ELO 13 - Centro de Formação Francisco de Holanda
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ELO 13 - Centro de Formação Francisco de Holanda
ELO 13 Revista do Centro de Formação Francisco de Holanda Sede: Escola Secundária Francisco de Holanda, Alameda Dr. Alfredo Pimenta / 4814-528 Guimarães Telefone 253 513 073; fax 253 519 016; e-mail: [email protected] URL: http://www.cffh.pt Índice Editorial -------------------------------------------------------------------------------------------- 11 Jorge do Nascimento Pereira da Silva ELOS do C.F.F.H. Organigrama do Centro de Formação ---------------------------------------------------------- 12 O Centro de Formação Francisco de Holanda em números --------------------------------- 14 Avaliação Interna do CFFH – 2005---------------------------------------------------------------- 19 Plano de Formação para 2006 -------------------------------------------------------------------- 43 Reordenamento da rede escolar das Escolas Associadas ------------------------------------ 55 Os Centros de Formação de Associação de Escolas em Rede ------------------------------- 57 Jorge do Nascimento Pereira da Silva Os Directores dos CFAE’S do Norte em reuniões de trabalho ------------------------------- 59 Jorge do Nascimento Pereira da Silva Seminários realizados pelo Centro de Formação Francisco de Holanda ------------------ 60 Elos Noticiosos Seminário - “Professor-Profissão de risco?” ------------------------------------------------- 63 Seminário sobre o Novo Modelo de Avaliação de Desempenho e a importância da formação do pessoal não docente ---------------------------------------------------------------------- 65 VII Congresso dos CFAE’ S ------------------------------------------------------------------------ 65 O Dia-a-dia do Pessoal não Docente na Escola Pública: constrangimentos, conflitos, interesses, soluções… ----------------------------------------------------------------------------- 66 Multimédia Interactiva na Sala de Aula ------------------------------------------------------- 67 Escola Profissional Cenatex assegura continuidade do “Moda Guimarães” -------------- 67 Novas escolas associadas do Centro de Formação Francisco de Holanda: ---------------- 69 Colégio do Ave ------------------------------------------------------------------------------------- 69 Centro Social Padre Manuel Joaquim de Sousa ----------------------------------------------- 69 Formação para assistentes de acção educativa da Câmara Municipal de Guimarães: Programa Foral ----------------------------------------------------------------------------------------- 70 II Colóquio: O Contributo da Autarquia na Implementação de Práticas Curriculares Diversificadas nas Escolas do 1º Ciclo ----------------------------------------------------------- 71 Luís Rodrigues Breves------------------------------------------------------------------------------------------------- 72 À descoberta da Cidade Berço ------------------------------------------------------------------- 72 Concurso de Reisadas 2005 ----------------------------------------------------------------------- 73 Associação de Solidariedade Social dos Professores ASSP ----------------------------------- 74 Alberto Guedes Elos Educativos Como resolver os problemas de abandono escolar, do insucesso na Matemática, no Português, na Física… sem mezinhas --------------------------------------------------------------- 77 Alfredo Magalhães Ensino Profissional -------------------------------------------------------------------------------- 78 João Silva Pereira Pedagogia em actividade ou actividade na pedagogia? ------------------------------------- 81 Rosa Duarte A Formação Contínua de Professores: do que foi e é ao que pode e deve ser ---------- 83 Victorino Costa A escola que queremos: A Escola que educa ou que ocupa? -------------------------------- 85 Margarida Leça A Escola - espaço de Educação para a saúde -------------------------------------------------- 86 Sérgio Vilaça Modalidades do Pré-Escolar - Pública estatal versus privada solidária: Que papel na expansão da educação pré-escolar? ------------------------------------------------------------- 88 Patrícia Freitas O Inglês no 1º ciclo - Qual o papel dos agrupamentos? -------------------------------------- 92 Maria Teresa Portal Guimarães de Oliveira ECAE de Guimarães/ Vizela - Quem somos? --------------------------------------------------- 95 Helena Soeiro Educação Rodoviária - uma Acção Educativa de longo alcance ---------------------------- 96 Ana Paula Lopes e Ana Maria Jacinto Certificação de competências adquiridas ao longo da vida --------------------------------- 99 Joana Costa Recta Final - Uma experiência a repetir ------------------------------------------------------ 101 Escola Cisave Da biblioteca para todas as escola do Agrupamento… com amor, empenho e inovação pedagógica ----------------------------------------------------------------------------------------- 103 Teresa Clara de Aragão Castelo Branco Biblioteca, para que te quero? ----------------------------------------------------------------- 104 Maria Filomena Rocha Alves O SABE e a Rede de Bibliotecas Escolares ---------------------------------------------------- 105 Ivone Gonçalves EB 2, 3 de S. João de Ponte - uma década de vida…um pavilhão gimnodesportivo ---- 108 Adelina Paula Mendes Pinto A Mundivivência do Professor Português no século XXI ------------------------------------- 111 Albino Baptista A importância da formação do pessoal não docente na reforma da administração pública - 112 Fernando Carneiro Como orientar um trabalho de pesquisa - um auxiliar para os docentes ---------------- 113 Benedita Ferreira, Fernanda Carvalho e Rosa Barros Quod nomen? Qui projectus? -------------------------------------------------------------------- 117 Regina Paula Desafios -------------------------------------------------------------------------------------------- 119 Eduardo Balinha Experiência na 1ª pessoa ------------------------------------------------------------------------ 122 Maria Teresa Portal Guimarães de Oliveira Autarquia e Educação ---------------------------------------------------------------------------- 125 Francisca Abreu Um museu com professores ou professores no Museu? ------------------------------------- 127 Isabel Maria Fernandes O Paço dos Duques como espaço de formação ----------------------------------------------- 128 Filomena Oliveira A Sociedade Martins Sarmento e o fomento do ensino em Guimarães no final do século XIX -- 131 António Amaro das Neves “Tudo o que vale a pena fazer, vale a pena fazer bem feito” ----------------------------137 Luís Rodrigues O Associativismo Vimaranense de 1820 a 1939 -----------------------------------------------140 Fernando Capela Miguel Penha: Retrospectiva Iconográfica da Sacralização da Montanha -------------------------147 Escola Cisave Reflexões Educativas Educação para a cidadania ----------------------------------------------------------------------151 Francisco Teixeira Educação, territorialização e burocracia -----------------------------------------------------161 Joaquim Machado e João Formosinho O Projecto Curricular de Turma e a Diversidade Cultural - uma simbiose de estudos -167 Isabel Carvalho Viana e Sílvia Castro Cardoso Liderança Escolar e mudança Educativa ------------------------------------------------------179 Adelina Paula Mendes Pinto Lógicas e sentidos da construção e gestão curriculares na Escola Básica Portuguesa: fragmentos de um estudo empírico sócio-político -------------------------------------------185 Henrique Ramalho Ética e formação dos responsáveis pela governação das escolas --------------------------193 Helena Sousa A Educação/ Formação no espaço europeu num cenário de globalização ---------------201 António S. Fortunato de Boaventura Os Professores e os outros: práticas na/da diferença no cotidiano escolar -------------227 Anelice Ribetto O Conceito de Alfabetizado - uma viagem na “máquina do tempo” ----------------------233 Ana Tereza Braga Tavares de Araújo Centro de integração de serviços para a Infância de Briteiros (CISIB)- Uma ideia, uma fragmentação e uma prática -------------------------------------------------------------------- 241 Adelino Oliveira Algumas reflexões sobre Educação Matemática no 1º Ciclo ------------------------------- 247 Ana Cláudia Silva Sá Morais Oliveira Escolas Básicas do 1º Ciclo - Síntese de uma evolução do discurso político - institucional estruturador da escola do 1º Ciclo em Portugal --------------------------------------------- 255 Fernanda Araújo ELOS na Formação de Professores Centros de Formação: organizações viáveis? ------------------------------------------------- 273 Nuno Lameiras Os CFAES, a reorganização dos recursos endógenos e a participação no desenvolvimento de dinâmicas locais - Contributos para uma reflexão -------------------------------------- 275 Luísa Campos Modernizar a educação e formação: uma contribuição essencial para a prosperidade e coesão social na Europa ------------------------------------------------------------------------- 277 Maria Isabel Reis A Formação Contínua… Que rumos? Que paragens? ----------------------------------------- 282 Maria José Areal e Carla Aires Alves A (não) transformação em formação ---------------------------------------------------------- 284 António Canhão Diz-me como foste avaliado, dir-te-ei como avaliarás! As práticas de avaliação no contexto da formação contínua de professores -------------------------------------------------- 287 Eusébio André Machado Formação para os Novos Programas do Ensino Secundário ano lectivo de 2005/ 2006 ------ 291 Jorge do Nascimento Pereira da Silva Uma Acção de Formação na Ilha da Madeira ------------------------------------------------- 294 Fátima Gonçalves Formação para opositores a Concurso de Chefes de Serviços de Administração Escolar -------- 296 Angelina Vidal de Sousa Carvalho Acções de Formação para os Novos Programas do Ensino Secundário - Um balanço da Colaboração entre a DGIDC e os CFAE ---------------------------------------------------------298 Luís Pereira dos Santos Diferentes olhares sobre o Centro de Formação Francisco de Holanda A Voz dos Consultores ----------------------------------------------------------------------------303 A Voz de Formadores e de Formandos----------------------------------------------------------310 ELOS Tecnológicos Recursos Educativos Digitais --------------------------------------------------------------------335 António Carvalho Rodrigues Os elementos scripto no design para a web --------------------------------------------------341 Célio Marques Quadros Interactivos Multimédia na Educação - Smart Board -----------------------------357 José Carlos Pereira da Silva ELOS LITERÁRIOS Literatura asséptica: o triunfo da ode pessoana --------------------------------------------365 Carlos Machado Luz auricular --------------------------------------------------------------------------------------369 Carlos Poças Falcão O escritor da objectividade e do Sentimento de Fraternidade --------------------------375 Albino Baptista Teatro Popular Mirandês: textos, autores e representações -------------------------------377 António Bárbolo Alves FICHA TÉCNICA DIRECTOR COORDENAÇÃO Jorge do Nascimento Pereira da Silva Jorge do Nascimento Pereira da Silva Cristina Duarte CONSELHO CIENTÍFICO Almerindo Janela Afonso – Universidade do Minho Carlinda Leite – Universidade do Porto Fernando Ribeiro Gonçalves – Universidade do Algarve José Augusto Pacheco – Universidade do Minho Manuela Esteves – Universidade de Lisboa CONSELHO REDACTORIAL Jorge do Nascimento Pereira da Silva Cristina Duarte Francisco Teixeira Agostinho Ferreira Maximiano Simães António Oliveira Sousa Albino Baptista MONTAGEM GRÁFICA Agostinho Ferreira António Sousa CAPA Salgado Almeida Agostinho Ferreira REVISÃO Maximiano Simães Agostinho Ferreira Albino Baptista António Oliveira Sousa João Silva Pereira Luísa San Roman Helena Gonçalves Cristina Duarte CARTOONS Viana Paredes PROPRIEDADE Centro de Formação Francisco de Holanda Escola Secundária Francisco de Holanda Alameda Dr. Alfredo Pimenta / 4814-528 Guimarães e-mail: [email protected] www.cffh.pt DEPÓSITO LEGAL 75362/94 ISBN 972-96465 IMPRESSÃO Gráfica Covense, Lda. Polvoreira - 4800 Guimarães NÚMERO Revista ELO 13 / Dezembro de 2005 TIRAGEM 500 exemplares APOIOS Programa PRODEP III As opiniões expressas nesta publicação são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente a opinião ou orientação do CFFH Editorial Jorge do Nascimento Pereira da Silva Director do CFFH E vão 13! Treze números da revista Elo! Treze anos de existência dos CFAE´S! Está já enraizada uma cultura de partilha de esforços e de projectos. Esta revista é um exemplo, que o confirma. Conheço projectos comuns, fruto de trabalho colectivo, cuja construção assenta no confluir de vontades, de conhecimentos, de troca de experiências. “O sonho comanda a vida”, promove a acção. Conheço projectos que são oportunidade de acesso ao conhecimento, que enfatizam o êxito colectivo, que elevam a auto-estima e a autoconfiança, que desenvolvem a interacção. Esta revista pretende ser isso mesmo – um projecto colectivo, a interacção de vontades, num espaço de construção da profissionalidade docente. Vivem-se tempos difíceis. A classe docente está dominada por sentimentos de revolta, de pessimismo, de desilusão. As reformas feitas por despacho, sem levar em conta as condições objectivas das escolas redundam em fracassos e provocam grande desgaste profissional. A desvalorização do trabalho docente e a funcionarização da profissão têm gerado desgaste psicológico, revolta, um nível elevado de ansiedade, uma postura de fuga e de descrença total. É urgente que os professores trabalhem por prazer e não por coação. O trabalho por prazer não se contabiliza. É urgente que a escola seja, o “campo onde se semeia a esperança de uma nova ordem, de um novo mundo”(1). Esta revista é o resultado de diversos contributos singulares, que dão sentido a um colectivo que vive empenhadamente a sua profissão. Esta revista espelha o combate à inércia e à descrença. Assume a crença num projecto – Centro de Formação Francisco de Holanda - enquanto associação de escolas de todos os níveis e sectores de ensino do concelho de Guimarães. Este Elo assume-se como um plural dinâmico e, ao mesmo tempo, integrador das diversas temáticas tratadas e dos diversos autores/actores envolvidos. Espelha as actividades do CFFH, no ano de 2005, em termos formativos, educativos e associativos. Mas está para além do espaço e do tempo deste Centro. Não vejo a educação nem a formação como realidades estáticas. Todos os profissionais e também os da educação ganham se reflectirem sobre o seu estatuto e sobre o seu desempenho profissional. A reflexão partilhada leva a corrigir trajectórias e práticas. A procura da excelência é uma tarefa de todos os dias e de todas as sociedades. É necessário que as escolas espelhem essa procura ao nível da educação da aprendizagem e da formação. Os CFAE´S devem ser um elemento implicador nessa procura. A revista Elo pretende, assim, dar “a vez” e “a voz” às escolas e a quem nelas trabalha, divulgando as boas práticas, as reflexões e as opiniões dos educadores, professores e demais actores educativos. Além disso, pretende ser um Elo agregado de todas as instituições locais, que se dedicam à formação, à educação e à cultura. 1 Alves, Matias (2005). Os professores não têm futuro. Correio da Educação, nº 229, 12 de Setembro de 2005 11 ORGANIGRAMA DO CENTRO DE FORMAÇÃO FRANCISCO DE HOLANDA (2005/2006) COMISSÃO PEDAGÓGICA Dr. Jorge Nascimento Silva; Dr. Alfredo Duarte Faria Magalhães; Dr. José Augusto Araújo; Dra. Iris Manuela Abrantes Cleto; Dra. Lucinda Palhares; Dr. Silvério Silva; Dr. José Armindo Pinheiro; Dra. Maria José Duarte; Dr. Manuel Alves Barbosa; Dr. Manuel Joaquim Gonçalves Teixeira; Dr. Mário António Oliveira Rodrigues; D. Rosa Leal; Dr. Sérgio Vaz; Dra. Arlete Maria Milhão; Dra. Maria Helena Soeiro; Dra. Adelina Paula Pinto DIRECTOR Dr. Jorge do Nascimento Silva SECÇÃO DE RECURSOS Dr. Jorge do Nascimento Silva; Dr. Alfredo Magalhães; Dr. Sérgio Vaz, Dra. Maria José Duarte, Engº. José Carlos Pereira da Silva, Dr. Cristina Duarte CONSULTORA DE FORMAÇÃO Dra. Adelina Paula Pinto SECRETARIADO Marta Mota; Sónia Alves ASSESSORIAS SECÇÃO DE ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO Dr. Jorge do Nascimento Silva; Dr. Alfredo Magalhães; Dr. José Augusto Araújo; Dr. Manuel Alves Barbosa; Dra. Adelina Paula Pinto; Dra. Lucinda Palhares ÁREA PEDAGÓGICA Dra. Cristina Duarte ÁREA TECNICO-FINANCEIRA Dra. Maria Alice Campelos ÁREA TÉCNICO-INFORMÁTICA Eng.º José Carlos Pereira da Silva 12 CONSELHO DE ACOMPANHAMENTO DA GESTÃO ADMINISTRATIVO-FINANCEIRA Dr. Manuel Carvalho da Mota, D. Angelina Carvalho, Dr. Jorge do Nascimento Silva SECÇÃO DE INFORMAÇÃO E DIVULGAÇÃO (Dr. Manuel Alves Barbosa; Dr. José Augusto Araújo; Dr. Silvério Silva) Grupos de Trabalho Revista Elo Publicação de Actas Pub. de Trab. de Acções de Formação Seminários/Encontros Expoform Fóruns/Mostras Pedagógicas Elo Online e Página da Internet Dr. Jorge do Nascimento Silva Dr. Jorge do Nascimento Silva Dr. Jorge do Nascimento Silva Dr. Jorge do Nascimento Silva Dr. Jorge do Nascimento Silva Dr. Jorge do Nascimento Silva Dra. Adelina Paula Pinto Dra. Adelina Pinto Dr. Íris Manuela Abrantes Cleto Dr. Silvério Silva Doutor José Augusto Pacheco Dr. Mário Rodrigues Dr. Teresa Portal Dra. Cristina Duarte Dr. José Pinheiro Dr. Agostinho Ferreira Dr. Alfredo Magalhães Eng.º José Carlos Pereira da Silva Dra. Cristina Duarte Dr. Agostinho Ferreira Engº. José Carlos Pereira da Silva Dr. Joaquim Salgado Almeida Dra. Adelina Paula Pinto Dra. Adelina Pinto Dr. Agostinho Ferreira Dr. Maximiano Simães Dra. Adelina Pinto Dr. António Adelino Sousa Dr. Manuel Alves Barbosa Doutor Francisco Teixeira Dr. Maximiano Simães Dr. Albino Baptista Dra. Cristina Duarte Dr. José Augusto Araújo Dra. Cristina Duarte Dr. António Adelino Sousa Dr. Manuel Joaquim Gonçalves Teixeira Dr. Albino Baptista Doutor Francisco Teixeira Formadores das diversas acções de formação Dra. Maria José Duarte Dr. Mário Rodrigues Dr. António Adelino Sousa Dra. Helena Soeiro Dr. Joaquim Salgado Almeida Dra. Cristina Duarte Dr. Agostinho Ferreira Dr. Maximiano Simães Dr. António Adelino Sousa Dra. Alice Campelos 13 O CENTRO DE FORMAÇÃO FRANCISCO DE HOLANDA EM NÚMEROS O Centro de Formação Francisco de Holanda foi constituído em 21 de Janeiro de 1993, nos termos definidos na Acta constitutiva e homologada através do despacho 108/ME/93 de vinte e nove de Junho. No próximo dia 21 de Janeiro de 2006, perfaz 13 anos de existência ao serviço dos educadores, professores e demais actores educativos das escolas associadas, que o constituem, e da própria comunidade vimaranense. Até pelo número de anos de existência - treze – vale a pena elencar o número de acções acreditadas e realizadas, por modalidades de formação, o número de formandos que as frequentaram, por níveis de ensino, e o volume e formação em horas frequentadas. É pertinente apresentar também o número de acções oferecidas por áreas de docência específicas, ao nível das novas tecnologias, dos apoios Educativos e da Gestão e Administração Escolar. Quadro síntese da Formação para Pessoal Docente realizada de 1993 a 2005 no Centro de Formação Francisco de Holanda 4 1 8 1 6 7 1 1995 11 1 7 7 12 1996 7 3 10 8 11 1997 10 6 5 1998 10 3 1999 11 2000 1993 CE PF S Vol. de Formação. OF Prof. e Ed. MF Sec. CF 3.º Ciclo D 2.º Ciclo C 1.º Ciclo B Pré-Escolar A Níveis de Ensino N.º de acções Modalidades Encontro Áreas 14 31 132 56 38 35 292 8.738 1994 19 15 242 99 98 84 538 14.985 1 20 52 289 31 34 110 516 13.554 18 3 21 37 179 58 63 156 493 16.065 9 20 2 22 54 191 54 51 124 474 14.410 2 12 17 1 6 1 25 84 135 78 70 92 459 13.761 7 2 16 1 14 4 6 1 26 53 167 54 42 130 446 17.827 2001 6 2 16 1 9 7 9 25 64 204 51 38 93 450 23.191 2002 7 2 13 3 12 6 22 63 149 44 60 97 413 13.714 2003 8 1 13 14 3 23 45 103 49 45 121 363 14493 2004 11 2 12 12 5 1 25 79 116 73 102 92 464 14.298 27 82 1 269 659 1 4 2 7 2005 6 1 19 1 5 TOTAIS 98 26 140 5 118 20 32 71 1 1 2 41 5 1 85 69 89 106 431 14.650 1992 716 730 1240 5339 179.686 Fonte: Arquivo do Centro de Formação Francisco de Holanda Jorge do Nascimento Pereira da Silva 14 15 Quadro síntese da Formação para Pessoal Não Docente realizada de 1998 a 2005 no Centro de Formação Francisco de Holanda 16 M N CF 1998 1 1 1 3 3 42 1999 1 1 3 3 45 2000 3 1 7 7 2001 4 1 5 2002 3 1 2003 5 2 1 1 9 9 9 222 2004 5 2 1 1 9 9 14 204 2005 2 5 3 2 12 12 5 107 1 TOTAIS 24 12 9 7 35 54 30 955 1 1 3 1 1 2 MF OF S 1 5 18 0 1 2 Cozinheiro Principal Q Assistente de Acção Educativa P Categorias Auxiliar de Acção Educativa O Modalidades Enc. de Coord. do P. A.A.E Áreas n.º de acções Anos 94 6 116 5 125 0 5 5 1 97 1 97 0 13 5 30 139 21 63 1050 20 65 1010 148 3510 130 4662 131 3510 231 3750 218 6500 261 7920 1247 31912 0 1 1 1 0 1 16 0 Técnico Superior Principal Técnico Superior de 2.ª Classe Técnico Superior de 1.ª Classe Técnico Profissional Principal Técnico Profissional Especialista Principal Técnico Profissional Especialista Técnico Profissional de 2.ª Classe Técnico Profissional de 1.ª Classe Volume de formação 50 N.º Total PND Assistente de Adm. Escolar Assistente de Adm. Escolar Principal Assistente de Adm. Escolar Especialista Chefe dos Serviços de Adm. Escolar Cozinheiro Categorias 1 1 16 0 Fonte: Arquivo do Centro de Formação Francisco ÁREAS: M - Relação Pedagógica e Relações Humanas; N - Desenvolvimento organizacional; O Gestão e Administração Escolar; P - Áreas Específicas da Actividade Profissional; Q - Tecnologias de Informação e Comunicação Jorge do Nascimento Pereira da Silva 17 18 Avaliação Interna do Plano de Formação do CFFH referente ao ano de 2005 Índice 1. INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------------------------------------------- 19 2. O PLANO DE FORMAÇÃO DE 2005 ------------------------------------------------------------------------- 21 2.1. Objectivos do Plano de Formação ------------------------------------------------------------------ 21 2.2 O Plano de Formação em números ------------------------------------------------------------------ 24 2.3. Avaliação Global das acções de formação -------------------------------------------------------- 25 2.3.1. A Bolsa de Formadores----------------------------------------------------------------------------- 26 2.3.2. O Pessoal Docente ---------------------------------------------------------------------------------- 27 2.3.3 O Pessoal Não Docente ----------------------------------------------------------------------------- 30 3. O OUTRO LADO DO PLANO --------------------------------------------------------------------------------- 33 3.1. Avaliação das acções não creditadas -------------------------------------------------------------- 33 3.1. 1. A formação informal ------------------------------------------------------------------------------ 33 3.1. 2. O Programa Foral ---------------------------------------------------------------------------------- 34 4. AVALIAÇÃO DAS ACÇÕES E PROJECTOS DESENVOLVIDOS.--------------------------------------------- 37 5. CONCLUSÕES ------------------------------------------------------------------------------------------------- 40 1. INTRODUÇÃO Em cumprimento do nº 2, do artigo 10º, do Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores (RJFC) – Decreto –Lei n.º 207/96, de 2 de Novembro, que estipula que “A entidade formadora deve criar instrumentos de avaliação, proceder ao tratamento dos dados recolhidos e promover a divulgação dos respectivos resultados”, apresentamos a Avaliação Interna do Plano de Formação do Centro de Formação Francisco de Holanda (CFFH), relativa ao Plano de Formação de 2005. Do ponto de vista metodológico, utilizámos vários instrumentos de recolha de dados, nomeadamente o inquérito por questionário, a análise de conteúdo das representações dos formandos, a análise dos produtos realizados e ainda de alguns contactos informais. De todos os instrumentos utilizados, o questionário constituiu a base primordial neste processo avaliativo e dele emergiram as variáveis aqui avaliadas. Saliente-se também a importância das representações dos formandos recolhidas na primeira sessão de cada acção, momento onde manifestaram as expectativas face à formação, em paralelo com a análise de conteúdo dos relatórios de avaliação da equipa formadora, bem como dos coordenadores de algumas acções. Nesta era da pós-modernidade, caracterizada por economias flexíveis, pelo paradoxo da globalização (educação global versus identidade cultural), pelas certezas mortas (Hargreaves, 19 1997)1 , o sentido da profissão docente está no centro de todas as atenções. Que tipo de professor se adapta e ajuda a construir as sociedades pós-modernas? Como é que o professor se insere nos seus contextos de trabalho, em escolas modernas, muito estruturadas, extremamente balcanizadas e complexas? Ainda segundo Hargreaves (1997)2, os desafios e as mudanças que os professores e as escolas enfrentam não se confinam à educação, enraízam-se numa importante transição sócio-histórica de um período de modernidade para a pós-modernidade. Esta questão do desenvolvimento profissional dos professores, nesta pós-modernidade, é de crucial importância pois, como refere Fullan e Hargreaves (2001:9)2 “A aprendizagem dos alunos (ou a ausência dela) está directamente relacionada com a aprendizagem que os professores fazem (ou não) para se tornarem melhores.” Assim, mais que o sentido corporativista de desenvolvimento de uma classe, é todo o sistema educativo que está em causa. A formação inicial e contínua de professores, em Portugal, não é facilitadora destas novas lógicas de aprendizagem permanente, de culturas colaborativas, de trabalho em equipa, não falando ainda no professor investigador ou no prático reflexivo de Schön. As nossas escolas são um conjunto heterogéneo de professores, com as mais diversas formações, oriundos das mais variadas instituições de formação de professores. Para os diferentes níveis de ensino há diferentes percepções do professor, bem visível na estrutura curricular dos cursos de formação de professores (baixa formação científica de educadores e professores do 1º ciclo até uma grande formação científica do secundário, sendo o inverso a carga pedagógica). Não existe uma ligação estreita entre a Universidade e as escolas, não há contactos formais, a Universidade não sente que deve responder às necessidades das escolas e estas “olham de lado”a Universidade, os “teóricos”. Se a formação inicial levanta problemas, a formação contínua não os resolve. A ligação perversa da necessidade de formação à subida na carreira (igual a escalão superior, vencimento superior) subverteu toda a lógica da formação contínua, da aprendizagem permanente, da adequação da formação aos contextos de trabalho. E que a Tutela não venha dizer que esta questão não tem sido levantada frequentemente pelos CFAE’S. É neste contexto, ciente destas e de outras dificuldades e do papel que o CFFH pode desempenhar na melhoria da qualidade das aprendizagens nas nossas escolas, que foi apresentado um Plano de Formação para 2005 e que é, neste momento, feita, a respectiva avaliação interna. A avaliação interna duma instituição deve servir objectivos formativos e formadores, numa lógica de melhoria de desempenho dos processos que lhe estão agregados. Assim, a avaliação interna do Centro de Formação Francisco de Holanda pretende contribuir para: • Reajustar o CFFH às motivações dos seus actores educativos e das suas interacções formativas, assim como às especificidades dos Projectos Educativos das Escolas e dos Agrupamentos de Escolas Associadas, de forma a melhorar o seu desempenho; 1 HARGREAVES, A. (1997). Os Professores em tempo de mudança: O trabalho e a cultura dos professores na idade pós-moderna. Lisboa: McGraw-Hill 2 FULLAN, Michael & HARGREAVES, Andy (2001) Por que é que vale a pena mudar? Currículo, Políticas e Práticas (Col.). Porto: Porto Editora. 20 • • • • • Melhorar o funcionamento do CFFH, de forma a tornar-se organizacionalmente mais adequado à sua área de intervenção; Incentivar uma formação contínua, ao longo da vida, que leve a intervir na transformação das realidades educativas, de forma a facilitar e promover o sucesso educativo e académico dos alunos e a qualidade das aprendizagens e da educação; Desenvolver a ideia de que cada Centro de Formação de Associação de Escolas deve ser uma realidade viva, actuante e um processo permanente de procura da sua identidade; Fazer do Centro um Centro de Recursos da comunidade educativa, especialmente ao serviço das escolas e dos seus recursos humanos, sem esquecer a própria comunidade em que se insere. Levar o Centro a dar respostas a três tipos de formação: a formação centrada na escola, a formação centrada no desenvolvimento profissional e pessoal e a formação centrada nas necessidades do sistema; 2. O PLANO DE FORMAÇÃO DE 2005 2.1. Objectivos do Plano de Formação O Plano de Formação de 2005 enquadrou-se nas linhas orientadoras definidas para o Projecto de Formação para o triénio 2005-2007, aprovado pela Comissão Pedagógica, no dia 12 de Julho de 2004. Privilegiou-se, neste Plano, aliás na linha do Projecto de Formação para o triénio 2005/07, a formação em contexto, que assenta nas orientações de política de formação presentes nos projectos educativos das escolas associadas. Este Plano pretende ser uma resposta, mesmo que incompleta, mas cada vez mais adequada, às necessidades e expectativas que decorrem das dinâmicas de inovação e mudança das escolas/agrupamentos e daqueles que as servem. Em síntese, o Plano de Formação do Centro de Formação Francisco de Holanda de 2005 assentou, por um lado, nas necessidades de formação identificadas e assumidas pelas escolas/agrupamentos através dos seus órgãos próprios (conselhos pedagógicos, departamentos curriculares, conselhos de docentes, conselhos de turma…); por outro, nas necessidades de formação identificadas e manifestadas pelos professores e educadores e outros actores educativos no decurso e em consequência de processos formativos e no âmbito das opiniões/conclusões manifestadas nos dispositivos de avaliação de Planos de Formação anteriores; finalmente, nas prioridades da formação do sistema educativo. Nesta linha de pensamento, o Centro de Formação Francisco de Holanda assumir-se-á, preferencialmente, como um verdadeiro Centro de Recursos, imprescindível para fazer emergir dinâmicas e políticas locais de formação e inovação adequadas às especificidades e às identidades de cada escola e agrupamento da área geográfica do Centro de Formação Francisco de Holanda e da própria cidade em que está inserido. 21 A Formação de docentes e outros agentes educativos integra a medida 5 (FSE) e está integrada numa visão onde o sistema de ensino dê lugar a um sistema de aprendizagem; onde os docentes sejam encarados como orientadores de aprendizagens; onde os alunos aprendam ao seu ritmo; onde a escola seja encarada como um motor da comunidade, encontrando respostas novas e adequadas. Pretende-se, assim, com a medida 5 (FSE) - formação de docentes e outros agentes educativos, mais concretamente, com a Acção 5.1 - formação contínua e especializada nos Ensinos Básico e Secundário, mudar o perfil do professor, isto é, que de um mero transmissor de conhecimentos se transforme num facilitador de aprendizagens, aliás, desiderato que já vem sendo perseguido desde há alguns anos. Ora, esta filosofia implica uma interacção entre as escolas associadas e um perfil de professor mais reflexivo, crítico e investigador. Não fomos alheios às orientações do Ministério da Educação que vão no sentido de ter em conta a importância da formação nas Novas Tecnologias pretendendo-se que, em 2006, atinja 40% da formação. Assim, as TIC’s foram um dos domínios tidos em conta na formação contínua dos professores. Foi filosofia do Centro de Formação Francisco de Holanda não as encarar como mera ferramenta, mas formar os professores no sentido de as utilizar com o objectivo de abordar os conteúdos específicos das diversas áreas do saber de uma forma mais motivadora e inovadora. Desenvolvemos, igualmente, na linha de planos anteriores, a ideia mestra do desenvolvimento do espírito científico e do experimentalismo. Sensibilizar os professores para o trabalho experimental em laboratório, em contacto com as realidades diversificadas, foi outra finalidade a atingir. Continuámos a ter presente a formação nas áreas da Matemática e da Língua Portuguesa, como essencial para resolver o insucesso dos alunos nestas disciplinas essenciais. Pretendeu-se ainda ir ao encontro de uma formação que dotasse de competências os professores para orientar os seus alunos para uma cidadania activa e autêntica que gere a tão desejada e desacreditada autonomia das escolas. Tendo sempre presente os objectivos definidos para o Projecto de Formação do Centro para o triénio (2005/2007), perseguimos como objectivos fundamentais para o Plano de Formação de 2005 os seguintes: Responder às necessidades de formação dos agrupamentos/escolas associadas, dos departamentos curriculares, conselhos pedagógicos, conselhos de turma, conselhos de ano, conselhos de docentes, conselhos de directores de turma e de cursos, núcleos de apoio educativo e, ainda, dos professores individualmente; Articular as actividades do plano de formação do Centro com os Planos de Formação dos agrupamentos/escolas associadas; Incentivar os docentes para a autoformação, a investigação e a inovação educacional; Desenvolver o espírito de reflexão-acção como base imprescindível de uma atitude educativa qualificada e qualificante e orientada para uma cidadania activa; Desenvolver o espírito de intercâmbio cultural e educativo entre as comunidades educativas dos agrupamentos/escolas associadas (através da publicação da revista ELO 12, 22 da dinamização do projecto Elo on-line, através de publicações das actividades dos diferentes agrupamentos/escolas, de reflexões críticas em torno da Educação e, de monografias resultantes da investigação nas acções de formação); Organizar seminários de formação que se assumam como espaços de debate e de reflexão de ideias e, ao mesmo tempo, de intercâmbio entre as diferentes escolas e os seus profissionais; Mobilizar as comunidades educativas para o espírito da reorganização e reforma curricular em curso; Desenvolver, nos professores, o espírito de actualização ao nível das novas tecnologias com o objectivo de transformar as aulas em espaços vivos e atraentes; Fomentar a reflexão e a inovação pedagógica e educativa; Levar a efeito uma exposição de trabalhos realizados nas acções de formação como meio de sensibilizar a comunidade educativa para o papel e potencialidades da Formação Contínua (EXPOFORM 2004); Proceder à divulgação de trabalhos oriundos das acções de formação que se revistam de interesse pedagógico e/ ou científico para a comunidade educativa; Dinamizar o Centro de Recursos, garantindo o máximo de eficácia na gestão de recursos de materiais bibliográficos e didácticos existentes, transformando-o, desta forma, num espaço de encontro, de partilha, de reflexão e de produção de materiais didácticos com o objectivo de introduzir mudanças nas práticas educativas; Promover a formação informal (acções de curta duração) como base de uma formação qualificante; Colaborar com o Centro de Formação Martins Sarmento no âmbito de Protocolos celebrados entre as diversas instituições de formação; Colaborar com outras instituições, com as quais o Centro celebrou protocolos de cooperação; Promover a melhoria da qualificação dos recursos humanos existentes nos agrupamentos/escolas associadas, ajudando a criar um perfil ainda mais adequado a quem lida com crianças e jovens; Promover, nas escolas, uma cultura da avaliação como instrumento para melhorar a qualidade do serviço que prestam à comunidade; Promover o aperfeiçoamento e actualização das competências profissionais do pessoal não docente, nos vários domínios em que exercem a sua actividade, numa perspectiva de mudança e de modernização do sistema educativo. Além das acções financiadas, o Centro de Formação Francisco de Holanda delineou uma série de actividades que ajudaram a implementar a filosofia de formação defendida, em articulação com as escolas associadas, com os seus interesses e as suas necessidades. Falamos da publicação da revista ELO, do Seminário para Pessoal Docente, do Seminário para Pessoal Não Docente, do ELO on-line, da publicação de alguns trabalhos, etc. 23 2.2 O Plano de Formação em números Na linha do previsto no projecto de Formação e no Plano de Formação 2005, o CFFH apresentou um Plano de Formação apostando nas metodologias activas, nomeadamente Oficinas de Formação que visam “delinear ou consolidar procedimentos da acção ou produzir materiais de intervenção definidos pelos participantes; assegurar funcionalidade dos produtos obtidos por transformação das práticas e reflectir sobre as práticas.” O Centro de Formação de Associação de Escolas Francisco de Holanda, apresentou ao PRODEP III, para o ano civil de 2005, um Plano de Formação que previa a realização de 34 acções de formação, com 5 Cursos de Formação para Pessoal Docente e7 para Pessoal Não Docente, 20 Oficinas de Formação para Pessoal Docente e um Projecto de Formação. Previa funcionar com 27 turmas para Pessoal Docente e 7 turmas para Pessoal Não Docente com formação para 575 formandos e um total de horas de formação de 2159 horas. Plano de Formação de 2005 de acordo com o TA inicial Destinatários Modalidades Pessoal Docente Pessoal Não Docente Nº de Formandos Horas de Formação Cursos de Formação 5 7 260 439 Oficinas de Formação 20 - 300 1630 Projectos de Formação 1 - 15 90 Totais 27* 7 575 2159 * acção realizada em duas turmas. Foi solicitada uma alteração à candidatura, passando o Plano de Formação a integrar mais 5 Cursos de Formação para Pessoal Não Docente. Esta alteração deveu-se à necessidade dos Centros de Formação proporcionarem aos candidatos ao Concurso para Chefes dos Serviços de Administração Escolar todos os módulos necessários para a realização do respectivo Concurso, nos termos do D.L n.º 184/2004, de 29 de Julho. Aceite esta alteração, o Plano de Formação de 2005 do Centro de Formação Francisco de Holanda previa a realização de 38 acções de formação, a funcionar em 39 turmas, 27 para Pessoal Docente e 12 para Pessoal Não Docente. Previa formação para 720 formandos, com um total horas de formação de 2159 horas. 24 Plano de Formação de 2005 em Execução Destinatários Modalidades Pessoal Docente Pessoal Não Docente Nº de Formandos Horas de Formação Cursos de Formação 5 12 388(2) 535 Oficinas de Formação 20 - 315 1630 Projectos de Formação 1 - 17 90 Totais 27* 12 720 2255 * acção realizada em duas turmas. (2) – Trata-se de 23 e/ou 24 formandos que frequentaram o bloco de cinco módulos de formação para Assistentes de Acção Educativa e 21 formandos que frequentaram o bloco de sete módulos de formação para Chefes de Serviços de Administração Escolar. 2.3. Avaliação Global das acções de formação O Plano de Formação iniciou-se a 5 de Janeiro de 2005, com a acção “Projecto Curricular de Turma – modalidade de projecto” e terminou a 15 de Dezembro de 2005, com a acção “A didáctica da língua materna – a música, o ritmo, o canto e o movimento na aprendizagem da leitura e da escrita – meios educativos Jean-qui-rit” Inscrições recebidas: Destinatários Pessoal Docente Pessoal Não Docente Nº de inscrições 704 374 Formandos que realizaram formação 432 61* Valores percentuais 61,4% 16,3% * O volume global de formação corresponde a 261 formandos, já que 23 formandos frequentaram 5 módulos e 21 formandos frequentaram 7 módulos. Acrescente-se a formação para 16 psicólogos. Assim, o CFFH apresentou uma oferta formativa que não conseguiu abranger todo o universo dos interessados (ou não!), isto é, aqueles que se inscreveram, já que o PRODEP não permitiu que a entidade candidatasse um número mais elevado de acções/turma de formação. Por outro lado, tendo em conta a estrutura do Centro, 39 turmas de formação pareceu ser um número aceitável para que a qualidade da formação estivesse presente. I nsc r i ç õe s e m 2 0 0 5 N úme r os T ot a i s 800 700 600 500 704 374 400 300 200 100 0 P. Docente P. Não Docente P e s s oa l D oc e nt e e P e s s oa l N ã o D oc e nt e 25 A taxa de conclusão das acções é calculada estabelecendo a diferença entre o número dos formandos que iniciaram a acção e o número de formandos que a terminaram, tendo sido aprovados. Em 720 formandos que iniciaram a formação, relativa a toda a formação do pessoal docente e não docente, apenas 28 desistiram, desistências estas que se revelaram ao longo das acções. Como se verifica, a taxa de conclusão das acções é muito positiva, 96% de sucesso, contra apenas 4% de desistências durante a realização das acções. Ta x a de c o nc l u sã o da s a c ç õ e s 4% A 2.3.1. A Bolsa de Formadores B A bolsa de formadores do Plano de Formação 96% de 2005 foi constituída por 39. Destes 2 eram doutorados; 9 mestres; 7 com parte curricular do mestrado; 4 pós graduados, 15 licenciados, 1 bacharel e 1 com o 12.º ano. A qualidade e a heterogeneidade da bolsa de formadores é essencial para uma qualidade efectiva da formação proporcionada. Neste sentido, os formadores têm de se identificar com o projecto do Centro de Formação, com os seus ideais e têm de estar presentes, não só nos momentos da formação em sala, mas mostrarem-se disponíveis para acompanhar os formandos nas suas escolas e no desenvolvimento de projectos e espaços de formação informais. O CFFH sempre se esforçou por manter uma bolsa de formadores que se adequasse à sua política de formação e sempre desenvolveu inúmeras reuniões de trabalho com estes formadores, de forma a que estes percepcionassem bem a política de formação deste Centro. Foi sempre feita uma avaliação rigorosa, junto dos formandos e das escolas associadas e das mais variadas formas, no sentido de obtermos uma avaliação real e o mais objectiva possível dos formadores. Ao longo dos anos, foram feitos alguns ajustamentos, com a entrada e saída de vários formadores. Muitos mantiveram-se e, com projectos vários, marcaram o seu papel na mudança efectiva das aprendizagens, nas nossas escolas. Esses formadores, que defendem a política de formação do CFFH, são também a espinha dorsal deste Centro de Formação. No final de cada acção, cada formando preenche uma ficha de avaliação do formador, sendo sensibilizados para a necessidade de serem objectivos na avaliação que efectuam, já que está em causa a continuidade (ou não!) desses profissionais no exercício da sua função. A avaliação dos formadores foi sempre feita pela Comissão Pedagógica do CFFH, tendo em conta o questionário preenchido pelos formandos e o conhecimento do desempenho funcional por parte 26 dos membros da Comissão Pedagógica. Foi sempre tida em conta a opinião da consultora de formação que acompanhou, muito de perto, sobretudo as modalidades de Oficina de Formação, de Projecto e de Círculo de Estudos, mas também as acções realizadas noutras modalidades de formação. Os resultados da avaliação dos formadores, no plano de 2005, foram os seguintes: Avaliação dos Formadores 23 Números totais 25 20 15 11 10 5 4 1 0 Satisfaz Bom Muito Bom Excelente Avaliação Qualitativa Conforme os dados revelam, os formadores, na sua maioria, revelam um desempenho muito positivo, Existem, apenas, alguns problemas pontuais que serão tidos em conta no Plano de Formação de 2006. 2.3.2. O Pessoal Docente Sexo dos form andos 30% Masculino Feminino 70% O Centro de Formação Francisco de Holanda assume-se, prioritariamente, como um Centro de Formação de Professores. O Plano de Formação de 2005 também mostra, de forma evidente, esta direcção, já que 69% da formação prevista e executada, foi para Pessoal Docente. No entanto, é de registar a elevada percentagem de formação para pessoal não docente já que 31% é 27 uma percentagem a ter em conta. A distribuição dos formandos por sexo é coerente com a realidade das nossas escolas. O meio educativo é essencialmente feminino, e essa faceta também se revela nas acções de formação. A distribuição dos formandos por níveis de ensino mostra-nos que o grande número dos formandos se situa no 3º ciclo e Secundário. Não esqueçamos que fazem parte do CFFH 3 escolas secundárias e sete agrupamentos verticais, todos eles com 3º ciclo. Por outro lado, os docentes do 1º e do 2º ciclos têm já uma grande estabilidade. E muitos deles não se inscrevem porque já atingiram o topo da carreira. Acresce ainda o facto de um elevado número de educadores e de professores do 1.º ciclo estarem a frequentar cursos de complemento de formação. Distribuição dos Formandos por níveis de ensino Números totais 250 197 200 150 100 82 84 pré-escolar 1º ciclo 69 50 0 2º ciclo 3º ciclo/Sec. Níveis de ensino A situação profissional dos formandos mostra-nos a relação que ainda existe entre a formação e a necessidade de créditos para subir na carreira. Como é evidente na leitura do gráfico que se segue, só realizaram formação 23 docentes contratados, tendo sido muito poucos os que se inscreveram no Plano de Formação. Continua a passar a ideia de que os docentes contratados não precisam de fazer formação, nem sequer por uma questão legal. O CFFH tem vindo a desenvolver, no terreno, a ideia de que a formação deve estar ligada à necessidade de desenvolvimento profissional e, cada vez menos, à progressão na carreira. Se já se notam alguns progressos na defesa desta tese, é ainda evidente o longo caminho a percorrer. 28 Números absolutos Situação Profissional 350 300 250 200 150 100 50 0 287 119 23 QND QZP 3 Contratados Outros Categorias profissionais Quanto às habilitações académicas dos formandos, estes evidenciam habilitações adequadas. De ressalvar já o número de doutoramentos e mestrados entre os formandos deste Plano de Formação. Tipo de habilitações Habilitações Académicas outros 1 Bacharelato 55 Licenciatura 350 Mestrado Série1 18 Doutoramento 8 0 100 200 300 400 Números totais A avaliação das acções de formação em causa foi feita com base nos questionários distribuídos no final de cada módulo de formação, na recolha das expectativas iniciais e ainda com base nos relatórios, quer dos formadores, quer da consultora de formação, nas modalidades de Oficina de Formação e de Projecto. Foram tidos em conta, os indicadores abaixo assinalados: 29 Expectativas iniciais em relação às acções – a maioria dos formandos considera que a formação correspondeu às expectativas iniciais e que o nível da acção frequentada se encontrava à altura das suas expectativas. Razões/motivações para a escolha das acções- o interesse para a vida pessoal e o desejo de actualização foram os critérios que mais levaram os formandos a escolher determinada acção. Forma de Conhecimento da existência da acção – a grande maioria dos formandos tomou conhecimento da acção através do Plano de Formação divulgado pela escola onde exerce funções. Aspectos curriculares – este critério é dos melhores avaliados pelos formandos. Quase todos concordam que os objectivos da acção foram cumpridos, que eram relevantes e que o formador os apresentava de forma clara. Também concordam que a acção contribuiu para o aprofundamento dos seus conhecimentos científicos e pedagógicos. O item que revela uma avaliação de menos impacto, dentro deste critério, é o relativo aos critérios de avaliação da acção. Muitos formandos acham que estes critérios não foram claramente definidos. Métodos – também, aqui, os formandos concordam que a divisão entre teoria e prática foi suficiente e que metodologias utilizadas foram as adequadas àquela acção. Concordam totalmente que houve interacção suficiente entre os formandos e entre estes e o formador e que as estratégias utilizadas pelo formador foram as adequadas ao contexto de formação. Aspectos práticos – em relação aos aspectos práticos, a avaliação efectuada não é tão positiva quanto à dos parâmetros anteriores. Alguns formandos consideram que as instalações, os materiais e a bibliografia não eram as mais adequadas. Um dos itens que revela sempre algum descontentamento é o relativo aos horários das acções, a maior parte das vezes em pós-laboral. Também aqui, alguns formandos, cerca de um terço, não concorda com o horário em que decorreu a sua acção de formação. Impactos – ao nível deste parâmetro, a avaliação é muito positiva, já que a quase totalidade dos formados concorda e concorda totalmente que a acção vai mudar a sua prática e que se vai repercutir na sua auto-formação, ao nível do sucesso na sua turma e na sua escola. Apenas 1 formando considerou que a acção realizada não foi uma experiência positiva. 2.3.3 O Pessoal Não Docente Como foi já referido, inscreveram-se, no Plano de Formação (formação ao abrigo do D.L. 184/2004), 374 formandos, dos quais foram seleccionados 61 para várias acções o que contabilizaria 261. Todos realizaram, com sucesso, a formação que frequentaram. 30 Tal como acontece com o pessoal docente, também o pessoal não docente das escolas é, maioritariamente feminino, nas várias categorias, como mostra o gráfico abaixo. Em relação às categorias profissionais, estes direccionam-se para a formação apresentada. No Plano de Formação de 2005, por força do constante D i s t r i b ui ç ã o d o s f o r ma nd o s p o r s e x o no D.L n.º 18/2004, de 29 de Julho, oferecemos formação, em vários módulos, em conformidade com os conteúdos e o número de horas constantes 18% no Anexo do referido normativo, para Assistentes de Acção Educativa e para a carreira de acesso ao mascul i no f emi ni no concurso para Chefe de Serviços de Administração Escolar. Preparámos ainda uma acção de formação 82% para psicólogos, sobre “Dinâmica de Grupos”, solicitada pelos mesmos e que teve a frequência de 16 elementos. D i s t r i b ui ç ã o d o s f o r ma nd o s p o r c a t e g o r i a s p r o f i s s i o na i s 6% 45% A. A . E Assi s. A dm. Esc 49% Em relação às habilitações académicas, referidas no gráfico seguinte, elas não espelham, de forma alguma, o nível das habilitações académicas do pessoal não docente das nossas escolas. Psi cól ogos Nota: Este gráfico é calculado com base no total, isto é no nº de formandos que realizaram formação em 2005. Como já foi explicado, este volume não corresponde a 261 formandos independentes, Habilitações Académicas Números totais 200 150 100 155 50 0 10 31 3º ciclo 11º ano 18 12º ano Licenciatura 47 Não responde Habilitações mas sim a 24 formandos que realizaram os 5 módulos de formação para Assistentes de Acção Educativa, 21 formados que realizaram os 7 módulos de formação para Chefes de Serviços de Administração Escolar e ainda 16 psicólogos que realizaram um módulo deformação. 31 Estas habilitações académicas têm a ver com os critérios de selecção dos formandos. Os licenciados, para além dos psicólogos, são apenas mais dois. O facto de quase todos se situarem ao nível do 11º e 12º anos deve-se, então, às exigências de terem estas habilitações para acederem à carreira de Assistentes de Acção Educativa e dos outros serem Assistentes Administrativos que, nos termos da lei, devem ter, pelo menos, o 11º ano. No caso da formação de Auxiliares de Acção Educativa, foi dada a Formação Inicial prevista no DL. 184/2004, de 29 de Julho, indispensável para entrar na nova carreira. Foram seleccionados, de todas as escolas associadas, Auxiliares de Acção Educativa que possuíssem o 12º ano, ou que estivessem a concluílo. Tentámos preparar pessoas, em todos os agrupamentos, que reunissem as condições mínimas para integrarem as novas carreiras previstas no referido normativo. O mesmo se passou com a formação destinada a candidatos a concurso de Chefes de Serviços de Administração Escolar. Todas as escolas associadas puderam colocar nesta formação os seus assistentes especialistas ou, caso não os tivessem, assistentes principais, preparando-os para poderem concorrer a Chefes, conforme o referido diploma legal. No caso desta formação, abriu-se ainda a hipótese às outras escolas do Concelho de Guimarães. Verificou-se que apenas uma escola do concelho possuía um Chefe de Administração Escolar, tendo todas as escolas necessidade de preencher este lugar no próximo concurso. Ora aqui está uma questão importante sobre a qual importa reflectir. Para o Pessoal Não Docente que reúne as condições para ser opositor ao concurso para “Assistentes de Acção Educativa”, de acordo com o D.L n.º 184/2004, de 29 de Julho, realizaramse 5 módulos de formação, que abrangeram 24 formandos. Estes módulos totalizaram 180 horas de formação. Esta formação realizou-se nas interrupções lectivas, evitando assim grandes transtornos para o funcionamento das escolas que, cada vez mais, lutam com falta de pessoal auxiliar. Os 7 módulos previstos para os Assistentes de Administração Escolar dizem respeito àqueles que reunissem condições para acederem ao concurso de acesso à carreira de Chefes dos Serviços de Administração Escolar. Realizaram-se 180 horas e abrangeram 21 formandos. Esta formação foi Números totais Distribuição do Pessoal Docente por Categorias 140 120 100 80 60 40 20 0 118 127 16 A.A.E A.Ad.Esc. Psicólogos Categorias realizada ao longo do ano de 2005 e todos os formandos foram aprovados, reunindo, por isso, as 32 condições formativas necessárias para acederem ao concurso de acesso a Chefe dos Serviços de Administração Escolar. A avaliação desta formação, tal como a do pessoal docente, foi feita com base nos questionários distribuídos no final de cada módulo de formação, na recolha das expectativas iniciais e ainda nos contactos informais que os formandos tinham com o Centro de Formação ou com o seu Conselho Executivo. Foram tidos em conta, os indicadores abaixo apresentados: Razões de escolha das acções- o interesse para a vida pessoal e o desejo de actualização foram os critérios que mais levaram os formandos a escolher determinada acção. Forma de Conhecimento da existência da acção – a grande maioria dos formandos tomou conhecimento da acção através dos órgãos de gestão da escola onde trabalha, tendo um número significativo tomado conhecimento através do contacto directo com o Centro de Formação. Projecto de Formação – este parâmetro é dos melhor avaliados pelos formandos. Quase todos concordam que os objectivos da acção foram cumpridos, que eram relevantes e úteis. Alguns discordam da forma de avaliação (esta tinha de ser feita numa escala de 0 a 20 valores). Métodos – também aqui os formandos concordam que a divisão entre teoria e prática foi suficiente e que as metodologias utilizadas foram as adequadas àquela acção. Concordam totalmente que houve interacção suficiente entre os formandos e entre estes e o formador e que houve possibilidade suficiente de troca de ideias entre os formandos. Aspectos práticos – neste indicador, nota-se uma grande disparidade de opiniões entre os formandos, o que não se notava nos indicadores anteriores. As opiniões quanto às instalações, aos materiais, à duração da acção e ao horário são muito divergentes, o que não permite tirar qualquer conclusão. Impacto da formação – grande parte dos formandos concorda que esta formação vai mudar a sua prática diária, no entanto, um número significativo de formandos, pensa que esta formação não vai alterar nada a sua prática diária e a sua auto-formação, o que é um dado a reter. 3. O OUTRO LADO DO PLANO 3.1. Avaliação das acções não creditadas 3.1. 1. A formação informal Um Centro de Formação não se pode, nem deve cingir ao seu plano de formação, formal e financiado pelo PRODEP, através da Medida 5.1. O Centro de Formação Francisco de Holanda defende um projecto próprio, dinâmico, que passa pela sua assumpção como um Centro de 33 Recursos de apoio às Escolas, aos Professores e aos Funcionários, nos seus múltiplos desafios. Enquadra-se também num contexto próprio e deve, com as outras instituições parceiras, promover todo o tipo de acções e de projectos que, directa ou indirectamente, levem a mais e melhores aprendizagens nas nossas escolas e na comunidade em que se integra. 3.1. 2. O Programa Foral O programa Foral aplica-se ao pessoal das autarquias e o Centro de Formação Francisco de Holanda, em resposta à solicitação da Câmara Municipal de Guimarães, candidatou-se à Medida 1.5. do PRODEP para proporcionar formação para os Assistentes de Acção Educativa pertencentes ao Quadro da autarquia e a exercer funções nos Jardins de Infância do Concelho de Guimarães. Tentou-se, desta forma, dar resposta às necessidades de formação constantes no Estatuto do Pessoal Não Docente (D.L. 184/2004, de 29 de Julho). Foi neste contexto que o CFFH procurou responder à solicitação da Câmara Municipal de Guimarães numa lógica de intervenção local. Organizou 180 horas de formação, distribuídas por cinco Cursos de Formação, abrangendo 90 Assistentes de Acção Educativa, na prática 18 formandos vezes 5 módulos, num volume de formação de 3240 horas. O Centro de Formação Francisco de Holanda, como instituição formadora, pretendeu, neste processo, perspectivar o seu desempenho futuro com base nos processos avaliativos do presente. Com o presente processo de avaliação pretende-se potenciar a emergência do seu carácter formativo, nomeadamente ao nível da reformulação de estratégias interventivas, da regulação de processos de concepção e operacionalização do plano de formação, da validação dos êxitos obtidos, da anulação dos fracassos e consequente superação de dificuldades experienciadas. 1- Caracterização da Formação da Medida 1.5 A Acção de Formação objecto de avaliação, denominada Formação Inicial da Carreira de Assistente de Acção Educativa das Autarquias Locais (medida 1.5), foi organizada em vários módulos, com conteúdos diversificados, tendo sido atribuídos a vários formadores, em consonância com a sua especificidade temática, de acordo com o regulamentado pelo DecretoLei n.º 184/2004, de 29 de Julho. A metodologia inerente ao desenvolvimento da supracitada acção destacou a articulação teórica e a prática dos conteúdos. Em termos de carga horária e contexto de desenvolvimento, as cinco acções que constituem o curso decorreram num total de 180 horas, operacionalizadas em contexto de sala de aula. 34 No que concerne aos objectivos da acção, podemos enfatizar os seguintes: • Levar os formandos a interiorizar o papel da escola na formação social e cultural dos indivíduos; • Enfatizar uma conscencialização progressiva dos formandos acerca de aspectos inerentes ao contexto específico da sua intervenção e para o impacto da sua acção na dinâmica organizacional; • Dotar os formandos de competências, saberes e atitudes que lhes propiciem um desempenho eficaz e eficiente em contexto educativo; • Orientar os formandos na concepção, operacionalização e avaliação de projectos de intervenção. A necessidade premente e emergente dos contextos educativos em rentabilizarem, de modo equilibrado e rico, a intervenção dos Assistentes da Acção Educativa, valida a sua pertinência. Tal necessidade emerge, aliás, do discurso inerente às actuais políticas educativas e traduz, paralelamente, preocupações da própria sociedade. De todos os instrumentos analisados, importa assinalar aquilo que mais agradou aos formandos e também o que mais lhes desagradou. O que mais lhes agradou: - O modo como todos se entregaram ao trabalho – participação activa; - A disponibilidade dos formadores, o seu espírito de abertura e o seu sentido de responsabilidade; - O debate de ideias e conceitos pertinentes, o debate de questões que os preocupam enquanto Assistentes da Acção Educativa; - Troca de experiências; - Novos conhecimentos; - A pertinência dos temas abordados; - A oportunidade de reflexão; - O trabalho de grupo desenvolvido; - A interacção entre formadores e formandos; O que mais lhes desagradou: Parece-nos oportuno, no entanto, focalizar alguns dos constrangimentos particularmente visíveis nas respostas às questões abertas: • A alternância dos formadores (mencionada por 73% dos formandos); • surgidos, A insuficiente carga horária (180 horas) da formação (mencionada por 87,7% dos formandos). 35 Resultados obtidos, ao nível da organização, através da auscultação dos Presidentes dos Conselhos Executivos das Escolas envolvidas no projecto: 1.Articulação entre o Projecto e as necessidades institucionais 2. Pertinência da metodologia do projecto face às necessidades institucionais 3,2 4 3. Papel atribuído aos responsáveis institucionais 1,8 4. O impacto do projecto na indução de novas práticas profissionais 4,2 5. A importância do projecto no desenvolvimento institucional 2,8 6. Impacto do projecto na operacionalização (áreas temáticas) e no produto final 3,4 7. Distribuição do Projecto no tempo 2,6 8. Valia do desenvolvimento do Projecto 3,2 9. Constrangimentos decorrentes do desenvolvimento do projecto 4,3 Escala: de 1 a 5 (em que 1 é discordo totalmente e o 5 é concordo totalmente) Também numa leitura generalista dos dados que constam do quadro apresentado, podemos afirmar que, do ponto de vista do desenvolvimento organizacional, a acção de formação foi positiva. No quadro justificativo das razões evocadas que resultaram nos dados obtidos, enfatizam–se, de seguida, algumas das que consideramos mais pertinentes para cada uma das questões. Assim, e no domínio da articulação do Projecto de Formação com as necessidades institucionais, os inquiridos mencionam a existência de lacunas e de desajustamentos entre as exigências funcionais da acção e os imperativos laborais das escolas. Na esfera da pertinência metodológica da acção, os inquiridos reforçam a aquisição e a actualização de conhecimentos necessários a uma boa prática profissional. No que respeita ao papel assumido pelos professores das escolas na acção é destacada a sua função de orientadores pedagógicos. É de salientar, aqui, a justificativa inerente aos valores obtidos, que se conectam com o facto de, em muitas instituições, tal papel ter sido quase inexistente, porque não foi, atempadamente, percepcionado. No impacto do projecto ao nível da indução de novas práticas profissionais, os resultados obtidos foram geradores da adopção de novas práticas. 36 Relativamente à importância do projecto no desenvolvimento institucional, os inquiridos destacam a ideia de que tal impacto só será visível a médio e a longo prazo. No que concerne ao impacto do projecto na operacionalização (áreas temáticas) e no produto final, são enfatizados valorativamente os módulos da Higiene e Segurança no trabalho, Gestão de Conflitos e Sistema Educativo. No que respeita à distribuição do Projecto no tempo, parece consensual a dificuldade em articular, convenientemente, a formação e os imperativos laborais das escolas. Os inquiridos sugerem que, em acções futuras, sejam considerados um horário pós-laboral e as interrupções lectivas. No domínio das mais valias subjacentes ao desenvolvimento da acção são salientadas as relações interpessoais, a inovação metodológica e as estratégias colaborativas. A pertinência evocada pode alocar-se nas sugestões apresentadas, que achamos por bem focalizar: • • • Incentivo de uma cultura de colaboração e de associativismo entre os diferentes parceiros educativos; Fomento de uma formação contínua centrada nas práticas profissionais e nas necessidades organizacionais; Incremento de cooperação com serviços de animação sócio – educativa e de apoio à família. No âmbito dos constrangimentos emergentes neste grupo de inquiridos, há a ressaltar: • • Incompatibilidades horárias, sendo maioritariamente sugerida a hipótese de a formação ocorrer em horário pós-laboral, o que traduz um desconhecimento da Lei que obriga a que a formação decorra no horário normal de trabalho. Dificuldade sentida em activar mecanismos de circulação de informação atempada e nos problemas latentes das dificuldades de comunicação inter -institucional. 4. AVALIAÇÃO DAS ACÇÕES E PROJECTOS DESENVOLVIDOS. • Este centro de Formação tem vindo a proporcionar à população envolvente uma série de acções e de projectos que se distinguem no ambiente educativo e cultural da cidade e da região onde se situa. Salientam-se alguns exemplos de acções e de projectos desenvolvidos: Cantar os Reis – o grupo de formandos Musiké - “Cantar Guimarães” participou no Concurso de Reisadas da Câmara Municipal de Guimarães e obteve o 3º lugar. Para além 37 • • • • • • 38 do honroso lugar conquistado, o que esteve em causa foi a aproximação da Instituição à população em geral e a parceria com a Câmara Municipal. Lançamento da Revista ELO 12 – O lançamento da revista do Centro de Formação, que já vai no seu número 12, é sempre aguardada com ansiedade. Foi apresentada, em Janeiro de 2005, no Auditório da Escola Secundária Francisco de Holanda, pelo Doutor Joaquim Machado, do IEC, da Universidade do Minho. Além de várias notícias do Centro referentes ao ano 2005, da reflexão sobre o decorrer do Plano de Formação de 2005 e sobre os resultados da formação e dos seus impactos nas escolas, contem uma série de textos reflexivos, de investigação e de relatos de experiências inovadoras que contribuem para o crescimento profissional dos seus destinatários. Seminário – anualmente, o CFFH organiza um seminário/encontro temático, que reúne centenas de professores, à volta de um tema globalizante que, de uma forma ou de outra, se liga às grandes questões geradoras dos Planos de Formação. Em 2005, este seminário realizou-se no dia 24 de Fevereiro, no auditório da Universidade do Minho, sob o tema Professor – Profissão de Risco? Estiveram presentes cerca de 400 docentes e outros agentes educativos que, durante todo o dia, reflectiram sobre o novo conceito de “SER PROFESSOR” e os desafios que a pós-modernidade coloca a estes profissionais. Apresentação das actas “O Futuro da Escola Pública em Portugal- Que papel para os Agrupamentos de Escolas” – também como é habitual, em cada Seminário são apresentadas as actas do seminário do ano anterior. O Doutor Joaquim Machado, do IEC, voltou a apresentar as actas que reflectem as intervenções do seminário de 2004. ELO online – na era das novas tecnologias, o CFFH também marca o seu espaço mantendo, na sua página, o ELO online, enquanto espaço de reflexão, aberto a todos, dinâmico e que pretende provocar, nos seus leitores, respostas imediatas. Desde que o CFFH disponibiliza este espaço, a página do Centro de Formação tem sido muito mais consultada. Seminário para Pessoal Não Docente, “O Novo Modelo de Avaliação de Desempenho e a importância da Formação do Pessoal Não Docente”, realizado no dia 7 de Março de 2005, no Auditório da Associação dos Viajantes e dos Técnicos de Vendas de Guimarães, com a presença do Dr. Jorge Reis e da Dra Inês Pinto, da DGRHE. O D.L n.º 184/2004 , de 29 de Julho e os restantes normativos que lhe estão associados, trazem grandes dúvidas. O CFFH resolveu promover uma sessão (in)formativa, com quadros da DGRHE, para Conselhos Executivos e representantes do Pessoal Não Docente das Escolas. Teve uma forte participação de todas as escolas associadas e mesmo da Região Norte, tendo sido de grande interesse para a compreensão dos novos normativos. A avaliação feita mostranos que todos consideraram esta formação muito importante e recomendam novos momentos formativos. Projecto Smartboards – O Centro de Formação Francisco de Holanda estabeleceu uma parceria com o Centro de Competência Mar e Serra, da Batalha, no âmbito do projecto Smartboards. Assim, 4 escolas associadas do Centro de Formação (Escola Secundária Francisco de Holanda, Escola Secundária das Taipas, Agrupamento de Escolas de Ponte e • • • • • Agrupamento de Escolas de Pevidém) receberam 2 quadros interactivos cada, para utilização com os seus alunos. No caso dos Agrupamentos, um dos quadros teria de ser para utilização no 1º ciclo. Este projecto englobou ainda uma acção de formação para professores destas escolas, preparando-os para melhor rentabilizarem este equipamento. Acções de curta duração – o CFFH considera que o seu papel deve ir além da formação planeada e, sempre que possível, responder aos problemas que se levantam nas escolas associadas e contribuir, quer para o desenvolvimento profissional e pessoal dos vários actores, quer para o desenvolvimento das instituições, enquanto comunidades de aprendizagens. Assim, o CFFH colocou-se ao dispor das escolas associadas para fazer (ou colaborar em) acções de curta duração, sempre que solicitadas por estas. Realizou-se uma no Agrupamento de Fermentões, para todo o seu Pessoal Não Docente, que foi do agrado de todos e contribuiu para melhorar as suas competências. Realizou-se ainda, a pedido da Escola Secundária Francisco de Holanda, uma acção de actualização sobre os Smartboards. Esta, dinamizada pelo Centro de Competência da Batalha, realizou-se em Novembro e teve a participação de muitos docentes, a maioria das escolas que não possuem Smartboards. A partir desta formação, muitas escolas demonstraram interesse nesta nova tecnologia e o CFFH está a tentar alargar o projecto a outras escolas associadas. Centro de Recursos – o CFFH dispõe de um Centro de Recursos, em desenvolvimento, que pode ser usado por qualquer docente das escolas associadas. Seminário “ O contributo da autarquia na implementação de práticas curriculares diversificadas nas escolas do 1º ciclo”, realizado em parceria com a Cooperativa Tempo Livre. Decorreu, no Pavilhão Multiusos, no dia 23 de Novembro de 2005. Teve a presença de cerca de uma centena de professores do 1º ciclo que, durante um dia, discutiram e reflectiram sobre os principais obstáculos à implementação de uma prática curricular diversificada no 1º ciclo. Encontro “ Constrangimentos à operacionalização de medidas de política educativa”, realizada no dia 27 de Dezembro, no auditório da escola Secundária Francisco de Holanda, com a presença do Director Regional Adjunto, Dr. António Leite e destinada aos professores que participaram no seminário realizado no dia 23 de Novembro. Formação para Novos Programas do Ensino Secundário. - Dando resposta à solicitação da Direcção Geral de Desenvolvimento Curricular (DGIDC), o Centro de Formação Francisco de Holanda, em parceria com a rede de CFAE’s do Minho, ajudou a levar a cabo várias acções de formação. Se elas não aparecem sob a responsabilidade do Centro de Formação Francisco de Holanda, tal deve-se ao facto de o seu Director ser o Coordenador do processo na Região Norte, deixando essa tarefa a cargo dos colegas da rede. Tem sido um trabalho bem conseguido que só peca por falta de sincronização com vários departamentos do Ministério. 39 5. CONCLUSÕES De tudo quanto foi apresentado, ressalta o enorme dinamismo que o CFFH apresentou, em várias áreas, no ano de 2005, no panorama educativo do concelho de Guimarães. O Centro de Formação Francisco de Holanda tem vindo a assumir-se com uma identidade própria, com um projecto próprio e com uma filosofia que colocam a formação e o desenvolvimento profissional dos diversos actores educativos como prioridade. Nesta época de grandes mudanças, há que repensar o papel dos vários agentes educativos. O papel dos professores, no processo de mudança educativa, é crucial. O professor não pode continuar a ser apenas o executor da reforma educativa, mas terá de ser, necessariamente, sujeito da mudança, através de um processo apropriativo em que se produzam mudanças, simultaneamente, na sua maneira de agir, no seu contexto de trabalho e no seu universo cognitivo (Canário, 1994:106).3 Ainda para este autor, citando o mesmo texto (p.109), a mudança escolar não pode ser pensada em termos de um sistema escolar mas sim de um sistema de escolas. Temos de centrar a mudança em cada escola concreta, dentro de um quadro conceptual e regulador da administração. É nesta lógica de “formação centrada na escola” que o Plano de Formação de 2005 foi desenhado e executado. Mais de 70% da formação apresentada foi concebida em modalidades activas, solicitadas pelas escolas, e cujos objectivos foram a produção de efeitos dentro da própria organização. A formação foi perspectivada segundo o paradigma da mudança (Pacheco e Flores, 1999: 129)4. Ela resultou de um processo de negociação e de colaboração dentro de um espaço aberto que é a escola e em função da necessidade de reorientar os saberes e competências do professor. A formação não deve ter como destinatários apenas os professores, individualmente considerados, mas também as escolas em que trabalham. O Centro de Formação Francisco de Holanda é um Centro de Associação de Escolas e estas são o fim último do seu trabalho. Na linha do pensamento de Pacheco e Flores (1999:133)4 deve falar-se de uma formação contínua que seja o resultado do equilíbrio entre as necessidades do sistema educativo e as necessidades individuais e profissionais dos professores e demais actores educativos. Tem sido este o enquadramento teórico subjacente à construção e execução dos Plano de Formação do CFFH. 3 CANÁRIO, Rui (1994) O Professor e a Produção de Inovações. Revista Colóquio Educação e Sociedade, pp. 97-121. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 4 PACHECO & FLORES (1999) Formação e Avaliação de Professores. Porto: Porto Editora. 40 Num tempo caracterizado por grandes mudanças, a formação contínua deve deixar de ser individualizada e partir para lógicas colaborativas, de reflexão contínua e sistemática, construída nas e sobre as práticas, com reflexos na aprendizagem dos alunos. • Assim, consideramos que: O Plano de Formação de 2005 foi um instrumento positivo, indutor do desenvolvimento do profissionalismo docente, da criação de trabalho colaborativo, dentro das nossas escolas e desenvolvendo comunidades aprendentes dentro de cada escola. • As modalidades activas, que se desenvolveram em cerca de 77% da formação do pessoal docente, contribuirão para um desenvolvimento individual e das próprias organizações escolares. • A formação para pessoal não docente, preparando os funcionários das escolas para as novas carreiras previstas no novo normativo (DL 184/2004, de 29 de Julho), contribuiu para o desenvolvimento organizacional e para as novas exigências colocadas ao pessoal não docente neste início do século XXI. • A organização de encontros e seminários, para pessoal docente e não docente, promoveu a informação, a reflexão e a investigação, essenciais para o desenvolvimento profissional. • A resposta, imediata, às necessidades do sistema, em articulação com as necessidades individuais e organizacionais, colocaram e colocam o Centro de Formação na charneira das políticas educativas: melhorar o desempenho dos professores é contribuir para a melhoria do sistema educativo, das nossas escolas, da aprendizagem dos nossos alunos, fim último da nossa missão. Se é verdade que o trabalho desenvolvido é meritório, também temos a consciência de que há ainda muito a fazer. O Centro de Formação, como interlocutor privilegiado junto das estruturas centrais do Ministério da Educação, tudo fará para se assumir como um defensor das nossas escolas, na defesa de uma política educativa mais autónoma e localizada, na identificação e resolução dos problemas das nossas escolas. Cada vez mais, o Centro de Formação, enquanto representante de um conjunto vasto de escolas, terá de ser um elo, uma mais valia na construção de uma ESCOLA DE QUALIDADE. 41 42 PLANO DE FORMAÇÃO PARA 2006 1. Introdução Contrariamente aos planos de formação elaborados nos anos transactos, o “Plano de Formação para 2006” não assenta, substancialmente, nas orientações de política de formação presentes nos projectos educativos das escolas associadas já que as prioridades de formação definidas pela Senhora Ministra da Educação, conforme Despacho de 4 de Maio de 2005, constituem a linha de força orientadora deste documento. Além da definição destas áreas prioritárias, que limitaram a autonomia deste Plano, acrescem ainda os constrangimentos impostos pelo PRODEP que, através de ofício circular aos CFAE’s, tornou não elegíveis, em termos de financiamento, as acções apresentadas fora das áreas prioritárias definidas pelo Ministério da Educação e das áreas específicas dos grupos disciplinares. Outro constrangimento externo consiste na “obrigatoriedade” dos docentes do 1º Ciclo, a leccionar os 3º e 4º anos de escolaridade, terem de frequentar formação, no âmbito da Matemática, sob a responsabilidade das Escolas Superiores de Educação. Por outro lado, a iniciação ao Inglês, no 1º ciclo, ao ser entregue às autarquias o recrutamento dos docentes, faz com que os “futuros professores” desta disciplina não possam ser formandos dos Centros de Formação de Associação de Escolas, dado que não terão vínculo contratual com o Ministério da Educação. Assim, este Plano não é, de todo, uma resposta às propostas de formação das escolas e agrupamentos, devidamente definidas e aprovadas nos seus Conselhos Pedagógicos. Assume-se, pelo contrário, mais como uma resposta institucional às novas políticas educativas e, em particular, à nova política de formação definida centralmente. Mesmo assim, o Centro de Formação Francisco de Holanda procurou ultrapassar esta centralidade, tentando recuperar alguma autonomia, assumindo-se como Centro de Recursos das Escolas Associadas, como gerador de dinâmicas e de políticas locais de formação e inovação, adequadas às especificidades e às identidades de cada escola/agrupamento da área geográfica restrita do Centro de Formação Francisco de Holanda e da própria cidade em que está inserido. Assumiu, como temos dito algumas vezes, o papel de “farol” e de provocador! Tais dinâmicas inserem-se, não só numa lógica de formação contínua acreditada e creditada, mas também numa lógica diversificada de actividades formativas e culturais, e ainda em alguma formação pontual e contextualizada, encontrando, deste modo, outra forma de dar resposta(s) às necessidades e preocupações das suas escolas associadas e daqueles que nelas trabalham. Contudo, foram enquadradas neste Plano todas as solicitações das escolas/agrupamentos, bem como de professores/educadores, individualmente considerados, que estivessem conectados quer com as prioridades definidas pela tutela, quer com as áreas específicas, quer ainda com os Projectos de Formação de cada escola associada. 43 2. Objectivos Tendo sempre presente as orientações do Ministério da Educação e do PRODEP, bem como os objectivos definidos para o Projecto de Formação do Centro para o triénio (2005/2007), o presente Plano de Formação persegue como objectivos fundamentais os seguintes: Cumprir as prioridades de formação para pessoal docente, definidas pelo Ministério da Educação; Cumprir as prioridades de formação definidas pela DGRHE para o pessoal não docente; Apresentar o maior número de acções possível nas áreas curriculares específicas; Responder às necessidades de formação dos agrupamentos/escolas associadas, dos departamentos curriculares, conselhos pedagógicos, conselhos de turma, conselhos de ano, conselhos de docentes, conselhos de directores de turma e de cursos, núcleos de apoio educativo e, ainda, dos professores e educadores individualmente; Articular as actividades do plano de formação do Centro com os Planos de Formação dos agrupamentos/escolas associadas (caso existam); Incentivar os docentes para a autoformação, para a investigação e para a inovação educacional; Organizar visitas de estudo, seminários e colóquios que se assumam como espaços de debate e de reflexão de ideias e, ao mesmo tempo, de intercâmbio entre as diferentes escolas e os seus profissionais; Desenvolver, nos professores, o espírito de actualização ao nível das novas tecnologias com o objectivo de transformar as aulas em espaços vivos e atraentes; Fomentar a reflexão e a inovação pedagógica e educativa; Proceder à divulgação de trabalhos oriundos das acções de formação, que se revistam de interesse pedagógico e/ou científico para a comunidade educativa; Dinamizar o Centro de Recursos, garantindo o máximo de eficácia na gestão de recursos de materiais bibliográficos e didácticos existentes, transformando-o, desta forma, num espaço de encontro, de partilha, de reflexão e de produção de materiais didácticos com o objectivo de introduzir mudanças nas práticas educativas; Promover a formação informal (acções de curta duração) como base de uma formação qualificante; Promover a melhoria da qualificação dos recursos humanos existentes nos agrupamentos/escolas associadas, ajudando a criar um perfil ainda mais adequado de quem lida com crianças e jovens; Promover, nas escolas, uma cultura da avaliação como instrumento para melhorar a qualidade do serviço que prestam à comunidade; Promover o aperfeiçoamento e a actualização das competências profissionais do pessoal não docente, nos vários domínios em que exercem a sua actividade, numa perspectiva de mudança e de modernização do sistema educativo. 44 3. Procura e oferta de formação O reduzido número de potenciais formandos nas áreas mais específicas dos 2ºs. e 3º ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário impedem o Centro de oferecer actividades que vão directamente ao encontro de uma procura individualizada. Esta situação agrava-se neste Plano de Formação, já que a orientação da Sra. Ministra da Educação vai para uma percentagem de formação de, pelo menos, 50% nas áreas disciplinares da especialidade de cada educador/professor. Além desta orientação, o ESTUDO DE AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA FORMATIVA NO ÂMBITO DA ACÇÃO 5.1 DO PRODEP III, com base em dados recolhidos em 2002/2003, apresenta, ainda que de forma provisória, as principais conclusões e recomendações, reconhecendo que os docentes evitam frequentar formação na sua área específica, e recomenda um papel mais activo das entidades formadoras neste domínio. A única forma de ultrapassar este problema é proceder a uma reorganização da rede de Centros e à celebração de parcerias para tornar exequível essa formação, o que não tem sido de todo fácil até ao momento. Enquanto isso não for possível, o Centro continuará disponível para organizar acções de curta duração, para dar resposta às solicitações das escolas, dos professores, mas, sobretudo, às daqueles para os quais não existe ainda formação específica. A Comissão Pedagógica continua a incentivar os docentes, que desejarem outro tipo de formação não proposta, que se organizem em Círculos de Estudos e/ou em outras modalidades. O Centro garante-lhes apoio. 4. Número de Formandos/Turma Existem acções, que, tendo em conta a sua especificidade, o número de formandos tem de ser obrigatoriamente reduzido. São acções de carácter eminentemente prático, caso das Oficinas de Formação, de Projectos e de Círculos de Estudos, nas quais um formador não consegue acompanhar com a qualidade desejada todos os formandos. Por tal motivo, defende-se que as acções cuja especificidade o aconselhem, mesmo que se trate de Cursos de Formação, funcionem com o número de formandos que permitam um trabalho de qualidade. 5. Avaliação dos Formandos e das Acções Tendo sempre presente as grandes linhas que subjazem à previsão de resultados e avaliação definidos no Projecto de Formação definido para o triénio 2005/07, tal como determina o Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores, os participantes nas acções de formação e as próprias acções e, por via destas, o próprio Centro serão avaliados. Os formandos serão avaliados pelos formadores, utilizando para o efeito os instrumentos mais adequados aos programas das respectivas acções de formação e respectivas modalidades. As acções serão avaliadas pelos formandos, pelos formadores, eventualmente, por um elemento da Comissão Pedagógica designado para o acompanhamento das actividades da formação, e pelo consultor de formação, sobretudo no que diz respeito às modalidades de Projecto de Formação, Círculo de Estudos e Oficinas de Formação. 45 O modo de avaliação dos formandos fará parte dos respectivos Projectos de Formação e será divulgado para que os formandos o conheçam, no acto de inscrição. Em qualquer caso, a avaliação do aproveitamento dos formandos será individual e os documentos, que derem origem à notação final, ficarão arquivados no dossier técnico-pedagógico das respectivas acções e serão rubricados pelos formadores. A avaliação final dos formandos é da competência do respectivo formador e terá uma das seguintes notações: “APROVADO” ou “NÃO APROVADO”. A primeira será atribuída aos que, tendo participado em pelo menos dois terços da carga horária total da acção (a especificar em cada projecto), demonstrem, perante o respectivo formador, terem atingido os objectivos mínimos propostos. A segunda será atribuída aos que, mesmo que tenham participado em pelo menos dois terços da carga horária da acção, não atinjam os objectivos mínimos propostos. No entanto, a ratificação final da avaliação cabe à entidade formadora. Do resultado final da avaliação cabe recurso para a Comissão Pedagógica do Centro. A sessão destinada à avaliação comportará, além da avaliação dos formandos, uma avaliação da acção pelos formandos e pelos formadores. Para o efeito, os formandos e os formadores responderão a questionários específicos. O Formador será igualmente objecto de avaliação a partir de uma ficha de avaliação a preencher pelos formandos, para além de ser auscultado o Consultor, os Assessores do Centro e os membros da Comissão Pedagógica. Recolhidos os dados acima enumerados, compete à Comissão Pedagógica atribuir uma avaliação qualitativa a cada formador. Esta avaliação usará a seguinte escala: EXCELENTE, MUITO BOM, BOM, SATISFAZ e NÃO SATISFAZ. No final do ano, os resultados do tratamento desses questionários serão divulgados na Comissão Pedagógica e, por via dos seus membros, junto das Escolas associadas. 6. Acções de Formação Projectadas Tomando em conta as Áreas de Formação Prioritárias definidas pela Sra. Ministra da Educação e pela DGRHE, a análise de necessidades de formação, a dinâmica das escolas, o envolvimento dos professores em projectos e, tendo presente os aspectos legais, a Comissão Pedagógica do Centro de Formação aprovou a proposta que lhe foi apresentada pelo Director, depois de analisada e discutida pela respectiva Secção do Acompanhamento Pedagógico. É evidente que também foi tida em conta a capacidade de resposta ao volume de formação do staff do Centro e ainda as orientações da EAT Norte do PRODEP, bem como a adequação da oferta à procura verificada nos últimos anos. Assim, as acções previstas para o Plano de Formação do ano 2006 são as constantes do mapa em anexo: NB. Da listagem das acções, que a seguir se apresenta, já não constam aquelas acções que foram “cortadas” pelo PRODEP por não se enquadrarem na grelha de análise seguida para o ano de 2006. 46 47 ACÇÕES DE FORMAÇÃO PARA 2006 2 – Matemática 1 -Português 01 48 Designação da acção LÍNGUA PORTUGUESA: DA PALAVRA À FRASE – DÚVIDAS, SABERES E EXPERIÊNCIAS Formadores João Rodrigues Ferreira Validade N.º Registo de acreditação da acção Prioridades (ofício circular 26/05 de 31/05/05 da GIO e Despacho de 04.05.05 da M.E.) Grau Académico Informam-se os Educadores de Infância, Professores dos Ensinos Básico e Ensino Secundário e Pessoal Não Docente que o Centro de Formação de Francisco de Holanda vai realizar as seguintes acções, no âmbito do Plano de Formação 2006, que aguarda financiamento do FSE. Doutor CCPFC/ACC39596/05 6-Jul-08 Maria Amélia F. P. Maia Lourenço Licenciada Licenciado CCPFC/ACC39561/05 6-Jul-08 Joaquim Salgado Almeida Doutora CCPFC/ACC35287/04 12-Jul-07 CCPFC/ACC40103/05 28-Jul-08 Licenciada Doutora CCPFC/ACC39664/05 6-Jul-08 CCPFC/ACC39636/05 5-Jul-08 CCPFC/ACC40087/05 28-Jul-08 02 BANDA DESENHADA E ILUSTRAÇÃO NO CONTEXTO DA LÍNGUA PORTUGUESA 03 DA LINGUAGEM ORAL À LINGUAGEM ESCOLAR: FACTORES DETERMINANTES DO (IN)SUCESSO NA APRENDIZAGEM INICIAL DA LEITURA/ESCRITA 04 DA EXPRESSÃO ORAL À EXPRESSÃO ESCRITA NA SALA DE AULA DE PORTUGUÊS 05 DIDÁCTICA DA MATEMÁTICA: COMO REALIZAR ACTIVIDADES PROMOTORAS DO PENSAMENTO CRIATIVO NA SALA DE AULA Ana Cláudia Silva Sá Morais de Oliveira 06 APRENDIZAGEM INTEGRADA DOS NÚMEROS E OPERAÇÕES NA DISCIPLINA DE MATEMÁTICA, NO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO Ana Maria F. S. Fraga Coelho Mestre Mário José P. Roque Oliveira Mestre 07 AVALIAÇÃO NA DISCIPLINA DE MATEMÁTICA: NOVOS DESAFIOS, VELHOS PROBLEMAS! Maria Iolanda Ribeiro Maria do Rosário Ferreira Maria da Glória Cardoso Licenciada Maria José G. Vaz da Costa Licenciada Célia Maria Xavier Sousa Gama Lobo Licenciada Créditos Modalidade 30 A A46 CF 1.2 16 22 38 C C05 OF de 1.5 a 3.0 Educadores de Infância, Professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico, dos Grupos 1.º, 2.º, 3.º e 5.º do 2.º Ciclo do Ensino Básico e dos Grupos 5.º, 8.º A e 8.º B do 3º Ciclo/Secundário Domínio 17 Área 13 Educadores de Infância e Professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico, dos 1.º, 2.º e 3.º Grupos do 2.º Ciclo do Ensino Básico e dos Grupos 8.º A e 8.º B do 3.º Ciclo/Secundário P Duração Destinatários T Local Datas de Realização Escola Secundária Francisco de Holanda 2 de Fevereiro a 28 de Março Agrupamento de Escolas de Pevidém 17 de Janeiro a 24 de Março 15 10 25 B B03 CF 1.0 Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário Agrupamento de Escolas de Fermentões 7 23 30 C C05 OF de 1.2 a 2.4 Professores dos Grupos 8.º A e 8.º B do Ensino Secundário Escola Secundária Francisco de Holanda Educadores de Infância e Professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico Agrupamento de Escolas Afonso Henriques 17 de Janeiro a 9 de Maio 24 de Janeiro a 25 de Maio 2 de Fevereiro a 20 de Julho 12 38 50 C C05 OF de 2.0 a 4.0 11 29 40 C C05 OF de 1.6 a 3.2 Professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico Agrupamento de Escolas de Caldas das Taipas 2 de Fevereiro a 30 de Maio 11 17 28 C C05 OF de 1.1 a 2.2 Professores do 1.º Grupo do Ensino Secundário Escola Secundária Francisco de Holanda 2 de Fevereiro a 28 de Junho 49 3 - Ciências 4 – NEE’S de carácter prolongado 5Inglês 6- Acções em áreas disciplinares específicas 50 08 ESTIMULAR O ENSINO DAS CIÊNCIAS COM ACTIVIDADES EXPERIMENTAIS António Martins de Sousa Bessa P.C. do Mestrado CCPFC/ACC39662/05 6-Jul-08 09 MEDIÇÃO E GRAFISMO ENSINO EXPERIMENTAL FÍSICA E QUÍMICA António Martins de Sousa Bessa P.C. do Mestrado CCPFC/ACC39663/05 6-Jul-08 Camila Gabriela Machado de Sousa P.C. do Mestrado CCPFC/ACC39597/05 6-Jul-08 P.C. do Mestrado CCPFC/ACC39598/05 6-Jul-08 Licenciada CCPFC/ACC40144/05 28-Jul-08 12.º Ano de Escolaridade CCPFC/ACC40333/05 5-Set-08 CCPFC/ACC40088/05 28-Jul-08 CCPFC/ACC41407/05 22-Set-08 10 NO DA AVANÇOS CIENTIFICOS – APLICAÇÃO AO ENSINO LABORATORIAL DAS CIÊNCIAS 11 CIÊNCIAS EXPERIMENTAIS NO 1.º E 2.º CICLOS – MOTIVAR E PRATICAR Camila Gabriela Machado de Sousa 13 COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E TECNOLOGIAS DE APOIO – INTERVENÇÃO EM CONTEXTO PEDAGÓGICO Luísa Fernanda Marques Taveira Soares 14 LÍNGUA GESTUAL PORTUGUESA 15 INTERVENÇÃO APROFUNDADA SOBRE CRIANÇAS COM PERTURBAÇÕES DO ESPECTRO DO AUTISMO 16 SEMIOLOGIA BRAILLE – UMA OUTRA FORMA DE COMUNICAR António Manuel Gomes Araújo Vítor M. Têtê Gonçalves Mestre Noémia Maria C. G. Ramos Coleta Mestre Serafim Manuel Silva Queirós Mestre Rosa Manuela de Oliveira Bastos Licenciada 17 A INICIAÇÃO DO INGLÊS NO ENSINO BÁSICO Ana Paula Caldeira de Oliveira Licenciada CCPFC/ACC39594/05 06-Jul-08 20 CANTAR GUIMARÃES NA SALA DE AULA, NA ESCOLA E NA VIDA. Óscar Albano Moura Leal Ribeiro Mestre CCPFC/ACC40091/05 28-Jul-08 21 O DESENHO ASSISTIDO POR COMPUTADOR NO PROCESSO ENSINO / APRENDIZAGEM – II José Maria Rodrigues Mendes Licenciado CCPFC/ACC40106/05 28-Jul-08 22 FISCALIDADE E GESTÃO: UMA APOSTA NA MODERNIZAÇÃO Maria Gabriela Pombo Sousa Mestre CCPFC/ACC40146/05 28-Jul-08 23 A ESCOLA, A HISTÓRIA LOCAL E O PATRIMÓNIO Mestre CCPFC/ACC40102/05 28-Jul-08 27 O MOSAICO NA ESCOLA CCPFC/ACC42366/05 03-Out2008 Alberto José Guedes Lameiras Joaquim A. Salgado Almeida Teresa Maria C. de Almeida Licenciado Mestre Agrupamento de Escolas Afonso Henriques 9 de Março a 9 de Maio Professores dos 4º Grupos A e B do 3.º Ciclo/ Secundário Escola Secundária Francisco de Holanda 2 de Fevereiro a 7 de Março de 1.2 a 2.4 Professores do 11.º Grupo B do 3.º Ciclo/Secundário Escola Secundária Santos Simões 6 de Setembro a 10 de Outubro OF de 1.2 a 2.4 Professores do 1.º Ciclo e do 4.º Grupo do 2.º Ciclo do Ensino Básico Agrupamento de Escolas de Ponte 7 de Fevereiro a 30 de Maio B06 OF de 2.0 a 4.0 Educadores de Infância e Professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico Unidades de Apoio multideficiência Guimarães/Vizela 19 de Janeiro a 9 de Maio B B06 CF 2.0 Educadores de Infância, Professores do Ensino Básico e Ensino Secundário Agrupamento de Escolas de Fermentões 17 de Janeiro a 27 de Abril 50 B B06 OF de 2.0 a 4.0 Educadores de Infância e Professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico Agrupamento de Escolas de Fermentões 18 de Janeiro a 26 de Julho 30 50 B B06 CF 2.0 Educadores de Infância e Professores do Ensino Básico e Ensino Secundário Agrupamento de Escolas Afonso Henriques 5 de Setembro a 21 de Novembro 7 18 25 C C05 OF de 1.0 a 2.0 Professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico, do 3.º Grupo do 2.º Ciclo do Ensino Básico e do 9.º Grupo do 3.º Ciclo do Ensino Básico Agrupamento de Escolas de Ponte 16 de Janeiro a 24 de Fevereiro 18 32 50 C C05 OF de 2.0 a 4.0 Educadores de Infância Escola Secundária Francisco de Holanda 1 de Fevereiro a 11 Maio 12 38 50 C C15 OF de 2.0 a 4.0 Professores do 5.º Grupo do 2.º Ciclo do Ensino Básico e dos Grupos 2.º A, 2.º B, 3.º, 5.º, 12.º A, 12.º B, 12.º D, 12.º E e 12.º F dos Ensinos Básico (3º ciclo) e Secundário Escola Secundária Francisco de Holanda 1 de Fevereiro a 12 de Maio 21 19 40 C C05 OF de 1.6 a 3.2 Professores dos Grupos 6.º e 12.º C do Ensino Secundário. Escola Secundária de Caldas das Taipas 21 de Abril a 21 de Julho 20 30 50 C C05 OF de 2.0 a 4.0 Professores dos Grupos 5º, 8.º A, 8.º B, 10.º A e 11.º B do 3º Ciclo/Secundário. Escola Secundária Francisco de Holanda 7 de Fevereiro a 27 de Junho 15 23 38 C C05 OF de 1.5 a 3.0 Professores dos Ensinos Básico e Secundário Agrupamento de Escolas Afonso Henriques de 5 de Maio a 30 de Junho 9 16 25 C C05 OF de 1.0 a 2.0 Professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico e do 4.º Grupo do 2.º Ciclo do Ensino Básico 10 15 25 C C05 OF de 1.0 a 2.0 6 24 30 C C05 OF 9 21 30 C C05 15 35 50 B 6 44 50 20 30 20 51 Formadores 28 CIBE - CADASTRO INVENTÁRIO BENS DO ESTADO Maria José Ferreira da Silva Pós-Graduada 29 CONTABILIDADE ORÇAMENTAL E PATRIMONIAL PARA A ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR Maria José Ferreira da Silva Pós-Graduada 30 GESTÃO DE CONFLITOS E DE STRESS EM CONTEXTO ESCOLAR Sérgio Machado Parente 31 SEGURANÇA E PRIMEIROS SOCORROS EM AMBIENTE Sérgio David Bessa Vilaça ESCOLAR Licenciado 33 SISTEMA EDUCATIVO Licenciado 52 António Alberto Vasconcelos Araújo Mestre Validade Designação da acção Registo de acreditação da acção N. Grau Académico ACÇÕES DE FORMAÇÃO DO PESSOAL NÃO DOCENTE DGRHE/01 361/05 31-Ago-2008 DGRHE/01 360/05 DGRHE/01 6589/04 DGRHE/01-150/05 DGRHE/01 5728/04 31-Ago-2008 11-Nov-2007 28-Abril-2008 09-Set-07 Modalidade Domínio Área P Duração T Destinatários Chefes de Serviços de Administração 10 15 25 O ND09 Curso de Formação Escolar, Assistentes de Administração Escolar e Tesoureiros Chefes de Serviços de Administração 11 24 35 O ND09 Curso de Formação Escolar, Assistentes de Administração Escolar e Tesoureiros Local Datas de Realização Escola Sec. Francisco de Holanda de 2 a 17 de Maio Escola Sec. Francisco de Holanda de 9 a 23 de Outubro Escola Sec. Francisco de Holanda de 3 a 6 de Julho Escola Sec. Francisco de Holanda de 5 a 12 de Abril Escola Sec. Francisco de Holanda de 6 a 11 de Abril Encarregados do Pessoal Assistente de Acção Educativa, Assistente de Acção 8 17 25 M ND02 Curso de Formação Educativa, Encarregados do Pessoal Auxiliar de Acção Educativa, Auxiliares de Acção Educativa, Telefonistas, Guarda-Nocturno e Operadores de Reprografia Encarregados do Pessoal Assistente de Acção Educativa, Assistente de Acção 23 17 40 Q ND15 Curso de Formação Educativa, Encarregados do Pessoal Auxiliar de Acção Educativa, Auxiliares de Acção Educativa, Telefonistas, Guarda-Nocturno e Operadores de Reprografia Encarregados do Pessoal Auxiliar de 10 11 21 N ND06 Curso de Formação Acção Educativa, Auxiliares de Acção Educativa, Telefonistas, GuardaNocturno e Operadores de Reprografia 53 54 Reordenamento da Rede Escolar das escolas que constituem o Centro de Formação Francisco de Holanda Escola Secundária Francisco de Holanda c/3º. Ciclo Escola Secundária de Caldas das Taipas c/ 3º. Ciclo Escola Secundária Dr. Santos Simões Escola EB 2,3 D. Afonso Henriques EB 1/JI de Teixugueira - Silvares Escola EB 1 de Casquinho - Silvares Escola EB 1 de Candoso Santiago Escola EB 1 Mascotelos Escola EB 1/JI Alto da Bandeira - Creixomil Escola EB 1 do Salgueiral - Creixomil Jardim de Infância de Candoso Santiago Escola EB 2,3 de Caldas das Taipas Escola EB 1 de Agrolongo - Sande S. Lourenço Escola EB 1 do Pinheiral - Caldas das Taipas Escola EB 1 da Charneca - Caldas das Taipas Escola EB 1 de Cruzes - Balazar Escola EB 1 de Igreja - Sande S. Martinho Escola EB 1 do Passal - Longos Sta. Cristina Escola EB 1 Vieite - Sande S. Clemente Jardim de Infância de Vieite - S. Clemente Jardim de Infância de Agrolongo - Sande S. Lourenço Jardim de Infância do Assento - Sande S. Clemente Jardim de Infância de Igreja - S. Martinho de Sande Jardim de Infância da Charneca Jardim de Infância de Passal - Longos Sta. Cristina Jardim de Infância Cruzes Balazar Escola EB 2,3 de Briteiros Escola EB 1/JI de Igreja S. Salvador - Briteiros Escola EB 1/JI de Cachada - Briteiros Sta. Leocádia Escola EB 1/JI de Couto - Barco Escola EB 1 de Cruz – Souto S.Salvador Jardim de Infância de Penela - Souto St.ª Maria Escola EB 1 Senhora da Ajuda - Gondomar Escola EB 1 Paço - Donim Escola EB 1 Fafião – Briteiros Sto. Estevão Escola EB 1 Penela – Souto Santa Maria Escola EB 1 Real – Briteiros Sto. Estevão Jardim de Infância de Igreja - Sto. Estevão Jardim de Infância de Igreja - Donim Escola EB 2,3 de Fermentões Escola EB 1/JI - Nossa Senhora da Conceição Escola EB 1/JI Telhado - Penselo Escola EB 1/JI - Caneiros Escola EB 1 - Motelo Escola EB 2,3 de Pevidém Escola EB 1/JI -Gondar Escola EB 1 de S. Martinho de Candoso Escola EB 1 de S. Cristovão de Selho 55 Escola EB 1 de Pevidém Escola EB 1 do Paraíso Escola EB 1/JI do Barreiro Escola EB 1 Calvário Escola EB 1 de Portelinha Escola EB 1/JI de Eirinha Jardim de Infância do Calvário Escola EB 2,3 de S. João de Ponte Escola EB 1 de Além Escola EB 1 de Campelos Escola EB 1/JI de Cerca do Paço Escola EB 1 de Deserto - Prazins Sto. Tirso Escola EB 1/JI de Igreja - Ponte Escola EB 1/JI Tulha Velha - Ponte Escola EB 2,3 Abel Salazar - Ronfe Escola EB 1 de Gemunde - Ronfe Escola EB 1 de Bairro - Oleiros Escola EB 1 de Barreiro - Leitões Escola EB 1 Ermida - Ronfe Escola EB 1 Lourinha - Ronfe Escola EB 1 de Entre-Latas - Figueiredo Escola EB 1 Monte - Vermil Escola EB 1 Poças - Airão - Sta. Maria Escola EB 1 Ribeira - Brito Escola EB 1 Casais - Brito Escola EB 1 Roupeire - Airão S. João Jardim de Infância de Calçada - Vermil Jardim de Infância de Casais - Brito Jardim de Infância de Poças - Airão - Sta. Maria Jardim de Infância de Roupeire - Airão - S.João Equipa de Coordenação de Apoios Educativos de Guimarães/Vizela Escola Profissional CENATEX Escola Profissional CISAVE Escola Profissional PROFITECLA Colégio de N.ª S.ª da Conceição Centro Social S. Pedro de Azurém Creche e Jardim Infantil Albano Coelho Lima Casa do Povo de Fermentões Centro Distrital S. S. de Braga Centro Infantil de Pevidém Centro Social e Paroquial de Ronfe Lar de Santa Estefânia Patronato de S. Sebastião Departamento Acção Social Segurança Social Centro Social Paroquial de S. Martinho de Candoso Centro Sócio Cultural Desportivo e Recreativo de Sande S.Clemente Centro Social de Brito Centro Social Cultural Desportivo e Recreativo de Vila Nova de Sande Creche e Jardim de Infância Casa do Povo de Serzedelo Centro Social Padre Manuel Joaquim Sousa Colégio do Ave 56 Os Centros de Formação de Associação de Escolas em Rede Jorge do Nascimento Pereira da Silva Director do CFFH Os Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE’s) surgiram, em 1992, a partir da associação, mais ou menos voluntária, de escolas de uma determinada área geográfica, tendo como finalidade a implementação de acções de formação contínua de educadores e de professores e demais pessoal não docente dos estabelecimentos de ensino não superior. Estão sedeados numa escola associada, denominada de escola sede, de que dependem administrativa e financeiramente, tendo como órgão de coordenação o Conselho de Acompanhamento da Gestão Administrativa e Financeira (CAGAF) que se articula com o Conselho Administrativo da Escola Sede. Todavia, a sua actividade formativa é realizada com base nas verbas obtidas através de concurso à medida 5.1 do Prodep. Gozam de autonomia pedagógica sob as orientações do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de Professores (CCPFC) e organizam-se, funcionalmente, nos seguintes órgãos: para além do CAGAF, já referido, são ainda órgãos dos CFAE’s a Comissão Pedagógica e o Director, podendo este ser assessorado nas áreas pedagógica e financeira e podendo ainda recorrer à figura de um consultor de formação acreditado pelo CCPFC. Os CFAE’s, para o seu funcionamento, dependem ainda da aprovação de alguns processos por parte das Direcções Regionais de Educação, nomeadamente a homologação da selecção do Director, a dispensa de serviço docente, a aprovação da acumulação de funções dos formadores, etc. Em Junho de 2003, os CFAE’s passaram a organizar-se em redes informais, a nível nacional, embora podendo evoluir de acordo com dinâmicas locais ou regionais. Esta organização possibilitou-lhes dar respostas articuladas aos problemas formativos de cada contexto e até a solicitações emanadas do poder central. Foi desta forma que estas estruturas promoveram e promovem, quer a nível local, quer regional, quer nacional, a informação, a reflexão e o debate sobre a qualidade da formação de professores e de outros agentes educativos, a partir do desenvolvimento de estratégias de cooperação e de análise conjunta de ideias e de experiências. Para que se perceba a cobertura desta rede e a capacidade de intervenção (informal) no terreno, apresenta-se, a seguir, o quadro com a estruturação em redes, a nível nacional. É assim que tem sido possível dar respostas atempadas e integradas à formação para as TIC’ s, para os Novos Programas do Ensino Secundário, para a formação de animadores em cooperação com as Direcções Regionais e com o IEFP e ainda com a Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC). Na região Norte, como se pode verificar, há 67 CFAE’s organizados em 10 redes, com um número variável de Centros, tendo como critério a dimensão geográfica mas também a população escolar de cada região. O trabalho realizado em parceria tem sido profícuo e fica a ideia de que estas estruturas formativas ocupam um espaço importante na qualificação dos actores educativos, com repercussões na mudança de práticas dos educandos e professores e de outros actores educativos. 57 58 OS DIRECTORES DOS CFAE’S DO NORTE EM REUNIÕES DE TRABALHO Jorge do Nascimento Pereira da Silva Director do CFFH A articulação dos CFAE’s do Norte é feita através dos seus Directores e assenta em reuniões plenárias realizadas periódicas. Estabeleceu-se, entre os directores de Centros, uma cultura de partilha que muito tem contribuído para a sua própria (in)formação. Há problemáticas diversas que, ao longo dos tempos, têm preocupado os responsáveis por estas instituições formativas e que implicam que tenham um pensamento sobre a educação e a formação. Ao longo deste ano de 2005, os directores de CFAE’s reuniram-se, com agendas de trabalho diversas, na Escola Secundária Francisco de Holanda, Guimarães, Escola Sede do Centro a que pertence o representante dos CFAE’s do Norte, Jorge do Nascimento Pereira da Silva, nos dias: - 13 de Abril de 2005, na Escola Secundária Francisco de Holanda (Guimarães); - 20 Julho de 2005, na Escola Secundária Rocha Peixoto (Póvoa de Varzim); Reunião de CFAE’s do Norte, 22 de Novembro de 2005 - 22 de Novembro de 2005 Escola Secundária Francisco de Holanda (Guimarães). Além desses encontros/reuniões a nível de região, também se realizaram, em todo o território Educativo do Norte, reuniões dos Representantes das redes, como, a seguir, se apresentam: - 8 de Junho de 2005 na Escola Secundária Francisco de Holanda (Guimarães); - 19 de Setembro de 2005 na Escola Secundária Francisco de Holanda (Guimarães); - 25 de Outubro de 2005, na Escola Secundária Francisco de Holanda (Guimarães). 59 Seminários realizados pelo Centro de Formação de Francisco de Holanda - 1994 – Seminário “Avaliação nos ensinos básico e secundário”; - 1996 – Seminário “A formação de professores numa escola em mudança”; - 1997 – Seminário “Impacto das componentes curriculares regionais e locais na escola do século XXI”; - 1998 – Seminário “A territorialização das políticas educativas”; - 1999 – Seminário “A integração e a flexibilização curriculares”; - 1999 - Seminário “A escola e a criança em risco: Intervir para prevenir”, organizado pela Universidade do Minho – Instituto de Estudos da Criança, Projecto Vida, Centro de Formação de Francisco de Holanda e Centro de Formação Martins Sarmento; - 2000 – Seminário “O papel dos diversos actores educativos na construção de uma escola democrática”; - 2000 – Encontro de divulgação “Boa esperança/Boas práticas”, organizado pelo Instituto de Inovação Educacional, Direcção Regional do Norte e Centro de Formação de Francisco de Holanda; - 2001 - Seminário “(Re)pensar a formação contínua na construção da profissão docente”; - 2002 – Encontro “(Re)organização e revisão curriculares – sentidos e trajectos; - 2003 – Seminário “Da Escola que temos à Escola que queremos: Que desafios para a formação de professores?”; - 2004 – Seminário “O Futuro da Escola Pública em Portugal: que papel para os Agrupamentos de Escolas?” - 2005 – Seminário “Professor – Profissão de risco?” - 2005 – Colóquio “O Novo Modelo de Avaliação de Desempenho e a Importância da Formação do Pessoal não Docente”. 60 Elos do Noticiosos Seminário: Professor - Profissão de risco? Este seminário, realizado no dia 24 de Fevereiro de 2005 no auditório da Universidade do Minho, com a temática “Professor – Profissão de Risco?”, foi o ponto de partida para um conjunto alargado de docentes dos vários níveis de ensino, desde o pré-escolar até ao universitário, a par de participantes não docentes, encarregados de educação, autarcas e sindicalistas, analisarem, questionarem e reflectirem sobre o Profissionalismo docente e sobre a avaliação do desempenho dos educadores e professores, que, sendo temáticas recorrentes, têm uma enorme pertinência nos dias de hoje. É necessário reflectir sobre o papel do docente na sua profissão: será apenas um técnico do ensino? Ou será um verdadeiro profissional da educação? Será a profissão docente uma conquista e um estatuto que se adquire para o resto da vida? Ou será a profissão docente uma profissão dinâmica, exigente e desafiadora em permanente reconstrução e renovação? Será correcto, na Escola Pública, tratar como iguais os bons e os maus profissionais? Terão os bons profissionais que conviver com os incompetentes e os desleixados? Com as nossas práticas não estaremos a contribuir para um esvaziamento da docência como uma verdadeira profissão? Neste sentido, torna-se fundamental reflectir e avaliar em que medida é que este seminário foi de encontro às necessidades de formação e à vontade de questionar a Profissionalidade dos Docentes, relacionando esta com a melhoria organizacional das Escolas. Procurou--se identificar as potencialidades e limitações da política de avaliação dos professores. Procurou-se identificar os desafios que a avaliação dos professores coloca, quer em termos de decisão política, quer em termos de liderança das Escolas. Tentou fazer-se a ligação existente entre a avaliação docente e também a formação inicial e a formação contínua. Reflectiu-se, de facto, sobre a avaliação do desempenho profissional dos docentes como um processo que terá de resultar, forçosamente, de um conjunto de responsabilidades dos vários agentes que configuram todo o cenário educativo e não apenas só dos professores. Concluiu-se que a avaliação terá de ser uma mais valia, se, de facto, conduzir quer a uma mudança das mentalidades, quer a uma mudança das práticas curriculares, que se desenvolvem nas escolas. Concluiu-se também que a avaliação será um processo importantíssimo se começar a responder mais a uma necessidade de melhoria profissional dos docentes e não tanto a uma imposição administrativa e burocrática, ou seja, a uma obrigação de progressão na carreira. Para se chegar a estes resultados, o Centro de Formação de Francisco de Holanda convidou alguns investigadores e especialistas, nesta temática, para apresentarem as suas opiniões ou resultados de investigações, seguindo-se momentos de debate entre os participantes. As comunicações produzidas e o clima que se fez sentir: debates, confronto de opiniões e parti- 63 lha de ideias, por parte quer dos especialistas, quer do público interveniente ao longo do seminário, em nossa opinião, são motivos que, por si só, justificaram esta iniciativa em análise. Com vista à compilação de dados para o Relatório, no sentido de identificar as expectativas dos participantes, analisar o trabalho desenvolvido, ao longo do Seminário, e avaliar todo um conjunto de indicadores ao nível da sua satisfação, foi tido em conta um Questionário elaborado pelo CENTRO DE FORMAÇÃO FRANCISCO DE HOLANDA. Foram recolhidos elementos, que nos facilitaram a compreensão das dinâmicas implementadas na construção das esferas de opinião dos participantes neste seminário. Dos professores e educadores presentes, responderam ao questionário 186 participantes, sendo 158 do sexo feminino e 28 do sexo masculino, donde, 42 pertenciam ao ensino Pré-escolar; 58 ao 1.º Ciclo do Ensino Básico; 85 ao 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e Ensino Secundário e 1 do Ensino Superior. Questionados sobre o que os motivou a participar no Seminário, 109 opinaram ser devido ao conteúdo científico do mesmo, 45 devido aos conferencistas e intervenientes, 42 com o propósito de encontrar outros participantes e 11 fizeram-no para aproveitar uma oportunidade de formação contínua. Quando se interrogaram sobre se os assuntos abordados no Seminário foram relevantes para a sua formação, 33 dos participantes responderam “pouco”, 125 “bastante” e 23 “muito”. Sobre a organização do Seminário, 50 dos participantes acharam-na excelente, 117 boa, 15 razoável. Sobre a forma como decorreu o Seminário, 169 participantes acharam que a distribuição das actividades foi adequada e 4 inadequada; relativamente ao tempo disponibilizado para o debate, 138 achou-o suficiente, enquanto 37 o achou insuficiente; no que diz respeito à sua duração (7 Horas), 154 consideraram-na adequada e 16 inadequada; ao nível das infra-estruturas, 165 acharam-nas adequadas e 6 inadequadas; finalmente, no que diz respeito ao programa social, 173 considerou-o apropriado e 1 inapropriado. Tendo sido solicitado aos participantes sugestões de temáticas abrangentes, que gostariam de ver tratadas em seminários de reflexão similares, foram sugeridos temas como “A importância do Ensino Pré – Escolar”; “Profissão: Professor – Que futuro ?”; “A dimensão autonómica dos Agrupamentos de Escolas”; “Escola/Família – Uma educação participada” e “As Novas Tecnologias no Ensino”. Em síntese, a avaliação global é positiva, pelo que continuaremos a realizar projectos desta natureza nos próximos anos. 64 “O novo modelo de avaliação de desempenho e a importância da formação do pessoal não docente” Decorreu no dia 7 de Março de 2005, no auditório da Associação dos Viajantes e Técnicos de Vendas de Guimarães, um colóquio organizado pelo Centro de Formação de Francisco de Holanda, subordinado ao tema “O novo modelo de avaliação de desempenho e a importância da formação do pessoal não docente”, a cargo do conferencista Dr. Jorge Reis da Direcção Geral de Recursos Humanos da Educação. A acção iniciou-se com o enquadramento legal relacionado com o tema, reconheceu os objectivos do sistema de avaliação de desempenho e ainda procurou fazer uma distinção clara das várias fases do processo de avaliação. Finalmente, foi ainda possível referir alguns aspectos quanto aos elementos avaliados, aos avaliadores e quais os componentes da avaliação. O Dr. Jorge Reis referiu ainda o contributo da formação profissional do pessoal não docente e o papel dos serviços centrais e locais do Ministério da Educação. O debate que se verificou, posteriormente, levantou questões pertinentes relacionadas com a formação, nomeadamente, acerca dos assistentes de acção educativa. VII Congresso dos CFAE´S Decorreu nos dias 28, 29 e 30 de Abril de 2005, em Sesimbra, o VII Congresso dos Centros de Formação de Associação de Escolas, estando o nosso Centro representado pelo seu Director e por um membro da Comissão Pedagógica, Dra. Adelina Paula Pinto. Na Sessão de abertura esteve presente o Sr. Secretário de Estado de Educação, Doutor Walter Lemos, tendo deixado algumas ideias, embora muito vagas, sobre a Formação Contínua. Ao longo do Congresso tomou-se consciência do papel que os CFAE´S cada vez mais vão tendo na problemática da formação de professores e do Pessoal não docente e da educação em geral. Teve como objectivos: - Promover uma reflexão sobre a situação actual e as perspectivas futuras da Formação Contínua, em articulação com o desenvolvimento das escolas; - Analisar aspectos concretos da organização da escola e da formação, relacionando-os com a função reguladora da avaliação, como estratégia da melhoria do sistema; - Contribuir para a emergência de propostas que visem o desenvolvimento das escolas e da formação contínua. Participaram no Congresso responsáveis por Centros de Formação, Comissões Pedagógicas, Conselhos Executivos, Investigadores/Formadores, Pessoal docente e não docente das escolas e técnicos de educação. As temáticas tratadas foram as seguintes: - Formação, Avaliação e Qualidade das Escolas; - Formação Contínua: que perspectivas? 65 - Avaliação Interna/Externa das Escolas; - Os CFAE e a Qualidade da Formação; - Administração e Modernização dos Serviços; - Organização/Gestão Curricular; - Aquisição e Valorização de Competências; - A Qualidade/Desenvolvimento numa Matriz Europeia; - Educação e Formação. No final foram apresentadas as conclusões que serão publicadas oportunamente. “O Dia-a-Dia do Pessoal Não Docente na Escola Pública: constrangimentos, conflitos, interesses, soluções…” No dia 12 de Setembro de 2005, decorreu, na EB 2, 3 de Fermentões, sede do Agrupamento Vertical de Fermentões, uma sessão de formação para todo o pessoal auxiliar do Agrupamento, abrangendo todos os níveis de ensino. A actividade foi solicitada pelo Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Fermentões, ouvidos os Auxiliares de Acção Educativa. O Centro de Formação Francisco de Holanda programou o encontro e convidou duas palestrantes que, no seu entender, poderiam responder às solicitações deste Agrupamento: A Dra. Adelina Paula Mendes Pinto, consultora de formação deste Centro e que foi, durante os últimos dez anos, Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Ponte. A Dra. Patrícia Ferreira, psicóloga e com uma larga experiência de trabalho nas escolas, nomeadamente com pessoal não docente. A palestra dividiu-se em duas partes: uma da responsabilidade da Dra. Adelina Paula, que versou sobre os aspectos organizacionais da escola, o papel do pessoal não docente e ainda a nova avaliação de desempenho, prevista no DL 184/2004; a outra parte, dinamizada pela Dra. Patrícia Ferreira, versou sobre aspectos mais práticos, como resolução de conflitos e ainda importância da liderança no local de trabalho. Formadoras e formandos consideraram a sessão muito proveitosa, muito participativa, tendo os formandos demonstrado uma grande vontade de se actualizar e de melhorar os seus desempenhos profissionais. Estas sessões são de valorizar e de alargar. 66 “Multimédia Interactiva na Sala de Aula” Realizou-se, no dia 22 de Novembro, uma acção de formação, promovida pelo Centro de Formação Francisco de Holanda, subordinada ao tema “ Multimédia Interactiva na Sala de Aula”. Os formadores, António Carvalho Rodrigues e Marco Brás Neves, do Centro de Competência “Mar e Serra”, da Batalha, deliciaram uma vasta plateia com as novidades das novas tecnologias aplicadas à educação. Além de professores das várias escolas associadas deste Centro, contamos ainda com a presença de representantes da Câmara Municipal de Guimarães, da Universidade do Minho e de vários Centros da região Norte. A formação iniciou-se com uma explicação da tecnologia Smartboard, projecto que este Centro de Formação está a desenvolver com o Centro de Competências “Mar e Serra” e que está em fase de implementaçõo em 4 escolas associadas: Agrupamentos de Ponte e Pevidém e Escolas Secundárias Francisco de Holanda e Caldas das Taipas. Perante uma assistência atenta, foram apresentados os quadros interactivos e os seus impactos no trabalho na sala de aula. Para complementar, educadores e professores do Agrupamento de Ponte, que receberam já formação nesta área, mostraram aos presentes como utilizam o Smartboard na sua prática lectiva e a adesão dos alunos a esta nova tecnologia. Outras escolas demonstraram interesse em aderir a este projecto. Por fim, foi apresentado um novo software, o Qwizdom, uma forma criativa e interactiva de incluir todos os alunos no processo ensino-aprendizagem e de variar as práticas de avaliação dos alunos, nas suas várias vertentes. A satisfação e o agrado foi notório, tendo os presentes saído com a certeza que as novas tecnologias são, de facto, um recurso importantíssimo, para motivar os alunos e promover mais e melhores aprendizagens. Ficou mais uma vez demonstrado que os educadores e professores se empenharam na sua formação e que esta, afinal, muda práticas com repercussões na motivação e aproveitamento dos alunos. Escola Profissional Cenatex assegura continuidade do “Moda Guimarães” Dra. Marina Mota Prego Coordenadora do Curso Técnico de Estilismo da Escola Profissional Cenatex No âmbito do Curso Técnico de Estilismo, tornou-se já uma tradição encerrar o ano lectivo com a apresentação, em passerelle, dos projectos dos seus jovens diplomados finalistas, evento que se organiza já desde 1995, com o objectivo de transmitir um pouco daquilo que se aprende nos 3 anos de formação, nas diferentes vertentes da moda de vestir: casualwear; sportswear; vestuário infantil e alta-costura. Nunca é demais lembrar que todos os projectos são sempre desenvolvidos pelos alunos, desde a criação à confecção, o que os leva a uma consciencialização do futuro profissional que se avizinha, uma vez que, durante este processo, se vêem confrontados com variadíssimas dificuldades, que só são ultrapassadas graças à colaboração do corpo docente da área técnica. 67 Este ano, o espectáculo relativo ao desfile MODA GUIMARÃES 2005 iniciou-se com a apresentação de um projecto de parceria estabelecido com a Câmara Municipal de Vila Verde e a Aliança Artesanal, onde os alunos do 12º ano do Curso Técnico de Estilismo utilizaram o conceito e a simbologia dos “lenços de namorados”, adaptando-os à moda contemporânea, tanto em vertentes mais clássicas como em vertentes mais casuais. Através desta experiência, foi possível conciliar a moda e a tradição em projectos inovadores, que podem ser adaptados à indústria nacional. Podem mesmo constituir um meio eficaz de combate à competitividade tão temida por este sector. O projecto apresentado, posteriormente, em passerelle, foi desenvolvido pelos alunos do Curso de Especialização Tecnológica em Design de Moda. Aqui, cada aluno utilizou a forma base da camisa masculina e, dando asas à sua imaginação, reinterpretou-a de variadíssimas maneiras, desde a utilização de materiais não têxteis, ao exagero de volumes, dando origem a propostas de carácter meramente experimental, onde a palavra Criatividade foi valorizada relativamente à Funcionalidade. Ainda relativamente a este curso, a aluna Andreia Rodrigues inspirou-se nas guloseimas e desenvolveu três propostas de vestuário feminino para o Verão 2006, tirando partido dos volumes, das cores fortes e contrastantes, bem como de apontamentos ultrafemininos, dando forma às recordações doces da infância. Encontrando-se a meio do seu curso, os alunos do 11º ano do curso Técnico de Estilismo estrearam-se em passerelle através de propostas para criança. O fundo branco foi colorido com imagens urbanas e agitadas, bem definidas e localizadas, alternadas com imagens de efeito de rapport, conseguidas através de fotografias de satélite dos vários continentes. Do tema geral, cada um reinterpretou-o como forma de demonstrar o cunho pessoal. Por fim, o desfile terminou com a apresentação individual das colecções dos alunos do 12º ano, que tentam, assim, afirmar-se profissionalmente com sucesso. Muitos foram os empresários que estiveram na assistência e houve mesmo alguns, que, de imediato, contactaram a escola, de forma a contratarem estilistas para a sua empresa. É, sem dúvida, uma satisfação quando o esforço de uma instituição é reconhecido e contribui, mesmo que indirectamente, para o desenvolvimento de um sector tão representativo da nossa região, como é o do Têxtil do Vale do Ave. 68 Novas Escolas associadas do Centro de Formação Francisco de Holanda Colégio do Ave O Colégio do Ave é um novo espaço educativo, situado em Creixomil, que iniciou a sua actividade este ano lectivo com as valências da creche, do pré-escolar e do 1º ciclo. Este arrojado projecto nasceu de um esforço de investidores privados, que quiseram deixar uma marca de excelência na área educativa, da cidade de Guimarães. O Colégio do Ave possui um conjunto de infraestruturas esplêndido que permite complementar, enriquecer e nortear a formação e o desenvolvimento integral dos seus alunos. Trata-se da vultuosa concretização de um original projecto, elaborado, especificamente, para o fim em vista, complementado com adequados espaços para fins lúdicos e outros. Como projecto integrador, é fundamental a articulação entre os níveis de ensino que permite encarar todo o processo ensino/aprendizagem como uma cadeia contínua e ligada, onde é marcante a (re) construção de aprendizagens significativas. Neste contexto educativo, o aluno tem um papel central, sendo levado a usar adequadamente linguagens das diferentes áreas dos saberes cultural, científico, tecnológico para se expressar e mobilizar o seu espírito criativo. Como princípio orientador de toda a acção educativa o Colégio do Ave procura criar aos seus alunos oportunidades de viver aprendizagens activas (vivência de situações estimulantes), significativas (considerando os seus interesses), diversificadas (na pluralidade de recursos e abordagens), integradas (articulando as diferentes experiências) e interactivas (na trocas culturais e partilha de informação), de modo a promover o sucesso de cada ser em formação. O Colégio do Ave assume-se como um espaço educativo que promove a diferenciação pedagógica, respeita os ritmos (nem sempre afinados!), maximiza as competências e repensa o paradigma educacional para enfrentar os sérios e decisivos desafios, que o futuro comporta. Endereço electrónico www.colegiodoave.com Correio electrónico [email protected] Centro Social Padre Manuel Joaquim de Sousa O Centro Social Padre Manuel Joaquim de Sousa é a única Instituição de Solidariedade Social situada na freguesia de Caldas das Taipas, a 7km do centro do concelho de Guimarães. 69 A Instituição é um edifício construído de raiz, destinado a 6 valências: Creche, Jardim-deInfância, A.T.L, Centro de Dia, Apoio Domiciliário e Atendimento e Acompanhamento Social, com supervisão diária de uma Directora Técnica. A Creche destina-se a crianças desde os três meses de idade até aos três anos, e será inaugurada em Janeiro de 2006. Prestará um serviço de qualidade a 33 crianças, distribuídas por 3 salas: Berçário (3 meses a 1 ano – 8 crianças); Sala de Marcha (1 ano aos 2 anos – 10 crianças) e sala dos 2 anos (2 aos 3 anos – 15 crianças). O Jardim-de-infância (3 aos 5 anos), tem 4 salas, o que lhe permite receber 100 crianças. O ATL (Actividades de Tempos Livres) é destinado a alunos do 1º Ciclo e tem capacidade para 40 crianças, no turno da manhã, e para 40 no turno da tarde. Quer a Creche, Jardim – de – Infância e ATL, funcionam entre as 7h30 e as 19h00. O Centro de Dia presta apoio diário a 15 utentes funcionando das 8h30 às 18h00. O Apoio Domiciliário presta os seguintes serviços: higiene pessoal, higiene habitacional, alimentação e lavandaria, contando, actualmente, com 45 utentes. O Centro Social Padre Manuel Joaquim de Sousa tem como área de influência, não só a freguesia de Caldelas, mas todas as freguesias vizinhas. Formação para assistentes de acção educativa da Câmara Municipal de Guimarães: Programa Foral A educação pré-escolar, a primeira etapa do sistema educativo de frequência facultativa, abrange crianças dos três anos até ao ingresso no ensino básico. Assim, esta etapa representa um objectivo de elevado alcance educativo e sócio-cultural, decisivo para a modernização e desenvolvimento das sociedades modernas. Para que a oferta educativa tenha qualidade, torna-se necessário a qualidade da formação de todos os intervenientes, responsáveis pela organização e execução das actividades dos jardins de infância. É fundamental que o trabalho a desenvolver ao longo de um ano lectivo, seja o espelho da cooperação e envolvimento do educador, de todo o pessoal de apoio, dos pais, da autarquia e da comunidade local. Os Assistentes de Acção Educativa dos Jardins de Infância desempenham um papel de grande importância, na medida em que acompanham directamente o trabalho pedagógico, que o educador desenvolve com a criança durante a componente lectiva e assegura o funcionamento da componente não lectiva também chamada de apoio à família, constituída pelo serviço de refeições e pelos prolongamentos de horário. Esse prolongamento representa o tempo para o desenvolvimento de actividades de animação e de apoio à família, de acordo com as necessidades das mesmas, e que permitem às crianças envolverem-se em actividades que lhes dêem mais satisfação e por elas livremente escolhidas. 70 É, então, necessário que as (os) Assistentes de Acção Educativa sejam profissionais dotados de competências para o exercício da sua actividade com crianças, sendo, para tal, fundamental facultar-lhes um conjunto de acções de formação com vista ao desenvolvimento das referidas competências, nomeadamente, ao nível da formação educacional e organização escolar, formação pessoal, ética e deontológica, ao nível da saúde escolar e também da comunicação e relações interpessoais. Foi com essa intenção, e, também para dar cumprimento ao Decreto-Lei 184/2004 de 29 de Julho, no seu anexo IV, que o Centro de Formação de Francisco de Holanda se candidatou ao Programa “Foral – medida 1.5) a solicitação do Departamento de Recursos Humanos da Câmara Municipal de Guimarães, a cujo quadro pertencem os formandos em causa. Essa formação abrangeu 18 assistentes de acção educativa, que trabalham nos jardins de infância, no concelho de Guimarães, e pertencem aos quadros da autarquia, permitindo-lhes de acordo com a legislação acima citada, ascender à categoria de Assistentes Educativos. Essa formação decorreu de 21 de Março a 9 Setembro e cumpriu o preceituado na legislação já referida. Tratou-se de mais uma parceria entre o CFFH e a Câmara Municipal de Guimarães. II Colóquio: O Contributo da Autarquia na Implementação de Práticas Curriculares Diversificadas nas Escolas do 1º Ciclo Dr. Luís Rodrigues Tempo Livre O Contributo da Autarquia na Implementação de Práticas Curriculares Diversificadas nas Escolas do 1º Ciclo foi o tema de um colóquio que se realizou, no dia 23 de Novembro, no Multiusos de Guimarães, por iniciativa da Câmara Municipal de Guimarães, Tempo Livre e do Centro de Formação Francisco de Holanda. Tendo como principais destinatários docentes do 1º Ciclo do Ensino Básico das Escolas do Concelho de Guimarães, o colóquio pretendeu promover, divulgar e sensibilizar os docentes para os benefícios da prática desportiva, pressupondo um conjunto de valores e atitudes, que fomentam o espírito desportivo. Contribuir para elevar a qualidade de formação nas vertentes técnica e pedagógica e proporcionar um espaço aberto ao diálogo e à troca de experiências foram também objectivos da iniciativa, que contou com a presença de representantes de diversas entidades. O balanço final desta iniciativa é bastante positivo, tendo em consideração o facto de ter contado com, aproximadamente, 80 participantes, assim como pelos conteúdos apresentados. De realçar ainda, o constante debate que ocorreu em todos os painéis que constituíram este colóquio, contribuindo, assim, para mais uma iniciativa formativa para todos os participantes que, de certa forma, puderam, neste espaço, levantar criticas e sugestões acerca de toda a problemática que a conjuntura nacional apresenta nesta área. Pelo segundo ano consecutivo, este colóquio assumiu também um papel fundamental na convergência de diferentes ideias, contribuindo, significativamente, para a construção de uma sociedade escolar mais interveniente em matérias decorrentes dos seus interesses. 71 Breves O grupo Musiké composto por formadores participantes nas acções Oficina, orientadas pelo formador Óscar Ribeiro, tem vindo a desenvolver uma actividade assaz interessante. Depois de participarem, no ano anterior, nas reisadas onde, como grupo revelação, acabaram sendo premiados, foram agora convidados para o Seminário Anual da Terceira Idade de Guimarães. A sua prestação recebeu encómios de muitos dos presentes. Decorreu em Guimarães, o Encontro de Idosos anual que contou com a participação de uma equipa técnica de formadores deste Centro, que asseguraram o tema como palestrantes. O público faria uma salva de mérito, no final, referências que o Centro de Formação Francisco de Holanda apraz registar. Foram oradores os formadores do Centro de Formação de Francisco de Holanda, Fernando C. Miguel, Joaquim Salgado Almeida, Alberta Murta e Óscar Ribeiro. Muitas têm sido as visitas guiadas e amplamente participadas por pessoal não docente dos diferentes estabelecimentos de ensino e familiares. Conhecer a Penha; o Centro Histórico; a Cruz de Pedra; os caminhos das madrugadas ou a Monumentalidade do Monte Latito foram alguns dos itinerários propostos pelo professor Fernando C. Miguel para esta iniciativa. À descoberta da Cidade Berço Ricardo Martins Pereira Escola E.B. 2,3 D. Afonso Henriques Será que conhecemos Guimarães? Foi esta a questão que a nós, Auxiliares de Acção Educativa, nos foi perturbando durante a formação que estávamos a ter com o Profº. Capela Miguel. Uma pessoa com uma hábil maneira de cativar as pessoas com os seus conhecimentos de história e com a facilidade de contar “estórias”. Foi por isso que nós pedimos ao Professor se nos podia “guiar” pela nossa cidade e mostrar-nos tudo o que ela tem de bonito e misterioso. As nossas visitas começaram pelo Castelo de Guimarães, depois os Paços dos Duques de Bragança, o Largo da Oliveira, a Praça de S.Tiago e assim, fomos percorrendo alguns pontos da cidade histórica, vendo como ela é bonita e cheia de história e de “estórias”. Fomos também a S.Torcato, à Penha para ver que nem só o centro da cidade é que tem história. Em todas estas visitas, temos contado com a presença de alguma pessoas que não estiveram connosco na formação, mas, de certeza, que também têm a curiosidade, como nós, de conhecer 72 a nossa cidade e a companhia deles é muito agradável. Já agora quem quiser vir à próxima visita só precisa de saber quando é e ter uma coisa em mente, que são as palavras do nosso cicerone “Quando um burro fala o outro baixa as orelhas”. Nem podia deixar de terminar sem agradecer, mais uma vez, ao Profº. Capela Miguel a sua disponibilidade em nos mostrar a beleza da nossa cidade e de nos contar as maravilhosas “estórias” que ela própria esconde. Mais uma vez, um muito obrigado. Concurso de Reisadas 2005 Grupo Musiké O Centro de Formação de Francisco de Holanda participou no Concurso de Reisadas/2005, promovido pela Câmara Municipal de Guimarães, no dia 8 de Janeiro do ano transacto. O “Grupo Musiké”, composto por educadores e professores afectos às escolas associadas do Centro de Formação Francisco de Holanda, tem como responsável o Dr. Óscar Ribeiro, Educador no Lar de Santa Estefânia. Cada grupo participante foi avaliado pelo júri, constituído por um representante da Câmara Municipal, por um representante da Academia de Música Valentim Moreira de Sá e por um representante da Vimúsica. Os critérios de avaliação incluíram aspectos, tais como: o repertório e a sua originalidade, os trajes e adereços utilizados e, obviamente, a capacidade da interpretação musical. Os prémios finais oscilaram entre os 300 e os 500 euros, atribuídos através de vales de compra para a aquisição de instrumentos musicais. O grupo Musiké, representante do Centro de Formação de Francisco de Holanda, ficou classificado em terceiro lugar, o que não deixou de ser o corolário de uma bonita iniciativa. A letra de uma das músicas apresentadas pelo grupo Musiké foi a seguinte: Guimarães terra bonita Onde reina a tradição Tanta história e sabores Tem o berço da nação Broa, caldo e rojões Comidas tradicionais Regadas com vinho verde Das quintas de Guimarães Escolhida a namorada Oferecia a cantarinha Para ela ir enchendo Do cordão à pulseirinha Amêndoa, chila e ovos As delícias principais Tortas, toucinho do céu Os doces conventuais O lenço dos namorados Tem bordado a preceito Como é da tradição Se ele gosta põe ao peito Refrão Refrão Guimarães terra bonita Onde reina a tradição Tanta história e saberes Tem o berço da nação. 73 Associação de Solidariedade Social dos Professores ASSP Alberto Guedes, Professor Aposentado, Associação de Solidariedade Social dos Professores Graças aos esforços dos seus associados, a ASSP tem uma casa nesta cidade desde 2001. Os professores podem usufruir de espaços de convívio e de uma parte residencial com uma suite e dois quartos. A sua situação privilegiada, no Alto da Bandeira, em Creixomil, permite uma vista panorâmica sobre toda a cidade, um verdadeiro regalo para os olhos que podem ir descansar, mais além, sobre a colina da Penha. Apreciar a cidade da nossa sede é um convite irrecusável para partir à descoberta das suas riquezas: dos seus monumentos, das suas ruas e praças, dos seus jardins, dos seus museus. A ASSP disponibiliza a sua sede aos que vêm de fora, mas também se projecta para fora e oferece aos associados, residentes na cidade, passeios em que se procura o convívio, certamente, em primeiro lugar, mas também a cultura, nas suas vertentes monumental, paisagística e gastronómica. Recordemos, a título de exemplo, o recente passeio a Arouca. O tempo foi pouco para visitar o seu rico convento barroco e o seu museu, uma vez que o nosso guia, o professor e artista Vasco Carneiro, nos ajudava a descobrir as maravilhas da pedra e da talha, da estatuária e da pintura, de que é um verdadeiro virtuoso. Passeámos, ao mesmo tempo, pela História e recordámos a Santa Rainha D. Mafalda, filha de D. Sancho I e de D. Dulce, que tornou este mosteiro, onde se recolheu, um dos mais importantes da Península. Se Arouca atrai pela Arte e pela História, cativa também o visitante pela sua gastronomia: a vitela arouquesa e os doces conventuais são um requinte de bom gosto. Arouca espraia-se pelo sopé da Serra da Freita e mostra-se a quem a contempla lá de cima, no seu esplendor e ufana do seu mosteiro. O passeio pela serra foi um complemento da visita à vila e permitiu-nos a descoberta de alguns dos seus tesouros: as pedras parideiras, a Frecha da Mizarela, etc. 74 Elos do Educativos Como resolver os problemas de abandono escolar, do insucesso na Matemática, no Português, na Física…. sem mezinhas Dr. Alfredo Magalhães Vice-Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária Francisco de Holanda Num momento de tamanha crispação na área do sistema de ensino e, sem querer apresentar-me como melhor que os outros, parece-me que há quatro medidas concretas de que o sistema educativo poderá beneficiar extraordinariamente, no que concerne à resolução destes problemas. A primeira dessas medidas seria a nomeação, por concurso público, com legitimação da Assembleia, de Directores de Escola (sempre professores). Esta medida simples poderia contribuir para uma maior exigência, controlo e avaliação de cada professor na escola. A segunda medida, também simples, seria permitir que fossem as escolas a escolher o seu corpo docente. É o que se passa na Finlândia, onde quase todo o ensino é público e os resultados excelentes. Isto permitiria uma enorme estabilidade aos professores, criando um espírito próprio da escola, e acabando com a ideia esdrúxula de um Ministério, em Lisboa, colocar professores em Sobradelo da Goma ou Alguidares de Baixo. A terceira medida é ainda mais simples: submeter a exame, repito, a exame, os candidatos a professores, como requisito de habilitação para dar aulas. Desta forma, impede-se que haja professores de Português, que dão erros de palmatória, ou professores de Matemática, que não sabem o que é um integral (só para citar estas duas áreas do conhecimento). A quarta medida, nada complicada, seria acabar, pura e simplesmente, com o regime de monodocência, no 1º ciclo. São medidas práticas e modestas. Mas que resultariam numa enorme mudança. 77 Ensino Profissional João Silva Pereira Director Pedagógico da Escola Profissional Profitecla – Guimarães [email protected] O Ensino Profissional foi criado em 1989, através do Decreto-Lei n.º 26/89, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 4/98, e funciona a partir do ano lectivo 1989/90. Em Guimarães, esta modalidade de ensino teve início com a criação da Escola Profissional Profitecla, ligada ao grupo Tecla, e começou a funcionar com o Curso Técnico de Secretariado. Presentemente, a Profitecla oferece um curso técnico de gestão e um curso de serviços jurídicos. Posteriormente, em Guimarães, iniciaram a sua actividade mais duas escolas: a CISAVE, com oferta educativa nas áreas de Marketing, Informática e Turismo; e a CENATEX, com os cursos de Electrónica, Estilismo e Química Têxtil. As principais razões da criação das Escolas Profissionais, em Portugal, radicam na enorme carência de mão-de-obra com qualificação intermédia e, porque não dizê-lo, sobretudo, na existência de abundantes fundos comunitários especificamente destinados à formação profissional. É importante notar que, à época, esses fundos comunitários estavam a ser canalizados, apenas, para acções de formação de carácter meramente contextual, com uma eficácia, ao nível da produtividade, muito contestada. É importante, também, notar que, no final da década de oitenta, vivia-se um clima de grande expansão do tecido sócio-económico, sobretudo em Portugal, mas também em toda a Europa comunitária. Importa ainda notar que os cursos técnicos e profissionais do ensino secundário, criados em 1983 por José Augusto Seabra e lançados com grande pompa e circunstância numa escola da cidade de Guimarães (a Escola Secundária Francisco de Holanda), não estavam a corresponder às expectativas, que neles haviam sido depositadas pelos agentes económicos, em particular pelas associações empresariais. O impulsionador do Ensino Profissional, em Portugal, foi o professor Joaquim Azevedo, na altura, Director do GETAP (Gabinete Coordenador do Ensino Técnico e Profissional), posteriormente, Secretário de Estado da Educação e, hoje, responsável pela Fundação Manuel Leão (entidade privada que realiza estudos de avaliação dos alunos, dos professores e das escolas). O Ensino Profissional como alternativa ao ensino secundário geral O EP surgiu, e assim se mantém, como uma opção para os alunos que, terminado o 9.º ano de escolaridade, pretendam uma inserção rápida na vida activa, sem perder de vista a possibilidade de, mais tarde, poderem matricular-se no ensino superior e prosseguir estudos. Em sede de revisão curricular, o Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, consolida os cursos profissionais e define-os como “cursos vocacionados para a qualificação inicial dos alunos, permitindo o prosseguimento de estudos” e, nos princípios orientadores de organização e gestão do plano curricular, “favorece a integração das dimensões teórica e prática dos saberes, através da valorização das aprendizagens experimentais”. Entretanto, a Portaria n.º 550-C/2004, de 21 de Maio, clarificou as regras de organização, funcionamento e avaliação dos cursos profissionais, privilegiando a inserção dos jovens na vida activa, sem perder de vista o prosseguimento de estudos. Este documento estruturante da revisão curricular vem consolidar a organização das disciplinas em elencos modulares, reforçando a avaliação modular das aprendizagens dos alunos. 78 A revisão curricular vem, também, reforçar o peso da componente de formação em contexto de trabalho, traduzida na realização de um ou vários estágios de aproximação à vida activa, assim como o peso da prova de aptidão profissional, que todos os alunos têm de prestar perante um júri, que integra, além do director pedagógico da escola e do orientador educativo da turma, dois profissionais da área de formação. Escolas secundárias e escolas profissionais: entidades muito diversas As escolas secundárias regulares e as escolas profissionais são entidades muito diversas. Para além de terem comunidades educativas (professores, alunos e funcionários e parceiros locais) extraordinariamente diferenciadas, têm culturas organizacionais muito distintas. Desde logo, pela sua dimensão: as escolas profissionais são sempre escolas pequenas, em regra com um número de alunos que se situa entre 100 e 500. Depois, pelo facto de emanarem da sociedade civil e de, consequentemente, estarem profundamente integradas no tecido social local. Finalmente, e não menos importante, por terem uma estrutura funcional muito leve, flexível e autónoma, seja ao nível administrativo-financeiro seja ao pedagógicodidáctico. Em síntese, as escolas profissionais pretendem dar resposta a uma dupla necessidade: a) Dos jovens que, motivados por uma mais rápida inserção no mercado de trabalho, desejam trilhar um caminho de desenvolvimento pessoal claramente orientado para uma vocação profissionalizante; b) Do tecido económico e social local que necessita, e continua a necessitar, de recursos humanos com sólidas qualificações intermédias. Uma aposta na avaliação integrada dos alunos Na Profitecla, a avaliação modular dos alunos privilegia os seguintes parâmetros: a) A aquisição, compreensão e aplicação de conhecimentos; b) O interesse e o empenho demonstrados na participação dos alunos em todas as actividades desenvolvidas no âmbito de cada disciplina, mesmo que decorram para além da sala de aula (realização de trabalhos de pesquisa, envolvimento em projectos de desenvolvimento educativo e outras actividades que se enquadrem no plano anual de actividades da escola); c) O desenvolvimento psicológico, afectivo e social, especialmente no que respeita ao relacionamento do aluno com os professores, com os colegas e com a restante comunidade educativa; d) A assiduidade e a pontualidade reveladas no cumprimento das suas obrigações escolares; e) A organização e o método de trabalho; f) O domínio da Língua Portuguesa, quer na sua expressão oral quer escrita, assim como o domínio das tecnologias de informação e comunicação; g) O cumprimento dos deveres de cidadania, especialmente materializados no respeito pelos restantes membros da comunidade escolar, na preservação dos recursos didácticos disponibilizados pela escola e na promoção da higiene dos espaços escolares. Em síntese, além da preocupação de formar bons profissionais, a escola aposta, também, na formação de cidadãos activos, ou seja, cidadãos que possam afirmar-se positivamente, de forma dinâmica, no tecido social local. Alguns dados para reflexão Sem ter a pretensão de ser exaustivo, apresento, de seguida, alguns elementos que são do domínio público, que surgem recorrentemente em todos os estudos realizados em Portugal e no estrangeiro e que merecem a nossa reflexão: a) Taxas médias de empregabilidade dos alunos diplomados pelas EP - 70% a 95%, conforme os cursos; 79 b) Relação de frequência Ensino Profissional / Ensino Secundário regular - 8,5% do total de alunos, que frequentam os 10.º, 11.º e 12.º anos, estão matriculados numa EP (7,4% no Vale do Ave), enquanto que, na média dos países da União Europeia, a mesma taxa sobe para 54,4%; c) Número actual de Escolas Profissionais, incluindo as delegações - 224 (18 são públicas e leccionam na área da agricultura); d) Número de alunos no Ensino Profissional - em 1994/95 havia 25275 alunos e em 2002/2003 esse número passou para 29785, claramente inferior ao necessário para dar resposta à procura, quer dos jovens que concluem o 9.º ano, quer de empregadores que necessitam de profissionais qualificados de nível intermédio. Notar que o número de alunos do Ensino Secundário era, neste último ano, 360 000; e) Rendimento escolar, tomando como referência o ciclo de formação 1998/2001 (3 anos lectivos): 63% dos alunos que se matricularam no EP concluíram os seus cursos em três anos lectivos; no mesmo ciclo de formação, as taxas referentes às Escolas Secundárias foram de 45% nos cursos gerais e 28% nos tecnológicos; f) Situação profissional dos alunos, em matéria de emprego, um ano após a conclusão do curso profissional: 78% dos diplomados estão empregados. Situação actual da educação/formação em Portugal Certamente que poderíamos encontrar imensas razões, muitas já banalizadas pela insistência com que são mencionadas pelas pessoas, que falam de educação. A minha experiência, que advém de 30 anos ao serviço da Educação, assim como os estudos que realizei, dizem-me que a razão principal tem de ser imputada à fúria reformista dos últimos trinta anos da nossa história. Vejamos apenas as reformas mais marcantes: a) 1975 /76 – Unificação do ensino secundário e extinção das escolas industriais e comerciais; b) 1983/84 – Criação do ensino técnico (10.º, 11.º e 12.º anos) e profissional (10.º ano) nas escolas secundárias; c) 1989/90 – Reforma do ensino secundário (10.º, 11.º e 12.º anos); d) 1989/90 – Criação das escolas profissionais; e) 2004/2005 – Reforma (ou revisão curricular, para usar a terminologia oficial) do ensino secundário. Se, ao estado permanente de reforma do ensino juntarmos o insuficiente tempo de permanência dos ministros, e, se a isso associarmos a necessidade vital de todos deixarem na história de Portugal uma marca da sua passagem pela governação, poderemos explicar que, não obstante o enorme investimento realizado na educação, nos últimos 30 anos, permanecemos na cauda da Europa, na maior parte dos indicadores que têm vindo a público. Sabe-se que, hoje, temos mais e melhores escolas, professores mais bem preparados e mais bem remunerados, que o insucesso escolar diminuiu, que dispomos de fontes de conhecimento mais abundantes e acessíveis. No entanto, continuamos a apresentar resultados de que nos envergonham perante os restantes países da União Europeia, particularmente perante os que aderiram em Maio de 2004. Muito grave, do meu ponto de vista, parece-me ser a enorme taxa de abandono escolar e o pouquíssimo interesse dos diplomados pela sua formação contínua ao longo da vida laboral. Não poderemos esquecer que, na tão falada Cimeira de Lisboa, foi definido que, em 2010, a Europa deveria ser o Continente mais competitivo e inovador. Ora, competição e inovação só se conseguem com uma fortíssima valorização do capital humano. Ma isso passa pela melhoria da qualidade dos resultados alcançados pelo nosso sistema de educação e formação. Este objectivo não está a ser plenamente conseguido. Todos, a começar pelos responsáveis pela administração educativa, teremos de fazer algo mais. 80 Pedagogia em actividade ou actividade na pedagogia? Professora Rosa Duarte E.B.1 /J.I. Passal-Longos, Agrupamento vertical de Escolas das Taipas Em Setembro (2004), quando o ano escolar dava ainda passos periclitantes, já a E.B.1/J.I. de Passal-Longos se “afundava” em trabalho… E, entre papeladas diversas, mapas e afins, algo havia para elaborar que a todos ocupava…o P.A.A.! Opinião daqui, palpite dacolá, escolha de actividades com interesse pedagógico ou, simplesmente lúdico/desportivo/cultural, eis que surge a “obra de arte”… o P.A.A. Posso afirmar, sem receio de incorrer em exageros, que foi pensado ao pormenor. Também posso dizer, sem falsa modéstia, que foram ultrapassadas em larga escala as nossas pretensões, quando, no P.A.A., inserimos o “Dia das Expressões”!!! “Agarrando” um lugar comum, direi que todas as actividades realizadas no decorrer do ano lectivo atingiram os objectivos pretendidos. Porém, direi que foi o “Dia das Expressões” aquilo que deu mais prazer aos alunos e, mesmo contrapondo o enorme desgaste, deu também mais satisfação aos professores. Perguntarão, neste ponto da leitura, o que era afinal o “Dia das Expressões”??? Pois… Tal como o nome o indica, era “um dia”, mais exactamente a quartafeira de cada semana, dedicada a áreas “extramanuais escolares”, que passavam pela introdução ao inglês, expressão musical, introdução à informática, literatura infantil, expressão dramática e corporal, expressão plástica e o desporto, todas em sistema de deslocação de turmas e envolvendo todos os alunos (Pré e 1º ciclo), sendo que cada professor do estabelecimento e professor de educação física da C. Tempo Livre, ministrava a área que lhe competia a todas as crianças. Para além das áreas permanentes, contava a escola ainda com a presença de uma artesã de olaria, a Bela, gentilmente cedida pela OFICINA, e que, em datas determinadas, se deslocava ao “nosso” espaço onde, para lá do facto de demonstrar a sua arte, a ensinava, inserindo as crianças no manuseio do barro. Foram momentos dignos de registo, tal era o envolvimento da miudagem com a arte… 81 O empenho comum das “quartas” teria forçosamente, que dar frutos, uns mais visíveis, outros nem tanto. Contudo, todos com resultados intrínsecos e, em termos de experiência, com marcas que jamais se olvidarão, como é o caso do “trabalho” iniciado no “Dia da criança”, que terá continuidade no próximo ano lectivo mas que, no momento, se apresenta maravilhoso (penso, aliás, que não tardará muito a ser ponto de referência para visita turística da zona) o nosso muro de mosaicos, bem ao estilo Gaudi…com direito a uma parede na entrada, onde está representado o “mascote Longuinhos”, feito na mesma arte… Escusado será dizer que este trabalho, foi mesmo “trabalho”…oso um pouco “duro de roer”, principalmente para os adultos que tiveram que pôr toda a sua perícia à prova, aprendendo a arte de “trolha” e “absorvendo” os raios solares da época, facto que se pode observar no “belo moreno à trolha” com que cada uma ficou… Relativamente ao trabalho das crianças, essa parte teve que ser faseada para evitar problemas de saúde… Todos colaboraram, mas com cautela e vigilância, não fosse o diabo também querer fazer parte do projecto e da pior maneira… Também será de salientar o nosso livro “Histórias de palmo para gente de palmo e meio”, com histórias infantis, em poesia, as nossas feirinhas e, tão ou mais importante, a nossa festa de final de ano com a Comunidade Educativa e Local, assim como entidades que colaboram/apoiam a escola, os representantes máximos do “nosso Agrupamento” e alguns mecenas, “vítimas” das nossas sempre necessárias “pedinchices”!!! O ano está na sua recta final e já demos início à avaliação de todo o trajecto realizado… Sentimo-nos bem… O resultado de todo o esforço pode não ser 100% satisfatório, pois, às vezes, as dificuldades logísticas impediam algumas ideias mais arrojadas…mas, ainda assim, podemos assumir-nos vencedoras… Demos às crianças algo diferente… Alargamos-lhes os horizontes culturais… Tiveram oportunidades e experiências que, decerto, memorizarão e serão, no futuro, pontos de referência agradáveis sobre a sua “escola primária”… E, ainda que eu não tenha por hábito especular, posso sem temor afirmar que, na forja, há já o projecto de continuidade porque, nesta escola, as palavras de Fernando Pessoa não são vãs e todos os elementos que dela fazem parte, rezam pela mesma cartilha: ”…valeu a pena? Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena…”! 82 A Formação Contínua de professores: do que foi e é ao que pode e deve ser Victorino Costa Mestre em Ciências de Educação, Doutorando em Psicologia Evolutiva e da Educação Analisar o papel dos Centros de Formação no desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes é, em nosso entender e antes de mais, equacionar toda uma vasta e complexa teia de factores e indicadores que nos permitem, de certo modo, vislumbrar possíveis metas a seguir nos próximos anos do novo século. De facto, uma ideia nos parece importante reter: a necessidade de uma permanente actualização dos professores aos desafios cada vez mais numerosos, variados e complexos que o processo de aprendizagem comporta. A escola do século XXI será, indubitavelmente, totalmente diferente da do século XX, o que implica, necessariamente, uma alteração nos modelos e motivos de formação dos professores. A fim de melhor compreendermos toda esta problemática, nada melhor, cremos, do que, sumariamente, penetrarmos nas sendas etiológicas da formação contínua de professores para, a partir de tal reflexão, procurarmos novos caminhos, novas metodologias. As contradições da modernidade engendraram em si próprias a necessidade de um novo paradigma social, de um novo modelo educativo. E é nesse contexto de viragem da modernidade para a pós-modernidade que, na década de 60, governos e instituições sentem a necessidade de um aggiornamento dos seus quadros, face às mudanças que se iniciam e perspectivam. E, no vórtice das mudanças, da crise do Vietnam e do Maio de 68, a formação dos professores começa a ser apontada como causa de grande parte dos males, como obstáculo à modernização dos sistemas educativos, do avanço das tecnologias e da investigação. Daí, a encarar a escola como uma empresa, a necessitar de um redimensionamento estratégico do sucesso e da produção, foi apenas um passo que os anos 70 confirmaram. O que importa, fundamentalmente, é a funcionalidade, o sucesso produtivo em claro detrimento da vertente pessoal (Ilídio Ferreira, 2001). Entre nós, o 25 de Abril vai acentuar esta vertente, fazendo surgir um conjunto de iniciativas tendentes à actualização dos professores, iniciativas dinamizadas, sobretudo, pelas instâncias governamentais (recordese, a propósito, os cursos intensivos de formação dos professores do primeiro ciclo face aos novos programas, que ocorreram durante o Verão de 1974…). Será, no entanto na década de 80, por influência da promulgação da Lei de bases do Sistema Educativo, que se caldearão as bases do actual sistema de formação contínua de professores, dinamizada, essencialmente, pelas organizações sindicais e associações de professores e que se expressam sob a forma de encontros, jornadas, seminários, conferências, numa perspectiva de reciclagem voluntária nas, então, denominadas jornadas pedagógicas (Ibidem). Os anos 90 vão trazer consigo a institucionalização e normativização do actual sistema de formação contínua dos professores. A publicação do Dec. Lei 249/92 define e regula os parâmetros da formação contínua de professores, numa articulação directa com a progressão da carreira docente, de acordo com o recém publicado Estatuto da Carreira Docente, através do Dec. Lei 139-A/90. A relação directa do processo de formação contínua com a progressão na carreira docente, através da acumulação de créditos, vai acabar por desvirtuar o verdadeiro espírito da formação contínua previsto na Lei de Bases. O espírito tecnocrático que invade o sistema, a obrigatoriedade de alcançar créditos, fazem com que a formação contínua deixe de ser encarada na perspectiva de uma opção de um adulto, que sente necessidade de se formar, que pode e quer ser autor e gestor das suas necessidades formativas, para se transformar numa frequência, muitas vezes, desprovida de sentido, onde a temporalidade, a facilidade ou atractividade das acções ou dos formadores são o elemento fundamental de todo o processo. Minimiza-se 83 assim, a vertente da formação pessoal, acentuando-se, fundamentalmente, o cumprimento burocrático de requisitos de índole sócio-profissional. Por outro lado e, como a propósito nota Ilídio Ferreira, (2001:66), a separação de funções de concepção e execução e a separação entre espaços e tempos de formação e espaços e tempos de trabalho acaba por prejudicar a autoformação e a ecoformação dos professores, acaba por afastar os professores das entidades que concebem e organizam e dão a formação, que aqueles acabam por receber. E pese embora o esforço de alguns Centro de Formação, de que o Centro de Formação Francisco de Holanda é exemplo que posso testemunhar, no sentido de procurarem trazer a si os professores, auscultando as suas necessidades de formação, o certo é que tais esforços a praticamente nada de concreto conduzem, pois o divórcio é institucional e paradigmaticamente consolidado. Ora, esta realidade, que constatámos, não pode continuar. A escola do século XXI não se pode compadecer com tais constrangimentos ou com tal paradigma de formação, exigindo, antes, a procura de modelos contextualizados no tempo e no espaço de trabalho, resultantes de uma reflexão na e sobre a acção dos professores de cada escola, de cada turma, numa formação partilhada, cooperante e cooperada. A formação do século XXI terá de ser, essencialmente, uma ecoformação, onde, idiossincraticamente, se plasmem tempo e local de formação com o tempo de local de trabalho, numa contextualização que atende a todos os actores do acto de aprendizagem. As modalidade de formação contínua, de carácter mais flexível e assentes nas escolas e nas práticas educativas, que emergiram nos finais do século XX, nomeadamente, as oficinas e os círculos de estudos, podem ser reequacionadas, adaptadas. Há que procurar o que de positivo nos legou o actual modelo de formação contínua para redimensionarmos os seus valores nas perspectivas e exigências da nova escola do século XXI, sem jamais esquecermos que, se as competências técnicas e de melhoria de desempenho pessoal e profissional são importantes, não menos importantes serão as do domínio emocional e relacional. Hoje, comprova-se que cerca de 80% do sucesso individual está ligado à inteligência emocional, ficando os outros 20%no domínio do Q.I. (Goleman, 1995; Hernández, Hernández, 2003; Gil e Alarcón 2004). Deste modo, a formação contínua dos professores não pode esquecer ou minimizar o Q.I., valorizando-o antes em acções onde o trabalho em equipa dos professores e restantes elementos da comunidade educativa surja como algo de natural, como fruto de uma permanente e dialéctica construção da reflexão na e sobre a acção. Como dizia Ortega Y Gasset “eu sou eu e as minhas circunstâncias” (1993:25).; por isso, o importante é fazer com que cada eu, nas circunstâncias concretas, seja capaz de uma realização máxima que contará, indubitavelmente, com o outro, elemento indispensável do circunstancialismo educativo. Só assim se desenvolverá o si, esse eu socializado e socializador, esse eu partilhante e partilhador de uma formação que se conquista em cada momento educativo, na interacção com os diversos actores do processo de aprendizagem, que se engendra em cada aqui e cada agora. Referências Bibliográficas FERREIRA, F. Ilídio (2001). A Formação e os seus efeitos, in J.O.FORMOSINHO e J.FORMOSINHO (org.). Associasção Criança: Um Contexto de Formação em Contexto. Braga: Liv.Minho GIL , D.J.Gallego e ALARCÓN, M.J.Gallego (2004). Educar la inteligencia emocional en aula. Madrid: Joaquín Turina Ed. GOLEMAN, D, (1995). Emotional Intelligence. N.York: Bantan Books HERNÁNDEZ, HERNÁNDEZ, P. (2003). Los Moldes de la Mente. Laguna (Tenerife): Guanir Ed. ORTEGA Y GASSET, J. (1993). O que é a Filosofia. Lisboa: Ática 84 A escola que queremos: A Escola que educa ou que ocupa? Margarida Leça Direcção do Sindicato dos Professores do Norte Vivem-se, hoje, tempos decisivos para as escolas e para os professores. As medidas do Governo e do Ministério da Educação corporizam uma concepção de escola e de professor que, a manter-se, comprometerá para sempre a sua função e a sua qualidade. Três aspectos do que se passa: - o alargamento do horário das escolas do 1º ciclo e dos jardins de infância , à custa do horário dos professores e educadores. Não trouxe melhor escola, trouxe, sim, situações insustentáveis: depois das cinco horas curriculares com os seus alunos, o professor/educador exerce a função de guarda ou de animador social, com crianças do 1ºciclo e da educação pré-escolar, chegando a atingir ratios insuportáveis. Por exemplo, 2 professores para três turmas e sem funcionário auxiliar da acção educativa – não é preciso ir longe, basta ver as condições de funcionamento dos Agrupamentos do concelho de Guimarães. Depois das actividades de ocupação das crianças, em modalidades umas mais pobres que outras, o professor será outra vez professor, na manhã seguinte; - o inglês no1º ciclo – curricular ou extra curricular? Eis a questão fundamental que não foi discutida e, por isso, o inglês no 1º ciclo está mal arquitectado. Não é para todos os alunos, vai originar desigualdades e assimetrias e interfere negativamente com o trabalho curricular. As actividades curriculares dos alunos dos 3º e 4º anos do 1º ciclo já não têm que se desenvolver em continuum - o impossível passou a ser possível, não por motivos pedagógicos, mas para que se possa dizer que o inglês está no 1º ciclo! O professor começa os trabalhos com a sua turma às 9 horas, interrompe às 10 horas, porque a maior parte dos seus alunos vai ter inglês. Neste interim guarda e entretém os restantes e retoma os trabalhos com todos às 11 horas, prolongando-se, na tarde, mais uma hora, para cumprir as cinco horas curriculares diárias; - aulas de substituição – a pior maneira de preencher os tempos livres dos alunos, em caso de ausência do professor. Nestas aulas, não se estabelecem relações pedagógicas, porque é trabalho esporádico e ocasional. Alunos e professores sabem e sentem isso e o professor passa a ser, nestes espaços, um guarda ou animador social, que aguarda em “piquete “ que o (não!) chamem para a substituição. Assim, nem se nota tanto a falta de outros espaços para os alunos, para além da biblioteca e da sala de Informática; assim também se nota menos o número insuficiente de auxiliares da acção educativa. E tudo isto se passa com muito desgaste físico e psicológico dos educadores e professores. Com estas medidas a escola não está melhor nem para os alunos nem para os professores e isso vê-se. E a função docente vai sendo descaracterizada, com indefinições muito convenientes para que o professor acuda a tudo e até deixe de ser professor. As escolas são espaços pedagógicos por excelência. E o saber pedagógico, saber nuclear da identidade profissional docente, não se compagina com funções de guarda, de animadores sociais, de funções administrativas e de tudo aquilo que não respeite a um conteúdo profissional que é desta e de nenhuma outra profissão. Há que ouvir os professores. Há que reflectir e negociar com as suas organizações representativas. A imposição não é caminho para uma Escola melhor. 85 A Escola – espaço de Educação para a Saúde. Sérgio Vilaça Enfermeiro e Formador do CFFH A saúde é um conceito dinâmico que, desde sempre, tem acompanhado a satisfação das necessidades do ser humano, necessidades essas variáveis no tempo e no espaço. Na década de 40, a Organização Mundial de Saúde definiu saúde como um “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Esta definição mereceu algumas críticas, como o conceito ambíguo de bem-estar e as dificuldades na sua avaliação, a saúde entendida como um estado estático e normativo, e, segundo alguns autores, seria um ideal abordável mas não atingível. Foi, contudo, importante, pois incluiu a vertente social do indivíduo na saúde, abrindo portas à visão holística do ser humano, favorecendo o paradigma sócio-ecológico da saúde em detrimento do paradigma biomédico. Actualmente, a saúde é considerada um fenómeno multidimensional, que se manifesta nas áreas do bem-estar e da funcionalidade, e nos domínios mental, social e físico. É entendida como a capacidade do indivíduo em criar novas regras de vida para ultrapassar equilíbrios perdidos e promover um futuro com base em novas normas. É pois, resultado de um equilíbrio dinâmico entre factores internos a cada indivíduo e factores externos próprios do meio ambiente que o rodeia. É um fenómeno multideterminado por factores culturais como a religião e os costumes, factores do meio ambiente como o clima e os recursos naturais, factores biológicos, demográficos, sociais entre muitos outros. Considerando a sua condição multidimensional e multideterminada, facilmente nos apercebemos que promover a saúde ultrapassa em larga escala a competência dos profissionais de saúde. É uma responsabilidade de toda a sociedade e de cada um de nós em particular. Citam-se, como exemplos, a responsabilidade do governo na definição da política de saúde e na criação de medidas regulamentares, que visem a protecção da mesma, e o papel das autarquias na definição de espaços verdes e lazer, criação da rede de água canalizada e saneamento básico. Sendo a saúde um bem essencial, é imperioso garantir a sua promoção, recorrendo a estratégias como a prevenção da doença (realização de rastreios, vacinação), a protecção da saúde (controlo da emissão de poluentes e da qualidade alimentar) e a educação para a saúde (EPS). Esta última pode ser definida como o conjunto de experiências, que exercem uma influência favorável sobre os hábitos, atitudes e conhecimentos relacionados com a saúde do indivíduo e da comunidade. É um processo activo onde o educador estimula a curiosidade, e o receptor encontra a sua própria vontade. Cada vez mais tem sido reconhecida a sua importância e eficácia na promoção da saúde. São seus objectivos fazer da saúde um património da colectividade, modificar condutas menos relacionadas com a promoção da saúde e promover outras mais favoráveis à manutenção e restabelecimento da mesma, proporcionar mudanças ambientais que favoreçam a mudança e adopção de novas atitudes, e capacitar os indivíduos para que possam tomar decisões saudáveis de forma consciente e esclarecida. Todos nós somos potenciais educadores para a saúde no desempenho dos nossos papéis sociais, nas escolhas que efectuamos em todos os momentos da nossa vida. Porém, salientam-se como importantes educadores sanitários os pais, pelo seu particular papel de educadores para a vida, os profissionais da área de educação cuja acção complementa a responsabilidade dos pais, os profissionais de saúde, para quem a EPS constitui uma das suas competências, os órgãos de comunicação social, pelo seu impacto nas massas, e as figuras públicas cujos comportamentos 86 tendem a ser adoptados por alguns indivíduos. Torna-se, portanto, necessário promover o ensino, formação e a aquisição de capacidades dos principais agentes educadores para a concretização dos objectivos da EPS já anteriormente mencionados. Andrade (1995), a este respeito, refere serem quatro os suportes teóricos da EPS: (1) as ciências da saúde, uma vez que a promoção, a prevenção e o tratamento dos problemas correspondem à medicina e suas especialidades; (2) as ciências do comportamento, por ajudarem a analisar e a compreender os factores causais do comportamento; (3) as ciências de educação, por possibilitarem a compreensão dos diferentes processos de aprendizagem dos indivíduos bem como os métodos de ensino; (4) as ciências da comunicação, por estarem relacionadas com as estratégias a utilizar a nível escrito, oral ou audiovisual. Qualquer programa de EPS deve contemplar a inclusão do meio ambiente (factores ambientais e sociais), a participação do indivíduo e/ou do grupo, a importância dos aspectos culturais e privilegiar a intervenção em grupos específicos e não tanto na população em geral. Considerando estes aspectos, facilmente concluímos que os estabelecimentos escolares são instituições-alvo que reúnem condições e atributos-chave para a realização de EPS. Algumas escolas têm levado a efeito, com a colaboração de profissionais de saúde, acções de formação alusivas a temáticas como a sexualidade, o tabagismo, o socorrismo, doenças infecto-contagiosas, toxicodependências, entre outras. No entanto, são acções pontuais e desarticuladas no seu conjunto, cujos resultados acabam por não ser avaliados. Há, pois, um claro subaproveitamento das potencialidades existentes nos estabelecimentos escolares. Seria importante a criação de núcleos multidisciplinares motivados para a EPS no seio de cada escola, que procurassem conhecer as características particulares das suas instituições, do universo humano que as frequenta, bem como a região onde estas estão inseridas, e concretizassem um plano de intervenção face aos problemas/situações identificados, procedendo, posteriormente, à avaliação dos seus resultados. Tenhamos em consideração que, educar para a saúde, requer mais que a mera informação, e a sua finalidade não é apenas proporcionar conhecimentos, mas, sobretudo, conseguir mudanças nas atitudes e nos estilos de vida, mudanças realizadas de forma consciente e voluntária. Bibliografia ANDRADE, M.I. (1995). Educação para a saúde – Guia para professores e educadores. Lisboa: Texto Editora 87 Modalidades do pré-escolar – Pública estatal versus privada solidária: Que papel na expansão da educação pré-escolar? Patrícia Freitas A educação pré-escolar é, nos dias de hoje, uma necessidade não apenas social, mas também cultural. As instituições de educação pré-escolar devem ser um recurso educativo, social e cultural, nunca esquecendo a sua função compensatória e de despiste precoce de necessidades educativas especiais (Formosinho, e Vasconcelos, 1996). Considera-se a existência de duas redes de educação pré-escolar, a pública e a privada, com cinco modalidades dominantes. Na rede pública, temos: a modalidade pública estatal, a modalidade pública autárquica e a modalidade pública contratual. Na rede privada, temos: a modalidade particular e cooperativa e a modalidade privada solidária (Formosinho, e Vasconcelos, 1996). Em Portugal, a educação de infância acompanhou a sequência dos acontecimentos políticos e económicos desde o século XIX, momento em que se criaram os primeiros jardins de infância. As primeiras instituições datam de 1834 e pertencem à iniciativa privada. Eram destinadas às crianças desfavorecidas. Algumas destas instituições ainda estão em funcionamento. Foi em 1882 que abriu, em Lisboa, o primeiro jardim de infância oficial. A criação da rede pública de educação pré-escolar dá-se com a Lei nº5/77. O primeiro marco histórico dá-se em 1979, com a publicação dos Estatutos dos Jardins de Infância da Rede Pública. O segundo marco legislativo relevante foi a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986, que reconhece ao Pré-Escolar um papel no Sistema Educativo Português, embora não considere este nível escolar nem o integre no ensino básico. Entre 1986 e 1995, assiste-se a uma fase de retracção do desenvolvimento da rede pública da educação pré-escolar. O Ministério da Educação não cria novos Jardins de Infância. Contudo, a procura crescente origina que a rede privada comece a alargar a sua acção. A rede pública tende a ajustar-se à nova realidade, alargando os horários de funcionamento, articulando a função pedagógica com a social. Este fenómeno retraccionário teve o lado positivo de criar uma opinião pública que reclamou o pré-escolar. Entre 1995 e 1997 vive-se a fase da “revitalização”, em que a educação pré-escolar volta a ser uma prioridade do governo. Contudo, o Estado continua a não assumir a criação de Jardins de Infância, delegando essa função noutras instituições. A expansão da educação pré-escolar faz-se no público, mas também no privado, não havendo igualdade de oportunidades. A Lei Quadro da Educação Pré-Escolar (1997) no seu princípio geral, define a educação préescolar como sendo “a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da acção educativa da família com a qual deve estabelecer estreita cooperação, favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autónomo, livre e solidário” (Lei Quadro da Educação Pré-Escolar, 1997, p.670). Os Estatutos dos Jardins de Infância são alterados pela Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar (Lei nº5/97). Evidencia-se, aqui, duas tutelas nos jardins de infância da rede pública: tutela pedagógica e tutela social. Cabe ao Ministério da Educação a tutela da função pedagógica, quer nos jardins de infância públicos, quer nos privados. A lei nº5/97 consagra o dever do Estado de criar uma rede pública de educação pré-escolar, generalizando a oferta dos respectivos serviços, tendo em conta as necessidades e a gratuitidade 88 da componente educativa em todas as unidades pré-escolares, sejam públicas, privadas ou de solidariedade social (Sousa, 2004). Na verdade, o que se constata, recentemente, é que “o Governo tem construído a ilusão do alargamento da rede de educação pré-escolar mas a sua expansão passa mais pela revitalização das estruturas da sociedade civil solidária do que pela revitalização das estruturas públicas” (Vilarinho, 2001, p.107). Segundo o Relatório O Futuro da Educação em Portugal, coordenado por Roberto Carneiro em 2000, prevê-se o seguinte panorama para a educação pré-escolar: até 2005, deveria abranger 87% das crianças da faixa etária 3-5 anos e, em 2010, deverá abranger 100%, atingindo-se uma cobertura nacional que eliminará as disparidades regionais (Vasconcelos, 2003). A rede pública da educação pré-escolar incorpora um conjunto de escolas infantis que têm em comum a iniciativa directa ou indirecta da criação do Estado, sendo um acto da administração pública, estando sujeitas à extinção pelo Estado e inseridas num contexto organizado de rede de serviços. Já a rede privada não está subordinada ao critério da necessidade absoluta da oferta de formação, podendo ser uma alternativa à rede pública. Neste sentido, a rede que resulta de contratos-programa classifica-se também como sendo pública, pois é ao Estado que cabe a decisão de criação ou extinção (Formosinho, e Vasconcelos, 1996). Existem, no entanto, regras comuns a todas as redes e modalidades e quem as define e controla é o Estado. Cabe ao Estado definir o enquadramento normativo para a educação pré-escolar. Há uma tutela pedagógica única por parte do Ministério da Educação, que se concretiza na vistoria dos edifícios e equipamentos, na inspecção, na avaliação da qualidade dos serviços. O Estado deve prover que todos os Jardins de Infância desempenhem quer as suas funções educativas (a educação pré-escolar é a primeira etapa da educação básica), quer a função social (apoio social às famílias). É importante que o Estado redefina o conceito organizacional do jardim de infância afim de permitir uma melhor articulação com o primeiro ciclo. A criação de Centros de Educação Básica, que agrupa estes dois níveis de ensino, permitirá criar um modelo de administração escolar mais eficiente em termos de utilização dos recursos humanos e materiais, mais coordenado na oferta de serviços, mais adequado a nível pedagógico, mais qualificado na gestão da escola e também mais participado pela comunidade e encarregados de educação. Os Centros de Educação Básica podem ser criados pela iniciativa do Estado, autarquias e também pelo ensino particular e cooperativo. Sendo este nível considerado como a etapa inicial da educação básica, o Estado cria uma organização pedagógica comum a todas as modalidades. É de salientar as orientações curriculares para a educação pré-escolar e também a criação do cargo de director pedagógico (Formosinho, e Vasconcelos, 1996). Em síntese, e como refere Formosinho (1996), as regras comuns a todas as modalidades, e que cabe ao Estado definir, relacionam-se com aspectos estruturais (enquadramento normativo genérico, tutela do sistema, articulação com o ensino básico), aspectos financeiros (financiamento e contribuição das famílias), aspectos organizacionais (organização pedagógica, horários de funcionamento) e aspectos pedagógicos (linhas curriculares, qualificação do pessoal). 89 Conclusões Hoje em dia, a educação pré-escolar é reconhecida internacionalmente, estando provado que contribui para o sucesso educativo e para o bem-estar das crianças. Sendo assim, e para que o seu impacto possa ser duradouro, urge investir na qualidade das diversas instituições de educação pré-escolar, independentemente da sua modalidade. Seria de relevante importância aperfeiçoar os modelos e as práticas de administração e gestão desses estabelecimentos de ensino. Colocam-se questões constantes quanto ao equilíbrio público / privado, o que convida a uma atitude mais vigilante. É fundamental a existência destes serviços, de forma a garantir a cada um o seu lugar, dentro de um quadro de competências e responsabilidades, sem ambiguidades ou conflitos, de forma a construir uma rede pré-escolar, que responda às necessidades da sociedade actual. De facto, não se pode esquecer que, hoje-em-dia, toda a educação escolar é, sem dúvida, de interesse público, independentemente da propriedade das escolas. Isso verifica-se através da tutela única do Ministério da Educação, do controlo do currículo escolar, etc. (Formosinho, 1995). É, assim, fundamental expandir rapidamente serviços de educação pré-escolar que tragam benefícios sociais às famílias e vantagens educacionais às crianças portuguesas (Formosinho, 1996). É fundamental que, à expansão da educação pré-escolar, se acrescente o seu desenvolvimento, que engloba o aperfeiçoamento dos modelos organizacionais existentes, quer no sector público, quer no sector privado. Importa tornar o sistema gerível, relacionando sempre o que é inseparável em gestão: autoridade e responsabilidade. Lança-se, aqui, novamente, o convite já feito por Formosinho e Vasconcelos (1996), no sentido de quer o Estado quer as Instituições Privadas, ou mesmo outros agentes se sentirem, activa e empenhadamente, envolvidos no desenvolvimento da educação das crianças, nunca esquecendo que “a forma como a infância é olhada e acarinhada é o melhor retrato do desenvolvimento de um país” (Formosinho, e Vasconcelos, 1996, p.5). Referências Bibliográficas Azevedo, C., e Azevedo, A. (1994). Metodologia científica. Porto: Universidade Católica Portuguesa. Bairrão, J., e Vasconcelos, T. (1997). A educação pré-escolar em Portugal: Contributos para uma perspectiva histórica. Inovação, 10, 7-19. Cardona, M. (1997). Para a história da Educação de Infância em Portugal: O discurso oficial. Porto: Porto Editora. Castilho, S. (1999). Manifesto para a educação em Portugal. Lisboa: Texto Editora. Conselho Nacional de Educação (1995). Pareceres e Recomendações. Lisboa: Ministério da Educação. Estêvão, C. (1998). Redescobrir a escola privada portuguesa como organização. Universidade do Minho: Braga. Esteves, M. (2003). A Lei de Bases do Sistema Educativo vai ser revista. Elo, 11, 99-100. Formosinho, J. (1995). A educação pré-escolar em Portugal. Perspectivar Educação, 2, 9-18. 90 Formosinho, J. (1996). As funções da educação pré-escolar e o papel do Estado na definição do serviço público das escolas infantis. In A educação pré-escolar – 1ª etapa da educação básica: 1º Congresso Educação Hoje. Lisboa: Texto Editora. Formosinho, J. (1997). O Contexto Organizacional da Expansão da Educação Pré-Escolar. Inovação (Vol.10, nº1, pp. 21-36). Lisboa: Revista do Instituto de Inovação Educacional. Formosinho, J., e Vasconcelos, T. (1996). Princípios orientadores para a educação pré-escolar. Braga: Universidade do Minho. Lei de Bases do Sistema Educativo: Lei nº 46/86. (1986, Outubro, 10). D. R. I Série, Nº273. Lei Quadro da Educação Pré-Escolar: Lei nº 5/97. (1997, Fevereiro, 10). D. R. I Série-A, Nº 34. Lima, L. (1991). O ensino e a administração educacional em Portugal. In Ciências da Educação em Portugal: Situação actual e perspectivas (pp.88-116). Porto: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação. Sousa, M. (2004). Os jardins de infância da rede pública: relação entre o poder central e o poder local. In Políticas e gestão local da educação: Actas do III Simpósio sobre organização e gestão escolar (pp.219-228). Aveiro: Universidade de Aveiro. Vasconcelos, T., et al. (2003). Educação de Infância em Portugal: Situação e Contextos numa Perspectiva de Promoção de Equidade e Combate à Exclusão. Lisboa: Conselho Nacional de Educação. Vilarinho, M. (2000). Políticas de educação pré-escolar em Portugal (1977-1997). Braga: Instituto de Inovação Educacional 91 O INGLÊS no 1º Ciclo Qual o papel dos agrupamentos? Maria Teresa Portal Guimarães de Oliveira Vice-presidente do Agrupamento Vertical de Escolas das Taipas Escola Básica 2,3 de Caldas das Taipas O direito à cultura e à educação é um direito fundamental. Não pode ser visto nem entendido como um luxo, mas deve ser percebido como uma necessidade básica de todos os homens. A aprendizagem do Inglês insere-se neste âmbito. No século XXI, «ser-se culto, ser-se educado» passa necessária e obrigatoriamente pela utilização de uma língua estrangeira que, por condicionalismos históricos e económicos do conhecimento geral, queiramos ou não, é a Língua Inglesa. Isso mesmo é apontado no Despacho nº14753/ 2005 (2ª série): «Tendo em conta os padrões europeus, o sistema educativo português necessita recuperar algum do seu atraso, promovendo a elevação do nível de formação e qualificação das futuras gerações, pela aquisição de competências fundamentais através da aposta no desenvolvimento do ensino básico, nomeadamente na generalização do ensino do inglês desde o 1º ciclo do ensino básico. Por outro lado, a aprendizagem do inglês no 1º ciclo do ensino básico deve ser considerada essencial para a construção de uma consciência plurilingue e pluricultural, de acordo com o quadro europeu comum de referência, bem como elemento fundamental de cidadania, enquanto desenvolvimento precoce de competências, no quadro da crescente mobilidade de pessoas no espaço da União Europeia. Além disso, a oferta do ensino do inglês no 1º ciclo do ensino básico assume também o objectivo de promoção de igualdade de oportunidades perante o sistema educativo. É neste contexto que é criado o programa de generalização do ensino do inglês nos 3º e 4º anos do 1º ciclo do ensino básico público como oferta educativa extracurricular gratuita que permita desenvolver competências e fomentar o interesse pela aprendizagem deste idioma ao longo da vida, bem como aumentar a competitividade dos trabalhadores e da economia portuguesa.» O analfabetismo, tal como era compreendido no século passado, tornou-se inaceitável no presente século, que transforma o monolinguismo no analfabetismo do futuro. O desenvolvimento das telecomunicações (a informática, os satélites,…) despeja sobre as nossas crianças, os nossos jovens, uma catadupa de informações via TV e de conhecimentos via Internet que contribui para a construção da comunidade global, com tudo quanto de positivo e de negativo possa acarretar. Esta globalização exige a existência de um meio de comunicação único para que todos possam ser incluídos no seio desta comunidade e do seu mercado de trabalho. Já dizia Goethe: «Wer fremde Sprachen nicht kennt, weiss nichts von seiner eigenen» (Quem não fala uma língua estrangeira, não sabe nada acerca da sua). A proficiência em línguas e culturas estrangeiras abre novas portas ao ampliar os conhecimentos, quer como instrumento académico, quer como ferramenta profissional, quer como voz política. Há que reconhecer que o entendimento entre as nações e a implementação da paz mundial passa pela palavra, pelo diálogo, só conseguido se todos falarmos uma mesma língua que quebre as barreiras raciais, linguísticas e culturais. Como se sabe, o período ideal para a aquisição de uma segunda língua é a infância ou a adolescência. Pesquisas realizadas no campo da psicologia e da linguística, já amplamente reconhecidas, dizem que quanto mais cedo melhor, isto devido a factores de ordem biológica e psicológica, tornando o ritmo de assimilação mais rápido e também mais eficaz. Além disso, os jovens até aos 12/ 14 anos de idade ainda têm a capacidade de assimilar o idioma estrangeiro ao mesmo nível da língua estrangeira. É do senso comum que não se devem colocar estes jovens em clubes, cursos ou escolas que oferecem inglês com professores cuja proficiência seja reduzida, porque podem causar danos irreversíveis. 92 Feito este preâmbulo, várias questões se colocam agora. A aprendizagem do Inglês, preconizada este ano de 2005- 2006 para os 3º e 4º anos de escolaridade, é uma óptima medida, mas não é inovadora, longe disso. Só é pena que tenham decorrido mais de dez anos entre as primeiras experiências, essas, sim, pioneiras, feitas no terreno pelas EB 2,3, quando ainda nem se pensava em agrupamentos, mas se efectivavam parcerias, que passaram pela dinamização de projectos como os TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), o PEPT 2000 (Programa Educação Para Todos) e outros no mesmo âmbito. A nossa escola fez parte dessas pioneiras, ao leccionar Inglês nas escolas da vila, nossas parceiras no PEPT, deslocando um dos professores do quadro da escola para o desempenho dessa missão, que não pode nem deve ser atribuída a qualquer um de ânimo leve. Fomentar a aprendizagem da Língua Inglesa é excelente, mas por que razão recorrer a situações de trabalho precário? Quando é que o país vai parar de privilegiar as razões economicistas? Fica muito mais barato ao ME atribuir uma verba por aluno às câmaras/ associações de pais/ escolas de línguas/… que vão depois desenvolver todo o processo logístico de angariação de professores, do que estipular/ fazer sair uma lei (já que nos inundam com tantas!) em que as escolas, ou seja, os agrupamentos fiquem com a responsabilidade de resolver essa questão ( o mesmo seria dizer, o próprio Ministério da Educação!). Esta situação não interessaria nunca ao ministério, porque o professor poderia sair do quadro da escola, o que seria muito mais dispendioso. Só que diz o ditado: «o barato sai caro» e o tiro saiu-lhes pela culatra, porque, contrariamente ao esperado, cerca de 183.092 alunos (87%) em 7013 escolas do país (93%) vão ser abrangidos por esta medida. E a máquina infernal vai ter de se pôr em movimento. As Câmaras e outras entidades, entre as quais aparecem 157 agrupamentos a nível nacional (possibilidade apenas prevista, «excepcionalmente, sempre que se demonstre a não viabilidade da constituição de uma parceria»), vão ter de angariar professores entre os que não foram colocados, os que tiverem horários incompletos, dando prioridade aos professores do 2º ciclo, de acordo com as listas nacionais. Confusão! Justiça? Já não quero falar em competência, porque essa é uma carta fora do baralho. Os professores até podem ser licenciados e profissionalizados, mas falta-lhes a experiência, vai faltar-lhes o trabalho cooperativo… talvez. Depois, há que não esquecer que essas horas de Inglês só podem acontecer entre as 15horas e as 17.30 horas, no tempo considerado como componente extracurricular para os alunos do 1º ciclo. E aqui começam as primeiras complicações, porque o horário de Inglês proposto para as nossas crianças pela Câmara Municipal de Guimarães, ora chegado ao agrupamento, para seis dos dezanove grupos, aponta para o término das aulas às 17.45 horas, que ultrapassa ligeiramente o novo horário proposto para as escolas que funcionam em regime normal - o alargamento dos horários das quinze para as dezassete e trinta horas. Ora, as escolas, na maior parte dos casos, têm dificuldade em arranjar recursos humanos e materiais para trabalhar até às dezassete horas e trinta minutos. Não estou aqui a criticar o trabalho que a Câmara fez, até porque sei que não deve ter sido pouco, mas não estamos a fazer as coisas ao contrário? Não deveremos entregar à escola o que é da sua competência? Sempre pensei que a filosofia subjacente à constituição dos agrupamentos passasse pela rentabilização e centralização de recursos materiais e humanos, para tornar eficaz e eficiente o ensino numa comunidade educativa. Pelos vistos, estava errada, porque, afinal, o próprio ME apenas nos olha como entidades burocráticas de uma outra reorganização da rede escolar, esquecendo a missão pedagógicodidáctica de que nos devíamos revestir. É missão do agrupamento criar um amplo guarda-chuva pedagógico, sob o qual se abriguem todas as escolas pertencentes ao mesmo agrupamento. Por isso se elabora o Projecto Educativo (onde se definem os grandes objectivos do agrupamento, as grandes 93 metas a alcançar, as grandes problemáticas a resolver), o Projecto Curricular (onde os conteúdos do currículo são contextualizados à nossa realidade), os Projectos Curriculares de Turma, com a aplicação ainda mais restrita à especificidade de cada turma e à sua caracterização sócio-económicocultural. Afinal, andamos nestes exercícios para quê? Tive curiosidade, até porque sou da área, de ver o programa proposto para o ensino do Inglês na Internet. Um documento muito bem feito, sem dúvida nenhuma, mas, como qualquer papel, é um ponto de partida frio para quem nunca deu aulas ou apenas terá dado muito poucas. Embora tenha apenas dado uma vista de olhos, pareceu-me um programa muito ambicioso para quem tem pouca experiência… e até dá vontade de despejar tudo aquilo de um só fôlego para os ver a adquirir tanto vocabulário e a adquirir Competência Linguística e Pragmática na utilização de uma língua estrangeira. Novas interrogações: quem vai planificar as unidades? Quem vai controlar os progressos e pôr um travão nos que embarcarem numa correria louca? Haverá reuniões destes docentes com os professores do agrupamento para que persigam as prioridades educativas do seu Projecto Educativo, as aulas vão levar em linha de conta o seu Projecto Curricular? As reuniões mensais das estruturas intermédias de orientação educativa realizam-se para quê? Só para ocupar os professores? E estes professores que vão andar a saltar de escola para escola e de turma para turma, vão olhar para esses documentos, vão colaborar na elaboração do PCT (Projecto Curricular de Turma) de todas essas turmas, vão participar em reuniões do Conselho de Turma? E como se fará o balanço do final do ano? Como é que os conhecimentos que os alunos adquiriram e as competências que os alunos dominaram vão ser transmitidas para o professor que vai leccionar o 5º ano? Não haverá nenhuma espécie de feedback? Ou como se poderá concretizar esse feedback? Numa altura em que todos quantos estamos neste barco da Educação vamos navegando, com alguma dificuldade para nos mantermos à tona graças aos decretos, despachos e leis com que nos inundam, eis que surge agora neste grande oceano, um pequeno barquito que, aparentemente, não dispõe de leme e onde apenas um pobre náufrago usa uns pequenos remos para tentar chegar a algum lado. Terá alguma orientação? Será socorrido? Dar-lhe-ão um instrumento de navegação, sei lá, uma bússola para, pelo menos, identificar o Norte? É que colocar um programa na Internet não chega! Outras questões se poderiam colocar, mas creio ter focado as mais prementes, aquelas que nos preocupam mais. 94 ECAE de Guimarães/ Vizela - Quem somos? Helena Soeiro A ECAE de Guimarães/Vizela é composta por 4 elementos que coordenam, nestes dois concelhos, a intervenção educativa realizada com crianças e jovens com necessidades educativas especiais (NEE) de carácter prolongado. A coordenação dos apoios educativos efectua-se em colaboração com os órgãos de gestão dos agrupamentos de escolas e recorre, frequentemente, a parcerias formais e informais com outras instituições da comunidade – Câmara Municipal (de Guimarães e de Vizela), Hospital, Centros de Saúde, Centro Equestre de Loureiro Velho, Instituto de Emprego e Formação Profissional, Segurança Social, Misericórdia, CERCIGUI, AIREV, Centro de Formação Francisco de Holanda, entre outros. A intervenção educativa desenvolve-se num continnuum, iniciando-se no âmbito do Projecto de Intervenção Precoce (PIP), que apoia famílias com crianças de risco entre os zero e os três anos de idade. Este projecto resulta de uma parceria efectuada entre a ECAE e a AICIG – Associação para a Integração de Crianças Inadaptadas de Guimarães – e é desenvolvido por uma equipa formada por profissionais da área da Educação de Infância, Terapia da Fala, Terapia Ocupacional e Psicologia. A partir dos três anos de idade, o apoio às crianças com NEE é efectuado por vinte e quatro educadoras de infância que exercem funções de apoio educativo em cinquenta e oito jardins de infância das redes pública e privada. Após o início da escolaridade obrigatória, a continuidade do apoio educativo está a cargo de sessenta e cinco professores do 1º ciclo e de dezanove professores dos 2º/3º ciclos do ensino básico, que exercem funções nos dezasseis agrupamentos de escolas existentes nos dois concelhos e em três instituições privadas. Para além do PIP, a parceria entre a ECAE e a AICIG permite, ainda, proporcionar uma resposta diferenciada no atendimento às necessidades das crianças/jovens com autismo e com multideficiência, através, respectivamente, das Unidades de Intervenção Educativa (UIE-A) e das Unidades de Apoio à Multideficiência (UAM), integradas em estabelecimentos de ensino básico. Estas unidades de atendimento específico, num total de onze, contam com uma equipa de técnicos da área da Educação, Terapia da Fala, Terapia Ocupacional, Psicomotricidade e Psicologia, possibilitando a estas crianças um leque de actividades diversificadas dentro e fora da escola. Ainda no âmbito das respostas diferenciadas, a ECAE de Guimarães/Vizela coordena também o núcleo de apoio à deficiência visual e uma Unidade de Apoio à Educação de Alunos Surdos (UAEAS), na qual exercem funções duas docentes de apoio educativo, um formador de Língua Gestual Portuguesa e uma terapeuta da fala. 95 Educação Rodoviária: uma Acção Educativa de longo alcance Ana Paula Lopes e Ana Maria Jacinto Prevenção Rodoviária Portuguesa, Centro de Formação “Educação Rodoviária e Cidadania” Em Março de 2003, o Governo fez a apresentação do Plano Nacional de Prevenção Rodoviária (PNPR), contemplando a tomada de medidas estratégicas exigentes, em várias áreas estruturais, a saber: - Educação contínua do utente - Ambiente rodoviário seguro - Quadro legal e sua aplicação Inclui-se, na primeira destas áreas, a inserção da Educação Rodoviária no Sistema Educativo. As estratégias para que esta inserção se concretize são: - Definição das finalidades e competências da Educação Rodoviária para os níveis de Educação/Ensino; - Produção de suportes didácticos; - Integração dos conteúdos da Educação Rodoviária nos conteúdos das diferentes áreas curriculares; - Definição de um sistema de formação inicial e contínua de docentes. A Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) está de acordo com a definição destas estratégias e, por isso, desde a sua constituição que desenvolve um conjunto de programas e projectos que se articulam com todas elas. Na verdade, desde fins da década de 60 que a nossa Associação colabora com escolas e realiza programas escolares que abrangem a população discente, bem como a sensibilização de encarregados de educação e docentes. A concepção e a produção de suportes didácticos inicia-se, praticamente, também, nessa altura e temos vindo a considerá-la uma estratégia fundamental, dispondo presentemente de materiais para docentes e discentes. Colaborámos com o Ministério de Educação e a Direcção Geral de Viação ao nível da definição de objectivos de Educação Rodoviária para os diferentes níveis de ensino, que indiciam os conteúdos que devem abordados no âmbito das áreas curriculares disciplinares e não disciplinares. Esta tarefa tem tido o contributo de numerosos docentes e, como é óbvio, exige uma permanente adequação às competências do Currículo Nacional do Ensino Básico. Tendo em vista a última estratégia, criámos o Centro de Formação “Educação Rodoviária e Cidadania”, certificado pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua, a 11 de Setembro de 2000, depois de termos trabalhado com outros Centros, desde 1997, em que formámos aproximadamente 920 docentes em exercício. Temos também procurado sensibilizar as Escolas Superiores de Educação para a realização de breves seminários dirigidos aos seus alunos nesta área. O Centro de Formação conta, actualmente, com uma bolsa de formadores internos e tem vindo a estabelecer o seu plano de formação, no sentido de enriquecer práticas educativas, tendo em conta as expectativas e os problemas das populações docente e discente na área da Educação Rodoviária. Face ao exposto, consideramos que a Educação Rodoviária é um processo ao longo da vida do cidadão como passageiro, peão e condutor, que implica o desenvolvimento de competências que permitam viver em segurança no ambiente rodoviário, assim como o desenvolvimento de atitudes 96 e valores como o respeito, a responsabilidade e a tolerância enquanto componentes essenciais da educação para a cidadania. Portanto, é necessário que todas as crianças e jovens tenham oportunidade de, ao longo da escolaridade obrigatória e dos sucessivos anos lectivos, poder reflectir sobre a sua própria mobilidade e segurança rodoviária. Ao nível do Currículo Nacional, a prevenção rodoviária, na qual se integra a educação rodoviária, está contemplada na “educação para a prevenção de situações de risco pessoal”, que inclui também a prevenção do consumo de drogas. Portanto, a Educação Rodoviária já é considerada como um tema transversal e transdisciplinar. As suas especificidades devem ser desenvolvidas no trabalho a realizar: - nas formações transdisciplinares; - nas áreas curriculares não disciplinares; - e ainda nas actividades de enriquecimento curricular. Todas as áreas disciplinares devem dar o seu importante contributo, mas salientamos também o especial envolvimento que os docentes coordenadores de Formação Cívica e Área de Projecto podem dar, dado que são espaços onde as noções de corresponsabilização de todos os utentes da estrada na sua integração, na circulação rodoviária e na humanização do trânsito, devem ser objecto de reflexão proactiva. Mas a inserção da Educação Rodoviária na escola implica também o contributo de todas as outras disciplinas. Contributo que é essencial. Logo, todas as escolas devem aprender a experimentar estratégias que articulem da melhor forma as finalidades, competências sociais e psicomotoras próprias da Educação Rodoviária. A fim de ajudarmos as escolas nesta tarefa, a PRP, em parceira com o Automóvel Club de Portugal e o Museu dos Transportes e Comunicações, vai realizar um Workshop “Educação Rodoviária nas Escolas: assim se faz!”, durante dois dias, a 6 e 7 de Março de 2006, no Edifício da Alfândega do Porto, dirigido a docentes de todos os níveis de ensino. Com este evento, pretendemos chamar a atenção de docentes para a importância de integrarem e desenvolverem curricularmente projectos de educação rodoviária, ao longo dos sucessivos anos lectivos, inseridos numa perspectiva de Educação para a Cidadania, e ao nível de uma abordagem transversal e transdisciplinar. É também nossa intenção divulgar boas práticas, levadas a cabo, neste ano lectivo, em várias escolas. Nesta conformidade, convidámos 25 escolas, do norte e centro do país, para realizarem actividades muito concretas, que envolvam activamente alunos e professores que leccionem, preferencialmente, as seguintes áreas curriculares não disciplinares e disciplinares: - Área de Projecto; - Formação Cívica; - Língua Portuguesa; - Ciências Fisico-Químicas; - Educação Visual; - Educação Tecnológica e - Educação Física 97 Assim, as actividades sugeridas aos professores são de cariz muito prático, pretendendo-se que os alunos: - reflictam sobre algumas questões nucleares, ligadas à segurança e educação rodoviárias e - treinem comportamentos seguros que devem adoptar no trânsito real enquanto ciclistas. Desta forma, deixamos aqui o nosso convite a todos quantos estejam interessados em assistir ao Workshop, pelo que sugerimos que façam a sua inscrição ou esclareçam qualquer dúvida, através dos seguintes contactos: Ana Paula Lopes (Vila Nova de Gaia) Telef. 22 375 80 49 Telem. 96 539 42 32 Email: [email protected] Ana Maria Jacinto (Lisboa) Telef. 21 00 36 611 Telem. 96 539 42 34 Email: [email protected] 98 Certificação de competências adquiridas ao longo da vida Joana Costa CRVCC Vale do Ave A construção e desenvolvimento de dispositivos e espaços organizacionais de valorização de saberes e aprendizagens diversas adquiridas ao longo da vida – que, em Portugal, se designam de Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências - têm constituído oportunidades privilegiadas para os adultos verem reconhecidas formalmente as aprendizagens decorrentes dos seus percursos de vida, pessoais, formativos e profissionais. Reconhecer as competências adquiridas em contextos nãoformais e informais de Educação e Formação encontra-se na ordem do dia, inscrevendo-se num quadro de um paradigma educativo do Lifelong Learning e assumindo-se como uma condição basilar da sociedade do conhecimento e de uma política de desenvolvimento que conduziu à construção de uma Rede Nacional de Centros de RVCC. Este paradigma remete-nos para um reconhecimento, cada vez mais consensual, de que o processo de aprendizagem não se restringe aos “tempos e espaços da escola”, mas extravasa-os, alargando-se os outros contextos de Educação e Formação de Adultos. Variados são os contextos e as situações em que os adultos aprendem e são confrontados com situações novas e complexas, criando e produzindo, inevitavelmente, modos de resolver os problemas, construindo diferentes saberes. Esta capacidade de mobilização de “saberes em acção”, úteis no campo pessoal, profissional e cívico que denominamos por competências - que são definidas como a capacidade de agir e reagir de forma apropriada e informada por valores, perante situações mais ou menos complexas, através da mobilização e combinação de atitudes e procedimentos, num contexto determinado e significativo para o sujeito efectua-se, na maior parte das vezes, de um modo não consciente. Nesta linha de pensamento, Couceiro refere que “a(s) experiencia(s) vivenciada (s) no quadro da vida, ao longo do tempo e na multiplicidade de contextos em que se desenrola, produzem pensamento e prática que se repercute no modo como os adultos pensam, sentem, observam, interpretam, julgam e agem produzindo assim conhecimento” (2002:41). Todavia, e independentemente destas constatações, apercebemo-nos de que os quadros institucionais foram, durante longo tempo, reticentes ao reconhecimento dos saberes, conhecimentos e competências adquiridos ao longo da vida. Tradicionalmente, as instituições e a própria escola, em geral, mostraram-se marcadamente moldadas por modelos de pensamento e acção que remetem para suas instituições educativas o exclusivo da possibilidade de aprendizagem socialmente válida, para aceder ao saber e aos diplomas e ao estatuto necessário para exercer determinadas tarefas profissionais. Este monopólio foi atribuído, durante anos, à escola, enquanto único meio legítimo e socialmente reconhecido, de transmissão do saber e do conhecimento. Assim, durante muito tempo, menosprezou-se tudo o que procede de outros campos e contextos historicamente não reconhecidos. Independentemente disto, todos nós temos consciência de que a experiência e a vida estão estreitamente ligadas à produção de saberes e de conhecimento. É este facto que obriga a um novo reposicionamento face aos espaços não-formais e informais de aprendizagem, ao mesmo tempo que desafia a encarar, com outros “olhos”, os próprios quadros e modelos formais de aprendizagem. Hoje, reconhecer, validar e certificar as competências decorrentes da via experiencial deixou de ser uma novidade e, à semelhança do que se passa noutros países da União Europeia, a problemática do reconhecimento institucional das aprendizagens adquiridas ao longo da vida (lifelong), em todos os contextos de vida (lifewide) tem vindo afirmar-se progressivamente nas agendas politicas. Actualmente, certificar as competências adquiridas pelos adultos, fora das instituições de educação formal, constitui uma realidade com forte implementação no nosso País. Podemos falar numa Rede de Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Com- 99 petências (CRVCC) que, de Norte a Sul do País, têm procurado reconhecer e certificar as competências que as pessoas adquiriram ao longo da vida e com a vida. Estas estruturas que emergiram, recentemente, no âmbito da Educação e Formação de Adultos destinam-se a todos os adultos com idade superior ou igual a 18 anos que não possuam a escolaridade básica de 4º, 6º ou 9º anos, possibilitando, assim, o acesso a um certificado escolar, equivalente ao 1º, 2º e 3º Ciclo do Ensino Básico e que, mediante um processo personalizado, certificam as competências adquiridas ao longo dos seus trajectos de vida. Estudos recentes 1 neste domínio revelam que os Processo de Certificação de Competências têm surtido efeitos positivos na vida das pessoas em termos pessoais, formativos e profissionais, contribuindo para a alteração e redefinição de projectos de vida, bem como para a valorização das dimensões pessoais, profissionais e formativas. Independentemente destes efeitos, importa considerar que este processo contribui, acima de tudo, para o aumento da escolaridade da população adulta portuguesa, através de um processo de certificação personalizado, promotor do desenvolvimento das pessoas, tornando-as mais conscientes, confiantes, informadas, participativas e qualificadas e potenciando a sua capacidade e vontade de se tornarem agentes das mudanças sociais que se desenham no nosso mundo contemporâneo. Bibliografia COUCEIRO, Maria do Loreto Pinto Paiva (2002) “Um olhar… sobre o Reconhecimento de Competências”. Educação e Formação de Adultos. Factor para o Desenvolvimento, Inovação e Competitividade, pp. 41-44. 1 Cf. Almeida (2003) “Eu, os outros e as competências”. Tese de Mestrado. Coimbra: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Universidade de Coimbra; CIDEC (2004) ”O impacto do processo de certificação de competências adquiridas ao longo da vida. Lisboa: DGFV 100 “Recta Final” – Uma experiência a repetir Fátima Cerqueira, Maria José Peixoto e Cristina Silva “Recta Final” foi o evento que a Escola Profissional Cisave realizou, para encerramento do ano lectivo de 2004/2005. A iniciativa visou criar um ambiente de confraternização entre a comunidade escolar e assinalar um dos momentos mais significativos da Formação Profissional dos alunos que, merecidamente, tiveram um lugar no palco. Um ciclo de vida fecha-se para estes jovens e novas portas se abrem. A experiência profissional começa aqui e agora e o mercado de trabalho anseia por estes Profissionais. A iniciativa decorreu no dia 29 de Julho, no Restaurante “Segredo do Abade”, e assinalou um dos momentos mais significativos da formação profissional dos alunos dos cursos técnicos de Comunicação/Marketing, Relações Públicas e Publicidade, Turismo/Profissionais de Informação Turística e Informática Aplicada à Indústria. O projecto partiu de duas alunas, Bruna Fernandes e Patrícia Magalhães, finalistas do curso de Comunicação. A cerimónia contou com a participação de todos os alunos finalistas e respectivos familiares, bem como dos formadores. De realçar as presenças: Drª Francisca Abreu (Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Guimarães), Sr. Luís Caldas (representante da Associação Comercial e Industrial de Guimarães ACIG), Dr. David Faria (Director Geral da Formação da ACIG), Drª Helena Oliveira (representante da Direcção da EP Cisave), Drª Maria João (Directora Financeira da EP Cisave), Dr. Jorge Nascimento (Director do Centro de Formação Francisco Holanda) e Dr. Sérgio Vaz (Director Técnico Pedagógico da EP Cisave). O evento começou com a recepção às diversas individualidades e distribuição de uma rosa aos alunos finalistas. Seguiu-se o hastear da bandeira da EP Cisave, bem como a apresentação do hino da escola, que foi redigido pelos alunos do 11º ano do curso de Turismo. Após estes momentos, os convidados deslocaram-se para a sala de jantar, onde tiveram a oportunidade de saborear uma excelente ementa. Refira-se que a sala foi cuidadosamente decorada pelas duas alunas responsáveis pelo projecto. A cada curso foi atribuída uma cor, estando as diversas mesas divididas pelas cores azul, vermelho e verde, correspondendo aos cursos de Comunicação, Turismo e Informática, respectivamente. Os alunos finalistas foram agrupados por cursos e presenteados com um lenço bordado pelas dinamizadoras e algumas professoras, nomeadamente Cláudia Prado e Maria José Peixoto. No decorrer do jantar, assistiu-se a dois momentos musicais, protagonizados pelos alunos José Fernando (viola), Marta Filipa e Marina Eusébio (voz). 101 A noite foi também animada com a representação de uma peça de teatro, “Todos Diferentes, Todos Iguais”, escrita pela aluna Liliana Machado e interpretada pelos colegas da turma do 11º ano de Turismo e ainda pelas professoras convidadas, Maria José Peixoto e Maria Cristina Silva. O momento alto da cerimónia coincidiu com a entrega dos Diplomas a todos os finalistas e o Certificado de melhor aluno de cada curso. No curso de Comunicação, o certificado foi atribuído à aluna Bruna Fernandes, em Informática, foi entregue à aluna Elsa Mendes; e na turma de Turismo, à aluna Ana Sofia Pinto. Paralelamente a este projecto, decorreu a cerimónia de lançamento do livro “Pétalas da Paixão”, cuja autora, Tânia Vieira, era finalista do curso de comunicação. Coube ao poeta vimaranense Vasco Campos tecer algumas considerações sobre a obra, seguindo-se uma sessão de autógrafos. A finalizar, professores e alunos mostraram os seus dotes de intérpretes e bailarinos pela noite dentro. Os alunos finalistas da EP Cisave pretendem fazer deste evento uma tradição da entidade escolar, de modo a criar historial. 102 Da Biblioteca para todas as escolas do Agrupamento… com amor, empenho e inovação pedagógica Teresa Clara de Aragão Castelo Branco EB 2,3 de Caldas das Taipas Coordenadora da BE/CRE Entre todas as funções que cabem a uma Biblioteca Escolar, uma poderá resumir o essencial da sua missão: passar a INFORMAÇÃO. E a informação passa através dos documentos em suporte de papel, em suporte electrónico, através dos meios audiovisuais, mas, sobretudo no contacto uns com os outros, INTERAGINDO. Para que essa interacção tenha frutos e a comunicação se estabeleça com o mínimo de ruído possível, é necessário haver harmonia entre os elementos comunicantes. E que melhor meio do que através da cor, música e movimento? Se a Biblioteca tem que cativar as crianças para poder cumprir a sua «missão evangelizadora» de contribuir para a sua formação integral, de forma harmoniosa, tornando-os cidadãos conscientes, empenhados e críticos, como consegui-lo, se nem todas elas têm acesso à Biblioteca Escolar? Foi assim que surgiu a ideia, que já cumpriu dois anos de experiência, de colocar «rodas» na Biblioteca e partir com ela pelas escolas do Agrupamento, sete EB1s e sete Jardins de Infância, tendo como missão cativar as crianças para aprendizagens essenciais e básicas para a sua vida activa. Com base no Projecto Educativo e no Projecto Curricular de Agrupamento, nossas bíblias impulsionadoras, seleccionaram-se os temas «Higiene Oral», no 1º ano de experiência, e «Os Malefícios do Álcool», no 2º ano. Construíram-se as peças de teatro, criaram-se letras de canções para músicas já conhecidas, e preparámo-nos para a nossa aventura de artistas ambulantes, portadores de saberes embrulhados em magia e cor. Primeiro, houve que seleccionar os elementos participantes, sendo nosso intuito, desde sempre, misturar professores e alunos nesta agradável e nobre tarefa. Depois de seleccionados os alunos e dialogando com alguns professores, surgiu, caso raro e nunca visto (?), a hipótese de serem alguns elementos do Conselho Executivo a concretizar esta actividade. Para além disso, era preciso arranjar alguém já com experiência, que ensaiasse o grupo, ou seja, que fizesse o texto saltar do papel com dinamismo, ritmo e cor. Tarefa cumprida com a disponibilização de uma colega com competências para o efeito. A partir daí, iniciaram-se os ensaios, em geral ao final da tarde ou aos sábados à tarde, que, embora sofrendo alguns percalços pela falta de disponibilidade de um ou outro elemento, lá foram decorrendo e o pessoal foi decorando as deixas com «um sorriso nos lábios sempre», como mandava a ensaiadora. Até que chegou a altura de marcar as datas para o cumprimento da nossa missão artística e catequizadora, que depois de alguma dificuldade, de modo a não interferir com as aulas ou testes dos intervenientes, ficaram registadas para as diferentes actuações, que previam, para além das saídas, algumas sessões na nossa escola. Armados de bagagens (apetrechos cénicos), ilusão, fantasia e alegria, fizemo-nos à estrada. E foi assim (caso insólito!) que o Conselho Executivo apareceu às crianças, de forma divertida, com novas roupagens, rostos pintados, falando, cantando e dançando, e, sobretudo, ensinando, de forma lúdica, aquilo que antigamente se aprendia (se é que estes ensinamentos eram apren- 103 didos), por trás dos bancos de escola, de forma enfadonha e monocórdica, enquanto as crianças com um ar sério, bem comportado e atento, voavam pela milionésima vez até à Lua. Foram duas boas experiências que pretendemos continuar neste ano lectivo que agora se inicia, com um teatro de revista, género tipicamente português em vias de extinção, seguindo os mesmos passos das experiências anteriores. Enriquecedoras para todos, estas actividades são marcantes, uma vez que fomentam o envolvimento de artistas e público, estabelecendo uma grande empatia entre todos. Agora, as crianças ouviram-nos com um brilho nos olhos, o corpo em movimento ao ritmo da música e as vozes a cantar. Aprenderam que a higiene oral é importante para a saúde e que as bebidas alcoólicas e os refrigerantes só fazem mal. E viva a Biblioteca em movimento, num brinde com sumo ou água, à saúde de velhas aprendizagens com novas roupagens. Biblioteca, para que te quero? Maria Filomena Rocha Alves Equipa para as Bibliotecas Escolares da DREN Reflectindo sobre a importância da biblioteca, penso que, sendo importante, não tem importância nenhuma em particular, em si mesma. Foi justamente a poesia que me ensinou esta lição: Poema das coisas belas (António Gedeão) As coisas belas, As que deixam cicatrizes na memória dos homens, Porque motivo serão belas? E belas, para quê? Se acaso as coisas não são coisas em si mesmas, Mas só são coisas quando coisas percebidas, Porque direi das coisas que são belas? E belas, para quê? Põe-se o sol porque seu movimento é relativo, Derrama cores porque os meus olhos vêem. Mas por que será belo o pôr-do-sol? E belo, para quê? Se acaso as coisas forem coisas em si mesmas Sem precisarem de ser coisas percebidas, Para quem serão belas essas coisas? E belas, para quê? Assim, para que serve uma biblioteca se ninguém for ler os seus livros? Nas bibliotecas há muita informação, ela está lá, mas não servirá de nada, se não houver um agente, uma mente humana que a procure, a processe e a transforme em conhecimento. Aí sim, a biblioteca tornou-se importante para essa mente. São os leitores que sabem da importância das bibliotecas e são eles que as tornam importantes. Eu até diria que todos temos necessidade de bibliotecas, ainda que não tenhamos descoberto que temos delas mister. Mas a partir do momento em que entremos numa biblioteca pela primeira vez, nunca mais poderemos estar sem elas, serão imprescindíveis. Fui eu, leitor, que decidi da importância da biblioteca. 104 Por isso, eu não posso aqui falar da importância da biblioteca, quando muito, falaria do importante que ela é para mim, enquanto leitora. Para mim, ler é como respirar, se não entrar oxigénio nos meus pulmões para entrar na circulação sanguínea, não haverá regeneração de tecidos, não haverá sinapses, não haverá vida. Pois se eu não fizer leituras, não terei ideias que regenerem o pensamento e o façam evoluir, não haverá vida própria, pessoal, intransmissível, haveria um ‘zombie’, um vegetal sem sonhos – homem sem sonho é cadáver adiado que procria, disse o poeta. Poderia falar da importância da leitura e qualquer um já leu sobre as consequências muito positivas que a leitura tem como factor de sucesso na escola e na vida. Mas será cada indivíduo a falar da importância e da imprescindibilidade da biblioteca: - os professores, quando nela encontram o que procuram para a sua prática profissional, ou expectativas pessoais; - os alunos, quando nela encontram o poema certo para dizer baixinho ao ouvido da namorada ou do namorado, ou a resposta às perguntas inquietantes de ser pessoa e filho e estudante, cidadão e jovem… Mas cuidado, as bibliotecas são muito perigosas! Causam dependência. Curiosamente, uma dependência que nos leva à independência de pensamento, à autonomia e à liberdade. Justamente por isso, foram sempre construídas de modo descuidado e desagradável, tornadas misteriosas e inacessíveis, reservadas a minorias avisadas. E por isso, hoje, perante bibliotecas escolares vivas, cheias de alegria e de cor, sem hiatos da vida de lá fora plena de tecnologias apelativas, nos parece fundamental dizer a todos que as bibliotecas são muito importantes, que é por serem primordiais que uns poucos investem muito para que todos usufruam de uma biblioteca. E o que na verdade queremos mesmo dizer é: venham às bibliotecas, tornem-nas primordiais, básicas nas vossas vidas. Digam vocês qual é a relevância das bibliotecas, para que servem e como se usam. Digam-nos o que querem que elas possuam para vos fazer felizes e cumprir os vossos anseios. Sejam muito bem vindos à biblioteca! O SABE e a Rede de Bibliotecas Escolares Ivone Gonçalves Coordenadora do SABE- Serviço de Apoio às Rede de Bibliotecas Escolares do Concelho de Guimarães A Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura preconiza que um efectivo serviço de bibliotecas escolares é essencial para o programa educativo da escola, proporcionando o acesso aos livros e aos diferentes suportes de informação, melhorando a qualidade de vida das populações e fortalecendo hábitos quotidianos. 105 Neste pressuposto, a Câmara Municipal de Guimarães, através da Biblioteca Municipal Raul Brandão, tem desenvolvido, na área da promoção do livro e da leitura, um grande esforço através de inúmeras actividades em torno do livro e na consolidação da sua rede de leitura pública. Foi no decorrer desta política que, desde a primeira hora, a Câmara Municipal abraçou o projecto da Rede de Bibliotecas Escolares, que conta já com um total de 40 bibliotecas instaladas em escolas de todos os graus de ensino, a funcionar em pleno. Desde que as primeiras escolas se candidataram ao programa da rede de bibliotecas escolares, passando a estar equipadas com esta nova infra-estrutura, adoptaram-se medidas, em conjunto com os centros de formação do concelho, para a organização de acções de formação para pessoal docente e não docente, no sentido de os dotar dos conhecimentos teóricos e práticos, para que a dinamização e coordenação das bibliotecas escolares contasse com agentes conhecedores dos procedimentos técnicos básicos necessários à obtenção dos objectivos preconizados pelo Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares. Desde logo, foi criado na Biblioteca Municipal o SABE Serviço de Apoio às Bibliotecas Escolares, com o objectivo de proporcionar apoio técnico e recursos de informação inexistentes nas escolas. O SABE conta com o apoio de um Bibliotecário e de dois Técnicos Profissionais de Biblioteca e Documentação, que constituem os interlocutores privilegiados para, em conjunto com as escolas, promoverem políticas de incentivo à criação de bibliotecas em escolas onde elas não existem e darem o apoio técnico às escolas que já as possuem, ao nível da sua organização, gestão e dinamização. Ao SABE cabe ainda: - Seleccionar e adquirir equipamento informático, audiovisual e mobiliário específico; - Seleccionar, adquirir e fazer o tratamento técnico dos fundos documentais; - Participar na formação contínua dos docentes e não docentes; - Fornecer recursos informativos suplementares aos existentes nas escolas, através de empréstimos prolongados e especiais, nomeadamente recorrendo ao serviço das caixas - biblioteca; - Disponibilizar um serviço de exposições itinerantes que funciona como um complemento ao Plano de actividades a desenvolver por cada biblioteca escolar; - Substituir e modernizar o equipamento audiovisual e informático, e fazer a manutenção preventiva e correctiva do equipamento já existente; - Renovar periodicamente o fundo documental; 106 - Dinamizar os espaços de leitura, possibilitando o encontro com escritores de literatura InfantoJuvenil; - Fazer a ligação entre a autarquia, a Biblioteca Municipal e o Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares. Na sequência daquilo que é veiculado pelo Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares, quando diz: “O estabelecimento de uma rede articulada entre bibliotecas deverá permitir o funcionamento cooperativo entre as bibliotecas da mesma área geográfica e de diferentes níveis de escolaridade. Esta cooperação permitirá racionalizar custos e fomentar o alargamento e intercâmbio de recursos, a realização de iniciativas conjuntas de divulgação, animação e formação e, ainda, a abertura à comunidade”, temos tentado dinamizar uma colaboração com as bibliotecas escolares, através de encontros periódicos para partilha de experiências, de forma que a rede se concretize. O Programa da Rede de Bibliotecas Escolares tem como principal objectivo criar as condições necessárias para que os nossos jovens possam desenvolver as competências para a aprendizagem ao longo da vida, estimulando a imaginação e permitindo-lhes tornarem-se cidadãos responsáveis. A Biblioteca Escolar constitui, por isso, um recurso básico em todo o processo educativo e deve, com toda a certeza, fazer parte do planeamento global da escola. A transformação que, a partir de agora, se começa a verificar terá que corresponder a uma necessidade própria da escola, de todos os seus elementos e, em particular, dos seus órgãos de gestão. É por isso de extrema importância sensibilizar e influenciar no sentido de promover, na consciência de todos, a importância deste recurso nas instituições educativas e assumi-lo como uma prioridade. É fundamental que todos tomemos consciência de que a Biblioteca Escolar tem que se afirmar dentro da escola como um centro de cultura por excelência, em que toda a comunidade educativa tem uma palavra a dizer, fazendo também seu esse espaço e não ficando à espera que seja o professor/coordenador a realizar todo o trabalho. Este é o grande desafio do futuro, senão corremos o risco de ter Bibliotecas bem equipadas, mas que, por falta de um corpo docente capaz de lhes dar uma dinâmica própria, correm o risco de morrer logo à nascença. É pois importante que todos aqueles que têm responsabilidades dentro dos diferentes agrupamentos acarinhem as Bibliotecas Escolares e que o corpo docente ajude na concretização dos objectivos que estiveram na base da sua candidatura à Rede de Bibliotecas Escolares. Os recursos agora existentes nas escolas têm contribuído para um aumento da apetência para a leitura por parte dos nossos jovens. Isso, aliás, tem-se reflectido na frequência da Biblioteca Municipal, em que os hábitos criados na primeira infância vão acompanhar os jovens ao longo da sua vida, criando-se, portanto, aqui, uma cumplicidade cada vez maior entre as Bibliotecas Escolares e a Biblioteca Municipal. Apraz-nos registar que as escolas têm recebido com grande entusiasmo as Bibliotecas Escolares e os professores têm mostrado interesse em receber formação nestes domínios, consciencializandose de que a leitura, qualquer que seja o seu suporte, conduz-nos a uma multiplicidade de saberes, conseguindo, no futuro, formar cidadãos plenos e conscientes do mundo que os rodeia. Sem leitores bem formados, os livros e outros documentos serão inúteis, assim como o serão as próprias Bibliotecas, por mais bem apetrechadas que elas estejam. 107 EB 2, 3 de S. João de Ponte - uma década de vida…um pavilhão gimnodesportivo Adelina Paula Mendes Pinto ex-presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Ponte A Escola Básica do 2º e 3º ciclos de S. João de Ponte foi criada pela portaria nº 495/95, de 24 de Maio. Comemorou, a 24 de Maio de 2005, dez anos de vida. E, dez anos depois, a Escola dispõe, finalmente, de um pavilhão gimnodesportivo, um local onde os alunos podem, finalmente, ter uma Educação Física de qualidade e possibilitando o desenvolvimento do plano curricular desta disciplina. Para comemorar esta importante data, a escola preparou actividades para que, nesse dia, toda a população escolar festejasse este aniversário. Assim, durante a manhã, realizaram-se várias actividades com os alunos, envolvendo todos os professores de todos os grupos, marcando assim a passagem de 10 anos de vida. Tentou mostrar-se aos alunos o orgulho que deviam ter por pertencerem a esta comunidade educativa, fazendo com que se sintam bem na escola, ouvindo as suas queixas, as suas sugestões e reforçando sempre a ideia de que a Escola existe para os alunos e só faz sentido se eles gostarem da escola, do seu ambiente e sentirem que a gestão da escola e o seu corpo docente e não docente têm como preocupação principal e prioritária o bem-estar dos seus alunos e a melhoria das suas aprendizagens e do seu sucesso, sucesso como alunos, mas também como pessoas. Intencionalmente, tentava-se criar nos alunos a noção de comunidade educativa, de pertença a esta Escola, com um projecto próprio, que a diferencia de todas as outras. Ao fim da tarde, as comemorações, mais formais, destinaram-se, principalmente, a pessoal docente e não docente (em exercício na escola e todos os que por cá passaram nestes 10 anos de vida), a pais e encarregados de educação, às forças vivas da comunidade e ainda aos representantes dos vários serviços do Ministério da Educação. As comemorações decorreram no Pavilhão Gimnodesportivo, na presença da Sra Directora Regional, Dra Margarida Elisa Moreira, do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, Dr. António Magalhães, do representante do Governo Civil de Braga, entre outras individualidades, nomeadamente das forças vivas da comunidade. Desempenhei, desde 1995, desde a criação desta Escola, o cargo de Presidente do Conselho Executivo (tendo começado por ser presidente da Comissão Instaladora e depois do Conselho Directivo, nos termos da lei em vigor). A partir de 2001, presidi também à instalação do Agrupamento de Escolas de Ponte, cuja escola sede é a Escola B 2, 3 de S. João de Ponte. 108 A história da minha vida, pessoal e profissional, mistura-se, cruza-se com a história da primeira década de vida deste estabelecimento de ensino. Ao longo destes 10 anos, tentei aplicar aquilo que o Ministro Marçal Grilo tanto defendia “Uma Escola, uma liderança, um projecto, um corpo docente estável”. O mais difícil de conseguir foi a estabilidade do corpo docente, já que se faz por um processo autónomo, em que a escola não intervém. Quanto à liderança, sempre assumiu, o Conselho Executivo, que a Escola devia ter um rosto, uma voz para o exterior e também para o interior, alguém que defendesse uma verdadeira política de escola, de defesa dos seus direitos. Fui, nestes dez anos, para o melhor e para o pior, o rosto da Escola B 2, 3 de S. João de Ponte, assumindo, não uma liderança unipessoal, mas uma liderança de um órgão, o Conselho Executivo. Quanto aos projectos, a Escola B 2, 3 de S. João de Ponte teve sempre um verdadeiro projecto educativo, um documento do conhecimento de toda a comunidade educativa, bem presente no dia-a-dia da escola e com as orientações bem definidas. A história desta escola revê-se nos projectos educativos que assumiu. Assim, desde 1995, tivemos os seguintes projectos educativos: 1995 -1997 – Por Uma Escola de Excelência - Instalar, Preservar e Melhorar a Escola. 1997-1999 – Uma Ponte Para a Cidadania – Formar cidadãos conscientes, interventores, dinamizadores, agentes de sucesso na sociedade de futuro. 1999-2002 – Para uma Cidadania Europeia – Formar Cidadãos Portugueses, esclarecidos e activos na construção de uma Europa pacífica, tolerante e verdadeiramente integradora 2002–2005 – Promoção da Igualdade de Oportunidades – Criar uma verdadeira igualdade de oportunidades, para meninos e meninas, no acesso a um ensino de qualidade, a uma escola humanizada e formadora de cidadãos solidários, tolerantes e FELIZES. Pelo apresentado, verifica-se que esta Escola definiu sempre as suas orientações no campo dos valores e das atitudes, numa perspectiva de atenuar as desigualdades que os alunos traziam à entrada da Escola e preparando-os para uma vida, em que a Escola era uma parte muito importante. Tentámos fazer uma efectiva abertura a toda a comunidade, não se limitando a ser uma comunidade de ensino, mas uma comunidade de formação, a todos os níveis, dos seus jovens alunos. O projecto desta escola passou sempre pela defesa de uma escola inclusiva, uma verdadeira escola para todos, uma escola melhor, mais justa e mais igualitária. O objectivo foi sempre assumir a escola como um lugar onde os nossos meninos sejam Felizes e gostem de cá estar. A escola tem de ser um local onde eles se sintam bem, onde se conjugue o esforço e o prazer, a vontade de aprender e o ter tempo para brincar, um lugar onde se descobrem coisas novas, onde existem as novas tecnologias disponíveis para todos os alunos. Inúmeros protocolos, inúmeros projectos foram desenvolvidos, sempre tentando que os nossos alunos fossem mais felizes e, consequentemente, tivessem melhor aproveitamento. Dez anos passados, tanto trabalho feito e tanto falta fazer. O abandono escolar continua a ser uma realidade, o insucesso, principalmente ao nível do 3º ciclo, continua a ter percentagens alarmantes! Mas o que mais nos preocupa é, ainda, a pouca valorização que os pais dão à escolarização dos seus educandos! É aí que temos de insistir, temos de convencer os pais que não chega mandar os filhos à escola, é necessário que eles estudem, que aprendam, para serem cidadãos conscientes, intervenientes e com um futuro promissor. É agora, dez anos depois, que a minha vida pessoal se separa da Escola B 2, 3 de Ponte. Estava esgotado o meu tempo de liderança de uma escola, que nesta altura, compreendia já 3 jardinsde-infância, 6 escolas do 1º ciclo e a Escola B 2,3. Acredito que os lugares não são, nem podem ser eternos, que tem de haver lugar à mudança, sob pena de tornarmos rotineiras tarefas que devem ser aliciantes, projectos de trabalho que devem ser empolgantes. 109 A história da “minha” escola (e será sempre minha) continuará a ser contada por outras mãos. Desejo que o trabalho construído seja apenas o alicerce de novos projectos, projectos que continuem a valorizar os “nossos” meninos, que continuem a colocar a Escola B 2, 3 de S. João de Ponte na linha das escolas com boas práticas e em que o rigor e o profissionalismo continuam a ser a sua imagem de marca. 110 A Mundivivência do Professor Português no século XXI Albino Baptista Professor do Quadro de Nomeação Definitiva da Escola Secundária Francisco de Holanda Escritor 1. Visualizamos o professor português, obviamente. Os estranhos (estrangeiros) ficarão pelo caminho, face aos de cá e à pluriexistência, que exercem, sinalizam, articulam, percorrem, aquiescem, amimam, saboreiam e absorvem. Os de países diferentes ficam atónitos, sem palavras, entupidos, abalroados e despeitados. Monocordicamente, deliram e adormecem num sono vencido e estereotipado, não percebendo as fórmulas secretas e radicais, que permitem aos de cá articulações suavemente desgastadas, acomodações elegantemente desajeitadas, desarrumadas e desorganizadas, mediações a toda a hora soletradas num vendaval de lenços pretos e encardidos, acenando ao vento amarrotado. 2.A existência do professor português traduz, antes de mais, um afunilamento demolidor de vantagens, alegrias, exaltamentos, paixões, acelerações temporais e endiabradas curvas e contracurvas desfeitas pela aridez e secura glacial. De facto, que mais poderá exigir um professor português, neste século XXI? Estamos a brincar ou quê? Nem sequer chegamos à Madeira… Têm tudo! Salários reais e compatíveis com a vida económica, bom ambiente de trabalho com tudo o necessário à realização dele e dos seus alunos, salas bem apetrechadas, onde não falta o aquecimento, a luz natural adequada, o ar condicionado, o número correcto de alunos capaz de proclamar êxito futuro, tempos certos para se poderem alimentar convenientemente, espaços concretos de estudo e preparação das aulas do dia seguinte, enquanto aguardam o transporte de regresso ao habitat, por exemplo, salas de reuniões propriamente ditas, refeitório permanentemente funcional e espaços de lazer diversificados. 3. Mas a existência salientada no número anterior, traduz mais sensações. Atente-se nas viagens – autênticos passeios – que a maioria dos professores portugueses realizam – para lá, para cá – às quais é concedido subsídio atinente e concernente. Qualquer estrangeiro se pasma ao verificar a alegria de viajar de colegas portugueses em auto-estradas cada vez mais capazes e mais acessíveis, economicamente. Quem duvida? Observe-se o apoio constante às dúvidas, aos imbróglios, às possíveis querelas doutrinais e / ou académicas, à exequibilidade de projectos esboçados em cada escola, outorgado pelo respectivo ministério, sempre atento e generoso para com os seus servidores. Não é de espantar?! Quem duvida? Vá, digam, tenham coragem! E a protecção social prestada àqueles casais de professores, não só distantes do habitat normal, mas também desunidos e cada um na sua escola, com quilómetros a separá-los? Subsídios de renda ou casa próprias para habitação são um facto real! Alguém duvida? E os filhos – quem os tiver – que ficarão à responsabilidade dos familiares ou acompanharão o pai e a mãe? Reparem no abono especial para eles, na protecção médica rapidamente engendrada pelo ministério responsável, no acompanhamento físico e moral, enquanto os pais estão a trabalhar, o que permite que haja rendimento laboral e intelectual. Então? O que contestam? Não hão-de os estrangeiros ficar espantados? É caso para menos? 4. Enfim. O Professor português, no século XXI, possui mais do que o mínimo de regalias para executar o trabalho, alegre, convincente e rendivelmente. Daí, as boas relações com o ministério, a troca de galhardetes e gargalhadas, pessoal ou telefonicamente, o sucesso escolar, a ocupação dos postos de trabalho por todo o país, a não fuga à escolaridade obrigatória, os êxitos do primeiro emprego, a crescente natalidade e a euforia estampada nos rostos dos jovens e mais velhos professores portugueses! Ora assim, sim! O POVO É FELIZ: discentes e docentes, de mãos dadas em projecto comum, deliram ao som das harpas doces e meigas, que as sereias, no mar distante, vão plangendo languidamente como quem fez amor e quer cada vez mais e mais…. Viva a Senhora Ministra da Educação deste Portugal tão iluminado! VIVA! 111 A importância da formação do pessoal não docente na reforma da administração pública Fernando Carneiro Chefe dos Serviços de Administração Escolar em regime de substituição A adesão dos funcionários aos objectivos estabelecidos nos organismos onde exercem a sua profissão e aos valores do serviço público é factor decisivo tanto para o desenvolvimento, com sucesso, da propalada reforma da administração pública, como para a qualidade dos desempenhos na administração pública em geral. A reforma da administração pública visa criar uma administração moderna, onde se pretende aumentar a qualidade e a eficácia dos serviços públicos, tornando-os mais céleres, ágeis, simples, adequados, disponíveis e acessíveis. A formação, especialmente a formação contínua, deve ser entendida como elemento de desenvolvimento de competências para a melhoria do desempenho profissional e orientada para a qualidade do serviço prestado. Assim, a aposta na formação contínua deve ser um instrumento essencial à criação de uma nova administração pública, concretizada através de cursos de formação específicos que correspondam às necessidades dos serviços/funcionários, que procuram alcançar a exigência e a excelência, inovam e introduzem novas práticas sustentadas em novos saberes. A melhoria da formação visa também possibilitar a prestação de serviços orientada para os cidadãos, imparcialidade na actividade administrativa, responsabilização no desempenho, eficácia na prossecução de objectivos, eficiência na utilização dos recursos e na partilha do conhecimento. A formação que tem sido facultada ao pessoal não docente tem abordado grandes temas como o RAFE (Gestão Patrimonial e Financeira do Estado), CPA (Código de Procedimento Administrativo), POCE (Plano de Contabilidade Pública Educação), … dada por formadores em alguns casos generalistas e, por vezes, sem conhecimento pormenorizado da área da educação. Esta formação generalista, embora benéfica, deve ser complementada com uma abordagem mais especializada em áreas temáticas, nomeadamente abordando temas como progressões nas carreiras, aposentação, antiguidade, férias, subsídios de férias e natal, faltas, acidentes em serviço, … É imprescindível que a formação contínua se centre também nos próprios Serviços e não exclusivamente na programação apresentada por Centros de Formação e outras instituições promotoras de formação, incentivando a partilha do conhecimento e a troca de diferentes experiências entre funcionários que trabalham nos mesmos sectores, procurando melhorar a qualidade e funcionalidade dos serviços prestados. Organizar planos de formação que abranjam todo o pessoal não docente, motivando-os para a formação contínua e sua valorização profissional e para alcançar objectivos educacionais e organizacionais que permanentemente têm de acompanhar esse pessoal é uma condição fundamental ao sucesso de uma reforma da administração pública necessária e ansiada por uma sociedade que exige inovação, desburocratização e qualificação. Continuar a apostar na formação do pessoal não docente é um caminho bem rectilíneo para a concretização de uma reforma desejada e bem sucedida! 112 Como orientar um trabalho de pesquisa: um auxiliar para os docentes Benedita Ferreira, Fernanda Carvalho, Rosa Barros Equipa Coordenadora da Biblioteca Escolar/CRE da Escola Secundária de Caldas das Taipas Em 1997, na sua publicação “Lançar a Rede de Bibliotecas Escolares – Relatório Síntese”, o grupo de trabalho responsável pelo projecto afirma que “As bibliotecas escolares devem constituir recursos básicos do processo educativo, sendo-lhes atribuído papel central em domínios tão importantes como a aprendizagem da leitura, a literacia, a criação e o desenvolvimento do prazer de ler e a aquisição de hábitos de leitura, as competências de informação e o aprofundamento da cultura cívica, científica, tecnológica e artística” e que “A necessidade de desenvolver nos alunos competências no domínio da selecção, tratamento, produção e difusão da informação deve constituir um dos principais objectivos de toda a aprendizagem, qualquer que seja a disciplina ou ano de estudo. Para atingir este objectivo, é preciso proceder a mudanças efectivas nas estruturas existentes (espaços, organização pedagógica), nos comportamentos dos professores (em relação aos conteúdos e métodos de ensino) e dos alunos (relação com o saber, tarefas e processos de trabalho), com o fim de criar situações que promovam o prazer de ler, de escrever e de investigar.” Estas competências de informação estão clara e igualmente enunciadas, quer no Currículo Nacional do Ensino Básico, quer na Revisão Curricular do Ensino Secundário. No primeiro documento, “Pesquisar, seleccionar e organizar informação para a transformar em conhecimento mobilizável”, é a sexta das dez competências essenciais definidas no perfil do aluno à saída do Ensino Básico. O segundo documento preconiza que “No final do secundário, o aluno deverá ter adquirido um conjunto de capacidades metodológicas: a capacidade de recuperar, de explorar, de validar e utilizar diferentes fontes de informação necessárias ao seu trabalho, quer sob a forma impressa (…), quer visual ou informatizada, sendo capaz de a encontrar numa biblioteca, num museu, num centro de documentação e sabendo utilizar as tecnologias de informação e os procedimentos de recuperação e de navegação para aceder eficazmente à informação.” Daqui podemos inferir que, neste nível de ensino, as competências de informação são encaradas como estratégicas e transversais ao currículo. Neste contexto, é imperativo que o aluno domine as técnicas de pesquisa, organização e tratamento da informação, com o objectivo de seleccionar e sintetizar ideias que lhe possibilitem dar resposta a um problema. Todavia, e como este domínio não é inato, é pertinente efectuar uma abordagem orientada que permita o desenvolvimento desta competência transversal. Cabe aos professores confrontar os alunos com actividades que exijam e mobilizem capacidades de pesquisa de informação. Foi com base nesta perspectiva que elaboramos o documento “Sugestões para a Orientação de um Trabalho de Pesquisa” que esperamos auxilie os professores a criar alunos autónomos e aptos na mobilização dos conhecimentos, fazendo jus às palavras de Confúcio: “Se quiseres matar a fome de alguém, dá-lhe um peixe. Mas se quiseres que ele nunca mais passe fome, ensina-o a pescar”. 113 Sugestões para a Orientação de um Trabalho de Pesquisa Ano de Escolaridade: .................................................................................... Disciplina: ................................................................................................. Professor(a): .............................................................................................. Indicar o tema do trabalho (O quê?) Sempre que possível, o tema do trabalho deverá ser apresentado sob a forma de questão à qual o aluno responderá com a elaboração do mesmo, sem que isso signifique que ela seja o seu título. Tema do trabalho: _______________________________________________________________ Definir os objectivos do trabalho (Porquê?) Numa linguagem clara e precisa, deverão ser indicados os objectivos que se pretendem alcançar com a realização do trabalho. Objectivo 1: _____________________________________________________________________ Objectivo 2: _____________________________________________________________________ Objectivo 3: _____________________________________________________________________ Estabelecer o prazo para a execução do trabalho (Quando?) Dependendo da complexidade da pesquisa, o prazo de conclusão do trabalho deverá ser negociado com os alunos, de modo a atender às necessidades de estudo das diversas disciplinas. Não obstante, uma vez estabelecido esse prazo, ele deverá ser cumprido. Prazo da entrega do trabalho: _____/_____/_____ Prazo da apresentação oral (opcional): _____/_____/_____ Especificar métodos de trabalho (Como e onde?) Indicações sobre a forma como e o local onde o trabalho deverá ser realizado. Individual Em casa Em grupo _______________ Na Biblioteca Na sala de aula Outro local Qual? Mencionar fontes de informação (Que recursos utilizar?) Sugestão de fontes de informação diversificadas e indicação de referências bibliográficas específicas. 114 Fontes Gerais: * Enciclopédias * Vídeos * CD Roms * Manuais Escolares * Jornais * Publicações da Especialidade * Revistas * Internet Bibliografia/ Sítios Específicos: Designar o produto final (Como apresentar o trabalho?) Deve enfatizar-se que o produto final deverá ser distinto das fontes consultadas. Deste modo, o aluno terá de cumprir todas as fases do processo de pesquisa e tratamento da informação para realizar o trabalho: identificação do problema, procura de informação em diferentes suportes, selecção da informação pertinente, avaliação e associação de dados, produção e comunicação da informação. Não deverá ser esquecida a indicação da extensão/dimensão do trabalho a apresentar. Apresentação em forma de: * Texto argumentativo * Texto informativo-expositivo * Dossiê Temático * Aplicação multimédia * Apresentação Oral * Porta-folhas * Entrevista * Relatório * Cartaz Dimensão do trabalho: __________________________________________________________________ Explicitar os critérios de avaliação (O que é avaliado?) Indicação dos parâmetros que vão ser considerados na avaliação do trabalho realizado pelo aluno. 115 Parâmetros Aspecto Gráfico: Informação Apresentada Apresentação Oral (Opcional) Legibilidade (caligrafia/tipo de letra) Paginação e índice Bibliografia Título e autoria Quantidade (completo/incompleto) Qualidade - correcção formal - sequencialização - articulação - pertinência - criatividade (transcreve/reformula) Clareza Interacção (perguntas/respostas interlocutores) Explicações Aceitação das Críticas Síntese Bibliografia Veiga, Isabel, et alii. (1997). Lançar a Rede de Bibliotecas Escolares: Relatório Síntese. Lisboa: Ministério da Educação www.dapp.min-edu.pt /rbe www.deb.min-edu.pt www.des.min-edu.pt 116 Quod nomen? Qui projectus? Regina Paula Escola Secundária Santos Simões Ponderar e valorar sobre epítetos/ cognominações/ apelidações, pressupõe facere um rasgo de um passado, rumo ao seu futuro. Arquitectar in mente a honorabilidade dos gestos copiosos que empreendemos é, cada vez mais, nos tempos hodiernos, viabilizar, porquanto se assegura e prolifera a existência plena e a nobreza de movimentação in societate, a fim de que esta postura seja ajustada ao convencionado e assim possamos viabilizar a génese do verdadeiro homo socialis. Honestas... integritas... e cooperatio inter pares é condição sine qua non para que elos sociais sejam uma realidade. Tudo isto tem presidido e presidirá à nossa escola (enquanto aedificium humanum). Aquando da mudança de um espaço físico (instalações) que pressupôs uma alteração de designação, se o frontispício afigura nova roupagem, subjazem nele as mesmas crenças... a mesma atitude – tudo facere( ), unicamente com uma inspiração genuína – o elemento mais nobre que sustenta o pilar educacional – o aluno. Cogitare… Aedificare… Educare… e docere… são os nobres e incansáveis objectivos da nossa escola. Para tal, os seus membros empregam, permanentemente, nas suas atitudes e nos seus actos, total honestidade, total empenho, saber e profissionalismo, com vista a um maior apuramento e aproximação de um propósito que ousa tanger a utópica perfeição. Pois, e partilhando das palavras proferidas por Manoel de Oliveira: “É claro que é um horizonte que nunca se alcança. Mas o sentido da marcha é esse. Até porque o horizonte se vai afastando à medida que a gente vai avançando…”. (In Projecto educativo da E. S. da Veiga.) Auspiciamos, convictos, que fossilizaremos(?) nossa probidade de propósitos que serão garantes testemunhados pelo apostolado social de hoje e de amanhã - a res socialis da Escola Secundária/3 Santos Simões - e, nesta e com esta atitude, homenagearemos ad aeternum a nobreza, a humanitas singular de uma figura de valor inquestionável, sempre fiel à rectidão de um propósito... 117 À(s) Escola(s) urge unir(em)-se e dedicar(em)-se, com excelência de atitudes, a fim de que cada baluarte, erguido diaa-dia, vivenciado e devidamente interiorizado, seja conducente à instrução e induza ao bem e à virtude de um homo dignus e felix, porque realizado em todas as suas vertentes enquanto SER. É este animus que nos norteia... Constituiu e assentará sempre neste o nosso repto, foi sempre esta a nossa norma de procedimento, é e será sempre esta a nossa divisa... A Escola Secundária /3 Santos Simões detém uma responsabilidade que consciente e prontamente assumiu e é esse comprometimento que a regerá, conscientes de que apenas estabelecendo elos e parcerias, num trabalho concertado com as outras escolas e com todas as instituições da urbe, sem obliterar a comunidade em geral, que o sucesso educacional será propiciado e, deste modo, firmará uma realidade inegável... 118 Desafios Eduardo Balinha Professor da Escola EB2,3 de Pevidém A vida é um desafio!? Frequentemente aceitamos desafios! Uns são motivadores, outros nem por isso. Uns arriscados, outros menos. Mas…, são sempre desafios. Recentemente, fizeram-me um desafio: - escrever sobre a experiência que vivi nos três últimos anos como Presidente de um Conselho Executivo de um Agrupamento de escolas do concelho de Guimarães – Agrupamento de Escolas de Pevidém. Reflecti muito sobre a proposta. Conclui que tinha terminado recentemente o complexo desafio de ser Presidente do Conselho Executivo e que me estavam de novo a desafiar para algo tremendamente difícil: escrever sobre tês anos excessivamente preenchidos da minha vida. Estou ciente de que não tenho veia de escritor. Sei que não tenho méritos nem capacidades suficientes para escrever um texto de qualidade. Mas a vida é um permanente desafio. Por isso, decidi aceitar. Não sei como começar! É difícil estruturar ideias relacionadas com um conjunto imenso de factos vividos ao longo de três anos da minha vida, principalmente se esses factos foram diversos, complexos e nos preencheram todo o tempo disponível. Provavelmente não especificarei factos! Não é fácil ser-se presidente de um Conselho Executivo e dar resposta a toda uma enorme teia de assuntos profissionais, muitas vezes envolvendo sentimentos humanos, sem que estes influenciem a nossa vida particular. Eu não consegui! Dissociar assuntos profissionais, de elevado grau de complexidade, da nossa vida privada é uma necessidade sentida frequentemente, mas de difícil concretização. A vida intensa e tensa, provocada por uma diversidade enorme de problemas associados a um conjunto de elementos que se interligam com a escola, seja da comunidade educativa local (alunos, professores, pessoal não docente, pais e muitos outros parceiros comunitários), seja de outros elementos que integram organismos e instituições que permanentemente contactam formal ou informalmente com as escolas (Ministério da Educação, DRE(s), CAE(s), …) implica uma difícil gestão do período de trabalho diário, que, muitas vezes nos parece demasiado curto. No entanto, desde que exista vontade de concretizar projectos que idealizamos em determinado momento da vida, as dificuldades são superadas. A complementar a existência de alguns projectos que idealizei antes de começar as minhas funções directivas e que eram fonte de motivação para o trabalho que se avizinhava, quando iniciei as funções directivas nestes 3 últimos anos lectivos, possuía algo que considero muito vantajoso: experiência. Durante a minha vida como profissional da educação, já tinha vivido muitos anos como elemento de Conselhos Directivos / Executivos em 2 escolas do concelho de Guimarães (EB2,3 de Pevidém – a “minha” escola e na EB 2,3 de Vizela). 119 A experiência adquirida ao longo desses anos era significativa e importante, como vim a constatar, embora, principalmente a nível de administração e gestão das escolas/agrupamentos mas também ao nível da organização e funcionamento destas instituições, muito tenha mudado nos últimos anos. Eventualmente, poderá até falar-se da existência de um excessivo “prazer de tudo mudar”, sendo difícil criar uma necessária estabilidade na vida escolar que, tal como a inovação, é um factor a considerar na tão propalada QUALIDADE que se deseja que exista nas escolas e no sucesso educativo advindo dessa qualidade, seja esta pedagógica, administrativa ou organizacional. A existência de certas ideias associadas a alguns projectos que pretendia ver concretizados implicava a implementação de acções a realizar durante estes três anos. Todas essas acções integravam-se em diferentes âmbitos indissociáveis da vida escolar e da maioria das organizações, das quais destaco apenas três: as relações humanas, a liderança e a realização do trabalho. Relativamente ao primeiro âmbito, o das relações humanas, que me permito considerar prioritário, sempre procurei valorizar o relacionamento com a comunidade escolar (alunos, professores e pessoal não docente) e restantes elementos da comunidade educativa (pais, autarquia e outros sectores culturais, recreativos, desportivos, económicos), bem como ter um relacionamento institucional correcto e cordial com outras instituições, nomeadamente o Centro de Formação Francisco de Holanda, a Coordenação de Área Educativa de Braga, a Direcção Regional de Educação do Norte e muitas outras que, em parcerias formais ou não, procuram dignificar o ensino/educação das crianças e jovens neste País. Assim, procurei pautar a minha acção diária de modo a, tendo em conta os deveres e direitos de cada um, procurar criar um clima amigável, ciente de que este favorece a confiança mútua, conduz à cooperação e torna mais enriquecedor o trabalho a desenvolver. Escutar os outros, ter auto domínio, ser tolerante, corrigir sem ofender, oferecer elogios e procurar usar o bom humor, foram algumas das regras da convivência humana que procurei desenvolver com todos os intervenientes educativos associados ao Agrupamento de Escolas. Nem sempre o consegui fazer, estou certo disso. Mas, sempre tentei fazê-lo! Relativamente à liderança e tratando-se, nestas organizações, de uma liderança formal, procurei desempenhar as minhas funções de um modo correcto, consciente de que a coesão e a sobrevivência dos grupos de trabalho e a cooperação entre os membros desses grupos dependem do desempenho correcto dessa liderança. Muitas vezes, dada a imensidão de pessoas que integram, directa ou indirectamente, um Agrupamento de Escolas, senti-me compelido a utilizar alguns dos diferentes estilos de liderança. Procurei e desejei assumir sempre um estilo de liderança democrática, procurando apelar à participação e criatividade individuais. Nem sempre o consegui fazer, sentindo-me, algumas vezes, obrigado a não o fazer, principalmente nos momentos em que considerava não poder tolerar desvios ao que foi estabelecido e aceite pelos elementos de diferentes grupos de trabalho. Procurei sempre adaptar-me à ideia que considero ser fundamental para quem lidera um grupo: “ O líder não precisa de ser querido de todos, mas deve procurar não ser rejeitado por nenhum elemento do grupo”. Relativamente à realização de trabalho, fosse ele desenvolvido no grupo de trabalho com quem mais assiduamente me relacionei e que era constituído pelos 4 elementos do Conselho Executivo, ou em muitos outros grupos de trabalho que integrei, nomeadamente a Assembleia do Agrupamento, Conselho Pedagógico, Conselho Administrativo, Conselhos de Docentes, Conselhos de Turma, Comissão Pedagógica do Centro de Formação Francisco de Holanda, Conselho Municipal 120 de Educação e muitos outros, em todos eles procurei colaborar de forma a que existisse método de trabalho, isto é: definição de objectivos, distribuição de tarefas e estabelecimento de regras. A convicção de que um grupo de trabalho, para ter êxito, necessita de objectivos claros, compreendidos e aceites por todos os seus elementos; a distribuição de tarefas feita na base da confiança mútua, sabendo cada pessoa qual a sua função específica e qual a função dos outros elementos; a existência de regras claras e aceites por todo o grupo, que facilitam a coesão desse grupo, o trabalho a desenvolver e as relações humanas, foram ideias que nortearam todas as actividades em que participei / dinamizei no decorrer destes 3 anos. A realização de actividades que obrigatoriamente envolviam o âmbito das relações humanas, da liderança e da realização do trabalho na perspectiva já descrita, permitiu-me alcançar alguns dos objectivos que estabeleci no início desta minha actividade directiva e desenvolver projectos que visavam, em última instância, o acréscimo da qualidade educacional no Agrupamento de escolas de Pevidém, associado a um sucesso educativo que tenha reflexos positivos no futuro do País e nesta região do Vale do Ave, em particular. Pretendo deixar a avaliação do meu trabalho para aqueles que comigo trabalharam, conviveram ou que, de algum modo, sentiram ou vão sentir os reflexos desse trabalho, principalmente os alunos e educadores do Agrupamento. Sei que, sem o apoio de muitas outras pessoas, o trabalho seria muito mais incompleto e ineficaz. A todos, os meus agradecimentos. Reconheço que os anos que liderei o Agrupamento estão dependentes de um passado, todo ele associado a líderes com méritos e defeitos, como tudo na vida, mas que podem ser uma alavanca para um futuro que se deseja de qualidade em todas as vertentes que essa qualidade possa encerrar nas escolas/agrupamentos. Iniciei a minha função directiva convicto de que, juntamente com um colectivo que me apoiava, poderia dar um contributo positivo a este Agrupamento de Escolas com sede na terra que me viu nascer. Não sei se esse contributo conseguiu ser tão positivo como era meu desejo. Mas, embora um pouco desgastado, saio por vontade própria, feliz, de cabeça erguida e com a certeza de que fiz o melhor que sabia e pude. Cometi erros! Hoje, certamente, tomaria algumas decisões de modo diferente. Mas, quando as tomei, sempre acreditei que eram as mais correctas e condizentes com a situação vivida no momento. Acredito que, por vezes, possa ter sido injusto, incorrecto, inconveniente, … mas se o fui, isso aconteceu involuntariamente. Desejo, sinceramente, que estes três anos possam contribuir, de algum modo, para uma vida futura mais qualificada no Agrupamento de Escolas de Pevidém e noutras instituições com quem colaborei. Quero acreditar que sim! Deixem-me sonhar! “O sonho é que comanda a vida”. Acabei de terminar um novo desafio: escrevi o texto. Um próximo há-de surgir! Serei capaz de lhe dar resposta 121 Experiência na 1ª pessoa Maria Teresa Portal Guimarães de Oliveira Vice-presidente do Agrupamento Vertical de Escolas das Taipas EB2,3 de Caldas das Taipas Primeiro dia de aulas. Entrei na turma e olharam-me como se fosse uma ave rara. Sei que me tiraram as medidas e que um ou dois iam «apalpar o terreno». Não podia dar parte de fraco, tinha de «manter a pose», como dizia o meu orientador de estágio, porque os primeiros dias eram cruciais. Sabia que o meu aspecto não era o melhor, o que ajudou a criar falsos retratos no espírito dos alunos. «É um noctívago! Às tantas droga-se e depois vem para aqui armar-se em santinho e dar-nos sermões!» Passei a noite sem dormir, por causa do nervosismo das aulas, porque, felizmente, o meu filho, superada a crise asmática, deixava-me descansar. As duas noites anteriores passara-as no hospital a fazer inalações e outras tretas. As férias tinham acabado e estava a precisar de férias. Comecei por me apresentar. Procurei dizer-lhes os objectivos da disciplina, mostrando, sob uma perspectiva lúdica e pouco usual para os cativar: «Se queres conquistar-me, cativa-me» disse a Raposa ao Principezinho. Os miúdos olhavam-me espantados, como se nunca tivessem ouvido falar em Matemática. Teria encontrado a forma correcta de motivar todos aqueles jovens adolescentes? Que ingenuidade a minha! Um risinho do meu lado direito disse-me que não. Uma jovem, a Isabel, com três piercings no nariz, cabelo cheio de madeixas roxas, um top que lhe mostrava a barriga e umas calças que não lhe caíam das ancas porque equilibradas milagrosamente, ou porque as cuecas à mostra as prendiam, olhava-me provocadora. Uma líder feminina. Nada que não fosse de esperar. No momento, são elas que frequentam em maior número as escolas do país, são elas que inundam as faculdades, são elas que tiram os cursos superiores, enquanto eles, na sua superioridade machista perdida, se limitam a «passear os livros», a «vaguear pelo sistema educativo,» numa apatia irritante de quem tem muito para fazer e nada faz. Aquele foi apenas o primeiro sinal de uma sinfonia muito bem orquestrada. Não era por acaso que a turma vinha «rotulada» como a pior da escola, com um historial de retenções, com uma série de conselhos disciplinares e suspensões só no ano anterior. «Não Rotular», outra das indicações preciosas dos orientadores de estágio. De que servia o conselho perante uma situação daquelas em que eles é que nos procuravam rotular de «idiotas», «parvos», «cotas», como diziam no seu tom depreciativo? Calei-me e fiquei a olhar fixamente para a Isabel. Intimamente tinha vontade de a esganar, mas deixeime ficar na expectativa e na defensiva. A melhor arma é a defesa. Não disse nada e esperei. O silêncio é, realmente, uma arma poderosa. E aquela turma estava habituada a berros, a situações de conflito aberto, a confrontações. Algures no seu percurso escolar perdeu-se o diálogo, a capacidade de comunicarem uns com os outros sem qualquer espécie de ruído. Verifiquei que a minha atitude os desnorteou, de tal maneira que se esqueceram do que estavam a tentar fazer - testar-me, tentar fazer de mim um palhaço, um boneco que pudessem manobrar conforme lhes desse na real gana. Podiam esperar sentados. Ainda estava para nascer o aluno que me ia fazer sair da turma ou que me fizesse perder a cabeça. Sou muito calmo e extremamente paciente. O silêncio inusitado foi prolongado. Não vou negar que senti vontade de fazer aquilo que tantos colegas fazem - sair porta fora, meter atestado e deixar que fossem outros a fritar os miolos para tentarem dar a educação a quem não a tinha ou para tentarem resolver tantos problemas psicológicos de tantas crianças e jovens rebeldes que o são porque são carentes, que solicitam um pequeno gesto de interesse (nem que seja uma bofetada!). Na sociedade de hoje, o trabalho dos pais fora de casa levou a que os laços comuni- 122 tários não existam ou sejam muito precários e muito do que se adquiria no seio da família, no meio de origem de crianças e adolescentes, desapareceu praticamente. E um novo papel foi atribuído à escola - a educação sócio-afectiva que muitos deles não encontram no seu próprio ambiente familiar. A tarefa dos professores foi, assim, muito alargada, pelas missões extra que se acumulam sobre os seus ombros. Ora, os professores não estão preparados para dar cumprimento a estas tarefas que, em boa parte, são absolutamente novas e constituem os desafios suplementares à carreira docente. Embrulhado nestes pensamentos sobre a missão do professor, não me apercebi de que o silêncio continuava a pesar sobre a turma e começava a ser palpável, a sentir-se um certo mal-estar. Levantei os olhos, por fim, ainda sem saber como reagir, e dei com a turma a fixar-me séria. Podia ouvirse uma mosca! No rosto da Isabel, nem um sorrisinho se vislumbrava e no dos outros havia expectativa. (Ainda hoje não sei porque é que, naquele dia, aquilo resultou. Sorte de director de turma?) Levantei-me e continuei a aula exactamente no mesmo sítio em que a interrompera. Palavras para quê? O silêncio resolvera tudo, Saí da sala com a certeza de que, naquela turma, os professores daquele ano, à semelhança de anos anteriores, iam ser os «alvos a abater», seres condenados a serem criticados a belo prazer pelo meio circundante, pelas famílias e pela própria comunidade escolar. Até me parecia estar a ouvi-los. «Sabes, pai, foi o professor de Matemática que não soube ensinar; disse que saía esta matéria e aquela no teste e depois pôs outra; ele mentiu, porque é injusto, gosta de gozar connosco, tu entendes, papá! Estou perdido. Nunca mais vou conseguir fazer esta disciplina. O professor pegou-me de ponta. Aliás, toda a turma está perdida. Acredita que só houve meia dúzia de positivas baixas em 25 alunos. Diz, como é que isto pode acontecer? Achas que a culpa é nossa, papá? Eu estudei, tu viste como estudei, papá.» E aquele pai, que quer acreditar no filho para poder ficar em paz com a sua consciência, aquele pai que quer acreditar piamente que o seu educando foi e é vítima de um sistema ultrapassado, desarticulado e insensível, que é vítima de um professor ou de vários, que, em vez de serem honestos e justos, se escondem atrás de uma cortina espessa e adicionam aos conteúdos que ministram um sem número de atitudes desconexas e inaceitáveis: marcam faltas a despropósito, faltam quando lhes apetece, não esclarecem nenhuma dúvida e são uns falhados em termos sociais. Estas e muitas outras coisas tão «agradáveis» como estas definem o docente dos dias de hoje; definição essa feita pelos alunos que, cada vez em maior número, têm necessidade de se desculpabilizarem perante a família pelo facto das notas atribuídas no final de cada período não corresponderem às expectativas, depois de haverem pago tanto em salões de estudo, em explicações, que, na óptica dos pais, é a única forma de superarem as dificuldades e atingirem o sucesso. Estes jovens que vivem ausentes da família quase dez horas por dias recorrem à mentira e à falsidade para se safarem. Que o professor lhes dê atenção, que procure ajudá-los nos seus problemas, que lhes dê a afectividade que lhes falta em casa, que muitas vezes tenha o estatuto mais de pai que de mestre, não interessa, porque, numa situação de confronto entre pais e filhos, o professor perde sempre. Como levar os jovens a reconhecer que foram passadas horas a fio no namoro, que os dias foram passados no café, que foram para o shopping vezes a mais, que perderam muitas tardes no cinema e nos salões de jogos, que, em vez de estudarem, navegaram na Net em sites quantas vezes impróprios, perderam tardes no computador ou frente à Play Station à procura do sucesso no sistema digital, já que no dia a dia enfrentam a derrota? Tudo isto e muito mais serve para que a família continue a pensar que a escola e o professor é que têm de ser responsabilizados pelo insucesso. Tudo hoje serve para desculpabilizar os jovens, até a aparente amnésia dos pais que, esquecidos dos seus dias de adolescência, convenientemente esquecem as asneiras que cometeram, porque o passado está enterrado e é tão mais fácil acreditar na voz do filho do que naquele homem ou mulher que doou a sua vida à prática do ensino… 123 Embrenhado nos meus devaneios, entrei na sala dos professores e sentei-me a olhar a caderneta, com olhar ausente e preocupado. Ser director desta turma ia ser uma enorme dor de cabeça e uma carga de trabalhos. Pus-me a estudar pela centésima vez a caracterização da turma e senti-me arrepiado. Tantos lares disfuncionais! Tantas famílias monoparentais! Tantos pais ausentes, embora presentes fisicamente! Qual deles o melhor e o menos ou mais problemático, conforme a perspectiva! Forçado a aterrar no momento presente, decidi arregaçar as mangas e resolvi pintar o cenário com as cores garridas do optimismo e dar uns outros tons, bem mais agradáveis, à turma. Ninguém é tão mau como pode parecer - as aparências iludem. Tinha de dar uma nova oportunidade aos miúdos, já que encetavam um novo ciclo e iam ter uma outra equipa pedagógica. Assim fiz. Passei uma esponja no passado e fiz com que aqueles jovens renascessem naquela turma como crianças indefesas e ingénuas que nunca tivessem feito mal a uma mosca. Não foi fácil. Quantas vezes cheguei a casa e atirei com a caderneta, fiz voar cadernos e material escolar para, passada a hora da raiva, rever procedimentos e modos de actuação em equipa que pudessem conduzir-nos à vitória. As reuniões do Conselho de Turma multiplicaram-se e conseguimos que a turma caminhasse no caminho do sucesso, mas exigiu muito de todos nós, professores, já que os critérios definidos eram cumpridos escrupulosamente por todos. Não foi fácil vigiarmos as nossas atitudes e comportamentos para que nenhum desse um passo em falso. As nossas rosas carregadas de espinhos, que nos picavam e frequentemente nos dilaceravam a carne, começaram a florir e a exalar um tímido perfume. Foi o 7º ano, um pequenino primeiro passo. Para o ano, a equipa vai ser a mesma e já sabemos o que nos espera. Também houve derrotas: O Luís, com duas retenções na escola primária e uma no 2º ciclo, abandonou a escola. Não consegui que o pai o deixasse concluir a escolaridade obrigatória. Não o critiquei quando me disse: Não quis aprender na escola, vai aprender no trabalho, a escola da vida. Compreendi-o, porque era um pai interessadíssimo, que se preocupava em acompanhar o filho e que queria que ele prosseguisse os estudos. Dá Deus as nozes a quem não tem dentes! A Isabel foi a outra desilusão do ano. Sempre revoltada, nunca aceitou a separação dos pais, fazia chantagem emocional com um e com outro e levava sempre a sua avante. Massacrou-me ao longo do ano com as atitudes que tomava e fizemos mesmo dois conselhos disciplinares, com sanções aplicadas dentro dos muros da escola, que, muito sinceramente, não levaram a lado nenhum. Nunca consegui chegar até ela e a psicóloga nunca aceitou. O mais que consegui foi que coexistíssemos todos a partir do 2º conselho disciplinar (finais de Fevereiro) como anjos de costas voltadas. Ela não perturbava, mas também nada fazia. Cheguei ao fim do ano arrasado. Felizmente, os problemas familiares não me afligiram muito ao longo daquele ano ou a turma não poderia ter tido o acompanhamento e a supervisão que se impunha. E uma questão se impõe: os professores não terão direito a ter uma vida privada? E tirei a conclusão que, todos nós, docentes, devemos tirar. É que, no Ontem como no Hoje, talvez mais no Hoje do que no Ontem, o professor tem o direito de ser respeitado e de exigir que esse direito seja uma presença constante no seu dia a dia. Eu respeitei os meus professores e tenho a certeza de que, no íntimo, os miúdos também nos respeitam actualmente. Há coisas que mudaram na sociedade e há novos papéis para a escola. Aí sim, começam e acabam os nossos problemas. Há que procurar soluções e estou certo de que as encontraremos. 124 Autarquia e Educação Francisca Abreu Abordar a temática da Educação pode constituir um desafio à reflexão sobre as convicções e “receitas” que fomos arrecadando como pilares duma (certa) visão da escola e da educação, à coerência intelectual e, ao mesmo tempo, ao confronto de ideias e posturas nos diferentes papéis que desempenhamos ao longo da vida: alunos, professores, pais e encarregados de educação, gestores escolares, autarcas, decisores políticos. E o desafio é ainda maior no quadro das mudanças em que o actual Ministério da Educação está empenhado, com a oposição zangada dos professores, muito barricados atrás de direitos adquiridos. Mas antes do que esgrimir argumentos a favor ou contra, importa reflectir sobre a escola e a educação em Portugal, no quadro das exigências e desafios que se nos colocam. Para nosso desassossego, bastam as parangonas com que os jornais e as televisões nos vão mimando com alguma frequência. Do insucesso ao abandono escolar, do desempenho dos alunos à saída antecipada, do desempenho das escolas (ranking) à colocação e mobilidade dos docentes, da carga curricular ao número de dias de aulas por ano, das infraestruturas aos manuais escolares, dos exames à educação sexual nas escolas, são alguns de outros tantos temas objecto de notícia e de artigos de opinião. Seguramente, não é por acaso: porque se assume a educação como factor insubstituível de democracia e desenvolvimento; porque a educação é o meio privilegiado para transformar os tempos de incertezas e de angústias em tempos de oportunidades; porque a educação é indispensável para encararmos o presente e o futuro como um desafio, e não como uma ameaça; porque a educação constitui o meio e o instrumento de construção de cada um, de uma comunidade, e a via mais segura e certa para o desenvolvimento humano mais harmonioso e autêntico; porque a educação é matéria que diz respeito a todos, porque dela depende o presente e o futuro de cada um de nós, da nossa cidade, do nosso concelho, do nosso país. E o grande desafio e urgência reside na capacidade de superação do atraso educativo português, integrar todos na escola e garantir-lhes espaço, tempo e condições de aprendizagem ao mesmo tempo exigente, motivador e gratificante, melhorar o desempenho dos alunos, dos professores, das escolas. E não basta estar de acordo com o diagnóstico e perorar contra o sistema ou o”monstro” do ministério. Torna-se absolutamente urgente conseguir convergências quanto às medidas e contributos capazes de inverter a situação e de devolver a confiança social na educação e na escola e de recuperar a auto-estima das comunidades educativas. É absolutamente essencial dar sentido aos objectivos e orientação aos percursos e estratégias. É absolutamente fundamental que todos nos sintamos envolvidos num projecto comum, com rumo, rumo a um futuro mais harmonioso e autêntico. Mas não seremos ingénuos para acreditar que a unanimidade é possível. A educação é estruturante da sociedade. Mas que sociedade queremos? Que cidadãos desejamos? Ora, sem unanimidades impossíveis, mas com convergência, torna-se absolutamente urgente uma política de verdade, determinação e coragem que recoloque a educação e a escola ao serviço dos seus beneficiários: os alunos. Todos. Mas isto não pode significar que se transforme os professores nos bodes expiatórios ou nos carrascos da escola. E também não pode significar a exclusão e o alheamento dos professores e das escolas daquilo que deve ser um desígnio nacional. Pelo contrário. Significa, antes, recuperar a nobreza, o entusiasmo e a beleza do acto de ensinar. O encanto da partilha de saberes, de descobertas e afectos. O encanto perante o deslumbramento e descoberta da vida. O encanto de contribuir e testemunhar a definição e construção de um projecto de vida pleno e gratificante. Com entrega. Deve significar também a consolidação e reforço da participação democrática na vida das escolas, pelo envolvimento cada vez maior das famílias e das comunidades locais. 125 E é neste quadro de participação e de alargamento de competências para as autarquias, pela importância que atribuímos à educação enquanto pilar fundamental do desenvolvimento humano e económico que queremos para Guimarães, e ainda pelo reconhecimento da pobreza dos indicadores educativos do nosso concelho e da região em que se insere, que elegemos a educação como área prioritária de investimento. É a nossa aposta e o nosso contributo. Durante longas décadas, o 1º ciclo do ensino básico foi esquecido, por conseguinte, arredado do investimento que merecia e exigia. E é assim que herdámos um parque escolar disperso, degradado e desajustado a um ensino de qualidade e às necessidades e exigências do mundo contemporâneo. Desde 1989, a acrescer às intervenções regulares de restauro e conservação, a Câmara de Guimarães construiu ou ampliou 51 escolas do 1º ciclo e criou 60 salas de jardim de infância. No ano lectivo de 2005-2006, Guimarães tem 96 escolas do 1º ciclo, 84 salas do pré-escolar, estas privilegiadamente integradas nos edifícios escolares. Destas, 91 escolas dispõem de serviço de refeições, 25, de bibliotecas escolares, num total de 40, do 1º ciclo do ensino básico ao ensino secundário. Para além da adequação das infra-estruturas e dos serviços incluídos, todas as escolas dispõem de aquecimento, telefone, fotocopiador, um computador por sala de aula e toda uma panóplia de equipamentos e materiais auxiliares da acção educativa. O esforço de investimento feito pelo município nas infra-estruturas e equipamentos tem sido acompanhado por medidas de apoio social às famílias comprovadamente carenciadas, pelo pagamento dos livros e outro material escolar, transportes e refeições. Porque importa garantir a todos condições de igualdade de oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento de capacidades e competências. E porque partilhamos a convicção de que os espaços e tempos de aprendizagem menos formais, fora do âmbito curricular, de definição e organização da comunidade educativa, são fundamentais para o reforço de saberes e competências e do sentimento de pertença a uma comunidade, apoiamos logística e financeiramente o desenvolvimento dos planos anuais de actividades. No contexto actual de enormes desafios e exigências, um dos graves problemas com que o concelho de Guimarães se debate prende-se com a baixa taxa de escolarização dos cidadãos. As saídas antecipadas e precoces e o abandono escolar são males sociais que urge combater, sob pena de hipotecarmos o futuro. Assim, em colaboração estreita com as escolas e com o apoio de instituições locais, a Câmara de Guimarães trava uma luta sem quartel, com pouca visibilidade mas permanente e aturada, ao abandono escolar. Depois de sinalizado o problema pela escola e elaborado um diagnóstico da situação, a equipa criada pela Câmara para o efeito desdobra-se em contactos e saídas, das famílias para as escolas, das escolas para outras instituições, numa procura de soluções que garantam aos jovens a frequência da escola ou de percursos educativos alternativos. Para nós, levar de volta à escola um/a jovem é uma vitória que partilhamos com a alegria de o/a vermos a recuperar o presente e a construir o futuro. O seu e o da nossa comunidade. Aceitamos como um dever o estabelecimento de protocolos de parceria com os agrupamentos de escolas para a generalização do ensino de inglês nos 3º e 4º anos de escolaridade, de acordo com o programa instituído pelo Ministério da Educação no ano lectivo em curso. É assim que o inglês se vem juntar à iniciação desportiva e à iniciação musical. No âmbito do programa cultural que a Câmara de Guimarães definiu como prioritário há já quinze anos, foi criado um serviço educativo que, em colaboração com as escolas do concelho, cria e desenvolve programas de experimentação artística e fruição cultural para os mais jovens. É esta a nossa aposta e o nosso contributo, para sermos melhores e mais capazes de assegurar os meios para enfrentar os permanentes desafios que nos são colocados. Porque é nossa convicção que, nas sociedades contemporâneas, a educação, a formação e a criação e fruição de bens culturais são a matriz diferenciadora e geradora de potencialidades para uma comunidade mais rica, mais democrática e mais solidária. Para que Guimarães se afirme pela aposta na educação. 126 Um museu com professores ou professores no Museu? Isabel Maria Fernandes Directora do Museu de Alberto Sampaio Confesso que tanto me faz! O que sei é que um museu, como uma escola, tem de transmitir conhecimentos, tem de permitir que aqueles que frequentam o museu, ou a escola, saiam de lá mais ricos. Sim, porque a riqueza não são só os números gordos de uma conta bancária. Diz o povo que «a pior pobreza é a de espírito». E como eu concordo com o Povo! Museu e escola têm necessariamente de contribuir para o aumento da riqueza de conhecimentos dos que os frequentam, para a manutenção da memória colectiva do País em que nos foi dado nascer ou viver. E, se Museu e escola têm vocações semelhantes, porque não darem as mãos e procurarem trabalhar em conjunto? Desde há muitos anos que os museus recebem as escolas no seu seio, preparando, para os alunos dos diversos graus de ensino, fichas de exploração das suas colecções. Com linguagens diversificadas, tão diversificadas quantas as idades dos que o frequentam, o museu procura «adaptar» os seus conteúdos aos diversos programas escolares. Em Guimarães, o Museu de Alberto Sampaio tem já uma larga experiência no trabalho com as escolas e os seus professores. O Museu sabe que estes últimos são sem dúvida uma pedra basilar no bom relacionamento dos alunos com o museu, na medida em que servem de mediadores entre o que o museu tem e aquilo que os alunos nele poderão colher. Neste relacionamento dos alunos/professores com o Museu, têm também um papel fundamental o Serviços Educativos deste. Os técnicos dos Serviços Educativos funcionam quer como mediadores entre as colecções do museu e o público escolar que o visita, quer como transmissores das muitas mensagens que um museu contém e que deve e quer fazer passar. Assim sendo, é crucial que haja professores e seus alunos no Museu, pois, como todos sabemos, não há verdadeiramente museu sem públicos, sejam estes os jovens em actividades escolares, os lares da terceira idade, os estrangeiros que nos visitam, as pessoas portadoras de deficiência, ou o visitante isolado. Concordando-se que há e que é necessário haver professores nos museus quer para preparar a visita dos seus alunos, quer em visita propriamente dita, concordaremos também que haja professores destacados a trabalhar nos Museus? Eu concordo! Um professor pode ter um importante papel a desempenhar nos Serviços Educativos de um museu. Pode estabelecer pontes privilegiadas com as escolas, ajudando a preparar as visitas destas ao Museu, ajudando a desenvolver fichas pedagógicas de exploração adaptadas aos diversos graus de ensino e à matéria neles leccionada. No fundo, o que nós, técnicos do Museu de Alberto Sampaio, mais pretendemos é ter sempre a casa cheia! Cheia de alunos, cheia de professores. E sentir (empenhamo-nos e trabalhamos para isso) que os que nos visitam (o visitante isolado ou o grupo, seja ou não escolar) e os professores que connosco trabalham saiam do Museu mais enriquecidos. Convencidos estamos nós, tal como Fernando Pessoa, de que «tudo vale a pena quando a alma não é pequena»! 127 O Paço dos Duques como espaço de formação Filomena Oliveira Técnica Superior Responsável pelo Serviço Educativo O Paço dos Duques de Bragança é um Palácio Nacional dos mais visitados a nível nacional e que ocupa um lugar de destaque no contexto do Património Edificado da Cidade Histórica de Guimarães. Situado no Monte Latito, próximo do Castelo da Fundação e da Igreja de S. Miguel, e beneficiando de um enquadramento paisagístico de grande beleza, podemos considerá-lo um ex-libris do património histórico-cultural da cidade, que atrai cada vez mais visitantes nacionais e estrangeiros. Actualmente, os temas relacionados com o património cultural, têm sensibilizado a sociedade em geral e a comunidade escolar em particular. Reconhece-se a crescente necessidade de sensibilizar para a conservação, preservação e valorização do nosso património, como uma componente fundamental na educação integral dos jovens. Neste contexto, o Serviço Educativo do Paço dos Duques tem procurado um contacto cada vez mais estreito com diferentes tipos de público, consciencializando-os para o interesse históricocultural dos monumentos, dado que preservar e valorizar o nosso património é um dever de todos e particularmente da escola. Pretende-se, por isso, que o Palácio, na sua vertente palaciana e museológica, seja visto como um recurso didáctico para a comunidade escolar, capaz de responder a necessidades da educação histórica e patrimonial e proporcionar aos jovens a experiência única do contacto directo e vivencial com diferentes tipologias de património. Simultaneamente, pretende-se que seja também um espaço polivalente de formação e animação para toda a comunidade em geral. Para o ano lectivo de 2005/2006, elaborámos um vasto plano de actividades lúdico-pedagógicas capazes de responder aos nossos objectivos de formação e às necessidades dos diferentes públicos que nos visitam. Plano de Actividades para os meses de Outubro de 2005 a Abril de 2006 1) Público Escolar 1.1) Visitas Orientadas Visita geral “Ao Encontro do Passado”: Segunda a sexta Abordagem geral da história do Paço e espólio museológico (do 3º ano ao Ensino Superior). 128 Visitas temáticas “Descobrir a História...” Terças de manhã, máx. 30 alunos. • Tapeçarias de Pastrana: conquistas do Norte de África (alunos do 8º e 11º ano); • Arquitectura românica e gótica nos monumentos da Colina (alunos do 7º e 10º ano); • A Casa de Bragança (alunos do 10 e 11º ano); • O restauro do Paço Ducal e o Estado Novo (alunos do 9º e 11º ano); • D. Afonso Henriques e a fundação da nacionalidade – Castelo (alunos do 4º, 5º, 7º e 10º ano); • A vida quotidiana no século XV: alimentação, vestuário, lazer e higiene (alunos do 3º ao 7º ano); Visitas para professores – “Como explorar o Museu?” (última quarta-feira de cada mês, 10h00) Visitas para professores e formadores, com o objectivo de adquirirem conhecimentos sobre o espaço palaciano e museológico, com vista à preparação de futuras visitas com os seus alunos. 1.2) PROGRAMAS DE ANIMAÇÃO – actividades cíclicas: Jogos de pista, lúdico-didácticos, de exploração do património arquitectónico e natural da colina. Jovens dos 8 aos 12 anos (30 alunos por grupo). Oficinas Pedagógicas, expressão plástica. “As Cores e as Formas em José de Guimarães”. “Os Pratos do Paço”. Jovens dos 6 aos 12 anos (25 alunos por grupo). Às terças-feiras, nas 1ª e 3ª semana do mês. Visitas com Animação “Viagens no Tempo” Recriação histórica de personagens ligadas ao Paço e abordagem de aspectos do quotidiano palaciano no século XV. Jovens dos 6 aos 10 anos (25 alunos por grupo). Às quintas-feiras, nas 2ª e 4ª semanas do mês. Teatro de Fantoches. “Era uma vez... o Afonso e a Constança”. Crianças dos 4 aos 6 anos (25 alunos por grupo). Às terças-feiras, nas 2ª e 4ª semanas do mês. 1.3) Concertos Pedagógicos Colaboração com a Academia de Música Valentim Moreira de Sá. 1.4) Colaboração com Projectos Educativos das Escolas ou Instituições Culturais e Sociais: O Serviço Educativo oferece actividades de animação e visitas de estudo adaptadas aos diferentes públicos escolares; colabora, em parceria, em projectos educativos da comunidade escolar e está aberto a sugestões e colaborações com outras instituições públicas ou privadas. 129 2) Público em geral Visitas Orientadas Visitas gerais (de domingo a sábado) 10h00, 11h00, 14h30 e 15h30. Visitas temáticas Marcação prévia com 3 dias de antecedência, min. 6 pessoas, máx. 30 pessoas. Outubro a Março: 10h30. • “Um Percurso com História pelos Monumentos do Monte Latito”. 1ª quarta-feira e 1º sábado do mês. • “Tapeçarias de Pastrana: conquistas do Norte de África”. 2ª quarta-feira e 2º sábado do mês. • “Por Caminhos nunca dantes Percorridos” - percurso por espaços habitualmente encerrados ao público. 3ª quarta-feira e 3º sábado do mês. “O Quotidiano do Paço no Séc. XV”. 4ª quarta-feira e 4º sábado do Mês. 3) Exposição Temporária “O Santuário de Panóias” Através dos desenhos do Arq. Alberto de Souza Oliveira. 2 a 28 de Novembro. Entrada livre. Esta exposição tem por objectivo divulgar este monumento e está relacionada com o livro recentemente publicado pelo IPPAR intitulado “PANÓIAS Alberto de Souza Oliveira” 130 A Sociedade Martins Sarmento e o fomento do ensino em Guimarães no final do século XIX Dr. António Amaro das Neves Presidente da Direcção da Sociedade Martins Sarmento Na manhã de 20 de Novembro de 1881, realizou-se numa sala da extinta Assembleia Vimaranense uma reunião convocada por figuras destacadas da sociedade de Guimarães daquele tempo (Avelino Germano da Costa Freitas, Avelino da Silva Guimarães, José da Cunha Sampaio, Domingos Leite Castro e Domingos José Ferreira Júnior). Nessa reunião, foi decidida a criação de uma associação com que se pretendia homenagear o arqueólogo e cidadão vimaranense Francisco Martins de Gouveia Morais Sarmento e promover o desenvolvimento da instrução primária, secundária e profissional. Nascia, com o lema de Promotora da Instrução Popular, a Sociedade Martins Sarmento. A sua história está estreitamente ligada ao processo de desenvolvimento e generalização do ensino em terras de Guimarães. O Instituto Escolar da Sociedade Martins Sarmento Em Outubro de 1882, quando se torna iminente o encerramento do Colégio das Hortas (colégio de instrução para o sexo masculino, do qual foi proprietário e director o bacharel Francisco Pedro Felgueiras, que tinha sido inaugurado em Outubro de 1881, no palacete das Hortas), a Assembleia Geral da SMS aprovou a criação de um Instituto Escolar, que começaria a funcionar ainda nesse ano, com as aulas correspondentes aos quatro anos do curso geral dos liceus. Em simultâneo, foram criados os cursos nocturnos de desenho e de francês. O de desenho começou a funcionar em Janeiro de 1883, sendo regido por António Augusto da Silva Cardoso, enquanto que o curso de francês abriu portas em meados de Novembro seguinte, sob regência de João Pinto Queirós. O Instituto Escolar da Sociedade Martins Sarmento, que teve início na casa que o Visconde de Pindela possuía no Carmo, compreendia instrução primária elementar e complementar, para além do ensino das disciplinas do curso geral dos liceus. Para o seu funcionamento, a SMS recebia um subsídio anual da Câmara Municipal, no valor de duzentos e cinquenta mil réis. A Sociedade Martins Sarmento também se preocupava com a formação das raparigas. Numa das últimas manhãs do ano de 1884, numa das salas do palacete de Francisco Martins Sarmento, deuse início à aprendizagem da arte da renda de linha, que resultou de uma proposta apresentada à SMS por uma comissão de damas vimaranenses. A professora era uma senhora com uma longa prática de ensino, que para tal fim viera propositadamente de Viana do Castelo. O curso, sempre muito frequentado, funcionava todos os dias das 10 às 14 horas. Algum tempo depois, por não ser permitida aos indivíduos do sexo feminino maiores de 12 anos a frequência de dia da Escola Industrial Francisco de Holanda, a Sociedade Martins Sarmento instituiu uma escola diurna de desenho destinada às raparigas. Este curso teve como mestre António Augusto da Silva Cardoso, começando no dia 29 de Janeiro de 1885, sendo inicialmente frequentado por 19 alunas. Nesse ano, as diferentes aulas, primárias e secundárias, do Instituto Escolar da Sociedade foram frequentadas por 70 alunos, dos quais 24 cursavam gratuitamente. No dia 1 de Abril de 1890, a Sociedade Martins Sarmento aprovou diversas propostas para a criação de um curso de aprendizagem profissional na área da tipografia, de um curso de ensino militar, onde se ministrassem os primeiros rudimentos de exercício e ginástica militar, e de um curso 131 de canto e música. Ao mesmo tempo, foi analisada uma proposta referente ao ensino agrícola, onde se lia: Mas como todo o ensino teórico, que se restringe à decoração de regras, sobrecarrega a memória sem resultado ulterior profícuo, e somente se compreende bem, e fixa melhor, juntando a observação à regra ou ensino teórico: muito deve convir que a câmara deste concelho, quando adquirir edifício para a escola de instrução primária complementar, o dote de um trato de terreno que possa servir para complemento daquele ensino. Na mesma reunião, foi ainda debatida uma quinta proposta, referente ao ensino infantil, que deveria ser organizado de acordo com os seguintes princípios: Na escola infantil, pelo ensino apropriado, fornecido como brinquedo, o pequeno aluno, guiado suavemente pela professora, adquirirá sem esforço, sem opressões, sem fadiga, a noção pelo menos dos primeiros elementos do abecedário; e educará pouco a pouco o seu espírito frágil à disciplina mental e moral da escola. Ganha tempo, e na escola primária entra já desembaraçado. No início de 1891, foi inaugurada, no edifício da Sociedade Martins Sarmento, uma escola prática de elementos de ginástica e exercício militar, destinada aos alunos do ensino primário. Começou com 22 alunos. A oficina de tipografia e o curso de música e canto também fizeram parte da oferta formativa que a Instituição disponibilizou. Apesar da vastidão sua acção educativa, que era objecto de reconhecimento nacional e internacional, os homens da Sociedade Martins Sarmento tinham consciência dos limites da sua capacidade de intervenção. Foi assim que, em Dezembro de 1891, a Direcção discutiu uma proposta apresentada por João Cândido da Silva e notou a grande vantagem das missões desenvolvidas pela Associação das Escolas Móveis pelo sistema de João de Deus, que eram vistas como um dos meios mais eficazes para espalhar a instrução primária nas freguesias rurais. Ficou decidido que se deveria fazer tudo quanto fosse necessário para que aquelas missões escolares fossem chamadas ao concelho de Guimarães. As Escolas Móveis, enquadradas pela Sociedade Martins Sarmento, viriam a dar um importante impulso à escolarização das populações do meio rural vimaranense. A Escola Industrial Francisco de Holanda Ainda durante o seu primeiro ano de existência, a SMS apresentou no Parlamento português uma petição para que fosse dado carácter de urgência à discussão da proposta de fundação de uma escola industrial em Guimarães. Em Janeiro de 1884, a Direcção da SMS dirigiu ao Ministério das Obras Públicas uma nova petição, em que renovou a sua chamada de atenção para a necessidade da criação de uma escola industrial. Nesse mesmo ano, com Alberto Sampaio como principal organizador, a Sociedade Martins Sarmento promoveu a primeira Exposição Industrial de Guimarães. No relatório oficial desta iniciativa, redigido pelo director do Instituto Industrial do Porto, Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa e publicado no Diário do Governo em 24 de Outubro de 1884, escreveu-se: Quanto a instrução, pelo que pude avaliar e pelas informações que pude obter, o estado geral da população operária é em extremo precário. Não havendo na totalidade até há pouco tempo senão as aulas de instrução primária, que forçoso é dizê-lo, têm mal satisfeito ao seu fim, a instrução dos artistas limita-se na quase totalidade, quando muito, a saber ler e escrever, e há mesmo um grande número que nem essa instrução rudimentar possui; aqueles que sabem mais alguma coisa – um pouco de francês e algum desenho, têm obtido esses conhecimentos nas aulas 132 da Sociedade Martins Sarmento, sociedade que tem ainda poucos anos de existência, pois data apenas de 1882, e que veio com vantagem substituir o colégio das Hortas. Esta sociedade, constituída por uma plêiade de homens dedicados, tem envidado todos os esforços para derramar a instrução nas diferentes classes sociais, organizando primeiro uma Biblioteca que se tem desenvolvido com extrema rapidez, e que ela generosamente faculta aos estudiosos, permitindo-lhes a leitura das obras que possui, quer no estabelecimento, quer mesmo no domicílio; e, como se esse grande benefício não bastasse, criou aulas de instrução primária elementar e complementar, e outras, onde são lidas algumas das disciplinas de instrução secundária, tudo em cursos diurnos. Mas não parou aqui a solicitude da benemérita sociedade: uma classe de alunos havia que não podia frequentar as aulas diurnas, e era essa que mais necessitava da ilustração, que a desejava, mas que, não tendo outro património senão os seus braços, tinha de entregar-se durante o dia ao rude labutar da fábrica e da oficina. Pois nem os membros dessa classe – os operários – foram esquecidos, porque para eles especialmente foram criadas duas aulas nocturnas, uma de francês, outra de desenho (…). O relatório do director do Instituto Industrial do Porto contribuiria para a fundamentação do decreto que, em 3 de Dezembro daquele ano, instituiria uma escola industrial em Guimarães, compreendendo as cadeiras de aritmética, geometria elementar e contabilidade industrial, desenho e química industriais. A cadeira de desenho industrial, que já era leccionada na Sociedade Martins Sarmento por António Cardoso, transitaria para o currículo da nova escola. Dois dias depois, publicava-se no Diário do Governo a disposição que atribuía o nome a este estabelecimento de ensino: “Francisco de Holanda”. A Escola Industrial Francisco de Holanda foi inaugurada no dia 14 de Janeiro de 1885 na casa da Sociedade Martins Sarmento, onde funcionou, contando então com 104 alunos matriculados. Em Abril desse ano, transferiu-se para instalações na Rua de Paio Galvão. Em Outubro, o novo ano lectivo iniciou-se com a Escola a funcionar na Casa dos Laranjais. No primeiro dia de Fevereiro de 1886, foi aberta a aula de aritmética, geometria e escrituração industrial, que contou com 29 matriculados. Como, devido à falta de textos em português, os professores da Escola Industrial Francisco de Holanda tinham que recorrer sistematicamente a compêndios ou tratados escritos em francês, o que lhes levantava dificuldades acrescidas, por ser uma língua desconhecida dos seus alunos, logo a SMS solicitou ao Rei que fosse criado um curso de língua francesa, com uma sessão nocturna para dar fácil acesso aos operários, que de dia se empregam nas suas indústrias. A instalação da Escola Industrial Francisco de Holanda no local onde hoje está implantada deu os primeiros passos em Outubro de 1887. No dia 13 desse mês, a Câmara de Guimarães resolveu dispor de 7 contos de réis para a expropriação de todo o Campo do Proposto, para aí se edifica- 133 rem as instalações da Escola. Logo no dia 20, a Família Real portuguesa visitou Guimarães, acompanhada pelo chefe do Governo, José Luciano de Castro, e pelo Ministro das Obras Públicas, Emídio Navarro (que tinha raízes vimaranenses). Nesse dia, foi inaugurada a estátua a Afonso Henriques e foi lançada a primeira pedra do edifício da Escola Industrial Francisco de Holanda. Porém, os esforços da Sociedade Martins Sarmento para que Guimarães fosse dotada de uma escola industrial que servisse verdadeiramente as necessidades de formação dos operários e da indústria vimaranenses ainda não tinham sido completamente sucedidos. O edifício que estava a ser erguido no Proposto revelava problemas construtivos de tal dimensão que a Direcção da SMS se viu na necessidade de, no dia 1 de Maio de 1890, enviar uma petição ao rei, rogando que se remediassem tais defeitos. Aí se escrevia que: É o edifício destinado ao ensino popular; na conquista daquela instituição empregou a Sociedade Martins Sarmento o maior quinhão da sua actividade pensante, da sua propaganda legal, desde que se fundou, pedindo, requerendo, esclarecendo, e provando a importância industrial e comercial deste centro produtor português. (…) Observam-se, entre outros muitos, os seguintes defeitos: falta de luz convenientemente distribuída, especialmente nos aposentos destinados à tecelagem; pouca elevação dos telhados, de modo que o escoante das águas pluviais se fará mal; carência de meios para conservar, nas oficinas, o grau de calor constante e indispensável ao fio de linho. Logo no dia 6 de Maio, chegaram a Guimarães o conselheiro Ernesto Madeira Pinto, o engenheiro António Arroio, o inspector Parada Leitão e Henrique Freire, director de obras públicas do distrito de Braga, com a missão de inspeccionarem aquelas obras. Verificaram a existência de alguns erros de construção, tendo ordenado que se fizessem as correcções que naquela altura ainda podiam ser feitas. Em Outubro de 1893, as obras de construção e instalação das oficinas da Escola Francisco de Holanda ainda não estavam concluídas. Por essa altura, a Sociedade Martins Sarmento enviou uma nova petição ao rei, onde pedia o estabelecimento das oficinas decretadas, ou, pelo menos, e como urgentíssima, a de tecelagem, para que não só se acuda à indústria, mas se evite a perda dum valioso capital: a máquina a vapor, os numerosos teares aperfeiçoados, e outros maquinismos e utensílios, que a ferrugem já corrói! No ano seguinte, a situação mantinha-se. Das oficinas prometidas, nem uma única estava em funcionamento: nem sequer a de tecelagem, apesar de ter dilatados anos o professor respectivo, e o maquinismo conveniente, decerto agora já inutilizado, ou pouco menos! Em reunião da SMS, foi decidido solicitar à Câmara e à Associação Artística que também enviassem às autoridades centrais representações pedindo a organização das oficinas que ainda não tinham passado do papel. Todavia, seria necessário esperar pelos anos 20 do século seguinte para que a Escola Industrial Francisco de Holanda pudesse dispor, finalmente, das suas oficinas. O Liceu No primeiro ano de funcionamento do Instituto Escolar da Sociedade Martins Sarmento, matricularam-se 115 alunos, número que fazia prever um futuro de prosperidade. Todavia, tal não aconteceu. Nos anos seguintes, o número de matriculados reduziu-se sucessivamente. E os responsáveis da SMS perceberam que tal se devia ao facto de uma escola particular jamais poder oferecer as garantias dos estabelecimentos oficiais. Era destes que se necessitava em Guimarães: 134 Um liceu é o ideal. Nele encontrariam todos os alunos desta terra as garantias de exames e as vantagens inerentes a tais estabelecimentos que actualmente vão procurar a outra parte: seria o liceu, além de tudo, um dos mais poderosos meios para a completa independência do nosso concelho. Em defesa dos interesses do Concelho, a SMS solicitou, em 1886, que fosse criada de imediato uma escola municipal secundária em Guimarães. Em Abril de 1888, o assunto voltou a ser tratado na reunião da Direcção da Sociedade, tendo sido resolvido enviar uma representação à Câmara dos Deputados, solicitando a aprovação do projecto de lei sobre a transformação da Colegiada da Oliveira num instituto de ensino, assumindo o novo encargo do ensino público de diversas disciplinas, em escola própria e anexa, conforme proposta legislativa do deputado João Franco Castelo Branco. Entendiam os homens da SMS que convinha que as cadeiras criadas na nova escola ou instituto fossem modeladas e professadas de acordo com os cursos e programas dos liceus: É por isso que a Sociedade Martins Sarmento não pode deixar de manifestar as suas aspirações de que o instituto de ensino que se haja de criar anexo à Colegiada, seja útil ao maior número de filhos desta terra, sigam eles o estado eclesiástico, a carreira das armas, das artes ou das letras. No dia 16 de Abril de 1886, a direcção da Sociedade Martins Sarmento louva e agradece aos deputados João Franco e Capitão Machado, pelos seus esforços para assegurarem a conservação da Colegiada com atribuições de ensino. Ao mesmo tempo, dava conta do seu interesse de que as disciplinas ensinadas no novo instituto fossem, quanto possível, de harmonia com o programa do curso dos liceus, uma vez que em Guimarães não existia nenhum estabelecimento de instrução secundária. Em 1889, a Sociedade Martins Sarmento manifestava, a propósito da Colegiada da Oliveira, a sua preocupação de que fosse assegurado que a instrução se não converta em privilégios de alguns, com gravíssimo dano do maior número, que ficam excluídos do seu benefício. Uma lei de 8 de Janeiro de 1891 estabelecia que, no Instituto ou Pequeno Seminário de Nossa Senhora da Oliveira, se deveriam ensinar os preparatórios do 1.º ano do curso teológico, ou primeira e segunda parte da língua e literatura portuguesa, língua francesa, primeira e segunda parte da língua latina, primeira e segunda parte de matemática elementar, geografia e história, filosofia elementar; e além destas disciplinas, primeira e segunda parte de princípios de física, química e história natural, desenho e música. Nessa lei se determinava expressamente que aquele instituto escolar haveria de ser também destinado aos que se não dedicam ao sacerdócio. Em reunião de 1 de Janeiro de 1892, a Direcção da Sociedade manifestava a sua apreensão em relação à aplicação daquela lei, registando que: Se na organização definitiva do novo instituto vimaranense se não preenchem aberta e completamente todos os intuitos da lei, cumpre à Sociedade Martins Sarmento pugnar, quanto lho permita sua índole, pela sua satisfação. No dia 4 do mesmo mês, em sessão da Câmara é dito que o Arcebispo de Braga dera instruções para que se deixasse de dar a aula de Geografia e História em dois cursos do Instituto da Senhora da Oliveira. 135 De imediato, a Direcção da Sociedade Martins Sarmento solicitou ao Arcebispo que revogasse a sua proibição de se organizarem estudos no pequeno Seminário de Nossa Senhora da Oliveira segundo os programas dos liceus, nas partes em que eram diferentes dos programas dos seminários. Como o Arcebispo insistiu em restringir os estudos do Seminário de Nossa Senhora da Oliveira ao preparatório eclesiástico, a Sociedade Martins Sarmento solicitaria ao governo que aquele Seminário fosse reformado, elevando-o à categoria de liceu, com a correspondente reorganização dos programas de ensino. Ao mesmo tempo, foi enviada uma petição ao Parlamento, onde se defendia a alta conveniência pública da reforma de todos os seminários do país, de modo que o ensino de preparatórios seja idêntico nos liceus e nos seminários, ou pela harmonia de programas, ou pela fusão dos seminários nos liceus. Na petição ao rei, de 4 de Novembro de 1894, escreveram os homens da Sociedade: Se porém há dificuldades insuperáveis para que cesse tal diferença no ensino preparatório, e deva continuar o lastimável sistema de preparação de presbíteros de meia ciência, não conhece a Suplicante pelo menos razão legal para que o ensino do Pequeno Seminário não seja, como diz a lei orgânica, geral, e portanto habilitando para todos os cursos científicos superiores; e pelo contrário não cessará a Suplicante de afirmar que, com a organização exclusiva de preparatório eclesiástico que se imprimiu no pequeno Seminário, não se cumpre, nem o espírito, nem a letra da lei. No final de Maio de 1896, foi publicada no Diário do Governo uma Carta de Lei que organizava a instrução secundária, através da qual o Governo ficava autorizado a transformar em liceu nacional o pequeno seminário de Guimarães, correndo por conta da Câmara daquele concelho o aumento de despesa que daí resulte e não podendo, em caso algum, o ensino secundário ministrado neste liceu ter uma organização diferente daquela que tiveram os demais estabelecimentos de igual categoria. Assim chegou ao fim a batalha da Sociedade Martins Sarmento para que deixasse de vigorar o sistema da “meia ciência” no ensino secundário ministrado em Guimarães. No dia 7 de Janeiro de 1919, foi assinado o decreto que atribuiu ao Liceu de Guimarães a designação de Liceu Central de Martins Sarmento. 136 “Tudo o que vale a pena fazer, vale a pena fazer bem feito” Dr. Luís Rodrigues Tempo Livre Nascida pela iniciativa da Câmara Municipal de Guimarães, a escritura pública de constituição da Tempo Livre - Centro Comunitário de Desporto e Tempos Livres, CIPRL, data de 22 de Janeiro de 1999, constituindo-se como uma Régie-Cooperativa (pessoa colectiva de direito público), que conta actualmente com 65 cooperantes, sendo a Câmara Municipal o seu principal accionista. O seu campo de actuação direcciona-se em dois eixos fundamentais: 1. A gestão do parque desportivo municipal, estando sob a sua alçada o Pavilhão Multiusos, o Complexo de Piscinas, o Scorpio, a Pista de Atletismo Gémeos Castro, o Parque da Cidade Desportiva, a Pista de Cicloturismo GuimarãesFafe, o Pavilhão Municipal de Lordelo, o Pavilhão Aurora Cunha (Ronfe) e os Pavilhões Gimnodesportivos das Escolas EB 2,3 de Creixomil, Urgeses, Pevidém e Moreira de Cónegos; 2. O fomento e o incentivo da prática desportiva no Concelho de Guimarães, privilegiando a igualdade de oportunidades do acesso ao desporto não competitivo, desenvolvendo projectos de animação sócio-desportiva e de ocupação dos tempos livres e de lazer. Com a sua sede social no Multiusos de Guimarães, a Tempo Livre emprega actualmente cerca de uma centena de funcionários, distribuídos pelas diversas infra-estruturas que estão sob a sua gestão. Hoje, a Tempo Livre é conhecida não só pelos renovados impulsos que emprestou à dinamização sócio-desportivo vimaranense, como também pela qualidade e ousadia na gestão das instalações desportivas que gere, garantindo, ao longo destes anos, elevadas taxas de utilização 137 e índices muito satisfatórios de rentabilização económica, o que permite, para além de um serviço de efectiva utilidade pública, minimizar o impacto financeiro da autarquia nestes equipamentos. A actividade física e o desporto constituem-se no mundo de hoje como fenómenos incontornavelmente universais e dotados de uma enorme importância; e estes adquirem formas distintas, gerando com isso expectativas, necessidades, tendências que determinam a definição de hábitos desportivos em todos os segmentos etários sob diferentes condições económicas, culturais, género e demográficas. Tendo em conta estes pressupostos, a Tempo Livre tem garantido, ao longo dos últimos anos, um conjunto de actividades dirigidas principalmente para as crianças e jovens, mas também para adultos e populações especiais, que têm permitido fomentar a prática desportiva sob um ponto de vista de livre acesso – marco de participação democrática – de entre as quais destacamos: Projecto de Iniciação Desportiva - é um projecto complementar ao plano educativo, que contempla as Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico e que permite à Tempo Livre, através de 18 professores licenciados em educação física, dar aulas semanais de expressão física e motora a cerca de 8.000 alunos das 98 escolas do nosso Concelho. Férias Desportivas - destinada a crianças com idades compreendidas entre os 7 e os 14 anos, a Tempo Livre desenvolve um projecto de ocupação dos tempos livres dos jovens nos períodos de interrupção da actividade escolar - Páscoa, Verão e Natal. Aproveitando as infra-estruturas desportivas que gere e os professores de educação física ao seu serviço, a Tempo Livre ocupa, de forma sadia, pedagógica e divertida, centenas de jovens em cada um dos períodos, com actividades desportivas, culturais e lúdicas diversas e motivadoras. Torneios do 25 de Abril - é um projecto dirigido às entidades organizadas na prática de actividades desportivas colectivas e individuais do nosso Concelho, durante os meses de Março a Abril, em vários escalões (sub-10, sub-12 e sub-14) e várias modalidades - futsal, andebol, voleibol, basquetebol e atletismo. 138 Feira da Pequenada - Tradicionalmente realizado nos últimos dias do mês de Junho, em finais do ano escolar, é um dos eventos que as crianças e jovens aguardam sempre com grande expectativa, pela animação, cor, aventura e distracção que lhe são inerentes. Insufláveis gigantes, ateliers de pintura, jogos lúdicos e pedagógicos, simuladores, stands promocionais de produtos e serviços direccionados para os mais jovens, animação infantil com palhaços, gigantones, cuspidores de fogo e malabaristas, de tudo isto se encontra nesta Feira da Pequenada. Domingos Activos – Este é o mais recente projecto dinamizado pela Tempo Livre. Durante o mês de Julho, aos domingos de manhã, no Parque da Cidade, foi desenvolvido este projecto que visou a oferta de actividades desportivas segmentadas para todas as faixas etárias, privilegiando desta forma o conceito de “família”, associando ainda a realização de check-up´s de forma complementar. Torneio Veteranos - É um projecto dirigido exclusivamente a antigos praticantes ou amantes do futebol de salão/futsal, realizado nos meses de Novembro/Dezembro, e que tem por principal objectivo proporcionar a continuação da prática desportiva e competitiva a homens com mais de 40 anos. Perante o exposto, e tendo como premissa que “tudo o que vale a pena fazer, vale a pena fazer bem feito”, e apesar da satisfação já alcançada, temos a forte convicção de que ainda temos um longo caminho a percorrer, sempre na tentativa de melhorar as nossas acções em prol de toda a comunidade. 139 O Associativismo Vimaranense de 1820 a 1939 Fernando Capela Miguel Em Guimarães, sempre houve, em quase todas as épocas, uma capacidade de associação e participação social fora do comum. Através da constituição de grupos para a instrução e recreio, para defesa de ideais patrióticos ou culturais ou, simplesmente, recreativos ou excursionistas, as comunidades tiveram sempre esta dinâmica de sociabilidade que, ao longo das diferentes épocas, criaram grupos informais e associações que se perderam no tempo. Das Academias de influência europeia, onde desfilavam os novos senhores da média e alta burguesia, em saraus poéticos, musicais ou bailes de gala, até às Associações de socorros mútuos, assistenciais ou de teatro, música, promoção social e cultural “ esta terra teve sempre a visita amiudada das melhores companhias portuguesas e galegas, prova evidente de que os gostos dos seus habitantes andavam afinados e … se distraíam no requinte simultâneo duma boa educação espiritual” como nos diz A. L. de Carvalho a propósito dos grupos e suas actividades e hábitos culturais dos seus conterrâneos. O Associativismo, sobretudo Republicano, foi de facto importante para a promoção das gentes de Guimarães. A escola não tinha capacidade para dar resposta às necessidades das gentes e, por isso, o movimento que nasce no seio da média-baixa burguesia descontente com a evolução dos acontecimentos vai aderir de alma e coração ao ideário republicano. Nas zonas operárias, nasceram inúmeros grupos de aprendizagem ditos de instrução e de participação social, cívica e cultural. Distinguem-se, nesta participação na sociedade e com uma grande e activa produção cultural, os empregados do comércio, marçanos e caixeiros, e uma outra classe: os trabalhadores gráficostipógrafos. As maiores referências de dinâmica associativa e cultural na imprensa da época são, sem dúvida, estas profissões emergentes, talvez mais esclarecidas e com maior capacidade de mobilização. Duas classes profissionais com uma forte coesão, espírito de classe e substancialmente empreendedora. A dinamização do novo movimento associativo é, pois, resultado da enorme disponibilidade de homens e mulheres para as coisas da cultura: o teatro e a música, as festas e comemorações, a instrução básica, a promoção da leitura, a criação de bibliotecas populares ou, simplesmente, de caridade, de apoio mutualista. Havia associações formadas por gente rica, por gente respeitada e fidalgos, mas também outras, por gente pobre, por artistas, por trabalhadores humildes e estudantes. Muitas tertúlias nasceram. Muitas comissões de defesa cívica e regionalista. Muitos grupos efémeros. Uns tinham designação paternal, outros, divisa artística, ou simplesmente, um nome ou fama ocasional. Havia ainda muitos grupos informais, sem bandeira associativa. Agrupavam-se na maré das circunstâncias, quando os seus serviços eram necessários. As associações eram o reflexo da energia e vitalidade vimaranense, traduzida na dinâmica das relações interpessoais. Todos honram Guimarães. O associativismo Monárquico Em Guimarães, pontificavam as associações de cariz religioso. Confrarias e Irmandades, mais de duas dezenas, manifestando-se a presença e o controlo da igreja sobre as pessoas e as suas men- 140 tes. O quotidiano poderia ser discutido à socapa, mas nunca na presença de algum dignitário de sotaina. Eram linguareiros e perigosos nas motivações. Havia instituições que promoviam a instrução das primeiras classes, mas todas sob a orientação da Igreja. Em Guimarães, pouco se terá feito sentir a proclamação da Constituição de 1820 e a presença dos liberais. Os conservadores detinham uma grande presença e poder neste burgo dito “cidade berço” da Monarquia. É a partir de 1860 que se começam a sentir novas influências exteriores, como o aparecimento de grupos de opinião estrangeirados, com fortes críticas à realeza e à nobreza e “modus vitae”… Com certeza que a estas mudanças não são alheias as influências dos oficiais do Regimento de Infantaria 20, aquartelado nas ruínas dos Paços dos Duques. O Associativismo Republicano A degradação das condições de sobrevivência das classes trabalhadoras, durante a segunda metade do século XIX, incentivou o associativismo operário e desencadeou uma onda de manifestações públicas e greves. Nesta pesquisa, recorremos a A. L. de Carvalho e a Eduardo d’Almeida; a Luís Filipe Coelho, republicanos atentos às evoluções da Sociedade Vimaranense do princípio do século e a Jaime Martins, António Ferreira, Luís Almeida e D. Luísa Xavier de Carvalho, enquanto participantes activos no movimento associativo de Guimarães. Nos finais da década de 1910, alguns extractos da pequena e média burguesia, ligados a actividades burocráticas, decaem económica e socialmente. Também a reacção não se faz esperar e as manifestações começam a aparecer por todo o lado. Sobressaem os tipógrafos e os caixeiros, classes profissionais com maior espírito de classe. Os trabalhadores e operários reagiram das duas maneiras habituais: associando-se, porque “a união faz a força”, e fazendo greve, porque a manifestação é sinal de que se está vivo, em defesa dos seus direitos e necessidades do cidadão. A partir de 1870, as associações operárias multiplicam-se rapidamente, incentivadas por uma forte doutrinação social, através de jornais, panfletos e diversa bibliografia ou produção teatral. A imprensa escrita prolifera. Eduardo d’Almeida no seu livro “A família e a evolução social”, de 1911, como princípios para a República preconiza: “O sindicalismo fiscalizando a vida operária unificando as aspirações dos que trabalham ligando a classe e federando-a com outras representadas também por associações, realiza um duplo movimento da sistematização e harmonia, sem opressão- porque todos os associados têm igualdade de direitos e deveres, mas subordinam a liberdade individual à liberdade pessoal sem incoerências- porque a acção é regulada pelos interesses comuns e segue um plano fundamental e ao mesmo tempo desenvolve a camaradagem e inclina a multidão de egoísmo diversos à dedicação altruísta, sem grandes prejuízos para cada um e com séria vantagem para todos.” A cultura artística desenvolveu-se muito durante o século findo. Aumentou o gosto pela leitura e pelo teatro, organizaram-se exposições, fundaram-se museus, a arte entrou um pouco na moda. A descoberta do património e o excursionismo abraçam-se para criação de oportunidades de convivialidade fraterna e para aprendizagem autodidacta. A cidadania é um facto. 141 Os Centros promotores Republicanos Estes centros, responsáveis pela organização e participação cultural dos cidadãos na Sociedade Civil são substituídos pelas Fraternidades Operárias, extremamente combativas, onde pontificavam homens e ideologias de vários quadrantes, nomeadamente socialistas e anarquistas. São associações fundamentalmente de classe com uma grande pujança, em defesa da qualidade de vida dos trabalhadores e operários da região. O Congresso da Organização Internacional do Trabalho (A.I.T.), realizado em HAIA, em 1872, foi responsável pela consolidação deste movimento associativo de classe, já que, no ano seguinte, permite o aparecimento da Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa. A nova Associação tinha como principais objectivos a melhoria das condições morais, económicas e sociais dos trabalhadores, que realizam um primeiro Congresso Nacional em 1885 e, em 1890, o segundo, em Lisboa, onde se aprovam medidas importantes de defesa e protecção dos trabalhadores, no que diz respeito às condições de trabalho e à higiene e segurança nas fábricas e oficinas. Um movimento fundamental para a melhoria das condições sócio-profissionais e valorização da condição de trabalhador. Rapidamente esta reivindicação alastrou a outras necessidades do quotidiano do cidadão buscando uma condição e desejável qualidade de vida. Ora os agrupamentos operários eram muitas vezes autênticos partidos com acção política moldada na dos partidos políticos, com congressos periódicos e órgãos de imprensa, sendo o mais importante a UNIÃO operária Nacional, criada em 1914. Nesta dinâmica, nasciam, por semelhança, vários grupos, clubes e grupelhos, que actuavam também como fiscalizadores ou “ouvidos e olhos” da República ou, até, como corpos de polícia privativa, ao serviço dos partidos e das instituições, ou como associações ou como centros promotores republicanos onde, por vezes, era difícil traçar uma linha clara entre os fins políticos e os fins culturais ou, até, de influência, como a Maçonaria ou a Carbonária mais extremista. Havia ainda as sociedades religiosas com actividade política semisecreta, que podiam enfileirar entre associações do tipo político: Companhia de Jesus, Associações de Fé e Pátria, Apostolado da Oração, Juventudes Católicas e Ordens Terceiras várias. De todas as associações deste tipo, porém, a mais importante era, de longe, a Maçonaria, que também em Guimarães teria os seus seguidores. Contudo, não era pela quantidade dos seus agremiados que a influência da Maçonaria podia ser avaliada. Associações de elite preocupavam-se, antes, com a qualidade e com a participação, ao nível superior, nos quadros político, administrativo, económico e social dos seus membros. Haveria, pois, bi-polarizadas, associações culturais ou clericais e anticlericais de influência republicana. Após 1912, o surto de reivindicação político-laboral, onde pontificavam os Sindicatos, as Casas Sindicais e as Fraternidades Operárias, enquanto associações, abrandam a sua actividade, devido ao “controlo disciplinador” do Governo de Afonso Costa. Em 1913, o governo proíbe as celebrações do 1º Maio, encerra várias casas sindicais e persegue violentamente vários manifestantes e grevistas. Em Guimarães, também assim aconteceu e, além do encerramento dos Sindicatos Operários na Rua do Gravador Molarinho, nº 5, e da Casa Sindical, na Rua de Santa Maria, são perseguidos e presos alguns vimaranenses. O Associativismo de condição política retrai-se substancialmente. A Democracia era a alma inspiradora do civilismo e da participação social e cultural da sociedade republicana em devir. A democracia exercia, portanto, imediatamente, uma acção humanitária desenvolvendo a educação, atendendo aos interesses das classes operárias e chamando os cidadãos ao cumprimento dos deveres políticos e morais. 142 “É necessário que o povo tenha acesso à instrução e seja convenientemente educado. A educação positiva é a mesma em todos os estados como é igual a acção democrática. Esta unidade termina com o hostil retraimento entre os povos e consolida o espírito da paz e da humanidade. Por isso, a instrução não basta, é a educação que fará de cada homem um cidadão”, como nos diz Eduardo d’Almeida. Cada vez se acentua mais a distinção entre actividade intelectual e a actividade política. O Movimento Associativo vai evoluir para uma participação Social e Cultural mais efectiva, contribuindo para a transformação das condições sub-humanas da altura, valorizando a aprendizagem, a formação profissional e a educação comunitária. Um movimento intelectual emana deste movimento sócio-cultural que está em construção. Nasceu por todos os pontos deste concelho e do país: são os grupos de “Instrução e Recreio”, os grupos “Cénicos” e “Dramáticos” e “Excursionistas”, tunas musicais e bandas filarmónicas. Normalmente, os grupos de excursionistas e de recreio comemoravam, através destes convívios, não só as suas comemorações/ aniversários, mas também o “Dia do Trabalhador”, “Dia da Independência”, já que a maior parte destas associações acabam por ser de “classe”, embora abertas e com a presença dos familiares. A família e o trabalho eram esteios da República. Toda a família participava, pois que era uma honra e um dever Republicano. Depois do Direito ao Trabalho, tinha o Direito ao Descanso e, nele, o espaço privilegiado para a Família; depois, para a Instrução e ainda para Solidariedade para, por fim, se pensarem nas grandes obras de defesa e valorização da comunidade. Exemplos!?... São tantos!... As reuniões e comícios de Vimaranenses na Associação Artística Vimaranense ou no Sindicato dos Caixeiros, a reivindicar ainda ao rei Luís I e depois a João Franco, a Castelo Branco, necessidades e benesses para Guimarães, como os correios, a Escola Industrial, o caminho-de-ferro, etc., etc., criando escolas primárias e organizando colónias balneares para a infância, ou criando bibliotecas populares, acessíveis a toda a gente; organizando passeios à Penha, às Caldas de Vizela ou Taipas, ou a Briteiros, para divulgar o património aos vimaranenses, para a comemoração do descanso dos trabalhadores ao domingo ou somente para um convívio fraterno e livre. A liberdade era outra condição da República. Falemos ainda do acesso dos cidadãos à criação cultural; à fruição do produto da imaginação ou à aprendizagem da cultura; dos Bailes e Quermesses de simples fruição e prazer de estar em grupo fraterno, onde os homens e mulheres, como seres eminentemente sociais, reconheciam, de facto, a convivialidade como forma de valorização do homem e da sua existência. A socialização era, pois, um comportamento do cidadão Republicano. Depois da música, a poesia, o teatro tantas oportunidades de “aprender fazendo”, de “aprenderdescobrindo”, com a convicção de que seria assim a melhor forma de apreciação e valorização cultural. Encontramos, neste período de cem anos, tantos grupos cénicos “fazedores” da arte de talma: tantos jornais; tanta produção literária e daí tanta tipografia; tantos espaços de “instrução e recreio”, denotando uma filosofia fácil de acessibilidade aos conhecimentos para todos: homens, mulheres, crianças; operários e camponeses, ricos e pobres, possuem os seus espaços de fruição sócio-cultural. O Homem é o seu cerne. Para que conste, aqui fica uma listagem daquilo que o autor conseguiu recolher das Associações e Movimentos de cidadãos em Guimarães. 143 1822- Sociedade Literária estudiosa de conferências teológicas. 1835- Sociedade Patriótica Vimaranense. 1837- Associação Escolástica. 1849- Sociedade Dramática Vimaranense. 1850- Sociedade Recreativa Vimaranense. 1851- Sociedade Civilizadora (em 1885 tem estatutos). 1858- Assembleia Vimaranense (em 1863 tem estatutos). 1866- Associação de Socorros Mútuos Artística Vimaranense. 1871- Associação Clerical Vimaranense. 1872- Monte Pio Comercial Vimaranense. 1877- Bombeiros Voluntários de Guimarães. 1879- Sociedade Dramática Tália. 1881- Sociedade Terpsícore Vimaranense. - Sociedade Artístico-Dramática. - Sociedade Dramática Vimaranense. - Sociedade Dramática de Infantaria 20 (existiu quando foi o tenente o Sr. António Emílio de Quadros Flores, que era ensaiador). 1882- Sociedade Martins Sarmento. 1884- Club de Caçadores. 1885- Club Comercial Vimaranense. - Sociedade de Instrução e Recreio. 1886- Associação Comercial Vimaranense. 1893- Troupe Musical Artística Vimaranense que era formada por académicos. 1895- Club Artístico Vimaranense. - Sociedade de Instrução e Recreio. 1897- Centro Música Vimaranense. 1898- Grupo de Amadores Vimaranenses (de que fazia parte o sacristão de S. Domingos Manuel Mendes Porca). 1899- Liga Agrária do Norte. 1900- Centro Operário Sarmentino. - Sociedade Filatélica Vimaranense. Edita o “philatelista”. (O escrivão de Direito José Joaquim de Oliveira é seu presidente). 1903- Círculo Católico de Operários São José e São Dâmaso. - Sociedade Musical de Guimarães (teve origem na banda dos Guises). - Grupo Recreativo “Os 20 Arautos de D. Afonso Henriques”. 1904- Grupo Musical Araújo Mota. 1905- Grupo Dramático Gil Vicente. - Clube dos Amadores de Selho- Pevidém. - Círculo Católico de Operários São Lourenço de Sande. 1906- Ateneu Vimaranense “Marcha Gualteriana”. 1907- Centro Dramático Instrutivo. 1908- Grupo Dramático Beneficiente.. - Associação Fúnebre Familiar Vimaranense (a 26 de Julho). 1909- Grupo de Propaganda “Por Guimarães”. - Rua de D. João I tinha secção de teatro que era o Grupo Cénico “Mocidade Alegre”. 144 1911- Sociedade Protectora dos Animais. - Sport Grupo 6 (com sede na rua do Gravador Molarinho seria um dos dois antecessores do U.S.C.) 1912- Centro Dramático Vimaranense. - Centro republicano de Guimarães com sede na rua 31 de Janeiro. 1913- Grupo Dramático Júlio Dantas. - Caixa Filantrópica Académica Vimaranenense. 1916- Grupo Cénico Almeida Garrett. - Associação das Escolas e Alunos das Escolas Centrais “A Solidária”. - Grupo Cénico da Juventude Católica. - Juventude Operária Feminina. 1918- Grupo Cénico de Orfeão de Guimarães (que durou até 1925). 1925- Grupo Cénico dos Empregados do Comércio (que durou até 1930). - Associação Comercial e Industrial de Guimarães. 1927- Grupo Dramático Vimaranense Padre Gaspar Roriz. 1928- Sociedade de Defesa e Propaganda de Guimarães. 1931- Grupo Cénico Amigos dos Scouts. - Orquestra Vimaranense. 1932- Grupo Cénico Pró-Biblioteca da Associação Artística. 1933- Grupo Dramático Pró-Vizela que em 1934 passará a Dramático Vizelense. 1936- “Os Beneficientes” Grupo Cénico de Moreira de Cónegos. - Grupo Excursionista “Hoste de D. Nuno” da freguesia de Pinheiro e que chegou aos nossos dias cheio de actividade. 1939- Grupo Musical “Ritmo Louco”. Será suficiente ficar por aqui. O movimento associativo começa a ter já outros fins. Emanente era já uma nova geração de vimaranenses que assistiam ao eclodir da 2ª Guerra Mundial. Depois do golpe de 28 de Maio, muitas foram as associações que se desmoronaram tão somente pelo abandono ou fuga dos vimaranenses comprometidos com a República. É que o acto cultural é sempre político. Ainda deste período republicano, mas porque não foi possível encontrar datas de fundação, encontramos outros grupos e comissões de vimaranenses dedicados à causa sócio-cultural. - Grupo Recreativo “O Berço da Nação”. - Grupo Recreativo “Os Infalíveis” (há na S. M.S. Jornal de 1931 a 35). - Grupo Recreativo “Fouce”. - Grupo Recreativo “Os Inseparáveis”. - Grupo Excursionista “Berço da Pátria”. Fraternidade Operária. - Casa Sindical- Conjunto de Sindicatos Republicanos com sede na Rua de Santa Maria. - Sindicatos Operários Rua Gravador Molarinho nº 5 Muitas destas instituições são grupos efémeros ou de importância política que nasceu em comissões de trabalho para a realização de tarefas importantes e que depois se oficializam, criando estatutos. Serve de maior exemplo as diferentes comissões de empregados do comércio e caixeiros que, automobilizando-se, fizeram em 1906 uma marcha Milaneza conhecida por Marcha “Aux Flam- 145 beaux” que, na noite de 5 de Agosto de 1907, pelas 20 horas, percorreu as ruas da cidade. Ao grande artista José de Pina, a partir de uma ideia do padre Gaspar Roriz, se deve a paternidade desta capacidade de mobilização humana dos vimaranenses. Em noites consecutivas, esta classe laboriosa fraternalmente cumpria a realização do evento. Hoje, assim continua!... Assim nasce para os anos seguintes a Associação da “Marcha Gualteriana”. Que melhor exemplo republicano podíamos escolher?? Vejamos o que diz o Dr. Eduardo d’Almeida: “A Associalização vai assim regular a vida económica do proletariado, lutando pelo bem das classes, mas numa luta pacífica, procurando colocar activamente na sociedade o operário que ela tem desprezado.” Ignorante ou embaraçado numa perigosa anarquia de vagas e ideias sem nexo e combatendo o embrutecimento e as enfermidades que derivam do trabalho excessivo e todas as prepotências, evita os conflitos directos em que o operário era sempre vencido. Desenvolvendo o espírito de civismo. Educa. Inteligente e prudentemente compreendida a associalização exerce, não só acção económica salutar, mas uma profunda acção política, sociológica e moral.” Como se constata em mais de cem anos, de 1822 a 1939, em Guimarães, existiram mais de meia centena de colectividades de Instrução e Recreio e Associações Culturais. Foi um período muito profícuo, de grande participação social, política e cultural que nos merecerá um reconhecimento e respeito. Com certeza, um estado mais atento. Associamos a este texto, como referência, a enorme dinâmica literária e jornalística de Guimarães nestes anos, já que este mesmo período também o é de grande produção escrita; de sátira e crítica da sociedade; de representação teatral e respectiva produção literária dramática, à semelhança de todo o país; e do aparecimento de jornais, folhas impressas e boletins e exposições. De facto, uma grande participação dos cidadãos Vimaranenses na sociedade civil. O que restava, então, no fim da década de 30, de toda esta pujança cultural e participação social nas gentes de Guimarães? Quase nada, na cidade, como nos diz Alberto Vieira Braga, nas suas “curiosidades de Guimarães”, a que não será estranho, não só o encerramento de várias salas e reuniões culturais, mas, fundamentalmente, as mudanças políticas decorrentes do 28 de Maio de 1926. Afinal, Guimarães já era, por tradição, conservadora, mesmo que, em momentos de inspiração, seja sempre potencialmente capaz de se Associar e com o direito de cidadania que lhe assiste, fazer OBRAS GRANDES. A verdade é que a sociedade se faz de avanços e recuos constantes, mais ou menos evolutivos, decorrentes sobretudo das lideranças da comunidade, seja na condução da política, seja nas dinâmicas da Sociedade Civil. Ontem, como Hoje, uma similitude. Ob. Cit. Raul Rego “História da República” Círculo de Leitores. Oliveira Marques “A 1ª República Portuguesa” 3ª ed. Livros Horizonte. A. V. Braga “Curiosidades de Guimarães”. Eduardo d’Almeida “A família e a evolução social” 1911. Imprensa Vimaranense. Oliveira Marques “Dicionário da Maçonaria Portuguesa” O Associativismo Vimaranense” de Fernando C. Miguel. 146 Penha: Retrospectiva Iconográfica da Sacralização da Montanha Escola Cisave O livro «Penha: Retrospectiva Iconográfica da Sacralização da Montanha», da autoria da formadora da Escola Profissional CISAVE, Elisabete Pinto, e de Paulo Barroso, resulta de um trabalho de pesquisa que teve como objectivo documentar e ilustrar a ocupação e expansão religiosa daquele espaço. Editada pelos autores, a obra apresenta 279 imagens alusivas às principais fases do processo de sacralização da montanha, nomeadamente fotografias, bilhetes-postais ilustrados, estampas, projectos de construção e medalhas comemorativas. Através da documentação recolhida nos arquivos de várias instituições e de coleccionadores particulares, os autores tentaram interpretar o simbolismo subjacente ao aparecimento dos diferentes lugares de culto existentes na Montanha. Efectivamente, os lugares de culto, no cimo de montes e outeiros, são tão frequentes como são insondáveis as suas origens. Símbolos de profunda e remota devoção popular, estes lugares mantêm-se activos através das crenças no poder das entidades divinas, que no espaço sagrado são veneradas. A imponência de maciços montanhosos, como o da Penha, sempre fascinou. Principalmente pela altura e pelo consequente deslumbramento da vista. Se o misticismo ou fascínio dos lugares se deve às crenças populares num poder sobrenatural, este poder subjaz, por seu turno, na convicção de milagres (graças ou benesses prodigamente recebidas em momentos ou circunstâncias de dificuldades do quotidiano) operados sobre os fiéis. Objecto de uma tricentenária devoção que não só ainda perdura como promete auspiciosamente expandir-se, a Penha é um dos mais promissores e harmoniosos montes sacros. Construídos a partir do início da Idade Moderna, os montes sacros visavam preencher as necessidades íntimas dos crentes, eivados de uma profunda experiência religiosa sensível. No cimo setentrional de uma elevação montanhosa, no conjunto formado pela Serra de Santa Catarina (a nascente da cidade e do concelho de Guimarães, na freguesia de Santa Marinha da Costa), os lugares de culto começaram a surgir com a adaptação de uma gruta natural dedicada à Senhora do Carmo. Depois de conhecido, o lugar de culto passou a ser visitado devocionalmente e à entidade divina foram reconhecidas intercessões milagrosas. O local consagrado transformou-se em centro de piedosas romagens e práticas de culto. Através destas, os vimaranenses e forasteiros atestam uma secular afeição à Virgem. Despojados de pretensões históricas, optámos por interpretar os comportamentos sociais materializados numa ocupação condicionada do espaço e demonstrados nas formas de mitificação da fé. O objectivo é apresentar uma linguagem própria de um género de arquitectura religiosa sobreposta a um substrato espiritual: capelas, monumentos, miradouros, grutas, fontes, penedos, parques, estabelecimentos comerciais e outras infra-estruturas de apoio ao culto num santuário como o da Senhora da Penha. 147 Pretendemos, desta forma, responder a uma inocente pergunta: de que forma a iniciativa individual de um crente em colocar, numa simples lapa, uma pequena imagem da Virgem suscitou um processo devocional que resultou na transformação física e espiritual da Montanha da Penha, de um local íntimo de fé para um amplo santuário afectivo de todos os vimaranenses, comunidades paroquiais circunvizinhas, turistas forasteiros, visitantes circunstantes e peregrinos de localidades mais distantes? Foi principalmente a inquietação ou desconforto provocado pela ausência de intelecção sobre uma realidade onde nos enquadramos e interagimos todos os dias, aliada ao obrigatório esforço suplementar de procurar uma resposta para a formulada pergunta, que orquestrou esta nossa faina intelectual: compreender, pelo menos, este passado apenas testemunhado pelos penedos que ainda perduram no local. Este processo de formação mítica de crenças e de transformação do espaço profano em sagrado. As experiências religiosas manifestadas de forma regular, colectiva e voluntária (crenças, cultos, rituais e vivências num tempo e num espaço consagrado) pertencem ao quadro cultural e tradicional de uma comunidade ou sociedade. Manifestadas há mais de trezentos anos na Penha, estas experiências resultaram da necessária ocupação e expansão sacralizada do espaço envolvente. Todavia, esta exigência espiritual dos fiéis, direccionada para a dimensão espacial do cume da montanha, frutificou no cenário edificado que hoje conhecemos, graças às condições geográficas que condicionam as formas de ocupação humana do espaço. Motivados pela ideia de que a Penha favorece espiritualmente as comunidades locais e os visitantes forasteiros e enriquece cultural e esteticamente o concelho de Guimarães e a região do Baixo Minho, acreditámos que seria pertinente, interessante e pioneiro prestarmos um tributo a este monte sacro que a vontade e as crenças dos fiéis transformaram de inóspito, hostil e ermo, local em hospitaleiro, afectuoso centro de convergência da fé em Nossa Senhora. 148 Reflexões educativas Educação para a cidadania Francisco Teixeira Doutor em Filosofia Professor da Esc. Sec. Francisco de Holanda O tradicional debate acerca das funções da escola, particularmente das funções dos Ensinos Básico e Secundário, pode ser resolvido, em meu entender, atribuindo-se à escola, de modo simplista, duas funções principais: a) conferir aos jovens competências instrumentais e tecnológicas básicas e médias, b) transmitir os valores culturais nucleares da comunidade de que emana. Sabemos todos muito bem, porém, que, por exemplo, uma das acusações recorrentes aos Ensinos Básico e Secundário por parte dos pais e até de analistas especializados, é a de que os jovens terminam a escola sem saberem fazer nada, com a sensação que os nove ou doze anos passados no sistema educativo corresponderam a uma monumental perda de tempo. Este "não saberem fazer nada" refere-se, naturalmente, às tais competências instrumentais básicas e médias, quer dizer, à falta de habilitação profissional dos jovens, no final da sua caminhada escolar. Mais estranho ainda é o facto de os mesmos, ou outros, pais e analistas, concluírem, de modo igualmente taxativo, que os mesmos jovens, no final do mesmo processo educativo, se encontram igualmente despojados daquilo que eles entendem como valores nucleares da nossa (deles) visão do mundo. A ideia é de que se encontram despojados de valores cívicos básicos como o respeito pela tradição histórica e cultural, a participação social e política, o respeito e a valorização do esforço individual, a tolerância, a solidariedade, etc., etc. Aparentemente, o sistema educativo também não tem manifestado grande sucesso no desenvolvimento desta segunda função educativa, pela qual se veiculam os valores básicos de uma cidadania activa. A questão é pois a de saber que sentido faz, e como o fazer, educar para a cidadania, quer dizer, para o exercício integral e imaginativo da liberdade. O assunto só aparentemente é simples. Antes de mais o assunto complexiza-se se, a) nos perguntarmos se o exercício integral e imaginativo da liberdade é um valor nuclear das nossas comunidades. Depois, o assunto complexiza-se ainda mais quando, b) nos questionamos acerca do método adequado de vender, na escola, esse valor, lembremo-lo: o valor do exercício integral e imaginativo da liberdade. O assunto complexiza-se mais ainda se nos decidirmos, e podemos fazê-lo, a, c) questionar a premissa de que a educação para a cidadania é educar para o exercício integral e imaginativo da liberdade. Vejamos então cada um destes problemas, começando pela premissa. 1. Educar para a cidadania é educar para o exercício integral e imaginativo da liberdade. O que se anuncia nesta premissa é o combate antiquíssimo, que nos vem pelo menos desde o tempo dos sofistas e de Platão, entre a Verdade e a Liberdade. Conhecemos todos como o assunto era posto na época e como, volvidos 2500 anos, ainda é posto hoje. A imagem central do ponto de vista platónico é aquela que nos é transmitida no livro VII do "A República", com a "Alegoria da Caverna". Nesta caverna, com uma abertura para a luz, encontram-se os homens. Aí, desde a infância e aprisionados por grilhetas nos pés e no pescoço, obrigados a olhar em frente e apenas iluminados pela luz de um fogo que se queima ao longe, por trás deles. Entre estes homens e o fogo interpela-se uma pequena elevação, do género dos teatros de fantoches. Por trás desta elevação, pas- 151 seiam-se outros homens com todo o tipo de objectos à cabeça. Naturalmente, os prisioneiros só vêem as sombras dos objectos projectados na parede de fundo da caverna e ouvem apenas os ecos das conversas ocasionais. No entanto, não tendo nunca olhado os verdadeiros objectos de frente, os homens supõem que estes são as sombras que conseguem percepcionar. Então, supondo que algum destes homens consegue fugir das suas grilhetas, será que, olhando ele para trás, encadeado e dorido pela luz exterior a que não está habituado, não julgaria esse homem que os objectos reais que agora vê a custo são falsos objectos e verdadeiras, apenas, as sombras que toda a sua vida contemplou, pelo que buscaria refúgio nessas antigas sombras, desde sempre e ainda agora tidas como verdadeiras? E se, à força, conduzíssemos o infeliz até à verdadeira luz, obrigando-o a olhá-la de frente, não cegaria o homem, tornando-se incapaz de ver os verdadeiros objectos? Parece pois que a única forma de lhe permitir a contemplação dessa luz essencial seria a de, lentamente, o ir habituando às imagens dos objectos, desde as cópias mais ténues às mais próximas dos objectos verdadeiros e, por último, permitindo-lhe olhar mesmo para os objectos. Finalmente, seria capaz de olhar a luz mesma, do mesmo modo que se olha a luz do sol e o seu brilho diurno. E, então, compreenderia que é essa luz que tudo produz e causa. E se descesse de novo à caverna, este homem não se encontraria de novo nas trevas e não se arriscaria a que o matassem, se tentasse trazer algum dos seus antigos companheiros para fora daquela "realidade", que eles consideravam a única? Todos os elementos fundacionais de certa cultura, de certa filosofia, de certa educação e de certa ciência ocidentais encontram-se aqui resumidos. A caverna representa a doxa, a opinião, a luz a episteme, a Verdade. O objectivo de cada homem é libertar-se daquela, onde figuram as aparências, e dirigir-se até esta, onde resplandece a Realidade. As aparências são produzidas pela Realidade e dependem de circunstâncias históricas particulares; a Realidade, pelo contrário, enquanto produtora e causa, está para além de todas as contingências, é o fogo imóvel que tudo causa e que, portanto, tudo unifica. Na caverna todas as ideias são particulares e o fogo é a fonte, o universo causal de todos os particulares, o uno do múltiplo. Na caverna, temos ecos da realidade, ludíbrio, eventualmente estilo; no fogo temos a estrutura ôntica, a lógica de funcionamento da caverna, a Verdade. Na caverna temos a ficção, o romance, a retórica; no fogo temos a Filosofia. Se na caverna temos a errância das sombras e a solidariedade do sofrimento que tal errância provoca, pelo contrário, no fogo temos a objectividade, a unidade e a univocidade. Compete-nos pois, se queremos aproximar-nos do que verdadeiramente somos (nós, que somos sombras), aproximar-nos da luz, onde também, afinal, nos aproximaremos de todos os homens, já que todos partilhamos a mesma luz essencial. Em suma, conhecermo-nos e salvarmonos é também conhecermos e salvarmos os outros e a luta pela solidariedade humana nada mais é, afinal, que um derivado da procura da objectividade e da verdade do mundo. De facto, nada do que está dentro da caverna aproveita ao que está fora. Pelo contrário, o lado de dentro impõe-se como o necessariamente refractário à luz, onde nada de autêntico é possível. No entanto, e estranhamente, do lado de fora, a liberdade coincide com a verdade e a criação com o já criado. Mais estranhamente ainda, o Filósofo que tenta subtrair às trevas o antigo companheiro, não conta com o discernimento deste, com o seu «não» como um «não» autêntico, verdadeiramente mais que capricho ou obstinação. Antes se impõe como o que diz e revela o caminho, não como o que pergunta, o que duvida, o que conversa. Aliás, verdadeiramente, o que salva não dialoga, apenas emite os sinais da verdade e do caminho que o outro há-de seguir. O salvador só monologa. 152 Mas, não é difícil concluí-lo, o monólogo é o pior que pode acontecer, no entanto, à educação para a cidadania. Acontece que o monólogo é o método da Verdade. Na Verdade não há verdadeiramente espaço para a conversação, para o dissenso. Na Verdade só há lugar para o consenso. Platão ensina-nos que educar é um movimento ascético das trevas para a luz, da ignorância para o conhecimento, da opinião, mutável, inconsistente, não fundada, para a Verdade, garantida na solidez inquebrantável do Mundo das Ideias. Educar será então, deste ponto de vista, fornecer a Verdade, ou pelo menos, auxiliar os jovens na descoberta da Verdade, ela própria por sua natureza pré-existente. Assim sendo, a educação é sobretudo um processo de descoberta, de descobrir, o que está encoberto, pelos preconceitos, pelas paixões, pelos interesses, mas que é um aí prévio. E isso que está encoberto, esse aí prévio, é a Verdade. Há, porém, uma outra tradição ocidental, certamente não tão antiga, mas igualmente robusta, que pode ser exemplificada com o ensaio “A Arte do Romance”, de Milan Kundera. Esta tradição teria origem não no empreendimento teórico omnicompreensivo mas na ironia enquanto estratégia de redefinição e deslocação da atenção, ou seja, na estratégia de criação de sucessivos lances descritivos capazes de nos permitirem uma nova atenção a uma nova formulação dos problemas, e das respostas, antes ignorados. Para Kundera, o Romance inaugura a Era Moderna enquanto era da ambiguidade, embora a nostalgia e a necessidade da Verdade não tenham cessado de se manifestar, pelo que, continuamente, necessitamos que alguém esteja certo: “Ou Karenina é vítima de um tirano de mentalidade estreita ou Karenine é a vítima de uma mulher imoral; ou K é um homem inocente esmagado por uma corte injusta, ou a corte representa a justiça divina e K é culpado”1. Nascido do “Riso de Deus”, o Romance “desfaz durante a noite a tapeçaria que teólogos, filósofos, sábios urdiram durante o dia”2. O Romance é pois a outra tradição, aquela a quem se pode recorrer como alternativa à dialéctica socrática/platónica. O Romance institui-se como o espaço em que a palavra tem por função não representar mas inventar, não descrever mas redescrever, em que a plasticidade das formas metafóricas se opõe à rigidez silogística dos argumentos, desfazendo em ar todo o tipo de incondicionalidade e de Verdade. Se a educação para a cidadania, e a educação em geral, tem que ir por algum lado, só pode ir, em meu entender, pelo lado de que Kundera nos fala no seu “A Arte do Romance”. Só pode ir pelo lado da invenção e não pelo lado da descoberta, pelo lado do diálogo (embora não da tagarelice) e não pelo lado do monólogo. Educar para a cidadania terá então que exigir a aposta na infinita conversação do universo, evitando a todo o custo que alguém lhe possa pôr termo, por ter, pretensamente, descoberto a luz que tudo ilumina e a que tudo dá o ser. A liberdade, portanto, em opção à Verdade. Alguns dir-me-ão, bem sei, que a liberdade é compatível com a Verdade. Era essa, aliás, a singular opinião de, por exemplo, Descartes (e também do catolicismo medieval), para quem a liberdade não radica na decisão totalmente aberta, mas antes cresce com a decisão pelo Verdadeiro e pelo Bom sobre a base de uma visão clara e da graça divina. Quer dizer: deste ponto de vista, a liberdade autêntica é aquela que se conforma ou é congruente com a Verdade, sendo o resto apenas livre arbítrio. Segundo esta lógica, o uso livre da Razão conduzir-nos-ia sempre à Verdade, e, estranha conclusão, o erro é fruto não da liberdade, mas do mau uso da liberdade, pelo que há um uso bom e um uso mau da liberdade em si, independente da nossa atribuição de sentido. 1 2 Kundera, Milan (2002), A Arte do Romance, Ed. Dom Quixote, Lisboa, p. 180. Ibid., p. 182. 153 Mas afinal a que é que toda esta conversa filosófica nos pode conduzir? Em meu entender, à sustentação de que educar para a cidadania só pode querer dizer educar para a liberdade e não educar para a Verdade, sob perigo de o dogmatismo se instalar de forma larvar ou ostensiva, promovendo a busca de certezas que a vida política, social, cientifica e filosófica contemporâneas, já não nos podem dar. Daqui decorre, aliás, a tão conhecida e debatida crise da Democracia e dos sistemas políticos demo-liberais. É que, se nós ensinamos aos nossos jovens que há um modo óptimo e Verdadeiro de fazer política, de organizar as sociedades, até de ser pessoa, tudo isso acaba por, inevitavelmente, conduzir à frustração, ao desencanto e, eventualmente, à revolta. Claro está que é muito mais fácil dar aulas como quem conta verdades, como quem revela o caminho certo para a Terra Prometida, da tecnologia, da ciência, da política, do gosto autêntico. Mas tudo isso não passam de mentiras, talvez psicologicamente vitais, como nos lembra Nietzsche, mas, ainda e sempre, mentiras. 2. Perguntemo-nos agora se o exercício integral e imaginativo da liberdade é um valor nuclear das nossas comunidades. As comunidades têm o direito de esperar que a escola ensine e transmita aos jovens aquilo que são os seus valores nucleares. Quer dizer, a sociedade tem o direito de esperar da escola um esforço autêntico de socialização dos jovens, naqueles valores tidos como seus valores nucleares. Não é legitimo que a escola esteja a formar, como o refere um autor norte-americano contemporâneo, zaratrustas profissionais, constantemente a porem em causa as verdades estabelecidas. No entanto, tudo estaria bem se o exercício integral e imaginativo da liberdade fosse um valor nuclear das nossas comunidades, se estas estivessem estribadas na “Arte do Romance” e não na “Alegoria da Caverna”. Acontece que, pelo menos do meu ponto de vista, o que se passa é exactamente o contrário, ou seja, a sociedade prefere largamente Platão a Kundera. Então como conciliar este conservadorismo de base das comunidades, que, legitimamente, desejam ver na escola um mecanismo de reprodução, confirmação e enrijecimento dos seus valores nucleares, com o ensino da cidadania como exercício integral e imaginativo da liberdade? Como conciliar Platão com Kundera? O problema é sério, pois sabemos bem o que aconteceu a Sócrates, condenado à morte pela cicuta por, entre outras coisas, corromper a juventude, quer dizer, ensinar aos jovens aquilo que os seus pais achavam inadequado para o enrijecimento identitário da comunidade ateniense, ou seja, por ter optado por Kundera, bem antes de este ter nascido. Penso que este dilema, realmente existente, se deve em grande parte ao facto de a escola estar cada vez mais a distanciar-se da própria sociedade, até ao ponto de esta parecer à sociedade, cada vez mais, um corpo estranho. Por esta razão, é natural que a sociedade se interrogue sobre o direito de esse corpo estranho se arrogar a ensinar aos seus filhos valores e competências críticas que não são as suas. É portanto esta des-sintonia entre a escola e a sociedade que origina verdadeiramente o problema da conciliação impossível entre o conservadorismo social e a aprendizagem do exercício da liberdade, problema já existente ao tempo de Sócrates e da Grécia Clássica. O problema é pois o de a escola já não ser uma autêntica referência cultural e educativa para a sociedade em geral, mas antes algo que lhe é profundamente exterior. O que se passa na Escola, sejamos realistas, é, em comparação com o que se passa na televisão, na internet e em certos grupos não institucionais de educação e formação, como associações ecologistas e religiosas, por exemplo, algo de cada vez mais irrelevante e secundário. O que é verdadeiramente importante não está nem passa, hoje, pela escola, e os jovens têm a perfeita noção disso. O que é verdadei- 154 ramente relevante, substantivamente relevante, está lá fora. É certo que a Escola fornece, ainda, a fonte das habilitações profissionais formais. No entanto, substantivamente, a Escola parece viver num universo paralelo ao da sociedade civil. Senão vejamos: que relação estabelece a escola do presente com o problema central da produção e interpretação do audiovisual? Que relação estabelece a escola do presente com o problema decisivo da configuração, ou melhor, da reconfiguração dos Estados e das Nações, no nosso caso, com a configuração e reconfiguração do que é ser português? Que relação estabelece a escola do presente com o problema da construção da identidade sexual dos jovens, problema que se encontra numa encruzilhada cada vez maior? Que relação estabelece a escola do presente com o problema da redefinição das condições de participação cívica e política dos jovens e dos adultos em geral? Que relação estabelece a escola do presente com o problema do diálogo inter-civilizacional e, particularmente, inter-religioso, neste mundo de integração e aproximação crescente das mundividências? Que relação estabelece a escola do presente com o problema central do emprego, não só com o problema da habilitação profissional para o emprego, mas sobretudo com o problema da preparação dos jovens para empregos cada vez mais exigentes, flexíveis e efémeros? Que relação estabelece a escola com o problema da vivência do corpo e do prazer, da toxicodependência, num final de século que terá que exigir da nossa parte uma nova visão do problema da fruição dos prazeres e sua regulação, sem que caiamos num fascismo repressivo? Não encontro na escola nenhuma resposta séria para nenhum destes problemas e, pior do que isso, não encontro nenhuma preocupação articulada e global com nenhum destes problemas. Penso até que, por causa disto, o jovem estudante inverteu já o seu esquema básico de atenção e valoração educativa. Para ele, o que é mesmo importante, na escola, é aquilo que se passa não nas aulas, nos noventa minutos regulamentares, mas, antes pelo contrário, fora das aulas. Ou seja, as aulas são já o intervalo dos intervalos, sendo estes últimos o que realmente conta. Mais globalmente, a escola é o intervalo da sua vida. Reafirmo agora a minha tese, a saber: a) encontramo-nos, nós professores, nós a escola, perante o dilema de devermos ensinar o exercício integral e imaginativo da liberdade, quando não é isso que a sociedade deseja verdadeiramente; b) este problema deriva de a escola estar afastada da sociedade, sendo mesmo vista por esta como um corpo estranho e anómalo. Claro que, do ponto de vista de alguns o problema estaria solucionado se a escola se limitasse a reproduzir o já existente no campo dos valores, servindo como instrumento de dominação e regulação social mais que como instrumento de criação de valores. Mas esse foi o modo como a escola se desenvolveu, em Portugal e noutros lugares, durante a ditadura corporativista de Salazar, no tempo de Reitores, de ícones morais e de censores (agora, curiosamente, ocasionalmente recuperados). Neste caso, a minha premissa seria impugnada, pelo que o ensino da cidadania seria o ensino da Verdade e não da Liberdade, ou seja, do que o poder instituía como Verdade, e, portanto, à escola competiria reproduzir essa Verdade na consciência dos jovens, justificando-se plenamente. No entanto, isso hoje já não pode ser aceite. Mas então como responder, como resolver aquele problema enunciado atrás da des-sintonia entre os deveres da escola e os desejos da sociedade? Devo dizer antes de mais que é minha opinião que, no actual contexto, a escola pode muito pouco relativamente à sociedade. Porque se isolou, porque se imobilizou, porque se preocupou sobretudo com os interesses dos vários status quo e foi entretanto ultrapassada por aquela. Assim sendo, o que há a fazer é correr atrás da sociedade, sem que isto queira dizer, de modo algum, ceder ao consumismo, ao imediatismo, à mediocridade televisiva, à apatia cívica, à incultura 155 humanística generalizada, à banalização da sexualidade, à intolerância sexual e religiosa, à mediocridade intelectual, à desresponsabilização intelectual, em suma, àquilo que Ortega y Gasset chamou a rebelião das massas. Correr atrás da sociedade quer dizer, neste meu contexto, permeabilizar a Escola aos problemas, às dúvidas, às contradições, às desolações, às pessoas, da própria sociedade, no âmbito de um enquadramento reflexivamente disciplinador, fazendo com que a escola deixe de ser um monopólio dos professores e do Ministério da Educação. E assim sendo, aqueles problemas atrás enunciados, quer aos que devemos dar resposta quer aos que de modo nenhum devemos ceder, devem ser o roteiro da transformação da escola num espaço, senão de excelência, pelo menos de referência social. Contra o consumismo, a escola deve apostar na degustação; contra o imediatismo, a escola deve apostar na reflexão; contra a mediocridade televisiva, a escola deve apostar na sofisticação; contra a apatia cívica, a escola deve apostar na intervenção; contra a incultura humanística, a escola deve apostar nas artes e na estetização; contra a sexualidade banalizada, a escola deve apostar na sexualidade responsável; contra a massificação, a escola deve apostar na aristocratização da vida. Esta abertura da escola à sociedade não se deve confundir ou esgotar, porém, nas tradicionais semanas abertas, umas boas outras más, que funcionam, regra geral, como a cereja no bolo, ou seja, como enfeites que ninguém quer comer. Do que aqui se trata é de fazer da Escola um organismo social verdadeiramente construtor da comunidade, aspirando a funcionar como elemento crítico e reflexivo das práticas sociais dominantes e não apenas como elemento duplicador de práticas sociais ultrapassadas ou combatente iluminista contra a ignorância. Isto quer dizer, naturalmente, que o papel dos professores tem de mudar de modo decisivo. Isto quer dizer que os professores terão se ser as antenas da sintonização entre a escola e a sociedade e não apenas funcionários públicos que repetem as mesmas aulas, anos a fio, a alunos diferentes e diferentemente desmotivados, incapazes de se aperceberem da relevância social do que os obrigam a decorar. O novo professor tem que ser activo, inovador, crítico, aberto à mudança, autónomo, com sentido de risco. O novo professor tem que ser exemplar, quer dizer, paradigma, referência social e cultural ele mesmo, apostado na construção da realidade social e verdadeiro auxiliar de construção da identidade dos jovens. Penso mesmo que, não podendo ou querendo ser assim, o novo professor não pode, verdadeiramente, ser professor, podendo facilmente ser substituído pelo autodidactismo e pelo ensino à distância, que se desenvolverá cada vez mais via Internet. Parte importante do problema, parece-me, aliás, estar aqui. Quer dizer, no perfil, na motivação e no enquadramento institucional dos professores. Sem uma reforma significativa das mentalidades, mas também das carreiras, das horas de leccionação, das horas de investigação, com uma diminuição do número de alunos por turma, nada de muito relevante será possível realizar. Isto porque o professor, no actual esquema de leccionação e, sobretudo, nos últimos desenvolvimentos patologicamente economicistas das políticas ministeriais, é cada vez mais configurado como um agente educacional funcionalizado, alquebrado por políticas dirigistas e burocratizadas ao extremo, mortais para qualquer responsável sentido de autonomia. E o professor e a escola têm de ser aproximadamente assim, como propus, porque, de outro modo, a cidadania activa não passará daquilo que já é, em parte decorrente do demissionismo cívico e social da escola: voto a espaços determinados, sensação crescente de impotência ante a burocracia política e partidária, indiferença social, superstição, irracionalidade, criticismo exacerbado mas inconsequente, desresponsabilização social, inveja como sistema, etc., etc.. 156 Se a escola fosse de outro modo, ela própria construtora do espaço social e não apenas reprodutora ou iluminadora vanguardista desse espaço, talvez se resolvesse o dilema impossível da oposição entre a escola da liberdade e a sociedade da conservação, porque uma se dissolveria na outra e não haveria nada que antagonizar. É certo que a escola, até para ser escola e se distinguir, tem que manter a sua identidade sistémica. Mas essa identidade seria já a identidade de um corpo social, interno ao grande contexto de criação de valores e de referências e não algo de abstracto, como nos dizem os nossos alunos acerca de tantos dos nossos programas e matérias. Resumamos, então, agora a minha argumentação: 1. Educar para a cidadania é educar para o exercício integral e imaginativo da liberdade. 2. Mas será o exercício integral e imaginativo da liberdade um valor nuclear das nossas comunidades? Não 2.1. Então, nós professores, nós a escola, encontramo-nos perante o dilema de devermos ensinar o exercício integral e imaginativo da liberdade, quando não é isso o que a sociedade deseja verdadeiramente. 2.2. Este dilema deriva de a escola estar afastada da sociedade, sendo mesmo vista como um corpo estranho e anómalo. 3. O dilema só se poderá resolver, como aliás todos os dilemas, superando-o, quer dizer, anulando o hiato existente entre a escola e a sociedade. 3.1 Este hiato só se poderá anular no momento em que a escola se tornar ela própria uma construtora activa dos valores sociais, não se ficando apenas por uma função instrumental em relação à sociedade (operando como repetidora social) ou como sua vanguarda iluminadora Falta-nos o tentar responder ao último problema, ao último elemento de complexificação deste assunto, agora ligeiramente reformulado, a saber: 3. Qual o método ou métodos adequados para construir e vender, na escola e na sociedade, esse valor, lembremo-lo, o valor do exercício integral e imaginativo da liberdade. Pese embora a crise da escola, a sua des-sintonia relativamente aos problemas do futuro e do presente; pese embora os jovens se aperceberem claramente dessa des-sintonia, pode-se, ainda assim, perceber na relação dos jovens com a escola uma abertura, realmente importante e significativa, fácil, aliás, de descortinar. A Escola, pese embora o desvalor dos seus conteúdos e práticas formais, é o espaço físico e emocional por excelência dos jovens. A Escola parece ainda funcionar como geografia básica para a integração cognitiva, emocional e social dos jovens. Quer dizer, a Escola já só é um pretexto para os jovens, mas um pretexto decisivo para a construção da sua identidade, e isto apesar do sistema, quer dizer, dos professores, dos programas, dos valores e dos mecanismos instrumentais transmitidos. Ora, o aproveitamento desta abertura é o aproveitamento decisivo para a reinvenção da escola e para a promoção do valor do exercício integral e imaginativo da liberdade. Mas como o fazer se, em Democracia, a Verdade já não puder ser o valor a vender? Sócrates, lido por Platão, diz-nos que a Coragem, a Justiça, a Beleza, a Bondade, o Bem e os outros valores fundamentais da nossa cultura, se encontram dentro de nós e, portanto, devemos conhecer-nos a nós mesmos se queremos conhecer aqueles valores. Trata-se da célebre frase do Oráculo de Delfos, “Conhece-te a ti mesmo”. Conhecer é, com Sócrates e Platão, recordar. Recordar aquilo que, portanto, já pré-existe, ou, na subtil deslocação de Descartes, conduzir a Razão de modo adequado até às ideias verdadeiras. Chegados aí, e voltando a Sócrates, a Verda- 157 de dessas ideias tem tal força perante a nossa vontade que nos renderíamos imediatamente a elas e à sua beleza absoluta. Trata-se aqui do intelectualismo ético, pelo qual todos os homens são bons, sendo a maldade uma consequência da ignorância. Por isto, ajudados os jovens a conhecerem-se a si mesmos, logo os conduziríamos à Coragem, à Justiça, à Beleza, à Bondade e ao Bem. Mas as coisas, sabemo-lo bem, já não são assim. E isto quer pelas razões aduzidas já longamente atrás, quer porque ainda que a ideia de uma racionalidade enquanto mecanismo de regras universais nos seja agradável, temos hoje perfeitamente a consciência de que se essa ideia de racionalidade, num dado momento, aproveitou à libertação do homem, noutros momentos serviu sobretudo como elemento de dominação colonialista e dogmática. Mas então, desprovidos do instrumento Verdade e do magnetismo ético dos valores universais, que fica capaz de edificar os jovens, de os entusiasmar, de os ganhar para a causa dos direitos do homem, quer dizer, para a causa dos valores básicos da Civilização Ocidental, centrados na "Declaração Universal do Direitos do Homem e do Cidadão", proclamados em 1789, mas que, sabemo-lo hoje, não são valores universais, mas valorosos e essenciais valores locais do Ocidente? Mais uma vez volto à tradição do Romance por oposição à tradição da Verdade. É que resulta hoje ingénuo supor que por lermos um tratado de ética seremos necessariamente melhores, como nos dizia Sócrates. Então, a alternativa ao tratado, à Razão, entendida como mecanismo cognitivo universal e necessário capaz de nos induzir à solidariedade universal e à diminuição da crueldade, poderemos e deveremos pensar o romance, a reportagem jornalística, o estudo etnográfico, a arte em geral, como capazes de fazerem os jovens ver nos outros, no sofrimento dos outros, aquilo que existe de comum com o seu próprio sofrimento. Como nos diz Richard Rorty, se não há categorias da Razão que unam todos os homens, há porém algo que une todos os homens do mundo, para além dessas categorizações racionais. E esse algo é o sofrimento, a dor, um sofrimento e uma dor que se dão de modo igualmente violentos e se impõem ao nosso desejo de falar, de conversar, obrigando-nos ao silêncio. Assim sendo, a educação para a cidadania só pode ser feita mostrando aos jovens como podemos pôr o sofrimento dos outros em palavras próximas dos nossos próprios sofrimentos, alargando a nossa concepção do Nós, da nossa identidade colectiva, até ao limite ideal de identificação cívica e humana com a dor do mundo inteiro. O caminho para a edificação e para a educação cívica é pois a emoção e não a razão, a inteligência emocional, a capacidade de sintonizar a turma, o professor e o aluno numa única corrente de prazer e dor. Ora, este objectivo alcança-se muito melhor pelo romance e pela arte em geral que pelo tratado, muito melhor pelo Romance que pela Verdade. Claro está, não é possível evitar que, um dia qualquer, algum romance pretenda redescrever Hitler de modo edificante. O que há a fazer, perante esta eventualidade, é cultivar os valores da nossa tradição democrática, esperando que eles sejam tão sólidos nas novas gerações ao ponto de que elas rejeitem, de modo categórico, essa redescrição eventual. No entanto, para isso como para tantas outras coisas, não temos garantias. E foi exactamente porque não se podia garantir um efeito edificante a partir do romance e da poesia que, segundo Rorty, por exemplo, Platão antipatizava tanto com a poesia, indo ao ponto de a proibir na sua república ideal. O que Platão não esperava é que a sua filosofia geométrica e axiomática, aspirando à Verdade, pudesse, afinal, tal como a poesia, justificar tantos crimes hediondos ao longo da história, justamente em nome da validade transcultural dos seus princípios. 158 Acontece que o romance e arte em geral podem, neste início de século e de milénio, de modo muito especial e como Platão não poderia supor, ajudar os jovens (e os menos jovens) a reinventar um dos valores sociais mais importantes e mais directamente ligado com o problema da aprendizagem da liberdade, da democracia e da solidariedade. Esse valor a reinventar pelo romance a pela arte é valor do tempo, quer dizer, da fruição do tempo, de modo a que, pese embora a velocidade da invenção científica, tecnológica, cultural e administrativa, possa essa invenção ser subtilmente interpretada, construída e desconstruída, reflectida, comparada, perspectivada, saboreada. A aceleração do tempo, do tempo informativo, político, científico, emocional, sendo uma das principais e mais notáveis características da nossa era, exige uma pausa, quer dizer, um contra-tempo, capaz de tornar mais fina e subtil a sua fruição, sob perigo de deixarmos o tempo passar por nós e não sermos nós a passar pelo tempo. Ora, sabemos bem como o Romance, em particular, com as suas exigências de imobilidade, silêncio e solidão, nos obriga a estes cuidados. Assim sendo, e por mais estranho que pareça, penso que o Romance e a educação para a cidadania estão intimamente ligados, na medida em que o Romance pode funcionar como contra-tempo deste tempo acelerado. Só com este contra-tempo educativo, reflexivo, crítico, céptico, a que o Romance nos induz, podem os cidadãos defender-se, por um lado, do tempo e, por outro, serem agentes construtores do ritmo do tempo. Assim, o Romance pode ajudar-nos, como exige a educação para a cidadania, a questionar e combater os mecanismos de aceleração e marcação da temporalidade que são, no nosso tempo, basicamente os meios audiovisuais, e, dentro destes, a televisão. Ora, e especificamente quanto à televisão, o problema central da educação cívica é o de atribuir, conceder, aos jovens, os mecanismos adequados de interpretação de um meio já não de comunicação mas de autêntica construção da realidade. Uma construção da realidade que, no essencial, passa por acelerar e superficializar, empobrecendo-a, portanto, a nossa relação com os outros e com o mundo. Cada acontecimento produzido televisivamente tem apenas a aspiração a durar o tempo exacto da sua fruição sensitiva, sem criar nenhum lastro de memória ou de referência, susceptível de complexificar e intensificar o mundo, já que essa complexificação e intensificação da memória poderiam ocupar o espaço que sucessivas fruições sensitivas vão ocupar e desocupar. Assim, aquilo que aparentemente quer significar riqueza experiencial, quer dizer, a experiência de sucessivas fruições sensitivas, de facto quer dizer pobreza experiencial, aquilo a que mais comummente se chama pobreza espiritual. Assim, esta aceleração e multiplicação das fruições tem o efeito de insensibilizar verdadeiramente o homem, insensibilizá-lo à dor do outro, sobretudo se o outro está longe e não comunga da mesma histeria sensitiva. Por estas razões, o tempo longo e calmo da literatura, do cinema, do teatro, da cultura humanística em geral, com as suas recorrências, volutas, filigranas, pode ser um bom antídoto contra esse tempo acelerado e empobrecedor que nos é ministrado pela televisão. Penso estar agora em condições de poder sintetizar todo o meu argumentário: 1. Educar para a cidadania é educar para o exercício integral e imaginativo da liberdade. 2. Mas será o exercício integral e imaginativo da liberdade um valor nuclear das nossas comunidades? Não 159 2.1. Então, nós professores, nós a escola, encontramo-nos perante o dilema de devermos ensinar o exercício integral e imaginativo da liberdade, quando não é isso o que a sociedade deseja verdadeiramente. 2.2. Este dilema deriva de a escola estar afastada da sociedade, sendo mesmo vista por esta como um corpo estranho e anómalo. 3. O dilema só se poderá resolver, como aliás todos os dilemas, superando-o, quer dizer, anulando o hiato existente entre a escola e a sociedade. 3.1 Este hiato só se poderá anular no momento em que a escola se tornar ela própria uma construtora activa dos valores sociais, não se ficando apenas por uma função instrumental em relação à sociedade (operando como repetidora social) ou como sua vanguarda iluminadora. 4. E qual o método ou métodos adequados para vender, na escola, e para construir, na sociedade, esse valor, lembremo-lo, o valor do exercício integral e imaginativo da liberdade, presente na causa dos direitos do homem, quer dizer, nos valores básicos da Civilização Ocidental? 4.1. O método terá de ser o método do Romance, quer dizer, o de mostrar como o romance, a novela, a reportagem jornalística, a etnografia, podem reconfigurar o mundo de modo a fazer explodir as semelhanças entre a dor alheia e a nossa dor, ou a dor dos nossos mais próximos, esperando que isso nos leve à acção. 4.2. Para além de tudo, a método do Romance no ensino da cidadania, quer dizer, o método da aproximação emocional entre os homens, pode ajudar decisivamente os jovens a protegerem-se da aceleração e da construção de um tempo des-sensibilizador por via de uma televisão crescentemente empobrecedora das nossas experiências humanas. 160 Educação, territorialização e burocracia Joaquim Machado João Formosinho Universidade do Minho A emergência de políticas de territorialização educativa, ao mesmo tempo que realça a importância do local em educação e explica a mobilização dos autores locais em torno de ideologemas mais do âmbito da democracia participativa e da gestão centrada na escola e no território educativo (comunidade educativa, participação, projecto educativo, autonomia, parceria, rede educativa), dá conta de um movimento de redefinição do papel do Estado e de ressemantização das suas funções tradicionais no domínio educativo. Na verdade, a outorga de “autonomia” às escolas não redunda necessariamente em práticas de autonomia, em aprofundamento da democracia participativa e em exercício de cidadania, se, entretanto, por efeito mimético a escola reproduzir, no seu quotidiano, o modo de funcionamento que caracteriza o sistema centralizado burocrático. Para explicarmos a possibilidade de assimilação das lógicas territoriais pelas lógicas burocráticas, elucidamos o processo burocrático de decisão seja a nível centralizado seja a nível local. Começamos por distinguir e associar técnica e política no processo e nos níveis de decisão e realçar, para além da autoria política, uma autoria anónima que se actualiza na definição e concretização da pedagogia “oficial” (ou, pelo menos, “oficiosa”) do sistema escolar. De seguida, ilustramos como o modo burocrático de decisão se plasma na “pedagogia óptima” formulada a nível local pelos actores/autores locais em nome do princípio de uniformidade. 1. Política e técnica Tomemos a distinção que Conceição Ramos (1996:17) estabelece entre a decisão técnica e a decisão política: - a decisão técnica corresponde à escolha entre diferentes soluções que se podem formular para um problema bem definido, o que, numa situação ideal, se traduz na determinação da melhor entre todas as soluções possíveis; - a decisão política corresponde à análise de um problema, condicionando-o a determinados limites e princípios que restringem as soluções. Na realidade, o processo de decisão é bem mais complexo e resiste a esta distinção elementar. Com efeito: - a decisão técnica pressupõe a definição de variáveis e critérios de julgamento, em função dos quais se processa o cálculo que conduz à decisão e, por isso, essa definição e esse cálculo não evacuarão necessariamente a dimensão política; - a decisão política assenta também em critérios de natureza técnica para determinar os limites e princípios que restringem a decisão. A distinção entre decisão técnica e decisão política vem, pois, a ser mais operacional em decisões de curto prazo do que em decisões que prevêem o médio e o longo prazo, onde a dimensão política é mais evidente e vem a ser necessário ponderar soluções, definir critérios de apreciação, limitar o domínio a considerar, fixar os objectivos e clarificar as (co-)responsabilidades. Mas não deixa de ser importante sublinhar que, mesmo quando se concentram na mesma pessoa ou no mesmo órgão, “a decisão política diz que há lugar a cálculo e fornece-lhe as directrizes”, enquanto “a decisão técnica fornece os instrumentos de decisão, habilita o decisor à decisão” 161 (Ramos, 1996:17), num processo de justificação mútuo: se, por um lado, a decisão política justifica as decisões técnicas, por sua vez, estas tendem hoje a ser apresentadas como justificação de decisões políticas, sofisticando, assim, o esquema racional tradicional de funcionamento e explicação do processo de decisão na Administração da Educação. 2. Modelos de decisão A distinção entre decisão técnica e decisão política remete-nos para a problemática da decisão, no contexto das relações entre política e “técnica”, entendida por Jürgen Habermas como “a capacidade de disposição cientificamente racionalizada sobre processos objectivados” (Habermas, 1984:123). Na relação entre saber especializado e prática política, podemos considerar os modelos tecnocrático e pragmatista de decisão que, tal como o modelo decisionista, são abordados por este autor (1984:133-139): - no modelo tecnocrático de decisão, o parecer do especialista pretende-se “neutro” face aos políticos e, por isso, prevaleceria na prática política e sobre ele faria assentar uma pretensa política cientificada, tornando a vontade democrática supérflua numa administração tecnocrática da sociedade; - por sua vez, o modelo pragmatista de decisão valoriza os interesses sociais que actuam no progresso técnico e afirma uma inter-relação crítica, retendo a ideia de que os cientistas ”aconselham” as instâncias que tomam decisões e de que os políticos “recorrem” ao parecer dos cientistas, segundo as necessidades da prática, de forma que a comunicação entre especialistas e decisores políticos requer ligação com os interesses sociais e com as orientações de valores de um mundo social. É, pois, o modelo pragmatista de decisão que incorpora a participação dos actores sociais no processo de decisão, distanciando-se quer da “reserva” aos políticos da decisão (por meio de actos de vontade) sobre questões práticas não suficientemente legitimadas pela razão, como pretende o modelo decisionista, quer da prevalência do saber especializado sobre o poder político tomado como “executor de uma intelligentsia científica”, como pretende o modelo tecnocrático. 3. Níveis de decisão na Administração da Educação Aqui interessa-nos perspectivar a decisão do ponto de vista da acção política, sem, porém, aceitar acriticamente a visão cartesiana que faz da linearidade entre causa e efeito, da racionalidade entre fins e meios e da liberdade do decisor político os seus elementos fundamentais (Sfez, 1981). Assim, na Administração da Educação podemos considerar as grandes decisões ou decisões ditas estratégicas tomadas pelos decisores políticos, sujeitos ao julgamento da população (pelo menos) através do sufrágio eleitoral, e as decisões operacionais ou pequenas decisões tomadas pelos actores na base e entre estes dois níveis encontrar uma cadeia de decisões de gestão tomadas por chefias intermédias. A execução das políticas é uma função do aparelho administrativo estatal, com áreas de acção específicas mas por vezes de responsabilidades sobrepostas, que, ao produzir actos administrativos para implementar as políticas, também as podem alterar. Charles E. Lindblom nota “os vários modos como uma política ostensiva – sob a forma, digamos, de lei ou decreto –, é alterada de forma significativa nas mãos dos administradores” e apresenta uma série de situações em que “os administradores acabam por decidir as políticas efectivamente seguidas, escolhendo as actividades prioritárias, tendo em vista os recursos e pessoal disponível e a parte de cada programa que 162 deve receber ênfase especial” (1981:60). Estas situações verificam-se na determinação de muitos elementos da concepção de políticas apenas esboçadas, na precisão de aspectos menos claros ou não previstos, na determinação entre critérios divergentes de implementação. Mas também pelo desvio devido a incentivos pessoais que conflituam com o dever de obediência (fuga ao trabalho, contorno de um ou outro aspecto menos agradável da política a executar, gestão de carreira política pessoal, cedência a lobbies) ou devido à recepção de instruções conflituantes de fontes diversas. Charles E. Lindblom constata ainda que a execução das políticas também cria política, no sentido em que “a implementação das políticas anteriores constantemente orienta novas políticas” (1981:62). 4. Autoria das decisões na Administração da Educação Esta nossa consideração não visa estabelecer uma tipologia da decisão. Visa, antes, chamar à colação a possibilidade de identificação de um autor conhecido e, por isso, responsabilizável – o autor político das grandes decisões no domínio da educação – e afirmar o anonimato de uma pluralidade de actores cuja acção se consubstancia numa pedagogia “oficial” que não deixa de ser uma construção sócio-histórica, como também o é a escola, e que mobiliza o saber “técnico” adquirido pelos sistemas escolares e faz accionar a sua “identidade” construída como racionalidade legitimadora que desincentiva, nuns casos a formulação, noutros casos o sucesso de pedagogias alternativas, mesmo quando se apropria retoricamente de alguns dos seus contributos. Se o autor político se torna visível, quer no anúncio das grandes decisões, quer nos preâmbulos dos normativos que regulam a sua concretização, já o articulado destes reflecte toda uma gramática instalada, cujo autor se perde no anonimato histórico e social, mas que ocupa, quer o topo, quer a base, quer o aparelho administrativo das várias instâncias educativas: a nível central, “regional”, local ou institucional. É o nosso autor anónimo que não assina os normativos ou que, quando deixa o seu nome inscrito em micronormativos, não chama a si a autoria da gramática em que se move, que convoca, reproduz e revitaliza. É este autor anónimo que tem por morada uma infinidade de actores sociais quem tem contribuído para a construção, a consolidação e o (in)êxito de uma pedagogia burocrática. Por um lado, o autor anónimo apropria-se do saber construído pelos autores/actores da história colectiva, num processo de “anonimização” similar ao da paráfrase escolar que, ao mesmo tempo que evita o plágio que o denunciaria, “desencarna” e des-historiciza as ideias e se autoriza como autor anónimo. Por outro lado, o autor anónimo “ganha corpo” numa pluralidade de actores/autores sociais – o político-anónimo, o funcionário-dirigente-anónimo, o funcionárioprofessor-anónimo, actor/autor-local-anónimo – que, tendo interiorizado esse saber, o “materializam”, legitimam e autorizam e, por isso, lhe dão poder. O pensamento desse autor anónimo torna-se, pois, estruturante do pensamento dos actores/autores sociais e dá conta de uma racionalização da vida social e de uma racionalidade que Max Weber teorizou como burocrática, enquanto tipo ideal e cujo processo de decisão convém explicitar. 5. O processo burocrático de decisão A acção burocrática caracteriza-se principalmente pela impessoalidade, a uniformidade, a formalidade e a rigidez. A acção da decisão burocrática operacionaliza-se através da pré-categorização das situações possíveis que ocorrem na vida das escolas e da pré-decisão dessas situações. É esta 163 pré-decisão, baseada numa pré-categorização, que, dando as mesmas soluções para todas as situações, garante a uniformidade dos processos decisórios em todo o território. Ela garante, de igual modo, a impessoalidade da decisão, na medida em que a pré-categorização dificulta a consideração, na tomada de decisão, dos factores pessoais, de amizade, políticos e outros. Duas razões explicam a separação das pessoas que tomam as decisões dos locais, onde elas são aplicadas (Formosinho, 1999:17): 1-a necessidade de uniformidade que obriga que as decisões sejam tomadas por quem as possa impor a todas as pessoas e escolas na mesma situação, o que forçosamente implica que sejam tomadas no topo da organização; 2-o respeito integral pela impessoalidade das decisões, isto é, a não influência das decisões do conhecimento pessoal das pessoas a quem elas dizem respeito implica que todas as decisões que não possam ser pré-feitas através de regras gerais sejam tomadas por quem esteja protegido das diversas pressões das pessoas que sejam afectadas por elas (Crozier, 1963:65). A pré-categorização é feita, tanto através dos grandes normativos (nos decretos-leis), como através dos micro-normativos (despachos normativos, despachos ou circulares), que, de um modo geral, introduzem sub-pré-categorias em categorias já previamente definidas em documentos legislativos de maior importância. É evidente que um dos objectivos e uma das consequências deste modelo é diminuir bastante a margem de poder discricionário das escolas e dos professores, visto que a sua acção só pode ser accionada, dentro dos limites dessas pré-categorizações ou, na versão adaptativa do modelo nas escolas, manipulando estas categorizações através de combinações de categorizações, diferenciação do grau de rigor de implementação, exploração de conflitos entre categorizações, etc. Baseando-se na impessoalidade, na abstracção, na uniformidade e na distância entre quem decide e aqueles que são interessados na decisão, o sistema burocrático centralizado é intrinsecamente inadequado à gestão escolar pedagógica, onde a relação é pessoal, entre pessoas concretas e diferentes, tal como são diferentes os contextos em que elas ocorrem (Formosinho, 1999:18). 6. Territorialização das políticas educativas e inovação burocrática O questionamento da centralização e a emergência do local conduziram a políticas de territorialização da acção educativa. Assim, por exemplo, com a criação de Agrupamentos de Escolas pretende-se “favorecer decisivamente a dimensão local das políticas educativas e a partilha de responsabilidades”, em consequência do “reconhecimento de que, mediante certas condições, as escolas podem gerir melhor os recursos educativos de forma mais consistente com o seu projecto educativo”, como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio. Com este “regime de autonomia, administração e gestão”, pretende-se que os diferentes estabelecimentos de educação pré-escolar e de um ou mais níveis e ciclos de ensino constituam, “a partir de um projecto comum”, uma “unidade organizacional, dotada de órgãos próprios de administração ou gestão” com vista à realização de uma série de finalidades, nomeadamente: “favorecer um percurso sequencial e articulado dos alunos abrangidos pela escolaridade obrigatória numa dada área geográfica” e “reforçar a capacidade pedagógica dos estabelecimentos que o integram e o aproveitamento racional dos recursos” (artº 5º, als a) e c)). A constituição “em concreto” dos Agrupamentos de Escolas mobilizou esta retórica de “promoção” do local, acompanhada por práticas de intervenção burocrática nos processos de elaboração dos regulamentos internos das escolas e dos seus projectos educativos, enquanto “instrumentos 164 do [seu] processo de autonomia” (artº 3º, nº 2). Ao mesmo tempo que se incentiva à participação dos actores locais e à autonomia da escola, essas práticas “revitalizam” a dependência desta, reforçam a uniformidade de processos e o controlo burocrático e legitimam a intervenção do centralismo através dos seus órgãos desconcentrados. A “autonomia” das escolas surge, assim, como uma inovação pelo modo burocrático, isto é, concebia no topo da máquina administrativa, conduzida de cima para baixo e de aplicação universal de modo uniformizador em todas as escolas. Deste modo, “a inovação que é um acto que ocorre nas escolas é diluída num acto que ocorre nas secretarias dos departamentos centrais; a inovação que por natureza é lenta, ou, pelo menos, leva certo tempo a introduzir, é transferida para um acto por natureza rápido e instantâneo” (Formosinho, 1999:19). Esta marcação da agenda educativa local pelo sistema centralizado e a lógica normativista e gerencialista que caracteriza a criação e o funcionamento dos agrupamentos de escolas levou, mais que à potenciação dos projectos existentes, à emergência de novos projectos e à criação de consensos locais a partir dos projectos existentes, à formulação de um projecto “único” para toda a área geográfica do agrupamento e para os estabelecimentos de educação pré-escolar e ensino básico que o integram. A preocupação com a “identidade própria”, mais que com a “salvaguarda” da já existente e do seu aprofundamento, tem-se traduzido na uniformização de processos e das orientações pedagógicas: os mesmos manuais, os mesmos projectos (educativo e curricular), as mesmas actividades, as mesmas planificações (Ferreira, 2005:302). 7. Autonomia das escolas e lógicas burocráticas de decisão local A lógica de territorialização da acção educativa é facilmente absorvida pela lógica burocrática e pode induzir os actores escolares locais a manter a lógica de controlo burocrático, considerando o território mais como local delimitador da aplicação das normas emanadas de novos locus de produção normativa – o agrupamento, a escola – do que como um conjunto de dinâmicas e potencialidades fecundadoras do desenvolvimento da escola. Assim, a um normativismo centralista (que diminui, mas se mantém) acresce um neonormativismo de produção local, procurando elevar procedimentos locais ao estatuto de normas. Se o poder, na burocracia, é sempre um poder normativo, num contexto de administração pública que se mantém fortemente burocrático, uma asserção burocrática da nova autonomia da escola tem necessariamente uma expressão normativa. Essa expressão favorece uma dinâmica territorial burocrática. Trata-se, neste caso, de uma re-semantização do conceito de territorialização, na qual o território local perde a definição de potencial comunitário e se transfigura num actual administrativo, perde a fronteira social e continua fixado na fronteira física. O neo-normativismo dos novos locus de produção normativa baseia-se sempre na necessidade de manter a uniformidade de práticas, inerentes a um sistema formatado burocraticamente. O conceito de uniformidade considera intolerável que, para os mesmos problemas básicos, as escolas, as turmas, os professores adoptem soluções diferentes, pressupondo que há sempre uma melhor maneira de fazer as coisas (one best way), uma pedagogia óptima válida independentemente das pessoas, das condições locais e das circunstâncias. Se há uma pedagogia óptima, é dever da governação da escola criar os instrumentos normativos para implementar essa pedagogia óptima. Na verdade, os princípios e processos de uma pedagogia centrada no ensino são congruentes com os princípios fundamentais da burocracia – centralização, uniformidade, impessoalidade –, com o processo de construção das normas burocráticas – categorização, pré-decisão, normativização – com a avaliação burocrática do desempenho – reprodução, avaliação da conformidade. Porém, se 165 a lógica burocrática territorial, imposta pela produção normativa local da própria escola ou agrupamento, prevalecer na construção da autonomia, será um obstáculo a uma dinâmica pedagógica favorecedora da diversidade (Formosinho, 2005:316-318). Bibliografia Barroso, João (1993). Escolas, Projectos, Redes e Territórios: educação de todos, para todos e com todos. Lisboa: Ministério da Educação, Cadernos PEPT, nº 16 Crozier, Michel (1963). Le Phénomène Burocratique. Paris: Éditions du Seuil Ferreira, Fernando Ilídio (2005). Os agrupamentos de escolas: lógicas burocráticas e lógicas de mediação. In J. Formosinho, A. S. Fernandes, J. Machado & F. I. Ferreira, Administração da Educação. Lógicas burocráticas e lógicas de mediação. Porto: Edições ASA, pp. 265 – 306 Formosinho, João, (1989). De serviço de Estado a Comunidade Educativa: Uma nova concepção para a escola portuguesa, Revista Portuguesa de Educação, 2 (1). Braga: Universidade do Minho, 53 – 86 Formosinho, João, (1992). O dilema organizacional da escola de massas, Revista Portuguesa de Educação, 5 (3). Braga: Universidade do Minho, 23 – 48 Formosinho, João (1999). A renovação pedagógica numa administração burocrática centralizada, in J. Formosinho et al. Comunidades Educativas: Novos Desafios à Educação Básica. Braga: Livraria Minho Formosinho, João (2000). A escola das pessoas para as pessoas – Para um manifesto antiburocrático. In J. Formosinho, F. I. Ferreira e J. Machado. Políticas Educativas e Autonomia das Escolas. Porto: Edições ASA, pp. 147 – 159 Formosinho, João (2005). A construção da autonomia das escolas: lógicas territoriais e lógicas afinitárias. In J. Formosinho, A. S. Fernandes, J. Machado & F. I. Ferreira, Administração da Educação. Lógicas burocráticas e lógicas de mediação. Porto: Edições ASA, pp. 307 – 319 Formosinho, João, Ferreira, Fernando Ilídio e Machado, Joaquim (2000). Políticas Educativas e Autonomia das Escolas. Porto: Edições ASA Formosinho, João & Machado, Joaquim (2005). Anónimo do Século XX: a construção da pedagogia burocrática. Braga Universidade do Minho (policopiado) Gouldner, Alvin W. (1971). Conflitos na Teoria de Weber, in, Edmundo Campos (org.). Sociologia da Burocracia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, pp.59-67 Habermas, Jürgen (1984). Ciencia y Tecnica como “Ideologia”. Madrid: Editorial Tecnos Lindblom, Charles E. (1981). O Processo de Decisão Política. Brasília. Editora Universidade de Brasília Ramos, Maria da Conceição Castro (1996). O Estatuto da Carreira Docente. Decisão negociada ou discutida?. Porto: Edições ASA 166 O Projecto Curricular de Turma e a Diversidade Cultural – uma simbiose de estudos Isabel Carvalho Viana [email protected] Sílvia Castro Cardoso [email protected] Resumo Esta reflexão enquadra-se em dois Projectos de investigação para provas de doutoramento, um centra-se nas questões do Projecto Curricular de Turma e, outro, nas do Multiculturalismo, e pretende discutir a problemática da diversidade cultural no processo de organização das aprendizagens dos alunos/professores. Trata-se de uma reflexão sobre o desafio que o Projecto Curricular de Turma constitui enquanto potenciador da organização daquele processo, numa lógica de integração significativa para os grupos que serve. Neste sentido, pretendemos evidenciar o Projecto Curricular de Turma como organizador/consciencializador de potencialidades e constrangimentos desencadeados pela mudança das práticas que a reorganização Curricular do Ensino Básico implica e apresentar a diversidade cultural como recurso patrimonial (conhecimento da diversidade, consciencializar a diversidade como uma mais valia a explorar) para os alunos/professores/escola/comunidade. Introdução À medida que os Governos se sucedem, é comum ouvi-los dizer(acusar) que o antecessor conduziu o país de forma a sujeitar a educação a um crescente estatismo, constituindo-se, o inverter a situação, intenção essencial, onde a intervenção do Estado terá como orientação, entre outras, apoiar uma Educação assente no desenvolvimento da responsabilidade, onde cada agente assume o papel que lhe é devido no desenvolvimento da sua actividade e na afirmação da cidadania; uma Educação com abertura ao mundo, preparando para os desafios da globalização, mas, para além da orientação de cosmética, onde se situa a responsabilidade e como se entendem os desafios da globalização? Entendendo tratar-se de desafios bastante inquietantes nas sociedades de todo o sempre, parece-nos oportuno registar a questão que Bhikhu Parekh3 (2005:24-25) coloca: Como criar um sentimento de pertença colectiva numa sociedade multicultural? A diversidade cultural é uma marca da vida moderna, marca essa patenteada por múltiplas questões que a imigração, a etnia, a religião, etc. suscitam e inquietam ocupando espaço de discussão complexo nas agendas dos Governos de diferentes países. Sabemos que, ao longo dos tempos, a escola andou desajustada da sociedade e também sabemos que isto incomoda , cada vez mais, todos ou, pelo menos, parece incomodar, residindo aqui um mal social da época moderna, isto é, parecer em detrimento do ser. Retomando de novo a ideia inicial, diríamos que pretendem levar-nos a acreditar que o problema reside na massificação da sociedade e, como não poderia deixar de ser, da escola. Será que antes tínhamos sociedades homogéneas? E para não as descaracterizar organizava-se o ensino para perpetuar a homogeneidade? Qual a noção de cidadão e de cidadã que tal visão compreende? Poderemos entender que antes a escola se preocupava em formar elites e que estas eram uniformes, entendiam as coisas da mesma maneira, como se de uma única pessoa se tratasse! Tratava-se de uma confiança cega, de um acreditar único, em prol de 3 Segundo o Courrier Internacional, Edição Portuguesa, n.º31 – 4 a 10 Novembro de 2005, pp.2425, Bhikhu Parekh é Filósofo indiano residente no Reino Unido, professor na London School of Economics e membro da Câmara dos Lordes. Especialista em sociedades multiculturais, é autor de ‘Rethinking multiculturalism: cultural diversity and political theory’ [Repensar o multiculturalismo: diversidade cultural e teoria política], Harvard University Press, 2000’ 167 um bem sem rosto, mas muito tilintante, ou seja, o dinheiro. Sempre o dinheiro, os benefícios fiscais e económicos, as máquinas e os choques tecnológicos e, no meio deste turbilhão de interesses e poderes, como ficam as Pessoas e os seus Projectos de Vida? O enquadramento que a Lei de Bases do Sistema Educativo e demais normativos sugerem, instituem a escolaridade básica obrigatória de nove anos e comprometem/responsibilizam o Estado a assegurar os meios e as oportunidades de sucesso escolar a todos os cidadãos. Deste modo, procura-se institucionalizar a democratização do ensino básico, sob princípios de universalidade, gratuitidade e obrigatoriedade. Mas se, por um lado, as condições de acesso ao sistema educativo ficam garantidas por estas leis, no que se refere ao acesso e ao sucesso educativo, apesar do alargamento da oferta de formação básica, parece não ter semelhante desfecho. Isto porque, sobre a estrutura curricular da escolaridade obrigatória, pode dizer-se: “Que se poderá discutir se a escolaridade obrigatória, comum e homogénea, deve ou não reconhecer a diversidade curricular, com a existência de diferentes planos curriculares e de conteúdos programáticos adaptados às necessidades e capacidades dos alunos” pois, “ainda que se salvaguarde a existência de conteúdos flexíveis integrando componentes com ‘características de índole regional e local, justificadas nomeadamente pelas condições socioeconómicas e pelas necessidades em pessoal qualificado’ (LBSE, art. 47), o certo é que a estrutura curricular continua a obedecer a uma lógica de uniformização” (Pacheco (2001:157-158). Contrariamente, atendendo a situações tais como aquelas que reflectem o multiculturalismo, o ensino e a educação, deveriam ser estipulados por normativos comprometidos com a diversidade presente na sociedade portuguesa. Mesmo reconhecendo significativos esforços para a modificação dos ensinos e da melhoria da sua qualidade, fundamentalmente a nível pedagógico, na generalidade, não se constataram grandes mudanças como seriam de esperar, estando, actualmente, perante uma situação, onde se agudiza a crise do ensino. Nota-se que as mudanças efectivas ficaram aquém de responder às necessidades económicas e sociais, onde são visíveis as dificuldades de enquadramento e adequação de uma mão-de-obra ajustada ao mundo do trabalho e a insatisfação do ideal democrático da criação de uma sociedade mais justa e igualitária em resposta às preocupações de justiça social, igualdade de oportunidades e de eficácia e de garantia de condições necessárias para o exercício da cidadania. A situação parece decorrer da conexão da reforma educativa a interesses ideológicos. A este propósito, Gimeno (1988) reconhece fragilidades decorrentes da anexação de reformas educativas a certos projectos políticos. Referindo-se aos resultados reais da sua implementação, afirma que poucas são as que têm deixado algum marco importante e que, na sua maioria, constituem meras retóricas geradoras de grandes indefinições. Apesar de algum desencanto, as tendências na educação portuguesa dos anos oitenta colocam o país no panorama contemporâneo. É nesta década que historicamente se verifica um surto de projectos de reforma de sistemas educativos a nível mundial, constituindo claras tentativas de fazer do ensino um instrumento mais consentâneo com as exigências e dinâmicas da globalização. A partir dos anos noventa, final do século, esta tendência vem crescendo com uma nova roupagem que passa pelo entendimento da reforma educativa como um processo contínuo e inacabado, cuja orientação actual versa sobre a valorização de opções que se baseiam em modelos de 168 gestão mais centrados na escola, enquanto contexto de realização do currículo, querendo com isso facilitar a melhoria do sistema educativo e o alcance do sucesso como direito universal, apostando na participação efectiva da comunidade educativa no processo. Este novo momento é proporcionado por novas alterações no quadro normativo, no sentido de reforçar o papel da escola no meio social em que se insere, reconhece-lhe o papel decisivo que assume nas sociedades modernas, enquanto elemento de absorção das tendências e de reacção aos estímulos tecnológicos, socio-políticos, económicos e culturais. Assim se justifica a multiplicação de reflexões acerca de questões de natureza sócio-educativa nos mais variados domínios; a necessidade e o interesse em teorizar as práticas; a proliferação de projectos de investigação sobre as reformas educativas e sobre a sociologia da educação, entre outros. Essa nova postura, assumida pelos actores educativos, evidencia uma inquietação e um certo mal-estar imposto pelo carácter “ top down” das mudanças que se procuraram efectivar, formatadas num modelo tradicionalmente centralista. Referindo-se, de forma avaliativa, à reforma portuguesa dos anos oitenta, Pacheco (1996) diz não ter produzido mudanças positivas ao nível da mentalidade e da motivação dos professores e da prática docente, da aprendizagem e motivação dos alunos, da participação dos encarregados da educação na escola e da relação escola/meio. Neste sentido, parece-nos que as insuficiências das propostas e dos processos, na reforma portuguesa, revelam fortes incidências sobre a necessidade de inovação que passam por uma integração permanente dos múltiplos contextos, onde é imprescindível a integração das necessidades reais de inovação em harmonia com os pressupostos curriculares, agentes e comunidade educativa e a assunção da autonomia da Escola. Para tal, impõem-se mudanças profundas não só em relação aos currículos, mas também à reconceptualização da avaliação, sugerindo modificação das práticas. Com tais alterações pretende-se uma redefinição dos papéis dos actores sociais, que gravitam à volta da escola valorizando a sua importância na procura de sucesso educativo, na expectativa de conceber projectos educativos e curriculares que privilegiem a preparação e integração do aluno na vida adulta e activa e cidadã. O que se pretende é a reorientação do ensino, no sentido de proporcionar a formação do professor/aluno/família em toda a dimensão pessoal, social e vocacional, contribuindo para a preparação de indivíduos engajados nos próprios Projectos de Vida, nos processos de desenvolvimento da condição humana e na preservação e desenvolvimento ambiental e, do ponto de vista estrutural, a integração e a responsabilização progressivas dos contextos e dos diferentes actores, com relação directa e indirecta, com/nos sistemas educativos. Com intenção de centrar a nossa atenção na mudança educativa, que visa melhorar a qualidade da educação/formação proporcionada pela escola e atribuir papel de destaque aos professores, apresentamos O Projecto Curricular de Turma e a Diversidade Cultural – uma simbiose de estudos, onde a discussão em torno da problemática sobre a diversidade cultural no processo de organização/desenvolvimento do currículo assume particular destaque. Através de uma breve clarificação de conceitos, discute-se a aproximação entre multiculturalismo e insucesso escolar; e, sublinhando a intercepção do direito com o dever, colocamos em debate Escola, multiculturalismo e insucesso escolar; seguidamente, por entendimento daquilo que constitui o Projecto Curricular de Turma, problematiza-se uma prática educativa por Projecto na dinâmica do desenvolvimento curricular, onde se assume aquele como potenciador de uma concepção de educação democrática/plural; por último, apresenta-se um comentário final em jeito de debate/reflexão. 169 Multiculturalismo e insucesso escolar Uma correlação entre o multiculturalismo e o insucesso escolar exige uma prévia clarificação de conceitos e a sua posterior aproximação. Grosso modo, o multiculturalismo poderá ser entendido como uma coexistência de culturas num determinado espaço geográfico. Para melhor explicar o multiculturalismo, McLaren (1995:51) identifica e sistematiza as tendências actuais deste fenómeno, através da desconstrução de discursos e de intenções ocultadas por opções educativas que revelam diferentes tipos de multiculturalismo. Pelo que define o multiculturalismo conservador como sendo aquele cujas bases assentam numa noção negativa de liberdade e interpreta a diferença como sendo defeito, o que, em termos escolares, pretende assimilar os estudantes numa ordem social injusta; o liberal como aquele que defende a existência de uma igualdade natural entre as populações sociais e étnicas, justificando, desse modo, a apresentação de um currículo uniforme para a garantia da igualdade de oportunidades a todos os alunos; o da esquerda liberal como aquele que enfatiza as diferenças culturais e sugere que a pressão existente para a igualdade entre as raças esconde diferenças culturais importantes, responsáveis pela diferenciação comportamental. A diferença aparece aqui justificada como sendo algo socialmente construído. Dessa caracterização torna-se patente que tais concepções de multiculturalismo, de modo algum, proporcionarão a necessária democratização do ensino e da educação, antes mitigam o fenómeno e reforçam a hierarquização cultural das sociedades, pondo em evidência as desigualdades e os comportamentos discriminatórias em contextos escolares, conducentes à reprodução das desigualdades sociais existentes. Com o sentido de contrariar estas configurações do multiculturalismo, Golberg (1995:29) alega o multiculturalismo de resistência crítica como instrumento de resistência à hegemonia cultural e ao monoculturalismo, podendo constituir-se num meio de promoção de sociedades mais justas e igualitárias, consequentemente mais democráticas e inclusivas. A universalização e o alargamento da escolaridade básica obrigatória tiveram como resposta imediata a massificação da educação escolarizada. A escola é hoje um espaço partilhado por indivíduos que foram sujeitos a processos de socialização familiar e comunitários diferenciados. Isso determina que a população escolar apresente diferentes capitais económicos, sociais, culturais e simbólicos (Bourdieu & Passeron, 1977). A socialização, enquanto processo de transformação do ser biológico num ser cultural, é sustentada por um processo de controlo que ateia na criança uma consciência moral, cognitiva e afectiva, com forma e conteúdo específico (Bernstein, 1974:174); implica que, indivíduos de diferentes classes sociais, raças, etnias, religiões e regiões estejam sujeitos a processos de socialização diversos, diferenciados dos pontos de vista sensorial, emocional e físico, condicionados a valores, atitudes e práticas sociais comunitariamente valorizadas. Sabemos que as práticas educativas pouca ou nenhuma atenção têm prestado a estas condicionantes do sucesso educativo. Isto porque, apesar das orientações legais no sentido da democratização da educação escolarizada, continua-se, no nosso sistema educativo, a desenvolver estratégias de ensino e situações de aprendizagem modeladas por um ensino culturalmente monorreferencializado. Daí que, admitindo a ocorrência do multiculturalismo do tipo liberal, neste sistema educativo, explicado pelo neoliberalismo vigente e que reverte a favor de um processo de normalização das diferenças que caracterizam os indivíduos que compõem a nossa sociedade pela estratégia do assimilacionismo (particularmente o ser culturalmente diferente e pertencer a uma 170 minoria étnica) parece reflectir-se de forma negativa nos resultados académicos, pessoais e da escola, constituindo-se num meio de promoção do insucesso educativo, onde o Projecto de Formação/Vida dos Sujeitos fica vergonhosamente comprometido. Escola, multiculturalismo e insucesso escolar Partamos do pressuposto legal4 de que à escola compete, acima de tudo, contribuir para a formação integral do cidadão, para que, independentemente da sua condição social ou existência cultural, possa desenvolver mecanismos que lhe permitam viver em harmonia com a sociedade em que se encontra inserido, logo, com quem se vê envolvido por laços de pertença e de cidadania responsável, o que lhe permitiria desenvolver uma cidadania democrática na intercepção do direito com o dever de conhecer e intervir no real. Tal determinação implica o repensar de uma escola transmissora, quiçá com o sentido de reinventá-la com propósitos mais consentâneos com os irreversíveis desafios da globalização. Isto porque na actualidade se espera que a escola em comunhão com outras instituições, particularmente a família, formem o cidadão em toda a sua dimensão e o ajude a transformar-se num elemento activo e engajado num desenvolvimento que se deseja sustentável e transnacional. Nesta perspectiva, a oferta da escola deve integrar propostas que possam contribuir, por um lado, para desmistificar os preconceitos de natureza sócio-económica e, por outro, para valorizar as diferenças de modo a que estas, contrariando as práticas existentes, se imponham como uma mais valia para as diferentes comunidades culturais e sentimentais. Assim, no encalço de uma educação verdadeiramente democrática, interessa incrementar a realização da escola sob pressupostos que admitam trabalhar com as diferenças e não trabalhar as diferenças, o que implica assumir a diferença sem tabus, sem categorizações pejorativas; reconhecer diferenças existentes na nossa sociedade, por inerência na nossa escola, sem as mitigar; acautelar que o conhecimento de si mesmo ou a clarificação e a valorização da identidade de si e para si só é praticável se se conhecer o(s) outro(s) diferente(s), se for criado espaço para o diálogo entre culturas, onde a integração e valorização das susceptibilidades sociais impõem o recurso a dispositivos de realização das propostas de formação, entre os quais os Projectos e, em particular, os de Turma podem constituir-se em potenciadores de uma concepção de educação democrática. O Projecto Curricular de Turma como potenciador de uma concepção de educação democrática/plural Os cenários em que nos movimentamos suscitam mudanças que, quando compreendidas, devolvem aos sujeitos a capacidade de reflexão e de decisão sobre as questões educativas, constituindo um passo necessário para a emancipação dos sujeitos, para a afirmação da sua profissionalidade, para a democratização das decisões tomadas central e localmente, contribuindo para criar um compromisso com a educação, onde, no sentido de Bolívar (2003), as mudanças poderão tornar-se parte activa das escolas e promover melhorias se colocarem os professores no papel de agentes de desenvolvimento curricular. Sabemos que a responsabilidade da organização e orientação do processo de ensino/aprendizagem recai sobre os profissionais que trabalham com diferentes grupos de alunos, durante determinado período de tempo, onde o Projecto Curricular de Turma assume um papel 4 Interpretação à Lei 43/86: Lei de Bases do sistema educativo (LBSE). 171 de destaque na gestão do currículo. Pois é no plano da turma que as experiências de aprendizagem, proporcionadas aos alunos, poderão assumir coerência/relevância e que a articulação/integração das diferentes áreas do currículo poderá acontecer. Com base neste entendimento e tendo em conta a importância que o Projecto Curricular de Turma assume como articulador das decisões dos professores, para dar consistência e coerência ao currículo, pensamos ser importante valorizar as experiências dos indivíduos, desenvolvendo uma reflexão a par e passo sobre a acção, da qual resulta uma flexibilidade para articular/relacionar o passado, presente e futuro, possibilitadora, como assinala Alonso (1999: 440), de uma construção reflexiva/crítica do conhecimento, por parte dos aprendentes e requer dos professores (...) atitudes de investigação-acção colaborativa no seu próprio processo reflexivo de construção do conhecimento profissional. Entendemos que o trabalho por projecto, enquanto meio pedagógico, reconstrói o saber a partir do problema identificado. Parte de um marco de definições básicas que permitem elaborações particularizadas à medida que se realiza em contextos educativos concretos, levado, de alguma forma, pela necessidade que o processo de concretização coloca a todos aqueles que têm a responsabilidade na decisão e na realização do projecto, solicitando uma participação activa, que converte o processo de desenvolvimento do currículo num marco estimulante de energias criadoras e no compromisso dos professores/alunos/famílias na dinâmica do seu desenvolvimento. Partindo de um entendimento de currículo como uma realidade escolar que nos ajuda a representar experiências educativas formais e informais, reconhece-se que a escola, ao ser pensada para uma resposta local, precisa de ter o seu Projecto (sabendo que este corre o risco de se descaracterizar se for, apenas, instituído por decreto, sem a implicação de todos), precisa de construir a sua própria história, a sua identidade, para o que importa: identificar-se como escola; saber o que pretende como escola e organizar-se para consegui-lo. Ao posicionarmo-nos desta forma, pensamos dar cumprimento ao currículo entendido como dinâmico, onde a cumplicidade e invenção assume maior significado e, se enquadrado por uma perspectiva construtivista/crítica, ganha destaque, na medida em que acentua a natureza problemática, complexa e situacional das decisões e práticas em educação, atribui a professores/alunos/famílias um papel especial. Os professores deixam de ser meros técnicos-executores do currículo, mais ou menos hábeis e passam a deliberadores/construtores/críticos do mesmo, a mediadores reflexivos entre o Projecto Global e as práticas curriculares em contextos diferenciados, de forma a articular o trabalho educativo, envolvendo os diferentes intervenientes na acção educativa (alunos, pais, professores, meio e outros parceiros sociais). As escolas, como sugerem Luísa Alonso et al. (1987), precisam recriar/reelaborar uma determinada Proposta Curricular Base de forma a que traduza o resultado das reflexões/decisões assumidas no grupo, no âmbito do Projecto Educativo, relativamente ao: - Porquê? (Que argumentos/decisões justificam as opções assumidas); - Para quê? (Que prioridades educativas deverão orientar o processo de ensino/aprendizagem); - O quê? (Que conteúdos/temas curriculares, que competências interessa trabalhar numa dada situação); - Como? (Que estratégias metodológicas devem ser mobilizadas); - Com quê? (Que recursos, que meios para mexer na realidade, qual a importância da elaboração de materiais relevantes); - Onde? (A questão do contexto, onde o processo ensino/aprendizagem se vai realizar, que espaço, que clima, com que condições); 172 - Quando? (Relacionar as actividades, a questão do tempo, a coerência/continuidade/articulação); - Como e quando avaliar? (Que modalidades/procedimentos podem e/ou devem ser utilizados, em que momentos e circunstâncias). Segundo os autores, o que poderá determinar a qualidade de um currículo, a sua potencialidade para promover a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos, dos professores e das famílias, é o papel destes na sua elaboração e no seu desenvolvimento, comprometendo-os de forma activa na sua transformação e melhoria. Isto pressupõe uma mudança do papel do professor, das suas competências básicas e das linhas orientadoras da sua formação profissional, formação essa que deve prepará-lo, fundamentalmente, para se envolver na sua prática, num projecto de investigação e desenvolvimento do currículo, através de um processo contínuo de acção/reflexão/acção, que gostaríamos de ver não minimizado em “lugar-comum”, onde todos parecem dar conta das solicitações, antes como ser processo contínuo de acção/reflexão/acção capaz de produzir formação nos participantes. Tal cenário requer que se introduzam alterações na escola e na profissão de professor. Impõese uma reinvenção da escola e da profissão docente. Para o que, e no sentido de Perrenoud (1993), quando a qualificação dos professores é primordial, o modelo de formação de competências mínimas, aquele que teima em continuar a dar forma aos planos de formação inicial e contínua dos professores, já não é suficiente. Sabemos que o professor desenvolve a sua profissão entre imagens e definições contraditórias que, por um lado, a torna demasiado desconfortável e, por outro, será que o professor se sente preparado para ultrapassar tal desconforto? Sendo de sublinhar que, nos últimos tempos, as medidas emanadas da Administração Central, ou melhor, o forma que essas medidas assumem atentam de forma gravosa contra a dignidade e a identidade dos professores, onde a ambivalência já existente do sentido e entendimento do ser professor dá lugar ao vazio, à condição de turbilhão movediço sem nome, aliás condição muito comum nos dias que correm, ou que corremos sem inscrição em coisa alguma, onde, no sentido de José Gil (2005), se instala o medo de existir. A situação agrava-se, quando nos posicionamos num nível macro e observamos que o currículo proposto trata aluno e professor no singular, ou seja, dirige-se a um único tipo nas duas categorias. Ora, no espaço escola, temos que alunos e professores diferem entre si, tanto quanto uns e outros. Mas, ao olharmos para a panóplia de documentos oficiais, poder-se-ia dizer que nos orientam para um currículo aberto e flexível, susceptível de ser reconstruído e adequado aos diferentes contextos educativos, onde projectamos o desenvolvimento curricular como processo dinâmico de tomadas de decisão em que, no sentido de Luísa Alonso e G. Branco (1989), o professor se assume mediador entre a teoria e a prática, entre o currículo formal e a intervenção educativa nas escolas. No entanto, esta é uma concepção que requer que os professores adquiram conhecimentos, atitudes e competências que lhes possibilitem abordar o currículo numa perspectiva de investigação e de intervenção, tornando-os, em vez de utilizadores de materiais curriculares elaborados por outros, construtores do currículo. Tal postura assenta o profissionalismo docente numa concepção autónoma, de reflexão crítica nas e sobre as tomadas de decisão, que se desenvolve num ambiente de colaboração e participação, opondo-se ao individualismo alheado, característico dos modelos de racionalidade técnica que, no sentido de Carr e Kemmis (1988), quando o debate curricular se focaliza unicamente nas questões técnicas sobre a eficácia instrumental das diferentes técnicas pedagógi- 173 cas, confrontamo-nos com uma definição de currículo como sinónimo de programa que limita e bloqueia, no nosso entendimento, o desenvolvimento de uma Cultura de Projecto na escola. Defendemos uma prática educativa por projecto – na base da resolução de problemas – porque se assume em grupo, pressupondo a implicação e valorização de todos os intervenientes. Valoriza as suas experiências, as suas formações, os seus saberes, os seus ritmos. Permite estar em aprendizagem, construir, criar aprendizagem, construir conhecimento e permite lidar com a heterogeneidade (Viana, 2003). Proporciona-nos um ambiente de colaboração/participação que, como nos referem Fullan & Hargreaves (2001: 89), se exprime nos diferentes aspectos da vida da escola: (...) nos gestos, nas brincadeiras e nos olhares que sinalizam simpatia e compreensão; no trabalho árduo e no interesse pessoal, demonstrando nos corredores e fora das portas da sala de aula; nos aniversários e outras pequenas celebrações cerimoniais; na aceitação e mistura da vida pessoal com a profissional; na manifestação pública dos elogios, do reconhecimento e da gratidão e na partilha e discussão de ideias e de recursos. Nas culturas colaborativas, o insucesso e a incerteza não são protegidos e defendidos mas, antes, partilhados e discutidos, tendo em vista obter ajuda e apoio. (...). As escolas caracterizadas por culturas colaborativas são, também, locais de trabalho árduo, empenhamento forte e comum, dedicação, responsabilidade colectiva e um sentimento especial de orgulho na instituição Com base neste entendimento, diríamos ser importante que os professores tenham condições, que se invista nos professores para que estes possam investir no seu profissionalismo, proporcionando-lhes tornarem-se melhores profissionais. E entendemos que se torna tanto mais importante quanto mais consciencializarmos, como referem Candeias & Viana (2004: 78), que: (...), actualmente os professores encontram nos seus contextos escolares um conjunto de indefinições e de incompreensões de ordem conceptual, organizacional, metodológica e pedagógica. A necessidade de gerirem um sem número de orientações curriculares obriga a um conhecimento profundo dos quadros conceptuais que implicam e da reestruturação das práticas profissionais em todas as dimensões da escola, desde a sua organização, selecção e conquista de parcerias até à acção junto dos alunos. O papel da escola, do professor, do aluno e da família tem de ser profundamente compreendido para que se criem condições para que cada um assuma conscientemente e com qualidade as suas responsabilidades Pensamos ser consensual que o profundamente compreendido terá maior possibilidade de acontecer em espaços de exercício da autonomia. No entanto, e segundo Freitas (1996: 99), em Portugal vive-se uma situação curiosa: Vive-se assim em Portugal uma situação que não deixa de ser curiosa. Por um lado, os professores apreciam a autonomia; por outro, não aproveitam aquela que lhes é concedida. A autonomia assume um carácter relativo, pois, sujeita a um poder dominante dotado de mecanismos que fazem sentir o seu poder de constranger, de subtilezas para atingir objectivos económicos e políticos que tornam a Escola num instrumento de resistência involuntária à mudança. Pois, a mudança a que estão sujeitos é de difícil apropriação por parte dos professores, que sabemos colocados à margem do processo de reforma, fora da intervenção participada, onde apenas são chamados a executar e responsabilizados pelo que corre mal, antes de qualquer acção, estão votados ao insucesso, que se insurge como o maior poder de constranger. 174 Na perspectiva de José A. Pacheco (1995: 45), a autonomia curricular deve entender-se ao nível de uma tripla autonomia: (...) que é regulada pelo contexto político/administrativo, contextualizada pela escola, com a intervenção de diversos intervenientes, e concretizada pelo professor. E por mais centralização que exista no plano da prescrição curricular, decerto que o professor é o detentor, pela natureza do acto de ensino/aprendizagem, de uma vincada autonomia – sobretudo na interpretação dos elementos substantivos do currículo (objectivos, conteúdos, actividades, recursos/materiais e avaliação) – que torna inoperante e inconsequente qualquer discurso de legitimação normativa e burocrática do currículo pela Administração Central No que respeita à gestão pedagógica dos curricula, a autonomia dos professores terá de ser alicerçada numa formação mais ampla, possibilitadora da construção da autonomia para que, como refere Freitas(1996), as escolas possam introduzir, nos seus projectos, componentes locais e possam consciencializar as situações em que se encontram. Ora, para uma démarche de projecto, diz-nos Barbier (1993), é necessário os indivíduos possuírem o mais elevado grau de consciência das situações em que se encontram, sendo, para tal, necessário formar professores pela autonomia, pela democracia, pela participação efectiva na cidadania. Gostaríamos ainda de sublinhar que entendemos o bom professor como aquele que acha que é capaz de fazer melhor, como aquele que se posiciona como aprendente ao longo da vida. E ser aprendente ao longo da vida implica saber dizer sim e não à aprendizagem, uma vez que esta implica tempo, apoio... e também pode ser desgastante! Também acreditamos nas escolas como espaços de aprendizagem, onde é possível criar espaços para a troca, para a partilha de experiências – partilhar com os colegas as boas e as más práticas, fomentar o trabalho colaborativo e crítico, trabalhar em conjunto, desenvolver trabalhos em conjunto. Pelo que consideramos necessário desenvolver esforços no sentido de articular necessidades da escola com necessidades dos professores, pois é importante que os professores se sintam comprometidos com o seu trabalho. Não nos podemos esquecer que os professores são o maior trunfo das escolas. É importante que os governos o entendam e os constituam parte activa nos processos de mudança e não mordaça para a responsabilidade que mitigam em vez de assumirem. Parafraseando livremente Menéres (2003), diríamos, como diz ser norma de Poirot, o arguto detective inventado pela imaginação de Agatha Christie, defender que a descoberta da verdade tem de vir de dentro para fora e nunca de fora para dentro, a imagem da descoberta, a descoberta do sentido do Projecto Curricular de Turma, também pode iniciar-se de dentro para fora, dando um lugar privilegiado à voz e leitura que cada um de nós faz do espaço real em que se movimenta e sobretudo ao imaginário individual. Na base dos cenários configurados ao longo desta reflexão, e como nos referem Alonso & Viana (2003), gostaríamos de evidenciar que os professores enfrentam circunstâncias muito desafiadoras e paradoxais, em que qualidades como a auto-formação, a adaptabilidade, a flexibilidade, a reflexão, a capacidade para trabalhar em equipa e aprender a querer viver em conjunto se tornam imprescindíveis para confrontar a mudança constante e a complexidade social crescente. Comentário final Sabemos que as práticas dos professores não são autodeterminadas, elas integram-se numa esfera de acção, onde se revestem de particular importância as formas de organizar o trabalho peda- 175 gógico na escola, onde nos parece que uma prática por Projecto (importância de uma cultura de Projecto na Escola) pode envolver participações expressivas e significativas, através de uma reflexão crítica conjunta, da Escola e no seio das Escolas. Trata-se de criar, dentro da própria escola, situações de formação não artificiais que levem a produções, à reflexão e à construção do conhecimento. Sublinhamos esta ideia, na medida em que nos parece necessário imprimir à acção pedagógica, cada vez mais, abertura à produção de saber em detrimento da reprodução de saber. Diríamos, com base em Boutinet (1990), que quem percorre o caminho da inovação e da mudança, recorrendo ao Projecto como princípio fundamental, considera quatro premissas nucleares, sem as quais não seria possível proceder através do Projecto. Estas quatro premissas reenviam para os próprios sujeitos, na medida em que estes se pretendem orientados para uma busca de globalidade, de singularidade, de gestão da complexidade e da incerteza, de exploração de oportunidades num ambiente aberto. Também sabemos que o professor, no seu percurso, experimenta, corrige, inventa. Em todo o tempo, mantém um diálogo com a realidade e constrói. Parte de uma base que, no entanto é nossa convicção e assim o projectamos, parece necessário ir além das regras e teorias que a investigação estabelece num paradigma designado de tradicional. Nesta medida, apontamos o professor reflexivo que não se limita à aplicação de técnicas aprendidas ou à execução de tarefas de um quadro rígido e prévio, todo o tempo. Apontamos um professor impelido a agir/intervir em maior rigor, um professor reflexivo, agente activo na construção do seu próprio conhecimento profissional. Para dar cumprimento à construção da identidade profissional que apontamos, a Formação precisaria estruturar-se de modo a encorajar os professores a trabalhar, a aprender e a decidir em conjunto, com colegas e alunos (entre outros parceiros), de modo a valorizarem a diferença. Precisaria estruturar-se de forma a criar uma dinâmica, uma cultura interactiva na sala de aula, na escola e em todo o espaço pedagógico, levando os professores a transformar as reflexões, sobre instrumentos/técnicas eficazes, em considerações mais alargadas, revestindo-as de significado pessoal. Pelo que o repto que lançamos à tutela da Educação situa-se no repensar das políticas educativas, para que: (…) atendam à realidade sociocultural portuguesa e reflictam sobre as orientações do currículo nacional e da formação inicial e contínua de professores, por forma a promover, no sistema educativo, opções e estratégias curriculares centradas numa educação multi-intercultural contribuindo, de um modo efectivo, para democratizar a escola e para a transformar num espaço de construção da cidadania, em que todos se sintam representados, em que todos participam, em que todos se sintam com responsabilidades, em que todos se sintam como parte integrante e onde todos se sintam valorizados e felizes (Cardoso, 2005: 239). Possibilitando que o termo educação multicultural não se circunscreva, como nos refere Arends (1995: 141), ao significar reconhecimento, compreensão e sensibilidade em relação a todos os grupos culturais e o desenvolvimento de competências para ensinar diferentes grupos de alunos para poder criar uma dinâmica interactiva entre aquele significar de modo a que advogue uma acção prática orientada e valorizada, facilitadora de um diálogo entre culturas. Bibliografia ALONSO, Luísa e BRANCO, G. (1989). “Profissionalismo Docente e Currículo: Uma Perspectiva de Investigação”, in O Professor, n.º 121. 176 ALONSO, Luísa et al. (1987). “Princípios orientadores da profissionalização em serviço – objectivos e competências”, in Psicologia – Revista da Associação Portuguesa de Psicologia. Vol. V, n.º 13. ALONSO, M. García (1999). Inovação Curricular, Formação de Professores e Melhoria da Escola. Uma abordagem reflexiva e reconstrutiva sobre a prática da inovação/formação. 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Braga: Universidade do Minho. 177 FULLAN, Michael & HARGREAVES, Andy (2001). Por que é que vale a pena lutar? O trabalho de equipa na escola. Porto: Porto Editora. VIANA, Isabel (2003). “A investigação /acção e o trabalho por projectos, um quadro de acção para a formação”. In actas do XII Colóquio da Secção Portuguesa da AFIRSE/AIPELF A Formação de Professores à Luz da Investigação. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade de Lisboa. 178 Liderança Escolar e mudança Educativa Adelina Paula Mendes Pinto Consultora de Formação do CFFH Mestranda em Educação, Especialidade de Desenvolvimento Curricular (U. Minho) Um recente anúncio publicitário (Companhia de Seguros Tranquilidade, 2004), apontava a diferença entre um líder e um chefe “Um líder sabe ouvir, o chefe manda! Um líder é respeitado, um chefe é temido”, eram os slogans usados nesta publicidade. Este é apenas um dos exemplos da actualidade desta temática, a liderança. No campo da psicologia, da sociologia, da sociologia das organizações, das empresas, as questões da liderança têm vindo a ser desenvolvidas e muito investigadas. Muito ligada aos novos conceitos da Inteligência Emocional, os perfis de líder, de chefia, da sua importância no desenvolvimento das organizações, dão origem a uma imensa bibliografia e ao desenvolvimento de várias teses sobre este assunto. E quanto à organização escolar, qual é o papel dos líderes nas nossas escolas? São lideranças individuais ou lideranças colectivas? São elas que fazem a diferença nas nossas escolas? Como se conjuga o conceito de liderança com o de mudança educativa? O líder ajuda à mudança educativa? Que características deve ter este líder ou lideres? Como se faz a mudança nas nossas escolas? Será que são as pessoas que fazem a diferença, como dizia o Prof. Marçal Grilo (2002) as escolas necessitam de um projecto, uma estabilidade docente e uma liderança forte. O que necessitamos para as nossas escolas? Serão líderes pedagógicos que acreditam num projecto para aquele contexto, numa óptica de melhor serviço público ou serão gestores financeiros que tentarão trabalhar numa óptica de rentabilização de recursos? Numa cultura de isolamento, que caracteriza a maioria das nossas escolas, que papel pode ter este líder ou líderes? Jorge Lima (2002) reconhece às direcções das escolas e aos líderes das equipas de professores, um papel fundamental na definição das políticas colaborativas das escolas, contra a balcanização e o individualismo existente. Michael Fullan e Andy Hargreaves (2001) consideram que há um hiato muito grande entre líderes e liderados e que a responsabilidade é sobretudo dos líderes, que faz com que estes tomem, muitas vezes, decisões incorrectas, pouco consensuais, que não motivam nem envolvem os liderados. Mas, o que é que entendemos por liderança? Segundo O’Connor (1995: 15), a liderança é a capacidade de apresentar uma visão que os outros queiram alcançar. Exige a capacidade de construir relações com os outros e de organizar recursos eficazmente. Ainda para esta autora, é a visão que transforma o gestor ou o administrador vulgares num verdadeiro líder. Essa visão confere ao indivíduo, não só mais força, mas igualmente uma confiança que se torna convincente e inspiradora para aqueles com quem trabalha. O líder deve ter visão e depois trabalhar para moldar a organização que gere em concordância com a sua visão (Sergiovanni: 2004a: 119). Esta ideia de visão aparece em muitos autores, principalmente ligado à liderança educativa, assenta numa visão pedagógica, num líder que tenha uma visão, um projecto, objectivos morais para conseguir dar uma melhor educação aos alunos da sua escola. Os directores de escola (os líderes) são, antes de mais, líderes educativos da comunidade educativa (Day, 2001: 143). 179 A tarefa essencial do líder é de carácter emocional. Ele tem de potenciar sentimentos positivos nas pessoas que são lideradas. Isto ocorre quando o líder cria ressonância, isto é, quando ele consegue aumentar a intensidade dos sentimentos positivos em seu redor. (Goleman, Boyatziz e Mckee, 2002: 9). Assim, o líder tem de ser emocionalmente inteligente e deve ser visionário, tendo de ser o primeiro a acreditar nas suas visões. E a escola? Para Sergiovanni (2004b: pp. 172-173), as escolas necessitam de lideranças especiais porque são locais especiais. As escolas são locais, onde encontramos crianças e jovens num ambiente de aprendizagem e desenvolvimento. A escola necessita de uma liderança moral, uma liderança de ideias, uma liderança autêntica que seja sensível aos valores, crenças, necessidades e desejos da sua comunidade. (ibidem). Um líder tem de ter autonomia. Não pode haver lugar à construção de uma visão, se depois o líder e as escolas não têm autonomia para adoptar as medidas julgadas necessárias. E mudança? Que significa em educação? Há imensas confusões conceptuais entre mudança, inovação e reforma. Então, o que caracteriza a mudança educativa? Segundo Fullan (2002: 33) a mudança educativa é dinâmica, complexa e imprevisível. Toda a mudança educativa é complexa porque envolve muitos factores. Há que fazer modificações a muitos níveis para produzir mudança educativa. A mudança educativa tem de produzir resultados, não pode ser apenas uma “mudança aparente”, uma mudança na retórica ou nos normativos. Vem-se alicerçando a ideia de que em Portugal é possível produzir textos legislativos de uma progressividade exemplar, sem, no entanto, mudar nada de substancial (Formosinho e Machado, 2000:100). A mudança tem de passar para o campo da acção, nota-se na produção. Na mudança educativa, só há verdadeira mudança se o professor se envolver nela, se ele a compreender e se estiver motivado para a colocar em acção. O Decreto-Lei 115-A/98, ao prever que o órgão executivo das escolas pode ser unipessoal, na figura de um director, tenta aproximar-se do modelo de gestão que vigora em grande parte dos países da Europa, centrando a liderança numa figura. Esta imagem vem do mundo empresarial que, na sua maioria, tem um conselho de administração, em que o seu presidente detém um grande poder. Mas, será que esta ideia de uma liderança unipessoal das empresas se aplica a uma organização educativa? A liderança informal existe já em grande parte das nossas escolas, em que estas, muitas vezes, não são conhecidas pela designação oficial, mas pela escola do presidente tal. O estudo feito por João Barroso após a implementação do Decreto-Lei nº 115-A/98, solicitado pelo Ministério da Educação, mostra que há uma continuidade dos antigos presidentes dos conselhos directivos, verificando-se lideranças unipessoais de carácter informal (Barroso, 2001:71). Mas, será que estes líderes informais adoptam uma gestão empresarial? Pensamos que o primeiro problema é que o órgão máximo das escolas não detém o poder suficiente para fazer uma verdadeira gestão: a autonomia financeira e a contratação de recursos humanos. Em segundo lugar, uma escola não é uma empresa, não pode ser vista numa lógica de mercado, de “vender” mais barato a educação que fornece. Ela é uma organização especial, logo, precisa de uma gestão especial. Para Sergiovanni (2004b), a liderança escolar tem de ser diferente das lideranças empresariais. Deve ser uma liderança autêntica, uma liderança que seja sensível aos valores, crenças, necessidades e desejos da sua comunidade. Uma liderança moral porque junta as pessoas em torno de 180 uma causa comum, tornando a escola numa comunidade formalmente vinculativa. Deve ser ainda uma liderança de ideias porque é à volta das ideias que se motivam as pessoas. A principal missão do líder educativo é criar organizações que aprendem (Fullan, 2001:84). E, nestas organizações que aprendem, os directores são desenhadores, administradores e maestros. Numa organização que aprende, a mudança é constante e imprevisível. O líder deve estar sempre atento, deve ser aberto ao diálogo, deve promover boas relações interpessoais. O líder deve ser o primeiro a aprender, o aprendente-guia (Barth, 1996, citado por Day, 2001:134), como um autocolante que diz “Não podes conduzir ninguém onde tu próprio não vais.” Os líderes educativos têm de ser diferentes dos líderes empresariais. Apesar de necessitarem de muitas das características apontadas pela inteligência emocional, mais que tudo, o líder educativo tem de lidar com as emoções porque o seu dia-a-dia é lidar com pessoas e o seu fim último, a sua visão, é proporcionar melhores condições de aprendizagem aos seus alunos. E esta visão não deve permitir que a educação seja vista numa lógica de mercado, de “rankings”, de competitividade que está a ser muito prejudicial a muitas escolas e, consequentemente, a milhares de alunos. Uma das reflexões que se podem fazer, é se devem ser as escolas, a partir dos seus problemas, do seu contexto, a implementar estratégias de mudança, ou se é a administração, numa lógica top-down, a impor certas mudanças. Pensamos que, no plano das ideias e certamente das utopias, a mudança educativa devia partir de cada escola, envolvida num plano de melhoria daquela organização. Os problemas seriam reais, sentidos por todos, esta mudança poderia ser negociada, faseada e discutida pelos envolvidos. Esta é, certamente a situação ideal. Consideramos, no entanto, que a administração tem sempre de se reservar no direito de promover mudanças, quando estas não acontecem naturalmente. Aquilo que é lamentável, no nosso entender, é a administração fazer tábua rasa de muitas mudanças conseguidas, que provocaram alterações culturais consideráveis, porque decidiu, como medida política, decretar outra mudança. É o caso, por exemplo da reorganização curricular que veio acabar com alguma flexibilidade conquistada e decretou uma matriz cada vez mais rígida, deixando de lado muitas experiências bem conseguidas. Como este, muitos outros exemplos podiam ser aqui descritos. O papel dos professores, no processo de mudança educativa, é crucial. O professor não pode continuar a ser apenas o executor da reforma educativa, mas terão de ser, necessariamente, sujeitos da mudança, através de um processo apropriativo em que produzem mudanças, simultaneamente, na sua maneira de agir, no seu contexto de trabalho e no seu universo cognitivo. (Canário, 1994:106). Ainda para este autor, citando o mesmo texto (p.109), a mudança escolar não poder ser pensada em termos de um sistema escolar mas sim de um sistema de escolas. Temos de centrar a mudança em cada escola concreta, dentro de um quadro conceptual e regulador da administração. O essencial da mudança educativa deve centrar-se na mudança na sala de aula, no currículo, pois só aí é que conseguimos melhorar a aprendizagem dos nossos alunos, fim último de qualquer mudança. O que é que faz com que algumas escolas implementem, com sucesso, inovações, processos de mudança, e outras têm tantas dificuldades em implementar pequenas alterações? Como já foi referido antes, as mudanças não se fazem por decreto, logo a diferença só pode estar em quem implementa as mudanças, isto é, as pessoas. E que pessoas são estas que fazem a diferença? 181 Na maior parte das nossas escolas, é o presidente do conselho executivo. É ele que lidera a escola e que promove, com mais ou menos vontade, quer as mudanças impostas, quer as mudanças internas. Assim, liderar numa cultura em mudança, como é a escola, nas últimas duas décadas, é uma tarefa quase hercúlea. Reforçamos a ideia já veiculada que o mais importante num líder educativo é que este consiga manter o objectivo moral, de promover e “apadrinhar” as mudanças que vão melhorar as aprendizagens realizadas pelos seus alunos. E como é que o líder gere as mudanças? Que mudanças implementar? Como planear e fasear essa mudança? Os líderes de uma cultura de mudança necessitam de uma qualidade que todos os líderes eficazes possuem – a capacidade de resistir à obsessão dos ganhos a curto prazo, em detrimento de uma reforma mais profunda onde os ganhos são estáveis, mas não necessariamente tão dramáticos. (Fullan, 2003:68). Para promover a mudança educativa, seja uma necessidade da escola, seja uma imposição da administração, o líder precisa que os professores e toda a comunidade compreendam a mudança e se envolvam nela. É aqui o cerne do trabalho de qualquer líder. Se este conseguir motivar a comunidade educativa e mantê-la motivada, mesmo quando aparecem as contrariedades e os imprevistos normais, então a batalha poderá estar ganha. Se o líder não conseguir motivar, ou se ele próprio não compreender a mudança, ou esta não se enquadrar na sua visão para aquela escola, a mudança, se obrigatória, vai ser apenas aparente, não produzindo quaisquer resultados ao nível das aprendizagens dos alunos. O actual director de escola vive entre a crise e a mudança. Pode vivê-las como calamidades, das quais nada há a esperar de bom ou como aventuras arriscadas mas apaixonantes que dão sentido à vida profissional. (Perrenoud 2002:112). No actual contexto político português, liderar é cada vez mais difícil, principalmente com uma cultura de mudança absolutamente centralizadora. E que autonomia têm estes líderes para implementarem a sua “visão”? A administração continua a efectuar um juízo de conformidade, de meios com meios e não meios com fins, pelo que não avalia os resultados da actuação das escolas e dos professores e é, assim, indiferente às consequências da acção, a acção burocrática não valoriza os “empreendedores de mudança” (Formosinho e Machado, 2000: pp.106-107). Antes de se começar a discutir as questões da liderança escolar, já há muito se fala na necessidade de transferir autonomia para as escolas O reconhecimento da autonomia da escola, nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional era uma dos princípios do Decreto-Lei nº115-A/98. Sete anos depois, muitas das escolas têm ainda grandes dificuldades em assumir alguma autonomia. O grande problema não se centrou apenas nas escolas, na liderança das pessoas, mas centrou-se na confusão instalada nos serviços centrais e regionais, com a confusão funcional e pessoal entre a obrigação do “controlo e execução” e o desejo/vontade de “acompanhar e apoiar”. Isto traduziu-se num excesso de protagonismo e de intervenção da administração central e local (Barroso, 2001:16). Mesmo a autonomia administrativa, aquela que seria mais fácil de conquistar, está longe de ser conseguida. A Inspecção da Educação continua a actuar dentro de um sistema que valoriza a acção burocrática da administração da educação, como o grande critério de adequação da actividade das escolas e dos professores. As características principais dessa acção burocrática são a impessoalidade, a uniformidade, a formalidade, a rigidez (Formosinho e Machado, 2000:23). As 182 escolas continuam a debater-se com graves problemas com as acções de controlo da Inspecção porque não seguem as regras rígidas e uniformes da última década. As escolas necessitam de lideranças fortes, formais ou informais. As lideranças necessitam de autonomia para implementar os seus projectos, naquele contexto, naquela situação, com aqueles recursos. A passagem de algumas esferas de autonomia para as escolas, processo agora travado, vinha numa lógica do conseguido noutros países, em que se percebeu que a gestão de recursos, feita localmente, produzia melhores resultados. Em Portugal, a grande máquina continua a centrar-se em Lisboa de onde emanam, hoje, todas as decisões. Sem autonomia não há lideranças que trabalhem, como pede Fullan, com energia, entusiasmo e confiança! Num mundo em mudança, a escola tem de mudar. Mas a mudança educativa, pela sua complexidade e por todos os factores que envolve, é muito difícil e muito lenta. A questão da liderança escolar está a ser vista, em Portugal, como um problema da profissionalização da gestão. Mas, profissionalizar ou não a gestão das escolas deve ser visto não só em termos de “produtividade” e “eficácia” da gestão de recursos, mas também os efeitos que produz no domínio da justiça e da equidade do serviço educativo, da promoção da cidadania, da coesão social e da democracia nas escolas. (Barroso, 2003: 10). A formação especializada dos gestores das escolas é uma discussão já antiga. O relatório para a UNESCO da Comissão Internacional Sobre Educação para o Século XXI (Delors, 1996:140) aconselha a que a gestão e administração das escolas seja confiada a profissionais qualificados, sobretudo em matéria de gestão. Esta formação especializada tem-se vindo a multiplicar, não por iniciativa do Ministério da Educação, mas das Universidades e Institutos, como resposta às necessidades sentidas. Estamos agora a assistir, por parte do Ministério, a uma onda de formação de presidentes de conselhos executivos, dando-lhes a habilitação julgada necessária para o exercício deste cargo, conforme o decreto a publicar. Esta formação, dada pelo INA (Instituto Nacional de Administração), CURSO DE VALORIZAÇÃO TÉCNICA ORIENTADA PARA A ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR, tem um carácter essencialmente administrativo e burocrático. Esta visão administrativa da gestão escolar parece não se aperceber que a liderança em contexto escolar é necessariamente diferente porque as escolas são organizações diferentes. O contexto de trabalho dos professores não é hierarquizado conforme outros contextos. Assim, a questão da liderança na escola deve ser colocada numa perspectiva “pedagógica”, mais consentânea com a cultura profissional docente, e coloca como base da acção liderante a interacção transformadora a partir de uma autocompreensão colectiva, como seres de conduta problemática, e uma autoconsciência dos constrangimentos vários da acção educativa da escola, bem como da sua participação cúmplice na sustentação dos mesmos. (Formosinho e Machado, 2000:128) Mas, nem todos sonham em mudar a escola, talvez nem a própria administração. Os directores que se sentem mais como gestores não têm necessidade de mudanças ou de crises para se sentirem úteis, porque encontram a sua identidade na resolução metódica dos problemas concretos que nunca faltam numa escola (Perrenoud, 2002:108) As escolas têm de reclamar autonomia e lideranças fortes. Mas esta autonomia tão reclamada pelas escolas terá de ser acompanhada de responsabilidades. O novo líder tem de assumir riscos, construir projectos, apresentar e justificar resultados. O líder tem de resolver as questões localmente, as crises, os conflitos, os problemas, sem recorrer constantemente aos seus superiores hierárquicos. O líder tem de ser um aprendente, motivar toda a organização, envolvê-la no desenvolvimento de projectos, construir uma visão colectiva. Tem, acima de tudo, de criar lide- 183 ranças intermédias que garantam o pleno funcionamento da organização. O líder herói, aquele que faz parar a organização na sua ausência, tem de desaparecer. É preciso mudar a escola! São necessários líderes educativos! Por onde se começa? Só mudando a cultura das escolas e da administração, conseguiremos criar estruturas autónomas e eficazes, baseadas em lideranças pessoais que transformem cada escola concreta, numa organização em mudança. Bibliografia BARROSO, João (2001). Relatório Global da primeira Fase do Programa de Avaliação Externa. Efectuado no âmbito do processo de aplicação do Regime de Autonomia, Administração e Gestão das Escolas definido pelo Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio. (Disponível em http://www.fpce.ul.pt/centros/ceescola) BARROSO, João (2003). Gestão Escolar, Profissionalizar ou democratizar?. In Cadernos da Fenprof. Nº 37 CANÁRIO, Rui (1994) O Professor e a Produção de Inovações. Revista Colóquio Educação e Sociedade, pp. 97-121. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian DAY, Christopher. (2001). Desenvolvimento Profissional de Professores: Os desafios da aprendizagem permanente. Porto: Porto Editora DELORS, Jacques (1996). Educação um Tesouro a Descobrir. (8ª ed., 2003). Porto: Edições Asa FORMOSINHO, João et al. (2000). Políticas educativas e autonomia das escolas. Porto: Edições Asa FULLAN, Michael (2002). Las fuerzas del cambio. Explorando las profundidades de la reforma educativa. Madrid: Akal FULLAN, Michael (2003). Liderar numa cultura em mudança. Em Foco (Col.). Porto: Edições Asa FULLAN, Michael & HARGREAVES, Andy (2001) Por que é que vale a pena mudar ?. Currículo, Políticas e Práticas (Col.). Porto: Porto Editora GOLEMAN, Daniel et al. (2002). Os Novos Líderes. A Inteligência Emocional nas Organizações. Lisboa: Gradiva GRILO, Marçal. (2002). Desafios da Educação. Ideias para uma Política Educativa no século XXI. Lisboa: Oficina do Livro LIMA, Jorge Ávila (2002) As Culturas Colaborativas nas Escolas, Estruturas, Processos e Conteúdos. Currículo, Políticas e Práticas (Col.) Porto: Porto Editora O’CONNOR, Carol A. (1995). A liderança com sucesso. Lisboa: Editorial Presença. PERRENOUD, Philippe (2002). Aprender a negociar a mudança em educação. Em Foco (Col.). Porto: Edições Asa SERGIOVANNI, Thomas J. (2004). Novos caminhos para a liderança escolar. Em Foco (Col.). Porto: Edições Asa SERGIOVANNI, Thomas J. (2004). O mundo da liderança. Perspectivas Actuais (Col.). Porto: Edições Asa 184 Lógicas e sentidos da construção e gestão curriculares na Escola Básica Portuguesa: fragmentos de um estudo empírico sócio-político Henrique Ramalho Instituto Superior Politécnico de Viseu Escola Superior de Educação Resumo O texto aqui apresentado diz respeito ao modo como as políticas e práticas de construção e gestão curriculares têm sido desenvolvidas e perspectivadas no contexto particular do agrupamento de escolas que observámos durante um ano lectivo. Encetámos, assim, um exercício de análise e interpretação críticas sobre a configuração organizacional do agrupamento e para as estruturas de participação dos actores escolares nos processos de construção e gestão do currículo. Explorámos as influências que a configuração organizacional do agrupamento de escolas tem na construção de um sistema educativo e curricular mais, ou menos, descentralizado. Para isso, foi necessário analisar as respectivas estruturas (mais formais e, por isso, oficialmente reconhecidas) de participação dos actores nos processos de construção e gestão curriculares. Referimo-nos aos órgãos de direcção e gestão do agrupamento, designadamente, à Assembleia do agrupamento, ao Conselho Executivo e ao Conselho Pedagógico. Os aspectos que ressaltam com maior evidência têm a ver, exactamente, com os indicadores que evidenciam uma (re)centralização da decisão sobre as políticas curriculares, contemplando o tipo de influências que, tanto as instâncias da administração central como os órgãos de direcção e gestão do agrupamento têm da construção e gestão do currículo. Para compreender essa perspectiva surgem outras implicações tais como as perdas e os ganhos de autonomia curricular do agrupamento face à administração central, o papel, sempre fundamental, do regulamento interno do agrupamento e, ainda, dando conta das lógicas e sentidos da construção do projecto educativo do agrupamento. 1. Ganhos e perdas de autonomia da acção curricular: o jogo da regulação organizacional, administrativa e curricular travado entre a infidelidade e a infidelidade normativa50 na concepção, definição e gestão curriculares do agrupamento 1.1. A Assembleia do Agrupamento: uma democracia representativa corporativizada e fiel à burocracia central Em termos concretos, o funcionamento que conjecturámos a respeito de cada órgão de direcção e gestão do agrupamento deu-nos pistas nesse sentido. Por exemplo, ao referirmo-nos à Assembleia como uma espécie de (micro)democracia representativa corporativizada e fiel à burocracia 50 Cf Lima (1998). 185 ministerial, que funcionava com referência única (e, portanto, pouco autónoma) aos regulamentos ministeriais, levou a que passássemos a considerar que se tratava de um órgão que tendia a reproduzir e não a (re)construir e/ou (re)interpretar as políticas nacionais curriculares, no sentido de as adaptar e contextualizar nas suas especificidades locais. Não nos referimos, obviamente, a um pressuposto mais radical segundo o qual este órgão se deveria “desviar” das orientações curriculares nacionais. O problema que aqui colocamos tem mais a ver com a capacidade que, mesmo na configuração organizacional de agrupamento, este exemplo de escola portuguesa não tem para influenciar (no sentido de ajudar a construir, a decidir, e não apenas a gerir e executar) o texto curricular nacional. Portanto, não estamos a conjecturar contra o quadro das orientações curriculares nacionais, mas sim contra a unilateralidade da tomada de decisão sobre essas orientações. Com efeito, no que diz respeito ao funcionamento da Assembleia, parecia estarmos a assistir a um exercício meramente reprodutor de políticas definitivamente decididas a nível central. O que se esperava dessas políticas é que fossem passíveis de ser geridas e transformadas e adaptadas na sua forma e não na sua essência. Aparentemente, essa essência continuava a ser uniforme e unilateralmente decidida pela administração central. Além disso, o regulamento interno, enquanto símbolo e garante da autonomia (política e curricular) do agrupamento, revelou-se uma reprodução fiel das normas ministeriais (Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio). Percebeu-se que o agrupamento em geral (órgãos e actores) tendia a cumprir esse regulamento interno e, por isso, estaria, consequentemente, a cumprir os normativos centrais à risca. O que confirma o pressuposto de que a autonomia que o discurso oficial encerra continua a ser uma “autonomia decretada”, cedida como um privilégio e limitada ao domínio da gestão curricular, desviando-se do princípio base de uma “autonomia construída” a partir do agrupamento. Uma autonomia que, efectivamente, não constitui um exercício comunicacional ascendente de forma a consolidar a descentralização dos processos de tomada de decisão curricular e, assim, serem criadas as condições para que o agrupamento pudesse influenciar o texto curricular nacional. Além disso, ficou assente que o regulamento interno requeria o parecer positivo da respectiva Direcção Regional de Educação, confirmando alguns indícios de uma (re)centralização (administrativa e curricular) ocultada pela constituição de um órgão com poderes deliberativos formais, se bem que decretados pelas instâncias centrais. Os indicadores recolhidos evidenciaram, ainda, uma acção decisional da Assembleia desenvolvida em torno das questões curriculares que visava, em grande medida, “regular” a acção gestionária (sobre o currículo) do agrupamento e nunca no sentido de (re)construir, adaptar o texto educativo e curricular nacional e, consequentemente, definir o contexto educativo e curricular do agrupamento como espaço de interpretação, de deliberação e de produção política curricular. Se, pelo lado mais formal, a Assembleia era perspectivada como um espaço de deliberação política, verificou-se, pelo lado mais processual, que deliberava mais sobre questões de gestão do que questões relacionadas com a de decisão política educativa e curricular. O próprio ideal de democracia (vivida e experienciada na Assembleia) mereceu a crítica, por parte de alguns actores, de ser uma democracia corporativizada, em que o princípio da representação política acabava por ser defraudado. Efectivamente, a maioria de voto pertencia aos pro- 186 fessores. Não que esta maioria, em si, seja problemática. O que nos pareceu problemático é que essa maioria foi colocada na Assembleia por decreto ministerial, não sendo dada a possibilidade dos índices de representatividade (de cada grupo de actores educativos) serem atribuídos de forma autónoma e seguindo as regras de uma democracia representativa construída e desenvolvida localmente. Desta forma, a maioria decretada tendia a perpetuar-se na posse dos mesmos actores, levando a que as mesmas minorias fossem continuamente subjugadas por essa maioria. No fundo, a configuração e o funcionamento “político” da Assembleia resultava numa espécie de democracia representativa burocratizada, não por influência local, mas sim pela influência prescritiva da administração central. 1.2. O Conselho Executivo: uma gestão democrática promotora da reprodução do currículo oficial No que, em concreto, diz respeito ao funcionamento e configuração do Conselho Executivo é relevante o facto de que o presidente deste órgão ser o mesmo actor que assumia a presidência do Conselho Pedagógico. Se, por um lado, se percebeu claramente que o Conselho Executivo funcionava na base de uma gestão democrática que tendia a promover e reproduzir, o mais rigorosamente possível, o currículo oficial, por outro lado, inventariámos alguns indicadores que sugeriram a instrumentalização do Conselho Executivo para o presidente “melhor” gerir o Conselho Pedagógico. Verificou-se, até mesmo, que a figura do presidente do Conselho Executivo funcionava como garante do cumprimento das decisões tomadas no Conselho Pedagógico, particularmente, quando outros actores aproveitavam, por exemplo, a Assembleia, para alterar essas decisões. Isto acontecia, muito provavelmente, em virtude da figura do presidente do Conselho Executivo ser omnipresente em todos os órgãos de direcção e gestão, mesmo não tendo direito de voto na Assembleia. A tendência era para que estes dois órgãos de gestão (Conselho Executivo e Conselho Pedagógico) conciliassem e complementassem as suas dinâmicas, enquanto órgãos reprodutores do currículo prescrito. Não se manifestava, portanto, qualquer tipo de conflito entre eles. Alguns dos testemunhos recolhidos, dizem-nos, pelo contrário, que as práticas de gestão do Conselho Executivo estavam amplamente confinadas ao “jogo do poder regulador”, desenvolvido em torno da gestão curricular pelas reuniões do Conselho Pedagógico. Sugere-se, ainda, que o Conselho Pedagógico detinha maior poder regulador sobre a gestão curricular do agrupamento, mesmo comparativamente à Assembleia. O que nos leva a concluir que, o que se passava no interior do agrupamento em termos de autonomia curricular era, de facto, uma autonomia de gestão curricular, onde imperava a superior influência dos órgãos de gestão sobre o principal órgão de direcção e deliberação política. Incorria-se, então, na velha perspectiva de estarmos perante um modelo de direcção e gestão curricular com uma tendência para funcionar como uma “gestão que actua na periferia como um mecanismo que oculta um controlo à distância” (ESTÊVÃO, 1995), levando a que o poder prescritivo da administração central perdurasse e se perpetuasse no interior do agrupamento, minimizando, assim, a importância institucional desta organização escolar, enquanto locus de interpretação, de (re)construção e de decisão sobre as políticas curriculares. 187 Além disso, o presidente do Conselho Executivo era, formalmente, a figura que representava o agrupamento enquanto “director executivo” e representante institucional. Um papel central que ao imiscuir componentes de gestão do agrupamento e componentes de representação política e institucional, transformava-o no gestor organizacional de uma organização escolar composta por escolas agrupadas. Estas necessitavam da sua figura (e dos respectivos representantes de ciclo), para garantir um certo sentimento de pertença ao agrupamento, ao mesmo tempo que os actores dessas escolas criavam uma espécie de consciência colectiva de que o facto disto acontecer os poderia desvincular um pouco mais do poder regulamentador e burocrático da administração central. 1.3. O Conselho Pedagógico: uma “arena política” dominada pelo conflito travado entre a decisão e a execução curriculares O Conselho Pedagógico proporcionou a oportunidade de nos confrontarmos com um contexto verdadeiramente politizado, não obstante tratar-se de um contexto de gestão curricular. Desocultava-se nas suas reuniões a politização da gestão curricular, surgindo como palco privilegiado do jogo regulador e do conflito desenvolvidos em torno dos processos de gestão do currículo que tinha a sua origem na burocracia da administração central. Sempre caracterizadas pelo conflito (mais ou menos acentuado), as reuniões do Conselho Pedagógico consolidavam a verdadeira arena política do agrupamento. O que, efectivamente, era conseguido à custa de um processo dialéctico de confrontação de opiniões e posições que condicionava (mas que no final também ajudava a consolidar) todo o processo e capacidade regulamentadores da burocracia ministerial. Um conflito motivado, a maior parte das vezes, pela discussão em torno do cumprimento, ora mais, ora menos, rigoroso das normas oficiais. Não estava tanto em causa (pelo menos directamente) a luta pela posse do poder regulador, mas a luta pelo poder de atribuir maior ou menor peso aos normativos ministeriais na resolução dos problemas curriculares e pedagógicos. (Facto importante é o de que os assuntos que mais motivaram o conflito foram as questões relacionadas com a avaliação. Foi manifestamente um assunto em que os actores escolares menos se sentiam seguros quanto à execução dos normativos e devido, ainda, ao receio de “fazer asneira” na avaliação das aprendizagens dos alunos). O conflito, porque uma das partes envolvidas estava interessada numa espécie de “excesso de zelo” pela burocracia ministerial, tendia a atrasar as decisões. Não obstante, mesmo nesta arena política dominada pelo conflito, que ao mesmo tempo e paradoxalmente, buscava o consenso mínimo, procurava-se evitar a infidelidade à norma oficial, buscando, muitas vezes, respostas nas instâncias centrais. Um tipo de dinâmica que matizava essa arena política com constantes interferências da prescrição ministerial. Era, de facto, um jogo de regulação travado entre a tendência para a fidelidade e a tendência para a infidelidade à norma, definindo-se, também aí, o grau com que o agrupamento ganhava e/ou perdia autonomia face à administração central. O Conselho Pedagógico revelou-se o órgão com maior influência sobre as práticas curriculares do agrupamento, concretamente no que diz respeito à consolidação da burocracia ministerial, tendência que acabou por eliminar resultados arbitrários de eventuais “infidelidades” pontuais aos 188 normativos, que de facto aconteciam, mas que eram rectificados pela sempre presente tendência para cumprir com as regras. Um interessante aspecto do jogo regulador sobre as questões curriculares era o facto de que cabia ao Conselho Executivo (com o parecer do Conselho Pedagógico) elaborar propostas do documento que haveria de definir as grandes orientações e valores educacionais e políticos do agrupamento, em termos de projecto educativo. Partimos, aqui, da assunção de que sendo órgãos de gestão a elaborar propostas de um documento de intenções políticas, tendia-se a configurar esse documento mais como um instrumento de gestão do que de decisão política sobre a educação e o currículo locais. Antevia-se uma “colagem” do projecto educativo à ideia do que viria a ser o projecto curricular (e não o contrário). À partida, este procedimento estaria a viciar a natureza e a forma do projecto educativo do agrupamento. 2. UMA VISÃO CRÍTICA DA GESTÃO PARTICIPADA E COLEGIADA DO CURRÍCULO 2.1. Uma análise à estrutura e dinâmica organizacionais Interessa-nos, por agora, fazer referência A uma comparação entre o organograma formal do agrupamento, face ao organograma (informal) que desocultámos com a nossa análise ao funcionamento do agrupamento, tendo sempre como referência as lógicas de construção e gestão do currículo. Efectivamente, o organograma informal que perspectivámos diz-nos que os órgãos que se situam no topo piramidal deverão ser o Conselho Pedagógico e o Conselho Executivo, e só depois é perspectivada a Assembleia nessa estrutura hierárquica. O que nos leva a sugerir que a acção deliberativa ou regulamentadora da Assembleia representava apenas uma (re)confirmação e garantia da legalidade daquilo que era feito em termos de Conselho Executivo e de Conselho Pedagógico. Além disso, as reuniões de Assembleia só aconteciam trimestralmente, não dando grande margem para alargar a sua intervenção a questões mais concretas sobre aquilo que acontecia no dia-a-dia do agrupamento. Assim, pela análise à pirâmide da estrutura hierárquica do agrupamento que nos foi fornecida foi passível de, informalmente, ser invertida. Em segundo lugar, a análise ao funcionamento dos órgãos de direcção e gestão do agrupamento induziu-nos a problematizar a realização do ideal da democracia representativa interna do agrupamento. Não o fazemos no sentido de “culpar” o agrupamento de escolas por uma suposta falta de democraticidade mas, sobretudo, a propósito do uso instrumental que se faz, utilizando a filosofia e orgânica do agrupamento de escolas, dos princípios da colegialidade, da participação e da eleição, quando se percebe que são princípios postos ao serviço de uma “máquina” de gestão do currículo escolar e não propriamente ao serviço do verdadeiro exercício da participação política dos actores e, portanto, da autonomia política e curricular do agrupamento. A gestão participada e colegiada apela, portanto, à participação de diferentes actores nos processos de gestão do currículo, onde a figura do professor-gestor-participativo aparece com maior destaque. A intensidade, o interesse e as condições mediante as quais essa participação é permitida tende a condicionar, também, as representações que os vários actores têm desses processos. Disso são exemplo as representações que obtivemos sobre a gestão flexível do currículo e sobre a 189 reorganização curricular, que suscitaram muitas dúvidas sobre a sua real importância e contributo efectivo para a melhoria de qualidade do sistema de ensino-aprendizagem. Visivelmente, o que tem provocado maiores “sobressaltos” aos professores são as áreas curriculares não disciplinares, seja na forma de as leccionar, no peso lectivo e académico que lhes deve ser atribuído, seja, ainda mais, na forma de as avaliar. Além disso, os contributos dados pelas novas práticas curriculares não têm garantido, de todo, o aumento do sucesso dos alunos e da qualidade da educação. Pelo contrário, existem testemunhos que as enquadram num panorama de facilitismos cedidos aos alunos no seu processo de ensino-aprendizagem. O modelo de gestão flexível do currículo, assim como a reorganização curricular não se apresentam, igualmente, como estímulos à descentralização das políticas curriculares, sendo introduzidas, antes, no amplo e já antigo espectro da normalização do sistema educativo português. De facto, concluiu-se que, nomeadamente no pré-escolar e no primeiro ciclo do ensino básico, o essencial da gestão flexível já acontecia antes. O que a gestão flexível do currículo e reorganização curricular trouxeram de novo foi a burocratização de práticas curriculares e pedagógico-didácticas não formalizadas, mas já antigas. 2.2. (Re)centralização e descentralização das políticas e práticas curriculares do agrupamento Num quadro mais amplo de conclusões, os indicadores com potencial para evidenciar uma maior centralização ou, inversamente, uma alegada e progressiva descentralização das políticas curriculares, contemplam o tipo de influências que, tanto as instâncias da administração central como os órgãos de direcção e gestão do agrupamento, têm na construção e gestão do currículo. Neste tópico, uma das conclusões a que chegámos foi que os órgãos de gestão (Conselho Executivo e Conselho Pedagógico), comparativamente com o órgão de direcção do agrupamento (Assembleia), exercem uma maior influência nas questões curriculares do agrupamento, consolidando, contudo, um esquema de influências meramente gestionário. Portanto, só era permitida ao agrupamento a capacidade para influenciar a gestão do currículo. Generalizando esta conclusão, podemos afirmar que se verifica uma flexibilização das estruturas e processos de gestão mas, inversamente, assiste-se a uma (re)centralização da decisão curricular. Para além disso, percebe-se que ao assentar numa tradição centralista, a decisão curricular é a principal competência da Administração Central. Se é possível afirmar que as actuais políticas curriculares decorrem de um esforço para aliviar a carga do poder central, não deixa, contudo, de apresentar fortes traços burocrático-racionais que denunciam a primado da decisão centralizada. O “aliviar” do peso da mão do Estado pode ser conectado com o pressuposto genérico que inspira o modelo de gestão flexível do currículo: a autonomia de gestão curricular. Assim, no que diz respeito à autonomia do agrupamento, ela continua a ser reduzida ao primado da pedagogia. Por outro lado, no campo das trajectórias que caracterizam os processos de construção e gestão curricular, a gestão autónoma do currículo, exercida a partir do agrupamento, parece representar um novo meio político e estratégico para garantir o controlo sobre os processos de construção e gestão do currículo escolar. O modelo de autogestão passa, assim, a ser integrado na configu- 190 ração organizacional do agrupamento. Este, enquanto organização periférica é, então, tomado como uma unidade de gestão, de quem a administração central espera elevados índices de eficácia na concretização e consolidação das políticas (decisões) curriculares centrais. Designações como “estratégica”, “competição”, “autonomia de gestão”, “flexibilidade”, “qualidade”, “eficácia”, etc. (inscritas em muitos testemunhos que nos foram dados), aparecem como artefactos da cultura organizacional do agrupamento, tipicamente gestionária, sem, no entanto, ocultar a continuidade do percurso normalizador do sistema educativo em geral e das políticas curriculares, em particular. 2.3. Uma crítica ao primado da (auto)gestão curricular do agrupamento Efectivamente, o modelo de autogestão curricular, que supostamente, aparece como o principal corolário da autonomia do agrupamento de escolas, tende a enquadrar-se na intenção, por parte da administração central, de continuar a normalizar o sistema curricular. O esforço, alegadamente, democratizador inscrito no pressuposto da autogestão curricular ou na autonomia de gestão, denuncia o carácter intencional das políticas centrais em alargar os espaços de autonomia (curricular) para dinâmicas de acção e contextos não necessariamente político-decisionais mas mais técnico-gestionários. Dá-se aso, assim, a que a burocracia central alimente continuamente o seu artifício normativo sem, supostamente, pôr em causa o princípio da autonomia do agrupamento. A figura do professor-gestor amador tende a ser transformada no professor-gestor profissional do currículo, ao mesmo tempo que se reduz o seu poder deliberativo. Inversamente, indicia-se o aumento das suas responsabilidades sobre a gestão (eficaz) desse currículo, enquanto gestor eleito representante. Desta forma, a figura do gestor eleito (gestor local do currículo) sobrepõe-se à figura do político eleito (decisor local do currículo). Na realidade, não estaremos tanto a assistir a uma mudança de paradigma do governo da organização escolar e do currículo, mas antes, porém, encontramo-nos perante a consolidação mais subtil do paradigma centralista sobre a decisão e o desenvolvimento do currículo escolar. Isto, porque assistimos, no âmbito do modelo de gestão flexível do currículo, à continuação de uma acentuada produção normativa descendente, cuja unidade de comando continua a pertencer exclusivamente à esfera central. Essa produção normativa fornece normas e regulamentos que prescrevem, com algum pormenor, os procedimentos e as actividades de gestão quotidiana do currículo, executada a partir do agrupamento. Não está aqui em causa o pendor democrático das políticas curriculares centralistas. O que ocorre dizer é que a democratização dos processos de tomada de decisão sobre o currículo não tem avançado muito desde a década de setenta do século XX. Assente numa visão democrática perspectivada no princípio da soberania popular, ainda não se ultrapassou o preconceito de que essa soberania, mesmo pela via da representatividade, pertence ao Estado, enquanto legítimo “tutor” e executor desse poder delegado na sua figura, também soberana. Ele (Estado) continua a ser concebido como o garante do interesse comum ou colectivo no que respeita aos valores e fins 191 educativos, inscritos, designadamente, no quadro da escolaridade obrigatória, que tende a ser prolongada, devido a esse propósito democrático. Contudo, a burocracia ministerial é, também, gestionária, provando que a intervenção prescritiva do Ministério da Educação não se fica pela orientação das políticas e princípios curriculares. Ela define procedimentos concretos do trabalho de gestão dos órgãos locais, revelando que os normativos centrais são, também, instrumentos políticos para influenciar as relações de gestão entre os órgãos/actores do agrupamento. Nota final Porventura, o aclamar da alegada consolidação da descentralização das estruturas de decisão curricular foi mais pautada pela necessidade de melhorar a eficiência e a eficácia administrativas das organizações escolares e da gestão do currículo, e menos pelo princípio do activismo político e pela democratização (mais substantiva) dos processos de tomada de decisão curricular, realizados a partir do agrupamento. Por outro lado, ao apelar à autonomia de gestão curricular, o Estado procura garantir a coresponsabilização institucional do agrupamento relativamente às políticas curriculares centrais e à comunidade educativa em que se integra, reforçando a responsabilização e a capacidade de resposta do agrupamento perante os seus “clientes”, ao mesmo tempo que as características democráticas centralistas do sistema em geral, no essencial, mantêm-se intactas. A filosofia do agrupamento de escolas, a forma organizacional que com ele se consolida e o modelo de gestão curricular que executa, ajudam a manter a globalidade democrática do sistema educativo, quando se percebe que continua a existir uma preocupação estratégica, por parte do Estado, em assegurar competências de gestão curricular nos órgãos de direcção e gestão, democraticamente eleitos, e consolidados pelo princípio da representação política. Submete-se, desta forma, o escrutínio público aos lavores da gestão do currículo, sempre com o argumento político de que estamos a assistir ao alargamento dos espaços de participação nas decisões curriculares. Mas são decisões que incidem, fundamentalmente, sobre a gestão e não sobre a acção decisional curricular. O Estado correspondeu à necessidade de garantir conteúdo ao modelo da participação alargada na estrutura da direcção e gestão do currículo, reafirmado pelo chamamento de outros actores sociais a participar nos órgãos de direcção e gestão do agrupamento. Finalmente, uma questão surge neste quadro de conclusões: até que ponto é que as estratégias de gestão da administração central não apresenta fortes probabilidades de desencorajar o envolvimento dos velhos e dos novos actores escolares, testemunhando-se que, efectivamente, não é dado aos órgãos colegiais do agrupamento poder suficiente para, autonomamente, influenciar as políticas curriculares locais, mesmo percebendo a necessidade que há de as inscrever em linhas orientadoras macropolíticas? 192 Ética e formação dos responsáveis pela governação das escolas Maria Helena Sousa Mestre em Ciências do Desporto, Escola EB 2/3 de Caldas das Taipas A partir do momento em que exigimos às organizações educativas que acautelem e promovam o potencial democrático, de autonomia e de cidadania, de tolerância e de respeito activo pelos direitos humanos, estamos numa acção extremamente exigente em termos políticos e éticos (Lima, 2000:71). Introdução As nossas sociedades são, de forma crescente multiculturais, nelas convivem, diversas concepções de vida, de onde decorrem posições morais, por vezes, contraditórias. Aliás, Cabral realça que, mesmo sem esse encontro-desencontro de diferentes culturas e mentalidades que a globalização estimula, nas modernas democracias, o pluralismo é um dado adquirido e valorizado, havendo muitos pontos de vista diferentes e discordantes sobre questões éticas (2001). A justiça surge assim, “como expoente máximo dessa ligação, porque pressupõe que o indivíduo seja capaz de equilibrar os seus interesses e pontos de vista com os interesses mais gerais da sociedade” (Marques, 2003:48). No contexto da administração escolar, Barroso (2002: 313) refere as suas características específicas em Portugal, especificando que, até finais da década de 80 havia um forte centralismo da administração da educação e gestão escolar baseada, até 1991 numa direcção colegial de professores eleitos, sem que fosse exigida qualquer formação prévia em administração e gestão escolar. Contudo, a partir dos finais da década de 80, verifica-se uma alteração da política educativa, com o desenvolvimento de uma retórica e de algumas medidas legislativas, visando a descentralização territorial da administração, o reforço da autonomia das escolas e uma alteração das estruturas e processos de gestão, privilegiando a direcção unipessoal, a participação dos pais e qualificação dos gestores. Estas medidas avivaram o debate político, com um dado envolvimento da comunidade científica, tendo sido responsáveis por um aumento da procura de formação nesta área e pelo aparecimento de uma literatura/formação, muitas vezes do tipo gerencialista (primado das técnicas de gestão sem reflexão crítica) nem sempre sustentada quer do ponto de vista teórico quer da pesquisa, devendo ter presente os efeitos que decorrem de um aumento abrupto da procura da formação nesta área (ibidem:314) 1 - ÉTICA E EDUCAÇÃO “Parece que entramos numa era caracterizada por G. Lipovetsky (1992) como correspondendo ao ‘crepúsculo do dever’, em que a progressiva libertação da Humanidade dos vestígios dos deveres infinitos e obrigações absolutas é cada vez mais um facto” (Estevão, 2004:71). Neste sentido, outros autores referem que nos confrontamos com um paradoxo ético, ou seja, as nossas tarefas éticas, assim como as nossas opções morais, parecem aumentar cada vez mais, ao mesmo tempo que diminuem os recursos simbólicos e os critérios seguros para as levar a cabo. 193 Relativamente às formas que o fenómeno ético vai assumindo, actualmente o próprio Estado também é atacado nas suas políticas distributivas, ou seja, nas bases morais da sua racionalidade, sendo acusado de sustentar sistemas sociais que desresponsabilizam e reduzem a iniciativa privada (devendo ter uma visão dos direitos sociais predominantemente mais compensatória do que distributiva) (Estevão, 2004:71). “Se este é o cenário em termos de orientação política mais ampla, tal fenómeno não pode deixar de ter repercussões ao nível da educação (e gestão das escolas) e de constituir-se um novo desafio para os educadores, sobretudo se estes apostarem noutros modos de tratar os mesmos problemas morais da modernidade” (ibidem:71). A educação, como missão eminentemente social e consciência crítica de uma sociedade, é indissociável da percepção que cada geração detém dos seus dramas quotidianos, assim torna-se num espaço crítico onde o ético e o moral se entrecruzam, num jogo de complementaridades difíceis. Na raiz do educativo está desde sempre a missão formativa disciplinadora, moralizadora, e a noção de ideal e limite que cada modelo de racionalidade pedagógica pensa e introduz. Encontra-se assim, no horizonte utópico que inquieta e dinamiza cada modelo, o sujeito ético na sua singularidade e complexidade, na sua irredutível resistência a ser pensado como ou dentro de um modelo (Gambôa, 2004:7). Por isso, o pensar ético e as suas ligações com o moral é o eixo central, incontornável, que importa continuamente revisitar. É sobre ele que agem as finalidades e estratégias político-educativas e que a pedagogia como prática-teórica se efectiva. Neste sentido, decidir moralmente é decidir de acordo com um exame sério, autónomo e consciente, onde a educação visa a autonomia, isto é, reforço da capacidade de escolher e decidir inteligentemente, ou seja, moralmente. Ao nível da escola, a ética diz respeito a toda a vida pública de uma comunidade e, por conseguinte, a escola é incapaz de ser neutral do ponto de vista axiológico, na medida em que toda a educação assenta numa base normativa e a escola, por sua vez, tem a ver com valores básicos, onde a justiça está intimamente ligada ao posicionamento ético relativo ao modo como se pensa e actua na escola de acordo com as próprias concepções e práticas de pedagogia (Gambôa, 2004:72). Deste modo, a escola é incapaz de se posicionar como indiferente face aos valores e desde logo, à concepção de cidadão que se pretende para a nossa sociedade, “consequentemente a questão está na adesão a um determinado conjunto de valores em detrimento de outros, ou seja, a escola está sempre perante a necessidade de optar: ou por uma filosofia autoritária que assume uma concepção de justiça comprometida com a lógica competitiva e com considerações economicistas, ou por uma filosofia pública democrática que dá ‘credibilidade a uma forma emancipatória de cidadania em cuja parte medular se colocam a igualdade e a vida humana’ (Giroux, 1993:34, citado por Estevão, 2004:73). Ora esta filosofia pública, segundo este autor deve basear-se num ‘discurso ético que preste atenção às questões da responsabilidade pública, da liberdade pessoal e da tolerância democrática’”. Esta filosofia recentra a justiça entendida como realização dos ideais de liberdade e de igualdade, de uma justiça radical, devendo os educadores reconhecer e assumir uma postura ética protestando contra as práticas ideológicas e sociais da sociedade capitalista (ibidem:72), reforçando o dever de desenvolver uma visão do futuro contra-hegemónica, virada para a melhoria da qualidade de vida humana (numa pedagogia crítica e não ficar apenas na indignação moral (ibidem:73). 194 A visão da gestão escolar começa a dar o passo e a impregnar-se da relevância inerente aos problemas de ordem ética, social, interpessoal e política (Sanches, 1999:65). Privilegiando a análise dos aspectos, “nomeadamente aquele que se relaciona com a questão da justiça e da ética ao nível da organização da escola, com particular ênfase na gestão escolar, uma vez que a gestão não é apenas uma questão técnica, mas apresenta também uma tonalidade moral que aponta para o que deve ser e para a necessidade de justificar a maneira como algo é obtido ou gerido” (Estevão, 2004:74). Uma teoria crítica, em administração escolar, exige uma prática moral e o compromisso com a institucionalização de valores como os da liberdade, igualdade e com outros princípios da sociedade democrática, uma governação democrática que deve multiplicar os espaços abertos à participação e ao confronto democrático, contribuindo para uma intelectualização dos actores educativos. A investigação e a observação empírica mostram que um dos principais factores da eficácia escolar (se não o principal) reside nos órgãos directivos dos estabelecimentos de ensino (Delors, 1996:141; Novoa, A., 1992:83). Neste sentido, é de realçar que a preocupação do gestor educativo (ou de qualquer outro actor escolar) deve consistir na obrigação de propor princípios democráticos para as escolas, respeitando a ideia de que as “Escolas justas são mais para serem desejadas do que para serem bem geridas”, dado que “democracia e justiça são mais importantes que a gestão e o controlo” (Ward, 1994:24 citado por Estevão, 2004:74). “Para o reencontro da escola com o sentido emancipatório da sua missão, os modos de gestão industrial-mercantil ou de uma gestão burocrática que corresponda domesticamente às demandas da administração central do ministério da educação, tornam difícil à escola, enquanto organização que educa o direito e a obrigação de se comprometer com a necessidade de buscar o sentido para as suas acções e interacções” (Estevão, 2004:74). Assim, a governação da escola deve facilitar uma actuação guiada pela tolerância e a justiça e de reconhecimento cultural. “Esta posição vai implicar, que a autoridade no seio da escola deixe de ser encarada como um meio para manter a dominação ou preocupada com propósitos instrumentais de ensino, mas procurando antes definir-se de um ponto de vista emancipatório, baseada nos princípios da democracia, da solidariedade e da esperança, ou seja, justificada numa teoria da ética” (ibidem:75). Neste sentido, os gestores ou directores das escolas devem ser socializados nos valores da educação e não, apenas, nos procedimentos de uma boa gestão técnica, porque a ideologia da nova gestão pressupõe que a gestão da escola se coloque do lado de um discurso que acentue o ethos do serviço público em detrimento do ethos orientado para o cliente, ou seja, a governação das escolas deve emergir como uma prática social que incorpora uma dimensão ética e crítica, e instituir-se como uma verdadeira “especialidade educacional” mais do que como uma ‘especialidade técnica’” (ibidem:75). 1.1 – “Ética da Crítica” R. Starratt (1991 e 1994), também, defende “que os gestores educativos devem orientar-se para as dimensões ligadas a uma ‘ética da crítica’, dado que a escola pública é fundamentalmente uma instituição moral, pois, deve preparar as crianças e os jovens para assumirem responsabilidades e papéis de cidadania numa sociedade democrática” (Estevão, 2004:75). “A ética da crítica, partindo da consciência de que a realidade social e organizacional é atravessada por arranjos de poder e interesses, privilégios e influências, que nem sempre são fáceis de 195 desocultar, vai preocupar-se, então, com quem controla, com quem legítima e com quem define as hierarquias, os privilégios e o poder” iluminando as práticas não éticas no governo e e gestão das escolas (ibidem:76). Para alem destas dimensões, a ética da crítica visa questionar, entre outros, os seguintes aspectos: - A tendência para a reprodução do statu quo; - A predestinação social; - As visões tecnicistas e instrumentais quer do ensino quer da aprendizagem; - O carácter reverencial da gestão e da liderança; - O endeusamento do valor e da ciência; - O individualismo na realização pessoal; - O privatismo moral; - A conformidade e a passividade face à autoridade; - Os privilégios da hierarquia; - As distorções e distinções de classe; - As definições hierárquicas do poder; - A cultura do silêncio; - O não reconhecimento das diferenças; - A não representação dos interesses de todos; - Os estereótipos culturais negativos; - As lógicas de dominação e subalternização dos diferentes capitais ou poderes; - As práticas produzidas pelo habitus gerado pela escola, de acordo com a cultura considerada legítima; - A inclusão pela não participação; - As práticas de disciplinação; - A etiquetagem moral e académica dos alunos; - A ideologia meritocrática; - As práticas de selecção na organização de turmas; - Os processos tecnocráticos de avaliação; - O ranking das escolas. “Como consequência, esta ética da crítica visa a denúncia de lógicas colonizadoras ou instrumentalizadoras, pouco apropriadas com a educação e que tendem a convocar a excelência da gestão empresarialista ou da gestão privada, transferindo-a acriticamente para o campo da educação” (ibidem:77). Esta concepção mais ampla e complexa de ética, torna-se crucial, sobretudo num período em que a própria escola “é tocada também pela crise da crítica” (Derouet, 2000ª:18, citado por Estevão, 2004:77) precisamente em nome da cruzada pela excelência. 1.2 – “Ética da Justiça” No sentido de promover uma ordem social justa na escola, R. Starratt, propõe-nos neste sentido, avançar para uma “ética da justiça” que, independentemente da sua fundamentação antropológica e epistemológica, deve responder claramente às problemáticas ou conseguir um consenso mínimo sobre os valores: da igualdade; da liberdade; da participação democrática e dos direitos humanos. 196 Deve-se exercer uma “política da justiça que deve levar a colocar o outro em posição de exprimir os seus direitos de um modo que não colida com a expressão dos direitos dos outros actores, ou seja, com a ética da justiça pretende-se ampliar a noção de ética, uma vez que se determina que máximas de acção poderão ser consideradas morais” (cf. Apel, 1994 citado por Estevão, 2004:77). A ética da justiça deveria implicar na escola: - a clarificação de valores; - a resolução negociada de conflitos; - a representação equilibrada dos diferentes interesses; - a participação dos actores nos processos que lhes dizem respeito; - a simetria nas condições de participação; - a criação de fóruns de discussão pública dos problemas da escola; - a comunicação intersubjectiva e pública de temas éticos; - a responsabilidade social; - a prevalência da razão comunicativa nos processos organizacionais; - a criação de uma ordem social justa; - uma política de igualdade não descaracterizadora da diferença; - uma política diferenciada da diferença que não inferiorize; - a inter/multiculturalidade na escola; - a politização das desigualdades. Deste modo, “a ética da justiça vai exigir aos actores educativos uma particular mobilização da competência cívica que tenha presente não apenas os interesses universalisáveis mas também os diversos dialectos ou gramáticas da justiça, obrigando-os a tomar posição e a estabelecer prioridades face ao pluralismo real e à especificidade das lógicas dos vários mundos que propicia a construção e aceitação de um ‘código moral mínimo e universal’, na expressão de M. Walzer (2001), que deve presidir à vida colectiva” e determinar as decisões no interior da educação e da própria escola (ibidem:78). Em síntese, Estevão (2004:79) realça a “necessidade de os actores educativos recusarem pedagogias socialmente regressivas e desenvolverem ‘uma sociologia de práticas justas’ (Gewirtz & Cribb, 2002) que não fica paralisada com visões mais ou menos fatalistas (decorrentes de representações reprodutivas que defendem não ser possível alterar nada na escola sem que primeiramente as relações sociais se transformem) mas que exige dos actores uma luta constante para afirmarem nas relações pessoais quotidianas os princípios da justiça social”, sendo fundamental que os actores escolares potenciem os espaços micro-emancipatórios no interior da escola, devendo estar atentos às “pedagogias, práticas e políticas socialmente justas que estão emergindo ou podem emergir” (Gewirtz, 2002:15 citado por Estevão, 2004:79). 1.3 – “Ética do Cuidado” R. Starratt acrescenta para além da ética da justiça, a ética do cuidado (a reciprocidade, a gratuitidade, a renúncia à auto-referência e ao cálculo, que coloca esta competência do cuidado antes da justiça, porque a justiça é ainda uma forma de disputa) que implica no entender de Estevão (2004:79), “não apenas a desmercantilização dos mundos de vida escolares e o abandono de uma praxis utilitarista da razão instrumental, mas também a justiça efectiva ou do amor”, ou ainda, “a consciência do justo é uma forma de consciência moral, mas não a única, (no) mundo 197 moral soa a voz da justiça, mas também ‘uma voz diferente’: a voz da compaixão e do cuidado” (A. Cortina, 1997:155). A ética do cuidado exigiria assim, de modo mais concreto, e no que se refere à escola: - fidelidade às pessoas; - respeito pela individualidade de cada um; - lealdade ao colectivo; - celebração da amizade; - relações personalizadas; - cooperação; - autonomia vivida em e através da solidariedade; - simbologia de reconhecimento do papel dos outros; - reconhecimento da dimensão afectiva da justiça. “Esta expressão da ética não muda a prioridade da justiça, mas enriquece-a com outras competências (como as da dádiva e do altruísmo desinteressado) com outros valores (como os da responsabilidade, solidariedade, e sensibilidade social), ou seja, a ética do cuidado reforça a vibração afectiva da racionalidade emancipadora” (Estevão, 2004:80), trata-se de uma ética com uma visão mais realista da escola como “cidade” que visa formar cidadãos. Neste sentido, uma escola mais justa não pode deixar de integrar valências críticas e uma preocupação pela clarificação e a educação de valores, de forma a enriquecer as oportunidades de aprendizagem e na valorização de campos como o da igualdade de oportunidades e da educação multicultural. Deve-se recorrer também à “justiça curricular” como componente da justiça organizacional, que se enquadra antes no debate mais radical da justiça social e também na estratégia para realizála, propiciando assim, às escolas uma refundação do seu actuar ético, aprofundando os sentidos da ética, da microfísica da desigualdade, da natureza dialéctica dos direitos humanos e da moral (Estevão, 2004:82). 2 - Formação É evidente que a formação dos administradores da educação só encontra o seu pleno significado, quando se pretende dotar a administração da educação com o pessoal de que tem realmente necessidade. Essa formação deve necessariamente tomar em consideração as características e as funções duma administração moderna da educação (Unesco, 1988:7). Deve-se assim, encarar a gestão escolar de forma integral, consciente, transformadora e participativa onde se torna necessário uma formação, porque a falta de formação tem levado a que estilos de condução da escola sejam extremamente dependentes das características pessoais dos directivos. Neste âmbito, deve-se atender à complexidade do universo profissional, às suas interacções sociais, enredos políticos, a diversidade de experiências de profissionalidade no interior da escola. Assim sendo, a formação deve partir do pressuposto de que o profissionalismo do ofício do gestor escolar não pode fazer-se à margem do ofício do professor, ou seja, a perícia gerencial e também a perícia pedagógica (Estevão, 2002:88). Neste sentido, partindo da ideia de que a administração é uma prática social, incorporando uma dimensão crítica, a formação na área da administração e gestão educativa deve, respeitar esta mesma área como uma “especialidade educacional mais do que uma especialidade técnica” (Fos- 198 ter, 1994:43), devendo estar comprometida com a aprendizagem, enquanto desenvolvimento de uma forma pública de discurso. Esta formação deve contemplar alem de competências funcionais, um marco analítico em que estejam presentes dimensões ligadas a uma “ética da crítica”, uma vez que a escola pública é fundamentalmente uma instituição moral, pois deve preparar os alunos a assumirem responsabilidades e papéis de cidadania numa sociedade democrática (Estevão, 2004:89). Neste contexto, a formação do gestor educativo deve partir, da concepção de que é um líder político e defensor da educação e deve erigi-lo em actor que propõe princípios democráticos e escolas justas. O actual impulso dado à formação nas organizações pode equivaler de construir a cidadania organizacional (ibidem:89). Em sentido mais positivo, Estevão (2004:112) considera que “um dos pontos essenciais para a reconstrução da formação e, consequentemente, para a credibilização dos professores como profissionais, é o que se prende com a potenciação ética dos seus destinatários e particularmente com a potenciação das práticas de cidadania crítica no interior das organizações”. Dadas as exigências actuais de trabalho, cada vez mais complexas, e dada a maior reivindicação de humanização das relações humanas e de valorização do capital humano a que assistimos, a formação é desafiada a participar na construção do espírito da cidadania (Estevão, 1999). Assim, “os dispositivos da formação podem contribuir para o acréscimo de democratização e justiça, capacitando o professor-cidadão a avaliar as práticas informais e os mecanismos formais que desvalorizam determinado actores, mas podem sobretudo, institucionar e legitimar desigualdades, naturalizar formas de organização do trabalho pouco compatíveis com os ideais de justiça e da cidadania, para que se consiga reforçar a cidadania organizacional, contribuindo para ampliar o espaço democrático no interior das organizações sendo capaz de dignificar os trabalhadores como agentes da sua própria formação” (ibidem:112). Estevão (1999:50) realça ainda que a cidadania organizacional enquadra-se num conceito mais amplo de cidadania social, visando promover a oportunidade de maior equidade no interior das organizações, induzindo novas “gramáticas de conduta” mais consentâneas com os princípios da justiça e da democracia. Torna-se fundamental reflectir e reorganizar a formação contínua dos profissionais de educação (enquanto profissional e cidadão) como um dos eixos de reforço e desenvolvimento de políticas públicas do campo social, como reforço e apropriação geradora de situações e dispositivos de maior equidade e cidadania, porque assume muitas vertentes assentes, no entendimento do profissional, enquanto consumidor e cliente por oposição ao profissional experiente, crítico e cidadão (Monteiro, M., 2003: 223). Deste modo, devemos atender ao facto de a formação se justificar não apenas por razões científicas, mas também por razões éticas e políticas, não escapando aos debates sobre igualdade e justiça que atravessam a sociedade. Por isso, esta deve ser pensada também de modo a inquietar os professores como “intelectuais públicos”, levando-os a encarar a própria pedagogia, numa maior preocupação pela promoção e, por outro lado, de uma “organização ética da escola”, quer ao nível interpessoal, quer aos níveis organizativo e cultural (Estevão, 2004:114). Neste contexto, torna-se essencial enriquecer a agenda académica da administração educacional, por um lado, e a agenda de formação para os responsáveis pela governação das escolas e dos sistemas educativos, por outro, por uma perspectivação mais dialéctica e política entre estrutura, estratégia, cultura e sistema, assim como através do exercício da ética da crítica e da ética da justiça e da solidariedade (Estevão, 2001). 199 Conclusão A reflexão filosófica dos que se debruçam sobre o futuro, do ponto de vista sociológico, aparecem indícios de uma escola humana para todos (em contraste com a escola elitista do passado e a escola de massas do presente), tem como característica uma gestão democrática, profissional e autónoma da vida escolar. O que a sociedade portuguesa necessita, o que a reforma educativa exige são professores que em todas as situações sirvam a causa da educação e que neste compromisso básico se regem intransigentemente pela sua consciência ética, subordinando os seus interesses ao bem comum dos seus alunos (Cunha, 1996). Não havendo uma teoria de gestão escolar propriamente dita, a prática mostra, a nível dos estabelecimentos e a nível das políticas dos sistemas educativos e dos valores que lhe associamos, a influência da evolução das teorias de gestão em geral, filtradas por diferentes correntes pedagógicas, a que não são alheias, evidentemente, as influências da psicologia e da sociologia educacional. Cada vez mais a gestão escolar, é uma área interdisciplinar, que implica saberes específicos, e que tem evoluído de acordo com o percurso histórico das suas influências (Climaco, M.C., 1988:14). Deste modo, a administração não se ocupa do esforço despendido por pessoas isoladamente, mas com o esforço humano colectivo (Paro, 1986:23). Pretende-se assim, gestores nas escolas com ética e conduta moral, porque pretende-se uma educação para todos baseada em valores morais para uma sociedade mais justa e democrática. Somos todos sujeitos morais, chamados a encarnar nas nossas acções as propostas da moralidade: a consciência moral, a responsabilidade e a sabedoria prática e a prudência (Etxeberria, 2002:85). Identificado o caminho, por que se torna tão difícil nele caminhar? (Pacheco, 2001:51). 200 A Educação / Formação no espaço europeu num cenário de globalização António S. Fortunato de Boaventura CFAE - Esposende “Os sistemas educativos nos nossos países debatem-se com sérias dificuldades, que não apenas de natureza orçamental, dado que se relacionam com os males das nossas sociedades – a desintegração das famílias e a desmotivação resultante do desemprego – e que reflectem uma alteração da própria natureza do conteúdo do ensino. A fim de preparar a sociedade de amanhã, não basta possuir apenas um saber e um saber-fazer adquiridos de uma vez por todas. É igualmente imperativo dispor de uma capacidade para aprender, comunicar, trabalhar em grupo, avaliar a sua própria situação. As profissões de amanhã exigirão a aptidão para formular um diagnóstico e elaborar propostas de melhoria a todos os níveis, a autonomia, a independência de espírito e a capacidade de análise que o saber proporciona.” (Comissão, 1993, 17) Um novo paradigma mundial Neste princípio de milénio em que o global e o local coexistem no quotidiano dos cidadãos dos Estados, as questões sobre o desenho dos sistemas educativos colocam-nos questões para as quais as respostas são a maior parte das vezes fugazes e duma hipercomplexidade que levam o mesmo cidadão a interrogar-se sobre a eficácia desses mesmos sistemas. A interdependência dos sistemas Comunidade / Estados / Mercados e a possibilidade de um destes controlar e subordinar os outros é um dos cenários possíveis que pode caracterizar a actualidade. E nesta complexidade social e política, a questão da noção de Estado-Nação, a própria noção de identidade nacional, onde se desenvolvem eventualmente as políticas educativas, assume, do meu ponto de vista, o cerne da problemática Educação / Formação num espaço europeu e de globalização. A identidade nacional é uma construção complexa onde as componentes – ética, cultural, territorial, económica e político-legal, interagem. A totalidade destes componentes são atingidos pela população nos finais do século XIX ou inícios do século XX. Todavia, o aparecimento dos EstadosNação actuais resulta de um longo processo histórico. Neste processo histórico são essenciais os conceitos de etnia e etnogénese. Pertencer a um grupo étnico é motivo de certas atitudes, percepções e sentimentos, da parte dos sujeitos que o compõem. A identidade nacional é de todas as identidades colectivas partilhadas nos nossos dias pelos seres humanos a que é mais fundamental e inclusiva. O mundo de hoje ainda está essencialmente dividido em “Estados-Nação”, Estados que afirmam ser legítimas nações e que tal identidade justifica a tendência para a democracia e soberania popular assim como por vezes para a tirania. “... com a instituição da cidadania igualitária, o Estado-nação forneceu não apenas legitimação democrática, mas criou também por meio de uma participação política generalizada, um novo nível de integração social. Para que possa conservar essa função integrativa, é preciso, no entanto, que a cidadania democrática seja mais do que um mero status legal: é preciso que ela se torne o foco central de uma cultura compartilhada” (Habermas, 1995: 95-96). 201 Politicamente, a identidade nacional determina o próprio regime político, como legítima e influencia os objectivos políticos e os sistemas administrativos que regulam o quotidiano dos cidadãos. Segundo a concepção de Max Weber, o Estado é a instituição que detém o monopólio da violência legítima na sociedade. “ … entre as várias sanções implicadas pela manutenção da ordem, a mais radical de todas – a força – só pode ser aplicada por uma instituição social específica claramente identificada, bem centralizada e disciplinada. Essa instituição, ou conjunto de instituições é o Estado” (Gellner, 1993: 14). Um fenómeno verdadeiramente global é o conceito de nação e de nacionalismos. O sonho nacionalista, baseado num mundo de nações, esteve e ainda está na base de inúmeros conflitos e resistências populares. “A globalização do nacionalismo, se não ainda de nação homogénea é uma realidade poderosa, realidade essa que condiciona a nossa perspectiva cultural e o nosso empenhamento político” (Smith, 1997: 177). Mas, a questão que se coloca actualmente, é como podemos conciliar essa identidade nacional com a crescente interdependência global. Como conciliar a sociedade de crescimento perpétuo na linha dos movimentos liberais liderados por Adam Smith e o derrube do Estado, ou pelo menos a sua diluição. A exigência da produtividade elevada exige uma divisão do trabalho complexa e sofisticada. A rede do crescimento económico exige um novo tipo de organização política e institucional. A acumulação capitalista exige novas bases territoriais. A internacionalização do comércio e do capital, claramente visível nos novos acordos internacionais sobre a mobilidade de bens, mercadorias e capitais, está a abolir a dimensão do Estado-Nação (Amaro, 1990: 11-15). Assistimos hoje à de-territorialização das actividades económicas e, simultaneamente, à re-territorialização, com o ressurgimento de identidades territoriais sub-nacionais (Adda, 1997). “A fórmula secreta da antropolítica não se limita ao pensar global, agir local, ela exprime-se pelo acasalamento: pensar global / agir local, pensar local / agir global” (Morin, 1993: 139). A pós-modernidade e a globalização trouxeram consequências significativas ao nível das organizações. A mundialização económica trouxe uma babelização política e cultural. “Nos últimos vinte e cinco anos, a produção mundial triplicou, mas as trocas mundiais quadruplicaram, reforçando sem cessar a integração das economias; de um extremo ao outro do mundo circula-se nos mesmos autocarros, bebe-se a mesma cerveja, escutam-se as mesmas músicas, vêem-se os mesmos filmes, lêem-se os mesmos best-sellers, fala-se o mesmo inglês basic e Ted Turner distribui a mesma informação a todos os telespectadores do globo” (Sérieyx, 1995: 4344). Mas ao mesmo tempo surge um novo Patchwork, guerras em África, no Golfo, o terrorismo internacional, etc., levanta-se de novo os cenários do racismo, a xenofobia, o nacionalismo intolerante, o horror ao outro, etc. Neste cenário, a revolução da inteligência, defendida por Morin, Rosnay, Tofler e o “Knowledge Worker” de P. Drucker, Touraine (1994, 1996), etc., é mais do que necessária, todos consideram que a educação é fundamental para o novo discurso organizacional, mas que assume a maior parte das vezes uma visão muito fragmentada do real. A educação favorece a aquisição passiva de conhecimentos; encoraja o trabalho solitário; sobrevaloriza a abstracção em relação ao concreto; ensina um método cartesiano empobrecido e não faz a integração dos conhecimentos. 202 “A verdade é que se Taylor está morto, os seus filhos assemelham-se-lhe: raramente se alterou o coração ou mesmo a essência das nossas organizações. E isto pela conhecida razão de que esta forma de organização traduz fielmente a nossa visão do mundo, a nossa leitura do real, a estrutura do nosso pensamento – aquilo que os ingleses chamam way of thinking, os alemães weltauschung e em francês traduzimos por paradigma”. (Sérieyx, 1995: 94). Se durante os anos 80 se procurava identificar um cliente por detrás de cada pessoa, nos anos 90 procurava-se a pessoa por detrás de cada cliente, hoje procura-se preparar o cidadão para enfrentar os desafios da era da incerteza. Esta orientação, sendo identificada e prescrita, é de difícil implementação. O mecanicismo estatal nas orientações sociais e até mesmo económicas está destinado a algum insucesso. Deve passar-se do poder emprestado para um poder concedido, ou seja, passar-se para um verdadeiro princípio de subsidariedade. Só através duma verdadeira descentralização é possível responder-se ao inesperado ou mesmo ao insólito. A gestão na complexidade determina uma gestão fluida e flexível. “Nunca o Estado foi tão poderoso e se mostrou tão ineficaz. Todas as curas de emagrecimento que lhe foram impostas não passaram de falsos regimes, incluindo a descentralização que consistiu, finalmente, em reforçar o papel dos escalões locais da organização estatal, sem aliviar o corpo central. A prosápia conduziu à impotência. Por desejar intervir em tudo, mesmo no domínio do mercado, o Estado perdeu o essencial da sua credibilidade. Negligenciou sobretudo as suas funções essenciais, as suas tarefas régias (justiça, defesa, fiscalidade, educação), estando todos os sectores agora próximos da falência” (Sérieyx, 1995: 128). Todavia, qualquer iniciativa local ou regional deve preocupar-se com a dimensão internacional. Não se torna uma cidade ou uma região com importância internacional se não forem os próprios agentes locais a fazê-lo; nunca se pode conseguir posições nesta “economia mundo” por decreto, mas pelo empenho localizado dos seus agentes. O abandono por parte dos países da União Europeia de largas faixas de soberania são manifestações claras no domínio económico, social, cultural e político de um novo paradigma mundial. É necessário ter-se um sentido, uma direcção e ao mesmo tempo passar-se de uma concepção de homo-pyramidus (de mármore, rígido, fordista) para o homo-recticularis (de rede, flexível, de interacção criativa, “toyotista”). Um novo paradigma é essencial para as organizações no sentido de responderem a este cenário de globalização. A integração de Portugal no Espaço Europeu Após a Revolução de Abril de 1974, o posicionamento de Portugal no sistema mundo mudou e passa a ser radicalmente distinto. 203 De um posicionamento nitidamente atlântico e especificamente voltado para o seu império colonial, volta-se para o Continente Europeu, reforçando a democracia restaurada e integrando-se num novo espaço económico que trará novos desafios, incluindo como será de esperar, um novo papel para a educação / formação e cultura, assumindo estas uma função primordial na construção e manutenção de uma sociedade democrática. Com a nossa adesão de pleno direito em 1986 as modificações no tecido económico não se fizeram esperar, sucedendo o mesmo no sector da educação. O alargamento da escolaridade obrigatória e a democratização da escola a classes sociais mais desfavorecidas provocaram o que se designou por “massificação” da educação, suscitando um aumento exponencial de professores. Tal crescimento veio concerteza colocar questões de base no que concerne à valorização da carreira docente e à formação inicial e contínua, e que, hoje, devido à grave situação económica, institucional e política assumem um redimensionamento que afecta a sociedade em geral. As contextualizações dos sistemas educativos, passando pelas problemáticas da actual agenda, como, ”territórios educativos”, ”autonomia”, “currículos alternativos”, “administração e gestão”, “escolas eficazes”, “formação contínua”, “formação e educação ao longo da vida”, ”reconhecimento social da Educação, da Escola e da profissão docente”, “a escola na sociedade do conhecimento”, “a resposta à globalização”, etc., devem ser vistas como elementos dum novo paradigma, duma nova mundividência, já atrás referida. Não sendo os “problemas”, atrás referidos como verdadeiros “novos problemas”, todavia eles concretizam as culturas organizacionais especializadas, localizadas, regionalizadas. Pretendem ser espaços de “autonomia”, numa “luta prometaica” entre a dimensão local e a estandardização, entre a diversidade cultural - exemplificada na Babel das linguagens - e um discurso “orientador” ou “desorientador” duma cultura popular universal, global e mundializada. “As calças de ganga, a comida rápida, a música rock e as séries televisivas americanas varrem há anos o mundo”. (Gell-Mann, 1997: 364). No caso concreto de Portugal muitas das materializações do sistema educativo são influenciadas por duas grandes vertentes de orientação. Na 1.ª vertente são fundamentais as “mega” orientações da União Europeia, designadamente: • Acto Único Europeu; Reforma dos Fundos Estruturais; Criação do CEDEFOP e EURYDICE; Conclusões do Conselho e dos Ministros da Educação reunidos em Conselho em 14 de Maio de 1987; O Tratado da União Europeia (Maastricht); As linhas directrizes para uma acção comunitária em matéria de Educação e Formação; O “Livro verde”- A Dimensão Europeia da Educação; O “Livro branco“- Crescimento, competitividade, emprego; Os desafios e as pistas para entrar no século XXI; O “Livro branco”- Ensinar e aprender rumo à sociedade cognitiva; Os programas Leonardo e Sócrates; O Conselho Europeu de Lisboa – objectivo estratégico para 2010. • A nível Nacional, sinteticamente: - A Lei de Bases do Sistema Educativo; O Estatuto da Carreira Docente; A avaliação de desempenho; O Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores; I, II e III Quadro Comunitário de Apoio. 204 Na 2.ª vertente, apontaremos os grandes objectivos da formação contínua dos professores da União Europeia, mas ao mesmo tempo a grande diversidade dos mesmos sistemas, designadamente na organização da formação, estruturas, estatuto dos centros, obrigatoriedade de frequência. Nesta linha e porque atravessamos importantes mudanças na concepção da educação e da escola, será pertinente alguma reflexão histórica sobre a tradução da Dimensão Europeia da Educação, seja nos currículos ou nas práticas pedagógicas. 1ª Vertente 1 – Etapas fundamentais do desenvolvimento da dimensão europeia na educação Quando falamos da educação e formação e as associamos numa Integração Europeia, numa União Europeia, profundamente alterada, tendo em conta os tratados de Maastricht (1992) e Amesterdão (1997) é útil referir as principais etapas do desenvolvimento da Dimensão Europeia na Educação. • Fundo Social Europeu (CEE) 1957. • Resolução do Conselho e dos Ministros da Educação, reunidos no seio do Conselho de 9 de Fevereiro de 1976: o Informações sobre sistemas educativos o Promoção de aprendizagem de línguas. • Declaração de Estugarda de 19 de Junho 1983: o Cooperação entre estabelecimentos de ensino superior o Informação sobre história e culturas europeias. • Declaração de Fontainebleau de 25 e 26 de Junho de 1984: o Promoção da identidade da comunidade junto dos seus cidadãos e do mundo. • Acto Único Europeu. • Reforma dos Fundos Estruturais. • Criação do CEDEFOP e EURYDICE . • Resolução do Conselho e dos Ministros da Educação, reunidos no seio do Conselho de 24 de Maio de 1988. • O Tratado da União Europeia (Tratado de Maastricht). • As linhas directrizes para uma acção comunitária em matéria de Educação e Formação. • O “Livro Verde” - A Dimensão Europeia da Educação. • O “Livro Branco” – Crescimento, competitividade, emprego. Os desafios e as pistas para entrar no século XXI. • O “Livro Branco” – Ensinar e aprender. Rumo à sociedade cognitiva. • Programas LEONARDO e SÓCRATES. • Relatório 96: mudar a Europa através da Educação e Formação. • Recomendação de 23 de Abril de 1998 sobre o EURO. 205 • Resolução “Rumo ao terceiro milénio: elaboração de novos métodos de trabalho para a cooperação europeia no domínio da educação e da formação profissional” – 1999. • Conselho Europeu de Lisboa de Março de 2000 (Estratégia de Lisboa) • Comunicação da Comissão em Maio de 2000 (e-learning – pensar a educação de amanhã). • Resolução do Conselho sobre “e-learning” – Junho de 2001. • Comunicação da Comissão “realizar um espaço europeu de educação e de formação durante toda a vida” – Novembro de 2001. • Recomendação 2002 do Conselho da Europa sobre “Educação para a cidadania democrática”. • Conselho Europeu de Barcelona – Março de 2002 – “Programa de trabalho detalhado sobre o seguimento dos objectivos de educação e formação na Europa”. • Acção Plano 2005 e “e-Europa 2005”. A Educação e Formação no Tratado da União Europeia Referimos que uma das etapas essenciais foi a instituição da União Europeia com o Tratado de Maastricht. De facto pela primeira vez a Educação passa a estar incluída nos próprios tratados que pela sua importância será de referir. Assim no título VIII (Política Social, a Educação, a Formação Profissional e a Juventude), o Artigo 126º refere que: A Comunidade contribuirá para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, incentivando a cooperação entre Estados membros e, se necessário, apoiando e completando a sua acção, respeitando integralmente a responsabilidade dos Estados membros pelo conteúdo do ensino e pela organização do sistema educativo, bem como a sua diversidade cultural e linguística. A acção da Comunidade tem por objectivo: • desenvolver a dimensão europeia na educação, nomeadamente através da aprendizagem e divulgação das línguas dos Estados membros; • incentivar a mobilidade dos estudantes e dos professores, nomeadamente através do incentivo ao reconhecimento académico de diplomas e períodos de estudo; • promover a cooperação entre estabelecimentos de ensino; • desenvolver o intercâmbio de informações e experiências sobre questões comuns aos sistemas educativos dos Estados membros; • incentivar o desenvolvimento do intercâmbio de jovens e animadores sócio-educativos; • estimular o desenvolvimento da educação à distância. A Comunidade e os Estados membros incentivarão a cooperação com países terceiros e com as organizações internacionais competentes em matéria de educação, especialmente com o Conselho da Europa. Assim como o Artigo 127º: 206 A Comunidade desenvolve uma política de formação profissional que apoie e complete as acções dos Estados membros, respeitando plenamente a responsabilidade dos Estados membros pelo conteúdo e pela organização da formação profissional. A acção da Comunidade tem por objectivo: • facilitar a adaptação às mutações industriais, nomeadamente através da formação e da reconversão profissionais; • melhorar a formação profissional inicial e a formação contínua, de modo a facilitar a inserção e a reinserção profissional no mercado de trabalho; • facilitar o acesso à formação profissional e incentivar a mobilidade de formadores e formandos, nomeadamente dos jovens; • estimular a cooperação em matéria de formação entre estabelecimentos de ensino e empresas; • desenvolver o intercâmbio de informações e experiências sobre questões comuns aos sistemas de formação dos Estados membros. A Comunidade e os Estados membros incentivarão a cooperação com países terceiros e com as organizações internacionais competentes em matéria de formação profissional. É neste grande contexto que a Educação e a Formação devem ser enquadrados. É evidente, e não podemos deixar de relembrar que as políticas da União estarão sempre condicionadas pelo “princípio da subsidariedade”, segundo o qual nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém, apenas, de acordo com o princípio da subsidariedade, se e na medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados membros e possam pois devido à dimensão ou aos efeitos de acção previstos, ser melhor alcançados ao nível comunitário. A acção da Comunidade não deve exceder o necessário para atingir os objectivos do presente Tratado (Art.º 3.º B – Maastricht) 2 - Portugal – Quadro Legal Fundamental Na impossibilidade de uma referência exaustiva ao quadro legal de enquadramento da educação e formação referimos os seguintes: • Lei Bases do Sistema Educativo; • Lei-Quadro da Formação Profissional; • Estatuto da Carreira Docente; 207 • Avaliação do Desempenho; • Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores; • I, II e III Quadro Comunitário de Apoio. Nesta reflexão faremos uma descrição mais detalhada dos quadros comunitários de apoio que influenciaram as políticas dos recursos humanos em Portugal. Quadros Comunitários de Apoio Q.C.A. 1 Após a entrada de Portugal e Espanha na C.E.E. e com a assinatura do Acto Único e no âmbito do designado “Pacote Delors” foram alterados os regulamentos dos fundos estruturais, passando os Estados membros a serem responsáveis pela gestão desses fundos. O governo apresentou em 20 de Março de 1989 à Comissão, em conformidade com os normativos e calendários previstos nos regulamentos relativos à Reforma dos Fundos Estruturais, o Plano de Desenvolvimento Regional para o período de 1989/93. Pretendia-se através desse plano o objectivo 92, uma integração harmoniosa no mercado interno. O plano contava com cinco eixos prioritários de intervenção, orientadores de desenvolvimento, de que destacamos o Eixo 3 destinado à Qualificação da População Portuguesa, através do Fundo Social Europeu (FSE), fundamental para o desenvolvimento do país: • Eixo 1 – Criação de infra-estruturas económicas com impacto directo sobre o crescimento económico equilibrado; • Eixo 2 – Apoio ao desenvolvimento produtivo e às infra-estruturas directamente ligadas a este investimento; • Eixo 3 – Desenvolvimento dos recursos humanos; • Eixo 4 – Promoção da competitividade da agricultura e desenvolvimento rural; • Eixo 5 – Desenvolvimento das potencialidades de crescimento das regiões de desenvolvimento local. Eixo 3 – Desenvolvimento dos Recursos Humanos A – EDUCAÇÃO • Programa de desenvolvimento da Educação em Portugal - PRODEP Tem por objectivo generalizar o acesso à educação, com redução da taxa de analfabetismo, bem como a modernização das infra-estruturas educativas – criação de novos centros escolares e introdução de equipamentos informáticos nas escolas. 208 B – MELHORIAS DAS ESTRUTURAS DE FORMAÇÃO • Programa operacional integrado para a melhoria das estruturas Tem por objectivo melhorar globalmente o nível do sistema de formação profissional e de promoção do emprego, nomeadamente através da utilização de tecnologias modernas nos centros de formação e emprego. C – APRENDIZAGEM • Programa operacional de Aprendizagem Contemplará basicamente a componente teórica da formação. D – ACÇÕES DE FORMAÇÃO MULTI-SECTORIAIS, MULTI-AXIAIS E MULTI-REGIONAIS • Programa operacional de formação horizontal Dirigido para a formação dos activos não-qualificados, semi-qualificados e qualificados, quadros intermédios e superiores. • Programa operacional de formação em tecnologias da informação Tem carácter horizontal e objectivos de inovação no que respeita à adequação da mão-de-obra às novas tecnologias da informação. E – ACÇÕES EM FORMAÇÃO DIRECTAMENTE LIGADAS AOS EIXOS DE DESENVOLVIMENTO Constituem acções de formação complementares às acções de desenvolvimento inseridas nos vários eixos. Englobam acções de acompanhamento dos seguintes programas: • EIXO 1 - Programa CIÊNCIAS • EIXO 2 - PEDIP • EIXO 5 - OID da Península de Setúbal - Programa Operacional Plurifundos do Vale do Ave • EIXO 6 - OID do Alentejo - Programa Operacional Plurifundos da Madeira - Programa Operacional Plurifundos dos Açores 209 Q.C.A. 2 Com a reformulação dos Fundos Estruturais em 1993 o Estado apresenta igualmente à Comissão o 2º Quadro Comunitário de Apoio (Q.C.A. 2). Nele são estabelecidas as grandes opções estratégicas, no sentido de preparar Portugal para o século XXI: GRANDES OPÇÕES E LINHAS ESTRATÉGICAS DE ACÇÃO 1ª OPÇÃO – Preparar Portugal para um novo contexto Europeu • Afirmar a identidade nacional na diversidade europeia valorizando o património histórico-cultural do país. • Garantir a segurança externa, contribuindo para a defesa europeia. Identidade Nacional Valorizar Portugal como nó de relacionamento da Europa com o mundo, ocupando assim uma posição mais central no contexto europeu. Presença externa • • Segurança e defesa UEM e crescimento sustentado Promover um crescimento sustentado, no quadro da União Económica e Monetária. 2ª OPÇÃO – Preparar Portugal para a competição numa economia global Recursos humanos e • Qualificar os recursos humanos para uma nova presença de Poremprego. tugal nos mercados internacionais, dinamizando o mercado de trabaInfra-estruturas para a interlho e potenciando as capacidades dos jovens. nacionalização e modernização • Criar infra-estruturas e redes para a internacionalização e moder- nização da economia, garantindo o seu funcionamento eficiente • Melhorar a competitividade do tecido empresarial, tornando Portugal uma localização atraente para actividades de futuro. Competitividade do tecido empresarial Redução das assimetrias regionais • Reduzir as assimetrias regionais de desenvolvimento, mobilizando as potencialidades do litoral, do interior e das ilhas atlânticas. 3ª OPÇÃO – Preparar Portugal para uma vida de mais Qualidade • • Melhorar o ambiente, apoiando um desenvolvimento sustentável. Renovar as cidades, promovendo a qualidade urbana. • Melhorar as condições de saúde e de protecção social, combatendo a exclusão. Ambiente e Desenvolv. Qualidade de vida urbana Saúde e Protecção Social Qualidade da Administração Pública • Adequar a Administração Pública às tarefas de um Estado moderno, redimensionando-a e promovendo a qualidade. Q.C.A. 3 Hoje vivemos o 3.º Quadro Comunitário de Apoio (Q.C.A. 3) que irá desenvolver-se até finais de 2006. Este quadro de orientação tem como máxima a questão da globalização / o local / o indivíduo – cidadão. 210 Está estruturado em 4 eixos fundamentais: • Eixo 1 – Elevar o nível de qualificação dos portugueses, promover o emprego e a coesão social; • Eixo 2 – Alterar o perfil produtivo em direcção às actividades do futuro; • Eixo 3 – Afirmar a valia do território e da posição geo-económica do país; • Eixo 4 – Promover o desenvolvimento sustentável das regiões e a coesão social. Neste quadro comunitário é de importância relevante o domínio dos recursos humanos (componente FSE) o qual se inscreve nos respectivos eixos, tendo com intervenção as seguintes áreas: • Educação; • Emprego; • Formação e desenvolvimento Social; • Sociedade da informação; Sinteticamente, podemos descrever assim a vertente FSE do Q.C.A. 3 (Programas / Medidas): Eixo 1 - Elevar o nível de qualificação dos portugueses, promover o emprego e a coesão social Eixo 1 – Formação inicial qualificante de jovens Medida 1 – Diversificação das ofertas de formação inicial qualificante de jovens Medida 2 – Desenvolvimento do ensino pós-secundário e superior Educação (PRODEP III) Eixo 2 – Transição para a vida activa e promoção da empregabilidade Medida 3 – Apoio à transição para a vida activa Medida 4 – Educação e formação ao longo da vida Eixo 3 – Sociedade da aprendizagem Medida 5 – Formação de docentes e outros agentes Eixo 1 – Promoção da formação qualificante e da transição para a vida activa Emprego, Formação e Desenvolvimento Social (POEFDS) Eixo 2 – Formação ao longo da vida e adaptabilidade Eixo 3 – Qualificar para modernizar a administração pública Eixo 4 – Promoção da eficácia e da equidade das políticas de emprego e formação Eixo 5 – Promoção do desenvolvimento social 211 Eixo 2 - Alterar o perfil produtivo em direcção às actividades do futuro Agricultura e Desenvolvimento Rural (AGRO) Eixo 2 – Reforçar o potencial humano e os serviços à agricultura e zonas rurais Incentivos à Modernização da Economia (PRIME) Eixo 2 – Promover áreas estratégicas para o desenvolvimento Ciência, Tecnologia e Inovação (POCTI) Sociedade da Informação (POSI) Saúde (Saúde XXI) Eixo 1 – Formar e qualificar Eixo 1 – Desenvolver competências Eixo 2 – Portugal Digital Eixo 2 – Melhorar o acesso a cuidados de saúde de qualidade Eixo 4 - Promover o desenvolvimento sustentável das regiões e a coesão social Programa Operacional Regional do Norte (ON – Operação Norte) Programa Operacional Regional do Centro Eixo 1 – Apoio a Investimentos de Interesse Municipal e Interpessoal Programa Operacional da Região de Lisboa e Vale do Tejo Eixo 2 – Acções Integradas de Base Territorial Programa Operacional da Região do Alentejo (PORA) Programa Operacional da Região do Algarve(PROALGARVE) Eixo 3 – Intervenções da Administração Central Regionalmente Desconcentradas PO (Integrado) para o desenvolvimento económico e social do Açores (PRODESA) PO Plurifundos da Região Autónoma da Madeira (POPRAM III) 2ª Vertente Formação Contínua de Professores na União Europeia Se integrarmos a Formação Contínua de Professores na política global da União Europeia aos níveis da Educação e Formação, concerteza que observaremos grandes linhas comuns - todos os 212 países a incluem, o que não será de estranhar. Todavia, é significativo verificar-se que em termos de implementação nem sempre os diversos países possuem as mesmas directrizes, o que será de realçar, visto que nesta Integração Europeia, a diversidade é o factor que melhor caracteriza a Identidade Europeia. Genericamente na União Europeia a Formação Contínua pretende responder aos seguintes desafios fundamentais: • Aumento da heterogeneidade linguística e étnica, económica e sócio-cultural; • Aumento da pobreza em geral; • Aumento da violência na escola; • Problemática do desemprego. A preocupação fundamental de cada país é assegurar uma formação que proteja os riscos do desemprego e dê à economia de cada país, de cada região, uma hipótese na competição que se agudiza a cada dia que passa. Questiona-se deste modo a capacidade dos sistemas educativos sobre a qualidade da formação, tendose em conta a utilização global dos meios ao dispor e as performances individuais dos alunos. A escola não pode ser vista como uma entidade isolada, não tendo relações com o meio. Simultaneamente a heterogeneidade crescente da população escolar exige que o corpo docente passe duma prática profissional da lógica do ensino para uma lógica da aprendizagem construída a partir da actividade intelectual do aluno. Neste sentido, a formação dos professores, sobre a qual repousa a verdadeira educação, exige uma atenção acrescida. Depois das reformas dos anos 50/60, num grande número de países europeus com o prolongamento da escolaridade e democratização do ensino e com o alargamento das estruturas do ensino, assistimos a duas grandes linhas de evolução na formação dos professores: • Consolidação das reformas encetadas, assim como um novo sentido dado aos currículos e práticas de ensino-aprendizagem, nomeadamente no campo das novas tecnologias; • A formação contínua pretende responder a uma nova dimensão crítica que começou a exprimir-se e que pode ser sintetizada nos conceitos da formação permanente e/ou de “long life learning”. Desde há muito tempo que o modelo duma formação inicial suficiente para toda a carreira profissional parecia ser um modelo desajustado para o ensino. Todavia, a formação contínua não aparecia como um simples “remédio” para as lacunas da formação inicial, mas começava a ser concebida como um processo de longa duração e de aprendizagem permanente. Actualmente e num mundo em mudança tendo como linha de orientação a Estratégia de Lisboa, a formação de professores terá um lugar essencial e estruturante nas políticas educativas. Esta formação contínua e permanente deve ser vista como: • uma formação contínua que permita um rejuvenescimento e um aperfeiçoamento das práticas profissionais, pela actualização dos conhecimentos adquiridos durante a formação inicial e 213 • uma formação complementar que permita eventualmente uma mudança de orientação profissional, através de novas competências sancionadas por novos diplomas. A terminologia utilizada nos diversos países não é linear. São utilizadas expressões como: • Formação contínua; • Formação em serviço; • Formação avançada; • Formação qualificante (formação complementar), etc. É todavia possível uma definição de formação contínua, como: “Um conjunto de actividades e práticas que requerem a implicação dos professores para alargarem os seus conhecimentos, aperfeiçoar as suas competências, promover atitudes profissionais” (Perron, 1991 in Eurydice) Esta formação contínua nunca deve ser vista como uma simples reciclagem, mas deve sim dar simultaneamente resposta tanto às necessidades pessoais, como às profissionais e organizacionais. Pretende-se a “profissionalização do professor”, a melhoria da qualidade e eficácia dos sistemas educativos, o facilitar o ensino das inovações técnicas científicas e antecipar as mudanças. Todos os países pretendem melhorar a qualidade da educação e estimular a inovação; todos relevam o papel “motor” que tem a formação contínua para se atingir tais objectivos. A formação contínua é uma importante alavanca no sentido de se operacionalizar as reorientações necessárias no sistema educativo. Genericamente, a formação contínua dos professores na União Europeia assenta em três pólos base: A - Desenvolvimento Pessoal e Profissional dos Professores • Melhorar as práticas e competências profissionais pela: 1.1 Actualização das competências de base (didácticas e disciplinares); 1.2 Aquisição de novas competências; 1.3 Didáctica das disciplinas; 1.4 Iniciação a novos métodos e materiais de ensino. B - Melhorar a Qualidade dos Sistemas Educativos (oferta de Ensino / Escolas / Práticas Pedagógicas) • Permitirá agir-se sobre as componentes pedagógicas, sociológicas e psicológicas das pessoas: 2.1 Favorecer a interdisciplinaridade e o trabalho em equipa; 2.2 Encorajar a inovação; 2.3 Formação ao nível da gestão escolar e resolução de problemas ao nível da sala de aula; 2.4 Estabelecer prioridades pedagógicas e educacionais; 2.5 Formação no âmbito das relações humanas. 214 C - Conhecimento do Meio Social, Cultural e Económico • Nem todos os Estados membros definem claramente este objectivo na formação contínua dos professores, mas todos pretendem de um modo geral que os professores melhorem os seus conhecimentos na relação educação/sociedade: 3.1 Favorecer e estimular as relações com as empresas; 3.2 Aproximar o sistema educativo do sistema económico; 3.3 Estudo dos factores económicos e sociais que influenciam os comportamentos dos jovens; 3.4 Adaptação às mutações sociais e culturais. Actualmente, a formação contínua, ideia força da dinâmica social, conhece uma importância acrescida no domínio da educação, face à rapidez do progresso tecnológico, à procura crescente da qualidade do ensino e face a um contexto continuado de crise. Existe na Finlândia, Suécia e Alemanha desde os finais do Século XIX de forma voluntária e informal e desenvolveu-se num grande número de países de modo informal e voluntário antes de tomar uma forma mais estruturada. Assim a Bélgica, Espanha, Holanda, Portugal, Escócia, Áustria e outros, foram instituindo uma formação estruturada e sustentada em normativos, assumindo por vezes a forma de obrigatoriedade de participação. O direito à formação transformou-se igualmente em dever. Em todos os países a formação contínua atravessa todos os níveis de ensino desde o pré-escolar até ao secundário. Existe igualmente em todos os países um quadro legislativo, que diverge significativamente, havendo todavia um núcleo duro comum. Uma grande parte da formação contínua desenrola-se nas escolas/centros de formação, existindo igualmente, em todos, formação especializada ou qualificante, normalmente desempenhada pelos estabelecimentos que asseguram a formação inicial. Se a estrutura “in fine” tem como responsável um ministério ou um outro organismo oficial, constata-se todavia uma tendência para a formação o mais próxima possível do terreno, sendo aí que se procede ao levantamento de necessidades, a uma planificação descentralizada da formação contínua. Sendo a formação contínua um dos instrumentos essenciais para a implementação das políticas nacionais de educação, em todos os países existe um quadro conceptual da formação contínua. A tendência para a descentralização é muito forte no âmbito da União Europeia, mas os graus e níveis dessa implementação são muito variáveis: nível regional ou provincial, níveis de autoridade local ou de escola. Nos países de organização política de tipo federal ou com regiões autónomas é ao nível de cada região ou de cada “land” que as políticas de formação contínua são tomadas. Actualmente são os estabelecimentos não universitários que asseguram a maior parte da formação contínua na União Europeia. 215 Os quadros seguintes pretendem indicar os diversos tipos de instituições, objectivos, conteúdos e organização pedagógica da formação contínua de professores dos países da União. Universidades Objectivos mais frequentes - Formação pedagógica de tipo universitário - Adquirir novas competências Actualizar competências Pesquisar e inovar Aperfeiçoamento profissional - Conferências/Cursos Estágios de longa duração, licenças Sabáticas Ensino à distância Universidades: cursos de verão Conteúdos mais frequentes - Formadores Pedagogia geral Universitários Currículos e didácticas Professores / Investigadores Formação qualificante com exame ou diploma Formação qualificante com exame ou diploma Escolas Superiores de Formação de Professores Objectivos mais frequentes - Actualizar as competências Adquirir novas competências Iniciação a novos métodos Promover a Interdisciplinaridade e o trabalho em equipa Encorajar a inovação Formação no âmbito das relações humanas Favorecer relações com as empresas Formação no âmbito da organização e gestão da escola Conteúdos mais frequentes - Currículos e didácticas Organização de escola Ajuda aos professores estagiários Pedagogia geral e específica Formação pedagógica de tipo escolar, contratual e interactivo - Conferências Pedagógicas Visitas de Estudo Cursos de Verão Seminários Estágios práticos Formadores - Pessoal a tempo inteiro Universitários Professores convidados Especialistas Formação qualificante com exame ou diploma (às vezes) 216 Escolas / Centros de Formação Objectivos mais frequentes - Favorecer o trabalho de equipa Formação no âmbito da gestão da escola Formação no âmbito das relações humanas e na resolução de conflitos Reflexão sobre práticas pedagógicas Actualizar as competências de base Conteúdos mais frequentes - Pedagogia e Psicologia Conhecimento do meio Inovação Projecto pedagógico Formação pedagógica tipo interactivo e reflexivo - Oficinas Jornadas ou seminários pedagógicos Estágios relacionados com a prática pedagógica Trabalhos de Grupo Formadores Inspectores, conselheiros pedagógicos, chefes de estabelecimento Especialistas Formadores Fonte: Eurydice Recentemente o Eurydice (Junho 2003) publicou um relatório sobre “A profissão docente na Europa: perfil, profissão e condições) onde se faz uma comparação das condições de trabalho e salariais dos professores na Europa, referente ao ensino secundário inferior (3.º ciclo). O estudo é constituído por 3 grandes domínios: • Perfis de competências o Formação inicial o Transição entre a formação inicial e vida profissional o Formação contínua • Oferta e procura o Planificação de recursos o Modo de recrutamento / contratos • Condições de serviço o Empregabilidade e tarefas o Funções específicas o Salários de base o Progressão na carreira O estudo refere ser a formação contínua um dos meios que permite e actualiza as competências dos professores para um ensino de qualidade. “A formação contínua está directamente ligada ao trabalho dos professores. Esta tem por objectivo actualizar, desenvolver e enriquecer os conhecimentos adquiridos na formação inicial e/ou de os dotar de conhecimentos ou competências profissionais que lhes são exigidas pela carreira. A formação contínua pode servir pontualmente para facilitar a introdução de reformas educativas”. (Eurydice, 2003: 103). 217 □ ■ ■ HU MT pL RO SI SK IS LI NO BG CZ EE CY LV LT SC (UK) E/W/NI(UK) S DK D EL E F IRL I L NL A P FIN B fr B de B nl O mapa seguinte mostra, sinteticamente, o estatuto da formação contínua nos países da Europa (secundário inferior 2000/2001). □ ■ □ ● □ □ □ □ ■ ■ ● ■ ■ ■ ■ ● ■ □ ● □ ■ □ ■ ■ ■ ■ ● ■ ● □ ■ Obrigatória □ Facultativa ● Facultativa, mas necessário para a promoção Fonte: Eurydice O mapa seguinte sintetiza o modo da organização da formação obrigatória ou facultativa se desenvolver, a maior parte das vezes, em horário laboral ou pós laboral. A maioria da formação contínua obrigatória realiza-se ... A maioria da formação contínua facultativa realiza-se ... Em horário laboral, onde os professores ausentes são substituídos B de, D, NL, A, LI, EE, LV, LT, HU B fr, DK, F, I, NO, BG, SI Em horário laboral, onde os professores ausentes não são substituídos B nl, FIN, S, UK, MT Em horário pós-laboral RO EL, E, IRL, L, P, IS, CY, CZ, SK Situações variáveis PL Fonte: Eurydice Os países com formação contínua obrigatória disponibilizam horas de formação em diferentes épocas do ano, mas com um número de horas determinado. B de B nl 21 21 D NL A FIN Variável 166 15 18 S E/W/NI (UK) 104 Variável SC (UK) LI EE LV LT HU MT RO 35 42 32 12 18 17 21 19 Fonte: Eurydice Esta pequena síntese pretende mostrar a importância da formação contínua dos professores na Europa e como esta é essencial para a carreira e para o ensino de qualidade. “ Um corpo docente 218 motivado e altamente qualificado é condição essencial para a qualidade da educação oferecida aos jovens pelos sistemas educativos”. (Eurydice 2003: III). A Educação na Sociedade do Conhecimento - A Estratégia de Lisboa O programa de trabalho “Educação e Formação na Europa: sistemas diferentes, objectivos comuns para 2010”, é um programa detalhado do Conselho Europeu de Lisboa, de Março de 2000, onde se reconhecia que a Europa se defrontava com uma enorme mudança devido à globalização e estabelecia como grande objectivo “tornar-se na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social”. (Comissão: 2002: 7). Pensamos, mesmo, que esta estratégia, e tendo em conta a sua recente versão revista, será o documento orientador das políticas para os recursos humanos do Q.C.A. 4, com início em 2007. São assim estabelecidas ambições comuns para 2010, para o bem dos cidadãos e da União Europeia no seu todo: • Atingir a máxima qualidade na educação e na formação e assegurar que a Europa seja reconhecida, à escala mundial, como uma referência pela qualidade e relevância dos seus sistemas e instituições de educação e de formação; • Garantir que os sistemas de educação e de formação na Europa sejam suficientemente compatíveis para permitir que os cidadãos transitem de um sistema para outro e tirem partido da sua diversidade; • Assegurar que os detentores de qualificações, conhecimentos e competências adquiridos em qualquer parte da UE tenham a oportunidade de obter o seu reconhecimento efectivo em todos os Estados-Membros para efeitos de carreira e de prosseguimento da aprendizagem; • Garantir que os europeus de todas as idades tenham acesso à aprendizagem ao longo da vida; • Abrir a Europa à cooperação, reciprocamente benéfica, com todas as outras regiões e assegurar que ela seja o destino preferido dos estudantes académicos e investigadores de outras regiões do mundo. O programa, em si, inclui 3 objectivos estratégicos, subdivididos em 13 objectivos e 42 questõeschave. São igualmente estabelecidos calendários de concretização, indicadores estatísticos e diversas sugestões. É utilizado o “método aberto” de coordenação, pretendendo-se uma “maior convergência no que respeita aos principais objectivos da UE ajudando os Estados-Membros a desenvolverem progressivamente a suas próprias políticas”. A divulgação das “boas práticas”, dentro e fora da Europa, o conhecimento dos factores críticos, o conhecimento do que os “outros fazem” é um dos pilares deste método de coordenação. Pela importância prospectiva da(s) política(s) educativa(s) em Portugal e na União Europeia em geral, será pertinente uma leitura dos 3 objectivos estratégicos e dos 13 objectivos em concreto: 219 Objectivo estratégico 1: Melhorar a qualidade e a eficácia dos sistemas de educação e de formação na UE, à luz dos novos requisitos da sociedade do conhecimento e das mudanças registadas no ensino e na aprendizagem: Objectivo 1.1: Melhorar a educação e a formação dos professores e dos formadores Objectivo 1.2: Desenvolver as competências necessárias à sociedade do conhecimento Objectivo 1.3: Assegurar que todos possam ter acesso às TIC Objectivo 1.4: Aumentar o número de pessoas que fazem cursos técnicos e científicos Objectivo 1.5: Optimizar a utilização dos recursos Objectivo estratégico 2: Facilitar o acesso de todos aos sistemas de educação e de formação, à luz do princípio orientador da aprendizagem ao longo da vida, do fomento da empregabilidade e do desenvolvimento das carreiras, assim como da cidadania activa, igualdade de oportunidades e coesão social: Objectivo 2.1: Ambiente aberto de aprendizagem Objectivo 2.2: Tornar a aprendizagem mais atractiva Objectivo 2.3: Apoiar a cidadania activa, a igualdade de oportunidades e a coesão social Objectivo estratégico 3: Abrir ao mundo exterior os sistemas de educação e de formação, à luz da necessidade fundamental de fomentar a pertinência relativamente ao trabalho e à sociedade e face aos desafios resultantes da globalização: Objectivo 3.1: Reforçar as ligações com o mundo do trabalho, a investigação e a sociedade em geral Objectivo 3.2: Desenvolver o espírito empresarial Objectivo 3.3: Melhorar a aprendizagem de línguas estrangeiras Objectivo 3.4: Incrementar a mobilidade e os intercâmbios Objectivo 3.5: Reforçar a cooperação europeia Pela sua importância e para os professores em especial, será de referir algumas questões-chave dos quais destaco no objectivo 1 os seguintes: • Identificar as competências de que os professores e os formadores devem dispor, tendo em conta a evolução do seu papel na sociedade do conhecimento. • Criar as condições que proporcionem aos professores e aos formadores o apoio adequado para poderem responder aos desafios da sociedade do conhecimento, nomeadamente através da sua formação inicial e do desenvolvimento da formação contínua na perspectiva da aprendizagem ao longo da vida. • Assegurar um nível de acesso suficiente à profissão docente, em todas as disciplinas e a todos os níveis, e garantir a satisfação das necessidades a longo prazo da profissão, tornando ainda mais atractivos o ensino e a formação. • Atrair para a docência e para a formação novos candidatos com experiência profissional noutros domínios. Tendo-se em conta o cenário descrito com a Estratégia de Lisboa, qual deve ser, então, a posição dos professores e do ensino nesta sociedade do conhecimento, ou nesta era da insegurança? Hargreaves (2003: 25-115), refere que os professores estão apanhados num triângulo de interesses e de imperativos contraditórios, ou seja: 220 Serem catalizadores da sociedade do conhecimento • Promover uma aprendizagem cognitiva aprofundada • Aprender a ensinar de forma diferente da que foram ensinados • Empenhar-se numa aprendizagem profissional contínua • Trabalhar e aprender em equipas colegiais • Tratar os pais como parceiros na aprendizagem • Desenvolver a inteligência colectiva e basear-se nela • Construir a capacidade de mudanças e de risco • Estimular a confiança nos processos Servirem de contraponto à sociedade do conhecimento • Promover a vertente social e emocional da aprendizagem, do compromisso e do carácter • Aprender a relacionar-se com os outros de modo diferente, substituindo séries de interacções por laços e relações duradouras • Desenvolver uma identidade cosmopolita • Empenhar-se no desenvolvimento pessoal e profissional contínuo • Trabalhar e aprender em grupos colaborativos • Estabelecer relações com os pais e com as comunidades • Desenvolver a compreensão emocional • Preservar a continuidade e a segurança • Estabelecer a confiança básica nas pessoas Serem vítimas da sociedade do conhecimento • Treinar os alunos para a memorização de aprendizagens estandardizadas • Aprender a ensinar como lhes ordenam • Realizar formação contínua nas áreas consideradas prioritárias pelo governo • Trabalhar mais e aprender sozinho • Tratar os pais como consumidores e como queixosos • Demonstrar labor emocional • Responder à imposição das mudança com aquiescência e com medo • Não confiar em ninguém Os acontecimentos que vivemos com o 11 de Setembro de 2001, onde as torres gémeas do World Trade Center e onde se transaccionavam cerca de metade dos negócios financeiros e bolsistas de todo o mundo ruíram, as guerras no Afeganistão e no Iraque e muito especialmente os atentados de Madrid e os actuais acontecimentos nas cidades de França levam-nos a uma era de insegurança, que tem efeitos destrutivos sobre o potencial humano e a justiça social. A insegurança leva à perda do valor pessoal, da auto-estima e cria níveis de ansiedade, falta de segurança e sentimentos de impotência que podem arrastar gerações à ineficácia. O confronto do McMundo e da Jihad está às nossas portas, daí que os governos e em particular os sistemas educativos não transformem a escola num circo de competitividade e de exclusão 221 social. O McMundo só segue os princípios do mercado e a única norma moral que segue é a sua própria regra, que por definição é amoral. A Jihad, por seu lado, como força fundamentalista, pretende eliminar aqueles que têm outra fé, outros estilos de vida, outras culturas. Uma economia baseada no conhecimento só ao serviço do mercado, pode criar um mundo fragmentado e descaracterizado que enfraquece as comunidades, arruina as relações interpessoais, espalha a insegurança e prejudica a vida pública. Os estados enquanto detentores de algumas instituições públicas que ainda sobrevivem, como é o caso da escola pública, deve preservar e fortalecer essas relações e o sentido da cidadania. “A educação pública tem de lidar com as consequências humanas desta economia, ensinando para além dela e não apenas para ela, e acrescentando à agenda reformadora valores que permitam construir comunidades, desenvolver capital social e forjar uma identidade cosmopolita” (Hargreaves, 2003: 268). Assistimos ao aparecimento de uma nova estratificação social, um segmento ligado a pessoas que podíamos designar por excelentes, bem qualificados, com acesso a um emprego bem remunerado, estável e garantido - a nova “nobreza” dos saberes e dos conhecimentos, os detentores do factor “K” – Knowledge; e um outro segmento composto pelo resto, designadamente por aqueles que não têm ou têm poucas qualificações, estando-lhes assegurado um emprego incerto, parcial, mal pago e socialmente degradante. “... a tónica colocada sobre a qualificação, enquanto bilhetes assegurados da entrada mais provável no “mercado “ de trabalho, volta-se para o “recurso humano”, encerrando na armadilha da precaridade, da insegurança e da exclusão aqueles que são pouco ou nada qualificados e, na armadilha da servidão dourada às necessidades da empresa, aqueles que são qualificados” (Petrella, 1994: 28). Uma outra consequência são as quatro armadilhas nas quais a economia do mercado cada vez mais liberalizada, desregulamentada, privatizada e competitiva encerrou a política em geral e em especial a política da educação e da formação. A opção por uma formação de elites, por pessoal o mais qualificado possível põe de lado as acções a favor dos menos ou mal qualificados. Pretende-se “adaptar” o melhor possível, fornecendo-lhes “excelência” sempre em função de mercado e o progresso da tecnologia. “A armadilha de mundialização competitiva encontrou na sua lógica de adaptação às novas tecnologias a sua “racionalidade” económica e a sua “legitimação social” (Petrella, 1994: 30). Doravante o conhecimento tornou-se o mais importante recurso numa “Knowledge economy”, “Information Society” aliada à educação/formação deve ser implementada uma nova política de I & D, melhorando a competitividade das empresas nos níveis intra, inter e extra Estados-Nações num espaço de competitividade mundial. As universidades, os centros tecnológicos (Tecnopolos), as empresas virtuais, o “homo recticularis”, a desterritorialização dos capitais, as auto-estradas 222 da informação e da comunicação mundial devem ser os motores do desenvolvimento. É preciso unir de novo os “recursos nobres” com os “recursos da populaça” . “A política de formação, enquanto produção e difusão dos “bens comuns” que são os conhecimentos e os saberes, faz parte integrante e decisiva do movimento a favor de um desenvolvimento mundial eficaz sobre o plano económico, justo sobre o plano social, e democrático sobre o plano político”. (Petrella, 1994: 33). É necessário que em termos de localização das políticas se implementem também actividades que promovam a promoção da cidadania e a identidade nacional. A construção de uma sociedade baseada no conhecimento, obriga à construção de uma nova sociedade baseada na justiça social e na cidadania democrática. Vivemos, em 2005, o Ano Europeu da Cidadania Democrática pela Educação e a sua materialização no terreno, se não foi quase nula,teve um impacto mínimo na vida das escolas e das comunidades educativas. A recomendação 12 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados-membros relativa à Educação para a Cidadania Democrática, recomendava que: • Façam da Educação para a Cidadania Democrática um objectivo das políticas e reformas educativas. (...) • Que promovam uma preparação activa na preparação e organização de um Ano Europeu da Cidadania através da educação, enquanto veículo de desenvolvimento de preservação e promoção da cultura democrática à escala pan-europeia. Actualmente decorre no âmbito da União Europeia uma consulta institucional sobre o “Quadro Europeu de Qualificação” (EQF), que terá um impacto significativo em todo o espaço europeu, respeitante à Educação e Formação, assim como aos níveis de qualificação dos trabalhadores em geral.( “Europass”, “Portal Ploteus”, etc.). Uma reflexão final A associação da educação ao trabalho é um elemento estruturante de qualquer política educativa. O nível relativamente baixo das qualificações da população em geral e da população activa em particular, tendo-se em conta a competitividade interna no espaço comunitário europeu e na competitividade externa, tendo em conta o espaço da globalização da economia e da abertura dos mercados, obrigam a um esforço sobre uma nova orientação na organização do sistema educação / formação, redefinindo-se os currículos, a melhoria de eficácia e acima de tudo existir uma orientação sobre o(s) rumo(s) a tomar. Temos de saber o que temos, como somos ou estamos, do que dispomos e então traçar o(s) caminho(s) a seguir. Actualmente, tendo em conta o cenário político, económico e até mesmo cultural em que nos encontramos, é fundamental que as políticas europeias dos mais diversos sectores que interferem directa ou indirectamente na educação / formação sejam conhecidas, estudadas, analisadas e consequentemente implementadas para os sistemas nacionais dos diversos Estados-Membros como territorialização ou até re-territorialização dessas mesmas políticas. É urgente que na materialização e concretização das políticas, os agentes (escolas / professores / educadores / formadores) saibam com clareza o papel / tarefa a desempenhar, como o devem fazer, de que recursos dispõem e que se consciencializem que o seu desempenho, a sua actuação se norteia para a concretização de uma determinada finalidade. 223 Se o objectivo global é aumentar a capacidade de resposta da população aos desafios da competitividade interna e externa, elevando o nível de qualificações e respectivo entrosamento com o tecido económico, urge termos um sistema público de educação / formação mais eficaz, reduzindo-se o número elevado de jovens que não completam a escolaridade obrigatória, combatendo-se o insucesso e abandonos escolares, mas também, repensando as ofertas alternativas aos designados cursos formais do ensino, redesenhando-se a rede no que diz respeito à oferta, pois a procura é mais do que visível. Incentivar a formação continua e ao longo da vida, criando-se oportunidades aos activos. Para tal, é fundamental criarem-se expectativas a esses mesmos activos, para eles próprios, para as organizações e para o tecido empresarial. Os jovens em idade escolar, as famílias, e os activos em geral, saberão procurar essas ofertas se visualizarem a curto e médio prazos mais valias. É essencial que o esforço a disponibilizar lhes traga valor acrescentado e consequentemente benefícios culturais e materiais para a sua vida quotidiana. É claro para todos, que a procura da melhoria do bem-estar é “a mão invisível” ou mesmo bem visível que nos guia e motiva. Bibliografia ADDA,Jacques (1997).A Mundialização da Economia. Lisboa:Terramar. AMARO, Rogério Roque, (1990).” Que Espaço Português no “Espaço Europeu sem Fronteiras” in Seara Nova- Maio. BRAUDEL, Ferrnand(Coord.)(1996).A Europa. Lisboa: Terramar. COMISSÃO (C. E.) (1993) Crescimento, Competitividade, Emprego. Os Desafios e as Pistas para entrar no Século XXI. “Livro Branco” COMISSÃO (C. E.) (1993) Livro Verde sobre a Dimensão Europeia da educação. Bruxelas: Com (93). 457 Final. COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, (1997) – Relatório sobre o Acesso à Formação Contínua na União. Luxemburgo: Comissão. COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 1993, Crescimento, Competitividade, Emprego. Os desafios e as pistas para entrar no século XXI “Livro Branco”. Luxemburgo. COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 1993/a, Documento de trabalho da Comissão. Directrizes para uma acção comunitária em matéria de educação e formação,Bruxelas: Comissão. COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 1993/b, Livro Verde sobre a Dimensão Europeia na Educação. Bruxelas: Comissão. CONSELHO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (1986). Textes Relatifs a la Politique Européenne de L’éducation. Bruxelas: Conselho. CONSELHO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS ( 2002)- Educação e Formação na Europa: Sistemas diferentes, objectivos comuns para 2010.Bruxelas. Comissão. CONSELHO DA EUROPA (2004)-Education for Democratic Citizenship. Strasburgo. 224 EURYDICE (1995) – La Formation Continue des Enseignants dans L’Union Européenne et dans les Pays de L’Aele/EEE. Bruxelas: EURYDICE. EURYDICE (2003)- La profession enseignante en Europe :Profil, métier et enjeux. Rapport III : Contitions de travail et salaires- Secondaire inférieur général.Bruxelas : EURYDICE. GASPAR, Jorge et alii (1991). Portugal e a Europa. Identidade e Diversidade. Porto: Edições ASA. GELL-MANN, Murray (1997)- O Quark e o Jaguar. Aventuras no simples e no complexo. Lisboa: Gradiva. HABERMAS, Jürgen. (1995). “O Estado – Nação Europeu, frente aos Desafios da Globalização. O Passado e o Futuro da Soberania e da Cidadania”. In Novos Estudos Cebrap, nº 43. HARGREAVES, Andy (2003)- O Ensino na sociedade do conhecimento. A Educação na era da insegurança. Porto. Porto Editora. LIMA, Licínio C. (1995) “Polical Education Towards a European Democracy”. 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Anelice Ribetto Licenciada em psicologia, graduada na Universidad Nacional de Córdoba, Argentina; [email protected] ; Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fulmínense, Brasil Quando nos, professores falamos em inclusão, o que me incomoda é: tratar igual o diferente?!; e, o que não me incomoda é: Tratar igual o diferente.6 O texto tenta puxar alguns fios das/nas conversas entre professores de algumas escolas especiais e regulares de Argentina, Chile, Brasil e Peru. Conversas sobre os saberes praticados pelos professores, alunos e famílias, a partir de algumas interrogações, medos, esperanças e incômodos que a proposta de uma escola inclusiva tem provocado no espaçotempo cotidiano escolar. Uma política “inclusiva” que não signifique limar as diferenças e fazer do outro um outro da mesmidade7, mas, a negociação do sentido da escola possível e digna para cada pessoa. Essas conversas estão sendo puxadas através de alguns encontros nos que estou envolvida como coordenadora e, que fazem parte da minha pesquisa no mestrado em educação da UFF: Das diferençase outros demônios. O realismo mágico da alteridade na educação .8 Tenho a impressão que em alguns países latino-americanos, a instituição escolar ainda tem muitas dificuldades de lidar com negros, indígenas, pessoas com necessidades educacionais especiais, enfim, de lidar com as diferenças e, principalmente incluir as classes populares de um modo geral na escola. Mais recentemente, por força de lei, escolas estão “obrigadas” – tanto em Brasil como nos demais paises de América latina- a receberem e “incluírem” alunos com necessidades educacionais especiais. Entre a obrigatoriedade e as possibilidades estão os professores e os alunos. Os professores, mais uma vez, têm que dar conta de uma situação, que desde o pessoal, tem causado constrangimento, solidão e sentimentos de impotência em relação à formação. Em minhas experiências -em algumas escolas estaduais argentinas desde 1993 até 20029, com profissionais da educação de um Centro educacional de atenção a pessoas cegas em Chile10 -ano 6 Fala de uma professora em um dos encontros da oficina “Lidando com a escola inclusiva”, RJ, 2003; 7 “Toda vez que quiz pensar ao redor da expressão “atenção à diversidade” ou, diretamente, de “diversidade”, notava que uma certa promessa multi/intercultural de certo modo fictícia rondava por nossas mentes: a ilusão –não sei, nem me importa sabe-lo, se honesta ou desonesta, se sincera ou hipócrita- de que poderíamos estar todos juntos de uma vez e para sempre, finalmente, agora mesmo, sem sequer olhar uma só vez para trás, sem remorsos, sem desculpas, sem arranhões; mas também uma ilusão governada –quer dizer predeterminada- por três princípios que intuo milenares: que os outros devem ser sempre os mesmos outros –isto é, só alguns e poucos outros; aqueles outros que pudemos nomear quase sem esforço; que outros “outros” nunca serão admitidos no território da “diversidade”; e que nos não somos nem os outros “diversos” nem muito menos os outros “outros”, senão uma pura, autoritária, egocêntrica e voraz mesmidade” (Skliar, 2003, p.28) 8 Pesquisa desenvolvida no Campo de confluência Cotidiano Escolar, do Programa de pós-graduação em educação da UFF, orientada pela profa. Regina Leite García; 9 Como membro das equipes interdisciplinares de: Escuela Especial “Jerónimo Luis de Cabrera” e Escuela Primaria “General José de San Martín”, escolas estaduais da província de Córdoba, Argentina; 10 Como coordenadora da consultoría “Taller sobre inclusión con profesores y psicólogos” no COALIVI (Concepción, Chile) pela Fundación Hilton Perkins (Regional América Latina y Caribe); 227 2002-, e, actualmente com professores de uma escola particular do Rio de Janeiro11, aliás, algumas propostas enviadas para serem desenvolvida em Lima, Peru12 com psicopedagogos, psicólogos e professores de escolas regulares em Novembro de 2004- tenho percebido uma certa exacerbação dos conflitos causados pelo “outro”, o “diferente”, aquele que, mais que ser “um deficiente” (qualquer que seja “déficit” instituído) é aquele que desequilibra e denuncia as dificuldades das relações políticas, pedagógicas, educacionais, humanas. Neste sentido, uma das perguntas sobre a qual puxamos conversas sobre saberes praticados no cotidiano das escolas em relação à questão da inclusão e do trabalho com/na diferença é: como gerar possibilidades, com os professores, de construir um espaço de reflexão sobre a própria prática político-pedagógica e as sensações, sentimentos, medos, esperanças, interrogações que as situações escolares inclusivas nos proporcionam e os fios que se tecem com as múltiplas noções teóricas- epistemológicas ? Porque el camino es árido y desalienta, Porque tenemos miedo de andar a tientas, Porque esperando a solas, poco se alcanza, Valen más dos temores que una esperanza. María Elena Walsh.13 Mas... quando falamos entre professores de INCLUSÃO do que estamos falando? Fundamentalmente de um “novo paradigma” que considera a diferença como algo inerente na relação entre os seres humanos. O processo inclusivo seria considerado assim não como um simples substantivo ou “coisa”, mas como um verbo, uma ação, um processo onde todos os membros da sociedade são considerados como cidadãos legítimos. Boaventura de Santos Souza com “A crítica da razão indolente: contra o desperdiço da experiência” (2000) tem sido uma contribuição valiosa na discussão da/na diferença, e, dos processos inclusivos por sua maneira de propor uma transição paradigmática que nos possibilite sair do conhecimento regulação ao conhecimento emancipação. O autor põe em discussão a noção da “igualdade” que, em muitas ocasiões, permitiu a justificação das políticas nomeadas “integradoras” e que, na realidade, longe de reconhecer as possibilidades criativas das diferenças, levaram, como num efeito boomerang, à “homogeneização dos diferentes”; na sua colocação, questiona o paradigma moderno falando de uma epistemologia da visão. (.. ) pela forma hegemônica de conhecimento, conhecemos criando ordem, a epistemologia da visão levanta a questão sobre se é possível conhecer criando solidariedade. A solidariedade como forma de conhecimento é o reconhecimento do outro como igual, sempre que a diferença lê acarrete inferioridade, e como diferente, sempre que a igualdade lhe ponha em risco a identidade (p. 246). Fomos acostumados durante séculos que igual combina com igual. Ordem é definida como igualdade, e buscamos essa igualdade em todos os padrões da nossa vida. Sentimo-nos bem quando todos se assemelham. Identificamo-nos pela semelhança e pela negação da diferença. Aprendemos a discriminar desde cedo. Estas noções se vivenciam dentro da escola como dentro de qualquer outra relação humana, porem com o começo da discussão sobre “integração massiva” nas escolas regulares, apareceram uma série de conflitos e dificuldades que não só “portam” os 11 12 13 Escola Oga Mitá, Rio de Janeiro, Brasil; Promovido pelo Instituto de Terapia Familiar de Lima, Peru; Poeta e compositora argentina. 228 alunos: freqüentemente nós, professores não nos sentimos capacitados para lidar com essas “diferenças” a partir do profissional, ou, a partir do pessoal; sentimos angustia com esse aluno “incluído” numa sala de aula preparada para os iguais; sentimos que pelo tempo e as diversas problemáticas da cotidianidade institucional não temos o espaço de reflexão, formação e orientação; às vezes nem sequer uma equipe de trabalho formada sobre essa realidade; sentimos angustia, impotência e desconcerto, pressão pelas “qualidades” que socialmente se incorporaram ao papel do educador como “aquele que tudo compreende”, e, ainda que sintamos que a inclusão e o trabalho na diferença é um desafio que gera conflitos, portanto mudanças e crescimentos, e, ainda que acordemos teórica-epistemológicamente com a proposta de uma escola inclusiva, a realidade nos desestrutura. Este é um ponto crucial que me leva a refletir junto com os professores, já que, no trabalho cotidiano, é fácil cair na armadilha da “igualdade” se colocamos a diferença como “desigualdade”. Alfredo Veiga Neto (2001) traz um questionamento que compreendo estar ligado a essa armadilha de que falo, e que se cristaliza em certas políticas “inclusivas” que promovem a “integração” massiva14 e generalizada de alunos com algum tipo de “deficiência” nas escolas regulares. A inclusão pode ser vista como o primeiro passo numa operação de ordenamento, pois é preciso a aproximação com o outro, para que se dê um primeiro (re) conhecimento, para que se estabeleça algum saber, por menor que seja, acerca desse outro. Detectada alguma diferença se estabelece um estranhamento seguido de uma oposição por dicotomia: o mesmo não se identifica com o outro, que agora, é um estranho: aproximação>conhecimento>estranhamento...inclusão>saber>exclusão(...)(p.113)(...) Isso significa dizer que, ao fazer de um desconhecido um conhecido anormal, a norma faz desse anormal mais um caso seu. Dessa forma, também o anormal está na norma, está sob a norma, ao seu abrigo. O anormal e mais um caso, sempre previsto pela norma (incluir para excluir)(p.115) Este é um discurso e um incômodo freqüente entre as pessoas que trabalhamos nas escolas envolvidas com esta temática, e, desde alguns anos – quando comecei as conversas, orientações e consultorias para professores e famílias - considero que uma das maneiras de começar a veicular uma possível negociação de desejos15 e diferenças para que a inclusão seja uma realidade para alem da presença física dos alunos nas escolas regulares: é o trabalho de uma equipe e a proposta de negociar possíveis intervenções baseadas na discussão e reflexão das nossas práticasteoriaspráticas. Nesse contexto “chaves” que atravessam os nossos discursos e re(ve)lados nos encontros, são, entre outras: - prácticasteorías educacionais inclusivas desenvolvidas no cotidiano das escolas; - políticas e poéticas da diferença16: a formação de professores e profissionais da educação; - papéis adjudicados, assumidos pela escola e seus membros; 14 15 16 Consultar: MANTOAN EGLÉR Maria Teresa e colaboradores. A integração de pessoas com deficiência. San Pablo: Memnon, 1997; FILÉ, Valter. Negociação dos desejos. Dissertação de mestrado. RJ: PROPEd/ UERJ, 2000; LARROSA Jorge e SKLIAR Carlos. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001; 229 - a diferença como algo socialmente construído, gerado nas relações: a nomeação como constituição da subjetividade; - integração massiva e/ou processos inclusivos para uma educação diferenciada, digna e de qualidade para cada pessoa; - inclusão e exclusão: a partir de onde, como, quando, com quem, para que; - pesquisa e reflexão das próprias práticas como uma das formas de tecer o conhecimento; - os estranhos; - trabalho em equipe, trabalho em grupo, trabalho em redes, trabalho de co- gestão entre família- escola- comunidade; E, as perguntas que atravessam os encontros são, entre outras: - Como gerar possibilidades de tessitura de um espaço de reflexão sobre a própria prática pedagógica e as sensações, sentimentos, medos, esperanças, interrogações que a prática das escolas inclusivas nos proporcionam? - Como possibilitar que esse espaço de discussão dialogue com alguns aportes teóricos sobre o tema e, os possíveis fios com a nossa prática e, que gerem nesse movimento, outros saberespráticas? - Como negociar um outro currículo e uma outra metodologia de aproximação diagnostica cogestiva (escola-familía-comunidade) baseado na construção coletiva do currículo com ênfase no fortalecimento das redes sociais e nas potencialidades dos profissionais e alunos? As noções que percorro quando escrevo sobre a minha/nossa experiência não se encontram num lugar externo, em um “fora” da escola, em um “fora” dos professores, em um “fora” de nós mesmos: cotidianamente, tomam vida nas nossas condutas17, nas nossas maneiras relacionais e comunicacionais e se constroem num intrincado tecido de conhecimentos puxados de diversos “campos” aonde vamos transitando e, que, por ser o lugar de onde estou contextualizando e problematizando a minha pesquisa, se manifesta na escola. Nossos conhecimentos, reconhecimentos, maneiras de relacionarmos, nossas diferenças e semelhanças, nossas contradições e coerências, nossas teorias entendidas como meras hipóteses (Alves, 2001) se tecem em uma rede que atravessa o cotidiano, e é ali onde a alteridade toma forma: a noção de rede de conhecimentos que, como nos diz Alves (op.cit) não obedeça à linearidade de exposição, mas que teça, ao ser feita, uma rede de múltiplos, diferentes e diversos fios; que pergunte muito além de dar respostas; que duvide no próprio ato de afirmar, que diga e desdiga, que construa uma outra rede de comunicação (p.30.) Considerando o estudo do cotidiano e esta noção de redes, os fios que estou tentando trançar no meu trabalho na formação de professores e na minha pesquisa partem das questões que permeavam/permeiam o cotidiano das escolas que estão no conflito de enfrentar, atualmente, a dificuldade de assumir a inclusão, por um lado, como uma intenção política válida que tem a ver com o direito de ter educação de qualidade para todos os cidadãos, e, por outro, vivenciar cotidianamente o desconforto de lidar com as diferenças. As questões envolvidas nessas instituições têm a ver com romper a solidão das pessoas nas suas práticas tentando criar coletivamente condições que permitam refletir sobre equipe de trabalho, relações comunicacionais entre sistema escolar, 17 Como diz Watzlawick (1987), “toda conduta é comunicação”; 230 familiar, comunidade, adaptação curricular e experiências e sentidos das práticas docentes, ou seja as diversas complexidades (...) (a complicação, a desordem, a contradição, a dificuldade lógica, os problemas de organização, etc) [que] formam o tecido da complexidade: complexus é o que está junto; é o tecido formado por diferentes fios que se transformam numa só coisa. Isto é, tudo isso se entrecruza, tudo se entrelaça para formar a unidade do complexus; porém a unidade do complexus não destrói a variedade e a diversidade das complexidades que o teceram.(Morin,1998, p.188) Nesta complexidade do cotidiano aonde as políticas públicas se tornam ou não práticasteoríaspráticas para além da força da lei, mais mobilizada pelas múltiplas e diversas maneiras de fazer (Certeau, 1994, p.101) dos praticantes –professores, alunos, famílias- nesse lugar privilegiado e ao mesmo tempo desconsiderado muitas vezes como espaço de formação é que tentamos um encontro entre as nossas próprias diferenças como profissionais da educação mais numa conversa que possibilite pensar essas maneiras de fazer na preocupação de que educar não signifique formatar a alteridade (Skliar e Duschatzky , 2001, p.121)18 Referencias bibliográficas: ALVES, Nilda. Decifrando o pergaminho –o cotidiano das escolas nas lógicas das redes cotidianas. In ALVES Nilda e BARBOSA de OLIVEIRA Inês (Orgs.). Pesquisa no/do cotidiano. Sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2001; CERTEAU Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994; FILÉ, Valter. Negociação dos desejos. Dissertação de mestrado. RJ: PROPEd/ UERJ, 2000; LARROSA Jorge e SKLIAR Carlos. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001; MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998; SANTOS, Boaventura de Souza . A crítica da razão indolente. São Paulo: Cortez, 2000; SKLIAR Carlos e DUSCHATZKY Silvia. O nome dos outros. Narrando a alteridade na cultura e na educação. In: LARROSA Jorge e SKLIAR Carlos. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001; SKLIAR Carlos. Pedagogia (improvável) da diferença. E se o outro não estivesse aí?. Rio de Janeiro. DP&A: 2003; VEIGA- NETO, Alfredo. Incluir para excluir. In: LARROSA Jorge e SKLIAR Carlos. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001; WATZLAWICK, P., BEAVIN BAVELAS, J. y JAKSON, D. Teoría de la Comunicación Humana. Barcelona: Herder, 1987; 18 Os autores preocupam-se em colocar as diferentes maneiras em que a diversidade foi anunciada, e que eles chamam “versões discursivas da alteridade: o outro como fonte de todo mal; o outro como sujeito pleno de um grupo cultural; o outro como alguém a tolerar”... E, é a partir dessas formas discursivas, que têm a ver com a compreensão e reconhecimento do outro, que se inscreve o fato da impossibilidade de EDUCAR, se isso significa formatar a alteridade. (2001, p.121) 231 232 O conceito de alfabetizado – uma viagem na “máquina do tempo” Ana Tereza Braga Tavares de Araújo Mestre em Educação pela Universidade do Minho Resumo: Este ensaio tem como objectivo proporcionar uma reflexão sobre as várias fases da historiografia da alfabetização e, consequentemente, o conceito de alfabetizado intrínseco a cada uma delas. Aferiu-se que a noção de alfabetização e de alfabetizado está relacionada a aspectos contextuais e específicos relativos a cada indivíduo envolvido no processo. 1. Introdução Para uma definição mais aproximada do conceito de alfabetizado, é necessária uma incursão na historiografia da alfabetização, descrevendo o seu percurso ao longo do tempo, as várias etapas e o perfil de alfabetizado equivalente a cada uma. É de ressaltar que a alfabetização foi durante muito tempo privilégio de alguns ou um benefício oferecido por organismos públicos. Actualmente, constitui uma necessidade básica da comunicação e do conhecimento, um direito e uma obrigação universal, imprescindível ao desenvolvimento histórico. 2. Abordagem historiográfica A reformulação da história da alfabetização foi precedida de um extenso trajecto que se iniciou com o advento da Revolução Liberal, ao desencadear um movimento de renovação política, social e cultural que fomentou a defesa da escola pública, gratuita, laica e universal, proporcionando, assim, uma valorização da escolarização, onde a escola foi tida como lugar privilegiado da acção instrutiva. Os níveis de analfabetismo estavam associados a uma não escolarização ou a uma assistência escolar deficiente, pois alfabetização/analfabetismo e escolarização confundiam-se, sendo consideradas componentes de um mesmo processo. O certo é que se passou a considerar possível apenas um modo de alfabetização: aquele que é oferecido pelo sistema escolar formal como hoje conhecemos. Deste modo, nos países mais afectados pelas duas grandes guerras, objectivou-se a erradicação do analfabetismo junto da população em idade escolar e instalou-se uma política de alfabetização recorrente, para adultos não escolarizados, como consequência de um redimensionamento da indústria e adequação da mão-de-obra às novas necessidades do mercado. Escolarização e desenvolvimento estavam intrinsecamente relacionados. Na década de 60, constatou-se a insuficiência da alfabetização recorrente, diante das mudanças tecnológicas, para responder adequadamente ao crescimento económico e à utilização da cultura escrita na resolução das questões do quotidiano, surgindo, então, a alfabetização funcional. A alfabetização funcional era uma alfabetização para o trabalho ligada a projectos concretos de industrialização ou desenvolvimento agrícola e rural, que pretendia a formação de uma mão-deobra qualificada, produtiva e numericamente limitada. A utilização, no processo de aprendizagem, de técnicas não escolares ou infantis combinavam-se com a ênfase posta em aspectos e questões de índole profissional ou laboral e a atenção preferente por homens, jovens e adultos, de uma determinada área geográfica. Deve-se ter em conta que, para a UNESCO, analfabeto era todo o indivíduo que se revelava incapaz de ler e escrever uma mensagem simples do quotidiano ou que, tendo adquirido estas capa- 233 cidades, não se mostrava capaz de aplicá-las diariamente, tendo como consequência o que se pode chamar de iletrismo. O iletrismo - regressão nas capacidades literárias, originada por uma desadequação da cultura escolar ou por uma insuficiente assimilação da mesma - traduzia situações de irregularidade geradas pela escolarização, ou por deficiências curriculares, nos processos de ensino-aprendizagem e o distanciamento, ou a inadequação, dos conteúdos escolares ensinados à realidade do educando. Durante a Conferência de Nairobi (1965) consagrou-se o conceito de educação permanente, que marcou uma ruptura com a situação anterior em torno da alfabetização e da educação de adultos, pois alargou e reestruturou os conceitos de educação de adultos e de educação em geral, com implicações nos planos curricular, pedagógico e organizativo. Objectivava-se a superação da aquisição de conhecimentos básicos propostos pela escola. O educando passou a ser o sujeito da sua própria formação, importando a aquisição de instrumentos que lhe permitissem (re)equilibrar a sua capacidade de analisar, interpretar e transformar a realidade envolvente, para além do contacto com novas áreas do conhecimento, a fim de proporcionar-lhe, simultaneamente, uma cidadania crítica e activa e a possibilidade de reajustes ao mundo do trabalho. Na década de 70, o conceito de alfabetização funcional foi superado, devido à sua unidimensionalidade e descontextualização dos conhecimentos escolares que levavam ao iletrismo e pela necessidade de repensar os programas de alfabetização de forma integrada, o que proporcionou a ampliação e complexificação do conceito de analfabetismo e analfabeto. Analfabeto funcional era aquele que conhecia de forma elementar um sistema gráfico, mas não conseguia adoptá-lo de forma construtiva às situações do seu quotidiano – a leitura e a escrita não lhe eram conhecimentos normais. Outras campanhas de alfabetização engendradas na Argélia, Cuba e Vietname do Norte, com viés político-ideológico, massificadoras e com enfoque especial nas mulheres, pelo papel no âmbito familiar, na saúde, na natalidade e consumo, tiveram grandes êxitos e deram origem a fortes críticas às campanhas da UNESCO, desencadeando a correcção ou revisão dos seus antigos objectivos. Outros dois tipos de alfabetização opuseram-se à alfabetização funcional: a alfabetização crítica e a alfabetização cultural - tendo surgido a última na década de 80, nos Estados Unidos. Esta alfabetização consistia na aquisição de certos conhecimentos e saberes que todo cidadão informado nas sociedades de alfabetização generalizada, deveria possuir, uma vez que tais saberes proporcionavam a familiaridade com textos literários, políticos e históricos necessários para participar e entender a vida cultural, política e social de um país. Defendia o retorno a um canón cultural ou corpo de conhecimentos obrigatórios. Esse corpo de conhecimentos constituía uma opção cultural bastante restrita, de índole literária, académica, masculina, branca, americana e conservadora. Já a alfabetização crítica, para além de outros aspectos, enfatizava a dimensão política que legitimava a linguagem, a palavra falada ou escrita, como ferramenta para pensar a realidade, e a atenção e respeito pelas linguagens e habilidades comunicativas e linguísticas dos grupos não alfabetizados, habitualmente desvalorizados pelos modelos escolares de alfabetização. Centravase no estímulo à capacidade cognitiva e crítica dos sujeitos a fim de habilitá-los para a resolução de problemas quotidianos. Entretanto, foi a partir das problemáticas da alfabetização funcional que a historiografia da alfabetização passou a centrar-se na caracterização do iletrismo e nas formas de superá-lo, rompen- 234 do com a dicotomia, característica da primeira fase, entre escolarização/analfabetismo para compreender as tomadas de decisões e estratégias diferenciadas de alfabetização no plano geográfico, sociológico e cultural. As explicações dicotómicas para o analfabetismo ou para a alfabetização, os reducionismos, demonstraram-se limitados diante do novo enfoque adquirido – o da autonomia da história da alfabetização face à história da escola. Somente nos finais da década de 80, ao considerar-se a alfabetização como um processo e a possibilidade de diversos modelos históricos de alfabetização, é que a historiografia da alfabetização assumiu uma abordagem interdisciplinar com abertura a outras ciências, ou áreas de estudo, como a história da literatura, antropologia, linguística, etnografia, história da cultura, etc., proporcionando o uso e cruzamento de novas e diversificadas fontes a partir de abordagens quanti-qualitativas, a ampliação do campo de investigação a factores ideológicos-culturais, as relações oralidade-escrita, assim como de outras linguagens, a análise de formas variadas de apropriação cultural por parte dos alfabetizados e das práticas da alfabetização. A alfabetização passou a ser estudada a partir da sua integração nos destinos da vida dos indivíduos, dos grupos e das comunidades, suas práticas e comportamentos na invenção do quotidiano, conhecendo e explicando a evolução do pensamento humano e da cultura. Pode-se, portanto, pontuar uma terceira etapa de desenvolvimento, a da história dos processos de comunicação, da linguagem e do pensamento, da mente humana. Assim, um dos factores primordiais a ser considerado por esse novo viés epistemológico é o papel que as mudanças nos modos de comunicação, na sua tecnologia, têm exercido para as transformações operadas nas estruturas e processos cognitivos, no seu modus operandi. O aparecimento e difusão da escrita proporcionaram transformações nos processos psicológicos superiores. “Toda transformación tecnológica en los modos o medios de comunicación supone modificaciones en los modos y medios de pensar, reflexionar y expresarse (ganancias o adiciones y pérdidas u olvidos) y, en consecuencia, en las estructuras cerebrales. Las funciones y estructura básicas del cerebro humano son, por supuesto, las mismas desde hace millones de años. Lo que cambia (…) es su modo de operar y organizarse, la interacción entre esas mismas y otras funciones (por ejemplo, la visión en relación con el lenguaje, el lenguaje oral – el oído – en relación con la escritura – el ojo -, los diferentes modos de ver – perspectiva, colores, formas -, leer o escribir)” (Viñao Frago, 1989:38). A problemática centra-se na análise da interacção entre a oralidade e a escrita e os modos de aprender e apropriar-se, de produzir e difundir a escrita. Assiste-se a uma revalorização das culturas orais e da oralidade como meio de comunicação, expressão e pensamento e a consideração dos actos de leitura e escrita como habilidades, ou práticas sociais, que têm lugar em contextos de uso determinados e que transformam a vida quotidiana, os processos de comunicação, as maneiras de expressar e pensar as estruturas e relações sociais. No plano histórico, percebe-se as diferenças na difusão da leitura e da escrita. “Em outras palavras, não há um único processo de alfabetização, mas dois processos com evolução diferenciada: o da difusão da leitura e o da difusão da escrita” (Viñao Frago, 1993:33). Desse modo, há que se considerar a análise da passagem de uma cultura oral para uma cultura escrita ou das influências recíprocas entre essas culturas distintas – movimento marcado por diferentes etapas históricas, indo desde o monopólio da escrita, por uns poucos escribas ou letrados, e de uma leitura colectiva, próxima ao canto, para facilitar a memorização da mensagem pela assembleia, até à difusão 235 da alfabetização e do texto escrito, através da imprensa, que implementam uma nova relação com a cultura escrita. No que diz respeito a dimensão antropológica da cultura escrita, esta é expressa através de dois aspectos: relação linguagem-pensamento e relação morfologia-técnica. A linguagem verbal é um facilitador do pensamento, simbolizando-o, padronizando-o e ordenando-o, mas há pensamento para além da linguagem. Permite também a assimilação do conhecimento e seu controlo pela consciência - meio de internalização das experiências externas e de comunicação da sua actividade interior. Pela linguagem opera-se uma recriação da realidade, processo onde intervêm factores psicológicos, sociais e culturais. Já a escrita é a fixação da palavra, representação gráfica, materialização, visível e perdurável da linguagem, convertendo-se num meio de comunicação, que permite a transmissão, memorização, aquisição e troca de informação, mas também num meio de acção. A escrita proporciona um método sistemático para o pensamento, facilita a análise, o distanciamento e a precisão, e proporciona um certo tipo de abstracção descontextualizada e introspecção, assim como a classificação, fragmentação e reordenação da realidade. Através da materialização da palavra pela escrita, pode-se observar a precisão e destreza do escrevente ao firmar o desenho das letras, a firmeza, ou não, do traço combinada com sua coordenação visual e a familiaridade no manejo dos instrumentos de escrita conjugada com os materiais de suporte. A evolução dos sistemas de escrita está marcada pelas transformações dos códigos linguísticos, pelos usos e práticas da escrita e ainda pelas mudanças que se operam nos suportes e meios de difusão da mensagem oral e escrita. As consequências da invenção, difusão e uso da escrita só podem ser conhecidas ao se ter em conta as características das culturas orais primárias – os tipos de intercâmbios estabelecidos, o modo de armazenamento da informação, do pensamento e da expressão, etc. Há que se considerar as suas interacções e influências mútuas por associação e dissociação, como por exemplo, a distinção entre cultura letrada e não-letrada. Por sua vez, o sistema escolar, principal agente de alfabetização nas sociedades actuais, tem depreciado e relegado a segundo plano os modos de expressão e pensamento próprios de uma oralidade, nomeadamente o que diz respeito à voz/som (incorporação do ritmo, rima, música, canção, canto, expressão poética, etc.) e ao corpo (expressão corporal, dança, gestos e outros). Somente a partir da interacção entre oral e escrito, principalmente através da revalorização da oralidade como cultura nos mais diversos contextos sociais de intercâmbio de informação, é que é possível assentar a alfabetização. Por mais elementar e básica que seja, toda definição de alfabetização ou de alfabetizado implica uma consideração, ou existência, do analfabetismo ou do analfabeto. Esta separação, no entanto, não corresponde à realidade histórica europeia, pois trata-se de uma sociedade com um passado ligado à cultura escrita. Na verdade, não há que se falar em ruptura mas sim numa aproximação entre as partes, de modo que a representação do nível de utilização da linguagem oral e escrita seja mais condizente com a própria realidade, tanto no que diz respeito ao desempenho e às responsabilidades quotidianas, como às interacções e comunicabilidade existentes entre os membros de uma comunidade. Há escalões intermédios que traduzem níveis diferenciados de literacia. Os processos históricos de alfabetização podem ser caracterizados como discriminatórios, selectivos e estabelecedores de diferenciação sócio-cultural ao contrário dos processos escolares básicos, que privilegiam a universalização dos saberes e a homogeneização social, mas são, no entan- 236 to, mais exigentes do que os de alfabetização quanto à forma e grau de realização, não tolerando a coexistência de diferentes níveis de consecução para um mesmo grupo. A melhoria do nível de escolarização está relacionada com estratégias organizadas no plano individual ou de grupo, com a fixação de objectivos bem definidos e a existência de um currículo. Já a alfabetização diferencia-se pelo seu carácter individualista, vivencial, pelo experiencialismo gráfico, por uma lógica de verticalidade social, pela ausência de reforços de ensino-aprendizagem e pela acumulação resultante das práticas. Entretanto, não se podem considerar as tarefas escolares como as de maior complexidade, ou as que requerem elevada capacidade ou nível cognitivo, em relação às actividades exigidas pelo contexto a que o indivíduo está inserido, pelo trabalho ou pelas relações sociais e familiares. Cada habilidade ou capacidade tem de ser valorizada no seu contexto de aprendizagem e uso. Um indivíduo inserido numa cultura oral é capaz de ter pensamento abstracto, lógico-formal, mas de acordo com suas necessidades e práticas, como ocorre com os alfabetizados-escolarizados. Em suma, os modos de pensamento e habilidades cognitivas destes últimos são tão situacionais como os dos membros de uma cultura oral primária ou os de um não alfabetizado em uma cultura alfabetizada. E qual é o valor de que se reveste a alfabetização? A alfabetização proporciona a inserção num outro sistema de símbolos e nas actividades em que esse sistema é utilizado, que, por sua vez, conduzirá a uma nova organização funcional dos processos psicológicos básicos (abstracção, generalização e inferência) e uma outra reestruturação da actividade mental, que variará em diferentes épocas e sociedades. Entretanto, não é descartada a capacidade de efectuar pensamentos complexos entre os indivíduos que compõem uma cultura ágrafa, mas deve-se sim considerar sua natureza distinta, não sendo a sua actividade mental melhor ou pior em relação a um indivíduo inserido na cultura escrita, mas diferente. Ler, escrever e contar, que são os conhecimentos básicos e elementares que constituem os programas de alfabetização, e a que se propõe a escolarização primária, são, na verdade, instrumentos facilitadores de novas capacidades e destrezas, mas não suscitam, por si, novas capacidades cognitivas; não é feita a conversão automática do conhecimento em aptidões e destrezas sociais e culturalmente contextualizadas, daí a necessidade de integração com as necessidades quotidianas e com o contexto. Sem essa preocupação de integração e uso dessas aptidões, em situações concretas, e com significado relevante para o sujeito aprendiz, ocorre a chamada alfabetização em abstracto e no vazio e, consequentemente, o fenómeno do iletrismo e a perda dessas aprendizagens. A construção do conceito de alfabetizado ou alfabetização requer uma hermenêutica complexa de base interdisciplinar que articule as dimensões sócio-antropológicas da cultura escrita, com os contextos espaço-temporais definidos, perfis biográficos, sócio-comunitários, económicos, institucionais, factores biológicos, etc. Do ponto de vista historiográfico, os processos de alfabetização surgem correlacionados com três tipos de variáveis: a) as relativas ao contexto, ao local e ao tempo histórico; b) as concernentes à evolução do código linguístico, nomeadamente, no que diz respeito aos meios e às necessidades e formas de mobilização da cultura escrita no quotidiano; c) as correspondentes aos processos, oportunidades de acesso e práticas da cultura escrita por parte do sujeito e dos diferentes grupos sociais. Os processos de alfabetização, nas mais diferentes fases históricas, estão associados a 237 transformações nas formas de produção, distribuição de bens materiais e organização das forças produtivas, por um lado, e a fenómenos de urbanização, por outro. Em correlação com as diferentes fases históricas estão as transformações nos suportes materiais, na instrumentalização da cultura escrita e nos códigos linguísticos. Quanto à apropriação das práticas literácitas, uma questão fundamental reside em como medir, e com que indicadores, o grau de literacia de um determinado sujeito. Mesmo sendo superadas as limitações quanto ao momento em que determinadas necessidades sociais estimularam o recurso à leitura e à escrita, é ainda difícil definir e caracterizar esses processos de alfabetização que foram desencadeados nos diversos grupos sociais. A caracterização de um processo de alfabetização, dada a sua relatividade e especificidade, envolve, entre outros aspectos, uma contextualização, a construção de um significado para o desenvolvimento histórico, uma descrição das práticas e das capacidades literácitas dos sujeitos e a importância destas na resolução de questões do quotidiano. “Os sujeitos praticaram a leitura e a escrita de forma diferenciada, em conformidade com os contextos histórico-geográficos e socioculturais e com as representações funcionais ou outras, mas praticaram também em conformidade com a apropriação individual e com as capacitações técnicas e simbólicas”(Magalhães, 2001:50). Daí a importância do estudo biográfico integrado ao contexto e a grupos sociais determinados. Assim, vê-se que o conceito de alfabetização e alfabetizado é historicamente evolutivo e socialmente diferenciado. De forma concisa, tem-se definido o alfabetizado como aquele que iniciou e utiliza as bases da leitura, da escrita e da aritmética no seu quotidiano. Numa definição mais extensiva, Viñao Frago (1993:107) afirma que “alfabetizar-se não é aprender e dominar algumas determinadas habilidades técnicas de decodificação, produção e compreensão de certos signos gráficos, mas adquirir e integrar novos modos de compreensão da realidade, do mundo, de si mesmo e dos outros”. Segundo Magalhães (1994:331), “o conceito de alfabetizado traduz a capacidade de utilizar conscientemente um determinado código para a simbolização e resolução de questões do seu quotidiano, seja no âmbito pessoal, seja no âmbito social”. É de ressaltar que se trata de uma aprendizagem e do uso de uma determinada linguagem ou código ao nível da elementaridade e para cada linguagem corresponde um tipo de alfabetização. Dessa forma, pode-se falar em diversos modos e tipos de alfabetização, de acordo com o momento histórico e o contexto sócio-cultural, admitindo-se ainda níveis variados de aprendizagem dentro de um mesmo modelo ou para modelos diferentes - tem-se um entremeado de códigos e linguagens e para cada indivíduo uma escala com diferentes graus segundo o tipo de alfabetização e habilidades requeridas, o que leva a falar-se de alfabetizações e analfabetismos. 3. Conclusão A noção de alfabetização acaba por ser, de facto, bastante relativa, pois está condicionada a aspectos específicos e de acordo com os contextos de uso de uma linguagem, o que supera uma visão restrita e uniforme, passando a considerar-se uma pluralidade de alfabetizações ou analfabetismos específicos de acordo com a modalidade que é analisada. “Un mismo individuo, según el contexto, puede ser considerado analfabeto o alfabetizado y, en este último caso, en diferentes niveles o grados según el tipo de alfabetización a que nos refiramos. El resultado final será un entrecruzamiento y jerarquía de alfabetizaciones, un 238 fenómeno diverso y múltiple que sólo puede ser analizado desde la antropología y sociología del saber y su distribución social” (Viñao Frago, 1992:400). Os desafios da alfabetização devem ser atendidos com programas que permitam uma participação consciente por parte do próprio alfabetizado, entendido aqui como aquele que possui saberes básicos e faz uso deles activa e criticamente no seu quotidiano. Por outro lado, também não se pode romper de vez com o modelo escolar, pois admite-se ainda a possibilidade, no plano histórico, às interpenetrações dos processos alfabetizador e de escolarização. Entretanto, ao acentuarse as marcas escolares, ficam por esclarecer as circunstâncias em que certos estratos sociais se abriram e acederam gradualmente à leitura e à escrita. 4. Bibliografia GOODY, Jack (1986). A lógica da escrita e a organização da sociedade. Cambridge: University Press/Lisboa: Edições 70. GRAFF, Harvey J. (1987). The labyrinths of literacy: reflections on literacy past and present. London: The Falmer Press. HAVELOCK, Eric A. (1996). A revolução da escrita na Grécia e suas conseqüências culturais. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista; Rio de Janeiro: Paz e Terra. MAGALHÃES, Justino Pereira de (2001). Alquimias da escrita: alfabetização, história, desenvolvimento no mundo ocidental do Antigo Regime. Bragança Paulista: Universidade São Francisco MAGALHÃES, Justino Pereira de (2000). A escola elementar no século XIX – institucionalização (materialidade, representação, apropriação). Braga: Universidade do Minho: Curso de Mestrado em Educação – Área de especialização de História da Educação e da Pedagogia. MAGALHÃES, Justino Pereira de (1998). Linhas de investigação em história da alfabetização em Portugal – um domínio do conhecimento em renovação. In 1º Congresso Luso-Brasileiro: Leitura e escrita em Portugal e no Brasil. Vol. 1. Porto: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação. MAGALHÃES, Justino Pereira de (1994). Ler e escrever no mundo rural do Antigo Regime: um contributo para a história da alfabetização e da escolarização em Portugal. Braga: Universidade do Minho – Instituto de Educação. VIÑAO FRAGO, António (1993). Alfabetização na sociedade e na história: vozes, palavras e textos. Porto Alegre: Artes Médicas. VIÑAO FRAGO, António (1992).Alfabetización y alfabetizaciones. Leer y escribir en España. Doscientos años de alfabetización. Madrid/Salamanca: Fundación Germán Sánchez Ruipérez; Madrid: Ediciones Pirámide; pp. 385-410. VIÑAO FRAGO, António (1989). Historia de la alfabetización versus historia del pensamiento, o sea, de la mente humana. Revista de Educación, 288, pp. 35-44. 239 240 Centro de integração de serviços para a Infância de Briteiros (CISIB) Uma ideia, uma fundamentação e uma prática Adelino Oliveira – Coordenador do CISIB Integração, um conceito a clarificar Quando falamos da necessidade de integrar, considerando integração como o exercício de combinação de várias componentes ou elementos num todo em que o resultado não é o mero somatório das partes, é porque estamos convencidos de que existe desintegração ou pulverização. No mesmo sentido, é porque entendemos que este processo de integração traz vantagens relativamente a um objectivo que temos em mente. Juntar, amontoar ou tornar igual nada tem a ver com integração, tendo muitas vezes a função e o efeito de confundir, tentar apagar a diferença ou a individualidade das partes. Assim, torna-se necessário clarificar o conceito no sentido de evitar distorções ou a introdução de perversões, nomeadamente quando falamos de pessoas e das suas relações e culturas. No discurso educacional o termo tem surgido em variados contextos e, mesmo aqui, é necessário um cuidado atento para perceber de que integração estamos a falar. Quando nos Estados Unidos se pretende promover a integração racial, mais do que reconhecer este esforço, importa perceber, nas práticas de integração, se elas se destinam a articular a diferença para a valorizar ou se, pelo contrário, se trata de uma acção para assimilar diferentes raças e culturas em função de uma matriz “oficial”. O mesmo se passa quando falamos de diferentes religiões cuja integração é, necessariamente, sinónimo de respeito pela diferença e sua valorização. Quando na escola se pretende integrar, no sentido da inclusão de crianças com necessidades educativas especiais, embora o discurso se situe, claramente, no campo do respeito pela diferença e na valorização das potencialidades de cada um, o certo é que quer as práticas da escola quer as expectativas dos pais têm ainda como referência um conjunto de desempenhos, na sua maioria académicos, que tornam o esforço de integração num movimento no sentido da standardização de desempenhos. Na impossibilidade ou incapacidade de provocar a mudança pedagógica na escola, a administração vai encontrando respostas, tão burocráticas como a própria escola, para criar, dentro desta, uma escola à parte composta pela ou pelas turmas de “currículo alternativo” que, segundo entendemos, nada têm de integração. Uma outra forma de integrar tem a ver com um modelo de trabalho com os alunos designado por “family grouping” que esteve na base da construção das escolas do 1º ciclo, em Portugal, do tipo P3, adoptado a partir da experiência dos países nórdicos, que se caracteriza pela existência de um espaço amplo onde o trabalho pode ser diversificado, tendo presentes alunos de idades e níveis de desenvolvimento muito diversos, cujo objectivo não é, naturalmente, que os alunos avancem ou recuem artificialmente nas suas idades cronológicas ou níveis de desenvolvimento, mas que desta integração resulte vantagem para todos, a partir da convergência e valorização da diferença. No campo do desenvolvimento curricular temos vindo a falar também de integração, em oposição à compartimentação estanque de disciplinas ou áreas que, pretendendo ligar a escola à vida real, propõe um trabalho em torno de “actividades integradoras”. Estas actividades, colocadas no centro da actividade da escola, emergem da realidade concreta e próxima dos alunos e da comu- 241 nidade, passando os professores a assumir o papel de coordenadores da intencionalidade educativa e o currículo a ser algo que é construído nas experiências educativas dos alunos. Fala-se, ainda, de integração a propósito da necessidade de conferir coerência à sequencialidade educativa ao longo da escolaridade o que, em Portugal, se traduziu, numa primeira fase, a partir de 1997 com a publicação do Despacho Normativo nº 27/97, na possibilidade da criação de agrupamentos de escolas com base em dinâmicas locais e na existência de um Projecto Educativo concreto e, mais recentemente, em imposições administrativas de criação de novos agrupamentos ou reconfiguração dos existentes. Num recente trabalho realizado em cinco países (Inglaterra, Alemanha, Austrália, Grécia e Portugal), designado por “Joning Forces – A Cross National Study of Integrated Early Childhood Education Care Centres in Five Countries”, tendo como representantes nacionais o Professor Doutor João Formosinho e a Professora Doutora Júlia Formosinho, ali se vêm referindo a um outro tipo de integração, a integração de serviços para a infância. A perspectiva ECEC (Early Childhood Education and Care Services), apresentada no estudo referido, refere-se à “integração” como termo utilizado em diferentes países para descrever as formas de congregar os esforços de diferentes prestadores de serviços, oficiais, privados ou até de voluntariado, no sentido de proporcionar uma resposta integrada, e portanto mais eficiente, efectiva e com rentabilização de recursos, às necessidades das crianças, dos jovens e suas famílias. No mesmo trabalho se refere que a perspectiva ECEC pode ir bastante para além da simples congregação de esforços, passando a ser um serviço integrado, organizado “holisticamente” para atender melhor as necessidades das crianças, jovens e suas famílias, “promovendo a colaboração em detrimento da competição entre serviços”. Estes serviços podem ser, então, proporcionados quer por uma entidade que, holisticamente, responde às necessidades quer como resultado de parcerias entre diferentes prestadores de serviços. Esta atitude integradora, reconhecida unanimemente pelos cinco países estudados, embora com contextos culturais muito diversos, como uma vantagem efectiva para a qualidade e facilitação de acesso aos serviços, nomeadamente para as camadas mais desfavorecidas das respectivas populações, surgem, normalmente, como reacções à compartimentação e desarticulação de serviços e, raramente, como iniciativas políticas. Contudo, em Inglaterra, surgem, por iniciativa política, os centros designados por “Early Excellence” que combinam serviços de creche, educação, alguns serviços sociais, saúde e oportunidades de formação e emprego no campo do trabalho com crianças. 2- Factores que facilitam ou condicionam a integração de serviços A OCDE, citada por Sarmento (2003), quando se refere às políticas integradas para a infância, remete para uma intervenção local e afasta qualquer intenção de criação de um novo programa para acrescentar ao emaranhado dos já existentes e sugere alguns aspectos a incluir nos objectivos: 1-“ A coordenação da prestação de serviços para maior benefício das pessoas; 1- uma perspectiva holística considerando o indivíduo e a família; 2- a provisão local de um leque abrangente de serviços; 3- a locação racional de recursos ao nível local capazes de responder às necessidades” (Sarmento, 2003) 242 Com base no estudo internacional, anteriormente referido, e na percepção que temos da integração de serviços para a infância podemos dizer que: 1-É consensual a vantagem da integração de serviços na perspectiva de desenvolvimento global das crianças, considerando que a educação e os cuidados não podem viver separados. 2-A manutenção dos serviços separados separa, também, os destinatários em necessitados e não necessitados e não permite uma perspectiva compreensiva e inclusiva. Trata-se de integrar não apenas os serviços mas “todas as crianças”. 3-A integração de serviços dependerá, não apenas de políticas integradas para a infância, mas também da disponibilidade dos profissionais para cooperarem numa perspectiva não corporativa. As pessoas são fundamentais neste processo. 4-As políticas integradas para a infância deverão emergir, fundamentalmente, como dinâmicas comunitárias, evitando a excessiva prescrição que, por melhores que sejam as intenções, pode conduzir ao fracasso, por ausência de envolvimento e participação cívica. 5-As dinâmicas de integração de serviços para a infância deverão, em paralelo, manter uma componente de desenvolvimento cultural da comunidade e de valorização do conhecimento e da cultura, factores determinantes na elevação das expectativas relativamente aos filhos. 6-A escola deve fazer um esforço no sentido de alterar profundamente as suas práticas, nomeadamente criando espaços, momentos e estruturas que proporcionem aos alunos uma efectiva participação cívica e práticas de cidadania, garantindo que, sendo cidadãos de corpo inteiro em criança, possam continuar a sê-lo em adulto. 3- Escola, desenvolvimento e participação Uma nova concepção de desenvolvimento global das sociedades tem vindo, com avanços e recuos, a ultrapassar a perspectiva que fazia depender o progresso dos indivíduos, de indicadores económicos. Embora a componente económica seja importante, o desenvolvimento global é hoje entendido, conforme refere Friedman, citado por Canário(1992), como “um processo de inovação que conduz à transformação estrutural dos sistemas sociais” A escola, neste contexto, não sendo um mundo isolado, faz parte da estratégia global de desenvolvimento, sugerindo a necessidade de participação comunitária, não porque se trate de uma “moda”, mas porque se torna pertinente numa perspectiva de desenvolvimento comunitário autónomo, adequado, centrado na resolução concreta dos problemas locais e que mobilize e rentabilize os recursos. Um modelo de escola burocrático e descontextualizado, para além de inadequado à nova perspectiva de desenvolvimento, prescinde, claramente, de qualquer dinâmica participativa. Por outro lado, o progressivo abandono de uma visão meramente instrutiva da educação, evoluindo para concepções mais amplas de “educação permanente”, tem vindo necessariamente a diluir a visão da escola, para a conduzir a uma posição interactiva com a comunidade, bebendo desta a inspiração para a adequação aos novos desafios sociais e proporcionando-lhe contrapartidas educativas. Facilmente se constata que o modelo de escola tradicional é incompatível com esta postura de abertura e interacção social. A proximidade dos alunos na escola é a primeira e mais importante oportunidade de abertura à comunidade. Se “os alunos são a comunidade dentro da escola” (Canário, 1992), como pode a escola abrir-se aos pais, mantendo-se fechada aos filhos? A este propósito, Rui Canário refere: 243 “Uma efectiva abertura da escola à comunidade define-se menos pela natureza e frequência das interacções entre a escola e os pais e a escola e as instituições locais, e mais pelo modo como trata os alunos. Como já vimos, a oposição entre a escola aberta e fechada é, em rigor, uma metáfora já que a escola é um sistema aberto, em permanente comunicação com a comunidade local, através dos alunos” (Canário, 1992: 80). Na medida em que a escola possa ser “conquistada” pelos alunos à hegemonia dos professores, agentes da escola “maquineta” de transformar alunos, então não fará sentido falar em “abertura” porque a comunidade é a própria escola e a relação que se estabelecerá será de diálogo geracional e de desenvolvimento cultural. 4- A Escola e os serviços em Portugal A criação da escola pública como reacção à escola do domínio da Igreja, a partir do sec. XVIII, de uma rede escolar e de um conjunto de pessoas que tinham como função ensinar a ler, escrever e contar, conferiu à escola características de forte controlo por parte do Estado. Escola da Igreja e Escola do Estado, parecendo duas histórias diferentes, o facto é que constituem apenas “dois momentos de um mesmo processo: a escolarização das crianças” (Nóvoa,1986 :11). Em Portugal, como noutras partes do mundo, a modernidade trouxe consigo um modelo de escola que se ocupava das crianças, organizando processos instrutivos intencionais que se baseavam na transmissão de conhecimentos organizados em programas pré-estabelecidos, como forma de as preparar para uma vida activa “previsível”. Hargreaves refere-se contundentemente à escola herança da modernidade, escola que ainda hoje alimenta debates e mobiliza a opinião pública em torno de expectativas meramente centradas nos resultados académicos, nos termos seguintes: “A maior parte das escolas secundárias de hoje são, na essência, instituições modernas. Caracteristicamente imensas em tamanho, balcanizadas numa confusão de cubículos burocráticos conhecidos como departamentos disciplinares e articulados precariamente por esse labirinto geométrico conhecido pelo nome de calendário ou horário escolar” (Hargreaves, 1998 :31). Ora, se há característica que esteja ausente da condição social da pós-modernidade que vivemos é, sem dúvida, a previsibilidade. De facto, a permanente mudança e incerteza que caracterizam a vida e as relações sociais de hoje exigem que a escola se organize de outra forma, também ela sujeita às condições de imprevisibilidade, que inclua mecanismos de flexibilidade e, acima de tudo, seja um espaço de vida real onde a cidadania se exercite em condições reais, por mergulho cultural. Este é, parece-nos, o cenário contraditório de fundo que vem enquadrando a acção, no palco social onde a escola se insere. A este quadro de caracterização da escola, em termos gerais, acresce, em Portugal, a situação do 1º ciclo e do pré-escolar que, embora transportados recentemente ao convívio normativo dos outros níveis de educação e ensino, com a publicação do novo Regime de Autonomia, Administração e Gestão das Escolas, têm vindo a ser alvo de acções puramente “colonizadoras” por assimilação no contexto organizacional das escolas do 2º e 3º ciclos. É já prática corrente em muitos agrupamentos verticais a introdução, com alguma cosmética de integração vertical, que não se sabe muito bem o que é, de práticas que são marcadamente “licealizadoras” do 1º ciclo, assentes em dinâmicas de “colegialidade forçada”, consubstanciadas 244 na presença de uns tantos elementos (poucos) destes níveis de educação e ensino nos órgãos de administração e gestão do agrupamento. É frequente assistirmos, como decisões da mais pura racionalidade, à adopção de manuais iguais para todos os alunos do agrupamento, independentemente da especificidade de cada contexto e da decisão metodológica dos professores; à elaboração de horários para o 1º Ciclo segundo o modelo de um tempo para cada “disciplina”; à planificação das actividades curriculares, por ano de escolaridade, para todos as turmas de um agrupamento com centenas de alunos. Por outro lado, a tão apregoada participação da comunidade, mais concretamente a participação familiar, neste contexto, não faz qualquer sentido. Aliás, a atenção que as famílias mantêm sobre uma escola deste tipo incide, fundamentalmente, sobre dois momentos: o momento da entrada, ficando garantido o princípio do “acesso”, e o momento da saída, garantindo o “sucesso”. O “durante”, o espaço de tempo que medeia um e outro, não passa de um estorvo, algo que gostaríamos de ver passar rapidamente, contrariamente ao que costumamos pretender para a própria vida. No que se refere aos serviços, a situação em Portugal caracteriza-se, genericamente, pela existência de serviços e ausência de integração. Concretizando um pouco mais, podemos dizer que existe, de facto, um emaranhado de serviços, de programas e projectos destinados a resolver ou a apoiar a resolução, directa ou indirectamente, de alguns problemas da infância, mas o certo é que estes programas se mantêm, desarticuladamente, em concorrência entre si e, muitas vezes, consumindo recursos numa atitude autofágica, sem que os verdadeiros interessados tenham tomado consciência da sua existência. Os serviços mais visíveis em Portugal e onde tem sido tentada alguma integração, são o PréEscolar e o 1º Ciclo e, no âmbito do funcionamento destes dois níveis de educação e ensino, o prolongamento de horário no pré-escolar, as actividades de tempos livres no 1º ciclo, os apoios educativos, alimentação e saúde escolar. O trabalho que vimos desenvolvendo em Briteiros, no âmbito da criação do Centro de Integração de Serviços para a Infância, pretende conduzir a escola ao convívio das diferentes instituições sociais que possam, de forma integrada, atender as necessidades das crianças, dos jovens e das famílias. 5- O que nos move em direcção ao futuro As mudanças verificadas em Portugal precipitaram uma situação de alguma indefinição quanto ao futuro. Se é verdade que, nos últimos anos, na sequência da publicação do Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio, foram muito poucas as iniciativas de base nas escolas no sentido de se constituírem em agrupamento, o certo é que aquelas a quem vinha sendo reconhecido um esforço adicional e eram apontadas como referência, acabaram por ser abaladas na sua estrutura organizacional que, não sendo o único factor a determinar boas práticas, é, no entanto, um factor muito importante. O Agrupamento de Briteiros, no início de 2003/2004, vê-se amputado das suas estruturas mantendo, no entanto, um crédito considerável de vantagens construídas que dificilmente se dissolvem por decreto: a cultura de colaboração; uma vontade de manutenção do essencial das opções pedagógicas; uma ligação muito forte às comunidades; um percurso de formação contínua. 245 A convicção de que a resposta aos reais problemas da infância só é possível a partir de uma perspectiva de integração de serviços para a infância, envolvendo a comunidade, independentemente do modelo prescrito para o funcionamento da escola, move-nos em direcção ao futuro. O Centro de Integração de Serviços para a Infância de Briteiros (CISIB), assumido pelo Agrupamento Vertical de Escolas de Briteiros como estrutura de orientação educativa e cuja actividade assenta num protocolo estabelecido entre o Agrupamento, a Câmara Municipal e a Direcção Regional de Educação do Norte, enquadra-se no espírito de contextualização comunitária da escola, cruzando a acção no âmbito da Rede Social de Guimarães, activando “redes” no sentido da resolução dos problemas concretos da infância e suas famílias. BIBLIOGRAFIA Canário, R. (1992). Inovação e projecto educativo de escola. Lisboa: Educa. Formosinho, J. & Oliveira-Formosinho, J (2001). The Early Excellence Centres as Learning Organisations. Original não publicado, 11th European Conference on Quality in Early Childhood, Early Childhood Narratives- Early Childhood and New Understandings of the Mind, Hogeschool Alkmaar, Alkmaar, The Netherlands. Formosinho, J. & Oliveira - Formosinho, J. (2002). Portuguese Educational Policy Towards Integration of Services in Early Childhood Education. Original não publicado, International Integration (INT2) Project- Joining Forces, Childhood Association, Braga. Hargreaves, A. (1998). Os professores em tempos de mudança – O trabalho e a cultura dos professores na idade pós-moderna. Lisboa : Mc. Graw-Hill . Nóvoa, A. (1986). Do mestre-escola ao professor do ensino primário – Subsídios para a história da profissão docente em Portugal (séculos XVI – XX ). Lisboa : Instituto Superior de Educação Física. Sarmento, M. (2003). “ O que cabe na mão” – proposições para uma política integrada da infância. Original não publicado, Instituto de Estudos da Criança, Universidade do Minho, Braga. 246 Algumas reflexões sobre Educação Matemática no 1º Ciclo Ana Cláudia Silva Sá Morais Oliveira Doutora em Educação de Pessoas Adultas, Escola EB 2/3 de Pevidém, Guimarães Introdução A Matemática constitui um dos conhecimentos mais valorizados na sociedade contemporânea. No entanto, é também um dos mais inacessíveis e produtor de fracassos. As notícias vindas a público, recentemente, relativas às classificações dos alunos nos exames nacionais de Matemática, revelaram graves insuficiências traduzidas a dois níveis: maus resultados nos exames e insuficiências no ensino/aprendizagem desta área. Embora possamos afirmar, sem quaisquer dúvidas, que o processo ensino/aprendizagem da matemática no 1º Ciclo (onde os conceitos constituem a base que sustenta todos os conhecimentos a construir nos anos posteriores) tem melhorado substancialmente, não nos podemos considerar satisfeitos. Ainda se dá ênfase a processos rotineiros e a procedimentos algorítmicos que apenas estimulam a mecanização e a memorização sem sentido, minimizando o raciocínio lógico e o pensamento criativo, a procura de soluções, a crítica e a fundamentação de opiniões, o enriquecimento dos processos de abstracção e de generalização. Apesar das mudanças positivas que se verificam no processo ensino/aprendizagem da matemática e das mudanças propostas no currículo, constatamos, por exemplo, que a resolução de problemas (entendidos estes como desafios colocados aos alunos e cuja resolução exige iniciativa mental e engenho) ocupa ainda um lugar pouco relevante nas aulas de matemática do 1º Ciclo. Geralmente a aula tem início com a explicação/definição do professor de um conceito ou de um procedimento, continua com demonstrações, exercitação e fixação do mesmo, e termina com a sua aplicação à resolução de problemas. Analisando o tempo dedicado a esta trilogia, verificamos que se dedica mais tempo à exercitação que à resolução de problemas. Muitas vezes ainda se esquece que o contexto da aula de matemática deve contribuir para gerar atitudes positivas face à matemática e à sua aprendizagem. Desta perspectiva derivam algumas reflexões, análises e sugestões sobre Educação Matemática no 1º Ciclo, que certamente irão apoiar e esclarecer o trabalho dos professores e também dos formadores. 1. A origem das dificuldades na aprendizagem da matemática Das reflexões e análises que frequentemente fazemos, perguntamo-nos muitas vezes o que estará envolvido no ensino/aprendizagem da matemática que possa explicar as dificuldades das crianças nesta área. Não somos capazes de determinar uma razão única que dê resposta à nossa preocupação. Encontramos sim, um conjunto de razões que envolvem, essencialmente, três aspectos: - a natureza dos conceitos matemáticos; - a metodologia utilizada no processo ensino/aprendizagem; - as circunstâncias da criança para aprender. 247 1.1. A natureza dos conceitos matemáticos Os conceitos matemáticos são construídos através da estruturação que o pensamento efectua entre as acções que realizamos. Concretizando, conforme referem Gelman e Gallistel (1978) as crianças não constroem o conceito de número apenas porque contam objectos, mas somente quando são capazes de coordenar os princípios da correspondência biunívoca. Sendo assim, a aprendizagem de conceitos matemáticos é de natureza lógico-matemática e nada tem de empírico. Para que a criança adquira a noção de número é preciso a abstracção de todas as propriedades dos elementos enumeráveis, nomeadamente da forma, da espessura, do tamanho, da cor,... Queremos com isto dizer que os conceitos matemáticos são abstractos e dizem respeito às regularidades distantes daquilo que é observável. Para além do processo de abstracção, há o processo de generalização, que são processos complementares. O processo de generalização permite-nos atribuir propriedades ou qualidades abstraídas a outras classes de objectos ou situações. Concretizando, as crianças costumam construir o sentido da adição articulado à noção de juntar. No entanto, se este princípio tem validade para o conjunto dos números naturais, não pode ser generalizado para o conjunto dos números inteiros, pois pela reunião de dois conjuntos nem sempre se obtém uma quantidade maior. Portanto, a generalização exige que a criança reconheça as condições para a sua aplicação. A competência em estabelecer relações é um dos aspectos que caracteriza a inteligência humana. No que se refere ao pensamento matemático, as relações que determina têm carácter útil e universal, dado que “(...) o conhecimento na matemática diz respeito ao acordo das suas construções consigo mesmas” segundo Ramozzi-Chiarottino (1988). Nesta perspectiva, os conceitos matemáticos baseiam-se na capacidade de estabelecer relações de natureza necessária e não contingente. Os conceitos matemáticos apoiam as suas demonstrações por meio do raciocínio dedutivo. Apresentamos como exemplo a seriação e a capacidade de compreender as relações transitivas: quando uma criança ordena três varas de tamanhos diferentes A B C e é capaz de dizer: - A vara A é mais curta que a vara B; a vara B é mais curta que a vara C; então a vara C é mais comprida que a vara A, utiliza um raciocínio dedutivo. O mesmo acontece quando a criança coloca dois conjuntos com o mesmo número de elementos (porta-lápis e lápis) e deduz que há correspondência entre eles. Os conceitos matemáticos expressam-se numa linguagem própria e específica, e aprender as suas regras sintácticas constitui um dos maiores desafios para aprender matemática. 248 1.2. A metodologia utilizada no processo ensino/aprendizagem Segundo afirma Gomes-Granell (1997) a metodologia utilizada no ensino da matemática tem-se movido entre a tendência que dissocia os aspectos sintácticos e semânticos da matemática, facilitando ambiguidades na prática docente e dificuldades na aprendizagem dos alunos. Quando a metodologia é orientada pela tendência sintáctica, realça a linguagem formal, o conhecimento das regras e dos algoritmos. Na metodologia de orientação semântica valorizam-se os aspectos conceptuais, a exploração intuitiva e os processos utilizados pelos alunos. Dar prioridade a um destes aspectos será uma decisão incorrecta pois as duas tendências (sintáctica e semântica) são indissociáveis, cabendo ao professor o desafio de fazer essa articulação. O professor precisa de utilizar uma metodologia que possibilite mediações entre os significados matemáticos e aqueles que o aluno domina. “O significado matemático é obtido através do estabelecimento de conexões entre a ideia matemática particular em discussão e os outros conhecimentos pessoais do indivíduo. Uma nova ideia é significativa na medida em que cada indivíduo é capaz de a ligar com os conhecimentos que já tem. As ideias matemáticas formarão conexões de alguma maneira, não apenas com outras ideias matemáticas como também com outros aspectos do conhecimento pessoal. Professores e alunos possuirão o seu próprio conjunto de significados, únicos para cada indivíduo”. (Bishop e Goffree, 1986). 1.2.1. Ensino tradicional X perspectiva socioconstrutivista A visão tradicional do ensino da matemática pressupõe a transmissão de conhecimentos que são do adulto, ao qual também já foram passados, numa “visão de heteronomia do conhecimento” (Orton, 1992). Segundo a A. P. M. (1991) “Em muitas aulas de matemática a aprendizagem é concebida como um processo no qual os alunos absorvem informações e armazenam-nas em fragmentos facilmente recuperáveis, como resultados da prática repetitiva e do esforço”, pese embora todos sabermos que a aprendizagem não acontece por absorção passiva e isolada. Na perspectiva de Campos (1998) “A visão socioconstrutivista é bem diferente da tradicional, no que se refere à forma como o aluno deve construir o conhecimento. A visão do conteúdo, ao contrário do modelo tradicional, não deve ser predefinida” e “um domínio do conhecimento deve ser especificado e o aluno deve ser encorajado a buscar novos domínios do conhecimento que sejam importantes para a questão”. Desta forma, a aprendizagem contempla a interacção social das crianças envolvidas no processo. A colaboração entre elas é favorecida pelo trabalho em equipa, como refere Vigotsky (1998) pois “a colaboração entre pares durante a aprendizagem pode ajudar a desenvolver estratégias e habilidades gerais de solução de problemas através da interiorização do processo cognitivo implícito na interacção e na comunicação”. A criança torna-se num participante activo, interage e aprende com os outros, confia nas suas próprias capacidades matemáticas. 1.3. As circunstâncias da criança para aprender As dificuldades na matemática não têm apenas origens externas, algumas são resultantes das características cognitivas do aluno e do seu funcionamento, que resultam não só dos processos de desenvolvimento mental, mas também do contexto (familiar, social, cultural) em que se dá o 249 desenvolvimento. Assim, quando as crianças entram em contacto com conceitos matemáticos é natural que apresentem diferenças quanto à compreensão e ao ritmo da aprendizagem. Por outro lado, como considera Rivière (1995), a memória e a atenção selectiva, que constituem aspectos básicos do processamento da informação, influenciam a aprendizagem. 2. Práticas Educativas e Formação de Professores Na perspectiva da investigadora Oliveira (1995,p.75), que é também a nossa perspectiva, “os professores necessitam de um conhecimento profundo da disciplina, pois só assim poderão estruturar o ensino de forma a possibilitar a aprendizagem dos alunos e (...) será vital saber como os alunos pensam e aprendem”. Na mesma linha de pensamento, Ponte (1995) sugere que são três os domínios do conhecimento profissional dos professores: 1- conhecer os conteúdos a ensinar; 2ter conhecimentos de pedagogia; 3- possuir conhecimentos didácticos, entendidos estes como “as maneiras mais adequadas de apresentar os conteúdos aos alunos de modo a facilitar a aprendizagem” (Ponte, 1995, p4). Nós acrescentamos que também é necessário que os professores possuam conhecimentos sobre a história dos conceitos matemáticos para que possam ajudar os alunos a ver a matemática de forma mais dinâmica e a fazer adaptações e modificações, como uma ciência que incorpora sempre novos conhecimentos. Por outro lado, o aluno tem de ser visto como o actor e o construtor do seu próprio conhecimento, e o professor tem de se transformar num facilitador e organizador da aprendizagem, fornecendo informações, oferecendo textos e materiais, sendo o mediador que favorece e facilita a confrontação das ideias das crianças, o diálogo e a intervenção de cada uma. Outro aspecto relevante prende-se com as práticas pedagógicas nas aulas de matemática, que se desenvolvem, ainda em muitos casos como temos constatado, através dos manuais escolares que muitas vezes apresentam erros “de palmatória”. Relativamente aos recursos didácticos, nem sempre vemos adequação do seu uso, e diversos professores ainda fazem incidir sobre eles expectativas erradas. Assim sendo, a Formação Contínua de Professores na área de Matemática deve explorar a potencialidade do conhecimento matemático o mais amplamente possível, considerando “a pessoa como um todo” (Ponte, 1995, p.9) e apresentando as duas vertentes do conhecimento (teoria e prática) absolutamente interligadas, fecundando-se mutuamente. Como docente e como formadora, que reflecte sobre a aprendizagem das crianças e dos adultos/professores, não podemos deixar de afirmar que a Formação Contínua de Professores requer um tratamento diferenciado “fundamentado em princípios filosóficos, psicológicos e sociais que respondam às expectativas dos adultos” (professores) (Sá Morais Oliveira, 2005,p.122). Heaney (1993,p.2) afirma que a “formação de adultos é adquirir novos conhecimentos, é reflectir sobre as próprias experiências pessoais, é transformar esse conhecimento numa arma de acção. A educação de adultos é tarefa de dar nome ao nosso mundo, vir a conhecer as conexões entre elementos dispersos da nossa experiência, conhecer a nossa realidade em ordem a controlá-la”. O professor é adulto, autónomo e independente. “A vida fá-lo acumular experiência, tem consciência daquilo que sabe e dos conhecimentos que precisa de adquirir. É capaz de analisar criticamente as informações que lhe chegam e classificá-las em importantes ou não importantes” (Sá Morais Oliveira, 2005,p.120-121). Assim, estamos perfeitamente de acordo com Ludojorsky (1986) quando afirma “que se torna necessário ter em atenção um dos problemas antigos mas sempre 250 actual, que é a educação permanente do homem, mas que para isso é necessário rever os pressupostos e os elementos de uma didáctica para adultos”. Como formadora, privilegiamos no nosso trabalho com adultos, por um lado utilizando uma das perspectivas mais influentes das últimas décadas – a aprendizagem experiencial de Kolb – que definiu a aprendizagem de adultos como “o processo mediante o qual o conhecimento é criado através da transformação provocada pela experiência” (Kolb, 1984,p.38); por outro lado e paralelamente, baseamos o nosso trabalho nos modelos andragógicos. 2.1. A Prática e a Mudança – Aprendizagem Experiencial Segundo Courtois (1995, In Sá Morais Oliveira, 2005, p.49) “o que distingue a aprendizagem experiencial de outros tipos de aprendizagem é a reflexão sobre a experiência, que permite aprender novos conhecimentos e práticas”. Ao analisar e reflectir sobre a própria experiência, o professor põe em questão as suas ideias e toma consciência do próprio conhecimento, ou seja, o processo de interpretar ou reinterpretar o significado da sua experiência. Desta forma, a aprendizagem experiencial não existe sem estes dois elementos fundamentais: “a experiência e a reflexão sobre a experiência, numa perfeita inter-relação entre ambos” (Sá Morais Oliveira, 2005, p.45). Pela aprendizagem experiencial é possível uma mudança de prática que integra, “uma mudança comportamental, mas também uma mudança de valores, de sentimentos, de conhecimentos” (Cró, 1998, p.125). O processo de mudança de práticas associa reflexão e acção, conforme apresentamos na adaptação do Modelo de Kolb (1984): Experiência Concreta (EC) conhecimento por apreensão Experimentação Activa (EA) transformação por intenção transformação por extensão Observação reflexiva (OR) conhecimento por compreensão Conceptualização abstracta (CA Fonte: Adaptado do Ciclo de Aprendizagem de David Kolb, (1984, p. 42). 251 O eixo EC – CA representa a polaridade abstracto/concreto. O eixo EA – OR representa a distinção reflexão/acção. “Na perspectiva de Kolb (1984) a aprendizagem é muito mais eficaz quando o indivíduo recorre convenientemente às quatro fases do Ciclo que geralmente seguem a sequência EC – OR – CA – EA, tendo em conta que cada fase requer a utilização de diferentes habilidades” (Sá Morais Oliveira, 2005,p.44), isto é, o professor, através da experiência interioriza melhor a realidade, transforma a apreensão da realidade por extensão ou por intenção. As condições de aprendizagem experiencial estão articuladas à formação ligada a si próprio – aprendizagem autodirigida – e à formação no local de trabalho. Assim, a aprendizagem experiencial mobiliza a experiência do professor e perde “o seu carácter livresco” (Cró, 1998,p.124). Não pretendemos pôr a Formação Contínua de Professores pela aprendizagem experiencial contra a formação instituída, mas antes reflectir a articulação que melhor possa satisfazer os professores e contribuir para a mudança de práticas nas diversas abordagens formativas (Courtois, 1989). 2.2. A Formação Contínua nos Modelos Andragógicos “A palavra andragogia deriva das palavras gregas andrós (homo) e agogus, agogé (acção de conduzir). Achamos interessante observar que a palavra andragogia ainda não está inserida nos dicionários mais recentes e mais utilizados da Língua Portuguesa” (Sá Morais Oliveira, 2005, p.96). A andragogia foi definida em 1975 por Knowles como “a arte e a ciência de orientar adultos a aprender”. “O Modelo Andragógico encontra o seu dinamismo nos seguintes componentes: o aprendente adulto (formando), o facilitador (formador), o grupo de participantes e o meio ambiente (Sá Morais Oliveira, 2005, p.97). Como formadora privilegiamos a andragogia na formação de adultos (professores), porque está estabelecida sobre sete pressupostos acerca das características do adulto em situação de formação: - o adulto deixa de ser uma personalidade dependente e passa a ser um indivíduo autodirigido; - o adulto acumulou experiência que se converte num recurso rico para a aprendizagem; - a sua disposição para aprender passa a estar cada vez mais orientada para o desempenho dos seus papéis sociais; - a orientação face à aprendizagem muda, desde a aprendizagem centrada em disciplinas à aprendizagem centrada no desempenho; - o adulto pode aprender; - a aprendizagem é um processo interno; - existem superiores condições de aprendizagem e princípios de ensino”(Knowles,1986, In Sá Morais Oliveira,2005,p.96-97). 3- A Oficina de Formação “ O professor como instrumento de renovação do processo ensino/aprendizagem de Matemática” É com base nestes fundamentos que se situa a O.F. intitulada “ O professor como instrumento de renovação do processo ensino/aprendizagem de Matemática” e que teve lugar na Escola E.B. 2, 3 de Pevidém, entre Janeiro e Maio do corrente ano. 252 Toda a O.F. constituiu um processo de construção de conhecimentos baseado num plano de oito aspectos que consideramos relevantes na Formação Contínua de Professores e que integra as condições de forma articulada à aprendizagem experiencial de Kolb – reflexão/acção – e aos modelos andragógicos: 1. interiorização de teorias científicas; 2. oportunidades para conceptualizar o processo ensino/aprendizagem na área de Matemática; 3. interacção com os colegas; 4. alternância de formação/ situações de trabalho; 5. reflexão sobre acção; 6. oportunidades para conhecer e avaliar estratégias e materiais; 7. elaboração de esquemas de acção, pela acção; 8. mudanças de decisões na prática através da reflexão. Em nosso entender, a Formação Contínua justifica-se apenas se o objectivo primeiro do formador for, de facto, as mudanças das práticas. Neste sentido, a nossa praxis de formação fundamentase ainda nos princípios da horizontalidade e da participação. “A horizontalidade é definida como uma relação entre iguais, uma relação partilhada de atitudes, de responsabilidades e de compromissos para conseguir êxitos”(Adam,1997, In Sá Morais Oliveira,2005,p.97). Nesta perspectiva, tanto nós, formadora, como os formandos, “somos iguais ao sermos todos adultos e ao possuirmos experiência, condições importantes na organização dos processos formativos considerando: maturidade, expectativas, necessidades, interesses e vivências” (Sá Morais Oliveira, 2005,p.97). A horizontalidade permitiu que todos nos respeitássemos mutuamente e valorizássemos as experiências de cada um. Bibliografia ADAM, (1997). Alguns enfoques sobre andragogia. Caracas: Univ. Nacoional Experimental Simón Rodriguez. In SÁ MORAIS OLIVEIRA (2005,p.49) O Aprendente Adulto em Processo de Aprendizagem Autodirigida no Ensino Superior Formal. Tese de Doutoramento. Faculdade de Educação da Universidade de Salamanca. Reconhecido pela Universidade do Minho. APM (1991). Associação de Professores de Matemática; Instituto de Inovação Educacional. Normas para o Currículo e a avaliação em Matemática Escolar. Lisboa:APM e IIE. BISHOP,A.e GOFFREE, F. (1986).Classroom organization and dynamics. In CHRISTIANSEN, A. et al. (eds).Perspectives on mathematics education.Dordrecht:D.Reidel. CAMPOS, F.A. (1998). Design Instrucional e Construtivismo: em busca de modelos para o desenvolvimento de softwere. In Simpósio Brasileiro de Informática na Educação, 6, 1998. COURTOIS, (1995). L’experience formatrice: entre auto et ecoformation. In Educação Permanente, Nº 122, pp.31-45.In SÁ MORAIS OLIVEIRA (2005,p.49) O Aprendente Adulto em Processo de Aprendizagem Autodirigida no Ensino Superior Formal. Tese de Doutoramento. 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Martins Fontes. 254 ESCOLAS BÁSICAS DO 1.º CICLO Síntese de uma evolução do discurso político-institucional estruturador da escola do 1.º Ciclo em Portugal Fernanda Araújo Mestre em Sociologia da Educação e Políticas Educativas Professora do 1.º ciclo do Ensino Básico, [email protected] Resumo O estudo da experiência escolar de alunos provenientes de meios sócioeconómicos desfavorecidos nas escolas básicas do 1.º ciclo remete para a análise da problemática das orientações políticas para este nível de ensino e contexto social. Assim, e na impossibilidade de, no presente texto, recensear todo o conjunto de dimensões susceptíveis de integrar essa problemática, nesta passagem, procedo à análise das principais orientações políticas para as escolas básicas do 1.º ciclo, designadamente no que concerne à sua concepção, aos objectivos consignados e às experiências de aprendizagem que deve proporcionar. Trata-se, portanto, de um texto síntese, que procura contemplar o essencial dos discursos “oficiais”, apresentando-se como um antelóquio geral à problemática das experiências escolares nas escolas básicas do 1.º ciclo, na medida em que apresenta uma caracterização do contexto político-educativo onde essas experiências são formal e oficialmente definidas. 1. Definição político-normativa das finalidades das escolas básicas do 1.º ciclo A concepção das finalidades da escola básica do 1.º ciclo19 tem, ao longo dos anos, vindo a sofrer alterações, que aliás estão presentes, entre outras, na organização do Sistema Educativo, nas exigências (de ordem social, política e cultural) que se fazem à escola e nas prioridades que politicamente são, ou não, afirmadas. Nesta perspectiva, se, no período de instauração do Estado 19 Escusando-me a desenvolver uma abordagem histórica das concepções dominantes sobre as escolas básicas do 1.º ciclo que permitisse perceber a linha de evolução das suas finalidades (e que, aliás, não foi constante e coerente, e que seria, por si só indutora de análises necessariamente mais longas e aprofundadas), preferi fazer uma abordagem que desocultasse os seus actuais pressupostos. Porém, e apesar do carácter exploratório, convém referir que “desde a instauração do Estado Novo (1926) até hoje, podem-se distinguir quatro concepções dominantes sobre a escola e a educação, e que correspondem a períodos precisos da história sociopolítica portuguesa. Trata-se de concepções que se exprimem ora como as únicas legítimas (pela voz do estado), ora como a perspectiva oficial dominante” (Benavente, 1990: 265). Assim, desde 1926 até ao início da década de 70, a escola, então designada primária, assegurou a servidão cultural e ideológica e a privação do povo português de qualquer acesso a meios ou instrumentos dos quais se pudesse servir para exigir uma maior participação social; do início dos anos 70 ao 25 de Abril de 1974, a “batalha da educação” surge como alvo importante numa reforma global do ensino (que, directamente, não contemplou a, então, escola primária), e nela emergem conceitos como “a igualdade de oportunidades” e a “democratização do ensino”. É neste momento histórico que “(...) a ideologia meritocrática fez a sua entrada em Portugal pela mão do discurso oficial dos últimos anos da ditadura. Já não havia, então, desconfiança quanto à educação. Tratava-se de trabalhar para o desenvolvimento do País, das elites e dos cidadãos, através da ‘batalha da educação’ ” (idem, ibidem: 267). Do 25 de Abril de 1974 a 1976 (1.º Governo Constitucional) decorreu um período curto, marcado, essencialmente, pelo questionamento declarado da instituição escolar. A partir de 1976 “a escola já não é um templo intocável, tornou-se um alvo explícito, um terreno de luta e contradições como o são todas as outras instituições na sociedade portuguesa” (idem, ibidem: 270). Também Formosinho (1991: 30-33), define duas concepções de escola: “a escola como serviço do Estado e a escola como comunidade educativa”. A propósito da concepção jurídico-administrativa da “escola-comunidade educativa” ver Sarmento e Formosinho (1999: 71-87) e, a propósito das diferentes concepções de escola nos grupos de trabalho da Comissão de Reforma do Sistema Educativo, ver Formosinho (1991). 255 Novo imperou a apologia da ignorância e do analfabetismo, mais recentemente, no período histórico a que me reporto, a escola assumiu-se como um “(...) espaço privilegiado de educação, em liberdade, e para a cidadania” (Programa do XIII Governo Constitucional: 29) e a educação, como um “(...) direito que deve ser garantido a todos, com a maior duração possível, atendendo à diversidade de situações, nas melhores condições, de acordo com as necessidades de realização das pessoas e os objectivos de desenvolvimento económico e social” (idem, ibidem: 28). A educação passou a ser concebida como “uma prioridade efectiva” (idem, ibidem: 28) ou como “a grande prioridade (...) que tem que ser renovada permanentemente, dada a magnitude do desígnio” (idem, ibidem: 7) a que o governo socialista se propunha e que visava, como explicava o Ministro da Educação Marçal Grilo aquando da apresentação do programa do XIII Governo Constitucional na Assembleia da República (ME, 1999a: 15), a “(...) modernização da sociedade, a abertura dos espíritos e o combate à ignorância e à mediocridade”; ou, ainda que com um sentido político-eleitoral, como a “paixão” do Primeiro-Ministro António Guterres, termo que, contudo, não foi partilhado pelo Ministro da Educação Marçal Grilo, na medida em que afirmava não concordar com a aplicação desse termo à educação: “(...) é um termo de que não sou adepto, guardo as paixões para outras coisas, não tenho uma paixão pela educação (...) Apareceu com o Primeiro-Ministro como desígnio essencialmente da área política e daquilo que foi uma oferta ao eleitorado. Utilizou sempre o ‘termo’ paixão durante a campanha eleitoral e sempre que se dirigiu aos portugueses, com o sentido de dizer: ‘Quando for Primeiro-Ministro, o meu governo terá como paixão a educação”, e eu, como não estive sequer nessa campanha eleitoral ... (...) Nunca utilizei o termo ‘paixão’ porque sempre achei que era uma designação que tinha, de facto, um sentido político eleitoral. Utilizei sempre uma ‘prioridade acrescida’, ‘uma primeira prioridade’, ‘esta é a nossa grande prioridade’, ‘a educação é uma prioridade do governo’ ” (Neto, 2002: 120). Mas, apesar destas alterações - motivadas pelo contexto e evoluções das políticas hegemónicas e pelo facto de a escola surgir no sistema educativo enquanto instituição responsável pela execução das políticas educativas que, num determinado momento histórico, político e social, os governos definem para um projecto de sociedade, constituindo assim focus de um “projecto político inacabado” (Afonso, 1999: 3) - a sua missão fundamental, como explica Santos Guerra (2000: 7,8), centra-se no contributo que deve dar para “(...) o melhoramento da sociedade, através da formação de cidadãos críticos, responsáveis e honrados. (...) a instituição escolar recebeu também a incumbência de ensinar cada cidadão, formando-o em todas as decisões da pessoa humana e incorporando-o criticamente na sua cultura. A escola tem pois de ensinar. Esse é o seu objectivo, essa é a sua função”20. Neste sentido, e de acordo com a perspectiva do primeiro Ministro da Educação do governo socialista, Marçal Grilo (ME, 1999a: 130-131), 20 Acerca das funções sociais da educação escolar escreve Durkheim (1975: 159): “(...) não se deve perder de vista o objectivo da instrução pública. Trata-se de formar, não operários para a fábrica ou contabilistas para o comércio, mas cidadãos para a sociedade. O ensino deve ser portanto moralizador, libertar os espíritos das visões egoístas e dos interesses materiais; substituir a piedade religiosa por uma espécie de piedade social. Ora, não é com o princípio de Arquimedes, nem com a regra de três, que alguma vez poderemos moralizar as multidões”. 256 “As escolas são feitas para que os alunos aprendam. É uma aprendizagem de conhecimentos, de saberes, enfim, de tudo aquilo que é necessário à vida: o saber ler, o saber escrever, o saber contar, são aspectos clássicos e básicos da formação dos mais pequenos, sobretudo ao nível do primeiro ciclo: mas depois, tudo o que tem a ver com a autonomia, com a iniciativa, com a responsabilidade, com o trabalho em grupo, com a capacidade para produzir um determinado projecto – mesmo que sejam coisas muito pequenas. Depois, o ensino experimental, a importância enorme do ensino experimental, é necessário fazer, não basta saber, é preciso saber fazer e saber fazer é o ensino experimental. E o ensino experimental tem a ver com o rigor, tem a ver com a concepção, tem a ver com o testar, tem a ver com o experimentar, com o rectificar, com o medir, tem a ver com o escrever, tem a ver com o relatório que se escreve ou não se escreve, com o relatar, tem a ver com o divulgar, tudo isto se relaciona com a parte do ensino experimental. (...) É muito importante (...) que a escola esteja a montante das pessoas e sobretudo da formação de cidadãos de parte inteira, cidadãos que possam, quando adultos, exercer os seus direitos e os deveres de cidadania. Isto tem a ver com a participação, por exemplo, na vida democrática. A forma como as escolas hoje se organizam deve ser no sentido de favorecer a integração num sistema democrático, um sistema participativo, em que o próprio aluno tem um papel no funcionamento da sua escola. Paralelamente à dimensão instrutiva da educação que, aparentemente, é subalternizada21- visto que se pretende construir “(...) uma escola que vise a promoção de aprendizagens realmente significativas. Nesta perspectiva, não basta adquirir conhecimentos, é necessário compreender, dar sentido e saber usar o que se aprende, assim como desenvolver o gosto por aprender e a autonomia no processo de aprendizagem” (ME, 2001b: 23) -, a tónica das principais funções da escola passa a centrar-se na promoção do desenvolvimento pessoal e social dos alunos22. Aliás, parece ser também esta a posição assumida no Documento Orientador das Políticas Educativas para o Ensino Básico (ME, 1998a: 6), assim como nos documentos de apoio à implementação da Reorganização Curricular (ME, 2001a; ME, 2001b), que apresentam um largo conjunto de razões legitimadoras da necessidade de introduzir a educação para a cidadania no dia-a-dia das escolas, combatendo, desta forma, a “ausência de referências” que parece ter-se abatido sobre as novas gerações23 e capacitando os alunos para “(...) estruturar a sua relação com a sociedade de acor21 Esta aparente subalternização do domínio cognitivo está presente nas palavras de Oliveira Martins (Martins, 1998: 34) quando afirma: “A educação visa o conhecimento e a compreensão do mundo e da vida; tem, assim, uma dimensão ligada ao transmitir de experiências e ao suscitar de capacidades. Mas também procura o assumir de responsabilidades para com os outros e para com a comunidade (...) Está em causa o conhecimento mas também a preparação da participação activa do cidadão na vida em comunidade. E essa é uma semente lançada desde a escola básica – a começar na socialização do jardimde-infância e na alfabetização cívica da escola básica”. Citando a fórmula da Comissão Jacques Delors (1996: 53), o autor refere que não se trata, “(...) de ensinar preceitos ou códigos rígidos, acabando por cair na doutrinação. Trata-se, sim, de fazer da escola um modelo de prática democrática que leve as crianças a compreenderem, a partir dos problemas concretos, saber quais são os seus direitos e deveres e como o exercício da sua liberdade é limitado pelo exercício dos direitos e da liberdade dos outros”, acrescentando que poder-se-á dizer que nesta concepção de escola“(...) não se valorizam suficientemente os conhecimentos e as aprendizagens, o esforço e o método de trabalho e organização, ao assumir o primado de uma educação para a autonomia e para a responsabilidade. (...) [Porém,] a verdade é que é pela autonomia e pela responsabilidade que se torna possível ir até ao rigor e à disciplina. E, se em educação não pode haver receitas, é pela criação de espaços de liberdade que se abrem caminhos de construção e de desenvolvimento das personalidades” (Martins, 1998: 36, 36). 22 No programa do XV Governo Constitucional assume-se, num quadro de articulação entre as políticas de educação e formação, como uma das principais funções da escola, a educação para valores como “(...) o trabalho, a disciplina, a exigência, o rigor e a competência, na busca da excelência” (cf. Programa do XV Governo Constitucional). 23 Interessante a este respeito é o trabalho de Meneses et al. (1995) que efectuou um estudo alargado sobre a cidadania e currículo escolar, tendo concluído que os jovens portugueses não estão particularmente interessados em assumir um papel activo como cidadãos que pouco ou nada intervêm na comunidade e que, apesar de apoiarem o regime democrático, mostram-se desconfiados quanto ao seu nível de funcionamento e distanciados das instituições políticas representativas desse 257 do com as regras básicas de convivência que valorizam a autonomia, a responsabilidade individual e a participação informada” (ME, s/d: 5). O referido Documento Orientador das Políticas Educativas para o Ensino Básico, afirma, portanto, a educação para a cidadania como um dos objectivos centrais do Ensino Básico, considerando que “(...) a instrução e a educação são indissociáveis, pois as condições em que se processa a instrução são portadoras de valores e indutoras de comportamentos” (ME, 1998a: 6). Desta forma, a educação para a cidadania é considerada (...) um dos eixos que dá sentido à integração e à utilização social dos saberes e do conhecimento”( idem, ibidem: 7). No entanto, o documento anteriormente citado reconhece explicitamente a dificuldade de articular estas duas dimensões da formação dos alunos24, salientando que é importante “assegurar, em todos os ciclos, que as actividades de instrução e de educação para a cidadania se combinem de modo consistente e permanente” (idem, ibidem: 10), prevendo, para o efeito, a existência de uma área curricular não disciplinar, com tempo curricular próprio e que seja um contexto privilegiado para actividades de educação para a cidadania. Oliveira Martins (Martins, 1998: 37), enfatizando a abertura e o respeito pela diferença que deve caracterizar a educação para a cidadania, afirma: “O pluralismo deve (...) ser considerado um valor a preservar, demarcado das concepções de absolutismo e de relativismo ético. A liberdade e a igual consideração e respeito por todos constituem (...) as pedras angulares de autonomia individual. O respeito mútuo e a tolerância exigem que cada um se assuma como é, sem pôr em causa idêntico direito à diferença e à complementaridade que a todos assiste. O universalismo da humanidade e a diversidade de pertenças obrigam a um melhor conhecimento mútuo, à defesa do multilinguismo e do multiculturalismo e à subsidiariedade, que determina que as questões da sociedade devem ser resolvidas o mais próximo possível das pessoas. E a cidadania resulta do encontro de todos estes valores, que assentam na dignidade da pessoa humana” (itálico do autor) 25. Neste contexto, “Aprender a cidadania obriga, (...), a olhar o mundo que nos rodeia, com olhos de ver, para assumirmos as identidades e as diferenças, a pluralidade de pertenças e o sentido de uma participação efectiva. Educar é despertar. Ser cidadão é estar desperto” (Martins citado em Henriques et al., 1999: 6). Nesta perspectiva, as escolas do Ensino Básico, e particularmente as escolas básicas do 1.º ciclo, devem satisfazer a sua “(...) vocação dominante de associar às competências cognitivas o desenvolvimento de atitudes e valores essenciais à construção do futuro cidadão, interveniente, solidário e crítico (...)” (Silva et al., 1988: 180). O processo de ensino/aprendizagem não se deve tramesmo regime. A propósito do desinteresse, por parte dos jovens, nas discussões políticas, durante as aulas, com os professores ver, a título de exemplo, Cruz (1990) e da participação na gestão escolar ver, por exemplo, Lima (1988a). 24 Ao afirmarem que “Os objectivos do ensino básico - educar, integrar, formar para a cidadania – são simultaneamente simples de definir e muito difíceis de concretizar” (ME, 1998a: 6). 25 Importa também aqui atender às afirmações de Figueiredo (1999: 34-35) que afirma que em Portugal, educar para a cidadania tem, pois, que ter claro o quadro de referência de um país que é uma “República, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária” (CRP, Art.º 1). Porém, não se pode ignorar que estamos num “Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos fundamentais, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa” (CRP – Art.º 2.º). Assim, ser cidadão num país como o nosso, em que, actualmente, se garante o aprofundamento da democracia participativa, e não meramente formal, é algo de muito estimulante para a juventude, se, para isso, for sensibilizada desde muito cedo. 258 duzir quer num acentuado grau de teorização que não corresponde (ou corresponde mal) aos desafios da vida activa/progressão dos estudos, quer na mera adição de áreas disciplinares, por vezes leccionadas por diferentes professores (onde a perspectiva de um trabalho de grupo não está presente e em que o conceito de coadjuvação é suplantado pelo de substituição26, tendendo para a compartimentação disciplinar presente nos 2.º, 3.º ciclos do Ensino Básico e Ensino Secundário). A escola deve, portanto, assumir-se não só como um espaço privilegiado para o desenvolvimento das funções de instrução (ME, 1998a: 25) mas também, como espaço privilegiado “(...) de educação para a cidadania, integrando na sua oferta curricular actividades culturais e desportivas, de animação social e comunitária e de apoio ao estudo” (idem, ibidem: 19). 2. Concepção e organização do Ensino Básico em Portugal 2.1. Finalidades do sistema educativo Partindo da análise, ainda que superficial, do ordenamento normativo que rege a política educativa portuguesa, verifica-se que ainda antes da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/ 86, de 14 de Outubro), a Constituição da República Portuguesa elege, no seu artigo 9.º, alínea f, como uma das tarefas fundamentais do Estado “assegurar o ensino (...)”, consagrando, entre os seus direitos e deveres fundamentais, a garantia da “(...) liberdade de aprender e ensinar” (art.º 43, n.º 1), o “(...) direito à educação e à cultura” (art.º 73.º, n.º 1), “(...) a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva” (art.º 73, n.º 2) e o “(...) direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar” (art.º 74.º, n.º 1). A Lei de Bases do Sistema Educativo (art.º 1.º, n.º 2)27, concebendo o sistema educativo como “(...) o conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito à educação, que se exprime pela garantia de uma permanente acção formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade”, estabelece e explicita o quadro geral de orientação do referido sistema (art.º 1.º, n.º 1) permitindo, através da sua análise, conhecer o quadro de intenções e de objectivos que orientam o sistema educativo, quer no seu todo, quer nos diferentes níveis que o constituem28. Apesar de a Lei de Bases do Sistema Educativo, quando se refere ao sistema educativo no seu todo, não definir objectivos, mas “âmbito e princípios”, é possível concluir, da formulação que lhe é dada, que o nosso sistema educativo visa a prossecução de três grandes objectivos: “o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade”. 26 Segundo as orientações do Ministério da Educação (2001b: 30) “A coadjuvação deve ser encarada na perspectiva de um trabalho colaborativo, num processo em que o professor titular é coordenador e o principal responsável por assegurar o carácter integrador e globalizante da concretização do currículo (...)”. 27 Que, segundo Figueiredo e Silva (1999: 31) “(...) se pode dizer que recolhe e estrutura as aquisições que a sociedade e a escola foram fazendo, por sucessivos avanços e recuos, e a qual regulará, até aos nossos dias, a matriz de desenvolvimento (...)” do sistema democrático. 28 A propósito da organização geral do sistema educativo pode ler-se no artigo 4.º, n.º 1, do diploma em análise: “1 – O sistema educativo compreende a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extra-escolar”. Tendo presente que a designação de subsistema não é muito apropriada para esta análise (Pires, 1998: 29), e centrando a análise na educação escolar, esta compreende três níveis sequenciais de ensino (idem, ibidem; Figueiredo & Silva, 1999: 31): o Ensino Básico, o Ensino Secundário e o Ensino Superior. 259 Tendo como referência a metodologia adoptada pelo Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação (ME, 1988a: 25) para a definição dos objectivos gerais do Ensino Básico (art.º 7.º), que tem como foco de análise os princípios gerais (art.º 2.º) e os princípios organizativos (art.º 3.º)29, compete ao Ensino Básico formar cidadãos capazes de uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos; respeitadores dos outros e das suas ideias; abertos ao diálogo e à livre troca de opiniões; responsáveis, autónomos, solidários, críticos e criativos em relação ao meio social; interessados numa permanente actualização dos conhecimentos e possuidores de capacidade para o desenvolvimento de um trabalho socialmente útil e, ainda, para a utilização criativa dos tempos livres (idem, ibidem: 26-27; Pires, 1998: 26)30. Estas linhas orientadoras, necessariamente amplas e abertas, expressam as finalidades cometidas ao sistema educativo. Porém, a sua explicitação e operacionalização ocorre, nos três níveis que o compõe (Ensino Básico, Ensino Secundário e Ensino Superior) e nas suas componentes curriculares. Assentando no pressuposto de que a presente reflexão se centra no Ensino Básico, mais especificamente no 1.º ciclo, a análise da operacionalização destas finalidades focalizar-se-á apenas neste nível de ensino. 2.2. Organização e objectivos gerais do Ensino Básico O Ensino Básico31, tal como existe hoje em Portugal, foi definido na Lei de Bases do Sistema Educativo (art.º6) e é de carácter universal, obrigatório, gratuito e laico32. O carácter universal é, como explica L. Pires (1991:81), o reflexo da “(...) preocupação assumida pelo Estado de tornar acessível a todos um nível mínimo de educação, isto é, de tornar universal a educação ministrada 29 Esta metodologia segue o pressuposto do Gabinete de Estudos e Planeamento (ME, 1988a: 25) que afirma: “(...) os princípios conferem um sentido abrangente à compreensão das acções educativas expressas nos objectivos e que clarificam o significado destes mesmos objectivos, houve que colher as intenções subjacentes naquele contexto mais amplo (princípios)”. 30 Formosinho (1988: 50), num trabalho desenvolvido no âmbito da Comissão de Reforma do Sistema Educativo, e a propósito da análise dos artigos da Lei de Bases do Sistema Educativo que referi, recorre a uma grelha de análise constituída pelas categorias finalidade cultural, finalidade socializadora, finalidade personalizadora, finalidade produtiva, finalidade selectiva e finalidade igualizadora, e conclui que é dada maior ênfase à finalidade socializadora e, sucessivamente, à finalidade igualizadora, à finalidade personalizadora, à finalidade cultural e à finalidade produtiva, e, por último, à finalidade selectiva do sistema educativo. 31 Também designado por Pires (1989: 11, 15) por “escolaridade básica”. O autor (idem, ibidem: 15) faz uma desconstrução deste conceito e defende a necessidade de analisar separadamente o conceito de escolaridade e o conceito de básico. Parte da análise das ambiguidades que cada conceito encerra e define “(...) a escolaridade como um conjunto de actividades educativas caracterizadas pelo currículo formal que condiciona o processo de ensino e pela certificação que formaliza o resultado aparente da aprendizagem realizada no decurso daquela actividade. (...) Básico, quererá dizer aquilo que constitui a base de outros estudos, ou de preparação essencial para a vida activa, o fundamento necessário sobre o qual outras aquisições se poderão fazer”. Também, relativamente ao conceito de Ensino Básico, afirma Formosinho (1998: 11): “O conceito de Ensino Básico designa, não tanto um nível de ensino, mas um conjunto de níveis de ensino que a sociedade no seu todo considera que contêm as aprendizagens fundamentais para a vida”, mas que não são suficientes. Assim, no plano conceptual, os dois autores propõem definições e formas de conceptualizar o Ensino Básico, das quais parece poder-se aferir uma mesma tendência que, aliás, vai além do plano cognitivo mais tradicional e valoriza outras preocupações educativas. 32 Todavia, como escreve Santos (1999), “(...) os crucifixos de Cristo e os altares à Virgem e a Nossa Senhora de Fátima, em muitas e muitas escolas primárias que eu conheço, continuam a ser adereços obrigatórios das salas de aula (...), nos boletins de matrícula no Ensino Básico, continua sofisticadamente a perguntar-se aos pais se pretendem inscrever os seus filhos nas aulas de educação Moral e Religiosa Católica (...)”. 260 na escola, sendo esse mínimo entendido como básico”; a gratuitidade33 foi o primeiro instrumento utilizado para promover a universalidade da frequência escolar, ou seja, a possibilidade de acesso à educação ministrada pela escola. Tal medida revelou-se, por si só, ineficaz (Pires, 1989: 34). A construção social da sua obrigatoriedade, também designada por Fernandes (1991: 77) de “escola compulsiva”, remete a análise para o século XVIII quando “a ideia dos iluministas de que a simples existência da oferta de escolas abertas a quem as desejasse frequentar seria a condição suficiente para que, a curto prazo, se tornasse universal a sua frequência” (Pires, 1989: 31). Contudo, tais propósitos não se concretizaram e a última solução encontrada foi a de tornar o Ensino Básico obrigatório, (...) como expressão de uma vontade política, já que a vontade de cada família não bastava” (Pires, 1989: 31)34. Segundo a organização concebida na Lei de Bases do Sistema Educativo (art.º 8.º, n.º 1 e 2), o Ensino Básico desenvolve-se ao longo de nove anos e está organizado em três ciclos sequenciais, sem designações nominais próprias, sendo apenas numerados (1.º, 2.º e 3.º ciclos) (Pires, 1998: 29). Foi pensado e estruturado como um todo sequencial em que cada ciclo - sendo o primeiro de quatro anos, o segundo de dois anos e o terceiro de três anos - completa, aprofunda e alarga o anterior. Para os três ciclos do Ensino Básico foram definidos – pela LBSE, no seu artigo 7.º (integrado no capítulo dedicado à organização do sistema educativo) objectivos gerais, destaco, pelo contributo que dão para os objectivos e problemática do presente trabalho: “a) Assegurar uma formação geral comum a todos os portugueses (...)35 e) Proporcionar a aquisição dos conhecimentos basilares que permitam o prosseguimento de estudos ou a inserção do aluno em esquemas de formação profissional (...) h) Proporcionar aos alunos experiências que favoreçam a sua maturidade cívica e sócio-afectiva (...) o) Criar condições de promoção do sucesso escolar e educativo a todos os alunos” (sublinhado meu). Estes objectivos reduzem-se a três grandes finalidades centrais: “(...) Criar as condições para o desenvolvimento global e harmonioso da personalidade, mediante a descoberta progressiva de interesses, aptidões e capacidades que proporcionem uma formação pessoal, na sua dupla dimensão individual. Proporcionar a aquisição e domínio de saberes, instrumentos, capacidades, atitudes e valores indispensáveis a uma escolha esclarecida das vias escolares ou profissionais subsequentes. Desenvolver valores, atitudes e práticas que contribuam para a formação de cidadãos conscientes e participativos numa sociedade democrática” (ME, 1998b: 17). 33 Manifestada, como explica Pires (1989: 34), na “(...) isenção do pagamento de quaisquer taxas, emolumentos e propinas para frequentar a escola, assegurando o Estado o pagamento a professores, a construção e manutenção das escolas e ainda as despesas necessárias à supervisão, inspecção e administração do sistema. Os alunos para receberem o ensino obrigatório, nada teriam a pagar”. Actualmente, no que concerne aos professores, instituições escolares, inspecção e supervisão, a situação mantém-se. De facto, no que respeita aos alunos, se alguma intervenção existe neste campo limita-se a uma área restrita que diz respeito à alimentação – designadamente aos fornecimento do leite e de refeições (quando existem cantinas) gratuitas ou mais baratas para os alunos de baixos recursos (a quem foi atribuído, respectivamente, os escalões A ou B), ao sector do transporte (gratuito para todas as crianças), e de alguns subsídios para a aquisição de material escolar (que continua a chegar às escolas no 3.º período, obrigando, portanto, os pais/encarregados de educação a adiantarem o pagamento dos referidos materiais). 34 Actualmente esta obrigatoriedade mantém-se, por vezes, através do recurso ao poder coercitivo do estado, como é ilustrativa a obrigatoriedade de frequência da escolaridade básica por parte dos descendentes dos beneficiários do Rendimento Mínimo Garantido, sob pena de a ele perderem o direito. 35 Segundo Pires (1998: 48) este é o objectivo essencial do Ensino Básico, do qual se devem reter “(...) quatro ideias essenciais aqui contidas. A primeira é de que o ensino básico conduz a uma formação; segundo, que esta formação é geral e não especializada; a terceira, é de que é comum e não socialmente diferenciada; finalmente que é destinada a todos os portugueses, e portanto que é universal” (itálico do autor). 261 Tais finalidades poder-se-ão sintetizar em três dimensões de “saberes essenciais” (ME, 1998a: 6; ME, 1998b: 17-19): a “dimensão pessoal” da formação, cujos objectivos específicos se centram em “(i) Promover a existência de situações que favoreçam o conhecimento de si próprio e um relacionamento positivo com os outros no apreço pelos valores da justiça, da verdade e da solidariedade. (ii) Favorecer o desenvolvimento progressivo do sentimento de autoconfiança; (...); (v) Criar condições que permitam: apoiar compensatoriamente carências individualizadas; detectar e estimular aptidões específicas; (vi) Incentivar o reconhecimento pelo valor social do trabalho em todas as suas formas e promover o sentido de entreajuda e cooperação” (ME, 1988a: 205); a “dimensão das aquisições básicas e intelectuais fundamentais” que constituem “(...) o suporte de um saber em domínios diversificados e implica: (i) promover: (...) a consciencialização de que a língua portuguesa é instrumento vivo que se oferece à realização de cada um; (...) o domínio progressivo dos meios de expressão e de comunicação verbais e não verbais; a compreensão da estrutura e do funcionamento básico de língua portuguesa em situações de comunicação oral e escrita (...); (iii) Garantir a aquisição e estruturação de conhecimentos básicos sobre a natureza, a sociedade e a cultura e desenvolver a interpretação e a análise crítica dos fenómenos naturais, sociais e culturais (...)” (idem, ibidem: 205 -206); e, finalmente, a “educação para a cidadania” que reforça a necessidade de: “(i) Estimular a criação de atitudes e hábitos positivos de relação que favoreçam a maturidade socioafectiva e cívica quer no plano dos seus vínculos de família, quer no da intervenção consciente e responsável na realidade circundante (...); (iii) Assegurar, em colaboração com as entidades adequadas e designadamente as famílias, a criação de condições próprias: ao conhecimento e aquisição progressiva das regras básicas de higiene pessoal e colectiva; a uma informação correcta e ao desenvolvimento de valores e atitudes positivos em relação à sexualidade; (iv) Estimular a prática de uma nova aprendizagem das inter-relações do indivíduo com o ambiente, geradora de uma responsabilização individual e colectiva na solução dos problemas ambientais existentes e na prevenção de outros; (v) Criar as condições que permitam a assunção esclarecida e responsável dos papéis de consumidor e/ou produtor. (...)” (idem, ibidem: 207). A LBSE, no seu artigo 8.º, refere, ainda, que a unidade do currículo básico36 decorre da referência a um mesmo quadro de objectivos gerais e concretiza-se através da articulação dos três ciclos 36 Acerca do conceito de currículo escreve Roldão (1999: 14): “por currículo tem-se entendido muita coisa, consoante as épocas, os contextos e os pontos de vista teóricos de que se parte. (...) Na linguagem do senso comum da profissão vem-se associando a programas e disciplinas ou a um novo nome para práticas velhas. Para o público em geral, o essencial do currículo é o que os alunos aprendem de visível na escola. A investigação curricular oferece uma quantidade apreciável de possíveis conceptualizações que colocam a sua ênfase em aspectos diversos, dependentes essencialmente da própria concepção teórica e da postura sociopolítica com que se encara a educação, naturalmente nunca neutra, antes essencialmente função da representação política que uma sociedade faz de si própria e das expectativas que a si mesma se coloca, num dado contexto e perante determinadas pressões, necessidades e opções”. Neste trabalho “currículo” será entendido como “(...) o conjunto de aprendizagens e competências integrando os conhecimentos, as capacidades, as atitudes e os valores, a desenvolver pelos alunos ao longo do Ensino Básico, de acordo com os objectivos consagrados na Lei de Bases para este nível de ensino” (cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro). A opção, neste momento do trabalho, por esta definição de currículo fundamentam-se na dinâmica de construção subjacente ao presente capítulo, na medida em que se pretende analisar os objectivos e as finalidades políticas que, intencionalmente, são consignados à escola. Daí que “só as transmissões deliberadas de conhecimentos e atitudes interessam agora, pois elas é que caracterizam o conceito de cultura que a escola formalmente propõe” (Fernandes, Formosinho & Pires, 1991: 151), ou seja, a acção educativa explícita, manifesta e intencional da escola (Fernandes, Formosinho & Pires, 1991: 33). 262 numa sequência progressiva, em que a cada um cabe completar, aprofundar e alargar o ciclo anterior. 2.2.1. Finalidades e objectivos do 1.º ciclo A especificidade dos ciclos, emergente dos diferentes estádios de desenvolvimento cognitivo e sócio-afectivo que caracterizam os alunos no respectivo nível etário37, e projectada em distintas etapas do processo de ensino-aprendizagem, leva a que, na Lei de Bases do Sistema Educativo (art.º 8.º - n.º 3), surja a designação de “(...) objectivos específicos de cada ciclo (...)”. Estes objectivos integram-se “(...) nos objectivos do Ensino Básico, (...) de acordo com o desenvolvimento etário correspondente (...)” e têm, como ponto de referência, os objectivos consignados ao Ensino Básico. Neste contexto, o 1.º ciclo “(...) deve ser concebido como um conjunto de actividades visando essencialmente o desenvolvimento de aptidões, métodos de pensar e agir e não a simples transmissão de informações e conhecimentos sistematizados” (Silva et al., 1988: 211). Compete ao 1.º ciclo, enquanto “fase de iniciação”38 (ME, 1990: 22) de um processo cumulativo de domínio de competências39, conhecimentos, capacidades e atitudes, além do progressivo domínio de instrumentos básicos de comunicação e expressão (leitura, escrita e cálculo), a iniciação em diferentes formas de expressão (verbal, motora, plástica e musical) e uma primeira abordagem ao meio físico e social (cf. LBSE, art.º 8 – 3). A importância do desenvolvimento dessas competências, conhecimentos, atitudes e capacidades está explícito nos documentos preparatórios da Comissão de Reforma do Sistema Educativo I (1988: 211), quando se salienta que “A experiência tem demostrado a importância crucial dos dois primeiros anos de escolaridade no processo de ensino-aprendizagem ulterior. Por esta razão (...) considera-se especialmente desejável: (i) Valorizar as aprendizagens relativas ao domínio de competências básicas – leitura, escrita e cálculo – considerando que são as estruturadoras dos mecanismos cognitivos desta fase etária e os instrumentos indispensáveis ao sucesso de qualquer outra aprendizagem escolar. (ii) Reforçar, numa primeira etapa do trabalho, as actividades de expressão, as quais constituem propedêutica do domínio de destrezas necessárias à leitura, à escrita e ao cálculo e um suporte permanente de aprendizagens indispensáveis ao desenvolvimento da criança e ao seu processo de socialização. (iii) Desenvolver a expressão oral na medida em que se trata de um instrumento essencial da comunicação e aprendizagem cujo desenvolvimento a escola deve fomentar, visando um domínio seguro desta competência por todos os alunos. Os 3.º e 4.º anos deste ciclo são encarados como ampliação e desenvolvimento 37 Que no 1.º ciclo se deveria centrar-se entre os 5/6 anos e os 10/11 anos de idade. Porém, as taxas de repetência continuam a caracterizar este ciclo e, se se tomar como referência o ano lectivo de 1992/1993 “no 1.º ciclo, era central o problema do atraso escolar, evidenciado pelo facto de, respectivamente, 27% e 5% dos alunos de 10-11 e 12-14 anos ainda frequentarem este ciclo” (ME, 1998a: 13). 38 Sendo a 2.ªfase, correspondente ao 2.º ciclo “a fase de consolidação das aprendizagens básicas e de abertura à realidade social” (ME, 1990: 22) e à 3.ª fase - 3.º ciclo – corresponde “(...) o alargamento e sistematização de aquisições com vista à autonomia pessoal” (ME, 1998b: 22). 39 Relativamente ao conceito de competência pode ler-se no documento orientador para as Competências Essenciais a desenvolver com a Reorganização Curricular do Ensino Básico (ME, 2001a: 9): “(...) a noção de competência aproxima-se do conceito de literacia. A cultura geral que todos devem desenvolver como consequência da sua passagem pela educação básica. Pressupõe a aquisição de um certo número de conhecimentos e a apropriação de um conjunto de processos fundamentais mas não se identifica com conhecimento memorizado de termos, factos e procedimentos básicos, desprovido de elementos de compreensão, interpretação e resolução de problemas. (...) a competência não está ligada ao treino para um dado momento, produzir respostas ou executar tarefas previamente determinadas. A competência diz respeito ao processo de activas recursos (conhecimentos, capacidades, estratégias) em diversos tipos e situações, nomeadamente situações problemáticas. (...) não se pode falar de competência sem lhe associar o desenvolvimento de algum grau de autonomia em relação ao uso do saber”. 263 do mesmo tipo de competências, alargando-se o campo da descoberta e conhecimento da realidade que envolve o aluno com a realização de actividades mais estruturadas e visando a aquisição de conhecimentos sobre o natural e social. (...) Neste quadro esta área deverá articular-se com o objectivo constante na alínea g) do art.º 7.º da Lei de Bases: ‘ ... conhecimento e apreço pelos valores característicos da identidade, língua, história e cultura portuguesa’ ” (Silva et al., 1988: 211-212). Também Salgado (1996: 7), alerta para a importância que esta “fase de iniciação” tem no futuro académico e profissional dos alunos, quando afirma: “Sabemos que é aqui que tudo começa. É nos primeiros anos de escolaridade que quase tudo se decide na vida duma criança que pretendemos que seja um cidadão com possibilidades de exercício dos direitos e deveres que a sociedade lhe confere e dele espera. São nestes anos que a escola lhe atribuí a chamada excelência escolar, que directa ou indirectamente lhe diz ‘és bom, avança’ ou ‘não prestas, procura outro caminho ...’ no desemprego, na delinquência, nas misérias que a sociedade oferece aos que se lhe apresentam com este diploma ‘não satisfaz’ ”. Dito por outras palavras, e como explicava Marçal Grilo, “(...) os primeiros quatro anos condicionam muito o que se passa a seguir. (...) Não é possível fazer nenhuma formação séria a partir dos doze anos de idade se os meninos não souberem ler, escrever e contar muito bem” (Neto, 2002: 72). Embora as aquisições realizadas nestes primeiros quatro anos de escolaridade condicionem, numa primeira fase, o percurso escolar do aluno e, numa segunda fase, a própria integração na sociedade (visto serem os “alicerces da qualidade da educação” (Programa do XIII Governo Constitucional: 29), qualidade essa que, como afirmava o Ministro da Educação Marçal Grilo na sua intervenção na Assembleia da República em 30 de Outubro de 1997, aquando da apresentação do orçamento de estado para 1998) se obtém “(...) quando a estrutura assenta em bases sólidas. Daí a nossa especial atenção às competências fundamentais nos domínio da leitura, da escrita e do cálculo” (ME, 1999b: 195). Neste sentido, e segundo a perspectiva de Salgado (1996: 72), que foi partilhada pela do Ministro da Educação Marçal Grilo40, a falta das referidas aquisições é grandemente responsável pelos processos de exclusão social, iliteracia, desemprego e até por expressões do mal-estar juvenil. De facto, “(...) não basta apreender, é necessário compreender e saber usar o que se aprende, é preciso que cada criança desenvolva todas as suas capacidades e a sua personalidade, aprendendo regras de convivência social que reforcem a sua integração e a sua autonomia” (ME, 1998a: 6). “Ler, escrever e contar” parece continuar a ser uma definição adequada para o conjunto das aprendizagens escolares que são cometidas ao Ensino Básico. Porém, o significado da expressão evoluiu significativamente (Azevedo, 1994; Formosinho, 1998; Sarmento, 1998; Carneiro, s/d) pelo facto de se inserir num novo perfil de sociedade emergente e que se convencionou chamar 40 A este propósito referia o então Ministro Marçal Grilo (ME, 1999a: 59), numa das entrevistas que concedeu a um jornal estudantil, quando se referia à escola enquanto lugar que alguns alunos não se sentem bem: “Veja-se que uma criança que esteja nesta situação começa a entrar numa certa marginalidade, inicialmente em relação às aulas e depois mais tarde em relação à própria escola”. 264 de “sociedade da informação” (Carneiro, s/d: 2). A propósito das alterações ao referido conteúdo, escreve Formosinho (1998: 20): “Basta referir, por exemplo, a alfabetização em informática como uma componente essencial da leitura, a leitura da imagem como uma outra componente essencial da leitura. Escrever não é só escrever manualmente, escrever implica o uso de outros meios como o processador de texto, mesmo já neste nível de ensino. O Ensino Primário, hoje em dia, deve ser um contexto em que ensinar a ler signifique também iniciar a imagem, presente na sinalética urbana e rodoviária (ensinar a ler os sinais de trânsito, os sinais dos grandes espaços públicos, dos edifícios) ensinar a ler os meios de comunicação social, sobretudo a descodificar a imagem desse meio poderoso que é a televisão, ensinar a ler a publicidade, os horários, o teletexto, as instruções dos aparelhos domésticos, a literatura dos medicamentos, etc. O Ensino Primário, actualmente, deve ser um contexto em que ensinar a escrever signifique também ensinar a processar o texto num computador, ensinar a navegar na Internet, saber preencher os múltiplos formulários que as burocracias criaram para enquadrar os diversos aspectos de uma vida de cidadão-utente, cada vez mais dependente do Estado. O Ensino Primário, nos nossos dias, deve ser um contexto em que ensinar a contar signifique saber usar calculadoras electrónicas, signifique comparar preços nos hipermercados, signifique investigar se há proveito em aderir às inúmeras promoções e seduções em que as multinacionais enredam a vida do cidadãoconsumidor cada vez mais dependente das multinacionais. Assim, hoje em dia, a escola primária deve ensinar a ler a imagem, a escrever no computador, a contar na calculadora, a comunicar na Internet”. Também Azevedo (1994: 61, 63), sublinhando a importância dos conteúdos desenvolvidos neste ciclo, assim como, da importância das competências desenvolvidas para o futuro do aluno, enquanto aluno e cidadão, afirma: “O 1.º ciclo é o nobre momento da construção das fundações. Estas terão de ser diversas conforme o terreno onde são erguidas, ou seja, por exemplo, se as crianças usufruíram ou não de uma boa educação pré-escolar e se contam ou não com um bom apoio familiar. O que não for realizado nestes quatro primeiros anos (ou cinco, seis e sete se contarmos com o pré-escolar), muito dificilmente será recuperado. (...) A escola básica já não é o lugar onde só se aprende a ler, escrever e contar; terá de ser isso mas também muito mais. Os ‘saberes instrumentais’ devem ser adquiridos com todo o rigor, mas a escolaridade básica de todos os cidadãos é um percurso muito mais vasto que terá de contribuir entre outros fins, para dar sentido àquelas aquisições e sustentar outras aquisições complementares, ao longo da vida. Assim, as aprendizagens no ensino básico devem privilegiar a autonomia e a autoformação, como trampolim para fazer face à mobilidade e à obsolescência de grande parte do que se aprende, devem ajudar a lidar com as informações, desenvolvendo novas aptidões para pensar e agir sobre elas (muito mais do que cuidar de as transmitir), devem estimular as abordagens teóricas e práticas aos vários problemas pela conjugação de vários saberes, favorecendo, assim, a transferência e a aplicabilidade das aprendizagens a novas situações e devem, ainda, incentivar a pesquisa e o gosto pela aprendizagem permanente, como forma de estar na vida. Não basta, por exemplo, ensinar a ler, é preciso desenvolver uma capacidade de leitura que interrogue o escrito, que lhe assinale o sentido, que ultrapasse as suas latitudes, sempre de uma forma activa e crítica.”41 41 Nesta mesma linha de raciocínio, e numa asserção de renuncia à proposta, hoje recorrente, de fazer regressar, por via de uma qualquer reforma global, as escolas primárias às tradicionais finalidades de “ensinar a ler, escrever e contar”, Sarmento (1998: 45) afirma que actualmente “não basta garantir a alfabetização se, no quotidiano em que se joga o investimento dos saberes, uma parte da população se comporta como se eles não tivessem sido nenhuma vez adquiridos. Não é suficiente ‘ensinar a ler, escrever e contar’; importa que essas aprendizagens signifiquem para os seus utentes, isto é, lhes permitam interpretar o mundo, responder às solicitações dele, construir criticamente o seu próprio caminho, realizar criticamente o seu percurso como pessoas e cidadãos. É, afinal, esta outra finalidade da escola primária – a de dar significado ao ler, escrever e contar, para as crianças, no presente e no futuro”. 265 É necessário, portanto, dotar os alunos de “competências de ‘ordem superior’ ” (Carneiro, s/d: 3), de natureza não estritamente cognitiva, como sejam a formação de cidadãos críticos, informados e dotados de competências para continuar a aprender atitudes positivas e criativas face a si mesmos, aos outros e ao meio em que se inserem; cidadãos capazes de, permanentemente, se adaptarem às novas informações e tecnologias, na medida em que, actualmente, mesmo para aquelas profissões que não exigem uma elevada formação académica especializada, muitos empregadores já valorizam competências básicas (a desenvolver no Ensino Básico), como a capacidade de saber e pensar problemas novos, de saber comunicar e ser criativo face ao trabalho, dominar as novas tecnologias, ser organizado, responsável e relacionar-se com os outros. Particularmente no período histórico (lançamento do Euro) que atravessamos, é necessário que, no 1.º ciclo, se coloque de lado a mecanização das operações matemáticas, e se ensine a raciocinar, a resolver situações problemáticas voltadas para os contextos de onde os alunos são provenientes. É necessário dotar os alunos de competências para lidar com a nova moeda e a realidade políticoeconómica e social que lhe está inerente; desenvolver-lhes, como escreve Carneiro (idem, ibidem: 3) “competências nucleares”, no domínio das novas tecnologias, na medida em que “(...) as futuras exclusões passarão pela separação entre “haves e haves-nots”, e estarão, em larga medida, na competência tecnológica e funcional de dominar as TICs” (idem, ibidem: 3). 2.3.As experiências de aprendizagem a proporcionar aos alunos: entre a influência burocrática da administração central e a (re)construção local do currículo local Segundo as orientações do ME (1990), a estrutura curricular e a organização dos programas estão associadas à definição de orientações sobre as experiências de aprendizagem consideradas fundamentais no 1.º ciclo. Essas orientações estão explicitadas em termos dos objectivos consignados a este ciclo e anteriormente analisados, assim como nas diferentes experiências de aprendizagem que todos os alunos devem ter oportunidade de viver no seu percurso escolar (ME, 2001b: 20). Nesta perspectiva, embora o 1.º ciclo seja uma “fase de iniciação” (ME: 1990: 22) que respeita um modelo de “(...) ensino globalizante, cujo processo de ensino-aprendizagem é da responsabilidade de um professor único42, que pode ser coadjuvado em áreas especializadas” (LBSE, art.º 8 – a), como por exemplo, a educação física, a educação artística ou a educação tecnológi- 42 A este respeito Formosinho (1998: 14) afirma que o “Ensino Primário” está associado “(...) a uma profissionalidade específica dos professores do Ensino Primário, realmente diferente da dos professores do Ensino Secundário. Em primeiro lugar, eles definem-se profissionalmente pela idade dos alunos a quem se dirigem. Definem-se como professores de crianças e não como professores de uma determinada disciplina ou área disciplinar. Para além desta definição profissional, a sua própria prática diária configura-os como professores de um grupo constante de alunos, com quem estão todo o tempo escolar e não como professores de vários grupos de alunos com quem estão apenas unidades horárias determinadas de tempo escolar. São professores de quinze, vinte ou trinta alunos e não professores de duzentos ou trezentos alunos. É evidente que a permanência constante com o grupo de alunos leva a um maior conhecimento e também maior acompanhamento de cada uma das crianças. Esta situação aliada à dependência afectiva maior em que as crianças estão, pelo menos em relação aos alunos do Ensino Secundário, leva à necessidade também de uma contenção emocional do professor, que está incluída na sua profissionalidade e que leva a considerar-se comportamento não deontológico a manipulação emocional dos alunos. Naturalmente, também por todas estas razões, há pressões e condições para uma maior relação entre os professores e os pais dos alunos do que no Ensino Secundário. A dependência afectiva dos alunos leva os pais a procurarem mais os professores e também os professores podem dizer mais sobre os seus alunos do que os professores do Ensino Secundário, ou seja, a relação também é mais produtiva para os pais”. 266 ca43, ele “(...) privilegia o desenvolvimento integrado de estudos e actividades” (ME, 1998b: 23). Para que os referidos objectivos possam ser atingidos é premente “(...) que o desenvolvimento da educação escolar ao longo das idades abrangidas constitua uma oportunidade para que os alunos realizem experiências de aprendizagem activas, significativas44, diversificadas, integradas e socializadoras que garantam efectivamente o direito ao sucesso escolar de cada aluno” (ME, 1990: 5). Assim, “As aprendizagens activas pressupõem que os alunos tenham a oportunidade de viver situações estimulantes de trabalho escolar que vão da actividade física e da manipulação dos objectos e meios didácticos, à descoberta permanente de novos percursos e outros saberes. (...) As aprendizagens significativas relacionam-se com as vivências efectivamente realizadas pelos alunos fora ou dentro da escola e que decorrem da sua história pessoal ou que a ela se ligam. São igualmente significativos os saberes que correspondem a interesses e necessidades reais de cada criança. Isto pressupõe que a cultura de origem de cada aluno é determinante para que os conteúdos programáticos possam gerar novas significações. (...) As aprendizagens diversificadas apontam para a vantagem, largamente conhecida, da utilização de recursos variados que permitam uma pluralidade de enfoques dos conteúdos abordados. (...) As aprendizagens integradas decorrem das realidades vivenciadas ou imaginadas que possam ter sentido para a cultura de cada aluno. (...) As aprendizagens socializadoras garantem a formação moral e crítica na apropriação dos saberes e no desenvolvimento das concepções científicas (...) Os métodos e as técnicas a utilizar no processo de aprendizagem hão-de, por conseguinte, promover as formas de autonomia e de solidariedade que a educação democrática exige” (idem, ibidem). Cabe aos professores, enquanto responsáveis por todo o processo de ensino/aprendizagem e “(...) profissionais a quem está atribuída uma função social de maior relevância” (ME, 1999a: 13) - que têm como função identificar e interpretar problemas educativos e procurar soluções para esses problemas, no quadro de orientações curriculares nacionais (ME, 2001b: 19) - alterar o papel “(...) de transmissor, passando a assumir o de facilitador e organizador de ambientes ricos, estimulantes, diversificados e propícios à vivência (...)”das experiências de aprendizagem referidas (ME, 2001a: 78). Na área de estudo do meio, compete ao docente “(...) recriar o programa, de modo a atender aos diversificados pontos de partida e ritmos de aprendizagem dos alunos, aos seus interesses e necessidades e às características do meio local” (ME, 1990: 68). Dito por outras palavras, dever-se-á partir das vivências dos alunos, dos conhecimentos que possuem, dos seus interesses, problemas ou necessidades, criando-se situações de aprendizagem que incluam o contacto directo com o meio envolvente, de confronto com os problemas concretos da sua comunidade, desenvolvendo-lhes a capacidade de descoberta, de realização de pequenas investiga43 Segundo esta perspectiva o 1.º ciclo passa a ser ministrado por equipas de docentes, dirigidas pelo professor nuclear, e as tarefas ficarão assim distribuídas: a) professor nuclear: áreas de língua portuguesa, matemática, meio físico e social, enquanto direcção integradora de todo o processo de ensino-aprendizagem dos alunos; b) professor especializado em expressão e educação plástica; professor especializado em expressão e educação dramática; professor especializado em expressão e educação musical , professor especializado em expressão e educação físico-motora e professor especializado em educação tecnológica. 44 A construção de aprendizagens significativas pressupõe, de acordo com Coll et al. (2001) que sejam garantidas algumas condições, nomeadamente que os alunos i) compreendam o que estão a aprender, para que servem os conteúdos e com que outras coisas se relacionam; ii) se sintam implicados nas situações de aprendizagem, que as considerem atractivas, interessantes, e que, de alguma maneira, participem na sua escolha (dos temas, das actividades e dos materiais), ou seja, que façam, que actuem e que realizem; iii) entendam que, com o seu contributo, vão conseguir realizar as aprendizagens com sucesso. 267 ções, experimentação e construção de aprendizagens, por forma a que sejam os próprios alunos a construir o seu saber (idem, ibidem). Na perspectiva das orientações constantes nos documentos, chegados às escolas em Dezembro de 2001 e, subjacentes à Reorganização Curricular do Ensino Básico: “Estas situações potenciam aprendizagens diversas nos domínio cognitivo (aquisição de conhecimentos, de métodos de estudo, de estratégias cognitivas, ...) e afectivo-social (trabalho cooperativo, atitudes, hábitos, (...). Dos conhecimentos, capacidades e atitudes resultarão competências: de saber (conhecimento cognitivos), de saber-fazer (observações, consulta de mapas, localização, interpretação de códigos, métodos de estudo, ...) e saber-ser (respeito pelo património, defesa do ambiente, manifestações de solidariedade, ...)”( ME, 2001a: 78). Na língua portuguesa e tendo-se “(...) como seguro que a restrição da competência linguística impede a realização integral da pessoa, isola da comunicação, limita o acesso ao conhecimento, à criação e à fruição da cultura e reduz ou inibe a participação na práxis social (...), condiciona o sucesso escolar”(ME, 1990: 97), cabe ao professor, e no que concerne à comunicação oral, “(...) criar condições materiais e humanas de verdadeira comunicação para que as crianças possam manifestar os seus interesses e necessidades, exprimir sentimentos, trocar experiências e saberes. Quando narra, informa, esclarece, pergunta, responde, convence, o aluno inicia-se nas regras de comunicação oral enquanto descobre o prazer de comunicar com os outros. A fala, permanentemente partilhada entre as crianças e entre elas e o professor, não deve ser interrompida com correcções inibidoras. Os ‘erros’ poderão ser explorados pelo professor em enunciados correctos e integrados funcionalmente nas trocas comunicativas” (idem, ibidem: 99). Na comunicação escrita é “(...) necessário que na sala de aula surjam múltiplas ocasiões de convívio com a escrita e com a leitura e se criem situações e projectos diversificados que integrem funcionalmente as produções das crianças em circuitos comunicativos. (...) é preciso não só escrever e ler muito, mas principalmente, é preciso que a prática da escrita e da leitura esteja associada a situações de prazer, de reforço da autoconfiança” (ME, 1990: 107, 108). Na área da matemática, e tendo em conta, como explicava o Ministro da Educação Marçal Grilo, que “a matemática é uma matéria difícil, que se aprende por camadas consolidadas, não susceptível de autodidactismos e em Portugal não existe uma cultura da matemática, do rigor” (ME, 1999a: 155), no 1.º ciclo do Ensino Básico, “(...) a tarefa principal que se impõe aos professores é conseguir que as crianças desde cedo aprendam a gostar de matemática” (idem, ibidem: 125). Nesta linha de orientação, “(...) caberá ao professor organizar os meios e criar o ambiente propício à concretização do programa, de modo a que a aprendizagem seja, na sala de aula, o reflexo do dinamismo das crianças e do desafio que a própria matemática constitui para eles” (ME, 1990: 125). Assim, compete-lhe (re)organizar o programa desta área curricular em função dos interesses e aprendizagens dos alunos e proceder à respectiva articulação com as restantes áreas (ME, 2001a: 268 59), não devendo, portanto, centrar-se no cumprimento/seguimento rígido da organização proposta pelos programas (ME, 1990: 126) ou pelos manuais escolares. Estas orientações pretendem, segundo o Departamento da Educação Básica (ME, 2001a: 58), reduzir o carácter selectivo desta área curricular, na medida em “(...) que se trata de promover o desenvolvimento integrado de conhecimentos, capacidades e atitudes e não de adicionar capacidades de resolução de problemas, raciocínio e comunicação e atitudes favoráveis à actividade matemática a um currículo baseado em conhecimentos isolados e técnicas de cálculo45” (itálico do autor). Outro aspecto a referir, e que reforça a ideia da recusa de cálculos isolados (ou seja, descurados de uma situação problemática, de regras e técnicas - como ilustram as divisões por três, quatro ou mais algarismos, com casas decimais e respectivas provas reais), diz respeito ao recurso e uso da máquina de calcular que “(...) não pode deixar de ter lugar no 1.º ciclo, não só pela sua vulgarização, mas sobretudo pela segurança que dá como auxiliar em cálculos morosos e pelas possibilidades de exploração e descoberta que podem permitir quando utilizada com imaginação” (ME, 1990: 133). Finalmente, nas áreas das expressões e apesar de terem “(...) sido frequentemente tratadas como secundárias na formação da criança ou apenas como momentos de diversão” (ME, 1990: 11), pretende-se, essencialmente, alargar a experiência dos alunos de forma a que possam desenvolver a sua sensibilidade, imaginação e sentido estético (idem, ibidem: 12). Compete ao professor, partindo do gosto que os alunos manifestam no desenvolvimento destas áreas, “(...) proporcionar momentos em que se verbalizem experiências, se combinem e organizem outras situações de aprendizagem, contribuindo para uma maior interligação das áreas curriculares” (idem, ibidem). O 1.º Ciclo do Ensino Básico, é, nesta linha de raciocínio, um importante e insubstituível espaço e tempo em que é desenvolvido um conjunto de competências que possibilitarão ao aluno participar activa e responsavelmente na sociedade, no pleno uso dos seus deveres e direitos. Bibliografia 1. 2. 3. 4. 5. 6. AFONSO, Almerindo J. (1999). Educação Básica – Democracia e Cidadania: Dilemas e Perspectivas. Porto: Edições Afrontamento. AZEVEDO, Joaquim (1994). Reflexões sobre Política Educativa. Porto: Asa. CARNEIRO Roberto (s/d). “A Sociedade Educativa, a Escola e os Professores”. RSCM: Que Desafios para o III Milénio?, pp. 1-14 (documento policopiado). FORMOSINHO, João (1998). O Ensino Primário. De Ciclo Único do Ensino Básico a Ciclo Intermédio da Educação Básica. Lisboa: ME/PEPT. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (s/d). Escola de Cidadãos. Lisboa: ME. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1988a). Escolaridade Obrigatória de Nove anos. Que Objectivos?. Lisboa: ME/GEP. 45 A este respeito afirmava Marçal Grilo numa entrevista concedida ao jornal Público: “Os testes TIMMS mostram, por exemplo, que na matemática os estudantes portuguesas estão acima da média nas perguntas que têm a ver com memorização e estão abaixo na média quando se trata de raciocinar. Aquilo que nós não desenvolvemos nos estudantes é a capacidade de raciocínio. Ao contrário do que se julga, continuamos a insistir na memorização” (ME, 1999a: 162). 269 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 270 MINSITÉRIO DA EDUCAÇÃO (1988b). Práticas de Gestão. Ensino Primário. Lisboa: ME/GEP. MINSITÉRIO DA EDUCAÇÃO (1988c). Medidas que Possibilitem o Efectivo Cumprimento da Escolaridade Obrigatória. Lisboa: ME/GEP MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1988d). A Escola Serve para Educar?. Lisboa: ME/ GEP. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1990). Ensino Básico - Programa do 1.º ciclo. Lisboa: ME. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1992). Roteiro da Reforma do Sistema Educativo – 1986-1996. Lisboa: ME. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1998a). Educação, Integração, Cidadania. Documento Orientador das Políticas para o Ensino Básico. Lisboa: ME. (policopiado). MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1998b). Ensino Básico – 1.º ciclo. Organização Curricular e Programas. Lisboa: ME. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1999a). Intervenções 96/99. Política e Acção na Área Educativa. Lisboa: ME. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1999b). Intervenções 96/99. O Ano de Desenvolvimento e Consolidação das Políticas Educativas. Lisboa: ME. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (2000). Proposta de Reorganização Curricular do Ensino Básico. Lisboa: ME/DEB. (policopiado). MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (2001a). Currículo Nacional do Ensino Básico. Competências Essenciais. Lisboa: ME. (policopiado). MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (2001b). Reorganização Curricular do Ensino Básico. Lisboa: ME/DEB. NETO, Dulce (2002). Difícil é Sentá-los. A Educação de Marçal Grilo. Lisboa Oficina do Livro. (3.ª ed.). MARTINS, Guilherme d’ Oliveira (1998). Educação ou Barbárie? Lisboa: Gradiva. PIRES, Eurico L. (1991). “A Escolaridade Universal, a Intervenção Crescente do estado e o Desenvolvimento da Escola como Instituição Educativa”, in Eurico Lemos Pires, António Sousa Fernandes & João Formosinho A Construção Social da Educação Escolar. Porto: Asa, pp. 80-91. PIRES, Eurico L. (1998). Lei de Bases do Sistema Educativo. Apresentação e Comentários. Porto: Asa. SANTOS GUERRA, Miguel A. (2000). A Escola que Aprende. Porto: Asa. SALGADO, Lucília (1996). A Qualidade Educativa no 1.º Ciclo. Lousã: PEPT. SARMENTO, Manuel (1998). “Escola Primária: Sedimentação Normativa e Mudança Organizacional”. Inovação, 11, pp. 33-52. SILVA, Fraústo et al (1988). “Proposta de Reorganização dos Planos Curriculares dos Ensinos Básico e Secundário”, in Documentos Preparatórios – I – Comissão de Reforma do Sistema Educativo. Lisboa: GEP, pp. 165-257. Elos no Formação Centros de formação: organizações viáveis? Nuno Lameiras Director do Focomarco CFAE do Marco de Canaveses Nos últimos trinta anos, o país mudou muito. Mudou muito, também, o sistema educativo. Não vamos aqui entregar-nos a cogitações mais ou menos esotéricas sobre o alcance da mudança ou, mais difícil ainda, sobre o conceito de mudança. Lembraremos, apenas, que praticamente todos os governos depois da queda da ditadura “mexeram”, de forma ousada, na política educativa. Umas vezes, com determinação e pragmatismo, como foi o caso da rede do pré-escolar; outras, porém, com a tentação aparente de chamarem a si acções e protagonismos prototípicos ou de interesses questionáveis. Um rol variadíssimo de casos podia ser enumerado, desde os manuais escolares à avaliação do desempenho dos professores, passando pelo ensino profissional ou pela reforma curricular… Não houve ainda em Portugal, isso sabemos nós, uma visão global, sustentada, parcimoniosa e suprapartidária verdadeiramente em prol do interesse nacional. Assim se perdeu muito esforço, talento e dinheiro em reformas e meias reformas, experiências e inovações que se sucederam sem, praticamente em nenhum caso, se ter promovido a necessária reflexão e a indispensável avaliação, no sentido do melhor retorno. Pelo contrário, assistiu-se repetidamente a uma precipitação e, até, sobreposição de medidas que, recorrentemente, se comprometeram mutuamente, não sendo possível aquilatar das suas reais virtualidades nem atribuir aos seus responsáveis o mérito ou demérito do seu lançamento. Em suma, a educação mudou, inevitavelmente, acompanhando a mudança do país. O resultado não é famoso, segundo agora se pretende fazer crer. Ora, mesmo aceitando que assim seja, forçoso se torna descortinar onde estão os erros. O que não nos parece justo é que, por razões relacionadas com a penúria nacional e os orçamentos restritivos, se diabolize a imagem dos professores e se transformem estes nos responsáveis pela precariedade da escola. Na verdade, de um momento para o outro passámos a saber que os professores trabalham pouco, produzem menos e ganham demais. Ao mesmo tempo, soube-se também que a formação contínua se reveste de reduzido ou nenhum interesse. E ponto final. Como se os professores (e os outros agentes) passassem a ser os promotores e não os intérpretes das políticas educativas… Desde sempre alertámos para o facto de a aquisição de créditos desvirtuar a lógica da formação. Porém, o sistema impô-lo durante todos estes anos. Para quê? Para agora virmos a saber que a progressão na carreira dos professores tem sido automática – isto é, que aos créditos adquiridos entre os escalões não foi reconhecido qualquer valor intrínseco, para além do valor administrativo! O pior que nos podia acontecer neste momento era dividirmo-nos em discussões uns com/contra os outros. Na nossa análise, a situação é esta: os professores esforçam-se por cumprir as exigências do sistema. Isto não significa que não haja muito a melhorar e a corrigir no dia a dia das escolas e dos CFAE, e que não estejamos disponíveis para fazê-lo. Mas não, certamente, como bodes expiatórios. Num artigo publicado numa revista comemorativa dos dez anos da Formação Contínua, sublinhámos a evolução da qualidade e da produção dos CFAE, recordando que se progredira de planos de formação baseados na mera disponibilidade dos formadores até planos de formação alicerçados em 273 necessidades e motivações emanadas dos agrupamentos e das escolas. As grandes perguntas do momento têm a ver com o futuro dos CFAE e da Formação Contínua: estará esgotado o modelo? Desaparecerão as estruturas existentes? Não se sabe. Pela nossa parte, não escondemos alguma frustração ao imaginar que o manancial de capital físico, material e humano construído com tanto esforço se virá a diluir no espaço e no tempo. A hipótese, aliás, da transmutação dos CFAE em centros de recursos sempre se interpôs a essa solução drástica do simples desaparecimento. E a formação? Sinceramente pensamos que pode evoluir em dois sentidos de interesse complementar: - a formação estruturante, cometida aos organismos centrais e regionais do Ministério; - a formação permanente, a partir dos recursos locais. Em ambas as situações, os CFAE podem afirmar-se como estruturas privilegiadas da formação, ao nível da divulgação, da disseminação ou da promoção, conforme os casos. Quanto à primeira, já vem acontecendo com alguma consistência, visto que os Centros de Formação têm correspondido, sempre que solicitados, no apoio logístico e organizativo a iniciativas como A Internet nas EB1, Os Novos Programas do Ensino Secundário, a Formação para CSAE preconizada pelo Decreto-Lei 184/2004, ou a Nova Disciplina da TIC para o 9º e 10º ano. E quanto à segunda? O que sustentamos é que os CFAE e os seus directores e comissões pedagógicas deveriam assumir-se como verdadeiros gestores da formação, ao potenciarem os inúmeros recursos dos variados acervos locais, numa lógica cada vez mais próxima daquela que a construção dos Planos de Formação das comunidades educativas pressupõe. Isso traduzir-se-ia numa valorização inestimável de vontades e capacidades, envolvendo os diversos agentes educativos e consagrando novas valências interventivas, nomeadamente na figura do formador interno. Há muito sentimos que o desperdício de aquisições e conhecimentos se revela lastimável. As estruturas pedagógicas das escolas raramente se organizam, por inércias explicáveis, no sentido de rentabilizarem essas mais-valias. Um professor que frequente uma acção, uma conferência, uma jornada ou um simples encontro raramente rentabiliza essa experiência com os seus colegas mais próximos, e muito menos o faz, de forma organizada e racional, com grupos com quem reparte afinidades de trabalho. Por outro lado, muita da produção resultante de trabalho conjunto, quer como recolha qualificada, quer como material de intervenção, acaba por não ser explorada com a dimensão que se justificava, exactamente pelas inércias anteriormente referidas. Muitas das horas distribuídas aos professores nas escolas poderiam enquadrar-se em estratégias de formação, delineadas de acordo com as actividades dos professores, a natureza de projectos, a especificidade dos grupos disciplinares. Entretanto, momentos especiais de formação, correspondendo a necessidades particulares das escolas, podiam continuar a se promovidos de forma idêntica àquela que se pratica actualmente, desta feita com os encargos logísticos e financeiros suportados pelas escolas, os agrupamentos ou entidades locais como as câmaras municipais. Enfim, os CFAE, constituídos apressadamente, como sabemos, para dar resposta a uma crise de prosperidade financeira chamada PRODEP, conseguiram, no mínimo, inverter a lógica economicista e valorizar, ao longo dos tempos, o papel dos formadores, dos formandos e da formação. Estamos disponíveis para procurar ir mais além. 274 Os Cfaes, a reorganização dos recursos endógenos e a participação no desenvolvimento de dinâmicas locais: Contributos para uma Reflexão Luísa Campos Directora do Centro de Formação Abel Salazar Começo por citar um estudo muito polémico, o da Avaliação da Eficácia Formativa: (Início de citação) “os cfaes são as únicas entidades do sistema que, estando contempladas com regulamentação específica, têm directrizes relativas ao modo como o planeamento deve ser efectuado… os processos são geralmente mais participados e mais elaborados… Estas (as escolas) têm vindo progressivamente a envolver-se no processo formativo, sendo possível encontrar escolas que, com ou sem gabinetes de projectos específicos, elaboram os seus planos de formação, assentes nos seus projectos educativos e no levantamento de necessidades… Alguns destes (os cfaes) têm vindo a sensibilizar as escolas para a importância deste instrumento e disponibilizando apoio, quer na identificação das necessidades… quer na própria construção do plano, com a caracterização aprofundada de cada acção de formação que o integra… Regista-se uma cultura de partilha de esforços e projectos ainda pouco enraizada… Há, porém, no caso concreto dos cfaes uma maior participação da generalidade dos agentes no processo de planeamento…” (Fim de citação) Reconhece-se, no referido estudo, que estamos perante entidades formadoras que apresentam dinâmicas de participação em estreita ligação com as escolas, que têm vindo a apoiar, responsáveis por uma cultura de partilha de esforços e de projectos a qual, pelo facto de ainda estar pouco enraizada, seria suposto consolidar e que os planos de formação das escolas são instrumentos essenciais para fazer centrar a formação mais na resposta “… a problemas das escolas e dos seus projectos e menos nas aspirações individuais e estratégicas de progressão na carreira dos docentes..” A tudo isto poderíamos acrescentar como mais valia dos cfae, a experiência que têm vindo a acumular desde que foram criados, recursos humanos e materiais com os quais se tem dispendido verbas significativas, publicações e estudos reflexivos de utilidade incontestada para o sistema, uma rede de parcerias com instituições da comunidade e com projectos de âmbito nacional e europeu e por fim, mas não menos determinante em todo o processo, a imensa dedicação e o trabalho árduo das suas equipas de gestão, a quem a administração central recorre quando precisa de lançar no terreno, de forma rápida e eficaz, processos quer de avaliação, quer de formação. (são exemplos recentes a formação para o pessoal não docente e a formação no âmbito dos novos programas para o 12º ano e na área das TIC para os docentes). Os Centros de Formação são pela diversidade dos seus percursos e experiências, pelos trabalhos realizados pelos formandos, pelas reflexões dos seus formadores e directores, pelas actividades realizadas nas e com as escolas, um excelente objecto de estudo, ponto de partida para a identificação de muitos problemas do sistema educativo. Decidir ignorar uma tal riqueza de processos e tomar decisões, tendo por base critérios exclusivamente economicistas, reflecte o que habitualmente se passa neste país: a ligeireza com que se iniciam e concluem, por decreto, instituições, processos, experiências em marcha no terreno, com as quais são dispendidas verbas avultadas, saberes e energias que, sem se proceder a uma avaliação participada e séria, redundam em desperdício, desmotivação e desencanto. 275 É essa ligeireza que nos empobrece como povo, nos torna pouco competitivos, nos impede de optimizar os nossos recursos endógenos e que em última análise, é responsável, ela sim, pela falta de qualidade do serviço público de educação. A essa ligeireza contrapomos: - A urgência de clarificar, de forma inequívoca e atempada, as novas regras do jogo, para que os directores dos Cfaes possam realizar os seus planos de formação para 2006; - a participação dos directores dos Cfaes na avaliação, reflexão e procura de soluções para a reestruturação da formação contínua; - a optimização dos nossos recursos para um apoio às escolas na consecução dos seus projectos educativos, na construção dos seus planos de formação, no desenvolvimento de projectos de âmbito curricular e comunitário e na melhoria dos seus problemas organizacionais; - a criação de novos recursos com reflexos directos nas dinâmicas locais das escolas associadas, através da nossa adesão a projectos europeus e do alargamento da rede de parcerias; - o reforço da nossa autonomia através da criação de outros espaços de intervenção no âmbito da formação ao longo da vida; - o reconhecimento do trabalho desenvolvido pelos directores dos Cfaes. Acreditamos, que os centros de formação que gerimos podem ser pólos coordenadores e dinamizadores das escolas, mediadores na divulgação das experiências das mesmas, contribuindo para a melhoria da imagem do ensino público junto das comunidades. São recursos valiosos, espaços privilegiados de reflexão, entreajuda e produção de saberes, não só para as escolas, mas também para os pais, os jovens, as empresas, as autarquias, as instituições de lazer e cultura, as associações… Como instituições de carácter público, sem fins lucrativos e com uma bolsa de formadores que reúne saberes vastos e diversificados, poderiam candidatar-se a vários projectos, promover parcerias, estudos locais e, assim contribuir para o desenvolvimento local integrado, prestando inclusive serviços no âmbito da formação ou da reciclagem profissional. No entanto, a dependência em que nos encontramos das escolas sedes, que não sendo entidades formadoras, aparecem como signatárias e responsáveis pelo trabalho realizado pelos directores de centro, tem dificultado candidaturas importantes a projectos nacionais e europeus e até mesmo à candidatura dos Cfaes ao IQF, um meio de podermos intervir localmente e de alargar a formação a outros sectores da comunidade de modo a propiciar o desenvolvimento de dinâmicas locais que só podem realizar-se através de redes de parcerias multisectoriais e multidisciplinares. Citando o Presidente da República, onde existem boas ideias e bons projectos, o dinheiro aparece. E, se é em torno de uma lógica economicista que se tomam decisões para a educação e a formação, então o caminho passa por mais projectos inovadores, pela iniciativa e criatividade, pela candidatura a outras fontes de financiamento, consolidando a acção dos Cfaes através de planos de acção conjunta com uma diversidade de instituições públicas e privadas, com as quais seria possível procurar soluções e criar outro tipo de dinâmica. Deixamos um desafio à tutela, para não ver só os pontos fracos (esses podem sempre ser corrigidos através de avaliação participada) mas para valorizar as nossas potencialidades. Como sempre tem acontecido, estaremos disponíveis para colaborar! 276 Modernizar a educação e formação: uma contribuição essencial para a prosperidade e coesão social na Europa (Bruxelas, 10/11/2005, projecto do relatório conjunto de 2006 do Conselho e da Comissão sobre o 1 desenvolvimento do programa de trabalho “Educação e Formação 2010”) Maria Isabel Reis Directora do Centro Formação das Escolas do Concelho de Valongo (1999 a 2005) No relatório intercalar conjunto de 2004 do Conselho da Educação e da Comissão Europeia2 ficou claro que são necessárias reformas urgentes nos sistemas de educação e formação da Europa, se a União quiser atingir os objectivos económicos e sociais delineados na Estratégia de Lisboa. A meio do percurso do programa de trabalho “Educação e Formação 2010”, continua bem claro que a modernização dos sistemas de educação e formação é essencial para a promoção da excelência, inovação e competitividade de cada país. Ao mesmo tempo, estes sistemas fazem parte da dimensão social da Europa porque trabalham valores de solidariedade, igualdade de oportunidades e participação social, com efeitos positivos na saúde, criminalidade, ambiente, democratização e qualidade de vida em geral3. A Europa enfrenta enormes desafios socioeconómicos e demográficos com uma população envelhecida, um elevado número de adultos com poucas qualificações e taxas elevadas de desemprego entre os jovens. Simultaneamente, há uma crescente necessidade de melhorar os níveis de competências e qualificações da mão-de-obra. Para sustentar a viabilidade dos sistemas sociais da Europa é preciso fazer frente a estes problemas. A educação e formação fazem parte das soluções a encontrar. As políticas nacionais de educação e formação têm de ter em conta as directivas da “Estratégia de Lisboa”, na definição de objectivos ligados aos níveis médios de referência europeus (benchmarks) e na implementação de uma estratégia europeia do emprego. Pede-se a todos os estados membros investimentos fortes em educação e formação com a cooperação de parceiros interessados, para garantir, embora a longo prazo, a não exclusão social e um efectivo crescimento económico. Em toda a Europa estão a ser implementadas estratégias de acesso dos adultos a novas oportunidades de aprendizagem, especialmente para os trabalhadores mais velhos, com baixos níveis de competências. Mas urge ter em conta o caso da população mais jovem já que: i. quase 16% dos jovens europeus (39% de portugueses) abandonam a escola precocemente (o nível de referência para 2010 é de 10%); ii. cerca de 20% dos jovens com 15 anos (22% de portugueses) continuam com problemas de literacia de leitura; iii. 77% de jovens europeus (49% de portugueses) de 18-24 anos completam o ensino secundário (o nível de referência para 2010 é de 85%). 1 http://europa.eu.int/comm/education/index_en.html Educação & Formação 2010 – A urgência das reformas para o êxito da Estratégia de Lisboa, 3 Março 2004 (doc. 6905/04 EDUC 43 do Conselho). 3 http://europa.eu.int/comm/education/policies/2010/doc/progressreport06_en.pdf 2 277 O elevado número de jovens que abandona a escola apenas com um nível básico de competências e qualificações é um sinal de que os sistemas iniciais de educação e formação não estão a criar as fundações para uma necessária aprendizagem ao longo da vida, especialmente para os mais desfavorecidos. Muitos países estão a encorajar as universidades a tornar a aprendizagem ao longo da vida numa realidade, abrindo as portas a aprendentes não tradicionais, como os oriundos de baixos níveis socioeconómicos, incluindo sistemas de validação de aprendizagens formais e não-formais. Um grande número de universidades na Europa está a promover o desenvolvimento profissional contínuo e são cada vez mais populares as universidades abertas que usam modelos de ensino à distância e modelos mistos da aprendizagem suportados pelas TIC. O espaço europeu de educação e formação continuará a ser fortalecido, nomeadamente pelo desenvolvimento de um Quadro Europeu de Qualificações. Durante 2006, a Comissão apresentará recomendações do Conselho e do Parlamento Europeu para o Quadro Europeu de Qualificações, a Formação de Professores e Educação de Adultos. A prioridade para o desenvolvimento dos sistemas de educação e formação do espaço europeu levou a Comissão Europeia a elaborar um documento, para apoiar os decisores políticos de cada país, sobre os Princípios Comuns Europeus para as Competências e Qualificações dos Professores4. Neste documento assume-se que os professores desempenham um papel crucial no desenvolvimento das experiências de aprendizagem dos jovens e adultos. Se a União Europeia se quer tornar na economia mais competitiva do mundo em 2010, são necessários padrões de educação elevados, melhores competências sociais e maior diversidade de emprego. Por isso, a definição do perfil do professor europeu constitui uma prioridade. Os professores terão de responder aos desafios de desenvolvimento de uma sociedade do conhecimento, participar activamente e preparar os seus aprendentes para serem autónomos. Terão de reflectir sobre os processos de aprendizagem e ensino envolvendo-se numa actualização contínua do conhecimento da disciplina que lecciona, de conteúdos curriculares, de inovação pedagógica, de pesquisa e nas dimensões sociais e culturais da educação. A formação do professor tem de ser a nível superior e suportada por parcerias entre instituições do ensino superior e as escolas onde os professores exercem a sua actividade. Os professores precisam de preparar os aprendentes para o seu papel de cidadãos europeus reconhecendo e respeitando diferentes culturas. Isto implica a adopção de políticas dirigidas à formação inicial de professores e ao seu desenvolvimento profissional contínuo e contextualizadas nas políticas educativas gerais dos diferentes sistemas educativos nacionais. Este conjunto de princípios recentemente divulgados pela Comissão Europeia devem animar o desenvolvimento de políticas que irão promover a qualidade e eficiência da educação em toda a União. Os princípios são: • Uma profissão bem qualificada. • Uma profissão contextualizada numa aprendizagem ao longo da vida. • Uma profissão de mobilidade. 4 http://www.pa-feldkirch.ac.at/entep/ 278 • Uma profissão sustentada por parcerias. As competências chave da profissão serão: • Trabalhar com outros. • Trabalhar com conhecimento, tecnologia e informação. • Trabalhar com e na sociedade. As recomendações aos decisores políticos nacionais são: • A profissão de professor deve ser bem qualificada. • A profissão de professor deve ser vista como um contínuo que inclui a formação inicial, de indução e desenvolvimento profissional contínuo. • A mobilidade dos professores deve ser encorajada. • A profissão de professor deve ser sustentada por parcerias. Tendo em conta as propostas da Comissão Europeia para quadros de referência europeus de qualificações, educação de adultos, a definição da estratégia europeia de emprego e os princípios comuns europeus para as competências e qualificações de professores, penso ser importante tomarmos consciência de que o ano de 2006 será decisivo para os professores Portugueses, enquanto professores Europeus. O desenvolvimento profissional contínuo dos professores é uma das prioridades da União Europeia e isso implicará a definição de políticas nacionais enquadradas neste quadro dos Princípios Comuns Europeus para as Competências e Qualificações dos Professores. Alguns dados para se reflectir a situação de Portugal5: Percentagem de população de 18 a 24 anos que não completou pelo menos o ensino secundário e não frequenta nenhum sistema de educação ou formação 5 http://europa.eu.int/comm/education/policies/2010/doc/progressreport06_en.pdf 279 Percentagem de população de 18 a 24 anos que completou pelo menos o ensino secundário Códigos dos países Visão global do progresso da UE nos cinco níveis de referência do programa Educação e Formação 2010 280 Percentagem de alunos com nível de proficiência de literacia de leitura de um ou abaixo (escala do PISA) 281 A Formação Contínua… Que rumos? Que paragens? Maria José Areal, Carla Aires Alves Centro de Formação de Caminha e Cerveira Assumindo-nos como elementos do Centro de Formação de Caminha e Cerveira, colocamo-nos na posição despretensiosa de reflectir convosco sobre os constrangimentos diversos com que nos deparamos na Formação Contínua. Num primeiro momento, importará notar que a formação é um imperativo da nossa profissão. Não se trata de um complemento que poderá ser, ou não, efectuado ao sabor da vontade de cada um, mas antes de um objectivo contemplado no Estatuto da Carreira Docente com um lugar e um estatuto específico. Sabemos, segundo o artigo 82º referente à componente não lectiva do professor, ponto 3, alínea d) que “O trabalho a nível do estabelecimento de educação ou de ensino deve integrar-se nas respectivas estruturas pedagógicas com o objectivo de contribuir para a realização do projecto educativo da escola, podendo compreender (…) a participação, promovida nos termos legais ou devidamente autorizada, em acções de Formação Contínua ou em congressos, conferências, seminários e reuniões para estudo e debate de questões problemas relacionados com a actividade docente. ” Será controverso e insensato negar a formação com atitudes retraídas e discursos vazios; a formação é um aspecto integrante da actividade docente, constituindo um direito e um dever do professor, sendo o seu objectivo contribuir para a promoção do sucesso educativo através da melhoria e da actualização das competências do profissional docente. A rejeição da formação, ou a atitude inquietante do professor face a actividades formativas, não se apresenta assim tão frequente na classe docente. De uma forma geral, mais do que a formaçãoobrigação, nós procuramos a formação como uma forma de enriquecimento pessoal e profissional, visando a partilha de experiências pedagógicas relevantes que sejam, em simultâneo, simples de implementar, motivadoras e que permitam obter resultados pedagogicamente satisfatórios e compensadores. Procuramos a formação enquanto processo organizado e sistemático, através do qual se possa reflectir colectivamente de uma forma crítica e que nos forneça não só novos conhecimentos, mas também competências e estratégias conducentes a um desenvolvimento profissional. Nesta perspectiva, a formação só tem razão de ser quando surge directamente relacionada com os nossos interesses e expectativas, devendo-se desenvolver em forte articulação com a prática pedagógica. Ela deixa de ter sentido quando é orientada pelas imposições do sistema, ou sempre que as ofertas de formação se restringem às prioridades estabelecidas pelo Ministério da Educação. Por exemplo, as áreas de formação prioritárias definidas pelo ME, para o Pessoal Docente, a considerar em 2006 são Didáctica e Ensino da Matemática, Didáctica e Ensino do Português (estas duas visando essencialmente os docentes do Ensino Básico), Didáctica do Inglês (iniciação), Didáctica e Ensino das Ciências Experimentais e Necessidades Educativas Especiais de Carácter Prolongado. As prioridades definidas são, indubitavelmente, diversificadas e interessantes. Contudo, a questão que se coloca é: teremos todos estas expectativas de formação? Teremos todos que nos enquadrar nestas preocupações institucionais? Que outras alternativas teremos se a Gestora da Intervenção Operacional do Prodep III nos diz que “a selecção das acções de formação a financiar orientar-se-ão pelas prioridades acima descritas, não sendo co-financiados os Planos de Formação que não se enquadrem nas mesmas”? 282 Parece-nos que a canalização imposta dos docentes para esses domínios de formação será significativa o que, na nossa perspectiva, tornará mais questionável a mudança/melhoria pedagógica produzida pelas formações ou o impacto real e efectivo das actividades formativas na dinâmica da sala de aula. A situação torna-se ainda mais preocupante se atentarmos que, por despacho, se decreta que “Cinquenta por cento (50%) das acções de Formação Contínua a frequentar pelos docentes devem ser realizadas, obrigatoriamente, no âmbito da área de formação adequada.” Neste domínio, a nossa opinião é particularmente crítica, pois nem sempre temos acesso a formação que consideramos pertinente, e que ocorra num tempo e num espaço oportunos para a nossa gestão pessoal, na área directamente relacionada com o domínio científico e didáctico do grupo disciplinar a que pertencemos. Neste contexto, e de forma ousada, perguntar-se-á: onde encontrar formação de carácter global, interdisciplinar, integradora, diversificada… que faz de nós gente atenta e interveniente no meio envolvente? Como docentes empenhados ver-nos-emos impelidos na procura desta formação em outras entidades, envolvendo custos pessoais acrescidos. Um último tópico de discussão que gostaríamos ainda de lançar, prende-se com as modalidades de formação privilegiadas por alguns CEFAESs. Sabemos que as respostas formativas podem assumir modalidades distintas em função dos diferentes objectivos e das metodologias adoptadas. O Círculo de Estudos visa implicar a formação no questionamento e na mudança das práticas profissionais, incrementar a cultura democrática e a colegialidade, consolidando o espírito de grupo, a capacidade para agir socialmente e para praticar a interdisciplinariedade; a Oficina está orientada para as componentes do saber-fazer prático ou processual, pretendendo a elaboração de materiais de intervenção pedagógica; o Projecto tem por objecto de reflexão problemas, temas, situações emergentes no sistema educativo, na escola, na comunidade local e seu território educativo, etc.; o Seminário visa exercitar os formandos nos métodos e processos do trabalho científico, através da elaboração de relatórios e de outros documentos relacionados com a investigação pedagógica; o objectivo do Curso/Módulo de Formação insere-se na actualização e aprofundamento de conhecimentos, nas vertentes teórica e prática. Na verdade, as situações de formação têm se pautado, fundamentalmente, pela modalidade de Curso/Módulo de Formação e, consequentemente, pela lógica de conteúdos a transmitir, fazendo com que formação seja igual a informação, levando a que os formandos pensem que os benefícios obtidos não são maiores do que 25 horas de leitura ou de pesquisa na Internet. É nossa convicção, que a prática pedagógica do docente deve ser o ponto de partida e o motor desencadeador de toda a formação, devendo constituir igualmente o objecto e o objectivo nuclear da mudança das práticas. Talvez os CEFAEs, na tentativa de resposta aos imperativos da formação em tempo útil, tenham substituído a dinâmica que urgia acontecer no seio da própria escola, que, por sua vez, se acomodou a este processo invertido. Importa agora, que sejam os agrupamentos de escolas geradores da formação contextualizada com relevância nas modalidades activas. O desassossego desta formação formatada deverá criar em cada docente a vontade de reflectir sobre um passado recente (Plano de Formação diversificado votado pela Comissão Pedagógica) e o momento actual (as prioridades definidas pelo Ministério da Educação). Entristece-nos a ideia de ter perdido, ou de não ter sabido encontrar, o espaço de participação activa na construção da nossa formação. 283 A (não) transformação em formação António Canhão O Director do CFAE Arrábida De forma recorrente, o País acorda sobressaltado em ciclos de crise, caracterizados por discursos de críticas ao seu funcionamento, com a simultaneidade reinvidicativa de necessidades de “reformas” que coloque o país num rumo necessário e definitivo, para o progresso e desenvolvimento. Mais recentemente, esta matriz assenta invariavelmente numa análise comparativa com outros países, argumentando-se de forma incontornável a necessidade do País ser mais produtivo e “competitivo”. Destes ciclos fénixianos, surge invariavelmente como alvo de atenções e críticas o sistema educativo português e respectivo desempenho. É neste contexto que os últimos meses se tornaram pródigos em notícias, publicações e referências a estudos, relatórios ou simples embriões destes, dando conta de todas as deficiências e maus desempenhos do sistema educativo português. Em paralelo, surgem um conjunto de medidas de origem governamental, apontadas como imprescindíveis à imediata e consequente resolução dos problemas diagnostificados. Desta análise global, ressaltam dois termos de especial significado: o sobressalto e “descoberta” do País e, os ciclos fénixianos. Do primeiro, porque dos períodos inter-ciclos de crise, pouca substância permanece, ou seja, o país parece apagar-se ou adormecer, nestes períodos, não sendo consequente a tomada de medidas consistentes e duradouras, que combatam as mazelas que os diagnósticos em período de crise identificam. Do segundo, porque surge invariavelmente um “chuto para a frente” recomeçando em muitos aspectos da estaca zero, como se não houvesse passado e experiência produtoras de saberes a serem aproveitadas, numa lógica de que “agora é que vai ser”, porque até ao momento só se praticaram asneiras e ineficiências a que urge pôr cobro. Nestas lógicas, surgem sempre novos modelos e orientações, colhidas de pequenos grupos ou pessoas “especialmente dotadas”, na certeza de que os diversos agentes, estruturas e organizações, estão incapazes de protagonizarem de forma satisfatória, qualquer processo de mudança. Torna-se também aqui evidente o recorrente processo de não avaliação ponderada de percursos e desempenhos realizados pelas diversas organizações do sistema, não se identificando os pontos fortes e fracos, optando-se pela lógica da tábua rasa, desperdiçando largos capitais de saberes e experiências que o sistema, vivo e dinâmico, sempre vai produzindo. Não tendo cabimento neste pequeno artigo, uma análise global do sistema educativo português, importa destacar o comportamento da formação contínua dos profissionais da educação. Este sub-sistema possui uma história relativamente recente, embora suficientemente larga e diversificada, para que possa ser analisado e avaliado nas suas diversas vertentes. São diversas as instâncias e agentes que se envolveram de forma responsabilizada e responsabilizante, no modelo de formação contínua dos profissionais da educação, em vigor desde 1992, com parâmetros relativamente estabilizados durante todos estes anos. 284 De forma sintética, identificamos neste modelo vários componentes: - A componente governamental que produziu e regulamentou pacotes legislativos que permitiu enformar um modelo de formação contínua, posteriormente verificado e avaliado no terreno pelas estruturas da Administração Central do Ministério, nomeadamente, a Inspecção Geral da Educação; - A criação de entidades reguladoras e certificadoras, garante de uma observância permanente dos agentes concretizadores dos objectivos definidos para este sub-sistema: o Conselho Científico – Pedagógico da Formação Contínua de Professores e, a Divisão de Formação da Direcção Geral de Recursos Humanos da Educação; - A criação de entidades financiadoras do sub-sistema, com regulamentações próprias, incluindo o respeito pela legislação enquadradora da formação contínua, com processos de observâncias e acompanhamento, apoio e avaliação técnica de todo o sub-sistema, com especial incidência nas entidades formadoras. Integram-se neste campo, os diversos programas para a Educação (PRODEP I, PRODEP II e PRODEP III) no âmbito dos programas comunitários, do Fundo Social Europeu; - A criação/reconhecimento/certificação das entidades formadoras concretizadoras dos planos anuais de formação, analisados, aprovados, acompanhados e avaliados pelas diversas entidades referidas anteriormente; - Os destinatários directos de todo o modelo, que por respeito ao actual modelo em vigor, identificaria e distinguiria, as escolas e, os respectivos profissionais que nelas trabalham; - Por fim, os destinatários subjacentes a todo o modelo, incontornáveis a qualquer análise que se queira praticar, que são os utentes do sistema educativo, os jovens, os adultos, em suma, toda a comunidade educativa em torno das escolas. No percurso público e institucional dos últimos meses, surgiram diversas críticas e indicações negativas, sobre o modelo da formação contínua e os respectivos “desempenhos”. Sendo parte deste modelo, a criação de um tipo de entidade formadora inovadora, os Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE’s) muitas das críticas surgidas ao modelo e seus resultados, têm sido abusivamente decalcados na face destas organizações, apesar do modelo de formação em vigor integrar uma larga diversidade de outras entidades formadoras (Instituições do Ensino Superior, Organizações Sindicais, Associações Profissionais, Instâncias da Administração Central e Regional do Ministério da Educação, entidades de outros Ministérios e organizações diversas, Instituto da Administração Pública, Centro Jacques Delors e outros). Para além de toda esta conjuntura e no âmbito do interesse central de qualquer análise que se faça sobre o modelo de formação contínua e seus desempenhos, importa de facto esclarecer alguns aspectos: - A formação contínua dos profissionais da educação é ou não relevante/necessária aos processos de mudança e melhoria do sistema educativo português e seus desempenhos? - Os diversos actores/intervenientes desempenharam ou não as funções no âmbito dos objectivos traçados? - O actual modelo existente e imutável desde há uma década é ou não adequado, para a promoção do desenvolvimento do sistema educativo? 285 - Que funções, responsabilidades e envolvências, devem possuir as diversas entidades formadoras que sejam reconhecidas para a concretização de planos de formação? - Que funções, responsabilidades e envolvências, devem ter os destinatários directos da formação, no modelo global da formação contínua? - Que estruturas, orgânicas e apoios, está o Ministério da Educação decidido a garantir, para que se consolide o modelo activo e consequente da formação contínua? - Que modelo de acompanhamento e avaliação do sub-sistema de formação contínua, deve ser instituído? No que aos CFAE’s diz respeito, deva-se referir que a sua organização a nível local, regional e nacional, promovidas de forma informal e da sua inteira iniciativa, determinaram a realização de dezenas de encontros regionais, sete congressos nacionais e, diversas publicações de estudos realizados em parceria com múltiplas entidades, públicas e privadas, em que as questões levantadas anteriormente determinaram várias conclusões, que foram dadas a conhecer a todas as instâncias com responsabilidades na formação contínua, avançando-se inclusivamente com propostas de alterações ao modelo em vigor, com especial ênfase nos aspectos em que o modelo se revelou mais deficiente ou mesmo inadequado à eficácia dos objectivos gerais, referidos em lei para este sub-sistema. A experiência e a diversidade de actividades que os CFAE’s promoveram, muito para além das acções formais e convencionadas, apoiadas pelos fundos estruturais do PRODEP, é demasiado rica e está ainda por ser avaliada de forma global, integrada e circunstanciada, nas realidades concretas que o País tem vivido, onde destaco a instabilidade governativa dos últimos anos e consequente divagação de orientações, bem como, a “distracção” ou a não relevância atribuída pelos responsáveis políticos a este sub-sistema de enormes potenciais de transformação, das realidades educativas do nosso país. No novo e repetido momento de pouca clareza sobre o papel da formação contínua e sua respectiva organização-regulamentação, cabe certamente ao CFAE’s e suas escolas associadas, a responsabilidade de fornecer os decisivos contributos para a consolidação de um modelo de formação contínua que funcione, seja valorizado e utilizado para os fins superiores a estes meios de acção, isto é, a melhoria qualitativa das aprendizagens dos nossos públicos escolares. 286 Diz-me como foste avaliado, dir-te-ei como avaliarás! As práticas de avaliação no contexto da formação contínua de professores Eusébio André Machado Professor do Ensino Secundário, Doutorando do Departamento de Tecnologia e Currículo do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho Sub-Delegado da Secção Portuguesa da ADMEE 1. O efeito borboleta…ou porque a avaliação resiste à mudança É sabido que a avaliação é das práticas do ofício docente que mais resistem à mudança. Contudo, ao longo das últimas décadas, não houve reforma educativa que não tivesse dado prioridade legislativa às questões da avaliação; não há dimensão da acção da escola que seja objecto de tanto escrutínio e exigências sociais como a avaliação; a avaliação tem sido, aliás, um dos domínios que, recorrentemente, têm estado presentes na formação de professores; mesmo na literatura científica e nos vade-mécuns de apoio à docência, a avaliação é assunto que merece sempre atenção… Uma das hipóteses mais plausíveis para compreender esta resistência é aquela que atribui à avaliação uma centralidade, não só do sistema didáctico e do sistema de ensino, como também das práticas pedagógicas e do próprio funcionamento da escola. Com efeito, segundo esta perspectiva, as práticas de avaliação situam-se na charneira das várias interdependências do ecossistema escolar: a relação pedagógica, os programas, a relação com a família, a organização da escola, a representação social do professor, o controlo disciplinar, etc. Por isso, quando se tenta mudar as práticas avaliação, mais tarde ou mais cedo, descobre-se que há um custo a pagar: a instabilização do frágil equilíbrio que é a escola. Qual bater de asas de uma borboleta no Índico que provoca furacões nos Estados Unidos da América, “mudar a avaliação significa provavelmente mudar a escola” (Perrenoud, 1992: 155). No entanto, como acontece muitas vezes na formação de professores, esta resistência é imputada quase exclusivamente a razões subjectivas ou ao “pensamento do professor”: são os professores que não “querem” mudar as suas práticas de avaliação, seja por “ignorância”, seja por “conservadorismo”, seja ainda por “desconfiança”. Embora não se possa escamotear uma relação de convergência entre os discursos e as práticas (Alves, 2004), esta injunção pode acarretar uma ilusão perigosa: a de que a formação por si própria, eliminando ou reconfigurando os obstáculos subjectivos, é capaz de induzir as mudanças desejadas nas práticas de avaliação. Esta ilusão do “deus ex machina”, como lhe chama Perrenoud (1993: 94), não significa, obviamente, que a formação de professores seja irrelevante nas mudanças educativas, mas que apenas pode ter influência dentro de determinados limites e sob certas condições. Ora, um dos aspectos críticos da formação é o seu grau de isomorfismo em relação às práticas que pretende induzir, ou seja, o modo como dispositivo de formação é concebido pode ter um efeito mais pregnante na mudança das práticas do que as orientações verbalizadas, transmitidas e propostas pelo discurso do formador. Deste ponto de vista, se as práticas de avaliação dos professores no âmbito da formação contínua são caracterizadas pela reprodução das práticas mais “conservadoras”, próximas de uma tendência objectivista ou tecnicista da avaliação, terá algum cabimento afirmar que, paradoxalmente, a própria formação contínua pode ter também um contributo na resistência à mudança… 287 2. Formação e avaliação: quando o “profissional reflexivo” não reflecte Ao longo dos últimos anos, o discurso científico produzido em torno do desenvolvimento profissional e da formação de docentes tem (hiper?) valorizado os modelos de “forma interactiva-reflexiva” (Chantraine-Demailly, 1992: 144) e o conceito de “reflexão”, por sua vez, tem sido o mais utilizado por todos os intervenientes, mesmo que, como efectivamente acontece, haja outros modelos nos vários sistemas de formação contínua. “Prática reflexiva”, “reflexão-na-acção”, “professor como investigador na acção”, “professores reflexivos”, etc. – são alguns dos termos utilizados actualmente no âmbito desta tendência praticamente dominante de formar professores como “profissionais reflexivos” (Schön, 1992; Zeichner, 1992, Popkewitz, 1992). É neste âmbito que a passagem de uma “racionalidade técnica” a uma “racionalidade prática” na formação de professores concede à avaliação um lugar determinante na construção de processos de reflexividade e de auto-reflexividade. Com efeito, estas tendências actuais, no âmbito da formação de professores, são indutoras de procedimentos avaliativos que atribuem elevado protagonismo aos próprios sujeitos/professores, contribuindo dessa forma para o desenvolvimento das competências de reflexão, crítica e emancipação (Alves e Machado, 2004: 564). A este propósito, Nóvoa defende que “os professores têm de ser protagonistas activos nas diversas fases dos processos de formação: na concepção e no acompanhamento, na regulação e na avaliação” (1992:30). Deste ponto de vista, a avaliação surgirá como um trabalho reflexivo e auto-reflexivo, segundo um propósito de tornar os professores actores e autores da construção de si enquanto sujeitos em formação, dando sentido (s) às próprias mudanças constitutivas do desenvolvimento pessoal e profissional. Ora, apesar de os investigadores, formadores de professores e educadores diversos considerarem a participação e a reflexão como o principal objectivo da formação de professores, é certo que as lógicas que encontramos na realidade são mais diversas e, em muitos casos, afastadas e até contrárias àquelas que têm mais reconhecimento científico, pedagógico e político. De facto, no âmbito de um trabalho de investigação em curso6, os resultados preliminares, ainda que não estejam suficientemente consolidados e correspondam a uma fase incipiente, permitem sinalizar as seguintes tendências (Machado, 2005): - antes de mais, quanto à participação e autoria dos professores na construção dos dispositivos de avaliação da formação, nota-se que as práticas são relativamente paradoxais, sendo que as respostas dividem-se entre a participação relativamente elevada e a pouca ou nula participação – o que permite pensar na hipótese de factores como as modalidades de formação activas ou a chamada “formação centrada na escola” conviverem com dispositivos mais instituídos e tradicionais de formação e de avaliação; - por outro lado, se a prática de divulgação de critérios, modalidades, objectivos e instrumentos está instituída, o mesmo não se pode dizer relativamente à negociação e à alteração dos mesmos no início das acções de formação; pelo que se pode dizer que, neste capítulo, há graus relativamente baixos de participação e de reflexão: os professores admitem tendencialmente que nunca ou raramente intervêm nesses processos; 6 Trata-se de uma tese de doutoramento realizado no âmbito institucional do Departamento de Tecnologia e Currículo do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, sob a orientação da Sra. Professora Doutora Maria Palmira Carlos Alves. 288 - durante as acções de formação, poder-se-á dizer que são relativamente ténues as práticas de avaliação formativa e de auto-regulação: os objectivos, modalidades, critérios e instrumentos assumem um carácter definitivo e rígido, as práticas de auto-avaliação, hetero-avaliação e mesmo de co-avaliação realizam-se pontualmente e sem um carácter sistemático, há uma preferência por instrumentos como trabalho de grupo e o relatório; além disso, sobre os usos da avaliação, os professores dividem-se entre o “apoiar”, o “verificar” e o “reflectir”, rejeitando, embora sem unanimidade, o “controlar”; - constata-se ainda uma tendência da função sumativa da avaliação com um aumento da participação dos professores na conclusão das acções de formação, sendo que as práticas de auto-avaliação e de co-avaliação têm uma frequência pontual e o dispositivo de formação apresenta-se como um referencial normativo; acresce, em todo o caso, que os professores manifestam o grau elevado de participação na avaliação dos resultados da formação, do formador, dos formandos e do desempenho individual. 3. Conclusões: “Por favor, mexam na minha formação!” Com algum risco de exagero, o que estes elementos empíricos nos permitem inferir é que as práticas de avaliação em formação são pouco “formadoras”, ocasionalmente “formativas” e muitas vezes “sumativas”. A participação dos formandos/professores no processo de avaliação é relativamente ténue e, algumas vezes, está confinada a uma concepção de “controlo da eficácia da formação, consubstanciando-se em juízos e preconizações para garantir a conformidade, a regularização da adequação das necessidades e o dispositivo de formação” (Vial, 202: 51). Há pouco lugar para o risco da experimentação a diferentes níveis: na forma como são construídos os referenciais de avaliação, no modo como se proporciona a participação dos sujeitos, na diversificação e na reconceptualização dos instrumentos de avaliação, na enfatização de modos de regulação dialógica que induzam a “reflexividade”… Ora, se os momentos de formação de professores, pela sua natureza intrínseca, não favorecem o risco da inovação e a experiência da mudança, é natural (!) que, segundo o princípio do isomorfismo, haja perversamente uma legitimação das próprias práticas que se pretende mudar. Para formar professores em avaliação, não basta ensinar-lhes o que é avaliação. É preciso que o dispositivo de formação integre, na sua própria natureza, uma pragmática da avaliação que seja formadora: se se quiser desenvolver a auto-avaliação, será preciso que a formação de professores desenvolva a auto-avaliação; se se pretender que a avaliação seja reguladora e formativa, a avaliação na formação de professores deve ser reguladora e formativa; se se procura que os alunos se apropriem criticamente dos critérios de avaliação, é preciso que a formação favoreça a apropriação crítica dos critérios de avaliação. Deste ponto de vista, dada a transversalidade das práticas de avaliação, o modo de construção de um dispositivo de formação será, talvez, mais importante do que a indução subjectiva, ex cathedra, através de modelos ideais de avaliação. Na avaliação – como, de resto, nas outras áreas de formação de professores – não seria descabido, assim, a adopção de um modelo “laboratorial”, pelo qual fosse possível: a) adoptar uma abordagem de tipo clínico através do desenvolvimento de competências de resolução de problemas, de análise de situações e de confronto com a complexidade do real; b) permitir que as práticas de avaliação em formação assumissem uma dimensão fortemente experimental no que respeita, por exemplo, aos modos de participação, aos tipos de instrumentos, à construção dos referenciais de avaliação, etc. 289 c) favorecer o protagonismo dos formandos em todas as fases do processo de avaliação segundo uma participação dialógica, de base contratual e de orientação crítica; d) encarar a avaliação como um processo intrínseco de formação, no qual radicaria a consecução de uma reflexividade emancipatória e pregnante. Referências Bibliográficas: Alves, Maria Palmira (2004). Currículo e Avaliação. Uma Perspectiva Integrada. Porto: Porto Editora. Alves, Maria Palmira e Machado, Eusébio André (2003). Sentido da Escola e os Sentidos da Avaliação. In Revista de Estudos Curriculares, Ano 1, Número 1, 79-92. Alves, Maria Palmira e Machado, Eusébio André (2004). Dar Sentido (s) à Formação de Professores: o Contributo da Avaliação Formadora. In Estrela, A. e Ferreira, J. (Orgs.) Regulação da Educação e Economia. Lisboa: AFIRSE/AIPELF- Secção Portuguesa/Universidade de Lisboa, 563-571. Chantraine-Demailly, Lise (1992). Modelos de Formação Contínua e Estratégias de Mudança. In Nóvoa, A. (Coord.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/Instituto de Inovação Educacional, 139-148. Machado, Eusébio A. (2005). Quantos Créditos Dá Esta Acção de Formação? – uma modelização das práticas de avaliação em formação contínua de professores. Actas do VIII Congresso Galaico-Português de Psicopedagogia, CIEd/UM, Setembro, 2005, 3395-3403. Nóvoa, António (1992). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/Instituto de Inovação Educacional. Perrenoud, Philippe (1992). Não Mexam na Minha Avaliação! Para uma Abordagem Sistémica da Mudança Pedagógica. In Estrela, A. e Nóvoa, A. (Orgs.). Avaliações em Educação: Novas Perspectivas. Lisboa: Educa, 155-173. Perrenoud, Philippe (1993). Práticas Pedagógicas, Profissão Docente e Formação – Perspectivas Sociológicas. Lisboa: Publicações Dom Quixote/Instituto de Inovação Educacional. Popkewitz, Thomas S. (1992). Profissionalização e Formação de Professores: Algumas Notas sobre a sua História, Ideologia e Potencial. In Nóvoa, A. (Coord.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/Instituto de Inovação Educacional, 35-50. Schön, Donald A. (1992). Formar Professores como Profissionais Reflexivos. In Nóvoa, A. (Coord.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/Instituto de Inovação Educacional, 77-92. VIAL, Michel (2002). “Organiser la participation des stagiaires à l’évaluation de leur formation: deux entrées possibles, les tâches et les critères du projet de formation”. In Questions Vives, Volume 1, N.º 1, pp. 51-60. Zcheiner, Ken (1992). Novos Caminhos para o Practicum: Uma Perspectiva para os Anos 90. In Nóvoa, A. (Coord.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/Instituto de Inovação Educacional, 115-138. 290 Formação para os Novos Programas do Ensino Secundário ano lectivo de 2005/2006 (Uma visão do terreno) Jorge do Nascimento Pereira da Silva Director do CFFH Este ano, por estranho que pareça, a organização da formação para os novos programas do ensino secundário, essencialmente para o 12º ano, voltou a falhar. E é pena! Por um lado porque é muito importante dotar os professores de novas competências para abordarem novos programas, sobretudo no 12º ano; e por outro, porque, apesar de os CFAE´S terem avisado repetidamente que era necessário agir atempadamente, tal não foi feito, pondo em risco todo o processo formativo. No início de Abril, e na sequência de uma conversa dos Representantes dos CFAE´S das diversas regiões mantida no dia 11 de Março, na DGIDC, com o Dr. Luís Santos, Chefe da Divisão da Formação da DGIDC, foi reforçada a ideia da urgência em avançar com o processo em devido tempo, tendo em conta a experiência dos anos anteriores. No entanto, apesar da sua boa vontade, a falta de orientações superiores levaram a que só em finais de Junho fosse decidido avançar com a formação para os Novos Programas numa reunião entre a Sra. Directora Geral da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, ele próprio, e os Representantes dos CFAE´S a nível nacional. Tal facto, mais uma vez, fez com que a organização da formação fosse feita em condições nada propícias ao seu bom funcionamento. Refira-se que voltou-se a programar a formação ao mesmo tempo que se realizavam Exames nas escolas (nacionais e/ ou de escolas), que os professores participavam em júris, em vigilâncias e em secretariados de exames, no levantamento, correcção (apertada no tempo!) e devolução das provas, ao mesmo tempo que se realizavam reuniões de avaliação final e que os professores gozavam férias… o que ainda é um direito! Acresce ainda o facto de, dado que não havia verbas para refinanciamento por parte do Prodep, ter havido Centros de Formação que não puderam assumir nenhuma das acções programadas pela Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC). Em algumas disciplinas, a formação para formadores só aconteceu ao longo do mês de Setembro, o que levou a que muitas das acções de desmultiplicação se realizassem em Outubro/ Novembro/Dezembro e em horário pós – laboral gerando-se, também por isso (mas não só!), uma grande desmotivação nos professores. Tendo em conta os constrangimentos criados pela alteração do diploma das acumulações, de outra legislação, entretanto publicada, nomeadamente o Decreto-lei nº 121/2005, de 26 de Julho, e as recomendações do Prodep no sentido de a formação se realizar durante o horário normal de trabalho que, até hoje ainda ninguém conseguiu esclarecer, apesar das diversas tentativas junto da tutela, a adesão à formação foi pouco significativa, sobretudo em alguns grupos disciplinares e em alguns territórios educativos, eventualmente naqueles nos quais seria mais necessária. É certo que a Sra. Directora Geral da DGIDC enviou às Escolas Secundárias uma informação, na qual o Sr. Secretário de Estado da Educação exarou despacho concordante, que solicitava às 291 escolas para facilitarem a frequência da formação aos professores que fossem leccionar o 12º ano que, mesmo positiva, não teve os efeitos esperados. Apesar de todos estes contratempos, que já começam a fazer parte da norma, apresentamos, no quadro que se segue, a formação realizada na Região Norte, no âmbito dos Novos Programas, essencialmente do 12º ano, por disciplina e por Rede. Legenda A - Nº Acções F - Nº de Formandos aprovados Da leitura do quadro apresentado verifica-se que, na região Norte, se realizaram 49 acções de formação tendo nelas participado 928 professores. Salienta-se que foi nas redes Grande Porto Norte (10 turmas para um total de 214 professores), Minho (8 turmas para um total de 175 professores) e Litoral Norte (8 turmas para um total de 136 professores) que houve maior frequência de professores e oferta em maior número de disciplinas. É de referir ainda que a oferta formativa foi menos abrangente no interior da Região Norte, o que nos deve levar a reflectir. Formação realizada no âmbito dos novos programas do ensino secundário (ano lectivo 2005/06) REGIÃO NORTE DISCIPLINA REDE PORT 12º A Alto Minho 1 FRAN 12º F A HIST 12º F A FÍSI 12º F 26 A 1 QUIM 12º F 15 Encosta do Douro A BIOL 12º F 1 25 1 14 1 28 1 27 A F Entre o Douro e Vouga Grande Porto Norte 5 80 2 Grande Porto Sul 1 26 Interior Norte 1 7 Litoral Norte 2 35 Minho 2 42 Vale de Sousa e Baixo Tâmega 1 15 1 10 1 11 TOTAL 13 231 1 10 5 79 1 1 39 1 16 7 22 1 23 1 9 1 16 1 24 1 11 1 17 1 25 1 25 1 12 5 80 Nordeste Transmontano Fonte: Representantes das Redes dos CFAE´S do Norte 292 4 64 6 143 Será que a interioridade continuará, ad eternum, a explicar tudo? Apresentamos ainda alguns pontos positivos expressos pelos directores de CFAE’S da região Norte, nomeadamente: -É importante a formação disponibilizada àqueles que vão abordar novos programas, pois contribui para a aquisição de competências necessárias a uma abordagem mais adequada e reflectida dos novos programas. - Os professores que frequentaram este tipo de formação fizeram-no de forma empenhada. - A capacidade de resposta dos Centros de Formação de Associação de Escolas permitiu uma desmultiplicação aceitável. Por outro lado, foram assinalados como pontos negativos os seguintes: MAT-A 12º A F 1 30 1 22 1 27 1 15 1 20 1 12 2 28 1 1 10 MAT-B 11º A 1 MACS 11º F A F A F A 1 11 1 14 1 15 10 1 24 18 28 1 15 24 206 3 37 3 36 3 54 Total Nº Form F 12 1 1 Total Nº Acções 8 1 1 Fisi/ Quím 11º TIC 10º 18 4 96 3 44 2 39 10 214 6 118 5 53 8 132 8 174 5 72 51 942 293 Uma Acção de Formação na Ilha da Madeira Fátima Gonçalves Escola Básica e Secundária Santa Cruz – Madeira Nesta terra perdida no oceano, onde os tentáculos seguradores da estranha forma de democracia existente se apresentam sob as mais diversas formas e feitios em cada esquina ou instituição, tudo pode acontecer. Tanto podemos encontrar alguém perfeitamente honesto que nos informe da possibilidade ou não de um determinado projecto avançar, como um projecto apresentado pode, por acaso ou milagre, perder-se em alguma gaveta sem fundo. Aqui, como em toda a parte “adivinhar é proibido”, no entanto, é bom reservarmos uma boa dose de cautela e energia, sempre que pretendamos fazer algo diferente, ainda que esse algo possa ser de grande utilidade e importância. Tudo isto para dizer que, movidos pela grande vontade de contribuir para que algo mudasse para melhor no que se refere ao respeito e bem-estar animal, na ilha da Madeira, alguns professores, um advogado e uma veterinária decidiram juntar-se e elaborar um projecto. Assim, munidos da respectiva informação e formulários, combinaram, reuniram-se, discutiram e fizeram nascer no papel aquilo que, a partir dali, daria apenas o agradável trabalho de implementar e avançar, o que seria feito com todo o prazer e empenho – A Acção de Formação na Modalidade de Projecto: “Os Direitos dos Animais, Uma Problemática a Investigar”. Acontece que, na Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, Capitulo IV, Artigo 14º, pode ler-se: “As partes comprometem-se a encorajar o desenvolvimento de programas de informação e de educação para promover, entre as organizações e indivíduos… a tomada de consciência e o conhecimento das disposições e princípios da presente Convenção ...”, o que significa que há uma orientação comunitária para que seja dada formação e informação no que se refere aos direitos dos animais. Qualquer indivíduo com capacidade de pensar sabe que uma parte significativa dessa formação e informação pode perfeitamente, sem qualquer prejuízo mas com enriquecimento dos conteúdos programáticos das diversas disciplinas, ser implementada nas escolas, pelo que o projecto atrás referido vai de encontro a esta orientação comunitária. Acontece porém que foram muitas as dificuldades encontradas para que pudéssemos avançar com o nosso projecto. E, se não foi fácil fazê-lo chegar até ao Conselho Cientifico-Pedagógico de Formação Continua de Professores, para que lhe fosse dada a devida acreditação, não foi igualmente fácil iniciar a sua implementação. E as dificuldades ainda não acabaram. Para chegarmos até aqui foi necessário força e perseverança. Foi sobretudo necessário capacidade suficiente para não parar perante um “Não”, seguir em frente, bater noutra porta, e continuar seguindo até conseguir. Foi preciso atravessar o mar para encontrar uma porta que se abrisse, que nos ajudasse, que desse credibilidade ao nosso projecto, pegasse nele e o implementasse. Essa porta foi o Centro de Formação Francisco de Holanda; entidade que, à distância, está a fazer o magnífico trabalho 294 de implementar na Madeira, para um grupo de professores de várias escolas, a Acção de Formação na Modalidade de Projecto: “Os Direitos dos Animais, Uma Problemática a Investigar”. Perante todo este cenário e apesar de, segundo informação obtida, “se ter chegado à conclusão politica de que na Madeira não deveriam existir Centros de Formação de Associação de Escolas”, acho que seria exactamente esta a solução para que futuros projectos válidos pudessem encontrar cá viabilidade. Ainda mais que com o anunciado esgotar do financiamento do PRODEP para a Formação Contínua de Professores em 2006, terão de ser as escolas a suportar este tipo de despesas. Já que assim terá que ser, porque não dar-se às escolas a possibilidade de organizarem-se de modo a serem elas mesmas Entidades Formadoras? 295 Formação para Opositores a Concurso de Chefes de Serviços de Administração Escolar Como Desenvolver Competências para Corresponder a Futuras Exigências? Angelina Vidal de Sousa Carvalho Funcionária dos Serviços Administrativos No futuro, as pessoas irão passar por períodos da sua vida laboral em actividades diferentes, por isso terão que permanentemente actualizar a educação/formação, de modo a ficarem aptas a desempenhar diferentes papéis e a assumir novas funções exigidas pelas oportunidades de trabalho que forem surgindo. No futuro, as pessoas terão que se adaptar ao modelo de vida em que o tempo de formação alterna com os tempos de produção e lazer. Tradicionalmente, partia-se do princípio que aquilo que se tinha aprendido na escola assegurava uma qualificação para toda a vida. Na realidade, nenhuma “bagagem” inicial assegura, hoje em dia, essa qualificação, porque muito daquilo que se aprendeu tornar-se-á obsoleto no posto de trabalho dentro de um espaço e tempo relativamente curtos, e portanto terá que ser alargado ou totalmente reaprendido. Os Centros de Formação devem criar estratégias adequadas para uma formação permanente que melhore continuamente as competências dos trabalhadores, de forma a serem competitivas e inovadoras. Esta aprendizagem não se aplicará apenas a competências “profissionais”, mas ainda mais acentuadamente às qualidades pessoais essenciais relacionadas com a criatividade, comunicação, trabalho em equipas, iniciativas e solidariedade. Para nós, funcionários públicos, a mudança de carreira é um objectivo desejável! Quando da publicação do Decreto-Lei n.º 184/2004 de 29 de Julho, o principal objectivo do Centro de Formação da Escola Secundária de Francisco de Holanda, onde me encontro inserida, foi dotar os assistentes de administração escolar de meios que lhes permitissem uma maior eficácia, no trabalho, como Chefes de Serviços de Administração Escolar. Cada vez mais se nota uma maior preocupação pelo desenvolvimento de acções e estratégias pedagógicas diferenciadas, que auxiliem os funcionários não docentes a tornarem-se mais competentes em comunicação interpessoal e em criatividade. Com efeito, numa época em que os conhecimentos e as próprias profissões se desactualizam rapidamente, é necessário que os Cursos de Formação respondam às exigências de preparar os indivíduos para continuar a aprender. Deste modo, um bom formando é aquele que é capaz de tomar decisões cada vez mais competentemente. A formação é parte integrante do desenvolvimento do ser humano. É um modelo de aprendizagem. Não se limita a incentivar a aprendizagem pessoal, mas também o ambiente dos serviços no qual os indivíduos estão integrados. A formação irá portanto mudar o comportamento da pessoa, independentemente do facto de ela se poder sentir apreciada, criticada, ameaçada ou apoiada. Foram-nos “leccionados” seis conteúdos programáticos, num total de 165 horas: tudo o que foi dito permitiu que reflectíssemos um pouco sobre mudanças de atitude do “líder”/chefe de 296 serviços de administração escolar, que são essenciais para promover nos colegas a vivência de diversas situações. Os objectivos foram prosseguidos e as dificuldades ultrapassadas; as informações foram assimiladas e transmitidas. Estamos prontos a assumir a “liderança”… apenas aguardamos, com ansiedade, a abertura do Concurso para Chefes de Serviços de Administração Escolar. 297 Acções de Formação para os Novos Programas do Ensino Secundário – Um Balanço da Colaboração entre a DGIDC e os CFAE Luís Pereira dos Santos Chefe da Divisão de Formação da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular PQND do 4º Grupo A A introdução de novos paradigmas de ensino e de aprendizagem associados à implementação dos novos programas no ensino secundário, como em todo o processo de intervenção no currículo, carece da implementação de sistemas de apoio, de acompanhamento e de avaliação dos impactos reais destas intervenções no sistema educativo. Para além de se dever, obviamente, considerar outros sistemas de acompanhamento e de avaliação do currículo, certamente imprescindíveis, e tendo em conta que a Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC) é a entidade responsável pelo desenvolvimento curricular e pela elaboração dos programas, estas intervenções requerem inequivocamente uma participação activa e interventiva desta Direcção-Geral na formação contínua de professores. No âmbito da actuação da DGIDC, a formação de professores tem duas funções essenciais, nomeadamente, constituir-se ela própria como um apoio à introdução dos novos planos curriculares e respectivos programas, funcionando como um importante auxílio na sua interpretação e posterior implementação por parte dos docentes, permitindo um menor distanciamento entre o currículo intencional e o currículo real, bem como fazer parte de um programa, mais abrangente, de acompanhamento e avaliação do impacto da introdução dos novos programas. As acções de formação promovidas pela DGIDC, relativas aos novos programas do ensino secundário, têm como formadores os próprios autores dos programas. No entanto, para que este esforço de encontro entre professores e programas se torne efectivo, parece-nos essencial que esta formação possa chegar ao maior número de docentes possível e que abranja um espectro geográfico muito alargado. Neste sentido, foi criada, em articulação com os Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE), uma estratégia de desmultiplicação desta formação, que tem vindo a ser seguida nos últimos dois anos, e que pretende apoiar-se na larga experiência na área da formação de professores e na grande implantação e intervenção ao nível dos próprios estabelecimentos de ensino, características destes Centros de Formação de Associação de Escolas. Assim, estas acções de formação foram pensadas com uma estrutura composta por duas fases de formação. A 1ª fase é promovida pela DGIDC e foi concebida para funcionar como formação de formadores. Estes formadores são indicados pelos CFAE pertencentes às cinco Direcções Regionais de Educação, os quais, por sua vez, numa 2ª fase, são os responsáveis pela desmultiplicação da formação a nível de cada região para o maior número de docentes possível. Com esta estratégia, pretende-se que a DGIDC actue mais como um parceiro definidor das 298 necessidades de formação de professores ao nível dos novos programas do ensino secundário e menos como entidade formadora per si, papel por excelência atribuído aos CFAE. Esta estratégia de estreita articulação entre a DGIDC e os CFAE, apesar de ter algumas virtudes e de ter um papel importante na disseminação desta formação, tem vindo a enfermar de alguns problemas de difícil resolução, nomeadamente: a dificuldade dos Centros de Formação assegurarem um número mínimo de formandos para que as acções de desmultiplicação possam funcionar, tendo em conta que a formação de professores não é, nem deverá ser, compulsiva; as eventuais diferenças entre a formação dada pelos autores dos programas e a formação desenvolvida pelos formadores ao nível dos CFAE e as dificuldades de programação atempada das acções de formação a nível central, o que tem implicações no financiamento para a desmultiplicação destas acções. A primeira dificuldade enunciada entronca no facto de os professores considerarem as acções de formação para os novos programas como pouco significativa para a melhoria do seu desempenho profissional. É dever dos serviços centrais do Ministério da Educação, em conjunto com os Centros de Formação e as Direcções Regionais, demonstrar aos docentes em geral a enorme relevância de que se revestem estas acções de formação, integradas como estão num processo complexo de uma revisão curricular. No sentido de minorar esta dificuldade, além de outras iniciativas, foi enviado um ofício circular às escolas, em Junho de 2005, no qual se explicitavam os objectivos desta formação e se referia a importância do envolvimento das próprias escolas e dos seus órgãos de gestão na sua divulgação. Por outro lado, a realização das desmultiplicações no início do ano lectivo contribuiu da mesma forma para a desmobilização dos formandos. Relativamente à segunda dificuldade enunciada, foi feito uma grande esforço no sentido de minimizar as diferenças entre as acções de desmultiplicação e as acções da primeira fase de formação, desenvolvidas pelos autores dos programas. Para isso, os Centros de Formação tiveram o cuidado de seleccionar, para esta primeira fase, formandos com grande experiência de formação nas suas áreas específicas e que tivessem já participado nestas acções em anos transactos. Relativamente às dificuldades de financiamento das acções de desmultiplicação, é de enaltecer o enorme esforço de gestão, por parte dos CFAE, dos recursos financeiros atribuidos pelo PRODEP III, no sentido de viabilizarem a realização do maior número possível destas acções em todo o país, já que não houve possibilidade de recorrer a reforço de verbas a meio da execução dos planos de formação. É de realçar também a actuação rápida e eficaz dos CFAE na implementação no terreno da desmultiplicação desta formação. A título de exemplo são apresentados os dados quantitativos preliminares relativos à realização das acções na 1ª fase da formação a nível nacional e também os dados relativos à desmultiplicação das acções de formação somente para a região Norte, ambas para os novos programas do ensino secundário. Os dados relativos às demais regiões ainda não se encontram disponiveis. 299 N.º Turmas Realizadas na 2ª Fase (Norte) N.º Formandos Inscritos na 2ª Fase (Norte) 42 6 88 2 50 3 59 Novos Programas de Francês do 12º Ano 1 32 3 27 Uma Abordagem ao Novo Programa de Física do 12º ano 3 76 6 99 Actividades Práticas e Actividades de Sala de Aula no Novo Programa de Química do 12º ano 3 78 9 188 Programa de Português para o Ensino Secundário: Encontro Nacional 3 87 15 238 Desenvolvimento do Programa de Matemática B para o Ensino Secundário - 11ºano 1 32 3 37 Desenvolvimento do Programa de Matemática Aplicada às Ciências Sociais para o Ensino Secundário - Módulo 2 1 30 4 42 Implementação Didáctica do Novo Programa de Matemática A do 12ºano 1 38 12 231 O Novo Programa de Biologia do 12º ano 3 79 5 80 O Novo Programa de Geologia do 12º ano 2 50 0 0 22 594 66 1089 N.º Turmas Realizadas na 1ª Fase N.º Formandos Inscritos na 1ª Fase Trabalhar com os Novos Programas de História do Ensino Secundário 2 As TIC numa Perspectiva de Trabalho de Projecto Designação da Acção de Formação TOTAL Como se pode verificar o número total de docentes abrangidos pelas acções de desmultiplicação é ainda bastante insatisfatório, tendo em conta o universo de professores que se encontram no presente ano lectivo a leccionar as disciplinas do 12º ano. Apesar de tudo, o balanço final é considerado bastante positivo pelos vários intervenientes em todo este processo, dada a dimensão nacional deste projecto de formação e as dificuldades daí inerentes. Fica, sem dúvida, a noção de que sem a boa articulação e colaboração existente entre a Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular e os Centros de Formação nada disto seria possível e que, apesar das dificuldades do processo, valeu a pena o esforço de todos nós, no sentido de contribuirmos para uma efectiva mudança dos paradigmas educacionais e de tornar as práticas pedagógicas mais adequadas às novas exigências da nossa sociedade. 300 Para o próximo ano de 2006, a Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular elaborou um plano de formação com uma nova visão estratégica, de forma a integrar uma outra dimensão às acções de formação promovidas por esta Direcção-Geral nos últimos três anos, o acompanhamento dos docentes/formandos ao longo do ano lectivo, ou parte do ano lectivo, nas suas actividades curriculares relacionadas com os novos programas do ensino secundário, ou seja, um acompanhamento mais próximo da realidade das escolas e dos docentes, no sentido de monitorar para corrigir, num clima de colaboração. É certo que esta nova estratégia não permitirá abranger um número muito elevado de professores, permitirá, no entanto, acompanhar mais de perto alguns docentes, contribuindo, assim, esta formação, para criar uma rede de formadores, por forma a que esta possa posteriormente ser desmultiplicada, nos anos seguintes ao nível dos CFAE. Neste sentido, são propostas, para o plano de formação da DGIDC de 2006, acções de formação cujas modalidades de formação são mais adequadas para a consecução dos objectivos referidos, ou seja, Cursos de Formação para os programas que vão entrar em vigor no ano lectivo 2006/2007, nomeadamente, para as disciplinas de especificação dos cursos tecnológicos, e Oficinas de Formação para acompanhamento e avaliação dos programas que já se encontram em vigor, bem como do seu impacto nas práticas pedagógicas. Deste modo, por forma a dar consecução às prioridades definidas superiormente para a formação contínua de professores, a DGIDC assume-se como entidade promotora de acções formação em áreas intimamente ligadas ao desenvolvimento curricular, ou em áreas de apoio ao currículo consideradas prioritárias, estratégicas ou carenciadas, e também para as quais os Centros de Formação de Associação de Escolas não dispõem de oferta formativa a nível local, a saber: Requalificação dos docentes do 1º ciclo do ensino básico (gestão curricular, ciências experimentais, Estudo do Meio e Português); Revisão curricular do ensino secundário (formação, acompanhamento e monitorização relacionadas com os novos programas para o ensino secundário); Ensino artístico especializado; Ensino do Português no Estrangeiro; Necessidades educativas especiais; Orientação escolar e profissional; Rede de Bibliotecas Escolares. Não gostaria de terminar sem antes fazer uma grata referência à colaboração prestada pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua no processo de acreditação das acções da 301 DGIDC para todos os CFAE envolvidos na desmultiplicação das acções para os novos programas do ensino secundário, tornando efectivamente fácil o que aparentemente seria difícil. Do mesmo modo, gostaria de enaltecer o grande espírito de compreensão e de colaboração da Estrutura de Apoio Técnico do Norte do PRODEP na execução, sempre difícil, do plano de formação da DGIDC. Foram realmente inexcedíveis. Por último, um merecido agradecimento a todos os CFAE envolvidos neste processo, e um agradecimento particular aos Representantes Regionais dos CFAE que tudo fizeram para que, apesar das limitações e dificuldades existentes, este processo pudesse ser uma realidade. Bem haja. 302 Diferentes olhares sobre o Centro de Formação Francisco de Holanda A Voz dos Consultores O CFFH, ao longo da sua história, teve vários Consultores de Formação. Fomos solicitar-lhes que nos respondessem a algumas questões relacionadas com a Formação. 1. Considera que o Centro de Formação Francisco de Holanda desenvolve uma política de formação que lhe dá uma identidade própria? Sim. Sobretudo pela coerência desse mesmo plano, dado que é seu timbre proceder a um sempre necessário levantamento de necessidades de formação, consolidando melhor os planos de formação que propõe. A acrescentar aos planos de formação, surgem outras iniciáticas muito interessantes que optimizam as políticas e as práticas de formação do Centro. Falo, por exemplo, do seminário temático anual e do excelente projecto da revista Elo. Penso que, por tudo isto, se trata de uma política global de formação que procura não só estar o mais próximo possível dos públicos, como também privilegiar – as escolas e seus actores - promovendo políticas e práticas de formação devidamente contextualizadas e articuladas com as realidades a que se destinam. 2. Os Planos de Formação que conheceu eram coerentes com a política de formação estabelecida pelo Centro? Sim, plenamente. Até porque esses planos de formação são, em si, um dos principais elos definidores do espírito e do dinamismo educativo e formativo do Centro. Eu diria que os próprios planos se têm mostrado espaços e momentos promotores e definidores de toda uma política de formação levada a cabo pelo Centro. 3. Quais os principais constrangimentos (internos e externos) ao desenvolvimento do(s) Plano(s) de Formação que acompanhou? Primeiro que tudo, penso que a principal limitação terá a ver com os orçamentos limitados e, portanto, limitadores de algumas das iniciativas do Centro. Contudo, muito por força do seu Director, tem conseguido atenuar esses constrangimentos, procurando, sempre e incansavelmente, estar atento e desenvolver um dinamismo adequado aos desafios que se vão colocando ao Centro que, em si mesmo, surge como uma importante estratégia de desenvolvimento e promoção. Uma estratégia que, aliás, tem conseguido mediar muito bem os limites daqueles constrangimentos e a necessidade absoluta de promover e desenvolver o Centro. 4. Como caracteriza a dinâmica e o trabalho dos vários órgãos/assessorias que constituem o Centro? Trata-se, sem dúvida, de uma dinâmica extremamente activa, coesa, motivada e muito fiel aos princípios e pressupostos que definem a política de formação do Centro. Entusiasmo, motivação, competência e trabalho são os termos que melhor definem a dinâmica interna e externa do Centro, e, em particular, do seu Director. 5. O que pensa do actual modelo de Formação de Professores? 303 Muito poderíamos dizer do actual modelo de Formação de Professores, desde a sua dimensão inicial à sua dimensão contínua. E é esta última que aqui interessa referir em particular. Trata-se de um modelo de formação que serviu os seus objectivos durante algum tempo. Contudo, precisa de ser revisto do ponto de vista estrutural e operacional. Ou seja, necessita de uma nova estrutura capaz de introduzir um novo regime formativo que, em termos de formação contínua de professores e educadores, envolva estes actores nos seus processos de hetero e autoformação de uma forma mais consequente e mais positiva, dotando assim, o modelo de formação de capacidades para mobilizar mais os professores, a fim de promover, enriquecer e valorizar a profissão docente. Operacional, no sentido de o tornar mais significativo enquanto processo que visa o desenvolvimento/promoção de competências e aptidões profissionais que possa, de facto, contribuir para valorizar a profissão docente, seja do ponto de vista político-administrativo, profissional, seja organizacional, social e cultural. Penso que está a ser ultrapassado pelo próprio evoluir da profissão, da escola e da sociedade. Serviu no passado mas é preciso reformulá-lo. Fernanda Araújo 1. Considera que o Centro de Formação Francisco de Holanda desenvolve uma política de formação que lhe dá uma identidade própria? Na medida em que tem tido como preocupação fundamental centrar as necessidades de formação nas escolas, o CFFH espelha a identidade própria do território educativo que abarca. É uma identidade que é reconhecida já não só a nível local, como regional e mesmo nacional, o que se deve em grande parte ao modo como esta aproximação vem sendo levada a cabo, num trabalho de organização e gestão que me parece exemplar. 2. Os Planos de Formação que conheceu eram coerentes com a política de formação estabelecida pelo Centro? Creio que sim, pelo menos a nível de princípio. A nível prático, tal coerência nem sempre era tão visível dados os constrangimentos inerentes ao próprio paradigma de formação, onde o distanciamento efectivo entre formandos e centro continua uma realidade, o que faz com que a carteira de acções e formadores se distancie muitas vezes das escolas e das reais necessidades. Tal, no entanto, não pode, em meu entender ser imputado ao centro que, neste domínio, pelo menos enquanto fui consultor, primou por procurar a aproximação que o modelo em si próprio inviabiliza ou dificulta. 3. Quais os principais constrangimentos (internos e externos) ao desenvolvimento do(s) Plano(s) de Formação que acompanhou? O principal constrangimento advém do próprio modelo de formação que, ao distanciar o local e tempo de formação do local e tempo de trabalho, cria um hiato nas reais necessidades e interesses. Por outro lado, a vinculação da formação à obrigatoriedade de créditos para progressão na carreira é outro constrangimento inerente ao modelo, o que faz com que se procurem acções de formação fundamentalmente pelos créditos, servindo o formador, os processos de avaliação das acções e a própria possível dificuldade das mesmas como condimentos adjacentes. 304 A nível interno a falta de recursos físicos, humanos e financeiros apresentam-se como reais constrangimentos que só um trabalho devotado e consciencioso tem permitido minimizar. 4. Como caracteriza a dinâmica e o trabalho dos vários órgãos/assessorias que constituem o Centro? Creio que tem havido uma boa coordenação, embora, em meu entendimento, por vezes o trabalho surja demasiado centralizado no coordenador. 5. O que pensa do actual modelo de Formação de Professores? Desactualizado, inconsequente e incapaz de responder eficazmente ao que se deve esperar de uma formação contínua que mais não é do que uma das vertentes da educação permanente dos professores, enquanto cidadãos e enquanto profissionais. Victorino Costa A ex-Consultora de Formação do CFFH Adília Sousa faz um olhar sobre o passado e perspectiva e o futuro da Formação Contínua tendo sempre presente como pano de fundo o Centro de Formação Francisco de Holanda, a partir da sua experiência como Consultora deste Centro de 1 de Setembro de 2004 a 29 de Julho de 2005. Os seus olhares não aparecem fraccionados de acordo com as questões colocadas, mas antes, mescladas num todo coerente. Um Olhar sobre o passado …perspectivando o futuro… Em 2004, quando iniciámos a função de Consultora de Formação, embora sem experiência nesse domínio, já havíamos aprofundado, naturalmente, algum conhecimento teórico sobre a Formação Contínua de Professores. Muitos paradigmas e muitos conceitos invadiam o nosso quotidiano no contacto profissional com os docentes. Apraz – nos, neste momento da nossa reflexão, apresentar a leitura que fazemos sobre a Formação Contínua de Professores. Na nossa opinião, a formação contínua de professores tem sido desenvolvida de um modo questionável, não por ineficácia dos seus intervenientes directos, mas sim por ausência de uma verdadeira política integrativa da acção. Cada vez que são anunciadas alterações no sistema educativo, sentem-se as pressões administrativas e políticas para que as inovações sejam implementadas com maior celeridade na esperança de que os seus resultados se tornem visíveis na opinião pública. A formação contínua de professores acaba por sofrer os efeitos da catarse do sistema, misturando –se, no mesmo saco, as questões relacionadas com o sistema de avaliação dos docentes (que decorrem da acumulação de unidades de crédito atribuídas nas acções de formação), com a redefinição do modelo de financiamento dos centros de formação (as verbas devem ser transferidas directamente para as escolas e não para os centros de formação) e, simultaneamente, com os resultados de investigação que surge no âmbito da avaliação da formação contínua. Obviamente que não pretendo desvalorizar nenhum destes elementos. O que acontece é que, na nossa perspectiva, urge separar as questões relativas à promoção da qualidade do ensino (onde incluo a formação contínua) dos problemas associados à avaliação do desempenho dos professores (com destaque para os requisitos para a progressão na carreira docente). 305 Um dado inquestionável é que a formação contínua dos professores tem tido uma natureza fragmentada. Como referem Fullan e Hargreaves (2001), muitas das iniciativas da formação contínua tratam o professor como um ser parcial, não como um todo. São iniciativas impostas do topo para a base, ignoram as diferentes necessidades dos docentes e desprezam os anos de experiência, o género, o estádio da carreira e da vida dos professores. Desejávamos ver adoptado um quadro de referência que incorporasse estes aspectos: os propósitos do professor, a sua pessoa, o seu contexto e a sua cultura de ensino. Há que perceber que tipo de contexto tem maior probabilidade de apoiar o crescimento e o desenvolvimento do professor, tendo em conta as suas intenções através do respeito pela sua pessoa, fazendo com que os docentes tenham a capacidade de responder aos desafios suscitados pelo ambiente mais global. Os professores são integrais e necessitam de escolas integrais para se desenvolverem e aperfeiçoarem. Se a formação contínua dos docentes ficar indiferente a esta evidência, corre o risco de se esvaziar de sentido, tornando-se prescindível. E, enquanto não houver vontade de corrigir esta trajectória, continuaremos a caminhar em sentido contrário. Neste trajecto desajustado, desejamos que o percurso seja circular para que o tempo nos ofereça uma segunda oportunidade. Como Consultora de Formação no CFFH, a abertura à crítica foi uma excelente forma de partilhar valores, saberes e práticas, tendo a humildade de querer aprender, com outros, nos pedaços do dia – a – dia. É por isso mesmo que pensamos que tal experiência foi muito gratificante, porque promoveu o desenvolvimento de um projecto pessoal, capacitando-nos para gerir a mudança com valentia cívica, sabendo que as ideias lineares e as generalizações fáceis não favorecem utopias pedagógicas e reconstruções socioculturais. Neste sentido, gostaríamos de partilhar convosco algumas reflexões sobre as nossas vivências pessoais e profissionais, abrindo caminho para novos olhares sobre a formação contínua, acreditando que é possível dar sentido às perplexidades e incertezas que acompanham a reconstrução e reestruturação da profissão docente. Desde muito cedo que o Centro de Formação Francisco de Holanda, à semelhança de muitas outras instituições com responsabilidades na formação do quadro docente, revelou considerar que as fronteiras do conhecimento se vão alargando e que cada profissional de ensino deve possuir sólidos conhecimentos científicos considerados basilares e estruturantes, que deve ser capaz de os analisar, integrar e, de uma forma simples, os tornar acessíveis aos seus alunos. Uma análise e reflexão sobre a política de formação desenvolvida pelo Centro permite inferir duas grandes linhas de preocupações. Em primeiro lugar, existe uma preocupação legítima com a elaboração e regular reestruturação dos planos de formação e, em segundo lugar, existe uma preocupação com a articulação cuidada desses planos de formação com a política de formação. Na nossa perspectiva, não tem sido nada fácil para o CFFH dar visibilidade à gigantesca tarefa de articular tais preocupações com a acção interventiva na formação contínua. Existem dificuldades de diversa natureza, nomeadamente, física (porque as instalações são exíguas), humana (porque os recursos são poucos) e, naturalmente, financeira que obstaculizam, por um lado, a investigação desejável no sentido de apurar as reais necessidades de formação e, por outro lado, a implementação de alguns planos mais arrojados. Todavia, assistimos a um esforço cada vez maior no sentido de dar resposta às solicitações que cada vez mais têm sido dirigidas ao Centro, nos últimos anos. Basta, para tal, estarmos atentos ao aumento do volume da formação realizada. Pensamos que, foram definidas, com consciência crítica e rigor, metas de trabalho e com base nelas se organizaram e se orientaram planos de actuação/intervenção contextualizados. Estamos convictos 306 de que foi possível contribuir para que se criassem momentos de partilha, de reflexão e de discussão. Enfatize – se, aliás, a este respeito, a qualidade, a dinâmica e o trabalho dos vários órgãos/assessorias que constituem o Centro. Estamos convencidos de que se promoveram elevadas competências de carácter científico, pedagógico e interpessoal. Estamos igualmente convencidos de que com o conjunto de acções oferecidas se promoveram atitudes positivas ao nível da relação humana, pedagógica e deontológica, revelando os formandos espírito de ajuda de uns para com os outros, de compreensão perante algumas falhas inevitáveis, partilha de saberes, preocupações, etc. e envolvimento nos trabalhos que lhes foram propostos. Não possuindo ideias acabadas sobre a formação dos professores, colhemos uma valiosa lição: consumir ideias e práticas sem criar espaços e tempos de diálogo e reflexão crítica sobre a realidade, não permite desenvolver projectos de formação contextualizados que criem alternativas (soluções) para os problemas pessoais, profissionais e sociais dos professores, das escolas e da sociedade em que vivemos. É, pois, na reflexão crítica sobre diferentes concepções, modelos e práticas de formação, desenvolvimento e aperfeiçoamento que outra formação é possível. A formação tem consubstanciado um dispositivo importante na profissionalização da função docente, mas nem sempre tem sido desenvolvido da melhor forma. Alguns indicadores de tal realidade são, por exemplo, o seu desajustamento às necessidades contextualizadas que corporaliza um “isomorfismo” entre a teoria e a prática, a falta de coordenação e de uma avaliação criteriosa dos projectos formativos, a fragmentação de competências e de conhecimentos, a desvirtuação da formação pela associação à aquisição de créditos, o desfasamento operacional entre a teoria (discurso construtivista) e a prática (modelos aquisitivos) e a mercantilização de que está imbuída. Em paralelo com a referida situação, os discursos oficiais da política educativa têm apelado cada vez mais a uma mobilização de competências por parte dos professores, no sentido de implementar e gerir inovações e mudanças. Esta mobilização de competências tem originado um investimento na formação inicial e contínua de professores, orientado para especializações em diversas áreas da Educação, tentando-se responder às mais diversas situações escolares, advindas da existência da grande heterogeneidade dos alunos e das constantes transformações sociais verificadas. Torna-se fundamental, na profissionalização docente, substituir os modelos de formação padronizados e escolarizados (normalmente caracterizados por uma passividade do professor/aluno) por situações de formação activas, socializadoras e contextualizadas onde, pela prática, o professor/aluno treine as suas apetências e competências. Como focaliza Hargreaves (1994), urge criar oportunidades de desenvolvimento contextualizado e significativo, porque o papel do professor não pode ser reduzido ao de um mero executor/implementador de directrizes que lhe são fornecidas por outrem. Interessa acima de tudo, atribuir aos professores uma autonomia que potencie o aparecimento de mais responsabilidades que ultrapassam a simples execução. Como escreve Day (2001:17): “os professores não podem ser formados( passivamente). Eles formam-se (activamente). É portanto, vital que participem activamente na tomada de decisões sobre o sentido e os processos da sua própria aprendizagem”. Uma formação limitada, insignificante e descontextualizada jamais poderá conduzir a um envolvimento afectivo e responsável do professor. Todo o desenvolvimento curricular postula a existência de projectos formativos que operacionalizem uma (re) significação valorativa de saberes e de competências profissionais (Flores, 1998). Perante esta nova realidade, desejavelmente, processual e contextualizada da formação, a preocupação prende-se, agora, com o modo de construir 307 as ofertas formativas, de forma a permitir aos profissionais dispositivos de formação que facilitem a aproximação entre as situações de trabalho e as situações de formação. A este propósito Canário (1999:43) citando Bogard, acentua que é fundamental «fazer do adulto não um cliente, mas co-produtor da sua formação (...). Em vez de procurar vender um produto préconfeccionado, torna-se necessário co-produzi-lo com o seu consumidor». No nosso entender, e relativamente à formação inicial de professores, urge aproximar de modo mais significativo as Universidades dos contextos práticos do ensino, ou seja, das escolas. Tal perspectiva formativa está conectada com a necessidade emergente de articular, de modo coerente, a teoria e a prática. A criação de parcerias estratégicas entre as escolas e as universidades (Day, 2001), consubstancia um dispositivo potenciador de uma convergência operacional do “saber-fazer especializado” e do saber-fazer contextualizado. Há muita dificuldade de compreender o valor da teoria e da prática e o que acontece, muitas vezes, é uma hipervalorização de um aspecto em detrimento do outro. Para que haja a superação da dicotomia teoria e prática, a formação do professor deve implicar em criar possibilidades para que, de posse dos conteúdos, estudados a partir de configurações históricas, ele possa compreender a sua prática e, dessa forma, estar instrumentalizado para se apropriar dos saberes, criar novos conhecimentos e realizar novas objectivações. Como afirmaram Oliveira (1996) e Duarte (1993), é na inter-relação entre objectivação e apropriação que se dá o processo de humanização. Vilar (1993:56) reforça esta necessidade ao referir que «os “programas” de formação e aperfeiçoamento dos professores centrados na escola deverão basear-se nos elementos teóricos e práticos decorrentes da experiência docente». Por seu lado, Canário (1995:25) refere-se à necessidade de formação contínua, defendendo que esta deve ser centrada nas escolas, tendo como referência «a identificação de problemas e a construção de soluções singulares a nível local. Esta orientação constitui-se em ruptura com lógicas de formação meramente transmissivas e tecnicistas centrada na mera aquisição de conhecimentos a transmitir, em favor de modalidades contratuais que enfatizam a vertente reflexiva». Pacheco e Flores (1999:126-127) concebem a formação contínua como um «processo destinado a aperfeiçoar o desenvolvimento profissional do professor nas suas mais variadas vertentes e dimensões», encarando-a como uma visão global destinada ao desenvolvimento do professor. Nos tempos agitados de mudança em que os professores se movimentam, importa proceder a uma (re) significação da formação. Tal processo implica uma adequação entre a filosofia da formação e a filosofia da educação, o estabelecimento de um diálogo construtivo entre a “voz” dos professores e os centros de formação e uma reflexão colectiva dos professores sobre a sua profissão (Estrela, 2001). Na nossa perspectiva, actualmente, o principal objectivo da formação contínua deveria consistir em proporcionar aos professores a aquisição de conhecimentos necessários e habilidades que lhes permitissem saber aplicar as directrizes estabelecidas no âmbito das exigências de uma mutabilidade social e que viabilizem o surgimento de uma profissionalidade significativa, truncada por um profissionalismo interiorizado. Também Pacheco (2000: 157) defende que «a reavaliação de perfis profissionais e dos papéis do professor não pode ser entendida sem a valorização de uma abordagem integrada de formação, numa lógica de desenvolvimento profissional permanente». 308 Por seu lado Pardal (1993:50) refere que «os conteúdos dos planos curriculares adequados à formação de professores constitui, desde há muito tempo, um tema que agita os meios responsáveis pela construção daqueles». A necessidade de uma formação promotora do desenvolvimento profissional dos professores deve ter como ponto de partida as reais necessidades dos professores, de forma a valorizar o conhecimento dos formandos e promover a análise e investigação da prática, no sentido de se aumentar a actualização e a valorização do desenvolvimento profissional. A produção científica em torno de questões da profissionalização docente tem destacado a formação reflexiva dos professores. Alarcão (1996) esclarece que, na década de 80, começaram a ser difundidas as idéias de Donald Schön, que despertaram considerações sobre a abordagem reflexiva na formação de professores. A proposta de formação de professores, na perspectiva do professor reflexivo, salienta o aspecto da prática como fonte de conhecimento através da reflexão e experimentação. O papel do formador consiste mais em facilitar a aprendizagem, em ajudar a aprender. Os formadores de professores devem, então, propor situações de experimentação que permitam a reflexão, assim como os professores precisam de reflectir sobre o papel de ensinar. Nesse sentido, Libâneo (1998) esclarece que a tarefa de ensinar a pensar exige do professor o conhecimento de estratégias de ensino e o desenvolvimento de competências de ensinar. O professor necessita, então, de aprender a regular as suas próprias actividades de pensamento e, principalmente, “aprender a aprender”. Na nossa perspectiva, é no pilar “aprender a aprender” que se edificará uma verdadeira (re)significação da formação, conducente a um aumento valorativo da profissionalização docente. É urgente reinventar projectos de formação, onde "a mão invisível" da economia encontre resistência em comunidades reflexivas e solidárias, em que o conhecimento, a cultura, a educação e a formação não sejam regulados pelo mercado, mas ajudem a descobrir a direcção e a fazer o caminho para uma formação diversa e para a diversidade, onde as utopias educativas/formativas cresçam a par com as utopias sociais. E terminamos com uma frase de Drucker (1994:99), que consideramos fundamental para todos aqueles que se movimentam na esfera da Formação Contínua de Professores:“ Aquilo a que devemos aspirar é tornar as pessoas responsáveis. O que devemos perguntar não é “A que deves ter direito”, mas “Deves ser responsável por quê?”. Adília Manuela Faria Ferreira de Sousa 309 A VOZ DE FORMADORES E DE FORMANDOS O CFFH recolheu algumas das opiniões ilustradas nos relatórios de alguns dos formadores e formandos sobre algumas acções realizadas durante o ano de 2005. Ressalta a qualidade da formação oferecida, com repercussões nas mudanças de práticas assumidas pelos próprios formandos. É o que apresentamos nas páginas seguintes. Rosário Ferreira e Glória Cardoso (Formadoras) A acção de formação promovida pelo Centro de Formação Francisco de Holanda, subordinada ao tema Língua Portuguesa: Novos programas, novas abordagens, foi dinamizada pelas formadoras: Maria do Rosário Vieira Alves Ferreira e Maria da Glória Pereira Cardoso, e decorreu entre 26 de Janeiro e 8 de Junho, na Escola Secundária Francisco de Holanda, na modalidade de Oficina de Formação, com 30 horas de duração e com a participação activa de doze formandos. Esta oficina de formação surgiu porque, perante a entrada em vigor dos novos programas de Língua Portuguesa, os professores manifestaram a necessidade de participar numa acção que lhes permitisse construir material para, de uma forma diversificada, desenvolver o programa de forma interactiva e transversal. Assim, os formandos, em sete das trinta horas de formação, tiveram a oportunidade de se familiarizarem quer com os novos programas, quer com alguns recursos multimédia que não só motivam os alunos, como também auxiliam os professores nas operacionalizações dos conteúdos, tanto declarativos como processuais. Então, houve a necessidade de expor detalhadamente os objectivos das vertentes do novo programa: a compreensão e expressão oral, a compreensão e expressão escrita e o funcionamento da língua, tendo-se, depois, organizado actividades/modos de operacionalização de forma a sensibilizar os formandos para as três fases que caracterizam a didáctica de cada um dos domínios acima referidos. Através dos modos de operacionalização concretizados, foi possível demonstrar que o novo programa aponta para uma diversidade de recursos a utilizar, nomeadamente, materiais de imagem e som. As sessões seguintes foram ocupadas com actividades práticas – construção de recursos para os diferentes domínios, a serem utilizados na sala de aula com os alunos e, para tal, a turma foi dividida em grupos de trabalho. A nona sessão foi dedicada à apresentação, reflexão e partilha dos trabalhos de grupo. Desta discussão, sobressaiu a avaliação dos resultados obtidos, aquando da aplicação dos diferentes materiais produzidos. De uma forma geral toda a turma foi bastante participativa, ao longo da oficina de formação, ainda que alguns elementos se tivessem destacado mais pelas suas intervenções. No que respeita ao interesse dos formandos pelo conteúdo da acção, nada há a referir que não seja positivo, tanto mais que os temas estavam directamente relacionados com a prática docente. Na verdade, foi com grande disponibilidade e empenho que produziram todos os trabalhos solicitados. Relativamente à forma como todos os trabalhos se processaram, consideramos que a oficina de 310 formação atingiu plenamente os objectivos visados. A consecução dos mesmos deveu-se a vários factores, concretamente a um clima de empatia imediata entre formadores e formandos, assim como entre estes; a uma dinâmica e ritmo que espontaneamente se criaram; a uma franca disponibilidade para colaborar da parte dos formandos; e à consciência que toda a turma manifestou quanto à importância dos assuntos tratados na acção. Por todas estas razões, consideramos que a acção foi muito boa e correspondeu inteiramente às nossas expectativas, bem como às dos formandos. Não podemos deixar de transcrever, nesta pequena partilha que queremos fazer convosco, as impressões de uma das formandas que, penso, traduz aquele que foi o pensamento generalizado da turma: “A acção de formação Língua Portuguesa – Novos Programas, novas abordagens", realizada entre vinte e seis de Janeiro de 2004 e oito de Junho de 2005, na Escola Secundária Francisco de Holanda, coordenada pelas Dr.as Glória Cardoso e Rosário Ferreira, foi do ponto de vista pessoal, pedagógico e científico, estimuladora e útil, visto que permitiu a elaboração de materiais didácticos com diferentes suportes, de acordo com os conteúdos processuais e declarativos dos novos programas. Assim, a acção iniciou-se com a apresentação de actividades relacionadas com a compreensão oral, a partir do poema Auto-retrato de Alexandre O'Neill e de uma carta de Fernando Pessoa a Ofélia. Este texto foi ainda utilizado para o desenvolvimento da expressão oral. Nesta competência, os formandos, obedecendo a um plano guia, previamente fornecido, explicaram "por que é que nenhuma mulher inteligente (ou homem, conforme o caso) poderia recusar um convite para sair, namorar, ou talvez casar. .. ". Seguidamente, para a leitura, as formadoras apresentaram uma crónica sobre a burocracia, procedendo, para a sua análise às seguintes etapas: pré-leitura, exploração de um cartoon, leitura selectiva, levantamento das expressões relacionadas com o título do texto, leitura analítica, descrição do espaço ao serviço da crítica à burocracia, por fim, como trabalho de pós-leitura um exercício para os alunos praticarem a coesão e a coerência textuais. Relativamente à expressão escrita, à medida que visualizávamos o filme " Sensibilidade e Bom Senso", cada grupo ia registando diferentes aspectos relacionados com o espaço histórico, social, familiar e afectivo. Após a realização desta tarefa, o objectivo seria proceder à redacção de um texto de apreciação crítica sobre o referido filme. Quanto ao Funcionamento da Língua, o trabalho proposto teve como base um soneto de Camões "Aquela triste e leda madrugada", pretendendo-se explorar os tempos e modos verbais através de exercícios de transformação de frases, iniciando-as por determinadas conjunções ou locuções. Gostaria, ainda, de referir que todas estas actividades foram acompanhadas de esclarecimentos sobre o modo como decorreu a sua experimentação durante o decorrer do ano lectivo. As formadoras estimularam, igualmente, a exploração de meios informáticos e audiovisuais disponíveis para a área de Português, fornecendo aos formandos uma série 311 de materiais passíveis de serem utilizados durante as aulas. Após esta primeira etapa, os formandos, distribuídos em grupos, procederam à construção de materiais que abarcassem as diferentes competências. Esta actividade foi enriquecedora e útil, pois enquanto íamos elaborando o material, tínhamos não só a oportunidade de partilhar experiências como também de analisar as reacções dos alunos. Neste ponto, gostaria de salientar que grande parte destes recursos foram aplicados e avaliados durante as aulas. Por último, considero o trabalho desenvolvido ao longo desta acção francamente positivo, já que permitiu a construção de material adequado ao desenvolvimento do novo programa de Língua Portuguesa, bem como a sua aplicação no contexto da sala de aula. “ Helena Gonçalves (Formanda) Acção: Autoridade e Clima de Segurança na Escola: Experiências de Formação Sérgio Parente (Formador) Introdução “Autoridade e clima de segurança na escola”, foi uma formação dirigida para professores de diferentes níveis de ensino, realizada entre Maio e Julho do presente ano. O grupo de formandos, presente neste curso de formação, foi caracterizado pela heterogeneidade das suas experiências profissionais, ou seja, diferentes visões sobre a realidade educativa. As ideias partilhadas permitiram que a formação adquirisse um carácter essencialmente prático e contextualizado ao mundo profissional do referido grupo. Neste sentido, a metodologia foi, essencialmente, de cariz interrogativo e activo, de modo a dar ao espaço de formação uma noção de pertença, tendo em conta a participação dirigida de cada um. Foi trabalhada uma panóplia de temáticas relativas à ideia central da acção, umas com características mais internas, como a gestão de sala de aula, o posicionamento da pessoa do professor face à gestão do espaço, a noção de autoridade ou ainda a relação professor-aluno, em que as assimetrias daqui resultantes podem traduzir um meio de controlo. Os temas com características exógenas e sistémicas também estiveram presentes de um modo transversal, uma vez que não podemos falar de clima de segurança e autoridade sem atendermos à sua dimensão comunitária e familiar. Trabalhar em equipa e atender à qualidade dos níveis de comunicação com estas parcerias constitui um desafio urgente e fundamental de todos nós. As variáveis relacionadas com a (in)disciplina foram amplamente debatidas, como um aspecto assente numa vertente comportamental no sentido da negociação de regras e autoridade, mas adoptando um sentido estratégico. Uma visão construcionista e construtivista também esteve presente, tendo-se dado ênfase a variáveis validadas e reforçadas socialmente pelos diferentes modelos e instituições a partir da noção de rótulo e de significado. Nesta formação, também existiu lugar comum para outras parcerias. A presente acção teve a colaboração parcial de um Comissário da PSP, de modo a partilhar a experiência do projecto “Escola Segura”, assim como outras reflexões pertinentes que o momento suscitou. Daqui, 312 surgiram ideias concretas e importantes sobre o que cada um de nós, como cidadão, pode esperar deste tipo de colaborações. Trabalhar em sistema, seria muito mais funcional ao nível da autoridade, disciplina, segurança e bem-estar, dado que haveria uma convergência negociada das estratégias e, neste sentido, o impacto nas crianças e jovens funcionaria como um bloco em conjunto e não fragmentado. É, também, segundo esta ideia de partilha que, seguidamente, apresentamos algumas transcrições das partes mais interessantes de trabalhos realizados por alguns formandos. O Professor e A Indisciplina na Sala de Aula Fernando Paiva (Formando) Em muitos discursos sobre esta temática, é também relativamente frequente a procura dos culpados, para os poder responsabilizar ou mesmo punir, sejam eles os alunos que “não têm regras”, os pais que “não os sabem educar”, ou os professores que ”não sabem impor a disciplina”. Parece-me, no entanto, bem mais importante procurar perceber as causas de certos comportamentos e atitudes, que são, certamente, muitas e variadas, exteriores e interiores à escola, no sentido de nelas intervir, prevenindo os fenómenos de indisciplina e de violência. (…). A desmotivação dos alunos e o desinteresse explícito por aquilo que se pretende ensinar ou qualquer outro comportamento inadequado, por vezes não são mais do que chamadas de atenção ao professor sobre os seus métodos de ensino ou sobre estratégias de relação na aula. O professor deve ser explícito e justo na negociação do contrato que é feito com os alunos. A alteração das regras pode provocar indisciplina. (…). Uma professora americana, Marva Collins, fez esta distinção: “Ensinar a ler é uma coisa, proporcionar-lhe o gosto pela leitura é outra. E acrescentou, “ pode pagar a alguém para leccionar, mas não para se preocupar com as crianças.” “Bons professores são caros; maus professores, mais caros ainda”. Como observou Derek BoK, se pensa que a educação é cara, procure o custo da ignorância. E todos sabemos que é mais fácil educar uma criança do que um adulto. Um professor não faz milagres e o seu trabalho está dependente de múltiplos factores externos a si. No entanto, não há dúvida que qualquer projecto, qualquer reforma, o trabalho com uma turma difícil que não gosta daquela matéria, o trabalho com um aluno que diz não ter capacidades para aprender, encontra no professor, e só nele, o último e decisivo apoio capaz de fazer acreditar que vale a pena tentar e que a meta não está, afinal, assim tão longe. E é aí que surge o desafio, é aí que toda a força e razão de ser de um professor se pode revelar…ou não. O “ segredo está no professor”. E sob o ponto de vista dos alunos, o que é que eles esperam da escola e do professor, na sala de aula? Nizet e Hiernaux afirmam que “aos olhos dos alunos, o professor não é unicamente aquele que transmite conhecimentos, que mantém a ordem na turma, mas torna-se também a pessoa com quem se pode discutir futebol, a quem se pode confiar problemas (…) A relação torna-se pluri-funcional e mais pessoal”. Assim, ao professor não é apenas pedido que, de acordo com um programa, 313 ministre conhecimentos e técnicas aos alunos e os ajude a crescer numa única dimensão. Os objectivos das políticas educativas das últimas décadas, assim como toda a literatura educacional acentuam o valor das relações humanas no ensino e na promoção da personalidade dos alunos a par da sua formação académica. Há um consenso de que a disciplina não se pode fazer sem trabalho pedagógico significativo. Como dizia alguém, o valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis, e eu já tive professores que me marcaram dessa forma. O ideal seria uma disciplina consciente e interactiva, marcada pela participação, respeito, responsabilidade, construção de conhecimentos, formação de carácter e de cidadania. O “segredo também está no professor”. O professor deve assumir a atitude de quem detém um poder, mas não sabe quando nem quando o vai usar. Se um professor usa em demasia as mesmas armas, acaba por ficar desarmado. O professor deve: reflectir; planificar; cativar e observar… As Relações Assimétricas como Meio de Controlo da Sala de Aula Maria José Pinto (Formanda) Dado que numa sala de aula existe todo um conjunto de interacções resultante de uma actividade visível, muitas vezes também oculta relações interpessoais conflitivas, resultantes da imposição e exercício de poder dos vários actores e às próprias características do contexto “ sumamente normativo” em que se desenvolvem. A desigualdade de poder entre professor e alunos é o traço mais expressivo da estrutura social da sala de aula (…) As interacções que se processam na escola entre professores e alunos estão sujeitas a alguns constrangimentos que podem, em parte, condicionar e explicar muitos acontecimentos nas salas de aula (…) Daqui podemos deduzir que quer os alunos queiram ou não têm obrigatoriamente de ir à escola. A própria expressão “escolaridade obrigatória” sugere que a escola é uma organização não-voluntária (…) Vemos, assim, que o carácter coactivo da interacção entre professores e alunos passa, em primeiro lugar, pela presença obrigatória destes na escola. Outro importante indicador que nos prova a natureza assimétrica das relações sociais numa certa situação educativa é a presença de processos, muitas vezes de forma subtil, que levam a uma categorização ou estigmatização de certos alunos, geralmente depreciativos, que os submetem ao descrédito e a variados graus de rejeição pelos seus pares (…) Sabemos que alguns professores procuram atenuar ou reforçar a diversidade das suas práticas quotidianas pela chamada “hierarquia de excelência escolar” uns felicitando publicamente os melhores, outros estigmatizando os mais fracos (…) Uma outra estratégia é a distância social que muitos professores procuram desenvolver e manter entre eles e os diferentes grupos sociais de alunos. 314 A distância social pode ser considerada uma estratégia severa de controlo social e, também, um outro indicador de assimetria na relação pedagógica, dado que o professor se afirma como superior ao aluno (…) A coacção directa e personalizada e a coacção regulamentar são as duas principais formas utilizadas pelos professores para fazerem valer a sua autoridade (…) A forma como, ao nível do exercício do poder, se processam as relações interpessoais na sala de aula é um importante predictor das perspectivas pedagógicas mais valorizadas. Assim, quando as Escolas pretendem manter os seus alunos ao nível da conformidade, submetendo-os aos seus papéis de subordinados, meros espectadores do processo ensino/aprendizagem, verificámos a existência de relações interpessoais assimétricas em que as tentativas de toda e qualquer evolução para uma posição autónoma para com as expectativas e as regras sociais são, frequentemente, travadas e não favorecidas. Pelo contrário, a passagem de uma concepção assimétrica das relações para uma mais simétrica é, ao nível da sala de aula e mesmo da escola, um indicador evidente do reconhecimento do papel e do poder dos alunos como intervenientes, directos, no seu processo educativo, tornando-os mais participativos, cooperantes e empenhados. Comutandose, deste modo, os ditos comportamentos perturbadores. Investir na Prevenção da Indisciplina Adoptando um Sentido Estratégico Agostinha Costa (Formanda) O professor deverá planificar a aula cuidadosamente – quanto mais eficaz e bem organizada for uma aula, melhor será a motivação, a participação, o comportamento de cada aluno. Tendo em conta que a partir dos trinta minutos, a concentração começa a diminuir, é preciso criar alternativas para captar a atenção, por exemplo, incluir imagens (bizarras, interactivas e cómicas) na preparação das matérias (tendo em conta que temos um cérebro “fotográfico”); trabalhar as estratégias de memorização (que facilitam a aprendizagem); negociar o humor; recorrer à utilização de jogos; mostrar entusiasmo pelas actividades; entre outras. Com efeito, os professores devem insistir em práticas pedagógicas diversificadas, que não fiquem somente presas ao método expositivo mas que apostem na descoberta e na investigação, uma vez que estas tarefas vão activar mais zonas do cérebro, facilitando a memorização. É, efectivamente, deveras importante adequar o método e as técnicas pedagógicas às matérias e aos alunos. Para alunos mais indisciplinados, a utilização dos métodos interrogativo (cuja técnica fundamental é o questionamento sobre as realidades práticas do aluno, apelando para o pensamento através da elaboração de perguntas abertas ou fechadas, dependendo do aluno em questão), activo (por exemplo, trabalhos de grupo ou debates) e demonstrativo (em que o aluno aprende realizando) são mais eficazes porque implicam o aluno, valorizando a sua experiência e/ou o seu saber fazer. O professor nunca deve rotular ou agir motivado por um rótulo. A forma como se olha para um aluno influencia a sua prestação – efeito pigmaleão. A aprendizagem faz-se pela imitação de 315 modelos (figuras significativas para o aluno), logo, se o rótulo for veiculado pelo modelo (professor) o comportamento inadequado tenderá a perpetuar-se. O professor deve procurar centrar a sua atenção nas competências de cada aluno (e não nos sintomas – rótulos), pois mais importante que reduzir sintomas é promover formas de competência. Através da noção de competência, o professor pode influenciar positivamente determinadas figuras importantes na vida do aluno, se conseguir que estes lhe reconheçam alguma(s) competência(s). O relacionamento entre encarregado de educação e educando pode melhorar substancialmente se os pais perceberem competência para alguma coisa nos seus filhos. É preciso que o líder (professor) fale a mesma língua dos alunos, porque só será formalmente aceite se o for informalmente. As actividades extracurriculares como, por exemplo, as visitas de estudo melhoram a relação professor-aluno. No entanto, o aluno tem que reconhecer no professor a autoridade que advém do reconhecimento não só da competência como da “distância institucional” conjugada com a proximidade afectiva. Disciplina e Liberdade Maria Madalena M. Ribeiro (Formanda) Etimologicamente a palavra “autoridade” provém de um verbo latino augeo que significa, entre outras coisas, «ajudar a crescer» e não mandar. A autoridade educativa deveria cumprir a função de ajudar a crescer os membros mais jovens, educá-los para serem adultos e não para continuarem a ser crianças. Para tal, é necessário que alguém assuma o papel de adulto. Em primeiro lugar esse papel deve ser exercido pela família. O pai que apenas figura como «o melhor amigo do seu filho» ou a mãe como «a irmã um pouco mais velha que a sua filha», constituem pais que se abstêm e se desresponsabilizam de todo o processo educativo e não se constituem como modelos educativos exemplares para os seus educandos (…) Mas, como é que esta autonomia que se pretende desenvolver no aluno, convive com a autoridade e disciplina impostas pelo professor? Na verdade o ensino implica sempre uma certa forma de coacção, de luta de vontades. Como admitir que a via para aprender a ser autónoma passa por uma série de coacções instrutivas pedagógicas? Se a educação implica uma certa imposição e autoridade, destas só nos conseguiremos libertar, mais tarde, pela educação. O objectivo do educador é formar indivíduos capazes de caminharem por si mesmos. Nesta perspectiva, Agostinho da Silva em Sete Cartas a um Filósofo, transmitia ao seu discípulo: «se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças distintas». Não se pode educar o ser humano, sem o contrariar em maior ou menor grau, facto que é diferentemente orientado, tratando-se de uma criança, jovem ou adolescente. Para poder iluminar o seu espírito deve formar-se antes a sua vontade e isso dói, exige trabalho, esforço e persistência. No entanto, esse empenho laborioso e disciplinado é possível e, porque gratificante e compensador a todos os níveis, deve concretizar-se. Não é fácil gerir e orientar tantas vontades, ideias, emoções, expectativas diferentes. O conflito é inevitável, mas não há sociedade humana sem conflitos. O que fazer, então? Prevenir o conflito indesejável e orientar positivamente o inevitável e até 316 mesmo desejável, ou seja, praticar um ensino que se faça respeitar mas que inclua como uma das suas lições necessárias a aprendizagem da irreverência razoável dos jovens, necessária para o desenvolvimento da autonomia individual e do espírito crítico que não aceita tudo como verdade dogmática. Platão na República afirmava: «Não será pois, querido amigo, necessário utilizar a força para educar as crianças; muito pelo contrário, estas deverão ser ensinadas jogando». E eu acrescento que este jogo deverá ser um jogo de mediação e negociação. Trata-se de “jogar” com as inclinações naturais dos educandos, com a valorização e o reforço, com o dar e receber, com a colaboração, com a inovação, com a razão e a afectividade, com as regras, com o valor pessoal e as expectativas sociais, com a intervenção multidisciplinar, com a ignorância e o apetite de saber, etc. Enfim, sinto que a pedagogia é muito mais uma arte que uma ciência, exige ensinamentos, técnicas e estratégias, mas só se aperfeiçoa através do seu exercício diário que muito deve à intuição, bom senso e sensatez daqueles que se aventuram pelos caminhos da Educação e que somos todos nós. A estes, pais, professores, sociedade, em geral, mas também aos jovens educandos, dirijo as palavras do poeta: Recomeça… Se puderes, Sem angústia e sem pressa. E os passos que deres, Nesse caminho duro Do futuro, Dá-os em liberdade. Enquanto não alcances Não descanses. De nenhum fruto queiras só metade. E, nunca saciado, Vai colhendo Ilusões sucessivas no pomar. Sempre a sonhar E Vendo, Acordado, O logro da aventura. És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura Onde, com lucidez, te reconheças. Miguel Torga, Diário XIII, Coimbra, 1983, p. 20 317 ACÇÃO: RECURSOS VISUAIS E AUDIOVISUAIS NO ENSINO- CONSTRUÇÃO E EXPLORAÇÃO DE MATERIAIS PEDAGÓGICOS UMA EXPERIÊNCIA NO ÂMBITO DA FORMAÇÃO CONTÍNUA António Sousa [email protected] e Rui Afonso [email protected] (Formadores) FUNDAMENTAÇÃO Se a informação entra através dos sentidos, importa que na escola a aprendizagem estimule o maior número possível de sentidos da criança indo de encontro à sua natureza multissensorial. É hoje consensual que um aluno que presta atenção retém, aproximadamente, 10% do que lê, 20% do que ouve, 30% do que vê, 50% do que vê e ouve ao mesmo tempo, 80% do que diz e 90% do que diz fazendo qualquer coisa a propósito da qual reflecte e na qual se implica pessoalmente (Rocha, 1988 p. 176). A análise destes dados indica a direcção da aprendizagem. A situação ideal seria proporcionar um contacto directo das crianças com as coisas “físicas” a fim de proporcionar novas experiências, em que o professor funciona como um mediador de aprendizagens. Contudo, esta proximidade nem sempre é possível, pelo que em situação de aprendizagem, poder-se-á recorrer às imagens das coisas ou dos objectos. Como refere Coménio, citado por Rocha (1988, p.177) “Se, porventura, não é possível ter as coisas à sua mão podem-se utilizar os representantes delas, isto é modelos ou desenhos feitos especialmente para o ensino, como já foi ultimamente posto em prática pelos professores.” É neste âmbito que se impõe, em contexto educativo, a integração de meios audiovisuais na sala de aula. Várias seriam as razões que apontam no sentido da necessidade de utilização destes meios, pelo que passamos a referir apenas algumas: despertar a curiosidade e a manutenção do interesse dos alunos; implicar a transformação da relação professor/ aluno num processo mais colaborativo; obtenção de uma maior eficácia pedagógica podendo ser utilizados quer ao nível documental (incorporar na aula a imagem de coisas que de outra forma seria impossível), quer didáctico (clarificando noções e conceitos e organizando-os no espaço e no tempo); concorrem com a pedagogia do verbalismo; permitem melhorar as mensagens transmitidas, que são o ponto de partida do processo educativo. É nesta linha de intervenção que se insere esta acção, constituindo-se como um espaço privilegiado de acção/ reflexão de práticas pedagógicas suportadas pelas tecnologias audiovisuais sustentada por um conjunto de ideias e sugestões práticas relativas à exploração pedagógica de recursos visuais e audiovisuais existentes nas escolas (e muitas vez subaproveitados), com o propósito de dotar os professores de competências técnicas e pedagógicas para a construção e exploração de materiais, nomeadamente, transparências, diapositivos/ diaporamas. Assim sendo, esta acção integra-se nas linhas orientadoras da formação organizada pelo Centro, visando, essencialmente, promover uma prática pedagógica mais actual e motivadora, quer para os alunos, quer para o próprio professor. 318 OBJECTIVOS DA OFICINA/ Efeitos a produzir A Oficina de Formação que desenhámos, teve em atenção o facto de muitos docentes não possuírem uma orientação pedagógica/ didáctica suficiente para a utilização das tecnologias visuais e audiovisuais em contexto educativo, nem competências técnicas para a produção e exploração de materiais pedagógicos. Nessa medida traçamos os seguintes objectivos: • Sensibilizar para algumas das potencialidades dos meios visuais e audiovisuais em contexto educativo; • Desenvolver competências técnicas e pedagógicas que permitam aos professores produzirem materiais adequados ao seu contexto turma, constituindo-se como mais uma estratégia ao seu dispor no processo de ensino/ aprendizagem; • Incentivar os professores a disponibilizar estes recursos aos alunos na produção dos seus próprios materiais; • Fomentar a reflexão e partilha de saberes e experiências como forma de enriquecimento do background de conhecimentos de cada docente. • Suscitar a mudança no desempenho da prática pedagógica dos professores no sentido da produção, utilização e exploração do material produzido. METODOLOGIA IMPLEMENTADA Nesta Oficina de Formação, definimos como metodologia as estratégias que assegurassem dinâmicas activas e que promovessem todo um conjunto de actividades e troca de experiências na construção de materiais pedagógicos, assegurando uma relação mediadora entre a realidade concreta/ experiências dos agentes educativos com os conteúdos da acção e os conteúdos curriculares das diferentes áreas disciplinares, de forma a proporcionar na prática pedagógica o desenvolvimento integral, contínuo e harmonioso dos alunos e indo de encontro às suas expectativas. Assim, numa pedagogia assente no princípio “aprender - fazendo”, em cada sessão eram abordados conteúdos da acção, cuja concretização se fazia no imediato, mediante a realização de exercícios práticos, fundamentados por material documental. Também no início de cada sessão, eram revistas as aprendizagens efectuadas na sessão anterior, com o objectivo de clarificar e sistematizar os conteúdos então abordados. Socorremo-nos da colaboração de outros recursos humanos especializados, nomeadamente aquando do desenvolvimento de conceitos relativos ao som. Para apoio técnico e fundamentação dos conteúdos desenvolvidas nas sessões, foi aconselhada bibliografia específica e distribuídos textos (alguns da nossa autoria) que consubstanciavam os aspectos abordados, constituindo-se, desta forma, como um apoio valioso para o desenvolvimento das actividades propostas, nas sessões presenciais e, essencialmente, não presenciais. Como principais estratégias destacamos: 319 • Troca de experiências entre todos os intervenientes, interligando a prática pedagógica dos formandos com a implementação dos audiovisuais em contexto educativo. • Envolver os formandos no desenvolvimento da acção. • Criar um clima de cooperação entre os formandos/ formandos e os formandos/ formadores. • Proporcionar instrumentos necessários, para que os formandos possam construir e sistematizar o seu próprio saber e saber-fazer. • Construir materiais audiovisuais relacionados com a área curricular de cada formando, a fim de serem testados em contexto educativo. • Reflectir e partilhar de experiências com os colegas, levando-os a equacionar as metodologias mais adequadas de abordagem didáctica. A nossa intervenção no Trabalho final (PROJECTO) consistiu em proporcionar as informações técnicas e pedagógicas/ didácticas necessárias e facilitar um apoio permanente individualizado, para que os docentes conseguissem estruturar e construir materiais audiovisuais de cariz educativo, no respeito pelo seu ritmo e nível de conhecimentos, fazendo apelo à reflexão de aspectos decorrentes da sua elaboração numa lógica de melhorar a apresentação e o conteúdo da mensagem pedagógica. Em síntese, como é normal nesta tipologia de formação, dinamizámos um trabalho de PROJECTO, que consistiu na planificação e construção de materiais audiovisuais, nomeadamente transparências e diapositivos/ diaporamas. Dos debates consequentes, promovemos a avaliação/ análise e reformulação dos materiais construídos, bem como dos resultados com eles atingidos em contexto de aula, em resposta às necessidades previamente sentidas. Da iniciativa dos formandos, resultaram treze trabalhos de PROJECTO, emergentes de diferentes áreas disciplinares o que revela a riqueza e diversidade dos seus conteúdos. AVALIAÇÃO DOS FORMANDOS Os formandos foram avaliados, tendo subjacentes os seguintes critérios: Assiduidade, Grau de Participação no decorrer da OF, Reflexão sobre experiências vividas, nomeadamente aquando da apresentação do trabalho realizado em contexto de aula, Contributos nos Debates/ reflexões sobre a temática, Trabalho de Projecto/ construção de materiais de cariz educativo (transparências, diapositivos/ diaporama) subordinado a um tema da estrutura curricular de determinada área e a Qualidade dos Relatórios individuais. Estes critérios foram apresentados aos formandos sendo, consensualmente, aceites. Quanto ao trabalho de PROJECTO, consideramos que foram desenvolvidos (e implementados em contexto educativo) documentos, na globalidade, de qualidade, com implicações positivas na prática lectiva, podendo inclusive alguns deles, pelo rigor científico, qualidade técnica, clareza e coerência da estrutura do documento e da informação, serem divulgados. 320 Neste sentido apresentamos alguns testemunhos dos formandos decorrentes da realização do trabalho de PROJECTO e sua aplicação em contexto educativo, que acompanham o material produzido: Manuel Moutinho (Formando) “Tudo correu de acordo com a planificação. Os objectivos propostos foram atingidos e pensamos que houve aquisição de competências por parte dos alunos. Foi notória a grande motivação e significativo o grau de aprendizagem” Anabela Oliveira; Belmiro Magalhães; José Abílio (Formandos) “Ajudou a visualizar e a esquematizar objectos de três dimensões a duas dimensões e a relacionar os seus volumes”. Maria Amélia Paredes (Formanda) “Os alunos de ambos os quadrantes (normo-visuais e de baixa-visão) aderiram em pleno e tornouse dinâmica a interacção das interpretações, nem sempre se verificando que os normo-visuais acertavam tacitamente em todas as situações propostas, o que dava ao aluno com défice sensorial um impulso à sua auto-estima o acertar, ao ser mais ponderado”. Alexandrina Ferreira (Formanda) “Os alunos foram muito receptivos, revelaram interesse e atenção. Os objectivos foram atingidos, os alunos valeram-se da capacidade de ver e ouvir e, ouvindo e vendo, aprenderam”. Ângela Senane (Formanda) Nos alunos: “Elevado grau de motivação antes do desenvolvimento da actividade; elevado grau de concentração no decorrer da actividade: participação e avaliação muito positivas no final da actividade; fácil percepção/ compreensão dos conteúdos; elevado interesse/ empenho na aplicação dos conhecimentos”. Na docente: “Elevado grau de satisfação pelos resultados obtidos; grande satisfação por não ter que escrever/ esquematizar as matérias no quadro, evitando a rotina no processo de ensino/ aprendizagem; motivação para repetir a actividade nos próximos anos lectivos”. Nadir Fernandes (Formanda) “A projecção dos diapositivos suscitou entre os alunos interesse e acima de tudo, muita curiosidade (…). Por isso prestaram muita atenção e ficaram muito orgulhosos quando viram o resultado do seu trabalho no ecrã, não se contendo em apontar «Este é o meu!». E por unanimidade foi necessário repetir, o que beneficia sempre a consolidação de conhecimentos”. 321 Ana Maria Fernandes; Rosa Maria Xavier; Ana Maria Alves Silva; José Gomes Cunha (Formandos) “Os alunos mantiveram-se interessados, durante a projecção, tornando-se mais participativos, curiosos e interessados em saber o processo de construção. Todo o trabalho de elaboração do diapositivo foi compensado pelo interesse dos alunos. Pensamos que este recurso foi eficaz, pois motivou os alunos e tornou a relação mais colaborativa e permitiu num curto espaço de tempo explorar vários conceitos”. Paula Machado (Formanda) “O diaporama trouxe desde logo um resultado positivo que foi o facto dos alunos se terem envolvido com bastante interesse nas actividades que desenvolveram em grupo exceptuando dois alunos a quem não agradou a tarefa que o seu grupo escolheu, talvez por terem bastantes dificuldades de compreensão”. Francisco José da Costa; José Luís Silveira (Formandos) “Os alunos mostraram receptividade ao acetato introdutório – Fantasias de Natal, porque motivou uma discussão participada. O acetato que reproduz a ficha de trabalho, permitiu uma aplicação dos conceitos fundamentais do texto em análise”. Filipa Gajo (Formanda) “Os alunos mostraram-se curiosos acerca do conteúdo da apresentação e interessaram-se pelo trabalho apresentado. […] permitiu-me visualizar todos os alunos da turma e as suas reacções, tendo comunicado de uma forma diferente e mais realista”. É também de realçar que os documentos de Reflexão CRÍTICA REFLEXIVA, na generalidade, são de qualidade, ao revelarem reflexões e conclusões enriquecedoras sobre a temática e o decurso desta Oficina, muitas vezes fundamentadas com referência bibliográficas. “ Não pretendendo ser exaustivos, iremos apresentar alguns extractos destas reflexões individuais que constam dos seus relatórios: Alexandrina Maria Silva Ferreira (Formanda) “Os professores ainda têm muito que aprender. Acções de formação sobre esta temática são muito importantes, para que a utilização de audiovisuais seja feita com vontade, interesse, curiosidade e com sabedoria”. Ana Maria Afonso Fernandes (Formanda) “Foi muito gratificante para mim, não só pelo que aprendi, mas pelo clima harmonioso de cooperação entre os colegas e por termos a facilidade e capacidade de trocarmos e partilharmos 322 experiências e saberes. […] Não tinha formação específica nesta área, gostei de participar e superou pela positiva as minhas expectativas. Ana Maria Alves Silva (Formanda) “[…] já tenho possibilidade de melhorar e rentabilizar o meu trabalho docente […] esta acção despertou em mim um desejo enorme de aprofundar os meus conhecimentos sobre estes meios que temos ao nosso dispor. Anabela Sequeira de Oliveira (Formanda) “As potencialidades da retroprojecção e do diaporama tornaram a educação mais eficiente e inovadora, permitindo o desenvolvimento das novas competências nos professores e alunos. Ângela Cristina Senane Custódio (Formanda) “A concretização desta acção de formação privilegiou, não só o ganho de créditos e reencontro com os colegas, como também o debate, a partilha de experiências e práticas pedagógicas, favorecendo os métodos de ensino, bem como a actualização e aprofundamento de conhecimentos. […] Os conteúdos e objectivos da acção de formação foram abordados e concretizados com sucesso. […] Apesar do retroprojector e projector de diapositivos não se apresentarem como novidade aos formandos […] esta acção revelou-se surpreendente pela quantidade de informações e/ ou aprendizagens realizadas. […] foi, sem dúvida, o espaço ideal para conhecer e aprofundar os meus conhecimentos nesta área […] Relativamente à utilização do material produzido na minha prática pedagógica, refiro que tem sido muito gratificante a sua aplicação, devido ao elevado grau de motivação manifestado pelos alunos antes e durante a realização das actividades. A participação e avaliação muito positivas que os mesmos fizeram, veio confirmar que estas actividades constituem […] uma mais valia no processo de ensino/ aprendizagem. Mas se a motivação dos alunos merece ser comentada, não posso deixar de fazer referência à minha própria satisfação por ter alcançado as competências pessoais no domínio e na aplicação dos recursos didácticos produzidos. Belmiro Manuel de Mota Magalhães (Formando) “Os materiais construídos foram pensados para satisfazerem as necessidades de cada professor, elaborando trabalhos que pudessem ser úteis nas suas aulas e testando, assim, o funcionamento dos mesmos. Esta flexibilidade na escolha dos trabalhos foi muito positiva, pois permitiu-nos conciliar, de certo modo, as aulas com a acção”. “Com esta acção de formação melhorei os meus conhecimentos acerca do retroprojector e aprendi a lidar com o diaporama, do qual conhecia muito pouco. Os conhecimentos que adquiri ajudar-me-ão a melhorar as minhas práticas pedagógicas”. 323 Filipa de Oliveira Faria Gajo (Formanda) “Pensei que o PowerPoint já tinha suplantado há muito tempo os acetatos, que não usava há já alguns anos, e que se calhar teria que produzir desenhos ou andar de máquina fotográfica em punho. Nos primeiros minutos, apeteceu-me sair e pedir para frequentar uma acção mais específica da Língua Portuguesa, disciplina que lecciono. No entanto, logo me integrei, após os argumentos dos formadores quanto às vantagens dos acetatos e dos diaporamas. “[…] decorreu num ambiente de cordialidade e de partilha de experiências” […] “Os formadores proporcionaram-se todo o apoio de que necessitei. Estou motivada para usar acetatos e diaporamas nas minhas aulas e para partilhar os conhecimentos adquiridos com os meus alunos. Francisco José Oliveira Costa (Formando) “Procurei actualizar-me sobre a relação das potencialidades dos meios visuais e audiovisuais em contexto educativo […] tendo chegado à conclusão de que estes meios podem ser objecto de múltiplas utilizações na aula de Filosofia e que contribuem para o desenvolvimento de diversas competências. O recurso a transparências, como aquelas por nós elaboradas durante a acção, revestiu-se de importância indispensável, já que me serviram como apoio à apresentação de exposições e de esquemas integradores dos percursos conceptuais”. “Considero que os objectivos a que me tinha proposto […] foram satisfatoriamente atingidos. Os trabalhos, por mim elaborados individualmente ou em grupo, aquando da sua implementação em contexto educativo, tiveram uma boa adesão por parte dos alunos. No global, a avaliação que posso fazer desta acção é que ela foi positiva. José Abílio Vieira Alves Ferreira (Formando) “Aquilo que inicialmente pareceu, a alguns, mais ou menos “arcaico” passou a ser um elemento que poderá ser usado, e foi-o em muitos casos, sem aquele receio que inicialmente surgiu. O que é certo é que alguns retroprojectores que há muito tempo «não aqueciam» em algumas escolas, poderão passar a ter uma época de Outono/ Inverno mais aconchegada”. “Da mesma forma a criação de diapositivos, com diferentes técnicas abriu caminho a outro tipo de realidades que na maior parte das escolas sem acesso ao projector multimédia, poderão ser muito bem aproveitados mesmo com a colaboração dos alunos”. “Do que pude colher dessa utilização (em contexto educativo) levou a que esteja já a preparar material complementar ao produzido na acção”. “Das últimas achegas que produzi não posso de qualquer forma querer tirar o trabalho meritório desenvolvido pelos nossos formadores que se desdobraram das mais variadas formas para que os trabalhos executados pudessem traduzir o que cada um idealizou, o que penso e, pelo que me foi dado ver, conseguiram, portanto, bem hajam e parabéns”. José Luís Ramos Viamonte Silveira (Formando) 324 “A metodologia utilizada foi, penso que, extremamente correcta e adequada, o privilegiar da componente prática, mas sempre acompanhada pela necessária fundamentação teórica”. “[…] as informações recebidas sobre estes materiais e técnicas possibilitam uma maior oferta de estratégias, as quais se podem revelar interessantes para o trabalho de aula, facilitando todo o desenrolar do processo de ensino/ aprendizagem”. “Após frequentar esta acção, é com agrado que o fiz, […] uma vez que me permitiu adquirir conhecimento numa área onde eles eram escassos, levou-me a produzir trabalho manual, a perceber a importância da relação actividade teorética/ prática, já tão defendida por Aristóteles, e também é de salientar […] todo o clima de trabalho desenvolvido no seu decorrer, o que tornou extremamente positiva a frequência desta acção”. Manuel Inácio Moutinho (Formando) “Na minha opinião, esta acção desenvolveu-se de um modo bastante agradável. Os formadores demonstraram grande competência e domínio dos conteúdos da acção e souberam sempre motivar os formandos para a execução dos materiais que foram produzidos no decorrer das sessões, que foram vivas e em ambiente descontraído. “Penso que, todos os formandos alargaram os seus conhecimentos nesta área através do aprender/ fazendo, da discussão e troca de ideias, que sempre houve entre todos. É de salientar a qualidade dos materiais audiovisuais que se foram produzindo ao longo das sessões, que, depois de aplicados em contexto educativo, provaram ser uma mais valia no desempenho do professor, tornando o processo de ensino/ aprendizagem mais motivante e mais significativo”. Maria Amélia Viana Paredes (Formanda) “No que concerne à acção de formação, o seu timing, linha metodológica, e gestão de procedimentos e resultados, as conclusões que nos apraz tirar pautam-se pela positividade total, pelo sucesso conseguido e expectativas ultrapassadas no melhor dos sentidos, o que se deveu à qualificação e perfil dos formadores”. “Souberam, hábil e eficazmente sensibilizar e reformular a sua utilização (audiovisuais) com o desafio das novas tecnologias na produção de base e/ ou na complementaridade de efeitos especiais geradores de grande apetência para estas lides e investimentos. Poderá ser factor potenciador de novas estratégias de ensino-aprendizagem, mais ainda quando transmitidos aos alunos numa maior e profunda envolvência no seu próprio construir das aprendizagens”. Maria Nadir Ferreira Fernandes (Formanda) “Procurei, pois, esta acção também no sentido de superar esta lacuna (utilização dos audiovisuais), para além desta oferecer ainda a possibilidade de criar materiais”. “Chegada ao fim esta formação, faço um balanço positivo, não me sinto defraudada, pelo contrário, ultrapassou as minhas expectativas. Foi um espaço de trabalho muito interessante, enriquecedor pelo leque variado de docentes de diferentes áreas, que proporcionou uma partilha e troca de experiências que a todos beneficiou”. 325 “Tive a oportunidade de pôr em prática em contexto de sala de aula, um projecto de produção de diapositivos, com duas turmas do 6º ano, na disciplina de língua estrangeira (Inglês), ao qual os alunos aderiram com interesse e entusiasmo. Foi uma experiência positiva a vários níveis, nomeadamente a utilização de um meio audiovisual na sala de aula, na responsabilização dos alunos pela concretização de um projecto de trabalho, na promoção da cooperação e expressão da sua criatividade […]”. Maria Paula Guimarães Machado (Formanda) “[…] cabe-me fazer um balanço positivo da acção, fundamentalmente pela modalidade adoptada que permitiu um maior envolvimento dos meus alunos nas actividades propostas quer por mim, quer por eles próprios. Eles revelaram-se verdadeiros aliados sempre que, por exemplo, era preciso mexer no projector de slides, ou, ainda, na forma como colaboraram na planificação dos trabalhos, sugerindo determinadas estratégias”. “Resta-me dizer que, ao contrário do que se possa pensar, ainda é pertinente nos dias de hoje fazer uma acção sobre recursos visuais e audiovisuais no ensino […]”. Rosa Maria Costa M. Viana Xavier (Formanda) “Esta acção suscitou-me um grande entusiasmo pelas novas experiências que realizei e aprendi. As actividades desenvolveram-se num clima harmonioso de cooperação e de troca de experiências. Os formadores incentivaram bastante os formandos, envolvendo-os na acção, partilhando os seus saberes e mostrando-se sempre disponíveis para auxiliar, até fora do horário da acção”. “Após a minha participação nesta acção, poderei introduzir inovações na prática pedagógica, melhorar as mensagens transmitidas, através da construção de novos materiais, em colaboração com os alunos”. Assim, a PARTICIPAÇÃO, a par dos RELATÓRIOS e do TRABALHO instrumentos de avaliação dos formandos. DE PROJECTO constituíram os principais CONCLUSÃO/ Reflexão Crítica Esta OF constitui um exemplo de como a formação direccionada para as necessidades concretas sentidas pelos agentes educativos, emergentes de práticas pedagógicas diversificadas e actuais, pode atingir índices de eficácia de “excelência”, expressos, nomeadamente, na qualidade técnica, pedagógica e científica dos materiais produzidos, com aplicabilidade em contexto de aula, e no envolvimento, dedicação, inter-ajuda e partilha de reflexões e experiências. O contributo desta formação está no fornecimento de competências técnicas e metodológicas que permitirão aos professores conciliar os seus conhecimentos na área pedagógica e científica com as potencialidades destes meios tecnológicos (audiovisuais) com o intuito de implementar e valorizar práticas pedagógicas activas e ultrapassar, inclusivamente, as barreiras físicas da sala 326 de aula. Por outro lado, contribuiu, também, para desmistificar a terminologia de “Novas” e “Velhas tecnologias” (retroprojector e o diaprojector), sendo que estas últimas, pela sua existência massiva nas escolas, ao contrário das ditas Novas Tecnologias, e facilidade de utilização, pelos professores e alunos, se constituem, ainda hoje, como tecnologias de eleição com uma margem enorme de implementação e progressão em todas as áreas curriculares disciplinares e não disciplinares. Estamos convictos que muitos destes aparelhos deixarão, em breve, as arrecadações e voltarão a (re)integrar as metodologias activas de estes e outros docentes, para regozijo dos nossos alunos. Após ultrapassadas as expectativas e receios iniciais de alguns formandos advindos, fundamentalmente, do enquadramento, pertinência e actualidade das tecnologias abordadas e a falta de motivação de alguns (poucos) formandos pela formação (em geral e esta em particular), por variadíssimas razões que não importa aqui dissecar, estabeleceu-se uma excelente dinâmica de trabalho ao longo das sessões. Esta dinâmica não se esgotou nas sessões presenciais, mas estendeu-se às sessões não presenciais (nomeadamente na criação e aplicação dos materiais produzidos), conseguindo, desta forma, envolver e mobilizar, directa e indirectamente, outros professores e alunos nesta linha de aplicação, entrega e (re)descoberta das tecnologias, nomeadamente, na aplicação e exploração dos materiais didácticos produzidos nesta oficina. Envolveram-se também, com entusiasmo, nos momentos de debate e partilha, quer de natureza reflexiva, quer de natureza, essencialmente, prática, tanto nas sessões presenciais e não presenciais, como nos momentos da aplicação, em contexto de aula, dos trabalhos realizados, de onde resultaram momentos de reflexão e trocas de experiências enriquecedoras. A pontualidade e a assiduidade foram disso demonstrativo, pelo que se regista um número reduzido de faltas, que ocorreram em situações plenamente justificáveis. Registamos, contudo, a desistência de uma formanda por razões atendíveis e comunicadas, pela própria, ao Exmo. Director do Centro de Formação. Enquanto formadores, após os momentos iniciais, tivemos, apenas, que gerir esta ambição, empenhamento e dedicação, num grupo bastante heterogéneo (motivação, área curricular, etc.) e com competências diversificadas nesta área, e canalizar todos os esforços no sentido de se estruturarem e produzirem materiais de cariz pedagógico que extravasou a componente técnica, passando pela concepção didáctica e pedagógica da mensagem nele consignada. Neste percurso, tentámos sempre que possível respeitar o ritmo e o ponto de partida de cada um, estabelecendo níveis de exigência diferenciados em função das expectativas individuais e da competência técnica e motivação expressas por cada formando. Pelo exposto, qualificamos globalmente esta Oficina de Formação de MUITO BOM, não apenas pelo resultado do produto final, mas, essencialmente, atendendo a todo o processo que se desenvolveu numa atmosfera plena de envolvimento, dedicação, inter-ajuda e partilha de reflexões e experiências. Não poderíamos também deixar de referir que nos foram dadas todas as condições necessárias à prossecução dos objectivos desta acção por parte do Centro de Formação. Por último, uma palavra de apreço à generalidade dos elementos deste grupo pela forma de estar 327 nesta oficina de formação e pelos momentos de reflexão, partilha e confrontação de ideias que ocorreram, quer a nível formal ou informal, e que em muito contribuíram para o nosso enriquecimento profissional e pessoal. Bem hajam. Bibliografia Carvalho A. A. A. (1993). Utilização e exploração de documentos audiovisuais. Revista Portuguesa de Educação, 6 (3), 113-121 Rocha. F. (1988) Correntes pedagógicas contemporâneas. Aveiro. Livraria Estante Editora Acção: A Matemática como Instrumento para a Renovação do Processo Ensino/Aprendizagem Ana Cláudia Silva Sá Morais Oliveira (Formadora) I – Introdução As estatísticas mais recentes apresentam-nos resultados alarmantes que mostram más notas em Matemática. Entre os vários motivos, salientamos que crianças e jovens passam por experiências penosas na área de Matemática através da prática massiva de processos de ensino que demonstram resultados ineficazes, quando não seriamente prejudiciais. A Matemática tem vivido uma situação de séria crise permanente. Face a este problema, reconhecemos a necessidade crescente de uma formação contínua matemática mais extensa e profunda por parte dos professores, no sentido de desenvolverem com prazer o que vem referido nas orientações do Currículo Nacional – proporcionar às crianças experiências que constituam desafios e que lhes permitam dar valor à Matemática, que facilitem a autoconfiança nas suas capacidades matemáticas, que permitam a resolução de problemas e vários meios de representação, que favoreçam a comunicação matemática. Não podemos esquecer as palavras sempre actuais de Sócrates “As ideias deveriam nascer na mente do aluno e o professor deveria actuar apenas como uma parteira”, pois já todos concluímos que a transmissão verbal de conhecimentos não garante a aprendizagem dos alunos. II – Objectivos da Oficina de Formação Estamos perfeitamente de acordo com Dewey, citado por Almeida (1993), quando considera que “Se todos os professores compreendessem que a qualidade do processo mental, não a produção de respostas concretas, é a medida do desenvolvimento educativo, algo de pouco menos que uma revolução no ensino teria lugar na escola”. Foi com base neste pressuposto que organizámos esta Oficina de Formação e definimos os seguintes objectivos: • analisar o que significam os principais tipos de competências matemáticas e a sua aquisição de forma integrada; 328 • • • • • • desenvolver nos docentes competências que lhe sejam úteis na tarefa de concretizar as intenções educativas de forma adequada; analisar as consequências de encarar a Matemática como corpo de conhecimentos acabado ou como conhecimento em construção; desenvolver aspectos pedagógico-didácticos e psicológicos requeridos para a resolução de problemas, bem como a sua inserção no processo ensino/aprendizagem; conhecer a importância da comunicação matemática como processo relevante em todas as etapas do processo ensino/aprendizagem; construir materiais/recursos pedagógicos promotores do desenvolvimento de competências e do sucesso na área de Matemática; reconhecer e utilizar as TIC como instrumento útil de trabalho. III – METODOLOGIA Em todas as etapas de apresentação dos conteúdos, procurámos partir das experiências dos formandos e, progressivamente, fomos dando lugar a procedimentos e estratégias propriamente matemáticas. Assim, priorizámos as experiências dos formandos procurando uma aprendizagem matemática baseada na acção e na reflexão, dado que as características que definem os conhecimentos matemáticos, bem como os modos de aprendizagem das crianças necessitam de acções sobre os elementos concretos, seguidos de reflexão sobre os mesmos, convertendo-se nos elementos essenciais de aprendizagem nesta área. Procurámos, na maioria das sessões, oferecer aos formandos multiplicidade de actividades e situações relacionadas com os conhecimentos pretendidos/conteúdos previstos na O.F., convidando-os a verbalizarem possíveis representações e fazendo-os estabelecerem as relações oportunas entre os conceitos. Nesta perspectiva, toda a metodologia foi essencialmente activa e reflexiva, entendendo ambos os vocábulos no seu sentido amplo. Os formandos foram estimulados a serem reflexivos, autónomos intelectualmente, a procurarem, analisarem, discutirem e explicarem as relações e estratégias de pensamento em relação com as situações colocadas. Dentro do respeito pela actividade dos formandos como princípio metodológico relevante, cumpre-me também referir que a prática adequada e interessante de determinados conceitos permitiu estimular a interiorização de noções específicas e fazer com que o emprego de regras e estratégias de pensamento fossem incorporadas de maneira compreensiva à bagagem dos formandos, que as aplicarão em situações futuras. A metodologia incluiu a manipulação de materiais não estruturados e estruturados, diversos jogos, bem como acções e operações sobre eles, procurando contextualizar as actividades de aprendizagem matemática para que os conhecimentos a adquirir fossem significativos. Como consideramos o computador um bom instrumento de trabalho, foi utilizado, no desenvolvimento de experiências, de jogos e no ensaio de estratégias de resolução de problemas, sem esquecer a necessária reflexão sobre os processos e os resultados. A metodologia utilizada privilegiou a criação de um ambiente de trabalho e convivência facilitadores do processo, que resultou estimulante e intelectualmente satisfatório, como foi referido por todos os formandos na sua avaliação. 329 IV –REFLEXÃO CRÍTICA / CONCLUSÕES Ousamos afirmar, porque as análises escritas dos formandos nos permitem tal, que a Oficina de Formação deu um contributo real para que os formandos percebessem que há necessidade urgente de renovação na área da Matemática, pois conteúdos abstractos, sem referenciais reais resultam pouco interessantes e inacessíveis. Pelo contrário, se as técnicas, os conceitos e as estratégias matemáticas aparecem de forma contextualizada e ligados à realidade circundante, as crianças compreenderão facilmente as suas necessidades e competências, dotando de interesse e significado as aprendizagens construídas. Os formandos progrediram nos seus conhecimentos de forma continuada, reformulando ideias prévias a partir das novas informações. Este é um processo nada linear que avança por aproximações sucessivas, para a consolidação de procedimentos sistematizados e para a elaboração de determinados núcleos conceptuais. Pelos relatórios dos formandos, verificámos que, sempre que possível e ao longo de muitas sessões não presenciais, a maioria desenvolvia os conceitos, proporcionando problemas e tarefas que levavam da O.F. Pensamos ter conseguido, assim, atingir o nosso objectivo essencial que era a apropriação do conhecimento através de esquemas cognitivos de acção/reflexão/acção, pois sabemos que “O principal objectivo da educação é ensinar os mais novos a pensar e a resolução de problemas constitui uma arte prática que todos os alunos podem aprender. Porque o ensino é, na sua perspectiva, também uma arte, ninguém pode programar ou mecanizar o ensino de resolução de problemas (...)” Boavida, 1999,p.109). Vejamos algumas opiniões dos professores que frequentaram esta acção: “ (…) Os objectivos foram atingidos, adquiri conhecimentos, preparei material e experimentei outro. Sinto-me mais confiante e capaz de desenvolver as competências com os alunos, levandoos assim, a um maior sucesso na área de Matemática. (…)” Maria Manuela Fernandes Lemos (Formanda) “ (…) Enriqueci o meu processo de aprendizagem, como tornar a Matemática mais motivadora e até a combinar a outras situações de aprendizagem, de maneira a promover a interdisciplinaridade. (…)” Rosa Armanda Salazar Ribeiro (Formanda) “ (…) As sessões foram marcadas pelo trabalho individual e conjunto, apresentação de sugestões de material, confronto de ideias, sugestões, pesquisa, conclusões… e, também, brincadeiras matemáticas. Parecem ser estes os ingredientes para cozinhar uma boa acção de formação. (…)” Alzira Maria de Araújo Ribeiro (Formanda) 330 Acção: Regime de Carreiras do Pessoal Docente e não Docente Carla Queirós (Formadora) Esta acção de formação teve como objectivo proporcionar aos seus destinatários não só a melhoria da sua competência profissional, mas também do seu nível formativo e cultural, esclarecendo as alterações que o DL 184/2004 de 29 de Julho veio introduzir, em termos jurídicos e legais. Pretendeu-se, igualmente, analisar as consequências desta alteração legislativa. Os objectivos desta acção de formação foram: levar os formandos a adquirir conhecimentos no âmbito das relações jurídicas de emprego, respectivo recrutamento, selecção e mobilidade; desenvolver capacidades no âmbito da promoção, progressão e remuneração do pessoal docente e não docente; dar a conhecer aos formandos o novo regime de avaliação de desempenho na administração pública; desenvolver competências no domínio da duração e horário de trabalho, férias, faltas e licenças, regime disciplinar e regime de aposentações e facultar aos formandos as implicações sobre segurança social e acção social complementar. As sessões desenvolveram-se em duas vertentes: aquisição de conceitos base e de informação teórica e respectiva análise reflexiva de práticas em contextos reais. Deste modo, procurou-se conjugar momentos de apresentação e análise da informação (a partir de textos de apoio e de outros elementos de trabalho) e espaços de debate, quer em grande grupo quer em pequeno grupo, tendo, ainda, presente momentos de reflexão que proporcionaram a interacção das práticas com a concretização teórica que se foi desenvolvendo. Os formandos demonstraram interesse, empenho, espírito crítico, vontade de aprender e participar activamente quanto aos temas que lhe foram propostos. A avaliação do grupo constou de uma prova escrita de conhecimentos a valer 70%, de avaliação contínua que valia 30%, sendo que, 20% correspondia à participação dos formandos nas sessões e 10% à assiduidade (estes 10% apenas foram contabilizados para os formandos que frequentaram a totalidade das horas de formação previstas). Os objectivos desta acção de formação foram conseguidos tanto mais que os formandos conseguiram todos conclui-la com sucesso, variando as classificações entre 13 e 20 valores. 331 332 Elos Tecnológicos Recursos Educativos Digitais António Carvalho Rodrigues Director do CCEMS [email protected] Introdução A emergência da Sociedade da Informação e do Conhecimento levou a generalidade dos países desenvolvidos a realizarem investimentos significativos no âmbito do apetrechamento informático das escolas e na formação de docentes e outros agentes educativos. Uma das necessidades complementares, aos investimentos feitos em equipamentos e infraestruturas de comunicações, é a necessidade de conteúdos disponibilizados em rede e que potenciem os benefícios das TIC nos contextos de aprendizagem. Estando a decorrer o 1º Concurso de Projectos de Produção de Conteúdos Educativos, promovido pelo CRIE - Equipa de Missão CRIE - Computadores, Redes e Internet na Escola (http://www.crie.min-edu.pt), pretende-se com este artigo dar contributos para a necessária reflexão sobre a temática 1 – Abordagens pedagógicas - base tutorial ou construtivista A base comum do software de base tutorial é bloco material instrutivo em suporte digital, que aborda um tema ou unidade de aprendizagem, podendo incluir: simulações, exercícios interactivos, avaliação da aprendizagem, revisões, instruções para os docentes e mesmo Encarregados de Educação, etc. Tem a sua origem experimental nos anos 60 e, apesar da evolução dos formatos (com a introdução da multimédia) e a inclusão de interactividade (nomeadamente nas animações e avaliação da aprendizagem de forma automática e interactiva), mantém os paradigmas das teorias da aprendizagem daquele tempo. Revela-se pouco eficiente nas aprendizagens transversais e complexas, nos processos de interacção e construção cooperativa de saberes e em metodologias de trabalho projecto. Em contrapartida, o software de base construtivista está “essencialmente orientado para promover uma parte activa dos estudantes na realização das suas aprendizagens, com grande importância dada ao trabalho de grupo e às controvérsias entre pares; enfatiza igualmente a tomada de consciência dos próprios processos de conhecimento...”1. Esta abordagem integra o material de tipo tutorial apenas como um recurso adicional, centrandose o contexto de aprendizagem na interacção e trabalho cooperativo. Exige, por isso, para além dos materiais tradicionais, a integração de ferramentas de comunicação e interacção, tecnicamente mais complexas e executadas num servidor. Para além disso, o sucesso desta abordagem é condicionado por um conjunto de variáveis complexas, só possíveis de alterar com intervenções continuadas e consistentes, a médio ou longo prazo: Currículos e programas, formação de professores, organização dos tempos e espaços escolares, etc. 1 Grácio, Sérgio e Nadal, Emíla. “MODOS DIFERENCIADOS DE APRENDER E SABERES DO FUTURO”, colectânea “O FUTURO DA EDUCAÇÃO EM PORTUGAL – Tendências e Oportunidades”. DAPP-ME. Lisboa, 2000. 335 Parece-me que esta abordagem deveria ser prioritária na formação contínua e inicial de professores para que a experiência como “aprendente” estimulasse a alteração de práticas enquanto docentes. Assim, a generalidade do software educativo existente tem uma base tutorial (com variações formais), apesar de uma grande diversidade nas abordagens tecnológicas. Mantém a sua pertinência e actualidade por diversos motivos, de que saliento os seguintes: • Facilidade de elaboração com as ferramentas comuns disponibilizadas nos pacotes base de software de aplicações. • Adequação à generalidade dos programas, à formação pedagógica dos docentes e à organização geral das actividades escolares (que mantêm os paradigmas da década de 60). • Funcionamento em espaços e tempos diferenciados, sem necessidade de trabalho síncrono ou em grupo (sem excluir essa possibilidade em contexto de classe ou trabalho de grupo), permitindo uma abordagem individual, ao ritmo de cada um e... sem o constrangimento de terceiros. • Ampla base de trabalhos de pesquisa que demonstram de forma inequívoca que “os estudantes que utilizaram tiveram melhores realizações que aqueles que não o utilizaram... com benefícios mais acentuados para os estudantes que normalmente revelam mais problemas de aprendizagem2.” • Normalmente podem ser disponibilizados em suportes físicos (CDRom ou DVD ou mesmo... disquetes) e, em rede, para consulta ou download sendo acedidos e, muitas vezes, lidos por um browser. O desenvolvimento das ferramentas de produção de materiais multimédia interactivos, a generalização do CDROM e o crescimento acentuado do acesso à Internet em banda larga, potenciam a melhoria da qualidade destes materiais, bem como a facilidade de serem apresentados em várias línguas (tal como os filmes em formato DVD). Parece-me, portanto, que, sem deixar de estimular as boas práticas já existentes e o aparecimento de novos projectos no âmbito da construção de contextos de aprendizagem de base construtivista, a prioridade deve ser dada à construção de portais nacionais de conteúdos educativos em suporte digital de base tutorial que possa ser acedida por alunos, professores, encarregados de educação e população em geral. 2 – Recurso Educativo Digital 2.1– Recurso educativo digital, um problema de definição. Numa visão ampla, podemos defini-lo como um material didáctico passível de ser distribuído em suportes físicos de dados para computador: Disquetes, CDRoms, DVD ou em Rede. Nesta perspectiva, podem assumir-se com recursos educacionais, pacotes de software, aplicações, materiais produzidos em diferentes formatos (texto, apresentações electrónicas, hiper texto, multimédia, etc.). A aceitação desta perspectiva ampla, embora à partida tentadora, pode ter como consequência a disponibilização de recursos de difícil acesso, instalação e utilização que poderão comprometer a adesão ao projecto de alunos e professores. 2 Idem. 336 Numa perspectiva mais restrita, podemos considerar apenas os materiais passíveis de serem disponibilizados, com fiabilidade e em tempo “razoável”3, na Internet (para leitura ou download). Mesmo assim, continua-se a permitir, nesta abordagem, a existência de recursos educacionais que, para serem usados, necessitam de recursos de software e/ou hardware não existentes na generalidade dos computadores de alunos e professores. Uma opção ainda mais restritiva – os materiais terem que ser lidos por um browser de Internet. Esta opção é, também, defensável, embora seja muito redutora face à generalização de outras ferramentas (Office, por exemplo) e à “cultura tecnológica” de alunos e professores. Assim, parece-me razoável uma abordagem intermédia, que permita suportes compatíveis com as aplicações habituais nos computadores de alunos e professores, tanto mais que a generalidade das ferramentas de produção já disponibilizam a gravação para vários formatos e são cada vez mais abundantes (e gratuitas) as ferramentas de leitura e conversão para os formatos mais conhecidos. 2.2– Enquadramento no processo de ensino-aprendizagem Parte-se do pressuposto que, na maioria das situações, o recurso é dos um elemento na criação de um contexto de aprendizagem que concretize os objectivos de tema ou unidade de um programa que, por sua vez, está integrado num currículo. Figura 1 – Enquadramento de um recurso educativo digital Contudo, há um conjunto de atitudes, competências ou valores, não previstos de forma explicita nos currículos e que são essenciais no desenvolvimento e formação dos alunos em que os recursos em suporte electrónico poderão dar um importante contributo. O recurso educativo digital é o material instrutivo e pode apresentar-se em vários formatos – hipertexto/hipermédia apresentação electrónica, animação interactiva, jogo, etc – que envolvem uma ferramenta de produção (frontpage, dremwever, powerpoint, flash, Word, Java etc) e uma ferramenta de leitura (browser, plug-in ou aplicação específica de leitura4). Integrado no recurso, ou em ficheiros adicionais, podemos dispor ainda de: • Actividades de ensino – propostas de estratégias para docentes ou pais para a criação de um contexto de aprendizagem adequado; Programas Objectivos, conteúdos Contexto de Aprendizagem Actividades de Ensino Professores s tro Ou rsos u rec Recurso Educativo Digital Avaliação de processos e produtos 3 Por exemplo, não é razoável que para aceder a um material comum, os utilizadores tenham que esperar uma “eternidade”. A generalidade das ferramentas de leitura (que não permitem a edição) são gratuitas e, muitas vezes, são automaticamente instaladas a partir da Internet. 4 337 Actividades de Aprendizagem Alunos Ou rec tros urs os • • Actividades de aprendizagem – destinadas aos alunos que, mesmo sem o apoio de terceiros, possam construir a sua própria aprendizagem, promovendo a exploração e contextualização do tema a aprender. Avaliação entendida em duas perspectivas: a da avaliação dos saberes adquiridos pelo aluno, que pode ser conseguida com exercícios interactivos de auto-avaliação (eventualmente com propostas de actividades complementares de remediação) e a da avaliação de processos pelos docentes (grelhas de observação, fóruns de discussão etc.). As actividades de ensino e as de aprendizagem podem (e devem) estabelecer pontes com outros recursos educacionais em suportes electrónicos ou disponíveis na escola. Há, em múltiplos suportes, muito material pertinente sem todos os componentes apresentados. Mas, as plataformas de iniciativa nacional que consultei (Irlanda, E.U.A, Inglaterra, Canadá), todos os recursos apresentavam os três elementos essenciais considerados. 2.3– Enquadramento tecnológico – formatos e ferramentas de produção Apresentam-se, de forma sucinta, os formatos comuns dos recursos educativos digitais e as respectivas ferramentas de edição e leitura: • Texto - Na essência, reproduzem em formato digital, os conteúdos tradicionais do suporte papel (texto e imagem). Os formatos mais comuns derivam da generalização das ferramentas do Office como o Word ou Excel (Microsoft). Contudo, para disponibilização em rede, devido a problemas de vírus e garantias de integridade e autenticidade, o formato mais comum é o PDF lido pelo Acrobat Reader (Adobe) que é gratuito, assim como as ferramentas básicas de conversão para este formato. • Apresentação electrónica – para além do texto e das imagens, pode conter outros elementos multimédia como o som, vídeo e animações, apresentando, contudo, muitas limitações ao nível da interactividade. A ferramenta mais comum de produção é o PowerPoint (Microsoft) que pode ser difundido no formato nativo ou em formatos de leitura que não exigem que a ferramenta esteja instalada no computador do utilizador. É, ainda, usado, como base para a construção de materiais mais complexos, o Breeze da Macromédia que parte de ficheiros do powerpoint para a construção de materiais multimédia com avaliação interactiva. • Multimédia interactiva – suporta todos os elementos multimédia a que adiciona a interactividade, permitindo experiências de simulação, jogos interactivos, avaliação interactiva, ferramentas de envio de dados e muitas outras funcionalidades. Para difusão em rede, utilizam-se formatos que podem ser acedidos por um browser. Para além da ferramenta de produção de hipertexto (Frontpage da Microsoft e Dremwever da Macromédia), as ferramentas de produção mais usadas são o Flash (Macromédia) e a linguagem Java (open source5). O formato flash, já hoje dominante, poderá ampliar a sua difusão contribuindo para isso: o A disponibilização gratuita e de instalação automática do plug-in6 de leitura; 5 Linguagem de programação que, apesar de proprietária, não requer uma ferramenta de edição específica existindo na Internet múltiplas aplicações gratuitas. 6 Pequeno programa que instala nos browsers (i. e. Internet Explorer) capacidades de leitura de determinado formato proprietário. Neste caso o Flash Player. 338 A apresentação recente de ferramentas de conversão da generalidade dos formatos electrónicos para o formato flash. o A generalização do acesso em banda larga que estimulará o desenvolvimento de conteúdos cada vez mais ricos em elementos multimédia e interactividade. Os portais de disponibilização de recursos educativos em suporte electrónico, promovidos pelos organismos governamentais ou internacionais que consultei, apresentam como formato multimédia interactivo mais comum o flash, sendo os materiais adicionais (planos de aula, instruções para pais, actividades de revisão, etc), normalmente, disponibilizados no formato acrobat (PDF). Não defendendo qualquer exclusividade destes suportes, saliento três características comuns aos dois formatos (flash e PDF) que me parecem muito importantes: • Até ao momento, revelaram-se imunes a vírus e outras formas de contaminação de ficheiros electrónicos (ao contrário das aplicações do Office – Word, Excel e Powerpoint). • Oferecem algumas garantias de integridade dos materiais, fornecendo sistemas de protecção que impedem a sua alteração e dando algumas garantias de protecção dos direitos de autor. • As ferramentas de leitura e conversão para estes formatos ou já existem nas ferramentas de produção, ou são gratuitas e comuns à generalidade dos sistemas informáticos. • Os ficheiros PDF são muito fáceis de obter a partir de outros formatos comuns (Word, PowerPoint, etc.). Para elaborar materiais em Flash, exige-se muito formação e alguma disponibilidade de tempo. o 339 340 Os elementos scripto no design para a web Célio Gonçalo Cardoso Marques Área Interdepartamental de Tecnologias de Informação e Comunicação Escola Superior de Gestão de Tomar, Instituto Politécnico de Tomar, [email protected] Resumo Actualmente, vive-se numa época dominada pelas novas tecnologias de informação e comunicação, onde o computador e os multimédia proliferam em múltiplos contextos, ao mesmo tempo que se assiste a um “boom” das páginas Web. Nestas circunstâncias, o estudo dos elementos scripto no design para a Web revela-se fundamental para encontrar princípios orientadores que permitam desenhar interfaces que sejam fáceis de utilizar, eficientes, agradáveis e fáceis de lembrar. Com este trabalho pretende-se fazer uma breve introdução a esta nova Era e analisar os principais elementos scripto no design para a Web. Para além de algumas considerações iniciais e da referência aos desafios do Web Design, esta análise engloba a organização da informação, a legibilidade, a inteligibilidade, a cor, as imagens, as animações, o vídeo e o áudio. Abstract Presently our lives are dominated by information and communication technologies. Computers as well as multimedia prevail in multiple contexts and, simultaneously, we witness a Web page “boom”. Bearing this in mind, the study of scripto elements in Web Design becomes fundamental to find guiding principles that allow designing interfaces easy to learn, efficient to use, pleasant and easy to remember. This article intends to make a brief introduction to this new Era and analizes the main scripto elements in Web Design. Besides a few initial considerations and the reference to the challenges of Web design, this analysis encapsulates the focusing on the organization of information, its legibility, intelligibility, colour, images, animations, video and audio. A Era da Internet A Internet, conhecida como a rede das redes, resulta da interligação de redes de computadores por todo o Mundo, dando origem a uma comunidade virtual, onde milhões de pessoas de todos os sectores da sociedade comunicam e trocam informação diariamente. Segundo Kerckhove (1997), a Internet é o primeiro meio que é oral e escrito, privado e público, individual e colectivo ao mesmo tempo. A ligação entre a mente pública e a mente privada é feita através das redes abertas e conectadas do Planeta. A sua criação permitiu a globalização das comunicações e da informação, reduzindo o nosso planeta àquilo que Marshall McLuhan denominou de aldeia global (D’Eça, 1998). A Internet teve a sua origem num projecto do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, designado por ARPANET. Este projecto, iniciado em 1969, tinha como finalidade o intercâmbio de informação militar entre os investigadores localizados nos diferentes centros militares. 341 Em 1972, contava já com 37 computadores ligados em rede e, cinco anos mais tarde, adopta o protocolo TCP/IP, uma espécie de “língua franca” (Ferreira, 1998), com o objectivo de facilitar a comunicação entre os diversos tipos de computadores. Durante muitos anos, o acesso à Internet ficou restrito a instituições de ensino e investigação. No início dos anos 90, dá-se a explosão da Internet, com o início da sua utilização para fins comerciais. De entre os vários serviços que esta engloba, estão as páginas de informação (World Wide Web), o correio electrónico (E-mail), as listas de correio electrónico (Mailing Lists), a conversação escrita (Chat), a videoconferência, os grupos de discussão (Newsgroups), o acesso temático à informação (Gopher) e o acesso remoto a um computador (Telnet). O serviço de páginas de informação teve as suas origens, em 1989, na cidade de Genebra, Suiça, através de Tim Berners-Lee, um investigador do CERN (Centre Europeen pour la Recherce Nucleaire). Embora Beerners-Lee apenas pretendesse encontrar um sistema que permitisse uma partilha eficiente de informação entre os membros da comunidade da física nuclear, acabou por criar a componente mais dinâmica, mais poderosa, mais flexível, mais versátil e com maior crescimento da Internet (D’Eça, 1998). Através da World Wide Web, o leitor acede e interage com um “mundo” de informação, oriunda de vários media e sobre todos os temas. A informação disponível encontra-se organizada em páginas designadas de hiperdocumentos. Estes documentos apresentam uma forma de estruturação de informação baseada no pensamento humano. Tentam imitar um modelo não linear, onde os elementos de informação são associados uns aos outros até se construir uma rede de conceitos. A informação encontra-se organizada como uma base de dados, possibilitando a navegação entre as suas componentes. O emprego desta metáfora realça a actividade levada a cabo pelo leitor, que determina o seu curso através do “oceano” de informação. Por sua vez, cada componente contém referências cruzadas para as componentes que lhes estão relacionadas. Num hiperdocumento, as unidades elementares de informação são designadas por nós e as referências cruzadas por ligações. Design para a Web: Desafios As páginas Web oferecem aos leitores a oportunidade de protagonizarem experiências interactivas enriquecedoras, combinando texto, imagens, animações, sons e vídeos. Ao contrário do livro, no qual os utilizadores são obrigados a seguir determinado caminho, a não linearidade, associada ao hipertexto, e os reduzidos custos, associados à transmissão de informação, criam uma oportunidade única e um desafio para os designers. Como criar ligações entre diferentes tipos de informação? Como organizar a informação na página? Qual o tipo de navegação que pode impedir o leitor de se perder? Como assegurar a legibilidade? Como asseverar a inteligibilidade? Que recursos podem ser utilizados sem prejudicar a acessibilidade? Estas são algumas questões que fazem parte desse grande desafio. Considerações Iniciais Antes de se iniciar o desenho de um Web site, é necessário saber qual será o seu conteúdo, quem será o seu público-alvo e quais são os seus objectivos. A resposta a estas questões ditará o desenho mais apropriado. Depois de conhecer os propósitos do site, é vital que se proceda à sua 342 planificação, através da construção de um organigrama que identifique as várias páginas Web, as ligações entre elas e a sua estrutura. O desenho de uma página Web deve começar pela criação de uma hierarquia visual consistente, na qual é atribuída ênfase aos elementos mais importantes, sendo o conteúdo organizado de uma forma lógica e previsível. Tenta-se criar padrões que ajudem o leitor a compreender a organização da informação. Esta tarefa consiste na criação de uma grelha na qual se deve identificar os blocos de informação, determinar as dimensões, assinalar as posições, manter as separações e escolher os contrastes. De uma forma idêntica à tipografia, as páginas devem quase sempre procurar o equilíbrio. Ele constitui a referência visual mais forte e firme do Homem, como base consciente e inconsciente para a formulação de juízos visuais (Dondis, 1990). “O equilíbrio continua sendo a meta final de qualquer desejo a ser realizado, de qualquer trabalho a ser completado, qualquer problema a ser seleccionado” (Arnheim, 1980: 28). Para além do equilíbrio, a percepção visual é afectada por vários outros factores. A disposição da informação deve seguir o fluxo de leitura (nos países ocidentais: esquerda-direita; cima-baixo), o texto e as imagens devem destacar-se do fundo, assim como devem ser criados contrastes visuais, evitando-se páginas insípidas. Design Tipográfico e Design para a Web Com o advento da World Wide Web, emergiram várias abordagens com o intuito de discutir o paralelismo entre o design tipográfico e o design para a Web. Analisando as várias abordagens, parece-nos óbvio que muitas das regras tipográficas foram adoptadas pelo design para a Web, embora se tratem de medias com características bem distintas. Num jornal, os olhos do leitor caminham em cima da informação, retendo selectivamente os objectos. A justaposição espacial ajuda a evidenciar os vários elementos da página. Numa página Web, o leitor chega à informação pelo movimento das mãos sobre o rato ou teclado. As relações com a informação são expressas, temporalmente, como parte de uma interacção e movimento do utilizador (Nielsen, 2000b). A leitura é também 25% mais lenta no ecrã (Nielsen, 2000a). Problemas do Design para a Web O design para a Web apresenta vários problemas, fruto dos diferentes recursos que cada leitor possui, tais como, o ecrã, o acesso à Internet, a plataforma operativa ou o browser (programa de navegação). A página ao ser desenhada, deve ter em conta todas as resoluções de ecrã e o número de cores disponíveis nos mesmos. O leitor pode aceder à Internet através do seu computador de secretária, do seu computador portátil, do seu computador de bolso, do seu telemóvel, do seu auto-rádio ou mesmo do seu frigorífico. A evolução tecnológica é estonteante e os designers devem ter em conta essa evolução, mas nunca devem esquecer os leitores que não conseguem acompanhá-la. 343 O acesso à Internet pode ser realizado utilizando um modem, uma placa RDIS, ou através de banda larga. Em qualquer das situações, o leitor exige aceder rapidamente à informação. As páginas devem ser sempre desenhadas com a velocidade em mente (Nielsen, 2000a). “Human-factors research has shown that for most computing tasks the threshould of frustration is around 10 seconds” (Lynch e Horton, 2000). A página deve funcionar bem em qualquer plataforma, nomeadamente Windows e Machintosh. Trata-se de uma tarefa difícil, pois existem comportamentos que são muito difíceis de eliminar. Os tipos de letra diferem entre ambas as plataformas; o mesmo tamanho de letra tem uma dimensão maior numa plataforma Windows. De igual modo, as imagens aparecem mais escuras numa plataforma Windows, entre outras diferenças (Gillespie, 1999). Os browsers têm sido protagonistas de uma fugaz evolução, dificilmente acompanhada por todos os leitores. Neste momento, coexistem browsers poderosos com browsers que apenas conseguem reproduzir texto. Será aceitável que os utilizadores não possuam todos os benefícios pela utilização de um browser antigo, não será, no entanto, aceitável que a página quebre ou não consiga ser vista através desse browser. Por outro lado, mesmo entre os mais populares (Microsoft Internet Explorer e Netscape Navigator), a página tem comportamentos diferentes, sendo difícil optimizá-la para ambos os browsers. O obstáculo torna-se ainda mais doloroso, quando se compara as versões dos referidos browsers nas plataformas Windows e Machintosh. “In a perfect world, all browsers on all platforms interpret HTML code in the same, consistent way and Web page design would be easy. In reality, ignorance is bliss and the more you know about Web design, the more difficult it becomes. The moral to all this is that simpler your design is, the less problems you are likely to have”(Gillespie, 1999). Organização da informação Enquanto que no design tipográfico o tamanho do papel é conhecido, no design para a Web, não é possível saber qual o tamanho do ecrã em que a página será visualizada. As páginas não devem, no entanto, possuir conteúdos muito extensos, devendo dividir-se a informação por diversas páginas, pela correcta utilização das potencialidades do hipertexto. Dever-se-á, também, evitar que os leitores recorram ao “scrolling” horizontal, isto é, à utilização das barras de deslocamento horizontal, de forma a poderem visualizar todo o conteúdo da página. As páginas Web devem, igualmente, tentar economizar e optimizar o espaço disponível, evitando que seja dedicado mais espaço à navegação, publicidade e outros, que aos próprios conteúdos da página. O espaço em branco, espaço no ecrã que não é ocupado, e que pode não ser necessariamente branco, deve ser utilizado para dar simetria e equilíbrio ao ecrã, evitando layouts extremamente densos. O espaço em branco é, também, necessário para ajudar os utilizadores a perceberem e a agruparem a informação. Existem vários mecanismos para facilitar a organização da informação, entre os mais importantes estão as tabelas, as listas e as frames. 344 Utilização de Tabelas As tabelas permitem apresentar a informação de uma forma simplificada, facilitando a leitura, assim como permitem ter pleno controlo do alinhamento da informação contida nas suas células. Muitos layouts de páginas só são possíveis pela utilização destas. Embora as tabelas sejam muito úteis, é necessário evitar o uso de tabelas muito longas e, sempre que isso se verifique, devem ser quebradas verticalmente. Os títulos de uma tabela devem distinguir-se do conteúdo da tabela. A utilização do negrito ou da cor pode ser uma solução. Por outro lado, deve-se tentar minimizar o uso de limites, uma vez que estes distraem o olhar. Utilização de Listas As listas são um meio de apresentação de informação muito importante nas páginas Web. Segundo Ladd e O’Donnel (1996), as listas dividem-se em três tipos: listas com marcas (Bullet lists), listas ordenadas (Ordered Lists) e listas de conceitos (Definition Lists7). Nas listas com marcas, cada elemento é antecipado por uma marca. Este tipo de lista é óptimo para apresentar várias hiperligações, referências bibliográficas, etc.. A forma objectiva desta apresentação dá relevo a cada elemento da lista. As listas ordenadas impõem uma ordem de apresentação dos elementos, sendo muito importantes quando a leitura dum elemento carece da leitura dos anteriores. Nas listas de conceitos, cada elemento é seguido por uma descrição indentada. Estas listas permitem fazer a distinção dos termos ou conceitos, tornando agradável a leitura dos mesmos. Utilização de Frames Quando a janela de um browser é dividida em várias partes autónomas, cada parte é designada por frame. Cada frame permite mostrar um documento, o que possibilita ter várias páginas expostas no mesmo ecrã. A utilização de frames é uma boa forma de apresentar ferramentas de navegação, tabelas de conteúdo, logótipos, motores de pesquisa, entre outras. Trata-se de uma técnica muito interessante para organizar e estruturar o conteúdo de um Web site. Porém, pode trazer alguns problemas ao nível do posicionamento, referenciação e impressão. Navegação A navegação deve ser assegurada em todas as páginas, fazendo uso de ligações em barras de navegação, menus, índices, imagens, texto, etc.. Quando as ligações são realizadas através do texto designam-se de hiperligações. Ao criarem-se hiperligações, deve ser evitada a “linking-mania”, isto é, a criação de uma hiperligação sempre que uma palavra-chave é mencionada no texto (Borges et al., 1995), bem como hiperligações a partir de títulos longos. “Link titles should be less than 80 characters, and rarely should they ever exceed 60 characters. Shorter link titles are better” (Nielsen, 2000a: 62). 7 Também designadas por Nested Lists (Detweiler e Omanson, 1996). 345 . A utilização da cor nas hiperligações torna mais rápida a sua percepção, ao mesmo tempo que o utilizador é informado se esta já foi visitada. Vulgarmente, é utilizada a cor azul para a hiperligação por visitar, a cor violeta para a hiperligação visitada e a cor vermelha para a hiperligação activa. A utilização destas cores depende, porém, do fundo escolhido. A utilização de um índice de conteúdos pode constituir igualmente um precioso mecanismo de auxílio à navegação, pois facilita a compreensão da organização da informação (Thüring et al., 1995). A disponibilização de ferramentas de acesso rápido à informação, nomeadamente um motor de pesquisa, é também muito importante (Hill et al., 1993). Segundo Nielsen (2001b), os utilizadores adoram o motor de pesquisa, porque este lhes permite controlar o seu destino, para além de servir de bóia de salvação, quando estes estão perdidos no oceano de informação de um Web site. A utilização de metáforas é também muito comum neste domínio, pois facilita a compreensão do propósito e função das ferramentas de navegação (Nielsen 1990; Detweiler e Omanson, 1996). Legibilidade Ao longo dos tempos, foram-se desenvolvendo princípios do domínio tipográfico, como resposta ao modo como lemos, que também devem ser tidos em conta nas páginas Web. A dimensão, a força, a orientação, a harmonia e a simplicidade são factores que influenciam a legibilidade. Isto é, o modo como se processa a visualização e a percepção das letras e palavras numa página. Numa breve análise, pretende-se enumerar algumas directrizes neste domínio. A letra, embora inconscientemente, é um agente persuasivo. Atrai a atenção, define o estilo e o carácter do documento, interferindo na maneira como o leitor interpreta as palavras. Diariamente, os olhos do leitor são invadidos por inúmeros tipos de letra, que, por vezes, sem se dar conta, passam a ser conotados com o objecto lido. Não existem bons e maus tipos de letra, existem tipos de letra apropriados e inapropriados (Will-Harris, 2000). A sua escolha deve condizer com o fim a que se destina o texto, promovendo a fácil leitura e nunca se impondo ao texto. Escolher um tipo de letra para uma página Web exige, contudo, várias outras precauções. Numa primeira perspectiva, deve ser abordado o uso de tipos de letra com ou sem serifas. Nos meios tipográficos, o tipo serifado é o mais comum, existindo estudos que comprovam uma maior facilidade de leitura (Gillespie, 1998). Nas páginas Web, os tipos sem serifas são os mais utilizados. Segundo Chan (1997) a maioria dos tipos serifados, apresentam um aspecto confuso, pelo facto de ser extremamente difícil reproduzir as serifas na baixa resolução dum ecrã de computador, não devendo ser utilizados em páginas Web. Nielsen (2000a) defende que deve ser utilizado um tipo sem serifas, quando o tamanho do texto é pequeno, e propõe o Verdana. Já, em tamanhos grandes, refere que se pode utilizar um tipo serifado. Não devem ser utilizados muitos tipos de letra no mesmo Web site. O principal objectivo da utilização de mais do que um tipo é realçar ou separar uma parte de outra. Quando se utilizam muitos tipos, o leitor fica incapaz de distinguir o que é e o que não é importante. Murthy (1997) defende a utilização máxima de quatro tipos. Se for necessário combinar vários tipos de letra, deve-se evitar fazê-lo entre os que têm um aspecto muito semelhante. A falta de contraste leva a que o leitor os interprete como se de um só se tratasse. Os tipos de letra devem, igualmente, 346 ser usados com consistência. Na verdade, o uso inconsciente dos mesmos conduz a um “olhar desordenado” e a uma confusão, na estrutura e organização do documento. Os tipos de letra devem ser vulgares. Se o computador do utilizador não possuir o tipo de letra, não conseguirá ver correctamente os conteúdos. É preciso assegurar igualmente que este funcione bem nos diversos tamanhos. Será importante referir que qualquer tamanho especificado num computador Machintosh será visto pelo menos 33% maior num computador com o sistema operativo Windows (Gillespie, 1999). Estas últimas limitações tendem a ser superadas pelo uso de folhas de estilo que são suportadas pelos programas de navegação Microsoft Internet Explorer e Netscape Navigator a partir das versões 4.0. O espaçamento entre letras deve ser uniforme, não incorrer em extremos e atender a factores como o tipo, o tamanho e o peso de letra. Por outro lado, o espaçamento das palavras deve ser proporcional ao espaçamento das letras, para que estas últimas fluam graciosa e ritmicamente em palavras e as palavras em linhas (Carter, 1997). A alteração da integridade do tipo de letra conduz-nos ao conceito de morfologia. Trata-se de uma ferramenta utilizada pelos designers para exploração de possibilidades tipográficas e pesquisa de novas alternativas. Carter (1999) apresenta uma morfologia com 25 variáveis tipográficas, divididas em quatro categorias, conforme apresentamos no quadro 1. Factores tipográficos Caixa, tipo, tamanho, inclinação, peso, largura. Factores de forma Fusão, distorção, elaboração, contorno, textura, dimensão, tonalidade. Factores espaciais Equilíbrio, direcção, fundo, agrupamento, proximidade, repetição, ritmo, rotação. Factores de apoio Linhas, formas, símbolos, imagens. Quadro 1: Morfologia do tipo de letra segundo Carter (1999) O texto regular deve ter um tamanho igual ou superior a 10 pt (Nielsen, 2002) e não deve ser escrito utilizando apenas letras maiúsculas. A utilização exclusiva de letras maiúsculas ocasiona blocos de texto com uma aparência uniforme que diminuem em cerca de 10% a velocidade de leitura (Nielsen, 2000a). ”As palavras em maiúsculas só deverão ser utilizadas quando fiquem em posição destacada no ecrã ou no caso de designarem títulos” (Moderno, 1997: 20). Em termos tipográficos, é frequente a utilização do negrito, do itálico e do sublinhado. Nas páginas Web, faz-se uso do negrito e da cor. O sublinhado, nas páginas Web, aparece associado às hiperligações, se for usado noutra qualquer circunstância, poderá confundir os leitores. O 347 texto itálico deve ser evitado, sobretudo em tamanhos de letra pequenos, pela difícil leitura e pelo aspecto atroz. A orientação do texto deve ser sempre horizontal. O texto escrito verticalmente e, sobretudo, invertido proporciona uma difícil leitura. Por seu lado, o texto deve ser alinhado à esquerda, a leitura processa-se mais rapidamente desta forma do que num texto alinhado à direita, centrado ou justificado (Nielsen, 2000a). De forma a melhorar drasticamente a leitura do texto, as linhas devem ser curtas, não excedendo os 50 caracteres e o espaçamento entre linhas deve ser 1,3 vezes o tamanho do tipo de letra utilizado (Caspers, 2000). O texto flui naturalmente, quando existe uma relação harmoniosa entre tamanho da letra, comprimento da linha e espaçamento entre linhas. Os parágrafos devem ser indicados através da introdução de um espaço suplementar entre eles ou através de um avanço, de forma a não prejudicar a integridade e a consistência visual do texto. A cor do texto deve contrastar com o fundo, pouco contraste pode originar uma difícil leitura. Nielsen (2000a) defende que a legibilidade óptima se consegue combinando texto de cor preta em fundo de cor branca. Briem (1999) corrobora da mesma opinião e acrescenta que texto branco em fundo preto, embora seja atraente, torna a leitura detestável. Richaudeau (1984) apresenta, no entanto, testes que mostram exactamente o inverso. Gillespie (2000) é favorável à opinião de Richaudeau, argumentando que a leitura de texto preto em fundo branco é muito difícil devido ao brilho ofuscante desta combinação. A solução pode passar por outras cores como o azul, devendo evitar-se vermelhos e verdes com pouco saturação ou luminosidade, por serem facilmente confundidos por pessoas daltónicas. Inteligibilidade As pessoas raramente lêem as páginas Web palavra a palavra, em vez disso, passam uma vista de olhos pela página, seleccionando palavras e frases. Jonh Morkes e Jakob Nielsen realizaram um estudo em que apenas 16% de leitores liam efectivamente palavra a palavra (Nielsen, 1997). Nesta perspectiva, é impreterível que se tomem medidas que assegurem a inteligibilidade. A linguagem deve ser acessível a todos os utilizadores. Se for necessário incluir termos técnicos, deve ser mencionado o tipo de utilizador a que se destina o documento ou devem ser fornecidas definições e descrições que clarifiquem esses termos. Estes devem ser usados consistentemente em todo o documento. Sempre que possível a informação deve ser escrita segundo a “pirâmide invertida”, princípio das escolas de jornalismo. Inicia-se com uma pequena conclusão e depois parte-se para o desenvolvimento gradual. Devem ser usadas frases curtas, para facilidade de leitura e entendimento, e deve-se tentar respeitar a norma de uma ideia por parágrafo. A utilização de abreviaturas deve obedecer a regras consistentes e só deve acontecer, quando a abreviatura é nitidamente mais curta que a palavra, ou, quando esta é mais significativa para o utilizador que a própria palavra (Brown, 1988). Os títulos devem ser expressivos, assim como devem ser evidenciadas palavras-chave no documento. As listas devem ser apresentadas em colunas, uma vez que, dispostas em linhas, são mais difíceis de ler e compreender. Recomenda-se, também, a utilização de numeração árabe em vez da romana, porque esta última diminui a velocidade de leitura. 348 Quando se recorre a menus, a ordem dos itens deve seguir uma sequência natural (ordem cronológica, ordem numérica, propriedades físicas, etc..). Caso não seja possível, torna-se necessário recorrer a outras possibilidades como a ordem alfabética, o grau de importância, a frequência de utilização ou o relacionamento entre os itens. A velocidade com que o utilizador percorre os menus pode ser determinante no seu sucesso. Os títulos dos menus devem ser simples e centrados ou alinhados à esquerda. Os itens devem ser alinhados à esquerda, devendo ser utilizados espaços para separar os diferentes grupos. Se forem utilizados formulários, é necessário que as etiquetas sejam significativas e estejam próximas da caixa de resposta, que a tecla “TAB” permita percorrer todos os itens e que sejam implementados métodos de correcção de erros. As mensagens de erro devem apresentar uma linguagem simples (sem códigos ou convenções desconhecidas), ser esclarecedoras do erro e ajudar o utilizador a resolvê-lo (Nielsen, 2001a). A utilização de ajudas permite aumentar a inteligibilidade de qualquer sistema, devendo estas estar sempre disponíveis. Através delas são fornecidas informações ao utilizador sobre o modo como usar o Web site e dos seus objectivos. Cor Ao contrário da maioria dos animais, os seres humanos têm capacidade de percepcionar as diferenças quantitativas e qualitativas da luz. A esta capacidade chama-se visão da cor. Os monitores típicos (monitores de tubo de raios catódicos) produzem a cor usando três feixes de electrões: vermelho, verde e azul. Se olharmos de perto para o ecrã, é fácil constatar que as imagens são formadas por pequenos pontos de luz denominados pixels. Estes pontos emitem a luz, quando são atingidos pelos feixes de electrões, projectados pelos canhões de electrões. Cada pixel é composto por três pequenos pontos coloridos de fósforo: vermelho, verde e azul. O feixe vermelho activa o ponto de fósforo vermelho, o feixe verde o fósforo verde e o feixe azul o fósforo azul. A aparência da cor é caracterizada pela tonalidade, pela luminosidade e pela saturação (Ribeiro, 1987). A tonalidade é a característica qualitativa de uma cor. Poder-se-á dizer que é a gradação de uma cor. A luminosidade prende-se com a capacidade de reflexão da luz. A saturação é a característica quantitativa de uma cor. Considera-se mais saturada a cor que menos branco ou preto contiver, isto é, a mais pura. A consistência é muito importante no uso da cor. A ordenação intuitiva das cores no espectro pode ajudar na construção de um Web site intuitivo. Deve-se evitar mudar o significado das cores em diferentes páginas do mesmo Web site, assim como se deve evitar o uso de diferentes tons de uma cor para ideias ou conceitos diferentes. O número máximo de cores por ecrã deverá situarse entre quatro e sete (Preece et al., 1994; Shneiderman, 1998). Outro factor importante no uso da cor é a clareza. Experiências demonstraram que o tempo de procura de um item diminui se a cor desse item for indicada, antecipadamente, e se a mesma apenas for aplicada a esse item. O uso eficiente da cor requer uma coordenação cuidada das cores e dos seus níveis de intensidade. O uso de uma combinação errada poderá causar ilusões que provocarão, posteriormente, cansaço de vista ao leitor. 349 Para se chegar a uma combinação de cores que não tenha efeitos secundários é necessário seguir algumas técnicas conceptuais, nomeadamente o quadro sugerido por Brown e Cunningham (1989). Cor do texto Melhores cores Piores cores Branco Preto, Azul Cyan, Amarelo Preto Amarelo, Branco Azul Vermelho Preto Azul, Violeta Verde Preto, Vermelho Cyan Azul Vermelho, Branco, Amarelo Preto Cyan Azul, Vermelho Verde, Branco, Amarelo Violeta Preto, Azul Cyan, Verde Amarelo Preto, Azul, Vermelho Cyan, Branco Quadro 2: Combinação de cores (adaptado de Brown e Cunningham, 1989). Cor de fundo A fidelidade da cor é outro factor que influencia o aspecto de um Web site. Se o ecrã estiver demasiado brilhante, o preto não será puro; por outro lado, se ele estiver demasiado escuro o branco não será puro; se ambas as regulações não estiverem correctas, então o contraste não é suficientemente grande. O que acontece entre estes extremos é regulado pelos valores dos raios gama. Para se atingir a melhor tonalidade e a melhor fidelidade de cor em todas as plataformas, é necessário que se trabalhe usando o valor 2,2 de raios gama (Gillespie, 1999). Outro elemento que merece consideração é a paleta de cores que o computador do utilizador possui. Isto é, o número de cores que consegue exibir. Em poucos anos, a maioria dos computadores passou de uma paleta de 256 cores para uma paleta com vários milhões de cores. A este fenómeno não foram alheias a evolução das placas gráficas e a sua redução de preço, assim como a redução do preço da memória. A cor é de tal modo importante que afecta profundamente os nossos estados emocionais e influencia as nossas vidas, o nosso sentido de humor, a nossa capacidade de trabalho. O vermelho é inspirador, quente, apaixonado, sangrento, revolucionário, agressivo, vigoroso, impulsivo, excitante. Está associado ao perigo, à tensão, à excentricidade e ao poder. O amarelo é energético, brilhante, optimista, soalheiro, activo, estimulante, memorável, intelectual, imaginativo, idealista e cauteloso. Estimula, espiritualmente, e promove a conversação. O castanho é pesado, sensível, confortável, estável e quente. Tem um efeito calmante e está relacionado com pessoas mais velhas. O violeta é uma expressão de identificação e decisão, mas também de seriedade, uma tendência para o silêncio. O azul é excelente para trabalhar com ideias. É sereno, calmo, fresco, pacífico, tranquilo, justo, conservador e relaxante. O verde é natural, fértil, calmo, refrescante, próspero, jovem, saudável, tenso e firme. É exteriormente defensivo e, interiormente, protector. Permanece entre o quente e frio, traz calma e segurança. O preto é sério, distinto, profissional e compacto. É usado em áreas, onde as cores das restantes coisas se supõe terem impacto, está relacionado com o diabo, com o mal, com a escuridão, com o terror e com a infelicidade. O cinzento significa balanço, necessidade de paixão e é a fronteira entre o sim e o não. O cinzento é passivo, tem pouca vida própria. O branco é pureza, 350 neutralidade e leveza. Permite o mais alto grau de desenvolvimento humano (Marques et al., 2000). As pessoas interagem com o mundo através de um modelo mental desenvolvido pela própria sociedade. O uso apropriado da cor comunica factos e ideias mais rapida e eficientemente ao utilizador. Segundo Arnheim (1980), Rorschach descobriu que os indivíduos de carácter alegre respondem com mais frequência à cor, enquanto as pessoas depressivas respondem com mais frequência à forma. “Em termos gerais, na visão da cor, a acção parte do objecto e afecta a pessoa, mas, para a percepção da forma a mente organizadora vai ao encontro do objecto. Uma aplicação literal desta teoria poderia levar à conclusão de que a cor produz uma experiência essencialmente emocional, enquanto a forma corresponde ao controlo intelectual” (Arnheim, 1980: 327). Em termos funcionais, pode abordar-se a cor nos aspectos denotativo, conotativo e esquemático. O aspecto denotativo está vinculado ao mundo da representação do real. Quando a cor é utilizada na sua capacidade de representação figurativa, isto é, incorporada nas imagens realistas da fotografia ou da ilustração, trata-se da cor enquanto o atributo natural das coisas. O aspecto conotativo evoca o mundo dos valores psicológicos, a sensação sobre o espírito. As suas variáveis são a psicologia e o simbolismo. O aspecto esquemático relaciona-se com o campo dos códigos da funcionalidade e também do arbitrário e do espontâneo. Todo o tipo de letra possui características únicas que devem ser tomadas em consideração na escolha da cor. Estas características incluem proporção, peso, largura, presença ou ausência de serifas e excentricidade do design. A cor é, também, afectada pelo espaçamento entre letras, palavras e linhas. Quanto maior este for, mais clara será a tonalidade da cor. É essencial que estes e outros factores sejam levados em conta na utilização da cor, de forma a obter-se uma legibilidade máxima. Imagens A imagem funciona como uma ilusão fornecida ao espectador da coisa que ela representa (Moles, 1990). A imagem transporta numerosas informações, permite transpor o tempo e o espaço e é polissémica. Outras características da imagem são a iconicidade, pela semelhança com o modelo; a complexidade, pelo conjunto de elementos que a constituem; a normatividade, pelo uso rigoroso de leis e regras; a universalidade, pelos signos ou figuras simbólicas; a historicidade, pelo valor documental; a estética, pela carga conativa; e o fascínio, pela capacidade de retenção do olhar. “L´image, elle, est appréhendée globalement. Elle envahit notre univers intérieur en un instant. Elle touche notre sensibilité, elle nous atteint comme un coup de Jarnac. C´est pourquoi l’image estelle le langage privilégié de la propagande, de la publicité et de toutes ces communications subversives, déguisées, retorses” (Cossette, 1982: 175). 351 A utilização de ícones é muito frequente. A linguagem do ícone e o seu potencial comunicativo são preponderantes na criação de uma interacção mais fácil e amigável com o computador (Saraiva, 1997). De acordo com Preece at al. (1994), os ícones podem ser classificados em quatro categorias: ícones semelhantes, exemplares, simbólicos e arbitrários. O seu significado é dado pelo contexto em que este se insere, pela natureza da tarefa para a qual vai ser usado, pela forma pictográfica utilizada, pela natureza do conceito subjacente e pela diferenciação com os restantes ícones (Preece et al., 1994). Para diminuir a confusão acerca do seu significado, pode ser utilizada uma designação verbal que seja mostrada simultaneamente (Carvalho, 1999). Os ícones permanentes devem surgir no mesmo local em todas as páginas, facilitando ao utilizador a interiorização da sua localização e função (Carvalho, 1999). Também deve ser assegurada a diferenciação entre um ícone seleccionado e os restantes e, quando se revelar benéfico, deve-se adicionar animação aos ícones. O uso de fotografias é também muito valorizado já que estas permitem ajudar a relacionar as informações que estão a ser apresentadas com a realidade. A fotografia pode tornar o texto menos abstracto para o utilizador, facilitando a memorização dos conceitos (Saraiva, 1997). O processo de leitura de uma imagem engloba três fases: a percepção, a interpretaçãoconceptualização e a reinterpretação-reconceptualização. Na primeira fase, o leitor recebe o estímulo visual da imagem, na segunda, cria o modelo conceptual e, por fim, a reinterpretaçãoreconceptualização da imagem irá originar o modelo mental, que traduzirá as relações cognitivas entre o sistema e o leitor (Cruz, 1999). Nas páginas Web, as imagens são uma preciosa forma de comunicar. Contudo, deve-se ter atenção ao seu tamanho em termos de bits. O tamanho da imagem varia consoante o número de pixels, o número de cores e pela compressão utilizada. Os formatos de imagem recomendados são o GIF (Graphics Interchange Format), o JPEG (Joint Photographic Experts Group) e o PNG (Portable Network Graphics). O formato GIF é o mais apropriado para imagens com grandes áreas de cor homogénea como esquemas ou gráficos. Isto, porque esse tipo de imagens é normalmente mais simples, com menos detalhe, resultando em ficheiros mais pequenos. O formato JPEG, por sua vez, e dado o tipo de algoritmos que implementa, é o mais apropriado para imagens fotográficas. Nesse tipo de imagens, mais detalhadas e de formas mais irregulares, o formato JPEG resultará em ficheiros mais perfeitos e mais reduzidos. O formato PNG foi criado com o intuito de substituir formato GIF, todavia, ainda não é suportado por todos os programas de navegação. Devem ser incluídos os atributos de altura e largura da imagem, para que o browser possa formar o layout da página mais rapidamente. Deve, também, ser utilizado um texto alternativo para descrever a imagem enquanto está a ser descarregada e, sempre que possível, deve proceder-se a reutilização de imagens, uma vez que a imagem após descarregada, fica na memória do computador do leitor. Outro aspecto importante é a escolha das cores dos fundos de imagem. Segundo Moreira (1999), é frequente verificar-se a escolha de cores claras, como o branco, porque, geralmente, todas as cores da imagem são mais escuras do que o espaço que as envolve, o que transforma esse espaço completamente distante (psicologicamente) da imagem. 352 Animação, Vídeo e Áudio A animação, através de imagens ou de texto, tem um poderoso efeito na visão periférica humana, fixando o olhar do leitor (Nielsen, 2000a). A sua utilização para demonstrar processos é usual (Boyle, 1997), contudo, a sua má utilização pode torná-la num elemento distrator, provocando a desconcentração do utilizador. O vídeo é, normalmente, o media mais exigente em termos de recursos de hardware e software. Em virtude da quantidade de dados associada a este tipo de informação, as técnicas de compressão, nomeadamente a MPEG – Motion Picture Experts Group, são elementos fundamentais, seja qual for o fim planeado para utilização desta representação (Coutinho, 1997). Os vídeos disponíveis, nas páginas Web, são curtos e, geralmente, servem de complemento ao texto e imagens. O áudio é uma representação da variação de pressão das ondas transmitidas pelo ar por meio de ondas eléctricas. Essa representação pode ser feita de forma digital, passando a designar-se de áudio digital, ou através de instruções que contêm informação acerca de instrumentos, notas, tempos, etc., de um som, designando-se por representação MIDI - Musical Instrument Digital Interface (Coutinho, 1997). Trata-se de um elemento aliciante mas a sua utilização constante pode ser sinónimo de repulsão, se o leitor o considerar detestável. Por outro lado, é preciso ter a certeza de que todos os utilizadores possuem os recursos necessários para o reproduzir. Outro aspecto importante é criar um mecanismo que permita desligar o elemento áudio sempre que o utilizador o desejar (Boyle, 1997). Conclusão Numa sociedade rendida ao poder da Internet e ao sucesso da World Wide Web, a análise do comportamento dos elementos scripto no design para a Web é de extrema importância para o melhoramento da capacidade de utilização das páginas Web. Diariamente, assiste-se ao nascimento de milhares de Web sites por todo o mundo. Infelizmente, e à imagem do que aconteceu recentemente em Portugal, os estudos revelam que a maioria destes sites possuem uma má qualidade, denunciadora do grande amadorismo dos seus criadores, dos grandes problemas de compatibilidade e da falta de regras sólidas no design para a Web. Este trabalho procurou mostrar quanto complexa esta “arte” é. A este facto não está alheia a alucinante e despreocupada evolução da World Wide Web, sem que tivesse sido amparada metodologicamente. Todavia, as contribuições da ciência tipográfica e os recentes estudos no design para a Web têm vindo a contrariar esse vazio. Não se trata, contudo, de um processo pacífico e, como se constatou neste trabalho, são várias as divergências de opinião entre os especialistas neste domínio. Entre elas, destaca-se a consideração, ou não, da animação do vídeo e do áudio como elementos scripto. Estamos, também, perante um novo espaço que se abre para os especialistas em pedagogia cognitiva (Calvani, 1990). A concepção de Web sites exige, para além de um grande rigor informático, um igual rigor no que respeita ao factor humano. A contribuição da ergonomia cognitiva visa obter a fiabilidade operacional entre Homem-Computador, contribuindo, decisivamente, para esse rigor. Foram vários os aspectos do design para a Web retratados neste trabalho, todos eles de extrema importância para o sucesso de um Web site (organização da informação, legibilidade, inteligibilidade, cor, imagens, animação, áudio, vídeo). Aliadas a estes, devem estar a criatividade, a imaginação, a intuição e a sensibilidade dos designers. A experiência e os 353 conhecimentos técnicos aliados à sensibilidade pessoal, à intuição e à imaginação criadora conduzem à arte (German-Fabris, 1973). As tendências actuais giram, no entanto, à volta da simplicidade e da standartização. Fenómeno a que não são alheias: a tentativa de compatibilização entre as diversas plataformas; a interacção entre os diversos Web sites; a Internet móvel; e o absoluto desejo de rapidez. Nielsen (2000a) refere que actualmente os utilizadores preferem Web sites rápidos a Web sites imaginativos. Segundo este autor, pode estar mesmo a perspectivar-se o fim do design para a Web (Nielsen, 2000c). Será? 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O quadro interactivo da SMART é um dispositivo que combina essas qualidades, oferecendo experiências de aprendizagem partilhadas a grupos de alunos, bem como desenvolver ambientes de aprendizagem à distância. Utilizar as novas tecnologias, no processo de ensino aprendizagem, é um dos objectivos dos Quadros Interactivos Multimédia. O Smart Board é um quadro interactivo para salas de aula, que permite, a professores e alunos, aceder e controlar qualquer aplicação de computador ou plataforma multimédia, incluindo Internet, CD-ROMs e DVDs, com um simples toque. Para isso é necessário ter o seguinte equipamento: Um Smart Board Um PC, Multimédia, com ligação USB Um projector de vídeo SMART Board software (disponível para download) É possível preparar os conteúdos das aulas previamente, inserindo textos, imagens, vídeos, ou simplesmente introduzindo documentos do Word e Excel sem existir o quadro Smart Board, graças ao software (NoteBook). Ao longo da aula pode complementar a sua apresentação com novas informações. 357 Pode, por exemplo, legendar uma figura ou resolver um problema matemático. Pode interagir com software variado, Internet e conteúdos elaborados por si, através de um simples toque na superfície do Smart Board. Pode também destacar conteúdos, como por exemplo, realçar a localização de um país num mapa, durante a apresentação, utilizando as “canetas” especiais que acompanham o Smart Board. Os alunos não necessitam de copiar os conteúdos, ficando mais atentos à explicação dada pelo professor que, no final da aula, poderá gravar os conteúdos apresentados, para posteriormente os colocar na rede da escola, na Página Web da Escola ou pessoal, ou envia-los por e-mail aos seus alunos. Este software permite gravar a informação em vários tipos de ficheiros (pdf, html, etc…). O Smart Board é produzido por uma empresa canadiana SMART Technologies Inc, que neste momento se encontra a desenvolver estudos acerca do impacto das novas tecnologias no ensino e na aprendizagem. Neste sentido, o Centro de Competência “Entre Mar e Serra” foi escolhido pela Smart Ibérica para coordenar a experiência em Portugal, em articulação com projectos similares a implementar em três regiões espanholas – Catalunha (Universitat Autónoma de Barcelona), Castilha e Leon (Universidad Nacional de Educación a Distancia) e Navarra (Universidad de Navarra), com o objectivo de incrementar um projecto de investigação-acção sobre a utilização dos quadros no contexto da sala de aula. Na região Norte aderiram as escolas secundárias Francisco de Holanda e Caldas de Taipas, bem como os agrupamentos de Escolas de Ponte e Escolas de Pevidém. Em Abril deste ano, foram definidas duas Oficinas de Formação para as equipas envolvidas neste projecto. Nestas Oficinas de Formação, definiu-se como metodologia, as estratégias que atestassem dinâmicas activas e que promovessem todo um conjunto de actividades e trocas de experiências, na utilização e exploração pedagógica das Tecnologias da Informação e Comunicação. Desta forma, assegura uma relação mediadora entre a realidade concreta/experiências dos agentes educativos com os conteúdos da acção e os conteúdos curriculares das diferentes áreas disciplinares, por forma a proporcionar na prática pedagógica o desenvolvimento integral, contínuo e harmonioso dos alunos e indo de encontro às suas expectativas. Foram, ainda, debatidas algumas metodologias, nomeadamente: • • • • Instalação e funcionamento do quadro interactivo; O quadro interactivo multimédia e as dinâmicas na sala de aula; Síntese e apresentação de matérias elaboradas pelos formandos, no âmbito das suas disciplinas; Debate de experiências e projectos na sala de aula com os formandos. O quadro interactivo foi utilizado como a metodologia principal e imprescindível para a realização das sessões. Esta metodologia utiliza um dispositivo de apresentação que é ligado a um computador. As imagens do computador são projectadas para o quadro através de um 358 projector digital, onde podem ser vistas e manipuladas. Os utilizadores podem controlar o software no computador ou no próprio quadro e, podem adicionar notas e clarificar alguns pontos, usando as canetas do próprio quadro. Utilizando o seu dedo como um rato, o professor ou o aluno executam as aplicações directamente no quadro. Todas as notas ou desenhos podem ser guardados ou impressos e distribuídos aos alunos. O quadro electrónico interactivo é excelente para apresentações, tanto a nível empresarial, como educacional. Em contexto de sala de aula é uma ferramenta bastante prática, dado ser uma ferramenta muito colorida, tornando-se estimulante e motivadora. Os alunos tendem a reagir melhor a apresentações com o uso de cores e outras características que possam, eles próprios, configurar. A utilização deste quadro estimula alunos de todos os níveis de ensino, do ensino pré-escolar ao ensino universitário, pelo que existem relatos de grande sucesso, devido à interactividade permitida por este recurso. A educação à distância é outra potencialidade do quadro interactivo, pelo que podemos ter duas escolas a comunicar entre si numa aula de Matemática permitindo aos alunos participar nas actividades de ambas as escolas. O quadro desenvolve o pensamento crítico dos alunos, possibilita a interacção do grupo, sendo a sua utilização intuitiva e não requerendo a utilização de software específico. A sua utilização criativa está apenas limitada à imaginação de professores e alunos. Este tipo de quadros apresenta-se como uma ferramenta muito atractiva e limpas, devido ao uso de canetas e de apagadores electrónicos, ou do próprio dedo do utilizador. Alunos com capacidades motoras diminuídas ou limitadas podem também aceder ao quadro de uma forma atractiva e fácil. Relatos de professores indicam grandes sucessos, ao colocar estes alunos a escreverem com o próprio dedo. Por ser interactivo, os utilizadores poderão dar as suas contribuições, quer directamente no quadro, quer através do computador. O quadro interactivo permite acrescentar informações nas apresentações. É, de facto, bastante atractivo aos olhos dos alunos, devido a todas as suas potencialidades. Existem pesquisas que comprovam que a sua utilização aumenta a motivação e o interesse dos alunos pelas aulas, estimulando a sua participação. Os formandos demonstraram o seu testemunho acerca desta experiência formativa, com o intuito de reflectirem criticamente acerca da mesma. Alguns formandos referiram opiniões acerca desta Oficina de Formação, das suas aprendizagens e dos conteúdos abordados. Regina Campos: “A frequência nesta Acção de Formação revelou-se extremamente valiosa (…) a utilização dos quadros multimédia interactivos nas práticas educativas e pedagógicas é uma mais valia, importante para o desenvolvimento de competências que se exigem nos alunos em final de escolaridade mínima obrigatória” (…), “… senti que o número de horas dedicado não foi suficiente para ficar a dominar em pleno as potencialidades do Quadro Smart.”. Maria Manuela Ribeiro: “…considero que esta acção de formação foi interessante e educativa. Considero que todas as actividades, que se desenvolveram ao longo do período em que a acção decorreu, contribuíram para o conhecimento do Smart Board e foram exploradas em conformidade com a diversidade de formandos (…), “…penso que os principais objectivos desta 359 acção foram atingidos. Existiu espaço para troca de experiências, reflexão e informação. “ Foi importante (…) pela oportunidade que as crianças do Jardim de Infância tiveram em experimentar o Smart, “o quadro mágico” (como elas diziam), pelo interesse que demonstraram e pela alegria que transmitiram.” Lino Ramos: “…tive oportunidade de utilizar o quadro em contexto de sala de aula (…). A reacção dos alunos foi extremamente positiva, nota-se da parte deles (sobretudo) maior à vontade de participar em actividades realizadas no quadro. Da minha parte, também me sinto mais motivado, pois agora tenho mais uma “ferramenta” ao meu dispor para proporcionar aulas mais atractivas, mais motivadoras…” Eduardo Bueso: “Na elaboração dos trabalhos tentei ir de encontro à manipulação do quadro interactivo e, ao mesmo tempo, que estes se apresentassem de uma forma clara, de forma a consolidarem aprendizagens.” e “…esta acção foi francamente positiva, servindo para nos aproximar de uma nova forma de utilizar as TIC na sala de aula, pois esta tecnologia vem revolucionar por completo a dinâmica das aulas de qualquer escola.” Maria Luísa Morais: “A experiência foi bastante positiva e desde então todas as minhas aulas são com o Smart Board. (…) Os alunos adaptaram-se muito bem a esta nova tecnologia e a motivação para irem ao quadro é cada vez maior (…) Durante a acção a relação entre formandos e a troca de informações e ideias foi bastante positiva.” Maria Rosa de Feitas Ferreira: “...devo dizer que foi uma experiência enriquecedora, interessante e surpreendente, pois sabia que as crianças estão mais abertas à inovação (…). Vítor Melo: “…continuo convicto que são muitas as potencialidades desta tecnologia, principalmente se os utilizadores (professores) dominarem determinadas ferramentas informáticas para a criação de novos recursos didácticos…” João Manuel Pedro: “…a experiência foi bastante positiva, tanto pelo formador (…) quer pelos colegas (…). Penso, por isso, que a maioria dos colegas aprendeu bastante sobre esta nova tecnologia (…) e ficou consciente que ainda existe muito que trabalhar e praticar (…) para poderem dominar a tecnologia do Smart Board …” Verónica Neves: “…no final desta acção já com uma nova versão desta ferramenta tornou-se mais fácil e eficaz a produção de materiais, dando para perceber que esta nova tecnologia poderá vir a ser bastante útil em contexto de sala de aula:” Maria Ângela Baptista: “Penso, que a maioria dos colegas, ficaram conscientes que ainda existe muito que trabalhar e praticar para poderem dominar a ferramenta de trabalho, que lhes permitam alcançar algum sucesso na aprendizagem.” 360 Susana Pereira: “ As funcionalidades do Smart Board permitem uma economia de tempo na preparação de aulas, assim como uma participação diferente dos alunos nas actividades da sala de aula.” O contributo deste tipo de ensino está no fornecimento de competências técnicas e metodológicas, que permitam aos professores conciliar os seus conhecimentos na área pedagógica e científica, com as potencialidades destes novos meios tecnológicos e com o intuito de ultrapassar, inclusivamente, as barreiras físicas da sala de aula. Estes recursos poderão ser usados de forma interactiva pelos alunos, tanto dentro da sala de aula, como a partir de suas casas, promovendo a sociedade do conhecimento. Alguns links Apoio técnico (região Norte): http://www.famasete.pt/ Projecto português: http://www.aprenderconsmart.org/portugal/ Empresa Smart e conteúdos: http://www.smarttech.com/ Centro de Competência “Entre Mar e Serra” : http://www.ccems.pt 361 362 Elos literários Literatura asséptica: o triunfo da ode pessoana Carlos Machado Escola Secundária das Caldas das Taipas Uma revolução (in)findável Apesar de todos os estudos feitos ao longo destes últimos anos, em Portugal e no estrangeiro, a experiência de Orpheu continua a apresentar-se como uma aventura inesgotável, cujos limites de acção estão ainda longe de estar definidos. Este poço sem fundo, a imagem de um primeiro modernismo que ainda não conseguiu deixar de ser absolutamente moderno, continua a rebentar os diques hermenêuticos que cada um, a seu jeito, tenta construir, sobretudo quando os actores estão envolvidos nas lutas pela consagração promovidas pelo campo literário (Bourdieu, 1991). Em função do antagonismo de resultados produzidos, conclui-se facilmente que “desconhecer esse romance-drama que Pessoa foi escrevendo e representando ao longo da vida e meter-lhe na mão estandartes e na boca palavras de combate que só como personagem usou – é não só desentender Pessoa mas também falseá-lo para se servir dele. Assistese hoje a um fenómeno que seria cómico se não fosse funesto: os reaccionários querem-no reaccionário, os loucos, louco, os pederastas, pederasta, os bruxos, bruxo” (Lopes, 1990: 277). Assim sendo, cada um pretende reconstruir a ‘função-autor’ (Foucault, 2000) apropriada na sua tentativa de legitimação de uma história da literatura a construir. Contudo, o que nos interessa no espaço deste artigo não se prende com a (re)leitura interminável de Fernando Pessoa do ponto de vista dos poetas contemporâneos, como sombra eterna pairando sobre a produção escrita hoje feita e, nessa medida, resultando numa constante ‘angústia da influência’ (Bloom, 1973) sobre quem nele vê um porto de abrigo. Pelo contrário, importa aqui ver que relação se estabelece entre o texto pessoano e, mais propriamente, entre a obra futurista do seu heterónimo Álvaro de Campos e o campo pedagógico, pretendendo-se demonstrar como é que esta relação se traduz, frequentemente, numa forma de simplificação e naturalização de conteúdos temáticos, seguindo-se a regra do politicamente correcto1. Como se verá, isto resulta da imposição de grelhas de leitura que obedecem a pressupostos modernistas sobre o que é uma obra de arte literária e que, forçosamente, escamoteam os aspectos vanguardistas de uma produção inderrogavelmente dirigida a minorias sociológicas2. Deste ponto de vista, ver-se-á como é que a tentativa de levar Fernando Pessoa às massas resulta numa forma de naturalização inócua de aspectos semânticos, que não deixam de ser polémicos e fundamentais, apesar de escamoteados, prolongando-se através da instituição escolar parte da contra-revolução do modernismo português, que a revista Presença encetara, no entender de Eduardo Lourenço (1961). 1 Aquilo que sucede no campo literário em termos de apropriação da obra pessoana, com vista à legitimação de pontos de vista pessoais sobre o que é o literário e o poético, ocorrerá também no campo pedagógico, no entender de Aguiar e Silva. Em seu entender, a manipulação literária existirá na medida em que o ensino da literatura “foi sempre instrumentalizado pelos poderes fácticos dominantes e tem sido ostensiva e agressivamente instrumentalizado desde os anos 60, pelos grupos e actores que se assumem, na cena social e na Escola, como contra-poder” (Aguiar e Silva, 1999b: 90). Como é fácil de depreender, apesar do seu interesse, esta questão complexa não poderá ser tratada no âmbito limitado deste artigo. 2 Quando nos referimos aos conceitos de ‘modernismo’ e ‘vanguarda’, apoiamo-nos na formulação de Peter Bürger. Este teórico germânico opera uma distinção fundamental entre os dois conceitos, pois, em seu entender, a vanguarda – ao contrário do modernismo – tenta realizar uma quebra das fronteiras entre arte e vida e, nessa medida, tenta levar a cabo a dissolução da autonomia da esfera artística (Bürger, 1993). Ao fazê-lo, tenta operar uma ruptura total com a tradição e obriga à criação de novas perspectivas hermenêuticas, que não se cinjam aos aspectos formalistas e inócuos de pressupostos esteticizantes, tornados entretanto obsoletos. 365 O Triunfalismo desta Ode Como se sabe, “o texto literário – mais propriamente, o texto poético – desempenhou, ao longo de toda a história do Ocidente, um papel preeminente na formação escolar, educativa e cultural dos jovens e não existem razões substantivas para que se altere significativamente, e muito menos para que se abandone esta herança multissecular” (Aguiar e Silva, 1999a: 23). Ora, a Ode Triunfal de Álvaro de Campos parece situar-se num extremo escabroso do que é suposto ser o literário, assumindo-se como uma obra politicamente pouco correcta e, nessa medida mesmo, como de uma vanguarda artística que, ao quebrar as fronteiras entre a estética e a política, impede que a sua leitura se deixe guiar unicamente por questões de forma. Com efeito, este texto apresenta-se como uma das mais revolucionárias e subversivas obras da literatura portuguesa integradas no cânone escolar, cujo conteúdo é do mais politicamente incorrecto pelas suas implicações políticas e de moral sexual. Nela, encontramos um sujeito poético com uma pose de febrilidade triunfal – passe o aparente paradoxo, que, afinal de contas, caminha a par do estatuto do texto, simultaneamente literário e anti-literário, elogiando as máquinas e o futuro, ao mesmo tempo que vangloria os filósofos da Antiguidade Clássica e, por conseguinte, o passado – que, no seu inebriamento pelo triunfo de uma modernidade tecnológica, corporificada na exaltação das máquinas, revela uma nova forma de sensibilidade nervosa. Este seu estado leva-lo-á a proclamar novas formas de relacionamento do homem com o meio envolvente, produzindo uma série de exclamações que permitem a descrição de um universo sombrio e corrompido. Neste universo assiste-se à “passagem de todas as bacantes” (Campos, 1994: 82), como resultado de uma “presença demasiadamente acentuada das cocottes” (Campos, 1994: 78). Com efeito, o sujeito poético exalta esta degradação social e moral do meio urbano, onde se encontram pessoas “abaixo de todos os sistemas morais” (Campos, 1994: 81). Nessa medida, torna-se natural falar nos “deboches que não se suspeitam” (Campos, 1994: 81) que são visíveis nos “automóveis apinhados de pândegos e de putas” (Campos, 1994: 81), assim como na “graça feminil e falsa dos pederastas” (Campos, 1994: 78). Para além disto – e como cúmulo hiperbólico desta escatologia urbana – refere-se a existência de “filhas de oito anos (...) [que] masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada” (Campos, 1994: 81). Perante tudo isto, o leitor é levado a concluir que o universo circundante onde o sujeito poético se move é semelhante a um imenso prostíbulo, sem hipóteses de redenção. Neste prostíbulo, o desejo maior é tornar-se proxeneta, tal como o sujeito poético revela ao afirmar: “(Ah, como eu desejava ser o souteneur disto tudo!)” (Campos, 1994: 79). Para além deste desejo de se transformar em souteneur, o sujeito poético assume-se como plenamente integrado neste universo desregulado, participando do mesmo sentimento de amoralidade reinante, ao revelar-se guiado nos seus actos por “um cio e uma fome” (Campos, 1994: 81). A combinação monstruosa do cio e da fome condu-lo a exclamar, dirigindo-se aos elementos circundantes – e, em particular às máquinas da fábricas onde estará – o seguinte: “Amo-vos carnivoramente, / pervertidamente” (Campos, 1994: 79). O sentido de perversão, neste caso de âmbito sexual (que integrará, também, ímpetos antropofágicos), revela que as noções de moralidade e de regras de conduta éticas não foram completamente esquecidas, indicando que, em Pessoa, “um sentimento de culpa sempre acompanhou a expressão solitária da sua sexualidade desde os primeiros textos em que se lhe refere” (Lopes, 1990: 42). Esta perversão ou, por outras palavras, este sentimento implícito de culpa associado à sexualidade, pode assumir, no poema, múltiplas formas. Por um lado, prende-se com os impulsos homossexuais do sujeito poético, que assume 366 desejar “poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto” (Campos, 1994: 77), para assim, nas suas palavras, “rasgar-me todo, abrir-me completamente” (Campos, 1994: 78). Por outro lado, a perversão assume a forma de ímpetos masoquistas, que a relação com as máquinas facilita, pois o sujeito poético “podia morrer triturado por um motor / com o sentimento de deliciosa entrega de uma mulher possuída” (Campos, 1994: 80). Assim, os seus desejos desvairados assumem múltiplos cambiantes, explicitados textualmente, quando exclama: “Espanquem-me a bordo de navios! / Masoquismo através de maquinismos! / Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho” (Campos, 1994: 80). A relação homem-máquina revela-se animalesca, não envolvendo o menor sentimento amoroso, daí que o sujeito diga que “completamente vos possuo como a uma mulher que não se ama” (Campos, 1994: 80). Assim, a fúria selvagem do sexo sobrepõe-se aos demais sentimentos, assumindo-se o sujeito como uma máquina sexual, com um ritmo frenético guiado, pelo “forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! / Em fúria fora e dentro de mim” (Campos, 1994: 77). Esta “promíscua fúria de ser parte-agente” (Campos, 1994: 78) atinge o clímax quando o sujeito revela querer “Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!” (Campos, 1994: 83). Conclui-se, a partir da leitura do poema, pelo triunfalismo de uma nova sensibilidade da época supostamente moderna em que o sujeito se integra. Nesta, a degradação moral é geral e o universo rege-se pelas regras do cio animalesco, que conduz às mais improváveis perversões3. Leituras mecânicas. A posição que se defende neste artigo é simples: nenhuma leitura da Ode Triunfal pode ser considerada satisfatória se não englobar estes aspectos relativos à (a)moral(idade) sexual do sujeito poético. Contudo, aquilo a que se assiste, por vezes, é a uma tentativa de branqueamento destes aspectos escatológicos, reduzindo-se a leitura do poema a uma descoberta incessante dos aspectos estilísticos supostamente característicos de todos os textos literários. Ao proceder-se deste modo, esquece-se que cada texto é singular, requerendo estratégias de leitura específicas e o privilégio das perspectivas hermenêuticas mais adequadas à sua materialidade semiósica constitutiva. Assim, esquece-se que “na análise e na interpretação dos textos literários, deve ser utilizada com parcimónia, com clareza e com rigor, a terminologia das metalinguagens linguísticas e literárias. Sublinho com parcimónia, porque a inflação de tais terminologias terá um efeito devastador na relação dos alunos com os textos” (Aguiar e Silva, 1999a: 31). Estes efeitos devastadores prendem-se com a interiorização, por parte dos alunos, de que a exegese textual se confina “a esquemas ou receituários mecânica e improdutivamente aplicáveis a toda uma classe de textos ou mesmo a todos os textos literários” (Aguiar e Silva, 1999b: 91)4. No caso particular da análise deste texto, a sobrevalorização dos seus aspectos formais e retóricos resumem-se, as mais das vezes, a uma tentativa de recondução tautológica da obra de Campos à de Caeiro, referindo-se acriticamente que a sensibilidade nervosa do sujeito poético se explica pelo seu 3 A descrição deste universo futurista e a correspondente visão degradada da humanidade terá, como resposta política, o triunfo da perspectiva messiânica do fascismo, com a sua necessidade primária de autoridade e ordem, qualidades corporizadas num líder acima das massas. Por outras palavras, um líder que não se subjuga às leis sociais dos comuns mortais, como o faz o sujeito poético na sua caminhada autodestructiva. Este líder assume-se, pelo contrário, como o übermensch nietzscheano, uma espécie de super-homem redentor das massas. O rosário de tragédias causado pela prossecução de semelhante ideário político é por demais conhecido e, do ponto de vista pedagógico, torna-se forçoso relembrá-lo incessantemente. Nessa medida, a ligação à tendência para a benjamiana esteticização da política presente no programa futurista deve merecer também uma atenção cuidada. 4 A propósito desta perspectiva errada do que é a didáctica da literatura, Aguiar e Silva refere que “o erro clamoroso de muitos professores de literatura e de muitos programas de literatura reside na ausência ou no funcionamento deficiente de tais filtros [entre a teoria da literatura e a sua didáctica], conduzindo à transferência e à aplicação desajustadas, por inflação ou por reducionismo, de termos, conceitos e métodos da teoria para a didáctica” (Aguiar e Silva, 1999b: 89). 367 estado febril. A corroborar esta abordagem, referem-se versos como o seguinte: “(Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!)” (Campos, 1994: 80). Este verso permitirá desenvolver o pendor sensacionista do poema, corroborado por outro verso como o seguinte: “Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!” (Campos, 1994: 79). Habitualmente, quando este processo de normalização asséptica do texto é empreendido, tornando-o ideologicamente inócuo e transformando-o em mais uma pérola linguística característica do suposto versilibrismo inconsequente da heteronímia pessoana, o número de aulas dedicado à análise desta ode é diminuto. Desta forma, obnubila-se a componente escatológica do texto, desprestigiando-o e retirandolhe a importância que assume no conjunto da obra poética pessoana. Desta forma, o pêndulo da balança inclina-se perigosamente para o lado mais angelista e ingenuamente esteticizante do que é suposto ser o cânone escolar, evitando o equilíbrio desejável, apesar de reconhecidamente precário e difícil, entre diversas formas de entendimento do que é e do que deve ser este mesmo cânone. Com efeito, “se são de condenar um entendimento e programa angelistas da educação estética, reduzindo esta a um catecismo beatificamente kitsch de virtudes privadas e públicas, cabe igualmente rejeitar, no âmbito da escola, uma educação estética dominada pelo negativismo corrosivo, pelo pessimismo antropológico, pelo niilismo desesperado” (Aguiar e Silva, 1999a: 26). A leitura da Ode Triunfal não pode, contudo, em nosso entender, ser empreendida sem se realçar todo o pendor negro e sombrio do universo textual descrito, sob pena de não se conseguir dar a entender de onde provém o seu triunfalismo negativo. Pelo contrário, em vez de se explicar o triunfalismo vanguardista (e, nessa medida, subversivo) desta ode negra, cai-se no extremo errado de se proceder ao triunfo retórico da ode, como forma canónica hipercodificada e, por isso mesmo, como modalidade discursiva ideologicamente asséptica. Nessa medida, opera-se uma neutralização de conteúdos subversivos, pela sobrevalorização do ensino, de modos de leitura supostamente objectivos e pseudocientificizantes, fundados numa procura incessante de recursos e figuras de estilo, justificativos de uma suposta auto-referencialidade literária, configuradora de uma autonomia do estético, que esta obra vem, por sinal e a contrario, ajudar a derrubar. Bibliografia Aguiar e Silva, Vítor Manuel de. 1999a. “Teses sobre o ensino do texto literário na aula de Português”, in Diacrítica, n.º 13-14. Braga: Centro de Estudos Humanísticos, Universidade do Minho, pp. 23-31. --------------, ---------------. 1999b. “As relações entre a Teoria da Literatura e a Didáctica da Literatura: filtros, máscaras e torniquetes”, in Diacrítica, n.º 13-14. Braga: Centro de Estudos Humanísticos, Universidade do Minho, pp. 85-92. Bloom, Harold. 1973. The Anxiety of Influence. New York: Oxford University Press. Bourdieu, Pierre.1991. “Le champ littéraire”, in Actes de la recherche en sciences sociales 89, septembre, pp. 3-46, Paris, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Centre de Sociologie Européenne. Bürger. Peter. 1993. Teoria da Vanguarda (tradução de Ernesto Sampaio). Lisboa: Vega. Campos, Álvaro de. 1994. “Ode Triunfal”, in Orpheu [edição facsimilada]. 2.ª ed., Lisboa: Contexto. Foucault, Michel. 2000. O Que é um Autor? (tradução de António Fernando Cascais e Eduardo Cordeiro, prefácio de José A. Bragança de Miranda e António Fernando Cascais). 4.ª ed., Lisboa: Colecção Passagens, Vega [1969]. Lopes, Teresa Rita. 1990. Pessoa por Conhecer – Roteiro para uma Expedição, Vol. I. Lisboa: Editorial Estampa. Lourenço, Eduardo. 1961. “«Presença» ou a Contra-Revolução no Modernismo Português?”, in Tempo e Poesia, Lisboa, Relógio d’Água. 368 Luz Auricular (Uma leitura de Instantes. Permanência, de Agripina Costa Marques) Carlos Poças Falcão Há muito que os homens parece terem perdido a faculdade de, já não direi viver, mas simplesmente pensar a plenitude. A possibilidade de participação na dimensão sagrada do cosmos, acedendo espontaneamente à contemplação do que é uno e permanente, foi, desde há séculos, paulatinamente estranhada, depois desentendida, até ser objecto de irrisão geral e finalmente esquecida. Tal apagamento ou regressão é particularmente detectável nas palavras: creio que não errarei se afirmar que, para numerosa gente, incluindo aqueles que são cultos e se presumem sábios (e, porventura, particularmente para estes), palavras como sagrado, uno, permanente nada dirão com significado real e actuante. Quando muito, relevarão de uma suspeitosa metafísica ou serão remetidas, condescendentemente, para um plano de vago sentimento poético, religioso ou místico. O mesmo acontecerá, decerto, às palavras e sua direcção que constituem o livro Instantes. Permanência5, de Agripina Costa Marques. Revelação, Graça, provação, luz, ascese, libertação, eis apenas algumas palavras das que neste livro esperam o co-movimento do leitor, a sua abertura cúmplice, a sua qualidade electiva. Nada entenderá da experiência real deste livro aquele que nele vir um mero devaneio poéticometafísico; ou aquele que se quedar pela sentimentalidade, cheia de boas intenções; ou aquele que nada espera de uma fala que lhe escapa. É bem certo que a melhor poesia (a deste livro incluída) fala língua desconhecida, para usar a expressão do Apóstolo (1 Cor 14, 2). Mas é essa mesma a sua condição actual: perante o esquecimento e o sono, a língua poética provoca estranheza, porque chama o que se perdeu e desperta o que se deixou adormecer. Em Instantes. Permanência há uma palavra que considero fulcral: é a palavra “revelação”. É pela sua compreensão que se pode constatar a extraordinária exactidão destes poemas e a rara coerência entre eles e a viva experiência de que são corpo e expressão. Agripina Costa Marques fala de uma transformação: sujeito a uma possessão da morte (mas uma “bela preciosa morte redentora” − pág. 25) que toma do corpo a alma e a arrasta por que abismos, a poetisa fica em espera inerte até que a alma seja devolvida e, iluminada de uma nova visão, o corpo reintegre uno ressuscitado. Então, após essa transmutação, poderá desvelar do ser a eternidade/ no instante do efémero e em arrebatamento tocar o sagrado. Mas vale a pena transcrever na íntegra o poema em que, logo a abrir o livro, como uma inscrição num pórtico, isto é explicitamente dito, com um inexcedível sentido poético de rigor e concisão (pág. 9): Quando fulminante é a possessão da morte que por um dia longo em noite transmutado 5 Agripina Costa Marques, Instantes. Permanência, Pedra Formosa, Guimarães, 1993 (1ª edição); e Edições Asa, Porto, 2004 (2ª edição). As páginas a que se reportam as citações do presente texto são as da 1ª edição. 369 toma do corpo a alma e a arrasta por que abismos que lonjuras enquanto queda o corpo inanimado em espera inerte em prostração profunda até que devolvida seja a alma e já iluminada de nova visão o corpo reintegre uno ressuscitado, é dimensão outra do real contida e ocultada na densa camada do visível e que funda emoção desvela ao desvelar do ser a eternidade no instante do efémero em que dele se apossa e em arrebatamento e fusão dos sentidos o toca do sagrado. Este processo de transformação, descrito em termos reconhecidamente extáticos e que com propriedade diríamos “alquímico”, com a sua separação e reintegração, o “solve et coagula”, a ocultação e o desvelamento, tem assim a qualidade de uma “passagem” (pág. 38) da “noite” à possibilidade de “Olhar a luz!” (pág. 11). Compreende-se então toda a importância fulcral da palavra que acima referi: “Revelação!” (pág. 10). Assim também se compreende toda a insistência da poetisa nos símbolos e metáforas que evocam o olhar e a luz (pág. 11): Olhar a luz! Contemplação essencial, única, imprescindível. Porque existe. E ainda no mesmo poema: Mistério intraduzível a luz feita visão. Visão tão grata que dela a privação nega sentido ao olhar. Luz, iluminação, transparência, percepção, brilho, claridade, olhar, contemplação, visão − em continuidade dos símbolos e das frágeis expressões com que os grandes testemunhos da espiritualidade sempre procuraram traduzir em fala humana a intraduzível palavra divina, eis aqui um campo lexical que se desdobra e recorrentemente surge em todos ou quase todos os poemas deste livro. Esta insistência, só por si, avisa-nos: é manifesto que não se trata de um olhar profano nem de uma luz vulgar. Do que se trata é de um apelo, de uma intuição da transcendência (“Transcender o precário/ nesta forma de estar” − pág. 33) e da vera visão de uma essência, a “essência divina” referida no poema da página 41. Estamos perante uma voz poética orientada por um “chamamento” (página 37) e por um reconhecimento do que é central e permanente: Circular em torno a um centro, em torno a um eixo. Região do reconhecimento onde o mundo se funda: o lugar revelado. (...) (Pág. 36) 370 Este lugar revelado (em que se insinua discretamente uma referência a Jacob e a Betel, seu locus terribilis, também legível nas “escadas” do poema da página 12), é “Libertação” (pág. 37). Chegamos a um ponto essencial: o processo de transformação é sofrido pelo “ser sedento” (pág. 36), que assim acede a uma revelação que é libertadora. Tal libertação permite “Aderir inteiramente à vida” (pág. 34), “exultar” (pág. 28) e Chegar ao limite do olhar, ao limite da escuta, limite da escalada: cascata de música infinita. (Pág. 40) Com sabedoria e maravilhoso rigor, a poetisa diz-nos, entretanto, que esse lugar é o que “em nós se oculta” (pág. 37), que se trata de um lugar interior (“Ser reduto de si mesmo”, pág. 36), algo como um Búzio que guardará consigo eternamente, em si propagará, o som primevo colhido vivo das profundas águas. (Pág. 26) Talvez seja essa, afinal, “a oculta jóia” referida no poema da página 12 e assim se entenda a prescrição: É esse o teu milagre: restituíste a forma à forma. Talvez te tente então colher o seu segredo. Não devastes jamais a obra intacta. Que a infiltre de luz teu olhar interior. E a esse olhar o âmago secreto se exporá em transparência. (Pág. 18) É da maior importância a consideração de um “interior” e de um “exterior”, que se desdobra em correspondências exactas de “oculto” e “desocultado”, de “imanente” e “transcendente”, de “corpo” e “alma”. Todo o processo de libertação, que é o de uma revelação transfiguradora, joga-se nestes pólos. Daí que, apesar do “recolhimento” (pág. 33) desta poesia, apesar do seu comedimento, do seu silêncio que releva da “essencialidade” (pág. 33), o que se passa é que estamos perante uma exposição, um desnudamento: “minha múltipla face exposta está” (pág. 44). E isso é doloroso. Aqui não posso deixar de realçar a coragem desta poetisa, que desta forma se oferece à avidez e incompreensão (e, mais do que isso, à “profanação”) de alguns eventuais leitores. E sublinhar a sua extraordinária segurança em prosseguir dizendo o que tem a dizer, transmutando o que tem a transmutar, sem quebra de uma elevada tensão, erguendo o pathos desta poesia a um nível que não permite derrames “sentimentais” nem auto-complacências de gosto e oportunidades duvidosos. É por isso uma poesia que, movendo-se num dos terrenos mais escorregadios para as efusões “líricas” inconsistentes, sabe “preservar de tudo a qualidade” 371 (pág. 33). E a qualidade maior, que a confirma como uma das melhores, consiste em ela ser autêntica: ......................................(...) Manter a fidelidade própria. Despojamento de aparências. Assunção da autenticidade. (Pág. 19) Disse acima que a exposição é dolorosa. Ora, todo o processo que esta voz exprime é doloroso. Porque se trata do Conhecimento de Si. E tal conhecimento, enquanto movimento e procura, está cheio de obstáculos: os abismos e a prostração de que se fala logo no poema de abertura (pág. 9), ou então essa quietação sem vida, esse vazio ou “limbo onde não cabe a dor/ nem tãopouco ventura” que se lê na página 31, a “busca em obstáculo” (pág. 37), o “estar por metade” (pág. 41) – toda essa condição de ruína interior que o poema da página 10 magnificamente condensa: E era a gestação inquieta e dolorosa como a onda longínqua que em si tudo envolvia: desânimo descrença beirando o desespero míngua sentida como ruína interior mas resistência ao esquecimento do que criado fora e o mais que ser seria era ainda o anseio do possível como prenúncio do que sempre renasce. E com a onda que alastrava crescia a inquietude e a dor se ampliava e orgânica era: violenta como um parto. E foi pela dor a claridade. Revelação! Vemos então que essa dor é matricial. Orgânica, violenta como um parto, ela é condição necessária para a revelação da claridade. E por essa luz surpreendente (“Idêntica/ e diversa, sempre a luz surpreende” – pág. 11) passa-se à reintegração no corpo “uno ressuscitado” (pág. 9). Acede-se ao conhecimento: Ascender à unidade: eis o conhecimento. A dualidade só existe onde se impõe negar parte do Todo. Tudo em todos os planos se comunica entre si. Tudo é real e uno. Indivisível: corpo espírito alma cosmos. Sem distinto privilégio de níveis. Ser vivo implica o total como inevitabilidade. Aceder enfim à condição humana onde as antinomias são banidas: as que separam o ente de si mesmo e do Outro. Manter a fidelidade própria. Despojamento 372 de aparências. Assunção de autenticidade. (Página 19) Assim se ultrapassa também o confinamento, tão doloroso para a lucidez desta poetisa, e se alcança um horizonte aberto e libertador, percebido como harmonia: Alcançar a harmonia é ser possuído da percepção de um não confinamento. Todo o horizonte aberto é libertador. (Página 23) Irrompe então o júbilo e a expansividade de numerosos poemas de Instantes. Permanência. Eis o da página 43: É a corrente subtil: a electiva. Reverberações da luz em lento rio. Águas que se distendem. Águas de inexcedível suavidade. E de tudo a viva transparência é transparência inteira no olhar. Dilatado é o espírito da aragem no acto exemplar de respirar. E a palavra é música liberta: a limpidez intacta dos acordes; os sons extensos, os puros sons fluentes da mais lídima origem. Aproveitando este poema da mais lídima origem, quero finalizar esta abordagem à poesia complexa e inesgotável de Agripina Costa Marques com três considerações. A primeira é para frisar a contenção da sua voz, mesmo quando o registo é o do júbilo ou da efusão de quem alcança um vislumbre da plenitude. Este comedimento permite distingui-la entre os poetas da tradição mística, sendo por isso uma voz rara. E duplamente rara: por esse comedimento, de que estão quase ausentes os exacerbamentos emocionais e a abundante metaforização erótica. E porque, sendo uma poesia que entronca nessa tradição (antes de mais pelo tema), tem uma “colocação” que não remete inteiramente para a passividade mística, para uma “paixão”, antes exprime também (embora não decisivamente) “actividade”, capaz de desencadear e de dominar até certo ponto a sua transfiguração libertadora. Apesar desta poesia ser a de alguém que olha e é olhado, de alguém que “recebe” a luz, de alguém que espera inerte, que aguarda a Graça “por mediação do sonho” (pág. 35), o certo é que supera essa passividade reflexa, própria dos místicos, por meio de uma verdadeira e autónoma acção: “ajustar ritmos que se alternam” (pág. 34), “não confundir a lentidão com a paragem” (pág. 34), eleger a “matéria nobre” (pág. 30), “obstar à dispersão” (pág. 28) … A segunda consideração diz respeito ao entendimento que a poetisa explicita acerca da palavra. Talvez seja ela a matéria nobre há pouco citada. De qualquer modo, a palavra poética é 373 assimilada ao próprio movimento para o conhecimento e à própria luz: “Luz auricular”, na feliz e bela expressão da página 29. Assim, a tarefa “iniciática” do poema é a de “acolher a sílaba inicial” (pág. 28), sabendo-se que: A palavra: irradiação de longa vaga se um sopro redentor a eleva e guia pelo fio da voz de íntima nascente em vibração. Luz auricular. Ritmo propagador do fluxo universal. É a palavra viva ou princípio vital em acto ou ressonância. O todo despertado em movimento uníssono. E a emoção intensa no toque da palavra em tensa corda: a voz no privilégio das evidências raras. Verbo em manifestação. Som em apoteose. (Página 29) A palavra, assim, ganha uma dignidade cósmica, é uma potência de manifestação e, portanto, é a mediadora, senão a própria e íntima “vida”, da separação e da reintegração, no movimento que permite olhar a luz, em apoteose, ou seja, em ascensão divina. Deste modo, não é de estranhar que a viagem desta poesia seja ambígua e não alcance a Absoluta visão, já que ambíguas e precárias são, necessariamente, as palavras com que ela se faz e esclarece: Aqui face múltipla ainda em viagem. Ambígua viagem como a querer esgotar de excesso o múltiplo para o acesso a íntima serenidade: aqui minha última face. (Página 44) A terceira e última consideração concerne à insinuação de um interlocutor nesta poesia. Alguns interlocutores são explicitamente nomeados: Maria Irene Ramalho de Sousa Santos, a quem se dedica o poema da página 23; e Maria Teresa Dias Furtado, de cujo “diálogo poético” com a autora resultaram os poemas das páginas 26, 27, 35, 40, 41 e 42. Mas insinua-se um terceiro interlocutor, misterioso, desde logo na epígrafe inicial do livro, um discreto “para ti”. Alguém de quem a poetisa diz tratar-se de um “Emissário dos deuses ou deus humanizado/ entre mortais” (pág. 12). A ele se dirigirá toda a emoção e talvez esse raro olhar marejado com que se fecha o poema da página 16. Esta entidade divina ou quase divina, emissário hermético dos deuses, constitui um dos mais perturbadores enigmas desta poesia. Como se ela tivesse tido (e porque duvidaríamos nós?) o privilégio de uma Presença Real (como a Ave Real que aparece no poema da página 14). Então, por “mediação do sonho/ ou em vigília” (pág. 35), esta poesia recebeu a sua evidente Graça e iluminação. 374 O Escritor da Objectividade e do Sentimento de Fraternidade Albino Baptista Escritor e Professor, Escola Secundária Francisco de Holanda Em termos muito breves – neste tipo de revista é isso que se pretende, a meu ver – vou tentar desenterrar um dos prosadores portugueses modernos mais notável mas, simultaneamente, esquecido erradamente e silenciado, o que não merecia de modo algum. Para tal, certamente com algum défice, apoiar-me-ei em alguns romances magistralmente concebidos, e, também, respigarei algo da sua poética, que tanta gente nem conhece (…). Fernando Namora vai aplicar a experiência profissional – foi médico – aos romances, todos de alto fôlego, misturando-a com um notável e poderoso humanismo social, bem como elevadíssimo sentimento de Fraternidade, revelando situações nacionais de exploração do homem pelo homem para atingir “ O mundo da literatura que é, porém, um triste mundo”. (Grazia Maria Saviotti) “Minas de San Francisco”, de um romance datado de 1946 e oferecido ao autor destas linhas em Janeiro de 1977, conduz-nos ao drama vivido na própria carne dos homens, dos que têm um certo modo muito especial de o sofrer, que não representam o mineiro, o camponês, um engenheiro, um especulador, mas que são um mineiro, um camponês, um engenheiro, um especulador. Os problemas expostos no romance não se substituem aos homens: são os homens. Conhece-se que todos eles são manipulados por uma reles engrenagem, através da arte do romancista, plenamente consciente de não ser a ele que competirá explicar a engrenagem. Este romance decorre na mina e fora dela. É verdade. É um facto. No entanto, a parte essencial é aquela em que a vida da mina nos é revelada sob todos os aspectos. O quadro de conjunto da vida da dita mina ocupa o lugar central. Assim, no mundo subterrâneo de San Francisco há um povo que vive a aventura da curta esperança, do duro trabalho e da amargura desesperada: um povo de camponeses abandonando a terra na peugada da escura miragem do volfrâmio, o minério da redenção. Trata-se de uma imagem tão humana dessa estranha e frustrada epopeia de servos. Há, pois, neste romance, personagens tão humanas, cenas tão vividas, impregnadas de um forte realismo com uma permanente visão estética. “ O Trigo e o Joio” põe em relevo as virtudes do prosador, que domina o panorama literário em Portugal, destacando-se a aguda penetração psicológica e excepcional preparação sociológica. Neste livro, os camponeses são pintados com êxito fora do normal e, com eles, os seus sonhos, o seu quotidiano, as suas lutas, as suas alegrias, numa linguagem de apurada sensibilidade, embora grave, viril. Estamos perante um profundo e irresistível humanismo, de tal modo que é mais do que um romance campesino, mais uma espécie de romance picaresco, uma epopeia barroca. Loas, Vieirinha, Barbaças, Joana e Alice são a comprovação do que se afirma. “A noite e a Madrugada”, livro de 1950, vai de encontro a alguns dos mais agudos problemas do romance, em Portugal. Há um mundo de atracção e repulsa, linhas que se transferem e que limitam o escritor. Há momentos culminantes em que a realidade se transfigura e toma os contornos imprecisos do sonho, para se poderem produzir. Namora descreve bem, a sua visão é aguda, o desenvolvimento do romance progride sem violência, numa temática que reflecte o conhecimento e a revelação literária dos estratos sociais do seu país. O romance flui com vigor, tanto no aspecto individual como social, de modo que o bosque social não oculta nem empobrece as árvores das personagens individualizadas. Há 375 destreza e emoção nas cenas – o contrabando do minério, o salvamento frustrado do Camarão, a morte do velho Parra – acometendo com personagens flagrantes de vida, mesmo nas suas contradições ou principalmente nelas. O tema dominante é a solidão provocada pelo circuito fechado das classes sociais e da miséria extrema que não deixa que se confie em coisa alguma, que faz suspeitar em cada qual um inimigo. “Nome para Uma Casa “ é o último livro de poemas de Fernando Namora, do Namora – poeta conforme Alexandre Pinheiro Torres o apelida. É um livro que apanha o escritor – poeta numa fase delicada da vida, em que a doença grassava – cancerígena – para pouco mais tarde o obrigar a deixar-nos. Até 1959, quase durante 20 anos, o autor confinou – se à ficção, que o colocou num estimado e grande plano neorealista, que se difundiu, posteriormente, para uma mais ampla temática. Aquele espaço temporal fez esquecer a riqueza do livro “Terra”, de 1941. Um livro – chave da nossa história literária, pois é nele que o poeta consegue fixar linhas importantes, rurais e humanitárias. Na poesia, Fernando Namora apresenta-se um homem trágico, de uma tragédia que excede as turbulências mentais do Primeiro e Segundo Modernismos (vide Alexandre Pinheiro Torres). “Marketing” vem desconcertar a crítica, em 1969, especialmente centrada e concentrada no Namora – prosador. O professor brasileiro Fernando Mendonça diz que “Fernando Namora provou clamorosamente que não é um poeta que sobreviveu. É um poeta que está vivo agora.” Quinze anos volvidos, em 1984, o autor faz nova surpresa, ao surgir com “Nome para Uma Casa”, em que nos apresenta um dramático aprofundamento da riqueza interior, uma dilaceração da sensibilidade, um denso evoluir das temáticas, que vão da sátira à dissecação da memória. No volume, vemos a infância, a nostalgia, o apelo ao abrigo, a morte, o amor, as personagens que balizam uma vida e um modo de ser. É um livro perturbador, uma espécie de inventário impiedoso e empolgante. O prosaico não compromete o verso mas dá – lhe amplitude. É que Namora fala verdadeiramente como poeta e o prosaico passa a ser poesia de cada instante, quando o é dentro do homem sensível, que nele se exprime. Tentando Comprovar “Sem véspera nem amanhã. Ser o momento. Apenas, apenas Desoprimir-me deste vácuo Entre dois actos sem texto Nem actores.” “Corrosão” A Lembrança corrói o que lembra A falésia muda de cada vez que expulsa as névoas.” “Breve” O desejo é um alvo oscilante. A seta apanha-o na fugacidade do acaso.” 376 Viver no Campo. A morosidade a fumegar da terra sem porquê nem princípio. Uma boca de pássaro à espera que o céu seja uma passa de figo.” “Simplicidade” Sem porquê o fruto vai do verde ao rubi e no sabor retém o mel dos sóis fortuitos. Sem porquê o fruto se estende à mão rapace e o esgarçado se deixa trocar por outro fruto.” “O canto ouve-se e não se vê. Teatro Popular Mirandês: textos, autores e representações * António Bárbolo Alves Bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia Centro de Estudos António Maria Mourinho, [email protected] “Un pueblo que no ayuda y no fomenta su teatro, si no está muerto, está moribundo; como el teatro que no recoge el latido social, el latido histórico, el drama de sus gentes y el color genuino de su paisaje y de su espíritu, con risa o con lágrimas, no tiene derecho a llamarse teatro, sino sala de juego o sitio para hacer esa horrible cosa que se llama “matar el tiempo”. Federico García Lorca, Obras Completas, Madrid, Editorial Aguilar, 1966, p. 1763. O fio das origens As raízes do teatro confundem-se com a história da humanidade. Talvez o homem pré-histórico já utilizasse a arte de representar em cerimónias simbólico-religiosas para obter os favores dos deuses misteriosos, nos rituais em redor do fogo ou nas danças propiciatórias. Ou seja, representando um personagem, imitando outro ser, num jogo mimético que é já teatro. Sabe-se também que, no antigo Egipto, havia representações do nascimento, da coroação dos reis e rituais em honra das divindades Osíris e Horus. Na antiguidade Clássica, a arte dramática que, no início, se restringia às festas dionisíacas, com o passar dos anos passou a ocupar um espaço maior na cultura grega, tornando-se mais acessível e mais aceite pelo povo. A partir do século V a.C. surgiram outras formas de entretenimento através da arte cénica. Esta forma de comunicar mensagens através de fábulas e histórias dramáticas, em que os actores utilizavam máscaras e túnicas para interpretar os seus personagens, ficou conhecida como Tragédia Grega. As tragédias de Ésquilo6 (525 – 456 a.C.), de Eurípedes (485 – 406 a.C.), e sobretudo de Sófocles (496? – 406? a.C.), trazem o cunho de um espírito religioso que transparece através das superstições e do paganismo. O respeito pelo théatron (lugar onde se vê) começava a fazer um efeito que perdura até hoje: a arte cénica tornou-se uma forma de ritual, em quem as mensagens do proskénion (proscénio) são comunicadas através do trabalho corporal, da voz e da interpretação, submetendo-se à catarse que, segundo Aristóteles, faz com que as emoções do intérprete sejam libertadas numa construção fictícia. Em Roma, predomina a comédia, destacando-se autores como Plauto (250 a.C? – 184 a.C?) e Terêncio (cerca de 170-160 a.C ou 185 a.C. - 159 a.C.). Da tragédia, sobreviveram apenas algumas peças de Séneca. Durante a Idade Média, o teatro limitou-se praticamente às obras litúrgicas e às improvisações dos jograis. Cresceu livremente à sombra da catedral, tendo uma acção preponderante nas representações litúrgicas. * Este texto segue, em alguns parágrafos, as notas dispersas, deixadas por António Maria Mourinho, que se encontram no Centro de Estudos com o seu nome, sedeado na Biblioteca Municipal de Miranda do Douro. 1- As Suplicantes é o texto mais antigo que se conhece. Terá sido representado entre 484 e 460 a. C. 377 Este estado de graça terá durado vários séculos. Mas a irreverência de algumas cenas, o seu espírito crítico e a tendência para a representação burlesca, o que provocaria, por certo, o riso no seio das multidões fervorosas, determinariam, mais tarde, a sua definitiva erradicação dos locais de culto, de acordo com o espírito da contra-reforma. Na Espanha, em 1765, Fernando VI deu o golpe de misericórdia no teatro teológico espanhol, por “ser los teatros lugares mui impróprios y los comediantes indignos y desproporcionados7.” Em Portugal, o nosso teatro que, com Gil Vicente, alcançara igual esplendor que o espanhol, sofreu o mesmo colapso com os golpes das constituições dos bispados, pelas mesmas razões que em Espanha. Mas nem tudo se perdeu em toda a parte. A par dos autos de Gil Vicente encontramos o teatro de Camões, as obras de António Ribeiro Chiado, os autos religiosos de Afonso Álvares, os religiosos e cavalheirescos do cego madeirense Baltasar Dias, os do torrejano António Prestes e outros, além dos anónimos. O teatro popular foi teatro nacional, em Portugal, desde a Idade Média e dele subsistem autos ou restos de autos populares nos Açores, na Madeira, no Douro Litoral, onde vivem os entremezes e cavalhadas, no Minho, onde se continua a representar o célebre Auto de Floripes, além de outras representações por alturas do Natal, da Páscoa e dos Reis. Contudo, para além das obras de Gil Vicente e de Camões, as outras não são frequentes nos nossos catálogos de literatura. Onde estão pois essas peças de teatro popular quinhentista e seiscentista que fizeram rir e chorar, rezar e cantar, emocionar e entreter? Muitas perderam-se. Outras continuaram na tradição oral, em fragmentos, até morrerem por completo, outras chegaram até nós, mais ou menos na íntegra, impressas ou manuscritas, pelas mãos do povo, ou vendidas “a cavalo num barbante”, como referem os versos de Nicolau Tolentino8. Assim se propagou este teatro de cordel que, como escrevia Albino Forjaz de Sampaio, “o mesmo é que teatro popular”. Não é um género de teatro, é uma designação bibliográfica que nasceu dos cegos e dos papelistas que o vendiam, pendurado no referido barbante, pregado nas paredes ou nas portas. Sobre o sucesso popular destes autos, o mesmo Forjaz Sampaio, citando Firmino Pereira e a sua obra Porto de outros tempos, relembrava que, nesta cidade, as comédias de cordel se representavam “num barracão construído na cerca das Carmelitas”, sendo bem conhecidos e famosos os actores que nelas participavam. Também em Lisboa existiam tablados um pouco por toda a parte. No Pátio dos Condes de Soure, na Mouraria e no Salitre. Mas essas, acrescentava Forjaz Sampaio, são apenas evocações que vivem nos livros do Visconde Castilho e de Gustavo de Matos Sequeira9. Ora, se, no início do século XX, a obra Lisboa antiga, iniciada por António Feliciano Castilho e continuada por Matos Sequeira, era a única onde repousavam as representações populares, tal significa que estas há muito tinham desaparecido como prática que arrastava multidões, representada nos moldes tradicionais e nos lugares citados. Mas foi desta arte, feita para as multidões, que saiu o teatro grego, como saiu o português, o espanhol, e também o teatro popular mirandês10. Apesar de todas as proibições superiores e de todas as investidas 7 Ver Nicolas Gonzalez Ruiz, Piezas maestras de teatro teológico español: autos sacramentales, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1946, p. LVII. 8 Citado por Albino Forjaz de Sampaio, Teatro de cordel, Imprensa Nacional, Lisboa, 1922, p. 9. 9 Op. cit., p. 11. 378 da vida moderna, o teatro popular, que teve o seu período áureo durante a Renascença, continuou até aos nossos dias. E assim o encontramos na Terra de Miranda, certamente sem a vitalidade de outrora, mas ainda vivo, pois as representações continuam e dele se conservam dezenas de textos11. Teatro Popular na Terra de Miranda Num texto incompleto, dactilografado e não datado (embora as referências nos remetam para 1945, ano que o texto da Embaixada foi representado em Duas Igrejas), pertencente ao espólio do Padre António Mourinho, diz o investigador: “Antigamente, ainda não vai além de cinquenta anos, o folclore mirandês era riquíssimo. Já tudo vai morrendo, se não morreu já quase tudo.” O mesmo Mourinho acrescenta, em outra nota, que, em alguns lugares, as “corruptelas” eram de tal ordem que estas manifestações eram a ocasião para “reuniões orgíacas, promiscuidades e escândalos públicos”. Nas festas dos solstícios, os mascarados aproveitavam a ocasião para certos abusos de toda a espécie, indo da depravação moral à violência. Um dos textos mais polémicos, das chamadas Pastoradas, foi ouvido e transcrito da tradição oral por António Maria Mourinho. É o texto da Embaixada, com as solfas respectivas, cujo sentido, diz este investigador, é transposto quase literalmente do espírito do Evangelho de S. Lucas12. Por entre as orgias antigas e patuscadas mais ou menos indecorosas, diz António Maria Mourinho, salvouse a pureza do texto e a candura do espírito que deve presidir à representação. Esta ideia de que as representações não eram propriamente muito sãs ou respeitadoras do espírito cristão, encontramo-la também expressa no texto que Manuel José Lopes, pároco de Ifanes, de onde era natural, escreveu como apresentação à peça A Confissão do Marujo, publicada por Azinhal Abelho, e representado na Póvoa em 1958. Diz o padre Lopes, referindo-se a essa representação: Também estive lá. Era seminarista de 4º ou 5º ano. Dada essa circunstância aconselhavam-me a não ir, pois a comédia jogava um pouco forte com a confissão. No entanto assisti, mas não me preocupava demasiado em saber das razões de tudo aquilo. Estava habituado13. Mas é sobretudo a partir das proibições que encontramos nas Pastorais dos Bispos da diocese de Miranda, nos séculos XVII e XVIII, e de Miranda-Bragança, nos séculos XVIII e XIX, que se infere, a contrario, a arreigada habitualidade do povo transmontano e mirandês às representações teatrais, a que se procurava pôr cobro. 10 Por isso, a oposição entre a Arte ou Literatura “para as massas” ou “para a massa” e Literatura culta, resulta sem sentido quando aplicada ao passado. O GEFAC (Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra) editou, em 2004 e 2005, com a chancela da Livraria Almedina, dois valiosos volumes das suas recolhas efectuadas na Terra de Miranda, nos anos 70. O primeiro integra vinte e dois textos do Teatro de Cariz Profano; do segundo fazem parte treze peças do Teatro de Cariz Religioso. Contudo, estas peças não esgotam todos os títulos que circulam ou circularam na região. Valdemar Gonçalves, por exemplo, cita também cerca de quarenta e cinco títulos. Ver “Teatro popular mirandês. Seguido de um inventário dos cascos representados nas Terras de Miranda”, in José Meirinhos (coord.), Estudos mirandeses. Balanço e orientações, Granito, Porto, 2000, pp. 151178. 12 Ver António Maria Mourinho, Terra de Miranda, Edição da Câmara Municipal, Miranda do Douro, 1991, pp. 207-216. O texto foi inicialmente publicado, a 19 de Dezembro de 1943, no suplemento literário do Jornal “Novidades” e, mais tarde, revisto e corrigido, no Mensário das Casas do Povo, números 16 e 17, de Outubro e Novembro de 1947, respectivamente, com o título “Natal em terras de Miranda: texto fiel da Embaixada”. Foi ouvido em Duas Igrejas (concelho de Miranda do Douro), em 1947, da boca de Ana Jorge Fidalgo, falecida em 1947. 13 Azinhal Abelho, Op. cit., p. 267. 11 379 Numa Pastoral datada de 31 de Janeiro de 1687, referindo-se a muitas superstições diabólicas e gentílicas, Dom Frei António de Santa Maria, bispo de Miranda, refere-se a “dois abusos prejudiciais e escandalosos, nos dias da oitava do nascimento do Natal, um modo de festa a que chamam pandorcas, fazendo danças e festejos por mortos, comendo e bebendo, descompondo muitas pessoas, e ainda o canto das missas por lavradores seculares sem clérigos, chegando-se a cantar a Epístola14”. O mesmo bispo, noutra pastoral de 20 de Fevereiro de 1689, proíbe “que nas igrejas se recitem comédias ou outras representações, ainda que sejam de coisas espirituais15”. Estas interdições são reiteradas por D. José Alves de Mariz que, em Pastoral datada de 20 de Dezembro de 1890, proíbe “as pastoradas ou ramos do Natal, os autos da Paixão e Morte do Redentor16”. Cinco anos mais tarde, com data de 16 de Dezembro de 1895, o mesmo bispo “declara interditas todas as igrejas e capelas da dicocese onde se façam pastoradas na noite de 24 para 25 de Dezembro e os actos da paixão, morte e ressurreição do Redentor na semana santa e suspenso ipso facto o pároco que para tais representações concorrer ou mesmo as tolerar sem opor obstáculo17”. Se sobre as pandorcas subsistem dúvidas se se trata de simples jogos, festas ou se tinham um carácter teatral18, as outras proibições não deixam qualquer dúvida. O teatro popular ficou assim debaixo da condenação de quem, para além de esgrimir razões morais contra ele, acrescenta razões estéticas, para o considerar desprezível. Não deixa de ser curiosa que esta tentativa de acabar com estas manifestações coexista e colida com outros documentos em que se coage o povo a fazer estas representações. Veja-se, por exemplo, este auto da Câmara Municipal de Miranda do Douro, datado de 25 de Fevereiro de 179519, em que se pode ler o seguinte: Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil settecentos e noventa o cinco aos vinte e cinco dias do mês de Fevereiro do dito anno nesta cidade do Miranda. Neste acordarão que logo que chegar a noticia do felis Nascimento que se espera do filho ou filha que tiver a Princesa Nossa Se.ra se mande cantar hum Te Deum laudamus e em todos os lugares principalmente na Se desta cidade com asistencia, Nobresa e povo e que o escrivam do mesmo Senado com o Procurador do mesmo dem parte ao Rev.mo Par.cho para que esteja prompto e avise o clero para ao primeiro aviso que se lhe der depois da noticia concorrão a Sé com o dito Senado para cantar o Te Deum laudamus, sendo de tarde e sendo de manhã se cantara também missa e no fim della o Te Deum e que se dê aviso aos par.os dos lugares que tanto que tiverem a dita noticia cantem o Te Deum Laudamus nas suas Igrejas (…). Também se mandará por hum tablado prompto no melhor sitio que parecer mais conveniente para quem quiser nelle representar Comedias e se mandarão avisos aos lugares se Sendim, Palaçoulo e Duas 14 Ver P. José de Castro, Bragança e Miranda, Porto, Vol. II, 1947, p.156. Ver Abade de Baçal, Memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança, Edição da Câmara Municipal de Bragança, Tomo II, 2000, p. 151. 16 Abade de Baçal, Op. cit., II, p. 231. 17 Abade de Baçal, Op. cit., II, p. 234 18 António Cabral, por exemplo, apresenta as pandorcas como um jogo, “uma festunça popular, marcada por alguns excessos, na sequência de comezainas.” Ver Jogos populares portugueses de jovens e de adultos, Porto, Editorial Domingos Barreira, 1991, p. 85. 19 Arquivo do Museu da Terra de Miranda, Livro das Actas e Registo da Câmara Municipal de Miranda do Douro, 1795, fol. 95/96, V.97. Este documento encontra-se transcrito e faz parte do espólio do Dr. Mourinho. O documento original deve estar no Museu da Terra de Miranda. 15 380 Igrejas para estarem promptos para virem representar cada hum sua Comedia com penna de seis mil reis. Os juízes dos ofícios serão avisados para que ponhão suas danças promptas penna de tres mil reis e ainda aqueles oficio que não tem juis como molleiros, taberneiros etc. É que os lugares alem dos ditos tres das comedias apromptarão cada lugar hua dança de palitos com seus instromentos debaixo de penna de três mil reis. Também se avisarão por carta de oficio aos Parochos para que venhao a dita festa com as cruzes e duas alenternas e mais insígnias vindo também os juízes da Igreja e Povo e estes com penna de seis mil reis. Se mandara pedir aos juízes dos lugares os sobejos do dinheiro do concelho e quantias que se lhe mandara vir para estas festas. Também se fará fogo para se lançar na Véspera da mesma festa. Se mandara aos comediantes no fim de cada comedia que fizeram dar um refresco. Nestas festas, realizadas por ocasião do nascimento de um dos filhos de D. João VI (certamente D. António Pio, que nasceu a 21 de Março de 1795), decretam então a obrigatoriedade, sob penas pecuniárias, de o povo organizar as “danças de palitos” (os conhecidos pauliteiros) e de “representar comédias”. Ou seja, a hierarquia religiosa multava e excomungava o povo se representasse e dançasse. O poder civil multava-o! As comédias seriam também levadas a cabo por alturas das festas, como se pode concluir de uma observação que se encontra no livro de contas da Santa Casa da Misericórdia de Miranda do Douro, de 1578 a 1594, onde consta o seguinte: Ano de 1579 (fólio sem número): Despesa para a comédia da festa 1200 reis. A questão, tantas vezes colocada, é de saber o porquê deste apego do povo mirandês às representações teatrais. Para António Maria Mourinho, que foi colocando muitas interrogações e dando também algumas respostas20, não se pode compreender o apego à representação popular se não houver uma predisposição tradicional que as acolha, as mantenha e as propague. A resposta, necessariamente complexa, encontrar-se-á confortada pela força e pela coerência destas manifestações que, na Terra de Miranda, se encontram amalgamadas pela coexistência e pela continuidade num espaço-tempo, homogeneizadas pela história, pela cultura, pelo hábito sociológico, pela marginalização no espaço português, pela língua, e pela consciência de uma identidade que é, ela própria, uma realidade em construção. Os textos e os autores O Teatro Popular Mirandês é composto, na sua maioria, pelo conjunto de textos oriundos da chamada escola vicentina. Contudo, como veremos, há também textos de autores mirandeses e outros trazidos da vizinha Espanha21. Baltasar Dias (A imperatriz Porcina, Auto de Santa Catarina, Auto de Valdevinos); Francisco Vaz de Guimarães (Auto da paixão); António Pires Gonge (?) (Resumo da Sagrada Ressurreição); 20 Apreciem-se, por exemplo, estas palavras: “Há certas usanças entre os povos que eles consideram inconscientemente autênticas instituições sociais, religiosas, litúrgicas, domésticas, de que não abdicam por algum motivo e que fazem parte da sua vida individual e colectiva – uma espécie de segunda ou terceira natureza. Razões de predisposição psicológica ou mesológica das multidões? Raízes multi-seculares persistentes e renitentes ao abafo dos séculos e das correntes ameaçadoras que sobrevivem com as épocas? Condições naturais de adaptabilidade dessas institutições para o povo as receber, abraçar e aplaudir?” Ver Terra de Miranda – Coisas …, Op. cit.,p. 389. 21 Para um inventário dos cascos veja-se o trabalho de Valdemar Gonçalves, “Teatro popular mirandês”, in Estudos mirandeses: balanço e orientações, (coord. de José Francisco Meirinhos), Granito, Porto, 2000, pp. 151-178. 381 Afonso Álvares (Auto de Santa Bárbara); António Cândido de Sousa Vasconcelos (Auto de José do Egipto), entre outros, são alguns dos autores destes textos amplamente divulgados pelas mãos do povo até finais do século XIX. Outros são oriundos das praças e terreiros espanhóis – traduzidos de autores como Lope de Veja (A estrela de Sevilha) e Calderon de La Barca (A vida é um sonho) ou importados de França, como a célebre comédia de Roberto do Diabo – de onde foram trazidos pelos contrabandistas, aventureiros, curiosos ou peregrinos que, secularmente se deslocaram às vizinhas terras de Castela e Leão. Numa folha solta, com letra de marcador vermelho e de difícil leitura, podemos perceber estas palavras de António Maria Mourinho: A tradição e o hábito dos mirandeses vinham […] numa tradição de representações litúrgicas de ruas e praças em Zamora, Salamanca, Valhadolid, – sobretudo a 1ª – que já nos é citada no fim do século XIII – e a que os mirandeses assistiam por devoção aos mistérios celebrados – os maiores do ano – Auto da Paixão e Ressurreição – e acorriam a pé, por penitência, por mera devoção ou simples curiosidade de presenciar e ver para voltar e depois contar […] aos que ficaram. É de tradição os mirandeses passarem na barca do Douro ou na Senhora da Luz a caminho de Zamora, às feiras e romarias e de caminho traziam roupas para vestir, ferros para [a] lavoura e alimentos… Mas o teatro popular mirandês tem também os seus próprios autores locais22. Versejadores famosos foram, por exemplo, o Tiu Augusto Pataco e o Senhor João Bernardo, que reclamavam a autoria do Auto da Pastora ou Comédia da Vida e Morte da Maria do Céu. Em rigor, o texto pertence a ambos: o Tiu Augusto Pataco pode ter sido o primeiro autor do texto, mas o Sr. João Bernardo fez a profecia e terá feito também várias alterações cada vez que o ensaiou23. Para além destes, há que referir os nomes de António Delgado Ramos, de Cicouro, que escreveu o auto Amor de amargura ganhado pelos cristãos e adaptou o Auto de todo o mundo e ninguém; de Basílio Rodrigues, pintor, natural de Vilar Seco, no concelho de Vimioso, autor de dois colóquios (A pintura de São Brás e O capote); e Humberto Augusto Pires, natural de Malhadas autor de O emigrante e que adaptou igualmente o texto de O filho pródigo, de autor desconhecido. Também Valdemar Gonçalves adaptou ao teatro popular mirandês a conhecida telenovela A escrava Isaura, que foi representada na Póvoa em 26 de Dezembro de 1979. Refira-se igualmente o Entremez intitulado Sturiano i Marcolfa, da autoria do Sr. Francisco Garrido Guimarães, “camponês natural de Cércio”, publicado por José Leite de Vasconcelos24. Teatro em mirandês, mas não teatro popular mirandês, é também a peça de Alfredo Cortez, As saias, escrita em 1938 e representada no Teatro Nacional D. Maria II, em 1938 e 195925. A língua mirandesa foi, na opinião do autor, a forma de melhor “fazer a interpretação artística da vida e costumes das Gentes de Miranda”26. É sobretudo um texto que prima pelo “cuidado no levantamento etnográfico” e no pormenor que acabam por lhe diminuir o alcance estético. No entanto, como sublinha Duarte Ivo Cruz, 22 Sobre este assunto veja-se também o artigo de Valdemar Gonçalves, “Teatro popular mirandês”, in op. cit., pp. 151-178. Ver Valdemar da Assunção Gonçalves, Op. cit., p. 173. Ver Estudos de Philologia Mirandesa, Imprensa Nacional, Lisboa, 1901, II, pp. 283-303. 25 Sobre esta peça encontra-se, no Centro de Estudos António Maria Mourinho, alguma correspondência inédita entre Alfredo Cortez e António Maria Mourinho. 26 Alfredo Cortez, Teatro completo, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1992, p. 539. Este trabalho é o fruto da colaboração entre Alfredo Cortez e António Maria Mourinho. No Centro de Estudos com o nome do investigador mirandês encontram-se algumas cartas e bilhetes postais, trocadas entre ambos, que dão conta do andamento e da elaboração desse trabalho. 23 24 382 na Introdução ao Teatro Completo, “Alfredo Cortez, sem sair do mais escrupuloso regionalismo, consegue colocar num plano artístico, portanto universal, o sentir e o viver da sociedade simples que retratou27.” Com edição do Instituto de Desenvolvimento Social e autoria de Marcus Miranda, pseudónimo de Amadeu Ferreira, refira-se também a peça, totalmente escrita em mirandês, Falar para nun morrer – Quelóquio an dous atos, editada em 2004 (representada em Malhadas, em Abril 2003). Por último, mencione-se ainda a peça O espantalho teso, de Jorge Louraço Figueira, cuja acção se passa em Terras de Miranda e com algumas deixas em mirandês, que eu próprio traduzi28. Esta peça estreou a 10 de Julho de 2001 no Balleteatro Auditório, com encenação de Fernando Moreira e produção T Zero / TNSJ - Teatro Nacional S. João. Depois disso, foi encenado, em 2002, por um grupo de teatro escolar em Riba d'Ave e, em 2003, por um grupo de amadores em Vagos. O autor informa-me também que, no dia 23 de Outubro de 2005, no Centro Cultural de São Paulo (Brasil), o texto foi lido numa sessão de leitura pública. Certos textos do teatro popular mirandês não têm indicação autoral. Isso não quer dizer que não tenham autor ou que sejam anónimos. Inicialmente escritos por este ou aquele autor, foram passando de mão em mão, de boca em boca, de localidade em localidade, de regrador em regrador que lhe foi acrescentando palavras, versos, quadras, personagens. A cultura popular, porque é uma cultura viva, alimenta-se justamente destes acrescentos mas também dos esquecimentos, que são puros actos emotivos e, portanto, actos de criação. Por isso, não admira que alguns reclamem, como seu, um texto que, em rigor, lhes não pertence porque muitos textos do teatro popular são pluriautorais, pertencendo a todos e a ninguém. Apresenta-se agora lista dos textos que se encontram no espólio do Dr. António Maria Mourinho. São textos dactilografados, muitos deles em papel amarelado e dos quais existem algumas cópias, já em processador de texto, uma vez que o investigador preparava uma edição completa, projecto que não chegaria a concretizar. Segue-se a divisão tradicional entre teatro profano e teatro religioso, começando por este último. Para além de informações sobre os textos, acrescento ainda outras indicações sobre os lugares e as datas em que alguns foram representados29. Por aí se pode apreciar algo da continuidade destas manifestações. Em rigor, alguns destes textos não podem ser considerados como pertencentes ao Teatro Popular Mirandês porquanto lhes faltam alguns dos elementos que, como veremos, lhe são peculiares: a profecia e as personagens divinas (Deus, Jesus Cristo, a Anjo, etc.) ou infernais (o Diabo, também chamado Lusbel e Lúcifer, ) assim como o Tonto ou Gracioso. Trata-se de textos que, aparentemente, nunca chegaram a ser adaptados. Por outro lado, no final desta relação, referem-se outros textos que, não sendo propriamente teatro, se enquadram, em meu entender, naquilo que aqui se disse sobre o teatro popular mirandês, nas suas múltiplas vertentes: a existência de diálogo, o seu carácter dialogal e o facto de serem concebidos para serem apresentados ou representados perante um público. 27 Op. cit., p 61. O texto encontra-se editado pelos Livros Cotovia, na colecção Dramaturgias Emergentes, volume I, Lisboa, 2001, pp. 193232. 29 Estas indicações são retiradas quer das notas do Dr. António Mourinho quer das informações de Valdemar Gonçalves, deixadas no seu artigo “Teatro popular mirandês. Seguido de um inventário dos cascos representados nas Terras de Miranda”, in José meirinhos (Coord.), Estudos mirandeses. Balanço e orientações, Porto, Granito, 2000, pp. 151-178. 28 383 TEATRO RELIGIOSO A Criação do Mundo Texto dactilografado e encadernado (sessenta e oito páginas). Uma anotação final diz-nos que “esta comédia” se “realizou em 4 de Maio de 1924”, “a qual ficou muito bem representada”. Segue-se a distribuição do elenco. Na página seguinte, encontra-se ainda este registo, bem curioso, sobre a representação que teve lugar em Urrós (Mogadouro), mostrando-nos que estas representações reuniam grandes massas humanas, oriundas de toda a região30: Esta comédia é muito exemplar. Está fundada na História Sagrada e tanto, que durante a representação, assistiram alguns padres. Deu-se um barulho causado pelos de Brunhozinho ao meio da comédia. A Guarda Nacional Republicana de Miranda do Douro, a de Infantaria de Bemposta acabaram com o barulho imediatamente. Depois ao fim, quando os ocupantes estavam a jantar, os ditos acima com ditos de barra com o Jorge de Vila Chã, pegaram à pancada, nessa altura também a Guarda estava a jantar, chegaram ali 4 ou 5 de Urros, e resistiram com os de Brunhozinho, quando a Guarda veio já um dos Brunhozinho, tinha sete buracos na cabeça. Foi preciso vir o médico de Miranda. Eu que isto presenciei, sendo o regrante da comédia. Urros, 4 de Maio de1924. Todo este livro é por minha mão. Salustiano Augusto Ovilheiro. Auto da mui dolorosa paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Sobre este auto encontra-se no Centro uma ampla documentação, nomeadamente sobre a representação que teve lugar em Duas Igrejas, em 1948, e à qual assistiram, segundo as notícias da época, cerca de 25.000 pessoas. O texto foi revisto por António Mourinho, conforme se pode ler numa anotação que se segue ao título: Conforme a escreveram os Quatro Evangelistas, Obra novamente feita pelo Reverendo padre Francisco Vaz de Guimarães, revista pelo Rev. Padre António Maria Mourinho, pároco de Duas Igrejas, e expurgada das muitas corruptelas que nela o povo tinha introduzido. Anotada e aperfeiçoada nos movimentos das figuras e da cena, em que foi ajudado por José Tomás Pires, de Duas Igrejas, no ano que em que foi representada, 1948. Ainda não foi possível averiguar se, das muitas folhas que existem no espólio, será possível reconstituir um texto completo. A obra foi também representada em Ifanes, 1938, Caçarelos, 1939, existindo também notícia da sua representação em Algoso e Genísio. 30 A aldeia de Vila Chã encontra-se, hoje, a cerca de vinte quilómetros de Urrós, ambas as aldeias unidas pelo caminho medieval conhecido pela estrada de Miranda. (Esta informação foi-me facultada pelo Dr. Ernesto Vaz, arqueólogo da Câmara Municipal de Miranda do Douro, a quem agradeço igualmente a leitura que teve a amabilidade de fazer de todo este texto). 384 Auto de José do Egipto Texto dactilografado (cinquenta e sete páginas). Numa folha solta, manuscrita e datada de 18 de Fevereiro de 1974, podem ler-se estas palavras de António Mourinho: Este Auto de José do Egipto tem sido representado em Sendim, já do meu conhecimento, por duas vezes entre 1930 e 1950 e em Genízio. (…) Neste ano de 1974, gente de Sendim parece preparar-se para repetir esta representação. Este auto é puramente bíblico e em conformidade com as tradições e o temperamento cultural dos sendineses em cuja economia demográfica existe muito sangue judeu. Também na última página se encontram duas anotações, uma dactilografada e outra manuscrita. A primeira diz o seguinte: “Esta comédia foi representada em Sendim em 10 de Maio de 1936. Este casco pertence a Emília de Simão Fanega.” Nas letras manuscritas por Mourinho lê-se: “Esta cópia é minha. Miranda do Douro, 5/5/93.” Segue-se a assinatura e a menção “foi representado em Sendim em 1983.” Auto do Nascimento do Menino Sagrado Texto dactilografado, com vinte e oito páginas (dois exemplares). Auto do Natal Texto dactilografado (dezassete páginas). Na capa encontra-se também a anotação “1980”. Auto do milagroso mártir S. Sebastião Texto dactilografado, com treze páginas (três exemplares). Auto de Santa Bárbara Texto dactilografado, com onze páginas (três exemplares, todos incompletos). À frente do título encontra-se a seguinte indicação, manuscrita, da autoria de António Mourinho: “Por Afonso Álvares”. Trata-se de um texto incompleto, devidamente assinalado por Mourinho, que no final escreveu: “Falta o resto”. Auto de Santo Aleixo Texto dactilografado (quarenta e nove páginas). Na capa, figuram ainda as seguintes informações: Obra novamente feyta da vida do Bemaventurado Santo Aleixo, filho de Eufemiano Senador de Roma – Feyta por Baltazar Dias – Em Lisboa. Na officina de Domingos Carneyro – Anno de 1659. Há notícia de ter sido representada na Póvoa em data desconhecida. A vida de Santa Iperatriz (sic) Porcina Texto dactilografado, com trinta e seis páginas. Na capa pode ainda ler-se que se trata de um “auto popular representado tal qual o texto se apresenta, na freguesia da Póvoa-Miranda do Douro, em 1950”31. Foi também representado em Atenor, em 1929. Colóquio de Adão e Eva Texto dactilografado (dez páginas). Daniel no lago dos leões 31 Este texto foi, segundo António Maria Mourinho, o primeiro que ele conseguiu depois de o eminente folclorista brasileiro, Luís da Câmara Cascudo, o ter consultado sobre “os textos das novelas populares.” Terá sido assim o despoletar do seu interesse pelo Teatro Popular Mirandês. Ver António Maria Mourinho, Terra de Miranda, Op. cit., p. 387. 385 Texto dactilografado (dez páginas). Na capa pode ainda ler-se: “Breve e fácil drama da sagrada escritura do capítulo sexto do mesmo profeta – Composto no ano de 1843.” Drama para o SS. Natal Texto dactilografado, com nove páginas. Na capa encontra-se ainda a seguinte menção: “INTERMÉDIO – CASA DE SANTA ISABEL, NOSTERES, DELIÃO”. Drama pasturil (sic) para o SS. Natal – Pastores da Ajuda Texto dactilografado (três páginas). O cerco da grande cidade de Deus pelo rei da Sicília, devoção pelos defuntos, ou triunfo das almas Peça dactilografada (trinta e três páginas). No texto desta “comédia famosa” segundo se lê na primeira página, podemos ainda ler, no final, estas anotações, também dactilografadas: Copeado em Duas Igrejas, por José Tomaz Pires, provem de Ifanes e Caçarelhos passado nas Ilhas de Itália (Europa). Duas Igrejas, 23 de Abril de 1927, José Tomaz Pires José Tomaz Pires de Duas Igrejas, do Concelho de Miranda do Douro, o copeou por um de Ifanes pertencente ao Senhor Natola, natural de Caçarelhos, concelho de Vimioso e residente na freguesia de Ifanes do concelho de Miranda do Douro – Trás-os-Montes – Portugal. José Tomaz Pires Duas Igrejas 1 de Agosto de 1938.” Foi representada em Ifanes, em data desconhecida. Resumo da Sagrada Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo Texto dactilografado, com trinta e seis páginas (quatro cópias, nem todas completas). Um exemplar tem inúmeras anotações, que se encontram também dactilografadas, em documento à parte. Foi representado em Algoso (Vimioso), em 1920, Sendim (1928), Caçarelhos (1952) e, mais recentemente, em Argoselo, concelho de Vimioso, em 20 de Junho de 1982. TEATRO PROFANO A pintura de S. Brás Texto dactilografado (quatro exemplares, um dos quais em computador e preparado para edição). Segundo se lê na capa, esta “comédia cómico-satírica” é da autoria Basílio Rodrigues”, tratando de um “assunto verdadeiro ocorrido com personagens de Vilar Seco, Vimioso, Cércio de Miranda do Douro e outros. Foi representada em tabelado de quarenta metros de cumprido ao ar livre em Vilar Seco, Vimioso a 10 de Fevereiro de 1928.” Colóquio da inveja, diabo, Silvestre, vulcano, Narciso, Belisa, Júlia Rebeca e Anjo Texto dactilografado, sete páginas (dois exemplares). Famosa Comédia dos Sete Infantes de Lara. Vida do Conde de Castela e Fernão Gonçalves de Lara Texto dactilografado, com trinta e uma página (três exemplares). Na última página pode ler-se a seguinte nota: “Retocada e corrigida em 10 de Abril de 1949, pelo senhor Firmino João Miranda Lopes”. Foi representada em Parada (Bragança), em 1960. 386 Um dia de Inverno Fotocópia do manuscrito. Segundo se lê na capa, esta “comédia cómica” foi composta em Fevereiro de 1922, pelo pintor, Bazílio Marcelino Rodrigues. É também conhecida por O capote e “há notícia de ter sido representada por volta de 1940 e mais recentemente, na década de 80, foi igualmente representada na Póvoa e em Malhadas em 199232.” Verdadeira tragédia do Marquez de Mantua e do Imperador Carloto Magno Texto dactilografado (treze páginas). As informações da capa dizem-nos ainda que esta peça “trata como Marquez de mantua, andando perdido na caçada, achou a Valdevinos ferido de morte E da justiça que por sua morte foi feita a D. Carloto, filho do imperador.” Segundo informa Valdemar Gonçalves foi recentemente representado em São Martinho de Angueira. Vida de Roberto do Diabo Texto dactilografado (um exemplar dactilografado e alguns outros policopiados). Este texto, também conhecido por Verdadeira tragédia de Roberto do Diabo foi representado em Vilar Seco (Vimioso), em 1934 e em Sendim (1943 e 2002). OUTROS TEXTOS Bíblia Sagrada, em quadras simples Texto dactilografado, composta por 110 quadras. Na capa pode ainda ler-se: “Anónimo popular” “Com Nota Prévia e anotações do Pe. António M. Mourinho” e a data de “1982”. No final encontra-se a seguinte anotação: “Copiado do manuscrito feito por José Augusto Gonçalves Raposo, Datado de Póvoa, 13 de Setembro de 1944.” Loas cantadas no Natal Duas folhas dactilografadas. Não se tratando propriamente de um auto, pelo que acima se disse sobre o teatro popular, parece-me que estas quadras merecem bem figurar nesta lista. Trata-se de um conjunto de vinte e sete quadras, recolhidas em Ifanes (Miranda do Douro). Desconheço quando e onde eram ditas embora, pelo texto, se suponha que seriam cantadas na igreja. Nela tomam parte as seguintes personagens: um anunciador que entra na igreja, pedindo licença para ver o “divino rei” e anunciando, num tom profético e apocalíptico, as grandes mudanças que se hão-de operar no mundo. Entra depois um Embaixador convidando as Donzelas a entrar e a cantar os louvores “ao sagrado nascimento”. Entram estas donzelas cantando e louvando o “rei celestial, seguindo-se ainda um curto diálogo entre dois embaixadores. As loas terminam com a entrada de um Anjo, que traz a luz para alumiar o caminho até ao presépio, terminando com estes versos (que se transcrevem tal como aparecem no original): Andai comigo meninos A dar lo33 vosso recado Vamos ver o deus menino Numas palhinhas deitado Jesus Cristo feito homem E destruidor do pecado. 32 33 Ver Valdemar Gonçalves, Op. cit., p. 177. Forma mirandesa do pronome pessoal, objecto directo, 3ª pessoa. 387 Reis falados Texto dactilografado, com oito páginas e algumas anotações. Trovas de Carnaval Manuscrito original, com doze páginas (com várias fotocópias). Não tem indicação de autor. Na primeira folha, escrito a lápis, pode ler-se a indicação da origem, Vilar Seco, assim como a anotação “inédito”. No interior, em folha solta, encontra-se uma lista de quinze anotações sobre os mirandesismos do texto. As representações As representações do Teatro Popular Mirandês são chamadas colóquios, quelóquios, entremeses ou ainda comédias ou tragédias, segundo o assunto tratado. Para além disso, os autos mirandeses têm ainda outras peculiaridades, que convém destacar. Todos devem ter uma profecia ou prólogo, feita por um anunciador. Nela se apresenta a obra e os personagens, pedindo a atenção do auditório e o perdão pelas faltas notadas. Apresenta também logo a moralidade como conclusão dos factos passados. Apreciem-se as quadras iniciais de uma das comédias mais representadas na Terra de Miranda, a Vida de Roberto do Diabo: Respeitável auditório A vossa atenção imploro A minha fraca pessoa Para vos dizer agora. As passagens desta obra Que do Roberto é chamada A maldade praticada E a sua cruel manobra Em tempos remotos havia na França Um ducado que ainda existe, é certo, O seu soberano chama-se Alberto Que os seus maiores lhe dão por herança. (…) Peço a desculpa dos erros que dei E com a licença de vós povo honrado Eu me retiro e depois voltarei A dar conclusão ao meu razoado. Outra figura essencial, presente nos autos de cariz profano, é o tonto ou gracioso. Fala geralmente em mirandês, tendo a liberdade de entrar e sair de cena. Entra no palco quando outros personagens saem, dançando com a sua moca ou pelota, comendo e dizendo as boubadas que só nele são admissíveis. É uma espécie de narrador e comentador da intriga. Aqui ficam duas quadras (em mirandês e português), de um tonto de Constantim, bem elucidativas do carácter deste personagem34: Agora de barriga chena 34 Ver Valdemar Gonçalves, Op. cit., p. 156. 388 Ye que you me bou a stender… Bós stais cun la boca abierta I cun ganas de comer Pobo que benistes de fuora Que muito bos anganhais Bós dezis que you sou tonto Mas bós inda sodes mais Agora de barriga cheia É que eu me vou estender Vós estais com a boca aberta E com vontade de comer Povo que viestes de fora Que muito vos enganais Vós dizeis que eu sou tonto Mas vós ainda sois mais Todos os autos devem ter as figuras do Diabo (também chamado Lúcifer ou Lusbel), Nossa Senhora, Jesus ou um Anjo. Os ensaios são normalmente feitos à noite e orientados por um regrador. Antigamente, segundo informa António Mourinho, as mulheres não podiam tomar parte nas representações. No Auto da Paixão, representando em Duas Igrejas em 1948, os papeis de Nossa Senhora, de mulher de Pilatos, de criada de Caifás e de Verónica foram representados por homens. Contudo, este deve ter sido um dos últimos autos em que tal aconteceu. O palco é um enorme tablado – que em mirandês se chama também trabado, por ser feito de trabas (tábuas) –, armado num vale ou num largo, dentro ou fora do povoado. Tem cerca de 1 metro de altura, podendo atingir 50, 100 ou mesmo 200 metros de comprimento. É neste tablado que se montam a diferentes casas e palácios: o céu, o inferno, jardins, quartéis, etc. para as personagens e cenas. As casas e palácios são revestidos de panos coloridos que, segundo o código da tradição, são colchas de seda e de algodão, que formam um colorido variado. A Judeia, ou sinagoga, deve ser vermelha, assim como todos os judeus; o céu deve ser branco; o inferno escuro, com figuras estampadas de feras ou desenhos feios; a casa de Nossa Senhora deve ser de branco ou azul. Algo do engenho e arte do Teatro Polular Mirandês encontra-se nesta capacidade para absorver outras formas que são adaptadas e enriquecidas pelos gostos e pela mentalidade popular. Os textos enraízam-se no húmus local, fertilizam-se com o imaginário da chamada cultura popular e de cada um, que em troca lhes dá força e vitalidade. Apesar do seu carácter adventício, os textos adaptaram-se facilmente às gentes e aos costumes da Terra de Miranda, vestiram-se com as cores e os costumes locais, que agora eles próprios se encarregam de exprimir e de comunicar. 389 Conclusões e perspectivas A Terra de Miranda recebeu, guardou, transformou, adaptou e transmitiu parte desse manancial imenso que é o teatro popular. O teatro popular mirandês é herdeiro de toda uma tradição heterogénea onde desaguam diversas formas teatrais, de origens cultas, mas também rituais e pagãs, que se influenciaram mutuamente, produzindo o teatro enquanto espectáculo e objecto artístico. Longe de se pensar que esta região viveu secularmente numa situação “isolada” e “isolante”35, há que salientar a sua situação enquanto vértice de contacto entre povos, línguas e culturas. Do lado castelhano, recebeu textos vindos de França, conviveu com o teatro litúrgico das praças de Zamora e Valhadolid, acolheu e traduziu alguns textos oriundos desse grande centro que foi e é Salamanca. Do lado português, recebeu e adaptou os textos da chamada escola vicentina e do teatro de cordel posterior, trazidos por letrados, mercadores ou simples curiosos. Deste acervo, encontram-se inventariadas e editadas algumas dezenas de peças, algumas das quais continuam a ser representadas. O Centro de Estudos António Maria Mourinho, conforme os desejos do investigador, está neste momento a preparar a edição dos textos aqui existentes. Alguns serão editados individualmente, preparando-se também uma edição conjunta. O teatro popular mirandês resistiu tenazmente e durante séculos às investidas da igreja para expurgar e erradicar certas práticas. Suportou igualmente o olhar altivo da chamada cultura erudita, para não falar de uma lógica purgatória de quem via nestas manifestações uma fonte de educação popular, desde que corrigidos os excessos e os desvios em que o povo é mestre. Mas a torrente do teatro popular mirandês continua viva, alimentando-se da criatividade popular, que facilmente assimila outras formas culturais para as adaptar à sua realidade. Contudo, apesar dos sinais de vitalidade, forçoso é concluir que o teatro popular mirandês já não tem o vigor de outrora. Provam-no, por exemplo, o facto de as representações serem cada vez mais raras. As razões para este declínio são por demais conhecidas, embora, em rigor, cada uma delas merecesse ser estudada em pormenor. Em primeiro lugar encontramos as transformações sociais, ligadas ao abandono e à transformação dos modos de vida tradicionais e ao declínio da vida rural. As nossas aldeias vão ficando cada vez mais despovoadas, sendo desde logo difícil reunir as pessoas necessárias para as representações. Aparentemente, dizem as pessoas, também já não há a disponibilidade que havia antigamente. Como se o ritmo de vida, também no meio rural, tivesse ganho outra velocidade e não deixasse tempo livre para estas manifestações. Mas, se alguns textos deixaram de se representar, porque já não há quem o queira fazer, outros haverá que se não representam, porque o tempo os tornou opacos e as suas funções que eram divertir, através do riso, mas também criticar e moralizar, não têm hoje qualquer significado36. Esta é uma das razões pelas quais eles vão sendo esquecidos, porque deixaram de ter significado, tornando-se ininteligíveis, 35 Ver Amorim Girão, Geografia de Portugal, Porto, Portucalense Editora, 1960, p. 386. O mesmo acontece com muitos outros textos da literatura oral que são esquecidos pelos contadores, porque já ninguém os quer ouvir. Registe-se, a este propósito, a existência de vários textos ou temas que, na Terra de Miranda, circulam quer no género dramático, quer narrativo, nomeadamente na forma de contos, quer como simples versos, que vão passando de boca em boca. Esta possibilidade leva-nos directamente à questão dos géneros na literatura oral, ainda não estudada em profundidade na literatura oral mirandesa, mas sobre a qual tive oportunidade de escrever algumas considerações na minha tese de Doutoramento. Ver Palavras de Identidade da Terra de Miranda, Université de Toulouse – Le Mirail, 2002. Quanto aos textos, veja-se, por exemplo, o conto João Soldado, que eu mesmo publiquei na colecção L filo de la lhéngua, editada pela editora Apenas Livros, e que aparece também como texto dramático na peça A vida alegre do brioso João Soldado, ou as Pastoradas de Natal de cujo texto, segundo informa António Maria Mourinho, se pode encontrar uma solfa no Auto de Santo Aleixo e resquícios orais em muitas aldeias da Terra de Miranda. Ver António Maria Mourinho, Terra de Miranda – Coisas da nossa vida e da nossa alma popular, Câmara Municipal de Miranda do Douro, 1991, p. 391. 36 390 transformando-se numa espécie de código ou de criptograma, que encerra apenas um misto de alusões a acontecimentos que se passaram in illo tempore. Também, muitas tiradas e muitos textos do teatro popular mirandês, que outrora provocaram enormes gargalhadas, que despertaram lágrimas e fizeram deslocar aldeias quase inteiras para assistir às representações, não podem hoje provocar senão um certo sorriso. O teatro popular mirandês é, em essência, o reflexo das paixões mais populares e profundas segundo se têm manifestado ao longo dos séculos e até aos nossos dias. Neste sentido, não se trata de uma oposição entre uma cultura cómica que, entre risos e gargalhadas, se opõe às ideias, valores e poderes estabelecidos e uma cultura da elite, ou das classes dominantes, hegemónica e oficial, mas do seu valor enquanto forma de expressão e de concepção do mundo. Ele constitui mais um vigoroso elemento do edifício identitário mirandês – a par da língua, das manifestações etnográficas e etnomusicais, assim como da literatura oral – onde se cruzam e se combinam os textos coevos de Gil Vicente, com textos da chamada literatura de cordel, textos modernos e outros criados por autores locais. Por isso, é urgente continuar a recolha e a divulgação destes textos, conscientes do irreparável empobrecimento que resultaria da massificação cultural. 391