Universidade Federal de Minas Gerais
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EQUIPE N 227 CORTE INTERMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Caso Dos Atentados À Bomba Contra A Embaixada De Nova Átria BLANCO E OUTROS V. REPÚBLICA DE BELOR CONTESTAÇÃO MEMORIAL DA REPÚBLICA DE BELOR 2005 ii SUMÁRIO Lista de abreviações iv Índice de autoridades .................................................................................................... vi Jurisprudência............................................................................................................... vi Casos da Corte Interamericana de Direitos Humanos .................................. vi Comissão Interamericana de Direitos Humanos……………………………viii Casos de outros tribunais internacionais e nacionais ..................................viii Livros e artigos .............................................................................................................. ix Tratados .......................................................................................................................... x Miscelânea.....................................................................................................................xii I. Exposição dos fatos .................................................................................................. xiv II. Análise legal ............................................................................................................... 1 1. EXCEÇÕES PRELIMINARES................................................................................ 1 A. JURISDIÇÃO ............................................................................................................ 1 B. ADMISSIBILIDADE ................................................................................................ 2 B.1 Tempestividade.......................................................................................................... 2 B.2 Esgotamento dos Recursos Internos .......................................................................... 3 C. COMPETÊNCIA DA CORTE................................................................................. 5 C.1 A Corte é Incompetente para Reconhecer e Resolver Alegadas Violações de Direitos de Indivíduos Localizados em Território de Estado Não-Membro da OEA e Submetido à Jurisdição deste Estado............................................................................................... 6 C.2 Os Atos do Tribunal Especial de Citadel não Podem ser Atribuídos a Belor ........... 9 2. DO NÃO CABIMENTO DE MEDIDAS PROVISIONAIS ................................. 11 3. DO MÉRITO ............................................................................................................ 12 iii A. OS DILEMAS PARA A SEGURANÇA INTERNA E COLETIVA PROPORCIONADOS PELO TERRORISMO E A NECESSIDADE DE RESTRINGIR O EXERCÍCIO DE CERTOS DIREITOS INDIVIDUAIS 13 A.1 Ameaça do Terrorismo 13 A.2 Necessidade e Possibilidade de Revogação de Direitos Fundamentais 16 A.3 A Corte Interamericana não é Competente para Analisar a Lei de Defesa da Liberdade em Abstrato 17 A.4 Inexistência de Violação ao Direito de Religião pela Aplicação da Seção 32 da Lei de Defesa e da Liberdade 20 A.5 Impossibilidade de Belor Conceder Asilo a Robert Suarez e Laura Grey e a Transferência de Francis Blanco a Citadel 22 B. O TRIBUNAL ESPECIAL DE CITADEL 25 B.1 A Legalidade do Tribunal Especial 25 B.2 A Competência do Tribunal Especial 26 B.3 O Complexo de Citadel como Centro de Detenção Legal 27 B.4 Respeito ao Devido Processo Legal e Outras Garantias 29 B.5 Os Detidos em Citadel não são Prisioneiros de Guerra e Gozam apenas das Garantias Resguardadas no Direito Humanitário Consuetudinário 33 B.6 - Belor não Patrocinou Atos de Tortura em Citadel 36 III. PETITÓRIO 40 iv Lista de Abreviações Am. U. Int'l L. Rev. American University International Law Review art. Artigo ou artigos CADH Convenção Americana sobre Direitos Humanos CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos CFAT Convenção contra o Financiamento de Atos Terroristas CIRATB Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba CIPPT Convenção Interamericana para Punir e Prevenir a Tortura CVDT Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados Doc. Documento(s) ed. Edição e.g. ex gratia Eur. Ct. H.R. European Court of Human Rights CIJ Corte Internacional de Justiça CIJ Comp. Compêndio da Corte Internacional de Justiça ILSA J. Int’l & Comp. L. International Law Students Associations International and Comparative Law Review Inter-Am. Ct. H.R. Inter-American Court of Human Rights ILC International Law Commission No. Número ou números OEA Organização dos Estados Americanos ONU Organização das Nações Unidas v O.C. Opinião Consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos ¶ Parágrafo PCIJ Permanent Court of International Justice Rep. Report(s) U.N. Hum. Rts. Comm United Nations Human Rights Commission v. Versus Va. J. Int’l L. Virginia Journal of International Law Vol. Volume ou volumes vi Índice de Autoridades Jurisprudência Corte Interamericana de Direitos Humanos Contenciosos Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingi, (Medidas Provisionais) Resolução de 6 de setembro de 2005 Inter-Am. Ct. H.R, 2002, Parte Dispositiva, ¶ 9. 11 Caso Bámaca Velásquez v. Guatemala, 70 Inter-Am. Ct. H.R, (Ser. C), 2000 16 Caso Baena Ricardo y otros v. Panamá, 104 Inter-Am. Ct. H.R, (Ser. C), 2003 6 Caso Bulacio v. Argentina, 100 Inter-Am. Ct. H.R, (Ser. C), 2003 16 Caso de los Niños de la Calle v. Guatemala (Villagrán Morales e outros), 63 Inter-Am. Ct. H.R, (Ser. C), 1999 16 Caso del Periódico “La Nación” (Medidas Provisionais) Resolução de 6 de dezembro de 2001 12 Caso Fairén Garbi y Solís Corrales (Excepciones Preliminares), 2 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C ), 1987. 37 Caso Gallardo Rodríguez (Medidas Provisionais) Resolução de 14 de fevereiro de 2002, ¶ 5 12 Caso Gangaram Panday v. Suriname, 16 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1994 37, 38 Caso Genie Lacayo v. Nicaragua (Excepciones Preliminares), 21 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1995 Caso Genie Lacayo v. Nicarágua, 30 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1997 2 20 Caso Godínez Cruz v. Honduras (Excepciones Preliminares), 3 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1987 37 vii Caso Golder v. the United Kingdom, Eur. Ct. H.R., 1975 4 Caso La Cárcel de Urso Branco v. Brasil (Medidas Provisionais) Resolução de 18 de junho de 2002 Inter-Am. Ct. H.R, 2002. 12,16 Caso Loaysa Tamayo (Medidas Provisionais), Resolução de 13 de dezembro de 2000 12 Caso Neira Alegría y otros Vs. Perú (Excepciones Preliminares), 13 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1991 2 Caso Palmeras v. Colombia, (Excepciones Preliminares), 67 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 2000 1, 32 Caso Paniagua Morales v. Guatemala, 37 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1998 37 Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras (Excepciones Preliminares), 1 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1987. Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras., 4 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1998 2, 37 4 Caso Tribunal Constitucional v. Peru (Competência), 55 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1999. 6 Opiniões Consultivas Ciertas atribuciones de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (arts. 41, 42, 44, 46, 47, 50 y 51 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos), O.C. - 13/93 del 16 de julio de 1993 18 Responsabilidad Internacional por Expedición y Aplicación de Leyes Violatorias de la Convención (arts. 1 y 2 Convención Americana sobre Derechos Humanos) O.C. - 14/94 de Dezembro de 1994 18, 20 "Otros Tratados" Objeto de la Función Consultiva de la Corte (art. 64 Convención Americana sobre Derechos Humanos), O.C. - 1/82 del 24 de septiembre de 1982 18 viii Restricciones a la Pena de Muerte (Arts. 4.2 y 4.4 Convención Americana sobre Derechos Humanos, O.C.-3/83 de 8 de Setembro de 1983 19 Compatibilidad de un proyecto de ley con el artículo 8.2.h. de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, OC-12/91 del 6 de diciembre de 1991 19 Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH, Relatório No. 75/03, Caso No. 042/2002 José Milton Cañas (Colombia), no Relatório anual de 2003 de 22 de Outubro de 2003, OEA/ser. L/V/II.118 doc. 5 4 CIDH, Relatório No. 72/03, Caso No. 12.159, Gabriel Egisto Santillan (Argentina), no Relatório anual de 2003 de 22 de Outubro de 2003, OEA/ser. L/V/II.118 doc. 5 4 CIDH, Relatório No. 09/03, Caso No. 12.116, Maria Estela García Ramirez e Celerino Jiménez Almaraz (México), no Relatório anual de 2003 de 22 de Outubro de 2003, OEA/ser. L/V/II.118 doc. 5 4 Outros tribunais internacionais e nacionais Barcelona Traction Case (Belgium v. Spain), CIJ Comp., 1970 3 Brannigan and McBride v. The United Kingdom, Eur. Ct. H.R., 26 May 1993) 17 Diplomatic and Consular Staff (United States v. Iran), CIJ Comp., 1979-1981 23 East Timor case (Portugal v. Austrália), CIJ Comp., 1995, 90. 26 Interhandel Case (Switzerland v. United States), CIJ Comp., 1959 Lockerbie Case (Lybia v. UK), CIJ Comp., 1992-2003 3 23 Mavromatis Case (Greece v. UK), PCIJ, 1927 3 Nottebohm Case (Liechtenstein v. Guatemala), CIJ Comp.,1955 2 Nuclear Tests Case (Australia v. France), ICJ Rep. (1974) 3 Nuclear Tests Case (New Zealand v. France), ICJ Rep. (1974) 3 ix Livros e artigos Akehurst, A Modern Introduction to International Law, Allen and Unwin, 6th ed., 1996 3 Bassiouni,, International Crimes: Jus Cogens and Obligatio Erga Omnes. Law and Contemporary Problems, Vol. 59, 1996 30 Brownlie, Principles of Public International Law, Oxford University Press, 4th ed., (1980) 1,3 Buerguental & Shelton, Protecting Human Rughts in the Americas: Case and Materials, International Institute of Human Rights, 4 ed., 1995 34 Carreau, Droit International, A. Pedone, 4th ed., 1994 15 Cassese, International Criminal Law, Oxford University Press, 2003, 139-145 26 Delgado, The Inter-American Court of Human Rights, 5 ILSA J. Int’l & Comp. L., 1999 13 Dihn, Daillier & Pellet, Droit International Public, Fundação Calouste Gulbekian, 4th ed., 1992. 15 Lantrip, Tortura y Trato Cruel, Inhumano y Degradante en la Jurisprudência de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 5 ILSA J. Int’l & Comp. L., 1999. 49 Malanczuk, Akehurst’s Modern Introduction to International Law, Routledge, 7th ed.,1997 1, 13 Mowninney, Judicial Settlement of international disputes, 1991. 13 Melo, Celso, Curso Direito Internacional Público, Renovar, 2001 35 Monge, La Prueba Pericial Ante la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 5 ILSA J. Int’l & Comp. L., 1999. 48 x Oppenheim, Tratado de Derecho Internacional Publico, Bosch, 1961 13 Parker, Other Treaties: The Inter-American Court of human Rights Defines its Advisory Jurisdction, 33 Am. U.L. Rev., 1983 13 Pasqualucci, Preliminary Objections Before the Inter-American Court of Human Rights: Legitimate Issues and Illegitimate Tactics, 40 Va. J. Int'l L. 1,1999 14 Pellet, Sarah A ambigüidade da noção do terrorismo, Forense, 2003, 18 26 Proulx, Vincent-Joël. Rethinking the jurisdiction of the international criminal court in the postseptember 11th era: should acts of terrorism qualify as crimes against humanity?,19 Am. U. Int'l L. Rev. 1009,2004 26 Shaw, International Law, Cambridge University, 5th ed., 2003,733. 23 Tiefenbrun, Susan. A Semiotic Approach to a Legal Definition of Terrorism, 9 ILSA J. Int'l & Comp. L. 357, 383, 2003 26 Trindade, O Esgotamento de Recursos Internos no Direito Internacional, Editora Universidade de 16 Brasília, 1984. Zovatto, Los Estados de Excepcion y Los Derechos Humanos en América Latina., Editora 28 Jurídica Venezuelana, 1990. Tratados CADH, 9 ILM 673, (22 de nov. de 1969) 13,16,17,17,18,26,28,39,44,49,50,51 CIPPT (28 de fev. de 1987) CVDT, 1155 UNTS 331, (27 Jan. 1980) Carta da OEA (13 de dez. de 1951) Carta da ONU, TS 993, (24 Oct. 1945) 39 15,41 31 19,22,27,31 Pacto Internacional Sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (3 de jan. de 1976) 19 xi III Convenção de Genebra Relativa ao Tratamento de Prisioneiros de Guerra; (21 out. de 1950) 45 I Protocolo Adicional às Convenções de Genebra Relativo a Proteção de Vítimas de Conflitos 44 Armados Internacionais (07 de dez. de 1978) Convenção Internacional da ONU sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação Racial CFAT 16 33,43 Convenções de Direitos Civis e Políticos (23 de mar. 1976) Convenção Interamericana Contra o Terrorismo (29 de out. de 1999) 4 33,35,42 Convenção Internacional Contra a Tomada de Reféns (14 de dez. de 1973) 35,42 CIRATB (15 de dez. de 1997) 36,43 Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1º. de Jul. de 2002) 36,42 Protocolo Facultativo da Convenção de Direitos Civis e Políticos (23, março 1976) 16 Conflitos Armados Internacionais, entrou em vigor dia 7 dezembro de 1988 29 Convenção de Crimes e outros Atos Ilícitos Cometidos a Bordo de Aeronave, entrou em vigor dia 14 de Setembro de 1963 26 Convenção sobre a Supressão do Seqüestro de Aeronaves, entrou em vigor dia 14 de outubro de 1971 26 Convenção sobre a Supressão de Atos ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, entrou em vigor dia 26 de janeiro de 1973 26 Convenção para Prevenir e Punir Crimes contra Pessoas Internacionalmente Protegidas, entrou em vigor dia 20 de fevereiro de 1977 26 Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns, entrou em vigor dia 3 de junho de 1983 26 xii Convenção para a Proteção Física de Material Nuclear, entrou em vigor dia 8 de fevereiro de 1987 26 Protocolo para a Supressão de Atos Ilícitos de Violência em Aeroportos que Servem a Aviação Civil Internacional, entrou em vigor dia 6 de agosto de 1989. 26 Miscelânia Articles on the Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts (ARS), UNGAR 56/83, 12 Dec. 2001. 22 CmIADH, Report on the Situation of Human Rights in Argentina (1979), OEA/Ser./L/V/II.49, doc. 19 corr. 1, 11 de Abril de 1980 34 Comentário 23 sobre o artigo 27 (direito das minorias), UN Doc. A/49/40, Vol. I, Anexo V 28 Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (18 de Jul de 1978) 16 Fact Sheet Status of Detainees of Guantánamo, Comunicado da Casa Branca de 7 de fevereiro de 2002, http://www.whitehouse.gov/news/releases/2002/02/print/20020207-13.html 47 OEA/Ser.L/V/II.106, Doc. 59 rev., June 2, 2000 (para. 70 – The Civilian Jurisdiction: The AntiTerrorist Legislation) 29 ONU, Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos. Regras mínimas para o tratamento dos reclusos, adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção de Delito e Tratamento do Delinqüente, celebrado em Genebra em 1955, y aprovadas pelo Conselho Econômico e Social em suas Resoluções 663C (XXIV) de 31 de julho de 1957 e 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977, regra número 8. 25 Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 16 xiii UNSC Resolution 1526 (2004) adotada no dia 30 de Janeiro de 2004 35 UNSC Resolution 1566 (2004) adotada no dia 8 de Outubro de 2004 35 xiv I. EXPOSIÇÃO DOS FATOS Dos estreitos laços entre Belor e Nova Átria 1- Nova Átria é um vasto país da costa leste da África, membro das Nações Unidas (doravante ONU), contendo uma população de 12 milhões de habitantes. A República de Belor, um dos Estados membros fundadores da Organização dos Estados Americanos (OEA) e também membro da ONU, possui um grande contigente de cidadãos provindos de Nova Átria. Os dois países comungam de um passado comum e de um estreito e amistoso relacionamento nas mais diversas áreas. Em 1980, Nova Átria se tornou independente de Belor através de um processo democrático e pacífico, permitindo que os dois países mantivessem uma postura de profícua cooperação, objetivando o mútuo desenvolvimento, gerando uma simbiose que se mostra até nas políticas liberais de imigração de Belor, onde 15% de sua população (30 milhões de habitantes) é originária de Nova Átria. 2- Nova Átria é um país em desenvolvimento que, inobstante as dificuldades, vem se empenhando para construir uma sociedade democrática e livre. Desde 1980, eleições periódicas vem sendo realizadas com sucesso. Todavia, subsistem certas instabilidades políticas referentes ao caráter multiétnico de Nova Átria, principalmente entre os maiores grupos, os drunos e os corpiões. O governo tem se empenhado em combater esses distúrbios, e obtido considerável sucesso conforme demonstra o relatório de 2002 da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que reconheceu melhorias em várias áreas dos direitos humanos nas últimas décadas, inclusive com reformas de condições nas prisões e aprovação de legislação contra a discriminação. xv Os Escorpiões e suas atividades terroristas 3- Em 1985, um grupo de extremistas religiosos corpiões fundou uma organização terrorista denominada “Escorpiões”. Os Escorpiões consideravam que valores estrangeiros haviam contaminado a santidade de suas tradições, defendendo, dessa maneira, a erradicação da presença e influência de Belor no território de Nova Átria e, se necessário, da comunidade internacional em sentido mais amplo. O grupo radical se envolveu, então, em atividades como, inter alia, seqüestros, roubos e tráfico de drogas, através dos quais financiam projetos visando à desestabilização das instituições democráticas de Nova Átria e ao ataque à comunidade internacional. Nas últimas décadas também recorreram a atentados à bomba, atentados suicidas e a tomada de reféns, a fim de intimidar a população civil. Os Escorpiões contam também com significativo apoio financeiro provindos de influentes corpiões de Nova Átria, Belor e outros países, o que lhes permitiu adquirir um ameaçador aparato bélico. O governo de Nova Átria viu-se então impelido a aumentar as medidas de segurança e iniciativas legislativas para aprimorar sua capacidade de monitorar e responder às atividades de terroristas de maneira a evitar a proliferação dos ataques. 4- Em 1o de junho de 2001, um dia antes da visita do Secretário Geral da ONU a Nova Átria, as embaixadas de Belor e de dois outros Estados aliados foram alvos de maciços e simultâneos atentados a bomba em seu território, matando os três embaixadores, além de 317 integrantes do pessoal diplomático e administrativo. No dia seguinte, os Escorpiões reclamaram a autoria dos atentados e anunciaram que o território de Belor seria o próximo alvo. Ao mesmo tempo que era divulgado o comunicado, um carro bomba explodiu junto à principal bolsa de valores da capital de Belor, Haladônia, matando 9 pessoas e ferindo outras 23. Pronunciamentos dos secretários gerais da ONU e da OEA externaram solidariedade e apoio ao Estado. O governo de Belor condenou os atentados terroristas, xvi declarando que as ações constituíam um atentado armado dos Escorpiões contra Belor, prometendo responder energicamente em defesa de sua segurança e liberdade. 5- Na noite seguinte aos atentados, as Forças Armadas de Nova Átria identificaram uma célula terrorista escorpiã em um bairro da capital do país, Kawori. Ao entrar no bairro, as forças encontraram intensa resistência armada. Em solidariedade na luta contra o terrorismo internacional e em respeito a especial relação de amizade com Nova Átria, Belor enviou tropas ao país. Após duas semanas de combates, os terroristas se dispersaram. Para evitar que os Escorpiões fugissem para a província de Roveen e lá se reagrupassem, as forças armadas de ambos os países para lá se deslocaram. Devido à continuidade dos ataques, as forças armadas ainda permanecem na província. Acordo bilateral e auxílio de Belor na luta contra o terrorismo 6- Um acordo bilateral entre Nova Átria e Belor regulou os termos nos quais o Estado americano prestaria auxílio ao africano na luta contra o terrorismo. Às forças armadas de Belor foram outorgados direitos para continuar operando no território de Nova Átria, recebendo para tanto, imunidade civil e criminal em relação aos seus atos. Belor também ficou responsável pela manutenção da governabilidade e segurança das instalações da fortaleza abandonada chamada Citadel, localizada no sul do país. Nesta fortaleza estão detidos 56 Escorpiões capturados durante os combates de Venzaar, aos quais foi dispensado o tratamento adequado. 7- O acordo bilateral com Nova Átria previu um tribunal especial em Citadel para processar os detidos quanto a crimes contra a humanidade, crimes de guerra e terrorismo em conexão com os atentados a bomba ou os combates posteriores em Nova Átria. O Decreto do Gabinete Ministerial de Belor de 27 de Junho de 2001 estabeleceu o Tribunal e a tipificação dos crimes de sua competência, sendo composto de três juízes aposentados de xvii reputação ilibada e notório saber jurídico. O Decreto também estabeleceu que os detidos contarão com advogados de defesa. A pena máxima será a pena capital, sendo garantido o duplo grau de jurisdição. Aspectos processuais tais como as regras de produção de provas testemunhais e documentais e a proteção de segredos de Estado e outras informações privilegiadas também foram definidas. 8- Em Agosto de 2001 cinco detidos foram libertados. Em seus depoimentos à imprensa, declararam que em nenhum momento testemunharam agressões físicas contra os presos por parte dos guardas ou interrogadores. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha vem tendo acesso irrestrito aos detidos em Citadel desde 2001. Resposta interna à ameaça terrorista 9- Em pronunciamento de 2 de Junho de 2001, Anna Martin, Presidente da República de Belor, anunciou proposta da Lei de Defesa da Liberdade, em favor da segurança nacional e ordem pública e em resposta ao terrorismo, que seria aprovada em 10 de Junho de 2001. A lei previa, inter alia, um rígido controle na entrada e saída de estrangeiros do país e uma maior vigilância nas movimentações financeiras que possam estar servindo como fonte de renda para organizações terroristas. Sanções a violações foram previstas e seriam aplicadas em processos envolvendo o Poder Judiciário assistido pelos Ministérios da Fazenda e da Segurança e Imigração. Ferris Blanco 10- Victor Gallagher, um membro do alto escalão dos Escorpiões, foi capturado pelas forças armadas de Belor e mantido em Citadel. Alegou em seus depoimentos ter se reunido com um indivíduo de nome Ferris Blanco, em Haladônia, um ano antes dos atentados a bomba contra as embaixadas, para identificar possíveis alvos destinados a atos de violência em Belor. Segundo o Sr. Gallagher, a Embaixada de Belor em Nova Átria foi incluída na lista xviii de possíveis alvos. O Sr. Gallagher sugeriu ter o Sr. Blanco planejado muitos dos atentados do grupo terrorista e ser fonte de contribuições financeiras significativas para os Escorpiões. 11- A agência de informações de Belor localizou um indivíduo identificado como sendo Ferris Blanco no Templo Gir, um dos principais santuários dos corpiões em Haladônia. O Sr. Blanco teria cidadania de Belor e de Nova Átria, e seria membro do grupo étnico e religioso corpião, além de Presidente da Congregação do Templo Gir. Em 14 de outubro de 2001, as forças armadas de Belor entraram no Templo Gir. Lá encontraram plantas detalhadas dos Prédios do Parlamento no escritório principal do templo e apreenderam o Sr. Blanco, que foi enviado a Citadel onde está detido e será julgado perante um tribunal em Nova Átria, sob a acusação de ser um dos mentores dos atentados às embaixadas. Templo de Gir, Laura Gray e Robert Suarez 12- Em 20 de outubro de 2001, o governo de Belor apresentou moção ante o Tribunal Federal Geral de Belor, nos termos da seção 32 da Lei de Defesa da Liberdade, solicitando uma ordem judicial que permitisse o monitoramento das contas e transações financeiras de todos os membros da congregação do Templo Gir por um período de seis meses. Além disso, foi pedido que se congelasse todos os ativos financeiros do próprio Templo Gir, enquanto se investigasse possíveis vínculos financeiros entre o Templo, os Escorpiões e outros grupos terroristas, sendo deferido no dia seguinte. No decorrer de suas investigações sobre possíveis conexões entre as atividades financeiras do Templo Gir e de seus membros com os Escorpiões em Nova Átria, Belor forneceu ao serviço de informações do país africano os dados financeiros obtidos mediante a ordem judicial de 21 de outubro de 2001 do Tribunal Federal Geral, além dos arquivos fornecidos pela congregação e seus membros nos termos das seções 13 e 14 da Lei de Defesa da xix Liberdade. Após analisar a informação, Nova Átria informou que dois membros da congregação de Gir, Laura Gray e Robert Suarez, eram suspeitos de serem membros dos Escorpiões e que haviam sido declarados por tribunais de Nova Átria por seqüestro. 13- Autoridades de Belor descobriram que tanto a Sra. Gray quanto o Sr. Suarez tinham permanecido durante seis meses adicionais no país após terem expirado os vistos de visitantes emitidos em outubro do ano anterior. No dia 15 de novembro de 2001, funcionários do Departamento de Segurança e Imigração obtiveram ordens judiciais para prisão e deportação da Sra. Gray e do Sr. Suarez, emitidas pelo Tribunal Federal Geral. Em novembro de 2001 a Sra. Gray e o Sr. Suarez foram presos, escoltados para o aeroporto de Kawori e transferidos para Citadel, onde aguardam julgamento. Controle Judicial dos atos do executivo 14- A Rights International, grupo de defesa dos direitos humanos, impetrou pedido de habeas corpus nos tribunais de Belor em 2 de dezembro de 2001 em nome do Sr. Blanco e de outros detidos em Citadel cujos nomes não foram divulgados. Solicitava-se que os detidos fossem julgados por tribunais domésticos de Belor para determinar a legalidade de suas apreensões e detenções ou para que fossem libertados. O pedido também contestou o tratamento recebido pelo Sr. Blanco e pelos outros detidos em Citadel. 15- O pedido foi indeferido por falta de competência ratione loci, porém admitido para o Sr. Blanco, uma vez que o Sr. Blanco possui dupla cidadania e fora apreendido inicialmente em Belor. O Tribunal indeferiu o pedido quanto ao mérito e se recusou a abordar o tratamento do Sr. Blanco e de outros detidos, por entender não ser o foro mais apropriado para a ação. O Tribunal Federal Geral indeferiu, preliminarmente pedido de declaração da imparcialidade dos processos legais contra o Sr. Blanco. O Supremo Tribunal de Belor indeferiu o recurso final relativo ao pedido de habeas corpus em 20 de setembro de 2002. xx 16- Em 10 de dezembro de 2001, a Rights International ajuizou uma ação em nome de todos os membros do Templo Gir, cidadãos de Nova Átria, contestando a aplicação das seções 13 e 14 da Lei de Defesa da Liberdade às suas circunstâncias. A primeira ação também contestou a aplicação da seção 32 da Lei de Defesa da Liberdade aos membros da congregação e o fechamento do Templo. Uma segunda ação contestou a legalidade da prisão e deportação de Laura Gray e Robert Suarez. 17- Em decisões emitidas no dia 13 de março de 2002, o Tribunal Federal Geral indeferiu ambas as ações. Quanto ao primeiro processo, o Tribunal interpretou não haver violação dos direitos alegados pelos autores. De acordo com o Tribunal, as restrições impostas pelo Estado constituíam limitações justificáveis diante das previsões constitucionais relativas à segurança nacional e tranqüilidade pública. Ao indeferir a segunda ação, o Tribunal Federal Geral concluiu que a prisão e deportação de Laura Gray e Robert Suarez se apoiavam na lei e foram executadas em bases razoáveis que levam a crer que a Senhora Gray e o Sr. Suarez estavam vinculados a uma organização terrorista e tinham cometido crimes hediondos. Dessa maneira, faltavam as condições de obtenção de asilo previstas nos termos dos acordos internacionais dos quais Belor é parte. Os recursos finais relativos às decisões judiciais do Tribunal Federal Geral foram rejeitados pelo Supremo Tribunal em 14 de novembro de 2002. Processo perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos 18- Em 5 de Janeiro de 2003, a Rights International apresentou pedido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Comissão) em favor do Sr. Blanco, dos detidos em Citadel cujos nomes não foram divulgados e dos membros da congregação do Templo Gir, entre os quais Laura Gray e Robert Suarez. As alegações diziam respeito a infrações da Convenção Americana de Direitos Humanos e da Convenção Americana para Prevenir xxi e Punir a Tortura. Em relatório datado de 5 de outubro de 2003, a Comissão concluiu que as alegações eram admissíveis e, em seu relatório preliminar sobre mérito, de 13 de março de 2004, indicou violações de dispositivos das duas convenções supra mencionadas. 19- Em 6 de maio de 2004, Belor informou à Comissão que não pretendia implementar as recomendações contidas no relatório preliminar sobre méritos. O Governo também informou à Comissão que o tribunal especial de Nova Átria acusou o Sr. Blanco de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e terrorismo em relação a seu alegado papel nos atentados a bomba contra as embaixadas. Segundo Belor, a Promotoria procurará obter a pena de morte. Um advogado defensor público militar foi indicado nos termos do processo regimental do tribunal. O julgamento deveria ter início em julho de 2004. 20- A Comissão enviou a questão à Corte Interamericana de Direitos Humanos, apresentado em 29 de maio de 2004. Belor foi notificado em 1o de junho de 2004. A Comissão solicitou a adoção de medidas provisionais com relação a Ferris Blanco e a responsabilização da República de Belor pelas infrações definidas no relatório preliminar. 21- Em resposta ao requerimento da Comissão, Belor apresenta o seguinte memorial. 1 II. ANÁLISE LEGAL 1. EXCEÇÕES PRELIMINARES A. JURISDIÇÃO Jurisdição contenciosa no Direito Internacional é a possibilidade da análise jurídica de uma causa por determinado tribunal 1 . Uma vez que o Direito Internacional é fundado no princípio da soberania, 2 a jurisdição de um Tribunal internacional só pode ser aplicada a um país sob a condição de seu consentimento. 3 A Corte Interamericana de Direitos Humanos só poderá conhecer de um caso se o país envolvido tiver aceitado sua jurisdição contenciosa nos termos do artigo 62 da Convenção. O aceite pode se dar através de declaração de caráter geral ou permanente. 4 Dessa maneira, a Corte recebe um consentimento prévio e automático relativo a qualquer caso envolvendo a aplicação da 1 “Quando um Estado é Parte da Convenção Americana e aceita a competência contenciosa da Corte, dá-se a possibilidade de que esta analise a conduta daquele para determinar se a mesma se ajusta ou não às disposições da Convenção.” Caso Las Palmeras v. Colombia (Excepciones Preliminares), 67 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 2000, ¶ 32. Delgado, The Inter-American Court of Human Rights, 5 ILSA J. Int’l & Comp. L., 1999,548; Parker, Other Treaties: The InterAmerican Court of human Rights Defines its Advisory Jurisdction, 33 Am. U.L. Rev., 1983, 211, 215. 2 Brownlie, Principles of Public International Law, Oxford University Press, 4th ed., 1980, 287; Oppenheim, Tratado de Derecho Internacional Publico, Bosch, 1961,23. 3 Malanczuk, Akehurst’s Modern Introduction to International Law, Routledge, 7th ed.,1997, 281; Mowninney, Judicial Settlement of international disputes, 1991. 4 CADH, entrou em vigor dia 22 de nov. de 1969. 2 Convenção e demais tratados formadores do sistema interamericano. Na ausência dessa declaração, o consentimento formal e específico do Estado será exigido sempre que surja um caso. O único órgão competente para determinar se o consentimento e se as outras condições de admissibilidade foram cumpridas é a própria Corte. A chamada “competência da competência” é uma regra incorporada ao sistema interamericano por ser um costume internacional. 5 Na demanda interposta pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Comissão”) contra a República de Belor, observa-se que o Estado é parte da Convenção desde 1984, tendo aceitado a jurisdição contenciosa da Corte na mesma oportunidade através da declaração prevista nos parágrafos primeiro e segundo do Artigo 62. 6 Dessa maneira, o requisito do consentimento foi respeitado, tendo a Corte jurisdição. Logo, pode-se avançar na análise da sua competência, abordando outros requisitos de admissibilidade. B. ADMISSIBILIDADE B.1 Tempestividade 5 Caso Genie Lacayo v. Nicaragua (Excepciones Preliminares), 21 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1995; Nottebohm Case (Liechtenstein v. Guatemala), ICJ Rep.,1955, ¶¶ 11 e 119; Pasqualucci, Preliminary Objections Before the Inter-American Court of Human Rights: Legitimate Issues and Illegitimate Tactics, 40 Va. J. Int'l L. 1,1999. No que tange ao costume enquanto fonte primária do Direito Internacional: artigo 38(b) do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. 6 Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras (Excepciones Preliminares), 1 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1987, 27; Caso Neira Alegría y otros Vs. Perú (Excepciones Preliminares), 13 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1991, ¶ 24. 3 O Estado de Belor não se exime das obrigações assumidas com a sociedade internacional, especialmente em matéria de Direitos Humanos. Destaque-se que, desde que informado pela Secretaria da Comissão Interamericana sobre a causa, tem atuado de forma transparente, convicto de que com esta postura provará o descabimento da pretensão daquela. Em total manifestação de boa fé, reconhece a tempestividade do feito, respeitados que estão os prazos do artigo 46(1)(b) da Convenção Americana. 7 B.2 Esgotamento dos Recursos Internos A exaustão dos recursos internos é um instituto consagrado pelo costume internacional. A doutrina 8 e a jurisprudência 9 são unânimes em reconhecer sua cogência. Muito embora haja diferenças entre o Direito Internacional geral e os sistemas de proteção dos direitos humanos, a 7 Tal reconhecimento se dá em respeito aos princípios elementares da boa fé e transparência, tendo por justo que sua conduta seja sopesada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Com relação a cogência do Princípio da Boa Fé no Direito Internacional: Nuclear Tests Case (Australia v. France), ICJ Rep. (1974) e Nuclear Tests Case (New Zealand v. France), ICJ Rep. (1974). Ainda sobre os princípios da boa fé e da transparência: CVDT, entrou em vigor dia 27 de Jan. de 1980, art. 26; Carta da OEA, entrou em vigor dia 13 de dez. 1951, art. 3(c). 8 Akehurst, A Modern Introduction to International Law, Allen and Unwin, 6th ed., 1996; Brownlie, supra nota 1; Carreau, Droit International, A. Pedone, 4th ed., 1994; Dihn, Daillier & Pellet, Droit International Public, Fundação Calouste Gulbekian, 4th ed., 1992. 9 Barcelona Traction Case (Belgium v. Spain), ICJ Rep., 1970; Elettronica Sicula Case (United States v. Italy); ICJ Rep., 1989; Interhandel Case (Switzerland v. United States), ICJ Rep., 1959; Mavromatis Case (Greece v. UK), PCIJ, 1927. 4 lógica que informa o instituto é a mesma 10 . Por um lado os reclamantes são obrigados a buscarem a proteção da ordem interna em caráter preliminar, e por outro, o instituto impõe aos Estados a obrigação de disponibilizar recursos internos efetivos. 11 O instituto é previsto em inúmeros instrumentos de proteção aos direitos humanos. 12 O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos também consagra o instituto do esgotamento dos recursos internos 13 como um dos principais requisitos de admissibilidade junto à Comissão e, conseqüentemente, à Corte. 14 10 “(...) diferentemente da proteção diplomática (ou outras formas de proteção do internacional de indivíduos), a nacionalidade aqui não opera como vinculum juris para o exercício da proteção, dado que o indivíduo é protegido sob a convenção [Européia de Direitos Humanos] não como um nacional de qualquer Estado, mas como ser humano” Trindade, O Esgotamento de Recursos Internos no Direito Internacional, Editora Universidade de Brasília, (1984), p. 125. 11 Caso Golder v. The United Kingdom, Eur. Ct. H.R., 1975, ¶ 29-36; Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras, 4 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1998; Caso José Milton Cañas (Colombia); CIDH, Relatório No. 72/03, Caso Gabriel Egisto Santillan (Argentina), CIDH, Relatório No. 72/03, Caso Maria Estela García Ramirez e Celerino Jiménez Almaraz (México), CIDH, Relatório No. 09/03. 12 Convenção de Direitos Civis e Políticos, entrou em vigor no dia 23 março de 1976, art. 41(c); Protocolo Facultativo da Convenção de Direitos Civis e Políticos, entrou em vigor em 23 de março de 1976, art. 2 e 5(2)(b); Convenção Internacional da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, art. 11(3) e 14(7); 13 Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, entrou em vigor em 18 de Jul. de 1978, art. 9; Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, art. 54 ; CADH, supra nota 2, art. 46 (1)(a) e (2)(b). 5 Não obstante o Estado de Belor reconhecer que seus recursos internos foram exauridos no que se refere às questões levantadas pela Comissão, ainda sim, para se fazer admissível a presente demanda, é mister que o acesso aos remédios locais de Nova Átria também o fossem. A maior parte dos eventos abordados e questionados pela Comissão dizem respeito aos interesses diretos do Estado africano, cujo Poder Judiciário possuía jurisdição e plena competência para exercê-la e deliberar sobre as presentes demandas. Importante também ressaltar que, se os recursos internos de Belor não atenderam às expectativas dos demandantes é porque, deveras, postulam sem qualquer base jurídica aceitável. C. COMPETÊNCIA DA CORTE Cabe, no presente caso, questionar a existência de uma demanda válida nos termos da Convenção Americana. 15 A falta de competência tanto da Corte quanto da Comissão, doravante demonstrada, macula a pretensão desta última, vez que lhe falta legitimidade ativa. A inexistência de tribunal competente compromete de forma peremptória a demanda, o que, para todos os efeitos, não permite sequer o recebimento dos pedidos da Comissão. Não se questiona a competência ratione temporis da Corte, pois as alegadas violações de dispositivos da Convenção se deram em data posterior a 1984, ano de ratificação e aceitação da jurisdição contenciosa da Corte. Não obstante, falta-lhe competência ratione personae e ratione loci. 14 O Art 46(1) do Pacto estabelece a obrigação dos reclamantes exaurirem os recursos internos e os Artigos 1(1), 8 e 25 do Pacto estabelecem a obrigação do Estado de prover recursos internos efetivos. Na hipótese de comprovada disponibilidade dos recursos internos, exige-se que eles sejam exauridos nos termos do Artigo 46(1). 15 CADH, supra nota 2, Seção 3 do Capítulo VII e Seção 2 do Capítulo VIII. 6 É atribuição da própria Corte pronunciar e reconhecer sua competência diante do caso concreto. 16 Sem a solução deste ponto controvertido é impossível prosseguir com o feito, pois o reconhecimento da incompetência inutilizaria todos os procedimentos já adotados e inviabilizaria uma manifestação jurisdicional válida. Tal como vem sendo adotado pela Corte, a eventual análise do mérito deve ser feita posteriormente à discussão preliminar de competência. 17 C.1 A Corte é Incompetente para Reconhecer e Resolver Alegadas Violações de Direitos de Indivíduos Localizados em Território de Estado Não-Membro da OEA e Submetido à Jurisdição deste Estado A Comissão Interamericana atribui a Belor atos praticados por outro país localizado no continente africano e, obviamente, não membro da OEA. De tal sorte, aquele órgão extrapola suas competências territoriais previstos na Convenção. 18 Os senhores Ferris Blanco, Laura Gray e Robert Suarez foram detidos em Belor por razões de segurança nacional e nos limites previstos em sua Constituição, na Lei de Defesa da Liberdade e nas Convenções Internacionais de que é Parte. Isto, contudo, envolve questão de mérito a ser analisada no momento oportuno. A partir do envio dos detidos ao território de Nova Átria, Belor não possui qualquer responsabilidade sobre os atos de natureza processual e judicial ali praticados. O fundamento dos pedidos da Comissão não pode ser outro senão o fato de que os atos em Citadel em desfavor dos mencionados indivíduos são de responsabilidade de Belor. Quiçá a Comissão assim entenda por terem sido os indivíduos apreendidos neste Estado, ou mesmo porque o Tribunal Especial de 16 Supra nota 3. 17 Caso Tribunal Constitucional v. Peru (Competencia), 55 Inter-Am. Ct. H.R, (Ser. C), 1999 e Caso Baena Ricardo e outros v. Panamá (Competencia), 104 Inter-Am. Ct. H.R, (Ser. C), 2003. 18 CADH, supra nota 2 , capítulo VII, seções 2 e 3. 7 Citadel foi criado mediante um acordo bilateral entre Belor e Nova Átria. Neste diapasão, faz-se necessário esclarecer algumas questões. Nova Átria é um Estado independente e com organização política, administrativa e judiciária própria. Nos últimos anos vem enfrentando problemas na manutenção da sua segurança, ordem social e integridade territorial devido a ataques regulares do grupo radical Escorpião contra alvos do governo local e de outros países. Ciente dos desafios à manutenção da segurança e, pelos laços históricos, políticos e culturais com Belor, foi assinado o referido acordo bilateral para a criação de um Tribunal Especial com competência para julgar determinados crimes que comprometem a ordem social daquele país. Tendo enfrentado problemas de natureza análoga, o governo de Belor tem consciência dos gravosos efeitos de atentados terroristas para a economia, segurança e ordem pública de uma nação. É neste contexto que Belor contribuiu para a instituição do Tribunal Especial de Citadel, com a finalidade de tornar mais eficaz o julgamento, a aplicação das leis de segurança de Nova Átria e, enfim, controlar a onda de violência que compromete o desenvolvimento econômico e a viabilidade de suas instituições políticas. A atitude de Belor é irreprochável e demonstra seu comprometimento com os princípios abraçados pela comunidade internacional de promoção do desenvolvimento econômico e social de todos os povos mediante a assistência e cooperação internacional. 19 A contribuição de Belor se limitou ao fornecimento de subsídios materiais e auxílio técnico consubstanciado na designação de três juízes aposentados de seu Supremo Tribunal, de reputação ilibada e notório saber jurídico, para a composição do Tribunal Especial de Citadel. Tal 19 Carta da ONU, entrou em vigor dia 24 de out. de 1945, art. 1(3); Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entrou em vigor dia 3 de jan. de 1976, art. 2(1). 8 auxílio tem sido fundamental para o funcionamento do Tribunal, uma vez que, pelas limitações econômicas e, tendo conquistado sua independência a menos de vinte e cinco anos, seria-lhe extremamente difícil compor um corpo de juízes capacitados para lidar com denúncias de crimes que exigem um intrincado conhecimento técnico-jurídico. Igualmente, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas manifestou recente preocupação com o fato de haver um número desproporcional de juízes drunos em contraste com o reduzido número de corpiões em Nova Átria. Tal fato foi apontado como motivação para “percepções por parte dos corpiões de que foram excluídos de uma participação efetiva na condução dos assuntos públicos em seu país”. 20 Nesta direção e, diante da tensão entre os dois grupos étnicos, entendeu-se como a solução mais prudente a “não-nomeação” de juízes de origem druna para o novo Tribunal situado, aliás, em uma região de maioria corpiã. Os dois Estados já incorporaram, aliás, o intercâmbio migratório entre seus povos em função de uma política migratória migratória flexível, havendo milhões de cidadãos do país africano vivendo e trabalhando em Belor. Desejável seria que o corpo de juízes do Tribunal Especial de Citadel fosse constituído, ao menos em parte, por juristas de origem corpiã, entretanto, os indivíduos desta etnia, por razões históricas, geográficas e culturais, mantiveram-se afastados por muito tempo da Administração Pública e do Poder Judiciário de Nova Átria 21 , o que escasseou a quantidade de juristas de origem corpiã com a necessária experiência e acuidade técnica. O fato de os juízes que compõem o Tribunal Especial de Citadel serem nacionais de Belor não o caracteriza, tal qual pretende fazer entender a Comissão Americana, como um órgão do 20 Caso Hipotético, ¶ 5. 21 Id., ¶ 3. 9 Poder Judiciário de Belor. Tal presunção é insustentável, pois o exercício da jurisdição é feita sobre os nacionais e em nome de Nova Átria. Trata-se de um órgão estruturado sob a autoridade do país africano para julgar espécies determinadas de delitos. Por não participar, em absoluto, das decisões e procedimentos do Tribunal Especial de Citadel, a contribuição de Belor se esgotou no momento da constituição do Tribunal. Pelas razões de fato e direito expostas, não pairam dúvidas sobre a incompetência ratione loci da Corte Interamericana para reconhecer dos pedidos da Comissão. Desde que invocado pela Comissão sobre a denúncia promovida pela Rights International, a posição de Belor se deu neste sentido. Impossibilitado de desfazer atos, revisar decisões judiciais ou, em última análise, imiscuir-se em assuntos que envolvem a soberania de Nova Átria, não coube outra alternativa a Belor senão rechaçar as recomendações contidas no relatório preliminar veiculado pela Comissão. 22 De outra maneira, estar-se-ia violando os princípios basilares do Direito Internacional Público da não-intervenção nos assuntos internos, autonomia política e soberania. C.2 Os Atos do Tribunal Especial de Citadel não Podem ser Atribuídos a Belor Do ponto de vista material, já se demonstrou que os atos do Tribunal Especial de Citadel se dirigem aos nacionais de Nova Átria, representando o exercício de sua jurisdição. Tal fato exclui por completo a possibilidade de se levar adiante a pretensão da Comissão. A exegese do artigo 1(1) da Convenção reza que “os Estados Partes da Convenção se comprometem a respeitar os direitos e liberdades nelas reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita a sua jurisdição.” Belor não só respeita os direitos e liberdades positivados pela Convenção como tem compromisso histórico com a consolidação de 22 Id.,¶ 33. 10 tais direitos no continente, sendo um dos Estados membros fundadores da OEA. 23 Todavia, por ensejar no afrontamento da soberania de Nova Átria, estaria além do seu alcance e violaria os princípios elementares da Carta de São Francisco e da OEA 24 fazer cumprir tais direitos em favor de indivíduos não sujeitos à sua jurisdição, tal como figuram os senhores Ferris Blanco, Laura Gray e Robert Suarez, além de outros supostos detidos em Citadel. Do ponto de vista formal, poder-se-ia argüir, certamente com uma dose de sofisma, que o Tribunal de Citadel é de fato um órgão de Belor, pois os recursos das suas decisões são submetidos à Suprema Corte deste país. Entretanto, a comunidade internacional há décadas tem notícia e a Comissão de Direito Internacional da ONU já se pronunciou pela possibilidade de disponibilização de órgão de um Estado a outro com a atribuição de seus respectivos atos ao Estado receptor, desde que cumpridos determinados requisitos. 25 Dentre os requisitos assinalados pela Comissão de Direito Internacional estão: “i) submissão do órgão ao controle do Estado receptor, ii) atividades dirigidas para os propósitos do Estado receptor e iii) vinculação ao exercício da autoridade governamental do Estado receptor.” 26 No caso em tela, se recorrermos a um critério meramente formal e definirmos o Tribunal de Citadel como um órgão do Estado de Belor colocado à disposição de Nova Átria, ainda assim, estão preenchidos todos os requisitos para atribuirmos os seus atos ao Estado africano. O Tribunal atende exclusivamente aos propósitos de Nova Átria, quais sejam, exercer a jurisdição 23 Id., ¶ 1. 24 Carta da ONU, supra nota 12, art. 2(1) e 2(4); Carta da OEA, supra nota 3, art. 3(b) e 3(c). 25 Articles on the Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts (ARS), art. 8; UNGAR 56/83, 12 Dec. 2001, 95-96. 26 Id., 95. 11 sobre seus nacionais que pratiquem determinados crimes e constituir um órgão eficiente e idôneo capaz de lidar com modalidades de crime de difícil tratamento jurídico. A vinculação do Tribunal e do complexo de detenção provisória de Citadel à autoridade de Nova Átria afigura-se claramente, uma vez que se trata de ato jurisdicional dedicado às questões de segurança interna, circunscrito a seu território e dirigido a seus nacionais, enfim, dentro do seu âmbito geográfico e pessoal de sua soberania. A prestação jurisdicional consubstancia o próprio exercício da autoridade estatal, pelo qual, dentro dos fatos aqui expostos, não há como se desvincular o Tribunal da autoridade soberana de Nova Átria. Quanto ao processamento dos recursos às decisões do Tribunal de Citadel junto ao Supremo Tribunal de Belor, a comunidade internacional admite perfeitamente que tal conduta não desfigura a transferência da atributividade dos atos do órgão “cedido” ao Estado receptor. Identificamos exemplos de tratados de parceria e cooperação no qual os recursos às decisões de um tribunal de um determinado país é remetido a tribunal de outro país, o qual julga o feito por delegação e em nome do país que lhe remete o feito. Acordo desta natureza foi celebrado, v.g., entre Austrália e Nauru. 27 2. DO NÃO CABIMENTO DE MEDIDAS PROVISIONAIS A finalidade das medidas provisionais no Direito Internacional dos Direitos Humanos é, nos casos de extrema gravidade e urgência, evitar danos irreparáveis a um ou mais indivíduos. 28 A aplicação de tais medidas é feita normalmente através de pedido da Comissão em caráter 27 28 ARS, supra nota 25, p. 98. Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingi v. Nicaragua (Medidas Provisionais), Resolução de 6 de setembro de 2005 Inter-Am. Ct. H.R, 2002, Parte Dispositiva, ¶ 9. 12 incidental, nos termos do Artigo 63(2) da Convenção. 29 Quando pedidas previamente ao conhecimento da causa pela Corte, as medidas provisionais consubstanciam-se em verdadeira garantia jurisdicional de caráter preventivo. 30 Pode, ainda, ser aplicada na fase de supervisão de cumprimento da sentença 31 e, estando os assuntos submetidos ao conhecimento da Corte, esta pode concedê-la em qualquer fase do procedimento [Art. 63(2) da Convenção e Art. 25 do Regimento da Corte]. Dois são os requisitos inerentes às medidas provisionais: a extrema gravidade e a urgência de prevenção de danos irreparáveis a indivíduo(s). No caso sub judice, nenhum dos dois requisitos estão presentes. A própria prisão dos criminosos detidos em Belor é de caráter provisório, sendo a soltura de tais indivíduos prejudicial não só à continuidade dos inquéritos em torno de crimes contra a soberania de Belor, mas, outrossim, à própria segurança dos nacionais belorianos. Deve-se acrescentar que a Corte possui um vasto repertório de medidas provisionais em que o fundamento da concessão envolve violações crassas a direitos elementares como a vida e a integridade física de detentos. Os postulantes, por sua vez, apenas tiveram uma “limitação provisória” do direito de liberdade, hipótese esta prevista no Artigo XX da Convenção Americana. 29 Caso La Cárcel de Urso Branco v. Brasil (Medidas Provisionais) Resolução de 18 de junho de 2002 Inter-Am. Ct. H.R, 2002. 30 Caso Gallardo Rodríguez v. Mexico (Medidas Provisionais) Res. de 14 de fevereiro de 2002, ¶ 5; Caso del Periódico “La Nación” (Medidas Provisionais) Res. de 6 de dezembro de 2001,¶ 4. 31 Caso Loaysa Tamayo v. Peru (Medidas Provisionais), Resolução de 13 de dezembro de 2000. 13 O Comitê Internacional Cruz Vermelha, após ter acesso às instalações de Citadel em agosto de 2001 32 , constatou a inexistência de qualquer fato que justificasse a declaração de violação de direitos humanos dos detentos. Neste mesmo período, cinco antigos detentos confirmaram nunca terem testemunhado ato de tortura. 33 De tal maneira, resta clara a inexistência de condutas desconformes às tratativas internacionais sobre o tratamento dos reclusos como penas corporais, confinamento de pessoas em cela escura e outras formas de sanções cruéis, inumanas ou degradante. 34 Inexistindo por ora extrema gravidade nem iminência de danos irreparáveis, cabe à Corte desconhecer de qualquer pedido de medidas provisionais, facultando-lhe aplicar tais medidas de ofício ou a requerimento das partes quando do procedimento contencioso. 3. DO MÉRITO A. O DILEMA TERRORISTA E A NECESSIDADE DE RESTRINGIR O EXERCÍCIO DE CERTOS DIREITOS INDIVIDUAIS A.1 A Ameaça do Terrorismo Atentados terroristas, tais como os dos Escorpiões, priorizam a otimização de efeitos materiais e psicológicos voltando-se para alvos civis e militares indiscriminadamente. O sujeito passivo atingido, devido ao pânico gerado, é toda a coletividade, que tem direitos consagrados 32 Caso Hipotético, para. 16. 33 Id., para 15. 34 Regras mínimas para o tratamento dos reclusos, adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção de Delito e Tratamento do Delinqüente, Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, ONU, celebrado em Genebra em 1955 e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social em suas Resoluções 663C (XXIV) de 31 de julho de 1957 e 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977, regra número 8. 14 pelo Pacto de San José violados 35 . O terrorismo caracteriza-se pois como um delito hostis humanis generis, 36 colocando-o entre os mais repudiáveis crimes internacionais. Definições de terrorismo podem ser encontradas na doutrina 37 , porém são os conceitos expressos em um grande número de instrumentos internacionais que o tipificam de maneira mais clara. 38 Em especial as 35 Tais como os direitos à vida (Art.4 da CADH), à integridade física e psíquica (Art.5(1) da CADH), à liberdade e segurança pessoais (Art.7(1) da CADH) e de circulação (Art.22 da CADH) 36 Os crimes de terrorismo em geral e principalmente os crimes cometidos pelos Escorpiões se enquadram no Art. 7 (1)(a)(h)(k) do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (entrou em vigor em 1º. De Julho de 2002) que prevê os crimes contra a humanidade; No mesmo sentido, ver: Vincent-Joël Proulx, Rethinking the jurisdiction of the international criminal court in the post-september 11th era: should acts of terrorism qualify as crimes against humanity?,19 Am. U. Int'l L. Rev. 1009 (2004); Susan Tiefenbrun, A Semiotic Approach to a Legal Definition of Terrorism, 9 ILSA J. Int'l & Comp. L. 357, 383 (2003). 37 Na definição de Antonio Cassese, “qualquer ato violento contra pessoas inocentes com a intenção de forçar um Estado, ou qualquer outro sujeito internacional, para seguir uma linha de conduta que, de outro modo, não seguiria, é um ato de terrorismo” - Cassese apud Pellet, Sarah A ambigüidade da noção do terrorismo, BRANT,(coord.) Forense 2003, 18. 38 Convenção de Crimes e outros Atos Ilícitos Cometidos a Bordo de Aeronave, entrou em vigor dia 14 de Setembro de 1963; Convenção sobre a Supressão do Seqüestro de Aeronaves, entrou em vigor dia 14 de outubro de 1971; Convenção sobre a Supressão de Atos ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, entrou em vigor dia 26 de janeiro de 1973; Convenção para Prevenir e Punir Crimes contra Pessoas Internacionalmente Protegidas, entrou em vigor dia 20 de fevereiro de 1977; Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns, entrou em vigor dia 3 de 15 Convenções sobre a Prevenção e Punição de Crimes Contra Pessoas que Gozam de Proteção Diplomática, e a Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba tipificam os atos como crimes internacionais. O grande número de convenções que procuram defini-lo e criar instrumentos para o seu combate e a grande adesão verificada eliminam quaisquer dúvidas sobre a opinio juris do dever de todas as nações de envidar esforços para preveni-los e puni-los. Para a efetividade no combate a tais organizações, passa a ser necessário suspender certos Direitos Individuais. A prática de diversas nações vem corroborar com tal visão. Após os atentados de 11 de setembro, o Conselho de Segurança aprovou a Resolução 1373, que impõe a obrigação internacional de combate ao terrorismo, principalmente no âmbito interno de cada Estado, sob pena de invocação pelo Conselho dos mecanismos do Capítulo VII da Carta da ONU. A atuação dos Escorpiões incidiu no Art 2(a)(b) da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba (doravante “CISATB”) e no art. 2 da Convenções sobre a Prevenção e Punição de Crimes Contra Pessoas que Gozam de Proteção Diplomática quando dos ataques a Bomba às embaixadas e à bolsa de valores, e o mesmo artigo da primeira delas quanto ao ataque à bolsa de valores. Ao deparar-se com tamanha agressão, Belor enfrenta um inimigo sem rosto, estruturado em rede e com formas de atuação que menosprezam todas as regras e princípios consagrados nas Convenções de Genebra. Visando conter esta emblemática ameaça, Belor em nenhum momento excedeu-se nos procedimentos investigatórios para a contenção do terrorismo. Ao contrário, atuou nos limites da legalidade ao promulgar a Lei de junho de 1983; Convenção para a Proteção Física de Material Nuclear, entrou em vigor dia 8 de fevereiro de 1987; Protocolo para a Supressão de Atos Ilícitos de Violência em Aeroportos que Servem a Aviação Civil Internacional, entrou em vigor dia 6 de agosto de 1989. 16 Defesa da Liberdade 39 em nome da ordem pública e da segurança nacional, estas duas reconhecidas pela própria Corte não só como um Direito Fundamental mas como um dever dos Estados. 40 Em última análise, a garantia da ordem pública e o combate ao terrorismo são necessários à viabilidade de um direito sem o qual nenhum outro poderia ser desfrutado – o direito à vida. 41 A.2 Necessidade e Possibilidade de Suspensão de Direitos Individuais Os fatos outrora apresentados demonstram a dificuldade enfrentada por Nova Átria e Belor em lidar com grupos que lançam mão do terror generalizado muitas vezes dirigido a alvos civis. A tais Estados, não cabe outra alternativa senão restringir provisoriamente alguns direitos e garantias em prol da segurança coletiva e da ordem social, requisitos básicos sem os quais o exercício das prerrogativas e liberdades fundamentais seriam impraticáveis. Essas limitações são próprias da natureza dos direitos humanos, que como todos os direitos não são absolutos, 42 e acontecem sempre que é necessário salvaguardar um valor coletivo 39 Id., ¶ 18. 40 Caso La Cárcel de Urso Branco v. Brasil (Medidas Provisionais), Resolução de abril de 2004 Inter-Am. Ct. H.R, 2004, ¶ 10; Caso Bulacio v. Argentina, 100 Inter-Am. Ct. H.R, (Ser. C), 2003, ¶ 124 e Caso Bámaca Velásquez v. Guatemala, 70 Inter-Am. Ct. H.R, (Ser. C), 2000, ¶ 174. 41 Caso de los Niños de la Calle v. Guatemala (Villagrán Morales e outros), 63 Inter-Am. Ct. H.R, (Ser. C), 1999, ¶ 144: “O direito à vida é um direito fundamental, cujo gozo é um prérequisito para que se desfrute todos os demais direitos humanos.” 42 Comentário 23 sobre o artigo 27 (direito das minorias), UN Doc. A/49/40, Vol. I, Anexo V; CADH, art. 27 (1); Zovatto, Los Estados de Excepcion y Los Derechos Humanos en América Latina., Editora Jurídica Venezuelana, 1990. 17 como a segurança e a ordem pública. 43 Em vista dos ataques terroristas dos Escorpiões, a sociedade belorense se viu obrigada a lançar mão de medidas emergenciais, todas elas em consonância com as exigências internacionais. 44 O requisito da notificação foi respeitado através do pronunciamento oficial do chefe de Estado da República de Belor. As medidas respeitaram o critério da proporcionalidade e da necessidade, uma vez que as prisões, os seqüestro de bens e a obtenção de informações tiveram a finalidade única de prevenir futuros ataques. Como será demonstrado, não houve nenhuma infração a garantias consideradas inderrogáveis. Neste diapasão, as ações de Belor foram a expressão legítima de seu dever de processar e punir atentados ocorridos e reagir preventivamente à ameaças futuras. A.3 A Corte Interamericana não é Competente para Analisar a Lei de Defesa da Liberdade em Abstrato Além das medidas provisionais, a Convenção Americana distingue dois tipos de procedimentos para o exercício da jurisdição pela Corte. Ao resolver uma lide, esta exerce sua função jurisdicional contenciosa, regida pelos artigos 61, 62 e 63 da Convenção. Outrossim, pode ser invocada a se pronunciar sobre a interpretação da Convenção ou demais tratados de direitos 43 “The Court recalls that it falls to each Contracting State, with its responsibility for "the life of [its] nation", to determine whether that life is threatened by a "public emergency" and, if so, how far it is necessary to go in attempting to overcome the emergency.…” Brannigan and McBride v. The United Kingdom, ECHR, 1993, ¶43). 44 De acordo com a OEA, os requisitos seriam: Necessidade (Art. 27 CIADH); Proporcionalidade (Article 27 (1) CIADH); Não-discriminação (Article 27 (1) CIADH); Compatibilidade com outras obrigações internacionais e Notificação (Artigo 27 (3) CIADH) - OEA/Ser.L/V/II.106, Doc. 59 rev., June 2, 2000, ¶ 70 – The Civilian Jurisdiction: The Anti-Terrorist Legislatio. 18 humanos sem caráter sancionatório nem vinculante. Trata-se da função consultiva, prevista no artigo 64 da Convenção. Esta terceira atribuição engloba a análise “em abstrato” da conformidade de tratados ou legislação interna dos Estados Americanos em relação à Convenção. 45 O artigo 64(2) da Convenção outorga à Corte competências para analisar a compatibilidade das leis internas dos Estados americanos com a Convenção. Contudo, a simples interpretação gramatical deste dispositivo acusa que: “Não é faculdade da Corte no exercício de sua função consultiva interpretar ou definir os âmbitos de validade das leis internas dos Estados Partes, senão no que tange à sua compatibilidade com a Convenção ou outros tratados referentes à proteção dos Direitos Humanos nos Estados americanos e sempre mediante um requerimento expresso por parte de algum destes Estados, tal como estabelecido no Art. 64(2) da Convenção Americana.” 46 45 Pelos Artigos 41 e 42 da Convenção, há ainda a possibilidade da Comissão (obviamente em caráter não-jurisdicional) qualificar uma norma de direito interno de um Estado Parte como adequadas ou não à Convenção e recomendar a derrogação ou reforma da norma. Tal recomendação normalmente é feita diretamente ao Estado [Art.41(b) da Convenção] ou nos informes mencionados nos Artigos 49 e 50. Ciertas atribuciones de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (arts. 41, 42, 44, 46, 47, 50 y 51 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos), Opinión Consultiva OC-13/93 del 16 de julio de 1993, Serie A No. 13, parte resolutiva 1. 46 Responsabilidad Internacional por Expedición y Aplicación de Leyes Violatorias de la Convención (arts. 1 y 2 Convención Americana sobre Derechos Humanos) O.C. - 14/94 de Dezembro de 1994, ¶ 22. Veja também "Otros Tratados" Objeto de la Función Consultiva de la Corte, (art. 64 Convención Americana sobre Derechos Humanos), O.C. - 1/82 del 24 de septiembre de 1982 ¶¶14,17 e 39. 19 Tem-se, portanto, dois requisitos para a apreciação em abstrato da Corte sobre leis internas dos Estados americano, quais sejam a solicitação expressa de algum Estado e mediante a via consultiva. Um dos requisitos da opinião consultiva é o interesse efetivo e legítimo 47 da parte que a formula, sendo defeso haver pronunciamento sobre questão litigiosa travestida de opinião consultiva. 48 Sua natureza, portanto, é sempre de análise em abstrato. No caso em tela, ter-se-ia a situação inversa caso a Corte se manifeste sobre a compatibilidade ou não da Lei de Defesa da Liberdade com a Convenção Americana. Em último caso, estar-se-ia fazendo uso de vias contenciosas para o exercício de uma função eminentemente consultiva. A análise “em abstrato” da legislação interna dos Estados da OEA não pode ser feita pela Corte pela via contenciosa. De outra maneira, violar-se-ia a autonomia política e a soberania dos Estados em prejuízo dos artigos 3(b) e 3(e)da Carta da OEA e 2(1) e 2(4) da Carta da ONU. 47 Este legítimo interesse pode ser de natureza institucional, quando a consulta é invocada por algum dos órgãos enumerados no Capítulo VIII da Carta da OEA, tendo em vista o esclarecimento de questão relevante no exercício de suas atribuições. Exemplo de invocação pela Comissão e reconhecimento da legitimidade institucional da consulta pela Corte se encontra na Oc-3/83 de 8 de Setembro de 1983 Restricciones a la Pena de Muerte (Arts. 4.2 y 4.4 Convención Americana sobre Derechos Humanos da CIDH,¶ 22. 48 Compatibilidad de un proyecto de ley con el artículo 8.2.h. de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, OC-12/91 del 6 de diciembre de 1991. Serie A No. 12, ¶ 28. 20 Sem mais delongas, a Corte já se manifestou por mais de uma vez no sentido de negar a possibilidade de se manifestar em abstrato sobre atos normativos internos de Estado através da via contenciosa. 49 A.4 Inexistência de Violação ao Direito de Religião pela Aplicação da Seção 32 Da Lei de Defesa da Liberdade Pelo princípio da relatividade dos direitos humanos, o intérprete/aplicador deve sempre levar em conta a necessidade de compatibilização entre o exercício de dois ou mais direitos igualmente assegurados e aparentemente conflitantes. Tal princípio pressupõe a possibilidade de se identificar, diante do caso concreto, qual direito ou garantia deve prevalecer. Note-se, porém, que tal análise não é prévia, uma vez que inexiste hierarquia entre os direitos e garantias fundamentais. 49 Nas preliminares do Caso Genie Lacayo Vs. Nicarágua, v.g., aquela declarou sua incompetência para a análise em abstrato de Decretos nicaragüenses internos supostamente conflitantes com a Convenção. Nos arestos da decisão, assim se manifestou: “a Corte não emite pronunciamento sobre a compatibilidade de estes artigos com a Convenção já que, em procedendo de outra forma, constituiria uma análise em abstrato e fora das funções desta Corte.” Caso Genie Lacayo v. Nicarágua, 30 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1997, ¶ 91. Ainda sobre a impossibilidade de análise em abstrato de lei interna pela via contenciosa: Responsabilidad Internacional por expedición y aplicación de leyes violatorias de la convención (arts. 1 y 2 convención americana sobre derechos humanos), O. C. - 14/94 de Dezembro de 1994, ¶ 49: “A jurisdição contenciosa da Corte se exerce com a finalidade de proteger os direitos e liberdades de pessoas determinadas e não com a de resolver casos abstratos”. 21 Em situações extremas como a vivenciada por Belor, o Estado lançou mão de medidas razoáveis para restringir determinados direitos e resguardar outros que atingissem o maior número de beneficiários. Pode-se citar, v.g., a limitação do direito de propriedade em favor do direito à segurança e à ordem pública, sem as quais, acrescente-se, o gozo da maior parte dos outros direitos fundamentais tornar-se-ia inviável. Em relação ao congelamento dos ativos financeiros do Templo Gir, não houve revogação do direito ao culto religioso, mas apenas restrição, consoante o artigo 12 da Convenção Americana. Reza o Art. 12(3) do citado tratado: “A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.” Em síntese, a sistemática da Convenção consagra que, dentro dos limites da legalidade, as restrições à manifestação religiosa por razões de segurança é plenamente possível. Não se deve aqui confundir o direito ao culto ou manifestação religiosa (restringível em casos de imperiosa necessidade) do direito à religião, este de natureza absoluta e insuscetível de limitação ou derrogação. No caso concreto, Belor não violou nenhum dos dois direitos, uma vez que não houve perseguição ou qualquer conduta atentatória à convicção de credo de quaisquer indivíduos como não houve impedimento a seus rituais e liturgias. O que houve foi um ato de aplicação e observância da Resolução do Conselho de Segurança nº 1526 de 2004 e a CFAT 50 . Por esta última, Belor se encontra obrigada a confiscar fundos que possam estar sendo utilizados para financiar práticas terroristas. A CICT impõem obrigação semelhante. 51 50 CFAT, entrou em vigor dia 9 de dez. de 1999, arts.2.1(a) e 2.1(b) 51 Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, entrou em vigor dia 29 de outubro de 1999, art. 5; CFAT, Art. 5. 22 Em verdade, o fechamento do Templo Gir não causa nenhuma restrição ou mesmo limitação do direito de religião, associação ou reunião, visto que os fiéis poderiam recorrer a outros templos próximos. O fechamento do Templo Gir, aliás, não foi em absoluto objetivado pelo Estado ao requerer o congelamento dos seus ativos financeiros. Se alguns indivíduos não puderam se locomover a outro local devido ao fechamento do templo, mesmo assim não se pode afirmar que houve uma violação às referidas liberdades. O direito à liberdade de religião implica em uma obrigação eminentemente negativa por parte do Estado, a de não impor barreiras ao exercício da religião e isto não foi logrado em nenhum momento por Belor. Quando esta e outras Cortes de Direitos Humanos declararam certos Estados responsáveis por violações a tais direitos, fundamentaram-se em leis e condutas nacionais que expressamente proibiram a prática de culto e manifestação religiosa. Tais atos, geralmente, implicam discriminação deliberada contra a totalidade de membros de certas Igrejas, que passam a ser proibidas e seus fiéis alijados de escolas, empregos públicos, dentre outros, o que não se verifica no presente caso. 52 A questão de obrigação ou não do Estado quanto ao fornecimento de transporte de fiéis a outro templo não possui qualquer conexão com os pedidos formulados pela Comissão e pelos denunciantes, razão pelo qual exsurge-se desnecessário contestar o que não foi argüido. A.5 A Impossibilidade de Belor Conceder Asilo Político a Robert Suarez e Laura Gray e a Transferência de Ferris Blanco para Citadel 52 Report on the Situation of Human Rights in Argentina (1979), OEA/Ser./L/V/II.49, doc. 19 corr. 1, 11 de Abril de 1980, 251-54. Ver também, Buerguental & Shelton, Protecting Human Rights in the Americas: Case and Materials, International Institute of Human Rights, 4 ed., 1995, 388-398. 23 Estrangeiros, quando admitidos em um determinado país, se sujeitam às suas leis. 53 Um vez que o não nacional deixa de cumprir com suas obrigações, o Estado passa a ser titular do direito de deportar. A deportação, entretanto, está sujeita aos limites estabelecidos pelo direito internacional. Um desses limites é o respeito ao direito ao asilo. O direito ao asilo, reconhecido em vários instrumentos internacionais, não significa que o Estado é obrigado a concedê-lo a qualquer estrangeiro que o peça. Na verdade, o Estado é obrigado a levar o caráter político em consideração. Um crime político, porém, não se define pelo fim da conduta ilícita mas pelo fato de se consubstanciar em crime de opinião política. 54 Dessa maneira, mesmo que um seqüestro ou um homicídio tenha objetivo político, ele não será considerado como crime político para efeitos de extradição. No caso do terrorismo, quase sempre há um caráter político envolvido. Entretanto, a comunidade internacional refuta a possibilidade de asilo a terroristas por se tratar de corrupção do objetivo primeiro do instituto. 55 Muito pelo contrário, a comunidade internacional já se 53 Sobre tratamento obrigações e deveres do estado para com estrangeiros, ver:Browlie, supra nota 8,519; Akehurst, supra nota 8 , 256; Shaw, International Law, Cambridge University, 5th ed., 2003,733. 54 Melo, Celso, Curso Dereito Internacional Público, Renovar, 2001. 55 Diplomatic and Consular Staff (United States v. Iran), ICJ Rep., 1979-1981; Lockerbie Case (Lybia v. UK), ICJ Rep., 1992-2003. 24 pronunciou várias vezes com relação à obrigação de extraditar acusados ou condenados de terrorismo. 56 No caso em tela, Robert Suarez e Laura Gray foram indiciados por tomada de reféns e envolvimento com os Escorpiões. A ilegalidade de sua estadia em Belor já permitiria uma deportação. A pronúncia por envolvimento em atividades terroristas por si já elimina as possibilidades de asilo. Ainda, a única objeção possível seria aquela de que os extraditados correriam risco execução arbitrária ou de discriminação. Todavia, a boa fé dos Estados deve ser presumida. Nova Átria é, apesar das tensões étnicas, um país democrático e de direito que vem se esforçando para combater o terrorismo e qualquer gênero de discriminação, como admite o relatório da ONU de 2002. Destarte, a extradição de Laura Gray e Robert Suarez está em consonância com o bom direito interno e internacional. Com relação à Ferris Blanco, temos um caso sui generis. O fato de também ser nacional de Belor apresentava restrições aos procedimentos de retirada do país. Dessa maneira, o direito internacional vedava a expulsão de nacional. Entretanto, Ferris Blanco não foi expulso. Com o Tratado de Roma de 1998 surgiu uma nova figura no direito internacional: a entrega. 57 Ela se consubstancia na entrega de nacional a um tribunal estrangeiro especializado na investigação e 56 UNSC Res. 1526 (2004) adotada no dia 30 de Janeiro de 200; UNSC Res. 1566 (2004), adotada no dia 8 de Outubro de 2004; Convenção Interamericana contra o Terrorismo, adotada dia 3 de jun. de 2002; Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, adotada em 15 de dezembro de 1997; Convenção Internacional Contra a Tomada de Reféns, adotada dia 14 de dez. de 1973. 57 Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, entrou em vigor dia 1º. de Jul. de 2002, art.89. 25 punição de crimes contra a humanidade. Assim, por se espaldar em normas de jus cogens, a entrega estabeleceu um novo regime legal específico para criminosos internacionais. Principalmente no que tange Nova Átria e Belor, partes do Tratado de Roma, esse regime é não só uma faculdade mas uma obrigação. Assim, o artigo 22 (5) da Convenção não se aplica, uma vez que Belor não expulsou seu nacional, mas o entregou. B. O TRIBUNAL ESPECIAL DE CITADEL B.1 A Legalidade Do Tribunal Especial Diversos acordos internacionais com grande número de signatários objetivam a mobilização da comunidade internacional contra a prática de terrorismo, agressão às instituições democráticas, à paz, à soberania e à segurança das nações. O Tribunal constituído com o auxílio de Belor em Nova Átria para a punição de criminosos internacionais representa a reafirmação do compromisso de combater o terrorismo em todas as suas manifestações. Sua ação representa a busca pela segurança dos cidadãos não só de Nova Átria, mas também de Belor e de toda a comunidade internacional. Belor é hoje um dos alvos principais dos ataques dos Escorpiões, mas não o único. Exemplo disto são os ataques a três embaixadas, a de Belor e as de mais dois Estados aliados do Estado americano, perpetradas em junho de 2001. 58 O Acordo Bilateral firmado entre Belor e Nova Átria criou a base legal para a instituição do Tribunal, pelo qual o país africano delega a órgãos de Belor a competência para o julgamento dos envolvidos nos ataques às embaixadas e ao prédio da bolsa de valores, assim como a custódia dos prisioneiros dos conflitos sucessivos. Declarar como ilegal tal Tribunal seria uma afronta ao poder legítimo que possuem os Estados de contratar entre si. Em especial o seria caso a Corte 58 Caso Hipotético, ¶ 8. 26 declarasse a ilegalidade de tratado celebrado com um Estado que nunca consentiu com a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana. Isto agride princípio basilar do Direito Internacional do consentimento necessário por terceiros Estados, consagrado pela jurisprudência internacional, v.g., pela Corte Internacional de Justiça de Haia em sua decisão ao caso concernente ao Timor Leste. 59 B.2 A Competência do Tribunal Especial De acordo com o artigo 6 da CIRATB, em seu parágrafo 1(a) e (c) 60 , Belor pode estabelecer a sua jurisdição quanto aos crimes tipificados pelo artigo 2 61 quando o ataque 59 East Timor case (Portugal v. Australia), CIJ Comp., 1995, 90. 60 Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre os delitos enunciados no artigo 2 quando: a) O delito for cometido no território desse Estado; b) O delito for cometido a bordo de embarcação que porte a bandeira desse Estado ou de aeronave matriculada sob as leis desse Estado no momento em que venha a ser cometido; ou c) O delito for cometido por nacional desse Estado. 61 Artigo 2: 1. Comete um delito no sentido desta Convenção qualquer pessoa que ilícita e intencionalmente entrega, coloca, lança ou detona um artefato explosivo ou outro artefato mortífero em, dentro ou contra um logradouro público, uma instalação estatal ou governamental, um sistema de transporte público ou uma instalação de infra-estrutura: a) Com a intenção de causar morte ou grave lesão corporal, ou b) Com a intenção de causar destruição significativa desse lugar, instalação ou rede que ocasione ou possa ocasionar um grande prejuízo econômico. 2. Também constitui delito tentativa de cometer qualquer dos delitos enumerados no parágrafo 1º. 3. Também constitui delito: a) Participar como cúmplice nos delitos enunciados nos parágrafos 1 ou 2; ou b) Organizar e dirigir outros na perpetração dos delitos enunciados nos parágrafos 1 e 2; 27 acontecer em seu território – como o ataque a bomba em frente ao prédio da bolsa de valores (parágrafo 8) – ou tiver sido realizado por um nacional – como o caso do envolvimento do Sr. Ferris Blanco. De acordo com o parágrafo 2(b) do mesmo artigo supra, Belor tem o direito de estabelecer sua jurisdição para garantir que hajam processos contra criminosos que realizem ataques “contra uma instituição estatal ou governamental desse Estado no exterior, inclusive uma embaixada ou outra instalação diplomática ou consular desse Estado”. Assim, quando analisado em conjunto este tratado e o acordo bilateral firmado entre Belor e Nova Átria, não há como negar a competência do tribunal para julgar os casos. B.3 O Complexo de Citadel como Centro de Detenção Legal Citadel é um centro de detenção provisório e não uma prisão. Os que estão lá detidos se encontram sob a guarda de oficiais cedidos por Belor, a espera de investigação e instrução do processo a ser realizada pelo Tribunal. O Estado garante a proteção dos direitos humanos dos detentos, mas, utilizando-se do artigo 27 62 da CADH, resguarda-se no direito de suspender ou c) Contribuir de qualquer outra forma na perpetração de um ou mais dos delitos enunciados nos parágrafos 1 ou 2 por um grupo de pessoas que atue com um propósito comum; essa contribuição deverá ser intencional e ocorrer seja com a finalidade de colaborar com a atividade ou o propósito delitiva genérico do grupo, seja com o conhecimento da intenção do grupo de cometer o delito ou delitos de que se trate. 62 Art. 27 - Suspensão de garantias: 1. Em caso de guerra, de perigo público ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do estado-parte, este poderá adotar as disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não 28 garantias – expressamente no caso, à liberdade pessoal 63 - visando a manutenção da segurança nacional e a proteção de seus nacionais. Assim, enquanto aguardam o início dos trabalhos do tribunal, os detentos permanecerão em Citadel. Existem evidências que levam a crer que muitos detentos estão diretamente envolvidos nos atos de terrorismo. O estado de conflito não chegou ao seu fim e, visto que Belor tem a obrigação de proteger seus cidadãos e sua soberania contra novas agressões, seria demasiado temerária a libertação destes indivíduos, que poderiam contribuir com ataques a alvos civis ou estatais. Detentos cuja participação em ataques careciam de evidências, e que não constituíam risco à segurança dos Estados, foram libertados. 64 A alegação de que existem, entre os detentos, encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social. 2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes arts.: 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 6 (proibição da escravidão e da servidão), 9 (princípio da legalidade e da retroatividade), 12 (liberdade de consciência e religião), 17 (proteção da família), 18 (direito ao nome), 19 (direitos da criança), 20 (direito à nacionalidade) e 23 (direitos políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos. 63 Art. 7o - Direito à liberdade pessoal 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas. 29 pessoas que não estariam envolvidas diretamente com os conflitos foi feita por ex-detentos que confessaram publicamente o seu envolvimento com os Escorpiões. Suas alegações são extremamente questionáveis, visto que também possuem interesses no alijamento da presença de Belor em Nova Átria por meios ilícitos. B.4 Respeito ao Devido Processo Legal e outras Garantias Processuais O tribunal de Citadel respeita todas as garantias necessárias para a realização de um processo justo. O devido processo legal traz consigo o respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório assim como os princípios do duplo grau de jurisdição e imparcialidade. Ao contrário do que sugere a Comissão, no presente caso não se verifica a ocorrência de lei ex post facto em direito penal, e a suspensão do princípio do juiz natural é perfeitamente admissível segundo o Direito Internacional. Em Citadel ocorre a instrução penal de acordo com estes princípios relacionados ao devido processo legal. Os detentos contam com o acompanhamento de defensores plenamente competentes para exercerem tal função, o que garante o Direito ao contraditório e à assistência judiciária; os casos são processados por três juízes aposentados da Suprema Corte de Belor, detentores de notório saber jurídico e moral ilibada, assegurando um juízo imparcial para o processo. Além disso, é reconhecido aos detentos o recurso da sentença a uma instância superior, a Suprema Corte de Belor 65 , resguardando-se o duplo grau de jurisdição. 64 Caso Hipotético, ¶ 15 65 Caso Hipotético, ¶ 14. 30 Diversas convenções internacionais codificam o crime contra a humanidade e de terrorismo, situando-os no rol dos atos que violam normas de jus cogens. 66 Tais instrumentos impõem o dever de reprimir e punir condutas hediondas repudiadas pela comunidade internacional. 67 A Convenção sobre Genocídio e as Convenções de Genebra de 1949, v.g., impõem o dever do Estado julgar, ou pelo menos extraditar para algum país que assim proceda, aquelas pessoas acusadas de cometerem genocídio e outras violações de Direito Internacional Humanitário. Independentemente de qual seja o conflito em questão, tendo ocorrido um desses crimes, subsiste a obrigação de processar do Estado. 68 Os tipos penais previstos no Decreto Ministerial de 27 de junho de 2001 são, vis-à-vis, uma mera compilação de tipos já previstos no Direito Interno de Belor, estando objetivamente tipificados em instrumentos internacionais aprovados pelo Poder Legislativo e ratificados pelo 66 CVDT, supra nota 3, art. 53: “Tratados incompatíveis com uma norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens) : É nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, seja incompatível com uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os efeitos da presente Convenção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza. 67 Bassiouni, International Crimes: Jus Cogens and Obligatio Erga Omnes. Law and Contemporary Problems, Vol. 59, 1996, 68. 68 Id., 15-16. 31 Executivo do país. 69 A partir do momento em que os mencionados tratados internacionais foram ratificados por Belor, seus conteúdos ganham força normativa no direito interno, revogando as normas em sentido contrário (lex posteriori revogat lex anteriori). Todos os crimes cometidos pelos criminosos detidos em Citadel se deram após a ratificação dos referidos Tratados por Belor, e se submetem ao tratamento jurídico-legal neles previsto. Respeita-se, desta forma, o princípio da legalidade, visto que os respectivos tipos penais já se encontravam em pleno vigor antes do fato, inexistindo, no caso, lei ex post facto. Membros dos Escorpiões cometeram crimes tipificados nos arts. 2.1(a);2.1(b) da CISFT ao financiar atividades terroristas, no art. 2.1(a);2.1(b) da CIRATB a patrocinarem ataques a bomba com finalidades terroristas, e arts.2.1 da CIPPCCPGPI ao promoverem ataques às missões diplomáticas de países. O princípio do juiz natural é deveras importante para o Direito Penal. Diversos Estados consagram tal princípio, porém, em casos de crises é comum admitir-se tribunais ad hoc. 69 Convenção Interamericana contra o Terrorismo, ratificada em 15 de junho de 2002; Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, ratificado em 2000; as quatro Convenções de Genebra de 1949, ratificadas em 1951, e seus dois Protocolos Adicionais de 1977, ratificadas em 1978; Convenção Internacional Contra a Tomada de Reféns, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 14 de dezembro de 1973, ratificada em 1974; CPPCCPGPI, inclusive Agentes Diplomáticos, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 14 de dezembro de 1973, ratificada em 1974; Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 15 de dezembro de 1997, ratificada em 1998 e Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo, ratificada em 2000. 32 Acrescenta-se o fato de que tribunais ad hoc configuram mesmo um costume internacional, em caso de crimes internacioanais. 70 Caso inexistisse Tribunal semelhante ao de Citadel, Belor poderia estar violando obrigações internacionais assumidas perante a comunidade internacional como um todo, por não envidar todos os esforços ao seu alcance para prevenir a impunidade relativa a comissão de tipos altamente repudiados. B.5 Os Detidos em Citadel não são Prisioneiros de Guerra e Gozam apenas das Garantias Resguardadas no Direito Humanitário Consuetudinário Conforme consagrada jurisprudência 71 desta mui respeitada Corte, esta só tem competência ratione materiae para conhecer e deliberar sobre matéria prevista nos tratados incorporados ao sistema interamericano de Direitos Humanos, e não pode deliberar sobre a aplicação ou violação de convenções de direitos humanos de âmbito global tais como as Quatro Convenções de Genebra de 1949. Porém, caso a Corte decida, data maxima venia, equivocadamente por reformar seu posicionamento prévio, em flagrante violação de seu próprio Estatuto 72 , e decidir por deliberar sobre a aplicação de tais tratados, ainda sim haverá de concluir que tal aplicação não concederia nenhum novo direito aos detentos, além dos que o Direito Humanitário Consuetudinário já lhes garantem. Apesar de entender que não cabe à Corte Interamericana deliberar sobre o assunto, Belor não disputa a aplicabilidade das Convenções de Genebra no presente conflito, e inclusive por isto vê-se obrigada a prevenir e punir indivíduos responsáveis por crimes internacionais previstos 70 Citamos exempli gratia os Tribunais Ad Hoc de Nuremberg, de Tóquio, para a Ex-Iugoslávia, e para Ruanda. 71 Caso Palmeras v. Colombia, (Excepciones Preliminares).67 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 2000. 72 CADH, supra nota 1, art. 63. 33 nestas convenções 73 . Ao contrário do que alega a Comissão, grupos terroristas que atuam através de técnicas proibidas de guerra não recebem qualquer tutela de tais convenções. Não se pode atribuir garantias que impeçam e engessem a capacidade de exercício de prevenir e punir criminosos internacionais, principalmente quando tais garantias lhes foram recusadas segundo o próprio sistema de Direito Humanitário de Genebra. A alegação de que os detidos seriam prisioneiros de guerra é despida de qualquer fundamento jurídico e completamente dissonante do texto da III Convenção. Os indivíduos detidos em Citadel não atendem às especificações das cláusulas taxativas de seu artigo 4º. Os artigos 4.1 e 4.3 74 da III Convenção de Genebra, referente aos Direitos dos Prisioneiros de Guerra, se aplicam exclusivamente a membros regulares de forças armadas e Estatais ou grupos de Secessão claramente definidos. Os combatentes não são partes das forças armadas regulares de nenhum Estado, nem foram presos nesta condição. 73 I Protocolo Adicional às Convenções de Genebra Relativo a Proteção de Vítimas de Conflitos Armados Internacionais, entrou em vigor em 07 de dezembro de 1978, Art. 85(2) 3(a) (b) (c) (d) (e) e 4(d). 74 III Convenção de Genebra Relativa ao Tratamento de Prisioneiros de Guerra; entrou em vigor em 21 de out. de 1950, art. 4.1 e 4.3 “A. São prisioneiros de guerra, no sentido da presente Convenção, as pessoas que, pertencendo a uma das categorias seguintes, tenham caído em poder do inimigo: 4.1. Os membros das forças armadas de uma Parte no conflito, assim como os membros das milícias e dos corpos de voluntários que façam parte destas forças armadas; (...) 4.2. Os membros das forças armadas regulares que obedeçam a um Governo ou a uma autoridade não reconhecida pela Potência detentora; (...)”. 34 Já o artigo 4.2, que se refere às milícias de resistência ou corpos de voluntários, que aparentemente poderia incluir grupos como os Escorpiões, explicitamente não os abrange, pois o grupo terrorista viola de maneira flagrante as diversas alíneas deste inciso. Sabe-se que organizações terroristas modernas não apresentam pessoas responsáveis por seus subordinados. Tais organizações são estruturadas de modo a não apresentar responsáveis. Assim não preenchem o quesito presente na alínea (a) do Artigo 4.2 da III Convenção de Genebra. Os Escorpiões têm como estratégia de combate misturar-se a população. Não carregam quaisquer sinais que se reconheça a distância. Muito pelo contrário, possuem estratégias que incluem o mimetismo com os habitantes locais para não serem identificados e realizar ataques surpresa. Violam, portanto, a alínea (b) do Artigo 4.2 da III Convenção de Genebra. Não se pode afirmar que os Escorpiões carreguem armas sempre à vista. Por ter como estratégia confundir-se com a população civil, tal fato é pouco provável. Além disso, as armas utilizadas em ataques à bomba, como os realizados, exigem que os terroristas mantenham os explosivos ocultos até o momento da detonação para tornarem-se eficazes, principalmente quando se tratam de atentados suicidas. Viola-se assim a alínea (c) do mesmo artigo da Convenção. Finalmente, a alínea (d) do artigo 4.2 da Convenção de Genebra sobre Prisioneiros de Guerra não é satisfeita. As técnicas de explosões maciças e até suicidas adotadas ferem de maneira flagrante as leis e usos de guerra do Direito Consuetudinário Internacional, ao atingirem pessoas especialmente protegidas pelo direito internacional, como os agentes diplomáticos feridos e assassinados nos ataques às embaixadas, e civis não diretamente envolvidos nos conflitos. 35 O Art. 5º determina que em caso de dúvidas sobre a aplicação do Estatuto do prisioneiro tal dúvida seja submetida a um Tribunal Competente. Conforme demonstrado, não há dúvidas em relação à impossibilidade de enquadrarem-se indivíduos Escorpiões envolvidos com atividades terroristas como prisioneiros de Guerra. Assim, ao optarem por estratégias que violam os mais básicos princípios do direito humanitário, estão desamparados da tutela dada a prisioneiros de Guerra pela III Convenção de Genebra. Porém, se ainda assim prevalecer o entendimento que tais dúvidas existem, o Tribunal Militar em Citadel seria plenamente competente para fixar tais controvérsias, não havendo a necessidade de qualquer transferência daquele centro de detenção. Não obstante os detidos por atividades terroristas não gozarem das proteções especiais concedidas pelas convenções de Genebra, Belor sempre se demonstrou comprometido a respeitar garantidos pelo Direito Humanitário Consuetudinário. Porém tal respeito não pode constituir-se em um obstáculo à luta contra o terror e outros crimes internacionais. 75 A atual guerra contra o terrorismo é um novo tipo de conflito. Não se enquadra na guerra tradicional em que duas nações se enfrentam, mantendo um compromisso de respeitar as leis que regem conflitos armados e são a base de fundamentação para o conceito de prisioneiros de guerra. Novos fatores passam a ter uma importância primordial, como a capacidade de obtenção de informações com terroristas já capturados com agilidade suficiente para evitarem-se novas atrocidades contra civis e para eficazmente condenar responsáveis por homicídios dolosos de civis inocentes, fora do front de batalha. 75 Fact Sheet Status of detainees of Guantánamo, Comunicado da Casa Branca de 7 de fev. de 2002, disponível 13.html> . em: <http://www.whitehouse.gov/news/releases/2002/02/print/20020207- 36 Não há sentido para fornecerem-se a combatentes terroristas benesses tais como: adiantamento de salários mensais 76 , uniformes de para prática de esportes 77 e instrumentos científicos 78 . A ineficácia de interrogatórios morosos pode ser fatal, permitindo que atentados se concretizem custando vidas de milhares de civis. No presente conflito, o princípio basilar da reciprocidade, um dos fundamentos das Convenções de Genebra de 1949, é mera ficção, pois não há como exigir-se de terroristas que cumpram critérios mínimos que seja de observação do Direito Humanitário, e certamente garantias mínimas, como o acesso da Cruz Vermelha Internacional às instalações onde soldados de Belor ou Nova Átria sejam mantidos como prisioneiros, não serão respeitados. Faz-se mister ressaltar que Belor sempre se comprometeu em garantir e respeitar os limites do Direito Humanitário Consuetudinário, aplicando técnicas persuasivas apenas até o limite admitido pela comunidade internacional como um todo. O livre acesso por representantes da Cruz Vermelha Internacional às instalações de Citadel foi garantido, e pôde-se verificar que nenhum abuso fora cometido. B.6 Belor não Patrocinou Atos de Tortura em Citadel É princípio de Direito, universalmente aceito, que os tribunais têm o dever de fundamentar suas decisões tendo em mira as provas das alegações que lhe são submetidas, de forma a alcançar uma correta atuação na administração da justiça79 . A Corte Interamericana de 76 III Convenção de Genebra, supra nota 52, Art. 60. 77 Id., Art. 38 78 Id., Art. 72 79 Monge, La Prueba Pericial Ante la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 5 ILSA J. Int’l & Comp. L., 1999, 651. 37 Direitos Humanos afirmou reiteradamente em suas decisões a necessidade de provas específicas para que seja declarada a responsabilidade de um Estado pelo crime de tortura 80 . No caso Gangaram Panday, v.g., a Corte determinou que, dada a falta de provas de tortura ou maus-tratos nas mãos de oficiais do governo, os denunciantes não haviam demonstrado uma prática governamental da qual a Corte poderia inferir que a vítima fora torturada ou maltratada 81 . De forma semelhante, no caso Paniagua Morales, os detidos que não apresentaram relatórios médicos que demonstrassem sinais de maus-tratos foram considerados como se não os houvessem sofrido. Tais casos são exemplos que demonstram como a Corte Interamericana tem relutado em considerar fatos controversos como provados baseada somente no testemunho oral da suposta vítima 82 . É evidente que a Corte, em aplicação das normas relativas ao marco de sua competência, estipuladas nos artigos 62(3) e 63 da CADH 83 , tem a faculdade de considerar, revisar e reavaliar a totalidade dos fatos envolvidos em um caso, independentemente da Comissão os ter como estabelecidos previamente. “[A Corte] exerce jurisdição plena sobre todas as questões relativas a um caso [. . .] e, no exercício dessas atribuições, a Corte não está vinculada com o que a 80 Caso Gangaram Panday v. Suriname, 16 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1994; Caso Paniagua Morales v. Guatemala, 37 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1998. 81 Caso Gangaram Panday v. Suriname, 16 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1994, ¶ 64. 82 ver Lantrip, Tortura y Trato Cruel, Inhumano y Degradante en la Jurisprudência de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 5 ILSA J. Int’l & Comp. L., 1999, 640. 83 CADH, supra nota 1. 38 Comissão tenha previamente decidido, mas está habilitada para sentenciar livremente, de acordo com sua própria apreciação.” 84 No caso em questão, a Comissão baseou as acusações de tortura tão somente no depoimento das supostas vítimas dos atos. Tais pessoas, declaradamente, se originam do movimento dos Escorpiões 85 que soem cometer atentados contra alvos de Belor em Nova Átria, possuem interesse direto no caso e, portanto, duvidosa parcialidade nas suas declarações. A principal alegação dos pretensos torturados se dá em torno de fatos de impossível constatação pericial, quais sejam a privação de sono e a permanência forçada de pé durante intervalos de duas, quatro ou oito horas. A ocorrência de agressões físicas por parte dos agentes de segurança foi negada pelos próprios detidos. Ademais, inexiste consenso quanto à caracterização da privação do sono como sendo violação de direito internacional humanitário. As obrigações essenciais consagradas pelo chamado Direito Humanitário Consuetudinário foram respeitadas e não houve em nenhum momento ato que violasse a integridade física dos detidos. Não existem, assim, indícios concludentes nem convincentes que permitam determinar a veracidade da denúncia segundo a qual pessoas cujos nomes não foram declarados foram objetos de tortura durante sua detenção em Citadel 86 . 84 Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras (Excepciones Preliminares), supra nota 2, ¶ 29; Caso Fairén Garbi y Solís Corrales v. Honduras (Excepciones Preliminares), 2 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C ), 1987, ¶ 34; Caso Godínez Cruz v. Honduras (Excepciones Preliminares), 3 Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), 1987, ¶ 32. 85 Caso Hipotético, ¶ 15. 86 Ver Caso Gangaram Panday v. Suriname, supra nota 54, ¶ 56. 39 Ungida pela sua tradição de transparência perante os organismos internacionais, a República de Belor demonstrou sua boa-fé permitindo o acesso da Cruz Vermelha aos detentos de Citadel 87 . Tendo em vista que não há evidencias suficientes para dar como certas as acusações da Comissão, constatando-se que as únicas testemunhas apresentadas têm interesses direto no caso, resulta impossível concluir, como solicita a Comissão, que no caso sub judice se está diante de uma violação dos artigos 1 e 6 da CIPPT. 87 Caso Hipotético, ¶ 16. 40 III. PETITÓRIO Pelas razões expostas ao longo do presente memorial, fundamentadas em considerações de fato e de direito, o Estado de Belor respeitosamente solicita que a Corte Interamericana de Diretos Humanos se declare incompetente para deliberar sobre os pedidos apresentados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Porém, caso a honorável Corte decida por exercer a competência no presente caso, roga-se declarar a inexistência por parte da República de Belor de quaisquer violações à CADH alegadas pela Rights International e pela Comissão. Pede também que a Corte rejeite o pedido de medidas provisionais para que seja suspenso o processo contra o Sr. Ferris Blanco por carecer tal pedido de caráter de urgência e o simples decorrer de um processo não ter por si só a capacidade de gerar consequênciais irremediáveis. Roga ainda que a Corte reconheça, conclua e declare: a) Que as medidas legislativas e executivas da República de Belor em momento delicado de sua história, são contribuições para a concretização e proteção aos Direitos de seus cidadãos e visitantes à vida ( Art. 4 da CADH), à integridade física e psíquica (Art. 5(1) da CADH), à liberdade e segurança pessoais (Art. 7(1) da CADH) e de circulação (Art.22 da CADH); b) Que a República de Belor tem o Direito de se defender da ameaça terrorista contra seus cidadãos, aprovando leis adequadas às peculiaridades de suas necessidades de segurança e inclusive suspendendo garantias previstas na CADH, em conformidade com o Cap. IV do Pacto de San José da Costa Rica. Finalmente, a República de Belor declara perante esta respeitosa Corte que se compromete a, independentemente de sua decisão para o caso sub judice: a) Quanto a situação do Sr. Ferris Blanco, Laura Gray e Robert Suarez e demais detidos em Citadel, consultar com as autoridades responsáveis pelo Tribunal e prisão de Citadel, recomendar e solicitar garantias de que o réu não terá seus Direitos desrespeitados (art. 1(1) 41 da CADH), em especial a sua integridade pessoal (art. 5 da CADH), não sendo submetido a tratamento proibido pelo Direito Humanitário Consuetudinário, e que tenha um julgamento justo, imparcial e que recebam penas compatíveis com os crimes cometidos. b) Quanto aos cidadãos pertencentes à seita corpiã que foram prejudicados pelo fechamento do Templo Gir, disponibilizar transporte público em condições acessível para professar livremente sua fé em outros Templos Corpiões da Capital de Belor. 42 c) Corpiões da Capital de Belor.