Origens da Ergonomia

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Origens da Ergonomia
Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas
3 ORIGENS E CONCEITUAÇÃO DA ERGONOMIA
3 ORIGENS E CONCEITUAÇÃO DA ERGONOMIA
De acordo com dados da Ergonomics Research Society, Inglaterra, a
Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e o seu trabalho,
equipamento e ambiente, e particularmente a aplicação dos conhecimentos
de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos deste
relacionamento.
De fato, segundo Moraes e Soares (1989:3), os conhecimentos sobre os
“componentes humanos” dos sistemas homens-máquinas começaram a ser
sistematicamente coletados antes do aparecimento oficial da Ergonomia.
Foram os pesquisadores, físicos e fisiologistas, que se interessaram para
compreender o funcionamento do organismo humano, e que geraram as
primeiras informações sistemáticas sobre a máquina humana.
Dentre os organizadores do trabalho, pode-se definir como precursor da
Ergonomia, Frederick Winslow Taylor, pai da administração científica do
trabalho. Seu trabalho Princípios de Administração Científica, publicado em
1911, influenciou empresas nos Estados Unidos, na Europa e até países
socialistas, conforme Moraes e Soares (1989:3).
A Ergonomia surge após a Segunda Guerra Mundial, tendo em vista as falhas
ocorridas na interface entre o homem e máquina. A Ergonomia nasce com os
objetivos práticos de segurança, satisfação e bem-estar dos trabalhadores no
seu relacionamento com sistemas produtivos. Ao contrário do Taylorismo,
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que buscava a eficiência e o aumento da produção, na Ergonomia, a
eficiência vem como resultado, pois visa, em primeiro lugar, o bem-estar do
trabalhador e parte do conhecimento do homem para fazer o projeto do
trabalho, ajustando-o às suas capacidades e limitações humanas.
Segundo Chapanis (apud MORAES et al., 1989:4), uma importante lição de
Engenharia, proveniente da II Guerra Mundial, é que as máquinas não lutam
sozinhas. A guerra solicitou e produziu maquinismos novos e complexos,
porém, geralmente, essas inovações não faziam o que se esperavam delas.
Tal ocorria porque excediam ou não se adaptavam às características e
capacidades humanas. Por exemplo, o radar foi chamado de ‘olho da arma’,
mas o radar não vê. Por mais rápido e preciso que seja, será quase inútil, se
o operador não puder interpretar as informações apresentadas na tela e
decidir a tempo.
Tendo em vista tais acontecimentos, surge a Ergonomia. Em 12 de julho de
1949, na Inglaterra, reuniram-se cientistas e pesquisadores interessados
pela primeira vez, em discutir e formalizar a existência deste novo ramo de
aplicação interdisciplinar da ciência. O termo Ergonomia é derivado das
palavras gregas ergon (trabalho) e nomos (regras, normas). Este termo foi
adotado nos principais países europeus, onde se fundou a Associação
Internacional de Ergonomia (IEA), que atualmente representa as associações
de 40 países, com um total de 19 mil sócios (DUL et al., 2004:1). A IEA
realizou o seu primeiro congresso em Estocolmo, em 1961. Nos Estados
Unidos, porém, foi criada a Human Factors Society em 1957 e, até hoje, o
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termo mais usual naquele país continua sendo human factors (fatores
humanos), embora Ergonomia já seja aceito como sinônimo. No Brasil, existe
a Associação Brasileira de Ergonomia – ABERGO, fundada em 1983, sendo
filiada a IEA.
O interesse nesse novo ramo de conhecimento, afirmam Dul et al. (2004:1),
cresceu rapidamente, em especial nos Estados Unidos e na Europa, na
Ingleterra, principalmente.
Segundo os autores, a Ergonomia estuda vários aspectos: a postura e os
movimentos corporais (sentado, de pé, empurrando, puxando e levantando
pesos), fatores ambientais (ruídos, vibrações, iluminação, clima, agentes
químicos), informação (informações captadas pela visão, audição e outros
sentidos), controles, relações entre mostradores e controles, bem como
cargos e tarefas (tarefas adequadas, cargos interessantes). A conjugação
adequada desses fatores permite projetar ambientes seguros, saudáveis,
confortáveis e eficientes, tanto no trabalho quanto na vida cotidiana.
Dul et al. (2004:1), explicam que também a ergonomia baseia-se em
conhecimentos de outras áreas científicas, como antropometria,
biomecânica, fisiologia, psicologia, toxicologia, engenharia, desenho
industrial, eletrônica, informática e gerência industrial. Ela reuniu, selecionou
e integrou os conhecimentos relevantes dessas áreas, desenvolvendo
métodos e técnicas específicas para aplicar esses conhecimentos na melhoria
do trabalho e das condições de vida, tanto dos trabalhadores, como da
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população em geral.
A ergonomia difere de outras áreas do conhecimento pelo seu caráter
interdisciplinar e pela sua natureza aplicada. O caráter interdisciplinar
significa que a ergonomia se apóia em diversas áreas do conhecimento
humano. O caráter aplicado configura-se na adaptação do posto de trabalho
e do ambiente às características e necessidades do trabalhador.
De acordo com definição oficial dada durante o Congresso Internacional de
Ergonomia, realizado em 1969, a Ergonomia é o estudo científico da relação
entre o homem e seus meios, métodos e espaço de trabalho. Seu objetivo é
elaborar, mediante a contribuição de diversas disciplinas científicas que a
compõem, um corpo de conhecimentos que, dentro de uma perspectiva de
aplicação, deve resultar numa melhor adaptação ao homem dos meios
tecnológicos e dos ambientes de trabalho e de vida.
Segundo o Conselho Executivo da IEA (2000), a Ergonomia (ou human
factors) é a disciplina científica que trata de entender as interações entre
humanos e outros elementos de um sistema; é a profissão que aplica teoria,
princípios, dados e métodos para projetar de modo a otimizar o bem-estar
humano e a performance total do sistema.
Para Moraes (1993:366), a Ergonomia situa-se como mediadora entre as
ciências que estudam os diversos aspectos do ser humano e as diversas
tecnologias projetuais, para as quais fornece recomendações que viabilizam
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projetos e ambientes humanos. Moraes apresenta um quadro da Ergonomia
com suas etapas de intervenção, finalidades e objetivos gerais e seus
afluentes e efluentes (Figura 3.1).
Atualmente, a Ergonomia apresenta dois enfoques, ou seja, duas linhas de
intervenção, que, segundo Moraes et al. (2000:16), vêm a ser o enfoque
americano e o enfoque europeu.
De acordo com Moraes (2000:16), “[...] os americanos preocupam-se,
principalmente, com os aspectos físicos da interface homem-máquina
(anatômicos, antropométricos, fisiológicos e sensoriais), objetivando
dimensionar a estação de trabalho, facilitar a discriminação de informações
dos mostradores e a manipulação dos controles”. Segundos, ainda, a autora,
os americanos realizam simulações em laboratórios, onde medem alcances,
esforços, discriminação visual, rapidez de resposta, mantendo constantes
algumas variáveis, seres humanos com dimensões extremas (do 5º ao 95º
percentis), acuidade visual, nível de instrução etc. O americano considera a
Ergonomia como a utilização das ciências para melhorar as condições do
trabalho humano. Ao estudar o trabalho em terminais de vídeo, contempla as
dimensões do mobiliário; alcances, conformação do teclado; radiação da tela;
altura, espessura e desenho dos caracteres alfanuméricos; visibilidade e
compreensibilidade dos símbolos iconográficos; iluminação, ruído e
temperatura do ambiente (MORAES et al., 2000:17).
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Figura 3.1 – Fronteiras da Ergonomia, Ciência e Tecnologia:
Projetos Ergonômicos (MORAES, 1993:367).
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Segundo a autora, os americanos privilegiam as seguintes características:
antropométricas; as relacionadas ao esforço muscular, as ligadas à influência
do ambiente físico; as psicofisiológicas e as dos ritmos circadianos.
Paralelamente aos estudos destas características pesquisam os efeitos do
envelhecimento, em particular os efeitos fisiológicos e psicofisiológicos.
A linha européia, segundo Montmollin (apud MORAES et al., 2000:17) diz:
[...] privilegia as atividades do operador, priorizando o
entendimento da tarefa, os mecanismos de seleção de
informações, de resolução de problemas, de tomada de
decisão. Tudo se inicia com observação do trabalho, em
condições reais. Em seguida, têm-se a verbalização de
trabalho executado pelos próprios operadores especificamente
nele envolvidos e considera-se a aprendizagem da tarefa e a
competência do operador[...].
Esta linha, ainda segundo Montmollin, enfatiza o conjunto de situação de
trabalho do trabalhador, em detrimento do estudo de equipamentos. Nesta
perspectiva, não é possível realmente explicar e diminuir a fadiga e o erro a
não ser que se analise a tarefa específica do operador e a maneira particular
como ele a realiza, considerando singularidades existentes. Para
exemplificar, na visão do enfoque francês, se a cadeira se torna penosa é
porque as informações que aparecem na tela se apresentam de tal forma que
impedem o operador de tirar os olhos do monitor, mesmo por pequenos
períodos, o que implica uma postura rígida, portanto a Ergonomia francesa é
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muito mais psicológica e menos cognitiva do que antropométrica e
fisiológica como a dos americanos.
Seja no enfoque francês ou no americano, a Ergonomia lança mão de
métodos e técnicas de pesquisa já consagrados por outras ciências e
disciplinas tecnológicas. Seu objeto – o trabalhador trabalhando no seu local
de trabalho – também é o foco da engenharia de produção e do estudo de
métodos. A Ergonomia também divide seu objetivo, quer seja adaptar o
trabalho, maquinária e equipamentos às características e capacidades
humanas, quer seja, melhorar as condições específicas do trabalho humano,
como a higiene e segurança do trabalho. A singularidade da Ergonomia está
justamente na sua práxis que integra não só as pesquisas sobre o homem,
como também os estudos tecnológicos com a proteção e avaliação de
sistemas, interfaces e componentes, sempre a partir das variáveis fisiológicas
e cognitivas humanas e segundo critérios que privilegiam o conforto, a
segurança e o bem-estar do homem.
Moraes et al. (2000:20) concluem que as duas Ergonomias não são
contraditórias, mas complementares. Em princípio, o mesmo ergonomista
pode ser chamado, em função das circunstâncias (ou seja, em função dos
interlocutores, dos decisores e dos financiamentos), para colaborar com um
engenheiro na concepção de uma máquina-ferramenta ou com um outro
engenheiro, na implantação de um sistema informatizado. Na prática, no
entanto, os ergonomistas se especializaram de tal modo que os manuais,
apenas excepcionalmente, tratam dos dois enfoques.
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