brasil con el Departamento de Santa Virginia/Paraguay "observan" y darse cuenta de la realidad bilingüe de su contexto de trabajo. Además, he intentado dibujar un Antecedentes históricos de la zona de estudio. Se trata de una investigación etnográfica cualitativa, tipo estudio de caso, con estancia significativo en el campo. También con las autorizaciones del campo mismo con el fin de "extraño y realizar sutilezas invisibilizaron la permanencia y la familiaridad ya que el investigador también viene del campo investigado." La constitución del corpus consistitiu paso hasta tres veces, entrevistas estructuradas, análisis de textos corregidos por los profesores y entrevistas más tarde narrativos con los maestros. En el análisis de los datos nos basamos en, sobre todo en Erickson (1990a/1992b/1988c) para realizar los registros de triangulación y / o los datos recogidos PALABRAS-CLAVE: Frontera; Bilinguismo; Educación; Etnografía Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD 999 Barbosa, Jefferson Machado. V123e Olhares investigativos sobre a fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virgínia/Paraguai: um estudo de caso etnográfico./ Jefferson Machado Barbosa. – Dourados, MS: UFGD, 2015. 138p. Orientadora: Profa. Dr. Maria Ceres Pereira Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal da Grande Dourados. 1. Fronteira. 2. Bilinguismo. 3. Ensino. 4. Etnografia. I. Título. Dedico este trabalho aos meus pais, Eva Machado Barbosa e Valdir Caoni Barbosa; aos meus irmãos, Cristiane Machado Barbosa, Camila Machado Barbosa e Jackson Machado Barbosa; aos meus sobrinhos, João Filipi Barbosa Marques, Gabriel Barbosa Marques e Vinícius Machado Caoni; e a toda comunidade da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. AGRADECIMENTOS Agradeço a todas as pessoas que de alguma maneira, ao seu jeito e ao seu tempo, colaboraram para a execução dessa pesquisa. Especialmente agradeço: - A minha querida e eterna “mãe acadêmica”, Profª. Drª. Maria Ceres Pereira por ter aceitado o desafio de me orientar, pelas oportunidades de intercâmbio com outros pesquisadores, sobretudo pela confiança; - A família de Maria Ceres Pereira, Jaqueline, Rinaldo, Victória, pessoas especiais; - Professores e Funcionários das Escolas Investigadas, pela cordialidade no tratamento que tiveram comigo durante as intervenções etnográficas; - Toda comunidade da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, pela acolhida e por permitir essa experiência etnográfica; - As professoras de língua portuguesa da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com a Microrregião da Cardia/Paraguai que, prontamente, aceitaram participar da pesquisa; - Ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Grande Dourados, professores e funcionários; em especial, à Profª. Drª Rita de Cássia Pacheco Limberti; - Aos professores da UEMS, Elza, Maria José, Marineide, Milenne, Grazielli e demais mestres que sempre depositaram confiança em mim, impulsionando-me a seguir em frente na carreira acadêmica; - Aos meus colegas de mestrado, em especial, Thaize, Cleide, Rosa, Fernanda e a Carolina, pelas discussões que se mostraram pertinentes durante a caminhada acadêmica; - A CAPES, pelo apoio financeiro concedido; - Aos meus amigos, Ronaldo, Agleis, Rodrigo, Maria José, Wilian Alex, Renata, Joicy, Tayris, Diogo, Bruna e demais colegas que compartilham de meus anseios durante a caminhada acadêmica; - A todos e a todas que, de certa maneira, contribuíram para a concretização deste trabalho, muito obrigado! LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1• Mapa de Mato Grosso do Sul 19 Figura 2• Composição familiar antiga 31 Figura 3• Composição familiar antiga 31 Figura 4• Chegada de caravanas gaúchas 32 Figura 5• Barracão da Companhia Mate Laranjeira 33 Figura 6• Transporte com lotação de mudas de erva-mate 33 Figura 7• Implantação de Serrarias 38 Figura 8• Mecanização na agricultura 43 Figura 9• Chegada de gaúchos e paranaenses 43 Figura 10• Presença de portugueses na região da Vila Fronteira Rica 45 Figura 11• Presença gaúcha na região da Vila Fronteira Rica 45 Figura 12• Frente da Escola de I Grau João Vitorino Marques 47 Figura 13• Fundos da Escola de I Grau João Vitorino Marques 47 Figura 14• Dança típica da região: Arara 48 Figura 15• Clube Social Presidente Dutra 48 Figura 16• Brasão do município de Aral Moreira/Brasil 52 Figura 17• Bandeira do município de Aral Moreira/Brasil 53 Figura 18• Primeiro Posto de Combustível: Ipiranga- Auto Posto Fronteira 58 LTDA Figura 19• Solenidade de Inauguração da Praça Felisberto F. Marques 60 Figura 20• Interior da Biblioteca Pública de Aral Moreira/Brasil 60 Figura 21• Projeto: Natal do Carente em Aral Moreira/Brasil 62 Figura 22• Projeto: Natal do Carente em Aral Moreira/Brasil 62 Figura 23• Cartaz da 1ª Festa do Peão Boiadeiro de Aral Moreira/Brasil 63 Figura 24• Rainha; 1ª Princesa e 2ª Princesa da 1ª Festa de Peão Boiadeiro 63 de Aral Moreira/Brasil Figura 25• Placa do Projeto intitulado: “Feira do Produtor 64 Figura 26• Feira do Produtor em Aral Moreira/Brasil 64 Figura 27• Fanfarra Municipal de Aral Moreira/Brasil 65 Figura 28• Solenidade Cívia na Praça das Cuias em Aral Moreira/Brasil 65 Figura 29• Solenidade: Personagens Ilustres de Aral Moreira/Brasil 71 Figura 30• Solenidade: Personagens Ilustres de Aral Moreira/Brasil 71 Figura 31• Mapa das Cidades Gêmeas 73 Figura 32• Departamento Santa Virgínia/Paraguai 74 Figura 33• Escola de Fronteira em Aral Moreira/Brasil I 81 Figura 34• Escola de Fronteira em Aral Moreira/Brasil II 81 Figura 35• Produção textual escrita cedida pela professora Laura 114 Figura 36• Produção textual escrita cedida pela professora Sofia 126 LISTA DE QUADROS E TABELAS Quadro 01• Mapeamento dos Aspectos Culturais de Aral Moreira/Brasil – Departamento Santa Virginia/Paraguai 99 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CIA Companhia Erva-Mate FACALE Faculdade de Comunicação, Artes e Letras IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IES Instituição de Ensino Superior LIBRAS Língua Brasileira de Sinais MS Mato Grosso do Sul MT Mato Grosso NURC Projeto da Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro SEPLAN Secretaria de Estado de Planejamento e Desenvolvimento Econômico SP São Paulo TCC Trabalho de Conclusão de Curso UFGD Universidade Federal da Grande Dourados UEMS Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UNIGRAN Centro Universitário da Grande Dourados LISTA DE SÍMBOLOS – NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO Ocorrências Incompreensão de palavras ou segmentos Sinais ( ) Hipótese do que se ouviu (hipótese) Trucamento de palavras Entonação enfática Prolongamento de vogais e/ou consoantes / Maiúscula :: ou :::: Silabação --- Interrogação ? Comentários do transcritor Comentário que quebra a sequência da esposição do tema Sobreposição de vozes ou entrada indevida ((minúscula)) -- -- [ Exemplos Num vortava mai num tinha dinheru ( ) i a genti guentô Us mininu tãu aí... um trabaia de motoris otru (trabaia) pur conta I quanu mesmu era PA nóis ca/nóis da us nomi Trabaiei aTÉ casá U donu mesmu era:::: isqueci u nomi deli...ah::::achu qui é Antonhu A genti cresceu me-dronta-du dus pais Pu cê vê comu era u pessoar di antigo pra agora né? ((risos)) A genti – nói somu crenti - a genti si viu i gosto A. Pra::: ficá lisinhu B. [a pu chãu ficá.... A. [parei B.pareinhu pa prantá OBSERVAÇÕES: 1- Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou siglas. 2- Números: transcrevem-se por extenso. 3- Não se usa ponto de exclamação. 4- Início de frase: usam-se letras minúsculas. 5- Registram-se as pronúncias do e e do o como realmente são pronunciados. 6- Nada se corrige na transcrição do texto gravado. Em função da ética e do sigilo, optou-se por utilizar siglas para designar os informantes, em descrição sintética das siglas assim distribuídas: 1: número do informante; Sexo: M(masculino) ou F(feminino) e Estado Civil: C(casado/a), S(solteiro/a), V(viúvo/a) e D(divorciado/a). As entrevistas foram transcritas de acordo com as normas de transcrição do Projeto NURC/SP, Projeto desenvolvido em cinco capitais do Brasil com o objetivo de analisar o português padrão falado por informantes com nível universitário de escolaridade, com algumas adaptações para a linguagem popular falada. SUMÁRIO SUMÁRIO ...................................................................................................................... 17 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 19 PARTE I ......................................................................................................................... 23 CONTEXTO EM ESTUDO – PANORAMA HISTÓRICO .......................................... 23 Capítulo 1 – Um Olhar Panorâmico Sobre o Campo da Pesquisa.............................. 23 1.1. Breve Toponímia da Região em Estudo .............................................................. 24 1.2. Bases para o Estudo da Fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai: Memórias e Histórias de Nossa Gente........ 27 1.3. (Re) visitando outras épocas: A Formação de Rio Verde do Sul: O Ciclo da ErvaMate, 1.883 a 1.940 .................................................................................................... 28 1.4. A Colônia General Dutra e a Vila Fronteira Rica, 1.940 a 1.975 ........................ 37 1.5. A fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, 1.976 a 2014: a efetivação político-administrativa da região ...... 49 Capítulo 02 – Desenhando os Passos de Pesquisa.......................................................... 73 2.1. Considerações Preliminares ................................................................................. 73 2.2. Cenas Etnográficas .............................................................................................. 73 2.3. Cena I: Do ingresso ao programa de mestrado ao reconhecimento da comunidade: perspectivas iniciais sobre o Objeto de Estudo ..................................... 73 2.4. Cena II: Da reformulação do anteprojeto a transição do objeto de estudo: reflexões...................................................................................................................... 75 2.5. Cena III: Negociando o campo de pesquisa: Perspectiva Metodológica Etnográfica.................................................................................................................. 81 2.6. Cena IV: A elaboração do capítulo 01 e a entrevistas com pioneiros da região: A escrita inicial da Dissertação de Mestrado ................................................................. 84 2.7. Cena V: A realização de entrevistas com as docentes de língua portuguesa da Fronteira: Etnografia Escolar...................................................................................... 90 PARTE II ........................................................................................................................ 90 CONSTRUINDO O ARCABOUÇO TEÓRICO ........................................................... 90 Capítulo 3 – Fronteira, Sociolinguística, Bilinguismo e Identidade........................... 90 3.1. Fronteira.............................................................................................................. 90 3.2. Sociolinguística: Contribuições para o ensino de língua portuguesa brasileira .. 95 3.3. O Perfil da Região em Estudo: Fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai ......................................................... 100 4. Bilinguismo .......................................................................................................... 105 5. Identidade ............................................................................................................. 109 PARTE III .................................................................................................................... 113 A VISÃO DAS DOCENTES DA FRONTEIRA COM RELAÇÃO AOS ALUNOS BRASIGUAIOS, INDÍGENAS E PARAGUAIOS ..................................................... 113 Capítulo 4 – Considerações Iniciais para a Análise ................................................. 113 4.1. O Caso de Laura: conhecendo o perfil profissional da docente ....................... 114 4.2. A Percepção de Laura com relação à Produção Textual Escrita dos alunos da fronteira .................................................................................................................... 116 4.3. Entrevista Narrativa com a professora Laura .................................................... 124 4.5. O Caso de Sofia: conhecendo o perfil profissional da docente ......................... 126 4.6. A Percepção de Sofia com relação à Produção Textual Escrita dos alunos da fronteira .................................................................................................................... 128 4.7. Entrevista Narrativa com a professora Sofia ..................................................... 131 Considerações em processo ...................................................................................... 135 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 138 ANEXOS: PARTE I ANEXOS: PARTE II INTRODUÇÃO ... sou fronteiriço e me gavo da sorte por ser mestiço de raça tão forte sou paraguaio também brasileiro porque o coração não conhece fronteiras... (Compositores: Délio e Delinha. Música: Fronteiriça). A minha vivência na fronteira me permitiu, ao longo dos anos, uma condição peculiar: a de ser fronteiriço. Situada na fronteira meridional de Mato Grosso do Sul, a cidade de Aral Moreira/Brasil está separada do Departamento Santa Virginia/Paraguai por marcos que, estabelecidos ao longo da linha internacional que separa Aral Moreira, simbolizam uma linha de divisão imaginária. Na prática, na maioria das vezes, essa divisão imaginária passa despercebida e até ignorada, pois o cotidiano permite que o “ir” e “vir” seja dinânmico, tornando a linha internacional que divide as duas cidades de países diferentes uma passagem de intensa transição. Reconhecer como sujeito fronteiriço implica ir além do reconhecimento de posição geográfica, ou seja, reconhecer-se como sujeito da fronteira é ter consciência de que a todo o momento estamos sujeitos a contatos e influências de outros lugares, outras pessoas, outras culturas que, de certa forma, acrescentam a “cultura materna”. Tendo em vista os elementos para eu me reconhecer como sujeito fronteiriço, é importante destacar que as línguas assumiram papel significativo nesse processo, pois não há na fronteira somente o intercâmbio de pessoas, mas também de línguas. Como aralmoreirense e filho de pais “brasileiros”, minha mãe de ascendência paraguaia e meu pai italiano, o guarani para mim era a língua de índios, povos distantes de minha realidade, portanto, a fronteira entre mim e a língua guarani era distantes, ao passo que a condição de estar na fronteira me colocava mais próximo da língua guarani. O espanhol, por sua vez, era mais próximo, pois a escola ofertava a língua, então, a língua espanhola, mais tarde resgatada na graduação, tornou-se minha segunda língua. O fato de o espanhol ser língua predominante na fronteira, essa relação com a língua me fez optar pela habilitação em língua espanhola, durante a graduação em letras habilitação português e espanhol (UEMS). Desde então passei a olhar como pesquisador para o cenário da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, por isso, posso afirmar que a etnografia tem sido parte de meu olhar, ora de morador, ora de aluno, ora de pesquisador, dentre outras posições que assumi durante, pelo menos, vinte e quatro que residi na fronteira em foco. Durante a minha alfabetização tive somente cartilhas e livros em língua portuguesa, o que contribuiu para confirmar mais tarde a ausência de uma política linguística diferenciada e a falta de reconhecimento de uma escola intercultural bilíngue. Por outro lado, viver na fronteira me possibilitou escolher entre quais rádios ouvir, de Aral Moreira ou do Departamento Santa Virginia e, automaticamente, ouvir músicas em português, guarani ou espanhol. As festas de meus familiares com a presença de culinária e músicas paraguaias fez com que, aos poucos, eu fosse (re)conhecendo o universo fronteiriço. Situada na linha de pesquisa “Linguística e Transculturalidade”, na qual se discute à(s) língua(s) em diferentes culturas, a dissertação que desenvolvi toma como aporte teórico-metológico os estudos relativos à Etnografia Escolar cujo objetivo é a descrição de um povo. No aspecto teórico utilizamos, principalmente, aos estudos referentes à Sociolinguística Educacional, que tem como intuito partir do principio de uma pedagogia culturalmente sensível para/com a sala de aula, considerando, assim, a variação linguistica existente dentro do contexto escolar. Compreendendo que a Sociolinguística Educacional tem maximizado a heterogeneidade linguística no cenário escolar, eu pretendi investigar se e de que forma as docentes de língua Portuguesa do Ensino Fundamental de duas (02) escolas da rede pública da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai percebem a realidade bilíngue de seu contexto de trabalho. Além disso, pretendi documetar o Panorama Histórico da região em estudo, como forma de contribuir na (re)construção de outras épocas. O trabalho está dividido em três partes. Na primeira parte, capítulo 1, é apresentado, por meio da triangulação de registros, o Panorama histórico do município de Aral Moreira/Brasil, desde o período de Rio Verde do Sul até sua emancipação político-administrativa ao qual a cidade passou a denominar-se Aral Moreira. O capítulo 2, é expandido os passos de pesquisa, para tanto, denominamos de “Cenas Etnográficas”, o capítulo é responsável por expandir como foi o desenvolvimento da pesquisa, desde a ideia inicial do projeto até a reformação do objeto de estudo. Apresentamos, ainda, alguns postulados da Etnografia, já como ciência e metodologia de pesquisa, seguindo as orientações de Erickson (1984/1990/1992). A segunda parte, capítulo 3, gira em torno da construção do arcabouço teórico. Desse modo, apresentamos alguns conceitos de Fronteira; de Bilinguismo; Noções de Sociolinguística em uma perspectiva educacional, centrados em Stella Maris BortiniRicardo e por fim alguns conceitos de Identidade. Por fim, a terceira parte, capítulo 4, é apresentada a discussão de dados, por meio da triangulação de Registros e/ou Dados proposta por Ericksson (Op.cit), além disso, apresentamos o estudo de caso das duas professoras analisadas, Laura e Sofia. 22 Figura 01. Mapa de Mato Grosso do Sul. Fonte: SEPLAN - MS 23 PARTE I CONTEXTO EM ESTUDO – PANORAMA HISTÓRICO Capítulo 1 – Um Olhar Panorâmico Sobre o Campo da Pesquisa Este capítulo explicita o Panorama histórico da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai1, região situada ao sudoeste de Mato Grosso do Sul. Considerando, assim, os principais acontecimentos históricos da região de fronteira entre Brasil e a República do Paraguai. Antes é importante destacar que, o Departamento Santa Virginia, região popularmente conhecida como Cardia, refere-se a um pequeno departamento situado na República do Paraguai, departamento de Pedro Juan Caballero. Não se sabe, ao certo, o porquê recebeu a designação de “Cardia” entre os pares que habitam a região. A partir do olhar etnográfico, verifica-se que essa Microrregião ou Departamento Santa Virignia/Paraguai possui aproximadamente cinquenta (50) famílias, mescladas entre: indígenas, paraguaias, brasileiras e “brasiguaias” (/bra/ brasileiro; /guaias/ paraguaio: sujeitos com dupla nacionalidade). Sua composição arquitetônica conta com uma igreja, casas de madeira e instalação da Força de Segurança Internacional, ao qual contribuiu significativamente para a segurança, na época em que a região era Colônia General Dutra/Brasil. O interesse em considerar a história da região em estudo, em primeira instância, deu-se pelo respeito que tenho a minha terra natal, sobretudo, as pessoas que habitam tal localidade. Outro fator motivador foi à ausência de informações, publicações. Ou seja, de registros documentados com relação à história do desbravamento histórico da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento de Santa Virginia/Paraguai. Nessa perspectiva, o que existia, até então, eram textos isolados, dessa forma, era necessário juntá-los e, posteriormente estruturá-los, de modo a compor um Breve Panorama Histórico da região, objetivo principal deste capítulo. A constituição do corpus para elaboração do capítulo 01 é composto por três eixos, considerados os pilares que sustentam o capítulo, quais sejam: I - entrevistas 1 A Secretaria Municipal de Educação de Aral Moreira autorizou o uso do nome do município. Desse modo, tal comunidade de estudo será apresentada com seu próprio nome por autorização da secretária de educação. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 01). Segundo secretária municipal de educação, é de extrema relevância documentar a história do município. É uma forma de valorizar a vozes de pioneiros da região. 24 narrativas com alguns sujeitos considerados pioneiros da região, por meio do método de tradição oral2; II - trabalhos correlatos: Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC; Monografias; Matérias em Revistas e Artigos científicos, que tratam, especificamente, do histórico da Fronteira em foco e III - documentos oficiais, tais como: Atas, Ofícios, Fotos e Jornais antigos3. Ao que se refere à análise do corpus, é imprescindível destacar que associo toda uma vivência minha particular dentro de uma cultura de fronteira, usando a minha percepção interpretativista com relação aos dados coletados, além de trabalhos antecedentes relativos à fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento de Santa Virginia/Paraguai, guiados na graduação pelos professores: Profª. Drª. Maria José de Toledo Gomes; Profª. Me. Marineide Cassuci Tavares e pela Profª. Drª Elza Sabino da Silva Bueno. E, posteriormente orientado pela Profª. Drª. Maria Ceres Pereira, no Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal da Grande Dourados. Sigo, ainda, as orientações de “Triangulação de Registros”, com base na etnografia americana proposta por Frederick Erickson (1990/1992b/1988c), para interpretar o corpus, dividido em três eixos centrais, que compõe o capítulo 01. 1.1. Breve Toponímia da Região em Estudo A princípio, antes de tratar, especificamente, da formação da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento de Santa Virginia/Paraguai, situada ao sudoeste do estado de Mato Grosso do Sul, para melhor compreensão, é necessário apresentar, com base em dados coletados durante a nossa pesquisa de campo, uma árvore genealógica do percurso toponímico que esta região de fronteira recebeu ao longo dos trinta e oito (38) anos de sua existência. 2 Entrevistas realizadas entre os meses de outubro a novembro de 2013, com 08 sujeitos considerados pioneiros da região. Nos ANEXOS-PARTE II, no ANEXO 01, pode ser observada parte do corpus. 3 A autorização para a aquisição de documentos oficiais em departamentos públicos de Aral Moreira pode ser observado nos ANEXOS: PARTE I. ANEXO 02. Ao todo, adquirimos cerca de trezentas (300) fotos, doadas pelos órgãos públicos: Prefeitura, Câmara, Cartório, Secretaria de educação e instituições de ensino. Algumas fotos foram, ainda, gentilmente cedidas por alguns pioneiros entrevistados da região. Também é importante ressaltar que o critério de seleção de fotos adotado foi, no primeiro momento, a divisão, conforme período estabelecido, sendo eles: Rio Verde do Sul; Colônia General Dutra; Vila Fronteira Rica e Aral Moreira. E, em seguida, selecionamos para compor o capítulo 01, as fotos que tinham traços em comum, ou seja, pessoas e paisagens (casas, carros, dentre outros), que ilustram outras épocas. 25 RIO VERDE DO SUL DISTRITO PAZ DO RIO VERDE DO SUL COSTA RICA COLÔNIA GENERAL DUTRA VILA CAÚ RIO VERDE VILA MARQUES VILA FRONTEIRA RICA MUNICÍPIO DE ARAL MOREIRA RESPECTIVOS DISTRITOS A representação da árvore genealógica, acima, retrata a variedade de nomes que a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai e alguns “distritos4” recebeu durante todo seu desbravamento histórico. Nota-se, ainda, que todos os nomes fizeram relação com o contexto da época. Não faremos aqui, um estudo exaustivo da toponímia dessa região, como Santos (2004), que levantou, em seu estudo, os topônimos urbanos do município de Aral Moreira/Brasil, comprovando a relação entre designação do lugar e o momento histórico vigente. Ao considerarmos algumas particularidades dos nomes antecedentes da região em estudo, observa-se que o antigo território intitulado Rio Verde do Sul, correspondia, na época, parte do território que atualmente é o município de Aral Moreira/Brasil. Outra parte do território se formava a capital do Departamento de Amambay, Pedro Juan Caballero/Paraguai, tratado aqui parte dessa região, ou seja, apenas a área que corresponde, na atualidade, o Departamento Santa Virginia/Paraguai. O nome de Rio Verde do Sul se deu devido o Rio Verde que deságua no Rio Paraná, que nesse período banhava todo o antigo estado de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul. Esse desenvolvimento bi-geopolítico do Brasil e da República do Paraguai foi responsável pela formação da fronteira seca de Aral Moreira/Brasil com o 4 Atualmente, as regiões de Rio Verde do Sul e Vila Marques são designadas como distritos de Aral Moreira, porém, conforme desbravamento histórico são regiões consideradas mais antigas que a região que corresponde atualmente o município de Aral Moreira. 26 Departamento Santa Virginia/Paraguai. Desse modo, enquanto se desenvolvia o “lado brasileiro”, isto é, o Rio Verde do Sul com o Ciclo da Erva-Mate, o “lado paraguaio”, ou seja, o Departamento Santa Virignia também progredia, sobretudo contribuindo com mão de obra especializada de paraguaios para a constituição do atual município de Aral Moreira. É importante frisar, ainda, que houve uma distinção geopolítica no desbravamento de ambos os países, mas, não social, ideológica, linguística e religiosa, pois o “ir” e “vir” entre brasileiros e paraguaios era comum, principalmente por motivos de trabalho. Freire (2013, p.01) nos confirma o primeiro nome da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai ao ressaltar que: “O primeiro nome foi Rio Verde do Sul onde a sede do povoado ficou conhecida por Vila Caú”. Com sabe nessa informação, podemos afirmar que o atual Distrito de Rio Verde do Sul pode ser considerado a primeira região a ser desbravada pelos ervateiros, no Ciclo da Erva-Mate. Por isso, durante muito tempo, a região do Rio Verde do Sul adquiriu status de prestígio, sendo considerada localidade que abrigou parte das ranchadas de Tomás de Laranjeira. Já os documentos oficiais (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 03) sancionam que a região do Rio Verde do Sul foi denominada por um tempo de Distrito Paz do Rio Verde do Sul. Passado alguns anos, tal localidade voltou a receber o nome de Rio Verde do Sul e/ou Vila Caú. Essa região se desenvolveu em consonância com a Costa Rica, atual Distrito de Vila Marques, que na época tinha terras férteis que evidenciam o seu progresso, mas, a Colônia General Dutra começou a ganhar mais status de prestígio, principalmente, por se tratar de uma região de fronteira - Brasil e República do Paraguai, - foi quando parte da população mudou-se para a Colônia General Dutra. A essa época, por volta de 1.940 a 1.975, a Colônia General Dutra, por possuir terras férteis e produtivas, recebeu também alguns migrantes, principalmente de São Paulo e Rio Grande do Sul, que começaram a instalar-se na Colônia, assim como era popularmente conhecida e da forma que passamos, a seguir, a designá-la. A caminhada a passos largos para uma evolução socioeconômica já era bem expressiva na antiga região onde ficava a Colônia. Em seguida, desmembrando-se do município de Ponta Porã, criou-se o município da antiga Vila Fronteira Rica, que passou a denominar-se Aral Moreira. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 04). 27 1.2. Bases para o Estudo da Fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai: Memórias e Histórias de Nossa Gente A fronteira é cercada de estórias, histórias, causos, relatos, folclore... As pessoas, em especial as mais antigas, que residem na fronteira de Aral Moreira-Brasil com o Departamento Santa Virginia lembram com saudosismo de outros tempos, época em que a palavra oral valia muito mais do que qualquer documento assinado. (Jefferson Machado Barbosa5) É com a sensação de estar contemplando o céu espelhado no mar que cumpro a grata, honrosa e responsiva tarefa de apresentar os principais acontecimentos históricos da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, situado ao sudoeste de Mato Grosso do Sul – (MS), por meio do que denominamos de “Panorama Histórico”. Executar está tarefa equivale a realizar o registro de memórias de sujeitos considerados pioneiros de nossa gente6, bem como (re) visitar outras épocas, trazendo à tona outras vozes, outras imagens, outras históricas, que juntos constituem a história da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. De acordo com os trabalhos correlatos que tratam da questão histórica de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia, quais sejam: Freire (2012/2013); Magalhães (2011); Matoso (2006); Silva (2009); Santos (2004) e Trenkel (2009), o desbravamento histórico de tal localidade ocorreu de modo rápido. Em uma sequência cronológica, com base na interpretação dos dados coletados, pode-se evidenciar que os acontecimentos se desenrolaram da seguinte forma: I – Rio Verde do Sul (1.883 a 1.940), com o Ciclo da Erva-Mate; II – Colônia General Dutra e Vila Fronteira Rica (1.940 a 1.975), com o declínio do período da Erva-Mate e expansão da Extração de Madeira em consonância com o Cultivo de Café, e ainda, o III – Aral Moreira (1.975 a 2.014), com a decadência da comercialização de Madeira e a produção de Café e o aumento da Agropecuária, que permaneceu até a emancipação da Fronteira em estudo, como produção que moveu a economia da região. 5 Disponível em:< http://pensador.uol.com.br/frase/MTUwMzcyMg/>. Acessado em 14/03/2014 às 14h: 06 min. 6 Utilizo a expressão “nossa gente”, justamente, para reafirmar minha essência natal fronteiriça, uma vez que nasci nessa fronteira e toda minha família faz parte desse contexto ora brasileiro, ora paraguaio, ora híbrido. 28 1.3. (Re) visitando outras épocas: A Formação de Rio Verde do Sul: O Ciclo da Erva-Mate, 1.883 a 1.940 Os primeiros colonizadores portugueses que, após o descobrimento, vieram para o Brasil, fixaram-se na orla marítima, mas o interesse e a curiosidade em conhecer o interior da terra descoberta deram origem às chamadas “Entradas Bandeiras” 7. Nesse sentido, as terras que atualmente constituem o Estado de Mato Grosso do Sul foram uma das primeiras a serem percorridas nesse movimento. (BARBOSA, 2012). Conforme a proposição de Sampaio (2006, p.232), “o território que forma o município de Aral Moreira/Brasil foi, pela primeira vez, explorado no final do século XIX, com a fixação de gaúchos e paulistas”. Barbosa (2012, p.17-8), por sua vez, ressalta que o desbravamento da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai se iniciou pela fronteira de Ponta Porã/Brasil com Pedro Juan Caballero/Paraguai, com a fixação de acampamentos situados no antigo território denominado de Rio Verde do Sul. Trenkel (2009), em sua investigação sobre a presença gaúcha na região fronteiriça de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai relata a importância da influência de tal migração sulista, dando ênfase aos aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos. A autora defende a tese de que a migração gaúcha contribuiu decisivamente no período compreendido pelos anos de 1.970 até 2.008. A chegada de alguns sulistas ou gaúchos à região de Rio Verde do Sul gerou transições consideradas como adicionais à cultura local, composta, na época, por brasileiros, brasiguaios, paraguaios e dois subgrupos indígenas pertencentes à etnia Guarani, sendo eles: Guarani-Kaiowa e Guarani-Nandeva. Há que se pontuar que, na época equivalente ao Rio Verde do Sul, segundo Sobrinho (2009, p.45-6), ao apresentar um estudo sobre a história de Amambai/MS, registra que: ...quando os ervateiros chegaram, para iniciarem a colheita da erva-mate, no sul de Mato Grosso, encontraram dois subgrupos de indígenas pertencentes à etnia Guarani: os Guarani-Kaiowa e os Guarani-Nandeva, que andavam em grupos, liderados por um cacique. Viviam da caça, pesca e produtos da natureza. Rememorando o desbravamento histórico de Rio Verde do Sul, da perspectiva de ocupação populacional, Trenkel (2009, p.09), esclarece que os primeiros ocupantes da 7 Utilizada para designar, genericamente, os diversos tipos de expedições empreendidas à época do Brasil Colônia. 29 região em questão foram atraídos pela “abundância da erva-mate”. As ocupações primordiais em tal território ocorreram quando os primeiros colonizadores portugueses que, após o descobrimento, “vieram para o Brasil, fixaram-se na orla marítima, com o interesse e a curiosidade em conhecer o interior da terra descoberta”, consequentemente, deram origem às “chamadas Entradas Bandeiras”. (BARBOSA, 2012, p. 16-8). Não se pode deixar de reconhecer e de pontuar a investigação que Barbosa (2012) se propõe a fazer, ao apresentar uma abordagem sociolinguística do vocabulário de curandeiras paraguaias residentes na cidade de Aral Moreira. O pesquisador vai a campo conversar e conhecer a realidade sociolinguística de benzedeiras, curandeiras e parteiras de acedência paraguaia que residem na fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Barbosa (2012), em sua investigação, documenta a existência de um vocabulário linguístico específico utilizado pelas suas informantes/colaboradoras, o que evidencia a existência de variedades linguísticas na região pesquisada. O autor apresenta ainda breve descrição da história de Aral Moreira/Brasil e registra a presença de diferenças no que se refere ao desbravamento histórico da região, bem como a dificuldade de documentos oficiais, conforme pode ser observado na passagem a seguir: No primeiro momento, não se pode deixar de considerar que, durante o levantamento bibliográfico, encontrou-se, no que diz respeito aos aspectos históricos do município de Aral Moreira, duas versões de sua história. Dessa forma, é importante destacar que o atual município não possui documentos escritos necessários e pertinentes que nos mostre qual versão mais se aproxima da veracidade de criação dessa região . (BARBOSA, 2012, p.17, grifo nosso). A presença de duas versões no que diz respeito à história da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai é documentada por Barbosa (2012). Contudo, é imprescindível considerar que as entrevistas que o pesquisador se baseou para descrever a história da região em estudo foram realizadas com as benzedeiras, curandeiras e parteiras de ascendência paraguaia. Entendemos que o convívio entre etnias diferentes no antigo Rio Verde do Sul pode evidenciar, além de uma realidade mestiça, olhares diferentes sobre a história da fronteira em estudo. Com base nesse mosaico populacional que a fronteira em estudo abrigou, e ainda abriga na contemporaneidade, partimos do pressuposto de a histórica da fronteira de Aral Moreira com o Departamento Santa Virginia/Paraguai se diverge, conforme sujeito que a conta. Assim, considerando essa perspectiva, pode-se evidenciar que o brasileiro, 30 o paraguaio, o brasiguaio, o indígena e todos os subgrupos que habitavam o Rio Verde do Sul, na época, possuem percepção histórica diferente. O que Barbosa (2012) utiliza como base na composição histórica da região fronteiriça em questão é a visão de paraguaias, com idade superior a quarenta e cinco (45) anos, consideradas pioneiras da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Rememorando mais um pouco a marcha dessa história de Rio Verde do Sul, verifica-se que as terras férteis que, atualmente, constituem o Estado de Mato Grosso do Sul, antigo Mato Grosso8 foram uma das primeiras a serem percorridas no movimento de Entradas Bandeiras, naquela época percorrida por Tomás de Laranjeira e sua tropa, seguindo o rio Amambai, o rio Verde, que fica no atual Distrito de Rio Verde do Sul e demais rios que deságuam pelos campos sul de Mato Grosso do Sul. Remexendo essa “arca”, via-memória de sujeitos considerados pioneiros da região, notou-se, que o período correspondente a da Erva-Mate, à aquisição de terras se dava por meio de trocas de bens. Os valores dos objetos eram julgados conforme sua utilidade, dos quais podemos destacar: o rádio, o revólver, o cavalo e demais bens considerados importantes e de utilidade para tal período. Para confirmar o pensamento de sujeitos considerados pioneiros da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, a seguir, apresentamos um trecho breve de duas conversas gravadas com pioneiros da região em foco: INF. prá você comprá uma fazenda uma terra aqui ó era/trocava a trocu di cavalu trocava a trocu di revolver assim pur objetus aqui num circulava dinheru (2-F-C). INF. dá nada ((risos)) a:í tá tinha otru terrenu nu fundu u cara num queria mi vendê num queria mi vendê derepenti eli vendeu pra otru eli cabo di vendê eu dei um rádiu a trocu du terrenu agora to cum dois terrenu muradu aqui só qui na outra rua lá imbaixu pega essa rua i a otla ali dois terrenu muradinhu ( ) é um terrenu só intãum é dois mais na escritura é um. (1-F-C). A essa “novela” intitulada: “Rio Verde do Sul: O Ciclo da Erva-Mate (1.883 a 1.940)”, verifica-se que, somente em 1.883, Tomás de Laranjeira se instalou, juntamente com sua tropa, às margens de Rio Verde do Sul, objetivando a exploração 8 Mato Grosso foi desmembrado da província de São Paulo em 1.748. Formando a Província de Mato Grosso. Mal passou 100 anos, já surgiram as primeiras propostas de divisão de seu território, elaborados pelo historiador Adolfo Varnhagen, Visconde de Porto Seguro. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 05). 31 da Erva-Mate. Barbosa (2012, p.18), documenta em seu estudo que o “Ciclo da ErvaMate durou cerca de sessenta anos”. A respeito do sujeito considerado líder das ranchadas interessadas na exploração de ervais, Sobrinho (2009, p.32), ressalta que enquanto Laranjeira percorria pelos campos Sul do antigo Mato Grosso “tanto do lado brasileiro como paraguaio, Laranjeira ficava impressionado com o que ia encontrando. Ele aproveitava a oportunidade e entrava em contato com os paraguaios que trabalhavam nos ervais”. Com relação à presença de sujeitos oriundos da República do Paraguai, sobretudo do Departamento Santa Virginia, em Rio Verde do Sul, Matoso (2006, p.10-1), por sua vez, afirma que “nesse período, a presença de brasileiros na região era pouca, dessa forma, grande parte dos empregados na extração da erva-mate eram paraguaios”. A partir das ponderações de Sobrinho (2009) e Matoso (2006), nota-se que Laranjeira não “descobriu” apenas os ervais e as terras férteis existentes em Rio Verde do Sul. Mas, outros sujeitos como: paraguaios e indígenas de etnia diversificadas, com técnicas de produção diferente. Assim, Laranjeira aproveitou a oportunidade para ficar mais próximo dos paraguaios que atuavam nos ervais. Ao que se refere à interação social entre Laranjeira e os sujeitos oriundos do Departamento Santa Virginia/Paraguai, bem como os demais departamentos circunvizinhos da República do Paraguai, Sobrinho (2009) registra que: Os paraguaios conheciam muito bem o trabalho nos ervais e convidados para trabalharem no Brasil, aceitaram o desafio. Cada aumento da área arrendada exigia um número maior de trabalhadores com experiência nessa atividade, os quais eram encontrados no Paraguai e sem dificuldade vinham para o Brasil. (SOBRINHO, 2009, p.51. grifo nosso). A partir do registro acima, pode-se evidenciar a relação entre povos distintos e, consequentemente uma realidade sociocultural mesclada em Rio Verde do Sul. Enquanto Laranjeira explorava a extração de erva-mate nas proximidades do rio Verde e usufruía da mão de obra especializada de paraguaios o Brasil discutia sua independência e sua relação com a República do Paraguai. De acordo com Sobrinho (2009), o governo imperial brasileiro viu a necessidade de resolver alguns assuntos pendentes, que não eram objetivos no Tratado de Madri. Com intenção de fomentar reflexão sobre a não objetividade do Tratado, “diversas missões diplomáticas foram realizadas”. (SOBRINHO, 2009, p. 28). Contudo, era 32 convencional que, após cada ação diplomática, a situação ser amenizada, pelo menos por algum tempo. Em 1.864, a pauta de ausência de objetivo do Tratado de Madri, ainda, fomentava discussões entre líderes do Brasil e da República do Paraguai. Iniciou-se, então, no fim do corrente ano, a Guerra do Paraguai. Sobrinho (2009, p.29), ressalta que “uma atitude inesperada do governo paraguaio, que arrestou o Vapor Marques de Olinda, criando uma situação complexa entre os dois países”. Sendo assim, evidencia-se que a atitude do governo paraguaio pode ser considerada como a declaração inicial de guerra entre Brasil e República do Paraguai. Diante do modo como agiu o governo paraguaio, no dia 13 de novembro, do corrente ano, a legação brasileira reivindicou a atitude do governo da República do Paraguai, ao solicitar maiores esclarecimentos para tal ato. Tendo em vista a réplica da legação do Brasil, o governo paraguaio respondeu a solicitação com a invasão ao antigo Mato Groso, dando início a guerra que o Brasil não estava preparado. (SOBRINHO, 2009). Diante da reação do Paraguai e do despreparo do Brasil, em 1.865 foi assinado o Tratado da Tríplice Aliança. O Tratado formalizava a união do Uruguai e da Argentina ao Brasil contra a República do Paraguai, além de estabelecer: ... limites entre Brasil e Paraguai que deveriam vigorar após a guerra caso a Tríplice Aliança fosse vencedora. Esses limites eram os mesmos do Tratado de Santo Idefonso, com a localização do rio Iguareí definida conforme uma carta preparada pelo expedicionário francês Amedée Mouchez. (SOBRINHO, 2009, p.29. grifo nosso). Esse momento que sinaliza a “discordância” entre o Brasil e a República do Paraguai, decorrente a falhas nos Tratados, em especial, o limite territorial, durou cerca de seis (6) anos. A “luta” entre Brasil, Argentina e Uruguai contra a República do Paraguai terminou em março de 1.870, com a morte de Solano Lopes. Entretanto, o Tratado de Paz e Amizade Perpétua e de Limites entre Brasil e República do Paraguai só foi assinado em 09 de janeiro de 1.872. Enquanto a relação harmoniosa entre Brasil e República do Paraguai era formalizada, Magalhães (2011, p.187) nos lembra que no fim do século XIX, a região que correspondia ao Rio Verde do Sul, ainda continuava sendo explorada por Laranjeira e sua tropa. Com base na leitura de documentos oficiais, verifica-se que, naquele tempo, 33 a região explorada por Laranjeira já era conhecida como Rio Verde do Sul ou Distrito de Paz do Rio Verde do Sul. Não podemos deixar de reconhecer e pontuar o estudo de Matoso (2006), citado anteriormente, que buscou investigar o bilinguismo existente na produção textual de alunos indígenas de etnia Guarani-Kaiowa e Guarani-Ñandeva, da Escola Municipal Guarani, da aldeia Guassuty, situada na fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Matoso (2006) esclarece, ainda, que o período equivalente ao Ciclo da Erva-Mate, em Rio Verde do Sul, além da população ser composta por dois subgrupos Guarani de etnia Guarani-Kaiowa e Guarani-Ñandeva, a presença de brasileiros na região era pouca. Dessa forma, grande parte dos empregados na extração da erva-mate era de ascendência paraguaia, considerados como os donos de mão de obra especializada. Silva (2007), por sua vez, ao pesquisar “A Formação do Município de Aral Moreira – Mato Grosso do Sul”, apresenta breve descrição da região em questão, destacando como se deu o processo de formação e as principais figuras que fizeram parte da história do município. Na busca pelo entendimento da constituição histórica da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai é de suma importância considerar a afirmação de Silva (2007), quando sublinha que: A região que hoje compreende o município de Aral Moreira correspondia, durante vários séculos, ao território dos Índios Guaranis. E foram os índios guaranis que deram nomes aos mais diferentes pontos pertencentes ao Município. Denominações que até hoje são mantidas. (SILVA, 2007, p.29) Com base no trecho extraído da pesquisa de Silva (2007), evidencia-se que o desbravamento histórico da região de fronteira, que atualmente corresponde o município de Aral Moreira, está intrinsecamente relacionado com pelos menos três etnias, quais sejam: indígenas de dois (2) subgrupos: guarani-kaiowa e guarani-ñandeva, paraguaios e brasileiros que migraram para região, principalmente, dos estados de Rio Grande do Sul e Paraná. Toda essa situação colocada de mistura de etnias fazia com que os migrantes sulistas se comunicassem com os paraguaios e indígenas de etnia guarani-kaiowa e guarani-ñandeva, gerando, assim, certa complexidade sociolinguística evidenciada, por meio da interação social, já no início do desbravamento histórico da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. 34 Partindo do pressuposto de que as relações sociais são complexas e cada família se constitui de maneira diferente, seja na quantidade, seja no hábito culturalmente adquirido, Sobrinho (2009, p. 56) esclarece que foi: A partir de 1.893 começaram a formar as primeiras caravanas com destino a Mato Grosso (...) as caravanas eram formadas por famílias inteiras, lideradas por um senhor, que deixavam parentes e a terra natal em busca de outras paragens, viajando a cavalo ou em carretas. A organização familiar do período equivalente ao Ciclo da Erva-Mate, em Rio Verde do Sul, difere-se em alguns aspectos da família contemporânea, dos quais podemos citar a quantidade de filhos ou filhas que a composição familiar tinha naquela época, número considerado maior, se comparado a composição familiar no período PósColonial. Sobrinho (2006) esclarece, ainda, que as primeiras caravanas de famílias inteiras que ocuparam a região próspera do Rio Verde do Sul, geralmente, eram lideradas por uma pessoa do sexo masculino, considerado o chefe da família. Cabe mencionar que o chefe da família tinha seus capangas, que sempre o acompanhava por onde andava. Outro fato não menos importante é que quase sempre os capangas faziam os trabalhos braçais, muitas vezes, abrindo mata adentro. As fotos a seguir revivem a época equivalente ao Ciclo da Erva-Mate, em Rio Verde do Sul, ilustrando a composição familiar daquele período. Foto 02. P&B.9 Foto 03. P&B.10 Não se pode deixar de reconhecer e pontuar o estudo de Trenkel (2009), citada anteriormente. A autora ao investigar “A importância da presença gaúcha no município 9 10 Foto 02. P&B. Composição familiar antiga. Fonte Aristide Matoso. Foto 03. P&B. Composição familiar antiga. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. 35 de Aral Moreira, MS”, registra que a presença do migrante gaúcho contribuiu, decisivamente, desde o final do século XIX. Trenkel (2009, p.14) afirma que a “presença gaúcha na região de fronteira acompanhou os momentos em que atividades econômicas como, agricultura e pecuária, passam a ganhar destaque no Estado”. A seguir, pode-se verificar a Foto 03, que retrata a época do Ciclo da Erva-Mate, período em que as “primeiras caravanas” de pioneiros gaúchos e paranaenses saíram de seus estados e ocuparam o antigo Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul. Foto 04. P&B. Chegada de Caravanas gaúchas. Fonte: Secretaria de Educação de Aral Moreira. Curiosamente, evidencia-se que a ocupação de gaúchos e paranaenses em Rio Verde do Sul os colocou na condição de “dominantes”, visto que sabiam as formas de produção da erva-mate numa perspectiva industrial. Dessa maneira, os paraguaios que já habitavam a região em questão, na qualidade de “dominados”, exerciam o cargo de empregados, para ilustrar esse fato, apresentamos um excerto da conversa com uma das pioneiras da região: INF. a familha Marquis mexia muitu cum erva comandava mexia cum erva eli u pai deli a familiar deli i eu sei qui tinha us capanga deli (2-F-C, grifo nosso). Ao fim do século XIX, chegou à região de Rio Verde do Sul, ainda antigo Mato Grosso, famílias vindas de Rio Grande do Sul fugindo da Revolução, dentre elas, destaca-se a família “Marques”. Ao chegar à região, as oriundas famílias sulistas se dedicaram ao pastoreio. Conforme excerto acima, na época do Rio Verde do Sul, era 36 natural o patrão, na qualidade de chefe, prescrever tarefas aos seus “secretários adjuntos” ou “capangas”. Como era comum, ainda, o uso de armas, como forma de proteção, de segurança e ideia de domínio. Enquanto a região próspera de Rio Verde do Sul era explorada não só por Tomás de Laranjeira e suas respectivas tropas, mas por outras famílias gaúchas e paranaenses, em 1.914, os trilhos da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, partindo de São Paulo adentraram em território sul-mato-grossense até a fronteira com a Bolívia, fazendo uma ligação rápida e econômica para a economia do Sul. E o Sul, pôde então, desenvolver os seus meios de agricultura e pecuária, invertendo assim, a posição do Sul, que era praticamente uma região pobre, para a mais rica. Naquela época, o Norte apresentava um declínio, com baixa de preços de borrachas e outros produtos seus. Para reviver ao momento equivalente ao Ciclo de Erva-Mate, a seguir duas (2) fotos que ilustram o espaço físico, os carros, os barracões e a prosperidade decorrente da extração expressiva de erva-mate. Foto 05. P&B.11 Foto 06. P&B.12 O Rio Verde do Sul ia ganhando visibilidade por conta de sua abundância de ervamate. De acordo com documentos oficiais (ANEXOS: PARTE I, ANEXO 05), cedidos gentilmente pela Prefeitura Municipal de Aral Moreira, observa-se que em 1.918, a administração da Erva-Mate passa a ser Campanário, dirigida pelo senhor Raul Mendes Gonçalves, que nacionalizou a CIA13, sendo renomeada, posteriormente, de “Brinco de Ouro”. Somente após veio a denominação da Companhia Mate Laranjeira, nesse período, comandada pelo capitão Heitor Mendes Gonçalves. 11 Foto 05. P&B. Barracão da Companhia Mate Laranjeira. Fonte: Secretaria de Educação de Aral Moreira. 12 Foto 06. P&B. Transporte com lotação de mudas de erva-mate. Fonte: Secretaria de Educação de Aral Moreira. 13 Companhia de Erva-mate. 37 Conta-se que em meados de 1.924, período que ocorreu uma pequena revolução nascida e morta no mesmo ano, em São Paulo, no governo de Arthur da Silva Bernades14 (1922-1926), as tropas do general Isidoro Dias Lopes15 ocuparam a capital do Estado de São Paulo, em cinco de julho de 1.924. Tendo sido os revoltados vencidos pelas tropas do governo, refugiou-se no antigo Estado de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul. O revoltoso Mario Roso16, apesar de tudo, pode ser considerado o primeiro habitante que sofreu, naquela época, no sertão de Mato Grosso, mais especificamente, em Rio Verde do Sul e já adentrando à antiga Colônia General Dutra/Brasil. 1.4. A Colônia General Dutra e a Vila Fronteira Rica, 1.940 a 1.975 A ocupação de famílias oriundas de Rio Grande do Sul, no território de Rio Verde do Sul, resultou a entrada em outras localidades circunvizinhas, como a antiga Colônia General Dutra/Brasil, região onde é o atual município de Aral Moreira/Brasil. Pelo registrado em documentos oficiais e entrevistas com sujeitos considerados pioneiros da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, verifica-se que, em 1.940, criou-se a Colônia General Dutra/Brasil, com consentimento de Getúlio Vargas. Tal localidade é tratada aqui como: “Colônia General Dutra/Brasil”, devido à parte focalizada estar, geopoliticamente falando, em território brasileiro. Contudo, reconhecemos a instabilidade social, ideológica, linguística que a fronteira entre Brasil e Paraguai apresenta, principalmente, em zonas de fronteira seca, como é o caso da Fronteira focalizada neste estudo. A essa época, de 1.940, conforme proposição de Sampaio (2006, p.208), “a fixação na região de paulistas e gaúchos” foi característica marcante para o impulso de ocupação, agora, em outro território, a Colônia General Dutra/Brasil, região mais próxima da fronteira entre Brasil e República do Paraguai. De acordo com Silva (2007, p.31), a criação da Colônia General Dutra/Brasil “trouxe consigo a demarcação arrancando das proximidades do Marco Internacional 14 Advogado, nascido na cidade de Viçosa, estado de Minas Gerais, em 8 de agosto de 1875. Formou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1900. Foi presidente de Minas Gerais (1918-1922). Por meio de eleição direta, assumiu a presidência da República em 15 de novembro de 1922 até 1926. 15 Revolta Paulista comandada em 1.924, pelo General Isidoro Dias Lopes, a revolta contou com a participação de vários tenentes, 16 De acordo com informações de pioneiros da região, Mario Roso é um homem que comandava uma pequena tropa na época de 1.924. 38 cento e dezessete (117), as terras ajudaram e a Colônia de União Federal teve vida abundante”. Curiosamente, a Colônia General Dutra foi criada em terreno que, inicialmente, não era muito bem definido. Desse modo, no que se refere à aquisição de terras, alguns pioneiros da região relataram nas entrevistas narrativas que: INF. u povu chegava aqui i si adonava das terra (3-M-C). INF. chegava aqui cada um si adonava essi loti aqui é meu tinha demarcação já uma demarcação provisória intãum eu chegava essi loti aqui é meu cê chegava i falava aqui loti lá é meu fincava uma istaca lá aí nóis começava roça fazê abertura (4-M-C). Remexendo, assim, essa “arca” de episódios relativos ao período equivalente à Colônia General Dutra/Brasil, verifica-se que as terras que hoje se consolida a cidade de Aral Moreira/Brasil, antiga Colônia General Dutra, inicialmente, foram doadas pelo proprietário da Fazenda Tatarén, Orcício Freire, fazendeiro considerado, naquele período, de alto nível político. A fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai vai se desenhando e ganhando visibilidade no antigo Estado de Mato Grosso, fato decorrente da ocupação de sujeitos brasileiros, paraguaiosbrasiguaios e indígenas de dois subgrupos, quais sejam: guarani-kaiowa e guarani-ñhandeva. Indubitavelmente, além da ocupação de povos mestiços, a Colônia General Dutra/Brasil era palco que atraia vários olhares de sujeitos que habitavam cidades circunvizinhas, “tanto do lado brasileiro quanto no lado paraguaio”17. Após a ocupação e exploração às terras férteis da Colônia/Brasil, a notícia, de que o solo vermelho era propício à plantação, andava pelos campos Sul do antigo Mato Grosso. Há, no entanto, que se pontuar que, antes de se mudar, efetivamente, para a Colônia General Dutra/Brasil, era necessário ter vínculo com pessoas que já habitavam tal região, ou seja, com as famílias mais antigas, principalmente, com a família “Marques”, que tinham grandes propriedades de terras, e, de certa forma, já tinham atingindo status prestígio entre os moradores da Colônia General Dutra/Brasil. No percurso que equivale o marco inicial da Colônia General Dutra/Brasil, há que se destacar que, viver na Colônia/Brasil não era tarefa fácil, o senhor A.M, viamemória, fornece-nos características daquela época, que nos ajuda, de certa forma, a remontar episódios de outros tempos, que podem ser resgatados, por meio de outras 17 Entre aspas porque havia uma divisão geográfica e política, porém, não havia divisão social, religiosa e educacional. 39 vozes, que vivenciaram determinada época, resultando no diálogo entre vozes e vivências. INF. era Colônia General Dutra issu aqui qui você vê era sertão du sisu cê só via índiu corre:nu iscondenu i:: berru di bichu gritu di onça guará grandi era u qui tinha aqui nessi sertão di matu (4-M-C). No pensamento do pioneiro, observa-se, nitidamente, o reconhecimento da presença do índio na região da Colônia General Dutra/Brasil. Conta-se que, a essa época de 1.940 a 1.975, os índios de etnia guarani-kaiowa e guarani-ñandeva costumavam ficar no cerro situado na República do Paraguai, no departamento de Pedro Juan Caballero. Conforme depoimentos dos sujeitos considerados pioneiros da região em estudo, os indígenas desses dois subgrupos, anteriormente apresentados, subiam a serra do Departamento Santa Virginia/Paraguai em busca da caça e da pesca. Ao se deslocarem para a Colônia/Brasil, os índios se deparavam com os gaúchos e paulistas que também habitavam a Colônia General Dutra/Brasil e o Rio Verde do Sul/Brasil. O fato de os índios correrem dos sujeitos gaúchos e paulistas, conforme relata o senhor A.M, gira em torno da evidência de que ambos os povos que habitavam a Colônia/Brasil, por sua vez, possuíam costumes, modos e produções de plantio diferentes, acarretando pensar que o desconhecido é visto como algo estranho e, muitas vezes, inferior aos olhos do “outro”. Segundo Trenkel (2009, p.10), “no período de 1.940, a agropecuária sobrepujou a erva-mate em importância econômica”. Todavia, a essa época equivalente a entrada e ocupação de terras relativas à Colônia General Dutra/Brasil, pode-se considerar como o início do ciclo referente à Extração de Madeira, podendo destacar a existência, na época, de árvores altas, que segundo Silva (2007, p. 20) pode-se destacar: “a peroba, o ipê, o cedro, a aroeira, a figueira, o jaracatiá, a canafístula, o angelim, o jatobá mirim e a timbava”. Em 1.940 a 1.945, mesmo com a expansão da extração de madeira e o declínio da erva-mate, na região da Colônia General Dutra/Brasil, na fronteira circunvizinha de Ponta Porã/Brasil com Pedro Juan Caballero/Paraguai, considerada como a “Princesinha dos Ervais”, instala-se uma companhia de erva-mate, passando a ser, em pouco tempo, a 40 cooperativa de ervateiros de tal localidade, sob a direção de Orlando Mendes Gonçalves18. Enquanto a Princesinha dos Ervais ia se desenvolvendo, a Colônia General Dutra/Brasil recebia, de acordo com Barbosa (2012, p. 18), mais uma remessa de famílias vindas do estado do Rio Grande do Sul, sendo eles: “os Freire, os Marques, os Cardinal, os Bataglin e os Portela, algumas famílias já tinham certo grau de parentesco com os habitantes da Colônia”. Algumas famílias se deslocavam para a Colônia General Dutra/Brasil, pois a região era vista como uma localidade que abrigara terra fértil, produtiva e barata. Ao que se refere à organização religiosa, a época relativa ao Ciclo da Extração de Madeira, Silva (2007, p.39), pondera que “inicialmente a maioria das igrejas tinha predominância no catolicismo”. Desse modo, evidencia-se a influência do cristianismo na Colônia General Dutra/Brasil. Com base na ponderação de Silva (2007) e de depoimentos de sujeitos considerados pioneiros da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, verifica-se que a igreja católica fora implantada na região pelos gaúchos e paulistas. Curiosamente, no início, o padre que proferia a missa vinha de fora, mas aos poucos a igreja foi se formatando até se estabilizar. Como no período antecedente, Rio Verde do Sul com a extração de erva-mate, o período que corresponde a Colônia General Dutra com a extração de madeira, também não havia uma configuração política delimitada. Nessa perspectiva, Silva (2007, p.41) registra que “não existia atuação política, isto é, não possuía prefeito e nem vereadores na região, porém a família Bento Marques já era uma das mais influentes, juntamente com outras. Além da agropecuária, ainda timidamente, movida, principalmente, pela família “Marques”, em virtude da presença de muitas árvores propícias a extração de madeira, iniciou-se a extração de madeira com a implantação de serrarias na Colônia/Brasil A foto 06, a seguir, revive a época de implantação de serrarias na Colônia General Dutra/Brasil 18 Nessa época, um dos coronéis que lideravam as tropas (geralmente compostas por paraguaios) que trabalham com a extração de erva-mate. 41 Foto 07. P&B. Implantação de Serrarias. Fonte: Secretaria de Educação de Aral Moreira. A extração de madeira contribuiu, significativamente, para a economia da Colônia General Dutra/Brasil, bem como para sua visibilidade econômica regional. Assim, a Colônia ia se configurando enquanto território fértil, propício a extração de madeira e plantação de soja, além de pastos favoráveis a criação de gado. Conta-se que, na época, chegou a ter cerca de sete serrarias na região, gerando mais emprego e, certamente, dando mais visibilidade à região, que começava a se formatar no cenário do antigo Mato Grosso. Por outro lado, como aponta Silva (2007, p.38): ... as serrarias não trouxeram progresso (...) e sim muito desmatamento, pois os proprietários não sendo da região, não se preocupavam com a preservação, apenas vinham acumulavam certa riqueza e iam, deixando apenas rastro de destruição. Essas famílias que trabalhavam com serrarias eram oriundas do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo. Certamente, o desmatamento não agradava, principalmente, os indígenas de etnia guarani-kaiowa e guarani-ñandeva, que moravam nas proximidades da Colônia General Dutra/Brasil, em abrigos feitos de palha, armados a beira do mato, geralmente, próximos a lugares onde havia água. Essa situação de réplica dos índios com relação ao desmatamento da paisagem da Colônia General Dutra/Brasil, leva-nos a evidenciar a existência de, pelo menos, duas vertentes. De um lado, os migrantes gaúchos que dominavam as formas de produção e, além da implantação de serrarias na região e o plantio de café, utilizavam, ainda que timidamente, as terras férteis da Colônia/Brasil, dando início à plantação de soja. 42 E de outro lado, os paraguaios e indígenas de etnia guarani-kaiowa e Guaraniñandeva, que possuíam outro meio de produção, diferente dos primeiros, estes, produziam uma agricultura de subsistência, sem a utilização de maquinários, pois como pontua Silva (2007, p. 39) que a essa época, apesar da qualidade boa do solo, “a mecanização era pouco utilizada, havendo pouquíssimos tratores, e o restante eram maquinários puxados por animais, como o arado”. Com base nessa informação, evidencia-se que os paraguaios e indígenas desses dois subgrupos forma tidos como mão de obra especializada, uma vez que a Colônia estava em fase de transição da produção manual para a industrial. Em virtude da ocupação territorial de sujeitos influentes e próximos dos políticos da época, da visibilidade expressiva e do progresso, em 1.943, pelo decreto n º5.812, a Colônia General Dutra/Brasil passou a pertencer à cidade de Ponta Porã. O progresso da Colônia General Dutra/Brasil dependia de alianças políticas, com o objetivo de solucionar problemas sociais que já estavam já incomodara a população que residia na região, por exemplo, a implantação de estradas, o saneamento básico, a instalação de hospitais, de delegacias e de escolas. Portanto, para que a melhoria chegasse à Colônia era necessário realizar parcerias com políticos, conforme se nota no depoimento a seguir: INF. aí eli foi i falô muitu bem seu ( ) si vocês trabalharem por mim i qui eleitu for eu prometu a istrada aí nóis trabalhamu trabalhamu trabalhamu saiu as eleiçãum i eli ganho a pulítica (4-M-C). Com a vitória na política, Pedro Pedrossian, deputado da época, enviou à Colônia General Dutra/Brasil alguns maquinários com o intuito de abrir as estradas e dar acesso à região. Os trabalhadores enviados pelo governador à Colônia foram recepcionados por um sujeito considerado pioneiro antigo da região, que por sua vez, exerceu, por muito tempo, o papel de líder na extração de erva-mate e nos relatou que: INF. até ali veiu u maquináriu vieram abrindu tudu né aí começô chegá u progressu pra Colônia Dutra a:i já começô abri arguma casinha di negóciu aqui começaram uma vilazinha uma piquinizi::nha aí casinha cuberta di pindó paredi di taquara um botava um butequinhu otru botava butequinhu eu carniava uma vaca i trazia du Paraguai levava treis quatru dia pra subi a cerra qui era uma mataria i essa cerra era muitu braba (4-M-C) O sujeito considerado pioneiro da Colônia General Dutra, em depoimento, ao lembrar-se de outra época, via-memória, mostra sua experiência e, sobretudo sua sabedoria de uma época em que a oralidade valia muita mais que qualquer papel escrito. 43 O poder de persuasão, através da oralidade, fazia com que o líder convencesse seus empregados a permanecer, em sua grande maioria paraguaia, em “território brasileiro”, a fim de usufruir de mão de obra especializada. Com uma população considerável, a ponto de constituir-se Distrito de Ponta Porã/Brasil, a interação social, entre os sujeitos que habitam a Colônia, era atividade complexa, assim, o fluxo de morte era constante, conforme podemos observar a passagem, a seguir: INF. cada isquina tinha uma cruz aqui mataram mu::ita genti muita genti mataram (4-M-C). Não se sabe, ao certo, o fato que gerou tantas mortes e nem quais etnias eram mortas. Mas, evidencia-se a relação de poder social ligada à aquisição de terras e ao inicio de alianças políticas na Colônia General Dutra/Brasil como fator explicativo para tantos aniquilamentos. Além de visitas de Padres da Igreja Católica que proferiam as missas na Colônia, a região passou a receber, ainda, visitas de delegados de cidades circunvizinhas, tais como: Ponta Porã, Amambai, Coronel Sapucaia e Dourados. Essas visitas de delegados fez com que, em pouco tempo, fosse instalada a Força Internacional, situada na República do Paraguay, no departamento de Pedro Juan Caballero, mais especificamente, no Departamento Santa Virginia, que contribui, por muito tempo, com a segurança da região. Em 1.947, além da extração de madeira, o cultivo de café ganha espaço no âmbito fronteiriço correspondente à Colônia General Dutra/Brasil. Com a notícia de progresso e abundância na produção, chega à região outra leva de família, dando destaque à família “Matoso”, que muito contribuiu para o desenvolvimento da Colônia, além de possuir Fazendas com grande extensão territorial, o que se evidencia a geração de emprego a povos que habitavam a Colônia. O excerto da conversa, a seguir, com o sujeito considerado pioneiro da Colônia/Brasil, revive a experiência no que se refere à aquisição de terras, além de deixar subjetivo a ideia de que mudar-se para a Colônia era necessário ter vínculos ou parentes próximos, pois a visão de região violenta e perigosa se configurava no âmbito regional. INF. U meu avô chego aqui im mil novicentus i quarenta i seti era só matu só matu daí: Eli compro a: fazenda Campu Flor na épuca é: uma das fazenda mais veia qui teim depois teim a: fazenda santa Rita qui era Du dotor Eraldu 44 a:: fazenda Cerru Alegri Cedru Riu Verde Oru Verdi sãum as fazenda mais antiga qui ixistia aqui na região (7-M-C). No relato, verificam-se a existência de cinco fazendas classificadas, segundo o pioneiro, como as mais antigas da região, sendo elas: Fazenda Campo Flor, Fazenda Santa Rita, Fazenda Cerro Alegre, Fazenda Rio Verde e Fazenda Ouro Verde. Algumas dessas fazendas foram adquiridas pela família “Matoso” que, por muito tempo, manteve a tradição de extrair a erva-mate, tendo a mão de obra especializada de paraguaios, que, em troca, ganhavam moradia, comida e roupas. Em meados de 1.948, Eurico Gaspar Dutra, homem influente na Colônia General Dutra/Brasil, recebeu uma área de 12.000 hectares, doada pelo fazendeiro Orcício Freire, para ser colonizada e, sobretudo, distribuída em lotes rurais de vários tamanhos. Não se sabe, ao certo, o motivo da doação de terras, sabe-se, porém, que Orcício, assim como era popularmente conhecido entre a população da Colônia/Brasil, era um “político” ativo, sendo assim, respeitado entre os sujeitos que habitavam a região, por se tratar de um homem que lutava em prol do progresso da Colônia/Brasil. Segundo Magalhães (2011. p. 187), “foi no ano de 1.950 que a Colônia General Dutra foi, oficialmente, criada”. No ano de 1.953, por meio da Lei nº 702, de 15 de dezembro, foi criado: o distrito de Paz do Rio Verde do Sul, com sede na Vila de Rio Verde, atual Vila Caú. Em 17 de outubro de 1.958 foi estabelecido por meio da Lei nº 1.121, os limites da Colônia General Dutra/Brasil com o Distrito de Sanga Puitã/Paraguai. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 06). É importante destacar ainda que, a partir desse ano, a Colônia/Brasil passa a ficar conhecida como Vila Fronteira Rica ou distrito de Paz do Rio Verde do Sul, devido à riqueza estampada, principalmente, em terras férteis, com plantações de soja, no cultivo do café e na criação de gado. Junto ao progresso da Colônia General Dutra/Brasil, veio à inserção da política e de alguns poucos maquinários industriais, como caminhão de tora. Contudo, um dos pioneiros relata que, em meados de 1.959, a Colônia era considerada, do ponto de vista geográfico, um “sertão”, com matos e animais típicos da época. INF. Pra começá eu vô ti ixplicá eu cheguei aqui em Aral Moreira em cicuenta i novi du séculu passadu cincuenta i novi Arar Morera ho::ji Arar Morera naqueli tempu era Colônia General Dutra issu aqui qui você vê era sertão du sisu cê só via índiu corre:nu iscondenu i:: berru di bichu gritu di onça guará grandi era u qui tinha aqui nessi sertão di matu (4-M-C). Nota-se, no pensamento do sujeito considerado pioneiro, que a época referente à Colônia General Dutra ou Vila Fronteira Rica, a interação social das primeiras famílias 45 sulistas a ocupar a Colônia era de distanciamento com relação aos indígenas que já ocupavam a região, principalmente, a região que corresponde, atualmente, o Departamento de Pedro Juan Caballero, designado aqui, como o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Essa “distância” pode ser mais bem evidenciada na passagem: “só via índiu corre:nu iscondenu”. Vários são os fatores que podem ocasionar esse distanciamento entre povos de etnias diferentes, o qual se evidencia, aqui, as formas de convivência distintas entre as diferentes etnias (paraguaia, brasileira e indígena) que habitavam a região, o que confirmava a criação de uma “fronteira seca complexa”, também, na interação social. Após 1.970, em virtude a expansão da extração de madeira e da implantação de várias Serrarias, em consonância com o cultivo de café. A esse período, curiosamente, a Colônia General Dutra/Brasil ou Vila Fronteira Rica, já fora demarcada geograficamente, com os pilares que sinalizavam os limites territoriais entre Brasil e a República do Paraguai. O excerto, a seguir, revive por meio do resgate via-memória do sujeito, considerado pioneiro, a transição toponímica de Colônia General Dutra para Vila Fronteira Rica. INF. aí depois mais tardi essa vilazinha aí passô a chama Vila Frontera Rica uma vilazinha aí foi animandu foi criandu os butequinhu us bulichinhu vinha genti ali du Paraguai botava uns armazenzinhu aí clandistinu uma farmácia aí assim foi socorrendu u povu aí a Vila foi levantandu foi evoluindu (4-M-C). No pensamento do pioneiro, verifica-se que, naquela época, a instalação de “mercearias” era realizada de maneira clandestina, ou seja, sem autorização de líderes da Colônia/Brasil. Os comércios designados de “botecos”, “bolichinhos” e “mercearias” foram instaladas, num primeiro momento, para suprir a ausência de localidades cujo objetivo era a venda de alimentos perecíveis e não-perecíveis e de bebidas com/sem álcool. Nota-se, ainda, no depoimento do sujeito considerado pioneiro da região em foco que, as mercearias, iniciaram-se, principalmente, por iniciativa de paraguaios que residiam no Departamento Santa Virginia, situado no Departamento de Pedro Juan Caballero/Paraguai. Com base nessa informação, evidencia-se a contribuição, nítida, de sujeitos oriundos da República do Paraguai no desenvolvimento da Colônia General Dutra/Brasil ou Vila Fronteira Rica/Brasil. 46 Trenkel (2009, p.12), fornece-nos dados sobre o censo populacional de Vila Fronteira Rica/Brasil ou Colônia General Dutra/Brasil. A autora registra que, em 1.970, a região possuía “cerca de 14.000 habitantes”. Curiosamente, a metade da população, oito mil (8.000) habitantes, vivia na zona rural, o que contribuiu para a caracterização de uma região com traços “rurbanos”. A respeito do termo “rurbano”, citado por Stella Maris Bortoni-Ricardo, em seu livro intitulado: “Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística na sala de aula”, o termo é designado, grosso modo, àquele contexto que se classifica como um continuun do rural ao urbano. Trenkel (2009, p.10), ainda nos lembra que, “chegaram à região novas famílias de paranaenses e rio-grandenses. Foram esses por sua vez que introduziram a cultura da soja no município”. Observa-se a formalização da inserção do cultivo de soja, Trenkel (2009), não deixa de mencionar, ainda, em seu estudo, que a época correspondente a Colônia General Dutra/Brasil ou Vila Fronteira Rica/Brasil contou, timidamente, com atividades voltadas à extração de madeira e à erva-mate. Barbosa (2012, p.19), por sua vez afirma que, a partir de 1.970, chegou à Vila Fronteira Rica, especificamente, nas proximidades rurais, as famílias: “Soligo, Cerruti, Pierezan, David, Bonacina, dentre outras”. Com a chegada dessas famílias oriundas, principalmente, de Rio Grande do Sul e Paraná, deu-se início à mecanização abundante na agricultura. As fotos 08 e 09, a seguir, ilustram e reconstroem o momento referente à chegada de sulistas (gaúchos e paranaenses), retratam e revivem, ainda, a introdução de maquinários na produção de soja. Foto 08. Cor.19 19 20 Foto 09. Cor.20 Foto 08. Cor. Mecanização na agricultura. Fonte: Marciélly Trenkel. Foto 09. Cor. Chegada de gaúchos e paranaenses. Fonte: Marciélly Trenkel. 47 Com a chegada de famílias oriundas de Rio Grande do Sul e do Paraná, a extração de madeira não durou muito tempo, haja vista que a produção de soja começou a ganhar destaque, principalmente, com a inserção de novas famílias, trazendo consigo seus costumes, seus hábitos, suas identidades, dentre outros. Destaca-se, aqui, os maquinários, uma nova Era chegava à região, já conhecida como Vila Fronteira Rica/Brasil. O depoimento, a seguir, reconstrói, por meio da memória de um sujeito entrevistado e considerado um dos pioneiros da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, o fim da extração de madeira, dando espaço ao cultivo, principalmente, de soja. INF. já num ixistia madera tanto pra cá nãum issu já tinha acabadu a madera tiraram tudu meu pai foi um dos assassinu maior di Aral Morera di: matá a natureza meu pai/essas chacraiada tudu é eli qui derrubou tudu (2-F-C). A Exatoria Estadual da Vila Fronteira Rica/Brasil foi inaugurada, em primeiro (1º) de junho, de 1.972. No ato, estavam presentes sujeitos considerados autoridades da época, como: Artur Amaral Rodrigues, juiz de Paz do distrito, Maurício Mattos dos Santos, contador Martiano Barrios, Jonas Fernandes, dentre outros. Os comércios classificados como “clandestinos” e situados do “lado brasileiro” da fronteira, passaram, no uso das atribuições da Exatoria Estadual, a pagar impostos, bem como a prestar contas ao antigo Estado de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul. Em 1.974, com a expansão e a chegada de várias famílias à Vila Fronteira Rica/Brasil, passa-se a discutir sobre a possibilidade de emancipação da região. A discussão tinha como objetivo principal emancipar a Vila Fronteira Rica/Brasil, tornando-a município. Trenkel (2009, p. 09), ressalta que, em dois (02), de julho de 1.974, a Vila Fronteira Rica/Brasil “passou por um plebiscito, com a aprovação da maioria para a emancipação da região fronteiriça”. Contudo, pelo registrado em documentos oficiais, verifica-se que a aprovação oficial do plebiscito veio mais tarde, em meados de 1.975. Vale destacar, ainda, que a esse período referente à extração de madeira, além da forte influência da família “Marques”, outra família passou a ser respeitada entre os moradores da região em estudo, como é o caso da família “Moreira”. Ainda, o período de 1.974, foi caracterizado, não só pelo declínio de erva-mate, mas, pela decadência da produção de café. A seguir, apresentamos um excerto de entrevista narrativa, realizada com um sujeito considerado pioneiro da região, que 48 vivenciou o episódio, caracterizado, aqui, como marco histórico para a decadência do café. INF. Deu uma giada aqui foi mais o menus im setenta i quatru matô tudu aí tinha uns cara uns portugues ali i: americanu inventaru di fazê uma irrigação dipois fui lá ajuda a: tirá us motor neim us motor funciono nu dia aí: morreu tudu a giada foi tão grandi qui elis trabaiavam meiu contra Deus né elis falava vai vim uma giada muitu forti qui vai matá tudu us café elis falaru na::um nossu num vai morrê vauo irriga tudu meteram canu di ferru quatuo motorzão i: fizeram um açudão di agua pra joga água nu café na hora da giada trancô tudo e num funcionô nenhum motor ficaram lacradu morreu tudo us café aí cabô (5-M-C. Grifo nosso). O episódio acima, reconstruído via-memória, ilustra a situação climática que a Vila Fronteira Rica/Brasil vivenciava, na época, o que não contribuía, segundo a percepção do entrevistado, para o cultivo de café. O depoimento, ainda, revela a presença de portugueses e americanos em terras fronteiriças, na época em que a região era designada de Vila Fronteira Rica/Brasil. Com sabe nessas informações, pode-se afirmar que, a migração à Vila Fronteira Rica/Brasil não foi, essencialmente, de gaúchos e paranaenses, mas de alguns portugueses e americanos que ocuparam as terras férteis, trazendo consigo toda sua técnica de produção, principalmente, na extração de café. A seguir, observam-se as Fotos 10 e 11, que retratam, por meio da imagem, a presença de portugueses e gaúchos na região equivalente à Vila Fronteira Rica/Brasil. Foto 10. Cor.21 21 22 Foto 11. P&B.22 Foto 10. Cor. Presença de portugueses na região da Vila Fronteira Rica. Fonte: Aristide Matoso. Foto 11. P&B. Presença gaúcha na região da Vila Fronteira Rica. Fonte: Aristide Matoso. 49 Com base no depoimento do sujeito considerado pioneiro, anteriormente apresentado, verifica-se que a extração de café, monitorada pelos portugueses, não durou muito tempo, visto que, ainda em 1.974, a Vila Fronteira Rica/Brasil sofreu uma forte geada, fazendo com que grande parte da produção fosse perdida. Ao realizar breve leitura das fotos apresentadas, nota-se que, em ambas as fotos, o chapéu era acessório rigoroso do homem que exercia atividade no campo, visto que, em se tratando de clima, a sensação térmica costumava ser alta demais, tal fato evidencia que a população não estava habituada com temperaturas baixas, como é o caso da geada. A Vila Fronteira Rica/Brasil vai se desenhando e ganhando espaço entre as regiões que, na época, ocupavam terras do antigo Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul. O declínio do café fez com que a soja fosse produto escolhido e, tornou-se, em pouco tempo, o principal produto da economia local. Ainda em 1.974, a Vila Fronteira Rica/Brasil, passa a ser governada por militares. O fato de a região passar a ser dirigida por sujeitos ligados ao militarismo, contribuiu, de certa forma, para recepção de muitos recursos externos, dos quais se destaca verbas para construção de patrimônios públicos. Segundo Trenkel (2009, p.10), a região “chegou inclusive a ser considerada uma das dez maiores economias do mundo capitalista”. Destaca-se, ainda em 1.974, a chegada de mais sujeitos oriundos de outras regiões, agora, de cidades circunvizinhas, como: Ponta Porã, Amambai e Coronel Sapucaia, além do Departamento de Pedro Juan Caballero/Paraguai. O aumento da população fez com que, alguns líderes, retomassem as discussões relativas à emancipação político-administrativa de Vila Fronteira Rica/Brasil. Pelo registrado em documentos oficiais, verifica-se que, em 1.975, formou-se uma comissão, cujo objetivo único era realizar reuniões com sujeitos que compartilhassem da ideia de emancipação político-administrativa da região fronteiriça. Os personagens considerados idealizadores principais dessa campanha foram: Presidente: Dr. Jorge Roberto dos Reis; Vice-Presidente: Cunha Fernandes; 1º Secretário: Edson Ormay; 2º Secretário: João Marques; 1º Tesoureiro: Reinaldo Delekewice; 2º Secretário: Sidélio Antunes; Conselhos: Geraldo Antonio Lopes; João Vitorino Marques e Alcides Marques. O ano de 1.975 foi um período de diversas conquistas para a região que correspondia à Fronteira Rica, dentre elas, destaca-se, em 11 de março, o início da construção da Escola Estadual João Vitorino Marques, pelo governador do antigo 50 Estado de Mato Grosso, Manuel Fontanillas Fragelli. A instalação da instituição de ensino estadual atendia alunos de faixas etárias variadas, destaca-se a presença de alunos brasileiros, paraguaios, brasiguaios e indígenas de etnia guarani-kaiowa e guarani-ñandeva De acordo com Freire (2013, p.01): Em meados dos anos setenta a Escola recebeu um número elevado de alunos vindos de todos os distritos (...). Eram crianças, jovens e adultos que utilizando do seu próprio meio de locomoção buscavam um espaço para concluir o ensino fundamental e poder sonhar com o ensino médio em outras cidades do estado. Pelo registrado em documentos oficiais, a escola Estadual João Vitorino Marques funcionava sob a direção da diretora Iolanda Silveira dos Reis. Segundo Freire (2013, p.01), a instituição de ensino “funcionava em três períodos atendia cerca de 790 alunos”. A seguir, as Fotos 12 e 13 sinalizam o início da formação acadêmica para a população da Vila Fronteira Rica, além de retratar a finalização da construção da Escola Estadual João Vitorino Marques. Foto 12. P&B.23 Foto 13. P&B.24 O nome da instituição de ensino se deu em homenagem a João Vitorino Marques, conselheiro que ganhou destaque, em 1.975, ano de instalação da escola, ao lutar, ao 23 Foto 11. P&B. Frente da Escola de I Grau João Vitorino Marques. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. 24 Foto 12. P&B. Fundos da Escola de I Grau João Vitorino Marques. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. 51 lado de outros lideres, pela independência político-administrativa da Vila Fronteira Rica/Brasil. Com base no registrado em documentos oficias (ANEXOS: PARTE I - ANEXO 01), verifica-se que, em 1.975, criou-se o Clube Social intitulado de: “Clube Social Presidente Dutra”. Mais tarde, esse espaço social, porém privado seria palco para reuniões entre líderes, além de abrigar diversas festas que alimentavam e proporcionavam visibilidade regional de danças consideradas típicas de regiões sul e de fronteira, tais como: arara, polca de carão, chamamé, vanerão, toro candil, xote aos pares, chupim, palomita, dentre outras. Barbosa (2014), ao apresentar uma reflexão, à luz da Semiótica Russa da Cultura, cujo principal precursor é Iuri Lótiman, registra o resgate de danças produzidas no Estado, consideradas típicas. Para o autor (op. cit), o Grupo Parafolclórico Camalote, na contemporaneidade, é considerado símbolo representativo da cultura sul-matogrossense, reconhecido nacional e internacionalmente; abordando danças de cunho popular e danças mestiças, pois nos espetáculos se observa a presença de culturas diferentes em constante diálogo, sendo elas: brasileiras, paraguaias indígenas, bolivianas, africanas, árabes, etc. É por esse motivo que o Grupo Parafolclórico Camalote pode ser considerado como um gerador de códigos de danças multiculturais, que ora é paraguaio, ora brasileiro, portanto mestiço. As Fotos 14 e 15, cedidas gentilmente pela Prefeitura Municipal de Aral MoreiraMS, retratam a época equivalente a 1.975, naquele período, a presença de danças típicas em Vila Fronteira Rica/Brasil era cultivada no “Clube Social Presidente Dutra”. Foto 14. Cor.25 25 Foto 15. Cor26 Foto 14. Cor. Dança típica da região: Arara. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. 52 Além de bailes que movimentavam a região de fronteira entre Brasil e República do Paraguai, o Clube Social Presidente Dutra serviu, também, para eventos voltados a concursos de beleza, reuniões políticas, casamentos, carnavais e aniversários de autoridades/líderes de Vila Fronteira Rica/Brasil. Por se tratar de um clube privado, ao passar do tempo, criou-se carteirinha para os associados que pagavam mensalidades, o objetivo de pagamento era no sentido de contribuir para a manutenção do clube. Ainda em 1.975, além da Igreja católica, outras instituições religiosas começaram a ganhar visibilidade na região de fronteira internacional entre Vila Fronteira Rica/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, devido ao número significativo de adeptos à maçonaria, o que resultou na instalação da “Loja” Maçônica Eduardo Tavares de Matos Filho, nº 36. É importante destacar, aqui, a presença de crenças religiosas de paraguaios e indígenas guarani-kaiowa e guarani-ñhandeva, por meio de rituais cultivados hereditariamente. 1.5. A fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento SantaVirginia/Paraguai, 1.976 a 2014: a efetivação político-administrativa da região No dia dois (02) de maio de 1.976 foi aprovado o Plebiscito, cujo objetivo principal foi a emancipação, oficial, de Vila Fronteira Rica/Brasil. A prevalença do “sim” transformou em realidade o sonho de independência de muitos moradores da região. Então, no dia 13 de maio, do corrente ano, pelo Decreto Lei Nº 3686, publicado no Diário Oficial nº 17.083. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 07), a região que correspondia à Vila Fronteira Rica/Brasil tornou-se município, obtendo emancipação político-administrativa e tendo como distritos: Rio Verde do Sul ou Vila Caú e Vila Marques, antiga Costa Rica, ambos estabelecidos na 1ª Ata Solene. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 08). Pelo registrado em documentos oficiais, a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai teve como primeiros moradores brasileiros os senhores: Afonso Muritz, Afonso Flores, Juvino Fernandes dos Santos e Alferino José da Costa. Ainda, conforme os documentos oficiais, a mistura interétnica era composta por povos matogrossenses, gaúchos e paraguaios. Contudo, é importante frisar a presença do indígena de etnia guarani-kaiowa e guarani-ñandeva. 26 Foto 15. Cor. Clube Social Presidente Dutra. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. 53 Segundo relato de um sujeito considerado pioneiro da região, a política contribuiu, expressivamente, para a emancipação da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai: INF. foi foi foi hoji automaticamenti é Arar Morera trabalhamu usamu a política pra emancipação ganhamu as pulítica emancipamu u municípiu (4M-C). Realizada a criação do município, pelo governador José Garcia Neto, (Magalhães, 2011, p.187), colocou-se em questão à discussão do nome que daria à região, recém emancipada e, que até meados de 1.975, recebera o nome de Vila Fronteira Rica/Brasil. O critério adotado na seleção de nomes para o recém município foi à necessidade de se homenagear expoentes da política fronteiriça da época. Com base nesse critério, os líderes do Movimento Emancipacionista, em 1.976, em homenagem póstuma, julgaram conveniente intitular a antiga região equivalente à Vila Fronteira Rica/Brasil passar a chamar de Aral Moreira/Brasil. De acordo com Trenkel (2009, p.13), o Deputado Federal, senhor Aral Moreira, destacou-se, principalmente: ...como pecuarista, ervateiro, jornalista e político nessa região, tendo sido proclamado Deputado Federal em 19.12.1950, com 14,01% dos votos do seu partido. Faleceu em 6 de novembro de 1952 no Rio de Janeiro e os seus restos mortais foram transferidos para o Cemitério de Ponta Porã em 2.004. A partir dessas informações registradas por Trenkel (2009), verififca-se que, Aral Moreira, tornou-se homem respeitado na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, motivo que ilustra o fato de a região levar o seu nome. Por outro lado, na época de seleção de nomes para o município fronteiriço, algumas famílias mais antigas da região não concordavam que a antiga Vila Fronteira Rica/Brasil recebesse o nome de Aral Moreira, visto que: INF. u dotor Arar Moreira qui era pai du dotor Eraldu trabaiava contra esti aqui eli num queria essa cidadi aqui INQ. pur que será? INF. eli tinha medu qui invadia a deli u Serru Alegri a fazenda deli (1-M-S. Grifo nosso). A essa época de 1.976, a fazenda intitulada de “Cerro Alegre” abrigava uma das maiores extensões territoriais, além de ser uma das mais antigas da região. Tal localidade abrigava, ainda, um número significativo de paraguaios, que serviam como 54 mão de obra especializada para os grandes proprietários do município recém emancipado. Em 22 de março de 1976, com a visita do governador, do antigo Estado de Mato Grosso, José Garcia Neto, juntamente com a sua comitiva, foi inaugurado o Posto de Saúde, obteve-se, ainda, a implantação de uma clínica dentária completa de laboratório e ambulatório, sob o cuidado do Dr. Nilo Drauwer, cujo convênio era com a “Funrural”. No dia 10 de novembro de 1976 foi inaugurada a primeira Agência Bancária da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, o Banco Bradesco, tendo como gerente, Juares Cassimiro, homem dinâmico e que muito ajudou no desenvolvimento do comércio e dos lavradores. No dia 15 de novembro, do corrente ano, foi realizada a primeira eleição. No mesmo ano, além da Escola Estadual João Vitorino Marques, a região passou a contar com a escola municipal Edwirge Coelho Derzi, situada na Costa do Ivaró. A escola atendia alunos, principalmente, oriundos do Distrito de Vila Marques e tinha capacidade para cento e cinquenta (150) discentes. A essa época, em 11 de outubro de 1.977, o Brasil implantou-se a Lei complementar nº 31, assinada pelo presidente da República Federativa do Brasil, Ernesto Geisel,27 que dava conhecimento ao país, a divisão do Estado de Mato Grosso em dois: Mato Grosso28 e Mato Grosso do Sul. Pelo registrado em documentos oficiais (ANEXOS: PARTE 1. ANEXO 09), na época de divisão dos Estados, o MT29 ficou com trinta e oito (38) municípios distribuídos em seis (06) microrregiões, enquanto MS30 ficou com cincuenta e cinco (55) municípios agrupados em sete (07) microrregiões. Ainda em 1.977, no dia 01 de fevereiro, às 10h00min, foi instalado em Aral Moreira/Brasil a Câmara de Vereadores, com sede no Clube Social Presidente Dutra, conforme Lei estadual nº 3686, de 13 de maio 1976. A essa época da implantação da “Casa se Leis” do município fronteiriço, os componentes eram compostos por: Presidente: Luís Lopes da Silva; Vice-Presidente: Bento Marques Neto; 1º Secretário: Augusto Alberto Blender; 2º Secretário: Geraldo Antonio Lopes; Vereadores: José Nunes Ferreira; Suplentes: Alcides Marques. 27 Foi um dos que mais trabalhou para a Divisão dos Estados de Norte e do Sul foi o coronel Ernesto Geisel, sendo por isso, condecorado como cidadão de Mato Grosso do Sul, ao estado ter completado sete anos. 28 O Mato Grosso, na época da divisão, tinha como governador o senhor Cassio Leite de Barros, natural de Corumbá, portanto um sul-mato-grossense. 29 Mato Grosso. 30 Mato Grosso do Sul. 55 É instituído, pela Lei nº 26, de 25 de agosto de 1.977, o Brasão do município de Aral Moreira/Brasil, elaborado pelo professor Arcinoé, com a predominância das cores: verde, amarelo, vermelho e branco. Para melhor visualização, veja a Figura 16, a seguir: Figura 16. Cor. Brasão do município de Aral Moreira. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. Ao realizar breve leitura da bandeira, verifica-se que as torres evidenciam representar o poder municipal iluminado pela cor vermelha, símbolo do amor pátrio, a cor prata pode se referir ao trabalho, à prosperidade e a pureza. A cabeça do boi e a tora de madeira evidenciam fazer alusão às atividades econômicas do município, tais como: a pecuária e a indústria extrativista de madeira existente na época da criação do município. Já a cor preta, usada no escudo, referencia a austeridade, a prudência, a sabedoria, a moderação e a firmeza de caráter. O verde representa a primeira atividade econômica do município, que era a erva-mate dando origem ao povoado que consequentemente cresceu e se emancipou. Os ornamentos exteriores: o feijão, a soja e o arroz, representam os produtos oriundos da terra dádiva férteis, que contribuem para o desenvolvimento econômico do município. No listel vermelho consta a data da emancipação, 13 de maio de 1977, e o topônimo identificador, Aral Moreira. 56 Ainda em 1.977, verifica-se outro símbolo municipal, elaborado pelo professor Arcinoé, a bandeira de Aral Moreira, conforme se pode observar na Figura 02: Figura 17. Cor. Bandeira do município de Aral Moreira. Fonte: Prefeitura municipal de Aral Moreira. Nota-se que a bandeira tem forma retangular, conforme a tradição herdada dos portugueses. A parte verde evidencia as propriedades rurais, a honra, a civilidade, a cortesia, à alegria e à abundância copiosa da colheita. Já a parte branca faz alusão à paz, à amizade, ao trabalho, à prosperidade, à pureza e à religiosidade. É marcada por uma cruz vermelha lembrando o simbolismo do espírito cristão (católico) de seu povo. Verificam-se, ainda, no centro, o brasão, e por trás o círculo branco, ambos representando a sede do município. Em meados de 1.977, foi elaborado, ainda, pelo professor Nelson Biasoli31, obedecendo ao Decreto de Lei nº 4545, de 31 de julho de 1.942, com relação ao Hino Nacional. O hino de Aral Moreira/Brasil tem a sua letra com destaque os desbravadores e colonizadores do nosso município, além de enaltecer o amor-pátrio por esta “Terra Querida”, citado no hino. A seguir, pode-se observar o hino de Aral Moreira/Brasil, em fragmentos comentados. 31 É autor de mais de 500 composições musicais (letra e música) sendo considerado recordista mundial na criação de hinos. 57 Estribilho: Salve, salve minha gente tão querida. Salve, Salve o trabalho e a União. Amarei Aral Moreira por toda vida “Primeiro Grito de Civilização” Na primeira estrofe do hino, pode-se observar a presença marcante da interjeição “Salve”, que funciona no início do Hino como saudação a “Gente de Aral Moreira”, atribuindo-lhes característica de “querida”. Isso evidencia, ainda, o traço marcante desse povo, hospitaleiro, possível a qualquer turista notar o acolhamento afetuoso. A interjeição “Salve” também ratifica saudação ao trabalho, desde os primórdios, com o Ciclo da Erva-Mate, a Extração de Madeira, o Cultivo de Café e, na contemporaneidade, o destaque abundamente da Agropecuária. O trecho “Amarei Aral Moreira por toda vida; Primeiro Grito de Civilização” pode evidenciar o “grito de independência” político-administrativo do município de Aral Moreira, destacado com o recurso “entre aspas”, justamente devido à intertextualidade alusiva ao contexto histórico brasileito vivenciado em 1.822, com o Grito de Independência do país. No hino, grita-se a independência políticoadministrativa do município de Aral Moreira, que até o momento era distrito de Ponta Porã/Brasil. Rio Verde antigo: Fronteira Rica Brilha a estrela no infinito céu azul És orgulho desta Pátria Bendita És Brasil, és Mato Grosso do Sul Uma vez realizado o cumprimento à população aralmoreirense, por meio da interjeição “Salve”, exemplificada na primeira estrofe do hino. A segunda estrofe traz à tona a localização do município, sendo uma cidade, Aral Moreira, do Estado de Mato Grosso do Sul, do país Brasil. O Rio Verde do Sul (1.883 a 1.940), citado no hino, faz referência ao primeiro nome da região que, de acordo com os depoimentos com sujeitos considerados pioneiros da região em foco e levantamentos bibliográficos, o território que forma o atual município de Aral Moreira foi, pela primeira vez, explorado no fim do século XIX, com a fixação de gaúchos e paulistas, dentre eles, Tomás de Laranjeira. É fundamental reafirmar a presença, no antigo território denomidado de Rio Verde do Sul, de indígenas de dois subgrupos, quais sejam: Guarani-kaiowa e guaraniñandeva. Além disso, é importante destacar a presença de sujeitos de ascendência 58 paraguaia que, por se tratar de uma região, geograficamente, privilegiada, fez com que a mescla entre povos brasileiros (matogrossenses e gaúchos), paraguaios e indígenas (guarani-kaiowa e guarani-nandeva) tornasse a região com povos de nacionalidades diferentes, portanto, uma região de fronteira entre Brasil e República do Paraguai singular. Outro apecto a ser destacado é a varidade de nomes que o atual município de Aral Moreira e alguns distritos receberam durante todo seu desbravamento histórico. Contudo, o hino apresenta dois nomes, considerados significativos, quais sejam: o “Rio Verde do Sul” e a “Vila Fronteira Rica”. O primeiro nome pode fazer alusão ao Rio Verde, que deságua no Rio Paraná, que banhava todo o antigo estado de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul. Embora o Rio Verde não seja navegável, no período de ocupação, os rios serviam, também, como referência de território. Além das designações apresentadas no hino, “Rio Verde do Sul” e “Vila Fronteira Rica”, o atual município de Aral Moreira/Brasil recebeu o nome, por muito tempo, de “Colônia General Dutra” (1.940 a 1.975). De acordo com pesquisas exaustivas realizadas pelo presente autor, há a possibilidade de que ambos os nomes – “Vila Fronteira Rica” e “Colônia General Dutra” – foram usados em épocas similares, portanto, em consonância. Por fim, numa sequência toponímica têm-se os seguintes nomes em ordem diacrônica: Rio Verde do Sul; Colônia General Dutra, em consonância, Vila Fronteira Rica e Aral Moreira. Estribilho: Salve, salve... Campo de gado e matas douradas Planalto de progresso e esplendor Cultiva a planta da felicidade Colhe a semente do amor. A terceira estrofe do hino inicia com a saudação às terras férteis do próspero município de Aral Moreira/Brasil, bem como a abundância no setor agropecuário, o que confirma sua importância para a economia da região. No trecho: “Cultiva a planta da felicidade”, pode-se fazer analogia à Lenda do antigo oriente, de uma árvore mágica (Planta da Felicidade ou Árvore da Felicidade), cuja premissa dizia trazer felicidades e realizações a todos que passassem por Ela. Já a passagem: “Colhe a semente do amor”, observa-se a alusão que o hino faz, especificamente, ao homem do campo, de modo geral, independente de sua posição social, política, religiosa, ideológica, dentre outras; com relação ao progresso do município de Aral Moreira/Brasil. 59 Estribilho: Bis Salve, salve... Deus doutou-a de tanta beleza Este meu torrão natal Que nem canta um poeta E nem sonha um mortal A quarta estrofe do hino também é iniciada com a interjeição “Salve”, evidenciando, agora, o amor de Deus para/com a região em questão e o estendendo aos ahbitantes do município de Aral Moreira/Brasil, dotada de tamanha beleza “que nem um poeta” é capaz de descrevê-la e que nem um mortal é capaz de sonhá-la. É importante destacar, ainda, que a estética da cidade de Aral Moreira apresentada no hino, é uma beleza incomparável, admirável e indescritível. Por esse motivo, não a descrevemos, mas sentimos. Entrelaçamento de raças gigante Povo audaz valente destemido Forte gentio, heróicos brasiguaios, São todos teus filhos Oh! TERRA QUERIDA. A última estrofe do hino reafirma a miscigenação social, cultural, étnica, religiosa, dentre outras; existente na fronteira de Aral Moreira/Brasil com a República do Paraguai, especificamente, com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. A estrofe caracteriza, ainda, o povo aralmoreirense como “audaz”, “valente”, “destemido”, “forte”, “gentio”, “heróico” e “brasiguaio”. Ou seja, povo guerreiro, ousado e dentre outros adjetivos que seguem a ideia da designação, do ponto de vista da sinonímia. É importante destacar que a unidade lexical: “Brasiguaio”, reitera a noção de mescla populacional do município de Aral Moreira/Brasil, como: os brasileiros, os paraguaios, os indígenas, que juntos compõem uma fronteira entre Brasil e República do Paraguai única, singular, com traços peculiares. A estrofe reafirma, também, a influência que a regiã de Aral Moreira sofreu no decorrer dos anos, com a presença de “povos mestiços32”, advindos de outras regiões do Estado, do país, e inclusive do país vizinho, a República do Paraguai. Dentre as inúmeras influências, destacam-se: a culinária, como o arroz de carreteiro, o churrasco, a sopa paraguaia, a cuca, o vori-vori, dentre outras comidas que desenha, a cada 32 Povos mestiços: Expressão entendida, aqui, como a mistura social, étnica, cultural, religiosa e ideológica entre povos de “nacionalidades” diferentes que habitam uma região de fronteira entre dois países. 60 amanhecer, a identidade culinária da região. A bebida, como o tereré33, o chimarrão e o vinho. A dança, como o vanerão, o chamamé, a Katchaka, o Catira, dentre outras. Além de danças, genuinamente, de rituais indígenas. Nota-se, ainda, a influência no aspecto linguístico, com a presença de línguas como: o português, o espanhol, e a junção das duas, que equivale ao termo “portunhol”. (prefixo “portu” equivale à língua portuguesa. Já o sufixo “nhol” é referente à língua espanhola). A mistura da língua espanhola e da língua guarani equivale ao “jopará”. Observam-se, também, as variantes linguísticas distribuídas entre padrão e não-padrão. Portanto, verifica-se que a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai é um universo composto pelo mosaico social, cultural, identitário, religoso, linguístico, ideológico, dentre outros; resultando numa situação mesclada, misturada, portanto, híbrida. Ainda na última estrofe do hino, o trecho: “São todos teus filhos. Oh! TERRA QUERIDA,” nota-se alusão aos povos fronteiriços de varidade étnica que compõe a fronteira pirotesca e “rurbana34” de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Desse modo, reafirma, que indepente de cor, raça, credo, dentre outros; são todos filhos do município de Aral Moreira/Brasil. Realizado a apresentação do hino, por meio de fragmentos interpretativos, verifica-se, pelo registrado em documentos oficiais que, em 1.977, realizou-se o empossamento dos vereadores. Na ocasião, ficou estabelecido que o Presidente da Câmara Municipal de Aral Moreira/Brasil deveria assumir a Prefeitura enquanto não houvesse a definição, efetivamente, para a comuna. Considerando a orientação, o vereador Luiz Lopes da Silva foi empossado no cargo de Prefeito Interino do município. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 08). Posteriormente, no dia 17 de fevereiro de 1.977, Jaime Marques assumiu a prefeitura, também na qualidade de prefeito interino. E assim, a administração política do município de cidade de Aral Moreira/Brasil ia ganhando formato. Com a divisão do estado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, em 11 de outubro de 1.978, foi escolhido, pelo povo sul-mato-grossense, os deputados que formaram a Primeira Assembleia Constituinte. Ainda na década de 78, devido ao grande 33 Bebida feita com a infusão da erva-mate consumida com água, limão, hortelã, entre outros. Diferentemente do chimarrão que é feito com água quente, o tereré é consumido com água fria, resultando em uma bebida agradável e refrescante. 34 “rurbana”, termo entendido aqui como o continunn entre rural ao urbano, citado em trabalhos de Stella Maris Bortoni-Ricardo. 61 fluxo de veículos e maquinários utilizados na pequena extração de madeira e na grande produção de soja, foi instalado o primeiro Posto de Combustível intitulado de: “Ipiranga: Auto Posto Fronteira LTDA”, cujo proprietário era Irineu Domingos Soligo, migrante gaúcho. A foto 13, a seguir, revive a instalação do Posto de Combustível, popularmente conhecido como “Ipiranga”. A foto ainda ilustra o momento que pode ser caracterizado como o “divisor de águas” entre o fim da extração de madeira e o início da agropecuária. Foto 18. Cor. Primeiro Posto de Combustível: Ipiranga - Auto Posto Fronteira LTDA. Fonte: Marciéli Marluci Trenkel. Enquanto a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai ia se evoluindo e ganhando formato de cidade, no dia 01 de janeiro de 1.979, após a eleição de deputados para compor a Assembleia Constituinte, os deputados tomaram posse35, perante o primeiro governador do Estado de Mato Grosso do Sul, Harry Amorim Costa, natural do Rio Grande do Sul, radicado em Campo Grande, capital do Norte do Estado. Um dos atos do primeiro governador de MS foi à criação da Bandeira do Estado, pelo decreto nº 1, de 1º de janeiro de 1.979. A bandeira foi elaborada por Mauro Miguel Munhoz, e juntamente foi oficializado o Hino de Mato 35 Os deputados que tomaram posse foram: posse Londres Machado (Presidente); Cecílio de Jesus Caeta (1º vice-presidente); Walter Benedito Carneiro (2º vice-presidente); Horácio Cerzósimo de Souza (1º secretário); Waldomiro Alves Gonçalves (líder da arena); Sergio Manuel da Cruz (líder do M.D.B); Alberto Cubel Bruel; Ary Rigo; Osvaldo Ferreira Dutra; Paulo Roberto Capibaribe Saldanha; Ramx Tebet; Rodel Espindola Trindade; Zenobio Neves dos Santos; Odilon Massahitsi Nacasato; Onevam José de Matos; Roberto Noaccar Orro e Sultan Rassian. 62 Grosso do Sul, com música de Radamás Gnattali, letra de Jorge Antonio Siufi e Otávio Gonçalves Gomes. (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 09). Em Aral Moreira/Brasil, no dia dezessete (17) de fevereiro de 1.979, o segundo prefeito do município, Jaime Marques, deixava o cargo, que passou a ser assumido, somente em 05 de julho do corrente ano, pelo Bento Marques, que ficou à frente da prefeitura por um curto período, atuando como Prefeito Interino até cinco (05) de outubro de 1.979. Pelo registrado em documentos oficiais (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 10), assinado pelo quarto (4º) Prefeito de Aral Moreira, dessa vez, nomeado através do Ato Governamental de 05 de outubro de 1.979, Rômulo Lolli Ghetti, verifica-se que, a época equivalente a 1.979, a população era de aproximadamente dezenove mil e cem (19.100 habitantes), sendo dez mil e oitocentos (10.800) na zona rural, e oito mil e trezentos (8.300) na área urbana. Com base nos dados estatísticos, nota-se que esse período foi o mais populoso. Os meios de Comunicação, da época de 1.979, eram principalmente: Viação Fronteira, empresa de ônibus responsável pelo deslocamento dos sujeitos que residia em Aral Moreira/Brasil a outras localidades, o telefone e o rádio de polícia. Ao que se refere à base econômica, em 1.979, de acordo com os documentos oficiais consultados, a Agricultura era atividade predominante. Dessa forma, a região produzia com abundância a soja, o arroz, o milho, o feijão e o trigo. Embora o destaque de atividade seja dado à agricultura, não se pode deixar de mencionar a pecuária, caracterizado por um expressivo rebanho bovino. Enquanto a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai ia ganhando progresso e visibilidade regional, no que se refere ao contexto macro de Mato Grosso do Sul, em 07 de setembro de 1.980, tomou posse, nomeado pelo Presidente da República, o novo governador do Estado de MS, Pedro Pedrossian, que governou até 15 de março de 1.983, optando pela regionalização do desenvolvimento. Após a divisão do Estado de Mato Grosso em dois, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o Estado ia se configurando, principalmente, no aspecto político-administrativo. No que diz respeito ao contexto micro, em 1.980, o município de Aral Moreira/Brasil já contava com duas (02) Escolas Estaduais, sendo elas: Escola Estadual João Vitorino Marques e Escola Estadual Doutor Fernando Corrêa da Costa. 63 Em 1.982, na administração do prefeito Rômulo Lolli Ghetti, o município de Aral Moreira/Brasil passou a contar uma (01) Praça Pública Central, intitulada de “Felisberto F. Marques”. Além disso, a região passou a contar com uma (01) Biblioteca Pública Central instalada dentro da Praça Felisberto F. Marques. O objetivo de instalação da Praça e da Bibliteca Pública Central era o de auxiliar os alunos e demais membros da comunidade de fronteira em pesquisas e leituras em geral, contribuindo, assim, para a formação da população leitora. As Fotos 19 e 20, a seguir, apresentam e rememoram, por meio da imagem, a solenidade de inauguração da Praça e Biblioteca Pública Central, em meados de 1.982. Foto 19. Cor.36 Foto 20. Cor.37 Em 1.984, a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai já tinha evoluído bastante, porém, ainda, carecia de recursos indispensáveis para a continuação de seu progresso, como, por exemplo, estradas. A seguir, a reprodução de uma entrevista realizada com um sujeito considerado pioneiro da região apresenta e revive, via-memória, a ausência de estradas em Aral Moreira/Brasil, bem como suas consequências: INF. teve uma época que nóis fiquemo ilhado aqui em 84 nem poraqui nem poraqui ia pra Ponta Porã cê tinha que i te uma artura cê ia te ali o Rincão de Julho e vinha um ônibus até uma artura dela cê andava de a pé mais o meno um quilômetro e poco e pegava outro ônibus pra i pra Ponta Porã e poraqui num passava ali na fazenda São Paulo meteu aguá ali era tudo chão né num passava na época foi um Deus nus acuda já pensô poco recurso” (5-M-C). 36 Foto 19. Cor. Solenidade de Inauguração da Praça Felisberto F. Marques. Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Aral Moreira. 37 Foto 20. Cor. Interior da Biblioteca Pública de Aral Moreira. Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Aral Moreira. 64 Em 1.986, o município de Aral Moreira/Brasil já possuía em sua jurisdição os distritos de Rio Verde do Sul e Vila Marques, com área total de aproximadamente 1.851 km. É interessante destacar que, na época, o distrito de Vila Marques já contava com a “Associação Comunitária de Vila Marques - ASSOVIMA”, localizada na Rua Manoel Ramos, número 252. De fato, a Associação entre produtores rurais de Vila Marques gerou grande visibilidade no setor Agropecuário, automaticamente, contribuindo para o desenvolvimento do município de Aral Moreira/Brasil. No ano de 1.987, cerca de cinquenta (50) indígenas, de etnia guarani-kaiowa e guarani-ñandeva, que viviam na República do Paraguai, passaram a frequentar, constantemente, as regiões próximas ao Rio Verde. Eles saíam do Cerro XXI, localizado no Departamento Santa Virginia/Paraguai e subiam até as margens do Rio Verde. Em pouco tempo, fixaram uma aldeia, porém não reconhecida, oficialmente, como parte do município de Aral Moreira/Brasil. O motivo de emigração indígena, das etnias acima mencionadas, dava-se devido à busca de caça e pesca, e, a região ocupada, na época, ficava a margem do Rio Verde, o que contribuía, significativamente, para a pesca, além de outras questões próprias da subsistência indígena. A relação entre alguns políticos de Aral Moreira/Brasil com os indígenas de etnia guarani-kaiowa e guarani-ñandeva não era harmoniosa. Conforme relato de um sujeito, considerado pioneiro da região, em 1.987, alguns governantes da cidade de Aral Moreira/Brasil não gostavam da “ocupação” indígena. INF. na épuca du Seu Geraldu nóis tentemu acaba cum aquela ardeia lá aí levaram tudu os indiu imbora tinha assim tipu cincuenta indiu levaram tudu imbora aí u: Geraldu falou pra mim i cum as maquina lá i tranca as istrada du Guassuty pra essis índiu num vortá falei Seu Geraldu issu num ixisti índiu num anda pela istrada índiu anda de a pé a::: num deu otra fomu com as maquina na istrada nu otru dia nóis inxerguemu uma fumacinha i já tarram tudu lá dentro aí qui issu foi em oitenta i seti nessa época nóis tava briganu pra tira eles qui u Gerlado fico até noventa i treis aí: elis entraram i num saíram mais/tomaram conta da fazenda aí tiveram que dá pra elis um pedaço di terra elis teim novicentus hequitari quatru fazenda num sei di quem era a: fazenda só sei qui era quatru donu issu foi im oitenta i seti em dianti tirava elis vortava tirava i elis vortava ai elis entraram e num saíram mais (5-M-C. Grifo nosso). No excerto acima, verifica-se, nitidamente, a resistência de índios guarani-kaiowa e guarani-ñandeva, diante da posição adotada de alguns governantes do município de Aral Moreira/Brasil e de alguns líderes da região. Portanto, o período que equivale a 1.987, pode ser considerado o momento de confronto entre culturas diferentes, 65 decorrente do contato entre sujeitos indígenas e não-indígenas, cujo um dos objetivos era a “apropiação” de terras. Em 1.989, a produção de soja, de milho, de farinha, dentre outras atividades relativas à agricultura, foi abundante. Em virtude da grande produção agrícola, os produtores realizaram um Projeto Solidário chamado de “Natal do Carente”. As fotos 21 e 22, a seguir, ilustram e rememoram, por meio da imagem, o Projeto Solidário intitulado de: “Natal do Carente”, em meados de 1.989. Foto 21. Cor.38 Foto 2239 O Projeto intitulado “Natal do Carente” foi um movimento cujo objetivo principal era o de doar brinquedos e alimentos (milho, batata, farinha, dentre outros) produzidos pelos produtores rurais, que, de alguma forma, servia como alimento para as comunidades mais carentes da região. Dentre essas comunidades desprovidade de alimento, curiosamente, destacavam-se alguns sujeitos oriundos do Departamento Santa Virginia/Paraguai, além de alguns indígenas de etnia guarani-kaiowa e guaraniñandeva. Ainda em 1.989, porém já na administração do sétimo prefeito de Aral Moreira, Geraldo Antonio Lopes, e, devido ao avanço significativo da Agropecuária na região, foi criada a Primeira (1ª) Festa do Peão Boiadeiro. O Evento contava com o apoio do Correio Popular, do Sindicato Rural e da Prefeitura Municipal de Aral Moreira/Brasil. A respeito da Festa do Peão Boiadeiro de Aral Moreira/Brasil, Sampaio (2006, p.211), registra que a Evento era constituído de “três dias, no mês de setembro, com rodeios, shows e barracas com comidas típicas da região”. 38 Foto 21. Cor. Projeto: Natal do Carente em Aral Moreira/Brasil. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. 39 Foto 22. Cor. Projeto: Natal do Carente em Aral Moreira/Brasil. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. 66 As fotos 23 e 24, a seguir, retratam e revivem, por meio da imagem, a Primeira (1ª) Festa do Peão Boiadeiro de Aral Moreira/Brasil, fruto do reconhecimento e da expansão agropecuária da região fronteiriça. Foto 23. Cor.40 Foto 24. Cor41 A Foto 17 retrata e rememora o primeiro Concurso de Beleza da região, realizado durante a Primeira (1ª) Festa do Peão Boiadeiro de Aral Moreira/Brasil. O Concurso elegia e premiava as seguintes categorias: a Rainha da festa, a primeira (1ª) Princesa e a segunda (2ª) Princesa. O concurso pode ser considerado o marco inicial para outros concursos de beleza, realizados posteriormente, como: Garota Regional; Miss Aral Moreira; Garoto e Garota João Vitorino Marques; Garota Vila Marques e Rainha de Festijum42. Certamente, esses concursos de beleza atraíam pessoas de cidades circunvizinhas, o que contribuiu para que a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai ganhasse, ainda mais, visibilidade regional. Passado alguns anos, em 1.992, curiosamente, a Aldeia Guassuty foi oficialmente reconhecida. No entanto, é importante destacar que, por muito tempo, a população, de etnia guarani-kaiowa e guarani-ñandeva, ficou alojada na Àrea indígena Limão 40 Foto 23. Cor. Cartaz da 1ª Festa do Peão Boiadeiro. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. Foto 24. Cor. Rainha; 1ª Princesa e 2ª Princesa da 1ª Festa de Peão Boiadeiro. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. 42 Festijum era uma festa junina promovida pela Prefeitura Municipal em parceria com todas as instituições de ensino de Aral Moreira. 41 67 Verde,43” aguardando a decisão do Ministério da Justiça, retornando à área equivalente à Aldeia Guassuty em dezembro de 1992. Após o retorno da população indígena, de etnia guarani-kaiowa e guaraniñandeva, Segundo Matoso (2006, p.12), “a população kaiowa da área indígena Guassuty é de 350 pessoas, são subgrupos do Tronco Tupi Guarani e habitam uma área de 958 hectares”. Ainda em 1.992, com o objetivo de incentivar a diversificação da produção, com o apoio da Prefeitura Municipal e do Departamento Municipal de Agricultura de Aral Moreira/Brasil, foi criado o Projeto intitulado: “Feira do Produtor”. As Fotos 25 e 26, a seguir, ilustram e reconstrói, por meio da imagem, outra época, considerado pertinente para a agricultura da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Foto 25. Cor.44 Foto 26. Cor.45 Segundo a fala de alguns informantes, considerados pioneiros da região em foco, ao período equivalente a 1.992 havia um projeto denominado: “Feira do Produtor”, que visava incentivar a diversificação da produção de pequenos produtores rurais que residiam na fronteira do Brasil com a República do Paraguai. A Feira era composta por barracas de madeiras e lonas de caminhão no centro da cidade de Aral Moreira/Brasil. Dentre os produtos comercializados, destacavam-se: a mandioca, o arroz, o milho, o café e a erva-mate. 43 Embora oficialmente seja registrada com o nome de Aldeia Limão Verde, sabe-se que a Aldeia também conhecida como Aldeia de Amambai. A área indígena fica na cidade de Amambai, no Estado de Mato Grosso do Sul. 44 Foto 25. Cor. Placa do Projeto intitulado: “Feira do Produtor”. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. 45 Foto 26. Cor. Feira do Produtor em Aral Moreira/Brasil. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira 68 É importante mencionar que, atualmente não há mais a manutenção dessa tradição da Feira do Produtor, porém há a celebração, todos os anos, do “Dia de Campo”, cujo objetivo é a reunião de produtores rurais de Aral Moreira/Brasil e regiões circunvizinhas, a fim de discutir e compartilhar experiências, específicas da área Agropecuária. Pelo registrado em documentos oficiais, cedidos pela Prefeitura Municipal de Aral Moreira, já em 1.996, a estimativa da população aralmoreirense era de, aproximadamente, 7.082 habitantes. Em virtude ao número de habitantes que residiam na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, em maio, de 1.990, inaugurou-se a Escola Municipal Rural intitulada de: “Homero Dutra”, cujo intuito era o de proporcionar o ensino básico aos alunos de zona rural. Após a independência político-administrativa da cidade de Aral Moreira/Brasil, o município passou a investir, rigorosamente, em solenidades cívicas, como: desfile na Semana da Pátria e no Aniversário de Emancipação Político-Administrativa da cidade; manutenção da Fanfarra Municipal; e no constante hábito de cantar o hino nacional, seja na Praça Pública Central, nas Escolas Públicas ou em frente à Prefeitura Municipal de Aral Moreira/Brasil. A título de ilustração e reconstrução de Atos Cívicos na região, observe, a seguir, as Fotos 27 e 28. Foto 27. Cor46 Foto 28. Cor47 Durante as Solenidades Cívicas, principalmente, na Semana da Pátria que comemora a Independência do Brasil, a Fanfarra Muncipal se apresentava para as autoridades (Foto 17). Os alunos, da Rede Pública Municipal e Estadual, também 46 Foto 27. Cor. Fanfarra Municipal de Aral Moreira. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. Foto 28. Cor. Solenidade Cívia na Praça das Cuias em Aral Moreira/Brasil. Fonte: Prefeitura Municipal de Aral Moreira. 47 69 participam de tal Ato, geralmente, realizado na Praça Pública Central, intitulada de “Praça das Cuias”. (Foto 18). O Desfile Cívico em comemoração à Independência do Brasil acontecia no dia sete (07) de setembro, na Rua trinta e um (31) de março. O Ato Cívico contava com a presença das instituições de ensino (Municipal e Estadual) Fanfarra Municipal de Aral Moreira/Brasil, Fanfarra de Ponta Porã/Brasil, Agentes de Saúde, Polícia Militar, o Exército local e o de Ponta Porã. No Ato Cívico, eram hasteadas e arriadas por autoridades da região, como: Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores, as bandeiras do município de Aral Moreira, de Mato Grosso do Sul e do Brasil. Curiosamente, Barbosa, ao realizar breve análise interpretativista sobre o hino do município de Aral Moreira/Brasil, registra que, em 2.014, foi “aprovado pelos vereadores da Câmara Municipal da região em questão, a Lei que torna obrigatória a execução do hino da cidade em escolas e demais eventos de caráter cívico” (BARBOSA, 2014, p.01). Ou seja, somente após trinta e nove (39) anos de independência político-administrativa, torna Lei e reconhece que cantar o hino é, antes de tudo, honrar, adorar, invocar um acontecimento histórico, cultivando a identidade e a história (ambas em construção) de um povo. Na contemporaneidade, a comunicação entre a fronteira de Aral Moreira/Brasil com o país vizinho, República do Paraguai, faz-se diariamente com o trânsito de indivíduos ou de veículos por suas ruas interligadas, ou através das emissoras de rádio e jornais que circulam, levando informação aos habitantes locais, uma interação e convivência como se fosse uma única cidade. Fernandes (2005, p. 185), ao apresentar um estudo relativo ao “Proyecto Escuela de Frontera Brembatti Calvoso/Brasil y Escuela nº290 Defensores dol Chaco/Paraguai”, da fronteria seca de Ponta Porã/Brasil com Pedro Juan Caballero/Paraguai, pondera que cruzar a fronteira é: “para nós aqui é apenas atravessar a rua, não podemos esperar que deixe do outro lado sua cultura, seus costumes, sua língua materna, enfim sua identidade. Deste modo, qualquer turista poderá observar a cultura brasileira, paraguaia, indígena, de imigrantes, de povos minoritários, atravessando a fronteira diariamente, por diversos motivos, necessidade de comunicação, comércio, emprego, dentre outros.” Além disso, outro traço se mostra peculiar da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, que é a forte presença de hortaliças e pomares frutíferos nas residências dos sujeitos que habitam essa região fronteiriça. A 70 partir do olhar etnográfico se verifica nas casas residenciais pequenas hortas, em sua maioria, situadas ao fundo dos terrenos, com a presença do famoso “cheiro verde”48, utilizado, também, para temperar a comida diária e fazer remédios caseiros, em prol do bem estar da saúde da população do município. Não só as hortaliças, mas também se observa nessa região, os pomares frutíferos, utilizados para fazer sucos naturais e xaropes. Barbosa (2012, p. 22-3) afirma que “esse hábito de plantar árvores frutíferas e hortaliças, dentro aos fundos dos terrenos de casas residenciais, talvez seja uma tradição hereditária, vinda de pessoas mais velhas”, em outras palavras, pelos colonizadores da região. Dessa maneira, pode-se classificar essa pequena produção de pomares frutíferos e hortaliças, como de agricultura familiar, ou seja, aquela que não visa fins lucrativos. Quanto ao clima da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, Sampaio (2006, p. 209) ressalta que o clima é: “Tropical Úmido, com um a três meses secos. O total médio anual de pluviosidade é de 1.600 mm, com as chuvas concentradas no período de setembro a abril”. Desse modo, graças à sua localização, na fronteira internacional entre o Brasil e a República do Paraguai em foco, há duas estações bem definidas, sendo elas: inverno seco e verão chuvoso. Ainda com relação ao clima de Aral Moreira/Brasil e do Departamento Santa Virginia, é importante mencionar que o clima é distinto de maior parte do Estado de Mato Grosso do Sul, tornando-se possível a qualquer viajante perceber a diferença na temperatura que no inverno ou no período chuvoso, a fronteira em questão fica coberta por intensa neblina, o que torna difícil a visibilidade dos motoristas, exigindo desses, maior cuidado no trânsito para evitar acidentes. Em se tratando de economia, tanto a cidade de Aral Moreira/Brasil quanto o Departamento Santa Virginia/Paraguai é movida pela Agricultura e a Pecuária (Agropecuária). Silva (2007, p. 20-1) considera que: O município desenvolve as atividades de pecuária e agricultura. No caso da pecuária o rebanho componente do Município de Aral Moreira é composto de gado de leite e de corte, destacando entre o rebanho bovino as raças de: Giro Nelore e Holandês, motivado pelo excelente clima e as propicias pastagens existentes na região. (2007, p. 20-1) Pode-se afirmar que, atualmente, grande parte da economia do município de Aral Moreira é movimentada pelas atividades desenvolvidas na área rural, através da criação 48 Consiste na mistura de salsinha, cebolinha, manjerona e outros temperos verdes. 71 de gados, geralmente no país vizinho: República do Paraguai. Tendo em vista o número significativo de rebanhos bovinos na região fronteiriça, todo ano, especificamente no mês de maio, é realizado a Festa da Padroeira, pela Igreja Católica. O evento conta com Leilões de gados, doados por brasileiros, moradores da cidade, que possuem seu rebanho bovino em fazendas localizadas na República do Paraguai. Diante da realidade socioeconômica, dos aspectos históricos e geográficos da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, o que podemos dizer dos aspectos culturais? Como explicar o prazer de tomar o tereré ou comer uma chipa paraguaia? Não são apenas os paraguaios que gostam dessa culinária. E quanto aos ritmos musicais? Quem não gosta de dançar kachaka, polca, vanerão ou sarandeiro? Como se nota no cotidiano de sujeitos radicados na fronteira, o gosto pela culinária, pela dança ou pela música é comum entre os dois povos. (brasileiros e paraguaios). Ainda na contemporaneidade, a população aralmoreirense é formada por uma considerável variedade étnica, contudo, a união dos habitantes, geralmente rurais, da fronteira entre o Brasil e a República do Paraguai em foco merece destaque, uma vez que costumes e hábitos ultrapassam os “limites fronteiriços”, do ponto de vista geopolítico, seja na dança (vanerão, kachaka, chamamé, polca), na bebida (tereré), na culinária (sopa paraguaia e chipa) ou na música (boleros e polca paraguaia) que já chegaram a outros Estados do Brasil, como Mato Grosso. Na pequena cidade do interior de Mato Grosso do Sul é comum ver as pessoas nas rodas de tereré, conversando em frente as suas casas residenciais ou de amigos, bem como em locais públicos, como Praças Públicas Centrais, Ginásio Poliesportivo, dentre outras localidades. O olhar etnográfico nos proporciona a afirmar que, em sua maioria, verifica-se que as famosas “Rodas de Tereré” são encontradas no fim de tarde, horário em que grande parte da população aralmoreirense encerra o expediente de trabalho. Ao considerar os aspectos educacionais, verifica-se que, atualmente, o município de Aral Moreira/Brasil conta com três (03) Escolas Públicas Estaduais, sendo uma delas no Distrito de Vila Marques, quatro Escolas Públicas Municipais, distribuídas entre os distritos de São Luís, Rio Verde do Sul e Vila Marques. Além disso, a região conta com uma escola indígena, localizada na aldeia Guassuty. A cidade possui, ainda, um Pólo da UNIGRAN49, local em que grande parte da população gradua o ensino superior à 49 Centro Universitário da Grande Dourados. 72 distância. Outro ponto que chama atenção é o fato de que a região, ainda, não possui instituição de ensino regular privada. A fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia continua, a cada amanhecer, construindo e a desenhando sua história. Dessa maneira, não podemos deixar de mencionar que não limitamos o assunto sobre o “Panorama Histórico de Aral Moreira/Brasil e Departamento Santa Virginia, marcada por lutas, sofrimento e embates étnicos, linguísticos, ideológicos e políticos, que sem sempre foram harmoniosos. Certamente, essa fronteira internacional entre Brasil e República do Paraguai, ainda, possui muitos aspectos a serem explorados e documentados, mas com o presente estudo, tentamos mostrar o desbravamento histórico ocorrido nesse rico universo, ora brasileiro, ora paraguaio, portanto, hibrido. 73 Capítulo 02 – Desenhando os Passos de Pesquisa 2.1. Considerações Preliminares A princípio, para melhor compreensão dos passos de pesquisa, torna-se necessário contextualizar, detalhadamente, todo o trajeto de pesquisa etnográfica. O capítulo está dividido ao que denominamos de: “Cenas Etnográficas”, cujo objetivo é de melhor ilustrar como se deu os passos de pesquisa. 2.2. Cenas Etnográficas 2.3. Cena I: Do ingresso ao programa de mestrado ao reconhecimento da comunidade: perspectivas iniciais sobre o Objeto de Estudo Em novembro de 2012, no processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em Letras, da Facale50, da UFGD51, apresentei à banca examinadora o anteprojeto intitulado: “O Ensino do Português no Cenário Sociolinguísticamente Complexo: Fronteira em Questão”, cujo objetivo principal era o de trabalhar com a formação de professores de escolas públicas da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com a República do Paraguai. Após o processo seletivo, disposto nos termos por meio do Edital nº 15/PROPP, de 12 de setembro de 2012, fui aprovado, e, ficou estabelecido que a minha orientadora fosse a Profª. Drª. Maria Ceres Pereira, especialista e pioneira nos estudos de linguística aplicada, além de ser reconhecida tanto no contexto acadêmico nacional quanto internacional. A minha aprovação no Mestrado em Letras da UFGD gerou uma repercussão expressiva, de modo que grande parte dos moradores da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com a República do Paraguai teve notícia de minha entrada ao Programa de Pós-Graduação em Letras. Em fevereiro de 2013, a Câmara Municipal de Aral Moreira realizou uma solenidade intitulada de “Personagens Ilustres”, cujo objetivo principal era o de homenagear sujeitos considerados pioneiros da região, senhores e senhoras que contribuíram e contribuem para o desenvolvimento do município. O ato solene contou com a presença do prefeito, Edson Luiz de David, vice-prefeito, Eugênio Pereira Freire, 50 51 Faculdade de Comunicação, Artes e Letras. Universidade Federal da Grande Dourados. 74 vereadores52, e demais convidados, divididos entre: comerciantes, professores, famílias dos homenageados, dentre outros. Recebi a Moção de Congratulação por meio da indicação da Presidente da Câmara Municipal, Vereadora Vera Cruz Bonaldo, parabenizando pelo ingresso no Mestrado em Letras. As fotos 29 e 30 ilustram e revivem o reconhecimento do Poder Legislativo Municipal com relação ao meu ingresso no Programa de Pós-Graduação, em nível de Mestrado. Foto 29. Cor.53 Foto 30. Cor.54 Em uma reconstrução via-memória me lembro do discurso da Presidente da Casa de Leis, professora Verinha, quando dizia: “para nós é motivo de orgulho o Jefferson ter passado num processo seletivo concorrido, isso mostra que as escolas de Aral Moreira têm formado sujeitos críticos e comprometidos com as causas sociais”. A partir desse momento, junto ao reconhecimento do Poder Legislativo veio à responsiva tarefa de executar uma pesquisa cujo lócus era/é minha cidade natal. O Ato solene me fez refletir, ainda, sobre a visão de alguns membros de minha comunidade com relação a minha pessoa, posto que, agora, viam-me como pesquisador formado e não mais como, apenas, membro (morador) da comunidade. 52 Vera Cruz Bonaldo; Valdir Soligo; Alexandrino Garcia; Wilson Gonçalves; Marinês de Oliveira; Tito Bertoncello; Silvana Alves Cordeiro; Gilson Oliveira Ferreira e Giovane Corbari. 53 Foto 29. Cor. Solenidade: Personagens Ilustres de Aral Moreira/Brasil. Fonte: Jefferson Machado Barbosa. 54 Foto 30. Cor. Solenidade: Personagens Ilustres de Aral Moreira/Brasil. Fonte: Jefferson Machado Barbosa. 75 A homenagem da Câmara Municipal fez com que a informalidade das pessoas, cedesse lugar para a formalidade, ou seja, a monitoração nos diversos aspectos da linguagem (gestual, linguística, dentre outras). 2.4. Cena II: Da reformulação do anteprojeto a transição do objeto de estudo: reflexões Passado alguns dias, fui convocado, pela minha orientadora, para uma reunião cujo objetivo principal era a discussão do anteprojeto inicial, aquele apresentado no processo seletivo de mestrado. Além disso, a reunião serviu para discutirmos o Marco Teórico e a Metodologia de Pesquisa. Durante a reunião minha orientadora me apresentou a representação gráfica que ilustra as Zonas de Fronteira e pontuou onde há a presença de cidades gêmeas. Embora meu contexto de pesquisa, proposto no anteprojeto inicial, não se encaixe na modalidade de cidade gêmea55, não deixa de caracterizar-se como uma região de fronteira, uma vez que há a presença de dois países, Brasil e República do Paraguai, separados apenas por uma linha internacional térrea (rua), sem obstáculos, como: rios, pontes, dentre outros. Para melhor visualização, veja a Figura 31, apresentada pela minha orientadora. A figura mapeia as cidades gêmeas em Zonas de Fronteira.56 Segundo Cirlani Terenciani, “Cidades gêmeas” em função da tipologia apresentada por ambas, na qual suas áreas urbanas estão conurbadas uma à outra, separadas/unidas apenas por uma rua”, como é o caso da fronteira internacional de Ponta Porã/Brasil com Pedro Juan Caballero/Paraguai. (TERENCIANI, 2012, p.02). Disponível em: http://www.eumed.net/rev/cccss/18/ct.html> 56 Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PRPDFF), do Governo Federal brasileiro como “cidades gêmeas” em função da integração física existente entre ambas, localizadas na “zona de fronteira” que representa “[...] um espaço de interação, uma paisagem específica, com espaço social transitivo, composto por diferenças oriundas da presença do limite internacional, e por fluxos e interações transfronteiriças cuja territorialização mais evoluída é a das cidades-gêmeas” (BRASIL, 2005 p. 21). 55 76 Figura 31. Mapa das Cidades Gêmeas. Fonte: MEC – Programa Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira, 2009. Ao olhar o mapa, senti que poderia ser alvo de reflexão e, sobretudo de sensibilização diante da realidade que as Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF), atualmente, denominado de Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira (PEIBF), situados em Zonas de Fronteira, cujo objetivo é o de estreitar laços de interculturalidade entre cidades vizinhas de países que fazem fronteira com o Brasil. Ainda que o meu contexto de pesquisa proposto inicialmente, a fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com a República do Paraguai, não possa ser classificado com uma fronteira que abriga cidades gêmeas, é imprescindível reafirmar a noção de complexidade sociolinguística, principalmente, no âmbito escolar. Curiosamente, em Aral Moreira/Brasil há a presença de comércios, escolas, dentre outros, o que a caracteriza como uma cidade já emancipada, de caráter “urbano”, enquanto que a República do Paraguai é composta pela presença de fazendas, chácaras e sítios, cujo objetivo central é a movimentação da agropecuária, tornando-a uma localidade de caráter mais rural. Ao consultar a investigação de Dalinghaus (2009, p.98), os números me chamaram atenção, a autora registra que: “Há 10 países nas fronteiras. Há 11 estados e 120 municípios. Esses números são significativos, mas vale destacar que há 5.500 escolas aproximadamente nas áreas de fronteira, 600 mil alunos e 28 mil professores”. 77 Com base nesses números considerados relevantes, principalmente, no que se refere ao número de professores que atuam nas fronteiras e os reflexos de Políticas linguísticas para/com as regiões de fronteira, surgiram às seguintes perguntas da pesquisa: I) Que conceitos têm as professoras da fronteira sobre bilinguismo, línguas e cultura da fronteira? II) As professoras que vivem na fronteira percebem a realidade bilíngue de seus alunos brasiguaios, paraguaios e indígenas? III) Que percepções têm as professoras acerca da escrita de seus alunos indígenas, paraguaios e brasiguaios de duas escolas públicas da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia? É interessante ressaltar, aqui, que em virtude à amplitude do território composto pela República do Paraguai, delimitamos como ponto de referência a cidade de Aral Moreira/Brasil e o Departamento Santa Virginia. A Cardia, como é popularmente designada pelos moradores da região ou Departamento Santa Virginia possui aproximadamente cinquenta (50) famílias, mescladas entre: indígenas, paraguaias, brasileiras e brasiguaias (/bra/ brasileiro; /guaias/ paraguaio: sujeitos com dupla nacionalidade). Sua composição arquitetônica conta com uma igreja, casas de madeira e instalação da Força de Segurança Internacional, ao qual contribuiu significativamente para a segurança, na época em que a região era Colônia General Dutra/Brasil. Veja, a seguir, a Figura 32, que ilustra o Departamento Santa Virginia, situada na República do Paraguai, no Departamento de Amambay, em Pedro Juan Caballero. Foto 32. Cor. Departamento Santa Virginia ou Microrregião da Cardia/Paraguai. Fonte: Jefferson Machado Barbosa. 78 Certamente, as perguntas de pesquisa e as reflexões realizadas por meio da mediação de minha orientadora, professora Maria Ceres, fez com que reformulássemos o anteprojeto e adequássemos o referencial teórico e metodológico de pesquisa. Assim, o anteprojeto recebeu novo formato, delimitado com alguns critérios que passo a descrever a seguir. A investigação tomou como base a Pesquisa Qualitativa do Tipo Estudo de Caso Etnográfico. Pfaff (2011, p.254) registra que “a palavra grega ‘etnografia’ denota a descrição (graphein) de um povo ou cultura (ethnos), uma vez que fez parte da antiga antropologia colonial”. A autora ressalta, ainda, que a etnografia, como metodologia de investigação, remonta a um período em que áreas como, a Educação, a Antropologia e a Sociologia ainda não haviam sido estabelecidas como disciplinas científicas. Parafraseando Ginsburg (1991), citado por Pfaff (op. cit, p. 255), o trabalho de campo do pesquisador etnográfico teve início no começo da colonização cujo primeiro objeto de pesquisa foi os povos classificados como “incivilizados”, o que Pereira (1998, p.39), denomina de povo “inculto”. Pereira (Op. Cit. p.39) registra, ainda, que o interesse dos pesquisadores etnográficos, intelectuais da época, era voltado, especialmente, aos trabalhadores campesinos, “retratando passos positivos de povos comuns”, ou seja, o objetivo da etnografia se esboçava na descrição de culturas. Segundo Pfaff (2011) partir do interesse de disciplinas da área de Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Educação) pela abordagem metodológica etnográfica, surgiu, no início do século XX, o trabalho de campo etnográfico como metodologia de pesquisa cujo objetivo era o de tentar compreender o “Outro” por meio da observação, descrição e interpretação. Segundo André (2000) e Flick (2011), a etnografia é um tipo de pesquisa é interpretativista, e, entendendo que a interpretação dos sentidos para os sujeitos envolvidos é de relevância para o entendimento conceitual do “como percebem” o que é ensinar em cenário de fronteira, o que é ser bilíngue e, quais os desafios para o professor que vive e atua nesse contexto, classificado por Cavalcanti (1999) e Pereira (2002b), como “mais” sociolinguisticamente complexo e onde as dinâmicas se tornam invisibilizadas. Compreendendo o teor da investigação e as perguntas de pesquisa, tracei juntamente com a orientadora deste trabalho os objetivos da pesquisa em questão, quais sejam: Objetivo Geral: Investigar se e de que forma as docentes de língua Portuguesa do Ensino Fundamental de duas (02) escolas da rede pública da fronteira internacional de 79 Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai percebem a realidade bilíngue de seu contexto de trabalho. Objetivos Específicos: i - Averiguar como as docentes de língua portuguesa percebem possíveis marcas de bilinguismo situacional em textos escritos por alunos do 9º ano das escolas investigadas, conhecido como: brasiguaios, paraguaios e indígenas; ii- Descrever e explicitar os conceitos de bilinguismo das professoras, sujeitos da pesquisa, a partir de entrevistas narrativas. Como se observa nos objetivos, Geral e Específico, para investir na qualidade e na cientificidade da pesquisa foi necessário fazer um recorte de pesquisa verticalizada. Os critérios que sustentam o recorte de pesquisa foram: Conforme demonstra o estudo de Barbosa (2012), no que se refere aos aspectos educacionais, atualmente a região em estudo possui cerca de oito escolas, distribuídas, entre a rede pública e municipal na zona rurbana57 e rural. Entendemos que o perfil das instituições de ensino da Rede Municipal se difere da Rede Estadual, tendo em vista, principalmente, os Projetos Políticos Pedagógicos adotados pelas escolas. Outro fator, não menos importante, está relacionado à série ofertada pelas escolas, ou seja, as escolas municipais da região em estudo oferecem somente o primeiro ciclo do ensino fundamental, destinados à alfabetização de crianças, enquanto que as escolas estaduais proporcionam os dois ciclos, ensino fundamental e médio. Outro ponto relevante foi à dificuldade de acessibilidade às demais escolas, principalmente, escolas da zona rural. Assim, no que diz respeito ao contexto macro da pesquisa, selecionamos duas (02) escolas estaduais da área rurbana da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, ambas as instituições mais antigas da região. Ao analisar o contexto macro de pesquisa, verificamos que seria necessário realizar um recorte para o objeto de estudo. Desse modo, selecionamos nosso foco de estudo para os professores de língua portuguesa, especificamente, os professores do Ensino Fundamental, onde a presença de alunos brasiguaios, paraguaios e indígenas se fazia presente. Os professores de língua portuguesa, objetos de nosso estudo, atuavam nos turnos: matutino e vespertino. Além disso, é importante mencionar que não realizamos um recorte de sexo, faixa etária, posição social, dentre outros; conforme se propõe a sociolinguística da Variação, de Fernando Tarallo (2007). 57 Acreditamos que, apesar de sua emancipação político-administrativa, a região em estudo não pode ser classificada como essencialmente urbana. Desse modo, optamos por usar o termo utilizado por BortoniRicardo (2004) que designa um continuum do rural ao urbano, rurbano. 80 Tendo em vista a amplitude da Etnografia no atual cenário acadêmico, em concessão com a minha orientadora, optamos por seguir a abordagem metodológica de pesquisa Estudo de Caso Etnográfico, centrado nas bases da Etnografia Americana cujo principal teórico é Frederick Erikson (1990a/1992b/1988c). A etnografia se mostrou mais eficaz para a presente pesquisa por, pelo menos, três razões significativas: I - As orientações etnográficas indicam que o pesquisador etnográfico “deve participar da vida cotidiana das pessoas ao longo de um período de tempo, durante o qual, deve participar e observar o que acontece naquele contexto”. (PEREIRA & JUNG, 1998, p.305). Nesse sentido, como pesquisador em formação, tenho voltado meu olhar para as situações sociolinguísticas da fronteira onde vivi desde a infância. Assim posso afirmar que a etnografia tem sido parte de meu olhar investigador; II- Como membro da comunidade de fronteira, certamente, muitas sutilezas se tornaram familiares. A esse respeito, Erikson (op.cit.), citado por Pereira & Jung (op. cit.), pontuam que a noção de “invisibilidade da vida cotidiana”, resulta, dentre outros parâmetros, na “familiaridade e na rotinização” da vida de pesquisador nato da região em estudo, pois antes de pesquisador, fui morador da região focalizada neste estudo, o que contribuiu para tornar algumas sutilezas invisibilizadas. Para tornar essa familiaridade estranha, Pereira e Jung (op. cit.) recomendam, em seus estudos etnográficos, que o pesquisador deve sempre se perguntar: “O que está acontecendo aqui?”. Ainda segundo as autoras, a pergunta: o que está acontecendo aqui?, serve para gerar a reflexão a respeito do campo de pesquisa, sobretudo do objeto de estudo, contribuindo, assim, para a quebra de padrões (crenças, valores, ideologias, dentre outros fatores) culturalmente construídos. Contudo, ao elaborar respostas para tal pergunta, o pesquisador estará sendo ajudado a tornar o familiar em algo estranho, assim, o invisível passa a ser questionado e, sobretudo problematizado. Acredito que há graus de estranhamento, desse modo, o pesquisador deve tentar tornar o familiar o mais estranho possível, todavia, ainda assim, alguns padrões construídos culturalmente permanecem. III - O estudo de caso etnográfico pode, em grande medida, ser representativo de outras situações com sujeitos que vivem em cenários “mais” sociolinguisticamente complexos, como é o caso do contexto de pesquisa apresentado pesquisado. Portanto, conforme os autores de base, o Estudo de Caso Etnográfico tem sua relevância e garante a cientificidade do estudo. 81 Após as reformações do anteprojeto, iniciamos a pesquisa que passa a ser relatada nos tópicos adiante. 2.5. Cena III: Negociando o campo de pesquisa: Perspectiva Metodológica Etnográfica Em 2.013, após o ingresso como aluno regular no Programa de Pós-Graduação em Letras, da UFGD, ao negociar o campo de pesquisa, felizmente, tive motivos considerados pertinentes que, de certa forma, se delinearam em meu favor, tais como: a) o fato de alguns membros de minha família atuar nos dois âmbitos escolares; b) o fato de ter contato maior contato com as duas escolas, previamente, selecionadas por mim, c) o fato de ter contato com os professores, principalmente, os de língua portuguesa das duas instituições de ensino. Com base nos motivos apresentados, é importante destacar, ainda, que minha mãe trabalhar, na qualidade de agente educacional, em uma das escolas selecionadas, desse modo, ela ficou responsável por mediar minha entrada à escola, além de contribuir no sentido de minimizar a fronteira entre mim e o campo de pesquisa selecionado. Já na outra instituição de ensino eu tinha minha prima que atuava como professora de Geografia, no período matutino e noturno. Evidentemente, ele também contribui para que meu ingresso nesse âmbito escolar fosse plausível. Tanto minha mãe como minha prima me proporcionaram informações relevantes de ambos os contextos escolares, por exemplo, ao ir às escolas, eu já tinha conhecimento prévio de quais eram as séries que abrigavam a predominância maior de alunos indígenas, brasiguaios e paraguaios. Esta “teia de sujeitos”58, familiares, amigos, colegas e conhecidos, auxiliaram muito minha entrada no campo de pesquisa. O que evidencia afirmar que realizar a pesquisa etnográfica no contexto escolar é antes de tudo um ambiente social conhecido como familiar. Desse modo, via a complexidade de pesquisa, uma vez que uma das premissas da etnografia é, segundo Pfaff (2011, p.256), “sempre tem a ver com a investigação de mundos da vida estranhos ou desconhecidos”. Ou seja, eu estava diante de um contexto familiar, portanto, era importante considerar o que Pereira e Jung (1998) relatam em suas experiências etnográficas, a ideia de estranhamento daquilo que é familiar e da familiarização daquilo que é estranho. O termo “Teia de Sujeitos” é entendido, neste trabalho, como uma ligação de pessoas do meio social de etnias distintas, no caso, brasiguaios, paraguaios e indígenas, que se entrecruzam e se significam na relação social. 58 82 A partir dessa noção de experiências etnográficas apresentada por Pereira, que teve de se familiarizar com o contexto de pesquisa e Jung, que teve de estranhar o campo de pesquisa, (PEREIRA, JUNG, 1998) nasce à noção de Etnografia em contextos sociais complexos, tais como, a escola e, também, a fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, dentre outros contextos minoritários. Ao adentrar as escolas selecionadas, guardava em mente a orientação etnográfica de Ericksson (1982, p.44), citada por Pereira (1999a) de que: O processo de negociar a entrada envolve contatar as várias partes que estarão envolvidas e serão afetadas pela pesquisa, explicitando-lhes os propósitos e procedimentos da pesquisa, obtendo o consentimento para realizar filmagens (e aplicação) de outros instrumentos para a coleta de dados (ERICKSON, 1982, p. 44). Ainda em 2.013, a natureza da pesquisa foi expandida aos diretores de ambas as escolas. Felizmente, os diretores se mostraram prestativos. Dessa forma, os contatos iniciais estavam feitos, mas eu precisava chegar ao meu objeto de estudo, foco principal deste estudo, ou seja, os professores de língua portuguesa do Ensino Fundamental que atuavam no período diurno de ambas as escolas. Após o consentimento dos diretores, retornei às escolas para fazer contato com as professoras. Ao chegar à escola notei que as docentes estavam em aula. Desse modo, aproveitei para apreciar o contexto. Peguei meu material, sentei no banco do pátio da escola e comecei a folhear, mas observando como as coisas se apresentavam a minha volta. Ali, sentado no banco do pátio da escola, vieram a minha mente lembranças boas e algumas não tão boas assim, a saudade de um tempo que só pode ser reconstruído pela memória fez com que eu me lembrasse de momentos importantes naquela localidade. Agora, com outra percepção. Durante a espera do intervalo, revi vários ex-professores, que surpreendente me abraçavam e parabenizavam pelo ingresso ao mestrado. Essa atitude de reconhecimento alimentava, ainda mais, a ideia de que minhas ex-docentes me viam, agora, como pesquisador ou como ex-aluno importante, que servia de “modelo” para os alunos atuais. Assim, seguia as orientações etnográficas de Erickson (1999), citadas por Pereira e Jung (1998, p. 47): Você precisa de algumas coisas que são localmente significativas naquele conjunto particular, definições do que é apropriado, comportamentos e outros traços costumeiros da vida naquele lugar. 83 O (re) conhecimento das docentes foi realizado na hora do intervalo. A conversa com os professores de língua portuguesa do período diurno de ambas as escolas foi bastante significativa. Relatei as professores de minha conversa anterior com o diretor, com o intuito de dar credibilidade a minha fala, e, em seguida, expliquei a elas a natureza da pesquisa. Finalmente, as professoras, que curiosamente, são de sexo feminino, aceitaram participar da pesquisa. O contexto de pesquisa (as escolas) era conhecido; os objetos de pesquisa (as professoras) também eram familiares, mas o clima de invasão do pesquisador que, ao entrar no âmbito, de certa forma, tira da zona de conforto, era evidente em ambas as escolas, principalmente, ao solicitar as professoras participantes da pesquisa, produções de alunos indígenas, paraguaios e brasiguaios do ensino fundamental do período diurno. A partir dessa atitude, senti a necessidade de tornar as intervenções etnográficas59 mais naturais possíveis. Decidi, portanto, mudar as visitas etnográficas, passando do contexto escolar para o contexto familiar das professoras, com horários estipulados por elas. O período de intensidade de intervenções etnográficas com as professoras se deu em 2014, no período de entrevistas narrativas, conforme relato numa seção mais a frente. Aos poucos fui conhecendo o perfil das professoras, resolvi, então, aplicar um Questionário (ANEXOS: PARTE I. ANEXO 11). De fato, o Questionário meu auxiliou muito no sentido de dialogar o contexto real das professoras, com base nas intervenções etnográficas, com o que elas tinham de currículo profissional. Assim, pude construir um Perfil de cada docente. As Fotos 33 e 34 ilustram as escolas públicas onde as duas docentes, objetos de estudo desta pesquisa, atuam nos períodos: matutino e vespertino, no Ensino Fundamental. 59 Intervenções Etnográficas; é entendida, neste trabalho, como várias visitas, intervenções in loco ao contexto de pesquisa, em dias, horários, locais diversificados. 84 Foto 33. Cor 60 Foto 34. Cor61 É nesses dois contextos onde as professoras de língua portuguesa do Ensino Fundamental, nosso objeto de estudo, atuam no período diurno. Após várias intervenções etnográficas, senti que era o momento de realizar o “estranhamento” ao ambiente familiar, ou seja, das escolas e das professoras de língua portuguesa. Com a aquisição de Dados pertinentes, tais como: Questionários; Observações Etnográficas; Produções escritas dos alunos brasiguaios, indígenas e paraguaios; Depoimentos de pioneiros que me auxiliaram na elaboração do capítulo 01; Documentos oficiais da cidade de Aral Moreira, como Atas, Fotos, Jornais antigos, dentre outros, resolvi, deslocar-me para a cidade de Dourados, criando, assim, uma fronteira maior entre mim e o contexto de pesquisa, a cidade de Aral Moreira/Brasil, bem como o objeto de estudo, as professoras de língua portuguesa. 2.6. Cena IV: A elaboração do capítulo 01 e a entrevistas com pioneiros da região: A escrita inicial da Dissertação de Mestrado Ao chegar à cidade de Dourados-MS, em consonância com as aulas do mestrado em Letras da UFGD e suas respectivas leituras, congressos e demais eventos e/ou produções de caráter científico, fiz esse procedimento de estranhamento dos Dados já coletados na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. A pré-análise com relação aos Dados resultou a elaboração escrita do Capítulo 01 da Dissertação. Nesse momento, chamo a atenção para a elaboração do capítulo 01. Apesar de ter realizado em 2.012, na modalidade de Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, um breve panorama histórico da região de Aral Moreira/Brasil, eu senti, ao escrever o 60 61 Foto 33. Cor. Escola de Fronteira em Aral Moreira/Brasil I. Fonte: Elverson Cardozo. Foto 34. Cor. Escola de Fronteira em Aral Moreira/Brasil II. Fonte: Elverson Cardozo. 85 Capítulo 01, que para um trabalho de mestrado, o “breve” não era o suficiente. Então, decidi ficar por um tempo sem ir para a cidade de Aral Moreira/Brasil cujo objetivo era criar certo distanciamento, pelo menos geográfico, visto que me comunicava todos os dias com meus familiares, via-telefone, via-internet. Assim, de certa forma, obtinha informações da região em estudo. O período que permaneci fora da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, em junho de 2.013, foi muito importante, principalmente, no sentido de perceber algumas sutilezas que já havia se tornado familiar para mim, pelo fato de ser membro nato da região em estudo. George Spindler (1982, p.23), citado por Pereira (1999a, p. 39-40), compartilha de sua experiência etnográfica em escolas nos Estados Unidos (E.U.A). O autor afirma que tornar o familiar estranho não era o problema, mas realizar a transição cultural do familiar para o estranho e de voltar para o familiar, isso sim é complexo. Nessa perspectiva, iniciei o processo de tornar o familiar estranho e voltar para o familiar para elaboração do capítulo 01 de minha dissertação. Passado alguns meses, em setembro de 2.013, retornei para a fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, cujo objetivo era o de perceber algumas invisibilidades, que em virtude da familiaridade havia se tornados comuns a mim. É importante destacar que, apesar de permanecer um período fora da região em estudo, não conseguia observar essa realidade sem filtro de minhas experiências e afetividade. No entanto, ao regressar para meu contexto de pesquisa, que sempre foi “minha casa”, levava comigo a experiência etnográfica de Jung que: ... ao observar o que estava acontecendo naquele contexto, tornou-se uma tarefa árdua, uma vez que eu estava retornando à casa dos meus familiares, à escola na qual eu havia estudado e à comunidade em que vivi anos de minha vida. Sobre essa realidade eu tinha minhas crenças, alguns padrões e idéias estabelecidas, que apesar de estar retornando como pesquisadora, não deixavam de me acompanhar e de impedir de ver os acontecimentos sem o filtro de minhas experiências e afetividade. (PEREIRA & JUNG, 1998, p. 310-311, grifo nosso). Ao escrever o capítulo 01 da dissertação de mestrado notei que tinha dois caminhos a seguir, quais sejam: I: Baseado em meu estudo realizado na graduação, apresentando apenas um breve histórico da região ou II: Buscar mais informações sobre seu desbravamento histórico, em documentos oficiais, fotos, realização de mais entrevistas com pioneiros da região e por fim, buscar o máximo de trabalhos correlatos que tratam da questão histórica da região em estudo. Escolhi, portanto, o caminho II, 86 pois via no trabalho de mestrado uma oportunidade considerável de documentar o Panorama Histórico da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, que até o momento contava apenas com informações dispersas. No dia onze (11) de setembro de 2.013, ao retornar para a cidade de Aral Moreira/Brasil – Departamento Santa Virginia/Paraguai notei por meio do olhar etnográfico que a cidade ainda continuava pacata, mas a estrutura arquitetônica tinha sofrido algumas modificações, observei ainda a implantação de uma Creche, a maximização de ruas asfaltadas e alguns comércios tinham uma “nova cara”, pois, boa parte deles teria passado por reformas. Curiosamente, chamou-me a atenção, ainda, à surpresa estampada no rosto de alguns moradores da região quando me viam, novamente, em Aral Moreira/Brasil – Santa Virginia/Paraguai. Durante minha estadia na região fronteiriça, decidi sair para beber tereré com os amigos e alguns familiares, foi à maneira que encontrei para sinalizar aos moradores que eu havia chegado à região, de modo a tornar minha presença comum, para posteriormente iniciar o processo de entrevista com os pioneiros. O processo de detectar os pioneiros da região em estudo foi extremamente complexo, passei a frequentar órgãos públicos, tais como: Prefeitura, Escolas Municipais e Estaduais da zona urbana e rural, Cartório, Agências Bancárias, Secretaria de Educação, Centros de Saúde e alguns comércios. O objetivo principal de minha visita a esses órgãos públicos era o de tentar descobrir quais eram os pioneiros da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. À noite, na residência de meus pais, situada no centro de Aral Moreira/Brasil, elaborei um Ofício à Secretária de Educação da região em estudo (ANEXOS: PARTE I – ANEXO I) cujo objetivo principal era o consentimento de autoridades do contexto em foco no sentido de autorizar a utilização do nome do município, Aral Moreira, na elaboração do capítulo 01 da dissertação de mestrado. Em outras palavras, uma maneira de formalizar minha pesquisa, além de propiciar mais credibilidade à investigação, uma vez que, mais tarde, eu tinha que ter acesso aos órgãos públicos, com objetivo de gerar dados (documentos oficiais) relativos à historicidade do município de Aral Moreira. Além disso, a formalização contribuiu, também, no acesso aos entrevistados (pioneiros da região). No dia seguinte, dirigi-me até a Secretaria Municipal de Educação, no período da manhã, com a intenção de levar à autorização à secretária de educação, Maria de 87 Lourdes Malacarne. Ao chegar à secretaria de educação, munido de cópias de meu anteprojeto, já reformulado, e do Ofício, fui bem recepcionado pelos funcionários, eles me recebiam como pesquisador. Contudo, no decorrer da conversa a formalidade cedia lugar a informalidade. Ao conversar com a secretária municipal de educação explanei a natureza de minha pesquisa, pedi, gentilmente, que ela estendesse o Ofício até ao prefeito, Edson Luiz de David. A secretária concedeu o consentimento da pesquisa e fez questão de frisar que tal investigação “é de extrema relevância documentar a história do município. É uma forma de valorizar a vozes de pioneiros da região, conforme registro em nota de rodapé, no capítulo 01 deste estudo. A minha visita a secretaria municipal de educação de Aral Moreira/Brasil foi extremamente proveitosa, além de ser bem recebido, esse contato me permitiu adquirir algumas fotos antigas do município, cedidas, gentilmente, pelo respectivo órgão público de ensino do município. Além disso, encontrei Matoso (2006), que gentilmente me cedeu o trabalho de conclusão de curso – TCC de sua autoria, que serviu mais tarde como estudo correlato sobre a história do município de Aral Moreira, capítulo 01 desta dissertação de mestrado. Embora meu foco principal fosse, naquele momento, gerar dados para descrever a constituição histórica da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, no mesmo dia, à tarde, realizei uma intervenção etnográfica, ou seja, fui até as escolas onde as professoras, objetos de pesquisa, atuam, para verificar como elas estavam. Essa visita me gerou mais uma remessa de cópias de produções textuais de alunos. E o discurso de que trabalhar com alunos indígenas, paraguaios e brasiguaios começa a se firmar entre as professoras participantes da pesquisa. Entretanto, decidi, naquele momento, focalizar meu olhar de pesquisador etnográfico, especialmente, a elaboração do capítulo 01 da dissertação de mestrado, isto é, a constituição histórica da região em estudo, de modo a gerar dados, por meio de entrevistas narrativas com sujeitos considerados pioneiros, resgatando assim, as memórias de moradores. A intenção era a de triangular os Dados ou Registros, proposta por Erickson (1990a/1992b/1988c), conforme representação, a seguir. 88 TRIANGULAÇÃO DE REGISTROS Documentos Oficiais Entrevistas com Pioneiros Trabalhos Correlatos Após duas semanas, peguei meus instrumentos de trabalho, tais como: gravador MP3, máquina digital, celular, caderno de anotações, lápis e notebook, e os coloquei tudo numa mochila. Desse modo, fui passear pela fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, com a finalidade de tentar entender como essa região se apresentava naquele dado momento. Ao chegar à linha internacional entre Brasil e República do Paraguai, notei que em Aral Moreira/Brasil algumas peculiaridades, dentre elas, o que mais me chamou atenção foi o fato de Aral Moreira/Brasil possuir mercados, lojas, farmácias, escolas, igrejas, dentre outros aspetos arquitetônicos que a caracterizam como uma cidade. Enquanto que no Departamento Santa Virginia/Paraguai não havia a presença de comércios, apenas de fazendas, chácaras e sítios, salvo uma igreja e um Destacamento Militar de Força Internacional, conforme apresentado, anteriormente, na Foto 32. Ao que se refere o processo de realização de entrevistas é importante mencionar que se deu aos finais de semana, pois durante a semana tinha que me deslocar até a cidade de Dourados/MS com objetivo de cumprir, rigorosamente, os créditos do mestrado. Esse “ir” e “vir” de Aral Moreira a Dourados e vice-versa durou todo o mês de outubro a novembro, de 2.013. O critério de seleção adotado para selecionar quais seriam os sujeitos seriam entrevistados foi bastante complexo, sobretudo rigoroso. Levei em consideração alguns fatores, como: o nome em Atas e demais documentos de caráter oficial; indicações de pessoas com idade superior a cinquenta anos, aparição em fotos antigas, cedidas gentilmente pelos órgãos públicos, a idade do entrevistado; dentre outros aspectos. Com base nesses fatores, selecionei oito sujeitos considerados pioneiros da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai e dei início às entrevistas narrativas. Curiosamente, em várias casas que visitei, acabei voltando, em outro momento, para tomar o famoso tereré, chimarrão ou café da tarde. O fato de meus pais serem conhecidos, por boa parte da população aralmoreirense e alguns moradores do Departamento Santa Virginia/Paraguai, devido à instalação de minha família na região há cerca de vinte anos contribuiu expressivamente para meu 89 contato com os moradores mais antigos, uma vez que estes, muitas vezes, trazem certo tom de conservadores em sua atuação social. Como destacado anteriormente, o documento de concessão da secretária de educação também dava credibilidade a investigação. Embora, durante as entrevistas narrativas, era recebido como pesquisador, muitas vezes, procurava me apresentar como estudante, pesquisador e, principalmente, como filho de pessoas que moravam na região há pelo menos vinte (20) anos, uma vez que, boa parte dos entrevistados conhecia ou já tinham ouvido falar de meus pais. Em consonância com a realização de entrevistas narrativas elaborei outro ofício à Secretária de Administração, Eloyr Villalva, (ANEXOS – PARTE I. ANEXO 02), cujo objetivo era o de oficializar a solicitação de entrada aos órgãos públicos de Aral Moreira/Brasil, tais como: Prefeitura, Cartório, Bibliotecas Centrais, Escolas Municipais, Câmara Municipal, Secretaria de Estado da Fazenda – Agenfa. Minha intenção era a de buscar informações que auxiliassem na escrita do capítulo 01 da dissertação de mestrado. Os Dados adquiridos em órgãos públicos, como: Atas, Ofícios, Fotos e Jornais antigos, dentre outros, são designados, aqui, de “Documentos Oficiais”. Esse período marcou, ainda, a aquisição de mais trabalhos correlatos que tratavam da questão histórica do município, como de Silva (2007); Trenkel (2009) e Santos (2004). Com relação à transcrição de Registros e/ou Dados coletados durante as entrevistas narrativas realizadas com os sujeitos considerados pioneiros de Aral Moreira/Brasil, a ideia inicial era a de não transcrever toda a entrevista narrativa, uma vez que o processo de transcrição requer um tempo maior. Nesse sentido, a metodologia adotada seria a de transcrever apenas as partes que, supostamente, auxiliariam a composição do capítulo 01 da dissertação. Contudo, durante a elaboração do capítulo, senti a necessidade de transcrever todas as entrevistas, para melhor visualizar os Registros e/ou Dados. Assim, originou-se o corpus (ANEXOS: PARTE II) para melhor manuseio do presente pesquisador. Os meses de janeiro e fevereiro de 2014 foram, essencialmente, para transcrição de Dados e/ou Registros; leituras e pré-análise dos trabalhos correlatos e a segunda etapa de análise de Documentos Oficiais. Com base na triangulação de Registros, proposta por Erickson (1990a/1992b/1988c), elaborei um roteiro para traçar o Panorama Histórico da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, separado por datas e principais acontecimentos históricos de cada período. 90 Por fim, após a finalização da prévia do capítulo 1, da dissertação de mestrado, no dia dezesseis (16) de março de 2014, retornei para a fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai com o objetivo de iniciar às entrevistas narrativas com as docentes de língua, das duas escolas publicadas previamente selecionadas. 2.7. Cena V: A realização de entrevistas com as docentes de língua portuguesa da Fronteira: Etnografia Escolar Após diversas intervenções etnográficas com as professoras de língua portuguesa do Ensino Fundamental que atuam na fronteira internacional de Aral/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai, resolvi realizar o processo de gravação de entrevistas narrativas com as docentes da fronteira, como forma de documentar e gerar Dados e/ou Registros. Como afirmando outrora, a escola sendo um ambiente familiar, onde eu, na qualidade de ex-aluno, já conhecia. A etnografia como metodologia de pesquisa espera que o pesquisador estranhe o ambiente. Pereira e Jun (1998) ressaltam que a pergunta “o que está acontecendo aqui?” é uma forma de problematizar algumas invisibilizadades do contexto em estudo. A partir desse processo de estranhamento com relação ao contexto, realizei as entrevistas narrativas com as docentes de língua portuguesa, entre os meses de abril a maio de 2.014. Durante a realização de entrevistas, alguns pontos, positivos e “negativos”, me chamaram atenção, quais sejam: a) Incompatibilidade de horário; por conta da carga horária excessiva das docentes; b) Zona de conforto das professoras pesquisadas; durante a pesquisa com as docentes, o sentimento de pesquisador invasor foi evidenciado em vários momentos, mesmo conhecendo-as, senti que estava invadindo o universo das docentes. Por outro lado, essa sensação me ajudou a delimitar o limite, até onde eu poderia ir; c) Coleta de produções textuais; das professoras, notei que uma professora se mostrou mais a vontade em ceder, gentilmente, as produções textuais de seus alunos, Laura62. Enquanto que a atitude de Sofia63 pode ser interpretada 62 63 Laura: Nome fictício da professora entrevistada. Sofia: Nome fictício da professora entrevistada. 91 como certo desconforto no momento em que solicitei as produções textuais de seus alunos. d) Aceitabilidade a partir da formalização entre mim e a Secretaria de Educação de Aral Moreira/Brasil; O ofício encaminhado à Secretaria de Educação do município em estudo, de certa forma, deu credibilidade expressiva à pesquisa; e) Seleção do local para realização de entrevistas; realizei as entrevistas narrativas nas residências dos entrevistados, por se tratar de um lugar que retrata o clima de informalidade que eu buscava; f) Transcrição; o processo de transcrição de entrevistas foi realizado entre os meses de maio e junho. Ao escutar as gravações, percebi o quanto as professoras se mostraram inquietas, em alguns momentos, quando o assunto é o aluno minoritário da fronteira,em especial, o indígena. Tendo em vista os fatores apresentados no percurso de entrevistas narrativas com as professoras de língua portuguesa, percebi que, as professoras entrevistadas se baseiam em livros didáticos, especialmente, com os alunos classificados por Cavalcanti (1999) como minoritários, como indígenas, paraguaios e brasiguaios. Verifiquei, ainda, com base no olhar de pesquisador observador proposto pela etnografia que o contexto fronteiriço de Aral Moreira abriga mais de uma língua, mas nas escolas onde as professoras atuam, leva-se em conta a língua portuguesa escrita, aquela postulada pelo livro didático, como prioridade. Ainda durante as entrevistas, percebi que as professoras ficaram intimidadas com a presença dos equipamentos de trabalho do pesquisador, como gravador de voz, caderno de anotações, dentre outros que se fizeram necessários. Contudo, no decorrer da entrevista a “formalidade” cedeu lugar à “informalidade”. É importante destacar, ainda, que a norma de transcrição adotada para as entrevistas de sujeitos considerados pioneiros da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai e também das professoras de língua portuguesa da fronteira em foco foi à norma proposta pelo professor Pedro Caruso. O motivo principal foi o fato de posteriormente utilizar o corpus levantado para entender, por meio da sociolinguística variacionista, a fonética e fonologia da fala de sujeitos da região em estudo. 92 Por fim, os fatores elencados, acima, evidenciam a complexidade de se realizar a pesquisa etnográfica em contextos escolares, sobretrudo por se tratar de um cenário de fronteira entre Brasil e República do Paraguai. 93 PARTE II CONSTRUINDO O ARCABOUÇO TEÓRICO Capítulo 3 – Fronteira, Sociolinguística, Bilinguismo e Identidade 3.1. Fronteira O marco teórico a respeito do termo “fronteira” é amplo e varia conforme abordagem teórica e áreas de conhecimento, tais como: Antropologia, Sociologia, Ciência Política, dentre outras áreas. Ao longo dos anos, o termo “fronteira” recebeu diversas significações, o que contribuiu para a construção de vários conceitos com relação a tal terminologia. A rigor, interessa-nos aqui, a revisitação e/ou retomada de algumas noções de “fronteira”, de modo a realizar breve reflexão bibliográfica. A essa variedade de sentidos que a unidade lexical “fronteira” recebeu e recebe na contemporaneidade, Albuquerque (2010, p.33) registra que o termo é utilizado ... Tanto no aspecto territorial, delimitando espaços geográficos ocupados pelos mais heterogêneos agrupamentos humanos, como no sentido metafórico. Nesse caso para demarcar ou apagar limites culturais entre os grupos sociais e barreiras epistemológicas e metodológicas entre áreas do conhecimento. Há, de fato, uma inflação do uso do termo fronteira para as mais distintas situações sociais e culturais nas ciências sociais contemporâneas. Antes de apresentar os conceitos de fronteira, é importante explicitar como é sua entrada lexical em dois dicionários, de nacionalidades diferentes, quais sejam: Dicionário Aurélio, de língua portuguesa e o Diccionario de Español para extranjeros, de língua espanhola. De acordo com o dicionário da língua portuguesa, Aurélio, a designação de fronteira é registrada da seguinte forma: “1. Extremidade de um país ou região do lado onde confina com o outro; limite, estremadura. 2. Extremo, fim, término. 3. Limite material de um sistema; separação entre um sistema e o seu exterior” (FERREIRA, 2004, p. 657. Grifos do autor). O dicionário contempla, ainda, os vários tipos de fronteira, porém esse não é o foco de nossa discussão. Como se observa nesse contexto, a palavra fronteira possui sentido ligado à separação, de divisão entre duas realidades. Já o dicionário de língua espanhola, Diccionario de Español para extranjeros, traz a seguinte definição a respeito de fronteira: “1. Límite entre dos Estados. 2. Límite 94 o fin de algo. 3. Referido a um lugar, esp. A un país, que tiene frontera con otro” ( GONZÁLEZ, 2005, p. 597). Como se nota, o dicionário estrangeiro também aponta para a divisão, o limite, quando o assunto é fronteira. O estudo que Pereira (2014) se propõe a realizar gira em torno da discussão sobre fronteiras culturais e de alteridade. A autora ressalta que a fronteira é o lugar de “particularidades”, onde as relações comerciais, judiciais e até as familiares estão em contato, de forma direta e intensiva. Segundo a autora, a fronteira é, muitas vezes, esquecida pelo governo, por se tratar de uma localidade que abriga vilarejos e pequenos municípios pequenos que, em sua maioria, localizam-se distantes de centros relativos ao Poder Legislativo e Executivo. Pereira (op. cit.) registra, ainda, que devemos pensar fronteira com uma localidade que abriga particularidades, pelo conjunto de diferenças e de trocas culturais. Resultando numa perspectiva de fronteiras culturais. Desse modo, segundo a autora, não se pode pensar em fronteira como limite, associada a território, como elemento físico, é necessário ir além dessa concepção. Soares (2012), por sua vez, reflete o termo “fronteira” não apenas como limite, mas como um espaço de diferenciação. A autora chama atenção para se pensar, na contemporaneidade, em vários tipos de “fronteira”, quais sejam: fronteira social, fronteira étnica, fronteira linguística, fronteira identitária, fronteira territorial e/ou física, fronteira ideológica, fronteira cultural, fronteira geográfica, fronteira religiosa, fronteira política, fronteira linguística, dentre outras. Conforme a discussão que Soares (2012) se propõe a fazer, fronteira é um espaço de diferenças, em especial, as culturais e raciais. A autora afirma, ainda, que essa diferença encontrada na “fronteira” gera conflitos sociais. Com base em conflitos sociais, diga-se de passagem, complexos, Soares (2012) explica que diferentes culturas sempre irão existir e até coexistir e alerta que: “O fato é que esses locais de diferenciação necessitam ser mais cuidadosamente estudados, sendo que não são apenas locais de demarcação de um território, não servem apenas para demarcar até onde vai o poder de um governo” (SOARES, 2012, p. 04). Bhabha (1998) pensa a fronteira como algo que vai além do aspecto geográfico, da noção de território e demarcações fixados historicamente. Segundo o autor: Nossa existência hoje é marcada por uma tenebrosa sensação de sobrevivência, de viver nas fronteiras do "presente"[...] Inícios e fins podem ser os mitos de sustentação dos anos no meio do século, mas, este fin de siecle, encontramo-nos no momento de transito em que espaço e tempo se 95 cruzam para produzir figuras complexas de diferença e identidade,passado e presente, interior e exterior, inclusão e exclusão. (BHABHA, 1998, p.19). Nessa perspectiva, segundo o autor há, no período caracterizado como “PósColonial” uma fronteira firmada pelo tempo e espaço. Sturza (2006, p.08) registra que “Na base de todo o conceito de Fronteira, está a sua natureza constituída, antes de tudo, pela latência do contato – contato de territórios, contato de pessoas, contato de línguas”. Compreendo a fronteira como um espaço de intercâmbio e de troca, Mota (2010, p.09), por sua vez, afirma que o cotidiano da “fronteira está caracterizado por constantes movimentos, cruzamentos que vão de um lado a outro, tornando a rua que as divide um corredor de intensa transição”. Acreditamos que a Fronteira, seja social, política, ideológica, étnica, linguística, dentre outras, deve ser compreendida como um espaço de relação, de mescla, de mistura, de heterogeneidade. Assim, a fronteira étnica em Aral Moreira/Brasil é bastante evidenciada, principalmente pela “rotulação” de traços que caracterizam os sujeitos como brasileiros, paraguaios, indígenas e brasiguaios. Além disso, a fronteira linguística também é, nitidamente, vista nessa região, por meio da prática linguística nas diversas localidades. Por esses e outros tantos motivos que a região de fronteira é classificada como um contexto sociolinguísticamente complexo, conforme Pereira (1999). 3.2. Sociolinguística: Contribuições para o ensino de língua portuguesa brasileira A sociolinguística é uma corrente de caráter funcional, considerada como uma subárea da Linguística Geral, cujo objetivo principal é investigar e descrever a relação da língua na sociedade, tendo como objeto de estudo a fala dos sujeitos que compõe uma comunidade linguística, levando em consideração os fatores internos de uma língua, tais como: fonologia, morfologia, sintaxe e semântica e ainda os fatores externos, quais sejam: idade, sexo, escolaridade, classe social, história, cultura, dentre outros fatores. O termo Sociolinguística foi utilizado pela primeira vez em 1.953, em um trabalho de Haver. C. Currie. O ano considerado “chave” para o desenvolvimento da Sociolinguística foi em 1.964, nos Estados Unidos da América, com a publicação dos livros de Gumperz, Labov, Hymes e a conferência de William Bright, em Los Angeles. 96 É imprescindível destacar um sutil embate entre a Linguística, propriamente dita, e a Sociolinguística, repousa no fato de que estrutura da língua constitui o tema da Linguística, enquanto o uso da língua é de interesse da Sociolinguística. Ao contrário da Corrente Estruturalista de Ferdinand de Saussure, que definiu a língua (langue) como objeto central de estudos da Linguística. William Labov, em 1.963, inaugurou uma vertente de estudos de orientação “anti-saussuriana”. Desse modo, ao invés de Língua (langue) como fez Saussure, Labov centrou seus estudos na fala (parole), em situações reais de uso do ponto de vista social, no contexto cultural dos Estados Unidos (E.U.A). Surge então, a “Teoria da Variação Linguística” e, consequentemente, o Modelo Metodológico da Sociolinguística, elaborado por Labov. Sua teoria ficou conhecida, também, como “Sociolinguística Variacionista”, cuja proposta é o estudo dos processos de variação e mudança linguística, seguindo o modelo da pesquisa quantitativa a partir de variáveis sociais, como idade, sexo, região, nível escolar, etnia, classe social, dentre outros fatores. Assim, a língua passa a ser vista em uma perspectiva social, sóciohistórica. É oportuno mencionar que há estudos sociolinguísticos de elite, que são investigações realizadas em contextos majoritários, ou de línguas que possuem status de prestígio social elevado, por exemplo, o francês, o italiano e o inglês. Esses estudos são baseados, geralmente, nos postulados Labovianos64 que se encaixa na “Linguística dita clássica”, contudo - o que Cavalcanti se propõe; é apresentar; um estudo sociolinguístico marginalizado, de contextos minoritários, focalizando os cenários indígenas, de imigrantes, de surdos e de fronteira. Pode-se pensar que a abordagem realizada por Cavalcanti (1999) é uma perspectiva teórica mais próxima da sociolinguística educacional, proposta por Stella Maris Bortoni-Ricardo, que se encaixa na área denominada “Linguística Aplicada”, em que os estudos, na maioria das vezes, são voltados para os contextos de minorias linguísticas. Desde a década de cinquenta (50) e sessenta (60), a sociolinguística vem lutando em favor da igualdade essencial das variedades linguísticas num país considerado, oficialmente, monolíngue, quando na realidade é, no mínimo bilíngue, visto que se constata a existência da língua portuguesa brasileira e a língua brasileira de sinais 64 Willian Labov. Padrões Sociolinguísticos. 2008. 97 (LIBRAS). Além de contribuir na conscientização quanto à heterogeneidade linguística no Brasil. A Sociolinguística é divida, principalmente, em três eixos, sendo eles: I – Sociolinguística Variacionista ou Sociolinguística Laboviana, essa corrente teve como precursor William Labov e procura investigar os processos de variação e mudança linguística, seguindo o modelo da pesquisa quantitativa a partir de variáveis sociais (idade, sexo, região, nível escolar, etnia, classe social, etc). Seguindo tal perspectiva teórico-metodológica é possível observar variação em diversos níveis da estrutura linguística que perpassam a variação fonológica, lexical, sintática e morfológica. No Brasil, Fernando Tarallo é um dos seguidores das propostas metodológicas de Labov. Tal metodologia é mais utilizada para descrição sociolinguística de contextos caracterizados como Sociolinguísticamente complexo, com o objetivo de mapear a real situação sociolinguística de determinada região. II – Sociolinguística Interacional ou Sociolinguistica Interacionista: cujo principal pioneiro foi John Gumperz se ocupa dos estudos de interação da linguagem do indivíduo, numa situação de comunicação face a face, ao tratar a linguagem enquanto fenômeno social. III – Sociolinguística Educacional: Entendemos que a principal pioneira nos estudos relativos à sociolinguística e ensino é a brasileira Stella Maris Bortoni-Ricardo. O objetivo de tal corrente teórica é no sentido de sensibilizar, principalmente, os docentes (em sua prática docente) sobre as variantes linguísticas existentes no âmbito escolar, apresentando-as aos alunos, sem rotulá-las. É necessário adotar uma posição culturalmente relativa, ou seja, reconhecer que não há uma variação linguística melhor que a outra, independente do prestígio social e político. Essa postura de cultura relativa combate o mito de uma língua homogênea e, sobretudo o preconceito linguístico com relação às variedades lingüísticas estigmatizadas, ridicularizadas, que por ser diferentes, são tidas como feia ou inferior. Tendo em vista a divisão da Sociolinguística, enquanto ciência e área do conhecimento e investigação, é importante frisar que são diversas as contribuições da Sociolinguística, contudo, o nosso objetivo aqui é elencar apenas alguns subsídios da Sociolinguística para/com o ensino de língua portuguesa dentro do cenário escolar. Desse modo, é fundamental reiterar que, na atualidade, a Sociolinguistica Educacional tem voltado seu olhar, especificamente, para o contexto escolar. 98 Segundo Bortoni-Ricardo (2004, p.38): (…) uma pedagogia que é culturalmente sensível aos saberes dos educandos está atenta às diferenças entre a cultura que eles representam e a da escola, e mostra ao professor como encontrar formas efetivas de conscientizar os educandos sobre essas diferenças. Na prática, contudo esse comportamento é ainda problemático para os professores, que ficam inseguros, sem saber se devem corrigir ou até mesmo se podem falar em erros. As contribuições da sociolinguística, em especial, para o ensino de língua portuguesa tem sido várias, dos quais elencamos alguns pontos em forma de tópico, quais sejam: 1. Língua Portuguesa ou Língua Brasileira?: Ou seja, levar ao aluno a ideia de pluralidade linguística existente no Brasil; que a variante padrão é apenas uma das várias que existe no cenário nacional; Levar, ainda, a reflexão da própria variação da língua portuguesa brasileira e língua portuguesa lusitana, bem como sua origem do latim vulgar (uma língua estigmatizada). Além disso, visualizar e reconhecer as diferenças do português falado no Brasil, em Portugal, em Guiné-Bissau, e outras localidades onde a língua portuguesa é reconhecida oficialmente. Enfim, reconhecer a ecologia do multilinguismo. 2. Políticas Educacionais e Políticas Linguísticas: Levar a discussão para a sala de aula no que diz respeito às políticas educacionais e linguísticas, o que tais setores têm contribuído? Como tem tratando as línguas brasileiras e suas respectivas variações; quais os reflexos da Política Linguística? O que é uma Política Linguísitica. Como é a gestão da língua em zonas de fronteira? Por fim, problematizar e refletir a Língua, como produto social, heterogêneo e mutável. 3. Sensibilização Linguística e Cultural do alunato. A sensibilização de professores quanto ao contexto social, político, ideológico, religioso, linguístico, dentre outros aspectos; do “outro”, no sentido de conviver com o diferente de forma natural, sem marignalizá-lo ou ridicularizá-lo. 4. Língua Padrão versus Língua não-padrão. Promover discussões referentes aos usos de tais modalidades linguísticas e trabalhá-las em um continuum de modo a reconhecer a realidade cultural e linguística do aluno, bem como tratar as duas variantes de modo igualitário, partindo do residual, da língua de origem do aluno para se chegar a língua esperada pela escola, a língua tida como padrão ou formal. 5. Implantação de reconhecimento de variantes linguísticas no currículo institucional. A escola é o lugar onde tudo acontece, infelizmente ou felizmente, é nesse 99 espaço que o conflito étnico e linguístico se interagem, diariamente. Portanto, é fundamental a escola, antes de tudo reconhecer-se bilíngue e intercultural, logo, mostrase sensível às variedades linguísticas, bem como diferenças sociais, de classe econômica, dentre outras. 6. Certo ou Errado? É interessante não tratar a língua padrão como correta e a não-padrão como errada, pois ambas são variantes que possuem objetivos distintos. Podemos pensar, dentre outros parâmetros, que a língua padrão é usada, geralmente, no contexto formal, enquanto que a língua não-padrão é utilizada, na maioria das vezes, em situações não formais como, por exemplo, no âmbito familiar. É necessário sair dessa ideia de escola tradicional e ensino de uma gramática morta, estática, até porque a língua é viva e está em constante mudança. Se partirmos do pressuposto de certo e errado, infelizmente, cairemos no senso comum, pois aquilo que é considerado “errado” hoje, um dia foi certo e vice-versa. A título de exemplificação temos algumas palavras, como “dous”, que na atualidade é equivalente a “dois”, “pranta” ao invés de “planta”, “ingrês” no lugar de “inglês”, usadas por Luís Vaz de Camões em sua obra denominada “Os Lusíadas”.65 7. Conscientização do contexto linguístico heterogêneo: Refletir não só o contexto linguístico, mas cultural, identitário, sair da visão de binarismos identitários é imprescindível para o reconhecimento de uma cultura mestiça. É necessário, ainda, estudar a língua de forma mais democrática. 8. Preconceito linguístico; é importante o docente ter em mente a ideia de que o preconceito linguístico se baseia em um círculo vicioso composto por métodos tradicionais de ensino, uso essenciamente de livros didáticos, ensino de gramática e elementos paragramaticais sem refletir em uma perspectiva de funcionalismo da língua. Segundo Bagno (1999) registra que preconceito linguístico desenvolve alguns mitos acerca do ensino de língua portuguesa no Brasil, são eles: a língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade; brasileiro não sabe português; só em Portugal se fala o “verdadeiro” português; a língua portuguesa é muito difícil; as pessoas sem instrução falam tudo errado; o lugar onde melhor se fala português no Brasil é em Maranhão; o certo é falar assim porque se escreve assim; é preciso saber gramática para falar e escrever bem; e, o domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social. 65 Disponível em: <http://www3.universia.com.br/conteudo/livros/Os_Lusiadas.pdf> último acesso: 12/12/2014, às 13h. 100 Nesse sentido, podemos considerar que as variações linguísticas na sociedade podem constituir-se em meios para a discriminação social, pois os diversos grupos sociais (possuidores de uma dada variação) adquirem um matiz de oposição em relação aos padrões estipulados, sendo que o mais importante é se afirmar como superior. Nesse contexto, podemos afirmar que os grupos privilegiados cultural, social e economicamente, frequentemente, tendem a valorizar a sua variedade linguística em detrimento das demais. Assim, os grupos linguísticos que não tiveram as condições necessárias para o desenvolvimento de sua língua materna e nacional sofrem discriminação social, sendo esta motivada pelo preconceito linguístico. 3.3. O Perfil da Região em Estudo: Fronteira Internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai A fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com a Microrregião da Cardia/Paraguai, segundo o censo-2010, realizado pelo IBGE66, possui uma população estimada a aproximadamente 10.251 habitantes. O povoado dessa região é mesclado entre brasileiros, paraguaios e indígenas de dois subgrupos mapeados, sendo eles: Os Guarani-kaiowa e os guarani-ñandeva. A posição geográfica estratégica da cidade de Aral Moreira/Brasil faz com que tal localidade faça fronteira seca, isto é, sem obstáculos, com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Certamente, essa mistura territorial entre Brasil e República do Paraguai evidencia uma mescla social, cultura, religiosa, ideológica, dentre outras; dos povos que habitam a região fronteiriça em questão. Mota (2010, p.09) apud Camblong (2006) registra que na fronteira “se manejan distintas monedas, distintas lenguas, más de una documentación personal, se compra y se vende, se llora y se ríe, se ama y se odia en movimientos contínuos de un lado al otro”. A partir desse mosaico social e por meio do olhar investigativo que a pesquisa etnográfica proporciona, é comum verificar em Aral Moreira/Brasil e Departamento Santa Virginia/Paraguai as pessoas em rodas de tereréi, conversando, naturalmente, em frente as suas casas ou nas casas de amigos, bem como em locais públicos, como praças, ginásio Poli Esportivo, dentre outras localidades públicas. Na maioria das vezes, encontramos essas famosas rodas de tereré no final da tarde, horário em que grande 66 IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 101 parte da população aralmoreirense/Brasil e cardinense/Paraguai (do Departamento Santa Virginia) encerra o expediente de trabalho. Graças à sua localização, o clima da fronteira Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai é tropical, há, ainda, duas estações bem definidas, sendo elas: inverno seco e verão chuvoso. Desse modo, é possível afirmar que o clima dessa região em estudo é distinto da maior parte do Estado de Mato Grosso do Sul, tornando-se possível a qualquer viajante perceber a diferença na temperatura, que no inverno, fica coberto por intensa neblina, o que torna difícil a visibilidade dos motoristas, exigindo destes, maior cuidado no trânsito para evitar acidentes. A região fronteiriça é movida economicamente pela agricultura e pecuária, desenvolvidas na área rural, tanto do lado brasileiro quanto do lado paraguaio, por meio da criação de gado. A partir do fluxo intenso de criação de gado, criaram-se eventos realizados anualmente, como pontua Barbosa (2012, p. 22-3) “leilões de gados doados por brasileiros, moradores da cidade, que possuem sua criação em fazendas localizadas no Paraguai”. Com base na afirmação de Barbosa (2012), e por meio das intervenções etnográficas realizada na região em estudo, percebe-se que, a maior parte de criação de gado é realizada no Departamento Santa Virignia, Serro XXI, do lado paraguaio dessa fronteira, mas, é oportuno mencionar que os proprietários das fazendas localizadas no Paraguai são, em sua maioria, brasileiros e/ou brasiguaios, que residem ora no Brasil ora na República do Paraguai. Assim, pode-se afirmar que não há divisão concisa nessa fronteira quanto ao aspecto econômico, posto que haja mistura de paraguaios e brasileiros que atuam no setor agropecuário local. Evidentemente, a vida na fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai é bastante singular, pois apesar da existência de uma divisão geográfica e política entre os dois países, Brasil e República do Paraguai, não há, na prática essa divisão, o que existe é um outro espaço, de fronteira, um espaço híbrido, misturado, que se instaura na mescla social, cultural, linguística, dente outras; gerada a partir do “ir” e “vir” diário que a condição de fronteira territorial seca possibilita aos habitantes de tal localidade. Na contemporaneidade, dentro dos estudos sociolinguísticos, algumas pesquisas têm sido realizadas com intuito de mapear e descrever a real situação de contextos classificados principalmente por Cavalcanti (1999) e Pereira (1999a/2002b) como “sociolinguísticamente complexo”, como é o caso de fronteiras secas, em nosso caso, a 102 fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Com base nos trabalhos correlatos, apresentados no capítulo 01, tais como, Barbosa (2012); Trenkel (2009); Silva (2007); Matoso (2006) e Freire (2013), para melhor visualização de alguns aspectos fronteiriços que ilustram algumas particularidades da fronteira em estudo, apresentado, a seguir, no Quadro 01. ARAL MOREIRA/BRASIL – MICRORREGIÃO DA CARDIA/PARAGUAI Aspetos Descrição fronteiriços “Territóriais” Línguísticos Região de fronteira seca sem comércio Português; Portunhol; Castelhano; Guarani; Jopará; Línguas de imigrantes; Línguas de povos minoritários Brasil: 03 Redes Estaduais; 05 Redes Municipais Educacionais Paraguai: Não existem escolas e faculdades próximas a Aral Moreira. Dança: Vanerão; Funk; katchaka; Chamamé Culturais Culinária: Pucheiro; Guisado ou Vaca atolada; Sopa paraguaia; Chipa; Churrasco; Arroz de carreteiro; Macarrão. Bebida: Tereré; Chimarrão; Chicha. Quadro 01. Mapeamento dos Aspectos Culturais de Aral Moreira/Brasil – Microrregião da Cardia/Paraguai. (grifo nosso). As populações aralmoreirenses e do Departamento Santa Virginia/Paraguai são formadas por uma considerável variedade étnica, o que resulta no “conflito” e/ou “contato” cultural, linguístico, religioso, dentre outros; construídos nas relações sociais. Dessa forma, a união dos habitantes oriundos de diferentes etnias, brasileira, paraguaia e indígena (Guarani-Kaiowa e Guarani-Ñandeva) merece destaque, visto que costumes e hábitos se misturam nas interações sociais, seja na dança (vanerão, katchaka, chamamé, polca, catira), na bebida (chimarrão), na culinária (sopa paraguaia e chipa), na música (boleros e polca paraguaia) que já chegaram a outros Estados do Brasil, como Mato Grosso, na língua (português, guarani, castelhano, espanhol, bem como nas interlínguas portunhol e jopará), dentre outros aspectos não descritos por conta do recorte delimitado para a discussão proposta. 103 Tendo em vista essa mescla social, pode-se afirmar que na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai há intercâmbio sociolinguístico e cultural entre os dois países, Brasil e República do Paraguai, por se tratar de uma fronteira seca, isto é, uma estrada designada de linha de limite internacional que separa, no aspecto político e geográfico, a cidade de Aral Moreira/Brasil do Departamento Santa Virginia/Paraguai. O resultado dessa miscigenação sócio-cultural gera um contexto instável, vivo, que por sua vez, pode ser classificado como heterogêneo e miscigenado, resultando em um espaço ora brasileiro, ora paraguaio, portanto hibrido. Atualmente, de acordo com Barbosa (2012, p.24) e conforme o Quadro 01, no que diz respeito aos aspectos educacionais, percebe-se que a cidade conta com três escolas estaduais, sendo uma delas no distrito de Vila Marques e, quatro escolas municipais, distribuídas entre os distritos de São Luís, Rio Verde do Sul e Vila Marques, além de contar com uma escola indígena, localizada na aldeia Guassuty. A cidade de Aral Moreira/Brasil possui, ainda, um Pólo da UNIGRAN, local em que parte da população aralmoreirense/Brasil e cardinense/Paraguai gradua o ensino superior à distância. Outro ponto que chama atenção, a partir do olhar investigativo de base etnográfica, é o fato de que a região ainda não possui instituição de ensino regular privada e, tampouco existir escolas no lado paraguaio, nas proximidades do Departamento Santa Virginia/Paraguai. A ausência de escola no Departamento Santa Virginia/Paraguai faz com que os alunos dessa localidade se locomovam até as escolas brasileiras, situadas em Aral Moreira/Brasil. Desse modo, pode-se afirmar que existe uma clientela de alunos bastante diversos. A partir do olhar etnográfico se observa a presença expressiva de alunos paraguaios e indígenas de etnia guarani-ñandeva e guarani-kaiowa, geralmente oriundos de regiões rurais situadas nas proximidades do Paraguai, frequentando diariamente as escolas brasileiras de Aral Moreira/Brasil. Essa mescla de alunos brasileiros, paraguaios e indígenas (Guarani kaiowa e Guarani nandeva), observada durante a experiência de fronteira etnográfica, nas escolas de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai possibilita afirmar que esse cenário é palco que ilustra a complexidade social, cultural, identitária, linguística, dentre outras. Além disso, essa mistura étnica dentro do âmbito escolar evidencia a mistura de alunos brasileiros, brasiguaios, paraguaios e indígenas dos dois subgrupos anteriormente elencado no contexto escolar que, automaticamente, não há só 104 a mistura social, cultural, mas também linguística. Dessa forma, o contato linguístico acontece de forma oral e escrita dentro da escola. Com base nas intervenções etnográficas, podemos perceber que a maior parte das escolas públicas dessa fronteira não se reconhece bilíngues, o que acaba por estigmatizar a língua de alunos minoritários, marginalizando-lás. Até hoje, não há constatação de projeto de qualificação aos professores que atuam nas escolas Aral Moreira/Brasil e recebem alunos do Departamento Santa Virginia/Paraguai. Embora seja fundamental uma educação intercultural diferenciada a tal contexto classificado por Cavalcanti (1999) e Pereira (2002b) como mais “sociolinguisticamente complexo”. Com base no Quadro 01, nota-se no aspecto linguístico que os docentes das escolas brasileiras de Aral Moreira estão em contato, diariamente, com línguas de alunos de nacionalidades distintas. O guarani falado por alunos do subgrupo de etnia Guarani-Ñandeva e Guarani-Kaiowa; a língua espanhola e a língua castelhana, ambas faladas pelos educandos paraguaios e brasiguaios; a língua de sinais brasileira; e a língua portuguesa falada por todos dentro do âmbito escolar é um exemplo nítido desse contato linguístico, sobretudo conflito linguístico dentro de instituições de ensino da fronteira em estudo. A região equivalente a fronteira seca de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai permite o intercâmbio entre a população brasileira, paraguaia e indígena (Guarani-Ñandeva e Guarani-Kaiowá). Portanto, a partir do olhar investigativo que a etnografia nos proporciona, na região em estudo é comum ver brasileiros trabalhando na zona rural, localizada no país vizinho, Paraguai. Assim, como também é natural observar paraguaios trabalhando no lado brasileiro, principalmente, em comércios, o que resulta na mistura de países, povos, culturas, línguas e ideologias que tornam essa localidade hibrida e instável. Esse intercâmbio social diário entre moradores da fronteira em foco nos leva a afirmar que o contexto em questão é no mínimo, bilíngue. As línguas praticadas em Aral Moreira/Brasil fazem parte dos estudos relativos ao bilinguismo marginal, aquele que se refere a línguas minoritárias, espanhol, castelhano e guarani, praticadas, na maioria das vezes, em espaços desprivilegiado. Por outro lado, tem-se o bilinguismo de elite (inglês, francês e italiano) que, geralmente, circula em um contexto privilegiado. 105 4. Bilinguismo O fenômeno Bilinguismo tem sido estudo, como nos lembra Mello (1999), “segundo várias perspectivas como, por exemplo, a social, a psicolinguística, a educacional, a política, a econômica, etc.” Diante de tantos conceitos e estudos referentes ao fenômeno Bilinguismo, conceituá-lo é tarefa complexa, uma vez que permite interpretação de diversos olhares. Em uma perspectiva unidimensional, embasadas no comportamento linguístico, proposta, principalmente, por teóricos como: Bloomfield (1935/1979), Macnamara (1967) e Titone (1972), o fenômeno bilinguismo é entendido como: “o controle de duas línguas de maneira semelhante a do nativo” (BLOOMFIELD, 1979, p.56). Corroborando com a visão de Bloomfield, o dicionário de língua portuguesa, Ferreira (2004, p.93) registra que: “Bilíngue 1. Ser capaz de falar duas línguas; 2. Escrito em duas línguas”. Por muito tempo, a ideia de que o sujeito bilíngue era aquele capaz de dominar duas línguas igualmente. Desse modo, na visão popular o indivíduo bilíngue era visto como a pessoa que domina duas línguas perfeitamente. Mello (1999, p.42) nos lembra que Bloomfield, ao longo de seu amadurecimento acerca da definição de Bilinguismo, acrescentou: “É claro que não se pode definir qual o grau de perfeição para que um bom falante estrangeiro se torne bilíngue”. Desse modo, o controle de línguas igualmente, postulado por Bloomfield, passou a obter certo grau de relatividade. Essa visão de “bilíngues perfeitos”, que controlavam duas línguas de modo semelhante, é contrariada no momento em que Macnamara (1967) apud Harmers e Blanc (2000, p.06) registra que: “um indivíduo bilíngue é alguém que possui competência mínima em uma das quatro habilidades linguísticas (falar, ouvir, ler e escrever) em língua diferente de sua língua nativa”. Nessa perspectiva, o sujeito bilíngue é aquele que domina, pelo menos, uma das habilidades linguísticas, anteriormente elencadas, mesmo que em pequeno grau. Entre as duas visões que se contrapõem há outras concepções sobre o fenômeno Bilinguismo como, por exemplo, a proposição de Titone (1972), citado por Harmers e Blanc (2000, p.07): “bilinguismo é a capacidade individual de falar uma segunda língua obedecendo às estruturas desta língua e não parafraseando a primeira língua”. Ao observar a acepção apresentada, é visível que o Bilinguismo é complexo e deve ser 106 analisado, interpretado e estudado sob várias óticas, levando em conta diversos níveis, como: individual, interpessoal, intergrupal, enfim, social. Segundo Harmers e Blanc (2000), é fundamental destacar que o viés unidimensial acerca do fenômeno Bilinguismo apresenta alguns aspectos desfavoráveis, uma vez que define o sujeito bilíngue, somente, por meio da competência linguística, o que acaba por ignorar algumas dimensões, relativamente, importantes como, por exemplo, os níveis de análises, quais sejam: individuais, interpessoais ou sociais. Em uma perspectiva multidimensional, que leva em conta fundamentos oriundo de vários ramos do conhecimento, como da Linguística, da Sociolinguística, da Sociologia, da Psicologia, dentre outros; a noção de Bilinguismo é vista como algo complexo de ser visualizado, interpretado e, sobretudo conceituado. Compreendendo a complexidade e ampla conceituação relativa ao Bilinguismo e também os graus existentes de Bilinguismo, Mello (1999, p.21-41), alerta para a existência de uma divisão caracterizada por “Bilinguismo Social” e o “Bilinguismo Individual”. Segundo a autora, essa noção de divisão, na realidade, funciona como um continuun do bilinguismo social, referente à sociedade até o bilinguismo individual, particular do sujeito. Ao longo dos anos, muitos são os estudos relativos ao bilinguismo, entre eles, Grosjean (1982), Mello (1999), Romaine (1995), Pereira & Costa (2011), que mapeiam, sobretudo revelam contextos conflituosos, uma vez que a situação bilíngue, na maioria das vezes, é resultado do contato de diferentes comunidades étnicas e linguísticas que acabam dividindo, de algum modo, o mesmo espaço, isto é, como é o caso de sujeitos radicados na Fronteira. Cavalcanti (1999) ao focalizar, em sua relfexão acerca de “Estudos sobre Educação Bilíngue e Escolarização em Cenários de Minorias Linguísticas” registra que ao observar o “contexto sociolinguístico brasileiro”, não se pode ignorar os contextos bilíngues, tendo em vista que o país, a partir da emissão monolíngue, o Bilinguismo está presente em praticamente cada país do mundo, pois, há o uso da língua de sinais, indígenas e do português brasileiro e suas respectivas variações dialetais. A discussão que Cavalcanti (1999) se propõe a realizar gira em torno da reunião de projetos de pesquisa de cunho etnográfico que ela desenvolveu com sua equipe67, dando 67 Para realizar tal reflexão, a autora se baseia em estudos que focalizam o contexto indígena, como os de Cavalcanti (1995/1999); Maher (1990/1996); Mendes (1995); César (1995); Freitas (1998). E ainda em 107 ênfase no primeiro momento ao contexto de educação indígena escolar e, posteriormente, a contextos bi/multilíngues de minorias68. A autora faz uma diferenciação nos termos: escolarização bi/multilingue e educação bilíngue. O primeiro é caracterizado pela presença de duas ou mais línguas, não necessariamente escritas, visto que tal cenário é forte em tradição oral. Já o segundo termo, a autora se baseia, principalmente, nos três modelos apresentados por Hornberger (1991), de transição, manutenção e enriquecimento de uma língua, desse modo, uma ponte para se chegar à língua-alvo. Esses contextos bi/multilíngues de minorias são classificados por Pereira (2002, p.48) como “Sociolinguísticamente Complexos”, pois segundo a autora: A caracterização de um contexto sociolinguístico complexo envolve vários aspectos, dentre eles, a coexistência de várias línguas, as diversidades dialetais intercompreensíveis ou não, as formas culturais das interações sociais, as crenças, as atitudes em relação ao “diferente”. Compreendendo o conceito de Pereira (Op. cit), acreditamos, também, que a complexidade sociolinguística se dá em todo e qualquer espaço, porém o complexo é evidenciado e melhor visualizado em regiões de fronteira, pois a dinâmica das línguas, nas interações sociais do dia a dia é constante nesse espaço, resultando não só no contato de línguas, mas conflito linguístico. Mello (1999), em seu livro intitulado “O Falar Bilíngue”, trabalha sob a perspectiva do Bilinguismo de elite, o qual leva em consideração línguas que possuem grau de prestígio elevado, tais como: o inglês, o francês e o italiano. A autora reúne sua experiência de atuação como professora de língua inglesa e propõe uma discussão de Bilinguismo em torno da aquisição da segunda língua. Ao realizar o estudo, Mello (Op. cit), mapeia a real situação da aquisição de língua inglesa em escolas, o que, de certa forma, contribui para conhecer como é adquirida a segunda língua no contexto das minorias étnico-linguística de caráter elitizado. Tendo em vista os inúmeros trabalhos referentes às minorias étnicos-linguísticas existentes no Brasil, destacamos, a seguir, alguns trabalhos correlatos que descrevem e revelam a atual situação de Bilinguismo Marginal da fronteira, entre Brasil e República estudos relativos aos contextos de imigrantes, como: Jung (1997); Takasu (1999) e Pereira (1999), além de pesquisas realizadas em contextos de fronteira, realizado por Martins (1995). 68 É importante destacar que quando a autora usa o termo minoria, não se refere à quantidade, mas sim à classe menos favorecida, inferior, estigmatizada, ridicularizada, desprivilegiada, e dentre outras terminologias utilizadas para classificar este tipo de comunidade, que na realidade representa a maioria em quantidade 108 do Paraguai, de Mato Grosso do Sul. Além disso, segundo Ebling (2013, p. 20), esses estudos estabelecem “a realidade cultural complexa dos sujeitos que vivem nesta linha fronteiriça, pois há um aglomerado de fontes culturais e linguísticas que influenciam direta e indiretamente a formação identitária dos mesmos” Dalinghaus (2009), ao investigar a dificuldade de ensinar a língua portuguesa na fronteira internacional de Ponta Porã/Brasil com Pedro Juan Caballero/Paraguai, ressalta que grande parte do alunato de uma escola da região pesquisada fala outra língua, além daquela tanto almejada pela escola, no caso a língua portuguesa. Além disso, a autora registra em seu estudo situações de bilinguismo em que os alunos dessa fronteira “sofrem” interferências linguísticas, principalmente, da língua espanhola. De acordo com Cavalcanti (1999), infelizmente, a “escola(rização) bilíngue/bidialetal não faz parte da vida educacional brasileira” (p.396). Deste modo, até o fechamento do texto, observa-se, que, diante dos estudos realizados, que apresentam o panorama sociolinguístico de algumas regiões do país, ainda não se tem uma política linguística e educacional voltada para os contextos de minorias linguísticas. Nota-se ainda, curiosamente, na investigação de Fernandes (2012), a existência de um elo da escola(rização) bilíngue/bidialetal em duas escolas de fronteira entre Brasil e Paraguai. Desse modo, na atualidade, não se pode mais afirmar de modo generalizado que a educação bilíngue/bidialetal não faz mais parte da realidade educacional, como afirma Cavalcanti (1999). Fernandes (Op. cit) com o estudo intitulado: “Proyecto Escuela Bilingue de Frontera Brembatti Calvoso/Brasil y Escuela nº290 Defensores dol Chaco/Paraguay”, registra, em 2012, a existência do Projeto Escola Bilíngue no cenário do Centro Oeste. Além disso, a autora destaca o fortalecimento, por meio do cruce69, de laços de cultura, diálogo direto e linguagem, em prol do reconhecimento de se preparar para atender o (a) aluno (a) fronteiriço (a), que possui traços peculiares, desde o falar fronteiriço até a cultura do sujeito oriundo da fronteira. Barbosa (2012/2013), por meio de sua experiência etnográfica, reitera a noção de contexto sociolinguísticamente complexo, proposto por Pereira (2002). O autor realiza um paralelo entre as fronteiras de Aral Moreira/Brasil e Departamento Santa Virginia/Paraguai com a fronteira de Ponta Porã/Brasil e Pedro Juan Caballero/Paraguai, e descobre que ambas as fronteiras possuem peculiaridades que 69 Grosso modo, cruce, é a transição, o cruzamento de docentes das escolas de fronteira. Criando um diálogo, assim, presente entre o Brasil com os países, principalmente, da América do Sul. 109 perpassam desde o setor político, econômico, até o aspecto cultural, linguístico e ideológico. Por isso, é fundamental pensar em situações de fronteira (STURZA, 2006), pois cada fronteira possui um fenômeno de bilinguismo particular. 5. Identidade De acordo Hall (2003), os conceitos relativos à Identidade estão em constante transição. Nessa perspectiva, no período caracterizado como “Pós-Colonial” é tarefa complexa determinar um só significado para o termo Identidade. Retomaremos de forma breve um pequeno histórico, de modo a ilustrar alguns posicionamentos tidos ao longo dos anos, com relação à terminologia Identidade. Ainda, segundo Hall (2003, p.10) uma das definições de Identidade está centrado no Indivíduo do Iluminismo, que caracterizada que a identidade era particular de determinada pessoa, tornando, assim, uma identidade própria e exclusiva. Essa Identidade era construída com base na história de vida do sujeito, por meio da cultura recebida, ao longo de seu “percurso narrativo”, por familiares, pela comunidade e por fim pela sociedade ocidental em que tal sujeito reside. A nacionalidade, os familiares e o nome, que o sujeito recebe são alguns dos elementos que contribuem para constituir sua identidade. Além disso, o espaço em que o sujeito vive é responsável por lhe proporcionar: a aprendizagem da língua materna; as tradições e os costumes ou hábitos que o indivíduo vai adquirindo ao longo de sua “linha do tempo”. Esses elementos contribuíram para a construção da personalidade e da memória individual do indivíduo. A respeito do sujeito Iluminista, Hall (2003, p.10) ressalta que o sujeito: ... estava baseado numa concepção de pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo – contínuo ou “idêntico” a ele – ao logo da existência do indivíduo. O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa. (grifo nosso). Como se pode observar o “eu” era a identidade de uma pessoa, centrada nela mesma. A título de exemplificação, no momento em que nasce o sujeito inicia a processo de construção constante de sua identidade. Nessa perspectiva, desde o nascimento, o sujeito, no contato com outros indivíduos, absorve comportamentos e informações que o tornará único e singular. Assim, o sujeito formata sua identidade incorporando ideias e informações, adequando-as e tornando-as particulares, isto é, 110 próprias. Após essa constituição da identidade, ao longo de sua existência o sujeito transforma essas informações adquiridas em características permanentes de sua personalidade. Hall (2003, p. 11) também registra o conceito de Identidade do ponto de vista do Indivíduo Sociológico. Essa vertente parte do pressuposto de que a Identidade está relacionada a uma determinada cultura. As características adquiridas que os sujeitos incorporam, ao longo de sua trajetória existencial, por determinada cultura funcionam no sentido de lhe identificar como pertencente tal grupo cultural particular. Além da crescente complexidade do mundo moderno ou “Pós-Colonial”, Hall (2003, p.11) reflete sobre a noção de sujeito sociológico: De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da questão, a identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem. Como se pode notar, o conceito de identidade, no viés do sujeito sociológico, preenche questões entre o “interior” e o “exterior”, em outras palavras, o mundo particular do sujeito e o mundo para além do interior, o mundo que o cerca. Nessa corrente de identidade, do ponto de vista sociológico, o sujeito esquematiza o seu “eu” baseado nas identidades culturais, ao passo que incorpora seus significados, apropriando-os e os tornando parte integrante de si. Assim, o sujeito ocupa posições sociais no mundo cultural e social. Compreendendo a terminologia Identidade do ponto de vista do Sujeito Iluminista e do Sujeito Sociológico, nota-se um paradoxo indentitário, enquanto o primeiro tinha uma identidade centrada no “eu”, o segundo já se interage com outras identidades que estão relacionadas à cultura e a sociedade e, assim, forma a sua identidade por meio da interação social. Além dessas duas concepções, de Sujeito Iluminista e Sujeito Sociológico, Hall (Op. cit) apresenta, ainda, o conceito do Sujeito “Pós- Moderno”. Segundo o autor, esse indivíduo está fragmentando-se, isto é, não é constituído de uma identidade específica ou exclusiva. Desse modo, o sujeito “Pós-Colonial” se classifica por internalizar diversas identidades, muitas delas em processo de construção. A noção de “crise de identidade” ressaltada por Hall (Op. cit) gira em torno da definição de Identidade como um bloco único de características comuns que vão se fragmentando. 111 Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. Como observa o crítico cultural Kobena Mercer, “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza”. (HALL, 2003, p.09). O autor ainda registra que conceituar a terminologia “Identidade” é tarefa árdua e, sobretudo complexa, assim, não se pode entender ou “ler” a Identidade no período contemporâneo partindo apenas de um eixo e, tampouco precipitar afirmações fixas, conclusivas. Portanto, a identidade é um conceito complexo que permite diferentes olhares. Tendo em vista a ideia de crise de identidade e de complexidade de conceituar tal terminologia, Hall (2003, p.09) ressalta que no período “Pós-Colonial”: Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Desse modo, o sujeito contemporâneo não possui uma identidade estática, fixa, mas, por meio da interação social, entra em “crise de identidade”, resultando em uma mobilidade identitária. Dentre vários entendimentos acerca da teoria de “crise identitária”, proposta por Hall (2003), acreditamos que o fato do indivíduo não conseguir mais instituir um ponto estável de suas características faz com que ele assuma vários tipos de identidade. Essas diversas identidades são usadas conforme o contexto em que o sujeito se encontro, além disso, em diferentes momentos. Diferentemente das outras concepções de identidade, anteriormente elencadas, o Sujeito Pós-Colonial desloca-se de modo mais intenso de seu eixo central, assumindo, assim, identidades distintas em diferentes localidades. Segundo Canclini (2001, p.23): Já não basta dizer que não há identidades caracterizadas por essências auto contidas e aistóricas, nem entendê-las como as formas em que as comunidades se imaginam e constroem relatos sobre sua origem e desenvolvimento. Em um mundo tão fluidamente interconectado, as sedimentações identitárias organizadas em conjuntos históricos mais ou menos estáveis (etnias, nações, classes) se reestruturam em meio a conjuntos interétnicos, transclassistas e transnacionais. 112 Compreendendo a fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai como um espaço heterogêneo e “vivo”, do ponto de vista geopolítico temos duas comunidades nacionais, uma situada no lado brasileiro e outra no lado paraguaio. Ambas as sociedades de fronteira carregam consigo uma identidade nacional, constituída pela política, pelas crenças, pelas ideias, contudo, diariamente, esses aspectos que formatam uma identidade se mesclam, relacionam-se, dentre eles: o aspecto linguístico; o hábito cultural; a crença, a ideologia, dentre outros fatores. Essa mescla e, sobretudo o “remodelar” é entendido, segundo Hall (2003), como um processo de ressignificação. Bhabha (1998, p. 20) apresenta algumas questões que consideramos de suma importância ao se pensar na terminologia Identidade. Segundo o autor é fundamental pensar de que modo se constituem: ...sujeitos nos "entre-lugares nos excedentes da soma das "partes" da diferença (geralmente expressas como raça/classe/gênero etc.)?”, “De que modo chegam a ser formuladas estratégias de representação ou aquisição de poder[empowerment] no interior das pretensões concorrentes de comunidades em que, apesar de hist6rias comuns de privação e discriminação, o intercâmbio de valores, significados e prioridades pode nem sempre ser colaborativo e dial6gico, podendo ser profundamente antagônico, conflituoso e até incomensurável? (BHABHA, 1998, p. 20). Compreendendo a noção de identidade em processo, flexível e heterogênea, podemos afirmar que a identidade do povo fronteiriço está em constante conflito. Muitas vezes, o “ir” e “vir” é tão natural que a população de Aral Moreira/Brasil troca costumes, hábitos, dentre outros aspectos; com o povoado que reside no Departamento Santa Virginia/Paraguai. Esse intercâmbio social, ideológico, linguístico, religioso, dentre outros aspectos.; faz com que o comportamento dos sujeitos que residem na fronteira em estudo seja hibrido, em um espaço ora brasileiro, ora paraguaio, ora mestiço. 113 PARTE III A VISÃO DAS DOCENTES DA FRONTEIRA COM RELAÇÃO AOS ALUNOS BRASIGUAIOS, INDÍGENAS E PARAGUAIOS Capítulo 4 – Considerações Iniciais para a Análise Este capítulo procura trazer a análise de dados. Usamos a triangulação de registros propostas por Frederick Erickson (1990a/1992b/1988c), com base na percepção do presente autor. A partir de agora, coloco-me em terceira pessoa, para melhor visualização e interpretação de dados, uma vez que, a pesquisa etnográfica qualitativa permite avaliar, também, o pesquisador, suas atitudes, enfim, seu modo de percepção com relação aos Dados Coletados durante a pesquisa in loco, bem como as intervenções etnográficas. Com relação à etnografia e ensino, André (1995, p. 38) ressalta que o pesquisador etnográfico ao procurar entendimento, interpretação da multiplicidade cultural encontrada, também, no âmbito escolar: (...) vai procurar entender essa cultura, usando para isso uma metodologia que envolve registro de campo, entrevistas, análises de documentos, fotografias, gravações. Os dados são considerados sempre inacabados. O pesquisador não pretende comprovar teorias nem fazer ‘grandes’ generalizações. O que busca, sim, é descrever a situação, compreendê‐la, revelar os seus múltiplos significados, deixando que o leitor decida se as interpretações podem ou não ser generalizáveis, com base em sua sustentação teórica e sua plausibilidade. A partir dessa orientação etnográfica, outra referência utilizada para interpretação de sentidos nos dados coletados são as premissas de Bortoni-Ricardo (2004a/2005b), baseado na “Sociolinguística Educacional” ou “Sociolinguística e Ensino” cujo objetivo é baseado em uma pedagogia culturalmente sensível cujo objetivo é reconhecer a diversidade cultural e linguística existente dentro do âmbito escolar, respeitando-as e tratando de maneira semelhante. A análise de dados é dividida em três momentos: No primeiro momento, apresentamos o Perfil das Docentes, objetos de estudo, com base no questionário aplicado com o intuito de melhor conhecer as professoras. No segundo momento, apresentamos a visão dessas docentes com relação à Produção Escrita de aluno, classificado por Cavalcanti (1999) como minoritário, ou seja, alunos da fronteira, geralmente, de contextos disprivilegiado, tais como: indígena, paraguaio ou brasiguaio. É importante destacar aqui que a produção escrita foi selecionada, aleatoriamente, pela docente, objeto de estudo, e serviu como base para a 114 realização da entrevista narrativa que é apresentada posteriormente. No terceiro momento, apresentamos a entrevista narrativa realizada com as duas docentes, com o objetivo de responder as perguntas de pesquisa, apresentadas no capítulo II, quais sejam: a) Que conceitos têm as professoras da fronteira sobre bilinguismo, línguas e cultura da fronteira? b) As professoras que vivem na fronteira percebem a realidade bilíngue de seus alunos brasiguaios, paraguaios e indígenas? c) Que percepções têm as professoras acerca da escrita de seus alunos indígenas, paraguaios e brasiguaios de duas escolas públicas de Aral Moreira/Brasil? 4.1. O Caso de Laura: conhecendo o perfil profissional da docente70 A época em que o pesquisador aplicou o questionário (ANEXOS: PARTE II – ANEXO 01), 03/06/2013, para melhor conhecer o perfil da docente, objeto de estudo, tratada como Laura, que possuía trinta e três anos (33), uma vez que sua data de nascimento corresponde a 29/11/1980. A docente era solteira, morava com a família na cidade de Aral Moreira/Brasil e ministrava, na condição de professora contratada pelo Estado de MS, em uma escola pública71, as disciplinas de língua portuguesa, língua espanhola e literatura, nos três turnos: matutino, vespertino e nortuno, no ensino fundamental e médio e na educação para jovens e adultos (EJA). A atuação profissional da docente resultava em uma carga horária de quarenta (40) horas/aula. O questionário aplicado à Laura comprovou sua atuação, como professora contratada do Estado, desde o início de sua graduação em Letras - Habilitação em Língua Portuguesa, Língua Espanhola e suas Respectivas Literaturas, pelas Faculdades Integradas de Ponta Porã – FIP, em 2003. Laura é pós-graduada, em nível de especialização, na área de língua portuguesa e literatura brasileira. Conforme dados do questionário, Laura se graduou há dez (10) anos e atua como professora contratada há onze (11) anos. Levando em consideração que Laura se formou em letras, no ano de 2003, é importante destacar que sua atuação como docente teve início antes mesmo de ingressar à faculdade de letras, supostamente, como professora substituta. O pesquisador que aplicou o questionário a Laura acredita que a atuação da docente em sala de aula contribuiu para a aquisição de uma vasta experiência na prática docente em região de fronteira. Ao passo que o percurso de Laura durante a graduação 70 Em função de ética e sigilo, optamos por usar nome fictíco para denominar a docente em estudo, nesse caso, Laura. 71 Conforme olhar etnográfico, pudemos observar que há trânsito de professores entre as escolas de Aral Moreira, o motivo principal é o preenchimento de carga horária. 115 e, em consonância com a atuação profissional evidencia, segundo o pesquisador do presente estudo, para uma vida bastante atarefada. Desse modo, pode-se cogitar depreender a hipótese de uma dedicação não tão exclusiva de Laura com relação à sua graduação em letras. Outro ponto que chamou atenção do pesquisador, ao interpretar o questionário aplicado à Laura, foi o fato da docente ter realizado sua gradução em letras em uma instituição de ensino superior (IES) privada, Faculdades Integradas de Ponta Porã (FIP). O pesquisador, compreendendo a heterogeneidade de matrizes curriculares dos cursos de letras entre faculdades públicas e privadas, distribuídas em todo país, passou a questionar sobre a grade curricular de Laura, principalmente, com relação à disciplina de Linguística Geral, que segundo o pesquisador da presente pesquisa, é a disciplina responsável por apresentar a Linguística Clássica e/ou Teórica e suas “ramificações” ou teorias linguísticas, quais sejam: a Sociolinguística; a Linguística Histórica; a Pragmática; a Linguística Textual; a Neurolinguística; a Psicolinguística, dentre outras. Com o objetivo de conhecer a grade curricular de Laura, o pesquisador listou várias disciplinas no questionário aplicado a professora que, supostamente, fizeram parte de sua matriz curricular. Laura, ao responder o questionário, apontou as seguintes disciplinas como sendo de sua grade curricular do curso de letras da FIP: língua portuguesa e espanhola, literatura brasileira e espanhola, estágio curricular supervisionado, latim, linguística, didática e psicologia. A docente completou, ainda, o espaço que o pesquisador havia deixado para preencher outras disciplinas não listadas no questionário, assim, Laura acrescentou as seguintes disciplinas: literatura infantojuvenil e estrutura. Além disso, a docente colocou a pontuação de reticências, que pela interpretação do pesquisador pode evidenciar a presença de mais disciplinas que fizeram parte da grade curricular da professora, porém, não foram listadas no questionário. O fato de Laura ter cursado letras na FIP, unidade de Ponta Porã/Brasil-MS, fez com que o pesquisador passasse a se questionar quanto a sua ligação ao pilares que sustetam uma universidade pública, tais como: o ensino, a pesquisa e a extensão. O pesquisador da presente pesquisa acredita que a relação com a pesquisa torna o acadêmico mais sensível a algumas sutilezas, como a diversidade linguística existente no contexto escolar, bem como sua reflexão em sala de aula, proposta por BortoniRicardo (2004) denominada de “sociolinguítica educacional” ou “sociolinguística e ensino”, nomeada por Erickson (1987) como “pedagogia culturalmente sensível” e designada por Faraco (2007) como “Pedagogia da Variação”. 116 A partir das informações apresentadas relativas ao perfil de Laura, o pesquisador tentará na seção a seguir, por meio do “estranhamento ao familiar”, proposto por Pereira e Jung (1998), apresentar o olhar de Laura com relação ao seu contexto de trabalho na fronteira e ainda sua visão com relação a seus alunos radicados na fronteira meridional de Mato Grosso do Sul, na cidade de Aral Moreira/Brasil e Departamento Santa Virginia/Paraguai. 4.2. A Percepção de Laura com relação à Produção Textual Escrita dos alunos da fronteira Compreendendo que o investigador etnográfico se vale de diversas fontes de dados, de modo a não confiar em um único registro, o pesquisador solicitou à professora de língua portuguesa, objeto de estudo dessa pesquisa, produções textuais escritas corrigidas, uma que a docente considerasse boa e outra ruim, ambas de alunos brasiguaios, paraguaios ou indígenas, classificados por Cavalcanti (1999) como sujeitos de minorias72 linguísticas e de maiorias minoritarizadas. O intuito de requerer produções boas e ruins é, segundo o pesquisador, a suposta adulteração na redação dos alunos da fronteira. O texto analisado foi, gentilmente, cedido pela professora Laura. De acordo com as suas explicações, esse texto foi registrado como atividade de língua portuguesa com a orientação de que fosse redigido um texto para o aprimoramento da estrutura do “Gênero Dissertativo”. O texto analisado não passou pelo processo de reescrita, por isso, há correções de Laura na produção textual escrita. No momento de geração de registros, essa aluna brasiguaia estava cursando o 9º ano do ensino fundamental, em uma escola brasileira do município de Aral MoreiraMS. Segundo informações da professora, naquela época, havia, aproximadamente, um ano que a aluna brasiguaia estava morando na região. A partir da contextualização do perfil da aluna em questão, na sequência, será apresentado o texto, na íntegra, produzido pela aluna brasiguaia. Posteriormente, realizaremos a análise a partir de fragmentos, aos quais, tentaremos perceber o olhar de Laura com relação à produção textual de um aluno brasiguaio, residente na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. 72 É importante destacar que quando a autora usa o termo minoria, não se refere à quantidade, mas sim à classe menos favorecida, inferior, estigmatizada, ridicularizada, desprivilegiada, e dentre outras terminologias utilizadas para classificar este tipo de comunidade, que na realidade representa a maioria em quantidade 117 A seguir é apresentada, na íntegra, a redação de uma aluna brasiguaia em que a professora Laura classificou como “ruim”. O pesquisador selecionou essa produção textual, principalmente, pelo fato de obter correção de Laura, o que contribuiu para entender como a professora percebe e “enxerga” a aluna brasiguaia da fronteira, por meio da produção textual escrita. Figura 35. Cor. Produção textual escrita cedida pela professora Laura Como se pode observar na Figura 35, a correção que a professora Laura realiza gira em torno da correção ortográfica, centrando seu interesse na homogeneidade linguística. Embora não seja o interesse central voltar nosso olhar para a produção textual elaborada pela aluna brasiguaia, em uma breve análise, nota-se que o texto apresenta ocorrências que são comuns aos alunos brasileiros, como por exemplo, Pra/Para – excessão às regras que prevê o “para” para situações formais de oralidade e escrita e 118 “pra” em momentos informais de cunho oral e escrito. A aluna brasiguaia usa em seu texto tanto “para” quanto “pra”, em consonância, isso evidencia pensar em níveis de bilinguismo escrito, tratado como complexo, conforme Mello (1999). Por isso, é fundamental possuir uma “pedagogia culturalmente sensível” com relação à escrita do aluno da fronteira. Curiosamente, na correção, verifica-se que a professora faz uma ligação entre a palavra “para” até a “pra”, indicando que a maneira adequada para dado contexto é “para”. Essa atitude de circular as palavras acima evidencia pensarmos em uma atitude de Laura centrada na homogeneidade da língua, reconhecendo a norma padrão (para) como unidade, e ao mesmo tempo ignorando a variante (pra) do aluno, sem refletir o uso das unidades lexicais (pra e para) a determinados contextos (formal e informal), tratando como uso para diferentes situações, sem ridicularizar o “pra”. Na visão do pesquisador, isso é fruto do não conhecimento de Laura sobre teorias relativas à sensibilização pedagógica, conforme destaca Pires-Santos (2010), a linguagem do aluno brasiguaio tratado como híbrida. Algumas ocorrências evidenciam o nítido apoio a língua espanhola, revelando uma linguagem híbrida do aluno da fronteira e ainda confirmando a noção de bilinguismo em processo, tais como: Pensan, ao invés de Pensam (português) e Piensan (espanhol); Ten, ao invés de Tem (português) e Tiene ou Hay (espanhol, de acordo com o contexto); Queren, ao invés de Querem (português) e Quiere (espanhol). Na visão do pesquisador, essa marca linguísticas, além de evidenciar uma linguagem hibrida típica do aluno da fronteira, revela uma atitude de Laura que contribui para a rotulação de fracasso postulada ao aluno brasiguaio. Além disso, a palavra Nen (considera hibrida) ao invés do Nem (português) não é apontada na correção de Laura, isso evidencia pensar que, embora a professora tenha habilitação em língua portuguesa e espanhola, não há um domínio do espanhol escrito. Laura destaca, também, em sua correção, casos de inadequação do ponto de vista gramatical relativa ao emprego de pontuação, tais como: o emprego de vírgulas, de interrogação, de acentuação como se nota em: Aparencia ao invés de Aparência; Voce no lugar de Você; E ao invés de É; Tambem e não Também; e Nao ao invés de Não. Aqui é importante destacar que, na última linha (24), a aluna usa o “não” acentuado, isso só confirma a noção de graus ou níveis de bilinguismo (MELLO, 1999), o que evidencia pensar que, no momento de elaboração da produção textual, a aluna 119 encontrava-se em fase de transição da sua língua de origem (familiar) para a língua da escola (institucional). Nota-se, ainda, uma correção direcionada à concordância verbal, como no exemplo: ten alguns que se importa com a aparencia, ao invés de tem alguns que se importam com a aparência (2ª linha). Outro caso interessante é quanto ao trecho alguns nao se importa nao (4ª linha) corrigido por Laura, alguns não se importam não. No olhar do pesquisador, a produção era uma atividade cujo objetivo, segundo Laura, era o de aproximar a aluna brasiguaia e os demais colegas de sua classe ao Gênero Dissertativo. Compreendendo a complexidade da linguagem hibrida do alunato de fronteira, a atitude da professora em realizar uma correção ortográfica na primeira versão de escrita da aluna brasiguaia, sem realizar o processo de reflexão linguística, leva-nos a pensar que a atitude da docente contribuiu para o bloqueio de produções textuais futuras, fazendo com que o aluno se sinta fracassado quanto ao domínio da norma padrão da língua portuguesa. Pires-Santos (2010, p.43), ao estudar a linguagem híbrida em contextos de fronteira, destaca que não se encontra marcas da língua espanhola na oralidade do aluno brasiguaio, alfabetizado no Paraguai, como é o caso da aluna brasiguaia em questão. Por outro lado, existe mistura da língua espanhola e portuguesa, podem ser encontrados mais facilmente na superfície escrita. Na maioria das vezes, a produção textual escrita de alunos oriundos de outras nacionalidades, como é o caso da aluna brasiguaia, Pires-Santos (Op. Cit) lembra que é imprescindível levar em consideração que a escrita do aluno brasiguaio é, antes da superfície ortográfica, hibrida; e; muitas vezes, por não conhecer esse conceito de hibridismo, o contexto escolar, mais especificamente, o docente não dá atenção a essa escrita, caracterizando-a como errada e inferior às demais que mais se aproximam da língua padronizada. Com base nesses dados, e tantos outros que podem ser elencados a partir dessa produção textual, mas não os elucidaremos aqui para não tornar nossa análise exaustiva, a visão do pesquisador e de acordo com o que os dados evidenciam, Laura desconsidera a escrita de origem de sua aluna brasiaguia, impondo a norma padrão escrita, tanto almejada pelo âmbito escolar. Essa atitude de Laura é devido a uma instituição maior, ou seja, o não reconhecimento da escola em que a docente atua como, genuinamente, 120 bilíngue e intercultural, tornando invisível a língua, a fala, a escrita, a identidade e a cultura do brasiguaio e, consequentemente de educandos indígenas e paraguaios. Desse modo, os dados evidenciam pensar que a professora não enxerga a produção textual escrita de sua aluna brasiguaia como híbrida e heterogênea. Ao analisar, brevemente, o campo das ideias da produção textual escrita, percebese que há uma sequência textual, assim evidenciada: 1) Beleza: demonstrando uma baixa autoestima da aluna brasiguaia, principalmente, na passagem: Eu nao me importo com a beleza por que sei que nao sou linda mas trato de me vestir ben pra sair o pra ir a escola. (linhas 5 a 8). O trecho, além de revelar um desprovimento de beleza da aluna brasiguaia, demosntra uma forma de se apresentar melhor ao “outro”, no caso a professora Laura. 2) Marca: questão que pode ser interpretada como a ideia de pertencimento a determinado grupo social, isto é, a roupa de marca rotula a posição social do indivíduo, além disso, a marca estabelece que grupo tal sujeito pertence. Esse traço pode ser observado na passagem: mas tamben sempre e importate estar bem vestida mesmo que a roupa não for de marca. Ainda com relação à Marca, é importante mencionar que a concepção de aparência e de se vestir do povo paraguaio, localidade de origem da aluna, é diferente da concepção brasileira. A título de exemplicação podemos citar as escolas paraguaias, onde os alunos usam uniformes, rigorasamente, padronizados, constituído de sapato, gravata e meia ¾. Desse modo, a aluna deixa transparecer em seu texto o padrão de vestimenta do Paraguai, uma vez que traz resquícios de sua cultura de origem. Segundo o olhar de pesquisador, os dados evidenciam para uma atitude em que Laura classifica o texto aluna brasiguaia como “ruim”, seguido de sérios problemas gramaticais, o que contribui para o fracasso escolar e quase sempre seguido da evasão. Esse tipo de atitude na prática docente é confirmado, também, no estudo de Pires-Santos (Op. Cit) quando registra que: ... as professoras ficam descontentes quando recebem em suas turmas alunos “brasiguaios”, reclamando para que sejam distribuídos nas diferentes turmas e muitas vezes considerando um castigo receber mais de um desses alunos em sua turma. Evidentemente, o não conhecimento de Laura com relação à linguagem hibrida de sua aluna, bem como aos conceitos relativos à “Sociolinguística educacional”, proposta por Bortoni-Ricardo (Op.cit) cujo objetivo se volta para a preservação cultural e 121 linguística do aluno de fronteira; e ainda, o desconhecimento da prática de uma pedagogia culturalmente sensível faz com que a visão da professora com relação ao texto da aluna brasiguaia seja homogênea, centrada apenas na norma padrão escrita, desconsiderando a “Pedagogia da Variação”, proposta por Faraco (2007) e a noção de que o contexto de sala de aula é de conflito étnico-linguístico, sujeito a norma padrão e não-padrão; crises de identidade por parte do alunato e dentre outros fatores de caráter heterogêneo. Ao questionar Laura sobre a produção textual escrita, por meio da entrevista narrativa, observam-se alguns pontos que ajudam a entender, ainda mais, a percepção de Laura com relação à escrita da aluna brasiguaia. Entrevista 01. Professora Laura. INQ. nu qui si referi a escrita igual essa aluna vamu/a gentI podi observar algumas questões circuladas a presença du eni a questão di concordância INF. us conectivus qui nu espanhol são pocus né INQ. us conecti::vus a:: utilização di virgula INF. uhum INQ. a própria letra INF. em caixa alta né INQ. issu Conforme percepção do pesquisador, Laura já cria uma fronteira com relação à produção da aluna brasiguaia, no momento em que registra no verso da folha que a produção textual escrita é de: “Aluna precedente de outro país. (Assunção – Paraguai)”. Por outro lado, essa atitude da professora pode evidenciar uma interpretação de reconhecimento não só da nacionalidade, mas da historicidade da aluna brasiguaia, dando-lhe subjetivamente uma Identidade própria, que não é brasileira e nem paraguaia; uma Identidade, segundo Hall (op.cit) construída na relação social, por isso, em processo, heterogênea e mestiça. Os dados da entrevista narrativa realizada com a professora Laura também evidenciam para um distanciamento com relação à aluna brasiguaia, como se pode observar no excerto abaixo. Entrevista 01. Professora Laura. INF: essi nomi dela é bem paraguaiu né O trecho acima ilustra uma posição que Laura criou já com relação ao nome da aluna brasiguaia, caracterizado, segundo a docente, como bem paraguaio. Na visão do pesquisador, esse fato evidencia pensar na hipótese de que Laura não enxerga sua aluna brasiguaia constituída de duas nações mescladas, brasileira e paraguaia. 122 Esse posicionamente da docente pode ser fruto de sua concepção com relação a “Ser Brasiguaio”: Entrevista 01. Professora Laura. INF. nãum purquê num existi brasiguaiu ou nós somus brasilerus ou nós somus paraguaius si você é filhu di casal brasileru qui nasci nu Paraguai cê sabi qui tem u direitu di iscolhê uma cidadania né? quandu você é bebê teus pais vão lá i ti registram ou nu Brasil ou nu Paraguai si você si registrou nu Paraguai você é paraguaiu vai lá i: faz teu documentu. (grifo nosso). Como se pode observar, ao indagar Laura sobre o que ela entende por Sujeito Brasiguaio, o dado evidencia uma visão bastante radical, centrada no binarismo identitário. Desse modo, na visão do pesquisador, Laura não conhece os conceitos de Identidade do período Pós-Colonial, o que contribui para a não compreensão de Identidade em construção nas relações sociais; de Identidade heterogênea; de vários tipos de Identidade que um sujeito pode possuir, conforme mostra as reflexões de Hall (2003); Bhabha (2008) e Campigoto (2008), eboçados no capítulo 3. O pesquisador ao questionar Laura quanto à correção realizada na produção textual escrita, redigida pela aluna brasiguaia, obteve a seguinte posição da docente: Entrevista 01. Professora Laura INF: si eu corrigir essas diferenças num vô falá falha ou erru pur que é complicadu né entãum aí você tem qui avaliá essi textu duas vezis (Grifo nosso). O trecho sugere a interpretação de que Laura, mesmo que de maneira superficial, conhece algumas discussões relativas ao “erro” ou “falha” no português escrito. Assim, ao invés de dizer “erro” ou “falha”, Laura denomina os desvios de norma padrão escrita da aluna brasiguaia de “diferenças”. Embora Erickson (1990a/1992b/1988c) não proponha graus de “pedagogia culturalmente sensível”, o registro evidencia um nível inicial de sensiblização de Laura com relação à escrita da aluna brasiguaia, principalmente, no momento em que trata a norma não-padrão da escrita como diferente. Ao analisar a posição do pesquisador, verifica-se a ausência em instigar questões como: o que é erro para a docente? O que é falha? O que é diferença? São aspectos que poderiam ser explorados pelo pesquisador no sentido de compreender a noção de erro de Laura. Desse modo, durante a entrevista narrativa entre o pesquisador e a professora, verifica-se que, mesmo tentando “estranhar o familiar” algumas sutilezas se tornaram invisibilizadas no momento da entrevista, talvez pelo fato de Laura possuir certo grau de 123 aproximação com o pesquisador, caracterizada pela etapa de escolarização do investigador, o que contribuiu para a “familiariedade escolar” construída entre Laura e pesquisador. Por isso, reitera-se, aqui, a ideia de que realizar a pesquisa etnográfica é tarefa complexa, pois as premissas etnográficas indicam que o pesquisador deve estranhar ambiente familiar, mas apesar do estranhamento, algumas sutilezas acabam ficando invisíveis por conta da familiaridade do pesquisador com o contexto e com as pessoas; por ideologias construídas historicamente, dentre outros fatores. A visão de Laura com relação ao processo de alfabetização da aluna brasiguaia pode ser observada no excerto a seguir: Entrevista 01. Professora Laura INF: é: ela a família dela é di lá eu creiu qui sim eu achu qui ela foi alfabetizada lá nunca perguntei pra ela si ela estudou algum anu pur aqui u irmão dela ficô um bimestre só na iscola i: voltô pra Assunção (grifo nosso). Na visão do pesquisador, o fato de Laura nunca ter indagado sobre o contexto da aluna brasiguaia contribui para o não reconhecimento de seu mundo, o que leva a interpretar que Laura não conhece a realidade linguística e cultural de sua aluna brasiguaia. Nesse sentido, a professora não realiza em sua prática docente o “cruce”, o diálogo linguístico e cultural com a aluna brasiguaia, o que permite evidenciar que Laura “enxerga” a aluna como fraca e não como um sujeito que têm traços culturais, identitários, ideológicos, linguísticos e religiosos mesclados, construídos a partir de toda uma vivência radicada parte na República Paraguai, em Assunção, e outra parte no Brasil, em Aral Moreira. Curiosamente, outro trecho chama atenção no processo de tentar interpretar a visão de Laura com relação aos alunos indígenas, paraguaios e brasiguaios que frequentam as escolas brasileiras em regiões de fronteira. Entrevista 01. Professora Laura INF. essa aluna nãum questionava nãum participava entãum ela poderia ter melhoradu ela até acabou reprovandu Na visão do pesquisador, o “acabar reprovando”, pode ser interpretado como se a culpa da reprovação da aluna brasiguaia não fosse de Laura, mas de dificiências da própria aluna, como, por exemplo, o não domínio da norma padrão escrita da língua portuguesa. A fala de Laura evidencia, ainda, pensar que a aluna brasiguaia tinha atitudes, assim como os alunos indígenas da região que frequentam as escolas 124 brasileiras de Aral Moreira/Brasil que fragilizavam a aprendizagem, portanto, a culpa é do aluno. Ainda, segundo a visão do pesquisador, essa fala de Laura, além de contribuir para a estigmatização e rotulação de fracasso do aluno da fronteira, contribui, ainda, para a constante evasão de alunos brasiguaios, paraguaios e indígenas das escolas da fronteira de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai que, no momento de ingresso no contexto escolar, sentem-se fracassados, pois às escolas brasileiras da fronteira em questão não reconhecem como bilíngues e interculturais, assim, impõem a língua portuguesa do livro didático (não da gramática) como correta, desconsiderando a língua familiar, aquela de origem, trazida pelo aluno de fronteira. Desse modo, o momento em que o professor reconhece que existem variações na língua oral e escrita, ocorre o processo de sensibilização, ou seja, há, de fato, o reconhecimento de uma sociolinguística educacional dentro da escola, tratada por Erickson (1990a/1992b/1988c) como “pedagogia culturalmente sensível”, reconhecendo, assim, a existência de variantes linguíticas, identitárias, culturais, sociais, ideologias, dentre outras. 4.3. Entrevista Narrativa com a professora Laura No momento em que o pesquisador questionou Laura sobre a interação de alunos da fronteira, verifica-se um direcionamento, especificamente, aos alunos indígenas, desconsiderando os alunos paraguaios e brasiguaios, também residentes na fronteira em estudo. Entrevista 01. Professora Laura INQ. i: a interação delis com us outrus alunus? INF. só com uns indígena mesmu (grifo nosso). A professora Laura percebe a interação de alunos indígenas como “homogênea”, ou seja, eles não se relacionam com os alunos paraguaios, brasileiros e brasiguaios. No momento em que o pesquisador indagou a professora sobre os alunos da fronteira, verificou-se que essa interação de indígenas pode ser interpretada como uma estratégia de defesa. Ou seja, esse “ficar quieto” é para se dedender de possíveis chacotas, piadas e demais atitudes de outros alunos que, por ventura, podem vir a ridicularizá-los, dentre outras atitudes de marginalização. Na visão do pesquisador, Laura não compreende a atitude de “ficar quieto” dos alunos indígenas. Os dados evidenciam que essa posição dos alunos indígenas da 125 fronteira é encarada pela professora como falta de interação no contexto de sala de aula. Desse modo, no momento em que a professora ressalta, em entrevista narrativa, que os alunos indígenas se interagem somente entre eles, podemos interpretar, também, que Laura desconsidera que o ambiente escolar não é propício a muitos alunos da fronteira, o que acaba, na maioria das vezes, por intimidá-los. Outro ponto a destacar é que a escola, infelizmente, é o espaço de conflitos, pois nesse contexto as relações de poder estão, claramente, estabelecidas. E entre os alunos também é vivenciada essa relação de poder, então, os alunos vão disputando, diariamente, espaços. (o aluno que vira líder, o que não vira líder). Essa disputa pelo espaço acaba deixando, muitas vezes, os alunos brasiguaios, paraguaios e indígenas fora desse espaço de prestígio, ocupado, geralmente, por alunos brasileiros com status econômico elevado. Então, os dados mostram que Laura não consegue visualizar essa complexidade dentro da sala de aula, a interação do aluno brasileiro é diferente da interação do paraguaio, que é diferente do indígena e do brasiguaio. Por isso, a sala de aula deve ser encarada como espaço heterogêneo e de conflito étnico, linguístico e social. Outro ponto a ser destacado é que, como apresentado no capítulo 1, a base econômica de Aral Moreira/Brasil é rural, então, existe toda uma percepção de estigma com relação ao povo indígena, historicamente marcada, isso faz com que a professora Laura tenha uma visão, uma imagem, previamente, contruída quanto aos alunos indígenas da fronteira. Quando indagada pelo pesquisador sobre o refletir a língua dentro da sala de aula, Laura ressalta que: Entrevista 01. Professora Laura INQ. i:: as reflexões acerca da língua são feitas? INF. nãum num dá tempu Segundo a visão do pesquisador, essa fala da professora comprova a ideia de que não se reflete a língua em sala de aula, em outras palavras não se excersse uma pedagogia culturalmente sensível, conforme ressalta Bortoni-Ricardo (2004a, p.38) ressalta que: ... uma pedagogia que é culturalmente sensível aos saberes dos educandos está atenta às diferenças entre a cultura que eles representam e a da escola, e mostra ao professor como encontrar formas efetivas de conscientizar os educandos sobre essas diferenças. Na prática, contudo esse comportamento é 126 ainda problemático para os professores, que ficam inseguros, sem saber se devem corrigir ou até mesmo se podem falar em erros. No momento em que Laura ressalta, em entrevista, que não reflete a língua em sala de aula, segundo a perspectiva do pesquisador a professora tem resquícios de uma tradição educacional que mantem a ideia de que existe uma única forma de falar e escrever, resultando na homogeneidade da língua. Ao passo que, estudos linguísticos, apontam para o resgate cultural, bem como as línguas de origem dos educandos, conforme destaca Mello (1999, p.35) “A língua oficial é imposta na maioria das situações (na escola, na vida púbica, na administração do Estado etc), enquanto as línguas de origem ficam restristas ao domínio afetivo (no lar, entre amigos)”. 4.5. O Caso de Sofia: conhecendo o perfil profissional da docente A época em que o pesquisador aplicou o questionário (ANEXOS: PARTE II – ANEXO 02), 03/06/2013, para melhor conhecer o perfil da docente, objeto de estudo, tratada como Sofia, tinha 37 anos, conforme dados registrados no questionário, sua data de nascimento equivale a 23/01/1978. A docente era casada e morava com o marido e os dois filhos pequenos em Aral Moreira/Brasil e ministrava na condição de professora concursada 20 horas/aula pelo Estado de MS em uma escola pública, as disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Aliado ao cargo de docente, Sofia também excercia o papel de vereadora do município. Assim, trabalhava 20horas/aula e seu foco era direcionado às turmas de ensino fundamental e médio no período vespertino de uma escola pública. O questionário aplicado à Sofia comprovou sua atuação, como professora concursada do Estado de MS, desde o início de sua graduação em Letras - Habilitação em Língua Portuguesa, Língua Espanhola e Literaturas, pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS, em 2002. Sofia é pós-graduada, em nível de especialização, na área de Linguística e Análise do Discurso. De acordo com dados do questionário, Sofia se graduou há (12) anos e atua como professora concursada há onze (14) anos. Levando em consideração que Laura se formou em letras, no ano de 2002, é importante destacar que sua atuação como docente teve início antes mesmo de ingressar à faculdade de letras, supostamente, como professora substituta. O pesquisador que aplicou o questionário a Sofia acredita que a atuação da docente em sala de aula contribuiu para a aquisição de uma vasta experiência na prática docente em região fronteiriça. Ao passo que o percurso de Sofia durante a 127 graduação e, em consonância com a atuação profissional evidencia, segundo o pesquisador do presente estudo, para uma vida bastante atarefada. Desse modo, pode-se evidenciar a hipótese de uma dedicação não tão exclusiva de Laura com relação à sua graduação em letras, assim como no caso anterior, o de Laura. Outro ponto que chamou atenção do pesquisador, ao interpretar o questionário aplicado à Sofia, foi o fato da docente ter realizado sua gradução em letras em uma instituição de ensino superior (IES) pública, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS. No olhar do pesquisador e compreendendo a heterogeneidade de matrizes curriculares dos cursos de letras entre faculdades públicas e privadas, distribuídas em todo país, passou a questionar sobre a grade curricular de Laura, principalmente, com relação à disciplina de Linguística Geral. Com o objetivo de conhecer a grade curricular de Laura, o pesquisador listou várias disciplinas no questionário aplicado a professora que, supostamente, fizeram parte de sua matriz curricular. Sofia, ao responder o questionário, apontou as seguintes disciplinas como sendo de sua grade curricular durante o percurso do curso de letras na UEMS: língua portuguesa e espanhola, literatura brasileira e espanhola, estágio curricular supervisionado, latim, linguística, didática e psicologia da educação e filosofia da educação. O espaço em branco destinado ao preennchimento de posteriores disciplinas não elecandas no questionário, não foi preenchido pela docente. O fato de Sofia ter cursado letras na UEMS, unidade de Amambai-MS, fez com que o pesquisador passasse a se questionar quanto a sua ligação ao pilares que sustetam uma universidade pública, tais como: o ensino, a pesquisa e a extensão. O pesquisador da presente pesquisa acredita que a relação de Sofia com a pesquisa foi estreira, o que a torna mais sensível perante algumas sutilezas, como a diversidade linguística existente no contexto escolar, bem como sua reflexão em sala de aula, proposta por BortoniRicardo (2004) denominada de “sociolinguítica educacional” ou “sociolinguística e ensino”, nomeada por Erickson (1990a/1992b/1988c) como “pedagogia culturalmente sensível” e designada por Faraco (2007) como “Pedagogia da Variação”. Com base nessas informações apresentadas relativas ao perfil de Sofia, o pesquisador tentará na seção a seguir, por meio do “estranhamento ao familiar”, proposto por Pereira e Jung (1998), apresentar o olhar de Sofia com relação ao seu contexto de trabalho na fronteira e ainda sua visão com relação a seus alunos radicados na fronteira meridional de Mato Grosso do Sul, na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil e Departamento Santa Virginia/Paraguai. 128 4.6. A Percepção de Sofia com relação à Produção Textual Escrita dos alunos da fronteira Entendendo que o pesquisador etnográfico se vale de várias fontes de registros, de modo a não confiar em um único dado, o investigador solicitou à professora de língua portuguesa, objeto de estudo dessa pesquisa, produções textuais escritas corrigidas, uma que a docente considerasse boa e outra ruim, ambas de alunos brasiguaios, paraguaios ou indígenas, classificados por Cavalcanti (1999) como sujeitos de minorias linguísticas e de maiorias minoritarizadas. O intuito de requerer produções boas e ruins é, segundo o pesquisador, a suposta adulteração na redação dos alunos da fronteira. É importante destacar neste subtópico que, diferentemente de Laura, a professora Laura demorou mais tempo para ceder à produção textual escrita da aluna da fronteira. O texto analisado foi, gentilmente, cedido pela professora Sofia. Conforme suas explicações, esse texto foi registrado como atividade de língua portuguesa, com a orientação de que fosse redigido um texto para o aprimoramento da estrutura do “Gênero Dissertativo”. O texto analisado não passou pelo processo de reescrita, por isso, há correções de Sofia na produção textual escrita. No momento de geração de registros, 12/06/2013, a aluna estava cursando o 9º ano do ensino fundamental, em uma escola brasileira do município de Aral MoreiraMS. Segundo informações da professora, a aluna pode ser considerada brasiguaia, visto que morou um bom tempo no Paraguai e depois retornou para o Brasil. Com base na contextualização prévia do perfil da aluna em questão, na sequência, será apresentado o texto, na íntegra, produzido pela aluna da fronteira. Posteriormente, realizaremos a análise a partir de fragmentos, aos quais, tentaremos perceber o olhar de Sofia com relação à produção textual de sua alun, residente na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. A seguir é apresentada, na íntegra, a redação de uma aluna “brasiguaia” em que a docente Sofia classificou como “ruim”. O pesquisador selecionou essa produção textual escrita, principalmente, pelo fato de obter correção de Sofia, o que contribuiu para entender como a professora percebe e “enxerga” a aluna da fronteira, por meio da produção textual escrita. 129 Figura 36. Cor. Produção textual escrita cedida pela professora Sofia Como se pode observar na Figura 36, a correção que a professora Sofia realiza gira em torno da correção ortográfica, centrando seu interesse na homogeneidade linguística. No olhar do pesquisador etnográfico, os dados evidenciam observar que em algumas ocorrências é nítido o apoio a língua espanhola, revelando uma linguagem mesclada, com a predominância da língua portuguesa e algumas unidades lexicais em espanhol, desvendando, assim, a ideia de bilinguismo em processo. Essa noção pode ser observada nas palavras grifadas pela professora Sofia, tais como: conquistan ao invés de conquistam; fican no lugar de ficam; en e não em. 130 Ao mesmo tempo, o aluno da fronteira coloca em sua redação de modo adequado o emprego da letra m, como pode ser observado em algumas passagens do texto, tais como: pensam; precisam; querem e com. Pelo que pode se observar na correção textual escrita realizada por Sofia, a docente não usa essas palavras utilizadas de modo adequado como título de exemplificação de como usar tais unidades lexicais em uma produção escrita em língua portuguesa. Na visão de Sofia, essa escrita é vista como: Entrevista 2. Professora Sofia INF.o alunu qui tem dificuldadi na oralidadi eli traz eli traz to::da essa dificuldadi para a escrita nãum tem comu dissossiá essa relação u alunu qui:: qui você percebi qui eli tem poça leitura né automaticamenti eli vai tê um vocabuláriu pobri né intãum u mundu qui eli vivi também é um mundu pequenu né Como pode ser observado na fala da docente, o aluno da fronteira possui dificuldades na oralidade, certamente, como a língua portuguesa, quiçá, pelo fato de ser sua segunda língua. Os dados mostram que a escrita do aluno da fronteira é vista pela professora como dificultosa. Segundo Laura, o aluno traz para o texto escrito toda a dificuldade da oralidade, resultando em marcas de oralidade constantes no texto escrito. Ainda nas palavras de Sofia, o aluno da fronteira “vai tê um vocabuláriu pobri né intãum u mundu qui eli vivi também é um mundu pequenu”. Essa posição da professora pode ser interpretada como a inferioridade do mundo do “outro”, diferente, portanto menor, pequeno e inferior. Ainda ao citar a escrita do aluno da fronteira, em entrevista narrativa, Sofia ressalta que: Entrevista 2. Professora Sofia. INF. algumas otras palavras qui você num consegui nem dá significadu a ela entãum muitu menus você intendê ela dentru du contextu u qui eli tá conversandu u qui eli ta pondu essas/escrevendu u qui eli ta querendu transmiTÍ intãum essa dificuldadi é muitu clara Pode-se perceber que, para a Sofia, a alternância da oralidade para a escrita de códigos diferentes é vista como uma dificuldade e não como um processo. Além disso, a professora demonstra a inquietação no momento de correção das produções textuais dos alunos da fronteira, ressaltando que muitas vezes, como a docente não entende algumas palavras dos alunos da fronteira, é importante considerar o contexto. Possivelmente, essa percepção de Sofia é direcionada aos alunos indígenas que, 131 segundo entrevista com a docente, são os alunos que apresentam maior dificuldade em dominar a língua portuguesa falada, escrita e aquela ensinada pela escola. Ampliando essa visão de Sofia, em entrevista a docente registra que: Entrevista 2. Professora Sofia. INF. nãum eli até chega dominandu a questão das classis mas por exemplu a iscrita eli já num consegui escrevê corretamenti coloca palavra cum dois essis palavras cum cedilhas palavras cum eli eli frasis nominais poucu usus di verbus issu na escrita deli purquê quandu si constrói um textu i dá sentidu pra um textu você não podi abandoná us elementus di coerência i coesão a maior dificuldadi é essa (grifo nosso) Observa-se que, no olhar da docente, o aluno da fronteira não domina elementos de coesão e coerência, isso, segundo a docente, contribui para a dificuldade de sequência textual do aluno. No olhar do pesquisador, no texto exposto anteriormente, pode ser observado, claramente, que a redação demonstra um domínio mediano da tipologia textual dissertativo argumentativo, com domínio previsível de proposição, desenvolvimento e proposta de intervenção. Além disso, pode-se notar no texto que o aluno possui poucos elementos coesivos como, por exemplo, o pouco uso de conectores, que serve, dentre outros parâmetros, para dar sequência no texto, contribuindo para a coerência de ideias. 4.7. Entrevista Narrativa com a professora Sofia Antes de apresentar alguns trechos da entrevista narrativa com Sofia, que servirão para verificar como a docente “enxerga” o aluno da fronteira, é importante destacar que os dados não saíram tão autênticos quanto o pesquisador gostaria, porque houve influência. O fato de Laura estar presente na Cena Etnográfica 1, em que o pesquisador foi reconhecido por sua comunidade por ingressar em um curso de pós-graduação, em nível de mestrado, esse fator pode ter contribuído para adulteração dos dados. Desse modo, o olhar do professor que se vê em uma situação xeque, de certa forma, Sofia acha que o pesquisador a está colocando em xeque. Ou seja, ela sabe onde o pesquisador está trabalhando, assim, a docente tentou dar respostas que contemplem o interesse do pesquisador. Entrevista 2. Professora Sofia INF. a língua paraguaia pela nossa mistura pela miscigenação pela nossa localização geográfica ser muitu próxima elis acabam incorporandu a língua portuguesa antis qui u indígena mesmu purque qui hoji as políticas sociais também qui existi du governu federal a iscola indígena ela é mantida pelu 132 governu intãum lá dentru das aldeias intãum elis [alunos indígenas] já vão chegá pra nós é:: com ensinu fundamental completu A respeito dos alunos da fronteira, os dados evidenciam pensar a percepção de Sofia: Entrevista 2. Professora Sofia INF. eu pensu qui elis deveriam entrar comu entra é: u alunu ispecial di alunus na sala em si pra qui u trabalhu cum elis fossi um trabalhu diferenciadu i fosse um trabalhu direcionadu purque exigi muitu mais du professor a sala qui eu trabalhu por exemplu ela ta abrigandu quarenta i oitu alunu u qui é totalmenti insuficienti u qui é totalmenti insuficienti a atenção diferenciada i: dirigida a essi alunu (grifo nosso). No olhar do investigador etnográfico, a escola e, em especial a atuação docente de Sofia, por não saber detectar as questões de língua e as fronteiras sócio-culturais, ela acaba diagnosticando o aluno como se estive uma dificuldade cognitiva, uma vez que associar o aluno indígena a “aluno especial” pode ser interpretado, dentre outros parâmetros, como o sujeito que possui dificuldades de aprendizagem. Ainda no olhar do pesquisador, Sofia realiza uma espécie de diagnóstico de seus alunos, no caso os indígenas, o que dá a entender que na percepção de Sofia os alunos minoritários são rotulados como “especiais”. Desse modo, alunos devem ser tratados como especiais, assim como há classes especiais com dificuldade cognitiva. Em entrevista, a docente ressalta que: Entrevista 2. Professora Sofia INF. eu pensu qui elis deveriam entrar comu entra é: u alunu ispecial di alunus na sala em si pra qui u trabalhu cum elis fossi um trabalhu diferenciadu i fosse um trabalhu direcionadu purque exigi muitu mais du professor a sala qui eu trabalhu por exemplu ela ta abrigandu quarenta i oitu alunu u qui é totalmenti insuficienti u qui é totalmenti insuficienti a atenção diferenciada i: dirigida a essi alunu Aliado a essa noção de aluno especial, como alternativa de suprir essa dificuldade dos alunos, principalmente, indígenas, Sofia propõe um trabalho diferenciado aos alunos brasiguaios, dando atividades, geralmente, com alternativas, pois segundo ela é a maneira ideial do aluno indígena “transcrevê u pensamentu deli eli ia te dificuldadi di transmiti o pensamentu”. Nota-se, mais uma vez, a ideia de aluno especial relacionada à capacidade cognitiva do aluno. Quando questionada, em entrevista, sobre a dificuldade de se trabalhar com o aluno da fronteira, Sofia registra que o “contextu social i: históricu deli é diferenti du contextu social históricu dum alunu né qui tem comu língua materna a língua portuguesa essa é a maior dificuldadi”. Observa-se que a docente reconhece que na 133 fronteira há contextos sócio-históricos diferentes, evidenciado a heterogeneidade social, histórica e linguística na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Reconhecer essa historicidade, as relações sociais, os hábitos e costumes de alunos brasiguaios, indígenas e paraguaios, segundo Laura, é a maior dificuldade do professor de língua portuguesa que atua em zonas de fronteira. Essa dificuldade, segundo Sofia, é resultado, principalmente, pelo fato do aluno da fronteira: Entrevista 2. Professora Sofia. INF. mantê us costumis eli mantê a língua us dialetus mantê us costumis danças crenças intãum eli traz tudu issu eli transporta tudu issu pra iscola brasilera com a língua materna língua portuguesa Conforme pode ser observado na fala de Sofia, e embora Erickson (1990a/1992b/1988c) não proponha graus de pedagogia culturalmente sensível, os dados evidenciam pensar que Sofia esteja em um nível inicial, uma vez que reconhece a manutenção de costumes, línguas e dialetos de alunos indígenas, paraguaios e brasiguaios. No olhar do pesquisador, a docente reconhece a noção de variedade e dialetos linguísticos extistentes na fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Aliado a essa noção, observa-se que a professora Sofia, assim com Laura, está com a identidade em crise (HALL, 2003), pois não há uma identidade pronta e acabada, portanto, verifica-se uma identidade fragmentada e em processo. Desse modo, a todo o momento, também nas relações sociais, as professoras em estudo estão construindo suas identidades. Ainda explorando a fala de Sofia, no momento em que a docente afirma que o aluno da fronteira: “eli transporta tudu issu pra iscola brasilera”, os dados evidenciam pensar na ideia de que a escola brasileira não é do índio, logo, observa-se o pressuposto de que o aluno indígena, por exemplo, não é brasileiro, portanto, sua instituição de ensino também não é brasileira. Isso contribui, segundo o pesquisador etnográfico, como forma de criar uma fronteira étnica entre os alunos brasileiros, indígenas e paraguaios que frequentam as escolas da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Por fim, na visão de Sofia, os alunos paraguaios têm mais facilidade de aprender a língua portuguesa, pois segundo a docente “a língua paraguaia pela nossa mistura pela 134 miscigenação pela nossa localização geográfica ser muitu próxima elis acabam incorporandu a língua portuguesa antis qui u indígena”. Já os indígenas, segundo a professora, “na língua indígena não elis preservam”, em outras palavras não há a manutenção da língua indígena. Quando questionada, em entrevista narrativa, como o aluno da fronteira deve ser tratado, Sofia afirma que: Entrevista 2. Professora Sofia. INF. eu pensu qui elis deveriam entrar comu entra é: u alunu ispecial di alunus na sala em si pra qui u trabalhu cum elis fossi um trabalhu diferenciadu i fosse um trabalhu direcionadu purque exigi muitu mais du professor a sala qui eu trabalhu por exemplu ela ta abrigandu quarenta i oitu alunu u qui é totalmenti insuficienti u qui é totalmenti insuficienti a atenção diferenciada i: dirigida a essi alunu. No olhar do pesquisador etnográfico, a fala de Sofia evidencia pensar que é necessário que o professor da fronteira dê uma atenção diferenciada aos alunos brasiguaios, indígenas e paraguaios. Ao mesmo tempo, quando a docente registra, em entrevista narrativa, que “eu pensu qui elis deveriam entrar comu entra é: u alunu ispecial”, sugere pensar que a professora realiza um diagnostico do aluno da fronteira (paraguaio,indígena e brasiguaio), resultando uma sala de aula só para índios, pois trabalhar com este tipo de alunato requer mais tempo e um tratamento diferenciado por parte do docente. Diante dessa realidade de complexidade linguística, no olhar do pesquisador, a escola da fronteira não estimula a muntenção das línguas da fronteira, não se reconhece como escola de fronteira e ainda não propõe um ensino bilíngue. Por fim, não pretendemos limitar o assunto, os dois estudos de casos, o de Laura e o de Sofia, apresentados neste trabalho, ilustram a realidade da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia, bem como a postura radical das docentes que atuam nessa zona de fronteira. 135 Considerações em processo Conforme se pode notar no subtítulo, não há considerações finais, mas em processo. No primeiro momento é importante destacar que o presente trabalho somou a um conjunto de pesquisas um tipo de mapeamento de situações vivenciadas pela escola, em especial pelas docentes de língua portuguesa, em área de fronteira. Este conjunto de trabalhos, certamente, serve como fortalecimento as políticas públicas voltados a estes cenários ricos e peculiares. A pesquisa trouxe no capítulo 1 o Panorama Histórico da fronteira internacional de Aral Moreira/Brasil com o Departamento Santa Virginia/Paraguai. Para tanto, resgatamos fotos e memórias de sujeitos de etnias distintas: brasileiros, paraguaios, brasiguaios e indígenas Guarani-Kaiowá e Guarani-Ñnadeva, considerados pioneiros do “tekohá” fronteiriço em estudo. A saga histórica dessa fronteira, que antes não havia em registro escrito e documentado, agora, pode ser revisitada nesta pesquisa, por meio da escrita e da leitura de imagens que nele contém, retratando épocas em que a palavra oral valia muito mais que qualquer documento escrito. Como a fronteira em foco não possui um documento escrito que narre à história da região, é fundamental frisar que o capítulo 1 se resultará em um livro, de modo a servir como material didático para as escolas de fronteira, contribuindo para o (re) conhecimento da história dessa fronteira. Além disso, contribuirá para consultas de trabalhos acadêmicos e escolares. No capítulo 2 a contribuição deste estudo se deu ao fato de apresentar, por meio do diário etnográfico, os passos de uma pesquisa desse caráter metodológico. Nessa seção, procurou-se trazer aspectos da vida diária de um pesquisador, desde o seu aspecto embrionário, o ingresso ao Programa de Pós-Graduação em Letras, em nível de mestrado, perpassando a oficialização da pesquisa, a negociação do campo de pesquisa, a aplicação de questionários, a realização de entrevistas com sujeitos considerados pioneiros na região e de entrevistas com as professoras da fronteira, a elaboração escrita da dissertação, até chegar às etapas “conclusivas” desse trabalho herculiano. Já no capítulo 3, pode-se verificar um Quadro que ilustra e descreve a realidade dessa fronteira em estudo, principalmente, ao que se refere aos aspectos “territoriais”, linguísticos, educacionais e culturais. São questões que julgamos ser pertinentes, uma vez que tais aspectos servem, também, para diferenciar essa região fronteiriça das 136 demais das fronteiras circunvizinhas. Por fim, elaboramos, de modo breve e com uma linguagem escrita didática, o percurso teórico que sustenta essa pesquisa. No capítulo 4, trazemos o estudo de caso etnográfico de duas professoras, Laura e Sofia, que atuam diariamento no contexto de fronteira focalizado no capítulo 1. Com base na etnografia escolar, procuramos mostrar a triangulação de registros na interpretação dos dados gerados, assim descritos: I- Perfil das docentes por meio de questionário aplicado; II- A percepção das professoras com relação à produção Textual de seus alunos brasiguaios, paraguaios e indígenas e III- Entrevistas Narrativas com as professoras. Com base nessa tríade de registros e procurando responder as perguntas de pesquisa da pesquisa, notamos um posicionamento radical das docentes com relação às aos conceitos de bilinguismo, línguas e cultura de fronteira; a percepção da realidade bilíngue dos alunos e os dizeres das professoras com relação à escrita do aluno brasiguaio. De um lado, Laura, ressaltando que não existe “brasiguaio”, ou o sujeito brasilero ou ele é paraguaio, pois o que vale é o que o documento escrito prescreve. Evidenciando pensar, também, o excercício de não refletir a língua, produto social, nas aulas de língua portuguesa, o que evidencia deprrender os resquícios de uma tradição educacional que mantem a ideia de que existe uma única forma de falar e escrever, resultando na homogeneidade da língua e no desconhecimento da heterogeneidade linguística, fato notório nessa região de fronteira. Outro ponto que Laura nos mostra é com relação a sua posição frente à interação dos alunos durante as aulas. Segundo dados de entrevistas e conforme a fala da docente, os alunos indígenas e paraguaios não se interagem com os brasileiros. Quando questionada sobre o fato, a docente diz ser natural essa separação dos alunos, além disso, não mostrou uma atitude plausível para a compreensão da interação dos alunos, o que evidencia pensar que a docente não enxerga que a interação do aluno brasileiro é diferente da interação do paraguaio, que é diferente do indígena e do brasiguaio. Por isso, a sala de aula deve ser encarada como espaço heterogêneo, complexo e de conflito étnico, linguístico e social. Nota-se, dentro outros parâmetros elecandos no capítulo 4, a percepção de Laura com relação à escrita do aluno da fronteira, evidenciando pensar no desconhecimento da docente ao nítido apoio à língua espanhola do aluno brasiguaio, revelando uma 137 linguagem escrita híbrida do aluno da fronteira e ainda confirmando a ideia de bilinguismo em processo dentro do contexto escolar. Já no Caso de Sofia, percebe-se uma percepção que ao mesmo tempo em que demosntra um nível inicial de pedagogia culturalmente sensível (Erickson (1990a/1992b/1988c), os dados evidenciam pensar uma postura radical da docente ao afirmar, em entrevista narrativa, que o aluno indígena, por exemplo, precisa de um tratamento diferenciado, com mais atenção. No olhar do pesquisador, no momento em que a docente supõe esse tratamento ao aluno da fronteira (paraguaio, brasiguaio e indígena) sugere pensar que a professora realiza um diagnóstico desse aluno, evidenciado pensar que é necessário ter uma sala, por exemplo, só para índios. Aliado a essa noção de tratamento diferenciado para/com o aluno da fronteira está o termo “alunos especiais”, usado por Sofia para caracterizar os alunos brasiguaios, indígenas e paraguaios. Nessa perspectiva, e no olhar do investigador etnográfico, a escola e, em especial a atuação docente de Sofia, por não saber detectar as questões de língua e as fronteiras sócio-culturais, ela acaba diagnosticando o aluno como se estive uma dificuldade cognitiva, uma vez que associar o aluno indígena a “aluno especial” pode ser interpretado, dentre outros parâmetros, como o sujeito que possui dificuldades de aprendizagem. Por fim, como observado no subtópico desta seção, as considerações, assim como a identidade fragmentada proposta por Hall (2003) continua em processo, portanto, o trabalho continua com a proposta de doutorado a fim de entender a gestão educacional e de políticas linguísticas nessa região de fronteira. Sensibilizando os gestores a uma pedagogia culturalmente sensível frente à heterogeneidade linguística da fronteira. 138 REFERÊNCIAS: ANDRÉ, M.E.D.A. Etnografia da prática escolar. Campinas/SP: Papirus. 1995. ALBUQUERQUE, J. L. C. A dinâmica das fronteiras: deslocamento e circulação dos "brasiguaios" entre os limites nacionais. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-71832009000100006&script=sci_arttext. Último acesso em 24/07/2014, às 14: 00h. BAGNO, M. A Língua de Eulália. Novela Sociolinguística. Ed. Contexto. 1997. ____________Preconceito Linguístico: O que é, como se faz. Ed. Loyola. 1999. BARBOSA, J. M. Curandeirismo: Uma Abordagem Sociolinguística da Linguagem de Curandeiros Paraguaios Radicados na Fronteira Meridional de Mato Grosso do Sul. Dourados: UEMS, 2012. 75f. TCC: Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Letras). ________________. Experiências de Fronteira. Disponível em: http://s3.amazonaws.com/jell/trabalhos/arquivos/000/000/253/original/Artigo_completo _JELL_-_Jefferson.pdf?1373555907. Último acesso em 06 de junho de 2014. ________________. Análise interpretativista do Hino do Município de Aral MoreiraMS. Disponível em: http://www.aralmoreiranews.com.br/noticia/aralmoreira/25,6749,analise-interpretativista-do-hino-do-municipio-de-aral-moreira-ms. Último acesso em 25/07/2014, às 12h: 09min. BHABHA, H. K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998. BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PRPDFF). Bases de uma Política Integrada de Desenvolvimento Regional para a Faixa de Fronteira. Brasília, 2005. BORTONI-RICARDO, S. M. Nós Cheguemu na Escola, e Agora?: Sociolinguística & Educação. São Paulo: Parábola, 2004a. ________________________. Educação em língua materna - a sociolingüística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2005b BLOOMFIELD, L.Language. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1979. CAMBLONG, Ana. Allá Ité. In: Jornal La nación, suplemento Zona. Buenos Aires, 2006 CAMPIGOTO, J. A. Narrativas E Culturas De Fronteira Na América Do Sul. História Revista, [S.l.], v. 13, n. 2, jul. 2008. ISSN 1984-4530. Disponível em: <http://www.revistas.ufg.br/index.php/historia/article/view/6643>. Acesso em: 25 Fev. 2014. 139 CANCLINI, N. G. Culturas Híbridas. Introdução à Edição de 2001. As Culturas Híbridas em Tempos de Globalização. 2001. CAVALCANTI, M. Estudos sobre Educação Bilíngue e Escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. Em DELTA, vol 15. São Paulo, 1999. p. 385-417. DALINGHAUS, I. Os Reflexos da falta de Políticas Linguísticas em Contextos Fronteiriços do Mato Grosso do Sul. Disponível em: <http://erevista.unioeste.br/index.php/linguaseletras/article/viewArticle/2252> Acesso em: 25 Fev. 2014. EBLING, Céllia Fernanda Pietramale Ebling. Falu que Sô Brassilero: Um Estudo das Vozes Sociais na Fronteira Brasil/Paraguai no Mato Grosso do Sul. 92 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade de Comunicação, Artes e Letras, Universidade Federal da Grande Dourados, 2013 ERICKSON, F. Qualitative Methods in Research on Teaching. M. C. Wittrock. Handbook of Research on Teaching, 3, Nova York: Macmillan Publishing Company. 1990a, p. 119-158. _____________ Ethnographic Microanalysis of lnteraction. M. Le Compte, J. Goetz et al i. The Handbook of Qualitative Research in Education. Nova York: Academic Press. 1992b. p.202-225. __________________ Minority Education from Shame to Struggle. Clevedon: Multilingual Matters. 1988c. FARACO, Carlos Alberto. Por uma pedagogia da Variação Linguística. In: CORREIA, Djane Antonuci (org.). A relevância social da Linguística. São Paulo: Parábola Editorial: Ponta Grossa, PR: UEPG, 2007. FERNANDES, E.A.A. Proyecto Escuela Bilíngue de Frontera Brembatti Calvoso/Brasil y Escuela nº 290 Defensores dol Chaco/Paraguay. Dissertação de Mestrado – UFGD. 2012. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004. FREIRE. E. Escola Estadual João Vitorino Marques. Disponível em: http://www.eugeniofreire.blogspot.com.br/#!http://eugeniofreire.blogspot.com/2012/03/ 10032012-escola-estadual-joao-vitorino.html. Último acesso em 29-09-2013. FONTE: IBGE. Censo Populacional 2010. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1 961&id_pagina=1pdf>. Página visitada em 18 de maio de 2014, às 04: 00h. 140 GOMES, S. T. EU, TU, ELE... NÓS OUTROS: fronteiras, diálogos e novas identidades. Disponível em: <http://www.cptl.ufms.br/geo/revistageo/Revista/revista12/Nova%20pasta/2.pdf>. Acesso em 18 de jun. 2013. GONZÁLEZ, C. M. Diccionario de Español para extranjeros. Madrid: Smee, 2005, p. 597. GROSJEAN, F.. Life with Two Languages: An Introduction to Bilingualism. Cambrigde, MA: Harvard University Press. 1982. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro - 8. ed. - Rio de Janeiro: DP&A, 2003. HARMERS, J e BLANC, M. Bilinguality and Bilingualism. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. LABOV, W. Padrões sociolinguísticos; tradução Marcos Bagno, Maria Marta Pereira Scherre, Caroline Rodrigues Cardoso. -São Paulo, Parábola Editorial, 2008. MAGALHÃES, L.A.M. Um homem em seu tempo: Uma biografia de Aral Moreira. Ponta Porã: ALVORADA, 2011. MATOSO, A. R. A. O bilingüísmo e a produção textual: um estudo na Escola Municipal Guarani, na aldeia Guassuty, no município de Aral Moreira/MS, 2006. Ponta Porã: [s.n.], 2006. 52f p. MELLO, H. A. B. O Falar Bilíngue. 1. ed. Goiânia: Editora UFG/CEGRAF, 1999. MOTA, S. S. Línguas, Sujeitos e Sentidos: O Jornal nas relações fronteiriças no final do século XIX, início do século XX. UFSM. Santa Maria, RS. 2010. Dissertação de Mestrado. PEREIRA, C.J. Mídia Fronteiriça: o conceito de fronteiras culturais e a questão da alteridade. 2014. PEREIRA, M.C. Naquela Comunidade Rural, Os adultos Falam “Alemão” e “Brasileiro” Na Escola, As Crianças Aprendem Português. Um Estudo do Continuum Oral/Escrito em Crianças De Uma Classe Bisseriada. Campinas, 1999a. PEREIRA, M.C. A escola em contexto sociolinguisticamente complexo e o apagamento das minorias étnico-linguísticas na perspectiva do letramento. Revista Olhar do Professor, Ponta Grossa, 5 (1): 47-56. 2002b Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=68450105>. Último acesso em 18 de jun. 2013, às 21: 00h. PEREIRA, M. C. COSTA, R. V. Política Linguística: O caso dos cenários bilíngues. p. 49-66. In BORSTEL, Clarice Nadir Von. COSTA-HÜBES, Terezinha da Conceição. Linguagem, cultura e ensino. Cascavel: Edunioeste, 2011. 141 PEREIRA. M C. & JUNG, N. M. Quando o familiar se torna "estranho" e o "estranho" quase se torna familiar: duas experiências surpreendentes no campo de pesquisa. Ciências & Letras, Porto Alegre: Fapa. 1998. p. 305-317. PIRES-SANTOS, M. E. Ambivalências de termos e conceitos: Implicações para a linguagem híbrida em contexto de fronteira. Línguas e Letras: UNIOESTE. Vol.II, nº 20. 2010. PLAFF, N. Etnografia em contextos escolares: pressupostos gerais e experiências interculturais no Brasil e na Alemanha. In: WELLER, W. PLAFF, N. Metodologias da pesquisa qualitativa em Educação: Teoria e Prática. 2ª Ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2011. p. 254 a 267. RESENDE, G. Aral Moreira. http://www.geraldoresende.com.br/municipios/aral-moreira. 19/05/2012 às 11h: 44min. Disponível Página consultada em em SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. 20 ed. São Paulo: Cultrix, 1995. SAMPAIO, I. PINTO, V. T. C & COSTA, T. Mato Grosso do Sul. Campo Grande: SABER, 2006. SANTOS, E. B. Topônimos das ruas de Aral Moreira. S.l: s.n, 2004. 25 f. SILVA, L. A. A formação do município de Aral Moreira/MS: Um estudo de caso. Ponta Porã: FIP, 2007. 45 f. TCC: Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Geografia). SOARES, N.K.C. A Fronteira como Espaço de Diferenciação. 2012. Disponível em: http://www.eumed.net/rev/cccss/19/nkcs.html. Último acesso em 24/07/2014, às 15: 00h. STURZA, E. Línguas de Fronteiras e Polítcas de Línguas: Uma História das Ideias Linguísticas. Campinas, SP. 2006. Tese de Doutorado. TRENKEL. M. M. A presença gaúcha no município de Aral Moreira, Mato Grosso do Sul. FAP, 2009. 32 f. TCC: Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Geografia). TERENCIANI, C. Interculturalidade e "cidades-gêmeas": novas configurações identitárias? 2012. Disponível em: http://www.eumed.net/rev/cccss/18/ct.htm TARALLO, F. A pesquisa Sociolinguistica. São Paulo: Ática, 2007. WEI, L. Dimensions of Bilingualism. In: Li Wei, The Bilingualism Reader. London; New York: Routledge, 2000.