só | quinta edição, janeiro de 2009, distribuição gratuita
Transcrição
só | quinta edição, janeiro de 2009, distribuição gratuita
só | quinta edição, janeiro de 2009, distribuição gratuita lucas rodrigues de campos - edição, revisão, redação, reportagem, diagramação e comercial; chuck dedo amarelo - comercial e ilustração; tatiane klein - edição, redação e revisão. andré mainardi - redação, reportagem, comercial e tratamento dos logos de anunciante colaborações: erich jones, renato e elton amorim, geraldo malta e paulo bórgia contato: [email protected] 2218 0796, falar com andré ou 7600 5699, falar com tatiane Ousando ou dando um passo além. Em sentido desconhecido, quebrando paulatinamente. Saída do cubo. A cada edição a normas se alternam. Regras contorcem-se, mas visitam o que já foi feito. Esse movimento parte em busca de uma aprimoração. O que motiva o trabalho é a crença de que o material veiculado nessas folhas é do interessante das pessoas, em especial daqueles que têm como interesse comum a música. Nessa edição de sÓ, relembramos eventos dos últimos meses de 2008 relevantes para o cenário musical: a passagem do Art Ensemble Of Chicago, um show de Lanny Gordin e o lançamento do trabalho do Djalma Lima Quinteto. A montagem deste número foi, em momentos, ao acaso, segundo a conveniência dos prévios contatos musicais e experiências. Emerge também, nas pequenas duas páginas da sessão sÓ-letrado, a poesia setentista de Ana Cristina César, cuja morte completou 25 anos em 2008. Beto Martins, um músico que ajusta o violão na luthieria de um amigo, revela O Lodo. Trata-se de um trabalho de garimpagem que deixa um breve legado. Geraldo Espíndola é protoganista do som pantaneiro; Beto Martins e Pedro Jaguaribe destacam-se como músicos em sessões de gravação. No começo da década de 70, eles formaram o conjunto Lodo, que infelizmente não registrou nenhum áudio. Agradecimentos a Elton e Renato Amorim, que localizaram o guitarrista Beto Martins. Outra investida de arrojo é apresentar o celeiro de músicos que foi O Bando. Celamos nossa parceria com o festival Psicodália, acontecimento que conquistou seu espaço e reúne mais de 40 grupos de rock’n’roll calcados no progressivo, hard e psicodelia, feito quase que exclusiva em terras brasileiras. Crescendo a cada ano ele prova que obstinação e amor pela música conseguem causar muito barulho. As turbulências geradas pela crise financeira chegaram ao nosso pequeno público, ressoando de algumas formas no funcionamento de nosso jornal. A previsão de lançamento extrapolou uma semana, mas a perspectiva de um novo ano força uma reação. A partir de janeiro pretendemos ampliar um pouco o leque de nossas intervenções musicais. Os projetos são vários; entre eles uma rádio nos domínios da internet, som direto do vinil, com roteiro baseado nos detalhes de capa, fichas técnicas, e amparado em reportagem. Um roteiro musical deve acompanhar cada edição, para ler e ouvir. Uma outra iniciativa é a assinatura do jornal. Quem contribuir com dez reais em prol de nossa causa musical, receberá a sÓ em casa. O conteúdo presente nas próximas páginas compensam o pequeno investimento. O negócio é: por dez reais, o contribuinte receberá seis edições do jornal sÓ, o correspondente a um ano. Apesar desse mecanismo de assinatura, o jornal permanece gratuito, e pode ser encontrados em lojas especializadas e shows. As três edições desse ano de 2008 concretizam nossas vontades e crenças. A idéia de coletivo precisa ser amadurecida, contudo os assuntos abordados e a dedicação ao trabalho já estão consistentes, o chavão de novo ano nos cabe, e o lema continua, a tortura, a procura da essência. Assim apresentamos este número. 21thCenturySquizoidMan (ou quando Lanny tocou) por lucas rodrigues de campos Dentro da ante-sala do casarão, o olhar do guitarrista não compreendia os olhares do pequeno público. Os olhares do público não comprendiam o olhar do guitarrista. O guitarrista, naturalmente, não conhecia o público. O público, estranhamente, não conhecia o guitarrista. Esse foi o primeiro contato, já perto das três da manhã, entre Lanny Gordin e as poucas dezenas de pessoas. Os acordes transformados em espasmos acompanhavam a estranheza do momento. Uma Gibson, um cry baby, distorção e um bom amplificador Fender traziam os primeiros sons de jazz em uma produção em sintonia com os olhos do músico. Eles misturavam medo e timidez, e estabeleciam o primeiro contato esquizóide com os parcos presentes. Rave Cultural foi o evento que abrigou, no meio da madrugada do dia 6 de dezembro, o talento de um músico escamoteado por mais de 30 anos de história; uma história pela qual ele foi responsável e da qual foi sujeito fundamental. Se hoje os tropicalistas perdem-se em ministérios, releituras bregas e shows com Roberto Carlos, o lado musical, a toada da música, é bem maior que a “vanguarda” tropicalista, e resiste no peso mediúnico da guitarra de Lanny Gordin. O caminho percorrido, de insanidades e abusos, criou o mito e o mito resumiu a carreira, velando competência extraordinária. Difícil dizer se as experiências intra cerebrais (talvez haja melhor expressão) prejudicaram a carreira de Lanny – o que ele produz contesta o fosso em que foi colocado. O brilhantismo dos melhores trabalhos de Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso tem nas seis cordas eletrificadas de Lanny os melhores momentos. A psicodelia da tropicália tem nesse guitarrista a parte mais relevante do movimento. Com cacife mais que suficiente, ele pula da passagem de som para a execução de Tronpicália. Quase o lado avesso do movimento. porrada, em um rock inaudível para o público desatento, que não se permitiu desfrutar do raro momento. Os presentes não reconheciam quem estava sentando no banco, batendo nas cordas. Talvez o anonimato seja o melhor companheiro de Lanny. Diferente das últimas apresentações com base em standards do jazz, a estrutura musical veio cheia de quebras. O momento solo trouxe Tom Jobim, mas o destaque foi um riff com pé na distorção – simples, mas pesado, pesado no melhor estilo “hard dos anos 70”. Os poucos alcoolizados no espaço distorciam a apresentação, seja com gritos incômodos ou arremessos ao chão. “Ele é o Jimi Hendrix brasileiro!” gritavam no meio do show – não estava claro que ele não é Hendrix, mas Lanny Gordin. Sem necessidade de declarações. ou horas de entrevista, as perguntas foram respondidas com um olhar que espremia algo entre o frágil, cansado, mas envolto de uma ternura pueril. Mais do que palavras ou a insistência de olhares, a reflexão que a caminhada fria trouxe foi a da existência incompreensiva de uma guitarra tão expressiva. Arredia quando necessária, com notas lacônicas. Atenciosa em intrincadas melodias, completando lacunas, fornecendo as respostas mais completas. grande música música negra Membros remanescentes da formação clássica: Famadou Don Moye e Roscoe Mitchell por lucas rodrigues de campos experimentos Mais uma vez a grande mídia deixou de relatar uma das experiências musicais mais relevantes no tocante ao desenvolvimento do jazz e sua gama de linguagens: a segunda passagem do Art Ensemble of Chicago pelo Brasil (AEoC). Para os que nunca tiveram contato com o grupo, cabe uma pequena introdução. O AEoC é de suma importância no estilo musical chamado avant-garde, compondo a AACM, – Association for the Advancement of Creative Musicians – escola musical fundada por Muhal Richard Abrahams. Essa as- sociação contou com a colaboração massiva de Roscoe Mitchell (sopros), Lester Bowie (sopros, falecido em 1999), Famoudou Don Moye (bateria e percussão, que passou a integrar o AEOC após a saída de Philip Watson, em 1970), Malachi Favors Maghoshut (baixo, falecido em 2004), Joseph Jarman (saxofone, sopros em geral, que deixou o AEOC em 2004 para se dedicar ao budismo), todos membros do Art Ensemble. Em busca de um contexto artístico interativo de formas diversas, e que extrapolasse limites musicais, surge o AEoC. Mais do que um grupo, o Art Ensemble foi e ainda é uma proposta estética, que reúne crítica e referencia-se na cultura africana, tomando-a como base das experimentações sonoras. O grupo chega à “Grande Música Negra”, ideal compartilhado dentro da AACM. Musicalmente, o Art Ensemble dialoga com a música erudita, incorporando inovações sonoras com roupagens de Stockhausen e John Cage. fotos: Tatatiane Klein Roscoe Mitchell, Famoudou Don Moye, Wadada Leo Smith (trompete e surdina, advindo da AACM) e Jaribu Sahid (baixo e percussão, desde 2004 no grupo), tocaram três noites no Sesc Vila Mariana – dias 10, 11 e 12 de Outubro. O auditório da “casa de shows” beirou a lotação de sexta a domingo, mesmo com o último concerto agendado para as 17h. O público compôs-se heterogêneo: curiosos, músicos, acadêmicos, jornalistas cobrindo a área de “cultura”, conhecedores do grupo. Fato é que parte dessa construção de estereótipos traduziu-se na grande fatia do público que, com cerca de 20 minutos de contato com os improvisos, retirou-se do espetáculo. No domingo, ingressos esgotados e espectadores atrasados espalham adrenalina entre todos. “Esperar começar pra saber se ainda tem lugar?!” bradava um; outro agradecia o ingresso negociado. Por 16 reais consegui o meu, “nada mal, já que a meia-entrada saira por 15”, pensamento rapidamente contradito pela descrição do ingresso: convidado, R$00,00. O fato é que pude presenciar dois acontecimentos já citados: a excelente música e a fuga de mais de um terço do público (conferir de alguma forma). Divulgado a partir do slogan free-jazz o show atraiu ouvidos não acostumados aos ar- rojos do AEoC. Os que reagiram ao levantar das cadeiras, o faziam quase como se estivessem sendo agredidos, ou até mesmo lesados. A aposta em conhecer um grupo “cult” de jazz decepcionou parte da platéia, que não tolerou o peso e as improvisações em massa. Sempre antecedida por resmungos, chiados e reclamações silenciosas, a debandada em peso constituiu mais um dos cenários paradoxais que corroboram a afronta sonora do ensemble. Não cadente, espacialmente distorcida, assim fez-se a enegenharia sonora, desnaturando modos e escarnecendo tolas convenções musicais. Contra a regra Com ambiente diferente do costumeiro - excetuando as vestes tipicamente africanas de Don Moye - o palco não estava alastrado por componentes percussivos. Rostos maquilados também foram deixados de lado. Chamava a atenção uma poltrona posicionada no lado direito do palco, adorno de desenho sutil comparado à eloqüência dos trajes e pinturas já tradicionais do AeOC. O baterista, liderando a marcha com uma bengala que domava a possível artrite, caracterizada pelo andar moroso e mancado: os quatro integrantes seguiram Moye movendo-se lentamente. Todos posicionados próximos ao set de instrumentos. De frente para o público, quase em perfeita sincronia viram e olham para a direita. De cara se viu que a enfermidade não afetaria a música de Moye, com as congas ele anunciou a harmônica passagem de flauta transversal feita por Roscoe Mitchell. Durante longos minutos os músicos revezaram momentos solo. Primeiro o trompetista, abusou muito bem da surdina, uma seqüência de frases num rítmo frenético, entrecortando a percurssão de Moye – isso enquanto Roscoe Mitchell repousava em sua poltrona, criando uma esfera mediúnica ao apoiar a cabeça em um dos braços. De olhos fechados Mitchell apurava o som ao aguardar Jaribu Sahid e Moye demonstrarem técnica, musicalidade e improviso. Wadada Smith recordou a postura e o som de Miles Davis. Filósofo da música, honrando a tradição da AACM, Smith tem como última incursão interessante tributo a Miles. São Mestre nos sopros, Mitchell fascinou os sujeitos à experiência Art Ensemble, e expulsou àqueles que foram ao show sem antes conferir alguma amostra do trabalho do grupo. Atacado pela constância respiratória do instrumentista, o sax emitia sons que se misturavam com o ar expirado pelo músico. O fluxo sonoro causou inércia ao público que continuou nas poltronas. Espanto e reverência eram registrados com olhares fixos e tímidos comentários, vezes intercalados por palmas solitárias. foto: Paulo Borgia O que vimos através do show foi interação e coletividade, sempre criando uma atmosfera, seja calcada no lirismo de passagens suaves ou em solos frenéticos, carregados de insultos e provocações, devolvidas em forma de agradecimento. Como no álbum duplo Urban Bushmen - gravação ao vivo captada em maio de 1980, no Amerika Haus Munchen, primeiro pelo selo ECM lançado em 1982 -, o show foi encerrado com Odwalla, be-pop recheado de arrojos e solos dissonantes. O bis foi um surpreendente tema, que voltou a qualidade de cada músico no desenvolvimento de um tema entre o funk e o fusion, mas sempre com pitadas de quebras rítmicas e mudanças de tempo. Pasmo. Quem acompanhou os mais de noventa minutos do excelente concerto compartilhava o momento catártico na imensa fila dos que aguardavam Moye e a chance de comprar um dos últimos cd’s a venda. Como de praxe misturei-me à euforia, momento em que recebi quatro reais de troco pelo ingresso. Saldo final: o ingresso saiu por 16 reais. O dinheiro “perdido” não causou nenhum trauma, e se causassem seriam rapidamente suprimidos pela recompensa de ter participado de uma experiência tão enriquecedora. câmara de eco SOFT MACHINE por andré mainardi VOLUME II ABC Probe Records - 1969 Mike Ratledge, orgãos Lowrey Deluxe e Hammond, piano e flauta; Hugh Hopper, baixo e sax-alto; Robert Wyatt, bateria e voz principal. Musico convidado: Brian Hopper, sax-soprano e tenor. Produção Artística e Executiva: Soft Machine e Mike Jeffrey Capa: Byron Goto e Henry Epstein O segundo álbum sempre é um desafio na carreira de um grupo; muitos jamais superam seus debuts. Tal premissa, contudo, sequer chegou a preocupar o Soft Machine na confecção de seu Volume II. Com uma curiosa mistura de dadaísmo, anêmonas, ursos, Arnold Shoenberg, e soturnas melodias em modo dórico, o disco – gravado entre fevereiro e março de 69 no Olympic Sound em Londres – é um marcante registro do jazz rock pós-Canterbury no mapa da música de vanguarda. Um breve texto na contracapa da luxuosa reedição relançada pela ABC Probe Records, adverte: “Esta banda, na sua acepção mais estrita, toca música para a mente, o que impõe algumas vezes, uma certa responsabilidade cerebral ao ouvinte”. O complexo conceito gráfico, musical e artístico-intelectual da obra foi desenvolvido em 1969, portanto recomenda-se que a gravação seja apreciada em vinil, pois foi projetada para este formato. O amor à arte de compor improvisando levou Robert Wyatt e trupe a dividir a obra em duas partes: Rivmic Melodies, preenche todo primeiro lado, dividindo-se em dez temas; ela começa por “Pataphisical Introduction”, um pequeno discurso musical que anuncia “A Concise British Alphabet Part 1”. Ambas são curtas e servem de prólogo ao tresloucado 9/8, “Hibou, Anemone and Bear”, em que se destaca a poliritmia gerada pelo choque da melodia dos metais contra a cozinha, baixo e bateria. Um som de tosse inicia a Part 2 do alfabeto britânico, que passa por “Hulloder” e “Dada was here”, cantada em espanhol. O grupo ainda homenageia Schoenberg, em “Tank you Pierrot Lunaire”, e agradece a Jimi Hendrix, Mitch Mitchel e Noel Redding por expô-los à Multidão, segundo a letra de “Have you ever been green?”. A Part 2 da introdução patafísica do LP segue com melodias de sétima maior atacadas no órgão, preparando o free form jazz de “Out of Tunes”, música que encerra esse primeiro movimento. Na outra face da chapa, desenrola-se “Esther’s Nose Job” encabeçada por “As long he lies perfectly still”. A bela e inconstante “Dedicated to you but you weren`t listening”, que seria, anos mais tarde, utilizada por Wyatt em sua banda Matching Mole, e a cacofonia generalizada de “Fire engine passing with bells clanging” divergem um pouco das demais subdivisões do tema. Todas estão no ritmo 7/8 e têm os mesmos motivos melódicos observados em “As long he lies... Pig, Orange skin food”, “A door opens and closes” e “10:30 Return to the bedroom”, nesse mesmo diapasão, completam o set. O Volume II representa uma fase de transição e experimentalismo vivida pelo Soft Machine. Mesmo desfalcados pela ausência de David Allen e do baixista e compositor Kevin Ayers, substituído por Hugh Hooper, que acrescentou o jazz ao som do grupo, conseguiram produzir música com substância, incrustada de tenacidade, disciplina e maturidade musical que são referências em seus trabalhos subseqüentes. Lá se vai O Bando por lucas rodrigues de campos e andré maindari No frenesi da Jovem Guarda, em 1965, Os Malucos - Diógenes Burani, (bateria), Paul de Castro, (guitarras e voz), Américo Issa, (guitarras e voz), Emilio Carrera, (órgão e piano), Rodolpho Grani,(baixo e voz) e Marisa Fossa, (voz principal) – apresentavam-se semanalmente nos lugares da moda, como o restaurante O Beco e a boate Urso Branco. Essa última casa recebia um evento patrocinado pela Coca Cola. Por intermédio do empresário Teo de Barros, (não confundir com o compositor), Os Malucos conseguiram lugar no evento ao lado de “Ronaldo Lark e os Versáteis”. O êxito na Urso Branco proporcionou uma ex- cursão através da América do Sul e dois meses na Venezuela. Em Caracas, os garotos gravaram dezesseis programas de TV na principal emissora local, um deles acompanhando a atriz-cantora Sarita Montiel. “Chegando lá ficamos encantados com a salsa e outros ritmos locais. Ali pintou a idéia de colocar outro percussionista no grupo”, conta o baterista Diógenes. Novamente em São Paulo, passaram a se chamar O Bando. O baterista Dudu Portes, amigo de Emilio, logo abandonou o programa televisivo O Fino da Bossa, apresentado por Jair Rodrigues e Elis Regina, para integrar a primeira banda brasileira com dois bateristas. O pioneirismo desses jovens músicos não parava aí: faziam um som bem arrojado dentro dos padrões psicodélicos, e, assim como os Beat Boys e Os Mutantes, eram sempre convocados a tomar parte no tropicalismo. Sob a égide e proteção de Solano Ribeiro, grande mentor da banda, conseguiram um contrato com Phillips do Brasil. André Midani apaixonou-se pelo som deles e, em busca de servir o mercado aberto pelos Mutantes, adicionou O Bando no cast da gravadora, colocando à inteira disposição deles os maestros Júlio Medaglia, Damiano Cozzela e Rogério Duprat. A vontade de misturar as inovações da música erudita com a contemporaneidade do rock uniu a academia à tradição da garagem: “Não tinha pra ninguém... nós e Os Mutantes éramos os tais!”. Em 1969, bem à vontade, entraram no estúdio Scatena para registrar o primeiro disco do grupo. Trabalhar com os maestros possibilitou o acúmulo de grande conhecimento na área de arranjos e orquestração. Para Diógenes, os maestros assumiam o papel de intérpretes: “A gente bolava os arranjos e eles traduziam nossa linguagem de cabeludos doidos ao pessoal da gravadora”. Em oito canais gravaram um disco com apoio o esmerado dos regentes. Elaboradas partes de cordas e metais pintam em vivas cores, sob o signo tropicalista, músicas do cancioneiro popular como “Disparada” e “Quem Sabe”, composições do grupo, de Caetano Veloso e a primeira e definitiva versão de “Que Maravilha”, música de Jorge Ben, com a qual O Bando concorreu no Festival da TV Tupi, conquistando o primeiro lugar. Rio Grande Muitas foram as incursões do Bando pelo sul do Brasil. Levados pelo Centro Acadêmico de Arquitetura da UFRGS, granjearam muitos fãns em Festivais nos Pampas. Nesse período conheceram os compositores Hermes Aquino e Laíz Marques. No Festival Universitário da Musica Popular Brasileira, em 1969, onde apresentaram-se Zé Rodrix, Danilo Caymmi e O Som Imaginário, O Bando defendeu “Pela Rua da Praia”, da dupla gaúcha Hermes e Laíz, e receberam um indesejado segundo lugar: “Só não vencemos porque éramos paulistas”. Com a agenda lotada, o Bando passou boa parte do ano de 69 viajando. No verão, arrendavam a boate Barbarela em Ubatuba, fazendo boa temporada e descansando. A “rotina era praia, ensaio e show”, lembrança de Diógenes. Além da vida de rocker californiano, o grupo fez aparições nos programas televisivos de Wilson Simonal e no Jovem Guarda, de Roberto Carlos. O grande mérito pós-disco veio com a participação na peça teatral O Plug, espetáculo multimídia, com representações de tipo teatral, filme underground, audiofotonovela com participação de Décio Pignatari, Duprat e Grupo OEL. Entre colunas romanas, versos e os mais absurdos happenings, o Bando mostrava todo o seu balanço. A pesada sessão rítmica retumbava tal qual uma barulhenta sinfonia de Beethoven ou Berlioz. Com suas câmeras desbundadas, Rogério Sganzerla registra tudo. Era o ano de 1972, já próximo do crepúsculo da banda. O fim do Bando foi uma conseqüência natural dos rumos musicais que cada integrante seguiu. A experiência com os maestros tropicalistas, produtores e empresários em uma época de franca expansão da indústria do disco no Brasil, proporcionou aos integrantes d’O Bando excelentes contatos profissionais, que acabou por direcioná-los para diversos caminhos Dudu Portes tornou-se um dos grandes mestres da percussão brasileira e participou de obras que são referência aqui e no exterior. Foi parceiro e baterista de confiança de Elis Regina, tendo estado ao lado da cantora nos momentos mais importante sde sua carreira: o disco Falso Brilhante de 76, Elis e Elis, ao vivo, de 77, Transversal do Tempo de 78 e a vitoriosa turnê européia, também de 78. Na vasta discografia de Portes – que também se dedica à luthieria – constam alguns registros como Gal Costa, de 1969, Revolver de Walter Franco de 1975, São Paulo Brasil de César Camargo Mariano de 1977, Romaria de Renato Teixeira e Clube da Esquina 2 de Milton Nascimento de 78. Humauaca, Scaladácida, Grupo Água, Hermeto Pascoal, Heraldo do Monte, Flying Banana, Bendegó e Arismar do Espírito Santo, tantos e variados grupos dão idéia do talento de Dudu. Ao “debandar”, Emílio Carrera passou a integrar o Secos & Molhados, gravando o segundo LP do grupo em 1974. Também participou dos discos de Walter Franco e mais tarde ingressou no ramo da publicidade, dirigindo duas produtoras musicais – Som Piano e Zeeg 2. Atualmente é diretor musical e músico do espetáculo “Os Inclassificáveis” de Ney Matogrosso, seu velho amigo. Com esse show, excursionou em 2008 por todo o país e disputou o prêmio Grammy Latino. A cantora Marisa Fossa continuou emprestando sua bela voz às composições de Duprat, gravou Cadernos de Viagem, de 1975, com Sá & Guarabyra e participou de mais de trinta discos ao lado de Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tim Maia, Djavan, Cazuza, Roberto Carlos, Raul Seixas, Moraes Moreira, Fágner, Elis Regina e Milton Nascimento. Uma curiosidade é que Marisa foi casada com Pedro Baldanza do Som Nosso de Cada Dia, com quem teve dois filhos. Os falecidos Américo Issa e Paul de Castro tocaram com Humauaca e Os Mutantes, respectivamente. Rodolpho Grani gravou com Gal Costa em 1969; foi o baixista do segundo LP de Jorge Mautner de 1974; participou, com Diógenes, Dudu e Emilio da produção de Ou Não de 73 e Revolver de 75 de Walter Franco, onde cantou e tocou violão, craviola, guitarra, piano, órgão e baixo elétrico. Tocou viola caipira e violão em Amora de Renato Teixeira de 79. Mais tarde tornou-se produtor musical, dirigiu a produção artística da série de CD’s Complete Piano Works do compositor francês Erik Satie e compôs as trilhas sonoras da animação Os Irmãos Williams, do diretor Ricardo Dantas, e do documentário Raça na Praça, de Luiz Alberto Pereira. Parceiro e quase irmão de Dudu, Diógenes Burani, ainda nos tempos d’O Bando, também gravou o disco de Gal Costa de 1969 e Build Up, de Rita Lee, de 1970. Também ajudou na concepção dos dois já citados discos de Walter Franco, tocou com Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Lanny Gordin e Naná Vasconcelos. Ainda nos anos 70, integrou o Cilibrinas do Éden de Rita Lee e fundou, com Guilherme Arantes, o Moto Perpétuo, uma das grandes referências do rock progressivo nacional, que mais tarde, no final da década, teria continuidade no projeto São Quixote. Na atualidade dedica-se ao seu retorno à carreira musical: “Vai ser um pouco de Moto, Bando, São Quixote; do rock progressivo à MPB; afinal a gente nunca muda completamente. Tenho mais de seiscentas músicas acumuladas nesses quarenta anos. Foi pensando nessa volta que parei de fumar há quase duas décadas”. a letra de ana c. só-letrado por tatiane klein Do sétimo andar, o livro escorrega para minha mão; Inéditos e dispersos. Levo-o para a cama e engulo suas palavras como um remédio contra a morte. As primeiras páginas apresentam-me o rosto de quem escreve; as páginas que seguem sussurram baixinho uma narrativa temporal. De 1961 a 1983, uma amiga conta-me tudo o que escreveu. Entre fotografias, aparecem poemas; são de Ana Cristina Cesar, uma desconhecida que faleceu em 29 de novembro de 1983. Pedem-me para sangrar o papel com algumas palavras sobre Ana. Trago minha resposta encharcada pelo vazio, pois ainda não resolvi minha relação com ela. Por ter feito esse acordo tácito entre meus olhos e as letras impressas é que me sinto tão longe do conforto. Só foi possível descobrir mais adiante que, apesar de ter sido estampada nos jornais a sua morte, a poesia de Ana tinha pouco ou quase nada das letras serifadas, do cheiro de papel impresso. Manuscritos, desenhados e rabiscados, os textos da suicida poetisa mostram-se como em um diário. Apesar de expoente da poesia que se convencionou chamar marginal, da Geração Mimeógrafo, Ana Cristina teceu uma estética que se diferencia da dos colegas Paulo “Agora, imediatam ente, é aqui que co meça o primeiro si do corpo que sob nal do / peso e. Aqui troco de m ão e começo a ord enar / o caos”. - Inéditos e dispers os, 1983 Leminski, Cacaso, Francisco Alvim. Entre ironias, cartas, pílulas poéticas, declarações de amor, a poetisa dava a seus versos as cores dos travesseiros das adolescentes, dores das senhoras casadas com panos de prato e de uma angústia que nos parece parte de sua própria personalidade. Apesar da estética da confissão, seus textos não aparecem como receitas subjetivistas, herméticas, mas como brincadeiras estéticas em que a cisão entre o autor e obra desfaz-se propositadamente. Os vinte e cinco anos da morte de Ana Cristina foram marcados em novembro 2008 pelo lançamento de Antigos e soltos, um livro organizado por Viviana Bosi, professora de Teoria Literária da USP, que registra o que foi, por anos, guardado em uma pasta rosa pela poetisa Ana. Entre bilhetes, prosas e poemas, prontos e inacabados, emerge uma espécie de colagem íntima de parte da obra da autora. Especial destaque merece o trabalho de organização e transcrição dos fac-símiles dos textos manuscritos. Os capítulos são divididos entre “PRONTOS mas rejeitados”, “inacabados”, “inacabados 2”, “rascunhos/primeiras versões”, “cópias”, “O Livro” e “antigos & soltos”. Sua leitura quase torna certeira a latência presente em toda a obra de Ana: a de que tudo não passa de uma biografia versificada, de uma poesia egótica, confessional, de fluxo de consciência. A glória dessa poesia é, não obstante, não permitir que o leitor descubra quanto de eulírico e quanto de autor está impresso ali; o leitor, em verdade, está sozinho e preso na ilusão de que lê as histórias de uma jovem poetisa. Ana Cristina brinca com a presença de Ana Cristina na escritura e transforma autor e autoria nos personagens-fantasma de seus textos. Uma dessas brincadeiras é o livro Correspondência completa, de 1979, em que a autora simula uma carta. Esse texto guarda características próximas às das reais cartas e cartões trocadas por Ana Cristina com amigos, como registra a publicação póstuma Correspondência Incompleta, organizada por Armando Freitas Filho e Heloisa Buarque de Hollanda. “Ela se confessa, sim, mas faz (fala de) literatura o tempo todo. Em muitos e extensos momentos dessa correspondência, ouvimos trechos de sua dicção poética de teor tão peculiar”, afirma, no livro, o amigo e organizador Armando. A própria Ana Cristina externa em uma de suas correspondências a Ana Candida Perez, colega de faculdade, a confusão instalada entre intimidade e literatura: “(...) em carta fica difícil o limite entre o arbitrário, o gratuito, o vôo e a correspondência, a significação, a comunicação. Ou melhor, a gente tem medo de desembestar para o vôo. De dizer coisas que não sabe explicar. A leitora pedirá explicações, sutilmente pedirá que se desfaça o feitiço, ou o jogo. Só por insegurança. Ou como ajuizada medida pra não receber de volta cartas em que a literatura vá ocupando cada vez mais terreno, até que não sobre nada, mas a literatura”. Para Armando, a escritora é “quem sofreu da premência, quase teatral de ser íntima, e da fatalidade, sempre questionada, de ser pública”. Tradutora de Dylan Thomas, Sylvia Plath, Katherine Mansfield, Ana Cristina formou-se em Letras pela PUC do Rio de Janeiro. Além da docência e da pesquisa em teoria literária – que resultou na publicação da pesquisa Literatura não é documento –, Ana escreveu para os principais jornais alternativos dos anos 70, entre eles, o Versus, o Opinião e o Beijo, este um jornal da luta homossexual. Todo o acervo de fotografias, manuscritos e inclusive a biblioteca da autora foram doados para o Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro; o registro desse material está no site do Instituto. “O desespero precisa ser discreto / soletrado / numa pequena esquina”. - Antigos e soltos, tenho uma vida branca e limpa à minha espera: Cenas de abril. Rio de Janeiro: Edição da autora, 1979 Correspondência completa. Rio de Janeiro: Edição da autora, 1979 Luvas de pelica. Rio de Janeiro: Edição da autora, 1980 Literatura não é documento. Rio de Janeiro: MEC / Funarte, 1980 Caderno de desenhos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1980 A teus pés. São Paulo: Brasiliense, 1982 A teus pés. São Paulo: Ática / IMS, 1998 Inéditos e dispersos. São Paulo: Ática / IMS, 1999 Crítica e tradução. São Paulo: Ática / IMS, 1999 .Correspondência incompleta. Organização de Armando Freitas Filho e Heloisa Buarque de Hollanda. São Paulo: Aeroplano / IMS, 1999 26 poetas hoje. Seleção de Heloisa Buarque de Hollanda. Rio de Janeiro: Labor do Brasil, 1976. (Bolso) LIVRO “ESTE zz do ro. É ja wo t mo. Ju omatis tea for z, o é aut prêmio. Um cê sedu ho. Nã Meu fil prosa que dá rdade que vo Enfie a o. É e ve oda. Coraçã sta, a t arapuça. lintar d c Total ti lante pela po . E cante eur vo Charm blue”. ranco e çúcar b s pés, 1982 - A teu tenho uma cama branca e limpa à minha espera: mudo convite Obras de Ana Cristina Cesar “trilha sonora ao fundo: piano no bordel, vozes barganhando uma informação difícil. agora silêncio; silêncio eletrônico, Quem caça mais o olho um do outro? produzido no sintetizador que antes construiu a ameaça das Sou eu que admito vitória. asas batendo freneticamente. Ela que mora conosco então nem se fala. Apuro técnico. Caça, caça. Os canais que só existem no mapa. E faz passos pesados subindo a escada correndo. O aspecto moral da experiência. Outra cena da minha vida. Primeiro ato da imaginação. Um amigo velho vive em táxis. Suborno no bordel. Dentro de um táxi é que ele me diz que quer chorar mas não chora. Eu tenho uma idéia. Não esqueço mais. Uma frase em cada linha. Um golpe de exercício. E a última, eu já te contei? Memórias de copacabana. Santa Clara às 3 da tarde. É assim. Autobiografia. Não, biografia. Estamos parados. Mulher. Você lê sem parar, eu ouço uma canção. Papai Noel e os marcianos. Agora estamos em movimento. Billy the Kid versus Drácula. Atravessando a grande ponte olhando o grande rio e os três Drácula versus Billy the Kid. barcos colados imóveis no meio. Muito sentimental. Você anda um pouco na frente. Agora pouco sentimental. Penso que sou mais nova do que sou. Pensa no seu amor de hoje que sempre dura menos que o seu Bem nova. amor de ontem. Estamos deitados. Gertrude: estas são idéias bem comuns. Você acorda correndo. Apresenta a jazz-band. Sonhei outra vez com a mesma coisa. Não, toca blues com ela. Estamos pensando. Esta é a minha vida. Na mesma ordem de coisas. Atravessa a ponte. Não, não na mesma ordem de coisas. É sempre um pouco tarde. É domingo de manhã (não é dia útil às três da tarde). Não presta atenção em mim. Quando a memória está útil. Olha aqueles três barcos colados imóveis no meio do grande rio. Usa. Estamos em cima da hora. Agora é a sua vez. Daydream. Do you believe in love...? Então está. Não insisto mais.” Puro a . Tenho uma folha branca e limpa à minha espera: mudo convite da, afa. r a f g a me u gr e so urso que u q u sc sou e velho di , a ivid ina o hada ais”. l v i v u a o ue s em surd bro mar i nesse c q u e u m to “Sou ue escu te, vislu gora, aq n q a e bém , finalm screvo, m a t e E ta u que /da s u sou e e sou que “Olho muito tempo o corpo de um poema até perder de vista o que não seja corpo e sentir separado entre os dentes um filete de sangue nas gengivas”. - A teus pés, 1979 O LODO VEM AÍ! vintage Cabelos compridos e distorção combinados: a combustão é certa. Ensaios em cenários bucólicos e técnica musical são o oxigênio da reação. Se os anos forem os iniciais da década de 1970, o resultado recebe o nome de “hard”. Seguindo essas recomendações, o Lodo, junto dos comparsas Bolha, Veludo participou de forma ativa do cenário hard prog que caracterizou o lado B musical da cidade do Rio de Janeiro. Enquanto a camada intelectual-estudantil discutia entre a guitarra elétrica tropicalista e o banquinho da bossa, Beto Martins, então estudante da Faculdade de Música Villa Lobos, fazia A Mente, seu primeiro grupo. A barulheira é garantida por válvulas saturadas nas festas do prédio da extinta UNE, no Rio. Na sede da União dos Estudantes, Beto foi chamado por Pedro Jaguaribe, um conhecido que tocava baixo, para formar um grupo de rock pesado. Pedro já estava acompanhado do baterista “Nacho Meña, chileno, firme na pegada, pesado”, segundo Beto. Para completar o que seria um quarteto, Marcelo Villela juntou-se ao proto grupo, sendo responsável por voz, gaita e guitarra. O grupo deixou de ser proto e foi nomeado Lodo. “Fizemos uns sons e pintou a possibilidade de passar um tempo compondo e ensaiando num sítio na [estrada] Rio-Petrópolis. Fomos para lá e ficamos um ano. Ensaiávamos o tempo todo”. Beto detalha o casamento entre a música e o cenário idílico: “o sítio era um paraíso, com direito a passeios no campo para inspirar as músicas”. O resultado das inspiraçõese, entretanto, não podem ser conferidos, pois, conforme conta Beto, “muitas fitas foram gravadas e esquecidas”. “Infelizmente”, ele continua, “não sei onde estão. Pelo que me lembro o som era Hard mesmo. Batera pesada, uma Gibson SG [ligada] direto no Marshall, baixo forte [ligado] no Ampeg SVT, voz e gaita. Sem palavras.” Para aliviar o ritmo dos ensaios, o Lodo seguia para a capital, para rever a família, apresentar-se em bailes e garantir uma pequena porção de cruzeiros. Contudo a maior onda de passar pela capital fluminense era pintar muros, em uma estratégia digna de militante político insuflado pelo maio de 68. Ação arriscada, por lucas rodrigues de campos entrevista de Beto Martins concedida a Elton e Renato Amorim vintage ainda mais em tempos em que a polícia não media a mão para “dar cacete” em estudante. O ato era nomeado pelo próprio grupo: “difoto de divulgação para o periódico Rolling Stone, em algum momento entre 71 e 72 vulgação de guerrilha - basicamente pichar os muros da cidade com frases do tipo ‘O Lodo Geraldo Espíndola deu ao Lodo um pouco de O Lodo por uma intempérie na forma de pesvem ai... Aguardem!’”. Nos bailes a mesmice era deixada de lado. seu espírito pantaneiro, característica que pode adelo real, virou um lamaçal. “Infelizmente, de Vale lembrar que grande parte dos “grupos ser conferida no grupo Lírio Selvagem, projeto sonhos se acordam, fomos tocar em Campo de baile” baseava seu repertório nas canções da família Espíndola, que reuniu os irmãos Tetê, Grande, MT, e quando voltamos, deixamos o radiofônicas. “Repertório próprio, original e em Alzira e Marcelo. Traços regionais mesclados equipo no sítio e retornamos ao Rio. De volta, português e, pra inxertar um tempinho extra, a um tom universal, essa proposição fica clara tivemos a bad trip de perceber o roubo do sempre tinha um Led, um Humble Pie, Mountain, com toques de progressivo presente no trabal- Marshall, do Ampeg, dos microfones, pratos, Cream”. Marcadas na lembrança do guitarrista ho, uma tentativa de entender o que era o Lodo enfim, uma verdadeira sacanagem. O alívio foi estão o Festival da Pedra Azul, uma apresen- nessa nova fase. Geraldo conta: “os rapazes que não levaram a guitarra e o baixo, que estação no programa de TV Band 13 e outra no tocavam algumas músicas minhas na época. tavam num canto da sala. Depois dessa, tiramos Teatro São Pedro, em São Paulo. A grande tran- Fizemos uma excursão ao Mato Grosso com umas férias forçadas pra ver como ficavam as sa do Lodo, porém, rolou na cidade natal do dois shows memoráveis. A gente foi o primeiro coisas, mas o destino não quis a continuação da grupo: “Tocamos também no Teatro da Lagoa, grupo a tocar rock progressivo no Brasil. Equi- banda na época. Aos poucos as pessoas se esno Rio, abrindo para o Gilberto Gil. O show foi pamentos importados e eu usava uma craviola palharam em outros projetos paralelos”. Os registros do Lodo são quase nenhum; a bande 12 cordas na banda. Era bem comentado na época. da está presente em uma edição do periódico um som muito especial que Ainda bem, afinal, depois de RS e nada mais. Os problemas foram enfrentaa gente fazia. Um som lindo meses trancados em ensaios dos e as carreiras dos integrantes seguiram com fazia essa banda!”. A localhavia alguma [muita] expecinteressantes contribuições à música brasileira. ização geográfica dos intetativa em relação ao som da O lançamento de um registro fonográfico foi grantes do Lodo refletiu uma banda, mas deu tudo certo.” ventilado na época: “a Continental do Rio ia mística para Espíndola, fator Essa formação durou pouco nos gravar, mas perdemos para São Paulo com corrente em conjuntos que se tempo e houve uma troca de os Secos & Molhados. Mesmo assim foi uma intitulam “progressivo” e que vocalista, brecando a promépoca memorável que me traz boas recordade certa maneira contribuem issora carreira na seara do ções”, conta Geraldo. Os anos de peso, válvupara imaginar a sonoridade rock pesado. Em contraparlas saturadas e viagens progessivas do Lodo do grupo. “Fazíamos uma lua tida, o mesmo lance deu inítraduzem-se nesta declaração de Martins: “O nova no mapa da América cio a uma produção musical ao vivo, no canal Band 13 sonho... pelo menos foi sonhado e vivido a todo Latina com as cidades de nasdiferenciada. “Na seqüência mudamos para outro sítio, desta vez perto de cimento de cada integrante: Nacho Meña, de volume.” Anos depois, a parceria de Beto Martins e Petrópolis. Entrou Geraldo Espíndola, composi- Santiago do Chile, eu, de Campo Grande/MS, Pedro Jaguaribe renderia outras bandas como tor e cantor inspirado, de Mato Grosso. Com ele Beto Martins, o melhor guitarrista do Brasil, de Apaluza, e mais tarde o Ponte Aérea. No ano acho que estávamos descobrindo um caminho Minas Gerais, e o Pedro do Rio”. Fora a contride 1984 o grupo gravou um disco com Itamar para o Rock Rural, já que ele tocava uma cravi- buição musical que tocava a nova musicalidade Corrêa, escritor e músico que evoca o Araguaia, ola de 12 cordas. Um grande compositor e com do Lodo, Geraldo distoava em determinado com quem desenvolveram um trabalho entre o muitas músicas novas. Um som muito bom que ponto, as cabeleiras. “Como eu tinha pedido rock rural, picos de rock progressivo (adapsomado ao peso original do trio ficava ótimo. dispensa do Exército, fui ao Rio completamente tado à conjuntura oitentista) e a influência da Melódico, mas pesado; entre Hard e Progres- careca. Fui um dos raros cantores de rock do Rio tradição musical do Centro Oeste, simbolizada sivo. Nesse segundo sítio ficamos quase que completamente careca”. muito bem pela carreira de Geraldo Espíndola. mais um ano, muitos ensaios, jams e criações. O orgulho de Geraldo por ter composto o Assim o disco torna-se uma amostra, mesmo que Nessa nova formação, de novo, nada de fitas”, “primeiro grupo de rock progressivo no Bradistante mais de dez anos, do que foi o Lodo. compensadas pelas excelentes lembranças de sil”, veio unido de uma decepção: “Depois do Beto Martins. sucesso aqui [no Mato Grosso], voltamos ao Convidado por Pedro Jaguaribe, o notável Rio, quando roubaram nossos equipamentos”. udi udigru grudi gru psicodália 2009 por lucas rodrigues de campos colaboraram érico e andré Proposta declarada, O PSICODÁLIA mescla na medida certa nostalgia com ufanismo ao deixar presente a sonoridade rock setentista nos aspectos diversos que a consagram: rural, psicodélica, estúdios ruins, chiados, fuzz, vozes agudas, emulações sintetizadas, ondas valvuladas, udigrudi; Elementos condensados na vocação do festival, que há sete anos sustenta constante qualidade, estrutura, organização e ambiente apropriado para experimentações das mais diversas. Interior, num bom espaço rodeado por montanhas, na cidade de São Martinho em Santa Catarina, uma chácara com lagos e reserva verde. Além das maratonas musicais, divididas em dois palcos – Palco do Sol e Palco do Pasto (palco principal) – a grade de programação inclui ainda eventos gratuitos como exposições, peças de teatro, palestras, oficinas várias e workshops. Em edições anteriores o evento recebeu como headliners nomes consagrados como Patrulha do Espaço, Sérgio Dias e Casa das Máquinas; Este ano o glorioso Som Nosso de Cada Dia encabeça o cast, dando continuidade a sua volta aos palcos, iniciado neste ano de 2008. O Udigudi especial desta edição, procura traçar um perfil sonoro das principais atrações com apresentação marcada nos cinco dias do próximo carnaval. A maior parte das bandas, seguindo a tradição é do Sul, principalmente do estado do Paraná, expondo o arsenal de bandas que a região apresenta. Faremos aqui, um breve release das bandas que se apresentarão nos dias 20, 21, 22, 23 e 24 de fevereiro de 2009, no carnaval mais roqueiro do Brasil! O projeto vem crescendo ano a ano, e chama cada vez mais a atenção dos pirados que apreciam boa música. Sem muita exposição, mesmo em publicações especializadas em música, o Psicodália junta-se ao coro de outros festivais como o Rock Camping e Camping Rock, e incentiva outros pólos musicais a realizar acontecimentos como este, que montam palcos de qualidade e são ponte da produção mais barata com o público. O “Cast” do festival A mistura de sons regionais ao pop lembra a variada canção nordestina dos 70´s: Rabecas, cavaquinhos, clarinete, violas, gaitas regionais e distorção, executadas por anos de estudo que buscam a raiz. Os grupos Sopro Difuso (PR) e Trupe Sonora Casa de Orates (SC) unem harmonias sofisticadas com foco nas flautas, vezes em arranjos de cordas. Som sincrético numa linha regional, com sintetizadores e poesia, principalmente o segundo grupo que se apresenta com roupas e intervenções lúdicas; Lembram algo do obscuro conjunto Quintal de Clorofila, que é referência para passagens mais chapadas. Flutuam entre o progressivo, a canção mineira e música andina; Admirável dinâmica nos coros. Semelhantes ao conjunto curitibano Universo em Verso Livre que também traz as mesmas peculiaridades das bandas acima, porém predomina nesta a fácil fluência do pop que consagrou Zé Ramalho e Alceu na sua fase pós-oitenta. O corpo da banda Cadillac Dinossauros (PR) evoca rock de peso, tudo mediado por uma cadencia hard, embalados pela sessão rítmica quebrada, meio Led, uma sonoridade mais cosmopolita. Som de cabeludos ávidos por raridades hard-prog tem representação com a banda Mesa Girante (PR), que traz composições saturadas, melodiosas e coloridas por um Hammond que guia músicas de “A ao Z”, incrementadas por flautas, vocais femininos e guitarras estridentes. Todo épico conceito de um prog, riqueza sonora com instrumentais bem arquitetados como comprovam as deliciosas “Liberdade Espiritual” e “Fantasia”. De Sergipe(Aracaju), o som beat dos compactos da Rozemblit é alimentado por sintetizadores e uma parafernália que supera as composições. Em resumo, Plástico Lunar - única banda do Nordeste a participar do evento - apresenta um rock sydbarretiano e letras despretensiosas, com cadencias que resvalam em Jefferson Airplane. Do Paraná e trazendo a mesma proposta dos sergipanos, porém arriscando um pouco mais, surgem os Seres Inteligíveis Vindos do Hiperurano, com suas tecladices a lá’Manzareck, e orquestrações a lá’Duprat, ousam em faixas como “Circo Encantado De Lá” – composição máxima da banda. O conjunto mais conhecido do cenário independente vem do Rio Grande do Sul – circulando pelos lados da capital paulistana, com apresentações destacadas na casa Astronete - o trio-dinâmico Pata de Elefante mescla viagens instrumentais entre surf music, heavy rock, passagens progressivas, atmosféricas com influências de Hendrix, George Clinton, e do compositor italiano Ennio Morricone, famoso por suas trilhas para o cinema . Em cima do palco o trio surpreende com apresentações devastadoras, sendo uma viagem que nunca se sabe onde vai parar e como poderá terminar. Letras cômicas, polcas, valsas e performance circense... imaginem algo como um Jethro Tull punk! Assim a banda Gato Preto (PR), com seu recém lançado álbum de estréia (do final de 2007) marcará sua presença, como sempre requisitada pelos organizadores e publico do PSICODÁLIA. A seguir, “Rock n´ Acordeon! Subtropicalismo! Teimosia! Vertigem musical!”. É dessa forma que a banda RoberSouTheValsa (PR) se apresenta em seu site no myspace. Eles, que são uma espécie de queridinhos do festival, tendo inclusive estreado nos palcos na primeira versão do PSICODALIA em 2004, ficaram um tempo parados, voltando este ano para a felicidade dos roqueiros sedentos por irreverência, loucuras e viagens musicais em cima do palco, destaque para os arranjos de “Guerreiros”. No mesmo caminho, seguem os parceiros do Sopa (PR), investindo um pouco mais na comicidade – comicidade, contudo, que deve ser levada a sério, pois não é graça pela graça e sim graça como meio de ilustrar a riqueza so- nora executada pela banda de alto nível profissional. Ainda mais gracioso é o vocal feminino e chapado de Daniele Madrid, que guia a banda em suas viagens sonoras. Instrumentação elaborada, plantel numeroso, uso inusitado de acordeons, timbragens modernas com leves pitadas de rock psicodélico e muita diversão com a “clown music” da gaúcha Bandinha Di Dá Dó: uma banda formada por palhaços-músicos, literalmente. Sem dúvida uma nova e interessante proposta musical que parece fazer a cabeça do público. Para completar a salada sonora que o festival oferece, participa também o grupo Tântalus Cantantes (PR). Sem acesso ao som da banda, tivemos a segura informação de que se trata de um inusitado grupo que toca musicas indianas com cítaras, violinos, instrumentos acústicos e outros não-convencionais. Impressiona também o projeto ousado de O Conto (PR) - que pretende estrear seu primeiro trabalho em CD no festival- trata-se de um trio multiinstrumental que tem como propósito “contar estórias acompanhados de música progressiva/psicodélica”, conforme o site do PSICODÁLIA. Outros veteranos do festival são as bandas paranaenses Goya e O Sebbo, que conquistaram o público com suas particulares contribuições musicais. Enquanto Goya esbanja um jazz porretaespacial do planeta GOYA – seu lema: Vivemos no planeta Goya! Em breve mais uma nave estará partindo. Suba! O Sebbo, que inclusive acaba de tirar do forno seu álbum de estréia “Porque Não Sabíamos Voar” configura tresloucadamente, uma síntese perfeita entre o hard, o funk e o prog setentistas, talvez como nenhuma outra banda no festival, um rock and roll “do bão” que dialoga com o rock das bandas daqui de Sampa, como atesta “O Seu mundo inteiro vai cair” , meio Made In Brazil, e a piradaça “Vozes Distantes”. Para finalizar as bandas sulistas do evento, temos ainda o som bem rítmico e grooveado, um hard blues psicodélico dos Calibrados (PR) e o mítico Plá, a versão paranaense do maluco de BR Ventania, de São Thomé das Letras; Suas canções de viagem, trova de estrada, se fazem necessárias num festival desse porte, no sentido de conectar o público com uma proposta musical mais direta e simplista. Afinal, não poderia deixar de faltar no PSICODÁLIA um representante autêntico do folk-brasileiro: um hippie-de-estrada cabeludo, cheio de mensagens, simbolismos e idéias libertárias para o público, acompanhado por psicodália 2009 seu fiel companheiro, o violão. Uma espécie de “mascote” do festival. Subindo o mapa, no Sudeste, representando as Minas Gerais, o power-trio Zé Trindade; Sem grandes exageros, competente e sem meias palavras, três bons instrumentistas nos fazem lembrar bandas como Mopho e Casa Flutuante. De São Paulo – além do Som Nosso De Cada Dia, (ver sÓ #s 2 e 3) – com a hiper produção visual que inclui um ônibus da década de setenta e figurinos elaborados. Estação da Luz, de São José do Rio Preto, traz proposta sonora semelhante a da banda Sebbo, vocais femininos, nostálgicos timbres valvulados, exuberância em cores e sons, como atesta o promo-clip de “Par Perfeito”, lembrando os clips psicodélicos de televisivos como o clássico e finado Beat Club. Completando o cast do Psicodália 2009, a banda Soul Barbeccue vem para representar o Rock Da Cantareira, com sua Antiqua Cientia Astro-musicallis: riqueza sonora composta de elementos musicais dos mais diversos, tendo como principal ênfase o Rock Progressivo, ainda que exibindo talentos jazzisticos e folkistas, o fuzz e as harmonizações vocais do quarteto, tornam seu som ímpar, com composições e arranjos sofisticados. Mais grupos deverão esquentar o público durante o dia no Palco do Sol. Até o fechamento desta edição, seus nomes não haviam sido divulgados. “O Movimento Psicodália busca uma nova era na música, na arte em geral e na sociedade. Buscamos nos eventos realizados pelo movimento abrir espaço para uma arte livre, com qualidade e ideologia, buscando unir essa luta a modelos de vida que acreditamos serem vitais para a humanização das relações entre pessoas. Pacifismo, respeito, diversão, alegria, consciência ambiental e ecológica, liberdade de expressão e de ‘ser’ fazem parte dessa empreitada por um mundo melhor. Convidamos você a se juntar a nós, participando e contribuindo com sua presença nos eventos, para que cresçamos e possamos assim difundir um estilo de vida pelo qual acreditamos e lutamos”. trecho extraído do sítio do festival psicodália Interessado? Aqui estão as coordenadas:site oficial: http://www.psicodalia.mus.br/ comunidade no orkut: http://www.orkut.com.br/Main#Community. aspx?cmm=147516 e-mail: [email protected] jjazz nos fundos djalma lima quinteto por andré mainardi Um bar de jazz nos fundos de um estacionamento.Sábado, noite quente; cérebros em combustão; O Quinteto liderado por Djalma Lima alternava standards jazzísticos e as nove faixas autorais do segundo e mais recente disco do guitarrista, lançado pelo selo Guandama Music. Discípulo de Ted Greene e Steve Cardenas no Musicians Institute (GIT) de Los Angeles, EUA, Djalma reuniu em seu novo CD os companheiros da big band Sound Scape; o baterista norte-americano Bob Wyatt (que gravou, em 1986, os discos Pindorama, do Grupo Pau Brasil, e Mundo, de Rodolfo Stroeter, e já foi sideman de Maynard Fergunson e do lendário Chet Baker no Free Jazz Festival de 1985); o saxofonista Vitor Alcântara que tocou com Túlio Mourão, Banda Mantiqueira e Azael Rodrigues; Cássio Ferreira, saxofonista que gravou com Michel Leme e Alex Buck; e o jovem e talentoso contrabaixista, Bruno Migotto. Muito diferente da maioria dos CDs de guitarristas – recheados de pretensões e exageradas demonstrações puramente técnicas – este novo trabalho de Lima traz composições coesas onde cada músico deu fundamental contribuição. O disco, produzido pelo próprio Djalma junto a Fábio Veroneze, foi gravado no Estúdio das Faculdades Integradas Cantareira. O lançamento aconteceu no dia 6 de dezembro de 2008, no bar Jazz nos Fundos. A sonoridade é calcada no be-pop com liberdadew conservada para migrar a outra vertentes. Em perfeito entrosamento com seu grupo, o band leader, desfere seus solos bem elaborados em complicadas divisões rítmicas; Na seqüência – gravada no enorme e bem equipado estúdio das Faculdades Integradas Cantareira – destacam-se “I Got It”, composição de Wyatt, “Fui!”, “Idéia Fixa”, “Proximidade” e “Pete(r)”, bela homenagem de Djalma a Pete Wooley, falecido baixista de Tutti Moreno e do projeto Brazilian Jazz. Saiba mais: www.djalmalima.com