PANEGÍRICO DO POETA JOÃO DA CRUZ E SOU SA Cruz e Sousa
Transcrição
PANEGÍRICO DO POETA JOÃO DA CRUZ E SOU SA Cruz e Sousa
PANEGÍRICO DO POETA JOÃO DA CRUZ E SOU SA Cruz e Sousa, também conhecido como Cisne Negro, apresenta sua poesia como verdadeira válvula de escape para tensões interiores e compensação das insatisfações. O desajuste social gerado pelo preconceito da cor , pelas incompreensões do meio ambiente; as contingências da vida material a sufocar o espírito; a irrealização e frustração de secretas aspirações – tudo isso é a origem de aguda tensão interior que irrompe em lavas de poesia. Poesia de tom geralmente elegíaco, cheia de aspirações, sonhos, visões vagas, fulgurações súbitas, nebulosidades. São como que gritos de um emparedado da vida suspirando pela libertação. É um poeta de explosões emotivas, de descargas líricas. Além do drama pessoal, há nele muito de a tavismo africano. É o porta -voz de uma raça sofredora. Fala por gerações e gerações de homens oprimidos e relegados. A ânsia da ascensão social, de acesso ao mundo dos brancos, está expressa pela obsessão da cor branca. E, não tendo podido ascender materialmente, Cruz e Sousa aristocratizou-se pela poesia. O simbolismo (da torre de marfim, de uns poucos iniciados) dá -lhe toques de nobreza intelectual. A temática ou o sentido místico da escola foi também para ele um ref úgio. É, entre nós, por excelência, o poeta da dor: da dor anímica, não da física. • João da Cruz e Sousa nasceu em Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis, Santa Catarina, em 1861. • Muito cedo começou sua carreira jornalística e literária, tendo trabalhado em jornais da província cata rinense e do Rio de Janeiro. • Engajando-se de corpo e mente na campanha abolicionista, percorreu várias províncias realizando conferências, do sul ao norte do Brasil. • Residindo no Rio de Janeiro a partir de 1890, integrou -se ao movimento simbolista, do qual se tornaria a principal figura no país. • Casou-se em 09 de novembro de 1.893, com Gavita Rosa Gonçalves, com quem teve quatro filhos, passando a viver com os parcos rendimentos de funcionário da Estrada de Ferro Central do Brasil. • Num ambiente literário em que o parnasianismo dominava, restringia se o espaço e, consequentemente, a importância do movimento simbolista e de seus seguidores, fato que, aliado as amarguras pessoais do poeta, talvez explique a intensa morbidez presente em vários momentos de sua belíssima produção literária. • Em 19 de março de 1.898, faleceu na Estação de Sítio, Minas Gerais, de onde partiu seu corpo num vagão destinado ao transporte de animais engatado no trem mineiro. Foi enterrado no cemitério São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro-RJ. No dia 26 de novembro de 2007, após serem cremados os restos mortais do poeta, as cinzas foram trazidas do Rio de Janeiro-RJ para Florianópolis-SC, onde encontram-se em uma urna, colocada no Museu Cruz e Sousa, loc alizado na rua Tenente Silveira, no centro da Capital Catarinense. • Suas obras publicadas em vida foram: MISSAL E BROQUÉIS (1893) e EVOCAÇÕES (1898). Postumamente, foram publicados: FARÓIS (1900) e ÚLTIMOS SONETOS (1905). • Em 1998, assinala-se o centenário da morte de Cruz e Sousa. A seguir, a transcrição do poema “ Violões que choram... ”, inserido no livro “Faróis”: "Violões que choram..." Ah! plangentes violões dormentes, mornos, Soluços ao luar. choros ao vento... Tristes perfis, os mais vagos contornos, Bocas murmureja ntes de lamento. Noites de além, remotas, que eu recordo, Noites da solidão, noites remotas Que nos azuis da Fantasia bordo. Vou constelando de visões ignotas. Sutis palpitações à luz da lua, Anseio dos momentos mais saudosos, Quando lá choram na deserta rua As cordas vivas dos violões chorosos. Quando os sons dos violões vão soluçando, Quando os sons dos violões nas cordas gemem, E vão dilacerando e deliciando, Rasgando as almas que nas sombras tremem. Harmonias que pungem, que laceram, Dedos nervosos e ágeis que percorrem Cordas e um mundo de dolências geram Gemidos, prantos, que no espaço morrem.. . E sons soturnos, suspiradas mágoas, Mágoas amargas e melancolias, No sussurro monótono das águas, Noturnamente, entre ramagens fri as. Vozes veladas, veludos as vozes, Volúpias dos violões, vozes veladas, Vagam nos velhos vórtices velozes Dos ventos, vivas, vás. vulcanizadas. Tudo nas cordas dos violões ecoa E vibra e se contorce no ar, convulso Tudo na noite, tudo clama e voa Sob a febril agitação de um pulso, Que esses violões nevoentos e tristonhos São ilhas de degredo atroz, funéreo. Para onde vão, fatigadas do sonho, Almas que se abismaram no mistério. Sons perdidos, nostálgicos, secretos, Finas, diluídas, vaporosas b rumas, Longo desolamento dos inquietos Navios a vagar à flor de espumas. Oh! languidez, languidez infinita, Nebulosas de sons e rie queixumes, Vibrado coração de ânsia esquisita E de gritos felinos de ciúmes! Que encantos acres nos vadios rotos Quando em toscos violões, por lentas horas Vibram, com a graça virgem dos garotos, Um concerto de lágrimas sónoras Quando uma voz, em trêmulos, incerta, Palpitando no espaço, ondula, ondeia, E o canto sobe para a flor deserta, Soturna e singular da lua cheia. Quando as estrelas mágicas florescem, E no silêncio astral da Imensidade Por lagos encantados adormecem As pálidas ninféias da Saudade! Como me embala toda essa pungência, Essas lacerações como me embalam, Como abrem asas brancas de clemência As harmonias dos violões que falam! Que graça ideal, amargamente triste, Nos languidos bordões plangendo passa... Quanta melancolia de anjo existe Nas visões melodiosas dessa graça... Que Céu, que inferno, que profundo inferno, Que ouros, que azuis, que lágrimas, que risos, Quanto magoado sentimento eterno Nesses ritmos trêmulos e indecisos... Que anelos sexuais de monjas belas Nas ciliciadas carnes tentadoras, Vagando no recôndito das celas, Por entre as ânsias dilaceradoras,.. Quanta plebéia castidade obscura Vegetando e morrendo sobre a lama, Proliferando sobre a lama impura, Como em perpétuos turbilhões de chama, Que procissão sinistra de caveiras, De espetros, pelas sombras mortas, mudas., Que montanhas de dor, que cordilheiras De agonias aspérrimas e agudas. Véus neblinosos, longos, véus de viuvas Enclausuradas nos ferais desterros, Errando aos sóis, aos vendavais e às chuvas, Sob abóbadas lúgubres de enterros; Velhinhas quedas e velhinhos quedos, Cegas, cegos, velhinhas e velhinhos, Sepulcros vivos de senis segredos, Eternamente a caminhar sozinhos; E na expressão de quem se vai sorrindo, Com as mãos bem Juntas e com os pés bem [Juntos E um lenço preto o queixo comprimindo, Passam todos os lívidos defuntos.., E como que há histéricos espasmos Na mão que esses violões agita, largos... E o som sombrio è feito de sarcasmos E de sonambulismos e letargos. Fantasmas de galés de anos profundos Na prisão celular atormentados, Sentindo nos violões os velhos mundos Da lembrança fiel de áureos passados; Meigos perfis de Usicos dolentes Que eu vi dentre os violões errar gemendo, Prostituídos de outrora. nas serpentes Dos vidos Internais desfalecendo; Tipos Intonsos, esgrouviados. tortos, Das luas tardas sob o beijo níve o. Para os enterros dos seus sonhos mortos Nas queixas dos violões buscando alivio; Corpos frágeis, quebrados, doloridos, Frouxos, dormentes, adormidos, langues, Na degenerescência dos vencidos De toda a geração, todos os sangues; Marinheiros que o mar tomou mais fortes, Como que feitos de um poder extremo Para vencer a convulsão das mortes. Dos temporais o temporal supremo; Veteranos de todas as campanhas, Enrugados por tundas cicatrizes, Procuram nos violões horas estranhas, Vagos aromas, cândidos, felizes. Ébrios antigos, vagabundos velhos, Torvos despojos da miséria humana, Têm nos violões secretos Evangelhos, Toda a Bíblia fatal da dor insana. Enxovalhados, tábidos palhaços De carapuças, máscaras e gestos Lentos e lassos, lúbricos, de vassos, Lembrando a florescência dos incestos; Todas as ironias suspirantes Que ondulam no ridículo das vidas, Caricaturas tétricas e errantes Dos malditos, dos réus, dos suicidas; Toda essa labiríntica nevrose Das virgens nos românticos enleios. Os ocasos do Amor, toda a clorose Que ocultamente lhes lacera os seios: Toda a mórbida música plebeia De requebros de fauno e ondas lascivas; A langue, mole e morna melopéia Das valsas alanceadas, convulsivas; Tudo isso, num grotesco desconforme, Em ais de dor, em contorções de açoites, Revive nos violões, acorda e dorme Através do luar das meias-noites)