Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia

Transcrição

Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia
ISBN 978-85-7173-123-3
SECRETARIA DO PLANEJAMENTO, GESTÃO E PARTICIPAÇÃO CIDADÃ
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA
Siegfried Emanuel Heuser
PANORAMA SOCIOECONÔMICO E PERSPECTIVAS
PARA A ECONOMIA GAÚCHA
Organizadores:
Walter Arno Pichler
Luiz Augusto Estrella Faria
Róber Iturriet Avila
Carlos Roberto Winckler
Dulce Helena Vergara
Juarez Meneghetti
Renato Antonio Dal Maso
Porto Alegre, 2014
SECRETARIA DO PLANEJAMENTO, GESTÃO E PARTICIPAÇÃO CIDADÃ
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser
CONSELHO DE PLANEJAMENTO: André F. Nunes de Nunes, Angelino Gomes Soares Neto, Júlio César
Ferrazza, Fernando Ferrari Filho, Ricardo Franzói, Carlos Augusto Schlabitz.
CONSELHO CURADOR: Luciano Feltrin, Olavo Cesar Dias Monteiro e Gérson Péricles Tavares Doyll.
DIRETORIA
PRESIDENTE: ADALMIR ANTONIO MARQUETTI
DIRETOR TÉCNICO: ANDRÉ LUIS FORTI SCHERER
DIRETOR ADMINISTRATIVO: ROBERTO PEREIRA DA ROCHA
CENTROS
ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS: Renato Antonio Dal Maso
PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: Dulce Helena Vergara
INFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS: Juarez Meneghetti
INFORMÁTICA: Valter Helmuth Goldberg Junior
DOCUMENTAÇÃO E DIFUSÃO DE INFORMAÇÕES: Tânia Leopoldina P. Angst
RECURSOS: Maria Aparecida R. Forni
P195
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
/organização de Walter Arno Pichler ... [et al.]. - Porto Alegre :
FEE, 2014.
400 p. : il.
ISBN 978-85-7173-123-3
1. Condições econômicas – Rio Grande do Sul. 2.
Desenvolvimento socioeconômico – Rio Grande do Sul I. Pichler,
Walter Arno. II. Fundação de Economia e Estatística Siegfried
Emanuel Heuser.
CDU 338.1(816.5)
Bibliotecário responsável: João Vítor Ditter Wallauer – CRB 10/2016
Tiragem: 500 exemplares.
Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores.
Editoração: Susana Kerschner (coordenadora da revisão).
Editoração: Giuliana Santos (estagiária - leitura final, composição e arte final).
Capa: Laura Hastenpflug Wottrich.
Toda a correspondência para esta publicação deverá ser endereçada à:
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser (FEE)
Rua Duque de Caxias, 1691 — Porto Alegre, RS — CEP 90010-283
E-mail: [email protected]
Site: www.fee.rs.gov.br
SUMÁRIO
Apresentação ...................................................................................
5
ECONOMIA .....................................................................................
9
A economia gaúcha de 1947 a 2013: uma análise panorâmica —
Martinho Roberto Lazzari ..............................................................
11
Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008: hipóteses, interpretações e principais resultados — Rodrigo de Sá ........
33
Exportações gaúchas e brasileiras, por intensidade tecnológica, entre 2003 e 2013 — Guilherme Rosa de Martinez Risco ...............
55
A recorrência dos eventos de estiagem e seus reflexos na economia do Rio Grande do Sul — Mariana Lisboa Pessoa e Jéfferson Augusto Colombo ...................................................................
77
ANÁLISES SOCIAIS ........................................................................
97
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10 — Thomas Hyeono Kang, Rafael Bernardini,
Thiago Felker Andreis e Brenda Affeldt .......................................
99
Pobreza extrema no Rio Grande do Sul e sua relação com o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) — Clitia Helena
Backx Martins e Marcos Vinício Wink Junior ..............................
127
Os avanços do Programa Bolsa Família no Brasil e no Rio Grande
do Sul — Isabel Noemia Rückert e Maria Mercedes Rabelo .......
147
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar — Raul Luís Assumpção Bastos
171
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana
de Porto Alegre (RMPA): evolução e perspectivas — Míriam De
Toni ..................................................................................................
197
Indicadores de gênero no Rio Grande do Sul — Clitia Helena
Backx Martins, Marilene Dias Bandeira e Paula Maria Caputo ..
231
EVOLUÇÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS E PROSPECÇÃO DO FUTURO ...........................................................................
251
Desigualdades regionais no Rio Grande do Sul: leitura histórica e
contexto atual — Jaime Carrion Fialkow .......................................
253
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul —
Rodrigo Morem da Costa e Rodrigo Daniel Feix .........................
273
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise dos resultados das Pesquisas de Inovação
(Pintecs) 2000 e 2011 para o Rio Grande do Sul — Lívio Luiz Soares de Oliveira .................................................................................
311
A transição demográfica no Rio Grande do Sul e seus impactos econômicos — Pedro Tonon Zuanazzi e Marianne Zwilling Stampe
341
Previdência e finanças públicas estaduais: novas perspectivas? —
Thiago Felker Andreis ...................................................................
363
Considerações sobre o futuro da economia gaúcha — Cecília
Rutkoski Hoff ..................................................................................
381
Apresentação
O livro Panorama Socioeconômico e Perspectivas Para a Economia Gaúcha oferece à sociedade sul-rio-grandense um conjunto de informações e de análises que engloba parte da temática estudada recentemente pelos pesquisadores da Fundação de Economia e Estatística Siegfried
Emanuel Heuser (FEE).
Emerge da obra um painel que contrasta, de um lado, uma economia
viva, dinâmica e com melhora constante dos indicadores sociais com, de
outro lado, as questões que se apresentam como obstáculos a um melhor
desempenho, como a recorrência de estiagens, com efeitos negativos sobre
as finanças públicas estaduais. O livro também engloba temas importantes
para o desempenho futuro do Estado, como a infraestrutura, a inovação, a
transição demográfica e a necessidade de enfrentamento das desigualdades regionais. Há uma reflexão sobre os desafios e as oportunidades que
decorrem das transformações que o Estado vivenciará até 2030.
Com objetivo de organizar temática tão diversificada, apresentada com
pluralidade teórica e metodológica, o livro divide-se em três seções. Na
primeira, são expostos os temas de caráter econômico. O texto de Lazzari
apresenta os resultados das revisões feitas pela Fundação de Economia e
Estatística nas séries do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul e
analisa o desempenho da economia gaúcha entre 1947 e 2013. O autor
examina, além disso, a evolução da participação da economia do Rio Grande do Sul no produto nacional, bem como as mudanças estruturais pelas
quais passou. No artigo seguinte, Sá expõe os aportes metodológico-analíticos trazidos pela atualização da Matriz de Insumo-Produto de 2008.
Esses indicadores são fundamentais para a operacionalização de políticas
públicas, dando a elas um maior entendimento de como funciona a economia do Estado e quais as repercussões esperadas de variações nessa economia. Subsequentemente, Risco analisa o desempenho das exportações
gaúchas ao longo do período de 2003 a 2013. A análise foca o setor industrial, sendo utilizadas as classificações por intensidade tecnológica, por setor e por produto. No último artigo dessa seção, Pessoa e Colombo examinam o impacto dos eventos climáticos sobre a economia gaúcha. Suas conclusões fornecem subsídios para a elaboração de estratégias de planejamento e políticas públicas com vistas à redução dos efeitos negativos das
intempéries climáticas nas diferentes regiões do Estado.
A segunda seção do livro engloba as análises do desempenho do Estado na área social. Santos, Kang, Andreis e Affeldt estudam o grau de desenvolvimento municipal, durante o período 2007-10, sob uma perspectiva
multidimensional, utilizando o instrumental renovado do Índice de DesenvolPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
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vimento Socioeconômico (Idese). As dimensões examinadas para o conjunto dos municípios do RS foram a Educação, a Renda e a Saúde. Suas conclusões fornecem contribuições para a formulação de políticas públicas
voltadas para a melhoria da qualidade dessas dimensões no Estado. A seguir, Martins e Winck Júnior caracterizam a extrema pobreza no Rio Grande
do Sul, enfatizando a relação entre a pobreza monetária e a ausência de
serviços públicos. A caracterização e a regionalização da pobreza constituem-se em um exercício importante para subsidiar políticas públicas que
tratam de questões sociais. Rückert e Rabelo, por sua vez, atualizam as
informações e os resultados das políticas focalizadas de redução da pobreza. O artigo aborda o Plano Brasil Sem Miséria e os Programas Bolsa Família e RS Mais Igual, investigando o número e o perfil de beneficiários, valores despendidos, assim como dados relativos às condicionalidades de educação e de saúde. No oitavo artigo, Bastos discute o mercado de trabalho
da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) no período 1995-2013, na
perspectiva do segmento dos trabalhadores de baixos salários. O autor
mostra que houve não somente uma redução da parcela relativa de trabalhadores de baixos salários na RMPA, mas também uma clara tendência de
queda da dispersão salarial. No artigo seguinte, De Toni analisa a evolução
e as perspectivas do mercado de trabalho da RMPA sob a ótica do conceito
de trabalho decente, desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). A autora conclui que, a despeito dos importantes avanços registrados, especialmente, a partir de 2003 — expressos no aumento da formalização dos vínculos de emprego, na queda do desemprego e na expansão
dos rendimentos médios —, os jovens, as mulheres e os negros ainda permanecem em condição de vulnerabilidade. No último trabalho da seção,
Martins, Bandeira e Caputo estudam a questão do gênero, analisando, através de indicadores demográficos e socioeconômicos, as desigualdades
existentes entre homens e mulheres, no Estado do Rio Grande do Sul.
A última seção do livro tem por objeto as desigualdades regionais e a
prospecção de seu futuro. Fialkow estuda os determinantes das desigualdades a partir das diferenças na capacidade de produção e na de apropriação de riquezas entre as localidades sul-rio-grandenses. O autor mostra que
Porto Alegre e sua Região Metropolitana perdem espaço como concentradoras de produção e população, mas continuam sendo o centro econômico
do Estado. As aglomerações de Caxias do Sul e de Pelotas e Rio Grande,
por razões distintas, tendem a seguir expandindo-se como principais forças
produtivas sul-rio-grandenses. Feix e Costa sintetizam os resultados das
etapas de identificação e seleção das aglomerações produtivas gaúchas. O
estudo está baseado na concepção de que as aglomerações de empresas
especializadas em uma determinada atividade produtiva, especialmente
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
7
aquelas que se qualificam como Arranjos Produtivos Locais (APLs), geram
sinergias pela sua atuação conjunta, mediante o surgimento de relações
técnicas, econômicas, sociais e políticas na região. Isso contribui para melhorar a competitividade das firmas e para promover o desenvolvimento
econômico sustentável do território. No décimo terceiro artigo, Oliveira discute alguns dos principais resultados da Pesquisa de Inovação (Pintec) para
a economia gaúcha, analisando o comportamento inovador das empresas
industriais no Rio Grande do Sul. O autor constata que as empresas do Rio
Grande do Sul se mostram mais inovadoras que as suas congêneres em
nível nacional. Zuanazzi e Stampe discutem as mudanças das estruturas
populacionais do RS e do Brasil nas últimas décadas. Os autores sustentam
que o Estado se encontra em fase de transição demográfica — caracterizada pela redução do contingente de jovens e pelo aumento do número de
idosos — e preveem que o País e o Estado ingressarão, em um futuro próximo, numa etapa de estabilização e de declínio da população. Andreis, por
sua vez, debate as perspectivas para a Previdência Estadual no Rio Grande
do Sul, a partir da implementação dos Fundos de Previdência (Fundoprevs)
Civil e Militar. O autor discute a situação do Fundoprev em termos de adesão dos servidores e de suas eventuais limitações. No último artigo, Hoff
busca sistematizar e compreender alguns fenômenos inter-regionais da
economia gaúcha, a fim de sustentar que o Estado tem renovado suas fontes de dinamismo. Prospectando o futuro, a autora sustenta que os números
não validam a hipótese de que a economia gaúcha vive uma crise estrutural, mesmo que desafios estejam presentes.
Por fim, cabe destacar a dedicação e o esforço de todos que contribuíram para a consecução deste projeto. Os organizadores Walter Arno Pichler
(Coordenador Geral), Róber Iturriet Avila, Carlos Roberto Winckler e Luiz
Augusto Estrella Faria, em conjunto com o Diretor Técnico André Scherer,
foram fundamentais para a organização e o resultado final deste livro. Os
artigos aqui apresentados tiveram contribuição de pesquisadores de todos
os centros de pesquisa da FEE, sob incentivo constante dos Supervisores
Renato Dal Maso (Centro de Estudos Econômicos e Sociais), Dulce Vergara
(Pesquisa de Emprego e Desemprego) e Juarez Meneghetti (Centro de
Informações Estatísticas), que também são organizadores da obra. Devem
ser incluídos os pesquisadores da FEE que se engajaram de forma decisiva
na proposição de temas e na apresentação dos artigos, bem como os demais que, embora não sejam autores dos textos aqui apresentados, acompanharam, discutiram e contribuíram para a melhoria dos trabalhos, além
deles, as equipes de apoio, revisão e editoração, que realizaram um enorme
esforço para que tudo saísse o mais perfeito possível. Todos são responsá-
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
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veis por este livro, e ficam registrados meus mais sinceros agradecimentos
a todos.
Cabe um agradecimento especial a Duílio de Avila Bêrni, que participou da concepção inicial e da elaboração da primeira estrutura desta obra.
Muito provavelmente, sem a amizade e as conversas com o Duílio, o livro
não existiria.
Por fim, deixo como recado a certeza de que valeram o esforço e o
empenho das pessoas envolvidas no projeto.
Adalmir Antonio Marquetti
Presidente da FEE
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A economia gaúcha de 1947 a 2013:
uma análise panorâmica*
Martinho Roberto Lazzari
Economista, Pesquisador da Fundação
de Economia e Estatística
1 Introdução
Este texto possui dois objetivos. O primeiro é apresentar os resultados
básicos das revisões feitas pela Fundação de Economia e Estatística (FEE)
nas séries 1947-70 e 1970-85 do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande
do Sul. O segundo objetivo é analisar panoramicamente o desempenho da
economia gaúcha entre 1947 e 2013, utilizando-se as informações das duas
séries revistas e dos dados já divulgados das séries dos períodos 1985-95 e
1995-2013.
O primeiro cálculo de uma série para o PIB do Rio Grande do Sul relativa aos anos de 1947 a 1970 está divulgado em Estudos de Deflatores
Para a Economia do Rio Grande do Sul (ESTUDOS...,1974). Em 1976, o
estudo 25 Anos de Economia Gaúcha (FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E
ESTATÍSTICA, 1976) fez a primeira análise mais abrangente dessas informações. Posteriormente, três trabalhos internos da FEE (BÉRNI, 1982;
FELTES, 1989; MAIA NETO, 1995) buscaram aprimorar as primeiras estimativas com base na divulgação, pela Fundação Getúlio Vargas, de dados
censitários para os anos de 1949 e 1959. Em 2014, o Núcleo de Contas
Regionais da Instituição elaborou uma última revisão dos dados da série,
objetivando compatibilizar os valores nominais do Estado aos das Contas
Nacionais do Brasil. Esse mesmo trabalho foi realizado para a série do PIB
do Rio Grande do Sul referente aos anos de 1970 a 1985, divulgados com a
metodologia, inicialmente, por Cunha e Carvalho (1987). As séries posteriores, de 1985 a 1995 e de 1995 a 2013, foram elaboradas pela FEE e as
demais instituições estaduais, em conjunto e sob a coordenação do Instituto
*
O autor reconhece o trabalho de Adalberto Maia Neto, Eliana Figueredo e Carlos Gouveia
nos cálculos da revisão da série 1947-70. E também agradece a leitura de uma primeira
versão do texto realizada por Adalberto Maia Neto, Juarez Meneghetti, Rodrigo de Sá, Carolina Agranonik, Sérgio Fischer e Vinícius Fantinel. Os erros porventura remanescentes
são de responsabilidade do autor.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
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Martinho Roberto Lazzari
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desse modo, já surgiram compatibilizadas com as Contas Nacionais, embora possuam metodologias
diferentes entre si.
Portanto, as informações do PIB do Rio Grande do Sul analisadas neste trabalho fazem parte de quatro séries com metodologias distintas. Para
os interesses deste texto, significa que os dados nominais não estão ajustados entre si, impossibilitando, por exemplo, comparações estritas de participações do PIB gaúcho no PIB nacional e de estruturas produtivas (parcelas
da agropecuária, da indústria e do setor serviços no produto total) entre uma
série e outra. Já os valores reais foram ajustados, gerando uma série única,
embora sejam provenientes de metodologias diferentes, assim como os
valores nominais.
Sobre o período de análise deste texto, a FEE já publicou dezenas de
estudos com análises anuais e mesmo de décadas. Entre os mais importantes, estão 25 Anos de Economia Gaúcha (FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E
ESTATÍSTICA, 1976), A Economia Gaúcha e os Anos 80: uma trajetória
regional no contexto da crise brasileira (ALMEIDA, 1990), Economia
Gaúcha e Reestruturação nos Anos 90 (FLIGENSPAN, 2000) e Três
Décadas de Economia Gaúcha (CONCEIÇÃO et al., 2010).
O objetivo deste texto é traçar, de maneira sucinta e panorâmica, a
evolução da economia gaúcha durante o longo período de 1947 a 2013. A
ideia não é, portanto, fazer observações minuciosas e aprofundadas sobre o
desempenho da economia do Estado nesse período. Esse tipo de análise já
1
foi realizado nos trabalhos anteriormente citados.
O desempenho da economia gaúcha entre 1947 e 2013 será medido,
2
fundamentalmente, pelas variações do PIB total, das produções das ativi3
dades da agropecuária, da indústria e do setor serviços e do PIB per capita. Também serão analisadas a evolução da participação da economia do
Rio Grande do Sul no produto nacional e as mudanças estruturais pelas
quais passou.
Para atender ao objetivo proposto, o texto divide-se em três seções
além desta Introdução. A primeira trata da evolução da economia gaúcha
1
As revisões dos dados das séries do PIB de 1947-70 e de 1970-85 não resultaram em alterações capazes de modificar substancialmente as análises já feitas sobre os dois períodos,
notadamente as que envolveram um número maior de anos.
2
Entre 1948 e 1970,trata-se da renda interna; de 1971 a 1985, o PIB a custo de fatores com
imputação financeira; e, de 1986 em diante, o PIB a preços de mercado.
3
No caso do Rio Grande do Sul, devido à não regionalização de algumas atividades, a taxa
de crescimento da indústria entre 1948 e 1970 inclui apenas as taxas das atividades da
extrativa mineral e da indústria de transformação. Não estão incluídas, portanto, as taxas
da construção civil e dos serviços industriais de utilidade pública (SIUP). As taxas dessas
atividades também não estão incluídas na taxa do PIB desse período.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
13
A economia gaúcha de 1947 a 2013: uma análise panorâmica
no período 1947-2013, inicialmente, de forma geral e, depois, por períodos,
com foco no comportamento dos agregados econômicos com origem nas
Contas Regionais e tendo como pano de fundo o desenvolvimento da economia brasileira. Também analisa a participação do PIB gaúcho no brasileiro ao longo dos anos. A seção posterior enfoca as mudanças estruturais
ocorridas na economia estadual durante esse período. Finalizando o texto,
as Considerações finais apresentam as principais conclusões do trabalho.
2 Uma visão geral do desempenho
4
Entre 1948 e 2013, o volume do PIB do Rio Grande do Sul cresceu
4,6% ao ano, em média (Tabela 1). Setorialmente, a agropecuária (4,2%)
teve crescimento inferior ao da taxa agregada; e a indústria (4,7%) e o setor
serviços (4,7%), superior. Nesses 66 anos, o desempenho econômico do
Estado ficou aquém do nacional, que cresceu 5,0% em média. Também
foram inferiores as taxas de crescimento da indústria e do setor serviços. De
outro lado, a agropecuária gaúcha cresceu acima da média nacional. Se, no
PIB, a expansão do Rio Grande do Sul foi menor que a brasileira, no PIB
per capita ocorreu o contrário. A menor taxa de crescimento da população
durante o período fez com que a renda per capita do Estado (2,9%) se elevasse mais que a média nacional (2,8%).
Tabela 1
Taxas médias de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) total, da agropecuária,
da indústria e do setor serviços e do PIB per capita do Rio Grande do Sul
e do Brasil — 1948-2013
(%)
DISCRIMINAÇÃO
PIB
Rio Grande do Sul
Brasil ....................
4,6
5,0
AGROPECUÁRIA INDÚSTRIA SERVIÇOS
4,2
3,8
4,7
5,1
4,7
5,2
PIB PER
CAPITA
2,9
2,8
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
O Gráfico 1 mostra que, apesar de ter crescido menos, a trajetória da
economia gaúcha manteve uma forte relação com a brasileira em todo o
período. Com o auxílio da Tabela A.1 do Apêndice, pode-se notar que,
entre 1948 e 1956, a curva do índice do volume do PIB estadual acompanhou de perto a curva do índice nacional. A partir de então, o índice do Rio
4
Para os valores nominais, o primeiro ano da série é 1947, mas a primeira taxa de variação
é de 1948, pois necessita de um ano anterior para a comparação.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
14
Martinho Roberto Lazzari
Grande do Sul distanciou-se do nacional. Mesmo que, em longos períodos,
o PIB gaúcho tenha voltado a crescer no mesmo ritmo do brasileiro, não
ocorreu uma recuperação das perdas anteriores. Na longa série, alguns
períodos críticos podem ser observados. Ocorreram aumentos da distância
entre as curvas no meio dos anos 80 e no começo dos anos 90. Em 1992 e
1993, entretanto, houve uma diminuição do intervalo, mas, logo em seguida,
especificamente a partir de 1995, a distância voltou a crescer. O ano de
2005 foi marcante, ao gerar um distanciamento ainda maior entre as curvas.
Nos anos que se seguiram, o PIB do Estado voltou a elevar-se mais que o
nacional, mas sem conseguir estreitar significativamente o intervalo entre as
curvas dos dois índices.
Gráfico 1
Índice do volume do Produto Interno Bruto (PIB) e do PIB per capita do
Rio Grande do Sul e do Brasil — 1947-2013
2.500
2.000
1.500
1.000
500
Legenda:
PIB do RS
PIB per capita do RS
2013
2010
2007
2004
2001
1998
1995
1992
1989
1986
1983
1980
1977
1974
1971
1968
1965
1962
1959
1956
1953
1950
1947
0
PIB do Brasil
PIB per capita Brasil
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
NOTA: Os índices têm como base 100 = 1947.
Por outro lado, as curvas dos índices do volume do PIB per capita
mantiveram-se próximas durante todo o período de 1948 a 2013. Ao final, a
curva do Rio Grande do Sul aparece acima da brasileira, indicando um
crescimento acumulado superior ao índice nacional. Também pode ser notado o forte crescimento da renda por habitante, tanto no Estado quanto no
País, entre 1967 e 1980. No caso específico do Rio Grande do Sul, destacam-se, ainda, a estagnação do PIB per capita entre 1994 e 2005 e a importante recuperação posterior.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A economia gaúcha de 1947 a 2013: uma análise panorâmica
15
O menor crescimento econômico significou perda de participação da
economia gaúcha na brasileira. Embora, conforme ressalvado na Introdução, as informações sobre os valores nominais possuam limitações em sua
comparabilidade, é possível identificar as tendências ao longo da série. De
maneira geral, após o PIB do Rio Grande do Sul aumentar sua parcela no
PIB do Brasil até 1956 (9,37%), sua participação apresentou tendência de
queda até o início dos anos 80 (Tabela A.2 no Apêndice). Entre 1982 e
1994, oscilou bastante, em torno de uma média de 8,26%. Em 1995, a participação do Estado passou para 7,07%. Parte da “queda” foi resultado do
significativo diferencial de crescimento entre a economia gaúcha e a nacional naquele ano. Entretanto a principal causa foi a revisão metodológica
feita pelo IBGE e pelas entidades estaduais em 2004, mas com efeitos a
partir de 1995. A nova metodologia, junto com a adoção das pesquisas econômicas do IBGE no cálculo das Contas Regionais, alterou significativamente os pesos das atividades no PIB. Por isso, não é possível comparar a série
que inicia em 1995 com a anterior.
A participação de 7,07% permaneceu relativamente estável até 2004.
Em 2005, caiu para 6,72%, resultado de uma estiagem e de seus efeitos
negativos sobre o restante da economia. Outra redução de participação
ocorreu em 2011 e 2012, tendo como causas o menor crescimento dos
preços estaduais e os efeitos de uma nova estiagem respectivamente. Em
2013, ocorreu uma recuperação, elevando a participação da economia gaúcha para 6,44% da brasileira.
2.1 Desempenho por períodos
Nesses 67 anos de evolução da economia gaúcha, existem períodos
com características marcantes, que permitem separar a análise em três
partes. A periodização obedece às tendências observadas na economia do
Estado como reflexo das condições econômicas nacionais.
O primeiro período, que vai de 1947 a 1980, é marcado por planos econômicos de desenvolvimento nacional e por altas taxas de crescimento,
principalmente da indústria, verificadas tanto nacional quanto regionalmente
(Gráfico 2 e Tabela A.1 no Apêndice).
O segundo período, de 1981 a 1994, é caracterizado principalmente
pela redução, em relação ao período anterior, das taxas de crescimento no
Estado e no Brasil e pelas altas taxas de inflação e seus planos fracassados
de enfrentamento.
O terceiro período, que tem início em 1995 e vai até 2013, distingue-se
do anterior notadamente pelo controle da inflação propiciado pelo Plano
Real. Quanto às taxas de crescimento, nota-se uma retomada no caso da
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
16
Martinho Roberto Lazzari
economia nacional (Tabela 2). No Rio Grande do Sul, no entanto, a taxa
média de crescimento não permite diferenciar esse terceiro período do segundo. Mas, quando se observam as taxas médias móveis de cinco anos do
Gráfico 2, percebe-se claramente a diferença de tendência entre os dois
períodos.
Gráfico 2
Taxas de crescimento anuais e médias móveis de cinco anos do Produto
Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul — 1948-2013
(%)
15,0
10,0
5,0
-5,0
1948
1950
1952
1954
1956
1958
1960
1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
0,0
-10,0
Legenda:
Taxa anual
Taxa média móvel de cinco anos
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Tabela 2
Taxas médias de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), da agropecuária,
da indústria e do setor serviços e do PIB per capita do Rio Grande
do Sul e do Brasil — 1948-2013
DISCRIMINAÇÃO
Rio Grande do Sul
1948-2013
1948-80
1981-94
1995-2013
Brasil
1948-2013
1948-80
1981-94
1995-2013
PIB
AGROPECUÁRIA INDÚSTRIA
SERVIÇOS
4,6
7,0
2,2
2,1
4,2
5,6
1,2
4,1
4,7
8,1
2,2
0,8
4,7
7,0
2,4
2,6
2,9
4,8
0,7
1,4
5,0
7,4
1,9
3,0
3,8
4,3
2,6
3,6
5,1
8,7
0,8
2,0
5,2
7,7
2,6
2,9
2,8
4,5
0,1
1,7
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
(%)
PIB PER
CAPITA
A economia gaúcha de 1947 a 2013: uma análise panorâmica
17
2.1.1 Período 1948-80
Os anos de 1948 a 1980 fazem parte do período de maior crescimento
econômico do Brasil e também o de maior crescimento do Rio Grande do
Sul. São os anos da industrialização do País. Por isso mesmo, foi a expansão industrial que liderou o crescimento entre 1948 e 1980. No Brasil, a
atividade cresceu 8,7% ao ano e, no Estado, 8,1% (Tabela 2). No período
todo, a economia brasileira apresentou 33 anos ininterruptos de taxas positivas de variação do PIB (Tabela A.1 do Apêndice). E a economia gaúcha
exibiu 32 taxas positivas e apenas uma negativa, a de 1963, ano em que as
quedas da agropecuária e da indústria se associaram para determinar uma
redução de 1,1% no produto agregado. De ponta a ponta, o PIB do Estado
cresceu 7,0% ao ano, em média; e o do Brasil, 7,4%. O PIB per capita do
RS aumentou à taxa anual de 4,8%; e o brasileiro, à taxa de 4,5%.
No Brasil, o período de 1930 a 1955 foi caracterizado pela substituição
de importações principalmente de bens de consumo de menor valor. Os
dados disponíveis para o Estado abrangem os oito anos finais desse período, mas, mesmo assim, mostram a liderança da indústria no crescimento do
Rio Grande do Sul entre 1948 e 1955. Nesse intervalo, a atividade industrial
do Estado cresceu à média de 8,2%, impulsionando o PIB gaúcho, que aumentou 7,5% ao ano. Nesse mesmo período (1948 a 1955), o Rio Grande
do Sul cresceu acima da média nacional, mas não foi a indústria que explica
o fato, mas, sim, o bom desempenho da agropecuária, que apresentou ex5
pansão anual de 6,6%.
Durante o Plano de Metas (1956-61) do governo de Juscelino Kubitschek (JK), a industrialização brasileira baseou-se na produção de bens de
consumo duráveis de maior valor. O início da fabricação doméstica de automóveis foi o símbolo dessa etapa do desenvolvimento industrial do País. A
taxa média de crescimento da produção industrial brasileira foi de 10,1%
entre 1956 e 1960. Como resultado desse avanço da industrialização, o PIB
do Brasil cresceu 8,1% no período. Na comparação com a economia nacional, esses não foram anos tão positivos para a economia do Rio Grande do
Sul. Embora alta, a taxa de crescimento da produção industrial do Estado
(7,9%) foi bem inferior à brasileira. De outro lado, a agropecuária passou,
nessa época, por uma crise, caracterizada pela estagnação da produtividade agrícola. Como consequência das menores taxas de crescimento das
atividades primária e secundária, o PIB do Estado expandiu-se menos que a
5
Nesse período, o peso da agropecuária era maior que o da indústria na economia gaúcha.
Nos anos de 1947 a 1955, a estrutura produtiva média do Rio Grande do Sul foi de 30,3%
para a agropecuária, 20,0% para a indústria e 49,7% para o setor serviços (Tabela A.2 do
Apêndice).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
18
Martinho Roberto Lazzari
média nacional. Entre 1956 e 1960, a economia gaúcha cresceu 5,1% ao
ano, três pontos percentuais abaixo da taxa média brasileira, de 8,1%.
Em 1961 e 1962, a economia gaúcha recuperou-se, elevando-se 9,3%
nos dois anos. A agropecuária voltou a crescer, e as demais atividades
também apresentaram taxas mais positivas que as dos anos JK. Mas, após
esse breve surto, o PIB do Rio Grande do Sul caiu 1,1% em 1963, marcando o início de um período de baixo crescimento, que seguiu até 1967. Esses
foram anos de ajustes na economia brasileira, com reflexos sobre o desempenho econômico do Estado. Após o Plano de Metas, com seus efeitos
perdurando até 1962, o PIB do Brasil passou por cinco anos de baixo crescimento. Entre 1963 e 1967, a economia brasileira cresceu 3,4% ao ano; e a
do Rio Grande do Sul, 2,6%.
Os sete anos seguintes (1968-74), no entanto, foram de forte crescimento no Brasil e no Estado. Após alguns anos de ajustes, a industrialização foi retomada, com amplo intervencionismo estatal. O período caracterizou-se por altas taxas de crescimento do PIB, amparadas na expressiva
expansão da produção industrial. Ao contrário dos anos anteriores, a economia gaúcha (10,8%) cresceu acima da média nacional (10,7%). Mas as
taxas de crescimento da indústria (12,2%) e do setor serviços (10,7%), embora altas, ficaram abaixo das observadas na economia nacional, que foram
de 12,7% e 11,5% respectivamente. O diferencial positivo da economia
gaúcha em relação à brasileira veio da agropecuária. Nessa época, ganhou
decisivo impulso, no Rio Grande do Sul, algo que marcou decisivamente a
agricultura gaúcha. Em 1968, a soja, com participação de 6,5% no valor de
produção, era o quarto principal produto agrícola do Estado, atrás do arroz,
do milho e do trigo. Nesse ano, a produção da oleaginosa foi de 459.776
toneladas. Cinco anos depois, em 1973, a quantidade produzida passou
para 3.295.600 toneladas, um aumento de 616,8%. De quarto produto, passou para primeiro, contribuindo, em 1973, com 34,9% do valor de produção
da agricultura gaúcha (ESTUDOS..., 1974). Embora a soja já fosse cultivada
no Estado, foi no início dos anos 70 que sua importância passou a ser determinante. Como consequência, a agropecuária do Rio Grande do Sul
cresceu 9,2% ao ano entre 1968 e 1974, enquanto a brasileira se expandiu
4,0% anualmente.
Entre 1975 e 1980, o crescimento da economia brasileira desacelerou.
Ainda assim, impulsionada pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento
(II PND), o PIB do Brasil cresceu 6,9% ao ano. No Estado, apesar de a
agropecuária e a indústria terem crescido mais que a média nacional, o
setor serviços puxou para baixo a taxa de expansão do PIB, que foi de 6,8%
ao ano, também desacelerando em relação ao período anterior. O freio na
expansão, tanto nacional quanto regionalmente, veio da indústria. Mesmo
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A economia gaúcha de 1947 a 2013: uma análise panorâmica
19
assim, o período foi marcado por um importante investimento estatal no Rio
Grande do Sul, que deu origem ao Polo Petroquímico do Sul, instalado no
Município de Triunfo. Esse investimento fez parte do II PND, que objetivou o
avanço da industrialização brasileira para setores de bens intermediários e
de capital.
2.1.2 Período 1981-94
A crise da dívida externa e seus efeitos sobre a economia e as tentativas fracassadas de estabilização dos preços marcaram esse período na
economia nacional. Após décadas de forte crescimento, a economia brasileira começou a década de 80 com duas quedas do PIB em três anos. O Rio
Grande do Sul, ainda prejudicado por uma forte redução da produção agrícola em 1982, apresentou retração do PIB em 1981,1982 e 1983. O PIB per
capita do Estado caiu, de forma acumulada, 7,3% no período. Nos anos
seguintes (1984-87), as economias gaúcha e brasileira mostraram breves
sinais de recuperação. Especificamente, em 1986, a indústria foi incentivada
pelos efeitos do Plano Cruzado sobre os preços e o consumo, e, em 1987, o
impulso veio da agropecuária. Passados esses estímulos de curto prazo,
afora os efeitos negativos de planos posteriores fracassados de combate à
inflação, as economias brasileira e gaúcha voltaram a apresentar queda em
1988. Os anos de 1990 e 1991 foram marcados pela recessão associada ao
Plano Collor e à abertura comercial. A indústria nacional, e a gaúcha por
consequência, sentiu muito a concorrência internacional no início dos anos
90. Foi nesse período que tiveram início os problemas mais graves com
atividades importantes da estrutura industrial do Estado, como a de couros e
a de calçados. No caso do Rio Grande do Sul, a situação foi agravada por
duas quedas sucessivas da produção agrícola. Em 1993 e 1994, o PIB do
Rio Grande do Sul cresceu 10,8% e 5,2% respectivamente. O principal estímulo veio da indústria, que aumentou 18,0% e 10,4%.
Entre 1981 e 1994, a economia gaúcha apresentou contração em seis
anos, fechando o período com crescimento médio de 2,2%, acima da taxa
da economia brasileira (Tabela 2). Todos os três setores foram afetados
negativamente pelas condições macroeconômicas da época. A agropecuária do Estado cresceu 1,2% ao ano; a indústria, 2,2%; e o setor serviços,
2,4%. O PIB per capita expandiu-se à taxa média de 0,7% entre 1981 e
1994.
A taxa média de crescimento do PIB desse período foi bastante influenciada pelas altas taxas da indústria em 1993 (18,0%) e 1994 (10,4%).
O desempenho nesses dois anos fugiu ao padrão de crescimento da indústria na época, que era de taxas voláteis e com média baixa entre 1981 e
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
20
Martinho Roberto Lazzari
1992 (0,3%). Por essa razão, a taxa média de crescimento do PIB nesse
período não capta com eficácia o que foi a trajetória da economia gaúcha
entre 1981 e 1994. O Gráfico 2 consegue mostrar com mais clareza a volatilidade e o fraco desempenho do período.
2.1.3 Período 1995-2013
Entre 1995 e 2013, a economia gaúcha cresceu 2,1% ao ano (Tabela
2). Embora represente uma redução em relação à taxa média do período
anterior, pode-se notar, pelos dados do Gráfico 2, que ocorreu uma retomada de taxas maiores de crescimento, notadamente a partir de 2006. No período como um todo, a economia gaúcha cresceu menos que a média nacional, que foi de 3,0%. Setorialmente, a agropecuária foi o setor que mais
se expandiu (4,1% ao ano), inclusive acima da média nacional. A indústria,
com expansão de 0,8%, e o setor serviços, com 2,6%, aumentaram menos
que seus respectivos setores brasileiros. O mesmo ocorreu com o PIB per
capita gaúcho, que se elevou à taxa média de 1,4%, inferior à nacional
(1,7%).
Entre 1995 e 2005, a economia do Rio Grande do Sul cresceu, em média, 1,0% ao ano, contra 2,6% do Brasil. Nesse subperíodo, a economia
gaúcha sofreu dois “choques” que afetaram consideravelmente seu desempenho: o câmbio valorizado pós-Plano Real e as estiagens de 2004-05.
Após o lançamento do real, em julho de 1994, a nova moeda nacional iniciou uma trajetória de valorização, que se estendeu, com oscilações, até o
começo de 1999. No intervalo entre 1995 e 1999, a indústria gaúcha, relativamente mais dependente do mercado externo que a nacional, passou por
retrações em 1995, 1996 e 1998. Dado que as outras atividades não conseguiram contrabalançar a contribuição negativa da indústria, o PIB do Estado
6
caiu 5,0% em 1995 e 0,2% em 1996, recuperou-se 5,9% em 1997, mas
voltou a se retrair 0,9% em 1998. Embora curto, esse é um período importante para entender o diferencial de crescimento da economia gaúcha em
relação à nacional, no período pós-Plano Real. Entre 1995 e 2013, o PIB do
Estado cresceu 2,1% ao ano, enquanto o PIB brasileiro se expandiu 3,0%
ao ano. Grande parte dessa diferença foi resultado do menor crescimento
relativo ocorrido durante o período do real valorizado. Após 1999, com a
desvalorização da taxa de câmbio, a economia do Rio Grande do Sul, esti-
6
O ano de 1995 foi particularmente negativo para a economia do Rio Grande do Sul. A indústria caiu 12,7%, enquanto a nacional cresceu 1,9%. A diferença, em pontos percentuais,
entre a taxa de variação do PIB do Estado e a do Brasil foi de 9,2 pontos percentuais, a
maior diferença da série (Tabela A.1 do Apêndice).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A economia gaúcha de 1947 a 2013: uma análise panorâmica
21
mulada pela recuperação da indústria, voltou a apresentar taxas de crescimento mais próximas das nacionais, apesar de ainda inferiores.
Apesar de a comparação ponto a ponto (2013 com 1995) mostrar que
a agropecuária gaúcha cresceu acima da taxa do PIB nesse período, a análise dos desempenhos anuais revela os perversos efeitos negativos da atividade agrícola sobre a economia em alguns desses anos. Em 2004, a economia do Estado cresceu menos que a brasileira em razão de uma estiagem que afetou a produção agrícola. Com a queda de 10,6% na agropecuária, o PIB gaúcho elevou-se apenas 3,3% naquele ano, embora a indústria
tenha crescido 7,1%. Em 2005, uma nova estiagem, mais forte que a anterior, resultou numa retração de 17,4% na agropecuária. Os preços agrícolas
não responderam positivamente à menor oferta, e a consequente perda de
renda do setor atingiu o setor serviços. A indústria, igualmente, sentiu os
efeitos da menor demanda e, também em função da menor oferta de materias-primas, apresentou queda de 4,1%, enquanto a sua congênere nacional
cresceu 2,1% no mesmo ano. O resultado foi um declínio de 2,8% no PIB do
Estado, uma diferença de seis pontos percentuais em relação à taxa de
crescimento da economia nacional, que foi de 3,2%.
Nos anos posteriores, de 2006 a 2013, a economia gaúcha apresentou
taxa de crescimento superior à do Brasil. O PIB gaúcho elevou-se 3,7% ao
ano; e o nacional, 3,6%. Houve importante recuperação do PIB per capita,
que aumentou 3,2% em termos anuais, contra 2,5% do brasileiro. A agropecuária recuperou-se e conseguiu avançar, com ritmo de crescimento inclusive superior ao nacional. O setor serviços aumentou à mesma taxa do Brasil.
Por outro lado, a indústria permaneceu crescendo abaixo da média brasileira. A maior expansão do produto total, no entanto, não foi suficiente para
recuperar a perda de 2005.
Resumindo a evolução da economia gaúcha no período, nota-se a
ocorrência de dois choques, que tiveram efeitos negativos muito importantes
sobre o desempenho econômico do Estado. O primeiro foi a valorização da
moeda nacional nos primeiros anos pós-Plano Real. O impacto sobre a
indústria de transformação do Rio Grande do Sul foi bastante significativo,
com reflexos sobre atividades relevantes de sua estrutura produtiva, notadamente a de couros e a de calçados. O segundo foi a ocorrência de duas
estiagens sucessivas, que deprimiram a produção física e a renda agrícola
e, por consequência, as demais atividades ligadas ao setor. Esses dois
eventos explicam, em parte, a menor taxa de crescimento da economia
gaúcha relativamente à nacional, no período de 1995 a 2013.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
22
Martinho Roberto Lazzari
3 Mudanças estruturais
Entre 1947 e 2013, a estrutura produtiva da economia gaúcha mudou
muito. Em linhas gerais, houve uma diminuição da importância da agropecuária e um aumento do peso do setor serviços, com a indústria ganhando
7
participação num primeiro momento e perdendo posteriormente. A agropecuária representava, em 1947, 29,2% do produto total do Rio Grande do Sul
(Tabela A.2 no Apêndice). Sua tendência, ao longo do período, foi sempre
de queda. Mesmo durante os anos 70, quando a soja ganhou importância
na atividade do Estado, seu peso relativo continuou caindo, até porque a
indústria e o setor serviços apresentaram taxas de crescimento maiores. Em
2013, sua parcela no produto foi de 10,9%.
Dentro da atividade agropecuária, também houve mudanças. Durante
os anos 50 e 60, as principais culturas agrícolas eram o arroz, o milho, a
mandioca e o trigo (Tabela 3). Na pecuária, prevalecia a criação de bovinos
e de ovinos (Tabela 4). Nos anos 70, houve as grandes alterações. Na agricultura, ocorreu, conforme já descrito, o aumento expressivo da importância
da soja; e, na pecuária, o crescimento da produção de aves. Outros produtos, no entanto, perderam não apenas espaço relativo, mas também diminuíram suas produções absolutas ao longo dos anos. É o caso do feijão e
da mandioca na agricultura e dos ovinos na pecuária.
Tabela 3
Quantidade produzida dos principais produtos agrícolas do Rio Grande do Sul — 1949-2013
(1.000t)
1949
1963
1970
1979
1990-92
(1)
2000-02
(1)
2013
Arroz ..............
562
Feijão ..............
135
Fumo ..............
41
873
Mandioca ........
Milho .............. 1.112
Soja ................
45
Trigo ...............
254
835
168
81
...
1.940
275
275
1.460
237
98
3.697
2.384
968
1.465
1.675
137
...
2.496
1.854
3.630
982
3.858
143
224
1.600
3.846
4.728
918
5.241
144
311
1.278
4.657
5.782
1.029
8.343
111
413
1.191
5.430
13.046
3.247
PRODUTOS
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
(1) Média anual.
7
Esse movimento geral dos três grandes setores da economia do Rio Grande do Sul reflete
o mesmo movimento ocorrido na economia brasileira, nesse período.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
23
A economia gaúcha de 1947 a 2013: uma análise panorâmica
Tabela 4
Número de cabeças dos principais rebanhos da pecuária do Rio Grande do Sul — 1949-2012
(1.000 cabeças)
REBANHOS
1949
1963
1970 (1)
1981
1990
2000
2012
Bovinos .........
Ovinos ...........
Suínos ...........
Aves (2) ........
8.618
7.249
4.164
-
10.402
11.524
6.374
-
12.416
12.735
5.852
35.168
14.150
11.797
5.016
67.516
13.715
10.649
3.745
78.665
13.601
4.812
4.133
113.613
14.141
4.096
6.213
149.173
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
(1) A informação sobre as aves é de 1974. (2) Galinhas, galos, frangas, frangos e pintos.
Além disso, o desempenho da agropecuária tornou-se mais volátil a
partir dos anos 70. Antes disso, as taxas de crescimento da atividade oscilavam pouco, dentro de um padrão parecido com o nacional. O ganho de
importância da soja, cultura de verão, que é o período mais suscetível de
ocorrência de estiagens no Rio Grande do Sul, tornou a produção agrícola
8
mais dependente das condições climáticas e, por isso, mais sujeita a grandes oscilações. No Gráfico 3, é possível perceber essa mudança.
Gráfico 3
Taxas de crescimento da agropecuária do Rio Grande do Sul e
do Brasil — 1948-2013
(%)
60
50
40
30
20
10
-20
1948
1950
1952
1954
1956
1958
1960
1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
0
-10
-30
-40
Legenda:
RS
Brasil
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
8
Antes do “boom” da soja, dois dos produtos mais importantes eram o arroz, cultivado em
áreas irrigadas, e o trigo, colhido no inverno.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
24
Martinho Roberto Lazzari
A indústria tinha participação de 20,1% no produto total, em 1947. Esse
número cresceu bastante nos anos 70 e 80 (Tabela A.2 no Apêndice).
Desde os anos 90, entretanto, tem apresentado uma tendência de queda.
Em 2013, seu peso foi de 24,8%. A estrutura interna da indústria de transformação também se alterou durante os anos da análise (Tabelas 5 e 6).
Em linhas gerais, houve diminuição da importância das atividades mais
intensivas em recursos agropecuários e em mão de obra. Indústrias de alimentos e bebidas, de madeira e têxtil, que, em 1950, chegaram a representar 57,4% do total do valor da transformação industrial, reduziram consideravelmente suas participações. Por outro lado, atividades mais intensivas
em capital ganharam espaço. A indústria química ganhou peso, notadamente nos anos 70 e 90. Também aumentaram de importância as atividades do
complexo metalomecânico (mecânica, material de transporte, automóveis e
autopeças, máquinas e equipamentos). A indústria de couros e calçados,
que chegou a ser a atividade mais importante em 1990, viu seu peso relativo diminuir nos anos seguintes. Por fim, duas atividades mantiveram sua
importância na estrutura industrial gaúcha, as indústrias de móveis e do
fumo.
Tabela 5
Estrutura da indústria de transformação, segundo o Valor da Transformação Industrial, do Rio
Grande do Sul — 1950-1995
(%)
ATIVIDADES
1950
1960
1969
1981
1990
1995
Produtos alimentares ......................... 33,9
Madeira .............................................. 10,5
Metalúrgica ........................................ 7,9
Vestuário e calçados ......................... 7,5
Bebidas .............................................. 7,1
Têxtil ................................................... 5,9
Minerais não metálicos ...................... 5,0
Química e farmacêutica ..................... 4,1
Diversas ............................................. 4,1
Couros e peles .................................. 3,5
Fumo ................................................. 3,4
Mobiliário ........................................... 2,2
Mecânica ........................................... 2,0
Papel e papelão ................................. 1,4
Borracha ............................................ 0,8
Material de transporte ........................ 0,6
Material elétrico e de comunicação ... 0,1
31,7
6,7
8,9
8,3
4,4
3,4
5,3
9,7
3,9
3,5
3,2
2,3
2,1
2,4
1,0
2,0
1,4
20,9
4,1
11,3
9,4
4,8
5,3
3,4
12,6
4,7
3,3
3,6
2,0
5,2
1,6
0,9
3,3
3,6
13,7
3,2
9,4
13,7
3,7
2,5
3,2
16,5
3,7
2,3
4,1
3,6
9,2
1,9
1,4
4,3
3,4
15,4
0,7
7,2
18,1
2,8
1,6
1,1
14,8
4,1
3,6
4,2
2,5
9,2
3,3
2,3
5,2
4,0
18,6
0,4
7,5
11,5
3,4
1,4
1,5
18,5
5,3
2,4
2,9
3,4
8,4
3,6
1,9
5,9
3,4
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
25
A economia gaúcha de 1947 a 2013: uma análise panorâmica
O setor serviços ganhou participação no período, notadamente nos
anos mais recentes. Tanto no Rio Grande do Sul quanto no Brasil, as atividades ligadas à prestação de serviços foram as que apresentaram as maiores taxas de crescimento entre 1948 e 2013.
Tabela 6
Estrutura da indústria de transformação, segundo o Valor da Transformação Industrial,
do Rio Grande do Sul — 2012
ATIVIDADES
Produtos alimentícios .........................................................................................
Veículos automotores, reboques e carrocerias ..................................................
Máquinas e equipamentos ..................................................................................
Produtos químicos ..............................................................................................
Couros, artefatos de couro e calçados ...............................................................
Produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos .......................................
Produtos do fumo ................................................................................................
Produtos de borracha e de material plástico ......................................................
Móveis .................................................................................................................
Bebidas ...............................................................................................................
Produtos de minerais não-metálicos ..................................................................
Metalurgia ...........................................................................................................
Máquinas, aparelhos e materiais elétricos .........................................................
Outros .................................................................................................................
PERCENTUAL
16,1
12,9
10,1
8,1
7,1
7,3
4,8
3,9
3,9
3,0
3,0
2,2
2,0
15,6
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
4 Considerações finais
A análise do desempenho econômico do Rio Grande do Sul entre 1947
e 2013 mostrou que, de modo geral, a trajetória da economia gaúcha durante esse período foi bastante similar à da economia brasileira. Do mesmo
modo que o Brasil, o Rio Grande do Sul apresentou um longo período de
expansão industrial, seguido por uma década e meia de crise e de inflação
alta, chegando aos dias atuais com uma economia mais diversificada e
também mais sujeita às condições competitivas internacionais.
Apesar da trajetória parecida, a economia gaúcha apresentou uma taxa
média de crescimento inferior à nacional. Como consequência, sua participação na economia brasileira reduziu-se no período. Por outro lado, o menor crescimento populacional, notadamente nos últimos 20 anos, fez com
que o PIB per capita do Estado crescesse acima da média nacional entre
1947 e 2013.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
26
Martinho Roberto Lazzari
Semelhantemente ao ocorrido no Brasil, a estrutura produtiva do Rio
Grande do Sul transformou-se bastante nesse período. Nos anos 40 e 50, a
economia gaúcha apresentava uma agropecuária que chegou a representar
quase um terço do produto total, uma indústria que era fundamentalmente
baseada em recursos naturais e mão de obra e um setor serviços ainda
pouco desenvolvido. Atualmente, a atividade primária não corresponde a
mais de um décimo do produto, a indústria é diversificada e relativamente
mais voltada para a produção de bens de maior valor agregado e mais intensivos em capital, e o setor serviços representa quase dois terços da economia.
Além da análise das informações econômicas agregadas do período, o
texto também buscou apresentar os resultados das revisões das séries
1947-70 e 1970-85 do PIB do Rio Grande do Sul. Ao tornar esses dados
compatíveis com as Contas Nacionais do Brasil e disponíveis a outros pesquisadores e ao público em geral, espera-se que novas análises e trabalhos
surjam para melhorar o entendimento da economia gaúcha do passado e do
presente.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
27
A economia gaúcha de 1947 a 2013: uma análise panorâmica
Apêndice
Tabela A.1
Taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), da agropecuária, da indústria, do setor
serviços e do PIB per capita do Rio Grande do Sul e do Brasil — 1948-2013
ANOS
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
(%)
RS
Brasil
RS
Brasil
RS
Brasil
RS
Brasil
PIB PER
CAPITA
RS
Brasil
4,1
5,5
9,0
9,0
8,0
12,2
6,2
5,9
4,8
0,6
8,1
5,3
7,0
9,3
9,3
-1,1
3,6
3,9
4,2
2,6
10,3
11,8
11,5
10,4
6,7
14,4
10,5
6,6
9,6
4,1
3,5
3,7
13,8
-1,7
-0,6
-1,5
5,0
9,7
7,7
6,8
4,9
7,3
4,7
7,8
8,8
2,9
7,7
10,8
9,8
9,4
8,6
6,6
0,6
3,4
2,4
6,7
4,2
9,8
9,5
10,4
11,3
11,9
14,0
8,2
5,2
10,3
4,9
5,0
6,8
9,2
-4,3
0,8
-2,9
5,4
3,5
0,9
8,0
11,4
8,9
10,4
7,6
2,2
1,5
-3,3
0,5
2,8
2,0
8,7
9,6
-2,4
4,4
11,4
2,8
2,8
4,0
14,2
11,1
6,8
-2,7
20,3
12,0
8,5
11,7
-0,9
-2,3
-10,4
27,8
9,4
-8,9
-0,1
3,4
6,9
4,5
1,5
0,7
9,1
0,2
7,9
7,7
-2,4
9,3
2,0
5,3
4,9
7,6
0,5
1,0
1,3
12,1
-1,7
5,7
1,4
6,0
5,6
10,2
4,0
0,1
1,3
6,6
2,4
12,1
-2,7
4,7
9,6
8,0
-0,2
-0,5
2,6
10,3
8,1
15,4
8,4
5,9
11,9
4,4
1,7
7,2
1,2
17,1
4,2
10,3
10,6
7,2
-1,9
3,7
0,7
4,8
-1,4
17,3
9,0
11,4
11,9
7,8
14,9
13,5
8,1
10,4
6,5
6,7
10,7
12,5
-8,0
0,7
-4,2
6,1
13,0
10,8
10,7
7,4
6,5
9,9
6,5
9,6
7,2
5,4
16,0
11,5
11,0
10,0
7,4
0,0
5,8
-2,6
11,1
2,9
14,2
11,1
12,2
11,8
14,2
17,0
8,5
4,9
11,7
3,1
6,4
6,8
9,3
-8,8
0,0
-5,9
6,3
2,0
7,4
7,1
7,8
8,3
13,4
6,1
9,7
5,3
2,1
7,6
7,1
7,9
9,0
10,1
-0,1
3,2
1,8
4,5
4,4
10,1
12,0
11,7
11,4
11,3
10,8
7,8
4,8
7,6
4,3
3,4
4,2
7,3
-0,2
2,3
1,1
4,7
8,6
7,5
8,2
6,9
6,1
3,4
9,5
8,2
0,9
10,0
9,8
10,5
10,6
7,2
6,3
1,3
1,4
2,2
6,6
5,2
9,7
9,9
11,3
11,2
12,4
15,6
10,6
5,0
11,6
5,0
6,2
7,7
9,2
-2,5
2,1
-0,5
5,3
1,6
2,5
6,4
6,5
5,4
9,2
3,6
2,1
1,5
-3,3
3,8
2,6
4,1
7,2
7,3
-3,1
1,8
2,2
2,1
0,3
7,8
9,7
9,8
8,5
5,6
12,4
8,9
4,8
7,9
2,9
2,5
3,5
11,3
-3,0
-1,9
-2,6
3,4
PIB (1)
AGROPECUÁRIA
INDÚSTRIA (2)
SERVIÇOS
6,9
4,8
3,9
2,0
4,3
1,7
4,7
5,6
-0,1
4,5
7,5
6,6
6,2
5,4
3,5
-2,3
0,4
-0,5
3,7
1,3
6,8
6,5
7,5
8,4
9,0
11,1
5,5
2,6
7,6
2,5
2,5
4,3
6,8
-6,3
-1,3
-4,9
3,3
(continua)
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
28
Martinho Roberto Lazzari
Tabela A.1
Taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), da agropecuária, da indústria, do setor
serviços e do PIB per capita do Rio Grande do Sul e do Brasil — 1948-2013
ANOS
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012 (3)
2013 (3)
PIB (1)
AGROPECUÁRIA
INDÚSTRIA (2)
SERVIÇOS
RS
Brasil
RS
Brasil
RS
Brasil
RS
Brasil
4,7
4,7
4,1
-1,2
3,4
-6,6
-2,2
8,3
10,8
5,2
-5,0
-0,2
5,9
-0,9
1,4
4,3
2,0
1,7
1,6
3,3
-2,8
4,7
6,5
2,7
-0,4
6,7
5,1
-1,4
6,3
7,8
7,5
3,5
-0,1
3,2
-4,3
1,0
-0,5
4,9
5,9
4,2
2,2
3,4
0,0
0,3
4,3
1,3
2,7
1,1
5,7
3,2
4,0
6,1
5,2
-0,3
7,5
2,7
1,0
2,5
6,5
-10,3
15,2
-4,4
5,0
-9,2
-15,3
31,6
5,4
-3,2
1,7
-5,8
4,6
2,2
9,6
-3,7
13,1
-3,5
16,4
-10,6
-17,4
50,1
12,7
-5,4
2,9
7,9
18,7
-28,2
39,7
9,6
-8,0
15,0
0,8
2,8
-3,7
1,4
4,9
-0,1
5,4
4,1
3,0
0,8
3,4
6,5
2,7
6,1
6,6
5,8
2,3
0,3
4,8
4,8
6,3
-3,1
6,3
3,9
-2,1
7,3
4,6
10,5
1,1
-2,4
3,2
-10,9
-1,6
6,5
18,0
10,4
-12,7
-1,6
9,7
-5,6
0,3
7,2
0,4
3,2
0,9
7,1
-4,1
-2,0
4,7
3,0
-7,4
9,3
2,8
-2,1
4,5
8,3
11,7
1,0
-2,6
2,9
-8,2
0,3
-4,2
7,0
6,7
1,9
1,1
4,2
-2,6
-1,9
4,8
-0,6
2,1
1,3
7,9
2,1
2,2
5,3
4,1
-5,6
10,4
1,6
-0,8
1,7
4,2
5,1
1,0
1,6
2,7
-1,2
0,8
4,4
5,4
1,7
0,9
1,1
3,4
1,4
1,2
3,4
1,5
2,4
-0,2
4,2
0,2
3,0
6,0
3,3
2,0
5,0
4,5
2,5
3,3
6,9
8,1
3,1
2,3
3,5
-0,8
2,0
1,5
3,2
1,8
1,3
2,2
2,6
1,1
1,2
3,6
1,9
3,2
0,8
5,0
3,7
4,2
6,1
4,9
2,1
5,5
2,7
1,9
2,2
(%)
PIB PER
CAPITA
RS
Brasil
3,1
3,2
2,6
-2,6
0,0
-7,8
-3,4
7,2
9,6
4,1
-6,3
-1,3
4,7
-1,9
0,3
3,2
1,2
0,9
0,9
2,6
-3,5
4,0
5,9
2,2
-0,9
6,1
4,6
-1,9
5,9
5,7
5,4
1,6
-1,9
1,4
-5,9
-0,6
-2,1
3,4
4,3
2,8
0,6
1,8
-1,5
-1,2
2,8
-0,2
1,2
-0,2
4,3
1,9
2,7
4,9
4,1
-1,3
6,5
1,8
0,2
1,6
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
(1) Entre 1948 e 1970, trata-se da renda interna. De 1971 a 1985, é o PIB a custo de fatores com imputação
financeira;e , de 1986 em diante, o PIB a preços de mercado. (2) No caso do Rio Grande do Sul, devido à
não regionalização de algumas atividades, a indústria inclui apenas as atividades da extrativa mineral e da
indústria de transformação entre 1948 e 1970, não estão abrangidos, portanto, a construção civil e os
serviços industriais de utilidade pública (SIUP). Essas atividades também não estão consideradas no PIB
desse período. (3) Estimativas preliminares.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
29
A economia gaúcha de 1947 a 2013: uma análise panorâmica
Tabela A.2
Participação da agropecuária, da indústria e do setor serviços no produto total do Rio Grande
do Sul e participação do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul
no PIB do Brasil — 1947-2013
(%)
ANOS
AGROPECUÁRIA
INDÚSTRIA (1)
SERVIÇOS
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
29,2
29,7
31,5
29,3
27,7
29,9
31,3
31,5
32,9
32,1
27,5
25,4
24,8
25,5
24,7
27,0
26,8
27,3
25,3
24,6
25,8
21,9
22,4
22,3
19,5
18,4
25,0
19,8
18,5
18,8
19,5
17,5
14,7
16,5
16,8
13,7
17,2
18,3
16,9
21,5
20,1
20,3
19,7
19,6
20,9
20,1
20,0
20,4
18,7
19,1
19,0
22,6
23,7
23,4
24,0
22,8
22,3
21,3
21,7
20,8
20,9
22,6
22,2
25,1
27,1
28,3
28,9
32,2
34,7
33,5
33,4
34,4
36,6
36,1
34,9
36,2
34,8
36,3
41,0
38,5
50,7
50,0
48,8
51,1
51,5
50,1
48,6
48,1
48,3
48,8
53,5
52,0
51,4
51,1
51,2
50,2
50,9
51,4
53,1
54,6
53,3
55,5
55,4
52,6
53,3
53,3
46,1
47,9
46,8
47,7
47,1
48,1
48,7
47,4
48,3
50,1
47,9
45,4
42,1
40,0
PIB DO RS/PIB
DO BRASIL (2)
8,54
8,10
8,28
8,43
8,32
8,41
9,05
8,85
8,95
9,37
9,19
8,67
8,25
8,19
8,27
8,47
8,63
8,77
8,75
8,74
8,10
8,43
8,55
8,24
8,32
8,15
8,71
8,43
8,27
8,23
8,03
7,85
7,57
7,68
7,69
7,34
8,46
8,55
7,82
7,91
(continua)
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
30
Martinho Roberto Lazzari
Tabela A.2
Participação da agropecuária, da indústria e do setor serviços no produto total do Rio Grande
do Sul e participação do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul
no PIB do Brasil — 1947-2013
(%)
ANOS
AGROPECUÁRIA
INDÚSTRIA (1)
SERVIÇOS
PIB DORS/PIB
DO BRASIL (2)
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012 (3)
2013 (3)
19,3
18,1
16,3
12,1
11,3
10,8
10,4
14,4
9,7
9,2
8,5
9,2
8,8
8,3
10,4
10,0
12,8
10,6
7,1
9,3
9,8
10,5
9,9
8,7
9,2
7,9
10,8
42,2
43,7
42,7
44,0
40,6
42,7
46,1
44,4
30,2
27,7
29,6
27,0
27,0
29,8
28,3
28,0
28,1
31,5
30,3
28,1
26,6
26,5
29,2
29,2
26,9
25,8
24,8
38,5
38,3
41,0
43,9
48,1
46,5
43,5
41,2
60,1
63,1
61,9
63,8
64,1
61,9
61,3
62,0
59,0
57,9
62,6
62,6
63,5
62,9
60,9
62,1
64,0
66,3
64,5
7,84
8,38
8,83
8,13
7,74
8,58
8,94
8,91
7,07
6,97
6,92
6,91
6,95
6,94
7,09
7,14
7,33
7,10
6,72
6,62
6,64
6,58
6,66
6,70
6,36
6,21
6,44
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
(1) No caso do Rio Grande do Sul, devido à não regionalização de algumas atividades, a indústria inclui
apenas as atividades da extrativa mineral e da indústria de transformação entre 1947 e 1970. Não estão
englobados, portanto, a construção civil e os serviços industriais de utilidade pública. Essas atividades
também não estão consideradas no PIB desse período. (2) Entre 1947 e 1970, a participação foi calculada
pela divisão do PIB do Estado, sem indústria extrativa e serviços industriais de utilidade pública (SIUP), pelo
PIB do Brasil, também sem indústria extrativa e SIUP. (3) Estimativas preliminares.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A economia gaúcha de 1947 a 2013: uma análise panorâmica
31
Referências
ALMEIDA, P. (Coord.). A economia gaúcha e os anos 80: uma trajetória
regional no contexto da crise brasileira. Porto Alegre: FEE, 1990.
BÉRNI, D. Evolução da renda interna do Rio Grande do Sul: 1947-1970.
Porto Alegre: FEE, 1982. (Estudos Unage, 9). Material não publicado.
CONCEIÇÃO, O. A. C. et al. (Org.).O movimento da produção. Porto
Alegre: FEE, 2010. v. 2. (Três décadas de economia gaúcha).
CUNHA, R. A. da; CARVALHO, M. L. L. de (Coord.). Contas regionais:
Produto Interno do Rio Grande do Sul: 1970-1985: metodologia e tabelas
estatísticas. Porto Alegre: FEE, 1987. (Agregados econômicos, 3; Série
Valor agregado, 2).
ESTUDOS de deflatores para a economia do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: FEE,1974.
FELTES, M. Evolução da renda interna do Rio Grande do Sul: 1947-1970. Porto Alegre: FEE, 1989. (Estudos Unage, 192). Material não
publicado.
FLIGENSPAN, F. (Org.). Economia gaúcha e reestruturação nos anos
90. Porto Alegre: FEE, 2000.
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. 25 anos de economia
gaúcha: uma visão global da economia do Estado. Porto Alegre, 1976. v. 1.
MAIA NETO, A. A. et al. Produto Interno Bruto a custo de fatores do Rio
Grande do Sul de 1947 a 1970. Porto Alegre: FEE, 1995. (Estudos Unage,
336). Material não publicado.
N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Valesca Casa Nova Nonnig.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
32
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Martinho Roberto Lazzari
Matriz de Insumo-Produto do Rio
Grande do Sul — 2008: hipóteses,
interpretações e principais resultados
Rodrigo de Sá
Economista, Pesquisador da Fundação de
Economia e Estatística
1 Introdução
A Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008, calculada e divulgada pela Fundação de Economia e Estatística (FEE) em 2014, é
a terceira matriz construída pela FEE, estando também disponíveis as matrizes de 1998 e 2003.
Indispensável à matriz é a tabela de recursos e usos, que sintetiza as
relações intersetoriais da economia gaúcha, além das suas relações com os
consumidores e com o resto do País e do mundo. Junto com os impactos
fornecidos pela matriz, esses indicadores são fundamentais para a operacionalização de políticas públicas, dando-lhes um maior entendimento de
como funciona a economia do Estado e quais são as repercussões esperadas de variações nessa economia.
Uma vez que a matriz esteja calculada e publicada, seu manuseio é relativamente simples. Contudo seu uso correto requer que o usuário entenda
propriamente seus significados e suas limitações. Também pode ocorrer a
situação contrária: deixar-se de utilizar a matriz por se desconhecer todas
as suas potencialidades.
Tendo isso em mente, o objetivo principal deste trabalho é apresentar
formalmente a construção da matriz, as hipóteses utilizadas com esse fim e
as limitações e as interpretações que essas hipóteses implicam. O destaque
desta apresentação é conduzir a construção da matriz já na abordagem
produto por atividade, o que faz com que o texto atinja seu objetivo mais
diretamente, além de explicitar, ao longo dessa construção, todas as hipóteses, que são discutidas mais tarde no texto.
Além disso, neste trabalho, objetiva-se apresentar os resultados principais da Matriz gaúcha de 2008, com o Produto Interno Bruto (PIB) do Esta-
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
34
Rodrigo de Sá
do construído a partir das três óticas possíveis, e a análise dos impactos
das diversas atividades produtivas do Estado.
Além desta Introdução, este artigo está organizado em mais quatro
seções. A segunda seção traz a metodologia da construção da Matriz, cobrindo a tabela de recursos e usos, o equilíbrio entre a demanda por produtos e a produção local, os coeficientes regionais e o fechamento do modelo
para as famílias. Ademais, apresenta e traz a intuição sobre os multiplicadores. A terceira seção salienta as hipóteses feitas ao longo da construção da
Matriz, as suas interpretações e as limitações trazidas por essas hipóteses.
Na quarta seção, são trazidos os principais resultados da Matriz do Rio
Grande do Sul — 2008. Já a Conclusão é apresentada na quinta seção.
2 Modelo de insumo-produto
A matriz de insumo-produto é uma ferramenta complexa, que condensa uma grande diversidade de informações, e, por isso, o entendimento de
como ela é construída e de quais hipóteses estão por trás dela é importante
para o seu uso correto. Esse entendimento auxilia na compreensão do que
pode e do que não pode ser feito com a matriz. Tendo isso em mente, este
capítulo busca apresentar a parte matemática da matriz, mostrando os conceitos e as hipóteses feitas na sua construção. A descrição das variáveis
utilizadas na sua elaboração e dos procedimentos metodológicos mais específicos está exposta na Metodologia da Matriz (MATRIZ..., 2014). Já uma
análise mais detalhada sobre a teoria da análise de insumo-produto pode
ser encontrada em Miller e Blair (2009).
Para a construção da matriz, o primeiro passo é o cálculo da tabela de
recursos e usos. Ela sistematiza a economia como uma coleção de atividades produtivas (exemplo: agricultura, refino de petróleo e gás, comércio,
1
etc.) e > produtos.
2
Primeiramente, na matriz de recursos , é informado o quanto foi produzido dentro do Estado de cada produto por atividade
3
: = ,
.
Esses
valores
são
expressos
em
unidades
mone,…, ,
,…,
1
Essa abordagem, com produtos e atividades, é conhecida na literatura como commodity-by-industry approach.
2
Conhecida na literatura como make matrix ou output matrix.
3
A matriz de recursos definida aqui tem as dimensões contrárias ao que é usual na literatura, onde ela é encontrada com dimensão atividade por produto, ou seja, ela é a transposta da usual. Existem duas razões para ela ser definida aqui com dimensão produto por atividade: primeiro, ela compartilha a mesma dimensão da tabela de usos definida a seguir, e
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008: ...
35
tárias e estão a preços básicos, ou seja, não estão incluídos nesses valores
impostos e margens de comércio e transporte. Somando a -ésima coluna
da tabela de recursos, tem-se o total produzido na atividade ,
=
∑
,
=
.
Já,
ao
se
somar
a
i-ésima
linha
da
tabela,
tem-se
,
,…,
o total produzido do produto , = ∑
,…, .
, , =
Os vetores e podem ser escritos matricialmente em função da matriz de recursos , utilizando o vetor auxiliar , de dimensão , composto de
1’s em cada uma das suas coordenadas, = (1, … ,1). Pós-multiplicar uma
matriz por um vetor de 1’s de dimensão apropriada equivale a criar um novo
vetor, no qual cada um dos seus componentes equivale à soma da respectiva linha dessa matriz. Assim, =
e x = (V')ι( .
Nesse ponto, é importante notar-se que um determinado produto pode
ser produzido por mais de uma atividade diferente, assim como uma determinada atividade, em geral, produz mais de um produto.
Além da produção local, para se chegar à disponibilidade interna, devem-se somar ainda as importações do resto do Brasil e do resto do mundo.
Depois disso, ao se somarem os impostos sobre produtos e as margens de
comércio e transporte, chega-se ao total da disponibilidade interna a preços
do consumidor. Essas informações estão na tabela recursos de bens e
serviços na publicação da Matriz.
Outro componente da tabela de recursos e usos é a tabela de usos.
Dado o total da disponibilidade interna de cada produto a preços básicos
(sem os impostos e as margens de comércio e transporte) informado na
tabela de recursos, a tabela de usos informa qual é o seu destino: consumo
intermediário de atividades produtivas locais, consumo final das famílias
locais ou do governo, investimento, variação de estoques ou exportações. O
4
uso como consumo intermediário é sumarizado na matriz de usos ) =
*,
, onde * , é o quanto a atividade jcomprou do insumo
,…, ,
,…,
para executar a sua produção. Vale ressaltar-se que esses insumos não se
restringem aos produzidos no Estado apenas. Dessa matriz, pode-se extrair
o total do consumo intermediário de cada atividade, somando a sua respectiva coluna, ,- = ∑
* ,.
Tanto a matriz de recursos quanto a matriz de usos ) estão expressas em produtos por atividade, porém, para se chegar ao modelo de insu-
todas as matrizes retangulares também terão essa dimensão; segundo, este formato é o
formato usual de divulgação nas tabelas de recursos e usos.
4
Conhecida também como use matrix.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
36
Rodrigo de Sá
mo-produto de Leontief, é necessário transformá-las em atividade por ativi5
dade. Nesse processo, precisam-se definir duas matrizes auxiliares, . e/.
u
.= b1,2
, definida por b1,2 = 1,25x2 , diz o quanto do insumo a
1
,…,(,2
,…,3
atividade utiliza por unidade monetária produzida. Essa matriz, análoga à
matriz de coeficientes técnicos do modelo tradicional (atividade por atividade) de Leontief, é uma caracterização da tecnologia de produção de cada
uma das atividades, ou seja, a j-ésima coluna de . dá a proporção de cada
insumo (produto) que a atividade j deve comprar para produzir uma unidade
monetária (note-se que, por definição, a soma de cada coluna de . é igual a
1). Em notação matricial, pode-se expressar . em função da matriz de usos
) e do vetor com o total produzido por atividade ,
. = )67 ,
onde 6 = 8 ,
,…, ,
,…,
é a matriz diagonal obtida utilizando os elemen-
tos do vetor como os elementos dessa diagonal. Pós-multiplicando essa
equação por 6 pode-se redefinir a matriz de uso em função da matriz de
coeficientes técnicos
) = .6.
6
v1,2
5q1 , onde : , informa a fração do produto que foi produzido pela atividade (note que a
soma de cada uma das linhas de /é igual a 1). Essa matriz é conhecida
como market share, dando a participação de cada atividade na produção
dos
produtos. Matricialmente, é possível expressar / em função da matriz de recursos e do vetor com o total produzido de cada produto ,
Já a matriz /= : ,
,…, ,
,…,
é definida por d1,2 =
/> = ′67 ,
Onde 6 é definida analogamente a 6.
5
6
Em tese, também seria possível transformá-las em produto por produto, mas essa especificação não é a usual no sistema de contas, sendo mais adequada às análises sobre tecnologias de produção.
O operado r^: ℝC → ℝC×C leva um vetor em uma matriz quadrada onde a diagonal é dada
, se =
8, =F
. Já a sua inversa 67 =
0,se ≠ 15 se =
,
é dada por 8 7 , = K
. Esse fato não é tão trivial
0, se ≠ por esse vetor. Por exemplo,
87
,
,…, ,
,…,
como aparenta e pode ser observado executando-se a álgebra necessária, a partir da definição da matriz inversa, 667 = 67 6 = -.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008: ...
37
2.1 Equilíbrio
Devido às definições feitas, para cada produto há equilíbrio entre a sua
7
oferta e a sua demanda,
=∑
* , + M , = 1, … , , onde M é a demanda final pelo produto . Matricialmente, tem-se
= ) + N.
Utilizando a definição de ), pode-se reescrever a equação acima como
= .6 + N ⇒
=. .
Nessa equação, tem-se a produção de cada um dos produtos em função da produção de cada uma das atividades. No entanto, para prosseguir
para o cálculo dos multiplicadores de Leontief, é necessário que se tenha
uma equação envolvendo apenas produtos ou atividades, ou seja, que se
possa chegar a uma matriz quadrada.
Nas matrizes ligadas à Contabilidade Social, em geral dá-se preferên8
cia para a abordagem da “tecnologia da atividade” , em que a equação é
manipulada para que informe a demanda por atividade. Nessa abordagem,
assume-se que a demanda por produto M será atendida por P atividades,
dadas as proporções da matriz de market share/. Através da definição da
matriz de market share /> = ′67 , pós-multiplicando a equação por 6, chega-se a /> 6 = ′. Multiplicando essa equação pelo vetor coluna , obtém-se /> 6 = > . Como = ′
e 6 = , chega-se à expressão que
relaciona as quantidades produzidas de cada produto e cada atividade através da matriz de market share,
/′ = .
Substituindo essa relação na equação do equilíbrio
= ./
>
+ N.
= . , obtém-se
Utilizando a relação de market share pode-se converter essa equação
que relaciona a produção de cada produto na produção de cada atividade.
Para isso, deve-se pré-multiplicar a equação por /> e substituir /′ por .
Assim,
/′
= /′./> + /′N
= /> . + /> N.
Colocando em evidência e isolando-o, chega-se a
(Q − /> .)
=
/> N
= (Q − /> .)7 /> N.
7
Há o equilíbrio, pois um dos componentes é a variação de estoques.
8
Na literatura internacional, essa abordagem é conhecida como industry-based technology.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
38
Rodrigo de Sá
Essa equação relaciona a quantidade produzida por atividade
que
seria necessária para atender a uma demanda por produtos N.
Neste ponto, é importante recapitularem-se os passos para a derivação
dessa relação, a qual partiu da relação de equilíbrio entre a produção e
demanda de cada produto e utilizou-se a tecnologia de cada atividade e a
hipótese de market share. Assim, esses três pontos são tomados como
hipótese do modelo, e toda a utilização da Matriz deve ter consciência da
sua existência. Esse tema é abordado com mais detalhes na seção 3.
O termo (Q − /> .)7 /> ≡ é conhecido como matriz de requerimentos
9
totais atividade por produto e está intimamente ligado à formulação original
de Leontief. Considerando que o termo /> N transforma a demanda por produtos Nem demanda por atividades, utilizando a hipótese de market share, o
termo (Q − /> .)7 representa a inversa de Leontief, onde a matriz /> . é
análoga à matriz de coeficientes técnicos.
2.2 Coeficientes técnicos regionais
A matriz de coeficientes técnicos . informa o quanto de cada produto
uma determinada atividade utiliza como consumo intermediário, mas não
discrimina a sua origem. Quando confrontada com um aumento da demanda por seus produtos, uma empresa aumenta sua demanda por insumos,
comprando-os não apenas dentro do estado, mas também os importando
do resto do país e do mundo. Porém, ao se analisarem os multiplicadores, o
interesse é, principalmente, o impacto sobre a produção local. Assim, precisa-se de novos elementos que informem o quanto dessa demanda recai
sobre a produção da região.
Seja )∗ = *∗,
a matriz de usos regional, ou seja, *∗, diz o
,…, ,
,…,
quanto a atividade comprou do produto produzido na região. Deve-se
notar que a soma da -ésima coluna de )∗ não corresponde ao total do consumo intermediário da atividade , o que é verdade para a matriz ). De forma análoga a ., pode-se definir .∗ = U ∗,
como .∗ = )∗ 67 ,
,…, ,
,…,
onde U ∗, diz o quanto do insumo de origem local a atividade utiliza por
unidade monetária produzida.
De posse desses objetos, pode-se resolver o modelo da mesma forma
10
como foi feito anteriormente. Assim, o resultado de equilíbrio é
9
10
Na literatura, industry-by-commodity total requirements matrix.
Nenhuma alteração é necessária na matriz de recursos e, consequentemente, em /,
pois já tem um caráter regional, informando o quanto a atividade situada na região produz de cada um dos produtos.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008: ...
39
= (Q − /> .∗ )7 /> N.
Desse modo, define-se a matriz de coeficientes técnicos regionais V∗
como V∗ = /> .∗ .
Para qualquer nível de demanda final e, a quantidade produzida pelas
atividades em um modelo de economia regional é menor ou igual à produzida no modelo de economia fechada, pois parte da demanda por consumo
intermediário recai sobre a produção de outras regiões, aumentando as
importações.
2.3 Consumo das famílias endógeno
No modelo apresentado até aqui, os gastos dos consumidores compõem a demanda final exógena. Porém esses gastos dependem naturalmente da renda ganha pelas famílias, e seria interessante torná-los endógenos, de modo que o crescimento da produção de setores locais aumentasse o consumo das famílias através do aumento de salários. Na literatura,
esse procedimento é conhecido como fechar o modelo em respeito aos
consumidores.
A forma usual para que a modelagem dos consumidores compartilhe o
mesmo framework adotado até aqui é modelá-los como mais uma atividade,
ou seja, adicionar uma coluna e uma linha à matriz de usos. Assim, famílias
são encaradas como uma atividade, o seu consumo como o consumo intermediário da atividade “famílias”, e o seu trabalho como o seu produto.
A hipótese por trás dessa modelagem é que o consumo das famílias de
cada produto , W , é uma função linear da sua renda X; ou seja, W = Y X.
A partir da matriz de usos regional )∗ , pode-se definir uma nova matriz
Z ∗ = *[∗,
de usos )
, onde as famílias estão incluídas como
,…, \ ,
,…, \
uma atividade endógena. Os primeiros elementos da ( + 1)-ésima coluna representam o quanto as famílias consomem de cada produto. Assim,
*[∗, \ representa o quanto as famílias consomem do produto ∈ ^1, … , _
produzido localmente. Já os primeiros elementos da ( + 1)-ésima linha
representam o quanto cada atividade paga em salários para as famílias.
Dessa forma, *[∗ \ , representa o quanto a atividade ∈ ^1, … , _ pagou em
salários para as famílias. Já o termo da ( + 1)-ésima linha e ( + 1)-ésima
coluna *[∗ \ , \ representa o quanto as famílias pagaram de salários para
as outras famílias. Nas Contas Regionais do Brasil, *[∗ \ , \ = 0, pois o
produto serviços domésticos incorpora inclusive os serviços prestados às
famílias por trabalhadores autônomos.
De maneira idêntica ao modelo anterior, pode-se definir a matriz de
coeficientes técnicos que incorpora as famílias como endógenas à econoPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
40
Z ∗ = U[ ∗,
mia .
Rodrigo de Sá
,…, \ ,
,…, \
Z∗ = )
Z ∗ 67 . Essa matriz pode ainda
como .
ser representada como
∗
Z ∗ = `. ac,
.
b 0
onde o vetor a = W
,…, representa a propensão a consumir das famílias
de cada um dos produtos, e o vetor b = d
,…, representa quantas unidades monetárias de salário cada uma das atividades paga para as famílias — ou, em outras palavras, compra das famílias.
Para complementar o modelo, deve-se também expandir a matriz de
recursos. Como se assume que apenas as famílias proveem o “produto”
trabalho, a matriz de recursos expandida Z pode ser definida como
0
Z=`
c
0 X
onde X é o total de salários da economia. Consequentemente, define-se a
Z como /
Z > = Z ′67 . É fácil ver, a partir
matriz de market share expandida /
Z tem a forma
das definições, que /
Z = ` / 0c
/
0 1
Assim, o modelo com o consumo das famílias endógeno tem a solução
Z >.
Z ∗ )7 /
Z >N
= (Q − /
A exemplo do que foi feito nos modelos anteriores, pode-se definir a
Z ∗ como V
Z∗ = /
Z >.
Z ∗.
matriz dos coeficientes técnicos expandida V
2.4 Multiplicadores
Uma das principais utilizações do modelo apresentado aqui é estimar o
impacto, na economia local, de mudanças em componentes exógenos, como importações, gastos do governo e novos investimentos.
Como visto, o modelo pode ser resolvido em uma versão mais simples,
considerando o consumo das famílias exógeno, ou mais completa, onde o
consumo das famílias é tornado endógeno e depende da sua renda. Assim,
chega-se a ∗ = (Q − V∗ )7 /> N para o modelo com o consumo das famílias
Z ∗ )7 /> N para o modelo com as famílias endógenas.
exógeno e a Z∗ = (Q − V
Para um mesmo nível de demanda, Z∗ é maior do que ∗ por que considera
também os efeitos indiretos dessa demanda no consumo via aumento da
renda das famílias.
Em ambos os modelos, a produção local de cada atividade é ligada à
demanda final de cada produto. Para simplificar, defina o vetor e = /> N de
dimensão igual ao número de atividades, sendo que e pode ser interpretado
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008: ...
41
como a demanda final por atividade resultante da demanda por produtos N,
ou simplesmente a demanda por atividade. Assim, podem-se rescrever as
equações de equilíbrio, genericamente, como
f = (Q − g)7 e
Z ∗ )_. Para simplificar a notação, pode-se definir
Onde (f, g) ∈ ^( ∗ , V∗ ), (Z∗ , V
7
ainda a matriz ≡ (Q − g) , que é a matriz de requerimentos totais apresentada anteriormente no texto e análoga à matriz inversa de Leontief.
( ∈ ^ ∗ , [ ∗ _ é a notação genérica, onde ∗ corresponde ao modelo fechado
e [ ∗ ao modelo aberto).
Por conveniência, os multiplicadores são definidos como o valor de
produção necessário para atender a uma demanda adicional de uma unidade monetária. Defina Δe( ) como o vetor com a variação na demanda final
de uma unidade monetária por produtos da atividade e nenhuma variação
na demanda por produtos das outras atividades. A sua função é proceder
ao cálculo dos multiplicadores, isolando o efeito de cada atividade.
Assim, dada uma variação de uma unidade monetária na demanda final da atividade e utilizando-se as equações de equilíbrio, pode-se ver que
a variação na produção das atividades decorrente dessa variação da demanda de é o vetor Δi( ) = Δe( ). É possível notar-se ainda que, como
apenas o -ésimo componente de Δe( ) é não nulo,Δi( ) é simplesmente a
-ésima coluna da matriz 11.
Assim, pode-se dar uma interpretação direta aos elementos da matriz
de requerimentos totais . j , representa o impacto que a demanda adicional de uma unidade monetária por produtos da atividade tem sobre a produção da atividade , considerando todas as inter-relações da economia.
Outro ponto a se notar sobre a matriz é que os elementos da sua
diagonal principal são iguais ou maiores que um. A prova matemática foge
ao escopo deste trabalho, mas é fácil ver o porquê disso através da sua
interpretação econômica. O elemento da diagonal j , informa o quanto,
após todos os efeitos de encadeamento da economia, a produção do setor
tem que aumentar para suprir a demanda por uma unidade adicional por
seus produtos. Porém, para atender a essa demanda, sem considerar todos
os outros efeitos encadeados, a atividade precisa aumentar a sua produção no total dessa demanda. Dessa forma, j , ≥ 1 para todo ∈ ^1, … , _.
Esse fato leva à separação natural do efeito multiplicador para o modelo aberto inicialmente em dois efeitos: o efeito direto — necessário para
satisfazer a demanda inicial — e o efeito indireto — o aumento de produção
necessário para atender às demandas originadas pela demanda inicial.
Outra separação natural é entre o multiplicador para o modelo com o con11
Ao contrário de Δe( ), em geral todos os elementos de Δi( ) são não nulos.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
42
Rodrigo de Sá
sumo das famílias endógeno e o modelo com o consumo exógeno. A diferença entre esses multiplicadores é definida como o efeito induzido, também
chamado de efeito renda. Esquematicamente:
*jl mj Wn:opq rmjMs =
tuM lov pMlo + tuM lo-w: pMlo
F
*jl mj Wn:opxolnj
=
*jl mj Wn:opq rmjMs + tuM lo-w:*y :o
Z(o) o seu multiSeja r(o) o multiplicador simples da atividade e r
12
j , ou, ainda, matricialmente, r(o) =
plicador total, assim r(o) = ∑
Δi( )′ z . Pode-se definir também o vetor contendo esses multiplicadores,
Z (o). Matricialmente13,
, e analogamente {
{(o) = r(o)
,…,
{(o) = ∗ ′ z
F
Z∗′ z,
Z (o) = |
{
Z ∗ são as primeiras linhas e colunas de [ ∗ . Deve-se usar essa maonde |
triz truncada, pois o objetivo é avaliar o efeito multiplicador sobre as atividades originais e não sobre a “atividade” famílias.
Também se podem calcular os multiplicadores sobre quaisquer outras
variáveis de interesse, sempre fazendo a hipótese de linearidade. Assim,
seja Ψ = ∑ Ψ a variável para a qual se interessa saber o impacto da
alteração da demanda. A hipótese de linearidade pede que Ψ = ~ . Então, pode-se definir o impacto do aumento da demanda por produtos da
~ j , .
atividade na variável Ψ como r(Ψ) = ∑
2.4.1 Efeito turno por turno14
Na definição da matriz de requerimentos totais , há uma inversão de
matriz que possui uma intuição econômica interessante. Pode-se mostrar
que a inversão da matriz Q − g é igual ao limite da seguinte soma infinita de
matrizes, onde cada parcela da soma é uma potência da matriz g:
= (Q − g)7 = Q + g + g• + g€ + ⋯.
Então, pode-se reescrever a quantidade produzida como
f = e = (Q + g + g• + g€ + ⋯ )e = e + ge + g• e + g€ e + ⋯.
Pode-se notar que cada elemento da série é igual ao elemento anterior
pré-multiplicado por g.
12
13
14
Aqui, segue-se a notação de Miller e Blair (2009), segundo a qual o “o” de r(o) corresponde ao termo output, ou seja, produto. Os diferentes multiplicadores são diferenciados
pela inicial dentro dos parênteses da expressão correspondente.
Note que a equação simplesmente soma as diferentes colunas da matriz L .
Round-by-round effects.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008: ...
43
f = e + g(e) + g(ge) + g(gƒ e) + ⋯.
Pode-se, mais uma vez, reescrever f, definindo f„ = g„ e, … ∈
^0,1,2, … _. Assim, chega-se a f = f‡ + f + f• + ⋯ 15..
Dada uma demanda exógena e por produtos da região, o seu efeito
inicial é aumentar a produção local nessa exata magnitude; assim, f‡ = e.
Por sua vez, esse aumento da produção local requer insumos adicionais da
própria região, f = ge. Já essa produção de insumos requer mais insumos, f• = gf = g• e, e assim por diante. Dessa forma, dado esse aumento
exógeno da demanda, o incremento total na produção local é a soma desses vários efeitos. Essa abordagem é conhecida como efeitos turno por
turno.
3 Hipóteses, interpretações e limitações
Um primeiro passo para compreender as possíveis limitações da matriz
de insumo-produto é a percepção da diferença de natureza entre esta e a
tabela de recursos e usos.
A tabela de recursos e usos é uma informação estatística construída a
partir da coleta de informações, ou seja, “ela existe no mundo real”. Em um
determinado período de tempo — no caso deste trabalho, o ano civil —
cada empresa produz certa quantidade de diferentes produtos e compra
uma quantidade de produtos para servirem de consumo intermediário.
Já a matriz de insumo-produto é um modelo que oferece explicações
para o comportamento da economia e permite fazer o uso de previsões. O
impacto da produção de uma atividade sobre as outras não pode ser observado diretamente e, possivelmente, não se comporta inteiramente como
modelado pela matriz. Como qualquer modelo, ele faz uso de simplificações
e hipóteses de forma que ele seja útil.
Miller e Blair (2009) diferenciam duas abordagens do uso da matriz de
16
insumo-produto: análise de impacto e previsão . Para os autores, análise
de impacto é a situação em que se tem um pequeno número de agentes
“impactantes” gerando a variação exógena da demanda (por exemplo, o
governo), e a análise se concentra no seu impacto em um período curto de
tempo (por exemplo, no próprio ano ou no ano seguinte). Já a previsão é
quando se quer analisar o impacto de mudanças mais drásticas ou em um
prazo mais longo. Apesar dessa diferença, é importante lembrar que mesmo
15
16
É fácil notar que f‡ = g‡ e = Qe = e.
No original, impact analysis e forecasting respectivamente.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
44
Rodrigo de Sá
a análise de impacto consiste na junção de inferência estatística com modelagem econômica.
Não obstante o uso de hipóteses se faça necessário, estar ciente da
sua existência e compreender a sua natureza é importante para o melhor
uso do modelo. Um usuário sem esse conhecimento poderia fazer interpretações e previsões errôneas. Assim, é importante entenderem-se as hipóteses para se conhecerem as limitações do modelo de insumo-produto.
Uma primeira hipótese é a de que a economia está sempre em equilíbrio. Dependendo da definição que se faça de equilíbrio, pode-se dizer que
a economia estar sempre em equilíbrio não é uma hipótese, mas uma tautologia: a cada momento, os vários agentes da economia tomam decisões
com base em regras próprias, e isso pode ser entendido como as ações em
equilíbrio. Mesmo quando parecem existir desequilíbrios momentâneos, eles
podem ser entendidos como os planos contingenciais dos agentes em um
equilíbrio de longo prazo, ou seja, o equilíbrio é o conjunto dessas trajetórias temporais.
Porém, na Matriz, tem-se a hipótese de uma forma em particular de
equilíbrio, em que todo o efeito multiplicador se dá dentro de certo período
de tempo. Contudo existem situações em que isso não é uma hipótese razoável. Se a magnitude da variação exógena da demanda Δe( ) for suficientemente grande, esse processo de ajustamento pode durar mais de um
período. Além disso, uma grande variação exógena na demanda final pode
fazer com que certa atividade receba ordem além do que a sua capacidade
instalada permite, o que a impossibilitaria de atendê-la. Outro ponto importante no contexto da hipótese de equilíbrio é a previsibilidade dessa variação exógena. Caso os agentes já a previssem — por exemplo, se ela fosse
o resultado de um grande investimento já anunciado — eles poderiam optar
por aumentar a sua produção antecipadamente a esse choque de demanda.
Assim, pode-se concluir que o efeito multiplicador não necessariamente
ocorre no ano da variação da demanda, mas se dilui entre anos anteriores e
posteriores.
Outra hipótese importante do modelo é a da tecnologia da atividade.
Assume-se que, para a atividade produzir uma unidade monetária de algum dos seus produtos, ela demande uma quantidade * ,
de cada
,…,
um dos diferentes produtos r ∈ ^1, … , _ e que essas quantidades sejam
fixas e dependam linearmente da quantidade produzida. Assim, caso produza uma unidade monetária, ela demandará como consumo intermediário
* ,
; já se ela produzir‰ > 0, ela demandará ‰* ,
. Dando
,…,
,…,
fundamentos microeconômicos ao modelo, isso equivale a dizer que as
firmas possuem uma função de produção de Leontief, em que a quantidade
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
45
Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008: ...
produzida pela atividade
pela função de produção
~(∙),
onde ”U
,
•
= ~‹* , , … , *
,…,
está associada ao seu consumo intermediário
,
Œ=min •
*
,
‘U
,
,…,
*
,
‘U
,
“,
•
’
são elementos da matriz de coeficientes técnicos .. Para
que a firma aumente a sua produção, é necessário que ela aumente o consumo intermediário de todos os produtos na proporção dada por estes
”U , •, e ela não pode substituir o consumo intermediário de um produto
pelo de outro — por exemplo, ela não pode aumentar o seu consumo de
capital para compensar uma diminuição do seu consumo de mão de obra.
Uma propriedade dessa função de produção são os retornos constantes à
escala, ou seja, a multiplicação dos insumos por qualquer constante ‰ > 0
garante que a produção também seja multiplicada por essa constante.
Os pontos críticos dessa hipótese estão na não substituibilidade entre
os produtos que compõem o consumo intermediário e nos retornos constantes. Assim como na hipótese do equilíbrio, esses pontos são mais plausíveis
quanto menor for a variação exógena da demanda final. Caso a demanda
por certo produto aumente substancialmente seu preço, isso pode fazer com
que as atividades que o utilizam como consumo intermediário alterem a sua
tecnologia de forma a substituir esse produto, agora mais caro, por outros.
Já os retornos constantes à escala, apesar de recorrentes na literatura econômica, não são muito plausíveis, especialmente quando uma determinada
atividade já tem um certo tamanho. Assim, a hipótese de tecnologia do setor
é razoável, desde que a variação exógena não seja grande o suficiente para
que as empresas necessitem mudar suas tecnologias de produção em função de mudanças de preços relativos, ou que simplesmente não consigam
replicar a sua tecnologia atual em função da sua escala já avantajada.
Das três hipóteses do modelo original, a de market share é a menos
crítica. Em um cenário onde um determinado produto é produzido por duas
ou mais atividades, ela assume que a proporção desse produto que é produzida em cada uma dessas atividades se mantém constante. Porém esse
cenário é, em geral, fruto da agregação das atividades necessária à usabilidade do modelo. No caso de se desagregar mais a Matriz, essa situação
ocorreria com menos frequência.
Ao se considerar explicitamente a economia regional, nenhuma hipótese adicional foi feita. Contudo esse fato tem grande importância para a hipótese de tecnologia da atividade. Caso as empresas possam recorrer a outras empresas localizadas fora da sua região para suprir seu consumo intermediário, menos razoável é a hipótese de uma tecnologia fixa. Essa hipóPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
46
Rodrigo de Sá
tese não requer apenas que a relação entre os insumos de uma dada atividade seja mantida fixa, mas também que a proporção de cada insumo desses insumos que tem como origem a própria região também se mantenha.
Por exemplo, mudanças nos preços relativos entre os insumos de origem
interna e os de origem externa podem incentivar as empresas a alterarem a
sua demanda por insumos. Se esse efeito for muito forte, pode tornar inválida a hipótese da tecnologia fixa.
Quando se trata o modelo com o consumo das famílias endógeno, a
principal hipótese é a propensão linear a consumir. Decorre dela que o valor
gasto em cada um dos produtos é proporcional à renda. Além disso, quando
há um aumento da renda, as proporções gastas com cada produto se mantêm. Assim, o preço de cada determinado produto afeta apenas a sua quantidade consumida, mas não o gasto do consumidor com ele, fazendo com
que não exista efeito substituição entre o gasto com um produto mais caro e
17
o gasto com um mais barato. Também decorre dessa hipótese a ausência
de efeito renda, no qual o consumidor troca, relativamente, o consumo de
determinado bem por outro, conforme a sua renda varia — por exemplo,
consome relativamente mais bens de luxo quanto mais rico. Além disso,
junto com o modelo com economia aberta, essa hipótese implica que o consumidor não troca bens de origem regional por importados por nenhum motivo, mantendo sua proporção regional por importado constante em relação
aos preços dos produtos e à sua renda. Novamente, a razoabilidade dessa
hipótese é maior quanto menor for a variação exógena da demanda final.
Caso essa variação seja grande o suficiente para afetar os preços ou a renda das famílias significativamente, a ausência de efeitos substituição e renda deixa de ser razoável.
Além das hipóteses subjacentes ao modelo, um fator importante nas
análises que utilizam a matriz de insumo-produto é a estabilidade temporal.
Quanto maior for a defasagem entre o estudo que está sendo feito e o ano-base da matriz, será mais provável que a tecnologia das atividades tenha
mudado. Nesses casos, ao se analisar o impacto de uma alteração na demanda em particular, devem-se identificar os setores que mais respondem a
essa demanda e avaliar-se o grau em que sua tecnologia mudou nesse
intervalo de tempo. Por exemplo, suponha-se que a variação da demanda
estimule principalmente a atividade
e que a maior parte do consumo intermediário consista em produtos da atividade • . É importante saber o que
aconteceu com a produção local da atividade • no período de tempo entre o
estudo e o ano-base da matriz • . Caso a capacidade produtiva local dessa
17
Vale ressaltar-se aqui que “produto” se refere aos produtos da tabela de recursos e usos.
Assim, a substituição de um produto por outro pode ser a substituição de produtos de origem animal por produtos de origem vegetal por exemplo.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
47
Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008: ...
atividade tenha aumentado (diminuído) significativamente, é de se esperar
que o impacto real da atividade seja maior (menor) do que o previsto pela
matriz.
Outro fator importante no modelo desenvolvido aqui é a ausência explícita de preços relativos, tanto internos quanto externos (por exemplo, a
taxa de câmbio). Como a Matriz utiliza valores nominais, estão implícitos
nela os preços do ano-base. A estabilidade desses preços é necessária
para que outras hipóteses, como a de tecnologia da atividade e a propensão
linear a consumir para todos os produtos, sejam razoáveis. Na prática, deve-se sempre analisar as variações de preços que ocorreram e a razoabilidade de elas não terem afetado de maneira significativa as estruturas da
economia no ano-base. Além disso, essa ausência explícita dos preços
contribui para que o uso da Matriz, para um período distante do ano-base,
perca acurácia.
4 Principais resultados
O PIB do Rio Grande do Sul é calculado anualmente pela FEE, juntamente com o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), mas somente pela
ótica da produção. Em 2008, foi de R$ 199.494 milhões. Porém a tabela de
recursos e usos permite ainda analisá-lo por duas óticas adicionais: a ótica
do dispêndio e a ótica da renda. A ótica tradicional da produção é apresentada na Tabela 1.
Tabela 1
Produto Interno Bruto (PIB), pela ótica da produção, do RS — 2008
COMPONENTES
Produto Interno Bruto .....................................................
Valor Adicionado (A - B) ............................................
A - Valor de produção ............................................
B - Consumo intermediário ....................................
Impostos ....................................................................
VALORES
(R$ 1.000.000)
199.494
172.252
398.076
225.824
27.242
% DO
PIB
86,3
199,5
113,2
13,7
FONTE: Fundação de Economia e Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Contabilidade
FONTE: Regional.
Pela ótica do dispêndio (Tabela 2), o consumo das famílias representou 59,4% do PIB do Estado, enquanto o consumo das entidades sem fins
lucrativos e o da administração pública representaram 2,1% e 18,5% do PIB
respectivamente. Já a formação bruta de capital fixo representou 18,3% do
PIB, enquanto a variação de estoques foi negativa, representando -0,4%.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
48
Rodrigo de Sá
No ano de 2008, o principal fator que contribuiu para essa redução no nível
de estoques na economia do Estado foi a venda de uma plataforma de extração de petróleo, que foi produzida ao longo de mais de um ano.
Além disso, pode-se ver que as exportações do Rio Grande do Sul,
tanto para o resto do Brasil quanto para o resto do mundo, superaram as
importações. Porém o Estado é mais superavitário, tanto absoluta quanto
relativamente, nas relações com o resto do mundo. Um fato esperado, mas
que vale a pena ressaltar, é que as relações com o resto do País superam
em cerca de três vezes as relações com o resto do mundo, já que a economia do Estado é, naturalmente, muito ligada à economia do resto do País.
Já pela ótica da renda (Tabela 3), os salários representaram 29,5% do
PIB, enquanto as contribuições sociais representaram 8,1%. Quanto aos
lucros, o excedente operacional bruto representou 36% do Produto Interno
18
Bruto e o rendimento misto bruto, 13,4%.
Tabela 2
Produto Interno Bruto (PIB), pela ótica do dispêndio, do RS — 2008
COMPONENTES
Produto Interno Bruto ......................................................
Consumo das famílias ...............................................
Consumo das instituições sem fins lucrativos a serviços das famílias .......................................................
Consumo da administração pública ...........................
Formação bruta de capital fixo ...................................
Variação de estoque ..................................................
Exportações líquidas (A - B) ......................................
A - Exportações ....................................................
Exportações para o resto do mundo .................
Exportações para o resto do Brasil ...................
B - Importações .....................................................
Importações do resto do mundo .......................
Importações do resto do Brasil .........................
VALORES
(R$ 1.000.000)
% DO PIB
195.382
116.037
59,4
4.112
36.084
35.683
-721
8.299
145.924
36.318
109.607
137.625
30.458
107.166
2,1
18,5
18,3
-0,4
4,3
74,7
18,6
56,1
70,4
15,6
54,8
FONTE: Fundação de Economia e Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Contabilidade
F ONTE: Regional.
18
Rendimento misto bruto está associado à remuneração dos trabalhadores por conta própria, sejam estes empregadores ou autônomos. Já o excedente operacional bruto é o saldo
entre o Valor Adicionado Bruto (VAB) e a soma das outras remunerações com os impostos.
Ele pode ser entendido como o lucro das empresas descontado da remuneração dos proprietários em função do seu trabalho.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
49
Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008: ...
Como mencionado anteriormente, um resultado fundamental da Matriz
são os multiplicadores de impacto. Na Tabela A.1, encontram-se os multiplicadores para o produto, o Valor Adicionado e o número de empregos. Esses multiplicadores estão separados em seus efeitos direto, indireto e induzido. Este último, também chamado efeito renda, foi calculado considerando
a remuneração das famílias como a soma dos salários, das contribuições
sociais, do rendimento misto bruto e do excedente operacional bruto.
Tiveram os maiores multiplicadores sobre o produto, considerando os
efeitos totais, as atividades alimentos e bebidas (2,63), produtos do fumo
(2,62), alojamento e alimentação (2,46) e pecuária e pesca (2,36). Essas
atividades têm em comum o fato de o seu consumo intermediário ser dirigido principalmente para outros produtos locais, especialmente para produtos
da agropecuária gaúcha.
Tabela 3
Valor Adicionado Bruto (VAB), pela ótica da renda, do RS — 2008
COMPONENTES
Valor Adicionado Bruto ....................................................................
Remunerações ...........................................................................
Salários ..................................................................................
Contribuições sociais efetivas ...............................................
Contribuições sociais imputadas ...........................................
Excedente operacional bruto e rendimento misto bruto .............
Rendimento misto bruto .........................................................
Excedente operacional bruto .................................................
Impostos líquidos de subsídios sobre a produção e a importação
VALORES
(R$ 1.000.000)
% DO
PIB
172.252
73.642
57.655
13.765
2.223
96.540
26.252
70.288
2.070
37,7
29,5
7,0
1,1
49,4
13,4
36,0
1,1
FONTE: Fundação de Economia e Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Contabilidade
F ONTE: Regional.
Considerando os efeitos indiretos (sem considerar o efeito renda), essas quatro atividades também se destacam dentre as maiores, com a adição da atividade têxteis, artefatos do vestuário e do couro, acessórios e
calçados, outra atividade voltada a processar insumos de origem local. Já
considerando apenas o efeito renda, destacam-se atividades imobiliárias
e aluguéis (1,02), intermediação financeira, seguros e previdência
complementar (0,87), comércio e serviços de manutenção e reparação
(0,87) e administração, saúde e educação públicas e seguridade social
(0,85). Porém os multiplicadores referentes a atividades imobiliárias e
aluguéis e administração, saúde e educação públicas e seguridade
social devem ser analisados com cautela. A primeira inclui os aluguéis imputados, que são o valor que se atribui à geração de valor das residências
próprias, isto é, o quanto os proprietários estariam pagando de aluguel por
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
50
Rodrigo de Sá
um imóvel idêntico. Assim, uma grande parte da renda gerada por essa
atividade é “virtual” e não é razoável que ela afete o consumo das famílias,
pelo menos não da mesma forma que a renda das outras atividades. Já
quanto à administração pública, ela não tem o caráter de responder a uma
demanda por seus produtos com o aumento da sua produção da mesma
forma que as outras atividades da economia. Assim, ao ser defrontada com
um aumento da demanda por seus produtos, ela não necessariamente aumentará o seu consumo intermediário.
O multiplicador de Valor Adicionado é maior nas atividades com maior
razão Valor Adicionado por valor produzido, ou naquelas que demandam
mais intensamente atividades com essas características. Em 2008, no Estado, as atividades que apresentaram um maior valor para esse multiplicador
foram atividades imobiliárias (1,52), comércio e serviços de manutenção e reparação (1,31), intermediação financeira (1,31) e administração
pública (1,27).
No multiplicador sobre empregos, destacam-se as atividades outros
serviços (67,31), serviços de alojamento e alimentação (62,60), agricultura, silvicultura e exploração florestal (62,46), pecuária e pesca
(61,69), comércio e serviços de manutenção e reparação (53,21) e serviços prestados às empresas (49,98), nas quais esses valores estão expressos em número de empregos gerados a cada milhão de reais produzido.
5 Conclusão
Neste trabalho, buscou-se apresentar a metodologia da análise de insumo-produto em geral e da Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do
Sul — 2008 em particular, dando enfoque especial às hipóteses feitas na
construção do modelo e às suas implicações. Além disso, essa abordagem
permitiu um entendimento fundamentado da interpretação dos resultados da
Matriz.
Ainda, foram apresentados os principais resultados da Matriz. Ela permite calcular o Produto Interno Bruto do Estado através das três óticas —
produção, renda e dispêndio —, sendo que as duas últimas não estão disponíveis nas contas regionais. Assim, foi possível dizer, dentre outras coisas, o quanto o consumo das famílias representou do produto do Estado e a
taxa de investimento no ano de 2008. Também foram calculados os multiplicadores sobre o produto, o Valor Adicionado, a remuneração e o emprego
de cada atividade, informações essenciais para o planejamento e a condução de políticas públicas.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
51
Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008: ...
Apêndice
Tabela A.1
Multiplicadores de impacto Rio Grande do Sul — 2008
a) impacto sobre a produção
ATIVIDADE
DIRETO INDIRETO INDUZIDO TOTAL
Agricultura, silvicultura e exploração florestal ........
Pecuária e pesca ...................................................
Indústria extrativa ...................................................
Alimentos e bebidas ...............................................
Produtos do fumo ...................................................
Têxteis, artefatos do vestuário e do couro, acessórios e calçados ...................................................
Produtos de madeira - exclusive móveis ...............
Celulose e produtos de papel ................................
Jornais, revistas, discos .........................................
Refino de petróleo e gás e produtos químicos .......
Álcool .....................................................................
Artigos de borracha e plástico ................................
Produtos de minerais não metálicos ......................
Fabricação de aço e derivados ..............................
Metalurgia de metais não ferrosos .........................
Produtos de metal,exclusive máquinas e equipamentos ...................................................................
Máquinas e equipamentos, inclusive manutenção
e reparos ................................................................
Eletrodomésticos ....................................................
Máquinas para escritório e equipamentos de informática ................................................................
Máquinas, aparelhos e materiais elétricos .............
Material eletrônico e equipamentos de comunicações ........................................................................
Aparelhos/instrumentos médico-hospitalar, medida e ópticos ............................................................
Veículos automotores ............................................
Outros equipamentos de transporte .......................
Móveis e produtos das indústrias diversas ............
Serviços industriais de utilidade pública ................
Construção civil ......................................................
Comércio e serviços de manutenção e reparação
Serviços de alojamento e alimentação ..................
Transportes, armazenagem e correios ..................
Serviços de informação ..........................................
Intermediação financeira ........................................
Serviços prestados as empresas ...........................
Atividades imobiliárias e aluguéis ..........................
Administração, saúde e educação públicas e seguridade social .......................................................
Serviços prestados às famílias e associativa .........
Outros serviços ......................................................
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
0,42
0,62
0,46
1,02
1,03
0,75
0,74
0,61
0,61
0,60
2,17
2,36
2,07
2,63
2,62
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
0,63
0,47
0,52
0,32
0,58
0,00
0,57
0,54
0,50
0,41
0,57
0,67
0,48
0,72
0,20
0,00
0,42
0,57
0,45
0,48
2,20
2,13
2,00
2,03
1,78
1,00
1,99
2,11
1,95
1,89
1,00
0,36
0,56
1,92
1,00
1,00
0,49
0,46
0,48
0,46
1,97
1,92
1,00
1,00
0,21
0,52
0,50
0,48
1,70
2,00
1,00
0,33
0,55
1,88
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
0,30
0,56
0,58
0,43
0,33
0,38
0,28
0,80
0,58
0,43
0,38
0,37
0,05
0,71
0,44
0,53
0,58
0,56
0,70
0,87
0,66
0,66
0,75
0,87
0,78
1,02
2,01
2,00
2,11
2,01
1,89
2,08
2,16
2,46
2,24
2,18
2,25
2,15
2,07
1,00
1,00
1,00
0,34
0,44
0,32
0,85
0,73
0,81
2,19
2,17
2,13
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
52
Rodrigo de Sá
Tabela A.1
Multiplicadores de impacto Rio Grande do Sul — 2008
b) impacto sobre o Valor Adicionado
ATIVIDADE
DIRETO INDIRETO INDUZIDO TOTAL
Agricultura, silvicultura e exploração florestal .........
Pecuária e pesca .....................................................
Indústria extrativa ....................................................
Alimentos e bebidas ................................................
Produtos do fumo ....................................................
Têxteis, artefatos do vestuário e do couro, acessórios e calçados .....................................................
Produtos de madeira - exclusive móveis .................
Celulose e produtos de papel ..................................
Jornais, revistas, discos ...........................................
Refino de petróleo e gás e produtos químicos ........
Álcool .......................................................................
Artigos de borracha e plástico .................................
Produtos de minerais não metálicos ........................
Fabricação de aço e derivados ................................
Metalurgia de metais não ferrosos ..........................
Produtos de metal, exclusive máquinas e equipamentos .....................................................................
Máquinas e equipamentos, inclusive manutenção
e reparos .................................................................
Eletrodomésticos .....................................................
Máquinas para escritório e equipamentos de informática ..................................................................
Máquinas, aparelhos e materiais elétricos ..............
Material eletrônico e equipamentos de comunicações .........................................................................
Aparelhos/instrumentos médico-hospitalar, medida e ópticos .............................................................
Veículos automotores ..............................................
Outros equipamentos de transporte ........................
Móveis e produtos das indústrias diversas ..............
Serviços industriais de utilidade pública ..................
Construção civil .......................................................
Comércio e serviços de manutenção e reparação
Serviços de alojamento e alimentação ....................
Transportes, armazenagem e correios ....................
Serviços de informação ...........................................
Intermediação financeira .........................................
Serviços prestados as empresas .............................
Atividades imobiliárias e aluguéis ............................
Administração, saúde e educação públicas e seguridade social .........................................................
Serviços prestados às famílias e associativa ..........
Outros serviços ........................................................
0,60
0,47
0,43
0,13
0,09
0,13
0,24
0,17
0,46
0,49
0,40
0,39
0,32
0,32
0,31
1,13
1,10
0,92
0,91
0,90
0,33
0,45
0,28
0,56
0,07
0,00
0,25
0,37
0,25
0,35
0,23
0,20
0,20
0,15
0,13
0,00
0,17
0,20
0,20
0,14
0,30
0,35
0,25
0,38
0,11
0,00
0,22
0,30
0,24
0,26
0,87
1,00
0,73
1,08
0,31
0,00
0,64
0,87
0,68
0,74
0,41
0,14
0,29
0,84
0,26
0,27
0,21
0,19
0,25
0,24
0,73
0,70
0,40
0,28
0,09
0,19
0,26
0,25
0,75
0,72
0,40
0,15
0,29
0,84
0,55
0,22
0,28
0,39
0,42
0,53
0,71
0,36
0,47
0,50
0,63
0,57
0,95
0,15
0,21
0,24
0,18
0,13
0,15
0,14
0,28
0,17
0,24
0,21
0,19
0,03
0,37
0,23
0,28
0,31
0,29
0,37
0,46
0,35
0,35
0,39
0,46
0,41
0,54
1,07
0,67
0,80
0,87
0,84
1,05
1,31
0,99
0,99
1,13
1,31
1,17
1,52
0,65
0,51
0,63
0,17
0,20
0,15
0,45
0,38
0,43
1,27
1,09
1,21
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
53
Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul — 2008: ...
Tabela A.1
Multiplicadores de impacto Rio Grande do Sul — 2008
c) impacto sobre o número de empregos
ATIVIDADE
DIRETO INDIRETO INDUZIDO
Agricultura, silvicultura e exploração florestal ........
Pecuária e pesca ...................................................
Indústria extrativa ...................................................
Alimentos e bebidas ...............................................
Produtos do fumo ...................................................
Têxteis, artefatos do vestuário e do couro, acessórios e calçados ...................................................
Produtos de madeira - exclusive móveis ...............
Celulose e produtos de papel ................................
Jornais, revistas, discos .........................................
Refino de petróleo e gás e produtos químicos ......
Álcool .....................................................................
Artigos de borracha e plástico ...............................
Produtos de minerais não metálicos ......................
Fabricação de aço e derivados ..............................
Metalurgia de metais não ferrosos .........................
Produtos de metal ,exclusive máquinas e equipamentos ...................................................................
Máquinas e equipamentos, inclusive manutenção
e reparos ................................................................
Eletrodomésticos ...................................................
Máquinas para escritório e equipamentos de informática ................................................................
Máquinas, aparelhos e materiais elétricos .............
Material eletrônico e equipamentos de comunicacoes .......................................................................
Aparelhos/instrumentos médico-hospitalar, medida e óptico .............................................................
Veículos automotores ............................................
Outros equipamentos de transporte ......................
Móveis e produtos das indústrias diversas ............
Serviços industriais de utilidade pública ................
Construção civil ......................................................
Comércio e serviços de manutenção e reparação
Serviços de alojamento e alimentação ..................
Transportes, armazenagem e correios ..................
Serviços de informação .........................................
Intermediação financeira ........................................
Serviços prestados as empresas ...........................
Atividades imobiliárias e aluguéis ..........................
Administração, saúde e educação públicas e seguridade social .......................................................
Serviços prestados às famílias e associativa ........
Outros serviços ......................................................
TOTAL
41,25
32,78
21,13
5,95
1,60
6,03
14,05
4,94
26,10
27,03
15,18
14,86
12,28
12,19
11,99
62,46
61,69
38,35
44,24
40,62
24,00
21,28
7,10
18,67
0,69
0,00
7,19
16,05
2,03
10,47
10,52
8,41
6,82
4,33
3,01
0,00
4,66
6,09
4,73
3,22
11,54
13,41
9,73
14,42
4,06
0,00
8,48
11,50
8,99
9,74
46,06
43,10
23,64
37,43
7,76
0,00
20,33
33,65
15,75
23,44
11,86
3,41
11,26
26,53
5,68
11,45
4,94
5,09
9,66
9,27
20,27
25,81
6,68
6,94
2,59
4,93
9,97
9,56
19,25
21,42
6,38
3,71
11,11
21,20
8,44
3,60
6,75
13,80
4,27
27,11
31,83
35,66
13,53
7,72
3,81
29,39
3,45
3,95
5,28
7,35
6,18
2,98
5,63
3,82
13,59
4,68
5,91
4,54
4,82
0,96
14,27
8,86
10,64
11,67
11,24
14,12
17,56
13,35
13,33
15,07
17,59
15,78
20,49
26,66
17,74
24,73
31,65
18,49
46,87
53,21
62,60
31,54
28,70
25,95
49,98
24,90
13,50
22,27
45,63
4,94
7,12
5,42
17,16
14,67
16,25
35,60
44,06
67,31
FONTE: Fundação de Economia e Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Contabilidade
FONTE: Regional.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
54
Rodrigo de Sá
Referências
MILLER, R. E.; BLAIR, P. D. Input-output analysis: foundations and extensions. Cambridge: [s.n.], 2009.
MATRIZ de insumo-produto do Rio Grande do Sul de 2008. Porto Alegre:
FEE, 2014. No prelo.
N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Mateus Pereira da Rosa.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Exportações gaúchas e brasileiras, por
intensidade tecnológica, entre
2003 e 2013
Guilherme Rosa de Martinez Risco
Economista, Pesquisador da Fundação
de Economia e Estatística
1 Introdução
Este artigo busca analisar o desempenho das exportações gaúchas ao
longo do período de 2003 a 2013, de forma comparativa com o desempenho do Brasil. A análise foca o setor industrial, no qual, é utilizada a classificação por intensidade tecnológica para analisar cada segmento da indústria
e seu desempenho ao longo do período. Dentro de cada segmento de intensidade tecnológica, são analisados os principais setores e produtos, bem
como os principais destinos de cada um deles. Ao longo desse período,
notam-se comportamentos distintos dos dois principais segmentos da exportação. Enquanto o de baixa tecnologia perdeu participação no total exportado pela indústria gaúcha, o de média-alta tecnologia, apesar de continuar
sendo o segundo mais importante, teve crescimento da sua participação. Na
seção 2, examina-se o desempenho geral das exportações gaúchas comparativamente às totais do Brasil. Na terceira seção, as exportações são analisadas conforme o país de destino. Na seção 4, observa-se o desempenho
do setor exportador conforme a categorização de setores da Classificação
Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). E, na seção 5, são estudados
os setores da indústria conforme a classificação por intensidade tecnológica.
2 Panorama geral das exportações gaúchas
e comparação com as do Brasil no
período 2003-13
Neste item, visa-se expor brevemente o desempenho das exportações
do RS no período de 2003 a 2013. Em linhas gerais, pode-se observar que
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
56
Guilherme Rosa de Martinez Risco
houve um aumento substancial do total exportado, chegando a US$ 25 bilhões em 2013, contra um valor de US$ 8 bilhões em 2003.
O crescimento nesse período não foi homogêneo, e seu comportamento pode ser explicado, em parte, por influências externas, por exemplo, a
crise de 2008, ou internas, como a quebra de safra em 2012. Nos últimos
anos, há uma aparente melhora nos valores exportados, com um desempenho excepcional no último ano.
Quando se observa o desempenho das exportações do Brasil, vê-se
que as do RS cresceram menos que as do País no período, o que resultou
em uma redução da sua participação. Enquanto a expansão das exportações brasileiras foi de 231%, as do Estado elevaram-se 213%. Também se
pode observar que o RS sempre ficou entre os quatro estados que mais
exportaram, na maior parte dos anos, ocupando a terceira posição, sempre
atrás de São Paulo e de Minas Gerais.
Em relação aos parceiros comerciais do RS, houve um aumento da
participação da China no período de análise, passando de 8,96 % em 2003
para 18,14% em 2013. Os Estados Unidos, que, no início do período, era o
principal parceiro comercial do RS, perdeu espaço para a Argentina e para a
China, chegando, em 2013, com uma participação de 6,5%, valor bem abaixo dos 22,3% registrados em 2003. A participação da Argentina chegou a
um pico de 14,0% do total exportado pelo RS em 2009, mas, desde então,
vem caindo ano a ano, chegando a 2013 com uma participação de 7,6%,
mesmo percentual de 2003.
Em relação aos setores, pode-se observar que, no total exportado pelo
Brasil, houve uma queda da participação da indústria de transformação,
reduzindo-se de 81% em 2003 para 63% em 2013. Por outro lado, a agricultura, a pecuária, a silvicultura e a exploração florestal ampliaram sua participação de 9% para 15%, e o subsetor indústria extrativa passou de 8% para
20%.
As exportações do RS apresentaram um comportamento similar, porém com redução menos intensa da participação da indústria de transformação. Considerando os subsetores da indústria de transformação, vê-se que
tiveram distintas importâncias no Brasil e no Rio Grande do Sul. Além disso,
pode-se observar que, em 2013, no valor total das exportações do RS, teve
impacto significativo a venda de plataformas de petróleo, com valor muito
elevado (US$ 4,8 bilhões).
Quando se analisa a produção industrial exportada segundo a intensidade tecnológica, constata-se que a de baixa intensidade é a que possui o
maior potencial exportador no Brasil. Porém vê-se que o maior crescimento
ocorreu no setor de baixa-média intensidade. Além disso, o setor de alta
intensidade reduziu sua participação no período.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
57
Exportações gaúchas e brasileiras, por intensidade tecnológica, entre 2003 e 2013
De 2003 a 2013, pode ser observado um crescimento das exportações
gaúchas bastante elevado, de 212,6%. Deve-se notar que o aumento foi
bastante heterogêneo no período: partindo de US$ 8 bilhões em 2003, as
exportações apresentaram um desempenho bastante satisfatório até 2008,
quando superaram os US$18 bilhões; nos anos de 2009 e 2010, ocorreu
uma redução dos valores, quando o total exportado ficou por volta de
US$ 15 bilhões.
Tabela 1
Evolução do valor das exportações do Brasil e do Rio Grande do Sul — 2003-13
(US$ 1.000)
DISCRIMINAÇÃO
2003
Brasil ....................... 73.203
RS ............................ 8.027
DISCRIMINAÇÃO
Brasil .......................
RS ...........................
2009
152.995
15.236
2004
2005
2006
2007
2008
96.678
9.902
118.529
10.476
137.807
11.802
160.649
15.018
197.942
18.385
2010
2011
2012
201.915
15.382
256.040
19.427
242.578
17.386
2013
242.034
25.094
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)/
FONTE DOS DADOS BRUTOS: /Aliceweb (BRASIL, 2014b).
No ano de 2011, o montante exportado melhorou e chegou a US$ 19,4
bilhões. Esse resultado não se manteve, em parte, por causa de dificuldades no setor agrícola, em 2012.
Quando se observa a performance do RS frente à do Brasil como um
todo, constata-se que o crescimento do Brasil foi 12% superior no período.
O País chegou ao final de 2012 exportando quase US$ 242 bilhões, com
um crescimento de 231% em relação ao ano de 2003.
Analisando ano a ano, encontra-se justificativa para esse comportamento na primeira metade do período enfocado. Até 2008, o Brasil apresentou um crescimento das suas exportações, sendo que ele foi mais acelerado
que o do Rio Grande do Sul em todos os anos, com exceção de 2007. Em
2008 e 2009, a queda das exportações do Rio Grande do Sul foi menos
intensa que a do Brasil, e, a partir desta última data, observa-se que o Brasil
obteve um crescimento das exportações inferior.
Ao analisar o ranking de estados de acordo com sua contribuição ao
valor do total das exportações brasileiras, nota-se que o Rio Grande do Sul
foi o segundo estado que mais exportou em 2003. Nesse ano, sua participação foi de 11% no total do Brasil. Em todos os anos, constata-se que o
estado que mais exportou foi São Paulo, com 32% do total das exportações
brasileiras. Esse estado diminuiu sua distância em relação aos demais,
chegando ao ano de 2012 com uma participação de 23%. Apesar disso, sua
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
58
Guilherme Rosa de Martinez Risco
participação continua sendo a mais importante no total do valor das exportações, com um montante de US$56 bilhões no ano de 2013.
No período, a partir de 2004, o Estado de Minas Gerais passou a obter
a segunda posição em termos de participação no total exportado pelo Brasil.
A diferença entre os valores das exportações do Rio Grande do Sul e de
Minas Gerais, nesse ano, foi de apenas US$ 100 milhões. Durante toda a
análise a partir de 2004, pode-se observar que Minas Gerais se manteve na
segunda posição e conseguiu ampliar sua participação, chegando, em
2013, a 14% do total exportado, com um montante de US$33 bilhões.
O desempenho do Rio de Janeiro também foi bastante significativo. No
ano de 2003, esse estado apresentava um valor exportado de US$ 4,8 bilhões, que chegou, em 2013, a US$ 21 bilhões. Além disso, pode-se notar
que, em 2010 e 2011, exportando acima de US$ 20 bilhões, foi o terceiro
maior estado exportador.
Assim, constata-se que o Rio Grande do Sul iniciou sua trajetória em
segundo lugar, no ano de 2003, tornando-se terceiro estado no ranking,
quando as exportações de Minas Gerais superaram as suas, em 2004, e
mantendo-se nessa posição até 2010, quando o Rio de Janeiro conseguiu
melhorar seu desempenho. Em 2011, exportando US$19 bilhões, o RS seguiu na quarta posição. Nos anos de 2012 e 2013, o desempenho do Estado melhorou vis-à-vis ao do Rio de Janeiro, superando este último e voltando à terceira posição, onde se situa desde então.
Em relação à participação percentual, pode-se notar que o ranking dos
estados quanto ao total exportado se modificou, com uma maior diversificação. Essa diversificação é notada através da perda de espaço de São Paulo. Minas Gerais obteve crescimento no período, passando de 10,2% em
2003 para 13,8% em 2013. O Rio Grande do Sul sofreu uma leve redução,
de 11,0% em 2003 para 10,4% em 2013. Porém, quando se observam os
anos intermediários, vê-se que essa participação ficou acima de 10% apenas nos anos de 2003, 2004 e 2013. Nos anos intermediários, a participação mínima ocorreu em 2011, quando as exportações do RS representaram
apenas 7,2% das do Brasil.
3 Principais destinos das exportações
brasileiras e gaúchas
A China foi o principal destino das exportações brasileiras em 2013, totalizando US$ 46 bilhões. Além disso, nota-se que a China detém essa posição desde 2009, quando importou do Brasil US$ 21 bilhões. Pode-se observar uma tendência de a China elevar o percentual de participação nas
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Exportações gaúchas e brasileiras, por intensidade tecnológica, entre 2003 e 2013
59
compras das exportações brasileiras, chegando a conseguir, sozinha, ser
responsável por 19% do montante exportado pelo Brasil. A segunda posição
é ocupada pelos Estados Unidos, que eram o maior país de destino até
2008. No ano de 2003, os EUA foram responsáveis por US$ 16 bilhões, ou
23% do total exportado nesse ano.
Além desses dois países, também se deve analisar a performance da
Argentina, que permaneceu em terceiro lugar durante todo o período e mais
que quadruplicou o montante importado do Brasil, chegando, em 2013, à
importação de US$ 19,6 bilhões. Os valores das exportações para a Argentina chegaram a seu ápice em 2011, quando esse país consumiu US$ 22,7
bilhões em produtos brasileiros. Outro parceiro comercial importante do
Brasil é a Holanda. Durante a análise, ela sempre esteve em quarta posição
dentre os parceiros comerciais do Brasil. Em 2013, foi responsável pela
compra de US$ 17 bilhões, representando 7,16% do total exportado pelo
Brasil.
Um país que tem aumentado sua participação nas exportações brasileiras é o Japão, cujas importações do Brasil alcançaram US$ 8 bilhões em
2013. Desde 2011, esse país é o quinto maior parceiro comercial do Brasil.
Além dele, também é preciso destacar a Alemanha, que foi responsável por
exportações brasileiras no valor de US$ 6,5 bilhões em 2013. Vê-se que a
participação desse país tem caído: em 2003, a Alemanha foi responsável
por 4,29% das exportações brasileiras e por apenas 2,71% em 2013. Esse
é o valor mais baixo da série.
Analisando os principais parceiros do Rio Grande do Sul, no período de
2003 a 2013, houve algumas mudanças conjunturais bastante significativas,
devido, principalmente, à crise de 2008. Nos primeiros anos da análise,
nota-se que o principal mercado do Rio Grande do Sul eram os Estados
Unidos. Em 2003, sua participação ultrapassou 20% do total exportado pelo
RS. Na trajetória, observa-se que a participação desse país apresentou
reduções durante todos os anos até 2007, porém o mesmo não ocorreu
com o montante exportado em valor, que teve queda apenas no ano de
2006. A participação dos EUA nas exportações gaúchas seguiu em queda
percentual, chegando a 15% em 2006 e a 6,5% em 2013. O valor exportado
apresenta oscilações e uma leve melhora a partir de 2010, chegando, em
2013, a US$ 1,6 bilhão.
Em relação ao ranking, vê-se que a liderança dos EUA ocorreu até
2009, quando sua participação foi superada pela da China e pela da Argentina, passando ao terceiro lugar. No ano de 2013, devido à compra das plataformas de petróleo pelo Panamá e pela Holanda, esses dois países subiram no ranking, ficando no segundo e no terceiro lugar, respectivamente,
deixando os Estados Unidos no quinto.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
60
Guilherme Rosa de Martinez Risco
O segundo país em volume de compras do Rio Grande do Sul, em
2003, foi a China, que importava 10,48% do total exportado pelo Rio Grande
do Sul. Em praticamente todos os anos, houve crescimento da participação
percentual desse país, que, a partir de 2009, passou a ser o principal parceiro comercial do Rio Grande do Sul. No ano de 2013, a China foi responsável por 18,14% das exportações do RS.
Em termos de valores, vê-se que, em 2003, as exportações alcançaram US$ 719 milhões. Nos anos seguintes, houve uma leve queda, com o
menor valor (US$ 528 milhões) ocorrendo em 2005. A partir de então, iniciou um período de crescimento, resultando em um valor exportado de
US$ 4,6 bilhões em 2013.
O terceiro principal parceiro comercial do Brasil é a Argentina. Em
2003, importando o equivalente ao valor de US$ 600 milhões, o país foi
responsável por 7,6% do total exportado pelo Estado. Houve crescimento
da participação argentina na pauta de exportação do Rio Grande do Sul até
2005. A partir de então, ocorreram oscilações, chegando a um máximo de
13,96% do total exportado no ano de 2009 e, então, reduzindo-se até 7,56%
em 2013.
Apesar dessa leve contração da participação da Argentina nas exportações do Rio Grande do Sul, pode-se observar que os valores totais das
mesmas foram crescentes até 2011, quando a importação desse país foi de
US$ 1,98 bilhão. Houve uma redução para US$ 1,5 bilhão em 2012 e um
posterior aumento, chegando, em 2013, a um total exportado de US$ 1,9
bilhão pelo RS para esse país.
Em relação aos demais países, salienta-se o desempenho da Holanda,
sempre superior a 2% do total exportado pelo Rio Grande do Sul. Em 2013,
devido à compra de plataformas de petróleo, esse país passou à segunda
posição, sendo destino de 10% do total exportado, equivalendo à importância de US$ 2,5 bilhões.
A Alemanha estava entre os principais compradores do RS em 2003,
representando 4,28% do total exportado pelo Estado. De forma gradual,
houve queda da participação desse país, chegando, em 2013, a 2,25% do
total de exportações do RS. Essa redução da participação não apresentou
diminuição dos valores, uma vez que as exportações totalizavam US$ 344
milhões em 2003 e passaram a US$ 566 milhões em 2013.
Em 2013, destacaram-se também a participação do Paraguai, com
2,85%, e a da Coreia do Sul, com 2,58%. O crescimento do total importado
por ambos foi bastante forte, principalmente no caso da Coreia do Sul, pois,
em 2003, o total importado por esse país foi de 0,68% das exportações
gaúchas. No caso do Paraguai, a participação foi de 1,56% em 2003. Em
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
61
Exportações gaúchas e brasileiras, por intensidade tecnológica, entre 2003 e 2013
2013, o valor do montante comprado pela Coreia do Sul foi de US$ 648
milhões; e o do Paraguai, de US$ 716 bilhões.
Tabela 2
Valor das exportações, por país de destino, do Rio Grande do Sul — 2003-13
(US$ milhão)
PAÍSES
Alemanha ..........
Argentina ...........
China .................
Coreia do Sul .....
Estados Unidos
Países Baixos ....
Paquistão ...........
Paraguai ............
Outros ................
TOTAL ...............
PAÍSES
Alemanha ..........
Argentina ...........
China ..................
Coreia do Sul .....
Estados Unidos
Países Baixos ....
Paquistão ...........
Paraguai .............
Outros ................
TOTAL ...............
2003
2004
2005
2006
2007
2008
344
608
719
54
1.786
215
4
125
4.172
8.027
324
879
711
66
1.935
257
10
176
5.544
9.902
358
1.066
528
110
1.911
247
19
204
6.033
10.476
381
1.101
761
131
1.766
303
12
339
7.008
11.802
443
1.481
1.472
192
1.773
474
18
421
8.745
15.018
613
1.617
1.927
239
2.454
594
96
639
10.205
18.385
2009
2010
2011
2012
2013
546
2.128
2.383
201
1.246
418
25
413
7.876
15.236
456
1.682
2.394
249
1.224
600
14
619
8.143
15.382
537
1.977
3.383
192
1.379
698
37
629
10.595
19.427
507
1.541
2.860
303
1.358
642
18
529
9.627
17.386
566
1.898
4.551
648
1.642
2.522
20
716
12.531
25.094
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)/
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Aliceweb (BRASIL, 2014b).
4 Setores da pauta exportadora do Brasil
por grupos da CNAE
Nesta seção, analisam-se os principias setores que se destacaram nas
exportações brasileiras e nas exportações gaúchas. Na primeira parte,
aborda-se a pauta brasileira como um todo e, na segunda, especificamente,
a pauta gaúcha (FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA, 2014).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
62
Guilherme Rosa de Martinez Risco
4.1 Setores da pauta exportadora do Brasil
de acordo com a CNAE
Em relação aos componentes da CNAE, vê-se que o setor da indústria
brasileira com maior participação é o da indústria de transformação. Apesar
disso, observa-se que houve redução da participação dessa ao longo do
tempo. De 80,69% do total exportado em 2003, essa representou apenas
58,5% em 2013. O valor exportado, porém, não se reduziu. Em 2003, foram
US$59 bilhões, vis-à-vis a US$151,7 bilhões em 2013.
Os grupos com maior participação, em 2003, dentro da indústria de
transformação, eram fabricação de produtos alimentícios e bebidas, com
18,3%, metalurgia básica, com 10,5%, fabricação e montagem de veículos
automotores, reboques e carrocerias, com 10,15%, e também máquinas e
equipamentos, com 5,5% do total exportado pelo Brasil. Pode-se notar que
o grupo fabricação de produtos alimentícios e bebidas teve certa oscilação
no período, mas sua participação manteve-se sempre acima de 16%, terminando 2013 como o principal item dentro da indústria de transformação. O
grupo máquinas e equipamentos reduziu bastante sua participação no período, chegando a 3,87% em 2013. O montante exportado, em 2013, pelo
grupo produtos alimentícios e bebidas foi de US$ 43,4 bilhões.
Dentro da indústria de transformação, de forma similar à de 2003,
constata-se que o segundo grupo com maior participação foi metalurgia
básica, com 7,27% do total exportado pelo Brasil, em 2013. Apesar de ter
apresentado uma redução da participação no período, esse subsetor foi
responsável pelo volume de US$ 17,6 bilhões nesse ano.
Também foi importante a participação, dentro da indústria de transformação, da fabricação e montagem de veículos automotores, com 6,73% da
exportação brasileira, e da fabricação de outros equipamentos de transporte, com 5,76% dos valores exportados pelo Brasil. Somando os valores das
exportações desses dois grupos, supera-se a marca de US$ 30 bilhões. O
grupo fabricação e montagem de veículos automotores possuía importância
já em 2003, quando o valor de seus produtos exportados foi de US$ 7,4
bilhões.
O segundo setor com maior importância na CNAE para a pauta exportadora brasileira são as indústrias extrativas. Essas foram responsáveis por
20,2% do total exportado pelo Brasil em 2013, e seu valor total de transações somou US$ 48,9 bilhões. Quando se observa a evolução dessa indústria ao longo do tempo, percebe-se que houve um incremento bastante significativo na sua participação, pois, em 2003, representava 8,47% das exportações brasileiras, com uma movimentação de US$ 6,2 bilhões. O cresPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Exportações gaúchas e brasileiras, por intensidade tecnológica, entre 2003 e 2013
63
cimento da participação atingiu seu ápice em 2011, quando o setor representou 26% das exportações brasileiras.
Dentro das indústrias extrativas, em 2013, quase toda a movimentação
do setor deveu-se à extração de minerais metálicos, com 14,5% de participação na pauta brasileira — extração de minério de ferro (com um share de
13,42%) e também extração de petróleo e serviços relacionados. O grupo
extração de petróleo e gás natural compunha 5,36% das exportações brasileiras. A extração de minério de ferro foi responsável pela movimentação de
US$ 32,4 bilhões; e a extração de petróleo, por US$ 13 bilhões.
Pode-se notar que, em 2003, já eram esses os principais participantes
da pauta exportadora do Brasil, sendo o minério de ferro responsável por
4,72%; e seu grupo como um todo, por 4,96% das exportações brasileiras.
O petróleo, nesse ano, foi responsável por exportações no valor de US$ 2,1
bilhões, o que representou 2,9% do total exportado.
O terceiro setor mais importante, de acordo com a pauta exportadora
brasileira, foi agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal, com
uma participação de 15%. O montante total desse setor foi de US$ 36 bilhões. A principal contribuição, no ano de 2013, foi da produção de lavouras
temporárias, dentro de agricultura, pecuária e serviços relacionados. Essa
contribuição foi de US$ 29,9 bilhões, que é 14,99% do total exportado pelo
Brasil.
A participação desse setor significou 9% do total exportado pelo Brasil
em 2003, sendo a produção de lavouras temporárias responsável por 6,6%
da pauta brasileira, com valores de US$ 6,6 bilhões e US$ 4,8 bilhões respectivamente. Pode-se observar que houve redução de sua participação na
pauta brasileira até 2006, quando o setor passou a representar apenas
7,33% do total exportado, e, então, iniciou-se um período de crescimento,
que segue até os dias atuais.
4.2 Setores da pauta exportadora do RS
de acordo com a CNAE
Ao se observar o comportamento dos componentes da pauta exportadora do Rio Grande do Sul segundo os setores, nota-se que o setor mais
representativo também é a indústria de transformação. Além disso, de forma
similar ao ocorrido no Brasil como um todo, vê-se que houve uma redução
da participação ao longo do tempo, passando de 87,3% do total exportado
para 78,7% em 2013. Pode-se perceber que o Rio Grande do Sul apresentou uma redução bastante inferior à do Brasil. Em termos de valores, não
houve queda: essa indústria passou de US$ 7 bilhões em 2003 para US$19
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
64
Guilherme Rosa de Martinez Risco
bilhões em 2013, representando um crescimento de 182% do valor dos
produtos exportados.
A maior participação na indústria de transformação, em 2013, foi a da
fabricação de outros equipamentos de transporte, com 19% do total exportado, devido, basicamente, ao subsetor construção e reparação de embarcações. O desempenho excepcional desse grupo deveu-se à construção de
três plataformas de petróleo na região para serem exportadas para o Panamá e a Holanda. O total movimentado nesse setor, em 2013, foi de US$ 4,8
bilhões. No entanto, pode-se observar, através da série histórica das exportações do Rio Grande do Sul, que a movimentação do subsetor fabricação
de outros equipamentos de transporte foi bastante atípica, uma vez que,em
todos os outros anos da análise, sua participação ficou sempre abaixo de
0,1% da pauta de exportações do Estado.
Dentro da indústria de transformação, a segunda maior participação foi
a da fabricação de produtos alimentícios e bebidas, com 16,86% em 2013.
Em relação ao desempenho desse subsetor, vê-se que houve uma redução
de sua participação bastante elevada, pois, em 2012, ele correspondia a
26% da pauta de exportações gaúcha.
A maior queda de participação ocorreu no subsetor abate e preparação
de produtos de carne e pescado, que representava 12,9% em 2012, caindo
para 8,8% em 2012. Além desse subsetor, também houve redução de participação do subsetor produção de óleos e gorduras vegetais e animais, que
representava 9,3% do total exportado em 2012 e apenas 6% em 2013.
Mesmo assim, em termos de valores, a queda, entre 2012 e 2013, foi bastante baixa, passando de US$ 4,5 bilhões para US$ 4,2 bilhões.
Pode-se também salientar a participação da fabricação de produtos do
fumo no período analisado, sendo responsável, em 2013, por 9,26% da
pauta exportadora total do Estado. A sua participação declinou em relação a
2012, mas não houve redução do montante, que foi de US$ 2,3 bilhões em
2013.
Além desse subsetor, vê-se que a fabricação de produtos químicos foi
responsável por 9,1% das exportações gaúchas. Com destaque para o item
fabricação de resinas e elastômeros, principal componente em todos os
anos e responsável por 4,68% do total exportado pelo RS. Em termos de
valor, o setor movimentou US$ 2,8 bilhões, sendo US$ 1,2 bilhão referente
ao item fabricação de resinas e elastômeros.
Outro grupo importante é o de máquinas e equipamentos, cuja participação foi superior a 8% do total exportado em todo o período, com exceção
de 2009 e 2013. Houve uma queda de 0,9% em relação a 2012 no subsetor
fabricação de motores, bombas, compressores e equipamentos de transmissão e na fabricação de tratores e de máquinas e equipamentos para a
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Exportações gaúchas e brasileiras, por intensidade tecnológica, entre 2003 e 2013
65
agricultura, avicultura e obtenção de produtos animais. O montante recebido
pelo mesmo reduziu-se 5%, chegando, em 2013, com um valor de US$ 1,3
bilhão.
Por fim, também se precisa lembrar do subsetor preparação de couros
e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados, que, em
2003, era responsável por 20% das exportações gaúchas. O principal item
desse subsetor era o de fabricação de calçados, que correspondia a 14,8%
das exportações do RS em 2003. Em termos de valor, em 2003, este último
movimentou US$ 1,6 bilhão, sendo o item calçados responsável por
US$ 1,2 bilhão, configurando-se como o mais importante dentro da indústria
de transformação.
Houve uma queda abrupta da participação do subitem preparação de
couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados,
chegando, em 2013, a representar apenas 4% das exportações do Estado.
Dentro dessas, a maior parte da redução ocorreu em fabricação de calçados, que é responsável apenas pela metade dos valores arrecadados pela
divisão. O montante arrecadado por esse item foi de US$ 500 milhões, sendo que as exportações do subsetor alcançaram US$ 1 bilhão no ano de
2013.
Além da indústria de transformação, outro setor importante foi o agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal. Ele foi responsável, em
2013, por 20% do total exportado pelo RS. Pode-se observar que, com exceção de 2005, esse setor apresentou uma importância grande na economia gaúcha. A sua participação cresceu bastante ao longo do tempo, uma
vez que, em 2003, ela representava 11,3% das exportações gaúchas, com
um montante de US$ 909,3 milhões.
A sua divisão mais importante é produção de lavouras temporárias,
que sempre é a que possui a maior participação. Em 2013, esse subitem
movimentou US$ 4,9 bilhões, enquanto o item como um todo foi responsável por US$ 5 bilhões.
A indústria extrativa, que perfazia 0,21% em 2003, perdeu espaço,
conseguindo apenas ser responsável por 0,08% das exportações gaúchas.
A única divisão relevante é extração de minerais não metálicos. O valor das
exportações do setor alcançou US$ 20 milhões. Há certa semelhança com a
estrutura brasileira. A análise também deve ponderar que as exportações
atreladas à construção das plataformas impactaram muito a estrutura exportadora gaúcha, devido ao seu alto valor.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
66
Guilherme Rosa de Martinez Risco
5 Exportações de acordo com
a intensidade tecnológica
Nesta seção, é analisada a evolução das exportações brasileiras e das
exportações gaúchas apenas da indústria, tentando observar as diferenças
de crescimento dos valores das exportações de acordo com a intensidade
tecnológica. Na primeira parte, é tratado o desempenho do Brasil e, na segunda, o desempenho gaúcho.
5.1 Exportações brasileiras por
intensidade tecnológica
Quando se observam as exportações da indústria brasileira de acordo
com a tecnologia empregada, constata-se que a maior parte das exportações se concentra no setor de baixa tecnologia. Durante todo o período de
análise, esse setor foi o mais importante, passando sua participação nas
exportações de 39,8% em 2003 para 39,7% em 2013. Nos anos intermediários, houve oscilações negativas e positivas dessa parte da indústria.
O valor do montante das exportações dessa parcela da indústria passou de US$ 23,3 bilhões em 2003 para US$ 60 bilhões em 2013. Com exceção dos anos de 2009 e 2012, houve crescimento do valor obtido com as
exportações dessa indústria. No período, o aumento do valor transacionado
foi de 157%.
Apesar de a indústria de baixa tecnologia ter a maior participação no
total das exportações da indústria brasileira, pode-se observar que não foi
essa que cresceu mais no período. A parcela da indústria que apresentou
um crescimento maior foi a de média-baixa tecnologia, responsável por
27,4% do total exportado em 2013. Esse setor teve crescimento desde
2003, quando o valor do montante exportado foi de US$ 13,4 bilhões e significou 22,9% das exportações industriais. Em 2013, o valor de suas exportações atingiu US$ 41,4 bilhões. Além disso, pode-se notar que, apenas em
2009 e 2012, houve redução dos repasses nessa área.
A participação da indústria de média-alta tecnologia é a terceira maior,
sendo responsável, em 2013, por 28,2% do montante exportado, o que correspondeu a US$ 39,9 bilhões. Houve queda da participação desse setor,
uma vez que, em 2003, ele era responsável por 28,5% do total exportado, o
que, em valor, significava US$ 16,7 bilhões. De 2003 a 2013, esse setor
cresceu 138%.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Exportações gaúchas e brasileiras, por intensidade tecnológica, entre 2003 e 2013
67
O setor de alta tecnologia é o de menor potencial exportador no momento. Sua participação foi de 6,5% do total exportado no ano de 2013,
transacionando US$ 9,8 bilhões. Vê-se que esse setor perdeu participação,
uma vez que, em 2003, ele era responsável por 8,8% das exportações da
indústria brasileira. Em todos os anos, com exceção de 2009 e 2013, houve
crescimento dos montantes das exportações desse setor, chegando a um
aumento de 91% dos valores transacionados.
5.2 Exportações gaúchas por
intensidade tecnológica
Nesta seção, analisa-se o desempenho das exportações do Estado,
especificamente do setor industrial, classificando as exportações conforme
sua intensidade tecnológica. Para melhor compreender o comportamento
das exportações ao longo dos anos, excluíram-se os valores referentes a
plataformas de petróleo (NCM 89052000-Plataformas de perfuração/exploração, flutuantes, etc.). Durante o período analisado, foi registrado o embarque de uma plataforma em 2008 (para os EUA) e de três plataformas em
2013 (sendo duas registradas para o Panamá e uma para os Países Baixos). Essas plataformas possuem um alto valor, que é concentrado em uma
mercadoria, que aparece em quatro momentos durante todo o período de
análise. Em 2013, as três plataformas somaram US$ 4,77 bilhões, e, em
2008, a única plataforma representou US$ 862 milhões. Se esses valores
fossem mantidos na série, a indústria de média-baixa tecnologia apresentaria picos de exportação nos anos de 2008 e 2013.
Ao classificar os setores da indústria conforme a intensidade tecnológica, são obtidos quatro segmentos: indústria de alta tecnologia, indústria de
média-alta tecnologia, indústria de média-baixa tecnologia, indústria de baixa tecnologia.
Todos esses segmentos apresentaram crescimento entre 2003 e 2013.
Para os US$ 8,0 bilhões de crescimento do valor das exportações da indústria, o setor que mais colaborou foi o de média-alta tecnologia, que se elevou US$ 3,2 bilhões, quase metade do aumento das exportações industriais. Na pauta de exportações industriais do Estado, durante todo o período
de análise, o segmento que teve maior participação foi o de baixa tecnologia, que representou 58,6% do total exportado pela indústria no período.
Porém o crescimento desse segmento ficou abaixo do desempenho da indústria como um todo. Enquanto a indústria cresceu 113,7%, o segmento de
baixa tecnologia cresceu 80,7% entre 2003 e 2013. Com isso, esse seg-
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
68
Guilherme Rosa de Martinez Risco
mento apresentou uma tendência de queda na sua participação no total da
indústria, a qual caiu de 64,5% em 2003 para 54,6% em 2013.
O comportamento ano a ano desse setor foi quase sempre pior do que
o da indústria. Nos anos de 2008, 2009 e 2012, o segmento conseguiu ter
ganhos de participação no total da indústria, mas os mesmos foram pequenos, se comparados com os baixos desempenhos nos demais anos. As
maiores quedas de participação desse segmento no total da indústria ocorreram em 2005 e 2013, sendo que, em 2013, esse foi o único segmento que
apresentou retração, em termos absolutos, no valor exportado.
Já o segmento de média-alta tecnologia apresentou um comportamento diferente, com um crescimento superior ao da média da indústria. O valor
das exportações desse segmento, o segundo mais importante da indústria,
aproximou-se do alcançado pelo segmento de baixa tecnologia. Em 2013, a
participação do segmento de média-alta tecnologia foi de 34,0% do total da
indústria, valor acima dos 27,5% de participação em 2003.
O desempenho anual do segmento de média-alta tecnologia, em termos percentuais, só foi pior que o desempenho médio da indústria nos anos
de 2006, 2008, 2009 e 2012. Logo, nos demais anos, o setor teve ganhos
de participação no total da indústria. No ano de 2010, houve a melhor diferença de desempenho. Enquanto a indústria cresceu 10,3%, o segmento de
média-alta elevou-se 28,5%.
A indústria de média-baixa tecnologia foi a que mais aumentou, em
termos percentuais, entre 2003 e 2013, registrando uma elevação de
254,7%. Apesar desse forte crescimento relativo, o setor não contribuiu
muito para a ampliação das exportações da indústria, tendo em vista que
ele representava apenas 6,1% do total exportado pelo setor industrial em
2003. Essa participação subiu para 10,2% em 2013, mas ainda ficou bem
distante da dos dois principais segmentos da pauta gaúcha (média-alta e
baixa).
Em todos os anos, entre 2003 e 2007, as exportações do segmento de
média-baixa intensidade tecnológica cresceram acima da média da indústria, sendo que, nesse período, ele acumulou um crescimento de 215%
(média de 33% ao ano), enquanto as do total da indústria obtiveram alta de
88% (média de 17% ao ano). Já entre 2008 e 2012, o segmento apresentou
uma tendência de redução de sua participação nas exportações totais da
indústria, com exceção do ano de 2009, em que a queda de desempenho
do setor não foi tão forte quanto a queda da performance da indústria. A
participação desse segmento, que era de 9,9% em 2008, caiu para 8,3% em
2012.
O segmento de alta tecnologia tem pouca representatividade na pauta
gaúcha. Houve crescimento mais forte entre 2004 e 2006, seguido de uma
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
69
Exportações gaúchas e brasileiras, por intensidade tecnológica, entre 2003 e 2013
queda entre 2007 e 2009, com retomada nos anos seguintes (exceto em
2012), ano em que todos os segmentos tiveram queda.
Tabela 3
Valor, composição e crescimento, por intensidade tecnológica, das exportações
do Rio Grande do Sul — 2003 e 2013
DISCRIMINAÇÃO
Alta tecnologia ...............
VALOR EXPORTADO (US$)
2003
2013
PARTICIPAÇÃO
NA INDÚSTRIA (%)
2003
2013
CRESCIMENTO
2003-13
Valor (US$)
%
129.674.819
195.210.832
1,8
1,3
65.536.013
50,5
Baixa tecnologia ............ 4.558.560.674
8.239.521.738
64,5
54,6
3.680.961.064
80,7
Méd i a-baixa
tecnologia ....
433.348.522
1.537.249.807
6,1
10,2
1.103.901.285 254,7
M é d i a - al ta
tecnologia .... 1.946.943.505
5.131.216.747
27,5
34
3.184.273.242 163,6
TOTAL DA
INDÚSTRIA 7.068.527.520 15.103.199.124
100,0
100,0
8.034.671.604 113,7
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)/
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Aliceweb (BRASIL, 2014b).
5.2.1 Principais setores de atividade em cada
segmento de intensidade tecnológica
Neste item, analisam-se, dentro de cada segmento tecnológico, quais
foram os setores que mais impactaram o desempenho das exportações da
indústria, utilizando a CNAE, com desagregação de até três dígitos (grupos).
Indústria de baixa tecnologia
Nos três maiores setores (CNAE 2 dígitos) desse segmento, concentraram-se quase 90% das exportações no período 2003-13. O grupo que teve
maior participação foi o de produtos alimentícios e bebidas, que representou
45,4% desse segmento. Na sequência, destacam-se os grupos fumo
(23,5%) e preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos
de viagem e calçados (20,5%).
Dentro do grupo alimentos e bebidas, as exportações gaúchas concentraram-se, basicamente, em três subgrupos: produtos de carne e de pescado; óleos e gorduras vegetais e animais; e moagem. O subgrupo produtos
de carne e de pescado foi o que teve maior crescimento absoluto no segmento de baixa tecnologia, ao longo de todo período, com um aumento de
US$ 1,5 bilhão de 2003 para 2013. O melhor desempenho desse subgrupo
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
70
Guilherme Rosa de Martinez Risco
ocorreu antes de 2010, período em que sua participação no total das exportações da indústria saltou de 10,6% em 2003 para 17,4% em 2013. De 2010
em diante, o subgrupo teve desempenho inferior ao crescimento da indústria, sendo que, em 2013, as suas exportações tiveram queda de 1,5%,
enquanto a indústria como um todo cresceu 4,0%.
Dentro do subgrupo óleos e gorduras vegetais e animais, foram exportados, basicamente, óleo de soja e farelo de soja. Esses dois produtos tiveram perda de participação nas exportações da indústria em 2004 e 2005.
Após esses anos, a exportação de farelo de soja teve desempenho acima
do da indústria, de modo que sua participação, que era de 2,8% em 2005,
passou para 8,0% do total da indústria em 2013. Já o óleo de soja, após
2005, conseguiu ter um bom desempenho até 2008, quando atingiu 4,3%
das exportações da indústria. Após esse ano, o produto não acompanhou
mais o desempenho do farelo, tendo queda do valor das exportações em
alguns anos, chegando, em 2013, com uma participação de 1,9% do total
exportado pela indústria. Parte da explicação dessa piora das exportações
do óleo de soja deve-se à concorrência com a produção de biodiesel, que,
em muitos momentos, ofereceu um preço mais atrativo para as empresas
que processam a soja.
No subgrupo moagem, foi exportado, basicamente, arroz. Esse produto
tinha pouca relevância na pauta gaúcha, no ano de 2003. Mas, em dois
momentos, 2008 e 2011, as exportações de arroz deram um salto em termos de valor, sendo que, em 2011, o Estado exportou US$ 527 milhões do
produto, recorde no período analisado. Depois desse pico, as vendas caíram nos dois anos consecutivos, ficando o valor da sua exportação, em
2013, em US$ 279 milhões.
O fumo, ao longo do período de análise, teve uma participação média
de 13,8% no total exportado pela indústria. Ao longo da série, essa participação não mudou muito, com exceção do ano de 2009, quando a indústria
foi atingida pela crise internacional, e o fumo teve um forte ganho de participação, à medida que foi o único, entre os maiores produtos da indústria,
que não apresentou queda, fazendo com que sua participação chegasse a
17,5%.
No subgrupo preparação de couros e fabricação de artefatos de couro,
artigos de viagem e calçados, os principais itens de exportação são os calçados e o curtimento e outras preparações de couro. Na exportação de
calçados, está a principal causa da perda de desempenho dos produtos de
baixa tecnologia entre 2003 e 2013. A queda de 57,2% das exportações de
calçados no período fez com que esse produto deixasse de ser o principal
item de exportação da indústria gaúcha. Em 2013, ele representou apenas
3,4% do total exportado pela indústria, sendo que, em 2003, esse valor era
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Exportações gaúchas e brasileiras, por intensidade tecnológica, entre 2003 e 2013
71
de 16,8%. As exportações de calçados perderam espaço no mercado internacional, basicamente, devido à concorrência do produto fabricado na China com menor preço.
A fabricação de móveis, apesar de ter uma baixa participação nas exportações da indústria, também contribuiu para a queda de participação da
indústria de baixa tecnologia. Esse subsetor chegou a representar 3,1% da
indústria em 2004, decaindo para 1,3% em 2011, com uma queda de quase
dois pontos percentuais.
Portanto, o desempenho do segmento de baixa tecnologia, ao longo do
período de análise, explica-se, principalmente, pela retração, ano a ano, da
participação das exportações de calçados. Porém, nesse período, houve um
bom desempenho da indústria de alimentos, sendo seus principais produtos
as carnes e o óleo e o bagaço de soja. Esse subsetor apresentou ganhos
de participação em relação à indústria como um todo, entre 2003 e 2013.
Porém esse ganho ocorreu até 2010, sendo que, nos últimos anos, o subsetor teve um desempenho abaixo do da indústria.
Indústria de média-alta tecnologia
Os subsetores com maior participação nesse segmento, considerando
a média entre 2003 e 2013, são produtos químicos (42,0%), máquinas e
equipamentos (32,2%) e veículos automotores, reboques e carrocerias
(22,5%).
Entre esses subsetores, produtos químicos foi o que registrou maior
crescimento no período (195,8%), influenciado, principalmente, pelo item
produtos químicos orgânicos, que cresceu 271,1%.
No subsetor máquinas e equipamentos, cerca de metade das exportações são de tratores e de máquinas e equipamentos para a agricultura,
avicultura e obtenção de produtos animais, mas não foi esse o item que
mais cresceu no período. Os maiores crescimentos, nesse subsetor, vieram
do item fabricação de armas, munições e equipamentos militares e do item
motores, bombas, compressores e equipamentos de transmissão.
O desempenho da indústria de veículos automotores, reboques e carrocerias foi impulsionado, principalmente, pelo crescimento da indústria de
automóveis, que apresentou forte aumento de suas vendas de 2011 em
diante. Apesar de apresentarem um crescimento menor, os demais itens
desse subsetor também tiveram um desempenho bom, ajudando a aumentar a participação do mesmo na indústria.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
72
Guilherme Rosa de Martinez Risco
Indústria de média-baixa tecnologia
Nesse segmento, encontram-se, basicamente, os subsetores artigos
de borracha e plástico, produtos derivados do petróleo e produtos de metal.
O subsetor artigos de borracha e plástico obteve um crescimento de
256,7% entre 2003 e 2013, sendo que esse desempenho foi determinado,
basicamente, pelo grupo produtos de artigos de borracha, que representou
quase 75% das exportações desse subsetor.
No subsetor derivados do petróleo, destacam-se as exportações de
óleo diesel, que tiveram forte crescimento entre 2005 e 2009, seguido de
uma redução acentuada nos anos seguintes. Só em 2013, o produto voltou
a apresentar crescimento, fechando o período 2003-13 com um total exportado de US$ 355 milhões.
Os produtos de metal englobam, na sua maioria, o item artigos de cutelaria, de serralheria e ferramentas manuais e o item produtos diversos de
metal, sendo que esses dois grupos cresceram 111,0% e 172,1%, respectivamente, entre 2003 e 2013.
Indústria de alta tecnologia
Nesse segmento, as exportações concentram-se em quatro subsetores: material eletrônico básico; aparelhos e instrumentos de medida, teste e
controle; máquinas e equipamentos de sistemas eletrônicos para processamento de dados; aparelhos, instrumentos e materiais ópticos, fotográficos e
cinematográficos.
Entre esses, apenas o máquinas e equipamentos de sistemas eletrônicos para processamento de dados teve queda das exportações entre 2003
e 2013, sendo que essa queda se concentrou entre 2006 e 2008, o que
ajudou a derrubar as exportações de alta tecnologia nesses anos.
5.2.2 Destinos das exportações de cada segmento
de intensidade tecnológica
Indústria de baixa tecnologia
Os destinos das exportações desse segmento concentram-se em países da União Europeia e da Ásia, além dos EUA, da Rússia e da Arábia
Saudita. Estes últimos países, juntamente com Japão e Hong Kong, são os
principais destinos do item carnes e pescado. A Ásia e a União Europeia
aparecem como importantes destinos dos produtos derivados da soja, re-
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Exportações gaúchas e brasileiras, por intensidade tecnológica, entre 2003 e 2013
73
presentando mais de 80% do valor desses produtos. Os produtos do item
moagem destinam-se, principalmente, aos países da África.
Os EUA e a União Europeia têm grande demanda dos produtos do
subsetor fumo. Esses dois destinos também tiveram importância nas exportações de calçados, mas, à medida que as vendas desse produto caíram, a
Argentina ganhou mais importância como destino dos calçados gaúchos. Os
destinos que mais aumentaram suas importações dentro do segmento de
baixa tecnologia, no período 2003-13, foram Coreia do Sul, China e Hong
Kong.
Indústria de média-alta tecnologia
Dentre os principais destinos desse segmento, destacam-se Argentina
e EUA, que, juntos, concentraram, em 2013, 40,8% das exportações de
média-alta tecnologia. Além desses países, vêm-se destacando como importantes destinos das exportações de média-alta tecnologia os países da
América do Sul (exclusive Argentina), que absorveram 28,9% das vendas
desse segmento em 2013. Os principais subsetores da indústria que mais
exportaram para a América do Sul (exclusive Mercado Comum do Sul (Mercosul)) foram, em ordem: máquinas e equipamentos; químicos e veículos;
reboques e carrocerias.
Indústria de média-baixa tecnologia
Nesse segmento, os destinos das exportações concentraram-se, na
média de 2003-13, em três blocos: Mercosul (37%), Estados Unidos (inclusive Porto Rico) (24%) e América do Sul (exclusive Mercosul) (12%). Para o
Mercosul, o principal produto exportado pela indústria de média-baixa tecnologia foi o óleo diesel. Para os EUA, foram exportados, principalmente, produtos de metal; e, para América do Sul (exclusive Mercosul), produtos de
borracha.
Indústria de alta tecnologia
O principal destino das exportações desse segmento é a União Europeia, que ficou com 33% das exportações do setor, considerando a média
do período. Porém essa participação vem caindo nos últimos anos. Enquanto, em 2008, o valor exportado para a União Europeia representou 44% das
exportações do segmento, em 2013, foi de apenas 26%. Por outro lado, a
Ásia vem ganhando espaço no segmento de alta-tecnologia, principalmente
por conta de Hong Kong e China. A participação desse bloco passou de
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
74
Guilherme Rosa de Martinez Risco
14% em 2003 para 24% em 2013, chegando a um valor próximo da participação da União Europeia.
6 Conclusão
O presente trabalho aborda o desempenho das exportações gaúchas e
brasileiras no período de 2003 a 2013, buscando fazer uma comparação
com o desempenho do Estado e do Brasil. Vê-se que houve um incremento
significativo dos valores das exportações do Brasil, que ficou em torno de
231%.
O crescimento das exportações gaúchas, no período, foi próximo ao
brasileiro, ficando em 213%. Nesse intervalo, alguns estados conseguiram
obter um desempenho melhor que o do Rio Grande do Sul, que era o segundo maior estado exportador do Brasil em 2003.
A partir de 2004, o estado gaúcho perdeu espaço para Minas Gerais, e
nos anos de 2010 e 2011, também para o Rio de Janeiro. Além disso, o
principal parceiro comercial do Rio Grande do Sul em 2003, os Estados
Unidos, passou a reduzir sua participação, perdendo essa posição. Um dos
fatores que influenciaram os principais parceiros comerciais do Estado foi a
crise financeira de 2008. No período, a China ganhou espaço nas exportações gaúchas e brasileiras, porém de forma mais intensa nas do Rio Grande
do Sul, em que sua participação cresceu 18% no período.
Algumas distinções relevantes devem ser feitas no comparativo entre
as exportações gaúchas e brasileiras: inicialmente, o Rio Grande do Sul
sofreu um revés pela quebra de safra em 2012, que afetou, de forma significativa, o total exportado pela agricultura desse estado. Além disso, quando
se observa o crescimento da indústria de acordo com a intensidade tecnológica, vê-se que o Brasil obteve um crescimento maior nos segmentos de
média-baixa tecnologia, enquanto, no Rio Grande do Sul, os setores de
maior intensidade tecnológica cresceram mais.
Vê-se que o período em questão apresentou um alto dinamismo, o qual
levou a modificações importantes nos parceiros comerciais do Brasil e do
Rio Grande do Sul. Também ocorreram algumas modificações na pauta
exportadora, principalmente quando se observam os setores por intensidade tecnológica.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Exportações gaúchas e brasileiras, por intensidade tecnológica, entre 2003 e 2013
75
Referências
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. SECEX.
2014a. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/>. Acesso em:
15 maio 2014.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Sistema de
Análise das Informações de Comércio Exterior: AliceWeb. 2014b. Disponível em: <http://aliceweb2.mdic.gov.br/>. Acesso em: 15 maio 2014.
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. Série histórica. 2014. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/indicadores/indice-das-exportacoes/
serie-historica/>. Acesso em: 15 maio 2014.
N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Valesca Casa Nova Nonnig.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
76
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Guilherme Rosa de Martinez Risco
A recorrência dos eventos de estiagem
e seus reflexos na economia do
Rio Grande do Sul
Mariana Lisboa Pessoa
Jéfferson Augusto Colombo
Geógrafa, Mestre em Planejamento Urbano e
Regional, Pesquisadora da Fundação
de Economia e Estatística (FEE)
Economista, Mestre em Administração com ênfase
em Contabilidade e Finanças, Pesquisador da FEE
1 Introdução
A recorrência dos eventos de estiagem no Rio Grande do Sul, acentuada nas últimas décadas, tornou-se pauta frequente nas análises da economia gaúcha, pois seus impactos no setor agropecuário são consideráveis
e afetam não apenas a economia dos municípios atingidos, mas a de todo o
Estado, uma vez que este possui parte significativa de sua economia baseada no Setor Primário e em seus encadeamentos.
Somados aos efeitos diretos na economia, como a diminuição do volume e do valor de produção agropecuária nos municípios atingidos, ocorrem
os efeitos econômicos indiretos, observados no desempenho do setor industrial que integra a cadeia produtiva relacionada ao Setor Primário, como
as indústrias alimentícias, de máquinas e implementos agrícolas, além dos
setores de comércio e de serviços (COLOMBO; PESSOA, 2014).
Apesar de cada vez mais seguidos, os eventos de estiagem não estão
associados, ao contrário do que se imagina, a uma diminuição do volume
total da precipitação anual, mas, sim,à sua má distribuiçãoao longo do ano,
nas diferentes regiões do Estado. O que vem acontecendo é uma maior
incidência de intensa precipitação concentrada em um curto espaço de tempo, intercalada com longos períodos de estiagem. Tal situação, associada à
falta de planejamento, acentua os impactos econômicos negativos desses
eventos, em especial nas áreas rurais, levando muitos municípios a regis-
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
78
Mariana Lisboa Pessoa; Jéfferson Augusto Colombo
trarem ocorrência na Defesa Civil para decretar situação de emergência ou,
1
em casos mais extremos, de calamidade pública .
Os impactos negativos são mais acentuados se os períodos de estiagem coincidem com aqueles considerados críticos para cada cultura (geralmente entre a semeadura e o enchimento dos grãos), quando a diminuição
da oferta de água no solo compromete o bom desenvolvimento das plantas,
diminuindo sua produtividade.
Conhecer e mensurar os impactos dos eventos recorrentes de estiagem na economia dos municípios atingidos pode auxiliar na adoção de medidas de médio e longo prazo que visem ao melhor planejamento das atividades agropecuárias, levando em conta a disponibilidade hídrica ao longo
do ano, em cada região, para potencializar as políticas de diminuição das
desigualdades regionais.
Diante do exposto, este trabalho busca analisar o comportamento da
distribuição da precipitação ao longo dos anos, nas diferentes regiões do
Estado, e dos registros de ocorrências de eventos de estiagem junto à Defesa Civil, relacionando-os com o desempenho econômico dos municípios
atingidos recorrentemente por ela. Para isso, será feita a análise dos dados
de precipitação, no que se refere à sua média e dispersão, para as diferentes regiões do Estado e a análise da recorrência de registros de estiagem
junto à Defesa Civil, entre os anos de 2003 e 2013, além davariação do PIB
2
dos municípios no período compreendido entre 2003 e 2010 . O intuito é
oferecer subsídios para auxiliar na elaboração de estratégias de planejamento e politicas públicas que visem à minimização dos impactos negativos
desse fenômeno climático, diminuindo os efeitos na economia do Estado e
dos municípios atingidos, objetivando a redução das desigualdades regionais.
1
A situação de emergência é o reconhecimento legal, pelo poder público, de uma situação
anormal provocada por um desastre, causando danos suportáveis à comunidade afetada. A
calamidade pública se dá quando a ocorrência de um desastre causa sérios danos à comunidade afetada, inclusive à incolumidade ou à vida de seus integrantes (BRASIL, 2007).
2
O período de análise do PIB é diferente do utilizado para a análise da precipitação e dos
registros de ocorrências de estiagem junto à Defesa Civil devido à disponibilidade dos dados.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A recorrência dos eventos de estiagem e seus reflexos na economia do Rio Grande do Sul
79
2 A ocorrência de secas e estiagens3
4
Desastres naturais , especialmente os relacionados a eventos climáticos extremos — como secas, inundações,tempestades e temperaturas extremas —, são recorrentes em todo o planeta e cada vez mais frequentes e
intensos, atingindo um número cada vez maior de pessoas. Secas severas,
por exemplo, assolaram mais de dois bilhões de pessoas, entre 1900 e
2014, causando quase 12 milhões de mortes e em torno de US$ 140
bilhões em prejuízos (CENTRE FOR RESEARCH ON THE EPIDEMIOLOGY OF DISASTERS, 2014). De maneira geral, os efeitos dessas manifestações naturais extremassão mais sentidos nos países em desenvolvimento, como um reflexo de suas condições socioeconômicas, devido à
maior vulnerabilidade da população frente aos riscos, à precariedade de infraestrutura e planejamento, dentre outros fatores (INSTITUTO NACIONAL
DE PESQUISAS ESPACIAIS, 2007).
No Brasil, esses desastres envolveram cerca de 70 milhões de pessoas desde 1900, deixando 8.500 mortos e mais de US$ 10 bilhões em
prejuízos (CENTRE FOR RESEARCH ON THE EPIDEMIOLOGY OF
DISASTERS, 2014). De acordo com a Defesa Civil, nos últimos 20 anos,os
registros de tais ocorrências no Brasil aumentaram aproximadamente 70%,
indicando não apenas um maior número de eventos extremos, mas também, e principalmente, uma melhora nos sistemas de registro e monitoramento (CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE
DESASTRES, 2012).
Dentre os desastres naturais que ocorrem no País, os eventos de seca
e estiagem são os mais recorrentes e também os que afetam mais pessoas — mais de 50% da população que sofre com algum evento extremo.
Sua ocorrência dá-se predominantemente na Região Nordeste do País, que
5
concentra quase 60% do total dos casos, seguida das Regiões Sul (25%) e
Sudeste (13,4%) (CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE DESASTRES, 2012).
3
Seca e estiagem são fenômenos climáticos conceitualmente diferentes. A seca se refere a
uma diminuição acentuada do volume de precipitação (acumulado anual inferior a 60% da
média histórica), que ocorre por pelo menos dois anos consecutivos e abrange uma área
superior a 50% da região afetada. A estiagem ocorre em períodos mais curtos e, geralmente, com diminuição da precipitação menos acentuada (BRONDANI et al., 2013).
4
A Defesa Civil define desastre natural como sendo o resultado de eventos adversos causados pelo impacto de um fenômeno natural de grande intensidade sobre uma área ou região
povoada, podendo, ou não, ser agravado pelas atividades antrópicas, e que causam grande impacto na sociedade.
5
O Rio Grande do Sul é responsável por mais de 60% das ocorrências da Região Sul, com
2.643 registros, entre 1991 e 2010.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
80
Mariana Lisboa Pessoa; Jéfferson Augusto Colombo
Entre 1991 e 2010, os meses que registraram maior número de
ocorrências na Região Nordeste foram março, abril, maio e outubro. No Sul,
os picos foram nos meses de verão — janeiro e fevereiro —, e, no Sudeste,
em agosto (Gráfico 1). A maior incidência de estiagem nos meses de janeiro
e fevereiro, na Região Sul, onde as culturas de verão — como a soja, o
milho e o arroz — têm um papel importante no Setor Primário, leva a
prejuízos econômicos bastante relevantes, com a redução da produtividade
e até mesmo quebras de safra.
Gráfico 1
Número de ocorrências mensais de seca e estiagem, por regiões,
do Brasil — 1991 a 2010
1.400
1.200
1.000
800
600
400
200
0
Jan.
Fev.
Legenda:
Mar.
Norte
Abr. Maio
Nordeste
Jun.
Jul.
Ago.
Centro-Oeste
Set.
Out.
Nov. Dez.
Sudeste
Sul
FONTE: Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (2012).
Em relação ao número de pessoas afetadas pela estiagem, a mesma
distribuição geográfica é observada. A Região Nordeste concentra mais de
72% do total, seguida pela Região Sul, com cerca de 15%, e Sudeste, com
9,4% (CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE
DESASTRES, 2012).
Os anos que apresentaram maior número de ocorrências de estiagem
no País, no intervalo aqui considerado, foram 1993, 2001, 2002 e 2005,
sendo que 75% das quase 17.000 ocorrências registradas no País ao longo
dos 20 anos analisados, aconteceram na década passada (CENTRO
UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE DESASTRES,
2012).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A recorrência dos eventos de estiagem e seus reflexos na economia do Rio Grande do Sul
81
2.1 A comunicação de ocorrência dos eventos de
estiagem no Rio Grande do Sul
Os registros de ocorrência de eventos de estiagem no Rio Grande do
Sul têm aumentado de maneira significativa nos últimos anos. Entre 2003 e
2013, por exemplo, 460 municípios registraram pelo menos uma ocorrência
desse tipo junto à Defesa Civil, ou seja, mais de 90% dos municípios do
Estado já foram afetados em algum graupela estiagem.
Sua recorrência aparece em 161 municípios, que comunicaram o fato
em pelo menos quatro dos 11 anos analisados (COLOMBO; PESSOA,
2013). Alguns tiveram ocorrências em mais da metade do período: 32 as
registraram em seis anos; cinco, em sete anos; e um município — Bagé —,
em oito anos.
Geograficamente, esses municípios se concentram predominantemente na porção Oeste do Estado, com destaque para o Sudoeste, na fronteira
com o Uruguai (onde está localizado o Município de Bagé), e o Noroeste, na
fronteira com a Argentina (Figura 1).
Tal distribuição geográfica não indica, a priori, uma pior distribuição das
chuvas nessas regiões, mas associa-se também a uma organização do
setor produtivo que acaba sendo mais ou menos afetada pela diminuição da
precipitação em alguns períodos específicos do ano e/ou à capacidade de
resposta da economia do município frente aos impactos causados pela
estiagem.
Um dos fatores que proporcionam uma resiliência naturalmente maior
de algumas regiões do Estado é seu grau de industrialização, como é o
caso da Região Metropolitana de Porto Alegre, da do Vale do Sinos e da
Nordeste do Estado, que são tipicamente mais industrializadas (além de
apresentarem estrutura produtiva mais diversificada) e, portanto, acabam
sendo menos vulneráveis aos efeitos das estiagens.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
82
Mariana Lisboa Pessoa; Jéfferson Augusto Colombo
Figura 1
Municípios que comunicaram ocorrência de estiagem junto à Defesa Civil em pelo menos
quatro anos, no Rio Grande do Sul — 2003-13
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Defesa Civil do Rio Grande do Sul.
2.2 Os eventos de estiagem no Rio Grande do Sul
O clima do Rio Grande do Sul é do tipo subtropical úmido, caracterizando-se por estações bem definidas e chuvas relativamente bem distri6
buídas ao longo do ano. De acordo com a classificaçãode Köppen , o Estado é dividido em dois tipos climáticos, que variam de acordo com as altitudes — tipo Cfa (subtropical úmido, com verões quentes) na maior parte do
Estado e Cfb (subtropical úmido com verões amenos) nas altitudes mais
elevadas (STRAHLER, 1986).
6
A classificação climática de Köppen é o sistema de classificação climática global mais utilizado em climatologia, sendo elaborado a partir da análise do histórico do comportamento
das temperaturas e do regime de precipitação.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A recorrência dos eventos de estiagem e seus reflexos na economia do Rio Grande do Sul
83
Devido à sua localização geográfica — zona de transição entre os climas temperado e tropical —, o RS sofre influência direta de diferentes tipos
de massas de ar, que se alternam durante o ano e influenciam diretamente
no regime de precipitação. As principais massas de ar atuantes são: (a) Tropical Continental (mTc) — quente e seca, oriunda da região do Chaco da
Argentina e do Paraguai, é mais frequente no verão; (b) Tropical Atlântica
(mTa), quente e úmida, é formada no Atlântico Sul, ocorre o ano todo; (c)
Equatorial Continental (mEc), quente e úmida, é formada na Amazônia
ocidental e é mais frequente no verão; (d) Polar Atlântica (mPa), fria e seca,
originária da Patagônia, mais frequente no inverno (STRAHLER, 1986).
Somado a isso, a ocorrência dos fenômenos climáticos El Niño e La
Niña — aquecimento e resfriamento anormal das águas superficiais e subsuperficiais do Oceano Pacífico Equatorial respectivamente — também afeta o regime de precipitação no Estado. Esses fenômenos, que tendem a se
alternar a cada três a sete anos, consistem em anomalias no sistema
oceano-atmosfera que modificam os padrões de circulação da atmosfera e,
consequentemente, de transporte de umidade, alterando os regimes de
distribuição das chuvas nas regiões tropicais e de média e alta latitudes.
Tipicamente, a ocorrência do El Niño ocasiona um aumento no volume de
precipitação no Rio Grande do Sul, especialmente nos meses de outono,
enquanto a do La Niña se espera que provoque uma diminuição no volume
de precipitação, favorecendo a estiagem prolongada (OLIVEIRA, 2001).
Apesar de possuir como característica a distribuição mais ou menos
regular das chuvas ao longo do ano, o Estado vem apresentando uma recorrência de eventos de estiagem, especialmente nos meses de verão (janeiro e fevereiro). O acumulado do ano, no entanto, não tem variado significativamente. De qualquer forma, essa má distribuição das chuvas ocasiona
inúmeros prejuízos econômicos, especialmente quando os períodos em que
há menor acumulado de precipitação coincidem com aqueles em que a
demanda hídrica é maior em determinadas culturas, como é o caso das de
verão, constantemente afetadas pela estiagem.
Para analisar o comportamento da distribuição da precipitação ao longo dos anos, no Rio Grande do Sul,serão utilizados os dados de precipitação acumulada mensal e anual para 12 estações meteorológicas distribuídas geograficamente pelo Estado, no período entre 2003 e 2013, além da
comparação desses dados com as médias históricas. As médias históricas
correspondem às Normais Climatológicas, que consistem no valor médio de
precipitação calculado para um período padrão de três décadas consecutivas e preestabelecidas, tendo assim as Normais 1901-30, 1931-60 e 1961-90, sendo esta última a referência para este trabalho (VIANA, 2009). A es-
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
84
Mariana Lisboa Pessoa; Jéfferson Augusto Colombo
7
colha das estações deu-se pela disponibilidade e pela consistência dos
dados, e o critério utilizado para mensurar os dados de precipitação para os
municípios que não possuem estação meteorológica foi o de proximidade
de alguma outra (Figura 2).
Figura 2
Estações meteorológicas e suas regiões de abrangência para os
municípios do Rio Grande do Sul
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Nacional de Meteorologia.
7
As estações meteorológicas utilizadas foram: Bagé, Bento Gonçalves, Bom Jesus, Encruzilhada do Sul, Iraí, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Santa Maria, Santa Vitória do Palmar, São Luiz Gonzaga e Torres.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
85
A recorrência dos eventos de estiagem e seus reflexos na economia do Rio Grande do Sul
A média histórica anual de precipitação para o Rio Grande do Sul, de
acordo com a Normal Climatológica 1961-90, é de 1.610mm, sendo que o
menor volume acumulado se deu na estação meteorológica de Santa Vitória
do Palmar, e o maior, na de São Luiz Gonzaga, com 1.190mm e 1.972mm
respectivamente. Em média, o mês menos chuvoso no Estado é abril, com
acumulado de 103mm, e o mais chuvoso é setembro, com média de
149mm.
De acordo com os dados das estações meteorológicas analisadas, a
média de precipitação no período 2003-13 foi de 1.598mm, variando de
1.308mm em 2006 a 1.934mm em 2009. Nos anos de 2004, 2006, 2008 e
2012, a precipitação ficou abaixo da média histórica; ficou acima em 2003,
2007, 2009 e 2013;e em 2005, 2010 e 2011, a precipitação ficou dentro da
média.
Dentre as estações meteorológicas, a que apresentou a menor média
de precipitação para o período foi a de Santa Vitória do Palmar, com
1.168mm, enquanto a de Passo Fundo apresentou a maior, com 1.892mm
(Gráfico 2). As estações que tiveram, nesse intervalo de tempo, médias de
precipitação abaixo das respectivas médias históricas foram São Luiz
Gonzaga (-168,5mm), Pelotas (-99mm) e Santa Maria (-86,4mm).
Gráfico 2
Média da precipitação anual das estações meteorológicas e Normal Climatológica 1961-90,
no Rio Grande do Sul — 2003-13
Legenda:
Precipitação
Torres
São Luiz
Gonzaga
Santa Vitória
Santa Maria
Porto Alegre
Pelotas
Passo
Fundo
Iraí
Encruzilhada
do Sul
Caxias do
Sul
Bom Jesus
Bento
Gonçalves
Bagé
(mm)
2.000
1.800
1.600
1.400
1.200
1.000
800
600
400
200
0
Normal climatológica
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Nacional de Meteorologia/BDMEP.
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
86
Mariana Lisboa Pessoa; Jéfferson Augusto Colombo
As médias anuais de precipitação não demonstram variações de volume significativas ou que justifiquem os efeitos negativos das estiagens. No
entanto, a análise da distribuição dessa precipitação ao longo dos anos e
nas diferentes regiões pode corroborar tal justificativa. Uma forma de realizar essa análise é calcular o coeficiente de variação (cv), que permite
constatar a variabilidade do dado em relação à média. O cv corresponde à
razão entre o desvio-padrão e a média e pode ser um indicador de homogeneidade de uma distribuição de dados. Dessa forma, quanto menor for o cv,
mais homogênea tende a ser a distribuição (SHIMAKURA, 2012).
Os coeficientes de variação calculados a partir da média anual de
precipitação (somando todas as estações meteorológicas) ficaram entre
8
0,11 em 2004 e 0,24 em 2011, demonstrando certa homogeneidade na distribuição da precipitação ao longo dos anos. Já o cv calculado para cada
uma das estações em 2003-13 (Tabela 1) indicou que a estação meteorológica de Bagé apresentou o maior coeficiente, 0,31, enquanto a de Porto
Alegre teve o menor valor, 0,13. Sendo Bagé o município que registrou
estiagem com maior recorrência no período analisado (em oito anos), o
maior cv pode confirmar que a precipitação foi distribuída menos homogeneamente nessa região.
Tabela 1
Médias de precipitação e coeficiente de variação para as estações meteorológicas
no Rio Grande do Sul — 2003-13
ESTAÇÕES
Bagé ............................................
Bento Gonçalves .........................
Bom Jesus ..................................
Encruzilhada do Sul ....................
Iraí ...............................................
Passo Fundo ...............................
Pelotas ........................................
Porto Alegre ................................
Santa Maria .................................
Santa Vitória do Palmar ..............
São Luiz Gonzaga ......................
Torres ..........................................
MÉDIA DE PRECIPITAÇÃO
(mm)
COEFICIENTE DE
VARIAÇÃO
1.409
1.736
1.763
1.559
1.853
1.892
1.268
1.420
1.600
1.168
1.804
1.537
0,31
0,16
0,17
0,23
0,14
0,20
0,23
0,13
0,28
0,24
0,24
0,17
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Nacional de Meteorologia/BDMEP.
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
8
Em geral, em estatística, considera-se o coeficiente de variação baixo quando é menor ou
igual a 0,25, o que indica uma distribuição relativamente homogênea (SHIMAKURA, 2012).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A recorrência dos eventos de estiagem e seus reflexos na economia do Rio Grande do Sul
87
Uma vez que nem as médias de precipitação anual, nem os coeficientes de variação demonstram alterações importantes em relação à média
histórica, faz-se necessária uma análise intra-ano, ou seja, sobre como se
dá a distribuição da precipitação durante o ano, nas diferentes regiões do
Estado.
3 Impactos dos eventos de estiagem
na economia do Rio Grande do Sul
A base da economia do Rio Grande do Sul está bastante atrelada ao
setor agropecuário, que corresponde, isoladamente, a aproximadamente
9,18% do Valor Adicionado Bruto (VAB) total do Estado, conforme dados de
2011. Mais do que essa participação direta, os efeitos de variáveis como a
ocorrência de eventos climáticos extremos — a falta e o excesso de chuvas —, influenciam no desempenho de todas as cadeias produtivas que têm
no setor agropecuário um destino (venda de bens finais para o setor) ou um
uso (compra de insumos ou bens intermediários produzidos pelo setor). Os
chamados efeitos indiretosdo desempenho da agropecuária incluem aqueles sobre as indústrias de beneficiamento de grãos, alimentos e bebidas,
máquinas e equipamentos agrícolas, além do comércio e os serviços em
geral. Portanto, a participação isolada do setor agropecuário na economia
do Estado não captura a totalidade dos efeitos econômicos que derivam de
eventos climáticos extremos, uma vez que estes atingem também os
demais setores da economia.
A sensibilidade da economia em relação à variação da precipitação é
maior nos chamados períodos críticos, que variam de acordo com a cultura
e que geralmente acontecem entre o plantio e o enchimento dos grãos. É
nessa fase que a falta ou o excesso de precipitação pode ocasionar efeitos
nocivos maiores para a produtividade do setor agrícola.
Quanto à análise dos efeitos dos eventos de estiagem na economia, foi
feita inicialmente uma comparação entre a média da precipitação anual (somando todas as estações meteorológicas) e a variação anual do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2003 e 2013 (Gráfico 3). Como já havia sido analisado anteriormente, o comportamento da precipitação anual não apresentou
uma variação significativa, portanto, não se obteve uma correlação importante entre as variáveis. Isso indica, mais uma vez, que se faz necessária
uma análise do comportamento intra-ano da precipitação. Um exemplo é o
ano de 2005, em que 144 municípios registraram ocorrência de estiagem
junto à Defesa Civil e o acumulado da precipitação foi de 1.592,95mm, valor
muito próximo à média histórica, que é de 1.610mm. A precipitação para
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Mariana Lisboa Pessoa; Jéfferson Augusto Colombo
aquele ano foi mais de 21% superior ao acumulado do ano anterior, no entanto, o PIB decresceu 2,8%, potencializado pelo declínio de 17,4% registrado no VAB da agropecuária. Isso indica que a falta de precipitação, justificada pelo grande número de municípios que comunicaram ocorrência de
estiagem junto à Defesa Civil, aconteceu em um período específico do ano.
Gráfico 3
Variação anual do Produto Interno Bruto (PIB) e precipitação média anual
no Rio Grande do Sul — 2003-13
(%)
8,00
(mm)
2.500
6,00
2.000
4,00
1.500
2,00
1.000
0,00
-2,00
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
500
0
-4,00
Legenda:
Variação anual do PIB (%)
Média anual de precipitação (mm)
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Nacional de Meteorologia/BDMEP.
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Essa evidência de que o acumulado de precipitação anual não implica
um impacto considerável sobre o PIB é condizente com a sazonalidade da
produção agrícola local, com destaque para os produtos da lavoura tem9
porária conhecidos como culturas de verão . O cultivo do milho, por exemplo, sofre efeitos diferenciados de acordo com a época do ano em que ocorre a estiagem. Estiagens curtas podem reduzir drasticamente a colheita de
milho, se coincidirem com o período crítico da cultura, que vai do pendoa10
mento ao início do enchimento dos grãos (BERGAMASCHI et al., 2004,
2006). Analogamente, em estiagens longas, a cultura pode apresentar desempenho adequado, caso não haja déficit hídrico no período crítico.
No mesmo contexto da cultura do milho, Farias et al. (2007) analisam a
ecofisiologia da soja e argumentam que a disponibilidade de água é mais
importante em dois períodos de seu desenvolvimento: germinação-emer9
As mais representativas no Rio Grande do Sul são soja, milho, arroz e feijão.
10
Corresponde à formação do pendão, ou seja, da inflorescência do milho.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
89
A recorrência dos eventos de estiagem e seus reflexos na economia do Rio Grande do Sul
gência e floração-enchimento de grãos. Essas questões sugerem que o
desempenho do PIB do Estado do Rio Grande do Sul seja mais sensível a
eventuais déficits hídricos em períodos específicos do ano e não necessariamente com o acumulado anual de precipitação.
Para testar essa hipótese e com base nas características da produção
agrícola do Estado, fez-se uma análise dos dados de precipitação levando-se em consideração as médias dos meses de janeiro e fevereiro, período
em que, historicamente, há um maior número de municípios que registram
ocorrência de estiagem junto à Defesa Civil.
Tal análise indica que as oscilações no índice pluviométrico, nesse
período específico, têm relação direta com a variação do PIB do Estado,
com exceção dos anos de 2004, em que a média de precipitação foi baixa e
11
a variação do PIB foi alta, e 2009 , em que ocorreu o inverso (Gráfico 4).
De maneira geral, quando há uma diminuição da média da precipitação, há
também uma redução na variação do PIB, como fica claramente evidenciado para os anos de 2005 e 2012, que apresentaram eventos de estiagem
significativos.
Gráfico 4
Variação anual do Produto Interno Bruto (PIB) e precipitação média para os meses
de janeiro e fevereiro no Rio Grande do Sul — 2003-13
(%)
(mm)
450
8,00
400
6,00
350
4,00
300
250
2,00
200
0,00
-2,00
150
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
100
50
-4,00
0
Legenda:
Variação anual do PIB (%)
Média de precipitação nos meses de jan.-fev. (mm)
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Nacional de Meteorologia/BDMEP.
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
11
O ano de 2009 foi atípico, pois representou o ápice da crise internacional mais recente e
que afetou duramente a economia brasileira. Em função da crise, a distribuição da precipitação cumpriu um papel secundário no desempenho do PIB do Rio Grande do Sul.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
90
Mariana Lisboa Pessoa; Jéfferson Augusto Colombo
Esse resultado confirma a hipótese de que mais importante do que o
volume acumulado de precipitação no ano é sua distribuição ao longo dos
meses. Isso significa que, em um ano onde o acumulado de precipitação
fica dentro (ou acima) da média histórica, não é garantido que a produtividade agrícola seja alta e, consequentemente, que o desempenho econômico do Estado seja positivo. Pelo contrário, em anos em que o acumulado de
precipitação fica abaixo da média histórica, mas, no período crítico para as
principais culturas, as chuvas são normais, é provável que a produtividade
agrícola e, consequentemente, o resultado das atividades econômicas a ela
diretamente ligadas sejam positivos.E da mesma forma, em anos em que o
acumulado de precipitação fica acima da média, mas no período crítico há
escassez hídrica, o desempenho da economia pode ser prejudicado por
conta da menor produtividade no Setor Primário, com reflexos nos demais
setores.
Pode-se dizer, portanto, que a distribuição da precipitação, ao longo do
ano, nas diferentes regiões exerce um papel primordial no desempenho
econômico do Estado, enquanto seu acumulado assume um papel secundário. Além disso, a ocorrência dos eventos de estiagem tem adquirido certo
padrão, tanto do ponto de vista geográfico, no que se refere às regiões mais
afetadas (porção Oeste do Estado), quanto em relação aos períodos do ano
(especialmente nos meses de verão). O conhecimento desses padrões
auxilia no planejamento estratégico da produção agropecuária — que é a
mais atingida por eles —, levando em consideração a disponibilidade hídrica
em cada período para um melhor gerenciamento de acordo com as características de cada tipo de cultivo.
Os efeitos adversos dos eventos de estiagem potencializam as desigualdades regionais, pois impactam de maneira mais acentuada os municípios das regiões mais deprimidas economicamente, que se tornam mais
vulneráveis e suscetíveis à sua ocorrência. Esses municípios (como os do
Noroeste e do Sudoeste do Estado) possuem suas economias predominantemente pautadas no Setor Primário, em especial nas culturas de soja e
milho, que são bastante sensíveis à diminuição da precipitação. Assim, a
recorrência desses eventos tende a aumentar a concentração de renda em
regiões mais industrializadas e menos dependentes do Setor Primário — e
historicamente mais desenvolvidas — em detrimento das demais.
Do ponto de vista dos impactos regionais, analisou-se o comportamento da variação do PIB dos municípios do Estado no período 2003-10. Para
tal análise, eles foram divididos em dois grupos, conforme Colombo e Pessoa (2013), sendo o Grupo A, o daqueles atingidos por eventos recorrentes
de estiagem, ou seja, que registraram ocorrência na Defesa Civil em pelo
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
91
A recorrência dos eventos de estiagem e seus reflexos na economia do Rio Grande do Sul
menos quatro anos entre 2003 e 2013,e o Grupo B, o dos que não foram
atingidos por eventos recorrentes de estiagem (Tabela 2).
Tabela 2
Variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) e agrupamentos selecionados (Grupo A e
Grupo B)
no Rio Grande do Sul —2003-10
ANOS
VARIAÇÃO
NOMINAL
DO PIB DO
RS (%)
2003
2004 (1)
2005 (1)
2006
2007
2008
2009 (1)
2010
18,1
10,7
4,6
8,7
12,6
13,0
8,2
17,0
GRUPO A
GRUPO B
Variação
Nominal do
PIB (%)
Número
de
Municípios
Variação
Nominal
do PIB (%)
Número
de
Municípios
24,5
2,4
-3,8
12,2
9,3
9,8
6,5
37,3
1
153
144
61
8
64
125
2
18,1
12,2
6,0
8,5
12,6
13,1
8,4
16,9
495
343
352
435
488
432
371
494
DIFERENÇA DE
CRESCIMENTO
DO PIB (%)
(A - B)
6,4
-9,7
-9,8
3,7
-3,4
-3,3
-1,9
20,4
FONTE: Colombo e Pessoa (2013).
(1) Anos em que houve uma amostra significativa de municípios que declararam estiagem no Rio Grande do
Sul. Devido ao fato de o número de municípios que declararam estiagem (Grupo A) ser representativo, as
conclusões sobre a diferença entre os dois grupos tornam-se mais robustas.
Nos anos em que um grande número de municípios registrou ocorrência de estiagem junto à Defesa Civil (2004, 2005 e 2009), o crescimento do
PIB do Grupo A foi menor em relação ao do Grupo B. Em 2005, por exemplo, o primeiro grupo apresentou um crescimento negativo de 3,8%, enquanto o segundo cresceu 6%, e o Estado, 4,6%. Sendo assim, nota-se
que, em anos em que há mais registros de ocorrência de estiagem, os municípios atingidos tendem a perder participação no PIB. Em trabalho anterior,
com o objetivo de estimar o efeito parcial dos eventos de estiagem sobre a
variação do PIB per capita dos municípios do Rio Grande do Sul entre 2003
e 2010, Colombo e Pessoa (2014) encontraram evidências de que a ocorrência de registro de estiagem junto à Defesa Civil reduz também a variação
do PIB per capita de um município, em média, em 9,6 pontos percentuais.
Diante dessa realidade, nos últimos anos, os governos têm investido
em projetos de incentivos à irrigação e ao armazenamento de água, em
especial nos municípios em que existe uma recorrência de eventos de estiagem e cuja produção é mais afetada por eles. Cita-se o Programa Mais
12
Água, Mais Renda do Governo Estadual, que foi criado para facilitar o
12
Decreto no 48.921, de 14 de março de 2012.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
92
Mariana Lisboa Pessoa; Jéfferson Augusto Colombo
acesso do pequeno produtor a créditos para a aquisição,a instalação ou a
ampliação de sistemas de irrigação, bem como para desburocratizar a concessão de licenças ambientais dentro das diretrizes legais. Na gama de programas de incentivo a esse tipo de ação, o Badesul, por exemplo, já liberou
mais de R$ 71 milhões,em 2013, em financiamentos. Apesar dos incentivos,
alguns projetos acabam esbarrando em questões burocráticas (em especial
as relacionadas à liberação de licenças) e demoram muito tempo para serem efetivados, ou acabam nem sendo. Dessa forma, mais do que criar
incentivos para a implantação de sistemas de irrigação e armazenamento
de água nos municípios atingidos, é necessário criarem-se mecanismos de
desburocratização para a efetivação desses projetos.
4 Considerações finais
Diante das análises realizadas ao longo deste trabalho, algumas considerações importantes podem ser feitas. A primeira delas é que, mesmo
apresentando um aumento no registro de ocorrência de eventos de
estiagem nos últimos anos, no Rio Grande do Sul, o acumulado de
precipitação anual não apresentou variações significativas em relação às
médias históricas para o período analisado (2003-13). Isso indica que a falta
de chuva ocorre em alguns períodos específicos do ano — preferencialmente nos meses de verão —,o que acaba afetando a produtividade de
culturas importantes, como a soja, o milho e o arroz, e, consequentemente,
a economia do Estado. Além disso, os eventos de estiagem apresentaram
também um padrão geográfico de distribuição, com predomínio de recorrências na porção Oeste do RS.
Apesar de evidenciar os impactos econômicos negativos da recorrência de estiagem, analisar a variação do PIB não foi suficiente para mensurá-los. Isto porque o comportamento dessa variável pode esconder efeitos
compensatórios, como o aumento dos preços de um determinado produto
devido à diminuição da oferta causada por uma quebra na produtividade. De
qualquer forma, tal análise sinaliza os efeitos da repetição desses eventos
na economia dos municípios atingidos e também sua relação com a acentuação das desigualdades regionais, como é o caso das regiões Sudoeste e
Noroeste, historicamente menos desenvolvidas.
Além da elaboração e da execução de políticas públicas de gerenciamento hídrico para a produção agropecuária, é necessária uma atuação
conjunta de diferentes instâncias do Governo para viabilizar tais ações. A
liberação de créditos para financiamento de sistemas de irrigação, por
exemplo, não pode esbarrar na excessiva burocracia de liberação de licenPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A recorrência dos eventos de estiagem e seus reflexos na economia do Rio Grande do Sul
93
ças ambientais, o que vem acontecendo com certa frequência. Não significa
que as questões ambientais devam ser deixadas de lado, mas, ao contrário,
elas devem ser priorizadas e executadas de maneira mais eficiente.
Para trabalhos futuros, uma série de análises pode ser realizada
visando ao aprimoramento dos estudos que relacionam a ocorrência dos
eventos de estiagem com o desempenho econômico dos municípios do Rio
Grande do Sul e como isso influencia no aumento das desigualdades
regionais. Uma delas é a análise mais detalhada do comportamento da
precipitação intra-ano, levando em conta não apenas a distribuição do
volume de precipitação ao longo dos meses, mas também sua intensidade
(dias de chuva versus volume de precipitação). Além disso, estudar as
peculiaridades de cada cultura no que diz respeito à suscetibilidade ao
déficit hídrico em cada fase da produção também é de extrema importância
para um melhor planejamento das atividades agrícolas, em função da
disponibilidade hídrica em cada época do ano.
Conhecendo e mensurando os impactos negativos da recorrência de
eventos de estiagem na economia dos municípios, bem como o padrão de
distribuição da precipitação ao longo do ano nas diferentes regiões, é possível melhorarem-se as condições para a elaboração e a execução de
políticas públicas visando à diminuição das desigualdades regionais históricas no Estado.
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N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Roselane Vial.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
96
Mariana Lisboa Pessoa; Jéfferson Augusto Colombo
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
O novo Índice de Desenvolvimento
Socioeconômico (Idese):
resultados de 2007-10*
Thomas Hyeono Kang
*
Rafael Bernardini
Thiago Felker Andreis
Brenda Affeldt
Economista, Pesquisador da Fundação
de Economia e Estatística (FEE),
Professor Assistente da Escola Superior
de Propaganda e Marketing-Sul
Estatístico, Pesquisador da FEE,
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Computação da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (PPGC-UFRGS)
Economista, Mestre em Ciências Sociais
pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, Pesquisador da FEE
Estudante da Graduação em Ciências
Econômicas (UFRGS)
1 Introdução
A partir da compreensão de que desenvolvimento não é sinônimo de
crescimento da renda per capita, índices multidimensionais passaram a ser
criados como reflexo dessa nova concepção normativa de desenvolvimento
(ANAND; SEN, 1994; SEN, 1999). A ideia dos índices multidimensionais de
desenvolvimento é captar outros aspectos que influenciam o bem-estar de
uma população, não apenas a renda per capita. Dentre esses índices,
destaca-se o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 1990. Esse
*
Os autores agradecem a assistência na pesquisa de Adson Constanzi; a participação ativa
em partes da formulação da metodologia de Lívio de Oliveira, Marcos Vinício Wink Jr.,
Marilene Bandeira, Pedro Zuanazzi e Rodrigo de Sá; os comentários e as sugestões da
equipe que acompanhou o processo, composta por Adalberto Maia Neto, Adalmir
Marchetti, André Scherer e Juarez Meneghetti. Erros e omissões por ventura remanscentes
são de responsabilidade dos autores. Este trabalho recebeu financiamento da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
100
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
índice, composto pelas dimensões Educação, Renda e Longevidade, surgiu
com o intuito de avaliar e fazer comparações entre países no que se refere
ao desenvolvimento. A escolha das variáveis que compõem o IDH, portanto,
não obedeceu apenas a critérios técnicos, mas também levou em conta a
disponibilidade de obtenção dos dados, a fim de que comparações fossem
possíveis para os 187 países avaliados.
Na sequência da criação do IDH, outros órgãos e instituições no
mundo passaram a criar seus próprios índices multidimensionais para as
unidades geográficas de seus interesses. Há benefícios em restringir a
aplicação de um índice a uma determinada região: os indicadores não
precisam estar disponíveis para todo o país ou para todo o mundo, basta
estarem disponíveis na unidade de interesse. No caso do Estado do Rio
Grande do Sul (RS), o trade-off é evidente: embora a análise comparativa
com outros estados possa vir a ser prejudicada, se essas variáveis não
estiverem disponíveis no resto do país ou do mundo, a vantagem é poder
utilizar indicadores considerados mais eficientes em termos informacionais,
ainda que só estejam disponíveis no RS. Com o intuito de comparar a
situação entre os municípios do RS de forma eficaz, a Fundação de
Economia e Estatística (FEE) passou a elaborar índices multidimensionais
para municípios gaúchos, tais como o Índice de Desenvolvimento Social
(IDS) e o Índice Municipal Social Ampliado (ISMA) (SILVEIRA; SAMPAIO,
1996; BARBIERI et al., 2002). Esses esforços culminaram, posteriormente,
na elaboraçãodo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) para o
Estado do Rio Grande do Sul, seus municípios e Conselhos Regionais de
1
Desenvolvimento (Coredes). O Idese foi lançado em 2003 (com a série
iniciando em 2000), sendo composto por quatro blocos: Educação; Renda;
Saneamento e Condições de Domicílios; e Saúde (FEE, 2003).
Dez anos após sua criação, teve início o processo de alteração metodológica do Idese, a fim de adequar-se aos novos desafios para as políticas
públicas, e utilizando novas bases de dados. Para atender a essa
necessidade de atualização, diversos indicadores do antigo Idese foram
retirados, enquanto alguns outros foram acrescentados à nova versão. Em
1
Os Coredes estão previstos pela Constituição Estadual, Art. 166 a 170, e Lei no 10.283 de
17.10.1994, além de regulamentados pelo Decreto no 35.764 de 28.12.1994. O objetivo da
criação desses Conselhos é “[...] a promoção do desenvolvimento regional, harmônico e
sustentável, através da integração dos recursos e das ações de governo na região, visando
à melhoria da qualidade de vida da população, à distribuição eqüitativada riqueza
produzida, ao estímulo à permanência do homem em sua região e à preservação e
recuperação do meio ambiente” (Lei no10.283, 17/10/94, Art. 2º). O Estado foi dividido em
28 Coredes, conforme a divisão territorial do Decreto no 47.543 de 08.11.2010, cujas
resoluções entraram em vigor em 2011.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
101
outro trabalho, justificam-se as mudanças metodológicas em termos de
indicadores e parâmetros utilizados para a construção do novo Idese (KANG
et al., 2014). A nova versão do Índice conta com três blocos: Educação,
Renda e Saúde. No presente artigo, apresentam-se e analisam-se os
resultados do novo Idese no período 2007-10, para Estado, municípios e
Coredes. Para tanto, divide-se o trabalho em cinco seções, além desta
Introdução. Na próxima seção, apresenta-se a nova configuração do Idese
após sua reformulação, ao passo que a terceira seção é destinada à
apresentação dos resultados gerais das unidades geográficas analisadas.
Nas seções subsequentes, são analisados os resultados de cada bloco do
Idese, respectivamente, Educação, Renda e Saúde. Por fim, reserva-se a
última seção para as Considerações finais.
2 A nova metodologia do Idese
O Novo Idese, após sua revisão finalizada em abril de 2014, foi
estruturado em três blocos (Educação, Renda e Saúde). Os blocos são
divididos em sub-blocos, com o intuito de permitir clareza conceitual acerca
de quais aspectos — relacionados a Educação, Renda ou Saúde — estão
sendo avaliados. Na sequência, os sub-blocos são formados pelos
indicadores (no total, são 12 indicadores). Ou seja, há três níveis de
classificação: bloco, sub-bloco e indicador. Por exemplo, dentro do Bloco
Educação, há o sub-bloco de pessoas com idade entre seise 14 anos
(ensino fundamental), formado por indicadores de resultados na Prova
Brasil. Ainda como exemplo, dentro do Bloco Saúde, o sub-bloco saúde
materno-infantil é formado por indicadores de mortalidade de menores de
cinco anos e consultas pré-natal. Ilustra-se,na Figura 1, o novo formato do
Idese com seus blocos, sub-blocos e indicadores. Mais detalhes da
metodologia, tais como o critério de definição de limites e justificativas mais
elaboradas para a escolha e construção de indicadores, podem ser
encontradas em Kang et al. (2014).
O Bloco Educação do novo Idese divide-se em quatro sub-blocos: (E1)
pessoas de quatro a cinco anos de idade (pré-escola); (E2) pessoas de seis
a 14 anos de idade (ensino fundamental); (E3) pessoas de 15 a 17 anos de
idade (ensino médio); e (E4) pessoas de 18 anos ou mais (escolaridade
adulta). No sub-bloco (E1), avalia-se a taxa de matrícula bruta na pré-escola
nos municípios gaúchos, o que não era contemplado pela antiga versão do
22
Idese. Essa inclusão é importante, uma vez que a matrícula nesse nível de
22
A antiga metodologia do Idese pode ser encontrada em FEE (2003).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
102
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
ensino não foi universalizada. A literatura mostra que as fases iniciais da
infância são cruciais para desenvolver habilidades cognitivas e não
cognitivas, que têm consequências duradouras ao longo da vida das
pessoas (HECKMAN, 2000; CUNHA et al., 2006). Esses estudos justificam
maior atenção à educação infantil. No sub-bloco (E2), utilizam-se as notas
do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB)/Prova Brasil (anos
iniciais e finais do ensino fundamental) para avaliar a proficiência dos
estudantes. Uma vez que as matrículas nesse nível de ensino estão
universalizadas (taxa de matrícula bruta de 105,8%), o foco é na qualidade
da educação — ou seja, é preciso saber se os estudantes estão realmente
aprendendo. Uma das justificativas para o uso de indicadores relacionados
à qualidade da educação é o seu melhor desempenho em estimativas de
modelos de crescimento econômico (HANUSHEK; WOESSMANN, 2012a,
2012b). No entanto, além do papel instrumental da educação no
crescimento, deve-se observar o papel intrínseco da educação no bem-estar
(SEN, 1999; THOMAS et al., 2000). Para ambos os papéis da educação, há
vantagens em considerar a qualidade educacional.
O sub-bloco (E3) refere-se à taxa de matrícula no ensino médio, que
segue incluída no Idese pelo fato de ainda não estar universalizada. Por fim,
o sub-bloco (E4) mede a proporção de adultos com ensino fundamental
completo: uma medida de estoque de educação formal que substitui a taxa
de alfabetização, que já atingiu patamares elevados no Estado (95,8% da
população com 10 anos de idade ou mais). Com essa nova configuração, o
Bloco Educação é mais abrangente ao incluir a educação infantil e medidas
de proficiência, como pode ser visto na Figura 2.
O Bloco Renda, o menos alterado de todos, continua composto por
dois conceitos: (R1) geração de renda e (R2) apropriação de renda. Embora
diversos índices multidimensionais levem em conta apenas a apropriação
de renda, o Idese deliberadamente divide o Bloco Renda em duas partes,
por entender que os dois conceitos são importantes do ponto de vista da
política pública. A geração de renda tem relação com a produtividade, que
permite, ainda que indiretamente, a expansão do poder de compra no longo
prazo, em termos agregados. No entanto, utilizar somente o PIB per capita
seria uma escolha limitada, uma vez que o padrão de vida das pessoas é
dado diretamente pela apropriação da renda. Na nova versão do Bloco, a
principal alteração ocorreu na metodologia de estimação da renda
apropriada, agora mensurada pela renda per capita, oriunda de todas as
fontes das pessoas residentes em domicílios particulares permanentes,
obtida nos censos demográficos do IBGE. A geração de renda, assim como
na metodologia anterior, continuou sendo avaliada pelo PIB per capita (PIB
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
103
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
pc). O índice final do Bloco Renda é a média aritmética de seus sub-blocos,
apresentados na Figura 3.
Figura 1
Organograma do novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) do
Rio Grande do Sul — 2014
Educação Infantil:
Pré-escola
Taxa de matrícula bruta
na pré-escola
Notas da Prova Brasil
no 5º Ano do EF
Ensino Fundamental
Notas da Prova Brasil
no 9º Ano do EF
Idese
Educação
Ensino Médio
Taxa de matrícula bruta
no ensino médio
Escolaridade Adulta
(18 anos ou mais)
Proporção de pessoas
de 18 anos ou mais
com EF completo
Apropriação
Renda Domiciliar per
capita média
Geração
PIB per capita
Renda
Taxa de mortalidade de
menores de 5 anos
Saúde materno-infantil
Consultas pré-natal
Saúde
Taxa de mortalidade
por causas evitáveis
Condições Gerais
de Saúde
Proporção de óbitos por
causas mal definidas
Longevidade
Taxa bruta de
mortalidade
padronizada
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
104
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
Figura 2
Sub-blocos e indicadores do Bloco Educação na nova metodologia do Índice de
Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) do Rio Grande do Sul — 2014
População entre 4
e 5 anos
População entre
seis e 14 anos
População entre
15 e 17 anos
População de 18
anos ou mais
• Taxa de
matrícula na préescola
• Nota da Prova
Brasil (5º ano do
ensino
fundamental)
• Nota da Prova
Brasil (9º ano do
ensino
fundamental)
• Taxa de
matrícula no
ensino médio
• Proporção da
população adulta
com pelo menos
o ensino
fundamental
completo
Figura 3
Sub-blocos e indicadores do Bloco Renda na nova metodologia do Índice de
Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) do Rio Grande do Sul — 2014
Renda apropriada
Renda gerada
• Renda domiciliar per capita média
• PIB per capita
Por fim, o Bloco Saúde do novo Idese utiliza cinco indicadores, que são
divididos em três sub-blocos: (S1) saúde materno-infantil; (S2) condições
gerais de saúde; e (S3) longevidade. O índice final do Bloco Saúde é a
média aritmética dos índices desses sub-blocos. No primeiro sub-bloco,
estão inseridos dois indicadores: (S1.1) taxa de mortalidade de menores de
cinco anos; e (S1.2) número de consultas pré-natal por nascidos vivos. O
segundo sub-bloco, condições gerais de saúde, é constituído, por sua vez,
pelos indicadores (S2.1) taxa de mortalidade por causas evitáveis, e (S2.2)
proporção de óbitos por causas mal definidas. O indicador (S3.1), taxa de
mortalidade bruta padronizada, completa o Bloco Saúde, ao formar o sub-bloco longevidade. A Figura 4 apresenta a composição do Bloco Saúde
resumidamente.
A literatura aponta dificuldades na definição de variáveis-produto na
Economia da Saúde (KROUSEL-WOOD, 1999). Por essa razão, a maioria
dos indicadores utilizados são referentes à mortalidade, seguindo a
recomendação de Sen (1998), uma vez que há dificuldades também com
indicadores de morbidade. A exceção é a variável relacionada às consultas
pré-natal.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
105
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
Figura 4
Sub-blocos e indicadores do Bloco Saúde na nova metodologia do Índice de Desenvolvimento
Socioeconômico (Idese) do Rio Grande do Sul — 2014
Saúde materno-infantil
• Taxa de mortalidade de
menores de cinco anos
(TMM5)
• Número de consultas de
pré-natal por nascidos
vivos
Condições gerais de
saúde
• Taxa de mortalidade por
causas evitáveis
• Proporção de óbitos por
causas mal definidas
Longevidade
• Taxa bruta de
mortalidade padronizada
(TBMP)
O Idese é, portanto, formado por seus três blocos, cada um com peso
de um terço (média aritmética) no Índice. O intervalo medido pelo Índice
varia de zero a um. A construção dos limites obedeceu, em geral, a critérios
internacionais, sendo possível interpretar os resultados de acordo com uma
classificação: índices acima de 0,800 refletem o alto desenvolvimento de
uma região, enquanto índices entre 0,500 e 0,800 representam regiões de
médio desenvolvimento. Por fim, regiões com índices abaixo de 0,500 são
consideradas de baixo desenvolvimento.
3 Resultados gerais do Idese em 2007-10
Por meio dos resultados dos três blocos (Educação, Renda e Saúde) do
novo Idese, obteve-se o Idese estadual em 2010, computado em 0,727.
Utilizando a nova metodologia para os anos anteriores, esse é o maior valor
da série histórica, que começa em 2007, quando se registrou Idese de
0,699 no Estado. Isso significou um aumento de 4,0% durante o período
2007-10. Considerando a classificação do índice em alto (acima de 0,800),
médio (entre 0,500 e 0,799) e baixo (abaixo de 0,499) nível de desenvolvimento, verifica-se que o RS ainda se encontra no nível médio de desenvolvimento. Esse aumento foi majoritariamente puxado pela expansão do Bloco Renda do Idese, que cresceu 6,1% no período. Educação, com elevação
de 4,2%, e Saúde, com crescimento de 2,0%, também colaboraram para os
resultados positivos no período. O Bloco Saúde foi a área com melhores
indicadores (0,803), seguido de Renda (0,724) e Educação (0,654). A evolução da série histórica mostra que, em geral, houve crescimento contínuo
dos índices nos três blocos, no período 2007-10. Esses resultados podem
ser observados na Figura 5.
O aumento dos indicadores no Rio Grande do Sul, no período 2007-10,
não revela, no entanto, as diferenças que existem dentro do Estado. Com
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
106
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
esse intuito, calculou-se o Idese para os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes). Observando esses resultados, é notória a diferença
entre as porções Norte e Sul do Estado, como mostra claramente o Mapa 1,
referente ao Idese por Coredes em 2010.
Figura 5
Evolução do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico, total e por blocos,
no Rio Grande do Sul — 2007-10
0,850
0,788
0,795
0,799
0,699
0,703
0,714
0,803
0,800
0,750
0,700
0,650
0,699
0,690
0,682
0,628
0,625
0,600
0,727
0,724
0,644
0,654
2009
2010
0,550
0,500
2007
Legenda:
2008
Idese
Educação
Renda
Saúde
FONTE: Fundação de Economia e Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de
FONTE: Indicadores Sociais e Ambientais.
O maior destaque é o Corede Serra, que lidera o ranking dos Coredes
gaúchos no novo Idese, beirando o alto desenvolvimento, com índice de
0,792 em 2010. Os Municípios de Carlos Barbosa (primeiro da classificação
geral) e Bento Gonçalves (primeiro entre os municípios com mais de
100.000 habitantes) localizam-se nesse Corede. Além desses municípios,
os resultados de outros da região são notáveis: entre os 10 primeiros colocados do ranking geral, sete deles estão no Corede Serra, que foi o primeiro
colocado no Bloco Saúde (0,869), o segundo no Renda (0,814) e o quinto
no Bloco Educação (0,694). Esses resultados atestam o alto desenvolvimento do Corede Serra, que teria apresentado índices ainda melhores, não
fosse o baixo nível de matrículas registradas na pré-escola (63,3%), apenas
pouco acima da média estadual (61,0%).
Noroeste Colonial (0,769) e Vale do Taquari (0,765) ocupam a segunda
e a terceira posições na classificação, com desempenhos muito semelhantes. Esses dois Coredes são também o primeiro e o segundo colocados no
Bloco Educação (0,743 para o Noroeste Colonial e 0,728 para o Vale do
Taquari), apresentando altas taxas de matrícula, principalmente na préPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
107
-escola (83,3% no Noroeste Colonial e 87,6% no Vale do Taquari). O desempenho desses dois Coredes nos outros blocos também não deixa a
desejar. Já o Corede que apresenta pior índice no RS é o Centro-Sul, com
Idese de 0,652. Esse resultado é puxado principalmente pelo desempenho
ruim no Bloco Educação (0,576), em especial nos indicadores de matrícula
na pré-escola (48,5%) e escolaridade da população adulta (42,3%) em
2010. Como atestam as classificações por Coredes, os municípios das
áreas de colonização em pequenas propriedades, em geral na porção Norte
do Estado, apresentaram melhor desempenho no Idese, como esperado. A
Tabela 1 mostra, para os anos de 2007 e 2010, o desempenho dos cinco
Coredes mais bem colocados no ranking do Idese em 2010.
Mapa 1
Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), por Conselhos Regionais de Desenvolvimento, no Rio Grande do Sul — 2010
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
108
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
Tabela 1
Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) dos cinco Conselhos Regionais de
Desenvolvimento (Coredes) mais bem colocados, segundo o ranking de 2010,
no Rio Grande do Sul — 2007 e 2010
IDESE
COREDES
RS ................................................
Serra ............................................
Noroeste Colonial .........................
Vale do Taquari ............................
Metropolitano Delta do Jacuí .......
Alto Jacuí .....................................
2007
2010
Índice
Ordem
Índice
Ordem
Variação %
2007-10
0,699
0,752
0,726
0,733
0,737
0,726
1
4
3
2
5
0,727
0,792
0,769
0,765
0,754
0,749
1
2
3
4
5
2,76
4,06
4,26
3,13
1,78
2,35
FONTE: Fundação de Economia e Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Indicadores
FONTE Sociais e Ambientais.
A vantagem relativa das regiões setentrionais do Estado é também
evidente quando se dirige o olhar para o âmbito municipal. Carlos Barbosa,
localizado no Corede Serra, obteve a primeira colocação do ranking municipal do Idese em 2010, com índice de 0,848. Esse resultado deve-se aos
bons resultados do Município nos três blocos que o Índice contempla, com
variações positivas em todos eles, no período de 2007 a 2010. O Bloco
Renda, especialmente, apresentou ótimo desempenho, levando Carlos Barbosa a ocupar a terceira colocação geral nesse bloco (0,873 em 2010). O
alto índice do sub-bloco de renda apropriada (0,902) no Município, também
o terceiro maior do Estado nesse ano, é o principal responsável pelo êxito
nessa dimensão. O indicador bruto de renda apropriada, a renda domiciliar
per capita mensal, foi de R$ 1.459,36 a preços de julho de 2010, significativamente superior à média estadual de R$ 942,76. No sub-bloco renda gerada, o desempenho do Município não deixou a desejar, com Índice de
0,844. Esse resultado reflete o alto PIB per capita anual do Município de
R$ 34.448,30 em 2010, 46% mais alto que o PIB per capita estadual
3
(R$ 23.609,90 em 2010).
Já no Bloco Saúde, o sub-bloco condições gerais de saúde, responsável por indicar o nível de qualidade do atendimento e a infraestrutura da
saúde pública, teve importante papel no desempenho registrado pelo Bloco
no Município de Carlos Barbosa: em 2007, o Índice do Bloco Saúde foi de
0,881 (21º do Estado em 2007), atingindo 0,904 em 2010 (8º do Estado em
2010). A média trienal da variável óbitos por causas mal definidas, um dos
3
Nas variáveis do Bloco Renda, o mês de referência para o ano de 2010 é julho.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
109
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
itens do sub-bloco de condições gerais de saúde, exemplifica os bons resultados nessa dimensão, já que 2,45% das mortes em Carlos Barbosa foram
mal definidas, ao passo que, no Rio Grande do Sul, essa taxa foi de 4,75%.
Por fim, ainda em Carlos Barbosa, observa-se também uma melhora
nas variáveis qualitativas do Bloco Educação, já que o índice do sub-bloco
das notas da Prova Brasil no ensino fundamental passou de 0,665 em 2007
(152º do Estado) para 0,752 em 2010 (39º do Estado). Considerando os
indicadores brutos, a nota padronizada da Prova Brasil para os anos iniciais
aumentou 13,8% nesse período, passando de 5,07 em 2007 para 5,77 em
2010, superando a média estadual de 5,11 em 2010.
Aratiba (0,835), localizado no Norte do Estado, e Nova Araçá (0,834),
localizado na Serra, ambos municípios pequenos, com menos de 20.000
habitantes, são, respectivamente, o segundo e o terceiro colocados no ranking. Vale ressaltar que 18 municípios apresentam índices considerados de
alto desenvolvimento (Idese acima de 0,800). Todos os municípios nessa
situação situam-se na Metade Norte do Estado. Os resultados dos 10 primeiros colocados em 2007 e 2010 podem ser observados com mais detalhes na Tabela 2.
Tabela 2
Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) dos 10 municípios mais bem
colocados, segundo o ranking de 2010, no Rio Grande do Sul — 2007 e 2010
ESTADO E MUNICÍPIOS
RS .........................................
Carlos Barbosa .....................
Aratiba ..................................
Nova Araçá ...........................
Garibaldi ...............................
Lagoa dos Três Cantos ........
Vista Alegre do Prata ............
Bento Gonçalves ..................
Nova Bassano ......................
Não-Me-Toque .....................
Nova Prata ...........................
IDESE
2010
2007
Índice
Ordem
Índice
Ordem
Variação %
2007-10
0,699
0,811
0,816
0,794
0,770
0,779
0,754
0,781
0,787
0,783
0,785
3
1
7
25
19
43
16
10
13
11
0,727
0,848
0,835
0,834
0,826
0,826
0,817
0,816
0,816
0,815
0,809
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
4,0
4,5
2,3
5,0
7,3
6,0
8,3
4,5
3,6
4,2
3,0
FONTE: Fundação de Economia e Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Indicadores
FONTE Sociais e Ambientais.
Entre os municípios com população acima de 100.000 habitantes no
RS, apenas Bento Gonçalves (0,816) e Porto Alegre (0,807) apresentaram
índices de alto desenvolvimento em 2010. O alto índice de Bento Gonçalves
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
110
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
foi puxado principalmente por seu excepcional desempenho nos indicadores
do Bloco Saúde (0,893), embora os resultados de outros blocos também
tenham sido satisfatórios. Em particular, entre os indicadores que compõem
o Bloco Saúde, o indicador de óbitos por causas mal definidas foi o maior
destaque: Bento Gonçalves apresentou o melhor desempenho desse indicador no Estado, registrando taxa de 0,73% em 2010, enquanto o Estado
como um todo atingiu 4,75%. No Bloco Renda, o Município atingiu índice de
0,803, com destaque no sub-bloco renda apropriada (0,818). Esse resultado
reflete a renda domiciliar per capita do município, que foi de R$ 1.184,16 em
2010, 25% maior do que o resultado estadual (R$ 942,76). Por fim, em Educação, os resultados de Bento Gonçalves não chamam tanto a atenção: o
melhor desempenho do Município está na escolaridade da população adulta: 61,0% dos adultos tinham ensino fundamental completo em 2010, posicionando o Município na 12ª colocação. No Estado como um todo, essa
taxa é um pouco menor (56,3%). O resultado não surpreende, uma vez que
as cidades maiores tendem a concentrar a população mais escolarizada.
O Município de Porto Alegre, capital do Estado e segundo colocado entre os municípios com população acima de 100.000 habitantes, atingiu índice de 0,807, pouco acima de 0,800, especialmente por seu desempenho no
Bloco Renda (0,886). Em particular, é importante ressaltar o resultado de
Porto Alegre na renda apropriada (0,971), com renda domiciliar per capita
mensal de R$ 1.730,73 em 2010. Esse resultado é significativamente superior ao apresentado pelo Estado como um todo: 83% maior do que a média
estadual (R$ 942,76). A discrepância desse resultado com a renda gerada
(0,801), em cujo ranking a Capital ocupa apenas a 41ª posição, também
chama atenção. O outro resultado de destaque em Porto Alegre é a escolaridade da população adulta dentro do Bloco Educação. A Capital apresenta
índice de 0,748 (ou seja, 74,8% dos adultos têm ensino fundamental completo em Porto Alegre), ocupando, assim, a primeira colocação nesse indicador. Pelos mesmos motivos apresentados para Bento Gonçalves, o resultado está longe de ser surpreendente, uma vez que a Capital atrai os indivíduos de maior escolaridade. Apropriação da renda e escolaridade adulta
são, portanto, as principais responsáveis pelo bom desempenho da Capital,
uma vez que, nos demais indicadores, em geral, os resultados de Porto
Alegre estão longe da ponta da lista: em Educação, Porto Alegre é apenas o
82º colocado em 2010 e, em Saúde, ocupa a 328ª posição no mesmo ano.
Ainda dentre os municípios com mais de 100.000 habitantes, alguns se
destacam por apresentarem as maiores variações percentuais positivas no
Idese de 2007 a 2010. O maior aumento (7,2%) foi registrado em Santa
Cruz do Sul, devido, principalmente, a melhorias nos Blocos Renda e Educação. Nesse município, o Bloco Renda aumentou de 0,762 para 0,821 no
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
111
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
período, principalmente por conta de significativo crescimento da renda
apropriada. No Bloco Educação, quase todos os indicadores cresceram,
elevando-o de 0,649 para 0,710. A Tabela 3 mostra os índices apresentados pelos 18 municípios acima de 100.000 habitantes nos anos de 2007 e
2010.
É importante também ressaltar os resultados de municípios classificados nas últimas posições do ranking. Jaquirana aparece como o município
de menor Idese (0,521) em 2010. Outros municípios que se destacam negativamente no Idese são Alvorada (0,552), na Região Metropolitana de Porto
Alegre, e Caraá (0,566), próximo ao litoral. Alvorada ocupa também a última
posição entre os municípios com mais de 100.000 habitantes. Em geral,
todos esses municípios apresentam diversos indicadores insatisfatórios em
todos os blocos.
Tabela 3
Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) dos municípios com população acima de
100.000 habitantes, segundo o ranking de 2010, no Rio Grande do Sul — 2007 e 2010
ESTADO E MUNICÍPIOS
RS ...............................................
Bento Gonçalves ........................
Porto Alegre ................................
Santa Cruz do Sul ......................
Caxias do Sul .............................
Passo Fundo ..............................
Canoas .......................................
Cachoeirinha ..............................
Rio Grande .................................
Santa Maria .................................
Novo Hamburgo .........................
Gravataí ......................................
São Leopoldo .............................
Pelotas .......................................
Bagé ...........................................
Sapucaia do Sul .........................
Uruguaiana .................................
Viamão .......................................
Alvorada .....................................
IDESE
2010
2007
Índice
Ordem
Índice
Ordem
Variação %
2007-10
0,699
0,781
0,797
0,739
0,738
0,701
0,707
0,681
0,694
0,702
0,690
0,665
0,664
0,654
0,647
0,634
0,651
0,570
0,523
2
1
3
4
7
5
10
8
6
9
11
12
13
15
16
14
17
18
0,727
0,816
0,807
0,792
0,788
0,740
0,737
0,728
0,728
0,724
0,719
0,696
0,694
0,684
0,681
0,670
0,661
0,606
0,552
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
4,0
4,5
1,3
7,2
6,7
5,6
4,3
6,9
4,8
3,1
4,3
4,6
4,5
4,6
5,3
5,6
1,4
6,3
5,6
FONTE: Fundação de Economia Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Indicadores SoFONTE: ciais e Ambientais.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
112
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
4 Resultados do Bloco Educação
Observando apenas o Bloco Educação do Idese, é possível fazer uma
avaliação da situação educacional no Estado a partir dos resultados constatados. Considerando-se nível alto de desenvolvimento a partir de 0,800, a
educação gaúcha ainda está longe do patamar desejado, já que o índice
para o Bloco Educação no Rio Grande do Sul como um todo foi 0,654 em
2010. Houve, entretanto, uma melhoria no período 2007-10, ainda que não
4
tenha sido muito significativa (aumento de 2,6%).
Ao analisar o Bloco Educação por sub-blocos, a escolaridade adulta é
o que apresenta menor índice (0,563). A razão disso é que apenas pouco
mais da metade da população adulta no Estado (56,3%) tinha ensino fundamental completo em 2010, o que é decorrência do passado histórico da
educação no País e no Estado. A tendência, entretanto, é de melhoria desse indicador, dada a inclusão de gerações mais jovens. O sub-bloco pré-escola, por sua vez, apresentou índice 0,610, que corresponde a uma taxa
de matrícula bruta na pré-escola de 61,0%, mostrando que ainda havia um
contingente grande de crianças que não frequentava a pré-escola em 2010.
Esse é um indicador particularmente grave, uma vez que a taxa de matrícula bruta na pré-escola no Brasil ultrapassa a marca dos 80%, evidenciando
o atraso do RS na educação infantil.
No ensino fundamental, o índice do sub-bloco composto pelas notas da
Prova Brasil, tanto para os anos iniciais (até 5º ano), como para os finais
(entre 6º e 9º anos) do ensino fundamental, foi de 0,669. Observando apenas os anos iniciais, o Índice registrado foi de 0,685 em uma escala de 0 a
1, ao passo que, nos anos finais, foi de 0,654. Considerando que o Índice
para o ensino fundamental foi construído tendo como referência a sua qualidade média nos países da Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Índice gaúcho deveria ser 0,800, se a nossa
educação em nível fundamental tivesse a mesma qualidade da OCDE. Portanto, o desafio nessa etapa de ensino é aumentar a qualidade, tendo como
meta atingir índices comparáveis ao nível educacional desses países. Por
último, restam os resultados do ensino médio. Nesse nível de ensino, as
matrículas precisam elevar-se, visto que a taxa de matrícula bruta para o
Estado não passava de 77,4% em 2010 (índice 0,774 no sub-bloco ensino
médio).
A fim de avaliar diferentes partes do Estado, é conveniente analisar o
Bloco Educação desagregando o RS por Coredes, como já foi feito na se4
Kang (2014) também faz uma análise resumida sobre o Bloco Educação do Idese.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
113
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
ção anterior. A classificação por Coredes mostra as diferenças que existem
dentro do Estado, obedecendo ao padrão esperado: resultados melhores
nas regiões mais a norte e nordeste do Estado, em termos relativos. O melhor resultado no Bloco Educação do Idese foi registrado no Corede Noroeste Colonial, com 0,743. Esse Corede apresentou a maior taxa de matrícula
no ensino médio (88,7%) e as melhores notas na Prova Brasil destinada aos
anos iniciais do ensino fundamental, bem como foi o segundo colocado nas
matrículas na pré-escola (83,3%). Em seguida, na classificação, o Corede
Vale do Taquari (0,728) é o segundo, apresentando o maior registro de taxas de matrícula na pré-escola (87,6%). O terceiro colocado em Educação é
o Corede Norte (0,706), que, embora não se tenha destacado claramente
em algum indicador específico, aparece entre os três melhores Coredes nos
indicadores voltados à pré-escola e ao ensino fundamental. O ranking dos
cinco primeiros Coredes e seus resultados nesse bloco em 2007 e 2010
podem ser observados na Tabela 4.
Por fim, é possível classificar os municípios de acordo com seu desempenho no Bloco Educação. Ivoti apresentou o melhor resultado desse
bloco no RS, com índice 0,829. O Município, pertencente ao Corede Vale do
Rio dos Sinos, obteve altas taxas de matrícula bruta na pré-escola (93,4%)
e no ensino médio (102,4%). Além disso, Ivoti apresentou bons resultados
na Prova Brasil (19º colocado no Estado, contabilizando anos iniciais e anos
finais) e no indicador de escolaridade adulta (60,6% de adultos com pelo
menos o ensino fundamental completo, ocupando a 16ª posição na classificação desse indicador). Ivoti mostra que, mesmo sem ter um dos maiores
níveis de renda do Estado, é possível se obterem excelentes resultados
educacionais.
Tabela 4
Valores do Bloco Educação do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) dos
cinco Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) mais bem colocados,
segundo o ranking de 2010, no Rio Grande do Sul — 2007 e 2010
IDESE EDUCAÇÃO
COREDES E ESTADO
RS ...................................
Noroeste Colonial .............
Vale do Taquari ..............
Norte ...............................
Fronteira Noroeste .........
Serra ..............................
2007
2010
Índice
Ordem
Índice
Ordem
Variação %
2007-10
0,628
0,694
0,686
0,657
0,697
0,639
2
3
6
1
14
0,654
0,743
0,728
0,706
0,703
0,694
1
2
3
4
5
4,2
7,1
6,2
7,4
0,8
8,6
FONTE: Fundação de Economia Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Indicadores SoFONTE: ciais e Ambientais.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
114
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
Ainda na classificação por municípios, os pequenos Lagoa dos Três
Cantos (0,812) e Picada Café (0,801) ocupam a segunda e a terceira posições respectivamente. É importante ressaltar que Lagoa dos Três Cantos
também se destaca nos indicadores do Bloco Saúde, como se pode verificar
com mais detalhes na seção 5. A Tabela 5 apresenta os 10 primeiros colocados na classificação do Idese entre os municípios.
Tabela 5
Valores do Bloco Educação do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) dos 10
municípios mais bem colocados, segundo o ranking de 2010, no Rio Grande do Sul —
2007 e 2010
IDESE EDUCAÇÃO
ESTADO E
MUNICÍPIOS
RS ....................................
Ivoti ..................................
Lagoa dos Três Cantos ..
Picada Café .....................
Não-Me-Toque ................
Nova Bréscia ...................
Ijuí ....................................
Tucunduva .......................
Salvador das Missões .....
Arroio do Meio .................
Palmares do Sul ..............
2007
2010
Índice
Ordem
Índice
Ordem
Variação %
2007-10
0,628
0,772
0,783
0,746
0,762
0,744
0,741
0,772
0,726
0,753
0,757
7
3
26
8
30
32
6
53
15
14
0,654
0,829
0,812
0,801
0,793
0,786
0,783
0,782
0,780
0,780
0,779
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
4,2
7,4
3,6
7,4
4,1
5,6
5,7
1,4
7,5
3,6
2,8
FONTE: Fundação de Economia Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Indicadores SoFONTE: ciais e Ambientais.
Analisando-se separadamente os municípios com mais de 100.000 habitantes, os três primeiros colocados no Bloco Educação são os mesmos do
Idese nessa faixa: Bento Gonçalves (0,753) em primeiro, seguido por Porto
Alegre (0,726) e Santa Cruz do Sul (0,710). Bento Gonçalves, além de
apresentar, como esperado, bom desempenho comparativo no estoque de
população adulta com pelo menos o ensino fundamental completo, conseguiu também atingir altos índices de matrícula bruta na pré-escola (91,6%),
bem como o melhor desempenho nos indicadores de qualidade do ensino
fundamental (Prova Brasil) entre os grandes municípios. Porto Alegre, por
sua vez, teve seu desempenho no Bloco Educação puxado especialmente
pela escolaridade adulta (74,8% da população adulta com pelo menos o
ensino fundamental completo), além da relativamente alta taxa de matrícula
bruta no ensino médio (84,0%), perdendo apenas para Bagé (90,0%) entre
os grandes municípios. Infelizmente, no entanto, os resultados da Capital
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
115
para a pré-escola (taxa de matrícula bruta de 66,8%) e o ensino fundamental (386º colocado na Prova Brasil dentre os municípios gaúchos) deixam a
desejar. Por outro lado, Gravataí (0,599), Viamão (0,558) e Alvorada
(0,468), localizados próximos a Porto Alegre, apresentaram os piores resultados na faixa de municípios com mais de 100.000 habitantes.
O Mapa 2 mostra o desempenho dos municípios no Bloco Educação.
Como já comentado em relação aos Coredes, nota-se que a Metade Norte
do RS, historicamente baseada em pequenas propriedades, teve desempenho educacional superior.
Mapa 2
Valores do Bloco Educação do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico
(Idese), por municípios, no Rio Grande do Sul — 2010
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
116
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
5 Resultados do Bloco Renda
Analisando separadamente o Bloco Renda do novo Idese, houve um
aumento de 6,1% no resultado do Estado para o período 2007-10. Em 2007,
esse índice era de 0,682, atingindo o índice de 0,724 no ano de 2010. Desagregando por sub-blocos, obteve-se, no ano de 2010, para o Rio Grande
do Sul, um índice de 0,721 em geração de renda e de 0,726 em apropriação
de renda. Essa variação no sub-bloco geração de renda reflete a evolução
do PIB per capita gaúcho, que passou de R$ 21.860,07 em 2007 (a preços
de 2010) para R$ 23.609,90 em 2010. No caso da renda apropriada, o Estado tinha renda domiciliar per capita de R$ 814,38 em 2007 (preços de
2010), chegando a R$ 942,76 em 2010. Embora indicadores de renda apropriada e de renda gerada possam, muitas vezes, gerar resultados significativamente divergentes para o mesmo município, é natural esperar que os
dois sub-blocos tenham resultados semelhantes para o Estado como um
5
todo, tal como foi constatado.
Por meio dos resultados do Bloco Renda por Coredes, observam-se as
mesmas tendências percebidas pelos resultados municipais, já que o
Corede Metropolitano Delta do Jacuí ocupa a primeira posição, com 0,815,
seguida pelo Corede Serra, com 0,814. Na terceira posição, está o Corede
do Vale do Rio dos Sinos, com 0,744. Os resultados dos cinco primeiros
colocados nos anos de 2007 e 2010, nesse bloco, são apresentados na
Tabela 6.
Tabela 6
Valores do Bloco Renda do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) dos cinco
Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) mais bem colocados, segundo o
ranking de 2010, no Rio Grande do Sul — 2007 e 2010
IDESE RENDA
COREDES
RS .............................................
Metropolitano Delta do Jacuí ....
Serra .........................................
Vale do Rio dos Sinos ...............
Produção ...................................
Alto Jacuí ..................................
2007
2010
Índice
Ordem
Índice
Ordem
Variação %
2007-10
0,682
0,788
0,763
0,703
0,698
0,693
1
2
3
4
5
0,724
0,815
0,814
0,744
0,735
0,730
1
2
3
4
5
6,2
3,4
6,7
5,8
5,3
5,3
FONTE: Fundação de Economia Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Indicadores SoFONTE: ciais e Ambientais.
5
Ver também análise feita em Bernardini (2014) acerca do Bloco Renda do Idese.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
117
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
A análise do Bloco Renda é ainda mais interessante em nível municipal. As diferenças empíricas entre os dados de geração e de apropriação da
renda não são claras, quando se observam o Estado ou os Coredes, mas
se tornam evidentes em certos municípios, tais como Triunfo (maior PIB per
capita do Estado e apenas o 263º colocado na apropriação da renda).
Na classificação do Bloco Renda por municípios, Aratiba, localizado na
divisa com Santa Catarina, é o primeiro colocado do Estado nessa dimensão, com 0,903, e também é o único município com Índice maior do que
0,900 no Bloco. Seu desempenho superior nesse bloco deve-se, principalmente, à capacidade de geração de renda do município, que registrou a
quinta maior renda per capita do Estado em 2010 (R$ 58.308). Por outro
o
lado, é necessário ressaltar que Aratiba é o 12 colocado em renda apropriada, com índice 0,807. A combinação desses dois resultados explica a primeira posição para Aratiba no Bloco Renda. No ranking geral do Idese, que
inclui os três blocos, Aratiba é o segundo colocado, uma vez que seus indicadores de Educação e Saúde também apresentam ótimo desempenho.
Aratiba, portanto, de acordo com os indicadores, é um bom exemplo de
município em que a renda gerada converte-se em bem-estar para a população. A Tabela 7 apresenta os resultados dos 10 primeiros colocados entre
os municípios em 2007 e 2010.
Tabela 7
Valores do Bloco Renda do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) dos 10 municípios mais bem colocados, segundo o ranking de 2010, no Rio Grande do Sul — 2007 e 2010
ESTADO E MUNICÍPIOS
RS ................................................
Aratiba ..........................................
Porto Alegre .................................
Carlos Barbosa ............................
Nova Araçá ..................................
Garibaldi ......................................
Caxias do Sul ..............................
Canoas ........................................
Capivari do Sul .............................
Nova Bassano .............................
Santa Cruz do Sul ........................
IDESE RENDA
2010
2007
Índice
Ordem
Índice
Ordem
Variação %
2007-10
0,682
0,846
0,870
0,828
0,760
0,793
0,786
0,795
0,760
0,817
0,762
2
1
3
20
8
9
7
21
4
18
0,724
0,903
0,886
0,873
0,859
0,851
0,841
0,840
0,835
0,832
0,821
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
6,1
6,8
1,8
5,4
13,1
7,3
7,1
5,6
9,8
1,8
7,9
FONTE: Fundação de Economia Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Indicadores SoFONTE: ciais e Ambientais.
Ainda na classificação municipal do Bloco Renda, Aratiba é seguido
por Porto Alegre (0,886) e por Carlos Barbosa (0,873), primeiro colocado no
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
118
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
ranking geral do Idese. De modo geral, assim como nas outras dimensões,
os municípios localizados no Norte e Nordeste do Estado apresentam bom
resultado. Destaca-se que, nesse bloco, os municípios com mais de
100.000 habitantes apresentam, em média, melhores índices do que nas
outras dimensões englobadas pelo novo Idese. O Mapa 3 apresenta esses
resultados municipais do Bloco Renda, que, novamente, não surpreende: as
regiões Norte e Nordeste, de acordo com a divisão de Alonso, Bandeira e
Benetti (1994), apresentam claramente indicadores superiores no Bloco
Renda, como já se sabe de estudos anteriores acerca dos históricos diferenciais de renda entre regiões do RS (ALONSO, 2003, 2006; ALONSO;
BANDEIRA; BENEDETTI,1994; AREND; CÁRIO, 2005; BERNI; MARQUETTI; KLOECKNER, 2002; FIALKOW, 2014; FIORI et al. 2013; LAUTERT, 2005; MARQUETTI; BÊRNI; MARQUES, 2005; MONASTERIO,
2002; PAIVA, 2008).
No Bloco Renda, é possível fazer comparações entre o RS e outros
estados da Federação, uma vez que há disponibilidade de dados confiáveis
6
para todo o Brasil em 2010. Calculou-se o Bloco Renda do Brasil para os
anos 2000 e 2010, assim como para o Estado em 2000, utilizando a nova
metodologia do Idese. O PIBpc anual do Brasil, em 2000, era de R$ 15.439
(a preços de 2010), avançando para R$ 19.509 em 2010, o que equivale a
um crescimento real de 26,4% no período, ou um crescimento médio de
2,4% a.a. O PIBpc do Estado, no mesmo período, registrou crescimento real
de 23,7% (2,1% a.a.), evoluindo de R$ 19.088 em 2000 (a preços de 2010)
para R$ 23.610 em 2010, como ressaltado por Bernardini (2014).
Comportamentos análogos são observados na renda apropriada. Em julho
de 2000, no Brasil, o indicador renda domiciliar per capita mensal era de
R$ 586 (a preços de 2010, segundo o INPC Brasil), aumentando para
R$ 773 em julho de 2010, ou seja, uma evolução real de 31,8% (2,8% a.a.),
enquanto o crescimento real da renda apropriada pc no Rio Grande do Sul
foi de 33,6% (2,9% a.a.), passando de R$ 705 em 2000 (a preços de 2010)
para R$ 943 em 2010.
Essas estatísticas, transformadas em índices e agregadas para compor
o Bloco Renda, refletiram, para o Brasil, uma evolução de 0,562 em 2000
para 0,654 em 2010 (aumento de 16,3%). No Rio Grande do Sul, houve
6
Não é possível computar o Idese para todo o País, principalmente pela falta de
confiabilidade de diversos indicadores de saúde em certas regiões. Há, por exemplo,
subnotificação de óbitos no País, sobretudo nas Regiões Norte e Nordeste, que são
consideradas uma das grandes limitações do Sistema de Informações sobre Mortalidade
(SIM) (MELLO; LAURENTI; GOTLIEB, 2007; SCHRAMM; SZWARCWALD, 2000;
SZWARCWALD et al., 2002). O Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc),
também utilizado no Bloco Saúde, apresenta grandes variações entre as unidades da
Federação, com baixos percentuais, particularmente naquelas localizadas nas Regiões
Norte e Nordeste (MELLO; LAURENTI; GOTLIEB, 2007).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
119
uma elevação de 0,632 em 2000 para 0,724 em 2010 (14,4%). Essas
informações revelam comportamentos muito semelhantes, na primeira
década do século XXI, entre Brasil e Rio Grande do Sul, no que diz respeito
à evolução da renda. Entretanto, é importante salientar a diferença de nível.
O Brasil atingiu, apenas em 2010, patamares de renda que o Rio Grande do
Sul já apresentava em 2000. Ou seja, o desempenho do Estado foi
satisfatório no período 2000-10, se comparado ao do País como um todo
(BERNARDINI, 2014).
Mapa 3
Valores do Bloco Renda do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico
(Idese), por municípios, no Rio Grande do Sul — 2010
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
120
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
6 Resultados do Bloco Saúde
Tradicionalmente, o Bloco Saúde vem apresentando os melhores
resultados entre os três blocos analisados. Seus resultados foram, desde
2007, os seguintes: 0,788 (2007), 0,795 (2008), 0,799 (2009) e, finalmente,
0,803 (2010). O que se observa nos anos mencionados é que, em todos, há
melhora dos valores obtidos, ainda que sua variação tenha sido menor do
7
que a alcançada por outros blocos.
Atendo-se particularmente ao ano de 2010, nota-se que o resultado
positivo para Saúde deve-se, em grande parcela, aos números bastante
favoráveis em termos de longevidade do Estado. De fato, o resultado do
sub-bloco longevidade foi de 0,842. O sub-bloco saúde materno-infantil
também apresentou resultado positivo, com nota de 0,818. Dos três sub-blocos utilizados na avaliação da saúde no Estado, a pior nota foi das
condições gerais de saúde. Este sub-bloco, que engloba indicadores de
óbitos por causas maldefinidas e por causas evitáveis, teve resultado de
0,749 para o ano de 2010. É importante salientar que o fato de o Bloco
Saúde ter apresentado números positivos de modo agregado não significa
que os serviços de saúde do Estado gozam de excelência e que os
gestores públicos podem deixar de priorizar essa área.
Um ponto que merece destaque na análise dos resultados diz respeito
a uma imagem distorcida que o leitor poderia formar a partir do resultado
agregado para o Estado. Dizer que o resultado do Bloco Saúde foi de 0,803
não deixa transparecer as desigualdades existentes dentro do Rio Grande
do Sul. No entanto, elas existem e são claramente visíveis no contexto da
histórica divisão entre as Metades Sul e Norte do Rio Grande do Sul. O
Mapa 4 deixa evidente a diferença entre essas duas porções do Estado, no
que diz respeito ao resultado do Bloco Saúde para o ano de 2010. Percebe-se que os Coredes com as melhores notas estão concentrados, de modo
geral, na porção Norte do Estado. Uma informação importante que o
presente mapa permite visualizar é que, na região setentrional, estão
localizados todos os municípios com resultado superior a 0,900.
Naquilo que diz respeito ao desempenho dos municípios, quem
apresentou o melhor resultado em termos de saúde no Idese, para o ano de
2010, foi o pequeno Município de Lagoa dos Três Cantos, localizado na
região do Alto Jacuí. Sua nota no Bloco Saúde foi de 0,924. Santo Expedito
do Sul e Nova Bassano apresentaram números igualmente positivos, de
0,923 e 0,921 respectivamente. Esses são os três municípios com melhor
Idese no Bloco Saúde do Estado. Os três são municípios bastante
pequenos, em especial Lagoa dos Três Cantos, que possuía, em 2011, uma
7
Ver também análise do Bloco Saúde do Idese em Andreis (2014).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
121
população de 1.598 pessoas. Santo Expedito do Sul e Nova Bassano
também são municípios pequenos, com populações, em 2011, de 2.461 e
8.840 pessoas respectivamente. Por outro lado, Lavras do Sul (0,666),
Uruguaiana (0,694) e Itaqui (0,711) são os municípios que apresentaram as
piores notas no Bloco Saúde.
Mapa 4
Valores do Bloco Saúde do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), por
municípios, no Rio Grande do Sul — 2010
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
122
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
Tabela 8
Valores do Bloco Saúde do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) dos cinco
Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) mais bem colocados,
segundo o ranking de 2010, no Rio Grande do Sul — 2007 e 2010
IDESE SAÚDE
ESTADO E
COREDES
RS .................................
Serra ..............................
Nordeste ........................
Vale do Taquari .............
Rio da Várzea ................
Noroeste Colonial ..........
2010
2007
Índice
Ordem
Índice
Ordem
Variação %
2007-10
0,788
0,853
0,842
0,837
0,817
0,811
1
2
3
6
8
0,803
0,869
0,853
0,848
0,847
0,841
1
2
3
4
5
2,0
1,9
1,4
1,4
3,6
3,7
FONTE: Fundação de Economia Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Indicadores SoFONTE: ciais e Ambientais.
Quando se consideram apenas os municípios com população superior
a 100.000 habitantes, o que apresenta o melhor resultado no Bloco Saúde é
Bento Gonçalves (0,893). Caxias do Sul (0,853) e Santa Cruz do Sul (0,845)
vêm logo atrás, seguidos por Porto Alegre (0,809). Por outro lado,
Uruguaiana desponta como o pior resultado em Saúde entre os municípios
mais populosos (0,694).
Tabela 9
Valores do Bloco Saúde do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) dos 10 municípios mais bem colocados, segundo o ranking de 2010, no Rio Grande
do Sul — 2007 e 2010
ESTADO E MUNICÍPIOS
RS ..................................................
Lagoa dos Três Cantos ..................
Santo Expedito do Sul ....................
Nova Bassano ................................
André da Rocha .............................
Travesseiro ....................................
Protásio Alves ................................
São Valentim do Sul ......................
Carlos Barbosa ..............................
Vespasiano Correa ........................
Nova Pádua ...................................
IDESE SAÚDE
2010
2007
Índice
Ordem
0,788
0,843
0,835
0,891
0,866
0,858
0,875
0,899
0,881
0,830
0,908
120
159
12
56
78
33
7
21
182
4
Índice
0,803
0,924
0,923
0,921
0,915
0,909
0,905
0,905
0,905
0,904
0,900
Ordem
Variação %
2007-10
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
2,0
9,5
10,6
3,4
5,6
6,0
3,5
0,6
2,7
8,9
-0,9
FONTE: Fundação de Economia Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Indicadores SoFONTE: ciais e Ambientais.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
O novo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese): resultados de 2007-10
123
7 Considerações finais
O Idese é uma ferramenta para avaliar o desenvolvimento municipal,
sob uma perspectiva multidimensional, no Estado do Rio Grande do Sul.
Após explicitar brevemente a nova metodologia do Índice, com diversas
alterações significativas, apresentaram-se os resultados do Idese para
Estado, Coredes e municípios do Rio Grande do Sul durante o período
2007-10, com especial foco no ano de 2010. Durante esse período, houve
crescimento dos índices apresentados por todos os Blocos que fazem parte
do Idese: Educação, Renda e Saúde, com especial destaque ao Bloco
Renda, cujo índice cresceu 6,1% no período.
A análise por municípios e Coredes corroborou o que já era de fato
conhecido pela literatura: as nítidas desigualdades regionais do Estado, em
particular a tradicional divisão entre a Metade Norte e a Metade Sul. Os
resultados do Idese mostram que essa relação de vantagem da região Norte
é, em geral, verdadeira, tanto em termos de nível de renda, como também
quando se trata de indicadores de educação ou saúde. De forma pouco
surpreendente, o Corede com os melhores indicadores, em média, foi o
Corede Serra, que teve bom desempenho em todos os blocos. A
proeminência do Corede Serra também se refletiu na classificação entre
municípios, na qual sete dos 10 primeiros colocados do ranking são
oriundos dessa região. Localizam-se, no Corede Serra, tanto o primeiro
colocado no ranking geral, Carlos Barbosa, quanto o primeiro colocado na
classificação entre os municípios com mais de 100.000 habitantes, Bento
Gonçalves.
Constatou-se também a predominância de municípios pequenos e
médios nas primeiras colocações do Idese. Mesmo tendo o Idese
incorporado indicadores diferenciados relacionados à qualidade da
educação e da saúde pública, os resultados para o período corroboraram,
em boa parte, o que foi encontrado pelo IDHM 2010, divulgado a cada 10
anos com dados do Censo, e que não incorpora indicadores qualitativos.
Outra vantagem do Idese é a possibilidade de atualizá-lo anualmente, o que
permite melhor acompanhamento da evolução dos indicadores econômicos
e sociais, bem como observar possíveis impactos da implementação de
políticas públicas municipais, regionais ou estaduais.
Na abordagem do desenvolvimento humano, não se pode entender
desenvolvimento de acordo com um ponto de vista top-down de política
pública. Ainda é pouco claro como as demandas da sociedade, no que se
refere ao desenvolvimento, podem ser cada vez mais incluídas na
construção de indicadores. Além das dificuldades políticas, há também
dificuldades técnicas inerentes à formulação de índices multidimensionais
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
124
Thomas Hyeono Kang; Rafael Bernardini; Thiago Felker Andreis; Brenda Affeldt
em nível municipal, em particular devido à existência de centenas de
municípios com pequena população no Estado. Reconhecendo esse fato, a
equipe responsável pela formulação prezou pelo rigor conceitual e
estatístico, a fim de que o Idese fosse o mais fidedigno possível às
realidades vividas pelos habitantes dos municípios gaúchos. Espera-se,
assim, que o Idese possa ajudar a formular e subsidiar as políticas públicas
gaúchas, com vistas a melhorar a qualidade de vida das pessoas em todo o
Estado.
Referências
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N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Tatiana Zismann.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Pobreza extrema no Rio Grande do Sul
e sua relação com o Índice de
Desenvolvimento Socioeconômico
(Idese)
Clitia Helena Backx Martins
Marcos Vinício Wink Junior
Economista, Pesquisadora da Fundação
de Economia e Estatística (FEE)
Economista, Pesquisador da FEE
1 Introdução
Este estudo segue uma abordagem territorial, socioeconômica e demográfica. Tem como objetivo caracterizar a extrema pobreza no Rio Grande
do Sul, utilizando, para isso, técnicas econométricas, para elaborar uma
análise das relações das diferentes dimensões que compõem a pobreza no
Estado. Para tanto, são utilizados dados do Censo Demográfico 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografía e Estatística (IBGE), tendo como base a
linha oficial do Governo Federal brasileiro, assumida em junho de 2011,
para delimitar seu programa de erradicação da extrema pobreza, como
proxy da pobreza absoluta. Essa linha considera como extremamente pobre
a população sem rendimento e com rendimento mensal domiciliar per capita
de R$ 1,00 a R$ 70,00.
Como hipótese da pesquisa, considera-se que a concentração regional
de pobreza extrema, medida através de linhas de pobreza, está fortemente
relacionada à precariedade na atenção de serviços básicos à população,
como saúde e educação. Para justificar a importância do trabalho, ressalta-se que essa caracterização e regionalização se constitui em um exercício
importante para subsidiar políticas públicas que tratam de questões sociais
prioritárias do Estado.
Além desta Introdução, o trabalho inclui outras quatro seções. A seguinte apresenta uma discussão sobre o que são pobreza e linhas de pobreza, e como esta pode ser medida, assim como uma breve referência aos
principais programas que compõem as políticas públicas empregadas para
se atender a pobreza extrema no Brasil. Na terceira seção, mostram-se os
resultados sobre o número e a proporção de pessoas em extrema pobreza
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
128
Clitia Helena Backx Martins; Marcos Vinício Wink Junior
em todos os estados brasileiros e municípios do Rio Grande do Sul. Na
quarta seção, abordando apenas o Estado, utilizam-se técnicas econométricas para a verificação da associação relativa de indicadores socioeconômicos municipais, mensurados através dos resultados dos blocos que
compõem o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) do Estado,
sobre a proporção de população extremamente pobre. Analisam-se também possíveis diferenças entre a pobreza urbana e a rural. Na seção final,
fazem-se algumas considerações sobre a erradicação da pobreza de acordo
com as características verificadas.
As conclusões do artigo apontam uma forte relação entre a pobreza
monetária e a falta de serviços públicos básicos em educação e saúde, o
que caracteriza a pobreza como um fenômeno multidimensional. Ademais,
pode-se constatar que a regionalização da extrema pobreza apresenta diversos tons, com maior proporção, no entanto, em municípios da Região
Norte e/ou Noroeste do Estado, apresentando maior número de pessoas
nesse segmento na Região Metropolitana de Porto Alegre e em alguns
municípios da Região Sul.
2 Pobreza extrema no Brasil — definição,
medidas e enfrentamento
Ao se abordar a temática da pobreza e sua avaliação, tanto quantitativa como qualitativamente, faz-se necessária uma definição clara sobre esse fenômeno, que abarca múltiplas facetas, e que se pode manifestar através de distintas condições de vida, implicando carências materiais e não
materiais. Essas podem incluir situações de desnutrição e impossibilidade
de acesso a alimentos saudáveis, moradia inadequada e insalubre, abastecimento insatisfatório de água potável, convivência com águas cloacais e
depósitos de lixo a céu aberto, baixa qualidade educacional, carência de
serviços de saúde e de transporte, falta de áreas verdes e de equipamentos
de lazer e inseguridade geral em relação à expansão da criminalidade comum (UNITED NATIONS STATISTICS DIVISION, 2005). Assim, não somente questões econômicas, mas também aspectos sociais, políticos, culturais, históricos, geográficos e ambientais podem ser assinalados para a caracterização das situações de pobreza e de desigualdade em uma sociedade específica. Nesta seção, são apresentados aspectos teóricos e metodológicos sobre a pobreza e suas dimensões, bem como alguns elementos
sobre as medidas de enfrentamento da extrema pobreza no Brasil.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Pobreza extrema no Rio Grande do Sul e sua relação com o Índice de...
129
2.1 Dimensões e linhas de pobreza
Em termos conceituais, a pobreza pode ser enfocada de forma absoluta, relativa ou subjetiva. Ao se pensar nas políticas públicas para enfrentar
o quadro de pobreza, mostra-se relevante considerar essas noções e seu
significado relativo à população afetada.
Assim, por pobreza absoluta entende-se a situação daqueles que não
contam com os requisitos mínimos para uma vida humana digna, carecendo
tanto dos elementos que constituem as necessidades básicas vitais, quanto
daqueles que, mesmo não sendo estritamente indispensáveis para a sobrevivência física, são considerados fundamentais para o funcionamento dos
indivíduos, tais como moradia e saneamento (ROCHA, 2003). Em outra
acepção, a pobreza absoluta descreve a condição daqueles “[...] que não
dispõem dos meios básicos para o exercício das capacidades mais elementares dos seres humanos, como sobreviver, crescer, resistir às enfermidades, trabalhar, conviver em sociedade” (MONTEIRO, 1991, p. 1). A população em pobreza absoluta figura, em geral, como a mais vulnerável em relação à fome endêmica, à desnutrição crônica, às epidemias e às enfermidades mentais e psicológicas, também ao maior risco de catástrofes e efeitos das mudanças climáticas, resultando em baixa expectativa e qualidade
de vida.
A pobreza relativa, por sua vez, leva em conta o modo de vida e os
padrões de consumo de uma determinada sociedade. Assim, se o padrão
social médio não é alcançado por algum segmento da população, esse se
encontra em situação de privação ou pobreza em relação ao contexto
socioeconômico vigente. Nesse caso, o que caracteriza a pobreza relativa é
a situação de desvantagem de uma parcela da população na distribução
dos bens, serviços e renda produzidos socialmente.
Por outro lado, a pobreza subjetiva diz respeito ao conjunto de pessoas
cujo nível de renda é percebido por eles próprios como abaixo do que
consideram como o “exatamente suficiente” para viver (KAGEYAMA;
HOFFMANN, 2006).
Sobre a multidimensionalidade da pobreza, já em trabalhos da década
de 60, Peter Townsend reiterava a ideia de que a pobreza “[...] é essencialmente um conceito relativo e que essencialmente se refere a um conjunto
de condições e não simplesmente à condição financeira” (TOWNSEND,
1960 apud KAGEYAMA; HOFFMANN, 2006, p. 82).
Para delimitar a população compreendida na pobreza absoluta, também chamada de miséria ou indigência social, utilizam-se, com frequência,
as linhas de pobreza. Essas são geralmente construídas tendo como fundamentação as condições mínimas de vida, porém levando em conta as caracPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
130
Clitia Helena Backx Martins; Marcos Vinício Wink Junior
terísticas de cada região ou país onde os dados são levantados, tais como
hábitos de consumo prevalecentes, disponibilidade e acesso aos alimentos
e seus preços relativos. Pode-se agregar também uma estimativa dos recursos que permitem satisfazer necessidades básicas não alimentares. De
qualquer maneira, faz-se necessário, nesta metodologia, a fixação arbitrária
1
de valores de renda para a definição das linhas de pobreza . Essa opção
segue o critério da insuficiência de renda — a pobreza é considerada um
fenômeno complexo, mas a renda seria o indicador mais importante do
bem-estar, por estar intimamente associada com as outras dimensões do
fenômeno.
Há que se destacar que, mesmo quando se adota uma linha de pobreza que esteja em conformidade com a cesta mínima de bens necessários
em uma área geograficamente determinada, essa deve ser periodicamente
atualizada e ajustada, incorporando variações nos preços dos alimentos,
mudanças nos hábitos alimentares e a introdução de novos itens que
passam a ser considerados como necessidades básicas.
No caso brasileiro, um aspecto relevante diz respeito ao consenso
entre especialistas de que, a partir da década de 90, o foco das pesquisas
sobre o tema passou a ser a persistência de situações de pobreza absoluta
no País. Os fatores que explicam, pelo menos em parte, a permanência
desse quadro na década seguinte, referem-se a problemas econômicos e
2
sociais, como a concentração de renda , a precarização do trabalho, os déficits de serviços públicos essenciais e os desequilíbrios regionais (ROCHA,
2003). Desse modo, como assinala Rocha (2001; 2003), vários estudos
realizados entre 1990 e início da década seguinteconvergem, no sentido de
uma abordagem explícita dessa problemática no Brasil, evidenciando que,
embora a pobreza em números absolutos encontre maior expressão em
grandes centros urbanos, em termos proporcionais, ela se manifesta com
mais força no meio rural.
Observa-se que os indicadores de renda compõem a base das
estimativas oficiais do número de extremamente pobres no Brasil, havendo
sido utilizados tanto no Mapa da Fome, estudo publicado pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) na década de 90 (PELIANO, 1993a;
1993b; 1993c), como em trabalhos posteriores desse órgão. Ademais, essa
1
Para fins de políticas públicas de enfrentamento da pobreza, adota-se, em geral, uma linha
de pobreza oficial, sendo consideradas pobres as pessoas ou as famílias que se encontram
abaixo da renda mínima oficial, de acordo com os valores estabelecidos para assistência
social, como é o caso, no Brasil, do Programa Bolsa Família (PBF).
2
Conforme demonstraram os dados oficiais do Governo brasileiro, apresentados na Cúpula
Mundial para o Desenvolvimento Social, promovida em março de 1995 pela Organização
das Nações Unidas (ONU), em Copenhague, a concentração de renda no Brasil seria a
principal causa estrutural da persistência de situações de extrema pobreza no País.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Pobreza extrema no Rio Grande do Sul e sua relação com o Índice de...
131
orientação teve continuidade no processo de destino de recursos nos pro3
gramas sociais de combate à miséria dos governos Lula e Dilma . Nesse
sentido, em junho de 2011, o Governo Federal assumiu uma linha oficial
para demarcar seu programa de erradicação da extrema pobreza, como
proxy da pobreza absoluta. Essa linha, com o valor equivalente a um quarto
de salário mínimo de março de 2003 (INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA, 2012), compreende como extremamente pobre a
população sem rendimento e com rendimento mensal domiciliar per capita
4
de R$ 1,00 a R$ 70,00 . No presente artigo, essa é a metodologia escolhida
como ponto de partida para a identificação da população em extrema
pobreza. Além dessa medida, são utilizados indicadores de educação,
saúde e saneamento, para situar a multidimensionalidade da pobreza em
relação a essa população específica.
2.2 Enfrentamento da extrema pobreza no Brasil:
o Plano Brasil Sem Miséria
Em 2003, o Governo Federal, através do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), criou o Programa Bolsa Família,
que se tem expandido a cada ano. Não obstante isso, para ampliar e acelerar o alcance das políticas de redução da pobreza, em junho de 2011, foi
lançado o Plano Brasil Sem Miséria (PBSM), que abarcou o Programa Bolsa
Família, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o Programa
Bolsa Verde, os programas habitacionais do Ministério das Cidades, o fomento às atividades produtivas rurais e outros. Na intenção de retirar
famílias da situação de extrema vulnerabilidade, o PBSM está estruturado
sobre três eixos: inclusão produtiva (rural e urbana), garantia de renda e
acesso a serviços públicos (RUCKERT; RABELO, 2013).
O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de
renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza
em todo o País. Tem como foco de atuação a população com renda familiar
per capita inferior a R$ 77 mensais e está baseado na garantia de renda,
inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. Para receber o benefício, as famílias devem cumprir condições nas áreas de educação, saúde e
assistência (BRASIL, 2013a).
3
Os números correspondentes à população em pobreza absoluta podem variar de acordo
com o valor da linha de pobreza utilizada, o que depende da metodologia selecionada.
4
Essa medida segue também o critério internacional dado pelas Metas do Milênio das Nações Unidas (ODM 1), com uma linha de pobreza de US$ 1,25 por dia PPP, equivalente a,
em 2011, cerca de R$ 70 per capita por mês.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
132
Clitia Helena Backx Martins; Marcos Vinício Wink Junior
No Rio Grande do Sul, consolidaram-se, a partir de 2011, programas
de equidade social, como o Programa Estadual de Erradicação da Pobreza
Extrema - RS Mais Igual, em especial através do Programa RS Mais Renda,
cujo objetivo é a redução dos índices de vulnerabilidade econômica e social
e a inclusão da população em situação de pobreza extrema na rede de
políticas públicas (RUCKERT; RABELO, 2013).
Já o Programa Bolsa Verde, lançado no Brasil, em setembro de 2011,
prevê a distribuição de um benefício de R$ 300, a cada trimestre,para famílias em situação de extrema pobreza que vivem em áreas consideradas
prioritárias para a conservação ambiental, como compensação pelo uso
sustentável dos recursos naturais. Entre os beneficiários, encontram-se ribeirinhos, populações indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais. O programa é dirigido a famílias que desenvolvem atividades de
conservação em florestas nacionais, reservas federais de desenvolvimento
sustentável e assentamentos ambientalmente diferenciados da Reforma
Agrária, em uma tentativa de aliar transferência de renda com preservação
ambiental. O benefício contribui para diminuir a situação de vulnerabilidade
das famílias e incentiva a conservação dos recursos naturais e o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis, com prioridade para áreas
da Amazônia Legal, que engloba nove estados brasileiros pertencentes à
Bacia Amazônica (BRASIL, 2013b).
3 A extrema pobreza no Brasil e no Rio
Grande do Sul
Com base nos dados do Censo Demográfico 2010 e considerando-se
a linha de pobreza extrema como renda domiciliar per capita de até R$ 70,
pode-se analisar, primeiramente, a pobreza no Brasil. Dentre todos os estados brasileiros, o Maranhão lidera o ranking de proporção de extremamente
pobres no País, com cerca de 20% de sua população nessa situação,
seguido pelo Piauí e por Alagoas (Tabela 1). Já o Rio Grande do Sul
aparece como o 21° estado com maior proporção de ex tremamente pobres,
representando 1,9% de sua população. No outro extremo do ranking, o
Distrito Federal e Santa Catarina apresentam, cada um, 0,9% de população
de extremamente pobres.
Por outro lado, quando se multiplica a proporção de extremamente pobres pela população residente em domicílios, obtém-se o número absoluto
de extremamente pobres. Assim, a Bahia aparece com o maior contigente
nessa condição, com aproximadamente 1,8 milhão de pessoas, seguida por
Ceará e Maranhão, ambos com 1,25 milhão de pessoas. O Rio Grande do
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Pobreza extrema no Rio Grande do Sul e sua relação com o Índice de...
133
Sul, com 198.000 extremamente pobres, aparece na 15ª posição do ranking
em termos absolutos.
Tabela 1
Proporção e número de extremamente pobres, por unidades da Federação (UFs),
no Brasil —2010
BRASIL E UFs
Brasil.........................
Acre ............................
Alagoas ......................
Amapá ........................
Amazonas ..................
Bahia .........................
Ceará .........................
Distrito Federal ..........
Espírito Santo ............
Goiás .........................
Maranhão...................
Mato Grosso ..............
Mato Grosso do Sul ...
Minas Gerais ..............
Pará ...........................
Paraíba ......................
Paraná .......................
Pernambuco ..............
Piauí ...........................
Rio de Janeiro ...........
Rio Grande do Norte
Rio Grande do Sul ....
Rondônia ...................
Roraima .....................
Santa Catarina ...........
São Paulo ..................
Sergipe ......................
Tocantins ...................
PROPORÇÃO DE
PESSOAS
EXTREMAMENTE
POBRES (%)
6,30
12,60
16,40
8,60
13,30
14,10
15,50
0,90
2,60
1,70
20,60
2,70
3,00
3,30
14,40
14,00
1,80
12,50
18,50
1,70
10,60
1,90
4,80
8,80
0,90
1,10
12,50
8,30
NÚMERO DE
EXTREMAMENTE
POBRES
11.502.355
85.431
479.844
54.589
427.968
1.864.072
1.255.398
22.369
88.378
98.649
1.253.187
78.093
70.909
626.939
1.020.037
505.821
183.210
1.039.693
550.363
259.733
323.177
198.126
71.495
35.304
55.099
435.113
246.415
109.044
POPULAÇÃO
RESIDENTE EM
DOMICÍLIOS
PARTICULARES
PERMANENTES
182.577.071
678.027
2.925.878
634.759
3.217.803
13.220.367
8.099.339
2.485.415
3.399.167
5.802.892
6.083.432
2.892.329
2.363.635
18.998.141
7.083.592
3.613.009
10.178.315
8.317.542
2.974.937
15.278.392
3.048.839
10.427.704
1.489.482
401.182
6.122.101
39.555.691
1.971.322
1.313.779
FONTE: Censo Demográfico 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).
No caso específico do Rio Grande do Sul, constatam-se situações
bastante diferenciadas em relação à extrema pobreza no nível municipal.
Nesse sentido, a Tabela 2 apresenta os 10 municípios do Estado com maior
número de pessoas extremamente pobres, levando em conta que a quanPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Clitia Helena Backx Martins; Marcos Vinício Wink Junior
134
tidade de pessoas nessa situação está altamente relacionada ao tamanho
da população do município. Entretanto, mesmo que ocorra essa associação,
não se pode afirmar que exista uma relação de causa e efeito, pois um
município, mesmo sendo populoso, pode apresentar resultados satisfatórios
em termos do total de extremamente pobres. Verifica-se que, dos 10 municípios com maior número de extremamente pobres, seis estão na lista dos
10 mais populosos do Estado. Deve-se considerar, contudo, casos como o
de Caxias do Sul, segundo município mais populoso do RS, e apenas o 23°
colocado no ranking de extrema pobreza em termos absolutos. Não obstante isso, no outro extremo, o Município de Canguçu, que é o sétimo no
ranking do total de extremamente pobres, é apenas o 41° em termos de
população. No Mapa 1, visualiza-se a disposição geográfica da população
extremamente pobre, percebendo-se uma alta concentração de população
extremamente pobre na Região Metropolitana, no Sul e no Sudeste do
Estado.
Tabela 2
Ranking dos 10 municípios com maior número de extremamente pobres,
no Rio Grande do Sul — 2010
RANKING
1º
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
MUNICÍPIOS
Porto Alegre ......................
Pelotas ...............................
Viamão ..............................
Rio Grande ........................
Alvorada ............................
Uruguaiana ........................
Canguçu ............................
Canoas...............................
Santana do Livramento .....
Gravataí .............................
NÚMERO DE
EXTREMAMENTE
POBRES
13.506
6.659
4.477
3.914
3.868
3.806
3.703
3.634
3.295
3.292
POPULAÇÃO
RESIDENTE EM
DOMICÍLIOS
PARTICULARES
PERMANENTES
1.364.287
318.603
233.152
191.848
190.553
121.990
51.079
315.996
80.572
249.384
FONTE: Censo Demográfico 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Pobreza extrema no Rio Grande do Sul e sua relação com o Índice de...
135
Mapa 1
População em extrema pobreza, por municípios, no Rio Grande do Sul — 2010
Analisando o outro extremo do ranking, visualizam-se, na Tabela 3, os
10 municípios com os menores números de pessoas extremamente pobres.
Dentre esses, destacam-se Nova Araçá, Nova Boa Vista, Nova Pádua e
São Vendelino como os quatro municípios gaúchos sem pobreza extrema.
Outro resultado importante da Tabela 3 é que, dos 10 municípios destacados, nove são da região Nordeste do Estado. A exceção é Nova Boa
Vista, que se situa na região Norte do RS. Vale mencionar, no entanto, que
todos esses municípios são pequenos em termos de população.
Com relação à pobreza em termos percentuais, a Tabela 4 apresenta
os 10 municípios com maior proporção de extremamente pobres. Redentora
lidera o ranking com 23,45% da população vivendo abaixo da linha de
R$ 70. Todos os 10 municípios líderes no ranking apresentam mais de 10%
da população em condição de extremamente pobres. É interessante constatar que, dentre os 10 municípios, nove se encontram no Norte/Noroeste do
Estado, sendo a exceção o Município de Santana da Boa Vista, que pertence à Região Sul do RS. Também se ressalta que esses municípios são
igualmente destaques negativos no que diz respeito aos demais indicadores
sociais. Por exemplo, enquanto o Idese do RS é 0,727, o Idese médio des-
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Clitia Helena Backx Martins; Marcos Vinício Wink Junior
136
ses municípios é 0,617, com resultados abaixo do Estado em todos os blocos que compõem o índice final.
Tabela 3
Ranking dos 10 municípios com menor número de extremamente pobres
no Rio Grande do Sul — 2010
RANKING
1º
1º
1º
1º
5º
6º
6º
8º
9º
9º
MUNICÍPIOS
Nova Araçá ............................
Nova Boa Vista ......................
Nova Pádua ...........................
São Vendelino ........................
São Domingos do Sul ............
Tupandi ..................................
Colinas ...................................
União da Serra .......................
Picada Café ............................
Cotiporã ..................................
NÚMERO DE
EXTREMAMENTE
POBRES
0
0
0
0
1
2
2
3
4
4
POPULAÇÃO
RESIDENTE EM
DOMICÍLIOS
PARTICULARES
PERMANENTES
3.984
2.425
1.948
1.937
2.907
2.408
3.915
1.481
3.811
5.117
FONTE: Censo Demográfico 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).
Tabela 4
Ranking dos 10 municípios com maior proporção de extremamente pobres
no Rio Grande do Sul — 2010
RANKING
1º
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
MUNICÍPIOS
Redentora ..............................
Benjamin Constant do Sul .....
Lajeado do Bugre ...................
Engenho Velho .......................
Jacuizinho ...............................
São Valério do Sul ..................
Cacique Doble .......................
Santana da Boa Vista .............
São Pedro das Missões ..........
Jaboticaba ..............................
PROPORÇÃO DE
EXTREMAMENTE
POBRES (%)
POPULAÇÃO
RESIDENTE EM
DOMICÍLIOS
PARTICULARES
PERMANENTES
23,45
19,40
16,41
15,73
15,36
15,34
12,95
12,93
12,19
11,72
9.370
2.283
2.109
1.488
2.383
2.509
4.796
7.937
1.837
3.890
FONTE: Censo Demográfico 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Pobreza extrema no Rio Grande do Sul e sua relação com o Índice de...
137
O outro extremo do ranking de proporção de extremamente pobres nos
municípios gaúchos é apresentado na Tabela 5. Por não apresentarem
extremamente pobres, como já foi mencionado anteriormente, Nova Araçá,
Nova Boa Vista, Nova Pádua e São Vendelino são os líderes em menor
porcentagemde pessoas abaixo dessa linha. Na Tabela 5, nota-se que a
diferença, aqui, é a entrada de Nova Prata, Carlos Barbosa e Teutônia no
ranking dos municípios, todos eles com população residente acima da
média municipal do Estado.
Tabela 5
Ranking dos 10 municípios com menor proporção de extremamente pobres
no Rio Grande do Sul — 2010
RANKING
1º
1º
1º
1º
5º
6º
7º
8o
8º
9º
MUNICÍPIOS
Nova Araçá .................................
Nova Boa Vista ...........................
Nova Pádua ................................
São Vendelino .............................
São Domingos do Sul .................
Nova Prata ..................................
Tupandi .......................................
Carlos Barbosa ...........................
Teutônia ......................................
Colinas ........................................
PROPORÇÃO DE
EXTREMAMENTE
POBRES (%)
POPULAÇÃO
RESIDENTE EM
DOMICÍLIOS
PARTICULARES
PERMANENTES
0,00
0,00
0,00
0,00
0,03
0,04
0,05
0,06
0,06
0,08
3.984
2.425
1.948
1.937
2.907
22.483
3.915
24.999
27.098
2.408
FONTE: Censo Demográfico 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).
Para uma visualização regionalizada da proporção de extremamente
pobres no Estado, apresenta-se o Mapa 2, no qual os municípios mais
críticos são assinalados com a cor mais escura. Assim sendo, observa-se
que a maior parte desses se encontra no extremo Norte, no Noroeste e no
Centro-Sul do Estado. Nessas mesmas regiões, estão também municípios
com níveis de pobreza menores, mas ainda altos (correspondentes à faixa
intermediária, em cor cinza). Por outro lado, percebe-se que o Nordeste do
Rio Grande do Sul apresenta uma extensa faixa branca, que se refere aos
municípios com menor proporção de pessoas abaixo da linha dos R$ 70.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
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138
Mapa 2
Proporção de extremamente pobres, por municípios, do Rio Grande do Sul — 2010
4 Análise sobre a multidimensionalidade da
pobreza no RS
Nesta seção, verifica-se a relação da pobreza monetária com outras
possíveis dimensões da pobreza, utilizando-se os resultados do Idese,
desenvolvido pela FEE para os municípios do Rio Grande do Sul, com a
apresentação da metodologia empregada e os resultados encontrados.
4.1 Metodologia
Para se tentar verificar o grau de associação relativo das variáveis que
compõem a multidimensionalidade da pobreza no ano de 2010, no RS,
estimam-se dois modelos. O Modelo 1 busca relacionar a pobreza extrema
dos municípios com outras dimensões da pobreza, enquanto o Modelo 2
tem o mesmo objetivo, separando, no entanto, a pobreza extrema de caráter
urbano e rural. Como dimensões da pobreza, além da monetária, utilizam-se
os resultados dos blocos do Idese dos municípios do RS, desenvolvido pela
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Pobreza extrema no Rio Grande do Sul e sua relação com o Índice de...
139
FEE. Os blocos do índice são: Saúde, Educação e Renda. Como o objetivo
é relacionar outras possíveis dimensões com a pobreza monetária, o Bloco
Renda não foi considerado na análise econométrica. Os dados utilizados
estão no quadro abaixo.
Quadro 1
Descrição das variáveis dos modelos
DIMENSÕES
PROXY
MODELOS
Pobreza
Percentual de população em situação de
pobreza extrema
Variável dependente do
Modelo 1
Pobreza urbana
Percentual de população residente em
área urbana em situação de pobreza
extrema
Variável dependente do
Modelo 2
Pobreza rural
Percentual de população residente em
área rural em situação de pobreza
extrema
Variável dependente do
Modelo 2
Saúde
Índice do Bloco Saúde do Idese
Variável explicativa de
ambos os modelos
Educação
Índice do Bloco Educação do Idese
Variável explicativa de
ambos os modelos
FONTE: Censo Demográfico 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).
FONTE: Fundação de Economia e Estatística (2013).
A definição de pobreza extrema, como já mencionado, é a porcentagem de pessoas residentes em domicílios particulares permanentes com
renda domiciliar per capita de até R$ 70. O Bloco Saúde do Idese é composto pelos indicadores taxa de mortalidade de menores de cinco anos,
número de consultas pré-natal por nascidos vivos, taxa de mortalidade por
causas evitáveis, proporção de óbitos por causas mal definidas e taxa de
mortalidade bruta. Já o Bloco Educação utiliza os indicadores taxa de matrículas na pré-escola, qualidade da educação no 5° e 9° ano, taxa de
matrícula no ensino médio e escolaridade da população adulta. Os índices
do Idese são compreendidos em uma escala de zero a um, onde zero é a
nota mínima que um município pode ter, enquanto um é a nota máxima.
O Modelo 1 é definido pela equação (1). Seu objetivo é verificar a associação relativa das dimensões saúde e educação com a variável de interesse (proporção de extremamente pobres por município). O subscrito i refere-se aos municípios. O Modelo 1 é estimado pelo método dos Mínimos
Quadrados Ordinários (MQO). A vantagem de se estimar um modelo desse
tipo, em vez de utilizar apenas um coeficiente de correlação entre as variáveis, é a de que se pode ver a associação relativa de cada variável explicativa, isolando o impacto das demais. Isso permite uma análise mais comPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
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140
pleta do impacto independente de cada dimensão que compõe a multidimensionalidade da pobreza.
=
+
ú
+
çã
+
(1)
onde é o coeficiente linear, são os regressores de interesse e é
o termo de erro.
O Modelo 2 é determinado pelo sistema de equações verificado em (2).
Esse modelo, diferentemente do Modelo 1, fornece associações relativas da
multidimensionalidade da pobreza no que diz respeito à pobreza rural e à
urbana. Esse modelo é estimado pelo método de Seemingle Unrelated
Regression (SUR). Esse método tem a característica de permitir correlações
entre os termos de erros do sistema de equações.
=
+
= !+ "
ú
+
çã
+
(2)
+ "
çã + ̃
e ! são os interceptos; e " são os regressores de interesse;
ú
onde
e e ̃ são os termos de erro das equações. Como o objetivo é verificar a
associação relativa entre a pobreza monetária com outras dimensões, opta-se por não utilizar o Bloco Renda nas regressões.
4.2 Resultado das estimações
A Tabela 6 apresenta a matriz de correlação entre a porcentagem de
pobreza extrema dos municípios gaúchos em 2010, os blocos do Idese e
seu resultado agregado no mesmo ano. Os resultados apresentados
mostram uma associação negativa entre pobreza extrema e os resultados
das diferentes dimensões do Idese. Essa é uma evidência de que
municípios com maior proporção de pobres também apresentam piores
indicadores sociais. Esse fato corrobora a hipótese de que a pobreza é
multidimensional, na medida em que pessoas que estejam em condições de
pobreza monetária estão sujeitas ainda, em média, a piores condições de
saúde e educação, mecanismos que poderiam atenuar os prejuízos da
escassez de renda individual. Esse problema torna-se maior quando
considerado a partir de uma perspectiva de redução de desigualdades
sociais. Saúde e educação são consideradas “portas de saída” da pobreza
e essenciais para a mobilidade de renda em uma região.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Pobreza extrema no Rio Grande do Sul e sua relação com o Índice de...
141
Tabela 6
Matriz de correlação entre pobreza extrema dos municípios, Índice de Desenvolvimento
Socioeconômico (Idese) e seus blocos no Rio Grande do Sul — 2010
DISCRIMINAÇÃO
% DE
POBREZA
EXTREMA
% de pobreza extrema .........
1
Índice do Bloco Saúde .......... -0,2183
Índice do Bloco Educação ....
-0,499
Índice do Bloco Renda .......... -0,6445
Idese ..................................... -0,6185
ÍNDICE
DE
SAÚDE
1
0,372
0,3878
0,6031
ÍNDICE DE
EDUCAÇÃO
1
0,5939
0,859
ÍNDICE DE
RENDA
1
0,8873
IDESE
1
FONTE: Censo Demográfico 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2010).Fundação de Economia e Estatística (2013).
Embora a matriz de correlação forneça informações fundamentais
sobre a relação entre a pobreza dos municípios e as demais variáveis
consideradas, ela não fornece informações precisas no que diz respeito à
relação individual dos blocos do Idese com a pobreza monetária. Através da
análise da Tabela 6, percebe-se uma associação positiva entre os blocos do
Idese, o que tenderia a superestimar a relação individual de um bloco
específico e a proporção de pobres de um município. Para contornar essa
fonte de distorção, estimam-se os modelos como os descritos pelas
equações (1) e (2). Vale ressaltar que esses modelos não visam estimar
causalidade, apenas se propõem a eliminar uma fonte de viés, aquela
causada pela relação entre os blocos do Idese.
A Tabela 7 apresenta os resultados da estimação do modelo descrito
pela equação (1). Os coeficientes dos índices dos blocos Saúde e
Educação foram negativos, como esperado. O índice de Saúde, no entanto,
não foi significativo para explicar a porcentagem de extremamente pobres
dos municípios. Já o índice de Educação apresenta relação negativa e
significativa com a variável dependente, tudo o mais constante. Sob a
hipótese já mencionada de que a educação é uma fonte importante para o
crescimento da renda individual, tal resultado torna-se ainda mais relevante.
Um possível argumento encontrado para explicar as diferentes magnitudes
das relações das variáveis de saúde e educação com a pobreza extrema
nos municípios é o fato de que a educação, medida pelo bloco respectivo do
Idese, parece ser mais sensível a políticas públicas municipais, enquanto a
oferta de hospitais, por exemplo, pode ser dada por municípios próximos.
Além disso, a qualidade da educação depende de um processo de
aprendizado contínuo, o que afeta diretamente os mais pobres.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Clitia Helena Backx Martins; Marcos Vinício Wink Junior
142
Tabela 7
Resultado da estimação do Modelo 1
DISCRIMINAÇÃO
Índice do Bloco Saúde ........................................,.....................
Erro-padrão .................................................................................
Índice do Bloco Educação .......................................................
Erro-padrão .................................................................................
Constante .............................................................,.....................
Erro-padrão .................................................................................
VALORES
-0,0294
0,0326
(1) -0,185
0,0160
(1) 0,176
0,0250
FONTE: Censo Demográfico 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).
FONTE: Fundação de Economia e Estatística (2013).
NOTA: 1. Variável dependente: porcentagem de pobreza extrema.
NOTA: 2. Número de observações: 496.
2
NOTA: 3. R ajustado: 0,247.
(1) Significativo a 1%.
Na literatura, existe um debate no que diz respeito às diferenças entre
as pobrezas urbana e rural. Ao mesmo tempo em que, nas áreas urbanas,
os pobres têm custos maiores de deslocamento e alimentação, por
exemplo, eles estão mais próximos dos serviços públicos básicos. Nesse
sentido, buscou-se separar as associações relativas dos Blocos Saúde e
Educação do Idese com a proporção de extremamente pobres em áreas
rural e urbana, conforme descrito pela equação (2).
A Tabela 8 apresenta os resultados da estimação do modelo descrito
pela equação (2). Com relação à pobreza extrema em áreas rurais, verifica-se um padrão semelhante ao encontrado na Tabela 8. O coeficiente
estimado do índice do Bloco Saúde mostrou-se negativo, porém não
significativo. Já o índice do Bloco Educação parece ter relação negativa e
significativa com a pobreza rural. Ressalta-se, ainda, a magnitude dessa
relação. Enquanto o coeficiente estimado para a zona urbana, através do
Modelo 1, da relação entre os índices de educação e pobreza extrema foi
de -0,185, para a zona rural esse coeficiente foi de -0,226. Esse resultado
indica que a relação inversa entre nível de educação, medido pelo Idese, e
pobreza extrema é mais forte na área rural.
No que diz respeito às áreas urbanas, verifica-se uma relação negativa
e significativa dos índices dos Blocos Saúde e Educação do Idese com a
pobreza extrema. Esse resultado é uma evidência de que a pobreza tem
maior relação com a saúde nas áreas urbanas do que nas rurais. Uma
hipótese que pode ser levantada é a de que o acesso à alimentação em
áreas rurais é mais amplo, o que explicaria uma relação mais fraca entre
falta de saúde e pobreza extrema nessas regiões. Já o coeficiente estimado
do Bloco Educação, apesar de significativo, foi consideravelmente menor
em magnitude do que o estimado no modelo para pobreza rural. Dessa
forma, se a educação é um meio para a redução das desigualdades, as
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Pobreza extrema no Rio Grande do Sul e sua relação com o Índice de...
143
evidências são de que a perpetuação do problema é mais forte nas zonas
rurais.
Tabela 8
Resultado da estimação do modelo 2
DISCRIMINAÇÃO
Índice do Bloco Saúde ........
Erro-padrão ............................
Índice do Bloco Educação
Erro-padrão ............................
Constante .............................
Erro-padrão ............................
VARIÁVEL DEPENDENTE:
PORCENTAGEM DE
POBRES EXTREMOS NA
ZONA RURAL
-0,0375
0,0488
(1) -0,226
-0,024
(1) 0,220
-0,0374
VARIÁVEL DEPENDENTE:
PORCENTAGEM DE POBRES EXTREMOS NA
ZONA URBANA
(1) -0,131
0,0165
(1) -0,0521
0,00808
(1) 0,159
0,0126
FONTE: Censo Demográfico 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).
FONTE: Fundação de Economia e Estatística (2013).
NOTA: Número de observações: 496.
(1) Significativo a 1%.
5 Conclusão
Este trabalho tem como objetivo contribuir para os esforços de
monitoramento da pobreza extrema no RS, em especial para que sejam
definidas as políticas públicas estaduais dirigidas às populações específicas
que se encontram abaixo da linha de pobreza oficialmente delimitada.
Observa-se que existe uma assimetria acentuada entre os municípios
do RS, o que pode ser medido pelos seus indicadores. Se o desenvolvimento tem caráter multidimensional, da mesma forma a pobreza
também é multidimensional (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O
DESENVOLVIMENTO, 2010). Ao se fazer avançar o desenvolvimento em
seus vários eixos, também se dá o suporte às políticas públicas que têm
como meta a redução consistente e sistemática dos níveis de pobreza
verificados nas diferentes unidades geográficas, principalmente aquele
classificado como pobreza extrema. Dessa forma, fica evidenciado, através
das regressões realizadas, que municípios com maior porcentagem de
extremamente pobres também têm piores condições nas demais dimensões
avaliadas pelos blocos do Idese. Esse problema parece ser mais grave no
que diz respeito à educação e às áreas rurais. Isso indica que as políticas
públicas podem ser guiadas pela observação de dois aspectos: a utilização
das linhas de pobreza monetária (como foco prioritário para determinadas
políticas) e as questões a ela relacionadas, como, principalmente, acesso à
educação, mas também a saúde e saneamento.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
144
Clitia Helena Backx Martins; Marcos Vinício Wink Junior
Em resumo, a espacialização dos dados indica um cenário de pobreza
extrema com maior proporção em municípios das regiões Norte e Noroeste
do Estado, em especial em alguns municípios com porcentagens elevadas
de população indígena em relação à média do Estado. Além disso, percebe-se uma quantidade absoluta de pobres extremos concentrados em
municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre, assim como em algumas outras cidades gaúchas populosas e de grande importância econômica, como Rio Grande, Pelotas, Uruguaiana e Santana do Livramento. No
meio urbano, principalmente na Capital, chama atenção o alto contingente
de mulheres jovens com filhos pequenos entre os chefes de família em
extrema pobreza.
Em alguns dos municípios com maiores porcentagens de pobreza extrema, também se constatam situações de estancamento ou perdas econômicas relacionadas a mudanças no padrão produtivo de base agrícola,
acompanhando uma dinâmica global de valorização do grande agronegócio
de culturas de exportação, em detrimento da agricultura famíliar de pequenas ou médias propriedades, o que ocorre especialmente na região Norte
do Rio Grande do Sul.
Mesmo que as políticas de transferência de rendas, como o Bolsa
Família e o Bolsa Verde, sejam reconhecidas como socialmente necessárias e pertinentes para prestar assistência emergencial às famílias e às
pessoas em situação de pobreza extrema, considera-se que não são suficientes para garantir o bem-estar dessa população no longo prazo. Entretanto, observa-se que, na fase atual de organização das políticas de
redução da pobreza, o Brasil já se encontra em um nível no qual é possível
passar para uma nova etapa, não apenas se limitando a transferências de
renda, mas também formulando políticas de geração de emprego e renda, e
de inclusão produtiva. Constata-se que, em 2011, com o lançamento do
Plano Brasil Sem Miséria (PBM), as ações voltadas à inclusão produtiva,
como a oferta de cursos de educação básica e de qualificação profissional,
foram reforçadas. Dessa maneira, conclui-se que os programas e as ações
do PBM buscam abarcar uma ampla gama de aspectos relativos à condição
de pobreza, tanto no sentido de erradicar a pobreza extrema, quanto de
buscar “portas de saída” para as famílias beneficiárias desses programas
(RUCKERT; RABELO, 2013).
Assim sendo, ressalta-se, uma vez mais, que a caracterização e a
regionalização aqui apresentadas constituem um exercício importante para
subsidiar políticas públicas que tratem mais amplamente das questões
sociais prioritárias no Estado, como acesso a atenção de saúde, educação,
saneamento, assim como de programas específicos de emprego e geração
de renda. Para trabalhos futuros, percebe-se a necessidade de aprofundaPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Pobreza extrema no Rio Grande do Sul e sua relação com o Índice de...
145
mento das relações de causalidade entre as diversas dimensões da pobreza, tendo em conta variáveis como etnia, sexo, idade, nível de saúde, saneamento e educação, e os níveis de renda definidos a partir de linhas
monetárias de pobreza.
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PELIANO, A. M. (Coord.). O mapa da fome II: informações sobre a
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PELIANO, A. M. (Coord.). O mapa da fome III: indicadores sobre a
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Relatório do desenvolvimento humano. New York, 2010. Disponível em:
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<http://w3.datasus.gov.br/datasus/datasus.php>. Acesso em: 21 abr. 2012.
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N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Tatiana Zismann.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Os avanços do Programa Bolsa Família
no Brasil e no Rio Grande do Sul*
Isabel Noemia Rückert
Maria Mercedes Rabelo
Economista, Pesquisadora da Fundação de
Economia e Estatística (FEE)
Socióloga, Pesquisadora da FEE
1 Introdução
Nos últimos anos e, em especial, a partir de 2003, o Governo Federal,
através do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),
juntamente a estados e municípios, tem centrado esforços no sentido de
reduzir a pobreza no País e de consolidar a rede de proteção social, em
especial para as populações mais vulneráveis. Os dados divulgados pelo
Censo 2010 apontavam que havia, ainda, um contingente muito grande de
pessoas vivendo abaixo da linha de extrema pobreza, dos quais 47% eram
residentes de áreas rurais, e 59% viviam no Nordeste. Essa população extremamente pobre era constituída basicamente por jovens: 51% possuíam
até 19 anos, e 40% tinham menos de 14 anos.
Em 2003, foi criado o Programa Bolsa Família (PBF), o qual vem se
expandindo a cada ano, em um processo ininterrupto de consolidação institucional e orçamentária. Para ampliar e acelerar o alcance das políticas de
redução da pobreza, foi criado, em 2011, o Plano Brasil Sem Miséria (BSM),
que abrange, além do Programa Bolsa Família, o Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil (PETI); o Programa Bolsa Verde; o Tarifa Social de
Energia Elétrica; o Programa de Cisternas; o Água para Todos; o ProJovem
Adolescente; o Isenção de Pagamento de Taxa de Inscrição em Concursos
Públicos; o Programas Habitacionais do Ministério das Cidades; o Fomento
às Atividades Produtivas Rurais, o fornecimento de documentação, dentre
muitos outros. O Plano foi direcionado para 16 milhões de brasileiros que
viviam com uma renda familiar per capita mensal de até R$ 70,00 e seu
intuito era retirar essa população da extrema pobreza através da implanta*
Esta é uma versão modificada e atualizada de Rückert e Rabelo (2013). As autoras agradecem a pesquisa e a elaboração das tabelas à auxiliar técnica da FEE, Ilaine Zimmermann. Agradecem, ainda, as valiosas sugestões de Gabriele dos Anjos, Liderau dos Santos Marques Júnior e Thomas Kang à primeira versão deste artigo.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
148
Isabel Noemia Rückert; Maria Mercedes Rabelo
ção de medidas em diversas áreas sociais e do incremento de inúmeros
programas, dentre eles, o próprio PBF.
O objetivo deste artigo é oferecer uma visão atualizada das políticas
focadas na redução da pobreza, dando destaque à situação no Estado do
Rio Grande do Sul. Na primeira seção, apresenta-se o Plano Brasil Sem
Miséria (BSM), evidenciando os resultados alcançados no Estado do Rio
Grande do Sul. A seguir, descrevem-se os aperfeiçoamentos realizados
desde 2011, no PBF, carro-chefe do Brasil Sem Miséria. Referenciando-se
em trabalhos anteriores, apresenta-se uma atualização das informações
relativas ao número e perfil de beneficiários, valores despendidos no PBF,
assim como dados relativos às condicionalidades de educação e de saúde.
Na última seção, são tecidas as Considerações finais.
2 O Plano Brasil Sem Miséria (BSM)
O Plano Brasil Sem Miséria (BSM), coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), através da Secretaria Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza, foi lançado em junho de
2011, com o principal objetivo de retirar milhões de famílias da extrema
pobreza. A linha de extrema pobreza foi estimada em R$ 70,00 per capita
1
mensais e foi reajustada em junho de 2014 para R$ 77,00 . O BSM está
estruturado sobre três eixos: garantia de renda, inclusão produtiva (rural e
urbana) e acesso a serviços públicos (BRASIL, 2014h).
2.1 Os pilares do BSM
O BSM, para alcançar seus objetivos de retirar as famílias da situação
de extrema vulnerabilidade, conta com a rede e a estrutura do Sistema Úni2
co de Assistência Social (Suas) , a qual vem sendo ampliada em todo o
território nacional. Além disso, foi criada uma estratégia, denominada Busca
Ativa, a qual se refere ao esforço de localização de pessoas extremamente
1
Em junho de 2014, as linhas de pobreza (renda per capita mensal de até R$ 140,00) e de
extrema pobreza (renda de até R$ 70,00), bem como os valores transferidos, foram
reajustados em 10%.
2
O Brasil possuía, em 2013, 7.986 Centros de Referência de Assistência Social (Cras) em
4.032 municípios e 2.229 Centros de Referência Especializados de Assistência Social
(Creas) em 1.116 municípios. Cabe ressaltar que a rede brasileira de assistência social
vem sofrendo um acelerado crescimento, com importante aumento do número de profissionais, bem como dos centros de referência, conforme aponta a Pesquisa de Informações
Básicas Municipais do IBGE (BRASIL, 2014c).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Os avanços do Programa Bolsa Família no Brasil e no Rio Grande do Sul
149
pobres que não estão cadastrados no Cadastro Único, tendo em vista viabi3
lizar seu acesso aos diversos programas sociais . Assim, até dezembro de
2013, 1,03 milhão de famílias já havia sido incluído no Cadastro e estava
recebendo o benefício do PBF. A meta é atingir 1,5 milhão de famílias até o
final de 2014 (BRASIL, 2014g).
Para alcançar especificamente a população vivendo na extrema miséria, o Governo Federal lançou, em maio de 2012, a Ação Brasil Carinhoso,
também no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria, a qual tem como foco as
famílias extremamente pobres com crianças de até seis anos. No Brasil
Carinhoso, estão previstos o aumento do número de vagas em creches para
crianças beneficiárias do Programa Bolsa Família (através da suplementação dos valores repassados ao município pelo Fundeb), o incremento em
66% do valor repassado para a alimentação das crianças matriculadas na
rede pública de educação infantil, a suplementação de vitamina A e de ferro
4
e a distribuição gratuita de medicação contra asma para crianças.
Com relação à transferência de renda, inicialmente apenas as famílias
com crianças de até seis anos passaram a receber o Benefício para Superação da Extrema Pobreza na Primeira Infância (BSP), que é um reforço
monetário de valor variável de acordo com cada família e suficiente para
que cada membro disponha de pelo menos R$ 70,00 mensais (valor reajustado em junho de 2014). Em novembro de 2012, esse programa foi expandido para as famílias com crianças de sete a 15 anos e, em fevereiro de
2013, a complementação de renda passou a abranger a totalidade da população brasileira, de forma que a renda per capita de cada brasileiro fosse
de, no mínimo, R$ 70,00. Ao repassar esses recursos, o Brasil Sem Miséria
contribuiu decisivamente para a redução da extrema pobreza e da desigualdade no País. Em abril de 2014, 5 milhões de famílias recebiam essa
complementação (BRASIL, 2014b).
3
O Cadastro Único para Programas Sociais identifica as famílias com renda mensal per capita de até meio salário mínimo (ou de até três salários mínimos no total), de forma a subsidiar a formulação e a implementação de políticas sociais nas três esferas de governo, evitando desperdício e alcançando maior eficiência. A família deve atualizar seu cadastro a
cada dois anos, sob pena de perder seus benefícios. Alguns dos programas sociais que utilizam o Cadastro, além dos programas e ações do Plano Brasil Sem Miséria (BSM) e, especialmente, o Programa Bolsa Família, são o Minha Casa, Minha Vida e o Tarifa Social de
Energia Elétrica, dentre outros. Em abril de 2014, havia 24.437.475 famílias cadastradas
(BRASIL, 2014a).
4
Essa suplementação do Brasil Carinhoso já beneficiou com atendimento em creches mais
de 580.000 crianças de zero a quatro anos (BRASIL, 2014i).
Panorama socioeconômico e perspectivas para economia gaúcha
150
Isabel Noemia Rückert; Maria Mercedes Rabelo
Além do programa federal, há ainda no eixo de garantia de renda, os
5
programas estaduais, já implantados em diversos estados . As pactuações
estaduais não são obrigatórias e nem uniformes, pois cada ente federado
tem as suas especificidades, envolvendo um determinado esforço fiscal para abranger a população em extrema pobreza. Assim, cada estado pode
implantar o programa complementar de transferência de renda com o forma6
to e valores que melhor se adequarem às suas condições.
Além da preocupação com a garantia de renda, foram implementadas
ações buscando facilitar a inclusão desses beneficiários no mundo do trabalho. Para o incremento da inclusão produtiva rural, foram implantados programas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que objetiva
aumentar a capacidade produtiva das famílias rurais em situação de extrema pobreza, através de assistência técnica, sementes e água, bem como
da viabilização do acesso aos mercados para os seus produtos; o Programa
Bolsa Verde (ou Programa de Apoio à Conservação Ambiental), iniciado em
outubro de 2011 e voltado às famílias em situação de extrema pobreza,
inscritas no Cadastro Único e que desenvolvam atividades de conservação
ambiental, efetuando repasses trimestrais de R$ 300,00 por até dois anos
(prazo que poderá ser renovado); e, finalmente, o Programa de Fomento às
Atividades Produtivas Rurais, iniciado em fevereiro de 2012, repassando,
para pequenos agricultores de nove estados (Bahia, Minas Gerais, Alagoas,
Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe e Rio Grande do Sul),
R$ 2,4 mil para compra de equipamentos e insumos, pagos em três parcelas, a cada seis meses.
Na área urbana, há programas como o Programa Mulheres Mil, que teve início em 2011 e que já ofereceu cursos de profissionalização e de complementação de estudos a milhares de mulheres em situação de grande
vulnerabilidade (renda mensal até meio salário mínimo por pessoa ou famílias com renda mensal total até três salários mínimos), através dos institutos
federais em todo o País.
Além disso, o Programa Crescer, de Microcrédito Produtivo Orientado,
facilita o acesso ao crédito ao público do Brasil Sem Miséria, com taxa de
juros diminuída de 60% para apenas 5% ao ano e taxa de abertura de crédito reduzida de 3% para 1%. Até fevereiro de 2014, as operações de microcrédito produtivo já foram realizadas por 534,6 mil famílias extremamente
pobres no País e por 184 famílias no RS (BRASIL, 2014b). O valor de cada
operação de crédito, destinada a capital de giro ou investimento, pode che5
Até abril de 2014, os Estados do Acre, Amapá, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e o Distrito Federal possuem programas
estaduais de complementação de renda (BRASIL, 2014e).
6
A complementação de renda pode ser implantada por municípios também.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Os avanços do Programa Bolsa Família no Brasil e no Rio Grande do Sul
151
gar a R$ 15.000, e já foram realizadas 2,7 milhões de operações por beneficiários do Programa Bolsa Família (BRASIL, 2014b).
Quanto ao empreendedorismo individual, os beneficiários do Programa
Bolsa Família que trabalham por conta própria passaram a ter apoio para se
formalizar como microempreendedores através do Programa Microempreendedor Individual (MEI) e receber assistência técnica e gerencial através
do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e pequenas Empresas (Sebrae). O
MEI também visa dar apoio àqueles beneficiários do PBF que já estão formalizados. Até fevereiro de 2014, o total de MEIs beneficiários do PBF somaram 393,1 mil no País (BRASIL, 2014d). E, de acordo com o Sebrae, dos
4,1 milhões de MEIs cadastrados, 10% são beneficiários do Bolsa Família
(BRASIL, 2014f).
Finalmente, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) — Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011— busca ampliar a oferta de cursos de formação inicial (desde a alfabetização até a 9ª
série do ensino fundamental) e de qualificação profissional, ampliando as
7
possibilidades de inserção no mercado de trabalho . Os inscritos no Pronatec Brasil Sem Miséria têm as despesas com transporte e alimentação custeadas pelo Programa. Até março de 2014, 1.011.996 pessoas haviam se
matriculado em mais de 560 cursos nas mais diversas áreas, como construção civil, hotelaria, comércio, cuidador de idoso, eletricista, dentre outros
(BRASIL, 2014b).
Para auxiliar os municípios na efetiva inserção dos beneficiários no
mundo do trabalho, foi criado, em 2012, o Programa Nacional de Promoção
do Acesso ao Mundo do Trabalho (Acessuas Trabalho), o qual transfere
recursos às prefeituras, seja para localizar o público-alvo, seja para outras
ações de apoio, como o encaminhamento para a matrícula, por exemplo.
Para a consecução de seus objetivos, o Governo Federal apoia também duas importantes parcerias entre o PBF e o Ministério da Educação
(Mec). O Programa Mais Educação, criado em 2008, induz e subsidia a
implantação da educação integral nas escolas públicas do País. Essa parceria tem por objetivo ampliar o horário escolar nas escolas em que houver
mais de 80% dos alunos sendo beneficiados pelo PBF. O Programa Brasil
7
Além do Pronatec Brasil Sem Miséria, existe o Pronatec Bolsa-Formação, que são cursos
técnicos ofertados nas escolas públicas federais, estaduais e municipais, nas unidades de
ensino do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), do Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (Senac), do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e
do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat), em instituições privadas de
ensino superior e de educação profissional técnica de nível médio para aqueles interessados que estão cursando ou já concluíram o nível médio, com duração mínima de um ano
(BRASIL, 2013).
Panorama socioeconômico e perspectivas para economia gaúcha
152
Isabel Noemia Rückert; Maria Mercedes Rabelo
Alfabetizado, por sua vez, busca alfabetizar os não alfabetizados através da
sua identificação no Cadastro Único.
2.2 O Plano Brasil Sem Miséria no
Rio Grande do Sul
Com o Plano Brasil Sem Miséria, as famílias que viviam na extrema
pobreza passaram a receber uma complementação de renda. Até abril de
2014, 128.366 famílias gaúchas já dispunham de uma renda familiar per
capita de R$ 70,00 mensais (BRASIL, 2014b).
Para alcançar a população mais vulnerável e que ainda não estava cadastrada, o Governo Estadual mobilizou várias secretarias e os Centros de
Referência em Assistência Social, e, através de caravanas da inclusão e de
mutirões rurais e urbanos, buscou localidades com baixa renda per capita
e/ou baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), territórios da paz e
grupos quilombolas e tradicionais. Dessa forma, desde o lançamento do
Programa Brasil Sem Miséria, mais 40.000 famílias foram incluídas no Cadastro Único e puderam ter acesso a programas sociais e de transferência
de renda. Isso elevou a cobertura cadastral a quase 100% da população
cujo perfil se encaixa nas exigências do Programa Bolsa Família.
No eixo de transferência de renda, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul criou, em 2011, o Programa Estadual de Erradicação da Pobreza
Extrema — RS Mais Igual, cujo objetivo é a redução dos índices de vulnerabilidade econômica e social e a inclusão da população em situação de pobreza extrema na rede de políticas públicas.
O Programa complementa diferenciadamente a renda das famílias que
já são beneficiárias do Programa Bolsa Família e do Brasil Sem Miséria cuja
renda mensal não atinge R$ 100,00 per capita e têm pelo menos uma criança de até seis anos, e seu objetivo é alcançar todas as famílias do Estado
nessa situação.
Em março de 2014, o Programa RS Mais Igual estava atendendo
71.939 famílias (cerca de 267.000 pessoas) em 287 municípios. A meta do
Governo Estadual é atingir 98.000 famílias (cerca de 360.000 pessoas) até
o final de 2014 (RIO GRANDE DO SUL, 2014a). Para efetivar esse programa, o Governo do RS investiu R$ 5 milhões em 2012, R$ 25 milhões em
2013 e tem como meta alcançar R$ 78 milhões em 2014 (RIO GRANDE DO
SUL, 2014a).
Com relação aos esforços que visam à inclusão produtiva, o Estado do
Rio Grande do Sul vem apresentando um desempenho significativo. No que
se refere à qualificação profissional direcionada às famílias de baixa renda
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Os avanços do Programa Bolsa Família no Brasil e no Rio Grande do Sul
153
(não necessariamente beneficiários do Programa Bolsa Família), o RS destacou-se com o maior número de pessoas cursando a capacitação profissional no Brasil. Em 2014, o Pronatec está sendo desenvolvido em 350
municípios do Estado, através de 95.000 vagas no primeiro semestre, e a
meta é alcançar 150.000 vagas até o final do ano (RIO GRANDE DO SUL,
8
2014b). Os cursos que tiveram maior procura em 2013 foram os de auxiliar
administrativo, operador de computador, eletricista, manicure, pedicure,
montador e reparador de computadores, auxiliar de RH e recepcionista,
sendo que as mulheres representaram 64% das matrículas (RIO GRANDE
DO SUL, 2014b).
Além dos cursos de qualificação profissional no âmbito do Pronatec, o
Programa Cimento e Batom, do Governo Estadual, também oferece qualificação às mulheres beneficiárias do PBF para trabalharem na área da construção civil. Do ponto de vista do microempreendedorismo, até fevereiro de
2014 o total de MEIs beneficiários do PBF somaram 17,3 mil no Rio Grande
do Sul (BRASIL, 2014b).
Na próxima seção, será abordado mais especificamente o Programa
Bolsa Família, tendo em vista a sua centralidade no Plano Brasil Sem Miséria.
3 O Programa Bolsa Família
O Programa Bolsa Família foi criado em 2003, a partir da unificação do
Programa Bolsa Escola e demais programas federais (Bolsa-Alimentação,
Auxílio-Gás, Cartão-Alimentação, Peti) e foi gradativamente expandindo-se
para o conjunto da população elegível. O Programa tem como objetivos o
alívio imediato da pobreza, o reforço ao exercício de direitos sociais básicos
nas áreas de saúde e de educação, através das exigências de condicionalidades, e o desenvolvimento das famílias através de programas complementares de geração de trabalho e renda, de alfabetização de adultos, fornecimento de documentos, dentre outros.
9
O Programa Bolsa Família repassa quatro tipos de benefícios : Benefício Básico (R$ de 77,00, pagos apenas a famílias extremamente pobres,
com renda per capita igual ou inferior a R$ 77,00; Benefício Variável (de
R$ 35,00, pagos por crianças de zero a 15 anos, gestantes e/ou nutrizes,
limitado a cinco benefícios por família); Benefício Variável Vinculado ao
8
Em 2013, foram realizadas 104.000 matrículas.
9
Esses valores estão vigentes desde junho de 2014, quando houve um reajuste de 10% nos
valores transferidos.
Panorama socioeconômico e perspectivas para economia gaúcha
154
Isabel Noemia Rückert; Maria Mercedes Rabelo
Adolescente (BVJ) (de R$ 42,00, pagos por cada jovem de 16 e 17 anos, no
limite de até dois jovens por família). Com o reajuste de junho de 2014, o
benefício médio mensal transferido pelo Programa Bolsa Família passará a
R$167,00. Contudo, quando se considera apenas o grupo em situação de
maior vulnerabilidade e que, portanto, recebe a complementação do Brasil
Sem Miséria, o benefício médio passará a ser de R$ 242,00.
O Programa Bolsa Família vem sofrendo modificações desde a sua
criação, no intuito de incrementar sua eficácia. Assim, em 2011, houve um
acréscimo significativo no total aplicado no Programa, em função da ampliação do número de beneficiários e dos valores transferidos. Em março de
2011, por exemplo, houve um reajuste com percentuais diferenciados para
cada tipo de benefício, oferecendo reajustes maiores para aqueles que alcançam a pobreza infantil, tendo em vista sua maior vulnerabilidade: reajuste de 45% no benefício variável para crianças e adolescentes de até 15
anos e de 15% para o público de 16 e 17 anos.
Em setembro de 2011, houve uma importante alteração, quando o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) aumentou o
limite dos benefícios variáveis de três para cinco, por família, o que ocasionou a inclusão de 1,3 milhão de crianças, totalizando 22,6 milhões de benefícios nessa faixa etária. Na mesma direção, ficou instituído que o BVJ passaria a ser pago automaticamente a todos os jovens de 16 e 17 anos de
famílias beneficiárias do PBF.
Ao final de 2011, foram criados dois novos benefícios. Em novembro,
foi implantado o Benefício Variável à Nutriz (BVN), voltado à promoção da
segurança alimentar das mães e das crianças de até seis meses. Para receber esse benefício, a criança deve ser identificada no Cadastro Único até
o sexto mês de vida. Destaque-se que a família poderá receber concomitantemente mais um benefício variável — referente ao novo membro —,
respeitado o limite de cinco por família. Quando a criança completar seis
meses, cessará o pagamento do benefício variável à nutriz e permanecerá
aquele relativo a crianças de zero a 15 anos.
Em dezembro, foi criado o Beneficio Variável à Gestante (BVG). Esse
implica o repasse de nove parcelas mensais consecutivas, desde que seja
cumprida a condicionalidade de realizar exames e consultas médicas e desde que não seja ultrapassado o limite de cinco por família.
Finalmente, foi instituído o “retorno garantido”, ou seja, quando houver
o desligamento voluntário do Programa, em função de novo emprego ou de
renda superior ao estabelecido, fica garantido, se necessário for e no período de 36 meses, o retorno da família para o Programa, independentemente
do limite de vagas no município.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
155
Os avanços do Programa Bolsa Família no Brasil e no Rio Grande do Sul
Para apoiar o financiamento das atividades realizadas pelos estados e
municípios, o Governo Federal repassa valores calculados a partir do Índice
de Gestão Descentralizada Municipal (IGD-M) (criado em 2006) e do Índice
de Gestão Descentralizada Estadual (IGD-E) (instituído em 2010). A aplicação desse recurso deve ser aprovada pelos Conselhos de Assistência Social (CAS). Uma parcela desses recursos está permitindo executar a atualização cadastral e a busca das pessoas em situação de extrema vulnerabilidade que ainda não estão cadastradas (Busca Ativa), ações essenciais
para o cumprimento das metas do Plano Brasil Sem Miséria.
A seguir, analisa-se o quanto essas medidas repercutiram em termos
de número de famílias beneficiadas e valores repassados pelo Programa no
Brasil e no Rio Grande do Sul.
3.1 Os beneficiários do PBF no Brasil e
no Rio Grande do Sul
Desde a sua criação o PBF vem aumentando o número de famílias
atendidas. O total de famílias beneficiárias no Brasil passou de 6,6 milhões
em dezembro de 2004 para 14,1 milhões em abril de 2014. No Rio Grande
do Sul, o número de famílias beneficiárias do PBF aumentou de 290,7 mil
em dezembro de 2004 para 452,7 mil em abril de 2014 (Tabela 1).
Tabela 1
Número de famílias beneficiadas e valor acumulado anual das transferências do Programa
Bolsa Família para Brasil e Rio Grande do Sul — 2004/14
BRASIL
ANOS
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014 (3)
RIO GRANDE DO SUL
Número de
Famílias (1)
(A)
Valor Anual
(2)
(R$ milhões)
(B)
B/A
Número de
Famílias
(1)(C)
Valor Anual
(2)
(R$ milhões)
(D)
D/C
6.571.839
8.700.445
10.965.810
11.043.076
10.557.996
12.370.915
12.778.220
13.352.306
13.902.155
14.086.199
14.145.274
6.410.231
9.031.028
11.434.852
13.135.754
14.767.711
16.503.820
18.095.657
20.571.934
23.645.225
26.235.094
8.652.825
975
1.038
1.043
1.190
1.399
1.334
1.416
1.541
1.701
1.862
612
290.660
398.132
436.169
410.540
367.631
462.966
453.761
450.778
463.519
455.421
452.753
248.803
371.343
442.025
469.091
498.202
563.746
609.593
677.160
760.430
797.736
256.960
856
933
1.013
1.143
1.355
1.218
1.343
1.502
1.641
1.752
568
FONTE: Relatório de Informações Sociais (BRASIL, 2014a).
(1) Número de famílias no último mês de cada ano. (2) Valores inflacionados pelo IPCA médio anual a
preços de abr./14. (3) Até abril de 2014.
Panorama socioeconômico e perspectivas para economia gaúcha
156
Isabel Noemia Rückert; Maria Mercedes Rabelo
No País, o volume de recursos transferidos pelo PBF às famílias beneficiárias elevou-se de R$ 6,4 bilhões em 2004 para R$ 26,2 bilhões em 2013
e, até abril de 2014, atingiu R$ 8,6 bilhões. Percebe-se um significativo aumento real de 13,7% nas transferências ao PBF de 2010 para 2011, em
vista do reajuste nos benefícios ocorridos em março de 2011 e da incorporação de novos beneficiários com a ampliação do limite máximo de benefícios variáveis por família. Nos anos seguintes, essas transferências continuaram se elevando uma vez que novas medidas foram adotadas para ampliação do Programa, como por exemplo, o Brasil Carinhoso, atingindo um
crescimento real de 11% no ano de 2013 em relação ao ano anterior. Por
sua vez esse montante representou o equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2013, o que é um percentual pequeno em vista do elevado número de beneficiários do Programa.
Esse aumento também se observa no valor médio recebido anualmente pelos beneficiários. No Brasil, esse valor elevou-se de R$ 975,00 em
2004 para R$ 1.862,00 em 2013. O benefício médio mensal atingiu
R$ 149,46 em abril de 2014 (BRASIL, 2014 a).
No Rio Grande do Sul, o valor médio anual transferido pelo PBF aos
beneficiários foi um pouco abaixo daquele do País em todos os anos desde
a criação do Programa, devido a um número menor de benefícios variáveis
repassados ao Estado em comparação com a média do Brasil.
Esses recursos transferidos para as famílias pobres através do PBF
contribuíram para reduzir a desigualdade de renda no País, no período de
10
2001 a 2011 (HOFFMANN, 2013). Também têm permitido diminuir a pobreza, sobretudo a pobreza extrema, constituindo-se numa fonte significativa ou até mesmo a única fonte de renda familiar (BARROS; CARVALHO; FRANCO, 2010). Além disso, proporcionaram um incremento nas
economias locais, principalmente naqueles municípios mais pobres, através
do aumento do consumo dessas famílias (INSTITUTO BRASILEIRO DE
ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS, 2008). Ainda se constatou que o
PBF é a transferência com maiores efeitos sobre o PIB, no curto prazo,
evidenciando que um gasto adicional de R$ 1,00 do PBF gera um incremento de R$ 1,78 na atividade econômica (NERI; VAZ; SOUZA, 2013).
O montante de recursos do Programa Bolsa Família é muito mais significativo na Região Nordeste. Em abril de 2014, essa região recebeu um
pouco mais da metade do valor total do Programa. O menor percentual dos
recursos recebidos através do PBF situou-se na Região Centro-Oeste, com
5,4%, refletindo o número relativamente pequeno de famílias que são bene10
Entre 2001 e 2011, as contribuições federais (em especial, o PBF) contribuíram com cerca
de 15% a 20% para a redução das desigualdades da distribuição de renda (HOFFMANN,
2013).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
157
Os avanços do Programa Bolsa Família no Brasil e no Rio Grande do Sul
ficiárias nessa área. A Região Sul recebeu 7,2% do total dos recursos do
Programa no período, dos quais menos da metade, 3,2%, foram destinados
aos beneficiários no Rio Grande do Sul. O volume mais expressivo de benefícios para a Região Nordeste reflete também um maior número de famílias
que dependem desses recursos nessa região, 50% (Tabela 2).
Tabela 2
Participação percentual das famílias beneficiárias e dos valores repassados pelo Programa Bolsa Família, por regiões do Brasil — abr./14
DISCRIMINAÇÃO
Centro-Oeste ...........................
Nordeste ..................................
Norte ........................................
Sudeste ...................................
Sul ...........................................
Rio Grande do Sul ...............
Brasil .......................................
FAMÍLIAS
VALORES
5,4
50,0
11,9
25,5
7,2
3,2
100,0
5,0
51,7
13,4
23,5
6,4
3,0
100,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Relatório de Informações Sociais (BRASIL, 2014a).
Com base no Cadastro Único para Programas Sociais, pode-se delinear o perfil dos beneficiários do PBF no Rio Grande do Sul. Do conjunto
das famílias cadastradas em fevereiro de 2014 (com renda mensal per capita de até meio salário mínimo), 46,7% são beneficiários do Programa. O
PBF tem buscado alcançar prioritariamente os 16 grupos considerados tradicionais e específicos. Os dados da Tabela 3 apontam o número de famílias beneficiárias pertencentes a cada um desses grupos no Rio Grande do
Sul.
Observa-se que o número de famílias pertencentes a esses grupos
tradicionais que recebem o Bolsa Família é pequeno em relação ao total de
famílias beneficiárias. Todavia, houve um aumento dessas famílias em todos os grupos, no período de dezembro de 2012 a fevereiro de 2014. Essa
elevação ocorreu tendo em vista que as situações de extrema vulnerabilidade desses grupos sociais têm sido alvos preferenciais das políticas de transferência de renda, uma vez que os mesmos usualmente demandam ações
diferenciadas e integradas, que cubram um amplo leque de carências, através da rede de serviços socioassistenciais.
A análise do cumprimento das condicionalidades permite verificar em
que medida essas exigências contribuem para a melhoria das condições de
vida das famílias beneficiárias, ampliando as perspectivas das gerações
futuras.
Panorama socioeconômico e perspectivas para economia gaúcha
158
Isabel Noemia Rückert; Maria Mercedes Rabelo
Tabela 3
Número de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família pertencentes a grupos
populacionais, tradicionais e específicos, no Rio Grande do Sul — dez./12-fev./14
DEZ/12
GRUPOS
Quilombolas ............................................
Indígenas .................................................
Em situação de rua .................................
Agricultores familiares .............................
Assentados da reforma agrária ...............
Catadores de material reciclável .............
Outros .....................................................
Total de famílias nos grupos tradicionais e específicos ..................................
TOTAL DE FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS
Número de
Famílias
1.139
3.801
643
4.744
1.332
962
1148
13.769
463.519
FEV/14
%
0,25
0,82
0,14
1,02
0,29
0,21
0,25
2,97
100,00
Número de
Famílias
1.467
4.115
1443
10.626
2.423
1.791
2.238
24.103
452.753
%
0,32
0,91
0,32
2,35
0,54
0,4
0,49
5,32
100,00
FONTE: Relatório de Informações Sociais (BRASIL, 2014a).
3.2 As condicionalidades do PBF
As condicionalidades referem-se aos compromissos assumidos pelas
famílias beneficiárias do PBF e que devem ser cumpridos para que elas
continuem a receber o benefício. As condicionalidades na área da educação
são: frequência mínima de 85% para crianças e adolescentes entre seis e
15 anos e de 75% para adolescentes entre 16 e 17 anos. Na área da saúde,
referem-se ao acompanhamento do calendário de vacinas e do crescimento
e desenvolvimento para crianças menores de sete anos, pré-natal das gestantes e acompanhamento das nutrizes na faixa etária de 14 a 44 anos. Na
área da assistência social, dizem respeito à frequência mínima de 85% de
carga horária mensal referente aos serviços socioeducativos para crianças e
adolescentes até 15 anos em risco ou retiradas do trabalho infantil. Para
especificar o público a ser acompanhado pelo Ministério da Educação e
pelo Ministério da Saúde e operacionalizar a gestão das condicionalidades,
o MDS possui uma ferramenta denominada Sistema de Condicionalidades
(Sicon). O acompanhamento do cumprimento das condicionalidades na área
da educação e saúde é feito pelos municípios, os quais repassam as informações para o MDS. Os municípios que não encaminham as informações
deixam de receber os recursos do MDS destinados à gestão do PBF.
É importante identificar os motivos do descumprimento, os quais podem estar evidenciando tanto situações de vulnerabilidade extremas quanto
problemas de oferta de serviços. Por isso, o gestor municipal tem acesso ao
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
159
Os avanços do Programa Bolsa Família no Brasil e no Rio Grande do Sul
sistema de condicionalidades, o qual apresenta os registros das famílias
nessa situação e o tipo de descumprimento. Com essa informação, é possível planejar ações conjuntas para todas as áreas que estão sendo monitoradas (saúde, educação e assistência social).
A condicionalidade da saúde é acompanhada semestralmente através
11
do Sistema de Gestão do PBF na Saúde do DATASUS . O sistema disponibiliza a relação das famílias beneficiárias do PBF com perfil de acompanhamento de saúde.
O acompanhamento dessas famílias beneficiárias do PBF tem se ampliado expressivamente desde o período inicial. No País, a cobertura do
acompanhamento, que era de 32,7% do total em 2005 (2º semestre), passou para 73,4% do total em 2013 (Tabela 4).
Já no Rio Grande do Sul, no segundo semestre de 2005, de um total
de 264,6 mil famílias com “perfil saúde” 91,1 mil foram acompanhadas pela
equipe de atenção básica do Ministério da Saúde, o que representou 34,5%
do total. No segundo semestre de 2013, o monitoramento atingiu 234,6 mil
famílias, que significou 63,6% do total das que se enquadram no perfil saúde (Tabela 4). Os dados evidenciam uma melhora no acesso aos serviços
de saúde e também nos registros das informações. O Rio Grande do Sul,
contudo, tem apresentado um desempenho inferior àquele observado no
Brasil como um todo, evidenciando que essa é uma área que deveria ser
mais bem monitorada.
Tabela 4
Acompanhamento das condicionalidades das famílias do Programa Bolsa Família,
no Brasil e no Rio Grande do Sul — 2005-2013
FAMÍLIAS COM PERFIL SAÚDE
Brasil
ANOS
Total
2005
2008
2011
2013
5.751.203
10.460.963
10.086.288
11.845.101
Rio Grande do Sul
Acompanhadas
Número
%
1.883.187
6.084.893
7.247.353
8.698.858
32,7
58,2
71,8
73,4
Total
264.630
396.754
320.123
368.918
Acompanhadas
Número
%
91.194
198.679
199.195
234.603
34,5
50,1
62,2
63,6
FONTE: Relatório de Informações Sociais (BRASIL, 2014a)
NOTA: As informações referem-se ao segundo semestre de cada ano, exceto no ano de 2008, cujos dados
são relativos ao primeiro semestre.
11
Depois de consolidadas, essas informações também são disponibilizadas no Sistema de
Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) no DATASUS.
Panorama socioeconômico e perspectivas para economia gaúcha
160
Isabel Noemia Rückert; Maria Mercedes Rabelo
Os aspectos mais significativos das condicionalidades, no âmbito da
saúde das crianças beneficiárias do PBF, referem-se a acompanhamento de
vacinação e estado nutricional, tais como riscos nutricionais, de baixo peso,
de sobrepeso, relação peso por altura, peso por idade e altura por idade,
dentre outros. A avaliação do PBF em relação às crianças beneficiárias de
até seis meses evidenciou que as mesmas receberam as vacinas prescritas
(sete) em proporção maior do que as não beneficiárias com o mesmo perfil
socioeconômico.
No Brasil, as estatísticas apresentadas pelo MDS revelam que o percentual de crianças beneficiárias acompanhadas pelo Programa, que era de
36% (1.331.000) em 2005, subiu para 73% (5.108.000) em 2013 (Tabela 5).
Dessas crianças acompanhadas, praticamente todas (99%) estavam com a
vacinação em dia. A melhora nesse indicador já tinha se evidenciado nos
resultados apresentados pela segunda avaliação do PBF, a qual havia demonstrado a ocorrência de um impacto positivo sobre a vacinação em dia,
sobretudo nos índices de vacinação contra a poliomielite. A proporção de
crianças beneficiárias que receberam a primeira dose dessa vacina no
período correto foi 15 pontos percentuais maior do que os de crianças de
famílias não beneficiárias, e, na terceira dose dessa vacina, a proporção foi
de 25 pontos percentuais superior. Em relação a outras vacinas, tétano,
difteria e coqueluche, também a frequência foi maior nas crianças de famílias beneficiárias, com uma diferença de 18 pontos percentuais na segunda dose e de 19 pontos percentuais na terceira (BRASIL, 2010).
Quanto aos dados nutricionais, 86% cumpriram com essa condicionalidade em 2013. Uma pesquisa recente avaliou o impacto do PBF na situação nutricional de crianças beneficiárias de zero a cinco anos acompanhadas nas condicionalidades da saúde e concluiu que o acompanhamento,
induzido pela necessidade do cumprimento das condicionalidades, diminuiu
os riscos de desnutrição e excesso de peso dessas crianças, refletindo uma
melhoria da situação nutricional (VAZ; SOUZA, 2014).
No Rio Grande do Sul, o Programa Bolsa Família acompanhou 71.000
crianças em 2005, passando para 143.000 no ano de 2013, e praticamente
todas as crianças que foram acompanhadas também cumpriram totalmente
com a condicionalidade da vacinação em dia (99,2%) e com um percentual
um pouco menor para os dados nutricionais (90,4%) (Tabela 5). Esse
acompanhamento das condicionalidades da saúde das crianças, que inclui
a vacinação em dia e o seu estado nutricional, são fatores importantes para
a redução da mortalidade infantil.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
161
Os avanços do Programa Bolsa Família no Brasil e no Rio Grande do Sul
Tabela 5
Acompanhamento das condicionalidades das crianças do Programa Bolsa Família no Brasil e
no Rio Grande do Sul — 2005-2013
ANOS
Brasil
2005
2006
2008
2011
2013
RS
2005
2006
2008
2011
2013
CRIANÇAS
BENEFICIÁRIAS/
PERFIL
SAÚDE
CRIANÇAS ACOMPANHADAS
Total
%
Com Vacinação
em Dia
Com Dados
Nutricionais
Total
%
Total
%
3.694.316
5.659.303
5.389.469
5.605.239
6.990.830
1.331.416
2.281.707
3.426.798
4.045.857
5.108.200
36,0
40,3
63,6
72,2
73,1
1.322.985
2.269.794
3.401.182
4.006.503
5.039.837
99,4
99,5
99,3
99,0
98,7
...
1.504.052
2.728.579
3.289.178
4.386.080
...
65,9
79,6
81,3
85,9
176.540
236.599
189.595
173.615
...
71.473
99.944
113.713
111.092
143.512
40,5
42,2
60,0
64,0
...
71.057
99.396
113.056
110.250
142.352
99,4
99,5
99,4
99,2
99,2
...
78.145
99.392
98.174
129.678
...
78,2
87,4
88,4
90,4
FONTE: Relatório de Informações Sociais (BRASIL, 2014a).
NOTA: As informações referem-se ao segundo semestre de cada ano.
Quanto às gestantes, a avaliação do PBF evidenciou que as beneficiárias do PBF tiveram em média 1,5 consulta a mais do que as grávidas não
beneficiárias com o mesmo perfil socioeconômico (BRASIL, 2010). As informações sobre acompanhamento das condicionalidades das gestantes no
Estado do Rio Grande do Sul mostraram que estas totalizaram 2.621 mulheres no 2º semestre de 2006, passando para 8.218 no 2º semestre de
2013, com um crescimento de 213,5%. As gestantes acompanhadas que
cumpriram todas as condicionalidades (pré-natal em dia) aumentaram no
período. No ano de 2006, 93,0% tiveram o pré-natal em dia atingindo quase
a totalidade (99,3%) em 2013. O substancial aumento do número de gestantes que passaram a ser acompanhadas em 2013 em relação ao ano de
2011 (78%) decorreu, em grande medida, da criação do Benefício Variável
à Gestante, que as incentiva a fazer o pré-natal. Como já foi comentado, no
final de 2011 também foi criado o Benefício Variável Nutriz, para incentivar o
12
aleitamento materno . Em fevereiro de 2014, esses benefícios foram
concedidos para 405.497 gestantes e nutrizes no País, e, no RS, os
mesmos foram recebidos por 14.690 beneficiárias (BRASIL, 2014a). Toda12
O BVG e o BVN foram reajustados a partir de junho de 2014, passando de R$ 32,00 para
R$ 35,00.
Panorama socioeconômico e perspectivas para economia gaúcha
162
Isabel Noemia Rückert; Maria Mercedes Rabelo
via é importante ressaltar que, conforme evidências, o PBF não tem provocado um aumento da fecundidade da população pobre no País (ROCHA,
2009), não ocorrendo impacto significativo do recebimento desse benefício
na decisão de ter filhos (SIGNORINI; QUEIROZ, 2011).
Quanto à frequência escolar, ela é acompanhada bimestralmente pelo
Sistema Presença do Ministério da Educação, que identifica cada aluno e
registra as eventuais informações de baixa frequência e o motivo. As secretarias municipais de educação devem informar a frequência a cada bimestre, e o MEC, através do Sistema Presença, consolida essas informações.
Nessa área, a principal condicionalidade é o registro bimestral de
frequência escolar não inferior a 85% da carga horária mensal, no ano letivo, de crianças e adolescentes de seis a 15 anos. Para aqueles entre os 16
e 17 anos, a condicionalidade exige a frequência de 75% em estabelecimentos regulares. Para isso, é necessário o controle efetivo das causas que
13
levaram os alunos a faltar às aulas para justificar a ausência dos mesmos .
Desse modo, para promover a permanência das crianças na escola e
agilizar a inclusão daquelas em situações de risco ou vulnerabilidade, o
MDS vem promovendo um trabalho conjunto entre as três esferas de
governo (Federal/Estadual/Municipal), no sentido de articular políticas intersetoriais de transversalidade articuladas ao PBF. Nesse sentido, o grande
desafio da gestão de condicionalidades é acompanhar todos os beneficiários, o que necessita de uma articulação entre os vários setores da sociedade. O MDS vem atuando em conjunto com outros setores do Estado para
viabilizar o acompanhamento da frequência escolar, assim como para desenvolver um trabalho que traga esses beneficiários para o ambiente escolar.
14
Numa das primeiras avaliações feitas do PBF no País, no que diz respeito ao efeito das condicionalidades da educação verificou-se que, entre as
crianças de famílias beneficiárias, a frequência escolar era maior em 3,6
pontos percentuais em comparação com as crianças de famílias pobres que
não recebiam o benefício (BRASIL, 2007).
Os resultados da segunda avaliação do PBF, realizada em 2009, mostraram uma diferença ainda maior na frequência escolar, de 4,4 pontos percentuais entre as crianças de famílias que recebiam o beneficio e aquelas
13
As faltas que são consideradas justificadas são: doença do aluno; doença ou óbito na
família; inexistência de oferta de serviço educacional; fatores climáticos e de infraestrutura
de ir e vir (enchentes, falta de transporte, violência urbana na área escolar e calamidades).
14
Essa pesquisa foi realizada em 2005, sob a coordenação do Centro de Planejamento e
Desenvolvimento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar-UFMG),
utilizando uma amostra de 15.000 domicílios em 269 municípios no País (BRASIL, 2007).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Os avanços do Programa Bolsa Família no Brasil e no Rio Grande do Sul
163
que não recebiam. Na Região Nordeste, essa diferença foi de 11,7 pontos
percentuais a favor das crianças das famílias beneficiárias. Também evidenciou que a evasão escolar era menor entre as crianças e jovens beneficiárias do PBF do que entre aquelas que não recebiam o benefício (BRASIL, 2010). Outra pesquisa que avaliou os impactos do PBF no acesso à
educação entre os mais pobres também apontou que a frequência escolar
era mais elevada entre os beneficiários do que entre os não beneficiários.
Além disso, houve aumento da frequência escolar das crianças e jovens e
esse foi mais intenso entre os 20% mais pobres (COSTANZI; SOUZA; RIBEIRO, 2010). Complementando essas evidências, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) constataram que, dentre os
estudantes de famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais
do Governo Federal, aqueles beneficiários do Bolsa Família têm chances de
repetir de ano cerca de 11% menores que as de alunos cadastrados, mas
não beneficiados pelo PBF (OLIVEIRA; SOARES, 2013). Finalmente, cabe
destacar que, no ano de 2012, a taxa de abandono no ensino fundamental
foi de 2,8% para os estudantes beneficiários do Bolsa Família e de 3,2%
para os demais alunos da rede pública do país (BRASIL, 2014g).
A Tabela 6 registra o acompanhamento da frequência escolar no Brasil, e verifica-se que, no período, houve um aumento do número de beneficiários acompanhados nas condicionalidades da educação na faixa etária
de seis a 15 anos. No ano de 2006, estes somaram 9.569.000 (62,8%) subindo, em novembro de 2013, para 13.560.000 beneficiários, representando
93,9% do total. Dessas crianças e jovens acompanhados, 96,8% registraram frequência igual ou superior à exigida (85%) em novembro de 2006, a
qual diminuiu para 95,3% em novembro de 2013. Cabe ressaltar que os
resultados elevados de frequência escolar também estão relacionados com
o fato da existência de obrigatoriedade da matrícula na faixa etária de seis a
15 anos no ensino fundamental estipulada pela Constituição Federal de
1988.
Por sua vez, houve avanços na trajetória escolar dessas crianças, como evidencia uma pesquisa elaborada para analisar a associação entre o
PBF e o desempenho e o percurso escolar, com alunos do 5º e do 9º anos
no País, a qual verificou que a participação no Programa e o cumprimento
da condicionalidade podem reduzir a diferença no desempenho entre esses
alunos e os demais alunos das escolas públicas (CIRENO; SILVA,
PROENÇA, 2013).
No Rio Grande do Sul, as informações sobre as condicionalidades da
educação registraram que, em novembro de 2006, havia 640.000 crianças e
adolescentes, na faixa etária de seis a 15 anos, beneficiárias do PBF, mas
somente 65,5% desse total foram acompanhadas, com a frequência escolar
Panorama socioeconômico e perspectivas para economia gaúcha
164
Isabel Noemia Rückert; Maria Mercedes Rabelo
sendo cumprida por 97%. Em novembro de 2013, o número dessas beneficiárias diminuiu para 478.000. Contudo, o percentual daquelas que tiveram
a condicionalidade da educação acompanhada aumentou para 95,9%, mas
apenas 93,1% cumpriram as exigências de frequência escolar (Tabela 6).
Observa-se que, embora o percentual de acompanhamento seja maior no
Rio Grande do Sul do que no Brasil, o efetivo cumprimento da frequência
escolar é um pouco inferior no Estado.
Tabela 6
Acompanhamento da frequência escolar de beneficiários do PBF de seis a 15 anos, no Brasil e
no Rio Grande do Sul — 2006, 2009 e 2013
ANOS
Brasil
2006
2009
2013
RS
2006
2009
2013
BENEFICIÁRIO
NO PERFIL
EDUCAÇÃO
BENEFICIÁRIOS ACOMPANHADOS
Frequência Igual ou Superior a
85 %
Total
Número
%
Número
%
15.244.078
15.646.570
14.447.143
9.569.119
14.026.573
13.560.430
62,8
89,6
93,9
9.260.949
13.680.379
12.921.216
96,8
97,5
95,3
639.977
590.042
478.485
419.096
533.621
459.102
65,5
90,4
95,9
407.877
513.584
427.342
97,3
96,2
93,1
FONTE: Relatório de Informações Sociais (BRASIL, 2014a).
Já os adolescentes beneficiários de 16 e 17 anos, que têm a sua
frequência escolar acompanhada, esses têm que apresentar, no mínimo,
75% de presença na escola. Observa-se que houve um aumento do número
de beneficiários nessa faixa etária, no período (Tabela 7). Pode-se supor
que o incentivo dado através da criação do BVJ, em 2008, contribuiu para
esse resultado, diminuindo a evasão escolar. Assim, se, no total dos alunos
do ensino médio da rede pública, o índice de abandono foi de 11,3% em
2012, dentre os beneficiários esse percentual foi menor, alcançando 7,4%
(BRASIL, 2014g).
No Rio Grande do Sul, houve uma elevação do número de beneficiários do PBF acompanhados nessa faixa etária, mas houve uma queda significativa no percentual daqueles que cumpriram com a frequência exigida
pelas condicionalidades (Tabela 7). Esse declínio pode estar evidenciando
uma taxa de abandono ainda elevada no ensino médio, principalmente no
último bimestre do ano, quando se verifica uma maior incidência desse fato.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
165
Os avanços do Programa Bolsa Família no Brasil e no Rio Grande do Sul
Tabela 7
Acompanhamento da frequência escolar de beneficiários do Programa Bolsa Família,
de 16 a 17 anos, no Brasil e no RS — 2008, 2012 e 2013
BENEFICIÁRIOS ACOMPANHADOS
BENEFICIÁRIOS NO
PERÍODOS
PERFIL EDUCAÇÃO
Número
Brasil
Jul./08
Jul./12
Nov./13
RS
Jul./08
Jul./12
Nov./13
Frequência Igual ou
Superior a 75%
Total
%
Número
%
1.624.145
2.970.232
2.999.874
1.275.707
2.217.844
2.495.339
78,5
74,7
83,2
1.234.274
1.824.452
2.299.126
96,8
82,3
92,1
58.445
99.005
91.061
41.515
70.583
73.534
71,0
71,3
80,8
37.829
57.750
59.526
91,1
81,9
81,0
FONTE: Relatório de Informações Sociais (BRASIL, 2014a).
4 Considerações finais
Nos últimos anos, vem se desenvolvendo no País um esforço no sentido da erradicação da pobreza e da inclusão da população mais vulnerável
na rede de proteção social, em especial, nos programas de saúde, educação e assistência social. Com o lançamento do Plano Brasil Sem Miséria,
em 2011, os programas de combate à pobreza foram ampliados, bem como
foram efetuados esforços no sentido de identificar e incluir as famílias vivendo em situação de vulnerabilidade e que estavam à margem dos programas sociais.
Dentre esses diversos programas, destaca-se o Programa Bolsa Família, o qual, em 2011, passou a integrar o Plano Brasil Sem Miséria. O Programa Bolsa Família registrou avanços consideráveis e passou por um importante processo de evolução que complementou e aperfeiçoou o seu desenho original. Dentre os avanços alcançados pelo PBF, pode-se apontar a
ampliação do número de crianças por família que pode receber o benefício
variável (de três para cinco), bem como a criação de novos benefícios (o
BVN e o BVG), além do estabelecimento, pelo BSM, de uma renda per capita mínima (de R$ 70,00) para todas as famílias beneficiárias do Programa.
O Rio Grande do Sul complementa essa renda mensal para atingir R$ 100
per capita para aquelas famílias beneficiárias com crianças até seis anos de
idade. Os dados relativos aos anos de 2013 e 2014 ainda não estão disponíveis, mas, considerando todas essas medidas, e a priorização das ações
Panorama socioeconômico e perspectivas para economia gaúcha
166
Isabel Noemia Rückert; Maria Mercedes Rabelo
voltadas às crianças, pode-se supor que houve uma expressiva redução da
extrema pobreza no grupo das crianças e jovens até 15 anos.
Desde 2004, o Governo Federal, em conjunto com estados e municípios, vem organizando o Cadastro Único de Programas Sociais e estruturando os sistemas necessários para o repasse de recursos e para o acompanhamento das condicionalidades. Hoje o Cadastro é referência internacional enquanto um mecanismo eficaz para a identificação e localização da
população pobre, possibilitando a implantação articulada de diferentes políticas sociais, de forma integrada entre as três esferas de governo. O Cadastro é também um importante instrumento para o acompanhamento do cumprimento das condicionalidades. A idéia predominante é de que elas permitem às famílias o acesso a direitos sociais, desde que o Estado esteja desempenhando o seu papel de ofertar esses serviços e ações.
No que se refere às condicionalidades exigidas pelo PBF, verificou-se
que os beneficiários começaram a ter um acompanhamento mais expressivo. Como consequência, eles passaram a apresentar um resultado melhor
do que os não beneficiários com o mesmo perfil socioeconômico, tanto na
frequência escolar quanto na área da saúde.
No Rio Grande do Sul, constatou-se que, na área da educação, o
acompanhamento da frequência escolar dos beneficiários do PBF atingiu
níveis elevados, com praticamente todas as crianças e jovens desse perfil
cumprindo com o limite mínimo exigido (85%). Entretanto, o desempenho
relativamente aos adolescentes ainda está aquém do desejado. No que diz
respeito à saúde, o percentual de famílias com o perfil saúde acompanhadas no Rio Grande do Sul teve uma elevação significativa nos últimos anos,
mas o indicador ainda é mais baixo do que o da educação, o que pode estar
indicando uma dificuldade de acesso desses beneficiários aos serviços públicos de saúde.
Verifica-se que houve uma melhora nos indicadores das condicionalidades, o que significa que o PBF, além de reduzir a pobreza, contribui para
melhoria da saúde das mulheres e de seus filhos, com impactos na redução
da mortalidade infantil, na redução da desnutrição, na garantia de que as
crianças estão na escola, o que irá contribuir para interromper o ciclo de
pobreza intergeracional. O cumprimento das condicionalidades nas áreas
da saúde e da educação cria a perspectiva de que as gerações futuras tenham maiores possibilidades de emprego e renda, ampliando suas condições de sair da pobreza e da extrema pobreza.
Do ponto de vista da organização das políticas de redução da pobreza,
o Brasil encontra-se hoje em uma nova etapa, formulando políticas de geração de emprego e renda e de inclusão produtiva. Em 2011, com o lançamento do Plano Brasil Sem Miséria, foram reforçadas as ações voltadas à
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Os avanços do Programa Bolsa Família no Brasil e no Rio Grande do Sul
167
inclusão produtiva, consubstanciadas na criação do Pronatec Brasil sem
Miséria, com a oferta de cursos de qualificação profissional gratuitos para a
população mais pobre, os quais foram efetivamente alavancados ao longo
de 2012, superando a meta almejada de ofertar um milhão de vagas em
2014.
Assim, constata-se que os programas e ações do PBSM têm uma amplitude que busca dar conta de uma ampla gama de aspectos relativos à
condição de pobreza, tanto no sentido de erradicar a pobreza extrema,
quanto de buscar alternativas para as famílias beneficiárias desses programas.
Referências
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N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Breno Camargo Serafini.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalhadores de baixos salários na
Região Metropolitana de Porto Alegre:
um estudo preliminar*
Raul Luís Assumpção Bastos
Economista, Pesquisador da Fundação
de Economia e Estatística
1 Introdução
Reconhecendo que o mercado de trabalho no Brasil tem como uma de
suas principais características a presença de um contingente considerável
de trabalhadores de baixos salários, este estudo tem por objetivo fazer uma
investigação preliminar sobre a evolução e as características desse segmento da força de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre
(RMPA), no período 1995-2013.
Ao longo dos anos 2000, um dos fenômenos mais relevantes que ocorreram no mercado de trabalho do Brasil foi o da geração de empregos com
registros formais. Isto porque, dentro de certos limites, é razoável assumir-se que esses empregos são de melhor qualidade em comparação com as
outras modalidades de inserção na estrutura ocupacional, pois eles permitem o acesso ao sistema de proteção social ― Previdência, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego, etc. Nesse sentido, a geração de empregos com registros formais teria contribuído para que
o mercado de trabalho retomasse o seu processo de estruturação, o qual
havia sido interrompido nos dois decênios anteriores. Todavia tem sido mostrado, por algumas pesquisas, que os empregos com registros formais criados nos anos 2000 foram majoritariamente de baixos salários, o que colocaria em questão o alcance daquele processo. Para corroborar essa compreensão, quando são feitas comparações, no tempo, de distribuições do
emprego por faixas de salários mínimos, constata-se que eles foram gera-
*
O autor agradece as críticas e as sugestões de Dulce Helena Vergara, Míriam De Toni e
Rafael Bassegio Caumo à primeira versão deste estudo. Erros e omissões por acaso remanescentes no trabalho são de inteira responsabilidade do autor.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
172
Raul Luís Assumpção Bastos
dos majoritariamente para trabalhadores que percebem até dois salários
mínimos.
Não obstante a constatação empírica proceda, ela não impõe o necessário controle sobre o efeito da mudança no salário mínimo real no período,
uma vez que esse passou por um processo de recuperação considerável
(SOUEN, 2012). Isso coloca em dúvida a propriedade do seu uso para aferir
a qualidade do emprego em diferentes momentos e, como decorrência, o
quão precisa é a afirmação de que os empregos gerados nos anos 2000
são, em ampla medida, de baixos salários. Essa situação sugere a necessidade de se estudarem os empregos de baixos salários através do uso de
outras referências analíticas que não fiquem circunscritas ao salário mínimo.
A esse respeito, a literatura existente sobre trabalhadores de baixos salários — low-wage workers — pode constituir-se em uma alternativa para
procurar avançar na investigação desse tema. Isto porque ela elabora e
propõe uma série de elementos para o conhecimento das suas causas, do
seu dimensionamento e das suas características.
A respeito da RMPA, o trabalho de Arandia (2013) mostra que nela
também ocorreu um processo relevante de geração de empregos formais
nos anos 2000. A par desse aspecto, esse autor identificou que, no emprego formal do setor privado da RMPA, houve um aumento da proporção de
trabalhadores que percebiam de um a menos de dois salários mínimos, de
27,9% em 2000 para 65,0% em 2010. A questão que a esse respeito se
propõe pode ser assim formulada: isso, de fato, significou um aumento da
parcela relativa dos trabalhadores de baixos salários no emprego da RMPA,
no período? Diante do que foi exposto anteriormente sobre o aumento do
salário mínimo real, o uso daquela aproximação empírica — a da mudança
na distribuição do emprego por faixas de salários mínimos — não estaria
colocando em dúvida a validade da afirmação de que os empregos gerados
nos anos 2000 foram, em ampla medida, de baixos salários? Essa é uma
das questões que organizam este estudo e para a quais se pretende trazer
elementos com o propósito de respondê-las.
No que segue, este estudo encontra-se assim estruturado: na seção 2,
apresentam-se definições de trabalhadores de baixos salários recolhidas da
literatura, e identifica-se aquela que é adotada por este estudo; na seção 3,
trata-se da evolução da parcela relativa de trabalhadores de baixos salários
na RMPA, no período 1995-2013, sua participação relativa por setor de
atividade econômica e por categorias de emprego, bem como por tempo de
permanência no emprego, horas trabalhadas, contribuição à Previdência
Social e salários médios reais; na seção 4, analisam-se os trabalhadores de
baixos salários de acordo com características sociodemográficas selecionadas ― sexo, idade, cor, posição no domicílio e escolaridade; na seção 5,
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
173
elabora-se uma breve interpretação a respeito da redução da proporção de
trabalhadores de baixos salários na RMPA, no período, a qual procura associá-la com a queda da desigualdade salarial; por fim, na última seção,
encontra-se uma síntese das principais evidências proporcionadas pelo
estudo.
2 Definição de emprego de baixos salários
Na literatura, foi possível identificarem-se três definições de emprego
de baixos salários, uma associada a um nível absoluto de rendimentos e
duas outras estabelecidas em termos relativos (BERNSTEIN; HARTMANN,
2000; LUCIFORA, 2000; LUCIFORA; SALVERDA, 2009; GRIMSHAW,
2011).
A definição de emprego de baixos salários a partir de um nível absoluto
de renda utiliza como referência o montante de rendimentos que corresponde à linha oficial de pobreza de um país (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 1996, p. 68; BERNSTEIN;
HARTMANN, 2000, p. 19; LUCIFORA, 2000, p. 13; LUCIFORA; SALVERDA, 2009, p. 263; GRIMSHAW, 2011, p. 3). Assim, os empregados
cujos rendimentos estiverem em uma posição, na distribuição de salários,
abaixo desse ponto de corte serão reconhecidos como trabalhadores de
baixos salários. As vantagens do uso dessa definição são a possibilidade de
se avaliarem os trabalhadores em termos de pobreza, assim como de realizar comparações do seu padrão de vida com o de outros segmentos de
assalariados. Uma de suas principais limitações é a dificuldade que impõe
aos estudos comparativos internacionais, dado que, por ela, não são apreendidas as diferenças nos padrões de vida entre as nações.
Uma das definições do emprego de baixos salários em termos relativos
estabelece uma proporção da distribuição de salários — por exemplo, 20%
dos trabalhadores que percebem os menores salários — e a assume como
correspondendo ao emprego de baixos salários (ORGANISATION FOR
ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 1996, p. 68;
BERNSTEIN; HARTMANN, 2000, p. 19; LUCIFORA, 2000, p. 13;
GRIMSHAW, 2011, p. 4). Se, por um lado, essa definição tem a vantagem
de ser bastante direta, por outro, além de arbitrária, ela possui a importante
implicação de tornar a proporção de trabalhadores de baixos salários constante, o que faz com que uma das questões de interesse mais relevantes
enquanto objeto de investigação seja desconsiderada, qual seja, a da evolução, ao longo do tempo, do tamanho da sua parcela relativa.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
174
Raul Luís Assumpção Bastos
A outra definição do emprego de baixos salários em termos relativos
delimita esse segmento como correspondendo aos trabalhadores que percebem menos de dois terços da mediana do salário de uma economia
(LUCIFORA, 2000, p. 13, LUCIFORA; SALVERDA, 2009, p. 263-264;
GRIMSHAW, 2011, p. 3-4). Essa definição tem vantagens em relação às
anteriormente apresentadas: mostra-se mais apropriada para comparações
internacionais, permite que se faça o acompanhamento das mudanças no
tamanho da parcela relativa de empregos de baixos salários e dá uma noção aproximada de distância social entre os diferentes segmentos de trabalhadores (LUCIFORA, 2000, p. 13). As suas principais limitações são: certa
arbitrariedade ao estabelecer o ponto de corte dos empregos de baixos
1
salários inferior a dois terços do salário mediano , e, se o salário mediano
estiver crescendo em termos reais, não apreender as mudanças no padrão
de vida dos trabalhadores de baixos salários. De acordo com o levantamento de estudos feitos sobre o tema por Grimshaw (2011, p. 4-5), essa é a
definição que se mostra predominante na literatura internacional. Assinale-se, também, que ela é a adotada por instituições como a Organização Para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e a Comissão Europeia
(ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 1996, p. 68-69; LUCIFORA; SALVERDA, 2009, p. 269; EUROPEAN
COMMISSION, 2010, p. 145).
Alguns trabalhos propõem que se refine essa última definição de empregos de baixos salários através da imposição de um controle relativo ao
número de horas trabalhadas, utilizando como ponto de corte menos de
dois terços da mediana do salário-hora (LUCIFORA; SALVERDA, 2009;
MASON; SALVERDA, 2010; GRIMSHAW, 2011). Esse procedimento constitui-se em uma adequação empírica que faz todo o sentido, pois existem
trabalhadores com jornadas de trabalho tanto integral quanto parcial, bem
como há considerável variabilidade do número de horas trabalhadas, em
termos individuais. Na medida em que os trabalhadores de baixos salários,
enquanto objeto de investigação, têm uma interface com a desigualdade
salarial, o uso do salário-hora como unidade de medida é mais adequado
para o tratamento dessa inter-relação temática.
Tendo por referência o acima exposto, no estudo ora desenvolvido
considera-se mais apropriado utilizar a terceira definição de trabalhadores
de baixos salários acrescida do controle das horas trabalhadas, ou seja,
foram reconhecidos como empregados de baixos salários todos aqueles
que percebem menos de dois terços da mediana do salário-hora.
1
Não obstante a aparente arbitrariedade, Lucifora (2000, p. 13) afirma que essa definição
tem correspondência com o nível de salário mínimo adotado em muitos países da Europa.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
175
3 Tendências básicas dos trabalhadores de
baixos salários na RMPA
Nesta seção, busca-se apresentar as tendências básicas dos trabalhadores de baixos salários na RMPA, no período 1995-2013, utilizando-se,
2
para tanto, os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). Afora
a escolha da definição de trabalhadores de baixos salários feita na seção
anterior, cabe explicitar-se que, neste estudo, o trabalho assalariado corresponde à agregação dos empregados nos setores privado e público e dos
empregados domésticos mensalistas.
Conforme se pode constatar no Gráfico 1, a parcela relativa de trabalhadores de baixos salários na RMPA evidencia um processo de redução
desde a segunda metade dos anos 90, tendo passado de 28,1% em 1995
3
para 25,1% em 2000, 19,8% em 2005 e 15,6% em 2010. A partir de 2011,
ela se mostra relativamente estável, sendo a proporção atingida em 2013
igual à de 2010, que foi aquela de menor tamanho para o período como um
todo. Baseada nessas evidências, uma primeira constatação é a de que
ocorreu uma redução considerável da parcela relativa de trabalhadores de
baixos salários na RMPA, no período em foco, com particular intensidade ao
longo dos anos 2000. Não obstante isso, esse processo foi interrompido a
partir de 2011, pois a proporção de trabalhadores de baixos salários, em
2013, se encontrava no mesmo patamar que havia sido atingido em 2010.
No âmbito dos principais setores de atividade econômica da RMPA,
constata-se também uma queda generalizada das parcelas relativas de
4
trabalhadores de baixos salários no período 1995-2010 (Tabela 1). Quando
se comparam os dados de 1995 com os de 2010, a proporção desses trabalhadores reduziu-se 14,5 pontos percentuais (p.p.) na indústria de transformação, 12,8 p.p. nos serviços, 12,3 p.p. na construção civil e 10,3 p.p. no
comércio. Tanto ao início quanto ao final do período, as atividades do Ter2
A primeira média anual dos dados da PED na RMPA é a de 1993. No entanto, como 1993
e 1994 ainda foram anos de inflação elevada, optou-se por iniciar o estudo em 1995, ano
em que o País passou a conviver, de fato, com a estabilidade monetária.
3
Utilizando a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) para o período 2002-09, Fontes e Pero
(2011, p. 512) obtiveram parcelas relativas de trabalhadores de baixos salários na RMPA,
de 21,5% em 2002 e de 17,5% em 2009. Os resultados do presente estudo estão próximos
aos das autoras, uma vez que os dados da PED evidenciam proporções de trabalhadores
de baixos salários, de 23,5% em 2002 e de 16,5% em 2009.
4
A análise dos trabalhadores de baixos salários por setores de atividade econômica fica
restrita ao período 1995-2010, porque, a partir de 2011, ocorreu uma mudança na classificação de atividade econômica da PED na RMPA, tornando a série de dados não comparável com o período que se encerrou em 2010.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
176
Raul Luís Assumpção Bastos
ciário eram as que detinham as maiores parcelas relativas de trabalhadores
de baixos salários. Naquelas atividades, o setor de comércio destaca-se por
evidenciar a maior proporção de trabalhadores de baixos salários, não obstante o declínio verificado no período: em 1995, cerca de um terço da sua
força de trabalho empregada era de baixos salários e, em 2010, essa proporção tinha passado para cerca de um quarto. Esse resultado vai ao encontro do que mostram diversos estudos (LUCIFORA; SALVERDA, 2009;
MASON; SALVERNA, 2010; GRIMSHAW, 2011), que afirmam que o comércio é uma das atividades nas quais é maior o peso relativo dos trabalhadores de baixos salários.
Gráfico 1
Parcela relativa de trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de
Porto Alegre — 1995-2013
(%)
30,0
28,0
26,0
24,0
22,0
20,0
18,0
16,0
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
14,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE, DIEESE e
FONTE DOS DADOS BRUTOS: apoio MTE/FAT.
Tabela 1
Parcela relativa de trabalhadores de baixos salários, por setores de atividade econômica,
na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995-2010
(%)
DISCRIMINAÇÃO
Total (1) ...............................................
Indústria de transformação ..................
Construção civil ....................................
Comércio ..............................................
Serviços ..............................................
1995
2000
2005
2010
28,1
26,8
23,9
33,6
27,8
25,1
26,7
24,8
31,4
22,9
19,8
15,2
18,0
26,3
20,0
15,6
12,3
11,6
23,3
15,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE, DIEESE e
FONTE DOS DADOS BRUTOS: apoio MTE/FAT.
(1) Inclui outros setores.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
177
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
De acordo com as categorias de emprego, pode-se perceber que, no
setor privado da RMPA, ocorreu uma tendência de declínio da proporção de
trabalhadores de baixos salários de 1995 a 2010, mas essa não evidenciou
continuidade no ano de 2013 (Tabela 2). Desagregando-se os assalariados
do setor privado segundo a existência de vínculos formais de trabalho, dois
aspectos sobressaem-se: por um lado, os que não possuem carteira de
trabalho assinada mostram uma incidência muito mais elevada de empregos
de baixos salários; por outro, a sua parcela relativa de baixos salários manteve a tendência de declínio até 2013, algo que não se observou nos assalariados com carteira de trabalho assinada, entre os quais essa tendência
foi interrompida em 2010, inclusive com um aumento da proporção no último
ano em análise. No setor público, identifica-se uma parcela relativa muito
menor de trabalhadores de baixos salários, que atingia somente 3,7% em
5
2005. Quanto aos empregados domésticos mensalistas, esses mostram
um processo acentuado de redução da parcela relativa de trabalhadores de
baixos salários ao longo de todo o período, que passou de 68,6% em 1995
para 32,3% em 2013. Não obstante essa mudança que lhes foi favorável,
essa categoria de emprego continuava, ao final do período em foco, com
uma incidência de trabalhadores de baixos salários muito superior à média
verificada na RMPA.
Tabela 2
Parcela relativa de trabalhadores de baixos salários, por categorias de emprego,
na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995-2013
(%)
DISCRIMINAÇÃO
Total .............................................
Setor privado .................................
Com carteira assinada .............
Sem carteira assinada ..............
Setor público ..................................
Domésticos mensalistas ...............
1995
2000
2005
2010
2013
28,1
29,3
27,5
39,7
8,1
68,6
25,1
26,3
23,0
42,4
3,5
55,1
19,8
20,3
16,8
39,1
3,7
49,6
15,6
16,3
13,9
30,4
(1)39,2
15,6
16,6
15,2
27,5
(1)32,3
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE, DIEESE e apoio
FONTE DOS DADOS BRUTOS: MTE/FAT.
(1) A amostra não comporta desagregação para essa categoria.
O tempo médio de permanência no emprego dos trabalhadores de baixos salários revela um processo de descenso de 1995 a 2002, tendo passado de 29 para 25 meses, que é o piso dessa série de dados (Gráfico 2). A
5
Em 2010 e 2013, não há amostra suficiente para divulgar a proporção de trabalhadores de
baixos salários no setor público.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
178
Raul Luís Assumpção Bastos
partir de 2004, esse indicador evidenciou elevação, até situar-se em 30
meses em 2007, mesmo patamar de 2013. Quando se compara o tempo
médio de permanência no emprego dos trabalhadores de baixos salários
com o do total de assalariados, constata-se uma diferença muito acentuada,
pois, para os últimos, esse indicador era de 60 meses em 1995 e de 66
meses em 2013, ou seja, o tempo médio de permanência no emprego dos
trabalhadores de baixos salários era menos da metade do que o do total de
assalariados. Essas evidências comportam linhas de interpretação alternativas: se, por um lado, podem sugerir que os vínculos de emprego dos trabalhadores de baixos salários são muito mais instáveis e, portanto, precários
(BALTAR; PRONI, 1996), por outro, podem constituir-se em uma indicação
de que, para parte deles, esse tipo de inserção no mercado de trabalho é
transitória, não configurando uma condição insuperável ao avanço para
6
empregos de melhor qualidade.
Gráfico 2
Tempo médio de permanência no emprego dos trabalhadores de baixos salários e do total de
assalariados na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995-2013
(meses)
Legenda:
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
70
65
60
55
50
45
40
35
30
25
20
Total de assalariados
Trabalhadores de baixos salários
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE, DIEESE e
FONTE DOS DADOS BRUTOS: apoio MTE/FAT.
6
Essa interpretação somente poderia ser confirmada (ou refutada) por meio de uma base de
dados longitudinal que permitisse o acompanhamento da trajetória dos trabalhadores de
baixos salários ao longo do tempo. Portanto, neste trabalho, ela deve ser reconhecida mais
como uma hipótese para ser retomada em estudos futuros.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
179
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
No que diz respeito ao número médio de horas semanais de trabalho
entre os trabalhadores de baixos salários da RMPA, esse oscilou de 45 a 48
horas ao longo do período 1995-2013 — portanto, números de horas superiores ao limite da jornada semanal de trabalho legal do País, o que indica
que eles são compelidos a fazer horas extras (Gráfico 3). Para o total de
assalariados, o número médio de horas semanais de trabalho é inferior,
situando-se entre 41 e 43 horas. Quando se comparam os anos inicial e
final das séries de dados, constata-se que se ampliou a diferença relativa ao
número médio de horas semanais de trabalho entre os empregados de baixos salários e o total de assalariados, de três horas para cinco horas.
Gráfico 3
Número médio de horas trabalhadas por semana dos trabalhadores de baixos salários e do
total de assalariados na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995-2013
(horas)
49
48
47
46
45
44
43
42
41
Legenda:
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
40
Total de assalariados
Trabalhadores de baixos salários
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE, DIEESE e
FONTE DOS DADOS BRUTOS: apoio MTE/FAT.
Quanto à Previdência Social, observa-se que 77,1% dos trabalhadores
de baixos salários para ela contribuíam em 1995 (Gráfico 4). Essa parcela
relativa passou por um processo de redução, atingindo 66,6% em 2004,
menor nível para o período em análise. Posteriormente, ela ingressou em
uma fase de recuperação, chegando a 79,3% em 2013, a maior parcela
relativa do período. Ao se compararem os trabalhadores de baixos salários
com o total de assalariados, pode-se perceber que estes últimos sempre
tiveram patamares de contribuintes à Previdência Social superiores aos
primeiros. A diferença desfavorável para os trabalhadores de baixos salários, que era de 9,0 p.p. em 1995, passou para 10, 6 p.p. em 2013 ― neste
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
180
Raul Luís Assumpção Bastos
último ano, para o total de assalariados, a proporção de contribuintes à Previdência Social atingiu 90,0%. Com base nessas evidências, reconhecendo-se a contribuição à Previdência Social como um determinante da qualidade
do emprego, pode-se afirmar que a situação dos trabalhadores de baixos
salários — embora tenha melhorado levemente em termos absolutos —
sempre esteve aquém daquela do total de assalariados.
Gráfico 4
Parcela relativa de contribuintes para a Previdência Social dos trabalhadores de baixos
salários e o total de assalariados na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995-2013
(%)
95,0
90,0
85,0
80,0
75,0
70,0
65,0
Legenda:
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
60,0
Total de assalariados
Trabalhadores de baixos salários
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE, DIEESE
FONTE DOS DADOS BRUTOS: e apoio MTE/FAT.
Já no que se refere ao comportamento dos salários médios reais dos
trabalhadores de baixos salários, o menor nível dessa série de dados foi
verificado em 1995 (Gráfico 5). Os salários médios reais desses trabalhadores tiveram melhora até 1998 e, após, ingressaram em um processo de
descenso, que perdurou até 2003. A partir de então, observa-se uma trajetória contínua de elevação dos seus salários médios reais, que atingiram o
nível máximo em 2013. Ao se cotejar este último ano com o de 1995, constata-se que o salário médio real dos trabalhadores de baixos salários foi
incrementado em 47,1%. Esse desempenho foi muito superior ao do total de
assalariados, cujo salário médio real, nessa mesma base comparativa, registrou crescimento de 13,5%. Em face desses comportamentos, o hiato
entre o salário médio real dos trabalhadores de baixos salários e o do total
de assalariados, que era de 65,4% em 1995, passou para 55,2% em 2013.
Não obstante esse gap continue sendo de tamanho considerável, ele eviPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
181
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
dencia uma redução da desigualdade entre os salários reais dos trabalhadores de baixos salários e a média dos salários reais do mercado de trabalho
metropolitano.
Gráfico 5
Salário médio real dos trabalhadores de baixos salários e do total de assalariados
na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995-2013
Trabalhadores
de baixos
salários 800
Total de
assalariados
1.750
1.700
750
1.650
1.600
700
1.550
650
1.500
1.450
600
1.400
550
1.350
Legenda:
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
500
1995
1.300
Total de assalariados
Trabalhadores de baixos salários
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE,
FONTE DOS DADOS BRUTOS: DIEESE e apoio MTE/FAT.
NOTA: Deflator IPC-IEPE; salários em reais de dez./13.
4 Características sociodemográficas dos
trabalhadores de baixos salários
Nesta seção, busca-se avançar no conhecimento a respeito dos trabalhadores de baixos salários na RMPA, desagregando-os por características
sociodemográficas selecionadas — sexo, idade, cor, posição no domicílio e
escolaridade. Inicialmente, analisa-se o comportamento das parcelas relativas de trabalhadores de baixos salários para os segmentos acima identificados; posteriormente, utiliza-se um modelo probit, o qual permite estimar
as probabilidades de os trabalhadores de cada um dos recortes sociodemográficos serem de baixos salários.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
182
Raul Luís Assumpção Bastos
4.1 Evolução das parcelas relativas de
trabalhadores de baixos salários por
características sociodemográficas
Desagregando-se a força de trabalho empregada por sexo, pode-se
perceber que houve um processo de redução da parcela relativa de trabalhadores de baixos salários tanto para homens quanto para mulheres de
1995 a 2010: no primeiro caso, essa passou de 20,8% para 11,2% e, no
último, de 38,2% para 20,6% (Tabela 3). Constata-se, adicionalmente, que
essas proporções se encontravam praticamente inalteradas em 2013. Esses
dados revelam que o padrão de desigualdade por sexo, identificado por
outros estudos, também está presente na RMPA, no sentido em que a incidência de empregos de baixos salários é maior entre as mulheres e que,
portanto, a sua situação no mercado de trabalho é relativamente mais adversa em comparação à dos homens (LUCIFORA; SALVERDA, 2009;
MASON; SALVERDA, 2010; FONTES; PERO, 2011; GRIMSHAW, 2011).
No que diz respeito ao recorte por idade, houve redução das parcelas
relativas de trabalhadores de baixos salários em todas as faixas etárias, até
7
2010 (Tabela 3). Em 2013, enquanto entre os assalariados de 25 a 39
anos, manteve-se a tendência de diminuição da proporção de trabalhadores
de baixos salários, para os segmentos populacionais de 16 a 24 anos e de
40 anos ou mais, esse processo evidenciou interrupção. Ao se compararem
os níveis de incidência de trabalhadores de baixos salários para as diferentes faixas etárias, constata-se que essa era bem mais elevada entre os jovens de 16 a 24 anos, o que vai ao encontro de outros trabalhos sobre esse
tema (LUCIFORA; SALVERDA, 2009; MASON; SALVERDA, 2010; FONTES; PERO, 2011; GRIMSHAW, 2011).
Quanto ao recorte por cor, as parcelas relativas de trabalhadores de
baixos salários de negros e de não negros apresentaram um processo de
retração até 2010, e esses níveis se mantiveram muito próximos aos registrados em 2013 (Tabela 3). No caso dessa modalidade de recorte, os negros mostraram, ao longo de todo o período, proporções de trabalhadores
de baixos salários muito superiores às dos não negros, o que se coaduna
com a compreensão de que os afro-brasileiros estão historicamente sobrerrepresentados em empregos da base da estrutura de salários do mercado
de trabalho brasileiro.
7
No caso da faixa etária de 10 a 15 anos, existe amostra para divulgar a proporção de trabalhadores de baixos salários somente em 1995 e 2000. Conforme se pode constatar na Tabela 3, a parcela relativa de trabalhadores de baixos salários desse segmento populacional
era muito elevada naqueles dois anos — cerca de 80,0%.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
183
Tabela 3
Parcela relativa de trabalhadores de baixos salários, por características sociodemográficas,
na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995, 2000, 2005, 2010 e 2013
(%)
DISCRIMINAÇÃO
1995
2000
2005
2010
2013
Total .............................................................
Sexo
Homens ........................................................
Mulheres .......................................................
Idade
De 10 a 15 anos ...........................................
De 16 a 24 anos ...........................................
De 25 a 39 anos ...........................................
40 anos ou mais ...........................................
Raça/Cor
Negros ..........................................................
Não negros ...................................................
Posição no domicílio
Chefe ............................................................
Cônjuge ........................................................
Filho ..............................................................
Demais membros ..........................................
Escolaridade
Analfabetos ...................................................
Fundamental incompleto ..............................
Fundamental completo a médio incompleto
Médio completo a superior incompleto .........
Superior completo ........................................
28,1
25,1
19,8
15,6
15,6
20,8
38,2
19,7
31,5
15,2
25,3
11,2
20,6
11,3
20,4
80,7
42,2
20,8
23,7
80,4
40,7
18,9
19,2
(1)31,0
15,2
16,2
(1)24,7
12,8
13,0
(1)25,8
11,9
13,6
39,3
26,3
35,6
23,6
30,1
18,2
22,9
14,3
23,1
14,4
16,7
33,3
42,3
42,3
15,9
28,1
34,7
40,4
12,7
22,6
27,2
29,6
10,7
17,2
21,5
22,9
9,9
17,6
22,9
23,3
54,6
40,3
27,0
9,5
(1)-
54,0
37,9
31,5
12,3
(1)-
(1)32,0
27,5
12,2
(1)-
(1)27,3
24,3
9,5
(1)-
(1)26,5
25,5
10,7
(1)-
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE, DIEESE e apoio
F ONTE DOS DADOS BRUTOS: MTE/FAT.
(1) A amostra não comporta desagregação para essa categoria.
De acordo com a posição no domicílio, todas as inserções evidenciaram queda das suas parcelas relativas de trabalhadores de baixos salários
até 2010, sendo que esse movimento teve continuidade no último ano do
período em foco somente para os chefes de domicílio (Tabela 3). Esses
atingiram a proporção de 9,9% de trabalhadores de baixos salários em
2013, a menor entre todos os diferentes recortes adotados por este estudo
para aquele ano. Já a posição de filho evidencia uma elevada parcela relativa de trabalhadores de baixos salários, o que se associa com o fato de os
filhos serem majoritariamente jovens — como assinalado anteriormente,
esse segmento etário possui uma grande proporção de trabalhadores de
baixos salários.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
184
Raul Luís Assumpção Bastos
No que se refere à segmentação por escolaridade, constata-se que
somente para os empregados com fundamental incompleto ocorreu uma
tendência de retração da parcela relativa de trabalhadores de baixos salários ao longo de todo o período, tendo essa passado de 40,3% em 1995
8
para 26,5% em 2013 (Tabela 3). Entre aqueles que pertenciam à faixa de
escolaridade fundamental completo a médio incompleto, identificam-se oscilações nas proporções de trabalhadores de baixos salários, com o que o
nível verificado em 1995 (27,0%) estava próximo do de 2013 (25,5%). Para
os empregados com escolaridade média completa a superior incompleta,
observa-se também uma trajetória com oscilações das proporções de trabalhadores de baixos salários; todavia, nesse caso, em 2013, havia ocorrido
um aumento da parcela relativa de trabalhadores de baixos salários em
comparação a 1995, de 9,5% para 10,7%.
4.2 Estimativa da probabilidade de um trabalhador
ser de baixo salário
O propósito deste tópico é estimar a probabilidade de um trabalhador
ser de baixo salário, de acordo com as características sociodemográficas
9
sexo, idade, cor, posição no domicílio e escolaridade. Para atingir esse
10
objetivo, foi estimado um modelo probit para os anos de 1995 e 2013, no
qual a variável dependente pode assumir dois valores: um, caso o trabalhador seja de baixo salário, e zero, caso não seja. A forma de medição das
variáveis explicativas do modelo está descrita no Quadro 1.
8
Deve-se ter presente que, no período, ocorreu também uma grande mudança na composição da População Economicamente Ativa (PEA) por faixas de escolaridade na RMPA.
Nesse sentido, a parcela relativa da PEA metropolitana com escolaridade fundamental incompleta declinou de 47,0% em 1995 para 20,1% em 2013.
9
Para estimar o modelo descrito neste tópico, foram excluídos da amostra os indivíduos de
10 a 15 anos, os analfabetos e os com curso superior completo, pois não havia ocorrências
suficientes na base de dados da PED para divulgar essas informações com significância
estatística para 1995 ou 2013, ou para ambos os anos.
10
Lucifora e Salverda (2009, p. 268) sugerem, para esse tipo de objeto de investigação, a
estimação do modelo de probabilidade linear ou do modelo probit.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
Quadro 1
Descrição das variáveis explicativas do modelo probit
VARIÁVEIS
Sexo
Idade
Cor
Posição no domicílio
Escolaridade
185
DESCRIÇÃO
Homem = 0 (categoria de referência)
Mulher = 1
16 a 24 anos = 1
25 a 39 anos = 2
40 anos ou mais = 0 (categoria de referência)
Não negro = 0 (categoria de referência)
Negro = 1
Chefe = 0 (categoria de referência)
Cônjuge = 1
Filho = 2
Demais membros = 3
Fundamental incompleto = 1
Fundamental completo a médio incompleto = 2
Médio completo a superior incompleto = 0 (categoria de referência)
11
Os resultados da estimação do modelo probit, acima descrito, encontram-se na Tabela 4. Conforme se pode constatar, todas as estimativas dos
coeficientes das variáveis explicativas são estatisticamente significativas
para 1995 e 2013, com a exceção da variável idade na faixa etária de 25 a
39 anos. Constata-se, também, que os sinais das estimativas dos coeficientes das variáveis explicativas são todos positivos, o que indica aumento da
probabilidade de ser trabalhador de baixo salário em relação às respectivas
12
2
categorias de referência. A medida de ajuste utilizada — o Pseudo R —
evidencia valores relativamente baixos (0,18 para 1995 e 0,11 para 2013), o
que recomenda cautela na interpretação dos seus resultados.
Para explorar mais os resultados do modelo probit, na Tabela 5 são a13
presentadas as estimativas dos efeitos marginais das suas variáveis explicativas. De acordo com o recorte por sexo, estima-se — tudo o mais constante — que uma mulher tinha uma probabilidade 23,2 p.p. superior à de um
homem de ser um trabalhador de baixo salário na RMPA em 1995, o que
11
O modelo probit foi estimado no Ambiente Estatístico R. Para o conhecimento dos códigos
para a computação desse modelo, ver Fox e Weisberg (2011, p. 236).
12
Não é intuitivo o sinal positivo da estimativa do coeficiente da variável explicativa idade
para a faixa etária de 25 a 39 anos, uma vez que é a de menor incidência de empregos de
baixos salários (Tabela 3). De qualquer forma, essa estimativa não tem significância estatística.
13
A respeito dos efeitos marginais no modelo probit, ver Winkelmann e Boes (2006, p. 104-107) e Bazen (2011, p. 62-65). Esses efeitos foram computados no Ambiente Estatístico
R, com o pacote erer, função maBina — Marginal effect for binary probit and logit model.
Para o conhecimento dos códigos dessa função para computar os efeitos marginais, ver
Sun (2014, p. 37).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
186
Raul Luís Assumpção Bastos
corrobora as evidências expostas no tópico anterior desta seção. De qualquer forma, pode-se também constatar que a desigualdade entre os sexos
havia reduzido-se em 2013, pois a probabilidade de uma mulher ser um
trabalhador de baixo salário havia ultrapassado em cerca de 12,0 p.p. a de
um homem.
No que diz respeito ao recorte por idade dos assalariados, estima-se
que, em 1995, um jovem de 16 a 24 anos possuía — tomando-se as demais
características dos indivíduos como dadas — uma probabilidade 14,9 p.p.
superior à de um adulto de 40 anos ou mais de ser um trabalhador de baixo
salário. Em 2013, essa diferença desfavorável aos jovens havia reduzido-se
para menos da metade (6,1 p.p.). Quanto à cor, estima-se que, em 1995,
um negro tinha uma probabilidade 7,3 p.p. superior à de um não negro de
ser um trabalhador de baixo salário, mantidas as demais características dos
assalariados como dadas. Essa desvantagem dos trabalhadores negros
havia tido diminuição para 4,8 p.p. em 2013, indicando uma queda da desigualdade entre os dois segmentos populacionais.
Em termos de posição no domicílio, pode-se estimar que os filhos tinham uma probabilidade 16,3 pontos percentuais superior à dos chefes de
serem trabalhadores com baixos salários em 1995 e, em 2013, de 10,5 p.p.
Para os cônjuges, se, por um lado, os efeitos marginais estimados são de
menor tamanho, tanto em 1995 quanto em 2013, por outro, esses efeitos
aumentaram no período: tudo o mais constante, um cônjuge tinha uma probabilidade 2,5 p.p. superior à de um chefe de ser um trabalhador de baixo
salário em 1995, enquanto, em 2013, essa desvantagem havia aumentado
para 3,1 p.p.
Quanto à escolaridade, essa foi a característica sociodemográfica que
evidenciou os maiores impactos em termos da probabilidade de um trabalhador ser de baixo salário (Tabela 5). Nesse sentido, pode-se estimar que,
em 1995, um assalariado com escolaridade fundamental incompleta — tudo
o mais constante — tinha uma probabilidade 41,0 p.p. superior de ser um
trabalhador de baixo salário à de outro com escolaridade média completa a
superior incompleta. Assinale-se que essa desvantagem dos assalariados
com fundamental incompleto se havia reduzido muito em 2013, pois se situava em 22,8 p.p., o que vai ao encontro das evidências do tópico anterior
desta seção do trabalho. Por fim, para um assalariado com escolaridade
fundamental completa a média incompleta em 1995, estima-se uma probabilidade 27,6 p.p. superior de ser um trabalhador de baixo salário em relação
a outro com escolaridade média completa a superior incompleta; em 2013,
esse efeito marginal havia diminuído para 17,1 p.p.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
187
Tabela 4
Resultados da estimação do modelo probit para os trabalhadores de baixos
salários na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995 e 2013
DISCRIMINAÇÃO
1995
Constante ..................................
Erro-padrão ...........................
Sexo
Homem ......................................
Mulher ........................................
Erro-padrão ............................
Idade
De 16 a 24 anos .........................
Erro-padrão ...........................
De 25 a 39 anos ........................
Erro-padrão ............................
40 anos ou mais ........................
Raça/cor
Não negros ................................
Negros .......................................
Erro-padrão ............................
Posição no domicílio
Chefe .........................................
Cônjuge .....................................
Erro-padrão ............................
Filho ..........................................
Erro-padrão ...........................
Demais posições .......................
Erro-padrão ...........................
Escolaridade
Fundamental incompleto ...........
Erro-padrão ...........................
Fundamental completo a médio
incompleto .................................
Erro-padrão ............................
Médio completo a superior incompleto ....................................
Pseudo R2 .................................
Tamanho da amostra ..............
2013
(1) -2,22767
0,04192
(1) -1,87539
0,03536
(2) ref.
(1) 0,72876
0,03005
(2) ref.
(1) 0,51605
0,02934
(1) 0,48275
0,03721
0,03355
0,02898
(2) ref.
(1) 0,26425
0,03978
0,01768
0,03213
(2) ref.
(2) ref.
(1) 0,22524
0,03059
(2) ref.
(1) 0,19152
0,03358
(2) ref.
(3) 0,07995
0,03816
(1) 0,48932
0,03612
(1) 0,43505
0,04723
(2) ref.
(1) 0,12941
0,03741
(1) 0,45259
0,03783
(1) 0,38987
0,05396
(1) 1,32754
0,03458
(1) 0,80540
0,03284
(1) 0,80224
0,03788
(1) 0,63029
0,03088
(2) ref.
0,182
16.184
(2) ref.
0,108
15.183
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE,
FONTE DOS DADOS BRUTOS: DIEESE e apoio MTE/FAT.
NOTA: A variável dependente do modelo tem como categoria de referência a situação em
que o trabalhador empregado não é de baixo salário.
(1) Estatisticamente significativo ao nível de 0,1%. (2) Categoria de referência. (3) Estatisticamente significativo ao nível de 5,0%.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
188
Raul Luís Assumpção Bastos
Tabela 5
Estimativas dos efeitos marginais do modelo probit para os trabalhadores de baixos salários na
Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995 e 2013
DISCRIMINAÇÃO
Constante ..............................................................
Sexo
Homem ...................................................................
Mulher ....................................................................
Idade
De 16 a 24 anos .....................................................
De 25 a 39 anos .....................................................
40 anos ou mais .....................................................
Raça/Cor
Não negros .............................................................
Negros ...................................................................
Posição no domicílio
Chefe .....................................................................
Cônjuge ..................................................................
Filho .......................................................................
Demais posições ....................................................
Escolaridade
Fundamental incompleto ........................................
Fundamental completo a médio incompleto ..........
Médio completo a superior incompleto ..................
1995
2013
(1) -0,687797
(1) -0,436057
(2) ref.
(1) 0,232388
(2) ref.
(1) 0,119990
(1) 0,149049
0,010373
(2) ref.
(1) 0,061443
0,004120
(2) ref.
(2) ref.
(1) 0,073244
(2) ref.
(1) 0,047641
(2) ref.
(1) 0,025099
(1) 0,163040
(1) 0,150041
(2) ref.
(1) 0,031215
(1) 0,105234
(1) 0,106536
(1) 0,409879
(1) 0,276292
(2) ref.
(1) 0,228155
(1) 0,170690
(2) ref.
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA – Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE, DIEESE e apoio
FONTE DOS DADOS BRUTOS: MTE/FAT.
NOTA: A variável dependente do modelo tem como categoria de referência a situação em que o trabalhador
empregado não é de baixo salário.
(1) Estatisticamente significativo ao nível de 0,1%. (2) Categoria de referência.
5 Desigualdade salarial e empregos de
baixos salários
O objetivo desta seção é elaborar, de forma breve, uma interpretação a
respeito da redução da parcela relativa de empregos de baixos salários na
RMPA, no período 1995-2013. Esta tem por referência a proposição encontrada na literatura de que, em economias em que é menor a desigualdade
salarial, a incidência de empregos de baixos salários é também de menor
tamanho (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND
DEVELOPMENT, 1996; LUCIFORA, 2000; LUCIFORA; SALVERDA, 2009;
MASON; SALVERDA, 2010). Para trabalhar esse objetivo, são apresentadas evidências a respeito da desigualdade salarial na RMPA, no período,
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
189
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
procurando cotejá-las com a evolução da parcela relativa de trabalhadores
de baixos salários.
O comportamento de dois indicadores de dispersão — as razões Decil
5/Decil 1 e Decil 9/Decil 1 da distribuição de salários — permite apreender,
de forma imediata, o processo de redução da desigualdade salarial na
RMPA, no período (Gráfico 6). Pode-se observar que a razão Decil 5/Decil 1
dos salários-hora reais havia passado de 2,28 em 1995 para 1,60 em 2013,
o que demonstra, de forma inequívoca, a diminuição da dispersão salarial
no mercado de trabalho metropolitano. Alternativamente, ao se comparar o
topo da distribuição de salários com a sua base, a razão Decil 9/Decil 1 dos
salários-hora reais mostra redução de 7,52 em 1995 para 4,60 em 2013,
reafirmando o processo de queda da desigualdade salarial no período focalizado por este estudo.
Gráfico 6
Razão Decil 5/Decil 1 e Decil9/Decil 1 dos salários-hora reais,
na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995-2013
Decil 9/Decil 1
Decil 5/Decil 1
8,00
2,40
2,30
2,20
2,10
2,00
1,90
1,80
1,70
1,60
1,50
7,50
7,00
6,50
6,00
5,50
5,00
4,50
Legenda:
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
4,00
Decil5/Decil 1
Decil9/Decil1
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA,
FONTE DOS DADOS BRUTOS: SEADE, DIEESE e apoio MTE/FAT.
NOTA: Os salários foram deflacionados pelo IPC-IEPE.
Avançando-se no principal objeto desta seção, de acordo com o que se
14
pode constatar no Gráfico 7, o Coeficiente de Gini registrou redução da
desigualdade salarial na RMPA até 1997, mas, após, elevou-se até atingir
14
As medidas de desigualdade apresentadas nesta seção — Coeficiente de Gini e Índice de
Theil — foram calculadas no Ambiente Estatístico R, com o pacote ineq. Para o conhecimento dos códigos para computação dessas medidas de desigualdade, ver Zeileis (2012).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
190
Raul Luís Assumpção Bastos
0,476 em 2000, o maior nível do período analisado. A partir de 2001, o Coeficiente de Gini teve uma clara tendência de queda, com interrupções somente em 2008 e 2013, quando se situou em 0,397, nível levemente superior ao do ano anterior, o menor de todo o período. Ao se comparar o comportamento dessa medida de desigualdade salarial com o da parcela relativa de trabalhadores de baixos salários, com exceção do final dos anos 90 e
dos anos posteriores a 2010, as evidências sugerem a existência de uma
associação direta entre as duas séries de dados.
Gráfico 7
Parcela relativa de trabalhadores de baixos salários e Coeficiente de Gini dos salários-hora
reais na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995-2013
Gini
0,480
0,460
0,440
0,420
0,400
Legenda:
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
0,380
1998
1997
1996
1995
Trabalhadores
de baixos
salários (%)
30,0
28,0
26,0
24,0
22,0
20,0
18,0
16,0
14,0
Parcela relativa de trabalhadores de baixos salários
Coeficiente de Gini
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE,
FONTE DOS DADOS BRUTOS: DIEESE e apoio MTE/FAT.
NOTA: Os salários foram deflacionados pelo IPC-IEPE.
Utilizando-se outra medida de desigualdade — o Índice de Theil —,
percebe-se que essa revela uma evolução da desigualdade salarial na
RMPA, no período 1995-2013, muito semelhante à mostrada pelo Coeficiente de Gini (Gráfico 8). Esse índice também identifica uma clara tendência de
redução da desigualdade salarial a partir de 2001, com as mesmas interrupções em 2008 e 2013. Constata-se que o Índice de Theil passou de 0,438
em 2000 — maior nível de desigualdade salarial do período — para 0,317
em 2013 — nível próximo ao piso da série, verificado em 2012. O comportamento do Índice de Theil, no período em análise, também indica uma associação direta com a redução da proporção de trabalhadores de baixos
salários. Portanto, essas evidências dão respaldo à compreensão de que a
redução da parcela relativa de trabalhadores de baixos salários na RMPA,
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
191
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
no período enfocado por este estudo — em particular no decênio 2001-10 —, foi correlata ao processo de queda da desigualdade salarial.
Gráfico 8
Parcela relativa de trabalhadores de baixos salários e Índice de Theil dos salários-hora reais na
Região Metropolitana de Porto Alegre — 1995-2013
Trabalhadores
de baixos
salários (%)
29,0
Theil
0,460
0,440
0,420
24,0
0,400
0,380
0,360
19,0
0,340
0,320
14,0
Legenda:
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
0,300
Parcela relativa de trabalhadores de baixos salários
Índice de Theil
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, SEADE,
FONTE DOS DADOS BRUTOS: DIEESE e apoio MTE/FAT.
NOTA: Os salários foram deflacionados pelo IPC-IEPE.
6 Considerações finais
A partir da adoção de uma das definições propostas pela literatura, este estudo preliminar mostrou que ocorreu redução da parcela relativa de
trabalhadores de baixos salários na RMPA, com ênfase no período que se
estendeu de 2001 a 2010. Após esse último ano, constatou-se que essa
tendência foi interrompida.
Todos os setores de atividade econômica tiveram diminuição das respectivas parcelas relativas de trabalhadores de baixos salários de 1995 a
2010. As atividades no âmbito do Terciário — com ênfase no Comércio —
eram aquelas com as maiores proporções de trabalhadores de baixos salários, o que corroborou outros estudos sobre esse tema. Segundo as categorias de emprego, os assalariados do setor privado com carteira de trabalho
assinada evidenciaram queda da parcela relativa de trabalhadores de baixos salários até 2010, enquanto, entre os sem carteira e os empregados
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
192
Raul Luís Assumpção Bastos
domésticos mensalistas, essa tendência se estendeu até 2013. Não obstante isso, esses dois últimos segmentos continuaram com proporções muito
mais elevadas de trabalhadores de baixos salários.
Foram apresentadas evidências de que os trabalhadores de baixos salários — comparativamente à média do total de assalariados — tinham menor tempo de permanência no emprego, trabalhavam maior número de horas por semana e possuíam menor cobertura da Previdência Social, o que
sugere que os seus empregos são de qualidade relativamente pior. Quanto
ao salário médio real dos trabalhadores de baixos salários, esse registrou
crescimento muito superior ao da média dos assalariados no período 1995-2013, o que deve ter contribuído para uma melhora não somente absoluta
como relativa do seu padrão de vida.
De acordo com as características sociodemográficas, foi mostrado por
este estudo que a incidência de trabalhadores de baixos salários era maior
entre as mulheres, os jovens, os negros, os filhos e os indivíduos com escolaridade fundamental incompleta. A estimação de um modelo probit confirmou que, nesses segmentos, havia maior probabilidade de os trabalhadores
serem de baixos salários. Não obstante isso, ao se compararem os resultados econométricos de 1995 e 2013, constatou-se uma tendência de redução das desigualdades entre os diferentes segmentos de cada uma das
características sociodemográficas.
Este trabalho apresentou indícios da validade da proposição encontrada na literatura (LUCIFORA, 2000; LUCIFORA; SALVERDA, 2009; MASON;
SALVERDA, 2010) de que há uma associação direta entre a desigualdade
salarial e a incidência de empregos de baixos salários, para o caso da
RMPA, no período 1995-2013. Nesse sentido, as razões Decil 5/Decil 1 e
Decil 9/Decil 1 mostraram uma clara tendência de queda da dispersão salarial na região, no período. Ainda mais relevante, por meio da análise gráfica,
a comparação das trajetórias do Coeficiente de Gini e do Índice de Theil
com a da parcela relativa de trabalhadores de baixos salários sugeriu uma
associação direta entre as séries de indicadores, corroborando aquela proposição.
Para a continuidade desta pesquisa sobre trabalhadores de baixos salários na RMPA, esboçam-se alguns aspectos que demandam investigação.
Se a incidência de empregos de baixos salários está associada à desigualdade salarial, é preciso avançar no conhecimento sobre as causas da queda desta última, identificada por este estudo. A esse respeito, uma possibilidade é assumir a compreensão de que a regulação institucional dos salários
é um elemento que para tanto contribui (LUCIFORA, 2000; LUCIFORA;
SALVERDA, 2009). Nessa perspectiva, deve-se dar atenção — dentre outros aspectos — para a regulação do salário mínimo e dos pisos salariais no
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
193
Rio Grande do Sul, para os quais existe uma lei desde 2001. Outro aspecto — ou, com mais propriedade, questão — que se considera pertinente diz
respeito às razões de por que o processo de redução da incidência de empregos de baixos salários foi interrompido após 2010. Por fim, faz-se necessário avançar no conhecimento — muito além do que foi esboçado neste
estudo — sobre a qualidade dos empregos de baixos salários na RMPA.
Referências
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ZEILEIS, A. Package ineq. Vienna: R Project, 2012.
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Trabalhadores de baixos salários na Região Metropolitana de Porto Alegre: um estudo preliminar
195
Literatura recomendada
CARDOSO JUNIOR, J. As fontes de recuperação do emprego formal no
Brasil e as condições para sua sustentabilidade temporal. Revista da
Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, São Paulo, v. 6, n. 2, p.
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KREIN, J.; SANTOS, A.; MORETTO, A. Trabalho no Brasil: evolução
recente e desafios. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, v.
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ROSANDISKI, E.; JUNGBLUTH, A. Alguns elementos para reflexão sobre a
política de valorização do salário mínimo. Revista da Associação
Brasileira de Estudos do Trabalho, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 73-86, 2007.
N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Elen Jane Medeiros Azambuja.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
196
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Raul Luís Assumpção Bastos
Trabalho decente e mercado de
trabalho na Região Metropolitana de
Porto Alegre (RMPA): evolução e
perspectivas*
Míriam De Toni
Socióloga, Doutora em Sociologia pela
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), Pesquisadora da Fundação
de Economia e Estatística (FEE)
“[...] o objetivo de promoção do trabalho decente deve ter um lugar central — e não residual — nas estratégias de desenvolvimento dos países e
nas políticas nacionais e internacionais [...], devido à sua capacidade de
impulsionar uma distribuição mais
equitativa dos benefícios do crescimento econômico e favorecer a inclusão social.” (ABRAMO, 2010).
1 Introdução
Trabalho decente é um conceito desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) ao final da década de 90 (MEMORIA..., 1999),
aplicável a toda a população trabalhadora e a todas as sociedades, com o
objetivo de promover oportunidades para homens e mulheres obterem um
trabalho produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança social
e com respeito aos direitos no trabalho (COMISSÃO ECONÔMICA PARA A
*
A autora agradece a Rafael Bassegio Caumo e Patricia Klaser Biasoli, Estatísticos da Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre (PED-RMPA), a
confecção das tabulações especiais da base de dados da PED-RMPA, e a Thiago Seibel
da Rosa, Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul
(FAPERGS).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Míriam De Toni
198
AMÉRICA LATINA E CARIBE, 2008). Destaque-se que um elemento central
e transversal do conceito de trabalho decente diz respeito à igualdade de
oportunidades e de tratamento e ao combate a todas as formas de discriminação, tais como as de gênero, raça/cor, etnia, idade, etc.
Através do conceito de trabalho decente, a OIT reafirma a centralidade
do trabalho, à medida que integra a noção de trabalho como o âmbito para
o qual confluem os objetivos econômicos e sociais,
[...] supõe produção e rendimentos, mas significa também integração social, identidade e dignidade pessoal. O vocábulo decente, por sua vez, expressa algo que é, ao mesmo tempo, suficiente e desejável, [...] incorpora os padrões básicos de cada
sociedade (ABRAMO, 2010, p. 152-153).
Inserindo-se na discussão a respeito do trabalho decente, que vem
ocorrendo mais recentemente no Brasil, o texto tem por objetivo investigar a
situação do mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre a
partir de indicadores de trabalho decente selecionados. A análise é focada
na evolução desses indicadores ao longo do período 1993-2013, a partir de
dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de
1
Porto Alegre (PED-RMPA) . Ademais, tendo-se presente que o Brasil tem
um mercado de trabalho ainda pouco estruturado, com baixa proteção social e elevadas taxas de desemprego, o texto pretende contribuir para uma
investigação preliminar dos déficits de trabalho decente na Região.
Não por acaso, o conceito de trabalho decente emergiu em um momento em que o mercado de trabalho atravessava um processo de intensas
transformações, associado à reestruturação do capitalismo em nível mundial, a partir de sua crise nas últimas décadas do século XX, levando à precarização das relações de trabalho.
No Brasil, os desdobramentos da crise do capitalismo ocorreram mais
especificamente nos anos 90, marcados pela abertura comercial, pela reestruturação dos modos de produzir e das formas de organizar o trabalho e
pela adoção de políticas de corte neoliberal, às quais se acresceram baixas
taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Essa conjuntura conformou um contexto desfavorável aos trabalhadores, já amplamente analisado, conduzindo a uma precarização do trabalho (MATTOSO, 1999;
POCHMANN, 1999; DE TONI, 2006).
1
Na RMPA, a Pesquisa é executada pela Fundação de Economia e Estatística (FEE), em
convênio celebrado com a Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS) e o Sistema Nacional de Emprego, Agência do Rio Grande do Sul (Sine-RS), a Fundação Sistema
Estadual de Análise de Dados de São Paulo (Seade-SP) e o Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), com o apoio da Prefeitura Municipal de
Porto Alegre (PMPA) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)/Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
199
Os anos 2000 revelaram um cenário econômico mais favorável, verificando-se melhor desempenho do PIB e evolução positiva dos principais
indicadores do trabalho, atenuando ou revertendo a precarização evidenciada na década precedente. Sobressaíram o aumento do contingente de
trabalhadores assalariados com carteira de trabalho assinada, a queda nas
taxas de desemprego e a elevação, embora lenta, do rendimento médio real
dos trabalhadores (MORETTO; KREIN, 2005; PASSOS; ANSILIERO; PAIVA, 2005; FREIRE, 2006; CARDOSO JUNIOR, 2007; GUIMARÃES, 2011,
ARANDIA, 2013).
Foi nesse contexto de mudanças que o Brasil assinou a Agenda Nacional do Trabalho Decente (ANTD), em 2006, estabelecendo como prioridades a geração de mais e melhores empregos, a erradicação dos trabalhos escravo e infantil e o fortalecimento dos atores tripartites e do diálogo
2
social, como um instrumento de governabilidade democrática.
Dentre as especificidades brasileiras em um ambiente econômico internacional favorável, até a crise de 2008, há que se destacar que o crescimento econômico e a retomada da estruturação do mercado de trabalho,
nesse início de século, estiveram pautados pelos seguintes fatores, dentre
outros: forte geração de emprego assalariado com carteira de trabalho assinada e, portanto, com as proteções sociais legalmente determinadas; crescimento dos salários reais e adoção de uma política de aumentos reais do
salário mínimo; redução da pobreza e amplos programas de transferência
de renda; ampliação do crédito; crescente demanda de serviços (não transáveis) e de bens (muitos dos quais importados). Tais fatores, em conjunto,
geraram estímulos ao investimento e ao crescimento de atividades não
transáveis — dentre as quais, merece destaque a construção civil —, ao
mesmo tempo em que alicerçaram, em boa parte, o incremento do poder de
compra das famílias, o qual esteve na base do aumento do consumo interno, fator este central para o bom desempenho do PIB nacional.
2
Dando continuidade à ANTD, várias atividades vêm sendo realizadas, tais como: as experiências, pioneiras no Mundo, de construção de agendas subnacionais de trabalho decente
(na Bahia, em Mato Grosso, no ABC Paulista e em Curitiba), desenvolvidas, no País, a partir de 2007, e as novas agendas estaduais e municipais que vêm surgindo como resultado
desse processo; a elaboração, em 2010, do Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente e a realização a 1ª Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente; e, em 2011, o
lançamento da Agenda Nacional de Trabalho Decente Para a Juventude (ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2011). Em 2014, a Diretora do Escritório da OIT no
Brasil, Laís Abramo, durante a abertura da 5ª Oficina de Promoção de Trabalho Decente
nos Grandes Eventos — Copa do Mundo Fifa 2014 e Jogos Olímpicos de 2016, afirmou
que a realização desses eventos pode abrir uma série de oportunidades para que os temas
do mundo do trabalho sejam favorecidos com a realização desses evento (ABRAMO,
2014). A respeito de estudos sobre o trabalho decente no Brasil, ver: Organização Internacional do Trabalho (2008; 2009; 2011) e Copa (2014).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
200
Míriam De Toni
Todavia, a partir da crise financeira e econômica de 2008, o desempenho mostrou-se distinto. Em termos sucintos, podem-se verificar três momentos importantes da economia e do mercado de trabalho da RMPA no
período pós 2008, os quais seguiram padrão similar ao registrado no âmbito
nacional, guardadas as especificidades locais. Em 2009, logo após deflagrada a crise, observa-se uma interrupção da trajetória mais favorável que a
economia e o mercado de trabalho vinham apresentando em 2000-08, especialmente após 2004 (o PIB nacional teve variação negativa de 0,6%, e o
do RS caiu 0,4%). Em 2010, retomou-se uma conjuntura mais positiva, mas
que se mostrou efêmera (o PIB do Brasil cresceu 7,5%, e o do RS, 6,7%), o
que impactou positivamente o mercado de trabalho da RMPA, provocando
queda do desemprego e aumento do nível de ocupação. Entretanto, a partir
de 2011, o crescimento econômico tendeu a se desacelerar, especialmente
no âmbito nacional (aumento do PIB de 2,7% em 2011 e de 1,0% e 2,3%
nos dois anos seguintes), tendo apresentado alta volatilidade no RS (eleva3
ção do PIB de 5,1%, retração de 1,4% e crescimento de 5,8% respectivamente).
Detendo-se no mercado de trabalho da RMPA, constata-se um comportamento desfavorável, comparando-se o ano de 2009 com o de 2008.
Nesse sentido, os principais indicadores do mercado de trabalho — taxa de
participação, nível de ocupação e taxa de desemprego — sofreram interrupção daquela evolução positiva que vinham desenhando no período precedente, salientando-se a descontinuidade do ritmo acentuado de queda da
taxa de desemprego (a taxa de desemprego ficou praticamente estável,
passando de 11,2% para 11,1% respectivamente). Em 2010, a retomada do
crescimento econômico impactou positivamente o mercado de trabalho da
Região, provocando queda do desemprego (a taxa de desemprego, de
8,7% da População Economicamente Ativa (PEA), foi a menor de toda a
série histórica da Pesquisa) e crescimento do nível de ocupação (elevação
de 2,9%, com a incorporação de mais 48 mil trabalhadores). A partir de
2011, esse processo de melhoria do mercado de trabalho, embora prosseguisse, se deu em ritmo bem mais moderado. Ou seja, não obstante a taxa
de desemprego continuasse a declinar, tanto a redução do contingente de
desempregados quanto a geração de ocupações foram perdendo vigor (a
expressiva queda, de 46 mil, do número de desempregados em 2010 retrocedeu para 26 mil, 5 mil e 11 mil nos três anos seguintes, respectivamente;
nesses mesmos anos, a elevação do contingente ocupado foi de 48 mil
3
O desempenho da economia gaúcha, em 2012, foi marcado por três efeitos negativos principais: o quadro de semiestagnação da economia brasileira, em boa parte decorrente da
crise internacional, a estiagem, que afetou fortemente as lavouras de verão, e a redução da
demanda pelas exportações do Estado (HOFF; LAZZARI, 2013).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
201
trabalhadores, 32 mil, 13 mil e 7 mil (INFORME PED, 2014)). Sob outro
ângulo, ao se considerar cada mês frente ao mesmo mês do ano anterior,
observa-se que a quantidade de trabalhadores que ingressaram no mercado de trabalho vem sendo sistematicamente inferior em 2012 e 2013, relativamente ao ocorrido em 2011, no confronto com o ano de 2010.
Portanto, os dados mais recentes da PED-RMPA sugerem que a evolução do mercado de trabalho regional tem que ser analisada com cautela,
face aos novos desdobramentos da economia estadual e da nacional, em
um cenário de continuidade da crise internacional. De fato, após a recuperação no período imediatamente posterior à crise de 2008, a economia
mundial voltou a apresentar baixas taxas de crescimento, com crise mais
aguda na zona do euro, não se projetando uma retomada sustentada do
crescimento mundial. A economia mundial enfrenta uma conjuntura na qual
predomina a incerteza, com perspectivas de que haja um período prolongado de baixo crescimento, com impactos adversos sobre a economia nacional, principalmente através dos canais comerciais e financeiros.
Nesse contexto, o movimento predominante na economia brasileira,
bem como na do RS, já esboçado desde 2011, é de desaceleração. Esse
crescimento mais moderado da economia vem provocando um arrefecimento do comportamento mais favorável que o mercado de trabalho vinha apresentando em anos mais recentes, com exceção de 2009. Tal situação coloca, no centro da pauta de discussões, a questão da sustentabilidade do
crescimento e da trajetória de retomada da estruturação do mercado de
trabalho, que vigorou no primeiro decênio do presente século.
Para o desenvolvimento do tema proposto, o texto está organizado em
três seções, além desta Introdução. Na segunda parte, são definidos os
indicadores de trabalho decente com os quais se examinarão as condições
de trabalho na RMPA. A terceira seção compreende a análise dos indicadores selecionados, permitindo investigar a situação do mercado de trabalho
regional sob a ótica do trabalho decente. Por fim, nas Considerações finais, retomam-se os principais resultados da análise e são tecidos comentários a respeito de possíveis déficits de trabalho decente na Região.
2 Indicadores de trabalho decente
As dimensões do trabalho decente ora contempladas incluem indicadores propostos em estudos desenvolvidos especialmente no âmbito da OIT
com o fito de auxiliar os países a monitorar e a comunicar efetivamente a
situação do trabalho e a acompanhar sua evolução ao longo do tempo. Sem
dúvida, visam, igualmente, medir a magnitude dos déficits de trabalho dePanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
202
Míriam De Toni
cente existentes e aferir avanços obtidos, de acordo com metas definidas na
4
Agenda de Trabalho Decente, em cada país.
Para o presente estudo, os indicadores selecionados compõem um
conjunto de variáveis com o qual se pretende cobrir a maior parte das áreas
relativas ao trabalho decente, ficando excluídos apenas itens relativos à
segurança, aos direitos no trabalho e ao diálogo social, uma vez que informações dessa natureza não integram a base de dados utilizada para o estudo.
No âmbito do mercado de trabalho, as dimensões consideradas referem-se à quantidade e à qualidade das ocupações, compreendendo os seguintes indicadores:
a) quantidade de ocupações - taxa de participação, nível de ocupação
e taxa de desemprego;
b) qualidade das ocupações - estabilidade na ocupação (tempo de
permanência no trabalho), excesso de horas trabalhadas (percentual de ocupados com jornada de trabalho superior às 44 horas semanais, conforme legislação trabalhista) e rendimento real médio do
trabalho;
c) proteção social - acesso à proteção social (proporção de trabalhadores que contribuem à Previdência Social) e déficit de emprego formal (proporção da PEA em situação de desemprego e ocupados
que não contribuem à Previdência Social); e
d) inserção ocupacional dos jovens - falta de oportunidades de ocupação e proporção de jovens que não estudam nem trabalham.
Os indicadores serão desagregados por sexo, idade e raça e/ou etnia,
a fim de identificar discriminações presentes no mercado de trabalho, no
que respeita a diferentes segmentos populacionais, bem como analisar a
questão da equidade em relação aos mesmos.
3 O mercado de trabalho da RMPA: rumo ao
trabalho decente?
O mercado de trabalho da RMPA, como o do Brasil de um modo geral,
atravessou um período de profundas transformações nas últimas décadas,
que pode ser sintetizado como de precarização do trabalho, nos anos 90, e
4
O desenvolvimento deste trabalho toma como referência estudos voltados para a realidade
brasileira, com vistas a avaliar a situação da população trabalhadora, sob o enfoque do trabalho decente, destacando-se Abramo, Sanches e Costanzi (2008), Comissão Econômica
para a América Latina e Caribe (2008), OIT (2009) e Guimarães (2012).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
203
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
de retomada do processo de estruturação do mercado de trabalho, na primeira década deste século. A análise a seguir busca avaliar o impacto das
mudanças na quantidade e na qualidade da inserção da população ativa no
mercado de trabalho, investigando em que medida a evolução dos indicadores contempla os postulados da Agenda do Trabalho Decente. O enfoque
analítico considera os recortes de gênero, raça/cor e idade, que permitem
evidenciar segmentações e discriminações presentes no mercado de trabalho. Os principais resultados constam na Tabela 1.
Tabela 1
Indicadores de trabalho decente na Região Metropolitana de
Porto Alegre (RMPA) — 1993-2013
INDICADORES
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
57,0
12,2
50,1
23,5
54,9
11,3
48,8
24,3
55,6
10,7
49,6
25,8
54,6
13,1
47,5
26,2
54,0
13,4
46,8
24,6
56,7
15,9
47,7
27,2
58,3
19,0
47,3
29,3
21,4
20,4
19,3
23,0
23,4
27,1
31,3
43
43
43
43
43
43
44
37,1
35,8
40,4
35,5
35,0
38,3
42,9
15,0
16,0
15,4
13,8
14,0
13,1
11,5
75,7
32,8
74,2
33,8
73,8
35,8
75,4
34,7
72,8
38,7
70,7
42,7
44,3
43,4
46,9
46,7
51,7
55,5
1,8
1,8
1,4
1,0
1,1
0,9
Emprego
Taxa de participação (%) ............
Taxa de desemprego (%) ...........
Nível de ocupação (%) ...............
Taxa de informalidade (%) .........
Desemprego dos jovens (16 a
24 anos) (%) ...............................
Jornada de trabalho média semanal (horas) .............................
Excesso de horas trabalhadas —
(mais de 44h semanais) (%) ......
Jovens (16 a 24 anos) que não
estudam e não trabalham (%) ...
Segurança e proteção social
Contribuição à Previdência Social (%) ........................................ 76,5
Défict de emprego formal (%) .... 32,8
Déficit de emprego formal dos
jovens (16 a 24 anos) (%) .......... 43,3
Direitos no trabalho e diálogo
social
Trabalho infantil (10 a 15 anos
de idade) (%) ..............................
2,2
(continua)
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Míriam De Toni
204
Tabela 1
Indicadores de trabalho decente na Região Metropolitana de
Porto Alegre (RMPA) — 1993-2013
INDICADORES
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
58,9
16,6
49,1
30,5
58,6
14,9
49,8
30,0
57,5
15,3
48,7
30,0
57,9
16,7
48,2
30,3
57,9
15,9
48,7
29,5
57,4
14,5
49,1
27,5
56,8
14,3
48,7
27,1
28,8
27,5
26,9
29,9
29,3
26,3
27,0
44
44
44
44
43
44
43
43,7
40,6
38,5
38,5
37,9
37,2
34,3
11,1
12,0
11,7
11,3
10,6
10,4
10,7
70,0
40,5
70,0
40,7
69,7
41,9
70,5
40,7
72,5
38,0
72,9
37,5
53,6
53,8
55,7
54,5
51,6
52,3
0,8
0,5
0,6
0,4
0,3
(1)-
Emprego
Taxa de participação (%) ............
Taxa de desemprego (%) ...........
Nível de ocupação (%) ...............
Taxa de informalidade (%) .........
Desemprego dos jovens (16 a
24 anos) (%) ...............................
Jornada de trabalho média semanal (horas) ..............................
Excesso de horas trabalhadas —
(mais de 44h semanais) (%) ......
Jovens (16 a 24 anos) que não
estudam e não trabalham (%) ....
Segurança e proteção social
Contribuição à Previdência Social (%) ........................................ 69,5
Défict de emprego formal (%) .... 42,1
Déficit de emprego formal dos
jovens (16 a 24 anos) (%) .......... 55,2
Direitos no trabalho e diálogo
Social
Trabalho infantil (10 a 15 anos
de idade) (%) ..............................
0,9
(continua)
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
205
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
Tabela 1
Indicadores de trabalho decente na Região Metropolitana de
Porto Alegre (RMPA) — 1993-2013
INDICADORES
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
56,9
12,9
49,6
27,5
58,7
11,2
52,1
26,8
58,1
11,1
51,6
25,0
57,7
8,7
52,6
23,1
57,1
7,3
52,9
20,6
57,0
7,0
53,0
19,8
56,5
6,4
52,9
18,2
24,7
22,5
23,2
18,3
15,9
15,8
14,4
43
43
42
43
43
43
42
35,6
35,5
35,0
34,4
35,4
34,9
30,8
10,7
10,5
10,4
11,2
10,5
11,2
11,2
72,5
36,8
73,2
34,9
75,0
33,3
76,9
29,8
79,4
26,4
80,2
25,5
81,8
23,4
50,9
49,4
48,4
43,5
39,6
39,3
36,2
Trabalho infantil (10 a 15 anos
de idade) (%) ............................. (1)-
0,3
(1)-
(1)-
(1)-
(1)-
(1)-
Emprego
Taxa de participação (%) ...........
Taxa de desemprego (%) ..........
Nível de ocupação (%) ...............
Taxa de informalidade (%) .........
Desemprego dos jovens (16 a
24 anos) (%) ...............................
Jornada de trabalho média semanal (horas) .............................
Excesso de horas trabalhadas —
(mais de 44h semanais) (%) ......
Jovens (16 a 24 anos) que não
estudam e não trabalham (%) ....
Segurança e proteção social
Contribuição à Previdência Social (%) .......................................
Défict de emprego formal (%) ...
Déficit de emprego formal dos
jovens (16 a 24 anos) (%) .........
Direitos no trabalho e diálogo
social
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, Seade, DIEESE e apoio MTE/FAT.
(1) A amostra não comporta desagregação para esta categoria.
3.1 Taxa de participação
A taxa de participação refere-se à proporção de pessoas incorporadas ao mercado de trabalho, seja na condição de ocupados, seja na de
desempregados. Em outros termos, tomando-se o grupo de indivíduos com
10 anos e mais de idade, que compõe a População em Idade Ativa (PIA) —
pessoas consideradas aptas para trabalhar, conforme critérios adotados
pela maioria das pesquisas sobre mão de obra no Brasil —, essa taxa é a
relação entre a População Economicamente Ativa — ocupados e desempregados — e a População em Idade Ativa (PEA/PIA).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
206
Míriam De Toni
A taxa de participação está relacionada às oportunidades de trabalho e
emprego, as quais constituem um dos pilares para a promoção do trabalho
decente. Nesse sentido, permite analisar o grau de participação dos diferentes grupos populacionais no mercado de trabalho e identificar possíveis
diferenças e discriminações existentes.
Examinando-se esse indicador, constata-se que a taxa de participação
total apresentou tendência não muito bem definida ao longo do período em
estudo: houve certo recuo entre 1993 e 1997, quando atingiu seu ponto
mais baixo (54,0% em 1997), oscilando, a partir de então, em patamar geralmente superior ao registrado no primeiro ano da série (57,0%, em 1993).
Esse indicador atingiu os valores mais elevados em 2000 (58,9%) e 2008
(58,7%), declinando, a partir deste último ano, até chegar à taxa de 56,5%
no final do período (Gráfico 1). Note-se que, em 2008, a taxa de participação se elevou para todas as categorias de trabalhadores em estudo, apresentando, após, tendência declinante generalizada até o final da série. Em
decorrência, em 2013, a taxa de participação total encontrava-se no mais
baixo patamar dos anos 2000, resultado este observado também para a
maioria dos grupos de trabalhadores, exceto para os homens negros e as
mulheres não negras.
Tais resultados decorreram de comportamentos opostos entre as taxas
de participação das mulheres e dos homens trabalhadores. No caso feminino, a taxa de participação tendeu a se elevar, especialmente entre 1997 e
2000, apresentando, após, pequenas oscilações, até alcançar o pico em
2008 (51,4% da PIA feminina, face aos 44,5% de 1993), e declinando, posteriormente, para 48,9% em 2013. De modo inverso, entre os homens, a
marca foi o declínio desse indicador ao longo da série, não obstante suas
taxas de participação serem, sistematicamente, superiores às existentes
para as mulheres (70,7% da PIA masculina — a mais alta do período — em
1993 e 65,2% em 2013). Note-se que, entre os trabalhadores masculinos,
esse comportamento foi consistente, conforme os vários recortes analíticos
em foco.
Entre a população jovem, houve queda na taxa de participação total
(70,3% em 1993 e 64,9% em 2013), ao passo que, entre os adultos maiores
de 24 anos, se registrou pequena diminuição desse indicador, considerando
os pontos extremos do período (63,9% e 61,4% respectivamente). Tais resultados denotam uma tendência de envelhecimento da população trabalhadora como um dos fatores demográficos relevantes do período recente
(KRELING, 2011). Sob o recorte de raça/cor, os movimentos foram diferenciados. Entre os não negros, a taxa de participação registrou praticamente o
mesmo patamar, passando de 56,9% para 56,6% no período, pois a expressiva elevação da taxa feminina compensou a queda desse indicador
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
207
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
entre os homens. De modo distinto, houve recuo nessa taxa para os negros,
dada a queda mais acentuada da taxa masculina.
Gráfico 1
Taxa de participação, segundo sexo, idade e raça/cor, na Região Metropolitana
de Porto Alegre (RMPA) — 1993-2013
Legenda:
Total
Homens
Adultos
Mulheres negras
Não negros
Homens não negros
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
(%)
74,0
72,0
70,0
68,0
66,0
64,0
62,0
60,0
58,0
56,0
54,0
52,0
50,0
48,0
46,0
44,0
42,0
40,0
38,0
Mulheres
Jovens
Negros
Homens negros
Mulheres não negras
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, Seade, DIEESE e apoio MTE/FAT.
Portanto, as alterações nas taxas de participação revelam mudanças
importantes na composição da força de trabalho, destacando-se a maior
presença de mulheres e de pessoas com mais idade. Assim, em decorrência das tendências opostas entre as taxas de participação de mulheres e
homens, diminuiu o diferencial de participação no mercado de trabalho entre
esses dois segmentos populacionais. Consequentemente, as mulheres passaram a representar 46,3% da PEA em 2013, contra os 40,9% de 1993,
sendo esse um fenômeno associado a fatores econômicos, sociais e culturais (GALEAZZI et al., 2003; LAVINAS et al., 2000; HIRATA, 1996). Tal resultado atenuou as diferenças de gênero na participação no mercado de
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
208
Míriam De Toni
trabalho, atendendo a um dos objetivos da Agenda Nacional do Trabalho
Decente.
3.2 Nível de ocupação eleva-se nos anos 2000
O nível de ocupação é particularmente importante, ao se tratar do trabalho decente, uma vez que está diretamente associado às oportunidades
de trabalho para a população. Para o presente estudo, esse indicador foi
calculado a partir da relação entre a PIA e o contingente ocupado (ocupados/PIA).
Esse indicador seguiu padrão semelhante para as várias categorias de
trabalhadores, tendendo a diminuir nos anos 90 e passando a se elevar nos
anos 2000, registrando certa estabilidade ao final da série. Desse modo, a
partir de 2008, logrou ultrapassar o nível verificado no ponto inicial (50,1%
em 1993), que havia sido o mais elevado até 2007. Ao final da série, o nível
de ocupação situava-se em 52,9% da PIA (Gráfico 2).
Na década de 90, a evolução do nível ocupacional revela uma das facetas da deterioração do mercado de trabalho, o que veio associado à elevação do desemprego, como se verá adiante. Em decorrência, em 1999,
todas as categorias acusaram o mais baixo nível de ocupação da série
(47,3% da PIA encontravam-se ocupados). A recuperação da economia,
com maiores taxas de crescimento do PIB no decorrer dos anos seguintes,
impactou positivamente o mercado de trabalho, o que se manifestou, dentre
outros aspectos, na tendência de elevação do nível de ocupação, notadamente após 2003. Assim, a partir de 2004, o nível de ocupação passou a
crescer, sendo que, em 2007 e 2008, se elevou para todos os grupos de
trabalhadores em análise. Depois da crise econômico-financeira, a queda foi
generalizada em 2009, seguida de recuperação nos dois anos seguintes. Já
ao final do período, esse comportamento positivo perdeu vigor, e o nível de
ocupação total permaneceu relativamente estável nos dois últimos anos da
série, não obstante ter atingido o mais alto patamar, de 53,0%, em 2012.
Em 2013, o comportamento tendeu a ser negativo ou estável (houve recuo
para mulheres, adultos e não negros e estabilidade para homens e jovens).
O único grupo a registrar elevação foi o de trabalhadores negros. A retomada de uma evolução positiva após 2009 fez com que, para a maioria dos
segmentos de trabalhadores, o nível de ocupação mais elevado fosse atingido nesse período final, com exceção dos homens, cujo maior nível de
ocupação havia sido registrado no primeiro ano da série.
Mediante a perspectiva de gênero, o aumento do nível de ocupação total deveu-se ao comportamento do indicador observado entre as mulheres,
que apresentou uma evolução favorável, uma vez que, para o segmento
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
209
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
masculino, houve redução. Sendo assim, a elevação na taxa de participação feminina veio acompanhada de aumento nas oportunidades de ocupação, manifesto no expressivo crescimento do nível ocupacional, o qual passou de 38,2% da PIA feminina em 1993 para 45,2% em 2013. O nível de
ocupação dos homens, embora em declínio, permaneceu sempre superior
ao observado entre as mulheres (63,2% em 1993, 61,7% em 2013).
Gráfico 2
Nível de ocupação, segundo sexo, idade e raça/cor, na Região Metropolitana
de Porto Alegre (RMPA) — 1993,1999 e 2013
(%)
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
Total
Mulheres
Legenda:
Homens
1993
Jovens
1999
Adultos
Não negros
Negros
2013
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, Seade, DIEESE e apoio MTE/FAT.
Evolução positiva ocorreu igualmente para os trabalhadores não negros, os negros, os jovens e os adultos. Embora em magnitude menor do
que entre as mulheres, o crescimento do nível de ocupação para esses
grupos logrou superar os patamares verificados no início da série. Portanto,
os homens foram o único segmento de trabalhadores a apresentar recuo no
nível de ocupação, considerando-se os pontos extremos do período em
análise.
Ainda quanto ao nível ocupacional, também há diferenças no grau de
engajamento dos vários grupos de trabalhadores no mercado de trabalho: o
nível ocupacional mais elevado foi observado para os homens (61,7% em
2013), situando-se nos patamares mais baixos para as mulheres (45,2% em
2013) e para os negros (51,0%).
A análise do nível de ocupação em sua interface com o trabalho decente permite afirmar que, mesmo não havendo um parâmetro definido, há
ainda espaço para sua elevação, seja porque, em certas categorias, esse
indicador se encontrava, em 2013, abaixo do patamar de anos anteriores,
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
210
Míriam De Toni
seja por persistirem diferenciais entre os grupos de trabalhadores, em especial os relativos a gênero e à raça/cor. Tais resultados indicam a necessidade de ampliar as oportunidades de trabalho, o que fica mais evidente ainda,
quando se analisa o desemprego entre a população trabalhadora, como se
verá a seguir.
3.3 Queda expressiva do desemprego
nos anos 2000
O desemprego é uma variável crucial para se apreender o déficit de
trabalho decente, pois é um indicador direto da falta de oportunidades de
trabalho para a população que busca uma ocupação. No caso da RMPA, o
fato de as taxas de desemprego se situarem em patamares relativamente
elevados amplia os efeitos negativos dessa condição sobre os trabalhadores.
A análise das taxas de desemprego ao longo do período ora enfocado
revela um comportamento que acompanha, de certo modo, as conjunturas
econômicas, o que é, até certo ponto, esperado, uma vez que a taxa de
desemprego é considerada um indicador-síntese da situação do mercado
de trabalho em sua interface com a atividade econômica.
Sendo assim, a taxa de desemprego total, na RMPA, tendeu a se elevar nos anos 90 — mais precisamente, na segunda metade da década —,
revelando movimento declinante nos anos 2000. No início do período, em
1993, a taxa de desemprego total situava-se em 12,2% da PEA, tendo-se
reduzido nos dois anos seguintes e passando a se elevar até 1999, quando
a taxa de desemprego total atingiu o pico de toda a série — 19,0% da PEA.
Nos anos 2000, a tendência é descendente, situando-se em 6,4% em
2013 — o patamar mais baixo da série. Em termos do contingente em desemprego, o número de pessoas desempregadas, na Região, era de 174
mil em 1993; recuou para 155 mil em 1995; atingiu a maior parcela em 1999
(316 mil pessoas) e declinou para 122 mil em 2013.
A continuidade da redução da taxa de desemprego no período recente,
na RMPA, segue padrão observado também no âmbito nacional e tem sido
alvo de estudos e debates. Por um lado, argumenta-se que se estaria em
uma situação de pleno emprego, dados os baixos patamares atingidos por
esse indicador, de outro, busca-se uma explicação para o fenômeno, uma
vez que ocorre em um momento de relativa estagnação do nível de ocupação, em especial em 2012 e 2013, como já analisado (KON, 2012; PRONI,
2012). Quanto a esta última discussão, os argumentos contrapõem-se à
abordagem do pleno emprego, questionando essa afirmação, tendo por
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
211
base as características do mercado de trabalho brasileiro. Dentre elas, enfatiza-se a existência de elevadas parcelas de trabalhadores informais, de
ocupados que não têm contribuição à Previdência Social e de trabalhadores
com inserção ocupacional precária (SABOIA, 2013), evidenciando a necessidade de criação de mais e melhores oportunidades de trabalho — como
referido na Introdução, esse aspecto é um dos postulados básicos do trabalho decente. Quanto à queda do desemprego em um momento de certa
desaceleração da ocupação, as análises têm buscado explicações, colocando em evidência o modesto crescimento da PEA, ou mesmo sua redução em alguns anos, associado, dentre outros fatores, à maior permanência
dos jovens na escola. Assim, a queda do desemprego estaria mais associada a fatores operando pelo lado da oferta de mão de obra do que pelo de
demanda. Portanto, como já mencionado, a redução das taxas de participação, resultando em menor pressão da mão de obra sobre o mercado de
trabalho, estaria contribuindo para a queda do desemprego, em uma conjuntura de fraca geração de postos de trabalho (BASTOS, 2014).
Considerando-se os segmentos de trabalhadores, as taxas de desemprego revelam características já consagradas em estudos sobre o mercado
de trabalho nacional: são mais elevadas entre os jovens, os trabalhadores
negros e as mulheres. Desse modo, em 2013, as taxas de desemprego
apresentavam os seguintes valores: 14,4% para jovens e 4,4% para adultos; 8,7% para negros e 6,0% para não negros; 7,5% para mulheres e 5,4%
para homens (Gráfico 3).
A evolução favorável da economia e do mercado de trabalho, que derrubou as taxas de desemprego no período 2000-08, contribuiu para que o
indicador passasse a se situar, a partir de 2010, entre os mais baixos patamares observados na série, para todos os segmentos de trabalhadores. A
queda do desemprego foi marcante entre os homens, com recuo de 50,0%
nesse indicador, no período 1993-2013. Pelo lado da oferta de trabalho, a
diminuição da taxa de participação masculina contribuiu para esse resultado, revelando menor pressão desse segmento sobre o mercado de trabalho.
De modo distinto, o aumento da taxa de participação das mulheres — mesmo que tenha avançado seu nível de ocupação — impediu uma queda maior da taxa de desemprego, que recuou 45,5% entre 1993 e 2013, ampliando
ligeiramente o hiato entre homens e mulheres.
Para o segmento jovem, de 16 a 24 anos, constatou-se, como agravante, o fato de que, além de suas taxas de desemprego serem as mais elevadas, elas registraram a menor queda no período (taxas de 21,4% em 1993 e
14,4% em 2013, com recuo de 32,7%). Para esse grupo, o comportamento
das taxas de desemprego deveu-se mais às condições não tão favoráveis
pelo lado da demanda por trabalho, uma vez que sua taxa de participação
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Míriam De Toni
212
também declinou, fator este que poderia ter induzido uma maior diminuição
do desemprego.
Gráfico 3
Taxa de desemprego, segundo sexo, idade e raça/cor, na Região
Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) — 1993-2013
(%)
35,0
30,0
25,0
20,0
15,0
10,0
5,0
Legenda:
Total
Homens
Adultos
Negros
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
0,0
Mulheres
Jovens
Não negros
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, Seade, DIEESE e apoio MTE/FAT.
Tendo-se presente que o desemprego tem relação direta com o déficit
de trabalho decente. Os resultados indicam que o aumento das oportunidades de trabalho não tem sido suficiente para absorver o grande contingente
de pessoas que necessitam de um trabalho, sendo, assim, uma expressão
da necessidade de obter uma ocupação e das dificuldades encontradas na
busca por trabalho. De fato, a análise revela taxas de desemprego ainda
elevadas, notadamente para as mulheres, os negros e os jovens, não obstante a evolução favorável desse indicador nos anos mais recentes.
No que diz respeito aos jovens, além do elevado desemprego, há outros fatores que aprofundam as condições de exclusão e vulnerabilidade as
quais se encontra sujeito esse segmento populacional, tal como sua condição em relação à frequência à escola e ao ingresso no mercado de trabalho.
Nesse particular, os dados revelam que há uma parcela expressiva de
jovens entre 16 e 24 anos que não estudam e também não têm um trabalho,
encontrando-se excluídos de duas das mais importantes instituições sociais
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
213
para sua formação social: escola e mercado de trabalho. A condição desse
grupo compõe uma das dimensões do conceito de trabalho decente, pois a
formação social e cidadã da juventude é considerada crucial para uma efetiva participação na sociedade, bem como no mercado de trabalho. Por essas
razões, esse segmento tem sido alvo de estudos, nos quais recebe a denominação de “jovens nem-nem” (CARDOSO, 2013; CAMARANO; KANSO,
2012). Na RMPA, 15,0% dos jovens encontravam-se nessa condição, em
5
1993, declinando para 11,2% em 2013 (60 mil jovens). Embora se tenha
reduzido no período, preocupa a resistência dessa parcela em diminuir nos
anos mais recentes, caracterizados por crescimento econômico, melhores
condições do mercado de trabalho e aumento da escolaridade, notoriamente nesse grupo etário.
Na análise sob a perspectiva de gênero e raça/cor, observam-se diferenças marcantes. A parcela na condição em foco era maior para as mulheres e os jovens negros, comparativamente aos homens e aos não negros.
Contudo a evolução foi distinta: constatou-se redução entre as mulheres, os
negros e os não negros e aumento entre os homens (em 2013, as parcelas
respectivas eram de 14,6%, 13,0%, 11,0% e 7,8%).
Portanto, quanto à parcela de jovens que não estudam e nem trabalham, a evolução foi mais positiva para as mulheres, embora essa condição
esteja mais condicionada por questões de gênero do que de raça/cor. Ou
seja, a maior presença de mulheres nessa condição deve estar associada à
discriminação contra a mulher na sociedade em geral, especialmente pela
forte presença delas na atividade de afazeres domésticos, o que tende a
afastar muitas jovens mulheres tanto da escola quanto do mercado de trabalho.
3.4 Jornada de trabalho e rotatividade
A jornada média de trabalho semanal é uma dimensão importante,
quando se trata do trabalho decente, pois repercute nas condições adequadas de trabalho para os indivíduos, com ênfase na segurança no trabalho,
como também na qualidade de vida dos trabalhadores e de suas famílias, à
medida que interfere na distribuição do tempo entre trabalho e vida familiar.
No Brasil, a jornada de trabalho é estipulada em 44 horas semanais,
conforme a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), cuja legislação regula o trabalho assalariado no setor privado. No decorrer do período em estu-
5
Segundo Guimarães (2012), que considera os jovens entre 15 e 24 anos, o percentual encontrado para o Brasil era ainda maior e pouco diminuiu entre 1993 (20,2%) e 2009
(18,4%).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
214
Míriam De Toni
do, a jornada de trabalho apresentou os patamares mais elevados entre o
final dos anos 90 e o início da primeira década dos anos 2000. A jornada
média semanal, para o conjunto dos ocupados, variou de 43h semanais
entre 1993 e 1998 a 44h entre 1999 e 2003 e em 2005, oscilando entre 43h
e 42h no restante do período (sendo de 42 horas em 2013). Entre os diversos segmentos de trabalhadores, registraram-se diferenças mais acentuadas para os homens (entre 47h e 44h) e os adultos (entre 45h e 42h). Destaque-se que a jornada de trabalho era mais elevada para os homens (44h
em 2013) e mais baixa para as mulheres e os jovens (40h para ambas as
categorias).
Com relação à carga de trabalho e considerando aspectos mais estreitamente relacionados ao trabalho decente, interessa analisarem-se dois
outros indicadores: as longas jornadas de trabalho, entendidas como aquelas que ultrapassam as 44h semanais, conforme a CLT, e o tempo de permanência no trabalho.
O exame dos dados mostra que a proporção de trabalhadores com
longas jornadas de trabalho foi sempre superior a um terço da força de
trabalho, sendo de 37,1% em 1993 e de 34,9% em 2012. A única exceção
foi 2013, ano em que essa parcela recuou para 30,8% — a mais baixa da
série. No ano 2000, registrou-se a mais alta proporção de trabalhadores
com longas jornadas (43,7% para o total de ocupados), sendo que mais da
metade dos homens se encontrava nessa condição (50,9%, a parcela mais
elevada entre os grupos de trabalhadores). De modo inverso, a menor proporção de ocupados com longas jornadas foi registrada em 2013, para todas as categorias em foco (30,8% para o total e 25,1% entre as mulheres —
a menor de todas).
De modo similar ao constatado para a jornada média de trabalho semanal, os homens detinham a maior parcela com carga excessiva de horas
de trabalho (35,5% em 2013), seguidos dos adultos (32,1%) e dos negros
(31,1%); os jovens e as mulheres apresentavam as parcelas mais reduzidas
6
(24,9% e 25,1%, respectivamente, em 2013) (Gráfico 4).
No que se refere ao tempo médio de permanência no trabalho
exercido, o indicador permite aferir aspectos vinculados à rotatividade da
mão de obra, oferecendo elementos para avaliar dimensões importantes do
6
Quanto às mulheres, deve-se levar em conta que, via de regra, elas têm elevada responsabilidade no âmbito doméstico, com as atividades ligadas aos afazeres domésticos. De fato, ao se computarem as horas semanais dedicadas pelas mulheres aos afazeres domésticos (22,3h, face às 9,7h semanais entre os homens, conforme a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)), a jornada média de trabalho semanal das trabalhadoras femininas fica maior do que a masculina em cerca de cinco horas (ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2009).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
215
trabalho decente, tais como segurança e/ou incerteza no trabalho e grau de
vulnerabilidade social a que estão expostos os trabalhadores.
Gráfico 4
Proporção de ocupados com jornada de trabalho superior a 44 horas semanais, por sexo,
idade e raça/cor, na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) — 2013
(%)
40,0
35,0
30,0
25,0
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
Homens
Adultos
Não
negros
Total
Negros
Jovens
Mulheres
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, Seade, DIEESE e apoio MTE/FAT.
Tomando-se o tempo médio de permanência no trabalho para o período em estudo, constata-se que houve um comportamento positivo, especialmente nos anos 2000, à medida que o tempo médio se ampliou de 5,2
anos em 1993 para 5,3 em 2000 e 6,5 anos em 2013. Esse desempenho foi
similar para os vários segmentos de trabalhadores, com exceção dos jovens, único grupo em que o indicador acusou diminuição.
Examinando-se as categorias de trabalhadores, o templo médio de
permanência no trabalho é mais elevado para os adultos (7,5 anos em
2013) e para os homens (6,9 anos). De modo inverso, revelou-se extremamente baixo entre os jovens (1,3 ano a partir de 2010), sendo também mais
reduzido do que a média para os trabalhadores negros (5,4 anos em 2013)
e para as mulheres (5,9 anos).
Uma avaliação geral da evolução do tempo médio de permanência no
trabalho permite afirmar que a rotatividade da mão de obra pode ser considerada elevada, sendo um traço estrutural do mercado de trabalho brasileiro, haja vista o baixo tempo médio de permanência no trabalho (6,5 anos
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
216
Míriam De Toni
em 2013) e a elevada parcela de trabalhadores com até um ano na ocupa7
ção (29,7%).
3.5 Rendimento em lenta recuperação
Os rendimentos provenientes do trabalho são de importância crucial
para o trabalho decente, à medida que constituem elemento primordial para
a satisfação das necessidades da população. Como bem destaca Guimarães (2012), esse rendimento está intimamente associado ao bem-estar do
trabalhador e de sua família, possibilitando o acesso aos bens e serviços
disponibilizados no mercado. Ainda conforme o autor, tal fato é corroborado
pela elevada proporção que o rendimento do trabalho representa no orçamento familiar, atingindo 61,1% do rendimento total e da variação patrimonial das famílias brasileiras.
As informações captadas pela PED-RMPA indicam que, em 2013, o
rendimento médio real do trabalho principal correspondia a R$ 1.785.
Examinando-se o comportamento desse indicador no decorrer do período
em foco, constatam-se oscilações importantes, com destaque para certos
momentos. Primeiramente, houve elevação expressiva do valor real dos
rendimentos imediatamente após a implantação do Plano Real, de 1994,
que logrou debelar a inflação crônica que assolava o País há vários anos:
entre 1994 e 1997, registrou-se aumento de 19,0%, atingindo o segundo
maior valor da série neste último ano (R$ 1.782), só ultrapassado no último
ano do período em estudo (R$ 1.785 em 2013) (Gráfico 5). É importante
referir que esse comportamento foi distinto do registrado para outras variáveis do mercado de trabalho, tais como o nível de ocupação, a qualidade
das ocupações e a taxa de desemprego, que se deterioraram nos anos 90,
conforme já mencionado.
A seguir, entre 1998 e 2004, a trajetória foi de queda dos rendimentos
reais, os quais chegaram a seu valor mais baixo em 2004 (R$ 1.468). A
partir daí, desenhou-se uma elevação continuada, embora lenta, com ganhos da ordem de 21,6% entre 2004 e 2013. A retomada sustentada do
crescimento econômico e a valorização do salário mínimo foram certamente
fatores determinantes para esse desfecho favorável, conformando uma
7
Em estudo sobre esse tema, Ramos e Carneiro (2002) constatam que, no Japão, por
exemplo, apenas 9% dos assalariados possuem menos de um ano de tempo de serviço —
o menor percentual entre os países da Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) —, sendo o tempo médio de permanência no posto de trabalho de
10,9 anos (1991) — o maior entre os países da OCDE. Já os EUA situam- se no outro extremo — 28,8% dos assalariados tinham menos de um ano no trabalho, e o tempo médio
de permanência no posto era de 6,7 anos.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
217
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
conjuntura mais positiva para as negociações coletivas de trabalho e as
reivindicações de aumentos reais de salários.
Gráfico 5
Rendimento médio real dos ocupados, segundo sexo, idade e raça/cor,
na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) —1993-2013
(R$)
Legenda:
Total
Mulheres negras
Homens negros
Negros
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
2.300
2.150
2.000
1.850
1.700
1.550
1.400
1.250
1.100
950
800
650
500
350
Mulheres não negras
Homens não negros
Jovens
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, Seade, DIEESE e apoio MTE/FAT.
NOTA: Como inflator, foi utilizado o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Centro de Estudos e
Pesquisas Econômicas (IEPE), em valores em reais de fev./14.
Tomando-se todo o período, verifica-se que, com crescimento de
14,0%, o rendimento médio real, em 2013 (R$ 1.785), se encontrava acima
do valor registrado no primeiro ano da série (R$ 1.566), não obstante, até
2012, ainda se situar abaixo do referente a 1997, o mais alto até então registrado. Conclui-se, pois, que os ganhos obtidos após 2004 foram apenas
suficientes para contra-arrestar as perdas havidas entre 1998 e 2004.
Dentre os grupos de trabalhadores, o desempenho do rendimento médio real foi similar ao do conjunto dos ocupados, com exceção das mulheres, para as quais, a trajetória dos rendimentos reais foi diversa. De fato,
para elas, foram registrados ganhos no rendimento entre 1993 e 2004, ao
contrário do ocorrido com as demais categorias, embora tenham igualmente
apresentado perdas entre 1997 e 2004 (Gráfico 5). Tal evolução determinou
um ganho real mais elevado para o contingente feminino, face aos demais
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
218
Míriam De Toni
grupos de trabalhadores, no decorrer do período enfocado — em 2013, o
rendimento médio real das mulheres encontrava-se 27,4% acima do registrado no início da série, ao passo que, para os homens, a elevação foi de
apenas 10,6%, o que contribuiu para diminuir a desigualdade no rendimento
entre os dois grupos.
Quanto à magnitude dos rendimentos, esses eram inferiores para as
mulheres, em relação aos homens, em toda a série — R$ 1.516 e R$ 2.016,
respectivamente, em 2013 —, o que revela, sob outra faceta, a existência
de desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Agregando-se ao
gênero a análise por raça/cor dos trabalhadores, observa-se que este último
fator é ainda mais determinante para os diferenciais de rendimento, pois a
desvantagem para os trabalhadores negros é ainda maior. De fato, as mulheres negras encontravam-se na situação mais desvantajosa, sofrendo
uma dupla discriminação, pois auferiam rendimentos bastante baixos
(R$ 1.099 em 2013), enquanto o valor para os homens negros (R$ 1.484)
era inferior inclusive ao das mulheres não negras (R$ 1.578).
No que concerne aos ganhos registrados no rendimento médio real para as categorias de trabalhadores, as magnitudes revelaram-se distintas,
favorecendo, de modo geral, aquelas com rendimentos inferiores. Esse
resultado positivo diminuiu os diferenciais de rendimentos entre os grupos,
no período, atenuando as desigualdades existentes (Gráfico 6). Para tal
desfecho, certamente contribuiu a política governamental de valorização do
salário mínimo, que impacta mais diretamente os grupos com menores ren8
das.
Os resultados da análise permitem afirmar que a evolução do rendimento médio real, especialmente a partir de 2005, vem contemplando a
Agenda Nacional do Trabalho Decente, no sentido de ampliar o rendimento
do trabalho e reduzir a perversa distribuição de renda que se encontra historicamente enraizada no mercado de trabalho brasileiro. Todavia, como se
pôde constatar, há ainda um longo caminho a trilhar no sentido de uma distribuição mais equitativa dos rendimentos do trabalho, pois persistem elevados diferenciais de rendimento entre os segmentos de trabalhadores.
8
Estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (2010)
mostra ganhos reais para o salário mínimo real médio anual durante praticamente todo o
período em estudo, com exceção da primeira metade da década de 90. O ganho real maior
ocorreu após 2004, quando o salário mínimo real médio anual se elevou 44,8% até 2009.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
219
Gráfico 6
Variação percentual do rendimento médio real dos ocupados, segundo sexo, idade e raça/cor,
na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) — 1993-2013
(%)
40,0
35,0
30,0
25,0
20,0
Média (14,0%)
15,0
10,0
5,0
0,0
Mulheres
não negras
Mulheres
negras
Homens
não negros
Homens
negros
Jovens
Negros
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, Seade, DIEESE e apoio
MTE/FAT.
NOTA: Como inflator, foi utilizado o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Centro de
Estudos e Pesquisas Econômicas (IEPE), em valores em reais de fev./14.
3.6 A proteção social precisa ser mais abrangente
Uma definição ampla de proteção social deveria ir além da seguridade
que abrange a força de trabalho strictu sensu, incluindo grupos mais vulneráveis ou situações que envolvem fatores externos ao mercado de trabalho,
tal como propõe Ghai (2006, p. 14-15), “The purpose of social protection is
to provide security against a variety of contingencies and vulnerabilities. [...]
Social protection policies should thus aim to reduce suffering, anxiety, insecurity and material deprivation”. Embora a proteção social provavelmente
não tenha essa abrangência na maioria dos países, ela incorpora grande
parte do que a noção de trabalho decente contemplaria.
No presente texto, a proteção social refere-se a direitos e benefícios
previstos para trabalhadores ocupados ou desempregados (Saúde, Licença-Maternidade, Licença-Paternidade, férias remuneradas, aposentadoria,
Seguro-Desemprego, etc.), cujo fundamento é assegurar a qualidade de
vida dos trabalhadores, bem como a de seus familiares. Para aferir esse
indicador, considera-se a condição do trabalhador quanto à contribuição à
Previdência Social pública, através da qual os trabalhadores têm acesso
aos direitos e benefícios sociais associados ao trabalho. Na análise, há que
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Míriam De Toni
220
reter o fato de que, no Brasil, a proteção social não chegou a se universalizar, diferentemente do que ocorreu nos países mais avançados, nos quais o
Estado de Bem-Estar Social garante proteção contra os riscos da existência
social (doença, desemprego, velhice, etc.).
A análise dos dados do Gráfico 7 mostra que a Previdência Social
abrangia ao redor de três quartos do total de ocupados (76,5% em 1993),
proporção que passou a ser superada apenas depois de 2010, tendo alcançado 81,8% ao final do período. Apesar dessa evolução positiva, essa situação indica a gravidade em que se encontrava um contingente importante
da força de trabalho — 324 mil indivíduos em 2013 — excluído dos direitos
e benefícios sociais previstos pela legislação trabalhista e previdenciária.
Gráfico 7
Proporção de ocupados que contribuem para a Previdência Social, por sexo, idade e raça/cor,
na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) — 1993-2013
(%)
85,0
80,0
75,0
70,0
65,0
Legenda:
Total
Jovens
Negros
Mulheres
Adultos
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
60,0
Homens
Não negros
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS, PMPA, Seade, DIEESE e apoio MTE/FAT.
Ao longo do período, os níveis de proteção social acompanharam, de
certo modo, as conjunturas econômicas, predominando, nos anos 90, oscilações negativas, atingindo o mais baixo grau de proteção em 2000 (69,5%
de contribuintes). Tal evolução corrobora análises que evidenciam a precarização do trabalho como a marca prevalente daquela década, associada
aos processos de globalização, reestruturação produtiva e adoção do ideário neoliberal (DE TONI, 2006; MATTOSO, 1999; POCHMANN, 1999).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
221
A partir de 2001, as variações do grau de proteção social passaram a
ser majoritariamente positivas, superando, ao final do período, o patamar
inicialmente registrado.
Esse movimento foi similar entre as categorias de trabalhadores, notando-se algumas peculiaridades que merecem destaque. Primeiramente,
os jovens, os negros e as mulheres detinham o maior grau de exclusão
quanto à proteção social — contribuíam para a Previdência 74,5%, 79,9% e
81,6%, respectivamente, em 2013. Ressalte-se que, enquanto a maior parte
dos grupos teve apenas um ligeiro aumento na parcela de contribuintes,
considerando os pontos extremos do período, para as mulheres e os negros, o comportamento foi mais positivo, com maior ampliação das respectivas proporções. Os jovens, por seu turno, que já se encontravam na situação mais vulnerável, compuseram o grupo para o qual se registrou o menor
aumento. Ademais, dentre eles, a proporção de contribuintes para a Previdência, somente no último ano do período em estudo, superou o patamar
inicial, diferentemente do ocorrido com a maioria dos segmentos de trabalhadores, os quais, já em 2010, haviam logrado ultrapassar a parcela do
início do período (Gráfico 6).
Em resumo, a elevada exclusão da proteção social para extensas categorias de trabalhadores evidencia as dificuldades que esses indivíduos
enfrentam no mercado de trabalho, o que reforça a necessidade de políticas
públicas mais abrangentes, voltadas às características e necessidades desses grupos de trabalhadores, no sentido de ampliar sua incorporação ao
sistema de proteção social.
O grau de exclusão social associado à inserção dos indivíduos no mercado de trabalho pode ainda ser evidenciado sob outros ângulos de análise,
que revelam a taxa de informalidade e o déficit de emprego formal existentes.
Como se observa na Tabela 1, no período em análise, ambos os indicadores registraram forte deterioração nos anos 90, apresentando tendência de recuperação de 2004 em diante. Tal comportamento possibilitou redução importante nos dois indicadores, que lograram atingir, a partir de
2010, cifras mais elevadas do que as vigentes no início do período.
No que concerne à taxa de informalidade, que se refere à ausência
de proteção social conforme as legislações trabalhista e previdenciária, a
parcela de trabalhadores nessa condição passou de 23,5% em 1993 para
30,5% em 2000 — o valor mais elevado —, retrocedendo, após, e situando-se, a partir de 2010, em patamares inferiores ao inicialmente verificado
(18,2% em 2013). Esse movimento foi semelhante ao constatado para os
vários segmentos de trabalhadores. Note-se que, de 2008 em diante, o
comportamento foi de queda continuada da taxa de informalidade para toPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
222
Míriam De Toni
dos os grupos. Apesar dessa melhora evidente, com redução da exclusão
social associada ao trabalho, em 2013, a informalidade ainda atingia quase
um quinto dos trabalhadores, segundo os vários recortes analíticos, sendo
particularmente aguda entre os jovens, cuja taxa alcançava 25,5%.
O déficit de emprego formal, por seu turno, é aferido através da soma do número de desempregados e da parcela de trabalhadores que não
contribuem para a Previdência Social em relação à PEA. Esse déficit é ainda elevado, mesmo com a retomada do processo de estruturação do mercado de trabalho, que vem ocorrendo a partir da segunda metade da primeira década dos anos 2000, pois atingia a cifra de 23,4% para o conjunto da
PEA em 2013. O déficit de emprego formal chegou a seu ponto máximo no
ano de 1999 (42,7%), resultado este associado às baixas taxas de crescimento econômico do País e à reestruturação produtiva, em um ambiente de
neoliberalismo, que provocou uma deterioração do mercado de trabalho,
com aumento da taxa de desemprego e queda da proteção social. Nos anos
2000-13, a tendência foi de diminuição desse déficit, com elevações tão
somente em 2002 e 2003 e redução continuada para todos os grupos de
trabalhadores de 2004 em diante. A queda da taxa de desemprego, aliada
ao aumento da formalização dos vínculos assalariados — movimentos estes
que marcaram a melhoria das condições do mercado de trabalho nesse
período —, contribuiu para o bom desempenho desse indicador.
A situação mais crítica foi encontrada para os jovens, que, além de
apresentarem o mais alto déficit de emprego formal (36,2% em 2013), compuseram o único grupo em que o percentual ultrapassou os 50%, mantendo-se nesse patamar elevado entre 1998 e 2007. De modo inverso, as mulheres e os negros, embora com déficit de emprego formal mais elevado do
que o dos homens e o dos não negros, tiveram uma evolução mais favorável, com diminuição mais expressiva do déficit de emprego formal: entre
1993 e 2013, esse indicador passou de 37,2% para 24,5% entre as mulhe9
res e de 40,9% para 27,0% para os negros.
A respeito desses dois indicadores, o exame dos dados da Tabela 1 ao
longo do período revela que a melhora das condições do mercado de trabalho, notadamente após 2004, levou a uma redução tanto da taxa de informalidade quanto do déficit de emprego formal, evolução esta que vai ao encontro dos objetivos do trabalho decente. Todavia há ainda uma parcela considerável de trabalhadores excluídos do sistema de proteção social ou em
situação de desemprego, indicando a necessidade de promoção do trabalho
9
No Brasil, a taxa de informalidade e o déficit de emprego formal acusaram evolução semelhante à ocorrida na RMPA, mas as cifras são bem superiores, ultrapassando os 50% em
ambos os casos, conforme Abramo, Sanches e Costanzi (2008).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
223
decente, para resgatar importantes contingentes de trabalhadores que se
inserem no mercado de trabalho em condições precárias e vulneráveis.
4 Considerações finais
O mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre vem
registrando avanços importantes desde o ponto de vista da promoção do
trabalho decente, a exemplo do que se observa no País. Esse resultado é
devido ao desempenho do mercado de trabalho durante os anos 2000, em
que fatores internos e externos conformaram uma conjuntura favorável,
tanto para a economia quanto para o trabalho, logrando reverter a trajetória
de baixo crescimento do produto e a precarização do trabalho que marcou
os anos 90. A manutenção desse cenário relativamente mais positivo no
âmbito do trabalho encontra-se ameaçado pela crise internacional de 2008,
que, especialmente nos países mais desenvolvidos, ainda provoca turbulências, ampliando incertezas e inseguranças tanto para a economia quanto
para o mercado de trabalho em nível internacional. Seus rebatimentos sobre
países como o Brasil ainda são incertos, não obstante, até o momento, o
País ter conseguido atravessar esse período sem grandes efeitos negativos
sobre sua economia e seu mercado de trabalho.
A retomada do crescimento econômico, especialmente a partir de
2003, repercutiu favoravelmente sobre o mercado de trabalho, registrando-se ampliação do contingente ocupado, o que, ao se efetivar com aumento
expressivo da formalização dos vínculos de emprego, concomitantemente à
queda do desemprego, contribuiu para uma maior cobertura da proteção
social entre os assalariados.
Quanto ao desemprego, a evolução favorável possibilitou redução do
patamar das taxas de desemprego para a totalidade dos grupos de trabalhadores em estudo. Em termos das desigualdades de gênero, ressalta-se a
trajetória de aumento de participação laboral das mulheres no mercado de
trabalho, alcançando, aproximadamente, a metade do contingente feminino
em idade ativa ao final do período.
Ademais, o controle da inflação, debitado ao Plano Real, aliado à política de aumentos reais do salário mínimo e a condições mais propícias à
negociação salarial, possibilitou expansão do rendimento médio real dos
trabalhadores a partir do ano de 2005, contribuindo para a ampliação do
consumo das famílias e para a redução da pobreza. Essa evolução dos
rendimentos também foi favorável para a diminuição da desigualdade de
rendimentos entre os segmentos de trabalhadores, nos recortes por gênero
e raça/cor. Não obstante isso, os diferenciais de rendimentos entre esses
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
224
Míriam De Toni
grupos perduram, e, apenas no último ano do período, o rendimento médio
real dos trabalhadores logrou superar o valor mais elevado da série, que
havia sido registrado em 1997.
Tais fatos se erigem como os avanços mais positivos revelados pela
análise do período, tanto mais promissores por ocorrerem de forma sustentada ao longo dos anos 2000 e por se colocarem no sentido da promoção
do trabalho decente.
Como destaque negativo, cabe referir a situação dos jovens, os quais
apresentaram as condições mais vulneráveis de inserção no mercado de
trabalho: taxas de desemprego mais elevadas, tempo de permanência na
ocupação mais reduzido, o mais alto grau de exclusão do sistema de proteção social e o fato de grande parcela dos mesmos não estar estudando nem
trabalhando.
Saliente-se, entretanto, que, no período mais recente, face ao menor
dinamismo da atividade econômica nacional e ao menor ritmo de criação de
novos postos de trabalho, em um cenário internacional de novos desdobramentos da crise econômica mundial, pairam muitas incertezas sobre a continuidade desse movimento de (re)estruturação do mercado de trabalho,
10
com expressiva melhora qualitativa do emprego. Isto porque essa evolução positiva estaria na dependência de fatores tais como: o comportamento
11
dos altos preços dos recursos naturais básicos (commodities) , que ganharam importância na pauta de exportações do País e do RS em particular; a
questão do investimento e da diversificação produtiva; o debilitamento da
geração de empregos e do crescimento dos salários reais em um cenário de
10
De acordo com análise da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
(CARTA DE CONJUNTURA, 2014) para o Brasil, as perspectivas para o ano de 2014 ainda
apresentam um nível elevado de incerteza, associado a fatores que podem restringir o
crescimento da economia nos próximos trimestres, tanto do lado da demanda quanto da
oferta. Em relação à demanda por bens e serviços, o comportamento do mercado de trabalho, com a trajetória de desaceleração dos rendimentos e dos níveis de ocupação, sugere
um desempenho mais modesto este ano. Já a produção continua enfrentando restrições
pelo lado da oferta, que impactam negativamente a sua competitividade, como o aumento
do custo unitário do trabalho e as conhecidas deficiências de infraestrutura. Por fim, a situação da economia mundial ainda não permite grande otimismo quanto a um desempenho
mais robusto das exportações, a despeito da desvalorização cambial.
11
Note-se que os preços internacionais de commodities mostram tendência de queda em
2013. De dezembro de 2012 a maio de 2013, o índice geral de commodities do Fundo Monetário Internacional (FMI) recuou 1,95%; o de metais caiu 8,48%; e o índice de preços de
petróleo, 2,01%. O índice de alimentos é o único que apresentou elevação, de 2,00%, no
mesmo período e alta de 7,64% em maio deste ano, comparado ao mesmo mês do ano anterior. Nesse período, as quedas foram de 3,33% do índice geral, de 8,76% do índice de
metais e de 4,74% do índice de petróleo (BLACK, 2013; 2014).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Trabalho decente e mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA):...
225
12
aumento das taxas de inflação; e o crescente endividamento das famílias.
Ademais, não é possível prever se haverá continuidade na trajetória de descenso da PEA, fato este que tem contribuído para a queda na taxa de desemprego. A se estancar esse movimento, ou caso a PEA volte a crescer,
colocar-se-á a necessidade de maior geração de ocupações para a absorção de novos integrantes da força de trabalho, ou o desemprego voltará a
se elevar.
Do ponto de vista do trabalho decente, outro aspecto que merece realce, tendo em vista a situação favorável que o mercado de trabalho vem
apresentando — em especial, as baixas taxas de desemprego —, é o fato
de que, nesse contexto, se abre mais espaço para ações e políticas voltadas a consolidar e a avançar no que se refere à qualidade do emprego e
das ocupações existentes e/ou que venham a ser criadas, colocando menor
ênfase na sua quantidade.
Por fim, e retomando os resultados da análise dos dados sobre o mercado de trabalho da RMPA, sob a ótica do trabalho decente, cabe destacar
que, não obstante o desempenho favorável na evolução dos principais indicadores, no período recente, perduram traços estruturais, sinalizando a
persistência de significativos déficits de trabalho decente, cabendo destaque
a situações tais como: elevada parcela de trabalhadores em condições de
inserção precária, especialmente aqueles excluídos do sistema de proteção
social; taxas de desemprego relativamente elevadas, apesar da trajetória de
queda desse indicador, sendo mais acentuadas entre os jovens e as mulheres, independentemente do recorte analítico; desigualdades de inserção no
mercado de trabalho — muitas das quais têm origem em outros âmbitos,
pois se encontram enraizadas em fatores socioculturais —, em que se sobressai a condição das mulheres, dos jovens e dos negros como os grupos
mais vulneráveis, uma vez que se encontram mais expostos aos riscos do
mercado de trabalho (taxas de desemprego mais elevadas, menor vinculação ao sistema de proteção social, menores níveis de rendimento do trabalho e tempo médio de permanência na ocupação mais reduzido).
No equacionamento de tais problemas, é imprescindível que se coloque, como fator indissociável do conceito de trabalho decente, a centralidade do trabalho, apesar das reconfigurações de que ele tem sido alvo, da
ampliação da incerteza e da insegurança e das descontinuidades que
acompanham as relações de trabalho no mundo contemporâneo. Isto por12
A respeito, em 2013, registrou-se desaceleração dos componentes tradicionalmente mais
estáveis do PIB e responsáveis por boa parte de seu crescimento, a saber, o consumo das
famílias e o consumo do Governo. Ambos fecharam o ano com as menores taxas de crescimento dos últimos 10 anos: 2,3% e 1,9% respectivamente (CARTA DE CONJUNTURA,
2014).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
226
Míriam De Toni
que, como bem coloca Schnapper (1998), nos dias atuais, persiste o elo
entre trabalho produtivo e cidadania, que se alçou como característica da
sociedade capitalista no decorrer do século XX. Assim, o trabalho permanece central, porque, ao lado de assegurar a vida material e de estruturar o
tempo e o espaço, é o lugar da expressão da dignidade de si próprio e das
permutas sociais.
Por conseguinte, garantir e ampliar possibilidades de inclusão social
pela via do trabalho coloca-se como imperativo, e, nesse caminho, a centralidade do trabalho para a vida em sociedade e a Agenda Nacional do Trabalho Decente devem ser tomadas como vetores fundamentais, alicerçando as
discussões e as ações voltadas ao âmbito do trabalho.
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Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
230
:
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Míriam De Toni
Indicadores de gênero no
Rio Grande do Sul
Clitia Helena Backx Martins
Marilene Dias Bandeira
Paula Maria Caputo
Economista, Pesquisadora da Fundação de
Economia e Estatística (FEE)
Estatística, Pesquisadora da FEE
Bacharelanda de Estatística na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul
1 Introdução
Este artigo se situa na área de estudos de gênero e tem como objetivo
contemplar, através de indicadores demográficos e socioeconômicos, as
desigualdades existentes entre homens e mulheres no Estado do Rio
Grande do Sul (RS). Ele abrange oito dimensões de análise, que estão
classificadas em três eixos temáticos, considerando-se uma sequência de
determinantes e consequências da desigualdade de gênero.
Define-se gênero como a atribuição de papéis sociais diferenciados a
homens e mulheres na sociedade, o que determina valorativamente o
masculino e o feminino. Assim, a construção social de gênero, enquanto
categoria, corresponde às formas hierárquicas de poder, às assimetrias e à
subordinação baseadas em diferenças sexuais nas sociedades humanas,
que são desenvolvidas socialmente nas esferas privada e pública, em
especial, através da educação e das relações de trabalho. O termo gênero
refere-se, portanto, às regras, aos costumes e às práticas de diferenças
biológicas que se traduzem e são socialmente construídas entre homens e
mulheres, meninos e meninas. Pelo fato de que os gêneros são valorizados
de forma diferente, eles contam, em geral, com distintas oportunidades e
escolhas ao longo da vida.
Nesse sentido, o gênero tem, basicamente, um caráter relacional, pois
envolve a construção simbólica das relações de poder entre homens e
mulheres, contendo o conjunto de atributos assinalados às pessoas a partir
da determinação biológica do sexo. Desse modo, faz-se uma clara distinção
entre sexo e gênero: enquanto o sexo é vinculado a instintos ou a características universais que derivam da biologia, gênero refere-se a características socialmente produzidas e historicamente variáveis (CHHACHHI, 1986).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
232
Clitia Helena Backx Martins; Marilene Dias Bandeira; Paula Maria Caputo
Na pesquisa, foram utilizadas informações de fontes diversas, tais como: o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);
a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2011, do IBGE;
o Relatório Perfil do Trabalho Decente no Brasil de 2012, da Organização
Internacional do Trabalho (OIT); a base de dados DATASUS relativa a 2010,
do Ministério da Saúde (MS); a Relação Anual de Informações Sociais
(RAIS) de 2011, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); e dados do
Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) sobre eleições
municipais.
Ademais essa Introdução, o texto conta com um tópico sobre a análise dos indicadores, organizados segundo cada um dos três eixos temáticos
e suas respectivas dimensões, finalizando-se com algumas considerações.
2 Análise dos indicadores
Para a análise das questões de gênero no Estado, tem-se um primeiro
eixo que trata dos processos que estão na origem da desigualdade, ou seja,
aqueles relativos à função reprodutiva na sociedade e que dizem respeito
aos aspectos em torno do lar e da família, correspondendo ao espaço
privado. Os indicadores incluídos nessa área relacionam-se a dados demográficos, bem como a dados sobre o sexo do responsável pelo domicílio e
sobre o uso do tempo, que tem a ver com a divisão do trabalho doméstico.
O segundo eixo temático é associado às condições econômicas e sociais vinculadas ao espaço público, que são determinadas pelas dimensões
consideradas no primeiro eixo. Consideram-se o trabalho remunerado e a
renda como seus principais indicadores. Da mesma forma, o acesso à educação e o grau de participação política das mulheres são relevantes para
uma análise de gênero respectiva à igualdade de oportunidades no espaço
público.
Por fim, no terceiro eixo temático, são abordados os aspectos referentes ao bem-estar, que decorrem dos processos anteriores, concernentes à
inserção das mulheres no espaço privado e no espaço público. Os indicadores de bem-estar manifestam o grau de satisfação das necessidades
individuais e coletivas, contendo a dimensão relativa à saúde.
2.1 Eixo temático 1: o espaço privado
No eixo do espaço privado, são contempladas as dimensões de demografia, composição domiciliar e uso do tempo. Primeiramente, apresenta-se
a estrutura populacional do Estado com foco na participação da mulher,
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Indicadores de gênero no Rio Grande do Sul
233
especialmente do ponto de vista de expectativa de vida, e a sua composição por faixas etárias. Esses indicadores são importantes para entender a
posição ocupada pelas mulheres em termos de estrutura populacional.
Os dados do Censo Demográfico de 2010 apontam, para o Rio Grande do Sul, um total de 10.693.929 habitantes, sendo 5.205.057 homens e
5.488.872 mulheres. A população gaúcha representa 5,6% da população
brasileira, evidenciando uma tendência de queda nessa participação, já que
o RS foi o Estado brasileiro que teve o menor crescimento populacional na
década. De acordo com o Censo, a taxa de crescimento médio anual, entre
2000 e 2010, foi de 0,49%, mas as estimativas populacionais feitas pela
Fundação de Economia e Estatística (FEE) para o ano de 2011 indicam
uma taxa de crescimento ainda mais reduzida da população gaúcha nesse
último ano, da ordem de 0,39%.
Esse pequeno crescimento populacional se deve, basicamente, às baixas taxas de fecundidade no Estado. Desse modo, a população do RS tem
apresentado uma grande modificação no seu padrão etário, com um envelhecimento da população, devido à queda dos níveis de fecundidade e
também por causa do aumento da expectativa de vida ao nascer.
O Rio Grande do Sul tem-se destacado por apresentar um dos melhores resultados em termos de expectativa de vida no Brasil, tanto quando se
consideram ambos os sexos, como quando considerado cada sexo separadamente. A análise do período de 1980 até 2010 indica que, para ambos os
sexos, houve um acréscimo de mais de oito anos na expectativa de vida dos
sul-rio-grandenses. Segundo dados do IBGE, nas últimas três décadas, a
expectativa de vida total, no Estado, passou de 67,8 para 75,9 anos, com
aumento de 63,3 para 72,1 anos para os homens e de 70,2 para 79,5 anos
para as mulheres (Gráfico 1).
Assim, é interessante observar que, em 2010, a população do RS com
60 anos ou mais era de 1.459.597 pessoas, correspondendo a 13,6% do
total. Desses, 627.470 eram homens (12,1% da população masculina), e
832.127 eram mulheres (15,2% da população feminina). Em Porto Alegre,
do total de 1.409.351 habitantes em 2010, 653.787 eram homens, e
755.564 eram mulheres. Do total de porto-alegrenses, 211.896 (15,0% do
total) tinham 60 anos ou mais, sendo, dentre esses, 79.985 homens (12,2%
da população masculina) e 131.911 mulheres (17,5% da população feminina).
Nesse sentido, estimativas da FEE para 2011 indicam que o contingente populacional com 65 anos, no RS, já ultrapassou um milhão de pessoas, correspondendo a 9,6% da população gaúcha. Nesse grupo etário, é
predominante a presença das mulheres, devido à mais alta mortalidade
entre os homens. Assim, das pessoas de 65 anos ou mais, a população
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
234
Clitia Helena Backx Martins; Marilene Dias Bandeira; Paula Maria Caputo
feminina estimada é de 602.360, e a masculina é de 424.538, sendo que,
para cada 70 homens nesse grupo, há 100 mulheres.
A estrutura por sexo de uma população pode ser visualizada com a
utilização da razão de sexo (número de homens para cada 100 mulheres),
que tem apresentado uma tendência de queda ao longo das últimas décadas. Nos anos 2010 e 2011, havia, no Rio Grande do Sul, 94,8 homens
para cada 100 mulheres, representando, em números absolutos, cerca de
280 mil mulheres a mais do que homens (Gráfico 2).
Nota-se que, ao nascer até a juventude, há um número maior de
homens, mas, a partir dos 25 anos até as idades mais avançadas, as
mulheres são maioria. Para a faixa etária de 70 anos ou mais, há 64,4
homens para cada 100 mulheres. Disso decorre a constatação de que, com
o envelhecimento da população e a tendência que se observa de estabilização a partir de 2025 e de posterior decrescimento do tamanho absoluto
da população gaúcha, ocorre também uma “feminização” da população, ou
seja, mantidas as atuais condições de vida, projeta-se um aumento proporcional da população feminina no total da população gaúcha, nas próximas
décadas, em especial, na população mais idosa.
Esse padrão de “feminização” da população é predominante no caso
brasileiro, o que se configura na constatação de que, “[...] depois da Rússia,
entre as grandes nações, o Brasil é o país mais feminino do mundo”
(ALVES; CAVENAGHI, 2012, p. 87).
Os autores mencionam o aumento das mortes por causas externas no
Brasil, em especial, por acidentes de trânsito e violência, como um dos fatores que provocam a sobremortalidade masculina, pois os homens, desde os
anos 80 do século passado, têm sido, proporcionalmente, mais atingidos
por esses eventos do que as mulheres. Contudo observa-se que, para o
sexo masculino, os óbitos por causas externas ocorrem, principalmente, entre indivíduos na faixa etária dos 20 aos 39 anos (50,4%) e de cor parda
(48,1%). No caso feminino, mais de um terço (33,8%) das vítimas de morte
por causas externas estão entre as mulheres com 60 anos ou mais, sendo a
maioria de cor branca (53,3%) (ALVES; CAVENAGHI, 2012).
Por sua vez, a composição da população feminina por cor ou raça
mostra que, no Estado, 83,76% das mulheres declararam-se de cor branca;
10,12%, de cor parda; 5,48%, como pretas; 0,33%, como amarelas; e
0,30%, como indígenas (Gráfico 3).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
235
Indicadores de gênero no Rio Grande do Sul
Gráfico 1
Expectativa de vida ao nascer, por sexo, no Rio Grande do Sul — 1980-2010
85
80
77,02
75
78,33
79,49
70,85
72,14
73,76
70
70,23
69,45
65,9
65
63,27
60
55
50
1980
1991
2000
Legenda:
2005
Homens
2010
Mulheres
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006; 2011)
Gráfico 2
Razão de sexo no Rio Grande do Sul — 2010
115
105
95
85
75
65
Razão
55
45
35
100 anos ou mais
95 a 99 anos
90 a 94 anos
85 a 89 anos
80 a 84 anos
75 a 79 anos
70 a 74 anos
65 a 69 anos
60 a 64 anos
55 a 59 anos
50 a 54 anos
45 a 49 anos
40 a 44 anos
35 a 39 anos
30 a 34 anos
25 a 29 anos
20 a 24 anos
15 a 19 anos
10 a 14 anos
5 a 9 anos
0 a 4 anos
25
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2013).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
236
Clitia Helena Backx Martins; Marilene Dias Bandeira; Paula Maria Caputo
Gráfico 3
População feminina, por cor ou raça, no Rio Grande do Sul — 2010
0,33%
10,12% 0,30%
83,76%
5,48%
Legenda:
Branca
Preta
Amarela
Parda
Indígena
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2013).
A composição domiciliar é importante para identificar o papel da mulher
no lar — especialmente em termos de chefia. Nesse contexto, esse papel
associa-se às condições de moradia — qualidade e habitabilidade —, que
incluem aspectos relacionados ao esgotamento, ao abastecimento de água,
às condições da casa, à posse de eletrodomésticos e demais bens.
A qualidade da moradia e melhores condições de serviços básicos
favorecem, principalmente, às mulheres, por serem elas ainda, majoritariamente, as responsáveis pelas atividades relacionadas ao âmbito privado.
Assim, esses indicadores, diferenciados por situação de pobreza, são úteis
para a verificação das condições de vida das mulheres nos domicílios.
Nesse sentido, a pobreza é avaliada através da linha oficial do Governo
Federal — sempre com foco na condição da mulher.
No Brasil, o percentual de mulheres responsáveis pelo domicílio,
segundo dados do Censo de 2010, era de 38,7% do total. Já no Rio Grande
do Sul, esse percentual era um pouco superior, da ordem de 39,8% (IBGE,
2013), que corresponde a 1.432.214 unidades domésticas em que as
mulheres figuravam como chefes de família.
No caso específico de Porto Alegre, a Capital gaúcha destaca-se
positivamente entre as metrópoles brasileiras em termos de transformações
de cunho sociocultural no status feminino, tendo sido mencionada na
pesquisa Sistema Integrado de Indicadores de Gênero nas Áreas de
Trabalho e de Educação: uma proposta de construção de um índice cultural
de gênero, do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Indicadores de gênero no Rio Grande do Sul
237
Mulher (Unifem), do Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ) e
do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), citada em Oliveira
(2002). Essa pesquisa teve como objetivo mensurar mudanças ocorridas na
família e na condição da mulher brasileira, levando em consideração
questões como: idade média ao casar, formação de uniões sem vínculos
legais, número médio de filhos, trabalho extradomiciliar das cônjuges com
filhos pequenos e diferencial de escolaridade entre cônjuges (percentual de
mulheres com escolaridade superior à dos seus cônjuges).
Efetivamente, dados do Censo de 2010 evidenciam que Porto Alegre
apresenta um alto percentual de domicílios com chefia feminina, atingindo
49,9% do total, ou seja, em 253.578 famílias da Capital, a pessoa
responsável é uma mulher.
Entretanto, informações contidas em tabulações especiais elaboradas
pela Fundação IBGE para o Ministério do Desenvolvimento Social sobre as
condições de vida e as características da população pobre e extremamente
pobre evidenciam que: em Porto Alegre, entre as famílias com rendimento
mensal per capita de R$ 1,00 a R$ 70,00, a participação feminina na chefia
do domicílio chega a 72,5%; e, nas famílias com rendimento mensal per
capita de R$ 71,00 a R$ 140,00, a proporção é de 61,8% de mulheres
chefiando a família. Nesse contingente de mulheres chefes de família, entre
as mais pobres, há uma concentração relativa na faixa de 20 a 24 anos.
Pode-se concluir, por esses dados, que a pobreza e a extrema pobreza, em
Porto Alegre, mostram uma face evidentemente urbana, mas também de
predominância de famílias chefiadas por mulheres jovens, com crianças
pequenas.
Considerando-se que o equilíbrio entre o trabalho remunerado e as
responsabilidades familiares constitui um grande desafio, o uso do tempo
demonstra a desigualdade de gênero, já que as mulheres são mais
afetadas, por assumirem a carga maior das tarefas domésticas e das
atividades de cuidado de crianças, idosos e de pessoas com deficiências.
Esse fator determina, em parte, o acesso diferenciado ao mercado de
trabalho e a dificuldade para obter melhores remunerações por parte das
mulheres, refletindo-se em condições de reprodução da pobreza e de baixa
qualidade de vida. Essa dimensão contempla, portanto, um condicionante
fundamental para avaliar a desigualdade de acesso e participação na esfera
pública.
Em termos sociais e culturais, segue sendo atribuída às mulheres a
responsabilidade de grande parte do trabalho doméstico, bem como do
cuidado de crianças, idosos e de pessoas com deficiências, ou seja,
atividades não remuneradas no âmbito privado, enquanto aos homens
caberia a parcela maior de produção mercantil remunerada no espaço
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
238
Clitia Helena Backx Martins; Marilene Dias Bandeira; Paula Maria Caputo
público. Desse modo, apesar da crescente incorporação das mulheres ao
mercado laboral, elas não conseguem se desligar do papel social a elas
designado, o que dificulta suas possibilidades de participar equitativamente
das oportunidades e gera uma sobrecarga física que prejudica suas
condições de bem-estar.
O indicador de uso do tempo, elaborado com dados da PNAD-IBGE e
referências da Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe
(Cepal) e da Organização Internacional do Trabalho-Organização das
Nações Unidas (ONU), contribui para demonstrar a desigualdade de gênero,
evidenciando o peso da dupla jornada de trabalho para as mulheres. Nesse
sentido, o indicador mostra a jornada semanal total de trabalho, somando-se o número médio de horas semanais dedicadas ao mercado de trabalho
e as destinadas aos afazeres domésticos da população ocupada com 16
anos ou mais de idade.
Os resultados dos dados da PNAD de 2011 mostram que, embora as
mulheres, no Brasil, tivessem uma participação menor do que a dos homens
em termos de horas semanais no mercado de trabalho (36,9 e 42,6
respectivamente), elas dedicavam, em média, 21,8 horas semanais às
tarefas domésticas e de cuidado (reprodução social), representando mais do
que o dobro de tempo da dedicação dos homens, com 10,3 horas
semanais. Desse modo, acrescentando-se a média de horas semanais no
mercado de trabalho, a jornada dupla das mulheres brasileiras chegava a
58,7 horas por semana, contra 52,9 dos homens.
Por outro lado, ao se contemplar o tipo de afazeres domésticos executados pelos homens, um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), em 2010, ressalta que a participação masculina
mais frequente nessas tarefas está concentrada em atividades interativas e
em espaços fora do lar, como a realização de compras de mantimentos em
supermercados e o transporte dos filhos para a escola; no âmbito do
domicílio, os homens dedicam-se, esporadicamente, a atividades de manutenção doméstica, como reparos e consertos. Uma informação do suplemento da PNAD de 2008 é bastante ilustrativa dessa situação: cerca da
metade (49,7%) das pessoas de 14 anos ou mais de idade costumavam
fazer faxina no próprio domicílio, sozinha ou com a ajuda de outra pessoa.
Enquanto essa prática era comum para 72,1% das mulheres, entre os
homens, era de apenas 25,4%.
Ao se fazer a análise do indicador no conjunto das unidades
federativas (UFs), observa-se que, em todas as 27, as jornadas semanais
totais da população ocupada eram mais extensas para as mulheres. Os
estados brasileiros onde as trabalhadoras apresentavam a maior jornada
são, por ordem, Alagoas (63,1 horas totais e 28,6 de trabalho doméstico),
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Indicadores de gênero no Rio Grande do Sul
239
Amapá (62,1 horas totais e 23,3 de trabalho doméstico), Pernambuco (61,9
horas totais e 24,5 de trabalho doméstico), Ceará (61,5 horas totais e 24,7
de trabalho doméstico) e São Paulo (59,8 horas totais e 20,8 de trabalho
doméstico). No caso do Rio Grande do Sul, que se encontrava na 10ª
posição desse ranking, a jornada total para as mulheres era de 59,1 horas,
com 21,1 horas semanais de afazeres domésticos.
Essa desigualdade se reflete nas condições de reprodução da pobreza
e de baixa qualidade de vida, especialmente entre mulheres jovens com
filhos pequenos, e se combina a outros fatores, como a carência de serviços
de proteção à maternidade e o número ainda reduzido de creches e pré-escolas.
Na Tabela 1, vislumbra-se o indicador de uso do tempo para todas as
unidades da Federação brasileira.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
240
Clitia Helena Backx Martins; Marilene Dias Bandeira; Paula Maria Caputo
Tabela 1
Número médio de horas semanais dedicadas ao mercado de trabalho e aos afazeres
domésticos da população ocupada de 16 anos ou mais de idade, em todos os trabalhos,
no Brasil, nas grandes regiões e nas unidades da Federação — 2011
CÓDIGOS E ÁREAS
GEOGRÁFICAS
11
12
13
14
15
16
17
21
22
23
24
25
26
27
28
29
31
32
33
35
41
42
43
50
51
52
53
MÉDIA DE
HORAS
SEMANAIS NO
MERCADO DE
TRABALHO (A)
Homens Mulheres
BRASIL ....................... 42,6
36,9
Grandes regiões
Norte ............................ 41,6
35,6
Nordeste ...................... 40,9
35,0
Sudeste ....................... 43,4
37,9
Sul ................................ 44,0
38,1
Centro-Oeste ............... 43,8
37,7
Unidades da Federação
Rondônia ...................... 43,4
37,5
Acre ............................. 41,7
33,7
Amazonas .................... 41,5
36,9
Roraima ....................... 41,2
35,6
Pará ............................. 40,8
34,7
Amapá ......................... 44,0
38,8
Tocantins ..................... 41,9
34,2
Maranhão .................... 39,2
32,7
Piauí ............................. 38,2
30,3
Ceará ........................... 42,0
36,8
Rio Grande do Norte .... 41,2
35,6
Paraíba ........................ 40,2
33,5
Pernambuco ................ 41,4
37,4
Alagoas ........................ 41,0
34,6
Sergipe ........................ 40,5
33,8
Bahia ............................ 40,9
34,4
Minas Gerais ............... 43,3
36,7
Espírito Santo .............. 42,9
37,3
Rio de Janeiro ............. 43,2
37,8
São Paulo .................... 43,7
38,9
Paraná ......................... 44,2
37,6
Santa Catarina ............. 43,5
39,4
Rio Grande do Sul ....... 44,0
38,1
Mato Grosso do Sul ..... 44,9
35,8
Mato Grosso ................ 44,9
37,5
Goiás ........................... 44,0
38,2
Distrito Federal ............ 41,8
38,4
MÉDIA DE HORAS
SEMANAIS
GASTAS COM
AFAZERES
DOMÉSTICOS (B)
JORNADA
SEMANAL TOTAL
(A + B)
Homens Mulheres
10,3
21,8
Homens Mulheres
52,9
58,7
10,3
11,0
10,1
9,7
10,3
21,2
23,7
21,7
20,9
20,3
51,9
51,9
53,5
53,7
54,1
56,8
58,7
59,6
59,0
58,0
10,2
9,8
10,4
9,6
10,3
12,0
10,0
11,2
10,0
12,0
10,7
11,1
13,3
13,2
9,6
10,0
10,2
8,8
10,9
9,9
8,9
9,4
10,3
9,2
9,8
9,4
12,7
19,5
23,8
19,7
19,3
22,0
23,3
21,2
25,8
25,7
24,7
21,2
22,4
24,5
28,6
22,5
21,9
22,7
21,1
21,9
20,8
20,8
20,3
21,1
21,1
20,9
19,2
21,0
53,5
51,5
51,9
50,8
51,1
56,0
51,9
50,4
48,3
54,0
51,8
51,3
54,8
54,2
50,2
50,9
53,5
51,8
54,1
53,5
53,1
52,9
54,3
54,1
54,7
53,4
54,5
57,0
57,5
56,6
54,9
56,7
62,1
55,5
58,5
56,0
61,5
56,8
55,9
61,9
63,1
56,3
56,4
59,4
58,4
59,7
59,8
58,4
59,7
59,1
57,0
58,4
57,4
59,4
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2012).
NOTA: Elaboração da Fundação de Economia e Estatística/Núcleo de Indicadores Sociais e Ambientais.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
241
Indicadores de gênero no Rio Grande do Sul
2.2 Eixo temático 2: o espaço público
Nesse eixo, que remete ao espaço público, são analisadas as dimensões de trabalho, renda, educação e participação política. É importante reiterar que os indicadores aqui contemplados têm determinantes nas dimensões consideradas no primeiro eixo.
No tocante às questões vinculadas à participação feminina no mercado
de trabalho, percebe-se que, embora essa tenha aumentado consideravelmente nas últimas décadas, na maioria dos países segue ainda sendo caracterizada por uma inserção marginal, frágil, instável e com um nível médio
de remuneração bastante inferior ao dos trabalhadores do sexo masculino.
A desigualdade em termos de oportunidade no âmbito do trabalho
remunerado expressa-se através de taxas de desocupação, remuneração
média e condições de trabalho. Assim, nessa dimensão, verificam-se as
características que conformam a participação do sexo feminino no mercado
formal de trabalho.
Sobre a proporção de mulheres no mercado formal de trabalho, há
uma sinalização de crescimento da participação feminina no total de assalariados, tanto no RS, onde esse percentual foi de 39,2% em 1995 para
44,5% em 2010, como no Brasil, em que os valores foram de 37,4% em
1995 para 41,6% em 2010. Constata-se, portanto, uma participação média
mais elevada no Rio Grande do Sul do que no País como um todo, apesar
de que, no Brasil, esse percentual também vem aumentando consistentemente (Tabela 2).
Tabela 2
Proporção de mulheres no total de assalariados, no Rio Grande do Sul
e no Brasil — 1995, 2000 e 2010
ANOS
RS
BRASIL
1995
2000
2010
39,2
41,8
44,5
37,4
39,1
41,6
FONTE: Brasil (2013a; 2013b; 2013c).
Por sua vez, fazendo-se o cruzamento das variáveis escolaridade e
sexo dos trabalhadores, verifica-se que, em 2010, 39% das trabalhadoras
do setor formal, no RS, tinham o nível superior completo, enquanto, para os
homens, esse percentual era de 17%. Na outra extremidade, observa-se
que apenas 0,65% das mulheres eram analfabetas ou tinham cursado até o
quinto ano do ensino fundamental. Para os mesmos níveis de educação, os
homens apresentavam o percentual de 2,67%.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
242
Clitia Helena Backx Martins; Marilene Dias Bandeira; Paula Maria Caputo
Sobre as questões de rendimento médio e distribuição de renda, é
dado foco especial às disparidades de renda entre os sexos, para demonstrar as peculiaridades da condição da mulher.
Através de dados da RAIS de 2010 sobre faixas de remuneração em
salários mínimos (SMs) para trabalhadores dos sexos masculino e feminino
no Rio Grande do Sul (setor formal), verifica-se que, do total de mulheres
trabalhadoras, 66% recebiam até três salários mínimos por mês, enquanto a
mesma faixa salarial para os homens correspondia a 61% dos trabalhadores. Na outra ponta, tomando-se os maiores salários (10 SMs ou mais),
observa-se que 9% dos trabalhadores homens se encontravam nessa faixa
de remuneração mensal, estando 7% das mulheres nessa faixa.
Os indicadores de educação mostram uma melhor posição das mulheres em relação aos homens. Desde a taxa de analfabetismo até os maiores
níveis de educação, a mulher apresenta números que se diferem daqueles
dos homens. Essa dimensão avalia essas questões, especialmente no que
tange à alfabetização e à conclusão dos ensinos fundamental, médio e
superior.
Tomando informações contidas nos Censos de 1991, 2000 e 2010,
analisaram-se, comparativamente, a situação feminina e a masculina nos diversos níveis educacionais, para todos os municípios gaúchos, através dos
indicadores: razão entre mulheres e homens alfabetizados na faixa etária de
15 a 24 anos; razão entre mulheres e homens no ensino fundamental; razão
entre mulheres e homens no ensino médio; e razão entre mulheres e
homens no ensino superior (Tabela 3).
Tabela 3
Indicadores de razão entre homens e mulheres, por nível educacional, no
Rio Grande do Sul — 1991, 2000 e 2010
1991
ANOS
2000
2010
Razão entre mulheres e homens alfabetizados na faixa
etária de 15 a 24 anos ......................................................
Razão entre mulheres e homens no ensino fundamental
Razão entre mulheres e homens no ensino médio ...........
1,012
1,003
1,225
1,006
0,971
1,193
1,004
0,969
1,206
Razão entre mulheres e homens no ensino superior ........
1,163
1,363
1,286
INDICADORES
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2013).
NOTA: Elaboração da Fundação de Economia e Estatística/Núcleo de Indicadores Sociais e Ambientais.
Percebe-se que, com exceção apenas do indicador referente ao ensino
fundamental, os demais apresentam valores acima de 1,0 para todos os
anos, o que denota uma maior participação proporcional das mulheres nos
níveis de alfabetizados, de ensino médio e, em especial, de ensino superior,
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
243
Indicadores de gênero no Rio Grande do Sul
no qual, a razão entre mulheres e homens, em 2010, era de 1,286. Entretanto ressalva-se que, simultaneamente, houve uma pequena queda nessa
razão, em todos os níveis de educação, entre 2000 e 2010. Há que se
acompanharem esses dados e se verificarem as situações específicas nos
municípios e no Estado como um todo.
As reivindicações por maior participação política e social das mulheres
têm provocado mudanças em relação a oportunidades e mesmo na composição das pautas e das linhas de trabalho relacionadas às desigualdades
de gênero. Nessa dimensão, busca-se avaliar a participação formal das mulheres na esfera política. Para tanto, tomou-se como base o indicador que
mostra a proporção de mulheres entre os vereadores exercendo mandatos
nas câmaras municipais no Estado do RS e nos municípios brasileiros como
um todo. Verifica-se, na Tabela 4, que a proporção de vereadoras no Estado, para todos os anos analisados, se encontrava abaixo da média brasileira, embora essa também seja baixa. Desse modo, pelo resultado das últimas eleições (2012), o percentual de mulheres exercendo mandato nas câmaras municipais representa apenas 7,40% do total de vereadores no RS.
Tabela 4
Proporção de mulheres exercendo mandatos nas câmaras de vereadores
do Rio Grande do Sul e do Brasil — 1992, 2000, 2008 e 2012
ANOS
1992
2000
2008
2012
RS
5,10
10,50
12,29
7,40
BRASIL
7,40
11,60
12,53
11,88
FONTE: Rio Grande do Sul (2013).
2.3 Eixo temático 3: bem-estar
Questões como saúde materna e atendimento especializado à saúde
feminina são vitais. É fundamental a compreensão das peculiaridades da
saúde feminina. Assim, são avaliadas questões relacionadas ao atendimento da saúde da mulher através de questões como: mortalidade materna,
doenças crônicas da mulher, Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)/
/Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS), dentre outros aspectos.
No Rio Grande do Sul, a taxa de mortalidade materna (por 100 mil
nascidos vivos), que era de 40,0 em 1992, passou a 45,0 em 2000 e chegou
a 76,6 em 2010. É relevante apontar que, em 1992, a taxa, no RS, estava
abaixo da brasileira (51,6), mas, em 2010, a taxa média, no Estado, foi
superior à verificada no Brasil (62,5) (Tabela 5).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
244
Clitia Helena Backx Martins; Marilene Dias Bandeira; Paula Maria Caputo
Tabela 5
Taxa de mortalidade materna no Rio Grande do Sul e no Brasil —
1992, 2000 e 2010
(por 100.000 nascidos vivos)
ÁREAS GEOGRÁFICAS
Rio Grande do Sul .............
Brasil .................................
ANOS
1992
2000
2010
40,0
51,6
45,0
-
76,6
62,5
FONTE: Brasil (2010).
NOTA: Elaboração da Fundação de Economia e Estatística/Núcleo de Indicadores Sociais
e Ambientais.
Por outro lado, a taxa de incidência de HIV/AIDS entre mulheres, na
faixa etária de 15 a 24 anos, no Rio Grande do Sul, por 100 mil pessoas,
esteve sempre mais alta do que a média brasileira: em 1991, era de 0,3 no
RS e de 0,2 no Brasil, passando, em 2000, a 2,3 no RS e 1,0 no Brasil e
reduzindo-se para 1,7 no RS e 0,7 no Brasil, em 2010 (Tabela 6).
Tabela 6
Taxa de incidência de HIV/AIDS entre mulheres, na faixa etária de 15 a 24 anos,
no Rio Grande do Sul e no Brasil — 1991, 2000 e 2010
ÁREAS GEOGRÁFICAS
Rio Grande do Sul .............
Brasil ...................................
1991
0,3
0,2
(por 100 mil pessoas)
ANOS
2000
2010
2,3
1,7
1,0
0,7
FONTE: Brasil (2010).
NOTA: Elaboração da Fundação de Economia e Estatística/Núcleo de Indicadores Sociais
e Ambientais.
Outros aspectos verificados nessa dimensão dizem respeito a cuidados
preventivos, percepção do próprio estado de saúde e incidência de algumas
doenças crônicas. Esses dados foram obtidos apenas para as capitais
brasileiras e o Distrito Federal em 2011, tendo como fonte a Vigilância de
fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico
(Vigitel), do Ministério da Saúde.
Na Tabela 7, um primeiro dado que chama atenção refere-se à
avaliação realizada por pessoas acima de 18 anos, de ambos os sexos, em
todas as capitais do País, sobre seu próprio estado de saúde. Com exceção
apenas das cidades de Palmas e Boa Vista, em todas as demais capitais
brasileiras, as avaliações negativas sobre o próprio estado de saúde foram
mais frequentes entre as mulheres do que entre os homens. Em Porto
Alegre, 4,6% das mulheres e 2,2% dos homens avaliaram seu estado de
saúde como ruim ou muito ruim.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
245
Indicadores de gênero no Rio Grande do Sul
Tabela 7
Indicadores de saúde, por sexo, em Porto Alegre — 2011
Masculino
SEXO
Feminino
Total
2,2
4,6
3,5
12,3
14,7
13,6
diagnóstico médico de diabetes ......................................
5,5
7,0
6,3
Percentual de adultos (18 anos ou mais) que referem
diagnóstico médico de hipertensão arterial .....................
23,6
27,4
25,7
Percentual de adultos (18 anos ou mais) fumantes ........
24,6
20,9
22,6
INDICADORES
Percentual de adultos (18 anos ou mais) que avaliou
seu estado de saúde como ruim ou muito ruim ..............
Percentual de adultos (18 anos ou mais) fisicamente
inativos .............................................................................
Percentual de adultos (18 anos ou mais) que referem
FONTE: Brasil (2012).
Quanto ao percentual de pessoas fisicamente inativas, o dado mostra
que, em Porto Alegre, 14,7% das mulheres e 12,3% dos homens se
declararam nessa situação. É interessante sublinhar que a categorização de
fisicamente inativas da pesquisa da Vigitel abarca
[...] indivíduos que não praticaram qualquer atividade física no
lazer, nos últimos três meses, e que não realizam esforços
físicos intensos no trabalho, não se deslocam para o trabalho
ou para a escola a pé ou de bicicleta, perfazendo um mínimo
de 10 minutos por trajeto por dia, e que não participam da
limpeza pesada de suas casas (BRASIL, 2012).
Relativamente a doenças crônicas, foram utilizados dados sobre
diabetes e hipertensão arterial para ambos os sexos.
Sobre a diabetes, observa-se que Porto Alegre é a segunda capital
brasileira com a maior taxa reportada de mulheres com diabetes no Brasil
(7,0%). Para os homens porto-alegrenses, esse percentual é de 5,5. A
hipertensão arterial também é significativa nos diagnósticos médicos, na
capital gaúcha: 27,4% das mulheres e 23,6% dos homens, em Porto Alegre,
responderam terem sido diagnosticados com esse problema de saúde.
Finalmente, quanto à situação de fumantes, verifica-se que Porto
Alegre é a capital brasileira com o mais alto percentual de tabagistas no
Brasil: 20,9% das mulheres e 24,6% dos homens declararam o uso de fumo.
Quanto à realização de exames preventivos, apresenta-se o indicador
de percentual de mulheres entre 25 e 59 anos de idade que realizaram
exame de citologia oncótica para câncer de colo do útero em algum
momento de suas vidas e nos últimos três anos, bem como o percentual de
mulheres entre 50 e 69 anos de idade que realizaram mamografia em algum
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
246
Clitia Helena Backx Martins; Marilene Dias Bandeira; Paula Maria Caputo
momento de suas vidas e nos últimos dois anos, nas capitais brasileiras e
no Distrito Federal.
Em relação ao exame de colo do útero, em Porto Alegre, o percentual
de mulheres que afirmam tê-lo realizado nos últimos três anos é um dos
mais altos entre as capitais brasileiras — 87,2%, sendo que 92,4%
afirmaram que já foram submetidas ao exame em algum momento de suas
vidas. Quanto à mamografia, 79,9% das porto-alegrenses haviam realizado
o exame nos últimos dois anos, e 94,4%, pelo menos, alguma vez, estando
esses também entre os valores mais altos, no cotejo das capitais brasileiras
para esse indicador (Tabela 8).
Tabela 8
Indicadores de cuidados preventivos de saúde feminina em Porto Alegre — 2011
INDICADORES
Percentual de mulheres de 25 a 59 anos que
realizaram exame de citologia oncótica para
detecção de câncer de colo do útero em algum
momento de sua vida e nos últimos três anos ..
Percentual de mulheres de 50 a 69 anos que
realizaram mamografia em algum momento de
sua vida e nos dois últimos anos .....................
REALIZAÇÃO
Nos Dois ou Três
Em Algum Momento
Últimos Anos
92,4
87,2
94,4
79,9
FONTE: Brasil (2012).
3 Conclusão
Como conclusões preliminares, considera-se que, mesmo em face de
transformações profundas e relevantes nos contextos social e político, nas
últimas décadas, constata-se que as desigualdades de gênero persistem
em diversas áreas, tanto no âmbito privado como na esfera pública.
No que se refere ao mundo do trabalho, as diferenças históricas entre
homens e mulheres em relação ao acesso ao mercado de trabalho formal,
às condições de remuneração, à empregabilidade, à proteção social e aos
direitos trabalhistas fundamentais somam-se a uma carga maior para o sexo
feminino no que diz respeito aos afazeres domésticos. Assim, as estratégias
de promoção de igualdade de gênero no mundo do trabalho exigem atenção
e ações articuladas no âmbito das políticas públicas e da sociedade civil,
para que possam ser repensadas as formas de organização do trabalho nas
suas diferentes esferas, tanto pública como privada.
Além disso, observam-se profundas desigualdades em relação à
participação política do sexo feminino, como se pode constatar pela baixa
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Indicadores de gênero no Rio Grande do Sul
247
participação das mulheres nas câmaras municipais, tanto no RS como no
Brasil.
Analisando-se as políticas públicas e os programas governamentais a
partir da perspectiva de gênero, nota-se que, nas últimas décadas, algumas
iniciativas do Rio Grande do Sul têm contribuído para modificar esse padrão
profundamente arraigado na sociedade brasileira. Cabe, portanto, seguir
pesquisando essas questões, com vistas a aprofundar diagnósticos e estabelecer prioridades para a introdução de critérios de equidade de gênero em
políticas públicas, planos, programas e projetos sociais.
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N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Breno Camargo Serafini.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Desigualdades regionais no
Rio Grande do Sul: leitura histórica e
contexto atual
Jaime Carrion Fialkow
Economista, Pesquisador da Fundação
de Economia e Estatística
1 Introdução
O tema das desigualdades, em suas diversas manifestações, é central
no debate socioeconômico brasileiro, assim como na formulação e execução de quaisquer políticas públicas. Entender e combater a grande disparidade no padrão de vida de diferentes estratos da população é tarefa da
maior importância. Essas desigualdades aparecem sob várias formas, e
uma delas é a territorial, a qual age em diversas escalas: desde o nível macrorregional, em que, por exemplo, as Regiões Sul e Sudeste do País contrastam com as demais regiões pelo maior desenvolvimento, até o nível
inframunicipal, onde, na maior parte das cidades médias e grandes, convivem a poucos metros de distância famílias com condições de vida extremamente díspares.
Dentro do panorama nacional, o Rio Grande do Sul encontra-se no estrato mais rico e próspero entre as unidades da Federação com renda per
capita acima da média nacional. Internamente, porém, o Estado possui uma
realidade regional complexa, com desigualdades marcantes no seu território. Este texto busca entender processos que determinaram e determinam
as desigualdades no Rio Grande do Sul, focando na sua face econômica —
as diferenças na capacidade de produção e apropriação de riquezas entre
as localidades sul-rio-grandenses.
Tradicionalmente, o debate regional no Estado traz algumas questões:
as aglomerações de Porto Alegre e Caxias do Sul e a divisão do RS em
uma metade norte afluente e uma metade sul pobre. Esses são os principais
eixos desta análise, a partir dos quais se passa a buscar mais a fundo particularidades e tendências. Tal visão foi formada na segunda metade do século XX, e começou a ser desafiada nas últimas décadas daquele século,
em especial na última. Nesse cenário de transformação, novas questões
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
254
Jaime Carrion Fialkow
manifestaram-se: Porto Alegre e a RMPA estagnaram relativamente, mas
seus arredores expandiram-se; o Sudeste cresceu após décadas, a partir do
Polo Naval; e o Noroeste tem particularidades importantes que merecem
uma abordagem própria. A divisão Metade Norte-Sul parece desafiada por
uma divisão Metade Leste-Oeste, ao menos em concentração absoluta de
produto e população. A aglomeração de Porto Alegre passa por transformações importantes no seu núcleo e expande-se territorialmente; a de Caxias
do Sul cresce; e a de Rio Grande — Pelotas recupera-se, formando um
grande eixo no Leste do Estado. Os principais municípios dessas localidades, salvo exceções, crescem em participação no produto e na população
estaduais, enquanto os maiores centros urbanos fora dessa área não apresentam desempenho significativo como um todo. Essas são as principais
questões levantadas no texto a partir de uma análise da economia regional
do Rio Grande do Sul, buscando-se entender sua formação, evolução e seu
desempenho nos primeiros anos do século XXI, através de determinantes e
tendências em relação à distribuição da atividade econômica no território
estadual.
Desigualdades regionais têm uma série de particularidades que devem
ser analisadas. Diferenças entre concentração de produto e população têm
significado distinto de disparidades nas condições de vida. O fato de uma
região concentrar boa parte do PIB e da população não significa que tenha
maior renda. Pelotas está entre os municípios de maior PIB e população do
Estado, mas possui uma renda per capita muito abaixo da de Garibaldi, com
PIB e população menores. Há, entretanto, relação entre essas variáveis. As
teorias do desenvolvimento regional (HIRSCHMAN, 1972; MYRDAL, 1968)
e da economia regional (LÖSCH, 1968; MARSHALL, 1898; GLAESER et al.,
1992; FUJITA; KRUGMAN; VENABLES, 1999) mostram existirem diversos
fatores que ligam a concentração territorial da atividade produtiva a uma
maior produtividade, consequentemente maiores salários e maior renda.
Assim, a concentração de produto e população tende a gerar uma dinâmica
de melhora nas condições econômicas de uma região, e o seu esvaziamento, uma dinâmica de deterioração.
Em segundo lugar, diferenças entre regiões não necessariamente refletem diferenças regionais, mas nos atributos individuais de seus moradores. Se, em uma localidade, os trabalhadores são mais qualificados do que
em outra, é natural que produzam mais riqueza e tenham maiores salários.
Essa seria apenas uma manifestação regional de um determinante individual de produtividade e renda. Teorias demonstram, entretanto, que a
aglomeração e a qualificação têm externalidades positivas para todos, aumentando a produtividade geral de uma localidade (MARSHALL, 1898;
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Desigualdades regionais no Rio Grande do Sul: leitura histórica e contexto atual
255
BECKER, 1964; MORETTI, 2004). Nesse caso, diferenças entre regiões
representam, de fato, diferenças regionais.
Supondo-se serem essas desigualdades algo importante a ser entendido, é necessário estudar-se como elas são determinadas. Na segunda seção, como ponto de partida para se compreender a economia regional sul-rio-grandense, trata-se da formação e da evolução histórica da economia
regional do Estado. Na terceira, apresenta-se um panorama geral da economia estadual entre 2000 e 2010, voltado para seus impactos regionais, e,
depois, uma análise desses movimentos e possíveis tendências à luz das
teorias que abordam os determinantes da distribuição regional do produto.
2 Formação e evolução regional da
economia sul-rio-grandense
A configuração territorial da sociedade sul-rio-grandense é resultado de
uma série de processos ocorridos em diferentes momentos, com diferentes
objetivos e a partir de estruturas distintas, gerando um estado bastante heterogêneo na sua configuração regional.
De difícil acesso aos portugueses, tanto por terra quanto por mar, o território sul-rio-grandense ficou, em grande parte, isolado da influência europeia até meados do século XVII, quando padres jesuítas instalaram-se na
região dos rios da Prata, Uruguai e Paraná, em missões que buscavam catequizar as populações indígenas desses locais, a maioria Guarani. A partir
de conflitos entre os índios missioneiros e as Coroas portuguesa e espanhola e com a vitória dos exércitos imperiais, as missões foram desarticuladas.
Esse desmonte acabou levando o gado trazido pelos jesuítas a soltar-se e
rumar livre pelas terras do Estado. Nas atuais Regiões Sul e Sudoeste do
RS encontraram vastos campos e por ali ficaram, gerando um numeroso
rebanho bovino selvagem. Conforme a mineração ganhou força no Brasil,
no século XVIII, esse gado passou a ser procurado para alimentar e servir
de força de trabalho no Sudoeste. Sem a definição de propriedade na região, o gado era buscado livremente e disputado. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento econômico na região do Rio da Prata e os conflitos entre os
Impérios espanhol e português levaram ao surgimento de diversos fortes no
que é hoje o Uruguai e no sul do Rio Grande do Sul. Gradualmente, a Coroa
portuguesa começou a distribuir sesmarias com grandes parcelas de terra
para os líderes desses grupos que vinham pegar o gado e para os altos militares dos fortes ali instalados. A partir desses fatores, formou-se a economia
da Região Sul do Rio Grande do Sul durante os tempos de colônia (PESAVENTO, 1985).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
256
Jaime Carrion Fialkow
No fim do século XVIII e início do século XIX, com a decadência da
economia mineradora, a região encontrou no charque o produto de exportação para o mercado nacional, em especial como alimento dos escravos. As
charqueadas exigiam força de trabalho mais numerosa e um controle mais
rígido, além de uma maior gama de serviços para atender à atividade produtiva, gerando, assim, os primeiros centros urbanos importantes do Estado —
Pelotas, Rio Grande, Santana do Livramento, Bagé, Alegrete — na região e
um aumento do trabalho escravo. O surgimento da economia regional no
que se costumou chamar Metade Sul do Estado ocorreu, então, pela criação de uma base de exportação local especializada em um produto (no caso, o gado e o charque), que alavancou para o florescimento e a expansão
da atividade econômica. Como aponta North (1977), grande parte das economias surgem a partir desse processo.
Os donos dos latifúndios e das charqueadas tornaram-se, com o crescimento da economia local, cada vez mais poderosos e pressionaram por
desonerações de impostos em seus produtos e taxação para a carne estrangeira concorrente. Impulsionados pelas lutas de independência republicana nos vizinhos Argentina e Uruguai, passaram a ser uma força contra o
poder central brasileiro, sendo a Guerra dos Farrapos, de 1835 a 1845, o
maior expoente desse potencial nocivo ao Império. Esse poder cada vez
maior e mais difícil de controlar preocupou o Governo nacional, que realizou
um esforço para criar uma força política e econômica local desligada da estrutura social e econômica dos estancieiros da Campanha (AREND; CÁRIO,
2005), baseada na pequena propriedade fundiária e com limitações ao uso
do trabalho escravo, incentivando o assalariamento. Assim, estimulou-se a
imigração europeia para as regiões do Estado fora do pampa, inicialmente
na Nordeste, atualmente, grosso modo, no eixo Caxias do Sul-Porto Alegre,
mas, depois, espraiando-se para as Regiões Central, Norte e Noroeste. Na
década de 20 do século XIX, começaram a chegar alemães. Cerca de cinco
décadas depois, houve uma importante imigração italiana, e, no início do
século XX, outros diversos grupos também foram atraídos para as Regiões
Norte e Noroeste do Estado. Com pequena propriedade agrícola, produção
diversificada, pouco trabalho escravo e maior assalariamento — gerando
tanto uma sociedade mais igualitária quanto uma maior monetização da
economia local —, desenvolveu-se um comércio mais forte. Muitos imigrantes também já vinham com algumas qualificações para diversos serviços
urbanos mais sofisticados para a época, inclusive a manufatura, adicionando complexidade a essa economia (LAUTERT, 2005).
Como aponta Fonseca (1983), no final do século XIX, essas duas economias regionais conviviam com relativa independência no Estado, mas o
crescimento da economia da colônia, ao lado do crescimento de uma buroPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Desigualdades regionais no Rio Grande do Sul: leitura histórica e contexto atual
257
cracia na classe média urbana, na Capital, começou a ameaçar o poder estancieiro, ainda dominante na política local. A crise na economia charqueadora do Estado — que não se modernizou como a argentina e a uruguaia,
perdendo, assim, a competição com estas por mercados externos — agravou as diferenças. Enquanto os estancieiros viam como saída o aumento do
incentivo à atividade pecuária, em Porto Alegre e na colônia, a saída buscada era o investimento em outras regiões e atividades que alavancassem a
economia estadual. A Revolução Federalista, em 1893, foi resultado dessa
luta, da qual Porto Alegre e as regiões de pequena propriedade saíram vencedoras, como sairiam economicamente nas décadas seguintes. No início
do século XX, a Região Sul começou a perder participação na economia
estadual, e seus antes afluentes centros urbanos foram incapazes de gerar
um processo de industrialização relevante, enquanto a Nordeste viu sua
participação econômica decolar, e os principais centros urbanos — em especial, Porto Alegre e São Leopoldo — começaram um significativo processo de industrialização movido, em grande parte pelo capital comercial acumulado pela economia diversificada da região (PESAVENTO, 1983, 1985;
LAUTERT, 2005).
Jacobs (1969), baseada na ideia de bases de exportação de North, parece explicar as raízes históricas dessa virada. A autora, entretanto, entende
que a especialização é maléfica no longo prazo, deixando a economia local
à mercê da demanda e dos preços externos, além de criar uma estrutura
engessada. O que definiria a capacidade de crescimento de longo prazo de
uma localidade seria sua capacidade de diversificar a base exportadora
através da inovação, da substituição de importações, da divisão de trabalho.
O Sul do Estado, no século XX, não conseguiu esse feito. Extremamente
dependente do gado, ao ser confrontada com uma concorrência com maior
capacidade tecnológica nos vizinhos Argentina e Uruguai, a economia da
região entrou em uma decadência relativa durante várias décadas. Jacobs
também enfatiza a importância do meio urbano como propulsor das inovações e as cidades como motoras do desenvolvimento. No Nordeste do Estado, uma economia urbana mais complexa gerada pelos imigrantes foi capaz de criar um processo continuado de expansão da atividade econômica,
absoluto e relativo ao resto do Rio Grande do Sul. Paralelamente, as Regiões Norte e Noroeste do Estado — que receberam os imigrantes mais
tardios e que também mesclaram elementos da economia da Região Sul e
da Nordeste — tornaram-se agrícolas, com pequenas propriedades e produção diversificada, mas sem grandes centros urbanos e desenvolvimento
industrial.
Esse processo de decadência da Região Sul e de expansão da Nordeste, na economia sul-rio-grandense, alongou-se por grande parte do séPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
258
Jaime Carrion Fialkow
culo XX, diminuindo nas últimas décadas. Na segunda metade do século, a
Noroeste desenvolveu a agricultura mecanizada, em especial com a soja,
além de uma indústria ligada à atividade agropecuária, o que a levou a ganhar participação. A Sul viu a decadência estagnar, e a Nordeste sofreu um
arrefecimento em sua expansão. Afora a desaceleração dos processos em
curso, não se percebeu, até o final do século passado, sinal de mudanças
maiores na configuração regional da economia do Rio Grande do Sul. O
início do século XXI, por sua vez, parece indicar potencial para transformações significativas de longo prazo.
3 Desigualdades regionais no Rio Grande
do Sul, na primeira década do século XXI
No contexto apresentado acima, o Rio Grande do Sul chegou no final
do século XX como um dos principais produtores agropecuários e industriais
do País, com uma das maiores rendas per capita da Federação, mas ainda
com graves disparidades internas. Duas grandes transformações com impacto regional importante atingiram o Estado na última década: uma relativa
decadência da indústria tradicional voltada para a exportação, em decorrência do câmbio valorizado (na segunda metade da década) e da competição estrangeira — em especial, a chinesa —; e um desenvolvimento do
complexo agroindustrial a partir do ganho nos termos de troca de
commodities agrícolas, como soja, trigo e arroz, cuja produção se expandiu
e se modernizou (LAZZARI, 2010) e, como decorrência, ensejou um crescimento da agroindústria, especialmente no setor de máquinas e equipamentos agrícolas.
Outros processos relevantes para se entenderem as atuais transformações regionais no Estado são a expansão das indústrias metalomecânica
e automobilística, em grande parte na região de Caxias do Sul, e o surgimento do Polo Naval de Rio Grande, cujo impacto maior se deu nesta década, mas que já apresentava sinais de sua força no final da passada, ainda
que de forma tímida. É nesse contexto que se busca entender, nas próximas seções, o atual cenário das desigualdades regionais no Estado.
3.1 As desigualdades regionais nas mesorregiões
O Rio Grande do Sul tem disparidades marcantes nas estruturas social
e produtiva do seu território. A capital, Porto Alegre, possuía 1,4 milhão de
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Desigualdades regionais no Rio Grande do Sul: leitura histórica e contexto atual
259
habitantes em 2010, e sua Região Metropolitana (RMPA), com 4,2 milhões,
continha quase 40% dos habitantes do Estado. A cerca de 130km ao norte
de Porto Alegre encontra-se Caxias do Sul, no centro da Aglomeração
Urbana do Nordeste do RS. Essa aglomeração e a RMPA juntas, ambas na
Região Nordeste do Estado, ocupam 4,9% da sua área e concentram 47%
da população. Outros municípios de maior porte são Pelotas, Rio Grande,
Santa Maria e Passo Fundo, que, somados, representavam 9,1% da população estadual em 2010, enquanto 227 dos 496 municípios possuiam menos de 5.000 habitantes.
É comum dividir-se o Estado em Metade Sul e Metade Norte, a primeira
historicamente ligada à grande propriedade, à pecuária extensiva e à lavoura de arroz, e a segunda relacionada à pequena propriedade e à
produção diversificada. Outros trabalhos o dividem em macrorregiões
(FONSECA, 1983; ALONSO; BANDEIRA; BENETTI, 1994), desmembrando
a Metade Norte entre o Nordeste, onde se desenvolveram os principais
centros urbanos e industriais do Estado, e o Norte (ou Noroeste), com produção ligada à agricultura diversificada, à lavoura mecanizada e à agroindústria.
Nesta seção, será realizada uma análise geral sobre as principais
variáveis de produto e população, usando-se como base as mesorregiões
do Estado como definidas pelo IBGE. Tomando-se por base as três macrorregiões, pode-se, grosso modo, constatar uma identificação da Mesorregião Noroeste com a Macrorregião Norte/Noroeste, das Mesorregiões Nordeste e Metropolitana com a Macrorregião Nordeste, e das Mesorregiões
Sudeste e Sudoeste com a Macrorregião Sul. As Mesorregiões centrais,
Ocidental e Oriental, são difíceis de encaixar nesse panorama, mas a
Ocidental está mais ligada à Macrorregião Sul, enquanto a Oriental tem
localidades com características das três macrorregiões, mas sua atividade
econômica mais relevante no período recente está ligada a municípios que,
como será visto posteriormente, parecem beneficiar-se da expansão da
aglomeração produtiva da Mesorregião Nordeste. Essa abordagem permite
diferenciar-se Sudeste e Sudoeste, cujas dinâmicas econômicas vêm-se
diferenciando com a expansão do Polo Naval, assim como separa a RMPA
da região de Caxias do Sul, cujas dinâmicas recentes também são bastante
distintas.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
260
Jaime Carrion Fialkow
Mapa 1
Mesorregiões geográficas, pela classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
do Rio Grande do Sul
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
A economia do Rio Grande do Sul, entre 2000 e 2010, teve como
motor a agropecuária, devido ao aumento de preços das commodities agrícolas no mercado internacional e à perda de dinâmica do crescimento industrial. A indústria foi beneficiada, no início da década, pela maxidesvalorização cambial ocorrida em 1999, crescendo mais do que a brasileira até
2003. A partir de 2004, por ser voltada para a exportação, sofreu mais com
a valorização cambial do que a indústria do restante do Brasil, como aponta
Castilhos, Calandro e Campos (2010). O crescimento industrial expressivo
no período aconteceu nos setores de máquinas e equipamentos, puxado
pelo crescimento da produção agrícola, e na indústria automotiva.
As consequências regionais das transformações foram significativas.
Entre 2000 e 2010, as mesorregiões de maior crescimento do PIB estavam
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
261
Desigualdades regionais no Rio Grande do Sul: leitura histórica e contexto atual
na parcela mais pobre do Estado (Sudeste e Sudoeste, com 41,3 e 40,4%
respectivamente), muito devido ao desenvolvimento da agropecuária, enquanto a Mesorregião Metropolitana apresentou o menor crescimento —
21,2% —, com a indústria crescendo apenas 15,8%. Enquanto isso, a mesma tinha uma expansão acima dos 40% nas Macrorregiões Nordeste e
Noroeste. No primeiro caso, em virtude da expansão da indústria metalomecânica de Caxias do Sul e arredores, enquanto, no segundo, pelos efeitos
da expansão da agroindústria no Noroeste. O crescimento menor da agropecuária no Noroeste indica, em grande parte, a mecanização mais precoce
dessa região, enquanto o crescimento expressivo nas mesorregiões do Sul
do Estado aponta para o avanço da soja e da mecanização. Nos serviços,
destacou-se o baixo crescimento na Mesorregião Metropolitana e na Sudoeste.
Tabela 1
Crescimento percentual do Produto Interno Bruto (PIB), da população, do PIB per capita, da
agropecuária, da indústria e dos serviços nas mesorregiões
do Rio Grande do Sul — 2000-10
MESORREGIÕES
PIB
Centro Ocidental ..... 30,5
Centro Oriental ........ 33,6
Metropolitana ........... 21,2
Nordeste .................. 38,7
Noroeste ................ 37,2
Sudeste ................... 41,3
Sudoeste ................. 40,4
Rio Grande do Sul 29,0
POPULAÇÃO
PIB PER
CAPITA
AGROPECUÁRIA
2,0
6,3
7,7
14,2
-0,7
1,9
-3,2
5,0
28,7
26,5
13,5
22,6
38,2
39,4
45,7
23,7
31,1
28,3
37,6
26,2
25,3
47,9
65,4
33,7
INDÚSTRIA SERVIÇOS
26,8
26,2
15,8
46,0
45,0
24,7
39,9
25,5
34,0
40,6
23,2
35,6
40,1
32,4
15,8
28,7
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
Se o PIB aumentou menos do que em qualquer outra mesorregião, a
população da Mesorregião Metropolitana seguiu crescendo acima da média
do Estado — o que levou a um crescimento do PIB per capita de 13,5% em
10 anos, quando as demais mesorregiões cresceram entre 22,6% e 45,7%.
O aumento mais expressivo em população, no entanto, foi o da Mesorregião
Nordeste, com 14,2%. Esse fenômeno parece indicar certo esgotamento da
capacidade atrativa de Porto Alegre e seu entorno e a transformação da
região de Caxias do Sul — de forte crescimento industrial no período — no
principal centro atrativo de mão de obra do Estado. Enquanto isso, as Mesorregiões Noroeste e Sudeste perderam população.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
262
Jaime Carrion Fialkow
Tabela 2
Participação percentual das mesorregiões no Produto Interno Bruto (PIB) e na população e PIB
per capita do Rio Grande do Sul — 2000-10
MESORREGIÕES
Centro Ocidental ...
Centro Oriental ......
Metropolitana ........
Nordeste ................
Noroeste ................
Sudeste .................
Sudoeste ...............
PIB
POPULAÇÃO
PIB PER CAPITA (1)
2000
2010
2000
2010
2000
2010
3,4
7,1
51,9
11,6
15,0
6,4
4,6
3,4
7,3
48,8
12,5
16,0
7,0
5,0
5,2
7,2
43,2
9,1
19,2
8,8
7,3
5,0
7,3
44,3
9,9
18,2
8,5
6,8
0,65
0,98
1,20
1,28
0,78
0,73
0,63
0,68
1,01
1,10
1,27
0,88
0,82
0,74
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
(1) PIB per capita estadual = 1.
Resultante desses fenômenos é a convergência do PIB per capita
entre as mesorregiões. A Mesorregião Nordeste, de PIB per capita mais alto
já em 2000, manteve praticamente a mesma diferença em relação à média
estadual, mesmo sendo a região com maior crescimento de população. O
aumento conjunto de PIB e população permite inferir-se que essa região está navegando em ganhos de aglomeração, o que não se pode dizer da Mesorregião Metropolitana, onde o aumento populacional não foi acompanhado pelo crescimento do PIB, podendo indicar um certo esgotamento das
vantagens aglomerativas nessas localidades. Por outro lado, a convergência apresentada para as mesorregiões de menor PIB per capita deve ser
relativizada, pois, especialmente na Sudoeste e na Noroeste, foi dada à perda populacional — ocorrência associada à falta de dinamismo e oportunidades.
Tabela 3
Participação percentual das mesorregiões do RS no Valor Adicionado Bruto (VAB) setorial do
Rio Grande do Sul — 2000-10
VAB
MESORREGIÕES
Centro Ocidental ....
Centro Oriental .......
Metropolitana .........
Nordeste .................
Noroeste .................
Sudeste ..................
Sudoeste ................
Agropecuaria
Indústria
Serviços
2000
2010
2000
2010
2000
2010
7,3
11,2
10,9
12,0
39,5
8,2
10,9
7,1
10,8
11,2
11,3
37,0
9,1
13,4
1,8
9,0
55,9
14,7
10,1
5,7
2,8
1,9
9,1
51,6
17,1
11,7
5,6
3,1
3,9
5,7
53,6
9,9
15,2
6,7
5,1
4,0
6,2
51,3
10,5
16,5
6,9
4,6
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Desigualdades regionais no Rio Grande do Sul: leitura histórica e contexto atual
263
Em que pesem as transformações, a participação das mesorregiões no
VAB setorial e no PIB não sofre grandes reversões. A Mesorregião Metropolitana tem perdas significativas em participação na indústria e em serviços, mas ainda concentra mais da metade da produção desses setores. A
Mesorregião Nordeste consolidou a posição de segunda força industrial,
mas, em 2010, ainda tinha uma indústria cerca de três vezes menor que a
da RMPA. Outras mudanças notáveis foram o aumento das Mesorregiões
Sudeste e Sudoeste na participação do VAB Agropecuário, e a perda relativa da Noroeste, indicando a expansão do agronegócio para o sul do Estado.
3.1.1 Outras escalas e maiores municípios
A desigualdade no Estado ocorre em várias escalas. No nível macro e
mesorregional, podem-se identificar tendências, mas limitar-se a eles deixaria escapar diversas particularidades em níveis menores. Se fatores aglomerativos estão presentes, cabe estudarem-se as localidades onde eles se
destacam: os maiores municípios do Estado. Analisar sua distribuição e seu
desempenho permite entender-se como cada região acaba sendo prejudicada ou beneficiada por esses fatores. Ao se estudarem os maiores municípios, engloba-se, também, a maior parte da população e da atividade produtiva do Estado, representando um cenário robusto da economia regional sul-rio-grandense.
A Tabela 4 contém os 15 municípios com maior PIB no Estado, em
2010. Juntos, eles concentram 53,5% do produto do Rio Grande do Sul naquele ano, enquanto os demais 481 municípios foram responsáveis pelos
47,5% restantes. Todos estão entre os 18 maiores em população, exceto
Triunfo, que, com apenas 25,8 mil habitantes, se encontra longe de ter uma
das maiores populações estaduais. Em conjunto, porém, abarcam 40,6%
dos habitantes do RS, proporção significativamente menor do que a do PIB.
Isso indica que esses municípios parecem gerar vantagens aglomerativas
que impulsionam a produtividade e atraem atividades mais produtivas para
si, gerando maior PIB per capita.
Interessa, então, saber como se distribuem essas localidades no território do Estado. No Mapa 2, é possível ver-se sua concentração na RMPA
(sete municípios), mas também no Leste do Estado como um todo — traçando-se uma linha imaginária dividindo Leste e Oeste do Estado, apenas
Santa Maria e Uruguaiana estariam no Oeste do Rio Grande do Sul. Mesmo
Passo Fundo, na Mesorregião Noroeste, está relativamente próximo a Caxias do Sul, e Santa Cruz do Sul, no Centro-Oriental do Estado, encontra-se
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
264
Jaime Carrion Fialkow
não muito longe da RMPA. Os Municípios de Pelotas e Rio Grande, na
Metade Sul, também se voltam para o Leste.
Tabela 4
Os 15 municípios com maior Produto Interno Bruto (PIB)
do Rio Grande do Sul — 2010
MUNICIPIOS
Porto Alegre ..................
Canoas .........................
Caxias do Sul ...............
Rio Grande ...................
Gravataí ........................
Triunfo ..........................
Novo Hamburgo ............
Santa Cruz do Sul ........
Pelotas ..........................
Passo Fundo ................
Cachoeirinha ................
Santa Maria ..................
São Leopoldo ...............
Bento Gonçalves ...........
Uruguaiana ...................
Subtotal .......................
Demais municípios ........
RIO GRANDE DO SUL
PIB 2010
(R$ milhões)
42.947
18.018
15.396
7.779
6.907
6.524
5.350
4.723
4.550
4.545
4.327
4.098
4.077
3.103
2.647
134.992
117.491
252.483
PROPORÇÃO DO PIB
DO RS (%)
17,0
7,1
6,1
3,1
2,7
2,6
2,1
1,9
1,8
1,8
1,7
1,6
1,6
1,2
1,0
53,5
46,5
100,0
FONTE: Fundação de Economia e Estatística
As razões para a falta de maiores centros econômicos a Oeste, entretanto, são diferentes no Norte e no Sul desta região. Ao Norte, a Mesorregião Noroeste é constituída de 216 municípios, 43,5% do total do Estado,
mas contém 18,2% da população em 24,1% da área. É uma região formada
por uma série de municípios de pequeno porte, tanto em população quanto
em área, com um bom número de polos de tamanho médio, onde se destacam Erechim mais ao norte e mais a oeste Ijuí, Cruz Alta e Santa Rosa.
Essa configuração certamente vai ao encontro das características econômicas da região, baseada fortemente na atividade agrícola de pequena e média propriedade, que exige e gera incentivos para uma produção industrial e
de serviços espraiados, ao contrário do eixo Porto Alegre-Caxias do Sul, fortemente industrial, atividade cuja natureza tende a exercer um papel concentrador. Já ao Sul, o perfil dos principais municípios é diferente. A Mesorregião Sudoeste apresenta apenas 19 municípios e 6,8% da população
em 23,1% da área do Estado. É uma região com poucos municípios de área
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Desigualdades regionais no Rio Grande do Sul: leitura histórica e contexto atual
265
extensa, quase todos de porte médio a grande em termos populacionais.
Além de Uruguaiana, Bagé, São Borja, Alegrete, Santana do Livramento e
São Gabriel possuem populações importantes. São, porém, centros urbanos
antigos, com suas imensas áreas rurais ocupadas por grande propriedade
de pecuária ou agricultura extensiva e uma indústria pouco dinâmica.
Mapa 2
Os 15 municípios com maior Produto Interno Bruto do Rio Grande do Sul — 2010
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Fundação de Economia e Estatística/FEEDADOS.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
266
Jaime Carrion Fialkow
Tabela 5
Estrutura produtiva dos 15 municípios de maior Produto Interno Bruto
do Rio Grande do Sul — 2010
MUNICIPIOS
Porto Alegre .............
Canoas ....................
Caxias do Sul ..........
Rio Grande ..............
Gravataí ...................
Triunfo .....................
Novo Hamburgo ......
Santa Cruz do Sul ...
Pelotas .....................
Passo Fundo ...........
Cachoeirinha ...........
Santa Maria .............
São Leopoldo ..........
Bento Gonçalves .....
Uruguaiana ..............
Subtotal ..................
Demais municípios ..
Rio Grande do Sul
AGROPECUÁRIA
INDÚSTRIA
0,1
0,0
1,2
3,0
0,3
1,0
0,4
3,0
3,2
1,8
0,0
2,6
0,1
2,4
19,1
1,1
16,7
8,7
15,3
41,3
45,0
35,3
55,8
78,2
28,3
45,9
18,7
16,5
34,1
15,9
32,8
38,2
13,6
31,9
26,4
29,2
ADMNISTRAÇÃO
PÚBLICA
13,8
6,8
10,7
10,6
13,4
2,6
17,0
9,9
22,8
13,3
13,6
20,8
19,2
12,8
22,8
12,5
18,3
15,4
(%)
DEMAIS
SERVIÇOS
70,9
51,9
43,0
51,1
30,5
18,3
54,3
41,2
55,3
68,4
52,2
60,8
47,9
46,5
44,5
54,5
38,6
46,7
FONTE: Fundação de Economia e Estatística/FEEDADOS.
Do ponto de vista setorial, como seria de se esperar, a indústria tem
peso maior no VAB dos principais municípios, mas a diferença não é tão
significativa (31,9% contra 26,4%). A agropecuária também tem pouca participação nos 15 maiores municípios, com exceção de Uruguaiana, onde representa 19% do VAB. É como cidades de serviços, no entanto, que se destacam os 15 maiores municípios, onde o setor gera 55% do PIB e 39% nos
demais 481 municípios do Estado. Neles, verifica-se a polaridade econômica de Porto Alegre, maior PIB do Estado e cujo VAB tem nos serviços mais
de 80% do PIB. Passo Fundo também se destaca como cidade de serviços,
assim como Pelotas e Santa Maria — essas duas, em grande parte, pelos
hospitais e universidades federais, além da forte presença do Exército na
segunda. Canoas e Caxias do Sul aparecem como os grandes centros industriais do Estado, com VAB industrial até maior que o de Porto Alegre.
Assim como Gravataí, ambas ligam-se à indústria automotiva e à metalomecânica. Santa Cruz do Sul tem na indústria quase a metade do seu VAB,
em parte, pelo complexo agroindustrial do fumo. O município tem a função
de polo industrial para a região, cuja economia gira, em grande parte, ao
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
267
Desigualdades regionais no Rio Grande do Sul: leitura histórica e contexto atual
redor desse setor. A proximidade relativa com a RMPA deve exercer algum
peso no crescimento industrial do município, tornando-o atrativo para novas
plantas. Polos industriais tradicionais, São Leopoldo e Novo Hamburgo aparecem sofrendo os efeitos da crise no setor de couro e calçados, mas seguem tendo um perfil industrial. Uruguaiana não aparece nem como centro
industrial, nem como de serviços. A administração pública tem papel importante, assim como a agropecuária — muito pela extensa área do município,
entre as maiores do Estado. Evidencia-se, aqui, a pouca dinâmica da Região Sudoeste, refletida no seu município com maior força econômica.
Tabela 6
Crescimento percentual do Produto Interno Bruto (PIB) e da população
dos 15 municípios de maior PIB do Rio Grande do Sul — 2000-10
MUNICIPIOS
Porto Alegre ..........................
Canoas ..................................
Caxias do Sul ........................
Rio Grande ............................
Gravataí .................................
Triunfo ...................................
Novo Hamburgo ....................
Santa Cruz do Sul .................
Pelotas ..................................
Passo Fundo .........................
Cachoeirinha .........................
Santa Maria ...........................
São Leopoldo ........................
Bento Gonçalves ...................
Uruguaiana ............................
Subtotal ................................
Demais municípios ................
Rio Grande do Sul ...............
PIB
POPULAÇÃO
8,7
55,5
48,2
75,7
91,6
8,1
1,4
40,1
13,0
32,2
83,7
29,8
21,2
14,8
56,6
28,6
29,3
29,0
3,6
5,8
20,8
5,7
9,9
16,4
1,2
10,0
1,6
9,7
10,0
7,2
10,6
17,3
-1,2
6,8
3,7
4,96
FONTE: Fundação de Economia e Estatística/FEEDADOS.
Na Tabela 6, vê-se que o crescimento do PIB desses 15 maiores municípios, entre os anos de 2000 e 2010, foi menor que o dos demais municípios do Rio Grande do Sul, ainda que bastante próximo: 28,6% contra
29,3%. Este, porém, varia entre as localidades. Porto Alegre cresce pouco,
mas Canoas, Gravataí e Cachoeirinha têm taxas altas, que indicam um deslocamento da dinâmica econômica entre as cidades vizinhas. Fora da
RMPA, Caxias do Sul e Rio Grande destacam-se devido ao crescimento do
polo metal-mecânico caxiense e do surgimento do Polo Naval em Rio Grande. Novo Hamburgo e São Leopoldo simbolizam a decadência da indústria
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
268
Jaime Carrion Fialkow
tradicional do Estado na década, afetadas pela crise dos calçados, com
crescimento baixo no período. Pelo perfil menos concentrado, o crescimento
expressivo do complexo agroindustrial no período não aparece de forma tão
significativa nesses municípios de maior porte. Entretanto, em Uruguaiana,
as elevadas taxas de crescimento indicam essa expansão pela importância
que o setor agropecuário tem no município.
No caso da população, nota-se uma diferença maior em termos proporcionais, com os 15 maiores municípios tendo crescido 6,8%, e os demais, apenas 3,7%. Apenas cinco cresceram menos do que a média dos
outros. Esse quadro mostra que, mesmo em uma década em que a economia dos maiores municípios não aumentou decisivamente mais do que a
dos outros, eles continuam atraindo população. Essa tendência, no entanto,
é distinta entre aqueles municípios de maior porte e segue tendências regionais das escalas maiores. Uruguaiana apresenta decréscimo populacional, seguindo a tendência dos demais municípios do Sudoeste. No Sudeste, Rio Grande, já com o impacto do Polo Naval, apresenta crescimento
acima da média estadual, indicando uma atratividade recente; Pelotas, no
entanto, cresce abaixo da média estadual, sinalizando a precariedade das
oportunidades no restante da região. Porto Alegre tem crescimento pequeno, mas que deve ser visto em conjunto com o crescimento expressivo dos
municípios próximos, como Gravataí e Cachoeirinha.
Caxias do Sul e Bento Gonçalves apresentam o maior crescimento.
Municípios de grande porte, ainda assim, viram aumentar sua população em
cerca de 20% na década, consolidando-se como grandes polos de atração
populacional no Rio Grande do Sul, papel que fora da RMPA durante as
últimas décadas.
3.2 Tendências
Dados esses fatores, cabe buscar-se como está movendo-se a atividade econômica no Rio Grande do Sul e como deve mover-se nos próximos anos. Essas tendências são verificadas analisando-se as mesorregiões
do Estado e também a distribuição e o desempenho recente dos principais
municípios — supondo-se que estes ditem, em algum grau, a dinâmica econômica regional através de seu maior peso. Uma primeira constatação é
uma transformação, grosso modo, da divisão entre Metade Norte e Metade
Sul. Sudeste e Sudoeste parecem seguir dinâmicas diferentes recentemente, com o primeiro recebendo o Polo Naval e passando a atrair população e
o segundo mantendo-se agrário e perdendo população. A continuidade dessa diferenciação e do crescimento da economia do Sudeste a partir de Rio
Grande aponta o surgimento de uma “Metade Leste”, um eixo Caxias do
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Desigualdades regionais no Rio Grande do Sul: leitura histórica e contexto atual
269
Sul-RMPA-Rio Grande, que concentre cada vez mais a população e o produto no Estado, com centros industriais e de serviços de grande porte. Na
“Metade Oeste”, encontram-se regiões cuja economia depende da agropecuária e da agroindústria, sem grandes centros urbanos, cuja população
vem decrescendo. Esta, porém, tem situações distintas entre o Sudoeste e
o Noroeste, com estruturas produtivas e sociais bastantes diferentes. Do
ponto de vista das Macrorregiões Nordeste, Sul e Norte, é como se a Região Nordeste — onde se encontram a RMPA e Caxias do Sul — se expandisse e tomasse territórios das outras duas, que vão tornando-se cada vez
mais, de fato, Sudoeste e Noroeste.
Há uma perda de importância de Porto Alegre e da RMPA, mas que
deve ser relativizada: em parte, é uma expansão física dessa aglomeração
produtiva, que começa a se espalhar para o centro-sul, o centro, o nordeste
e o litoral do Estado, regiões que vêm atraindo produto e população na última década. Paralelamente, expande-se a aglomeração em torno de Caxias do Sul. Cada vez mais, esta se aproxima da aglomeração de Porto Alegre, formando um eixo econômico entre as duas.
No Sul, Rio Grande desenvolve-se com o Polo Naval, e os números,
até 2010, ainda mostram pouco do impacto que já aconteceu e que deve vir
nas próximas décadas. A expansão deve atingir também toda a região da
Lagoa dos Patos entre Rio Grande e Porto Alegre, gerando uma aproximação das aglomerações. Assim, uma espécie de grande eixo econômico
entre Rio Grande-Porto Alegre-Caxias do Sul parece estar-se consolidando
como concentrador de produto e população no Estado. Somado a isso, o
Litoral Norte expande-se, assim como as regiões de Santa Cruz do Sul, Lajeado e Venâncio Aires, a oeste de Porto Alegre, além de Passo Fundo, que
pertence à Mesorregião Noroeste e cuja lógica está bastante ligada à economia desta, mas cujo desenvolvimento produtivo e atração populacional
parecem, em algum grau, estar relacionados com sua proximidade em relação a Caxias do Sul e à RMPA. Essa seria a “Metade Leste” do Estado,
concentrando grande parte do produto e da população.
Do outro lado, estariam o Noroeste e o Sudoeste, que ocupam grande
parte da área, mas uma parcela muito menor de produto e população. Ambas estão enfrentando perdas populacionais, o que, por si só, é preocupante. As situações econômicas, entretanto, são distintas, assim como suas
estruturas produtivas e sociais. O Noroeste tem desafios demográficos importantes. Seu ganho de renda per capita nos últimos anos está muito ligado à perda de população, o que está longe de ser um número positivo: do
ponto de vista aglomerativo, perder população significa perder capacidade
de gerar uma dinâmica de crescimento econômico. A agricultura cada vez
mais mecanizada e baseada em grãos tende a agravar esse processo, forPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
270
Jaime Carrion Fialkow
çando a concentração das propriedades fundiárias, enquanto a falta de centros urbanos de maior peso também dificulta a absorção desse êxodo. Ainda
assim, a região apresenta crescimento acima da média estadual na sua indústria e nos seus serviços, e vários de seus centros urbanos, mesmo que
de menor importância, possuem uma economia dinâmica. No Sudoeste, a
situação populacional também preocupa, principalmente pelos centros urbanos de destaque que estão em decadência. Do ponto de vista econômico, o
sucesso da agropecuária na última década, na região, pode ser positivo,
mas, devido à concentração de terras, seu impacto é limitado e não deve
alavancar grandes processos de expansão econômica ou atrair contingentes de trabalhadores. Mesmo com a queda populacional, a região continua
apresentando índices de PIB per capita bastante abaixo da média estadual.
Nesse contexto, a divisão entre “Metade Leste” e “Metade Oeste”, ainda que tentadora, é bastante limitada, assim como se tornou a divisão entre
Metade Norte e Metade Sul. Como todas as grandes divisões, deixam escapar particularidades e devem ser entendidas dentro de suas escalas específicas. Estes são, também, processos em curso, tendências avistadas a partir
do quadro da primeira década do século. Mudanças econômicas e políticas
públicas podem aprofundar, reverter, ou modificar esses processos e gerar
novas tendências na distribuição regional da economia sul-rio-grandense.
4 Conclusão
O Rio Grande do Sul possui uma rica histórica na formação do seu território e de sua economia regional. Uma análise das últimas décadas, em
especial da última, e de tendências mais visíveis indica mudanças importantes nos processos de concentração e expansão da atividade produtiva. Porto Alegre e sua Região Metropolitana perdem espaço como concentradores
de produção e população, mas continuam sendo o centro econômico do
Estado: parte dessa desconcentração não decorre da decadência da aglomeração, mas da sua expansão territorial. Caxias do Sul e Pelotas-Rio
Grande, por razões distintas, tendem a seguir expandindo-se como principais forças produtivas sul-rio-grandenses.
O Noroeste, por décadas, cresceu com a lavoura mecanizada de grãos
e, na última, pela indústria de máquinas e equipamentos agrícolas. Entretanto, a expansão da monocultura agrava o problema demográfico da região, que perdeu população na década. A falta de grandes centros urbanos
dificulta a absorção da população dos municípios menores, que acabam
buscando oportunidades fora. O Sudoeste apresenta evolução, em especial
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Desigualdades regionais no Rio Grande do Sul: leitura histórica e contexto atual
271
na agropecuária, mas mantendo a concentração fundiária, e segue com
problemas demográficos e baixo PIB per capita.
Esses processos indicam um giro no eixo principal de análise da economia gaúcha: de Metades Norte-Sul, para “Metades Leste-Oeste”. Mas
também apontam certa limitação desse eixo: apesar do Polo Naval, o Sudeste, fora dos dois principais centros urbanos, continua com uma economia
pouco dinâmica. O Noroeste, por sua vez, mesmo com problemas demográficos e algumas regiões pouco dinâmicas, apresenta uma economia consideravelmente desenvolvida em diversas localidades, uma indústria crescente e desconcentrada e centros urbanos que não têm grande porte, mas servem com eficiência como nós de comando da economia da região.
Cabe, então, além de não se prender a tendências que podem estar
em constante transformação, aprofundar-se a análise, e não se deter a uma
ou outra escala, para entender-se e agir sobre essas questões.
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N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Roselane Vial.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e
agroindustriais do Rio Grande do Sul*
Rodrigo Morem da Costa
Rodrigo Daniel Feix
Economista, Doutor em Economia, Pesquisador
do Núcleo de Análise Setorial da Fundação de
Economia e Estatística (FEE)
Economista, Mestre em Economia Aplicada,
Pesquisador do Núcleo de
Análise Setorial da FEE
1 Introdução
Neste trabalho, apresenta-se a síntese dos resultados das etapas de
identificação e seleção das aglomerações produtivas gaúchas, objeto do
projeto Estudo de Aglomerações Industriais e Agroindustriais no Rio Grande
do Sul, concebido e realizado pela Fundação de Economia e Estatística
(FEE). Por fornecer subsídios importantes à condução da política de Arranjos Produtivos Locais (APLs) do Estado, a execução do projeto vem contando com o apoio da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do
Investimento (AGDI). A concepção que baliza o projeto é a de que as aglomerações de empresas especializadas em uma determinada atividade produtiva, especialmente aquelas que se qualificam como APLs, geram uma
série de sinergias pela sua atuação conjunta, mediante o surgimento de relações técnicas, econômicas, sociais e políticas na região, o que contribui
para melhorar a competitividade das firmas no mercado e para promover o
desenvolvimento econômico sustentável do território.
A partir desse entendimento, os estudos de Zanin, Costa e Feix (2013)
e Feix (2013) conduziram à identificação e à seleção das aglomerações industriais e agroindustriais presentes no território gaúcho, para posterior análise dos casos escolhidos nas etapas seguintes da pesquisa.
*
Além dos autores deste artigo, fazem parte da equipe envolvida no projeto Estudo de
Aglomerações Industriais e Agroindustriais no Rio Grande do Sul os Pesquisadores
Álvaro Garcia, Áurea Breitbach, Beky Moron de Macadar, César Conceição, Clarisse Castilhos, Elvin Fauth, Fernanda Sperotto, Maria Isabel da Jornada, Maria Lucrécia Calandro,
Silvia Campos e Vanclei Zanin. O texto que segue é resultado da reflexão coletiva desse
grupo, tendo sido operacionalizado pelos autores. Os autores agradecem ainda à Geógrafa
Mariana Pessoa, responsável pela produção dos mapas contidos no trabalho.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
274
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
Neste artigo, são compilados os resultados alcançados naqueles trabalhos, destacando-se, ainda, a dinâmica recente do emprego das aglomerações produtivas selecionadas. Por se tratar de um estudo-síntese, neste texto, apresenta-se uma versão resumida dos procedimentos metodológicos e
das informações contidas nos estudos originais.
O trabalho está organizado em seis seções, contadas com esta Introdução. Na seção 2, é apresentado brevemente o embasamento teórico que
orientou a realização do estudo. Em seguinda, são descritos os procedimentos metodológicos adotados na identificação e na seleção das aglomerações produtivas. A seção 4 destina-se à reprodução e à análise geral dos
resultados alcançados. O desempenho recente das aglomerações produtivas seleciondadas é objeto de análise na seção 5. Nas Considerações finais, são abordados os desdobramentos deste trabalho e os próximos
passos da pesquisa.
2 Embasamento teórico
A concepção de que as aglomerações espaciais de empresas especializadas em uma determinada atividade produtiva criam importantes sinergias
positivas para a competitividade não é algo novo na discussão sobre desenvolvimento econômico. A literatura sobre o tópico é vasta e permeada pelas
contribuições de uma ampla gama de matizes teóricos. No caso dos Arranjos Produtivos Locais, de cunho neoschumpeteriano, a ideia que fundamenta esse constructo é a de um sistema de produção e inovação espacialmente concentrado em um determinado território, voltado para a fabricação
de um produto, ou para um escopo limitado de produtos representativos.
Nesse ambiente local, a aglomeração espacial e as relações técnicas, econômicas, sociais e políticas entre os diferentes atores do APL criam uma
variada gama de economias externas (MARSHALL,1982, p. 234-236), que
contribuem para elevar a competitividade das empresas pertencentes ao
arranjo, conferindo um senso de que este possua uma eficiência coletiva
(SCHMITZ, 1999, p. 469-470).
No âmbito desta discussão, as economias externas referem-se ao aumento da escala do mercado local em uma atividade específica, permitindo
que haja uma extensa divisão do trabalho e uma especialização de empresas por produto, por etapa do processo de produção, ou na fabricação de
componentes específicos da mercadoria final, conferindo flexibilidade produtiva e ganhos de eficiência às empresas locais (BECATTINI, 1991, p. 84;
PIORE; SABEL, 1984, p. 29). A escala do mercado local também possibilita
a oferta de trabalho, de ativos e de serviços que são especializados em uma
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
275
atividade econômica característica, contribuindo na promoção de sua competitividade. Isso ocorre através do surgimento, na região, de um mercado
de trabalho composto por trabalhadores qualificados e pela instalação de firmas fornecedoras de insumos, de bens de capital e de serviços, além de
instituições de apoio (COSTA, 2012, p. 10) voltadas para a atividade. Inclusive, a proximidade geográfica entre empresas e fornecedores e a maior
coordenação entre eles, facilitam a logística de aquisição de insumos, reduzindo custos de produção e de transação e aumentando a flexibilidade produtiva. Ademais, a interação recorrente possibilitada pela proximidade geográfica, organizacional e institucional é um fator de suma importância no
processo de desenvolvimento tecnológico das empresas do APL, pois possibilita a formação de um contexto cognitivo compartilhado, o que facilita a geração, a transmissão e o aprendizado de novos conhecimentos. Inclusive, o
contexto cognitivo compartilhado permite interações face a face e um meio
comum de comunicação que facilita o intercâmbio de conhecimentos tácitos,
comumente originados do aprendizado através da experiência (learning by
doing), do uso (learning by using), da interação entre os atores (learning by
interacting) e outros (SUZIGAN et al., 2006, p.12). Nesse sentido, o conjunto
de atores do APL forma um sistema setorial local de inovação, onde as firmas interagem com outras organizações, para ganhar, desenvolver e trocar
vários tipos de conhecimentos, informações e recursos, que são importantes
no processo de busca e desenvolvimento de novas tecnologias (EDQUIST,
2011, p. 1-2). No cômputo total, essa série de vantagens competitivas, ou
de economias externas, é gerada pela coletividade de atores do APL, sendo
de grande importância para o desempenho econômico de suas empresas.
Quanto às economias externas intencionais, estas dizem respeito à
articulação e à cooperação entre os atores do APL, em ações que visam à
solução de problemas comuns, possibilitando que as empresas obtenham
vantagens competitivas naqueles atributos de competição do produto que
formam o padrão de concorrência setorial da atividade, e que são fundamentais ao desempenho no mercado (COSTA; COSTA, 2005, p. 13).
Observe-se, ainda, que as relações de articulação e cooperação no APL
exigem mais do que proximidade geográfica e interações recorrentes para
acontecerem, demandando igualmente a existência de entendimento mútuo,
estabelecimento de confiança e de relações de governança e liderança entre os atores locais. Essas relações estão fundadas, por sua vez, no capital
social decorrente de uma história comum, em laços de parentesco e amizade e em um conjunto de instituições — como cultura, normas, valores éticos, religiosos, etc. —, que são compartilhados e estão enraizados na população do território, contribuindo para estruturar as diferentes formas de inte-
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
276
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
ração e relacionamentos aceitáveis entre os atores locais (COSTA; COSTA,
2005, p. 7).
Com base nesse conjunto de aspectos característicos da organização
da produção na forma de Arranjos Produtivos Locais, uma possível definição sintética seria:
[...] aglomerações de empresas localizadas em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm algum vínculo de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais tais como governo,
associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E
PEQUENAS EMPRESAS, 2003, p. 12).
A ênfase dada ao Arranjo Produtivo Local como um sistema produtivo
e inovativo especializado e geograficamente concentrado, no qual existem
interações recorrentes entre os atores, e onde ocorrem relações de articulação, cooperação e aprendizado mediadas por instituições locais, remete à
relevância do elemento social na construção de vantagens competitivas para as empresas locais. Portanto, um APL vai além da aglomeração espacial
de empresas especializadas, compreendendo também uma fusão entre a
atividade produtiva e a comunidade local, criando uma atmosfera produtiva
favorável, o que confere um papel ativo ao território no processo de desenvolvimento econômico (BECATTINI, 1991, p. 84-85).
No que tange a esta pesquisa, a implicação dessa construção teórica é
que um APL é uma aglomeração de empresas setorialmente especializada
em uma determinada região, que possui interação entre seus atores, e cujos
nexos de articulação, cooperação e aprendizado da coletividade contribuem
para aprimorar a capacidade competitiva das firmas locais. Entretanto, esses tipos de relações sociais não são passíveis de identificação e mensuração neste momento, exigindo estudo específico. Assim, neste trabalho, é
apresentada uma síntese das etapas preliminares que culminaram na escolha dos aglomerados que serão estudados em profundidade, entendidos como possuidores de potencial para promover o desenvolvimento de suas regiões e com maior aderência aos objetivos deste projeto de pesquisa. Nos
estudos específicos para os aglomerados escolhidos, busca-se determinar:
a delimitação exata do complexo produtivo e a abrangência geográfica de
cada aglomerado escolhido; sua capacidade para a promoção do desenvolvimento econômico regional; os principais fatores limitantes de sua competitividade; e sua aproximação da descrição teórica de Arranjo Produtivo Local.
Logo, neste trabalho, são apresentados os resultados da identificação de
aglomerados especializados nas regiões do Estado, sua seleção por blocos
relacionados aos objetivos do projeto de pesquisa e aqueles que foram
escolhidos para estudo em suas próximas etapas.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
277
3 Procedimentos metodológicos de
identificação e seleção das aglomerações
Nas últimas décadas, com a melhor compreensão das distintas formas
de industrialização territorializada e com a ampliação da oferta de microdados regionalizados, foi possível avançar-se no desenvolvimento de metodologias voltadas à identificação e à caracterização estrutural de APLs no Brasil. Neste trabalho, a identificação e a seleção das aglomerações produtivas
industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul foram realizadas através
da utilização de indicadores de concentração setorial e especialização regional, combinados com variáveis de controle e filtros, que foram aplicados
1
aos dados coletados .
A base de dados tem como referência o ano de 2010 e foi construída
visando à identificação de atividades econômicas aglomeradas nas regiões
dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) do Rio Grande do
Sul. No que se refere à definição das atividades econômicas consideradas,
adotou-se o menor nível de agregação possível de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE, versão 2.0). Assim, o conjunto de dados e informações foi estruturado segundo os 28 Coredes do Estado e as 280 classes de atividades econômicas que abrangem a indústria
extrativa (16 classes), a indústria de transformação (258 classes) e as atividades de software (seis classes). Os dados utilizados provêm de duas fontes principais. A primeira delas, a Relação Anual de Informações Sociais do
Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS-MTE), fornece informações sobre
estabelecimentos e vínculos empregatícios formais que podem ser desagregadas no nível das atividades econômicas nos municípios. A segunda, a
Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, disponibiliza informações fiscais que expressam a contribuição percentual das atividades
2
econômicas na formação do valor das saídas do Estado e dos Coredes .
Os indicadores de concentração adotados para a identificação das
aglomerações foram o Quociente Locacional (QL) do emprego e dos estabelecimentos. O QL expressa a importância relativa de um segmento produtivo para uma região vis-à-vis à macrorregião em que está inserida. Mais
1
A metodologia seguida tomou por referência os estudos de Suzigan et al. (2004, 2006) e
Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (2005). Para o Rio Grande
do Sul, o estudo pioneiro nesse tipo de mapeamento e identificação de aglomerações industriais foi desenvolvido por Guerrero e Conceição (2011).
2
O valor das saídas pode ser interpretado como variável proxy para o Valor Bruto da
Produção (VBP) da indústria extrativa e de transformação. Para preservar o sigilo fiscal das
empresas, a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul (Sefaz-RS) não permite a divulgação desses dados sem termos absolutos e por município.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
278
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
especificamente, ele busca traduzir quantas vezes mais (ou menos) uma
região se dedica a uma determinada atividade em relação ao conjunto das
regiões que perfazem a macrorregião de referência (PAIVA, 2006). Assim, a
verificação de um QL igual ou superior à unidade, para determinada classe
industrial de uma região, indica a especialização local naquela atividade.
Complementarmente, são empregados outros três critérios gerais para
identificar as aglomerações industriais de cada Corede: (a) número mínimo
de estabelecimentos em cada atividade nas regiões; (b) número mínimo de
empregos formais em cada atividade nas regiões; e (c) importância da atividade para a economia da região.
A partir desse conjunto de critérios mínimos de identificação de aglomerações, optou-se pelo estabelecimento de outros parâmetros de filtragem
que contemplassem alguns dos principais objetivos específicos do projeto
de pesquisa. Ressalta-se que o expediente de se avaliar uma mesma região
ou atividade econômica, segundo perspectivas distintas, para salientar
determinados aspectos ou atingir metas específicas é bastante utilizado
pela Ciência Econômica, inclusive no que se refere à elaboração de tipologias de classificação de clusters. No presente estudo, as aglomerações que
se destacam pela importância regional e/ou setorial foram classificadas e
selecionadas segundo quatro blocos de análise: (a) regiões de menor
desenvolvimento relativo; (b) intensidade tecnológica; (c) importância para o
emprego; e (d) agroindustriais. Com isso, pretende-se contornar as conhecidas limitações decorrentes da utilização do QL como principal determinante na seleção de potenciais APLs. Espera-se, ainda, que a utilização dos
blocos de análise produza resultados melhor ajustados aos objetivos da
pesquisa e à conhecida distribuição geográfica da produção industrial do
Rio Grande do Sul.
O Quadro 1 apresenta a síntese dos critérios de identificação e seleção
das aglomerações, com destaque para os quatro blocos de análise. No primeiro bloco, são selecionadas, dentre as aglomerações identificadas, aquelas que estão localizadas nas regiões de menor desenvolvimento relativo do
Estado. A existência de assimetrias no território, em termos de desenvolvimento, exige o uso de critérios flexíveis e específicos, a fim de se evitar a
formação de espaços vazios em termos de alcance das políticas públicas
voltadas ao fortalecimento dos APLs.
O segundo bloco de análise foi pensado para permitir a seleção de
aglomerações de empresas em atividades intensivas em tecnologia que, a
priori, possuam maior potencial para desenvolver novas tecnologias. Foram
criados filtros adicionais, mais restritivos, para ressaltar a maior intensidade
de esforço tecnológico e a capacidade de geração e difusão de inovações.
A criação de um bloco de análise com esse fim é justiticada pela percepção
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
279
de que os APLs de atividades intensivas em tecnologia possuem uma capacidade ainda maior de dinamizar as atividades produtivas e promover o
desenvolvimento econômico regional. Neste trabalho, optou-se por seguir a
taxonomia criada pela Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), para definir as atividades econômicas intensivas em
3
tecnologia . Dentre as aglomerações identificadas, aquelas classificadas como de alta e média-alta intensidades tecnológicas passaram pelo primeiro
filtro. O segundo filtro adotado nesse bloco foi a quantidade de empregados
mestres ou doutores em relação ao total de empregados da atividade no
Corede. Esse critério consiste em uma segunda proxy para a capacidade interna das empresas de pesquisarem, desenvolverem ou incorporarem novos conhecimentos e tecnologias. A lógica é a de que empregados pós-graduados, por sua qualificação profissional diferenciada, possuem uma maior
capacidade para gerar, aplicar ou buscar novas tecnologias externas, a fim
de incorporá-las na empresa, possibilitando melhorar a posição competitiva
da firma no mercado. O terceiro filtro adotado foi o percentual de empregados com educação superior completa em relação ao contingente de empregados em cada classe de atividade por Corede. A ideia é análoga à do
filtro anterior, pois se destina a captar uma proporção mínima de participação de algumas profissões que exigem curso superior, e que são relevantes para o surgimento ou assimilação de novos produtos, processos e formas de organização. Por fim, o último filtro destina-se a detectar a importância das aglomerações de base tecnológica para o Corede em que essas se
localizam. Isso se relaciona ao potencial desse tipo de concentração de
empresas especializadas em dinamizar a economia local.
No terceiro bloco de análise, foram selecionadas as aglomerações
produtivas intensivas em trabalho que possuem destacada importância para
o emprego setorial, regional e estadual. A noção que embasa essa perspectiva de análise é a do fortalecimento do mercado interno, pois são
aglomerações industriais geradoras de postos de trabalho e renda, além de
que o somatório dos salários pagos aos seus empregados — a massa
salarial — resulta em incremento de demanda por bens e serviços de outras
atividades produtivas. Ainda, essa maior demanda produz um efeito indireto
sobre o emprego, pois requer aumento da oferta de bens e serviços das
atividades indiretamente beneficiadas, elevando a produção e as contratações de trabalhadores. Ou seja, as aglomerações industriais intensivas
em trabalho produzem um importante efeito multiplicador sobre o emprego
nas regiões em que estão localizadas, sendo importantes para o desenvolvimento.
3
Para maiores detalhes, ver OCDE (2003). A aplicabilidade dessa taxonomia para a realidade da economia brasileira e gaúcha foi discutida em Zanin, Costa e Feix (2013).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
280
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
O quarto e último bloco de análise visa selecionar as aglomerações
agroindustriais. Considerada a importância do agronegócio para a economia
gaúcha, o esforço de seleção desse tipo de aglomeração justifica-se pelo
seu papel na dinâmica socioeconômica regional. Analogamente a outros ramos da indústria, a inserção competitiva das firmas dessas aglomerações
também é determinada pela sua capacidade de tirar proveito de economias
internas e externas. Na seleção das aglomerações agroindustriais, os QLs
emprego e estabelecimentos foram calculados em duas versões, que se diferenciam pela dimensão da base industrial e/ou agroindustrial considerada.
A primeira versão tomou por base os dados correspondentes ao conjunto da
indústria extrativa, de transformação e das atividades de software do RS,
procedendo-se à seleção apenas das classes agroindustriais. Na segunda
versão, apenas as classes agroindustriais são consideradas na base de cálculo dos QLs. Apesar de aparentemente sutil, essa diferenciação é importante, pois aumenta as chances de identificação de aglomerações agroindustriais nas regiões dominantemente industrializadas em outros segmentos. Por seu turno, a desconsideração das informações das atividades não
agroindustriais na identificação (cálculo do QL apenas em sua segunda
versão) poderia prejudicar a seleção de aglomerações em regiões onde a
participação das atividades agroindustriais é maior (Quadro 1).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
281
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
Quadro 1
Síntese dos critérios e restrições adotados na identificação e na seleção das aglomerações
produtivas do RS
OBJETIVOS
BLOCOS DE
ANÁLISE
CRITÉRIOS
Quociente Locacional (QL)
Emprego
QL Estabelecimentos
Identificação
Número de estabelecimentos
das aglomeNúmero de empregos
rações
Participação da atividade no
valor das saídas do Conselho
Regional de Desenvolvimento
(Corede)
Índice de Desenvolvimento
Localização
Socioeconômico (Idese)
em regiões de
Participação da atividade no
menor nível
valor das saídas do Corede
de desenvolvimento relativo Percentual de micro e
pequenas empresas
Intensidade tecnológica
Número de empregados com
mestrado e/ou doutorado
Intensidade
Percentual de empregados
tecnológica
com curso superior completo
Participação da atividade no
valor das saídas do Corede
Seleção das
Número de empregos da
aglomeatividade no Corede
rações
Participação da atividade no
emprego do Corede
Participação no emprego da
Emprego
atividade no RS
Participação no valor das
saídas do Corede
Número de estabelecimentos
da atividade no Corede
-
Agroindustrial (1)
ORDEM
RESTRIÇÕES
1º
>=1
2º
3º
4º
>=1
> = 10
> = 100
5º
> = 0,5%
1º
< = média do RS
2º
> = 1%
3º
> = 80%
1º
alta e média-alta
2º
>0
3º
> = 5%
4º
> = 1%
1º
> = 500
2º
> = 1%
3º
> = 15%
4º
> = 1,5%
5º
> = 20
Atividades agroindustriais
1º
QL Emprego Agroindustrial
QL Estabelecimento
Agroindustrial
2º
Divisões 10, 11 e
12
>=1
3º
>=1
FONTE: Zanin, Costa e Feix (2013) e Feix (2013).
(1) Os QLs Emprego e Estabelecimentos foram calculados em duas versões. Para maior detalhamento,
consultar Feix (2013).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
282
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
4 Resultados
4.1 Aglomerações identificadas
A aplicação dos procedimentos metodológicos resultou na identificação
4
de 170 aglomerações industriais no RS. Em 2010, essas aglomerações
responderam por 47,9% do total do emprego, 32,3% dos estabelecimentos
e 34,8% do valor das saídas das indústrias de transformação e extrativa e
das atividades de software do Estado. Em todas as regiões dos Coredes
foram identificadas aglomerações. A Figura 1 revela a distribuição regional
das aglomerações identificadas e o emprego correspondente.
Figura 1
Distribuição das aglomerações identificadas e o emprego total correspondente nos Conselhos
Regionais de Desenvolvimento do RS — 2010
FONTE: Zanin, Costa e Feix (2013) e Feix (2013).
4
A lista completa das 170 aglomerações identificadas pode ser acessada em Zanin, Costa e
Feix (2013). Muitos dos casos identificados poderiam ser agrupados em uma única aglomeração segundo sua proximidade geográfica e similaridade produtiva. Uma primeira aproximação, nesse sentido, é proposta ao final do artigo para as aglomerações selecionadas.
Porém, somente será possível determinar com assertividade a abrangência geográfica e
setorial de cada aglomeração por meio da realização de estudos individualizados.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
283
Considerados em conjunto, os Coredes Serra (27 aglomerados), Metropolitano Delta do Jacuí (16 aglomerados), Vale do Rio dos Sinos (15 aglomerados) e Vale do Taquari (11 aglomerados) abrigam mais de 40% das
aglomerações gaúchas.
Em termos setoriais, aproximadamente 78% das aglomerações identificadas se enquadram em apenas nove das divisões da CNAE, com destaque para fabricação de produtos alimentícios (21,18%), fabricação de máquinas e equipamentos (10,00%), fabricação de produtos de metal (9,41%),
fabricação de produtos de minerais não metálicos (7,65%), confecção de
artigos do vestuário (7,06%), fabricação de móveis (7,06%) e fabricação de
artefatos de couro e calçados (7,06%).
4.2 Aglomerações selecionadas
Na sequência, são apresentados e discutidos os resultados da seleção
das aglomerações segundo os quatro blocos de análise considerados. Dentre as 170 aglomerações identificadas, 58 não foram captadas pelos filtros
de nenhum dos blocos e, por esse motivo, não foram enquadradas na análise. A listagem completa das aglomerações selecionadas é apresentada na
seção 4.2.5.
4.2.1 Aglomerações selecionadas nas regiões de menor
desenvolvimento relativo
A aplicação da metodologia de classificação dos Coredes, segundo
seu nível de desenvolvimento, resultou na identificação de 20 regiões de
menor desenvolvimento relativo no RS. O grupo de regiões assim classificadas é composto pelos Coredes Alto da Serra do Botucaraí, Campanha,
Campos de Cima da Serra, Celeiro, Central, Centro-Sul, Fronteira Oeste,
Hortênsias, Jacuí-Centro, Litoral, Médio Alto Uruguai, Missões, Nordeste,
Norte, Paranhana-Encosta da Serra, Rio da Várzea, Sul, Vale do Caí, Vale
do Jaguari e Vale do Rio Pardo.
Nas regiões de menor desenvolvimento relativo do Estado, está localizada exatamente a metade das 170 aglomerações identificadas. Os critérios
e restrições adicionais, referentes à importância da atividade para a indústria da região e à presença de micro e pequenas empresas, reduziram para
66 o número de aglomerações selecionadas (Quadro 2).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
284
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
Quadro 2
Aglomerações selecionadas nas Regiões de Menor Desenvolvimento Relativo do RS — 2010
CLASSES DE ATIVIDADE
Extração de pedra, areia e argila
Abate de reses, exceto suínos
Fabricação de produtos de carne
Fabricação de óleos vegetais em bruto, exceto
óleo de milho
Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz
Moagem e fabricação de produtos de origem
vegetal [...]
Fabricação de produtos de panificação
Fabricação de biscoitos e bolachas
Fabricação de produtos derivados do cacau,
de chocolates e confeitos
Fabricação de produtos alimentícios não especificados anteriormente
COREDES
1. Campanha; 2. Central; 3. Litoral
4. Campanha; 5. Central; 6.Fronteira Oeste;
7. Sul; 8. Vale do Rio Pardo
9. Vale do Caí
10. Missões
11. Campanha; 12. Central; 13. Centro Sul;
14. Fronteira Oeste; 15. Jacuí-Centro; 16.
Litoral; 17. Sul
18. Norte
19. Central; 20. Litoral
21. Hortênsias
22. Hortênsias; 23. Norte
24. Norte
Confecção de peças do vestuário, exceto
roupas íntimas
25. Alto da Serra do Botucaraí; 26. Celeiro;
27. Centro-Sul; 28. Nordeste; 29. Norte; 30.
Rio da Várzea
Fabricação de artigos do vestuário, produzidos
em malharias [...]
31. Hortênsias
Fabricação de calçados de couro
32. Paranhana-Encosta da Serra; 33. Vale
do Caí; 34. Vale do Jaguari
Fabricação de calçados de materiais não
especificados anteriormente
Fabricação de partes para calçados, de qualquer material
Desdobramento de madeira
Fabricação de estruturas de madeira e de
artigos de carpintaria [...]
Fabricação de produtos químicos orgânicos
não especificados anteriormente
Fabricação de artefatos de concreto, cimento
[...] e materiais semelhantes
Fabricação de produtos cerâmicos [...] para
uso estrutural na construção
Fabricação de ferramentas
Fabricação de artigos de metal para uso doméstico e pessoal
Fabricação de máquinas e equipamentos para
a agricultura e pecuária [...]
Fabricação de máquinas e equipamentos para
as indústrias de alimentos [...]
Fabricação de máquinas e equipamentos para
uso industrial específico [...]
35. Paranhana-Encosta da Serra
36. Paranhana-Encosta da Serra
37. Alto da Serra do Botucaraí; 38. Campos
de Cima da Serra; 39. Hortênsias; 40.
Litoral
41. Litoral
42. Vale do Caí
43. Central; 44. Litoral; 45. Médio Alto
Uruguai; 46. Rio da Várzea
47. Centro-Sul; 48. Vale do Caí
49. Hortênsias
50. Vale do Rio Pardo
51. Central; 52. Jacuí-Centro
53. Norte
54. Norte
(continua)
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
285
Quadro 2
Aglomerações selecionadas nas Regiões de Menor Desenvolvimento Relativo do RS — 2010
Fabricação de móveis com predominância de
madeira
Fabricação de móveis com predominância de
metal
Lapidação de gemas e fabricação de artefatos
de ourivesaria e joalheria
Fabricação de instrumentos e materiais para
uso médico e odontológico [...]
55. Celeiro; 56; Hortênsias; 57. JacuíCentro; 58. Litoral; 59. Médio Alto Uruguai;
60. Nordeste; 61. Rio da Várzea; 62. Vale
do Caí
63. Norte
64. Alto da Serra do Botucaraí; 65. Médio
Alto Uruguai
66. Sul
FONTE : Zanin, Costa e Feix (2013).
Como já seria de se esperar, os resultados revelam que a maior parte
das aglomerações selecionadas é especializada em atividades tradicionais
da indústria, com menor nível de complexidade produtiva e de intensidade
de esforço tecnológico. Enquadram-se nesse perfil, por exemplo, as aglomerações especializadas em fabricação de alimentos (21 aglomerações),
móveis, (nove aglomerações), vestuário (sete aglomerações) e calçados
(cinco aglomerações). Dentre as exceções, vale destacarem-se os aglomerados especializados na fabricação de produtos químicos (Vale do Caí) e
instrumentos médicos (Sul).
Em termos de número de empregos, a aglomeração de maior importância selecionada é a de calçados de couro, situada no Corede Paranhana-Encosta da Serra. Em 2010, essa aglomeração possuía 27.228 empregos
ativos, o que representa mais de um terço do total dos empregos das aglo5
merações selecionadas no bloco . Ainda pelo critério do emprego, outras
aglomerações, de maior relevância, são as especializadas na fabricação de
calçados de couro do Vale do Caí (3.541 empregos), fabricação de móveis
com predominância de madeira na região das Hortênsias (3.210 empregos)
e beneficiamento e fabricação de produtos do arroz na região Sul (2.862
empregos). Em se tratando da importância para a composição do valor das
saídas da indústria gaúcha, nove das 10 principais aglomerações selecionadas são especializadas em atividades agroindustriais. Além das aglomerações citadas anteriormente, destacam-se, por essa variável de medida, no
Corede Fronteira Oeste, as de beneficiamento e fabricação de produtos do
arroz (0,89%) e de abate de reses (0,63%). Na Figura 2, é possível observar-se a distribuição das 66 aglomerações selecionadas nas regiões de
menor desenvolvimento relativo do RS. Uma distinção especial é feita entre
as regiões de menor desenvolvimento em expansão — cuja renda cresce
5
Em verdade, a importância dessa aglomeração é ainda maior, dado que, na mesma região,
estavam situados 2.728 empregos ativos na fabricação de partes de calçados.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
286
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
acima da média estadual — e as regiões de menor desenvolvimento em
6
declínio . O maior avanço da renda em regiões com Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) inferior à média gaúcha é interpretado como
um sinal positivo para a melhoria das condições futuras de desenvolvimento
local, ao passo que as regiões menos desenvolvidas e com renda relativa
estagnada são as que merecem maior atenção das políticas que se propõem a contribuir para a correção de desequilíbrios regionais. Nas regiões
menos desenvolvidas em declínio, estão situadas 29 das aglomerações
selecionadas. As demais aglomerações (37) situam-se em regiões que podem ser classificadas como em desenvolvimento.
Figura 2
Distribuição das aglomerações selecionadas no bloco das regiões de menor desenvolvimento
relativo do RS — 2010
FONTE: Zanin, Costa e Feix (2013).
4.2.2 Aglomerações intensivas em tecnologia
O processo de filtragem e identificação de aglomerações industriais de
maior intensidade de esforço tecnológico consiste na aplicação progressiva
6
O indicador adotado para captar o crescimento econômico foi o PIB dos Coredes gaúchos,
medido a preços de mercado. Foram calculadas médias trienais do PIB e avaliou-se sua
variação entre os anos 2001-03 e 2008-10.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
287
dos quatro critérios definidos para essa finalidade, com base nos 170 casos
preliminarmente identificados. O resultado desse procedimento aponta a
existência de 15 aglomerados industriais com maior potencial relativo para o
desenvolvimento e a difusão de novas tecnologias (Quadro 3). No ano de
2010, essas aglomerações, em conjunto, responderam por 1,9% dos estabelecimentos (708); 6,8% dos empregos (48.368); e, pelo menos, por 5,36%
do total do valor das saídas das indústrias de transformação e extrativa e da
atividade de software do Estado.
Analisando-se esses resultados, é possível perceber-se que há três
aspectos gerais que caracterizam as 15 aglomerações mapeadas por intensidade tecnológica no Rio Grande do Sul. O primeiro está relacionado com a
baixa representatividade dessas aglomerações na estrutura produtiva do
Estado, como mostrado pelos dados mencionados acima e pela sua concentração em um escopo restrito de atividades econômicas. Contudo essa
participação pouco expressiva das aglomerações intensivas em tecnologia,
em geral, não é exclusividade do Rio Grande do Sul, sendo também observada na estrutura da economia brasileira (COSTA, 2010, p. 133).
Quanto à concentração em um espectro restrito de atividades, destacam-se a fabricação de máquinas e equipamentos distintos, com cinco casos, especialmente para a agricultura (dois casos); a produção de software,
com quatro casos; e a fabricação de veículos e material de transporte, também com quatro casos. É relevante destacar-se o potencial para a difusão
de novas tecnologias dos 15 aglomerados selecionados. As atividades de
fabricação de máquinas e equipamentos são importantes difusoras de progresso técnico e ganhos de produtividade para outros segmentos da economia. Lógica similar pode ser aplicada aos softwares voltados para as
necessidades de outras atividades econômicas, como, por exemplo, aqueles desenvolvidos para coordenar o processo logístico, equipar máquinas-ferramentas, etc. Quanto à produção de veículos e material de transporte, o
destaque deve-se não apenas ao conteúdo tecnológico dos produtos, mas
também ao elevado encadeamento de seu complexo de produção, acima da
média da economia. Ainda, a fabricação de componentes eletrônicos é de
grande relevância, pois consiste na produção de insumos de elevada sofisticação tecnológica, que servem de base para a difusão de novas tecnologias para as atividades existentes no Estado e como facilitadora da implantação de outras, de alta intensidade de esforço tecnológico (e.g. fabricação de
aparelhos eletrônicos). O Quadro 3 apresenta as aglomerações industriais
selecionadas, assim como sua localização no RS, além de apresentar informações que contribuem para retratar a sua relevância em termos de potencial para o desenvolvimento de novas tecnologias pelos critérios adotados no estudo.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
288
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
Quadro 3
Aglomerações industriais intensivas em tecnologia selecionadas nos Conselhos Regionais de
Desenvolvimento (Coredes) do RS — 2010
COREDES
Fronteira
Noroeste
Metropolitano Delta do
Jacuí
Metropolitano Delta do
Jacuí
Metropolitano Delta do
Jacuí
Metropolitano Delta do
Jacuí
Metropolitano Delta do
Jacuí
Norte
Produção
Produção
Serra
Serra
Serra
Serra
Vale do Caí
Vale do Rio
dos Sinos
CLASSES DE ATIVIDADE
ENSI- PARTICIPAINTENSIMESNO
ÇÃO NO
DADE
TRES E
SUPE- VALOR DAS
TECNO- DOUTORIOR
SAÍDAS DO
LÓGICA
RES
(%)
COREDE (%)
Fabricação de máquinas e
equipamentos para a agricultura Média-alta
e pecuária [...]
6
12,43
5,91
Fabricação de componentes
eletrônicos
Alta
12
11,71
1,40
Fabricação de peças e acessórios para veículos automotores
não especificados [...]
Média-alta
1
9,97
1,68
10
43,97
-
Alta
1
32,21
-
Alta
5
31,04
-
Média-alta
2
9,19
7,70
Média-alta
5
8,56
5,56
Alta
1
78,03
-
Média-alta
2
5,36
1,06
Média-alta
56
9,09
8,33
Média-alta
11
7,16
2,14
Média-alta
6
6,63
10,21
Média-alta
2
15,2
-
Média-alta
7
11,04
1,32
Desenvolvimento de programas
Alta
de computador sob encomenda
Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador
customizáveis
Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador
não customizáveis
Fabricação de máquinas e
equipamentos para uso industrial específico [...]
Fabricação de máquinas e
equipamentos para a agricultura
e pecuária [...]
Desenvolvimento de programas
de computador sob encomenda
Fabricação de máquinas e
equipamentos para as indústrias
de alimentos, bebidas e fumo
Fabricação de cabines, carrocerias e reboques para veículos
automotores
Fabricação de peças [...] para o
sistema de freios de veículos
automotores
Fabricação de peças [...] para
veículos automotores não
especificados [...]
Fabricação de produtos químicos orgânicos não especificados
[...]
Fabricação de máquinasferramenta
FONTE: Zanin, Costa e Feix (2013).
NOTA: A indisponibilidade dos dados fiscais para as atividades de produção de software impediu a sua
contabilização.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
289
O segundo aspecto geral das aglomerações industriais intensivas em
tecnologia gaúchas é o fato de algumas delas concentrarem a maior parte
do valor das saídas e do emprego da respectiva classe de atividade no Estado. Esse é o caso, por exemplo, da fabricação de máquinas e equipamentos para as indústrias de alimentos, bebidas e fumo no Corede Serra, da
fabricação de máquinas-ferramenta no Vale do Rio dos Sinos e das três
classes do setor automotivo no Corede Serra.
A análise dos dados do Quadro 3 mostra um terceiro aspecto geral sobre as aglomerações industriais intensivas em tecnologia, que é uma tendência a se localizarem nas áreas de maior desenvolvimento relativo do
Estado. De fato, 13 dos 15 casos identificados estão localizados naqueles
Coredes com maior Idese: Metropolitano Delta do Jacuí (cinco), Serra (quatro), Produção (dois), Vale do Rio dos Sinos (um) e Fronteira Noroeste (um).
A Figura 3 retrata a distribuição espacial dos 15 casos identificados.
Figura 3
Distribuição espacial de aglomerações intensivas em tecnologia selecionadas e número de
empregos correspondentes, por Conselhos Regionais de Desenvolvimento, do RS — 2010
FONTE: Zanin, Costa e Feix (2013).
Portanto, em resumo, as aglomerações industriais intensivas em tecnologia do Estado que, a priori, são dotadas de maior potencial para desenvolver inovações tecnológicas caracterizam-se por terem baixa participação na
estrutura da economia gaúcha; estarem concentradas em um escopo limitaPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
290
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
do de atividades econômicas; responderem por grande parcela do valor das
saídas e do emprego dessas atividades no Estado; e tenderem a se localizar nas áreas de maior desenvolvimento relativo do RS.
4.2.3 Aglomerações importantes para o emprego
Uma vez aplicado o conjunto de filtros destinados a avaliar as aglomerações industriais de maior importância para o emprego regional, estadual e
setorial, foram selecionados 30 casos, que abrangem 188.343 empregos
em 5.710 estabelecimentos, e que estão situados em 12 Coredes do Estado
(Quadro 4). Apesar do número reduzido de aglomerações, esse conjunto
respondeu, em 2010, por 26,5% do emprego e por, pelo menos, 19,1% do
total do valor das saídas fiscais da indústria no Estado.
Há, pelo menos, dois elementos característicos que se destacam na
análise dessas aglomerações. O primeiro é a sua concentração em alguns
tipos de complexos de produção. Notadamente, destacam-se aqueles vinculados ao setor metal-mecânico (nove casos), ao processamento industrial
de produtos da agropecuária (oito casos) e à cadeia coureiro-calçadista
(cinco casos). Em conjunto, esses três complexos produtivos respondem
por 22 dos 30 casos selecionados, perfazendo 79,3% (149.389) do emprego
das aglomerações industriais do bloco, e, respectivamente, 16,8% do valor
das saídas e 21% do emprego das indústrias de transformação e extrativa e
da atividade de software do Estado em 2010.
O segundo elemento característico é a concentração espacial das aglomerações em apenas quatro Coredes: Serra (nove casos), Metropolitano
Delta do Jacuí (cinco casos), Paranhana-Encosta da Serra (três casos) e
Vale do Rio dos Sinos (três casos). Nesse sentido, os três principais Coredes, em termos de emprego, são Serra, Vale do Rio dos Sinos e Paranhana-Encosta da Serra, onde está localizada a metade das aglomerações (15
de 30), mais de 80% do emprego (151.780) e 85% dos estabelecimentos
(4.840) em 2010. Ademais, esses Coredes respondem, em conjunto, por um
quinto do emprego industrial estadual e por cerca de 11% do valor total das
saídas fiscais. A distribuição espacial das aglomerações identificadas pode
ser observada na Figura 4.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
291
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
Quadro 4
Aglomerações selecionadas por sua importância para o emprego, por Conselhos Regionais
de Desenvolvimento, do RS — 2010
COREDES
CLASSE DE ATIVIDADE
Fabricação de máquinas e equipamentos para agricultura e pecuária [...]
Fronteira
Fabricação de máquinas e equipamenNoroeste
tos para agricultura e pecuária [...]
Beneficiamento de arroz e fabricação
Fronteira Oeste
de produtos do arroz
Fabricação de peças [...] para veículos
automotores [...]
Desenvolvimento de programas de
computador sob encomenda
Metropolitano Desenvolvimento e licenciamento de
Delta do Jacuí programas de computador não customizáveis
Consultoria em tecnologia da informação
Tratamento de dados [...]
Noroeste Colo- Fabricação de máquinas e equipamennial
tos para agricultura e pecuária [...]
Fabricação de calçados de couro
Paranhana- Fabricação de calçados de material
Encosta da
sintético
Serra
Fabricação de partes para calçados, de
qualquer material
Produção
Fabricação de estruturas metálicas
Abate de suínos, aves e outros pequenos animais
Fabricação de vinho
Fabricação de artefatos de material
plástico [...]
Fabricação de artigos de cutelaria
Fabricação de produtos de metal não
especificados anteriormente
Serra
Fabricação de cabines, carrocerias e
reboques para veículos automotores
Fabricação de peças [...] para veículos
automotores [...]
Fabricação de móveis com predominância de madeira
Fabricação de móveis com predominância de metal
Abate de reses, exceto suínos
Sul
Beneficiamento de arroz e fabricação
de produtos do arroz
Alto Jacuí
EMPREGO
EMPREGO DO
COREDE
(%)
VALOR DAS
SAÍDAS DO
COREDE
(%)
3.766
63
38,4
4.835
36,8
5,9
2.862
40,3
52
2.348
2,2
1,7
1.376
1,3
-
1.063
1
-
1.441
3.323
1,4
3,2
-
5.086
27.228
51,4
61,2
21,1
40,6
4.823
10,8
11,5
2.728
1.105
6,1
5,3
4,4
7,7
9.095
2.184
5,7
1,4
4,5
2,6
9.275
3.654
5,8
2,3
3,4
2,2
4.341
2,7
1,6
15.715
9,8
8,3
8.282
5,2
10,2
12.880
8
5,3
3.794
1.434
2,4
7,4
1,5
2,9
2.233
11,4
13,1
(continua)
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
292
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
Quadro 4
Aglomerações selecionadas por sua importância para o emprego, por Conselhos Regionais de
Desenvolvimento, do RS — 2010
Curtimento e outras preparações de
couro
7.290
Vale do Rio dos Fabricação de calçados de couro
34.689
Sinos
Fabricação de artefatos de material
plástico não especificados anteriormente
5.802
Vale do Rio Processamento industrial do fumo
2518
Pardo
Fabricação de produtos do fumo
2269
Fabricação de produtos alimentícios
Vale do Taquari
não especificados [...]
904
5,1
24,2
3,6
8,5
4,1
11,1
10
2,1
20,1
61,2
2,2
3,6
FONTE: Zanin, Costa e Feix (2013).
Figura 4
Distribuição das aglomerações importantes para o emprego e emprego correspondente, por
Conselhos Regionais de Desenvolvimento, do RS — 2010
FONTE: Zanin, Costa e Feix (2013).
Dentre as aglomerações importantes para o emprego em seus Coredes, algumas merecem destaque. As duas primeiras são as especializadas
na fabricação de calçados de couro, localizadas nos Coredes Vale do Rio
dos Sinos e Paranhana-Encosta da Serra, pelo elevado número de empregos. Em relação às aglomerações especializadas na fabricação de máquiPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
293
nas e equipamentos para a agricultura e a pecuária, situadas nos Coredes
Alto Jacuí, Fronteira Noroeste e Noroeste Colonial, estas respondem por
uma parcela significativa do emprego industrial nessas regiões. No Corede
Serra, em 2010, a aglomeração industrial especializada na produção automotiva destacou-se pelo número de empregos (15.715), pela remuneração
média (R$ 2.629,54) e pela massa salarial gerada (R$ 41,3 milhões), que foi
a mais elevada dentre os 30 casos selecionados. Ainda no mesmo Corede,
em 2010, também merece menção a fabricação de móveis com predominância de madeira, pelo número de empregos (12.880) e massa salarial
(R$ 19,5 milhões). No Corede Metropolitano Delta do Jacuí, destacam-se as
atividades relacionadas com a produção de software, que, em conjunto,
apresentaram remuneração média e massa salarial expressivas.
4.2.4 Aglomerações agroindustriais
As agroindústrias gaúchas estão bastante dispersas no território e possuem especialização variada. Sua localização é dependente da oferta local
de matéria-prima agropecuária, dentre outros fatores. Os procedimentos
metodológicos aplicados resultaram na seleção de 42 aglomerados agroindustriais, localizados em 19 Coredes. No total, essas aglomerações respondem por 56.427 empregos e 1.170 estabelecimentos. As aglomerações
agroindustriais selecionadas com maior destaque, em termos econômicos,
estão dispostas no Quadro 5.
Seja por sua importância para a economia gaúcha, seja por sua contribuição para o desenvolvimento regional, essas aglomerações são bastante
conhecidas e estudadas, embora nem todas tenham sido objeto de análises
conduzidas sob a perspectiva de APLs. A Figura 5 permite a visualização da
distribuição nos Coredes das 42 aglomerações agroindustriais selecionadas
e do emprego correspondente.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
294
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
Quadro 5
Aglomerações agroindustriais selecionadas de maior importância para o emprego e/ou
valor das saídas da indústria do RS — 2010
COREDE
Centro-Sul
Fronteira Oeste
Metropolitano
Delta do Jacuí
Missões
Norte
Produção
Serra
Sul
Vale do Caí
Vale do Rio
Pardo
Vale do Taquari
EMPREGOS
VALOR
DAS SAÍDAS DO
ESTADO
(%)
1.342
0,25
2.009
0,63
2.862
0,89
1.134
0,55
268
0,24
322
0,19
351
9.095
2.184
1.434
0,24
0,82
0,48
0,14
2.233
0,64
2.005
0,07
1.579
0,04
1.304
2.269
0,11
3,24
Processamento industrial do fumo
2.518
1,06
Abate de suínos, aves e outros pequenos animais
Fabricação de alimentos para animais
Fabricação de laticínios
Fabricação de produtos derivados do cacau, de
chocolates e confeitos
7.856
704
1.816
0,75
0,35
0,54
1.195
0,07
ATIVIDADE
Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos
do arroz
Abate de reses, exceto suínos
Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos
do arroz
Fabricação de malte, cervejas e chopes
Fabricação de óleos vegetais em bruto [...]
Moagem e fabricação de produtos de origem
vegetal não especificados anteriormente
Fabricação de alimentos para animais
Abate de suínos, aves e outros pequenos animais
Fabricação de vinho
Abate de reses, exceto suínos
Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos
do arroz
Fabricação de conservas de frutas
Preservação do pescado e fabricação de produtos do pescado
Fabricação de produtos de carne
Fabricação de produtos do fumo
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Brasil (2010) e Rio Grande do Sul (2010).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
295
Figura 5
Distribuição das aglomerações agroindustriais selecionadas nos
Conselhos Regionais de Desenvolvimento do RS — 2010
FONTE: Feix (2013).
Os Coredes com maior número de aglomerações agroindustriais selecionadas são Vale do Taquari e Sul. Porém, em termos de emprego, além
desses, destacam-se Serra, Vale do Rio Pardo e Fronteira Oeste. Nota-se,
ainda, que é significativa a importância das atividades agroindustriais aglomeradas para a composição do valor da produção industrial de diversas
regiões. Nos Coredes Fronteira Oeste, Vale do Rio Pardo e Campanha, por
exemplo, a participação dessas atividades é superior a 70% do valor da
produção industrial total.
Em termos da classificação dos aglomerados selecionados, segundo
as atividades em que estão especializados, observa-se maior participação
de beneficiamento de arroz e fabricação de produtos de arroz (sete casos) e
de abate de reses, exceto suínos (seis casos). A atividade mais relevante
para o emprego agroindustrial dos aglomerados é a de abate de suínos,
aves e outros pequenos animais, que, tendo sido selecionada em duas regiões, conta com mais de 16.000 empregados.
Exceção feita ao arroz, as principais culturas agrícolas gaúchas não
estão diretamente associadas à maior parcela das aglomerações agroindustriais selecionadas. Nas principais áreas de produção de soja e milho, por
exemplo, são raros os casos de aglomerações especializadas no beneficiaPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
296
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix
mento desses produtos. De forma geral, esses grãos, quando não são
exportados in natura, constituem-se em insumo para as cadeias de proteína
animal, cujas plantas industriais de abate de aves e suínos, em grande
medida, estão situadas fora das principais zonas de produção de grãos.
Dentre o conjunto de aglomerações agroindustriais selecionadas, apenas as produtoras de chocolates se abastecem dominantemente de insumos agropecuários de origem externa ao território gaúcho. Tal situação demonstra como a agregação de valor, por meio da agroindustrialização, está
significativamente atrelada à produção agropecuária do Estado.
Por fim, é importante ter-se claro que a seleção das aglomerações
agroindustriais foi determinada pela consideração exclusiva das informações sobre os empregadores formais. Se, por um lado, os microdados da
RAIS prestam-se, adequadamente, à análise de informações socioeconômicas sobre o mercado de trabalho formal, por outro, não abarcam o universo de agroindústrias familiares existentes. Esse tipo de empreendimento,
7
naturalmente, compartilha características similares às dos APLs . No entanto, sua importância é subestimada quando do uso exclusivo de dados sobre
o emprego formal na identificação de aglomerações.
No Rio Grande do Sul, tal ressalva é ainda mais justificável em razão
de as agroindústrias familiares não estarem necessariamente concentradas
nas regiões onde o emprego agroindustrial formal está mais presente. Essa
distribuição no território é reflexo da estrutura fundiária local, que, por sua
vez, repercute em diferentes formas de organização da produção agroindustrial. Assim, Coredes onde predominam propriedades de maior porte, como
Campanha e Fronteira Oeste, destacam-se quando avaliados sob a perspectiva do emprego, porém apresentam menor representatividade em termos do total de agroindústrias familiares. Portanto, a utilização combinada
das informações sobre as aglomerações agroindustriais tradicionais e as
agroindústrias familiares é de grande importância para a avaliação do alcance econômico e social das políticas de apoio aos APLs agroindustriais.
4.2.5 Conjunto de aglomerações selecionadas
O conjunto de aglomerações originalmente identificado foi reduzido a
114 casos selecionados, que estão distribuídos entre os blocos de aglomerações localizadas em regiões de menor desenvolvimento relativo (66 casos), intensivas em tecnologia (15 casos), importantes para o emprego seto7
Não raro, as agroindústrias familiares resultam da reunião de pequenos produtores rurais,
especializados e diversificados, ofertantes de matérias-primas comuns e localizados em um
mesmo espaço geográfico.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
297
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
8
rial, regional e estadual (30 casos) e agroindustriais (42 casos) . Em conjunto, essas aglomerações responderam, em 2010, por 27,48% do valor fiscal
das saídas, 22,58% dos estabelecimentos e 36,77% do emprego da indústria de transformação e extrativa e da atividade de software do Rio Grande
do Sul.
Conforme enfatizado anteriormente, dado que é impossível conhecer o
conjunto de relações socioprodutivas de cada aglomeração sem auscultar o
local — o que demanda estudo de campo específico —, a precisa delimitação (geográfica e setorial) das aglomerações selecionadas está além do
alcance deste estudo. Ainda assim, provisionalmente, a título de uma primeira aproximação, pode-se admitir que classes de atividades correlatas
e/ou idênticas, situadas na mesma região ou em regiões contíguas, pertençam a uma mesma aglomeração. Por esse critério, é de se supor, por exemplo, que os aglomerados das atividades de fabricação de calçados de couro
e de fabricação de partes para calçados, localizados no Corede Paranhana-Encosta da Serra, pertençam a um mesmo arranjo produtivo. Há pelo menos 10 aglomerações que podem ser formadas a partir da adoção desse
procedimento.
No Quadro 6, apresentam-se os resultados dessa agregação, indicando as 93 aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
que foram selecionadas segundo os blocos de análise. No quadro, é possível observar-se qual dos quatro blocos originou a seleção das aglomerações. As siglas Em, Re, Tec e Agr correpondem, respectivamente, aos
blocos Importantes para o emprego, Regiões de menor desenvolvimento, Intensivos em tecnologia e Agroindustriais. Foram 33 as aglomerações selecionadas em mais de um bloco de análise. Apesar da sua
simplicidade, essa informação pode ser útil na identificação de potenciais
arranjos que se destacam sob diferentes formas de observação.
8
Algumas aglomerações foram selecionadas em mais de um bloco de análise.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Quadro 6
Aglomerações selecionadas, segundo os quatro blocos de análise considerados, no RS — 2010
AGLOMERAÇÃO
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
CONSELHOS REGIONAIS
DE DESENVOLVIMENTO
Alto da Serra do Botucaraí
Alto da Serra do Botucaraí
Alto da Serra do Botucaraí
Alto Jacuí e Produção
Campanha
Campanha
Campanha
Campanha
Campos de Cima da Serra
Celeiro
Celeiro
Central
Central
Central
Central
Central
Central e Jacuí Centro
Centro Sul
Centro Sul
Centro Sul
Fronteira Noroeste
Fronteira Noroeste
Fronteira Oeste
Fronteira Oeste
Hortênsias
Hortênsias
Hortênsias
Hortênsias
CÓDIGO E DESCRIÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO NACIONAL DAS ATIVIDADES
ECONÔMICAS
14126
16102
32116
28330
08100
10112
10619
10911
16102
14126
31012
08100
10112
10619
10911
23303
28330
10619
14126
23427
10520
28330
10112
10619
10929
10937
14223
25438
Confecção de peças do vestuário, exceto roupas íntimas
Desdobramento de madeira
Lapidação de gemas [...] ourivesaria e joalheria
Fabricação de máquinas e equipamentos para a agricultura [...]
Extração de pedra, areia e argila
Abate de reses, exceto suínos
Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz
Fabricação de produtos de panificação
Desdobramento de madeira
Confecção de peças do vestuário, exceto roupas íntimas
Fabricação de móveis com predominância de madeira
Extração de pedra, areia e argila
Abate de reses, exceto suínos
Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz
Fabricação de produtos de panificação
Fabricação de artefatos de concreto, cimento [...]
Fabricação de máquinas e equipamentos para a agricultura [...]
Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz
Confecção de peças do vestuário, exceto roupas íntimas
Fabricação de produtos cerâmicos não refratários [...]
Fabricação de laticínios
Fabricação de máquinas e equipamentos para a agricultura [...]
Abate de reses, exceto suínos
Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz
Fabricação de biscoitos e bolachas
Fabricação [...] de chocolates e confeitos
Fabricação de artigos do vestuário produzidos em malharias [...]
Fabricação de ferramentas
Em
(1)
Re
(2)
Tec
(3)
Agr
(4)
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
(continua)
Quadro 6
Aglomerações selecionadas, segundo os quatro blocos de análise considerados, no RS — 2010
AGLOCONSELHOS REGIONAIS
MERADE DESENVOLVIMENTO
ÇÃO
29
Hortênsias
30
31
32
33
34
35
Jacuí-Centro
Jacuí-Centro
Litoral
Litoral
Litoral
Litoral
36
Litoral
37
38
39
Médio Alto Uruguai
Médio Alto Uruguai
Médio Alto Uruguai
Metropolitano Delta do
Jacuí
Metropolitano Delta do
Jacuí
Metropolitano Delta do
Jacuí
Metropolitano Delta do
Jacuí
40
41
42
43
44
Metropolitano Delta do
Jacuí
45
Missões
CÓDIGO E DESCRIÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO NACIONAL DAS ATIVIDADES
ECONÔMICAS
16102 e
31012
10619
31012
08100
10619
10911
23303
16102,
31012 e
16226
23303
31012
32116
Em
(1)
Re
(2)
Desdobramento de madeira e fabricação de móveis [...]
x
Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz
Fabricação de móveis com predominância de madeira
Extração de pedra, areia e argila
Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz
Fabricação de produtos de panificação
Fabricação de artefatos de concreto, cimento [...]
x
x
x
x
x
x
Desdobramento de madeira, fabricação de móveis [...] e fabricação de estruturas de madeira e de artigos de carpintaria [...]
x
Fabricação de artefatos de concreto, cimento [...]
Fabricação de móveis com predominância de madeira
Lapidação de gemas [...] ourivesaria e joalheria
x
x
x
Tec
(3)
Agr
(4)
x
x
x
10996
Fabricação de produtos alimentícios [...]
x
11135
Fabricação de malte, cervejas e chopes
x
26108
Fabricação de componentes eletrônicos
29492
Fabricação de peças e acessórios para veículos automotores [...]
62015,
62023,
62031,
62040 e
63119
10414
Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda e
customizáveis [...], desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não-customizáveis, consultoria em tecnologia
da informação, tratamento de dados, provedores de serviços de
aplicação e serviços de hospedagem na internet
Fabricação de óleos vegetais em bruto [...]
x
x
x
x
x
x
x
(continua)
Quadro 6
AGLOMERAÇÃO
46
47
48
49
50
51
52
53
Aglomerações selecionadas, segundo os quatro blocos de análise considerados, no RS — 2010
CONSELHOS REGIONAIS
DE DESENVOLVIMENTO
CÓDIGO E DESCRIÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO NACIONAL DAS ATIVIDADES
ECONÔMICAS
Nordeste
Nordeste
Noroeste Colonial
Noroeste Colonial
Norte
Norte
Norte
Norte
14126
31012
10627
28330
10694
10937
10996
14126
54
Norte
28623
55
56
28691
31021
10112
Abate de reses, exceto suínos
x
10996
Fabricação de produtos alimentícios [...]
x
59
60
61
62
63
64
65
66
67
68
Norte
Norte
Paranhana-Encosta da
Serra
Paranhana-Encosta da
Serra
Produção
Produção
Produção
Rio da Várzea
Rio da Várzea
Rio da Várzea
Serra
Serra
Serra
Serra
Confecção de peças do vestuário, exceto roupas íntimas
Fabricação de móveis com predominância de madeira
Moagem de trigo e fabricação de derivados
Fabricação de máquinas e equipamentos para a agricultura [...]
Moagem e fabricação de produtos de origem vegetal [...]
Fabricação [...] de chocolates e confeitos
Fabricação de produtos alimentícios [...]
Confecção de peças do vestuário, exceto roupas íntimas
Fabricação de máquinas e equipamentos para indústrias de alimentos [...]
Fabricação de máquinas e equipamentos para uso industrial [...]
Fabricação de móveis com predominância de metal
10660
25110
62015
14126
23303
31012
10121
22293
25411
25993
69
Serra
28623
Fabricação de alimentos para animais
Fabricação de estruturas metálicas
Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda
Confecção de peças do vestuário, exceto roupas íntimas
Fabricação de artefatos de concreto, cimento [...]
Fabricação de móveis com predominância de madeira
Abate de suínos, aves e outros pequenos animais
Fabricação de artefatos de material plástico [...]
Fabricação de artigos de cutelaria
Fabricação de produtos de metal não especificados anteriormente
Fabricação de máquinas e equipamentos para as indústrias de
alimentos [...]
57
58
Em
(1)
Re
(2)
Tec
(3)
Agr
(4)
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
(continua)
Quadro 6
Aglomerações selecionadas, segundo os quatro blocos de análise considerados, no RS — 2010
AGLO
MERA
CONSELHOS REGIONAIS
ÇÃO
DE DESENVOLVIMENTO
70
Serra
71
Serra
72
Serra
73
74
75
76
77
78
79
80
81
82
83
84
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Vale do Caí
Vale do Caí
Vale do Caí
Vale do Caí
Vale do Jaguari
Vale do Rio dos Sinos
Vale do Rio dos Sinos
85
Vale do Rio dos Sinos,
Paranhana-Encosta da
Serra, Vale do Caí
CÓDIGO E DESCRIÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO NACIONAL DAS ATIVIDADES
ECONÔMICAS
11127,
10333
29301,
29433 e
29492
31012 e
31021
10112
10201
10317
10619
32507
10139
20291
23427
31012
15319
22293
28402
15106,
15319,
15335,
15394 e
15408
Fabricação de sucos de frutas, hortaliças e legumes; fabricação de
vinho
Fabricação de cabines, carrocerias e reboques; [...] fabricação de
peças e acessórios para o sistema de freios de veículos automotores;
fabricação de peças e acessórios [...] não especificados [...]
Em
(1)
Re
(2)
x
Agr
(4)
x
x
x
Fabricação de móveis com predominância de madeira e metal [...]
x
Abate de reses, exceto suínos
Preservação do pescado e fabricação de produtos do pescado
Fabricação de conservas de frutas
Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz
Fabricação de instrumentos [...] para uso médico e odontológico [...]
Fabricação de produtos de carne
Fabricação de produtos químicos orgânicos [...]
Fabricação de produtos cerâmicos não-refratários [...]
Fabricação de móveis com predominância de madeira
Fabricação de calçados de couro
Fabricação de artefatos de material plástico [...]
Fabricação de máquinas-ferramenta
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Curtimento e outras preparações de couro; fabricação de calçados de
couro, material sintético e outros materiais [...], fabricação de partes
para calçados, de qualquer material
Tec
(3)
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
(continua)
Quadro 6
Aglomerações selecionadas, segundo os quatro blocos de análise considerados, no RS — 2010
AGLO
MERA
CONSELHOS REGIONAIS
ÇÃO
DE DESENVOLVIMENTO
86
87
Vale do Rio Pardo
Vale do Rio Pardo
88
Vale do Rio Pardo
89
90
91
92
Vale do Taquari
Vale do Taquari
Vale do Taquari
Vale do Taquari
93
Vale do Taquari
CÓDIGO E DESCRIÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO NACIONAL DAS ATIVIDADES
ECONÔMICAS
10112
25934
12107 e
12204
10520
10660
10937
10996
10121 e
10139
Em
(1)
Abate de reses, exceto suínos
Fabricação de artigos de metal para uso doméstico e pessoal
Processamento industrial do fumo e fabricação de produtos do fumo
Fabricação de laticínios
Fabricação de alimentos para animais
Fabricação [...] de chocolates e confeitos
Fabricação de produtos alimentícios [...]
Abate de suínos, aves [...] fabricação de produtos de carne
Re
(2)
x
x
Tec
(3)
Agr
(4)
x
x
x
x
x
x
x
x
x
FONTE: Zanin, Costa e Feix (2013) e Feix (2013).
(1) Em corresponde ao bloco Importantes para o emprego. (2) Re corresponde ao bloco Regiões de menor desenvolvimento. (3) Tec corresponde ao bloco
Intensivos em tecnologia. (4) Agr correponde ao bloco Agroindustriais.
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
303
Na Figura 6, ilustram-se os tipos de aglomerações presentes nos Coredes, segundo os blocos de análise. Observa-se o número expressivo de
regiões (14) onde a seleção somente ocorreu em razão da existência de
blocos específicos para as aglomerações agroindustriais e para as localizadas em regiões de menor desenvolvimento relativo.
Figura 6
Tipos de aglomerações selecionadas, segundo os blocos de análise determinantes, nos
Conselhos Regionais de Desenvolvimento do RS — 2010
FONTE: Zanin, Costa e Feix (2013) e Feix (2013).
Em termos do número de aglomerações selecionadas nos Coredes,
destacam-se Serra (oito aglomerações); Norte (sete aglomerações); Central
(seis aglomerações); e Hortênsias, Litoral, Metropolitano Delta do Jacuí, Sul,
Vale do Caí e Vale do Taquari (cinco aglomerações). Setorialmente, as classes de atividade com maior número de aglomerações selecionadas são:
fabricação de móveis com predominância de madeira (nove aglomerações);
beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz (sete aglomerações); confecção de peças do vestuário, exceto roupas íntimas (seis aglomerações); abate de reses, exceto suínos (seis aglomerações); fabricação
de máquinas e equipamentos para agricultura e pecuária, exceto para irrigação (quatro aglomerações); desdobramento de madeira (quatro aglomerações); fabricação de produtos alimentícios não especificados anteriormenPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
304
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix;
te (quatro aglomerações); e fabricação de artefatos de concreto, cimento,
fibrocimento, gesso e materiais semelhantes (quatro aglomerações).
A aglomeração selecionada com maior número de empregos formais
(94.625 empregos em 2010) é a especializada na produção de calçados e
suas partes, localizada nos Coredes Vale do Rio dos Sinos, Paranhana-Encosta da Serra e Vale do Caí. Outras aglomerações de destaque nesse
quesito, todas localizadas no Corede Serra, são as especializadas em produção automotiva (27.530 empregos), móveis (16.674 empregos), artefatos
de material plástico (9.275 empregos) e abate de suínos e aves (9.095 empregos). Fora desses Coredes, as aglomerações produtivas mais representativas, em termos do número de empregos, são as especializadas no abate
de suínos e aves do Vale do Taquari (8.554 empregos), desenvolvimento de
programas de computador do Corede Metropolitano Delta do Jacuí (7.588
empregos) e máquinas e implementos agropecuários dos Coredes Alto Jacuí e Produção (6.112 empregos).
5 Características gerais e desempenho
recente das aglomerações
A análise das 93 aglomerações industriais e agroindustriais selecionadas pela metodologia aplicada nesta pesquisa revela uma face importante
da organização da matriz industrial do Rio Grande do Sul, embora não englobe a sua totalidade. Essa face diz respeito à identificação de um conjunto
de características predominantes entre os aglomerados industriais e agroindustriais mapeados, em termos da natureza das atividades produtivas que
apresentam maior concentração espacial.
Um primeiro traço característico é o maior número de aglomerações
em torno de atividades de baixa e média-baixa intensidades de esforço tecnológico. Por seu turno, as aglomerações em atividades de alta e média-alta
intensidades de esforço tecnológico não apenas se mostram com menor
participação na estrutura da matriz industrial do Estado, mas também se
apresentam concentradas em uma gama restrita de setores, com destaque
para os relacionados ao metal-mecânico. De um lado, isso é fruto do processo histórico de desenvolvimento econômico do Estado e do Brasil e, de
outro, do relativo atraso destes em relação aos setores de maior intensidade
de esforço tecnológico dos países avançados, somado a outras restrições
macroeconômicas e de infraestrutura, que criam obstáculos à competitividade e dificultam a inserção no novo paradigma tecnoeconômico dominante
(CASTILHOS; CALANDRO; CAMPOS, 2010, p. 31-33). Nesse sentido, verifica-se um elevado número de aglomerações em torno de atividades tradiPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
305
cionais, vinculadas a paradigmas tecnoeconômicos que antecederam o
atual das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Inclusive, essa
é uma característica mais geral do Brasil, que também apresenta baixa participação dos setores de maior intensidade tecnológica, e igualmente de
aglomerações industriais destas atividades, na estrutura de sua economia
(COSTA, 2010, p. 133). Assim, predominam no Rio Grande do Sul aglomerados de atividades que são intensivas em trabalho, como a cadeia coureiro-calçadista, a fabricação de móveis e aquelas pertencentes ao setor
têxtil, ou intensivas em recursos naturais, tais como a extração de pedra,
areia e argila, a lapidação de gemas e outras.
Ainda no que se refere ao conjunto de atividades de baixa intensidade
de esforço tecnológico, vale destacar-se o elevado número de aglomerados
industriais identificados que estão relacionados ao complexo industrial da
agropecuária, consistindo em uma segunda característica marcante da
estrutura da matriz industrial do Rio Grande do Sul. Essa significativa vinculação ao complexo de produção da agropecuária é identificado como um
traço mais geral dos setores industriais gaúchos (LAZZARI, 2010, p. 12).
Inclusive, é apontado que, devido a essa expressiva relação, o desempenho
da agropecuária, ao afetar também os setores industriais e de serviços vinculados, tem condicionado o desempenho da economia gaúcha. Convém
salientar que os resultados do mapeamento de aglomerações industriais
identificaram um grande número delas na etapa de processamento de produtos da agropecuária, sendo que, a montante no complexo de produção,
foram identificadas apenas concentrações espaciais de empresas na atividade de Fabricação de máquinas e equipamentos para a agricultura e
pecuária, exceto para irrigação. Note-se, contudo, que esses aglomerados a montante no complexo de produção agropecuária são relevantes para
a geração de emprego e, por serem de média-alta intensidade de esforço
tecnológico, são também importantes no desenvolvimento de tecnologias
que contribuem para elevar a produtividade e, portanto, para promover o
dinamismo do Setor Primário, beneficiando também as atividades a jusante.
Uma terceira característica dos aglomerados industriais selecionados é
a sua vinculação à cadeia metal-mecânica, totalizando 15 dos 93 que foram
mapeados. Nesse sentido, destacam-se aqueles voltados à fabricação de
máquinas e equipamentos e à produção de veículos e material de transporte. Como já mencionado, as primeiras são importantes difusoras de progresso técnico e ganhos de produtividade para outros segmentos da economia, enquanto as segundas, pelo conteúdo tecnológico de seus produtos
e pelo elevado número de encadeamentos em seu complexo de produção,
acima da média da economia, são importantes pelo seu potencial para gerar
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
306
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix;
e difundir novas tecnologias e para a criação de demanda através de sua
produção, promovendo, assim, a melhora do desempenho econômico.
Quando se avalia o desempenho recente das aglomerações produtivas
selecionadas, aferido a partir da evolução do emprego formal entre 2006 e
9
2012 , observa-se que as aglomerações que apresentaram maior crescimento foram as intensivas em tecnologia (acréscimo de 22.271 empregos;
58,1%) (Gráfico 1). A aglomeração automotiva do Corede Serra foi a principal responsável pela expansão do emprego no bloco de intensidade tecnológica (mais 6.607 empregos; 34,17%), seguida da aglomeração de desenvolvimento de software e Tecnologia da Informação (TI) situada no Corede
Metropolitano Delta do Jacuí (mais 5.046 empregos; 94,07%). As aglomerações especializadas na produção de máquinas e implementos agropecuários também se destacaram positivamente. Na região dos Coredes Alto
Jacuí e Produção, tradicional produtora de máquinas e equipamentos destinados à preparação do solo, plantação e cultivo agrícola, o emprego formal
avançou 139,85% (mais 4.618 empregos). Juntas, as três aglomerações
acima referidas contribuíram com aproximadamente 50% da variação no
emprego das aglomerações selecionadas no Estado.
Gráfico 1
Evolução do índice de número de empregados nas aglomerações selecionadas
segundo os quatro blocos de análise, no RS — 2006-12
180
170
160
158,1
150
140
130
120
110
112,9
111,4
100,8
100
90
80
2006
2007
Legenda:
2008
2009
2010
Emprego
Tecnologia
2011
2012
Região
Agroindustriais
FONTE: RAIS-MTE.
NOTA: Os dados têm como base 2006 = 100.
9
É sabido que o emprego não é a melhor variável para avaliar o desempenho industrial, pois
sua variação também reflete mudanças de produtividade. A utilização dessa variável se deve à ausência de informações sobre a evolução da produção setorial nas regiões para o
período considerado.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
307
No bloco das aglomerações importantes para o emprego, outro destaque positivo foi a produção de máquinas e equipamentos agropecuários no
Noroeste Colonial. Nessa aglomeração, a variação relativa do emprego foi
de 223,38%, o que representa um acréscimo de 3.717 empregos formais.
No Corede Serra, a fabricação de móveis avançou significativamente (mais
2.524 empregos; 16,7%), o que também confere destaque a essa aglomeração no bloco emprego.
O expressivo crescimento das aglomerações intensivas em tecnologia
contrasta com o baixo dinamismo daquelas localizadas em regiões menos
desenvolvidas, cujo emprego avançou apenas 0,8% no período. A crise da
aglomeração calçadista dos Coredes Vale do Rio dos Sinos, Paranhana-Encosta da Serra e Vale do Caí, que resultou na perda de 7.400 empregos
formais no período, foi a principal responsável por esse resultado.
Entre as aglomerações agroindustriais, o crescimento no emprego foi
mais intensamente afetado pelo fraco desempenho de duas atividades situadas no Corede Sul. A atividade de preservação e fabricação de produtos
de pescado apresentou queda de 51,17% no número de empregos diretos
(-1.359 empregos) e, na atividade de abate de reses, a retração foi de
40,94% (-700 empregos). Por sua vez, a aglomeração agroindustrial de
maior destaque positivo no Estado foi a ocupada pelo abate de suínos e
aves e pela fabricação de produtos da carne, situada no Vale do Taquari,
que aumentou em 2.659 (39,34%) o número de empregos formais entre
2006 e 2012.
6 Considerações finais
Após a determinação do conjunto de aglomerações selecionadas, a
equipe técnica engajada no Projeto Estudo de Aglomerações Industriais e
Agroindustriais no Rio Grande do Sul elegeu aquelas que seriam estudadas
em detalhe nas próximas etapas da pesquisa. A necessidade de estudos de
campo impõe-se pelo fato de as aglomerações serem dotadas de características múltiplas e variadas, nem todas compatíveis com o conceito de
APLs.
As 12 aglomerações escolhidas para serem auscultadas no local são
apresentadas no Quadro 7. Nessa escolha, procurou-se contemplar aglomerações dos quatro blocos analíticos, em diferentes estágios de desenvolvimento, observando-se sua importância e potencial para a promoção do
desenvolvimento econômico sustentável das regiões em que estão
localizadas, bem como do Estado.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
308
Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix;
Quadro 7
Aglomerações escolhidas para estudo individualizado, no RS
NÚMERO
ESPECIALIZAÇÃO
1
Calçados
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Componentes eletrônicos
Conservas de frutas
Equipamentos médicos
Laticínios
Laticínios
Máquinas e implementos agrícolas
Máquinas e implementos agrícolas
Máquinas-ferramenta
Móveis
Pedras, gemas e joias
Produção automotiva
LOCALIZAÇÃO
Vale do Rio dos Sinos, Vale do Caí e Paranhana-Encosta da Serra
Metropolitano Delta do Jacuí
Sul
Sul
Fronteira Noroeste e Celeiro (1)
Vale do Taquari
Alto Jacuí e Produção
Jacuí-Centro e Central
Vale do Rio dos Sinos
Serra
Alto da Serra do Botucaraí
Serra
NOTA: Definições da equipe de pesquisadores participantes do Projeto de Pesquisa.
(1) A expansão da abrangência geográfica da aglomeração produtiva de laticínios situada na Fronteira
Noroeste foi requerida pela AGDI.
Em linha com os objetivos do projeto, a partir do estudo dessas
aglomerações, espera-se avançar na compreensão de suas dinâmicas de
funcionamento, identificar os entraves à competitividade das empresas que
as compõem, avaliar as vantagens locacionais existentes e o potencial de
desenvolvimento engendrado por cada aglomeração. Também se busca
elucidar os vínculos de articulação, cooperação e aprendizagem entre as
empresas e outros atores locais dessas aglomerações. Assim, será possível
determinar, com maior precisão, a aproximação de cada aglomeração em
relação à definição de APLs e prover elementos para o aperfeiçoamento
das políticas públicas. A escolha dessas aglomerações não implica, porém,
a desconsideração da importância das demais para o desenvolvimento
econômico sustentável de seus respectivos territórios. Acredita-se que a
definição do grande conjunto de aglomerações identificadas possa contribuir
para a realização de novos trabalhos, no sentido de aprofundar o conhecimento sobre cada uma delas. Dessa forma, outras abordagens podem ser
aplicadas sem, necessariamente, ficarem limitadas às aglomerações com
maior aderência ao conceito de APL.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
309
Aglomerações industriais e agroindustriais do Rio Grande do Sul
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Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
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Rodrigo Morem da Costa; Rodrigo Daniel Feix;
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N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Tatiana Zismann.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Uma perspectiva sobre a evolução do
sistema de inovação industrial gaúcho:
análise dos resultados das Pesquisas
de Inovação (Pintecs) 2000 e 2011
para o Rio Grande do Sul*
Lívio Luiz Soares de Oliveira
Economista, Doutor em Economia Aplicada
pelo Programa de Pós-Graduação em
Economia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Pesquisador da Fundação de
Economia e Estatística
1 Introdução
Neste trabalho, são discutidos alguns dos principais resultados da
1
Pesquisa de Inovação (Pintec) para a economia gaúcha. O foco é o comportamento inovador das empresas industriais no Rio Grande do Sul entre
dois períodos distintos: o triênio 1998-2000, coberto pela Pintec 2000, e o
triênio 2009-11, relativo à Pintec 2011. Com base nos resultados dessas
duas Pintecs, são feitas algumas considerações sobre a evolução do sistema de inovação industrial, no estado gaúcho, contrastando os períodos
inicial e final, cobertos por aquelas duas pesquisas, com os dados nacionais.
A inovação é considerada chave para a competitividade das empresas
e está no centro do processo de desenvolvimento econômico e social
*
O autor agradece as críticas e as sugestões, que muito contribuíram para a melhoria da
qualidade do texto, em termos de concisão e clareza, de César Stallbaum Conceição,
Thomas Kang e, principalmente, Walter Arno Pichler. Todos os eventuais erros remanescentes neste texto são de responsabilidade exclusiva do autor.
1
Inicialmente, a Pesquisa era denominada Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2002), quando só apresentava resultados de segmentos selecionados da indústria. Posteriormente, foi denominada
Pesquisa de Inovação Tecnológica (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2007), quando passou a incluir segmentos de alta intensidade tecnológica do setor serviços.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
312
Lívio Luiz Soares de Oliveira
(FREEMAN; SOETE, 2008; NELSON, 2005). Desde os economistas clássicos, como Adam Smith, com a sua obra A Riqueza das Nações, publicada
em 1776 (SMITH, 1996), sabe-se que a inovação é considerada uma das
principais forças motrizes do aumento da produtividade e da afluência material das economias. Também apontaram a importância da inovação para o
desenvolvimento econômico, dentre outros, economistas como Schumpeter
(1989), Solow (1957), Romer (1986, 1990) e Lucas (1988). Daí a necessidade de se mensurar a inovação.
Com base nos resultados da Pesquisa de Inovação, edições 2000 e
2011, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), neste trabalho, procura-se apresentar e discutir alguns dos indicadores sobre a inovação nas empresas industriais gaúchas, contrapondo esses resultados às
tendências nacionais, e seu processo evolutivo entre aquelas duas pesquisas.
A Pintec está baseada no Manual de Oslo, desenvolvido pela Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (2005, p.
19). O conceito central em que se apoia esse tipo de pesquisa é o da inovação tecnológica, que foi exposto, pioneiramente, por Joseph A. Schumpeter
(1989) como sendo o fator principal do processo de desenvolvimento eco2
nômico. Para esse autor, a inovação pode ser definida como um fenômeno
amplo, que envolve a introdução de novos produtos, novos processos, novos mercados, novas fontes de matéria-prima e o estabelecimento de uma
nova forma de organização dentro de uma indústria. Posteriormente, o conceito tomou a forma mais restrita, consistindo na introdução de produtos e
processos tecnologicamente novos ou melhorados. As inovações tecnológicas podem ser resultado dos avanços do conhecimento científico e tecnológico ou de novas aplicações do conhecimento científico e tecnológico existente.
Deve-se destacar que, na perspectiva de Schumpeter (1989), a inovação tem caráter de natureza empresarial. Com isso, pode-se distinguir invenção de inovação, em que a primeira pode ser definida pela criação de
uma nova tecnologia, enquanto a segunda se relaciona à sua aplicação
lucrativa no mercado. Tal enfoque refletiu na criação dos indicadores específicos de inovação.
2
Um dos dois objetivos principais desse manual (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO
E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2005, p. 19) é “[...] oferecer diretrizes para a coleta
e interpretação de dados sobre inovação”. O outro é “[...] disponibilizar indicadores para cotejar o desempenho nacional com as melhores práticas existentes”. Ambos os objetivos
têm como propósito final instrumentalizar os formuladores de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento dos sistemas de inovação nacionais, além de permitir comparações
internacionais entre os países.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
313
Nesse contexto, reside a importância da Pesquisa de Inovação, que,
sob a responsabilidade do IBGE, é realizada a cada três anos junto a empresas de todo o País, por meio de amostragem, com o propósito de coletar
dados relativos à inovação. A primeira Pintec foi divulgada no ano de 2001
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2002),
abrangendo o período 1998-2000. A pesquisa mais recente, a Pintec 2011,
que cobre o período 2009-11, está baseada na terceira edição do Manual
de Oslo (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2005) e, de modo mais específico, no modelo do
Community Innovation Survey (CIS), versão 2008, o qual foi proposto pelo
Escritório Estatístico da Comunidade Europeia - Eurostat (Statistical Office
of the European Communities), integrado por países da OCDE. Assim, a
Pintec 2011 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2013) possibilita avaliar e discutir a situação da pesquisa, do desenvolvimento e da inovação no Brasil, nas suas unidades federativas e nas empresas brasileiras, de modo comparativo aos dados dos países da OCDE.
A Pintec concentra-se na inovação de produtos e de processo, mas,
seguindo o atual modelo do Manual de Oslo, também colhe informações a
respeito de inovações de organização e de marketing. Essa pesquisa emprega a abordagem do “sujeito”, buscando informações relativas ao comportamento empresarial, às atividades empreendidas, aos impactos e aos fatores que influenciam a empresa de um modo global, dentre os quais incentivos e restrições ao investimento em inovação. A pesquisa coleta dados de
ordem qualitativa, como a existência de inovações de produto ou de processo implementadas em determinado período, e de ordem quantitativa, como
valor dos gastos despendidos em outras atividades inovativas, pessoal ocupado em pesquisa e desenvolvimento (P&D), impacto da inovação do produto sobre as vendas e as exportações, etc.
Pesquisas de inovação como a Pintec permitem, conforme se mostra
neste trabalho, o levantamento do estado da arte da inovação nas empresas em níveis nacional, regional e local, identificando problemas e obstáculos apontados por essas firmas, como a existência de custos elevados de
inovação, riscos econômicos excessivos, escassez de fontes de financiamento e falta de pessoal qualificado (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010, p.55).
A partir dessa perspectiva, este texto está organizado da seguinte forma: após esta Introdução, são comentadas as definições técnicas da inovação e feitas as considerações metodológicas utilizadas como fundamento
da análise dos resultados da Pintec. Na seção três, são discutidos alguns
dos principais resultados da Pintec 2011 para o Rio Grande do Sul e para o
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
314
Lívio Luiz Soares de Oliveira
Brasil, comparando-os com aqueles relativos à Pintec 2000. Por último, são
feitas as considerações finais.
2 Definições e considerações
metodológicas
O Manual de Oslo — Diretrizes Para a Coleta e Interpretação de
Dados Sobre Inovação (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2005, p. 55) tem como objetivo padronizar e fornecer conceitos, metodologias, construção de indicadores de pesquisa e desenvolvimento. Nesse contexto, a inovação é definida do seguinte
modo:
Uma inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo,
ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de
trabalho ou nas relações externas.
Essas inovações podem incluir tecnologias radicalmente novas ou tecnologias existentes com novos usos. A inovação de produto corresponde à
introdução de um bem ou serviço novo, ou significativamente melhorado,
relativamente às suas características ou usos previstos. Nisso, estão inclusos melhoramentos significativos em especificações técnicas, componentes
e materiais, softwares incorporados, facilidades de utilização ou outras características funcionais (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2005, p.57). Um processo novo é a implementação de um método de produção ou de distribuição novos ou significativamente melhorados. Aqui estão inclusas mudanças significativas em
técnicas, equipamentos e/ou softwares. Já a inovação de marketing é relativa a um novo método de marketing implementado, com mudanças significativas na concepção de produto ou na embalagem, no posicionamento do
produto, no modo de promovê-lo ou de fixar seus preços. Por último, a inovação organizacional refere-se à implementação de um novo método de
organização nas práticas de negócios da empresa, no local de trabalho ou
3
em suas relações externas. A partir do Manual de Frascati (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO,
2013, p.262), “[...] a inovação só é alcançada se for realizada no mercado
(inovação de produto) ou usada como parte de um processo de produção
3
Metodologia proposta para a definição de pesquisa e desenvolvimento experimental.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
315
(inovação de processo)”. Nesse sentido, as atividades de inovação são definidas como:
Conjunto de diligências científicas, tecnológicas, organizativas,
financeiras e comerciais, incluindo os investimentos em novos
conhecimentos, que realizam ou destinam-se a levar à realização de produtos e de processos tecnologicamente novos e melhores.
Pelo Manual de Oslo (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2005, p. 56), as atividades de inovação são definidas da seguinte forma:
As atividades de inovação são etapas científicas, tecnológicas,
organizacionais, financeiras e comerciais que conduzem, ou visam conduzir, à implementação de inovações. Algumas atividades de inovação são em si inovadoras, outras não são atividades novas, mas são necessárias para a implementação de
inovações. As atividades de inovação também inserem a P&D
que não está diretamente relacionada ao desenvolvimento de
uma inovação específica.
Como se percebe, essas definições apresentam convergência conceitual sobre a inovação. Na subseção seguinte, são apresentadas algumas
considerações metodológicas adotadas, como diretrizes norteadoras deste
trabalho, para fundamentar as análises dos resultados apresentados na
Pintec.
2.1 Metodologia
A Pintec 2000 foi a primeira pesquisa-satélite do Subsistema de Estatísticas Econômicas, atrelado ao Programa de Modernização das Estatísticas Econômicas, iniciado em 1993 e implementado pelo IBGE. No contexto
desse programa, as pesquisas-satélite são vinculadas às demais pesquisas
econômicas do IBGE, ampliando suas possibilidades de análise. A Pintec
2000 teve caráter trienal, como todas as demais da série, e abrangeu o
triênio 1998-2000, limitando-se a pesquisar apenas empresas do setor industrial (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2002,
p. 10). Após a Pintec 2000, foram lançadas mais quatro pesquisas desse
tipo: Pintec 2003, Pintec 2005, Pintec 2008 e, a mais recente, a Pintec
2011.
A Pintec é uma pesquisa-satélite de corte transversal, aplicada por
meio de um questionário junto às empresas da amostra escolhida, cujos
resultados são divulgados para o Brasil, as grandes regiões e as 14 unida-
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
316
Lívio Luiz Soares de Oliveira
4
des federativas mais industrializadas. Abrange, atualmente, além do setor
industrial, segmentos selecionados do setor serviços e tem como finalidades:
[...] aprofundar o tema da inovação, produzindo informações
sobre os gastos com as atividades inovativas; as fontes de financiamento destes gastos; o impacto das inovações no desempenho das empresas; as fontes de informações utilizadas;
os arranjos cooperativos estabelecidos; o papel dos incentivos
governamentais; os obstáculos encontrados nas atividades de
inovação; e as inovações organizacionais e de marketing.
Ademais, seu vínculo com as pesquisas estruturais centrais
dos subsistemas de estatísticas industriais e de serviços, a
Pesquisa Industrial Anual-Empresa - PIA Empresa e a Pesquisa Anual de Serviços - PAS, viabiliza articulações entre os dados provenientes destas pesquisas, o que amplia as possibilidades analíticas dos seus resultados (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010, p.11).
A Pintec 2005 foi a primeira da série a incorporar, além das empresas
industriais, segmentos do setor serviços de alta intensidade tecnológica,
como telecomunicações, informática e pesquisa e desenvolvimento (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2007, p.10). Com
isso, deixou de se chamar Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica e
passou a ser denominada, oficialmente, Pesquisa de Inovação Tecnológica.
A partir do levantamento realizado no triênio 2006-08, que resultou na
Pintec 2008, essa pesquisa passou a se chamar apenas Pesquisa de Inovação, deixando de lado o termo “tecnológico”, porque, de acordo com o
Manual de Oslo,
[...] essa palavra evoca a possibilidade de que muitas empresas do setor serviços interpretem (a palavra) “tecnológica” como “usuária de plantas e equipamentos de alta tecnologia” que
não seriam aplicáveis a muitas de suas inovações de produtos
e de processos (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2005, p.24 apud INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010,
p.6).
Na Pintec, a inovação relativa a produto e/ou processo pode não ser
nova, necessariamente, para o mercado e/ou setor de atuação, podendo ter
4
As grandes regiões divulgadas pela Pintec são as Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste,
Sudeste (exclusive São Paulo) e Sul. As unidades federativas que têm os resultados divulgados pela Pintec são Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina
e São Paulo. Esses estados foram definidos como mais industrializados com base no critério adotado pelo IBGE, qual seja, de que possuem, individualmente, ao menos 1% de participação percentual no Valor de Transformação Industrial (VTI) da indústria brasileira (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013, p. 29).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
317
sido desenvolvida pela própria empresa ou por outra empresa ou instituição,
a partir de produto e/ou processos já existentes no mercado nacional ou
mundial (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2013, p. 20). No questionário da Pintec, são quatro os graus de novidade
relativos ao produto: (a) produto novo ou significativamente aprimorado para
a empresa, mas já existente no mercado nacional; (b) produto novo ou significativamente aprimorado para o mercado nacional, mas já existente no
mercado mundial; (c) produto novo para o mercado mundial; e (d) produto
que não foi alterado ou foi modificado apenas marginalmente (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013, p. 213). Já os graus
de novidade relativos a processos são três: (a) processo novo para a empresa, mas já existente no setor, no Brasil; (b) processo novo para o setor
no Brasil, mas já existente em outro(s) país(es); e (c) novo para o setor em
termos mundiais (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013, p. 210). No presente estudo, são analisados apenas os resultados dos produtos e/ou processos novos para as empresas e para o mercado nacional, já que são esses os mais significativos em termos percentuais.
Também se adota o critério de focar somente as inovações de produto e
inovações de processo, ficando excluídas as inovações organizacionais
e/ou de marketing, incluídas somente a partir da Pintec 2008 (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010, p.57), portanto não
presentes na Pintec 2000. Inovações simultâneas de produto e de processo
não são analisadas, pois a metodologia da Pintec as considera em bloco,
não permitindo que se saiba se são inovações para as próprias empresas
ou para o mercado nacional.
Como procedimento metodológico fundamental, para efeito de análise
da comparação dos resultados divulgados pela Pintec ao longo de um período mais extenso, foram escolhidas a Pintec 2000, a primeira da série, e a
pesquisa mais recente, ou seja, a Pintec 2011. Essas duas pesquisas são
os marcos balizadores deste trabalho em termos de corte temporal. Assim,
para permitir uma comparação das bases estatísticas da Pintec 2011, em
5
que estão inclusos alguns segmentos selecionados do setor serviços, com
os resultados da Pintec 2000, em cujas planilhas foram disponibilizados
apenas os dados relativos às empresas industriais extrativas e de transfor5
A Pintec 2011 traz como novidade a inserção dos segmentos de eletricidade e gás, mais o
de serviços de arquitetura e engenharia, e testes e análises técnicas. Os demais segmentos, presentes também nas edições anteriores, a partir da Pintec 2005, são os setores de
indústrias extrativas e indústrias de transformação e de serviços selecionados. Telecomunicações, atividades dos serviços de tecnologia da informação, e pesquisa e desenvolvimento foram incluídos a partir da Pintec 2005. Edição e gravação e edição de música, tratamento de dados, hospedagem na internet e outras atividades relacionadas foram incluídos como segmentos selecionados a partir da Pintec 2008.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
318
Lívio Luiz Soares de Oliveira
mação, serão analisados tão somente os resultados referentes ao setor
industrial na Pintec 2011. Nesse contexto, é interessante fazer-se o cotejamento, para o Rio Grande do Sul e para o Brasil, de alguns dos principais
resultados da Pintec 2011, que abarca o período 2009-11, com os resultados da Pintec 2000, a qual compreende o período 1998-2000, a fim de se
verificar se houve progressos, estabilidade ou recuo nesses números.
Na Pintec 2011, o universo amostral das empresas industriais pesquisadas, tanto no Rio Grande do Sul como no Brasil, foi maior do que aquele
6
verificado na Pintec 2000. O número de atividades selecionadas da indús7
tria, no caso do RS, diminuiu de 11 na Pintec 2000 para sete na Pintec
2011. O segmento de fabricação de produtos alimentícios e bebidas deu
lugar ao segmento de fabricação de produtos alimentícios na Pintec 2011.
Esta última, em contrapartida, teve três novos segmentos incluídos nas
planilhas para o RS: fabricação de fumo, fabricação de produtos de metal e
fabricação de produtos químicos.
Também são analisados os resultados em termos de impactos, relatados pelas empresas no questionário aplicado pela Pintec, ao adotarem algum tipo de inovação. Esses impactos são classificados nos seguintes níveis: alto impacto, médio impacto, baixo impacto e não relevante. Busca-se
identificar esses impactos nas seguintes áreas: produto (melhoria da qualidade dos produtos, ampliação da gama de produtos ofertados), mercado
(manutenção e/ou ampliação da participação da empresa no mercado, abertura de novos mercados), processo (aumento da capacidade e/ou flexibilidade de produção, redução dos custos de produção, de trabalho, de matérias-primas, de energia e de água) e outros impactos (redução de impactos
sobre o meio ambiente, controle de aspectos ligados à saúde e segurança,
enquadramento em regulação e normas-padrão relativas ao mercado externo ou interno). Serão comparados os resultados da Pintec 2000 e da Pintec
2011 para o RS e as demais unidades federativas pesquisadas. Idêntico
procedimento, utilizado na discussão dos impactos da inovação, é aplicado
6
Em números, houve um aumento de 52,1% no universo amostral de empresas investigadas
(10.955) em relação à Pintec 2000 (7.204), no RS. No Brasil,116.632 empresas foram pesquisadas na Pintec 2011, um aumento de 61,9% no número de empresas industriais incluídas na amostra (72.005), relativamente à Pintec 2000.
7
Os segmentos selecionados do RS excluídos na Pintec 2011 foram os seguintes: (a) fabricação de produtos têxteis; (b) fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de
informática; (c) fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações; (d) fabricação de equipamentos de instrumentação médico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios; (e) fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias; (f) fabricação de outros equipamentos de transporte; e, por último, (g) fabricação de móveis e
indústrias diversas. Todos esses segmentos estavam disponíveis nas planilhas da Pintec
2000 para o estado gaúcho.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
319
para analisar os resultados das atividades inovadoras (vide conceito explicado anteriormente) nos seguintes aspectos: atividades internas de pesquisa e desenvolvimento, aquisição externa de pesquisa e desenvolvimento,
aquisição de outros conhecimentos externos (exclusive software), aquisição
de software, aquisição de máquinas e equipamentos, treinamento, introdução das inovações tecnológicas no mercado, projeto industrial e outras preparações técnicas (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013, p. 211).
São discutidas e comentadas as fontes de financiamento das empresas para a realização de atividades de P&D, que podem ser próprias ou de
terceiros. Ainda são analisadas as razões alegadas pelas empresas pesquisadas para não inovarem, que são basicamente três: fatores de mercado,
existência de inovações prévias e outros fatores impeditivos.
Na próxima seção, são apresentados, em caráter comparativo, os resultados e a discussão da Pintec 2000 e da Pintec 2011 para o Estado do
Rio Grande do Sul e para o Brasil, de modo a se inferir tendências no comportamento inovador nas empresas industriais locais e nacionais entre os
triênios 1998-2000 e 2009-11.
3 Pintec: resultados e discussão
Nesta seção, são apresentados e discutidos alguns dos principais resultados da inovação na Pintec 2000 e na Pintec 2011, para o RS e para o
Brasil. Na primeira parte, são analisados os resultados relativos à inovação
de produto e/ou processo (que inclui ambos) e de produto, e, na segunda
parte, apenas as inovações de processo.
3.1 Inovações de produto e/ou processo
e de produto
Segundo os dados da Pintec 2000, a taxa de inovação das empresas
industriais do RS, em produto e/ou processo, tecnologicamente novo ou
substancialmente aprimorado, no triênio investigado (1998-2000), foi de
33,50% (Tabela 1). Realizaram alguma inovação desse tipo 2.413 empresas
de um total de 7.204 pesquisadas. O número de empresas que realizaram
apenas inovação de produto foi de 1.468 (20,38% do total), das quais 1.196
foram casos de produtos novos destinados às próprias empresas (16,60%),
e 331 de produtos novos para comercialização no mercado nacional
(4,60%). Quando se analisam as atividades selecionadas, o segmento de
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
320
Lívio Luiz Soares de Oliveira
fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática e o
de fabricação de outros equipamentos de transporte, ambos com seis empresas cada, foram os que tiveram a maior taxa de inovação de produto:
100%. Vale ressaltar-se, porém, que o número de empresas desses segmentos era bastante reduzido, relativamente ao número de empresas dos
outros segmentos listados. Excetuadas essas duas atividades, o segmento
mais inovador, em termos de produto, foi o de fabricação de equipamentos
de instrumentação médico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos,
equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios, com uma
taxa de inovação de 74,96%.
Em nível nacional, a Pintec 2000 pesquisou uma amostra de 72.005
empresas industriais. Dessas, 22.698 implementaram algum tipo de inovação de produto ou processo, o que resulta em uma taxa de inovação de
31,52%. Foram 12.658 empresas que realizaram apenas inovação de produto (17,58%), com 10.355 (14,38%) de produtos novos destinados às próprias empresas e 2.975 (4,13%) de produtos novos destinados ao mercado
nacional.
Já a Pintec 2011 pesquisou 10.955 empresas industriais no RS (Tabela
1), onde 4.627 das firmas inovaram em produto e/ou processo, o que corresponde a uma taxa de inovação de 42,24%. Isso significa um aumento de
8,74% em relação à taxa de inovação industrial (33,50%) divulgada na Pintec 2000 para o RS. Essas taxas locais de inovação para produto e/ou processo, nos triênios 1998-2000 e 2009-11, mostraram-se superiores às correspondentes taxas de inovação nacionais, que foram, respectivamente, de
31,52% e de 35,56%. Isso demonstra que, nos dois triênios pesquisados,
houve um melhor desempenho das empresas industriais gaúchas na busca
pela inovação de produto e/ou processo, comparativamente às suas congêneres em nível nacional.
No triênio 2009-11, a taxa de inovação de produto nas empresas industriais gaúchas foi superior à do triênio 1998-2000: 23,82% (2.609 empresas
inovadoras) contra 20,38%. Por outro lado, a inovação de produto, em termos locais, ficou acima da média nacional, seja na Pintec 2000, seja na
Pintec 2011, pois as taxas para o Brasil, nesse tipo de inovação, foram de
17,58% e 17,26% respectivamente. No triênio 2009-11, 2.266 firmas gaúchas realizaram inovações de produto para si próprias, o que resulta em
uma taxa de inovação de 20,68%, e 608 inovações de produtos novos para
o mercado nacional (5,55%). Essas taxas de inovação locais foram maiores
que as correspondentes taxas obtidas no levantamento da primeira pesquisa: 16,60% e 4,60%, respectivamente.
No Brasil, no período 2009-11, foram 14,37% do total de empresas que
introduziram produtos novos para si próprias, e 3,66% do total que introduziPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
321
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
ram produtos novos para o mercado nacional. Na Pintec 2000, em nível
nacional, as taxas foram de, respectivamente, 14,38% e 4,13%. Em todos
esses casos de inovação, pode-se observar que as taxas de inovação das
empresas gaúchas também foram superiores às médias nacionais nos triênios 1998-2000 e 2009-11 (Tabela 1).
Em termos de atividades industriais selecionadas, o segmento de fabricação de máquinas e equipamentos obteve a mais alta taxa de inovação de
produto e/ou processo na Pintec 2011, com 82,25% do total das empresas
pesquisadas nesse setor, que foi líder também na inovação de produto
(61,96%), de produto novo para a própria empresa (48,55%) e de produto
novo para o mercado nacional (37,32%).
Tabela 1
Empresas que implementaram inovações em relação ao total, segundo as atividades selecionadas
da indústria, no RS e total do Brasil — 1998-2000 e 2009-11
a) 1998-2000
ATIVIDADES SELECIONADAS DA INDÚSTRIA
EMPRESAS QUE IMPLEMENTARAM INOVAÇÕES DE PRODUTO
E/OU PROCESSO (%)
NÚMERO
TOTAL
Apenas de produto
DE
EMPRENovo
Novo
Total
SAS
para o
Total
para a
mercado
empresa
nacional
Fabricação de produtos alimentícios e bebidas .........
1.087
36,36
17,49
16,92
1,69
Fabricação de produtos têxteis ...................................
Preparação de couros e fabricação de artefatos de
156
64,29
40,44
40,44
0,78
couro, artigos de viagem e calçados ..........................
Fabricação de máquinas e equipamentos ..................
1.200
452
32,44
52,20
19,81
42,30
18,77
25,87
1,24
18,74
Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática ................................................
6
100,00 100,00
77,70
38,65
Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e
equipamentos de comunicações ................................
Fabricação de equipamentos de instrumentação mé-
21
73,37
73,37
43,84
39,00
nômetros e relógios ....................................................
38
83,77
74,96
32,80
50,65
Fabricação e montagem de veículos automotores,
reboques e carrocerias ...............................................
158
82,56
66,68
44,36
25,98
Fabricação de outros equipamentos de transporte ...
Fabricação de móveis e indústrias diversas ..............
6
831
100,00 100,00
44,23 21,76
76,52
21,33
23,48
0,86
dico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cro-
Outros (1) ....................................................................
Total do RS ................................................................
3.247
7.204
22,59
33,50
13,63
20,38
10,08
16,60
4,07
4,60
Total do Brasil ........................................................... 72.005
31,52
17,58
14,38
4,13
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
322
Lívio Luiz Soares de Oliveira
Tabela 1
Empresas que implementaram inovações em relação ao total, segundo as atividades selecionadas
da indústria, no RS e total do Brasil — 1998-2000 e 2009-11
b) 2009-11
ATIVIDADES SELECIONADAS DA INDÚSTRIA
EMPRESAS QUE IMPLEMENTARAM INOVAÇÕES DE PRODUTO
E/OU PROCESSO (%)
NÚMERO
TOTAL
Apenas de produto
DE
EMPRENovo
Novo
Total
SAS
para o
para a
Total
mercado
empresa
nacional
Fabricação de produtos alimentícios ..........................
1.149
26,54
11,23
5,22
6,09
Fabricação de produtos do fumo ................................
Preparação de couros e fabricação e artefatos de
17
35,29
5,88
-
5,88
couro, artigos para viagem e calçados .......................
2.056
25,54
15,81
15,37
0,44
Fabricação de produtos químicos ...............................
Fabricação de produtos de metal ...............................
243
1.115
41,15
49,06
23,87
13,27
16,05
11,84
8,23
1,79
Fabricação de máquinas e equipamentos .................
828
Outras atividades da indústria .................................... 5.547
Total do RS ................................................................ 10.955
Total do Brasil ........................................................... 116.632
82,25
44,42
61,96
25,87
48,55
23,71
37,32
3,23
42,24
23,82
20,68
5,55
35,56
17,26
14,37
3,66
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa de InoFONTE DOS DADOS BRUTOS: vação Tecnológica 2000 e 2011.
NOTA: Foram consideradas as empresas que implementaram produto e/ou processo novo ou substancialmente aprimorado.
(1) As categorias da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que fazem parte de outros
são: indústrias extrativas; fabricação de produtos do fumo; confecção de artigos do vestuário e acessórios;
fabricação de produtos de madeira; fabricação de celulose, papel e produtos de papel; edição, impressão e
reprodução de gravações; fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e
produção de álcool; fabricação de produtos químicos; fabricação de artigos de borracha e plástico; fabricação de produtos de minerais não metálicos; metalurgia básica; fabricação de produtos de metal; fabricação
de máquinas, aparelhos e materiais elétricos; e reciclagem.
Analisando a Tabela 1, observa-se que foi significativa a mudança de
composição de atividades selecionadas da indústria para o RS entre a Pintec 2000 e a Pintec 2011. Essa flutuação, em termos de atividades escolhidas, ocorre porque são selecionados, para as unidades federativas (exceto
São Paulo), apenas aqueles segmentos que, em conjunto, são os principais
responsáveis por 50% do Valor da Transformação Industrial da indústria
estadual (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2013, p.30).
3.2 Inovações de processo
A taxa de inovação de processo, no Rio Grande do Sul, ao longo do
triênio 1998-2000, foi de 27,03%, com 1.947 empresas implementando esse
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
323
tipo de inovação (Tabela 2). Foram 1.791 casos de processos novos para as
próprias empresas (24,86%) e 212 de processos novos para o mercado
nacional, o que resulta em uma taxa de inovação de 2,94%. O segmento de
fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática e o
de fabricação de outros equipamentos de transporte apresentaram as maiores taxas de inovação em processos, com valores de 82,67% e 76,52%
respectivamente. Mas, conforme enfatizado previamente, esses segmentos
apresentam um número muito pequeno de empresas pesquisadas em comparação às demais atividades selecionadas. Dessa forma, excetuando-se
essas duas atividades, o segmento mais inovador em processos foi o de
fabricação de produtos têxteis, com taxa de inovação de processo de
62,73%. A atividade de fabricação de material eletrônico e de aparelhos e
equipamentos de comunicações foi a mais inovadora em termos de processos novos para o mercado nacional, com uma taxa de inovação de 34,27%.
No Brasil, foram 18.160 empresas inovadoras em processos, com
16.753 inovando em processos novos para a própria empresa e 2.000 empresas com processos novos para o mercado nacional, o que resulta em
taxas de inovação de 25,22%, 23,27% e 2,78% respectivamente.
Relativamente a processos, tecnologicamente novos ou substancialmente aprimorados, nas empresas industriais do RS, ao longo do período
2009-11, a taxa de inovação foi 36,75%, conforme mostrado na Tabela 2,
com 4.026 empresas computadas. Esse resultado está acima da média
nacional nesse tipo de inovação, que foi de 31,67%, de modo semelhante
ao que ocorreu na Pintec 2000, quando as taxas foram de 27,03% para o
RS e de 25,22% para o Brasil. Ocorreram 3.825 casos de processos novos
destinados às empresas locais, o que representa uma taxa de inovação de
34,92% e um acréscimo de 10,0% em relação ao triênio 1998-2000. Em
contrapartida, foram computados 251 processos novos de empresas gaúchas para o mercado nacional, com taxa de inovação de 2,29%. Tal resultado mostra uma pequena queda de 0,6% em comparação com o valor obtido
na pesquisa realizada entre 1998-2000, que foi de 2,94%.
No País, foram 30,00% das firmas que inovaram em processos novos
destinados às próprias empresas, e 2,12% com processos novos para o
mercado nacional. Na Pintec 2000, esses percentuais foram de 23,27% e
de 2,78% respectivamente. Aqui se verifica, novamente, de modo idêntico
ao que ocorreu com a inovação de produto, que as empresas gaúchas ficaram acima da média nacional em termos de inovação de processos novos
para a empresa e para o mercado nacional, tanto na Pintec 2011 como na
Pintec 2000.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
324
Lívio Luiz Soares de Oliveira
Tabela 2
Empresas que implementaram inovações em relação ao total, segundo as atividades selecionadas
da indústria do RS e do Brasil — 1998-2000 e 2009-11
a) 1998-2000
ATIVIDADES SELECIONADAS DA INDÚSTRIA
EMPRESAS QUE IMPLEMENTARAM INOVAÇÕES DE PRODUTO
E/OU PROCESSO (%)
NÚMERO
TOTAL
Apenas de processo
DE
EMPRENovo
Novo
Total
SAS
para o
Total
para a
mercado
empresa
nacional
Fabricação de produtos alimentícios e bebidas .........
Fabricação de produtos têxteis ...................................
1.087
156
36,36
64,29
32,12
62,73
30,70
62,73
Preparação de couros e fabricação de artefatos de
couro, artigos de viagem e calçados ..........................
Fabricação de máquinas e equipamentos ..................
2,33
0,00
1.200
32,44
27,51
27,01
1,32
452
52,20
40,46
31,03
11,24
Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática ................................................
6
100,00
82,67
82,67
16,35
Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e
equipamentos de comunicações ................................
21
73,37
39,00
9,46
34,27
nômetros e relógios ....................................................
Fabricação e montagem de veículos automotores,
38
83,77
28,66
24,94
3,72
reboques e carrocerias ...............................................
Fabricação de outros equipamentos de transporte ...
158
6
82,56
100,00
31,09
76,52
27,93
76,52
4,65
0,00
Fabricação de equipamentos de instrumentação médico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cro-
Fabricação de móveis e indústrias diversas ..............
831
44,23
38,71
38,46
1,10
3.247
7.204
22,59
33,50
18,07
27,03
15,69
24,86
2,88
2,94
Total do Brasil ........................................................... 72.005
31,52
25,22
23,27
2,78
Outros (1) ....................................................................
Total do RS ................................................................
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
325
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
Tabela 2
Empresas que implementaram inovações em relação ao total, segundo as atividades selecionadas da indústria do RS e do Brasil — 1998-2000 e 2009-11
b) 2009-11
ATIVIDADES SELECIONADAS DA INDÚSTRIA
EMPRESAS QUE IMPLEMENTARAM INOVAÇÕES DE PRODUTO
E/OU PROCESSO (%)
NÚMERO
TOTAL
Apenas de produto
DE
EMPRENovo
Novo
Total
SAS
para o
Total
para a
mercado
empresa
nacional
Fabricação de produtos alimentícios ..........................
Fabricação de produtos do fumo ................................
1.149
17
Preparação de couros e fabricação e artefatos de
couro, artigos para viagem e calçados .......................
2.056
Fabricação de produtos químicos ...............................
243
Fabricação de produtos de metal ...............................
Fabricação de máquinas e equipamentos .................
1.115
828
Outras atividades da indústria .................................... 5.547
Total do RS ................................................................ 10.955
Total do Brasil ........................................................... 116.632
26,54
35,29
23,93
35,29
22,98
35,29
1,04
-
25,54
24,9
24,56
1,22
41,15
33,74
32,10
1,23
49,06
82,25
46,82
56,16
44,48
43,72
2,51
12,56
44,42
42,24
39,01
36,75
38,09
34,92
1,42
2,29
35,56
31,67
30,00
2,12
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa de InoFONTE DOS DADOS BRUTOS: vação Tecnológica 2000 e 2011.
NOTA: Foram consideradas as empresas que implementaram produto e/ou processo novo ou substancialmente aprimorado.
(1) As categorias da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que fazem parte de outros
são: indústrias extrativas; fabricação de produtos do fumo; confecção de artigos do vestuário e acessórios;
fabricação de produtos de madeira; fabricação de celulose, papel e produtos de papel; edição, impressão e
reprodução de gravações; fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e
produção de álcool; fabricação de produtos químicos; fabricação de artigos de borracha e plástico; fabricação de produtos de minerais não metálicos; metalurgia básica; fabricação de produtos de metal fabricação
de máquinas, aparelhos e materiais elétricos; e reciclagem.
Analisando todos esses resultados da Pintec 2011, pode ser observado
que o desempenho do sistema de inovação empresarial no Rio Grande do
Sul foi superior à média nacional, no que se refere às inovações de produto
e/ou processo, apenas de produto, e apenas de processo, ao longo do triênio 2009-11.
No próximo tópico, são apontados os resultados relativos aos impactos
das inovações implementadas pelas empresas industriais, locais e nacionais, pesquisadas na Pintec 2011, comparando com os resultados da Pintec
2000.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
326
Lívio Luiz Soares de Oliveira
3.3 Impactos das inovações nas
empresas pesquisadas
Na Pintec 2000, os impactos causados pelas inovações, em termos de
importância, podem ser classificados em três níveis: alto, médio e baixo
impacto. As percentagens de impacto de alto nível das inovações implementadas pelas empresas industriais, participantes da Pintec 2000, no RS e no
Brasil, em diferentes áreas de impacto pesquisadas, estão representadas no
Gráfico 1.
Gráfico 1
Impactos de alto nível causados pelas inovações implementadas pela indústria
no Brasil e no RS — 1998-2000
Enquadramento em regulações
relativas ao mercado externo
Redução do consumo
de matéria-prima
Redução do consumo
de energia
Enquadramento em regulações
relativas ao mercado interno
6,35
7,02
7,96
12,20
8,52
7,61
18,95
17,26
22,56
24,32
Abertura de novos mercados
Redução dos custos
do trabalho
Redução do impacto ambiental e em
aspectos ligados à saúde e segurança
22,92
27,11
24,08
30,14
Ampliação da gama de produtos ofertados
26,63
28,87
Aumento da flexibilidade
da produção
Ampliação da participação da empresa no
mercado
Aumento da capacidade
produtiva
Manutenção da participação
da empresa no mercado
35,15
34,69
36,89
39,16
42,74
44,52
49,01
53,79
56,34
59,63
Melhoria da qualidade dos produtos
0,00
20,00
Legenda:
40,00
Brasil
60,00
(%)
80,00
RS
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Pesquisa de Inovação
FONTE DOS DADOS BRUTOS: 2000.
Ao todo, na Pintec 2000, foram elencados 11 itens sobre os quais as
inovações teriam tido impacto no triênio 1998-2000. Conforme pode ser
observado no Gráfico 1, o impacto de alto nível com maior magnitude, proPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
327
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
duzido pelas inovações implementadas nas empresas pesquisadas, tanto
no caso do RS como no caso do Brasil, foi sobre a melhoria da qualidade
dos produtos. O segundo maior impacto foi sobre a manutenção da participação da empresa no mercado. O terceiro lugar no ranking do impacto das
inovações foi sobre o aumento da capacidade produtiva empresarial. Em
último lugar, está o impacto sobre o enquadramento em regulações relativas
ao mercado externo.
No Gráfico 2, estão as percentagens de impacto de alto nível das inovações implementadas pelas empresas, que foram pesquisadas pela Pintec
2011, no RS e no Brasil.
Gráfico 2
Impactos de alto nível causados pelas inovações implementadas pela indústria
no Brasil e no RS — 2009-11
Redução do consumo de água
Redução do consumo de energia
Redução do consumo de matéria-prima
Redução dos custos do trabalho
Redução do impacto ambiental
Redução dos custos de produção
Enquadramento em regulações e normas padrão
Ampliação do controle de aspectos ligados à
saúde e segurança
5,79
2,09
10,53
8,42
13,69
13,89
23,02
18,12
23,15
19,58
25,65
26,68
25,81
24,46
34,89
40,91
37,32
29,23
40,62
31,65
41,02
46,84
41,03
30,77
43,95
33,69
51,88
50,31
53,06
45,03
61,19
65,16
Abertura de novos mercados
Ampliação da gama de produtos ofertados
Redução do impacto ambiental e/ou em aspectos
ligados à saúde e segurança
Aumento da flexibilidade da produção
Ampliação da participação da empresa no
mercado
Aumento da capacidade produtiva
Manutenção da participação da empresa no
mercado
Melhoria da qualidade dos produtos
0,00
20,00
Legenda:
40,00
Brasil
60,00
(%)
80,00
RS
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Pesquisa de Inovação
FONTE DOS DADOS BRUTOS: 2011.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
328
Lívio Luiz Soares de Oliveira
Na Pintec 2011, 16 itens foram pesquisados em termos de impactos
das inovações ao longo do triênio 2009-11. Esses itens também foram classificados em termos de níveis de impacto em três categorias: alto, médio e
baixo impacto. Semelhantemente ao que ocorreu com os resultados do
triênio 1998-2000, indicados na Pintec 2000, no triênio 2009-11 o impacto
mais significativo, oriundo das inovações implementadas nas empresas
industriais pesquisadas, em nível local, para o RS, e em nível nacional, foi
sobre a melhoria da qualidade dos produtos. Houve um aumento, em termos de melhoria de qualidade dos produtos, de 5,53%, no caso das empresas gaúchas, e de 4,85% no caso brasileiro, conforme percepção das empresas pesquisadas. Isso mostra o avanço dos impactos das inovações
sobre esse aspecto qualitativo levantado pela Pintec. Por outro lado, houve,
comparativamente aos resultados do triênio 1998-2000, uma redução de
8,76% na manutenção da participação no mercado para a amostra de empresas no RS e um aumento de 4,05% no caso do Brasil, segundo revelam
os resultados dos questionários. Mantiveram-se em terceiro e quarto lugares
no ranking de impactos das inovações, respectivamente, o aumento da capacidade produtiva, com avanço de 5,79% para o RS e de 9,14% para o
Brasil, e a ampliação da participação da empresa no mercado, com queda
de 5,47% para o RS e avanço de 7,06% no caso do Brasil. A redução do
impacto ambiental e/ou em aspectos ligados à saúde e segurança, item que
não foi inserido na Pintec 2000, aparece em quinto lugar na Pintec 2011.
Esses resultados, em termos de impactos gerados pelas inovações,
apresentados pelos Gráficos 1 e 2, demonstram que, efetivamente, a inovação é fundamental para o ganho de competitividade das empresas, conferindo-lhes vantagens sobre as suas concorrentes (INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013, p.56). Isso ocorre porque os impactos das inovações reverberam em uma longa cadeia de fatores, que vão
da melhoria da qualidade dos produtos, passando pelo aumento da capacidade produtiva e da produtividade, pela redução do passivo ambiental da
empresa, pelo aumento da segurança do trabalhador e alcançando a redução dos custos dos fatores de produção e dos insumos. Também é oportuno
enfatizar-se que a melhoria nesses indicadores está conectada a oportunidades de ampliação do volume de vendas de produtos, de receitas e de
lucros das firmas, o que irá impactar positivamente a saúde financeira e a
sobrevivência das empresas. Há também o aspecto da melhoria das perspectivas da contratação de mão de obra qualificada a ser empregada nas
atividades de inovação, diretamente nos departamentos de P&D das firmas
inovadoras, mas também indiretamente, por meio da contratação da inovação em institutos de pesquisa e laboratórios externos às firmas. Esse processo, levado às últimas consequências, tem a capacidade de reestruturar
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
329
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
toda a economia, por meio de efeitos spillovers, moldando as cadeias produtivas, locais, regionais e nacionais, onde permanecerão atuantes apenas
as empresas que souberem ajustar-se às novas realidades da complexa dinâmica econômica, com exigências cada vez mais sofisticadas quanto às constantes mudanças de gostos, preferências e interesses dos consumidores.
Em seguida, são comentadas as principais atividades inovativas desenvolvidas pelas empresas industriais pesquisadas pela Pintec.
3.4 Atividades inovativas desenvolvidas pelas
empresas industriais pesquisadas
A Pintec traz uma pergunta, em seu questionário, relativa ao grau de
importância (classificada em alta, média e baixa) da atividade de inovação
implementada pela firma. Essas atividades inovativas, como um conjunto
sistêmico e integrado, representam os canais de acesso pelos quais a empresa tenta, efetivamente, obter a inovação. O Gráfico 3 ilustra essa importância, no grau mais elevado, das atividades inovativas das empresas pesquisadas no RS e no Brasil, durante o triênio 1998-2000.
Gráfico 3
Atividades inovativas desenvolvidas no Brasil e no RS — 1998-2000
Aquisição externa de Pesquisa
e Desenvolvimento
4,91
4,37
Aquisição de outros
conhecimentos externos
10,30
8,45
Introdução das inovações tecnológicas
no mercado
14,44
14,05
Atividades internas de Pesquisa
e Desenvolvimento
24,23
28,54
Projeto industrial e outras preparações
técnicas
27,58
24,58
37,97
Treinamento
48,38
Aquisição de máquinas
e equipamentos
0,00
20,00
Legenda:
40,00
Brasil
55,31
56,52
(%)
60,00
RS
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Pesquisa de Inovação
FONTE DOS DADOS BRUTOS: 2000.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
330
Lívio Luiz Soares de Oliveira
Mediante a observação do Gráfico 3, pode ser avaliado que o meio
preferido de implementação das atividades inovadoras, dentre as sete opções apontadas na Pintec 2000, foi a aquisição de máquinas e equipamentos, tanto no RS quanto no Brasil. O treinamento foi a segunda opção. Logo
em seguida foi a opção de projeto industrial e outras preparações técnicas.
As atividades internas de pesquisa e desenvolvimento, o canal considerado
mais efetivo para se alcançar inovações substanciais, e não apenas incrementais, ficaram em modesto quarto lugar, com participação de 28,54%
para o Rio Grande do Sul e de 24,23% para o Brasil. Esse resultado indica
que, ao longo do triênio 1998-2000, o perfil da inovação nas empresas industriais da amostra, tanto local quanto nacionalmente, caracterizou-se pela
absorção de tecnologia, o que pode ser avaliado pela predominância da
aquisição de máquinas e equipamentos. Aliás, esse é um padrão histórico
que caracteriza o investimento em inovação por parte da indústria brasileira,
a qual foi criada com base em tecnologia importada (VARGAS, 1994, p. 33;
MOTOYAMA, 1985, p.43). Esse tipo de padrão absorvedor de conhecimentos, dentro de um contexto inovador pouco dinâmico, dificulta, inclusive, a
expansão das firmas em níveis nacional e internacional (CALZOLAIO et al.,
2013, p.930).
No Gráfico 4, estão os resultados da importância das atividades inovativas levantadas pela Pintec 2011.
Gráfico 4
Atividades inovativas desenvolvidas no Brasil e no RS — 2009-11
Aquisição externa de Pesquisa
e Desenvolvimento
4,50
4,15
Aquisição de outros
conhecimentos externos
7,62
13,62
Atividades internas de Pesquisa
e Desenvolvimento
10,36
14,25
Projeto industrial e outras
preparações técnicas
19,14
19,16
Introdução das inovações
tecnológicas no mercado
19,74
22,54
22,85
28,24
Aquisição de software
43,05
43,16
Treinamento
Aquisição de máquinas
e equipamentos
57,85
53,82
0,00
20,00
Legenda:
40,00
Brasil
60,00
(%)
80,00
RS
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Pesquisa de Inovação 2011.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
331
De acordo com os dados mostrados no Gráfico 4, dentre os oito itens
apresentados na Pintec 2011, a aquisição de máquinas e equipamentos
permaneceu como a primeira opção de atividades inovativas por parte das
empresas industriais, tanto no RS como no Brasil. No entanto, houve um
declínio, nesse item, em relação ao triênio 1998-2000, de 2,7% em termos
locais. Já em nível nacional, o crescimento foi de 2,54%. O treinamento da
mão de obra continuou a ser a segunda alternativa como instrumento de se
obterem inovações por parte das firmas. A aquisição de software foi a terceira opção apontada pelas empresas no RS e no Brasil.
O fato negativo a ser apontado, em relação aos resultados das atividades inovativas da Pintec 2011, é que diminuiu significativamente, em comparação com o triênio 1998-2000, a percentagem de empresas que recorrem a atividades internas de pesquisa e desenvolvimento como suporte à
inovação. No caso do RS, essa queda foi expressiva, de 28,54% para
14,25% do total das empresas da amostra. No caso do Brasil, essa redução
foi também significativa, pois foi de 24,23% para 10,36%. Esse aspecto da
inovação merece ser ressaltado, pois o investimento em atividades internas
de P&D representa um sólido compromisso, por parte das firmas, em obterem efetivamente o completo domínio do ciclo da inovação, partindo da
pesquisa básica, passando pela pesquisa aplicada e alcançando as fases
de produção, invenção e comercialização do produto. Tal domínio permite
internalizar, nas empresas, o controle do ciclo inovador, ampliando os benefícios que podem ser derivados da posse de patentes e outros tipos de inovação, gerando mais receitas e lucros em decorrência disso. Isso é muito
diferente de uma simples aquisição de máquinas e equipamentos no mercado pelas firmas, as quais não irão dispor do domínio das tecnologias envolvidas no processo de fabricação de tais itens.
3.5 Fontes de financiamento da P&D das empresas e seus motivos alegados para não inovar
Quanto à proveniência das fontes de financiamento da P&D, 75% dos
valores utilizados nesse tipo de investimento pelas empresas industriais
gaúchas, no triênio 2009-11, foram de recursos próprios, e os restantes 25%
dos recursos tiveram origem em terceiros, nos setores público e privado. Na
Pintec 2000, o financiamento de P&D era quase exclusivamente oriundo
dos recursos próprios, com 94% do total, e apenas 6% de recursos de terceiros. Isso indica em que medida as empresas do RS eram e ainda são
dependentes de seus próprios recursos para empreenderem P&D, embora
essa dependência tenha diminuído em relação ao triênio 1998-2000.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
332
Lívio Luiz Soares de Oliveira
No Brasil, a situação não é diferente. Isso porque a dependência de recursos próprios para o financiamento das atividades de P&D, nas empresas
industriais nacionais, é ainda maior do que no caso gaúcho. Segundo os
dados da Pintec 2011, 86% do volume de recursos foram desembolsados
pelas próprias empresas, e 14% tiveram origem em terceiros. No triênio
1998-2000, os percentuais foram de 88% de recursos próprios e 12% de
recursos de terceiros. Isso indica que a dependência das empresas nacionais em relação aos recursos próprios para financiar P&D diminuiu muito
pouco ao longo de mais de uma década.
Evidentemente, nem todas as empresas têm sobras de caixa suficientes para se lançarem ao investimento em atividades de risco, como é o caso
de P&D, por meio de recursos próprios. Recursos de terceiros, na maioria
dos casos, também não estão prontamente disponíveis e acessíveis. Além
disso, há muitos fatores que se tornam obstáculos no caminho da inovação.
A galvanização de um processo inovador, tornando-o viável, factível e rentável, em um cenário que, normalmente, é de longo prazo, requer também,
além de recursos financeiros, a disposição para assumir riscos e a incerteza
inerentes a tal tipo de atividade. Assim, compreende-se que nem todas as
firmas estejam dispostas a investir recursos escassos em empreendimentos
que não apresentam retorno imediato e previsível, principalmente quando
não contam com fontes acessíveis de financiamento para tais objetivos. Daí
advém a importância do financiamento governamental às atividades de
P&D, a fim de se compensar a falta de interesse ou de recursos destinados
à inovação por parte das firmas (ARROW, 1962, p. 614).
Nesse contexto, a Pintec 2011 identificou, no RS, 5.829 empresas, em
um total de 10.955, que não realizaram qualquer tipo de inovação e também
não implementaram qualquer tipo de projeto. Isso dá um percentual de
53,20% de empresas gaúchas não inovadoras pesquisadas no triênio de
2009-11. O fato positivo a ser observado é que essa taxa é inferior àquela
verificada na Pintec 2000, que foi de 60,94%. Isso mostra que mais empresas no RS passaram a investir em P&D. Individualmente, no triênio 2009-11,
a razão mais importante apontada pelo universo de empresas locais para
não inovarem esteve ligada aos fatores de mercado, com 53,27% do percentual total. As outras duas razões foram: a existência de inovações prévias, com 15,52%, e outros fatores impeditivos, com 31,21%. No RS, ao
longo do triênio 1998-2000, as percentagens dessas três razões (fatores de
mercado, inovações prévias e outros fatores impeditivos) para o não investimento em inovação foram de, respectivamente, 51,73%, 13,07% e 35,19%.
Em termos nacionais, foi detectado um comportamento não inovador
mais disseminado do que no RS, já que, das 116.632 firmas pesquisadas,
72.419 informaram que não realizaram qualquer tipo de inovação ou projeto
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
333
inovador no período 2009-11. Isso resulta em um percentual de 62,09% de
firmas não inovadoras em nível nacional, menor do que o percentual registrado na Pintec 2000, que foi de 64,14%. A principal razão apontada para o
comportamento não inovador das empresas nacionais, de acordo com a
Pintec 2011, foram condições de mercado, com 66,15% das respostas. Os
outros dois motivos foram inovações prévias, com 13,53%, e outros fatores
impeditivos, com 20,32%. Na Pintec 2000, essas três principais razões alegadas para a não realização de investimentos em inovação alcançaram as
percentagens de 55,64%, 11,61% e 32,74% respectivamente.
Nota-se o aumento da importância do fator razões de mercado no triênio 2009-11, em comparação com o triênio 1998-2000, tanto pelas firmas
locais como pelas nacionais, como sendo o principal motivo para não investirem em inovações. Isso, em alguma medida, deve estar ligado, no período
mais recente, à deterioração da conjuntura econômica decorrente da crise
econômica global ocorrida em 2008, cujos efeitos ainda se estendem até
hoje sobre as principais economias, incluindo o Brasil (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013, p. 37).
Os outros fatores impeditivos alegados pelas empresas para não investir são vários, dentre os quais estão riscos econômicos excessivos, elevados
custos de financiamento e escassez de fontes apropriadas de financiamentos. Tais fatores atuando em uma conjuntura econômica adversa, como a
que se estabeleceu, globalmente, a partir de 2008 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013, p. 37), tornam-se ainda mais
importantes, implicando o aumento considerável dos obstáculos associados
aos investimentos em inovação e diminuindo, às vezes significativamente, o
ímpeto inovador das firmas. Esses outros fatores impeditivos, na Pintec, são
classificados em termos de alto, médio e baixo nível de importância, quando
as firmas são questionadas quanto aos seus motivos para não terem destinado recursos à inovação. O Gráfico 5 mostra, de modo representativo, qual
o nível atribuído de importância a cada fator considerado impeditivo à inovação na Pintec 2000, na categoria classificada como de alta importância.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
334
Lívio Luiz Soares de Oliveira
Gráfico 5
Outros fatores impeditivos das empresas que não inovaram
no Brasil e no RS — 1998-2000
7,05
8,62
Rigidez organizacional
Fraca resposta dos consumidores quanto
a novos produtos
7,36
3,24
Falta de informação sobre mercados
9,14
6,31
Falta de informação sobre tecnologia
11,07
6,09
Dificuldade para se adequar a padrões,
normas e regulamentações
11,28
9,66
Escassez de serviços técnicos externos
adequados
11,60
12,36
Escassas possibilidades de cooperação
com outras empresas/instituições
13,15
18,46
16,24
13,66
Falta de pessoal qualificado
Escassez de fontes apropriadas de
financiamento
44,63
42,89
47,42
51,58
Riscos econômicos excessivos
65,27
70,85
Elevados custos da inovação
0,00
20,00
Legenda:
40,00
Brasil
60,00
(%)
80,00
RS
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Pesquisa de Inovação
FONTE DOS DADOS BRUTS: 2000.
Conforme pode ser observado no Gráfico 5, no triênio 1998-2000, os
três principais obstáculos ao investimento em inovação, na categoria de
10
outros fatores impeditivos apontados pelas firmas , tanto locais como nacionais, foram, pela ordem decrescente, os elevados custos associados à
inovação, os riscos econômicos excessivos e a escassez de fontes apropriadas de financiamento.
A situação apontada pela Pintec 2000, em termos de fatores impeditivos ao investimento em inovação, não teve grandes alterações na Pintec
2011, conforme pode ser observado no Gráfico 6.
10
Outros fatores impeditivos englobam todos os demais fatores apontados pelas firmas na
decisão de não investirem em inovação, com exceção dos fatores condições de mercado e
a existência de inovações prévias, já discutidos anteriormente.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
335
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
Gráfico 6
Outros fatores impeditivos das empresas que não inovaram no Brasil e
RS — 2009-11
Centralização da atividade inovativa em
outra empresa do grupo
no
0,31
0,20
Falta de informação sobre tecnologia
13,47
5,98
Rigidez organizacional
13,39
9,28
Falta de informação sobre mercados
10,14
12,50
Escassez de serviços técnicos externos
adequados
18,72
13,00
10,17
13,35
Fraca resposta dos consumidores quanto a
novos produtos
Dificuldade para se adequar a padrões,
normas e regulamentações
15,77
16,21
Escassas possibilidades de cooperação com
outras empresas/instituições
12,63
16,41
Falta de pessoal qualificado
40,71
29,69
Escassez de fontes apropriadas de
financiamento
38,23
37,84
43,59
Riscos econômicos excessivos
57,73
56,13
Elevados custos da inovação
0,00
20,00
Legenda:
40,00
60,00
Brasil
84,43
(%)
80,00 100,00
RS
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Pesquisa de InovaFONTE DOS DADOS BRUTOS: ção 2011.
No caso do Rio Grande do Sul, os três principais itens limitantes ao investimento em inovação, dentre aqueles classificados na categoria de outros fatores impeditivos, ao longo do triênio 2009-11, são os mesmos citados
no triênio 1998-2000. No entanto, deve-se observar o aumento da importância, como obstáculo à inovação, do fator relacionado aos elevados custos
inovativos: o patamar subiu de 70,85% para 84,43%. Houve também aumento do fator riscos econômicos excessivos, que passou de 51,58% para
57,53%. O fator escassez de fontes apropriadas de financiamento, por outro
lado, teve uma queda em termos de importância, passando de 42,89% para
37,84%. Merece ser enfatizado que houve um avanço expressivo do fator
falta de pessoal qualificado, que saltou de 13,66% para 29,69%, mais do
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
336
Lívio Luiz Soares de Oliveira
que dobrando sua importância como restrição aos investimentos inovativos
das firmas industriais gaúchas.
Em termos nacionais, o fator custo também se manteve em primeiro
lugar como restrição à atividade inovadora, mas sua importância teve um
leve decréscimo, pois caiu de 65,27% na Pintec 2000 para 56,13% na pesquisa atual, ao contrário do que ocorreu no Rio Grande do Sul, onde houve
aumento da influência desse fator. Tal constatação talvez indique um fenômeno local de aumento de pressões nos custos associados à inovação no
estado gaúcho.
No cenário nacional, os riscos econômicos excessivos continuam como
segundo principal fator restritivo. Em seguida, ocorre o fator escassez de
fontes apropriadas ao financiamento. Na quarta posição, aparece a falta de
pessoal qualificado, que teve um expressivo aumento de 16,24% para
40,71%. Isso demonstra que a escassez de mão de obra qualificada, a partir do triênio 2009-11, assumiu uma posição bastante proeminente entre os
principais entraves ao investimento na inovação por parte das empresas
industriais do País, de modo idêntico ao que ocorreu no Rio Grande do Sul.
Nesse cenário, urge que haja estratégia sinérgica coerente na coordenação
de esforços entre os governos, por meio de políticas públicas eficazes, eficientes e efetivas, juntamente com a iniciativa privada, para suprir a falta de
empregados qualificados e com formação adequada na área de pesquisa e
desenvolvimento.
4 Conclusão
Sobre a importância de se mensurar a inovação, a partir dos resultados
da Pintec, é apropriado lembrar-se que, como “[...] só se melhora o que se
mede, é fundamental dispor de indicadores confiáveis e representativos”
(ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2013, p.16). Nesse contexto, a Pintec é fundamental, pois permite
traçar-se um diagnóstico amplo e representativo do sistema de inovação
empresarial do País, com base nos dados das unidades federativas mais
industrializadas, disponibilizando indicadores que são essenciais para se
medir o desempenho inovador das empresas nos níveis nacional, regional e
local, a partir de um levantamento consistente, com os vários segmentos
econômicos representados na pesquisa.
Segundo os resultados apresentados neste trabalho, constata-se que
as empresas no Rio Grande do Sul, ao longo do triênio 2009-11, de modo
idêntico ao que ocorreu no triênio 1998-2000, mostraram-se mais inovadoras que as suas congêneres em nível nacional. Tal conclusão se sustenta
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
337
pelo fato de que o desempenho, em termos locais, foi superior em todos os
indicadores de taxa de inovação apresentados neste trabalho: inovação de
produto e/ou processo, inovação de produto e inovação de processo.
Em níveis local e nacional, tanto na Pintec 2000 como na Pintec 2011,
as atividades inovadoras tiveram impacto mais significativo sobre a qualidade dos produtos, sobre a manutenção da participação de mercado das empresas e sobre o aumento de sua capacidade produtiva. Os dois meios preferidos pelas firmas industriais, tanto gaúchas como do restante do País,
para implementarem a inovação foram, respectivamente, a aquisição de
máquinas e equipamentos e o treinamento de mão de obra. Tanto as empresas industriais do RS como as nacionais recorreram maciçamente aos
seus próprios recursos para o investimento em inovação. Os três principais
obstáculos a esse investimento, tanto no RS como em nível nacional, foram,
pela ordem, os elevados custos da inovação, os riscos econômicos excessivos e a escassez de fontes de financiamento. A importância do fator elevados custos de inovação aumentou consideravelmente no triênio 2009-11 no
RS, enquanto caiu em termos nacionais, talvez indicando um problema local
de aumento de pressão nos custos inovativos. As empresas industriais,
além desses motivos, também alegaram, segundo dados das pesquisas, a
falta de pessoal qualificado como um dos entraves predominantes relativamente à inovação. A importância da escassez de mão de obra qualificada
como fator limitante da inovação mais do que dobrou entre a Pintec 2000 e
a Pintec 2011, de acordo com a percepção das empresas industriais entrevistadas, em termos locais e nacionais. Isso parece indicar a necessidade
de políticas públicas focadas na solução desse tipo de problema.
Referências
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Princeton University Press, 1962. p. 609-626. Disponível em:
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Rio Grande do Sul: uma contribuição à análise com base nos dados da
PINTEC. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 34, p. 909-932, 2013. Número
especial contendo os trabalhos apresentados no 6º Encontro de Economia
Gaúcha.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
338
Lívio Luiz Soares de Oliveira
FREEMAN, C.; SOETE, L. A Economia da inovação industrial. Campinas:
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Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Uma perspectiva sobre a evolução do sistema de inovação industrial gaúcho: análise...
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Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
340
Lívio Luiz Soares de Oliveira
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Disponível em: <http://revistas.utfpr.edu.br/pg/index.php/revistagi/article/
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N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Mateus Pereira da Rosa.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A transição demográfica no Rio Grande
do Sul e seus impactos econômicos
Pedro Tonon Zuanazzi
Marianne Zwilling Stampe
Economista, Doutorando em Economia
pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Pesquisador da
Fundação de Economia e Estatística,
Professora da Universidade do Estado de
Santa Catarina, Doutora em Economia
pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul
1 Introdução
O Brasil e o Rio Grande do Sul (RS) vêm passando por uma mudança
em suas estruturas populacionais nas últimas décadas, com a redução do
contingente de jovens e o aumento do número de idosos, causados, principalmente, pela queda da taxa de fecundidade e pelo aumento da expectativa
de vida. Entender essa mudança, conhecida como transição demográfica,
permite a preparação, em termos de políticas públicas e privadas, para suas
implicações, aproveitando-se melhor os benefícios e organizando-se para as
possíveis dificuldades.
Mais precisamente, define-se transição demográfica como os processos
de diminuição dos níveis de mortalidade e fecundidade, que estão ligados à
modernização das sociedades (KIRK, 1996). Suas tendências são similares
em quase todas as nações do globo, e seu estágio é, em geral, mais avançado, quanto mais economicamente desenvolvida for a região. Para a compreensão desse fenômeno, é necessário analisar-se sua evolução histórica,
que surpreendeu pesquisadores e governantes que acreditavam em uma
explosão populacional.
No período pré-industrial, por volta de 1800, o pesquisador britânico
Thomas Malthus abordava a incompatibilidade do crescimento populacional e
dos meios de subsistência. Segundo Malthus, enquanto o primeiro crescia a
taxas geométricas, o segundo crescia a taxas aritméticas. Sua visão era
compatível com sua época, em que as mulheres europeias tinham, em média, mais do que cinco filhos ao longo de sua vida, gerando aumento populacional.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
342
Pedro Tonon Zuanazzi; Marianne Zwilling Stampe
Por volta desse período, iniciou a transição demográfica na Europa
(LEE, 2003), e, ao longo do século XIX, as predições Malthusianas intensificaram-se com as quedas das taxas de mortalidade, provocando elevados
crescimentos da população. Entretanto, no século XX, a teoria Malthusiana
não se confirmou, pois as demais fases da transição demográfica colocaram
fecundidade e mortalidade em patamares igualmente baixos.
Thompson (1929) e Notestein (1945) introduziram os primeiros estudos
sobre a transição demográfica, que, posteriormente, foi dividida na literatura
em quatro fases, identificadas na Figura 1: na fase 1, correspondente ao
período pré-industrial, há uma elevada incidência de nascimentos e óbitos;
na fase 2, com a industrialização, a taxa de mortalidade decai devido a melhores condições de saúde, alimentação e higiene, gerando uma explosão
populacional; na fase 3, há o ingresso da mulher no sistema educacional e
de trabalho, provocando a redução da taxa de natalidade, mas ainda com
crescimento da população; na fase 4, natalidade e mortalidade atingem níveis baixos, levando a uma população constante ou até mesmo decrescente.
Figura 1
Fases do Modelo de Transição Demográfica
(por 1.000)
60
50
Fase 1
(Pré-industrial)
Fase 2
(Industrialização/
urbanização)
Fase 3
(Maturidade
industrial)
Fase 4
(Pós-industrial)
40
30
20
10
0
Tempo
Legenda:
Taxa bruta de natalidade
Taxa bruta de mortalidade
NOTA: Elaborada pelos autores com dados ilustrativos.
Atualmente, o Brasil e o RS encontram-se na fase 3, uma vez que as
taxas de natalidade continuam reduzindo-se, mas ainda são superiores às
taxas de mortalidade, gerando um crescimento vegetativo positivo. A Europa,
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A transição demográfica no Rio Grande do Sul e seus impactos econômicos
343
em um processo mais avançado, encontra-se na fase 4, sendo que alguns
países, como Alemanha e Portugal, já apresentam decréscimo em suas populações. A maioria dos países africanos, em contrapartida, ainda se encontra na fase 2, com elevadas taxas de natalidade e expressivos crescimentos
populacionais.
Tendo as fases da transição demográfica como pano de fundo, o presente estudo objetiva, na seção 2, analisar a evolução da estrutura populacional e suas componentes no RS e no Brasil, na seção 3, apresentar as
projeções da população gaúcha para até 2050 disponibilizadas pela Fundação de Economia e Estatística (FEE) e, na seção 4, mensurar possíveis impactos econômicos causados pela mudança na estrutura populacional do RS
entre 2010 e 2020. Por fim, na seção 5, as conclusões são apresentadas.
2 Evolução populacional
Desde o início do período republicano, etapa de implantação da industrialização nacional, o Brasil já se encontrava na fase 2 da transição demográfica — como mostra a série histórica da população brasileira desde 1890
e suas taxas de natalidade e mortalidade (Gráfico 1) —, uma vez que as
ocorrências de óbitos eram menores que as ocorrências de nascimentos.
Contudo, na década de 30 do século XX, com o início da revolução industrial brasileira, ocorre uma aceleração no decréscimo na mortalidade, devido, principalmente, aos avanços da medicina e das políticas públicas voltadas à saúde, acarretando um alto crescimento populacional no período.
A taxa de natalidade passou a reduzir-se apenas na década de 60, inicialmente apenas nas áreas urbanas das Regiões Sul e Sudeste, bastante
influenciada, também, pela disponibilização e difusão dos métodos contraceptivos (PERPÉTUO; AGUIRRE, 1998). Por volta de 1970, a redução da
taxa de mortalidade desacelerou-se, ao passo que a taxa de natalidade
continuou diminuindo (agora, generalizada em todas as regiões do Brasil).
Na primeira década do século XXI, a diferença já era pequena entre as taxas, o que levou a uma diminuição na taxa de crescimento da população,
que aumentou 36,7% na década de 60, comparada a 12,5% na primeira
década do século XXI.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
344
Pedro Tonon Zuanazzi; Marianne Zwilling Stampe
Gráfico 1
Taxa bruta de natalidade, taxa bruta de mortalidade e população no
Brasil — 1890 a 2010
Taxa
(por 1.000)
50
(1.000)
250.000
40
200.000
30
150.000
20
100.000
10
50.000
0
0
1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010
Legenda:
Taxa bruta de natalidade
Taxa bruta de mortalidade
População
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE.
Até a década de 40, a população do RS aumentava a taxas superiores
às do Brasil. A partir da década de 50, a taxa de crescimento da população
brasileira superou a do Estado, mantendo-se maior desde então.
Apesar de estar sempre entre os estados de menor crescimento populacional nas últimas décadas, o baixo aumento do RS destacou-se entre os
Censos 2000 e 2010 (Tabela 1): foi a unidade da Federação com menor
variação (5,0%), bastante inferior à segunda menor variação, a da Bahia
(7,3%).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
345
A transição demográfica no Rio Grande do Sul e seus impactos econômicos
Tabela 1
Variação populacional nas unidades da Federação entre os Censos Demográficos
no Brasil — 2000 e 2010
UNIDADES DA
FEDERAÇÃO
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
VARIAÇÃO %
ENTRE CENSOS
Amapá ......................
Roraima ....................
Acre ..........................
Distrito Federal .........
Amazonas ................
Pará ..........................
Mato Grosso .............
Goiás .......................
Tocantins ..................
Mato Grosso do Sul .
Santa Catarina .........
Maranhão .................
Sergipe .....................
Rio Grande do Norte
40,7
39,0
31,6
25,8
23,8
22,5
21,3
20,2
19,7
18,0
16,8
16,5
16,1
14,3
UNIDADES DA
FEDERAÇÃO
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
VARIAÇÃO %
ENTRE CENSOS
Ceará ......................
Espírito Santo .........
Rondônia .................
São Paulo ...............
Rio de Janeiro .........
Pernambuco ............
Alagoas ...................
Pauí .........................
Minas Gerais ...........
Paraíba ...................
Paraná .....................
Bahia .......................
Rio Grande do Sul ..
13,9
13,6
13,4
11,6
11,3
11,2
10,7
9,8
9,7
9,5
9,3
7,3
5,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE.
Esse baixo crescimento populacional do RS, aliado à elevada tendência de diminuição de crescimento populacional (Tabela 2), é um importante
indício de que o Estado está entre as unidades da Federação mais adiantadas na terceira etapa da transição demográfica. Enquanto, na década de
80, a população gaúcha cresceu 1,55% ao ano, na primeira década do século XXI, o crescimento foi de 0,49% ao ano.
Tabela 2
População residente e taxa geométrica de crescimento anual
no Rio Grande do Sul — 1970-2013
PERÍODOS
POPULAÇÃO AO FIM
DO PERÍODO
TAXA GEOMÉTRICA DE
CRESCIMENTO ANUAL (%)
1970-80
1980-91
1991-2000
2000-10
2010-13
7.773.837
9.138.670
10.187.798
10.693.929
10.841.802
1,55
1,48
1,21
0,49
0,46
FONTE: IBGE (Censos Demográficos 1980 a 2010).
FONTE: FEE (Estimativas Populacionais 2012).
Para afirmar que o RS está muito próximo de encerrar a terceira fase
da transição demográfica, entretanto, é necessário analisarem-se as evoluções, separadamente, de suas componentes demográficas: fecundidade,
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
346
Pedro Tonon Zuanazzi; Marianne Zwilling Stampe
mortalidade e migração. Os patamares atuais dessas componentes podem
determinar a dinâmica populacional futura.
1
Quando ocorrem alterações na taxa de fecundidade total (TFT ) e na
2
expectativa de vida , não necessariamente incidirão, imediatamente, modifi3
cações proporcionais na taxa bruta de natalidade (TBN ) e na taxa bruta de
4
mortalidade (TBM ). Isso se deve às estruturas das pirâmides etárias das
regiões. Ao se analisar o Gráfico 2, percebe-se uma relevante modificação
na pirâmide etária do RS entre os Censos de 1970 e 2010.
Em 1970, a pirâmide possuía uma base larga (muitos jovens), um meio
intermediário e um topo estreito (poucos idosos). Em 2010, o contingente de
jovens passou a apresentar uma redução, enquanto a proporção de adultos
e idosos aumentou. A consequência disso é que, mesmo com o aumento da
expectativa de vida, a taxa bruta de mortalidade pode crescer, devido à
maior quantidade de idosos, e, mesmo com uma baixa fecundidade, é possível que a taxa de natalidade não seja tão pequena, em razão da grande
quantidade de mulheres em idade fértil.
Entretanto, se a taxa de fecundidade é pequena no presente (abaixo
da taxa de reposição), então a quantidade de crianças passa a ser menor
do que a quantidade de adultos (efeito percebido na pirâmide etária de
2010), e, quando essas crianças atingirem a idade adulta, haverá menos
mulheres em idade fértil do que no momento de seus nascimentos.
1
Número esperado de filhos que uma mulher tenha ao fim de seu período reprodutivo, com
o regime de fecundidade ao longo do tempo igual ao período analisado.
2
Número médio de anos que um recém-nascido esperaria viver, com um regime de mortalidade ao longo do tempo igual ao período analisado.
3
Nascimentos ao longo de um ano, divididos pela população no meio do ano.
4
Óbitos ao longo de um ano, divididos pela população no meio do ano.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
347
A transição demográfica no Rio Grande do Sul e seus impactos econômicos
Gráfico 2
Pirâmide etária do Rio Grande do Sul — 1970 e 2010
(anos)
80
75
70
65
60
55
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Homens
15
10
Legenda:
Mulheres
5
0
5
1970
10
15
(% da
população)
2010
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE (Censos Demográficos).
2.1 Natalidade e fecundidade
Embora as taxas brutas de natalidade do Brasil e do RS ainda os mantenham na fase 3 da transição demográfica (acima de suas taxas brutas de
mortalidade), é fácil prever que essa fase não se perpetuará. Isso se deve
aos baixos patamares de suas taxas de fecundidade total, que se encontram menores do que 2,1 filhos por mulher, patamar necessário para manter
uma população com tamanho constante em longo prazo.
O raciocínio é simples: ao se considerar uma população fechada (sem
migração), se, por um tempo prolongado, cada casal tiver, em média, menos de dois filhos, eles não estarão repondo-se na população e, posteriormente, o número de habitantes passará a diminuir. A utilização do valor de
5
2,1 filhos por mulher como taxa de reposição deve-se ao fato de que nem
todas as crianças chegarão vivas até sua idade fértil.
As taxas de fecundidade brasileira e gaúcha apresentaram tendências
semelhantes no período 1940-2010 (Gráfico 3), com o RS em patamares
sempre menores do que os brasileiros. Entre 1940 e 1960, seus valores
5
Na verdade, esse valor pode variar, dependendo das taxas de mortalidade da região. Para
mais detalhe, ver Espenshade, Guzman e Westoff (2003).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
348
Pedro Tonon Zuanazzi; Marianne Zwilling Stampe
permaneceram constantes, acima de cinco filhos por mulher, havendo uma
redução acelerada entre 1960 e 1991, e mantendo a tendência de redução
entre 1991 e 2010. Tanto o Estado quanto o País cruzaram a linha de 2,1
filhos por mulher na primeira década do século XXI. Conforme o Censo de
2010, as TFTs do RS e do Brasil foram, respectivamente, 1,75 e 1,90.
Gráfico 3
Taxa de fecundidade total no Brasil e no Rio Grande do Sul — 1940-2010
(filhos por
mulher)
7,0
6,0
5,0
4,0
3,0
2,0
1,0
0,0
1940
1950
1960
Legenda:
1970
1980
Rio Grande do Sul
1991
2000
2010
Brasil
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE (Censos Demográficos).
A fim de chamar a atenção do leitor para quão baixos são esses patamares, o Gráfico 4 faz uma comparação entre as TFTs do Brasil, do RS e
de alguns países da Europa — continente com as menores taxas de fecundidade e natalidade do mundo — de 1973 a 2010. Enquanto os países europeus já possuíam suas TFTs abaixo da taxa de reposição desde o início
do período, o Brasil e o Estado possuíam valores muito mais elevados.
Em 2010, entretanto, a TFT do RS já era menor que a de países como
França e Suécia. A diferença é que, ao contrário do Velho Continente, em
que a TFT decaiu lentamente por um período de um século, no RS e no
Brasil, a redução foi brusca em apenas 40 anos.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
349
A transição demográfica no Rio Grande do Sul e seus impactos econômicos
Gráfico 4
Taxa de fecundidade total no Brasil, no Rio Grande do Sul e em
países selecionados — 1973-2010
(filhos por
mulher)
5,00
4,50
4,00
3,50
3,00
2,50
2,00
1,50
1,00
0,50
0,00
1973
1978
Legenda:
1983
1988
Rússia
Alemanha
1993
1998
Suécia
Brasil
2003
2008
2010
França
RS
FONTE DOS DADOS BRUTOS: ONU.
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE.
De fato, as populações brasileira e gaúcha ainda não estão diminuindo
somente porque suas pirâmides etárias apresentam, proporcionalmente, um
número elevado de mulheres em idade fértil, ou seja, no atual momento, há
um contingente expressivo de mulheres tendo poucos filhos cada uma.
Nos próximos anos, a proporção de jovens deve continuar diminuindo
no Estado, e, quando esses jovens em menor número chegarem à idade
adulta, haverá poucos adultos e esses terão, em média, poucos filhos: característica da quarta fase da transição demográfica.
2.2 Mortalidade
Assim como no caso da taxa bruta de natalidade, a taxa bruta de mortalidade não pode ser utilizada para comparar regiões com pirâmides etárias
distintas. Por exemplo, conforme dados da Organização das Nações Unidas
(2013), no período 2005-10, a TBM da Alemanha era de 10,4 óbitos para
cada 1.000 habitantes, ao passo que, no Senegal, eram 8,3 óbitos para
cada 1.000 habitantes. Essa aparente discrepância ocorre porque a pirâmide etária da Alemanha é muito mais envelhecida do que a pirâmide do Senegal. Embora, proporcionalmente, haja mais óbitos na Alemanha, eles são
predominantemente de idosos, enquanto, no Senegal, eles são predominantemente de jovens.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
350
Pedro Tonon Zuanazzi; Marianne Zwilling Stampe
Entre os indicadores que resumem a longevidade e a mortalidade de
uma região, a expectativa de vida é bastante empregada. No RS, assim
como em quase todas as regiões do mundo, as mulheres vivem, em média,
mais do que os homens (Gráfico 5). Como esperado, para ambos os sexos,
houve crescimento das expectativas de vida entre os Censos de 1980 e de
2010, alcançando, no último período, 79,5 anos para as mulheres e 72,1
anos para os homens.
Gráfico 5
Expectativa de vida, por sexo, no Rio Grande do Sul — 1980-2010
(anos)
85,0
80,0
75,0
70,0
65,0
60,0
55,0
50,0
45,0
40,0
1980
Legenda:
1991
2000
Homens
2010
Mulheres
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE (Censos Demográficos).
Ainda há muito a percorrer, entretanto, para atingir níveis de expectativa
de vida de países desenvolvidos. O Gráfico 6 apresenta uma comparação entre
a expectativa de vida do Brasil e de alguns países europeus, que, em sua
maioria, estão no entorno do patamar de 80 anos para ambos os sexos.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
351
A transição demográfica no Rio Grande do Sul e seus impactos econômicos
Gráfico 6
Expectativa de vida no Brasil e nos países selecionados — 1973-2008
(anos)
85,0
80,0
75,0
70,0
65,0
60,0
55,0
1973
1978
Legenda:
1983
Suécia
França
Alemanha
1988
1993
Itália
Holanda
1998
2003
2008
Espanha
Brasil
FONTE DOS DADOS BRUTOS: ONU.
Devido ao aumento das expectativas de vida do Brasil e do Rio Grande
do Sul, houve um incremento considerável no número de idosos, nas últimas décadas. No RS, o número de pessoas com 65 anos ou mais passou
de 365.000 em 1980 para 995.000 em 2010. Assim, dado o maior contingente de idosos, mesmo com as menores taxas de mortalidade, o número
de óbitos tende a se manter em longo prazo, característica típica da quarta
fase da transição demográfica.
2.3 Migração
Atenta ao aumento da proporção de idosos na população de países
desenvolvidos, a Organização das Nações Unidas (2001) realizou um estudo buscando responder se a imigração poderia ser uma solução para regiões que se encontravam mais avançadas na transição demográfica. Foram projetados (para oito países) cinco cenários, nos quais se mensurou
qual seria a imigração necessária a fim de evitar qualquer declínio na proporção de pessoas em idade potencialmente ativa em relação aos idosos.
Os números foram surpreendentes (e inviáveis): na Europa, por exemplo,
até 2050, seriam necessários 1,4 bilhão de imigrantes, ante uma população
de 2,3 bilhões.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
352
Pedro Tonon Zuanazzi; Marianne Zwilling Stampe
Em sequência, alguns trabalhos refletiram os resultados obtidos pela
ONU. De forma geral, foram criticados (1) o enfoque na manutenção da
proporção de pessoas em idade de trabalhar como uma necessidade (sem
considerar a taxa de ocupação); (2) a falta de uma abordagem sobre a possibilidade de reverter a redução da queda da fecundidade nos países estudados; e (3) o fato de que os imigrantes também envelhecem, ou seja, a
6
imigração seria uma solução apenas paliativa .
Mesmo não sendo uma solução definitiva para o aumento do número
de idosos na população, o fato é que a migração pode retardar a transição
demográfica. Na verdade, ao contrário da TFT, que necessita de, no mínimo, 15 anos para aumentar a proporção de pessoas em idade de trabalhar
na população, o aumento da imigração pode causar um impacto imediato.
Além disso, os jovens são mais propensos a migrar por estarem no processo de entrada do mercado de trabalho (OLIVEIRA; JANNUZZI, 2005).
No Gráfico 7, apresentam-se as pirâmides etárias dos imigrantes, dos
emigrantes e dos residentes não migrantes do RS no período 2005-10. Indo
ao encontro da teoria, tanto os emigrantes quanto os imigrantes possuem
uma concentração maior na faixa etária dos 20 aos 35 anos do que os não
migrantes. Já a proporção dos idosos é inversa.
Gráfico 7
Pirâmide etária dos imigrantes, emigrantes e não migrantes
no Rio Grande do Sul — 2005-10
(anos)
80
75
70
65
60
55
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
15
Mulheres
Homens
10
Legenda:
5
Emigrantes
0
5
Imigrantes
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Censo Demográfico 2010.
6
Para mais detalhes, ver Grant (2001) e Bermingham (2001).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
10
(% da
15 população)
Não migrantes
353
A transição demográfica no Rio Grande do Sul e seus impactos econômicos
Ao analisar-se a migração total no RS nos últimos Censos, contudo,
vê-se que os efeitos da migração ainda são baixos, não apresentando, até o
momento, potencial para modificar a estrutura etária do Estado e sua transição demográfica, embora as perdas por migração venham aumentando.
7
No período 1986-91, a taxa líquida migratória do RS era de -0,3%,
passando a -0,42% no período 1995-2000 e atingindo -0,74% no período
2005-10.
Tabela 3
Imigrantes, emigrantes, saldo migratório e taxa líquida migratória no Rio Grande do Sul —
1986-91, 1995-2000 e 2005-10
PERÍODOS
2005-10
1995-2000
1986-91
IMIGRANTES (1)
EMIGRANTES
SALDO MIGRATÓRIO
TAXA MIGRATÓRIA LÍQUIDA
(%)
102.613
113.395
114.295
177.263
152.890
138.854
-74.650
-39.495
-24.559
-0,74
-0,42
-0,30
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Censos Demográficos 1991, 2000 e 2010.
(1) Não foram contabilizados os imigrantes com unidade da Federação de origem não especificada nem os
estrangeiros.
3 Projeções da população do RS
De acordo com as projeções da FEE para o período entre 2015 e
2050 — fundamentadas em hipóteses sobre o comportamento posterior das
componentes demográficas fecundidade, mortalidade e migração —, a população do Estado, que, em 2010, era de 10,69 milhões, deve continuar
aumentando, porém em ritmo decrescente, até alcançar um número máximo
de 11,07 milhões por volta de 2025. Posteriormente, projeta-se uma redução populacional, atingindo, em 2050, um contingente de 9,71 milhões de
habitantes.
Provavelmente, o Rio Grande do Sul deverá ser o primeiro estado do
Brasil a ingressar na quarta fase da transição demográfica e a alcançar
taxas de crescimento populacional negativas. Entretanto são as projeções
por idade que deixam mais evidente a modificação da estrutura etária na
população.
Conforme pode ser analisado na Tabela 4, o número de jovens (até 15
anos), que já apresentou diminuição entre os Censos 2000 e 2010, deve
prosseguir reduzindo-se. O contingente de pessoas entre 15 e 64 anos
7
Saldo migratório no período, dividido pela população total.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
354
Pedro Tonon Zuanazzi; Marianne Zwilling Stampe
(idade potencialmente ativa), que vem apresentando crescimento nas últimas décadas, deve atingir um número máximo entre 2015 e 2020, e, então,
começar a reduzir-se. A população de idosos (65 anos ou mais), que apresenta uma tendência histórica de aumento, deverá permanecer crescendo
nas próximas décadas.
Tabela 4
População observada e projetada, por faixa etária, no Rio Grande do Sul — 2010 a 2050
(1.000)
FAIXA ETÁRIA
2010
2015
2020
2025
2030
2035
2040
2045
2050
De 0 a 14 anos .... 2.230
De 15 a 64 anos 7.470
65 anos ou mais 995
2.034
7.704
1.175
1.947
7.702
1.395
1.899
7.537
1.635
1.766
7.351
1.863
1.615
7.157
2.005
1.469
6.941
2.070
1.349
6.629
2.140
1.255
6.210
2.245
FONTE: Censo Demográfico (2010) do IBGE.
FONTE: Projeções populacionais 2015-50 - FEE.
Essas projeções, caso se confirmem, impactarão a razão de depen8
dência do Estado (Gráfico 8). Quanto maior for esse indicador, maior será a
proporção de pessoas potencialmente dependentes (jovens e idosos). Entre
os Censos de 1980 e de 2010, o aumento do número de idosos foi compensado, concomitantemente, pela redução do contingente de jovens e pelo
aumento do número de pessoas em idade potencialmente ativa, diminuindo,
assim, a razão de dependência total.
Entretanto, quando o número de pessoas em idade potencialmente ativa começar a diminuir, entre 2015 e 2020, o aumento dos idosos fará com
que a razão de dependência total inicie um processo de reversão, aumentando a partir desse período.
8
Razão de dependência total (RDT) é a divisão entre os potencialmente inativos (jovens e
idosos) pelos potencialmente ativos; razão de dependência de jovens (RDJ) é a divisão entre os jovens e os potencialmente ativos; e razão de dependência de idosos (RDI) é divisão
entre os idosos e os potencialmente ativos. As razões de dependência são multiplicadas
por 100.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
355
A transição demográfica no Rio Grande do Sul e seus impactos econômicos
Gráfico 8
Razão de dependência de jovens, idosos e total no
Rio Grande do Sul — 1980-2010
Razão
70,0
60,0
Projeções
Dados
censitários
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
1980 1991 2000 2010 2015 2020 2025 2030 2035 2040 2045 2050
Legenda:
Total
Jovens
Idosos
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Censos Demográficos.
FONTE: Fundação de Economia e Estatística/Projeções populacionais 2015-50.
4 Impactos econômicos da transição
demográfica
Uma questão fundamental no estudo da transição demográfica é o impacto das mudanças da razão de dependência na economia. Conforme
exposto anteriormente, a evolução da transição demográfica tem modificado
a pirâmide etária da população gaúcha e deverá continuar modificando,
conforme as projeções populacionais do RS para até 2050.
A mudança na composição etária da população traz implicações para o
crescimento econômico. Espera-se que os países que possuem mais pessoas em idade potencialmente ativa (entre 15 e 64 anos) tenham mais trabalhadores, o que é positivo para o crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) (WONG; CARVALHO, 2006; ALVES, 2004). Esse fato é bem conhecido na literatura, estando associado ao conceito de bônus demográfico (ALVES, 2004). Contudo, quando há uma maior proporção de jovens ou de
idosos relativamente à população em idade potencialmente ativa — razão
de dependência de jovens ou razão de dependência de idosos —, o resultado é negativo ou dúbio, respectivamente, no crescimento econômico (FUKUDA; MOROZUMI, 2004; PORSSE et al., 2012).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
356
Pedro Tonon Zuanazzi; Marianne Zwilling Stampe
Estimativas feitas por Porsse et al. (2012) concluíram que, para o Brasil, tanto a RDJ quanto a RDI influenciam negativamente o crescimento
econômico e mostraram que o impacto nos idosos é maior que nos jovens.
Os autores utilizaram dados em painel, com a implementação da técnica
9
GMM-System para modelos de convergência de renda em modelo espacial, para os estados brasileiros, no período de 1970 a 2000.
Posteriormente, Zuanazzi, Bandeira e Stampe (2014), através do
mesmo modelo de Porsse et al. (2012), atualizaram os dados para o período de 1980 a 2010 e utilizaram como variável dependente o PIB per capita
ao invés da renda per capita. O resultado encontrado também foi negativo
tanto para a RDJ quanto para a RDI, contudo os testes sobre os coeficien10
tes não foram definitivos .
A abordagem dos modelos de Porsse et al. (2012) e de Zuanazzi, Bandeira e Stampe (2014) parte do pressuposto de que a transição demográfica, representada pelas variáveis de razão de dependência (RDJ e RDI), irá
impactar o crescimento econômico, diferentemente dos modelos tradicionais, que consideram apenas a taxa de crescimento da população como
variável explicativa. Tendo por base os resultados obtidos por Zuanazzi,
Bandeira e Stampe (2014) e as projeções populacionais da FEE (seção 2),
foram estimados os efeitos da transição demográfica no crescimento econômico do Rio Grande do Sul para o período 2010-20, conforme se pode
verificar na Tabela 5.
9
Essa técnica consiste em um sistema de equações para determinação da taxa de crescig
mento econômico ( i,t ) e para a variação da taxa de crescimento econômico ( ∆gi,t ), utilizando, como instrumentos da regressão em nível, as diferenças das variáveis explicativas e,
para a regressão em diferença, a defasagem das variáveis explicativas em nível. A vantagem de utilizar essa abordagem é que ela permite corrigir o problema da endogeneidade,
que pode, potencialmente, ser encontrado entre a variável de capital humano e o crescimento econômico (PORSSE et al., 2012). Além da inovação na técnica de estimação, os
autores utilizaram modelos de dependência espacial, incluindo a variável dependente defasada como variável explicativa no modelo. Os resultados dos coeficientes estimados mostraram significativa diferença, indicando a importância da variável espacial como uma fonte
de explicação do crescimento econômico.
10
Os valores p encontrados indicam, mas não confirmam, a rejeição nos testes de hipóteses
dos coeficientes. Os valores obtidos foram de 0,107 para a RDI e 0,116 para a RDJ.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
357
A transição demográfica no Rio Grande do Sul e seus impactos econômicos
Tabela 5
Estimativa do impacto das variações das razões de dependência de jovens (RDJ) e de idosos
(RDI) no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Rio Grande do Sul
entre 2010 e 2020
VARIÁVEIS
COEFICIENTE DE
IMPACTO DA
TRANSIÇÃO
DEMOGRÁFICA
(1)
RDJ ..........................
RDI ........................
-0,0790
-0,4280
PROJEÇÃO DE
VARIAÇÃO EM
2010-20 (%) (2)
-15,2981
35,9985
PROJEÇÃO DE IMPACTO
DA TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA NO CRESCIMENTO DO PIB PER CAPITA
2010-20 (%) (3)
1,2085
-15,1518
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Zuanazzi, Bandeira e Stampe (2014).
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Fundação de Economia e Estaística (FEE).
(1) Estimativas pontuais realizadas por Zuanazzi, Bandeira e Stampe (2014). (2) Projeções da FEE. (3)
Resultado válido sob a hipótese de constância dos coeficientes no período projetado, utilizando as estimativas pontuais dos coeficientes.
Observa-se que a RDJ deverá reduzir-se, entre 2010 e 2020, em
15,3%, o que ocasionaria um crescimento econômico positivo de 1,2% no
período. Contudo, os efeitos da RDI apresentam duas características importantes: o coeficiente da variável é significativamente mais negativo do que a
RDJ (cerca de 4,8 vezes mais), e o crescimento populacional do período
11
2010-20, para a faixa etária considerada , é positivo. Assim, o impacto final
da RDI seria de -15,15%. Dessa forma, estima-se que o saldo líquido da
influência da transição demográfica, na década, seria de cerca de -13,9%
no crescimento do PIB per capita.
Entretanto, ao se projetar o impacto para o período de 2010 a 2020,
pressupõe-se constância dos coeficientes, que, provavelmente, sofrerão
mudanças, devido aos melhoramentos tecnológicos. Logo, os efeitos mensurados devem estar superestimados. Exatamente por isso, as projeções
foram limitadas para até 2020, a fim de se evitarem distorções ainda maiores. Além disso, salienta-se que os resultados dos coeficientes obtidos são
para a média dos estados do Brasil. Contudo destaca-se que essas projeções possuem méritos, uma vez que são uma orientação para pesquisadores e agentes públicos e privados.
Logo, a transição demográfica merece atenção dos policy makers para
a elaboração de políticas públicas que compensem esse resultado. Por
exemplo, na Europa, onde a transição demográfica está mais avançada,
incentivos à natalidade e à imigração, principalmente nas profissões de
maiores carências, são ações frequentes e que vêm obtendo retornos positivos em alguns países (KALWIJ, 2010). Além disso, discutir mudanças na
idade de aposentadoria é outro ponto fundamental para reduzir esses efei11
Idosos acima de 65 anos.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
358
Pedro Tonon Zuanazzi; Marianne Zwilling Stampe
tos. É importante salientar-se que a tendência de envelhecimento da população, para após 2020, poderá agravar esse quadro, uma vez que a proporção de idosos deverá continuar aumentando.
Além do impacto no crescimento econômico, destaca-se que a mudança na estrutura etária da população também gera efeitos no consumo, na
taxa de poupança, na formação de capital, na oferta de trabalho, nos salários reais, na relação entre receitas e despesas públicas, entre outros fatores (MILES, 1999; WONG; CARVALHO, 2006; TURRA, 2001).
Em especial, o estudo realizado por Stampe (2013) indica que o consumo por faixa etária é diferente quando predominam jovens, pessoas em
idade ativa ou idosos. A autora estimou um modelo de consumo para o Rio
Grande do Sul, usando dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares
(POF) 2003, controlando o modelo para amostras complexas. Como resultado, foi observado que setores como comunicação, serviços industriais de
utilidade pública, construção civil, roupas e calçados têm seu consumo diminuído, à medida que o processo de envelhecimento populacional avança.
Contudo setores como serviços privados não mercantis, instituições financeiras, serviços prestados às famílias e às empresas e equipamentos de
transporte, dentre outros setores, aumentam o consumo conforme as pessoas envelhecem.
5 Conclusão
Este estudo buscou evidenciar o fenômeno da transição demográfica
no Brasil e, principalmente, no Rio Grande do Sul, indicando que ambos
encontram-se na terceira fase desse processo. Com uma taxa bruta de mortalidade reduzida e uma taxa bruta de natalidade em pleno declínio, é possível prever que, em breve, o País e o Estado ingressarão na quarta fase,
em que a população não mais crescerá, e haverá um aumento da proporção
de idosos e uma diminuição do contingente de jovens, tal qual vem ocorrendo com a Europa e outras regiões desenvolvidas do globo há algum tempo.
Tal comprovação foi realizada através da análise, em separado, das
evoluções das componentes demográficas fecundidade, mortalidade e migração. Um importante fator na análise dos resultados é que o número de
nascimentos e óbitos depende não somente das taxas de fecundidade e de
mortalidade, mas também das estruturas das pirâmides etárias. Assim, observando a evolução da taxa de fecundidade e da expectativa de vida, é
possível identificar-se mais facilmente o processo de transição demográfica
que vem ocorrendo no Brasil e no Rio Grande do Sul, sem sofrer as distorções que as estruturas das pirâmides etárias podem causar.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
A transição demográfica no Rio Grande do Sul e seus impactos econômicos
359
De fato, o baixo número médio de filhos por mulher, identificado pela
taxa de fecundidade total, é o principal indicador da mudança demográfica
que ocorre no País e no Estado. Em ambos, as mulheres possuem menos
de 2,1 filhos em média, nível de reposição para manter uma população em
tamanho constante no longo prazo. Os efeitos disso são cada vez menos
jovens na população, o que, aliado ao aumento da expectativa de vida, impacta no crescimento permanente da proporção de idosos.
As projeções populacionais para o Rio Grande do Sul indicam que a
população em idade potencialmente ativa (de 15 a 64 anos) deve parar de
crescer, atingindo o ponto máximo entre 2015 e 2020, e que o número de
idosos deve seguir com a tendência de crescimento, aumentando os indícios de que o Rio Grande do Sul deverá ingressar na quarta fase da transição demográfica em breve, com uma pirâmide etária mais envelhecida.
Utilizando as taxas de crescimento populacional por idade, projetadas
para o período 2010-20 pela FEE, e utilizando os coeficientes obtidos por
Zuanazzi, Bandeira e Stampe (2014), foram estimados os impactos da transição demográfica no crescimento do PIB per capita do Rio Grande do Sul.
Os resultados obtidos, que carecem de ressalvas, uma vez que não
são considerados os possíveis avanços tecnológicos que poderiam reduzir
as consequências de uma menor proporção da população potencialmente
ativa, estimam que o saldo líquido obtido pelas variações da razão de dependência de jovens e da razão de dependência de idosos seria de -13,95%
no crescimento do PIB per capita do RS para os 10 anos entre 2010 e 2020.
Esse percentual, embora possa ser superestimado, merece ser analisado
na elaboração de políticas públicas, como incentivos à natalidade ou modificações na idade para aposentadoria, uma vez que a maior parte desse impacto é determinada pela razão de dependências de idosos, taxa que tende
a aumentar nas décadas seguintes.
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Working Paper MGSoG/2008/WP002.
N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Elen Jane Medeiros Azambuja.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
362
Pedro Tonon Zuanazzi; Marianne Zwilling Stampe
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Previdência e finanças públicas
estaduais: novas perspectivas?
Thiago Felker Andreis
Economista, Pesquisador da Fundação
de Economia e Estatística
1 Introdução
O Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) dos servidores do Rio
Grande do Sul, baseado no sistema de fundo financeiro, da maneira como
está constituído, fundamenta-se em uma construção que utiliza a repartição
simples e a solidariedade intergeracional como principais fontes de financiamento de suas obrigações. Esse é o regime responsável pela maioria dos
benefícios previdenciários dos servidores públicos estaduais, uma vez que
abarca todos aqueles entrantes na administração pública estadual antes da
os
vigência das Leis Complementares n 13.757 e 13.758, de 2011. Os números deficitários que o RPPS tem apresentado, ao longo dos últimos exercícios, expressam o grande descompasso existente entre o montante despendido no pagamento de benefícios e os valores arrecadados a título de contribuições previdenciárias. Mais do que isso, o RPPS estadual vem mostrando uma necessidade crescente de recursos, uma vez que a diferença entre
despesas e receitas tem aumentado ano após ano. A situação da Previdência Estadual pode ser considerada de extrema gravidade, uma vez que
o impacto de seus déficits é sentido por toda a sociedade gaúcha através do
sacrifício orçamentário necessário por parte dos governos que se sucedem.
Dados do Ministério da Previdência e Assistência Social mostram que,
no ano de 2012, o Rio Grande do Sul (RS) apresentou um déficit previdenciário (do quadro de servidores públicos estaduais) de R$ 5,6 bilhões. Esse
valor só foi superado pelos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que
chegaram, respectivamente, a R$ 12,3 bilhões e R$ 8,3 bilhões (BRASIL,
2013a). Ao fazer-se um levantamento de quanto cada Tesouro estadual
gasta com aposentados e pensionistas, pode-se notar que, dos 27 estados
da Federação, há déficit em 23 deles, pois a despesa supera a receita previdenciária (BRASIL, 2013a). Isso significa que o tema previdência não é
problemático apenas no caso do Rio Grande do Sul. No entanto, o fato de o
RS possuir uma administração pública relativamente antiga e consolidada e
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
364
Thiago Felker Andreis
a presença do Estado em todo o território, certamente, contribuem para que
a questão da previdência seja mais evidente nele do que em estados mais
novos da Federação.
Em se tratando de previdência, as alternativas para superação dos
problemas esbarram em dificuldades de engenharia legal, política, atuarial
e, especialmente, financeiras. A alternativa encontrada pelo Rio Grande do
Sul passou pela implementação dos fundos previdenciários para seus servidores civis e militares, denominados Fundoprev Civil e Fundoprev Militar.
Esses fundos abandonaram o sistema de repartição simples e adotaram um
regime de capitalização, a partir do qual se pretende que os recursos neles
acumulados, juntamente com os rendimentos dos seus patrimônios no
mercado financeiro, acabem com os déficits crônicos previdenciários, que,
durante tanto tempo, se vêm fazendo presentes nas contas públicas do
Estado. Para que não haja a contaminação do regime baseado no Fundo1
prev, foi realizada segregação de massas entre o RPPS antigo, denominado Fundo Financeiro, e o novo RPPS, denominado Fundoprev.
Diante dessa questão, no presente estudo, procura-se debater as perspectivas para a Previdência Estadual do Rio Grande do Sul, a partir da
implementação dos Fundoprevs Civil e Militar no Estado, mostrando como
esses se consolidaram como alternativas disponíveis aos governantes, qual
a situação atual em termos de adesão junto aos servidores e as eventuais
limitações do novo regime proposto. Para tal, o texto divide-se em três
partes. Na primeira, apresenta-se o quadro deficitário da Previdência Estadual, problema crônico que serviu como justificativa para a busca de soluções que culminaram na criação do Fundoprev. Na segunda parte do texto,
o Fundoprev é apresentado como proposta de solução para a crise do
sistema previdenciário estadual, e é discutida sua situação atual, mostrando-se seus principais números e desempenho recente. Na terceira parte,
são apresentadas algumas questões acerca do desenho e do desempenho
do Fundoprev, mostrando suas limitações e como, dependendo do comportamento de algumas variáveis, ele pode vir a não resolver a questão da
Previdência Estadual. Por fim, são tecidas algumas conclusões.
1
Segregação de massas consiste na separação entre os recursos destinados à nova Previdência Estadual, baseada no Fundoprev, e a Previdência baseada no regime anterior. Assim, os recursos do Fundoprev ficam vinculados, apenas e tão somente, ao pagamento dos
benefícios dos seus filiados, não correndo o risco de serem utilizados para pagamento dos
benefícios do restante do funcionalismo estadual.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
365
Previdência e finanças públicas estaduais: novas perspectivas?
2 Cenário da Previdência Estadual:
déficits crônicos e crescentes
Nos últimos 12 anos, o resultado previdenciário estadual vem-se deteriorando, e a necessidade total de recursos financeiros aportados pelo Estado ao RPPS atingiu o montante de R$ 7,7 bilhões de reais em 2012.
Esse cenário não tem sofrido grandes alterações nos últimos anos. De
fato, o resultado da Previdência Estadual tem-se mantido negativo ao longo
do tempo. A Tabela 1 mostra a necessidade total de recursos que o Estado
teve de aportar no RPPS do RS, desde 2001 até 2012. Em todos os anos
considerados, houve déficit a ser coberto pelo Tesouro. Além disso, os
déficits são sempre crescentes.
Tabela 1
Aportes do Tesouro ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS) do
Rio Grande do Sul — 2001-12
NECESSIDADE TOTAL DE
RECURSOS FINANCEIROS
DO ESTADO AO RPPS
RECEITAS
PREVIDENCIÁRIAS
DESPESAS
PREVIDENCIÁRIAS
2001
283.078.890
2.835.522.362
-2.552.443.472
-
2002
302.751.257
3.317.115.847
-3.014.364.590
18,1
2003
333.322.000
3.549.660.000
-3.216.338.000
6,7
2004
503.042.000
3.760.549.000
-3.257.507.000
1,28
2005
500.866.000
4.241.197.000
-3.740.331.000
14,82
2006
554.518.233
4.549.920.373
-3.995.402.140
6,82
2007
617.361.839
5.127.307.162
-4.509.945.323
12,88
2008
625.094.839
5.530.971.330
-4.905.876.491
8,78
2009
684.735.047
6.058.754.679
-5.374.019.633
9,54
2010
744.341.568
6.825.500.418
-6.081.158.850
13,16
2011
949.859.835
7.639.448.869
-6.689.589.034
10,01
2012
912.454.263
8.566.989.993
-7.654.535.729
14,42
ANOS
Receitas (-)
Despesas
% Evolução
Anual
FONTE: Rio Grande do Sul, 2013d.
NOTA: Valores nominais, em R$ 1,00.
Segundo o demonstrativo de dados atuariais, disponibilizado pelo Ministério da Previdência Social, esses números negativos ainda crescerão
por, pelo menos, mais 15 anos. A perspectiva do Governo gaúcho é de que
o RPPS, baseado no Fundo Financeiro, continue a apresentar déficits crescentes até o ano de 2029. A partir de 2030, porém, suas previsões sinaliPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
366
Thiago Felker Andreis
zam para uma melhora dos números do regime. Ainda em 2087 (último ano
da projeção do resultado do RPPS disponível), haveria um pequeno déficit,
mas o número previsto seria da ordem de R$ 27 milhões, resultado bem
mais favorável do que o volume de recursos que o RPPS consome do orçamento estadual, atualmente, a cada ano (BRASIL, 2013b). Há de se ter algum cuidado ao se interpretarem essas informações. A diminuição dos déficits, prevista para a partir de 2030, está baseada, essencialmente, na mudança estrutural da Previdência, que vem sendo construída desde as primeiras reformas constitucionais de 1998, aprofundadas com a implementação de novos fundos de capitalização.
Esses resultados, embora negativos e de expressiva monta, não significam, todavia, que exista, necessariamente, um processo de má gestão dos
recursos previdenciários do Estado. Ao contrário, da forma como o RPPS
estadual foi construído e é mantido, a necessidade constante de aportes financeiros por parte do Tesouro é uma consequência lógica e esperada.
Isso se deve ao fato de o RPPS do RS não obedecer a uma lógica previdenciária propriamente dita e de ser, essencialmente, parte da política de
pessoal do Estado. Esse cenário corresponde à realidade encontrada no
Rio Grande do Sul, mas também está presente no restante do País, nos três
níveis de governo. De fato, para grande parcela do funcionalismo público, o
valor dos proventos recebidos em aposentadoria não é o resultado do quanto se contribuiu ou por quanto tempo, mas, sim, de uma ação unilateral do
Estado, que, através de lei, fixa os montantes e corrige-os, ou não, de acordo com negociações políticas que não possuem relação direta com o montante das contribuições dos servidores enquanto estavam em atividade
(GUERZONI FILHO, 2003). Dessa forma, carreiras diferentes recebem, ao
longo do tempo, tratamentos diferentes por parte da política remuneratória
do Estado, e isso se reflete na remuneração percebida pelos servidores inativos (GUERZONI FILHO, 2003). Cabe lembrar-se que muitos funcionários
públicos aposentaram-se antes das mudanças constitucionais mais recentes, conquistando o direito a vencimentos integrais e à paridade com os servidores ativos. Adicionalmente, o Estado ainda paga muitas pensões por
morte, instituídas sob a regra antiga e resguardadas pelo instituto do direito
adquirido. Esse é apenas um exemplo simples de como as aposentadorias
no setor público apresentam lógica própria, bastante diversa da lógica previdenciária tradicional.
Portanto, não se pode pensar na situação do RPPS sob a mesma ótica
que se observa, por exemplo, na Previdência dos trabalhadores privados. O
funcionalismo público, desde a sua consolidação enquanto burocracia estatal, gozou de um status diferenciado no que diz respeito aos salários e às
suas regras de aposentadoria. Em nível seja federal, seja estadual, podePanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Previdência e finanças públicas estaduais: novas perspectivas?
367
-se afirmar que a aposentadoria dos servidores públicos nada mais é do que
uma continuidade da sua situação de ativos (PACHECO FILHO;
WINCKLER, 2005). Assim, a relação entre Estado e funcionário fundamenta-se
[...] numa relação de trabalho pró-labore facto, onde o benefício
da aposentadoria era uma extensão da remuneração do servidor. Até 1998, praticamente não existiu um sistema de previdência no serviço público da União, dos estados e dos municípios. A previdência constituía-se num apêndice da política de
pessoal, e o gasto com inativos, um problema de folha de
pagamento. Não existia uma lógica atuarial, na medida em que
o valor recebido na aposentadoria pelo servidor público não era
definido pelo quanto ele contribuiria ou por quanto tempo, mas
por uma ação unilateral do Estado, que, por meio de lei, o
fixava (PACHECO FILHO; WINCLKER, 2005, p. 224).
Adicionalmente, a aposentadoria do RPPS possui regras específicas
que a afastam da noção tradicional de benefício previdenciário, como, por
exemplo, a possibilidade de perda da aposentadoria. De fato, o servidor
aposentado pode ser punido por faltas cometidas no exercício da função
pública e, eventualmente, ser condenado à perda da aposentadoria. Tal hipótese é inconcebível em um regime efetivamente previdenciário, uma vez
que o direito ao benefício está ligado ao histórico de contribuições do segurado. Não existe a possibilidade de um empregado da iniciativa privada,
aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), vir a perder
sua aposentadoria em virtude de faltas que tenha cometido quando na ativa
(PACHECO FILHO; WINCKLER, 2005).
Portanto, a existência de déficit no RPPS não consiste em uma anormalidade do sistema. Isso não significa, todavia, que esses resultados não
pressionem as contas públicas do Estado. Ao contrário, o déficit previdenciário é, possivelmente, a questão mais importante a ser resolvida nas contas públicas estaduais. Os necessários esforços do Governo em diminuir o
déficit do RPPS e suas projeções de diminuição progressiva dos aportes do
Tesouro merecem a atenção da sociedade e dos pesquisadores. No entanto, um olhar mais atento a essas previsões observará que a diminuição do
déficit do RPPS prevista não se deve a uma melhora do cenário das finanças públicas do Estado ou a aumentos de contribuição por parte dos servidores. O que se pretende, a longo prazo, é um esvaziamento do RPPS e a
migração dos futuros servidores, e de parte dos atuais, para uma nova previdência pública, baseada na noção de capitalização.
Esse movimento de migração do RPPS para um novo modelo capitalizado, baseado na ideia de fundos, é resultado das mudanças constitucionais mais recentes, iniciadas a partir da Emenda Constitucional nº 20/98 e,
posteriormente, ampliadas com a Emenda Constitucional nº 41, de 2003.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
368
Thiago Felker Andreis
Esse é o cenário que cria as condições para a emergência do Fundoprev
como alternativa ao Fundo Financeiro estadual.
3 O Fundoprev como solução
Dentro do novo contexto constitucional que surge a partir das reformas
de 1998 e anos posteriores, foi necessário o desenvolvimento de soluções
para a adequação dos sistemas de previdência dos servidores às novas
regras previdenciárias e fiscais demandadas. A solução encontrada pelo Estado do Rio Grande do Sul foi a criação de um sistema composto por dois
fundos, baseados em um regime de capitalização para o custeio da Previdência Estadual dos novos servidores, e sua segregação do sistema anterior, denominado Fundo Financeiro, para evitar que o desempenho dos novos fundos fosse comprometido pelos passivos antigos. Na visão do Governo, essa seria uma solução estrutural para um problema crônico do Estado.
Conforme a justificativa do projeto, que viria a se tornar a Lei Complementar
nº 13.758, de 15 de julho de 2011,
Na tentativa de reverter esse quadro histórico, o Poder Executivo apresenta o conjunto de medidas que compõem o Programa de Sustentabilidade, assentadas nos seguintes eixos:
- Busca da sustentabilidade do Regime Previdenciário
- Manutenção da Previdência Pública e de todos os direitos
adquiridos
- Solidariedade contributiva.
Assim, o Poder Executivo apresenta uma solução estrutural para a situação, baseada na chamada “segregação de massas”,
segmentando os servidores em dois grupos: um que ficará sob
o regime de repartição simples2, outro sob o regime de capitalização (RIO GRANDE DO SUL, 2013b, p. 5-6).
Dessa forma, o RPPS do Estado, que era baseado apenas em um sistema de repartição simples, passou a contar, com o advento das Leis Comos
plementares n 13.758/2011 e 13.587/2011, com dois sistemas: repartição
3
simples e capitalização .
2
Regimes de repartição simples estão baseados em uma solidariedade intergeracional. As
contribuições que são descontadas dos servidores, juntamente com as contribuições patronais, servem para honrar os pagamentos dos benefícios atuais. Um sistema baseado na
repartição simples pode vir a formar reservas, mas essas não são essenciais para seu funcionamento. O que realmente sustenta o sistema é a transferência de renda entre os que
estão na ativa para os que estão na inatividade.
3
A Lei Complementar nº 13.758/2011 trata do Fundoprev aplicável aos servidores civis e a
Lei Complementar nº 13.757/2011 cuida dos servidores militares. Em essência, as leis são
iguais. Ambas instituem o regime de capitalização para os servidores, de modo que se po-
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Previdência e finanças públicas estaduais: novas perspectivas?
369
O sistema baseado na repartição simples serve àqueles servidores entrantes no funcionalismo estadual antes de postas em vigor as leis instituidoras do Fundoprev. Para esses, as regras de aposentadoria não se modificam; já para os servidores que ingressaram, ou que ainda vierem a ingressar, no serviço público estadual após 15 de julho de 2011, aplica-se o novo
regime, baseado em fundo capitalizado.
Assim, o RPPS estadual anterior ao Fundoprev baseava-se no regime
de repartição, com contribuições e benefícios definidos, ainda que os valores das contribuições sempre tenham sido insuficientes para a cobertura
dos benefícios assumidos. A nova configuração da Previdência Estadual
prevê a utilização do regime de capitalização. No entanto, seu desenho prevê contribuições rígidas, uma vez que as alíquotas possuem pequena margem para modificação. Em outros termos, não existe flexibilidade para ajustes pontuais nessas alíquotas. Para que isso ocorra, é necessário iniciar-se
um processo político que envolve Executivo e Legislativo. Os valores dos
benefícios recebidos pelos segurados também são inflexíveis, uma vez que
irredutíveis. Essa rigidez ocorre ainda que o desempenho do Fundoprev no
mercado de capitais seja insuficiente para a cobertura dos benefícios. Assim, dentro das opções disponíveis na literatura (benefícios definidos com
contribuições flexíveis ou benefícios flexíveis com contribuições rígidas), o
Estado optou por um sistema misto para o Fundoprev, uma vez que há
contribuições e benefícios definidos. Em um sistema de capitalização, manter-se o equilíbrio financeiro e atuarial com essas condições é difícil, por isso
há a necessidade de respaldo financeiro do Tesouro. Havendo mau desempenho do Fundoprev, o Tesouro do Estado cobre o déficit.
4 Situação atual do Fundoprev
O surgimento do sistema Fundoprev trouxe consigo expectativas favoráveis acerca do solucionamento em definitivo da questão dos déficits previdenciários no Estado. De fato, a perspectiva que se colocava diante do novo
cenário da Previdência era, à época, bastante otimista. Atualmente, passados três anos da aprovação das leis complementares instituidoras do Fundoprev Civil, do Fundoprev Militar e da publicação do Decreto nº 48.371, de
2011, que os regulamenta, os fundos começam a adquirir maior importância
dentro do RPPS do Estado.
de falar em um sistema Fundoprev, que engloba os fundos Fundoprev Civil e Fundoprev
Militar.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
370
Thiago Felker Andreis
Em agosto de 2013, o Fundoprev contava com 9.892 servidores civis e
militares afiliados. Até agosto de 2012, os fundos possuíam apenas 1.063
servidores inscritos, de modo que, em apenas 16 meses, a quantidade de
servidores vinculados ao Fundoprev aumentou quase 10 vezes (RIO
GRANDE DO SUL, 2013c).
Gráfico 1
Número de servidores vinculados ao Fundo Previdenciário (Fundoprev) no RS — 2011-13
(1.000 pessoas)
8,5
8,6
9,1
9,2
9,3
9,4
9,5
9,7
9,9
12,0
10,0
6,2
8,0
4,4
4,6
6,0
2,0
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,4
0,5
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
1,1
4,0
Jul./11
Ago./11
Set./11
Out./11
Nov./11
Dez./11
Jan./12
Fev./12
Mar./12
Abr./12
Maio/12
Jun./12
Jul./12
Ago./12
Set./12
Out./12
Nov./12
Dez./12
Jan./13
Fev./13
Mar./13
Abr./13
Maio/13
Jun./13
Jul./13
Ago./13
0,0
FONTE: Rio Grande do Sul (2013c).
O ritmo de crescimento do número de servidores vinculados ao Fundoprev depende, essencialmente, do ingresso de novos servidores concursados. Os concursos mais recentes para a segurança pública e a educação
são responsáveis pela maior parte dos novos entrantes, pois essas áreas
possuem uma grande demanda de profissionais. No entanto, apesar do
ritmo crescente, os filiados ao Fundoprev ainda representam uma parcela
muito pequena do total de servidores do Estado. De fato, possuíam vínculo
com o RPPS na modalidade Fundo Financeiro, regida pela Lei nº 12.909/08,
4
267.444 segurados .
Isso significa que o Fundoprev possui apenas 3,70% do número de
filiados que o Fundo Financeiro possui. Em termos financeiros, a situação
não é diferente.
4
Dados para o mês de agosto de 2013 (RIO GRANDE DO SUL, 2013c).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
371
Previdência e finanças públicas estaduais: novas perspectivas?
Gráfico 2
Evolução dos recursos previdenciários do Fundoprev geridos pelo Instituto de Previdência do
Estado do Rio Grande do Sul — dez./2011-out./2013
2,2
2,8
3,3
Maio/12
Jun./12
Jul./12
7,0
1,6
Abr./12
5,0
1,2
Mar./12
4,2
0,6
Set./12
0,5
Fev./12
Ago./12
0,3
Jan./12
10,0
Dez./11
20,0
25,4
33,7
43,3
62,5
55,5
9,4
17,2
30,0
21,3
40,0
29,3
50,0
38,8
60,0
49,7
70,0
69,9
(R$ milhões)
80,0
Out./13
Set./13
Jul./13
Ago./13
Jun./13
Maio/13
Abr./13
Fev./13
Mar./13
Jan./13
Dez./12
Nov./12
Out./12
0,0
FONTE: Rio Grande do Sul (2013c).
Apesar do crescimento dos recursos geridos pelo Fundoprev, os valores são ainda muito pequenos dentro de um contexto onde o déficit é bilionário, como é o caso da Previdência Estadual no RS. Em outubro de 2013,
os Fundoprev Civil e Militar acumulavam, juntos, patrimônio de R$ 69,9 milhões, cujos recursos são provenientes das contribuições patronal, dos filiados e dos rendimentos financeiros obtidos pelas aplicações dos fundos no
mercado financeiro. Tais valores encontravam-se distribuídos, em setembro
de 2013, em três bancos diferentes, sendo que os recursos do Fundoprev
Militar apresentavam maior concentração de aplicações em um banco, o
qual detinha 99,5% das aplicações do Fundo. Os recursos do Fundoprev
encontram-se espalhados por 26 fundos de investimento, alguns dos quais
de renda fixa e outros de renda variável (RIO GRANDE DO SUL, 2013c). Os
nomes dos bancos e dos fundos não são, atualmente, divulgados ao público
pelo órgão gestor do Fundoprev.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
372
Thiago Felker Andreis
5 Perspectivas para o Fundoprev
O Fundoprev surgiu, com grande expectativa, como ferramenta essencial para a melhoria das contas públicas estaduais, mas logo foi envolvido
em uma série de controvérsias, inclusive jurídicas. De fato, a mudança do
RPPS estadual é um ponto sensível a muitos interesses e contrapõe, muitas
vezes, determinadas categorias profissionais ao posicionamento do Governo.
O projeto original previa alíquotas progressivas entre os servidores, variando entre 11% e um máximo de 16,5% (ÁVILA, 2011). A grande mobilização contra os termos previstos no projeto instituidor do Fundoprev acabou
por resultar na aprovação de uma alíquota única a ser descontada dos servidores, no percentual de 14%. No entanto, mesmo essa alíquota foi questionada na justiça, e, no ano de 2012, foi estabelecido, através de mudança
na lei criadora do Fundoprev, o percentual de 13,25% para desconto dos
servidores. Ao Estado cabe, além do desconto do referido percentual junto
aos servidores, a contribuição patronal de mesmo valor para o fundo. Essas
são as principais fontes de recursos para o Fundoprev, juntamente com os
rendimentos que a aplicação desses montantes no mercado financeiro
proporcionará.
A questão das alíquotas de contribuição é fundamental para o sucesso
ou insucesso do plano, e, no caso específico do Fundoprev, esse ponto traz
consigo algumas limitações. O Fundoprev busca, desde a sua implantação,
construir-se dentro de uma noção de equilíbrio financeiro e atuarial, conforme expressa previsão constitucional. No entanto, ao se tratar de fundos financiadores de benefícios previdenciários, os prazos considerados são longos, e as premissas sobre as quais os planos são construídos se modificam.
Assim, ajustes são necessários ao longo do tempo, seja nos valores de
contribuição, seja nos valores dos benefícios. Porém, no caso do Fundoprev, não há tal flexibilidade. As alíquotas de contribuição, tanto do servidor
quanto do Estado, são definidas em lei e devem obedecer a limites estabelecidos pela própria legislação e pela jurisprudência. Exemplo dessa limitação pode ser visto na discussão acerca da constitucionalidade das alíquotas
os
do Fundoprev suscitada na justiça. De fato, as Leis Complementares n
13.758/11 e 13.757/11 previam, em suas redações originais, alíquotas de
11% a serem descontadas dos servidores. Ambas as leis foram modificadas
para adotar uma alíquota superior, de 13,25%. No entanto, segundo estudos atuariais, bastaria uma alíquota de 11,59%, para manter-se o equilíbrio
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Previdência e finanças públicas estaduais: novas perspectivas?
373
5
atuarial do fundo . Inexiste até o momento, porém, qualquer projeto de lei
para novas modificações nas alíquotas dos Fundoprev. Assim, a análise técnica, baseada em estudos atuariais, pode não ser contemplada em sua totalidade, uma vez que, ainda que se possam modificar as leis, a rigidez desse
processo e as conjunturas políticas podem interferir na inclusão de pontos,
tais como as alíquotas aplicáveis ao Fundoprev na agenda política do Estado. De qualquer sorte, ainda que não se modifiquem as alíquotas — se e
quando necessário —, o Tesouro estadual está legalmente comprometido a
fazer aportes para cobrir as obrigações do Fundo.
Um segundo ponto sobre o Fundoprev que deve ser esclarecido é que
ele se baseia em um sistema de capitalização, e não de repartição simples.
Já o Fundo Financeiro, no qual o RPPS anterior ao Fundoprev se baseia,
utiliza a repartição simples. O fato de o Fundoprev basear-se na capitalização como fundamento para o acúmulo dos recursos necessários ao pagamento dos benefícios futuros traz consigo a questão da rentabilidade do fundo, da manutenção do seu patrimônio e do uso desses recursos. O objetivo
da criação do Fundoprev é resolver o problema do déficit crônico do RPPS
estadual. Para tal, utilizou-se a segregação das massas, ou seja, seus recursos não se comunicam com o Fundo Financeiro, que é o regime previdenciário anterior ao Fundoprev. Assim, seus recursos estariam, a princípio,
devidamente protegidos e reservados ao cumprimento de suas obrigações
futuras. No entanto, são identificáveis dois riscos nesse processo. O primeiro deles é um risco político. A existência de grandes somas de dinheiro aplicadas no mercado financeiro pode levar o Governo a modificar o arcabouço
legal que dá amparo ao Fundoprev, para ter acesso a esses recursos. Ainda
dentro desse contexto, o Governo pode querer utilizar os recursos do Fundoprev para financiar atividades que julgue serem socialmente relevantes e
rentáveis. Isso pode ser feito de diversas formas, inclusive capitalizando empresas estatais. Uma vez que parte dos recursos disponíveis pode ser aplicada no mercado de capitais, a capitalização de estatais existentes, e a criação de novas empresas, pode vir a ser buscada no futuro. Todavia o risco
de alocação das reservas previdenciárias em tais investimentos é muito alto.
De fato, essa é uma das causas dos problemas financeiros da Previdência
citadas por Oliveira e Teixeira (1989). Segundo os autores, ainda na primeira metade do século XX, surgiram diversos casos de mau uso dos recursos
previdenciários:
Foi assim que, nos anos 30 e 40, recursos financeiros da Previdência foram aplicados na criação de empresas estatais ou
5
Sobre essa discussão, ver o voto do Desembargador Cláudio Baldino Maciel na decisão
que deferiu liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70051297778, no Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
374
Thiago Felker Andreis
mistas, como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia
Nacional de Álcalis, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Hidroelétrica do Vale do São Francisco, etc. Também nos
anos 50 os recursos previdenciários foram utilizados na construção de Brasília e talvez, mais recentemente, nos anos 70,
tenham sido usados na construção da Ponte Rio-Niterói e da
Transamazônica, como comentam os jornais (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1989, p. 280).
No mesmo sentido, Mariana Batich comenta que
Os recursos previdenciários, que na primeira metade do século
XX já haviam sido largamente utilizados em investimentos que
favoreciam o empresariado industrial brasileiro, durante a ditadura também serviram para alimentar o ideal de construção de
um “Brasil grande”. Assim, a previdência financiou a construção
da Usina Hidroelétrica de Itaipu, Ponte Rio-Niterói, Transamazônica e usinas nucleares de Angra dos Reis. Estes empreendimentos, somados aos recursos da previdência que foram utilizados inclusive para a construção de Brasília, segundo cálculos da professora da UFMG, Eli Gurgel, equivaliam a 69,7% do
PIB, em 1997. E, como ocorreu com os recursos utilizados no
início do século para propiciar a industrialização do país, o dinheiro utilizado nunca voltou para os cofres da previdência
(BATICH, 2004, p. 35).
O Fundoprev, por suas características, pode, no futuro, vir a ser considerado, por parte dos administradores públicos, uma possível fonte de financiamento da atuação estatal a partir da utilização de seus recursos acumulados, de modo que se faz imperativa a rigorosa manutenção de mecanismos legais e institucionais para sua preservação. Da forma como as leis
instituidoras dos Fundoprevs Civil e Militar tratam essa questão, há uma
proteção legal e institucional que evita que os problemas apontados por Oliveira e Teixeira (1989) se repitam. Existe previsão legal de segregação entre as contas do Fundoprev e a conta do Tesouro do Estado; e é vedada
sua utilização pelo Sistema Integrado de Administração de Caixa (SIAC) no
Estado do Rio Grande do Sul. Além disso, a movimentação financeira e patrimonial dos recursos do Fundoprev está condicionada à autorização conjunta de um representante indicado pelo Gestor Único (no caso, o Instituto
de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPERGS)) e de um membro do Conselho Deliberativo desse mesmo instituto — escolhido pelo próprio Conselho dentre os representantes dos servidores que o compõe. Por
fim, existe previsão legal de que, em nenhuma hipótese, poderão os valores
pertencentes ao Fundo ser utilizados pelo Governo do Estado para outros
fins que não previdenciários. Todos esses mecanismos, somados ao fato de
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
375
Previdência e finanças públicas estaduais: novas perspectivas?
6
o Fundoprev ser regulado por Lei Complementar , permitem uma maior garantia de que os episódios relatados por Oliveira e Teixeira (1989) não acontecerão com o Fundoprev. No entanto, será necessária uma vigilância constante, para se evitarem mudanças na lei que permitam a colocação dos recursos em risco.
A questão da rentabilidade do Fundoprev também se configura como
importante e tem grande impacto. Em tese, caso as aplicações dos recursos
dos Fundos Civil e Militar apresentem rendimentos financeiros acima das
projeções realizadas pelos seus administradores, poder-se-iam diminuir as
alíquotas de contribuição dos servidores e patronal, que são pagas pelo Estado. Manter alíquotas elevadas, mesmo quando não se tem necessidade,
implica exigir um sacrifício da renda presente dos segurados além do necessário, bem como o comprometimento de parte da receita do Estado, que poderia ter destinação diferente. Por outro lado, um desempenho das aplicações financeiras abaixo do esperado terá como resultado o acúmulo de déficits, uma vez que os compromissos assumidos terão de ser pagos. As regras do Fundoprev colocam o Tesouro do Estado como responsável pelos
aportes financeiros necessários à cobertura desses eventuais resultados
negativos. De certo modo, isso pode tornar inócua a principal proposta que
baseou a criação do Fundoprev, que é o fim do déficit e dos consequentes
repasses de recursos do Tesouro para o RPPS. Caso o Fundoprev não consiga honrar seus compromissos, o Tesouro os paga, e, assim, volta-se a
uma situação bastante parecida com a do fundo financeiro sobre o qual está
construído o RPPS.
Como alternativas a um possível futuro déficit do Fundoprev, resultante
de desempenho insuficiente das aplicações financeiras, poder-se-ia pensar
em aumento de contribuições e redução de benefícios. O aumento de contribuições parece um caminho temporariamente vedado, uma vez que encontra barreira em decisões do Judiciário e no alto custo político em que
incorre. Por outro lado, a redução de benefícios também se depara com empecilhos semelhantes. A alternativa encontrada passa pela coletivização
dos prejuízos, através dos recursos do Tesouro, que serão aportados no
Fundoprev, sempre menos custosa politicamente, mas que traz problemas
já amplamente conhecidos às contas públicas. Assim, corre-se o risco de se
perder o propósito do Fundoprev, pois, no caso de déficit, voltar-se-ia a ter o
Estado comprometido financeiramente com a Previdência.
De fato, essa questão do desempenho do Fundo é uma variável relevante. O cerne da construção do Fundoprev reside na capitalização dos recursos. O que se observa até o presente momento é que o desempenho
6
Lei complementar exige quórum qualificado para sua modificação, de modo que tende a
ser mais difícil modificá-la.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
376
Thiago Felker Andreis
das aplicações não é satisfatório. Entre janeiro de 2012 e agosto de 2013, o
rendimento das aplicações foi negativo em R$ 865.163,00 (RIO GRANDE
DO SUL, 2013c). Sabe-se que o mercado financeiro está sujeito a oscilações, especialmente as aplicações em fundos de ações, e que resultados
negativos acontecem e podem ser revertidos com o passar do tempo, mas o
mau desempenho das aplicações em 2012 e 2013 deve chamar atenção
dos administradores para melhorias na alocação dos recursos.
Um terceiro ponto que merece destaque é a questão da contribuição
os
patronal. Segundo as Leis Complementares n 13.757/11 e 13.758/11, o
Estado compromete-se a efetuar mensalmente contribuição de 13,25% para
o Fundoprev, sendo esta em percentual idêntico ao descontado do servidor.
Em virtude de dificuldades financeiras do Tesouro, os administradores públicos podem decidir por atrasar ou mesmo deixar de realizar os repasses previstos. No entanto, a necessidade de obtenção de Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) junto ao Ministério da Previdência Social (MPS)
acaba por evitar que tal situação aconteça, uma vez que, entre as exigências para a obtenção do documento, está justamente a comprovação da
integralidade dos repasses a que os filiados RPPS são obrigados. Essa
garantia de que a contribuição patronal será efetivamente recolhida à conta
do Fundoprev é fundamental e evita que episódios de não recolhimento,
que eram recorrentes no passado, voltem a se tornar realidade. De fato, a
ausência ou o atraso de repasses foram causas importantes dos déficits dos
RPPSs e podem voltar a causá-los novamente (NOGUEIRA, 2011).
Finalmente, um quarto ponto deve receber especial atenção, uma vez
que é, sob muitos aspectos, resultado dos anteriores. Fatores como restrições quanto às alíquotas cobradas dos segurados, rigidez nos benefícios,
rentabilidade abaixo do esperado, entrada de servidores com idade mais
avançada, e outros, podem comprometer a adequada formação das reservas necessárias ao Fundoprev. Essa realidade pode ser melhor visualizada
a partir do cálculo do índice de reservas constituídas (IRC) do Fundoprev,
que reflete a saúde atuarial do plano, mostrando se o mesmo está constituindo reservas suficientes para o cumprimento de suas obrigações presentes e futuras. É importante que haja equilíbrio entre as reservas constituídas e as reservas matemáticas, pois a insuficiência de recursos significa
futura insolvência do fundo, e excesso de reservas significa que está sendo
exigido dos segurados e do patrocinador um esforço além do necessário
(PASSOS, 2005).
Para o cálculo das reservas constituídas, é utilizada a seguinte fórmula:
=
Onde:
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Previdência e finanças públicas estaduais: novas perspectivas?
377
RM = reservas matemáticas
RC = reservas constituídas do Fundoprev = ativo do plano.
No caso do sistema Fundoprev, dados do Demonstrativo de Resultados da Avaliação Atuarial de 2013, disponíveis no website do Ministério da
Previdência, permitem a visualização de uma situação desfavorável para o
Fundo. Para fazer frente às reservas matemáticas necessárias, da ordem de
R$ 3,3 bilhões, o ativo total do plano constituído até 2013 era de apenas
R$ 16,6 milhões. Tais números são baseados em premissas atuariais esta7
belecidas pelos gestores e podem sofrer alterações substanciais, mas, da
forma como foram estabelecidas no documento de 2013, o Fundoprev demandará aportes do Tesouro para cumprir suas obrigações (BRASIL,
2013b). O IRC para o ano de 2013 foi, portanto, bastante próximo de zero:
16.551.654,80
=
3.323.596.416,73
= 0,005
O ponto considerado ótimo para o IRC é um resultado igual a 1, o que
significa que o ativo do fundo é suficiente para suprir a reserva matemática.
O que se observa, contudo, é que o IRC do Fundoprev, para o ano de 2013,
apresenta um resultado muito próximo de zero. Isso significa que recursos
adicionais, provavelmente, serão necessários, para que todos os compromissos futuros do Fundo sejam cumpridos. Um fundo previdenciário ainda
jovem, como no caso do Fundoprev, que já inicia sua trajetória com uma
realidade colocada dessa forma, deve deixar em alerta os seus gestores e
planejadores. Quais perspectivas se desvelam para um fundo que foi constituído para resolver a questão previdenciária do Estado, mas que já se
mostra deficitário em seus primeiros anos de existência? Certamente essas
questões relativizam o discurso otimista sobre o qual o sistema foi construído.
6 Considerações finais
O Fundoprev foi a alternativa encontrada pelo Estado do Rio Grande
do Sul para se adaptar às mudanças legislativas em nível federal, especialos
mente a partir das Emendas Constitucionais n 20 e 41. Sua criação
pretende resolver os problemas crônicos do RPPS estadual, em especial os
grandes déficits anuais do sistema, que drenavam recursos orçamentários
ano após ano. A solução encontrada passou por um processo de segre7
Taxa de juros e crescimento real da folha de pagamentos alteram significativamente as
projeções, por exemplo.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
378
Thiago Felker Andreis
gação de massas, entre o velho e o novo RPPS, e a constituição de dois
fundos, denominados Fundoprev Civil e Fundoprev Militar. Nesses, a partir
de um sistema de capitalização, o Estado espera acumular recursos financeiros suficientes para a cobertura dos benefícios previdenciários futuros.
Passados três anos da instituição do Fundoprev, algumas observações
importantes podem ser realizadas, bem como perspectivas podem ser levantadas. Pode-se questionar quais são os incentivos para os administradores manterem o Fundo rentável, uma vez que seu eventual mau desempenho será totalmente coberto por aportes do Tesouro. De fato, o desempenho insuficiente das aplicações financeiras do Fundoprev e a falta de ajustes nas alíquotas ou nos benefícios, conforme os resultados do Fundo, não
confirmam as projeções e podem tornar inócua a proposta de reforma na
Previdência Estadual, uma vez que os problemas de déficits crônicos voltariam a se repetir anualmente.
Adicionalmente, a inflexibilidade do Fundoprev, tal como desenhado,
pode vir a se tornar um problema no futuro, caso seu desempenho seja insuficiente para cobrir o pagamento dos benefícios. O fato de os valores de
contribuição e de benefício serem rígidos coloca a administração do sistema
previdenciário em uma situação difícil de ser resolvida, uma vez que inexistem formas de realizar ajustes para a busca do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. Percebe-se que, apesar do sistema Fundoprev ser ainda
bastante recente, já se encontra envolvido em controvérsias judiciais e conceituais. Ainda que tenha sido apresentado com grande otimismo, é preciso
ter cautela, pois seu sucesso ou insucesso depende de muitos fatores, especialmente da capacidade dos seus gestores de conseguir obter rendimentos suficientes para que aportes do Tesouro não sejam necessários
para o cumprimento de suas obrigações futuras.
Ainda que seja um fundo bastante jovem, seu índice de reservas constituídas, altamente desfavorável (muito próximo de zero), impõe-se como um
fator a ser considerado quando se traçam perspectivas acerca do futuro da
nova previdência estadual. Há, a partir do cenário colocado, risco de os
problemas históricos da previdência estadual virem a se repetir mesmo com
as mudanças realizadas. Caso a constituição de reservas seja insuficiente
para a formação de níveis de reservas necessárias para o cumprimento das
obrigações assumidas e calculadas a partir de premissas estabelecidas, o
Fundoprev irá se utilizar de recursos do Tesouro estadual, continuando com
a drenagem de recursos orçamentários que fazem falta a outros setores,
como saúde, educação e segurança pública. Isso não significa que as perspectivas para o Fundoprev sejam definitivamente negativas, mas coloca em
evidência a necessidade de um pensar mais profundo sobre essas questões.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Previdência e finanças públicas estaduais: novas perspectivas?
379
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Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
380
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N. do E.:
N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Tatiana Zismann.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Considerações sobre o futuro da
economia gaúcha
Cecília Rutkoski Hoff
Economista, Pesquisadora da Fundação
de Economia e Estatística, Professora da
Faculdade de Administração Contabilidade
e Economia da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul
“O presente que se ignora vale o futuro.”
Machado de Assis
1 Introdução
A elaboração de cenários econômicos costuma ser interpretada como
uma tarefa complexa e, ao mesmo tempo, frustrante. Complexa porque envolve a consideração dos diversos aspectos, não apenas econômicos, mas
também geográficos, culturais, sociais e políticos, com potencial para influenciar ou, até mesmo, definir diferentes trajetórias para a economia. Frustrante porque, a despeito do trabalho e da energia despendidos, na maioria
das vezes, a realidade impõe-se muito diversa daquela projetada.
Os erros de previsão podem resultar de diversos fatores, como o dimensionamento equivocado, em termos de consequências futuras, de aspectos presentes na conjuntura, ou a utilização de modelos de análise incompletos. As trajetórias delineadas também costumam ser, com frequência, interrompidas por eventos imponderáveis. Porém, as dificuldades associadas à construção de cenários econômicos não tornam o exercício menos
importante ou desnecessário. A correta antecipação do futuro é, certamente,
um bom resultado, mas não deve ser tomada como uma medida de sucesso
do cenário — da mesma forma que os erros de previsão não devem ser
entendidos como falha. O objetivo da cenarização deve ser, antes de tudo,
a compreensão e a sistematização das forças e processos que atuam sobre
o presente. A partir da análise do presente, desenham-se, então, as
possíveis trajetórias futuras. Assim, o principal resultado do exercício não é
a previsão, mas o ganho de flexibilidade e a possibilidade de planejamento
frente aos desafios que se colocam.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
382
Cecília Rutkoski Hoff
As visões de futuro da economia gaúcha costumam se sustentar no
que se convencionou chamar de “síndrome da crise”. Essa noção tem raízes profundas, associadas a um movimento recorrente de pioneirismo na
descoberta e gestação de setores econômicos dinâmicos, com posterior
perda de protagonismo para outras regiões do País. No plano inter-regional,
a percepção de perda de dinamismo e participação na economia nacional
reproduz-se na perpetuação da divisão entre a Metade Norte dinâmica e a
Metade Sul atrasada.
Observa-se, porém, que o Rio Grande do Sul tem renovado as suas
fontes de dinamismo, adaptando-se, em geral com êxito, às mudanças no
modelo de desenvolvimento nacional. A despeito das previsões de crise, o
Estado ainda figura entre as quatro maiores economias do País, com a
terceira maior indústria de transformação e com uma renda per capita 15%
superior à nacional. O crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB)
tem acompanhado, nos anos mais recentes, o desempenho brasileiro, enquanto a taxa de desemprego é a menor do País. Além disso, está em curso
um processo de desconcentração regional da renda per capita, com
redução dos diferenciais de renda entre o eixo Metropolitano-Serra e as
demais regiões do Estado.
Os números não validam a hipótese de que a economia gaúcha atravessa uma crise estrutural, mas são muitos os desafios que se colocam no
presente. O objetivo do capítulo é compreender e sistematizar alguns fenômenos que atuam sobre a economia gaúcha na atualidade, enfatizando-se
as dinâmicas inter-regional e produtiva. Para além da visão simplista de crise, busca-se avaliar as perspectivas para o Rio Grande do Sul no contexto
atual do desenvolvimento nacional. O capítulo está organizado conforme segue. Na próxima seção, avalia-se o processo de desconcentração regional
no Estado, com destaque para as dinâmicas diferenciadas entre demografia
e produção. Na seção seguinte, são mostradas as mudanças setoriais que
apontam para uma renovação na forma de articulação da economia gaúcha
com a economia nacional. Por fim, são apresentadas as conclusões.
2 A dinâmica desigual de desconcentração
regional
A distribuição inter-regional das atividades econômicas no Rio Grande
do Sul apresenta características bem demarcadas. Considerando-se as no-
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
383
Considerações sobre o futuro da economia gaúcha
1
ve Regiões Funcionais de Planejamento (RFPs) , tem-se que apenas três
delas são responsáveis por cerca de 70% do PIB estadual. Nota-se também
uma clara divisão entre o leste, que localiza uma indústria de transformação
diversificada e concentra uma maior oferta de serviços, e o oeste, essencialmente agrícola, com uma indústria de transformação vinculada à produção primária.
Como mostra a Tabela 1, no Leste do território gaúcho, as RFPs 1 a 5
somam mais de 80% do VAB da indústria estadual, bem como superam
70% do VAB dos serviços. Em contrapartida, a metade oeste do território
detém mais de 60% do VAB da agropecuária, mantendo esse patamar ao
longo da década, e com uma participação da indústria e dos serviços muito
inferior ao que representa, por exemplo, o tamanho da sua população
(MARQUETTI; HOFF, 2014, p. 12).
Tabela 1
Participação das Regiões Leste e Oeste no Valor Adicionado Bruto (VAB),
por setor de atividade, e na população total do RS — 2000-10
(%)
REGIÕES
AGROPECUÁRIA
INDÚSTRIA
SERVIÇOS
POPULAÇÃO
2000
2010
2000
2010
2000
2010
2000
2010
39,52
39,60
84,39
82,26
74,80
73,77
66,49
68,37
Oeste ......... 60,48
60,40
15,61
17,74
25,20
26,23
33,51
31,63
Leste .........
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
FONTE: Secretaria de Planejamento, Gestão e Participação Cidadã-RS.
NOTA: A Metade Leste engloba as RFPs 1, 2, 3, 4 e 5; a Metade Oeste, as RFPs 6, 7, 8 e 9.
A maior concentração da produção encontra-se na RFP1, onde se localiza a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), além de uma série
de cidades com grande densidade populacional, predominantemente urbanas e industriais. Conforme pode ser observado no Gráfico 1, na média do
período 2000-10, cerca de metade do PIB total do Rio Grande do Sul foi
gerado nessa região. Da mesma forma, a Tabela 2, construída com base
nos dados de saídas fiscais do Estado, mostra que a Região concentra parcela importante das principais atividades da indústria de transformação
estadual, como a produção de derivados de petróleo, de produtos químicos
e do setor coureiro-calçadista. Além disso, na RFP1 também estão locali1
Para fins de planejamento, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) são
agregados em nove Regiões Funcionais de Planejamento. Essa regionalização foi definida
no estudo Rumos 2015, com base em critérios de homogeneidade econômica, ambiental e
social, podendo ser visualizada na Figura 1 deste capítulo (p. 9). Os Coredes e as Regiões
Funcionais de Planejamento são as escalas de regionalização utilizadas como referência
no Plano Plurianual e no Orçamento do Estado (www.seplag.gov.br).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
384
Cecília Rutkoski Hoff
zadas cerca de metade da produção do setor de veículos (especializada na
produção de veículos de passageiros) e metade do segmento metal-mecânico (máquinas e equipamentos e demais produtos de metal). Dentre as
principais atividades industriais do Estado, apenas a produção de alimentos
não possui participação expressiva na RFP1. Esta, aliás, é a única atividade
que se mostra representativa em todas as RFPs (a exceção é a RFP4, no
Litoral).
Gráfico 1
Participação média do Produto Interno Bruto (PIB) das Regiões Funcionais
de Planejamento (RFPs) no PIB do RS — 2000-10
50%
45%
40%
RFP1
35%
30%
25%
20%
15%
RFP3
10%
5%
0%
RF9
RF2
RF5
RF7
RF8
RF6
RF4
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
FONTE: Secretaria da Fazenda-RS.
Tabela 2
Participação percentual dos setores das Regiões Funcionais de Planejamento (RFPs)
no total das saídas fiscais da indústria de transformação do RS — 2010
RFPs
ALIMENTOS
PETRÓLEO
VEÍCULOS
RFP1 .....
RFP2 .....
RFP3 .....
RFP4 .....
RFP5 .....
RFP6 ......
RFP7 .....
RFP8 .....
RFP9 .....
Total ......
2,77
2,75
2,59
0,07
2,79
1,98
1,54
1,15
2,95
18,59
13,70
0,00
0,02
0,00
0,66
0,10
0,00
0,00
0,08
14,56
5,10
0,07
6,21
0,00
0,00
0,00
0,00
0,01
0,41
11,80
METAL-MECÂNICO
5,35
0,41
3,37
0,01
0,02
0,01
0,68
0,49
0,61
10,94
QUIMÍCOS
7,41
0,14
0,18
0,00
1,10
0,00
0,01
0,14
0,12
9,10
CALÇADOS
5,46
0,72
0,41
0,05
0,00
0,02
0,05
0,10
0,10
6,92
TOTAL
39,79
4,10
12,78
0,13
4,57
2,10
2,28
1,90
4,25
71,91
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secretaria da Fazenda-RS.
NOTA: O setor descrito como metal-mecânico corresponde à soma das divisões máquinas e equipamentos e
produtos de metal, excluxive máquinas e equipamentos, segundo a CNAE 2.0. O setor descrito como
petróleo corresponde à produção de derivados de petróleo e não inclui a sua extração.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Considerações sobre o futuro da economia gaúcha
385
A segunda região mais importante em termos de representatividade na
produção é a RFP3, na Serra Gaúcha. A participação dessa região no PIB
estadual foi de 12%, em média, no período 2000-10. A Serra também concentra atividades importantes na estrutura industrial do Estado, como cerca
de 60% do setor de automóveis (especializado em carrocerias e ônibus) e o
segmento metal-mecânico. Na produção de alimentos, destacam-se os laticínios e a vitivinicultura. A Região concentra, também, um dos setores turísticos mais bem estruturados do País (RIO GRANDE DO SUL, 2011).
A RFP9, terceira em termos de participação no PIB do Rio Grande do
Sul (cerca de 9,0%), localiza-se na fronteira com Santa Catarina, tendo o
seu núcleo no município de Passo Fundo, localizado no Corede Produção.
Trata-se da principal região produtora de grãos do Estado, com o predomínio da lavoura empresarial de soja, trigo e milho (RIO GRANDE DO SUL,
2011). A importância da atividade agrícola gera transbordamentos para a
atividade industrial, com destaque para a produção de alimentos (laticínios e
abate de suínos e aves) e de máquinas agrícolas voltadas à preparação do
solo e à plantação, ou seja, especializada no segmento pré-colheita (FEIX,
2014).
A quarta região mais importante para a geração do PIB gaúcho é a
RFP2, cujo núcleo é o Município de Santa Cruz do Sul. Essa região contribuiu com cerca de 7,0% para o PIB estadual, em média, no período 2000-10, estando a sua economia consolidada em torno da cadeia agroindustrial
do fumo. O beneficiamento do fumo representa cerca de 5,0% da produção
da indústria de transformação estadual e concentra-se quase exclusivamente na RFP2.
A RFP5 localiza-se no extremo sul do Estado, com polos regionais nos
Municípios de Pelotas e Rio Grande. Representou, em média, 6,0% do PIB
estadual no período. A Região possui uma estrutura portuária que atende
todo o Estado e uma agropecuária tradicional, com predomínio da lavoura
de arroz e da pecuária. A indústria vincula-se ao agronegócio, com destaque para a produção de alimentos (beneficiamento de arroz e carnes) e
produtos químicos (defensivos agrícolas). Note-se que o Município de Rio
Grande vem ganhando participação no PIB estadual, nos últimos anos,
sendo responsável, em 2010, por quase metade do PIB da RFP5. Esse
desempenho está associado ao crescimento da atividade econômica do
Polo Naval, que tem revertido uma tendência de perda de participação e
dinamismo econômico da Região.
Na fronteira noroeste do Rio Grande do Sul com a Argentina, a RFP7,
também conhecida como região das Missões, representou cerca de 6% do
PIB estadual no período. A sua atividade produtiva vincula-se à produção de
grãos (soja, trigo e milho) e à pecuária (leite, aves e suínos). Na indústria,
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
386
Cecília Rutkoski Hoff
destacam-se a produção de colheitadeiras e de equipamentos de armazenagem (FEIX, 2014). O perfil predominantemente agrícola acentuou a variabilidade da produção ao longo do período, particularmente na transição
entre a primeira e a segunda metade da década, após a estiagem de 2005
(MARQUETTI; HOFF, 2014).
A RFP8, localizada na região central do Estado, também representou
cerca de 6,0% do PIB estadual. A economia da Região caracteriza-se pelo
predomínio da lavoura empresarial de arroz e soja, tendo apresentado, no
período, uma variabilidade do PIB similar à observada nas demais regiões
com grande participação na produção de grãos, especialmente na transição
da estiagem de 2005. O Município de Santa Maria exerece grande influência na RFP8, devido à presença de universidades cujo entorno concentra a
oferta de uma série de serviços. A sua indústria também se vincula à agropecuária, com destaque para a produção de máquinas agrícolas do segmento pré-colheita (FEIX, 2014).
A oitava região em termos de importância para o PIB estadual é a
RFP6, localizada na fronteira tríplice com o Uruguai e a Argentina. Com participação média de cerca de 5,0% no PIB gaúcho, no período, possui a
maior lavoura de arroz do Estado e a metade do efetivo de bovinos. A participação da indústria da Região no total estadual é pequena, concentrando-se na produção de alimentos.
Por fim, a RFP4 localiza-se no litoral norte do Estado. Trata-se da região com menor participação no PIB estadual (1,5%). A Região apresentou,
porém, crescimento superior à média estadual ao longo do período 2000-10,
de modo que essa participação vem aumentando. Os principais polos urbanos da Região estão localizados nos municípios litorâneos, com forte ocupação sazonal associada ao turismo de verão (RIO GRANDE DO SUL, 2011).
2.1 A desconcentração da renda per capita
A distribuição inter-regional da renda per capita reproduz o padrão da
produção. Conforme pode ser observado no Gráfico 2, apenas as regiões
funcionais 1 e 3 possuem renda per capita superior à média estadual. Não
obstante, entre 2000 e 2010, observou-se um movimento claro de desconcentração espacial da renda. A mudança resultou de um crescimento mais
acelerado da renda per capita nas regiões de mais baixa renda, que induziu
uma redução da renda das regiões 1 e 3 como proporção da média estadual, em simultâneo ao aumento das demais (a exceção, novamente, é a
RFP4, no litoral).
Ainda que esse movimento aponte uma redução das desigualdades de
renda dentro do Estado, deve ser ressaltado que resulta de fenômenos
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
387
Considerações sobre o futuro da economia gaúcha
distintos, entre as regiões, no que diz respeito ao dinamismo do PIB (renda)
e da população. Como mostra a Figura 1, todas as regiões localizadas no
Oeste gaúcho reduziram a sua participação na população total do Estado.
Note-se também que essa redução ocorreu exatamente nas mesmas regiões que, conforme mostrado no Gráfico 2, lograram ampliar a sua renda
per capita relativa. As regiões de fronteira com a Argentina e o Uruguai, cuja
estrutura produtiva se caracteriza pela produção agropecuária extensiva,
foram as mais afetadas pelo movimento demográfico. Isso conduz à hipótese de que, nessas regiões, a perda populacional, não tendo impactado de
forma significativa o nível de produção, explica, mais do que o dinamismo
do PIB, a melhor posição em termos de renda per capita ao final da década.
Gráfico 2
Produto Interno Bruto (PIB) per capita das Regiões Funcionais de Planejamento (RFPs) como
proporção da média do PIB per capita do RS — 2000 e 2010
1,4
1,2
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
RFP1
RFP2
RFP3
Legenda:
RFP4
RFP5
2000
RFP6
2010
RFP7
RFP8
RFP9
Média
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
FONTE: Secretaria da Fazenda-RS.
Assim, é válido considerar-se que a dinâmica de desconcentração da
renda per capita foi potencializada pelo êxodo populacional no Oeste
gaúcho. Nas regiões de maior dinamismo, como a RFP5 e a RFP9, que
possuem estruturas produtivas mais diversificadas e aumentaram as suas
parcelas no PIB estadual no período (Figura 2), o aumento relativo da renda
per capita decorreu de ambos os movimentos, o aumento de participação no
2
PIB e a redução na população . A RFP7 é um caso extremo, de redução da
2
Ressalve-se que, na RFP5, no sul do Estado, o movimento migratório recente associado à
emergência do Polo Naval não foi captado em toda a sua magnitude nos dados censitários
de 2000 e 2010. Conforme expresso no RS 2030, “[...] aventa-se a hipótese de que, com a
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
388
Cecília Rutkoski Hoff
participação no PIB e na população estaduais e de aumento da renda per
capita relativa. Ou seja, nessa região, a redução da parcela na população
estadual foi proporcionalmente maior do que no PIB.
Figura 1
Variação, em pontos percentuais, da participação das Regiões Funcionais
de Planejamento no total da população do RS — 2000-10
Na ponta inversa, a RFP1 perdeu participação no PIB estadual e
aumentou-a na população, tendo ambos contribuído para a redução relativa
da renda per capita da Região. Ressalte-se que o movimento demográfico
em direção ao leste, somado à perspectiva de envelhecimento acelerado da
população estadual, implicam o aumento do contigente de pessoas idosas
nos grandes centros urbanos, o que impõe uma série de desafios à gestão
pública. Por fim, a RFP3, que apresentou alto dinamismo do PIB no período,
inclusão de dados mais recentes, a região passe figurar entre aquelas que aumentam a
sua parcela populacional no total estadual” (MARQUETTI; HOFF, 2014, p. 24).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Considerações sobre o futuro da economia gaúcha
389
apresentou redução da renda per capita relativa exclusivamente devido ao
aumento da sua participação na população estadual.
Figura 2
Variação, em pontos percentuais, da participação das Regiões Funcionais de Planejamento no
Produto Interno Bruto do RS — 2000-10
No documento RS 2030, elaborado pela FEE em conjunto com a
Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Cidadã (Seplag), essas
tendências foram extrapoladas para os anos 2020 e 2030. Segundo consta,
se confirmadas as tendências apresentadas, “[...] as características de
concentração espacial do PIB, da população e do PIB per capita serão
preservadas nos próximos 20 anos” (MARQUETTI; HOFF, 2014, p. 29).
Porém, mesmo que o ritmo de mudanças seja insuficiente para alterar as
desigualdades inter-regionais do Estado, algumas tendências apontadas no
estudo devem ser destacadas.
Em primeiro lugar, observa-se um movimento consistente de queda da
participação da RFP1 no PIB estadual, que resulta da redução das vantagens de localização da indústria nessa região. De fato, a escassez e o encarecimento do espaço urbano contribuem para o crescimento da atividade
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
390
Cecília Rutkoski Hoff
industrial em regiões próximas, mas com menor densidade populacional.
Note-se, porém, que a Região continua a concentrar os serviços especializados, de maior Valor Adicionado (FIALKOW, 2013).
Em segundo lugar, a espacialidade produtiva no Rio Grande do Sul,
somada ao movimento populacional, aponta uma dinâmica Leste-Oeste na
economia gaúcha — em substituição ao que antes era apontado como um
3
dilema Norte-Sul . Nesse contexto, a tendência de concentração populacional na porção leste reforça o processo de melhora na distribuição da renda
per capita estadual, sem que necessariamente ocorra uma redução das
desigualdades em termos de dinamismo produtivo.
3 Mudança setorial e crescimento da
economia gaúcha
Quando se avalia o desempenho da economia gaúcha dentro do
contexto nacional, costumam ser frequentes as referências à perda de
protagonismo do Rio Grande do Sul frente ao desenvolvimento mais
acelerado de outras regiões do País. O indicador síntese dessa percepção
tem sido a perda de participação do Estado na economia nacional. Analisando-se as informações disponíveis, tem-se que o Estado representava em
torno de 8,5% do PIB brasileiro entre os anos 50 e 70 do século passado.
Sabe-se também que parcela da economia gaúcha se reduziu ao longo da
crise dos anos 80 e, novamente, na metade dos anos 2000, com a forte
estiagem que atingiu o Estado.
Ainda que o processo de redução da parcela da economia gaúcha no
PIB nacional não possa ser negado, há que se destacar que a interpretação
desse indicador não é simples e deve levar em consideração alguns aspectos, metodológicos e analíticos, frequentemente não explicitados.
A análise comparada de informações das contas regionais em séries
temporais longas está sujeita a diferenças de mensuração. “A qualidade das
informações estatísticas e a metodologia costumam ser alteradas e aprimo3
Historicamente, convencionou-se analisar a estrutura produtiva do Rio Grande do Sul a
partir de três grandes regiões, com aspectos comuns em suas formações histórica e econômica. A Metade Sul, caracterizada pela estrutura fundiária concentrada em grandes propriedades, com centros urbanos esparsos, baixa densidade populacional e predomínio da
agropecuária; o nordeste industrializado, com grandes aglomerados urbanos e uma estrutura fundiária baseada na pequena propriedade; e a região norte, com atividades econômicas heterogêneas e sua estrutura fundiária predominada pela pequena e média propriedade, onde se formam alguns centros urbanos e industriais em meio à grande produção de
trigo e soja na lavoura mecanizada (ALONSO; BENETTI; BANDEIRA, 1994 citado por
MARQUETTI; HOFF, 2014).
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
391
Considerações sobre o futuro da economia gaúcha
radas com o passar do tempo, de sorte a acompanhar as mudanças ocorridas na economia e melhor retratar a realidade” (HOFF; LAZZARI, 2014, p.
11). Nesse contexto, a elaboração das Contas Regionais do Brasil sofreu
uma grande mudança metodológica ao início dos anos 2000, que resultou
na divulgação de uma série uniforme para o período 2002 a 2011. Posteriormente, essa mesma série foi retropolada para 1995. Como pode ser observado no Gráfico 3, a revisão metodológica retratou uma nova realidade, na
qual a participação da economia gaúcha se revelou menor do que a estimada anteriormente (MAIA NETO, 2011).
Gráfico 3
Participação percentual do Produto Interno Bruto (PIB) do RS no PIB do Brasil — 1985-2013
10
8
8,30
8,14
8,09
7,10
7,07
6
6,41
4
2
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
0
Legenda:
Série antiga
Série nova
Série nova (preços de 2013)
FONTE: Fundação de Economia e Estatística.
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Ou seja, as duas séries não podem ser diretamente encadeadas, por
serem incompatíveis metodologicamente. Ainda assim, na série recente,
4
que abrange o período de 1995 a 2013 , a perda de participação da
economia gaúcha é evidente. Tendo representado pouco mais de 7,0% da
economia nacional entre 1995 e 2003 — e possivelmente também ao longo
dos anos 80 —, o PIB estadual representa atualmente 6,4%, de modo que o
Rio Grande do Sul figura, ao lado de São Paulo e do Rio de Janeiro, entre
os estados que mais perderam participação na última década. Porém, mes4
O último dado da série consolidada das Contas Regionais, isto é, com dados consistentes
entre os estados e o País, é referente ao ano de 2011. A FEE estimou os resultados para
os anos 2012 e 2013, com base na metodologia utilizada em nível nacional. Porém, essas
informações são preliminares, porque ainda não foram confrontadas e compatibilizadas
com os resultados dos demais estados.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
392
Cecília Rutkoski Hoff
mo a análise da série recente das Contas Regionais precisa ser conduzida
com cautela, devido aos efeitos das mudanças nos preços relativos dos
bens e serviços produzidos nacionalmente. Isto é, o crescimento dos preços
das commodities na última década induziu o aumento da participação das
regiões onde estão localizadas atividades agrícolas e industriais cujos preços aumentaram, e esse aumento não necessariamente esteve associado a
um maior dinamismo em termos de volume produzido.
Como mostra o Gráfico 3, a dinâmica dos preços relativos contribuiu
para ampliar a parcela do PIB gaúcho até 2010, um fenômeno que decorreu
do aumento dos preços da soja e dos derivados de petróleo, importantes na
estrutura produtiva estadual. Note-se que, no período recente, a redução
desses preços (em especial, dos derivados de petróleo) induziu uma falsa
percepção de continuidade da perda de participação. Como pode ser observado no Gráfico 3, na série a preços constantes, que exclui os efeitos
dos preços relativos, a participação da economia gaúcha na economia nacional encontra-se estabilizada em torno de 6,4% do PIB desde 2006. Em
suma, até 2003, o Rio Grande do Sul manteve a sua participação na economia nacional em cerca de 7,0%. Em 2004-05, a parcela do Estado reduziu-se para 6,4%, mantendo-se nesse patamar até 2013, na série a
preços constantes.
A perda de participação a partir de meados da primeira década dos
anos 2000 é explicada pelo menor crescimento real do Estado, que se expandiu, em média, 2,5% ao ano, nos 11 anos compreendidos entre 2003 e
2013, contra um crescimento brasileiro de 3,5% no mesmo período. Porém,
o maior diferencial de crescimento se concentrou na primeira metade do
período. Nos cinco anos entre 2003 e 2007, a economia gaúcha cresceu em
média 2,6%, contra 4,0% na economia nacional. Já nos seis anos entre
2008 e 2013, a média de crescimento da economia gaúcha foi de 3,1%
pouco superior à registrada na economia brasileira (3,0%).
Entre os setores, a agropecuária gaúcha cresceu mais do que a média
nacional, com uma taxa média de 5,6% ao ano, no período, contra um crescimento de 3,3% da agropecuária brasileira. A indústria e os serviços registraram desempenho inferior. O crescimento médio da indústria gaúcha foi de
1,4% ao ano, frente a 2,7% na economia brasileira. Nos serviços, o crescimento médio foi de 3,0%, contra 3,5% na média nacional. Parte do diferencial de crescimento na atividade industrial pode ser atribuído ao desempenho da indústria extrativa, ausente no Estado, que mostrou um crescimento de cerca de 4,0% ao ano, na economia brasileira, entre 2003 e
5
2012 . Porém, o desempenho da indústria extrativa não explica, sozinho, o
5
Excluiu-se o ano de 2013, uma vez que se trata de um ano atípico, de redução da produção da Petrobras, devido à parada para manutenção de algumas plataformas de petróleo.
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
393
Considerações sobre o futuro da economia gaúcha
maior crescimento da economia brasileira. Isto porque, a despeito da elevação dos preços e do crescimento real dessa atividade, a sua participação na
economia ainda é reduzida — representava menos de 1,0% do PIB nacional
no início da década, e hoje representa cerca de 3,5%. Ainda assim, o efeito-renda associado à elevação dos preços desses bens no mercado internacional e os efeitos indiretos do crescimento da atividade extrativista sobre a
indústria de transformação e os serviços nas regiões onde esta indústria
está localizada não podem ser negligenciados.
Em que pese o fato de a indústria de transformação brasileira ter registrado o pior desempenho entre os setores econômicos ao longo da primeira
década dos anos 2000, no Rio Grande do Sul os resultados agregados foram ainda mais modestos. Enquanto a indústria de transformação nacional
cresceu 1,9%, em média, de 2003 a 2013, no Estado a expansão foi de
apenas 0,9%. A Tabela 3 mostra o desempenho das principais atividades
da indústria de transformação estadual no período, tomando-se como base
o ano de 2002.
Tabela 3
Índice de volume e participação percentual das atividades da indústria
de transformação, no Brasil e no RS — 2013
PARTICIPAÇÃO NO
ÍNDICE DE
VALOR DA TRANSFORVOLUME
(1)
SETORES
MAÇÃO INDUSTRIAL (2)
Indústria de transformação ....
Alimentos ...............................
Fumo ......................................
Calçados e couros .................
Celulose .................................
Derivados de petróleo ............
Químicos ................................
Borracha e plástico ................
Metalurgia ..............................
Produtos de metal .................
Máquinas e equipamentos ....
Veículos automotores ............
Móveis ...................................
RS
Brasil
RS
Brasil
111,4
94,0
76,4
50,1
126,0
148,2
116,4
95,8
98,2
116,5
184,5
215,2
120,8
128,0
110,8
83,0
69,5
133,4
120,1
125,7
113,7
112,8
115,0
150,4
189,6
121,6
100,00
16,14
4,75
7,13
1,82
3,42
8,12
3,93
2,23
7,25
10,06
12,93
3,93
100,00
17,52
0,82
1,91
3,40
11,43
7,40
3,95
5,20
4,14
5,54
10,12
1,50
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - PIM-PF e PIA-empresa.
(1) O índice de volume tem como base o ano de 2002 = 100. (2) O Valor da Transformação Industrial referese ao ano de 2012.
Os setores de atividade mostrados na Tabela 3 representam cerca de
70% da indústria nacional e de 80% da indústria gaúcha. Dentre os que
possuem participação similar na indústria de transformação do Estado e no
Brasil, destaca-se o menor crescimento do setor de alimentos na economia
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
394
Cecília Rutkoski Hoff
gaúcha. Por outro lado, alguns setores cuja participação no RS é elevada,
quando comparada com a importância no País, como fumo e calçados,
apresentaram quedas expressivas no período. É verdade que o desempenho negativo desses setores não foi exclusivo do Rio Grande do Sul. Porém, como a sua participação é maior na indústria gaúcha do que na média
nacional, o impacto desses setores no resultado geral foi mais intenso no
Estado. Em menor grau, os produtos químicos e os móveis também têm
maior representatividade na indústria gaúcha e registraram desempenho
inferior ao observado na média nacional, contribuindo negativamente para o
resultado geral. Por fim, entre os setores que apresentaram desempenho
superior ao nacional, e ao mesmo tempo têm uma representatividade maior
na economia gaúcha, estão os de máquinas e equipamentos, veículos automotores (que inclui equipamentos de transporte industrial) e produtos de
metal.
Assim, no contexto do modelo de crescimento nacional da última década, liderado pela expansão da indústria extrativa, da construção civil e do
consumo interno de massas, os setores da indústria gaúcha que tiveram
melhor desempenho relativo foram aqueles vinculados à produção de bens
de capital. Por outro lado, os segmentos produtores de bens de consumo
intensivos em trabalho, como alimentos, fumo, calçados, químicos e móveis,
enfrentaram dificuldades competitivas maiores, associadas à maior concorrência externa em um contexto de apreciação cambial e aumento de custos
internos.
Esse padrão de crescimento influenciou também a dinâmica regional
brasileira no período. De um lado, o processo de redução das desigualdades de renda induziu uma redução das desigualdades regionais. As Regiões Norte e Nordeste do Brasil (que representam cerca de 20% da economia nacional) aumentaram a sua participação, enquanto a Sul e a Sudeste
(que representam 60%) reduziram-na. O crescimento também foi mais intenso nos estados que expandiram a produção de commodities, como Pará
e Minas Gerais (minério de ferro), todos da Região Centro-Oeste (soja) e
Espírito Santo (petróleo e minério de ferro). Em geral, os estados menores e
os produtores de commodities ganharam participação, em detrimento dos
maiores, nos quais a indústria de transformação tem maior representatividade. Assim, a perda de participação do Estado não deve ser tomada isoladamente como evidência de crise na economia gaúcha.
Por fim, apesar do desempenho inferior ao nacional em termos de
crescimento do produto, a renda per capita estadual cresceu em linha com a
nacional no período. Esse fenômeno resulta, de um lado, do menor crescimento populacional, e, de outro, do crescimento mais intenso da produtividade no Estado. Assim, quando se considera o crescimento populacional,
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Considerações sobre o futuro da economia gaúcha
395
a disparidade entre o desempenho econômico do Rio Grande do Sul e a
média nacional diminui.
Segundo Hoff e Lazzari (2014), qualquer aumento da renda per capita
resulta do aumento da produtividade de quem já estava empregado ou da
incorporação de novos trabalhadores ao processo produtivo, seja devido ao
maior engajamento da população no mercado de trabalho, seja devido ao
maior crescimento da população apta a trabalhar. O crescimento brasileiro
foi ancorado, ao longo da última década, na incorporação de novo pessoal à
produção, processo que arrefeceu apenas nos últimos anos, com o mercado
de trabalho mais pressionado. No Rio Grande do Sul, o mercado de
trabalho já estava pressionado ainda no período inicial, de modo que a
economia gaúcha não pôde contar com a incorporação expressiva de novos
trabalhadores ao processo produtivo, pelo menos não na magnitude que
ocorreu nacionalmente, principalmente nos primeiros anos da década.
A explicação para esse fenômeno é de natureza demográfica e possui
duas razões principais. Em primeiro lugar, a população gaúcha cresceu menos do que a nacional, o que se refletiu na menor expansão da População
em Idade Ativa (PIA) no Estado; em segundo lugar, a existência de uma
parcela mais representativa de idosos na população total fez com que a
População Economicamente Ativa (PEA) também apresentasse uma taxa
de crescimento menor que a brasileira (HOFF; LAZZARI, 2014, p. 21).
Porém, como mostram os autores, apesar do menor incremento de trabalhadores no mercado de trabalho, a expansão da produtividade no Estado
foi superior à média nacional. Esse processo está relacionado com a mudança setorial observada na economia gaúcha. Atividades tradicionais, como alimentos, calçados, fumo, químicos e mobiliário, perderam participação
na estrutura produtiva estadual, em simultâneo ao aumento da participação
da lavoura mecanizada de grãos, de veículos e de bens de capital. Essa
alteração, ao substituir parcialmente atividades mais intensivas em trabalho,
acabou por determinar o aumento dos níveis gerais de produtividade na
economia gaúcha.
3.1 A renovação das formas de articulação com a
economia nacional
Não é nova a noção, amplamente difundida, de que a economia gaúcha atravessa uma crise estrutural. A “síndrome da crise” é recorrente e tem
raízes profundas, podendo ser percebida já nos anos 60 do século passado, quando o aumento da integração do mercado nacional trouxe consigo
uma série de mudanças e desafios à economia regional, que, até então,
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
396
Cecília Rutkoski Hoff
gozava de um mercado interno autônomo e de um padrão de vida superior
ao observado na média nacional. A coletânea Rio Grande do Sul: um
novo nordeste?, do jornalista Franklin de Oliveira (OLIVEIRA, 1962), é um
exemplo, dentre muitos, a destacar essa visão. Segundo Herrlein Junior e
Schmidt (2002, p. 267), a participação periférica do Rio Grande do Sul no
processo de desenvolvimento brasileiro no Governo JK, e novamente no
período do “milagre econômico”, teria deixado “marcas profundas na autoimagem da sociedade regional”. Na verdade, a não participação do Rio
Grande do Sul no surto de desenvolvimento brasileiro “[...] reacendia um
sentimento mais ou menos latente, segundo os períodos históricos, de
marginalização do Rio Grande pelo governo central, que encontra seu mais
remoto eco na Revolução Farroupilha” (SCHMIDT, 2002, p. 2).
O espectro da crise tem acompanhado os desafios que têm sido impostos, de tempos em tempos, à forma de articulação da economia gaúcha
com a economia nacional. Segundo Castro (1998, p. 8), devido à sua localização meridional, “[...] o Rio Grande do Sul foi pioneiro em descobrir formas de inserção especializada no contexto nacional”. Essa especialização
viria, no entanto, a ser repetidamente ameaçada pelo surgimento de novas
fontes de suprimento. Ou seja, é recorrente, no Estado, um movimento de
pioneirismo na descoberta e gestação de setores econômicos dinâmicos, e
posterior perda de protagonismo para outras regiões do País.
O primeiro ciclo de inserção especializada ocorreu com o charque, posição que veio a ser suplantada pela concorrência do Uruguai e da Argentina. Um movimento similar ocorreu com a indústria têxtil, desenvolvida de
forma precoce no Estado, e posteriormente transferida para a Região Sudeste do Brasil. Na sequência, a expansão das lavouras de soja e arroz garantiram ao Rio Grande a alcunha de “celeiro do Brasil”, posição novamente
superada pelo crescimento da produção de grãos em outras regiões do
País. Finalmente, emerge no Estado uma agroindústria competitiva, que inclui o processamento de alimentos e fumo, além de polos calçadista e
metal-mecânico (ligados à produção de carrocerias e máquinas agrícolas)
dinâmicos. A posição de destaque das indústrias de alimentos e calçadista
veio novamente a ser ameaçada a partir de meados dos anos 90, em resposta à abertura comercial.
Segundo Schmidt (2002, p. 7), “[...] o capitalismo, em seu desenvolvimento, articula as diferentes regiões do espaço nacional numa dinâmica
que provoca constantes mutações de papeis destas regiões”. A economia
gaúcha tem mostrado, ao longo do tempo, a capacidade de se adaptar, em
geral de forma exitosa, às mudanças no ciclo de desenvolvimento nacional.
Conforme Castro (1998, p. 8-9),
[...] em praticamente todos os casos, mas crescentemente ao
longo da história, a perda de espaço em mercados centrais não
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Considerações sobre o futuro da economia gaúcha
397
se constituiu em retrocesso da economia gaúcha, uma vez que
o Estado consegue responder ao desafio com dois movimentos: (i) introdução de melhorias capazes de permitir o reforço da
produção estadual, fazendo com que a perda de posição seja
apenas relativa; (ii) descoberta de novas oportunidades que
permitem novas formas de articulação com a economia central.
Atualmente, a economia estadual tem-se valido da experiência no segmento metal-mecânico para ampliar a sua participação como fornecedora
de bens de capital para a agricultura, a indústria extrativa e a indústria de
transformação nacionais. São exemplos desse movimento o crescimento da
produção estadual de bens de capital para a produção de equipamentos de
transporte industrial, para a exploração de petróleo e gás, para a produção
de energia, para a produção agrícola, para a produção de calçados e para a
construção civil.
Em suma, a resposta da economia gaúcha ao modelo de expansão
nacional esteve condicionada, na última década, às suas especificidades
setorial e demográfica. Alguns setores dinâmicos na economia nacional não
fazem parte da estrutura produtiva do Estado, como, por exemplo, a extração de minério de ferro e de petróleo. Já outros, importantes na estrutura
produtiva estadual, enfrentaram dificuldades competitivas em nível nacional,
associadas à perda de competitividade decorrente de um cenário de apreciação cambial combinada com a elevação dos custos internos. Nesse contexto, a produção de bens de capital no Rio Grande do Sul mostrou um dinamismo acima da média nacional, induzindo os ganhos de produtividade
registrados nos últimos anos, num movimento que aponta para a possibilidade de mais uma renovação das formas de articulação da economia gaúcha com a economia nacional.
4 Conclusão
A redução da participação do Rio Grande do Sul na economia nacional,
de cerca de 7,0% no início dos anos 2000, para 6,4% a partir de meados da
primeira década, não pode ser tomada, isoladamente, como uma evidência
de crise estrutural na economia gaúcha. De um lado,
“[...] é desejável que aquelas regiões do território nacional que
possuem um nível inferior de produtividade média logrem alcançar aqueles estados que hoje se encontram na frente, desde que estes não estejam ficando mais pobres” (FIORI, 2014,
p. 8).
De outro, apesar de a economia gaúcha ter registrado um crescimento médio inferior à média nacional entre 2003 e 2013, desde a segunda metade
da década passada o Estado tem crescido, em média, em linha com a ecoPanorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
398
Cecília Rutkoski Hoff
nomia brasileira. Ademais, esse crescimento tem sido alcançado a partir de
uma mudança setorial que permite à economia gaúcha alcançar ganhos de
produtividade superiores ao nacional. Pode-se argumentar que o ritmo de
crescimento nesse período foi baixo, ou que foi insuficiente para aumentar o
desenvolvimento em seus múltiplos aspectos, ou até mesmo que a sua
dinâmica foi excessivamente instável e dependente do clima. Os dados não
validam, porém, a conclusão de que há uma crise localizada especificamente na economia gaúcha.
Ainda assim, os desafios do cenário atual para a continuidade do crescimento e do desenvolvimento do Estado são muitos. Há tendências estruturais que apontam para um menor dinamismo da economia gaúcha nos
próximos anos, pelo menos quando comparado com o que pode ser esperado para a média nacional. Uma dessas tendências é demográfica, e
resulta em uma menor perspectiva de incorporação de mão de obra ao
mercado de trabalho. Mesmo que o Rio Grande do Sul continue a alcançar
taxas mais elevadas de crescimento da produtividade nos próximos anos, o
crescimento do produto no Estado tenderá a ser inferior ao que pode ser
alcançado em regiões cuja população ainda apresenta crescimento elevado.
Outra tendência estrutural diz respeito ao fato de que a fronteira agrícola se
encontra praticamente esgotada, ao contrário do que ocorre na região do
Cerrado nacional. Nesse contexto, o crescimento da agropecuária estadual
dependerá, cada vez mais, do aumento da produtividade. Em que pesem as
iniciativas de ampliação das áreas irrigadas, a inconstância do clima gaúcho
torna o ganho de produtividade na agricultura um desafio mais complexo do
que em outras regiões do País. No plano inter-regional, o movimento de
desconcentração é desigual. A tendência de convergência dos níveis de
renda per capita é positiva, mas coexiste, em algumas regiões, especialmente no arco de fronteira com Uruguai, Argentina e Santa Catarina, com o
esvaziamento populacional e a perda de dinamismo econômico.
Desenha-se, no cenário nacional, um ciclo de expansão induzida pelo
dinamismo das indústrias de energia e extrativa, pelos investimentos em
infraestrutura e pela continuidade do crescimento e fortalecimento do mercado interno de consumo. Nesse cenário, ainda que a ampliação da infraestrutura possa amenizar as pressões competitivas, as dificuldades dos
setores intensivos em trabalho tendem a permanecer, tendo em vista a
competição com outros países emergentes. A superação dessas dificuldades passa pela capacidade de adaptação desses segmentos, visando aproveitar o potencial de expansão do mercado interno e, em algum grau, os
mercados da América Latina. Porém, nesses aspectos, o Rio Grande do Sul
também se encontra em desvantagem, seja porque não possui em seu
território as indústrias extrativas de minério e petróleo, seja porque está
Panorama socioeconômico e perspectivas para a economia gaúcha
Considerações sobre o futuro da economia gaúcha
399
longe dos grandes mercados consumidores, distância que resulta ampliada
pela infraestrutura insuficiente e pelas dificuldades de financiamento do Governo Estadual.
O principal desafio da economia gaúcha, no contexto atual, é inserir-se,
de forma competitiva, no ciclo de expansão nacional que se avizinha. Isso
implica a reorientação dos setores tradicionais e a ampliação e consolidação
dos ganhos de produtividade recentes. Do contrário, é possível que o Rio
Grande do Sul, já tendo alcançado um nível de renda média, caia na
armadilha de não possuir competitividade suficiente para sustentar um ritmo
de crescimento que o conduza a um padrão de desenvolvimento mais
elevado.
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N. do E.: Revisão bibliográfica: Kátia Midori Hiwatashi.
Revisão de Língua Portuguesa: Breno Camargo Serafini.
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