Edição 23 SUS 25 Anos

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Edição 23 SUS 25 Anos
PROIBIDA
VENDA
Sus
a Revista dos Líderes da saúde do brasil
25 ANOS
presente e futuro DO
MAIOR SISTEMA DE SAÚDE
DA AMÉRICA LATINA
Gonzalo Vecina Neto • Humberto Costa • Darcísio Perondi
Sérgio Côrtes • Áquilas Mendes • saulo Levindo Coelho
Hésio Albuquerque • Carmen Teixeira • Rosemary Gibson
Luis Eugênio Portela
aNO iv | n º 23 | set/out 2013 | r$ 50,00
D E
ASSINATURA
CRIARMED
E X E M P L A R
Impresso Especial
9912247598/2009-DR/BA
INDISPENSÁVEL É
CUIDAR MELHOR
DAS PESSOAS.
Líder em
em sistemas
sistemas de
de gestão
gestão de
de saúde
saúde no
no país,
país, aa MV
MV atende
atende mais
mais de
de 800
800 hospitais,
hospitais, operadoras
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saúde pública
pública no
no Brasil,
Brasil, América
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Utilizadas por
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80 mil
mil médicos
médicos ee 250
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mil profissionais,
profissionais, nossas
nossas soluções
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desempenho operacional.
operacional.
fornecem
Mais qualidade
qualidade na
na gestão,
gestão, melhor
melhor atendimento
atendimento para
para as
as pessoas.
pessoas.
Mais
/comunidademv
/comunidademv
SUMÁRIO
Divulgação Interfarma
08 ENTREVISTA
Antônio Britto
O presidente da Interfarma fala sobre
o desperdício do potencial brasileiro
em pesquisa e desenvolvimento
16 ARTIGO
Hwang e Christensen
Autores defendem que a teoria da
inovação disruptiva pode ajudar na
acessibilidade dos gastos em saúde
22 ENSAIO
Laura Schiesari
Diretora da Anahp comenta os
impactos sociais do envelhecimento
populacional no Brasil
24 ARTIGO
Eduardo Najjar
O ciclo de vida de uma empresa
familiar inclui etapas que ajudam
na transição entre as gerações
26 ENTREVISTA
Uwe Buddrus
Diretor executivo da HIMSS
Analytics Europe defende
autonomia do setor de TI em saúde
30 ENTREVISTA
Pete Mooney
Novo diretor executivo da área
internacional de saúde da Deloitte
analisa mercado global de saúde
38 ARTIGO
Paulo Lopes
Executivos devem planejar
estrategicamente o tempo para ter
mais eficácia em suas tarefas
42 EMPREENDEDORISMO
Sabin
As sócias Janete Vaz e Sandra Costa
administram rede de laboratórios
entre as dez maiores do país
44 ARTIGO
Robert Pearl
Relação entre médicos e pacientes
terminais deve ser fundamentada na
verdade
08
ANTÔNIO BRITTO, prESIDENTE DA
INTERFARMA: impostos e burocracia são
entraves para a inovação no país
GESTOR
46 CARO
Osvino Souza
Especialista explica como saber
quando um negócio precisa de uma
consultoria externa
48 ARTIGO
Fernando Machado
Inovações, como a reengenharia do
ser humano, afetarão a medicina
preventiva e curativa
51
DIRETO AO PONTO
José Luiz Toro
Presidente do IBDSS defende o
ressarcimento dos hospitais privados
pelo SUS
52 ARTIGO
Maisa Domenech
Gibson
72 Rosemary
Autora americana fala sobre os
e Costa
84 Perondi
Parlamentares do PT e do PMDB
Mendes
76 Áquilas
Problema de financiamento da
Eugênio Portela
88 Luis
Mudanças nas práticas de cuidado
Levindo
80 Saulo
Centenária história das santas
Côrtes
92 Sérgio
Modelo descentralizado das UPAs
desafios éticos para uma oferta de
saúde pública sustentável
saúde pública brasileira deve ser
resolvido para melhorar o acesso
casas está diretamente ligada à
filosofia do SUS
debatem as questões políticas da
saúde pública brasileira
são necessárias para melhorar a
qualidade do SUS
no Rio de Janeiro tem ajudado
comunidades
Instrução Normativa-49 da ANS
corre sérios riscos de se tornar uma
regra sem efetividade
Alan Sampaio
PRÁTICAS
54 BOAS
Molly Gamble
As lições do varejo, apesar de
díspares, podem ajudar a tornar o
mercado de saúde mais acessível
58
SUS 25 ANOS
Gonzalo Vecina Neto
A solução para a gestão do SUS
não deve se limitar aos opostos
privatização ou estatização
Teixeira
64 Carmen
O maior sistema público de saúde
do mundo precisa ter seus valores
republicanos resgatados
Albuquerque
70 Hésio
Em entrevista, um dos fundadores
do SUS critica os flagelos do sistema
público de saúde brasileiro
42
Sandra costa e janete vaz, DO laboratório SABIN: juntas há
30 anos no comando de um dos dez maiores laboratório do país
Shutterstock
58
SUS 25 anos: um sistema público de saúde
universal, gratuito e de qualidade. Utopia?
EDITORIAL
O SUS e a República
do Brasil
O
termo República bem que poderia ser motivo de um debate entre nós, brasileiros. Afinal, para muitos, nunca o fomos, no sentido de um modelo político regido sob a égide do bem comum –
para ficarmos na etimologia do termo. A política de mobilidade
escolhida por cada brasileiro é emblemática sob esse aspecto:
solução individual para um problema resolvido no mundo inteiro, de forma republicana, no terreno da coletividade. Aliás,
a bandeira da luta do transporte público no país vem sendo hasteada, em larga medida, por conta de um cenário para lá de prosaico: a solução individual não deu certo.
Brasileiros, de forma forçosa, decidiram lutar por mais metrô, ônibus e dignidade no
transporte público. Na saúde, a compra de um seguro privado faz analogia à “independência” do carro. Se o SUS não funciona, basta ter um plano. Na educação, o paralelo
é rigorosamente o mesmo.
Sobre o Sistema Único de Saúde, a questão é mais complexa. O que está em jogo
é a defesa de um patrimônio de todos os brasileiros, que, mesmo sem saber, já foram
usuários do sistema – seja no acesso a vacinas ou, de forma mais drástica, em “um
deslize” do destino que faz de todos nós usuários em potencial de uma emergência
pública. Do ponto de vista mercadológico ou institucional, a ninguém interessa um
SUS fraco. Isso inclui hospitais privados e até mesmo operadoras de planos de saúde,
atores que também fazem parte da solução para o SUS. Afinal, a ideologia de que o
sistema vai se salvar através de um “Estado forte”, definitivamente, precisa ser sepultada. No mundo inteiro, se há um único consenso de como equilibrar os gastos
públicos com saúde – e conquistar a universalidade e a qualidade no atendimento
prestado à população – é o de que o desafio não poderá ser vencido sozinho. Que o
diga o NHS inglês e a forma como o Reino Unido vem buscando mais participação da
saúde suplementar como alternativa a custos crescentes em saúde.
Para muitos especialistas, levar a classe média para o SUS é o primeiro passo
para se mudar o destino do maior sistema de saúde da América Latina. Improvável?
Segundo pesquisa do Datafolha, um em cada três beneficiários de planos de saúde,
em São Paulo, usa o SUS por causa da demora ou negativa das operadoras. Outros
milhares são curados, todos os anos – e por opção –, em hospitais universitários ou
instituições públicas e filantrópicas de excelência que dispõem de recursos científicos
e de pessoal únicos no país.
Por vias tortas, ou não, a defesa da saúde pública e de qualidade no Brasil é uma
tendência para um país que está aprendendo na marra a ser republicano. Menos mal.
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Realização
A Revista Diagnóstico não se responsabiliza pelo conteúdo
dos artigos assinados não refletem necessariamente a
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CORREIO
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Os meandros do poder central e a lei
do financiamento das campanhas no Brasil mostram
que o modelo eleitoral vigente é ineficiente e pouco
ético. Será que não chegou a hora de se discutir uma
alternativa?
Antônio G. Menezes, São Paulo-SP
Capa
financiamento
de campanhas
Equilibrada a abordagem
feita pela Diagnóstico sobre o
financiamento de campanhas
no Brasil. A matéria mostrou
com bastante isenção que a
prática existe, é legal e pode
estar, sim, a favor dos interesses da maiorias.
Roque Almeida, Paulínia-SP
Os hospitais precisam se
organizar para também fazer
parte do jogo democrático.
O nível de investimento em
campanhas feito pelas operadoras mostra que os parlamentares conhecem apenas a
versão de um lado da história.
Onde está a Fenaess, a Anahp
e a CNS?
O.P., Rio de Janeiro-RJ
O brutal investimento no
financiamento de campanhas
feito pelas operadoras dá a
medida da briga desleal do
mercado de saúde brasileiro.
Elas estão em todo lugar,
Congresso, ANS e Executivo. Investem quantias cada
vez maiores para eleger seus
deputados, que, aos olhos da
imprensa, dizem defender o
SUS acima de tudo. Alguém
acredita?
M. A., Curitiba-PR
Congratulações à equipe da
Diagnóstico por mais uma
vez presentear seus leitores
com um texto inteligente e
reflexivo para o mercado
de saúde. Por isso que essa
excelente revista já se tornou
leitura obrigatória para o
executivo e empresário que
busca análise e isenção.
de fora, sobretudo cubanos,
eram incapacitados. Por
último, decidiram sabotar o
processo aberto pelo governo
para selecionar profissionais
de dentro e fora do Brasil.
Perderam uma chance de elevar um debate legítimo, por
conta de um corporativismo
sem estratégia.
Cézar Augusto Dias,
Brasília-DF
Gomes Rodrigues,
Rio de Janeiro-RJ
Entrevista
Ensaio
O presidente da AMB,
Florentino Cardoso, expôs
com clareza as principais
mazelas do mercado de saúde
brasileiro. O Programa Mais
Médicos tem sim caráter
político e, como se esperava,
via ser a principal bandeira de
campanha do atual ministro
da Saúde, Alexandre Padilha, na disputa pelo Palácio
Bandeirantes.
Acompanho com muito prazer a série de artigos Visões
da América, que vem sendo
publicada com tanto esmero
por esse prestigioso veículo.
Trata-se de uma chance única
de abrirmos o debate sobre
gestão, quase sempre restrito
ao monólogo de americanos e
europeus.
FLORENTINO
CARDOSO
Saulo Mesquita,
São Paulo-SP
Acho que a militância médica
se perdeu ao defender a bandeira contra o Mais Médicos.
Primeiro, disseram que não
faltavam médicos no Brasil,
“a questão é a distribuição”.
Depois, que os profissionais
África
ajuda
humanitária
Visões da
américa
Jorge Vidal, São Paulo-SP
Finalmente estamos tendo
a oportunidade de saber um
pouco sobre nossos vizinhos
latino-americanos. Quantas
instituições de ponta temos
no continente ansiosas por
um benchmarking? Não
somente de Brasil e Argentina
vive o continente.
T. Mendes, São Paulo-SP
Simplesmente comovente a
reportagem publicada pela
Diagnóstico sobre como a
simplicidade e a benevolência
estão ajudando comunidades
remotas da África a receberem ajuda humanitária. Usar
bicicletas como ambulância e
propiciar a chegada de ajuda
médica a quem mais precisa
é de fazer corar médicos
brasileiros que não querem
ganhar R$ 20 mil para ir para
a Amazônia porque não “tem
estrutura de trabalho”.
Madela Silva,
Lisboa-Portugal
Direto ao Ponto
susana falchi
Reveladora a entrevista feita
pela consultora Susana Falchi sobre os bastidores das
relações entre executivos e
o mercado de saúde público
e privado. É de estarrecer
saber que grandes corporações contratam esses profissionais simplesmente para
fazer o jogo sujo na prática
de cartéis e pagamento de
propina junto a agentes públicos. Até quando seremos
o país da trapaça?
Adalberto Vilas, Salvador-BA
Diagnóstico | set/out 2013
09
ENTREVISTA
ANTÔNIO BRITTO
‘Einstein e
Sírio-libanês
poderiam
ser mais
inovadores’
U
Adalton dos Anjos
m dos maiores críticos da desorganização brasileira em
P&D no setor farmacêutico, o presidente executivo
da Interfarma, Antônio Britto, divide a culpa pelo país ser
apenas o 156º em atratividade de inovação. Segundo ele, o poder público – por
onde já passou, como governador do Rio
Grande do Sul, entre 1995 e 1998 –, a
iniciativa privada e as instituições de ensino fazem muito pouco para o país deixar de ser, em suas palavras, um membro
permanente da Série C do campeonato
da inovação. “O Brasil possui algumas
ilhas de excelência, tanto em instituições
públicas quanto privadas, como o Inca, o
Einstein, o Sírio- Libanês e a Fiocruz”,
pondera. “Mesmo nestes locais, contudo, poderia estar nascendo mais inovação. São ilhas cercadas de impostos,
burocracia e desconectadas com a área
privada”. Para ele, no Brasil sobram
doutores e papéis, mas faltam patentes.
“Do pau-brasil ao minério de ferro, nos
contentamos em um rodízio entre exportação de commodities e a esperança
no mercado interno”, frisa. “A inovação
sempre foi vista como um complemen-
10
Diagnóstico | set/out 2013
to”. Jornalista de formação, Britto foi
também deputado federal e ministro da
Previdência Social no governo de Itamar
Franco – em uma carreira que começou a
ser construída quando se tornou o porta-voz da agonia e morte do ex-presidente
Tancredo Neves. A derrota na tentativa
de reeleição ao governo do Rio Grande
do Sul e, na sequência, à sucessão estadual gaúcha, em 2002, puseram fim à sua
carreira política. “Não volto mais para a
política. Encerrei esta etapa”, garante.
Em 2009, a ida de Britto para a Interfarma, que reúne gigantes responsáveis por
80% dos medicamentos de referência no
mercado e 34% dos genéricos, chegou a
causar polêmica por conta da suspeita de
que a já poderosa indústria farmacêutica seria favorecida com uma influência
política sem precedentes. “O meu caso
é absolutamente diferente. Quando vim
para a Interfarma estava fora do governo
há 11 anos”, compara, ao ser questionado sobre o debate atual que envolve a
participação de ex-executivos de mercado nos quadros da ANS. Com voz pausada – a mesma de quando era repórter
especial da Rede Globo – e eloquência
típica de quem se acostumou a falar para
multidões, Antônio Britto concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico.
Diagnóstico – O senhor já disse que
“inovar no Brasil parece pecado”, em
relação aos ditames do atual ambiente
regulatório. A quem interessa esse tipo
entrave?
Britto – Diante do desafio da inovação,
alguns países, visando atrair a pesquisa,
promovem programas agressivos, no
sentido de diminuir a burocracia, reduzir
tributação e coordenar ação dos governos. Contudo, o Brasil está na contramão do mundo. A pesquisa aqui é quase
pecado. Há uma burocracia que estabelece prazos três vezes maiores do que a
média mundial. Isso mostra o ambiente
de desperdício que o mundo acadêmico-científico passa no país. O Brasil já tem
algumas ilhas de excelência, tanto em
instituições públicas quanto privadas,
como o Inca, o Einstein, o Sírio-Libanês,
a Fiocruz. Mesmo nestes locais, contudo, poderia estar nascendo mais inovação. São ilhas cercadas de impostos,
burocracia e desconectadas com a área
privada.
Diagnóstico – E como sair deste ciclo?
Britto – O país como um todo terá que
escolher uma opção, mais dia menos
dia. Ou levará a sério o jogo da inovação ou se contentará com a Série B ou C
Divulgação/Interfarma
PRESIDENTE da
interfarma, antônio
britto: Brasil é o 156º em
atratividade da inovação e
o 19º em pesquisa clínica no
mundo
ENTREVISTA
ANTÔNIO BRITTO
do campeonato da inovação. Se o Brasil
quiser tomar o caminho da inovação, temos três tarefas inadiáveis. A primeira é
mudar a mentalidade dentro das universidades, para que elas se aproximem do
setor privado. Segundo, mudar a mentalidade do setor privado para que ele se
aproxime mais do risco na inovação e
das academias. E terceiro, pedir que o
governo não atrapalhe com burocracia,
tributos e regulações absurdas. É preciso
também melhorar a qualidade de nossa
educação no campo das ciências exatas.
É um projeto para 20 anos, mas, daqui
até lá, vamos sair dessa posição em que
produzimos muitos doutores, muitos papéis e poucas patentes. Outro caminho
é continuar onde estamos. Somos o 19º
país em pesquisa clínica no mundo, ao
mesmo tempo em que estamos em 6º lugar no mercado farmacêutico. O país é o
156º em termos de atratividade da inovação. Apenas no campo farmacêutico, em
um mercado de US$ 150 bilhões anuais
em inovação, o Brasil está recebendo
uma migalha de cerca de US$ 200 milhões. Esta realidade resulta em importação excessiva de tecnologia e insumos.
Montamos uma indústria de genéricos
no país e não lucramos, já que 86% deste segmento é produzido com princípios
ativos trazidos da Índia e China.
Diagnóstico – Já é possível medir os
efeitos da Resolução nº466/12? Qual
o paralelo dessa legislação com as práticas de pesquisas em nações mais desenvolvidas?
Britto – O efeito é uma barra de gelo na
cabeça de qualquer cientista brasileiro.
Havia uma expectativa de que o ministro
da Saúde, [Alexandre] Padilha, conseguisse conduzir as discussões no Conselho Nacional de Saúde na direção de
uma maior abertura dos normatizadores
de pesquisa clínica. Não se previa, no
entanto, a facilitação em termos éticos,
e sim, a eliminação de burocracias e preconceitos. Infelizmente, a resolução não
caminhou nessa direção. O mundo todo
tende a fazer exigências éticas cada vez
maiores em pesquisa, e o Brasil não deve
ceder um milímetro nessa matéria. Mas,
em nosso país, em nome da ética, começa-se a pendurar exigências burocráticas
e retrabalho. Lá fora, o que demora dois
ou três meses, aqui leva um ano. Desperdiçamos o potencial brasileiro em matéria de pesquisa e inovação.
12
Diagnóstico | set/out 2013
Diagnóstico – Um projeto de governo,
nos moldes do Inovar Auto, pode ser
uma alternativa de estímulo à pesquisa
local?
Britto – Não sou especialista em setor automobilístico. Ao contrário de outros segmentos, a inovação farmacêutica não se
faz com terreno, nem com verba oficial,
ou com medidas simplesmente de interferência no mercado. A inovação se faz com
a união de cérebros, a colocação destes
pesquisadores em um ambiente adequado
e a aproximação com a iniciativa privada. Foi assim que um bando de cabeludos
transformou a Califórnia no quinto “país
do mundo”, que alemães transformaram
a Alemanha e a Suíça em potências químicas, e os asiáticos fizeram do Japão, da
Coreia e agora da China vendedores de
tudo que tentamos comprar hoje em dia.
Estes países não usaram programas “Pró-isso”, “Pró-aquilo”. Temos que lançar o
“Pró-cérebro”.
Diagnóstico – O senhor está à frente de
um movimento que defende redução de
impostos para os produtos farmacêuticos. Como garantir que essa desoneração seja repassada para o mercado consumidor e para os hospitais?
Britto – O que a Interfarma faz é participar e colaborar com muito entusiasmo
com o debate de uma questão a nosso ver
bastante simples: só existe um produto
brasileiro com preço tabelado – os medicamentos. Se o governo, às 16h, diminui
o imposto de medicamentos, às 16h01, a
indústria irá repassar a diferença no pre-
ço final para os consumidores. Temos um
tributo que nenhum outro país do mundo
cobra. Aqui no Brasil, remédio paga mais
imposto que biquíni e urso de pelúcia.
Isto vai na contramão da necessidade de
ampliar o acesso.
Diagnóstico – O avanço da tecnologia e o
consumo ascendente no setor farmacêutico nem sempre resultam em produtos
mais acessíveis. Os custos do setor, aliás,
nunca são discutidos de forma transparente. De quem é a culpa?
Britto – Existe um aspecto correto e outro
não nesta afirmação. Temos uma inovação
que é realmente cara. No entanto, o ciclo
de vida dos medicamentos e o aumento da
oferta reduzem consideravelmente os preços. Diante deste cenário, em países como
os EUA, está acontecendo uma grande
discussão em como ajudar a pesquisa para
que ela e o preço inicial dos remédios sejam mais baratos. Não se trata de zerar o
imposto sobre a inovação, mas entrar com
dinheiro para que o preço do resultado da
inovação custe menos. É bom lembrar que
o medicamento sempre tem sido reajustado abaixo da inflação, e que o valor inicial
destes produtos no Brasil é definido numa
regra em que ele será sempre mais barato que o preço de nove países escolhidos
pelo governo. Não estou dizendo que remédio é barato, mas acho que há esforços
no país no sentido de reduzir as dimensões
dessa questão. Acredito que estes esforços
poderiam ser maiores se houvesse mudanças no ambiente da inovação, no campo
tributário e na questão regulatória.
Peter Llicciev/Fiocruz
TÉCNICO EM LABORATÓRIO DA
FIOCRUZ, NO RIO DE JANEIRO:
desempenho das pesquisas no
Brasil é prejudicado por impostos,
burocracia e desconectividade
com o setor privado
Não vamos
fazer as pessoas
abandonarem a
tomografia e voltarem
para o raio-X, ou
abrirem mão da
medicação mais
avançada e adotarem
drogas de 30 anos
atrás. Precisamos
encontrar soluções que
favoreçam hospitais,
planos de saúde,
indústria farmacêutica
e governo
Diagnóstico – Para as operadoras de saúde e demais agentes financiadores do
setor, a evolução tecnológica na indústria farmacêutica é vista como um dos
grandes vilões na elevação dos custos
em saúde. O senhor pode comentar?
Britto – Qualquer hospital é obrigado a
oferecer infraestrutura física adequada,
equipe qualificada, além de serviços, instalações, equipamentos, cuidados, diagnósticos e medicamentos. Estes oito diferentes elementos mostram uma tendência
mundial a um brutal agravamento dos
custos de saúde. Estamos diante de uma
equação que não se resolve andando para
trás. Não vamos fazer as pessoas abandonarem a tomografia e voltarem para
o raio-X, ou abrirem mão da medicação
mais avançada e adotarem drogas de 30
anos atrás. Precisamos encontrar soluções
que favoreçam hospitais, operadoras, indústria farmacêutica e governo a trabalharem em um ambiente onde se reduzam
os preconceitos e se ampliem análises
racionais de como o Brasil pode montar
respostas para um problema que é grave
em todo do mundo.
Diagnóstico – Qual o peso da circulação
de medicamentos falsos no mercado farmacêutico brasileiro?
Britto – Felizmente é pequeno. Vivemos
Diagnóstico | set/out 2013
13
ENTREVISTA
ANTÔNIO BRITTO
uma boa regulação sanitária determinada
pela Anvisa. Neste ponto, o Brasil caminha para a frente. Os quatro bilhões de
unidades anuais de medicamentos fabricados aqui vão sair das fábricas a partir
de 2016 com uma impressão de dados em
tecnologia 2D. Isso vai permitir que cada
etapa de circulação passe se ser monitorada remotamente. A qualquer tempo se
poderá rastrear por onde e como transitou
cada medicamento no país.
Diagnóstico – As PPPs são a melhor alternativa do governo para produção de
medicamentos biológicos no Brasil?
Britto – Não somos contra as PPPs. Mas
achamos que elas deveriam ser mais
transparentes. É preciso que haja uma
brutal reorganização das condições de conexão entre a universidade, o governo e o
setor privado.
Diagnóstico – A onda de fusões e aquisições no setor farmacêutico já foi consolidada no país?
Britto – Essa é uma consolidação que
nunca termina, apesar do lapso, nos últimos dois ou três anos, em função da crise
mundial. Mas o custo da inovação e a globalização do mercado indicam que neste
setor a fusão e a concentração são tendências irreversíveis.
Diagnóstico – Como as multinacionais
estão vislumbrando o futuro do pharmerging? Há uma tendência de mudança de estratégia para entrada nestes
mercados?
Britto – Existem países na África e no
sul da Ásia onde são indispensáveis políticas imediatas de apoio e facilitação às
condições de acesso, e, neste sentido, a
indústria farmacêutica tem trabalhado em
parceria principalmente com a Organização Mundial de Saúde. Há países como
Turquia, México, Coreia, Brasil, Rússia,
Índia e China que estão em condições de
emergência em todos os campos e que
tendem a ser tornar o polo dinâmico do
mercado farmacêutico mundial. Há também os mercados maduros, como nos
EUA, na Europa e no Japão, que tendem a
perder importância relativa neste cenário.
A atuação dessas multinacionais nesses
mercados não significa uma mudança de
estratégia, e sim a busca de novos enfoques. Se há um polo dinâmico em um lugar, elas direcionam seus esforços e atenção para aquele local.
14
Diagnóstico | set/out 2013
Se o governo,
às 16h, diminui
o imposto de
medicamentos, às
16h01, a indústria irá
repassar a diferença
no preço final para os
consumidores. Temos
um tributo que nenhum
outro país do mundo
cobra. No Brasil,
remédio paga mais
imposto que biquíni.
Isto vai na contramão
da necessidade de
acesso
Diagnóstico – Os escândalos de suborno
da britânica GlaxoSmithKline na China
resultaram numa grande queda na venda de medicamentos da farmacêutica
que surpreendeu até analistas. O caso
pode servir de paradigma para condutas
mais éticas por parte da indústria?
Britto – A indústria tem adotado globalmente condutas cada vez mais restritivas
e afirmativas do seu compromisso ético.
No Brasil, temos, com muito orgulho,
um código de ética da Interfarma – uma
iniciativa inédita na indústria nacional. O
documento nos leva à permanente atenção junto aos nossos 53 associados, com
requisitos éticos e punição de eventuais
condutas. Todo este ambiente está conveniado com instituições como o CFM e a
AMB. O caminho é de uma prestação de
serviços em um ambiente cada vez mais
ético.
Diagnóstico – Segundo artigo publicado
no Jama (jornal da Associação Americana de Medicina) em 2000, o ato de pagar
uma viagem para um médico aumenta
entre 4,5 e 10 vezes a possibilidade dele
receitar as drogas produzidas pela patrocinadora. Esse marketing é legítimo?
Britto – O código de ética da Interfarma
tem também a função de regular questões
come essa. O documento estabelece, por
exemplo, medidas extremamente rigorosas para impedir qualquer tipo de interação (entre médico e indústria) que não tenha como objetivo a troca de experiências
científicas. No caso das viagens patrocinadas, as condições são bastante específicas quanto ao tipo de passagem, hotel e
ao teor do evento. O código de ética da
Interfarma está disponível em nosso site
para qualquer cidadão brasileiro.
Diagnóstico – Como funciona o processo de fiscalização e punição para os que
descumprem as regras do código?
Britto – Temos uma comissão de ética
que recebe e apura as denúncias, além
de punir quando existe contrariedade ou
desconformidade com as regras. Ele não
é um integrante da nossa biblioteca e sim
da nossa prática diária. As punições vão
desde sanções financeiras, com a doação
dos recursos a entidades sociais, até a exclusão da vida associativa.
Diagnóstico – Em recente entrevista à
Diagnóstico, o ex-secretário de Saúde
alemão, Franz Knieps, revelou que o
governo germânico criou um comitê de
notáveis para avaliar a eficácia de medicamentos tidos como revolucionários
pela indústria farmacêutica e que serão
custeados pelo poder público. A intenção é avaliar o custo/benefício de novas
drogas, cujo impacto para os sistemas de
saúde é cada vez mais crescente. Como
a indústria avalia esse tipo de estratégia
de “regulação branca”?
Britto – Em alguns países, o governo é
o principal comprador e, por isso, estabelece regras para decidir incorporar ou
não em sua lista de compras determinados medicamentos. O ponto principal é
quais são estes critérios de avaliação, que
podem ser construídos a partir do ponto
de vista do paciente. O remédio é bom ou
não? Acrescenta? O que médicos e pacientes dizem sobre o medicamento? Se a
avaliação vem sendo feita nestes termos,
ela é absolutamente positiva e necessária.
Mas, em alguns outros lugares, e o Brasil tem tendência a cair nisso, as pessoas
se reúnem e usam outro critério: ‘Tenho
dinheiro para pagar?’ Portanto, a escolha
acontece não com base no interesse do
paciente, mas sim no orçamento da saúde
e nos cofres do governo. Medicamentos
que poderiam ser muito importantes, do
ponto de vista humanitário e social, são
vetados não por razões relacionadas às
questões científicas e sim estritamente
financeiras e econômicas. Este não nos
parece ser o melhor critério de avaliação.
Diagnóstico – O senhor pretende voltar
para a política um dia?
Britto – Não mais. Encerrei esta etapa em
minha vida.
Diagnóstico – Por quê?
Britto – Foi uma passagem importante
em meu currículo que se encerrou. Pretendo concluir minha atividade profissioREUNIÃO DO Conselho
Nacional de Saúde QUE
APROVOU A Resolução nº
466/12: a normatização das
pesquisas com seres humanos
tornou-se, na opinião da
Interfarma, mais um entrave para
a P&D no Brasil
nal atuando apenas na iniciativa privada.
Diagnóstico – Na época, a sua decisão
de aceitar o convite da Interfarma causou polêmica, com a suspeita de que a
indústria ganharia uma influência política sem precedentes no círculo do
poder central. Atualmente, o debate é
no caminho inverso, com a ANS sendo
criticada por compor seus quadros com
profissionais que já foram da iniciativa
privada (operadoras). Há certa “esquizofrenia” sobre a questão?
Britto – Meu caso é absolutamente diferente. Quando vim para a Interfarma
estava fora de governo há 11 anos. Acho
que, em outras situações, o fundamental é
se estabelecer o princípio da quarentena,
que já existe na legislação brasileira. No
caso da ocupação de cargos no setor público, o mais importante é se promover a
despartidarização. Não é possível que as
agências se preencham com critérios exclusivamente partidários. Claro que qualquer decisão no mundo terá um caráter
político. Ela só não pode é ser somente
política.
Diagnóstico – Há algumas semanas,
a revista Veja revelou gravações que
supostamente citavam a Interfarma
na compra de apoio no Congresso Nacional. O caso envolvia especificamente o deputado federal Saraiva Felipe
(PMDB). O que o senhor tem a dizer a
respeito?
Britto – O episódio foi totalmente esclarecido. Tratou-se, na verdade, de recursos
para financiamento de campanhas, feito
rigorosamente dentro da lei, no período
eleitoral. As declarações do deputado,
portanto, não correspondem à realidade
que foi sugerida nas gravações. A Interfarma cumpre as leis do país.
Diagnóstico – O senhor é a favor da regulamentação do lobby como atividade
profissional?
Britto – Evidente que sim. O ‘cinza’ é um
inimigo em qualquer área de atuação.
Rafael Bicalho
Diagnóstico | set/out 2013
15
16
Diagnóstico | set/out 2013
Diagnóstico | set/out 2013
17
EFICIÊNCIA NA SAÚDE
MERCADO
Inovação disruptiva
em saúde: inovação
de um modelo de
negócios
Em vez de questionar como podemos sustentar os gastos em saúde, devemos
seguir outro caminho: como podemos torná-la mais acessível?
Jason Hwang e Clayton M. Christensen
É
quase uma exigência que todas as discussões sobre o futuro da saúde comecem
com a referência do crescimento insustentável da taxa de gastos médicos nos EUA.
Tabelas e gráficos expõem uma aceleração da fatia do Produto Interno Bruto
(PIB), representando uma fera voraz, que
ameaça engolir o pouco dinheiro que resta para outros serviços
vitais. E apesar de as discussões sobre como frear esse crescimento sensível nos gastos serem predominantes e importantes,
a questão muitas vezes tem se perdido em meio a estes debates.
Neste artigo, tentamos mostrar o outro lado da moeda. Em
vez de questionar como podemos sustentar os gastos em saúde,
perguntaremos como podemos torná-la mais acessível. Apresentaremos um quadro conceitual do mundo da administração
que explica como outras indústrias cortaram custos com novos
modelos de negócios para oferecer produtos e serviços cada
vez mais inovadores. Chamamos esse processo que encaminha a estes avanços de “disruption innovation” (em português
“inovação disruptiva”) e acreditamos que ela é um componente
necessário para promover alta performance e acessibilidade no
sistema de saúde.
Definindo “Inovação disruptiva”
A teoria da inovação disruptiva ajuda a explicar como produtos e serviços caros e complexos são eventualmente convertidos em simples e acessíveis. O Quadro 1 (página ao lado) retrata a performance de produtos ou serviços que gradualmente
melhoram ao longo do tempo. Contudo, existem, na verdade,
duas trajetórias diferentes para a melhoria de todo o mercado,
representado no gráfico por linhas pontilhadas e sólidas.
As linhas sólidas representam a melhoria contínua do produto ou serviço que é introduzido pelas empresas ao longo do
tempo. Essas inovações podem ser pequenas e experimentais,
18
Diagnóstico | set/out 2013
ou os avanços podem ser mais intensos. Optamos por chamá-los de “inovações sustentadoras”, porque elas sustentam uma
trajetória existente de melhoria de performance. Inovações sustentadoras resultam em melhores produtos, que podem ser vendidos com maiores lucros para os melhores clientes – mantra
predominante do mundo dos negócios que oferece orientação
prudente para empresas e setores inteiros por muitos anos.
Contudo, as linhas pontilhadas no Quadro 1 refletem uma
trajetória diferente: a demanda dos clientes para o uso de produtos e serviços cada vez melhores. O espectro do desejo de clientes para a melhoria da performance é representado por várias
linhas pontilhadas, mas o que é interessante é que essas linhas,
começando com os clientes de camadas menos exigentes, eventualmente intersecionam com a trajetória da melhoria dos produtos. Estes pontos de cruzamento são a representação gráfica
do fato de que as empresas atualizam as características dos seus
produtos de forma muito mais rápida do que os clientes podem
usá-los. E quando os produtos começam a ter mais funcionalidades do que os clientes precisam ou desejam, um tipo diferente
de inovação ocasionalmente emerge – a inovação disruptiva.
Em contraste com as inovações sustentadoras, um produto
disruptivo não é tão bom quanto aquele que já está sendo usado
pelos clientes, e, por isso, não se deve apelar para consumidores
em um mercado existente. Porém, o fato de o novo produto ser
mais simples, mais conveniente e mais acessível possibilita a
participação de um novo conjunto de clientes que eram inicialmente ignorados pelo mercado ou excluídos completamente.
Como mostrado no quadro, não apenas este tipo de inovação
cria raízes no mercado que é menos exigente e não consome
nada, mas também tem como alvo clientes que são menos atrativos. Empresas com sucesso estabelecido quase sempre escolherão, em vez de se concentrarem em oferecer produtos sustentáveis para os seus melhores pagadores, uma boa performance
para os clientes mais ávidos.
O fato de os produtos disruptivos não atraírem os clientes
desejados pelas empresas dominantes, que pagam os maiores
preços, faz com que eles sejam quase sempre introduzidos por
um novo concorrente. Contudo, uma vez que os produtos disruptivos vão se estabelecendo no mercado ao longo do tempo,
um a um os consumidores vão descobrindo que suas necessidades podem ser satisfeitas pela inovação. Em pouco tempo, os
líderes do mercado se encontram sem clientes.
Impactos da inovação disruptiva
A inovação disruptiva explica como as start-ups, no esforço
para a oferta mais acessível de soluções, são capazes de absorver empresas dominantes do mercado com alarmante regularidade. Geralmente antes de estas companhias e seus líderes
perceberem que seus dias estão contados. A Canon fez isso com
a Xerox quando trouxe um aparelho de fotocópias para o mercado mais lento, mas menos custoso. A Toyota fez isso com a
General Motors quando introduziu modelos esteticamente mais
simples e mais baratos, e agora as fábricas de automóveis na
Coreia do Sul, China e Índia estão “quebrando” a Toyota da
mesma forma.
Um dos nossos exemplos favoritos foi a ruptura do mainframe – os gabinetes centrais dos primeiros computadores, que
ocupavam grandes espaços – pelo menos poderoso, mas mais
acessível, computador pessoal (PC). Há algumas décadas, o
acesso ao computador era muito caro, e o uso dos aparelhos era
complicado. Para calcular, era preciso levar um grande volume
dos cartões perfurados em código binário que serviam como
memória, que eram incorporados ao gabinete central ou levados para a universidade, onde os cientistas e técnicos ajudavam
a processar a informação. Com a introdução do PC, no entanto,
um maior número de pessoas pôde realizar cálculos em seus
próprios escritórios e casas sem a intervenção de um especialista. Como os PCs se tornaram mais eficazes, menos pessoas
e empresários precisaram do mainframe. E embora gastemos
muito mais hoje em computadores que no passado, somos melhores hoje e dificilmente algum de nós jamais questionará sobre o fato.
A ideia largamente difundida de que o aumento dos gastos
em saúde, particularmente em novas tecnologias, é algo que
deve ser reprimido mostra quanto nós temos tentado responder
à pergunta errada. Quando incorporamos modelos de negócios
A ideia largamente
difundida de que o aumento
dos gastos em saúde –
particularmente em novas
tecnologias – é algo
que deve ser reprimido
mostra quanto nós temos
tentado responder À
pergunta errada. Quando
incorporamos modelos de
negócios inovadores, as
novas tecnologias podem
oferecer um grande valor
inovadores com capitalização no aumento da conveniência e
acessibilidade, as novas tecnologias podem oferecer um grande valor. A seguir, abordaremos a etapa crítica da inovação de
modelos de negócios que devem ser combinados com essas
tecnologias.
Tecnologias disruptivas e negócios inovadores
Com frequência, questionamos por que, com tantas tecnologias médicas sofisticadas introduzidas todos os anos, a área
de saúde não tem sido significativamente inovada. A razão é
que a tecnologia é quase sempre implementada de uma maneira sustentável na saúde – primeiramente para ajudar hospitais
e médicos a solucionar os problemas mais complexos. Certamente, não há nada errado nisso, mas o fato contribui pouco
para que os cuidados em saúde sejam mais baratos e acessíveis.
Para entender por que isto acontece, devemos começar analisando o que constitui um modelo de negócios.
O ponto de partida para um modelo de negócios de sucesso
é a sua proposta de valor: um produto ou serviço ajuda clientes a obter um trabalho de forma mais eficiente, conveniente e
acessível (Quadro 2 – abaixo). Os administradores reunirão um
conjunto de recursos – incluindo pessoas, materiais, proprieDiagnóstico | set/out 2013
19
EFICIÊNCIA NA SAÚDE
MERCADO
dade intelectual, equipamentos e recursos – necessários para
oferecer uma proposta de valor. Como colaboradores e outros
recursos repetidamente trabalham juntos para gerar o produto,
o processo surge e se torna parte do modelo de negócio. Finalmente, uma fórmula de lucros se materializa e define preços,
custos de produção, margens bruta e líquida de lucros, retornos
de ativos e volumes para cobrir os gastos com recursos e processos que são necessários ao entregar a proposta de valor.
Ao longo do tempo, um modelo de negócios estabelecido
começa a determinar os tipos de propostas de valor que uma
organização pode ou não oferecer. Em outras palavras, uma vez
que as partes do modelo de negócios se unem para oferecer
uma proposta de valor particular, os eventos casuais começam
a funcionar de forma inversa – apenas uma valoração que cubra
os recursos existentes, processos e a fórmula de lucros da organização pode ser exposta ao mercado. Em nossas pesquisas
sobre inovação disruptiva, os únicos exemplos de quando um
líder de um mercado tradicional migra para se tornar um líder
em um plano de competição pela inovação acontecem quando o
novo personagem estabelece seus negócios de forma anônima e
organizada. Portanto, essa empresa independente foi autorizada
a criar sua própria fórmula de lucros, captar verbas em margens
menores que as empresas concorrentes, enquanto os processos
e recursos são também marcadamente diferentes porque eles
foram adotados sob uma nova fórmula de lucros.
Muitas companhias na atualidade tiveram tecnologias inovadoras dentro de suas áreas, mas falharam em aliar essas novidades com um modelo de negócios adequado. Quando o mercado de PC estava aquecido, por exemplo, a Digital Equipment
Corporation (DEC), líder na fabricação de minicomputadores,
certamente tinha acesso aos microprocessadores. Na verdade,
com a expertise e a experiência da empresa, foram feitos os
melhores produtos. Mas o modelo de negócios não poderia ser
lucrativo ao fabricar e vender os computadores por menos de
US$ 50 mil. Um plano interno de negócios que destacou a base
do microprocessador em computadores definhou a favor dos
propósitos que ofereciam produtos mais sofisticados para os
20
Diagnóstico | set/out 2013
melhores clientes das empresas. Por outro lado, a IBM criou
um modelo de negócios bastante diferente na Flórida, permitindo-lhe crescer autonomamente, apesar das vendas ferozes
dos produtos mais rentáveis. A DEC foi superada quando fez
exatamente o mesmo que todos os fabricantes de microcomputadores, enquanto o novo modelo de negócios da IBM, que tinha como essência o microprocessador, revolucionou o mundo.
Na área de saúde, a maioria dos facilitadores tecnológicos
falhou em promover cortes de custos, melhor qualidade e maior
acessibilidade. Acreditamos que este é o principal motivo para
o atraso das inovações do modelo de negócios, por uma variedade de razões que postularemos no final desde artigo.
Tipologia
Antes de descrever o que pode ser necessário para ser feito
no setor de saúde, apresentaremos um método para a classificação e análise de modelos de negócios inovadores. Em geral,
os modelos de negócios podem ser categorizados em três tipos:
soluções especializadas, valor agregado dos negócios e redes
de usuários.
• Soluções especializadas – As soluções especializadas foram criadas pelas empresas para construir um diagnóstico e solucionar problemas de falta de estrutura. Empresas de consultoria, agências de publicidade, pesquisa e desenvolvimento de
escritórios de advocacia empregam este tipo de modelo de negócios. Ele fornece um valor principalmente por conta dos que
empregam especialistas e recorrem à sua intuição e habilidade
para resolver problemas complicados e recomendar soluções
– e empresas bem sucedidas são aquelas que podem atrair os
maiores talentos. O trabalho das soluções especializadas tende
a ser único para cada cliente, que quase sempre está disposto a
pagar maiores preços no retorno.
• Valor agregado dos negócios – Essas empresas transformam a entrada de recursos, como pessoas, equipamentos, materiais brutos, energia e capital, em resultados de maior valor.
Esse modelo de negócios é construído para fazer isso em vários
Os legados das instituições
de saúde são formados por
misturas desordenadas
de múltiplos modelos
de negócios que lutam
para obter valor em meio
ao caos, incorporando
sistemas indecifráveis
de contabilidade, com
sobrecarga excessiva,
subsídios cruzados e um
volume inaceitável de erros
médicos
caminhos, de modo que as capacidades das organizações são
mais incorporadas nos seus processos do que nos recursos. Embora o processo de valor agregado em negócios possa ser mais
eficiente do que os outros, como um todo, eles focam sua atenção no processo de excelência, que pode oferecer uma melhor
qualidade dos serviços e produtos em um custo menor. Além
disso, eles são menos afetados que outros tipos de negócios,
pela variedade de resultados quando dependem da intuição das
pessoas. Geralmente, estes resultados podem ser garantidos ou
refeitos gratuitamente. O setor de varejo, restaurantes, fábricas
de automóveis e refinaria de petróleo são exemplos deste tipo
de modelo de negócios.
• Redes de usuários – São uma rede de empresas que ao
mesmo tempo compram, vendem, entregam e recebem produtos e serviços entre si. Neste tipo de negócio, as companhias
que agregam valor e arrecadam dinheiro são aquelas que facilitam o funcionamento eficaz de suas operações de rede de
usuários. Empresas de seguro mútuo são redes de usuários
– os clientes depositam seus prêmios de seguro coletivamente, e eles reivindicam. Companhias de telecomunicação, que
facilitam as comunicações e transferência de dados entre seus
clientes, além dos leilões no eBay, bolsas de valores e muitas
atividades bancárias fazem parte dos negócios.
modelos de negócios para a saúde
Os modelos de negócios dominantes em saúde – que em
geral hospitais e médicos praticam – são os especializados, que
emergiram num momento em que todos os cuidados médicos
se baseavam na intuição de profissionais altamente qualificados. Mas, ao longo do tempo, essas instituições subordinaram
aos seus guarda-chuvas organizacionais muitas atividades que
talvez fossem melhor executadas em outros dois tipos de modelos de negócios – valor agregado ou rede de usuários. Os
legados das instituições de saúde são formados por misturas
desordenadas de múltiplos modelos de negócios que lutam para
obter valor em meio ao caos, incorporando sistemas indecifráveis de contabilidade, com sobrecarga excessiva, subsídios cruzados e um volume inaceitável de erros médicos.
Todavia, já existe exemplo de modelos de negócios em saúFotos: Divulgação
PEDIATRA EM
ATENDIMENTO
NA UNIDADE DA
MINUTE CLINIC,
NOS EUA: clínica de
baixo custo funciona
dentro de lojas de
departamentos e até
de farmácias
Diagnóstico | set/out 2013
21
EFICIÊNCIA NA SAÚDE
MERCADO
de cujos recursos, processos e fórmula de lucros correspondem
apropriadamente a natureza dos seus valores propostos. Muitos
procedimentos médicos, que vão desde uma enfermeira usar os
resultados de um teste de diagnóstico para verificar a presença
de faringite estreptocócica A ou a um médico prescrever uma
cirurgia para retirada de uma hérnia e angioplastia, são valores
agregados à atividade. Este tipo de trabalho é possível somente
depois que um diagnóstico definitivo é feito primeiro, normalmente por uma solução especializada. Mas quando os valores
agregados aos procedimentos são organizacionalmente separados a partir do trabalho das soluções especializadas, os preços
fixos do valor agregado às atividades caem tão fortemente que
os hospitais e clínicas podem oferecer serviços que são até 60%
menores do que aqueles que praticam o modelo de negócios
de valor agregado e soluções especializadas ao mesmo tempo.
Instituições como a MinuteClinic, Shouldice Hospital, em Ontario, e alguns hospitais de cardiologia são exemplos de valor
agregado nos negócios em saúde.
Ao mesmo tempo, apesar de as redes de usuários permanecerem não estimulando o desenvolvimento e utilização do
sistema de saúde, ele é o modelo ideal para o tratamento de
muitas doenças crônicas. Alguns exemplos incluem o Weight
Watchers (Vigilantes do Peso) e o Alcoólicos Anônimos (AA).
A dLife, que criou uma rede para integrar diabéticos e familiares, é outro exemplo deste tipo de modelo de negócio que facilita o intercâmbio de informações e conselhos em saúde entre
22
Diagnóstico | set/out 2013
FÁBRICA DA HYUNDAI EM
PIRACICABA (INTERIOR DE SÃO
PAULO), ONDE É PRODUZIDO O
COMPACTO HB20: os coreanos vêm
usando a inovação disruptiva para
vender no Brasil um produto de boa
qualidade a preços competitivos
seus clientes. Usando um amplo conjunto de dados do paciente
e da operadora de saúde, uma revolução na saúde está construindo uma rede que permitirá aos usuários encontrar grupos
combinados, compartilhar dados e aprender uns com os outros.
A rede de usuários ajudará a mudar muito mais os cuidados
de doenças crônicas do que a prática do cuidado dessas enfermidades baseada no modelo intuitivo praticado por hospitais e
consultórios médicos, cujos modelos de negócios são mal equipados para atender às necessidades das pessoas. Semelhante ao
processo de valor agregado dos hospitais que podem executar
procedimentos de alta qualidade e de custos muito mais baixos
que os hospitais tradicionais, as empresas de redes de usuários
também melhorarão sua qualidade e reduzirão custos em saúde
que dependem do comportamento dos dependentes.
Esse modelo de negócios disruptivo transmite propostas de
valor que são distintas daquelas praticada em hospitais e clínicas. Ao incorporar em seus modelos as tecnologias que têm
simplificado o trabalho que era realizado de forma mais complexa nas soluções especializadas, os inovadores ajustam seus
recursos, processos e fórmulas de lucros de forma que os hospitais e médicos não podem combinar – nem devem esperar. Por
conta desse foco disruptivo nos negócios, as partes baseadas
em regras de cuidados de saúde podem oferecer serviços mais
baratos e com uma qualidade maior que os modelos antigos poderiam. Isso porque o processo tem uma variação tão previsível
que o trabalho pode ser transferido de especialistas para generalistas, de generalistas para enfermeiras e outros profissionais.
E, em última instância, para os próprios pacientes. Justamente
neste ponto, empresários da saúde e os autores de políticas públicas da área devem concentrar suas energias se querem ver o
mesmo grau de inovação que já transformou várias indústrias
no setor.
Desafios
Fragmentação do cuidado
Instalações com estruturas específicas e rede de usuários
fora dos modelos de saúde integrados oferecidos hoje podem
realmente gerar ganhos em eficiência e economia de recursos,
mas elas também podem fragmentar a oferta de saúde. A coordenação médica neste sistema é fundamental, bem como a importância das operações da tecnologia da informação em saúde,
que não podem ser profundamente forçadas. O sistema de TI
em saúde deve servir como um tecido que une várias peças da
oferta de saúde em um método coerente que transmite segurança e um bom relacionamento. O papel da coordenação médica também pode ser realizado em uma variedade de graus por
homecare, serviços por telefone, como o Revolution Health’s
Nightingale, da On Star – companhia de seguros americana –,
além de decisões tomadas através de softwares na web e gravações pessoais.
Falta de mercado
A inovação disruptiva requer que um mercado de clientes realize incentivos para consumir produtos e serviços que
melhor satisfaçam suas necessidades. Isto tem sido motivo de
crítica das terceirizações e das combinações com franquias, co-pagamentos e seguros. Os impostos em saúde, em combinação
com um maior desconto dos planos, talvez melhorem as formas
disponíveis hoje para incentivar decisões racionais sobre o consumo de serviços de saúde.
Contudo, é importante reconhecer que o sistema de saúde
acolhe modelos de negócios altamente interdependentes e não
permite a simples conexão de um novo componente. As taxas
da saúde realmente criam incentivos adequados para comportamentos saudáveis, mas ao mesmo tempo em que a oferta do
sistema de saúde continua dispendiosa e inconveniente, os
consumidores, de forma racional, evitam gastar dinheiro nestes serviços. Em outras palavras, até encontrarmos modelos de
negócios inovadores para a oferta de serviços de saúde em conjunção com as taxas, continuaremos a ver indivíduos paradoxalmente evitando comportamentos saudáveis que esses meios
desejam incentivar.
Barreiras regulatórias
As batalhas frequentes sobre o adiamento dos prazos de
pagamento de dívidas federais de hospitais de especialidades,
as políticas de Estado para autorização das atividades e as res-
trições sobre a estrutura das instalações médicas fazem parte
das discussões daqueles que defendem de forma apaixonada a
ideia de que uma mudança disruptiva poderia comprometer a
segurança pública em prol de maiores lucros. De forma interessante, todas as companhias e indústrias que foram inovadoras
contaram com personagens que ao mesmo tempo fizeram lobby
contra as mudanças e argumentaram que as empresas inovadoras nunca poderiam oferecer mais que um desempenho padrão
e uma qualidade inaceitável.
As empresas que cresceram e obtiveram sucesso por meio
de condições regulatórias específicas posteriormente trabalharam intensamente para provar que aquelas condições continuaram a seu favor. Não foi há muito tempo que a General Motors
fez lobby para o aumento das tarifas dos produtos importados
do Japão no Congresso americano. “O que é bom para a General Motors é bom para os EUA”.
Contudo, apesar de geralmente escrito com boas intenções,
esses regulamentos inevitavelmente tornam-se uma armadilha
para os altos custos dos modelos de negócios para a saúde. Por
exemplo, muitos estados não permitem que suas enfermeiras
interpretem resultados simples de exames ou façam prescrições, deixando a oferta de serviços em saúde desempenhada
pela equipe médica mais personalizada. Isto faz sentido para
enfermidades mais complexas, que requerem a atuação de
especialistas, mas este tipo de regra não deixa espaço para o
processo de valor agregado ao negócio, como os enfermeiros
das clínicas que podem oferecer melhores serviços com custos
mais efetivos. Aqueles que elaboram as políticas de saúde devem identificar os custos ocultos de suportar e renovar as regras
que inibem a inovação em longo prazo.
Ressarcimento
Finalmente, retornaremos à nossa premissa inicial, que é o
erro em se concentrar apenas no corte de custos quando se tenta
ajustar o sistema de saúde, regras e atenção direta aos contribuintes para cortar os índices de reembolso e tentar forçar um
modelo de negócios especializado para hospitais e clínicas que
de alguma maneira encontram o caminho para se tornar mais
eficientes e promover alguma melhoria na saúde. Com menos
ressarcimentos, hospitais e clínicas lutam ainda mais para realizar suas propostas, fornecer serviços complexos, cuidados
médicos mais caros, e eles se tornam ainda menos inclinados a
deixar de fora o valor agregado ao processo empresarial.
Como tentamos enfatizar neste artigo, a solução apropriada
é incentivar o desenvolvimento de modelos de negócios disruptivos que possam assumir uma maior parte da carga de trabalho
– e não forçar modelos personalizados antigos em medicina,
que tiveram sucesso em algum momento, para se conformar. A
união entre avanços tecnológicos com uma escolha apropriada
de um modelo de negócios inovador gerou acessibilidade para
as indústrias da área de siderurgia e é a receita certa para o
tratamento do sistema de saúde – um tratamento que é desesperadamente necessário e há muito tempo esperado.
Jason Hwang é médico, graduado pela Universidade de Michigan.
Clayton Christensen é professor da Harvard Business School, em Boston.
Ambos são cofundadores da Innosight Institute, empresa de consultoria de
estratégia e inovação em saúde, sediada em Watertown, Massachussetts.
Publicado com autorização. Todos os direitos reservados.
Diagnóstico | set/out 2013
23
Ensaios
Laura Schiesari*
Envelhecimento Populacional e as
repercussões na atividade hospitalar e
na gestão da assistência
A revolução da longevidade está ocorrendo no Brasil de forma súbita e com grande impacto na
sociedade, forjando mudanças sociais, políticas, econômicas e ambientais
O
aumento do número de idosos demanda soluções para os problemas que as
instituições hospitalares já começaram a enfrentar e, sobretudo, um redesenho dos sistemas de saúde, com
mudanças importantes no cuidado
prestado.
O ritmo acelerado do envelhecimento da população ilustra
a magnitude deste desafio. Segundo a Organização Mundial de
Saúde (OMS), a expectativa de vida hoje é de 74 anos e será de
81 anos em 2050. No Brasil, a expectativa de vida aumentou
de 43 para 75 anos de 1945 a 2013. A pirâmide populacional encontra-se em transformação e sofrerá inversão, levando
a predomínio de idosos em relação às crianças. Em 30 anos,
o número de idosos quintuplicou e até 2050 será sete vezes
maior. Em nosso país, a alteração da pirâmide etária ocorreu
em um terço do tempo se comparado aos países desenvolvidos.
A transição epidemiológica acompanha a demográfica. Em
nosso meio, a prevalência de doenças infecciosas e crônicas
não transmissíveis demanda maiores recursos e arranjos peculiares do sistema de saúde.
Esta rápida evolução aumenta a importância e a necessidade de o país administrar e assimilar a inversão da pirâmide
etária com maior rapidez do que os sistemas europeus, que enriqueceram primeiro, para depois envelhecer. Em alguns segmentos, a população de beneficiários apresenta hoje a estrutura
etária prevista para o ano de 2030. A faixa etária dos acima de
65 anos utiliza mais os serviços de saúde, sobretudo hospitais,
as hospitalizações são mais longas, a mortalidade maior, bem
como as admissões em unidades de terapia intensiva e a taxa
de institucionalização.
Esta nova realidade aponta a urgência de remodelamento
do sistema de saúde e de seu financiamento. Há necessidade
de desenvolvimento de serviços voltados para atender à demanda da população que envelhece rapidamente e em grande
quantidade.
O cuidado
O sistema de saúde não está preparado e não oferece assis24
Diagnóstico | set/out 2013
tência adequada, uma vez que o modelo de atenção encontra-se ultrapassado, priorizando os casos agudos e de forma fragmentada. Será necessário reorganizar a rede de atenção para
acolher e cuidar da população idosa.
Há indícios de mudanças, com maior ênfase nas ações preventivas e de promoção da saúde, com aumento da prática do
autocuidado. O papel do hospital neste contexto precisa ser
revisto, inclusive no que se refere à educação e preparo dos
usuários, familiares e cuidadores. É necessária ainda a rearticulação dos hospitais, com o desenvolvimento de linhas de
cuidado e estruturas de atendimento capazes de responder de
maneira eficaz e eficiente às necessidades emergentes.
O plano de enfrentamento das doenças crônicas proposto
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tem ganhado importância.
Apesar disso, há necessidade de intensificação das políticas de
atenção ao idoso, incentivo às ações de promoção da saúde,
envelhecimento ativo, educação permanente, atenção domiciliar e segurança da pessoa idosa. O setor privado oferece ações
pontuais, apesar das várias iniciativas de operadoras e organizações hospitalares no sentido de atender a esta nova demanda
e desenvolver ações integradas e coordenadas. A mudança deste cenário passa pela intensificação da sinergia entre os setores
público e privado, revisão das posturas e reforço da articulação
em rede, visando à integralidade das ações.
Intervenções de promoção da saúde poderão auxiliar a
corrigir o declínio funcional, sendo a redução do nível de incapacidade um grande ganho. O período de internação é determinante para resgatar a funcionalidade, pois vários fatores
podem levar ao declínio funcional, tais como imobilização
prolongada, privação sensorial, desorientação, ambiente não
familiar, procedimentos invasivos, diminuição da ingesta de
nutrientes etc.
Várias estratégias para a desospitalização podem ser utilizadas, como programas de medicina preventiva, monitoramento do paciente de alto risco e de alto custo, gerenciamento
de crônicos, redução do tempo médio de internação, melhor
gerenciamento dos leitos, homecare, cuidados paliativos, reabilitação e serviços de longa permanência. Para que a desospitalização seja efetiva, a articulação entre os vários atores é
fundamental, bem como o trabalho educativo junto às famílias
e pacientes, comissões de desospitalização e de gerenciamento
de leitos, garantia de continuidade dos cuidados.
Os cuidados devem atender às necessidades dos idosos,
familiares e cuidadores, e a assistência deve ser prestada em
tempo adequado e com foco no paciente, com eficiência, equidade e efetividade. O cuidado deve ser integral, integrado, seguro, multiprofissional, inter e transdisciplinar, com ênfase na
reabilitação e reinserção pós-internação. O plano de cuidado
com metas definidas pela equipe multiprofissional e o preparo
para a alta são fundamentais.
Os profissionais de saúde têm grande responsabilidade na
recuperação da saúde dos idosos durante a internação. No entanto, a formação e a educação continuada para cuidar do paciente idoso carecem de aprimoramento. É preciso disseminar
o conhecimento sobre o envelhecimento, valorizar os idosos,
reconhecer suas demandas específicas e reforçar o trabalho em
equipe.
Algumas reflexões
A revolução da longevidade está ocorrendo no Brasil de
forma súbita e com grande impacto na sociedade, forjando
mudanças sociais, políticas, econômicas e ambientais.
Surge aos poucos um novo conceito, a gerontolescência
ou a nova fase da vida, com duração de duas ou três décadas.
Se tantos esforços foram dedicados à adolescência, fase mais
curta e circunscrita, este longo período merece, no mínimo,
atenção redobrada.
Envelhecer deve ser visto como um privilégio e não como
um problema. Nosso desafio será tornar a sociedade e nossos serviços mais adaptados para este novo momento. Mãos
à obra!
“
Esta nova realidade
[do envelhecimento
populacional]
aponta a urgência de
remodelamento do
sistema de saúde e
de seu financiamento.
Há necessidade de
desenvolvimento de
serviços voltados para
atender à demanda
da população
que envelhece
rapidamente e em
grande quantidade
Laura Schiesari é médica especialista em administração hospitalar e
diretora técnica da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).
*Este texto foi elaborado a partir da contribuição dos vários palestrantes
do II Conahp, realizado entre os dias 2 e 4 de outubro de 2013, em São
Paulo, e das sínteses realizadas pelos aprimorandos do Proahsa.
Diagnóstico | set/out 2013
25
ARTIGO
Eduardo Najjar
Divulgação
Ciclo de vida da empresa familiar
A
s estatísticas demonstram que a maioria das
empresas familiares, em todo o mundo, não
consegue atingir a transição para a terceira
geração.
Isso apesar de todas as vantagens competitivas que abrigam, como a alavancagem do
nome de família, grande confiança entre os
seus integrantes e orientação de longo prazo (pela necessidade de
garantir a perpetuação do patrimônio para as futuras gerações).
Famílias empresárias e suas empresas podem ter um caminho
sem entraves, através de um processo de constante renovação, desde que sobrevivam aos desafios e se adaptem às mudanças, naturais a qualquer organização.
É importante observar que os principais desafios e as mudanças
podem ser previstos, desde que a família empresária entenda o ciclo de vida do seus negócios. Uma empresa familiar de sucesso é
aquela que trabalha em harmonia com os vários estágios de sua
cipação no mercado, apresentando produtos e serviços novos e inovadores; expandindo sua operação para outras regiões; atraindo financiamentos para suportar seu crescimento.
Caso o fundador consiga superar os problemas apresentados
pelo próprio crescimento, pela expansão, o negócio continuará a crescer e se beneficiará da sinergia entre herdeiros e pais.
Quarta fase: governança/maturidade
É a mudança do modelo de poder concentrado em uma só pessoa, para aquele em que os herdeiros deverão trabalhar juntos,
com sinergia, para tomar decisões que beneficiem a empresa e
não apenas os seus interesses pessoais. Nesta fase, a governança deve colocar ênfase em princípios como transparência, responsabilidade e justiça. Caso estes princípios não sejam observados, poderão surgir conflitos de difícil resolução, com grande
chance de colocar em perigo a sobrevivência do negócio da família e, muito provavelmente, a harmonia e a unidade familiar.
Quinta fase: renovação
A empresa cria o desejo
de voltar a operar com um
modelo “mais magro”,
precisam passar por um processo constante de
com menores custos. As
equipes deverão promover
renovação que auxilie a transição de gerações
a inovação, trabalhando
com criatividade, que poderá ser obtida através da utilização de uma estrutura de tomada
evolução: empreendedorismo, sobrevivência, crescimento, goverde decisão mais descentralizada.
nança, renovação e declínio.
Cada uma dessas fases tem seus próprios desafios e fatores diferenSexta fase: declínio
ciadores que determinarão a viabilidade do negócio a longo prazo.
A empresa entrará nesta fase caso predominem a política organiÉ possível observar um roteiro, identificando transições organizacional de busca do poder e caso os membros da família controzacionais críticas, bem como as armadilhas do negócio, que cresladora do negócio pressionem a gestão, mais preocupados com as
cem em tamanho e complexidade à medida que a empresa cresce.
metas pessoais do que com as metas da empresa. Em algumas empresas familiares, a incapacidade de atender às demandas externas
Primeira fase: empreendedorismo
de uma fase anterior poderá levá-la a um período de declínio em
Nesta fase inicial, o fundador declara que está explorando uma
que experimentará falta de lucro e perda de participação de meroportunidade de negócio e que está muito motivado para levácado. Neste caso, o controle e o processo de tomada das principais
-lo adiante. O fundador vê a oportunidade onde muitas pessoas
decisões tendem a retornar a um punhado de pessoas, da mesma
não veem. Seu foco é a viabilidade do negócio, ou seja, encontrar
forma como o desejo por poder e influência nas fases anteriores
clientes suficientes para apoiar a existência da empresa. A família
corroeram a viabilidade do negócio.
é, muitas vezes, o principal fornecedor de mão de obra da empresa.
Famílias empresárias e suas empresas
Segunda fase: sobrevivência
A empresa desenvolve um grau de formalização de sua estrutura
e estabelece suas próprias competências distintivas. O principal
objetivo, aqui, é gerar receita suficiente para continuar as operações e financiar o crescimento suficiente para que o negócio mantenha-se competitivo.
Terceira fase: crescimento
Nesta fase a empresa se concentra em aumentar sua parti26
Diagnóstico | set/out 2013
Conclusão
Fundadores bem sucedidos na criação e crescimento de seus negócios devem desenvolver competências que serão necessárias à
implementação de mudanças (sucessão, entre elas), para que consigam interpretar e agir sobre “o que virá a seguir”.
Eduardo Najjar é expert brasileiro em family business, consultor e palestrante
associado da Empreenda, coordenador do GrandTour Family Business International, professor na ESPM e, além da Diagnóstico, é colunista do Blog do
Management (Exame.com).
Diagnóstico | set/out 2013
27
Divulgação
ENTREVISTA
uwe buddrus
o Alemão Uwe
Buddrus, diretor
executivo da HIMSS
Analytics Europe
(HAE)
28
Diagnóstico | set/out 2013
“A legislação é um grande obstáculo
para troca de informação em saúde”
Diretor executivo da HIMSS Analytics Europe (HAE) – mais respeitada associação do setor
de TI em saúde do mundo –, o alemão Uwe Buddrus defende mais autonomia para o
setor e revela que a difusão do prontuário eletrônico não é um problema apenas no Brasil
Adalton
dos
Anjos
O mHealth pode revolucionar o setor
de saúde na Europa ajudando a poupar
18% dos gastos em saúde na União Europeia, segundo pesquisa da PwC. Como
avalia esse prognóstico?
Uwe Buddrus – É difícil estimar uma percentagem da economia gerada sem uma
clara definição sobre o que é mHealth e
sobre o que se considera em termos de
custos da saúde. Contudo, não há dúvidas de que o uso das tecnologias móveis
nesta área oferece um potencial significativo. Isto começa pelo acesso remoto aos
registros médicos eletrônicos (EMR) e a
possibilidade de ver e documentar dados
clínicos no ambiente do prestador de cuidados, o que melhora o processo e reduz
a possibilidade de erros médicos. É preciso pontuar também o uso das tecnologias
móveis pelos pacientes em suas casas,
através da automonitorização ou das teleconsultas, o que abre um leque de oportunidades na gestão de doenças crônicas.
No Brasil, a adoção dos prontuários
eletrônicos vem esbarrando em uma
questão singela: a baixa aderência dos
médicos ao sistema. Trata-se de um fenômeno local?
Buddrus – A baixa disposição para o uso
das tecnologias por parte dos médicos é
uma barreira comum à adoção dos prontuários eletrônicos nos Estados Unidos
e na Europa. As razões mais frequentes
para a rejeição são a falta de planejamento na reestruturação dos processos e a não
inclusão dos utilizadores, além das falhas
de gestão na mudança organizacional e a
ausência de diretrizes claras por parte da
administração. Afinal de contas, se os líderes não forem impulsionadores no uso
das tecnologias, por que razão deverá a
equipe fazer uso delas?
Como evitar que os gigantes do setor de
solução em TI da saúde utilizem o que
para muitos é visto como prática monopolista, ao dificultar, por exemplo, que
uma solução de prontuário eletrônico
de um concorrente do setor seja incorporada ao seu sistema?
Buddrus – A maioria dos principais
players do segmento de TI tem reputação
de tornar a integração dos seus sistemas
com os de empresas concorrentes um processo bastante difícil. Contudo, com uma
demanda crescente por parte dos compradores em ver cases de integração bem sucedidos, antes da assinatura do contrato, é
preciso mudar as estratégias na oferta dos
prontuários eletrônicos. Estas empresas
têm que abrir suas soluções de software
à interoperabilidade de forma a manter o
seu sucesso.
De que forma a crise econômica europeia de 2008 ainda repercute no mercado de TI em saúde na região?
Buddrus – Em 2010, uma larga percentagem dos hospitais afirmou sentir o impacto da recessão econômica nos investimentos em TI – 71% dos hospitais espanhóis,
65% dos italianos, 29% dos franceses e
20% dos alemães. Surpreendentemente,
esta tendência inicial não se encontra refletida nos investimentos dos últimos três
anos. Espanha e Itália continuam a implementar sistemas de TI, especialmente
sistemas clínicos. Somente o mercado
alemão continua estagnado.
Quais as principais oportunidades na
prestação de serviços em TI no mercado
global?
Buddrus – As oportunidades são diversas. Em primeiro lugar, existem os serviços de integração de sistemas, já que a
maioria dos fornecedores de tecnologias
têm softwares antigos. Há também o software como serviço (SaaS) ou modelos
de hosting remoto – especialmente para
soluções dedicadas, colaborativas, ditado
e reconhecimento de voz. Outras possibilidades são o suporte de usuários, desde a
formação até a manutenção dos sistemas
e a reengenharia de processos de TI para
empresas.
Os níveis 6 e 7 do Emram – programa
que traz um padrão de medida global
para avaliar os níveis de aplicação do
prontuário eletrônico em hospitais – são
os mais difíceis de ser alcançados. O que
esses escores traduzem em termos de
eficiência?
Buddrus – Os hospitais em estágio 6 e 7
do Emram são fortemente automatizados
e atingiram um nível muito elevado de
escopo funcional e de integração dos sistemas de informação. Durante o processo
de avaliação, é solicitado a estas instituições que demonstrem suas capacidades
tendo por base o datawarehouse clínico.
Procura-se assim verificar o uso destes
dados na conexão das atividades clínicas
com os resultados econômicos. É exigido que estas instituições comprovem que
prestam cuidados de saúde de forma mais
eficiente que outras em estágios mais baixos. Contudo, todo este processo é feito
de uma forma mais implícita que explícita.
A legislação continua sendo o maior
obstáculo ao avanço da TI na saúde?
Buddrus – Sim, em especial, a legislação
sobre segurança de dados, que restringe
a troca de informação em saúde, com reflexos no engajamento dos pacientes. Na
Alemanha, por exemplo, a regulamentação de produtos médicos determina que
qualquer software que suporte diretamente o diagnóstico ou terapia é um produto
médico e requer certificação. Assim sendo, esta lei é uma séria barreira ao desenvolvimento e implementação de sistemas
avançados de apoio a decisões que desenvolvam protocolos clínicos.
Diagnóstico | set/out 2013
29
informe publicitário
Grupo Delfin investe em
parque tecnolÓgico
Fotos: Roberto Abreu
Adelina Sanches, coordenadora de medicina nuclear: “Estamos falando do que há de mais avançado em diagnóstico por imagem”
Expertise e investimentos em tecnologia no setor de diagnóstico por
imagem serão aplicados em novos serviços de tratamento do câncer na
Bahia e em outros estados do Nordeste
O
investimento em
equipamentos de
ponta para a renovação do parque
tecnológico está
entre as ações
do Grupo Delfin,
principal empresa de diagnóstico
por imagem com atuação no Nordeste, para aprimorar ainda mais os
setores de bioimagem e medicina
nuclear. O grupo adquiriu 13 novos
equipamentos de ultrassom, três novas ressonâncias magnéticas, cinco
aceleradores lineares e novos PET-CT inéditos no país, que serão distribuídos na rede de medicina diagnóstica, que conta com nove unidades
na Bahia, duas em Natal (RN) e mais
três clínicas que serão inauguradas
na Região Nordeste.
Para o setor de radioterapia, dois
aceleradores lineares já atendem
pacientes no complexo médico-hospitalar da Delfin (CMD), em Lauro de
Freitas, Região Metropolitana de Salvador. Os demais aparelhos já foram
instalados no Hospital Português e
Hospital da Bahia, ambos na capital
baiana, com o início das operações
previsto para 2014.
De acordo com o coordenador da
radioterapia do Grupo Delfin, Arthur
Accioly Rosa, os aceleradores lineares adquiridos pelo grupo são equipamentos de ponta que permitem a
realização de tratamentos personalizados e são capacitados para realizar procedimentos avançados, como
a radiocirurgia – que utiliza lâminas
de proteção de 0,25 cm, as menores
do mercado –, além da radioterapia
estereotáxica fracionada craniana e
a extracraniana. “Outra tecnologia é
a radioterapia de arco volumétrico,
que permite uma entrega de dose
mais rápida, reduzindo o risco de
perda com a mobilização involuntária
do paciente”, acrescentou.
Além disso, a partir de 2014,
todo o fluxo de informações será
integrado através da digitalização
e controle de todos os procedimentos. “Fizemos um investimento alto em dosimetria e controle de
qualidade. Tudo agora é feito de
forma digital”, completou Accioly.
Pioneirismo – Referência em diagnóstico por imagem, o Grupo Delfin
parte agora para se consolidar nos
serviços de terapia oncológica através da aquisição de seis aparelhos
de PET-CT – modalidade de diagnóstico por imagem que une recursos de
medicina nuclear (PET) e radiologia
(CT) e que permite avaliar funções
importantes do corpo. “É uma tecnologia que avança rapidamente e
para se manter atualizado é preciso
fazer uma renovação frequente dos
equipamentos, principalmente para
os exames mais sofisticados e mais
completos”, explica Nestor Muller, diretor médico do Grupo Delfin.
Adelina Sanches, diretora do setor de medicina nuclear do Grupo
Delfin no Hospital Português, onde
a renovação do parque tecnológico
nos setores de bioimagem e oncologia foi iniciada logo após a parceria da unidade com a Delfin, reforça
as características de avanço das
aquisições.“Juntos, os equipamentos oferecem mais precisão do que
os exames convencionais”, informou.
Ainda segundo a médica nuclear, o
investimento inclui, até o final do ano,
um novo equipamento de medicina
nuclear e um aparelho de gama-câmara, para diagnóstico com imagens
funcionais de diferentes tecidos, avaliado em R$ 500 mil.
Adelina reforça o impacto em relação à precisão dos exames de PET-CT, que direciona o paciente para
o tratamento adequado, evitando
que aqueles que têm a doença mais
avançada sofram com procedimentos invasivos. Por outro lado, o paciente com a doença em estado inicial terá uma chance de cura maior.
“Estamos falando do que há de mais
avançado em termos de diagnóstico
por imagem no campo da oncologia”,
completa. Um dos PET-CT já está
em operação no setor de oncologia
do Hospital Português há cerca de
um ano e meio. A próxima unidade
com previsão de receber um aparelho PET-CT é o complexo médico-hospitalar de Lauro de Freitas, que
deve entrar em operação até fevereiro de 2014.
Em vez do contraste, o PET-CT
utiliza o biomarcador molecular FDG-18F (fludeoxyglucose), uma espécie
de glicose radioativa que permite enxergar lesões com maior precisão.
“O investimento do Grupo Delfin inclui todo o processo de produção do
FDG”, destaca Adelina. Ela se refere
à Delfin Fármacos, primeira unidade
privada de produção do biomarcador
molecular FDG-18F nas regiões Norte e Nordeste, em operação desde
janeiro de 2012 e com investimentos da ordem de R$ 60 milhões. “O
PET-CT é uma tendência de mercado de imagem porque o nível de
precisão é muito alto e tem a chance de entregar a resposta que se
precisa em 90% dos casos”, avalia
a especialista.
“O investimento na Delfin Fármacos é uma demonstração de liderança de Delfin Gonzalez, porque o futuro da oncologia no país vai precisar
cada vez mais desse tipo de tecnologia”, completa o diretor Nestor Muller.
O presidente do grupo, Delfin Gonzalez, estima que, até 2020, a Delfin
Fármacos deverá ser reconhecida
como uma instituição de referência
em toda a América Latina, devido às
suas atividades de pesquisa e produção de biomarcadores moleculares.
Nova ressonância magnética na bioimagem e medicina nuclear do
Hospital Português
Modernização – Atento à demanda
local, o Grupo Delfin também se destacou no primeiro semestre do ano
com a chegada de novos aparelhos
de ultrassonografia – aquisições que
ampliaram a oferta de novos exames.
O completo processo de modernização envolveu praticamente todas as
unidades administradas pela rede,
como a nova bioimagem e medicina
nuclear do Hospital Português, que,
afinada com a tradicional assistência
do hospital, incorporou equipamentos avançados, como a ressonância
magnética de 1,5 Tesla – up grade
da 3,0 T – e o PET CT, ambos aparelhos que permitem uma avaliação
mais detalhada das estruturas anatômicas do corpo humano. Já o setor
de bioimagem do Hospital São Rafael (HSR), administrado pela Delfin
desde 2007, também atravessou um
completo processo de reforma e recebeu uma ressonância magnética
de alto campo. “Um investimento em
equipamentos de ponta que levou
o serviço do HSR, juntamente com
o Grupo Delfin, a ser reconhecido
como o melhor serviço de bioimagem do estado”, afirmou Paulo Engrácio, coordenador da Delfin Imagem no HSR.
Já na Clínica Delfin localizada no
bairro do Itaigara, em Salvador, houve a incorporação de mais uma nova
ressonância e um tomógrafo com novos aplicativos para exames cardíacos. Com essas aquisições, completam-se sete novas ressonâncias de
ponta apenas nesta que é considerada a unidade-mãe do Grupo Delfin.
As unidades de Villas e do Hospital
São Rafael também receberão, até
o final do ano, novas ressonâncias
magnéticas, com ampliação dos exames oferecidos.
O investimento também uniu o
Grupo Delfin Imagem e o Hospital da
Bahia (HBA), através de uma nova
clínica localizada na ala de bioimagem do HBA. “O Grupo Delfin trouxe
para a Bahia equipamentos de medicina nuclear de ponta, como nos
grandes centros internacionais. E,
para isso, o grupo também investe
em profissionais com um nível de
qualificação superior aos dos exames mais comuns”, completou Nestor Muller.
ENTREVISTA
pete mooney
Divulgação
o executivo
pete mooney, da
deloitte: mercado
global de saúde vai
continuar aquecido
“os eua vão continuar
investindo no Brasil”
Em entrevista à Diagnóstico, o recém-nomeado diretor executivo da área
internacional de saúde da Deloitte, o inglês Pete Mooney, faz uma análise do
mercado global de saúde e diz que a consultoria não errou ao apostar nos BRICS
32
Diagnóstico | set/out 2013
O
inglês Pete Mooney, que acabou de
assumir o cargo de
diretor executivo
da Deloitte Center
for Health Solutions
– uma das mais renomadas consultorias de negócios do
mundo –, é um otimista quando o assunto é mercado global de saúde. Segundo
ele, as incertezas que rondam mercados
importantes, como EUA, China e Brasil,
não vão frear o ímpeto de uma indústria
em plena expansão.“Um exemplo de
que o mercado continua atrativo foi a
compra, em 2012, da Amil pela United
Health Care”, compara. “Esta é somente uma experiência de como as companhias, neste caso nos EUA, estão vendo
grandes oportunidades em países como o
Brasil”. Mercados emergentes, aliás, são
uma das expertises de Mooney, que sempre conciliou a carreira de consultoria
com obras de caridade ao redor do mundo. Membro da Health Opportunities for
People Everywhere (HOPE), organização internacional voltada para soluções
duradouras para problemas de saúde em
cidades carentes do planeta, o executivo
diz que esse tipo de experiência tem sido
fundamental para sua compreensão sobre
como melhorar os cuidados com a saúde
de forma sustentável. “Tive a chance de
trabalhar com diversos líderes de grupos,
que trouxeram diferentes perspectivas
sobre a dinâmica do setor”, enfatiza Mooney, que assumiu o cargo ocupado nos
últimos seis anos pelo norte-americano
Paul Keckley. Do escritório da Delloite,
em Boston, o executivo concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico.
Diagnóstico – Em julho de 2009, a capa
da revista The Economist trazia como
manchete: “Brazil takes off” (“Brasil
decola”), mas, depois de quatro anos,
a mesma publicação rescreveu a manchete: “Has Brazil blow it?” (“O Brasil
estragou tudo?”). A mesma frustração
é estendida aos BRICS. Os consultores
estavam errados em suas previsões?
Pete Mooney – Era inevitável que o
crescimento nos BRICS passaria a ser
mais moderado com o passar do tempo.
Os índices de crescimento do passado
eram insustentáveis. Isto não significa
que esses mercados não são atrativos ou
que não serão daqui para frente, e sim
que serão ajustados para um índice de
crescimento mais normal. A propósito,
as questões que criaram um hipercrescimento no Brasil demandarão um tempo
para serem trabalhadas, já que o sistema
conta com 40 milhões de pessoas que
acabaram de entrar na classe média. Outro ponto é como ofereceremos serviços
de saúde para uma população que está
se descobrindo e se mostra como grandes oportunidades para as companhias.
Um exemplo de que o mercado continua atrativo seria a compra da Amil pela
United Health Care [Em 2012]. Esta é
somente uma experiência de como as
companhias, neste caso nos EUA, estão
enxergando grandes oportunidades no
Brasil.
Diagnóstico – Nos EUA, os custos em
saúde aumentarão 5,8% ao ano até
2020, segundo uma pesquisa divulgada
pela Deloitte. Vocês tem uma solução
para essa equação?
Mooney – A estimativa dos 5,8% foi
de uma pesquisa feita pelo Centers for
Medicare and Medicaid Services. Existe
uma necessidade de moderar o crescimento das taxas, mas, ao mesmo tempo, não há como o sistema de saúde dos
EUA oferecer um serviço a estes custos.
Contudo, certamente existem formas de
modificar isto – fazer com que as pessoas sem planos de saúde obtenham uma
cobertura ajudará a modificar as necessidades desses novos consumidores nos
serviços de saúde. Eles terão menos demandas de cuidados críticos ou níveis de
atendimento de emergência e se moverão
mais para o cuidado preventivo. Além
disso, a mudança na forma como oferecemos os serviços de saúde trará impactos de custos. Avanços tecnológicos, que
talvez aumentem custos em um curto
prazo, devem ter um impacto em cortes de gastos no futuro. Outros fatores,
como o aumento contínuo da necessidade de divisão de custos com as operadoras de saúde e o lento crescimento dos
programas de governo, também surtirão
efeitos. Será necessário muito tempo e
esforço para alcançarmos os resultados.
Mas está claro que mudanças precisam
ser feitas.
Diagnóstico – Os consultores falharam
em prever o colapso do sistema de saúde dos EUA?
Mooney – Acho que é um pouco prematuro dizer que o sistema de saúde dos
EUA entrou em colapso. Direi que os
EUA reconheceram que o sistema atual
é insustentável e medidas têm que ser
tomadas para resolver isto. Para uma
grande porção da população norte-americana, o sistema de saúde trabalha muito
bem. Mas alguns dos problemas que impactam o sistema de saúde nos EUA –
condições preexistentes, pessoas sem seguro saúde e coberturas limitadas – estão
sendo tratados com a legislação recente.
Diagnóstico – Durante muitos anos, a
telemedicina foi apontada por consultorias como a solução dos problemas
de cobertura e redução de custos em
saúde em países continentais como o
Brasil e os EUA. O que não deu certo?
Mooney – Uma questão interessante sobre a inovação tecnológica é a sua facilidade em prever para onde ela vai e, ao
mesmo tempo, uma dificuldade em saber
em que momento. Então, necessariamente, não diria que não deu certo, somente
que o nível ou o tempo de adoção está
sendo mais lento do que o esperado. As
barreiras que precisam ser transpostas
nos trabalhos em telemedicina são muito complexas. O Centre for Health Solutions da Deloitte, no Reino Unido, fez
um estudo em telemedicina e enfrentou
algumas barreiras como custos, cultura,
infraestrutura e questões legais. Muitas
dessas barreiras têm sido mudadas lentamente, com o objetivo de implantar
plenamente a telemedicina. E não é somente a tecnologia, mas também como
a tecnologia permite soluções em saúde.
Portanto, uma vez que você encontre a
solução, é preciso descobrir como aplicar telemedicina. Mesmo diante de tantos obstáculos, estou convencido de que
esse tipo de tecnologia vai melhorar os
cuidados em saúde e reduzirá custos a
longo prazo.
Diagnóstico – Com a chegada da lei
Affordable Care Act (ACA) no EUA, as
empresas do mercado de planos de
saúde estão prontas para atender uma
nova demanda? Como impedir que as
operadoras criem novas diferenças entre os públicos que já possuíam planos
de saúde e os novos consumidores?
Mooney – A questão fundamental em
torno do ACT é menos sobre a criação de
diferenciais nos planos de saúde e mais
sobre descobrir como oferecer uma cobertura para 40 milhões de pessoas nos
Diagnóstico | set/out 2013
33
ENTREVISTA
pete mooney
EUA que não têm atualmente qualquer
tipo de plano de saúde. Assim, o foco
principal do programa é trazer pessoas
para cobertura de saúde e nivelar este
campo de jogo entre as que já têm planos
de saúde – pagos através das empresas
onde trabalham – e aqueles que historicamente nunca tiveram cobertura. Trata-se de uma grande oportunidade para
operadoras de saúde, que estão diante de
um mercado absolutamente promissor.
Diagnóstico – Em vários setores, o avanço da tecnologia impactou diretamente
a redução de custos para as empresas.
Até quando o setor de saúde continuará fora desta tendência?
Mooney – O setor de saúde claramente
tem uma defasagem em relação a outras
indústrias na adoção da tecnologia. Mas
estamos testemunhando o avanço da
tecnologia da informação e da automação – com seus sistemas de informação
em saúde e na área clínica – se espalhar
ao redor do mundo. Achamos que essa
promessa não apenas ajudará a reduzir
custos, mas trará melhorias nos cuidados aos pacientes e resultados. A tecnologia da informação será a interface que
nos ajudará, por exemplo, a disseminar
a medicina baseada em evidências e a
medicina translacional – duas das maiores apostas para a sustentabilidade do
sistema. Obviamente levará tempo para
que seja construída uma infraestrutura e
capacidade analítica para que seja possível trabalhar com uma vasta coleção de
dados e vencer barreiras como a privacidade do paciente e a segurança.
Diagnóstico – O governo americano
usou celebridades em campanhas pela
internet para convencer os jovens a ter
planos de saúde e compensar, assim, o
aumento das despesas que as seguradoras têm com pacientes idosos. Aparentemente, a publicidade não funcionou. Como fazer com que o mercado de
planos de saúde seja um bom negócio
para todo mundo?
Mooney – Você está certo. O grupo de
pessoas abaixo dos 30 anos é crucial para
o sucesso da ACA, já que uma nação
com população sem cobertura em saúde
é geralmente mais velha e doente que a
população em geral. Se o mercado está
inundado por consumidores de alto custo com poucas pessoas saudáveis para
compensá-los, as mensalidades dos pla34
Diagnóstico | set/out 2013
Era inevitável que
o crescimento nos
BRICS passaria a ser
mais moderado com o
passar do tempo. Os
índices de crescimento
do passado eram
insustentáveis. Isto
não significa que
esses mercados não
são atrativos ou que
não serão daqui para
frente, e sim que serão
ajustados para um
índice de crescimento
mais normal
nos poderiam disparar. Existe a preocupação de que pessoas saudáveis, na faixa
de 20 anos, optem por sair do sistema.
Pode ser possível. Algumas pesquisas
recentes mostram que a população mais
jovem está confusa com a cobertura de
saúde. Há, claramente, a necessidade de
investimento em informação, que essa
parcela de consumidores seja sensibilizada. Mesmo assim, acredito que questões como estas e, em menor extensão, as
multas aplicadas para quem escolher sair
do sistema acabarão por trazer essa faixa
de público para a cobertura do ACA.
Diagnóstico – O presidente emérito da
Ache, Thomas Dolan, disse – em recente entrevista à Diagnóstico – que em
todas as nações os sistemas de saúde
enfrentam os mesmos três desafios:
acesso, qualidade e custo. É possível resolver essa equação a curto prazo?
Mooney – Acho que os comentários dele
estão na pauta dos desafios da atualidade. É possível fazer progressos em todos
estes temas, mas, primeiramente, precisamos definir quais são seus objetivos. O
que é uma saúde de qualidade? Qual é
o nível de acesso que estamos tentando
alcançar? O que é um custo adequado?
Necessitamos definir esses pontos de
partida. O que acho interessante é que
há muito mais compartilhamento de informações e das melhores práticas sendo feitos no mundo atual, já que todos,
indistintamente, estão tentando resolver
as mesmas mazelas: aumento dos custos,
envelhecimento da população e aumento
de doenças crônicas. A cooperação será
muito mais necessária para resolver estes
desafios.
Diagnóstico – Nem o NHS Inglês – que
sempre foi um parâmetro para o mundo de saúde pública de qualidade – resistiu à necessidade de reformas em
seus sistemas. O governo britânico foi
obrigado, inclusive, a buscar soluções
na iniciativa privada para continuar
prestando um serviço universal e gratuito aos súditos da rainha. Ninguém
vai escapar dessa onda de reformas na
saúde?
Mooney – Todos os países do mundo
e seus governantes estão tratando dos
mesmos problemas que você listou acima – crescimento dos custos em saúde,
aumento das doenças crônicas e problemas de acesso em saúde. O que é interessante é que os governos descobriram
que não podem resolver estas questões
sozinhos. Eles perceberam que as parcerias público-privadas e o engajamento
do setor privado, por exemplo, serão os
caminhos para solucionar essas questões
no futuro.
Diagnóstico – Em alguns países, os governos têm feito um grande esforço
para que a população adquira remédios genéricos. A Alemanha, onde a
medicação é paga pelo Estado, quer
reduzir custos. No Brasil, o objetivo é
que os mais pobres não comprometam a sua renda com remédios. Como
é possível equalizar essa conta e, ao
mesmo tempo, preservar os interesses
da indústria farmacêutica?
Mooney – Os genéricos são bons porque
eles são uma alternativa de baixo custo
para a indústria de medicamentos, mas
em algum ponto alguém tem que pagar
pela inovação e pesquisa desses produtos. Se não inventarmos novas drogas,
teremos somente o portfólio atual de
genéricos. Então, a questão não é sobre
se estamos dispostos a usar genéricos e
mais sobre se estamos dispostos a investir em P&D e inovação. Portanto,
alguém tem que pagar por isso ou não
existirão novos medicamentos.
Diagnóstico – Quais os questionamentos que os líderes de empresas do setor
de saúde norte-americanos devem se
fazer ao tentar prever estratégias para
os próximos dez anos?
Mooney – Acesso à saúde, bem como
a oferta de um serviço de qualidade e
com custos razoáveis continuarão a ser
os temas dominantes. Mas definir os objetivos dos serviços de saúde será mais
importante. Uma vez definidas metas,
administrar meios que permitam alcançá-las será fundamental. Tecnologia,
parcerias público-privadas e a medicina
baseada em evidências são apenas algumas ferramentas para alcançar aqueles
objetivos finais no futuro.
Diagnóstico – O senhor tem queixas do
seu seguro saúde?
Mooney – Sou um cidadão britânico. Já
vivi no Reino Unido e em alguns lugares
na Europa, além dos EUA. Fui usuário
do NHS e fiquei muito satisfeito com
o tratamento que recebi. Tive a mesma
sensação com os serviços em saúde nos
EUA. Portanto, mesmo os sistemas diferentes – um no serviço público, outro no
privado – mostram que existem muitas
organizações que prestam serviços de
saúde de qualidade ao redor do mundo.
Diagnóstico – O senhor está envolvido
em várias obras de caridade ao redor
do mundo e recentemente ajudou o
Nelson Mandela Children’s Hospital
Trust. Antes de te fazer uma pessoa
melhor, isso te ajuda a se tornar um
profissional melhor?
Mooney – Como consultor da indústria
da saúde, faz parte dos meus interesses
melhorar a vida das pessoas ao redor
do mundo. Ser capaz de colocar minha
IDOSA MORADORA DE RUA EM
CIDADE BRASILEIRA: Has Brazil
blow it (O Brasil estragou tudo?),
questionou a revista britânica The
Economist, em matéria de capa
sobre a expectativa frustrada de
crescimento dos BRICS
experiência neste setor para trabalhar
em iniciativas como Nelson Mandela Children’s Hospital Trust ou Project
HOPE (Health Opportunities for People Everywhere) é muito gratificante e,
acredito, uma importante forma de melhorar os cuidados em saúde ao redor do
mundo. Além disso, tive a chance de trabalhar com diversos líderes de grupos,
que trouxeram diferentes perspectivas
sobre a dinâmica do setor.
Diagnóstico – Quais são os desafios
que espera em seu posto?
Mooney – Este é um papel complexo e
exigente, e a natureza global dos negócios requer uma quantidade significativa
de viagens internacionais. Tenho que
trabalhar com um grande grupo de clientes, ajudando-os a resolver problemas.
Também tenho uma grande equipe de
colegas na Deloitte e gosto muito de trabalhar com eles. Sobre as desvantagens,
as viagens constantes podem exigir, mas
as conveniências do mundo moderno fazem com que seja mais fácil estar conectado com a família e amigos até mesmo
quando estou na estrada.
Shutterstock
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Lenine Serejo
Quem lê
decide.
Quem
decide lê.
José Henrique do Prado
Fay, Superintendente
executivo do Hospital
Alemão Oswaldo Cruz
a Revista
dos Líderes
da saúde
do brasil
Diagnóstico
| set/out
2013
39
ARTIGO
Paulo Lopes
Roberto Abreu
Gerenciamento do tempo: o planejamento lhe
dá o controle
U
ma das principais funções do gerenciamento do tempo do executivo é o
planejamento. Planejar o dia, semana ou mês, em vez de permitir que
transcorra de acordo com a demanda
dos outros, é a peça-chave única do
“quebra-cabeça” do gerenciamento
jetivos, metas e planos de ação, é fundamental a fixação de
prioridades, que têm dois aspectos: importante e urgente.
As atividades importantes são aquelas que trazem resultados efetivos. Já as urgentes são todas as tarefas que devem ser
feitas imediatamente, que geram algum tipo de problema se
não forem executadas. Uma tarefa urgente não tem prazo – ela
tem que ser feita já!
do tempo.
Acreditamos que esse mundo globalizado que se instalou
Portanto, é estratégico que haja um processo que ajude a depende muito mais da urgência do que o que é importante.
torná-lo mais eficaz. Sugiro a realização das seguintes etapas:
A verdade é que a grande maioria dos executivos dedica
1. Fixe objetivos a longo prazo, e as metas e ações liga- muito mais tempo ao bloco de atividades urgentes e menos às
das a esses objetivos.
importantes.
2. Estabeleça prioridades entre esses objetivos, metas e
Alguns podem estar se perguntando qual seria o equilíbrio
ações com base na sua importância em longo prazo e urgência ideal. Somos adeptos de que o melhor equilíbrio é aquele a
em curto prazo.
que dedicamos 70% do nosso tempo para os assuntos impor3. Tente conhecer seu ciclo pessoal de energia e organi- tantes, 20% para os assuntos urgentes e 10% para as atividaze um “dia ideal” com base em suas melhores horas produti- des circunstanciais. Esta distribuição permitirá uma melhor
vas de trabalho.
eficácia na sua atividade de executivo.
4. Fixe um plano do dia e o escreva a partir de três bloNa prática, encontramos alguns executivos que não sabem
cos fundamentais:
equacionar a disponibilidade do seu tempo quanto às atividaObjetivos, prioridades, dia ideal.
des importantes, urgentes e circunstanciais. É importante que
sejam registradas diariamente
essas disponibilidades para
análise da distribuição do seu
tempo, evitando “gastá-lo”
resolução de problemas
em uma maior eficácia das tarefas realizadas pelos na
considerados “urgentes” que
executivos e, consequentemente, o ajudará a atingir surgem no dia-a-dia, mas que
fogem ao que deveria ser uma
rotina normal de trabalho.
as metas e objetivos anuais
É necessária uma autoanálise para verificar:
Asseguramos que nada que você faça dentro de suas tenta1. Essa tarefa foi urgente?
tivas para gerenciar melhor seu tempo poderá ser mais valioso
2. Por quê?
do que seu planejamento formalmente escrito. Acreditamos
3. Como poderia ter previsto a urgência desta tarefa?
que sem o planejamento você estará totalmente à mercê das
4. Como posso planejar as tarefas para evitar essa urgêndemandas e exigências de terceiros sobre seu tempo. Com o cia?
plano você sabe o que fazer com as tarefas novas que surgem
5. É possível pedir a alguém para me ajudar com estas
durante o dia e que invariavelmente aparecem aos “montes” e atividades?
consequentemente aumentam suas interrupções diárias.
6. Estou sabendo dizer não?
Temos ainda que ter cuidado quanto ao uso dos “objetivos”
Esses “insights” com certeza ajudarão a identificar inclue “metas” alternadamente. Tecnicamente, eles são diferentes. sive a importância do uso eficaz da delegação, o que trará o
Um objetivo é algo que é de longo prazo, e o seu período varia tempo necessário para se dedicar às tarefas importantes.
de acordo a situação individual de cada um. Já as metas são
Recomendamos que esse assunto – administração do temobjetivos intermediários, com período de tempo menor.
po – seja tratado como prioritário e estratégico na sua vida,
É importante fixar seus objetivos anuais, metas trimestrais quer profissional, quer pessoal, pois “tempo não é dinheiro”;
e ações mensais e que no desdobramento sejam programadas “tempo é vida”, e uma vez “gasto”, não volta nunca mais.
semanalmente as atividades necessárias, com detalhamento
Sucesso e melhor utilização eficaz do seu tempo.
diário para ir em direção às metas e, consequentemente, atingir os objetivos anuais.
Paulo Lopes é CEO do Grupo Organiza, headhunter, coach, palestrante e
É importante esclarecer que, após a identificação dos ob- autor do livro Segredos de um Headhunter.
A hierarquização das atividades resulta
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Alan Sampaio
EMPREENDEDORISMO
SABIN
sandra costa e
janete vaz: faturamento
de R$ 217 milhões ao ano
e plano de chegar a 70%
dos estados brasileiros
até 2020
sócias ‘better half’
A afinidade das empresárias Janete Vaz e Sandra Costa, juntas no comando do
Laboratório Sabin há 30 anos, fez da sinergia entre ambas um ativo raro em um dos
setores mais competitivos do mercado de saúde
A
foto ao lado das
empresárias Sandra
Costa e Janete Vaz,
donas do Laboratório Sabin, retrata
um modelo de sociedade que bem
poderia ser personificado pela expressão
“better half” – cara metade, do inglês usual. Afinal, quando se fala do Sabin – um
dos dez maiores laboratórios do país –, a
imagem associada é obrigatoriamente ao
rosto de suas fundadoras, juntas no negócio há impressionantes 30 anos. E o sorriso das empresárias, registro obrigatório
e cada vez mais largo em suas aparições
públicas, tem uma explicação. Sozinhas,
elas fundaram o que para muitos já é um
ponto crescente no radar competitivo de
gigantes como DASA e Fleury. Com taxa
de crescimento chinês – 30% ao ano – e
faturamento de R$ 217 milhões anuais, o
Sabin está presente em seis estados, além
do Distrito Federal, possui 116 unidades e
1,8 mil colaboradores. A meta, depois de
vencer o assédio de grandes consolidadores, é chegar a 70% dos estados brasileiros
até 2020, o que deve incluir São Paulo e
Rio de Janeiro. “Foram tantas abordagens
que ficamos com medo de estar deixando passar oportunidades”, revela Janete,
goiana de nascimento.
O encontro que mudaria a vida das
duas aconteceu na década de 1970, quando as bioquímicas recém-formadas se
tornaram colegas em um pequeno laboratório de Brasília – até hoje principal QG
do Sabin. “Assim que nos conhecemos,
Janete me convidou para abrir um laboratório. Passaram-se quatro anos e perguntei a ela: ‘Aquela sua ideia ainda está de
pé? Essa é a hora”’, contou Sandra, uma
mineira low-profile, como ela própria se
define, e jogadora de golfe nas horas vagas. Não precisa nem dizer quem é a porção estratégica no negócio.
À Janete, entre outras atribuições,
cabe ser a face institucional do negócio
e que mais combina com o “Jeito Sabin
de Ser”, um resumo da cultura organizacional que fez do laboratório quase um
patrimônio do brasiliense. Não é raro o
depoimento espontâneo de clientes que
costumam dizer que se sentem em casa
quando vão ao laboratório realizar seus
exames. Um diferencial e tanto para um
negócio que quase sempre é visto como
um commodity em que geralmente o que
mais pesa na escolha do paciente é a distância de sua casa para o laboratório mais
próximo. Não por acaso, o Sabin é um
papa-título do ranking “As Melhores Empresas para se Trabalhar”, da Você S/A.
Desde que começou a participar da disputa, em 2005, o Sabin lidera a lista entre
as empresas de saúde presentes na classificação. No arsenal de mimos oferecidos
aos colaboradores, auxílios casamento,
enxoval, escolar e até um carro de presente para quem completar 20 anos de casa.
no divã – Crise? Elas existiram, como
a que assolou o Brasil nos anos 1980, na
década “perdida” que atingiu em cheio
também o mercado de saúde. “Não desanimamos. Tivemos coragem, uma boa pitada de ousadia e humildade para levantar
a cabeça e seguir em frente”, reconhece
Sandra, que admite ter enfrentado, no
início dos negócios, o preconceito velado
por estarem em um ambiente predominantemente masculino.
Na vida pessoal, casamento e filhos:
meia dúzia – igualmente divididos entre
elas (três cada uma). “Tinha preocupação
de os meus filhos sentirem minha falta.
Por isso, mais tarde, cheguei a buscar um
psicólogo”, revela Janete. No divã, uma
resposta freudiana, mas profética. “Ele
me disse que eu seria um bom exemplo
para eles, e que, um dia, meu filhos sentiriam orgulho da mãe. E foi verdade”,
confidencia a empresária. Pensando na
perenidade da rede de laboratórios, Janete e Sandra preferiram não transferir a
operação diretamente para os herdeiros,
ainda que alguns deles estejam na área de
saúde ou de finanças e tenham passado
pelo Sabin. Em 2013, elas adotaram um
novo modelo de governança corporativa
ao criar um conselho de administração. A
equipe é formada por 17 gerentes e três
superintendentes, que conhecem bem a
instituição. O grupo tem como presidente
executiva Lídia Abdala, que já trabalha há
14 anos na empresa. A nova CEO, escolhida pelos próprios colegas, tem a missão de conduzir o dia-a-dia da empresa
com a diretoria executiva. A estrutura,
além de permitir que qualquer um dos filhos possa dar continuidade ao negócio,
deu mais liberdade às empresárias para
cuidar da ampliação da rede de laboratórios. “Vamos enfrentar o desafio de vivenciar o dia-a-dia do conselho de administração, observando novas possibilidades
de mercado e desenhando estratégias de
relacionamentos”, diz Janete. “Há mercados com enorme potencial no país”. O
nível de excelência alcançado pelo Sabin
as sócias fazem questão de creditar ao
domínio dos processos, qualidade técnica, inovação, sustentabilidade e muita
emoção no que fazem.
Na academia, foram buscar know-how em gestão. Sandra é mestra em
Ciências Médicas pela Universidade de
Brasília (UnB) e possui MBA em Gestão
de Negócios na Fundação Dom Cabral
(FDC). Janete é pós-graduada em Gestão
Empresarial (Universidade Castelo Branco – RJ), além de ter MBA em Gestão
Empresarial, também pela FDC. “Tudo
o que construímos nos últimos 30 anos
precisaremos construir nos próximos sete
anos”, define Janete. Divergências elas
admitem que existem, como em qualquer
relação. Na religião, por exemplo, ambas fizeram escolhas distintas. Sandra é
católica praticante; Janete é evangélica.
“Somos muito diferentes, mas iguais no
respeito ao ponto de vista uma da outra”,
salienta Sandra. “Seguimos na mesma diretriz com grandes valores convergentes”,
emenda Janete. Ter o céu como limite, aliás, é algo que sempre as uniu. O Sabin
que o diga.
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ENSAIO
ética médica
pacientes terminais e
os médicos: com muita
frequência, profissionais de
saúde não conseguem admitir
que há pouco a ser feito
Robert Pearl
‘Falar ao paciente que ele
vai morrer é doloroso. Mas
é preciso dizer a verdade’
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Diagnóstico | set/out 2013
E
scolhas impossíveis é o tema do último romance de Khaled Hosseni, And The Mountains Echoed, publicado no Brasil com o título O Silêncio das Montanhas, pela Editora
Globo. Estudos mostram que muitos médicos
se esforçam para ajudar seus pacientes em
suas escolhas mais difíceis. Por mais difícil
que as decisões pareçam, a pior escolha é não tomá-las. Lendo
este romance, pergunto-me quantos cenários foram inspiradores a partir das experiências pessoais de Dr. Hosseini, um médico clínico. Todos os dias, nos EUA, pacientes e seus familiares
são obrigados a tomar decisões médicas torturantes. A regra
fundamental para estes profissionais é ajudá-los durante este
processo difícil.
Algumas escolhas são doloridas, mas fáceis de tomar, como
decidir sobre a retirada de um fígado canceroso para salvar a
vida de uma criança. Muitas vezes, no entanto, os médicos devem apresentar opções e fazer recomendações sobre quando
não há uma escolha “certa”. Médicos temem que pacientes não
enfrentem a verdade. Com muita frequência, estes profissionais
também não conseguem admitir que há pouco a ser feito.
Falar aos pacientes com câncer terminal que eles morrerão
em pouco tempo é doloroso. Muitos médicos não fazem isto
bem. Alguns chegam a esconder esta informação. De acordo
com um estudo recente da New England Journal of Medicine,
no mínimo dois terços dos pacientes com câncer em estado
avançado acreditam que a quimioterapia os curará. Mas, exceto
em tipos raros de tumor, a quimioterapia é administrada para
minimizar os efeitos da metástase. Em outras palavras, não se
pode curar.
Em algumas situações, um médico honesto pode desagradar
um paciente. Mas a melhor medicina para todos os pacientes
é a verdade. Como médicos, devemos fazer o melhor trabalho
para explicar o que está acontecendo, mesmo quando as notícias são difíceis de ser ouvidas. Durante boa parte da vida, as
pessoas não estão próximas da morte. Mas em algum momento
a maioria de nós desenvolverá problemas de saúde. Quando a
hora chega, queremos que os profissionais de saúde cuidem de
nós e falem a verdade da forma que desejamos ouvir – com
compaixão e respeito para as nossas decisões do fim da vida.
A verdade é que possibilita a um paciente entender a real
situação. É o que o ajuda a fazer o que é necessário e importante
enquanto ele tem tempo. Mas falar aos pacientes a verdade sobre os riscos e benefícios de uma terapia agressiva tem sido diferente. Informar aos pacientes com doença avançada que eles
estão próximos da morte tornou-se um debate político. Alguns
confundem essa situação com o racionamento ou retenção dos
cuidados médicos. Não é uma coisa nem outra. Falar aos pacientes a verdade sobre os problemas de saúde é o que a maioria
de nós quer ouvir, e o que todos os pacientes têm o direito de
saber.
Oito em cada dez pessoas nos EUA dizem que gostariam de
conversar com seus médicos sobre o tratamento no fim da vida
se estivessem seriamente doentes. No entanto, menos de uma
em cada dez pessoas disseram fazer isso.
A exceção está em La Crosse, no estado de Wisconsin, condado localizado no centro-oeste dos EUA, que tem sido referido
como “o melhor lugar para morrer”. Há mais de duas décadas,
o Gundersen Lutheran Medical Center (hoje Gundersen Health
Alguns médicos escolhem a
conveniência de não falar
a verdade para evitar
desapontar seus pacientes.
Alguns fazem isso somente
para não perder o próprio
tempo. Muitos se justificam
prometendo o impossível,
como se quIsEssem “preservar
a esperança”
System) foi criado para sistematizar os planos de tratamento.
Se você está morrendo no condado de La Crosse hoje, você
tem 90% de chances de ter seus desejos conhecidos. Você tem
também 99% de chances de ter esses desejos atendidos. O termo que eles usam para isso é “respecting choises” (“respeitando
escolhas”). Não cometa erros. As conversações sobre o fim da
vida são muito difíceis. Elas demandam tempo. Muito mais do
que os cinco ou seis minutos que os médicos gastam em média
discutindo diretivas de tratamento, segundo um estudo. Alguns
médicos escolhem a conveniência de não falar a verdade para
evitar desapontar seus pacientes. Alguns fazem isso somente
para não perder o próprio tempo. Outros lutam para confrontar
seus próprios limites enquanto médicos. Muitos se justificam
prometendo o impossível (ou no mínimo o improvável), como
se quisessem “preservar a esperança”. Seria uma atitude para
promover a alegria do paciente. Uma pesquisa mostra o oposto. Quando pacientes sabem a verdade sobre suas doenças –
e quando eles têm a oportunidade de ter uma conversa franca
sobre os objetivos do tratamento –, eles ficam mais felizes e
vivem mais. Esta tendência se repete mesmo quando a escolha
dos pacientes é por intervenções menos agressivas.
Setenta por cento dos pacientes querem passar seus últimos
dias de vida com seus familiares em casa. A maioria deles gasta
seus últimos dias em hospitais longe de onde gostariam. Alguns
pacientes com doenças terminais escolhem tratamentos radicais, com a esperança de alguns dias a mais de vida ou uma em
100 chances de ser curado. Mas este não é o caso de muitos pacientes. E quando médicos não são honestos, eles desrespeitam
seus próprios pacientes e a dignidade deles.
A maioria dos doentes é mais forte do que muitos médicos
imaginam. Estes profissionais devem aos seus próprios pacientes a verdade, ainda mais no final de suas vidas. A despeito de
todos os avanços na área de cuidados de saúde e das práticas
médicas, nós, como médicos, temos muito a aprender sobre a
admissão das nossas limitações. Mesmo quando há pouco a ser
feito, podemos oferecer aos nossos pacientes, através do tratamento médico, duas das nossas mais poderosas ferramentas
terapêuticas: a verdade e a compaixão.
Robert Pearl é médico formado pela Escola de Medicina da Universidade de
Yale, com residência em cirurgia plástica e reconstrutiva na Universidade
de Stanford, onde ensina Estratégia, Liderança e Tecnologia. É colunista da
revista Forbes.
Diagnóstico | set/out 2013
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OSVINO SOUZA
Carogestor
Sou estrangeiro e fui transferido para o Brasil
a serviço de uma grande multinacional do setor
de saúde, que tem no governo um dos seus principais clientes. Não raro, recebemos propostas de
servidores públicos interessados em vender facilidades em licitações. Eles sempre dizem que, se
não aceitarmos, a concorrência o fará. Em nossas
filiais na China e Rússia, a realidade é a mesma.
Sinceramente, não me acho capaz de mudar essa
realidade.
Anônimo
Vou ter de deixar de ser técnico por algumas linhas, me
desculpem, e vou emitir uma opinião, já que a pergunta não é
técnica. Os leitores desta seção já devem ter notado o quanto
fico incomodado quando trato de questões referentes à ética.
A razão deste incômodo me parece óbvia para qualquer cidadão de bem, de boa índole. Este incômodo toma uma dimensão ainda maior quando se trata da área da saúde e também do
setor público. Têm sido tantos os escândalos que temos acompanhado nos últimos tempos pela mídia, envolvendo os setores público e privado, que ficamos estarrecidos, boquiabertos
e até perdidos, inertes. Neste momento, enquanto escrevo esta
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Diagnóstico
Diagnóstico || set/out
set/out 2013
resposta, acabei de acompanhar notícias dos últimos passos do
julgamento do tão propalado Mensalão. Quantos outros “mensalões” precisariam existir para que este país se tornasse um
país confiável, para que nossas instituições fossem confiáveis,
para que nossas empresas fossem confiáveis, para que nossos
empresários fossem confiáveis, para que nós, cidadãos, fossemos confiáveis. Não que este seja um problema só brasileiro,
muito pelo contrário, mas o que me preocupa neste momento
é cuidar de minha tão querida casa, meu Brasil. Sou um digno
cidadão brasileiro e não abro mão de minha honestidade, nos
mínimos detalhes, custe o que custar. No campo profissional,
dos negócios, já perdi, perco e continuarei perdendo negócios, por ser honesto e não aceitar qualquer proposta ou situação que possa, em qualquer dimensão, arranhar meus valores,
minha reputação ou os da organização para a qual trabalho.
Acredito sinceramente que o caminho para mudar os costumes
de um país, seja ele os EUA, a França, a China, a Rússia ou o
Brasil, é mudando a atitude, o comportamento de seus cidadãos,
desde o mais alto dos seus representantes ao mais simples deles,
com base em valores humanos e éticos verdadeiros. Espero ter,
de alguma forma, respondido à sua pergunta.
Como saber quando um negócio está precisan-
do de uma consultoria externa? Vivo um bom momento em meu negócio – uma rede de clínicas de
hemodiálise –, mas não queria ser pego de surpresa com uma mudança repentina de cenário.
H. Porto, Porto Alegre (RS)
Não é fácil responder à sua pergunta sem conhecer sua organização e os recursos de gestão de que você dispõe. Um bom
passo seria fazer uma análise estratégica detalhada, que envolva uma análise de cenários futuros do seu negócio. Em outras
palavras, um planejamento estratégico. Mas isto já pode exigir
uma consultoria externa. Uma das ferramentas mais simples que
podem ser utilizadas, mas que também já pode requerer a contratação de uma consultoria externa, é a análise Swot. Por meio
dela, você identificará as oportunidades (o – opportunities), as
ameaças (t – threats) do ambiente externo e as forças (s –strengths) e fraquezas (w – weaknesses) do ambiente interno de sua
organização. Partindo dessas informações, você identificará os
fatores-chave de sucesso (FCS) que sua empresa precisa “atacar”, por meio de projetos estratégicos, para continuar competitiva. A ferramenta é simples, mas precisa ser bem aplicada para
que leve a bom resultado. A análise Swot precisa ser feita sistematicamente. Os líderes da organização têm de estar atentos
para os movimentos do ambiente externo (mercado, concorrência, órgãos reguladores etc.), particularmente daqueles stakeholders que afetam mais diretamente positiva ou negativamente a
empresa, e quando algum movimento importante for observado,
uma nova análise precisa ser feita para identificar a eventual necessidade de revisão dos planos da empresa. Igualmente é preciso ficar atento para o ambiente interno, pois as forças e fraquezas da empresa são, muitas vezes, relativas ao ambiente externo.
A definição por contratar ou não uma consultoria externa deverá
estar fundamentada na sua capacidade de desenvolver e realizar
com qualidade os projetos estratégicos, com sua própria força
trabalho, e isto exige bom senso e humildade. Ressalto a diferença na capacidade de planejar e de realizar. Muitas vezes as
organizações são muito competentes e criativas no planejamento, mas têm grandes dificuldades e carecem de disciplina na execução dos planos e ficam desapontadas com os resultados pífios
obtidos, responsabilizando o planejamento estratégico por isso.
Perdi, no ano passado, um dos meus melhores
executivos. Ele foi trabalhar em uma empresa concorrente, mas não se adaptou ao novo desafio e
quer voltar. Não temos uma política de RH clara
sobre a questão. Qual a desvantagem desse tipo
de recontratação?
Anônimo
A questão central na contratação de qualquer profissional,
mas particularmente de um executivo, é a confiança. Qual a
confiança que tenho nele? Qual a confiança que ele me inspira?
O ideal, nem sempre possível, é que se conheça a pessoa a ser
contratada deste ponto de vista. Quase sempre, já que o ser humano é “uma caixinha de surpresas”, é preciso fazer algum tipo
de aposta e confiar, “depositar” confiança em alguém e esperar
que ele corresponda à nossa aposta depois de algum tempo. Mas
não me parece que seja este o seu caso, já que você já conhece
a pessoa de outros tempos. Simplificando, por questões de espaço, podemos dizer que a confiança tem dois fundamentos, o primeiro, que digo ser default, diz respeito à honestidade, aos princípios, à ética, aos valores pessoais e profissionais, que devem
corresponder a aqueles esperados pela organização. O segundo
diz respeito à competência para realizar (entregar) os resultados
esperados da função para a qual está sendo contratado. Se confiamos ou depositamos confiança em alguém e o autorizamos a
ocupar uma posição (executiva), neste momento, estamos assumindo a responsabilidade pelas consequências disso e não nos
cabe mais reclamar. Estamos compartilhando com o contratado
o risco do sucesso e do insucesso. Mas é preciso deixar claro
para o contratado a responsabilidade que ele está assumindo a
partir daquele momento e fazer um bom contrato de trabalho
(não me refiro ao jurídico), de forma que ele sinta o significado
da relação entre a aposta que fizemos, a autoridade que lhe conferimos e os resultados que dele esperamos, sinalizando o nível
de autonomia que ele terá crescentemente na medida em que
corresponder de forma equilibrada e positiva a estes elementos
do contrato de trabalho. Dialogando frequentemente, podemos
ajustar eventuais desajustes neste processo e corrigir desvios.
Correndo tudo bem, teremos um excelente executivo, autoconfiante e motivado. Se não, será preciso substituição. Veja, não é
preciso uma política de RH para isto, ou a política de RH poderia ser simples assim.
Osvino Souza é professor da Fundação Dom Cabral (FDC) nas áreas de
Comportamento e Desenvolvimento Organizacional.
Diagnóstico | set/out 2013
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Divulgação
ARTIGO
Fernando M. Machado
A competitividade dos serviços privados de saúde
no Brasil - ameaças e oportunidades na porta da
frente (parte 2)
A
nova realidade biológica da raça humana
está sendo formatada principalmente pela
engenharia genética e pelas aplicações de
TICs, já refletidas na genômica computacional, na identificação e incorporação
dos genes responsáveis pelas extraordinárias capacidades dos novos savants, sinestésicos e de outras mutações genéticas humanas já registradas
e consideradas como de valor agregado.
Da mesma forma, a engenharia de tecidos a partir de células
epiteliais modificadas para gerar órgãos humanos, como o fígado artificial desenvolvido por cientistas japoneses neste ano, e a
fusão de espécies geneticamente divergentes num só organismo
coerente abrem portas para a geração de órgãos humanos artificiais ou desenvolvidos em espécies animais.
Uma vertente transformacional adicional, competitiva e com-
este programa possibilitará alavancar investimentos representativos nas inovações descritas acima e se alinhará com o objetivo de catapultar a recuperação econômica do país com foco no
crescimento acelerado e global do seu sistema de saúde. Dois
aspectos específicos desse programa deveriam pôr as barbas de
outros países no molho. O primeiro se refere à obrigatoriedade de
participação de todos os cidadãos americanos. Há inclusive a previsão de multa para os que não o façam, independentemente das
liberdades individuais garantidas pela Constituição deste país. O
segundo diz respeito a uma das principais fontes de financiamento do Obamacare, o aumento da taxação das empresas farmacêuticas e a redução dos custos dos equipamentos. Nos EUA, uma
reposição de quadril tem um custo de manufatura de US$ 350, o
preço de venda do fabricante é de US$ 13 mil, e o custo estabelecido pelas seguradoras está entre US$ 20 e 30 mil.
Ao racionalizar e pressionar as margens de lucro dos fabricantes de produtos e prestadores de serviços do sistema
de saúde desse país – precisamente os que estão na fronserá o grande motor de desenvolvimento social para teira das inovações biológicas
e robóticas descritas acima, o
que lhes permite se diferenciar
a saúde e solucionará crises econômicas mundiais
de fabricantes de outros países
da atualidade
e apresentar maior competitividade –, a tendência natural
plementar à transformação biológica do ser humano, é aquela re- dessas empresas dos EUA seria buscar repor margens no exterior,
presentada pelas inovações baseadas na inteligência artificial, na no bojo da exportação de produtos, equipamentos e serviços de
robótica e suas variações. Órgãos artificiais não biológicos como saúde. Por coincidência, este assalto global permitiria também
membros, olhos, ouvidos e corações não são novidade, mas a re- acelerar o crescimento econômico requerido para dar solução
volução tecnológica das TICs, incluindo a inteligência artificial e ao monumental déficit fiscal dos EUA, o coração dos problemas
novos materiais, está gerando possibilidades exponenciais para econômicos deste país.
embarcá-los com sucesso no corpo humano.
Seja por estratégia, tendência natural ou coincidência, a maDiferentemente das atividades científicas, as inovações tecno- terialização deste possível cenário teria como possível consequlógicas demandam sempre um contexto econômico e social que ência uma catástrofe econômica e social para outros países mejustifique os investimentos. O setor saúde evolui para a reenge- nos inovadores e competitivos no setor, como o Brasil. Não só
nharia do ser humano e será o grande motor do desenvolvimento a demanda pela qualidade na saúde é imparável, como atestam
econômico e social no futuro próximo, capaz de solucionar as as recentes manifestações populares no país, como diferenças na
crises econômicas mundiais da atualidade, incluindo a dos EUA. capacidade de reengenharia dos seres humanos trariam consequOs negócios atuais do sistema de saúde dos EUA correspon- ências éticas e sociais funestas, incluindo sociedades estratificadem a um valor equivalente à quinta potência econômica do mun- das funcional e biologicamente, fazendo ressurgir o fantasma da
do, superior ao PIB da França. Se a isto se soma a economia re- eugenia diferenciada. Face ao exposto, como devem ser modifipresentada pelas inovações na inteligência artificial e na robótica, cados os modelos de negócios na área de saúde – muitos deles
cada vez mais indissociáveis do setor, o sistema de saúde norte- fundamentados exclusivamente na medicina curativa e na fideli-americano passaria a corresponder à terceira ou quarta economia zação do paciente – para enfrentar e tirar partido competitivo desdo planeta. A atual revolução do Affordable Care Act, conhecido sas inovações radicais que afetam, de modo crescente, o setor?
como Obamacare, tem como um dos seus objetivos assegurar
todos os cidadãos desse país, e, neste sentido, irá ampliar ainda Fernando M. Machado é mestre em Administração pela Univesidade de
mais o significado econômico desse sistema.
Aston (Inglaterra) e presidente da Focototal Ltda. Foi diretor de Tecnologia
Além dos benefícios humanos do Obamacare, tudo indica que das Nações Unidas entre os anos de 1981 e 2006.
No futuro, a reengenharia do ser humano
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Diagnóstico | set/out 2013
Diretoaoponto
José Luiz Toro
Divulgação
“Os magistrados precisam
ser mais sensíveis ao julgar as
operadoras”
O Instituto Brasileiro de Direito da Saúde Suplementar (Ibdss) é uma referência
quando o assunto é a defesa dos interesses das operadoras de saúde no Brasil.
A entidade, criada em 2001, surgiu com o objetivo de ser um organismo de
“fomento ao estudo do direito”, focado, de forma particular, nos imbróglios
envolvendo planos de saúde e a regulação da atividade. “Necessitamos que a
legislação tenha um equilíbrio e que os magistrados também sejam sensíveis aos
aspectos econômicos e atuariais que norteiam esse tipo de contratação”, defende
o advogado José Luiz Toro, fundador e atual presidente do Ibdss. Militante da
causa – é consultor jurídico da Unidas –, Toro é conhecido também pela defesa de
teses polêmicas, como o ressarcimento por via reversa, que prevê a compensação
do SUS aos hospitais privados obrigados a atender pacientes do Sistema Único de
Saúde. “Penso que as entidades que representam os hospitais deveriam abraçar
esta causa”, defende ele, que falou à Diagnóstico.
A tese de inconstitucionalidade da lei 9.656/98, que versa sobre o ressarcimento ao
SUS, sempre foi rejeitada pela
justiça brasileira. O senhor,
inclusive, admite que a causa
é perdida. O que houve de errado na estratégia?
No início, alguns magistrados reconheciam a inconstitucionalidade da cobrança. Posteriormente, houve uma mudança
significativa de tal posição, apesar de o
STF ainda não ter se pronunciado expressamente sobre o assunto. No final
das contas, ficou claro que não houve um
debate aprofundado com a sociedade sobre o tema.
Qual é a atuaL bandeira das
operadoras sobre a questão?
De que é preciso mudar a lei. O que todos querem é que, quando um plano de
saúde nega indevidamente um atendimento, obrigando o consumidor a procurar o SUS, o plano seja condenado – e
tão somente nesses casos – a efetuar o
ressarcimento. Uma decisão do STJ, que
foi relatada pelo então ministro Luiz
Fux, reconhece, inclusive, a legalidade
do ressarcimento ao SUS nessa circunstância. Há unanimidade das operadoras
sobre esse ponto de vista. Atualmente,
o advogado José Luiz Toro,
presidente do Instituto
Brasileiro de Direito da Saúde
Suplementar (Ibdss)
o consumidor acaba pagando a conta três
vezes: primeiro, para o governo, através
dos impostos e da contribuição previdenciária; segundo, para o plano, em face de
sua contraprestação pecuniária, e terceiro,
novamente para o plano, em razão do repasse de eventuais sinistralidades, principalmente nos planos coletivos.
um enriquecimento sem causa do Estado. Tal situação não é ética, e o Direito
não pode prestigiar tal comportamento,
mesmo que inexista lei. Aplico, analogicamente, a figura do ressarcimento
ao SUS, de forma reversa. Penso que
as entidades que representam os hospitais deveriam abraçar esta causa.
Quais os pontos de maior divergência na cobrança feita
pela ans?
Prescrição, ilegalidade da cobrança através da Tunep (até 31/12/2007) ou IVR
– pois não se trata de um ressarcimento,
haja vista que é cobrado um valor superior àquele que serve de remuneração dos
hospitais conveniados ao SUS. Há também incorreções no processo administrativo – não reconhecimento de carência,
cobertura parcial temporária, atendimento não previsto no rol da ANS, entre outras incongruências.
O senhor sempre defendeu
os interesses das operadoras e mantém uma postura
atuante no setor, inclusive
com contribuições na esfera normativa. Há avanços
na legislação brasileira
para o setor? Onde é preciso
avançar?
A Lei n. 9.656, de 1998, representa um
avanço para toda a sociedade. Na realidade, como dizia Kennedy, somos
todos consumidores e beneficiários de
planos de saúde. Porém, o remédio em
excesso pode representar um veneno.
E matar o paciente. A excessiva concentração do mercado não interessa
aos consumidores e nem aos prestadores de serviços. Necessitamos que a legislação tenha um equilíbrio, e que os
magistrados também sejam sensíveis
aos aspectos econômicos e atuariais
que norteiam esse tipo especial de contratação.
O senhor defende o ressarcimento por via reversa –
quando um paciente do SUS é
atendido por um hospital particular. Há amparo legal sobre a questão?
Ainda não. Porém, entendo que é possível
o Judiciário reconhecer casos de situação
concreta. Afinal, o que está ocorrendo é
Diagnóstico | set/out 2013
53
ARTIGO
Maisa Domenech
Próximo à expiração da última data de prorrogação acima
citada, os prestadores de serviços médico-hospitalares receberam contratos/aditivos através das operadoras de planos de saúde
(santa distorção !), e a não conformidade com a IN-49 passou a
ser regra. Diversos abusos e condições esdrúxulas foram constatadas em tais instrumentos, tais como exigência de apresentação
de planilhas de custos, apresentação de dados referentes a volume de atendimentos como condição para maior ou menor reajuste, reajuste condicionado à sinistralidade, fracionamento de
índices públicos, dentre outros, não só invertendo os objetivos da
instrução supracitada, mas minimizando ou anulando o reajuste
preconizado.
Mais uma vez, o prazo venceu. Mais uma vez, nenhuma
ação efetiva por parte da ANS para garantir o cumprimento daquilo que legisla aconteceu, apesar de ter tomado conhecimento
formal sobre o não implemento da norma em questão. Porém,
numa atitude bastante criativa quando o assunto é legislar, mais
uma novela global se inicia: o monitoramento da contratualização pela ANS, que tem como objetivo a consolidação da regulam artigo publicado na revista Diagnóstico mentação existente e ampliação do seu escopo e será objeto de
de set/out 2012, comentamos sobre os pro- mais uma proposta de normativo que estabelecerá os parâmetros
blemas que, infelizmente, ainda perduram gerais para formalização do relacionamento entre as OPS e os
no processo de contratualização entre ope- prestadores de serviços de assistência à saúde. No referido moradoras de planos de saúde (OPS) e pres- nitoramento, dito monitoramento ativo, está prevista a obrigação
tadores de serviços médico-hospitalares. de envio pelas OPS à ANS de relatório de conformidade contraFizemos referência, naquele contexto, à tual (RCC). O RCC consiste em detalhamento analítico elaborado por empresa de auditoria independente,
contratada pelas OPS, para avaliação da
adequação às disposições gerais nos instrumentos jurídicos firmados entre as partes.
Será esta ação o prenúncio das cinzas da
nos contratos e aditivos através das operadoras
IN-49? Na condição de órgão regulador do
de planos de saúde e a não conformidade setor, não está a ANS se omitindo ante à sua
atribuição de fiscalizar o mercado? Não está
passou a ser regra
a ANS se omitindo ante à sua atribuição de
coibir distorções como essas, que comprometem a saúde financeira das instituições de
Instrução Normativa-49 da ANS, tão festejada pelos referidos
saúde e, por tabela, prejudicam a qualidade dos serviços prestaprestadores, mas tão contestada pelas OPS.
Enquanto prestadores de serviços, desejamos acreditar, ao dos? À ANS cabe sim promover a defesa e higidez do mercado
longo do tempo, que a Instrução Normativa 49 da ANS, de 17 de saúde suplementar. Ser estruturada para o exercício efetivo
de maio de 2012, tinha sido criada com o propósito de minimi- do seu papel, certamente muito além da execução de leis, garanzar o cenário de fragilidade dos provedores de serviços médico- tirá a coexistência harmônica e pacífica de todos os atores que
-hospitalares, consequência do grave desequilíbrio de poder eco- compõem este mercado. Quem sabe se, com a ampliação do seu
nômico entre eles e os financiadores deste sistema. Através desta escopo de atuação rumo à fiscalização e controle da cadeia de
IN, tivemos definidos e detalhados com clareza os conceitos para saúde como um todo, em estruturação pelo Ministério da Saúde,
atendimento ao disposto nas normas de contratualização RN- a ANS não conseguirá atentar para as necessidades dos provedo42/2003, RN-54/2003 e RN-71/2004, e regulamentada a forma e res de serviços.
Por enquanto, aos provedores de serviços médico-hospitalaa periodicidade do reajuste entre as partes contratantes.
Porém, após se aproximar o prazo limite para início de vigên- res não restam escolhas diante dos relatos de dificuldades cada
cia (180 dias da sua publicação), tomamos conhecimento, atra- vez maiores de sobrevivência no mercado de saúde suplementar.
vés da ANS, da sua prorrogação, por duas vezes, para cumpri- Somente a força mobilizadora da união, somente a conjugação de
mento da referida instrução normativa. Inicialmente, prorrogada esforços traduzidos em posicionamentos e ações concretas podepor seis meses – conforme deliberado pela Dicol em sua 356ª rá fazer com que a IN-49/2012 seja cumprida na sua integralidade
Reunião Ordinária, realizada em 7 de novembro de 2012 – e, em e com que mais uma norma publicada não seja inócua e transforseguida, a partir de 12/5/2013, por mais 120 dias. Tais ações con- mada a referida instrução normativa em invenção para nada.
tribuíram com o importante retardo na reposição dos custos dos
serviços médico-hospitalares prestados, e consequente prejuízo Maisa Domenech é engenheira civil, pós-graduada em Administração Hospitado equilíbrio econômico-financeiro dos provedores de serviços lar, consultora da ADM Consultoria em Saúde e representante técnica da Febase
no Departamento de Saúde Suplementar da CNS.
de saúde.
Roberto Abreu
IN-49 da ANS:
instrução
normativa ou
invenção para
nada?
E
Vários abusos foram constatados
54
Diagnóstico | set/out 2013
Diagnóstico | set/out 2013
55
BOASPRÁTICAS
3
A
lições do vArejo
para tornar
o mercado
de Saúde mais
competitivo
Molly Gamble
reforma no setor de saúde está levando esta
indústria para um território inexplorado. Os
profissionais devem tomar decisões sem
precedentes, e os consumidores estão mais
exigentes do que nunca. Essas mudanças
monumentais não podem ser alcançadas no
vazio ou em uma abordagem fora de contexto. Como resultado, a saúde está tomando emprestado lições e
modelos de negócios concebidos e implementados em outros setores: hoteleiro, automobilístico, midiático, varejista, prestadores
de serviços e instituições financeiras. Apesar de aparentemente
díspares, restaurantes, varejo e hospitais dividem o conceito mais
antigo de mercado: oferta e demanda.
Richard Afable, professor universitário, presidente e CEO do
Hoag Memorial Hospital Presbyterian, em Newport Beach, na
Califórnia, leva em conta perspectivas básicas quando compara
o sistema de saúde com outros setores. “É quase primitivo”, diz.
“As regras de oferta, demanda e consumo são quase como a gravidade. Sempre vencerão um dia. O que está mudando a saúde é
a demanda. O que pessoas, profissionais, o governo e grupos de
aposentados querem é mudança. Isto é o que estamos pensando
daqui para a frente. Não estamos tentando pensar sobre como
melhor adaptar a reforma de saúde”. O que hospitais, restaurantes e bancos têm em comum? Mais do que você pode pensar. A
seguir, três lições para o setor de saúde ganhar mais performance
e que têm ajudado outros mercados a se tornarem mais competitivos em suas áreas de atuação.
1
Existem demandas simultâneas para
uniformização e personalização,
e as duas devem ser alcançadas.
Exemplos: restaurante e hotelaria
A redução dos reembolsos está forçando hospitais e outros
prestadores a “fazer mais com menos”, reforçando a necessidade de produtividade e eficiência. A saúde tem sido caracterizada
como um dos setores mais ineficientes na economia, e muitos
economistas estão procurando no varejo – restaurantes e o setor hoteleiro – modelos para mudar esta realidade. Algumas das
mentes mais brilhantes da indústria estão explorando as conotações por trás da “grande medicina”, sugerindo que ela não tem
que ficar na oposição do cuidado central do paciente. A grande
medicina é um termo usado para descrever a uniformização dos
serviços de saúde, muitas vezes em grandes sistemas de saúde
integrados com médicos empregados de hospitais.
Atul Gawande, professor universitário, cirurgião no Brigham
56
Diagnóstico | set/out 2013
Apesar de aparentemente
díspares, restaurantes,
bancos e hospitais dividem
o conceito mais antigo DE
mercado: oferta e demanda
and Women’s Hospital, em Boston, e colunista do The New
Yorker, surpreendeu a todos quando comparou a oferta em saúde
atual com o The Cheesecake Factory, elogiando a qualidade dos
alimentos da cadeia de restaurantes, a experiência previsível e
preços razoáveis, e encontrando falhas com versões de saúde nos
três. “Podemos levantar ideias existentes na produção de massa,
com sua homogeneidade, previsibilidade e na constante subordinação ao custo-benefício”, escreveu o Dr. Gawande. “Então você
passa uma noite ruim em um ‘pitoresco’ alojamento que revela
ter um maníaco, um gerente com halitose e que não consegue
manter a água quente. É hora de voltar para o Hyatt [marca internacional de hotéis]”.
Afable diz que as estratégias da grande medicina – enquanto
ganham reconhecimento – não generalizam e não são uma solução conclusiva. Ele sustenta que os prestadores de serviços
em saúde precisam dominar dois tipos de tratamentos: como em
uma fábrica, com eficiência para procedimentos previsíveis, e na
coordenação da personalização dos cuidados em casos específicos. Por exemplo, um paciente relativamente saudável de 65
anos, que precisa de um tratamento no joelho, tem diferentes necessidades de um paciente de 85 anos que vive em casa com um
enfermeiro, possui certo nível de demência, cardiopatia, diabetes
e não tem familiares por perto. Os prestadores de saúde devem
conhecer essas diferenças enquanto equilibram as demandas
de cuidados de saúde alternativo, como telemedicina. Uma companhia chamada HealthSpot está lançando uma combinação de
cuidados de varejo e telemedicina em suas Care4Stations, que
têm sido descritas como “caixas eletrônicos para a saúde”.
Os pacientes têm mais escolhas de como, quando e onde receberão os cuidados. Eles também estão preparados para se afastar dos hospitais que não atendem suas expectativas, incluindo a
conveniência. Em uma recente pesquisa da PwC, 34% dos consumidores dizem que mudariam seus hábitos baseados em suas
experiências em saúde.
3
Shutterstock/Editorial de Arte
para o aumento da eficiência e uniformização. “Um tratamento
do joelho é um exemplo perfeito de [serviço] em que a criação
de um produto consistente, previsível e com custo acessível é o
melhor tratamento possível. Existem muitas coisas em saúde que
vão por este caminho”, diz Afable.
2
Consumidores mudam hábitos em
um piscar de olhos quando recebem
serviços e produtos de qualidade
e de forma conveniente. Exemplo:
Setor de varejo
Os setores de saúde e varejo estão cada vez mais entrelaçados, mas particularmente com um boom nos centros de urgência
e emergência e clínicas de varejo. O fato de a Mayo Clinic estar
analisando a configuração da oferta em saúde dentro do Mall of
America, em Bloomington, shopping center localizado em Minnesota, é uma analogia clara da intersecção das duas indústrias.
Alguns dos mais notáveis hospitais norte-americanos estão
se expandindo em direção aos shoppings nos subúrbios e farmácias, e por uma boa razão: o número de pacientes visitando clínicas de varejo disparou de 1,48 milhão em 2006 para 5,97 milhões
em 2009. O número cresceu mais do que quatro vezes. Com as
clínicas de varejo, os pacientes reconhecem o valor na prestação
Consumidores esperam gestão de
riscos e inovações em segurança
na oferta de novas plataformas.
Exemplo: Indústria financeira
A informação compartilhada em bancos e no sistema de saúde tem muitas similaridades. Ambos lidam com informações altamente confidenciais. Por isso, os hábitos de clientes de bancos
são sugestivos às demandas em tecnologia da informação na área
de saúde. Os consumidores estão começando a esperar que suas
experiências em tratamentos de saúde sejam parecidas com as
dos bancos: eles esperam ter alta segurança e gestão de riscos.
Os caixas eletrônicos – o primeiro começou a ser usado nos
anos 1970 – são para o banco o que os prontuários eletrônicos
dos pacientes (PEP) são para a saúde. Agora, mais consumidores
estão satisfeitos ao fazerem transações online e através do celular.
Um estudo, em 2011, descobriu que a satisfação por poder realizar serviços bancários online é de 83%. Contudo, a confiança e
a satisfação dos norte-americanos com os PEP não progrediram
ao mesmo tempo. Em 2012, uma pesquisa conduzida pela Harris
Interactive descobriu que 85% dos norte-americanos têm aflição
pelos PEP, e metade deles está preocupada que seus dados em
saúde possam ser perdidos, corrompidos ou danificados. Esses
receios não são infundados, já que outro dado revela que os seis
primeiros casos de dados violados, em 2011, tinham envolvimento de organizações do setor de saúde. No futuro, os consumidores
desejarão ter acesso eletrônico aos dados em saúde, exatamente
como eles fazem com as informações financeiras, mas esta demanda não pode ser cumprida a menos que as questões de segurança sejam solucionadas. Outro exemplo de como os pacientes
esperam experiências similares em saúde como as que têm em
bancos é a forma como estes clientes esperam a gestão de riscos
na oferta individual de serviços em saúde. Os benchmarkings e os
dados comparativos são especialmente valiosos como os prestadores de serviços em saúde, que são demandados a colocar mais
ênfase nos riscos potenciais. Por exemplo, os pacientes querem
saber mais sobre os números de sua pressão arterial; eles querem
saber sobre como estes valores se comparam com pessoas da sua
mesma faixa etária. “No passado, nos perguntavam sobre nosso
patrimônio líquido. Hoje, nós podemos ser perguntados sobre
nosso fico score [medida de risco de crédito]”, diz D’Alessandro.
“Existem linhas de comparação [em saúde] nos levando de volta para o setor financeiro, e os consumidores estão dizendo: ‘As
transações bancárias estão me ajudando a entender os meus riscos – por que você não está?’”.
* Molly Gamble é editora da revista Becker’s Hospital Review
Diagnóstico | set/out 2013
57
SUS
25 ANOS
Oferecimento:
58
Diagnóstico | set/out 2013
Caderno especial
A GESTÃO DO SUS: PRIVATIZAR OU ESTATIZAR?
GONZALO VECINA NETO
(Superintendente corporativo do Hospital Sírio-Libanês e docente da FSP/USP)
SUS: um sistema de saúde público universal, gratuito e de
qualidade. Uma utopia?
CARMEN TEIXEIRA
(Doutora em saúde pública e professora da UFBA)
entrevista
Hésio Albuquerque
(Médico Sanitarista e um dos fundadores do SUS)
A ética na saúde: uma questão de defesa da vida
ROSEMARY Gibson
(Consultora sênior na Hastings Center e autora do livro Treatment Trap - A Armadilha do
Tratamento)
o financiamento do sus e a solução para uma
DIFíCIL EQUAÇÃO
ÁQUILAS MENDES
(Doutor em economia, professor livre-docente de Economia da Saúde da FSP/USP e da
PUC-SP)
A história do sus e as santas casas
SAULO LEVINDO COELHO
(presidente da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades
Filantrópicas do Brasil - CMB)
entrevista
Senador e ex-ministro da saúde Humberto Costa (PT/PE) / deputado
federal darcÍsio Perondi (PMDB/RS)
HUMANISMO E PADRÃO TECNOLÓGICO DE ATENÇÃO À
SAÚDE
LUIS EUGÊNIO PORTELA
(Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco - e professor da UFBA)
unidades de pronto atendimento (UPAs) e o SUS:
descentralização do acesso
SÉRGIO CÔRTES
(secretário de Estado da Saúde do Rio de Janeiro)
Fotos: Shutterstock
PRÉDIO DE ESCRITÓRIOS DA BUROCRACIA
PÚBLICA, em BRASÍlIA: um Estado mais gestor e menos executivo
60
Diagnóstico | set/out 2013
A GESTÃO DO SUS:
PRIVATIZAR OU
ESTATIZAR?
Limitar a discussão da gestão do SUS aos opostos privatização e estatização impede
enxergar uma nova direção: como tornar a gestão dos serviços estatais de saúde mais
eficiente? Como, subordinados à eficácia e à segurança, produzir mais com os recursos
disponíveis, que são sempre escassos?
GONZALO VECINA NETO
Diagnóstico | set/out 2013
61
MODELO POLÍTICO
Divulgação
D
GONZALO VECINA NETO
Superintendente corporativo do Hospital SírioLibanês e docente da FSP/USP
esde muito
tempo o setor de saúde vem procu-
rando dar respostas à questão da eficiência. Uma das primeiras
iniciativas remonta à década de 40, quando foi criada a Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública (FSESP). O objetivo
era, usando as regras da administração privada, levar assistência
à saúde para as regiões afastadas do centro-sul do país. Como
concursar e licitar? Como manter a estabilidade de servidores? A
fundação foi a resposta. Dotada de autonomia gerencial, ela poderia atender às necessidades assistenciais de comunidades que
habitavam grotões de um Brasil esquecido.
Mais tarde, na década de 50, da Fundação SESP nasceram
os serviços sociais autônomos com a missão de gerir serviços de
fornecimento de água tratada. Como cobrar pelo fornecimento
de água e garantir a continuidade desses sistemas nos pequenos
municípios? Desta necessidade nasceu a personalidade jurídica
chamada de Serviço Social Autônomo, que deu origem aos serviços autônomos de Água e Esgoto (SAAE), que posteriormente
formaram o chamado Sistema “S” – Sesc, Sesi, Senai, Sebrae – e
que, na década de 90, foi a saída escolhida pela Fundação das
Pioneiras Sociais para fugir da armadilha constitucional da autarquização de fundações estatais de direito privado.
As fundações estatais de caráter privado também contribuíram de maneira relevante para um grande conjunto de ações.
Como, por exemplo, na melhoria da gestão de secretarias estaduais de saúde – Fundação Caetano Munhoz da Rocha, no Paraná;
Fundação de Saúde do Ceará; Fundação Hospitalar de Minas
Gerais; Fundação para o Remédio Popular, de São Paulo. Outro
exemplo é a rede do sangue e suas fundações voltadas para agilizar sua gestão. Aliás, não teríamos um sistema hemoterápico
com a qualidade que temos hoje sem as fundações que gerenciaram a construção deste sistema.
Também é necessário lembrar a Fundação das Pioneiras Sociais do DF e a Rede Sara (esta, como citado, pós-CF de 1988,
foi transformada em serviço social autônomo). Outras experiências foram mais ousadas, como a da criação do Hospital de Clínicas da FMUFRGS, uma empresa pública fundada em 1970 e
que tem funcionado bem até hoje. Mais uma vez, o que se estava
buscando era eficiência na área da saúde.
Considerando a perspectiva histórica, constata-se que a busca
62
Diagnóstico | set/out 2013
da eficiência não começou agora. E não é um movimento que
vem do nada. É, sim, uma resposta às mudanças sociais e tecnológicas. Na década de 40, precisávamos de instrumentos mais
ágeis de gerenciamento para atingir os grotões. Na década de 70,
já vivíamos outra revolução. Primeiro, gerencial. Computadores
de grande porte foram introduzidos, ao mesmo tempo em que,
no campo das ideias, havia uma mudança de mentalidade. A chegada do pensamento estratégico na gestão juntou funções meio e
fim nas unidades de negócio, abrindo novas perspectivas de produzir resultados. Outro aspecto importante foi o crescimento da
oferta de tecnologia médica, que gerou um impacto significativo
nos custos e na complexidade da gestão dos recursos. Ao mesmo tempo, o Brasil vivia um intenso fluxo migratório norte-sul
e rural-urbano. Isto transformou os municípios em polos reais
de exercício da cidadania e, portanto, de lutas pela cobertura de
necessidades sociais e sanitárias.
A década de 70 também assistiu à tentativa de usar autarquias
como instrumento de busca pela eficiência. É desse momento a
transformação do Hospital das Clínicas da USP em autarquia e a
adoção dessa personalidade jurídica pelas universidades do estado de São Paulo. Se bem que, neste caso, com uma excepcionalidade que lhes concedeu uma enorme autonomia. Foram criadas
como autarquias especiais, com autonomia universitária e um
sistema de financiamento vinculado à arrecadação de impostos.
Outros estados também criaram autarquias em suas secretarias de
saúde, como Espírito Santo e Goiás. Estas soluções se mostraram
adequadas durante um bom tempo, porém, após a Constituição
Federal de 1988, todas sofreram um processo de esclerosamento
porque os múltiplos controles externos implementados acabaram
por lhes tirar a autonomia.
No início dos anos 80, a necessidade de oferecer produtos
hemoterápicos com qualidade levou à criação de um sistema dinâmico e eficiente. Eram fundações estatais de direito privado.
Foi também nesta época que surgiram as primeiras fundações de
apoio instituídas por pessoas físicas, porém com o único objetivo
de apoiar uma entidade estatal (o exemplo mais emblemático é
a Fundação Zerbini). Mas existem outros importantes exemplos,
como a Fundação Ary Frauzino, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), a Fiotec, da Fundação Oswaldo Cruz, e todas as existentes para apoio ao funcionamento dos hospitais universitários.
Trinta anos depois, estas fundações começam a ser substituídas
por uma empresa pública, a Ebserh. No caso da rede hemoterápica, após a promulgação da Constituição, muitas fundações
criaram fundações de apoio para conseguir manter a eficiência
perdida pela autarquização das fundações estatais.
Mas continuemos nossa volta no tempo. No final dos 80, o
Brasil conseguiu dar seu mais importante passo rumo à democratização – promulgou sua lei maior a partir de um processo muito
participativo. A CF de 1988 trouxe uma nova realidade para o
campo dos direitos e criou um novo pacto social. Mas, ao mesmo tempo, diminuiu a capacidade do Estado de executar ações
de gerenciamento. Autarquizou as fundações estatais de direito
privado e tornou toda a legislação da área de pessoal muito engessada, além de estabelecer regras complexas para licitações.
Foi um movimento pendular em resposta à centralização e à
autonomia gerencial do Estado ditatorial, mas com graves prejuízos para a eficiência gerencial no momento seguinte. A esterilização da capacidade de gestão foi muito pouco analisada e
percebida, mas teve consequências muito danosas para a ação do
Estado. O fim das fundações estatais de direito privado; a transformação dos celetistas dessas organizações em servidores públicos, dentro do chamado regime jurídico único; o recrudescimento das condições para licitar, através da edição da Lei 8666/93; e
ainda a mudança do papel dos tribunais de conta, que passaram
a agir ex-ante, tornaram a administração pública extremamente
morosa.
O WINDOWS E O SUS
Talvez parte da confusão entre estatal e privado seja devido a esse
período em que estatizar significava “democratizar”. Até se chegou a propor que as fundações estatais de direito privado fossem
instituídas por força da lei, quando o ministro da Saúde era José
Temporão. Mas o Conselho Nacional de Saúde se manifestou
contra as estatais de direito privado, e o Congresso não aprovou a
lei que propunha a criação desta entidade.
Na década de 90, o mundo passou por um violento processo
de globalização, e o aparecimento dos computadores pessoais
com softwares muito amigáveis (Windows) causou uma revolução. Logo em seguida apareceu a rede mundial de computadores
– web – e uma nova revolução gerencial ocorreu. O momento era
de descentralizar e empoderar o trabalhador no ponto de atendimento, até porque o cliente também queria ter as suas vontades
atendidas de maneira mais individualizada.
É a partir do início desta década que se extinguem o Inamps,
a FSESP e a Sucam e se inicia de fato a implantação do SUS.
Mas, ao mesmo tempo, vive-se uma profunda crise econômica,
devido à galopante inflação, que só foi freada em 1994. Faltavam
recursos para a saúde, pois o Fundo da Previdência e Assistência
Social deixou de destinar os recursos que historicamente eram repassados à área da saúde. O conjunto de medidas constitucionais
que tiraram autonomia da gestão pública, somado à questão do
financiamento, criou um dos piores momentos que a saúde pública brasileira já enfrentou. A gestão estatal brasileira regrediu à
era pós-Segunda Grande Guerra.
Era preciso fazer algo para introduzir o país em um mundo
transformado pela globalização, lutar contra as crescentes diferenças de renda e exclusão social, altas taxas de desemprego e
imenso endividamento externo. De forma errática, o governo
conseguiu estabilizar a moeda, ao mesmo tempo em que promoveu a privatização de um conjunto de serviços tradicionalmente
realizados com muito baixa eficiência pelo Estado (telecomunicações, fornecimento de energia, petróleo etc.).
Conhecida como reforma Bresser, a EC-19 implementou uma
reforma administrativa parcial que fez alterações constitucionais
e criou, entre outras coisas, as agências regulatórias (e as funções
a elas agregadas), as organizações sociais (OS) e as organizações
sociais civis de interesse público (OSCIP), para serem entidades
que cooperam e que atuam em áreas que não são exclusivas do
Estado, mas que, mesmo assim, são de interesse estatal. A emenda também permitiu novamente a criação de fundações instituídas pelo Estado, mas de direito privado.
Esses movimentos jurídicos eram uma busca por alternativas
para aumentar a eficiência de gestão do Estado. Ainda neste período, começaram a aparecer as primeiras fundações estatais de direito privado (a Bahia e o Rio de Janeiro foram estados pioneiros
neste movimento), mas elas eram muito tímidas e com poucas
inovações na área de gestão de pessoas.
A reforma Bresser foi o último movimento do Brasil na tenta-
tiva de colocar o país no mesmo compasso do mundo. Paramos aí
enquanto outros países caminham em direção a um Estado cada
vez mais responsável pela “entrega” e menos focado no “fazer”.
Um Estado preocupado com a eficiência e a diminuição da exclusão social. Um Estado mais público. Exemplos aparecem na Inglaterra, no Canadá, na Espanha, no Chile e em Portugal. Nestes
países, o Estado começa a deixar de fazer, mas continua sendo o
definidor de políticas e o regulador de entregas.
A discussão que quero complementarmente travar pode ser
sobre qualquer serviço estatal. Porém, até para ser emblemático,
vou me limitar ao setor saúde. Até porque, em praticamente todas as outras áreas de atuação estatal, o tema da privatização já
realizou seus estragos.
São quatro os ângulos que quero analisar: lucro, essencialidade, a oposição: fazer ou regular e a segurança jurídica.
As organizações existem para cumprir os objetivos para os
quais foram criadas. Este é o princípio. Assim, a eficiência e a
eficácia não podem ser atributos secundarizados. O “o quê” (objetivos) e “o como” (estratégias) devem presidir o olhar sobre
esta discussão e não uma visão principesca de que os produtores
de serviços de saúde devem ser necessariamente estatais.
Este viés é um dos maiores entraves para que seja encontrada
uma alternativa realmente efetiva para a gestão eficiente de serviços de saúde no Brasil.
A primeira questão a ser debatida é a do lucro. A operação
de serviços públicos de saúde pode ser realizada por terceiros
que tenham como objetivo o lucro? É lícito que, com dinheiro
público, se financiem ganhos de terceiros? A resposta na ponta
da língua é que isto deve ser evitado. Mas a Constituição não se
opõe à presença do setor privado na saúde. E a reforma Bresser
propôs, através da concessão, por exemplo, a possibilidade de
uma parceria público-privada mediada pelo lucro.
fazer ou regular?
A questão do lucro, quando se abordam as terceirizações mais
clássicas, como limpeza, segurança, manutenção, é essencialmente diferente? Provavelmente não. No entanto, a tendência,
mesmo em uma sociedade tão excludente como a nossa, é considerar que o vilão de plantão é o lucro. Na verdade, o lucro não é o
problema. O componente mais crítico é a busca da acumulação e
a falta de políticas públicas que permitam a distribuição da riqueza. Não é o lucro e, sim, a forma como ele se realiza na sociedade.
No entanto, o lucro continua a ser um importante balizador
da eficiência. A função do Estado deve ser a de regular as relações entre os produtores e os cidadãos, garantindo o acesso aos
serviços, independentemente do lucro. Um bom exemplo disso
é a parceria público-privada da Bahia (a primeira no setor saúde
no Brasil) efetivada em 2010 e que vem dando excelentes resultados assistenciais para a população atendida pelo Hospital do
Subúrbio, gerenciado por uma entidade privada com finalidade
lucrativa escolhida em uma licitação.
E a essencialidade? Primeiro deve-se dizer que essencial é
o que a Constituição define como direito da cidadania e dever
do Estado em prover. Creio que este estatuto fica intocado nesta
discussão. Privatizar, para usar provocativamente um termo bastante desgastado, não significa não prover ou deixar de escolher a
quem prover. De novo, depende de como forem fixadas as regras
e de como elas serão fiscalizadas. O direito à saúde não é violado quando o Estado deixa de fazer diretamente um determinado
Diagnóstico | set/out 2013
63
MODELO POLÍTICO
serviço, por mais essencial que este possa ser. O terceiro ponto, a
seguir, irá elucidar esta questão.
Fazer ou regular? Primeiro, por que fazer? É possível gerar
uma ação estatal eficiente quando quem faz é o Estado? A resposta é, pasmem, sim, é possível. Quanto mais típica e quanto
mais fiscalizada for a ação, mais possível será que ela seja executada com eficiência e eficácia.
A distribuição da justiça, a segurança pública e a arrecadação
de impostos são atividades típicas do Estado. Tem-se muita ineficiência nestas áreas, mas não se falará em transferir estas ações
para o setor privado.
É possível comparar os resultados da ação do Estado e da
iniciativa privada quando ambos fazem o mesmo trabalho? Os
dados disponíveis de pesquisas realizadas (ver ROSÁRIO DA
COSTA, Nilson, Estudo Comparativo do Desempenho das OSs-Estado de SP, e FORGIA, Gerard, Desempenho Hospitalar no
Brasil) mostram que, quando o Estado opera diretamente, ele é
mais ineficiente. Os estudos analisam a eficiência do Estado e
de diferentes formas de manifestação do privado, seja através da
ação do Estado via figuras do direito privado ou de organizações
privadas como entes de cooperação. E pode ser bastante comparável à administração privada quando o Estado opera através de
personalidades jurídicas de direito privado (fundações estatais de
direito privado, empresas públicas). O fundamental é a autonomia conferida ao gestor para mobilizar recursos que levarão ao
atingimento dos resultados desejados. As eficiências só podem
ser comparáveis dependendo da autonomia e do controle.
No entanto, o esforço político para conseguir estas condições tem que ser imenso dentro da organização estatal. O aparelhamento do Estado para contratar, comprar e para comandar é
muito deficiente. Além de sempre acabar por buscar estender os
controles típicos da administração direta para a indireta. A busca
da isonomia é atávica. É desse modo que diversas soluções ficaram esclerosadas (como citado anteriormente, as autarquias e as
fundações). Em grande medida, o Estado fracassa devido ao seu
tamanho, à descontinuidade administrativa, ao clientelismo e à
falta de capacidade de definir, no espaço do trabalho, os objetivos
que devem ser atingidos.
Ademais, o Estado deve buscar cobrir direitos e não necessariamente fazer. Nos dias de hoje, a defesa do fazer estatal só se
explica por corporativismo e ou por uma visão arcaica.
Aí se coloca a questão da regulação. Mas o que é regulação?
É um conjunto de atividades desenvolvidas pelo Estado no sentido de garantir que os direitos sejam cobertos. É garantir que a
entrega do serviço ocorra. É nesta atividade substantiva que o
Estado deve se concentrar e dar condições para que a sociedade
acompanhe estas ações.
Acredito que aqui o grande desafio é a transparência. Em um
Estado voltado para a reprodução das condições que perpetuam
as iniquidades presentes, o grande desafio é o de se mostrar e, ao
fazê-lo, permitir que os cidadãos percebam que modelo de sociedade está sendo construído. Ter uma ação estatal transparente é
que deve ser o objetivo a ser perseguido e com certeza é o maior
desafio da sociedade brasileira. A transparência é uma condição
sine qua non para construção de justiça social.
A discussão sobre a transparência traz à baila a discussão da
segurança jurídica. Pela falta de uma real reforma administrativa
e devido a um julgamento suspenso no STF de uma ação direta
de inconstitucionalidade sobre as OS, paira sobre estas experiên-
cias um manto de incerteza. Que consequências terá uma decisão
que as considere ilegais?
A discussão entre o que é particular e o que é privado deve
ser levada adiante. O que não é admissível é a interpretação ingênua dos esquerdistas que confundem público com estatal. Um
discurso demagógico que paralisa as ações, deixando, paradoxalmente, o que funciona na mão da iniciativa privada e a sociedade
à mercê de um Estado privatizado.
Pois bem, se este é o caminho a ser trilhado, quais as ações a
serem encetadas?
A primeira é gerar um arcabouço jurídico que crie condições
de dar legalidade para esta proposta. Nesse sentido, a experiência
das OSs do estado de São Paulo deve ser observada mais de perto. É preciso criar segurança jurídica para os prestadores. Não é
a presença do Estado na gestão que dará transparência. Portanto,
deve ser claro que a atividade regulatória pressupõe a definição
das políticas que antecedem a contratação e a presidem o tempo
todo. E a construção da transparência deve ser tarefa do Estado
e do ente regulado.
Outra questão mais difícil é a da discricionariedade do gestor para escolher as parcerias. Na medida em que o modelo não
aceita entidades lucrativas, o critério deve ser mais elástico. O
mecanismo deve ser aperfeiçoado, mas não se deve criar burocratizações desnecessárias, como tem sido proposto, que essa
escolha seja realizada por processo licitatório.
INEFICIÊNCIA PÚBLICA
A regulação propriamente dita, imbricada com as questões do
controle social e da transparência, é a outra faceta desse problema. Muitas das questões que aqui se colocam só serão resolvidas no caminhar. No entanto, é possível desenhar um modelo de
controle social que hoje é inexistente e criar alguns mecanismos
que deem transparência para o processo. Como, por exemplo,
a apresentação pública e periódica dos resultados da operação
da entidade gestora, bem como a discussão pública do processo
de contratualização. Na verdade, tem-se realizado um enorme
esforço para melhorar a entrega dos serviços, mas isto não tem
conseguido alterar os resultados. Exemplos desse esforço não
faltam, como a criação das autarquias municipais em São Paulo,
em 2002, para gerenciar a rede de hospitais do município. Mas
em vez de melhorar, a ineficiência aumentou. Este é um tópico
que merece ser aprofundado.
O ordenamento jurídico se sobrepõe, na administração pública, ao fato organizacional. Reconheço que esta afirmação é grave
e tem outras leituras, mas a tese é que o ordenamento jurídico
não é o fim, mas sim o instrumento através do qual a administração pública demonstra que é proba, econômica, isonômica,
etc. Ou seja, o objeto da ação pública, embora não possa se dar
fora do espaço da legalidade, não é a legalidade seu fim último
e sim o público. Não se trata de discutir cartesianamente qual é
a hierarquia. Não se pode ser ilegal, mas não há razão de existir
se não for para um fim – o objetivo. Ou seja, as organizações na
nossa sociedade existem em função dos seus fins: o serviço a ser
prestado para o cidadão.
Assim, se o objetivo do legislador é o público, a lei determina o espaço dentro do qual o administrador atua. O gestor deve
procurar alternativas para atingir o objetivo da organização – ou
seja, atender ao público. A leitura deve ser sistêmica e não positivista.
Nesse sentido não se pode tergiversar – o marco legal deve
ser reformado para se tornar contemporâneo. Aliás, deve ser
notado que, fora uns remendos recentes e algumas mudanças
na Constituição de 88, os marcos, os pilares da administração
pública brasileira ainda remontam aos momentos de supressão
explicita das liberdades, a ditadura. O Decreto-Lei 200/67 e a
criação do DASP no final da ditadura Vargas são os marcos mais
identificáveis da administração pública brasileira, e é por eles
que o corporativismo briga. Controles ex-ante deveriam ser ex-post, porém mais próximos de onde a ação ocorre. Vedações
nacionais deveriam constituir-se em códigos locais. As relações
com a força de trabalho deveriam ganhar a flexibilidade exigida
pela tecnologia embutida na organização.
Tem-se, e o momento já passou, de voltar o foco no público.
Para ser mais compreensível, isto significa incorporar como regra de ouro a noção de cidadão prenhe de direitos e de sua soberania sobre todas as outras coisas. Existe dormindo no Congresso uma proposta de reforma administrativa fruto da comissão de
juristas constituída pela Portaria 426 de 6/12/2007, do Minis-
tério do Planejamento, Orçamento e Gestão, coordenada pelo
professor da FGV Carlos Ari Sundfeld. É hora de ressuscitá-la e
discuti-la com a sociedade.
Brevemente, coloquei em linhas gerais as minhas ideias sobre a questão da gestão de serviços na área da saúde. Quero
realçar que temos que construir uma alternativa ao que aí está.
Temos que ter esse compromisso de construir algo que realmente esteja a serviço de melhorar as condições de vida de nossa
população.
Mas, na sociedade brasileira, ainda existe um conjunto de
xenófobos que atavicamente se prendem ao fato que quem tem
que fazer é o Estado. Para eles, não interessa se o Estado é ou
não eficiente. A eficiência, dizem os ignorantes, é o gerencialismo a serviço da reprodução do capitalismo.
Por isso, eu tenho certeza que a discussão não é entre o Estado e o privado, e, sim, sobre a capacidade de o Estado, em nome
do pacto social presente na Constituição, construir o espaço público. A sociedade brasileira tem que enfrentar essa discussão e
não se permitir ser manietada por esse discurso atrasado.
Manifestantes britânicos protestam contra a privatização do NHS (SUS inglês)
Tentativa de ampliar a participação privada no renomado sistema de saúde pública da Inglaterra tem acendido o
debate sobre o público e o privado na saúde inglesa: discussão deve seguir por uma terceira via, defende Vecina Neto
66
Diagnóstico | set/out 2013
SUS: um sistema
de saúde público
universal, gratuito
e de qualidade.
Uma utopia?
O SUS precisa ser entendido como um projeto de sociedade que preserve e fortaleça os valores
republicanos e fundamente a ação do Estado no princípio da solidariedade social
CARMEN TEIXEIRA
Diagnóstico | set/out 2013
67
SUSTENTABILIDADE
Divulgação
A
CARMEN TEIXEIRA
Médica, doutora em Saúde Pública e professora
da Universidade Federal da Bahia
tualmente, pode-se afirmar que todo e qualquer
brasileiro, em algum momento de sua vida, já teve contato
com o Sistema Único de Saúde (SUS), independentemente do
conhecimento que tenha sobre sua história, suas bases conceituais, jurídicas e políticas, sua organização e funcionamento e
mesmo à revelia de eventual indiferença, desprezo e posições
abertamente contrárias à sua existência.
A imensa maioria dos brasileiros depende exclusivamente do
SUS para ter acesso a ações e serviços necessários à proteção,
manutenção e assistência à saúde. Mesmo os que pensam não
“depender” do SUS, na medida em que pagam direta ou indiretamente sua assistência médico-hospitalar através dos planos de
saúde privados, beneficiam-se de ações e serviços de vigilância
sanitária, epidemiológica e ambiental, bem como de ações de
promoção e proteção da saúde desenvolvidas no SUS.
Da vacina ao transplante, passando pelas ações de controle
da qualidade da água, do solo e do ar; ações de vigilância e controle de epidemias e endemias; ações e serviços de controle de
doenças crônicas, acidentes e violências, abuso de álcool e doutras drogas, os números relativos à produção de ações e serviços
de saúde pelo SUS contam-se em termos de bilhões, milhões e
milhares. Por isso se diz que o SUS é o maior sistema público do
mundo, o que possui a mais extensa rede de serviços e a maior
cobertura populacional, embora o Brasil gaste menos, percentualmente, do que vários outros países.
Apesar da magnitude dos números, existe uma discrepância
entre o que o SUS é e a forma como ele é percebido pela maioria
da população, por conta da multiplicidade de experiências negativas vivenciadas por usuários que sofrem com a insuficiência
de recursos, falta de coordenação e/ou má qualidade dos serviços prestados em muitos municípios do país. Essa percepção é
agravada pela forma como estes problemas são abordados pelos
meios de comunicação, reforçando certo senso comum que tende
a desvalorizar o que é público, entendido como intrinsecamente
“inferior”, destinado aos que não podem pagar por alguma coisa
“melhor”. Nessa perspectiva, o SUS tende a ser pensado como
um “SUS para pobres” e imaginar algo mais que isso seria situar-se no terreno da utopia.
Compreender o SUS para além dessa visão de senso comum,
68
Diagnóstico | set/out 2013
impregnada de uma ideologia mercantilista que somente atribui
valor ao que se apresenta como uma mercadoria, implica reconhecê-lo como resultado de uma luta política que fundamentou a
adoção do direito à saúde na Constituição de 1988, continuou ao
longo dos últimos 25 anos e permanece hoje.
Constituição cidadã
O SUS é uma proposta e um projeto construído pelas forças sociais que lutaram pela democracia e se organizaram no movimento pela Reforma Sanitária Brasileira (RSB), desencadeando
mudanças no âmbito jurídico, político, institucional, organizativo e operacional do sistema de saúde. A RSB fundamenta-se em
uma concepção ampliada de saúde, entendida não apenas como
“ausência de doença”, senão como “bem-estar físico, mental e
social”, decorrente de condições de vida saudáveis, isto é, de emprego, renda e acesso adequado à alimentação, habitação, educação, transporte, lazer, segurança e serviços de saúde.
As propostas da RSB foram apresentadas e aprovadas na 8a.
Conferência Nacional de Saúde (1986), em Brasília, cujo relatório subsidiou o debate na Assembleia Nacional Constituinte
responsável pela elaboração e aprovação da nova Constituição
Federal do país, a “Constituição cidadã”, que reconhece a saúde
como “direito de cidadania e dever do Estado” e incorpora a proposta de criação do SUS.
O SUS, portanto, é uma conquista histórica do povo brasileiro, expressão de uma política de Estado que se fundamenta em
uma concepção ampliada de saúde e em uma perspectiva universalista do direito à saúde, traduzida em princípios (valores),
diretrizes (políticas e organizativas) e dispositivos jurídicos (leis
e normas) que orientam e definem o curso das ações governamentais. Assume os princípios da universalidade, igualdade e
integralidade da atenção à saúde e tem como diretrizes a descentralização, a regionalização, a hierarquização e a participação social, incorporadas na legislação orgânica da saúde (Lei 8080/90
e Lei 8142/90), aprovada pelo Congresso Nacional.
O reconhecimento do direito à saúde e a aprovação dos princípios e diretrizes do SUS na CF e nas leis 8080 e 8142 foram os
primeiros passos para o desencadeamento da construção do SUS.
Durante os anos 1990, isso se deu através da municipalização
de ações e serviços de saúde, respaldada em normas operacionais básicas do SUS (01/91; 01/93; 01/96) e posteriormente na
Norma Operacional da Assistência em Saúde (2001-2002), que
resgatou o princípio da regionalização dos serviços de saúde,
contrapondo-se à excessiva fragmentação provocada pela municipalização. Durante esse período, especialmente a partir de
1994, foi desencadeada a reorganização da atenção básica, através da estratégia de saúde da família, com expansão gradativa do
número de equipes e de unidades de saúde em todo o país, com
efeitos positivos na saúde da população, especialmente na saúde
materno-infantil.
A partir de 2003, a gestão do SUS passou a ser pautada pela
crítica à opção normativa adotada na década anterior, processo
que resultou na aprovação do Pacto da Saúde (2006), reforçando-se a diretriz da regionalização dos serviços e convocando-se
os gestores das diversas esferas de governo (federal, estadual e
municipal) a estabelecerem acordos solidários para viabilizar a
reorganização dos serviços em bases territoriais. Nesse contexto,
além de se dar continuidade à implantação da estratégia de saúde da família, desencadeou-se a reorientação da assistência pré-
-hospitalar (SAMU 192) e hospitalar, bem como se priorizou a
intervenção em áreas críticas, como a saúde mental, saúde bucal
e assistência farmacêutica, e na organização de redes integradas
de serviços de saúde.
A análise da experiência acumulada no SUS revela uma tendência à diversificação das estratégias utilizadas pelos dirigentes do sistema em cada conjuntura, em um processo contínuo
de ajuste das propostas aos constrangimentos decorrentes da
negociação com os atores políticos envolvidos, sejam os que
atuam internamente no sistema, como gestores, profissionais e
trabalhadores de saúde, sejam os que pressionam o sistema desde
fora, buscando com que as decisões adotadas atendam às suas
demandas e necessidades. Estas podem ser muitas vezes contraditórias e até mesmo antagônicas, a exemplo das pressões exercidas por fornecedores de insumos, prestadores de serviços ao
SUS, empresas médicas contratadas e conveniadas, corporações
profissionais vinculadas ao processo de reprodução do modelo
de atenção médico-assistencial, enfim, pelo conjunto heterogêneo de atores envolvidos, direta ou indiretamente, na gestão e
na prestação de serviços de saúde. Com isso, o SUS se apresenta como uma arena permanente de conflitos, enfrentamentos,
negociações, pactos, com os quais se tenta administrar crises e
introduzir reformas em sua estrutura organizacional e político-gerencial, algumas das quais caminham na direção da “imagem-objetivo” pretendida no marco jurídico constitucional, e outras
se afastam dessa imagem, quando não a desfiguram.
Problemas e desafios
O maior problema do SUS é político, ou seja, refere-se às dificuldades de mobilização da sociedade em prol de um sistema
universal e igualitário. Daí decorrem outros, com destaque para
o subfinanciamento, em função da prioridade dada às políticas
de ajuste fiscal e de crescimento econômico.
O subfinanciamento do SUS é evidenciado pela comparação entre os gastos per capita do setor público e da saúde suplementar. Em 2009, por exemplo, no sistema público, houve um
gasto de R$ 449,93 por pessoa, ao passo que a assistência médica supletiva despendeu R$ 1.512,00 por beneficiário. Apesar da
regulamentação da EC 29, não há garantia de estabilidade dos
recursos necessários para o SUS.
Mesmo quando havia a CPMF, a saúde só recebeu 40% dos
recursos arrecadados em 2006. A despesa federal com saúde
tem crescido apenas em termos nominais, reduzindo-se quando corrigida pela inflação. A queda da participação relativa do
governo federal na despesa pública da saúde vem sendo compensada precariamente pelo aumento das contribuições dos
municípios e estados.
Embora 8,4% do produto interno bruto gasto com saúde em
2007 represente um valor razoável, quase 60% desse gasto era
privado. Assim, o que chama a atenção é a baixa proporção
da participação pública na estrutura de gastos de saúde (41%).
A manutenção da Desvinculação de Receitas da União (DRU)
compromete os recursos financeiros para a saúde, pois retira
Fila de idosos em busca de atendimento médico em hospital público de São Paulo
Insatisfação da população em decorrência das dificuldades de acesso aos serviços tem provocado um
aumento vertiginoso de processos judiciais para garantir ao cidadão assistência médica e farmacêutica
SUSTENTABILIDADE
20% do orçamento do Ministério da Saúde. Não parece plausível uma alteração neste cenário no curto prazo, inclusive por
conta da provável repercussão da crise econômica internacional
na economia brasileira, apesar de o movimento Saúde + 10 ter
conseguido coletar mais de 2 milhões de assinaturas ao projeto
que propõe o aumento do volume de recursos para a saúde, ora
tramitando no Congresso Nacional.
No que tange à gestão, destaca-se a vulnerabilidade do
sistema às mudanças de governos, gestores e partidos, o que
gera descontinuidades administrativas pela alta rotatividade
das equipes, “engessamento” burocrático e por vezes intercorrências desastrosas em função das ideologias e estilos de dirigentes despreparados ou “mal-intencionados”, em função dos
compromissos político-partidários ou interesses particulares.
Uma gestão fatiada por partidos e refém do clientelismo e do
fisiologismo, cuja moeda de troca tem sido o preenchimento
dos cargos de confiança por afilhados, não é compatível com o
mérito, a eficiência, o profissionalismo e a competência técnica.
No que diz respeito à infraestrutura, cabe ressaltar a insuficiência e má distribuição de estabelecimentos, serviços, equipamentos e de pessoal de saúde, especialmente nas regiões Norte
e Nordeste, o que dificulta o acesso da população ao SUS, prejudicando a sua credibilidade. Ademais, registre-se a desproporção entre os serviços da rede própria (estatal) e os serviços
da rede contratada e conveniada, expressando uma grande dependência do SUS do setor privado, principalmente no que diz
respeito aos leitos hospitalares e aos serviços de apoio diagnóstico. Enquanto as unidades de atenção básica e de emergência
são predominantemente públicas, 69% dos hospitais e a maioria
dos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADT) são privados. Apenas 6,4% dos SADT, em 2010, e 35,4% dos leitos
eram públicos.
Entre os leitos do setor privado somente 38,7% estão disponíveis para os usuários do SUS, enquanto 28,4% dos mamógrafos, 24,1% dos tomógrafos e 13,4% dos aparelhos de ressonância magnética são públicos. Verifica-se, também, uma redução
do número de leitos por habitantes, de 3,3 leitos por 1.000 habitantes em 2003, para 1,9 em 2009.
Quanto à organização, o nó crítico é a incipiência na organização de redes regionalizadas e hierarquizadas de serviços
de saúde e a baixa efetividade da atenção básica, com aumento
da tensão entre os níveis de complexidade da atenção, implicando a persistência de mecanismos de seletividade e iniquidade social. Além disso, o crescimento desordenado dos planos privados de saúde integrantes do Sistema de Assistência
Médica Supletiva (SAMS), em desarticulação com o SUS,
tem consolidado a segmentação e o aparecimento de múltiplas
portas de entrada no sistema, comprometendo a acessibilidade
dos usuários do SUS e aumentando o sofrimento de pacientes e familiares. Assim, a organização e a regulação do SUS
sofrem influências de grupos de interesse e constrangimentos
burocráticos, de modo que os mecanismos adotados têm sido
insuficientes para promover mudanças significativas. O decreto presidencial 7.508, de 28 de junho de 2011, como tentativa
de regulamentação da Lei 8080/90, reforça a diretriz de regionalização e propõe a Relação Nacional de Ações e Serviços de
Saúde (Renases), sendo mais uma medida racionalizadora que
indica os impasses enfrentados.
Tudo isso repercute na atenção à saúde prestada à popula70
Diagnóstico | set/out 2013
ção. Ao lado da insuficiência das ações de promoção da saúde
e da insuficiência do processo de descentralização das ações de
vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental, constata-se a
dificuldade de consolidação da estratégia de saúde da família,
principalmente nos grandes centros urbanos, onde a proposta
compete com o modelo tradicional de oferta da atenção básica
e com a desarticulação das redes assistenciais. Propostas racionalizadoras, como vigilância da saúde, acolhimento, gestão de
riscos, regulação, avaliação tecnológica em saúde, protocolos
assistenciais, reformas da educação do pessoal de saúde, educação permanente, qualificação de gestores e criação de carreiras para os servidores do SUS, ainda não conseguiram superar
o modelo médico hegemônico.
Um indicador do grau de insatisfação da população em decorrência das dificuldades de acesso aos serviços é a “judicialização da saúde”, decorrente do aumento vertiginoso de processos judiciais através dos quais os cidadãos mais informados
tentam garantir a assistência médica e farmacêutica, respaldados no reconhecimento do direito à saúde.
Pela sustentabilidade política do SUS
Apesar de todas as dificuldades, a luta pelo SUS representa,
hoje, o “coração” de um projeto de sociedade que preserve e
fortaleça os valores republicanos, democráticos e fundamente a ação do Estado no princípio da solidariedade social. As
manifestações populares de junho-julho de 2013 revelam a insatisfação popular em várias frentes, inclusive com a política
de saúde, colocando na agenda governamental a necessidade
de respostas aos problemas e demandas nesta área. Medidas
emergenciais como o Programa Mais Médicos, apesar de limitações intrínsecas, contribuem para dar visibilidade aos problemas enfrentados cotidianamente pelos gestores do SUS e estimulam a reflexão sobre a educação superior na área de saúde,
espaço de reprodução de concepções e práticas incompatíveis
com a busca de universalidade, equidade, humanização e efetividade da atenção à saúde.
Cada vez fica mais evidente a disputa entre um projeto mercantilista, privatizante, subordinado aos interesses do capital
na área de saúde e o projeto político da Reforma Sanitária, generoso, inclusivo, fundado nos ideais de justiça social e na promoção de condições de vida saudáveis para toda a população
brasileira. Para que esse projeto deixe de ser uma utopia e se
torne realidade é necessário garantir sua sustentabilidade política, o que requer a construção de certo bloco histórico específico, reunindo um feixe de forças que atravesse a sociedade
civil e o Estado, envolvendo entidades que integram o Fórum
da Reforma Sanitária Brasileira, como a Abrasco, a APSP, o
Cebes, o Conasems, a Rede Unida e a SBMFC, o Ministério
Público, o ministério e as secretarias estaduais e municipais de
Saúde, Conass, o Parlamento, entre outros, em defesa do SUS
e da RSB.
Além disso, a sustentabilidade política do SUS demanda a
ampliação da consciência social acerca dos direitos e a permanente mobilização em torno da ampliação de suas bases sociais
de apoio e legitimação. Em outras palavras, pressupõe que o
SUS venha a se tornar de fato uma conquista popular, uma
política e um sistema que cada brasileiro considere seu, parte
da herança que lhe foi legada pela geração precedente, a ser
preservado, aperfeiçoado e valorizado.
Diagnóstico | set/out 2013
71
ENTREVISTA | HÉSIO ALBUQUERQUE
C
onsiderado um dos pais do
SUS, o professor e médico sanitarista
Hésio Albuquerque admite que as dificuldades de acessibilidade e o déficit de
qualidade do sistema público de saúde
brasileiro foram o que mais lhe frustrou,
passados exatos 25 anos da criação do
Sistema Único de Saúde. Ex-presidente
do extinto Inamps e atualmente dedicado
ao ensino e à pesquisa acadêmica, Albuquerque acredita que a questão só será resolvida com a vinda da classe média para
o SUS, aliada a uma melhor regulação da
prática médica no setor público. “A acreditação é uma ação muito pouco divulgada em nosso meio, mas é uma forma de
fazer com que a prática das instituições de
saúde seja baseada em propostas internacionais de qualidade”, sentencia. Desde a
divulgação do documento A questão democrática da saúde, elaborado por ele,
junto com o cientista social José Luis
Fiori e o epidemiólogo Reinaldo Guimarães, em 1979, o país passou por uma série de discussões sobre o futuro da saúde
pública. “Foram passos importantes, que
ajudaram a construir as bases do SUS
atual”, resume Albuquerque. Em 1986,
depois de vários encontros e seminários
regionais, foi realizada a 8ª Conferência
Nacional de Saúde, a primeira com a
participação de usuários dos serviços de
saúde, além de profissionais da área. As
propostas discutidas naquele encontro
foram importantes para compor trechos
da Constituição Federal de 1988 e as
leis orgânicas de saúde nº 8.080/90 e nº
8.142/90 – marco oficial da criação do
SUS. “A má gestão não só repercute na
matemática do SUS, mas, principalmente, na qualidade do atendimento à população”, comenta Albuquerque, ao falar de
outro flagelo do SUS. Da capital carioca,
onde reside, o sanitarista concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico.
Revista Diagnóstico – A saúde pública
brasileira mudou muito desde a publicação do documento “A questão democrática da saúde”, elaborado pelo senhor
72
Diagnóstico | set/out 2013
Médico sanitarista Hésio Albuquerque, considerado o
pai do Sistema Único de Saúde brasileiro
Baixa qualidade e dificuldade de acessibilidade continuam sendo os
maiores gargalos do SUS
1979 e que, até hoje, é considerado o embrião do SUS. O que mais lhe frustrou
em todos esses anos?
Hésio Albuquerque – A proposta foi importante no sentido de dar base ao SUS e
servir de início de uma diretriz nacional
envolvendo entidades médicas, sindicatos
e departamentos de medicina social das
faculdades em favor do sistema de saúde.
O que frustrou foram as dificuldades de
acessibilidade, da melhoria da qualidade e
da educação continuada dos profissionais.
São essas, justamente, as maiores carências do atual sistema de saúde pública
brasileiro.
Diagnóstico – O NHS inglês, que sempre
foi referência para o SUS brasileiro, passa por um momento de reestruturação,
comandado por um governo que vem
recorrendo cada vez mais à iniciativa
privada para garantir um sistema universal e gratuito. Há contradição nesse
processo?
Albuquerque – Acho que não. Faz parte
do ajustamento das realidades nacionais.
No caso brasileiro, a proposta feita na 8ª
Convenção de Saúde, e que alguns setores
defendiam, era a estatização completa do
setor de saúde. No entanto, a tese se pro-
vou inviável. O setor privado no Brasil é
muito forte, diferentemente da Inglaterra.
Ainda que tenhamos procedimentos mais
complexos, que acabam absorvidos pelo
setor público. Para nós, contudo, o mais
importante é o que está fundamentado na
Constituição Federal de 1988, cujo texto
definiu o setor público e o filantrópico
como prioridade no provimento da saúde
de todos os brasileiros. E, como tal, devem ser apoiados intensamente.
Diagnóstico – Mesmo países prósperos,
como a Alemanha, que tem um modelo
de saúde considerado de referência, sofrem com o aumento dos custos e a pressão pela busca de mais recursos para
financiar seus sistemas. Trata-se de um
paradigma ainda sem solução?
Albuquerque – A medicina adota custos
muito elevados pelas tecnologias que utiliza. Por isso mesmo, a questão central é
dar ênfase à atenção primária da saúde,
que resolve 80% dos problemas básicos,
e destinar para alta complexidade os outros 20%. Enquanto não fizermos isso, os
custos vão ser crescentes no Brasil e em
qualquer lugar do mundo.
Diagnóstico – O senhor acredita que o
André Telles
SUS brasileiro pode chegar à eficiência
plena sem o apoio da iniciativa privada?
Albuquerque – Acho que deve haver um
equilíbrio. A maior resistência do setor
público é com a parcimônia da iniciativa privada. Ela é importante, faz parte da
realidade brasileira. Não é para transferir
tarefas, mas para regular e adotar a iniciativa privada como uma espécie de complemento do SUS e não o contrário – o
SUS completando a iniciativa privada.
Diagnóstico – Quais as consequências
mais temerosas desta distorção?
Albuquerque – Há uma excessiva utilização da iniciativa privada até em procedimentos básicos. Deve haver um equilíbrio
entre o setor privado e o público no sentido de ter a continuidade no atendimento à
saúde, especialmente o mais complexo. O
que se vê é que, frequentemente, o setor
“
apenas da saúde. É uma prática social no
Brasil e na maioria dos países do mundo.
Sem fiscalização e regulação, não é possível combater essa distorção com eficiência.
Diagnóstico – O senhor enfrentou até
greve de médicos quando era diretor
do Inamps e propôs a descentralização
dos repasses da saúde. O governo atual
passa por uma crise semelhante com o
Programa Mais Médicos. Por que os médicos são tão resistentes às mudanças?
Albuquerque – Acredito que há uma visão muito corporativa nos interesses da
saúde no país por parte dos médicos. A
corporação médica é muito arredia às mudanças, especialmente à sua prática. Essa
questão vai ser superada com uma melhor
remuneração dos médicos, de enfermeiros e de todos os profissionais de saúde
– mesmo com o índice oficial de inflação
(IPCA) em 125%. Ainda assim, a conta
não fecha. Qual o peso da má gestão na
matemática do SUS?
Albuquerque – A má gestão não só repercute na matemática do SUS, mas, principalmente, na qualidade do atendimento à
população. Uma população atendida com
baixa qualidade no sistema de saúde não
é uma população sadia. Essa questão do
gasto em saúde deve ser analisada com
base na repercussão da eficiência da utilização do serviço e da qualidade de atendimento.
Diagnóstico – Já se fala na volta de um
novo imposto para a saúde, nos moldes
da CPMF. O senhor é a favor desse tipo
de alternativa para o financiamento da
saúde?
Albuquerque – Sou. Há uma série de ini-
A má gestão não repercute somente na matemática
do SUS, mas, principalmente, na qualidade do
atendimento à população
público acaba drenando os procedimentos
mais complexos, com hemodiálise, cirurgias cardíacas e transplantes, enquanto a
iniciativa privada fica com a parte do “filé
mignon” – o que é mais lucrativo e não
representa, necessariamente, grandes volumes de investimento e complexidade no
atendimento.
Diagnóstico – É possível ter um sistema
de saúde republicano em um país que
nunca foi uma República, na essência
do termo?
Albuquerque – O Brasil precisa ter um
paradigma de República mais extenso.
Algo que é necessário e, ao mesmo tempo, possível. Mas se trata de uma construção que deve ser feita em termos políticos
e que faz parte da constituição do sistema
de saúde. As duas coisas caminham juntas
e devem ser enfrentadas pela sociedade
como um todo.
Diagnóstico – Há muita corrupção no
SUS?
Albuquerque – Ela está presente no SUS,
é fato, mas também em vários setores da
máquina pública. Não se trata de um mal
no setor público. Eles devem ser apoiados
no sentido de exercerem uma educação
permanente. Essa resistência, entretanto,
só será superada com educação e não com
repressão.
ciativas, como esta questão do pré-sal. É
importante que o destino dos recursos seja
nos moldes de um novo CPMF, desde que
não haja corrupção e que eles sejam bem
utilizados em benefício da população.
Diagnóstico – Segundo pesquisa do Datafolha, um em cada três beneficiários de
planos de saúde, em São Paulo, usam o
SUS por causa da demora ou negativa
das operadoras. A vinda da classe média
para o SUS pode ajudar e melhorar o
sistema?
Albuquerque – Certamente. Não só a vinda da classe média para o SUS, como uma
melhor regulação da prática médica no setor privado e público, especialmente com
o estímulo à qualidade do atendimento e a
questão da acreditação do serviço de saúde. A acreditação é uma ação muito pouco
divulgada em nosso meio, mas é uma forma de fazer com que a prática das instituições de saúde seja baseada em propostas
internacionais de qualidade.
Diagnóstico – O senhor critica o fato
de o tema saúde da família ter chegado
tarde ao sistema, somente em 1994. Pode
comentar?
Albuquerque – A implantação de um programa de saúde da família no Brasil tem
um histórico de tentativas que remonta
à extinta Fundação SESP, mas somente implementada nos anos 90. Acho, de
fato, que demorou muito para ser adotado – mas ainda bem que o foi. A evolução
qualitativa do atendimento e prevenção
na saúde tem um caminho a ser seguido
pelo SUS, através da estratégia da saúde
da família, que não é uma solução, mas
um complemento importante. Justamente
por isso, ela precisa estar integrada para
atender casos de pacientes que necessitam
de atendimentos mais complexos. Não
por acaso, aliar os recursos de tecnologia
de ponta ao programa tem sido um grande
desafio para o SUS.
Diagnóstico – Nos últimos 12 anos, o orçamento federal da saúde aumentou de
R$ 22,7 bi para R$ 91 bi (cerca de 400%)
Diagnóstico | set/out 2013
73
Divulgação
ROSEMARY Gibson é
consultora sênior
da Hastings Center e
autora de “Treatment
Trap” (A Armadilha do
Tratamento) – ainda
sem tradução no
brasil
NÃO CONFORMIDADE
A ética na saúde: uma
questão de defesa
da vida
A criação de uma instituição de defesa do interesse público para que o governo reporte as informações
sobre onde os recursos da saúde foram gastos, quem os recebeu e o que eles estão fazendo com a verba
é um grande passo para combater as fraudes no sistema
U
ROSEMARY GIBSON, DE WASHINGTON (EUA) – ESPECIAL PARA A DIAGNÓSTICO
ma das tendências mais significativas do
sistema de saúde global é que ele se tornou um grande negócio
para as economias nacionais de vários países. Assim, a cadeia
produtiva do setor vem fornecendo capitais de investimento valiosos que permite a manufatura e a distribuição de produtos e
serviços para salvar vidas. Mas, por trás dessa dinâmica, há uma
série de consequências não intencionais que podem ocorrer e inviabilizar o objetivo fim de médicos, hospitais e indústria: a cura.
Uma das consequências não intencionais nos EUA – e que
vem atingindo praticamente todas as nações do mundo, inclusive
o Brasil – é que as pessoas estão correndo alto risco de tratamento excessivo. O Institute of Medicine of the National Academy of
Sciences define o supertratamento quando o potencial dano de
um serviço de saúde supera o possível benefício. Como resultado, estes danos em saúde têm se tornado a principal causa de
mortalidade nos EUA.
As investigações conduzidas pelo Congresso norte-americano, por exemplo, confirmaram casos em que os médicos realizaram cirurgias cardíacas em pacientes que não tinham cardiopatias. A apuração revelou acordos de benefícios mútuos entre
médicos e companhias que fabricam os stents usados no procedimento. Além disso, o hospital se beneficiou com o aumento da
receita. Após as denúncias de um paciente para autoridades federais e a realização de uma investigação, um médico perdeu sua
licença e o hospital teve que pagar uma multa multimilionária.
Enquanto o tratamento excessivo é comum, a acusação é algo
raro. A capacidade dos funcionários do governo de se prevenir
e reprimir fraudes é sobrecarregada pela sua grandeza, segundo
relatado no livro Medicare Meltdown.
Uma pesquisa realizada pela American College of Physician
Executives, cujos membros estão em cargos de liderança em hospitais e grupos médicos, revela que o supertratamento é generalizado. Oitenta por cento dos entrevistados disseram que estavam
muito ou moderadamente preocupados sobre o tratamento excessivo oferecido pelos seus colegas aos pacientes para aumentar
suas rendas. Quando perguntados se seus colegas estavam admitindo inapropriadamente pacientes para aumentar as receitas dos
hospitais, 54% dos entrevistados disseram que estavam muito ou
moderadamente preocupados com esta prática. Infelizmente, os
funcionários do governo têm sido tão enfraquecidos pelo poder
político da indústria de saúde que não têm autoridade e recursos
para ser proativos, evitar fraudes e para agir, mesmo em casos
óbvios e com provas incontestáveis. Consequentemente, muitas
pessoas são prejudicadas com o tratamento médico excessivo,
conhecido pelo termo em inglês overuse: cirurgias do coração
desnecessárias, cirurgias de coluna, histerectomia e prostatectomia; remédios desnecessários incluindo antibióticos, antidepressivos e antipsicóticos, exposições desnecessárias à radiação para
exames de tomografia computadorizada e ressonância nuclear.
Os jornalistas e a mídia têm realizado um serviço público valioso ao publicar regularmente reportagens investigativas sobre
o overuse e os erros médicos nas primeiras páginas dos maiores
jornais e portais de notícias, incluindo o The New York Times,
Wall Street Journal, USA Today, Bloomberg e ProPublica. Centenas e até mesmo milhares de leitores respondem aos comentários online, geralmente dividindo suas próprias histórias sobre o
tratamento excessivo. Até os médicos e enfermeiros compartilham suas experiências.
No entanto, pouco tem sido feito para conter o supertratamento. O motivo é que as autoridades do governo esperaram
NÃO CONFORMIDADE
muito para agir. O Institute of Medicine estimou que 30% dos
gastos na área nos EUA, equivalente a US$ 750 bilhões anualmente, não agregam valor à saúde das pessoas e são usados em
tratamentos excessivos, ineficiências e fraudes.
Por outro lado, este desperdício aparece como receita nos balanços das pequenas e grandes empresas, que são dependentes.
Elas são programadas para mantê-lo – e para obter mais do mesmo. Quando o primeiro programa de seguro de saúde dos EUA,
Medicare, foi estabelecido, em 1965, não existiam companhias
de saúde no top 100 da Forbes. Agora existem 15. Os acionistas
demandam maiores, melhores e mais rápidos retornos dos CEOs
das companhias de saúde. Isso explica porque os hospitais e todas as outras contas das divisões de saúde das companhias são
muito maiores do que poderiam ser. É por isso que a saúde é tão
cara. A demanda pelo crescimento das receitas está em curso de
colisão com a necessidade do país de um financiamento sustentável no sistema de saúde. Está em colisão direta também com
a necessidade das famílias pela acessibilidade a estes serviços.
Os recursos são desviados das pessoas que realmente precisam de tratamento médico, mas que sofrem com a inacessibilidade e necessidades prementes, como a educação, especialmente
a materna, que está diretamente ligada ao estado de saúde e nível
educacional das crianças.
apoio aos pacientes
A raiz do tratamento excessivo foi semeada quando os programas foram planejados décadas atrás. Os funcionários do governo
se comprometeram com a indústria de saúde ao garantir que não
haveria controle sobre o quanto poderiam faturar. Eles deram as
chaves do tesouro público para o setor de saúde nascente. Desta forma, a área cresceu, assim como as contribuições para as
campanhas políticas dos eleitos em ambos os partidos. A relação
entre eles tornou-se cada vez mais enraizada. A checagem e os
balanços são poucos. O interesse público foi perdido. A solução
para este problema será em longo prazo. As seguintes medidas
podem ser tomadas:
1. Criação de uma instituição de defesa do interesse público
para que o governo reporte as informações sobre onde os recursos da saúde foram gastos, quem os recebeu e o que eles estão
fazendo com a verba.
Os relatórios devem destacar os hospitais e médicos que
realizaram de forma desordenada um grande número de procedimentos conhecidos como overuse, desproporcional às necessidades esperadas da população de pacientes das comunidades
do entorno. Estes valores discrepantes devem ser auditados por
médicos respeitados e independentes, que avaliarão se os serviços médicos foram realmente garantidos.
2. Incentivo aos jornalistas para se informarem e se qualificarem sobre as informações em saúde. Eles relatarão as situações de tratamento excessivo e trabalharão com médicos respeitados para identificar os padrões de abuso.
3. Apoio aos pacientes que sofreram danos por conta do
supertratamento ou de erros médicos e infecções para que eles
possam organizar e criar uma consciência pública sobre os efeitos nocivos do tratamento excessivo. Muitas instituições de
defesa dos pacientes nos EUA e em outros países estão compromissadas e com pessoas altamente experientes que sofreram
danos e não receberam dinheiro do setor de saúde. Elas mantêm
o assunto vivo e nas primeiras páginas dos jornais. Trabalham
76
Diagnóstico | set/out 2013
com médicos conscientes e líderes da saúde para estimular o
sistema a priorizar o interesse do público e não ganhos privados.
4. Faça a pergunta: “o que podemos fazer para realizar um
maior número de melhorias na saúde para o nosso povo com os
recursos que temos?”
A resposta não pode ser comprar o tomógrafo mais deslumbrante ou a última versão de um antidepressivo. Em vez disso,
provavelmente será o básico: acesso à água e ar limpos e um
abastecimento seguro de alimentos; eficácia na saúde materna e
infantil; imunização para prevenção de doenças e regulação de
produtos como o tabaco para a redução de uma das principais
causas de enfermidades e mortalidade.
A alocação de recursos deve ser guiada por estas prioridades, não por lobby de interesses empresariais cuja obrigação
primordial é os acionistas e não a saúde pública ou a saúde dos
pacientes.
5. Dê prioridade aos cuidados básicos e não às especialidades. Eles permitem o melhor tratamento para a maioria das
pessoas. A ênfase é na prevenção e saúde, em vez da realização
de exames e procedimentos. Os EUA têm apenas 30% de médicos que trabalham em cuidados básicos, enquanto outros países
dão muito mais ênfase a esta modalidade. Estes médicos podem
evitar exames desnecessários, remédios e cirurgias. Cada sistema é deliberadamente planejado para alcançar os resultados que
obtém. O setor se beneficia quando existem mais especialistas
que prescrevem mais remédios, pedem mais exames e realizam
mais cirurgias.
6. Os órgãos fiscalizadores dos setores público e privado devem fechar as lacunas que permitem o abuso.
7. Criação de um orçamento com limites do crescimento
anual.
Os EUA cometeram um erro ao não impor limites sobre o
valor gasto em saúde pelos governos federal e estaduais, além
dos cidadãos. Qualquer sistema sem limite vai girar fora de controle. Os outros países deveriam não cometer o mesmo erro.
A indústria da saúde será contrária a quaisquer limites e
tentará convencer o público que o governo está racionando os
gastos em saúde. O público mais esclarecido perceberá que o
setor está defendendo as próprias receitas e não sua saúde ou
bem estar.
8. Ensino prioritário de educação em saúde nos primeiros
anos. Assim, crianças e adultos podem aprender como se manter saudáveis, ingerindo alimentos nutritivos, evitando atividades que são conhecidas por oferecer riscos à saúde e doenças
e cuidando de si mesmas quando estão doentes. Nós mesmos
devemos ser nossos próprios “médicos” e fazer o que é melhor
para nossa saúde.
9. Estar ciente de que muito cuidado não é sempre o melhor.
A medicina do século XXI pode fazer muita coisa boa, mas ela
também pode causar muitos danos. Os benefícios são geralmente muito comentados. Os malefícios são varridos para debaixo
do tapete.
10. É importante que o paciente seja orientado a respeitar a
sabedoria do tempo e não acreditar em qualquer coisa simplesmente porque ouviu falar.
A partir da adoção dessas modestas sugestões, acredito que
poderemos dar um passo importante para a construção de um
sistema de saúde pública mais justo, ético e mais sustentável.
No Brasil, nos EUA, seja onde for.
Diagnóstico | set/out 2013
77
prédio do congresso
nacional, em brasília:
sustentabilidade financeira
do sus passa por um novo
marco tributário
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Diagnóstico | set/out 2013
FINANÇAS
o financiamento do
sus e a solução para
uma DIFíCIL EQUAÇÃO
As possibilidades de valorização dos direitos universais à saúde, por meio da prioridade ao
financiamento do SUS, podem ser alcançadas por outros percursos. Taxar as grandes fortunas e as
remessas de lucros e dividendos realizadas pelas empresas multinacionais – atualmente isentas na
legislação – é uma alternativa
Divulgação
A
ÁQUILAS MENDES
Doutor em Economia, professor livre-docente de
Economia da Saúde da FSP/USP e da PUC-SP
história do
SUS é marcada pelos problemas de fi-
nanciamento. Os recursos públicos envolvidos sempre foram insuficientes para garantir uma saúde pública, universal, integral
e de qualidade. Em 2011, o gasto público brasileiro em saúde
(União, estados e municípios) foi de 3,84% do PIB, enquanto
que a média dos países europeus com sistemas universais foi de
8,3% do PIB, o que evidencia a dificuldade de recursos do SUS
para realizar suas ações e serviços.
O projeto de iniciativa popular conhecido como Saúde +10,
que tramita no Congresso, assinado por mais de 2 milhões de
brasileiros, contempla defesa histórica na área da saúde por
ampliação dos recursos públicos, especialmente por parte da
União, indicando que esse nível de governo aplique 10%, no
mínimo, da sua receita corrente bruta (RCB). Se aprovado o
projeto, o SUS contará com um acréscimo para o orçamento do
Ministério da Saúde de 2013 em cerca de R$ 40 bilhões, sendo
0,8% do PIB. Esse projeto é importante para a sobrevivência do
SUS, mas temos consciência de que não resolve por completo o
subfinanciamento histórico da saúde pública no Brasil. Esse foi
problemático desde a criação do orçamento da seguridade social
na Constituição de 1988, que indicava 30% dos recursos desse
orçamento (impostos e contribuições sobre a folha de salários,
Diagnóstico | set/out 2013
79
FINANÇAS
lucro e faturamento à saúde, previdência e assistência social) ao
gasto federal do SUS para 1989, estabelecido no Art. 198 da CF
e nas disposições transitórias deste artigo. Para os outros anos,
a definição desse percentual ficaria para a LDO. Na prática, a
saúde nunca contou com esses recursos.
Para se ter uma ideia da perda de recursos desde então, em
2012, o orçamento da seguridade social foi de R$ 590,5 bilhões,
sendo que, se destinados 30% à saúde, considerando os gastos
do governo federal, corresponderiam a R$ 177,2 bilhões, bem
superiores aos gastos dos três níveis de governo (incluindo estados e municípios) que, em 2011, registraram R$ 154 bilhões.
Ao longo dos 25 anos de existência do SUS, várias foram as
restrições no âmbito do financiamento desse sistema.
Vejamos alguns dos aspectos desse quadro, de forma resumida:
i) a partir de 1993, a Previdência deixou de repassar recursos
para o SUS (regulamentado na reforma previdenciária do governo Fernando Henrique Cardoso);
ii) a criação do Fundo Social de Emergência, em 1994, que
posteriormente denominou-se Fundo de Estabilização Fiscal e, a
partir de 2000, intitula-se Desvinculação das Receitas da União
(DRU) (denominação até o momento mantida), definindo, entre outros aspectos, que 20% da arrecadação das contribuições
sociais seriam desvinculadas de sua finalidade e estariam disponíveis para uso do governo federal, longe de seu objeto de vinculação: a seguridade social. Esse mecanismo vem provocando
perdas de recursos para a seguridade social;
iii) aprovação da CPMF, em 1997, como fonte exclusiva
para a saúde, mas a retirada de parte das outras fontes desse setor, não contribuindo assim para o acréscimo de recursos que se
esperava;
iv) aprovação da EC-29, em 2000, vinculando recursos para
a saúde, porém com indefinições sobre quais despesas deveriam
ser consideradas como ações e serviços de saúde e o que não
poderia ser enquadrado nesse âmbito, além de dispor de método conflitante de cálculo para aplicação dos recursos da União,
isto é, o valor apurado no ano anterior corrigido pela variação
nominal do PIB e, ainda, não esclarecer a origem dos recursos
no tocante à seguridade social, ignorando o intenso embate por
seus recursos;
v) permanência da insuficiência de recursos para o financiamento do SUS na regulamentação da EC-29 (Lei Complementar
nº 141/2012), que manteve o método de cálculo da participação
do governo federal – o valor apurado no ano anterior corrigido
pela variação nominal do PIB –, rejeitando o projeto de regulamentação que se encontrava no Senado (PLS 127/2007) que
definia uma aplicação da União de 10%, no mínimo, da receita
corrente bruta (RCB).
Iniciamos a década de 2010 sem resolver esses grandes conflitos no financiamento, na medida em que a Lei 141/2012 (regulamentação da Emenda Constitucional 29), indicando a participação das três esferas de governo no SUS, manteve o cálculo
anterior da participação do governo, não tendo sido aprovada
a introdução de um percentual de 10% sobre a receita corrente
bruta (RCB), conforme defendido há anos pelas entidades associadas à luta por uma saúde universal e pelo Movimento Saúde
+ 10 mais recentemente. Em 1995, o governo federal gastou
com ações e serviços de saúde o equivalente a 1,75% do PIB;
passados 17 anos (2012), essa proporção praticamente se manteve. Os gastos federais com ações e serviços públicos de saúde
diminuíram em relação à receita corrente bruta da União. Em
1995, representavam 11,7% dessa receita, e em 2011, registravam apenas 7,5% da mesma base. O montante de recursos perdidos durante os anos 2000 registra aproximadamente R$ 180
Sessão plenária no Congresso Nacional, em Brasília
Valter Campanato/ABr
Em 1995, o governo federal gastou com ações e serviços de saúde o equivalente a 1,75% do PIB.
Passados 17 anos (2012), essa proporção praticamente se manteve
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Diagnóstico | set/out 2013
bilhões, quando comparados entre a indexação à receita corrente
bruta e à variação do PIB nominal.
Sabe-se que o governo federal fez de tudo para que a base de
cálculo de 10% da RCB não fosse aprovada. Tudo em nome de
que não possui uma fonte específica para isso. Embora é conhecido que o orçamento da seguridade social (saúde, previdência
e assistência social) vem há anos evidenciando superávits. Mas
grande parte é direcionada ao pagamento de juros da dívida, a
fim de manter superávit primário – uma política econômica restritiva em termos de cortes dos gastos sociais. Esse direcionamento tem nome: Desvinculação das Receitas da União (DRU).
Esse mecanismo vem provocando perdas de recursos para a seguridade social de cerca de R$ 578 bilhões, entre 1995 e 2012,
tendo sua continuidade assegurada até 2015.
SAÚDE NÃO É PRIORIDADE
Apesar dessas evidências sobre fontes de recursos disponíveis,
o governo federal retorna com os mesmos argumentos para o
projeto de iniciativa popular do Movimento Saúde +10. Primeiro, afirma que aumentou o investimento em saúde entre 2003 e
2011, passando de um gasto per capita de R$ 244,80 para R$
407,00, correspondendo a um acréscimo de 66%. Contudo, não
esclarece que no primeiro ano do governo Lula, em 2003, o gasto per capita com saúde foi o menor entre os anos de 1995 e
2011. Segundo, o governo federal insiste em comentar o seu
quadro de rigidez orçamentária. Do total do seu orçamento para
2013 (R$ 2,2 trilhões), 46% estão comprometidos com as despesas financeiras, sendo o pagamento de amortização e juros da
dívida. Interessante é que aqui não fica explicitado que se trata
de uma escolha prioritária há anos. Os demais 54% do orçamento está comprometido com as despesas primárias, incluindo
as despesas obrigatórias e despesas discricionárias (com áreas
protegidas – educação, saúde, Brasil Sem Miséria, PAC e inovação –, com as demais obrigatórias – benefícios dos servidores
–, com cortes efetuados e todas as demais áreas). Nesse quadro, o governo afirma que o correspondente aos 10% da RCB
da União para a saúde em 2013 (R$ 40 bilhões) ultrapassaria
o total das áreas não protegidas (R$ 36 bilhões). Bem, todos
esses números servem ao seu argumento de rigidez orçamentária, reforçando a sua defesa de que, para ampliar recursos para
a saúde, é preciso conseguir nova fonte de financiamento. Em
nenhum momento o governo questiona as suas prioridades de
gasto, que, como vimos, distanciam-se dos pleitos das manifestações de junho/2013.
Além disso, o argumento do governo é pela inviabilidade
da receita corrente bruta como base de cálculo para aplicação
na saúde. Diz o governo que a União tem que descontar dos
recursos da RCB aqueles que já estão pré-definidos, como as
transferências constitucionais para estados e municípios (FPM,
FPE), o Fundeb, os royalties, o salário educação, as contribuições previdenciárias e outros. Porém, não está definido no projeto de iniciativa popular que os 10% devem ser retirados de cada
uma das fontes, mas sim o correspondente ao “montante igual
ou superior a 10% da RCB”. A base RCB busca distanciar-se,
de forma mais direta, das variações cíclicas da economia, mensuradas pelo PIB, que não vem crescendo no mesmo patamar
que o esforço de arrecadação da União (impostos e contribuições). Trata-se de valorizar que o investimento da saúde seja
correspondente à capacidade de arrecadação do governo federal
(RCB), que cresceu, entre 2000 e 2012, 65,5%, enquanto o PIB
aumentou apenas 5,9% (valores deflacionados pela média anual
a preços de dezembro de 2012, conforme o IGP-DI/FGV). Por
sua vez, a receita corrente líquida da União – base de cálculo
defendida pelo governo – teve um incremento inferior à RCB,
sendo 56,6%, nesse mesmo período.
O Movimento Saúde + 10 está ciente de que a RCB constitui
base de cálculo que contribui para a busca de uma sustentabilidade financeira para o SUS, recuperando em parte os recursos
perdidos ao longo dos seus 25 anos de existência. Entende o
movimento, também, que a metodologia de aplicação da União
deve ficar compatível com as bases de cálculo de aplicação dos
estados e municípios, à medida que essas últimas correspondem
ao total das receitas de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, o que significa o esforço próprio de arrecadação. Assim, a utilização de percentual da RCB da União visa
assegurar a isonomia no trato do financiamento da saúde nas três
esferas de governo.
Cabe lembrar que a defesa pelo valor correspondente à RCB
decorre de sua visibilidade nas contas públicas federais e de difícil manipulação, como seria o caso da receita corrente líquida – com diferentes conceitos. Além disso, trata-se de dado de
menor possibilidade de interpretação, o que levaria a menores
questionamentos jurídicos. É conhecida a celeuma em torno dos
quase dez anos, após a EC 29, sobre o que deveriam ou não ser
consideradas como despesas com ações e serviços de saúde. Por
fim, a defesa da RCB tem o apoio de 2 milhões de assinaturas
dos brasileiros, o que justifica a sua não alteração por todos os
que desejam ouvir as manifestações das ruas e há muito tempo
vêm defendendo a saúde universal no país, criada pelo SUS.
Ainda, no caso do financiamento público brasileiro, é significativo considerar, também, o incentivo concedido pelo governo federal à saúde privada, na forma de redução de imposto de
renda a pagar da pessoa física ou jurídica, o que é aplicado sobre
despesas com plano de saúde e/ou médicas e similares. Além
disso, há que acrescentar as renúncias fiscais que experimentam
as entidades sem fins lucrativos e a indústria farmacêutica, por
meio de seus medicamentos. Nota-se que o total desses benefícios tributários à saúde privada vem crescendo de forma considerada. Registre-se: R$ 4,6 bilhões, em 2004; passando para
R$ 20,0 bilhões, em 2012 (estimativas da Secretaria da Receita
Federal). Sem dúvida, essa situação nos remete à problemática
relação entre o mercado privado e o padrão de financiamento
público da saúde universal e, ao mesmo tempo, suas consequências em relação à temática da equidade, tão importante para a
sobrevivência do SUS.
Na busca pela valorização da construção da universalidade
são sugeridas as seguintes propostas: 1) a ampliação da alíquota
da CSLL para instituições financeiras (atual 9%) para 18% (projeto já existente no Congresso Nacional); 2) o aprofundamento
dos mecanismos de tributação para a esfera financeira, mediante
a criação de um imposto geral sobre a movimentação financeira (IGMF) e a tributação das remessas de lucros e dividendos
realizadas pelas empresas multinacionais, atualmente isentas na
legislação, destinadas ao orçamento da seguridade social; 3) o estabelecimento da contribuição sobre grandes fortunas, com destinação para a seguridade social (projetos existentes na Câmara
Federal); 4) rejeição da DRU, como forma de não prejudicar a
“saúde” financeira do orçamento da seguridade social.
A história
do sus e
as santaS
casas
Embrião do SUS, as santas casas de
misericórdia fazem parte do presente e do
futuro de um sistema de saúde que clama pela
sustentabilidade
PRÉDIO de casa de caridade,
em lisboa, portugal: modelo
de assistência é anterior ao
descobrimento do Brasil
82
Diagnóstico | set/out 2013
HISTÓRIA
Divulgação
D
SAULO LEVINDO COELHO
Presidente da Confederação das Santas
Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades
Filantrópicas do Brasil (CMB)
esembarcando, na primeira
metade do século XVI, em terra descoberta por Cabral, as misericórdias começaram a prestar cristã assistência, gratuita, aos
enfermos, às crianças deixadas em suas rodas, e outros serviços
fundamentais à população que aqui se estabelecia. Primeiramente
em Olinda e Santos, cuidavam também dos pobres, de socorrer as
viúvas, os órfãos e necessitados, além de defender as causas dos
encarcerados, de enterrar os mortos e de executar outras obras e
missões de misericórdia.
Com adoção das medidas de solidariedade propostas por Leonor de Lancastre, regente e depois rainha de Portugal, a colônia, nascida a partir da viagem do almirante luso, começou sob
os melhores augúrios. A primeira constatação é, portanto, de que
esse tipo de assistência antecedeu à própria organização jurídica
do Estado brasileiro, abrindo vias para a posterior implantação de
santas casas e hospitais filantrópicos em todo o território.
O ideal da soberana encontrou solo fértil na terra que se chamaria Brasil. Quando D. Leonor faleceu, em 1524, estavam instaladas em Portugal muitas casas de caridade, que permitiriam a
criação de cursos de medicina e de enfermagem. Em nosso país, o
pioneirismo e o devotamento às nobres causas sociais e da saúde
se consolidaram no decorrer do tempo e, assim, se fundaram esses
templos de solidariedade, fiéis ao compromisso fraterno da matriz em Lisboa. Nos séculos seguintes ao Descobrimento, a ação
benfazeja das santas casas se estendeu às capitais e alcançou o
interior, sendo, em muitas cidades, a única referência à assistência
aos carentes ou desamparados.
O surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, se
deu como um compromisso com os direitos do cidadão e dever
do Estado, baseado na premissa de universalidade do acesso à
saúde e nos termos da Constituição. Transcorridos cinco lustros
de existência do sistema, já se permite uma avaliação bastante
segura dos seus serviços, seus avanços e insucessos, o que foi
atingindo e o que resta alcançar. Verifica-se a necessidade de mais
amparo financeiro e maior adequação nas relações entre o poder
público e o privado, no caso, preponderantemente, as santas casas
e hospitais filantrópicos, para que o SUS atinja plenamente seus
objetivos programáticos.
O SUS foi criado para atender em saúde todos os milhões de
brasileiros, sem quaisquer diferenças e discriminação. O sistema,
porém, precisa de mais recursos financeiros, inclusive porque seu
orçamento estabelece um quantum por pessoa inferior aos dos sistemas de saúde dos países desenvolvidos. Por outro lado, os valores dos procedimentos médicos pagos pelo sistema às santas casas e demais filantrópicas são inferiores aos seus custos efetivos.
Esta é uma das razões dos sucessivos déficits das cerca de 2.100
santas casas e associações congêneres, que pleiteiam reajuste nos
100 principais procedimentos, o que não acontece desde 2008.
Implantado o sistema, esses estabelecimentos a ele se integraram
decisivamente, tanto que mais da metade dos leitos destinados
presentemente ao SUS pertence à sua rede, mesmo enfrentando
uma gama imensa de obstáculos, começando pela baixa remuneração e complexa tramitação burocrática. Apelos têm sido formulados incessantemente pelas entidades representativas do setor, no
Congresso Nacional e nas assembleias estaduais, visando aparar
arestas detectadas e evoluir ao aperfeiçoamento.
Problemas e desafios
Nos 25 anos de SUS, essas instituições foram as mais prejudicadas pelo subfinanciamento do setor, mas também por aqueles
que entendem que saúde pública tem de ser oferecida só pelos
prestadores públicos. À pertinácia de quantos veem nesse segmento uma colaboração vigorosa e imprescindível ao governo e à
sociedade deve-se o êxito de algumas propostas. Este é o caso da
sanção do projeto de lei que institui o programa de fortalecimento
das entidades privadas filantrópicas e das sem fins lucrativos atuantes na área e que participam complementarmente do Sistema
Único de Saúde. O Prosus, recém-aprovado, permite moratória
de 15 anos das dívidas tributárias e previdenciárias, desde que
pagos rigorosamente em dia os tributos correntes. É um passo à
frente, mas não a solução final e definitiva, porque falta equacionar as dívidas bancárias, que são vultosas, mas que deverão ter
agora horizontes de solução. Transposta uma etapa, a que criou o
Prosus, compete também dar sequência às providências preconizadas, inclusive no que tange ao equacionamento do pagamento
da dívida tributária, essencial ao sucesso da iniciativa. Para tanto,
é imprescindível um incremento no custeio dos serviços de média
complexidade, da ordem de 100%, e o incremento médio de 54%
para a alta complexidade.
Aguarda-se ainda que se efetive o programa de incorporação
de recursos no financiamento da cobertura dos serviços de média complexidade, mediante ampliação do IAC, nos termos do
Programa Mais Santas Casas. Este definiu um amplo pacto de
melhoria do atendimento aos usuários do SUS que prevê sanear,
reestruturar e aperfeiçoar suas ações assistenciais, como proposto
pela Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais
e Entidades Filantrópicas. Constitui, ademais, uma linha de conduta e atuação da Frente Parlamentar das Santas Casas, núcleo
de defesa e de condução política dessas beneméritas instituições.
Bem se observou alhures: as recentes disposições foram um
alívio, mas não a recuperação plena. Saiu-se da UTI e se passou
a respirar sem aparelhos. Amenizou-se a crise, mas ela não foi
superada. O que virá a partir de agora, e a comunidade filantrópica brasileira aguarda, com ansiedade, é parte essencial. Daí
o interesse e o extremo cuidado com que o segmento encara a
questão. Não se há de admitir que o crescimento do atendimento
ao SUS, que dá um prejuízo de 40% ao segmento, também volte
a aumentar sem as devidas compensações. Seria um inadmissível
desastre.
Diagnóstico | set/out 2013
83
O que
o mundo
espera
de seu
hospital?
Diagnóstico | set/out 2013
Hospitais
Sustentáveis
CADERNO Especial
Diagnóstico | set/out 2013
85
Senador e ex-ministro da saúde, Humberto Costa (PT/PE)
Debate sobre SUS tem feito do Congresso Nacional um dos principais alvos de críticas da sociedade
brasileira sobre o futuro da saúde pública no país
“
86
As ruas reprovaram os serviços públicos na saúde, na
educação e na segurança pública. Exigiram decência na
política. Governo e Parlamento não entenderam o recado
DEPUTADO DARCÍSIO PERONDI (PMDB/RS), PRESIDENTE DA FRENTE PARLAMENTAR DA SAÚDE
Diagnóstico | set/out 2013
“
“
Divulgação
O
ENTREVISTA | Darcísio Perondi/Humberto Costa
Reinaldo Braga
deputado federal Darcísio Perondi
(PMDB/RS) – presidente da Frente Parlamentar
de Saúde – e o senador e ex-ministro da Saúde do governo
Lula, Humberto Costa (PT/PE), são as vozes mais ouvidas no
país quando o assunto é o rumo da saúde pública no Congresso Nacional, em Brasília. Principais articuladores políticos
das duas casas (Senado e Câmara), e com estilos bem diferentes, eles aceitaram o convite para um embate, no terreno das
ideias, proposto pela revista Diagnóstico. “As pessoas vão
viver mais. Haverá mais velhos e menos jovens e crianças.
Mesmo assim, o governo atual não está preparando o Brasil
para o futuro”, avalia Perondi, em uma reflexão sobre os impactos na saúde de um país cada vez mais idoso. Para o senador Humberto Costa, o Brasil vive um momento oportuno
para avançar na melhoria da saúde pública a partir do poder
central. “Recuperamos aquela forma de atuação suprapartidária, pela defesa dos direitos do SUS, que todos os parlamentares e militantes da área da saúde tinham”, salienta. “Espero
que essa experiência continue”.
Revista Diagnóstico – Em toda a sua existência, o SUS falhou em sua principal missão: levar a saúde universal e de
qualidade para todos os brasileiros. O que deu errado?
Darcísio Perondi – Somente no ano passado, o SUS fez mais
de quatro bilhões de procedimentos. Não existe um sistema
similar em nenhum país com mais de 100 milhões de habitantes. O SUS faz milagre com pouco dinheiro público. O que
precisamos é ter humildade para fazer uma revisão do SUS.
Dá para melhorar a gestão, mas o SUS é um sucesso por fazer
muito com pouco dinheiro.
Humberto Costa – Poucos países no mundo fazem com qualidade o número de transplantes como fazemos, garantem
tratamento de doenças graves como garantimos ou possuem
um sistema de atendimento de urgência pré-hospitalar como
o SAMU. O SUS procurou levar atendimento à saúde a toda
Vivemos um presidencialismo de coalizações, em que é
preciso fazer vários tipos de compromissos com partidos
que estiveram muitas vezes em lados opostos na eleição
SENADOR HUMBERTO COSTA (PT/PE)
Diagnóstico | set/out 2013
87
ENTREVISTA | Darcísio Perondi/Humberto Costa
população brasileira. Temos problemas? Sim. Mas estão localizados em pontos bem específicos, como o atendimento
em áreas de média complexidade ou especializado. Não temos a quantidade de recursos para fazer o SUS como ele foi
pensado.
Diagnóstico – Os senhores fazem parte de linhagens partidárias distintas, ainda que lutem pela mesma causa. É
possível imaginar que teremos um futuro para a saúde dos
brasileiros discutido de forma mais isenta, suprapartidária?
O que ainda podemos evoluir sob esse aspecto?
Perondi – Como vivemos num sistema democrático, as políticas públicas passam pelos partidos, que precisam ter posição.
Estamos no governo, mas estamos discutindo dentro e fora
uma proposta para resolver definitivamente o problema de financiamento da saúde. Nós, líderes da base, enfrentamos a
equipe econômica. O patrulhamento é muito forte.
Costa – Com o Movimento Saúde + 10 recuperamos aquela
forma de atuação suprapartidária, pela defesa dos direitos do
SUS, que todos os parlamentares e militantes da área da saúde
tinham. Espero que essa experiência continue.
Diagnóstico – Os senhores já foram em algum momento
usuários do SUS? Como foi essa experiência?
Perondi – Nunca fui usuário do SUS, mas fui médico da rede
pública na minha cidade durante anos. Passei pela enfermaria do Hospital de Caridade de Ijuí e também fui provedor
de um dos maiores hospitais filantrópicos do Rio Grande do
Sul, grande parceiro do SUS. Já perdi paciente porque não tinha aparelho suficiente. Tive que fazer “escolha de Sofia” em
uma UTI. Um caso marcante foi a visita que fiz recentemente
ao Hospital Geral de Aracaju (SE). Um verdadeiro campo de
guerra na emergência. Pacientes amontados à espera de atendimento. Presenciei a mesma cena na emergência do Hospital
Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, que é público.
Costa – Sim, em várias oportunidades. Desde o acesso às vacinas até atendimento de urgência. Em todas estas oportunidades não tive do que reclamar. É verdade que são áreas onde
não estão os gargalos do sistema. Mas, mesmo assim, na parte
de urgência, já tive atendimento a contento.
Diagnóstico – A bandeira de mais recursos para o SUS vai
continuar sendo o norte do mandato dos senhores?
Perondi – Enquanto eu for político, vou defender o SUS de
forma intransigente, mesmo sabendo que a prioridade no país
não é a saúde. Mas não podemos desistir. A sociedade está
esperando de nós um comportamento firme pelos interesses
da saúde da nação.
Costa – Sim. Será um dos nortes. A saúde será sempre o principal norte do meu mandato. Sem dúvida, a busca por mais
financiamento para área continuará sendo um luta central de
todos nós. No entanto, outros temas também são importantes:
a responsabilidade sanitária, a instituição de carreiras nacionais para os profissionais de saúde e tantas outras bandeiras
essenciais.
Diagnóstico – Nos próximos 25 anos a estimativa é a de que
o Brasil já será considerado um país de idosos. O Parlamento brasileiro está preparado para se antecipar às ques88
Diagnóstico | set/out 2013
tões sobre o futuro da saúde brasileira com mais gastos e
menos receita? O que está sendo feito?
Perondi – Considero que o governo atual não está preparando
o Brasil para o futuro. Um exemplo é a paralisação da reforma
da previdência. Quando o governo gasta menos que R$ 2 por
dia por cada brasileiro na saúde, menos que o valor de um
picolé ou de um bombom, deixa claro que não está se preparando para a maior longevidade do brasileiro, para as doenças
degenerativas que vão se impor. As pessoas vão viver mais.
Haverá mais velhos e menos jovens e crianças. A janela demográfica, que hoje tem mais crianças e jovens para entrar no
mercado de trabalho, daqui a 30 anos será diferente. O governo precisa ter riqueza para enfrentar os gastos da previdência e
da saúde. Como o Brasil é um dos últimos países do mundo em
gasto público na saúde – perdemos até para a média dos países
africanos –, fica claro que o país não está preparado.
Costa – Tratamos esta discussão quando houve o debate sobre
a destinação dos recursos do pré-sal. Apesar da parte destinada
à saúde ser bem menor do que a que ficou com a educação,
abriu-se uma discussão mais estratégica sobre o financiamento da saúde. E esse é o principal tema. Estamos debatendo o
financiamento, e este assunto não vai se esgotar. Certamente,
em 2015, vamos retomá-lo e debater a necessidade ou não de
instituição de alguma nova fonte de financiamento. Creio que,
na medida em que estamos preocupados com o financiamento,
Divulgação
Deputado federal Darcísio
Perondi (PMDB/RS)
Ex-médico do SUS, parlamentar admite que
já escolheu paciente que iria morrer por falta de
equipamento
estamos pensando no sistema de saúde do amanhã.
Diagnóstico – Muitos dos jovens brasileiros que foram às
ruas exigir saúde pública de qualidade para o país provavelmente já terão filhos nos próximos 25 anos. Que país
essa geração vai encontrar?
Perondi – Se for mantido o mesmo modelo de aposta no
consumo, com baixa produtividade, educação precária e continuarmos perdendo janelas de oportunidades para crescer,
sou pessimista. Não aposto no pré-sal como salvação. O que
resolve é educação. Em se mantendo o atual modelo de desenvolvimento, sou pessimista quanto ao nosso futuro.
Costa – Espero que seja um país cada vez mais justo, mais
democrático, mais livre. Um país que tenha as políticas públicas como a principal prioridade e, principalmente, que
tenhamos uma saúde de qualidade. Se conseguirmos os recursos necessários para o funcionamento do sistema, tenho
certeza de que vamos ter um sistema de saúde bem melhor.
Diagnóstico – Os senhores costumam fazer críticas contumazes sobre a gestão do poder no país, que vem impondo
ao Parlamento uma função supletiva no processo decisório
sobre o futuro do Brasil. Vivemos uma crise de poder?
Perondi – A Constituição foi feita dando poderes extraordinários para o presidente da República. É um sistema presi-
dencialista forte. Inventou a medida provisória sonhando que
poderíamos implantar um parlamentarismo – sistema que estimula a corresponsabilidade entre o Executivo e o Parlamento. Mas as ruas deixaram um recado muito claro em junho.
Reprovaram os serviços públicos na saúde, na educação e na
segurança pública. Exigiram decência na política. Governo e
o Parlamento não entenderam o recado.
Costa – Temos alguns problemas concretos. Um país como o
nosso, em que o sistema político eleitoral jamais permite que
o partido que elege o presidente da República faça a maioria
das vagas também para o Congresso Nacional, obriga essa
situação esdrúxula chamada de presidencialismo de coalizações. Apesar de se ter o presidente, é preciso fazer vários
tipos de compromissos com partidos que estiveram muitas
vezes em lados opostos na eleição. Enquanto não fizermos
uma reforma política para fortalecer os partidos e garantir
participação em condições de igualdade, não vamos conseguir mudar este cenário.
Diagnóstico – Os senhores se sentem responsáveis pelo atual estágio da saúde brasileira?
Perondi – Estou aqui há quase 20 anos. Fui um dos protagonistas da Emenda Constitucional 29, que estabeleceu gastos mínimos em saúde nos orçamentos da União, estados e
municípios. Foi um avanço. Só não conseguimos colocar
um percentual mínimo para a União. Indexamos pelo PIB
nominal. O país não cresceu, mas aumentou a arrecadação.
Infelizmente, a prioridade ainda é o PAC – obra, cimento,
ferro, ponte, belíssimos santuários esportivos – e o estímulo
poderoso ao consumo à custa do endividamento do Tesouro
Nacional.
Costa – De certa forma, sim. Na medida em que fui ministro e, na minha gestão, pelos menos três grandes programas
nacionais foram implantados: o SAMU, que é o sistema de
atendimento de urgência pré-hospitalar; o Programa Brasil
Sorridente, que incluiu milhões de brasileiros numa política
de atendimento à saúde bucal; e a Farmácia Popular, que tem
garantido medicamentos a preços gratuitos ou muito baixos à
população brasileira.
Diagnóstico – Como serão os próximos 25 anos do Sistema
Único de Saúde?
Perondi – Daqui a 25 anos poderemos não ter riquezas para
pagar as despesas da previdência e da saúde. Fico ainda mais
preocupado quando vejo um governo que fortaleceu a rede
de proteção social, que aumentou a renda do brasileiro, trabalhando para incinerar um movimento maravilhoso, o Saúde
+ 10, que levou ao Parlamento um projeto de lei de iniciativa popular com as assinaturas de 2,2 milhões de brasileiros,
exigindo mais recursos federais para o SUS. Fiquei triste e
mais desconfiado com nosso futuro. Mas ainda dá tempo de o
governo atual mudar sua postura e fazer a parte que lhe cabe
na construção de uma saúde melhor para os brasileiros..
Costa – Espero que sejam anos de desenvolvimento e de
avanço. Estamos lutando para isso. A população brasileira
despertou para a importância que a política de saúde tem para
o nosso futuro, para os nossos filhos e netos. Acredito que haverá um movimento social forte demandando melhorias nas
condições de saúde da população.
Diagnóstico | set/out 2013
89
U
vas sobre o overuse e os erros médicos nas primeiras páginas dos maiores jornais e portais de notícias incluindo o The
New York Times, Wall Street Journal, USA Today, Bloomberg e ProPublica. Centenas e até mesmo milhares de leitores respondem aos comentários online, geralmente dividindo suas próprias histórias sobre o tratamento excessivo. Até
os médicos e enfermeiros compartilham suas experiências.
No entanto, pouco tem sido feito para conter o supertratamento. O motivo é que as autoridades do governo esperaram muito para agir. O Institute of Medicine estimou que
30% dos gastos na área nos EUA, equivalente a U$750 bilhões anualmente, não agregam valor a saúde das pessoas e
sis- são usados em tratamentos excessivos, ineficiências e fraudes.
tema de saúde no mundo é que ele se tornou um grande negó- Por outro lado, este desperdício aparece como receita nos balancio a nível global para as economias nacionais de vários países. ços das pequenas e grandes empresas, que são dependentes. Elas
As empresas de negócios fornecem capitais de inves- são programadas para mantê-lo – e para obter mais do mesmo.
timento valiosos que permitem a produção e distri- Quando o primeiro programa de seguro de saúde dos EUA,
recursos
gestão
não serão
suficientes
para assegurar
a universalidade,
Medicare,
foi estabelecido
em 1965, não
existiam compabuição de produtos Mais
e serviços
parae melhor
salvar vidas.
Sem
nhias de àsaúde
no top
100 da Forbes.
existem de
15.
a igualdade
e a integralidade
da atenção
saúde.
É preciso
mudarAgora
as práticas
verificações e balanços,
todavia, consequências
não intenacionistas dominante
demandam maiores, melhores e mais rápicionais podem ocorrercuidado
e inviabilizar
melhor das intenções.
que aconformam
o modeloOs
de atenção
Uma das consequências não-intencionais nos EUA é que as pes- dos retornos dos CEOs das companhias de saúde. Isso exsoas estão correndo alto risco de tratamento excessivo. O Institute plica porque os hospitais e todas as outras contas das diof Medicine of the National Academy of Sciences define o super- visões de saúde das companhias são muito maiores do
tratamento como quando o potencial dano de um serviço de saú- que poderiam ser. É por isso que a saúde é tão cara.
de supera o possível benefício. Como resultado, estes danos em A demanda pelo crescimento das receitas está em curso de cosaúde têm se tornado a principal causa de mortalidade nos EUA. lisão com a necessidade do país de um financiamento sustenAs investigações conduzidas pelo Congresso norte-americano, tável no sistema de saúde. Está em colisão direta também com
por exemplo, confirmou casos em que os médicos realizaram ci- a necessidade das famílias pela acessibilidade a estes serviços.
rurgias cardíacas em pacientes que não tinham cardiopatias. A Os recursos são desviados das pessoas que realmenapuração revelou acordos de benefícios mútuos entre médicos te precisam de tratamento médico, mas que sofrem com
e companhias que fabricam os stents usados no procedimento. a inacessibilidade e necessidades prementes, como a eduAlém disso, o hospital se beneficiou com o aumento da recei- cação, especialmente a materna, que está diretamente lita. Após as denúncias de um paciente para autoridades federais gada ao estado de saúde e nível educacional das crianças.
e a realização de uma investigação, um médico perdeu sua li- A raiz do tratamento excessivo foi semeada quando os progracença e o hospital teve que pagar uma multa multimilionária. mas foram planejados décadas atrás. Os funcionários do goEnquanto o tratamento excessivo é comum, a acusação é verno se comprometeram com a indústria de saúde ao garantir
algo raro. A capacidade dos funcionários do governo de se que não haveria controle sobre o quanto poderiam faturar. Eles
prevenir e reprimir fraudes é sobrecarregada pela sua gran- deram as chaves do tesouro público para o setor de saúde nasdeza, segundo relatado no livro, Medicare Meltdown. cente. Desta forma, a área cresceu, assim como as contribuições
Uma pesquisa realizada pela American College of Physician para as campanhas políticas dos eleitos em ambos os partidos. A
Executives, cujos membros estão em cargos de liderança em relação entre eles tornou-se cada vez mais enraizada. A checahospitais e grupos médicos, revela que o supertratamento é gem e os balanços são poucos. O interesse público foi perdido.
generalizado. 80% dos entrevistados disseram que estavam A solução para este problema será em lonmuito ou moderadamente preocupados sobre o tratamento ex- go prazo. As seguintes medidas podem ser tomadas:
Criação de uma instituição de defesa do intecessivo oferecido pelos seus colegas aos pacientes para aumen- 1.
resseFILME
público
para que o governo reporte as informaCENA DO
“TEMPOS
tar suas rendas. Quando perguntados se seus colegas estavam
DE onde os recursos foram saúde foram gastos,
admitindo inapropriadamente pacientes para aumentar asMODERNOS”,
re- ções sobre
CHAPLIN,
e sua
crítica
quem
os recebeu
e o que eles estão fazendo com a verba.
ceitas dos hospitais, 54% dos entrevistados disseram que estaao mercantilismo
vam muito ou moderadamente preocupados com esta prática. Os relatórios devem destacar os hospitais e médicos que repredatório: que valores
alizaram de forma desordenada um grande número de proInfelizmente, os funcionários do governo têm sido tão enfrae interesses têm orientado
cedimentos conhecidos como overused, desproporcional às
quecidos pelo poder político da indústria de saúde que não otêm
desenvolvimento das
esperadas da população de pacientes das coautoridade e recursos para ser proativos, evitar fraudes e tecnologias
para necessidades
de saúde?
agir, mesmo em casos óbvios e com provas incontestáveis. munidades do entorno. Estes valores discrepantes devem ser
Consequentemente, muitas pessoas são prejudicadas com o auditados por médicos respeitados e independentes que avatratamento médico excessivo, conhecido pelo termo em in- liarão se os serviços médicos foram realmente garantidos.
Incentivo aos jornalistas para se informarem e se
glês overuse: cirurgias do coração desnecessárias, cirurgias 2.
de coluna, histerectomia e prostatectomia; remédios des- qualificarem sobre as informações em saúde. Eles relatanecessários incluindo antibióticos, anti-depressivos e anti- rão as situações de tratamento excessivo, e trabalharão com
-psicóticos, exposições desnecessárias a radiação para exa- médicos respeitados para identificar os padrões de abuso.
mes de tomografia computadorizada e ressonância nuclear.
Apoio aos pacientes que sofreram danos por conOs jornalistas e a mídia têm realizado um serviço público 3.
valioso ao publicar regularmente reportagens investigati- ta do supertratamento ou de erros médicos e infecções para
que eles possam organizar e criar uma consciência pú-
HUMANISMO
E PADRÃO
TECNOLÓGICO
DE
ma das tendências mais significativas no
ATENÇÃO À SAÚDE
90
Diagnóstico | set/out 2013
Reprodução
HUMANIZAÇÃO
Divulgação
O
LUIS EUGÊNIO PORTELA
Presidente da Associação Brasileira de Saúde
Coletiva (Abrasco) e professor da UFBA
s serviços de
saúde conformam sistemas comple-
xos, cujos componentes podem ser classificados em cinco categorias: infraestrutura, organização, gestão, financiamento e prestação de serviços. Este último se refere ao cuidado, à assistência,
às ações finalísticas do sistema, enquanto os demais representam
o arcabouço e as atividades-meio. Vale dizer que o cumprimento
da missão de um sistema de saúde exige que todos os componentes funcionem bem e de modo coordenado.
No debate público sobre o SUS, no entanto, tem-se falado
muito de financiamento e gestão, mas pouca atenção tem sido
dada à sua finalidade: a prestação de serviços.
O campo da saúde coletiva tem produzido reflexões e experimentações sobre o tema do cuidado, o que não tem sido suficiente para que, no âmbito dos serviços, sejam desenvolvidas
ações mais efetivas, eficientes ou humanizadas. Ao contrário,
observa-se o predomínio de práticas assistenciais fragmentadas, que enfatizam os tratamentos sintomáticos, desvalorizam as
abordagens preventivas, estimulam o consumismo de produtos e
serviços diagnósticos e terapêuticos e promovem, ao invés da humanização, uma participação passiva e subordinada dos usuários.
Ora, esse modelo de atenção individualista, biologicista,
curativista e mercantilista é um grande obstáculo à efetivação do
SUS. E o é, em primeiro lugar, por impedir o alcance da integralidade, ao negligenciar as ações de promoção da saúde e as intervenções sobre os seus determinantes sociais. Em segundo lugar,
por conformar um padrão de assistência baseado no consumo de
procedimentos que ampliam a dependência dos usuários aos serviços de saúde. E em terceiro lugar, é um obstáculo pelo fato de
estar elevando os custos sem melhorar as condições de saúde das
pessoas ou, o que é pior, acentuando os efeitos iatrogênicos da
prática médico-hospitalar.
Coloca-se, então, um desafio crucial para o SUS: mais recursos e melhor gestão não serão suficientes para assegurar a universalidade, a igualdade e a integralidade da atenção à saúde. É
preciso mudar as práticas de cuidado que conformam o modelo
de atenção dominante.
Se está claro que a viabilização do SUS universal e de qualidade requer essa mudança, resta saber como promovê-la.
Responder a essa questão exige, de início, que se explique o
Diagnóstico | set/out 2013
91
HUMANIZAÇÃO
predomínio desse modelo de atenção. E não é difícil perceber que
decorre, em grande parte, dos interesses econômicos dos conglomerados industriais e financeiros das áreas de medicamentos,
vacinas, equipamentos e demais materiais médico-hospitalares.
Um dado simples, fornecido pelo Instituto de Estudos de
Saúde Suplementar, demonstra bem a força dessa indústria: em
2012, o Índice de Variação do Custo Médico e Hospitalar foi de
15,4% no ano, três vezes a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, sendo a alta de materiais
usados em internações a principal responsável por esse aumento.
Trata-se, claramente, de agentes poderosos não apenas economicamente, mas também politicamente, haja vista, por exemplo, o investimento que fazem no financiamento de campanhas
eleitorais em diversos países.
Em todo o mundo, questiona-se o poder desses grupos econômicos. Torna-se evidente a impossibilidade de manutenção da
brutal transferência de renda de quase todos os setores da sociedade para os grandes acionistas da indústria de insumos para os
serviços de saúde. Não deixa de ser sintomático da gravidade da
situação que uma professora da Harvard University, ex-editora
do New England Journal of Medicina1, venha a público afirmar
que é preciso salvar a indústria farmacêutica dos seus atuais dirigentes. No Brasil, a preocupação com o complexo produtivo
da saúde começa a ser incluída nas políticas de saúde, com estímulos à produção nacional de insumos indispensáveis ao atendimento das necessidades de saúde dos brasileiros.
Contudo, a questão é mais complexa: não se trata apenas de
controlar os excessos da indústria farmacêutica ou nacionalizar a
produção de insumos. No fundo, o modelo de atenção à saúde reflete o padrão tecnológico da sociedade contemporânea. Não só
na assistência à saúde, mas em todos os aspectos da vida social,
as tecnologias assumiram uma posição dominante. Basta pensar
nas cidades tomadas pelos carros ou nos campos encharcados de
agrotóxicos.
Para compreender como se chegou a essa situação e como
superá-la, vale a pena recorrer às reflexões do filósofo americano
Andrew Feenberg2, que identifica duas grandes abordagens teóricas sobre as tecnologias: a instrumental e a substantiva.
A teoria instrumental concebe as tecnologias como neutras,
do ponto de vista de valores éticos e interesses sociais, e controladas pelos seres humanos quanto ao seu desenvolvimento e
ao seu uso. Esta concepção é hegemônica, inclusive no senso
comum, quando se diz, por exemplo, que a energia nuclear não
é boa nem má, mas seu uso é que pode se destinar ao bem ou ao
mal (o que é uma meia verdade, pois a manipulação da energia
nuclear não teria ocorrido se não houvesse o objetivo e o consequente investimento no desenvolvimento da bomba atômica).
Assim, a criação e a evolução das tecnologias decorreriam apenas de opções técnicas, feitas pelos inventores, relativas aos seus
mecanismos próprios de funcionamento.
A teoria substantiva, ao contrário, afirma que as tecnologias
encarnam valores éticos e são moldadas por interesses sociais,
mas não são controladas pelos seres humanos, no sentido de que
seu uso e seu desenvolvimento decorrem exclusivamente da busca da melhoria da eficiência, como lógica intrínseca à técnica.
Embora estranha ao senso comum, essa concepção tem defensores do porte do filósofo alemão Martin Heidegger, que destacava
o fato de as relações sociais estarem estruturadas pela tecnologia,
notadamente na sociedade moderna, a ponto de produzir uma
92
Diagnóstico | set/out 2013
desumanização irreversível da sociedade.
Feenberg, por um lado, identifica-se com a teoria substantiva
ao considerar que, de fato, as tecnologias não são neutras quanto
a valores e interesses, mas são permeadas pelas relações sociais
e expressam opções éticas e propósitos sociais. Por outro lado,
compartilha com a teoria instrumental a ideia de que o desenvolvimento tecnológico é guiado pela ação humana consciente,
não tendo nem a busca da eficiência nem qualquer outra lógica
inerente ao seu funcionamento que escape ao controle das pessoas. Assim, pode tomar rumos diferentes a depender dos valores e
dos propósitos buscados.
O filósofo americano dá o nome de teoria crítica à sua posição,
pois entende que a civilização industrial não só precisa ser superada – dado que promove valores e interesses econômicos particulares em detrimento da preservação ambiental, da igualdade
social e do desenvolvimento humano –, como pode ser superada,
visto que depende de escolhas feitas pela sociedade. Ressalte-se
que se trata de construir uma nova civilização industrial e não
de retornar a uma era pré-industrial, como sugeria Heidegger.
desirability e affordability
Ao refletir sobre o cuidado da saúde, a teoria crítica faz vir à
mente as seguintes questões: que valores e interesses têm orientado o desenvolvimento das tecnologias de saúde? E que valores
e interesses estão incorporados às atuais tecnologias?
Essas questões têm sido objeto de pesquisas empíricas, algumas das quais foram revisadas, sistematizadas e conduzidas por
Pascale Lehoux3, pesquisadora canadense do campo da saúde
pública.
Em suas pesquisas, Lehoux encontrou um padrão relativamente constante de tomada de decisão sobre o investimento em
tecnologias de saúde. Em geral, médicos e outros profissionais
de saúde, engenheiros e analistas de mercado, trabalhando em
empresas produtoras de tecnologias médico-hospitalares ou em
órgãos públicos de fomento à pesquisa e à inovação na área da
saúde, buscam identificar necessidades e possibilidades de novas
tecnologias ou de melhorias nas tecnologias existentes, imaginando o que poderia interessar aos usuários de tecnologias (sobretudo os médicos, mas também os pacientes) e estimando os
preços que seriam capazes de pagar para ter acesso a uma nova
tecnologia.
Dessa forma, os critérios centrais do processo de decisão
sobre o investimento no desenvolvimento de novas tecnologias
são dois: desirability e affordability, nos termos sugeridos pela
professora canadense. Vale notar que esses dois critérios obedecem, perfeitamente, à lógica do lucro, que rege toda a atividade
econômica contemporânea, incluindo o setor da saúde.
A indústria da saúde é muito poderosa, movimenta cerca de
10% do PIB mundial. Tem uma estrutura oligopolizada, com
poucas e grandes empresas controlando o mercado, no qual a
concorrência se baseia, largamente, na geração de inovações. Assim, a pressão dos interesses econômicos pela produção de novas
tecnologias é imensa e é o que explica as significativas inversões
em pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
É fácil perceber, portanto, que a lógica econômica capitalista tem sido o mais forte determinante dos rumos do desenvolvimento tecnológico também na área da saúde. Pode-se, então,
afirmar que são, fundamentalmente, os interesses e os valores da
grande indústria da saúde que estão incorporados aos insumos
médico-hospitalares e que estão orientando o desenvolvimento
de novas tecnologias.
O predomínio dessa lógica mercantil é um problema para
todos (incluindo os acionistas das empresas, já que também precisam de cuidados de saúde), porque o processo de inovação sob
sua égide submete todos os outros valores ao da competitividade, o que tem acentuado os efeitos negativos das tecnologias:
iatrogenia, dependência dos usuários, elevação dos custos dos
sistemas de saúde e desumanização da prática médica. Por que
continua, então, predominante?
A resposta óbvia remete ao poderio econômico da indústria
da saúde, capaz de convencer o público geral, através de suas
estratégias de marketing, mas também os profissionais de saúde,
a mídia, os parlamentares, os governantes etc., por meio de estratégias tão diversas quanto eficazes.
A resposta menos óbvia e mais importante, todavia, é que há
efetividade real e simbólica nas atuais tecnologias. Com efeito,
como negar que os anti-inflamatórios que produzem hemorragia
digestiva controlam, de fato, as inflamações? Ou como negar que
as ultrassonografias obstétricas representam também “fotografias” do bebê vistas como expressão de carinho e afeto?
Observando bem, pode-se ver que é a alusão à efetividade
de algumas tecnologias que torna eficazes as estratégias de convencimento usadas pela indústria da saúde. É preciso lembrar,
contudo, que é comum ao marketing a extensão (ilegítima) das
qualidades de alguns casos à totalidade dos casos – de algumas
tecnologias a todas as tecnologias.
comunidade tomadora de decisões
O que a teoria crítica da tecnologia permite entender é que essa
efetividade, quando é real, está limitada e tolhida pelos interesses
econômicos. Há potencialidades nas tecnologias existentes que
não se transformam em realidade, pois são reprimidas para que
prevaleçam os valores mercantis.
Sendo assim, as questões que se colocam são: como livrar o
desenvolvimento tecnológico das amarras dos propósitos comerciais? Como aproveitar as potencialidades das tecnologias para
torná-las mais seguras, mais humanas e de melhor relação custo-efetividade?
A primeira e mais relevante estratégia é ampliar a comunidade de designers, ou seja, o rol de pessoas e grupos implicados
nas decisões sobre as linhas de pesquisa e de desenvolvimento
tecnológico merecedoras de investimentos.
No caso das tecnologias de saúde, além de bem conceituados médicos, farmacêuticos, enfermeiros, engenheiros, economistas, analistas de mercados e dirigentes e técnicos de órgãos
de fomento à pesquisa e à inovação, é necessário envolver entre
os participantes das decisões os usuários, os consumidores e
os cidadãos, através de representações da sociedade, inclusive
aquelas mais distantes dos temas da saúde nas suas preocupações quotidianas.
Vale ressaltar que um processo de tomada de decisão participativo é coerente com o fato de que as tecnologias são frutos
de pesquisas financiadas publicamente: a destinação de recursos
que vêm de toda a sociedade deve e pode ser definida em instâncias que contemplem a participação não apenas de especialistas,
mas também dos contribuintes.
Uma comunidade de tomadores de decisões assim ampliada
pode valorizar como ponto de partida o perfil epidemiológico da
população como um todo (e não apenas dos que podem pagar
caro) e orientar os investimentos para a produção de conhecimentos e o desenvolvimento de tecnologias voltados para os
problemas de saúde mais prevalentes ou mais incapacitantes ou
mais letais.
Pode também considerar a saúde, na sua dimensão positiva,
e não apenas a doença como objeto das tecnologias, ou seja,
pode pensar em desenvolver tecnologias de promoção e de proteção da saúde, além daquelas voltadas para a recuperação e a
reabilitação da saúde.
A segunda estratégia para promover um desenvolvimento
tecnológico mais adequado às necessidades de saúde e menos
limitado pelos interesses econômicos é formada por uma série
de medidas concretas para restringir o poder da grande indústria
da saúde. São sugestões da já citada professora Angell: (a) exigir
que as inovações acrescentem de fato algo de útil, acabando com
as imitações; (b) não permitir que os laboratórios controlem os
ensaios clínicos, exigindo que sejam conduzidos por pesquisadores independentes; (c) reduzir o tempo de patentes, começando a
contar a partir da entrada no mercado; (d) impedir a participação
da indústria da saúde na educação médica; (e) proibir a propaganda direta ao consumidor; e (f) controlar os preços das tecnologias, abrindo a caixa-preta da contabilidade das empresas,
dado que o governo é o maior comprador.
Se essa segunda estratégia pode se viabilizar, aparentemente,
sem mudanças estruturais na sociedade, a primeira requer, evidentemente, uma significativa transformação social. Ou, mais
especificamente, para que a ampliação da comunidade de designers ocorra e favoreça o desenvolvimento tecnológico de caráter
humanista, três mudanças nas fundações da ordem social são requeridas, como assinala Feenberg: a extensão da ação do poder
público de modo a fortalecer o planejamento frente ao mercado;
o aprofundamento da democracia com a redução significativa
das desigualdades sociais; e um modelo de inovação voltado
para superar a separação entre trabalho manual e intelectual, por
meio da expansão e da intensificação da educação permanente.
Essas mudanças estruturais, se vierem a acontecer, serão
consequência da mobilização e da participação cidadã. O mal-estar que parece tomar conta da civilização contemporânea,
provocado pelo aumento da violência, das desigualdades e da
pobreza de muitos em prol da riqueza material de cada vez menos pessoas, mesmo nos países mais ricos do mundo, pode ser
o alimento dessa mobilização e o prelúdio de grandes transformações.
É curioso notar que, se a consolidação do SUS universal e
igualitário depende dessas transformações na ordem social, os
esforços atuais para implantá-lo, incluindo a busca de mais recursos financeiros, a melhoria da gestão e a experimentação de
práticas de cuidado integral e humanizado, compõem as estratégias para provocar as mudanças estruturais.
Enfim, um SUS que assegure a atenção integral à saúde é,
simultaneamente, consequência e estratégia do avanço de um
processo civilizatório, que afaste os seres humanos do reino das
necessidades e os aproxime do reino das liberdades.
1 Marcia Angell. A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos. São Paulo: Record, 2007.
2 Andrew Feenberg. Transforming Technology: A Critical Theory Revisited. Oxford University Press, 2002.
3 Pascale Lehoux. The problem of health technology. Its policy implications for modern health care systems.
New York: Routledge, 2006.
Diagnóstico | set/out 2013
93
COMUNIDADE DA ROCINHA, NA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO:
GESTÃO COMPARTILHADA DA
SAÚDE E DESCENTRALIZAÇÃO DOS
SERVIÇOS tornaram O ESTADO
UMA REFERÊNCIA EM ATENÇÃO à
saúde
94
Diagnóstico | set/out 2013
unidades
de pronto
atendimento
(UPAs) e o SUS:
descentralização
do acesso
Modelo de assistência adotado pelo governo federal e criado no Rio de Janeiro
tem ajudado as comunidades pobres do país a ter acesso à saúde de qualidade em
tempo integral
SÉRGIO CÔRTES
Diagnóstico | set/out 2013
95
POLÍTICA PÚBLICA
Divulgação
O
SÉRGIO CÔRTES
Secretário de Estado da Saúde do Rio de Janeiro
e médico cirurgião ortopédico
maior desafio que enfrentamos no Sistema
Único de Saúde (SUS) é conseguir proporcionar aos usuários
serviços com bom padrão técnico, com profissionais qualificados e equipados adequadamente, de acordo com o tipo de atenção que oferecem, além de oferecer à população a mesma qualidade que se encontra nas unidades de saúde de alto padrão.
Ou seja, construir um sistema que garanta o binômio qualidade
e ampliação do acesso para o usuário.
Para nós, que ajudamos a gerir o Sistema Único de Saúde,
essa missão é ainda mais desafiadora. Desde 1988, com a nova
Constituição Federal, estabeleceu-se que o Estado brasileiro
passasse a oferecer a todos os cidadãos o direito à seguridade
social (saúde, previdência e assistência) mediante políticas econômicas e sociais de acesso universal e igualitário.
Tornar esse acesso amplo, ágil, com acolhimento de qualidade e garantir a continuidade do atendimento é, de fato, um
grande desafio para todos, especialmente por se tratar de um
país com números tão grandiosos como o nosso. Somos o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes que
oferece um sistema de saúde universal e gratuito.
Para tornar esse acesso universal e com qualidade, temos
posto em prática nos últimos anos diversas ações e usado ferramentas até então inéditas da rede estadual de saúde do estado. Uma importante decisão foi a implementação da gestão
compartilhada e da parceria com organizações sociais, que vem
permitindo a viabilização de diversos projetos. Essas novas formas de administrar possibilitaram a criação nos últimos anos de
unidades de referência em suas áreas, como o Instituto Estadual
do Cérebro Paulo Niemeyer, os hospitais estaduais da Criança,
da Mulher Heloneida Studart, da Mãe, de Traumato-Ortopedia
Dona Lindu, e serviços fundamentais para a melhoria da saúde
da população fluminense como o Centro de Trauma do Idoso, o
Centro Estadual de Transplante, o Rio Imagem, maternidades e
UTIs de alguns dos principais hospitais de emergência da rede,
entre outros. E muitas outras unidades e serviços ainda estão
por vir dentro desses modelos de gestão, que vêm tornando
possível resolver a equação de aumento de produtividade com
maior economia do dinheiro público.
96
Diagnóstico | set/out 2013
Mas só investir não é o suficiente. É preciso planejar. A
criação das UPAs 24 horas é um marco e expressa o modelo de gestão adotado pelo governo do estado, em 2007, para
desafogar as emergências dos grandes hospitais, superlotadas
por receberem pacientes que poderiam ser encaminhados para
serviços de pronto atendimento que funcionassem em horário
integral. Prova de que o modelo assistencial vem dando certo
é que ele serviu de referência para que o governo federal expandisse a ideia para todo o país e ultrapassou fronteiras, sendo
reproduzido pelo governo argentino, que inaugurou unidades
similares em Buenos Aires.
A UPA organiza a rede, amplia o acesso e desafoga a emergência das unidades hospitalares. É importante ressaltar que o
modelo não foi pensado para substituir nada e sim para compor, junto a outras unidades, uma rede organizada de saúde.
Hoje está mais do que provado que essas unidades são eficazes
na redefinição dos fluxos. Nas 52 UPAs do estado, a taxa de
transferência é de 0,46%, ou seja, mais de 99,5% dos casos
que chegaram a essas unidades foram resolvidos, provando o
alto poder de resolutividade do serviço. O número de pacientes
atendidos nesses seis anos de existência das unidades também
mostra que a população adotou e confia no modelo: 19.382.848
atendimentos realizados desde a inauguração da primeira UPA,
no Complexo da Maré.
Outro importante marco de nossa gestão da saúde no Rio
de Janeiro é a regionalização dos serviços. Ao longo dos anos,
ganhou força uma ideia equivocada de que todos os municípios deveriam oferecer serviços de saúde em todas as especialidades. A criação dos serviços móveis de tomografia computadorizada e ressonância magnética é um grande exemplo
da política que adotamos de levar serviços especializados para
o interior do estado. Instalados em carretas especiais, os dois
serviços de tomografia computadorizada beneficiaram até
agora cerca de 60 mil pacientes, realizando mais de 79 mil
exames. A ressonância magnética atendeu cerca de 21,6 mil
pacientes e realizou mais de 26 mil exames. Ainda este ano, a
população vai ganhar o mamógrafo móvel, criado nos mesmos
moldes dos outros serviços móveis e que vai rodar todo o estado, realizando também ultrassonografias e biópsias, quando
houver indicação. A previsão é beneficiar cerca de 2 mil mulheres por mês.
cirurgia bariátrica
Ainda dentro da política de regionalização dos serviços, criaDivulgação
mos o Programa de Apoio aos Hospitais do Interior (PAHI),
que visa fortalecer a saúde nas regiões através do repasse
de verba para os hospitais do interior do estado, UTIs e salas de estabilização, reunindo investimentos de cerca de R$
96.525.000 por ano.
Programas altamente especializados também estiveram no
nosso foco nos últimos anos. Pioneirismo, ineditismo e alta resolutividade são marcas de alguns deles. Inaugurado em 2010,
o Programa Estadual de Cirurgia Bariátrica, que funciona no
Hospital Estadual Carlos Chagas, vem ajudando a zerar a fila
de pacientes que procuram pelo procedimento. De lá para cá,
foram realizadas mais de 600 cirurgias sem nenhuma intercorrência. Esse é o único projeto público de cirurgias bariátricas do país com 100% dos procedimentos feitos por videolaparoscopia, técnica que diminui os riscos de complicações e
também o tempo de recuperação do paciente, que volta mais
rápido à sua rotina.
Outro programa de sucesso e pioneiro no país é o SOS
Reimplante, que atende vítimas de amputações no Hospital
Estadual Adão Pereira Nunes desde 2009. Até hoje, foram feitas 360 cirurgias de reimplante, com cerca de 80% de sucesso.
Voltado para o atendimento de pacientes acima de 60 anos
com fraturas de fêmur proximal – tipo mais comum entre idosos e uma das que podem apresentar mais complicações, inclusive letais, quando não tratadas em tempo hábil –, o Centro
Estadual de Trauma do Idoso (CETI) completou um ano de
funcionamento em setembro último, realizando, nesse período, 1.123 cirurgias e 1.721 consultas ambulatoriais. O serviço,
que funciona no Hospital São Francisco de Assis, é inédito no
país e foi elaborado com base em pesquisas científicas internacionais que constataram que, se operado em até 48 horas, o
idoso vítima de trauma tem mais chances de voltar a ter uma
vida normal, com sua locomoção mantida.
Para ajudar a resolver o problema dos pacientes que esperam por transplantes no estado, criamos o Centro Estadual de
Transplantes, também localizado no Hospital São Francisco de
Assis. A unidade, inaugurada em fevereiro deste ano, já realizou mais de 150 procedimentos, sendo 102 transplantes de rim
e 53 de fígado e já é a segunda maior transplantadora hepática
no país. O serviço vem ao encontro do crescimento que o estado do Rio registrou nos últimos três anos na área de doação
de órgãos, subindo da lanterna do ranking nacional para a atual
terceira posição.
Apesar de todos os investimentos que fizemos na construção de novas unidades e implementação de tecnologia de
ponta, para fazer a roda girar é crucial que a gestão seja bem
executada, desde que os olhos estejam voltados para nosso
bem mais valioso: as pessoas. Sejam clientes ou colaboradores, todo o material humano envolvido no sistema precisa ser
prioridade, servindo sempre de leme para nos guiar na busca
em oferecer saúde com qualidade.
Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em
Mesquita, Rio de Janeiro
Mais de 99,5% dos casos que chegam a essas unidades são resolvidos (taxa média de transferência
é de 0,46%) – segundo números oficiais
Diagnóstico | set/out 2013
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Diagnóstico | set/out 2013
O oscar
da saúde
EDIÇÃO
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Prêmio Benchmarking
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100 Diagnóstico | set/out 2013
Diagnóstico | set/out 2013 101
Estante&Resenhas
Marcelo Santana
Divulgação
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102 Diagnóstico | set/out 2013
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Diagnóstico | set/out 2013 103
104 Diagnóstico | set/out 2013