MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL Aspectos
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MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL Aspectos
MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL Aspectos Epidemiológicos e Sócio-Culturais ABORTAMENTO PREVISTO EM LEI EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA SEXUAL PERSPECTIVAS E EXPERIÊNCIAS DAS MULHERES Brasil 1 2 MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL Aspectos Epidemiológicos e Sócio-Culturais ABORTAMENTO PREVISTO EM LEI EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA SEXUAL Perspectivas e Experiências das Mulheres Pesquisa realizada em 2006 3 Ministério da Saúde Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e não seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pela cessão dos direitos autorais de textos e imagens dessa obra é da Área Técnica. Tiragem: Elaboração, distribuição e informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Área Técnica de Saúde da Mulher Esplanada dos Ministérios, Bloco G, Edifício Sede, 6º Andar, Sala 629 CEP: 70058-900 – Brasília - DF Tel.: (61) 315 2933 – Fax: (61) 322 3912 E-mail: [email protected] Home page: http://www.saude.gov.br Ficha Catalográfica 4 Sumário Autores e Colaboradores.......................................................................................07 Produtos do Projeto Magnitude do Aborto no Brasil ........................................09 MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL: Aspectos Epidemiológicos e Sócio-Culturais............................................................11 RELATÓRIO SOBRE A MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL..........................12 1 - Introdução...........................................................................................................12 2 - Internações por abortamento registradas no Sistema de Informações Hospitalares do SUS...........................................................................................16 3 - Diferenças regionais no número de internações no SUS por abortamento............18 4 - Municípios com maior número de internações do SUS por abortamento.............19 5 - Diferenças no número de internações no SUS por abortamento segundo a faixa etária..........................................................................................22 6 - Estimativas do número de abortos induzidos de 1992 a 2005..............................23 7 - Estimativa da razão de abortos induzidos por 100 nascimentos vivos.................25 8 - Estimativa das taxas anuais de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos................................................................................................26 9 - Diferenças regionais das taxas anuais de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos............................................................................27 10 - Mapa das taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres.............................28 10.1 -Taxas anuais de aborto induzido por 1000 mulheres de 10 a 49 anos por Unidade da Federação .......................................................28 10.2 - Taxas anuais de aborto induzido por 1000 mulheres segundo grupos de idade por Unidade da Federação..................................................30 10.3 - Taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres de 20 a 29 anos por Unidade da Federação .........................................................31 10.4 - Taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres de 30 a 39 anos e de 40 a 49 anos por Unidade da Federação ...........................32 11 - Aborto como causa de mortalidade materna e diferencial por etnia.....................33 12 - A carga do aborto na mortalidade materna no período de 2000 a 2004.................36 12.1 - Entrada dos dados......................................................................................36 13 - Repercussão do projeto na mídia ............................................................................38 14 - Considerações finais e recomendações.............................................................42 15 - Referências........................................................................................................45 ANEXO 1 - Municípios com mais de 500 e menos de 1.000 internações do SUS por abortamento..................................................................................47 5 ANEXO 2 - Municípios com 100 a 500 internações do SUS por abortamento.............49 ANEXO 3 - Programa do seminário sobre “Riscos à saúde da Mulher”.......................56 ANEXO 4 - “Estimativas indiretas de aborto clandestino: Uma realidade brasileira”........................................................................57 ANEXO 5 - Mesa Redonda - Aborto no Brasil: atualizando Informações..................58 ANEXO 6 - As informações sobre abortamentos no SIH/SUS..................................61 ABORTAMENTO PREVISTO EM LEI EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA SEXUAL Perspectivas e Experiências das Mulheres......................................................................79 1. APRESENTAÇÃO …….....…………………..............…………..…..........................80 2. INTRODUÇÃO …....…………………....................................................................83 abortamento como problema de saúde pública ....….............................83 dimensão da violência sexual ..............…….....................................…...85 violência sexual e anticoncepção de emergência ........…......................91 aspectos éticos e legais .........………………………..........................…. 93 abortamento seguro .........……………………........................…............102 abortamento e direitos sexuais e reprodutivos .................................….107 3. PROPOSIÇÃO ......................................................…………...................….......109 4. CASUÍSTICA ...............................................................................….................110 5. MÉTODO ......................................………................…..............…......................114 variáveis de estudo ..............……....................…...................................114 instrumentos ............................……………...............................................123 entrevistas .............………..............………….....................................…123 informatização dos dados ...........……...............…….........................…124 aspectos éticos ............………..............……....................…..................124 análise dos dados e método estatístico ................................…............126 6. RESULTADOS...................................................................................................126 dados sobre a entrevistada .......................…............................................126 dados sobre a violência sexual ........………..............………....................128 dados sobre a gravidez ..........................………………...........................131 dados sobre o abortamento .......................……..................…...............137 comportamentos e opiniões da entrevistada ............…….....................…143 perspectivas sobre o abortamento medicamentoso .................................153 7. CONCLUSÕES .......................................................……….................................154 8. ANEXOS .....................................…….................……...........................................161 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................……............................................166 6 Autores e Colaboradores MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL Aspectos Epidemiológicos e Sócio-Culturais Leila Adesse Diretora do programa de Ipas no Brasil Mário F. G. Monteiro Professor Adjunto do Instituto de Medicina Social da UERJ ABORTAMENTO PREVISTO EM LEI EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA SEXUAL Perspectivas e Experiências das Mulheres Elaboração: Daniela Pedroso Edlaine de Campos Gomes Jefferson Drezett Leila Adesse Maria José Araújo Oliveira Pesquisa realizada em 2006 7 8 PRODUTOS DO PROJETO MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL Neste projeto, realizado numa parceria de IPAS e Instituto de Medicina Social da UERJ, com o apoio da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, além de uma revisão bibliográfica sobre a magnitude do aborto no Brasil, foram desenvolvidas as seguintes etapas: 1 Identificação de metodologias para estimar o número de abortos induzidos. 2 Realização de um seminário sobre “Riscos à saúde da Mulher”, cujo programa está reproduzido no Anexo 1. Até o fim deste ano, alguns destes trabalhos serão publicados na Série Estudos em Saúde Coletiva, do Instituto de Medicina Social da UERJ (já existe um acordo para sua publicação no sítio http://www.ims.uerj.br/ sesc/ 3 Apresentação do trabalho “Estimativas indiretas de aborto clandestino: Uma realidade brasileira” no 8º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva e 11º Congresso Mundial de Saúde Pública (Rio de Janeiro, 21 a 25 de agosto de 2006). Este trabalho está reproduzido no Anexo 2. 4 Apresentação do trabalho “Estimativas de aborto induzido no Brasil e Grandes Regiões. 1992-2005” no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP (Caxambu, 18 a 22 de setembro de 2006). Este trabalho foi apresentado na Mesa Redonda 12 Aborto no Brasil: atualizando Informações, cujo resumo está reproduzido no Anexo 3 e está disponível no sítio: http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ ABEP2006_252.pdf 5 Produção do relatório final. 6 Documento sobre as informações sobre abortamentos no SIH/ SUS, produzido por Jacques Levin ([email protected]), Analista de Sistemas de Informação do Ministério da Saúde/ Departamento de Informática do SUS. 9 Neste documento são descritas as principais características do Sistema de Informações Hospitalares do SUS, as informações disponíveis relacionadas com os abortamentos, a forma de acesso a elas e discute os critérios de seleção dos casos em estudo (Anexo 6). 10 MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL Aspectos Epidemiológicos e Sócio-Culturais 11 RELATÓRIO SOBRE A MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL 1 - Introdução O abortamento representa um grave problema de saúde pública e de justiça social em países em desenvolvimento – como é o caso do Brasil – de grande amplitude e com complexa cadeia de aspectos envolvendo questões legais, econômicas, sociais e psicológicas. Um reflexo disso é que, enquanto o numero de abortos inseguros na Europa Ocidental é de zero, na América do Sul esta estimativa chega a três milhões (Cook, Dickens & Fathalla, 2004). Grande parte dos sistemas de saúde nos países em desenvolvimento, independentemente da sua política em relação ao aborto induzido, não planeja sistematicamente ou fornece atenção médica de emergência de maneira eficaz, para mulheres que sofrem de complicações relacionadas ao aborto. Como resultado, o tratamento freqüentemente é postergado e ineficaz, com graves conseqüências e riscos à saúde da mulher (JHU – Population Information Program, 1997). O documento Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher - Plano de Ação 2004 – 2007, elaborado pelo Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde, cujo objetivo específico 3 é “Promover a Atenção Obstétrica e Neonatal Qualificada e Humanizada, Incluindo a Assistência ao Abortamento Em Condições Inseguras, para Mulheres e Adolescentes”, mostra preocupação e reconhece a gravidade dos riscos associados com o abortamento (Ministério da Saúde, 2004). No Brasil, o abortamento é permitido pela lei penal somente em duas circunstâncias: no caso de violência sexual (estupro) ou riscos à vida da mulher. Vale ressaltar que o aborto legal requer “uma atenção técnica adequada, segura e humanizada” (Ministério da Saúde, 2004). No entanto, o abortamento é amplamente praticado em todo o país, principalmente por meios inadequados que podem levar a danos à saúde e provocar a morte da mulher, e as mulheres em situação de abortamento, geralmente sentem constrangimento 12 e/ou medo em declarar seus abortamentos, o que proporciona uma grande dificuldade em relação aos cálculos e números exatos da magnitude do aborto no Brasil. Neste sentido, os estudos e pesquisas dessa temática apontam, principalmente, para estimativas, que se baseiam nos dados de internação no SUS, que incluem atenção pós-abortamento, aborto previsto em lei, abortos espontâneos, dentre outros, ficando de fora os realizados em clínicas privadas e em outros procedimentos, que prescindem do sistema de saúde. O Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas (Comitê CEDAW) estabeleceu que a tipificação do aborto como um delito em si não desestimula as mulheres de se submeter ao aborto mas, pelo contrário, incentiva as práticas de risco.1 A prática do aborto ilegal, especialmente, evidencia as diferenças sócio-econômicas, culturais e regionais diante da mesma ilegalidade do aborto. Mulheres com mais condições financeiras, geralmente nos grandes centros urbanos, têm acesso aos métodos e clínicas de abortamento ilegais de maior higiene e cuidado. Já as mulheres mais carentes – a grande maioria da população feminina brasileira – recorrem aos métodos mais perigosos, com pouca precaução, resultando num alto índice de agravos à saúde. Tal fato é demonstrado pelo número de internações no Sistema Único de Saúde para procedimentos cirúrgicos pós-abortamento. Segundo o SUS, nos últimos três anos, a média dos procedimentos de esvaziamento uterino pós-aborto por curetagem e por aspiração manual intra-uterina (AMIU) atingiu 245.786,33 (DataSUS, 2004). O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH) estabeleceu que o respeito ao direito à vida das mulheres inclui o dever dos Estados de adotar medidas para evitar que elas recorram a abortamentos inseguros e clandestinos que ponham em risco a sua vida e a sua saúde, especialmente quando se tratar de mulheres Observações Finais do Comitê CEDAW: Peru, 8 de julho de 1998, Doc.U.N.CEDAW/C/1998/II/L.1/Add.7, parágrafo 6. 1 13 pobres e afrodescendentes.2 Deste modo, faz-se necessário delinear a magnitude do abortamento em seus aspectos epidemiológico, sócio-econômico, cultural, ético e jurídico, através de um estudo mais apurado dos dados existentes. A partir da realização de cruzamentos de dados de diferentes naturezas, buscamos fornecer subsídios para apoiar a formulação e a implementação de políticas públicas voltadas para a reversão do quadro de abortos ilegais, morbidade e mortalidade feminina no Brasil. Neste projeto delineamos a magnitude do abortamento no Brasil, produzindo fundamentação teórica e empírica a fim de contribuir para o desenho e implementação de políticas públicas eficazes. A dimensão crítica do abortamento é notória, justificando a relevância de fornecermos subsídios e informações consistentes aos gestores e profissionais da área da saúde para que possam prestar “atenção técnica adequada, segura e humanizada” às mulheres em situação de abortamento e incentivar o uso de alternativas contraceptivas, evitando o recurso a abortos repetidos. É fundamental para a formulação e implementação de políticas públicas, o aprofundamento da problemática do abortamento de forma a criar um ambiente favorável para a atenção ao abortamento, diminuindo seu estigma e, estimulando os profissionais, independente dos seus preceitos morais e religiosos, a preservarem uma postura ética, garantindo o respeito aos direitos humanos das mulheres. Singh e Wulf em seu trabalho sobre a prática do aborto no Brasil, Colômbia, Chile, Republica Dominicana, México e Peru, relacionam algumas destas práticas de maior risco: trauma voluntário (quedas, socos, atividade físicas excessivas, etc.), substâncias cáusticas inseridas na vagina (cloro, cal, sais de potássio), objetos físicos inseridos no útero (cateter e objetos pontiagudos, tais como arame, agulhas de tecer e cabides), entre outras práticas (Singh e Wulf, 1994). 2 14 CDH, Observação Geral número 28, parágrafo 10. No entanto, apesar de sua importância e dos riscos à saúde da mulher que estão associados com algumas práticas de indução do aborto, o estudo da magnitude do “aborto” tem sido dificultado devido a preconceitos políticos e religiosos e à ilegalidade do aborto, que certamente não têm contribuído para melhorar a atenção médicohospitalar que seria necessária para diminuir os riscos, resultando num efeito perverso de dificultar o atendimento a mulheres que suportam os maiores riscos. Até 1994 o desconhecimento sobre o tema era tão grande que em 1991 as estimativas do número de abortos no Brasil variavam entre 300.000 e 3,3 milhões de abortos ilegais feitos a cada ano. (Fonseca et al, 1996 ; Singh& Wulf, 1991). Em 1994, o Alan Guttmacher Institute publicou os resultados de uma investigação sobre aborto clandestino na América Latina, incluindo o Brasil, estimando para 1991 um total de 1.443.350 abortamentos induzidos no Brasil, e uma taxa anual de 3,65 abortamentos por 100 mulheres de 15 a 49 anos. A repercussão nacional e internacional da investigação sobre aborto clandestino na América Latina foi tão grande que recolocou esta discussão em pauta e hoje é difícil um estudo sobre aborto clandestino que não o referencie. Assim um dos principais objetivos deste trabalho é atualizar as estimativas para uma série histórica de 1992 a 2005 para o Brasil e Grandes Regiões, discutindo a validade e atualização deste método, mostrar a importância do problema e identificar áreas e grupos populacionais mais expostos aos riscos de seqüelas e de mortalidade em conseqüência do aborto clandestino. 15 2 - Internações por abortamento registradas no Sistema de Informações Hospitalares do SUS O abortamento ilegal - provocado3 - pode ser resultado de diferentes fatores, como: 1 - falta de informação e conhecimento sobre o planejamento reprodutivo; 2 - dificuldade de acesso aos métodos contraceptivos, seja pelo fator econômico, seja pela ausência de informação sobre os métodos existentes; 3 - falta de acompanhamento dos serviços públicos às mulheres reprodutivamente ativas4; 4 – assim como o abortamento também pode ser resultante de violência sexual como o estupro dos próprios parceiros ou de terceiros. A gravidez indesejada, que ocorre no Brasil devido à baixa utilização de práticas anticoncepcionais, tem como conseqüência uma elevada taxa de abortamentos induzidos. O aborto provocado é reconhecido como um importante problema de saúde pública no Brasil, onde várias técnicas para interromper a gravidez são utilizadas, desde procedimentos médicos modernos, eficazes e seguros (como a dilatação cirúrgica e a curetagem e a aspiração a vácuo, realizadas em consultórios médicos e clínicas especializadas) até uma ampla variedade de procedimentos populares praticados pelas próprias mulheres ou por pessoal não capacitado, que resultam em sérios riscos à saúde destas mulheres, levando muitas vezes ao óbito materno. As internações por abortamento registradas no Sistema de Informações Hospitalares do SUS, de 1992 a 2005 para o Brasil e Grandes Regiões, foram obtidas no sítio www.datasus.gov.br acessado em 22 de abril de 2006. Estas internações foram desagregadas por grandes regiões do Brasil e faixa etária. A população residente e o número de mulheres de 15 a 49 anos Temos também um outro tipo de abortamento, o espontâneo, que “ocorre em aproximadamente 10% das gestações, envolvendo sentimentos de perda, culpa pela impossibilidade de levar a gestação a termo, além de trazer complicações para o sistema reprodutivo” (Ministério da Saúde, 2004: 2). 3 O IBGE em 2003 estimou a existência de 57 milhões de mulheres em idade reprodutiva no Brasil (Araújo, 2003:3) 4 16 também foram obtidos no sítio www.datasus.gov.br e o número de nascidos vivos foi estimado com as taxas anuais de natalidade divulgadas pelo IBGE . A série histórica de 1992 a 2005 apresentada no Gráfico 1 mostra que o número de internações no SUS por abortamento reduziu-se rapidamente, passando de 344.956 internações em 1992 para 252,917 em 1996 (uma redução de 26,7 % em 4 anos), mantendose com valores próximos a 250.000 até 2005. Gráfico 1 Número de internações no SUS por abortamento (em milhares) Brasil - 1992 a 2005 Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) Nas discussões com pesquisadores, após apresentação destes resultados em Congressos, Seminários e reuniões de IPAS, foi sugerido que pode ter havido um aumento na utilização de misoprostol na indução do aborto, reduzindo a freqüência de complicações e conseqüentemente necessitando um número menor de internações, o que poderia explicar esta redução entre 1992 e 2005. Esta sugestão será levada em conta mais adiante para estimarmos o número de abortos induzidos em 2005. 17 3 - Diferenças regionais no número de internações no SUS por abortamento Em 2005 a grande maioria (3 em cada 4) das internações no SUS por abortamento ocorreram nas duas grandes regiões com maior população, Nordeste e Sudeste. Observa-se, no entanto, que enquanto houve uma redução de internações nas três regiões mais populosas (mas com menor crescimento), o número de internações na Região Centro-Oeste permaneceu praticamente o mesmo e cresceu na Região Norte. Estas diferenças na evolução das internações por abortamento podem ser explicadas pelo ritmo mais rápido de crescimento da população feminina de 15 a 49 anos na Região Norte, que aumentou 59% de 1992 a 2005. Nas outras regiões este crescimento foi de 47% na Região Centro-Oeste, cerca de 30% nas Regiões Nordeste e Sudeste, e de 26% na Região Sul. Gráfico 2 Número de internações no SUS por abortamento Grandes Regiões - 1992 e 2005 Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 18 4 - Municípios com maior número de internações do SUS por abortamento Para fins de planejamento e administração de serviços de saúde é importante saber o número de internações do SUS por abortamento. Por isso, utilizando a Lista de Morbidade CID-10 e agregando Aborto espontâneo, Aborto por razões médicas e Outras gravidezes que terminam em aborto, produzimos tabelas com dados de Morbidade Hospitalar do SUS para mulheres de 10 a 49 anos em 2005, por Município de residência divididos em três categorias: 1 - Municípios com mais de 1.000 de internações do SUS por abortamento 2 - Municípios com menos de 1.000 e mais de 500 internações do SUS por abortamento (Anexo 1) 3 - Municípios com 500 a 100 internações do SUS por abortamento. (Anexo 2) Os dez municípios com maior número de internações em conseqüência de abortamento por local de residência, em ordem, são: São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Fortaleza, Brasília, Manaus, Belém, São Luís, Belo Horizonte e Recife. 19 Municípios com mais de 1.000 de internações do SUS por abortamento em 2005 Município 355030 São Paulo 292740 Salvador 330455 Rio de Janeiro 230440 Fortaleza 530010 Brasília 130260 Manaus 150140 Belém 211130 São Luís 310620 Belo Horizonte 261160 Recife 221100 Teresina 270430 Maceió 410690 Curitiba 431490 Porto Alegre 330170 Duque de Caxias 520870 Goiânia 351880 Guarulhos 280030 Aracaju 330350 Nova Iguaçu 291080 Feira de Santana 330490 São Gonçalo 120040 Rio Branco 260790 Jaboatão dos Guararapes 350950 Campinas 160030 Macapá 250750 João Pessoa 20 10 a 14 anos 108 88 101 56 51 69 40 31 16 37 13 33 18 17 16 10 13 10 10 12 14 18 8 8 8 6 15 a 19 anos 2253 1611 1519 1110 805 1142 731 635 437 547 514 507 363 319 346 303 279 285 283 294 243 280 214 189 218 184 20 a 29 30 a 39 anos anos 7480 4193 5623 2223 4416 2067 3109 1486 3070 1486 3009 1030 1911 566 2031 502 1653 837 1636 657 1729 465 1302 472 1077 601 975 584 887 406 973 351 802 484 912 403 862 363 855 365 816 320 694 218 672 557 576 563 256 281 204 220 40 a 49 anos 880 265 410 280 321 104 84 60 165 87 53 50 132 159 67 43 101 43 83 57 42 40 24 48 39 30 Total 14914 9810 8513 6041 5733 5354 3332 3259 3108 2964 2774 2364 2191 2054 1722 1680 1679 1653 1601 1583 1435 1250 1174 1083 1045 1003 MAPA DAS INTERNAÇÕES POR ABORTO NO SUS (POR MUNICÍPIO) O mapa a seguir mostra que são poucos os municípios que não tiveram nenhuma residente, de 10 a 49 anos, internada em conseqüência de abortamento. Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 21 5 - Diferenças no número de internações no SUS por abortamento segundo a faixa etária A maior parte das internações ocorreu na faixa de 20 a 29 anos, mas a redução no número de internações no SUS por abortamento ocorreu em todas as faixas de idade (Gráfico 3). Gráfico 3 Número de internações no SUS por abortamento segundo grupos de idade Brasil - 1992 e 2005 Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) A tabela 1 mostra que houve um aumento principalmente em mulheres com menos de 40 anos na Região Norte e um aumento importante destas internações entre as mulheres de 25 a 49 anos na Região Centro-Oeste. 22 Tabela 1 Número de internações no SUS por abortamento segundo a faixa etária Brasil e Grandes Regiões – 1992 e 2005 Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 6 - Estimativas do número de abortos induzidos de 1992 a 2005 As internações por abortamento registradas no Sistema de Informações Hospitalares do SUS, de 1992 a 2005 para o Brasil e Grandes Regiões, foram obtidas no sítio www.datasus.gov.br acessado em 22 de março de 2006. Estas internações foram desagregadas por grandes regiões do Brasil e faixa etária. A população residente e o número de mulheres de 15 a 49 anos também foram obtidos no sítio www.datasus.gov.br e o número de nascidos vivos foi estimado com as taxas anuais de natalidade divulgadas pelo IBGE . Apenas para 2005 o número de abortos induzidos foi estimado por intervalo, a partir de três hipóteses: 1 - Aceitando-se a hipótese, proposta na investigação do Alan Guttmacher Institute (Alan Guttmacher Institute, 1994), que, no Brasil, 20% das mulheres que induziram um aborto tiveram que ser hospitalizadas em conseqüência de complicações, e assim multiplicando-se por cinco o número de internações por abortamento registradas no SIH-SUS. 2 – Considerando a hipótese proposta por Sônia Correa, em seu trabalho, de que o número estimado pelo método proposto na 23 investigação do Alan Guttmacher Institute estava superestimando o número de abortamentos induzidos, e que cada internação seria resultante de 3,5 abortamentos. 3 – Considerando que pode ter havido um aumento na utilização de misoprostol na indução do aborto, o que reduziria a freqüência de complicações, necessitando um número menor de internações, assumimos também a hipótese de que cada abortamento resultaria em 6 internações, aumentando a estimativa do número de abortamentos induzidos. Com estas três hipóteses podemos gerar estimativas por intervalo, com um ponto médio gerado a partir da relação de 5 abortamentos por internação, um limite superior estimado pela relação de 6 abortamentos por internação e um limite inferior estimado pela relação de 3,5 abortamentos por internação. Foram também utilizados como fatores de correção um subregistro de 12,5% e descontada uma proporção de 25% de abortos espontâneos. Assim a estimativa por intervalo foi obtida aplicandose as seguintes equações: Ponto médio das estimativas do número de abortos induzidos = número de internações por abortamento x 5 x 1,125 x 0,75 (Metodologia do Instituto Allan Guttmacher) Limite superior das estimativas do número de abortos induzidos = número de internações por abortamento x 6 x 1,125 x 0,75 (Levando-se em conta a possibilidade de que o uso de misoprostol tenha reduzido a necessidade de internações em conseqüência de abortamento) Limite inferior das estimativas do número de abortos induzidos = número de internações por abortamento x 3,5 x 1,125 x 0,75 (admitindo a hipótese proposta por Sônia Correa) 24 Gráfico 4 Estimativas do número de abortos induzidos Brasil - 2005 Fontes dos dados primários: (SIH/SUS) 7 - Estimativa da razão de abortos induzidos por 100 nascimentos vivos Para estas estimativas (7, 8 e 9) utilizamos a metodologia proposta pelo Instituto Allan Guttmacher em 1994 (AGI, 1994). As estimativas da razão de abortos induzidos por 100 nascimentos vivos foram obtidas pela razão: estimativa do número de abortos induzidos X 100 / (taxa anual de natalidade estimada X população residente estimada) e as estimativa das taxas anuais de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos foram obtidas pela razão: estimativa do número de abortos induzidos X 100 / o número de mulheres de 15 a 49 anos. Quando comparamos o número de abortos induzidos com o número de nascimentos vivos, podemos ter uma idéia da alta proporção de abortos realizados no Brasil. O número estimado de abortos induzidos, em 1992, era equivalente a 43% dos nascimentos vivos, mostrando que uma elevada proporção das gravidezes não foram desejadas, levando estas mulheres a recorrer ao abortamento. 25 Gráfico 5 Estimativas da razão de abortos induzidos por 100 nascimentos vivos Brasil - 1992 a 2005 Fontes dos dados primários: o número de abortos induzidos foi estimado a partir das internações por aborto registradas pelo Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) e o número de nascimentos foi estimado pela Taxa Bruta de Natalidade divulgada pelo IBGE. Esta proporção cai para 31% em 1996, mas apesar de terem diminuído na década de 1990, ainda correspondem a cerca de 30% dos nascimentos em 2005. Isto consolida também a idéia de que a anticoncepção no Brasil ainda não atingiu um volume suficiente para evitar a elevada proporção de gravidezes indesejáveis. 8 - Estimativa das taxas anuais de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos Aqui também utilizamos a metodologia proposta pelo Instituto Allan Guttmacher em 1994 (AGI, 1994) para estimar o número de abortamentos induzidos. Este indicador avalia o risco anual de abortamento induzido entre a população feminina em idade fértil no Brasil, que era de 3,69 abortos por 100 mulheres de 15 a 49 anos em 1992. No período analisado, há uma clara redução neste risco, mais acelerada até 1998. A partir de 1999 mantém-se a diminuição do risco, mas num ritmo mais lento, chegando a 2,07 abortos por 100 mulheres de 15 a 49 anos em 2005. 26 Gráfico 6 Estimativa das taxas anuais de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos Brasil - 1992 a 2005 Fontes dos dados primários: o número de abortos induzidos foi estimado a partir das internações por aborto registradas pelo Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). 9 - Diferenças regionais das taxas anuais de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos O gráfico 7 a seguir mostra uma diversidade regional grande no risco de aborto induzido entre a população feminina em idade fértil. Em 1992, este risco era bem maior na Região Nordeste (5,41 abortos/ 100 mulheres), e na Região Sul (1,97 abortos/ 100 mulheres) era quase 3 vezes menor (Nordeste/Sul = 2,7). Em 2005 o risco anual de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos cai para 2,73 na Região Nordeste (uma redução de 50%) e para 1,28 na Região Sul (uma redução de 35%), e a proporção deste risco entre as Regiões Nordeste e Sul cai para um pouco mais que o dobro (Nordeste/Sul = 2,1) Além desta diminuição da diferença Nordeste/Sul, agora em 2005, é a Região Centro-Oeste que apresenta o maior risco: 2,81 abortos/ 100 mulheres. 27 Gráfico 7 Estimativa das taxas anuais de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos Grandes Regiões - 1992 e 2005 Fontes dos dados primários: o número de abortos induzidos foi estimado a partir das internações por aborto registradas pelo Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 10 - Mapa das taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres 10.1 -Taxas anuais de aborto induzido por 1000 mulheres de 10 a 49 anos por Unidade da Federação A distribuição dos riscos de abortamento induzido por Unidades da Federação mostra uma desigualdade marcante, com uma linha de clivagem quase perfeita, onde os Estados das Regiões Sudeste (menos Rio de Janeiro), Sul e Centro-Oeste (menos o Distrito Federal) apresentado taxas inferiores a 20,4 abortamentos/1000 mulheres de 10 a 49 anos. Nos Estados do Norte (menos Rondônia) e Nordeste (menos Rio Grande do Norte e Paraíba) estas taxas são maiores que 21,1/1000 (Estado do Rio de Janeiro) e chegam a mais de 40 abortamentos/1000 mulheres de 10 a 49 anos nos Estados do Acre e Amapá (ver tabela 2 a seguir). 28 Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) Tabela 2 Taxas anuais de aborto induzido por 1000 mulheres por Unidade da Federação – 2005 Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 29 10.2 - Taxas anuais de aborto induzido por 1000 mulheres segundo grupos de idade por Unidade da Federação Mulheres de 10 a 14 anos e de 15 a 19 anos Apesar de serem mais baixas que para outras idades (maiores de 15 anos), e estarem concentradas entre mulheres (crianças?) de 14 anos, as taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres de 10 a 14 anos não são desprezíveis, chegando a 2,66/1000 no Amapá e 2,40/1000 no Acre. Também entre as adolescentes de 15 a 19 anos a distribuição geogáfica aponta para as Regiões Norte e Nordeste com as que aprsentam maiores riscos de aborto induzido, junto com o Distrito Federal e os Estados do Mato Grosso do Sul e do Rio de Janeiro. 30 10.3 - Taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres de 20 a 29 anos por Unidade da Federação O grupo de mulheres de 20 a 29 anos é o de maior fecundidade, e também onde estão as maiores taxas de aborto induzido. 31 10.4 - Taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres de 30 a 39 anos e de 40 a 49 anos por Unidade da Federação Entre as mulheres de 30 anos ou mais, a distribuição regional do risco de aborto induzido muda significativamente, perdendo a separação nítida Norte/Sul para incluir alguns Estados da Região Sudeste e mesmo um da Região Sul entre as mulheres de 40 a 49 anos. A principal característica deste grupo em relação à ocorrência de gravidezes indesejadas é que, em grande parte, estas mulheres já atingiram o número de filhos desejados, tendo ocorrido uma gravidez no momento em que já haviam terminado seu projeto reprodutivo. 32 11 - Aborto como causa de mortalidade materna e diferencial por etnia É notório o fato de que o abortamento é uma das principais causas da mortalidade materna. Nas regiões mais carentes, como o Norte e o Nordeste do Brasil, é grande o índice de mortes decorrentes do aborto inseguro. Segundo Ministério da Saúde (2004), desde o início da década de 90, Salvador tem registrado como causa primeira da mortalidade materna, o abortamento ilegal. Assim, os serviços de saúde públicos registram como o segundo procedimento cirúrgico mais realizado nas unidades de internação, a curetagem pós-abortamento. Tal dado aponta o grande número de abortos inseguros que produzem agravamentos à saúde da mulher, incluindo complicações físicas, infecções, infertilidade e até mesmo a morte. 33 O gráfico 8 mostra que, entre as causas de mortalidade materna, as mulheres pretas e pardas estão submetidas a uma proporção maior de óbitos por dois grupos que deveriam ser mais facilmente preveníveis: 1 - Edema, proteinúria e transtornos hipertensivos na gravidez, no parto e no puerpério, e 2 - Gravidez que termina em aborto Gráfico 8 Participação proporcional das causas de mortalidade materna Brasil – Triênio 2002 a 2004 Quando examinamos (Gráfico 9) as taxas de mortalidade materna por 100.000 nascimentos vivos, aparece melhor o risco adicional a que estão submetidas as mulheres pretas, que apresentam para todas as causas uma taxa de 77,9 óbitos/100.000 Nascidos Vivos, enquanto para as brancas esta taxa é de 38,2 óbitos/100.000 Nascidos Vivos. Mais especificamente, a gravidez que termina em aborto como causa de mortalidade materna apresenta um diferencial de taxas bem evidente: 9,4 óbitos/100.000 Nascidos Vivos entre as pretas e 3,2 óbitos/100.000 Nascidos Vivos entre as brancas. 34 Gráfico 9 Taxas de mortalidade materna por 100.000 nascidos vivos segundo a causa, para três grupos etnicos - Brasil, triênio 2002 a 2004 As estimativas de riscos relativos para estas causas específicas, comparando mulheres pretas com mulheres brancas mostra bem o risco adicional a que estão submetidas as mulheres prestas em todas as causas específicas de mortalidade materna, com destaque para a “Gravidez que termina em aborto” e para o grupo “Edema, proteinúria e transtornos hipertensivos na gravidez, no parto e no puerpério”, com aproximadamente o triplo de risco relativo. Gráfico 10 Riscos relativos de mortalidade materna comparando preta/branca 35 12 - A carga do aborto na mortalidade materna no período de 2000 a 2004 Desenvolvemos para este projeto uma planilha EXCEL para medir a carga do aborto na mortalidade materna, que será estimada para o período de 2000 a 2004 através dos Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP) em conseqüência de óbitos durante a gravidez que termina em aborto. Esta planilha está reproduzida a seguir e é disponível em arquivo Excel. 12. 1 - Entrada dos dados 12.1.1 Com dados do IBGE sobre a esperança de vida à idade exata x, publicados na tabela “BRASIL: Tábua Completa de Mortalidade - Sexo feminino – 2004”, obtido no site <http:// www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2004/ feminino.pdf> produzimos a tabela a seguir: Grupos etários Ponto médio do grupo etário (x) e(x) - esperança de vida para mulheres na idade x 10 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 15 25 35 45 62,9 53,2 43,8 34,6 12.1.2 Com dados do Datasus sobre mortalidade por aborto e grupo etário produzimos a tabela de óbitos a seguir em conseqüência de gravidez que termina em aborto. 36 grupos de idade óbitos por aborto (2000 a 2004) 10 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 119 323 219 36 12.1.3 Estimativas do número de Anos de Potenciais de Vida Perdidos (APVP) em conseqüência de gravidez que termina em aborto por grupos de idade no qüinqüênio 2000 a 2004. As estimativas de APVP são baseadas na esperança de vida à idade em que ocorreu o óbito por aborto. Anos de Potenciais de grupos de idade Vida Perdidos (APVP) 10 a 19 anos 7485 de 2000 a 2004 20 a 29 anos 17184 30 a 39 anos 9592 40 a 49 anos 1246 TOTAL de APVP 35506 O grupo mais atingido é o de 20 a 29 anos, que de 2000 a 2004 perdeu 17.184 anos em consequencia de óbitos por aborto. Esta perdas nos grupos de 30 a 39 e 10 a 19 anos também não foram pequenas, correpondendo respectivamente a 9.592 e 7.485 Anos Potenciais de Vida Perdidos. Ao todo, as mulheres de 10 a 49 anos perderam 35.506 Anos Potenciais de Vida em conseqüência de gravidez que termina em aborto no período de 2000 a 2004. Na continuação deste projeto examinaremos diferenciais de APVP por etnia, região e nível de educação. 37 13 - Repercussão do projeto na mídia A mídia eletrônica (internet) repercutiu bastante alguns resultados deste projeto, a partir de uma reportagem do jornalista Antônio Gois, publicada na Folha de São Paulo em 22 de setembro de 2006, reproduzida a seguir, acessado em 20/10/2006 e disponível no site: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126219.shtml 22/09/2006 - 09h40 Nº de abortos ilegais cai 28% em 13 anos ANTÔNIO GOIS enviado especial da Folha de S.Paulo a Caxambu (MG) Nos últimos 13 anos, o número de abortos clandestinos no país caiu 28%. Em 1992, a estimativa era que 1,455 milhão de mulheres abortaram por razões não-naturais. No ano passado, o número estimado foi de 1,054 milhão. O dado foi divulgado ontem no 15º Encontro Nacional de Estudos Populacionais, que aconteceu nesta semana em Caxambu (MG). Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a mesma técnica desenvolvida pelo instituto norte-americano Allan Guttmacher para tentar estimar o número de abortos induzidos em países da América Latina. A pesquisa teve apoio da área técnica de saúde da mulher do Ministério da Saúde. A variação do número de abortos induzidos ano a ano desde 1992 mostra que a queda aconteceu principalmente até 1997, quando, a partir de então, o patamar ficou estabilizado em torno de 1 milhão. A principal explicação é a melhoria no acesso a métodos contraceptivos das mulheres. Eles lembram também que nesse período houve melhoria significativa na escolaridade feminina. 38 Como a educação é o fator que mais influencia nas taxas de fecundidade —quanto mais instruída é a mulher, menor o número de filhos—, a hipótese é que uma geração mais escolarizada teve mais condições de evitar uma gravidez. Monteiro destaca que essa prática —feita muitas vezes em situação de risco para a saúde da mulher— continua tendo um efeito importante na redução na taxa de fecundidade da brasileira, que desde 2003 atingiu o nível de 2,1 filhos, o que indica tendência de mera reposição populacional. Para chegar a essa conclusão, basta comparar o número estimado de aborto com o de registro de nascimentos a cada ano. Em 2005, essa relação era de 29 abortos para cada 100 nascimentos. Em 1992, chegava a 43 por 100. Quando se leva em conta o número da taxa de abortos em relação à população feminina de 15 a 49 anos, a queda da prática de abortos desde 1992 fica ainda mais expressiva. Em 1992, 3,69% das mulheres praticaram aborto induzido. Em 2005, essa proporção caiu para 2,07%, o que significa uma redução na taxa de cerca de 44%. Para a médica Fátima de Oliveira, da Rede Feminista de Saúde, as complicações por aborto têm diminuído graças ao uso do Cytotec, abortivo vendido clandestinamente. Metodologia Como a prática do aborto é ilegal no Brasil —exceto em casos de estupro ou de risco à saúde da mulher—, os registros oficiais na rede de saúde legal são insuficientes para chegar a um número próximo da realidade. Por isso o instituto Alan Guttmacher (ONG americana que atua na área de direitos da mulher) elaborou em 1994 uma metodologia que levasse a um patamar mais realista. 39 Após pesquisar a questão, o instituto concluiu que o número de mulheres que procuravam a rede legal de saúde por causa de um aborto malfeito variava segundo o grau de criminalização da prática no país. Para o Brasil, foi estimado que uma em cada cinco mulheres que faziam aborto procurava a rede legal de saúde. Em países com legislação mais liberal, esse número chega a uma em três e, em menos liberais, a uma em cada sete. Também o Jornalista Gilberto Dimenstein deu destaque ao nosso trabalho em sua coluna “Jornalismo Comunitário” da Folha de São Paulo. (disponível no site <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ dimenstein/cbn/capital_220906.shtml> acessado em 10/10/2006) capital humano 22/09/2006 Nº de abortos ilegais cai 28% em 13 anos Gilberto Dimenstein - “Jornalismo Comunitário” Segundo pesquisa, em 2005, houve 1,05 milhão de abortos clandestinos, contra 1,45 milhão em 92; razão está em acesso à contracepção A maior queda do número de abortos ocorreu até o ano de 1997, quando o patamar se estabilizou em cerca de 1 milhão, segundo pesquisa Nos últimos 13 anos, o número de abortos clandestinos no país caiu 28%. Em 1992, a estimativa era que 1,455 milhão de mulheres abortaram por razões não-naturais. No ano passado, o número estimado foi de 1,054 milhão. O dado foi divulgado ontem no 15º 40 Encontro Nacional de Estudos Populacionais, que aconteceu nesta semana em Caxambu (MG). Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a mesma técnica desenvolvida pelo instituto norte-americano Allan Guttmacher para tentar estimar o número de abortos induzidos em países da América Latina. A pesquisa teve apoio da área técnica de saúde da mulher do Ministério da Saúde. A variação do número de abortos induzidos ano a ano desde 1992 mostra que a queda aconteceu principalmente até 1997, quando, a partir de então, o patamar ficou estabilizado em torno de 1 milhão. Outros sites que repecutiram esta notícia foram: 1 - The United Nations Population Fund - UNFPA - w Mario Francisco Giani Monteiro (UERJ), Leila Adesse (IPAS Brasil): Estimativas de Aborto Induzido no Brasil por Grandes Regiões (19922005) ... http://cst.mexicocity.unfpa.org/publicaciones_3196.asp 2 - Colégio Brasileiro de Ciruirgiões CBC-SP Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a ... http://www.cbcsp.org.br/redator/item14967.shtml 3 - Nº de abortos ilegais cai 28% em 13 anos Aprendiz.uol.com.br Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a ... http://aprendiz.uol.com.br/ content.view.action?uuid=d69581c90af4701001ce669e9a358a17 4 - Sistema Difusora de Comunicação - SBT Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani 41 Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a ... http://www.sistemadifusora.com.br/noticias.php?news=12754 5 - [DOC] Edição número 510 CUT São Paulo Formato do arquivo: Microsoft Word Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a ... http://www.cutsp.org.br/clipping/clipping%2022092006.doc 6 - :: Cidade Verde.com :: TV Cidade Verde _ Afiliada SBT em Teresina Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a ... http://www.cidadeverde.com/noticiasdasaude.asp?index=1 42 14 - Considerações finais e recomendações As estimativas deste trabalho para 1992 estão muito próximas das estimativas realizadas pelo Alan Guttmacher Institute (AGI) para 1991, mostrando que podemos aceitar os resultados aqui apresentados como uma atualização parcial do estudo sobre aborto clandestino no Brasil realizado pelo AGI em 1993. É evidente uma redução no número de internações por abortamento registradas pelo SUS entre 1992 (344.956 internações) e 2005 (250.447) abrangendo todos os grupos etários de 15 a 49 anos, o que reduziu também a estimativa do número de abortos induzidos (de 1.455.283 para 1.056.573), da razão de abortos induzidos por 100 nascimentos vivos (de 43% para 29%) e das taxas anuais de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos (de 3,69 para 2,07). Observamos uma diferença regional importante, sendo o risco de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos nas Regiões Nordeste e Centro-Oeste maior que o dobro deste risco na Região Sul. Provavelmente parte destas diferenças pode ser atribuída a uma utilização maior e mais eficaz de medidas anticoncepcionais pelas mulheres na Região Sul, o que diminui a ocorrência de gravidezes indesejadas e conseqüentemente a necessidade de recorrer à indução do aborto. Apesar de haver uma redução no risco de abortamento induzido, ele é ainda muito alto no Brasil, e apresenta diferenças regionais importantes em conseqüência da baixa utilização de medidas anticoncepcionais nas Regiões Norte e Nordeste. A carga do aborto na mortalidade materna mostrou que o grupo mais atingido é o de 20 a 29 anos, que de 2000 a 2004 perdeu 17.184 anos em consequencia de óbitos por aborto. Esta perdas nos grupos de 30 a 39 e 10 a 19 anos também não foram pequenas, correpondendo respectivamente a 9.592 e 7.485 Anos Potenciais de Vida Perdidos. 43 Ao todo, as mulheres de 10 a 49 anos perderam 35.506 Anos Potenciais de Vida em conseqüência de gravidez que termina em aborto no período de 2000 a 2004. Alguns pontos precisariam ter continuidade em um novo projeto para detalhar e aprofundar mais algumas questões que surgiram durante a execução deste projeto, como: - utilização de misoprostol para indução do aborto; - diferenciais regionais, étnicos e economico-sociais dos riscos de aborto e de mortalidade materna por aborto; - qual é a melhor metodologia para estimar o número de abortos induzidos no Brasil? 44 15 - Referências Alan Guttmacher Institute, Clandestine Abortion: A Latin American Reality, New York, 1994; Araújo, Maria José de Oliveira, O Impacto da Gravidez Não Desejada na Saúde da Mulher, CEPIA/Fórum da Sociedade Civil nas Américas, Rio de Janeiro, 19 a 21 de setembro de 2003. Cook, Rebecca; Bernard, Dickens & Fathalla, Mahmoud, Saúde Reprodutiva e Direitos Humanos: integrando medicina, ética e direito. Tradução de Romani, ª & Perrone, R, Rio de Janeiro: Cepia, 2004. DataSUS – http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/ piuf.def, pesquisado em 20 de Setembro de 2004 Fonseca, W. et al Determinantes do aborto provocado entre mulheres admitidas em hospitais em localidade da região Nordeste do Brasil* Rev. Saúde Pública v.30 n.1 São Paulo fev. 1996 JHU – Population Information Program. O Planejamento da Atenção Médica para Salvar a Vida da Mulher. Population Reports Série L - Nº 10 - pag 7-11, 1997 Martins, Alaerte L. - Maior Risco para Mulheres Negras no Brasil. Jornal da Rede Feminista de Saúde - nº 23 - Março 2001 Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher - Plano de Ação 2004 – 2007. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde, Série C. Projetos, Programas e Relatórios. Brasília – DF, 2004. Ministério da Saúde, Norma Técnica de Atenções Humanizadas ao Abortamento, 2004. Perpétuo, Ignez Helena O. Raça e acesso às ações prioritárias na agenda da Saúde Reprodutiva. Jornal da Rede Feminista de Saúde - nº 22 – Novembro 2000 Singh, Susheela e Monteiro, Mário. Levels of cildbearing, contraception, and abortion in Brazil: differentials by poverty status. In: GARCÍA, Brígida. (Org.). Women, poverty, and 45 demographic change. Oxford University Press, 2000, v. 1, p. 113-142. Singh, S. e Wulf, D. Estimating abortions levels in Brazil, Colombia and Peru, using hospitals admissions and fertility survey data. Int. Fam. Plan. Persp., 17(1):8-13, 1991. Singh, S. e Wulf, D. Estimated Levels of Induced Abortion in Six Latin American Countries. International Family Planning Perspectives, 20:4-13, 1994. World Health Organization, Unsafe Abortion: Global and regional Estimates of Incidence of Unsafe Abortion and Associated Mortality in 2000. Geneva: 2004 46 ANEXO 1 Municípios com mais de 500 e menos de 1.000 internações do SUS por abortamento 47 Municípios com mais de 500 e menos de 1.000 internações do SUS por abortamento Período:2005 Município 353440 Osasco 250400 Campina Grande 500270 Campo Grande 314330 Montes Claros 290570 Camaçari 313670 Juiz de Fora 261110 Petrolina 330100 Campos dos Goytacazes 311860 Contagem 293330 Vitória da Conquista 260960 Olinda 110020 Porto Velho 150080 Ananindeua 420540 Florianópolis 510340 Cuiabá 520140 Aparecida de Goiânia 351380 Diadema 354780 Santo André 310670 Betim 260410 Caruaru 291480 Itabuna 410830 Foz do Iguaçu 150420 Marabá 317020 Uberlândia 230765 Maracanaú 330510 São João de Meriti 354870 São Bernardo do Campo 230370 Caucaia 320500 Serra 420910 Joinville 351870 Guarujá 150680 Santarém 330045 Belford Roxo 430460 Canoas 291840 Juazeiro 140010 Boa Vista 351060 Carapicuíba 330330 Niterói 320520 Vila Velha 350570 Barueri 320130 Cariacica 291920 Lauro de Freitas 240800 Mossoró 172100 Palmas 330390 Petrópolis 354990 São José dos Campos 355280 Taboão da Serra 48 10 a 14 anos 15 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos Total 8 13 10 9 6 3 8 5 3 10 8 14 7 6 7 9 5 7 0 8 6 9 8 7 13 5 4 9 4 5 9 10 12 8 8 10 3 2 5 1 10 4 5 5 3 2 4 169 165 188 155 200 128 175 166 106 134 151 159 174 97 162 142 130 122 118 222 143 116 153 150 111 110 104 115 122 101 119 147 127 84 131 108 89 117 99 100 103 106 106 93 76 84 91 502 490 495 506 501 454 491 488 425 473 452 490 418 388 426 435 388 377 353 331 395 362 400 332 335 362 327 337 340 321 320 342 331 295 344 340 304 291 296 289 281 323 292 342 260 248 258 263 223 207 215 180 248 176 176 247 158 167 121 146 213 140 138 190 190 214 112 121 163 109 140 160 147 186 160 143 167 162 100 134 174 107 110 170 154 135 148 149 109 118 83 153 138 142 52 57 37 46 21 52 28 32 51 33 25 13 17 55 21 31 37 44 38 35 28 43 14 40 47 31 33 32 38 47 24 28 23 47 11 20 22 22 35 31 24 11 31 12 35 47 22 994 948 937 931 908 885 878 867 832 808 803 797 762 759 756 755 750 740 723 708 693 693 684 669 666 655 654 653 647 641 634 627 627 608 601 588 588 586 570 569 567 553 552 535 527 519 517 ANEXO 2 Municípios com 100 a 500 internações do SUS por abortamento 49 Municípios com 100 a 500 internações do SUS por abortamento Período:2005 Município 352940 Mauá 521250 Luziânia 354850 Santos 270030 Arapiraca 352310 Itaquaquecetuba 230730 Juazeiro do Norte 353060 Mogi das Cruzes 355220 Sorocaba 291360 Ilhéus 421660 São José 280480 Nossa Senhora do Socorro 350600 Bauru 315780 Santa Luzia 351500 Embu 211220 Timon 355250 Suzano 231290 Sobral 170210 Araguaína 290320 Barreiras 320530 Vitória 315460 Ribeirão das Neves 354980 São José do Rio Preto 291800 Jequié 150553 Parauapebas 330070 Cabo Frio 290070 Alagoinhas 354100 Praia Grande 317010 Uberaba 261640 Vitória de Santo Antão 355100 São Vicente 330190 Itaboraí 432300 Viamão 430060 Alvorada 353870 Piracicaba 330414 Queimados 520110 Anápolis 510840 Várzea Grande 261070 Paulista 330250 Magé 430920 Gravataí 260290 Cabo de Santo Agostinho 351620 Franca 420240 Blumenau 291470 Itaberaba 411990 Ponta Grossa 160060 Santana 312770 Governador Valadares 351300 Cotia 292400 Paulo Afonso 352250 Itapevi 50 10 a 14 anos 9 12 3 6 8 6 4 3 5 1 5 10 3 3 5 2 7 6 6 4 1 7 1 6 6 6 3 5 5 3 7 3 5 3 3 1 9 0 2 1 8 2 3 2 3 5 5 1 11 0 15 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos 74 83 71 90 86 99 79 78 110 65 76 63 62 67 100 80 73 95 92 72 57 66 96 94 75 73 76 61 83 58 84 56 63 77 55 62 73 77 72 45 66 63 50 91 61 59 51 56 62 65 265 256 254 248 230 246 222 183 251 211 226 235 216 225 244 198 234 240 233 201 211 200 229 247 204 201 192 224 204 203 162 159 186 172 223 213 208 193 178 152 212 159 163 177 154 188 165 157 154 138 126 117 131 114 127 93 111 153 57 126 103 102 117 107 61 113 83 64 66 103 111 112 60 41 87 98 88 72 77 99 103 118 95 96 68 76 65 78 81 114 58 96 90 49 81 60 70 88 73 92 40 a 49 anos 26 25 31 25 28 15 35 29 13 30 19 17 26 21 8 24 13 4 10 26 22 17 15 6 21 10 29 18 9 14 20 38 23 22 20 17 8 9 24 42 6 23 32 15 25 11 25 13 14 16 Total 500 493 490 483 479 459 451 446 436 433 429 427 424 423 418 417 410 409 407 406 402 402 401 394 393 388 388 380 378 377 376 374 372 370 369 369 363 357 357 354 350 343 338 334 324 323 316 315 314 311 354340 Ribeirão Preto 410480 Cascavel 210300 Caxias 355410 Taubaté 421190 Palhoça 313130 Ipatinga 290980 Cruz das Almas 330010 Angra dos Reis 316720 Sete Lagoas 150240 Castanhal 352220 Itapecerica da Serra 431440 Pelotas 352590 Jundiaí 260345 Camaragibe 292870 Santo Antônio de Jesus 420420 Chapecó 510250 Cáceres 352900 Marília 260110 Araripina 330630 Volta Redonda 420460 Criciúma 412550 São José dos Pinhais 431340 Novo Hamburgo 355240 Sumaré 520025 Águas Lindas de Goiás 312230 Divinópolis 330580 Teresópolis 210330 Codó 330320 Nilópolis 351570 Ferraz de Vasconcelos 351630 Francisco Morato 230410 Crateús 293010 Senhor do Bonfim 280290 Itabaiana 411520 Maringá 210005 Açailândia 431870 São Leopoldo 290650 Candeias 320320 Linhares 312980 Ibirité 411820 Paranaguá 510760 Rondonópolis 351907 Hortolândia 316860 Teófilo Otoni 351640 Franco da Rocha 330340 Nova Friburgo 510790 Sinop 150130 Barcarena 521760 Planaltina 500320 Corumbá 352390 Itu 280670 São Cristóvão 320490 São Mateus 280210 Estância 150810 Tucuruí 352050 Indaiatuba 260600 Garanhuns 150550 Paragominas 3 1 2 4 1 0 2 2 3 4 4 5 2 3 1 3 2 1 1 0 0 3 3 3 1 3 6 4 4 4 1 1 1 0 1 4 2 3 1 3 7 2 1 0 2 4 6 2 1 4 2 3 2 2 4 3 1 1 36 49 76 48 55 44 45 35 41 64 40 40 44 45 62 43 61 32 53 43 45 53 33 37 37 32 30 58 41 41 45 58 55 39 38 78 44 45 45 29 35 52 40 45 33 36 39 53 36 39 34 31 39 27 60 31 42 58 169 153 161 136 123 156 164 156 145 156 141 137 146 161 143 130 133 140 144 145 130 117 126 140 143 117 134 132 129 110 116 112 124 125 123 119 106 137 126 125 111 129 109 104 106 112 107 115 100 106 107 110 109 110 106 94 96 102 90 84 45 97 85 81 77 84 83 50 75 73 65 54 56 77 58 81 60 64 75 69 82 71 61 89 73 45 63 85 70 54 54 73 61 34 64 47 51 65 64 43 63 61 65 53 45 32 58 47 51 49 46 53 21 54 45 22 8 17 17 16 35 17 8 19 22 10 21 25 19 10 9 17 16 15 10 15 16 23 20 11 15 15 13 14 16 13 20 22 13 9 20 7 25 6 13 13 18 8 13 9 12 11 11 4 10 8 9 7 4 7 7 15 10 7 306 304 301 301 299 298 296 296 294 284 281 280 276 273 271 270 270 269 268 267 266 265 264 262 257 256 256 253 253 253 252 247 247 246 243 242 241 238 236 235 235 234 226 219 218 216 208 206 205 204 203 200 200 199 198 197 194 190 51 Período:2005 Município 280350 Lagarto 432000 Sapucaia do Sul 231130 Quixadá 251370 Santa Rita 230550 Iguatu 352440 Jacareí 291460 Irecê 352530 Jaú 260005 Abreu e Lima 130120 Coari 315670 Sabará 210750 Paço do Lumiar 330270 Maricá 261370 São Lourenço da Mata 500660 Ponta Porã 350280 Araçatuba 130250 Manacapuru 292880 Santo Estêvão 410940 Guarapuava 411915 Pinhais 290600 Campo Formoso 317070 Varginha 350320 Araraquara 350750 Botucatu 310560 Barbacena 314800 Patos de Minas 354890 São Carlos 330420 Resende 410040 Almirante Tamandaré 430930 Guaíba 150470 Moju 293070 Simões Filho 210990 Santa Inês 220770 Parnaíba 330227 Japeri 354880 São Caetano do Sul 520800 Formosa 355540 Ubatuba 150210 Cametá 291750 Jacobina 500370 Dourados 230640 Itapipoca 313170 Itabira 150010 Abaetetuba 350160 Americana 130406 Tabatinga 211120 São José de Ribamar 410180 Araucária 320240 Guarapari 421870 Tubarão 311940 Coronel Fabriciano 291640 Itapetinga 150360 Itaituba 290460 Brumado 52 10 a 14 anos 2 1 1 0 4 1 3 0 3 3 3 2 1 3 4 2 2 3 3 2 2 1 0 2 0 1 1 0 3 1 5 2 3 1 2 2 1 4 5 5 2 2 0 4 0 2 6 0 1 0 0 0 0 2 15 a 19 anos 28 23 33 40 53 25 42 38 29 37 26 32 33 26 37 31 34 35 33 32 48 27 38 30 19 26 30 37 24 30 50 27 43 28 29 18 35 23 40 43 28 28 19 44 25 33 30 28 32 27 17 37 36 24 20 a 29 anos 96 86 87 109 88 100 105 93 106 99 101 114 89 106 81 84 97 88 71 84 89 88 88 91 82 77 85 83 96 62 74 97 90 91 102 91 89 72 75 72 73 75 79 78 83 82 96 76 77 73 80 81 91 70 30 a 39 anos 50 58 52 36 33 43 30 41 38 33 45 28 43 36 40 52 32 34 51 45 25 43 35 40 52 55 36 37 34 52 30 32 23 36 21 40 27 54 27 29 46 35 45 21 36 33 16 40 35 42 41 28 19 43 40 a 49 anos 14 22 16 4 10 18 6 14 7 10 7 4 10 3 12 4 7 11 12 7 5 10 8 6 15 9 14 8 8 20 4 5 3 6 8 11 8 6 11 8 7 15 12 7 10 3 5 9 7 10 13 3 2 9 Total 190 190 189 189 188 187 186 186 183 182 182 180 176 174 174 173 172 171 170 170 169 169 169 169 168 168 166 165 165 165 163 163 162 162 162 162 160 159 158 157 156 155 155 154 154 153 153 153 152 152 151 149 148 148 330600 Três Rios 231140 Quixeramobim 293135 Teixeira de Freitas 260720 Ipojuca 352500 Jandira 110012 Ji-Paraná 150530 Oriximiná 353070 Mogi Guaçu 521880 Rio Verde 315180 Poços de Caldas 353650 Paulínia 353800 Pindamonhangaba 420890 Jaraguá do Sul 431410 Passo Fundo 430040 Alegrete 522140 Trindade 171820 Porto Nacional 317120 Vespasiano 150613 Redenção 261220 Salgueiro 411850 Pato Branco 430770 Esteio 320150 Colatina 210360 Coroatá 241200 São Gonçalo do Amarante 251080 Patos 330020 Araruama 351350 Cubatão 350760 Bragança Paulista 292860 Santo Amaro 311830 Conselheiro Lafaiete 150480 Monte Alegre 220840 Piripiri 350410 Atibaia 210320 Chapadinha 270670 Penedo 351050 Caraguatatuba 355070 São Sebastião 500830 Três Lagoas 521523 Novo Gama 330520 São Pedro da Aldeia 170950 Gurupi 230523 Horizonte 260120 Arcoverde 431990 Sapiranga 330550 Saquarema 150220 Capanema 352720 Lorena 230770 Maranguape 320120 Cachoeiro de Itapemirim 210540 Itapecuru Mirim 261390 Serra Talhada 110002 Ariquemes 230760 Limoeiro do Norte 314710 Pará de Minas 315120 Pirapora 353980 Poá 231180 Russas 1 1 2 1 0 0 1 2 1 1 3 1 0 2 3 1 1 1 8 0 0 2 0 4 1 1 1 1 1 1 0 2 2 2 2 1 3 0 1 0 2 3 1 2 0 2 1 2 1 1 2 2 1 2 2 1 1 3 26 25 37 39 29 39 39 28 32 21 24 21 21 27 27 27 32 15 40 27 28 21 24 42 29 24 16 18 26 32 12 30 34 27 40 31 24 27 31 24 26 35 24 27 21 19 27 21 18 19 33 25 30 23 17 34 14 21 82 80 78 81 64 81 79 56 84 70 65 64 61 62 69 80 79 81 72 69 57 54 71 71 72 84 78 61 62 60 54 84 71 60 73 78 69 59 66 68 73 69 73 60 47 75 71 53 65 59 67 76 71 66 65 67 74 60 36 35 28 23 42 21 24 48 24 41 44 45 47 42 33 32 23 32 13 37 44 51 36 15 30 25 33 42 40 35 56 18 24 34 15 19 29 41 30 36 23 19 24 33 50 26 24 44 37 40 20 20 20 29 30 21 31 27 3 6 2 2 11 4 2 10 3 10 7 12 14 10 10 2 6 12 7 7 11 12 7 5 5 3 9 15 7 7 13 0 3 11 3 4 8 6 5 5 8 5 9 8 12 7 5 8 6 8 4 3 3 5 11 2 5 13 148 147 147 146 146 145 145 144 144 143 143 143 143 143 142 142 141 141 140 140 140 140 138 137 137 137 137 137 136 135 135 134 134 134 133 133 133 133 133 133 132 131 131 130 130 129 128 128 127 127 126 126 125 125 125 125 125 124 53 Período:2005 Município 110010 Guajará-Mirim 210860 Pinheiro 240810 Natal 351970 Ibiúna 410140 Apucarana 230110 Aracati 270930 União dos Palmares 293320 Vera Cruz 313510 Janaúba 330040 Barra Mansa 352670 Leme 312090 Curvelo 313820 Lavras 317040 Unaí 261090 Pesqueira 352230 Itapetininga 313520 Januária 313940 Manhuaçu 320510 Viana 354730 Santana de Parnaíba 410580 Colombo 160027 Laranjal do Jari 291390 Ipiaú 310730 Bocaiúva 313380 Itaúna 314790 Passos 355170 Sertãozinho 410765 Fazenda Rio Grande 430160 Bagé 150060 Altamira 250320 Cabedelo 260620 Goiana 270630 Palmeira dos Índios 291400 Ipirá 411840 Paranavaí 431560 Rio Grande 220800 Picos 330030 Barra do Piraí 352240 Itapeva 150180 Breves 411370 Londrina 250180 Bayeux 316250 São João del Rei 330240 Macaé 231340 Tianguá 270800 Santana do Ipanema 291072 Eunápolis 420230 Biguaçu 290750 Catu 350400 Assis 354910 São João da Boa Vista 130340 Parintins 54 10 a 14 anos 3 0 0 1 0 2 2 2 0 1 1 0 0 4 3 1 1 2 2 1 0 3 3 0 2 1 3 0 2 1 0 3 1 1 0 1 2 1 0 5 0 2 0 2 1 1 2 0 0 2 0 0 15 a 19 anos 38 35 14 24 17 28 30 17 28 17 18 15 8 21 32 26 24 25 26 18 17 33 30 20 15 19 20 21 24 22 27 28 28 15 19 22 23 18 29 19 19 27 15 22 21 23 20 22 21 19 20 30 20 a 29 anos 30 a 39 anos 61 65 54 63 61 65 58 68 70 67 70 61 64 59 51 55 59 59 47 58 59 55 65 55 59 48 64 50 51 71 58 65 56 61 56 56 67 54 57 60 58 47 49 65 52 42 62 45 68 50 49 57 19 18 48 26 36 24 26 30 17 32 25 33 38 29 27 25 26 27 33 31 30 20 17 29 36 42 24 34 30 18 20 15 26 29 35 29 16 32 21 22 33 31 38 19 27 33 20 34 17 33 27 18 40 a 49 anos Total 1 4 6 8 8 2 5 4 6 4 7 11 10 7 6 12 8 5 9 9 11 5 1 12 4 6 5 11 9 3 9 3 3 8 4 6 5 8 6 6 2 4 9 2 8 10 5 8 2 4 12 2 122 122 122 122 122 121 121 121 121 121 121 120 120 120 119 119 118 118 117 117 117 116 116 116 116 116 116 116 116 115 114 114 114 114 114 114 113 113 113 112 112 111 111 110 109 109 109 109 108 108 108 107 354260 Registro 6 430300 Cachoeira do Sul 0 430310 Cachoeirinha 0 431680 Santa Cruz do Sul 3 240325 Parnamirim 2 354680 Santa Isabel 1 500110 Aquidauana 3 316870 Timóteo 1 350650 Birigui 0 353760 Peruíbe 0 521975 Santo Antônio do Descoberto 3 260680 Igarassu 0 522045 Senador Canedo 4 240200 Caicó 1 260890 Limoeiro 2 280130 Capela 2 313620 João Monlevade 1 230190 Barbalha 0 260990 Ouricuri 1 315250 Pouso Alegre 2 150442 Marituba 2 230100 Aquiraz 2 240710 Macaíba 2 330080 Cachoeiras de Macacu 1 330200 Itaguaí 2 412240 Rolândia 2 310400 Araxá 2 314480 Nova Lima 0 354140 Presidente Prudente 1 20 9 12 9 14 19 26 12 13 19 15 23 21 15 24 20 17 21 16 15 29 15 28 22 12 11 19 14 15 59 44 53 49 56 50 56 50 49 51 52 58 56 54 50 52 45 56 48 37 55 54 43 51 53 52 54 41 37 21 35 34 34 31 27 18 32 37 31 31 16 21 28 24 25 28 21 31 34 14 24 21 23 27 25 21 38 39 1 19 8 12 3 9 3 10 6 4 4 7 2 5 3 4 12 4 6 14 1 6 7 4 7 11 4 7 8 107 107 107 107 106 106 106 105 105 105 105 104 104 103 103 103 103 102 102 102 101 101 101 101 101 101 100 100 100 Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 55 ANEXO 3 Programa do seminário sobre “Riscos à saúde da Mulher 56 ANEXO 4 “Estimativas indiretas de aborto clandestino: Uma realidade brasileira”. Trabalho apresentado no 8º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva e 11º Congresso Mundial de Saúde Pública (Rio de Janeiro, 21 a 25 de agosto de 2006). 57 ANEXO 5 Mesa Redonda - Aborto no Brasil: atualizando Informações Coordenadora/Debatedora: Sonia Corrêa Expositores: I - Maria Isabel Baltar da Rocha (Núcleo de Estudos de População/ Unicamp) – A Discussão Política sobre Aborto no Brasil: uma síntese. II - Rulian Emmerick (Advogado Consultor da ADVOCACI – Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos - Aborto e Direitos Humanos: Ações Estratégicas e Jurídicas de Proteção dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. III - Antônio L Tavares Thomé (BEMFAM ), Mônica Almeida (BEMFAM), Ney Costa (BEMFAM), Keitt Lomiento (BEMFAM) Satisfação de Usuárias de Serviços de Aborto Legal em Três Municípios do Nordeste. IV - Mario Francisco Giani Monteiro (UERJ) e Leila Adesse (IPAS Brasil) - Estimativas de Aborto Induzido no Brasil por Grandes Regiões (1992-2005) Disponível no sítio: http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/ docspdf/ABEP2006_252.pdf 58 Estimativas de aborto induzido no Brasil e Grandes Regiões (1992-2005)1 Mario Francisco Giani Monteiro2 Leila Adesse 3 Palavras-chave: Magnitude do aborto no Brasil; Saúde da mulher; Complicações da gravidez. Resumo Em 1994, o Alan Guttmacher Institute publicou os resultados da investigação sobre aborto clandestino em seis países da América Latina, inclusive o Brasil. São utilizadas diversas técnicas para interromper a gravidez, incluindo também uma ampla variedade de procedimentos populares praticados pelas próprias mulheres ou por pessoal não capacitado, que resultam em sérios riscos à saúde destas mulheres, levando muitas vezes ao óbito materno. Na investigação do Alan Guttmacher Institute, foram estimados para 1991 um total de 1.443.350 abortamentos induzidos no Brasil, correspondendo a uma taxa anual de 3,65 abortamentos por 100 mulheres de 15 a 49 anos. Utilizando a mesma metodologia, o objetivo deste trabalho é atualizar as estimativas para uma série histórica de 1992 a 2005 nas Grandes Regiões do Brasil. O método consiste em utilizar, como fonte dos dados, as internações por abortamento registradas no SIH-SUS, e utilizar um multiplicador baseado na hipótese proposta na investigação do Alan Guttmacher Institute que, no Brasil, 20% das mulheres que induziram um aborto tiveram que ser hospitalizadas em conseqüência de complicações. Foram também utilizados como fatores de correção um subregistro de 12,5% e uma proporção de 25% de abortos espontâneos. Os resultados mostram que houve uma redução de 38% no número de abortamentos induzidos no Brasil: de 1.455.283 abortamentos induzidos em 1992 (estimativa muito próxima à do Alan Guttmacher Institute em 1991) para 1.066.993 em 1996, mantendo-se neste patamar até 2005 (1.054.242 abortamentos induzidos). A grande maioria (3 em cada 4 em 2005) destes abortamentos induzidos ocorreu nas regiões Nordeste e Sudeste. A taxa anual de abortamentos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos no Brasil se reduz de 3,69 em 1992 para 2,07 em 2005, e o maior risco ocorre 59 na Região Nordeste com uma taxa de 2,73 em 2005, correspondendo, no entanto, a uma redução de 50% em relação a 1992. A taxa mais baixa em 2005 (1,28/100) ocorre na Região Sul. 1 Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú- MG – Brasil, de 18 - 22 de Setembro de 2006, realizado com financiamento da Área Técnica de Saúde da Mulher - Ministério Da Saúde. 2 Instituto de Medicina Social da UERJ. 3 IPAS Brasil. 60 ANEXO 6 As informações sobre abortamentos no SIH/ SUS Jacques Levin Ministério da Saúde/Departamento de Informática do SUS [email protected] Este documento descreve as principais características do Sistema de Informações Hospitalares do SUS, as informações disponíveis relacionadas com os abortamentos, a forma de acesso a elas e discute os critérios de seleção dos casos em estudo. As informações sobre os abortos induzidos no Brasil são, de uma maneira geral, de difícil obtenção, devido à ilegalidade de sua prática, excetuando-se por práticas médicas muito específicas (AGI, 1994). Também aspectos culturais e religiosos inibem as mulheres declararem seus abortamentos, dificultando o cálculo de sua magnitude (Brasil, 2005). Representam, no entanto, um importante problema de saúde pública: por ser realizado, na maior parte das vezes, em condições inseguras ou por pessoal inabilitado, ou mesmo pela própria mulher, pode acarretar conseqüências danosas à saúde, podendo, inclusive, levar à morte. A Norma Técnica da Atenção Humanizada ao Abortamento (Brasil, 2005) apresenta algumas estimativas da dimensão do problema: · O abortamento espontâneo ocorre em aproximadamente 10% das gestações. · Para a América Latina e Caribe, estima-se que 52% das gestações não foram planejadas, sendo que 23% terminam em abortamento. · Para o Brasil, estima-se a taxa de 3,7 abortos por 100 mulheres de 15 a 49 anos. · Em países em que as mulheres têm acesso a serviços seguros, suas probabilidades de morrer em decorrência de abortamento realizado com métodos modernos não é maior do que uma para 61 cada 100.000 procedimentos. · Em países em desenvolvimento, o risco de morte por complicações de procedimentos de abortamento inseguro é várias vezes mais alto do que de abortamento realizado por profissionais e em condições seguras. A maior parte dos valores apresentados é obtida a partir de inquéritos amostrais, utilizando diferentes metodologias, como as apresentadas no estudo do AGI, 1994. Dos sistemas nacionais de informações de saúde, dois especificamente registram informações detalhadas sobre determinadas situações de aborto: o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), quando a mulher vem a falecer tendo como causa básica o aborto, e o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), quando a mulher necessita ser internada por complicações do aborto, seja ele espontâneo ou induzido. O estudo citado (AGI, 1994) destaca que, mesmo no caso de complicações do aborto induzido, apenas uma fração das mulheres são atendidas em hospital, seja por dificuldade de acesso, por medo de conseqüências pessoais ou legais ou por complicações menos sérias, sem sinais de infecção. Para o Brasil, foi estimado que uma em cada 3,5 mulheres que tiveram aborto induzido era hospitalizada para tratamento das complicações. Com a grande abrangência, cobertura e disponibilidade dos dados do SIH/SUS, esse pode ser uma importante fonte de dados secundários para analisar o fenômeno, em aspectos demográficos, espaciais e mesmo de custos. Métodos É feito um breve histórico do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), destacando sua abrangência e cobertura. São apresentadas também as informações disponíveis no sistema. Entre 62 elas, consideramos, para selecionar os abortamentos, os procedimentos realizados e o diagnóstico principal. Não foram tratados, neste trabalho, os atos médicos realizados e o diagnóstico secundário, por trazerem pouca informação adicional para a situação em análise. A partir destas premissas, foram realizadas tabulações sobre os arquivos Reduzidos de AIH (RD), distribuídos pelo Datasus em CDROM (BRASIL, 2004) ou acessíveis pela Internet, através do MSBBS, disponível em http://www.datasus.gov.br/bbs/bbs_down.htm ou http://msbbs.datasus.gov.br; acesso em 06 jun. 2006. O conteúdo destes arquivos pode ser obtido no arquivo de ajuda (em formato Help para Windows) RD.HLP, contido no arquivo compactado RDTAB.ZIP, disponível em http://www.datasus.gov.br/tabwin/ rdtab.zip; acesso em 06 jun. 2006. Foram utilizados os dados das internações das competências de janeiro de 1998 a dezembro de 2005, todos codificados segundo a 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças – CID-10. As tabulações e tratamento dos dados foram feitos com os softwares Tabwin (programa tabulador de informações, distribuído pelo Datasus, disponível em http://www.datasus.gov.br/tabwin/tabwin.htm; acesso em 06 jun. 2006) e Microsoft Excel. Resultados O Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) tem sua origem no Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência Social (SAMHPS), implantado a partir de 1981 com o objetivo de efetuar o pagamento das contas dos hospitais conveniados com a Previdência Social no atendimento aos segurados (LEVIN, 2006). A partir de 1986, são tomadas medidas que estendem a assistência médico-hospitalar previdenciária a parcela mais ampla da população brasileira: equiparação urbano-rural, abolição da exigência de vínculo com a Previdência Social na rede própria do INAMPS e convênios 63 com entidades filantrópicas e beneficentes, assegurando que atendimentos prestados a não-segurados também fossem remunerados pelo SAMHPS (NORONHA, LEVCOVITZ, 1994). Posteriormente, como expõem os mesmos autores, é implantada a modalidade de remuneração pelo sistema SAMHPS nos hospitais de ensino. Com a Constituição Federal de 1988, é garantido o acesso universal à saúde, criando-se, então o Sistema Único de Saúde – SUS. No processo de sua regulamentação, o INAMPS, gestor do SAMHPS, é transferido para o Ministério da Saúde, sendo esse sistema transformado em SIH/SUS, tendo a AIH como instrumento para toda a rede hospitalar própria, federal, estadual, municipal, filantrópica e privada lucrativa (LEVIN, 2006). Com isso, o SIH/SUS passa a coletar informações de todas as internações hospitalares realizadas pelo sistema público de saúde. Estas internações correspondem de 60 a 70% do total de internações hospitalares realizadas no país (RIPSA, 2002), variando de acordo com o local e a complexidade dos procedimentos, podendo atingir valores mais elevados em regiões mais dependentes do SUS. No caso específico de partos, comparando o número de partos realizados no SUS e o número total de nascimentos, podemos observar que o primeiro corresponde a 68% ou mais do segundo, ao longo de 10 anos (Tabela 1) 1. 64 Tabela 1 – Número de partos realizados no SUS, número de nascidos vivos e razão entre partos SUS e nascidos vivos, segundo ano. Brasil, 1994 a 2003. Ano 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Número de partos realizados no SUS Número de nascidos vivos Razão (%) 2.852.834 2.821.511 2.743.141 2.718.265 2.621.353 2.652.550 2.505.739 2.403.885 2.343.760 2.261.513 2.243.779 3.421.951 3.423.416 3.417.847 3.545.522 3.527.026 3.583.891 3.575.971 3.420.134 3.349.646 3.296.909 n.d. 83,4 82,4 80,3 76,7 74,3 74,0 70,1 70,3 70,0 68,6 n.d. Fonte: Indicadores e Dados Básicos 2005 – IDB2005, www.datasus.gov.br/idb2005, acesso em 21 set. 2006. Notas: 1. Número de partos realizados no SUS obtido a partir do indicador F.9 – Proporção de partos cesáreos (SUS). 2. Número de nascidos vivos obtido a partir dos indicadores A.7 – Taxa bruta de natalidade e A.1 – População total. É proveniente da composição de estimativas feitas pelo IBGE para o número de nascidos vivos com o número coletado pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). Para a discussão sobre abortos, estes números não se aplicam diretamente, pois se referem a partos, mas permitem ter uma idéia da cobertura do sistema em relação a procedimentos obstétricos. Das bases de dados do SIH/SUS, as principais informações disponíveis podem ser observadas no Quadro 1. Quadro 1 – Informações disponíveis no SIH/SUS Entidade Informações disponíveis Hospital Processamento Paciente Estabelecimento, local, natureza, regime. Período de competência, gestão. Sexo, idade, município de residência, ocupação, vínculo previdenciário. Especialidade, caráter de internação, UTI, data de internação, data de alta, dias de permanência, motivo da alta/cobrança, diárias de UTI e de acompanhante. Procedimento realizadoDiagnóstico principal e secundário Valor total, serviços hospitalares, serviços profissionais, SADT, recém-nato, acompanhante, órtese/prótese, sangue, transplantes, analgesia obstétrica, UTI. Programa de pré-natal, informação complementares para esterilização etc. Internação Pagamento Outros 65 Informações que identificam o paciente e seu endereço são de acesso restrito, para manter a privacidade do paciente. A abrangência, cobertura, grande acervo e facilidade de acesso permitem que múltiplas análises possam ser feitas. A disponibilidade das informações do SIH/SUS é bastante ampla, permitindo que sejam feitos vários recortes, segundo a necessidade, como destacam Bittencourt, Camacho e Leal (2006). O acesso às informações do SIH/SUS tem duas principais vertentes: · Tabulações executadas diretamente pela Internet, através do software Tabnet, do Datasus; e · Acesso as microdados, que podem ser baixados da Internet ou recebidos em CD-ROM, distribuídos pelo Datasus. Os microdados podem ser tabulados pelo software Tabwin, também distribuído pelo Datasus, ou processados por outros softwares, pois estão distribuídos em formato DBF, facilmente tratados e convertidos por estes outros softwares. Nas tabulações pela Internet, em www.datasus.gov.br (acesso em 06 jun. 2006), as informações são apresentadas agregadamente, em nível de município, com as principais variáveis, segundo a morbidade hospitalar ou os procedimentos realizados, ambos por local de internação ou por local de residência. A grande vantagem desta forma de acesso é a facilidade de acesso e de uso, rapidez da resposta e disponibilidade dos dados. Como desvantagem, nem todas as variáveis podem ser trabalhadas e há menor detalhamento de algumas delas. Os diagnósticos, por exemplo, estão agrupados segundo a Lista de Tabulação de Morbidade, constante na CID-10 (OMS, 2003), com aproximadamente 300 subdivisões, contra mais de 12.000 subcategorias da classificação original. Além disso, as informações não podem ser trabalhadas em nível de estabelecimento e alguns cruzamentos não podem ser obtidos, como local de internação x local de residência ou procedimento realizado x diagnóstico principal. 66 Já nas tabulações pelos microdados, as informações estão detalhadas para cada internação (não identificada), há todo o elenco de variáveis, no seu maior detalhamento, permitindo seleções e cruzamentos mais amplos e completos. Em compensação, o volume de dados é bem maior, necessitando de maior espaço de armazenamento e tempo de processamento. Os microdados devem ser baixados da Internet (média de 40 megabytes compactados, por mês), ou obtidos dos CD-ROM, os quais estão com a produção interrompida. Para este trabalho, foram utilizados os microdados, por permitir uma análise exploratória mais detalhada, principalmente em relação ao diagnóstico e seus cruzamentos com os procedimentos. Para selecionar as internações de interesse, no caso, aborto, temos duas estratégias: pelo diagnóstico da internação ou pelo procedimento realizado. O diagnóstico principal é codificado segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde, 10ª Revisão, mais conhecida como Classificação Internacional de Doenças – CID-10 (OMS, 2003). Esta classificação é utilizada desde 1998. Até então, era usada a 9ª Revisão. Trabalhamos apenas com a CID-10, porém a mesma metodologia pode ser utilizada para os dados anteriores. Na CID-10, os abortamentos estão contidos no Capítulo XV – Gravidez, Parto e Puerpério, no grupo O00-O08 – Gravidez que termina em aborto, conforme o Quadro 2. 67 Quadro 2 – Categorias do Grupo O00-O08 - Gravidez que termina em aborto Código O00 O01 O02 O03 O04 O05 O06 O07 O08 Descrição Gravidez ectópica Mola hidatiforme Outros produtos anormais da concepção Aborto espontâneo Aborto por razões médicas e legais Outros tipos de aborto Aborto não especificado Falha de tentativa de aborto Complicações conseqüentes a aborto e gravidez ectópica ou molar Estas categorias contêm subdivisões, num total de 72 subcategorias. No Capítulo XIV – Doenças do Aparelho Geniturinário, encontra-se a categoria N96 – Abortamento Habitual. Esta categoria não deveria ser considerada para o estudo de abortamentos ocorridos, por tratar de investigações ou cuidados em mulheres não grávidas ou de infertilidade relativa, excluindo explicitamente aborto atual e gravidez no momento (OMS, 2003, p.689). No entanto, devido à alta proporção encontrada de procedimentos de aborto com este diagnóstico (3,4% em 2005, Tabela 4), as internações com este diagnóstico também foram tratadas como abortamento. A tabela de procedimentos foi instituída no sistema antecessor ao SIH/SUS, o Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência Social, no início da década de 1980, tendo sido organizada segundo a Classificação Internacional de Procedimentos da Organização Mundial de Saúde (LEVCOVITZ e PEREIRA, 1993). Desde então, tem sido continuamente modificada, para adequar-se à evolução da medicina e ao atendimento às políticas de saúde (LEVIN, 2006). Analisando-se a tabela, em sua versão de março/20062, agregando também os procedimentos que foram válidos em algum momento desde 1998, foram selecionados os procedimentos relacionados a abortamentos, conforme o Quadro 3. 68 Quadro 3 - Procedimentos relacionados com aborto Grupo Cirurgia do Útero – I: 34.020.03.9 Curetagem Uterina por Mola Hidatiforme Grupo Cirurgia Obstétrica – I: 35.014.01.6 Curetagem Pós-Aborto 35.088.01.0 Esvaziamento Uterino Pós-Aborto Por Aspiração Manual Intra-Uterina (AMIU) Grupo Cirurgia Obstétrica – III: 35.008.01.6 Cirurgia da Prenhez Ectópica Grupo Tratamento Clínico em Obstetrícia: 69.000.13.1 Gravidez Molar sem Parto Como na situação do diagnóstico N96, o procedimento 69.000.13.1 – Gravidez Molar sem Parto, não deveria ser considerado, por se encontrar no grupo de tratamento clínico e não de tratamento cirúrgico. Optamos, porém, em incluí-lo, por estar diretamente relacionado aos abortamentos. Em 2001, através da Portaria MS/SAS nº 579, de 20 de dezembro, foi instituída a Tabela de Compatibilidade entre o Procedimento Realizado e o Diagnóstico Principal, para aplicação no SIH/SUS a partir da competência de abril de 2002. Esta tabela3 lista, para cada item da Tabela de Procedimentos, as subcategorias da CID-10 que poderiam ser utilizadas como diagnóstico principal. Para os procedimentos não constantes na Tabela de Compatibilidade, qualquer subcategoria da CID-10 é aceita (procedimentos de primeiro atendimento, por exemplo). O objetivo da implantação desta tabela foi evitar o registro de ocorrências onde o diagnóstico apresentado não tinha relação com o procedimento realizado, seja por erros de codificação, transcrição ou digitação, por mudança de condição durante a internação, falta de cuidado no preenchimento ou por desconhecimento da correta utilização da CID-10 (LEVIN, 2006). A crítica da compatibilidade entre o diagnóstico principal e o procedimento realizado é feita momento da entrada de dados no estabelecimento hospitalar, não havendo possibilidade de autorização superior ou a posteriori. Observe-se que o programa de 69 entrada exibe os diagnósticos compatíveis com o procedimento realizado, permitindo que o operador do sistema escolha o diagnóstico a ser preenchido nesta lista. Ainda segundo Levin (2006), a implantação da tabela de compatibilidade trouxe os seguintes resultados: · Eliminação de situações absurdas, tais como internações obstétricas com diagnósticos totalmente incompatíveis; · Eliminação de dubiedades, principalmente decorrentes do uso incorreto da CID-10, como na troca de códigos aplicáveis à parturiente ou ao feto; · Desconcentração dos diagnósticos para os procedimentos, indicando, talvez, melhor codificação; · Impossibilidade de registro de situações não previstas; · Provável uso excessivo e indevido dos primeiros códigos de diagnósticos compatíveis para os procedimentos; · A existência de falhas na tabela provoca registros incorretos em determinados casos, alguns até bastante comuns, como na amputação de membros inferiores em pacientes diabéticos, em que o diagnóstico de diabete não é aceito O autor observa ainda que, em várias situações, o uso excessivo e indevido dos primeiros diagnósticos compatíveis para os procedimentos é muito superior aos códigos claramente incompatíveis que ocorreram em anos anteriores. Por exemplo, em 2001, o número de internações para partos cesáreos com diagnósticos posteriormente considerados incompatíveis foi de 2.586 (LEVIN, 2006, p. 80), representando 0,4% de todas as cesarianas. As verrugas anogenitais, que foram o diagnóstico de 14 partos cesáreos em 2001, passam para 17.708 casos em 2003 e 14.464 em 2004, representando 3 e 2,4% dos partos cesáreos, respectivamente. Isto sugere que, nestas situações, o erro introduzido pelo uso da Tabela de Compatibilidade é maior que o existente anteriormente. 70 A Tabela 2 permite observar a diferença entre o número de internações de aborto considerando o procedimento realizado ou o diagnóstico principal. Pode ser notado que o número de internações com diagnósticos de aborto é ligeiramente maior que o de procedimentos de aborto, a não ser em 1998. Neste ano, devido a problemas na distribuição do livro da CID-10, aceitaram-se, durante os dois primeiros meses, internações sem diagnóstico definido, pela impossibilidade de sua codificação nos estabelecimentos que não haviam recebido o material. Tabela 2 – Internações por procedimentos e diagnósticos de abortamento, segundo ano de competência Brasil, 1998 a 2005. Ano Procedimentos Diagnósticos Diagnósticos de aborto (A) de aborto (B) de aborto (C) Diagnósticos de aborto (B+C) 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 235.878 242.564 245.860 248.918 246.688 247.704 256.404 254.567 230.574 245.548 248.364 249.954 249.118 251.165 260.752 259.131 229.672 244.491 247.884 249.627 247.156 242.819 252.825 250.447 902 1.057 480 327 1.962 8.346 7.927 8.684 Proporção de (A) sobre (B+C) (%) 102,3 98,8 99,0 99,6 99,0 98,6 98,3 98,2 Fonte: MS/SE/Datasus - Sistema de Informações Hospitalares do SUS - SIH/SUS Notas: A. Procedimentos de abortamento: os constantes do Quadro 3 B. Diagnósticos de abortamento: os constantes do Quadro 2 (O00-O08) C. Diagnóstico de abortamento habitual (N96). Analisando os procedimentos que apresentaram diagnóstico de abortamento, podemos dividi-los em quatro grupos: 1. Procedimentos de abortamento (relacionados no Quadro 3). 2. Procedimentos não de abortamento, mas aceitos pela tabela de compatibilidade para alguns diagnósticos de abortamento (relacionados no Quadro 4). 3. Procedimentos não de abortamento, mas que, pela tabela de compatibilidade, podem aceitar qualquer diagnóstico (também relacionados no Quadro 4). 4. Outros procedimentos, não aceitos pela tabela de compatibilidade. Sua distribuição pode ser vista na Tabela 3. Os procedimentos do grupo 4 não mais aparecem a partir da implantação da Tabela de Compatibilidade, em 2002. Os dos grupos 2 e 3 representam uma participação percentual média de 1,3% e 0,4%, respectivamente, no período analisado. 71 Tabela 3 – Distribuição percentual dos procedimentos em internações com diagnóstico de abortamento, por ano, segundo grupos de procedimentos. Brasil, 1998-2005. GRUPO DE PROCEDIMENTOS GRUPO 1 CURETAGEM PÓS-ABORTO ESVAZIAMENTO UTERINO PÓS -ABORTO POR AMIU CIRURGIA DA PRENHEZ ECTÓPICA CURETAGEM UTERINA POR MOLA HIDATIFORME GRAVIDEZ MOLAR SEM PARTO GRUPO 2 GRUPO 3 GRUPO 4 1998 94,4 92,0 1999 2000 95,2 95,9 92,8 93,4 2001 96,2 93,7 2002 97,9 94,1 2003 2004 2005 98,4 98,3 98,1 94,0 93,6 93,0 - - - 0,1 1,2 1,6 1,8 2,0 2,0 2,0 2,0 1,9 2,0 2,2 2,3 2,5 0,2 0,1 1,6 0,5 3,5 0,3 0,1 1,4 0,4 3,0 0,4 0,1 1,4 0,4 2,4 0,4 0,1 1,4 0,4 2,0 0,5 0,1 1,0 0,4 0,7 0,6 0,1 1,2 0,4 0,0 0,5 0,6 0,1 0,1 1,3 1,4 0,4 0,5 0,0 0,0 Fonte: MS/SE/Datasus - Sistema de Informações Hospitalares do SUS - SIH/SUS Quadro 4 – Principais procedimentos não de abortamento que apresentaram diagnósticos de abortamento Cirurgias obstétricas * 35.009.01.2 Cesariana * 35.031.01.8 Intercorrência obstétrica na gravidez em gestante de alto risco * 35.032.01.4 Intercorrência obstétrica em atendimento secundário a gestante de alto risco Cirurgias ginecológicas * 34.009.02.7 Colpotomia * 34.005.03.0 Curetagem semiótica com ou sem dilatação do colo uterino * 34.001.04.2 Salpingectomia uni ou bilateral * 34.003.04.5 Salpingectomia videolaparoscópica * 34.004.04.1 Salpingoplastia videolaparoscópica Clínica Obstétrica * 69.000.14.0 Hemorragias da gravidez Diagnóstico e/ou primeiro atendimento ** 43.000.00.2 Diagnóstico e/ou primeiro atendimento em clínica cirúrgica ** 71.300.00.7 Diagnóstico e/ou primeiro atendimento em clínica pediátrica ** 72.500.00.0 Diagnóstico e/ou primeiro atendimento em clínica médica Demais procedimentos * 33.016.11.9 Laparotomia exploradora ** 31.000.00.2 Cirurgia múltipla Notas: *: Procedimentos não de abortamento compatíveis com diagnósticos de abortamento **: Procedimentos que aceitam qualquer diagnóstico. Na situação inversa – diagnósticos que constam em procedimentos de abortamento – encontramos situação análoga: 1. Diagnósticos de abortamento (relacionados no Quadro 2); 2. Diagnósticos não de abortamento, mas aceitos pela tabela de compatibilidade para alguns procedimentos de abortamento (N96 – Abortamento habitual, D39.2 – 72 Neoplasia de comportamento incerto ou desconhecido da placenta; e O73.0 – Retenção da placenta sem hemorragia); e 3. Outros diagnósticos, não aceitos pela tabela de compatibilidade. Sua distribuição pode ser vista na Tabela 4. Os diagnósticos do grupo 2 passam de 0,7% dos casos em 1998 para 3,5% em 2005 (principalmente o N96, que corresponde a 3,4% neste último ano), enquanto que os do grupo 3 não mais aparecem, a partir da implantação da Tabela de Compatibilidade. Tabela 4 – Distribuição percentual dos dianósticos em internações com procedimento de abortamento, por ano, segundo grupos de diagnósticos. Brasil, 1998-2005. Grupo de diagnósticos Grupo 1 O03 Aborto espontâneo O02 Outros produtos anormais da concepção O06 Aborto não especificado O00 Gravidez ectópica O05 Outros tipos de aborto O01 Mola hidatiforme O08 Compl aborto gravidez ectópica ou molar O04 Aborto por razões médicas e legais O07 Falha de tentativa de aborto Grupo 2 N96 Abortamento habitual D39 Neopl comp incert/desconh órg gen fem O73 Retenção placent membran s/hemorragias Grupo 3 1998 95,5 37,6 1999 96,0 38,6 2000 96,7 39,2 2001 96,5 38,3 2002 98,1 45,0 2003 96,5 47,7 2004 96,8 49,4 2005 96,5 50,0 16,7 12,8 1,8 8,7 0,5 16,0 11,9 1,8 8,6 0,6 15,0 11,9 1,7 8,3 0,6 15,6 12,3 1,6 8,1 0,5 19,2 20,6 1,9 2,9 3,2 19,5 19,5 2,1 2,7 2,1 19,5 18,8 2,2 2,5 1,8 20,0 17,5 2,4 2,4 1,8 15,7 17,8 19,3 19,7 4,9 1,9 1,9 1,4 1,0 0,6 0,7 0,4 0,5 0,2 0,7 0,4 0,3 0,3 0,5 0,2 0,3 0,2 0,7 0,1 0,4 0,1 1,0 0,8 0,8 0,3 3,5 3,4 0,6 0,2 3,2 3,1 0,7 0,2 3,5 3,4 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,1 0,1 0,1 0,3 3,8 0,3 3,3 0,3 2,8 0,6 2,8 0,2 0,9 0,0 0,0 0,0 - 0,0 - Fonte: MS/SE/Datasus - Sistema de Informações Hospitalares do SUS - SIH/SUS Nota: As proporções não incluem as internações sem diagnóstico. Na mesma tabela, assim como no Gráfico 1, é detalhada a distribuição proporcional das internações por abortamento segundo as principais categorias do diagnóstico (CID-10 a 3 caracteres). Pode ser observada a mudança de perfil a partir da implantação da Tabela de Compatibilidade: há uma grande diminuição na proporção de internações pela categoria O08 – Complicações conseqüentes a aborto, gravidez ectópica ou molar, de 15,7% para 1,4%, assim como pela categoria O05 – Outros tipos de aborto e pelos demais diagnósticos, de 8,7% para 2,4%. As categorias que têm maior acréscimo na participação são O03 – Aborto espontâneo, de 37,6% para 50,0%, O02 – Outros produtos anormais da concepção, de 16,7% para 20,0% e O06 – Aborto não especificado (de 12,8% para 17,5%). Deve ser observado que a categoria N96 – Abortamento habitual passa de 0,4% para 3,4%, com aumento de 9,6 vezes no número de casos. 73 O número de casos relatados de aborto espontâneo (O03) atingiu 127.295 casos em 2005. Este número corresponde a 5,1% das internações por parto (2.243.779) e de procedimentos de aborto (256.404). Considerando a estimativa que 10% das gestações terminam em aborto (Brasil, 2005), o valor de 5,1% aparenta estar coerente, porém devemos considerar que este número representa apenas aqueles casos que necessitaram de hospitalização posterior. Utilizando o fator de 3,5 complicações necessitando hospitalização para cada aborto (AGI, 1994) o valor de 5,1% sobe para 17,8%, o que é um indicativo que o número de casos de aborto espontâneo está sobre-enumerado. Gráfico 1 Distribuição de internações por aborto segundo o diagnóstico por ano. Brasil, 1998-2005. Fonte: MS/SE/Datasus - Sistema de Informações Hospitalares do SUS - SIH/SUS Na distribuição das internações por procedimento realizado, a esmagadora maioria é de curetagem pós-aborto (Tabela 3). No gráfico correspondente (Gráfico 2), podemos observar que não há muitas alterações nesta distribuição, a não ser o crescimento do esvaziamento uterino pós-aborto por AMIU, que passou a ser executado no SUS a partir de 2001. Observamos também a diminuição dos casos de abortos por outros procedimentos ginecológicos, obstétricos e de outras clínicas. 74 Gráfico 2 – Distribuição das internações com diagnóstico de abortamento segundo o procedimento realizado. Brasil, 1998-2005. Fonte: MS/SE/Datasus - Sistema de Informações Hospitalares do SUS - SIH/SUS Conclusões Apesar das limitações apresentadas, podemos observar que as informações sobre abortamentos no SIH/SUS podem ser utilizadas, com grande facilidade, para analisar a situação deste fenômeno, mesmo que indiretamente. São de grande importância, também, os dados demográficos nele contidos, permitindo traçar um perfil das mulheres que sofreram hospitalização por aborto. Uma das principais limitações é que o sistema só capta os abortos que levam a hospitalização; no caso de abortos clandestinos, só aparecem, então, quando há complicação. Ajustes devem ser feitos: a maior parte dos casos está registrada como aborto espontâneo num nível superior ao esperado, como 75 vimos. Também devem ser observados os problemas da qualidade do preenchimento da informação, principalmente quanto ao diagnóstico. A CID-10 é complexa, podendo induzir o codificar a erro, principalmente pela falta de treinamento no seu uso. A implantação da Tabela de Compatibilidade procurou corrigir distorções, mas forçou uma homogeneização dos dados. Eliminou algumas situações claramente incompatíveis ou mesmo absurdas, mas introduziu erros, seja por falhas na sua construção como também por induzir o codificador ao uso de diagnósticos préestabelecidos. Há uma quebra nos padrões da série histórica após a implantação da Tabela de Compatibilidade, o que deve ser considerado nos estudos feitos. A decisão quanto ao uso do diagnóstico ou do procedimento para selecionar os casos de abortos é relevante. Apesar dos números finais serem semelhantes, o uso da seleção pelo diagnóstico consegue capturar mais casos, permitindo, dentro de certos limites, discriminar o motivo da internação, o que não é possível no caso dos procedimentos, pela concentração de casos na classificação de curetagem pós-aborto. Deve ser notado que, a partir da implantação da Tabela de Compatibilidade (abril de 2002), deve ser também considerado o diagnóstico N96 – Abortamento habitual, além dos tradicionais do grupo O00-O08 – Gravidez que termina em aborto. No acesso às tabulações pela Internet – Morbidade Hospitalar, este código não está, no momento, discriminado, é apresentado em “Outros transtornos do aparelho geniturinário”, que agrupa as causas N82, N84-N90, N93-N94, N96 e N98-N994, dificultando, portanto, o seu uso. Notas 1. Devemos ter em conta as limitações destes números, pois: · Um parto pode gerar mais de um nascido vivo (partos múltiplos) ou natimortos; 76 · O número de partos apresentados pode estar subestimado, pelas limitações de tetos físicos e financeiros ou mesmo pelo subregistro, principalmente em hospitais públicos; · O número de nascidos vivos é resultado da composição de estimativas, que têm o seu natural grau de imprecisão, e do número coletado de nascimentos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), que, mesmo nos estados considerados, pode apresentar deficiências de cobertura. 2. Arquivo PROC0603.DBF, contido no arquivo compactado PROC0603.ARJ, disponível em ftp://msbbs.datasus.gov.br/ Arquivos_Publicos/tabelas_sus/00_index.htm; acesso em 05 jun. 2006. As tabelas dos períodos anteriores podem ser obtidas no mesmo endereço. 3. As pesquisas na Tabela de Compatibilidade foram efetuadas nos arquivos PROCDIAG.DBF, disponíveis nos CD-ROM do SIH/ SUS distribuídos pelo Datasus e no relatório disponível em http:// dtr2001.saude.gov.br/sas/download/download.htm, acesso em 05 jun. 2006. 4. Conforme as notas técnicas, disponíveis em http:// tabnet.datasus.gov.br/cgi/sih/mxcid10lm.htm, acesso em 21 set. 2006. 77 Referências Bibliográficas AGI – THE ALAN GUTTMACHER INSTITUTE. Aborto Clandestino: Una Realidad latinoamericana. Nova York: The Alan Guttmacher Institute, 1994. BITTENCOURT, Sonia Azevedo; CAMACHO, Luiz Antonio Bastos; LEAL, Maria do Carmo. O Sistema de Informação Hospitalar e sua aplicação na saúde coletiva. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, 2006. BRASIL. Ministério da Saúde. Movimento de Autorização de Internação Hospitalar – Anual/2002. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2004. 1 CD-ROM. BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção Humanizada ao abortamento: norma técnica. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. LEVCOVITZ, E.; PEREIRA, T. R. C. SIH/SUS (Sistema AIH): Uma análise do sistema público de remuneração de internações hospitalares no Brasil – 1983-1991. Rio de Janeiro: UERJ/IMS, 1993. Série Estudos em Saúde Coletiva, n. 57. LEVIN, J. A influência das Políticas de Saúde nos Indicadores gerados pelo Sistema de Informações Hospitalares do SUS. 2006. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva). Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. OMS – Organização Mundial da Saúde. Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. Décima revisão, v.1, 9ª ed. rev. São Paulo: Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português/Edusp; 2003. RIPSA – Rede Interagencial de Informações para a Saúde. Indicadores básicos de Saúde no Brasil: conceitos e aplicações. Brasília: Organização Pan-Americana de Saúde, 2002. 78 ABORTAMENTO PREVISTO EM LEI EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA SEXUAL Perspectivas e Experiências das Mulheres 79 1. Apresentação O abortamento é crime tipificado pelo Código Penal brasileiro, com exceção das situações previstas pelos incisos I e II do artigo 128, que estabelecem o direito de interrupção da gravidez em casos de gravidez decorrente de estupro, abortamento sentimental, ou quando existe risco de morte para a gestante, abortamento necessário (Oliveira 1987). Mais recentemente, como conseqüência da evolução da propedêutica fetal, o Poder Judiciário passou a conceder autorização específica para o abortamento em casos de gestações que cursam com anomalias fetais graves e incompatíveis com a vida extra-uterina (Frigério, 2002). Apesar do Código Penal estabelecer as situações de exclusão de ilicitude para o abortamento desde 1940, por quase 50 anos esse direito das mulheres permaneceu ignorado pelos serviços de saúde. Sem políticas públicas claras e sem normas seguras que definissem os procedimentos necessários, negar o abortamento previsto em Lei tornou-se quase uma regra para evitar o envolvimento com tema desconhecido e complexo. Como conseqüência, os motivos alegados para negar a interrupção dessas gestações freqüentemente se mostravam inconsistentes pela perspectiva médica, ou insustentáveis do ponto de vista jurídico (Drezett, 2005). De certa forma, a situação enfrentada pelas mulheres sempre se mostrou mais difícil e complexa nas situações de abortamento quando a gravidez decorre da violência sexual. Nesses casos, a recusa em realizar o abortamento não raro refletia exclusivamente o posicionamento pessoal de gestores ou profissionais de saúde pautados em valores morais ou religiosos, impedindo o livre exercício dos direitos das mulheres (Drezett, 2005). Ao mesmo tempo, investigações em todo o mundo acumularam sólidas evidências sobre o impacto da violência sexual para a saúde das mulheres. Nesse sentido, a gravidez decorrente da violência sexual se destaca pela complexidade e pela severidade das reações que determina, seja na esfera emocional, familiar, social ou biológica. Para muitas 80 mulheres essa gestação, forçada e indesejada, é sentida como uma segunda e intolerável forma de violência, muitas vezes impossível de ser mantida até o término (Faúndes, 1997). No entanto, o exato destino dessas gestações ainda é incerto. Na opção pela interrupção da gravidez, a forma e segurança desse procedimento se mostram fortemente vinculados ao tipo de legislação de cada país. Nos países com Leis proibitivas a busca por serviços clandestinos conduz milhares de mulheres ao abortamento inseguro como forma de resolver sua situação. O mesmo ocorre nos países cujas legislações permitem o abortamento nos casos de gravidez decorrente de violência sexual, mas que não disponibilizam serviços seguros e acessíveis para as mulheres (Holmes, 1996). No Brasil, embora a interrupção da gestação que resulta da violência sexual constitua um direito previsto em Lei, parte expressiva das mulheres ainda não tem acesso a serviços de saúde que realizem o abortamento de maneira segura e humanizada. Somente no final da década de 80 é que os primeiros serviços públicos de saúde passaram a oferecer esse tipo de atendimento (Talib, 2005). Por falta de informação sobre seus direitos ou por falta de acesso a serviços de saúde que concordem em realizar o procedimento muitas mulheres, decididas em interromper a gestação, ainda recorrem ao abortamento clandestino, quase sempre praticado de forma insegura e com graves conseqüências. Por outro lado, muitas mulheres optam por manter a gravidez até o seu término por escolha ou mesmo por falta de alternativas viáveis, com desdobramentos e conseqüências ainda menos conhecidas (Brasil, 2005e). Desde a implantação dos primeiros serviços públicos de saúde que realizam o abortamento no Brasil, o perfil das mulheres que escolhem e realizam a interrupção da gravidez vem sendo gradativamente delineado. Diversas investigações têm colaborado para construir indicadores sociais e epidemiológicos consistentes, contribuindo para a melhor compreensão dos mecanismos da violência sexual, da tipificação do agressor, e dos resultados técnicos do abortamento. 81 No entanto, pouco ainda se conhece sobre o processo que essas mulheres enfrentam durante sua escolha pelo abortamento e os possíveis efeitos que o mesmo tem em suas vidas. Nesse aspecto, são escassas as informações que contemplem a perspectiva dessas mulheres, suas opiniões e suas vivências. Considerando-se esse contexto, a proposta principal desta investigação foi buscar, entre as mulheres que realizaram o abortamento na situação de gravidez decorrente de violência sexual, algumas respostas sobre como se deram suas escolhas, quais dificuldades encontraram durante esse processo e, principalmente, como analisam essa decisão enquanto os possíveis impactos em suas vidas. Para tentar alcançar esses objetivos, adotou-se o desenho de pesquisa qualitativa, retirando a mulher que realiza o abortamento da condição de passividade da análise. Para tanto, foi realizada a escuta qualificada de vinte mulheres que realizaram o abortamento previsto por Lei em situação de gravidez decorrente de violência sexual em um serviço público de saúde. Essa escuta se fez por meio de entrevista abrangendo diferentes blocos temáticos, permitindo que cada uma das participantes expressasse, da maneira mais ampla e legítima possível, o que pensam e o que sentem ao atravessar essa difícil experiência. Nesse sentido, esta investigação certamente não esgota o tema, não formula todas as perguntas, nem encontra todas as respostas ainda necessárias. Mas pretende-se, considerando-se sua condição inédita em nosso meio, que ela estimule novas e diferentes investigações. Elas são fundamentais para a construção do conhecimento necessário para aprimorar as políticas públicas que atendam as reais expectativas e necessidades dessas mulheres. E para resgatar essa parte importante dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. 82 2. Introdução A questão da interrupção da gravidez decorrente de violência sexual envolve diversos aspectos importantes, com interseções específicas e complexas. O abortamento constitui um grave problema de saúde pública, que necessita ser entendido de maneira isenta e qualificada. Ao mesmo tempo, a interrupção da gravidez, nesses casos, decorre da particular condição da violência de gênero, tema igualmente complexo. A convergência dessas duas condições tem importantes implicações éticas e legais, o que torna necessária a observância e o cumprimento do ordenamento jurídico do país. Reunir, articular e praticar esses diferentes aspectos e perspectivas é algo fundamental para garantir que os mesmos cheguem até as mulheres que se encontram nessas circunstâncias. Para gestores e profissionais da saúde implica na responsabilidade adicional de implementar e aprimorar políticas públicas para as mulheres que diminuam os danos provocados pela violência sexual e que, ao mesmo tempo, garantam o acesso ao abortamento previsto em Lei de maneira ética, segura e humanizada. Essas premissas fundamentais são tratadas a seguir.RTA 2.1 - ABORTAMENTO COMO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA Segundo a Organização Mundial da Saúde, o abortamento inseguro representa um importante problema de saúde pública em todo mundo, particularmente mais grave para os países em desenvolvimento. O abortamento também representa uma questão de justiça social, de grande amplitude e com complexa cadeia de aspectos envolvendo fatores legais, econômicos, sociais e psicológicos. Estima-se que cerca de 210 milhões de gestações ocorram no mundo a cada ano. Desse total, 75 milhões de gestações não são planejadas ou são indesejadas, levando a quase 46 milhões de abortamentos induzidos a cada ano (Alan Guttmacher Institute, 83 1999). Dessas interrupções de gestação, 20 milhões são praticadas em condições inseguras, implicando em graves riscos para a vida e para a saúde da mulher. Cerca de 95% dos abortamentos inseguros são realizados em países em desenvolvimento com restrições legais para o abortamento. Quase 13% das mortes maternas no mundo estão relacionadas com o abortamento inseguro, resultando em 67 mil mortes de mulheres a cada ano (WHO, 1998). Na América Latina, calcula-se que 36% das gestações não são planejadas, resultando em quatro milhões de abortamentos induzidos. Em países do Caribe e da América Latina ocorre um abortamento inseguro para cada três nascimentos vivos, implicando em 24% da mortalidade materna (WHO, 2003). No Brasil, as estimativas mais recentes apontam para 728.100 a 1.039.000 abortamentos a cada ano. Embora se verifique decréscimo desses números na última década, a taxa atual de 3,7 abortamentos por 100 mulheres em idade reprodutiva ainda é muitas vezes superior às taxas observadas nos países da Europa Ocidental, onde o abortamento é legal, seguro e acessível. Além disso, os indicadores sobre o problema do abortamento no país revelam fortes desigualdades sociais e regionais. Estados das regiões Norte e Nordeste do país apresentam taxas de abortamento mais elevadas e menores índices de redução. Em algumas capitais desses Estados o abortamento segue como primeira causa de morte materna há mais de uma década. A morbidade relacionada ao abortamento também se reflete nos números de internações hospitalares. O esvaziamento uterino por abortamento é o segundo procedimento obstétrico mais freqüente na rede pública de saúde. No país, são realizadas cerca de 240 mil internações anuais no Sistema Único de Saúde para tratamento de complicações do abortamento, gerando gastos anuais da ordem de 45 milhões de reais (Brasil, 2005d). 84 2.2 - A DIMENSÃO DA VIOLÊNCIA SEXUAL A questão da violência tem crescentemente chamado a atenção dos organismos internacionais que, cada vez mais, identificam os efeitos das relações e situações de violência como um grande impeditivo para o desenvolvimento humano. Com esse entendimento, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) define violência como: “O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação de liberdade”. Contudo, homens e mulheres são atingidos pela violência de maneiras diferentes, principalmente em razão das especificidades de gênero. Enquanto o homicídio prevalece para o sexo masculino nos espaços públicos, o abuso sexual e a violência doméstica predominam para no sexo feminino, geralmente dentro de espaços privados (Brasil, 2004). A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (OEA, 1995), conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, considera por violência contra a mulher: “... todo ato baseado no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como privada”. Nesse sentido, a violência sexual constitui uma das mais antigas e amargas expressões da violência de gênero, além de representar uma brutal violação de Direitos Humanos e de Direitos Sexuais e Reprodutivos (Drezett & Del Pozo, 2002). O peso da questão de 85 gênero faz com que as mulheres sejam as principais atingidas pela violência sexual, na medida que 85% a 90% dos crimes sexuais são contra elas praticados (Pedersen & Skrondal, 1996). A fundamentação da violência como problema de saúde pública não se faz somente pela magnitude das estatísticas envolvidas, mas considera os agravos para a saúde das pessoas por ela atingidas (Aiken, 1993). O impacto do abuso sexual para a saúde sexual e reprodutiva decorre das conseqüências dos traumatismos físicos, das seqüelas das doenças sexualmente transmissíveis, da morbidade da infecção pelo HIV, e da complexidade da situação de gravidez decorrente do abuso sexual. Os danos psicológicos, embora mais difíceis de mensurar, produzem efeitos intensos e devastadores, por vezes irreparáveis (Beebe, 1998; Drezett, 2003). Assim como vem ocorrendo com o abortamento inseguro, a violência de gênero crescentemente é remetida à área da saúde, resultado da melhor compreensão dos agravos causados para a saúde física e mental, e da percepção do setor saúde como espaço privilegiado para tratar desse tema (D’Oliveira & Schraiber, 1999). A violência sexual deve ser entendida como fenômeno que atinge, indistintamente, mulheres de todas as classes sociais, etnias, religiões e culturas. Ocorre em populações de diferentes níveis de desenvolvimento econômico e social, e em qualquer etapa da vida da mulher (Saffioti & Almeida, 1995). Estima-se que a violência sexual atinja 12 milhões de pessoas a cada ano no mundo (Beebe, 1998). Nos EUA, o estupro é considerado o crime violento que mais rapidamente avança em incidência, com um caso a cada 6,4 minutos (Petter & Whitehill, 1998). Acredita-se que 25% das mulheres adultas americanas experimentaram um contato sexual não consentido durante a infância ou a adolescência, e que 13% delas já foram estupradas (Holmes, 1996; Russel, 1986). Em Boston, 20% das alunas universitárias declaram terem sofrido abuso sexual antes dos 18 anos (Wyatt, 1999). Dados semelhantes foram encontrados entre alunas canadenses (Newton-Taylor, 1998). O National Victim 86 Center, Crime Victims Research and Treatment Center (NVCCVRTC, 1992) calcula que ocorreram 683 mil estupros nos EUA, durante o ano de 1991. Estimativa semelhante é feita pelo United States Departament of Justice, na ordem de 500 mil crimes sexuais (Lathrope, 1998). Nos países em desenvolvimento as taxas de violência sexual são igualmente expressivas. Na Etiópia, há referência de que o estupro atinge 5% das estudantes secundárias e que outros 10% delas já sofreu uma tentativa de estupro não consumada (Mulugeta, 1998). Na Malásia, 8,3% das estudantes de medicina experimentaram o abuso sexual durante a infância (Singh, 1996). Estudo realizado na Colômbia encontrou 20% das mulheres com antecedente de violência sexual (Heise, 1994). No entanto, as maiores taxas de violência sexual são registradas nos países em conflito armado, como na guerra da Bósnia-Herzegovina, na Croácia ou no conflito civil da Libéria. Embora constitua crime de guerra, mulheres capturadas são violadas, muitas vezes de forma múltipla e repetida e, não raro, submetidas à tortura, mutilação e execução. A exemplo, a ONU acredita que foram estupradas cerca de 50 mil mulheres na antiga Iugoslávia com o objetivo de provocar a gravidez forçada e promover a eliminação étnica (Kozaric-Kovacic, 1995). A violência sexual não poupa as mulheres mesmo em momentos específicos de suas vidas, como no ciclo gravídico-puerperal. Acredita-se que 20 a 25% das mulheres sofram violência física ou sexual durante a gestação, e que a condição de gravidez e de puerpério não as protejam da violência (Convington, 2001). Ao contrário, 25% dos casos de violência durante a gravidez persistem durante seis meses após o parto (Satin, 1992). Para outros 13%, ocorre agravo da violência durante esse período, seja em freqüência ou em intensidade (Muhajarine, 1999). Pesquisa realizada com 2.404 puérperas revelou que 5% delas foram sexualmente agredidas durante a gravidez (Satin, 1992). Acredita-se que 8% das adolescentes sofram abuso sexual durante a gestação, a maioria por 87 agressores conhecidos (Berenson, 1992). No Peru, 90% das grávidas com idade entre 12 e 16 anos referiram terem sofrido abuso sexual, geralmente praticado por membros da família (IPPF, 1995). De fato, as estatísticas apontam que a violência pode ser condição mais comum para a gestante do que a pré-eclampsia, o diabete gestacional, a hipertensão arterial, ou a placenta prévia (Jonhson, 2003). A violência durante a gravidez também acarreta em fatores específicos de morbidade. Há indicadores de que essas gestantes postergam o início do pré-natal e que realizam menor número de consultas, com maiores taxas de ganho de peso insuficiente, abortamento espontâneo, parto prematuro, infecções genitais e urinárias, óbito fetal, prematuridade e baixo peso ao nascer (Rachana, 2002). No Brasil, os registros das Secretarias de Segurança Pública apontam para 8,78 estupros e 7,13 casos de atentado violento ao pudor por 100 mil habitantes. As regiões Norte e Centro Oeste apresentam taxas de violência sexual 40% superiores a média nacional, com 11,94 e 11,96 estupros por 100 mil habitantes, respectivamente (Souza & Adesse, 2005). Os dados oficiais, entretanto, expressam precariamente a magnitude do problema. Estudo envolvendo 2.645 mulheres em idade reprodutiva verificou que cerca de 10% das mulheres da região metropolitana de São Paulo e 14% das residentes na Zona da Mata, relatam terem sido forçadas, alguma vez, a praticar atos sexuais que não queriam, terem sentido medo de se negar a ter relações sexuais, ou terem sido submetidas a práticas sexuais degradantes e humilhantes (Couto, 2004). Embora existam numerosas investigações quantificando o problema, a exata prevalência do abuso sexual e de suas conseqüências ainda é desconhecida. Apenas 16% dos estupros são comunicados às autoridades nos EUA e, em casos de incesto, estes percentuais não atingem os 5% (Sánchez, 1989). A subnotificação também é maior nas ocorrências de violência sexual contra o sexo masculino, 88 com taxas que sequer atingem 5% (King & Woollett, 1997). Em diferentes países se constata que expressiva parcela de mulheres não busca nenhum tipo de ajuda após a violência sexual. Essas taxas são de 68,7% no Haiti; 62% na Colômbia; 58,8% na República Dominicana; 57,8% no Peru; e 40,5% na Nicarágua. O percentual de mulheres que procura pela polícia varia de 1,6% no Haiti, até 15,6% na Colômbia (OPS, 2005). No Brasil a situação é semelhante, com apenas 10 a 20% de denúncias do ocorrido para a Autoridade Policial (Faúndes, 1998). A falta de mecanismos eficientes de notificação e registro soma-se ao fato de que a maioria das mulheres e adolescentes não revela o ocorrido para as autoridades competentes. Ameaça, vergonha, ou humilhação são fatores decisivos para ocultar a violência sexual sofrida. O problema da subnotificação também se agrava quando o agressor é conhecido ou próximo, como ocorre no abuso sexual intrafamiliar, particularmente durante a infância ou a adolescência. Nesses casos, o perpetrador se vale de sua posição privilegiada no núcleo familiar, da autoridade, e do temor reverencial de que é investido para garantir que o abuso permaneça oculto por longo período, mecanismo conhecido por conspiração do silêncio (HRW, 1992). Parte da resistência em revelar os fatos também se deve à baixa expectativa com os resultados da Justiça. Além de temer o interrogatório policial e o exame pericial, há o constrangimento de enfrentar o agressor no Tribunal e o risco de ter sua história desqualificada ou desacreditada. Assim, essas mulheres terminam isoladas e invisibilizadas, distantes de seus direitos constitucionais de proteção à saúde e acesso à Justiça (Drezett, 2003). Parte pequena dos crimes sexuais pode se associar com danos físicos severos que terminem em morte. Grande parte desses homicídios resulta da asfixia mecânica, sendo pouco freqüente decorrerem de ferimentos causados por arma de fogo ou arma branca, embora sejam essas as formas mais freqüentes de 89 intimidação (Deming, 1983). Contudo, o impacto dessas mortes não pode obscurecer o fato de que a maioria das vítimas da violência sexual não apresenta danos físicos severos. Estudo envolvendo 554 vítimas de estupro e de atentado violento ao pudor, com penetração anal, encontrou lesões genitais em 2,7% das adolescentes e trauma extragenital em 11% (Drezett, 2001). A baixa ocorrência de lesões físicas pode ser explicada pela forma de constrangimento utilizada pelo agressor, mais pautada na ameaça e menos na força física. A questão dos traumatismos físicos não constitui o problema principal do atendimento para as mulheres em situação de violência sexual. A maioria delas recebe tratamento adequado para essas condições. No entanto, ainda se observa resistência dos serviços de saúde em examinar e cuidar daquelas que não apresentam lesões físicas. Para agravar a situação, há indicadores de que mulheres que apresentam danos físicos decorrentes da violência recebem melhor atenção nos serviços de saúde, nos departamentos médico-legais, ou nas delegacias de polícia, atribuindo-se a elas o estereótipo de vítimas ideais. Nesses casos, as marcas da violência garantem menor risco de ter sua história questionada ou duvidada (Lourenço, 2001). Ao mesmo tempo, ainda persiste para parte da sociedade o estereótipo de que a mulher, de alguma forma, se expõe ou facilita a abordagem do agressor, restando a ela alguma parcela de culpa pela violência sexual sofrida. Os indicadores, no entanto, tem derrubado esse mito. Em se tratando de agressores desconhecidos, na maioria dos casos as mulheres encontram-se no exercício de atividades habituais e cotidianas, geralmente na proximidade de sua residência, ou no percurso do trabalho ou da escola. Por outro lado, quando se analisa a mesma questão considerando-se somente agressores conhecidos, prevalece a ocorrência dentro de espaços privados, apontando para a importância da violência sexual intrafamiliar (Drezett, 2001). 90 São muitas as referências quanto aos crimes sexuais cometidos pelos companheiros ou parceiros íntimos. Todas apontam para taxas elevadas de prevalência e baixos índices de denúncia, independente da condição social, educacional ou econômica da mulher (HRW, 1992). Essa situação é reportada por 58% das mulheres em Porto Rico; 52% na Nicarágua; 46% na Bolívia; 42% no Quênia; 40% na Colômbia; 38% no Brasil; 29% no Canadá; 26% no Chile; e 20% na Suíça e na Nova Zelândia (Heise, 1994). Na violência sexual o fenômeno se repete e acumulam-se evidências de que o agressor sexual, na maioria dos casos, trata-se de alguém conhecido e próximo da mulher. Entre crianças e adolescentes o problema se assevera, e o perpetrador da violência sexual é identificável entre 70 e 95% dos casos (Drezett, 2004; Garza-Aguilar & Diaz-Michel, 1994). O agressor desconhecido assume maior freqüência entre mulheres adultas, em cerca da metade das ocorrências (Muram, 1995). 2.3 - VIOLÊNCIA SEXUAL E ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA Mais da metade dos casos de violência sexual ocorre durante o período reprodutivo da vida da mulher e a taxa de gravidez oscila entre 1 e 7% (Holmes, 1996; Faúndes, 1998). A anticoncepção de emergência constitui medida crítica para evitar grande parte das gestações decorrentes de violência sexual. Deve ser prescrita para todas as mulheres expostas à gravidez através de contato certo ou duvidoso com sêmen, independente do período do ciclo menstrual em que se encontrem, e que se estejam em idade reprodutiva (Drezett, 1998). A anticoncepção de emergência hormonal é o método de eleição devido seu baixo custo, tolerabilidade, eficácia e ausência de contraindicações absolutas, utilizando compostos hormonais concentrados e por curto período de tempo, em dois diferentes métodos (WHO, 1998). O método do levonorgestrel exclusivo deve ser a primeira escolha, sempre que possível, devido sua maior eficácia e 91 tolerabilidade, e por não apresentar interação com alguns antiretrovirais, geralmente utilizados de forma concomitante para a profilaxia do HIV nos casos de violência sexual (Brasil, 2005b). A mulher que recebe a anticoncepção de emergência deve ser orientada a procurar pelo serviço de saúde se ocorrer atraso menstrual. Devem ser informadas que, na maioria das vezes, pouca ou nenhuma alteração significativa ocorrerá no ciclo menstrual (Brasil, 2005e). A anticoncepção de emergência não provoca sangramento imediato após o seu uso, e cerca de 60% das mulheres terão a menstruação seguinte ocorrendo dentro do período esperado, sem atrasos ou antecipações. Em 15% dos casos a menstruação poderá atrasar até sete dias e, em outros 13%, pouco mais de sete dias (WHO, 1998). Todas as mulheres podem usar a anticoncepção de emergência com segurança, mesmo aquelas que, habitualmente, tenham contraindicações ao uso de anticoncepcionais hormonais orais combinados (WHO, 1998). A eficácia da anticoncepção de emergência é elevada, com Índice de Efetividade médio de 75% e Índice de Pearl (índice de falha) de cerca de 2%. Isso significa que a anticoncepção de emergência pode evitar, em média, três de cada quatro gestações que ocorreriam após a violência sexual. No entanto, a eficácia da anticoncepção de emergência se modifica drasticamente em função do número de horas entre a violência e sua administração. As taxas de falha do levonorgestrel, por exemplo, variam de 0,4% (0-24 horas) até 2,7% (49-72 horas). Entre o 4° e o 5° dia da violência sexual a anticoncepção de emergência ainda oferece alguma proteção, embora com taxa de falha expressivamente maior (Faúndes, 2003; Trussel, 1998). Embora a eficácia da anticoncepção de emergência apresente taxas consideráveis, ela ainda não é utilizada para grande parte das mulheres que sofrem violência sexual. Embora isso resulte de diferentes fatores, uma das barreiras mais significativas é a 92 equivocada convicção de que a anticoncepção de emergência é “abortiva”. De fato, parte dos gestores e dos profissionais de saúde mantém essa posição, mesmo com ampla documentação científica que garante o contrário. Não há, decididamente, qualquer indicador de que a anticoncepção de emergência exerça efeitos após a fecundação, que atue impedindo a nidação, ou que implique na eliminação precoce do embrião (Brache, 2003; Brasil, 2005b; Faúndes, 2003; Piaggio, 1999; WHO, 1998). Contudo, muitas mulheres ainda não recebem a anticoncepção de emergência nos serviços de emergência, mesmo quando em condições de risco para gravidez. A prevenção da gravidez é ignorada e, não raramente, omitida por alegações injustificáveis, mesmo frente suas possíveis conseqüências (Drezett, 2003). 2.4 - ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS Com poucas exceções, quase todos os países do mundo têm Leis que permitem que o abortamento seja realizado para salvar a vida da mulher. Em cerca de 60% dos países a legislação também permite que o abortamento seja praticado para preservar a saúde física ou mental. Quase 40% não punem o abortamento quando a gravidez resulta de violência sexual, ou quando cursa com anomalia fetal grave. Motivos sociais ou econômicos têm autorização para o abortamento em 30% das legislações. O abortamento voluntário, por exclusiva solicitação da mulher, é garantido por cerca de 30% dos países, a maioria países desenvolvidos (WHO, 2003). No Brasil, a legislação sobre o abortamento encontra-se entre as mais restritivas. O abortamento é crime previsto pelo Código Penal nos artigos 124, 125 e 126, com penalidades para a mulher e para o médico que o praticam (Oliveira, 1987). No entanto, de acordo com o Decreto-Lei 2848, de 7 de dezembro de 1940, incisos I e II do artigo 128 do Código Penal brasileiro, não é crime e não se pune o aborto praticado por médico quando não há outro meio de salvar a 93 vida da gestante, ou quando a gravidez resulta de estupro ou, por analogia, de outra forma de violência sexual (Brasil, 2005c). O aborto deve ser precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (Oliveira, 1987). Além disso, mediante solicitação e consentimento da mulher, o Poder Judiciário também tem autorizado a interrupção da gravidez em casos de anomalias fetais graves com inviabilidade de vida extra-uterina (Brasil, 2005d; Frigério, 2002). Nessas três situações de exceção, o abortamento no Brasil é um inequívoco direito da mulher, que tem garantido, pela Constituição Federal e pelas Normas Internacionais de Direitos Humanos, o direito à integral assistência médica e à plena garantia de sua a saúde sexual e reprodutiva. Cabe ao Estado garantir que a interrupção dessas gestações seja realizada de maneira ética, humanizada e segura (Brasil, 2005c). Nesse sentido, o Ministério da Saúde normatizou, desde 1998, os procedimentos a serem adotados por gestores e profissionais de saúde para o atendimento ao abortamento previsto em Lei, por meio da Norma “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra Mulheres e Adolescentes”, e da norma técnica “Atenção Humanizada ao Abortamento” (Brasil, 2005d; Brasil, 2005e). O Código Penal afirma que a palavra da mulher que busca os serviços de saúde afirmando ter sofrido violência deve ter credibilidade, ética e legalmente, devendo ser recebida como presunção de veracidade. O objetivo do serviço de saúde é garantir o exercício do direito à saúde. Seus procedimentos não devem ser confundidos com os procedimentos reservados a Polícia ou Justiça. O médico e demais profissionais de saúde não devem temer possíveis conseqüências jurídicas, caso revele-se posteriormente que a gravidez não foi resultado de violência sexual. Segundo o Código Penal Brasileiro (Oliveira, 1987), artigo 20, § 1º: 94 “É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima”. Se todas as cautelas procedimentais foram cumpridas pelo serviço de saúde, no caso de verificar-se, posteriormente, a inverdade da alegação somente a gestante, em tal caso, responderá criminalmente (Brasil, 2005c; Oliveira, 1987). Por outro lado, o artigo 7 do Código de Ética Médica (CFM, 1998) assegura que: “O médico deve exercer a profissão com ampla autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais a quem ele não deseje, salvo na ausência de outro médico, em casos de urgência, ou quando sua negativa possa trazer danos irreversíveis ao paciente”. Além disso, o artigo 28 do Código de Ética Médica define claramente a possibilidade do(a) médico(a) manifestar objeção de consciência nos casos de abortamento, recusando-se a realizar o procedimento. Segundo o Código é direito desse(a) profissional: “Recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência”. A posição do médico que manifesta objeção de consciência deve sempre ser respeitada. Esses profissionais não devem sofrer nenhuma forma de coerção, ameaça, intimidação ou discriminação por se recusarem a praticar o abortamento legal. Nesses casos, recomenda-se que o médico declare sua condição de objeção de consciência para a mulher ou seu representante legal de forma franca e clara, encaminhado-a para outro profissional ou serviço de saúde que concorde em realizar o abortamento (Brasil, 2005d; CREMESP, 2002). No entanto, o Código de Ética Médica também estabelece que, em algumas situações específicas, o médico não 95 tem direito de objeção de consciência, prevalecendo o direito da mulher ao abortamento (CFM, 1988): 1) nos casos em que o abortamento é necessário por motivo de iminente risco de morte para a mulher; 2) na ausência de outro médico que realize o abortamento em qualquer condição juridicamente permitida; 3) nas situações em que possa haver danos ou agravos à saúde da mulher em razão da omissão ou recusa do atendimento do profissional. Estudo recente problematiza, através de análise de entrevistas com profissionais de serviços de referência, a questão da objeção de consciência. Confirmou-se a existência de duas barreiras para a atenção aos casos de abortamento previsto em Lei: a desconfiança sobre a veracidade do fato narrado pelas mulheres e o receio de sofrer penalidades. Desconfiança e desconhecimento das normas legais, são destacados como aspectos significativos dos argumentos que evocam a objeção de consciência em casos de atenção ao abortamento previsto em lei (Galli & Gomes, 2006). Apesar das definições legais sobre o abuso sexual variarem de acordo com a legislação de cada país, a maioria delas considera o uso da força física ou da intimidação, e o dissenso da vítima (Heirich, 1989). Dessa forma, para que um contato sexual seja classificado como crime sexual é fundamental que o mesmo não tenha o consentimento da mulher e que, ao mesmo tempo, o agressor desrespeite esse dissenso. Requer, ainda, que para subjugar a vítima e concretizar a violência sexual, o agressor utilize um ou mais mecanismos de intimidação. Ou, ainda, que a situação corresponda aos quesitos da violência presumida. Dentro do contexto legal, o Código Penal brasileiro classifica a violência sexual no título de Crimes Contra os Costumes, capítulo dos Crimes Contra a Liberdade Sexual. Esses crimes são considerados de ação privada e que dependem exclusivamente da iniciativa da mulher pela abertura e mobilização do processo criminal (Oliveira, 1987), com poucas exceções. Atualmente, os crimes sexuais agrupam-se na Lei nº 8072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes 96 hediondos. Além do aumento da pena, o agressor perde o direito à fiança, liberdade provisória, anistia, graça ou indulto, e a pena deve ser cumprida integralmente em regime fechado (Torres, 1999). Embora os termos violência, abuso ou agressão sexual sejam utilizados no cotidiano pelos profissionais de saúde, a Lei Penal define os crimes sexuais de maneira específica. Assim, o estupro é caracterizado pelo artigo 213 do Código Penal como: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. Entende-se por violência o uso de força física suficientemente capaz de vencer a resistência da mulher. A grave ameaça se configura como a promessa de efetuar tamanho mal, capaz de impedir a resistência da vítima. A conjunção carnal corresponde ao coito vaginal, limitando esse crime ao sexo feminino. No artigo 214, é abordado o atentado violento ao pudor, crime de: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. Aqui se incluem todas as situações diferentes do coito vaginal, como a sucção das mamas, manobras digitais eróticas ou a cópula anal ou oral. O atentado violento ao pudor pode ser praticado contra ambos os sexos, sob as mesmas formas de constrangimento válidas para o estupro (Oliveira, 1987). Importante ressaltar que o crime sexual cometido pelo esposo ou companheiro não se encontra ressalvado no Código Penal, nem nos casos em que a mulher mantenha situação de união formal ou estável com o agressor (Torres, 1999). Outro aspecto jurídico relevante se refere à presunção da violência, artigo 224 do Código Penal. Trata-se de um conjunto de condições 97 nas quais não ocorre o constrangimento pelo uso de força ou de grave ameaça, mas que caracterizam, igualmente, o estupro e o atentado violento ao pudor. Assim, presume-se que houve violência quando: “A vítima é menor de 14 anos; é alienada ou débil mental e o agressor conhece esta circunstância; ou quando não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”. Entre as principais condições de violência presumida durante a adolescência, destacam-se o temor do agressor (59%) e a deficiência mental (35%). O uso de substâncias hipnóticas ou embriaguez correspondem a 5% dos casos (Drezett, 2001). Nos EUA, particular atenção tem sido dada ao uso de hipnoanalgésicos ou de drogas de ação similar sobre o sistema nervoso central. Essas substâncias são misturadas em bebidas sem o conhecimento da mulher ou da adolescente, com o intuito de neutralizar a oposição ou a resistência ao abuso sexual. Embora os padrões desse uso ilícito ainda sejam pouco conhecidos, mais de 20 substâncias para esse fim estão catalogadas (Saum & Inciardi, 1997). No Brasil, o Código Penal considera como presunção de violência tanto os estados de inconsciência decorrentes da ação voluntária da vítima, quanto os provocados pelo agressor (Pinho, 1979). O atendimento de situações de violência sexual, incluindo-se os casos que envolvam gravidez, exige o cumprimento dos princípios de sigilo e segredo profissional (Brasil, 2005a). A Constituição Federal (Brasil, 2006b), artigo 5, garante que: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização material ou moral decorrente de sua violação”. 98 A revelação de informações durante o exercício profissional é prevista pelo Código Penal e caracterizada como crime pelo artigo 154, restando claro que: “Revelar a alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. Alinhando-se com a legislação, o Código de Ética Médica (CFM, 1988), no artigo 103, estabelece que: “É vedado ao médico revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-los, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente”. A Lei 10.778/03, de 24 de novembro de 2003, estabelece a notificação compulsória, no território nacional, dos casos de violência contra a mulher, atendidos em serviços públicos e privados de saúde. Até a presente data, a ficha de notificação desenvolvida pelo Ministério da Saúde encontra-se em processo de implantação, restrita a serviços de saúde selecionados por características específicas. No entanto, deve-se observar que alguns Estados têm Leis que determinam a notificação compulsória e que devem ser respeitadas pelos serviços de saúde (Brasil, 2006a). O consentimento da mulher ou de seu representante legal é necessário para realizar o abortamento nas situações previstas pela Lei, com exceção dos casos de risco de morte quando a mulher esteja impossibilitada de expressar seu consentimento (Brasil, 2005d). O novo Código Civil brasileiro, de 2003, estabelece em seus artigos 3º, 4º, 5º, 1631, 1690, 1728 e 1767 que: 1) a mulher com 18 99 anos de idade ou mais é considerada plenamente capaz de consentir sozinha; 2) a partir dos 16 anos e antes dos 18 anos, o consentimento da adolescente deve ser assistido pelos pais ou representante legal, que se manifestam e assinam o consentimento com ela; 3) antes dos 16 anos, a criança ou a adolescente devem ser representados pelos pais ou por seu representante legal, que se manifestam e assinam o termo de consentimento por ela (CCB, 2003). O consentimento do representante legal também se faz necessário em situações onde a mulher, em qualquer idade, não possa expressar sua vontade ou não tenha condições de discernimento, a exemplo das deficientes mentais graves (Brasil, 2005c). Cabe considerar, quando houver conflito de interesses, que as adolescentes devem ter sua vontade respeitada caso não queiram realizar o abortamento, que não deverá ser praticado, ainda que os seus representantes legais assim o queiram (Brasil, 2005a; Brasil, 2005d; Brasil, 2005e). A realização do abortamento nos casos de gravidez decorrente de violência sexual não necessita de decisão judicial, ou a sentença final do processo, caso houver. Portanto, a Lei penal brasileira não exige alvará ou autorização judicial para a realização do abortamento em casos de gravidez decorrente de violência sexual (Brasil, 2005c; Brasil, 2005d; Brasil, 2005e; Faúndes, 1997; Faúndes, 1998; FEBRASGO, 2004). A mulher que sofre violência sexual não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia e, portanto, não tem obrigação de realizar o Boletim de Ocorrência Policial. Ela deve ser orientada pelos profissionais de saúde a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas caso ela não o faça, não lhe pode ser negado nem o atendimento, nem o abortamento. A realização do abortamento não está juridicamente vinculada à apresentação desse documento, e não há base legal para que os serviços de saúde neguem o abortamento caso a mulher, por motivo justificável, não possa realizá-lo (Brasil, 2005c; Brasil, 2005d; Brasil, 2005e; Oliveira, 1987; Talib, 2005). O mesmo cabe para o Laudo do Exame de Corpo 100 de Delito e Conjunção Carnal, do Instituto Médico Legal. Embora esse documento seja desejável em algumas circunstâncias, a realização do abortamento também não se vincula a apresentação do resultado do exame pericial (Brasil, 2005c; Brasil, 2005d; Brasil, 2005e; FEBRASGO, 2004). A Portaria MS/GM n° 1.508, do Ministério da Saúde, de 1° de setembro de 2005, estabelece os Procedimentos de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos no âmbito do Sistema Único de Saúde. Esses procedimentos devem ser adotados pelos serviços de saúde para a realização do abortamento decorrente de violência sexual, e incluem diferentes documentos: 1) Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; 2) Termo de Parecer Técnico; 3) Termo de Responsabilidade; 4) Termo de Relato Circunstanciado; e 5) Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção de Gravidez. A inclusão em prontuário hospitalar de cópia do Boletim de Ocorrência Policial e do Laudo do IML, embora não seja obrigatória, é considerada desejável (Brasil, 2006a). No abortamento é necessário que amostras de material embrionário ou do cordão umbelical sejam preservadas para eventual investigação de DNA do agressor (Teste de Paternidade), mediante solicitação do Poder Judiciário. A obtenção de provas médico-legais é de grande importância nas situações de violência sexual, com papel crítico na identificação do autor da violência e sua responsabilização criminal. O material deve ser acondicionado em papel filtro estéril e mantido em envelope lacrado, se possível em ambiente climatizado. A congelação desse material é alternativa nos serviços onde há equipamento disponível. O material não deve ser colocado em sacos plásticos que mantenham a umidade, por facilitar a proliferação bacteriana com conseqüente destruição de células e do DNA. Deve-se abolir completamente o uso de fixadores, incluindose álcool e formol, por resultar na desnaturação do DNA. Também 101 se recomenda que parte do material do abortamento seja submetida a exame de anatomia patológica para afastar a possibilidade de gestação molar (Brasil, 2005e; Faúndes, 1998). 2.5 - ABORTAMENTO SEGURO A Organização Mundial de Saúde define por abortamento a interrupção da gravidez até a 20ª - 22ª semana, com produto da concepção pesando menos que 500 gramas. Por aborto, entendese o produto da concepção eliminado pelo abortamento (WHO, 1992). O abortamento é considerado inseguro quando praticado em condições precárias e inadequadas, por pessoal com insuficiente capacitação técnica, ou ambas as condições. Nesses casos, o abortamento relaciona-se com taxas elevadas de mortalidade e de morbidade. Por outro lado, quando realizado em ambiente apropriado, com técnicas adequadas, e por profissionais de saúde capacitados, o abortamento é procedimento seguro, com riscos reduzidos se comparado com outros procedimentos médicos (WHO, 2003). A maior parte das mortes maternas e das graves complicações decorrentes do abortamento poderia ser evitada utilizando-se técnicas seguras para a interrupção da gravidez (WHO, 2003). Nos países em que as mulheres têm acesso a serviços seguros, a probabilidade de morte em decorrência do abortamento é da ordem de 1 para 100.000 procedimentos. Esses números contrastam com o risco de morte de 1 para 100 interrupções, geralmente verificado nos países em desenvolvimento onde o abortamento é proibido e, portanto, realizado de forma clandestina e insegura (Alan Guttmacher Institute, 1999). A aspiração a vácuo intra-uterina constitui a técnica de escolha para a interrupção da gestação de primeiro trimestre, recomendada pela Organização Mundial da Saúde, pela Federação Internacional de 102 Ginecologia e Obstetrícia, pelo Ministério da Saúde, e pela FEBRASGO - Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Brasil, 2005d; FEBRASGO, 2004; WHO, 2003). A aspiração a vácuo é procedimento simples, seguro, rápido e eficaz. As taxas de complicação são significativamente menores quando comparadas com a dilatação e curetagem e, raramente, de maior gravidade. Entre as alternativas disponíveis de aspiração a vácuo, destaca-se a Aspiração Manual Intra-Uterina (AMIU) que utiliza cânulas flexíveis de Karman com diâmetros entre 4 e 12 mm, acopladas a seringa com vácuo de 60cc, promovendo a raspagem e a aspiração simultânea da cavidade uterina. O equipamento tem menor custo e não depende de fonte de energia (Brasil, 2005d; Faúndes, 1999; Turner, 2005; WHO, 2003). A curetagem uterina tradicional utiliza curetas metálicas de diferentes formas e dimensões para raspar e esvaziar a cavidade uterina, geralmente após a dilatação do colo de útero, com dilatadores de Deniston ou Velas de Hegar. Outros instrumentos específicos, como a pinça de Winter, podem ser necessários para auxiliar a extração do conteúdo uterino. Por terem diâmetro variável e serem de material rígido, curetas e pinças oferecem maior risco de acidentes cirúrgicos imediatos, principalmente de perfuração, e maior probabilidade de sangramento excessivo durante o procedimento. A curetagem uterina deve ser usada somente quando a aspiração a vácuo não estiver disponível. A aspiração intra-uterina e a curetagem não são técnicas recomendadas para a interrupção com mais de 12 semanas (Brasil, 2005d; Faúndes, 1999; WHO, 2003). Outra opção segura para a interrupção da gravidez de primeiro trimestre é o abortamento medicamentoso com misoprostol. Nesses casos, o procedimento de interrupção é possivelmente mais demorado e mais desconfortável, e com efeitos gastrintestinais mais freqüentes. A escolha da dose e forma de administração do misoprostol varia em diferentes experiências. As evidências mais recentes recomendam o uso de 800 microgramas por dia, via vaginal, durante até dois dias, em três possíveis esquemas: a) 800 103 microgramas, dose única diária; b) 400 microgramas cada 12 horas; e c) 200 microgramas cada 6 horas. A Federação Latinoamericana de Obstetrícia e Ginecologia recomenda dose de 800 microgramas repetida cada 12 horas até três doses (Boza, 2005). Embora outras vias de administração possam ser empregadas, como a oral ou a sublingual, recomenda-se a via vaginal umedecendo-se os comprimidos com água, aplicando-os nos fundos de saco laterais da vagina. A mulher que eventualmente decida por este método de interrupção deve ser informada de suas limitações e efeitos, particularmente sobre cuidados com eventual sangramento excessivo. Ela poderá aguardar pela conclusão do abortamento até 24 horas depois da última dose, em regime de internação ou em sua residência. Na falha do método medicamentoso deve-se optar pela aspiração ou curetagem, dependendo da decisão da mulher, das condições clínicas e dos recursos disponíveis no serviço de saúde (Brasil, 2005d; Faúndes, 1999; FLASOG, 2005). Embora pouco difundido em nosso meio, o abortamento medicamentoso pode ser realizado com o metotrexate. As evidências recomendam seu uso em associação com o misoprostol, em dose única de 50 mg, via oral. Essa administração deve ser feita três a sete dias antes do início do misoprostol nas doses descritas (FLASOG, 2005). O mifepristone não se encontra disponível para uso no Brasil (Brasil, 2005d). Nas gestações de segundo trimestre, o abortamento medicamentoso constitui método de eleição, recomendando-se a utilização de misoprostol para a dilatação cervical e a expulsão ovular. Assim como ocorre na interrupção de gestações iniciais, existe um grande número de protocolos que utilizam diferentes doses e vias de administração do misoprostol. Entre os esquemas disponíveis, há evidências para indicar 200 microgramas, via vaginal, cada 12 horas, durante 48 horas (Brasil, 2005d). O tratamento pode ser repetido após intervalo de três a cinco dias, em caso de insucesso. 104 A mulher deve permanecer internada até a conclusão da interrupção. O esvaziamento uterino pode ser completado com curetagem ou aspiração a vácuo, nos casos de abortamento incompleto (Brasil, 2005d; FEBRASGO, 2004; WHO, 2003). O procedimento pode ser precedido de injeção letal intracardíaca ou intracordonal de cloreto de potássio, nos serviços onde esta medida esteja disponível (Frigério, 2002). Procedimentos cirúrgicos maiores, como a microcesárea, devem ser reservados para situações excepcionais e geralmente após a 16ª semana de gestação (Brasil, 2005e). A indução com ocitocina, mesmo que precedida da preparação do colo de útero com misoprostol ou com outra prostaglandina, apresenta elevadas taxas de falha. O método de Aburel, que utiliza a injeção intra-amniótica de solução hipertônica, deve ser ao máximo evitado pela possibilidade de acidentes maternos graves e letais (Mariani-Neto, 1994). Nos casos de gravidez decorrente de violência sexual com mais de 20 semanas o abortamento não deve ser realizado. Nessas situações, a mulher deve ser esclarecida da impossibilidade de atender sua solicitação e aconselhada a iniciar acompanhamento pré-natal. Deve, ainda, ser informada das alternativas disponíveis após o nascimento, incluindo a criança nascida no núcleo familiar, ou colocando-a em doação para procedimento regular de adoção (Brasil, 2005e). O misoprostol é um análogo sintético da prostaglandina E1, desenvolvido na década de 80 como alternativa para o tratamento da úlcera gástrica. Diferente da prostaglandina F2alfa, o misoprostol apresenta adequada estabilidade térmica, fácil armazenamento, praticidade de manipulação, boa tolerabilidade e custo acessível. Por essas características, foi rapidamente incorporado para uso em ginecologia e obstetrícia, tornando-se o medicamento de escolha para a maturação do colo de útero, indução do trabalho de parto e abortamento medicamentoso (Cecatti & Moares-Filho, 2005). 105 No final da década de 80, o conhecimento da efetividade do misoprostol para interromper a gravidez se difundiu entre mulheres de diversos países, particularmente no Brasil. Desde então, passou a ser amplamente utilizado como método de abortamento clandestino, principalmente em países com leis restritivas, com evidências que relacionam sua utilização com a diminuição da mortalidade e morbidade decorrentes do abortamento (Viggiano, 1996). No entanto, o misoprostol ainda não se encontra aprovado para uso em ginecologia e obstetrícia em muitos países da América Latina e, em alguns deles, sofreu inúmeras interrupções e proibições de comercialização. No Brasil, a aquisição regular do misoprostol passou a ser controlada por órgão públicos de vigilância, que restringem sua compra aos serviços de saúde cadastrados e devidamente autorizados, mediante justificativa de uso (FLASOG, 2005). Essas medidas, no entanto, não foram suficientes para coibir um grande mercado clandestino de misoprostol utilizado por mulheres em situação de gravidez indesejada. As mulheres têm o direito à vida e à saúde, assim como aos benefícios do progresso científico. O abortamento medicamentoso tem contribuído para aumentar as opções às mulheres em relação ao exercício de suas escolhas reprodutivas. O procedimento deve ser visto como um componente integral do cuidado à saúde reprodutiva. No entanto, o abortamento medicamentoso ainda não é acessível para muitas mulheres que poderiam se beneficiar com seu uso (ICMA, 2004). Nesse sentido, a publicação em 2005 da segunda edição revisada e ampliada pelo Ministério da Saúde da Norma Técnica Prevenção e Tratamento da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes estabelece diretrizes quanto o oferecimento do abortamento medicamentoso com misoprostol para a interrupção de gestações decorrentes de violência sexual no primeiro trimestre. Na primeira edição dessa norma, o abortamento 106 medicamentoso estava restrito aos casos com mais de 12 semanas de idade gestacional (Brasil, 2005e). 2.6 - ABORTAMENTO E DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS Tanto a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (ICPD), realizada no Cairo em 1994, como a 4ª Conferência Internacional sobre a Mulher (FWCW), ocorrida em Beijing em 1995, reconhecem e afirmam os direitos humanos das mulheres no campo da saúde sexual e reprodutiva. A Conferência do Cairo declara que os todos os casais têm direitos sexuais e reprodutivos fundamentais. Esses direitos incluem a decisão livre e responsável pelo número, espaçamento e momento de terem filhos, bem como o direito de receberem informação e os meios necessários para que alcancem a mais elevada qualidade de saúde sexual e reprodutiva (United Nations, 1994). Em Beijing, os governos dos países participantes reconheceram o direito das mulheres de decidir livremente sobre a regulação de sua fertilidade e sua sexualidade, livres de coerção, da discriminação e da violência sexual. Acrescenta que o relacionamento entre homens e mulheres deve ser fundamentado nos princípios da eqüidade, do respeito mútuo, do consentimento, e da responsabilidade compartilhada no comportamento sexual e suas conseqüências (United Nations, 1995). Na Conferência do Cairo, os governos reconheceram o abortamento como um grave problema de saúde pública e comprometeram-se em reduzir a necessidade das mulheres de interromper a gravidez por meio de medidas da melhoria do acesso e da qualidade do planejamento reprodutivo. Ao mesmo tempo, estabeleceram que nas circunstâncias em que não contrarie a legislação de cada país, devese garantir que as mulheres tenham acesso ao abortamento em condições seguras e humanizadas. No entanto, é preciso ressaltar que esse princípio não tem, por intenção ou finalidade, promover o 107 abortamento como método de planejamento reprodutivo. Nesse sentido, o parágrafo 8.25 do Programa de Ação da Conferência do Cairo é suficientemente claro ao advertir que: “Em nenhum caso o aborto deve ser promovido como método de planejamento familiar...”. Poucos anos depois, em 1999, a Assembléia Geral das Nações Unidas (United Nations, 1999) aprovou a implementação do IPCD + 5. Na oportunidade, os governos participantes assumiram a necessidade de implementar políticas públicas de saúde para enfrentar o abortamento, destacando a responsabilidade do sistema de saúde em substituir processos ultrapassados de atendimento e em reduzir o impacto do abortamento para a saúde das mulheres: “Nas circunstâncias em que o aborto não contrarie a lei, o sistema de saúde deve treinar e equipar os provedores de serviços de saúde e tomar outras medidas necessárias para assegurar que esses abortos sejam seguros e acessíveis”. O Brasil, enquanto país participante, é signatário dos documentos dessas Conferências, assim como de outros Tratados Internacionais de Direitos Humanos, assumindo o compromisso com as questões relativas ao abortamento. Essas referências estão incorporadas pela legislação brasileira com princípios éticos e jurídicos que contemplam a prevenção da gravidez indesejada e o abortamento seguro (Advocaci, 2003). A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 226, § 7º, estabelece que: “Fundado no princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e 108 científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais e privadas”. O Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas (Comitê CEDAW) compreende que a tipificação do abortamento como um delito é insuficiente e não desestimula as mulheres de se submeterem à sua prática. Ao contrário, a criminalização termina restringindo as alternativas das mulheres, colocando-as na rota de práticas clandestinas e inseguras. 3. Proposição Pretende o Ministério da Saúde, por meio da presente investigação, conhecer de maneira mais aprofundada e mais adequada as opiniões e perspectivas das mulheres que realizaram o abortamento previsto em Lei nas situações de violência sexual, incluindo-se sua percepção sobre o atendimento recebido em um serviço público de saúde, e suas reflexões sobre como essa vivência interferiu ou não em suas vidas. Pretende-se contribuir para a construção de uma análise crítica da situação do abortamento previsto em Lei no país e suas implicações na rede de saúde pública, a partir da escuta qualificada das próprias mulheres. A Área Técnica de Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde, dentro das ações programáticas de redução da mortalidade materna e da promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, considera essas informações fundamentais para o aprimoramento do atendimento às mulheres que recorreram aos serviços públicos de saúde. O reconhecimento da perspectiva e vivência dessas mulheres é parte importante de um processo de garantia do direito de acesso ao abortamento em condições éticas, humanizadas e seguras. Além disso, pretende-se conhecer a percepção das mulheres sobre a adoção das novas diretrizes sobre abortamento medicamentoso, formuladas pelo Ministério da Saúde. As variáveis de estudo foram 109 desenhadas em modelo qualitativo, e analisadas nos seguintes grupos temáticos: Dados sobre a entrevistada. Dados sobre a violência sexual. Dados sobre a gravidez. Dados sobre o abortamento. Comportamentos e opiniões da entrevistada. Perspectivas sobre o abortamento medicamentoso. 4. Casuística A escolha do Centro de Referência da Saúde da Mulher (CRSM), em São Paulo, como instituição para participar deste estudo se deu por ser uma das referências nacionais na área de abortamento previsto em Lei, bem como pelo significativo número de casos de interrupção de gravidez já realizados, fatores críticos para o acesso aos casos de inclusão no estudo. A escolha de instituição participante única foi devida ao pequeno número de casos necessários, estabelecido pelo desenho qualitativo do projeto. Todos os abortamentos realizados pelo CRSM incluídos neste estudo foram fundamentados no Decreto-Lei 2848, inciso II do artigo 128 do Código Penal brasileiro. Os procedimentos adotados para a interrupção da gravidez obedeceram rigorosamente ao ordenamento jurídico vigente e às normas e procedimentos de aprovação definidos pelo Ministério da Saúde (Oliveira, 1987; Brasil, 2005). No período de agosto de 1994 a dezembro de 2005 foram atendidos pelo Serviço de Atenção Integral à Mulher em Situação de Violência Sexual, do CRSM, 12.651 casos de violência sexual. No mesmo período, foram realizados 505 abortamentos previstos em Lei. Para a inclusão neste estudo foram selecionados os casos de interrupção 110 da gravidez realizados há pelo menos um ano, elegendo-se, inicialmente, as ocorrências entre janeiro de 2000 e junho de 2005. Nesse período, foram atendidos pelo CRSM 10.264 casos novos de violência sexual, com 211 abortamentos previstos em Lei. A identificação desses casos foi feita por meio de consulta dos arquivos do Núcleo de Serviço Social do CRSM, onde constam os dados de identificação das pacientes que realizaram a interrupção da gravidez, incluindo-se data, logradouro e número de telefone pessoal, profissional, ou para contato. Dos 211 casos inicialmente identificados, 156 mulheres (73,9%) não foram localizadas por mudança de telefone e/ou endereço. Nesse aspecto, cabe considerar as alterações realizadas pela Companhia Telefônica de São Paulo que, nos últimos anos, modificaram a maioria dos prefixos dos telefones da Região Metropolitana de São Paulo, inviabilizando os números de telefone constantes nos registros do CRSM. A consulta e utilização dos novos prefixos, disponibilizada pela Companhia Telefônica de São Paulo, foi insuficiente para localizar o número de telefone atual dessas 156 mulheres. Da mesma forma, a tentativa de identificação do novo número de telefone por meio do endereço constante nos registros do CRSM mostrou-se ineficaz, devido mudança de residência da mulher. Essas duas medidas foram tomadas após pelo menos três tentativas de contato telefônico utilizando-se os registros disponibilizados pela instituição. 4.1 - CRITÉRIOS DE INCLUSÃO Foram considerados critérios de inclusão no estudo: Realização de abortamento previsto em Lei há pelo menos um ano devido situação de gravidez decorrente de violência sexual, abortamento sentimental, em conformidade com o Decreto-Lei 2848, inciso II do artigo 128 do Código Penal brasileiro (Oliveira, 1987). 111 Caracterização da gravidez decorrente de violência sexual preenchendo-se os critérios estabelecidos para o crime de estupro, conforme artigo 213 do Código Penal brasileiro (Oliveira, 1987). Idade igual ou maior que 18 anos no momento da entrevista, independente da idade no momento de realização do abortamento previsto em Lei. 4.2 - CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO Quanto aos critérios de exclusão foram considerados os seguintes itens: Idade menor que 18 anos no momento da entrevista. Condição de deficiência mental de qualquer natureza ou gravidade, estabelecida por profissional da área de saúde mental. Abortamento previsto em Lei realizado há menos de um ano da data da entrevista. Abortamento previsto em Lei realizado por condição de risco de morte para a gestante, abortamento necessário, previsto pelo inciso I do artigo 128 do Código Penal brasileiro. Abortamento realizado mediante alvará judicial devido situação de gravidez associada à anomalia fetal grave e incompatível com a vida extra-uterina. Gravidez no momento da entrevista, em qualquer idade gestacional. Na busca ativa realizada 55 mulheres (26,1%) foram localizadas e efetivamente contatadas para participação na pesquisa. Deste total, 27 casos (49,1%) foram excluídos pelos critérios adotados: 112 Catorze casos (25,4%) eram menores de 18 anos de idade; Seis mulheres (10,9%) relataram não residir na cidade de São Paulo, o que as impossibilitava de participar do estudo. Dessas seis mulheres, duas delas mudaram-se para o Estado da Bahia e uma transferiu residência para outro país. As demais residiam em outras cidades relativamente distantes (Guarujá, Lins, e Sorocaba), e apenas realizaram o abortamento em São Paulo, devido ausência de serviços especializados em suas cidades; Quatro mulheres (7,3%) eram portadoras de deficiência mental, em diferentes níveis de severidade; Duas mulheres (3,6%) afirmaram não poder participar da entrevista por se encontrarem grávidas e próximas do momento do parto; Uma mulher (1,8%) realizou o abortamento previsto em Lei, mas por motivo de risco de morte materna decorrente da associação de câncer de mama e gravidez de primeiro trimestre. Considerando-se os casos compatíveis com critérios de exclusão ou casos onde foi declarada impossibilidade justificada de participação, dos 55 casos inicialmente contatados 28 casos (50,9%) puderam ser considerados dentro dos critérios de inclusão para participação no estudo. Desse total, 20 mulheres (71,4%) concordaram em participar. A negativa ao convite foi expressa por seis mulheres (21,4%). Dentre estas, cinco mulheres justificaram sua decisão pela falta de desejo de rememorar sua experiência de violência sexual, embora se dissessem satisfeitas com o atendimento recebido na época do abortamento previsto em Lei. Houve um caso em que, apesar de preliminarmente concordar em participar do estudo, a possível entrevistada desistiu momentos antes de iniciar a entrevista sem, no entanto, declarar o motivo de sua decisão. Duas mulheres (7,1%) concordaram em participar da entrevista, mas faltaram na data agendada. Após o ocorrido, as mesmas não foram mais encontradas nos números de telefone em que foram realizados os primeiros contatos. Entre as entrevistadas, 15 mulheres (75%) preferiram realizar a entrevista nas dependências do CRSM. Apenas uma mulher (5%) optou em realizar a entrevista em sua residência. Três entrevistadas (15%) escolheram responder à pesquisa em seu local de trabalho. 113 Uma mulher (5%) optou por fazê-lo na praça de alimentação de um shopping center próximo à sua residência. 5. Método 5.1 - VARIÁVEIS DE ESTUDO As variáveis de estudo foram divididas em seis blocos temáticos, conforme o que se segue. Cada variável foi estudada considerandose apenas a categoria de inclusão encontrada entre os dados registrados na ficha de entrevista e/ou nas informações presentes no prontuário hospitalar. 5.1.1 - BLOCO I - DADOS SOBRE A ENTREVISTADA Dados sobre o perfil pessoal, social, e econômico das mulheres incluídas no estudo, abrangendo as seguintes variáveis: idade; religião; estado civil; raça / cor; escolaridade; ocupação; profissão e renda familiar. IDADE: em anos completos no momento da entrevista, incluindose variação e média etária. RELIGIÃO: declarada pela mulher no momento da entrevista, classificada nas seguintes categorias encontradas: a) católica; b) evangélica; c) espírita; d) sem religião; e e) sem resposta. ESTADO CIVIL: correspondente à situação conjugal declarada pela mulher no momento da entrevista, considerando-se as seguintes categorias: a) solteira; b) casada ou em união consensual; c) separada judicialmente, divorciada ou desquitada; e d) viúva. 114 RAÇA / COR: conforme classificação da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 1996, considerandose a auto-determinação da entrevistada, nas seguintes categorias: a) branca; b) preta; c) parda; d) amarela; e f) indígena. ESCOLARIDADE: análise da escolaridade declarada pela entrevistada, nas seguintes categorias: a) não alfabetizada; b) ensino fundamental incompleto; c) ensino fundamental completo; d) ensino médio incompleto; e) ensino médio completo; f) superior incompleto; e g) superior completo. OCUPAÇÃO: atividade laboral exercida pela entrevistada, nas seguintes categorias: a) trabalho formal; b) trabalho informal; c) sem ocupação; d) estudante; e) desempregada; e f) sem resposta. PROFISSÃO: profissão declarada pela entrevistada. RENDA FAMILIAR: renda familiar em número de salários mínimos, nas seguintes categorias: a) menos que 1 salário mínimo; b) entre 1 e 2 salários mínimos; c) entre 3 e 5 salários mínimos; d) entre 6 e 10 salários mínimos; e) entre 11 e 20 salários mínimos; f) 21 salários mínimos ou mais; e g) sem resposta. 5.1.2 - BLOCO II - DADOS SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL Dados sobre as condições e mecanismos da violência sexual perpetrada contra as mulheres incluídas no estudo, a qual resultou na situação de gravidez. AUTOR DA VIOLÊNCIA SEXUAL: tipificação do agressor sexual apontado pela entrevistada como o responsável pela gravidez interrompida, classificado nas possíveis categorias: a) desconhecido; b) pai biológico; c) padrato; d) avô; e) tio 115 materno ou paterno; f) irmão; g) primo; h) vizinho ou morador da comunidade; i) parceiro íntimo na época; j) ex-parceitro íntimo; k) sem resposta; e l) outro. TIPO DE INTIMIDAÇÃO: mecanismo utilizado pelo agressor para a intimidação da entrevistada, considerando-se o previsto pelos artigos 213 e 224 do Código Penal brasileiro (Oliveira, 1987), nas seguintes categorias: a) grave ameaça; b) força física; c) grave ameaça associada à força física; d) e violência presumida. SITUAÇÃO OU ATIVIDADE NO MOMENTO DA ABORDAGEM DO AGRESSOR: definida pela atividade ou situação declarada pela entrevistada no momento da abordagem do agressor. As situações foram classificadas em: a) percurso da escola; b) percurso do trabalho; c) local de trabalho; d) residência da entrevistada; e) residência do agressor; f) outro local; e g) sem resposta. NÚMERO DE AGRESSORES: número de agressores sexuais que efetivamente participaram da violência sexual que resultou em gravidez, dividido em: a) agressor único; b) dois agressores; c) três agressores; d) quatro agressores; e) cinco ou mais agressores; e f) sem resposta. ATENDIMENTO IMEDIATO APÓS A VIOLÊNCIA SEXUAL: procura ou não da entrevistada por atendimento imediato após a violência sexual em algum serviço de saúde, público ou privado, no prazo de até 72 horas. Nos casos afirmativos, se recebeu anticoncepção de emergência para a profilaxia da gravidez e se a gravidez resultou ou não de falha do método anticonceptivo. 116 5.1.3 - BLOCO III - DADOS SOBRE A GRAVIDEZ Informações sobre o processo de identificação da gravidez, suas repercussões emocionais imediatas, e condições de informação e acesso ao abortamento previsto em Lei. IDENTIFICAÇÃO DA GRAVIDEZ: forma de conhecimento da gravidez decorrente da violência sexual, classificado nas possíveis categorias: a) teste de gravidez adquirido em farmácia; b) teste de gravidez realizado em serviço de saúde; c) teste de gravidez realizado em laboratório privado; d) atraso menstrual; e) ultra-sonografia; e f) outro. SENTIMENTOS AO SABER DA GRAVIDEZ: sentimentos expressos ou não pela entrevistada no momento do diagnóstico da gravidez decorrente de violência sexual, nas seguintes categorias: a) castigo; b) desmoralização; c) humilhação; d) adoecimento; e) desproteção; f) risco; g) medo; h) ausência de alternativas; i) outro; e j) não respondeu. ATITUDE FRENTE AO DIAGNÓSTICO DE GRAVIDEZ: atitude inicial da entrevistada após conhecer o diagnóstico da gravidez decorrente da violência sexual, nas seguintes categorias: a) procura pela Autoridade Policial; b) procura por serviço de saúde; c) outro; e d) não respondeu. SOBRE RELATAR O OCORRIDO: relato ou não da entrevistada sobre o ocorrido para pessoa(s) de sua confiança, nas seguintes categorias: a) não relatou o ocorrido; b) relatou o ocorrido; e c) não respondeu. Nos casos em que foi compartilhado o ocorrido, para qual ou quais pessoas o fez. SENTIMENTOS AO COMPARTILHAR O OCORRIDO: sentimentos experimentados ou não pela entrevistada após 117 compartilhar o ocorrido com pessoa(s) de sua confiança, nas seguintes categorias: a) acolhimento; b) proteção; c) abandono; d) culpabilização; e) castigo; f) humilhação; g) desmoralização; h) crítica; i) outro; e j) não respondeu. INFORMAÇÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE RECORRER AO ABORTAMENTO PREVISTO EM LEI: oferecimento ou não da informação sobre a possibilidade de solicitar o abortamento previsto em Lei antes de ingressar para atendimento no CRSM, considerando-se as seguintes possibilidades: a) Delegacia de Polícia; b) serviço de saúde; c) Instituto Médico Legal; d) amigos e/ou parentes; e) outro; e f) não respondeu. ENCAMINHAMENTO PARA ATENDIMENTO: relação de órgãos públicos ou privados, governamentais ou não governamentais, que referenciaram a entrevistada segundo a declaração da mesma. Foram considerados formulários de encaminhamento, ofícios, cartas de apresentação, contatos telefônicos ou mecanismos similares. No caso de mais de um órgão a encaminhar a mesma entrevistada considerou-se para fim de registro o primeiro a realizá-lo. Os casos foram alocados nas seguintes categorias: a) Delegacia de Polícia; b) Instituto Médico Legal; c) serviço público de saúde; d) serviço privado de saúde; e) Poder Judiciário; f) demanda espontânea; g) outro; h) não respondeu. ALTERNATIVAS FRENTE A GRAVIDEZ DECORRENTE DA VIOLÊNCIA SEXUAL: se recebeu ou não a entrevistada esclarecimento e informação suficiente sobre a possibilidade e o direito de manter a gestação até o término e, nesse caso, proceder com a doação da criança para processo regular de adoção, ou incluí-la no núcleo familiar. 118 ACESSO À INFORMAÇÃO E ORIENTAÇÃO: se a entrevistada considera que encontrou ou não dificuldade(s) para ter acesso à informação sobre o direito de escolha pelo abortamento previsto em Lei. 5.1.4 - BLOCO IV - DADOS SOBRE O ABORTAMENTO Dados sobre o processo pessoal de decisão pelo abortamento, características do procedimento de interrupção realizado, e qualificação do atendimento recebido. DECISÃO PELO ABORTAMENTO: se a entrevistada compartilhou ou não a decisão do abortamento previsto em Lei, entre as seguintes alternativas: a) pais; b) parceiro ou parceira; c) amigo ou amiga; d) orientador religioso; e) profissional de saúde; f) outro; e g) não respondeu. MOTIVO DA DECISÃO PELO ABORTAMENTO: pergunta aberta e não estimulada, sem alternativas pré estabelecidas. TEMPO DECORRIDO DO ABORTAMENTO: em anos e meses completos. IDADE DA ENTREVISTADA AO RELIZAR O ABORTAMENTO: em anos completos. IDADE GESTACIONAL NO MOMENTO DO ABORTAMENTO: semanas completas de gestação no momento da interrupção da gravidez. (dado de pontuário hospitalar) MÉTODO DE INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ: técnica utilizada para realizar o abortamento previsto em Lei, considerando-se as seguintes possibilidades: a) Aspiração Manual Intra-Uterina AMIU; b) abortamento medicamentoso com misoprostol; c) microcesareana; e d) outro. (dado de pontuário hospitalar). 119 COMPLICAÇÕES: análise das complicações ou intercorrências decorrentes do procedimento de interrupção da gravidez, considerando-se as seguintes possibilidades: a) intercorrências anestésicas; b) intercorrências clínicas; c) intercorrências cirúrgicas; e d) outro. (dado de pontuário hospitalar) ACOMPANHAMENTO MÉDICO APÓS O ABORTAMENTO: se a entrevistada realizou ou não aconpanhamento médico após o abortamento. Nos casos negativos, especificação do motivo para não realizar o acompanhamento. ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO APÓS O ABORTAMENTO: se a entrevistada realizou ou não aconpanhamento psicológico após o abortamento. Nos casos negativos, especificação do motivo para não realizar o acompanhamento. OPINIÃO DA ENTREVISTADA SOBRE O ATENDIMENTO RECEBIDO: avaliação da entrevistada nas categorias excelente, bom, razoável, ruim, ou péssimo sobre os seguintes atendimentos recebidos: a) serviço social; b) psicologia; c) ginecologia; d) anestesiologia; e) enfermagem; f) recepção; g) segurança; h) ambulatório; i) enfermaria; j) laboratório; k) serviço de ultra-sonografia; l) centro cirúrgico; e m) não respondeu. 5.1.5 - BLOCO V – COMPORTAMENTOS E OPINIÕES DA ENTREVISTADA Dados sobre o comportamento da entrevistada após a realização do abortamento, incluindo-se a opinião das mulheres sobre a qualidade do procedimento. 120 SENTIMENTOS APÓS O ABORTAMENTO: sentimentos experimentados pela entrevistada imediatamente após a realização do abortamento. Pergunta aberta, não estimulada. SOBRE RELATAR O ABORTAMENTO REALIZADO: relato ou não da entrevistada sobre o abortamento realizado para pessoa(s) de sua confiança, nas seguintes categorias: a) não compartilhou o ocorrido; b) familiares; c) parceiro ou parceira; d) colega de trabalho; e) amigo ou amiga; f) membros de sua religião; g) pessoas da escola; h) outro; e i) não respondeu. OPINIÃO DA ENTREVISTADA SOBRE SUAS RELAÇÕES PESSOAIS APÓS O ABORTAMENTO: relacionamento da entrevistada com família; parceiro; trabalho; sexualidade; amigos; escola; religião ou outro, com opinião da mesma sobre se cada um desses relacionamentos sofreu ou não mudanças após o abortamento, classificando-as entre as alternativas: a) não alterou; b) melhorou, c) piorou; d) não sabe definir; e) não se aplica; e f) não respondeu. PENSAMENTOS RECORRENTES: pensamento(s) recorrente(s) experimentado(s) ou não pela entrevistada após a realização do abortamento, incluindo-se as seguintes alternativas: a) sobre a violência sexual; b) sobre o abortamento, c) suicídio; d) reencontrar o agressor; e) outro; e f) não respondeu. MUDANÇAS DE COMPORTAMENTO: percepção da entrevistada sobre mudanças ou não em seu corpo ou comportamento após a realização do abortamento, avaliando-se as seguintes possibilidades: a) hábitos alimentares; b) sono, c) outro; e d) não respondeu. ARREPENDIMENTO: se a entrevistada se sente ou não arrependida por ter realizado o abortamento e, em caso afirmativo, 121 o eventual motivo de seu arrependimento. Se a entrevistada repetiria ou não o abortamento, caso pudesse retornar ao momento de sua decisão. Pergunta aberta e não estimulada. ASPECTOS FAVORÁVEIS DO ATENDIMENTO: opinião da entrevistada sobre os pontos favoráveis do atendimento recebido pelo serviço de saúde. Pergunta aberta e não estimulada. ASPECTOS DESFAVORÁVEIS DO ATENDIMENTO: opinião da entrevistada sobre os pontos desfavoráveis do atendimento recebido pelo serviço de saúde. Pergunta aberta e não estimulada. 5.1.6 - BLOCO VI – PERSPECTIVAS SOBRE O ABORTAMENTO MEDICAMENTOSO Informações sobre o abortamento medicamentoso com uso de misoprostol, específico para as entrevistadas com gestações entre 13 e 20 semanas de idade gestacional. TEMPO NECESSÁRIO PARA O ABORTAMENTO: período mensurado em horas ou dias completos desde a primeira dose do misoprostol até a expulsão fetal (dado de pontuário hospitalar). OPINIÃO SOBRE EVENTOS DO ABORTAMENTO MEDICAMENTOSO: opinião da entrevistada sobre os eventos produzidos pelo abortamento medicamentoso quanto a sangramento; dor; tempo de espera ou outro evento por ela apontado; classificando-os nas seguintes categorias: a) indiferente; b) aceitável; c) muito incômodo; d) inaceitável; e) não opina; f) não respondeu. Opnião da mulher sobre qual evento considerou mais incômodo e se considera sua experiência com o abortamento medicamentoso aceitável. 122 5.2 - INSTRUMENTOS Para a coleta de dados foi utilizado questionário estruturado denominado Roteiro de Entrevista - Abortamento Previsto em Lei em Situações de Violência Sexual (Anexo I), dividido em seis blocos temáticos. O instrumento de coleta de dados foi pré-testado, corrigido e modificado nas questões necessárias. Para algumas variáveis técnicas foram utilizadas informações contidas no prontuário hospitalar da entrevistada, conforme descrição em metodologia. Nesses casos, utilizaram-se os dados registrados na Ficha de Atendimento do Serviço de Atenção Integral à Mulher em Situação de Violência Sexual, do CRSM. 5.3 - ENTREVISTAS Para conduzir as entrevistas dentro dos princípios propostos, a Área Técnica da Saúde da Mulher, Ministério da Saúde, contou com a participação de Ipas Brasil, responsável pela entrevista dessas mulheres. Ipas é uma organização não governamental com status de órgão consultivo conferido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e que atua em vários países, inclusive no Brasil, há mais de 10 anos, com o objetivo de contribuir de forma ativa para a melhoria das condições de assistência à saúde reprodutiva da mulher, inclusive aos serviços de abortamento previsto pela Lei. O Roteiro de Entrevista - Abortamento Previsto em Lei em Situações de Violência Sexual (Anexo I) e o Termo de Consentimento Informado e Esclarecido (Anexo II), foram desenvolvidos por técnicos de Ipas Brasil envolvidos com o estudo, contando com profissionais com formação nas áreas de ginecologia; psicologia, saúde pública e sociologia. Quanto ao profissional responsável pela aplicação das entrevistas para as participantes do estudo, optou-se pela escolha de um psicólogo em atividade no Serviço de Atenção Integral à Mulher em Situação de Violência Sexual, do CRSM. A escolha se pautou na experiência desse profissional com situações 123 de violência sexual e de abortamento previsto em Lei. O psicólogo responsável pelas entrevistas foi previamente capacitado para o manejo do instrumento da entrevista, incluindo-se a participação no pré-teste. Esse psicólogo também foi responsável pelo contato telefônico inicial com cada potencial entrevistada, pela proposta de participação no estudo, e pelo acordo sobre local e data da entrevista. 5.4 - INFORMATIZAÇÃO DOS DADOS Por se tratar de estudo de desenho metodológico qualitativo os dados não foram pré-codificados e informatizados. Parte dos dados obtidos no Roteiro de Entrevista - Abortamento Previsto em Lei em Situações de Violência Sexual e dos registros dos Prontuários Hospitalares foram transferidos para programa Microsoft Excel, com o intuito de facilitar o manejo e a análise das informações. 5.5 - ASPECTOS ÉTICOS O estudo recebeu autorização da Direção do Centro de Referência da Saúde da Mulher, mediante solicitação escrita formulada pela Área Técnica da Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde. A participação de cada entrevistada se deu mediante sua concordância em participar do estudo e assinatura do Termo de Consentimento Informado e Esclarecido (Anexo II), após exposição dos propósitos do estudo e após suficiente esclarecimento de todas as dúvidas apresentadas pela participante. Foram obedecidos irrestritamente os princípios éticos e legais da confidencialidade e do sigilo da fonte de dados, conforme previsto pela Legislação Brasileira e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Nenhuma participante deste estudo foi por qualquer meio identificada, direta ou indiretamente, nem seu nome revelado. Cada entrevista foi registrada somente por meio de números e de iniciais alfabéticas. O instrumento de entrevista e o prontuário hospitalar de cada entrevistada foram manipulados exclusivamente pelos profissionais envolvidos e 124 mantidos em condição de acesso restrito. Não foram utilizados quaisquer outros meios de registro da entrevista ou da entrevistada, como gravação de voz, filmagem, fotografia ou declarações escritas de próprio punho da entrevistada. Frases espontaneamente colocadas pela entrevistada, consideradas relevantes para o estudo, foram registradas no instrumento de entrevista de maneira integral e entre parênteses, sem correções, acréscimos, interpretações, adaptações ou modificações, sempre após o pedido verbal da entrevistadora e mediante a expressa autorização da entrevistada, respeitando-se as normas de sigilo e confidencialidade. As entrevistas foram feitas individualmente e sem qualquer forma de contato com as demais participantes do estudo, em local e ambiente definido pela entrevistada, e em dia e horário acordados com o entrevistador. Para cada entrevistada foi oferecida, inicialmente, a possibilidade de realizar a entrevista em espaço cedido pelo CRSM, com condições apropriadas de conforto e privacidade. Nos casos em que a entrevistada recusou este oferecimento, procedeu-se com a entrevista em local e horário da escolha da entrevistada, respeitando-se igualmente os princípios de privacidade e confidencialidade. A entrevistada teve garantido o direito de interromper e cancelar sua participação em qualquer momento da entrevista, mesmo após o seu término, sem se fazer necessário apresentar justificativa para sua decisão. Nesse caso, o instrumento de entrevista foi destruído pelo entrevistador na presença da entrevistada. Da mesma forma, foi garantido o direito para a entrevistada de recusa em responder as questões que entendesse, por qualquer motivo, que não poderia ou deveria fazê-lo, sem necessidade de prestar justificativa ou motivo para o entrevistador. A participação da entrevistada foi voluntária, não envolvendo qualquer forma direta ou indireta de pagamento, benefício ou vantagem. 125 5.6 - ANÁLISE DOS DADOS E MÉTODO ESTATÍSTICO Por se tratar de estudo de desenho metodológico qualitativo, a maioria das informações obtidas pelo Roteiro de Entrevista Abortamento Previsto em Lei em Situações de Violência Sexual e pelos registros dos Prontuários Hospitalares não recebeu tratamento estatístico ou outras formas de análise comparativa. As variáveis de estudo foram apenas submetidas à distribuição percentual. 6. Resultados Os resultados foram divididos obedecendo-se a disposição dos seis blocos temáticos. Em cada bloco encontram-se os resultados de cada variável de estudo definida no capítulo método, mantendo-se a ordem das entrevistas. 6.1 - BLOCO I - DADOS SOBRE A ENTREVISTADA Dos 211 casos inicialmente identificados, 156 mulheres (73,9%) não foram localizadas por mudança de telefone e/ou endereço. O expressivo número de mulheres que mudaram seus dados de contato pode ser explicado, em parte, pela chamada deterioração do sentimento de segurança, condição habitualmente encontrada em pessoas que experimentaram situações de violência sexual, fundamentada, particularmente, no temor de serem reencontradas pelo agressor sexual. Outra possibilidade é que parte dessas mulheres tenha mudado de residência ou de número de telefone por outras circunstâncias não relacionadas com a violência sexual. A maior parte das entrevistadas utilizou seu dia de folga no trabalho para realizar a entrevista, ou o fizeram nos sábados ou domingos. O fato de essas mulheres preferirem serem entrevistadas no serviço 126 de saúde pode sugerir que elas não gostariam de ter a realidade de sua problemática estendida à sua vida particular, extrapolando sua intimidade, o que possivelmente faria com que se sentissem expostas e mais vulneráveis. Muitas das entrevistadas manifestaram espanto ou certa perplexidade no momento do primeiro contato telefônico, afirmando que não imaginavam que o hospital as procurasse novamente. A idade das mulheres entrevistadas variou entre 18 e 44 anos, com média de 28,9 anos. Em relação à religião, nove mulheres (45%) se declararam católicas; cinco mulheres (25%) evangélicas e outras quatro entrevistadas (20%) como espíritas. Duas mulheres (10%) responderam não professar nenhuma religião. Quanto ao estado civil, 13 mulheres (65%) eram solteiras; seis mulheres (30%) declararam serem casadas ou em união estável, e uma mulher (5%) declarou ser divorciada. Não ocorreram casos de viúvas. No que tange à raça / cor, 12 mulheres (60%) se disseram brancas, cinco mulheres (25%) declararam ser pretas e outras três entrevistadas (15%) declararam serem pardas. Não foram entrevistadas mulheres amarelas ou indígenas. Questionadas sobre sua ocupação, sete entrevistadas (35%) referiram não ter ocupação. Outras 13 mulheres (65%) disseram possuir as seguintes ocupações: auxiliar de produção; assessora de imprensa; assistente de faturamento; trabalhadora manual em laboratório; cabeleireira; recepcionista; professora; funcionária pública; bilheteira de cinema; repositora de restaurante; autônoma; e secretária. Quanto à profissão sete entrevistadas (35%) disseram não ter profissão. Treze entrevistadas (65%), referiram as seguintes profissões: jornalista; assistente; administradora; inspetora de alunos; encapsuladora; vendedora; cabeleireira; recepcionista; professora; secretária; relações públicas; auxiliar de telemarketing; e publicitária. A renda familiar dessas mulheres foi assim distribuída: até 1 salário mínimo – uma mulher (5%); de 1 a 2 salários mínimos – 11 mulheres (55%); 3 a 5 salários mínimos – três mulheres (15%); 6 a 10 salários mínimos – quatro 127 mulheres (20%); e de 11 a 20 salários mínimos – uma mulher (5%). A escolaridade das entrevistadas mostrou 11 mulheres (55%) com ensino médio completo; cinco mulheres (25%) com curso superior completo; duas entrevistadas (10%) declararam possuir ensino fundamental completo. Apenas uma mulher (5%) disse possuir ensino médio incompleto e outra (5%), declarou ter curso superior incompleto, cursando faculdade de Letras. Neste bloco, chama a atenção a questão da religião declarada pelas entrevistas. Embora não seja possível estabelecer qualquer relação entre a religião da mulher e sua decisão de solicitar o abortamento previsto em Lei, é interessante notar que a maioria das mulheres declarou ter orientação religiosa, geralmente contrária ao abortamento mesmo nessa dramática circunstância. Mesmo assim, essa condição não foi impeditiva para que as mesmas solicitassem a interrupção da gravidez. 6.2 - BLOCO II - DADOS SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL Sobre o autor da violência sexual perpetrada, 16 mulheres (80%) referiram se tratar de um indivíduo desconhecido. Os agressores apontados como identificáveis pelas entrevistadas corresponderam a 20% dos casos: duas mulheres (10%) referiram que o agressor foi um ex-parceiro íntimo; uma mulher (5%) apontou como agressor o namorado de uma amiga; e uma mulher (5%) alegou ter sofrido violência sexual por pessoa do relacionamento de um amigo. Não foram declarados outros tipos de agressores sexuais entre as entrevistadas. Neste estudo, prevaleceu o apontamento de um agressor de identidade desconhecida entre as mulheres entrevistadas. Apesar do restrito número de mulheres, a participação de ex-parceiro íntimo pode ser considerada relevante. Analisandose o número de agressores efetivamente envolvidos no crime sexual, 19 entrevistadas (95%) referiram terem sido violentadas por 128 agressor único. Apenas uma entrevistada (5%) declarou ter sofrido violência sexual, ao mesmo tempo, por dois perpetradores. Quanto ao tipo de intimidação utilizado pelo agressor para praticar a violência sexual, sete mulheres (35%) relataram o uso de força física; sete entrevistadas (35%) declararam o uso de grave ameaça; cinco entrevistadas (25%) referiram uso de força física associada com a grave ameaça; e apenas uma delas (5%) declarou ter sido vítima de violência presumida. A Situação ou Atividade da mulher no momento da abordagem do agressor revelou que em oito casos (40%) ela ocorreu durante atividade de lazer. Outras seis mulheres (30%) se encontravam no percurso do trabalho; duas entrevistadas (10%) estavam-se em sua própria residência; e duas mulheres (10%) realizavam atividades cotidianas, ambas no percurso do posto de saúde. Uma mulher (5%) foi abordada no percurso da escola e uma outra (5%) foi vitimada na residência do agressor. As soma das ocorrências dentro de espaços privados (15%), encontrada neste estudo, pode ser explicada pelo perfil do agressor, apontado como desconhecido para a maioria dos casos. Dessa forma, entende-se o elevado número de casos onde a abordagem do agressor se deu nos espaços públicos (75%), principalmente durante o exercício de atividades cotidianas. Questionadas quanto ao atendimento imediato após a violência sexual, 15 mulheres (75%) negaram procura por auxílio nos serviços de saúde. Entre os motivos apresentados pelas mulheres entrevistadas, destaca-se a falta de reconhecimento dos impactos da violência sexual para a saúde. Essa baixa percepção de sua condição de risco, particularmente quanto à possibilidade de gravidez decorrente da violência sexual, pode ser interpretada tanto como resultado do desconhecimento das mulheres, como conseqüência 129 dos transtornos emocionais provocados pela violência. A fala de uma dessas mulheres exemplifica essa situação, quando diz: “... porque eu achei que não ia dar em nada, que não ia acontecer nada. Nunca pensei que fosse ficar grávida”. Outra condição relevante que justifica a escassa procura pelos serviços de saúde foi a dificuldade das mulheres em revelar o que lhes ocorreu. De fato, a maioria das mulheres não revela a violência sexual sofrida, seja por se sentirem ameaçadas, por vergonha, por medo da reação de quem a escuta, ou pelo sentimento de humilhação (HRW, 1992; Pimentel, 1998). Nesse sentido, uma das entrevistadas, embora percebesse o risco para a saúde imposto pela violência sexual, diz que não procurou pelos serviços de saúde justificando-se ao dizer: “... mas você, contar o que aconteceu, é muito difícil...”. Outras justificativas foram observadas entre as mulheres para a recusa em procurar pelos serviços de saúde, embora com menor freqüência. Uma dessas mulheres (5%) declarou que acreditava, na época dos fatos, que nunca engravidaria do estupro, o que pode ser compreendido como mecanismo psicológico de negação frente à violência sexual. Essa negação também foi identificada na expressão de uma das mulheres, quando assim diz: “Porque eu queria esquecer... Não queria mais falar daquilo, pra ninguém...”. Uma das pacientes não acessou nenhum serviço de saúde por receio da reação do marido se fosse revelado o estupro, acreditando que o mesmo não fosse entendê-la ou apoiá-la. O temor de represália do agressor foi marcado pela fala de uma entrevistada, onde a mesma destaca: 130 “... fiquei com medo de falar, mesmo que fosse para o médico. Porque tinha sofrido ameaça”. Essas situações encontradas entre as entrevistadas sugerem que ainda persistem importantes barreiras emocionais e sociais que dificultam o acesso aos serviços de saúde. Com isso, muitas mulheres em situação de violência sexual não têm oportunidade de receber medidas de profilaxia necessárias para as doenças sexualmente transmissíveis, HIV, hepatite B e, especialmente, a prevenção da gravidez. Por outro lado, foram identificadas cinco mulheres (25%) que buscaram atendimento imediato dentro das primeiras 72 horas. Dessas mulheres, quatro acessaram um serviço público de saúde e uma procurou por serviço privado de saúde. No entanto, três mulheres (60%) declararam não terem recebido anticoncepção de emergência. As outras duas mulheres (40%) embora tenham recebido profilaxia da gravidez apresentaram falha do método empregado. 6.3 - BLOCO III - DADOS SOBRE A GRAVIDEZ Sobre a questão de identificação da gravidez, oito mulheres (40%) declararam que o conhecimento da condição de gravidez decorrente de violência sexual se deu através de um serviço de saúde. Para quatro entrevistadas (20%) a descoberta se deu por meio de teste adquirido em farmácia. Três mulheres (15%) referiram realização de teste em laboratório privado. Duas entrevistadas (10%) reconheceram a situação pelo atraso menstrual e uma delas (5%) pela percepção de alterações corporais semelhantes às de gestação prévia. Uma das entrevistadas (5%) constatou a gravidez durante exame de rotina. Apenas uma mulher (5%) relatou ciência da gravidez por meio de exame de ultra-sonografia. Indagadas acerca de seus sentimentos ao saber da gravidez decorrente da violência sexual, a entrevistadora apresentou 131 diferentes alternativas para que as mulheres afirmassem se experimentaram ou não diferentes sentimentos. Como resultado, 18 mulheres (90%) disseram terem se sentido amedrontadas e sem alternativas. O sentimento de risco esteve presente para 17 mulheres (85%). A sensação de se encontrar desprotegida foi relatada por 16 entrevistadas (80%). Sentimento de humilhação foi apontado por 16 entrevistadas (80%). Outras 14 mulheres (70%) experimentaram a sensação de desmoralização. Em 12 casos (60%) foi referido o adoecimento e em outros oito casos (40%) o sentimento de castigo. As entrevistadas, quando estimuladas a relatar outros sentimentos não perguntados, acrescentaram o medo, impotência, raiva, depressão, ódio, culpa e ideação suicida. Uma mulher referiu ter sentido a gravidez como uma segunda violência: “Não terminou... depois de tudo que me aconteceu, foi acontecer isso...”. Outra entrevistada se expressou de forma crítica, refletindo sobre a questão da maternidade e impossibilidade de escolha que lhe foi imposta, sem, no entanto, deixar de manifestar o peso da situação vivenciada, do seguinte modo: “Eu acho que senti tudo de pior na minha vida. De ter uma coisa que não foi da minha escolha. Acho que o sentimento maior foi esse. A gravidez você escolhe, o momento de ser mãe, e não dessa maneira”. Ao serem questionadas sobre a primeira atitude frente ao diagnóstico de gestação, muitas mulheres referiram terem tido crise de choro, episódios depressivos, reclusão, e abandono das atividades cotidianas. Para uma entrevistada esses efeitos se mostraram acentuados, refletindo na dificuldade de manter os 132 cuidados habituais com sua filha de cinco anos de idade. Mesmo frente a essas dificuldades, dez mulheres (50%) procuraram pela polícia ao tomarem conhecimento da gravidez, enquanto oito mulheres (40%) procuraram por um serviço de saúde. Uma mulher (5%) se refugiou na Igreja em busca de uma solução: “Eu fui na Igreja. Eu não podia ter aquele filho daquele jeito. Porque era parte de mim, mas era fruto de uma violência”. Para outra entrevistada, os efeitos da depressão decorrente do conhecimento da violência, associados ao sentimento de falta de perspectivas, alcançaram níveis paralisantes: “Me tranquei em casa, não falava com mais ninguém. Acho que fiquei quase dois meses na cama...”. Os dados sobre o relato do ocorrido para outras pessoas corroboraram com a dificuldade das mulheres em falar sobre a violência sexual e sobre a gravidez dela resultante, na medida que quatro entrevistadas (20%), não relataram o que lhes ocorreu para outras pessoas: “Eu não conseguia falar com ninguém. Continuei me sentindo um nada, foi aí que eu quis mesmo sumir. Eu só queria sumir”. Outras 16 entrevistadas (80%), compartilharam sua situação com alguma pessoa. Dessas mulheres, nove disseram ter revelado para a mãe; sete para o pai; seis para amigos ou amigas; e cinco para irmã. Namorado, tio ou colega de trabalho foram pessoas escolhidas pela mulher para compartilhar o ocorrido em um caso cada. Entre as entrevistadas que revelaram sua história, o sentimento de acolhimento surgiu em 11 casos (55%), enquanto a sensação de 133 proteção apareceu para metade das mulheres. Esses dados permitem estabelecer a hipótese de impacto positivo para parte das mulheres que consegue compartilhar sua vivência com pessoas de sua confiança. Algumas das entrevistadas falaram do alívio que sentiram, como se segue: “Eu me senti mais aliviada, muito melhor. Como se tivesse tirado um peso”. Chamou a atenção uma entrevistada que referiu, com veemência, o apoio recebido pelo marido durante toda a entrevista. Receosa de contar o que lhe aconteceu, em um primeiro momento, declarou a importância da posição solidária do esposo e o quanto isso lhe trouxe segurança: “Eu me senti aliviada, apoiada, mas me senti mal por não ter contado antes. Me senti bem por poder perceber o marido que eu tinha”. Entretanto, outras entrevistadas relataram aspectos negativos ao compartilhar sua situação, mesmo entre aquelas que se declararam acolhidas e protegidas. Sete mulheres (35%) se sentiram culpabilizadas e desmoralizadas; seis casos (30%) relataram sentimento de castigo ou crítica; e quatro mulheres (20%) se sentiram abandonadas. Algumas mulheres enfatizaram o quanto se sentiram desacreditadas ou vítimas de preconceito, como se expressa nas falas: “Envergonhada... eu me senti um lixo perto das pessoas. Tem coisas que não têm palavras que confortem a gente”. Na questão que aborda o oferecimento de informação sobre a possibilidade de recorrer ao abortamento previsto em Lei, em nove casos (45%) a entrevistada soube do direito ao abortamento 134 por meio de esclarecimentos prestados pela Delegacia de Polícia. Esse dado merece destaque, na medida que das dez mulheres que procuraram pela Policia como primeira atitude, após conhecer a gravidez, nove delas (90%) receberam a informação sobre a possibilidade de acesso ao abortamento previsto pela Lei. Cinco mulheres (25%) receberam essa informação nos serviços de saúde, proporção menor que a observada para as Delegacias de Polícia, com cinco casos (62,5%) entre oito mulheres atendidas. Em quatro casos (20%) a informação foi conseguida através de amigos ou parentes e em 3 casos (15%) as entrevistadas foram orientadas pelo Instituto Médico Legal. Cabe considerar que a fonte de informação sobre a possibilidade de realizar o abortamento previsto em Lei nem sempre correspondeu a quem realizou efetivamente o encaminhamento para o hospital. Nesse caso, as Delegacias de Polícia foram os principais órgãos de encaminhamento, com 14 casos (70%). Os serviços públicos de saúde foram responsáveis por três encaminhamentos (20%) e um caso (5%) foi referenciado por serviço privado de saúde. Duas entrevistadas (10%) procuraram o hospital espontaneamente. A participação expressiva das Delegacias de Polícia no encaminhamento aponta para a importância decisiva do trabalho articulado e em rede na assistência integral dessas mulheres, muitas vezes com escassa ou nenhuma orientação sobre o direito ao abortamento previsto em lei e, principalmente, aonde e como consegui-lo. Da mesma forma, solicitou-se das entrevistadas se receberam suficiente e clara informação sobre as diferentes alternativas frente a gravidez decorrente da violência sexual, incluindo-se a possibilidade e o direito de manter a gestação até o término e, nesse caso, proceder com a doação da criança para processo regular de adoção, ou incluí-la no núcleo familiar. Nesse aspecto, 19 entrevistadas (95%) declararam que receberam essa informação antes de realizar a interrupção da gravidez. Apenas uma mulher (5%) disse não se lembrar se recebeu ou não esse esclarecimento, 135 embora se encontre anexado ao seu prontuário hospitalar termo de solicitação e autorização da interrupção da gravidez, assinado pela entrevistada, onde consta essa informação. Não foram registrados casos em que alguma entrevistada negue ter recebido essa informação. Terminando este bloco temático, as entrevistadas foram convidadas a dizer se consideraram que encontraram ou não dificuldade de acesso à informação e orientação sobre o direito de escolha pelo abortamento previsto em Lei. A maioria delas, 19 mulheres (95%), disse que não enfrentou dificuldades para receber informação. Esse resultado pode ser considerado bastante positivo e, certamente, decorre de um conjunto de fatores favoráveis. Entre eles, cabe destacar que São Paulo concentra o maior número de serviços especializados que oferecem o abortamento previsto em Lei, parte deles em funcionamento há mais de uma década. Além disso, a participação expressiva das Delegacias de Polícia e dos serviços de saúde reflete os esforços de capacitação dos profissionais envolvidos e o aprimoramento das ações em rede. Contudo, é preciso admitir que a situação encontrada para as mulheres incluídas neste estudo reflete, possivelmente, apenas uma restrita realidade local. A maioria das mulheres ainda encontra grandes dificuldades ou impedimentos para receber orientação sobre seus direitos nessas circunstâncias. Essa situação é expressa por uma das entrevistadas, quando declara: “Ninguém dizia nada, nem sabia o que eu tinha que fazer. Porque, se eu soubesse, tinha vindo direto para cá (hospital), no dia que aconteceu”. 136 6.4 - BLOCO IV - DADOS SOBRE O ABORTAMENTO O processo de decisão pelo abortamento foi realizado de maneira isolada por nove entrevistadas (45%) que preferiram não compartilhar sua decisão com outra pessoa. As demais 11 entrevistadas (65%) procuraram por pessoas de sua confiança em busca de aconselhamento. Considerando que as entrevistadas poderiam buscar apoio de uma ou mais pessoas, os pais foram os mais freqüentemente procurados, em seis casos. Seguiu-se a escolha da irmã, em três casos. Amiga ou orientador religioso corresponderam a dois casos cada. Somente uma entrevistada procurou por apoio de profissional da saúde, médico de sua família. A seguir, as mulheres foram perguntadas sobre o motivo da decisão pelo abortamento. A questão foi realizada de forma aberta, permitindo que cada mulher se manifestasse livremente. Parte das falas das mulheres apresentou em comum o sentimento de intenso repúdio pela gestação forçada, predominando, para elas, a questão da impossibilidade de escolha a da violação de seu direito de decidir livremente sobre a maternidade. Segundo essas mulheres, a decisão por elas tomada foi a melhor opção que tinham naquela ocasião. Isso foi percebido, principalmente, nas seguintes falas: “Porque eu não ia estar carregando uma coisa que eu não quis. Foi um ato de violência. Por quê eu ia estar gerando esse ser?”. “Fiz o aborto por ser fruto de uma violência. Meu marido falou que não ia não conseguir aceitar. E porque é muito triste a violência que eu senti”. A maior parte dessas entrevistadas também procurou enfatizar que realizou o abortamento pelo fato da gravidez ser decorrente da violência sexual e que, acreditam, que não realizariam o abortamento caso a gestação tivesse acontecido de outro modo: 137 “Pela forma como ocorreu. Porque se fosse de um namoradinho, eu não ia optar pelo aborto. Dava pra cuidar. Mas como foi uma coisa que eu não planejei... que eu não escolhi”. Percebe-se, também, que esse repúdio pela gestação decorrente da violência e sua distinção de outras situações de gravidez foi fundamentado, em várias entrevistas, pela forte vinculação estabelecida por algumas mulheres com a questão da violência sexual. Para essas entrevistadas, torna-se impossível separar emocionalmente a questão da violência sexual e da gravidez, como eventos isolados. Assim, a gravidez termina como continuidade ou parte interminável da violência sofrida: “Porque estava crescendo uma coisa ruim dentro de mim, que não foi planejada”. “Porque eu não ia conseguir ver aquela criança como uma coisa boa. Sempre ia lembrar do que aconteceu...”. “Porque eu não podia carregar um filho de uma violência”. Por outro lado, várias mulheres manifestaram que, para a tomada de decisão, consideraram as dificuldades que enfrentariam para a aceitação da gravidez, tanto no âmbito familiar como no social. Outras expressaram sua preocupação com o futuro da criança, questionando os efeitos das circunstâncias com que foi gerada para os seus relacionamentos pessoais ou sociais. Para essas mulheres, a decisão pelo abortamento parece ter sofrido mais influência de certa racionalidade de pensamento sobre a situação que vivenciavam e suas conseqüências, do que a influência do vínculo entre violência sexual e gravidez: 138 “Você tem que pensar no futuro. Só no momento não dá para pensar. Como é que vai ser meu relacionamento com essa criança? Da forma como foi, como as coisas aconteceram, não dava...”. “Eu ia ter um filho de um desconhecido. Um dia, ele ia perguntar para mim quem era o seu pai... Se eu tivesse tido esse filho, eu ia perpetuar aquela lembrança para sempre”. “Porque eu achei que ninguém ia aceitar”. Em alguns casos, a decisão pelo abortamento se fundamentou no reconhecimento da própria mulher da ausência de sentimentos relacionados com o processo da maternidade. A falta de sentimentos positivos que estabeleçam vínculos foi citada como elemento importante para subtrair as perspectivas de manter a gestação até o seu término. Nesse caso, a importância do amor foi colocada pelas mulheres em várias oportunidades: “Eu não amava aquela criança. Porque, para mim, ela era um peso nas minhas costas”. “Porque eu acho que uma criança tem que vir ao mundo com amor”. “Porque eu achei que não ia ter condições de ter um filho que não foi feito com amor”. Interessante notar que, para algumas dessas mulheres, observouse certa falta de vínculo entre a violência sexual e a gravidez. Nesses casos, a questão da falta do sentimento de amor não apareceu de forma isolada, como preocupação da mulher quanto a si mesma. Ao contrário, o questionamento da mulher se manifesta em relação ao 139 feto ou à futura criança, expressando sua consideração e respeito pelo seu futuro: “Eu fiquei com medo de levar essa gravidez pra frente. Eu fiquei com muito medo de rejeitar a criança. Será que ia amar como eu amo minha família?”. Um caso específico chamou a atenção pela particularidade de suas circunstâncias. Grávida de um ex-parceiro íntimo com quem conviveu por alguns anos, a entrevistada o descreveu como alguém extremamente violento, com diversas passagens pela Polícia e pelo sistema penitenciário. Em seu último período de liberdade concedida por indulto, ele invadiu sua casa e a estuprou mediante grande violência física, após mais de dois anos de separação. Receosa de suas reações se soubesse da gestação, temendo por sua vida, e preocupada em proteger sua filha de quatro anos, ela declarou: “O aborto foi a minha única saída. Pelo pai ser violento e por eu não ter condições financeiras, nem psicológicas, e nem de saúde. Tirando um para salvar a outra”. Outra experiência impactante foi a relatada por uma das entrevistadas sobre as dificuldades encontradas na decisão pelo abortamento. Essa entrevistada revelou que, antes da condição de gravidez decorrente do estupro, se considerava decididamente contrária ao abortamento em qualquer circunstância, mesmo nos casos de gravidez decorrente de violência sexual. Essa posição, segundo ela, se pautava principalmente em seus preceitos religiosos. Ao vivenciar a condição de gravidez decorrente da violência sexual, praticada por um desconhecido quando retornava do trabalho, deparou-se com o desejo de interromper a gestação. Ao procurar por orientação de sua liderança religiosa para discutir sua situação, conta que se deparou com a forte condenação de sua escolha. Contrariando a posição de sua religião e suas antigas convicções, 140 decidiu pelo abortamento de forma solitária e sem receber qualquer apoio, justificando sua decisão: “Como eu ia ter um filho de uma pessoa que eu nem conhecia ? Ia ficar nove meses com aquela coisa? Não era fruto de Deus e não ia fazer bem para mim”. O tempo decorrido do abortamento até a entrevista variou de um a quatro anos, com média de 20,1 meses. Em 13 casos (65%) o abortamento foi realizado entre 12 e 23 meses; em cinco casos (25%) entre 24 e 35 meses; e em dois casos (10%) entre 36 e 48 meses. A idade das entrevistadas ao realizar o abortamento variou entre 16 e 43 anos, com média de 26,5 anos. Embora a violência sexual possa ocorrer em qualquer idade da mulher, a maioria dos registros existentes aponta para a predominância desses crimes contra adolescentes e mulheres adultas jovens (Peipert & Domagalski). Segundo Rickert & Wiemann (1998), a adolescente apresenta risco quatro vezes maior de sofrer violência sexual que os demais grupos etários. Quanto ao perfil de idade das entrevistadas, os dados encontrados alinham-se a maioria das investigações. O indicador da idade gestacional no momento do abortamento, extraído dos registros dos prontuários hospitalares das entrevistadas, em semanas completas, variou entre cinco e 20 semanas, com média de 11,6 semanas. Esses números apontam para a realização do abortamento com até 12 semanas de idade gestacional em nove casos (45%) contra onze casos (55%) entre 13 e 20 semanas. Nesse sentido, a idade gestacional foi fator decisivo para a escolha do método de interrupção da gravidez. Em conseqüência, os nove casos (45%) com idade gestacional de até 12 semanas foram submetidos à técnica de Aspiração Manual Intra-Uterina (AMIU). Em oito casos (40%) foi realizado o abortamento medicamentoso com misoprostol. A microcesareana foi técnica empregada para três 141 entrevistadas (15%), todas com idade gestacional entre 16 e 20 semanas e em situação refratária ao abortamento medicamentoso. Não foram registradas em prontuário hospitalar ou nos relatos das 20 entrevistadas, complicações de qualquer natureza decorrentes do abortamento, independente da técnica utilizada para o procedimento. Neste ponto, os dados encontrados merecem atenção. Embora a maior parte das mulheres afirme não ter enfrentado dificuldades para obter informação sobre o direito de escolha pelo abortamento previsto em Lei, mais da metade delas ingressou no segundo trimestre de gestação, exigindo técnicas de interrupção da gravidez mais complexas e ainda menos disponíveis, mesmo nos serviços que realizam esse tipo de atendimento. Essa constatação sugere que, além da questão do acesso à informação, outros fatores funcionam como impeditivos para a chegada precoce dessas mulheres aos serviços de saúde. Os dados das entrevistas permitem aventar que o impacto emocional da violência sexual e o processo de decisão pelo abortamento possam constituir fatores importantes para estabelecer o tempo necessário desde a percepção da gravidez até a busca por assistência no setor saúde. Os resultados encontrados quanto ao acompanhamento médico e psicológico após o abortamento mostraram que 13 entrevistadas (65%) mantiveram seguimento nessas áreas durante o período de tempo recomendado pelos profissionais de saúde. Os motivos alegados por sete mulheres (35%) para não completar o acompanhamento médico incluíram o desejo de continuidade da assistência no setor privado, dificuldades econômicas, mudança temporária de cidade, pressão para não se ausentar do trabalho, e dificuldade de recorrer sozinha ao hospital. A negativa de continuar o atendimento psicológico foi justificada pelos mesmos motivos, mas acrescida do temor do profissional de saúde fazê-las rememorar a violência sexual, e a condição de paralisia emocional provocada pela depressão. Essas dificuldades apresentadas para realizar o acompanhamento 142 aparentemente não se relacionaram com o nível de satisfação das Quadro I – Avaliação das mulheres entrevistadas sobre o atendimento recebido em diferentes setores do Centro de Referência da Saúde da Mulher EXCELENTE SETOR GINECOLOGIA SERVIÇO SOCIAL PSICOLOGIA ENFERMAGEM SERVIÇO SOCIAL SEGURANÇA AMBULATÓRIO ENFERMARIA LABORATÓRIO ULTRA-SOM C. CIRÚRGICO S. ANESTESIA BOM N % N % 15 14 13 14 10 7 11 12 10 12 13 9 75 70 65 70 50 35 55 60 50 60 65 45 5 5 5 4 6 9 7 7 7 4 6 8 25 25 25 20 30 45 35 35 35 20 30 40 REGULAR RUIM N % N 1 1 1 1 - 5 5 5 5 - 1 1 1 - % 5 5 5 - MUITO RUIM SEM OPNIÃO N % N 1 1 3 - 3 4 1 1 2 1 3 5 5 15 - % 15 20 5 5 10 5 15 6.5 - BLOCO V – COMPORTAMENTOS E OPINIÕES DAS ENTREVISTADAS Os sentimentos após o abortamento manifestados pelas entrevistadas foram resultado de pergunta aberta, permitindo que as mulheres se manifestassem livremente. Em comum, a maioria das entrevistadas declarou ter experimentado uma considerável sensação de alívio imediatamente após a realização do procedimento. Muitas dessas mulheres associaram a questão da gravidez decorrente da violência sexual como um “peso” em suas vidas. Essa observação é presente em diversas falas, a exemplo das que se seguem: “Aliviada, resolvido o problema, solucionado... como todas as mulheres que estavam no quarto diziam”. “Eu me senti bem, como se tivesse tirado aquele peso dos meus ombros”. 143 “Eu me senti livre. Livre de um mal que ia me assombrar pelo resto da vida. Que ainda me assombra, mas ia ser pior ainda”. “É uma coisa meio estranha. Eu me senti aliviada, meio sem explicação”. Contrapondo-se ao sentimento de alívio, três mulheres (15%) manifestaram relativo sentimento de culpa após o abortamento, geralmente associado ao quadro depressivo. Algumas mulheres foram explícitas em suas falas, a exemplo: “Eu me senti péssima, em depressão. Por mais que você saiba, você tem um sentimento materno, de culpa. Mesmo fazendo a coisa certa. Pelo lado espírita eu pensava: será que eu estou interrompendo a vida de alguém? Teve um certo alívio depois, mas no começo foi muito difícil”. “Senti culpa por ter tido essa opção que eu tomei. Acho que isso não vai acabar nunca na minha vida”. “Eu tive depressão depois. Depressão muito profunda. Eu fiquei dois meses sem saber quem eu era”. A sensação de culpa não se traduziu em arrependimento em nenhum dos casos incluídos no estudo. No entanto, sua presença reforça os achados encontrados em algumas mulheres que, de certa forma, desvinculam a gravidez da violência sexual. Com uma percepção mais objetiva da gravidez e menos obscurecida por outros sentimentos, essas mulheres são aquelas que aparentemente apresentam os mais intensos dilemas pessoais e éticos para decidir pelo abortamento. Além disso, essas questões parecem simplesmente não terminar com o abortamento, tanto pela ausência de sentimento de alívio como pelos efeitos depressivos que 144 acarretaram. Dessa forma, é necessário admitir a importância das medidas contínuas de apoio e de acolhimento para essas mulheres, tanto na esfera profissional como na familiar e social. A fala de uma das entrevistadas expressa essa situação quando assim diz: “Eu só pensava no que estava acontecendo comigo. Me senti muito sozinha... nunca pensei que fosse passar por uma coisa dessas”. Importante notar, entretanto, que em nenhum caso foi diagnosticado a chamada “Síndrome Pós-Aborto”, mesmo entre aqueles que manifestaram quadros mais severos de depressão. Apenas três mulheres (15%) associaram livremente o abortamento realizado com o que chamaram de “interrupção da vida”. Algumas expressaram suas convicções e seu entendimento nesse aspecto, chegando a tratar de forma diferenciada o produto da gravidez: “Me senti aliviada, porém com dó, eu acho, do feto que tinha morrido. Se bem que não era um feto, era um embrião”. “Eu me senti muito mal porque eu estava tirando uma vida. Mas eu ia ficar lembrando...”. “Na hora que saiu o feto, eu senti que estava tirando uma vida. Ao mesmo tempo que eu não queria. Mas a única coisa que eu podia fazer era isso”. Parece fundamental compreender o significado dessas falas. A percepção do ato que escolhem e que praticam, bem como o sentimento de consideração pelo feto manifestado pelas mulheres em diversos momentos, revela que o abortamento não é uma decisão fácil de ser tomada, mesmo nessas circunstâncias. Expressa, sobretudo, que o abortamento não tem qualquer significado de satisfação para essas mulheres, ou que para elas seja um ato permeado de indiferença ou descaso com o produto da concepção. 145 As mulheres que optam pelo abortamento não o fazem por egoísmo, mas pelas dramáticas circunstâncias que vivenciam. Enfrentar solitariamente todo esse processo ainda é uma questão para parte das mulheres, que não encontra condições favoráveis para relatar o abortamento realizado. É razoável admitir que, para elas, exista maior peso da intolerância e da reprovação de parte da sociedade nas questões relacionadas ao abortamento. De fato, essa situação foi encontrada em três casos (15%), onde a realização do abortamento não foi, até hoje, compartilhada com outras pessoas. A maioria das mulheres, no entanto, entende como importante o ato de compartilhar sua experiência com pessoas de sua confiança, o que ocorreu em 17 casos (85%). Em metade dos casos um membro da família foi o escolhido. Em menor número de casos as mulheres revelaram os fatos para o parceiro íntimo, para um amigo ou amiga, colega de trabalho, médico da família, ou superior hierárquico no trabalho. Nenhuma entrevistada revelou acerca do abortamento para membros de sua religião, supostamente pelo temor de provável reprovação. Sob a perspectiva psicológica compartilhar sofrimentos, angústias, temores e dúvidas têm, para a maioria dessas mulheres, importante efeito no sentido de diminuir os danos psíquicos decorrentes desse processo. Um dos aspectos mais importantes deste estudo foi tentar conhecer a opinião da entrevistada sobre suas relações pessoais após o abortamento, tentando estabecer se as mesmas se modificaram após o procedimento e de que forma isso ocorreu. O quadro II resume a posição apresentada pelas entrevistadas: 146 Quadro II – Opinião da entrevistada sobre seus relacionamentos pessoais após o abortamento. NÃO ALTEROU MELHOROU PIOROU NÃO SABE SETOR N % N % N % N % FAMÍLIA PARCEIRO TRABALHO SEXUALIDADE AMIZADES ESCOLA RELIGIÃO 12 4 8 6 14 2 9 60 20 40 30 70 10 45 6 4 1 1 1 5 30 20 5 5 5 25 2 2 4 12 5 6 4 10 10 20 60 25 30 30 - - NÃO SE APLICA N 10 7 1 12 2 % 50 35 5 60 10 NÃO RESPONDEU N % - - As duas mulheres (10%) que referiram piora em seu relacionamento com a família atribuíram o fato ao relacionamento materno. Uma delas, pela recusa da mãe em tocar no assunto e compartilhar o ocorrido, percebido pela entrevistada como afastamento ou distanciamento de suas relações. A outra, pelo fato da mãe, em diferentes momentos, verbalizar que acredita que a entrevistada “provocou” o estupro, gerando forte sentimento de mágoa e ressentimento. A piora nas relações de trabalho, declarada por quatro entrevistadas (20%), se deu por queda do rendimento profissional. Para uma delas, o problema foi asseverado pela característica de seu trabalho, o qual envolve cuidados com crianças. Situação semelhante ocorreu para as entrevistadas em relação ao desempenho escolar, onde 30% das mulheres referiram dificuldades de concentração e memorização. No entanto, o maior impacto foi observado na esfera da sexualidade. Nesse campo, 12 entrevistadas (60%) observaram piora, principalmente quanto ao desejo sexual. Um caso específico chamou a atenção, onde a entrevistada, de orientação homossexual, declarou que desde a violência sexual, há quase dois anos, nunca mais permitiu que fosse tocada por sua parceira. Manifestando certa vergonha e dificuldade em abordar o tema e, possivelmente, a própria sexualidade, ela conta: 147 “Eu me fechei, me isolei. Nunca mais consegui deixar minha parceira tocar meu corpo...”. Considerando-se as diferentes alternativas de avaliação incluídas nesta pergunta, dois fatos se tornam evidentes. O primeiro, é que a dramática situação da violência sexual e do abortamento previsto em Lei não atinge somente a mulher, mas envolve seus relacionamentos e, de forma mais intensa, as relações com a família. Nesse aspecto, os dados sugerem que a gravidade da situação termina como catalizador em diversas relações, unindo seus membros em um ambiente de proteção. A solidariedade e o acolhimento, nesses casos, terminam, muitas vezes, melhorando o relacionamento familiar. A segunda constatação, que se alinha com diversas evidências científicas, é o impacto avassalador da violência sexual sobre a sexualidade das mulheres. Neste estudo, a observação de piora da sexualidade surgiu de maneira expressivamente maior do que o encontrado em outras esferas de relacionamento. No entanto, a maioria das entrevistadas declarou que não acredita que ocorreram modificações significativas em seus relacionamentos após o abortamento. Para parte pequena das entrevistadas a vivência motivou a melhora em alguns setores, principalmente nas relações familiares, com o parceiro ou com sua religiosidade. Independente do tipo de efeito observado para as áreas de relacionamento, não foi possível estabelecer se as modificações encontradas foram conseqüentes à violência sexual ou ao abortamento. Exceção pode ser feita para dois casos (10%), onde as entrevistadas relataram mudança de religião especificamente pela questão do abortamento. Entre os pensamentos recorrentes após a realização do abortamento, 15 mulheres (75%) declararam sua ocorrência relacionada com a experiência da violência sexual e sete mulheres 148 (35%) de reencontrar o agressor. Outras 13 entrevistadas (65%) apresentaram pensamentos recorrentes sobre o abortamento. Quanto ao suicídio, quatro mulheres (20%) relataram pensamentos recorrentes ou ideações, embora nenhuma delas tenha efetivamente tentado sua prática. Questionadas acerca de uma ou mais mudanças de comportamento, seis entrevistadas (30%) disseram que não apresentaram quaisquer mudanças. Seis mulheres relataram mudança nos hábitos alimentares, principalmente diminuição ou aumento do apetite. Outras sete entrevistadas relataram alterações no sono, destacando-se pesadelos, insônia, menor número de horas de sono, ou sono mais agitado. Oito mulheres declararam outras alterações, como queda de cabelo, alterações vaginais, nervosismo, labilidade emocional, revolta, frieza e indiferença social. Uma questão crítica foi colocada para as mulheres envolvendo a hipótese de arrependimento ou não pelo abortamento realizado. Todas as 20 entrevistadas declararam que não se sentem arrependidas pela interrupção da gravidez. A ausência de arrependimento, de certa forma, sugere que o abortamento previsto em Lei foi a solução mais adequada encontrada por essa mulheres entre as alternativas que possuíam na ocasião. Ao mesmo tempo, foram perguntadas se repetiriam o abortamento se pudessem retornar ao momento de sua decisão. Embora afirmassem não estarem arrependidas, três mulheres (15%) declararam que não repetiriam o abortamento. Uma dessas entrevistadas (5%) justificou sua posição pelo sofrimento causado pelo longo período de internação, nove dias, necessário para o abortamento medicamentoso: “Não repetiria. Pelo fato do sofrimento que eu passei no hospital. Meu corpo estava pedindo ‘arrego’. Mas não que eu esteja arrependida”. 149 Duas mulheres (10%) disseram que não repetiriam o abortamento pensando na perda do feto, embora se declarem não arrependidas do abortamento realizado. Para uma delas prevalece, ainda, a percepção de castigo e a posição contraditória frente sua própria decisão: “Embora não seja crime, entendo que ninguém tem direito de tirar uma vida. Entendo as coisas que estou passando como castigo de Deus”. Estimuladas a colocar livremente os pontos favoráveis do atendimento, muitas pacientes teceram elogios aos profissionais de saúde que as atenderam. De modo geral, todas se sentiram bem atendidas e apoiadas pelos profissionais envolvidos em seu atendimento. A questão do acolhimento, aspecto de grande preocupação na dinâmica do atendimento, surgiu de maneira espontânea em alguns relatos: “O ponto positivo é a primeira vez que você chega e é atendida pela assistente social. Nesse primeiro contato você se sente acolhida pelo hospital”. “Foi muito bom. Eu fiquei muito feliz porque as pessoas confiaram em mim e me apoiaram”. “O acolher, o entender, eu acho que a compreensão”. Uma das entrevistadas destacou o quanto foi importante ter encontrado um ambiente apropriado para tomar sua decisão final sobre o abortamento. Destacou, ainda, a liberdade que sentiu para fazê-lo, sem enfrentar julgamentos ou atitudes que a impelissem fazer algo que não desejasse ou que não se sentisse realmente preparada: 150 “Foi o atendimento, como eu fui acolhida. As pessoas me passaram tranqüilidade para eu escolher o que eu queria. Eu me senti amparada aqui. As pessoas me compreendiam, não me julgavam”. Poucas entrevistadas disseram ter observado ou enfrentado o que consideraram pontos desfavoráveis do atendimento. Surgiram críticas em relação ao Serviço de Enfermagem por ocasião da Internação. A exemplo, uma entrevistada soropositiva para o HIV declarou que se sentiu severamente discriminada por uma auxiliar de enfermagem, a qual comentava com outras profissionais de sua área sobre sua condição sorológica. Outra mulher se disse perplexa com a atitude de uma auxiliar de enfermagem: “Desde o início, na internação, eu não me sentia muito bem. E quando o feto saiu, a enfermeira falou: ‘- Agora fica aí chorando, depois que matou’ “. Algumas das entrevistadas consideraram o processo de avaliação e aprovação do abortamento previsto em Lei demorado e burocrático. Referiram-se às avaliações do serviço social, da ginecologia e da psicologia, aos exames laboratoriais, e aos retornos para receber resposta sobre seu pedido e para a assinatura dos documentos. Embora indispensáveis pelo ordenamento jurídico, pelas normas do Ministério da Saúde e pela necessidade de cuidadosa avaliação de cada caso, o tempo necessário para esses procedimentos, quase sempre menor que uma semana, lhes pareceu como interminável: “A demora. Muitas vezes voltava e era só para pegar um papel”. Essa situação, de certa forma, reflete o escasso conhecimento das mulheres e da população em geral sobre os procedimentos necessários para realizar o abortamento previsto em Lei. O 151 atendimento nas diferentes áreas do setor saúde, como a ginecologia, psicologia e serviço social, são medidas indispensáveis para conhecer o contexto de cada caso e propor a melhor forma de atenção. Ao mesmo tempo, o cumprimento das exigências estabelecidas pela Lei é fundamental para garantir a licitude do abortamento. Em todos os casos não houve exigência de procedimentos desnecessários, a exemplo da obtenção de alvará judicial, que postergassem o abortamento. Mesmo assim, muitas mulheres entendem esse tempo como demasiadamente longo. Em parte, isso se explica pela angústia em manter a gestação por mais tempo, algo intolerável para muitas mulheres. Some-se a isso o fato de que muitas mulheres chegam à instituição com a fantasia de que o abortamento será realizado de maneira imediata, como na internação para uma cirurgia de urgência ou procedimento equivalente. Outras mulheres apontaram como ponto desfavorável do atendimento sua grande ansiedade pelo fato de não saberem se o abortamento seria aprovado, ou quando o mesmo ocorreria de fato. Nesse aspecto, as entrevistadas com mais de 13 semanas de idade gestacional foram as que mais sentiram negativamente a falta de definição sobre o tempo de espera pela conclusão do abortamento medicamentoso. Uma vez iniciada a administração do misoprostol, é impossível estabelecer quanto tempo durará a indução do abortamento. Uma paciente fez severa crítica ao serviço de ultra-sonografia. Além do tempo de espera pelo exame, considerado elevado, a entrevistada disse que colocaram o batimento cardíaco do feto para que ela escutasse, sem perguntar para ela se assim o desejava, causando constrangimento e sofrimento emocional: “Acho que as mulheres que passam por isso não deveriam ser obrigadas a escutar o coração do feto”. 152 Outra entrevistada considerou grave falha ocorrida no momento de sua alta médica hospitalar, pois o resumo de internação, onde consta o motivo da estada no hospital, foi entregue para a pessoa que veio buscá-la, a qual não sabia do episódio de violência sexual, tampouco do abortamento legal realizado. 6.6 - BLOCO VI – PERSPECTIVAS SOBRE O ABORTAMENTO MEDICAMENTOSO Este bloco temático foi aplicado exclusivamente para oito mulheres (40%) que realizaram o abortamento entre 13 e 20 semanas de idade gestacional, por meio do abortamento medicamentoso com misoprostol. Sobre o tempo necessário para o abortamento (dado extraído do prontuário hospitalar), considerou-se o tempo de indução, intervalo entre a administração da primeira dose do misoprostol e a eliminação fetal. Neste estudo o tempo de indução variou de um a 14 dias, com média de 4,8 dias. A opinião sobre eventos do abortamento medicamentoso considerou alguns indicadores objetivos, mas pela perspectiva da entrevistada. Para cada item avaliado perguntou-se para a entrevistada se o evento era por ela considerado indiferente; aceitável; muito incômodo; inaceitável ou sem opinião. O sangramento vaginal provocado pelo abortamento medicamentoso foi considerado indiferente ou aceitável para a maioria das entrevistadas (seis casos). As demais mulheres disseram não ter opinião. O fenômeno doloroso provocado pelo procedimento foi considerado aceitável para três mulheres, muito incômodo para quatro entrevistadas, e inaceitável para apenas uma entrevistada. O tempo de espera pela interrupção da gravidez foi tratado como aceitável para pouco mais da metadae das entrevistadas (cinco casos) e muito incômodo para outras três mulheres. Perguntadas 153 sobre o que consideraram mais incômodo no abortamento medicamentoso, quatro mulheres disseram ser a dor e outras quatro apontaram o tempo de espera. Na opinião da maioria das mulheres (sete casos) o abortamento foi uma experiência aceitável. Apenas uma entrevistada considerou o procedimento intolerável, devido o grande número de comprimidos administrados por via vaginal. 7. Conclusões Os resultados apresentados neste estudo permitem tecer algumas conclusões e considerações sobre as mulheres entrevistadas: O acesso às mulheres que realizaram o abortamento previsto em Lei nas situações de gravidez decorrente de violência sexual foi algo difícil de ser realizado, por diferentes motivos. Entre eles, destacou-se a dificuldade de contato por motivo de mudança de endereço e/ou de telefone. Embora esse problema possa ter ocorrido por razões alheias à violência sexual sofrida ou ao abortamento realizado, é preciso considerar a questão da deterioração do sentimento de segurança, condição freqüentemente encontrada nessas mulheres e condicionada ao temor de reencontrar o agressor. Essa situação convida à reflexão sobre a necessidade e a importância de aprimorar o processo de seguimento e avaliação dessas mulheres, particularmente em momentos mais tardios pós-abortamento. A maioria das mulheres identificadas que se encontravam dentro dos critérios de inclusão no estudo concordou em participar da investigação. Nenhuma das entrevistadas negou-se a responder alguma das perguntas formuladas nos diferentes blocos temáticos, ou objetou que suas falas consideradas relevantes fossem registradas e publicadas. Esses dados sugerem que a amostra, embora pequena, seja representativa e os resultados obtidos, confiáveis. 154 A opção da maior parte das mulheres por realizar a entrevista nas dependências do hospital em que foram atendidas ou em locais diferentes de sua residência, denota a importância atribuída pelas mulheres em manter a questão da violência sexual e do abortamento distante de suas redes de sociabilidade. Esse dado permite pressupor a importância da adoção de espaços seguros para atender a essas mulheres, tanto pelos serviços de saúde como pelos demais atores da rede de assistência. Esses espaços de confiança garantem a necessária privacidade e as condições de sigilo exigidas pela situação, fundamentais para que as mulheres busquem por auxílio qualificado nas diferentes esferas a que têm direito. O perfil das entrevistadas apontou para mulheres predominantemente jovens, brancas, solteiras e com escolaridade igual ou maior que o ensino médio completo. A maioria delas possuía profissão e exercia alguma ocupação, formal ou informal, no momento do estudo. A maior parte das mulheres declarou professar alguma religião, embora essa condição não tenha sido impeditiva para a escolha e a realização do abortamento previsto em Lei. A violência sexual sofrida pela maioria das entrevistadas se deu por agressores únicos e desconhecidos, embora o percentual de casos perpetrados por parceiros ou ex-parceiros íntimos tenha sido relevante. As principais formas de intimidação utilizadas pelo agressor, observando-se o estabelecido pelo Código Penal brasileiro, foram a força física e a grave ameaça, ambas com freqüência equivalente. Poucos casos foram relativos à presunção de violência. A abordagem do agressor ocorreu predominantemente em espaços públicos, dado concordante com o perfil do agressor desconhecido predominante neste estudo. 155 A baixa percepção sobre os riscos para a saúde impostos pela violência sexual, incluindo-se a exposição à gravidez, foi o principal motivo para que a maioria das entrevistadas não procurasse por atendimento nos serviços de saúde imediatamente após a violência. Essa escassa busca de atenção também se associou com a nítida dificuldade de muitas mulheres em revelar o ocorrido, por diferentes e justificáveis motivos. Essas situações sugerem fortemente que ainda existem importantes barreiras emocionais, sociais e culturais que dificultam o acesso dessas mulheres aos serviços de saúde. Em conseqüência, muitas mulheres em situação de violência sexual não têm a oportunidade de receber medidas de profilaxia necessárias para as doenças sexualmente transmissíveis, para a infecção pelo HIV, para a hepatite B e, particularmente, a prevenção da gravidez. Entre as poucas mulheres que buscaram atendimento nos serviços de saúde imediatamente após a violência sexual, a maior parte delas declarou não ter recebido a anticoncepção de emergência, mesmo em evidente situação de risco para a gravidez decorrente de violência sexual. Mesmo considerandose a limitação da amostra, esse dado reflete a necessidade de capacitar o mais amplamente possível os serviços de saúde para o atendimento qualificado das situação de violência contra a mulher. Por outro lado, os casos de falha da anticoncepção de emergência identificados neste estudo tornam importante ressaltar que, a despeito da elevada eficácia do uso precoce desse método anticonceptivo, ele é insuficiente para garantir a prevenção da gravidez decorrente da violência sexual em todos os casos. Medo, falta de alternativas, sensação de risco, desproteção, desmoralização, humilhação e adoecimento foram os sentimentos mais comumente experimentados pelas mulheres ao saber da 156 condição de gravidez decorrente da violência sexual. As principais reações dessas mulheres após o diagnóstico da gravidez variaram desde crises de choro, episódios depressivos, reclusão, ou abandono das atividades cotidianas. Embora a maior parte das mulheres tenha compartilhado a situação com pessoas de sua confiança, muitas vezes encontrando uma resposta acolhedora e protetora, considerou-se relevante o número de casos em que a entrevistada não consegiu fazê-lo. Isso se alinha com outros indicadores que expressam a particular dificuldade das mulheres em revelar o ocorrido. Essa dificuldade, em alguns casos, se justifica. Algumas mulheres declararam que se sentiram culpabilizadas, abandonadas, desmoralizadas ou desacreditadas. A informação sobre a possibilidade de realizar o abortamento previsto em Lei foi feita para a maioria das mulheres antes de acessarem a instituição que realizou a interrupção da gravidez. Isso ocorreu tanto para aquelas que procuraram pelas Delegacias de Polícia como para as que buscaram algum serviço de saúde. A participação das Delegacias de Polícia nesse processo pôde ser considerada expressiva, apontando para a importância do atendimento integral e em rede articulada de serviços. Além disso, a maioria das mulheres declarou que não encontrou impeditivos para obter essas informações. No entanto, a favorabilidade encontrada nesta investigação deve ser observada com ressalvas, na medida que foi conduzida apenas na cidade de São Paulo, uma das mais antigas a tratar desse tema e a que abriga o maior número de serviços dessa natureza. Os dados encontrados não refletem necessariamente a situação da maioria das cidades brasileiras, onde as mulheres ainda enfrentam grandes dificuldades para receber informação correta e acessível sobre seus direitos e, principalmente, como alcancá-los. Parte significativa das mulheres decidiu pelo abortamento sem buscar qualquer forma de aconselhamento, ajuda ou apoio, 157 preferindo não compartilhar sua decisão mesmo com pessoas supostamente de sua confiança. Quando o fizeram, geralmente compartilharam sua situação com pessoas da família ou amigos íntimos. Poucas mulheres buscaram por auxílio com profissionais de saúde ou orientador religioso. Os motivos apresentados pelas mulheres para a escolha do abortamento previsto em Lei foram variáveis, mas possíveis de serem reunidos em determinados grupos. Dessa forma, parte das entrevistadas apresentou em comum o sentimento de forte repúdio pela gestação como principal fator para decidir pela interrupção da gravidez. Para elas, não foi possível separar emocionalmente a gravidez da violência sofrida, tornando-a extensão e continuidade do abuso sexual. Outras mulheres consideraram as dificuldades sociais e familiares para a aceitação da gravidez. Algumas expressaram sua preocupação com o futuro da criança, ponderando os problemas que a mesma enfrentaria para a inserção social e familiar. Parte das entrevistadas decidiu pelo abortamento por reconhecer e admitir a ausência de sentimentos relativos à maternidade em relação à gravidez decorrente de violência sexual. Independente do motivo que levou à escolha do abortamento, todas as entrevistadas expressaram forte sentido de responsablidade durante o processo de decisão. Entre as mulheres entrevistadas a média de idade gestacional no momento da interrupção da gravidez se mostrou elevada, com mais da metade dos casos com tempo de gestação superior a 12 semanas. Esse dado concreto, de certa forma, contrastou com a declaração da maioria das mulheres de que não encontraram barreiras ou dificuldades para receberem informação e orientação sobre a possibilidade de realizar o abortamento previsto em Lei. Embora a questão da informação sobre o direito ao abortamento nesses casos seja fundamental, os resultados desta investigação sugerem decisivamente que existam outros 158 fatores que atuem como impeditivos para a chegada mais precoce das mulheres aos serviços de saúde, particularmente os fatores relacionados com o impacto emocional provocado pela violência sexual. Parte significativa das mulheres precisou ser submetida a procedimentos de interrupção da gravidez relativamente mais complexos e demorados como conseqüência da idade gestacional mais elevada no momento de ingresso ao serviço. Apesar disso, não houve registro em prontuário hospitalar e nas entrevistas realizadas de complicações relativas ao abortamento de qualquer natureza, independente da técnica empregada e do tempo decorrido. Esse dado se alinhou com as afirmativas dos principais organismos nacionais e internacionais na área da saúde, que classificam o abortamento realizado em condições humanizadas e tecnicamente apropriadas como procedimento de elevada segurança, distingüindo-o do abortamento praticado em condições clandestinas e inseguras. O acompanhamento interdisciplinar após o abortamento previsto em Lei se mostrou comprometido para parte menor das entrevistadas. Os motivos alegados pelas mulheres foram diversos, desde dificuldades econômicas até a paralisia emocional provocada pela violência sexual. Essa condição aparentemente não se relacionou com o nível de satisfação da usuária em relação à qualidade de atenção recebida no serviço público de saúde para a realização do abortamento. O sentimento imediato de alívio predominou para a maioria das mulheres após a realização do abortamento previsto em Lei. Nenhuma das entrevistadas declarou arrependimento por interromper a gestação e a maioria delas afirmou que realizaria novamente o abortamento caso se encontrassem mais uma vez frente a mesma tomada de decisão. 159 A maioria das entrevistadas declarou que seus relacionamentos pessoais com a família, parceiro, trabalho, amigos e religião não sofreu mudanças significativas após o abortamento ou, em menor parcela de casos, apresentou alguma melhora. Entre as que estudavam na época, a maior parte referiu ter experimentado perda importante do desempenho escolar, principalmente no período imediato após o abortamento. O impacto negativo mais relevante foi constatado na esfera da sexualidade das mulheres, onde a maior parte delas declarou ter enfrentado diferentes problemas. No entanto, na maioria dos casos não foi possível estabelecer se as mudanças apontadas foram decorrentes da realização do abortamento ou da violência sexual sofrida, considerando-se a limitação metodológica dos instrumentos empregados no estudo. Pensamentos recorrentes sobre a violência sexual e a possibilidade de reencontrar o agressor, bem como sobre o abortamento, foram freqüentes entre as entrevistadas. Muitas mulheres experimentaram mudanças de comportamento em relação aos hábitos alimentares e ao sono. Queda de cabelo, alterações vaginais, labilidade emocional, nervosismo, revolta, frieza e indiferença social foram outras alterações relatadas pelas mulheres. Expressiva parte das entrevistadas declarou pensamentos recorrentes ou ideações suicídas, embora nenhuma delas tenha afirmado que efetivamente tentou sua prática. Entre os pontos favoráveis do atendimento ao abortamento previsto em Lei declarados pelas mulheres, destacou-se a importância do acolhimento. Essa constatação vem de encontro com outros indicadores que reforçam a necessidade de adoção de medidas que qualifiquem a assistência das mulheres em situação de violência, incluindo-se a sensibilizção e a capacitação 160 dos diferentes profissionais envolvidos em todas as etapas do atendimento integral, em todas as esferas de atenção. Isso também foi corroborado na análise dos pontos desfavoráveis do atendimento recebido, onde parte pequena das mulheres relataram algumas situações onde se sentiram discriminadas, desprotegidas ou culpabilizadas. A opinião da maioria das mulheres que realizaram o abortamento medicamentoso com misoprostol considerou o sangramento vaginal indiferente ou aceitável, enquanto o tempo de espera pela conclusão do abortamento e a dor provocada pelo procedimento foram os pontos desfavoráveis para parte das mulheres. De forma geral, a maioria das mulheres considerou o abortamento medicamentoso uma experiência aceitável. 8. Anexos 8.1 - ANEXO 1 Roteiro de Entrevista 161 162 163 164 8.2 - ANEXO 2 Termo de Consentimento Informado e Esclarecido 165 9. Referências Bibliográficas Advocaci. Direitos sexuais e reprodutivos na perspectiva dos Direitos Humanos – síntese para gestores, legisladores e operadores do Direito. Rio de Janeiro: Advocaci. 2003. 118p. Aiken M. False Alegation: a concept in the context of rape. J Psychosocial Nurs Ment Health Serv, 31:15-20, 1993. Alan Guttmacher Institute. Sharing responsaibility: women, society & abortion worldwide. New York and Washington DC. 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