Leptospirose canina: revendo conceitos Leonardo
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Leptospirose canina: revendo conceitos Leonardo
Leptospirose canina: revendo conceitos Leonardo Brandão Gerente Técnico Operação Animais de Companhia Merial Saúde Animal A leptospirose canina é uma doença infecciosa de distribuição mundial e de patogenicidade variável na dependência da espécie animal acometida, bem como, do sorovar envolvido. A imunização dos cães há mais de 20 anos permitiu o controle da doença, no entanto, a presença de reservatórios naturais em meios urbanos e rurais permite a perpetuação do agente, causando surtos da doença em animais e pessoas suscetíveis. A leptospirose tem sido considerada uma doença re-emergente em seres humanos, principalmente em decorrência de intensas aglomerações urbanas. Recentemente, uma alta incidência de casos de leptospirose humana foi relatada após o tsunami que acometeu a Ásia em dezembro de 2004 e o furacão Katrina nos EUA (2005). A leptospirose é causada por uma espiroqueta espiralada filamentosa do gênero Leptospira. São microorganismos aeróbicos com membrana citoplasmática e parede celular circundada por uma membrana externa que permite a troca de solutos entre o espaço periplasmático e o meio-ambiente. Este envelope é muito sensível, sendo destruído por água salgada e ressecamento. Estas espiroquetas preferem ambiente de temperaturas mornas e de pH neutro ou levemente alcalino, podendo sobreviver em água fresca ou solo úmido por meses. Leptospira são incapazes de sintetizar ácidos graxos e apenas se reproduzem dentro do hospedeiro, mesmo assim a leptospirose foi considerada como uma "doença ambiental", uma vez que os casos da doença em seres humanos são tipicamente causados pela exposição ao microorganismo no meio-ambiente. A maioria dos casos em Médicos Veterinários é oriunda do contato com o microorganismo no ambiente. A classificação taxonômica do microorganismo é complexa e atualmente envolve 12 espécies classificadas e mais de 250 diferentes sorovares. Os sorovares de interesse médico-veterinário pertencem à espécie L. interrogans ou L. kirscheri. Historicamente, os sorovares de maior patogenicidade para os cães, e conseqüentemente mais utilizados em vacinas são canicola e icterohaemorrhagiae - tendo como reservatórios o cão e o rato, respectivamente (Quadro 1). Outros sorovares, por exemplo pomona, hardjo e grippotyphosa, são historicamente associados à infecção em grandes animais. Uma vez que os pequenos animais têm pouco contato com esses, a baixa incidência justificou a não utilização destes sorovares comumente para a vacinação dos animais de companhia. Sorovares Reservatórios Icterohaemorrhagiae Rato (Rattus norvegicus, Rattus ratus) Copenhageni Rato (Rattus norvegicus) Pomona Suínos, bovinos e gambás Grippotyphosa Racoom, gambá, lebre, marta, hamster, ratos silvestres, roedores silvestres Hardjo Bovinos Bratislava Suínos, bovinos Ballum Camundongos, ratos Canicola Cão Pyrogenes Rattus norvegicus Quadro 1- Exemplos de sorovares patogênicos de Leptospira e seus respectivos reservatórios. 1 Dentre os questionamentos mais freqüentes em relação à vacinação contra a leptospirose estão a reatividade das bacterinas utilizadas nas vacinas - associadas a uma maior proporção de reações adversas pós-vacinais - e o tempo de imunidade conferido pela mesma. Com relação à imunidade conferida pela vacina, estudos anteriores demonstraram que animais vacinados apresentaram baixos títulos de anticorpos (ou até mesmo ausência de títulos) 6 e 12 meses após a vacinação, o que fez com que o período de imunidade conferido fosse considerado menor do que 1 ano e o intervalo semestral de vacinação fosse então preconizado para animais em áreas de risco. No entanto, um estudo com desafio após 5, 27 e 56 semanas pós-vacinação (sorovares L. canicola e L. icterohaemorrhagiae) demonstrou a eficácia de uma vacina comercial na imunização de cães durante esse período (uso de 2 doses de vacina). Tal informação pode justificar a eficácia das vacinas comerciais contra a leptospirose, demonstrada pela baixa incidência da doença em populações de cães vacinados, mesmo aqueles que recebem apenas revacinação anual e têm contato com roedores. Deve-se considerar que o uso de vacinas não é considerado um procedimento livre de riscos e que a vacinação deve ser realizada com critério, ou seja, deve-se avaliar o risco-benefício para cada animal. Fatores como a patogenicidade do agente infeccioso, a gravidade dos sintomas da doença, os riscos potenciais para outros animais e para os seres humanos (potencial zoonótico) estão dentre os vários fatores a serem considerados. Em relação à leptospirose, a imunidade é sorovar-específica, podendo em alguns casos haver proteção cruzada entre agentes pertencentes ao mesmo sorogrupo. Deste modo, a vacinação deve considerar a imunização dos animais contra os sorovares prevalentes em sua região, minimizando a possibilidade de reações adversas indesejadas que podem trazer riscos aos animais. Os sorovares pomona, grippotyphosa, bratislava e outros já foram identificados em cães com doença clínica em áreas rurais ou periféricas, ou ainda, em cães destinados à caça. Neste caso, a utilização de vacinas que contemplem estes sorovares deve ser preconizada, de outro modo, uso destas vacinas é desencorajado por diversos pesquisadores. O futuro em relação às vacinas contra a leptospirose busca a produção de vacinas menos reativas, obtidas por procedimentos que produzam produtos mais "purificados", ou seja, com um menor número de antígenos inespecíficos e desnecessários que apenas contribuem para a ocorrência de reações adversas indesejadas. As vacinas do futuro devem basear-se em tecnologias mais modernas que permitam o uso de um componente antigênico que desencadeie imunidade protetora contra diferentes sorovares, garantindo maior proteção e menor potencial de reações adversas. REFERÊNCIAS GOLDSTEIN, R.E. Canine Leptospirosis. Proceedings…In: 22nd. American Conference of Veterinary Internal Medicine, Ithaca, New York, 2004. HAGIWARA, M.K.; LUSTOSA, M.; KOGIKA, M.M. Leptospirose canina. 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