Experiências de construção da autoria: o prazer

Transcrição

Experiências de construção da autoria: o prazer
Experiências de construção da autoria:
o prazer de criar e aperfeiçoar o próprio texto
Edwiges Zaccur
Quando eu era jovem, eu brincava com a minha escrita e
desfrutava de minha ignorância do desenho e de minha
inexperiência literária para desenhar escrevendo (Colette).
Para tentar
vislumbrar o futuro, gosto de benjaminianamente “escovar o
passado a contrapelo”. Como se sabe, desde a Grécia antiga já havia uma
tensão entre movimentos antagônicos, seja para difundir o conhecimento e o
acesso à leitura e à escrita, seja para manter práticas elitistas e privatizadoras,
que reforçavam o domínio de uns e a subalternização de outros. No decorrer
dessa história, marcada por criação, saber e poder, ocorreram verdadeiras
revoluções, no que Chartier chama de “aventura do livro”, mesclada à aventura
da escrita. No entanto, no processo de escolarização, visando ao ensino da
escrita, a ênfase na criação se perdeu. Resgatá-la é um desafio urgente.
Revisitando o lugar da criação na história da escrita e do livro
Como na epígrafe de Colette, no princípio, a escrita nasceu pictórica e escrever
era quase equivalente a desenhar. Com o passar do tempo, esse parentesco
era ainda visível nos traços estilizados da escrita ideográfica que, a partir das
contribuições, sobretudo, dos fenícios deu origem ao alfabeto grego. A longa
evolução derivou de uma busca constante para dizer mais e melhor e a um
público exponencialmente maior. Parafraseando o Gênesis, no princípio era o
verbo que se traduziu em desenhos que, por se mostrarem insuficientes, foram
se abrindo
a ideogramas que, por sua vez, tendo esgotado seus limites,
deram origem às letras do alfabeto e permitiram outra fantástica invenção: o
livro em sucessivas formas e suportes.
Desde remotas eras, marcas e inscrições em íntima conexão com a vida
cotidiana atendiam às necessidades humanas de registro. Assim, os caminhos
ganharam marcos e talhos em árvores para facilitar a orientação. Os animais
receberam algum tipo de marca para identificar a que grupos pertenciam. A
1
pedra se fez
instrumento mas também suporte para inscrições e registros
como o dos dias e das noites, das luas e estações. Talvez, intuitivamente, os
primitivos experimentassem o desejo de imortalidade, deixando gravadas nas
rochas cenas do seu estar no mundo.
Comenta-se, com admiração, a arte rupestre, talvez entendendo que a arte
mais do que representar, retrata e recria. Os grupos de caçadores, que
desenharam animais nas cavernas de Lascaux, os recriaram há 18000 anos.
Há interpretações ritualísticas de que, ao desenharem bisões, capturavam a
sua imagem na rocha e garantiam o sucesso da caçada: a morte do animal.
Em outra parte da gruta, há um desenho rudimentar de um homem caído ao
lado de um portentoso bisão, parecendo sugerir o desejo de incorporar a força
do animal para socorrer a fragilidade humana. São muitas as especulações,
mas é inegável que a arte rupestre, espalhada em cavernas nos quatro cantos
do mundo, atestam o poder de criação da espécie humana.
O homem é um animal criador, capaz de adaptar o que dispõe ao uso prático.
Na China, carapaças de tartarugas foram usadas como suporte para escrita
1400 aC. Esses suportes e outros similares, como espátulas de bois,
recentemente encontrados em escavações em Henan, chegam a ser datados
de 6.600 aC. A longa aventura humana revela também a presença do senso
estético, das pinturas rupestres às escritas pictóricas, dos calendários astecas
à escrita ideológica dos egípcios, das placas tumulares à simbologia religiosa.
Em diferentes espaços e tempos,
cada cultura ao
criar/inscrever/escrever
deixou marcas da presença humana.
Quanto às muitas formas de registro que culminaram na invenção da escrita,
como sistema, desde logo muitas possibilidades se anunciavam. A magia da
escrita transbordou da vida cotidiana para o simbolismo religioso, da técnica
para a arte, da arte para a política e se abriu ao binômio saber e poder. Mas,
sobretudo, tão logo percebido
o poder da escrita, dela se apropriaram os
poderosos. No Egito antigo, apenas 1% da população sabia escrever e, não
por acaso, essa elite era formada pelo faraó com seus quadros administrativos
e chefes militares, além de sacerdotes. Consta que, nesse seleto grupo,
algumas mulheres também conseguiram dominar os segredos da escrita.
2
Com o passar dos séculos, a fixidez da pedra e a fragilidade da argila se
revelaram pouco práticas. A invenção do alfabeto, através de contribuições
sucessivas de fenícios e gregos, abriu caminho para um projeto
mais
ambicioso, a invenção do livro, exigindo suportes mais portáteis como o papiro,
o pergaminho e o papel. Em meados do século V aC, no Egito, foi inventado o
papiro, produzido a partir dos juncos que nasciam às margens do delta do Nilo.
Durante seis séculos o Egito dominou a produção do papiro, exportando-o a
outras regiões da Antiguidade Clássica. Depois foi a vez do pergaminho,
derivado da pele de animais, ganhar o centro da cena já no século I dC. Um
século depois o papel foi inventado na China a partir de trapos de tecido e,
progressivamente aperfeiçoado pelos árabes, disseminou-se na Europa
medieval.
Em meados do século XV, a par do aumento da demanda, as condições
materiais abriram caminho
para a invenção da imprensa. Depois de
demoradas experiências para a criação de tipos móveis e de uma longa
pesquisa para a invenção de uma tinta indelével, os investimentos foram tão
altos que Guttemberg precisou de sócios na empreitada. Finalmente a prensa
ficou pronta e em dois anos, o inventor conseguiu produzir 180 bíblias, das
quais 30 no melhor pergaminho, o velino, o que exigiu o abate de cerca de
5000 animais. Tais números são fantásticos, pois, uma só bíblia manuscrita
consumia três anos. Curiosamente, não foi na
Alemanha que o sonho de
Lutero de difundir “o sacerdócio dos crentes” com uma bíblia em cada casa
prosperou mais rapidamente. Em meados do século XVI, enquanto na
Alemanha cerca apenas 4% das famílias conseguiram ter em casa sua própria
bíblia, na Holanda calvinista havia aproximadamente uma Bíblia para cada 25
falantes do holandês, correspondente à proporção de alfabetizados.
Seis
séculos
após
a
invenção
da
imprensa,
graças
a
sucessivos
aprimoramentos do computador, outra invenção mais radical, a tela como
suporte permite ler o que se busca, escrever o texto que se deseja e deletar o
que não convém. A história dos suportes da escrita se mescla, assim, à
invenção do livro em diferentes materialidades - o livro rolo, o volumen escrito
em papiro; o livro códice, escrito em pergaminho; o livro impresso em escala
industrial, e
mais
recentemente, o e-book. Essa quarta e mais radical
3
revolução provocou uma “verdadeira fratura” como definiu Chartier, no modelo
herdado da revolução industrial da imprensa. No último quartel do século XX,
um produtor de texto pode ser imediatamente o editor, no duplo sentido daquele que
dá forma definitiva ao texto e daquele que o difunde diante de um público de leitores:
graças à rede eletrônica a difusão é imediata. (1999; 16)
De certa forma, estamos assistindo a uma revanche da oralidade, ou a nova
cultura oral a que se refere Milton José de Almeida como a cultura da imagem
e do som. Se a oratória foi destronada do lugar ocupava na Grécia Antiga, se
os gêneros secundários1 se disseminaram graças à invenção da imprensa na
Idade moderna, nas últimas décadas os gêneros primários vêm se
reinventando aceleradamente. Pessoas de todas as idades conversam graças
a meios eletrônicos, digitam e comentam mensagens, criam linguagens e
fazem o uso que lhes apraz da escrita. Mais do que nunca cabe à escola rever
suas metodologias para ir ao encontro dessas epistemes2 ágeis, criativas e
múltiplas que estão mesclando oralidade e escrita em gêneros instáveis que se
superam rapidamente, ao contrário da cultura escolar em que a permanência
continua prevalecendo sobre a mudança.
Aventuras e desventuras rumo à autoria: reinvenção e apropriação da
escrita
O grande desafio continua sendo incluir, entre os herdeiros dos bens culturais,
aqueles que não nasceram no berço da cultura letrada, mas chegam
igualmente ao mundo com olhos acesos de curiosidade e programados para
aprender. Mesmo sem terem mamado, junto com o leite materno, histórias
contadas e lidas,
eles podem não só reinventar as várias experiências da
escrita que marcaram a trajetória humana, e assumir como protagonistas a
condição de leitores e autores.
O processo que as crianças vivem guarda semelhanças com o processo de
transformação das múltiplas contribuições na invenção da escrita. Elas não se
1
A discussão de gêneros primários e secundários foi desenvolvida por Bakhtin que pesquisou sua
gênese, enfatizando que, no processo de formação dos gêneros secundários, estes incorporam e
reelaboram diversos gêneros primários, que se formaram nas condições da comunicação discursiva
imediata. (Bakhtin, 2003)
2
Uso a palavra epistemes no plural para me referir a conjuntos de conhecimentos próprios da
atualidade, tempo em que proliferam grupos autônomos em criar seus próprios códigos e domínios.
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alfabetizam apenas no ano marcado para a chamada alfabetização. Muito
antes, ao virem ao mundo, elas receberam o banho da palavra falada. Tendo
sorte, antes de chegarem escola, encontram quem lhes
conte histórias de
memória ou lidas em livros. Umas e outras, se bem contadas, alimentam-lhes a
imaginação e aumentam um precioso repertório para futuras incursões rumo à
escrita que possa chamar de sua, rumo à autoria.
Não vou entrar na discussão se é melhor contar ou ler histórias. Andersen já
dizia que contar é parte da história e por isso se esmerava em contá-las com
recursos que polarizassem a atenção, em salões ávidos por escutá-lo. Talvez
para vencer uma timidez que lhe era peculiar, levava consigo papéis e uma
grande tesoura que suas mãos enormes manejavam com maestria, recortando
e criando figuras fantásticas, que fascinavam os olhos e preparavam a alma
para as histórias que iria contar. Com que atenção e encantamento Andersen
se fazia ouvir. Eis a grande questão: contar histórias com maestria é encantar,
é um abre-te Sésamo para as riquezas do imaginário e uma senha para uma
exitosa aventura no mundo dos escritos.
Acontece que nem sempre a escola fornece a senha. Antes pressupõe que a
criança possa responder positivamente à pergunta: trouxeste as chaves? para quem sabe entrar no reino encantado da palavra escrita. Para os bem
nascidos, as portas se abrem de par em par. Mas para os muitos deserdados
começam aí as primeiras desventuras. Alguns anteveem estranhezas e choram
na porta da escola para não entrar, outros adoecem para faltar à aula, ou são
ameaçados de ficar de castigo se não fizerem o dever. Por esses descaminhos
escolares, muitos se perdem na florestas dos signos negros e, não raro, para
esses a aventura da escrita se amesquinha na desventura da cópia. Resta-lhes
apenas um exercício mecânico sem apelo à
estética e à
criação, sem
novidade e encantamento. A cópia pela cópia a muitas crianças enfada, a
outras acorda meios de driblar a tarefa imposta. Há as que reclamam: “tia a
minha mão está “doeno” de tanto copiar”. Há as que pulam as questões do
dever para diminuir o trabalho, ou melhor, o “tripalium”.3
3
A palavra tripalium, referente a um instrumento de tortura, está na origem etimológica do verbo
trabalhar.
5
Enfim a escrita, confundida com a cópia perde a magia. Aquela criança que,
ansiosa, esperava a hora de ir para a escola aprender a ler é ensinada que a
escola é lugar de fazer dever. Os últimos ecos que nos chegaram de cuidados
artísticos com a escrita ainda se faziam presentes nos cadernos de caligrafia
da primeira metade do século passado. Aqueles velhos cadernos de caligrafia,
com páginas encimadas por um belo pensamento e letras caprichosamente
desenhadas, deram lugar a simplificação de letras bastão e cursiva que nem
trazem texto nem evocam o sentido da própria palavra: caligrafia – bela escrita.
Por fim, por um deslizamento de sentido, o ato de copiar vem se colando ao
conceito escrever. Eis que de tanto se verem submetidos ao exercício da cópia
sem a graça da arte, muitos estudantes acabam por entender que cópia e
escrita significam o mesmo: senão um castigo, um dever que se é obrigado a
fazer sob o controle do outro. A cópia castigo faz história em nossas escolas.
Resgatei folhas de um castigo do início do século XX em que se obrigava uma
criança a copiar duzentas vezes: “Quem conversa na aula erra a mãe”.
Suponho que a frase se referisse a algo como desonrar a educação materna.
Já o castigo que vivi, como aluna, registrava simplesmente uma interdição:
“Não devo conversar na aula”. E, infelizmente, em pleno século XXI, crianças
“nativas digitais” ainda são submetidas a castigos semelhantes.
Assim, os deslizamentos de sentido: escrita - cópia - castigo vêm ao longo do
tempo sendo associados ao aprender a escrever. Para exemplificar a força
desses efeitos, relato um caso singular, mas extremamente significativo que
nos foi trazido por um estudante do nosso curso de pós4 que lecionava em
turmas de EJA. Como é sabido, em meio a jovens e adultos há também idosos
que não desistem do direito que lhes foi negado de aprender a ler.
Uma dessas senhoras cobrava que o professor se mantivesse fiel à escola que
conhecera na infância, onde lhe ensinaram apenas a copiar. Todos os dias ela
interrompia as discussões com a mesma pergunta: “professor, o senhor não vai
passar lição no quadro pra gente copiar? Certo dia ela acrescentou à pergunta
costumeira um alerta: Professor, eu acho que vou sair da escola de novo. Eu gosto
daqui, mas o senhor não passa cópia, como é que eu vou aprender? Num desses
4
Trata-se do curso de pós-graduação Alfabetização dos Alunos das Classes Populares criado na década
de 1990 na UFF, por Regina Leite Garcia.
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rasgos em que a intuição toma a frente e ilumina a possibilidade de ver, o
professor lhe respondeu: A senhora quer copiar? Então por que não copia o que
está dentro de sua cabeça?5 Aos poucos ela foi entendendo que podia copiar os
pensamentos
que
povoavam
a
sua
mente
e
começou
a
fazê-lo
desajeitadamente como criança que está aprendendo a andar. Tropeçava em
palavras que não dominava, parava, perguntava como escrever o pedaço da
palavra que lhe faltava. E foi assim: aprendendo a escrever seus pensamentos,
ensaiando, rasurando e perguntando, que aquela senhora septuagenária
reinventou a escrita e pode sair do atoleiro que lhe impedia o avanço.
Essa aventura, que uma aluna septuagenária e seu jovem professor Fabiano
viveram, terminou lindamente com a descoberta da escrita como possibilidade
de dizer a sua palavra e narrar parte de sua história. Infelizmente, há milhares
de outros casos em que os estudantes chegam à universidade, pensando que
escrever uma monografia é fazer recorte e colagem, destituídos de autoria e
sem um mínimo de coerência e coesão.
Não faz muito tempo, matéria publicada pelo jornal O globo em 20 de outubro
de 2010 causou constrangimento no meio universitário, com a seguinte
manchete: Denúncia leva USP a identificar plágio em dissertação de mestrado.
Até os agradecimentos e a dedicatória foram plagiados, além da estrutura e
conteúdos do texto. O “autor” teve o título cassado e a resposta das instituições
acadêmicas não se fez esperar. Em julho de 2012 o mesmo jornal informou:
Faculdades se blindam contra plágio. A matéria mostra como as faculdades
do Estado do Rio, importando ou criando programas, reagiram diante deste
lamentável fato: “Copiar trechos de artigos publicados na web em tarefas de
faculdade virou hábito em tempos de internet”. Blindar, impedir e reprovar são
alguns dos verbos presentes nas falas dos professores.
Mas convém
perguntar também: Por que essas pessoas abrem mão da autoria? Por que,
diante da página em branco, tantos sentem quase um bloqueio e tão poucos
se sentem convidados ao verso? Ou ainda, se os alunos confundem copiar
com escrever, essa responsabilidade é apenas deles?
5
Recuperei de memória essa experiência, tão forte foi o efeito produzido pela narrativa de Fabiano
Soares da Silva, autor da monografia “Desafios e limites na construção do conhecimento na
alfabetização dos alunos das classes populares”.
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Ensinando e aprendendo a escrever um texto para chamar de seu
Deixo as perguntas em suspenso e passo à narrativa de uma experiência
docente. Enfrentei o desafio de orientar uma jovem que me trazia uns escritos
sem pé nem cabeça, impossíveis de aprimorar, pois sequer eram textos, mas
um feixe mal amarrado de palavras. Depois de lhe perguntar insistentemente o
que desejava dizer e obter respostas evasivas que, não raro, terminavam em
choro, resolvi lhe perguntar como construía aqueles parágrafos tão estranhos
que sequer eram uma cópia, por mais fragmentária que fosse. Ela me explicou
o seu “processo de produção”: Primeiro eu leio o texto todo, depois eu leio de novo,
e vou marcando o que eu acho mais importante; e depois eu pego o dicionário e troco
as palavras por sinônimos e reescrevo. Estava desfeito o “mistério”. Minha
orientanda criou uma lógica própria para não copiar o texto alheio e
pretensamente produzir o seu.
Nesse ponto chegamos (estou me incluindo propositalmente) ao que de pior a
escola pode fazer pelos seus alunos de classes populares: a pedagogia do
nem isso e nem aquilo. Nem a aluna aprendeu, ao longo de sua trajetória
escolar, a produzir um texto minimamente autoral, ainda que se tratasse de
uma paráfrase; nem conseguiu conservar o frescor da criação de metáforas
que podem socorrer quem
dispõe de um inventário ainda pequeno de
palavras, por não conviver intensamente com a escrita. Sem alcançar os
patamares da cultura letrada e sem preservar o melhor da tradição oral, tudo o
que restou à minha orientanda foi adaptar o fichamento, uma técnica de estudo
útil como tal, em arranjo desalinhavado de frases sem sentido, para construir
um pseudo texto.
Antes que alguém replique que as técnicas de fichamento sempre funcionaram
bem em sua trajetória acadêmica, acrescento uma informação que faz toda
diferença. Minha orientanda precisou lutar muito para prosseguir os estudos,
trabalhando de dia como empregada doméstica e estudando à noite. Era a
primeira pessoa de sua família a chegar à universidade, só lhe faltando
terminar a monografia para alcançar o sonhado diploma universitário. Como
sua orientadora, o que poderia fazer para ajudá-la, se lhe faltava a convivência
com os textos, sobretudo, os literários? Como saída possível, sugeri que ela
gravasse nossas falas, sobretudo, as delas quando me relatava as histórias
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orais que estava recuperando na comunidade em que vivia, ou quando
dialogava com autores para discutir
teoricamente as contribuições das
histórias orais. Vencida essa etapa, ela transcrevia as falas e depois
passávamos a um terceiro momento em que eu fazia junto com ela o copy desk
daquela escrita marcada pela sintaxe da oralidade.
Foi de longe a orientação mais trabalhosa e mais rica que fiz em nível de
graduação. Aprendi muito sobre outras lógicas, suas deduções a partir do
ensinado, suas possibilidades de superação e seus saltos de qualitativos. O
último texto levado à orientação
confirmou
minha crença em suas
possibilidades. Sua conclusão estava praticamente pronta, dentro de uma
sintaxe quase perfeita, não fosse o uso de uma ou outra vírgula fora do lugar.
Semanas depois, uma alegria ainda maior me esperava ao sair da Faculdade.
Era minha orientanda que vinha de longe gritando: “Edwiges, eu tirei dez, eu
tirei dez”. Dez na monografia avaliada pela exigente colega professora de
História. Era tanta a emoção naquele nosso abraço que transbordou em
lágrimas: as minhas e as dela.
Esse exemplo e outros tantos similares que vivi como professora nos três graus
de ensino confirmam na prática a proposta de Geraldi: para ensinar a escrever
o melhor caminho é partir do texto escrito pelo próprio aluno, em sua primeira
versão, para operações discursivas sobre o texto produzido, com expansão,
acréscimos,
substituições,
apagamentos,
etc.
Esse
processo
de
aperfeiçoamento em que é possível emendar a frase tantas vezes quantas
achar necessário foi enfatizado por escritores e produz efeitos estéticos
facilmente apreciáveis pelo próprio autor. Após a
monográfico, alguns de meus orientandos,
conclusão de
trabalho
chegavam a se admirar: Ficou
beleza, nem parece que fui eu que escrevi.
Fecho a cortina sobre essa experiência, mas continuo a discussão. Para mim e
para tantos escritores e autores, os atos de ler e escrever formam um binômio
indissociável. Quem lê bastante, costuma não sentir dificuldade para escrever.
Voltamos à velha questão de ordem política. As crianças que já nascem
pertencentes à cultura letrada costumam ser duplamente favorecidas, por um
lado dispõem de livros e de quem leia para eles, por outro as pessoas do
entorno fazem uso do coloquial culto já contaminado pela escrita. É gente que
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fala difícil, como observou um aluno meu, referindo-se a professores. Ao que
outra aluna fez eco: professora, por que a senhora tem tantas palavras e eu
vivo nessa penúria?
A conclusão me parece óbvia. Se os alunos não trazem o gosto pela leitura
formado em seu ambiente familiar, se usam apenas o coloquial popular, cabe à
escola e, sobretudo aos professores de língua portuguesa, o desafio de formar
leitores e poliglotas de sua própria língua. Nossos alunos não serão seduzidos
pelo ensino da gramática pura que pretensamente ensina a escrever, impondo
o fascismo da língua não pelo que proíbe, mas pelo que obriga a dizer. O
escape surge com o encantamento pela escrita, no que Barthes chama de
trapaça salutar, criando por dentro da língua uma revolução permanente, a que
ele chama de literatura.
Mas de pouco valerão os fragmentos de textos
presentes nos livros de português acompanhados de
exercícios de
interpretação que a rigor apenas reproduzem. A literatura, que seduz e
alimenta a reflexão e ensina a escrever, precisa de arejamento e liberdade.
Essa não seria a função dos livros de leitura extraclasse? Sim e não. O que
temos visto nas pesquisas é que só excepcionalmente isso acontece. De
repente, um aluno começa uma leitura por obrigação e termina esquecido da
tarefa e mergulhado no prazer da narrativa. O desafio da arte de ensinar é
favorecer a multiplicação desses encontros que marcam e propiciam casos de
amor não apenas com um livro, mas com vários livros do mesmo autor e de
outros autores. E isso passa longe do ler por obrigação, para fazer provas,
resumos e resenhas, sem nenhuma intimidade com o gênero. Seria o caso de
ler e compartilhar o que leu, comentando e discutindo por que indicaria o livro a
outros colegas.
Semeando possibilidades: um diálogo entre oralidade e escrita:
_ Professora, por que a gente tem de estudar essa tal de análise sintática?
_ Se vocês aprenderem o que estou ensinando, vão poder escrever muito
melhor.
_ Eu nunca penso nessas coisas quando estou escrevendo. A senhora
pensa?
Precisei de algum tempo para começar a extrair ensinamentos das falas com
que meus alunos sinalizavam a necessidade de mudança na prática.
Paralelamente, a contribuição de autores me encorajou a experimentar
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alternativas. Paulo Freire e Frank Smith me fizeram repensar escolhas para
ensinar crianças e jovens a escrever, apontando uma abordagem cultural e
dialógica como a mais promissora. Geraldi e Luft, desde a década de 80,
enfatizava a necessidade de deslocar o ensino da língua materna para práticas
de linguagem: leitura, produção textual e reflexão sobre recursos linguísticos.
Trata-se de superar a velha metalinguagem, com suas descrições e análises
dela decorrentes. Ensinam-se termos da oração nos últimos anos do ensino
fundamental, como nas séries iniciais se ensinam letras, “famílias silábicas” e
classificações de palavras quanto ao número de sílabas e à acentuação tônica.
Usam-se frases soltas para ensinar sinais de pontuação e o estudante segue
usando a vírgula, quando acha que precisa fazer uma pausa para respirar.
Insiste-se em aulas recheadas de regras de concordância e regência a alunos
que, por não conviverem intensamente com a arte de escrever, usam como
regra única a concordância com o termo mais próximo, mesmo que este seja
um adjunto no plural e o sujeito singular esteja posposto ao verbo. Fomos
ensinados a priorizar uma pseudo técnica, sem levar em conta a experiência e
a emoção que suscitam o que e a quem dizer, o como e para que dizer.
Alguém pode me contestar: é possível ensinar o contraponto antes do ponto?
Direi com Geraldi que não ter que ensinar não significa ter que esconder, e
que isso nos libera para o diálogo com o outro na chamada
aula
acontecimento. Direi que um e outro são aprendidos onde houver desejo e
curiosidade e necessidade. Às vezes, para suscitar o desejo de escrever, basta
que os alunos despertem para a força e a beleza da palavra falada ou escrita,
semeando possibilidades para ampliar o diálogo.
Acresce que na complexidade do cotidiano escolar ressoam outros cotidianos
que refratam e hibridizam diferentes culturas e linguagens, imagens e discursos
plurais, inclusive os mediáticos que se disseminam nas redes sociais, via face
book, whatsapp, hashtag e outras novidades que venham a surgir e não podem
ser ignoradas pela escola.
Como já antecipara Benjamin, vive-se uma cultura de excessos: de informação
e opinião, de trabalho e de aceleração, de tecnologias e tecnocomunicação, de
conexão
de todo tipo em qualquer hora e lugar. No entanto, é preciso
reconhecer com Benjamim que estamos carentes de experiências para contar.
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Experiências que nos falem e nos provoquem ensejos de falar. Experiências
alternativas que levem a produções textuais, tão desescolarizadas quanto
possível. Experiências acionadas por livros, filmes, notícias e - por que não?
contação de histórias.
Poderia me remeter a muitas experiências vividas com alunos de 1º Grau a
começar de uma visita à redação do Jornal O Fluminense que ensejou a
criação de jornais; ou resgatar festivais de poesias, de paródias e de música
em que os estudantes, convivendo com obras de escritores, poetas e
compositores, descobriram que a poesia nos habita como um pássaro
engaiolado, sôfrego por encontrar formas de expressão. Mas preferi eleger
uma experiência bem mais recente que aconteceu na UFF: um encontro em
que o convidado, Francisco Gregório, ia abrir uma conversa com professoras a
partir do tema “Da oralidade à escrita.”
Logo ao chegar, com a sua suavidade costumeira, Francisco Gregório me fez
uma pergunta: - Você veria inconveniente em transformar esse título em uma
pergunta? Foi o quanto bastou para que eu compreendesse o quão linear era o
título anterior em face dos questionamentos que o sinal de interrogação abria.
Feitas as apresentações de praxe, Gregório foi até o quadro e escreveu o tema
do encontro com o sinal de interrogação.
Sua conversa era daquelas em que palavras, gestos e olhares criam um fluxo
de energia contagiante. A palavra do narrador, brotando de histórias e
experiências suas somadas a um toque de filosofia convidava a algo mais que
fruição. Em sintonia com outras intimidades, ia criando fios de respondibilidade
que tornavam especial aquele momento vivido. Gregório não viera ensinar,
mas compartilhar.
Terminada aquela conversa que deixara em suspenso o tempo cronológico, os
comentários se derramaram pelos corredores. Como havia muito a dizer no
visível encantamento da turma, sugeri que aquele encontro fosse revisitado,
como uma experiência refletida do que o fizera tão singular para cada pessoa
que o viveu. O diálogo escrito se abriu a uma nova experiência autoral e
polifônica. Na impossibilidade de trazer todos os textos, opto pela concisão
emocionada do texto de Monique que, sensibilizada pela acolhida do narrador,
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viu-se instigada à reflexão e ao autoconhecimento que transparecem em seu
texto.
Um senhor de barbas brancas
Passos apressados pelo corredor. Coração que bate, sentindo medo do inesperado – o
atraso.
Abro a porta e vejo de imediato um senhor de barba branca que, num gesto simples, me
ofereceu uma cadeira para sentar.
Um gesto tão simples, escondido por um sorriso tão sereno mas que se fez tão
necessário para que me sentisse acolhida. O ser humano necessita se sentir bem
vindo... E como eu precisava.
Lembranças de um passado que não tive me mostravam o quanto preciso buscar o
crescimento pessoal com mais intensidade.
Quero poder estar com um filho e me sentir ‘importante’ para ele...
Quero estar em família e contribuir, quem sabe com um conto, para um dia melhor
Quero olhar para o meu aluno e enxergar nele a vida que desejo também para mim
mesma...
Quero acordar bem cedo, sentir o vento no meu rosto e agradecer ao Criador por todas
as maravilhas que partilho diariamente...
O tempo passou sem que me esse conta.
Com entusiasmo saio dali com um olhar de estranhamento, repleto de emoção: teria
redescoberto a esperança?
Caminho novamente... não mais tão apressada... Passos firmes, sorriso nos lábios.
Retorno para mim mesma e percebo o quanto posso crescer ainda mais!
E pensar que tudo começou com aquele senhor de barba branca.
O texto de Monique dialoga com o de Andrea que sublinha o modo de ser do
palestrante, chamando-o de doador. Quem recebeu um inesperado presente,
redescobre o prazer de doar. Ser para o outro, ser com o outro, práticas pouco
valorizadas num mundo onde ser para si é a expressão de um individualismo
exacerbado. Carecemos do nutriente afetivo, da troca de experiências que
energiza, como este fragmento do texto de Andrea destaca:
É raro nos dias atuais que as pessoas se exponham dessa maneira, tão pura,
sincera diante de outras pessoas que nunca viu, ou se já viu não é ainda tão íntimo.
O palestrante da noite de hoje pode receber outro nome: doador. Doador de
carinho e sabedoria, de simplicidade e cumplicidade aos que o assistiam.
As histórias contadas por Gregório me fizeram repensar na relação humana, hoje
tão desgastada, tão fria, na maioria das vezes estritamente profissional...
Tudo o que vivi hoje me fez refletir na questão do esquecimento, esquecimento de
sermos seres humanos, constituídos não só de razão mas, sobretudo, de emoção.
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Esquecimento e memória se entreteciam a partir de imagens que evocaram
fragmentos adormecidos em meio ao estoque de lembranças empoeiradas.
Nas palavras de Adriana: a leveza com que fluiu a conversa nos deixou com a
sensação de que no decorrer de nossas vida acabamos deixando para trás alguns
momentos de nossa história pessoal sem nos dar conta de sua tamanha importância e
riqueza. Sem o saber, Adriana fazia ressoar a denúncia de Benjamin. É como se
nos tivessem tirado um poder que parecia inato, a mais segura de todas as coisas
segura, a capacidade de trocarmos por palavras as experiências vividas. Daniela, por
sua vez, complementa: a sensibilidade é algo que precisamos verdadeiramente
resgatar:
Aquele velhinho nos fez a todas crianças novamente; consequentemente
nos tornou mais sensíveis e, dessa forma, vimos tudo com mais sentido.
Assim, sensível, percebi que a escrita e a oralidade se complementam. Ele
nos falou ao sensível e nos convidou a refletir. Na oralidade construiu uma
ponte com os textos e com a vida.
Gregório foi capaz de potencializar capacidades sensoriais e imaginativas,
reflexivas e fabuladoras. Os contos reavivaram algo do sagrado, reativando
memórias e convidando a criança que vive em nós, adultos, a se reencantar.
Nesse sentido Kesia chegou a seguinte conclusão: O nosso convidado reviveu a
chama da ficção e da esperança, da alegria, do amor e da vivência, enfim, da magia
presente na vida e que um dia adormeceu em mim. O texto de Gloria dialoga com
aquela aula acontecimento quando afirma que uma história vira História quando a
buscamos dentro de nós e a colocamos para fora. E são as nossas histórias de vida que
trazemos conosco, que podemos aprender a contar, expressar, enfim deixá-las nascer e
nascer sem medo! Sua colega Carolina percebeu a diferença entre as grandes
narrativas e uma narrativa outra que o narrador retira de si, de sua experiência
tal como a aranha tece os fios de sua teia com a substância que extrai de si
mesma:
O problema é que estamos tão desacostumadas a ouvir com o coração, se
posso dizer assim, que confesso ter ficado surpresa no início da conversa.
Mas aos poucos fui deixando de lado a constante ansiedade de querer
escutar algo que me levasse a pegar caneta e papel para fazer várias
anotações e registrar informações (...) E então me permiti ouvir com o
coração.
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Gregório narrava fazendo do corpo e da voz instrumentos para dar vida às
histórias que instigavam a repensar relações humanas. Ouvindo-o com o
coração, a escuta sensível se abriu também a questionamentos, como o de
Beatriz Ângela: Por que estamos deixando de contar histórias? Sabemos que elas
entretêm crianças, jovens e velhos, e apareceram, surgiram muito antes da escrita e da
leitura. Temos todas as ferramentas em nossas mãos e continuamos a nos perguntar:
como alfabetizar?
Nesse ponto retomamos a observação primeira no sentido de colocar um ponto
de interrogação no tema da conversa: Da oralidade à escrita? Quem sabe
desconstruindo um rito de passagem que a tantos tolhe ao avanço, em favor de
fontes que se realimentam, recuperando o fluxo entre oralidade e escrita,
emoção e razão. Quem sabe assim, poderá ser superado o estranhamento de
tantas crianças das classes populares diante da escrita. Crianças que,
vencidas pelo fracasso escolar, sentem-se estrangeiras diante da modalidade
escrita de sua própria língua. E seguem, envergonhadas, pedindo licença para
se abeirar da escrita, tendo seus erros apontados a cada tentativa de
aproximação como transparece no texto de Daniela que nos traz dores antigas
e revividas:
Tenho passado por uma experiência que, vista do lado de fora, é muito
interessante, mas que para mim vem sendo aterradora junto aos alunos de
uma turma de alfabetização. Também para mim o processo de alfabetização
não aconteceu de forma prazerosa. Pelo contrário: foi um parto a fórceps.
Sofro vendo que para alguns de meus alunos esse processo se repete, da
mesma maneira.
Agora, refletindo pude compreender que esse processo não precisa ser
doloroso, mecânico, estanque. O que esse encontro com Gregório me fez
ver é que a aprendizagem da escrita pode ser um processo que se inicia de
maneira prazerosa. O que eu e meus alunos precisamos descobrir é como ir
e vir nesta ponte, sem sofrimentos, aproveitando a paisagem.
Essa aula acontecimento, dialogicamente tecida a partir de uma conversa com
Francisco Gregório levou uma turma inteira a experimentar a possibilidade de
escrever sem sofrimento, com verdade e poesia.
Resgatando a autoria a partir da convivência com a leitura literária
Volto a insistir na escrita com sentido em que a autoria é construída desde que
se tenha o que e a quem escrever, para que e como dizer. Nesse sentido,
a
intimidade com a leitura literária é primordial. Vivi muitas experiências que
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demonstraram o quanto a leitura pode fazer diferença na vida dos estudantes
de classes populares. Mas quero destacar uma experiência mais radical que
qualquer outra que eu tenha vivido.
Trata-se de um projeto realizado nas aulas de Língua Portuguesa do 2º ano do
curso científico, no então prestigiado Liceu Nilo Peçanha que mudou
radicalmente o ensino da disciplina. Em vez da metalinguagem própria das
aulas de gramática, a professora Luzia de Maria fez do seu projeto Clube do
Livro o cerne das aulas de língua materna. Estava-se no final da década de
1980 e, coincidentemente, já se faziam ouvir, com Luft e Geraldi, as primeiras
vozes contra o ensino calcado na metalinguagem. Quase vinte anos depois,
escritora de vários livros e convidada do Programa do Jô exibido dia 20 de
dezembro de 2005, Luzia de Maria recordou essa experiência exitosa. A
repercussão junto a seus ex-alunos
fomentou reencontros e produção de
textos, resgatando a memória do vivido. A força dessa experiência foi tal que
inspirou Luzia de Maria a escrever O Clube do livro, ser leitor que diferença faz,
livro premiado na categoria ensaio pelo Pen Clube do Brasil, edição de 2011.
Essa corajosa experiência de mudança me remeteu à década de 1930 quando
uma professora do interior
de Minas, Maria Guiomar,
criou um Clube de
Leitura, cujo acervo era alimentado por doações e venda de jornaizinhos
produzidos pelos alunos. Tive notícia de suas práticas através de um caderno
de registros que a família conservou juntamente com exemplares dos
jornaizinhos que circularam na pequena cidade6. A prática pedagógica de
Maria Guiomar, embasada no movimento escolanovista,
era coerente com
marcas de um tempo em que o Brasil queria superar o atraso, apostando na
“escola redentora”. Naquelas primeiras décadas do Brasil República, a leitura
contava com o suporte do poder público. Basta dizer que, em 1921, Monteiro
Lobato publicou uma edição de 50.000 exemplares de seu A menina do narizinho
arrebitado, adotado como livro de leitura pelo governo de São Paulo.
Penso - seria miragem? - que há um contexto até certo ponto
favorável à
disseminação da leitura e da escrita. No momento em que crianças, jovens e
6
Discuti essa experiência, na verdade uma herança deixada por minha mãe, em minha tese de
doutorado Ser, saber e poder: buscas e reflexões de uma educadora aprendiz. UFF, 1999.
Posteriormente escrevi um artigo sobre esse caderno de registros publicado em 2003.
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idosos digitam tanto, é chegada a hora de um amplo movimento em favor da
leitura na escola, alimentando a imaginação e a reflexão, a humanização e o
resgate das experiências, os comentários e as produções textuais. Penso que,
por dentro do flagelo linguístico, que massifica, banaliza e esvazia a força do
uso da palavra, já denunciado por Ítalo Calvino,
talvez a escola possa
resgatar o poder da palavra, beneficiando-se do melhor da internet: o acesso a
livros de domínio público, a filmes e outras produções culturais, contribuindo
para uma educação emancipatória defendida por Freire. Penso, enfim, que o
estreitamento do diálogo escola-mundo digital possa abrir
as aulas de
Português à leitura da palavramundo, transformando aquele espaço em
oficinas de cuidadosas produções textuais que alimentem sites e fortaleçam a
utopia de que todos poderão dizer a sua palavra, tornando-se senhores de sua
linguagem, como sinalizou Luft.
Bibliografia
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2007.
CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo:ompanhia das
Letras, 1990.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: de leitor a navegador. São Paulo: UNESPImprensa Oficial do Estado, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, São Paulo: Paz e Terra, 2003.
GERALDI, Joao Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo, Ática, 2002
LARROSA, Jorge B. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista
Brasileira de Educação nº 19, 2002.
LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade: por uma nova concepção de língua materna.
Porto Alegre, L&PM, 1985.
LYONS, Martyn. Livro: uma história viva. São Paulo: Ed. SENAC SP, 2011.
MARIA, Luzia de. Clube do Livro: ser leitor que diferença faz? São Paulo: Globo, 2009.
ZALI, Anne e BERTHIER d’Annie. L’ aventure des écritures: naissances. Paris:
Bibliothéque Nationale de France, 1997.
ZACCUR, Edwiges. Caderno de registros: uma prática pesquisadora. In: Ana Chrystina
Venâncio Mignot; Maria Teresa Santos Cunha. (Org.). Práticas de memória docente.
São Paulo: Cortez, 2003, p. 34-59.
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