o ensino de língua portugues nas terras baixas da bolívia: cultura
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o ensino de língua portugues nas terras baixas da bolívia: cultura
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NAS TERRAS BAIXAS DA BOLÍVIA: CULTURA, IDENTIDADE E MESTIÇAGEM Dirceu Martins Alves E-mail: [email protected] Doutorando em Comunicação e Semiótica (PUC-SP/CNPq) O trabalho é resultado de uma experiência pedagógica vivida durante o período que fui leitor brasileiro na Bolívia, na gestão de 2008/2009, e que gostaria de compartilhar, ainda que num artigo caiba apenas parte dela. Faço, então, uma seleção de fatos e situações a serem expostos. Primeiro, uma descrição do ambiente que recebeu o professor de língua portuguesa. Fui leitor na Universidade Autônoma Gabriel René Moreno (UAGRM), em Santa Cruz de La Sierra, a única universidade pública da cidade, que conta com 15 no total. A cidade tem uma população de quase dois milhões de habitantes. As outras 14 universidades, da rede privada, estão interessadas, sobretudo nos cursos de medicina e odontologia, que contam com 70% de brasileiros entre seus alunos. Mensalidades ao redor de 100 dólares, e às vezes até de 60 dólares (Universidade Ecológica), para os cursos de medicina, levam estudantes brasileiros de todas as zonas do Brasil, que chegam aos milhares todos os anos. São poucas as possibilidades de se estudar línguas ou literaturas nessas universidades. Algumas oferecem licenciatura em inglês, cursada exclusivamente por bolivianos. Língua portuguesa é mais difícil, uma delas, a UTEPSA, oferece um curso de português duas vezes ao ano, uma em cada semestre. São cursos instrumentais, com duração de três meses cada, preparatórios para o exame de proficiência em língua portuguesa, CelpBras, realizado duas vezes por ano nessa mesma instituição. Os cursos são ministrados por uma professora brasileira, que vive há anos na cidade, sem formação em língua portuguesa. Recentemente ela se licenciou em inglês pela UAGRM, e como o diploma diz “Licenciada em Idiomas”, ela o estende à língua portuguesa. A professora conta com dois auxiliares bolivianos, formados por ela mesma, para ministrar o curso de português aos interessados em prestar o exame de proficiência. Os três são responsáveis também pela aplicação do exame CelpBras, na cidade de santa Cruz. A outra cidade boliviana onde também se aplica o exame CelpBras é La Paz, mas aí a tarefa está a cargo do Instituto de Estudos Brasileiros. Em suma, nas instituições de Santa Cruz não há um professor de português que tenha formação, e com isso quero dizer licenciatura em língua portuguesa. Os interessados nos estudos de línguas modernas e suas literaturas devem ir à Faculdade de Idiomas da UAGRM, onde é possível, por ser uma universidade federal, oferecer tais licenciaturas. Mas como universidade pública ela oferece vagas mediante um rigoroso vestibular, e talvez seja por isso que não encontramos brasileiros nas carreiras que ela oferece. Na Faculdade de Idiomas onde trabalhei não havia um brasileiro sequer. Na carreira de medicina da instituição também é muito difícil encontrar alunos brasileiros. Basta conversar informalmente com os estudantes brasileiros que vão estudar medicina na Bolívia, para notar que eles estão lá para fugir dos vestibulares das nossas universidades públicas, onde não conseguiram aprovação, e do alto custo que se deve pagar para cursar a carreira nas universidades privadas do Brasil. Passo agora a considerar o curso de língua portuguesa, dentro da UAGRM, onde estive vinculado. Trabalhei na Carreira de Filologia Hispânica e Línguas Modernas, correspondente aos cursos de Letras no Brasil, que funciona na Faculdade de Idiomas, localizada no centro da cidade, fora do Campus. A Faculdade de Idiomas oferece três licenciaturas: Filologia Hispânica e Língua moderna (Espanhol), na qual se formam os professores de língua espanhola que vão ocupar os postos de professores de língua materna no ensino primário e secundário da região. Licenciatura em Língua Inglesa, também destinada a formar professores para a rede de ensino. E Licenciatura em Língua Francesa, dos quais alguns poderão ser aproveitados por escolas de idiomas ou alguma instituição que ofereça a disciplina. As licenciaturas duram cinco anos, se o aluno não reprovar matérias obrigatórias. Todas as disciplinas são anuais. Dentre os alunos dessas três licenciaturas estão os eventuais alunos de português. Como funciona? Todo o aluno matriculado em qualquer uma das três licenciaturas tem apenas duas matérias optativas: língua italiana ou língua portuguesa. Essa era a estrutura de 2008/2009, que segue vigente ainda em 2010. Os alunos poderão cursar as matérias optativas durante dois anos, só são oferecidos os dois primeiros anos de cada uma delas. Como as línguas estrangeiras das licenciaturas, inglês e francês, estão distribuídas numa estrutura fixa da grade curricular: total de 9 horas de aula por semana para cada ano, sendo 4 horas e meia para gramática e 4 horas e meia para língua, encaixaram a língua portuguesa dentro da mesma estrutura. Deste modo, como professor de língua portuguesa, eu tive a incumbência de lecionar 9 horas semanais para o primeiro ano, e 9 horas semanais para o segundo, perfazendo uma carga horária de 18 horas semanais. As horas de cada ano estavam divididas por matérias. Gramática do português I = 4 horas e meia semanais. Língua portuguesa I = 4 horas e meia semanais. Gramática da língua portuguesa II = 4 horas e meia semanais. E, Língua portuguesa II = 4 horas e meia semanais. Pelo calendário da universidade as segundas, quartas e sábados eram dias de Gramática do português; as terças, quintas e sextas eram dias de Língua portuguesa. Nem sempre era possível fazer essa separação na prática. Como separar língua de gramática? E gramática de língua? A solução foi adotar a estratégia dos professores dos outros idiomas. As avaliações de língua e gramática eram somadas no final do ano e era computada somente a nota total alcançada pelo aluno, através da soma de todas as atividades realizadas durante o ano. Todo aluno matriculado em língua também estava obrigado a fazer o mesmo em gramática. Assim, pudemos trocar aulas duras de exercícios gramaticais por leitura de crônicas, audição de músicas, ou exibição de filmes brasileiros em algumas das sextas-feiras ou dos sábados, quando a turma já estava bastante cansada das tarefas da semana. É nesse contexto que deve atuar o leitor brasileiro na universidade em Santa Cruz, aliás, único leitorado existente até hoje em toda a Bolívia, o qual eu tive a honra de implantar. Passo agora a fazer algumas considerações sobre o vinculo institucional do leitor com o Itamaraty. O leitor brasileiro é selecionado pela CAPES/MEC e pelo Itamaraty, que manda a lista de finalistas para a universidade solicitante fazer a sua escolha final. Caso a universidade estrangeira que solicitou o leitorado ao Brasil não se interesse por nenhum dos candidatos pré-selecionados, fica-se cancelado o processo de escolha, que deverá ser reaberto em novo edital. Uma vez que a universidade escolheu um dos candidatos, o Itamaraty o convidará para exercer a função de leitor, sendo que o professor será pago pelo Ministério de Relações Exteriores do Brasil, através de dinheiro público brasileiro, doado à universidade contratante para que efetue tais pagamentos. Outra possibilidade é a de que os Consulados brasileiros no país estrangeiro façam os pagamentos mensais ao leitor, com dinheiro enviado pelo Itamaraty, o que era meu caso na Bolívia. O contrato de leitor deve ser assinado por período de dois anos, podendo ser prorrogado por igual período, se houver interesse das partes: professor e universidade. Cumprido o prazo, o leitor deverá obedecer a uma carência de dois anos para ter direito a se candidatar a outro cargo. Neste ponto é preciso esclarecer que o leitorado brasileiro não é regido pelo MEC, mas sim pelo Ministério das Relações Exteriores, através da Divisão de Promoção da Língua Portuguesa (DPLP), que baixa portarias, lança editais e regula seu funcionamento. A portaria vigente do leitorado diz que o leitor deve exercer as funções de lecionar língua portuguesa, literatura brasileira, e organizar eventos de divulgação da cultura brasileira no exterior. Dentro dessa perspectiva, lecionei língua portuguesa, gramática da língua portuguesa, e organizei eventos de divulgação da cultura brasileira na Bolívia. Um deles foi a exposição “Bossa Nova 50 anos”, que organizei em Santa Cruz, com apoio do Consulado Geral do Brasil em Santa Cruz de la Sierra. Para organizar a exposição contei com a ajuda dos alunos de português que se esforçaram como monitores, treinados na sala de aula para darem explicações em português sobre os 50 anos da Bossa Nova ao grande público brasileiro que concorreu à exposição. Já havia solicitações por parte da Casa de Cultura de Santa Cruz, e outras instituições locais, para que o Consulado brasileiro fizesse algum tipo de atividade cultural para a grande comunidade brasileira que vive na cidade. Com a chegada do leitor, o Consulado pode atender a essas reivindicações. Gostaria agora de tecer alguns comentários sobre uma possível política de ensino para a língua portuguesa nos leitorados em países estrangeiros. Como o Leitor é financiado pelo governo brasileiro, o Departamento de Divulgação da Língua Portuguesa, do Itamaraty, exige que a língua ensinada seja a modalidade falada no Brasil. E essa exigência implica numa política de governo: o ensino da língua e a divulgação da cultura oferecida gratuitamente aos países com os quais o Brasil mantém relações internacionais, comerciais, sociais etc., não possui material didático especifico para o ensino de português. Há bons livros e boas revistas culturais que são distribuídas aos leitores e bibliotecas das instituições, mas que exigem fluência em leitura para que possam ser úteis. O cumprimento da cláusula “ensinar português na modalidade falada no Brasil”, especificada na portaria vigente do leitorado, exige uma preparação linguística que implica numa política de ensino do professor. Como selecionar materiais que sejam signos da identidade brasileira para as aulas práticas? Como demonstrar que o plano de trabalho contempla as várias faces da fala e da escrita da língua do país? Quais são os interesses de cada comunidade de estudantes de português dos cursos de leitorados brasileiros nos mais de trinta países onde estão sendo oferecidos? Um colega, professor de português na Universidade de Paris, teve um grupo de alunos que o maior interesse deles em aprender português era para ler Clarice Lispector. Os meus alunos bolivianos da universidade pensavam em aprender português para trabalhar no Brasil, e, sobretudo, para fazerem o exame de proficiência CelpBras, requisito para concorreram às bolsas de graduação e de pós-graduação (Mestrado e Doutorado), que o governo brasileiro oferece aos estrangeiros, duas vezes por ano. As bolsas de estudo oferecidas aos estrangeiros são divulgadas nas páginas do Itamaraty, e como leitor eu tinha o comprometimento de dar publicidade da existência delas à comunidade universitária. Como leitor brasileiro tive que entrar em contato com as modalidades de bolsas que o Brasil oferece no exterior, e com o funcionamento do exame de proficiência brasileiro. Avaliei todo o material que pude conseguir, provas impressas, vídeos, número de participantes, aprovados etc. Logo uma coisa chamou a atenção. O exame CelpBras, elaborado por instituições brasileiras, em acordo com instituições do MERCOSUL, não possui questões do tipo falso ou verdadeiro, tampouco questões de múltipla escolha, como é o caso do DELE, Diplomas de Língua Estrangeira, do governo da Espanha, aceito pelo CAPES. Neste aspecto, O CelpBras se parece ao Certificado de Proficiência oferecido pela Argentina CELU. Todas as questões são dissertativas, e os alunos devem respondê-las a partir de vídeos que são exibidos durante um tempo determinado, com intervalo para responder as questões. O meu plano de trabalho deveria contemplar muito material de áudio e vídeo, para acostumar o ouvido dos alunos bolivianos. Por mais que eles aprendessem a ler e a escrever, se eles não pudessem compreender um nativo brasileiro falando no vídeo eles não teriam sucesso no exame de proficiência. Material de áudio e vídeo para ensinar português para estrangeiros são bastante escassos. Não contamos ainda com uma revista para ensinar português como a língua inglesa conta com a SpeakUp, e a espanhola com a Punto y coma, ambas as revistas acompanhadas de CDs. O professor brasileiro nessa situação precisa lançar mão de materiais culturais e transformá-los em didáticos. Ademais de filmes, canções, trechos de telenovelas que adaptei para a sala de aula pude contar com a presença da comunidade brasileira na cidade. Levava convidados brasileiros às aulas para que os alunos pudessem conversar. Dentre os funcionários do Consulado pude contar com a presença de uma carioca e de um mineiro em visitas à sala de aula. Dentre os alunos de medicina pude convidar baianos, pernambucanos e acreanos. Assim, pude ir formando um painel vivo das variedades da língua portuguesa na sala de aula. Curioso revelou-se o fato de que a grande comunidade brasileira do entorno não contribui para que os alunos aprendam português fora da universidade. O português entra com vocábulos e expressões idiomáticas no castelhano de Santa Cruz, mas no geral, se acomoda dentro da sintaxe do castelhano. Vive-se uma mestiçagem lingüística, mas os nativos não aprendem o português tão espontaneamente. Santa Cruz de la Sierra é uma região habitada por uma população bastante mestiça, que fala um espanhol bastante singular, com a incorporação e a resignificação de léxicos, expressões e sufixos da língua portuguesa, que entra a toda hora no idioma. Alguns desses elementos permanecem por algum tempo na fala do cruzenho e depois são esquecidos, outros são incorporados de forma definitiva, aparentemente. A fala de Santa Cruz apresenta dois aspectos importantes: estruturas arcaicas do espanhol foram conservadas, devido ao isolamento que a região manteve com a península. E uma avalanche de novidades vem sendo incorporada pelas imigrações dos últimos 50 ou 60 anos. Como explica Luis Alberto Roca: Santa Cruz de la Sierra tem una história diferente da maioria das cidades da América, não só pelas peculiaridades e a maneira como se gestou sua fundação, pela sua localização geográfica no centro da América do Sul e pelo tipo de povoações sobre as quais se formou esta nação lingüística, mas sobretudo pelo encerro natural no qual viveu durante a Colônia, ao começo, e imposto depois pelos governantes da República da Bolívia. Esta situação se modificou parcialmente nos anos 50 do século XX quando se construiu uma ferrovia que a conectou com Santos (São Paulo, Brasil), e com Buenos Aires; e com Cochabamba por meio de una rodovia asfaltada. (ROCA, 2007, 86 – 87). Dentre as estruturas arcaicas do castelhano de Santa Cruz em relação aos países hispânicos da América do Sul está a pronuncia perfeita do encontro consonantal ll, como fazem os espanhóis. Outra característica do arcaísmo em castelhano é a presença do chamado “seseo”, que dizem os estudiosos está presente na região desde a sua fundação. A fala cruzenha é seseante, quer dizer, falta oposição entre sibilantes dentais (representadas graficamente por ‘z’ e ‘c’) e alveolares (‘s’) do mesmo modo que ocorre no resto do espanhol da América, Canárias e Andaluzia. Ou seja, pronunciam o z, ou o c, ante e, i, como s. Esse aspecto fonológico entra em contato com os diversos sotaques do português brasileiro na vida cotidiana, entre outras falas que se mesclam por lá. Como diz Roca, continuando sua explicação: Como dissemos antes, até meados dos 50 do século passado, Santa Cruz esteve isolada do mundo e tinha até essa data cinquenta mil habitantes. Meio século depois temos um milhão e trezentos mil, resultado da enorme migração do ocidente da Bolívia, das províncias cruzenhas que se despovoaram, e de dezenas de milhares de imigrantes chegados do Japão, nos anos da década de 50. Menonitas de fala alemã em número parecido, brasileiros, argentinos e um grande número de imigrantes de vários países americanos aqui ficaram para tornar nossa sociedade heterogênea, cambiante e instável. Todos estes fenômenos migratórios, políticos e econômicos tem feito com que a fala cruzenha esteja sob fortes pressões de cambio. (ROCA, 87). As palavras do português entram na região como um modismo. Uma delas é a palavra “pintudo”, que vem da expressão do português brasileiro “boa pinta”. Os jovens começaram a dizer que alguém era “pintoso” e logo evoluiu para “pintudo”. Propagandas em outdoor reproduzem o vocábulo tranquilamente, que também é falado na televisão sem nenhum pudor. Já o jornal El Deber, o maior jornal de Santa Cruz, grafa a palavra entre aspas. Vejamos um trecho retirado de um editorial: “Propusieron ropa y nuevas motos a los amantes de la velocidad Con un desfile de moda y presentación de nuevos modelos de motocicletas, Honda Visal se despidió de la Feria Exposición. En este evento se mostraron la indumentaria y accesorios que deben llevar los motoqueros, hombres y mujeres, desde las botas hasta los cascos, y las diversas opciones que tienen para estar ‘pintudos’ cuando se suben a una moto”. (El Deber, 1 out. 2008). Mas a maior particularidade do castelhano de Santa Cruz é a presença do aumentativo ango e do diminutivo ingo, colocados como sufixos da língua. O adjetivo grande, acrescido do sufixo ango, fica grandango. O adjetivo bom, acrescido do sufixo ingo fica boningo. Estudos recentes de linguistas bolivianos vem afirmando que essa sufixação, que ocorre somente no castelhano da região seria uma contribuição, ou interferência do português brasileiro na fala de Santa Cruz. Hernando Sanabria mostra o fenômeno da sufixação com riqueza no seu livro El habla popular de Santa Cruz. Luis Alberto Roca discute as interferências que vem sofrendo o castelhano de Santa Cruz no livro Breve historia del mestizaje del habla cruceña. Nota-se que é bastante significativa a presença do português brasileiro naquelas terras baixas, como é designada linguísticamente a região de Santa Cruz, em oposição às outras duas zonas: a andina e a amazônica. Copio abaixo, uma tabela do livro de Roca, no qual podemos ter uma pequena mostra da transição dos diminutivos brasileiros para a fala cruzenha. Diminutivo- Diminutivo- Peyorativo Peyorativo cruceño CASA Casinha Casinga CASA CARA Carinha Caringa CARA VESTIDO Vestidinho Vestidingo VESTIDO MESA Mesinha Mesinga MESA DURO Durinho Duringo DURO ALTO Altinho Altingo ALTO Portugués Español Reprodução da tabela apresentada por ROCA, 2007, página 75. Para terminar essa minha contribuição, sem esgotar o assunto, diria que o método de trabalho que se mostrou mais adequado foi o ensino contrastivo, mediado por um professor bilingue. Além do livro didático Falar.. Ler.. Escrever... Português, da editora brasileira E.P.U., que consta com três CDs de áudio, e possui 18 unidades temáticas, adotado para o curso, foram de grande utilidade as gramáticas contrastivas do espanhol vs. português. A identidade da língua portuguesa do Brasil é um conceito complicado, pois a língua portuguesa do Brasil está mais próxima do conceito de mestiçagem, contrário ao de identidade. E a cultura de uma sociedade mestiça, ao ser divulgada para outra sociedade também mestiça, precisa ter isso em conta. É preciso entender a mestiçagem não só como fator racial, mas atentar para a mestiçagem cultural: um modo de pensar mestiço. Refiro-me, por exemplo, aos conceitos do antropólogo François Laplantine, principalmente quando ele diz que a mestiçagem não evita os conflitos externos e nem internos, mas tem a vantagem de seguir a lógica da incorporação, e de encarar o devir através do seu encontro com o outro. É nesse contexto que se insere o leitor brasileiro na zona linguística denominada de “terras baixas bolivianas”, onde trabalhei. Termino com uma pergunta: há uma identidade brasileira presente na língua portuguesa que levamos para o mundo? De certo modo sim, pois podemos perceber que não se trata de português falado em Portugal, ou na África. Deixo assim, dois conceitos para debatermos em outra ocasião: identidade e mestiçagem, colocando-me à disposição. Bibliografia: FERNÁNDEZ, Hernando Sanabria. El habla popular de Santa Cruz. La Paz: Libreria Editorial Juventud, s/d. FREIRE, M. Tedora Rodríguez Monzú. Síntesis gramatical de la lengua española. Una gramática contrastiva Español ~ Portugués. São Paulo: Interprise Idiomas, 1999. LAPLANTINE, François e NOUSS, Alexis. Mestizajes. De arcimboldo a Zombi. 1ª ed. Buenos Aires: Fondo de Cltura Económica, 2007. LIMA, Emma Eberlein O. F. Falar.. Ler... Escrever... Português. Um curso para estrangeiros. São Paulo: E.P.U., 1999. ROCA, Luis Alberto. Breve historia del habla cruceña y su mestizaje. Santa Cruz de la Sierra: Editorial El País, 2007