A COP 10 e a sustentabilidade da vida na Terra

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A COP 10 e a sustentabilidade da vida na Terra
Outubro 2010
Vol.6 No.4
ISSN: 1813-4378
Pontes
ENTRE O COMÉRCIO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A COP 10 e os desafios para a
sustentabilidade da vida na Terra
1
A COP 10 e os desafios para a
sustentabilidade da vida na Terra
Vera Lucia Imperatriz Fonseca,
Patricia Nunes Silva
3
Rompendo o impasse para a definição
de “recursos genéticos”
Kabir Bavikatte, Brendan Tobin
4
Agregando complexidade: exceções
às definições do Protocolo ABS
Marie Wilke
5
9
Monitoramento de conformidade às
regras: divulgação de informações e
certificação internacional
Jorge Cabrera Medaglia,
Olivier Rukundo
Conhecimentos tradicionais sob o
Protocolo ABS
Daniel Robinson, Brendan Tobin
11 O compartilhamento de conhecimento
sobre materiais de patogênese
humana
Fredrick Abbott
12 Políticas comerciais agrícolas e sua
importância para a biodiversidade
Jonathan Hepburn
14 A opção por um futuro sustentável
João de Deus Medeiros
Vera Lucia Imperatriz Fonseca*
Patricia Nunes Silva**
Apesar da distância entre o quadro atual de preservação da biodiversidade e as metas estipuladas pela
Rio 92, as convenções decorrentes dessa reunião resultaram em metas que, em alguns temas específicos,
provocaram a mobilização de atores não-governamentais e governamentais em torno do tema. Este
artigo debruça-se sobre um desses tópicos, o dos polinizadores, elementos-chave na conservação
da biodiversidade e, mais precisamente, da produtividade agrícola, em um contexto sustentável.
As metas da Rio 92 eram claras: as agendas
da Convenção do Clima e da Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB) deveriam convergir
para 2010, quando era esperada a diminuição
da perda de biodiversidade e a estabilização do
aquecimento global, para a melhoria da vida na
Terra. No entanto, apesar dos enormes esforços
realizados, o quadro atual está longe do planejado.
Devemos considerar, entretanto, os avanços e
sucessos das referidas convenções no sentido
de inserir na pauta global os principais desafios
para a sobrevivência do ser humano na Terra.
Nunca uma única espécie animal provocou uma
alteração tão grande, afetando não somente
o uso da terra mas também o clima, e assim
provocando a maior perda de biodiversidade já
avaliada. Daí alguns autores alarmarem que estamos no início de uma nova era: o Antropoceno.
As consequências e limites de atividades do ser
humano nessa nova era têm sido discutidos: até
que ponto podemos alterar os biomas, utilizar
os recursos naturais e serviços ecossistêmicos?
Como manter a capacidade de resiliência do
planeta, ou seja, a possibilidade de que este se
recupere dos impactos causados pelo Homem?1
A luz vermelha está acesa para vários aspectos,
com destaque para a perda de biodiversidade, as
alterações climáticas e os ciclos biogeoquímicos.
O modelo adotado pelas convenções e o estabelecimento de metas concretas pelos governos
signatários trouxeram avanços importantes para
o conhecimento e a convergência de ações. Aqui,
cabe ressaltar a Iniciativa Internacional para
Conservação e Uso Sustentado dos Polinizadores
(IPI, sigla em inglês), iniciativa brasileira aprovada na 5ª Conferência das Partes (COP, sigla em
inglês), realizada em Nairóbi (Quênia), para a
biodiversidade agrícola. Na ocasião, a Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
(FAO, sigla em inglês) foi definida como facilitadora
e implementadora de metas para 2010. É interessante observar que os serviços ecossistêmicos da
polinização possuem valor incalculável, na medida
em que atuam na base da cadeia alimentar, na
produção de frutos e sementes, de forma que
a fisionomia da paisagem é influenciada pelos
polinizadores locais mais abundantes2. Mas, foi
na produção agrícola que o tema se desenvolveu.
Você sabia?
Que a região da América Latina e Caribe apresenta número crescente de áreas sob proteção
ambiental?
Contudo, a região se encontra entre aquelas que apresentam o maior número de espécies
de plantas e animais ameaçadas de extinção.
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Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
Espa ço ab e r t o
Editorial
Estimado(a) leitor(a),
A fim de despertar a atenção e promover
a conscientização acerca da perda de
biodiversidade no planeta, a Organização
das Nações Unidas (ONU) declarou 2010
como o ano da biodiversidade. A iniciativa
teve por objetivo engajar os diversos setores
da comunidade internacional nessa frente
de promoção ambiental. Em virtude do
destaque atribuído ao tema na agenda global,
ao longo deste ano o Pontes apresentou
uma série de artigos dedicada ao tema,
abordando os principais tópicos discutidos
nas reuniões ministeriais preparatórias e em
fóruns envolvendo a sociedade civil.
O ponto alto da agenda de biodiversidade
consiste na 10ª Conferência das Partes
(COP, sigla em inglês) da Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB), que se realiza
em Nagoia (Japão). Neste encontro, altos
representantes das Partes da CDB negociam
alterações nos marcos legais, com altas
expectativas atribuídas especialmente à
necessidade de renovação dos compromissos
voltados à preservação da biodiversidade,
que expiram ao final de 2010. Diante desse
contexto, o Pontes apresenta uma edição
especialmente dedicada a esse tema, com
enfoque nas questões essenciais do regime
legal que se busca negociar durante a COP 10.
No artigo de abertura, Vera Fonseca e
Patrícia Silva constatam o avanço das
negociações nas COPs anteriores da
CDB, com enfoque na preservação dos
polinizadores e no impacto deste serviço
ambiental para a otimização da produção
agrícola.
Parte significativa das expectativas acerca
dos resultados da COP 10 está relacionada ao
regime de acesso e repartição de benefícios
(ABS, sigla em inglês). Os pontos centrais do
esboço do Protocolo de ABS em negociação
constituem o mote de quatro artigos desta
edição. Kabir Bavikatte e Brendan Tobin
discutem a solução encontrada para romper
os impasses acerca da definição de recursos
genéticos, problemática central para a
disciplina de ABS. A análise de Marie Wilke
aprofunda essa temática, ao explorar as
possíveis complicações que podem surgir
das exceções contidas no esboço de texto.
Dentre as exceções, os materiais com
potencial de patogênse humana são de
especial relevância para a saúde pública, e
o tratamento da questão no Protocolo de
ABS e outros regimes é o tema da análise
de Frederick Abbott. Daniel Robinson
e Brendan Tobin discutem as diversas
cláusulas do Protocolo de ABS relacionadas
à proteção de conhecimentos tradicionais.
Esta edição traz também uma análise sobre
a relação entre as regulamentações do
comércio agrícola e a perda da biodiversidade,
com enfoque sobre as regras da Organização
Mundial do Comércio (OMC) em negociação na
Rodada Doha – em especial aquelas relativas a
subsídios e acesso a mercado.
Como contribuição brasileira ao debate, o
Pontes apresenta a posição do Ministério do
Meio Ambiente (MMA) sobre a importância
das negociações em Nagoia e as expectativas
do governo brasileiro para esta COP.
Esperamos que aprecie(m) a leitura.
A Equipe Pontes.
2
A sugestão de focar nos polinizadores foi do governo brasileiro, mas a discussão para implementação
foi no âmbito acadêmico internacional, que estava atento ao declínio de polinizadores que já ocorria
desde 1998. A Declaração de São Paulo sobre os Polinizadores foi preparada com a participação de
cientistas de muitos países, mobilizados em torno da causa. A partir de então, organizaram-se em iniciativas locais, cada uma delas com sua característica, abordando os temas propostos com propriedade.
A North American Pollinator Protection Campaign3, por exemplo, congrega mais de 120 instituições de diversos setores da América do Norte. A Campanha festeja, em outubro deste ano,
dez anos de atividade, com muito sucesso: os polinizadores já fazem parte da agenda de muitos
estados dos Estados Unidos da América (EUA), e recursos humanos e financeiros foram destinados
a eles, além de políticas públicas. É interessante destacar que talvez tal mobilização tenha sido
impulsionada pela inesperada e significativa perda de colônias de abelhas Apis nesta região – cerca
de 30% ao ano, desde 2007. Nos EUA e no Canadá, as abelhas são utilizadas cada vez mais no
cultivo de frutas e verduras, e os impactos da perda do principal polinizador também levaram à
pesquisa pioneira, juntamente com um grupo europeu, sobre a influência da paisagem agrícola
na produtividade e a atuação de outros polinizadores de importância agrícola. Afinal, somente
no caso das abelhas, são conhecidas pela Ciência cerca de 20.000 espécies.
Outras Iniciativas Polinizadores desenvolvidas por alguns países e centros de referência são: a Europeia
(EPI, sigla em inglês), a Africana (API, sigla em inglês), a Brasileira (BPI, sigla em inglês), a da Oceania
(IOP, sigla em inglês), a Rede Inter-americana de Informação sobre Biodiversidade (IABIN-PTN, sigla
em inglês), o Centro Internacional para o Desenvolvimento Integrado da Montanha (ICIMOD, sigla
em inglês) e a Rede Canadense de Polinização (CANPOLIN, sigla em inglês). A Colômbia deve formar
sua Iniciativa neste ano. Nesta esteira, a partir de metas convergentes, o conhecimento sobre o
assunto tem evoluído bastante4 - o que nos permite hoje responder a perguntas de interesse geral.
Como resultados destes esforços, alguns números exemplificam a importância dos polinizadores.
Sabe-se que: (i) os serviços ecossistêmicos da polinização respondem por 9,5% do total da agricultura mundial, o que correspondia, em 2005, a €153 bilhões; (ii) 1/3 da alimentação humana
se baseia em produtos polinizados por animais; e (iii) é essencial para a sustentabilidade da
agricultura manutenção de uma paisagem favorável aos polinizadores. Algumas culturas florestais, tais como a do açaí, a da castanha do Brasil e a do cupuaçu dependem integralmente
da polinização animal. A produção de biocombustíveis também é incrementada com a ação
dos polinizadores: pesquisas recentes mostram que abelhas na cultura da mamona aumentam
a produção de sementes em 5%, melhoram a qualidade do óleo produzido e ainda produzem
mel atóxico de boa qualidade; na canola, embora esta cultura não dependa de polinização por
animais, sua presença aumenta o peso dos frutos em valores de 50% a 70%. A paisagem agrícola
e o rendimento de culturas por meio da presença e atuação de polinizadores também têm sido
investigados para o cultivo do café, em que se registra um aumento da produção de 13,5% a
cerca de 50%, na presença de maior biodiversidade de polinizadores. O valor comercial do café
plantado à sombra da floresta passa a ser maior, porque pode ter o selo da preservação ambiental.
A manutenção dos biomas naturais também depende das síndromes de polinização, e novos estudos
demonstram essa interdependência. Esta ligação entre conservação e agricultura passa a ser o
foco de organizações não-governamentais (ONGs) atuantes a nível global, tal como a Conservation
International. Nessa interface está o futuro das Unidades de Conservação, e mapas de prioridades
de áreas de conservação que contemplam análises dos serviços ecossistêmicos já estão disponíveis. Em alguns países, o pagamento pelo uso desses serviços da polinização já foi proposto.
As análises ecológicas e os modelos efetuados demonstram que a agricultura praticada em países
tropicais depende cada vez mais de polinizadores, e que há necessidade de investir na criação de novos
polinizadores. Até mesmo uma nova apicultura, atraindo jovens e tecnologia de ponta é sugerida,
uma vez que atualmente a apicultura cresce menos do que o necessário para atender ao mercado. O
mesmo vale para a criação de outras abelhas em escala, e para investimentos em pesquisas da área.
O sucesso da CDB, neste caso dos polinizadores, consistiu na mobilização de governos, pesquisadores e demais atores. Ainda há muito o que fazer, mas o modelo funcionou, e a conscientização
popular aumentou: a polinização aparece mencionada na mídia, inclusive nos pronunciamentos
mais importantes desta COP 10, e esta abordagem tende a crescer.
* Professora titular de Ecologia no Instituto de Biologia da Universidade de São Paulo (USP),
aposentada. Atualmente, é professora visitante nacional sênior da CAPES na Universidade Federal
Rural do Semiárido, Rio Grande do Norte.
** Bióloga, Mestre em Ecologia e doutoranda da USP.
1 Uma avaliação muito importante neste sentido foi feita por Rockström et al. em 2009, discutida na revista
Nature, 461(24).
2 Ver: Biesmeijer et. al., Science, vol. 313, 2006, pp. 351-4.
3 Ver: <www.pollinator.org>.
4 Atualmente, os trabalhos de construção de cenários futuros aborda a distribuição dos principais polinizadores
nativos sob diferentes projeções climáticas.
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Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
Tem as m u l t il at e rais
Rompendo o impasse para a definição de
“recursos genéticos”
Kabir Bavikatte*
Brendan Tobin**
O terceiro objetivo consagrado na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) consiste na distribuição justa e equitativa
dos benefícios decorrentes da utilização de recursos genéticos. Contudo, esse dispositivo tem constituído grave obstáculo
à negociação de um regime de acesso e repartição de benefícios (ABS, sigla em inglês), devido a divergências quanto à
definição de “recursos genéticos”. Por esse motivo, grupos de trabalho têm dedicado esforços a contornar o impasse e
direcionar o foco das negociações para uma nova proposta, pautada na definição de “utilização de recursos genéticos”.
Os encontros mais recentes do Grupo Inter-regional de
Negociação (ING, sigla em inglês) resultaram em sugestões
interessantes para solucionar a questão da definição dos recursos a serem enquadrados no regime de ABS, cujo impasse se
prolonga há anos. Ao longo das reuniões realizadas em julho,
ficou claro que o potencial para avanço não reside na conceituação de recursos genéticos, mas sim na definição da utilização
destes. Embora o mandato para negociar tenha permanecido
com o ING, um pequeno grupo foi constituído para elaborar
essa definição, com base no relatório do Grupo de Especialistas
Legais e Técnicos sobre Conceitos, Termos, Definições de
Trabalho e Abordagens Setoriais (GLTE, sigla em inglês)1.
A proposta do GLTE destaca que o propósito do Protocolo
ABS consiste na implementação do Artigo 15 da CDB, o
qual se refere à utilização de recursos genéticos. Nesse
sentido, o Grupo sustenta ser mais coerente com o texto
da Convenção concentrar esforços na definição de utilização, e não de recursos genéticos. O GLTE elaborou,
assim, uma lista propositiva de formas de uso desses
recursos – que também inclui os chamados “derivados”–,
rol que figuraria entre os anexos do Protocolo.
As negociações à luz dessa nova proposta ocorreram em
setembro, em nova reunião do ING. Nesta ocasião, o Canadá
solicitou que, ao longo de todo o Protocolo ABS, o termo
“utilização de recursos genéticos” permanecesse entre
colchetes – o que indica ausência de consenso acerca da
questão – até que se alcançasse um acordo quanto ao seu
conteúdo. Esta posição refreou as negociações entre o Grupo
de Países Megadiversos (GPMA) e o Grupo da Ásia-Pacífico
(GAP), que se recusaram a prosseguir com as tratativas até que
a questão seja resolvida. Ao final das tratativas, entretanto,
as Partes concordaram que a definição deveria permanecer
entre colchetes e que uma nota de rodapé seria incluída para
explicitar que o termo ainda pende de negociação.
Em consultas fechadas com os principais negociadores, os
copresidentes do ING reuniram o pequeno grupo de trabalho
a fim de refinar o conceito de utilização de recursos genéticos elaborado no encontro anterior. A nova formulação,
que inclui o termo “derivados”, define que:
“Utilização de recursos genéticos” significa conduzir pesquisa
e desenvolvimento acerca da composição genética e bioquímica de materiais genéticos/recursos biológicos/recursos
genéticos, inclusive por meio da aplicação de biotecnologia,
conforme definida no Artigo 2 da Convenção.
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“Derivado” significa um composto bioquímico encontrado
naturalmente que resulta da expressão genética ou do
metabolismo de recursos biológicos ou genéticos, mesmo que
estes não contenham unidades funcionais de hereditariedade.
Ao elaborar estas definições, o grupo de trabalho buscou
abordar duas preocupações. Primeiramente, tratou de
incluir compostos bioquímicos encontrados naturalmente,
mas que não possuem unidades hereditárias funcionais,
como resinas. Tal cuidado mostra-se importante, na medida
em que a definição de material genético constante da CDB
contempla plantas, animais e microorganismos, ou outros
materiais que contêm unidades hereditárias funcionais.
Em segundo lugar, o grupo buscou abordar a questão da
proximidade, que envolve dúvidas como: em que ponto a
utilização termina para fins do Protocolo ABS? Ou ainda:
quão significativo deve ser o uso de um recurso genético
para que seja enquadrado como utilização?
Curiosamente, não se fez referência ao Anexo em que os
diferentes usos serão listados, uma vez que a definição foi
considerada suficientemente abrangente para cobrir todos
os possíveis usos de recursos genéticos.
Ademais, a definição de derivados foi mantida, uma vez que
o Grupo de Países Latino-americanos (GPL) solicitou que o
texto fosse preservado até que se atingisse um consenso
sobre a definição de utilização. O Grupo também insistiu na
inclusão de compostos bioquímicos ou metabólitos que não
contêm unidades hereditárias funcionais nessa definição.
No encontro de setembro do ING, as Partes concordaram
que a definição de utilização desenvolvida pelo grupo de
trabalho seria adotada como base para as negociações da
10ª Conferência das Partes (COP, sigla em inglês) da CDB,
a ser realizada em Nagoia (Japão). A partir de tal entendimento, pode-se considerar que há uma solução sobre a
mesa de negociação, ainda que uma definição categórica
de recursos naturais permaneça distante.
* Codiretor da organização não-governamental Natural Justice,
dedicada ao tema de biodiversidade.
** Doutorando no Centro Irlandês de Direitos Humanos da
Universidade National da Irlanda e consultor em direito ambiental
e direitos humanos.
Tradução e adaptação de artigo originalmente publicado em Bridges Trade
BioRes Review, Vol. 4, No. 3 - out. 2010.
1 Este documento resultou do encontro do GLTE realizado em Windhoek
(Namíbia), em dezembro de 2008.
3
Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
Te mas mu l ti la t era i s
Agregando complexidade: exceções às
definições do Protocolo ABS
Marie Wilke*
Enquanto as discussões sobre a definição de recursos genéticos, derivativos e sua utilização prosseguem de forma acalorada,
a existência de uma longa lista de possíveis exceções agrega maior ambiguidade ao escopo substantivo do Protocolo sobre
Acesso a Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios (ABS, sigla em inglês). Tal constatação é especialmente relevante
para recursos genéticos agrícolas e com potencial de patogênese humana. Estas duas categorias de exceções tornam-se
ainda mais complexas diante da coexistência com definições e disciplinas de outros acordos internacionais.
As exceções à definição de recursos genéticos estão contidas no Artigo 3(2) do Protocolo, que define o escopo do
documento. Além das limitações temporais – relativas a
recursos ou materiais adquiridos antes da entrada em vigor
do Protocolo –, estas incluem:
•exceções geográficas: recursos
genéticos que se encontram fora
de jurisdição nacional (b) ou da
área do Tratado Antártico (g); e
•exceções substantivas: recursos genéticos humanos (a) e
patogenias humanas (b); recursos genéticos cobertos pelo
Tratado Internacional sobre
Recursos Genéticos de Plantas
para Alimentação e Agricultura
(ITPGRFA, sigla em inglês) (c);
e recursos genéticos utilizados
somente como commodities (d).
Até o momento, todas as exceções
encontram-se entre colchetes – o
que indica falta de consenso sobre
a questão. Em sentido oposto, o
parágrafo alternativo (2) apresenta uma lista de recursos que se
enquadram no regime. Esta lista
também contém duas categorias
mencionadas no rol de exceções,
quais sejam, recursos da área do
Tratado Antártico e de áreas marinhas fora de jurisdição nacional.
em tais áreas, a fim de evitar a disciplina do Protocolo.
Alegações deste tipo implicariam transferir o ônus da prova
ao país provedor dos recursos, que precisaria comprovar que
os mesmos foram de fato encontrados em seu território e
que, portanto, se encontram sob
a égide do Protocolo ABS.
ARTIGO 3
ESCOPO
Tendo em vista a dinâmica do
[[De acordo com a Convenção, os seguintes recursos
acesso a recursos genéticos e sua
genéticos estão excluídos][Este Protocolo não se aplica a]:
utilização, bem como o fato de
[(a) Recursos genéticos humanos;]
que os recursos geralmente estão
(b) Recursos genéticos além da jurisdição nacional;
presentes em diversos países, tal
(c) Recursos genéticos [contidos no Anexo I do Tratado
Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação
demonstração apresenta maiores
e Agricultura desde que sejam utilizados para os propósitos
dificuldades para o país detentor.
do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para
Alimentação e Agricultura][sob o Sistema Multilateral do
O país usuário encontra-se em
Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para
posição mais confortável para
Alimentação e Agricultura, tanto em sua versão corrente
como após as emendas feitas pelo Órgão Diretor do Tratado
provar que suas atividades são
Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação
legítimas e que não se enquadram
e Agricultura];
(d) [Recursos genéticos quando utilizados exclusivamente
nas regras do regime ABS.
como uma commodity][Commodities comerciais [utilizadas
apenas para o consumo final][quando utilizadas exclusivamente como commodities];
(e) Recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados a recursos genéticos adquiridos anteriormente à
vigência do Protocolo;
(f) [Patogênese humana][Recurso genético que constitui
perigo sério e direto à saúde humana, conforme descrito
nas Regulamentações Internacionais de Saúde, e que está
contemplado em e para o propósito de um instrumento
especializado, conforme descrito no parágrafo (b) do Artigo 6];
(g) Recursos genéticos encontrados na Área do Tratado
do Antártico, área localizada ao sul da latitude 60º Sul.]
Independentemente do caráter distinto das duas listas, as
exclusões mencionadas acrescentam incertezas ou ambiguidades ao Protocolo. Na prática, cada uma das exceções oferece
margem para que os usuários possam argumentar que os recursos
acessados não se encontram sob a proteção do Protocolo.
Dessa forma, para que a funcionalidade do acordo não seja
ameaçada, as exceções devem ser redigidas de forma clara.
Contudo, mesmo limitações claras podem prejudicar a
implementação de um acordo. Exemplo disso são as exceções geográficas relativas ao Tratado Antártico e os recursos
genéticos fora de jurisdição nacional, casos em que os usuários podem argumentar que os recursos foram encontrados
4
Por tais motivos, é essencial que
as exclusões não somente sejam
redigidas de forma clara, como
também que as Partes do Protocolo
concordem sobre procedimentos
aplicáveis a tais situações. Uma das
opções consistiria em exigir que
os usuários apresentem evidências
de que estão operando legalmente
fora do regime, mesmo que não
invoquem uma exceção específica. Para as exceções relativas
a recursos utilizados como commodities, é recomendável
que se discutam as provisões à luz das definições gerais e
os termos de uso.
Além das preocupações acerca de falta de clareza em relação
às exceções, as provisões relativas aos recursos genéticos de
plantas e materiais de patogênese humana podem acarretar
maiores dificuldades, em função de sua relação com outros
acordos internacionais.
*Integrante do Programa para Solução de Controvérsias do ICTSD.
Tradução e adaptação de artigo originalmente publicado em Bridges Trade
BioRes Review, Vol. 4, No. 3 - out. 2010.
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Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
Tem as m u l t il ate rais
Monitoramento de conformidade às regras:
divulgação de informações e certificação
internacional
Jorge Cabrera Medaglia*
Olivier Rukundo**
Com vistas a solucionar problemas relacionados ao monitoramento e rastreamento de recursos genéticos, as negociações
de acesso e repartição de benefícios (ABS, sigla em inglês) concentraram-se no desenvolvimento de algumas formas de certificado de origem/fonte/procedência legal – mais recentemente chamado de “certificado de conformidade”. Diretamente
associada a essa ferramenta está a discussão sobre exigências de que a origem de recursos genéticos e conhecimentos
tradicionais associados seja disponibilizada em pedidos de registro de propriedade intelectual.
O atual esboço do Protocolo trata tanto do certificado
como da divulgação da origem em uma mesma provisão,
o Artigo 13 (ver box, p. 8), intitulado “Monitoramento[,
Rastreamento] e Relatório sobre [a utilização de] recursos
genéticos [e conhecimentos tradicionais associados]” – com
destaque para o número significativo de colchetes, que
apontam os termos ainda em negociação.
A ideia do certificado é evitar ou minimizar problemas
gerados pela existência de duas jurisdições diferentes de arranjos de ABS – aquela do local em que o
material é coletado e outra, na qual as atividades de
pesquisa e desenvolvimento (P&D) são executadas. Tal
documento internacionalmente reconhecido tornaria
possível conferir a legalidade do acesso no local
em que a atividade (pedido de registro de patente,
aprovação do produto etc.) gera valor, além de possibilitar o acompanhamento do uso subsequente dos
recursos e a repartição correspondente do benefício.
Ao mesmo tempo, essa abordagem supostamente favoreceria a criação de sistemas de acesso mais simples nos
países provedores de recursos genéticos. Os mecanismos
de controle existentes seriam aplicados, via certificado,
nos estágios mais avançados da P&D, contribuindo, assim,
para a flexibilização da regulação em matéria de acesso.
Isso implica a passagem da documentação pelos diversos
compradores e a atuação dos pontos de verificação em
somente algumas etapas do processo de P&D. As atividades
de monitoramento podem estar relacionadas à aprovação
do produto, aos pedidos de registro de direitos de propriedade intelectual, a publicações e à apresentação de
propostas de financiamento, entre outros.
Isso posto, a Decisão VIII/4C da Conferência das Partes
(COP, sigla em inglês) da Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB) estabeleceu um Grupo de Especialistas
encarregado de desenvolver um certificado de origem/
fonte/procedência legal reconhecido internacionalmente.
O Grupo definiu que o papel básico de qualquer sistema
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de certificado é fornecer evidência de conformidade com
a legislação nacional de ABS. Esse objetivo poderia ser
alcançado por meio do estabelecimento de um sistema
de certificados nacionais, com formato padrão – o que lhe
permitiria ser reconhecido internacionalmente.
Os especialistas identificaram uma série de pontos comuns
a todas as propostas de certificado, tais como a exigência
de que este instrumento seja apresentado em pontos de
verificação específicos no país usuário do recurso genético,
juntamente a, por exemplo, solicitações de registro de
propriedade intelectual. Outras propostas preveem um
sistema de pontos de verificação, os quais exigiriam a
apresentação do certificado de origem para fins de processamento de pedidos de registro de propriedade intelectual,
por exemplo. A conformidade com as regras de divulgação
de informações seria, nesse sentido, promovida, uma
vez que um certificado reconhecido internacionalmente
poderia constituir evidência de conformidade com normas
nacionais e internacionais.
A inclusão e debate a respeito das exigências de divulgação
de dados e do uso de certificados em pedidos de registro
de patentes têm constituído objeto de controvérsias nas
negociações do Protocolo ABS. Naturalmente, esse tema
tangencia o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo “TRIPs”, sigla
em inglês) da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Nesse contexto, os países em desenvolvimento (PEDs)
sugeriram elaborar uma emenda para o referido Acordo da
OMC, com vistas a exigir que os demandantes de registro
de patente divulguem – como condição para lograrem o
registro –, pelo menos, uma das seguintes informações:
a fonte e a origem de qualquer material genético e/ou
quaisquer conhecimentos tradicionais associados envolvidos na invenção reivindicada; evidência de consentimento
prévio informado (PIC, sigla em inglês) da autoridade
competente no país de origem do recurso; e a evidência
da repartição justa e equitativa dos benefícios resultantes
5
Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
Te mas mu l ti la t era i s
da exploração de determinado recurso. Os proponentes
das exigências de divulgação de dados argumentam
que tais medidas contribuiriam para a conformidade
das Partes às provisões da CDB relativas a recursos
genéticos e repartição de benefícios.
Alguns países opuseram-se à proposta, sob o argumento
de que a emenda ao Acordo TRIPs é desnecessária,
uma vez que as exigências da CDB devem ser implementadas por meio de contratos correspondentes no
nível nacional. Tais países sustentam, ainda, que o
Acordo TRIPs não constitui o instrumento apropriado
para regular matérias de ABS. De todo modo, essa
discussão continua a influenciar as negociações sobre
o Protocolo ABS, e é provável que a relação entre o
Acordo TRIPs e o futuro Protocolo condicione o formato da exigência de divulgação de dados definido
por este último documento ao final das tratativas.
De modo similar, o certificado, a depender de seu formato, pode levantar algumas questões em matéria de
comércio internacional. Considerando que se trata de
um documento que acompanha a transferência/exportação de recursos genéticos, o certificado deveria ser
analisado no contexto das principais regras da OMC,
que incluem aquelas relacionadas a não-discriminação – o
princípio da nação mais favorecida e o princípio do
tratamento nacional –, bem como algumas medidas
do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT,
sigla em inglês). Esse trata da elaboração e do uso
de regulações técnicas, padrões e procedimentos de
avaliação de conformidade e especifica que estes elementos não devem criar obstáculos desnecessários ao
comércio internacional.
O certificado internacional
Embora o certificado seja, de modo geral, concebido como
uma ferramenta de monitoramento do uso de recursos
genéticos, seu formato real ainda não está claro. Na verdade, o Parágrafo 5 do Artigo 13 pede que a “[primeira]
Conferência das Partes, servindo como reunião das Partes
deste Protocolo, [após a entrada em vigor deste] [estipule
o conteúdo mínimo] [considere modalidades adicionais]
do [sistema de] certificado de conformidade reconhecido
internacionalmente, tomando em consideração a necessidade de minimizar os custos de transação e de garantir a
exequibilidade, praticidade e flexibilidade]”.
Ademais, o formato real depende fortemente dos processos
de implementação no âmbito doméstico. Alguns países já
tomaram medidas iniciais em direção ao sistema de certificados, fornecendo, por exemplo, um banco de dados
online de permissões de acesso concedidas (Austrália),
ou incluindo provisões em sua legislação de ABS que
permitam a emissão de certificados (tais como Butão e
Costa Rica). Estes países precisam assegurar que a ver-
6
são final do Protocolo não tenha um propósito contrário
a seus esforços, mas sim que permita a aplicação de sua
abordagem à questão. Diferentemente, países que ainda
não implementaram legislações domésticas a respeito do
tema devem garantir que nenhuma decisão futura sua
seja impedida pelo Protocolo. Nesse sentido, o Artigo 13
define uma lista de exemplos de medidas que podem ou
devem ser adotadas, conforme apropriado.
Enquanto essa abordagem fornece uma flexibilidade
necessária, resulta, por outro lado, em um grau
elevado de ambiguidade e tem sido criticada pela
falta de exigências concretas. Isso é particularmente
pertinente no emprego da expressão “conforme
apropriado” e a referência à “legislação doméstica”.
Se o certificado internacional e/ou a exigência de
divulgação de dados se voltarem somente a comprovar
que o PIC e os termos mutuamente acordados foram
cumpridos “em conformidade à legislação doméstica/
nacional” e não às normas internacionais, os objetivos do Protocolo podem ser alcançados somente em
um futuro remoto, uma vez que, na maior parte dos
países, a formulação de tal legislação pode levar
anos. Essa observação vale especialmente para países
com menos recursos e/ou sistemas legais e políticos
menos estáveis no âmbito doméstico.
No tocante a esse ponto, diversos aspectos importantes
do certificado ainda precisam ser negociados, tais como:
•pontos de verificação, além do papel que as autoridades
em matéria de propriedade intelectual assumirão;
•detalhes a respeito do conteúdo do certificado, por
exemplo, o caráter mandatório ou indicativo do
conteúdo mínimo que este adotará;
•formato (se seria necessário um identificador único
etc) e a operação do certificado (se este seria registrado ou disponibilizado ao Mecanismo de Câmara de
Compensação de ABS, sua relação com a permissão
de ABS etc);
•escopo do certificado: se, além de recursos genéticos,
incluiria conhecimentos tradicionais associados;
•natureza do certificado: um mecanismo voluntário
ou obrigatório, os valores diferentes de cada opção
etc; e
•sanções em casos de não conformidade - reguladas
no Artigo 13 bis (ver box p. 8).
Mesmo se as Partes tratarem dessas questões cruciais, ainda persistirão diversos desafios – tanto sob
a perspectiva do usuário como do fornecedor – com
relação à implementação bem-sucedida do certificado.
Primeiramente, é importante que os países tenham
claro o papel e a função desse instrumento em lograr
a repartição de benefícios. O certificado não garante,
per se, a distribuição justa e equitativa de benefícios
www.ictsd.org/news/pontes/
Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
ou a equidade de uma negociação contemplada pelo
certificado. Esse aspecto exigirá medidas futuras, que
devem ser cuidadosamente alinhadas. Em segundo lugar,
sob a perspectiva do país que concede o certificado,
a emissão do instrumento não deve gerar obstáculos
e atrasos desnecessários (e adicionais) ao sistema de
permissões de ABS, tampouco impedir ou complicar o
fluxo de recursos genéticos. Cabe ressaltar que, para
cumprir seu objetivo, esse processo exigirá capacitação.
Em terceiro lugar, os pontos de verificação e as sanções
em caso de não conformidade devem ser definidos com
cautela, a fim de motivar o cumprimento das regras. Por
fim, do ponto de vista do país em que se situa o ponto
de verificação, são necessários maiores esclarecimentos
acerca de quando o certificado deve ser apresentado e
o que acarretaria sua apresentação. Este último ponto
também pode demandar esforços voltados à capacitação.
A exigência de divulgação de dados
A redação atualmente preenchida com colchetes do
esboço do Protocolo refere-se à “divulgação de informações relevantes” e antecipa a existência de “pontos
de verificação adequados”. Isso se torna mais evidente
no Artigo 13, conforme mostrado acima. Ademais, o
Artigo 12 do esboço do Protocolo inclui as exigências
de divulgação de pedidos de registro relacionados a
propriedade intelectual (patentes e variedades de
plantas), mas mescla estes elementos a provisões gerais
sobre divulgação de informação. Aqui, diversas questões
relevantes ainda necessitam ser decididas, tais como:
a natureza das exigências de divulgação (se obrigatória
ou voluntária); os pontos de verificação adequados (por
exemplo, agências de propriedade intelectual como
pontos de verificação relevantes para a divulgação de
dados sobre origem, conforme proposta já apresentada);
e as sanções no caso de não conformidade às regras.
No entanto, a linguagem empregada até o momento no
esboço é consideravelmente vaga a respeito de alguns
elementos-chave da divulgação de informações sobre
a origem. Por exemplo, que informação deve ser divulgada? O que significa “fonte” ou “origem” dos recursos
genéticos? Não existe menção a outros elementos a
serem verificados 1, tais como uma prova de PIC, termos
mutuamente acordados e provisões sobre repartição de
benefícios. Sanções relacionadas a não conformidade
parecem voltar-se a pedidos de registro de propriedade
intelectual, devido ao uso das palavras “reivindicação”
e “pedido de registro”. No entanto, esses dispositivos
não tratam de possíveis cancelamentos, revogações ou
declarações de ausência de legislação específica para
a proteção dos direitos de propriedade intelectual, se
as exigências de divulgação não tiverem sido cumpridas
ou se o título de propriedade intelectual tiver sido
equivocadamente concedido.
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Tem as m u l t il ate rais
Na prática, uma versão soft – comparativamente ao
que foi previamente proposto por PEDs no Grupo de
Trabalho da OMC – sobre divulgação foi incorporada
ao Protocolo. Tal decisão pode ter objetivado acomodar alguns países que já se opuseram às exigências de divulgação de dados, tanto na OMC como na
CDB. Destaca-se que o esboço da seção do Artigo 13
relativa a tais requerimentos poderia oferecer uma
resposta a essa abordagem.
A eventual inclusão, no Protocolo ABS, de uma provisão relacionada às exigências de divulgação – mesmo
que nesta versão soft – pode impactar as negociações
atuais da OMC. O escopo exato e o conteúdo preciso
de uma eventual emenda ao Acordo da OMC ainda são
incertos, por exemplo, no que toca à possibilidade de
inclusão de sanções de não conformidade à legislação
de patentes, ou à necessidade de comprovação da
conformidade ao PIC e à repartição de benefícios.
Considerando o número significativo de membros da
OMC, bem como sua relevância econômica para estas
Partes, essa emenda promoveria uma melhor e mais
ampla integração entre a divulgação de informações
de origem do sistema de propriedade intelectual e
das legislações nacionais. Além disso, tal modificação
promoveria uma ampla implementação do instrumento.
Neste caso, a CDB pode fornecer assistência e coordenação no desenvolvimento e na implementação de
exigências de divulgação de informações por meio do
esclarecimento sobre termos e instrumentos, assim
como a respeito do papel do certificado na divulgação.
O impacto da divulgação de informações sobre origem para a prevenção da apropriação indevida de
recursos genéticos pode ser limitado, a menos que as
exigências com essa finalidade sejam acompanhadas
de medidas voltadas ao usuário deste recurso, tais
como acesso à justiça e criação de mecanismos de
cooperação entre os países, com vistas a tratar de
casos de não conformidade com legislações e acordos
nacionais em matéria de ABS.
Assim, diferentemente de outros temas constantes do
Protocolo, o certificado internacional e a exigência
associada – embora distinta – de divulgação de informações constituem temas que podem tomar forma
somente em um estágio mais avançado e durante o
próprio processo de implementação.
* Membro do Instituto Nacional de Biodiversidade da Costa Rica e
advogado do Centre for International Sustainable Development
Law (CISDL).
** Pesquisador do Centre for International Sustainable Development
Law (CISDL).
Tradução e adaptação de artigo originalmente publicado em Bridges Trade
BioRes Review, Vol. 4, No. 3 - out. 2010.
1 Exceto no caso de uso do certificado de conformidade como mecanismo de
cumprimento das exigências de divulgação.
7
Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
Te mas mu l ti la t era i s
ARTIGO 13
MONITORAMENTO[, RASTREAMENTO] E RELATÓRIO DA [UTILIZAÇÃO] DE RECURSOS GENÉTICOS [E CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
ASSOCIADOS]
1. As Partes devem tomar as medidas apropriadas para monitorar[, rastrear e reportar] a [utilização] de recursos genéticos[, seus
derivativos e conhecimentos tradicionais associados] para apoiar, inter alia, [o requisito de obtenção de consentimento prévio e
informado e de termos mutuamente acordados][a conformidade [com requisitos de consentimeto prévio e informado e termos
mutuamente acordados] [com requisitos regulatórios e legislação doméstica sobre acesso e repartição de benefícios][para apoiar a
implementação][sob o Artigo 12(1)][a fim de incrementar a transparência [e construir confiança entre provedores e utilizadores]]].
Tais medidas [poderiam][devem] incluir:
(a) A identificação e o estabelecimento de pontos de verificação de [conformidade obrigatória][efetiva][[e requisitos de [transparência][obrigatória][na divulgação de [informação][para[divulgar][prover] informações pertinentes][sobre[, por exemplo]:
(i) Autoridade nacional competente no país utilizador;
(ii) Instituições de pesquisa sujeitas a financiamento público;
(iii) Entidades que publiquem resultados de pesquisas relacionadas à [utilização] de recursos genéticos;
(iv) Escritórios [de exame de propriedade intelectual][de patentes e variedades de planta] e;
(v) Autoridades concessoras de aprovação regulatória ou de comercialização para produtos [derivados de recursos genéticos][resultantes do uso de recursos genéticos ou seus derivativos];
(v bis) [Comunidades indígenas e locais, incluindo suas autoridades competentes, que possam conceder acesso a conhecimentos
tradicionais associados a recursos genéticos.]
[Os requisitos de divulgação [obrigatória] devem ser cumpridos por meio do fornecimento [de boa fé] de evidências de que [uma
permissão ou] um certificado foi concedido [no momento do acesso], de acordo com [o Artigo 5, parágrafo 2(d)]][o consentimento
prévio informado e os termos mutuamente acordados conforme definido em legislação nacional];]
(b) [Exigir que][Encorajar] usuários e provedores de recursos genéticos a incluir provisões em termos mutuamente acordados para
compartilhar informações sobre a implementação de tais termos, inclusive por meio de exigências de relatório; e
(c) Encorajar o uso de ferramentas de comunicação efetivas em termos de custo e de sistemas para monitorar[, rastrear e reportar]
a [utilização] de recursos genéticos.
[(d) [Quando apropriado,][estabelecer] bases de dados contendo informações sobre recursos genéticos [que foram [ou podem] ser
fornecidos].]
2. [O][Qualquer] [permissão[, ou]] certificado [ou equivalente] concedido [no momento do acesso] de acordo com o Artigo 5,
parágrafo 2 (d) e [registrado com][disponibilizado a] a Câmara de Compensação [de Acesso e Repartição de Benefícios], [de acordo
com [o Artigo 5, parágrafo 3][o Artigo 11, parágrafo 2(c)]] deve constituir um certificado de conformidade [com a lei nacional]
reconhecido internacionalmente.
3. O certificado de conformidade reconhecido internacionalmente deve servir como evidência de que o recurso genético em questão
foi [[obtido,] acessado [e utilizado] de acordo][adquirido] com consentimento prévio e informado[, quando aplicável] e que termos
mutuamente acordados foram definidos, conforme estipulado na legislação nacional de acesso e repartição de benefídios [do país]
[da Parte][que fornece][a origem de] o recurso genético [ou seus derivativos]. [Requisitos de divulgação [obrigatória] devem ser
cumpridos por meio da emissão de um certificado reconhecido internacionalmente].
[4. O certificado de conformidade reconhecido internacionalmente [ou equivalente][deve][pode] conter as seguintes informações
mínimas [quando não forem confidenciais]:
(a) Autoridade nacional emissora;
(b) Detalhes do provedor;
(c) [Um identificador alfanumérico codificado único]
(d) [Detalhes das [comunidades indígenas e locais relevantes que são][detentoras de direitos][legítimas detentoras] de conhecimentos
tradicionais associados [dentro das comunidades indígenas e locais], conforme apropriado;]
(e) Detalhes do usuário;
(f) [Recursos genéticos e/ou derivativos][em questão] contemplados pelo certificado [ou equivalente];
(g) [Localização geográfica [e/ou georeferência] da atividade de acesso;]
(h) [Referência a que][Confirmação de que] termos mutuamente acordados [foram alcançados];
(h bis) [Confirmação de obtenção de consentimento prévio informado, onde aplicável;]
(i) Usos permitidos e restrições ao uso[, quando aplicáveis];
(j) Condições de transferência a terceiros;
(k) [Data de emissão.]
[5. A [primeira] Conferência das Partes a reunir as Partes deste Protocolo [após a entrada em vigor deste Protocolo] deve [decidir
sobre o conteúdo mínimo][considerar modalidades adicionais] do [sistema de] certificado de conformidade internacionalmente
reconhecido, levando em consideração a necessidade de minimizar os custos de transação e de garantir operacionalidade, praticidade e flexibilidade.]
[ARTIGO 13 BIS ]
NÃO-CONFORMIDADE COM REQUISITOS OBRIGATÓRIOS DE DIVULGAÇÃO
Se o utilizador falha ou se recusa a divulgar as informações pertinentes sobre o país de origem ou fonte nos casos em que a requisição
é diretamente baseada em recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados:
(a) Um utilizador deve ter a possibilidade de corrigir a omissão dentro de um período definido na legislação relevante;
(b) [Se o utilizador ainda se recusar a fornecer qualquer declaração, então a requisição não mais deverá ser processada.]
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Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
Tem as m u l t il ate rais
Conhecimentos tradicionais sob o
Protocolo ABS
Daniel Robinson*
Brendan Tobin**
O acesso e o uso de recursos genéticos são geralmente possíveis por meio dos conhecimentos tradicionais detidos por
comunidades indígenas e locais (ILCs, sigla em inglês). Por esta razão, a inclusão de medidas que assegurem a proteção dos
conhecimentos tradicionais é muito importante dentro de qualquer regime significativo de acesso e repartição de benefícios
(ABS, sigla em inglês).
A falta de referência aos conhecimentos tradicionais nos
objetivos do esboço do Protocolo chama atenção1, dado o
mandato da 7ª Conferência das Partes (COP, sigla em inglês)
da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) (Dez VII/19D),
que pede uma implementação efetiva do Artigo 8o(j). No
entanto, o esboço mais recente inclui diversos artigos-chave
relacionados a conhecimentos tradicionais, com e sem
colchetes – sinalização de que ainda não existe consenso a
respeito do tópico. Os dispositivos relevantes nesse sentido
são: Artigos 3o (parcialmente), 5o e 9o.
De acordo com o Artigo 3o (“Escopo”) do esboço, “Este Protocolo
deverá ser aplicado a recursos genéticos [e conhecimentos
tradicionais associados] dentro do escopo [do Artigo 15] da
Convenção sobre Diversidade Biológica e a benefícios resultantes [da utilização] de tais recursos [que foram adquiridos
após a entrada em vigor deste Protocolo para uma Parte,
com Partes que forneçam tais recursos] [ou seus derivados]”.
Provavelmente, esta provisão se limitará a conhecimentos
tradicionais associados a recursos genéticos adquiridos após
a entrada em vigor do Protocolo. Todavia, a aplicação desse
dispositivo pode estender-se a benefícios resultantes do uso
contínuo de conhecimentos tradicionais adquiridos anteriormente à vigência do Protocolo ou a novos usuários de tais
conhecimentos, desde que estes sejam associados a recursos
genéticos. No entanto, esta possibilidade tem constituído
objeto de intensos debates.
Existem diversas considerações importantes com relação ao
escopo do Protocolo em matéria de conhecimentos tradicionais.
Cabe observar que grande parte destes pode ser considerada
domínio público, documentada como patrimônio nacional –
como no caso da Ayurveda, na Índia – ou já pode estar sendo
utilizada por pesquisadores e/ou empresas. A esse respeito,
muitas ILCs e países em desenvolvimento (PEDs) almejam
que o uso contínuo e novo de conhecimentos tradicionais
adquiridos esteja sujeito a obrigações de consentimento
prévio informado (PIC, sigla em inglês) e benefícios justos
e equitativos. Por sua vez, muitos dos países desenvolvidos
(PDs) são favoráveis à aplicação restrita do Protocolo a
recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados
adquiridos após a entrada em vigor desse documento. A
perspectiva de aplicação de obrigações de repartição de
benefícios a conhecimentos tradicionais antes da entrada
em vigor do Protocolo é controversa e complexa – se não
impossível, em alguns casos.
www.ictsd.org/news/pontes/
Além disso, persistem visões díspares quanto ao significado
do termo “conhecimentos tradicionais associados a recursos
genéticos”. Quando questionados sobre bioprospecção, muitos na indústria argumentam que ILCs raramente possuem
conhecimentos tradicionais sobre recursos genéticos: na maior
parte dos casos, tais comunidades detêm conhecimentos tradicionais sobre a utilização de plantas, animais e derivados/
extratos bioquímicos.
Em alguns países – como África do Sul e Austrália –, os arranjos legais de ABS tiveram seu escopo ampliado e passaram a
exigir uma repartição de benefícios justa e equitativa para
recursos biológicos em geral, bem como para seus derivados
e conhecimentos tradicionais associados.
Já sob a perspectiva dos detentores de conhecimentos tradicionais, é importante, para evitar ambiguidades, que o
Protocolo ABS inclua todo uso de conhecimentos tradicionais
relacionado à utilização de recursos biológicos e genéticos e
seus derivados – o que, no momento, aparece entre colchetes
no Artigo 2o (“Aplicação dos Termos”) do esboço.
Com o objetivo de contornar as divergências decorrentes
da expressão “associados a recursos genéticos”, o Grupo de
Trabalho sobre ABS optou por concentrar seus esforços na
especificação de formas de “utilização de conhecimentos tradicionais associados a recursos genéticos”, ao invés de buscar
consenso em torno do significado de um termo tão controverso. Também é problemático o uso do termo “tradicional”,
cuja interpretação provavelmente envolverá dificuldade por
parte dos usuários e das autoridades nacionais competentes.
Alguns analistas criticaram o fato de as provisões para acesso
e PIC estarem sujeitas a legislações nacionais conforme o
esboço do Protocolo, texto que se encontra entre colchetes
para o Artigo 5o2 . Esse é um dos principais pontos ressaltados
pelo Fórum dos Povos Indígenas sobre Biodiversidade: o fato
de o esboço mencionar repetidamente “sujeito à legislação
nacional” ameaça desestabilizar a implementação efetiva do
Protocolo e fazer com que os conhecimentos tradicionais sejam
apenas verdadeiramente reconhecidos segundo os critérios
dos governos – o que é altamente problemático para diversos grupos indígenas. Ademais, como diversos PEDs levarão
anos para desenvolver regimes nacionais de ABS adequados,
o Protocolo deveria especificar que o acesso está sujeito ao
PIC de autoridades nacionais competentes e de detentores
de conhecimentos tradicionais, independentemente de sua
presença na legislação nacional.
9
Te mas mu l ti la t era i s
O Artigo 5o bis do esboço do Protocolo ABS discorre detalhadamente sobre o acesso a conhecimentos tradicionais associados
a recursos genéticos. O Parágrafo 1 exige que as Partes tomem
medidas legislativas, administrativas ou políticas com vistas a
assegurar que os conhecimentos tradicionais associados a recursos
genéticos (ou seus derivados) detidos por ILCs sejam acessados
com seu PIC. A partir disso, é pertinente questionar como os
atores e usuários identificarão quem detém tais conhecimentos.
Particularmente, isso será difícil onde estes são transmitidos
oralmente – ou seja, onde não há registro público escrito.
de cláusulas contratuais para repartição de benefícios. O apoio
às ILCs na elaboração de protocolos comunitários permite que
essas comunidades controlem os procedimentos de acesso em
seus próprios termos e com base em seus valores e costumes.
A força desse controle, entretanto, estará alinhada a qualquer
texto acordado para o Parágrafo 1o.
Nesse sentido, medidas incisivas de não conformidade seriam
especialmente importantes para que as ILCs possam relatar a
apropriação indevida de seus conhecimentos tradicionais às
autoridades, de modo que estas tomem as devidas ações. Do
ponto de vista das ILCs, seria preferível a inclusão, no Artigo
5o bis, de texto referente ao resguardo das leis costumeiras e
dos protocolos – referência feita no Artigo 9o, discutido mais
detidamente abaixo.
O Parágrafo 4o do Artigo 9o contém uma provisão importante
para a prevenção de restrições sobre o uso costumeiro e
a troca de recursos genéticos, derivados e conhecimentos
tradicionais associados. Esta provisão parece relevante em
situações nas quais as comunidades locais registram a proteção
de variedades de plantas cultivadas domesticamente – conforme
ilustrado pelo caso da Lei Indiana de Proteção da Variedade
de Plantas e dos Direitos dos Agricultores. No entanto, alguns
especialistas sugerem que isso causará uma tragédia dos
anticommons4. De todo modo, é importante assegurar que
os medicamentos tradicionais poderão ainda ser livremente
utilizados e que há limitações sobre o seu controle exclusivo.
O Parágrafo 2o do Artigo 5o bis requer medidas apropriadas
e efetivas para assegurar que o acesso tenha sido adquirido
de acordo com o Parágrafo 1o. Isso implica monitoramento
de provisões ABS conforme detalhado no Artigo 13. Contudo,
esse dispositivo deveria permitir recursos nas situações em
que grupos indígenas considerarem que as negociações não
resultaram em termos mutuamente acordados (ver Artigo
14). Nesse contexto, serão necessários comprometimentos
substanciais de autoridades nacionais e de outras Partes
relevantes quanto à observação e conformidade dos usuários
com certificados – uma das exigências de publicação de dados.
Por fim, o Parágrafo 5o do Artigo 9o trata dos conhecimentos
tradicionais associados a recursos genéticos disponíveis
publicamente ou já obtidos. Esse parágrafo encoraja medidas
razoáveis com vistas a arranjos de repartição de benefícios
justos e equitativos para com os detentores (legais) destes
conhecimentos. Contudo, as controvérsias relacionadas aos
recorrentes casos de biopirataria resultaram em uma elevada
incidência de colchetes nesse dispositivo. É provável, ainda,
que a indústria apresente objeções à exigência de que o setor
acate acordos de repartição de benefícios retrospectivamente
ou por meio do uso de informação disponível ao público.
Por sua vez, os Parágrafos 3o e 5o do Artigo 5o bis tratam da
não conformidade mencionada no Parágrafo 1o – e este texto
parece ser o único a abordar (vagamente) as apropriações
indevidas de conhecimentos tradicionais. É preciso que esta
seção seja fortalecida, de modo a também incluir a definição de apropriação indevida e de medidas para remediar a
situação. Ainda, seria oportuno fazer referência ao Artigo 31
da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas (UNDRIP, sigla em inglês), que ressalta que as comunidades indígenas detêm e controlam seus conhecimentos.
Os termos mais fracos utilizados no parágrafo (por exemplo, “medidas razoáveis”) podem torná-lo mais palatável à
indústria. Todavia, para ser efetivo, esse parágrafo e/ou os
Artigos 13, 13 bis e 14 devem exigir uma declaração sobre o
uso de conhecimentos tradicionais e uma demonstração das
medidas tomadas com vistas à partilha justa e equitativa dos
benefícios, além de ser pertinente uma associação explícita
com os requerimentos de divulgação dos dados de patentes.
Detalhes importantes relativos ao tratamento de conhecimentos
tradicionais são especificados no Artigo 9o do Protocolo. No
entanto, o emprego da expressão “levar em consideração” alivia
o tom do texto em negociação, além de não corresponder às
provisões da UNDRIP que exigem respeito, reconhecimento e
consideração adequados de leis costumeiras em reconhecimento
e adjudicação de direitos a recursos e terras e da resolução
de disputas relativas aos direitos dos povos indígenas. Não
obstante, parte do Parágrafo 1o encontra-se entre colchetes;
mais precisamente, os excertos relacionados a leis de ILCs,
leis costumeiras, procedimentos comunitários e protocolos.
Para que o texto assegure que processos de PIC exijam observação
e reconhecimento devidos para com os procedimentos das ILCs,
as leis costumeiras e os protocolos comunitários, a revisão do
Parágrafo 1o do Artigo 9o é considerada vital. Somente assim
será garantida a proteção dos direitos humanos e da integridade cultural dos povos indígenas e das comunidades locais3.
O Artigo 9o, Parágrafo 3o do texto em negociação também
apresenta importantes provisões para que as Partes apoiem
ILCs no desenvolvimento de protocolos comunitários relativos
ao acesso a conhecimentos tradicionais associados a recursos
genéticos (ou derivados) e à repartição de benefícios; requerimentos mínimos para termos mutuamente acordados e modelo
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Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
Dependendo dos termos escolhidos, é importante que se exija
que os usuários estabeleçam acordos de repartição de benefícios
em que conhecimentos tradicionais disponíveis publicamente
sejam utilizados. Se isso não constituir uma exigência, então
pode-se razoavelmente assumir que os usuários continuarão
a alegar que estão simplesmente utilizando conhecimento
de domínio público e que não têm nenhuma obrigação em
compartilhar tais benefícios com ILCs – independentemente
de tais comunidades terem voluntariamente disponibilizado
esse conhecimento ao público ou de tais conhecimentos
terem sido ilicitamente apropriados, isto é, documentados
e adquiridos sem PIC.
* Pesquisador do Instituto para Estudos Ambientais da Universidade
de New South Wales em Sidnei, Austrália.
** Consultor para Lei Ambiental Internacional e Direitos Humanos e
é atualmente doutorando no Centro Irlandês de Direitos Humanos
da Universidade Nacional da Irlanda em Galaway, Irlanda.
Tradução e adaptação de artigo originalmente publicado em Bridges Trade
BioRes Review, Vol. 4, No. 3 - out. 2010.
1Apesar de os conhecimentos tradicionais estarem mencionados em
diversas partes no esboço do Protocolo ABS, não constam no Artigo 1,
sobre os objetivos deste documento.
2 Ver: Swiderska, K. Equitable Benefit-Sharing or Self-Interest, Londres:
IIED, Set. 2010.
3Ibid.
4 Ver: Ramanna,A.; Smale, M. Rights andAccess to Plant Genetic Resources Under
India’s New Law. In: Development Policy Review, Vol. 22, No. 4, 2004, pp. 423-42.
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Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
Tem as m u l t il ate rais
O compartilhamento de conhecimento
sobre materiais de patogênese humana
Fredrick Abbott*
O acesso a material biológico com potencial de patogênese humana constitui uma importante ferramenta de pesquisa, uma
vez que o desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas depende de análise científica acerca das causas das doenças.
Em um contexto de potencial pandemia, como verificado em relação ao vírus H1N1, a questão do acesso a esse tipo de
recurso adquire especial urgência.
Nos últimos anos, os membros da Organização Mundial da
Saúde (OMS) têm negociado um acordo sobre compartilhamento de vírus influenza com potencial de pandemia humana.
As tratativas surgiram a partir de controvérsias envolvendo
países em desenvolvimento (PEDs) que negaram a pesquisadores da OMS acesso a amostras de vírus, por receio de não
reciprocidade no acesso a vacinas e medicamentos produzidos a partir dessas amostras. Enquanto essas negociações
avançam vagarosamente, reconhece-se, no âmbito da OMS,
a necessidade de se debater o acesso a materiais biológicos
com potencial de risco à saúde humana de forma mais ampla.
Tais materiais estão incluídos na Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB) e em seu Protocolo de Acesso e Repartição de
Benefícios (ABS, sigla em inglês). Atualmente, o tratamento
legal para tais materiais no texto em negociação do Protocolo
é problemático e, conforme a abordagem adotada, a aprovação do documento pode resultar em insegurança jurídica.
O esboço atual apresenta três alternativas – discutidas a seguir.
Os materiais com potencial de patogênese humana podem
ser tratados como os demais recursos genéticos, excluídos da
disciplina genérica, ou receber regulação especial. A versão
atual do Protocolo trata também da possível integração com
as regras da OMS, particularmente com o Artigo 6o, relativo
a situações de emergência.
uma obrigação genérica de considerar circunstâncias externas
relacionadas a materiais de patogênese na formulação e implementação das legislações nacionais. Esta opção não contribui
significativamente para esclarecer a relação entre o Protocolo ABS
e a CDB, de um lado, e interesses envolvendo a OMS, de outro.
A segunda opção entre colchetes é mais específica, embora
ainda ofereça margem a dúvidas. A menos que os materiais
de patogênese sejam expressamente excluídos do escopo do
Protocolo, esse dispositivo não os isenta da regulação deste
documento. Se a nova exclusão da disciplina do Artigo 3o
alíena (f) for adotada, haveria uma referência cruzada ao
Artigo 6o. alínea (b) – cada um desses dispositivos abordando
diferentes assuntos. A primeira cláusula do Artigo 6o alíena
(b) refere-se à concessão de “acesso imediato”, mas não
explica como esse dever se relaciona aos demais, contidos
no Protocolo ABS – como no caso do Artigo 5o, que torna
obrigatório o consentimento prévio informado e a negociação
dos termos de repartição de benefícios.
Até a reunião realizada em Montreal (Canadá), as patogêneses
humanas constituíam a única alternativa no Artigo 3o, alíena
(f) do Protocolo. Na última sessão do Grupo de Trabalho em
ABS, as Partes propuseram alterar a redação desse artigo
para: “recurso genético que constitui um perigo sério e
direto à saude humana, conforme descrito nas Regulações
Internacionais de Saúde, e que se encontra contemplado por
e para o propósito de um instrumento especializado, como
descrito na alínea (b) do Artigo 6o”. Este esclarecimento
contribuiria para reduzir a ambiguidade da exceção relativa
a materiais de patogênese humana, mas diversas questões
importantes permanecem sem resposta.
O trecho “nos casos e para os usos mencionados em regras,
procedimentos ou práticas existentes e futuras sobre compartilhamento de patogêneses e benefícios relacionados
estabelecidos sob aquelas organizações e convenções internacionais” pode ser compreendido como um sinal de que as
regras da OMS prevalecerão sobre as regras do Protocolo ABS.
Ao colocar os materiais de patogênese sob a disciplina do
Protocolo, o dispositivo parece estipular que as regras deste
diploma e da CDB constituirão o regime padrão para acesso
a materiais de patogênese, caso os membros não alcancem
um acordo alternativo no âmbito da OMS. A provisão pode
também preencher as lacunas entre as regras da OMS que
não contemplam questões específicas. Se forem excluídos do
escopo do Protocolo ABS, conforme o esboço atual do Artigo 3o
alínea (f), os materiais de patogênese podem ainda se sujeitar
à aplicação da Convenção, deixando em aberto a aplicação
do Artigo 6o do Protocolo ABS. Esse exercício de referências
cruzadas é, entretanto, marcado por um alto grau de incerteza.
A redação do trecho “perigo sério e direto à saude humana”
engloba uma ameaça imediata. Contudo, a avaliação de
ameça baseada na probabilidade de mutação genética consiste
em um exercício de incerteza, como no caso do vírus H5N1
(gripe aviária). Assim, seria preferível utilizar uma linguagem
que afastasse o requisito de ameaça direta e imediata; uma
reformulação da frase para “com potencial de patogênese
humana” atenderia a esse propósito.
Embora os negociadores do Protocolo ABS tenham reconhecido
que parte das questões podem se sobrepôr a tópicos abordados na
OMS, não há clareza acerca de como isso pode ser solucionado.
Nesse sentido, antes da adoção de qualquer documento, os negociadores da CDB e da OMS deveriam concentrar-se na formulação
de ideias concretas de articulação entre os dois sistemas em
torno das mesmas questões. Afinal, nessa situação, a manutenção
da ambiguidade significa maior prejuízo para a saúde pública.
O Artigo 6o prevê um mecanismo específico para recursos
genéticos e de patogênese, mas sua relação com o Artigo 3o
alínea (f) e os mecanismos da OMS suscita dúvidas. A primeira
opção entre colchetes – portanto, ainda não acordada – criaria
* Professor Emérito de Direito Internacional na Faculdade de Direito
da Universidade Estadual da Flórida.
www.ictsd.org/news/pontes/
Tradução e adaptação de artigo originalmente publicado em Bridges Trade
BioRes Review, Vol. 4, No. 3 - out. 2010.
11
Te mas mu l ti la t era i s
Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
Políticas comerciais agrícolas e sua
importância para a biodiversidade
Jonathan Hepburn*
Os negociadores reunidos atualmente em Nagoia (Japão) para a 10ª Conferência das Partes (COP, sigla em inglês) da
Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) estão longe de atingir sua meta de conter o processo de perda de biodiversidade até o final de 2010. Além das negociações da COP 10, políticas e regulamentações sobre o comércio agrícola também
impactarão de forma significativa as perspectivas para a biodiversidade e as políticas de países desenvolvidos (PDs) e em
desenvolvimento (PEDs).
As negociações no âmbito da CDB representam somente parte
de uma constelação emergente de normas que podem afetar
a relação entre agricultura e biodiversidade. As provisões do
tratado internacional da Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO, sigla em inglês) relativas a
agrobiodiversidade1 e da Convenção Internacional de Proteção
de Novas Variedades de Plantas da União Internacional para
Proteção de Obtenções Vegetais (UPOV, sigla em inglês), bem
como as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e
da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI),
todas podem influenciar – direta e indiretamente – a medida
em que a agricultura afeta a diversidade das formas de vida
do planeta – embora tais instrumentos apresentem noções
diversas acerca dos meios pelos quais os diferentes objetivos
de políticas públicas devem ser atingidos.
Ainda que as relações entre os diferentes acordos tenham
sido extensamente exploradas por negociadores e analistas2
(apesar dos possíveis – e sérios – impactos das atuais negociações sobre esta área), menos atenção foi dada à forma
com que as regras de comércio agrícolas em negociação na
Rodada Doha da OMC podem afetar a biodiversidade. Os
novos limites propostos para subsídios agrícolas distorcivos
ao comércio e as novas regras sobre acesso a mercado agrícola têm o potencial de afetar a biodiversidade por conta
da implicação desses elementos sobre a competitividade
agrícola e diferentes sistemas de produção em PDs e PEDs.
Subsídios: uma questão crítica
Os subsídios vinculados a níveis de produção, preço mínimo
garantido ou ainda a insumos podem reduzir a biodiversidade
por meio do incentivo a técnicas de produção que envolvam a
destruição de habitats como florestas e pântanos; do incentivo
ao uso intensivo de fertilizantes, pesticidas e herbicidas;
ou da influência sobre práticas insustentáveis de pecuária.
Assim, são inúmeras as associações entre os subsídios agrícolas distorcivos ao comércio e a perda de biodiversidade em
ecossistemas agrícolas ou a estes relacionados.
Além dos danos ambientais que podem causar, tais subsídios
são responsáveis por debilitar a segurança alimentar e os
meios de subsistência nos PEDs. O nível elevado destes subsídios concedido nas últimas décadas contribuiu, no longo
prazo, para o declínio na produtividade agrícola em PEDs,
na medida em que gerou desincentivos para investimentos
agrícolas nestes países3.
12
As novas regras propostas na OMC limitarão esse apoio a um
nível historicamente baixo – aproximadamente US$14,5 bilhões
nos Estados Unidos da América (EUA) e €22,1 bilhões na União
Europeia (UE) –, o que possivelmente acarretará impactos
positivos sobre a biodiversidade, a segurança alimentar e os
meios de subsistência nos PEDs.
Contudo, o esboço do acordo de Doha coloca poucas restrições
a outra categoria de apoio, conhecida na OMC como pagamentos de “caixa verde”. Estes estão isentos dos cortes e de
qualquer limite com base no fato de que distorcem apenas
minimamente a produção e o comércio agrícolas. Enquanto
especialistas tendem a concordar com o fato de que tais
pagamentos são, em geral, menos distorcivos ao comércio do
que aqueles diretamente ligados à produção, controvérsias
persistem sobre até que ponto tais pagamentos continuam a
influenciar as decisões de produção dos agricultores.
Os subsídios de “caixa verde” representam mais de 90% dos
subsídios estadunidenses e estão em ascensão na UE – quase
dois terços do total de subsídios do bloco europeu se encontram
nesta categoria, de acordo com seu mais recente relatório
oficial apresentado à OMC. Embora alguns pagamentos desta
categoria promovam a biodiversidade, como alguns executados sob programas ambientais, outros são neutros ou até
prejudiciais quanto a esse aspecto.
Os agricultores podem, por exemplo, receber apoio de acordo
com programas voltados explicitamente à biodiversidade –
como criações de ovelhas em que o pasto é a morada de
borboletas raras. Em outros casos, pagamentos ambientais
podem ser concedidos a atividades como o desmatamento,
que substitui áreas ricas em biodiversidade por florestas de
monocultura. No topo do problema encontra-se a falta de
metas e objetivos claros e de monitoramento para diversos
programas de subsídio.
Por vezes, tais pagamentos são desproporcionais aos custos
de implementação de padrões ambientais, inclusive aqueles
relativos à biodiversidade. Por exemplo, um estudo ressalta
que um agricultor em Cambridgeshire (Reino Unido) se
sujeitou a um custo de €75 por respeitar regulamentações
ambientais, mas recebeu, em contrapartida, €27.000 em
pagamentos diretos, o que induziu alguns críticos a questionar
se tais subsídios não constituíam, na prática, uma forma de
subsídio à renda4.
Enquanto alguns PEDs, como a China, utilizam subsídios de
caixa verde para cumprirem seus objetivos ambientais em
www.ictsd.org/news/pontes/
Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
áreas de florestas ou como forma de combater a desertificação,
muitos ainda carecem de recursos financeiros para dedicar
um apoio substancial à agricultura, e permanecem preocupados com o fato de que a grande e crescente quantidade
de apoio aos agricultores observada nos PDs pode colocar
os produtores destes países em vantagem competitiva em
relação aos agricultores de PEDs.
Acesso a mercado e biodiversidade
As novas regras propostas na OMC sobre acesso a mercado
também podem afetar o quadro da biodiversidade, embora seja
mais difícil estabelecer o impacto do esboço do acordo agrícola
nessa área. Nesse sentido, regras e políticas nacionais são particularmente importantes para determinar se reduções tarifárias
a produtos agrícolas são positivas ou negativas para a biodiversidade – tema até o momento ausente nas tratativas comerciais.
Muitos PEDs abrigam um número representativo de pequenos
agricultores, que não estão preparados para concorrer com
exportações agrícolas de preço reduzido e subsidiadas do
mundo desenvolvido. Na OMC, uma coalizão destes países
tentou isentar alguns produtos-chave de cortes tarifários e
estabelecer mecanismos de salvaguarda para proteger seus
agricultores de aumentos repentinos nas importações e de
uma rápida queda dos preços, com base nos princípios de
segurança alimentar, proteção à subsistência e desenvolvimento rural. Na prática, as flexibilidades das quais os PEDs
provavelmente desfrutarão nessas áreas poderão servir para
salvaguardar práticas agrícolas tradicionais mais benéficas
à biodiversidade – embora este tema não tenha figurado de
forma explícita nas negociações da OMC.
Um assunto mais complexo é a relação entre expansão
comercial e biodiversidade. Muitos dos PEDs mais pobres
são fortemente dependentes das exportações de apenas
algumas commodities agrícolas primárias. Para estes países,
um maior acesso a mercados lucrativos pode ser decisivo
para seu crescimento econômico e a redução de seus índices de pobreza. Todavia, o impacto sobre a biodiversidade
dependerá significativamente de políticas e regulamentações
ambientais nacionais, bem como da capacidade desses países
de executá-las de modo eficaz.
Existe, nos PEDs, um interesse crescente pelo comércio de
bens derivados da biodiversidade nativa, geralmente por
meio do uso de selos e esquemas de certificação voltados
aos consumidores mais atentos à questão ambiental. Ainda
que tais iniciativas possam oferecer uma solução parcial ao
desafio da perda de biodiversidade, existe o risco de que
permaneçam focadas em um número limitado de produtos e
que não ofereçam, por sua natureza, uma solução sistêmica
para o problema a nível global.
O comércio de produtos agrícolas orgânicos de alto valor
tem o potencial de proporcionar benefícios econômicos mais
abrangentes, além de ajudar a diminuir a perda de biodiversidade. Contudo, os padrões técnicos e os requerimentos de
saúde e segurança dos PEDs podem continuar a prejudicar
as exportações de produtos orgânicos do mundo em desenvolvimento. Se, por um lado, a agricultura orgânica precisa
de apoio para continuar economicamente viável, por outro,
www.ictsd.org/news/pontes/
Brasil
PDs e PEDs são capazes de gerar impactos positivos sobre a
biodiversidade, por meio da revisão de suas regulamentações
e políticas nacionais sobre o uso de insumos; e mediante o
investimento em serviços de expansão agrícola, a fim de que
possam compartilhar sua experiência em técnicas de produção
ecológica com outros agricultores.
Biodiversidade e comércio agrícola: em busca
de uma abordagem holística
Estima-se que mudanças climáticas, crescimento populacional
e mudanças nos padrões de consumo decorrentes do aumento
na renda média dos PEDs exerçam, nos próximos anos, pressão
em termos de terras e outros recursos naturais – tendências
que podem ser exacerbadas por políticas nacionais mal formuladas em setores como o de biocombustíveis. Mudanças
nas políticas de comércio agrícola que promovam o aumento
da produtividade em países pobres e incrementem o valor da
produção local terão um papel importante no que se refere
à segurança alimentar e às necessidades de emprego, ao
mesmo tempo em que assegurarão que tais pressões não
afetem negativamente a biodiversidade.
Provavelmente, muitos PEDs tomarão providências com vistas a
assegurar que seus objetivos nacionais em matéria ambiental,
social e econômica sejam estabelecidos e implementados em
estratégias de desenvolvimento nacional, se quiserem garantir que as negociações de comércio agrícola na OMC sejam
favoráveis a seus objetivos de biodiversidade. No entanto,
as reformas nas políticas agrícolas dos PDs constituem uma
importante contrapartida, que garantirá a efetividade de tais
medidas. No tocante a este ponto, tais países deverão deslocar
o foco de seus subsídios agrícolas a metas claras e mensuráveis
de políticas públicas, inclusive a respeito de biodiversidade.
Independentemente da conclusão da turbulenta Rodada Doha,
oportunidades para realizar as reformas aqui tratadas existem
e estão ao alcance dos governos. A UE já começou a pensar
no formato futuro de sua Política Agrícola Comum (PAC) – algo
que pode ter importantes implicações para o processo de
perda de biodiversidade e para outros objetivos de políticas
nacionais e internacionais. Por sua vez, os EUA deverão iniciar
em breve discussões similares sobre a próxima Lei Agrícola
(conhecida como Farm Bill), que determina programas de
apoio a diversos produtos agrícolas, tais como algodão, milho
e arroz. A participação ativa de eleitores que estão preocupados com a questão da biodiversidade será essencial para
que as regras de comércio agrícola promovam a conservação
e a sustentabilidade na agricultura nas próximas décadas.
* Integrante do Programa para Agricultura do ICTSD.
Tradução e adaptação de artigo originalmente publicado em Bridges Trade
BioRes Review, Vol. 4, No. 3 - out. 2010.
1Ver: Tratado Internacional da FAO sobre recursos genéticos para
alimentação e agricultura.
2 Ver: Tansey, G.; and Rajotte, R. (2008) “The Future Control of Food”.
Londres: Earthscan, 2008UK.
3 Ver: ICTSD (2009),. “Ensuring trade policy supports food security goals“.
Genebra: ICTSD, 2009.
4 Citado em: Brunner, A., and Huyton, H. (2009) “The environmental impact
of EU green box subsidies”. Em: Meléndez-Ortiz, R., Bellmann, C. and
Hepburn, J., “Agricultural subsidies in the WTO green box: eEnsuring
coherence with sustainable development goals”. Cambridge: Cambridge
University Press, UK, 2009.
13
Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
Brasi l
A opção por um futuro sustentável
João de Deus Medeiros*
Reunidas em Nagoia (Japão), as Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) buscam um acordo em torno de
temáticas de grande relevância, na medida em que dizem respeito ao futuro da vida na Terra. No contexto da 10ª Conferência
das Partes (COP, sigla em inglês), este artigo analisa a importância do acordo em negociação no Japão e situa as principais
medidas adotadas pelo governo brasileiro no que toca à biodiversidade.
Um olhar desatento sobre a CDB poderia enxergar apenas Com certeza, a maior parte das pessoas na Convenção
o embate utilitarista sobre temas pontuais como fauna, ainda não viu, de perto, a extinção da vida nos estágios
flora, recursos genéticos, valores econômicos, direitos finais da desertificação ou dos grandes desastres ambiencomerciais, desenvolvimento, fronteiras e soberanias. tais. É preciso, logicamente, considerar neles os fatores
Algo capaz de lembrar a histórica e interminável Rodada não antrópicos, mas em muitos casos é o ser humano o
Uruguai no Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e responsável por tais fenômenos tão negativos, quer por
Comércio (GATT, sigla em inglês), com a diferença de suas ações locais, regionais ou globais.
tratar-se ali do patrimônio natural. Esses são, sem Um fórum sobre a biodiversidade é oportuno para debater
dúvida nenhuma, aspectos de
o valor da vida. Nunca é demasiado
grande relevância para as Nações
lembrar que ela sempre sucumbe
Unidas na 10ª COP, pois afetam
Desde 2002, quando
primeiro no mundo das ideias, dos
e afetarão diretamente a vida
as Nações Unidas se
acordos, das convenções, para
de bilhões de pessoas no mundo.
em seguida desaparecer como
No entanto, olhando com um pouco
mais de atenção, é possível ver
os representantes das 193 nações,
enfrentando, pela 10ª vez, impasses que envolvem nada menos que
o futuro da vida na Terra. Como nos
encontros anteriores, em Nagoia,
o debate de fundo dirá respeito a
temas instigantes como o legado
biológico que desejamos deixar
para as gerações vindouras, como
achar uma forma de enfrentar a
vulnerabilidade, garantir a segurança alimentar e contribuir para
reduzir os impactos das mudanças
climáticas globais.
comprometeram com a
luta pela vida, nenhum
país conseguiu cumprir
as metas estabelecidas
pela CDB. Mesmo assim, as
políticas públicas adotadas
pelo governo brasileiro
levaram à criação de
44 novas Unidades de
Conservação, em um total
de mais 24,7 milhões de
hectares. Atualmente, o
país está alcançando a
consolidação de 60 milhões
de hectares, ou seja, quase
75% das metas acordadas na
Convenção.
Do ponto de vista das economias
mundiais, o custo de oportunidade
da preservação volta com mais
força desde o fracasso da COP
15, que discutiu mudanças climáticas em 2009. Isso
não acontece por acaso, já que o clima é determinante
para a manutenção da variabilidade da vida, que por
sua vez é fundamental para os processos de alterações climáticas. Há um ano, em Copenhague, pouco
se avançou, embora o Brasil e alguns outros países
tenham apresentado planos concretos para a redução
das emissões de carbono. Agora, estamos diante de um
novo desafio: garantir as condições para que as nações
afastem o risco de levar à exaustão os recursos naturais
do planeta, apresentando soluções para assegurar a
conservação da biodiversidade.
14
fato inexorável. Os processos de
extinção de espécies e de perda
de biodiversidade começaram há
muito tempo e se agravam até que
se encontre uma solução razoável
para a equação que hoje engloba
desenvolvimento e preservação da
diversidade biológica. Para assegurar a sobrevivência do homem e
sua qualidade de vida, é preciso
antes garantir a variabilidade das
espécies sobre o planeta. Estaremos,
portanto, optando entre um futuro
biodiverso ou um planeta inóspito,
semidesértico em breve, talvez em
um ou dois séculos apenas.
Alguns ainda consideram alarmistas as previsões do Painel
Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC, sigla em inglês),
que alertou as pessoas sobre o aquecimento global e seus
impactos no sistema produtivo e nas populações. Mas com
tantos e tão importantes assuntos na pauta dos governos,
como fazer chegar o clamor da Terra aos ouvidos dos
chamados tomadores de decisão? No que diz respeito à
biodiversidade, ainda estamos um passo atrás. Assistimos
tacitamente o debate se restringir a pesquisadores, gabinetes e rodadas de prospecção comercial. Precisamos
avançar e levar esse assunto diretamente às pessoas. Elas
já estão sendo afetadas pelo descaso com a biodiversidade.
Estamos falando de algo que atinge diretamente cada
pessoa no planeta. É uma questão de segurança alimentar,
www.ictsd.org/news/pontes/
Pontes Outubro 2010 Vol.6 No.4
de garantia de atividades econômicas e de trabalho baseadas ou não em capital
natural. A sobrevivência de populações inteiras está sendo ameaçada pelas secas,
pelo fim das florestas, pelo avanço das águas sobre regiões de todo o planeta, ou
pela fome, consequência da diminuição da oferta de pescado – causada pela redução
dos bancos de corais e pelo comprometimento das zonas úmidas do planeta –, e
da penetração de espécies exóticas invasoras na agricultura e na cria de animais.
Tudo isso torna o cálculo do custo de oportunidade um grande desafio. O que sabemos,
com certeza, é que se permitirmos a exploração sem critérios de sustentabilidade
nos atuais padrões de uso da terra e de seus recursos naturais, o custo pode ser o
futuro inteiro. Ou seja, um montante incalculável. É necessário, portanto, pensar
em como preservar essa rentável fonte para que ela jamais se esgote. O relatório da
Economia de Ecossistemas e Biodiversidade (TEEB), do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Pnuma), avalia que somente alguns serviços ambientais podem
render algo em torno de US$ 14 bilhões anuais. Lembremos La Fontaine, em sua
fábula sobre a galinha dos ovos de ouro. Não há comparação mais simples, ou há?
Países que se desenvolveram explorando indiscriminadamente sua biodiversidade,
em função de um modelo que considerava os recursos infinitos, são alguns dos que
agora vetam as limitações propostas pelos megadiversos. Consideram precaução
uma barreira não-tarifária ou algum tipo de recurso comercial impróprio. Veem
propostas de políticas de preservação como entraves ao desenvolvimento da ciência. Mesmo assim, avançamos paulatinamente no acesso aos recursos genéticos e
conhecimentos tradicionais associados. Temos de trazer para o mesmo patamar as
discussões sobre repartição de benefícios, fontes de financiamento dos serviços
ambientais e conservação e preservação dos ecossistemas.
Não está em jogo a primazia das questões ambientais sobre as econômicas ou vice-versa. É urgente que se inclua o meio ambiente nas agendas de desenvolvimento.
Existe uma dificuldade intrínseca em tornar compulsórios os resultados de uma
COP, mas os compromissos assumidos pelas nações devem caminhar no sentido de
que suas políticas públicas internas reflitam o que for acertado. Na Convenção do
Clima, por exemplo, o Brasil assumiu metas ousadas de redução de suas emissões
até 2020 e, ao mesmo tempo, transformou essa posição voluntária em lei, aprovada
pelo Congresso e sancionada pelo presidente Lula. O desmatamento, a principal
fonte de emissões de CO2 do Brasil, está em trajetória de queda sustentável. Esse
ano, a previsão é de que o país alcance uma nova redução, em torno de 47%, se
confirmados os dados obtidos no monitoramento em tempo real.
O Brasil lidera mundialmente o debate em favor da preservação das espécies, até
porque em seu território estão 20% de toda a diversidade da vida no planeta – por
isso, o país é conhecido como megadiverso. Seus padrões de conservação começam
a constituir modelos para exportação, e seu marco legal ambiental é reconhecidamente um dos mais avançados do mundo. Desde 2002, quando as Nações Unidas
se comprometeram com a luta pela vida, nenhum país conseguiu cumprir as metas
estabelecidas pela CDB. Mesmo assim, as políticas públicas adotadas pelo governo
brasileiro levaram à criação de 44 novas Unidades de Conservação, em um total de
mais 24,7 milhões de hectares. Atualmente, o país está alcançando a consolidação
de 60 milhões de hectares, ou seja, quase 75% das metas acordadas na Convenção.
Com isso, o Brasil está reservando para implementação de padrões totalmente
sustentáveis um território de 74,5 milhões de hectares, correspondentes às 304
Unidades de Conservação do país. Isso equivale a duas vezes o território do Japão
e faz do programa brasileiro de áreas protegidas o maior do mundo. Essas ações
contribuem diretamente para estancar o declínio de populações ameaçadas de
extinção – e isso não é pouco. São nossas opções em termos de futuro.
* Biólogo, Mestre em Ciências, Doutor em Botânica, Professor Associado da Universidade Federal
de Santa Catarina, Diretor do Departamento de Florestas e Secretario Substituto da Secretaria
de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente.
www.ictsd.org/news/pontes/
Pontes
PONTES tem por fim reforçar
a capacidade dos agentes na
área de comércio internacional
e desenvolvimento sustentável,
por meio da disponibilização de
informações e análises relevantes
para uma reflexão mais aprofundada sobre esses temas. É também
um instrumento de comunicação
e de geração de idéias que
pretende influenciar todos aqueles
envolvidos nos processos de
formulação de políticas públicas e
de estratégias para as negociações
internacionais.
PONTES foi publicado pelo Centro
Internacional para o Comércio e
o Desenvolvimento Sustentável
(ICTSD).
Equipe editorial
Michelle Ratton Sanchez
Adriana Verdier
Manuela Trindade Viana
Daniela Helena Oliveira Godoy
ICTSD
Diretor executivo:
Ricardo Meléndez-Ortiz
7, chemin de Balexert
1219, Genebra, Suíça
[email protected]
www.ictsd.org
As opiniões expressadas nos
artigos assinados em PONTES
são exclusivamente dos autores
e não refletem necessariamente
as opiniões do ICTSD, ou
das
instituições
por
ele
representadas.
15
Pontes
ENTRE O COMÉRCIO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
EVENTOS
NOVEMBRO
1-2
UNCTAD – Conferência internacional sobre
mudanças climáticas, agricultura e padrões
de comércio relacionados. Kuala Lumpur,
Malásia.
1-5
Banco de Desenvolvimento da África –
Primeira semana africana de energia. Maputo,
Moçambique.
3
BID – Seminário sobre mudanças climáticas:
responsabilidade corporativa ambiental e
mecanismos de mercado. São Paulo, Brasil.
3
BID – Seminário sobre acesso a energia para
América Latina e Caribe: soluções verdes para
desafios regionais. Washington, EUA.
3
CEPAL – Convenção sobre meio ambiente.
Santiago, Chile.
8
OMC – Dia de introdução da Organização
Mundial do Comércio. Genebra, Suíça.
9
Workshop “Bens e serviços ambientais”,
promovido pelo Instituto Ideias, com o apoio
do Pontes.
10
CEPAL – Seminário internacional sobre agricultura e mudanças climáticas “inovação e
institucionalidade”. Santiago, Chile.
11
BID – Seminário sobre sustentabilidade ambiental
e mercados carbono: objetivos e oportunidades
para o setor financeiro na América Latina e
no Caribe. Cidade do México, México.
11-12 Cúpula do G-20 Financeiro. Seul, Coreia.
29-30 OCDE – Fórum global sobre agricultura 2010:
políticas para o desenvolvimento agrícola, a
redução da pobreza e a segurança alimentar.
Paris, França.
29 novUNFCCC - 16ª Conferência das Partes da
10 dez
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças do Climas Climáticas. Cancún, México
16
PUBLICAÇÕES
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a compromise possible under TRIPS? Genebra: ICTSD,
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Monkelbaan, Joachim. International Transport, Climate
Change and Trade: what are the options for regulating
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