MAQUINAÇÕES: BICICLETAS, CORPOS, ARTE, ECOSOFIA

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MAQUINAÇÕES: BICICLETAS, CORPOS, ARTE, ECOSOFIA
MAQUINAÇÕES: BICICLETAS, CORPOS, ARTE, ECOSOFIA1
Emerson Biernaski2
Kátia Maria Kasper3
Resumo
Encontros compondo abertura de mundos. Potência. Diferença. Grafitam fragmentos, que vão delineando
linhas de uma pesquisa, traçadas na aliança com Gilles Deleuze e Félix Guattari. Peças em conexão,
trajetórias, linhas de formação, em devir. Travessias. Investigar espaços de experimentações. Acompanhar o
processo de construção da praça de bolso do ciclista. Colocar-se entre. Devir-ciclista, nova apreensão da
cidade, outros urbanismos. Agenciamentos coletivos. Liberação de fluxos, práticas e enunciados.
Dessubjetivação. Traçar linhas de fuga da axiomática capitalista. Instauração de outros modos de existência,
mesmo que efêmeros.
Palavras-chave
Diferença. Ecosofia. Devir. Educação.
Agenciar
Curioso agenciamento corpo-bicicleta. O que possibilita? Traçar um percurso de bicicleta
difere de traça-lo a pé, ou de carro. Os percursos não são os mesmos, nem os mesmos corpos. O
passeio como ato, como política, como experimentação, como vida. (DELEUZE, 1998, p. 40).
Devir-ciclista, devir cicloativista. Exposição... ao tempo, ao trânsito, ao asfalto, ao vento. E também
a todos os perigos que dela advém. Corpos interventores, propositores. Corpos em deslocamentos.
A atenção solicitada é peculiar, concentrada o bastante para criar equilíbrio, taticamente à espreita...
Desterritorializações. Com outros corpos-bicicletas, ampliando.
Máquina ciclista (RAUNING, 2008), nascida do acoplamento do corpo e do mecanismo
ligeiro da bicicleta. Máquina ciclista, com percepções próprias, do relevo (subir/descer), das
superfícies (trepidações dos paralelepípedos), dos veículos que ocupam a cidade de forma tão
massiva, esmagadora. Do vento, da chuva, dos cheiros. Abertura aos encontros. Movimentos,
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Este ensaio envolve aspectos de uma pesquisa em andamento e também de pesquisa já realizada entre os anos de
2012 a 2014, acompanhando proposições de artistas e cicloativistas em Curitiba.
Mestrando em Educação em Ciências na Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]
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velocidades, lentidões, que compõem, fugazmente, uma paisagem. A máquina ciclista desenha sua
própria geografia. Uma outra cidade. Outros caminhos. Interstícios, atalhos.
Estranhos agenciamentos. O que eles podem? Escritura de novas paisagens, formações em
processos, relações de cofuncionamento. Produzir corpos potentes, despir-se de fórmulas prontas
para usar? Talvez a produção de educações outras, nas (in)significâncias, no cotidiano, nos efeitos
dos encontros.
Alegrar4
Imagem: Pedro Lima D’Água, a partir de fotografias de Bruno Pósnik Roloff e de Emerson Biernaski.
Encontrar
O processo de construção da Praça de Bolso5 do ciclista ocorreu entre maio e setembro de
2014. Ela foi inaugurada no dia 22 de setembro, no Dia Mundial Sem Carros, no Mês da Bicicleta6.
Localizada na esquina da Rua São Francisco com a Rua Presidente Faria, no centro de Curitiba. Em
frente à Bicicletaria Cultural, um dos primeiros territórios de referência sobre mobilidade urbana e
bicicleta da cidade. Construção realizada em mutirões por arte-ativistas – relacionados à Bicicletaria
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Professora do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná e dos Programas de Pós-Graduação em Educação
(PPGE-TPEn) e em Educação em Ciências e em Matemática (PPGECM) da Universidade Federal do Paraná. Doutora
em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. E-mail: [email protected]
DELEUZE, 2002.
Praça de bolso tem relação com o termo "pocket park", tratando de ocupações e transformações de pequenas áreas
urbanas para convivência.
Aprovado pela Lei Estadual 17.385/2012, onde a bicicleta toma um espaço no Calendário Oficial de Eventos do
Estado do Paraná.
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Cultural, à Associação Cicloiguaçu, ao Festival Artebicimob, ao Fórum Mundial da Bicicleta, ao
centro de Criatividade de Curitiba, aos movimentos pela mobilidade ligados à bicicleta, ao circuito
cultural de Curitiba, mas não só - propositores e por pessoas voluntárias, inúmeras, da região ou
não, com apoio técnico, material e de maquinário da Prefeitura Municipal.
Nesse período, um intenso processo de experimentação, envolvendo múltiplas criações e
proposições. Entre elas, oficinas de panificação, grafite, carpintaria, mosaico, horta capilar, arte
urbana, de construção civil, arrimo, armação, pavimentação, petit pavet, restauração, reboco,
bioconstrução com a tecnologia super adobe. Mini jardins para crianças. Além de shows, festas,
música, cinema e mais. Produções operando em outras lógicas que não aquelas do pensamento para
o mercado, dos modos de vida conformes.
Criar
Uma ilha de bolso é construída na nascente da rua de pedra bruta que desemboca no centro
histórico da cidade de Curitiba. Espaço público tornado território de experimentações – éticas,
estéticas, políticas – ligadas à mobilidade por bicicleta. Com a bicicleta nessa cidade, corpos
coletivos se deslocam entre intervenções, (re)invenções do urbano, ativismo, arte.
Outras aprendizagens, talvez, atravessem esses acontecimentos. Sem lucro, hierarquias e
obrigatoriedades. No entardecer do quinto dia a forma-trabalho não caracteriza mais as ações. Um
bando aberto e heterogêneo experimenta, uns com obras, uns com projeto. Em todas as reuniões
surge ao menos um especialista em uma atividade. Na hora da ação todos se tornam aprendizes de
algo.
Em reuniões na Bicicletaria Cultural para organização (d)e mutirões, as parcerias com
pessoas, associações e órgãos públicos, construção coletiva, criação de enunciados, contágios.
O sexto e o sétimo dias são de construção e festa. Além de ter estruturas visíveis e
funcionais, a Ilha é portadora de universos incorporais, imersa no movimento. Intensificação e
expansão da vida cotidiana.
Operando em vias de uma resingularização que desliza das subjetividades conformes. A
imagem da rua de pedra bruta histórica, aos poucos se potencializa e contamina pela presença da
diversidade dos bandos e práticas. Águas nascentes, também, do subsolo-bicicletaria, potentes de
beber, pela sombra de um edifício embargado e a selva de carros.
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À espera de beija-flores, sementes de contágio são plantadas. Por grafites autônomos,
bicicletas ganham asas.
(Des)formar
Ele conversava com arquitetos e com andarilhos quando cheguei à Praça de Bolso do
Ciclista, em construção. Seguimos para a Bicicletaria Cultural. Estavam ali também uma mulher e
sua filha, que logo entraram na bicicletaria. Começamos a conversa com ele a respeito da
construção da praça. A mulher saiu e a menina ficou – estava experimentando a sala, encontros com
cartilha de orientações a motoristas de trânsito e panfletos de candidato político. Continuamos. A
menina mostrava querer sair. Não se interrompeu o depoimento. Nesse momento, os olhos dele
falavam ao gravador e para que eu abrisse a porta. Antes de fazê-lo: “para onde iria uma menina de
aproximadamente três anos, sozinha?”. Estranhamento.
Uma criança circula entre adultos, ferramentas de conserto de bicicleta, livros de teóricos
contemporâneos. A porta pode ser aberta e a menina vai. A bicicletaria, um território dela. Ela
experimenta-o, cria-o. Ensina-me a não capturá-lo – e a não capturá-la – segundo minhas lentes
pedagógicas.
Experimentar
Corpos desterritorializados parecem descobrir possibilidades de aprender nos encontros de
produção da praça. Do fino traçado no papel, ao concreto do muro em construção. Da comunicação
virtual, às conexões de informações, organização e de pessoas na praça pública. Das aulas
lecionadas, à geografia das pedras assentadas e niveladas. Do design programado, à experiência do
grafitar. Da burocracia jurídica, ao ativismo. Experimentando sair da bolha7, fazer você mesmo,
criar coletividades. Cada um à sua maneira, segundo sua abertura. Chegar e fazer parte. Presenças,
implicando em proposições, ações. Aprendizagens pela disponibilidade, pela abertura, pelo contato.
Aproximações dos movimentos ligados à mobilidade por bicicleta e de artistas, ativistas e pessoas
com formações diversas, que os compõem. Nos diálogos iniciados, parcerias, leituras disponíveis.
Práticas plurais desenvolvidas. Mais. Aprendizagens abertas, auto-organizadas, experimentais,
múltiplas, não hierárquicas, compartilhadas.
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BIERNASKI; KASPER, 2012.
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Contagiar
Aprendizagens que acontecem nas relações, no espaço entre. Aprendizagens por contágio,
por contaminação. As reuniões de organização, oficinas, construções, agiam como fagulha.
Provocavam um desejo de ação. Aposta no trabalho coletivo, organizado horizontalmente. Alegria
de encontros potentes. Entrar em rizoma. Não se tratando de filiação, seriação, disciplinaridade.
Uma aprendizagem experimental e intensiva, gerando novas formas de aprender. Abertura para o
acontecimento.
Aprender
Alianças entre movimentos urbanos, experimentações artísticas e ativistas, saberes
múltiplos. Formas abertas de conexões. Como aquelas estabelecidas entre arte-ativistas de
diferentes regiões do país e também de outros países, encontro de cicloviajantes; como as que
acontecem junto àqueles que são ativistas há mais ou menos tempo; proposições inspiradas em
outros coletivos... E alianças – mesmo que temporárias. Produção de corpos individuais e coletivos.
Relacional, heterogênea. (Re)inventando modos de sentir, de agir e de pensar.
Desterritorializar
Da Bicicletaria Cultural e seus três anos de conexões com lençóis ativistas e da
convergência das Águas do Alto Iguaçu, brota uma nascente que escoa. Nascentes que há tempos
irrigam
partes
duras
do
urbano.
Respiros
no
cimento.
Água-cultura-da-bicicleta.
Água-movimento-pela-ciclomobilidade-urbana. Escoa. Os lençóis rizomáticos são também virtuais.
Em forma de rede, piratas ou não. De forças insurgentes pedindo passagem. Em tempos de mutirão
só é possível navegar de bicicleta. (Inund)ação-mutirão, construir uma Ilha de bolso para habitar,
ancorar bicicletas, partilhar o peso das pedaladas em selvas não feitas para barqueiros-ciclistas, nem
para aventureiros-pedestres. Corpos, sensações, arte, respiros.
Germinar
Sementes da esfera mental florescem no movimento, plantadas nas praças, intervindo:
libertárias jardinagens. Alguns ipês grandes e amarelos. As forças que animam também são o gosto
do preparar a terra. Misturam-se aos antigos os novos, as flores não têm donos. Puro
desejo. Compõem com outros cultivos. Plante você mesmo. Planta-se coletivamente uma praça.
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Germinações da esfera social de tempos e espaços variados, em heterogênese, se
encontram. O desejo. Desdobramentos possíveis e potentes de encontros, com artistas, ativistas,
vizinhos, ciclistas, arquitetos, paisagistas, fotógrafos, motoristas e outros e outros e outros e
outros... Disponíveis, intensos, situs, anarcos, zens. Beija-flores de volta ao centro. Voos à nascente,
ao que pode ser nascente em nós. Modos nascentes em nós. Volta à nascente, que escoa, além e
aquém do centro. Bicicletas conectando a cidade, inclusive as cidades subjetivas. (GUATTARI,
1992).
Ecosoficamente (GUATTARI, 2001), entrelaçando, emaranhando, enovelando, não
separando psique, socius e ambiente; articulando ética-estética-politicamente uma lógica das
intensidades.
Devir
Aprender fazendo com, nos encontros. Eu sou esburacada, eu permito que as coisas passem
por mim, pelos pensamentos assim, tipo um queijo... Essa atitude de ser generosa, de abrir para as
outras possibilidades, até aquilo que não se conhece, revela muitas coisas positivas, e tem riscos
também.8 Aprender a(o) se relacionar, a cofuncionar. Esburacar, ampliar as perspectivas, habitar o
instante-já. Aprender com o corpo em movimento. Ética-estética-politicamente. Performance da
atenção, composição dos afectos, dessubjetivação.
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Esburacar (outra voz, vozes outras).
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REFERÊNCIAS
BEY, Hakim. TAZ: Zona Autônoma Temporária. Tradução de Renato Rezende. 3. ed. São
Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2011.
BIERNASKI, Emerson; KASPER, Kátia Maria. Ecos de uma bolha. Linha Mestra (Associação de
Leitura do Leitura do Brasil), v. 6, n. 21, p. 111-118, 2012.
DELEUZE, Gilles. Espinosa: filosofia prática. Tradução de Daniel Lins e Fabien Pascal Lins. São
Paulo: Escuta, 2002.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de
Aurélio Guerra e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995. vol. 1.
_______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Aurélio Guerra Neto et alii. São
Paulo: Editora 34, 1996. vol. 3.
_______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34,
1997. vol. 4.
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo:
Escuta, 1998.
GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução de Maria Cristina F. Bittencourt. 11. ed. Campinas:
Papirus, 2001.
_______. Caosmose: um novo paradigma estético. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia
Cláudia Leão. São Paulo: Editora 34, 1992.
_______. Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. Tradução de Suely Rolnik. 3. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1986.
LUDD, Ned (org.). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta
poluído. Tradução de Leo Vinicius. 2. ed. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005.
RAUNING, Gerald. Mil máquinas: breve filosofia de las máquinas como movimento social.
Tradução de Marcelo Expósito. Madri: Traficantes de Sueños, 2008.
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 1.
reimpressão. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS, 2006.
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