José, Adrian, Gislaine, Adailton, Angel, Maria, Fernando: vidas
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José, Adrian, Gislaine, Adailton, Angel, Maria, Fernando: vidas
Valor_cataratas José, Adrian, Gislaine, Adailton, Angel, Maria, Fernando: vidas entrelaçadas pelos rios que banham Brasil, Paraguai e Argentina Por Ricardo Marques Fotos Marcos Camargo REINO DAS 50 052_063_Foz_do_Iguacu_1.indd 50 7/18/12 7:19 PM AS ÁGUAS 51 052_063_Foz_do_Iguacu_1.indd 51 7/18/12 7:19 PM Cataratas M No primeiro semestre deste ano, 710 mil pessoas vieram se maravilhar com as cataratas ais de 1,5 milhão de pessoas vindas de todas as partes do globo viajam todos os anos até a região de tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina para ver as cataratas mais bonitas do planeta. São 275 saltos por onde jorra 1,2 milhão de metros cúbicos de água por segundo. Só a explosão de água, os bons restaurantes instalados tanto no território brasileiro quanto argentino e os hotéis de luxo já valeriam a viagem. Mas a região é também rica na perspectiva antropólogica. Afinal, como é a vida de pessoas que cruzam uma, duas ou até três fronteiras diariamente para dar conta da rotina de trabalho, compras, passeios. José, Adrian, Gislaine, Angel, Maria, Fernando vivem assim. Habitam um pequeno espaço, separados por não mais do que 30 quilômetros, numa terra onde quem manda são as águas. As do rio Iguaçu separam o Brasil da Argentina e formam as cataratas; as do Paraná fazem a fronteira Brasil-Paraguai e movimentam as turbinas de Itaipu. No ponto em que o Iguaçu deságua no Paraná, os três países se tocam. São três cidades entrelaçadas: a paranaense Foz do Iguaçu, a paraguaia Ciudad del Este e a argentina Puerto Iguazú (um mirante aberto a visitações demarca o ponto de encontro). São cidades espelhadas, interdependentes e multiculturais. Em Foz, por exemplo, entre seus 260 mil habitantes convivem mais de 60 grupos étnicos – árabes, judeus, chineses, italianos, japoneses, libaneses, iranianos, alemães, hispânicos... E tudo é muito perto. No mesmo dia, é possível fazer compras e almoçar no Paraguai, jantar e jogar num cassino na Argentina e dormir em Foz. Para ir a Ciudad del Este e voltar não é preciso apresentar nem mesmo RG. Para ir a Puerto Iguazú um documento de identidade é suficiente. É mesmo um território único, a tríplice fronteira, complexo, estranho à primeira vista. Há personagens que identificam com clareza o caráter desse lugar praticamente sem fronteiras. Como Maria, uma paulista que trabalha numa das lojas mais movimentadas da avenida Brasil, a principal de Puerto Iguazú, contratada justamente para atender os brasileiros que compõem a maioria da clientela. Como Fernando, um cearense que, pelo mesmo motivo de Maria, é vendedor em um shopping em Ciudad del Este e mora em Foz. Como o argentino Angel, que também mora em Foz e é contratado por uma loja de Ciudad del Este para cruzar várias vezes por dia a Ponte da Amizade e levar as mercadorias de clientes brasileiros. TURISMO PURO De um jeito ou de outro, quase tudo nas três cidades é influenciado pelas fronteiras, mas hoje a situação é bem diferente do que era há cinco ou seis anos. Até então, Foz do Iguaçu aparecia nos jornais como ponto de passagem de contrabandistas sacoleiros, que chegavam em comboios de ônibus para um bate e volta de compras no Paraguai. Hoje não é mais assim. A combinação de alguns fatores, como queda do dólar, redução dos preços dos produtos importados e, sobretudo, maior rigor na fiscalização aduaneira, mudou totalmente essa situação. Foz atualmente vive basicamente do turismo “puro”, que tem as cataratas do Iguaçu como destino principal. 52 052_063_Foz_do_Iguacu_1.indd 52 7/18/12 7:19 PM 53 052_063_Foz_do_Iguacu_1.indd 53 7/18/12 7:19 PM Cataratas “A cidade melhorou muito”, afirma José Arnaldo Ferreira, 52 anos, dono da agência Venson Turismo, estabelecida dentro de um hotel no centro de Foz, cidade a qual ele chegou há 36 anos. “Hoje, de 70% a 80% dos visitantes vêm mesmo para conhecer as cataratas e a usina de Itaipu”, conta. Mas é fato que poucos resistem aos preços realmente baixos de uma cidade que está entre as três maiores zonas de comércio livre do mundo, depois de Miami e Hong Kong. “Vale a pena comprar roupas e cosméticos”, diz Gislaine, que nasceu em Foz e é casada com Adrian, um argentino que é dono de um bar no centro da cidade paranaense. ATRAÇÕES OPOSTAS É assim mesmo. Ciudad del Este significa compras de produtos importados. Contam-se nos dedos os brasileiros que foram além da grande avenida que faz o prolongamento da Ponte da Amizade. Mas a cidade é maior do que isso. Tem quase 400 mil habitantes, mais do que Foz, e fora do eixo das lojas os agradáveis bairros residenciais surpreendem com suas ruas arborizadas e tranquilas, bem diferentes do turbilhão do centro comercial. Puerto Iguazú, ao contrário, tem menos de 30 mil habitantes e é calma, interiorana. O centro é pouco mais do que a avenida Brasil e as ruas adjacentes. Ao lado da Ponte da Fraternidade, que separa Brasil e Argentina, ficam o Duty Free Shop e um cassino. No centro, lojinhas de vinhos, frios e roupas de couro. Na avenida Victoria Aguirre, mais um cassino, o Café Central. No topo da avenida Brasil, a famosa feirinha com alguns bares e lojas que vendem vinhos, queijos e azeitonas. Num restaurante localizado num dos pontos mais conhecidos da avenida Brasil, na praça em que convergem sete ruas, as mesas estavam cheias na noite de 4 de julho. A maioria das pessoas vestia a camisa verde e azul do Boca Juniors, que disputava com o Corinthians o título de campeão da Libertadores. Boa parte dos torcedores era formada por brasileiros, anticorintianos, e no fim do jogo a cidade argentina ficou em silêncio. Meia hora depois, cruzando a fronteira, o ambiente em Foz era o oposto. Buzinas, fogos e carros congestionando ruas e avenidas. Miguel, o taxista argentino que mora em Puerto Iguazú e nos trouxe a Foz, que de bobo não tem nada, sabendo que estava num carro com placa argentina, punha a cabeça para fora e gritava: “River Plate, River Plate!”. Miguel diz que na tríplice fronteira não existe preconceito: “Em qualquer outro lugar da Argentina, as pessoas são contra o Brasil. No futebol, na economia, em quase tudo. Mas aqui não. Aqui, só no futebol. Tenho primos que casaram com brasileiras, outros parentes que trabalham no Brasil, e então a gente se aproxima. Aqui é muita mescla”. O comércio no Paraguai ainda atrai os visitantes. No alto, o casal Gislaine e Adrian, que desfruta das facilidades de viver na tríplice fronteira. Abaixo, o agente de viagens José Ferreira viu de perto a mudança no perfil dos visitantes. Na página ao lado, passeio por Puerto Iguazú e o famoso hotel das Cataratas 54 052_063_Foz_do_Iguacu_1.indd 54 7/18/12 7:19 PM VÁ POR NÓS As cataratas Brasileiros, argentinos e paraguaios pagam R$ 24, metade do preço do ingresso para estrangeiros, para tomar um ônibus na entrada do Parque das Cataratas e chegar às trilhas bem cuidadas que oferecem as melhores vistas. Um táxi de Foz do Iguaçu cobra em torno de R$ 50 e no terminal urbano tem ônibus a R$ 2,65. Voo de helicóptero Bem na entrada do parque, a Helisul oferece um voo sobre as cataratas. É emocionante, caro e rápido: por R$ 204, cada passageiro fica no ar apenas dez minutos. Cassinos Existem dois em Puerto Iguazú, um no centro e outro logo depois da Ponte da Fraternidade. Recebem um contingente muito especial de turistas, os brasileiros que gostam de jogar e não têm lugares legalizados por aqui. Compras no Paraguai A imagem mais conhecida de Ciudad del Este é a do bazar, as minúsculas tendas que entopem as calçadas ao longo da ponte com produtos populares, como mercados árabes. Mas existem também shopping centers com vários andares que abrigam lojas de alto nível, como a Monte Carlo, especializada em material fotográfico. Alfândega Este item é muito importante. Quem quiser fazer tudo direitinho precisa declarar nas fronteiras qualquer compra acima do limite de US$ 300 e pagar uma taxa de 50% sobre o excedente. Quem não faz isso corre risco. No aeroporto de Foz do Iguaçu, na hora de fazer o check-in, em vez de ir ao balcão da companhia aérea, o viajante é dirigido a uma passagem única, onde encontra um raio X e a turma da polícia federal, que verifica cada item da bagagem. O que passar do limite é retido, sem dó nem piedade. Hotéis Foz do Iguaçu tem centenas de hotéis, para todos os bolsos, alguns requintados, como o que fica dentro do Parque das Cataratas e hoje é administrado pela rede Orient-Express. Esse hotel com ar colonial, com paredes rosa, foi inaugurado em 1958 pelo então presidente Juscelino Kubitschek, e da parte mais alta do prédio dá para ver as cachoeiras. Muito chique, assim como são o Bourbon, o Iguaçu Golf e o Mabu, todos cinco estrelas. 55 052_063_Foz_do_Iguacu_1.indd 55 7/18/12 7:20 PM