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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE RICHARD RORTY E A FILOSOFIA DO DIREITO Um guia para teóricos do direito Ítalo José da Silva Oliveira Orientador: Gustavo Just da Costa e Silva Monografia Final de Bacharelado em Direito - UFPE Recife, 2013 Ítalo Oliveira RICHARD RORTY E A FILOSOFIA DO DIREITO Um guia para teóricos do direito Mo n og rafi a F i n al ap resen tad a co mo req u i si to p arci al p ara Co n clu são do Bach ar el ad o e m Di rei to p el a UF PE. Área d e Co n h eci men to : T eo ri a g eral do d i rei to ; fi lo so fi a do d i rei to ; ep i stemo l o g i a. Recife, 2013 Ít alo Jos é da Silv a O liveira Richard Rort y e a Filoso fia do D ireito : um g uia para teó ricos do direito. Mo nog rafia Final de C urs o Para Obt enção do Tít ulo de Bacharel e m D ireito U nivers idade Federal de Perna mb uco /C CJ/ FD R Dat a de Aprov ação: ______________________________________ Prof. ______________________________________ Prof. ______________________________________ Pr of. A minha mã e, Sib ér ia, por tudo. E ao pr of ess or T or quato, p elo incent ivo e p el a amizade. AGRADECIMENTOS Serei sempre grat o a minha mãe, S ibér ia – t ambém pai, t ant o quant o fo i capaz. Agr adeço ao meu or ient ador de iniciação cient ífica, o professor Torquato Cast ro Júnior , cr iat ivo e erudit o. Desde que o conheço, ele me incent iva e acredit a em mim – mais do que eu mesmo. Pelas int eressant es discussões e inst ruções diver sas, devo agradeciment os a esse mesmo professor, bem co mo a Leonardo Almeida , filóso fo perspicaz, e ao professor Gust avo Just , exe mplo de dis ciplina e co mpet ência. E, é claro, sou grato ao professor Érico Andrade, pelas empo lgant es aulas de filo so fia que acabaram co locando Richar d Rort y no meu caminho (ou t alvez me co locando no caminho rort yano). Agr adeço ainda ao apo io financeiro do Conselho Nacio nal de Desenvo lviment o Cient ífico e Tecno lógico ( CNPQ) e da Univer sidade Federal de Per nambuco ( UFPE) pelo Programa I nst it ucio nal de Bo lsas de I nic iação Cient ífica (PIBIC). RESUMO Meu objet ivo pr inc ipal é apresent ar o filó so fo amer icano Richard Rort y (1931-2007) para o público da área de direit o . Pret endo expor um pouco de sua vida e obra, explicar a import ância do seu legado, e just ificar por que creio que ele pode ser de algum int eresse para t eóricos do direit o. E m relação a esse últ imo pont o, pret endo apresent ar algumas das posições explícit as de Rort y a respeit o de alguns problemas da t eoria do direit o, como o da objet ividade da int erpret ação jur ídica, e t ambém defender qua is posições ele assumir ia diant e de mais out ras quest ões da t eoria do direit o. Ist o é, para argument ar pela ut ilidade dos pensament os do aut or para os jur ist as, pret endo apresent ar suas opiniões filosó ficas explíc it as e, dedut ivament e, implícit as sobre o assunt o . Coerent ement e co m seu pragmat ismo sui generi s, de vié s t erapêut ico, Rort y est ar ia ma is dispost o a dissolver do que a reso lver os t radicio nais problemas da t eoria e filoso fia do direit o; par a ele, seja qual for o escopo de disciplinas co mo a “Filoso fia do Dir eit o”, a “Teor ia Geral do Dire it o”, e a “Ciência do Dir eit o”, não deve mos esperar nem desejar que possam represent ar um supost o fenô meno universa l, “o D ire it o ”, capt urando suas supost as car act er íst icas essencia is e const it ut ivas. Alé m de impossíve l, essa é uma t arefa inút il. “Direit o” não deve r ia ser vist o como um objet o int eressant e e imponent e de invest igação t eór ica, mas apenas co mo uma palavra usada em vár io s cont ext os diferent es em função de propósit os diversos. Não há, para Rort y, ut ilidade e êxit o em t ent ar t raçar limit es precisos ent re dir eit o, moral, po lít ica , e t ampouco faz diferença prát ica a quest ão de se o juiz apenas aplica a lei pré -exist ent e ou se ele a int erpret a a cada caso . Palavras Chaves: Richard Rort y; pragmat is mo ; filoso fia do dir eit o ; t eoria do direit o ; epist emo lo gia. EPÍGRAFE “Os filóso fos út eis são aqueles que imagina m t er mos no vos e assim t orna m obso let os os vocabulár io s velho s .” Richard Rort y – Filosof ia analítica e f ilosof ia transf ormadora . “Concept s are, as Wit t genst ein t aught us, u ses o f words. Philo sophers have lo ng want ed t o under st and co ncept s, but t he po int is t o change t hem so as t o make t hem ser ve our purposes bet t er.” [Conceit os são, como Wit t genst ein nos ensinou, usos de palavr as. Há muit o os filó so fos quer em co mpreender os co nce it os, mas o que import a é t ransfor má lo s para que sir vam melhor aos nossos propósit os.] Richard Rort y – Universality and Truth “(...) if we t ake care o f freedo m, t rut h will t ake care o f it self (...)” [(…) se cuidar mo s da liberdade, a verdade cuida rá de si mesma (...)] Richard Rort y – Response to James Conant SUMÁRIO 1. Intr odu ção 1 2. Por qu e Richar d Ror ty? Uma nar r ativa pes soal e f ilos óf ica 4 3. Quem f oi Richar d Ror t y? 4. Ror ty contr a a “Filos of ia” 17 . 21 4.1. A nar r ativa de R or ty s obr e a invenção da ep ist emologia .............. 23 4.2. Mudando de vocabu lár io: da “r epr es enta ção” à “pr ática social” .... 25 4.3. O pr agmatis mo de R or ty e a qu estão da ver da de .......................... 30 5. Quest ões de t eor ia do dir eit o: o qu e R or t y tem a dizer s obr e iss o? 30 5.1. Pr agmatis mo e o pr ob lema do C onceit o do D ir eit o ......................... 38 5.2. Pr agmatis mo, a ntif or malis mo e decisã o jur ídica .............................. 48 6. Conclusão: a “filos of ia do dir eit o” de R ichar d Ror ty....... .......... ............ ..... 54 REFERÊNCIAS .......................................................................................... . 57 SIT ES VISIT ADOS E T EXT OS DISPONÍVE IS ONLIN E ................... ...... ..... 60 1. In t rod u ção O pr incipa l o bjet ivo dest a mo nografia é apresent ar um pouco da obra do filó so fo amer icano Richard Rort y para t eóricos brasile iros do direit o ou demais int eressados da área jur ídica. Por isso, exponho suas famo sas cr ít icas à t radição filo só fica, suas cr ít icas às noçõ es de repr esent ação, verdade, objet ividade, essência, nat ureza humana, fundament os filosó fico s, e afins ; apresent o t ambém um pouco das r edescr ições rort yanas, i. e., suas concepções e narrat ivas alt er nat ivas sobr e ciência, moral, filo so fia, et c. A ma ior part e do t ext o versa sobre epist emo logia, embor a a obra de Rort y vá muit o além disso – port ant o, houve uma esc o lha deliberada da minha part e. Mas isso não é, por si só, sufic ient e para at rair t eóricos do direit o. Assim, pret endo expor ideias explíc it as do pr óprio Richard Rort y a respeit o de algumas quest ões da t eoria do dir eit o, co mo as seguint es: “O que podemo s (ou não) esperar da filo so fia do direit o ?”, “O que é direit o ?”, “Qual a r elação ent re direit o e moral?”, “A int erpret ação jur íd ica é objet iva ou subj et iva?”. Alé m de apresent ar o que Rort y escreveu explicit ament e sobre esses assunt os t ão debat idos ent re os t eóricos do direit o, pret endo, para comple ment ar, dizer que posições ele t omar ia em mais algumas quest ões da mat ér ia, posições que poder íamo s deduzir a part ir de suas ideias. Port ant o, para fazer minha int rodução ao aut or, sigo do is passos: por um lado, ident ifico t ext ualment e algumas opiniõ es jur íd ico - filo só fica s de Rort y e, por out ro, sugiro , via dedução, mais algumas opiniõ es possíve is e coerent es co m seu pensament o. Fazendo isso, espero just ificar meu próprio int eresse no aut or e t ambém por que ele pode int eressar aos t eóricos do dir eit o. Esses pro blemas da filo so fia e t eor ia do direit o são co mument e classificados juri sprudence dent ro do tópico [ jur isprudência que os analít ica] angló fo nos e est ão chamam mais anal yti c diret ament e relacio nados, dent ro da filoso fia, à epist emo lo gia e a out ras áreas em filo so fia t eórica. Quero obser var que meu objet ivo, em part e introdutório, em part e interpret ativo, não passa por just ificar det alhada ment e as posições assumidas 2 pelo filóso fo em mat ér ia de t eor ia e filosofia do direit o, t ampouco passa por co mbat er ext ensivament e as diver sas t eorias r iva is. A maior part e da just ificação se segue de posições e cr ít icas mais genér icas, co mo a recusa à t eoria da verdade co mo correspondência – recusa que implica, lo gicament e, a negação da ideia de que o t rabalho dos t eó ricos ou cient ist as do direit o seja represent ar seu objet o de invest igação t al co mo realment e é . Uma defesa ma is apropr iada das posições de Rort y nesses assunt os, bem co mo uma cr ít ica det alhada dos concorrent es ant agônicos, exigir ia um t rabalho ma is lo ngo e co mplicado – e abso lut ament e esse não é o escopo dest a monografia. Meu int uit o não é o de “reve lar” um “incr ível” filó so fo aos “leigos” t eóricos do direit o. Como eu mesmo deixar ei claro, Richard Rort y é bem conhecido ent re os t eóricos do dir eit o e out ros acadê micos (pr incipalment e no s E st ados Unidos) ; no Brasil, parece- me que seu pensament o não é ext ensament e explorado pelo s t eóricos do dir eit o, mas há vár io s jur ist as que possuem grandes afinidades co m as posiç ões filo só ficas de Rort y. Por isso, modest ament e, est a mo nografia ser ve ant es como um “guia” ou int rodução, inc lusive para filó so fos em ger al, para a filo s o fia de Rort y; est e t rabalho não é, nem pret ende ser, a inserção de um pensador “novo” e “iluminador” na área jur ídica. No próximo capít ulo, explicar ei por que esco lhi Richard Rort y, e não out ro filóso fo, havendo t ant os, para apresent ar aos jur ist as . É óbvio que part e da respost a so ment e pode ser co mpreendida à medida que forem apresent adas as ide ias do filóso fo sobr e algumas discussões da t eoria do direit o , mas adiant o que grande part e da esco lha fo i mot ivada por cont ingências pessoais . No t erceiro capít u lo, exp lico quem fo i Richard Rort y: alguns dados bio gráficos, um pouco da t rajet ória int elect ual do aut or , a repercussão, inc lusive int er nacio nal, do seu t rabalho dent ro e fora dos depart ament os de filo so fia. No quart o capít ulo, passo ma is propriament e a de screver aspect os gerais do seu pensa ment o filosó fico, enquant o, no quint o, me dedico ao diálogo dele co m a t eor ia do dir eit o. Na conclusão, trato apenas de sist emat izar as já vist as ideias de Rort y sobre quest ões co mument e debat idas por jur ist as, sob a rubr ica de “filo so fia do dir eit o” de Richard Rort y, t er mo 3 que mant ive pela impo nência est ilíst ica, mas que pode dar origens a confusões: é que Rort y não possui sist ema filo s ó fico algum; nenhum conjunt o ordenado de ideias filo só ficas que abar cam o t odo da real idade, fundament ando a priori cert as prát icas, enquant o nega out ras – como podemos pensar quando fala mo s em “Filo so fia de Kant ”, por exemp lo. Rort y é, em grande part e, um filó so fo t erapêut ico, i. e., seu int eresse é ant es em disso lver e abandonar proble mas filo só ficos do que os reso lver posit ivament e, confor me as pressuposições do problema . Por isso, part e de suas ideias são parasit ár ias da t radição filo só fica; são crít icas cujo objet ivo é nos livrar de cert as imagens bem inculcadas ( co mo, por exemplo, a im agem da ment e co mo um espelho da nat ureza). Assim, o que chamei de “filoso fia do dir eit o de Richard Rort y” não é ma is que algumas de suas ide ias e cr ít icas, explícit as e implíc it as, so bre cert os problemas jur ídico -filosó ficos. Nem for mam u m sist ema, nem es got am t odo seu pensamento filosó fico, nem são fundament os filo só ficos, nem mes mo são indiscut ivelment e dele ( haja vist a minha int erpret ação part icular). Desde o iníc io, meu pr incipa l int uit o fo i escr ever algo que fosse út i l para pesquisadores e cur io sos da área, pessoas que, co mo eu, se veem lendo e pensando so bre quest ões em direit o e filo so fia, em busca de u m diá logo mút uo , um esclar eciment o ou simplesment e a procura de algo novo e at raent e , algo diferent e da mo nótona dialét ica da dogmát ica jur ídica . Se eu co nseguir sat isfazer a ousada pret ensão de que est a mo nografia seja mais do que u m mo nt e de papeis empoeirados na est ant e da bibliot eca da faculdade, já t erei superado minhas expect at ivas. 4 2 . Por q u e Ri ch ard Rort y? Uma n a rrat i va p essoal e fi losó fi c a Quando , na Faculdade de Direit o do Recife, co mecei a cur sar “I nt rodução ao Est udo do Direit o II ” co m o professor Alexandre da Maia , t ive a oport unidade de ler alguns t ext os das confer ências de 1973 de Michel Foucault reunidos sob o t ít ulo de “A Verdade e as For mas Jur ídicas”. Era m sobre ep ist emo logia e linguagem, e relacio navam, at ravés de Niet zsche, a noção de verdade co m co ndições sociais: o sujeit o (na acepção kant iana, algo co mo a est rut ura do int elect o, o meio pelo qual t odo ser humano é capaz de conhecer a realidade), dizia Foucault , é hist or icament e cr iado, t ant o quant o afet a o objet o com que se relacio na ; a verdade e o co nheciment o, por conseguint e, são cr iados, não descobert os . Foucault aplaude a provocação feit a num fa moso t ext o de Fr iedr ich N iet zsche, not adament e a passagem: “E m a l gum pont o per di do dest e un i ver so, cuj o cl a r ã o se e st en de a i n úm er os si st em a s s ol a r es, h ou ve, um a vez , um a st r o sobr e o qua l a ni m ai s i nt el i gen t es i n ven t ara m o c on h eci m en t o. Foi o i n st an t e da m a i or m en tir a e da supr em a ar r ogân ci a da h i st ór ia un i ver sa l ” . 1 Buscando a font e da cit ação, depar ei- me com out ra ousadia co m que Foucault cert ament e concorda: O que é a ver da de, por t an t o? Um ba t a l hã o m óvel de m et á for a s, m et on í m i a s, h uman a s, an tr opom or fi sm os, que for a m en fi m , en fa t i z a da s um a poét i ca som a e de r el a çõe s r et or i ca m en t e, t ran spost a s, en fei t a da s, e que, a pós l on go us o, pa r ecem a um pov o sól i da s, ca n ôn i ca s e obr i ga t óri a s: a s ver da des sã o i l usões, da s qua i s se esqu e ceu que o sã o, m et á for a s que se t or n a ra m ga st a s e sem for ça s en sí vel , m oeda s que per der a m sua e fí gi e e a g or a só en t r am em con si der a çã o c om o m et a l , n ã o m ai s com o m oeda s. 2 Meu resumo da conferência de Foucault é grosseiro , mas ser ve par a dest acar a t emát ica epist emo lógica – pela qual t ive imediat o int eresse e 1 NIE T ZSCHE , Fr i edr i ch. A pud FOUCA ULT , MICHE L. A ve r dade e as for ma s j ur í di c as . Ri o de Ja n ei r o: E dit or a Na u, p. 13, 2005. 2 NIE T ZSC HE , Fr i edr i ch. Sobr e a Ver da de e M e n ti ra No Sen t i do E xt r a -Mor a l (1873). In: Fr i e dr i c h Ni e tz sc he , O br as Inc ompl e tas . Sã o Pa ul o: E d i t or a Nova Cul t ura l Lt da, p. 57, 1999. 5 cur iosidade. Se Niet zsche e Foucault est avam cert o s, e não havia conheciment o a priori algum, po is t odo o conheciment o t em raízes hist ór icas e socia is, poder ia haver algum conheciment o? O fant asma de Heráclit o me asso mbrava, co locando o conheciment o num inst ável flu ir, uma mut abilidade que lhe subt raia a cert eza e a relação com um mundo alheio aos propósit os humano s. A ciência, afina l, não descobre (ou se aproxima) (d)a verdade pré exist ent e sobre o mundo, o modo como o mundo é em si mesmo, independent e dos seres humanos, enfim, produz co nheciment o genuíno ? Alé m disso, não havendo o que descobr ir a priori, o que sobrava para a F iloso fia? O que sobrava de P lat ão, Agost inho, Descart es, Kant e t oda a ladainha sobre a invest igação desint eressada pela Verdade em si mesma? Que espaço t er iam o s arrebat adores argument os t ranscendent ais det er minando as “condições de possibilidade”? Que sent ido rest ava para “o amor pela verdade e pelo conheciment o” at ribuído a filó so fos e cient ist as? É claro, eu poder ia t er ignorado as o bser vaçõ es ant ropológicas e cét icas de Niet zsche, e ficado co m a esperança de P lat ão em enxergar a verdadeir a realidade, e co m o ent usiasmo de Kant pela ciência. Porém, a essa alt ura eu já suspeit ava que Niet zsche e Foucault t inham uma parcela de r azão: t endo me convert ido ao at eísmo agnóst ico após algumas lições de hist ór ia e psicanálise ant es mesmo de ent rar na faculdade , eu não poder ia aceit ar a desculpa de Descart es de que Deus gar ant ia a regular idade e ordem do mundo, garant ia a ont ologia; insp ir ado por boatos do exist encialis mo de Sart re, eu desconfiava que, sem Deus, não poder ia mais haver ont ologia, i. e., não poder ia ma is admit ir que o mundo fosse repart ido em co isas et erna e essencialment e const it u ídas; essências apreensíve is pelo int elect o humano. Algo as sim não podia exist ir, do mesmo modo co mo me parecia r is íve l a ideia de uma moral divina ou nat ural. Aliás, minha perda de fé numa fundament ação últ ima fo i chamada por Niet zsche de “mort e de Deus”: “Deus est á mort o! E fo mos nó s que o mat amo s! Eu, você, t odos nós!” era o diag nóst ico que um eufór ico Niet zsche me dava. E assim, inquiet o com essas reflexões confusa s, t ípicas de um ansio so graduando que muit o pensa e pouco lê, eu perambule i do depart ament o de 6 direit o par a o de ciências sociais, e desse para o de filo so fia, na t ent at iva de encont rar alguma paz de espír it o . Acabei, por fim, assist indo a aulas de “Teor ia do Conheciment o II”, minist radas pelo pro fessor É r ico Andrade. Ali, empo lgado e empo lgando, ele ensinava e aprendia so bre filo so fia anal ít ica, do Cír culo de Viena at é Willard V. O. Quine e Wilfr id S ellar s: a ascensão e queda do posit ivis mo lógico (ou empir ismo lógico). Precursor do posit ivismo lógico de Viena e Ber lim, e inspir ado no lógico e mat emát ico Gott lob Frege, houve em Cambr idge um mo viment o de revo lt a cont ra o idealis mo present e nos depart ament os ingleses de filo so fia da época. Liderando os revo lt osos est avam as figur as ilust res de George Edward Moore, Bert rand Russell e Ludwig Wit t genst ein . Isso represent ou o iníc io do chamado linguist ic turn [ virada linguíst ica] e da filo so fia analít ica . Russell nos confessou seus anseios: Foi pa r a o fi m de 1898 que M oor e e eu n os r e bel a m os t a n t o con t r a Ka n t com o c on t r a Hegel . M oor e a br i u o ca m i nho, m a s eu s egui d e per t o sua s p ega da s. . . Sen t i uma gran de l i be r t a çã o, t a l com o se e u t i ve ss e es ca pa do d e um a ca sa a ba fa da pa r a um pr om on t ór i o va r r i do pel o ven t o. . . 3 Fascinado co m a pr egação cient ífica de Morit z Schlick e Rudo lf Car nap ( líder es do Cír culo de Viena) , para os quais os filó so fos dever iam seguir as virt udes dos cient ist as e t rabalhar arduament e em equipe, ajudando a erguer t ijo lo por t ijo lo o edifício do conheciment o, eu logo me ident ifiquei co m suas ideias. Para e les, não faz sent ido apegar -se a uma dout r ina filo só fica ou a qualquer out ra; defendê - la dogmat icament e cont ra qualquer cr ít ica, co mo se ali est ivessem t odas as verdades. Não faz sent ido ser kant iano, hegeliano, mar xist a ou seguir qualquer credo: Kant , Hegel, Mar x, cada um pode t er dit o algumas co isas verdade ir as; out ras se provaram erradas e deve m ser descart adas sem piedade. Os t ext os filosóficos, co mo os cient íficos, deve m ser desprovidos de ornament os retóricos e emocio nais; devem ser claros , sucint os e precisos, preferencialment e escr it os na linguagem da (ent ão 3 RUSSE L L, Ber t r an d. A pud GLOCK, Ha n s-J oh ann . O que é a fi l os ofi a anal í ti c a? T ra d. Rober t o Hofm ei st er Pi ch . Por t o Al egr e: Pen so, p. 38, 2011. 7 recent e) lógica simbó lica mat emá t ica. O mét odo filosó fico, por excelência, ser ia a análise lógica: at ravés dela , os problemas filosó fico s pode r iam ser devidament e esclar ecidos, most rando -se ou pseudoproblemas ou proble mas empír ico s, objet os das ciências emp ír icas 4. Por vo lt a das décadas de 20 e 30, do século XX, o empir is mo lógico floresceu em alguns cent ros da Europa, e, nas décadas de 40 e 50, nos Est ados Unidos, para onde emigrou a maior part e dos posit ivist as lógicos após a ascensão do nazis mo 5. E les afir mavam que a ló gica e a mat emát ica são necessár ias e a priori, mas não result am em nenhum conheciment o sobre o mundo, po is t odas as verdades a priori são analít icas (em co nt rast e co m verdades sint ét icas ou a posteriori), ou se ja, verdadeiras unicament e e m virt ude dos significados de sua s palavras const it uint es. 6 Hoje os posit ivist as lógicos são mais conhecidos pelo ver ificacio nis mo, a ideia segundo a qual o significado de uma proposição é seu mét odo de ver ificação, e que so ment e são “cognit iva ment e significat ivas” aquelas proposições que são capazes de ser ver ificadas ou fals ificadas. Baseado nesse cr it ér io, eles co ndenaram a met afís ica co mo const ruindo frases se m significado algum, porque ela não é nem a post eriori, co mo a ciência empír ica, nem analít ica, co mo a lógica e a mat emát ica. Pr onuncia ment os met afísico s são vazios: não fazem afir mações que de fat o podem ser ver ificadas pela exper iência sensór ia, nem explicam o significado de palavras ou proposições 7: O sen t i do de um a pr op osi çã o s ó p ode e vi den t em en t e r esi di r n o fa t o de a m esm a exp ri m ir um det er m ina do est a do d e c oi sa s. (. . . ) (. . . ) para en con tr ar o sen t i do d e um a pr opos i çã o, é n ece ssá r i o r efor m ul á -la in tr oduz in do de fi n i ções su c essi va s, a t é que a o fi n a l 4 CARNA P, Rud ol f; HA HN, Ha n s; e NE URAT H, Ot t o. A con c epçã o ci en t í fi ca do m u n do – O cí r cul o de Vi en a . In: Cade r nos de H i stór i a e Fi l os ofi a da Ci ê nc i a (10) : 5-20, 1986. E sse t ext o é c on h eci do c om o s en do o m a n i fest o do cí r cul o d e Vi en a . 5 CRE AT H, Ri ch ar d. “Logi c al Empi r i c i sm” , The St anf ord E ncy c l ope di a of Phi l osophy (Wi nt e r 2011 E di t i on), E dwa r d N. Za l t a (ed. ), URL = < ht t p: // pl at o. st a n for d. edu/ a r ch i ves/ wi n 2011/ en tri es/ l ogi ca l -em pi r i ci sm / >. Aces s o em 26 de set em br o d e 2012. 6 GLOCK, Ha n s-J oh ann , p. 42, 2011. 7 GLOCK, Ha n s-J oh ann , p. 43, 2011. 8 per m an eça m a pen a s pal a vr a s que já nã o sã o pa s sí vei s de de fi n i çã o, m a s cuja si gn i fi ca çã o s ó p ode s er dem on st r a da dir et a m en t e. (. . . ) Se eu não pud er , em prin cí pi o, ver i fi ca r ou c on st a t ar uma pr oposi çã o, ou s e ja , s e n ã o s ou ber em a bs ol ut o o qu e d e vo fa z er pa ra a purar a sua ver da de ou fa l si da de, n est e ca s o n ã o se i a bs ol ut a m en t e o que a pr op osi çã o pr opr i am en t e quer a fi rm ar ; (. .. ) O se nt i do de um a pr oposi çã o, em úl t i m a an á li se, é d et er m i na do som en t e pel o da do, e p or n a da ma i s. 8 A vir ada linguíst ica pro met eu um papel dist int ivo para a filoso fia, se m apelo s dúbios a um reino plat ônico de ent idad es abst rat as, essência s ar ist ot élicas ou razão pura kant iana. Enquant o a ciência r esult a em proposições e mpír icas que descrevem a realidade – e são, port ant o, sint ét icas –, a filoso fia result a em proposições analít icas que desdobr am o significado dos t ermo s empregados pela ciência ou pelo senso comum. A ciência t rat aria de quest ões de fat o, a posteriori ; a filo sofia cuidar ia de quest ões conceit uais, a priori 9: “O o bjet ivo propr iament e d it o da Filo so fia reside em procurar esclarecer o sentido de afir mações e pergunt as.” 10 Muit os foram os cr ít icos do C ír culo de Viena, do ver ificacio nismo, da dist inção ent re proposições analít icas e sint ét icas, de sua concepção de filo so fia e ciência, e de muit as de suas out ras ideias – desde simpat izant es co mo Kar l Popper e Car l Hempe l at é filó so fos mais ico noclast as, co mo o segundo Wit t genst ein, Paul Feyer abend e T ho mas Kuhn. Mas o objet ivo da disciplina do professor Érico era discut ir as cr ít icas o ferecidas por Quine e Sellars, cuja import ância dent ro da filo sofia analít ica é imensa. Esses do is aut o res (Quine em especial) foram minha port a de ent rada para Richard Rort y. O melhor dos est udant es de Carnap, Quine fo i pro fessor em Har vard e a maior ia dos seus t rabalho s dizem r espeit o à filo so fia t eór ica (epist emo logia, filo so fia da linguagem, filoso fia da ment e, etc.) e à lógica. A influência de 8 SC HLICK, M or i t z . Posi t i vi sm o e Rea l i sm o. In : Col e tâne a de Te xt os: M or i tz Sc hl i c k , R ud ol f Car nap, K ar l R. Pop pe r . Sã o Pa ul o, ed i t or Abr i l S. A. Cult ur a l e In dustr ia l , pp. 49-50, 1975. 9 GLOCK, Ha n s-J oh ann , p. 49, 2011. 10 SCHLICK, Mor i t z , p. 49, 1975. 9 suas cr ít icas cont ra o empir ismo lóg ico foi t amanha para o desenvo lviment o da filo so fia analít ica, que, depo is de seus t ext os da década de 1950, mesmo aqueles que não aceit avam seus det alhad os argument os não puderam mais admit ir que os posit ivist as lógico s est ivessem int eirament e corretos 11. Em 1951, Quine publicou um art igo chamado T wo dogmas of Empirici sm [Do is dogmas do empir is mo ], no qual punha em xeque a dist inção ent re proposições analít icas e sint ét icas e o pro jet o empir ist a de reduzir t odas as proposições significat ivas a proposições ele ment ares sobre dados sensor iais. E m 1960, ele avançou e sist emat izou suas ideias no livro Word and Obj ect [Palavra e Objet o ]. Quine negou que houvesse u ma diferença qualitati va ent re as disciplinas supost ament e a priori, co mo a mat emát ica, a lógica e a filo so fia, por um lado, e a ciência empír ica, por out ro. Quest ionando a dist inção analít ico/sint ét ico, ele desafiou a ideia de que haja um t ipo dist int o de proposição que art icula conexões conceit uais em vez de fat os empír icos, e reforçou o empir is mo radical, de acordo com o qual mesmo disciplinas aparent ement e a pri ori est ão baseadas, em últ ima análise, na exper iênc ia. Seu at aque a essa dist inção envo lvia d uas linhas de raciocínio – uma dizendo respeit o à epist emo logia e ao mét odo cient ífico, a out ra referent e à se mânt ica e à epist e mo logia. S egundo ele, o pr ime iro dogma do empir is mo, a dist inção analít ico/sint ét ico, pressupõe um segundo dogma, a saber, o “r e ducio nismo ”, a visão de que t oda afir mação significat iva é t raduzível em uma afir mação sobre as exper iências imediat as (o “dado”) que a confir mam. O reducio nismo per mit ir ia que alguém definisse as afir ma ções analít icas co mo aquelas que são confir madas, diant e de qua lquer exper iência . Co nt udo, argument ou Quine, isso est á em conflit o co m a nat ureza ho líst ica da for mação da crença cient ífica: nossas crenças for mam uma “r ede” na qual cada crença est á ligada co m t odas as out ras, e, em últ ima anális e, co m a exper iência. Isso significa que é impossível especificar a evidência confir madora para afir mações 11 HY LT ON, Pet er . “Wi l l ar d van O r man Q ui ne ” , The St anf ord E nc y cl ope di a of Phi l osophy (Fal l 2010 E dit i on ), E dwa r d N. Za l ta (ed. ), URL = < ht t p: // pl at o. st a n for d. edu/ a r ch i ves/ fa l l 2010/ en tr ies/ qui n e/ > . Aces s o em 27 d e s et em br o d e 2012. 10 part icular es. També m implica que qualquer crença pode ser abandonada e m função de preser var out ras part es da rede, e, port ant o, que não exist em afir mações a priori, ou seja, afir mações imunes à revisão empír ica. 12 E m suas próprias palavras, (. . . ) n ossos en un ci a dos s obr e o m un do ext er i or en fr ent a m o tr i bun al da exper i ên ci a sen sí vel n ã o i n di vi dua l m en t e, m a s a pena s com o c or po or ga n iz a do. 13 (.. . ) A t ot a l i da de da qui l o a qu e ch a ma m os de n oss os c on h eci m en t os ou cr en ça s (. .. ) é uma con st r uçã o h um ana que est á em con t a t o com a exper i ên ci a a pena s em sua s ext r em i da des. (. .. ) a ci ên ci a t ot a l é c om o um ca m po d e for ça cu ja s c on di çõe s de c on t or n o sã o c on st i t uí da s pel a exper i ên ci a . Um c on fl i t o c om a exper i ên ci a , na per i fer i a , oca si on a r ea just a m en t os n o i n t er i or do ca m po. O s va l or e s de ver da de de vem en un ci a dos. A s er r edi st ri buí dos r ea va l i a çã o de a l gun s en t r e a l gun s de n os s os en unci a dos a ca r r et a a r ea va l i a çã o de out r os, p or sua s i nt er con exões l ógi ca s – s en do a s l ei s l ógi ca s, p or sua vez , si m pl esm en t e a l gun s en un ci a dos a di ci on a i s do si st em a (. . . ). o ca m po t ot a l est á de t a l m od o det er m in a do por sua s c on di ç õe s d e c on t or n o, à exper i ên ci a , que exi st e l a r ga m ar gem de e sc ol h a de qua i s en un cia dos r ea va l i a r à l uz de qua l quer exper i ên ci a in di vi dua l con tr ár ia . (.. . ) Se essa vi sã o é c or r et a, é en gan os o fa l a r em con t eúdo em pí r i co de um en un ci a do i n di vi dua l . (. . . ) n enh um en un ci a do é i m un e à r evi sã o. 14 Deixando de lado det alhes t écnicos, o argument o semân t ico de Quine é que a analit icidade é part e de um c ír culo de noções int ensio nais (co m “s”) – noções sobr e o que expressões significam ou dizem – que não podem ser reduzidos a noções purament e ext ensio nais – noções que dizem respeit o àquilo que expressões r epresent am ou ao que se aplicam co mo referênc ia. Porém, cont inua ele, t odas essas noções são obscuras, porque não exist em quaisquer cr it ér io s de ident idade para “int ensões”: enquant o sabemos o que significa duas expressões t erem a mesma ext ensão (por exemp lo, A=B, porque 12 GLOCK, Ha n s-J oh ann , p. 49, 2011. QUINE , Wi l l a r d Van Or m an. Doi s Dogm a s do E m piri sm o. In: Ensai os: G i l be r t Ryl e, Joh n Lang shaw A usti n, Wi l l ar d Van O r man Q ui ne , Pe te r Fr e de r i ck Str awson . Sã o Pa ul o, edi t or Abr i l S. A. Cult ur a l e In dustr ia l, p. 251, 1975. 14 QUINE , Wi l l a r d Van Orm an , p. 252, 1975. 13 11 A se refere a X e Y, e B se refere a X e Y, t ambém), não sabemo s o que significa duas expressões t erem a mesma int ensão ( ou significado) 15. E, para Quine, “não há ent idade sem ident idade”; não havendo cr it ér io seguro que just ifique a ident id ade de significados, devemo s r ecusar sua exist ência; só podemos falar de significados no int er ior de um sist ema, at ravés de uma int er relação de t er mos e sent enças, daí a t ese do ho lis mo semânt ico ( descr it a na cit ação acima) 16. As cr ít icas de Quine ao ver if icacio nis mo e à dist inção analít ico/sint ét ico, em ú lt ima análise, t urvavam a dist inção ent re linguagem e fat o; embora ele ainda falasse em exper iência, sua posição deixava claro que não t emos co mo definir os limit es do linguíst ico em cont raposição ao purament e fact ual. A essa alt ura eu já est ava bem impr essio nado co m Quine, ma is do que co m Schlick e Car nap, cu jo pr inc ípio da ver ificabilidade me parecia aut orrefut ador, uma vez que nem era um enunciado analít ico, nem empír ico – e, port ant o, sem sent ido em seu s própr ios t ermos (uma obser vação que fiz durant e uma aula) 17. Além disso, a ideia de filoso fia analít ica co mo uma at ividade de esclareciment o conce it ual me parecia, iro nicament e, obscur a – co mo o próprio Quine veio a most rar sobre a noção de significado. T ambé m nunca fui capaz de ent ender qual a ut ilidade desse esclareciment o. O fort e desprezo ou a const ant e indifer ença do senso comum a respeit o da filo so fia sempre fizeram co m que eu me pergunt asse a t odo o mo ment o sobre qual a ut ilidade da filo so fia. At é ho je levo muit o a sér io pergunt as co mo “Para que ser ve a filoso fia?”, “No que os filóso fos são bons?”, “O que os filóso fos t êm feit o ?”. Esse meu int er esse por met afilo so fia e por result ados pr át icos era, em part e, uma respost a a pressões sociais e, em part e , devido a leit uras de Kar l Mar x, cuja XI t ese ad Feuer bach dizia que “Os filóso fos se limit ara m a 15 GLOCK, Ha n s-J oh ann , p. 49 -50, 2011. VIDAL, V er a . E m pa t ia e T ran scen dên ci a : r efl ex ões s obr e o si st em a fi l os ófi c o d e Qui n e. Pr i nc i pi a 7 (1 –2), Fl or i an ópol i s, Jun h o/ Dez em br o, p. 223, 2003. O a r t i go é um a ót i m a i nt r oduçã o a o pen sa m en t o de Qui n e. 17 Nã o fui eu quem des c obr i u pr i m eir am en t e essa cr ít i ca a o ver i fi ca ci on i sm o. Fi l ós ofos t ra di ci on a i s já fa z i a m essa m e sm a obj eçã o n os t em pos d e Ca r n a p. Vi de GLOC K, Ha n sJoh a nn , p. 44, 2011. 16 12 interpret ar o mundo de diferent es maneir as; mas o que import a é transf ormálo.” 18. Isso acabou influenciando minha det er minação em est udar Richard Rort y em det alhes, como cont arei em br eve. Mas e Wilfr id S ellars? Feliz ou infeliz ment e, fui chamado par a um est ágio financeirament e muit o at raent e ant es de poder apreciar o ent usiasmo do professor Érico sobre o filóso fo Sellars. Fo i irrecusável. Deixe i de assist ir à s aulas, mas não de ler o assunt o. Procurando saber mais so br e Quine, o no me de Rort y acabou surgindo em alguma de minhas pesquisas. Porém, ele não me era t ot alment e est ranho e, inclusive, já havia cert a simpat ia ent re nós: nosso pr ime iro encont ro fo i na faculdade de dir eit o na disciplina de “Her menêut ica Jur ídica”, lecio nada pelo pro fessor Art ur St amford – de quem, aliás, cheguei a ser mo nit or. Nela pude ler um livro cha mado “I nt erpret ação e Super int erpret ação”, der ivado de confer ências e seminár io s de 199 0, dos quais part iciparam Umbert o Eco (autor e pr inc ipal palest rant e), Jonat han Culler, Chr ist ine Brooke -Rose e (sim!) Richard Rort y. Numa co municação int it ulada “A t rajet ória do pragmat ist a”, Rort y int erpr et ava o romance de Eco “O pêndulo de Foucault ” co mo uma “po lêmica ant iessencialist a” : (. . . ) o Per segui dor da Il um ina çã o c om e ça a com pr een der que t odos os gr a n des dua l i sm os da fi l os ofi a oci den t a l – r ea l i da de e a par ên ci a , i rra di a çã o pura e r efl ex o di fus o, m en t e e cor po, ri gor int el ect ua l e sen t i m ent a l i sm o s en sua l (. .. ) – pod em ser di s pen sa dos. (. . . ) Um est á gi o i n i ci a l de Il um in a çã o sur ge qua n do a pess oa l ê Ni et z s ch e e c om e ça a pen sar em t odos e ss es dua l i sm os a pe n a s com o m et á for a s pa ra o c on tr a st e en tr e um est a do i m a gin ári o de pod er , dom í n i o e c on tr ol e t ot a i s e a pr ópr i a i m pot ên ci a a t ua l . (. . . ) O e st á gi o fi n a l da T ra jet ór i a do Pr a gm at i st a ocor r e quan do a pess oa c om e ça a ver t oda s a s sua s per i péci a s a n t er i or es nã o c om o e st á gi os a sc en den t es pa ra a Il um ina çã o, m a s a pena s co m o os r esul t a dos c on t in gen t es do en con t r o c om vá r i os l i vr os qu e p or a ca so l h e ca í r am n a s m ã os. (. . . ) [o pr a gm a ti st a ] a ca ba r á ch ega n do a pen sar que é, c om o t ud o o m a i s, 18 MA RX, Ka r l , e E NGE L S, Fr i edr i ch. A i de ol ogi a al e mã: Fe ue r bac h – A c ontr ap osi ç ã o e ntr e as c os movi s õe s mate r i al i sta e i de al i sta . Sã o Pa ul o, edi t or a Ma r t in Cl ar et Lt da , p. 120, 2006. 13 ca pa z de t an t a s descr i ções qua n t os for em os objet i vos a ser em a t en di dos. (. .. ) E sse é o e st á gi o em qu e t oda s a s des cr i çõe s (i n cl usi ve a des cr i çã o de si m esm o c om o pr a gm at i st a ) sã o a va l i a da s de a c or do c om sua e fi cá ci a en qua nt o i n str umen t os a s er vi ç o d e objet i vos, e n ã o por sua fi del i da de a o obj et o de s cr i t o. 19 De uma só vez, eu revis it ava Niet zsche, Foucault e minha cur iosidade epist e mo lógica de uma maneira bast ant e diferent e do que eu est ava acost umado. Rort y seguia dizendo que “t udo o que alguém faz co m alguma co isa é usá- la” para propósit os part iculares 20. Nas t ort uosas ver edas do dest ino, ele ainda dizia que “Davidson leva at é o fim a negação de Quine de que haja uma dist inção filo só fica int eressant e ent re linguagem e fat o, ent re signos e não -signos.” 21 [gr ifei]. Diant e disso, percebi est ar diant e de um filó so fo que, além de t er uma opinião het erodoxa, parecia co nhecer bem as duas paisagens que me marcaram: a filo sofia “cont inent al” “pós - moder na” e a filo so fia analít ica. No mesmo t ext o, Rort y cit a Mar x, Freud, Heidegger e Derr ida ; no ent ant o, eu sabia que ele, na origem, provinha do mundo analít ico anglo -saxão. A impressão que t ive, po rt ant o, fo i que ele era o cara que lera “os do is lados” e, por isso, era quem poder ia me dar um bo m balanço gera l das co isas. Esse sent iment o eu só pude t er depois de conhecer me lhor a filo so fia analít ica, i. e., depo is de t er passado pela discip lina do pr o fessor Ér ico, pois, na pr imeira vez em que li o t ext o de Rort y, t udo o que eu sabia de filo so fia eram alguns no mes de filó so fos europeus, como os cit ados acima. Alé m disso, a ins ist ência de Rort y e m falar de “ut ilidade” e “pragmat ismo”, ao mesmo t empo em que submet ia “t odos os grandes dualis mo s da filo so fia ocident al” a cr ít icas, ia ao encont ro de minhas preocupações met afilosó ficas. E, assim, t ambém t ive esperanças de que, co m ele, eu t alvez pudesse desco br ir o que fizeram e o que fazem os filó so fos. Paralelament e, fo focas univer sit ár ias que alcançaram meus ouvidos falavam de um rapaz que t er minara a faculdade de direit o t endo lido toda a 19 RO RT Y, Ri ch a r d. A tr a jet ór i a do pr a gm a t i sta . In: ECO, Um ber t o. Inte r pr e taç ão e s upe r i nte r pr e taç ão. Sã o Pa ul o, Ma rt in s Fon t es, pp. 108 -109, 2005. 20 Ibi de m, p. 110. 21 Ibi de m, p. 116 14 obra de Jürgen Haber mas ! E alguém me suger iu focar minhas le it uras na obr a de um aut or – o que, aconselhavam- me, facilit ar ia minha vida na mo nografia e num possíve l mest rado . Se eu t ivesse de fazer uma esco lha, ent ão para mi m era óbvio que t er ia de ser Richard Rort y. O fat o de ele ser um filóso fo cont emporâneo, fa lecido em 2007, t ambém pesou, uma vez que eu est ava ansio so para saber quais eram os debat es da moda – para quem sabe t omar part e neles. Est ou cient e de que deixe i de responder a duas pergunt as co locadas lá t rás: Quem fo i Wilfr id Sellar s? E o que ele t em a ver co m Richard Rort y? Talvez, haja at é mesmo a impressão d e que eu sequer expliquei por que esco lhi esse aut or para apresent ar ao público da área jur íd ica, havendo t ant os out ros. Se isso quer dizer que devo explicar em que Rort y co nt r ibui para as discussões de t eór icos do direit o, ent ão eu só posso dar a respost a ao longo da mo nografia, especialment e nas part es finais. At é aqui, narrei os “result ados cont ingent es do encont ro com vár io s livros que por acaso (...) [me] ca ír a m nas mãos” e, embora não deseje decepcio nar, penso que isso já diz muit o sobre por que Richa rd Rort y veio parar nest a mo nografia. Isso reso lvido, rest am aquelas pergunt as – e ent ão posso seguir cont ando brevement e que m fo i Richard Rort y. Wilfr id Sellar s nasceu em 1912 e morreu em 1989; lecio nou filo so fia em Minnesot a, Yale e, por últ imo, P it t sbur gh. Ao cont rár io da maior ia dos filó so fos analít icos, possuía ampla familiar idade co m a hist ória da filo so fia e acredit ava que “a filo so fia sem a hist ória da filoso fia é, se não cega, ao menos muda”. E nt re seus escr it os, o mais conhecido e acessível é o en saio Empirici sm and the Philosophy of Mind [E mpir is mo e a Filo so fia da Ment e], de 1956, par a o qual Richard Rort y fez uma int rodução em que diz que a mudança de paradigma que ocorreu na filo so fia analít ica , por vo lt a da segunda met ade do século XX, é grandement e devida a t rês t rabalho s: “Do is dogmas do empir is mo ” (1951), de Quine, “I nvest igações Filosó ficas” (1954), de Wit t genst ein, e “E mpir ismo e filo so fia da ment e ” (1956), de Sellar s. A mudança à qual ele se refer e é um progressivo afast ament o dos filó so f os analít icos em relação ao posit ivis mo lóg ico ou empir is mo lógico , sumar izado 15 didat icament e em Language, Truth and Logic [Linguage m, Verdade e Lógica] , de A. J. Ayer . 22 Ao longo do ensa io de Sellars corre um fio condut or: a afir mação de Kant de que “int uiç ões sem co nce it os são cegas”. Ter uma impr essão sensor ial não é, por si só, um exemplo nem de conheciment o, nem de exper iência conscient e. Sellar s, co mo o Wit t genst ein das “I nvest igações”, mas, ao cont rár io de Kant , ident ificou a posse de um conceit o com o do mínio do uso de uma palavra. Por isso, para ele, o domínio de uma linguagem é pré requisit o da exper iência conscient e. Sella rs cunhou a expressão “no minalis mo psico lógico”, para sua dout rina, segundo a qual “ toda consciência de tipos, semelhanças, f atos, et c., em suma, t oda consciência de ent idades abst rat as – na verdade, toda consciência at é mesmo de part icular es – é uma quest ão linguíst ica” ( seção 29 do refer ido ensaio). Isso quer dizer que Locke, Berkele y e Hume est avam errados em pensar que nós so mos “co nscient es de cert as classes det er minadas [...] simp lesment e em virt ude de t er sensações e imagens” (seção 28) 23. Para Sellars, o co nheciment o é inseparável de uma prát ica social – a prát ica de just ificar as asserções que fazemos a nossos co mpanheiros hu mano s. Isso não é pressuposto por est a prát ica, mas surge co m ela. Port anto, não podemos sat isfazer a pret ensão posit ivist a de analisar proposições at é proposições que represent em o imediatament e dado . Não podemos pr ivilegiar relat os de que, por exemplo, h á algo ver melho por pert o co mo sendo “relat os so bre o imediat ament e dado”, pois esses relat os não são menos mediados pe la linguagem – e, port ant o, pela prát ica social – que relat os de que há vacas ou elét rons por perto. Toda a ideia de “fundament os” do conheciment o, básica t ant o ao empir is mo quant o ao racionalis mo, desaparece dent ro do nominalis mo psico ló gico. 24 Enquant o Quine, nos “Do is Dogmas do Empir is mo”, ajudou a dest ruir a for ma racio nalist a de fundacio nalis mo (que via na relação ent re conceit os o 22 RO RT Y, Ri ch a r d. In tr oduçã o. In: SE LLA RS, W i l fr i d. Empi r i smo e fi l os ofi a da me nte . Pet r óp ol e s, Ri o d e Ja n ei r o, Voz es, pp. 13 -15, 2008. 23 Ibi de m, p. 15. 24 Ibi be m, p. 16. 16 fund ament o epist êmico últ imo ) pelo at aque à dist inção ent re verdades analít icas e sint ét icas, S ellar s, em “E mpir is mo e filo so fia da ment e”, ajudou a dest ruir a for ma empir ist a de fundacio nalismo (que via no “dado” diret ament e à ment e o fundament o epist êmico últ imo ) at ravés do at aque à dist inção ent re o que é “dado à ment e” e o que é “acrescent ado pela ment e”. Ao fundacio nalis mo empir ist a do “dado” Sellars deu o no me de “Mit o do Dado”, cont ra o qual se insurge. Seu at aque levant ou dúvidas sobre a própr ia noção de “epist emo logia”, so bre a realidade dos problemas que filó so fos discut i ram sob t al t ít ulo, pois quest io nou dist inções necessár ias à sust ent ação dos problemas epist emo lógicos: “[...] o conheciment o empír ico, assim co mo sua so fist icada ext ensão, a ciência, é r acio nal, não por t er uma f undação [uma base imut ável], mas por ser um empreendiment o auto -regulador que pode co locar qualquer afir mação em quest ão, embo ra não todas simu lt aneament e” (seção 38). Essa frase sugere que a racio nalidade não é uma quest ão de obediência a padrões (os quais os epist emó logos cost umam esperar sist emat izar), mas, ant es, de part icipação recíproca em um pro jet o social cooperat ivo. 25 Na opinião de Rort y, apesar dos esforço s de Jo hn McDowell, Robert Brando m e Michael Willia ms, as ideias de Wilfr id Sellars co nt inua m insuficient ement e apr eciadas. 26 Essa é minha breve apresent ação de Sella rs. Ant es de ir par a o próximo capít ulo, quero dizer que a minha narrat iva int rodut ór ia sobre import ant es personagens da filo so fia analít ica t erá servent ia para co mpreender as cr ít icas de Richard Rort y, seu ant ifundacio nalis mo e seu ant irrepr esent acio nalis mo (capít ulo 4), po is, segundo Rort y, “S ellars e Quine invo cam o mesmo argument o, que pesa igualment e cont ra as dist inções de dado -versus- não -dado e necess ár io -versus-co nt ingent e. O pont o crucial desse argument o é que co mpreendemo s o conheciment o quando compr eendemos a just ificação socia l 25 Ibi de m, pp. 16 -17. RO RT Y, Ri ch a r d. In t el l ect ua l a ut obi ogr a ph y. In: AUXIE R, Ra n da l l E . & HA HN, L e wi s E dwi n . The Phi l os op hy of Ri c har d R or ty ( Th e l i brary of l i v i ng phi l osophe rs , v. 23). Ch i ca go, Open Court , p. 8, 2011. 26 17 da crença e, assim, não precisamos encará - lo co mo exat idão de represent ação” 27 da realidade. 3 . Q u em foi Ri ch ard Rort y? Richard McKay Rort y nasceu em 4 de outubro de 1931, o único filho de James Rort y e Winifred Raushenbush. E le cresceu numa co munidade rural do noroest e de New Jersey, onde seus pais compr aram uma casa par a escapar da vida da cidade gr ande. Precoce, Richard R ort y ent rou para o Hutchins Coll ege da University of Chicago aos quinze anos de idade. Lá obt eve o mest rado sob super visão de Char les Hart shorne, que fo ra aluno Alfr ed Nort h Whit ehead; a t ese de Rort y fo i just ament e sobre a met afís ica de Whit ehead. E m 1956 , agora na univer sidade de Yale, ele defendeu sua dissert ação de doutorado, t endo co mo orient ador Paul Weiss, argument ando que o conceit o de pot encia lidade discut ido por Ar ist ót eles e os r acio nalist as do século XVII per manecia cent ral nos t raba lhos da t rad ição do empir is mo lógico. Ent re 1960 e 1970, ganhou reconheciment o por ser um filóso fo analít ico bem versado em hist ória da filo so fia – algo pouco t ípico 28. E m 1981, Rort y fo i premiado co m a MacArthur Fel lowship , co nhecido co mo “Prêmio de Gênio” [ genius grant], o que lhe per mit iu t er mais t empo para est udar e escrever 29. O prêmio, inic iado nesse ano, é dado pela John D. and Catherine T. MacArt hur Foundati on , t odos os anos, para vint e at é quarent a cidadãos amer icanos ou resident es, de qualquer idade ou área, q ue t enha most rado ext raordinár ia or iginalid ade e dedicação em sua at ividade cr iat iva, além de marcant e capacidade de aut odireção 30. 27 RO RT Y, Ri ch ar d. A fi l os ofi a e o e spe l h o da na tur e z a . Ri o d e Ja n ei r o, Rel um e -Dum a r á, p. 176, 1994. 28 GROSS, N ei l . Ri c har d Ror ty: the mak i ng of an A me r i c an phi l os ophe r . Chi ca go, Ch i ca go Pr ess, pp. 16 -17, 2008. 29 Ibi de m, p. 232. 30 Vi de si t e da fun da çã o: < h tt p: / / www. m a c foun d. or g/ pr ogra m s/ fel l ows/ st r a t eg y/ > . Ace ss o em 8 de out ubr o d e 2012. 18 Ant es disso, em 1979, Rort y havia chocado os filó so fos pro fiss io nais co m o lançament o de Philosophy and the mirror of nature [ A Filo so fia e o espe lho da nat ureza] , cujo desafio de repensar o próprio empreendiment o filo só fico per manece t ão import ant e ho je quant o no t empo de sua publicação , na opinião de Michae l Willia ms 31. O livro (e seu aut or) é reconhecido co mo um dos pr incipais fat ores responsáveis pe lo ressurgiment o do int eresse na t radição do pragmat ismo amer icano pelo s finais dos anos de 1970 – eclipsada pelo surgiment o da filo so fia analít ica co m o posit ivismo lógico nos EUA por vo lt a de 1950 e 1960 32. O objet ivo desse livro é “m i n ar a con fi a n ça do l ei t or n a ‘m ent e’ c om o a l go s obr e o qua l s e de ver i a t er uma vi sã o ‘ fi l os ófi ca ’, n o ‘c on h eci m en t o’ com o a l g o sobr e o qua l dever i a h a ver um ‘t eor i a ’ e que t em ‘fun da m en t os’, e n a ‘fi l os ofi a ’ c om o e st a foi c on ce bi da de sde K a nt [a sa ber , c om o t r i buna l da r az ã o pur a, a pt o a jul ga r l egí t im o ou n ã o t od o o r est o da cul t ur a ]”. 33 Esse livro argument a que o proble ma ment e -corpo fo i um art efat o cr iado pelo modo infeliz de co mo Descart es descreveu os seres humanos ; argument a que o “problema do con heciment o”, for mulado por Kant , poderia ser disso lvido abando nando a maneira cart esiana de descrever a sit uação humana. Rort y buscou desenvo lver as consequênc ias da afir mação de que “t oda consciência é uma quest ão linguíst ica” – uma afir mação present e t ant o em Wit t genst ein quant o em Sellars – mo st rando co mo vár io s problemas filo só ficos surgem e desaparecem em função de mudanças em t ais descr ições. 34 Em 1989, Rort y publicou Contingency, irony and solidarity [Cont ingência, ironia e so lidar iedade] , dando cont inuidade ao livro ant er ior. A pr ime ir a part e do livro junt a a dout rina de Sellar s de que t oda consciência é 31 WIL LIAMS, Mi ch a el . In tr oduct i on t o T hir t i eth -Ann i ver sa r y E di t i on . In: Phi l os op hy and the mi r r or of nat ur e . Ne w Jer se y, Pr i n cet on Un i ver si t y Pr es s, p. xii i , 2009. 32 Ide m. T a m bém : GROSS, Nei l . Ri ch a r d Ror t y’s pr a gm a ti sm : A ca se st ud y i n th e soci ol og y of i dea s. The or y and S oc i e ty (32) . Prin t ed in th e Net h er lan ds, Kl uwer Aca dem i c Pu bl i sh er s, pp. 93 -148, 2003. 33 RO RT Y, R. pp. 22 -23, 1994. 34 RO RT Y, Ri ch a r d. In t el l ect ua l a ut obi ogr a ph y. In: AUXIE R, Ra n da l l E. & HA HN, Le wi s E dwi n . , p. 13, 2011. 19 uma quest ão linguíst ica co m a afir mação hegeliana e heidegger iana de que a hist ór ia do pensament o humano é uma sér ie de mudanças nas palavr as que cr ia m nossas aut odescr ições. No livro, Rort y t ambém argu ment a que a filo so fia, desde Hegel, t eve largament e seu lugar social t omado pela lit erat ura, pela art e e pelo gênero de escr it a que veio a ser chamado de “cr ít ica cult ural”. O t ipo de educação moral que o s jo vens r ecebia m de t rat ados argument at ivos nos séculos ant er iores à Revo lução Francesa, diz Rort y, passou a ser rea lizado por t rabalhos imaginat ivos – em part icular, por romances e ut opias sociopo lít icas. 35 De pont a a pont a, a obra de Richard Rort y abr ange campos largos e diversos, ent re os quais ep ist emo logia , met afísica, filo so fia da ment e, filo so fia da linguagem, met afilo so fia, ét ica, lit erat ura e at é quest ões e m polít ica e direit o, além de out ras. Tendo despo nt ado inicia lment e co mo filó so fo analít ico, Rort y dialogou bast ant e co m aut ores co mo Car nap, Quine, Sellars, Davidso n, Put nam, Kuhn, Sear le, Dennet t , só para cit ar alguns; seu diálogo, porém, avança t ambém ent re autores cont inent ais, co mo Haber mas, Freud, Derr ida e Heidegger. Sua influência fo i muit o além das front eir as dos depart ament os amer icanos de filoso fia : na t eoria da lit erat ura, St anle y Fish, Bar bara Herr nst ein S mit h, assim co mo Harold Bloo m, que chegou a considerar Rort y co mo “o mais int eressant e filóso fo do mundo at ual” 36, possuem afinidades co m a filo so fia de Rort y. Jur ist as, co mo Richard Posner, t ambém t êm se mo st rado int eressados nos t rabalho s de Rort y, que são largament e cit ados p elo s t eóricos do dir eit o 37. Int eressado no pragmat ismo amer icano e sua import ância para a t eoria social, Hans J oas pode ser cit ado co mo um soció lo go que mant ém cont at o com a obra de Rort y enquant o pragmat ist a – vide o livro Pragmatism and Social T heory [Pragmat ismo e Teoria Social] (1993), recheado de referências a Rort y. At é no Brasil a 35 RO RT Y, Ri ch a r d. In t el l ect ua l a ut obi ogr a ph y. In: AUXIE R, Ra n da l l E . & HA HN, L e wi s E dwi n . , p. 17, 2011. 36 E sse c om en t ár i o de Bl oom en con t r a -se n a ca pa de t r á s do l i vr o d e Ror t y C onti nge nc y, Ir ony an d S ol i dar i ty (Ne w Yor k: Ca m br i dge Uni ver si t y Pr es s, 1989). 37 Posn er di z que “En tr e 1 de ja n ei r o, de 1996, e 27 de a br i l , de 2000, el e [Ror t y] foi ci t a do em per i ódi c os d e di r ei t o n o t ot a l de 296 vez es. ” . POS NE R, Ri ch ar d. Ror t y on La w a n d publ i c p ol i c y. In: A UXIE R, Ra n da l l E. & HA HN, L e wi s E d wi n . , p. 441 (r oda pé n º. 2), 2011. 20 influência de Rort y se fez sent ir: o ant ropólogo e especialist a em segurança pública Luiz Eduardo Soares, co nhecido pelo livro que virou filme “Tropa de E lit e”, est udou dois anos co m Rort y na Universidade de Virgínia num pós doutorado em filo so fia po lít ica : A obr a de Ror t y a br i u par a m i m, com o pa r a t an t os, em t odo o m un do, um h or i z on t e extr a or din ári o. Seu pr a gm a ti sm o l i ber a l cr í t i co, seu a n t i -ess en ci a l i sm o l i ber t á r i o, mas di a l ógi co e dem ocr á t i co, m ost r ou um ca m inh o r i quí ssi m o. Pa ra minh a vi da pess oa l e pr ofi ssi on a l , foi t a m bém de ci si va sua apost a n a l i t er a t ur a, n o ci n em a, n o jor n a li sm o l i t erár i o, n a et n ogra fi a com o a s for m a s m a i s pot en t es n a con st r uçã o de um con sen s o gl oba l m ín i m o em t or n o dos va l or es da pa z, da just i ça e da l i ber da de. 38 Alé m de le, o psicanalist a Jur andir Freire Cost a é out ro bras ileiro ent usiast a de Rort y: “Penso que Rort y tornou -se um dos mais est imulant es pensadores da at ualidade.” 39. O filó so fo br asileiro Paulo Ghir aldelli Júnior é um dos pr incipais divulgadores e edit ores da obra de Rort y no Brasil 40. A quant idade de lit erat ura secundár ia sobre a obra de Richard Rort y é incr ivelment e ext ensa: o art igo “Richar d Rort y” na Wikipédia de língua inglesa apresent a uma list a de quase 40 livros apenas co mo Further reading [Mais/out ras leit uras] 41. Isso nos per mit e t er uma ideia do grau de dest aque do aut or no cenár io int elect ual – não só filosófico. Apesar da fama mund ial, co mparável à t ida por John Dewey e Bert rand Russell em sua época, Richard Rort y mant eve -se co mo uma pessoa simp les e generosa, se m se deixar fascinar 42. Ele mo r reu em 8 de junho de 2007, aos 75 38 SOA RE S, Lui z E dua r do. O Pe nsame nt o de Ri c har d Ror ty e se u e xe mpl o de vi da . Di spon í vel em < ht t p: // a ma i vos. u ol . c om . br / a m ai vos09/ n ot i ci a / n ot i ci a . a sp?cod_n ot i ci a = 8775&c od_ca n a l = 5 5> . Acess o em 8 de out u br o de 2012. 39 COST A, Jur a n di r Fr ei r e. O i nte re sse de Ri c har d R or ty . Di sp on í vel em < h tt p: / / jur an dir fr eir ec ost a . bl ogsp ot . c om . br / 2011/ 03/ o -i n t er esse-d e-r i ch ar d -r or t y-1. h t ml > . Ac ess o em 8 de out ubr o d e 2012. 40 Pa r a uma cur ta e di dá t i ca in tr oduçã o e m por t uguês à obr a de Ror t y, v i de : G HIRAL DE LLI J ÚNI O R, Pa ul o. Ri c har d R or ty: a fi l os ofi a d o N ov o M und o e m b usc a de mund os n ovos . Ri o d e Ja n ei r o: E di t or a Voz es. 1999. 41 Vi de < ht t p: // en . wi ki pedi a . or g/ wi ki / Ri ch ar d_Ror t y#ci t e_n ot e -sa -6> . Ac es s o em 8 de out u br o de 2012. 42 SOARE S, L. E . Supr a ci t a do. Ta m bém : PINT O, Pa ul o Rober t o Ma r gutt i . Ri ch ar d Ror t y, a ra ut o de um a n ova vi sã o de m un do. K RITERIO N 16 . Bel o Hor i z on t e, p. 531, 2007. 21 anos, vít ima de um câncer no pâncreas , deixando par a t rás uma lo nga carreir a em univers idades de reno me, co mo Wellesley (1958 -61), Pr incet on (1961 -82), Virginia (1982-98) e St anford (1998 - 2007), além de part icipação em universidades est rangeir as. 43 4. Rort y con t ra a “Fi loso fi a” Segundo Bjør n Ramber g, A m a r ca di st int a e con t r over sa do pr a gm a t i sm o de Ri ch a r d Ror t y s e expr essa a o l on go d e d oi s ei x os pr i n ci pa i s. Um é n ega t i vo – um di a gn óst i c o cr í t i co d o que Ror t y c on si der a os p r ojet os qu e d e fi n em a fi l os ofi a m od er n a. O out r o é p osi t i vo – um a t en t a t i va de m ost r a r c om o a cul t ur a se par ecer i a , um a vez que n os l i ber t á ssem os da s m et á for a s que r egem a m en t e e o c on h eci m en t o n a s qua i s os pr obl em a s t r a di ci on a i s da epi st em ol ogi a e m et a fí si ca (e de fa t o, n a vi sã o d e Ror t y, a a ut o- c on cep çã o da fi l os ofi a m oder na ) est ã o en ra i za dos. 44 Esse eixo negat ivo é proeminent e no livro Philo sophy and the mirror of nature, no qual Rort y sust ent a que a epist emo logia moder na não é só uma t ent at iva de legit i mar nossa alegação de conheciment o do que é real, mas t ambém uma t ent at iva de legit imar a própr ia reflexão filo só fica – uma t arefa prement e, por vár ias razões, uma vez que , no século XVI e XVII, o advent o da nova ci ênci a gradualment e deu cont eúdo para uma ideia de conheciment o obt ido pela int errogação met ódica da pr ópria nat ureza. Porque o resul t ado desse t ipo de int errogação – o conheciment o empír ico t eórico – é t ão 43 Vi de os obi t uá ri os da Un i ver si da de de St a n for d e do N e w Y or k T i m es, r espect i va m en t e: < ht t p: //n ews. st a n for d. edu/ n ews/ 2007/ jun e13/ r or ty -061307. h t m l> Aces s o em 11 de out u br o de 2 012; e < ht t p: // www. n yt i m es. c om / 2007/ 06/ 11/ obi t ua r i es/ 11r or t y. h t ml ?_r = 4&r ef= obi t ua r i es&or e f= sl ogi n &or e f= sl ogi n &or e f= sl ogi n > Acess o em 11 de out u br o de 2012. 44 RAM BE RG, Bj ør n , “Ri c har d Ror ty ” , The St anf ord E nc y cl ope di a of Phi l osophy (Sp ri ng 2009 E di t i on), E dwa r d N. Za l t a (ed. ), URL = < ht t p: // pl at o. st a n for d. edu/ a r ch i ves/ spr 2009/ en tr ies/ r or t y/ > . Ace ss o em 21 d e a g ost o d e 2011. No or i gi n al , “Ri ch a r d Ror t y (1931 –2007) de vel op ed a di st i n ct i ve a n d con t r over si a l br a n d of pr a gm a t i sm th at expr ess ed i t sel f a l on g t wo m a i n a xes. On e i s n ega t i ve —a cr i t i ca l di a gn osi s of wh a t Ror t y t a kes t o be d e fi n in g proje ct s of m od er n ph il os oph y. T h e ot h er i s posi t i ve—a n a t t em pt t o sh ow wh a t i n t el l ect ua l cul t ur e m i gh t l ook l i ke, on ce we fr e e our sel ve s fr om t h e gover n in g m et a ph or s of m i nd an d kn owl edg e i n wh i ch th e tra di t i on a l pr obl em s of epi st em ol og y a n d m et a ph ysi cs ( a n d in deed, in Ror t y' s vi e w, t h e sel f c on cept i on of m od er n ph i l osoph y) a r e r oot ed” . 22 obviament e frut ífero, e carrega consigo nor mas inco nt roversas de progresso, sua mer a presença co loca um desafio de legit imação para uma for ma de pensament o e alegação de conheciment o que é diferent e dele – a epist emo logia moder na . A epist emo logia cart esiana, na descr ição de Rort y, é feit a par a enfrent ar esse desafio. Dúvidas cét icas de um t ipo c art esiano, i. e., dúvidas que podem ser levant adas so bre qualquer co njunt o de qualquer t ipo de alegações empír icas e , port anto , não podem ser aliviadas pela exper iência, são feit as so b enco menda para preser var de uma vez por todas um do mínio e um t rabalho para a reflexão filosó fica. O objet ivo de Rort y nesse livro é desest rut urar as pressuposições que permit em que esse pro jet o de dupla legit imação faça sent ido – t ant o o projeto de legit imação do conheciment o cient ífico pela epist emo log ia moder na quant o o pr ojet o de legit imação da própria filo so fia (cent rada na epist emo logia) . 45 Uma ideia import ant e nesse livro é a convicção hist or icist a de que qualquer vocabulár io é mutável e opci onal (por exemplo, o vocabulár io cart esiano sobre as r elações ent re ment e e corp o, conheciment o e mundo; o vocabulár io moral cr ist ão sobre p erdão, solidar iedade e car idade; o vocabulár io cient ífico so bre át omos e energia; o vocabulár io po lít ico sobre liber dade, igualdade e democr acia, et c.). Essa ideia se co nt rapõe às caract er íst icas de const ância, imut abilid ade e necessidade que os filóso fos at ribuem a cert as int uições, conceit os e problemas filo só ficos. E nt ret ant o, a segunda part e, “Mirror ing” (Espelhando), de Philo sophy and the mi rror of nature é a mais import ant e: nela, Rort y desen vo lve uma sér ie de argu ment os – t irados not avelment e de Wilfr id Sellars, Willard van Or man Quine, T ho ma s Kuhn, Ludwig Wit t genst ein, e Donald Davidso n 46 – em uma cr ít ica ger al do projet o que define a epist emo logia moder na, ou seja, as co ncepções de ment e, co nheciment o e filo so fia passadas pelo s século s XVII e XVIII. 47 45 RAM BE RG, B. Ide m. Por l i m it a çõe s dest a m on ogr a fi a , n ã o poder em os expl or a r det a lh es de com o Ror t y usa os t ra ba l h os de Kuh n , Da vi dson , Hei d egg er e out r os , por exem pl o. Qui n e e Sel l a r s ser ã o m a i s t ra ba l ha dos a qui ; m esm o a ssi m , m ui t os det a l h es t er ã o de ser om i t i dos. Pa r a ma i s, c on sul t ar dir et am en t e a s r efer ên ci a s. 47 Ide m. 46 23 4.1. A narrativa de Rorty sob re a inven ção da epistemologi a Confor me explica Rort y, a ideia de que há uma disciplina aut ôno ma chamada “filoso fia”, dist int a de e exercendo julgament o sobre o rest a nt e da cult ura, especialment e sobre a re ligião e a ciência, é de or igem r elat ivament e recent e, t endo sido mais bem definida por Kant . Olhando ret rospect ivament e, vemos Descart es e Hobbes co mo “inic iando a filo so fia moder na”, mas ele s mesmo s não se viam inst it uindo uma no va e melhor filo so fia (uma t eoria do conheciment o melhor, uma met afís ica melhor ou uma ét ica me lhor), po is à época as dist inções ent re os “campos da filoso fia” a inda não est avam definidas; Descart es e Hobbes, ent re out ros, viam- se a si mesmo s ant es co mo cont r ibuindo par a o floresciment o da pesquisa em mat emát ica e mecânica, assim co mo liberando a vida int elect ual das inst it uições ecles iást icas, do que co mo ofer ecendo “sist emas filosó fico s”. Soment e quando a “bat alha ent re a ciência e a t eo log ia” fo i ganha é que a quest ão da separação das ciências pôde surgir. A consequent e demar cação da filo so fia em relação à ciência fo i tornada possível pela noção de que o cerne da filoso fia era a “t eor ia do conheciment o”, uma t eoria dist int a das ciências, po rque era seu f undament o. At ualment e, podemos encont rar as or igens dessa noção pelo meno s at é Descart es e Espino sa; porém, a noção de “t eoria do conheciment o” só se tornou aut oconscient e a part ir de Kant . E la não fo i incorporada à est rut ura das inst it uições acadêmicas e às aut odescrições irreflet idas dos professores de filo so fia, senão já em meados do século XIX. Sem essa ideia de uma “t eor ia do conheciment o” é difícil imaginar o que poder ia t er sido a “filo so fia” na era moder na. Fo i especialment e Kant quem t ransfor mou a ant iga noção da filo so fia – a met afís ica co mo “ra inha das ciências”, por causa de sua preocupação co m o que era mais univer sal e menos mat er ial – na noção de uma disciplina “mais básica” – uma dis ciplina f undamental, no sent ido de invest igado ra dos funda ment os, do que é subjacent e. Uma vez que Kant havia escr it o, os hist or iadores da filo so fia puderam co locar os pensadores dos sécu los XVII e XVIII em posição de t erem t ent ado responder à pergunt a: 24 “Co mo nosso conheciment o é possível?” e at é mesm o pro jet ar essa pergunt a de vo lt a so bre os ant igos. 48 No ent ant o, essa imagem kant iana da filo so fia co mo cent rada na epist emo logia apenas o bt eve aceit ação geral depo is que Hegel e o idealis mo especulat ivo havia m parado de domina r o cenár io int elect ual alemã o. O mo viment o “de vo lt a a Kant ” dos anos 1860 na Ale manha fo i t ambém u m mo viment o de “co mecemo s a t rabalhar” – um modo de separar a disciplina não -empír ica aut ôno ma da filo so fia, por um lado da ideo logia e por out ro da emergent e ciência da psico logia empí r ica. A imagem de “epist emo logia -emet afísica” co mo “o cent ro da filoso fia” (e da “met afís ica” co mo algo ant es emergindo da epist emo logia que vice - versa), que fo i est abelecida pelo s neokant ianos, é aquela embut ida nos curri cula de filo so fia do iníc io do sé culo XX, pr incipalment e dent ro da filoso fia analít ica , e ainda ho je possui seus simpat izant es. 49 Assim descreve Rort y a import ância de Kant nesse processo: Al ém de el e va r “a ci ên ci a do h om em ” de um n í vel em pí r i co pa r a um a pri or í st i co, Ka nt fez t r ês out r a s c oi sa s que a j uda ra m a fi l osofi a en quan t o-epi st em ol ogi a a t ornar -se a ut oc on sci e n t e e a ut ocon fi a n t e. Pr i m eir o, i den t i fi ca n do o t em a cen t r a l da epi st em ol ogi a c om o sen d o a s r el a çõe s en t r e dua s espé ci e s de r epr es en t a çõe s i gua l m ent e r ea i s, m a s irr edut i vel m en t e di st in t a s – a s “for m a i s” (con cei t os) e a s “m a t er i ai s” (in t ui ções) –, el e t or n ou possí vel ver con t i n ui da des i m por t ant es en tr e a n ova pr obl em á t i ca epi st em ol ógi ca e os pr obl em a s ( os da r a z ã o e os d e un i ver sa i s) que h a vi a m pr eocupa d o os a n t i gos e os m edi e va i s. A ssi m , t or n ou possí vel e s cr ever “h i st ór i a s da fi l os ofi a ” do t i po m oder n o. Segun do, l i gan do a epi st em ol ogi a à m or a l i da de n o pr ojet o d e “de st r uir a r a zã o pa r a a br ir espa ç o pa r a a fé” (i st o é, de st r uin do o d et er m in i sm o n ewt on i an o pa r a a brir espa ç o pa r a a c on sc i ên ci a m or a l com um ), el e r evi veu a n oçã o d e “um si st em a fi l os ófi c o c om pl et o” , n o qua l a m or a l i da de er a “ba s ea da ” em a l go m en os c on t r over s o e m a i s ci en t í fi c o. (. . . ) Com Ka n t , a epi st em ol ogi a foi ca pa z de en tr ar n o 48 49 RO RT Y, R. p. 140, 1994. RO RT Y, R. p p. 141 -142, 1994. 25 pa pel da m et a fí si ca c om o fi a dor a da s pr essu p osi ç õe s da m or a l i da de. T er cei r o, t om a n do t udo o que di z em os c om o s e n do sobr e a l go qu e “c on st i t uí m os” , epi st em ol ogi a el e t or n ou c om o um a p ossí vel ci ên ci a qu e se fun da m en t al , pen sa ss e uma na di sci pl in a supor t e ca pa z de des c obr i r a s car a ct er í st i ca s “ for m a i s” (ou, em ver sões p ost er i or es, “ est r ut ur ai s” , “ fen om en ol ógi ca s” , “gr a m at i ca i s” , “l ógi ca s” ou “ c on cei t ua i s” ) de qu a l quer ár ea da vi da h uman a. Assi m , el e ca pa ci t ou os pr ofess or e s de fi l os ofi a a se ver em c om o pr esi di n do um t r i bun al da ra z ã o pur a, ca pa z de det e r m in ar se out r a s di sci pl i n a s est a va m se m a n t en do den t r o dos l i m i t es l ega i s est a bel e ci d os pel a “ est r ut ura ” de seus a ssun t os t em a . 50 4.2. Mudando de vocabulário: da “rep resentação” à “p rática social” A narrat iva de Rort y sobre co mo surgiu a epist emo logia bus ca sit uar os problemas filo só ficos hi storicamente, para esclar ecer de que modo eles podem ser di ssol vidos quando alt eramo s as descr ições e os int eresses que deram or igens a eles, po is, de acordo com Rort y, (. . . ) um “pr obl em a fi l os ófi c o” (. . . ) [é] um pr odut o da a doçã o i n con sci en t e de sup osi ç õe s em but i da s n o voca bul á r i o m edi a n t e o qua l o pr obl em a (. .. ) é col oca do – sup osi ç ões qu e de vi a m ser quest i on a da s an t es que o pr obl em a em si foss e l e va d o a sér i o . 51 O quest io nament o das pressuposições de uma quest ão filo só fica, junt o co m a apresent ação de uma nova descr ição ou redescr ição, faz part e da est rat égia terapêutica de Rort y. Disso lver um proble ma filosó fico é diferent e de reso lvê- lo ; é a difer ença ent re não aceit ar a simples co locação de uma quest ão (porque, por a lgu ma razão, a consider amos ilegít ima ou ma l co locada) e aceit ar a quest ão t al co mo fo i for mulada, a fim de t ent ar apresent ar uma r espost a co nst rut iva a ela. O própr io Rort y esclarece sua est rat égia: Meu pr i m ei r o i m pul so, a o ser i n for m a do d e um que br a -ca be ça fi l os ófi c o, é t en t a r di ssol vê -l o em vez de r es ol vê -l o: eu t i pi ca m en t e 50 51 Ibi de m, pp. 145 -146. RO RT Y, R. , p. 13, 1994. 26 quest i on o os t er m os n os qua i s o pr obl em a é apr esen t a do e t en t o suger i r um n ovo c on jun t o d e t er m os, n os qua i s o sup ost o que br a ca be ça é i n sust en tá vel . 52 Se o int erpret o de modo coerent e , Rort y não pensa em sua est rat égia t erapêut ica co mo um “mét odo (dist int ament e) filosó fico”, po is podemo s facilment e ident ificar essa est rat égia (argument at iva) em sit uações ordinár ias das mais diversas 53; t ambém não pensa em si mesmo co mo o cr iador des sa est rat égia dent ro da filo so fia 54. Não desejando admit ir as pressuposições da t radição filo só fica, Rort y busca, ao máximo, livrar -se de muit as das met áforas, imagens, dist inções e conceit os caros a essa t radição. Kant , e mesmo P lat ão, buscou mo ldar o conhecim ent o pela percepção ; daí acabou surgindo a imagem da ment e ou da linguagem co mo espelho (ou represent ação) da nat ureza. A ideia de “fundament os do conheciment o” é um produto da esco lha de met áforas percept uais e modelo s visuais . Porém, segundo Rort y, não p reci sa ser assim. Se pensar mo s na “cert eza racio nal” co mo uma quest ão mais de vit ór ia na argument ação que de relação com u m objet o conhecido, devemos o lhar ant es na direção de nossos int er lo cut ores do que na de nossas faculdades para explicação do fenô meno . Se pensar mos em 52 RO RT Y, Ri ch a rd. Fi l osofi a anal í ti c a e fil osofi a tr ans f or mad or a . Di sp on í vel em < ht t p: // cr i ti ca nar ede. c om / h i s_an al i t i ca.h t ml > . Ace ss o em 26 de a gost o de 2012. 53 Im a gin em os a per gun t a “Com o el e m a t ou a quel e h om em ?” ; h á m ui ta s r espost a s pos sí vei s, de a c or do c om a s ci r cun st â n ci a s que de ver ã o s er l eva da s em c on si der a çã o, a fi m de excl ui r cer t a s r esp ost a s e sug er i r a pla usi bi l i da de de out r a s. Por ém , se qu est i on a m os a ba s e da per gun ta di z en do “E l e n ã o m a t ou a quel e h om em . ” , e a pr esen t an do boa s r a z õe s pa ra i sso, en t ã o a qu est ã o i n i ci a l per de o s en t ido. É fá ci l p er ce ber que e ss e m odel o d e di á l ogo a pa r ece em m ui t a s si t ua ções c ot i di an a s. 54 P or vez es, Ror t y r ot ul a de “ t er a pêut i cos” a l gun s fi l ós ofos qu e n ã o a cei t a r a m quest õe s fi l os ófi ca s d e seu s a n t eces s or es e a pr esen t a ram r edescr i çõe s, ci t a n do Heg el , Ni et z sch e, Wi t t gen st ei n, Hei d egger e D e we y. D oi s ca s os n ot ó r i os sã o Wi t t gen st ei n e Ni et z sch e: o pr im ei r o, di an t e do “pr obl em a dos un i ver sa i s” (a per gun ta sobr e o que un e vá r i os obj et os pa rt i cul ar es, a pon t o de t od os r ec e ber em um a n om ea çã o ger a l – di ga m os, “ca dei r a ” ), suger i u a m et á for a da “sem el h an ça de fa m í l ia ” p ara n egar , de pr in cí pi o, que n eces sa r i am en t e h ouves se a l g o em c om um en tre t od os os obj et os pa r t i cul ar es n om ea dos c om um ún i co t er m o gen ér i co. Vi de §§66-68. WIT T GE NST E IN, Ludwi g. In ve sti gaç õe s Fi l os ófi c as . Sã o Pa ul o: E di t or a Nova Cul t ur al Lt da . , pp. 52 -53, 1996. (col e çã o O s Pe nsadore s) Ni ez t sch e, por sua vez , a o r e ce ber de Ka n t a per gunt a “Com o sã o p ossí vei s os juí z os si n t ét i cos a p ri ori ?” pr op õe out r a per gun ta : “Por que é pr eci s o a cr edi t ar n esses juí z os?” e, c on t in ua Ni et z sch e, “Os juí z os si n t ét i cos a pri o ri n em sequ er de ver i a m ‘ser pos sí vei s’. ” . Vi de pa r á gra fo 11. NIE T Z SC HE , Fr i edr i ch . Par a Al é m d o B e m e d o M al : Pr e l údi o a uma Fi l os ofi a do F ut ur o. Sã o Pa ul o: E di t or a Mart in Cl ar et , p. 42, 2001. 27 nossa cert eza sobre o Teorema de P it ágoras como nossa co nfiança de que, baseados em exper iênc ia s co m argument ações so bre esses assunt os, ningué m encont rar uma o bjeção às premissas das quais o infer imo s, ent ão não devemo s procurar explicá- lo pela relação da razão co m a t riangular idade. Nossa cert eza será ant es uma quest ão de conversação ent re pessoas que uma quest ão de int eração com uma realidade não humana. Assim, não precisamo s ver uma difer ença qualit at iva ent re verdades “necessár ias” e “cont ingent es”, mas ant es uma difer ença de grau de facilidade de objeção às nossas cr enças. E m vez de procurar mos, co mo P lat ão e Kant , por um fundament o inabalável, passaremo s a procurar por um caso incont est ável. Podemos pensar no conheciment o co mo uma re lação ( inferencial) a proposições e, assim, na just ificação como uma relação ent re proposições em quest ão e out ras proposições das quais as pr imeir as possam ser infer idas. Ou podemo s pensar t ant o em conheciment o co mo em just ificação enquant o relações (represent acio nais) pr ivilegiadas aos objet os sobre os quais são essas proposições. Se pensar mo s do pr imeiro modo, não veremos pot encia lment e infinit o nenhuma de necessidade proposições de t razidas t er minar em defesa o regresso de out ras proposições. Ser ia uma t olice mant er em andament o a conversação, uma vez que t odos, ou a ma ior ia, ou os especialist as, est ão sat isfeit os; mas, obviament e, nós podemos fazer isso. Se pensar mos no conhec iment o do segundo modo, como uma relação ent re proposições e objet os, desejar e mo s chegar às causas por t rás das razões, para além do argument o at é a compulsão do objet o conhecido, a uma sit uação em que o argument o não ser ia apenas tolo, mas imposs ível; po is qua lquer um que seja do minado pelo o bjet o dessa maneira será incapaz de duvidar ou ver uma a lt er nat iva. Chegar a esse pont o é chegar aos fundament os do conheciment o. 55 Quine e S ellars apr esent am cr ít icas e dout rinas que vão diret ament e de encont ro a essa visão de fundament os do conheciment o e a ideia de conheciment o como represent a ção exat a – como Espelho da Nat ureza –, po is, para ambo s, o conheciment o é ant es uma quest ão de conver sação do que de 55 RO RT Y, R. , pp. 162 -170, 1994. 28 confro nt o, é ant es uma quest ão de prát ica socia l do que uma relação especia l ent re ideias (ou palavras) e objet os 56. Na perspect iva de Quin e e Sellar s sobr e a epist emo logia, dizer que a verdade e conheciment o so ment e podem ser julgados pelo s padrões dos inquir idores de nossa própr ia época não é dizer que o conheciment o humano seja menos nobre ou import ant e do que havía mo s pensado inicia lment e. É apenas dizer que nada cont a co mo just ificação, a não ser por refer ência ao que já aceit amo s, e que não há maneira de sair mos de nossas cr enças e de nossa linguagem par a encont rar algu m out ro t est e que não a coerência. 57 Uma das razões por que os filó so fos profissio nais se ret raem fr ent e à afir mação de que o co nheciment o pode não t er fundament os, ou dir eit os e deveres co m base ont ológica, é que esse t ipo de abordagem, cent rada no ent endiment o da prát ica social, que dispensa fundament os est á bast ant e inc linada a dispensar a filoso fia. Po is a visão de que não há mat r iz neut ra per manent e (o Mundo, conceit os necessár ios, int uições inescapáveis, o dado percept ual, significados, dir eit os nat urais, quaisquer element os imut áveis co m os quais possamo s t ent ar co loca r nossas afir mações numa relação de “correspondência”) t em um corolár io de que a cr ít ica da cult ura de alguém só pode ser fragment ada e parcia l – jamais “por refer ência a padrões et ernos”. Isso ameaça a imagem neokant iana da relação da filo so fia co m a ciên cia e a cult ura. O anseio de dizer que asserções e ações devem não apenas ser coerent es co m out ras asserções e ações, mas “correspo nder” a algo independent e do que as pessoas est ão dizendo e fazendo t em cert o clamor por ser chamado o anseio filosó fico. Esse é o mes mo anse io que levou P lat ã o a dizer que as palavras e os feit os de Sócrat es, não sendo, co mo era o caso, coerent es co m a t eoria e a prát ica corrent es, apesar disso, correspondiam a algo que os at enienses ma l podiam vislumbrar. É cont ra essa noção d e “correspondência” que se opõem Quine e Sellars. 58 56 57 58 Ibi de m, pp. 175 -176. Ibi de m, p. 183. Ibi de m, p. 184. 29 Essa discussão inevit avelment e levant a a acusação de relat ivis mo: co mpreender o Verdadeiro e o Correto como quest ões de prát ica social parece nos condenar ao relat ivismo, que, por si mesmo, é uma reducti o ad absurdum. Não poderei me alo ngar nessa discussão; porém, é út il dizer duas co isas: (1) so ment e a imagem de uma disciplina – a filo so fia – que irá selecio nar u m dado conjunt o de visões co mo mais “racionais” que as alt er nat ivas, por apelo a algo (digamo s, a Realidade ou a Verdade) que for ma uma mat r iz neut ra per manent e para t oda a inquir ição e toda a hist ór ia, t orna possíve l pensar que t al r elat ivis mo deve excluir aut omat icament e as abordagens que enfat izam o conheciment o enquant o prát ica social; (2) ent re Sellar s e Quine, co m sua a ênfase na nat ureza ho líst ica e pragmát ica no conheciment o, e os defensores do conheciment o como represent ação acurada da realidade não exist e uma base neut ra mediant e a qual argument ar ; Quine e Sellar s at acam à noção kant iana de do is t ipos de represent ação – int uições “dadas” a uma faculdade, e conceit os (ou significados) “dados” a out ra –, mas não pret endem co m isso apresent ar t eses mais “adequadas” à realidade, nu m sent ido filo só fico; ao cont rár io, eles est ão invest indo cont ra a própr ia ideia de adequação, mo st rando que se t rat a de uma ideia inút il para ent ender a co mpreensão e o aprendizado linguíst icos, e a dinâ mica do conheciment o 59. Isso é esclar ecido por Rort y quando diz que Donald David son , que concorda com as t eses de Quine e as desenvo lve, faz bast ant e para não usar as noções “p lat ônicas” de Verdade, Bo ndade e Realidade, mas que Da vi ds on t a m bém n ã o est á “r e fut a n do” es sa s n oç õe s pl a t ôn i ca s exi bi n do sua “i n con si st ên ci a ” . T udo o que p od e fa z er c om el a s é fa z er o qu e Ka n t fez c om a s Idei a s da Ra z ã o P ur a – m ost r ar com o el a s fun ci on a m , o que el a s pod em e n ã o p odem fa z er . O pr obl em a c om a s n oç õe s pl a t ôn i ca s n ã o é que el a s est eja m “er r a da s” [que n ã o c or r espon da m à r ea l i da de] m a s que n ã o há m uit o a se di z er sobr e el a s – esp eci fi ca m en t e, n ã o há m odo de “n a t ur a liz á -l a s” ou con ect á l a s de a l gum out r o m odo a o r est a n t e da in quir i ção, ou da cul t ur a, ou da vi da . 59 60 Idi be m, pp. 184 -185. Ibi de m, p. 308. 60 30 Pouco ant es de falecer, Rort y confessou ainda acr edit ar na maior ia das co isas que disse em Philosophy and the mirror of nature , mas via o livro co mo já dat ado devido a iniciat ivas análogas ma is recent es e melhor es ; segundo ele, a Part e I, sobre filoso fia da ment e, fo i superada pelo t rabalho cuidadoso de Danie l Dennet t , principalment e pelo livro The Intentional Stance [ A I nst ância I nt encio nal] (1989), e a Part e II, cont endo cr ít icas à epist emo logia, t er ia sido suplant ada pelo livro br ilhant ement e or iginal Unnatural Doubts [Dúvidas Não -Nat urais] (1996) , de Michael Williams 61. Port ant o, caso leit or deseje saber mais sobre os meandros da discussão, além do próprio Richard Rort y, esses livros são boas reco mendações. 4.3. O pragmatismo de Rort y e a questão da verd ade Rort y descreve sua filoso fia pragmat ist a co mo “ant ifundacio nalist a” [anti-f oundationalism], “ant iessencia list a” [ anti- essenti alism], e “ant irrepresent acio nalist a” [ anti- representationali sm ]. Para co mpreender o que ele quer dizer co m isso, é út il o ferecer suas co nt rapart es posit ivas: O fun da ci on a l i sm o a hi st ór i ca s (qua dr os fun da o c on h eci m en t o ext er i or es ou s obr e r ea l i da des t r an s cen den t ai s par a a c om un i da de ci en t í fi ca , o m un do da s i déi a s em Pl a t ã o, a ver a ci da de di vi n a em Desca r t es, o t er cei r o m un do em Popp er , o espí r i t o objet i vo em Heg el , e t c . ). O ess en ci a l i sm o é , r el a t i va m en t e a o fun da ci on a l i sm o, um m od o d e p en sa m en t o que c on sol i da a ver da de n a defi n i çã o da s e ss ên ci a s, da s for m a s in t el ec t ua i s [a o g ost o d e Ar i st ót el es]. O r epr esen t a ci on i sm o r epousa a ver da de s obr e a r epr esen t a çã o e sust en t a que o objet o da ci ên ci a é r epr esen t ar em um “n í vel sup er i or ” , o n í vel da l i n gua gem ou d o pen sa m en t o, o qu e ser i a já da do em um “n í vel in fer i or ” , o n í vel da rea l i da de . 62 Rort y não aceit a as t rês noções; para ele, elas são, prime iro, resquíc ios da t radição plat ônica e, mais ampla ment e, resquício s de uma visão de mundo t eológica e, por isso, ele dese ja livrar-se delas a fim de est ender a secu lar ização da cult ura . Assim co mo os filó so fos moder nos e os iluminist as 61 RO RT Y, Ri ch a r d. In t el l ect ua l a ut obi ogr a ph y. In: AUXIE R, Ra n da l l E. & HA HN, Le wi s E dwi n . , p. 13 , 2011. 62 ME DOUX, Ir m a J. A. Ri ch ar d Ror t y: um pra gm at i sm o i con ocl a st a . In Re vi sta Re de sc r i ç õe s, ano I, Núme r o 3 . Cur i ti ba , n ot a de r oda pé n º. XXXVI, 2009. 31 pensaram a si mesmo s co mo separando a teo logia da ciência e secular izando a moral, Rort y pensa em seu própr io t rabalho co mo o ferecendo uma int erpret ação humana, por assim dizer, da ciência e da cult ur a – uma int erpret ação que não recorra mais às dicotomias filo só ficas t radicio nais, co mo as que separam Nat ureza e Cult ura, Objet ivo e Subjet ivo, Mundo e Linguagem, Fat o e Valor, de modo que possamo s ver ant es uma co nt inuidade que uma quebra e possamo s co locar nossas responsabilidades (de agir, just ificar ou mudar de crenças) sempre ent re nós (e não numa ent idade supra humana). I nspir ado nas narrat ivas oferecidas por Dewey e Heidegger sobre a hist ór ia da filo so fia 63, Rort y sugere que seu pro jet o não é out ro, senão o de co mplet ar o projet o do Iluminis mo (ou Esclareciment o, ou, na t radução inglesa, Enlightenment), nos t ermos colocados por Kant em “ Was i st Auf klärung ?” [O que é esclareciment o?] : t razer a humanidade de sua ado lescência para sua co mplet a mat ur idade, co locando a responsabili dade ent re nós humano s, onde ant es a co locávamos numa aut oridade alhe ia, co mo Deus ou a Realidade Objet iva 64. Assim descreve Robert Brando m o objet ivo de Rort y: A m a i or i déi a de Ror t y é qu e o pr óxi m o pa sso a di a n t e n o des en vol vi m en t o d e n ossa c om pr een sã o da s c oi s a s e d e n ós m esm os é fa z er c om a epi st em ol ogi a o qu e a pr i m eir a fa s e d o Il um i n i sm o [ou E s cl a r eci m en t o] fez c om a r el i gi ã o. An t es da pr i m eir a t ran sfor m a çã o, a cr edi t a va -se a m pl am en t e que prá t i ca s ess en ci a i s de a va l i ar a çõe s c om o boa s ou m á s, m el h or es ou pi or es, a s que va l em a pen a e a s que n ã o va l em a pena , depen dia m, par a sua pr ópr ia i nt el i gi bi l i da de, de ser em fun da da s n a a ut ori da de de um ti po esp eci a l de c oi sa : Deus. A n t es da segun da tr ansfor m a çã o [da qua l Ror t y é um d os a r t í fi ce s], a cr edi t a -se a m pl am en t e que pr á t i ca s ess en ci a i s de a va l i a r a fi rm a çõe s em pí r i ca s com o ver da dei ra s ou fa l sa s, m a i s ou m en os just i fi ca da s, d ot a da s ou n ã o d e cr edi bi l i da de r a ci on al , depen dem , pa r a sua pr ópr ia in t el i gibi l i da de, de ser em 63 Pa ra uma com pa r a çã o en tr e a s n arr at i va s de De we y e Hei degg er sobr e a h i st óri a da fi l os ofi a , v i de: RORT Y, Ri ch a r d. Super an do a tr a di çã o: Hei degg er e De we y. In: Conse q uê nc i as d o Pr ag mati s mo . Li s boa : In sti t ut o Pi a get , pp. 93 -117, 1982. 64 BRAN DOM, Rober t . In tr oduct i on . In: Ror ty and hi s Cr i ti c s (edi t ed by Rober t Br a n dom ). Oxfor d: Bl a ckwel l Publ i sh i n g, p. xi , 2000. 32 fun da da s n a a ut or i da de de um ti po esp eci a l de coi sa : a r ea l i da de objet i va . Ror t y a ch a que, a ssi m com o a pr endem os a en t en der a va l i a ções m or a i s em t erm os de r el a ç õe s en t r e h um an os, sem pr eci sa r r ecor r er a n enh um ti po d e a ut or i da de a l ém da m a n i fest a da nas pr át i ca s soci a i s, t a m bém de vem os a pr en der a en t en der a va l i a ções c ogn i t i va s em t er m os de r el a çõe s e n tr e h uman os, sem pr eci sa r r ecor r er a qua l quer m an i fest a da na s pr á ti ca s soci a i s. sor t e de a ut or i da de a l ém da 65 Nesse sent ido, o projet o de Rort y t alvez t ambém possa ser descr it o co mo dando Entzäuberung cont inuidade der Welt ” àquilo [o que Max desencant ament o Weber do chamou mundo ]. É de “Die sugest iva afir mação de Rort y de que o “ant irrepresent acio nalismo é a cont inuação do at eísmo por outros meio s” 66. Rort y concorda int eirament e co m Hilar y P ut nam quando est e diz que (. . . ) di z er que a ver da de é “a c or r espon dên ci a c om a r ea l i da de” n ã o é fa l so, m a s si m va z i o, a t é qu e s e de fi n a o qu e vem a s er “c or r espon dên ci a ” . Se a “c or r espon dê n ci a ” for com pl et a m en t e i n depen dent e d os m od os c om o c on fi r m a m os [ ou ju st i fi ca m os] a s a sser ç õe s que fa z em os (de for m a que se c on ce ba a possi bi l i da de d e que a qui l o que é ver da dei r o é c om pl et a m en t e di fer en t e da qui l o qu e n ós ga r ant i m os a o t om á -l a s c om o ver da dei r as, n ã o a pen a s em a l gun s ca s os, m a s em t od os os ca s os), en t ã o a “ c or r espon dên ci a ” é ocul t a , e n os sa sup ost a c om pr een sã o t a m bém é ocul t a . [Wi l l i a m ] 65 Ibi de m, pp. xi -xi i . No or i gi na l , “Ror t y’s bi ggest i dea i s tha t th e n ext pr ogr essi ve st ep i n t h e devel opm en t of our un der st an din g of t h i n s a n d our sel ves i s t o d o for epi st em ol og y wh a t th e fi r st pha se of t h e E n l i ght en m en t di d for r el i gi on. Be for e t h e fi r st t ran sfor m a ti on , i t wa s wi d el y bel i e ved t h a t essen t i a l pr a ct i ces of a ss essi n g a ct i o n s a s good or ba d, bet t er or wor se, wor t h y or un wor th y d epen ded for th eir ver y i n t el l i gi bi l i t y on bei n g gr oun ded in t h e a uth ori t y of a spe ci a l ki n d of t h in g: God. In a dva n ce of t h e se c on d t ran sfor m a t i on, it i s wi del y bel i e ved t h a t essen t i a l pr a ct i ces of a s ses si n g em pi ri ca l cl a i m s a s t r ue or fa l se, m or e or l ess ju st i fi ed, r a ti on a ll y cr edi bl e or n ot , depen d for th ei r ver y i n t el l i gi bi l i t y on bei n g gr oun ded in th e a uth or i t y of a spe ci a l ki n d of t h i n g: obje ct i ve r ea l i t y. Ror t y t h in s t ha t just a s we h a ve l ea rn ed t o un der st an d m or al a sse ssm en t s i n t er m s of r el a t i on s a m on g h uman s wi t h out n eedi n g t o a ppea l t o an y s or t of a ut h or it y a pa r t fr om tha t m an i fest ed i n soci a l pr a ct i ces, so we sh oul d l ea rn t o un derst a n d cogn i t i ve a sse ssm en t s i n t er m s of r el a t i on s am on g h uman s, wi t h out n eedi n g t o a ppea l t o a n y s or t of a ut h or i t y a pa r t fr om th a t m an i fest ed i n soci a l pr a ct i ces. ” . 66 RO RT Y, Ri ch a r d. Repl y t o Ri ch a r d A. Posn er . In: AUXIE R, Ra n da ll E. & HAHN, Le wi s E dwi n . , p. 444, 2011. 33 Ja m es a cr edi t a va que a ver da de de ve ser de t a l m an eir a que se ja pos sí vel di z er com o c om pr een dê -l a . 67 Acho import ant e not ar nessa passagem que a noção de verdade e a de just ificação est ão est reit ament e ligadas, de um modo que é difícil perceber uma front eir a nít ida ent re ambas. Muit o , t alvez t udo, do que podemos fazer para avaliar a verdade de uma afir mação é bus car just ificações. Co mparemo s essa cit ação de Put nam co m a seguint e consider ação feit a por Rort y: Os pr a gm a ti st a s pen sa m que se a l g o n ã o fa z di fer en ça n a pr át i ca , en t ã o nã o de ve fa z er di fer en ça pa ra a fi l os ofi a . E ssa con vi cçã o fa z c om que el e s susp ei t em da di st in çã o en tr e just i fi ca çã o e ver da de, poi s essa di fer en ça n ã o t em ut il i da de para minha s deci s ões s obr e o que fa z er . Se t i ver dúvi da s c on cr et a s, esp e cí fi ca s, a cer ca da ver da de de um a de m inh a s cr en ça s, eu pos s o r es ol vê -l a s, per gunt an do a pen a s se essa cr e n ça en con t r a-se a d equa da m en t e just i fi ca da – bus ca n do e a ces sa n do r az ões a d i ci on a i s a fa vor e c on tr a . E u n ã o poss o i gn or ar a just i fi ca çã o e r est r in gi r minh a a t en çã o à ver da de: o a ce ss o à ver da de e o a c ess o à just i fi ca çã o sã o, qua n do a quest ã o é s obr e o qu e d e vo a cr edi t a r a gora , a m esm a a t i vi da de. Se, por out r o l a do, minh a s dúvi da s são ger a i s e a bst r a t a s c om o a s de De sca r t es, ou s eja , dúvi da s t a i s que n ã o poss o fa z er n a da para r esol vê-l a s, el a s de vem s er a ba n don a da s, com o di z Pei r ce, c om o “ fa n t a si a s”. A fi l os ofi a de ve i gn or á-l a s. 68 Segundo Rort y, isso sugere aos pragmat ist as que, embora haja muit o a ser dit o sobre a just ificação de vár io s t ipos de crença, há pouco a ser dit o acerca da verdade. No ent ant o, o que há para ser dit o sobre a just ificação é lo cal, mais do que glo bal ou universal: coisas bast ant e diferent es, desconexas, t êm de ser dit as sobre a just ificação, por exemp lo, na mat emát ica, na prát ica jur ídica, na ast rologia. Por isso, t alvez os filóso fos não seja m os mais indicados para falar sobre isso. 69 67 P UT NAM, Hi l a r y. A p er m an ên ci a de Wi l l i am Ja m es. In: CO G NITIO -ESTUDO S: Re vi sta El e tr ôni c a de Fi l os ofi a, vol ume 7, núme r o 2 . Sã o Pa ul o, p. 213 -214, 2010. 68 RO RT Y, Ri ch a r d. Ser á que a ver da de é um obj et i vo da i n vest i ga çã o? D on a l d Da vi ds on v e rsus Cr i spin Wr i ght . In: Ve r dade e pr ogr e sso. Ba r uer i, SP: Man ol e , pp. 3 -4, 2005. 69 Ibi de m, p. 4 (n ot a de r oda pé n º. 2). 34 Um dos t ext o s no qual Rort y mais det alhou suas impressões so bre o t ema da verdade chama - se Pragmatism, Davidson and the t rut h [Pragmat ismo, Davidson e a verdade], 1986. Nele, Rort y t ent a dizer que Davidson e Willia m James são ambos pragmat ist as , no sui generi s rort yano do t ermo, pois co mpart ilha m de quat ro t eses: (1) “verdadeiro” (ent re aspas, po is est amos fazendo menção à palavr a) não possui nenhum uso explicat ivo; (2) nós ent endemos t udo que há para saber sobre a relação ent re crenças e o mundo quando nós ent endemo s suas relações causais para co m est e; nosso conheciment o de co mo aplicar t er mos t ais co mo “acerca de” [about] e “verdadeiro” [true of ] é irradiado a part ir da avaliação “nat uralist a” de co mport ament os linguíst icos; (3) não há nenhuma r elação para a qua l possamo s at r ibuir à proposição “est ar tornando verdadeiro” [being made true], que se mant enha ent re as crenças e o mundo; (4) não há nenhum sent ido nos debat es ent re realis mo e ant irrealis mo , po is t ais debat es pressupõem a ideia vazia de crenças “s endo t ornadas verdadeiras” [being made t rue], i. e., o debat e sobre quais áreas da cult ura possuem “quest ões de fat o” [matters of f act] (quest ões que podem ser decididas objet ivament e por corresponderem a um fat o – ét ico, cient ífico, ou out ro) não t em sent ido, porque as próprias noções de “quest ão de fat o” e “correspondência” são vazias ou inút eis 70. O pragmat ismo rort yano, seguindo Davidson, não ofer ece nenhuma “t eor ia da verdade”; ao cont rário, ele busca t ornar a cr iação de t al t eoria algo impossíve l ou desnecessár io. É um dos objet ivo s do pragmat ist a dissolver o t radicio na l problema da verdade. Se há algo de “co nst rut ivo” que Rort y diz sobr e a “verdade” é, ao est ilo de Wit t genst ein, merament e a descrição dos usos mais import ant es do predicado “verdadeiro”. Assim, segundo ele, “verdadeiro” não t em uso explicat ivo, mas apenas: (1) um uso de endosso [an endorsing use], t al co mo “Concordo!”, “Isso!”, etc. ; (2) um uso acaut elado [cautionary use] e m 70 RORT Y, Ri ch a r d. Pr a gm a t i sm o, Da vi dson e a ver da de. In: O bje ti vi smo, r e l ati vi s mo e ve r dade (E s cr i t os fi l osófi c os, v. 1); t r a d. Mar co An t ôn i o Ca sa n ova . Ri o de Ja n ei r o: Rel um é-Dum a r á, pp. 175 -176, 1997 . E u, par t i cul ar m ent e, nã o gost o d essa t r a duçã o; h á pa ssa gen s m a l tr a duzi da s; é út il , por i sso, l er ou com pa r ar com o or i gi na l : RORT Y, Ri ch a r d. O bje c ti vi ty, Re l ati vi sm, and Tr ut h . Ca m br i dge: Ca m bri dge Un i ver si t y Pr es s, 1991. 35 obser vações co mo “Eu est ava just ificado em acr edit ar naquilo, ma s não era verdade”, que ser ve para nos lembrar que pode haver just ificações fut uras melhores que as que t o mamo s at ualment e para acredit ar em algo e que nossa just ificação, por melhor que nos pareça, não é garant ia de que as co isas vão andar bem se nós t oma r mos uma crença bem just ificada co mo uma “ r egra par a ação” (definição de Pe ir ce para “crença”) ; (3) um uso não -cit acio na l [disquotati onal use]: dizer frases met alinguíst icas do t ipo “ A neve é br anca” é verdadeiro, se, e so ment e se, a neve é branca, ou, mai s gener icament e, “S é verdadeiro se ____.”; port anto, “verdadeiro”, aqui, ser ve para co locar frases de uma linguagem em par alelo co m frases de outra linguagem ou simplesment e deixar de cit ar ( A frase “É verdade que a neve é branca.” é o mesmo que a neve é branca.). 71 Rort y não deseja negar que o mundo exist a; não deseja negar que há event os causalment e independent es da ment e humana e out ros event os que guardam conexão causal co m ela. E nt ret ant o, ele não vê co mo possamo s co mpreender algo que est eja par a além das descr ições humanas do mundo, algo como o mundo em si mesmo ; para Rort y, a visão que opõe linguagem humana t ransit ór ia e mundo verdadeiro perene é co nsequência de mais uma var iação do Deus cuja mort e Niet zsche no s anunc iou: Pr eci sa m os fa z er um a di stin çã o en t r e a a fi r ma çã o de que o m un do est á da do e a d e qu e a ver da de est á da da . Di z er que o m un do exi st e, que n ã o é um a cri a çã o n ossa , equi va l e a di z er , com bom s en so, qu e a m a i ori a da s coi sa s n o espa ç o e n o t em po é e fei t o d e ca usa s qu e n ã o in cl uem os est a dos m en t a i s h um an os. Di z er que a ver da de n ã o est á da da é si m pl esm en t e di z er que, on de n ã o há fr a ses, nã o h á ver da de, que a s fr a ses sã o c om pon en t es da s l ín gua s h um ana s, e que a s l ín gua s h um an a s sã o cr ia ções h um ana s. A ver da de nã o pod e est a r da da – nã o pod e exi st i r i n depen dent em en t e da m ent e h um ana – por que as fr a ses n ã o pode m exi st i r dessa m a n ei ra , ou e st a r a í. O m un do exi st e, m a s n ã o a s des cr i ções d o m un do. Só a s d es cr i ções d o m un do podem ser 71 RO RT Y, R. , p. 175, 1997. 36 ver da dei ra s ou fa l sa s. O m un do em si – sem o a uxí l i o da s a t i vi da des des cr i t i va s dos s er es h uman os – n ã o pode sê-l o. A suge st ã o d e qu e a ver da de exi st e, a ssi m c om o o m un do, é l ega d o de um a er a em que o m un do er a vi st o c om o a cr i a çã o d e um ser que t inh a um a lin gua gem pr ópr i a. Se d ei xa r m os de t e n tar com pr een der a i déi a dessa l i n gua gem n ã o h um an a, n ã o fi c a r em os t en t a dos a c on fun dir o ch a vã o d e qu e o m un do pod e fa z er c om qu e s e just i fi que a cr edi t a r m os que um a fr a se é ver da dei r a com a a fi rm a çã o de que o m un do se di vi de, por i n i ci at i va pr ópri a , em peda ços em for m a de fr a ses, ch a ma dos “ fa t os” . Se, por ém , a pess oa s e a ga rr ar à i déi a de fa t os que su bsi st em por el es m e sm os, ser á fá ci l com e ça r a gr a far com m a i úscul a a pa l a vra “ver da de” e a t ra t á -la com o a l g o i dên t i co a Deus, ou a o m un do c om o pr oj et o di vi n o. Ent ã o se di r á, por exem pl o, q ue a Ver da de é gr an di osa e pr eva l ec er á . 72 72 RO RT Y, R. C onti ngê nc i a, i r oni a e sol i dar i e dade . Sã o Pa ul o: E di t or a Mar tin s, pp. 28 29, 2007. 37 5. Q u est ões d e t eo ri a d o d i rei t o: o q u e Ri ch a rd Ro rt y t em a d i ze r sob re i sso? At é agora, est a monografia est á fart ament e recheada de filo so fia. Se m dúvida meus le it ores (t eóricos do direit o ou int eressad os nisso) devem est ar se pergunt ando “Onde est á o direit o ?”. Nest e capít ulo, passar ei a t rat ar disso. No ent ant o, alguns insat isfeit o s co m a injust a proporção do s assunt o s pode m me indagar: “É sobr e dir eit o ou filo so fia?”. A explicação é óbvia: se pret endo int roduzir um filó so fo para t eóricos do direit o, é claro que t erei de det er muit o do meu t empo e espaço na apresent ação desse filó so fo ( leve mos e m cont a que não se t rat a, per se, de um filósofo do direit o) ; além disso, presumo que meus leit ores t êm ma is familiar idade co m t eoria do dir eit o do que co m filo so fia, out ra razão para a desproporção ent re os dois assunt os . Nest e cap ít ulo, t ent arei apresent ar o que poder íamos chamar de a “filo so fia do direit o” de Richard Rort y, ou seja, a lgumas das posições que ele assume (ou assumir ia) frent e a cert os problemas da t eoria e filoso fia do direit o. Na conc lusão, t rat arei apenas de sist emat izar est e capít ulo, at endendo a um dos pr incipais o bjet ivos da mo nografia – que é “mapear ” algumas das opiniões jur ídico - filosó ficas do aut or. Esse “mapeament o” não é, nem pode ser, exaust ivo, porque podemos t ent ar pensar so bre o que Rort y (ou Ar ist ót eles ou Hume) dir ia de qualquer problema co nt emporâneo – e, inc lusive, de problemas passados e fut uros; enquant o houver quest ões a sere m pensadas, haverá a possibilidade de imaginar mo s que co nt ribuição um pensador int eressant e poder ia t razer para lidar mos co m e las. Para bem ou para o mal, nest a part e minhas co nsiderações se mist uram co m as de Richard Rort y, pr incipalment e quando pret endo fa lar das suas posições jusfilo só ficas implí citas, de mo do que não há uma nít ida front eir a ent re o que eu digo e o que Rort y diz – a não ser, obviament e, quando o cit o diret ament e sobre um assunt o jusfilo s ófico so bre o qual ele t o mou uma posição explíc it a. 38 5.1. Pragmatismo e o p rob lema do Con ceito do Di reito Quero começar por um problema t radicio nal que julgo est ar na raiz de muit os out ros na filoso fia do direit o : a quest ão do conceit o do direit o e a met afilo so fia a ela relacio nada. E m seu t empo, Kant ironizou dizendo que os jur ist as ainda procuravam a definição para seu conceit o do direit o – e ainda ho je essa afir mação parece válida 73. Muit os jur ist as parece m acredit ar que lida m co m um o bjet o de conheciment o específico, ont ologicament e caract er íst ico, um fenô meno present e em todas as sociedades humanas; daí o brocardo lat ino ubi societ as, ibi jus. Afinal, o que é o dire it o? O que faz co m que fale mos, em t odas as épocas e lugares , de um fenô meno jur ídico ? Quid sit ius? Ist o é, qual o sent ido univer sal do direit o? “A definição do Dir eit o”, nos diz Miguel Reale, “só pode ser obra da Filo so fia do Dir eit o” 74, já que o “filó so fo do Direit o indaga dos princípi os [ou fundament os] lógicos, ét icos e hist ór ico -cult urais do Direit o” 75. Segundo ele, “E xist e, indiscut ivelment e, ao lo ngo do t empo, um fenô meno jur ídico que se vem desenro lando” 76. Par a alemão Gust av Radbruch, por exemplo , o conceit o do direit o t em uma nat ureza apr ior íst ica, co mpreendida apenas at ravés da dedução 77. També m Lour ival Vilano va co mpart ilha dessa recusa ao mét odo indut ivo para obt er o conceit o do dire it o 78 e sust ent a que “esse conceit o há de ser uno e univer sal, a fim de, co m sua ident idade, outorgar unidade sist e mát ica ao conheciment o jur ídico.” 79; para ele, “o carát er t ranscendent al do conceit o do direit o requer um fundament o objet ivo” (...), “a epist emologia jur ídica exige uma ont ologia 73 Vi de : PE RE I RA, Al oí si o F er r a z. O di r ei to c omo c i ê nc i a . Sã o Pa ul o: E d. Re vi st a d os T ri bun a i s, p. 46, 1980: “ Há um escâ n da l o que, n o est ud o d o di r ei t o ou de sua fi l o s ofi a , bem depr es sa s e pa t en t ei a , quer a o ol h ar do pr i n ci pi ant e, quer à cr í t i ca c om pa r at i va de quem s e ex er ce h a bi t ua l m en t e n uma ci ên ci a qua l quer : o de n ã o h a ver um a de fi n i çã o un i ver sa l m en t e vá l i da do di r ei t o. Um a fr a se d e Ka n t r esum i u o fa t o em i r on i a que s e t or n ou pr over bi a l : ‘ Noch such en di e Jur i st en ei n e D e fi n i t i on z u ihr em Begr i ffe vom Rech t ’” [Os jur i st a s a in da pr ocur a m uma defi n i çã o pa r a o seu c on cei t o de di r ei t o]. 74 RE A LE , Mi guel . Li ç õe s Pr e l i mi nar e s de Di r e i to . Sã o Pa ul o: E di t or a Sa r ai va , p. 14, 2001. 75 Ibi de m, p. 15. 76 Ibi de m, p. 13. 77 RAD BRUC H, Gu st a v. I ntr od uc c i ón a La Fi l os ofí a De l De r e c ho . M éxi c o: FCE , p. 46, 1951. 78 VILANO VA, L our i va l . Sobr e o C on cei t o do Di r ei t o. In: Esc r i tos J ur í di c os e Fi l os ófi c os, vol ume 1 . Sã o Pa ul o: E di t or a AXIS MVNDI I B E , p. 69, 2003. 79 Ibi de m, p. 45. 39 jur ídica” 80, po is “Se o direit o é o bjet o [de conheciment o], t em, necessar iament e, sua consist ência própria, suas car act er íst icas essencia is, cujo conjunt o for ma uma unidade necessár ia” 81. O jusfiló so fo inglês Her bert Hart afir ma: “Apesar das muit as var iações em cult uras diferent es e em t empos difer ent es, essa inst it uição [o dir eit o] assumiu sempre a mesma for ma ger al e t eve a mesma est rut ura (...)” 82. Alé m desses, t ambém Jean Bodin, T ho ma s Hobbes, Georg Fr iedr ich P ucht a, P ierre- Joseph Proudhon, Edmo nd P icard, e Art hur Schopenhauer pr eocuparam-se, em alguma med ida, co m o problema do conceit o do direit o e o fer ecera m definições 83; igualme nt e, podemos cit ar Hegel, Kant , o neokant ist a de Mar burgo Rudo lf St ammler e, mais recent e ment e, Art hur Kaufmann 84. Noberto Bobbio 85, Robert Alexy 86 e at é o famo so jornalist a e empr esár io Assis Chat eaubr iand 87 escreveram sobre o problema do conceit o do direit o. O cult uado Hans Kelsen, junt o com Hebert Hart , t alvez seja o t eórico do direit o que empreendeu o esforço mais influent e (que chamou de “T eor ia Pur a do Direit o”) para responder à pergunt a “ Quid sit ius?” 88. O quantum minimum [a unidade básica e caract er íst ica] do rea l 80 Ibi de m, p. 73. Ide m. 82 HA RT , H. L. A. O c onc e i to de di r e i to. Sã o Pa u l o: E di t or a WMF Ma r t in s Fon t es, p. 309, 2009. 83 PICARD, E dm on d. O Di re i to P ur o. Ba r cel on a : E di t or i al Iber o -a m er i ca na , p. 20, 1932. 84 KA UFMA NN, Ar th ur . Fi l osofi a d o Di r e i to. Li s boa : Fun da çã o Ca l oust e Gul ben ki an , pp. 202-203, 2004. Ka ufm a nn t am bém ci t a os c on cei t os d o di r ei t o ofer eci d os p or Ol i ver Wen del l Hol m es e Ma x We ber ; en tr et an t o, n esses a ut or es, ess e s c on cei t os sã o ad hoc e n ã o sã o a pr es en t a dos c om o i n t ui t o de r esp on der à quest ã o “ Qui d si t i us ?” . Nã o h á pr obl em a a l gum com ess e t i po de de fi n i çã o, expl i ci t a m ent e t a ut ol ógi ca . 85 BO BBIO, N ober t o. Te or i a d o or de na me nt o j ur í di c o . Tr a d. Mari a Cel est e C. J. Sa n t os. Br a sí l i a : E di t or a Un i ver si da de de Br a sí l i a, 6º ed. , p. 28, 1995: “(. . . ) o que c om um en t e ch a m am os d e Di r ei t o é m a i s um a ca r a ct er í st i ca de cer t os or den a m ent os n or m a t i vos qu e d e cer t a s n orm a s. Se a cei t a r m os essa t es e, o pr obl em a da defi n i çã o do Di r ei t o se t or n a um pr obl em a da de fi n i çã o d e um or den a m en t o n or ma t i vo e, c on seqü en t em en t e, di fer en ci a çã o en tr e est e t i p o d e or den a m en t o n orm a ti vo e um out r o, n ã o o de d e fi n i çã o d e um t i po de n or ma s. ” 86 ALE XY, Rober t . On th e Con cept a n d t h e Nat ur e of La w. Rati o J ur i s. V ol . N o. 3, Se pte mbe r , pp. 281-299, 2008. 87 CHAT E A UBRIA ND, Assi s. I I - C onc e i to do Di r e i to, t ese pu bl i ca da em 1915. (Di sser t a çã o pa r a c on cur so d e Fi l os ofi a d o D i r ei t o e Di r ei t o Rom a n o, na Fa cul da de Jur í di ca do Re ci fe – i m pr en sa ofi ci a l Pa r aí ba do Nor t e, 1915) . 88 KE LSE N, Ha n s. Te or i a P ur a d o Di r e i to. T ra d. Joã o Ba pt i st a Ma ch a do. 6º ed. Sã o Pa ul o: Ma r t in s Fon t es, p. 1, 1998: “Com o t e or i a, [a T eor i a Pura do Di r ei t o] quer ún i ca e excl usi va m en t e c on h ecer o seu pr ópr i o obj et o. Pr ocur a r espon der a est a quest ã o: o que é e c om o é o Di r ei t o? (. . . ) Quan do a si p r ópr i a desi gn a com o “pur a ” t eor i a do Di r ei t o, i st o si gn i fi ca que el a se pr op õe ga r an t ir um conh eci m en t o a pen a s di ri gi do a o Di r ei t o e ex cl ui r 81 40 jur ídico, para o posit ivis mo nor mat ivist a, na linha de Kelsen, é a “nor ma jur ídica”; para Savigny e Pont es de Miranda é a “r elação jur ídica”; par a Torquat o Cast ro é a “sit uação jur ídica”; para Lour ival Vilano va, simplesment e a “nor ma” . 89 Todos esses filó so fos parecem est ar bem pró ximo s (u ns mais, out ros menos) de co mpreender a Filo so fia (co m “F” maiúsculo) co mo a compreende Miguel Reale, dando -nos um bo m exemp lo da post ura filo só fica t radicio nal : A Fi l os ofi a r efl et e n o m a i s a l t o gr a u essa pa i xã o da ver da de, o a m or pel a ver da de qu e s e qu er con h eci da s em pr e c om m a i or per fei çã o (. . . ). A Fi l osofi a (. . . ) t en de a nã o se c on t en tar com um a r espost a , en quan t o est a n ã o a t in ja a e ssê nc i a, a razão úl t i ma de um da do “ ca m p o” de pr obl em a s. (. .. ) [gr i fei ] A Fi l os ofi a (. . . ) pr ocur a sem pr e r espost a a pe r gun t a s suc es si va s , objet i va n do a t i n gir, por vi a s di ver sa s, cer t a s ver da des ger a i s, qu e põem a n eces si da de de out r a s: da í o i m pul so i n el ut á vel e n un ca pl en a m en t e sa t i sfei t o d e p en et r ar, de ca m a da em ca m a da , na ór bi t a da r ea li da de (. .. ). (.. . ) quan do a t in gi m os u m a ve r da de que n os dá a r az ã o de ser de t od o um si st em a pa r t i cul ar de c on h eci m en t o, e ver i fi ca m os a i m pos si bi l i da de de r eduz i r t a l ver da de a out r a s ver da des m a i s si m pl es (. . . ), diz em os que a t i n gi m os um pri nc í pi o, ou um pre ssupost o . 90 Nessas passagens, Reale se co mpro met e com aquelas t rês noções acima definidas e por Rort y t ão cr it icadas : o fundacio nalis mo, o essencialis mo e o represent acio nalis mo. Esse últ imo apar ece so b a met áfora falo cênt r ica do “penet rar, de camada em cama, na órbit a da realidade”. Sua co ncepção plat ônica dos problemas filo só ficos fica ainda mais explícit a quando diz que A Fi l os ofi a é (. . . ) um a at i vi da de pe re ne do e spí r i t o di t a da pel o des ej o d e r en ova r -se s em pr e a uni v e rsal i dade de c e rt os probl e mas , em bor a (. . . ) a s di ver sa s si t ua ç õe s de l u ga r e t em p o p ossa m dest e c on h eci m en t o t ud o qua n t o n ã o p er t en ça ao seu objet o, t ud o qua n t o n ã o s e p ossa , r i gor osa m en t e, det erm in ar com o Di r ei t o. ” 89 CAST RO J ÚNIO R, T or qua t o da Si l va . A pr agmáti c a das n ul i da de s e a te or i a d o at o jur í di c o i ne xi ste nte : r e fl e xõe s s obr e me táf or a e par adoxos da d og máti c a pr i vati s ta . Sã o Pa ul o: N oes es, p. 145, 2009. 90 RE ALE , Mi guel . Fi l os ofi a do Di r e i to. Sã o Pa ul o: E di t or a Sara i va , p. 5 -7, 1999. 41 c on di ci on ar a for m ul a çã o di ver sa de a n t i ga s pergun ta s (. .. ). (. .. ) a s per gunt a s for m ul a da s por Pl a t ã o ou Ar i st ót el es, Des ca r t es ou Ka n t , não per dem sua a t ua l i da de, vi st o p ossuí r e m um si gni f i c ado uni v e rsal , que ul t rapassa os hori zont e s do s c i c l os hi st óri c os . 91 [gr i fei ] Ora, bast a lembrar mo s que Rort y define -se co mo um ant ifundacio nalist a, um ant iessenc ialist a e um ant irrepr esent acio nalist a, para perceber o quão oposto ele se encont ra em relação a Reale e seus co legas. Para Rort y, diferent e de para Rea le, os problemas da filo so fia (e, por conseguint e, t ambém os proble mas da filo so fia do direit o) são produtos de u m vocabulár io opcio nal e co nt ingent e e, port ant o, são proble mas igualment e cont ingent es ; ele não vê co mo um pro blema filo só fico poss a “ult rapassa[r] os hor izont es dos ciclos hist óricos” . Rort y, ao cont rár io de Reale, não t em nenhuma ut ilidade para noções fundacionalist as co mo “essência”, “razão últ ima” e “penet rar, de camada em camada, na órbit a da realidade ”. Enquant o Miguel Reale crê que a Filo so fia do Direito é uma “perquir ição per manent e e desint eressada das condições morais, lógicas e hist ór icas do fenô meno jur ídico e da Ciência do Dir eit o” 92, Richard Rort y não vê ut ilidade na ideia de “invest igação desint eressada”, po is seu pragmat ismo sugere que t odas as prát icas humanas acont ecem num co nt exto de int eresses humanos (e que a noção de “int er esse desint eressado ” é uma cont radi ctio in adj ecto). Rort y pensar ia que invest igações sobr e a nat ureza do direit o (enquant o supost o fenô meno unit ár io), inquir ições que se pr oponham a “penet rar” na “realidade jur ídica” e represent ar o dir eit o co mo ele realmente é, em oposição a co mo ele merament e aparenta ser, são t ent at ivas filosó ficas de sat isfazer anseio s por segurança, cert eza e est abilidade; t e nt at ivas de escapar da finit ude humana, fadadas ao fracasso ; vãs e inút eis, pois excessiva ment e gerais e se m repercussões prát icas. Por isso, Rort y não ver ia int eresse algum em reso lver o problema do conceit o do direit o, prefer indo, como lhe é car act er íst i co, t ent ar disso lvê- lo. Co mo ? 91 92 Ibi de m, p. 8. RE ALE , M. , p. 13, 2001. 42 De início, Rort y ficar ia feliz em concordar co m Tércio Sampaio Ferraz Jr. sobre a ansiedade dos jur ist as em t orno do problema do conceit o do direit o: “A possibilidade de se fornecer a essência do fenô meno confer e segurança ao est udo e à ação. Uma complexidade não reduzida a aspect os unifor mes e nucleares gera angúst ia, parece subt rair - nos o domínio do objet o”; uma angúst ia co mpart ilhada pelos t eóricos do dir eit o, já que “Os jur ist as sempre cuidam de co mpreender o dir eit o como u m fenô meno universal” 93. E m seguida, Rort y, co mo de cost ume diant e de um proble ma filo só fico, buscar ia quest ionar os t er mo s no qua l o problema fo i co locado e t ent ar ia o ferecer um no vo conjunt o de t er mos, nos quais o supost o quebra cabeça é insust ent ável. Assim, em pr ime iro lugar , ao cont rár io do que supõem os jur ist as, não est á claro que o dir eit o, seja o que for, seja ou possa ser um fenô meno universal, caract er íst ico de todas as sociedades humanas. A afir mação de t a l universalidade relat iva a um fenô meno e mpír ico não pode ser just ificada pela ver ificação de casos part iculares, porque pode haver uma mar gem desco nhecida de casos passados fals ific adores e, além disso, a margem de casos fut uros, falsificadores e confir madores, é pot encialment e infinit a. Bast a u m único caso fals ificador para negar um “univer sal posit ivo ” (nesse caso, a afir mação de que “Toda sociedade co nt ém direit o [ fenô meno jur ídico]” ). A quest ão apresent a t ípicos problemas de just ificação da inferência indut iva , que facilment e podem ser est end idos ao problema do conceit o do direit o quando pergunt amos co mo ver ificar o conceit o apresent ado . Na t ent at iva de cont ornar essas dificuldades insuperáveis, os jur ist as podem alegar que o conceit o do direit o não é acessível por generalização de casos indiv iduais, pois é fundado a priori. I st o é, o conceit o do dir eit o é necessár io e univer sal, sem possíveis casos de exceção ; sua verdade pode ser conhecida sem recur so à exper iência. Se “necessár io” e “universal” aqui não querem dizer algo semelhant e ao que qu erem dizer os físicos sobre le is nat urais, po is esse gênero de afir mação é explicit ament e feit a por recurso à exper iência e, no 93 FE RRA Z J ÚNIO R, T ér ci o. I ntr od uç ã o a o e stud o d o di r e i to: té c ni c a, de c i são, domi naç ã o. Sã o Pa ul o: E di t or a At la s, p. 34 , 2007 . 43 limit e, é hipot ét ico , ent ão é difíc il não pensar o a priori co mo algu ma necess idade lógica, dependent e t ão soment e do significad o dos t ermos envo lvidos. Desse modo , uma vez que o a priori e necessár io t enham sido associados à analit ic idade, e possamo s dizer que o conceit o do direit o det er mina o significado do direit o e, assim, sua ext ensão, de maneira que possamo s dizer que, sendo X o conceit o do dir eit o, o enunciado “Direit o é X” é uma proposição analít ica , ent ão encont raremos as cr ít icas de Quine (apresent adas brevement e no capít ulo 2) à dist inção analít ico -sint ét ico (e ao dualismo linguagem- fat o) e, se seguir mos sua descr ição ho l íst ica da for mação da crença, concluiremos que nenhum enunciado é imune à revisão. E m segundo lugar, os jur ist as muit as vezes par ecem acredit ar que, se tivessem o conceito do direito , poder iam ident ificar inequ ivocament e os chamados “fenô menos jur íd icos”, de mo do que não só poder ia m separar o “fenô meno (especificament e) jur ídico” morais, religio sos, econô micos, etc.), de out ros (digamo s, fenô menos mas t ambém ser iam capazes de invest igá- lo sist emat icament e – at ravés de uma “Ciência (especificament e) Jur ídica”. Porém, essa suposição é co nsist ent e? Definindo o conceit o do direit o, seremo s mesmo capazes de individualizar previa ment e t odos os casos reconhecíveis co mo “d ireit o”? Ora, co mo um conceit o pode ser vist o co mo uma regra de uso de uma expr essão, ent ão a q uest ão equivale ao problema da relação ent re enunciados gerais e part iculares , que ent re os jur ist as é a quest ão da ap licação das regras legais aos casos ind ividua is. Uma ho je desacredit ada t radição do pensament o jur ídico defende que isso é reso lvido de mo do purament e lógico, num silogis mo no qual há a subsunção do caso part icular à regra geral. E nt ret ant o, como o professor Gust avo Just nos lembr a, mesmo em t er mos est r it ament e lógicos, não podemos subsumir diret ament e o part icular no geral 94. O que pode mos fazer é subsumir o part icular no co njunt o de element os part iculares a que fazem referência os t ermos ger ais da previsão legal, a pr emissa maior. Por isso , ant es de 94 J UST , Gu st a vo. O Pr i n cí pi o da L ega l i da de Ad m in i str a t i va : o Pr obl em a da In t er pr et a çã o e os Id ea i s d o Di r ei t o Pú bl i c o. In: Pr i nc í pi o da l e gal i dade : da d og máti c a j ur í di c a à te or i a d o di r e i to (Or g. ). BRANDà O, Cl á udi o; CAVA LCANT I, Fr a n ci sco; A DE ODAT O, Joã o Ma ur í ci o. Ri o d e Ja n ei r o: For en se, p. 241 , 2009 . 44 subsumir, precisamos est abelecer o universo de element os a que faze m refer ência os t er mos da le i; e, para is so, é preciso int erpret ar. Nout ras palavras, ant es de subsumir, precisamo s saber pr eviament e quais são os element os part icular es a que faz referência a regra geral. Se esse con junt o for finit o, ent ão cont ando um a um co nheceremo s t odos os se us element os. Mas a definição do conceit o do direit o aplica -se a um co njunt o pot encialment e infinit o (o hor izont e at ual e possível dos supost os “fenô menos jur ídicos” caract er izados pela definição por cert as propriedades). Se houver consenso quant o a quais são os ele ment os part iculares que caem sob essas propr iedades ou consenso quant o ao modo de deduzir (ou produzir) t ais casos, ent ão poderemos deduzir t odos os element os pert encent es ao co njunt o dos fenô menos jur ídicos, po is poderemo s ident ificar os fenô men os que possue m t ais propr iedades definidas co mo const it uint es da “jur id icidade”. S e não houver esse co nsenso (e não há) 95, t eremos de apelar a no vas definiç ões ( ness e caso, para reco nhecer as propr iedades), e assim ad inf initum. Uma opção duvidosa para int erro mper esse regresso (present e no chamado “paradoxo da análise”) é apelar para a exist ência de um pont o autoevident e e indefiníve l, o “dado” ou uma inescapáve l “int uição”, endossando o ver ificacio nismo dos posit ivist as lógicos. Aqui, encont raremos as cr ít icas de Quine, Sellar s, Davidson e out ros, que já cit ei. E m t erceiro lugar, haja vist a a mult iplic idade de usos e cont ext os da palavra “dir eit o” 96 e expressões aná logas, desde o início possui pouquíssi mo crédit o o projet o de encont rar uma definição que unif ique t oda essa var iedade 95 E st ou a fi r m an do que os t er m os usa d os pa r a defi n i r o que é “di r ei t o” sã o el e s m esm os a m bí guos e va g os. Iss o é fa ci l m en t e n ot a do a o ol h ar par a a s defi n i ções pr op ost a s, que usa m n oç ões c om o “ von t a de l i vr e” (o que “ l i vr e” quer di z er ?), “l i ber da de” (o qu e “l i ber da de” quer diz er ?), “r egr a ” (que ti po de r egr a ?), “va l or es” (qu e va l or es?), “ ju st i ça ” (o qu e “ju st i ça ” quer di z er ?), “i n t er esse ger a l ” (o qu e é i ss o?), “ Suu m c ui que t ri bue re ” [da r a ca da um o que é seu] ( o que “ é s eu” si gn i fi ca ?), e t c . 96 Pa ra exem pl i fi ca r a va r i eda de de m odos d e us o da pa l a vr a “di r ei t o” , pen sem os n o que pod e s er en t en di do pel a s segui n t es expr e ss ões: “ di r ei t o c ost um ei r o” , “di r ei t o i n t ern a ci on al públ i c o” , “di r ei t o i n t ern a ci on a l pr i va do” , “di r eit o est a t a l ” , “dir ei t o a l t erna t i vo” , “di r ei t o subj et i v o” , “di r ei t o em pr esa r i a l ”, “di r ei t o n a t ur al ” , “dir ei t o d os t r i bun a i s”, “ci ên ci a d o di r ei t o” , “cul t ura do dir ei t o” , “ser ou est a r dir ei t o” , “vi da ou pr á t i ca do dir ei t o” , “t eor i a do di r ei t o” , “di r ei t o com um ” , “di r ei t o dos povos ou da s n a çõe s” , “di r ei t o de fa m í l i a ”, “di r ei t o pr i m i ti vo” , “di r ei t os h um an os” , et c. S e a l guém per gunt a r o que exa t a m en t e é o di re i t o , con si der a n do essa s va r i eda des, cer t a m ent e a ca ba r á t en do dor es de ca beça . 45 de casos part iculares ( muit os dos quais ambiguament e “jur ídicos”) e que, ainda, seja capaz de excluir t udo o mais (inclusive os casos ambiguament e “jur íd icos”). O mes mo pont o pode ser dit o sobr e “art e”, “ciência” e out ros t ermos ge nér icos que supost ament e designam uma unidade caract er íst ica present e em uma miscelânea de prát icas sociais do passado, present e e fut uro . E m quart o, já é t empo de pergunt ar: por que precisamos d’O Conceit o do Direit o ? Precisamo s mesmo ? Para quê? É t rivia l o fat o de que, a despeit o que qualquer definição do conceit o do direit o, as pessoas ( jur ist as ou não) , nos fóruns, em casa ou na praça, sabem usar e, co m alguma frequência e razoável segurança, de fat o usam palavras co mo “direit o”, “jur íd ico”, “just iça” e semelhant es – sem que sur ja o menor problema quant o às aplicações dessas expressões. Também falamos em “dir eit o processual”, “dir eit o civil”, etc., para nos refer ir mo s a um co njunt o de objet os individuais – sem que nor malment e t enhamo s de levant ar qualque r cont rovérsia. Por out ro lado, cont rast ando co m essa familiar idade asso mbrosa, proposições abst rat as e t eóricas, do t ipo “Direit o é um inst r ument o de dominação.”, “Dir eit o é poder.” e “Direit o é ordem. ”, etc., nos deixam bast ant e confusos e desco ncert ados quant o aos casos a que se refer em. Se em nossas prát icas ordinár ias, inclusive nas nossas prát icas jur ídicas, podemos sat isfat oriament e prescindir de um co nceit o univer sal do direit o, pois n ão precisamo s falar do “dir eit o em ger al” para a maior ia dos noss os propósit os, ent ão o problema do conceit o do direit o parece não t er relevância prát ica. E para pragmat ist as co mo Rort y e James, as discussões sem int eresse pr át ico t ambém não deve m possuir int eresse filo só fico 97. Desesperado, o t eórico do direit o poder ia replicar que definir o que é o dir eit o é import ant e para er ig ir uma “Ciência (especificament e) Jur ídica) ou, co mo disse Ke lsen, “uma t eoria jur ídica conscient e da sua especific idade porque conscient e da lega lidade específica do seu objet o.” 98. Ora, t ant o pior para a Kelsen e seus seguidores. Só porque alguns desejam cr iar uma t al t eoria, não quer dizer que, a pr inc ípio, essa seja 97 RO RT Y, Ri ch a r d . & E NGE L, P a sca l . Par a que se r ve a ve r dade ? Sã o Pa ul o: E di t ora UNE SP, pp. 54 -55, 2008. 98 KE LSE N, Ha n s. , p. VII , 1998. 46 uma t arefa possível ou út il; aliás, fica por explicar para que alguém gost ar ia de uma t eoria t ão abst rat a , senão para sat isfazer a nse ios cient ificist as 99. E m quint o lugar, já est á na hora de, inspir ados nas dúvidas de Wit t genst ein sobre o problema dos univer sais, nos pergunt ar mo s: deve mesmo haver algo em co mum a t udo aquilo a que chama mo s “d ir eit o”, algo que nossa ment e mist er io sament e ident ifica quando vê o objet o? Ou, co mo a pa lavra “jogo”, não exist e essa unidade at emporal em “dir eit o” e t udo o que t emos são usos e cont ext os var iados que apresent am cert as se melhanças grosseir as se m unidade? Por que, afina l, devemo s pressupor que “d ire it o” designa u m fenô meno univer sal específico, em vez de ser apenas uma palavra usada e m vár ios cont ext os, para vár io s propósit os dist int os? O jur ist a, ner voso, replica que o conceit o unit ár io do direit o é a regra necessár ia par a a aplicação da palavra “dir eit o”, uma regra que est á implícit a em nossas prát icas linguíst icas e é passível de ser desco bert a. E m sext o lugar, a réplica “rort yana” ser ia t ambém wit t genst einiana: por que precisamo s nos co mpro met er co m a exist ência de r egras est áveis por det rás de nossas prát icas linguíst icas? Pode coerent ement e haver a lgo assim? De que maneir a essas regras subjacent es guiar iam nossa condut a? Nós t eríamos “int er nalizado” t ais regras? Como saber ? Sem dúvida ser ia inút il abr ir a cabeça de alguém para o lhar dent ro. Sa ber íamo s que “int er nalizamo s” uma regra obser vando nosso comportament o ext erno? Mas um mesmo co mport ament o pode ser subsumido a uma infinidade de regr as! E, alé m do 99 Os s ei s si n a i s de ci en t i fi ci sm o, s egun do a pr agm a t i sta Susa n Ha a ck, sã o: (1) usa r a s pa l a vr a s “ci ên ci a ” , “ci en t í fi c o” , “ci en t i fi ca m e n t e” , “ci en t i st a ” , e tc ., h on or i fi ca m en t e, c om o t er m os g en ér i cos d e el ogi o epi st êm i c o; ( 2) a dot a r os m a n ei ri sm os, os a d or n os, a t er m in ol ogi a t écn i ca , e t c ., da s ci ên ci a s, i ndepen den t e de sua ut i l i da de; (3) um a pr eocupa çã o c om dem a r ca çã o, i st o é, c om de sen h ar um a linh a n ít i da en tr e ci ên ci a gen uín a, a coi sa r ea l , e i m post or e s “p seud oci en t í fi c os” ; (4) um a pr eocupa çã o c or r espon den t e c om a i den t i fi ca çã o d o “m ét od o ci en t í fi c o” , que s e pr e sum e expl i ca r c om o a s ci ên ci a s for a m t ã o bem -suc edi da s; (5) pr ocur ar na s ci ên ci a s por r espost a s a per gunt a s que est ã o a l ém de seu es c op o; (6) n egar ou den egr ir a l egi ti m i da de ou o va l or de out r os t i pos de i n vest i ga çã o a l ém da ci en t í fi ca , ou o va l or de a t i vi da d es h um a na s out r a s a l ém da in vest i ga çã o, c om o a poesi a e a a r t e. HAACK, Su sa n . Se i s si nai s de c i e nti fi c i smo . T r a d. E l i Vi eir a Ara újo-Jn r . 2012. Di spon í vel em : < ht t p: // www. l a w. m i a m i . edu/ fa ca dm in / pdf/ sh a a ck/ Sei s_Si n a i s_de_Ci en t i fi ci sm o. pd f > . Ac ess o em 23 de ja n ei r o de 2013. Re fer ên ci a or igi na l : Si x Si gns of Sc i e nti sm, LO GOS & E PIST E ME , III. 1, 2012: 75 -95. [Rom a n ia ] . 47 mais, de onde t er iam surgido t ais regras supost ament e subjacent es às nossas prát icas? Or a, co mo sabemo s que no ssa regra aclamada co mo recém desco bert a não é apenas uma racionalização e resumo útei s que fizemo s a posteriori de um co njunt o de prát icas linguíst icas individuais para propósit os predit ivo s ou pedagógicos ? Dever íamo s ficar cont ent es em admit ir, co m Wit t genst ein, que nada há por det rás de nossas pr át icas linguíst icas; por isso, post ular a exist ência de ent idades normat ivas ( vale salient ar, ent idades intensi onai s hipost asiadas, do t ipo cr it icado por Quine) que regem qualquer prát ica socia l implica mult iplicar ent idades desnecessar iament e, cont rar iando o bom senso met odológico da “navalha de Occa m”: entia non sunt multiplicanda praeter necessitat em . Port ant o, para Rort y, “direit o” não represent a uma “realidade jur ídica”, ont ologicament e dist int a, supost o objet o de uma epist emo logia especifica ment e jur ídica; “dir eit o” não represent a realidade alguma, porque palavras ou frases não devem ser vist as co mo represent ações de co isas, mas ant es co mo ma is inst rument os na caixa de ferrament a s humana para lidar co m o ambient e; “direit o” ser ia mais bem ent endido co mo uma palavra por nós aplicada numa grande var iedade de sit uações para fina lidades igualment e var iadas. Por isso, é absurda e inútil uma invest igação conceit ual gera l sobr e “o dir eit o”, um pro jet o infrut ífero que t em r ecebido no mes co mo “Teor ia Geral do Dir eit o”, “F iloso fia do Dir eit o” e “Ciência do Dir eit o”. É ilust rat ivo da t endência dos jur ist as a pensar que “direit o” é um fenô meno unit ár io o uso do “D” maiúsculo em “Direit o”, post ura que sugere a hipóst ase da palavr a “dir eit o”. Um jur ist a que aceit asse essas perspect ivas pragmat ist as não sent ir ia aquela angúst ia descr it a por Tércio Sampaio, po is não pensar ia que seu o bjet o de est udo é algo t ão amplo, vo lát il e indo mável; não pensar ia poder cr iar uma t eoria geral sobr e um t ópico t ão cheio de confusões. 100 100 Pa r a cr í ti ca s a n ál oga s à s m i n ha s sobr e o p r obl em a d o c on cei t o d o di r ei t o, v i de: G UE RRA- P UJ OL, F. E . The Par abl e of t he Ta x C ol l e c tor and t he Thi e f, O r the F uti l i ty of M i c he l Tr ope r ’s Phi l os ophy of Law. 2011. Di sp on í vel em < ht t p: // wor ks. bepr es s. c om / f_ e_gu er ra _pujol / 19 > . Aces s o em 23 de ja n ei r o de 2013. Agr a deço a o m eu or i en t a dor Gust a vo Just p or t er m e in di ca do ess e i n t er essa n t e ar t i go. 48 Ant es de passar par a a seção seguint e, eu quero regist rar que há vár io s t eóricos br asile iros do direit o que são cr ít icos da visão t radicio nal ou que, e m maior ou menor grau, co mpart ilham do prag mat is mo rort yano, co mo é o caso de Luis Albert o Warat , Gust avo Just , Nelso n Saldanha, Tércio Sampaio, Eduardo Ramalho Rabenhorst , Torquato Cast ro Júnior e João Maur ício Adeodat o. Event ualment e, t ambém eles grafam “dir eit o” co m “D” maiúscu lo ou falam co mo s e houvesse um fenô meno jur ídico gera l que pudesse ser individualizado co m t ais e t ais car act eríst icas. Mas vejo isso mais co mo resíduo do peso do víc io da t radição jusfilo só fica so bre os o mbros deles do que co mo uma grande divergência co m o pragmat ismo. 5.2. Pragmatismo, antiformalismo e deci são ju rídica Os prag mat ist as são, em mat ér ia jur ídica, necessar iament e ant ifor malist as. Não creem que a decisão jur ídica possa ser deduzida logicamente de pr incípios gerais ou de leis ou de uma analogia precisa ent re precedent es ou de relações conceit uais. Rort y est ar ia pront o a concordar co m Richard Posner quando esse diz: Nã o h á um con cei t o ca n ôn i co d e pr a gm at i sm o. De fi n o - o, pa r a c om e ça r , com o um a a bor da gem pr á t i ca e i nst r um en t a l, e n ã o ess en ci a l i st a : int er essa -se p or a qui l o que fun ci on a e é út i l , e nã o por a qui l o que “r ea l m en t e” é. Por t an t o, ol ha para f re nt e e va l or i z a a con t i n ui da de com o pa s sa do s om en t e n a medi da em que es sa c on t in ui da de seja ca pa z de a juda r -n os a l i dar com os pr o bl em a s d o pr esen t e e do fut ur o. (. . . ) Apl i ca do a o di r ei t o, o pra gm at i sm o tr a tar i a a deci sã o segun d o os pr ec eden t es (a d out r i n a conh eci da c om o “ st are de c i si s ” ) [a dout r i na for m a l i st a do di r ei t o a n gl o -a m er i ca n o] c om o u m a di r etr i z e n ã o com o um dever . 101 [O m esm o p oder í a m os di z er da dout rin a for m a l i st a exegét i ca n a tr a di çã o do di r ei t o r om ano -g er m ân i co. ]. Just , que foi dout or a n do de Mi ch el T r oper , n o en t an t o, r essa l va que s eu pr ofess or n ã o de fen de a s t es es un i ver sa l i st a s e in gên ua s que o a ut or atr i bui a Tr oper . 101 POSNE R, Ri ch ar d. Par a al é m do di r e i to. Sã o Pa ul o: E di t or a Mar t in s Fon t es, pp. 4 -5, 2009. 49 Para pragmat ist as, como Posner e Rort y, as leis (ou os precedent es, no caso anglo -amer icano) não vinculam juiz algum a uma det er minada decisão ; são, no máximo, di ret rizes, sugestões ou padrões de julgament o, que or ient am o juiz para que esse possa t omar uma boa decisão – mas nada garant e, em pr incípio, que boas decisões ser ão tomadas, a despeit o das me lhores leis e t eorias que possamos t er disponíveis. “Nossa hist ór ia, nossas t radições e nossos ant epassados não são nossos senhores, mas nossos inst rument os”, diz Posner 102. E quais as consequências desse ant ifor ma lismo ? Bar bar a Herrnst e in S mit h, t ão ant ifundacio nalist a quant o Rort y, nos dá uma t raz considerações esclarecedoras: Pod em os n ot a r , pri m eir o, cer t a s ca r a ct er í st i ca s si gn i fi ca t i va s d os juí z es n ã o-obj et i vi st a s [a n t i for m a l i st a s] pe r se . Um a de ve- se a que, já que p or de fi n i çã o el e s a cr edi t a m que qua l quer a va l i a çã o é um jul ga m en t o de va l or “a t é a s úl t i m a s c on sequê n ci a s” , ta i s juí z e s de vem a ssum i r r es pon sa bi l i da de i n di vi dua l por sua s deci s ões. Ou se ja , el e s de vem s er r espon sá vei s p el os c on t ex t os, per sp ect i va s e c on si der a çõe s pa r t i cul ar es em r el a çã o a os qua i s sua s de ci s ões sã o fei t a s. Iss o n ã o si gn i fi ca qu e t a i s c on si der a ções de va m ser ( ou, n a ver da de, possa m ser ) expl i ci t a m en t e descr i t a s. O que i ss o si gn i fi ca é que, pa ra o jui z ou juí z a n ã o -obj et i vi st a , um desa fi o c om r el a çã o a qua l quer um dess es n ã o p ode s er com pl a c en t em en t e des vi a do p el a a l ega çã o d e que sua de ci sã o foi ger a da pel a deduçã o pur a a par ti r de pr i n cí pi os objet i vos fun da m ent a dos n a n at ur ez a , h i st ór ia , fa t o ci en t í fi c o, es cr i t ur a ou r evel a çã o. Os juí z es e juí z a s nã o - objet i vi st a s n ã o podem i n si st ir que sua s pr ópr i as per spect i va s, t a i s c om o for m a da s pel a s sua s exp er i ên ci a s, a ssun çõe s, va l or es e objet i vos, n ã o t êm n enh uma r el a çã o c om sua s d e ci s õe s. Nem p od em i n si st ir que os c on t ext os pa r t i cul ar es – jur i sdi ções, s oci eda d es, cul t ur a s, m om en t os h i st ór i cos, e a s si m por di a n te –, n os qua i s sua s deci s ões sã o for m ul a da s, n ã o t i ver a m n enh um efei t o s obr e e ssa s deci s ões. Os juí z es e juí z a s nã o -obj et i vi st a s n ã o pr eci sa m e, se for em sufi ci en t em en t e a ut oc on sci en t es, n ã o i rã o n egar a oper a çã o e o e fei t o possi vel m en t e si gni fi ca t i vo de t od os ess es fa t or es n a for m a çã o da s deci s ões qu e em i t em . Os juí z es e juí z a s obj et i vi st a s [for m a l i st a s], n o en t an t o, os n ega m ; de fa t o, é pr eci sa m en t e a 102 Ibi de m, p. 16. 50 n ega çã o da oper a çã o de t a i s fa t or es c on t i n gen tes, pr eci sa m en t e a a l ega çã o da quel a t r an scen dên ci a , que defi n e um jui z ou juí z a – ou jul ga m en t o, ou just i fi ca çã o – c om o objet i vi st a . 103 S mit h cont inua dizendo que os juízes não -objet ivist as t êm recur sos explanat órios e just ificat ivos ext ensos e eficazes à sua disposição. Ao cont rár io do receio ou acusação comum, nem a aut oridade nem a força persuasór ia das decisões de uma juíza não -objet ivist a ser iam pr ejudicadas pelo fat o de que, ao just ificá - las, ela não invocou quaisquer “fundament os objet ivos”, mas so ment e ind icou as vár ias considerações co ndicio nais que pesar am nas decisõ es: o que ela consider ou, por exemplo, co mo os int eresses relevant es, as alt er nat ivas possíve is e os result ados prováveis; ou co mo ela ponderou e comparou t ais quest ões à luz da evidência hist ór ica e dos precedent es jur ídicos (co mo ela os int erpret a), int eresses e objet ivo s co munit ár io s ma is amplo s, e seus própr ios valores e crenças ger ais e exper iências ant er iores. Aliás, so ment e t ais considerações, ponderações e co mparações dos element os relevant es são, segundo S mit h, exat ament e o que as pessoas em geral querem dizer co m “t er boas razões” par a um ju ízo – a não ser, é claro, que t enham sido persuadidas de que as únicas razões que cont a m co mo “boas” são aquelas cert ificadament e deduzidas pela r azão pura co m base em pr incípios univer salment e válidos, t ranscendent alment e necessár io s. No últ imo caso, porém, deve mos nos pergunt a r se aqueles assim per suad idos alguma vez de fat o escutaram u ma “boa r azão” para um ju ízo e, inversa ment e, se o maior efeit o da ins ist ência em t ais cr it ér io s não fo i simplesment e sust ent ar a convicção da necessidade de uma cert a retórica objet ivist a. 104 Nada disso, diz S mit h, s ignifica que as decisões feit as pelos juízes e juízas não -objet ivist as serão sempre as melhor es possíveis – ou mesmo simplesment e boas – a part ir da perspect iva de t odos os envo lvidos. Não há, além disso, nenhuma maneir a de garant ir que t ais juízes e ju ízas ir ão sempr e 103 SMIT H, Ba r ba r a Her rn st ein . Cr e nç a e r e sistê nc i a: a di nâmi c a da c ontr ové r si a i nte l e c tual c onte mp or âne a . Tr a d. Mar ia El i sa Ma r chin i Sa yeg. Sã o Pa ul o: E di or a UNE SP, pp. 53 -54, 2002. Na ca pa d o l i vr o, h á um c om e n tár i o de Ror t y qu e é sug est i vo qua n t o a sua a pr ova çã o da s t es es da a ut or a : “As a n á l i ses que Sm i t h fa z da s r ecen t es c on tr ovér si a s sobr e a objet i vi da de sã o n ot a vel m en t e sut i s e ext r em am en t e út ei s. ”. 104 Ibi de m, pp. 54 -55. 51 est imar acuradament e os int eresses ou result ados relevant es, que as consequências judic iais de suas int erpret ações part iculares, valores gera is ou exper iências ant er iores irão most rar -se beneficent es, a lo ngo prazo, pela co munidade mais amp la. Mas essas incert ezas se aplicam igualment e bem às decisões de um juiz ou juíza que fazem alegações objet ivist as, decisões est as que, por mais que t ent em negar, são t ão cont ingent es em sua produção e operação quant o aquelas de qualquer out ro juiz ou juíza. 105 Para S mit h, bem co mo para Rort y, não há nenhum mét odo que possa gerar aut omat icament e bons julgament os judic iais. Também não há nenhu m que possa garant ir a sabedor ia e a sensibilidade de juízes e legis ladores. Nós – aqueles de nós que se import am co m t ais quest ões – podemos so ment e t ent ar melhorar as condições que t ornam mais provável que nossos juízes, juízas, legisladores e legis ladoras sejam infor mados e sensíve is, e que as le is e decisões que produzir em sejam boas para nós e para a co munidade em ger al. E so ment e podemo s fazê - lo pelo mo nit orament o e avaliação cont ínuos da eficácia das est rut uras inst it ucio nais pert inent es, seus processos e prát icas – ou seja, as t radições de t reinament o na área jur ídica, os processos de cert ificação profiss io nal, as le is que go vernam a cr iação de le is e os discur sos que sust ent a t udo isso, desde as opiniõ es jur ídicas canônicas at é as t eorias filo só ficas predo minant es a respeit o de juízo e just ificação – e pelo esforço de modificá- lo s de acordo. É imp ort ant e, segundo S mit h, reconhecer a significação política de t ais prát icas cr ít icas (e cruciais) cot idianas na profissão jur ídica – e das correspondent es de cr ít ica e at ivismo em out ras profissões, disciplinas e do mínios inst it ucio nais. 106 O que mais Rort y t em de int er essant e para nos dizer aqui, alé m dos pont os já ins ist idos pelo s chamados realist as jur ídicos cont ra os for malist as ? E le propõe que abandonemos o vocabulár io da “t radição plat ônica” ( o vocabulár io sobre nat ureza, essênc ia, realidade, Verdade, et c.) quando esse nos at rapalha; mas ele não quer suger ir uma “subjet ividade” da t omada de decisão jur ídica em cont rast e com a “objet ividade” do discur so cient ífico , 105 106 Ibi de m, p. 55. Ibi de m, p. 56. 52 pois Rort y não aceit a a dist inção subjet ivo -objet ivo ; ao cont rár io , para o seu pragmat ismo as discussões em dir eit o não est ão mais ou menos e m cont at o co m a realidade do que as discussões na ciência, na po lít ica e na art e. Se abando nar mo s a ideia de que a Lei é uma aut oridade em si mesma cuja vont ade e significado o juiz deve perquir ir objet ivam ent e, assim co mo se desist ir mo s, co m T ho mas Kuhn, da ideia de que a Nat ureza é uma aut oridade em si mesma cu jas leis e r ealidade os cient ist as devem descobr ir objet ivament e, ent ão poderemos pensar o t rabalho dos ju ízes e cient ist as co mo so lucio nando difere nt es pro blemas prát icos: os pr imeiros t ent a m reso lver conflit os ent re pessoas da me lho r maneira possíve l, cont ando co m a legislação, os precedent es e a prudência para ajudá - lo s; os segundos t ent a m explicar e prever fenô menos emp ír ico s da melhor for ma que p odem, recorrendo a modelos t eór ico - mat emát icos para ajudá - lo s. 107 Explic it ament e, Rort y diz que, nas disput as ent re advogados apresent ando razões de recursos, ambas as bancadas de jur ist as reivi ndicarão t er a autoridade “da lei ” do seu lado. Por out ro lado, t ambém podem ser co mparadas às bat alhas ent re duas t eorias cient íficas, ambas afir mando ser e m fieis à “natureza da realidade”. O po nt o de vist a de Robert Brando m, “discípulo ” dir et o 108 de Rort y, é que apelar para Deus, assim co mo apelar par a “a lei”, é sempre supér fluo, já que, enquant o houver desacordo sobre o que a supost a aut oridade diz, a ideia de “autoridade” não é pert inent e. É apenas quando a co munidade adot a uma fé em lugar de out ra, ou o tribunal decide e m favor de um lado em vez de out ro, ou a comun idade cient ífica em favor de uma t eoria cient ífica em det r iment o de out ra, que a ideia de “ autoridade ” se 107 Pa r a a vi sã o d e Ror t y s obr e a ci ên ci a , v i de: RO RT Y, Ri ch a r d. Ci ê nci a e nquanto sol i dari e dade e A ci ê nci a nat ural é um gê ne ro nat ural ? In: O bje ti vi smo, r e l ati vi smo e ve r dade : e sc r i tos fi l os ófi c os vol . 1 . Ri o d e Ja nei r o: E di t or a Rel um e -Dum a r á , pp. 55 -68 e pp. 69 -89, r espe ct i va m en t e, 1997. No pri m eir o a rt i go (pp. 39 -41), h á um a escl a r eced or a di scus sã o s obr e a a cusa çã o de “r el a t i vi sm o” fei t o c on t ra os pr a gm a t i sta s. Par a Ror t y, os pr a gm a ti st a s nã o c on c or da m com a ver sã o a ut or r efut a dor a do r el a t i vi sm o s egun do a qua l “t oda cr en ça é t ã o boa qua n t o qua l quer oura ” ; a vi sã o d o pr a gma t i st a, m er am en t e ne gadora , é a “de que n ã o há na da a ser di t o n em sobr e a ver da de, n em sobr e a r a ci on al i da de, pa ra al ém da s descr i ções d os pr ocedi m en t os fa m i l i ar es de ju st i fi ca çã o qu e um a da da soci eda de – a nossa – em pr ega em uma ou out r a ár ea de just i fi ca çã o” . 108 Rober t Br a n dom (1950 -) obt e ve s eu P. H. D. n a Un i ver si da de de Pr i n cet on s ob or i en t a çã o de Ri ch a r d Ror t y e Da vi d kel l og Le wi s. 53 torna aplicável. A assim chamada “autori dade” de qualquer out ra co isa alé m da co munidade (ou de alguma pessoa ou coisa ou cult ura especializada aut orizada pela co munidade para t omar decisões em seu no me) não pode passar de mais est ardalhaço. 109 Sobre o problema da separação ent re dir eit o, t eoria do direit o, po lít ica e moral, par a além do que já podemo s imaginar a part ir das posições de Rort y, ele diz explic it ament e: Com o juí z es e fi l ós ofos do di r ei t o pr a gm at i st a s n os t êm l em br a do [t a i s com o Ri ch a r d Posn er e T h om a s Gr ey], t en t a t i va s de est a bel e c er l i nha s cl a r a m en t e de fi n i da s en tr e l ei e m or a l i da de ou en tr e jur i spr udên ci a e pol í t i ca a l ca n ça m pouco suc ess o. A qu est ã o r efer en t e a se os juí z es d o Supr em o T r i buna l expl i ca m o que a l ei já é ou s e, em l uga r di sso, fa z em um a n ova l ei , é t ã o i n út il quan t o a quest ã o fi l os ófi ca s obr e s e a cr í t i ca l i t erár i a produz c on h eci m en t o ou opi n i ã o. Con t udo, r ec on h ecer a i n uti l i da de da pr im ei ra quest ã o n ã o fa z c om que ess es fi l ós ofos, ou o r est a n t e de n ós, va l or i z em , n em mais n em m en os, o i d ea l de um si st em a judi ci á r i o i n depen dent e e l i vr e. E i ss o t a m bém n ã o n os fa z m en os ca pa z es d e di st i n guir os bon s juí z es d os m a us (. . . ) . 110 Rort y, ainda, concorda co m T ho mas Grey que o pragmat ismo jur ídico ( inspirado em Ho lmes) é essencialment e banal ho je em dia, po is seu me lhor feit o é at ualment e um t ruísmo: direit o (decidir em quest ões jur ídicas) é mais uma quest ão de exper iência do que de lógica, e exper iência é a t radição int erpret ada co m um o lhar na coerência (o passado) e out ro na prudência [policy] 111 (o fut uro). O pragmat ismo é a t eor ia implíc it a na prát ica da maior ia dos bons jur ist as, de modo que sua força em muit o já fo i absorvida. 109 RO RT Y, Ri ch a r d. A pol í t i ca cul t ur a l e a quest ã o da exi st ên ci a d e D eus. In: Fi l os ofi a c omo p ol í ti c a c ul t ur al . T r a d. Joã o Ca r l os Pi jn a ppel . Sã o Pa ul o: Ma r t in s Fon t es, p. 28, 2009. 110 RO RT Y, Ri ch ar d. John Sea rl e s obr e o r ea l ism o e o r el a t i vi sm o . In: Ve r dade e Pr ogr e ss o. T r a d. Desi n e R. Sa l es. Ba r ueri , Sã o Pa ul o: Ma n ol e, pp. 72 -73, 2005 . 111 RO RT Y, Ri ch a r d. Th e ba n a l i t y of pr a gm a t i sm an d th e poet r y of ju st i c e . In: Phi l os op hy and S oc i al H ope . New Y or k: Pegui n Books, p. 93, 1999. 54 6. Conclu são: a “fi losofi a do direito” de Richard Rorty Para concluir, pret endo, como promet ido , sist emat izar as opiniõ es de Rort y (ou as que at ribuí a ele) sobre algumas quest ões cent rais para os t eóricos e filó so fos do direit o, posições que apresent ei (umas mai s det alhadas, out ras menos) no capít ulo 5. Torno a advert ir que essas t eses não são indiscut ivelment e dele , haja vist a a mist ur a de minhas própr ias considerações, nem for mam uma t ot alidade sist êmica, co mo se esperar ia da “Filoso fia de Hegel”, por exemp lo. A “filo so fia do dir eit o” de Rort y é apenas um slogan publicit ár io : t radicio nal, co nciso e impo nent e. Uma expressão po mposa para junt ar as opiniões “rort yanas” apresent adas nest a mo nografia. 1) “direit o” não represent a uma “realidade jur ídica”, um fenô meno unit ár io, ont ologicament e dist int o, objet o de uma “epist emo lo gia jur ídica”; “dir eit o”, co mo qualquer palavr a, não represent a realidade alguma ; 2) “direit o” é bem ent endido co mo uma palavra usada e m cont ext os diversificados, para at ender a inúmeros propósit os diferent es ; 3) ergo, fa lar do “direit o em geral”, o mist er ioso fenô meno universa l mult ifacet ado, é não ser claro; é muit o mal ser int eligíve l; 4) ergo, é absurda e inútil uma invest igação conceit ual geral sobre “o direit o”, um pro jet o infrut ífero que t e m recebido no mes co mo “Teor ia Gera l do Dire it o”, “Filo so fia do Direit o” e “Ciê ncia do Direit o”; 5) “a deci são jur ídica corret a” não pode ser deduzida logi camente de pr incípio s gerais ou de leis ou de uma analogia precisa ent re precedent es ou de relações co nce it uais; não exist e algo co mo “a decisão jur ídica correta ”; (ant ifor ma lismo pragmat ist a); 6) as leis (ou os precedent es, no caso anglo -amer icano) não vinculam ju iz algum a uma det er minada decisão ; são, no máximo, di ret rizes, sugest ões o u padrões de julgament o, que or ient am o juiz para que esse possa t omar uma boa deci são – isso, sim, o objet ivo da at ividade judic ial; (ant ifor malis mo pragmat ist a); 55 7) ju ízes e juízas ant ifor ma list as/ pragmat ist as/ não -objet ivist as devem assumir a responsabilidade individual p or suas decisões; não podem ape lar para aut oridade outra, que não suas próprias co munidades; 8) ao cont rário do receio co mum, nem a aut oridade nem a força persuasór ia das decisões de uma juíza não -objet ivist a ser iam pre judicadas pelo fat o de que, ao just if icá- las, ela não invocou quaisquer “fundament os objet ivo s”, mas so ment e ind icou as vár ias co nsideraçõ es condic io nais que pesaram nas decisões ; po is so ment e t ais cons iderações, ponderações e co mparações dos element os relevant es são exat ament e o que as pesso as em geral quer em dizer co m “t er boas razões” para um ju ízo; 9) isso não imp lica que as decisões t o madas por juízes e juízas pragmat ist as sejam sempr e melhor es que as seu r ivais formalist as – não implica sequer que sejam sempre boas decisões; 10) não há nenhum mét odo que possa gerar aut omat icament e bons julgament os judic iais. També m não há nenhu m que possa garant ir a sabedor ia e a sensibilidade de ju ízes e legis ladores. Podemos so ment e t ent ar melhorar as condições que t ornam mais provável que nossos juízes , juízas, legis ladores e legisladoras sejam infor mados e sensíveis, e que as le is e decisões que produzirem sejam boas par a nós e para a co munidade em ger al. E so ment e podemos fazê- lo pelo mo nit orament o e avaliação cont ínuos da eficácia das est rut uras inst it ucio nais pert inent es, seus processos e prát icas; 11) Se abandonar mo s a ideia de que a Lei é uma aut oridade em s i mesma cu ja vont ade e significado o juiz deve perquir ir objet ivament e, assim co mo se desist ir mo s, co m T ho mas Kuhn, da ideia de que a Nat ureza é uma aut oridade em si mesma cu jas leis e r ealidade os cient ist as devem descobr ir objet ivament e, ent ão poderemos pensar o t rabalho dos ju ízes e cient ist as co mo so lucio nando diferent es pro blemas prát icos: os pr imeiros t ent a m reso lver conflit os ent re pessoas da me lho r maneira possíve l, cont ando co m a legislação, os precedent es e a prudência para ajudá - lo s; os segundos t ent a m explicar e prever fenô menos emp ír ico s da melhor recorrendo a modelos t eór ico - mat emát icos para ajudá - lo s; for ma que podem, 56 12) enquant o houver desacordo sobre o que a supost a aut oridade diz, a ideia de “aut oridade” não é pert inent e. É apenas quando a co munidade adot a uma fé em lugar de out ra, ou o tr ibunal decide em favor de um lado em vez de out ro, ou a comunidade cient ífica em favor de um a t eor ia c ient ífica em det riment o de out ra, que a ideia de “ autoridade” se t orna aplicável. A assim chamada “aut oridade” de qualquer out ra coisa além da co munidade (ou de alguma pessoa ou coisa ou cult ura especializada aut orizada pela co munidade para t omar decisõ es em seu no me) não pode passar de mais est ardalhaço ; 13) t ent at ivas de est abelecer linhas clarament e definidas ent re lei e moralidade ou ent re jur isprudência (t eor ia do direit o) e po lít ica alcança m pouco sucesso ; 14) a quest ão referent e a se os juízes do Supremo Tr ibunal explicam o que a lei já é ou se, em lugar disso, fazem uma nova lei, é inút il ; 15) cont udo, reconhecer essa inut ilidade não faz co m que os filóso fos, ou o rest ant e de nós, valor izem, nem mais nem menos, o ideal de um sist ema judic iár io independent e e livre. E isso t ambé m não nos faz menos capazes de dist inguir os bons juízes dos maus ; 16) dir eit o (decidir em quest ões jur ídicas) é mais uma quest ão de exper iência do que de lógica, e exper iência é a t radição int erpret ada co m um o lhar na coerência (o passado ) e out ro na prudência [ policy] (o fut uro ); essa at it ude pragmat ist a já se t ornou banal ent re os bons jur ist as. 57 REFER ÊNCI AS ALEXY, Robert . On t he Co ncept and t he Nat ure o f Law. Ratio Ju ris. Vol. No. 3, September, pp. 281-299, 2008. BOBBIO, No bert o. Teoria do ord enamento ju rídico . Trad. Mar ia Celest e C. J. Sant os. Brasília: Edit ora Univer sidade de Bras ília, 6º ed., 1995. BRANDOM, Robert . Int roduct io n. In: Rorty and hi s Critics (edit ed by Robert Brando m). Oxford: Blackwell Publis hing, 2000. CARNAP, Rudo lf; HAHN, Hans; e NEURATH, Ot to. A concepção cient ífica do mundo – O c ír culo de Viena. I n: Cadernos de Hi stória e Fi losofia da Ciência (10) : 5-20, 1986. 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