Sem título - Faculdade Santa Marcelina
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Sem título - Faculdade Santa Marcelina
Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 Em busca da terra de Bondiè: análise da imigração haitiana no Brasil em 2012 Bruno Constantino Introdução O terremoto que atingiu o Haiti em 2010 deixou muitos cidadãos haitianos em condições precárias, sem moradias e sem esperanças de melhoria. Adicionado a isso, a ajuda internacional não foi eficiente e o povo haitiano parecia ter sido esquecido por Bondiè (Deus em crioulo haitiano). Emigrar do Haiti para o Brasil - uma terra considerada próspera - foi o único meio de tentar superar a penúria. Então, os objetivos deste paper são abordar aspectos deste processo imigratório que aconteceu no início de 2012, analisar a influência dele nas relações internacionais brasileiras e, além disso, concluir se a vida dos haitianos nessa nova terra melhorou e assim superou as expectativas que eles tinham. Nem bem o primeiro e mais forte tremor acabara, as pessoas já erguiam as mãos aos céus e clamavam por Jezi (Jesus) e Bondiè (Deus); outras, poucas, entraram em transe a poucos metros de distância de nós. A consciência da violência do sismo foi imediata. Uma imensa nuvem de poeira nos jogou numa névoa impenetrável, explosões se sucediam e não longe de onde estávamos a chama de um posto de gasolina se adivinhava em meio ao pó. Pessoas feridas, queimadas, descabeladas, enlouquecidas surgiam no nevoeiro. (THOMAZ, 2010, p. 25). Dia 12 de janeiro de 2010 às 16h53, quinta-feira. O Haiti foi abalado por um sismo com magnitude de 7 graus na escala Richter que trouxe uma mudança no rumo da vida dos seus habitantes, que perderam, em um instante, familiares, amigos e vizinhos. Além dos mortos, aqueles que estavam vivos encontravam-se espalhados pelas ruas, desabrigados, feridos ou até mesmo amputados. As casas que não desabaram tiveram de ser abandonadas, pois outros temores de menores intensidades aconteciam constantemente e as bases estavam totalmente danificadas, o que traziam riscos de novos desabamentos. Todos se viram obrigados a dormir nos quintais e ruas, acampados com tendas feitas de lona. As circunstâncias fizeram com que a dependência de ajuda internacional se tornasse maior, uma vez que já havia intervenção da Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1994 no Haiti. Ela era tanto de caráter militar, quanto de ajuda humanitária. Esta última “constituiu um terço do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009” (WARGNY, 2011, p. 19). Porém, opiniões diferem sobre a eficiência do órgão internacional após o terremoto, como a de Omar Ribeiro Thomaz, que presenciara o tremor e que teve a impressão de um descaso por parte da ONU para com os haitianos expressada no trecho: 21 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 Os haitianos pareciam saber: parece ser que todo o efetivo militar da Minustah se concentrava no trabalho de salvar os membros da ONU no Hotel Cristophe. Cerca de 6 mil efetivos militares. Uma minoria estava trabalhando no Montana. A ONU ajuda a ONU, os haitianos ajudam os haitianos. (2010, p. 26). Além do descaso, também havia o despreparo por parte da ONU - mesmo após ter estado em solo haitiano há mais de 10 anos - para que fossem entregues as doações: “A informação obtida nos deixou perplexos: não tinham nenhum esquema de distribuição de alimentos ou remédios, e tampouco um esquema de segurança para garantir o trabalho dos cooperantes.” (THOMAZ, 2010, p. 30). Doze meses depois do terremoto, as doações aumentaram, mas a restauração do aeroporto e o recapeamento das principais artérias viárias são os únicos projetos em andamento. À população, resta esperar auxílio e sobreviver em meio a uma estrutura precária.”(WARGNY,2011,p.18). Ainda que a ajuda humanitária chegue até os haitianos, grande parte dela é perdida para a corrupção e também é investida em projetos que beneficiam as elites. Os mais pobres veem suas vidas iguais ou pouco diferentes daquelas que tiveram logo após o terremoto. Wargny, um enviado especial ao Haiti, descreve as condições precárias dos acampamentos - que mesmo após um ano do terremoto se encontram iguais - no trecho: “uma sucessão de barracas tão juntas umas das outras que temos dificuldade de passar uma mesa de plástico entre duas tendas. Promiscuidade ao extremo, condições de vida na temporada de chuvas (de junho a novembro) oscilando entre o insuportável e o terrível.” (2011, p. 18). Essas condições insalubres proporcionam o reaparecimento de doenças: No tempo seco, as fezes formam o essencial das partículas em suspensão. Assim como a água suja, transportam o bacilo do cólera, que acaba de voltar à ilha depois de uma ausência de quase um século. Doença de fácil prevenção – ter acesso à água limpa e lavar as mãos com frequência reduz o risco –, ela faz estragos aqui. Em meados de dezembro, quase cem mil pessoas foram contaminadas, 34 mil hospitalizadas. Mais de 200 mil mortes foram contabilizadas. Até esse período, Tomas, o ciclone que atingiu a ilha em 5 de novembro, ajudou na propagação da bactéria. Por todos os lados, fossas sépticas transbordam e misturam o conteúdo às imundices trazidas pelas tempestades. Receptáculo de águas furiosas e lixo que elas levam, os campos de desabrigados se transformaram em imensas fossas infestadas de vibriões coléricos. (WARGNY, 2011, p. 18). Frente às péssimas condições de vida e à falta de oportunidades para a melhoria delas, os haitianos se veem obrigados a usar a emigração para superar a pobreza. Os desabrigados economizaram os poucos donativos que receberam durante esses dois anos após o terremoto e, com eles, pagaram as passagens aéreas e rodoviárias em direção aos países que estão em crescimento e que oferecem oportunidades de trabalho. Os 22 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 Estados Unidos costumavam ser o local mais procurado pelos imigrantes haitianos, mas devido à crise financeira que tem atingido aquele país, o foco imigratório direcionou-se totalmente para o Brasil, que conseguiu contornar quase que todos os efeitos dessa instabilidade econômica mundial e que assim passou a ser visto como uma área em pleno desenvolvimento e de empregabilidade. Processo imigratório De acordo com uma pesquisa realizada com cinco haitianos presentes em Andradas (cidade no sul do estado de Minas Gerais), eles saíram do Haiti no início do ano, voaram até a Costa Rica, em seguida ao Panamá e depois para o Peru. Desse último país, eles foram em direção ao Brasil de carro, atravessando a fronteira do Acre ilegalmente. Segundo eles, todo esse trajeto foi realizado sem dificuldades e o processo de liberação dos vistos foi simples, tendo sido o governo brasileiro atencioso com todos eles. Quatro mil haitianos presentes no Brasil foram legalizados e medidas para o controle do fluxo imigratório foram tomadas: A situação estava fugindo do controle e precisava ser disciplinada, essa foi a justificativa do governo brasileiro para editar a Resolução Normativa nº 97, de 12/01/2012, do Conselho Nacional de Imigração – CNIG, dispondo sobre a concessão do visto permanente, previsto no art. 16, da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, a nacionais do Haiti, por razões humanitárias, condicionado ao prazo de cinco anos, nos termos do art. 18, da mesma Lei, circunstância que constará da Cédula de Identidade do Estrangeiro. A própria Resolução do CNIG estabelece o que são razões humanitárias, ou seja, aquelas resultantes do agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país, em 12 de janeiro de 2010. Ainda de acordo com a Resolução, o visto tem caráter especial e será concedido pelo Ministério das Relações Exteriores, por intermédio da Embaixada do Brasil em Porto Príncipe, com limite de até mil e duzentos vistos por ano, correspondendo a uma média de cem concessões por mês. Antes do término do prazo de cinco anos, o nacional do Haiti deverá comprovar sua situação laboral para fins da convalidação da permanência no Brasil e expedição de nova Cédula de Identidade de Estrangeiro. (LAURIA, Lélio. A questão dos imigrantes haitianos. Além do controle pelos vistos liberados por mês na embaixada em Porto Príncipe, outra medida foi tomada. O ministro das relações exteriores, Antônio Patriota, disse na sabatina realizada no Shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo, no dia 17 de maio de 2012 que houve uma iniciativa diplomática entre Brasil e Peru, e que o último começou a requerer visto desses estrangeiros. A contenção dos haitianos além de servir para que não haja disputa entre eles e brasileiros por vagas no mercado de trabalho, também tem a função de proteger esses imigrantes do narcotráfico e dos coiotes que 23 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 eles contratam para conseguir atravessar a fronteira brasileira sem vistos. Porém, por vezes, essas medidas não são bem vistas. Elas nada mais são do que, segundo Ventura e Illes (2012, p. 34 apud OTAVIO, Chico & GUILAYN, Priscila. “um processo de imigração seletiva, que priorize a drenagem de cérebros, mas estabeleça limites para os estrangeiros que chegam fugindo da pobreza de seus países.” E mantendo a mesma posição em relação às restrições, ela vai totalmente contra a ideia de que com as medidas, os haitianos estão sendo protegidos dos criminosos que os ajudam a atravessar a fronteira, no trecho: Medidas restritivas se fizeram acompanhar por mitos. Por exemplo, o de que dificultar a entrada de pessoas as protege dos “coiotes” (os falsários que organizam a passagem pelas fronteiras ou até promovem o tráfico de pessoas), quando é sabido que, quanto maior for a restrição, mais valorizado é o atravessador. Não é difícil intuir que, sob o prisma individual, o recurso a essa totalmente incerta, cara e perigosa viagem de milhares de quilômetros é sempre o último. (VENTURA & ILLES, 2012, p. 35) Assim como Deisy Ventura e Paulo Illes, Omar Ribeiro Thomaz e Sebastião Nascimento fizeram duras críticas para a política de imigração adotada pelo governo brasileiro: Ora, a antropofagia pode ser agradável para quem devora, mas não para quem deve pagar o preço da assimilação. Assim, o universo institucional revive uma tradição nacional tão vetusta quanto infame: a do favorecimento da imigração, sim, mas com alta seletividade, ao longo de uma história em que aos negros estrangeiros só se abririam as portas enquanto chegassem pelos porões do cativeiro. (THOMAZ, Omar Ribeiro & NASCIMENTO, Sebastião. Fronteira Social e fronteira de serviço. Em: < http://www.estadao.com.br/noticias/suplemen tos,fronteira-social-e-fronteira-deservico,828430,0.htm> Acesso em: 7 jun. 2012) Contratações, novos rumos e esperanças Os haitianos, agora legalizados, espalharam-se por diversas regiões do Brasil, e a região sudeste foi a mais procurada, por ter uma oferta maior de emprego, principalmente no setor primário, pois há mais oportunidades para a mão-de-obra barata. Junto daqueles cinco imigrantes que participaram da pesquisa feita em Andradas, vieram mais dez. Esses quinze refugiados viajaram durante cinco dias, do Acre até o destino no sul de Minas Gerais, por meio de um ônibus de seu novo patrão. Foram contratados para trabalhar na cultura de rosas e fazem serviços como plantio, capinação, corte e embalagem. J.G., O.S-F., R.S., I. M. e sua mulher J.S. disseram que estão se adaptando sem muitas dificuldades com o novo emprego que conseguiram. Eles têm moradias dignas, porém não ganham o tanto que esperavam, assim como muitos haitianos que vieram para 24 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 o Brasil. Recebem um salário mínimo de R$ 622,00, mas em cima deste, recai o desconto de 8% (R$ 49,76) do INSS, então o salário é de R$ 572,24. Caso façam horas- extras, ganham R$ 3,50/hora. Além desses valores, ganham uma cesta básica com componentes como arroz, feijão, açúcar e papel higiênico de valor de R$ 43,00. O salário é gasto com carnes, temperos e leite. Pouco dinheiro sobra para ser enviado aos familiares no Haiti ou mesmo para tentar trazê-los para o Brasil. J.G., O.S.-F. e R.S. deixaram filhos e maridos no Haiti, I.M. e a mulher J.S. deixaram seis filhos com a irmã dela. Sobre o terremoto, eles relataram algumas lembranças. Todos eles estavam na rua e correram assustados e sem direção, mas com J.S. foi diferente. No início do tremor, ela estava dentro de casa e sua reação foi pegar seu filho de sete anos e correr em direção à rua. Todavia, quando conseguiu sair da construção prestes a desabar, um bloco de tijolo caiu em sua cabeça, causando um trauma em sua cabeça, o qual foi tratado mais tarde por médicos americanos. Muitos familiares morreram soterrados nos escombros, principalmente os mais idosos, que não conseguiram se locomover a tempo de se salvarem. Para finalizar, alguns dados sobre esses cinco haitianos serão apresentados em gráficos. São eles: a idade, o número de óbitos na família e a quantidade de pessoas deixadas-no-Haiti. Considerações Finais Estes imigrantes são guerreiros que não deixam de lutar contra os empecilhos da vida, mesmo marcados pelas feridas feitas por um terremoto que os separou de entes queridos pela morte ou por decisões de deixálos para buscar melhorias. Por mais que as expectativas em relação à vida no Brasil não tiverem sido superadas, por mais que novos empecilhos possam aparecer, viver aqui é tudo que eles querem. Ainda que em momentos se sintam dependentes da ajuda de outros, eles têm um emprego, ganham dinheiro com o próprio suor e veem nisso modos para superar a pobreza. O governo brasileiro, por mais temeroso que estivesse com o grande fluxo imigratório, acolheu os imigrantes na medida do possível, procurando ajudá-los a criar uma nova vida no Brasil. Além disso, a atenção e preocupação que o povo brasileiro tem com eles fazem com que se sintam parte deste novo lugar, lar de esperança, lar de Bondiè. Bruno Constantino é Relações Internacionais graduando em pela FASM. 25 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 Gráficos 26