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Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Uma publicação conjunta: Associação dos Procuradores do Município de Londrina – APROLON Procuradoria-Geral do Município de Londrina . . Ano 2 Vol. 2 Jan./Dez. 2013 Associação dos Procuradores do Município de Londrina – APROLON Procuradoria-Geral do Município de Londrina Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Vol. 2, Nº 1, Dezembro 2013 Londrina RDP-PGM Londrina Londrina V. 2 – Nº 1 169 p. Dezembro 2013 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Conselho Editorial Carlos Renato Cunha (Coordenador) Celso Zamoner João Luiz Martins Esteves José Roberto Reale Paulo César Tieni As opiniões emitidas nos artigos são responsabilidade exclusiva de seus autores. de Publicação conjunta da Procuradoria-Geral do Município de Londrina e da Associação dos Procuradores Municipais de Londrina – APROLON. Endereço eletrônico para remessa de artigos: [email protected] Catalogação na publicação por Waléria de Luza – CRB 9/1402 Revista de Direito Público da Procuradoria –Geral do Município de Londrina/ Associação dos Procuradores do Município de Londrina – APROLON / Procuradoria –Geral do Município de Londrina, - v.2,n.1, (Dez, 2013) – Londrina, 2013. Anual ISSN: 2317-4188 ( on-line) Disponível em: <http://www.aprolon.com.br/pkp/ojs/index.php/rdp-pgmlondrina> 1. Direito Público - Periódicos. I. Associação dos Procuradores do Município de Londrina – APROLON / Procuradoria –Geral do Município de Londrina . CDU 342 Revisão e Editoração: APROLON Publicação: dez. 2013 Associação dos Procuradores do Município de Londrina APROLON Av. Rio de Janeiro, 1389 Vila Ipiranga - Londrina-PR CEP 86.010-150 (43) 9996-4715 [email protected] - www.aprolon.com.br Procuradoria-Geral do Município de Londrina Av. Duque de Caxias, 635, Prefeitura Municipal - Centro Cívico Bairro Petrópolis - Londrina-PR CEP 86.015-901 (43) 3372-4327 www.londrina.pr.gov.br Administração da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Procurador-Geral do Município Zulmar Fachin Procurador-Geral Adjunto de Gestão do Contencioso Carlos Renato Cunha Procuradora-Geral Adjunta de Gestão da Consultoria Renata Kawasaki Siqueira Corregedora-Geral do Município Alexandre Alberto Trannin Gerente de Assuntos de Pessoal - GAP Ronaldo Gusmão Gerente de Serviços Públicos - GSP Sérgio Veríssimo de Oliveira Filho Gerente de Patrimônio Público, Urbanismo e Meio Ambiente - GPPUMA Renata Kawasaki Siqueira Gerente de Assuntos Legislativos e Normativos - GALN Fábio César Teixeira Gerente de Assuntos Fiscais e Tributários – GAFT Carlos Renato Cunha Gerente de Execução Fiscal – GEF André Fustaino Costa Os cargos até aqui nominados são os que compõem a Comissão Especial de Assuntos Estratégicos da PGM-Londrina. Assessora-Técnica Administrativa e Financeira – ATAF Valéria A. Galindo Carvalho Coordenador de Apoio Administrativo ao Gabinete – CAA-Gab Lucas Ferreira Santana Coordenador de Apoio Administrativo à Execução Fiscal – CAAEF Thiago Eidi Morimoto Coordenadora de Apoio à Arrecadação Fiscal – CAAF Eliza Tizuru Sonomura Coordenadoria de Análise de RPVs e Precatórios Diego Rodrigues Martins Coordenadoria de Apoio ao Setor de Licitações, Contratos e Convênios Administrativos José Henrique dos Santos Piazza Diretoria da Associação dos Procuradores do Município de Londrina APROLON Presidente Fábio César Teixeira Diretor de Assuntos Jurídicos e Institucionais (Vice-Presidente) João Luiz Martins Esteves Diretor Administrativo e Financeiro Sérgio Veríssimo de Oliveira Filho Diretor de Comunicação e Eventos Ronaldo Gusmão Diretor do Núcleo de Estudos Jurídicos Carlos Renato Cunha Conselho Fiscal Salete Teresinha de Souza Sabrina Fávero Lia Correia Diretores Adjuntos Renata Kawasaki Siqueira (Dir. Ass. Jur. Inst.) André Fustaino da Costa (Dir. Adm. Fin.) Cristiane Maria Haggi Favero Grespan (Dir. Com. Ev.) José Roberto Reale (Dir. Nuc. Est. Jur.) Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina SUMÁRIO EDITORIAL................................................................................................................................................... 11 ARTIGOS A PROGRESSIVIDADE DO IPTU DIANTE DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA Adriana Andrade de Oliveira Natália Campanini Davanso .......................................................................................................................... 13 O MODELO GERENCIAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS: reflexão sobre o vácuo legislativo na elaboração da lei de proteção aos usuários de serviços públicos, a subsidiariedade do CDC e a decisão cautelar na ADO 24 MC/DF Ana Lúcia Bohmann .............................................................................................................................................................................................. 33 LEGITIMIDADE PASSIVA EM EXECUÇÃO FISCAL QUE TEM POR OBJETO A COBRANÇA DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA E A SÚMULA 392 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ana Lucia Costa ..................................................................................................................................................................................................... 47 DA POSSIBILIDADE DO PROTESTO DE CDAS MESMO ANTES DO ADVENTO DA LEI FEDERAL N. 12.767/2012: DESNECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR NACIONAL E INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO SIGILO FISCAL Carlos Renato Cunha ........................................................................................................................................................................................... 61 AS DEFENSORIAS PÚBLICAS COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA E EFETIVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Daniela Braga Paiano Paulo César Tieni Washington Aparecido Pinto .......................................................................................................................... 77 ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL E DESIGUALDADES NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA Evaldo Dias de Oliveira ..................................................................................................................................................................................... 89 O INSTRUMENTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR/SUSPAD NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO DE LONDRINA João Henrique Fernandes Marques ........................................................................................................................................................... 107 O INSTITUTO DO TOMBAMENTO E SUA APLICABILIDADE NO MUNICÍPIO DE LONDRINA Júlia Saragoça Santos 7 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Caroline Dias de Oliva..................................................................................................................................................................................... 121 DÍVIDA ATIVA MUNICIPAL E O “PROTESTO” COMO “ALTERNATIVA EFICIENTE” AO “CUSTO” DA EXECUÇÃO FISCAL: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Luiz Henrique Antunes Alochio ......................................................................................................................................... 135 O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL SOB A ÓTICA DAS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA ADVOCACIA PÚBLICA EM JUÍZO Marcelo Veiga Franco ....................................................................................................................................................... 159 9 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina EDITORIAL É com muita honra que anunciamos o advento do 2º volume da Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município, fruto de intenso labor da Associação dos Procuradores do Município de Londrina – APROLON. A atual edição conta com textos de Procuradores do Município de Londrina e servidores de toda a Administração Pública local, além da produção de autores espalhados pelo território nacional, o que demonstra o êxito do 1º chamamento público para apresentação de artigos realizado, e o prestígio da publicação. Agradecemos aos autores e a todos que auxiliaram na produção, que encerra o ano de 2013 de forma brilhante, trazendo reflexões sobre diversos temas de muita relevância na área do Direito Público. Boa leitura a todos! Londrina-PR Dezembro de 2013. Fábio César Teixeira Presidente da APROLON Carlos Renato Cunha Diretor do Núcleo de Estudos Jurídicos da APROLON Coordenador da Revista 11 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina A PROGRESSIVIDADE DO IPTU DIANTE DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA Adriana Andrade de Oliveira Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Londrina – UEL e Pós-Graduanda em Direito Constitucional Contemporâneo pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania – IDCC. Natália Campanini Davanso Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Londrina – UEL SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU. 3. Do Princípio da Progressividade e do IPTU Progressivo. 4. Da propriedade privada e sua função social à luz da Constituição Federal de 1988. 5. A progressividade do IPTU diante da função social da propriedade urbana. 6. Conclusão. 7. Referências Bibliográficas. RESUMO: Concentra-se o presente estudo na análise da relação existente entre a progressividade do IPTU no tempo e a função social a ser desempenhada pela propriedade urbana. Busca-se sintonizá-lo à função social que, de acordo com o Estatuto da Cidade, a legislação extravagante e, precipuamente, a Constituição Federal, tem ele o condão de resguardar. Aborda o exame da (in) constitucionalidade conferida à temática da progressividade do IPTU em sua vertente fiscal. Objetiva, assim, enfatizar o papel de destaque que o imposto em comento possui em razão de constituir um dos instrumentos de concretização de política pública urbana nacional. PALAVRAS-CHAVE: IPTU. Progressividade. Função social da propriedade urbana. 1. Introdução Como é cediço, não existe direito subjetivo à livre utilização dos recursos naturais. Tais constituem bens de uso comum do povo e são essenciais à sadia qualidade de vida. Dependem, portanto, do prévio consentimento do Poder Público. O presente trabalho tece considerações acerca da relação existente entre a progressividade do IPTU no tempo e a função social a ser desempenhada pela propriedade urbana. Trata-se de tema que, conforme se pretende demonstrar, é acompanhado de grande divergência doutrinária e jurisprudencial, e, por conseguinte, responsável por acalorados debates no mundo jurídico. Daí a sua relevância. 13 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina O instituto da progressividade denota a majoração das alíquotas em conformidade com o aumento da base de cálculo do respectivo imposto. Partindo dessas considerações, buscase sintonizá-lo à função social que, de acordo com o Estatuto da Cidade, a legislação extravagante e, precipuamente, a Constituição Federal, tem ele o condão de resguardar. Outrossim, à luz dos princípios constitucionais tributários da capacidade contributiva e legalidade, visa a enfrentar a problemática da função social da propriedade territorial urbana em contraposição ao próprio direito de propriedade, vez que, conforme se verá, a utilização desta deve estar condicionada a uma função social. Nesse aspecto, aborda o exame da (in)constitucionalidade conferida à temática da progressividade do IPTU em sua vertente fiscal, tendo como premissa básica a de que o mencionado instituto, genericamente falando, deve contribuir para a efetivação do bem estar da coletividade, sem, portanto, afrontar as diretrizes constitucionais. Objetiva enfatizar, desta feita, a relevância que o imposto em comento, assim como os demais, detém em razão de constituir um dos instrumentos de concretização de política pública urbana nacional, na medida em que é utilizado como estímulo aos proprietários e demais possuidores de imóveis urbanos. Procura demonstrar, enfim, a forma pela qual o IPTU progressivo auxilia no cumprimento do estabelecido no plano diretor do Município, de tal maneira que seja atendido o famigerado princípio da função social da propriedade. Princípio este que, a despeito de não possuir uma definição clara e unânime, goza de proteção constitucional e desempenha importante papel nas relações tributárias. 2. Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU 2.1 Direito Positivo O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou simplesmente IPTU, está disciplinado em dispositivos constitucionais, normas gerais presentes no Código Tributário Nacional (CTN), e, ainda, em normas municipais. Na Constituição Federal de 1988, o IPTU vem disposto nos artigos 156, I e §1°, e 182, §4°, II. 14 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina O CTN, por sua vez, trata do referido imposto em seus artigos 32 a 34. 2.2 Aspectos da hipótese de incidência Inicialmente, cumpre salientar que, conforme estatui o art. 30, III, da Constituição, “compete aos Municípios instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei”.1 Segundo o disposto no artigo 156, I, da CF/88, compete aos Municípios instituir imposto sobre propriedade predial e territorial urbana. A partir deste dispositivo, pode-se observar a existência de 2 (duas) materialidades para tal imposto, a propriedade predial urbana, que é o imóvel por acessão física, e a propriedade territorial urbana, que é o imóvel por natureza.2 Por conseguinte, o legislador municipal pode optar pela criação de um único imposto que abranja os imóveis edificados e os não edificados ou pela instituição de dois impostos, um incidindo sobre os imóveis edificados e outro gravando os imóveis sem edificação.3 O artigo 32 do CTN, caput, dispõe acerca do aspecto material do imposto (ser proprietário de imóvel urbano) estatuindo que o IPTU, imposto de competência dos Municípios, “tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município”.4 O artigo 32 do CTN, ao tratar do aspecto material do imposto, estabelece o conceito de zona urbana, o qual é imprescindível para determinar a competência do Município para a tributação da propriedade imobiliária, uma vez que apenas poderá ser tributado, mediante a cobrança do IPTU, imóvel localizado na zona urbana do Município. O §1° do referido artigo dispõe que, para efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, devendo ser observado o requisito mínimo da existência de BRASIL. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 05 de outubro de 1988, com alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n. 01/1992 a 72/2013 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n. 1 a 6/1994. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 05 nov. 2013. 2 TRENTIM, Sandro Seixas; TRENTIM, Taise Dutra. A progressividade do IPTU diante da função social da propriedade urbana. In: Anais XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza – Ceará nos dias 09, 10, 11 e 12 de junho de 2010. Disponível em <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3846.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2013. 3 BARRETO, Aires F. Curso de direito tributário municipal / Aires F. Barreto. – São Paulo: Saraiva, 2009. 4 BRASIL. Congresso Nacional. Lei n°. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União, 31 out 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 05 nov. 2013. 1 15 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina pelo menos dois melhoramentos construídos ou mantidos pelo Poder Público. Os incisos do art. 32 elucidam os melhoramentos para fins de delimitação da zona urbana, dentre os quais se observa: meiofio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; abastecimento de água e sistema de esgotos sanitários. Ainda sobre a zona urbana, o §2° do artigo em comento prescreve que a legislação municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, ainda que localizados fora das zonas definidas no §1°. Por conseguinte, conforme ensinamentos de Regina Helena Costa (2009), a configuração da zona urbana depende da existência de, no mínimo, dois dos melhoramentos apontados pelo código, revelando, assim, “o aspecto espacial da hipótese de incidência do imposto em foco”.5 Importante ressaltar, contudo, que há enorme controvérsia doutrinária e jurisprudencial no que toca a esse assunto, existindo quem defenda certa mitigação na aplicação do art. 32 do CTN, por força do art. 15 do Decreto-Lei n°. 57/1666, de maneira a não incidir o IPTU quando o bem imóvel, ainda que situado na zona urbana, tenha como destinação, comprovadamente, a exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, devendo incidir neste caso o Imposto Territorial Rural (ITR) e demais tributos com o mesmo cobrados.6 Em relação ao aspecto temporal do IPTU, a exemplos de outros impostos que gravam a propriedade, tem-se a sua fixação em 1° de janeiro de cada exercício.7 O IPTU é tributo não vinculado a uma atuação estatal, de competência dos Municípios (art. 156, I, CF/88), Distrito Federal, bem como da União (art. 147, CF/88). A União, de maneira excepcional, pode instituí-lo e cobrá-lo em relação a imóveis situados em Território Federal não dividido em Municípios.8 Em se tratando do sujeito passivo direto do IPTU, que é aquele que realiza a materialidade, estabelece o art. 34 do CTN que contribuinte é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou seu possuidor a qualquer título. Nesse sentido, assevera Aires F. Barreto (2009) COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional / Regina Helena Costa. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 388. 6 CALISSI, Jamile Gonçalves. Imóvel localizado em zona urbana com produção rural: Incidência de IPTU ou ITR?. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 77, jun 2010. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7880>. Acesso em: 10 nov. 2013. 7 COSTA, op. cit. 8 PALERMO, Carlos Eduardo de Castro. IPTU progressivo e o Estatuto da Cidade. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3168/iptu-progressivo-e-oestatuto-da-cidade/2>. Acesso em: 10 nov. 2013. 5 16 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina que a sujeição passiva direta “alcança todo aquele que detém qualquer direito de gozo, relativamente ao imóvel, seja pleno ou limitado. É nessa relação patrimonial que vamos encontrar o substrato econômico tributável”.9 Além disso, conforme Costa (2009), apesar de não estar expressamente prevista, a figura do responsável também está presente, tendo-se em vista outras disposições do CTN. A doutrinadora cita como exemplo o caso de terceiro, “adiquirente de imóvel urbano, chamado a pagar o IPTU referente a exercício em que ainda não era proprietário do bem: será sucessor da obrigação tributária, nos termos do art. 130, do CTN”.10 Em relação ao aspecto quantitativo da hipótese de incidência do IPTU, dispõe o art. 33 do CTN que a base de cálculo do referido imposto é o valor venal do imóvel. E ainda, prescreve em seu parágrafo único que na determinação da base de cálculo “não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade”.11 Segundo leciona Costa (2009), o conceito de valor venal do imóvel pode ser definido como “o valor de venda do bem para pagamento à vista, em condições normais de mercado”.12 Os valores venais dos imóveis constam das chamadas Plantas Fiscais de Valores ou Plantas de Valores Genéricos, sendo utilizados, para a sua configuração, fatores como área, localização e padrão de construção. Convém ressaltar, todavia, que tais plantas fiscais apenas denotam presunções relativas de fixação da base de cálculo do IPTU, pois são estabelecidas com valores prováveis/aproximados dos imóveis, sendo passível de impugnação pelo contribuinte quando o valor descrito não corresponder à realidade. Ademais, importante lembrar nessa esteira, que o art. 150, §1°, da Carta Maior, estatui a não sujeição da fixação da base de cálculo do IPTU ao princípio da anterioridade especial de 90 (noventa) dias.13 Segundo Paulo de Barros Carvalho (2009), a alíquota do imposto, por sua vez, “congregada à base de cálculo, dá a compostura numérica da dívida, produzindo o valor que pode ser BARRETO, Aires F. Curso de direito tributário municipal / Aires F. Barreto. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 214. COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional / Regina Helena Costa. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 388. 11 BRASIL. Congresso Nacional. Lei n°. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União, 31 out 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 05 nov. 2013. 12 COSTA, op. cit., p. 388. 13 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional / Regina Helena Costa. – São Paulo: Saraiva, 2009. 9 10 17 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da obrigação que nascera pelo acontecimento do fato típico”.14 A alíquota do IPTU está sujeita às técnicas da progressividade e da diferenciação, como instrumentos de fiscalidade e extrafiscalidade. São fixadas em percentuais e, geralmente, são menores para imóveis residenciais.15 Neste aspecto, conforme a variação da alíquota, os impostos podem ser proporcionais, progressivos ou regressivos.16 3. Do Princípio da Progressividade e do IPTU Progressivo Nas lições de Hugo de Brito Machado, um tributo será progressivo quando: (...) sua alíquota cresce, para um mesmo objeto tributado, em razão do crescimento da respectiva base de cálculo, ou de outro elemento que eventualmente o legislador pode eleger para esse fim. (...) a progressividade pode ser entendida como a qualidade do tributo que se eleva mais do que proporcionalmente em razão da elevação de sua base de cálculo.17 Trata-se, ainda, de princípio tributário consagrado pela CF/88, previsto no Art. 156, §1º, o qual dispõe que, sem prejuízo da progressividade no tempo, o IPTU previsto no inciso I pode ser progressivo em razão do valor do imóvel; e ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso deste último. Resta indubitável, portanto, que, ao abarcar o princípio da capacidade contributiva, o fez com caráter eminentemente fiscal, é dizer, visando à arrecadação em favor dos cofres. Nesse sentido, tem como fito a arrecadação de dinheiro do contribuinte para financiamento do dispêndio estatal, que nada mais é do que o propósito único da tributação. Ao se aplicar o princípio constitucional da isonomia ao campo do Direito Tributário, infere-se que se trata de prerrogativa do Fisco instituir tributos segundo a quantidade de CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário / Paulo de Barros Carvalho. – 21. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 373. 15 COSTA, op. cit. 16 VALÉRIO, Vanessa Hamessi. Imposto predial e territorial urbano: progressividade e função social da propriedade. In: Revista de Direito Público, Londrina, v. 4, n. 1, p. 91-113, Jan/Abr. 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/10733/9439+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 15 nov. 2013. 17 MACHADO, Hugo de Brito. Progressividade e Seletividade no IPTU. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães et al. IPTU: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 247-248. 14 18 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina riquezas que cada contribuinte vier a possuir, vez que, ao se tributar mais aquele que detém mais, alivia-se o que detém menos, em nítida consagração aos desígnios republicanos constitucionais.18 Por essa razão é que a CF/88 determina que, “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte” (Art. 145, §1º). Com isso, pretende-se que os entes da federação estabeleçam alíquotas progressivas para fins de tributação, sempre que a realidade fático-jurídica o permitir. Em contraposição, o inciso II do art. 156/CF demonstra outra finalidade para o tributo em estudo, qual seja a extrafiscalidade. E, diferentemente da progressividade fiscal, a extrafiscal possui finalidades outras que a simplesmente arrecadatória, ao passo que objetiva instigar ou impedir certo comportamento por parte do proprietário do imóvel, em face dos objetivos políticos e jurídicos almejados pelo município.19 Tem-se, portanto, que a arrecadação é meio, mero instrumento, da qual o Estado se utiliza para cumprir determinada política sua, e o poder de regular é fim. Fim este que pode ser político, econômico, social. Nesse diapasão, a extrafiscalidade consiste em inserir, nos critérios da regra-matriz do tributo, um tratamento mais benevolente quando o legislador quer estimular determinada atividade, e mais gravoso quando quer orientar a conduta do contribuinte aos objetivos desejados pelo ente público tributante. E é partindo dessa premissa que a Constituição Federal pretende punir a propriedade que não cumpre a sua função social. O contribuinte, então, deve assegurar que a sua propriedade urbana atende à respectiva função social (Art. 5º, inc. XXIII da CF), a fim de que não lhe sejam impostas as mencionadas sanções. E cabe ao plano diretor municipal definir de que forma se dará a busca pela referida função social dos imóveis urbanos. Tal diploma legal informará a pretensão urbanística para direção e planejamento de seu mapa urbano, discriminando todas as áreas destinadas à satisfação de finalidades e interesses relativos à cidade, proporcionando uma melhor organização desta. Com efeito, a alíquota do IPTU será oriunda do aproveitamento de forma racional do terreno, em conformidade com o respectivo plano diretor municipal, podendo ser majorada, por FURLAN, Valéria. Imposto Predial e Territorial Urbano. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.121-123. BARBOSA, Evandro Paes. Progressividade do IPTU. Disponível <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp011530.pdf>. Acesso em: 9 nov. 2013. 18 19 em 19 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina exemplo, no caso de grandes prédios em bairro cuja construção de tal órbita se mostre desaconselhável por qualquer razão, o que certamente evitará edificações do tipo naquela localidade.20 Vale lembrar, por derradeiro, que a progressividade fiscal do IPTU não existia no texto original da Constituição Federal de 1988. Pelo menos não de forma expressa. Isso ocorreu com o advento EC n.º 29/2000. E a jurisprudência, acompanhada de parte da doutrina, já firmou posicionamento no sentido de que, somente após a vigência de tal Emenda, é que poderá o Fisco municipal exigir a progressividade segundo a capacidade econômica do contribuinte, mesmo diante da preexistente regra genérica de progressividade tributária constante no Art. 145, §1º, da CF/88. Valéria Furlan, em sentido contrário, consigna que: (...) queremos enfatizar que a progressividade fiscal do IPTU sempre nos pareceu perfeitamente admitida e, até mesmo, implicitamente exigida pela nossa Carta Republicana. Com efeito, diante de duas interpretações possíveis, afigura-se melhor aquela que não excepciona os princípios constitucionais. Assim, rechaçamos a interpretação que restringe demasiadamente o alcance do princípio da capacidade contributiva, e consequentemente o da isonomia, no que concerne aos impostos reais.21 Todavia, o entendimento já pacificado pelo Pretório Excelso é diverso. Para a Suprema Corte, é inconstitucional a pretensão tributante do Fisco municipal segundo a sistemática da progressividade fiscal, mensurável pela capacidade contributiva do sujeito passivo, para os eventos tributários ocorridos em período anterior à vigência da EC n.º 29/2000. 4 Da Propriedade Privada e sua Função Social à Luz da Constituição Federal de 1988 4.1 Breve escorço histórico acerca da propriedade privada Em Roma, a propriedade privada constituía um direito individual, além de absoluto e sagrado. Desta feita, nos primórdios “(...) somente o cidadão romano podia adquirir a 20 21 CARRAZZA. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 2010. FURLAN, Valéria. Imposto Predial e Territorial Urbano. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 139-140. 20 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina propriedade; somente o solo romano podia ser seu objeto”,22 tendo tal direito sido estendido aos estrangeiros em meados do século VI, com a elaboração do Código de Justiniano. No sistema feudal, com a incursão dos povos bárbaros, houve a transferência das terras aos senhores feudais, aos quais os vassalos juravam submissão em troca da proteção e segurança em face da instabilidade e preocupação instaladas com os ataques. Mas é com a Revolução Francesa que a propriedade privada adquire os contornos que mais se assemelham aos atuais, pois, visando a democratizá-la, aboliu privilégios e direitos perpétuos, voltando-se à proteção das coisas imóveis. Nesse contexto, foi elaborado o Código de Napoleão, que ficou conhecido como Código de Propriedade, inspiração para os demais países. E foi a partir daí que surgiu a aristocracia econômica, cujo período histórico consagrou o modelo de Estado liberal. No entanto, o surgimento do Estado Social trouxe limitações de ordem objetiva ao direito de propriedade privada, de modo que esta passou a sofrer intervenções por parte do Estado, tudo com o escopo de coibir as várias formas de dominação. Passou, então, a ser reconhecida a existência de deveres do proprietário em relação à sociedade. E nesse contexto evidentemente fascista e antidemocrático é que, em 1919, a Constituição alemã de Weimar elevou o conceito de função social ao patamar de princípio jurídico,23 tendo sido precursora nesse sentido, e abrindo precedentes para que ordenamentos jurídicos outros assim também o fizessem. No sistema brasileiro, o direito em comento foi expressamente garantido desde a Carta Constitucional de 1824, o que foi mantido no texto republicano de 1891. Com a Constituição da 1º República, em 1934, foi catalogado, pela primeira vez, dentre o rol dos direitos sociais, já apresentando, desta feita, um incipiente do seu condicionamento ao exercício da função social. Mas seu fundamento nasceu efetivamente com a Carta Constitucional de 1988, a qual adotou o posicionamento doutrinário que sustenta a ideia de propriedade como uma fusão de instituições distintas, interrelacionadas com as várias espécies de bens e de titulares, e não tão somente como uma instituição única. PEREIRA. Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: posse, propriedade, direitos reais de fruição, garantia e aquisição. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 82. 23 FACHIN, Luiz Edison. A função social da posse e a propriedade contemporânea: uma perspectiva da usucapião imobiliária rural. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 17. 22 21 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina A partir dessa diretriz surge a possiblidade de se ponderar as distintas espécies de propriedades, cada qual com suas próprias características. A título de exemplo: propriedade em geral; propriedade rural; propriedade pública; propriedade privada; propriedade de terras indígenas; etc. Mas é especialmente da propriedade urbana, aquela prevista no art. 182, § 2º da Constituição Federal, que trata o presente trabalho. 4.2 Aspectos conceituais e caracterizadores da propriedade O termo propriedade é oriundo do latim proprietas, que, por sua vez, deriva de proprius, significando, pois, a qualidade daquilo que é próprio a alguém. Porém, há muito deixou de ser algo absoluto. Sua definição foi relativizada pela sociedade moderna e, nos dias atuais, encontra cunho bastante mais amplo, de modo que a propriedade passou a ter outro viés constitucional, desfazendo-se de suas primeiras definições para receber, hodiernamente, tratativa de princípio constitucional atrelado à ordem econômica. Sobre a temática, leciona André Ramos Tavares que: É possível dizer, sem exagero, conforme já visto, que se estabelece uma relação umbilical entre a denominada “ordem econômica” e a propriedade, ou o seu regime jurídico em determinado país. Daí a importância que adquire, no contexto deste estudo, uma análise mais detida não só do direito de propriedade e seu regime, como especialmente da chamada “função social”, presente no Direito brasileiro, como não poderia deixar de ser, por força do comando constitucional expresso.24 No que tange ao conceito de propriedade adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, ainda que não de maneira efetiva, o artigo 1.228 do Código Civil busca trazê-lo, na medida em que aponta as condições que integram o poder do proprietário, quais sejam a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, bem como o direito de reavê-la do poder daquele que injustamente a possua ou a detenha. Por conseguinte, encontram-se expressamente elencados seus elementos com relação ao direito do proprietário, de tal maneira que este não pode utilizar-se de seu bem de modo abusivo, pois deve estar sempre atento à função social e o bem estar da coletividade. Leciona Silvio Rodrigues que: 24 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico Brasileiro. São Paulo: Método, 2006, p. 152-153. 22 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Trata-se por óbvio, de um direito real, ou seja, de um direito que recai diretamente sobre a coisa e que independe, para o seu exercício, de prestação de quem quer que seja. Ao titular de tal direito é conferida a prerrogativa de usar, gozar e dispor da coisa, bem como de reivindicá-la de quem quer que injustamente a detenha. Aliás esse é o conceito civilista que constitui a propriedade.25 José Afonso da Silva elenca interessantes aspectos no que concerne ao direito de propriedade. Para o autor, este foi concebido como uma “relação entre uma pessoa e uma coisa, de caráter absoluto, natural e imprescritível”.26 Porém, conforme já verificado anteriormente, tal caráter absoluto sofreu evolução que implicou também a superação da concepção de propriedade como direito natural, não devendo mais haver a confusão entre a faculdade que tem todo indivíduo de chegar a ser sujeito desse direito, que é potencial, com o direito de propriedade sobre um bem, que só existe enquanto é atribuído a uma pessoa e é sempre direito atual, cuja característica é a faculdade de usar, gozar, e dispor dos bens.27 4.3 Da função social da propriedade na Constituição Federal de 1988 Na Constituição da República, o princípio da função social da propriedade foi tratado de forma bastante contundente, por meio de normas específicas e dotadas de aplicabilidade, bem como, com o estabelecimento de punições para o seu descumprimento. Na nova sistemática constitucional, tanto o direito de propriedade quanto a função social a ser cumprida por ela constituem direitos e garantias fundamentais (art. 5º, incs. XXII e XXIII), do que se a aplicabilidade imediata de ambas, por força do disposto no §1º do art. 5º/CF. Com a evolução social, significativas mudanças foram operadas no campo do direito das coisas, em especial no que refere aos bens imóveis. Nesse sentido, houve a transformação da riqueza e o poder do imóvel num dever. A título de exemplo, tem-se justamente o que se trata neste artigo a respeito da possibilidade da progressividade do IPTU, sempre que a propriedade urbana atender a uma função social. Em linhas gerais, a doutrina entendia que o princípio da função social da propriedade, consagrado na Constituição de 1988, era dotado de positividade e eficácia, porém, na RODRIGUES, Silvio. Direito das Coisas. Vol. 5. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 72. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 272. 27 SILVA, op. cit., p. 272. 25 26 23 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina prática, o Poder Judiciário relutava em reconhecer tal aplicabilidade. Adilson Abreu Dallari retratou, em sua obra, referido conflito: Como se sabe, os princípios da função social da propriedade e da função social da cidade já figuravam no Texto da Constituição Federal de 1988, mas, não obstante o pacífico entendimento doutrinário no sentido de que tais princípios são dotados de positividade e eficácia, na prática, especialmente perante o Poder Judiciário, predomina um fetichismo legalista, segundo o qual qualquer princípio, para ser aplicado, precisa estar traduzido em normas legais, em específicas regras de comportamento (...)28 No entanto, é de se lembrar que, com a promulgação da Lei nº 10.257/01, o Estatuto da Cidade, que regulamentou a matéria, superou tal entrave, na medida em que conferiu efetividade e aplicabilidade aos princípios constitucionais. E, ainda, o art. 170, III, tratou do direito de propriedade e da função social da propriedade no capítulo referente aos princípios gerais da atividade econômica, deixando claro que ambos, além de trazerem em si um cunho social, também apresentam interesse econômico relevante, conforme já asseverado alhures. Por tudo isso, não resta dúvidas de que a função social da sociedade goza de status de “princípio jurídico fundamental”, que, desta feita, possui indiscutível efeito vinculante, dada sua classificação como direito/garantia fundamental, expressamente disposto na Lei Maior do ordenamento jurídico pátrio. 5. A Progressividade do IPTU diante da Função Social da Propriedade Urbana 5.1 Aspecto constitucional O art. 156 da Carta Maior dispõe que compete aos Municípios instituir impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana, sendo que seu §1°, na redação dada pela EC n. 29, de 2000, preceitua que, sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, §4°, inciso II, o IPTU poderá ainda ser progressivo em razão do valor do imóvel e ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. Anteriormente à citada Emenda Constitucional, dispunha o art. 156, §1°, da CF/88, que o IPTU poderia “ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento DALLARI, Adilson de Abreu. Instrumentos da Política Urbana in Estatuto da Cidade – Comentários a Lei Federal 10.257/01. 1ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2002, p. 73. 28 24 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina da função social da propriedade”.29 Dessa maneira, a Constituição autorizava de modo explícito a possibilidade de utilização da progressividade do IPTU para fins não meramente arrecadatórios, mas para inibir ou incentivar comportamentos dos contribuintes, objetivando o cumprimento do princípio da função social da propriedade (extrafiscalidade genérica), bem como “para estimular a construção de habitações em determinada região da cidade”.30 A aludida emenda serviu para “aclarar a dicção constitucional”31, tendo em vista a divergência existente anteriormente à modificação da Carta Magna quanto a possibilidade ou não de se aplicar a progressividade fiscal ao IPTU, imposto real, levando-se em consideração, por conseguinte, a capacidade contributiva do sujeito passivo para o emprego da técnica da progressividade.32 Para Carrazza (2004), a EC n°. 29/2000, dado seu caráter meramente declaratório, limitou-se a reforçar a ideia já existente em nosso sistema tributário, de que, para fins de IPTU, quanto maior o valor do imóvel, maior deve ser sua alíquota.33 Nessa esteira, impende destacar que a capacidade contributiva, prevista no art. 145, §1°, da CF, revela-se, para fins do imposto em tela, com o próprio imóvel urbano, de acordo com o seu maior ou menor valor venal.34 Segundo Costa (2009), a diferenciação de alíquotas, de cunho extrafiscal, constante no citado art. 156, §1°, II, não se confunde com a progressividade no tempo estatuída no art. 182, §4°, II, da Constituição.35 Este dispositivo, que trata sobre a política urbana, dispõe que: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. (...) § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do 29 VALÉRIO, Vanessa Hamessi. Imposto predial e territorial urbano: progressividade e função social da propriedade. In: Revista de Direito Público, Londrina, v. 4, n. 1, p. 91-113, Jan/Abr. 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/10733/9439+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 15 nov. 2013. 30 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional / Regina Helena Costa. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 384. 31 Ibid. 32 Para maiores esclarecimentos do assunto, vide súmula 668 do STF. 33 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19 ed. rev., ampl. e atual. até a EC 42, de 2003. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. 34 Ibid. 35 COSTA, op. cit. 25 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.36 Essa progressividade extrafiscal, instituída no direito brasileiro pela primeira vez na Carta Constitucional de 1988, é objeto de regulamentação pela Lei n°. 10.257/2001, autodenominada de Estatuto da Cidade.37 Conclui Costa (2009), de maneira sucinta que, diante de tal quadro normativo, são 3 (três) os fundamentos constitucionais para a aplicação da técnica da progressividade no IPTU: 1 ) o art. 145, §1°, que veícula o princípio da capacidade contributiva, o qual abrange, dentre seus efeitos, a graduação dos impostos, consoante a aptidão do contribuinte (progressividade fiscal genérica); 2) o art. 156, §1°, I, que estatui a progressividade em razão do valor do imóvel (progressividade fiscal específica do IPTU); e 3) o art. 182, §4°, II, autorizador da progressividade no tempo (progressividade extrafiscal específica do IPTU).38 Convém salientar, por derradeiro, que há tributos que se inclinam com maior ênfase ao setor da fiscalidade, enquanto outros, inclinam-se mais ao setor da extrafiscalidade. Porém, não há tributos que realizam apenas uma ou outra técnica, pois a fiscalidade e a extrafiscalidade convivem de maneira harmônica, o que ocorre apenas é que, por vezes, um prevalece sobre o outro.39 BRASIL. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 05 de outubro de 1988, com alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n. 01/1992 a 72/2013 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n. 1 a 6/1994. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 05 nov. 2013. 37 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional / Regina Helena Costa. – São Paulo: Saraiva, 2009. 38 Ibid, p. 387. 39 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário / Paulo de Barros Carvalho. – 21. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009. 36 26 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 5.2 A progressividade do IPTU diante da função social da propriedade urbana Conforme visto, a tributação extrafiscal busca realizar outras finalidades que não a meramente arrecadatória, isto é, busca concretizar outros valores constitucionalmente consagrados.40 Os novos incisos do art. 156, da Constituição Federal, declaram, de forma expressa, a possibilidade de utilização das técnicas de progressividade e da diferenciação das alíquotas, como instrumentos de fiscalidade e extrafiscalidade, respectivamente, tratando-se de técnicas distintas, sendo que a extrafiscalidade encontra-se voltada ao cumprimento do princípio da função social da propriedade.41 Assim, o inciso II, do art. 156, da CF, que estatui que o IPTU tenha alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel, exige tal diferenciação justamente para que se estimule o adequado uso da propriedade urbana, revelado no plano diretor do Município, conforme as conveniências locais.42 Nesse mesmo sentido, o princípio em tela recebe especial realce na medida em que a Constituição de 1988 consagra um capítulo específico à política urbana em seus arts. 182 e 183. Assim, a progressividade extrafiscal especial, disciplinada no art. 182, §4°, II, da Carta Magna, constitui instrumento utilizado para estimular o aproveitamento do imóvel urbano de maneira apropriada,43 e, assim, “compelir os administrados ao atendimento da função social da propriedade urbana”44, sob pena de IPTU progressivo no tempo. A Lei n°. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), ao regulamentar os arts. 182 e 183 da CF/88, estabelece normas de ordem pública e interesse social que sujeitam o uso da propriedade urbana em proveito do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, e ainda, do equilíbrio ambiental (art. 1°). O referido estatuto estabelece ainda, em seu art. 4°, que são considerados instrumentos da política urbana, dentre outros: o “planejamento municipal” (plano diretor, zoneamento ambiental, planos de desenvolvimento econômico e social...); e “institutos tributários e VALÉRIO, Vanessa Hamessi. Imposto predial e territorial urbano: progressividade e função social da propriedade. In: Revista de Direito Público, Londrina, v. 4, n. 1, p. 91-113, Jan/Abr. 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/10733/9439+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 15 nov. 2013. 41 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional / Regina Helena Costa. – São Paulo: Saraiva, 2009. 42 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19 ed. rev., ampl. e atual. até a EC 42, de 2003. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. 43 VALÉRIO, op. cit. 44 COSTA, op. cit., p. 386. 40 27 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina financeiros” (imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU, contribuição de melhoria e incentivos e benefícios fiscais e financeiros). Outrossim, o art. 7°, caput, da Lei n°. 10.257/2001, disciplinando o IPTU progressivo no tempo, prescreve que, em caso de descumprimento das condições e prazos previstos no art. 5° (que trata do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, determinado por lei municipal específica para área incluída no plano diretor), o Município procederá à aplicação do IPTU progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos. Dessa maneira, o IPTU progressivo no tempo apenas pode ser instituído por meio de lei municipal específica para área que esteja incluída no plano diretor. O §1° do referido artigo estabelece que o valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei municipal específica e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento. O §2°, por sua vez, prescreve que caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a possibilidade de desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública. O §3°, por fim, dispõe acerca da vedação da concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata esse artigo. Diante do exposto, verifica-se que a progressividade extrafiscal do IPTU possibilita o cumprimento da função social da propriedade em razão da supremacia do interesse da coletividade em detrimento de interesses meramente individuais, delimitando-se o uso da propriedade aos objetivos da política urbana e, ainda, aumentando-se a alíquota do imposto de forma a melhorar o aproveitamento do terreno ou edificação. Nesse sentido, o IPTU se mostra bastante adequado ao emprego da extrafiscalidade, pois funciona de maneira a desestimualar a especulação financeira e proporcionar, por conseguinte, que a propriedade privada desempenhe sua função adequada.45 Convém ressaltar, contudo, que apesar de sua extrema importância na efetivação do princípio constitucional da função social da propriedade, entende-se que a progressividade extrafiscal não poderá ser empregada de modo indefinido, sob pena de instituir-se autêntico confisco, o qual possui vedação expressa em nosso ordenamento jurídico (art. 150, IV, CF/88), não obstante existirem entendimentos em sentido contrário. 45 VALÉRIO, Vanessa Hamessi. Imposto predial e territorial urbano: progressividade e função social da propriedade. In: Revista de Direito Público, Londrina, v. 4, n. 1, p. 91-113, Jan/Abr. 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/10733/9439+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 15 nov. 2013. 28 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Conforme leciona Costa (2009), a Carta Maior veda, de maneira geral, a utilização de tributo com efeito de confisco, não fazendo, quanto a isto, qualquer distinção entre tributação fiscal e extrafiscal. Ademais, o confisco é medida de caráter sancionatório, cuja aplicação é autorizada apenas de maneira excepcional, mediante normas constitucionais expressas (arts. 5°, XLVI, b, e 243), sendo que, no caso, a Constituição não contempla tal autorização.46 6. Conclusão Conforme visto, para se chegar ao tema da progressividade do IPTU diante da função social da propriedade urbana, faz-se imprescindível a análise dos assuntos referentes ao imposto predial e territorial urbano – IPTU, ao princípio constitucional da função social da propriedade e ao instituto da progressividade fiscal e extrafiscal, para que, apenas então, seja possível adentrar mais especificamente na problemática proposta. O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU, de competência dos Municípios, poderá, conforme a Constituição Federal de 1988: ser progressivo em razão do valor do imóvel (art. 156, §1°, I); ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel (art. 156, §1°, II); e ser progressivo no tempo (art. 182, §4°, II). O art. 156, §1°, I, trata da progressividade fiscal, que está relacionada à capacidade contributiva (art. 145, §1°, CF/88) e possui como fim único o abastecimento dos cofres públicos. Já os arts. 156, §1°, II e 182, §4°, II, tratam da técnica da extrafiscalidade, que busca influenciar certas situações sociais, políticas ou econômicas, consideradas relevantes, buscando-se inibir ou incentivar determinados comportamentos para a efetivação de valores constitucionalmente consagrados. Entende-se, todavia, que a diferenciação de alíquotas constante no art. 156, §1°, II, não se confunde com a progressividade no tempo estatuída no art. 182, §4°, II, da Constituição, apesar de ambas cuidarem de hipóteses de extrafiscalidade. O referido art. 182, juntamente com o artigo seguinte, formam um capítulo específico em nossa Carta Magna intitulado “Da Política Urbana”, sendo este regultamento pela Lei n°. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), que, por sua vez, estabelece normas de ordem pública e interesse social que condicionam o uso da propriedade urbana em proveito do interesse da coletivadade, considerando como instrumentos da política urbana, dentre outros, o plano diretor dos Municípios e o próprio imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU. COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional / Regina Helena Costa. – São Paulo: Saraiva, 2009. 46 29 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Ademais, conforme o Estatuto da Cidade (art. 7°), o IPTU progressivo no tempo apenas pode ser instituído por meio de lei municipal específica para área que esteja incluída no plano diretor. Verifica-se, assim, que a progressividade extrafiscal consiste em inquestionável e importantíssimo instrumento de concretização do célebre princípio da função social da propriedade (art. 170, III, da CF/88), tendo em vista que, em nosso ordenamento jurídico, somente é garantido o direito de propriedade (art. 5°, XXII, CF/88) quando respeitada sua função social (art. 5°, XXXIII, CF/88), em razão da prevalência do interesse público em detrimento de interesses meramente individuais. Observa-se, contudo, a impossibilidade de aplicação indefinida da progressividade no tempo, sob pena de desrespeito ao princípio da não confiscatoriedade (art. 150, IV, da CF). Dessa forma, tem-se, por fim, que a progressividade extrafiscal conferida ao IPTU, respeitados determinados limites, resulta em importante instrumento de concretização do princípio da função social da propriedade urbana, pois delimita o uso da propriedade aos objetivos da política urbana, os quais são dispostos pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Cidade e pelo plano diretor de cada Município, buscando-se, sempre, o bem maior de toda a coletividade. 7. Referências Bibliográficas ANDRADE, Vivian Curvacho Faria. O IPTU progressivo como meio de efetivação da função social da propriedade. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2009/trabalhos_22009/VivianCu rvachoFariadeAndrade.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2013. BARBOSA, Evandro Paes. 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Acesso em: 05 nov. 2013. 30 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina CALISSI, Jamile Gonçalves. Imóvel localizado em zona urbana com produção rural: Incidência de IPTU ou ITR?. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 77, jun 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7880>. Acesso em: 10 nov. 2013. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19 ed. rev., ampl. e atual. até a EC 42, de 2003. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. _______. Curso Constitucional de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário / Paulo de Barros Carvalho. – 21. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009. COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional / Regina Helena Costa. – São Paulo: Saraiva, 2009. DALLARI, Adilson de Abreu. 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A prestação do Serviço Público nos diversos modelos de Administração Pública e a evolução da legislação constitucional e infraconstitucional 3. Noções do conceito de Serviço Público e de Usuário para fins do CDC, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 4. O vácuo legislativo e a decisão proferida na ADO 24 MC/DF. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas. RESUMO: O modelo gerencial de Administração Pública preza pela eficiência na prestação dos serviços públicos e na possibilidade de participação do usuário na formulação das correlatas políticas públicas. Não obstante, a mora legislativa na edição da lei de proteção dos usuários de serviços públicos tem exigido o pronunciamento do Poder Judiciário, cujo entendimento pretoriano, consolidado no Superior Tribunal de Justiça, é no sentido de aplicação do Código de Defesa do Consumidor – CDC nas relações jurídicas mantidas entre os usuários e as concessionárias de serviços públicos. No entanto, referida medida não satisfaz em plenitude a proteção a que fazem jus os usuários com relação aos serviços públicos prestados diretamente ou indiretamente pelo Estado. Referido prejuízo, diante da decisão política veiculada no art. 37, p. 3º, da CF, configura lesão ao texto constitucional que permite o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade por omissão que visa uma aplicação subsidiária mais ampla do CDC. PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública. Modelo gerencial. Prestação de serviços públicos. Código de Defesa do Consumidor. Omissão legislativa. ADO 24 MC/DF 1. Introdução O ano de 2013 – mais precisamente o mês de junho - ficará historicamente marcado como aquele em que os usuários de serviços públicos ganharam as ruas para – com frases de efeito e muita disposição – demonstrar sua insatisfação com a precariedade na sua prestação e reivindicar melhorias, pois embora o movimento ostentasse como bandeira inicial a discussão da tarifa no sistema de transporte público, a manifestação ganhou força e passou a questionar problemas mais amplos, 33 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina como a crônica deficiência nas áreas da saúde, educação e segurança1, pontos nevrálgicos que exigem atenção cotidiana da Administração Pública de todas as esferas estatais, pois, parafreaseando Leon Duguit, o serviço público constitui a própria essência do Estado. No mesmo mês das manifestações, embora a medida tenha sido aprovada no ano passado, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propôs ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO 24 MC/DF) em face do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e da Presidência da República em razão da não elaboração da Lei de Defesa do Usuário de Serviços Públicos que disciplinaria as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta e regularia as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, pois o prazo de cento e vinte dias a que se reporta o art. 27 da EC nº 19, de 04 de junho de 1998 em muito já se esgotou (inclusive, debutou). O Ministro Dias Toffoli, Relator da ação, deferiu parcialmente o pleito cautelar formulado na ADO, apenas para o efeito de fixar o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a edição da lei em questão, deixando de fazê-lo na parte em que se pleiteou a aplicação subsidiária e provisória da Lei nº 8.078/90 – CDC aos usuários de serviços públicos enquanto perdurasse a omissão legislativa. A questão já vem merecendo a atenção da doutrina e da jurisprudência, sobretudo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, mas não se pode deixar de observar que a discussão passou a ser travada junto ao Supremo Tribunal Federal em um momento muito específico da história brasileira, o que não deixou de ser observado pelo Relator, conforme se extrai do seu pronunciamento ao analisar a medida cautelar: É inevitável observar que o caso em tela coincide com a atual pauta social por melhorias dos serviços públicos. Os movimentos sociais que hoje irradiam várias partes do país e o respectivo anseio da população por qualidade na prestação dos serviços disponibilizados à sociedade brasileira são uma demonstração inequívoca da urgência na regulamentação do art. 27 da EC nº 19/98. É dever inescusável do Estado a prestação de serviços públicos eficientes e de qualidade à coletividade. Pretende-se neste trabalho lançar uma reflexão acerca da premência de se suprir a omissão legislativa para - na esteira do preconizado no modelo gerencial - conferir-se maior eficiência na prestação dos serviços públicos e garantir-se a participação do usuário na formulação dessas políticas públicas, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Destaca-se frase estampada em cartaz durante o Movimento: nós queremos serviço público de qualidade, transporte, saúde e educação padrão Fifa [Federação Internacional de Futebol]. www.ebc.com.br (noticia/2013-09-18) 1 34 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 2. A prestação do serviço público nos diversos modelos de Administração Pública e a evolução da legislação constitucional e infraconstitucional. O Brasil já vivenciou vários tipos de Administração Pública: patrimonialista, burocrática e o modelo inaugurado com a reforma administrativa trazida pela EC 19/98, conhecido como novo serviço público ou Administração Pública Gerencial. No modelo patrimonialista, o patrimônio público e o patrimônio privado são confundidos e, na visão dos detentores do Poder, ambos lhes pertencem. Assim, o poder é exercido de forma a garantir privilégios e vantagens a uma elite centralizadora, sem observância do princípio da impessoalidade, segundo o qual os serviços públicos devem ser oferecidos sem preferências ou distinções. A gestão, por sua vez, é feita segundo motivação pessoal, sem participação dos interessados, ignorando, assim, o princípio da indisponibilidade do interesse público, que veicula a premissa cardeal de que o interesse público não pode ser livremente disposto pelo gestor. Com o término da Segunda Guerra Mundial e como uma de suas consequências, acontece o fortalecimento do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), que tem como objetivo principal a produção de políticas públicas na área social, de modo a garantir o atendimento das necessidades básicas da população (educação, saúde, previdência social, habitação etc). Para levar a contento essa nova fase, o Brasil abandonou o modelo patrimonialista na década de 30 e adotou a administração pública burocrática, difundida na Europa pelo cientista alemão Max Weber, com ênfase na racionalidade das leis e baseado na centralização das decisões, na hierarquia e no princípio da unidade de comando e na estrutura piramidal de poder, com estipulação de regras visando garantir o tratamento impessoal dos cidadãos que, na seara dos serviços públicos, são cognominados usuários. Não obstante, cerca de 50 (cinquenta) anos depois, diante das limitações do modelo burocrático que erigiu a especialização (que faz com que cada órgão focalize seus próprios objetivos em detrimento dos objetivos gerais da organização); a rigidez e a inflexibilidade (que gera aversão à adaptabilidade, ajustamento, inovação e mudança) como características, exsurgiu a necessidade de um novo modelo que garantisse a potencialização e flexibilização das organizações, para o fim de reduzir o custo da máquina estatal e, ao mesmo tempo, tornar mais eficiente a administração dos serviços que cabiam ao Estado, diante das necessidades impostas pela sociedade que passam a exigir maior presteza, qualidade e eficiência na prestação dos serviços públicos. Na mesma década de 80, no Brasil, em reação ao nepotismo vigente e autoritarismo militar, o povo ganhou as ruas, o que culminou na promulgação da CF/88, conhecida como Constituição Cidadã que, no pertine à prestação de serviços públicos, passou a estabelecer um grau 35 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina mínimo de normatização, especialmente no que pertine às concessões e permissões, conforme se infere do art. 175: Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado. Não obstante, no capítulo da Administração Pública, o art. 37 inseriu dispositivo modesto, desprovido de maior potencial protetivo ao usuário do serviço público, in verbis: Art. 37 [...] § 3º - As reclamações relativas à prestação de serviços públicos serão disciplinadas em lei. A partir de 1990, por sua feita, o Estado brasileiro se vê diante da realidade da competição global, caracterizada pela abertura dos capitais e comércio internacionais, associada à privatização das empresas estatais e à redução da influência do Estado na economia, bem como sofre os efeitos da mudança de valores que questionam a Administração Pública, interna e externamente, tudo aliado às mudanças tecnológicas que aprimoraram a difusão das informações entre a população. Referido cenário passou a exigir uma reformatação estatal. Surge, então, como possibilidade, a adoção do modelo gerencialista, baseado em valores de eficiência, eficácia e competitividade, caracterizado pela orientação para os cidadãos e obtenção de resultados, competitividade administrativa, flexibilidade, descentralização e controle de metas, bem como busca da plena eficiência na prestação de serviços e o uso de mecanismos de controle que assegure a transparência e a motivação na produção dos atos governamentais e reforcem a participação popular nas deliberação políticas, incrementando-se a relação entre atores públicos e privados na elaboração de políticas públicas (KETTL2, 2006; SECCHI, 20093). Nesse contexto, no Brasil, é sancionado, em 12/09/90, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), em 14/02/95 é publicada a Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre a concessão KETTL, Donald F. A revolução global: reforma da administração do setor público. In: PEREIRA, Luís Carlos Bresser; SPINK, Peter Kevin (Orgs.). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 2006. 3 SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. In: RSP – Revista de Administração Pública, mar./abr. v. 43. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2009. 2 36 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina e permissão dos serviços públicos, seguida da publicação da EC 19/98 em 05/06/98 que veicula a reforma do Estado, que passa a adotar o modelo gerencialista e como corolário, o Estado Regulador, destacando-se que o processo de privatização trouxe à tona os debates em torno da noção de serviço público, pois as privatizações inserem o elemento da competição entre as empresas concessionárias de serviços públicos, passando-se a falar, assim, na figura do consumidor, em contraposição ao usuário de serviços públicos. Referidas inovações intensificaram o debate acerca da extensão da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos usuários dos serviços públicos, conforme será desenvolvido no tópico subsequente, na medida em que o artigo 3º da Lei 8.078/90 - Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ao estabelecer o conceito de fornecedor e trazer a definição de serviço, o fez incluindo as pessoas jurídicas de direito público, sem fazer qualquer ressalva quanto a estas, seguido da disposição inserta no art. 22: Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código. 3. Noções do conceito de serviço público e de usuário para fins do CDC, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Cediço que os serviços públicos podem ser próprios e gerais, isto é, sem possibilidade de identificação dos destinatários, sendo financiados por tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação etc, ou, impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis e, neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica, podendo ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou por delegação, e, nesse último caso, remunerados por tarifa. Considerando as disposições legais inseridas no CDC, acima transcritas, a doutrina passa a travar um intenso debate acerca da extensão que deve ser conferida a expressão “consumidor” 37 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina quando se tratar de prestação de serviços públicos, de modo que o conceito de usuário do serviço público ganha novos contornos. Dada a propriedade com que tratou a matéria, traz-se a lume a lição do eminente doutrinador ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO4: [...] Entre a teoria que entende que a relação entre o cidadão e o prestador de serviço público é de direito privado e a que entende ser de direito público, o Direito positivo brasileiro adotou a posição mista em relação à categorização jurídica do usuário de serviço público. Não há dúvidas quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor – CDC – aos serviços públicos em razão de dispositivos expressos nesse sentido: por um lado, o art. 7º, caput, da Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos – Lei n. 8.987/95 – faz remissão genérica à aplicação do CDC aos usuários de serviços públicos; por outro, o CDC os contempla expressamente nos arts. 4º, II (referência à melhoria dos serviços públicos como princípio da Política Nacional das Relações de Consumo); 6º, X (prestação adequada dos serviços públicos como direito dos consumidores); e 22 (obrigação do Estado e de seus delegatários pela prestação de serviços adequados). [...] Todavia, o CDC não pode ser aplicado indiscriminadamente aos serviços públicos, já que eles não são atividades econômicas comuns, sujeitas à liberdade de empresa e desconectadas da preocupação de manutenção de um sistema prestacional coletivo. Os serviços públicos, ao revés, constituem atividades de prestação de bens e serviços muitas vezes titularizadas pelo Estado com exclusividade, só podendo ser prestados por particulares enquanto delegatários (res extra commercium). A razão para tais atividades econômicas, lato sensu, serem retiradas da livre-iniciativa e submetidas a um regime jurídico tão especial se explica pelo fato de visarem a assegurar os interesses dos cidadãos enquanto integrantes de uma mesma sociedade, não como pessoas individualmente consideradas. Ao contrário das relações do concessionário com eventuais parceiros privados (ex.: fornecedores de insumos), as suas relações com usuários podem variar de acordo com as determinações de serviço do Poder concedente, não tendo o usuárioconsumidor ‘direito adquirido’ ou ‘ato jurídico perfeito’ para impor manutenção das condições iniciais de prestação do serviço, que podem ser unilateralmente alteradas pelo jus variandi da Administração Pública, respeitado o equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Os serviços públicos têm uma conotação coletiva muito mais ampla que as atividades econômicas privadas. Visam à coesão social, sendo muitas vezes um instrumento técnico de distribuição de renda e realização da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), com o financiamento, através de tarifas dos usuários que já têm o serviço, da sua expansão aos que ainda não têm acesso a ele. Se fosse apenas pelo sistema privatista do CDC, essas tarifas teriam de ser consideradas abusivas (art. 39, V; e art. 51, IV, CDC), eis que superam o valor que seria decorrente apenas da utilidade individualmente fruída. [...] 4 ARAGÃO, Alexandre Santos de. In Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2012, pp. 384 e seguintes. 38 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Mais adiante, o mesmo autor5, arremata: Todavia, por um lado, a aplicação do CDC não pode ser absoluta, devendo, ao contrário, ser realizada com extrema cautela, sob pena de desnaturar a atividade como serviço público, privilegiando os interesses de consumidores individualmente considerados, e postergando os seus objetivos maiores de solidariedade social. Alguns doutrinadores passam a defender opiniões extremas, como é o caso do eminente especialista ANTÔNIO HERMAN BENJAMIN6, que advoga a não diferenciação entre os serviços públicos uti singuli e uti universi no que tange à guarida dada pela legislação consumerista, e a do jurista ANTONIO CARLOS CINTRA DO AMARAL7 que, em sentido diametralmente oposto, não considera o usuário como consumidor. Dada a polêmica que se instalou, o Poder Judiciário foi chamado a intervir, sobretudo o Tribunal da Cidadania que, levando em conta a diferenciação conceitual existente entre serviços públicos próprios e impróprios, tem reconhecido que nem todas as atividades prestadas pelo Estado atraem a incidência das normas do CDC. Assim, em se tratando de serviço público próprio, o usuário que se sentir prejudicado não poderá reivindicar proteção à luz das normas consumeristas. Colacionam-se alguns precedentes que corroboram essa conclusão: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ADMINISTRATIVO. SERVIÇO DE TELEFONIA. DEMANDA ENTRE CONCESSIONÁRIA E USUÁRIO. PIS E COFINS. REPERCUSSÃO JURÍDICA DO ÔNUS FINANCEIRO AOS USUÁRIOS. FATURAS TELEFÔNICAS. LEGALIDADE. DISPOSIÇÃO NA LEI 8.987/95. POLÍTICA TARIFÁRIA. LEI 9.472/97. TARIFAS DOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES. AUSÊNCIA DE OFENSA A NORMAS E PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DIVERGÊNCIA INDEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA DOS ACÓRDÃOS CONFRONTADOS.VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. [...] 5. A tarifa, como instrumento de remuneração do concessionário de serviço Idem, pp. 386/387. BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. O conceito jurídico de consumidor. BDJur, Brasília, DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8866>. 7 Considerar o usuário como consumidor do serviço público a ele prestado pela concessionária talvez seja possível sob a ótica econômica. Mas sob a ótica jurídica o usuário de serviço público e o consumidor estão em situações distintas. Uma coisa é a relação jurídica de serviço público. Outra a de consumo. [....] A relação jurídica entre concessionária e usuário não pode ser equiparada à existente entre duas pessoas privadas, que atuam na defesa de seus interesses específicos. O serviço público, cujo exercício é atribuído à concessionária, continua na titularidade e sob a responsabilidade do poder concedente. Perante a relação de consumo, diversamente, o Poder Público atua como “protetor” da parte considerada hipossuficiente, que, em regra, é o consumidor. (AMARAL, Antonio Carlos Cintra do. Distinção entre usuário de serviço público e consumidor. Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte: Fórum, ano 2, n.5, p.133-138, abr./jun., 2004. P. 133) 5 6 39 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina público, é exigida diretamente dos usuários e, consoante cediço, não ostenta natureza tributária. Precedentes do STJ: REsp 979.500/BA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJ 05/10/2007; AgRg no Ag 819.677/RJ, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJ 14/06/2007; REsp 804.444/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 29/10/2007; e REsp 555.081/MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 28/09/2006. 6. O regime aplicável às concessionárias na composição da tarifa, instrumento bifronte de viabilização da prestação do serviço público concedido e da manutenção da equação econômico-financeira, é dúplice, por isso que na relação estabelecida entre o Poder Concedente e a Concessionária vige a normatização administrativa e na relação entre a Concessionária e o usuário o direito consumerista. Precedentes do STJ: REsp 1062975/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2008, DJ de 29/10/2008. [...] 17. A concessão inadmite que se agravem deveres não previstos em detrimento do concessionário, por isso que os direitos dos usuários de serviço público concedido obedecem à ratio no sentido de que ‘(...) Os usuários, atendidas as condições relativas à prestação do serviço e dentro das possibilidades normais dele, têm o direito ao serviço e ao que foi legalmente caracterizado como serviço adequado, no referido art. 6º, § 1º. O Concessionário não lhes poderá negar ou interromper a prestação, salvo, é claro, nas hipóteses previstas nas próprias cláusulas regulamentares. Cumpridas pelo usuário as exigências estatuídas, o concessionário está constituído na obrigação de oferecer o serviço de modo constituído e regular. Com efeito, sua prestação é instituída não apenas em benefício da coletividade concebida em abstrato, mas dos usuários, individualmente considerados, isto é, daqueles que arcarão com o pagamento das tarifas a fim de serem servidos. Por isto, aquele a quem for negado o serviço adequado (art. 7º, I, c/c 6º, § 1º) ou que sofrer-lhe a interrupção pode, judicialmente, exigir em seu favor o cumprimento da obrigação do concessionário inadimplente, exercitando um direito subjetivo próprio. (...) Não cabendo discussão quanto à aplicabilidade do Código, as divergências doutrinárias se ferem quanto a extensão de sua aplicação e à identificação das espécies de serviços públicos que estariam sob seu âmbito de incidência. Para Dinorá Grotti ela só ocorrerá quando se trate de serviço individualizadamente remunerado, não cabendo discriminar em função de a remuneração ser denominada taxa ou tarifa. Ao nosso ver esta é a orientação geral correta, aduzindo-se que a aplicação do Código servirá para apontar benefícios suplementares aos que resultam diretamente dos direitos de usuário, conquanto inúmeras vezes, em rigor, estejam correspondendo ou a uma reiteração ou a um detalhamento deles. Entretanto, dadas as óbvias diferenças entre usuário (relação de direito público) e consumidor (relação de direito privado) com as inerentes conseqüências, certamente suas disposições terão de se compatibilizar comas normas de direito público, ou quando afronte prerrogativas indeclináveis do Poder Público ou com suas eventuais repercussões sobre o prestador de serviços (concessionário ou permissionário) (...)’ in Curso de Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello, 25ª ed., Malheiros Editores, 2008, p. 733-735. [...] (STJ, REsp 976836/RS, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25/08/2010, DJe 05/10/2010) – destaque nosso PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE 40 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina COMPETÊNCIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE REMUNERAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO-CONFIGURADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. Hipótese de discussão do foro competente para processar e julgar ação indenizatória proposta contra o Estado, em face de morte causada por prestação de serviços médicos em hospital público, sob a alegação de existência de relação de consumo. 2. O conceito de "serviço" previsto na legislação consumerista exige para a sua configuração, necessariamente, que a atividade seja prestada mediante remuneração (art. 3º, § 2º, do CDC). 3. Portanto, no caso dos autos, não se pode falar em prestação de serviço subordinada às regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, pois inexistente qualquer forma de remuneração direta referente ao serviço de saúde prestado pelo hospital público, o qual pode ser classificado como uma atividade geral exercida pelo Estado à coletividade em cumprimento de garantia fundamental (art. 196 da CF). 4. Referido serviço, em face das próprias características, normalmente é prestado pelo Estado de maneira universal, o que impede a sua individualização, bem como a mensuração de remuneração específica, afastando a possibilidade da incidência das regras de competência contidas na legislação específica. 5. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp 493.181/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Denise Arruda, j. 15/12/2005, p. DJ 01/02/2006) – destaque nosso PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR. ERRO MÉDICO. MORTE DE PACIENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. FACULTATIVA. 1. Os recorridos ajuizaram ação de ressarcimento por danos materiais e morais contra o Estado do Rio de Janeiro, em razão de suposto erro médico cometido no Hospital da Polícia Militar. 2. Quando o serviço público é prestado diretamente pelo Estado e custeado por meio de receitas tributárias não se caracteriza uma relação de consumo nem se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. [...] (STJ, RESP 1.187.456/RJ, T1 - Primeira Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 15/12/2005, p. DJe 01/12/2010) – destaque nosso – Parte da doutrina também se posiciona contra a aplicação do artigo 22 do CDC às sociedades de economia mista, fundações e autarquias quando prestadoras de serviços públicos. Neste sentido, ensina REGINA HELENA COSTA8: Portanto, é a exigência de remuneração especifica pela prestação de determinado serviço público que vai determinar sua sujeição à disciplina legal das relações de consumo [...] A prestação dos serviços públicos que não se revestem dos atributos da especificidade e da divisibilidade é realizada independentemente da exigência de remuneração especifica; é custeada pelos impostos, espécies tributarias não vinculadas a nenhuma atuação estatal. COSTA, Regina Helena. A tributação e o consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 21, p. 104, 1997. 8 41 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina No entanto, o Superior Tribunal de Justiça já sinalizou, recentemente, em sentido contrário, conforme se extrai do seguinte julgado: RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADVOGADO QUE CONTRATA SERVIÇOS DOS CORREIOS PARA O ENVIO DE PETIÇÃO RECURSAL. SEDEX NORMAL. CONTRATO QUE GARANTIA A CHEGADA DA PETIÇÃO AO DESTINATÁRIO EM DETERMINADO TEMPO. NÃO CUMPRIMENTO. PERDA DO PRAZO RECURSAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CORREIOS PARA COM OS USUÁRIOS. RELAÇÃO DE CONSUMO. DANO MORAL CONFIGURADO. DANO MATERIAL NÃO PROVADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. [...] 2. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem-se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 14 do CDC, de modo que a responsabilidade civil objetiva pelo risco administrativo, prevista no art. 37, § 6º, da CF/88, é confirmada e reforçada com a celebração de contrato de consumo, do qual emergem deveres próprios do microssistema erigido pela Lei n. 8.078/90. No caso, a contratação dos serviços postais oferecidos pelos Correios revela a existência de contrato de consumo, mesmo que tenha sido celebrado entre a mencionada empresa pública e um advogado, para fins de envio de suas petições ao Poder Judiciário. [...] 7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1210732/SC, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 02/10/2012, DJe 15/03/2013) – destaque nosso – No entanto, quanto às relações travadas entre usuários e empresas concessionárias de serviços públicos, atualmente, nem mesmo se abre espaço para a polêmica, pois o STJ já sedimentou o entendimento de que deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor. Por brevidade: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E COLETA DE ESGOTO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. APLICAÇÃO DO CDC. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVER DE MANUTENÇÃO DAS INSTALAÇÕES E CRITÉRIO DE FATURAMENTO. EXAME DE LEGISLAÇÃO ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 3. É firme o entendimento no STJ de que a relação entre a empresa concessionária de serviço público de fornecimento de água e o usuário final classifica-se como consumerista. Correta, portanto, a aplicação das disposições do CDC. [...] 5. Agravo Regimental da CEDAE desprovido. (AgRg no AREsp 239416/RJ, Relator(a) Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. 26/02/2013, DJe 06/03/2013) – destaque nosso – 42 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina No mesmo sentido: AgRg no AREsp 183812/SP, Relator(a) Ministro Mauro Campbell Marques – 2ª Turma, j. 06/11/2012, DJe 12/11/2012; REsp 793.422/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, j. 03/08/2006, p. DJ 17/08/2006). Em suma: a relação travada com o usuário não se encaixa plenamente à luz do microssistema jurídico consumerista, porquanto este foi concebido como instrumento de defesa daqueles que se encontram subordinados às pessoas jurídicas organizadas com fim lucrativo, o que não ocorre no âmbito do serviço público, traduzido como um instrumento de satisfação dos direitos fundamentais, sob o manto do regime jurídico-administrativo do direito público. MARÇAL JUSTEN FILHO9 corrobora a premissa ao afirmar que o direito do consumidor não pode ser aplicado integralmente no âmbito do serviço público por uma espécie de solidariedade entre os usuários, em virtude da qual nenhum deles pode exigir vantagens especiais cuja fruição acarretaria a inviabilização de oferta do serviço público em favor de outros sujeitos. Ademais, o consumidor adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (art. 2°, do CDC), sendo que o usuário do serviço público ostenta status de cidadão, o que implica dizer que titulariza necessidades que devem ser supridas pelo Estado10. Por fim, necessário salientar que no modelo gerencial sobressai o aspecto de previsão de diálogo com os cidadãos quando da formulação das políticas públicas na área de prestação dos serviços públicos, o que diferencia sua performance de mero cliente ou consumidor. De efeito, a Lei nº 9.784 de 1999, designada a Lei do Processo Administrativo Federal, editada já sob a égide do novo modelo de administração pública, deixa evidente essa tendência, com a previsão de mecanismos participativos como audiências e consultas públicas. Por isso, lícito concluir que no âmbito dos serviços públicos, o usuário não se amolda perfeitamente na roupagem de consumidor, tratando-se de um cidadão-cliente com previsão de ativa influência na formação da vontade estatal. Daí porque surgiu a necessidade de se conferir nova redação ao § 3º do art. 37, que permitiu ao usuário participar da Administração Pública Direta e Indireta, nos termos da lei: Art. 37. Omissis JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 493. Serviço público é uma atividade pública e administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de direito público (idem, p. 478). 9 10 43 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina [...] § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. Referida Emenda dispôs, ainda, em seu art. 27: Art. 27. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação desta Emenda, elaborará lei de defesa do usuário de serviços públicos. No entanto, a lei não veio, não se podendo negar que a ausência da norma regulamentadora dos direitos dos usuários de serviços públicos está a prejudicá-los sobremaneira, seja com relação aos serviços públicos próprios ou gerais, que não se sujeitam às normas da legislação consumerista à vista dos precedentes do STJ, ou no que tange aos serviços públicos impróprios, delegados, pois o socorro do CDC vem ocorrendo de forma subsidiária, pontual. 4. O vácuo legislativo e a decisão proferida na ADO 24 MC/DF. Assim, em que pese o postulado da eficiência apregoado pelo modelo gerencial, o momento histórico que abre a presente reflexão revela que o usuário de serviços públicos não está satisfeito com o que o Estado está lhe oferecendo. O próprio Ministro Dias Toffoli, no bojo da ADO 24 MC/DF, consigna: É inevitável observar que o caso em tela coincide com a atual pauta social por melhorias dos serviços públicos. Os movimentos sociais que hoje irradiam várias partes do país e o respectivo anseio da população por qualidade na prestação dos serviços disponibilizados à sociedade brasileira são uma demonstração inequívoca da urgência na regulamentação do art. 27 da EC nº 19/98. É dever inescusável do Estado a prestação de serviços públicos eficientes e de qualidade à coletividade. [...] Contudo, há de se ressaltar as dificuldades da cidadania em acessar, interagir e influenciar o Estado nas decisões relacionadas à prestação de serviços. Mais que destinatários dos serviços públicos, os usuários devem ser sujeitos de uma cidadania ativa e efetiva, o que exige evidentemente canais diretos de 44 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina comunicação entre Estado e sociedade. É chegada a hora dos usuários dos serviços públicos. E mais efetivo será o respeito aos direitos dos usuários se forem expressos os meios formais e os instrumentos específicos disponíveis para que os próprios usuários formulem suas reclamações e defendam seus direitos. Faz-se necessária, portanto, a definição de mecanismos reguladores e fiscalizadores eficientes para que a cidadania possa, de modo consequente, exigir qualidade, regularidade e segurança na prestação dos serviços públicos. E, com fundamento nessas premissas, o eminente Ministro determina aos indicados no polo passivo da ADO 24 para que no prazo de 120 (cento e vinte) dias adotem as medidas necessárias à edição da lei de defesa do usuário de serviço público, e, deixa ainda registrado a possibilidade de análise do outro pedido formulado caso perdure a omissão, ou seja, aquele que pleiteia a aplicação subsidiária do CDC: Deixo, contudo, de deferir, neste momento, o pedido de medida cautelar, na parte em que se requer a aplicação subsidiária e provisória da Lei nº 8.078/90, deixando-o para análise mais aprofundada por parte do Tribunal caso ainda subsista a mora -, e após colhidas as informações das autoridades requeridas e as manifestações do Advogado-Geral da União e do ProcuradorGeral da República, os quais permitirão o exame mais aprofundado do tema. Feita a exposição, sem adentrar na discussão jurídica se a decisão configura ativismo judicial – pois refoge do propósito da presente reflexão -, inconteste que o Ministro não se limitou a reconhecer a mora, pois fixou prazo para que seja elaborada a lei de defesa do usuário de serviços públicos, consignando, ainda, o alerta de que até mesmo o pedido cautelar para aplicação subsidiária do CDC pode ser ainda analisado (e, em tese, deferido). 5. Conclusão. Em que pesem os altos objetivos traçados na reforma administrativa que inaugurou o atual modelo gerencial de administração pública, o mesmo não tem garantido estratégias que permitam a eficiente prestação direta de serviços públicos nem a fiscalização necessária quanto àqueles prestados por seus delegatários. Poderia se objetar que a causa reside nas crises fiscal e econômica pelas quais passa o Estado e que torna o orçamento insuficiente para suprir as demandas sociais que, por sua feita, aumentam em progressão geométrica. No entanto, diante das manifestações públicas referidas neste artigo, possível afirmar que também outra crise paira sobre a Administração Pública e reside na falta de confiança da população que desconfia, cada vez mais, dos governos e de suas políticas, 45 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina notadamente a população mais carente e distante das deliberações políticas. O problema se torna mais evidente no âmbito de prestação dos serviços públicos, pois o vácuo legislativo tem desprovido os usuários de mecanismos de defesa que lhes assegurem participar na formulação dessas políticas, reclamar da falta ou insuficiência na prestação dos mesmos e ter acesso a um serviço público eficiente, acessível, suficiente e com qualidade. Referida omissão pode atrair, ainda, uma intervenção mais incisiva do Poder Judiciário, que, por sua feita, tem demonstrado uma participação mais intensa na concretização dos valores e fins constitucionais quando instado a se pronunciar sobre determinada questão afeta à omissão inconstitucional. Assim, em que pese a atual jurisprudência do STJ delineada neste artigo, não se afasta a possibilidade do STF ampliar a aplicação do CDC acolhendo os pedidos formulados na ADO 24 MC/DF, o que poderá causar reflexos, inclusive, na prestação direta dos serviços públicos. Por isso, revela-se imperioso que a Administração Pública sane a omissão e leve a efeito a decisão política tomada pelo Constituinte Derivado quando determinou, no art. 27 da EC nº 19/98, a elaboração de lei de defesa do usuário de serviços públicos. 6. Referências Bibliográficas 1. GOMES, Maria Lucineide Serpas e OLIVEIRA, Francisco Correia de Oliveira. Modelos organizacionais de Administração Pública: um estudo dos aspectos da realidade Cearense na estrutura de referência das reformas do estado. In Revista de Ciências da Administração, v. 12, n. 28, p. 83-104, set/dez 2010. 2. ABRUCIO, Fernando Luiz. O impacto do modelo gerencial na Administração Pública – um breve estudo sobre a experiência internacional recente. In Cadernos ENAP n. 10, Título II, Série, p. 52. 3. ARAGÃO, Alexandre Santos. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites de aplicação do CDC. In Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico n. 15. 46 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina LEGITIMIDADE PASSIVA EM EXECUÇÃO FISCAL QUE TEM POR OBJETO A COBRANÇA DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA E A SÚMULA 392 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ana Lucia Costa Procuradora do Município de Londrina, lotada na Gerência de Execução Fiscal – GEF. Bacharel em Direito pela UEL. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Do Imposto Predial e Territorial Urbano. 3. Da legitimidade do espólio. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas. RESUMO: Este artigo visa analisar as questões relativas à legitimidade passiva em executivos fiscais que tenham por objeto a cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, ponderando-se os efeitos da edição da Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça, acerca da possibilidade de substituição da CDA, vedando a modificação do sujeito passivo. PALAVRAS-CHAVE: Direito Tributário. IPTU. Legitimidade passiva. Súmula 392/STJ. 1. Introdução A edição da Sumula 392 do Superior Tribunal de Justiça trouxe algumas dificuldades para os Municípios com relação à legitimidade passiva em executivo fiscal que objetiva a cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. Anteriormente, a substituição do polo passivo processava-se sem maiores consequências, quando o executado originário, possivelmente o possuidor, não era citado. Bastava a juntada da certidão imobiliária atualizada aos autos para motivar o pedido; e a execução prosseguia contra o titular do domínio, sem que houvesse questionamentos outros quanto ao sujeito passivo indicado na Certidão de Dívida Ativa, que instrumentava a execução. Após a Súmula, instaurou-se a controvérsia quanto à ilegitimidade passiva, nas hipóteses de redirecionamento para o titular do domínio, quando este não constava da Certidão de Dívida Ativa, em razão da parte final do enunciado que veda a modificação do sujeito passivo na execução. A Jurisprudência, até aqui, tem se posicionado contrária a esse redirecionamento, decretando a extinção dos executivos fiscais por ilegitimidade passiva. Falta perquirir, e é o que se busca aqui, mesmo contrariamente ao posicionamento dominante dos Tribunais, a sujeição passiva no momento da ocorrência do fato gerador e seus reflexos na cobrança judicial. 47 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 2. Do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana Dispõe o Código Tributário Nacional, com relação ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana: Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título. A redação é clara ao elencar os contribuintes: proprietário do imóvel, titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título. Quanto a este último, não é qualquer posse que qualificaria o possuidor como contribuinte, mas apenas a posse ad usucapionem. Há, também, que se ter em mente a exata diferenciação entre sujeito passivo, contribuinte e responsável. Pela redação do Código Tributário Nacional tem-se que: Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. O sujeito passivo pode ser o contribuinte ou o responsável e, nas palavras de Leandro Paulsen: O contribuinte é aquele que realiza o fato gerador do tributo, normalmente revelador da sua própria capacidade contributiva. Conforme o CTN, sujeito passivo, qualificado como responsável, pode ser um sucessor ou um terceiro e responder solidária ou subsidiariamente, ou ainda por substituição. O CTN, neste artigo, pois, cuida de uma responsabilidade tributária em sentido amplo, abrangendo tanto o instituto da responsabilidade tributária em sentido estrito como o da substituição tributária.1 Quanto ao momento da ocorrência do fato gerador, dispõe o Código Tributário Nacional: 1 Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da Jurisprudência, p. 924. 48 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Art. 170. Para todos os efeitos legais, considera-se ocorrido o fato gerador no dia primeiro de cada ano. Exemplificando, o titular do domínio no dia primeiro de janeiro é o contribuinte e havendo alienação posterior a esta data, sem quitação do imposto, o adquirente será o responsável. Ante esse quadro concreto, dispõe o CTN o seguinte: Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data. Discorrendo sobre o art. 129, Leandro Paulsen, citando Alfredo Augusto Becker, esclarece: Caso haja transmissão sucessiva de propriedade e conste do lançamento o novo proprietário, este dado - segundo Becker - em nada altera a realidade jurídica, pois os 'novos proprietários, durante o ano civil, são os responsáveis legais tributários: a) ou solidários com aquele que fora proprietário, no dia 1º de janeiro, o qual continua com o seu original dever jurídico tributário; b) ou isoladamente, por lhes ter sido transmitido, sucessivamente, o dever jurídico tributário preexistente, com a consequente liberação do primitivo devedor. A escolha dentre estas soluções fica ao arbítrio do legislador.2 Nas palavras do doutrinador, o contribuinte do IPTU que o era no momento da ocorrência do fato gerador “continua com o seu dever jurídico tributário”. Ambos, transmitente e adquirente, são sujeitos passivos, logo legitimados a integrar o polo passivo do executivo fiscal, uma vez que os tributos imobiliários não foram honorados, e, segundo o CTN: Art. 131. São pessoalmente responsáveis: (...); II - o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação; Posteriores alterações administrativas no cadastro não têm reflexo sobre a CDA emitida e executada, que é o espelho da inscrição em dívida ativa e indicou o sujeito passivo – contribuinte, que ostentava essa condição no dia primeiro de janeiro. 2 Leandro, Paulsen; Melo, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais, p. 325. 49 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Se o contribuinte alienou o imóvel e teve contra si ajuizada execução fiscal, não faz sentido a alegação, tampouco o reconhecimento de ilegitimidade passiva, por não ser o atual proprietário, porquanto ter tido relação pessoal e direta com a situação que constituiu o respectivo fato gerador (propriedade do imóvel no dia primeiro de janeiro). Tanto o contribuinte como o responsável poderiam ser demandados, pois o doutrinador também lembra que a escolha entre um e outro cabe ao legislador. No Município de Londrina, há previsão de solidariedade (Lei nº 7.303/1997 – Código Tributário Municipal): Art. 165. Contribuinte do imposto é o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor do imóvel a qualquer título. § 1º Respondem solidariamente pelo pagamento do imposto o justo possuidor, o titular do direito de usufruto, uso ou habitação, os promitentes compradores imitidos na posse, os cessionários, os posseiros, os comodatários e os ocupantes a qualquer título do imóvel, ainda que pertencente a qualquer pessoa física ou jurídica de direito público ou privado isenta do imposto ou imune. § 2º O imposto é anual e na forma da lei civil se transmite aos adquirentes. Havendo previsão de solidariedade, de um ou de ambos os devedores solidários (transmitente e adquirente) pode ser cobrado o imposto. Melhor esclarecendo: O Código afirma que as regras sobre responsabilidade dos sucessores são aplicáveis ‘aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos’. Ora, o legislador tributário acabou por asseverar que as regras se aplicam ao antes, ao durante e ao depois. É lícito afirmar, portanto, que o momento da constituição do crédito tributário (lançamento) é dado absolutamente irrelevante para definir a aplicabilidade da legislação sobre sucessão, pois o que realmente importa é a data do surgimento da obrigação (ocorrência do fato gerador), como inequivocamente aponta a cláusula final do confuso dispositivo (‘desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data’).3 E aqui começa o problema. Porque se a Fazenda Municipal demanda o contribuinte, a jurisprudência tem entendido que o mesmo não possui legitimidade para figurar no polo passivo da execução por não ser o atual proprietário do imóvel. Tampouco pode postular o redirecionamento para o adquirente, se este não constar na CDA, por entender que haveria incidência da Súmula 392/STJ, que veda a substituição do sujeito passivo na execução. 3 Alexandre, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado, p. 321/322. 50 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina No entanto, não nos parece a solução mais acertada. Primeiro porque possui legitimidade para ser demandado o contribuinte que ostentava essa condição no momento da ocorrência do fato gerador. Segundo, porque se a alteração da propriedade se deu após, na forma do caput do art. 130 do CTN, o redirecionamento não necessita ser precedido de qualquer alteração no título executivo. Se a Fazenda Municipal pode demandar o contribuinte ou o responsável, a execução não deve ser extinta por ilegitimidade: Se a dívida é inscrita em nome de uma pessoa, não pode a Fazenda ir cobrá-la de outra nem tampouco pode a cobrança abranger outras pessoas não constantes do termo e da certidão, salvo, é claro, os sucessores, para quem a transmissão do débito é automática e objetiva, sem reclamar qualquer acertamento judicial ou administrativo.4 Não pode o contribuinte do imposto, que realizou o fato gerador, por sua relação direta e pessoal (proprietário do imóvel no dia primeiro de janeiro), não deter legitimidade para integrar o polo passivo do executivo fiscal. E, havendo solidariedade entre o transmitente e o adquirente, a inclusão deste, quando a transmissão se deu após o fato gerador, também não poderia levar a extinção do executivo fiscal por ilegitimidade passiva. Há precedentes do Superior Tribunal de Justiça que reconhece a solidariedade: O que está demonstrado é que os vencimentos dos créditos são anteriores à transferência do imóvel. Assim, se a transferência da propriedade é ultimada sem que se tenha exigido a prova da quitação dos tributos do antigo proprietário, a responsabilidade pelo pagamento é transferida para o novo proprietário, que se torna sujeito passivo da exação, em solidariedade com o anterior proprietário. Nesse passo, pode o credor cobrar os valores devidos de qualquer um dos obrigados à satisfação do crédito.5 A vedação expressa da Súmula 392 diz respeito à alteração do sujeito passivo: A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução. 4 5 Theodoro Junior, Humberto. Lei de Execução Fiscal, p. 29. REsp nº 1.048.138 – PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques. 51 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Quando se pretende integrar à lide o responsável (adquirente) não se busca substituir sujeito passivo, que é a vedação da Súmula, porque o mesmo ostenta essa condição. Por força de lei, o responsável também é sujeito passivo da obrigação principal. Tampouco há ilegitimidade se o lançamento ocorreu em nome do contribuinte e este foi executado. A vedação da Súmula 392 incide se o sujeito passivo for alterado. Se houve alguma nulidade no lançamento e se pretende corrigir na execução, ou se o imposto foi lançado em nome de pessoa diversa, que não era contribuinte ou responsável. Os precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, que deram origem à Sumula 392, não deixam dúvidas quanto à vedação: modificação do sujeito passivo, ou seja, do próprio lançamento, sendo exemplos: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. SUBSTITUIÇÃO DE CDA. NÃO-OCORRÊNCIA DE ERRO FORMAL OU MATERIAL. MODIFICAÇÃO DO PRÓPRIO SUJEITO PASSIVO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Agravo de instrumento interposto para reformar decisão que inadmitiu recurso especial. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que é possível a substituição da CDA, em face da ocorrência de erro material ou formal, antes da prolação da sentença. 3. No entanto, in casu, não se trata de mero erro material, mas de pedido de alteração do sujeito passivo da obrigação tributária após o exeqüente reconhecer a ilegitimidade passiva acionada para figurar na lide. 4. Impossibilidade de substituição de Título Executivo quando não se tratar de mera correção de erro material ou formal e, sim, de modificação do próprio sujeito passivo, o que não possui tutela na Lei 6.830⁄80 e no CTN. 5. Agravo de instrumento não-provido.6 PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. IPTU. CDA. SUBSTITUIÇÃO DO SUJEITO PASSIVO. SUB-ROGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Afasta-se a alegada nulidade do julgado hostilizado ante a ausência de omissão. 2. Não se admite a substituição da CDA para a alteração do sujeito passivo dela constante, pois isso não se trata de erro formal ou material, mas sim de alteração do próprio lançamento. Precedente da Turma: REsp 826.927⁄BA, DJ de 08.05.06. 3. Recurso especial improvido.7 Do voto do relator: 6 7 AgRg no Agravo de Instrumento nº 888.479 – BA, rel. Min. José Delgado. REsp nº 829.455 – BA, rel. Min. Castro Meira. 52 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina No caso em tela, a pretendida substituição da certidão de dívida ativa não decorreu de erro material, mas de pedido de alteração do sujeito passivo da obrigação tributária, após o exeqüente reconhecer a ilegitimidade passiva da acionada para figurar na demanda. Ora, se o município acionou quem não devia, que ingresse com nova execução. Os demais precedentes, que motivaram a Súmula, possuem o mesmo teor. Percebese, claramente, que a vedação é de modificação do sujeito passivo. Se o devedor ostenta essa condição, seja contribuinte ou responsável, é sujeito passivo da obrigação principal e não faz sentido o reconhecimento de ilegitimidade passiva, se um, ou ambos, são demandados, havendo solidariedade prevista na legislação municipal. O enunciado da Súmula tem lugar quando acionado quem não deveria ter sido, como ressaltado pelo Min. Castro Meira. Assim haveria ilegitimidade e estaria a Fazenda impedida de substituir a CDA para alterar o sujeito passivo. Quando acionado o sujeito passivo da obrigação principal, que era o contribuinte, ou integrado à lide o adquirente (responsável) não há ilegitimidade passiva, tampouco há ofensa à Sumula 392. Quando se dá a sucessão, após o fato gerador, o contribuinte continua a ser o mesmo. A execução tanto pode ser intentada contra o contribuinte ou o responsável, sem que haja necessidade de substituição da CDA. Se ajuizada contra o contribuinte, contra ele pode seguir. Se ajuizada contra o responsável, na forma do art. 130, do CTN, desnecessário, também, qualquer acerto administrativo prévio. Pela redação da Súmula e pelos precedentes jurisprudenciais que a motivaram, tem-se claro que o que se pretendeu foi vedar a modificação do sujeito passivo da obrigação principal; buscar a correção do lançamento com a substituição da CDA para constar o nome do devedor correto: Ocorre que mesmo a Súmula deve ser interpretada em sua parte final. Algumas entidades responsáveis pelo lançamento do tributo, sem qualquer critério, alteravam o sujeito passivo da execução fiscal modificando o lançamento, como forma de fugir do prazo decadencial para fazer novo lançamento. Mas há que se fazer a seguinte consideração: ao vedar a modificação do sujeito passivo da execução, está a súmula a proibir a substituição do devedor por outra pessoa que não tenha qualquer relação com o fato gerador, ainda que indireta, porque o lançamento foi feito equivocadamente, em razão de falta ou negligência imputáveis à Fazenda Pública. E assim é em razão do princípio da inalterabilidade do lançamento, positivado no art. 145 do CTN. Entretanto, nos casos de responsabilidade superveniente por sucessão (ver item 2.6.1) de responsabilidade solidária (conforme previsto na lei da entidade tributante) ou responsabilidade por substituição (art. 135 do CTN), por óbvio, deve ser permitida a substituição 53 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina da CDA com a alteração do sujeito passivo, pois não há desleixo por parte da Fazenda Pública em não ter lançado o tributo contra determinada pessoa cuja responsabilidade sequer tinha surgido ou ainda estava configurada (v.g. modificar a CDA para incluir o sócio gerente que tenha incidido no art. 135 do CTN após o ajuizamento da execução fiscal), não se podendo exigir da Fazenda um exercício de futurismo a fim de adivinhar uma futura causa de responsabilidade! Prova disso é que o c. STJ editou em 2010 a Súmula nº 435, que para nós é uma clara exceção à Súmula 392, conforme segue (RESP nº 738.512): ‘Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente’. Em remate, pode a Fazenda Pública substituir ou emendar a Certidão de Dívida Ativa até a sentença dos embargos à execução, desde que não exercida essa prerrogativa com o fim de corrigir erros ou vícios do processo administrativo a que se liga a Certidão.’ Repise-se não ser esse o caso da responsabilidade superveniente, que admite a modificação, pois não está havendo a convalidação de máculas do PTA ou auto de infração que deram origem à dívida.8 A parte final da Súmula 392 necessita ser interpretada e adequada ao caso concreto, não incidindo a vedação se a execução foi intentada contra o contribuinte ou contra o responsável, ou este foi integrado à lide após o ajuizamento, quando a legislação municipal contemplar a solidariedade e a transmissão da propriedade tenha se dado após a ocorrência do fato gerador. 3. Da legitimidade do espólio Outra causa de extinção de executivos fiscais, que tem atormentado os Municípios, é a hipótese de óbito do contribuinte antes do ajuizamento do executivo fiscal, porque, no entender dos julgadores se o executivo fiscal não foi ajuizado contra o espólio, o foi contra quem não mais detinha capacidade processual: contribuinte falecido. Tais decisões, no entanto, também não ponderam a situação fática no momento da ocorrência do fato gerador; atêm-se ao ajuizamento do executivo fiscal, após o falecimento do contribuinte, igualmente sem valorar as consequências jurídicas da sucessão havida. A peculiaridade que deve ser questionada é se o falecimento do contribuinte verificou-se após a ocorrência do fato gerador, mas antes do ajuizamento do executivo fiscal, situação que configura a sucessão do devedor pelo seu espólio. 8 Levate, Luiz Gustavo. Lei de execução fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência, p.65/66) 54 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Se o óbito ocorreu após o fato gerador, tanto o contribuinte como o seu espólio podem ser demandados, quando a CDA, por ser espelho da inscrição em dívida ativa, tiver sido emitida em nome do contribuinte, passando o espólio a ser o responsável pelo pagamento dos tributos não pagos, também por disposição expressa do CTN: Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. E a responsabilidade do espólio é decorrente da sucessão havida: Quanto aos pressupostos ou hipótese de incidência de responsabilidade tributária, os dispositivos do CTN estabelecem responsabilidade tendo em conta: (...) - b) da sucessão, seja na aquisição de imóvel, na aquisição ou remissão de bens em geral, no falecimento, na fusão, transformação, incorporação ou cisão de empresas, ou na aquisição de estabelecimento comercial ou de fundo de comércio (arts. 130, 131, 132 e 133);9 Pode-se, portanto, distinguir o seguinte, quando o óbito se dá após o fato gerador: contribuinte e responsável (espólio). Ambos são, ou poderiam vir a ser, sujeitos passivos, logo legitimados a integrar o polo passivo do executivo fiscal, uma vez que os tributos imobiliários não foram honorados, e, segundo o CTN: Art. 131. São pessoalmente responsáveis: (...); II - o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação; No Município de Londrina há previsão expressa nesse sentido, no Código Tributário Municipal, Lei nº 7303/1997: Art. 26. São pessoalmente responsáveis: I - o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos; 9 Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da Jurisprudência, p. 940/941. 55 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina II - o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo "de cujus", até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão, do legado ou da meação; III - o espólio, pelos tributos devidos pelo "de cujus" até a data da abertura da sucessão. Pela sucessão havida, do contribuinte por seu espólio, não faria sentido demandar os dois, por óbvio. Mas, não se pode afirmar que o ajuizamento do executivo fiscal contra o contribuinte leva necessariamente ao decreto de falta de pressuposto processual (ausência de capacidade). Se o lançamento ocorreu em nome do contribuinte, a consequência lógica é o redirecionamento para o espólio, nas hipóteses do óbito ter ocorrido após o fato gerador, em razão da sucessão superveniente. Resta discorrer sobre as consequências jurídicas da responsabilidade tributária por sucessão (espólio), para afastar as conclusões jurisprudenciais acerca da ausência da capacidade processual em executivos fiscais ajuizados contra contribuintes falecidos após a ocorrência do fato gerador. Segundo Bernardo Ribeiro de Moraes: Haverá responsabilidade tributária por sucessão quando uma pessoa se torna obrigada por débito tributário não satisfeito, diante de uma relação jurídica que passa do predecessor ao adquirente do direito.10 As disposições do Código de Processo Civil, em relação ao espólio, pertinentes ao caso em comento, são as seguintes: Art. 43. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 265. Art. 597. O espólio responde pelas dívidas do falecido; mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas na proporção da parte que na herança Ihe coube. Art. 992. Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz: (...); III - pagar dívidas do espólio; Quando o falecimento se dá antes da ocorrência do fato gerador há a vedação da Súmula 392/STJ: o lançamento efetivou-se em nome do contribuinte, mas deveria ter sido em nome do 10 Moraes, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário, p. 510) 56 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina seu espólio. Há ilegitimidade passiva neste caso. Nessa hipótese, o lançamento teria ocorrido em nome de quem já não era mais o contribuinte. Mas, se a situação é diversa: o falecimento ocorreu após o fato gerador e antes do ajuizamento do executivo fiscal, a CDA emitida em nome de quem era o contribuinte, mas foi sucedido a posteriori, por seu espólio, não necessita ser substituída, exatamente por se tratar de responsabilidade do sucessor, situação prevista e regulada pelo Código Tributário Nacional. Um exemplo do direito privado pode servir de paralelo: um cheque emitido e não compensado por ausência de fundos. A execução de título extrajudicial é promovida contra o emitente e quando da citação constata-se o falecimento. Haverá ilegitimidade passiva porque a execução não foi intentada contra o espólio? Obviamente que não. No momento da emissão não existia o espólio e o credor somente teve ciência do óbito no curso da execução. Pela prática processual, integra-se o espólio à lide, caso contrário o espólio não seria compelido a honrar o título emitido pelo falecido. Esse exemplo é exatamente o caso em comento: o lançamento foi realizado em nome do contribuinte, o título executivo (CDA) foi emitido em nome do devedor e a ciência do óbito só ocorreu após o ajuizamento do executivo fiscal. Para solução da questão basta integrar o sucessor à lide, sem que isso fira o disposto na Súmula 392, ante a previsão expressa da responsabilidade do sucessor contida no CTN (art. 128 e 129). Na sucessão, a transmissão do débito se dá de forma automática e objetiva, e desnecessária se torna a substituição da CDA para modificação do sujeito passivo. Voltando ao exemplo do direito privado: não se substitui o cheque para fazer constar espólio como emitente, porque a sucessão se deu depois. Mas, não é só esse o fundamento de extinção dos executivos fiscais ajuizados contra o contribuinte falecido. Como demonstrado, ilegitimidade passiva não há, porque o contribuinte falecido tinha relação pessoal e direta com o fato gerador no momento de sua ocorrência e a CDA foi confeccionada em nome do contribuinte. Poderia também ter sido confeccionada contra o responsável por sucessão (espólio), se a Fazenda Municipal tivesse ciência do óbito, o que, na maioria dos casos, não ocorre. Não pode o contribuinte do imposto, que detinha relação direta e pessoal com o fato gerador, não possuir legitimidade para integrar o polo passivo do executivo fiscal. 57 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Se, quando do ajuizamento, o falecimento do contribuinte já houver ocorrido, basta integrar o sucessor (espólio) à lide “sem reclamar qualquer acertamento judicial ou administrativo”11 , pois o sucessor se apresentou após a ocorrência do fato gerador, após o lançamento, após a relação consolidada. Consequentemente, o espólio é o responsável tributário por sucessão, e não há ilegitimidade passiva se o lançamento e a CDA foi emitida em nome do contribuinte. Com esse quadro, não há a vedação da parte final da Súmula 392. 4. Conclusão Após a edição da Súmula 392, pelo Superior Tribunal de Justiça, muitos executivos fiscais foram extintos pelo reconhecimento de ilegitimidade passiva do devedor, quando este não constava na CDA, .em decorrência do redirecionamento. Tais conclusões, pelos Tribunais, muitas vezes, não ponderam o momento da transferência da propriedade, se implementada após a ocorrência do fato gerador, situação que autorizaria o Fisco Municipal a demandar o contribuinte ou o responsável tributário. Nas hipóteses de ter sido acionado o contribuinte, não se justificaria o decreto de ilegitimidade passiva, porquanto a ausência de quitação do IPTU não eximiria o contribuinte do seu dever tributário, mesmo após a transferência da propriedade. Também se mostra viável o redirecionamento ao adquirente, quando a transferência do domínio se deu após o fato gerador, mas antes do ajuizamento do executivo fiscal; sem que o responsável tributário necessite constar na CDA, porque, em razão da sucessão, não se faz necessário qualquer acertamento administrativo prévio, como entende a doutrina e conforme previsão expressa do art. 130 do CTN. Também nas hipóteses de falecimento do contribuinte deve se valorar a ocorrência do fato gerador. Isto porque não se mostra razoável exigir dos Municípios que tenham conhecimento de todos os óbitos ocorridos. Ainda que se argumente que é possível realizar convênio com cartórios de registro civil, o devedor não é obrigar a morrer onde possui imóvel; a fatalidade pode acometê-lo em qualquer localidade do país ou fora dele. Se o falecimento se deu após a ocorrência do fato gerador, é medida de justiça e razoabilidade deferir-se o redirecionamento para o espólio, considerado o fato de que o lançamento se deu em nome do contribuinte, não necessitando constar o espólio na CDA, em razão da sucessão 11 Theodoro Junior, Humberto. Lei de Execução Fiscal, p. 29. 58 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina havida, e considerando a responsabilidade do espólio pelo pagamento da dívida tributária, sob pena de se estimular fraudes e má-fé dos devedores, porque bastaria aos interessados silenciar sobre o óbito para aguardar o decreto de ilegitimidade, quando o executivo fiscal for ajuizado contra o contribuinte falecido. Nas duas situações abordadas neste artigo, faz-se indispensável perquirir o momento da ocorrência do fato gerador. E, se o lançamento se deu em nome do contribuinte, pela sua qualidade de sujeito passivo da obrigação principal, o decreto de ilegitimidade não se justifica. É importante ressaltar que essa não é a posição atual da Jurisprudência, que tem se pautado pelo nome indicado na CDA para valorar a legitimidade passiva; embora o momento da ocorrência do fato gerador ainda não tenha sido provocado, como matéria de defesa dos Municípios e justificativa do lançamento e do ajuizamento do executivo fiscal. Portanto, o presente artigo defende tese que está na contramão do entendimento dos Tribunais, mas esse debate merece ser travado, para que não se trate de forma igual situações diferentes, sem valoração da exatidão do lançamento, quando efetuado de forma correta e a sucessão é superveniente, seja por transferência de propriedade, seja por falecimento. Sabe-se, também, que essa não é a maior parte dos problemas enfrentados pelos Municípios, após a edição da Súmula 392. A maior parte refere-se à sucessão havida antes da ocorrência do fato gerador. De qualquer forma, ainda que em menor quantidade, há embasamento legal para defesa e afastamento do decreto de ilegitimidade passiva nas hipóteses abordadas. 5. Referências Bibliográficas Alexandre, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado – 2. Ed. atual. ampl. São Paulo: Método, 2008. Levate, Luiz Gustavo. Lei de execução fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência. Belo Horizonte: Fórum, 2010. Melo Filho, João Aurino de (coordenador). Execução Fiscal Aplicada: análise pragmática do processo de execução fiscal. Salvador: Editora Jus Podivm, 2013. Moraes, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário, 3ª ed. 1995. Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da Jurisprudência. 12. Ed. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2010. ________. Impostos federais, estaduais e municipais / Leandro Paulsen, José Eduardo Soares de Melo. 8 ed. rev. atual. - Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. 59 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Theodoro Junior, Humberto. Lei de Execução Fiscal, 7ª ed. Saraiva, 2000. 60 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina DA POSSIBILIDADE DO PROTESTO DE CDAS MESMO ANTES DO ADVENTO DA LEI FEDERAL N. 12.767/2012: DESNECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR NACIONAL E INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO SIGILO FISCAL Carlos Renato Cunha Procurador do Município de Londrina, ocupante da função de ProcuradorGeral Adjunto de Gestão do Contencioso e de Gerente de Assuntos Fiscais e Tributários – GAFT. Mestre em Direito do Estado – Direito Tributário – pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Professor da Graduação e Pós Graduação em Direito. Advogado. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da possibilidade de realização do protesto de Certidões de Dívida Ativa – CDAs desde o advento da atual Lei de Protestos 3. Da expressa autorização legal trazida pela Lei Federal n. 12.767/2012. Desnecessidade de Lei Complementar Federal para o trato da matéria. Da questão do Sigilo Fiscal. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas. RESUMO: Artigo que visa analisar a possibilidade do protesto de Certidões de Dívida Ativa – CDAs, mormente a existência de autorização constitucional e legal e a necessidade, ou não, de previsão em lei complementar nacional. PALAVRAS-CHAVE: Direito Tributário. Dívida Ativa. Protesto de Certidões de Dívida Ativa. 1. Introdução A licitude da realização do protesto de Certidões de Dívida Ativa – CDAs, sabe-se, é tema bastante controvertido na doutrina especializada. Não se trata de procedimento adotado de forma generalizada. No entanto, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça entendia, de forma unânime até há poucos dias, pela sua ilegalidade, em face da natureza do crédito da Fazenda Pública. Para que se possa avaliar o tema sob um viés científico-jurídico, convém esclarecer, inicialmente, alguns aspectos sobre a própria natureza e finalidade do protesto de títulos. 61 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 2. Da possibilidade de realização do protesto de Certidões de Dívida Ativa – CDAs desde o advento da atual Lei de Protestos. 2. 1 Características atuais do Ato Notarial de Protesto O protesto de títulos é regulamentado pela Lei Federal n. 9.492/97 que, em seu artigo 1º, define o ato da seguinte forma: Art. 1º: Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originária em títulos e outros documentos de dívida. O protesto é ato notarial que surgiu, historicamente, ligado ao regime jurídico das cambiais, no Direito Comercial.1 Nesse contexto, a doutrina passou a diferenciar, em face das diferentes consequências jurídicas advindas de referido ato, o chamado protesto necessário e o facultativo.2 Esta diferenciação se funda já na legislação anterior à Lei de Protesto, em que o protesto cambial apresentava-se basicamente sob duas modalidades principais: o protesto em razão da falta ou recusa do aceite e o protesto baseado no não pagamento do título. Além destes, existem protestos em casos especiais, como o protesto tirado para efeitos de requerimento de falência ou o protesto por falta de devolução da letra de câmbio entregue para aceite do sacado. Esta classificação decorre da necessidade ou não do registro para o exercício do direito de ação para exigência do pagamento da obrigação inserida no título contra os que nele lançaram sua assinatura, seja como emitentes, seja como aceitantes, avalistas ou endossantes. Enquanto o protesto necessário é essencial para a própria cobrança da cambial, ao menos sob determinada forma (v.g., para exercer o direito de regresso contra alguns corresponsáveis), o protesto facultativo tem por função precípua tornar público o inadimplemento de uma obrigação, não possuindo efeitos em relação à natureza do título de crédito ou a seus atributos, como a exigibilidade. Veja-se, portanto, que o protesto facultativo não é essencial para a realização da cobrança do título. Não fará, inclusive, nenhuma diferença, não é requisito para a busca do Judiciário 1 2 Fábio Ulhoa Coelho, Manuel de Direito Comercial, 9ª ed., p. 245. Fábio Ulhoa Coelho, Manuel de Direito Comercial, 9ª ed., p. 245. 62 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina na satisfação do crédito inadimplido, nada acrescenta ao título. Um cheque, ordinariamente, não precisa ser protestado para ser executado. Pode sê-lo. Mas o ato de protesto, que apenas dá publicidade à inadimplência, não traz requisitos especiais ou necessários à exigibilidade do título. Corolário lógico que também merece detença é o fato de que a prova do não pagamento através do protesto facultativo, por si só, nada acrescenta ao título de crédito, a não ser em casos de protestos especiais como aquele tirado para requerer falência. No caso de protesto facultativo, o título de crédito sempre goza força executiva e é considerado título executivo extrajudicial, independentemente de ter sido ou não protestado. Por exemplo, para a ação contra o emitente da nota promissória, o portador não necessita do protesto (ou seja, da prova pré-constituída do não pagamento do título). E a finalidade de tornar pública a inadimplência é expressa na Lei do Protesto, que, em seu artigo 29, prevê a regulamentação quanto à forma de informação dos títulos protestados a entidades representativas da indústria e comércio, vinculadas à proteção do crédito.3 Vale dizer, a publicidade que hoje se dá à existência de um título protestado, ainda que facultativamente, é bastante ampla. E, aqui, convém refletir sobre quais os motivos que poderiam levar o legislador permitir a realização do protesto facultativo com a finalidade precípua de tornar pública (e cada vez mais amplamente) a inadimplência. A prova do descumprimento, ressalte-se, é o principal objetivo do protesto segundo FRAN MARTINS: Se bem que, entre os efeitos do protesto, figure o asseguramento do direito regressivo contra os coobrigados no título, a sua finalidade maior é comprovar a falta ou recusa do aceite ou do pagamento, sendo, assim, um meio de prova.4 Agora, para que serve a prova da inadimplência, se esta prova já se encontra na própria cártula inadimplida? Que prova é esta, que nenhuma utilidade terá na execução de título extrajudicial, quando falamos do protesto facultativo? “Art. 29. Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão de área em favor de relação dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente. [...] § 2º. Dos cadastros ou bancos de dados das entidades referidas no caput somente serão prestadas informações restritivas de crédito oriundas de títulos ou documentos de dívidas regularmente protestados cujos registros não foram cancelados." 4 Fran Martins, Títulos de Crédito, 7a ed., v. I, p.270. 3 63 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Obviamente que a publicidade da inadimplência carrega um ônus moral e social, ainda mais após a publicidade em órgãos de proteção ao crédito, que é permitida legalmente. A mera possibilidade da inadimplência é forma de sua possível coibição, sem dúvida. Utilizar eufemismos em relação à natureza do protesto e sua finalidade seria negar sua óbvia utilidade em relação a qualquer título de crédito; e tal finalidade não é ilícita – ressalte-se -: é expressamente prevista e regulada em nosso ordenamento jurídico. Com tal finalidade, o seu registro tornou-se comum no meio comercial. Apesar de nada acrescentar ao título, o protesto facultativo impõe ao devedor ônus diversos, dentre os quais, o de acarretar, via de regra, restrição imediata ao crédito (pelo envio de informações a órgãos de proteção ao crédito). O protesto passou, então, a ser importante instrumento para coibir a inadimplência e, dessa forma, vinha sendo utilizado por particulares mesmo antes da edição da Lei n.º 9.492/97. Assim, a própria Lei n.º 9.492/97 aceita o registro e a publicidade do protesto como instrumento para reprimir a inadimplência, uma vez que a publicidade é uma das finalidades de tais serviços, conforme expresso no art. 2º da mesma Lei, característica, aliás, comum a todos os serviços notariais e de registro público (v. art. 1o da Lei n.º 8.935/94). Ademais, com o advento da Lei do Protesto, em 1997, ampliou-se o universo de documentos que podem ser objeto deste ato de publicidade, antes restrito a cambiais. É que, numa comparação entre o protesto cambial regulamentado, até então, pela legislação dos títulos de crédito, e as alterações promovidas pela citada Lei 9.492/97, existem relevantes diferenças. Este último diploma legislativo introduziu novo procedimento para o serviço de registro de protestos, regulamentando algumas práticas já existentes e ampliou o universo das obrigações sujeitas ao apontamento. Antes da edição da Lei, o protesto existia apenas para os títulos de crédito a que a legislação cambial fazia expressa referência, e comumente era chamado de protesto cambial. Afinal, o artigo 1º, da lei mencionada, alude ao protesto de “títulos e outros documentos de dívida”, tornando qualquer documento que comprove uma dívida, ainda que não seja uma cambial, ainda que não possua a natureza de título executivo extrajudicial, potencialmente protestável. O protesto deixou, então, de ser apenas um instituto do direito cambial, direcionado aos títulos de crédito. Não se trata mais, a rigor, de "protesto do título" como corriqueiramente se diz, em decorrência da legislação cambial, mas de protesto da obrigação não cumprida. Veja-se que o art. 1º define o protesto como o ato que se destina a provar a inadimplência da obrigação. O título ou documento da dívida é mero veículo. O que importa não é mais o instrumento – título -, mas a obrigação e o seu descumprimento. 64 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina A Lei n.º 9.492/97 não faz referência, por outro lado, a título de crédito, ao tratar da regra geral. A referência a título de crédito é feita para cuidar da exceção como nos casos do art. 7º e parágrafo único do art. 8º, que tratam especificamente do cheque e da duplicata, o que vem reforçar o entendimento de que a regra geral é o protesto do descumprimento de qualquer obrigação, pois, quando quis referir-se a títulos de crédito especificamente, a lei o fez para excepcionar. Acrescente-se, ainda, que pela redação do citado artigo 1º não se pode concluir que os títulos protestáveis ou os documentos de dívida sejam apenas os passíveis de execução forçada, ou seja, os títulos executivos extrajudiciais elencados no art. 585 do Código de Processo Civil. Não há na Lei nada que autorize essa conclusão, uma vez que o protesto ali definido destina-se à prova da “inadimplência e do descumprimento de obrigação”. Ora, qualquer obrigação é passível de descumprimento e inadimplência, o que não ocorre somente com títulos executivos. E o que a Lei n. 9.492/97 visa não é dar força executiva ao título executivo (pois este, obviamente, já possui tal atributo): o objetivo do protesto é comprovar o descumprimento de obrigação, bem como torná-lo público (arts. 1º e 2º da Lei n. 9.492/97). Não há, portanto, nenhuma vinculação entre o registro do protesto por descumprimento de obrigação e a ação de execução, que possa justificar o entendimento de que o título protestável seria apenas o título executivo. Hoje, por exemplo, entende-se possível o protesto de sentenças judiciais transitadas em julgado, ato que dá ampla publicidade à inadimplência de crédito constituído judicialmente, mas que não possui a natureza de título executivo extrajudicial. Portanto, o protesto não mais se restringe a cambiais; não mais se restringe a determinados títulos; não é – e nunca foi - obrigatório; não possui restrições quanto a hipóteses em que poderia ser realizado: o protesto facultativo é ato notarial que pode ser realizado por ato potestativo do credor, portador de título ou outro documento de dívida, que não possui nenhuma outra finalidade que não a de tornar a inadimplência pública. 2.2 Da constitucionalidade e legalidade do Protesto de CDAs. Inexistência de impedimento pela natureza do título. Com base em todas as características da atual regulamentação do ato notarial de protesto, Excelência, é possível vislumbrar, desde já, a completa possibilidade ontológica de realização do protesto de CDAs ! E isto afirmamos ainda sem levar em conta a recente modificação da Lei Federal 65 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina n. 9.492/97, realizada pela Lei Federal n. 12.767/2012, de que trataremos mais especificamente no tópico seguinte. A Lei 9.492/97 permitiu o protesto de outros títulos, além daqueles de natureza cambial, como anteriormente se previa, de modo a não restarem dúvidas que a CDA, como título executivo extrajudicial, é documento hábil a ser levado a protesto. Portanto, falece de presunção de veracidade o argumento apresentado pela parte adversa, de modo a importar na improcedência da lide. Ab initio, verifica-se que referida lei federal, em sua redação original, não excepcionou ou proibiu o protesto de CDAs; pelo contrário, ao mencionar que são protestáveis “títulos e outros documentos de dívida”, incluiu, neste novo universo, os créditos públicos. inscritos ou não em Dívida Ativa. Em razão da ampliação do universo de obrigações passíveis de ser protestadas, a Administração Pública está autorizada a requerer o registro do protesto de seus créditos – sejam os de natureza civil, tributária, sejam os decorrentes de aplicação de multas em razão da prática de ato contrário à sua legislação – desde que materializados em títulos ou qualquer outro documento de dívida. Legítimo é o interesse da Administração em que o descumprimento da obrigação de pagar seus créditos se torne público, assim como ocorria nas relações comerciais e, hoje, nas obrigações de qualquer natureza. Poder-se-ia dizer que a Administração Pública não teria o interesse de provar, através do protesto, a inadimplência de seus créditos, ao argumento de que tais créditos já têm a presunção de certeza e liquidez, além de ter à sua disposição procedimento especial para a sua execução (Lei Federal n.º 6.830/80 - LEF). Todavia, como visto acima, o protesto de natureza facultativa não está vinculado aos atributos da obrigação ou do título, e nem a ele confere força executiva, mas, sim, destina-se a provar e a dar publicidade do descumprimento da obrigação. Dá-se, exatamente, o mesmo que ocorre nas obrigações assumidas entre particulares, pois o protesto facultativo não reveste a obrigação de nenhum outro atributo. O que interessa são os efeitos do protesto como um dos instrumentos de diminuição da inadimplência. E, nesse ponto, os titulares de créditos decorrentes de obrigações assumidas em título ou outro documento de dívida, seja um particular, seja a Administração Pública, têm interesse em ver registrado formalmente o descumprimento - através do protesto. Quanto aos créditos públicos especificamente, nenhuma dúvida poderia haver quanto à possibilidade do protesto de dívidas assumidas expressamente pelo particular em contratos 66 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina ou qualquer outro documento. O título ou o documento de dívida pode ser um contrato (regido por normas de direito público ou de direito privado), ou ainda um parcelamento de crédito tributário, em que o contribuinte confessa a dívida. Descumprida a obrigação assumida no contrato ou cancelado o parcelamento pelo não pagamento das prestações, legítimo é o interesse do Poder Público em requerer o registro da inadimplência e torná-lo público através do sistema de protesto. Nada obsta, outrossim, a que também a dívida constituída unilateralmente pelo Estado seja protestada. O crédito público, mesmo se constituído unilateralmente pelo Estado, tem presunção de certeza e liquidez, conforme o disposto no art. 3º, da Lei n.º 6.830/80. A presunção de certeza e liquidez da Dívida Ativa regularmente inscrita dá ao título, apesar de não aceito pelo devedor, o caráter de documento de dívida, que pode ser protestado.5 Acrescente-se, outrossim, que a Certidão de Dívida Ativa é título executivo extrajudicial, segundo o Código de Processo Civil e a própria LEF, o que lhe conferiria a qualificação de título, para os defensores da tese de que apenas os títulos executivos seriam protestáveis.6 Afinal, o CPC elenca as possibilidade de atos executáveis (e por extensão protestáveis) em seu artigo 585, inciso VII.7 E o fato de que a execução fiscal tem rito diferenciado não importa na diferença ontológica entre a CDA e outros documentos particulares a que a Lei prescreve executoriedade: todos são títulos executivos extrajudiciais, como expressamente disposto no CPC, art. 585. Tratando-se de dívida existente, regularmente constituída, o protesto por inadimplemento não pode ser considerado como abuso de direito ou instrumento de coação ao pagamento, mas, ao contrário, como legítimo exercício do direito de obter o registro e tornar público o descumprimento da obrigação.8 Não resta dúvida que formas alternativas de cobrança da Dívida Ativa, longe de se constituírem como “sanções políticas” ou ‘formas abusivas de cobrança”, posto que obedecem ao devido processo legal, encontrando respaldo jurídico, são uma necessidade De se notar que, apesar de unilateralmente constituído pelo Fisco, a CDA não é, propriamente, fruto de um monólogo. Afinal, dentro do amplo espectro do controle da legalidade dos atos administrativos, a constituição do crédito tributário passa, obrigatoriamente, pela possibilidade de impugnação e recursos administrativos, por parte do contribuinte, além dos controles exercidos pela própria autotutela administrativa, tal como a própria inscrição em Dívida Ativa. 6 Cumpre salientar que não apenas a dívida de natureza tributária pode ser inscrita em Dívida Ativa, pois, conforme expresso no art. 2º, da Lei n. 6.830/80 e na definição da Lei n.º 4.320/64, podem ser objeto de inscrição em Dívida Ativa créditos não-tributários. 7 “Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:[...] VII - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei; [...]” 8 Como exemplo de formas alternativas de cobrança da Dívida Ativa que vêm surgido, com o respaldo do Judiciário, tem-se o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais – CADIN, criado pela Lei Federal n. 10.522/2002. 5 67 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina imperiosa, em face das dificuldades inerentes ao procedimento da execução fiscal, de reconhecida pouca eficiência e causadora de grande congestionamento do Judiciário.9 Sobre a não adequação do protesto de CDAs ao conceito de “sanção política”, convém trazer à lume o ensinamento de Marilei Fortuna Godoi: De fato, as sanções políticas ou meios indiretos de cobrança foram, não raras vezes, declarados inconstitucionais pelo STF. Há, porém, meios de indução à cobrança tributária que não ferem preceito constitucional e são admitidos pela Corte. [...] Com efeito, nada há no protesto que impeça a atividade do contribuinte. O fato de ter sido protestado não o impede de continuar com sua atividade econômica, bem como a maior publicidade que daí advém é levada a efeito no interesse público, pela eficácia na arrecadação e publicidade nos dados da dívida ativa. Não gera, porém, impedimento de o devedor atuar economicamente. [...] Por derradeiro, vemos que a proporcionalidade não se mostra ferida com o protesto da CDA. Como vimos acima, tem-se que o protesto é meio adequado para a cobrança (é legal e eficiente), necessário (pois indica o caminho menos nocivo/oneroso para a cobrança, especialmente das dívidas de menor vulto) e proporcional em sentido estrito (considerando que a tutela do interesse público na eficiência na arrecadação e, porque não dizer, na tributação efetiva, bem como na publicidade dos dados da dívida ativa, são, evidentemente superiores aos interesses privados afetados pelo protesto).10 Trata-se de medida que homenageia à Eficiência Administrativa, à Praticabilidade tributária, ao descongestionamento do Judiciário e, até mesmo, à uma menor onerosidade ao próprio devedor (que pode, ainda, quitar o seu débito sem o acréscimo de custas judiciais – mais onerosas que as notariais – e honorários de sucumbência em favor da Fazenda Pública Municipal).11 A respeito, nos ensina, mais uma vez, Marilei Fortuna Godoi: Mesmo na esfera federal, de reconhecido investimento na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, assim como de eficientes tribunais específicos, como o TRF da 4ª Região, o percentual de recuperação da dívida ativa não costuma ultrapassar 1% ao ano. 10 GODOI, Marilei Fortuna, Capítulo I – Formação do Título Executivo in MELHO FILHO, João Aurino de. [Coord.] Execução Fiscal Aplicada, 2ª ed., Salvador: JusPodivum, 2013, p. 68-67, passim 11 De se recordar que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, expediu resolução, em abril de 2010, aconselhando aos tribunais de todo o país que regulamentassem a realização de protesto de CDAs por cartórios, com base na possibilidade e eficiência da medida. 9 68 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina [...] o certo é que, mesmo antes, não havia, como hoje não há, óbices à utilização do expediente [o protesto de CDAs]. [...] [...] o fato de haver previsão de um rito especial de execução fiscal não impõe que seja ele o meio único de cobrança de créditos fiscais, especialmente na via extrajudicial. Se há possibilidade de tornar mais eficaz a cobrança por um meio legítimo e reconhecido pelo Direito, como é o caso do protesto, não vemos razão para impedi-lo. [...] Outrossim, não poderia passar despercebido que, entre os títulos executivos extrajudiciais, há, por exemplo, as letras de câmbio (artigo 585, I, do CPC, títulos de crédito que, não se levantam vozes ao contrário, são protestáveis, embora já tenham, por lei, força executiva. Ou seja, o argumento de que a CDA possui rito próprio para ser executada e, por isso, não poderia ser protestada, é equivocado. [...] Ademais, o protesto desestimula a judicialização, promove a necessária e abrangente publicidade da dívida com o ente público e conduz à cobrança mais ágil e econômica para o Estado e para o contribuinte [...].12 Aliás, entendimento diferente causaria um estranho tratamento não-isonômico entre a credora Fazenda Pública e os credores particulares, posto que estes disporiam, por ato potestativo, do direito de tornar pública a inadimplência de seus créditos, evitando a necessidade de busca do Judiciário em grande percentual de casos. Desta feita, dúvidas não resta de que o ato notarial de protesto não se restringe mais aos títulos cambiais, aludindo a lei a “outros documentos”, podendo-se afirmar que o crédito do Poder Público contra o particular, seja o assumido em contrato, seja o constituído unilateralmente pela Administração - CDA’S, p. ex.-, é hoje plenamente passível de registro em protesto, para provar e tornar público o inadimplemento da obrigação, sob a forma facultativa. E isso dizemos analisando a redação original da Lei 9.492/97. Desde o seu advento é possível o protesto de CDAs, por todo o exposto.13 Sabe-se, no entanto, que o Judiciário pátrio mostrou-se com tendência refratária à prática objeto desta lide, com base na redação original da Lei de GODOI, Marilei Fortuna, op. cit, p. 63-65, passim. A Advocacia Geral da União – AGU e o Ministério da Fazenda, com base em referida autorização legal, expediram a Portaria Interministerial nº 574-A, de 20 de dezembro de 2010 (MF e AGU), recentemente regulamentada pela ProcuradoriaGeral da Fazenda Nacional – PGFN, através da Portaria 17/2013, para fins de implementação do protesto de CDAs de determinados créditos. 12 13 69 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Protestos. Fazemos menção a “tendência”, porque também foram proferidas decisões favoráveis ao protesto de CDAs, e a matéria não foi objeto de pacificação jurisprudencial.14 De se notar que recentemente, em 19 de novembro de 2013, a 2ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça – STJ, publicada em 16 de dezembro, proferiu decisão, no Recurso Especial n. 1.126.515/PR, interposto pela Procuradoria-Geral do Município de Londrina, que modificou o entendimento do Tribunal sobre o tema, indo ao encontro do aqui exposto: a autorização para o protesto de CDAs já se encontrava na redação original da Lei 9.492/97.15 Inclusive, o E. Superior Tribunal de Justiça – STJ havia afetado um recurso especial sobre o tema ao rito dos recursos repetitivos, voltando atrás, em seguida. Outrossim, não houve julgamento da matéria pelo E. Supremo Tribunal Federal – STF. 15 PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492⁄1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O "II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO". SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492⁄1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830⁄1980. 2. Merece destaque a publicação da Lei 12.767⁄2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492⁄1997, para expressamente consignar que estão incluídas "entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas". 3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão. 4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492⁄1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer "títulos ou documentos de dívida". Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais. 5. Nesse sentido, tanto o STJ (RESP 750805⁄RS) como a Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado. 6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública. 7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF⁄1988) e da imparcialidade. 8. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830⁄1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito. 9. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial. 10. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o "Auto de Lançamento", esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo. 11. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF, GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.). 12. O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve "surpresa" ou "abuso de poder" na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio. 13. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto. 14 70 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina O contexto jurídico, todavia, modificou-se bastante no final do ano passado. E este novo contexto recém começou a ser analisado pelo Judiciário pátrio. É o que passamos a analisar no próximo tópico. 3. Da expressa autorização legal trazida pela Lei Federal n. 12.767/2012. Desnecessidade de Lei Complementar Federal para o trato da matéria. Da questão do Sigilo Fiscal. Apesar de, desde o advento da Lei de Protesto, já ser possível o protesto de CDAs, como exposto, houve modificações no ordenamento jurídico nacional que trouxeram novidades ao tema. A Lei Federal n. 12.767, de 27 de dezembro de 2012, incluiu o parágrafo único ao artigo 1º, da Lei 9.492/97, tornando explícito o que já se encontrava implícito: Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. [grifo nosso] As dúvidas que, potencialmente, poderiam existir, com a redação original da Lei de Protesto, findaram-se: para o legislador federal, as CDAs são títulos protestáveis, de forma inequívoca. 14. A Lei 9.492⁄1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o "II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo", definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a "revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo". 15. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares. 16. A interpretação contextualizada da Lei 9.492⁄1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação – naturalmente adaptada às peculiaridades existentes – deconceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços). 17. Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência do STJ. 71 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina E referida previsão se adequa ao nosso ordenamento jurídico, inexistindo qualquer inconstitucionalidade. Um dos argumentos que podem ser esgrimidos em relação à eventual inconstitucionalidade formal de referida lei ordinária federal, seria a necessidade de que a matéria fosse veiculada sob reserva de lei complementar. Isso se daria pela previsão do artigo 146, inciso III, “b”, da CF/88: Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: [...] b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; [...] Segundo esta tese, dentro do conceito de “legislar sobre crédito tributário” encontrar-se-ia a autorização de protesto de CDAs, que seria reservada a previsão em lei complementar nacional, inexistente. Não poderia, então, o legislador ordinário federal tratar do tema. Contudo, não nos parece sustentar-se referido raciocínio jurídico. Aqui nem nos alongaremos sobre a tese que entende que as funções da lei complementar em matéria tributária são limitadas às previsões dos incisos I e II, do próprio artigo 146 (a chamada teoria dicotômica) que, de per si, resultaria na refutação da tese ora debatida. Ainda que se entenda que o “expedir normas gerais em matéria tributária” abrange todos os aspectos do inciso III, do dispositivo constitucional (teoria tricotômica), parece-nos válida a previsão da Lei 12.767/2012, afinal, a autorização de protesto de CDAs não se inclui no âmbito de aplicação das normas gerais em matéria tributaria. O “legislar sobre crédito tributário” se exauriu com as previsões do Código Tributário Nacional – CTN, sobre a definição, constituição, suspensão, exclusão e extinção do crédito. Tais temas, sob reserva de lei complementar, já se encontram regulamentadas através de norma geral em matéria tributária. A forma de cobrança do crédito tributário não é matéria afeta a lei complementar. Ou são temas de Direito Administrativo, não sujeitos a regulamentação nacional, ou são afetos à ideia de direito processual, de competência da União. Para tanto, basta observar que a LEF, tratando de processo – e, dentro disso, de vários aspectos atinentes à CDA e ao crédito tributário – é lei ordinária federal, com base na competência prevista no artigo 22, inciso I, da CF/88. 72 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina A possibilidade de protesto de CDAs, longe de tratar de “crédito tributário”, tem relação, na realidade, com a atividade notarial, matéria de competência do legislador ordinário federal, com base na previsão do art. 22, inciso XXV, da CF/88: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...] XXV - registros públicos; [...] É bem verdade que o CTN trata, efetivamente, em esparsos dispositivos, da inscrição em dívida ativa e da CDA, há intensa discussão doutrinária sobre o enquadramento de tais dispositivos ao conceito de “normas gerais em matéria tributária” e sua recepção, ou não, como tais. No entanto, mesmo tais previsões não implicam na vedação de realização do protesto, que já trata de fase posterior, de atos do credor para o recebimento de seu crédito. E a falta de autorização na LEF não é óbice algum: trata-se de mera questão geográfica; posto que outra lei, de mesma hierarquia, o autoriza! O encontrar-se ou não num determinado veículo introdutor de normas, em um texto de lei, ou em outro, não causa nenhum problema de ordem jurídica... Ainda que assim não fosse, a falta de norma geral em matéria tributária não vedaria aos entes tributantes a regulamentação local do tema, com base no artigo 34, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: o sistema tributário nacional entrou em vigor, e a competência dos entes federativos é plena, até que sobrevenha norma geral nacional, com o qual será cortada a eficácia de normas federais, estaduais, distritais e municipais no que forem incompatíveis.16 Portanto, em nosso entender, a previsão da Lei 12.767/2012 é perfeitamente constitucional, encontrando-se dentro da competência legiferante do legislador ordinário federal. Também não nos parece existir qualquer ofensa à garantia do sigilo fiscal, quando da prática do ato de protesto de CDAs. Referido ato pressupõe a prévia inscrição do crédito em Dívida Ativa, por óbvio. E o CTN é expresso, ao regular os limites do sigilo fiscal: Art. 198. [...] 16 Essa é a solução jurisprudencial para a falta de norma geral sobre o IPVA, por exemplo. 73 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina § 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a: I – representações fiscais para fins penais; II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; III – parcelamento ou moratória. Contudo, nos parece essencial a autorização legal em lei de cada ente federativo, que permita a prática do apontamento da CDA ao protesto. Trata-se de medida relevantíssima, não como o fundamento autorizador de realização do protesto pelo notário (para o que basta a Lei de Protesto, federal), mas para autorização da autoridade fazendária ao apontamento, tendo em vista que a Administração Pública está adstrita à Legalidade, nos termos do artigo 37, caput, da CF/88. Existindo lei do ente federativo, autorizadora da medida, verificar-se-á total coerência legislativa entre os âmbitos nacional e federal, regional ou local, possibilitando o protesto, não como forma de integração da certeza, liquidez ou exigibilidade da Certidão de Dívida Ativa (obviamente já preexistente, ex vi art. 204 do CTN), mas sim para registrar o descumprimento da obrigação por parte do contribuinte (medida assecuratória que a lei autoriza), coincidindo-se com a exegese correta da lei federal de protestos. 4. Conclusão Após todo o exposto, concluímos que o protesto de CDAs já era plenamente possível desde a publicação da Lei Federal n. 9.492/97, constituindo-se a recente modificação a ela trazida pela Lei Federal n. 12.767/2012 numa mera explicitação textual, que não modifica a autorização que nosso ordenamento jurídico já outorgava. Trata-se de salutar forma de tornar pública a dívida existente para com a Fazenda Pública, que se constitui em forma paralela de cobrança da Dívida Ativa, que, sem excluir a necessidade de promoção da cobrança judicial, pode auxiliar na racionalização do número de executivos fiscais que tramitam no Poder Judiciário. No entanto, para a implementação de referido procedimento, faz-se necessária, também, a autorização por lei de cada ente federativo, em homenagem ao Princípio da Legalidade a que se submete a Administração Pública. Por fim, tratando-se de crédito que, obviamente, encontra-se inscrito em Dívida Ativa, não existe lesão à garantia constitucional do Sigilo Fiscal, em face do regramento sobre a matéria realizada pelo CTN, assim como não há necessidade de autorização do protesto no âmbito das normas gerais em matéria tributária, por se tratar de matéria calcada em diversa norma de competência constitucional. De se notar que a 2ª Turma do E. STJ proferiu recente decisão nesse mesmo sentido, no REsp 1.126.515/PR, modificando a interpretação dada à matéria pelo Tribunal. 74 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 5. Referências Bibliográficas BRASIL. Constituição , 1988. BRASIL. Lei Federal n. 4.320, de 17 de março de 1964. BRASIL. Lei Federal n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. BRASIL. Lei Federal n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. BRASIL. Lei Federal n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. BRASIL. Lei Federal n. 8.935, de 18 de novembro de 1994. BRASIL. Lei Federal n. 9.492, de 10 de setembro de 1997. BRASIL. Lei Federal n. 10.522, de 19 de julho de 2002. BRASIL. Lei Federal n. 12.767, de 27 de dezembro de 2012. BRASIL. MINISTÉRIO DA FAZENDA. ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. Portaria Interministerial n. 574-A, de 20 de dezembro de 2010. BRASIL. PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL. Portaria n. 17, de 11 de janeiro de 2013. BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 1.126.515. Julgado em 19.11.2013. Acórdão publicado no DJE de 16.12.2013. COELHO, Fábio Ulhoa. Manuel de Direito Comercial. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997. GODOI, Marilei Fortuna, Capítulo I – Formação do Título Executivo in MELHO FILHO, João Aurino de. [Coord.] Execução Fiscal Aplicada, 2ª ed., Salvador: JusPodivum, 2013. MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. 7a ed. V. I. Rio de Janeiro: Forense, 1992. 75 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina AS DEFENSORIAS PÚBLICAS COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA E EFETIVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Daniela Braga Paiano Doutoranda em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Direito pela Universidade de Marília UNIMAR. Docente no curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina - UEL. Advogada. Paulo César Tieni Procurador do Município de Londrina, lotado na Gerência de Execução Fiscal – GEF. Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Ex-Procurador-Geral do Município de Londrina Professor universitário. Washington Aparecido Pinto Graduando do Curso de Direito da Universidade Norte do Paraná UNOPAR. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A nova face da Defensoria Pública com a Constituição Federal de 1988. 3. Defensoria Pública da União – DPU e Defensorias Públicas Estaduais - DPEs. 4. Acesso à Justiça. Dever Estatal. Direito Fundamental. 5. Responsabilidade Civil do Estado por omissão. Decisão do Colendo Supremo Tribunal Federal. 6. Conclusão. 7. Referências Bibliográficas. RESUMO: A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto, em especial no artigo 5º, que todos devem possuir acesso à justiça, devendo o Estado prestar assistência jurídica de forma integral aos cidadãos que comprovarem os requisitos fixados em lei. Nesta senda, vez que estamos alicerçados em um Estado Democrático de Direito, em que o acesso à justiça se faz conditio sine qua nom para alcançar a dignidade da pessoa humana, aqueles menos afortunados possuem direito objetivo de ter tal assistência. No artigo 134, CRFB/88, existe a previsão daquela que pode ser considerada a mais relevante das instituições de fomento a esses direitos resguardados constitucionalmente, a Defensoria Pública. É uma instituição permanente e de caráter essencial ao acesso da Justiça na esteia de direitos da personalidade do indivíduo, o Legislador Constituinte, mesmo assegurando tais prerrogativas, não contava com a inércia estatal de implementar uma das mais cidadãs de todas as instituições públicas. Paralelo a este problema, os Estados membros, em especial o Estado do Paraná e o de Santa Catarina, vinham relutando em realizar tal implantação, necessitando inclusive de condenações junto aos Tribunais Superiores para iniciar o processo de concretização dos direitos fundamentais, preponderantemente, o acesso pleno à Justiça e a dignidade da pessoa humana. Tal discussão se demonstra com maior pertinência quando nos deparamos com a seguinte situação fática: como ter acesso ao direito, ao bem da vida, quando o indivíduo não possui sequer meios para ver tais direitos protegidos pelo Judiciário? É notável que muito além da análise teórica acerca da problemática desenvolvida, existe a importância temática prática, pois a não implantação ou mesmo a implantação deficiente por parte do Estado desses mecanismos, além de gerar responsabilidade para os gestores, aniquilam em muitos casos o direito de notadamente aqueles que são os mais necessitados em nosso meio social. 77 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Outrossim, procurou-se demonstrar a necessidade da implantação adequada e efetiva dessas instituições de direito, juntamente com a responsabilidade proveniente da falta de implementação pelo Estado e por seus Gestores Públicos. PALAVRAS-CHAVE: Defensoria Pública. Direitos da Personalidade. Acesso à Justiça. 1. Introdução Nas primeiras leis do país (as várias Ordenações que o Brasil se utilizou no início de sua construção legislativa) já traziam aspectos remotos sobre o mister Defensorial. Inicialmente, por se tratar de um ofício que em muitos casos pode se confundir com o da advocacia, a Defensoria era conhecida, por meio de seus membros como “advogado dos pobres”, relutando sempre ao seu caráter social e de assistencialismo aos mais necessitados. A criação da instituição ou mesmo do ofício, remota data aproximada do final do século XIX, onde foi criada pela Câmara Municipal da Corte do Rio de Janeiro o ofício de Advogado dos menos favorecidos. Depois desse fato, com a criação da Ordem dos Advogados do Brasil em 1930, a mesma passou em alguns casos a fazer como forma de assistência o patrocínio das causas daqueles menos favorecidos, que por evidência se demonstrava de forma insuficiente. A par dessa situação, houve um período em que os cargos iniciais do Ministério Público eram o de Defensor. Em verdade, o Estado brasileiro nem sempre trouxe expressamente a figura do órgão defensorial, mas sim uma garantia, ora constitucional, ora infraconstitucional de aceso à justiça, concretizando um dever estatal o fomento para que os menos abastados pudessem ter acesso digno à justiça como um todo, inclusive na esfera extrajudicial. No que tange ao acesso a Justiça o douto Doutrinador Méndez, citado por Cleber Francisco Alves aduz que: [...] uma justiça acessível aos não-privilegiados é provavelmente a chave para a necessidade mais urgente nas nossas democracias do final do século: o desafio da inclusão. A não ser que consigamos resolver os problemas da marginalização e exclusão, os regimes que criamos e consolidamos não merecerão o adjetivo de ―democráticos. [...] a não ser que alcancemos acesso geral e universal, o direito à justiça continuará a ser um privilégio e não um direito1. ALVES, Francisco Glauber Pessoa. O princípio jurídico da igualdade e o direito processual civil. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2001, p. 47. 1 78 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina As Defensorias Públicas no Direito Internacional e comparado, tendo em vista uma preocupação a nível global do acesso a direitos e a dignidade da pessoa humana, especialmente após a 2ª Grande Guerra, têm sido bastante difundidas na maioria dos países democráticos. A exemplo da instituição organizada no Brasil, temos em países europeus, como Suécia, Inglaterra, Holanda, França, etc., a questão em que os advogados privados possuem múnus público de quando necessário realizar o patrocínio de causas daqueles mais necessitados. Por sua vez na Argentina, existe um órgão federal responsável por este papel, qual seja, o Ministério Público da Defesa, existindo simultaneamente com outros órgãos a nível das províncias lá existentes. Isto posto, a concretização do direito fundamental do acesso material à justiça tem-se mostrado de relevância ímpar para o pleno desenvolvimento do estado democrático de direito, pelo qual, iremos traçar breves considerações acerca da responsabilidade dos gestores públicos, ou seja, da Administração Pública pela falta de implementação desse direito respaldado na Carta Maior da República. Tais sanções inclusive advêm do Supremo Tribunal Federal em decisão recente que mencionaremos adiante. 2. A nova face da Defensoria Pública com a Constituição Federal de 1988 Com a nova ordem constitucional, o órgão defensorial ganhou corpo e sentido expresso jurídico. A Defensoria Pública é exercida pela advocacia pública, mas possui conceito e delimitações próprias de uma entidade autônoma e insubordinada ao Estado. Por evidência, não se pode escusar-se da vinculação com o Poder Executivo, porém tal vinculação é meramente administrativa, relacionadas à aprovação orçamentária e questões macro-organizacionais. Conforme pode ser conceituada, a defensoria é uma instituição permanente2, sendo essencial a função jurisdicional do Estado, a fim de garantir assistência jurídica àqueles que não possuem condições de contratar um causídico particular. Nas palavras de Gilmar Mendes: A Defensoria Pública é uma instituição prevista na Constituição Federal de 1988, que estabelece em seu artigo 133 que “O advogado é indispensável à administração da justiça” e, de acordo com o artigo 134: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados.” Em outras palavras, é dever do Estado brasileiro, através da Defensoria Pública, garantir assistência jurídica gratuita àqueles que não podem pagar um advogado. [...] As Defensorias Públicas estaduais atuam nos casos que são de competência da Justiça Estadual e onde não há interesse da União, nas áreas cível, de família, criminal e de Infância e Juventude. As Defensorias Públicas, seja a da União, ou as estaduais, possuem autonomia administrativa em relação ao Estado e podem mover processos contra o governo sem sofrerem qualquer tipo de punição. [...] Para atuarem nesta instituição, eles passam por concurso público de provas e títulos e precisam ter, no mínimo, dois anos de experiência jurídica. Assim como a Defensoria, o Defensor Público também é independente para atuar na defesa dos interesses de seu cliente quando a parte contrária é o próprio estado. Acessado em > wwww.defensoriapublica.pr.gov.b em 23.11.2013. 2 79 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Por deliberação constitucional, os hipossuficientes devem receber assistência jurídica integral do Estado (art. 5º, LXXIV, da CF). O órgão do Estado incumbido dessa tarefa é a Defensoria Pública, que o art. 134 da CF definiu como instituição essencial à função jurisdicional do Estado. A Defensoria não apenas recebeu a missão de defender os necessitados em todos os graus de jurisdição, como também lhe foi assinada a tarefa de orientar essa mesma população nos seus problemas jurídicos, mesmo que não estejam vertidos em uma causa deduzida em juízo.3 O Estado brasileiro sempre teve previsão de sua institucionalização em suas Cartas Políticas, com exceção da Constituição de 1937. Desta feita, seja de forma direta como prevê a atual Constituição Federal, seja de forma menos incisiva, o Estado tomou para si a responsabilidade estatal de fomentar o acesso à justiça. Inobstante a esta vertente do acesso à Justiça, a Defensoria Pública possui as atribuições legalmente concedidas pela norma constitucional, operando como verdadeiro agente na consecução legal do fomento ao pleno acesso material da jurisdição. No que compete aos princípios, o órgão defensorial está respaldado em bases próprias, que nas palavras do Prof. Zulmar Fachin, eles podem ser resumidos e com abrangência legal da seguinte forma: Tendo por princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, a Defensoria Pública abrange: a) a Defensoria Pública da União; b) a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; c) as Defensorias Públicas dos Estados (arts. 2.º e 3.º).4 As Defensorias Públicas Estaduais estruturalmente possuem subdivisões, mesmo sendo um órgão singular, apenas existindo ramificações orgânicas a fim de delimitação de atribuições e para melhor atender seus fins. A título de exemplo, a DPE do Estado do Paraná é composta pela seguinte estrutura organizacional: Defensoria Pública Geral, Conselho Superior da Defensoria Pública, Subdefensoria Pública Geral, Corregedoria Geral da Defensoria Pública, Núcleos Especializados, Defensores Públicos, Centro de Atendimento Multidisciplinar, Ouvidoria Geral da Defensoria Pública, Escola da Defensoria Pública, Coordenação de Comunicação, Coordenação de Planejamento e Coordenação Geral de Administração. Tamanha a relevância dessa estrutura, que com o marco de 25 anos de nossa Constituição republicana, já esta mais que vislumbrada a obrigação estatal em promover sua plena institucionalização. 3 4 MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 1188. FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2012. p. 544. 80 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Por comando constitucional, o órgão defensorial, que nunca foi algo de discricionariedade por parte do Estado, a partir de 1988 de forma mais expressa passou a ser essencial à justiça, trazendo uma obrigatoriedade incontestável ao Estado em concretizar essa necessidade social. Essa obrigatoriedade que ficou como uma “velha e descumprida promessa constitucional de assistência judiciária aos necessitados5” vem se aperfeiçoando aos poucos, de maneira lenta, se comparada com as reais necessidades do acesso à justiça de toda população mais carente. Infelizmente, os cidadãos brasileiros permanecem até os dias atuais sem ter, em muitos casos, um acesso à justiça material, havendo, muitas vezes, apenas a previsão constitucional do órgão defensorial. O acesso à justiça vem sendo, por outras vertentes, democratizado no país através dos próprios juizados especiais (Lei 9.099/95), que nas palavras do Min. Celso de Mello ainda falta acesso pleno ao direito de ter novos direitos: Lamentavelmente, o povo brasileiro continua não tendo acesso pleno ao sistema de administração da Justiça, não obstante a experiência altamente positiva dos Juizados Especiais, cuja implantação efetivamente vem aproximando o cidadão comum do aparelho judiciário do Estado. É preciso, no entanto, dar passos mais positivos no sentido de atender à justa reivindicação da sociedade civil que exige, do Estado, nada mais senão o simples e puro cumprimento integral do dever que lhe impôs o art. 134 da Constituição da República6. Para se dar passos maiores e buscar muitas vezes direitos já previstos, o Poder Judiciário tem sido obrigado a intervir na esfera Executiva, não desrespeitando a separação e harmonia entre os poderes, mas sim contribuindo para fazer cessar os enormes casos de descaso com a população mais carente. GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria Geral do Processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros. 2010. p. 242. Agravo de Instrumento n.° 598.212/PARANÁ, Rel. Min. Celso de Mello > acessado em 20.11.2013. Cumpre, desse modo, ao Poder Público, dotar-se de uma organização formal e material que lhe permita realizar, na expressão concreta de sua atuação, a obrigação constitucional mencionada, proporcionando, efetivamente, aos necessitados, plena orientação jurídica e integral assistência judiciária, para que os direitos e as liberdades das pessoas atingidas pelo injusto estigma da exclusão social não se convertam em proclamações inúteis, nem se transformem em expectativas vãs. A questão da Defensoria Pública, portanto, não pode (e não deve) ser tratada de maneira inconsequente, porque, de sua adequada organização e efetiva institucionalização, depende a proteção jurisdicional de milhões de pessoas – carentes e desassistidas –, que sofrem inaceitável processo de exclusão que as coloca, injustamente, à margem das grandes conquistas jurídicas e sociais. 5 6 81 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 3. Defensoria Pública da União – DPU e Defensorias Públicas Estaduais - DPEs Atualmente em nosso ordenamento jurídico existe a previsão de dois tipos de Defensorias, quais sejam, a Defensoria Pública da União, e as Defensorias Estaduais e do Distrito Federal. A primeira possui atuação no âmbito federal, no que compete às causas em que haja interesse da União. Dentre os quais podemos citar: Direito Previdenciário, Direito Humanitário, Direito Internacional, e atuação junto aos Tribunais Superiores. A DPU possui competência para iniciar proposta orçamentária, igualmente ao judiciário e ao órgão ministerial. Tal prerrogativa prevista do Artigo 134, §2º7, CRFB/88 esta atrelada a maior independência do órgão. As Defensorias Públicas Estaduais, por sua vez, possuem atuação residual, ou seja, são competentes para intentar causas na Justiça Comum Estadual, via de regra. Em ambos os casos, mesmo que haja uma espécie de vinculação com o poder estatal, ambas possuem autonomia funcional, o que equivale dizer que é plenamente possível para o desempenho institucional de suas atribuições, o ajuizamento de feitos, inclusive contra as fazendas públicas e a Administração em geral. 4. Acesso à Justiça. Dever Estatal. Direito Fundamental O legislador constituinte quando da promulgação da Carta Política de 1988, além de resguardar todos os direitos fundamentais possíveis no rol do Artigo 5º, também na mesma oportunidade elevou a princípio constitucional, o direito ao acesso à justiça. Sendo um direito da personalidade, ou seja, um direito inerente ao ser humano enquanto indivíduo – efetivação do Estado Democrático de Direito se mostra ineficaz. Dinamarco nos relembra que: [...] é mais o que ingresso no processo e aos meios que ele oferece, modo de buscar eficientemente na medida da razão de cada um, situações e bens da vida que por outro caminho não se poderiam obter. Seja porque a lei veda a 7 Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.) [...] § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). Consulta realizada no site www.planalto.gov.br, em 21 de novembro de 2013. 82 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina satisfação voluntária de dadas pretensões [...] seja porque a pessoa de quem se poderia esperar a satisfação não satisfez (inadimplemento), quem não vier a juízo ou não puder fazê-lo renunciará àquilo a que aspira.8 O direito ao acesso à justiça, tamanha seja a relevância dos demais direitos constitucionais, é primordialmente o meio no qual o cidadão possui protegido e resguardado pelo Estado a busca pela justiça. Em outras palavras, conota-se como verdadeira ferramenta que possui como desiderato os direitos constitucionais, nos quais irão desencadear na busca de uma sociedade mais democrática e fraterna. O Estado possui o dever de fomentar o acesso à justiça, sendo inclusive responsável pelo acesso à jurisdição, contribuindo para uma verdadeira igualdade jurisdicional. Destarte, “com o propósito de garantir a cada pessoa o acesso a serviços jurisdicionais, a Constituição de 1988 assegura assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem9”, sendo este um verdadeiro direito de se buscar novos direitos. Na legislação norte americana, é demonstrada a evolução do instituto, ainda sob certo grau de influência da idade Média. O acesso à justiça naquela ocasião ficou adstrito ao aumento de remédios processuais que em tese ocasionaria um menor impacto na falta de celeridade processual. O Estado possui o dever de realizar uma prestação positiva diante da norma constitucional, de ter uma conduta ativa na busca e na viabilização dessa prerrogativa, sob pena de fazer letra morta à norma constitucional. Tal dever estatal lhe foi imposto no contexto dos direitos fundamentais, a fim de demonstrar tamanha pertinência a despeito dessa prestação positiva em que muitos classificam como “poder-dever”. Nesta senda, muito mais que a abstenção pregada pelos burgueses na época da Revolução Francesa de 1789, este direito possui e pré-dispõe iniciativas concretas da Administração Pública. Fazendo desse modo, a outorga de todos os demais direitos oriundos do acesso à justiça, como meio de se alcançar equilíbrio e justiça social. Pode ainda ser entendido como iniciativas de caráter concreto àquelas previstas no próprio ordenamento jurídico constitucional, bem como, na legislação infraconstitucional, onde o Estado, leia-se todos os entes federados (União, Estados Membros e Municípios), possuem o dever legal de viabilizar e fomentar o acesso à justiça, principalmente pelas Defensorias Públicas. Corroborando com este entendimento o Prof. Zulmar Fachin esclarece: A Constituição Federal impõe ao Estado o dever de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos [...]. Em seguida, atribui competência concorrente à União, aos Estados e ao 8 9 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 334/335. FACHIN, Zulmar. op. cit., p. 276. 83 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Distrito Federal para legislar sobre a assistência jurídica e Defensoria Pública.10 Havendo a recalcitrância pelo ente federado, já se iniciam posicionamentos no sentido da responsabilização do Estado por omissão, que inviabiliza o acesso aos cidadãos, em especial aqueles mais humildes, em buscar através do poder judiciário a sua lide analisada e resolvida, alcançando o “bem da vida”. Hodiernamente, inclusive com o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, vários são os debates que buscam tentar amenizar a conduta negativa por parte do poder estatal, cujo objetivo, malgrado algumas críticas, serão relevantes para a celeridade e, sobretudo para um acesso à justiça material e não meramente formal, conforme se vislumbra frequentemente em nosso ordenamento pátrio. Pode-se citar, por exemplo, o Incidente de Demandas Repetitivas e até mesmo algumas sistemáticas processualistas que visam desburocratizar o processo per si, buscando maior celeridade, via de consequência, maior efetivação aos direitos sociais. 5. Responsabilidade Civil do Estado por omissão. Decisão do Colendo Supremo Tribunal Federal No mês junho do corrente ano o Supremo Tribunal Federal, manifestou-se a respeito da omissão estatal deflagrada pelo estado do Paraná no tocante ao seu órgão defensorial. Naquela ocasião, o eminente Decano do STF, Ministro Celso de Mello, através de decisão proferida nos autos de Agravo de Instrumento 598.212/PR, restabeleceu a condenação ao Estado do Paraná em implantar de forma imediata a Defensoria Pública estadual. Conforme decisão do eminente Relator, o poder judiciário pode conhecer questões atinentes à viabilização de buscar mecanismos para que se efetive de maneira material o acesso à Justiça. Vejamos a ementa do decisium: EMENTA: Defensoria Pública. Implantação. Omissão estatal que compromete e frustra direitos fundamentais de pessoas necessitadas. SITUAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE INTOLERÁVEL. O reconhecimento, em favor de populações carentes e desassistidas, postas à margem do sistema jurídico, do “direito a ter direitos” como pressuposto de ACESSO AOS DEMAIS DIREITOS, liberdades e garantias. Intervenção jurisdicional concretizadora de programa constitucional destinado a viabilizar o 10 FACHIN, Zulmar. op. cit., p. 544. 84 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5º, inciso LXXIV, e art. 134). Legitimidade dessa atuação dos Juízes e Tribunais. O papel do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas instituídas pela Constituição e não efetivadas pelo Poder Público.11 Ainda: A fórmula da reserva do possível na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto inadimplemento de deveres estatais de prestação constitucionalmente impostos ao Estado. A teoria da “restrição das restrições” (ou da “limitação das limitações”). Controle jurisdicional de legitimidade sobre a omissão do Estado: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais (proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso). Doutrina. Precedentes. A função constitucional da Defensoria Pública e a essencialidade dessa instituição da República. Recurso extraordinário conhecido e provido.12 Conforme se pode subsumir, a recalcitrância por parte do ente federado no caso em cotejo, inviabiliza o acesso dos mais frágeis do ponto de vista econômico, a buscarem os direitos consagrados no bojo constitucional. A implantação, conforme exegese do arresto é uma prerrogativa basilar para que sejam alcançados os demais direitos inerentes ao cidadão. Tais direitos poderão chegar ao pleno cumprimento do princípio da Justiça Social, minimizando os desequilíbrios existentes na nossa sociedade. Neste sentido, o professor Sérgio Luiz Junkes, leciona a respeito do órgão defensorial: A Defensoria Pública, portanto, atua em prol dos necessitados, possibilitando-lhes a provocação da jurisdição em busca da tutela dos seus interesses. Neste ponto, reside mais uma conexão entre a Defensoria Pública e o princípio da Justiça Social: o funcionamento da defensoria pública atende ao princípio justiça social na medida em que aquela instituição viabiliza o direito fundamental de ação em prol das pessoas necessitadas. Ao assim fazê-lo, a Defensoria Pública tanto promove a redução dos desequilíbrios sociais como promove a igualdade das pessoas assistidas em dignidade, liberdade e oportunidades. No caso, a promoção da dignidade decorre de a ação ser concebida constitucionalmente como direito fundamental da pessoa humana. [...] A promoção da igualdade em oportunidades refere-se ã possibilidade de abertura de novos horizontes com a afirmação de direitos 11 12 Agravo de Instrumento n.° 598.212/PARANÁ, Rel. Min. Celso de Mello > acessado em 20.11.2013. Agravo de Instrumento n.° 598.212/PARANÁ, Rel. Min. Celso de Mello > acessado em 20.11.2013. 85 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina ou com a remoção de obstáculos que eventualmente estejam a restringi-los, como, por exemplo, os oriundos por preconceitos ou privilégios.13 O estado do Paraná, como em outros em que a omissão estatal assola a população mais carente, o órgão defensorial se transfigura de significativa relevância, pois infelizmente não são raras as vezes que o cidadão deixa de lutar por seus direitos, inclusive de buscar a justiça materialmente, por não ter condições financeiras ou por outros entraves que a própria sociedade impõe. Dessarte, uma das formas encontradas pelo judiciário em compelir a Administração Pública em realizar a viabilização do órgão defensorial, no tocante ao Estado do Paraná, culminou na condenação de multa diária caso haja o descumprimento da ordem proferida. Tais astreintes14 foram fixadas na retromencionada decisium, in verbis: Sendo assim , pelas razões expostas, conheço do presente agravo de instrumento, para, desde logo , conhecer do recurso extraordinário e dar- lhe provimento (CPC, art. 544, § 4º, na redação anterior à Lei nº 12.322/2010), em ordem a restabelecer a sentença proferida pelo magistrado de primeira instância, que condenou o Estado do Paraná a cumprir a obrigação “de implantar e estruturar a Defensoria Pública do Estado do Paraná, no prazo de 06 (seis) meses, SOB PENA DE COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA DE R$ 1.000,00 (UM MIL REAIS), VALOR QUE SERÁ DESTINADO AO FUNDO DE DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS, na forma do artigo 13 da Lei nº 7.347/85” (fls. 114/124).15 A relutância na omissão estatal, sequer pode encontrar guarida na teoria da reserva do possível ou da falta de recursos diretos, pois sendo uma obrigação proveniente da norma constitucional, não se pode legitimar recusas ilegais, quer seja pela afronta a diretrizes constitucionais, quer seja por outros argumentos intoleráveis, sob o prisma da acessibilidade material. Falta de implantação e viabilidade das Defensorias Públicas Estaduais, são situações que coexistem. O comando legal do Art. 5.° Inc. LXXIV, CRFB/8816, prevê e constitui o Estado como obrigado a prover a atribuição legal ali emanada. JUNKES, Sérgio Luiz. Defensoria pública e o princípio da justiça social. Curitiba: Juruá, 2006, p. 123. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil, volume 2: processo de conhecimento (2. parte) e procedimentos especiais / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. — 8. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012. p. 41. Descumprida a ordem, o juiz pode determinar providências que pressionem o devedor, como a fixação de multa diária (astreintes). Caso a desobediência persista, pode tomar providências que assegurem um resultado prático equivalente ao do cumprimento. 15 Agravo de Instrumento n.° 598.212/PARANÁ, Rel. Min. Celso de Mello > acessado em 20.11.2013. 16 Art. 5.º, CF: [...] LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; 13 14 86 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Ocorre que dessa abstenção pode advir uma forma de responsabilidade civil das atividades da Administração Pública. A responsabilidade civil da Administração já evoluiu de forma bastante favorável ao administrado. A responsabilidade objetiva do Estado está alicerçada na Teoria do Risco Administrativo17, que dispensa a comprovação de dolo ou culpa. Uma vez dotados do conhecimento que o ente estatal possui legitimidade para figurar na parte passiva de demandas que versem especialmente a despeito de prejuízos ocasionados aos administrados. Há de haver a seguinte indagação: O gestor público na qualidade de representante do Estado pode ser responsabilizado materialmente pelo desrespeito de efetivar tais instituições, em especial por sua não implantação? 6. Conclusão A partir da nova ordem constitucional de 1988, o legislador constituinte reforçou e deixou de forma expressa a obrigação do Estado em fomentar e promover um acesso à justiça material e não meramente formal, ocasionando assim uma verdadeira redemocracia cidadã. Em que pese tal determinação constitucional, o poder público de forma negligente, ainda deixa grande parte da população mais carente a mercê da sorte, quando não presta ou presta de forma precária o atendimento e assistência jurídica por meio de mecanismos falhos e de pouca expressão social. A recalcitrância por parte de alguns entes estatais, conforme fora demonstrado, já foi intimamente combatida por comandos judiciais, onde decisões de tribunais superiores obrigam a Administração Pública a efetivar de forma material o órgão defensorial. Deve-se realizar uma verdadeira coerção jurisdicional às situações de plena afronta aos direitos fundamentais, punindo quem, de alguma forma, seja por ação ou omissão, desrespeite ou se abstenha de realizar algo que por comando judicial seria obrigação estatal. No campo da responsabilidade civil, o Estado deve ser responsabilizado em conjunto com seus agentes políticos, uma vez que de modo brutal violentam expresso comando constitucional, causando prejuízos incalculáveis para população. O órgão defensorial no Estado do Paraná, de forma tardia inicia somente agora no corrente ano a implantação verdadeira da entidade prevista desde a Carta Política de 1988. Desta feita, mesmo com sua mitigada estruturação, o Estado do Paraná não pode ficar de braços cruzados para 17 RICCITIELLI, Antonio. Responsabilidade civil das atividades da administração pública. São Paulo: Lex Editora. 2010. p. 122. A teoria do risco administrativo é a responsabilidade do Estado considerada sob seu prima objetivo, para fins de indenização de danos a particulares. Dispensa a comprovação de dolo ou culpa, da licitude ou ilicitude da conduta, tornando-se suficiente demonstrar o nexo causal entre o dano e a correspondente autoria. 87 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina aquele que pode ser um verdadeiro divisor de águas entre, ter uma sociedade materialmente mais justa, onde os mais fracos juridicamente são representados por uma instituição independente ou apenas ter um direito formal, sem aplicabilidade, deixando de fazer com que a o texto constitucional se torne letra viva, na vida dos cidadãos brasileiros, e especificamente de todos os paranaenses. Assim sendo, só iremos alcançar uma redemocratização nacional quando o Estado de forma eficaz, perpetrar maiores esforços para por em vigência plena o acesso à justiça, seja por intermédio das Defensorias Públicas ou ainda por meio de alterações processuais que viabilizem o acesso de todos de forma verdadeira. 7. Referências Bibliográficas Agravo de Instrumento n.° 598.212/PARANÁ, Rel. Min. Celso de Mello > acessado em 20.11.2013. ALVES, Francisco Glauber Pessoa. O princípio jurídico da igualdade e o direito processual civil. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. 2001. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros. 2007. FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2012. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil, volume 2: processo de conhecimento (2. parte) e procedimentos especiais / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. — 8. ed. — São Paulo: Saraiva. 2012. GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria Geral do Processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros. 2010. JUNKES, Sérgio Luiz. Defensoria pública e o princípio da justiça social. Curitiba: Juruá, 2006. MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. RICCITIELLI, Antonio. Responsabilidade civil das atividades da administração pública. São Paulo: Lex. 2010. wwww.defensoriapublica.pr.gov.br em 23.11.2013. 88 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL E DESIGUALDADES NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA Evaldo Dias de Oliveira Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Especialista em Direito Tributário, Direito Administrativo e em Filosofia do Direito. Ex-Procurador-Geral do Município de Londrina Professor universitário. Advogado. SUMÁRIO: 1. A ordem econômica constitucional. 2. Origem estrutural das diferenças regionais. 3. Mecanismos constitucionais de superação das desigualdades regionais. 4. Referências Bibliográficas. RESUMO: Constituindo-se em objetivo fundamental da República, a redução das desigualdades sociais e regionais é um dos princípios da ordem econômica constitucional. O texto parte dos fundamentos e princípios da ordem econômica fazendl um apontamento de algumas possíveis origens das desigualdades regionais, principalmente quando se considera a formação da estrutura do próprio Estado brasileiro, dentro do modelo federativo, para então estudar as formas constitucionalmente previstas de superação destas desigualdades. PALAVRAS-CHAVE: Desigualdades regionais; ordem econômica; princípios constitucionais; federação. 1. A ordem econômica constitucional A Constituição brasileira se ocupou da estruturação de uma ordem econômica, tendo estabelecido os princípios e fundamentos que justificam a atuação do Estado sobre esta mesma ordem, apontando para um distanciamento do Brasil de um modelo liberal de Estado, ocupado exclusiva ou primordialmente com a proteção de certos direitos individuais contra abusos da autoridade estatal. Esta opção seguiu uma tendência do constitucionalismo pátrio inaugurado com o texto promulgado em 1934 que, ainda que timidamente, pela primeira vez destinou um capítulo à ordem econômica e social, estabelecendo princípios condicionantes ao exercício da atividade econômica, os quais irão se consolidar em vários países principalmente a partir da segunda metade do século XX, como se verá mais adiante. Não é equivocado afirmar que a noção de uma ordem jurídica voltada para a proteção do indivíduo contra o Estado, cunhada no século XVIII e desenvolvida pelos teóricos da economia, conduziu a figura estatal a um absenteísmo tão significativo, que se tornou um dos 89 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina elementos geradores de um modelo situado em outro extremo, dando surgimento do Estado socialista. Como meio termo construiu-se o que se convencionou denominar “Estado de bem estar social”, uma particular forma de regulação social que se expressa pela transformação das relações entre o Estado e a economia, entre o Estado e a sociedade, a um dado momento do desenvolvimento econômico. Tais transformações se manifestam na emergência de sistemas nacionais públicos ou estatalmente regulados de educação, saúde, previdência social, integração e substituição de renda, assistência social e habitação que, a par das políticas de salário e emprego, regulam direta ou indiretamente o volume, as taxas e os comportamentos do emprego e do salário da economia, afetando, portanto, o nível de vida da população trabalhadora.1 Os textos constitucionais acabaram por refletir este processo de transformação, na medida em que a Constituição é produto da história surgindo “em decorrência de um ou mais fatos históricos de grande importância na vida da sociedade”2, deixando de ser um texto eminentemente político, que se ocupa exclusivamente da forma, organização e exercício do poder político, para construir um estatuto social e econômico. Como afirmado, é uma tendência que se manifesta em inúmeras constituições que surgiram a partir da segunda metade do século XX (mais precisamente após a Segunda Guerra Mundial), as quais passam a tratar de diversas matérias como: meio-ambiente, seguridade social, família, orçamento, tecnologia, direitos da relação de trabalho, entre outros, que passam a ser reconhecidas como matérias constitucionais, “que têm um conteúdo, uma importância que justificam sua presença na Constituição”3. Reconhecer assim, a ordem econômica como matéria constitucional, é compreender a lição de Lassalle, para quem os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas de poder: a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país regem, e as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis aí os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar.4 Nada mais justificável, portanto, que o poder econômico seja inserido na Constituição, torne-se matéria constitucional, em reconhecimento de que as forças econômicas que 1 DRAIBE e AURELIANO apud VIANNA, Maria Lucia Teixeira Werneck. A Americanização (Perversa) da Seguridade Social no Brasil: Estratégias de bem-estar e políticas públicas. Rio de Janeiro: Revan, UCAM-IUPERJ. 1998, p. 37. 2 FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Método. 2008, p. 13 3 FACHIN, Zulmar. Constituição: Querem retalhá-la. Gazeta do Povo. 14.08.2009. Disponível em <http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo. phtml?id=914641> Acesso em 08.dez.2009. 4 LASSALLE, Ferdinand. Que é uma Constituição. Rio de Janeiro: Laemmert. 1969, p. 117) 90 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina atuam em determinada sociedade não devem agir isoladamente, mas são convocadas a participar do processo de construção da mesma sociedade em que se inserem. A ordem jurídico-constitucional estabelece, desta forma, os contornos para a utilização dos instrumentos de produção de riquezas uma vez que, na lição de Pereira5, “perante a economia, o direito representa, exatamente, o trabalho ordenador do homem”. Como as leis da economia não são inexoráveis como as leis da natureza, mas construídas pela ação do homem, a ordem constitucional estabelece a disciplina do fenômeno econômico, a fim de que contribua para a construção dos objetivos estabelecidos para o próprio estado brasileiro. Verifica-se assim que a disciplina jurídico-constitucional da ordem econômica se ocupa logo de início, no artigo 170 da Constituição, em estabelecer seus fundamentos, a saber, a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa; sua finalidade, qual seja, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, bem como apresentar os princípios que devem nortear este sistema. Como afirmado, no Brasil tal disciplina constitucional foi inaugurada pelo texto de 1934, o qual dedicava todo seu título IV ao tema e estabelecia, no Art. 115, que os princípios da justiça e existência digna fundamentariam a ordem econômica, atribuindo ainda ao Poder Público a obrigação de verificar “periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões do País”6. Nesta esteira, são exemplos a serem notados, a Constituição da República Portuguesa, de 1976, que estabelece como princípio da organização econômico-social, o planejamento democrático do desenvolvimento (Art. 80º,e) 7 e a prioridade, no âmbito econômico e social de eliminar “progressivamente as diferenças económicas e sociais” (Art. 81º,d); e a Espanha, cuja Carta de 1978 estabeleceu, em seu artigo 115: O Estado, mediante lei, poderá planejar a atividade economica em geral para atender às necessidades coletivas, equilibar e harmonizar o desenvolvimento regional e setorial e estimular o crescimento da renda e da riqueza e sua mais justa distribuição.8 No Brasil, todas as as Constituições subsequentes se dedicaram ao tema, podendose constatar que a liberdade de iniciativa, elemento característico da construção da ordem econômica, PEREIRA, Affonso Insuela. O Direito Econômico na Ordem Jurídica. São Paulo: Jose Bushatsky, 1974. p. 14. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 1934. Constituições do Brasil. Vol I. Organização Carlos Eduardo Barreto. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1971. 7 PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. Disponível em <http://www.Parlamento.pt/ Legislação/Paginas/ConstituiçãoRepublicaPortuguesa.aspx>. Acesso em 15.out.2013 8 España. Constituición Española. BOE núm. 311, de 29 de deciembro de 1978, pág. 29313 a 29424. Disponível em <http://www.boe.es./buscar/doc.php?id=BOE-A-1978-31229>. Acesso em 30.out.2013. Tradução livre. 5 6 91 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina sempre se insere “dentre os direitos fundamentais da personalidade”9, mas compreendida com contornos diversos daquele apresentado pelo Estado liberal dos séculos XVIII e XIX, agora se apresentando como um direito relativizado, uma vez que passa a ficar contido dentro dos limites que visam o bem estar de toda a coletividade. A Constituição de 1988 apresenta a livre iniciativa como fundamento da República (art. 1º,IV) e também da ordem econômica (art. 170). Em ambos os dispositivos, todavia, tal liberdade aparece temperada pelo respeito aos valores sociais, sendo assegurada apenas na medida em que se mantém em equilíbrio com outro fundamento que é a valorização do trabalho humano, e também enquanto se subordina aos princípios e regras que informam o sistema, requisitos primordiais para o alcance do bem estar geral, resultado do desenvolvimento nacional. A distinção entre fundamentos, finalidade e princípios, no que se refere à ordem econômica, é por vezes muito tênue e acaba sendo tratada de maneira uniforme por diversos autores. Daí a relevância da análise feita por Souza10: Por um lado, um inegável empirismo semântico leva o uso jurídico dos termos fundamentos e princípio a se comprometer com o sentido mal definido, por vezes sendo assemelhado. O Constituinte brasileiro tem revelado certa preocupação em distingui-los, sendo que o de 1988, no conjunto de artigos da Constituição Econômica, ainda mais se preocupou com a questão, a partir do momento em que destacou em capítulo os ‘Princípios gerais da atividade econômica’. Tomando-o, embora superficialmente, pelo sentido aristotélico, temos o fundamento como ‘causa no sentido de razão de ser’, na explicação e justificação racional da coisa da qual é causa. Nascido no iluminismo alemão do séc. XVIII, ‘na linguagem comum e menos na filosófica, é o fundamento que apresenta a razão de uma preferência, de uma escolha, da realização de uma alternativa antes que outra’. Já os princípios, apesar de aparente preciosismo da diferenciação, embora tomados por fundamento ou causa, de modo habitual,significam o ponto de partida de um processo qualquer, e nesta conexão foi que Aneximando os introduziu em filosofia. Esta aparente confusão se desfaz em Aristóteles, para quem, embora causas e princípios tenham o mesmo significado, posto que todas as causas são princípios, o que encontramos de comum entre causas e princípios é aquilo que é ponto de partida ou do ser ou do tornar-se, ou do conhecer. Na filosofia moderna, inclui-se a noção de um ponto de partida privilegiado e não relativamente privilegiado, isto é, com relação a certos escopos, mas absolutamente ‘em si’. Obedecendo o que depreendemos do intuito do legislador constituinte de estabelecer certa distinção entre os dois conceitos, tomaremos o fundamento como a causa da ‘ordem econômica’ instituída no texto constitucional, ligando-se, portanto, ao próprio objetivo por ela pretendido, enquanto que CARVALHOSA apud PEREIRA, Affonso Insuela. O Direito Econômico na Ordem Jurídica. São Paulo: Jose Bushatsky. 1974, p. 161 10 SOUZA, Washington Peluso Albino de Souza. A Experiência Brasileira de Constituição Econômica. Revista de Informação Legislativa, Senado Federal. Brasília, abr/jun 1989, nº 102, pp. 30-31. 9 92 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina os princípios serão os elementos pelos quais aquela ‘ordem’ se efetivará, ou seja, o ponto de partida para esta efetivação e que não pode ser relegado. Admitindo-se esta linha de raciocínio, temos que a Constituição apresenta como razão de ser, como justificação racional para a ordem econômica, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Relevante observar neste ponto que, ao se utilizar a expressão “ordem econômica”, está se tratando da economia vista na perspectiva científica que se desenvolve a partir do século XVIII, que se ocupa, de um lado, em estabelecer esquemas valorativos, construindo uma “filosofia econômica”, e de outra parte em elaborar formulações normativas voltadas a construção de uma determinada realidade, que se convencionou denominar “política econômica”. Assim, a ordem econômica constitucional é direcionada a informar a ciência da política econômica em qual realidade ela está inserida ou, utilizando-se uma expressão de Rittershausen11, qual a “medida do Estado”, a fim de que modifique seus dados em função deste conceito. Assim, a economia normativa, “aquela cuja aspiração é normatizar a vida econômica, ou melhor, alterar-lhe o quadro normativo, agir sobre ele”12, encontra na Constituição uma justificativa racional e parâmetros claros para sua formatação: um instrumento de valorização do trabalho humano e de respeito à liberdade de indústria. Estabelecida a razão de ser da ordem econômica, a Constituição apresenta então os princípios e regras a serem observados, ou seja, o ponto de partida do processo de construção da ordem econômica, seus elementos de efetivação, os valores, devidamente positivados, a serem perseguidos. Não nos parece de menor importância analisar o modo pelo qual os elementos nomeados por ‘princípios’ figuram como norteadores da ordem econômica’. Se não se incluem decisivamente na configuração desta ‘ordem’, registram as marcas ideológicas que aí devam predominar como instrumentos a serem acionados para a sua correta efetivação.13 Comparando o texto da Constituição de 1988 com o tratamento dado ao tema 14 anteriores, Souza aponta que apenas a “função social da propriedade” se manteve de forma literal; os termos “livre concorrência” e “busca de pleno emprego” coincidem com as expressões pretéritas “livre RITTERSHAUSEN apud DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba: Juruá, 2007. p. 21. NUSDEO, Fábio. Curso de Economia – Introdução do Direito Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 100. 13 SOUZA, Washington Peluso Albino de. A Experiência Brasileira de Constituição Econômica. Revista de Informação Legislativa, Senado Federal. Brasília, abr/jun 1989, nº 102. p. 32. 14 SOUZA, Washington Peluso Albino de Souza. op. cit. Passim. 11 12 93 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina iniciativa” e“ expansão das oportunidades de emprego produtivo”. Introduz-se no capítulo da ordem econômica a “soberania nacional”, que é fundamento da República (Art. 1º,I); a “propriedade privada”, assegurado como direito individual (art. 5º caput e inciso XXII) desde cumpra sua função social; a livre concorrência, um aspecto da livre iniciativa que fundamenta a República (Art. 1º,IV); sendo que as inovações ficam por conta da introdução da “defesa do consumidor” (cuja proteção consta no rol de direitos fundamentais, art. 5º, XXXII); “defesa do meio ambiente” (que conta com todo o capítulo VI do Titulo Da Ordem Social); “tratamento favorecido a empresas de pequeno porte” (que devem ter regime especiais de tributação art. 146,III, d e tratamento jurídico diferenciado, art. 179); busca de pleno emprego, considerando que o trabalho é um direito social fundamental (Art. 6º); e “redução das desigualdades regionais e sociais”. A respeito deste último comando, constando do inciso VII do artigo 170 da Constituição se pretende uma análise mais detida. Este princípio, em verdade, pode se apresentar como uma síntese de todo o capítulo que trata da ordem econômica, na medida em que o desenvolvimento econômico somente se justifica quando alcance um equilíbrio com a justa retribuição dos benefícios obtidos, e este objetivo acaba tendo reflexo em todos valores positivados nos demais incisos, uma vez que um meio-ambiente equilibrado, o respeito às relações de consumo, a promoção dos pequenos empreendimentos, pleno emprego e assim por diante, acabarão por minorar diferenças sociais e regionais. Retomando a idéia de que princípio podem ser vistos como ponto de partida, elementos por meio dos quais a ordem econômica desejável se constrói, tem-se que a redução de desigualdades não é um fim em si mesmo, mas um instrumento capaz de alcançar o bem comum, permitindo que o desenvolvimento econômico seja compartilhado por todos. Se a ordem econômica objetiva assegurar existência digna a todos, consoante a justiça social, é de se inferir que a riqueza gerada no País deve ser equitativamente distribuída. Por essa razão, o ordenamento econômico brasileiro tem que se estruturar, de forma tal, a garantir a redução das desigualdades regionais e sociais no território nacional. Este princípio está, basicamente, contido no art. 3º, III, que estabelece ser objetivo fundamental do nosso País, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades entre as pessoas e as regiões”.15 Duas são as desequiparações que são verificadas no Brasil e que demandam ações do Estado e da sociedade, apontadas no comando constitucional: as regionais e as sociais, cada uma devendo ser objeto de políticas públicas adequadas. PRICE WATERHOUSE. A Constituição do Brasil de 1988 comparada com a Constituição de 1967 e comentada. São Paulo: Price Waterhouse, 1989. p. 726. 15 94 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Comentando este dispositivo, observa Bastos16: Até mesmo por razões de unidade nacional não é possível tolerar-se o desnível de desenvolvimento existente entre as diversas regiões do País. A preocupação com um desenvolvimento mais acelerado das regiões menos desenvolvidas deve ser uma diretriz fundamental da política do País. Há que se observar, no entanto, que este esforço de desenvolvimento regional não pode levar a um deslocamento tão acentuado da poupança e do investimento para as regiões menos desenvolvidas a ponto de colocar em risco a continuidade dos processos desenvolvimentista nas regiões mais avançadas. É na verdade um problema delicado a ser resolvido através de uma política ponderada que procure o justo meio termo. Questões como índices de analfabetismo, possibilidade de acesso aos meios de produção, capacitação para o mercado de trabalho, desnível da renda per capita, entre outras denominadas “doenças sociais”, apresentam historicamente significativa diferença em diversas regiões em um País de dimensões continentais. Da mesma forma, verificou-se um desenvolvimento econômico desigual em diferentes partes do território nacional, e mesmo dentro dos limites de alguns Estados, encontram-se regiões muito menos desenvolvidas economicamente que outras. Uma demonstração clara desta realidade e da maneira como o legislador constituinte estava atento a estes fatores, pode ser extraída da inclusão do artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que se ocupou em manter a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, exportação e importação, e incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, desde a data da promulgação da Constituição; e do artigo 42 do mesmo Ato (com redação dada pela EC 43/2004), que determinou a destinação de 25% dos recursos destinados pela União para programas de irrigação, para a região Centro-Oeste e 50% para a região Nordeste, preferencialmente no semi-árido. 2. Origem estrutural das diferenças regionais A construção da estrutura social brasileira já foi objeto dos mais acalorados debates, dando origem às mais diversas teorias. Relevante para a presente análise é a posição trazida por Topik17 de que a estrutura social brasileira resulta de sua dependência de mercados estrangeiros. Na análise desse autor, desde o descobrimento o Brasil foi moldado em função da economia mundial, exportando inicialmente 16 BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Vol 7. São Paulo: Saraiva, 1990. Vol.7. p. 33. 17 TOPIK, Steven. A Presença do Estado na Economia Política do Brasil de 1989 a 1930. Rio de Janeiro: Record, 1987. pp. 16-18. 95 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina madeira, depois açúcar, ouro, café e borracha. O País teria chegado a produzir 80% de todo o café do mundo e, antes de 1912, mais da metade da borracha. Se a prosperidade da exportação atraía também investimentos estrangeiros, os Estados da federação que não participavam da economia exportadora ficavam à margem do desenvolvimento econômico, reafirmando as desigualdades regionais. O autor aponta este viés econômico como contributo também para as desigualdades sociais, uma vez que o produtor para o mercado externo e para o mercado doméstico, o banqueiro e o comerciante eram todos as mesmas pessoas. E para ilustrar sua posição cita a figura de Francisco Matarazzo: [...] um dos mais bem-sucedidos empresários industriais do Brasil, ilustrou muito bem a natureza da classe industrial, comentando sobre as tarifas de 1928: “ Quando sou empresário industrial (...) sou ao mesmo tempo comerciante, importador em larga escala e fazendeiro.18 Desde a proclamação da República, o controle da Nação teria sofrido considerável influência desse grupo econômico, que apontou os rumos do desenvolvimento, não permitindo a efetivação dos ideais republicanos, na medida em que construíram um Estado excessivamente centralizado, que em nada contribuía para reduzir ou interromper o processo de desigualdade que se construiu ao longo do período de colônia e do Império. Seja por questões históricas, geográficas, culturais, o certo é o Brasil é plural, a diversidade é sua riqueza, mas as desigualdades são o seu pecado. Com a República, optou-se pela forma federativa para organização do Estado brasileiro. Na prática, todavia, verifica-se um constante distanciamento deste modelo pelos responsáveis por sua implantação, agravado pelo alheamento da população. Sabe-se que a notícia da proclamação da República, ocorrida no Rio de Janeiro, em 15 de novembro de 1888, levou meses para chegar aos rincões das diferentes províncias e, fora algumas revoltas monarquistas, a população assistiu a tudo passiva19. Os republicanos brasileiros copiaram o modelo americano, mas aparentemente não leram Tocqueville, oficial francês que veio à América estudar sua revolução e escreveu: As treze colônias que simultaneamente, desembaraçaram-se do jugo inglês, no fim do século passado, tinham, como observei, a mesma religião, a mesma língua, os mesmos costumes, quase as mesmas leis; lutavam contra um inimigo comum; deviam portanto ter boas razoes para unir-se, intimamente, umas às outras e para absorver-se numa só e mesma nação. 18 19 TOPIK, Steven. op. cit., p. 18. BASTOS, Celso. Por uma Nova Federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. pp. 54-55. 96 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina [...] [Uma] comissão nacional, após longas e maduras deliberações, ofereceu enfim, à adoção do povo, o corpo de leis orgânicas que rege, ainda hoje, a União. [...] Os deveres e direitos do governo federal eram simples e fáceis de definir, pois a União havia sido formada com o fim de responder a algumas grandes necessidades gerais.20 Tocqueville conclui que a Constituição dos Estados Unidos “assemelha-se a essas belas criações da indústria humana, que cobrem de glória e bens os que as inventam, mas restam estéreis em outras mãos”.21 Não se pretende aqui fazer um estudo sociológico, histórico, político ou jurídico da evolução do modelo republicano e da adoção deste modelo pelo Brasil. Mas não se pode olvidar que esta opção e a forma como se efetivou é relevante para a compreensão das possibilidades de superação das desigualdades instaladas no território brasileiro. Enquanto nos Estados Unidos da América a Federação se formou para aglutinar os treze Estados que haviam se libertado da coroa britânica, no Brasil, a Federação surgida com a República se apresentou apenas como uma criação legal. Vítima de querelas políticas, o País viu-se desde o início, reduzido a susserania e vassalagem, capitaneada pelos Estados mais fortes economicamente. O idealismo republicano foi atropelado pelos fatos, construindo-se uma República desagregada e instável que “oscilou entre as intervenções federais, que julgaram os Estados, e as oligarquias, que os escravizaram”22. Chegou-se mesmo a criar apelidos graciosos para esta prática, como exemplo, a chamada política café com leite, pela qual os estados de Minas Gerais e São Paulo se revezavam na presidência da República. Quando Washington Luis tentou quebrar este pacto, o resultado foi a revolução de 1930, que alçou Getulio Vargas ao poder, e abriu espaço para o Estado centralizador. “A república paternalista sempre foi preferível à republica federativa”23. É possível imaginar que a implantação de um verdadeiro federalismo possibilitasse a consecução de um projeto unificador, capaz de promover o ordenamento do território e o desenvolvimento econômico e social. Embora seja certo que os Estados Unidos da América do Norte não são o único TOCQUEVILLE, Alexis de. FEDERALISTAS, Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril. 1973. pp. 208-209, 217. Idem. Ibidem. 22 FAORO, Raimundo. apud BARROSO, Luis Roberto. Direito Constitucional Brasileiro: o problema da federação. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 29. 23 BASTOS, Celso. Por uma Nova Federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 64. 20 21 97 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina modelo possível de federação, nem apresentam “arquétipos eternos” em “cujas origens e contornos” todos devem se ajustar24, não podemos olvidar as lições dos grandes federalistas da história. James Madison, ao escrever sobre “A utilidade da União”, observa que a rivalidade entre os estados, os torna vulneráveis e conduz à pobreza. Seguindo esta lição, tem-se que a função de redução de desigualdades compete ao Estado brasileiro, não podendo ficar submetido à manifestação da vontade de seus governantes, impondo a necessidade de políticas de Estado que apreendam o conceito de permanência e cooperação, afastando rivalidades políticas que tornam o País vulnerável. Na lição de outro federalista, Thomas Jefferson, escrevendo sobre “As Bênçãos de um Governo Livre”, leciona: A lei, sendo lei por se tratar da vontade da nação, não se modifica pelo fato de modificar-se o órgão através do qual a nação prefere anunciar sua futura vontade; da mesma maneira que os atos que eu pratiquei por intermédio de um procurador não perdem sua validade pelo fato de eu mudar esse procurador ou não continuar com ele. 25 Uma das vantagens de uma União Federal é justamente a possibilidade de minorar as diferenças regionais. Garantindo a unidade nacional, a União estabelece políticas adequadas para amenizar o desnível de desenvolvimento existente entre regiões, implicando na necessidade de alocação racional de recursos públicos e adequada orientação dos investimentos privados, sem colocar em risco a continuidade do desenvolvimento das regiões mais avançadas, conciliando ainda a autonomia dos entes federados e a liberdade de iniciativa no âmbito econômico, utilizando medidas de coordenação compatíveis com o regime federativo e democrático. Isso sem imposição de qualquer uniformidade, que implicaria em quebrar autonomia dos entes federados, bem como sem excessiva centralização que certamente produz ainda mais choques e reforçar contradições. Construiu-se no Brasil um modelo federativo complexo, com diferentes esferas de atribuições, repartição de competências e ainda com a peculiaridade de se colocar os municípios como entidades federadas. Apenas o interrelacionamento constante dos atores, tanto na esfera pública quanto privada, possibilita segurança de que as ações serão efetivas, sem minar os demais fundamentos da democracia. 24 25 CARAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 106. JEFFERSON, Thomas. FEDERALISTAS, Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril. 1973. p. 31. 98 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Se não foi possível ao Brasil nascer igual, certamente há instrumentos jurídicos capazes de conduzir à liberdade produzida pela igualdade de condições, sem abalar os fundamentos do Estado, principalmente a liberdade de iniciativa e o próprio sistema federativo. Quando se pensa em um modelo federativo, se pensa na existência de um poder central, estruturado com a finalidade de satisfazer as necessidades mais amplas e gerais, e gravitando em torno deste poder central, outro, ou outros planos de poder. No modelo brasileiro atual, Estados e Municípios fazem parte da Federação, como enuncia o Artigo 1º da Constituição: “ A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal [...]”. Esta fórmula consagra o Brasil como Estado Federal e apresenta uma estrutura que implica em uma divisão vertical de poder e na necessidade de composição de forças e equalização de interesses. A respeito da participação dos municípios como entes da Federação, Meirelles leciona26: O município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação. Essa integração é uma peculiaridade nacional. Em nenhuma outra Nação se encontra o município constitucionalmente reconhecido como peça do regime federativo. Dessa posição singular do município brasileiro é que resulta sua ampla autonomia político-administrativa, diversamente do que ocorre nas demais federações, em que o município é circunscrição territorial meramente administrativa. A fim de garantir maior efetividade a este aspecto do princípio federativo, foi promulgada a Lei 10.257 de 2001, instrumento capaz de possibilitar uma gestão planejada, integrada e apta a estabelecer diretrizes para a construção de uma política urbana de forma coordenada, mas que já em seu Art. 3º,V recorda o comando constitucional de que é competência da União “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”, como que alertando os municípios para que se atenham a planejar ações exclusivamente no que diz respeito a seus limites territoriais. O texto constitucional não conseguiu afastar certas distorções no sistema republicano, como ao tratar das competências legislativas privativas da União (Art. 22), ou ainda definir suas competências tributárias, principalmente no que respeita às diversas modalidades de contribuições. A distribuição de competências tributárias provoca um significativo esvaziamento financeiro dos Estados e Municípios, criando dificuldades para a implementação de políticas e MEIRELLES, Hely Lopes. apud BARROSO, Luis Roberto. Direito Constitucional Brasileiro: o problema da federação. Rio de Janeiro: Forense, 1982., pp. 3,4. 26 99 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina diretrizes construídas internamente. É certo que o sistema de transferências constitucionais tentou compensar esta distorção e, não se constituindo um favor da União, não poderia de forma alguma sofrer qualquer tipo de condicionamento ou vinculação ou “desvinculação” (como foi o caso das sucessivas emendas constitucionais voltadas a criar “desvinculações de receitas da União”), prática que deve ser entendida como totalmente ilegítima. O fato é que de pouco ou nada vale a concessão de autonomia para planejar ações se não se tem autonomia financeira, e os déficits orçamentários dos Estados e Municípios os submete a uma constante intervenção velada, por meio de ajudas federais que, politizadas, lhes arrebatam, “perdida já a autonomia financeira e econômica, o que restava efetivamente da antiga autonomia política”27. Outro exemplo de distorção do modelo republicano que pode ser citado, diz respeito à possibilidade de incorporação, subdivisão ou desmembramento de áreas dos Estados que é de competência do Congresso Nacional, com sanção do Presidente, ouvidas as respectivas assembléias legislativas (Art. 48,VI). Verifica-se que as assembléias legislativas assumem um papel meramente consultivo. E se isso implica em mais poder aos Estados do que previsto na Emenda Constitucional 01 de 1969, que dispunha ser competência exclusiva do Congresso Nacional, mediante Lei Complementar, “aprovar a incorporação ou desmembramento de áreas de estados ou territórios”(Art. 3º, V); seguramente é muito menos do que previa a Constituição de 1946, em seu Artigo 2º: Art 2º - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros ou formarem novos Estados, mediante voto das respectivas Assembléias Legislativas, plebiscito das populações diretamente interessadas e aprovação do Congresso Nacional. Tem-se ainda as hipóteses de intervenção federal enfraquecendo o modelo republicano, pois o inciso III do Art. 34 prevê a medida, havendo necessidade de “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”, uma expressão carregada de uma excessiva subjetividade e amplitude, que entrega ao poder discricionário do Presidente da República o estabelecimento do sentido e alcance do dispositivo constitucional. Apenas estes pontos indicam a forma como se encontra fragilizada a estrutura republicana no texto da atual Constituição, sendo que o grande mecanismo de superação a ser reivindicado é certamente a descentralização do planejamento das ações de desenvolvimento, mediante participação efetiva dos entes federados no estabelecimento de políticas públicas. É competência justificável da União, o planejamento que permita diminuir as 27 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 190. 100 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina desigualdades regionais. Mas o planejamento não deve, de forma alguma, ser centralizado. A União detém o controle absoluto da economia, na medida em que a ela compete legislar privativamente sobre (Art. 22 da Constituição) energia, informática, sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais; política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores; comércio exterior e interestadual; transportes, recursos minerais, condições para o exercício de profissões, sistema de poupança, propaganda comercial, entre outros temas. Quando se traça, pois esse inarredável quadro da esmagadora superioridade econômica e financeira do Estado federal sobre as unidades federadas e se observa a dependência efetiva a que estas ficam sujeitas, a primeira impressão que se tem é de negar a existência contemporânea do sistema federal, o qual teria já transitado para uma fórmula de mera descentralização administrativa.28 A fim de garantir a efetivação da missão de, mediante planejamento, minorar as desigualdades, há um elenco de matérias de competência da União, que transcende, ou positiva o princípio do artigo 170 em estudo. Assim, a título de exemplo, no artigo 214 há previsão de um plano nacional de educação; é ainda competência privativa da União, estabelecer diretrizes da política nacional de transportes (Art. 22,IX) ou legislar sobre seguridade social (Art. 22, XXIII). Mas a idéia de condução de políticas públicas por intermédio de um “conjunto integrado de ações” deve ser a regra em todas as áreas de atuação do poder público, única forma de respeitar a forma federativa de governo e garantir que o princípio que determina a redução das desigualdades regionais, presente no artigo 170, VII, seja exercido exatamente nos moldes delineados pelo artigo 174, qual seja, o Estado, exercendo sua função de agente regulador da atividade econômica, por meio do planejamento, determinante para o setor público, e cujos instrumentos são trazidos pela própria Constituição. Tendo se estabelecido uma ordem econômica constitucional, o Estado tem a missão de garantir sua consecução, a partir de instrumentos de regulação da economia, fiscalização, incentivo e planejamento (Art. 174 CF) ficando claro que a função legislativa se apresenta como um instrumento significativo para o atingimento dos objetivos fundamentais da República. Nos termos da própria Constituição – artigo 21, IX, é de competência da União “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”. Na lição de Bonavides: 28 BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. Loc. Cit. 101 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Será trabalho de juristas retocar a velha e imobilizada estrutura jurídica do antigo federalismo, acomodando-a às condições novas do sistema, que irrevogavelmente se moverá agora e de futuro no âmbito de um Estado eudomonístico, o “Welfare State, realidade primeira, que trouxe já para o Estado presente a política do salário-mínimo, da previdência, das reformas sociais profundas na idade das massas e da socialização do poder e da riqueza.29 A superação das desigualdades regionais somente vai ocorrer com o efetivo envolvimento dos interessados, o reconhecimento de que aqueles que estão vivendo sob condições menos favoráveis, devem ser vistos como atores no processo de planejamento e execução das ações de seu interesse. Esta seria a concretização do verdadeiro federalismo, e da real democracia. 3. Mecanismos constitucionais de superação das desigualdades regionais Sendo o Brasil reconhecidamente um País desigual, qualquer que seja o motivo de tais desigualdades, historicamente tem-se verificado que ações para a superação das diferenças têm falhado de maneira sistemática. Ao longo do século XX diversas formas de atuação e diferentes organismos foram criados sem se verificar um impacto significativo na estrutura social ou econômica das regiões tradicionalmente mais pobres do País. Talvez com olhos nas experiências passadas, e considerando a relevância dada à redução das desigualdades regionais e sociais, é que o legislador constituinte, em 1988, cuidou de construir todo um arcabouço que possibilitasse a concretização deste objetivo fundamental da República. Ao dispor sobre a ordem econômica, a Constituição estabelece em seu artigo 174 que o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica exercerá funções de fiscalização, incentivo e planejamento, acrescentando que o planejamento será determinante para o setor público e indicativo para o setor privado, acrescentando: Art. 174 [...] §1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. Certamente o planejamento para um desenvolvimento nacional equilibrado não 29 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 191. 102 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina deve ser objeto de uma única lei, sendo certo que o dispositivo citado indica o mecanismo adequado, qual seja, o processo legislativo, delegando assim ao Congresso Nacional a responsabilidade pelo estabelecimento de diretrizes para o desenvolvimento. Em um trabalho conjunto a Constituição atribui ao Congresso Nacional competência para legislar sobre planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento (art. 48 ,IV), determinando o Artigo 165 § 4º que os planos e programas nacionais, regionais e setoriais seja elaborados em consonância com o plano plurianual. Ainda em matéria orçamentária, o §7º do Artigo 165 determina que os orçamentos fiscal e de investimento, que integram a Lei Orçamentária Anual e referem-se, respectivamente, ao orçamento dos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e ao investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto, terão entre suas funções a de reduzir as desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. Verifica-se portanto uma clara necessidade de coordenação entre o planejamento voltado para o desenvolvimento regional e a elaboração orçamentária, em suas diversas fases. Compete ainda ao Congresso Nacional constituir uma comissão com competência para “apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer” (Art. 58, § 2°, inciso VI), bem como estabelecer uma comissão mista permanente com competência para examinar e emitir parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição (Art. 166, § 1°, inciso II). Há ainda o mecanismo de repartição das receitas tributárias, em proveito das unidades federativas determinado no Art. 159, I, c, cabendo à União entregar uma porcentagem do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, “para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer”. Além disso, a União deverá entregar destinar parcela da CIDE Combustíveis para ao financiamento de programas de infra-estrutura de transporte (Art. 177, §4º,II, “c”). Com relação à saúde, a Constituição determina que Lei complementar estabeleça os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais. A regulamentação deste dispositivo ocorreu somente em 2012, com a promulgação da Lei Complementar 141. Nos termos do comando constitucional, tal lei deve ser reavaliada pelo menos a cada cinco anos (Art. 198, §3º, II). 103 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Por fim, a União ainda detém competência para instituir regiões que permitam articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e redução das desigualdades (Art. 43), as quais poderão receber incentivos como igualdade custos e preços de responsabilidade do Poder Público; juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias; benefícios tributários devidos por pessoas físicas ou jurídicas; prioridade para o aproveitamento econômico e social de águas nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas. Verifica-se que em vários aspectos o texto constitucional se mantém coerente com a idéia de que o planejamento é o principal instrumento apto a reduzir as diferenças entre áreas mais ricas e as pobres do País. Este planejamento, no entanto, não deve jamais ser único ou centralizado, mas coordenado, participativo, integrativo, ou seja, construído de forma a se respeitar o pacto federativo. Se a Constituição conferiu papel de destaque à necessidade de superação das desigualdades regionais, é certo que proveu os mecanismos necessários à sua consecução. Se há limitações à sua concretização, os motivos devem ser buscados em outro lugar. 4. Referências Bibliográficas BARROSO, Luis Roberto. Direito Constitucional Brasileiro: o problema da federação. Rio de Janeiro: Forense, 1982. BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Vol 7. São Paulo: Saraiva, 1990. BASTOS, Celso. Por uma nova Federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 1934. Constituições do Brasil. Vol I. Organização Carlos Eduardo Barreto. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1971. BONAVIDES, Paulo. 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Rio de Janeiro: Revan, UCAM-IUPERJ, 1998. 105 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina O INSTRUMENTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR/SUSPAD NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO DE LONDRINA João Henrique Fernandes Marques Técnico de Gestão Pública do Município de Londrina, na função de Assistente de Gestão, lotado na Corregedoria-Geral do Município – COGEM/PGM. Bacharel em Direito pela Faculdade Catuaí, de Cambé (PR). Sumário: 1. Introdução. 2. Princípios Aplicáveis á Suspensão do Processo Administrativo Disciplinar. 3 O Instrumento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar/Suspad no Âmbito do Município de Londrina. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas. Resumo: O artigo tem por principal objetivo analisar a aplicabilidade do instituto suspensão condicional do processo administrativo disciplinar, que visa beneficiar o servidor público municipal que responde a um processo administrativo disciplinar por prática de falta que, em tese, tenha como pena máxima cabível a repreensão, bem como os principais aspectos contrários e a favor deste instituto. Palavras-chave: Suspensão. Processo Administrativo Disciplinar. Sanção. 1. Introdução O tema do artigo tem por finalidade examinar um novo instrumento na Suspensão do Processo Administrativo Disciplinar, aplicada de forma antecipada, sendo essa uma tentativa de desburocratização, um aperfeiçoamento da Administração Pública em tentar resolver seus conflitos de forma a evitar a instauração de procedimentos disciplinares, partindo de uma pena em perspectiva. Busca-se uma análise quanto ao conceito e aplicação do instituto. 2. Princípios aplicáveis à suspensão do processo administrativo disciplinar Na Suspensão do Processo Administrativo Disciplinar os princípios que se apresentam de forma mais clara e evidente, são o princípio do devido processo legal; o da ampla defesa e contraditório e da presunção de inocência, sendo assim, serão eles analisados primeiramente. Destacar-se-á também, o princípio da economia processual e o da eficiência, apresentando o instrumento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar como mecanismo para buscada celeridade processual. 107 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 2.1 A Suspad e o Princípio do Devido Processo Legal O princípio do devido processo legal se destacada como um dos princípios de maior importância para o direito administrativo. Está previsto no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal de 19881, in verbis “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, garante ao acusado que a Administração Pública não poderá condená-lo sumariamente sem uma pena decorrente de um Processo Administrativo Disciplinar. Sobre o devido processo legal, Carvalho Filho nos ensina: O principio do devido processo legal (due process of law) é daqueles mais relevantes quando se trata de examinar os efeitos da relação jurídica entre o Estado e os administrados. Trata-se de postulado inerente ao Estado de Direito, que como sabemos, foi à situação política em que o Estado reconheceu que, se um lado podia criar o direito, de outro tinha o dever de submeter-se a ele: A lei, portanto, é o limite de atuação de toda a sociedade e do próprio Estado.2 Este princípio garante tanto o direito material, quanto formal, ao lhe assegurar igualdade de condições contra a Administração Pública, preservando a sua plenitude de defesa, para a pacificação dos conflitos existentes. Assim sendo, entende-se que a comissão de um Processo Administrativo Disciplinar deverá atuar de forma a garantir o devido processo legal, respeitando formalidades previstas em lei para proteção do contraditório e a ampla defesa. No caso específico da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar, não há que se falar em ofensa ao princípio do devido processo legal, visto que o momento do oferecimento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar é anterior à possibilidade jurídica de apenação ao servidor. BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 06 de outubro de 2012. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 838. 1 2 108 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 2.2 A Suspad e os Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório Os princípios da ampla defesa e do contraditório devem nortear todo e qualquer tipo de processo. A Constituição Federal de 19883 destacou estes princípios conjuntamente num único dispositivo aplicável ao acusado, em seu inciso LV, artigo 5.º, in verbis: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes" 4. Elbert da Cruz Heuseler, leciona sobre o tema: Podemos considerar o contraditório como a oportunidade que tem o cidadão, in casu o servidor acusado, de apresentar sua versão dos fatos que lhe são apresentados pela Administração e a ampla defesa como o direito a ter acesso e esclarecimentos sobre a imputação e os respectivos fatos geradores (direito de informação); possibilidade de ter vista aos autos, requerer provas, arrolar testemunhas, dentre outras (direito de manifestação); e ter suas razões examinadas e apreciadas pela Administração (direito de ter suas razões consideradas).5 Estes princípios atuam como compensação entre a disparidade de forças, para que o réu possa ter ciência do que lhe é imputado e agir livremente dentro do processo, não sendo possível ser considerado culpado sem ser ouvido. A lei concede oportunidades idênticas ao debate de fatos e fundamentos, com o fim de dar tratamento igualitário às partes opostas do processo para que a Administração Pública tenha provas suficientes, produzidas por acusação e defesa, para resolução da lide. Com este entendimento, o reconhecimento antecipado da culpa sem o devido Processo Administrativo Disciplinar constituiria violação a estes princípios consagrados na Constituição. Todavia, na Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar não há reconhecimento de culpa por se tratar de uma forma substitutiva do processo e não da penalidade. Não há possibilidade jurídica para tal, uma vez que alguém só será declarado culpado através de sentença condenatória transitada em julgado após o devido Processo Administrativo Disciplinar. BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 06 de outubro de 2012. Constituição Federal de 1988. loc cit. 5 HEUSELER, Elbert da Cruz. Processo administrativo disciplinar comum e militar à luz dos princípios constitucionais e da lei nº 9.784 de 1999. 2º ed. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2011. p. 52. 3 4BRASIL, 109 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 2.3 A Suspad e o Princípio da Presunção de Inocência O estado de inocência é uma garantia fundamental do indivíduo, previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 19886e possui o enunciado de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Para Segundo Bacellar Filho: A presunção de inocência indica que o servidor acusado não poderá ser considerado culpado até a decisão final da autoridade julgadora. Da acusação administrativa ou das decisões interlocutórias, no processo administrativo disciplinar, não podem advir consequências definitivas compatíveis com decisões finais irrecorríveis.7 Significa que a todo acusado terá presumida a sua inocência, obstando assim qualquer tipo de sanção, antes da sentença condenatória, que reconheça a sua culpa. A Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar por sua vez, é substitutiva do processo e não da penalidade disciplinar, não existe reconhecimento de culpa, desta forma, fica assegurada a manutenção do estado de inocência do servidor público municipal, sem o reconhecimento de culpabilidade. 2.4 A Suspad e o Princípio da Economia Processual O princípio da economia processual vem a indagar, qual seria a razão de movimentar a Administração Pública, através de um Processo Administrativo Disciplinar que já se sabe que, após a prolação da sentença, será dado uma sanção administrativa de natureza leve (advertência ou repreensão), de menor poder lesivo, podendo ser evitada através do instrumento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar. Esse princípio preconiza o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo possível de atividades processuais. O processo deve ter o máximo de rendimento com o menor número possível de atos e com o mínimo gasto de bens. 6 7 BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 06 de outubro de 2012. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo Administrativo Disciplinar. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003 p. 304. 110 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Conforme Ernane Fidélis dos Santos8 “a economia deve sempre orientar os atos processuais, evitando gasto de tempo e dinheiro inutilmente”. Trata-se de se obter o maior resultado com o mínimo possível de atividade processual. O instrumento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar atua não só sobre a economia de atos processuais desnecessários, como a economia de recursos públicos visando que o processo precisa estar voltado para a aplicação do bom direito. 2.5 A Suspad e o Princípio da Eficiência O princípio da eficiência é de suma importância visto que não é interessante à sociedade uma estrutura pública ineficiente. Pode-se dizer, que o princípio da eficiência norteia a atuação da Administração Pública no sentido de produzir resultados rápidos e precisos, que satisfaçam a população. A eficiência esta prevista no artigo 37 da Constituição Federal de 1988: Art. 37º A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência9.” Para Hely Lopes Meireles,10 “o princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja executada com presteza, perfeição e rendimento funcional”. O princípio da eficiência, no entender de Alexandre Moraes: Princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social.11 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil; processo de conhecimento,11º ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v.1, p.44. 9 BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponivel em www.planalto.gov.br. Acesso em 06 de outubro de 2012. 10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 96. 11 MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3ª. ed. São Paulo : Atlas, 1999. p. 30 8 111 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Sobre o princípio da eficiência, Daiane Garcias Barreto explica: O princípio da eficiência reflete uma tentativa de implantar o modelo gerencial de administração pública no país, com a adoção de técnica de aperfeiçoamento estrutural da máquina estatal e contínua desburocratização dos serviços públicos. Este novo cenário, no qual se tenta enquadrar a gestão, deixa evidente a necessidade de entidades estatais mais enxutas, flexíveis e eficientes, que privilegia a busca de resultados úteis à população12. Levando o princípio da eficiência ao Processo Administrativo Disciplinar, é assegurado através do artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal de 198813, in verbis “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Logo, o Processo Administrativo Disciplinar que não tiver razoável duração, vai contra a Constituição, lesando o direito a eficiência, cabendo apuração de responsabilidade a aquele que der causa. Dessa forma, a Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar vem como um mecanismo de auxílio ao princípio da eficiência, ao dar uma resposta á sociedade de maneira mais rápida e eficaz. 3. O Instrumento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar/SUSPAD no âmbito do Município de Londrina Existe uma tentativa de aperfeiçoamento da Administração Pública em tentar resolver seus conflitos de forma a evitar a instauração de procedimentos disciplinares em ilícitos de menor lesividade, de forma a ser mais eficiente e otimizada, desde que asseguradas às garantias constitucionais. Dessa forma, a Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar se apresenta como um meio de desburocratização, para que esta otimização da máquina pública seja efetiva, conferindo maior rapidez aos processos instaurados pela Corregedoria Geral do Munícipio de Londrina, assim sendo, fazendo-se valer do princípio da economia processual e permitindo a recuperação do servidor nas infrações que em tese seriam de baixo potencial lesivo. 12 13 BARRETO, Daiane Garcias. Sinopse de Direito Administrativo. 1ª. ed. CL EDIJUR, Lemes/SP, 2011. p. 44. BRASIL, Constituição Federal de 1988. loc cit. 112 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina O Processo Administrativo Disciplinar se assemelha muito com um Processo Judicial na esfera penal, e a ideia da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar vem de institutos despenalizadores, como a Suspensão Condicional do Processo (SCP), disposto no artigo 89 da Lei nº 9.099/9514, sendo forma de solução alternativa para problemas penais, que busca evitar o início do processo em crimes cuja pena mínima não ultrapassar 1(um) ano, mediante certas condições, quando o acusado não for reincidente em crime doloso e não esteja sendo processado por outro crime. Assim como a Suspensão Condicional do Processo da esfera penal, a Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar é substitutiva do processo e não da penalidade disciplinar, o denunciado aceita o benefício logo após o oferecimento da denuncia, não existe reconhecimento de culpa, pois o momento de oferecimento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar é anterior a possibilidade jurídica de apenação do servidor, fica assegurada a manutenção ao seu estado de inocência, visto que não foi reconhecida sua culpabilidade. 3.1 Conceito e Natureza Jurídica A Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar é um instrumento oferecido ao servidor público que responde por Processo Administrativo Disciplinar onde a pena máxima em tese seja de repreensão, para que o mesmo preste serviços voluntários fazendo-se assim ao final do prazo e cumpridos os termos da suspensão, não será aplicada sanção alguma, sendo extinta a punibilidade. A principal finalidade da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar é dar ao acusado a possibilidade de evitar o processo, considerando-se que o mesmo é paralisado mediante o acerto de condições a serem cumpridas. Esta prevista no artigo 92-A da Lei nº 9.864/0515 nos seguintes temos: 14BRASIL, Lei nº 9.099 de 26 de Setembro de 1995.Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em www.planalto.gov.br. Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena. 15 BRASIL, Lei Municipal 9.864 de 20 de dezembro de 2005. Dispõe sobre as apurações disciplinares dos servidores municipais do Poder Executivo, introduz alterações na Lei n° 4.928, de 17 de janeiro de 1992 - Estatuto do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Município de Londrina - e dá outras providências. Disponível em http://www.cml.pr.gov.br Acessada em 02 de outubro de 2012. 113 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Art. 92-A Fica instituída a “Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar/SUSPAD” - que é instrumento que visa beneficiar o servidor público municipal que responde a um processo administrativo disciplinar por prática de falta que, em tese, tenha como pena máxima cabível a repreensão. É uma tentativa de desburocratização, de modernização e celeridade, de aperfeiçoamento da Administração Pública para resolver seus conflitos de forma a evitar a instauração de Processo Administrativo Disciplinar, partindo da pena que em tese seria aplicada. Busca evitar a continuidade do Processo Administrativo Disciplinar nos casos de ilícitos administrativos de menor poder lesivo, que seriam cabíveis de advertência ou repreensão. Segundo José Francisco da Mota Junior 16 a SUSPAD tem natureza jurídica processual, de “transação processual”, sem existir reconhecimento de culpabilidade. Existe uma bilateralidade presente na Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar, segundo a qual, tanto a Administração Pública como o denunciado devem ceder, nisso reside a transação processual. 3.2 Previsão Legal Com a publicação da Lei Municipal nº 10.564/200817 foram introduzidos, na Lei Municipal nº 9.86418, de 20/12/2005, que rege os procedimentos disciplinares dos servidores públicos municipais do Poder Executivo, da Administração Direta, Autárquica e Fundacional, os artigos 92-A a 92-K, que instituíram e regulamentaram o instituto jurídico da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar, com o intuito de beneficiar aos servidores que respondam a processo administrativo disciplinar por prática de falta(s) que, em tese, tenha(m) como penalidade máxima cabível a repreensão, que não apresentem penalidade averbada em sua ficha funcional, nos últimos 16 João Francisco da Mota Junior, Analista de Finanças e Controle-Controladoria-Geral da União, Docente do Centro Universitário Euroamericano- UNIEURO, Especialista em Processo Civil e Penal-UFBA, Pós-Graduado em Ciências Jurídicas- UCSal/EMAB e Especialista em Direito Empresarial (concluinte) – UCAM/DIEX. Disponível em https://bvc.cgu.gov.br/bitstream/123456789/3260/1/transacao_administrativa_suspad_mineira.pdf. Acessada em 22 de outubro de 2012. 17 BRASIL, Lei Municipal 10.564 de 11 de novembro de 2008. Introduz alterações na Lei Municipal n° 9.864, de 20 de dezembro de 2005, que regulamenta as apurações disciplinares dos servidores públicos municipais do Poder Executivo, e dá outras providências. Disponível em http://www.cml.pr.gov.br Acessada em 02 de outubro de 2012. 18 BRASIL, Lei Municipal 9.864 de 20 de dezembro de 2005. Dispõe sobre as apurações disciplinares dos servidores municipais do Poder Executivo, introduz alterações na Lei n° 4.928, de 17 de janeiro de 1992 - Estatuto do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Município de Londrina - e dá outras providências. Disponível em http://www.cml.pr.gov.br Acessada em 02 de outubro de 2012. 114 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina cinco anos, nem tenham sido beneficiados com a Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar, nos últimos cinco anos. 3.3 Requisitos para a Concessão da Suspad Os requisitos para que ao servidor seja ofertado à Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar estão previstos no art. 92-B da Lei Municipal nº 9.864/0519, sendo eles: Art. 92-B. O Corregedor Geral do Município, ao receber os autos da denúncia e após a fase do art. 10 desta Lei, se decidir pela abertura de processo administrativo disciplinar, deverá: I. Analisar se a penalidade em abstrato aplicável ao servidor público municipal pela falta denunciada é de advertência ou repreensão; II. Analisar se o servidor público municipal já obteve o benefício da SUSPAD nos últimos cinco anos; e III. Analisar se o servidor público municipal possui averbada em sua ficha funcional alguma penalidade nos últimos cinco anos. Caso a falta cometida pelo servidor configure também um ilícito penal, a Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar só será aplicada nos casos onde seja possível também a Suspensão Condicional do Processo Penal. 3.4 Fases da Suspad Após realizadas as diligências descritas no art. 92-B, e sendo as informações favoráveis à concessão da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar, o Corregedor Geral do Município publicará a Portaria de instauração do Processo Administrativo Disciplinar e notificará o servidor denunciado para que compareça à Corregedoria do Município, acompanhado de seu procurador constituído, se for o caso, para a adesão ao termo de Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar. BRASIL, Lei Municipal 9.864 de 20 de dezembro de 2005. Dispõe sobre as apurações disciplinares dos servidores municipais do Poder Executivo, introduz alterações na Lei n° 4.928, de 17 de janeiro de 1992 - Estatuto do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Município de Londrina - e dá outras providências. Disponível em http://www.cml.pr.gov.br Acessada em 15 de outubro de 2012. 19 115 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 3.4.1 Oferecimento da Suspad Atendido todos os requisitos já citados, o Corregedor Geral do Município se decidir por instaurar o processo administrativo disciplinar e a pena máxima em abstrato for repreensão, no despacho que decide pela abertura do Processo Administrativo Disciplinar já deverá estar previsto o oferecimento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar, bem como marcar a audiência com o denunciado para o oferecimento. Na audiência, o Corregedor Geral esclarecerá minuciosamente sobre o instituto da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar, mostrando seus benefícios e deveres, e será ofertada a possibilidade de adesão. Em caso de adesão, ocorrerá à suspensão imediata do processo administrativo disciplinar, e em caso de negativa, o processo prosseguirá normalmente. 3.4.2 Termo de Suspensão do Processo Administrativo Disciplinar Caso o servidor opte em aderir a Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar, será lavrado o Termo de Adesão (anexo 1), à Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar, após minucioso esclarecimento do Corregedor Geral do Munícipio sobre as condições para o cumprimento, e com a devida aceita do servidor, é assinado o termo de adesão pelo servidor ou de seu procurador. Após é elaborado o termo de suspensão (anexo 2) e a minuta da audiência de oferecimento, ambos são publicados no edital da Corregedoria Geral do Município, de acordo com o Art. 92-D: Art. 92-D Para o servidor que aderir à SUSPAD, será lavrado o Termo de Suspensão do Processo Administrativo Disciplinar, que especificará o tempo de duração da SUSPAD e as condicionantes a serem cumpridas pelo servidor. § 1º O Termo de Suspensão do Processo Administrativo Disciplinar a que se refere o caput deste artigo deverá ser assinado pelo acusado e, se for o caso, por seu procurador, e pelo Corregedor Geral do Município, publicando-se o respectivo extrato no quadro de editais da Corregedoria Geral do Município. 116 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina § 2º Havendo recusa do servidor em aderir à SUSPAD, o Corregedor Geral do Município determinará a continuidade ao processo administrativo disciplinar. Assim sendo, o Processo Administrativo Disciplinar estará suspenso até o término do cumprimento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar, e ao final, caso atendidos todos os requisitos de forma satisfatória, será extinta a punibilidade. 3.4.3 Cumprimento da Suspad O cumprimento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar se da com a prestação de serviços voluntários à comunidade por meio dos órgãos e entidades que compõem a estrutura organizacional do Município de Londrina, conforme determinação da Corregedoria Geral do Município e fora do horário de expediente, preferencialmente nos finais de semana, na razão de um hora por semana. É necessário também o comparecimento bimestral à Corregedoria Geral do Município, fora do horário de expediente, para apresentar declaração da chefia imediata, referendada pelo titular do órgão ou entidade a que se vincula o servidor, a qual certificará o não cometimento de falta disciplinar no período respectivo, e uma ficha de acompanhamento (anexo 3), contendo o desempenho satisfatório das atribuições do cargo e das funções que lhe foram conferidas. A Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar será revogada caso o servidor no curso do cumprimento vier a ser processado por outra falta disciplinar ou se descumprir as condições estabelecidas no termo de adesão, assim prosseguindo o Processo Administrativo Disciplinar normalmente. 3.4.4 Encerramento Caso o servidor cumpra todas as condições estabelecidas no Termo de Suspensão, o Corregedor Geral do Município declarará extinta a punibilidade, mediante decisão publicada no quadro de editais da Corregedoria Geral do Município. A Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar ficará registrada na ficha funcional do servidor, porém sem que isso lhe traga algum prejuízo. 117 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 3.5 Prazos O Prazo de duração da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar vai de acordo com a gravidade da pena em tese cometida, e pode chegar a dois anos nos casos em que a falta for cabível de repreensão, e de até um ano nas faltas puníveis de advertência. sendo o Corregedor Geral do Município responsável por analisar caso a caso e estipular a duração, levando em conta os antecedentes, a gravidade da conduta e as conseqüências da mesma. Atingindo o prazo máximo de cumprimento da SUSPAD e não sendo realizadas pelo servidor todas as condições do Termo de Suspensão, a SUSPAD será revogada, dando-se continuidade à tramitação do Processo Administrativo Disciplinar. Não correrá a prescrição durante o prazo da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar. 4. Conclusão O instrumento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar utilizado no Município de Londrina constitui uma inovação no controle administrativo. É um meio efetivo de desburocratização, tornando menos dispendiosos o controle disciplinar e conferindo maior celeridade aos processos instaurados pela Corregedoria Geral do Município de Londrina. Permite a auto-recuperação do servidor dando oportunidade ao denunciado de refletir trazendo benefícios indiretos à Administração Pública, como a diminuição dos gastos públicos, e o desafogo da Corregedoria Geral do Município, possibilitando se voltar para casos mais complexos e graves. Outro fator positivo do instituto é o fato do servidor não passar por todos os incômodos que um Processo Administrativo Disciplinar poderia causar. A condição de investigado e de réu em qualquer processo traz para o acusado certo constrangimento de foro íntimo ou ainda social. Fazer com que este aguarde todo um processo demasiadamente longo, para que somente ao final se conheça uma pena mínima causaria ao réu um constrangimento muito pior do que a pena propriamente dita. Diante de todo o conteúdo analisado, conclui-se então, que o instrumento da Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar aplicado no Município de Londrina vem de encontro a busca que à Administração Pública deve ter, em recorrer a mecanismos para sua 118 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina melhoria, que promovam melhor efetividade, e meios de aperfeiçoamento de suas políticas em prol de um interesse público, através de medidas alternativas para solucionar conflitos. 5. Referências Bibliográficas BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo Administrativo Disciplinar. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003 p. 304. BARRETO, Daiane Garcias. Sinopse de Direito Administrativo. 1ª. ed. CL EDIJUR, Lemes/SP, 2011. p. 44. BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 06 de outubro de 2012. BRASIL, Lei Municipal 9.864 de 20 de dezembro de 2005. Dispõe sobre as apurações disciplinares dos servidores municipais do Poder Executivo, introduz alterações na Lei n° 4.928, de 17 de janeiro de 1992 - Estatuto do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Município de Londrina - e dá outras providências. Disponível em http://www.cml.pr.gov.br Acessada em 02 de outubro de 2012. BRASIL, Lei nº 9.099 de 26 de Setembro de 1995.Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em www.planalto.gov.br. BRASIL, Lei Municipal 10.564 de 11 de novembro de 2008. Introduz alterações na Lei Municipal n° 9.864, de 20 de dezembro de 2005, que regulamenta as apurações disciplinares dos servidores públicos municipais do Poder Executivo, e dá outras providências. Disponível em http://www.cml.pr.gov.br Acessada em 02 de outubro de 2012. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 838. HEUSELER, Elbert da Cruz. Processo administrativo disciplinar comum e militar à luz dos princípios constitucionais e da lei nº 9.784 de 1999. 2º ed. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2011. p. 52. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 96. MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3ª. ed. São Paulo : Atlas, 1999. p. 30 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil; processo de conhecimento,11º ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v.1, p.44. 119 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina O INSTITUTO DO TOMBAMENTO E SUA APLICABILIDADE NO MUNICÍPIO DE LONDRINA Júlia Saragoça Santos Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Caroline Dias de Oliva Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Sumário: 1. Introdução. 2. Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 3. Tombamento. 4. Possibilidade de Indenização Estatal. 5. Tombamento no âmbito do Município de Londrina. 6. Conclusões. 7. Referências Bibliográficas. Resumo: O presente artigo tem como objetivo a análise dos principais aspectos referentes ao instituto do tombamento, o qual se verifica como uma forma de intervenção estatal sobre a propriedade privada, por motivos de preservação do patrimônio histórico e cultural nacional e supremacia do interesse público sobre o particular. Serão apresentadas a definição de tombamento, sua natureza jurídica, espécies, procedimento, bem como a possibilidade de indenização estatal e, por fim, a análise do tombamento no âmbito do Município de Londrina/PR. Palavras-chave: Tombamento. Proteção do patrimônio histórico e cultural. Intervenção estatal sobre a propriedade privada. Bem de interesse público. 1. Introdução O presente trabalho tem por objetivo apresentar, de forma clara e objetiva, os principais aspectos relativos ao instituto do tombamento, à luz da Constituição Federal, para que haja a formação do conhecimento sobre essa forma de intervenção do Estado na propriedade privada em benefício do interesse público. Na primeira parte do trabalho, há uma breve apresentação da evolução histórica do tombamento, bem como a exposição dos dispositivos que tratam do mesmo na Constituição da República. Já na segunda parte do artigo, examinaremos o conceito de tombamento, sua natureza jurídica e as divergências doutrinárias sobre o tema, bem como as espécies e os procedimentos legais exigidos para se efetuar o tombamento de um bem. Após, nosso estudo dedicar-se-á à controvérsia relativa a existência, ou não, do dever do Estado de indenizar o proprietário do bem, mediante a análise das correntes doutrinárias divergentes. Analisaremos, também, o tombamento no âmbito municipal da cidade de Londrina/PR, 121 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina seus procedimentos e bens já tombados. Finalmente, discorreremos acerca da possibilidade de realização do tombamento por parte do poder Judiciário ante a omissão da Administração Pública. 2. Patrimônio Histórico e Artístico Nacional A proteção aos bens que integram o patrimônio histórico-cultural e artístico brasileiro foi oficialmente iniciada com a criação do Ministério da Educação e Cultura em 1937, durante o governo de Getúlio Vargas. Defendida por artistas da época, integrantes do movimento modernista, encontrou respaldo legal no Decreto-Lei n° 25 de 1937, lei nacional que estabelece o que consiste o patrimônio histórico e artístico nacional e como deve ser a sua preservação, criando um órgão responsável para tal, denominado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 216, definiu o que vem a ser patrimônio cultural, recepcionando o Decreto-Lei n° 25/371, e dispondo acerca das formas de preservação do mesmo, revelando a preocupação do constituinte com a tutela daquele: Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação (...). Como se depreende da leitura do § 1° do artigo supratranscrito, o tombamento é uma das formas de proteção ao patrimônio cultural nacional e tal proteção, segundo o artigo 23, inciso III, da Carta Magna, é competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. BRASIL. Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República, 1937. Disponível em: <http:// http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del0025.htm>. Acesso em: 23 ago. 2013. 1 122 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina A competência para legislar acerca da matéria é concorrente à União e aos Estados, conforme determina o artigo 24, inciso III, da CF, restando aos Municípios a legislação de caráter local e suplementar (art. 30, incisos I e II, CF). 3. Tombamento 3.1 Definição O tombamento significa um conjunto de ações do Poder Público, consistindo numa forma de intervenção do Estado na propriedade privada, com a finalidade de preservar bens culturais de valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental, impedindo que venham a ser demolidos, destruídos ou danificados. Pode ser aplicado tanto a bens móveis quanto imóveis, entretanto somente aqueles materiais e de interesse coletivo e para a preservação da memória cultural de um determinado local. 2 O tombamento pode incidir sobre bens como edificações, objetos, núcleos urbanos, jardins e paisagens, podendo ser solicitado por meio dos órgãos responsáveis pela preservação, ou seja, o próprio Poder Público, pessoa jurídica e/ou qualquer cidadão. 3 O vocábulo tombamento tem origem no direito português, que utiliza o termo “tombar” no sentido de registrar, arrolar, inscrever nos arquivos do Reino, guardados na Torre do Tombo. 4 Através do tombamento, o Poder Público pode determinar a inscrição dos bens considerados relevantes ao interesse da coletividade nos Livros do Tombo, ou seja, que possuírem valor histórico ou artístico, impondo restrições ao titular do bem tombado, ainda que seja de propriedade particular. Para José dos Santos Carvalho Filho, tombamento é a forma de intervenção na propriedade pela qual o Poder Público procura proteger o patrimônio cultural brasileiro. Quando o Estado intervém na propriedade privada para proteger o patrimônio cultural, pretende preservar a memória nacional. É o aspecto histórico de um país, como por todos reconhecido, que faz parte da DEPARTAMENTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO. O processo de tombamento na Cidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/patrimonio_historico/preservacao/index.php?p= 431>. Acesso em: 19 ago. 2013. 3 IPHAN, Coletânea Brasília 50 anos 2010, 1ª edição 2009. In: Bens tombados. Disponível em: <http://www.brasiliapatrimoniodahumanidade.df.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6&Itemid=8>. Acesso em: 19 ago. 2013. 4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 606. 2 123 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina própria cultura do povo e representa a fonte sociológica de identificação dos vários fenômenos sociais, políticos e econômicos existentes na atualidade.5 Conforme preceitua Maria Sylvia Zanella Di Pietro: 6 O tombamento pode ser definido como o procedimento administrativo pelo qual o poder público sujeita a restrições parciais os bens de qualquer natureza cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da história ou por seu excepcional valor arqueológico ou etnológico, biográfico ou artístico. Ainda segundo a autora, o tombamento se caracteriza como procedimento administrativo e não simples ato, pois são necessários diversos atos preparatórios, os quais são essenciais à validade do ato final, que é a efetiva inscrição no Livro do Tombo. Boa conceituação também oferece Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o qual o define como intervenção concreta do Poder Público na propriedade privada, limitando o exercício dos direitos inerentes à propriedade, com a finalidade de preservação, sob regime especial, dos bens de valor cultural, histórico, arqueológico, turístico ou paisagístico. 7 3.2 Natureza Jurídica A natureza jurídica do tombamento é um ponto controvertido na doutrina, variando conforme o enfoque dado pelos autores sobre o assunto. A análise comumente feita baseia-se em dois aspectos, quais sejam: se o ato de tombamento é discricionário ou vinculado; e se a restrição que resulta do tombamento constitui servidão administrativa ou limitação administrativa à propriedade. Quanto ao primeiro aspecto, há quem defenda que se trata de ato administrativo vinculado e outros que alegam tratar-se de ato discricionário. 5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. Rio de janeiro: Editora Lúmen Júris, 2012. p. 805. 6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2013. p. 117-118. 7 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 318. 124 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Segundo Hely Lopes Meirelles, o tombamento é realizado através de procedimento vinculado, ou seja, não existe margem de discricionariedade conferida ao Poder Público, o qual deve seguir exatamente o que dispõe a lei. 8 Já a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro possui entendimento diverso sobre o tema, defendendo que se trata de ato discricionário, haja vista que a autoridade competente irá proceder ao reconhecimento do valor cultural do bem para fins de proteção, determinando ou não o tombamento. Todavia, a recusa em fazê-lo deve ser motivada, sob pena de a discricionariedade conferida ao Poder Público transformar-se em mero arbítrio. 9 Contudo, visto que o procedimento para efetivação do tombamento, assim como qualquer outro, está disciplinado em lei, seu trâmite é atividade vinculada. Contudo, a valoração do bem quanto aos aspectos históricos e artísticos que possam levá-lo ao eventual tombamento, é atividade discricionária, pelo fato de que a própria lei (Dec. Lei n° 25/1937) deixou um espaço para a avaliação do administrador, não determinando quais tipos de bens devam ou não ser tombados.10 Esse é o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho11: É preciso fazer uma distinção quanto ao motivo do ato. Sob o aspecto de que o tombamento há de ter por pressuposto a defesa do patrimônio cultura, o ato é vinculado, o que significa que o autor do ato não pode praticá-lo apresentando motivo diverso. Está, pois, vinculado a essa razão. Todavia, no que concerne à valoração da qualificação do bem como natureza histórica, artística etc. e da necessidade de sua proteção, o ato é discricionário, visto que essa avaliação é privativa da Administração. Com relação à questão de que o tombamento constitui servidão administrativa ou limitação administrativa à propriedade, a doutrina não é uniforme. Celso Antônio Bandeira de Mello, Ruy Cirne Lima e Adilson Abreu Dallari entendem que o tombamento constitui modalidade de servidão administrativa, porque, ao contrário da simples limitação, incide sobre imóvel determinado, causando a seu proprietário ônus maior do que o sofrido pelos demais membros da coletividade. Consoante Celso Antônio, “sempre que seja necessário um ato específico da Administração impondo MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 608. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2013. p. 153-154. 10 HOLANDA. Marcella Carneiro. O tombamento como instrumento de preservação do patrimônio histórico e cultural. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/4205.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2013. 11 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2012. p. 809. 8 9 125 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina um gravame, por conseguinte, criando uma situação nova, atingiu-se o próprio direito e, pois, a hipótese é de servidão.” 12 Maria Sylvia Zanella Di Pietro diverge dos autores alhures e entende que, embora o tombamento seja feito, voluntária ou compulsoriamente, mediante inscrição no Livro do Tombo, dependendo, portanto, de ato administrativo que individualize o bem tombado, não se trata de servidão, pelo fato de não haver coisa dominante. A restrição não é imposta em benefício de coisa afetada a fim público ou serviço público, mas, ao contrário, tem por objetivo satisfazer a interesse público genérico e abstrato, a saber, o patrimônio histórico e artístico nacional. 13 Já o Prof. José dos Santos Carvalho compartilha do entendimento de que o tombamento não é nem servidão nem limitação administrativa. Trata-se realmente de instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada, com fisionomia própria e inconfundível com as demais formas de intervenção, possuindo natureza concreta e específica, razão por que, diversamente das limitações administrativas, se configura como uma restrição ao uso da propriedade.14 3.3 Espécies AS espécies de tombamento podem ser agrupadas levando-se em consideração a manifestação da vontade ou a eficácia do ato. No que se refere ao primeiro aspecto, o tombamento pode ser voluntário ou compulsório. Voluntário é aquele em que o proprietário consente no tombamento, seja através de pedido que ele mesmo formula ao Poder Público, seja quando concorda com a notificação que lhe é dirigida no sentido da inscrição do bem. O tombamento é compulsório quando o Poder Público inscreve o bem como tombado, apesar da resistência e do inconformismo do proprietário. Já quanto à eficácia do ato, pode ser provisório ou definitivo. É provisório enquanto está em curso o processo administrativo instaurado pela notificação, e definitivo quando, após concluído o processo, quando o Poder Público procede à inscrição do bem no Livro do Tombo. Dispõe o art. 10 do Decreto-lei nº. 25/37 que o tombamento “será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos bens”. 12 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2013. p. 154. 13 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2013. p. 154. 14 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2012. p. 809. 126 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina A doutrina admite, ainda, a classificação do tombamento em individual, quando atinge um bem determinado, e geral, quando alcança todos os bens situados em um bairro ou uma cidade. 15 José dos Santos Carvalho Filho discorda da classificação alhures, sob o escopo de que o tombamento tem sempre caráter individual, ou seja, os efeitos do ato alcançam diretamente apenas a esfera jurídica do proprietário de determinado bem. O dito tombamento geral, sob sua ótica, seria ato limitativo de natureza genérica e abstrata incongruente com a natureza do instituto. Em outras palavras, quando várias edificações de um bairro ou uma cidade são alvo de tombamento, tal ocorre porque foi considerada cada uma delas, por si, como suscetível de proteção histórica ou cultural.16 Neste caso, para o referido autor, a abrangência do ato atinge várias edificações tão-somente pela circunstância de serem elas contíguas ao momento em que se criou a proteção. Mas, por suposição, um dos imóveis dentro do agrupamento não mais tiver a peculiaridade histórica que reveste os demais (em virtude, por exemplo, de demolição da construção anterior e de nova construção ocorridas antes do momento em que se diligencia a proteção), tal imóvel não poderá ser tombado, porquanto lhe faltará o pressuposto que gerou a proteção dos demais e seu consequente tombamento. 3.4 Procedimento O ato de tombamento é o último ato do processo administrativo exigido pela lei para averiguar adequadamente os aspectos que levam à necessidade de intervenção na propriedade para a proteção do bem tombado. 17 O processo não possui um rito predeterminado, podendo sua tramitação e os atos que o compõem variar conforme a espécie/modalidade do bem a ser tombado. Há, porém, alguns atos que devem integrá-lo necessariamente, quais sejam: o parecer do órgão técnico-cultural e a notificação do proprietário. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2013. p. 135. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2012, p. 809/910. 17 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2012, p. 813. 15 16 127 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina O Conselho Consultivo do órgão responsável pelo processo de tombamento, após as manifestações dos técnicos e do proprietário, define o processo, podendo anulá-lo, caso constate alguma ilegalidade; rejeitar a proposta do órgão técnico ou homologá-la, se necessário o tombamento. No caso de bem público, após a manifestação do órgão técnico, a autoridade administrativa determina a inscrição do bem no Livro do Tombo, notificando a pessoa jurídica de direito público titular do bem ou que o tenha sob sua guarda. Em se tratando de tombamento voluntário requerido pelo próprio proprietário do bem, o órgão técnico também deverá se manifestar e, em caso de preenchimento dos requisitos, será determinada a sua inscrição no Livro do Tombo e a respectiva transcrição no Registro de Imóveis, desde que se trate de bem imóvel. Sendo assim, em regra, o procedimento do tombamento compulsório compreende os seguintes atos: manifestação do órgão técnico, notificação ao proprietário, impugnação, manifestação do órgão que tomou a iniciativa do tombamento, decisão pelo órgão técnico, homologação pelo Ministro da Cultura, inscrição no Livro do Tombo. Verifica-se, pois, que ao proprietário do bem é assegurado o princípio fundamental do devido processo legal (due processo of law) e o direito ao contraditório e à ampla defesa, incluindo os meios de prova que visem a demonstrar a inexistência de relação entre o bem a ser tombado e a proteção ao patrimônio cultural (art. 5º, LV, da Carta Magna18). Pois bem, se o proprietário anuir, por escrito, à notificação do tombamento, ou não impugná-lo, tem-se o tombamento voluntário, com a inscrição no Livro do Tombo; havendo impugnação, será dada vista, no prazo de 15 dias, ao órgão que tiver tomado iniciativa do tombamento, a fim de sustentar as suas razões. Ademais, último dado a assinalar no tocante ao procedimento é o que se refere à possibilidade de ser cancelado o tombamento. Pelo artigo 10 do Decreto-lei nº. 25, a decisão do tombamento não era passível de recurso. Porém, esse dispositivo ficou revogado pelo Decreto-lei nº 3.86619, de 29/11/1941, ao estabelecer que “o Presidente da República, atendendo a motivos de interesse público, poderá determinar, de ofício ou em grau de recurso, interposto por qualquer legítimo interessado, seja cancelado o tombamento de bens pertencentes à União, ao Estado, aos Municípios ou a pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, feito no IPHAN, de acordo com o Decreto-lei nº 25/1937”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, D.F: Senado, 1988. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.866, de 29 de novembro de 1941. Dispõe sobre tombamento de bens no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Diário Oficial, Brasília, DF, 29 nov. 1941. Seção 1, P. 22368. 18 19 128 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 4. Possibilidade de Indenização Estatal A princípio, o tombamento não gera direito à indenização ao titular do bem tombado, visto que não retira totalmente o direito de propriedade, mas apenas o restringe. O DecretoLei n° 25 de 1937, traz as restrições que são impostas aos proprietários, as quais encontram legitimidade em um dos princípios basilares do regime jurídico administrativo, qual seja: a supremacia do interesse público sobre o privado. Contudo, as mencionadas restrições não retiram do particular o exercício dos direitos de domínio. Deste modo, a indenização só será cabível caso o proprietário demonstre o prejuízo sofrido em decorrência do tombamento. Vale ressaltar que, caso o procedimento imponha restrições totais, impedindo que o proprietário exerça os direitos inerentes ao domínio, não seria cabível o tombamento e sim a desapropriação, visto que a lei não prevê que aquele possa restringir de forma integral o direito de propriedade. 20 Se o tombamento não vier a acarretar dano algum ao proprietário do bem, permanecendo este no exercício de seu direito de propriedade, ainda que de maneira restrita, isto é, sem haver prejuízo ou privação aos elementos do domínio, não há que se falar em indenização compensatória, tendo em vista a falta de dano efetivo. O Prof. José dos Santos Carvalho Filho ratifica o exposto acima: 21 O tombamento, por significar uma restrição administrativa que apenas obriga o proprietário a manter o bem tombado dentro de suas características para a proteção do patrimônio cultural, não gera qualquer dever indenizatório para o Poder Público, e isso porque nenhum prejuízo patrimonial é causado ao dono do bem. Somente se o proprietário comprovar que o ato de tombamento lhe causou prejuízo, o que não é a regra, é que fará jus à indenização. Portanto, a possibilidade de indenização decorrente de danos sofridos pelo tombamento deve ser analisada segundo o caso concreto, que pode variar entre a insignificância até a supressão total do exercício do direito de propriedade.22 De qualquer modo, se houver comprovação efetiva de prejuízo, o proprietário deverá formular o seu pedido indenizatório no prazo de 05 (cinco) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2013, p. 120. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris. 2012, p. 768. 22 HOLANDA. Marcella Carneiro. O tombamento como instrumento de preservação do patrimônio histórico e cultural. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/4205.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2013. 20 21 129 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina anos, contando-se o prazo a partir do ato que efetivou o tombamento, sob pena de sujeitar-se à prescrição de sua pretensão. 5. Tombamento no âmbito do Município de Londrina O tombamento pode ocorrer em nível federal, estadual e municipal. Assim, pode ser feito pela União, por intermédio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; pelo Governo Estadual, por meio da Secretaria de Estado da Cultura; ou pelas administrações municipais, no caso do município de Londrina, Estado do Paraná, pela Secretaria Municipal de Cultura. Como já mencionado anteriormente, a lei que disciplina quais bens podem vir a ser tombados e como será efetivado o processo no âmbito federal é o Decreto-lei n° 25/1937 e, no Estado do Paraná, o procedimento é estabelecido pela Lei n° 1.211 de 1953. 23 Há na cidade de Londrina quatro bens tombados pelo Patrimônio Histórico Estadual, quais sejam: O Museu de Arte de Londrina (Antiga Rodoviária), a Praça Rocha Pombo (Anexo ao Museu de Arte), o Palacete de Celso Garcia Cid e o Cine Teatro Universitário Ouro Verde. Ressalte-se que a antiga rodoviária (atual Museu de Arte) foi incluída em um processo de tombamento pelo IPHAN, considerando que representa um marco da arquitetura e urbanização de Londrina e é uma das obras de João Batista Vilanova Artigas, um dos principais nomes da arquitetura brasileira. Assim como o Museu, o Cine Teatro Ouro Verde (também obra de Vilanovas Artigas) foi incluído no mesmo processo de tombamento pelo Instituto, por solicitação da Universidade Estadual de Londrina, que administrava o teatro à época, porém, na tarde de 12 de fevereiro de 2012, lamentavelmente, um incêndio de grandes proporções destruiu o edifício. Após debates acerca da restauração do Teatro Ouro Verde, entre representantes da Secretaria de Estado da Cultura, da Universidade Estadual de Londrina e do IPHAN, decidiu-se que a recuperação da obra é viável. Entretanto, relativamente ao tombamento pelo Patrimônio Histórico Municipal, a Lei n° 11.18824, de 19 de abril de 2011, dispõe acerca da preservação do patrimônio cultural de Londrina PARANÁ. Lei nº 1.211, de 16 de setembro de 1953. Dispõe sobre o patrimônio histórico, artístico e natural do Estado do Paraná. Disponível em: <http://http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=5>. Acesso em 30 set. 2013. 23 130 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina e estabelece os processos de listagens de bens de interesse de preservação, o processo de tombamento municipal, bem como cria o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural – COMPAC. O processo de tombamento no âmbito do município de Londrina, conforme dispõe o artigo 28 da lei, ocorre da seguinte forma: Art. 28. O processo de Tombamento obedecerá às seguintes fases distintas: I - Pedido de Tombamento; II- Notificação ao proprietário do Tombamento provisório; III - Instrução para eventual impugnação; IV - Deliberação pela Secretaria Municipal de Cultura instruída de parecer técnico; V - Encaminhamento ao COMPAC – Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, para parecer; VI - Encaminhamento à Secretaria Municipal de Cultura, para decisão final; VII - Registro no Livro do Tombo Municipal; VIII - Notificação ao proprietário do tombamento definitivo; e IX - Publicação no Jornal Oficial do Município. Parágrafo único. A Secretaria Municipal de Cultura possuirá Livro do Tombo Municipal, no qual serão registrados os bens culturais tombados pelo Município. Entretanto, atualmente no Município de Londrina, inexistem bens tombados no âmbito municipal, haja vista que a Lei n° 11.188/2011, acima mencionada, ainda carece de regulamentação por parte do Poder Executivo, de modo que há somente listagens e inventários de bens que poderão vir a ser, eventualmente, tombados. Na diretoria de Patrimônio da Secretaria de Cultura existem pastas as quais contêm todo o patrimônio artístico, arquitetônico e urbano-paisagístico, catalogado desde 2002, por uma equipe de colaboradores. Todavia, o inventário nada mais é que mero reconhecimento de que determinado bem possui valor histórico que justifique eventual tombamento, o que não o protege efetivamente de uma demolição, por exemplo, ou ainda da deterioração por falta de cuidados necessários. A efetivação da Lei n° 11.188/2011 colide com a carência de pessoal qualificado para realizar o trabalho, sendo que não há previsão para abertura de concurso para suprir essa carência. Neste ínterim, o patrimônio histórico-cultural de Londrina fica vulnerável a dilapidações, muitas vezes cedendo lugar a novos prédios e construções. 24LONDRINA. Lei nº 11.188, de 19 de abril de 2011. Disponível em <http:// http://www1.londrina.pr.gov.br/dados/images/stories/Storage/sec_cultura/patrimonio_historico/lei_11118_2011.pdf>. Acesso em 30 set. 2013. 131 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Acrescente-se, ainda, que existem leis municipais que dispõem acerca de bens que devem ser tombados, a título de exemplo, podemos citar a Lei n° 9.711/200525, a qual declara de utilidade pública, para fins de tombamento, o Cemitério Municipal localizado na quadra 45, no Patrimônio Heimtal. Contudo, tais leis, apesar de vigentes, não produzem efeitos jurídicos, haja vista a falta de efetivação do processo de tombamento municipal. Ante os fatos expostos acima, é de se questionar a possibilidade de tombamento realizado pelo Poder Judiciário ante a omissão da Administração Pública. Ora, se o poder público não procede à efetivação da lei e, por conseguinte, compromete a preservação de bens que simbolizam a história de um local, o Judiciário, devidamente provocado, pode suprir a omissão e determinar a inclusão de bens no patrimônio cultural, independentemente do critério administrativo. Não há que se falar em transgressão ao Princípio da Tripartição dos Poderes, visto que, pelo sistema uno de Jurisdição, o Poder Executivo não está isento de controle judicial quando descumpre com suas atribuições. Em decorrência da falta de proteção de bens culturalmente relevantes - ausência do ato de tombamento - são cabíveis Ação Civil Pública e Ação Popular, nas quais os legitimados buscarão a tutela jurisdicional no sentido de proteger o patrimônio histórico-cultural de uma região. 26 Assim, ante a omissão do Poder Executivo e/ou Legislativo, como ocorre atualmente no município de Londrina/PR, com base no princípio basilar da supremacia do interesse público sobre o privado, pode a sociedade valer-se dos instrumentos jurídicos supracitados para buscar o acautelamento e preservação do patrimônio histórico e cultural da região. 6. Conclusão O instituto do tombamento, como foi exposto no presente estudo, foi criado para a preservação da história de determinado local, evitando a perda dos bens materiais que o representem. Através do procedimento de tombamento, o Poder Público impede que o LONDRINA. Lei nº 9.711, de 13 de janeiro de 2005. Disponível em: <http: // https://www.leismunicipais.com.br/a/pr/l/londrina/lei-ordinaria/2005/971/9711/lei-ordinaria-n-9711-2005-declara-de-utilidadepublica-para-fins-de-tombamento-o-cemiterio-municipal-localizado-na-quadra-45-entre-as-ruas-franz-wallenoffer-ericobrehmer-e-ludwig-dreeger-no-patrimomio-heimtal-visando-a-sua-conservacao-e-a-sua-preservacao-historica-e-cultural2005-01-13.html>. Acesso em 30 set. 2013. 26 CISNEIROS, Leonardo. Possibilidade de tombamento pelo Poder Judiciário. Disponível em: <http://direitosurbanos.wordpress.com/2013/04/22/possibilidade-de-tombamento-pelo-poder-judiciario/>. Acesso em: 22 ago. 2013. 25 132 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina patrimônio cultural seja suprimido em virtude de demolição, ou deterioração. Não obstante, é de suma importância a criação de mecanismos que facilitem essa proteção, tais como incentivos à preservação, restauração e recuperação de edificações que constituam marcos históricos. A população deve ser conscientizada quanto a necessidade de se preservar os bens com valor histórico, para a própria preservação da memória dos antepassados que tanto contribuíram para a construção do que existe atualmente, de modo que fica a cargo dos órgãos responsáveis pelo tombamento o incentivo à conservação do patrimônio cultural e divulgação de seus projetos. Como forma de intervenção estatal na propriedade, o tombamento não penaliza o proprietário do bem, já que o interesse da coletividade, em um Estado de Direito, sobrepõe-se ao seu e, assim, estará ele contribuindo para garantir a perpetuidade de valores histórico-culturais do nosso país. Relativamente ao Município de Londrina, são necessários avanços na aplicação da Lei Municipal n° 11.188/2011, para além do mero levantamento dos bens que serão, eventualmente, tombados, contratando profissionais especializados e traçando metas para, gradativamente, salvaguardar o patrimônio cultural de Londrina. Por fim, cumpre ressaltar a existência da possibilidade de buscar-se, perante o Poder Judiciário, a proteção dos bens de valor histórico ante a inércia da Admnistração Pública. 7. Referências Bibliográficas BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. BRASIL. Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República, 1937. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 06 dez. 1937. Seção 1, p. 24056. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.866, de 29 de novembro de 1941. Dispõe sobre tombamento de bens no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Diário Oficial, Brasília, DF, 29 nov. 1941. Seção 1, p. 22368. LONDRINA. Lei nº 9.711, de 13 de janeiro de 2005. Declara de utilidade pública, para fins de tombamento, o Cemitério Municipal localizado na quadra 45, entre as Ruas Franz Wallenoffer Érico Brehmer e Ludwig Dreeger, no patrimônio Heimtal, visando à sua conservação e a sua preservação histórica e cultural. Disponível em: <http: // https://www.leismunicipais.com.br/a/pr/l/londrina/lei-ordinaria/2005/971/9711/lei-ordinarian-9711-2005-declara-de-utilidade-publica-para-fins-de-tombamento-o-cemiterio-municipallocalizado-na-quadra-45-entre-as-ruas-franz-wallenoffer-erico-brehmer-e-ludwig-dreeger-no- 133 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina patrimomio-heimtal-visando-a-sua-conservacao-e-a-sua-preservacao-historica-e-cultural-2005-0113.html>. Acesso em 30 set. 2013. LONDRINA. Lei nº 11.188, de 19 de abril de 2011. Dispõe sobre a Preservação do Patrimônio Cultural do Município de Londrina, criando os processos de listagem de bens de interesse de preservação e o processo de tombamento municipal, cria o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural e o Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de Londrina. Disponível em <http:// http://www1.londrina.pr.gov.br/dados/images/stories/Storage/sec_cultura/patrimonio_historico/lei_111 18_2011.pdf>. Acesso em 30 set. 2013. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris. 2012. CISNEIROS, Leonardo. Possibilidade de tombamento pelo Poder Judiciário. Disponível em: <http://direitosurbanos.wordpress.com/2013/04/22/possibilidade-de-tombamento-pelo-poderjudiciario/>. Acesso em: 22 ago. 2013. DEPARTAMENTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO. O processo de tombamento na Cidade de São Paulo. 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Dispõe sobre o patrimônio histórico, artístico e natural do Estado do Paraná. Disponível em: <http://http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=5>. Acesso em 30 set. 2013. 134 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina DÍVIDA ATIVA MUNICIPAL E O “PROTESTO” COMO “ALTERNATIVA EFICIENTE” AO “CUSTO” DA EXECUÇÃO FISCAL: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Luiz Henrique Antunes Alochio Doutor em Direito da Cidade, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Mestre em Direito Tributário e Empresarial pela Universidade Cândido Mendes – UCAM-RJ. Procurador do Município de Vitória (ES). SUMÁRIO: 1. Apresentação. 2. Breve Introdução. 3. Uma variável esquecida: a Lei de Responsabilidade Fiscal e seus efeitos. 4. A desestruturação das Procuradorias Municipais. Um caso a ser analisado de perto. 5. Se a cobrança da Dívida Ativa fosse uma “firma”, e as Procuradorias Municipais e o Judiciário fossem “filiais”. 6. “Teorema de Garrincha”. 7. A adoção de sistemas auxiliares de cobrança não exime a execução fiscal. 8. Conclusões e sugestões de procedimentos. 1. Apresentação Trata de breve levantamento de dados feito a partir de questão havida no Estado do Espírito Santo. Toma por base quatro realidades de execuções fiscais municipais daquele estado: a cidade de Vitória; duas outras comarcas de pequeno porte — Piúma e Anchieta —; e ainda uma comarca de médio porte, Cachoeiro de Itapemirim. A primeira cidade, capital do Estado, possui o maior número de execuções fiscais do Poder Judiciário estadual; a duas comarcas de pequeno porte são referidas usualmente pelo próprio Judiciário Estadual como sendo exemplos da crise da jurisdição em decorrência do volume dos processos de execução fiscal municipal em cada uma; por fim, a última cidade é utilizada como modelo de sucesso na cobrança da dívida, que já adotaria o sistema de protesto de certidão de dívida ativa há mais de uma década, possibilitando arrecadação de 50% ou mais das CDA’s enviadas a protesto, em prazo célere, e sem a judicialização da cobrança. Ocorrem, todavia, algumas confusões que precisam ser esclarecidas quando a análise econômica das execuções fiscais é realizada sem foco na realidade de alguns elementos específicos. Exatamente o que a pesquisa busca esclarecer, ao menos em parte. Inicia a pesquisa com dados das quatro comarcas acima referidas, além de inserir no discurso duas outras questões até o momento relegadas ao silêncio: primeiro, o impacto da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre a jurisdição, notadamente os executivos fiscais; e segundo, a dívida ativa municipal não tem exclusiva finalidade arrecadatória (possui muita finalidade extrafiscal). 135 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 2. Breve Introdução A Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo em 24 de 1 agosto de 2012 realizou seminário sobre a adoção de métodos alternativos ao uso da execução fiscal. É necessário deixar desde logo uma contrariedade à nomenclatura então utilizada: “métodos alternativos”. A execução fiscal não é, em nosso sistema legal, prescindível ou substituível. Ficou evidenciada, porém, a sugestão do uso do “protesto de títulos”, na forma da Lei Federal nº 9492/1997, diante do elevado número de processos de execução fiscal no Poder Judiciário estadual. Sejam tais execuções decorrentes de créditos do próprio estado ou de seus municípios, e respectivas entidades da administração indireta. Refletiu-se, na ocasião, que o art. 1º da Lei Federal nº 9492/19972 não cria exceção ao tipo de “outros documentos de dívidas” que podem ser levados a protesto: logo, nada impediria que se levassem as Certidões de Dívida Ativa (CDA’s) ao sistema de registro de protesto de títulos. Na mesma ocasião foi assinado um protocolo com a Procuradoria Geral do Estado visando a adoção do protesto de títulos como já preconizado pela Lei Estadual nº 9876/2012.3 Não se oportunizou, todavia, um debate de ideias.4 Em especial não se discutiu a jurisprudência de inúmeros tribunais, mesmo do Tribunal do Espírito Santo,5 que consideram o protesto da dívida ativa como ilegítimo.6 Vale dizer, o próprio Superior Tribunal de Justiça sequer admitiu o tema do “protesto da Dívida Ativa” como recurso de tema repetitivo. Tanto que desafetou o recurso que trata sobre a questão dentre os que seriam julgados como repetitivos.7 De outro lado o Conselho Nacional 1 http://www.anoreg.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=18856:tjes-seminario-discute-o-protesto-decertidoes-de-divida-ativa-&catid=54&Itemid=184 2 Lei 9492/97: Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. 3http://www.sefaz.es.gov.br/legislacaoonline/lpext.dll/InfobaseLegislacaoOnline/leis/2012/lei%209876.htm?fn=documentframe.htm&f=templates&2.0 4 Vê-se do roteiro de expositores (vide link da nota 2) que nenhuma autoridade ligada aos Municípios sequer teve oportunizada a possibilidade de apresentar o ponto de vista Municipal. 5 EMENTA : AGRAVO DE INSTRUMENTO.MANDADO DE SEGURANCA.NEGATIVA DE LIMINAR . COBRANCA DE DIVIDA ATIVA POR BOLETO BANCARIO SOB AMEACA DE PROTESTO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLACAO AO COD.TRIB.MUNICIPAL. AGRAVO PROVIDO. CABE LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANCA VEDANDO A COBRANCA DE DIVIDA ATIVA MUNICIPAL, ATRAVES DE BOLETO BANCARIO CONTENDO AMEACA DE PROTESTO. AGRAVO PROVIDO. (TJES, Classe: Agravo de Instrumento, 11999000737, Relator : NIVALDO XAVIER VALINHO, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 22/05/2001, Data da Publicação no Diário: 12/06/2001) 6 Dentre outros: TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA - CDA. PROTESTO. DESNECESSIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afirmado a ausência de interesse em levar a protesto a Certidão da Dívida Ativa, título que já goza de presunção de certeza e liquidez e confere publicidade à inscrição do débito na divida ativa. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1316190/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2011, DJe 25/05/2011) 7 Valor Econômico. 16/01/2012. http://www.valor.com.br/brasil/1195746/stj-nao-julgara-protesto-de-certidao 136 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina de Justiça (CNJ), sinaliza em sentido favorável à regulação do protesto de dívida ativa como meio de desafogar a jurisdição.8 Importa dizer: o Judiciário só está mudando de rumo por conta do assoberbamento da jurisdição. Sem dar “razão jurídica” para esse nova opinião. Aliás, opinião muitas vezes tentada pelos credores públicos, inclusive municipais. A despeito do caminho ao cabimento do protesto das CDA’s, certo é que a visão do protesto e outros instrumentos de cobrança extrajudicial como sendo uma “alternativa” às execuções fiscais é um equívoco. Não raras vezes o discurso de defesa dos meios administrativos de cobrança vislumbra como benefício primeiro, ao lado da célere arrecadação, a redução substancial do assoberbamento da jurisdição nas Varas especializadas em feitos das Fazendas Públicas ou, nas Comarcas de menor porte, das varas cíveis responsáveis pelo executivo fiscal. Ocorre que, como se vê, não foram ouvidos, como de fato invariavelmente não o são, os Entes Públicos maiores geradores, em termos quantitativos, de executivos fiscais: os Municípios. Os números são de estarrecer. Se fizermos a pergunta: qual o maior cliente do Poder Judiciário Estadual? Aquele que mais acessa a jurisdição? Teremos como resposta: as execuções fiscais municipais. Segundo dados divulgados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2012 havia 11,1 milhões de execuções fiscais em trâmite na primeira instância, equivalendo a 56% de todo o acervo processual do primeiro grau. E 90% destas execuções fiscais são Municipais!9 A realidade não é muito diferente nos demais estados brasileiros. Com isso, uma leitura aparente óbvia, mas totalmente equivocada, tem sido feita. Não se tem criado para os Municípios um campo de diálogo. O tom dos debates praticamente preconizou uma premissa manca de confirmação: as procuradorias municipais e as secretarias municipais de fazenda são ineficientes, pois geram milhares de execuções fiscais que não terminam. Demonstra-se desconhecer a realidade dos lançamentos fiscais municipais (aos milhares ou milhões todos os anos, em razão principalmente do IPTU). Em sua maioria tributos com finalidade não apenas arrecadatória, mas indutora de comportamentos (tributação extra-fiscal) além de sanções. O presente estudo não milita em desfavor de métodos alternativos à execução fiscal — rectius: o correto é afirmar que são métodos acessórios à execução fiscal, já que esta não é prescindível “O procedimento Ato nº 0007390-36.2009.2.00.0000 que trata de proposta de recomendação aos Tribunais de edição de ato normativo que regulamente a possibilidade de protesto extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa foi aprovado à unanimidade, recebeu o nº 32.” (http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/atas-da-presidencia/11139certidoes-de-julgamento-da-102o-sessao-ordinaria-06-de-abril-de-2010) 9 http://www.conjur.com.br/2013-jan-23/tj-sp-lanca-cartilha-alternativas-execucao-fiscal-prefeitos 8 137 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina (por enquanto) em nossa legislação. Faz-se mister, antes de qualquer outro passo, que algumas observações sejam expostas: I. Não se discorda do fato de serem as Execuções Fiscais, isoladamente, um sistema ineficiente de cobrança: em termos quantitativos ou qualitativos, como a realidade e os estudos do CNJ/IPEA têm demonstrado; II. Não se discorda da premissa de serem as Execuções Fiscais processos que envolvem custos elevados — e não só os custos financeiros; III. Não se discorda que os Municípios têm elevadíssimo número de execuções fiscais — até mesmo pela natureza dos tributos municipais, voltados para a tributação imobiliária urbana; IV. Não se discorda que os Municípios têm execuções fiscais que individualmente consideradas são de baixíssima relação “valor executado” x “custo da execução”, também em razão da característica de seus tributos, notadamente os tributos imobiliários; V. Não se discorda que boa parte dos Municípios têm uma deficitária estrutura física e de pessoal em suas Procuradorias Fiscais, e uma ausência em muitos casos de sistemas de gerenciamento dos serviços jurídicos. Todavia, não se pode concordar com o argumento simplista de ser essa realidade municipal a culpada pelo assoberbamento dos trabalhos da jurisdição estadual nas execuções fiscais. O discurso sob tal viés praticamente consigna como culpa das secretarias municipais de fazenda e das procuraturas locais o excesso de execuções fiscais, como se a origem de todas as mazelas da jurisdição nos executivos fiscais daí decorresse. Essa perspectiva equivale a uma superficial leitura law & economics dos dados contidos em estudos do IPEA.10 A visão das execuções fiscais municipais tem sido tão simplória que se lhe deve negar até mesmo uma pecha de visão utilitarista. A leitura tem sido míope, pois sumariamente oblitera diversas variáveis que interferem nas conclusões sobre os executivos fiscais. Não são necessariamente variáveis econômicas. Mas também variáveis econômicas, que talvez tenham passado despercebidas, não do IPEA, mas do intérprete que fez a leitura daqueles estudos econômicos. Assim posta a situação, faz-se adiante uma releitura da questão dos métodos acessórios às execuções fiscais, a partir da realidade do Estado do Espírito Santo. 10http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/120103_comunicadoipea127.pdf http://s.conjur.com.br/dl/pesquisa-ipea-cnj-custo-execucao-fiscal.pdf. ou mais completo: 138 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 3. Uma variável esquecida: a Lei de Responsabilidade Fiscal e seus efeitos. Cabe inicialmente recordar uma variável obliterada no discurso que se faz sobre o uso do protesto de CDA’s. A questão da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que a partir do início dos anos 2000 passou a tomar conta da gestão fiscal no Brasil. O país, ao final da década de 1990 e início dos anos 2000, passou por um amplo debate a respeito da chama responsabilidade fiscal. O final desse debate político culminou com a edição da Lei Complementar nº 101 de 04 de maio de 2000 (LRF). Logo em seguida à aprovação da então novel legislação houve toda forma de reação ao texto normativo: desde a aspiração de tábua de salvação da pátria, à galhofaria que referia não passar o projeto aprovado de uma simplória e mal feita tradução de texto semelhante da Nova Zelândia.11 Importa, de fato, é saber que a noção de responsabilidade fiscal trouxe consigo a potencial geração de sanções para os maus gestores. Houve naquela legislação, v.g., a criação do conceito de renúncia de receitas, capaz de caracterizar a gestão fiscal irresponsável. Especial atenção é devida a outro conceito que foi reforçado a partir da LRF, especialmente em seu art. 11,12 qual seja, o de efetiva arrecadação dos tributos, que estará intimamente ligado à ideia de gestão responsável. A partir da LRF já não bastavam apenas o lançamento, ou a inscrição em dívida ativa; naquele instante, surgia como previsão legal expressa a noção de efetiva arrecadação dos valores devidos às fazendas públicas. A LRF ainda fez outras citações à cobrança da dívida ativa, denotando a relevância da efetiva gestão da cobrança no conceito de gestão fiscal responsável.13 Nessa ambiência não era difícil antever que os Entes Públicos, aí incluídos os Municípios seriam compelidos a interromper a prática da barganha das isenções, anistias e remissões, que coincidentemente ocorriam em períodos próximos às eleições. Teriam ainda de providenciar melhorias para o efetivo lançamento de seus tributos; realizar a devida inscrição em dívida ativa dos tributos lançados, e demais valores capazes de constituir dívida ativa (tendo natureza tributária ou não); e implementar a efetiva cobrança judicial destes valores. Havia uma clara certeza: o número de execuções fiscais aumentaria. Como de fato aumentou em número vertiginoso. Notadamente nos municípios que historicamente deixavam ao relento suas receitas próprias — particularmente as tributárias — aguardando os repasses voluntários Fiscal Responsability Act, 1994: http://www.nzlii.org/nz/legis/hist_act/fra19941994n17270/. Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. 13 “Art. 13. No prazo previsto no art. 8o, as receitas previstas serão desdobradas, pelo Poder Executivo, em metas bimestrais de arrecadação, com a especificação, em separado, quando cabível, das medidas de combate à evasão e à sonegação, da quantidade e valores de ações ajuizadas para cobrança da dívida ativa, bem como da evolução do montante dos créditos tributários passíveis de cobrança administrativa.” 11 12 139 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina da União e dos Estados, ou os respectivos Fundos de Participação em tributos federais e estaduais, como previsto na Constituição Federal. 3.1 Quatro municípios como parâmetro Para que se tenha uma ideia do impacto da LRF, passa-se a uma ponderação a respeito de Municípios do Estado do Espírito Santo citados no início deste artigo. Anchieta, Piúma, Vitória e Cachoeiro de Itapemirim. Os dois primeiros municípios são pequenas cidades litorâneas com algo em torno de 20.000 habitantes. Em meados da década de 1990 não possuíam, quando muito, cada um, sequer três centenas de processos de execução fiscal. Já no ano de 2012, de acordo com dados do próprio Tribunal de Justiça estadual, aquelas Comarcas juntas, possuíam um montante que já supera o número de dez mil execuções fiscais.14 Olhe-se agora para a capital do Estado do Espírito Santo: Vitória. No início dos anos 2000, Vitória não possuía 2.500 (duas mil e quinhentas) ações judiciais de natureza tributária. Nos anos de 2004/2005 uma pesquisa in loco sobre processos judiciais distribuídos na Procuradoria daquele município detectou: 1997: 130* 1998: 327* 1999: 618* 2000: 815* 2001: 473* 2002: 1708* 2003: 2130* * processos judiciais distribuídos Na mesma ocasião verificou-se a arrecadação nas execuções fiscais de então: a. b. c. d. e. ANO DE 2000 .......... ANO DE 2001 .......... ANO DE 2002 .......... ANO DE 2003 .......... ANO DE 2004 .......... Valor arrecadado: Valor arrecadado: Valor arrecadado: Valor arrecadado: Valor arrecadado: R$ 3.853,99 R$ 71.873,44 R$ 346.650,35 R$ 5.870.578,2815 R$ 777.248,6516 De acordo com dados referidos no próprio sítio eletrônico do TJES a comarca de Vitória possui uma Vara Especializada em Execuções Fiscais Municipais, em decorrência do excesso http://www.tjes.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4852:modelo-de-sucesso-de-protesto-de-cdaasvem-do-rio-e-sp&catid=3:ultimasnoticias 15 Em decorrência de acordo em processos esparsos de grande valor unitário. 16 Pago até MAIO/04, sendo que existiam R$1.231.162,96 em parcelamento. 14 140 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina destes processos. Em 2012 havia aproximadamente 23.000 (vinte e três mil) execuções fiscais municipais. E com uma potencialidade de agregação de uma média de pelo menos 4.000 (quatro mil) novas execuções por ano. Sobre novas execuções distribuídas mensalmente naquela Vara específica, vejamos o Relatório do CNJ da Inspeção Preventiva realizada em 2009:17 Distribuição/Autuação: Média 150 a 200 iniciais por mês. No mês de julho e janeiro a distribuição aumenta bastante, chegando a 1000 iniciais. O acréscimo na demanda, como se verifica, é concomitante à LRF. Um aumento em progressão mais que geométrica. O TJES utiliza-se da última comarca, Cachoeiro de Itapemirim, como um suposto case de sucesso. O fato precisa ser esclarecido. O Município de Cachoeiro de Itapemirim, de longa data se utiliza da via do protesto de títulos e documentos como forma complementar ao manejo das execuções fiscais. Todavia, não realiza o protesto das certidões de dívida ativa. Explica-se. Desde o ano de 1999 aquela municipalidade faz uso da Lei Federal 9492/97. Numa primeira fase aquela municipalidade inscreveria as parcelas inadimplidas de acordos de confissão e parcelamento de dívidas. Erroneamente, não se leva a protesto uma CDA. Emitem-se “boletos” para o parcelamento e tais “boletos” são encaminhados ao protesto. Decisão em sede de agravo de instrumento, datado de 1999, mas julgado em 2001, dá o tom da prática naquele Município: Ementa: Agravo de Instrumento. Mandado de segurança. Negativa de liminar. Cobrança de divida ativa por boleto bancário sob ameaça de protesto. Impossibilidade. Violação ao cod.trib.municipal. Agravo provido. Cabe liminar em mandado de segurança vedando a cobrança de divida ativa municipal, através de boleto bancário contendo ameaça de protesto. Agravo provido. (TJES, classe: agravo de instrumento, 11999000737, Relator: Nivaldo Xavier Valinho, Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível, data de julgamento: 22/05/2001, data da publicação no diário: 12/06/2001) Mesmo a Lei atualmente em vigor no Município de Cachoeiro de Itapemirim, Lei Municipal 6256/2011, que inseriu o art. 205-A ao Código Tributário Municipal, não prevê necessariamente o protesto da Dívida Ativa: Art. 205-A. Os parcelamentos de débitos, tributários ou não, de qualquer espécie, fundamentados em Termo de Confissão de Dívida Ativa, quando superiores ao valor de 40 (quarenta) Unidades Fiscais (UFCI), ficarão 17http://wwwh.cnj.jus.br/portalcnj/images/stories/docs_corregedoria/inspecoes/tjes_inspecao_final_v3.pdf 141 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina sujeitos a protesto extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa, quando inadimplidos. I – havendo atraso no pagamento do parcelamento, superior a 10 (dez) dias, a parcela vencida será encaminhada para protesto extrajudicial pelo setor de Dívida Ativa da Secretaria Municipal de Fazenda; II - no caso de pagamento da dívida protestada, fica o contribuinte, obrigado a restituir aos cofres públicos, as despesas oriundas do protesto.18 Portanto, o sistema daquele município não é necessariamente o protesto da Certidão de Dívida Ativa. Como se nota, em Cachoeiro de Itapemirim ocorre um potencial fracionamento, parcela por parcela, de forma a onerar a cobrança, tornando benéfica apenas a quem realiza o ato notarial, quando se cobra por protesto realizado. Convém referir o óbvio: em se tratando de Dívida Ativa em favor da Fazenda Pública a legislação brasileira refere como documento demonstrativo do crédito a Certidão de Dívida Ativa. Tecnicamente o Termo ou Contrato de Confissão e Parcelamento não representa o crédito, mas apenas um acordo para seu pagamento. Não é sequer “novação”. Inadimplido o acordo deve-se providenciar a imediata inscrição do saldo devedor da Dívida Ativa, escoimadas apenas as parcelas eventualmente pagas. E a certidão de dívida ativa daí decorrente é que deveria ser encaminhada a protesto. De uma forma ou de outra, do universo de documentos enviados a protesto, a municipalidade de Cachoeiro de Itapemirim tem obtido o recebimento de 50% em até três dias.19 Bem maior que o índice de sucesso de executivos fiscais da PGFN registrado pelo IPEA. Obviamente não podendo ocorrer comparativos exclusivamente em termos de percentuais já que os valores, tributos e perfis de contribuintes envolvidos são substancialmente diversos. Nem pode ser esquecido que o sistema daquele Município padece de graves incongruências que merecem especial atenção como acima reportado. Não merece sequer ser usado como parâmetro. Tanto lá há incongruências e uma falência na cobrança que o próprio sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo aponta um caos absoluto nas execuções daquela Comarca:20 Uma das situações mais graves é de Cachoeiro de Itapemirim, que possui 23 mil processos de execuções fiscais e mais 3 mil para serem ajuizados. “Estamos trabalhando para resolver os processos existentes e evitar novos ajuizamentos”, disse o juiz Paulino Lorenço, reconhecendo, por outro lado, http://www.cachoeiro.es.gov.br/secretarias/semfa/arq/ctm_atualizado_jul-2011.pdf http://www.tjes.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4861%3Aprotesto-de-divida-ativa-da-resultado-emapenas-tres-dias&catid=3%3Aultimasnoticias&Itemid=1 20http://www.tjes.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5196%3Amunicipios-e-tj-discutem-conciliacao-deexecucoes-fiscais&catid=3%3Aultimasnoticias&Itemid=1 18 19 142 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina que o ajuizamento é feito pelos gestores municipais para evitar a prescrição das dívidas e infração à Lei de Responsabilidade Fiscal. Como se vê, a peculiaridade de fatos específicos não pode ser desprezada para os Municípios. Não há soluções milagrosas. 4. A desestruturação das Procuradorias Municipais. Um caso a ser analisado de perto. É certo que a estrutura das procuradorias municipais voltadas para a execução fiscal é deficitária. “Estrutura”, salvo exceções, não há. Em termos de “estrutura e gestão” tem-se zero (ou algo próximo). Para conjeturarmos uma razão para essa mazela, vamos retornar à Lei de Responsabilidade Fiscal. Antes da LRF havia omissão de cobrança da dívida ativa municipal (tenha natureza tributária ou não-tributária). Basta conhecer a realidade municipalista para saber que cobrar os tributos gera impacto negativo na opção dos eleitores. Mormente em eleições cuja proximidade entre o eleitor e o candidato se dê de forma quase paroquial. É fácil ver que a noção de cobrança efetiva da dívida ativa foi inserida na Lei de Responsabilidade Fiscal muito mais voltada para os Municípios, para que se evitasse a destruidora tradição de dependência absoluta dos fundos de participação dos municípios e outras transferências voluntárias, advindas do Estado ou da União. Não se quer dizer que a norma do art. 11 da LRF não se dirija igualmente aos Estados ou à União; mas é preciso reconhecer que a omissão — à beira do desleixo — para com as receitas próprias era mais afeta aos municípios. Como, então, atualmente o voto do eleitorado local pode ser mantido? Simples: fazse a transposição do tempo da omissão ou da irresponsabilidade fiscal. Antes da LRF a tradição era sequer realizar o lançamento; se realizado o lançamento, bastava não inscrever em dívida ativa; ou ainda, quando inscrito bastava não executar o tributo; e em última análise, lançar mão dos expedientes da isenção, da remissão e da anistia. Atualmente — sendo o lançamento, a inscrição e o ajuizamento da cobrança um dever legal sob pena de sanção, e sendo vedado na LRF o uso irrestrito das remissões e anistias, sob pena de incorrer na noção de renúncia de receitas — busca-se facilmente não atingir o eleitorado local de outro modo. Basta que se realize o ajuizamento dos executivos fiscais, deixando-se o órgão de advocacia pública despido de condições de gerir os processos. 143 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Basta não fornecer estrutura de execução, para que se mantenha uma situação imune ao risco de “prejudicar a obtenção de votos”. Parece haver uma dissimulada má vontade quanto à criação de um ambiente de cobrança efetiva dos créditos municipais executados, sejam eles de natureza tributária ou não-tributária. Não se faz referência, agora, necessariamente apenas às mencionadas neste artigo. Nem apenas aos Municípios do Espírito Santo. Tal questão parece ocorrer em termos muito comuns, quando se fala dos mais de 5.500 municípios brasileiros. Inclusive o próprio PMAT – Programa de Modernização da Administração Tributária21 não prevê valores expressivos para modernização das Procuradorias. O PMAT é um programa de apoio a projetos de investimentos para a Administração Pública Municipal, para proporcionar aos municípios incremento de arrecadação. Vejamos os “itens financiáveis”: Área da administração Ações Administração Geral Gestão de recursos humanos, licitações e compras, gestão de contratos, protocolo e controle de processos, gestão energética Administração Tributária Arrecadação, cobranças administrativa e judicial, fiscalização, estudos econômicos e tributários, central de atendimento ao contribuinte Administração Financeira e Patrimonial Orçamento, execução financeira, contabilidade e dívida pública, auditoria e controle interno, gestão e segurança do patrimônio Administração e Gestão das Secretarias, Órgãos e Unidades Municipais prestadoras de serviços à coletividade Organização e gerência, sistemas e tecnologia de informação Fonte: www.bndes.gov.br Também poderão ser financiadas, desde que vinculadas a uma das quatro áreas enunciadas, as seguintes ações: planejamento, organização e gestão; legislação; sistemas e tecnologia de informação; central de atendimento ao cidadão; cadastros; georreferenciamento; relações intra e interinstitucionais; e integração de informações municipais, tanto na esfera intramunicipal quanto no 21http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Produtos/FINEM/pmat.html 144 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina intercâmbio de informações com os órgãos federais e estaduais. 22 Em suma: não há valores substanciais para aplicação no órgão de cobrança judicial da dívida ativa. Portanto, a culpa pela ineficiência de cobrança não pode ser imputada às Procuradorias. Nem mesmo às secretarias de fazenda municipais em si mesmas, mas aos órgãos de gestão política local, que relegam o setor jurídico a uma condição de desestrutura quase absoluta (salvo exceções). Mesmo diante dessas potenciais falhas, tal realidade local não imuniza a jurisdição quanto às suas faltas e imperfeições: por sinal, é o Poder Judiciário o órgão que menos se aparelhou para a demanda de serviços decorrentes da Lei de Responsabilidade Fiscal, como veremos adiante. 5. Se a cobrança da Dívida Ativa fosse uma “firma”, e as Procuradorias Municipais e o Judiciários fossem “filiais”. Verificou-se que a situação de estrutura e gestão das procuradorias é, em realidade, não adequada ao volume de execuções fiscais existentes. Todavia, faça-se uma singela ilustração a respeito da “cobrança da dívida ativa” para que se possa verificar que, igualmente, a jurisdição não está adaptada em termos de eficiência. Se a cobrança da dívida ativa fosse uma empresa, e dividida em “filiais”, certo é que a “filial” das procuradorias municipais seria fadada à falência. No mínimo, à recuperação judicial. A outra filial, então, seria a jurisdição. Verificando-se em análise econômica, tal filial igualmente não estaria preparada para o atendimento da clientela da firma. Não se adaptou para a nova realidade do mercado que se lhe apresentou após a LRF. Talvez tenha se movimentado menos que as ineficientes Procuraturas Municipais! Analise-se o exemplo de Vitória-ES. Um único magistrado é disponibilizado pelo Tribunal para a jurisdição em 23.000 processos. Faz, de fato, um trabalho hercúleo e digno de nota. Mas a equipe é pequena, dependente, muito, de estagiários cedidos pelo próprio Poder Executivo exequente. Por seu turno, em Vitória-ES, ainda que de forma deficitária a “procuradoria municipal” e a “secretaria municipal de fazenda” adequaram-se à Lei de Responsabilidade Fiscal. Tanto assim que as execuções fiscais subiram de número em progressão geométrica. Oque trouxe impacto na arrecadação. Em 2011 o número de acordos decorrentes de Certidões de Dívida Ativa 22http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Produtos/FINEM/pmat.html 145 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina aumentou vertiginosamente chegando a R$4.000.000,00 (quatro milhões de reais) para pagamentos a vista e outros R$23.000.000,00 (vinte e três milhões de reais) em parcelamento aberto. Número infinitamente maior que nos anos de 2000 a 2004 demonstrados anteriormente. 5.1 Critério de Excelência segundo o IPEA Os estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mencionados no começo do presente estudo refletem uma realidade de assoberbamento da jurisdição, em termos nacionais, através do processo de execução fiscal. A média nacional de processos por magistrado, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é de 1.679 processos. Ao serem computadas as execuções fiscais o número cresce astronomicamente ao patamar de 2.730 ações por juiz.23 O caos é total. O IPEA refere que a Procuradoria da Fazenda Nacional tem como taxa de extinção de execuções fiscais mediante pagamento o patamar de apenas 33,9%. E isto se considera satisfatório. Tome-se em consideração que a PGFN tem à sua disposição uma estrutura facilitada de obtenção de informações do contribuinte que as procuradorias municipais não possuem. Por exemplo: o acesso ao Imposto de Renda para localização de bens, acesso a cadastros para localização de endereços, e outras informações disponíveis diretamente em diversos cadastros federais. Ao mesmo tempo o IPEA esclarece que na PGFN 27,7% dos processos de execução fiscal são extintos por prescrição, 11,5% sem julgamento de mérito, 17% por cancelamento da dívida ativa, 1,3% embargos procedentes e 0,3% exceções de pré-executividade julgadas procedentes. Não há dados de pesquisa que confirmem que as procuradorias municipais, acusadas de serem ineficientes, estejam longe deste mesmo padrão. Vale dizer, então, que a ocorrência de prescrições intercorrentes e demais hipóteses de extinção são “falhas do sistema” e não de seus “operadores”. 5.2 A meia verdade sobre os “custos da execução fiscal”. Voltando a referir a execução fiscal como uma “firma”, cabe perguntar: o orçamento de qual de suas “filiais” estará afetado pelo “custo da execução”? O IPEA estima em R$ 4.685,39 o custo unitário do executivo fiscal, perante a Justiça Federal. Havendo embargos ou recursos, agrega-se ainda o valor R$ 2.474,28. 23 http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/15595:execucao-fiscal-distorce-estatisticas-diz-ipea 146 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Esses valores, porém, não são suportados pelo exequente! As execuções fiscais são isentas de custas iniciais; excepcionam-se as despesas de diligências dos oficiais de justiça e, eventualmente, honorários periciais.24 Talvez a extinção dessa isenção de pagamento antecipado das custas e despesas processuais fosse algo bem eficiente para que as procuradorias se vissem compelidas a melhorar suas estruturas. Afinal: haveria pelo menos um investimento a ser recuperado pela municipalidade. Note-se mesmo que tais dispositivos sobre exoneração de custas antecipadas é de constitucionalidade duvidosa a partir da CF de 1988. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que custas processuais têm natureza jurídica tributária (taxa). Em tese poderia estar ocorrendo isenção heterônoma ou legislação heterônoma sobre o critério temporal de pagamento de tributo estadual, quando se posterga para o final do litígio. Como se nota, o custo da execução é muito mais um custo da jurisdição. Não é necessariamente uma despesa do exequente. Por isso a alusão simplória a uma relação de custo-benefício não pode ser usada para a implicação ao Princípio da Eficiência. Não se pode simplesmente alegar que seria mais eficiente aos Municípios reduzir o número de execuções ou limitá-las a valores superiores a certo patamar acima do “custo do processo de execução”. Afinal, esse “custo do processo” não é todo ou sequer preponderantemente suportado pelo Município-exequente. Por tal razão é preciso buscar outro fundamento legal ou constitucional, e não essa simplória ligação custo da execução e valor da Dívida Ativa. A má leitura econômica tem manietado os argumentos jurídicos. Bem como é preciso buscar outra solução econômica para compelir as municipalidades ao melhor gerenciamento de suas execuções. 5.3 Ainda a meia verdade sobre os “custos da execução fiscal”: Uma leitura rápida da Curva de Laffer e do Efeito Tanzi quando se espalhar a notícia que CDA’s podem não ser executadas. A economia da tributação tem sido substancialmente utilizada para justificar os custos das execuções fiscais. Ocorre, todavia, que por custos não podemos simplesmente compreender o dispêndio direto de valores para a manutenção dos serviços de jurisdição. Esse dispêndio é o que se chamaria de custo direto, ou aquele que pode ser identificado com uma unidade de produto ou serviço.25 Nos custos da cobrança da dívida ativa, em especial pela via da jurisdição, outros discursos econômicos devem ser inseridos. Vejamos que havendo duas opções (A e B), sendo A o uso da jurisdição e B o não-uso da jurisdição para a cobrança da dívida ativa, é preciso reconhecer que, a exemplo da diferença substancial das opções (A e B), haverá diferenças substanciais em seus efeitos Art. 27 (Código de Processo Civil). As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido. 25 SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia do Século XXI. Editora Record. p. 218. 24 147 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina sociais. O uso da opção A trará custos diretos (contratar advogados, pagar custas, arcar com perícias); a opção B não. A opção A trará nos contribuintes a certeza de que a inadimplência não é uma alternativa impune; a opção B poderá gerar no contribuinte o sentimento de impunidade. Com isso, pode-se conduzir alguma parcela dos contribuintes adimplentes a optar pela inadimplência. Não se creia que a assertiva seja teoria conspiratória: não vai longe a tradição de inúmeros municípios de concessão de isenções e anistias em períodos pré-eleitorais, o que gerava nos contribuintes a certeza de que não-adimplir era uma opção plausível. A LRF veio justamente frear a prática. No discurso do custo das execuções fiscais não podemos simplesmente admitir o não-ajuizamento em razão do baixo valor do crédito inscrito em dívida ativa como um argumento isolado. Não se pode tomar o valor da dívida ativa como argumento único. Seja jurídica, seja economicamente falando. Afinal, muita vez a dívida ativa decorre de valores cuja função não é arrecadatória mas conformadora ou indutora de comportamentos (multas de trânsito, IPTU progressivo, e outros exemplos). A leitura das análises do IPEA não pode ser rasa; merece um mínimo de profundidade. Nossas escolhas (sejam as opções A e B do credor tributário, sejam as opções adimplir e não-adimplir do contribuinte) têm, portanto, ao lado dos custos diretos, outros indiretos. Aproprie-se, brevemente, e talvez de forma deslocada da função original, do conceito de custo de oportunidade: a utilização de uma alternativa A ou B não pode ser vista, em termos de custos diretos com efeito absoluto. Há outros benefícios — além dos custos diretos — que podem ocorrer na outra opção, e que podem ser ponderados. São custos alternativos que devem ser levados em consideração. Analise-se a opção B como o simples não-ajuizamento de execuções fiscais em razão da relação valor unitário da CDA diante do custo do processo executivo. A opção pode trazer, e certamente trará consigo, um custo alternativo: o potencial incremento da inadimplência. Vejamos: o incremento da inadimplência, para uma “firma” sequer precisa ser efetivo para ser temido. Basta a potencialidade da inadimplência para que esse risco seja gerenciado; basta, portanto, o risco (não a certeza) de sua ocorrência. Neste ponto, tome-se igualmente — ainda que possa se deslocar de seu sentido original — para efeito argumentativo a Curva de Laffer. “Arrecadar” sem projeto, e “gastar” sem uso prudente e estudado das verbas públicas acaba gerando, sempre, sem exceção, uma sobrecarga, ou uma debilidade fiscal. No primeiro caso, teremos excessos de tributação empurrando os contribuintes à sonegação. No segundo caso, teremos a debilidade fiscal acarretando a ausência de recursos para a execução de serviços e obras públicas. 148 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Dubergé26 preconiza a observação da fiscalidade sob o enfoque da psicologia social — falando mesmo em um contexte psyco-économique de l’impôt27 — pois tanto o excesso de arrecadação quanto a falta de serviços públicos acarretam, junto ao contribuinte-usuário a desconfiança contra o Estado-coletor-de-tributos. Isto surge com a falta de preocupação com a burocrática documentação28 para fins de recolhimento dos tributos, estende-se até as diferentes maneiras de declarar os rendimentos,29 cada um com uma forma de tributação diferenciada, e, assim por diante, chega à própria aceitação — às vezes justificação — das ações de sonegação fiscal.30 Sob o enfoque dos efeitos econômicos da tributação excessiva, Laffer31 desenvolveu sua importante teoria, segundo a qual [...] existe uma relação peculiar entre a arrecadação tributária e a taxa de impostos na economia. Quando esta última está baixa, a relação é diretamente proporcional, mas, depois de ultrapassar um ponto de maximização da arrecadação, a relação passa a ser inversamente proporcional. 32 A chamada Curva de Laffer implica, portanto, o reconhecimento de que a partir de um determinado estágio de incidência tributária, qualquer elevação da carga fiscal resultaria, não em uma elevação da arrecadação mas, ao revés, em uma redução. As causas desse decréscimo seriam a “evasão fiscal” e até mesmo o “[...] desestímulo aos negócios”. A principal função dessa Curva não seria — como erroneamente podemos imaginar — criar um patamar de taxação ótima. Na verdade sua função é de alerta: um alerta aos formuladores das políticas públicas econômicas e aos planejadores governamentais (entre eles os planejadores tributários) para os “efeitos dinâmicos de uma política tributária”.33 Obtém-se um regime de ótimo na tributação quando se localiza uma “taxa de arrecadação” alta, não necessariamente com o aumento de tributação individual mas, com o aumento da massa pagadora (voluntária). Passado de determinado ponto de ótimo (interseção de Tmax e t*) todo incremento de tentativa de aumentar a “taxa de arrecadação” ou novos tipos de imposição fiscal trará consigo a concretização (ou minimamente o risco) de um efeito inverso: afugentará os adimplentes 26 27 28 29 30 31 32 33 DUBERGÉ, Jean. Les Fraçais fa a l’impôt: essai de psycologie fiscale. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1990. p. 17. DUBERGÉ, 1990, p. 13. DUBERGÉ, 1990, p. 113. DUBERGÉ, 1990, p. 127. DUBERGÉ, 1990, p. 205. Sobre a teoria conhecida como “A curva de Laffer”, consultar o verbete CURVA de Laffer. In: SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. São Paulo: Record, 2005. p. 213. SANDRONI, 2005, p. 213. SANDRONI, 2005, p. 213. 149 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina voluntários — pelas mais diversas razões — acarretando o decréscimo da arrecadação total. Isso sem contar com os efeitos fiscais indiretos, como a indução de comportamentos nos investidores e consumidores que acarretam impactos em outros tributos (renda e consumo, p.ex). Veja-se: T = Arrecadação t = Tipos possíveis de imposição fiscal Tal situação demonstra, dentre outras hipóteses, que se deve levar em conta que quanto maior for o número de contribuintes inadimplentes — de forma a impactar a arrecadação estimada do orçamento — paralelamente haverá a tendência de aumento da carga individual, para recuperar nos contribuintes adimplentes os valores necessários às necessidades públicas. A arrecadação, é sempre bom recordar deveria seguir as falas do Imperador Theodorico, citadas nos Sermões de Padre Vieira: “Sentimus auctas illationes, vos addita tributa nescitis” (‘Eu sei que há tributos, porque vejo as minhas rendas acrescentadas; vós não sabeis se os há, porque não sentis as vossas diminuídas”). O acréscimo desenfreado da carga individual ou das fontes de tributação é uma faca de dois gumes, que aumentará o impacto nos exercícios financeiros seguintes, de forma tão perniciosa quanto a certeza de impunidade. A inadimplência — seja gerada pelo excesso fiscal ou pela certeza da impunidade — acarreta um efeito econômico perigoso. Já o dissemos anteriormente que Dubergé analisou a relação psicológica do contribuinte com a tributação, enfatizando que a falta de serviços públicos acarreta junto ao contribuinte-usuário a desconfiança contra o Estado-coletor-de-tributos. Impulsionando ainda mais a (potencial) inadimplência. 150 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Apropria-se agora o texto de um conceito econômico denominado Efeito Tanzi.34 Por Efeito Tanzi compreende-se em economia a perda de valor real do tributo em função do aumento dos preços entre o momento da ocorrência do fato gerador e o momento em que o tributo é efetivamente recolhido aos cofres públicos. Faça-se, então o uso do Efeito Tanzi não sob a perspectiva dos “preços” mas em decorrência do “custo negativo” que o não recolhimento trará para a relação contribuintepagador e o Estado-cobrador, notadamente pela redução de prestação de serviços decorrentes da falta orçamentária que o não recolhimento tempestivo acarreta. Assim, não verificando o contribuintepagador um ambiente de satisfação plena de suas necessidades públicas, igualmente se sentirá compelido ao inadimplemento. É preciso, então, encontrar formas de aprimoramento da arrecadação. Desde a construção da política fiscal à cobrança dos inadimplentes (fase esta que não pode abrir mão da noção de execução fiscal, no atual sistema processual brasileiro, ainda que possam ser agregados meios de apoio à cobrança). 5.4 Os “custos da execução fiscal”: solução? De fato os custos da execução fiscal municipal, grosso modo, recaem sobre o Poder Judiciário. Órgão estatal. Portanto, afeta-se muito mais amplamente o prestador de jurisdição. Não há uma afetação absoluta ou mesmo substancial dos orçamentos municipais com o tal “custo da execução”. Restarão aos Municípios as inversões financeiras para a manutenção de seus órgãos de advocacia pública. Não necessariamente os custos do “processo” pois as despesas processuais somente serão arcadas ao final. Poderia o Estado, ao invés de propor o não ajuizamento das execuções fiscais de baixo valor, arcar com um percentual daquelas execuções, em favor dos Municípios. Tome-se como parâmetro o padrão apontado pelo CNJ — pesquisa IPEA acima já citada — quanto à expectativa de sucesso nas execuções fiscais federais (33,9%). Aplique-se uma redução correspondente ao custo de oportunidade do Município em não precisar enfrentar o ajuizamento. Ficaria o Estado isento de sua despesa coma jurisdição e o Município arrecadando ao menos em parte. De outro lado, poderia o Estado, ao invés de aplicar uma isenção de custas, prever justamente taxas e custas judiciárias proporcionais ao custo das execuções, desestimulando o credor que de forma ineficiente constitui seu crédito tributário. 34 http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0133.pdf 151 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Como se vê, a opção pelo “protesto da dívida ativa” — para efeito de amenizar o excesso de processos — torna-se de somenos importância neste cenário caótico. Não pode ser obliterada a opção do protesto: todavia, não é a “salvação da lavoura”. 6. “Teorema de Garrincha”. A visão do “protesto de Certidão de Dívida Ativa” tem sido exposta, como já referido, como sendo uma alternativa às execuções fiscais. Reitera-se: podem servir como meio de apoio, não necessariamente de substituição. Chama-se a atenção àquilo que se pode denominar de Teorema de Garrincha, fazendo-se uma alegoria com o gênio do futebol brasileiro. Refere a história do esporte que o técnico da seleção brasileira em 1958, Vicente Feola,35 antes da partida contra a Rússia — que diziam estar “treinada por cálculos de computador” — chamou o genial Mané Garrincha no canto e disse: “Mané, dribla Tsarev prum lado, e se o outro beque vier some pela direita, vá adiante e marca o gol”. Diante daquele “esquema tático infalível” Mané dispara: “Você já combinou isso também com os zagueiros?” Vejamos como esquema tático e leitura econômica do direito fast food têm um denominador comum: não combinaram com o zagueiro/contribuinte ou com o zagueiro/órgãos de controle de contas. A respeito do zagueiro/contribuinte é bom lembrar que o STJ tem sido refratário ao uso dos protestos de CDA’s. 36 Por mais que se objete às razões do Superior Tribunal de Justiça é certo que aquela Corte tem um posicionamento, até que ocorra modificação de posição da jurisprudência. E nem o cliente vai querer saber se seus procuradores são “criadores de lindas teses jurídicas”: eles querem resultado econômico. Corporações, nos tribunais, discutem interesses. Não necessariamente discutem direito ou tese jurídica. Fazem análise de risco. O litígio é meio: a jurisdição é apenas mais uma peça a ser usada. O que se pretende dizer com “discussão de interesses”? Faça-se então uma singela alegoria. A empresa A ganhou um prêmio, que detém um determinado valor econômico. Além do valor econômico, é direito da empresa tal honraria. Há aí interesse e direito. O prémio é uma garrafa de refrigerantes. Economicamente uma ninharia. Mas ainda assim, detém potencialidade econômica! Quem http://www.teoriadosjogos.net/teoriadosjogos/list-trechos.asp?id=77 TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA - CDA. PROTESTO. DESNECESSIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afirmado a ausência de interesse em levar a protesto a Certidão da Dívida Ativa, título que já goza de presunção de certeza e liquidez e confere publicidade à inscrição do débito na divida ativa. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1316190/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2011, DJe 25/05/2011) 35 36 152 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina concedeu o prêmio é uma entidade respeitável, o que constata a origem lícita da vantagem econômica: o que reforça o interesse na adição do prêmio ao patrimônio imaterial da empresa. Todavia, o recebimento só pode ser feito ser in loco, em cerimônia realizada pela entidade que o concedeu, em grande evento cujo endereço de realização é situado em outro estado do país. Pronto: provavelmente o interesse acabou de criar uma fratura com o direito de receber o prêmio. O direito persiste: mas não deve ser interessante financeiramente ir busca-lo. Lógico: o exemplo é descaradamente simplório. Afinal poderiam ocorrer outros interesses no prêmio, tais como a exposição na mídia espontânea com a premiação, aproximação com a fábrica de refrigerantes para prestação de serviços, criação de uma network com a entidade que concedeu o prêmio ou com os presentes à sessão de entrega da honraria, e assim por diante. Apesar de simplória, a alegoria, lastimavelmente serve para demonstrar como o Poder Público — em particular o municipal —, enquanto credor não está preparado para fazer, ou não deseja realizar, a separação entre interesse x direito. Lastimável, pois o contribuinte, em especial as grandes corporações, está preparado para o mesmo embate: as corporações só reclamam se lhes for vantajoso! Elas não estarão “discutindo direito”. Estarão realizando “planejamento fiscal”. Muita vez os Entes Públicos não fazem o “planejamento”, em especial por vigorar ainda a crença falaciosa de que é dever funcional das Procuradorias “ir até o Supremo Tribunal”. O que em termos jurídicos ou econômicos é uma sandice. O que importa é: se o protesto de CDA’s incomodar o contribuinte, ele terá boas chances de ir ao Judiciário e conseguir um cancelamento. E mais: depois dos Juizados Especiais da Fazenda Pública sequer terá custos processuais substanciais para tanto. Falando ainda em combinar com o zagueiro, o discurso em voga sobre o “protesto de CDA’s” não tem trazido para o debate os órgãos de controle externo de contas públicas, em particular o Ministério Público e o Tribunal de Contas. Imagine-se determinada municipalidade aderindo ao sistema de protesto de títulos e, alguns meses depois, o Promotor de Justiça da Comarca — ele pode muito bem ter posição jurídica própria e diversa, pois o Princípio da Independência Funcional concede-lhe tal prerrogativa — entende que seria mais eficiente e mais econômico (palavras perigosas!) o uso do sistema SERASA/SPC. O Membro do Ministério Público alia ainda outra razão: o sistema SERASA/SPC é “meio menos gravoso” para o devedor. Vejam-se as razões do Promotor (aliás, muito boas razões): a) O SERASA/SPC é gratuito ou quando cobrado, infinitamente mais barato do que um protesto de títulos, para quem “inscreve” a informação. O pagante é quem consulta aquele cadastro. 153 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina b) O SERASA/SPC é descomplicado: em linhas gerais basta informar nome, CPF, e “origem da dívida” e pronto! c) O SERASA/SPC não é regulado pelo CDC ou CTN. Não é uma prestação de serviço “ao consumidor”: é “ao vendedor”. E não se trata de serviço prestado ao “credor” que realizou inscrição cadastral! O serviço é prestado para proteção do “novo vendedor” ou “concessor de crédito”; presta-se o serviço àquele empresário ou financeira onde o contribuinte está realizando uma compra ou tomando crédito. Ocorre a consulta na renovação do cartão de crédito, na obtenção de empréstimos para a casa própria ou para a expansão da empresa. Enfim: em diversas situações bem próximas da realidade do pequeno valor da maioria das dívidas das CDA’s municipais individualmente consideradas. d) Não existe impedimento legal expresso para o uso do SERASA. Logo, basta uma lei municipal autorizando, quando muito. e) Já há alguns Estados utilizando e dando certo, como anuncia a rede mundial de computadores com estado de Pernambuco.37 f) O potencial financeiro dos tributos municipais (em especial da tributação imobiliária) é reduzido em termos “globais da receita”. Logo, está mais que razoável a coerção mínima do SERASA, SPC, etc. Melhor que constrição de bens, ou penhora do próprio imóvel da família (para o IPTU e taxas aquele bem de família é penhorável). g) Por fim, fazendo-se uma leitura sistemática do art. 620 do Código de Processo Civil, devese adotar o meio menos gravoso para o devedor, podendo ser considerado menor gravame uma inscrição em cadastro de inadimplentes em comparação com uma imediata penhora do próprio imóvel, por exemplo. E mais: o custo de uma inscrição em SERASA é, segundo se pode averiguar, menos que um custo de protesto de títulos. Agregue-se novo complicador: o Tribunal de Contas. Passa a Corte de Constas a questionar qual a razão do uso do sistema de protesto e não os sistemas SERASA/SPC de custo menor? Ou: por qual razão não se utilizam os dois sistemas de forma complementar? Por qual razão a reserva de mercado à atividade de registro de protesto? A quem interessa esse incremento de clientela aos cartórios? E assim sucessivamente. São conjecturas. Mas são suficientes para demonstrar que não combinaram com três zagueiros importantes: o contribuinte; o Ministério Público; e o Tribunal de Contas. 37http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/economia/pernambuco/noticia/2011/10/07/fazenda-estadual-coloca-devedor-na- serasa-18265.php 154 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina 7. A adoção de sistemas auxiliares de cobrança não exime a execução fiscal. A despeito do tema já ter sido versado anteriormente, cumpre reforçar que o uso seja do protesto de títulos, seja dos sistemas SERASA e SPC, em conjunto ou separadamente, não são substitutivos das execuções fiscais. Não se afasta o dever de ajuizamento das execuções fiscais, notadamente para efeito de impedimento da prescrição do crédito tributário. Caso não se avizinhe o prazo prescricional pode-se aguardar; porém, nunca se poderá deixar fluir tal prazo nos casos das CDA’s cujos protestos ou inscrições em sistemas de proteção ao crédito tenham se demonstrado infrutíferas. O crédito não pago deverá ser executado! A questão traz de novo a ideia de custo, pois teremos agora uma duplicidade de afazeres. Senão um custo financeiro direto, ao menos um custo operacional a ser gerenciado. Todavia, isso não retira a possibilidade do protesto da CDA ou de sua inscrição na SERASA e SPC se converterem em indutores de pagamentos, reduzindo sobremaneira o número de executivos fiscais. 7.1 A opção pelo uso do protesto e outros sistemas deve ser fiel ao Princípio da Igualdade. O uso do sistema de protesto de títulos ou de inscrição perante o SERASA e SPC no tocante à CDA pode acarretar uma miopia em sua aplicação capaz de criar privilégios odiosos entre contribuintes. Não pode ocorrer distinção entre CDA’s de valores maiores ou menores, ou de CDA’s cujo cadastro fiscal esteja incompleto, apenas como forma de compelir alguns ao meio registral de coação ao pagamento. Todas as Certidões de Dívida Ativa que tenham os elementos necessários ao protesto de títulos ou ao emprego do sistema SERASA e SPC devem ser alvo de constrição, notadamente diante do Princípio da Igualdade. É preciso reconhecer o óbvio: estes expedientes têm poder de coação, diante da restrição creditícia. Selecionar, por exemplo, pelo menor valor da CDA — que justificaria o não ajuizamento imediato da execução — seria exonerar da constrição justamente quem demonstra maior capacidade contributiva, ou seja, o devedor de CDA com valor suficiente para ser levada à execução fiscal. Não há argumento, jurídico ou econômico (em especial econômico) que autorize o emprego do protesto ou da inscrição em SERASA/SPC apenas para o pequeno devedor. A eficiência da 155 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina cobrança — argumento econômico — se justifica muito mais para os devedores de maiores valores. Além de tratar de uma medida de justiça fiscal, demandando o emprego das vias legais de perseguição de crédito contra todos, em especial os que denotam maior capacidade contributiva. 8. Conclusões e sugestões de procedimentos. À guisa de término das observações deste estudo, caberia preconizar para os Municípios, aqui entendidas as Procuradorias Municipais e as Secretarias Municipais de Fazenda: a) Revisão periódica do sistema de leis de tributação municipal, buscando obter uma proximidade com o regime de arrecadação ótima, evitando-se excesso de encargos fiscais, gerador de fuga dos contribuintes adimplentes, bem como, permitindo a justa distribuição dos encargos orçamentários mediante a prática da justiça tributária com a efetiva definição da capacidade contributiva dos munícipes; b) Que analisem a atual estrutura de lançamento e fiscalização das receitas públicas municipais (tributárias e não tributárias), incrementando-as o tanto quanto possível de forma a gerarem uma tributação eficiente; c) Que envidem esforços para a melhoria: i. ii. dos cadastros fiscais (mobiliários e imobiliários) do Município; dos atos de autuação das sanções — tributárias ou não tributárias — para que os autos de infração e a dívida ativa eventualmente que deles decorra contenha todos os dados para a cobrança (CPF/CNPJ, endereços corretos, devida individualização do autuado, etc); iii. da inscrição e dívida ativa, para que as CDA’s contenham os elementos necessários à identificação dos contribuintes e desde logo eventuais responsáveis (sócios, p.ex.) com dados corretos para cobrança; iv. do sistema das procuradorias municipais, garantindo às mesmas estrutura de pessoal de apoio, equipamentos, espaço físico e todos os elementos para a eficiente perseguição do crédito tributário. d) Que as Procuradorias Municipais e as Secretarias Municipais de Fazenda busquem meios acessórios e auxiliares de cobrança da dívida ativa, à guisa de exemplo: 156 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina i. Postos descentralizados de cobrança; ii. Implementar melhorias nos meios de comunicação de suas ferramentas de acordo e composição amigável da dívida ativa, pois não é raro os contribuintes desconhecerem a existência de regras de parcelamento. iii. Atendimento direto ao contribuinte mediante servidores de apoio com treinamento adequado; iv. Mutirões de acordos e parcelamentos; v. Legislação de acordos e parcelamento flexíveis baseadas em critérios que tanto valorizem o bom pagador quanto observem os custos de manutenção de uma equipe de cobrança; vi. Adoção de protesto da dívida ativa (CDA estritamente); vii. Adoção de sistemas de cadastro de inadimplentes (SERASA, SPC e outros). e) Vigilância no prazo prescricional da dívida ativa. Independente do uso de meios adicionais, veja-se imprescindível a execução fiscal das CDA’s de contribuintes recalcitrantes. f) A adoção, quanto à dívida ativa (tributária ou não tributária) dos Municípios só deverá adotar leis de não ajuizamento se acompanhada de contrapartidas do Governo Estadual, que terá seu orçamento desonerado dos custos com a jurisdição. Este sim o mais pesado custo dos executivos fiscais. Cabe, por fim, aguardar do Ministério Público e dos Tribunais de Contas que fiquem atentos à prática da possível desestruturação orquestrada das Procuradorias Municipais e Secretarias Municipais de Fazenda. Investigue-se se tal desestruturação ocorre de fato por ausência de condições mínimas de investimento, ou se está se operando a transposição do momento da omissão na cobrança dos tributos municipais. A desestruturação da cobrança judicial da dívida ativa, negando às Procuradorias e Secretarias de Fazenda condições adequadas a seus encargos, pode, em tese, ser a nova moeda de troca, senão para o voto, ao menos para não criar uma imagem negativa perante o eleitor. Os agentes políticos que assim agem, podem, ao menos em tese, incidir na condição de gestores fiscais irresponsáveis, por violação dos artigos 11 e 13 da LRF. 157 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL SOB A ÓTICA DAS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA ADVOCACIA PÚBLICA EM JUÍZO Marcelo Veiga Franco Procurador do Município de Belo Horizonte (MG). Advogado. Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/Minas. Ex-Diretor Técnico Jurídico da Associação dos Procuradores Municipais de Belo Horizonte – APROMBH. SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Advocacia Pública no Projeto do Novo CPC. 2.1 A (re)presentação processual da Fazenda Pública em juízo. 2.2 A responsabilidade civil pessoal dos Procuradores Públicos nos processos judiciais. 2.3 Dos prazos processuais e respectiva forma de contagem. 3 Conclusão. 4 Referências bibliográficas. RESUMO: O presente artigo visa a examinar o Projeto do Novo Código de Processo Civil sob a ótica das prerrogativas processuais da Advocacia Pública. Para tanto, a partir de uma análise comparativa com o atual Código de Processo Civil, serão abordados os aspectos mais relevantes introduzidos no Projeto do Novo Código de Processo Civil no que se refere à atuação processual da Advocacia Pública em juízo, com destaque às questões da representação processual da Fazenda Pública, da responsabilidade civil pessoal dos Procuradores Públicos no âmbito dos processos judiciais e dos prazos processuais e respectiva forma de contagem. Ao final, serão apresentadas as conclusões no que se refere ao avanço ou retrocesso do vindouro Novo Código de Processo Civil. PALAVRAS-CHAVE: Projeto do Novo Código de Processo Civil. Prerrogativas processuais. Advocacia Pública. 1. Introdução No final do mês de setembro de 2009, foi instituída, por meio do Ato do Presidente do Senado Federal n.º 379/2009, uma Comissão de Juristas, presidida pelo hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, encarregada de elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. A Comissão concluiu os seus trabalhos em junho de 2010 e, em dezembro do mesmo ano, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei do Senado (PLS) n.º 166/2010 (já como Projeto do Novo Código de Processo Civil – Projeto do Novo CPC), o qual, atualmente, encontra-se tramitando na Câmara dos Deputados sob o registro PLS n.º 8.046/2010. A Exposição de Motivos esclarece que o Novo CPC terá como objetivo efetivar um sistema processual civil que “proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, 159 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina ameaçados ou violados”, a fim de harmonizar as garantias constitucionais com os ideais de um Estado Democrático de Direito. A busca pela eficiência do sistema processual abarcará o escopo de “resolver problemas”, mediante a pretensão de aperfeiçoamento da normatividade processual hoje existente. Especificamente no que se refere à Advocacia Pública, o Projeto do Novo CPC prevê inúmeras novidades. Ao destacar a Advocacia Pública em título próprio no capítulo denominado “Da sucessão das partes e dos Procuradores”, o Projeto do Novo CPC valoriza a Advocacia Pública como função essencial à Justiça (arts. 131 e 132 da Constituição – CRFB) e outorga tratamento específico à atuação processual dos Procuradores Públicos, em consonância com a dimensão peculiar dos interesses públicos envolvidos. Também em outras passagens, o Projeto do Novo CPC confere disciplina particular à Fazenda Pública em juízo. Sendo assim, o presente artigo visa a examinar os principais pontos atinentes à atuação processual da Advocacia Pública no âmbito do Projeto do Novo CPC. Sem o objetivo de esgotar o assunto, a abordagem deste trabalho seleciona relevantes aspectos de mudanças entre o atual CPC e o Projeto do Novo CPC, a partir do exame acerca da existência de um fortalecimento ou de um enfraquecimento das prerrogativas processuais dos Procuradores Públicos em juízo. 2. A Advocacia Pública no Projeto do Novo CPC Como ressaltado, o Projeto do Novo CPC confere tratamento distinto à Advocacia Pública, em título próprio inserido no capítulo denominado “Da sucessão das partes e dos Procuradores” (Título VI do Capítulo IV). Além desse destaque, o Projeto do Novo CPC, também em outras oportunidades, regulamenta, de modo específico, as nuances próprias da Fazenda Pública em juízo. Para os objetivos do presente estudo, visa-se a examinar, de modo crítico, importantes aspectos pertinentes à atuação processual dos Procuradores Públicos, em cotejo com a sistemática do atual CPC. Entre os pontos selecionados, foram enfatizadas as questões da representação processual da Fazenda Pública, da responsabilidade civil pessoal dos Procuradores Públicos no âmbito dos processos judiciais e dos prazos processuais e respectiva forma de contagem. 2.1 A (re)presentação processual da Fazenda Pública em juízo O primeiro ponto a ser analisado diz respeito à questão da representação processual da Fazenda Pública em juízo. 160 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Com efeito, o conceito de Fazenda Pública, para os fins da técnica do Direito Processual, abrange as pessoas jurídicas de direito público que figurem em processos judiciais, independentemente da natureza do meritum causae em discussão. Isso quer dizer que a expressão Fazenda Pública, ao representar a personificação do Estado,1 identifica-se com a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas, excluindo-se as empresas públicas e as sociedades de economia mista (as quais, embora integrantes da Administração Pública Indireta, ostentam a natureza jurídica de pessoas jurídicas de direito privado).2 No que se refere à representação processual da Fazenda Pública em juízo, o art. 12 do atual CPC prevê que “Serão representados em juízo, ativa e passivamente: I – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus procuradores; II – o Município, por seu Prefeito ou procurador”. Por sua vez, o art. 75 do Projeto do Novo CPC dispõe que: “Serão representados em juízo, ativa e passivamente: I – a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado; o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores; II – o município, por seu prefeito ou procurador; III – a autarquia e fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar”. No projeto original, ainda constava o hoje suprimido §1º do art. 105, o qual dispunha que: “No caso dos Municípios desprovidos de procuradorias jurídicas, a Advocacia Pública poderá ser exercida por advogado com procuração”. Assim, cumpre tecer duas observações ao Projeto do Novo CPC no que tange à questão da representação processual da Fazenda Pública em juízo. A primeira das observações se relaciona à atecnia do Projeto do Novo CPC quanto à distinção conceitual entre representação e presentação. Conforme bem leciona a doutrina autorizada sobre o assunto, “na comparência da parte por um órgão, não se trata de representação, mas de presentação. O órgão presenta a pessoa jurídica: os atos processuais do órgão são atos dela, e não de representante”.3 Com isso, como as Procuradorias Públicas e seus procuradores constituem órgão das pessoas jurídicas da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações públicas, é correto dizer, tecnicamente, que os procuradores públicos presentam a Fazenda Pública em juízo, e não propriamente a representam. De fato, o órgão torna presente a DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 3. ed., t. I, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 179. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 6. ed., São Paulo: Dialética, 2008, p. 15-18. 3 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed., t. I, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 219, destaques no original. 1 2 161 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina respectiva pessoa jurídica,4 razão pela qual seria de bom grado que o Projeto do Novo CPC retificasse a atecnia constante do art. 75, caput. Por seu turno, a segunda observação quanto ao aspecto da (re)presentação processual da Fazenda Pública se direciona à supressão da norma contida no antigo §1º do art. 105 do Projeto do Novo CPC. Referido parágrafo possibilitava que os Municípios desprovidos de procuradorias jurídicas fossem representados em juízo por advogado com procuração, isto é, por profissionais da advocacia que não ocupem o cargo público efetivo de Procurador Municipal. Dessa forma, é com aplausos que o Projeto do Novo CPC eliminou essa possibilidade. Ora, os arts. 131 e 132 da CRFB, ao definirem a Advocacia Pública como função essencial à justiça, estabelecem que os Procuradores Públicos, exercentes da representação judicial e da consultoria jurídica das unidades federadas, são organizados em carreira na qual o ingresso depende de aprovação em concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, para assumir a condição de órgão do ente federativo (pessoa jurídica) e ostentar a capacidade postulatória para presentação da Fazenda Pública, o profissional da advocacia deve, invariavelmente, ocupar cargo público efetivo de Procurador Público, após prévia e necessária aprovação em concurso público de provas e títulos. Ocorre que o antigo §1º do art. 105 do Projeto do Novo CPC, ao permitir que o Prefeito Municipal designasse advogado com procuração para o fim de representar o Município desprovido de Procuradoria Jurídica, colidia com a ordem constitucional. Os arts. 131 e 132 da CRFB não excepcionam a necessidade de estruturação institucional da carreira de Procurador Público pelos entes federativos e nem tampouco possibilitam que a Advocacia Pública seja exercida por advogados privados munidos de instrumento de procuração, não cabendo à legislação infraconstitucional fazê-lo. Não por outra razão, a Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM), por meio de Congresso Nacional de Procuradores Municipais, aprovou o Enunciado n.º 180, o qual dispõe que “Com o objetivo de fortalecimento da autonomia municipal no pacto federativo, a representação dos Municípios deve ser feita exclusivamente por Procurador Municipal. A supressão do inciso II e inserção dos Municípios no inciso I do artigo 60 do projeto do novo Código de Processo 4 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 1, São Paulo: RT, 2000, p. 96. O fato de a Procuradoria Pública presentar a Fazenda Pública explica porque os procuradores públicos detêm capacidade postulatória ex lege para atuar em juízo, decorrente da própria situação funcional e do vínculo legal que os une perante a Administração Pública, não havendo necessidade de outorga de instrumento de procuração via celebração de contrato de mandato. 162 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Civil (PLS n.º 166/2010) se justifica pela necessidade de tratamento uniforme entre os entes federativos”.5 Também no âmbito da jurisprudência é possível colacionar julgados a favor da tese de que o exercício da Advocacia Pública é munus privativo do Procurador Público ocupante de cargo público efetivo, previamente aprovado em concurso público de provas e títulos. Com isso, afigura-se ilegítima a prática da Advocacia Pública por advogados privados ou por profissionais ocupantes de cargos públicos de provimento em comissão. Apenas a título exemplificativo, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4621/RO, definiu que a atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo Estatal é privativa de procuradores públicos organizados em carreira, sendo inconstitucional norma que autorize o desempenho de tais atribuições técnicas por ocupantes de cargos em comissão.6 Em situação análoga, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2009.007.00019, decidiu que a criação de cargos em comissão para o exercício de funções típicas de Procurador Municipal, sem que haja a conferência de atribuições de chefia, direção ou assessoramento, vulnera os arts. 37, II e V, da CRFB. Foi ressaltado na decisão, ainda, que “o modelo da Advocacia Geral da União, posto na Carta Magna, é de seguimento obrigatório para os demais entes da Federação, não podendo descumpri-lo o Município”.7 Como se não bastasse, cumpre salientar que a eventual permissão de designação ilimitada de advogados para a representação judicial da Fazenda Pública pode implicar potencial violação aos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência administrativas (art. 37, caput, da CRFB). Isso porque o hoje suprimido §1º do art. 105 do Projeto do Novo CPC abria margem para a contratação indiscriminada de causídicos particulares pelos Prefeitos Municipais de Municípios desprovidos de Procuradorias Jurídicas, fora dos casos previstos no art. 25 da Lei Federal n.º 8.666/93 (que trata das hipóteses de inexigibilidade de licitação). Com isso, a antiga previsão contida no Projeto do Novo CPC permitia vislumbrar, em tese, a possibilidade de designação casuística de advogados para a representação judicial da Fazenda Pública a partir de critérios subjetivos destinados a atender aos interesses pessoais dos O teor dos incisos I e II do art. 60 do PLS n.º 166/2010 se relaciona aos incisos I e II do art. 75 do PLS n.º 8.046/2010. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4621/RO. Tribunal Pleno. Relator Ministro Ayres Britto. Julgamento em 02/08/2010. Publicação em 20/08/2010. 7 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2009.007.00019. Órgão Especial. Relator Desembargador Sérgio Lúcio de Oliveira e Cruz. Julgamento em 10/08/2009. 5 6 163 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina governantes, alheios à necessidade de estruturação técnica das Procuradorias Públicas para o fim de defesa do interesse público primário e indisponível.8 Portanto, a nosso ver, a supressão do antigo §1º do art. 105 do Projeto do Novo CPC se coaduna com a ordem constitucional, a qual determina que a Advocacia Pública, em todas as suas esferas, seja exercida de modo privativo por Procuradores Públicos previamente aprovados em concurso público de provas e títulos e, portanto, ocupantes de cargo público efetivo. Nessa toada, a necessidade da criação e de organização da carreira institucionalizada de Procurador Público, em todos os entes federativos brasileiros – inclusive os Municípios,9 é medida que se impõe para garantir a autonomia funcional e a independência técnica da Advocacia Pública, com vistas a assegurar a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a eficiência administrativas, bem como a defesa irrestrita do interesse público primário e indisponível. 2.2 A responsabilidade civil pessoal dos Procuradores Públicos nos processos judiciais No que se refere à disciplina da responsabilidade civil pessoal dos Procuradores Públicos no âmbito da atuação processual, é nítida a evolução apresentada pelo Projeto do Novo CPC. Com efeito, o atual CPC, ao dispor sobre os deveres das partes e de seus procuradores, não trata especificamente da questão acerca da responsabilidade civil pessoal dos Procuradores Públicos no bojo dos processos judiciais. Diferentemente, de modo genérico, o art. 16 do atual CPC limita-se a consignar que “Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente”. Para tanto, o art. 14 elenca os deveres das partes e dos sujeitos processuais (tais como “expor os fatos em juízo conforme a verdade” e “proceder com lealdade e boa-fé”) e o art. 17 versa sobre as hipóteses caracterizadoras da litigância de má-fé (tais como “alterar a verdade dos fatos” ou “usar do processo para conseguir objetivo ilegal”). 8 De acordo com a distinção aduzida por Celso Antônio Bandeira de Mello, o interesse público primário se relaciona ao interesse da coletividade, em razão da existência do Estado, enquanto o interesse público secundário se refere ao interesse do órgão público ou do governo instituído, geralmente reduzido à defesa do erário público. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 50 et seq.). 9 Nesse sentido, Cesar Antonio Alves Cordaro aduz que “É inegável, portanto, que, por realizarem a mesma função e serem portadores das mesmas atribuições, os Advogados Públicos do Município devem contar com uma carreira institucionalizada, devidamente estruturada e organizada, acessível mediante concurso público, de provas e títulos, revestida das garantias institucionais necessárias à eficácia de sua função de representação judicial, assessoramento e, notadamente, de controle prévio da legalidade dos atos da Administração” (CORDARO, Cesar Antonio Alves. A Advocacia Pública dos Municípios: necessidade de tratamento constitucional. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Advocacia de Estado – Questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e José Antônio Dias Toffoli. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 237). 164 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Já no que se refere ao Ministério Público e à Magistratura, o atual CPC disciplina, de forma específica, a responsabilidade civil pessoal dos seus respectivos membros no bojo dos processos judiciais. Nesse sentido, o art. 85 dispõe que “O órgão do Ministério Público será civilmente responsável quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude”, enquanto o art. 133 prevê que “Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude”. À evidência, a limitação da responsabilidade civil pessoal dos membros do Ministério Público e da Magistratura às hipóteses de cometimento de dolo ou fraude, no exercício das respectivas funções, constitui inegável conquista em prol da independência funcional dos referidos órgãos. De fato, a exclusão da responsabilidade civil pessoal dos membros do Parquet e da Magistratura para os casos de atuação processual culposa (isto é, negligente, imprudente ou imperita) constitui garantia que confere ao Promotor Público e ao Juiz uma margem adequada de liberdade na atuação processual. Todavia, ao mesmo tempo, essa mesma liberdade funcional encontra limites na vedação ao exercício doloso ou fraudulento das respectivas funções.10 Nessa perspectiva, a atual redação do CPC, em face da ausência da regulamentação específica da responsabilidade civil pessoal dos Procuradores Públicos no exercício de suas funções, incorre em omissão incompatível com as prerrogativas processuais da Advocacia Pública em juízo. A rigor, o resguardo da autonomia funcional e da independência técnica dos Procuradores Públicos, no âmbito dos processos judiciais, é condizente com a mesma garantia assegurada no atual CPC aos membros do Ministério Público e da Magistratura, conjugada com o papel da defesa do interesse público primário e indisponível pela Advocacia Pública.11 É com bons olhos, portanto, que o Projeto do Novo CPC corrige essa distorção, ao prever, no parágrafo único do art. 183, que “O membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções”. A adequada previsão contida no Projeto do Novo CPC se coaduna à necessidade de se conferir à atuação processual do Procurador Público a imprescindível liberdade técnico-argumentativa na defesa do interesse FERRIANI, Adriano. A responsabilidade civil do juiz. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 9(16-17), p. 26; 36, jan./dez. 2009. 11 De fato, “o advogado público conta com verdadeira independência funcional, que, a despeito de não estar prevista expressamente na Constituição Federal, pode ser inferida a partir de seus dispositivos, como o princípio da legalidade e a exigência de controle interno da Administração Pública. (...). Porém, a independência funcional do advogado público não é a finalidade de seu trabalho, mas apenas o instrumento que possibilita atingir seu objetivo, que é o mesmo de qualquer agente público: satisfazer o interesse público primário, ou seja, o bem geral da coletividade, que, no Estado Democrático de Direito, é efetivado na observância do ordenamento jurídico” (MOREIRA AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes. Para que serve o advogado público? In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Advocacia de Estado – Questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e José Antônio Dias Toffoli. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 57). 10 165 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina público primário e indisponível, em correlação com a imperativa responsabilidade da prática funcional do munus desatrelada de condutas dolosas, fraudulentas ou temerárias.12 Aliás, a própria Lei Federal n.º 8.906/1994, a qual dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é expressa em elencar, como um dos direitos do advogado, o exercício da profissão, “com liberdade”, em todo o território nacional (art. 7º, I). Também o art. 18 garante a “isenção técnica” e a “independência profissional” inerentes à advocacia, em associação, inclusive, com a inviolabilidade constitucional garantida ao exercício da advocacia pelos atos e manifestações exarados no exercício da profissão, nos limites legais (art. 133, da CRFB). 2.3 Dos prazos processuais e respectiva forma de contagem Outro aspecto importante de mudança pretendida pelo Projeto do Novo CPC diz respeito aos prazos processuais conferidos à Fazenda Pública, bem como à respectiva forma de contagem. O atual CPC, em seu art. 188, dispõe que “Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público”. Com isso, a disciplina processual vigente outorga à Fazenda Pública prazos diferenciados tão somente para contestar (o que engloba qualquer tipo de resposta do réu, tais como exceções, incidentes e reconvenção)13 e para interpor recursos, não alcançando a prática dos demais atos processuais. Todavia, o Projeto do Novo CPC, alterando a sistemática dos prazos processuais diferenciados em prol da atuação da Fazenda Pública, prevê no art. 184 que “A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal”. Nesse sentido, o Projeto do Novo CPC uniformiza o prazo diferenciado concedido à atuação processual da Fazenda Pública, dispondo que a Advocacia Pública gozará unicamente de prazo em dobro, excluindo, portanto, a contagem em quádruplo para a hipótese de contestação (ou “O Advogado de Estado, até mesmo por essa condição essencial, de ser, antes de tudo, um advogado, na representação judicial do Estado tem o dever geral de repudiar qualquer tipo de desvios éticos de conduta postulatória, como, mais comumente, a litigância de má fé” (NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. A Advocacia de Estado revisitada: essencialidade ao Estado Democrático de Direito. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Advocacia de Estado – Questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e José Antônio Dias Toffoli. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 41). 13 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 8.233/RJ. Segunda Turma. Relator Ministro Ilmar Galvão. Julgamento em 17/04/1991. Publicação em 13/05/1991. p. 6077. 12 166 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina melhor, resposta do réu). Por outro lado, o Projeto do Novo CPC amplia a contagem em dobro do prazo para a Fazenda Pública para toda e qualquer manifestação processual, seja apresentação de contestação, interposição de recurso, oferecimento de contrarrazões recursais ou formulação de mera petição simples. Ademais, o §2º do art. 184 estabelece que “Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público”. Isso quer dizer que, caso haja previsão legal de prazo específico para a atuação processual da Fazenda Pública (v.g., prazo de vinte dias para a apresentação de contestação em Ação Popular – art. 7º, IV, da Lei Federal n.º 4.717/1965), não haverá a prerrogativa do prazo em dobro. Poder-se-ia imaginar, em um primeiro momento, que a redação do art. 184 do Projeto do Novo CPC teria implicado redução do prazo para a Fazenda Pública apresentar resposta, quando figure como ré. Porém, o mesmo Projeto do Novo CPC, no art. 219, consigna que “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os úteis”. Nesse diapasão, a conjugação do prazo em dobro para qualquer manifestação processual, conjugada com a respectiva contagem somente nos dias úteis, afigura-se compatível com as peculiaridades da atuação processual da Advocacia Pública. Como se não bastasse, é preciso ressaltar ainda que o Projeto do Novo CPC, no §1º do art. 184, assegura que o prazo para manifestação processual da Fazenda Pública terá início “por carga, remessa ou meio eletrônico”. Destarte, o Procurador Público não mais será intimado via publicação no órgão oficial de imprensa, o que, indubitavelmente, está em consonância com as particularidades da defesa do interesse público, especialmente diante das dificuldades verificadas nas Procuradorias Jurídicas para o controle de prazos dos milhares de processos judiciais que envolvem a Fazenda Pública. Com efeito, não mais se discute a legitimidade da conferência de prazos processuais diferenciados à Fazenda Pública, tendo em vista a sua evidente recepção pela ordem constitucional.14 O que se tem em mente, na verdade, é que as normas processuais que outorgam prazos dilatados à Fazenda Pública compatibilizam-se com a supremacia do interesse público primário e indisponível, bem como com o próprio princípio constitucional da isonomia,15 pois, ao “Recurso extraordinário adesivo: duplicação do prazo de interposição. Devendo o recurso adesivo manifestar-se "no prazo de que a parte dispõe para responder" (C. Pr. Civ., art. 500, I, red. cf. L. 8.950/94), é patente sua duplicação, nos termos do art. 188 C. Pr. Civ., cuja recepção pela ordem constitucional superveniente o Tribunal já tem assentado” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 196430. Primeira Turma. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Julgamento em 09/09/1997. Publicação em 21/11/1997). 15 “O beneficio do prazo recursal em dobro outorgado as pessoas estatais, por traduzir prerrogativa processual ditada pela necessidade objetiva de preservar o próprio interesse público, não ofende o postulado constitucional da igualdade entre as partes” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 181138. Primeira Turma. Relator Ministro Celso de Mello. Julgamento em 06/09/1994. Publicação em 12/05/1995). 14 167 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina contrário do que se poderia eventualmente pensar, não retratam ilícitos privilégios, mas, sim, legítimas prerrogativas processuais.16 De tal sorte, o aprimoramento da sistemática dos prazos processuais aplicados à Fazenda Pública no Projeto do Novo CPC, assim como da respectiva forma de contagem, resguarda a necessidade de tutela das prerrogativas da Advocacia Pública em consonância com a vigente ordem constitucional. 3. Conclusão O presente artigo teve como objetivo examinar três dos principais aspectos de mudanças pretendidas pelo Projeto do Novo CPC no que se refere à atuação processual da Fazenda Pública em juízo. A abordagem utilizada teve como diretriz a análise da sistemática do Novo CPC sob a ótica das prerrogativas processuais da Advocacia Pública. Nessa perspectiva, pode-se concluir que, de modo geral, o Projeto do Novo CPC implica o fortalecimento da atuação processual dos Procuradores Públicos, inclusive no que se refere a uma valorização institucional da Advocacia Pública. O destaque em título próprio da Advocacia Pública e o tratamento específico da atuação processual dos Procuradores Públicos retratam que a defesa do interesse público primário e indisponível foi levada a sério. Foi com avanço, dentro desse contexto, que a atual redação do Projeto do Novo CPC: a) excluiu a possibilidade de representação judicial de Municípios por advogados munidos de procuração; b) limitou a responsabilidade civil pessoal dos Procuradores Públicos às hipóteses de dolo, fraude ou má-fé; c) conferiu prazo em dobro para a prática de toda e qualquer manifestação processual por parte do Procurador Público, com a contagem apenas em dias úteis e com início a partir da intimação pessoal. 4. Referências Bibliográficas CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 6. ed., São Paulo: Dialética, 2008; DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 3. ed., t. I, São Paulo: Malheiros, 2000; 16 FRANCO, Marcus Vinícius Lima. Alguns aspectos relevantes da Fazenda Pública em juízo. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Advocacia de Estado – Questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e José Antônio Dias Toffoli. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 279-282. 168 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina FERRIANI, Adriano. A responsabilidade civil do juiz. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 9(16-17), jan./dez. 2009; FRANCO, Marcus Vinícius Lima. Alguns aspectos relevantes da Fazenda Pública em juízo. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Advocacia de Estado – Questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e José Antônio Dias Toffoli. Belo Horizonte: Fórum, 2009; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed., São Paulo: Malheiros, 2004; MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed., t. I, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 219; MOREIRA AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes. Para que serve o advogado público? In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Advocacia de Estado – Questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e José Antônio Dias Toffoli. Belo Horizonte: Fórum, 2009; NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. A Advocacia de Estado revisitada: essencialidade ao Estado Democrático de Direito. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Advocacia de Estado – Questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e José Antônio Dias Toffoli. Belo Horizonte: Fórum, 2009; SILVA, Ovídio A. Baptista da. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 1, São Paulo: RT, 2000. 169