Intervenção de terceiros na Arbitragem
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Intervenção de terceiros na Arbitragem
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NA ARBITRAGEM Lino Diamvutu Docente de TGDC da Universidade Óscar Ribas 1. INTRODUÇÃO A arbitragem como meio alternativo de resolução extrajudicial de litígios vem conquistando o seu espaço no quadro normativo vigente. Para além dos diplomas legais mais conhecidos que versam sobre a matéria, designadamente a Lei n.º 16/03 de 25 de Julho sobre a Arbitragem Voluntária1 (LAV), o Decreto n.º 4/06 de 27 de Fevereiro sobre o Regime de outorga das autorizações administrativas para a criação de Centros de Arbitragem2 e a Resolução n.º 34/06 de 15 de Maio que reafirma o engajamento do Governo na Arbitragem como meio de solução de litígios sobre os direitos disponíveis3, é de referir, igualmente, algumas disposições pertinentes do Código de Processo Civil (CPC), v.g. o artigo 290.º, prescrevendo apertis verbis que as partes numa instância judicial podem “em qualquer estado da causa acordar em que a decisão de toda ou parte dela seja cometida a um ou mais árbitros da sua escolha”. Em concreto, a possibilidade do recurso à arbitragem como meio de solucionar contendas sobre direitos disponíveis, entre particulares ou entre particulares e entes públicos, só se tornaria inviável caso existisse uma sentença judicial sobre a matéria que, por natureza, seria arbitrável. Antes disso, o legislador reconhece às partes litigantes o direito de dispor do processo judicial, podendo livremente estipular uma convenção de arbitragem e pôr termo, desse modo, ao processo pendente. Ao verificarse essa vontade das partes, é lavrado no processo o termo de compromisso, que é válido em atenção ao seu objecto e à qualidade das partes, que são remetidas para o Tribunal arbitral. A arbitragem geralmente referida pela doutrina como justiça privada tem a sua fonte na convenção de arbitragem (cláusula compromissória e compromisso arbitral), entre as partes interessadas. Pode, no entanto, acontecer que (i) o litígio entre duas partes ameace directa ou reflexamente os interesses de terceiros, ou (ii) a cláusula compromissória se encontre inserta num contrato cedido a terceiro ou com alguns elementos – crédito que resulte do contrato – transmitidos a terceiro (cessionário ou sub-rogado). Na primeira hipótese, como equacionar a problemática da intervenção de terceiros na instância arbitral, uma vez que estes não são partes na convenção que instituiu a arbitragem? Terá o árbitro poderes coactivos para ordenar a integração do terceiro no contraditório? E se o árbitro entender indispensável a presença do terceiro para a validade do processo e da sentença arbitral, poderá obrigá-lo a intervir? Na segunda hipótese, questiona-se a legitimidade do terceiro de invocar ou ser-lhe oponível a 1 DR I.ª Série – N.º 58 DR I.ª Série – N.º 36 3 DR I.ª Série – N.º 59 2 cláusula compromissória que não convencionou. É dessa problemática que nos ocuparemos a seguir. 2. NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM A arbitragem funda-se na convenção arbitral. É abundante a doutrina e a jurisprudência que consagra o fundamento contratual da arbitragem e a relatividade dos seus efeitos.4 /5 Quando se afirma que os contratos têm, em regra, uma eficácia relativa, entende-se que os seus efeitos apenas se produzem relativamente aos sujeitos que neles intervieram, não podendo criar obrigações, nem beneficiar a terceiros. Transposto à arbitragem, o princípio originou duas correntes doutrinais. A primeira, defendida por PASCAL ANCEL, considera que a eficácia relativa da convenção arbitral tem um significado próprio. A mesma significa tão-somente que os terceiros não podem ser forçados a participar num processo arbitral, nem se pode impor às partes a presença destes. Contudo, sustenta que os terceiros não podem desconhecer o caso julgado de sentenças arbitrais. Por conseguinte, podem ser-lhes oponíveis os efeitos da sentença decorrente da aplicação de uma cláusula compromissória. Por exemplo, o fiador pode considerar-se desobrigado por força da sentença que declarou extinta a dívida do devedor.6 A segunda, sustentada por DANIEL COHEN, JEAN ROBERT, MATTHIEU BOISSÉSSON e CARREIRA ALVIM, confirma o princípio de que a eficácia relativa impede a intervenção voluntária ou forçada de terceiros no processo arbitral, sem o consentimento das partes, concluindo que a sentença arbitral é inopposable a terceiros. A sentença arbitral não pode produzir efeitos à l’égard des tiers.7 Parece-nos mais acertada a posição de PASCAL ANCEL. Correcta, ainda, a sua opinão, ao referir que: “L’origine contractuelle de l’arbitrage se fait davantage sentir lorsqu’on envisage les effets de la convention d’arbitrage à l’égard des tiers, l’extention de la procédure arbitrale aux tiers étant largement tributaire du principe de l’effet relatif des contrats… »8 Se a arbitragem tem uma origem contratual, seria erróneo considerar a sentença arbitral como sendo um negócio privado, de igual natureza contratual. Não há dúvidas que a sentença proferida por árbitros tem carácter jurisdicional por vontade expressa do 4 Vide PINHEIRO, Luís de Lima, Arbitragem Transnacional, Almedina, 2005, p. 187 O fundamento contratual da arbitragem revela-se ainda quando a sentença arbitral é anulada por um dos motivos previstos pelo art. 34.º da LAV. Neste caso, os árbitros podem retomar o julgamento da causa. Mas, as partes devem celebrar nova convenção porque a primeira esgota-se aquando da pronúncia da sentença. 6 ANCEL, Pascal, Les Effets des Conventions d’arbitrage, in Guide pratique de l’arbitrage et de la médiation commerciale, Editions du Juris-classeur, 2004, pp. 32 - 33 7 DANIEL, Daniel, Arbitrage et société, Paris, LDGJ, 1993, n.º 604, p. 317 ; ROBERT, Jean, Projet d’une clause compromissoire ouverte en matière d’operations multiples, cit. por Pierre Bellet, Revue de l’Arbitrage, 1981, n.º 1, p. 56.; BOISSÉSSON, Matthieu, Le droit français de l’arbitrage, Paris: GLN éditions, 1990, pp. 245 –246 ; Vide JÚNIOR, Humberto Theodoro, Arbitragem e Terceiros – Litisconsórcio fora do Pacto Arbitral – Outras intervenções de terceiros, in Reflexões sobre Arbitragem, Editora São Paulo LTR, 2002, pp. 245 e ss. ; ALVIM, J.E.Carreira, Intervenção de Terceiros na Arbitragem, in Reflexões sobre Arbitragem, São Paulo Editora LTR, 2002, p. 262. 8 ANCEL, Pascal, op. cit., p. 29. 5 2 legislador. No Direito angolano, o artigo 33.º da LAV determina que “ a decisão arbitral produz entre as partes os mesmos efeitos das sentenças judiciais e, sendo condenatória, tem força executiva”.(9)(10) O mesmo é dizer que a sentença arbitral produz entre as partes os efeitos de caso julgado e de força executiva. Embora juiz e, portanto, detentor de jurisdição, o árbitro não é um juiz estadual, nem é juiz permanente e com poderes jurisdicionais amplos como os magistrados do aparelho judiciário. A prova mais evidente da limitação imposta ao árbitro está na falta de poder para fazer executar as suas próprias sentenças. Só ao juiz estadual compete desencadear os mecanismos da execução forçada.(11) Essa ideia transparece no artigo 37.º da LAV ao afirmar que as partes devem executar a decisão arbitral nos precisos termos determinados pelo Tribunal Arbitral, e findo o prazo fixado pelo Tribunal Arbitral para o cumprimento voluntário da sentença ou na falta dessa fixação, no prazo de trinta dias após a notificação da sentença, pode a parte interessada requerer a sua execução forçada perante o Tribunal Provincial, nos termos da Lei do Processo Civil, no caso de a mesma não ter sido cumprida. A esta primeira limitação ao poder jurisdicional do árbitro, acresce o facto de que as medidas provisórias ou cautelares (arresto, prestação de garantias...) – visando prevenir situações de periculum in mora(12) ou proteger mera probabilidade da existência do direito invocado – também ficam, em larga medida, dependente da intervenção do juiz estadual. Se é verdade que o Juiz arbitral pode, a pedido de qualquer das partes, ordenar a tomada de medidas provisórias, as medidas de coacção são da competência do Juiz estadual. Daí resulta que o facto de as partes terem subscrito uma convenção de arbitragem, não lhes impeça de recorrer aos tribunais comuns para obter o decretamento de providências cautelares. Conclui-se, por conseguinte, que o árbitro tem jurisdictio, mas não tem imperium (poderes soberanos). Enquanto o juiz estadual tem a jurisdictio e o imperium, o árbitro só conta com a jurisdictio: a faculdade de jus dicere, i.é. dizer o Direito.(13) Para PHILIPPE FOUCHARD, o árbitro não participa, a nenhum título, da função pública ou 9 JÚNIOR, Humberto Theodoro, Arbitragem e Terceiros – Litisconsórcio fora do Pacto Arbitral – Outras intervenções de terceiros, in Reflexões sobre Arbitragem, Editora São Paulo LTR, 2002, pp. 245 e ss. 10 Vide também: SURVILLE, M., Jurisprudence française en matière de droit international, in Revue critique de législation et de jurisprudence 29, pp. 148 e ss. ; FOUCHARD, Philippe, L’arbitrage commercial international, Paris, 1965, pp. 366 e ss. ; PINHEIRO, Luís de Lima, Arbitragem Transnacional, Almedina, 2005, pp. 183 e ss. 11 CLAY, Thomas, L’arbitre, Paris, Dalloz, 2001, pp.36 et 8004 cit. por JÚNIOR, Humberto Theodoro, op.cit., p. 245 « Étant un juge désigné par contrat, l’arbitre est soumis à un régime juridique qui repose sur une double source : la source jurisdictionnelle de sa mission constitutive de son statut de juge, et la source contractuelle de son investiture qui fonde la relation nouée avec ceux dont il va trancher le litige ». 12 É o prejuízo acrescido que a demora na satisfação judicial acarreta para o titular do interesse protegido. O credor, que assista à intencional alienação do património pelo devedor, pode instaurar um arresto (uma apreensão provisória, ainda que efectiva e material) desse património, de modo a que os bens que o constituam fiquem à ordem do tribunal até que a acção (definitiva) de condenação termine a sua marcha. Essa decisão provisória vai manter-se até que na acção principal seja definido o direito e composto o litígio. Vide PIMENTA, António Montalvão Machado Paulo, O Novo Processo Civil, Teixeira e Sousa, Sociedade Editora, Lda, 1997, pp. 338 e ss. 13 ROBERT, Jean, L’arbitrage, droit interne, droit international privé, 6ème éd., Paris, Dalloz, 1993, n.º 201, p. 170 ; JARROSSON, Charles, La notion d’arbitrage, Paris, LGDJ, 1987, n.º 183, p. 104 ; JÚNIOR, Humberto Theodoro, Arbitragem e Terceiros – Litisconsórcio fora do Pacto Arbitral – Outras intervenções de terceiros, in Reflexões sobre Arbitragem, Editora São Paulo LTR, 2002, pp. 245. 3 jurisdicional do Estado em cujo território tem sede e realiza o seu “mandato” por força de um contrato privado; ao mesmo tempo, porém, o árbitro “desempenha um papel jurisdicional tanto no decurso do processo como no momento de dizer o Direito”.14 Para CHARLES JARROSSON: “...l’arbitre dit le droit, il a la jurisdictio”.15 O Tribunal da Relação de Lisboa considera que a arbitragem voluntária, na medida em que resulta da convergência da vontade das partes, é contratual na sua origem e, ainda, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado.16 Se o árbitro só tem jurisdictio, que se baseia no exercício da autonomia da vontade das partes na convenção arbitral, coloca-se a questão do fundamento da intervenção de terceiros na arbitragem, que pode ter por consequências: (i) a ampliação objectiva e subjectiva da convenção da arbitragem e (ii) a extensão subjectiva dos efeitos da sentença, na medida em que alarga a discussão sobre a relação jurídica material deduzida no processo (res in iudicum deducta)17. 3. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NA INSTÂNCIA ARBITRAL POR VIA INCIDENTAL A intervenção18 de terceiros é a modalidade de ingresso de um terceiro num processo entre outras partes, cujo propósito é extrair dele uma utilidade adicional, provocando a extensão subjectiva dos efeitos da sentença19. A intervenção de terceiros constitui uma excepção ao princípio da estabilidade da instância, segundo o qual, citado o réu, aquela (a instância) deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir. No Código de Processo Civil, encontram-se tipificados seis incidentes20conducentes à intervenção de terceiros na lide, a saber: (i) a nomeação à acção, (ii) o chamamento à autoria, (iii) o chamamento à demanda, (iv) a assistência, (v) a oposição e (vi) a intervenção principal. Na verdade, alguns destes incidentes processuais determinam situações de litisconsórcio voluntário subsequente21, susceptíveis de se verificarem quer do lado activo, passivo ou misto da relação processual. É o que acontece no chamamento à demanda e na intervenção principal. Outros, embora implicando uma pluralidade subsequente das partes no pleito, não implicam litisconsórcio porquanto se trata de uma pluralidade por subordinação e não de uma pluralidade das partes que sejam principais. É o caso do chamamento à autoria e da assistência. Vejamos, agora, a questão da intervenção de terceiros na arbitragem, nos casos de chamamento à autoria, assistência, oposição e de litisconsórcio necessário, sendo certo 14 FOUCHARD, Philippe, L’arbitrage commercial international, Paris, 1965, pp. 366 e ss. ; PINHEIRO, Luís de Lima, Arbitragem Transnacional, Almedina, 2005, pp. 183 e ss. 15 JARROSSON, Charles, La notion d’arbitrage, Paris, LGDJ, 1987, n.º 175, p. 101. 16 Acórdão de 15-05-2007 www.dgsi.pt 17 ALVIM, J.E.Carreira, Intervenção de Terceiros na Arbitragem, in Reflexões sobre Arbitragem, São Paulo Editora LTR, 2002, p. 263. 18 Do latim interventio, de intervenire que tem o significado de assistir, intrometer-se, ingerir-se. 19 ALVIM, J.E. Carreira, Intervenção de Terceiros na Arbitragem, in Reflexões sobre Arbitragem, São Paulo Editora LTR, 2002, p. 261. 20 Art.320.º a 359.º do CPC 21 Por oposição ao litisconsórcio voluntário inicial 4 que as soluções encontradas poderão ser aplicáveis, com as necessárias adaptações, às outras situações contempladas pelos artigos 320.º a 359.º do CPC. a) Chamamento à autoria O incidente de chamamento à autoria tem como única finalidade estender ao chamado o efeito de caso julgado a obter com a decisão a proferir na acção, em particular se ela for condenatória. O que se pretende é evitar que na acção de regresso que, eventualmente, venha a ser posteriormente instaurada, a parte demandada possa questionar o resultado da acção anterior, onde foi proferida a condenação que serve de base à acção de regresso. Daí a conveniência – não o dever – de chamar o terceiro a intervir como auxiliar na defesa22. Tal incidente não interfere com a delimitação do objecto da acção, mantendo-se inalteradas as questões submetidas à apreciação do tribunal, sendo o chamado admitido a discuti-las, na medida em que nisso possa ter interesse, sendo-lhe estendido, a final, o efeito de caso julgado a formar com a decisão que vier a recair sobre o objecto da acção.23 O chamado não é parte principal, mas tão somente auxiliar na defesa. Na prática, há duas situações bem conhecidas em que é levado a efeito o incidente de chamamento à autoria: (i) (ii) Nas acções declarativas de condenação no âmbito dos contratos de empreitada, envolvendo o dono da obra (autor) e o empreiteiro (réu), quando este, por sua vez, contratou um sub-empreiteiro, responsável pelo incumprimento apontado àquele (empreiteiro). Nas acções declarativas de condenação contra a Seguradora de responsabilidade civil que, ao abrigo da apólice de seguro, assumiu a obrigação de pagar as indemnizações que, eventualmente, possam ser exigidas ao seu segurado por terceiros lesados. Perante a vontade expressa de uma das partes (ré) de chamar à autoria um terceiro à convenção de arbitragem, que soluções devem ser encontradas? A doutrina, de forma unânime, defende o descabimento da intervenção forçada do terceiro responsável pela garantia do direito de um dos litigantes. Na doutrina francesa, JEAN ROBERT afirma que “l’arbitrage ne pourra permettre l’intervention, ni volontaire, ni forcée, de même que l’appel en garantie”.24/25 22 Vide também PIMENTA, António Montalvão Machado Paulo, op.cit. p. 329. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08-03-2007 www.dgsi.pt 24 ROBERT, Jean, Projet d’une clause compromissoire ouverte en matière d’operations multiples, cit. por Pierre Bellet, Revue de l’Arbitrage, 1981, n.º 1, p. 56. Vide JÚNIOR, Humberto Theodoro, Arbitragem e Terceiros – Litisconsórcio fora do Pacto Arbitral – Outras intervenções de terceiros, in Reflexões sobre Arbitragem, Editora São Paulo LTR, 2002, pp. 255 e ss. 25 ANCEL, Pascal, Les Effets des Conventions d’arbitrage, in Guide pratique de l’arbitrage et de la médiation commerciale, Editions du Juris-classeur, 2004, p. 32. « Mais il est maintenant bien acquis que les tiers ne peuvent méconnaître les effets que le contrat produit entre les parties, et qu’ils peuvent s’en prévaloir. 23 5 A Plenária da Corte de Cassação francesa, num célebre aresto de 12 de Julho de 1991 (Besse) decidiu que le maître de l’ouvrage a, contre le sous-traitant, une action délictuelle, et que, en conséquence, il ne peut se voir appliquer une clause compromissoire éventuellement contenue dans le contrat de sous-traitance, pas plus qu’il ne peut s’en prévaloir. Pas davantage ne serait applicable dans ces rapports une clause contenue dans le contrat entre le maître de l’ouvrage et l’entrepreur ».26 No direito italiano, ELIO FAZZALARI sustenta que “a chamada em garantia” (appel en garantie) atrita com o princípio segundo o qual ninguém pode, contra a sua vontade, ser privado do juiz natural, pré-constituído para a generalidade, portanto o estadual. Consequentemente, não é dado às partes coagir um terceiro a intervir, nem ao árbitro cabe expedir uma ordem obrigando-o a intervir, nem tão pouco ao terceiro se permite realizar uma intervenção contra a vontade das partes, para fazer valer as suas próprias razões num processo em que não é parte.27 Nos direitos brasileiro e português, o entendimento não é diverso: somente se deve admitir a intervenção de terceiro, havendo consenso entre todos os interessados. Mas, o que é que se deve entender por todos os interessados? É tão somente o consenso das partes à convenção de arbitragem ou de todas as partes na relação processual: o autor, o réu e o árbitro? Para CARREIRA ALVIM, a jurisdictio do árbitro confere-lhe o poder de decidir, como qualquer juiz togado sobre o pedido de integração do contraditório pelo terceiro. Se é ou não caso de intervenção, é algo a decidir, em face do caso concreto. Afinal, o árbitro é nomeado e aceita resolver um litígio, numa determinada extensão, não podendo ser constrangido a resolver um litígio objectiva e subjectivamente mais extenso. No caso concreto da chamada em garantia, distingue as seguintes situações: (i) As partes aceitam que o terceiro seja chamado em garantia e o mesmo recusa-se a intervir na arbitragem como garante da parte que o chamou, pelas condenações que lhe poderiam ser impostas pelos árbitros. Nesta circunstância, a arbitragem prosseguirá sem o terceiro, não sendo possível ao árbitro obrigar-lhe a integrar o contraditório. A nosso ver, o terceiro não poderá, pura e simplesmente, ignorar o efeito de caso julgado da decisão arbitral. L’obligation, pour les tiers, de respecter les clauses de non-concurrence stipulées en dehors d’eux où, à l’inverse, la possibilité, pour un tiers, d’obtenir réparation du dommage que lui cause l’inexécution de la convention, sont des applications classiques de cette idée. En matière d’arbitrage cela implique surtout que les tiers peuvent se voir imposer les conséquences de la sentence rendue en application d’une clause compromissoire ou, à l’inverse qu’ils peuvent s’en prévaloir. Ainsi, si une sentence arbitrale a condamné un débiteur envers son créancier, la caution, débiteur accessoire, ne pourra pas méconnaître la chose jugée par les arbitres au motif qu’elle n’a pas signé la clause compromissoire. Et de même, en sens inverse, la caution pourrait se prétendre libérée par l’effet de la sentence ayant considéré que la dette était éteinte. » 26 Cass. Ass. Plén. , 12 juill. 1991, Besse c/ Protois et a JPC G 1991, II, 21743, note G. Viney, E 1991, II, 218, note Larroumet ; RJDA 1991, n.º 771, p. 583, concl. Mourier et rapp. Leclercq p. 590. 27 FAZZALARI, Elio, L’arbitrato, Torino, UTET, 1997, p. 58 cit. por JÚNIOR, Humberto Theodoro, Arbitragem e Terceiros – Litisconsórcio fora do Pacto Arbitral – Outras intervenções de terceiros, in Reflexões sobre Arbitragem, Editora São Paulo LTR, 2002, p. 255. 6 (ii) O terceiro aceita a competência dos árbitros e a sua participação na instância arbitral. A convenção de arbitragem passa a ser-lhe oponível. Não terá prima facie o direito de indicar novo árbitro ou de alterar a composição do tribunal arbitral já constituído e em funcionamento. Qualquer alteração neste aspecto só poderá acontecer por força de novo compromisso. As demais partes na arbitragem não poderiam, nestas condições, opor-se à chamada formulada por uma das partes. b) Assistência Trata-se da situação jurídica processual de quem, não sendo parte na causa, intervém nela, espontaneamente, para auxiliar qualquer das partes, desde que tenha interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a essa parte.28 A título exemplificativo, pode-se referir ao interesse do fiador na vitória do afiançado, que o legitima a intervir no processo movido contra este pelo credor. É a chamada assistência ad adiuvandum. O objecto do processo permanece inalterável. No direito brasileiro29, distingue-se entre assistência simples (ou adesiva) e qualificada (ou litisconsorcial). A assistência simples ocorre quando o direito do terceiro não está sendo discutido em juízo, mas pode ser afectado pela sentença, pela relação de dependência ou acessoriedade que ele mantém com o direito que está sendo objecto de apreciação judicial. A assistência qualificada ou litisconsorcial ocorre quando o direito que está sendo discutido em juízo pertence também ao assistente. Por ser direito seu, poderia ele ter assumido as vestes de litisconsorte, demandando nessa qualidade. Mas, como não o fez oportunamente, ou por que não quis, ou porque não teve conhecimento da demanda, assegura-lhe a lei a faculdade de fazê-lo posteriormente, recebendo o processo no estado em que se encontra. Essa modalidade diz-se coadiuvandum, porque a actividade do assistente vai além do simples auxílio a uma das partes, sendo dele também o direito em litígio, pelo que é considerado um litisconsorte da parte principal. Parece-me que a assistência litisconsorcial deve ser equiparada, no nosso direito, à intervenção principal e que o CPC só consagra a assistência ad adiuvandum. Nos termos do artigo 337.º, caput, do CPC, os assistentes têm no processo a posição de auxiliares duma das partes principais. E, reza o artigo 340.º que a assistência não afecta os direitos das partes principais, que podem livremente confessar, desistir ou transigir, cessando em qualquer destes casos a intervenção do assistente. Em virtude do fundamento contratual da arbitragem, não tem nenhum terceiro o direito de ingressar em feito de outrem, tenha o seu direito relação de dependência com a relação jurídica em discussão ou não, sem o consentimento das partes que assinaram a convenção de arbitragem. Em bom rigor, o assistente nada pede, nem contra ele se 28 PRATA, Ana, Dicionário Jurídico, Almedina, 4 ed., 2006, p. 147. ALVIM, J.E.Carreira, Intervenção de Terceiros na Arbitragem, in Reflexões sobre Arbitragem, São Paulo Editora LTR, 2002, p. 272; LIMA, Gustavo Bayerl, Litisconsórcio e Intervenção de Terceiros, cf. http//www.geocities.com/juristantum2000/dpc1.htm?200814 29 7 formula pedido algum. É certo, porém, que o terceiro se torna sujeito do processo, autorizado a praticar actos processuais. Por este motivo, as partes devem acordar sobre o seu ingresso na arbitragem. c) Oposição O incidente da oposição consiste na intervenção espontânea de um terceiro numa acção pendente entre duas ou mais pessoas, para aí fazer valer um direito próprio, incompatível com aquele que invoca o autor na acção. O opoente passa a ser autor de uma acção em que o autor e o réu originários são réus. Diz-se então que a oposição é ad excludendum, ampliando inequivocamente o objecto do processo. Pelas mesmas razões anteriormente apontadas, o terceiro opoente não poderá ingressar no contraditório sem o acordo de todas as partes envolvidas no processo arbitral. Excluíndo ambas as partes, o opoente que for admitido na lide, vai provocar inevitavelmente a extensão objectiva e subjectiva da convenção de arbitragem. Haverá, certamente, necessidade de celebrar novo compromisso, intervindo o opoente na qualidade de parte principal no processo. Sendo assim, deverá ser acautelada a questão da “recomposição” ímpar desse tribunal. Se não for possível ao terceiro opor-se na instância arbitral, poderá fazer valer os seus direitos perante o Tribunal comum, por via de recurso de oposição de terceiro. d) Litisconsórcio necessário De origem latina, o vocábulo “litisconsórcio” decompõe-se em litis, cum, sors e obtémse o seu exacto conceito: lis, litis – processo, pleito; cum – com; sors, sortis – resultado, sorte. O litisconsórcio exprime a reunião de várias pessoas num processo comum para a mesma sorte, ou seja, a existência de uma pluralidade de partes principais no processo civil (autor e réu). Distinguem-se o litisconsórcio voluntário30 do necessário. Designa-se por litisconsórcio necessário, a situação em que, por a lei ou o negócio exigirem a intervenção dos vários interessados na relação material, a acção tem de ser proposta por todos ou contra todos, sob pena de se verificar ilegitimidade. Pode-se dar o exemplo das obrigações indivisíveis com pluralidade de devedores, que só de todos eles podem ser exigidas (art. 535.º do CC). Como observa ANTÓNIO PIMENTA31, a violação do litisconsórcio necessário implica a ilegitimidade da parte que litigue desacompanhada. Não porque essa parte careça de interesse em demandar ou contradizer, isto é, de interesse no desfecho da lide 30 Diz-se voluntário o litisconsórcio quando a pluralidade de partes resulta da vontade do ou dos interessados. Significa isto que, embora a questão (relação jurídica) diga respeito a vários interessados, a presença de todos na acção respectiva só se verifica porque o autor decidiu (teve vontade de) propor a acção contra todos os interessados, ou porque vários interessados decidiram propor em simultâneo a acção. PIMENTA, António Montalvão Machado Paulo, op.cit. p. 85. 31 PIMENTA, António Montalvão Machado Paulo, op.cit. p. 90. 8 (legitimidade directa), antes porque esse interesse não pode ser regulado judicialmente sem a presença de todos os interessados. De acordo com HUMBERTO JÚNIOR32, a intervenção de terceiros é sempre voluntária, sendo contrário ao pensamento jurídico que a lei possa obrigar o estranho a ingressar no processo. O que ocorre, muitas vezes, é a provocação de uma das partes do processo pendente para que o terceiro venha a integrar a relação processual. Mas a possibilidade de obrigar, por acto de ofício, o terceiro a ingressar em juízo deve hoje ser contestada. O juiz não pode, inquisitorialmente, trazer o terceiro a juízo. O que ele faz é determinar a uma das partes que, se quiser a decisão de mérito, cite terceiros (litisconsortes necessários), pois de contrário o processo será trancado sem ela. A coacção legal exerce-se sobre a parte e não sobre o terceiro. Esse continua livre de intervir ou não. Não se lhe comina pena alguma. Suporta apenas o ónus de sujeitar-se aos efeitos da sentença, como decorrência da citação. Na instância arbitral, se o terceiro se recusa a ingressar no processo, por não ter subscrito a convenção arbitral, tratando-se de uma situação de litisconsórcio necessário, não haverá decisão sobre o mérito da causa. O tribunal arbitral deve extinguir-se sem qualquer decisão sobre a matéria controvertida porque a parte faltosa não pode ser citada a comparecer na instância arbitral. Cria-se um impasse. Caberá à parte interessada promover novo processo junto do Tribunal comum. Para o último autor citado, no litisconsórcio, não se deve, em regra, reconhecer a cada litisconsorte o direito pessoal de nomear o seu próprio árbitro. Na relação processual em que os litisconsortes estiverem agrupados em números diferentes de cada lado, criar-seia um tribunal desequilibrado quantitativamente. O ideal é que cada grupo litisconsorcial designe o seu árbitro, ou os seus árbitros, de modo que cada lado do processo figure número igual de julgadores, dispondo as partes sobre a forma de escolha do desempatador. 4. PARTICIPAÇÃO DE TERCEIROS NA ARBITRAGEM POR TRANSMISSÃO DA CONVENÇÃO ARBITRAL33 a) Cessão da posição contratual A cessão da posição contratual consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato. Se o contrato cedido contempla uma cláusula compromissória, pode o terceiro (cessionário) invocar esta cláusula para obrigar o cedido a colaborar na constituição de um Tribunal arbitral visando dirimir os litígios entre ambos, ou inversamente? A resposta é afirmativa, na medida em que o cessionário e o cedido tomaram conhecimento do conteúdo do contrato que foi objecto de cessão. 32 JÚNIOR, Humberto Theodoro, Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, Editora Forense, par. 16. Vide ANCEL, Pascal, Les Effets des Conventions d’arbitrage, in Guide pratique de l’arbitrage et de la médiation commerciale, Editions du Juris-classeur, 2004, pp. 32 et ss. ; VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em geral, Vol. II, Almedina, 2006, pp. 285 e ss. 33 9 b) Cessão de créditos A cessão de créditos é o contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do dever, a totalidade ou uma parte do seu crédito. Neste caso, não é o contrato no seu todo que é cedido a terceiro, mas tão-somente o crédito do cedente para o cessionário. Na jurisprudência francesa34, considera-se a cláusula compromissória como sendo acessória do crédito cedido. Por conseguinte, conclui-se à validade da cláusula compromissória entre o cessionário e o cedido. c) Sub-rogação A sub-rogação define-se como a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necesários ao cumprimento. O sub-rogado (solvens) é terceiro ou não à convenção arbitral assinada entre o credor e o seu devedor, quando por força do favor subrogationis se encontra na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo? Há que distinguir duas situações: (i) Sub-rogação convencional A sub-rogação convencional resulta de um acordo entre o terceiro que pagou e o credor a quem o pagamento foi feito, ou entre o terceiro e o devedor. Imaginemos que A fornece produtos diversos à B, que por sua vez, procede à sua venda à empresa C, prevendo o contrato entre A e B uma cláusula compromissória para solucionar eventuais litígios que venham a surgir entre ambos. Tendo sofrido perdas financeiras por culpa de A, B quer obter a condenação de A no pagamento de uma indemnização. Antes da constituição do Tribunal arbitral, a seguradora de B procede à reparação do prejuízo pecuniário sofrido pelo seu segurado, B. Terá ela legitimidade processual para impor a A a observância da cláusula compromissória, por estar subrogado convencionalmente nos direitos de B? Recorrendo à jurisprudência francesa, a Corte de Apelação de Paris, numa sentença datada de 13 de Novembro de 1992, decidiu que tratando-se da sub-rogação convencional, não existe nenhuma relação contratual entre a seguradora e o fabricante de produtos, responsável pelos prejuízos sofridos pelo fornecedor, seu segurado, obrigado a ressarcir um terceiro comprador pelos defeitos desses produtos. Não poderá a seguradora, prevalecer-se da cláusula compromissória existente no contrato entre o fabricante e o fornecedor para que se institua o Tribunal arbitral35. 34 Cass. 2e civ., 20 déc. 2001, Bull. civ. II, n.º 198. Vide Cour d’Appel de Paris (1re ch. Suppl.) 13 novembre 1992 Société Casco Nobel France c/ Sico Inc. et Kansa, Revue de l’Arbitrage, 1993, n.º 4, pp. 692 e ss. 35 10 Parte da doutrina discorda com essa solução jurisprudencial e afirma que a subrogação produz os mesmos efeitos que a cessão de crédito, transferindo ao sub-rogado o crédito em causa. Se o contrato de que nasceu o crédito continha uma cláusula compromissória, a mesma prevalecerá, em caso de litígio, entre o sub-rogado e o devedor.36 (ii) Sub-rogação legal A sub-rogação legal ocorre quando a investidura do solvens na posição até então ocupada pelo credor se dá ope legis, independentemente de qualquer declaração de vontade do credor ou do devedor nesse sentido.37 A Corte de Apelação de Paris, na já referida sentença de 13 de Novembro de 199238 decidiu que: « …par l’effet translatif de cette subrogation (légale), la clause compromissoire est transmise à l’assureur avec la créance et les droits de l’assuré dont elle constitue une modalité». A mesma solução foi anteriormente afirmada numa decisão do Tribunal de Orléans, de 16 de Junho de 198339: «l’assureur de responsabilité du fournisseur de tuyaux défectueux, subrogé dans les droits de son assuré pour avoir indemnisé l’acquéreur, doit, lorsqu’il exerce un recours contre le fabricant des tuyaux, respecter la clause compromissoire figurant dans le contrat intervenu entre le fabricant et l’assuré». Em conclusão, a seguradora de responsabilidade sub-rogada, por força da lei, nos direitos do seu segurado não é, seguindo a jurisprudência francesa, um terceiro em relação à convenção de arbitragem assinada por aquele (segurado). Daí, resulta que ela pode obrigar o co-contratante do seu segurado, uma vez ressarcido, à constituição do Tribunal arbitral. 36 ANCEL, Pascal, Les Effets des Conventions d’arbitrage, in Guide pratique de l’arbitrage et de la médiation commerciale, Editions du Juris-classeur, 2004, p. 35. 37 VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em geral, Vol. II, Almedina, 2006, pp. 238 – 239 “Nalgumas legislações estrangeiras a sub-rogação e o direito de regresso são tratados, não como realidades jurídicas distintas ou opostas, mas como figuras compatíveis entre si, em vários casos sobrepostas uma à outra. Diz-se, com efeito, no artigo 1251.º do Código civil francês, que a sub-rogação opera, de pleno direito, a favor...daquele que, sendo obrigado com outros ou no lugar de outros ao pagamento da dívida, tinha interesse em cumprir (n.º 3). Doutrina paralela se encontra consagrada no n.º 3 do artigo 1203.º do Código civil italiano de 1942, que, alias, a importou da legislação anterior...A sub-rogação e o direito de regresso constituem, no sistema legal português, realidades jurídicas distintas e, em determinado aspecto, mesmo opostas. A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo. O direito de regresso é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta”. 38 Cour d’Appel de Paris (1re ch. Suppl.) 13 novembre 1992 Société Casco Nobel France c/ Sico Inc. et Kansa, Revue de l’Arbitrage, 1993, n.º 4, pp. 632 e ss. 39 Orléans, 16 juin 1983, JCP, 1984 II 20130 et la note. Vide GOUTAL, Jean- Louis, Subrogation et effet relatif de la convention d’arbitrage, note sous Paris, 1re Ch. Suppl., 13 novembre 1992, Revue de l’Arbitrage, 1993, n.º 4, pp. 632 e ss. 11 d) Contratos sucessivos Nas situações em que diferentes contratos operam a transmissão da propriedade de uma coisa, v.g. a mesma coisa é vendida, e revendida sucessivamente a várias pessoas. O último adquirente, se ficar insatisfeito com a coisa tem uma acção contratual em garantia ou responsabilidade por não conformidade da mesma, contra o seu próprio vendedor. Em vários sistemas judiciais40, admite-se que tenha também o mesmo direito contra a pessoa a quem o seu próprio vendedor comprou a coisa, remontando a cadeia dos intervenientes até chegar ao fabricante da coisa defeituosa. Nesse contexto, há que admitir, partindo da ideia segundo a qual accessorium sequitur principale, isto é, a acção contratual tendente à reparação de danos provocados pelo vício ou não conformidade da coisa é um acessório dessa coisa, e que é transmitida aos proprietários sucessivos da dita coisa. Consequentemente, a cláusula compromissória que figure no primeiro contrato de compra e venda é aplicável nos demais contratos celebrados pelos sucessivos intervenientes, sendo oponível, quer ao primeiro vendedor, quer ao último comprador. 5. CONCLUSÕES (i) (ii) A arbitragem tem a sua origem na convenção arbitral. Essa realidade jurídica implica que a intervenção de terceiros na instância arbitral requer o acordo de todas as partes envolvidas na relação processual. (iii) O terceiro não pode ser forçado pelo árbitro a integrar o contraditório. (iv) Não é admissível, tendo em conta a natureza da arbitragem, impor ao árbitro e às partes contratantes uma nova causa, com parte e objecto estranhos ao negócio arbitral. (v) Nos casos de litisconsórcio necessário, a não integração do terceiro na lide, impossibilita o juiz arbitral de se pronunciar sobre a matéria controvertida. A parte mais interessada deverá, nestes casos, recorrer ao Tribunal comum. (vi) A cessão de posição contratual e a cessão de crédito legitimam a pretensão do cessionário a recorrer à arbitragem para resolver os seus diferendos com o cedido. (vii) É de se admitir a legitimidade, nos casos de sub-rogação, de quem pagou (solvens), de invocar a cláusula compromissória assinada entre o credor primitivo e o devedor. (viii) Os contratos sucessivos podem originar a transmissão da cláusula compromissória a todos os negócios entre os diferentes intervenientes. 40 Em França: Cass. 1re civ., 6 févr. 2001; ver. Arb. 2001, 765, note Cohen; CCC 2001, 1135, note Leveneur : RTD com. 2001, 413, note Loquin; JCP 2001, 10567, note C. Legros; JCP E 2001, p. 1228, obs. D. Mainguy et J.-B. Seube. Vide também : Cour d’Appel de Paris (1re Ch. C), 23 novembre 1999, Sté Glencore Grain Rotterdam c/ Sté Afric., Revue de l’Arbitrage, 2000 – n.º 3, pp. 501 e ss. 12