Quilombo Praia Grande - Itesp - Governo do Estado de São Paulo
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Quilombo Praia Grande - Itesp - Governo do Estado de São Paulo
RELATÓRIO TÉCNICO-CIENTÍFICO SOBRE OS REMANESCENTES DA COMUNIDADE DE QUILOMBO DE PRAIA GRANDE/IPORANGA-SP MAIO/2002 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 03 2. A ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO DE QUILOMBO: O PRIMADO DA IDENTIDADE E DO TERRITÓRIO NAS DEFINIÇÕES TEÓRICAS .............................................................06 3. VALE DO RIBEIRA DE IGUAPE............................................................................................13 3.1 Histórico do Vale do Ribeira.......................................................................................................14 3.2 Iporanga: características do município e a história da ocupação................................................17 4. A COMUNIDADE DE PRAIA GRANDE................................................................................ 23 4.1. De quilombo a bairro rural negro: histórico da ocupação do território .....................................33 4.2. Modo de vida..............................................................................................................................45 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................57 6. BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................................60 7. ANEXO.........................................................................................................................................64 I. Memorial Descritivo e Planta da área para reconhecimento...................................................65 II. Croqui de uso e ocupação do solo da área da comunidade de Praia Grande...........................66 III. Genealogia da Comunidade de Praia Grande(1800 a 1995)....................................................67 IV. Mapa histórico da Comunidade de Praia Grande(1880 a 1930)............................................68 V. Documentos da comunidade de compra e venda de terras e impostos....................................69 VI. Massa de população de Iporanga(1812 e 1826).......................................................................70 VII. Registros do Livro de Terras de Iporanga(1855).....................................................................71 2 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). 1. INTRODUÇÃO Este Relatório Técnico-Científico1 é resultado de um trabalho de pesquisa antropológica que objetivou verificar se o grupo populacional denominado Comunidade de Praia Grande, situado no município de Iporanga, Estado de São Paulo, se constitui como remanescente de comunidade de quilombo a fim de adjudicar-lhe o direito previsto no artigo nº. 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988, sob o enunciado: “Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos”. Esta verificação segue os requisitos e critérios estabelecidos pelo Grupo de Trabalho e pelo Grupo Gestor, em obediência ao referido artigo 68, bem como aos artigos 215 e 216 da Constituição Federal e, ainda à legislação estadual: lei número 9757/97 e os decretos 41.774/97 e 42.839/98. A comunidade de Praia Grande ocupa as terras que reivindica pelo menos desde 1863. Essas terras foram ocupadas por escravos fugidos dos garimpos de Iporanga, que logo após o fim da escravidão, compraram essas terras, constituíram família e organizaram um modo de vida camponês. Os moradores da Comunidade de Praia Grande sofreram um processo de titulação em 1969, pela PPI (Procuradoria do Patrimônio Imobiliário), que poderia 1 A criação desta categoria de investigação denominada Relatório Técnico Científico, bem como os parâmetros que norteiam, são resultantes dos esforços do Grupo de Trabalho criado pelo Governo do Estado de São Paulo por meio do decreto nº 40.723, de 21 de março de 1996, que tinha por objetivo fazer proposições visando a plena aplicabilidade dos dispositivos constitucionais conferentes do direito de propriedade aos remanescentes das comunidades de quilombos em território paulista. O Grupo foi composto por representantes da Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania, Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva”, Secretaria do Meio Ambiente, Procuradoria Geral do Estado, Secretaria de Governo e Gestão Estratégica, Secretaria de Cultura, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Estado de São Paulo, Subcomissão do Negro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo e Fórum Estadual de Entidades Negras. Os trabalhos deste Grupo levaram à criação: a) do Programa de Cooperação Técnica e de ação conjunta para identificação, discriminação e legitimação de terras devolutas do Estado ocupadas por remanescentes de comunidades de quilombos visando sua regularização fundiária, implantando medidas sócio-econômicas, ambientais e culturais e b) de um Grupo Gestor para implementação do Programa. O Programa e o Grupo Gestor forma criados por meio do decreto nº 41.774 de 13 de maio de 1997. 3 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). ter ajudado a comunidade a regularizar a situação das terras que ocupam, como normalmente ocorre com esse tipo de processo. Em Praia Grande, aconteceu justamente o contrário, eles perderem boa parte do seu território ou em alguns casos não receberam o título das terras onde residem. Essa Comunidade também se vê ameaçada pela construção da Hidrelétrica do Funil que irá inundar a maior parte do seu território. Esses fatores os levaram a lutar pela terra onde moram e a solicitar junto ao ITESP o seu reconhecimento enquanto comunidade remanescente de quilombo. O presente relatório buscou analisar dados obtidos tanto da pesquisa direta com a comunidade quanto de fontes secundárias levantadas por pesquisa documental, a fim de retratar os aspectos etnológicos que possibilitaram a reconstrução da história da comunidade e o resgate de sua origem étnica e da sua identidade grupal, esta última fundamentada tanto pelas redes de sociabilidade calcadas no parentesco e nas relações de trabalho e simbólicas que o grupo mantém com a área que ocupa. Assim a reconstrução interpretativa do modo de vida da comunidade nos possibilitou compreender como eles constroem coletivamente sua vida sobre uma base geográfica, física e social formadora de uma territorialidade negra. “Dentro dela elaboram-se formar específicas de ser e existir enquanto camponês e negro” (GUSMÃO,1992:117). Foi de grande importância para a elaboração desse relatório o Laudo Antropológico sobre as comunidades de Ivaporunduva, São Pedro, Pilões, Maria Rosa, Pedro Cubas, André Lopes, Nhunguara e Sapatu, realizado em 1998 pela equipe de antropólogos do Ministério Público Federal – Adolfo Neves de Oliveira Júnior, Deborah Stucchi, Miriam de Fátima Chagas e Sheila dos Santos Brasileiro, publicado no caderno número 3 da Fundação ITESP. Lembramos que todos os trechos extraídos do referido laudo para transcrição ou apenas como base de dados mais genérica na leitura deste trabalho apresentam-se seguidos da abreviatura LA-MPF, bem como da respectiva referência de página. 4 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Colaboraram na elaboração deste relatório Rose Leine Bertaco Giacomini e Helena Maria Cesar Gonçalez. 5 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). 2. A ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO DE QUILOMBO: O PRIMADO DA IDENTIDADE E DO TERRITÓRIO NAS DEFINIÇÕES TEÓRICAS * O reconhecimento, por parte do Estado, da existência de comunidades negras rurais como uma categoria social carente de demarcação e regularização das terras que ocupam longevamente e às quais se convencionou denominar comunidades remanescentes de quilombos, traz à tona a necessidade de redimensionar o próprio conceito de quilombo, a fim de abarcar a gama variada de situações de ocupação de terras por grupos negros e ultrapassar a binômia fugaresistência, instaurado no pensamento corrente quando se trata de caracterizar os quilombos. Em 1740, reportando-se ao rei de Portugal, o Conselho Ultramarino valeu-se da seguinte definição de quilombo: “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”. Esta caracterização descritiva perpetuou-se como definição clássica do conceito em questão e influenciou uma geração de estudiosos da temática quilombola até meados dos anos 70, como Artur Ramos (1953), Edson Carneiro (1957) e Clóvis Moura (1959). O traço marcadamente comum entre esses autores é atribuir aos quilombos um tempo histórico passado, cristalizando sua existência no período em que vigorou a escravidão no Brasil, além de caracterizarem-nos exclusivamente como expressão da negação do sistema escravista, aparecendo como espaços de resistência e de isolamento da população negra. Embora o trabalho destes autores seja importante e legítimo, ele não abarca, porém, a diversidade das relações entre escravos e sociedade escravocrata e nem as diferentes formas pelas quais os grupos negros apropriaram-se da terra. Flávio dos * Este capítulo foi elaborado por Alessandra Schmitt e Maria Cecília Manzoli Turatti que gentilmente autorizaram sua utilização neste relatório. 6 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Santos Gomes (1995:36), explicita tal diversidade ao forjar o conceito de “campo negro”: “uma complexa rede social permeada por aspectos multifacetados que envolveu , em determinadas regiões do Brasil, inúmeros movimentos sociais e práticas econômicas com interesses diversos” . No entanto, foi a produção científica ainda atada a exegeses restritivas e pouco plásticas que subsidiou a luta política em torno das reivindicações da população rural negra que, sofrendo expropriações incessantes, se colocava como um segmento específico no palco dos movimentos sociais. Desta forma, a denominação quilombo se impôs no contexto da elaboração da constituição de 19882. Esta visão reduzida que se tinha das comunidades rurais negras refletia, na verdade, a “invisibilidade” produzida pela história oficial, cuja ideologia, propositadamente, ignora os efeitos da escravidão na sociedade brasileira (GUSMÃO:1996) e, especialmente, os efeitos da inexistência de uma política governamental que regularizasse as posses de terras de grupos e/ou famílias negras após a abolição, extremamente comuns à época, conforme comprovam os estudos de CARDOSO (1987). Ao fazer a crítica do conceito de quilombo estabelecido pelo Conselho Ultramarino, ALMEIDA (1999:14-15) mostra que aquela definição constitui-se basicamente de cinco elementos: 1) a fuga; 2) uma quantidade mínima de fugidos; 3) o isolamento geográfico, em locais de difícil acesso e mais próximos de uma “natureza selvagem” que da chamada civilização; 4) moradia habitual, referida no termo “rancho”; 5) autoconsumo e capacidade de reprodução, simbolizados na imagem do pilão de arroz. Para ele, com os instrumentos da observação etnográfica “se pode reinterpretar criticamente o conceito e asseverar que a situação de quilombo existe onde há autonomia, existe onde há uma produção autônoma que não passa pelo grande proprietário ou pelo senhor de escravos como mediador efetivo, embora 2 Sobre o fortalecimento da organização política dos grupos negros e a incorporação da questão quilombola ao seu rol de reivindicações, v. Flávio dos Santos Gomes (1996:105). 7 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). simbolicamente tal mediação possa ser estrategicamente mantida numa reapropriação do mito do” bom senhor “, tal como se detecta hoje em algumas situações de aforamento” . O autor exemplifica situações que contrariam esses cinco elementos da definição, como o caso do quilombo Frechal, no Maranhão, localizado a cem metros da casa grande, ou casos onde o quilombo esteve na própria senzala, representado por formas de produção autônoma dos escravos que poderiam ocorrer – e de fato ocorriam –, sobretudo em épocas de decadência de ciclos econômicos, fossem agrícolas ou de mineração. Diversos trabalhos mais recentes a respeito de comunidades negras com origem mais diretamente relacionada à escravidão têm demonstrado que a economia interna desses grupos está longe de representar um aspecto isolado em relação às economias regionais da Colônia, do Império e da República. Não obstante esta integração das formas mais ou menos autônomas de atividades produtivas empreendidas pelos escravos à economia geral, é preciso ressaltar que o trabalho livre sobre a terra não garantiu, de forma alguma, o acesso dos ex-cativos a ela no momento posterior à Abolição. Ao contrário, a exclusão do segmento populacional negro em relação à propriedade da terra foi peremptoriamente estabelecida por meio de uma série de atos do poder legislativo ao longo do tempo. Ainda durante a escravidão, a Lei de Terras de 1850, veio substituir o direito à terra calcado na posse por um direito auferido via registros cartoriais que comprovassem o domínio de uma dada porção de terra. O direito legítimo adquirido através da posse efetiva é uma noção do “direito costumeiro”3, que até hoje regeu a relação do campesinato tradicional com a terra, incluindo os grupos camponeses negros. Como já foi assinalados por outros autores·, os grupos que hoje são considerados remanescentes de comunidades de quilombos se constituíram a partir de uma grande diversidade de processos, que incluem as fugas com ocupação de terras livres e geralmente isoladas, mas também as heranças, doações, 3 Conceito explicitado por Margarida Maria Moura (1988). 8 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). recebimento de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior das grandes propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após a sua extinção. Dentro de uma visão ampliada, que considera as diversas origens e histórias destes grupos, uma denominação também possível para estes agrupamentos identificados como remanescentes de quilombo seria a de “terras de preto”, ou “território negro”, tal como é utilizada por vários autores4, que enfatizam a sua condição de coletividades camponesa, definida pelo compartilhamento de um território e de uma identidade. A promulgação da constituição e a necessidade de regulamentação do Artigo 68 provocaram discussões de cunho técnico e acadêmico5 que levaram à revisão dos conceitos clássicos que dominavam a historiografia sobre a escravidão, instaurando a relativização e adequação dos critérios para se conceituar quilombo, de modo que a maioria dos grupos que hoje, efetivamente, reivindicam a titulação de suas terras, pudesse ser contemplada por esta categoria, uma vez demonstrada, por meio de estudos científicos, a existência de uma identidade social e étnica por eles compartilhada, bem como a antigüidade da ocupação de suas terras e, ainda, suas “práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar” 6. Desta forma, o conceito de quilombo que norteia o trabalho desenvolvido pela Fundação ITESP é aquele que foi produzido pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e ratificado pelo Grupo de Trabalho (vide nota de rodapé 1): “toda a comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura de subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado”. 4 Ver Almeida (1997/1998), Gusmão (1996.), Andrade, (1988) e Acevedo Marin (1995). Especialmente no III Encontro Nacional sobre Sítios Históricos e Monumentos Negros (Goiânia: 1992); na Reunião do Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais, da Associação Brasileira de Antropologia (Rio de Janeiro, outubro de 1994), e na reunião técnica “Reconhecimento de Terras Quilombolas Incidentes em Domínios Particulares e Áreas de Proteção Ambiental” (São Paulo, abril de 1997). 6 Cfe. João Pacheco de Oliveira e Eliane Cantarino O’Dwyer. ABA, 1994. 5 9 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Assim, em consonância com o moderno conceito antropológico aqui disposto, a condição de remanescente de quilombo é também definida de forma ampla e enfatiza os elementos identidade e território. Com efeito, o termo em questão indica: “a situação presente dos segmentos negros em diferentes regiões e contextos e é utilizado para designar um legado, uma herança cultural e material que lhe confere uma referência presencial no sentimento de ser e pertencer a um lugar específico”7. Ainda segundo a Associação Brasileira de Antropologia “o termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar ”8 . Este sentimento de pertença a um grupo e a uma terra é uma forma de expressão da identidade étnica e da territorialidade, construídas sempre em relação aos outros grupos com os quais se confrontam e se relacionam. Estes dois conceitos são fundamentais e estão sempre inter-relacionados no caso das comunidades negras rurais, pois “a presença e o interesse de brancos e negros sobre um mesmo espaço físico e social revela, no dizer de Bandeira, aspectos encobertos das relações raciais” (GUSMÃO,1996:14). Estes aspectos encobertos aos quais a autora se refere são a submissão e a dependência dos grupos negros em relação à sociedade inclusiva, na qual foram um dia escravo. A identidade étnica é um processo de identificação de grupos em situações de oposição a outros grupos. Frente a esta constatação, OLIVEIRA (1976) elaborou a noção de identidade contrastiva para embasar as análises que têm como centro interpretativo à identidade étnica de um grupo social. As situações de oposição levam os grupos a elaborar os seus critérios de pertencimento e de exclusão. Quando o confronto se estabelece entre um grupo minoritário e os brancos, 7 Garcia, José Milton, publicado em Quilombos em São Paulo: tradições, direitos e lutas, org. Tânia Andrade (1997:47). 8 Documento da ABA, 1994. 10 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). temos uma situação de submissão e dominação, de hierarquia de status, a qual o autor denominou “fricção interétnica”. São justamente estas relações interétnicas que se estabelece no convívio/confronto das comunidades negras com a sociedade abrangente. Ademais, esta submissão é sustentada por representações sociais que justificam a inferioridade estrutural do grupo minoritário, as quais podemos identificar como sendo racistas. É um racismo recalcado, escondido atrás de “um sistema de valores que [...] tanto inibe manifestações negativas na avaliação ‘do outro’ racial como estimula a apologia da igualdade e da harmonia racial entre nós” (BORGES PEREIRA, 1996:76). A ocultação do racismo na sociedade brasileira foi estimulada pelo discurso da democracia racial, da qual Gilberto Freyre é um grande expoente, na década de 30, e que só começou a ser contestado na década de 50 por Florestan Fernandes e Oracy Nogueira. Em tal situação de desigualdade, os grupos minoritários reforçam suas particularidades culturais e suas relações coletivas como forma de ajustar-se às pressões sofridas, e é neste contexto social que constroem sua relação com a terra, tornando-a um território impregnado de significações relacionadas à resistência cultural. Não é qualquer terra, mas a terra na qual mantiveram alguma autonomia cultural, social e, conseqüentemente, a auto-estima. Siglia Zambrotti DÓRIA (1985) salienta que a identidade de grupos rurais negros se constrói sempre numa correlação profunda com o seu território e é precisamente esta relação que cria e informa o seu direito a terra. A maior parte destes grupos que hoje vem reivindicar seu direito constitucional o faz como um último recurso na longa batalha para manterem-se em suas terras, as quais são alvo de interesse de membros da sociedade envolvente, em geral grandes proprietários e grileiros, cuja característica essencial é tratar a terra apenas como mercadoria. José de Souza MARTINS (1991:43-60) explicita as características dessa relação dos homens com a terra, mediada pelo capital, em que esta passa a ser “terra de negócio” em oposição à “terra de 11 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). trabalho”. Em conseqüência da cobiça que esta lógica de mercado despertou, os camponeses foram pressionados com expedientes espúrios, tais como o auxílio do aparato judicial e violência física direta, que agiram no sentido de negar-lhes o direito de obter o registro legal de suas posses, invariavelmente muito mais antigas do que o tempo mínimo requerido pela legislação para a sua transformação em propriedades. Portanto, não se deve imaginar que estes grupos camponeses negros tenham resistido em suas terras até os dias de hoje porque ficaram isolados, à margem da sociedade. Pelo contrário, sempre se relacionaram intensa e assimetricamente com a sociedade brasileira, resistindo a várias formas de violência para permanecer em seus territórios ou, ao menos, em parte deles9. Finalmente, devemos salientar que é devido às considerações teóricas e às constatações históricas aqui apresentadas que estudiosos das comunidades negras rurais - e, particularmente, da legislação pertinente à questão quilombola – têm buscado rediscutir e recaracterizar o conceito de quilombo. Tal intento, ainda em curso, tende a aprimorar-se quanto mais os organismos responsáveis pela identificação, reconhecimento e auxílio às comunidades quilombolas ampliem e otimizem suas atividades, gerando mais dados que contribuam para o desvendar científico das lacunas referentes a esta temática que marcam a historiografia nacional. 9 Muitas das comunidades rurais negras já pré-identificadas no Estado de São Paulo mantêm uma pequena parcela de seus territórios, estando o restante ocupado por fazendeiros ou posseiros, alguns destes últimos com o consentimento dos próprios grupos quilombola; os primeiros, entretanto, invariavelmente chegaram às terras em questão valendo-se da ingenuidade das comunidades ou mesmo da coerção física para apoderar-se dos territórios negros. 12 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). 3. O VALE DO RIBEIRA DE IGUAPE O Vale do Ribeira abrange parte da Bacia do rio Ribeira de Iguape, que nasce no Estado do Paraná e deságua no Oceano Atlântico, estando o trecho mais longo do seu curso dentro do Estado de São Paulo. Ocupa parte da Serra de Paranapiacaba, Serraria do Ribeira área de Morraria Costeira e parte da Baixada Litorânea (Secretaria do Meio Ambiente, 1996:15). A região apresenta um dos mais baixos índices de desenvolvimento do Estado de São Paulo, sendo a menos urbanizada, com uma população de 323.174 habitantes, tem uma das menores taxas de crescimento populacional do Estado. Segundo HOGAN, CARMO, ALVES E RODRIGUES (2001) “razões históricas, dificuldades de acesso e condições naturais adversas às atividades econômicas garantiram até hoje um relativo isolamento do Vale e a preservação dos recursos naturais” (pg. 02). A maior parte da sua população vive em áreas rurais desenvolvendo atividades agrícolas de subsistência e extrativistas, como a agricultura (banana e chá), mineração e o extrativismo vegetal (palmito). Grande parte da região constitui-se de unidades de conservação, entre as quais se incluem áreas de proteção ambiental (APAS), estações ecológicas e parques estaduais que restringem o uso econômico a atividades limitadas. Isso acaba gerando uma série de conflitos entre as populações que vivem da agricultura e da extração de produtos da floresta, com as agências governamentais ambientais. Um outro foco de conflito é a relação entre: “ONGs e agências governamentais ambientais, de um lado, e esforços desenvolvimentistas locais, de outro, continuam a dificultar tanto a criação de emprego na região, quanto à regulamentação da conservação das áreas protegidas. A situação reproduz, no Estado de São Paulo, o típico confronto Norte-Sul em torno da questão do desenvolvimento sustentável” (HOGAN,CARMO, ALVES E RODRIGUES, 2001:03). 13 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Outro foco de embates na região é a construção de barragens. “Seja como hidrelétrica destinada a fornecer energia, seja como reservatório para o abastecimento de água para a RMSP, ou seja como obras de controle de enchentes, as barragens provocam polêmica entre as populações locais e os ambientalistas” (HOGAN, CARMO, ALVES E RODRIGUES,2001:03). As comunidades tradicionais da região, como Remanescentes de Quilombo, que organizaram toda sua cultura entrelaçada ao meio ambiente e o espaço geográfico que ocuparam ao longo de séculos se vêem ameaçados por essas barragens, tendo em alguns casos 97% do seu território atingido (Campanili:2001). Essa população tem se organizado em movimentos como MOAB (Movimento dos Ameaçados por Barragens) e MAB10 (Movimento dos Atingidos por Barragens) que os levou a lutar pela regularização de suas terras e acionar o governo para que cumprisse o Art. 68 da Constituição Federal. 3.1 Histórico do Vale do Ribeira As primeiras referências da ocupação humana no Vale remontam do período pré-colombiano, sendo essas populações compostas por ameríndios. “A Região do Vale do Ribeira, apesar de ser atualmente a menos povoada do Estado, foi uma das primeiras do Brasil a ser ocupada” (BRAGA, 1999:43). Os espanhóis antes dos portugueses estiveram na região e fundaram Cananéia. O início da ocupação portuguesa no Vale do Ribeira data de 1531, com a expedição de Martins Afonso de Souza que teve como objetivo ocupar o território defendendo-o das invasões estrangeiras e buscar ouro e prata. A região atrai várias pessoas do Velho Mundo com os objetivos mais diversos. Inicialmente são desenvolvidas lavouras de subsistência e a pesca. Nos primeiros tempos os portugueses estabelecerem relações de troca com as comunidades indígenas na região sul e sudeste da capitania. A falta de mão-de- 10 Apesar deles não terem sido atingidos, até o momento por barragens, eles participam desse movimento pois podem vir a ser atingidos. 14 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). obra fez com que os índios fossem usados como mão-de-obra escrava. Muitos índios fugiram para as regiões de difícil acesso como ao longo do rio Pardo por ser protegido por serras, cachoeiras, subidas penosas e demoradas. A presença indígena se tornou referência para as comunidades do Vale, principalmente, as populações negras que se apropriaram dos conhecimentos indígenas sobre relevo, técnicas de pesca e agricultura itinerante. Na primeira fase de ocupação o povoamento ficou restrito ao litoral tendo maior destaque para os povoamentos de Cananéia e Iguape. De Cananéia partem as primeiras expedições em busca de ouro e prata, porém era Iguape que detinha o domínio da navegação do Ribeira devido à facilidade de comunicação com o interior. Tornando-se centro de concentração de moradores e distribuição de riquezas. Na primeira metade do século XVII, foram encontradas minas de ouro em Iguape, zona do médio Ribeira. “Durante o `ciclo do ouro`, o povoamento, que anteriormente limitava-se ao litoral, avançou para o interior, subindo o curso do Ribeira, onde foram formados os primeiros núcleos coloniais da retroterra, dos quais o mais importante foi o de Xiririca (atual Eldorado). Muito embora a mineração tenha trazido alguma riqueza para a região, seus efeitos desenvolvimentistas restringiram-se a Iguape. Os núcleos do interior pouco se desenvolveu e mesmo Xiririca, na principal zona garimpeira, só foi elevado à categoria de município no século seguinte, já na fase decadente da mineração” ( Braga, 1999:45). Nesse período por conta da mineração, entra a mão-de-obra negra em São Paulo a maior concentração de escravos era em Iguape, porém eles foram levados a outras localidades situadas Ribeira acima. Segundo Carril (1995), os negros vinham de algumas regiões da África como Angola, Moçambiqui e Guiné, sendo considerados, uma mercadoria lucrativa. Sua maior concentração foi em Iguape porém eles foram levados para outras localidades como Iporanga, Apiaí e 15 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Ivaporunduva, onde havia grande concentração de minas auríferas. Isso levou a um fluxo de pessoas para essa localidade tendo como conseqüência o surgimento de vários arraiais, como Ivaporunduva, Iporanga, Apiaí, Paranapanema e Xiririca. A exploração de ouro entrou em decadência com a descoberta de novas áreas de mineração em Minas Gerais. Porém a atividade mineradora perdurou até as primeiras décadas do século XIX. No final do século XVII, se registra uma expansão da agricultura, tendo como principais produtos: arroz, madeira e cana. No século seguinte até meados do século XIX, a agricultura comercial, especialmente o arroz, apresentou uma expansão significativa tendo como base a mão-de-obra escrava e voltada para o mercado europeu e latino americano. Esse período foi o de maior prosperidade para o Vale. “em 1836 a região concentrava 100 dos 109 engenhos de beneficiamento de arroz instalados na província e em 1852 já eram 107 os engenhos instalados na região. Outra medida do crescimento econômico da região era a quantidade de escravos que, em 1836, representavam 28,9% da população total, um índice superior à média da Província, que era de 26,6% de população escrava” ( MULLER, 1980:36). Porém, o crescimento econômico trazido pela rizicultura ficou limitado a região de Iguape e Cananéia com exceção de Iporanga onde se plantou algum arroz. O restante do Vale mergulhou em um período de estagnação econômica, que durou até a década de 30. Na segunda metade do século XIX a rizicultura escravista entrou num processo de crise devido: encarecimento da mão-de-obra escrava11; procura de brancos para o café; abertura do mercado para o arroz de outras regiões do país (Minas Gerais e Rio de Janeiro). A baixada ficou a margem da rede ferroviária implantada no Brasil e bem como a imigração estrangeira que se voltou para o abastecimento da cafeicultura. 11 " Em 1850, com a proibição do tráfico de escravos ocorre a transferência de escravos dentro da própria província das regiões menos dinâmicas para as mais dinâmicas economicamente” (LA-MPF,1998:65). 16 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). A população refluiu para a economia de subsistência a “caipirização” da vida regional (MULLER,1980). Para BRANDÃO (1998): “Os habitantes do Vale, tanto nativos como imigrantes, marginalizando-se, passando a viver nas fímbrias mercantis do grande tecido econômico-social nucleado no capital-café. Criaram uma sociabilidade de sobreviventes que respirou através de um sistema de trocas que mais se parecia ao escambo. A esta pobreza organizada, produto residual da cafeicultura, designamos vida caipira” (pg.04). 3.2. IPORANGA* : características do município e a história da ocupação O Município de Iporanga localiza-se no alto Ribeira, tendo como limítrofes os municípios de Apiaí, Guapiara, Capão Bonito, Eldorado Paulista, Barra do Turvo e o Estado do Paraná. Vista da cidade de Iporanga/SP * Vocábulo da língua Tupi ou Nheenhatu. Iporanga: água ou rio bonito. 17 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). A base do releve é o calcário na parte alta e os filitos e xistos na parte baixa. As falhas geológicas contribuem para esculpir o relevo, pois além de originar depressões topográficas condicionaram vales de muitos rios. O relevo é acidentado onde predominam colinas e morrotes que dificilmente ultrapassam os 120 metros de altura12. O município possuí uma área territorial de 1160 km com uma população de 4.564 habitantes (CENSO 2000). A agricultura é a principal atividade econômica do município, se destacando a produção de banana e em menor escala de feijão, arroz e milho. O solo de Iporanga é rico em ouro, prata, chumbo, estanho, ferro, pedra de chisto, a calcárea, a pederneira, o cristal de rocha, o calcáreo branco, o tasguatingua, o barro de olaria, etc. Sendo que o chumbo já vem sendo explorado desde 1880. Sua mineração ilegal as margens do rio Ribeira de Iguape trouxe problemas de contaminação para a população ribeirinha que se alimenta dos peixes e se banham nos rios, atualmente as crianças são as mais atingidas13. A região possui uma das maiores concentrações de cavernas do Brasil e um dos principais remanescentes florestais de Mata Atlântica do Estado de São Paulo. Esses fatos levaram a implantação de diversas unidades de conservação no município como: área piloto da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica14, as Áreas de Proteção Ambiental APA da Serra do Mar (1984), Parque Estadual de Jacupiranga (1969), Parques estaduais Turísticos do Alto Ribeira – PETAR (1958). O PETAR somente foi implantado, em 1983, levando a um crescimento do turismo espeleológico e recentemente o de esportes radicais. Porém apenas o bairro da Serra em Iporanga e o município de Apiaí foram efetivamente beneficiados. Como a principal atividade econômica do município é a agricultura e o extrativismo o tombamento provocou um descontentamento de boa parte da 12 Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Atlas das unidades de conservação do Estado de São Paulo, 15. 13 Um dos argumentos contra as barragens é justamente o risco de com a inundação das margens esses pontos de mineração podem ser um foco de disseminação do chumbo pela região. 14 Foi recentemente reconhecido pela UNESCO. 18 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). população. E jogou para a ilegalidade a principal forma de sobrevivência da maior parte dos moradores dos bairros rurais (Figueiredo, 2000). Iporanga é um dos municípios que tem a maior quantidade de Comunidades de Quilombos identificas entre elas a comunidade de Quilombo de Praia Grande. A história desta comunidade e do próprio município de Iporanga está ligada ao ciclo do ouro paulista. Durante o século XVI, circulavam histórias em Iguape e Cananéia sobre a existência de ouro na região de Eldorado e Iporanga que “que jorrava livremente e abundante no leito de seus rios” da região. Essas histórias seduzem os aventureiros que fazem uma expedição para encontrar o “Eldorado”. Em 1576, um grupo de pessoas chefiadas por Garcia Rodrigues Paes, sobrinho do bandeirante Fernão Dias Paes, Nuno Mendes Torres, Antonio Lino de Alvarenga e José de Moura Rolim sobem o rio Ribeira de Iguape em busca de ouro. Eles chegam no dia 12 de junho, véspera de Santo Antonio, a uma várzea localizada a oito quilômetros da foz do Ribeirão de Iporanga. Resolvem se fixar neste local iniciando os preparativos para a criação de um garimpo, assim, nascia o “Garimpo de Santo Antonio”. O garimpo cresceu com a chegada de novos faiscadores que formaram um arraial que crescia e prosperava. Esse novo povoado crescia em habitações e casas de comércio com o dinheiro vindo dos garimpeiros da região. O trabalho nos garimpos era realizado pelos escravos que escavavam o leito dos rios a procura de ouro, chegando a alterar o seu curso como na foto abaixo do Ribeirão de Iporanga. 19 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). O trabalho dos escravos nos garimpos deixou marcar que podem ser percebidas por nós hoje. Como a formação de amontoados de pedras deixados às margens do Ribeirão de Iporanga. Muitos escravos garimpavam clandestinamente e “escondiam o produto de seu trabalho em garrafas e gomos de bambu, visando possivelmente a compra de sua liberdade junto a seus senhores.” (FIGUEIREDO,2001:02) Nos livros de casamento e batismo da Igreja de Iporanga e no cartório da cidade existem vários registros de escravos “libertos”15 e cartas de alforria que provavelmente foram compradas dessa forma. A partir de 1730, devido às dificuldades para se atingir o rio Ribeira pelo ribeirão de Iporanga surgi um novo núcleo de habitações próximo ao rio Ribeira. Esse novo povoado crescia em habitações e casas de comércio com o dinheiro vindo da região. “Em meados de 1776, inicio-se a arruamento mais planejado do povoado que surgia naturalmente. Algumas famílias que não vieram com o intuito de explorar o ouro e sim para cultivar de terra, deslocaram-se tanto rio abaixo, como rio acima, onde se estabeleceram plantando arroz, milho, mandioca e principalmente cana de açúcar, proporcionado com isso, o surgimento de futuras pequenas indústrias de rapadura aguardente e farinhas, que seriam vendidas nos povoados vizinhos, ao mesmo tempo, construíam-se 15 Termo que aparece nos livros de registro de batismo e casamento da Igreja de Iporanga depois do nome de ex-escravos. 20 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). grandes sobrados e ricas vivendas emprestando ao povoado um aspecto senhorial.” Com o declínio do ciclo do ouro e as dificuldades de acesso ao antigo arraial dão início a um movimento para a construção de uma nova capela no novo arraial, sendo liderado pelo Padre Bernardo de Moura Prado e o Capitão José de Moura Rolim. O padre Bernardo consegue que Dona Escolástica Maria Carneiro doe um terreno para a construção da Capela e a população faz um mutirão plantando arroz para a levantar o dinheiro necessário. Assim se iniciam as obras de construção da Capela que terminam em 1821. Igreja Matriz de Nossa Senhora de Sant´Anna de Iporanga Iporanga crescia com o surgimento de novas indústrias de aguardente, rapadura e beneficiamento de cereais intensificando seu intercâmbio comercial com as povoações vizinhas. Seu porto se tornou: 21 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). “uma importante via de acesso, único porto fluvial de onde se poderia partir em demanda, ao litoral, permitindo o intercâmbio comercial das regiões vizinhas com o Planalto, através do transporte de tropa até Iporanga e daí por intermédio de frotas de embarcações (canoas) que desciam e subiam o Ribeira, transportando as mercadorias transacionadas. Fazendo intercâmbio comercial entre cidades importantes como Itapeva (antiga Faxina), Itararé, Ibiúna, Itapetininga, Sorocaba e outras, através de tropas de muares.”(FIGUEIREDO,2001:2). Em 1830, o povoado foi elevado a categoria de Freguesia de Sant’ Anna de Iporanga. Sendo, em 1873, elevado a Vila, com o nome de “Villa de Sant’Anna de Iporanga”. No mesmo ano passou a Cidade de Iporanga. A libertação dos escravos, em 1888, levou a diminuição da mão de obra na região de Iporanga, pois boa parte da população local era composta por escravos. “Os escravos, livres do julgo de seus senhores, internavam-se pelo sertão adentro estabelecendo-se por sua própria conta e iniciando-se no ramo da agricultura doméstica”(FIGUEIREDO,2001:02). Eles procuraram se instalar em locais já ocupados por populações negras que fugiram durante a escravidão, dando origem à formação de diversos povoados, entre eles, Nhunguara, Bombas, São Pedro, Poço Grande, Praia Grande. 22 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). 4. A Comunidade de Praia Grande Chegada à Comunidade de Praia Grande A comunidade de Praia grande era composta pelos bairros de Praia Grande e João Surrá sendo que este último também foi apontado pela Igreja como comunidade de quilombos. Segundo os moradores de Praia Grande eles eram “uma coisa só” mas resolveram dividir a comunidade respeitando a organização política do país já que João Surra encontra-se no estado do Paraná e Praia Grande no estado de São Paulo. Porém, existem relações de parentesco, tradições e laços econômicos que unem as duas comunidades. Segundo os moradores de Praia Grande, quando resolveram organizar sua associação de quilombos decidiram formar duas associações uma em Praia Grande e outra em João Surra. Neste relatório utilizarei o termo “Praia Grande/João Surra” para contar a história do bairro Praia Grande pois a história dos dois bairros esta profundamente relacionada. Alguns membros da Comunidade de João Surra plantam nas terras de Praia Grande devido a um acordo feito entre as duas comunidades. 23 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Essas pessoas a assistiram as reuniões que fizemos com a Comunidade de Praia Grande para conhecer melhor o nosso trabalho1. O Bairro de Praia Grande está subdividido em localidades que foram nomeadas pelos moradores a partir de características geográficas. Estando subdividido desta forma (ver mapa histórico): - Aberta - Martinho - Praia Grande - Bofe de Paca - Poço Grande - Amoras Essas nomeações são muito antigas aparecendo no livro de registros de terras de 1855 e continuam sendo usadas até os dias de hoje. O nome Praia Grande se deve as praias de areia fina que se formam ao longo do rio Ribeira de Iguape dentre as quais a de Praia Grande é uma das maiores. Vista da principal praia do bairro de Praia Grande 1 Os moradores de João Surrá pediram ao ITESP para que fosse feito o trabalho de reconhecimento desta comunidade com Remanescente de Comunidade de Quilombos chegando a figurar o nome desta nas nossas listas de comunidade a serem trabalhadas. Porém, como ela se encontra no estado do Paraná não podemos realizar tal tarefa. 24 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Os depoimentos recolhidos em Praia Grande, mapas antigos, registro de terras e da paróquia de Iporanga nos possibilitaram reconstruir a trajetória deste quilombo, evidenciando que o território em questão vem sendo ocupado por esta comunidade, aproximadamente, desde 1863. O subdelegado de Iporanga, João Paulo Dias, noticiava a presidência da província, em ofício de 28 de setembro de 1863, a existência de negros aquilombados nas proximidades do rio Pardo, solicitando providências conforme transcrição integral do documento apresentado no LA-MPF(1998) : "Por informações dadas por alguns moradores do Rio Pardo do Disctricto desta freguezia que, nos sertões de mesmo rio distante d’ esta vinte e cinco léguas mais ou menos, sertões que divisam com o da Província do Paraná, se achão aquilombados alguns escravos fugidos do Norte desta Província he de necessidade destrui-los pois que do contrario torna-se mais perigoso e graves prejuízos, consta mais que para ali tem se dirigido alguns criminosos que talvez estejão reunidos, e como esta subdelegacia querendo ver se pode batel-os e não podendo o fazer algum dispêndio não so pela distancia como pelo perigo da viagem do Rio por ser caudaloso, embora os donos dos escravos tenhão de pagar as despezas, não se pode fazer por já ter acontecido com captura de alguns escravos nesta, os donos leval-os para mandarem pagar e nunca mais se lebrão que he devido a não se poder conserva-los na cadeia desta Freguezia por não offerecer segurança e ia por mais de huma vez tenho representado para remediar-se com esse melhoramento urgente que ate hoje tem sido esquecido. Tenho de fazer lembrar a Vossa Excelência que com gente do lugar não pode fazer diligencia de tal natureza por ser perigoso e mesmo alguns avisão aos que se pretende capturar; Vossa Excelência a ter de mandar alguns permanentes para esse fim, antes que dessa sião para esta tenha Vossa Excelência a bondade de participar-se para desta dar os detalhes a fim de chegarem aqui desconhecidos. Aproveito a occsião para fazer sciente a Vossa Excelência que os permanentes que estão em Apiahy não devem por la ser muito conhecido. Tenho mais a levar ao conhecimento de Vossa Excelência que já faz mezes que levei ao conhecimento do Senhor Doutor Chefe da Polícia esta mesma participação porem pelo silincio que tem havido julgo ter levado descaminho bem como outro mais officios 25 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). que ao mesmo tenho dirigido. Deos guarde Vossa Excelência por muitos annos. Subdelegado de Policia de Iporanga, 28 de Setembro de 1863 “ (pg: 98-99). Esta carta é importante para compreender o processo de formação do Bairro de Praia Grande. A descrição da região corresponde a atualmente aos bairros de Praia Grande (SP) e João Surrá (PR). Segundo os relatos de moradores, as primeiras famílias que ocuparem a região eram de escravos fugidos que vieram em parte dos garimpos de Iporanga e outra parte fugida do norte da província de São Paulo para Iguape e depois seguia para Iporanga. Segundo os moradores de Praia Grande as duas primeiras famílias a chegarem na região são os Corimbas e os Mouras. Os Corimbas são todos os membros das famílias de sobrenome Pereira de Souza e os Mouras são as famílias de sobrenome Moura de Almeida e Pereira da Silva. Os moradores de Praia Grande contam que essas denominações surgiram com a liberdade dos escravos quando uma parte deles escolheram o nome do patrão como sobrenome e outro grupo não aceitou esse sobrenome. Srº Benedito Celestino de Moura2 relata como isso aconteceu. (Patrícia) - É porque antigamente vocês recebiam o sobrenome do patrão? (Benedito) - É isso aí! Então ele não aceitava aquilo lá de Moura, mas esse lado meu, que eu sou Moura, né. Me enterro até o cabelo, por causa disso. Então correram todos esse tempo, quando houve a libertação todo mundo fugiu, um foi pro lado, um vai pra outro, se esconde. Faze uma (....) feito uma coloninha, esconder naquela parte. (Patrícia) - E ficaram? (Benedito) - E firaram, né. Mas não tinha, aquela nação não tinha nome. É a mesma coisa que você cria um porco, aquilo é porco, se cria galinha, aquilo é galinha. Então quando fizeram aquela coisa não punhava nome. ‘Vamo punha um nome no porco, ha vamo punha Joaquim não sei que lá’. Essa nação de Moura, minha nação, ficaram sem, mas só que não punharam nome assim e dava outro nome e ficava. Então esse lado, desse homem o Joaquim de Moura, esse homem foi que formou Iporanga, sabe disso. 2 Conhecido em Praia Grande como Mourinha. 26 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). (Patrícia) - Ha, Ha (Benedito) - Então ele pegou e todo mundo falou “há nosso patrão é tão bom pra nós e nenhum de nós saí com a assinatura.” “ Há eu não, com a assinatura desse cabra, eu é?! Eu ponho o nome do cão mas não ponho o nome desse cara”(...) “ Mas ele era tão bom pra nós”. Por que se a gente gosta de uma pessoa, aí né, ponha lá não sei que de Moura, outro lá a avó é não sei que de Moura. A donde que ficou aquela Mouraiada. Os Mouras vieram de Iporanga eram escravos do Capitão José de Moura Rolim3. O termo nação utilizado pelo Srº Benedito para se referir, a agrupamentos de escravos, é citado em relatos de moradores de outras Comunidades de Quilombo, como Ivaporonduva. Segundo MIRALES (1998) os quilombos “foram espaços construídos junto aos processos de resistência e que levaram à formação de núcleos, que são chamados pela população local de nação. O que define cada nação é a diferenciação dos grupos sociais originais internos as comunidade, que são identificados pelas famílias ” (pg. 16). Na África a família é extensiva englobando uma vasta rede de relações de parentesco sobre um determinado território que inclui os mortos (ancestral mítico ou não). O nome de uma família é capaz de a localizar não só dentro do clã como no espaço físico que ocupa. Sendo assim, a família de Benedito Celestino de Moura não tinha nome, enquanto outras tinham, como é ocaso da família Corimba. Segundo Srº Benedito uma parte de sua nação fugiu da fazenda do Capitão Moura: (Patrícia) - Fugiam então? (Benedito) - Fugiam. Pois é! (Patrícia) - Então antes da libertação eles fugiam? (Benedito) - Antes da libertação eles fugiram, né. Por que eles estão saindo já, porque estava a libertação. Eles estavam sabendo, então quem não tinha medo ia saindo. (Patrícia) - Então eles iam saindo, fugindo? (Benedito) – Então, quando eles pegavam, ô panhava mesmo! (Patrícia) - Hã... 3 O capitão José de Moura Rolim possuía várias extensões de terra em Iporanga, sendo que a família foi uma das fundadoras da cidade de Iporanga. Em anexos temos a massa de população do Arquivo do Estado de São Paulo onde se encontra a lista de escravos do capitão José de Moura Rolim Nesta lista figura o nome de um escravo denominado Braz, sendo que esse mesmo escravo aparece com designação “ liberto” na frete do seu nome nos arquivos da Igreja. Tudo 27 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). (Benedito) - Panhava que vou te falar. Então foi bom que eles ficaram assim. Quando houve a libertação todo mundo ficou reclamando porque o Capitão Moura nunca fez aquilo, né. Mesmo antes da libertação muitos escravos fugiram para a região de Praia Grande/João Surra reforçando a tese4 de que o quilombo existente na região pode explicar a origem da comunidade. Esse é o caso de Belinda Moura de Almeida irmã do avô de Benedito Celestino de Moura. Uma jovem que por volta de 1865 a 1870, vivia vagando pela região de Praia Grande, tudo indica fugida da fazenda do Capitão Joaquim de Moura5. O seu neto Pedro Pereira da Silva6 conta como seu avô a encontrou: “ ela veio de Iporanga, vivia na fazenda lá. Era moça pequena, nova e conheceu o Joaquim. Ele não queria ir pra Guerra porque eles estavam pegando pessoas no Bairro de Praia Grande pra ir pra a Guerra do Paraguai. Então, ele casou com a avó, pra não ir pra Guerra”. Assim seu avô teria casado com sua avó, que era uma escrava fugida das fazendas do Capitão Joaquim de Moura, para se livrar da Guerra do Paraguai. O processo de recrutamento militar era violento se intensificando com a Guerra do Paraguai (1865 a 1870). Segundo SOUZA (1996), muitos homens solteiros procuravam no casamento uma forma de escapar da Guerra do Paraguai, pois os casados, por lei estavam livres do recrutamento. “Os estratagemas para fugir ao voluntarismo e, em alguns casos, o descaro com que os desertores o faziam, atormentavam o governo imperial. Em dado momento, o ministro Nabuco de Araújo alertou o presidente da província do Rio de Janeiro que os casamentos realizados posteriormente à data de convocação seriam considerados atos de má-fé, visto que os casados estavam isentos por lei”(pg. 61). 4 Essa tese foi apresenta no Laudo do Ministério Público. “O quilombo existente no Rio Pardo pode ser uma importante indicação também para a compreensão do processo de formação das comunidades situadas acima de Pilões e Maria Rosa, como João Surra, Cangume, Bombas, Claudia e Praia Grande, que não foram contemplados pelo presente trabalho, embora situem-se no mesmo continuum histórico, econômico e social representado pelo Vale do Ribeira.” (pg.102) 5 Pelos documentos da Paróquia de Iporanga ela era escrava do Capitão Joaquim de Moura 6 Conhecido em Praia Grande com Pedro Moura 28 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). O Marido de Belinda era branco descendente de espanhóis conhecido como Joaquim Fogaça, sendo que, seu nome de batismo era Joaquim Pereira da Silva. Segundo relato dos moradores ele vivia próximo a uma localidade conhecida como Amoras do lado do estado do Paraná (ver mapa histórico). Segundo Benedito Celestino de Moura antes de seus parentes chegarem a Praia Grande eles viviam em uma faixa de terra próximo a Iporanga que não tinha dono. Assim ele relata: (Patrícia) - Ela era o que do seu avô? (Benedito) - Ela parece que sobrinha do meu avô. (Patrícia) - Sobrinha do seu avô, essa Mariquita? Escrava? (Benedito) - É. Morava num sítio. (Patrícia) - O senhor não lembra o nome do dono do sítio? (Benedito) - Não lembro. Lá foi coisa que eles formaram lá, quando eles escaparam formaram aquele negócio lá. (Patrícia) - Há quando eles escaparam ! (Benedito) - Quando eles escaparam da escravidão, então fui que pegaram aquela terra. Aí, ficaram lá, morando lá, naquele trechinho, muito tempo lá. Formaram uma Igrejinha de palha de Nossa Senhora do Livramento. (Patrícia) - Em que lugar mais ou menos? (Benedito) – Alí! Lá naquele Ribeirão de Iporanga. Lá tem uma cruz, né. Então é lá. ...................................................................... (Patrícia) - Esse pessoal que fugiu e vivam perto do arraial de Santo Antonio também eram Moura? Essa Mariquita também era Moura? (Benedito) - Tudo eram Moura só que ali eles trocaram a assinatura, né, porque não quis ser escravo. Só que a minha descendência essa não quis trocar. Segue abaixo, fotografia do lugar onde, segundo Benedito Celestino de Moura, sua família teria vivido antes de chegar a Praia Grande/João Surrá. Nesse local os moradores de Iporanga se reúnem para rezar pelos mortos. Ninguém sabe bem ao certo a origem desse costume. 29 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Bica Cunhal Canhambora localizada a uns 7 quilômetros de Iporanga. Pelos relatos do Srº Benedito Celestino de Moura, e os registros da paróquia de Iporanga o escravo Braz teria fugido da fazenda do capitão Moura e se instalado nesse agrupamento7 de escravo, próximo a Iporanga, antes de mudar para região de Praia Grande/João Surra. Esse escravo era tataravô do Srº Benedito Celestino de Moura, sendo escravo do Capitão Moura. Ele figura na lista de escravos da fazenda do Capitão Joaquim de Moura de 18128. Em 1836, aparece batizando o filho Antonio ainda como escravo do Capitão. Antonio Moura de Almeida é o pai da Belinda Moura de Almeida e do Benedito de Moura Rolim Almeida, este último, avó de Benedito Celestino de Moura. Pelo relatado acima, podemos entender que existia um quilombo nas proximidades de a Iporanga cerca de 7 a 8 quilômetros, é de fundamental importância para entender a dinâmica de ocupação de Praia Grande. Como já foi apontado pelo LA – MPF (1998): “É forçoso concluir que as comunidades negras contemporâneas do Vale do rio Ribeira do Iguape guardam um vínculo histórico com antigos quilombos estabelecidos na região, uma vez gestadas a partir daquele campo de relações peculiar, contando com a participação de comunidade de escravos fugidos, que se constituiu na condição de possibilidade mesma de sua existência, definindo 7 Eram terras sem dono que os escravos fugidos, libertos ou simplesmente abandonados pelos donos se instalaram próximo à Cidade de Iporanga. Esse agrupamento era provavelmente um quilombo 8 Massa de População de Apiaí rol. 1 do Arquivo do Público Estado de São Paulo. 30 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). um espaço territorial no qual a apropriação fundiária tradicional negra, em suas várias formas, era tolerada ou pelo menos não passível de repressão, seja por dificuldade material de realização da mesma, seja pelo desinteresse nos territórios apropriados pelas comunidades, seja pelo interesse na comercialização da produção camponesa” (pg.180). Esse quilombo próximo a Iporanga se instalou em terras devolutas e servia de abrigo a escravos fugidos inclusive de outras regiões do estado que usavam o lugar como base para descanso e alimentação, e depois seguiam viagem para outras localidades como Praia Grande. Apontado no sentido da “formação de um campo negro de relações sociais incluindo tanto negros em situação não-ilegal quanto aqueles em situação de ilegalidade, como escravos fugidos e abandonados estes últimos também sujeitos a apreensão e venda diretamente pelo Estado ”9 (LA –MPF,pg.180). A existência dessas terras livres ocupadas por negros durante a escravidão ajuda a explicar como outras famílias chegaram à região, como é o caso dos Corimbas. Antonio Marmo Pereira de Souza10 afirma que descende dos Corimbas relatando que seu avô José Cirineu de Souza veio fugido do Norte da província para Iguape e de lá para Iporanga, ficando escondido nos arredores da cidade. Nesse meio tempo, aparece uma diligência de Iguape com policiais na sua perseguição. Ele se embrenhou pela mata margeando o rio Ribeira até chegar na região de Praia Grande/João Surrá. Nessa fola vieram outros com ele como o irmão Pedro Pereira de Souza11. Porém, José Cirineu de Souza havia se apaixonado pela filha do seu patrão e após a libertação dos escravos voltou para buscá-la. Segundo os relatos de seu neto Antonio Marmo Pereira de Souza sua avó era filha (Joana Pereira de Souza) de um capitão Mor de Iguape, sendo que, ao morrer deixou sua herança para a filha que teria comprado ou recebido como herança 9 Este campo negro inicia sua formação ainda no século XVIII, na decadência das lavras garimpeiras, e consolida-se durante o século XIX, na decadência da lavoura comercial de arroz, definindo as características atuais das comunidades atuais das comunidades negras do vale do rio Ribeira do Iguape(LA-MPF,1998). 10 Conhecido em Praia Grande como Antonio Corimba. 11 Pedro Pereira de Souza também é conhecido em Praia Grande com Pedro da Aberta. Uma referencia ao nome da localidade onde ele morava no Bairro de Praia Grande. 31 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). terras em Praia Grande. Uma parte dessas terras corresponde, atualmente, a uma área de terras devolutas, que segundo o Srº Antonio apenas uma parte foi titulada em nome dos membros de sua família, em 1969. Ele entrou com um processo na Procuradoria do Patrimônio Imobiliário de Apiaí, com o documento de partilha de seu avô no qual consta que são herdeiros daquelas terras. Com a libertação dos escravos a família dos Corimbas teve que adotar um sobrenome. Era comum aos ex-escravos escolherem o sobrenome do patrão, de uma pessoa ilustre da região ou do padrinho de seus filhos, etc. Depois da libertação dos escravos, as famílias dos Corimbas adotaram o sobrenome Pereira de Souza, porém usavam o sobrenome Corimba. Existem registros de casamento e batismo na paróquia de Iporanga onde figura o nome de Pedro Corimba12 em 1909. A origem desse nome Corimba tem várias versões, entre elas, a citada por Clotilde Mariano Pereira uma das moradoras mais antigas de Praia Grande. Ela conta que seus avós estavam na senzala ou paiol com um grupo de escravos. Um deles estava contando um “causo” do Pai Corimba que nadava nos rios e andava por essas matas. O fazendeiro ficou escutando o causo e quando terminou ele começou a chamar o contador do causo de Pai Corimba. Então aquele grupo que estava escutando o “causo” ficou conhecido como Corimba. Uma outra versão para o nome Corimba seria o peixe de nome Corimba que existe atualmente no rio Ribeira. Porém, pelo levantamento apresentado em um relatório de Carlos Rath de 185513, onde ele levanta toda a fauna e flora da região, ele não relaciona no quadro de espécies da região esse peixe. Nas pesquisas que fiz sobre a palavra Corimba encontrei referencia dela como o nome do bairro sede da província de Luanda em Angola/África. Nos registros de massa de população existem muitas referencias a escravos vindo da Nação de Luanda, como era conhecida essa ilha. Benedito Celestino de Moura nos conta como as duas famílias chegaram ao Brasil. (Benedito) - Quando foi o tempo dos escravos, ôôô sei que lá Alves, foi lá no...como que é o nome? 12 13 Pedro Corimba é Pedro Pereira de Souza. Carlos Rath. Descripão da Região Fluvial da Ribeira de Iguape, 1855-1857. 32 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). (Patrícia) - Alves, Alves quem era o Alves. (Benedito) - Sei que lá de Alves. (Patrícia) - Era uma fazenda de um cara chamado Alves (Benedito) - Não sei, deixa eu lembrar. Ó ... Na África, foi lá que comprou, naquele tempo trazia o pessoal de navio. (Patrícia) - Há, esse Alves foi na África... (Benedito) - É foi na África e comprou os escravos - Se vê, é coisa que deixa meio revoltado a Nação raba, quer dizer rabeira fica até meio revoltado...Então aquela família que veio de lá, daquela parte, lá na África, então veio de lá e trouxeram. Então tinha um tal de Capitão Moura que era um chefe daquela negrada. Era um homem muito beleza né, muito bom e não maltratava os escravos dele. Esse fulano Alves dividiu aquele monte de escravos com ele e trouxe outro tanto pro Capitão Moura. Bom, o Capitão Moura ficou com aquela turma ali, que ficou com ele, também comprava, só que aquele nome naquele tempo. É como o cumprade Messias, família Corimba, família não sei que lá é que aquele não aceitava a descendência dele. Nesse relato Benedito Celestino de Moura afirma que eles vieram da África. A nação dele não tinha nome enquanto que a outra nação se chamava Corimba. Dessa forma o nome Corimba, provavelmente, se refere ao lugarejo14 de Angola de onde essas populações foram trazidas para o Brasil. Segundo CARRIL (1995), uma parte dos escravos trazidos para o Brasil vieram de Angola. Luanda era um importante ponto de comércio da África devido a sua geografia insular a maior parte dos navios aportava na ilha para realizar suas transações comerciais. Os escravos eram comprados em Luanda e de lá seguiam para o Brasil. 4.1. De Quilombo à Bairro Rural Negro: histórico da ocupação do território da Comunidade de Praia Grande O território ocupado historicamente por esta comunidade localiza-se à sudoeste da cidade de Iporanga subindo o rio Ribeira de Iguape. Esse bairro à Nordeste limita-se com Bairro do Funil, ao Norte pelo bairro Descalvado, à 14 Atualmente o bairro sede da província de Luanda na África 33 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Noroeste o bairro Cotia, a Oeste o bairro Barra do rio Pardo, à Sudeste com o rio Pardo no estado do Paraná, ao Sul com o bairro João Surra (PR) e a leste com o bairro Marrecas (PR). Para melhor caracterização da ocupação do território de Praia Grande foi elaborado um mapa histórico da região15, referente ao final do século XIX até o começo do século XX16. As famílias dos Corimbas e os Mouras foram as duas primeiras a chegarem na região de Praia Grande/João Surra (PR). Por volta de 1863, os escravos que fugiram das fazendas de mineração da região procuraram se instalar em lugares de difícil acesso longe das margens dos rios. Após a libertação dos escravos, foram chegando novas levas de familiares, temendo que a escravidão voltasse embrenharam-se nas matas fugindo para longe das terras de seus senhores. Assim, a família Corimba foi ocupando a localidade conhecida como Praia Grande (ver mapa histórico), próximo do leito do rio Ribeira de Iguape nos lugares conhecidos como Aberta e Martinho (ver mapa histórico). Antonio Marmo Pereira de Souza mostrou documentos (ver anexo) da compra e venda da localidade Martinho em 1891, pelos filhos de José Pereira de Souza e Joana Pereira de Souza17. O Srº Antonio também afirma possuir os documentos de partilha de seus avós José Pereira de Souza e Joana Pereira de Souza de outras terras localizadas em Praia Grande18. Os Mouras atravessaram o rio Pardo e se instalaram em João Surra. Foi por meio do casamento que os Mouras foram vindo do bairro de João Surra, hoje pertencente ao estado do Paraná, para Praia Grande/SP. Estabelecendo uma teia 15 Esse mapa foi elaborado por Rose Leine Bertacco Giacomini e Helena Maria Gonçalez a partir dos depoimentos dos moradores mais antigos de Praia Grande e de um mapa da região elaborado por João Pedro Cardoso em 1908,quando chefiou uma expedição no rio Ribeira de Iguape e rio Pardo, onde figuram os nomes dos moradores que ele encontrou no seu caminho. 16 Durante esse período ocorreram deslocamentos de famílias de um lugar para outro, por isso, você pode encontrar o mesmo nome em lugares diferentes. Além disso, existem casos de pessoas, por exemplo, que não eram moradoras do local em 1880 e que em 1930 já haviam morrido. Os doze irmãos são: Benedito Pereira de Souza, José Isaías Pereira, Joaquim Marinho Pereira, Maria Pereira de Souza, Cecília Pereira de Souza,Virginia Pereira de Souza, Benedita Pereira de Souza Emanuel Pereira de Souza (ver anexo). Eles comprara de Angosia de Pontes e Diogo Alves da Motta que herdaram essas terras do sogro, que figura no livro de registro de terras de Iporanga como herdeiros dessas terras 17 18 Ele também nos mostrou o imposto pago por Pedro Pereira de Souza da localidade Aberta e Martinho de 1912, Manuel Francisco Pereira da localidade Praia Grande de 1928 e do Martinho em 1928. 34 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). de relações familiares amarradas pela forma de transmissão da terra por herança. Segundo Antonio Marmo Pereira de Souza, antigamente, o pai que tinha grande quantidade de terras doava pedaços de terras a seus filhos conforme eles fossem casando, independentemente do sexo. Dessa forma, vários membros da família Moura passaram a morar em Praia Grande com seu marido ou esposa. Como, por exemplo, o caso de Benedito Celestino de Moura e Manuel Moura de Almeida dois irmãos que eram de João Surra e casaram com duas moradoras de Praia Grande da família Corimba. Como em João Surra existe conflito entre a comunidade e os fazendeiros que estão invadindo as terras que tradicionalmente pertenciam a sua família, esse conflito foi o principal motivo, pelo qual, tiveram que morar nas terras da família da esposa. Com o tempo, também, trouxeram a irmã solteira que foi expulsa das terras da família e que com a autorização da família Corimba pode permanecer em Praia Grande. Os casamentos também se deram com pessoas vindos de outros quilombos situados rio abaixo, principalmente, da Comunidade de Pilões. Como é o caso de Maria Paula Alves, uma das moradoras mais velhas de Praia Grande, relata que seu pai veio de um quilombo. O avô era conhecido como Domingos “Coisa Ruim”. Esse nome se deve ao fato dele ser muito corajoso19. Além dessa família outras foram chegando à região por meio do casamento: como os Freitas Pereira, os Pedrozo e os Florindo de Freitas. Uma outra forma de entrada nessa comunidade muito curiosa foi por meio de adoção informal de crianças órfãs ou que os pais não tinham condições de criar. Antonio Marmo 19 Ela conta uma das façanhas de seu avô: (Patrícia) - Contaram uma história do Domingos Alves que era corajoso que andava de canoa? (Benedito)-Vou contar uma história só que eu me a lembro. O pai dele era Domingos o coisa ruim. (Patrícia) - O pai dele o que? (Benedito) -O pai dele foi o Domingos coisa ruim porque era muito esperto pra faze as coisa. Aí tinha uma cachoeira muito feia demais que ninguém passava, não passava canoa de jeito nenhum. Aí diz que tinha um lenheiro pra baixo daquela cachoeira, aí aquela lenha eles trouxeram tudo em casa. Aí o filho estudou fez uma facha de lenha tocou na cachoeira abaixo, desceu, passou uma corda muito grande foi puxando aquela corda por terra. Ele desceu aquela cachoeira e embarcou na balsa chegou no fundo da casa do pai dele, chegou lá, botou a lenha no fundo e falou assim: “Pai a lenha do senhor tá aqui. Há você (...) coisa ruim. Só mesmo assim pra você tentar cruzar, porque sem o um você não passava nessa cachoeira.”Puseram isso de coisa ruim no Domingos Alves, coisa ruim, coisa ruim. 35 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Pereira de Souza nos conta que seu pai Manoel Francisco Pereira quando andava pela região e via uma criança barriguda, de pé no chão e doente ele pedia para mãe se não queria dar aquela criança para ele criar. Em outros casos, quando os pais haviam morrido20 sem deixar parentes que pudessem ou quisessem cuidar da criança. Assim os Guedes, Pontes, Motta, Matos e Ribeiro passaram a ocupar o território de Praia Grande. A população do Bairro, com o passar dos anos, foi aumentando. A família Corimba constrói um engenho de cana e uma olaria na localidade conhecida como Praia Grande (ver mapa histórico). Cornélio Schimidt, em Exploração do Rio Ribeira de Iguape, de 190821, relata ter encontrado um lugar próximo à cachoeira de Praia Grande chamado Curimbá onde passou à noite. “Depois de atravessar as corredeiras do Travessio cachoeira Grande, a barra do rio Betary, na margem esquerda, a corredeira do Vianna, a do Isidio, a de S. João, a do Mandú, a da Nhanhola, as do Funil de baixo e de cima, a da Praia Grande, chegou ao logar conhecido por Curimbá, onde pousou, em um engenho, propriedade de uns negros dos quaes um d’ elles era alienado” (pg. 02) Segundo Clotilde Mariano Pereira, a família Corimba tinha uma casa nesse local onde todos moravam juntos e tinha um engenho que produzia rapaduras e melaço que eram vendidos em Iporanga. Rio acima em uma localidade conhecida como Aberta (ver mapa histórico) existia uma olaria de propriedade de Sebastião Pereira da Silva (família Moura) Manoel Francisco Pereira (família Corimba) e Pedro Pereira de Souza. No mapa feito por João P. Cardoso de 190822, figura o nome de Pedro Corimba morando na localidade conhecida como Aberta do lado do rio Ribeira de Iguape. Pedro Corimba era o nome pelo qual era conhecido Pedro Pereira de Souza membro da família Corimba. Na próxima página apresentamos uma cópia do mapa original elaborado por João P. Cardoso e publicado em 1914 no livro Exploração do rio Ribeira de Iguape. 20 A malária dizimou boa parte da população de Praia Grande. Figura na memória coletiva do grupo a lembrança de uma noite em que morreram famílias inteiras devido à malária. 21 Essa é a data da expedição sendo que usei uma publicação de 1914. Esse livro foi escrito por vários pesquisadores e coordenado por João P. Cardoso. 22 João P. Cardoso foi coordenador da expedição da qual fez parte Cornélio Schimidt. 36 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). PLANTA DO RIO RIBEIRA DE IGUAPE E SEUS AFLUENTES(1908): Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo. Chefe João P. Cardoso. ESCALA 1:50000. 37 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Subindo o rio em uma localidade conhecida como Martinho também existia um cemitério e uma outra olaria. Segundo os moradores de Praia Grande essa olaria fornecia telhas para Iporanga. O cemitério era muito antigo. Lá eram enterradas as pessoas que morriam em conflitos com os índios. Posteriormente, ele foi usado para enterrar crianças que nasciam mortas e em meados de 1940, foi abandonado. Ali também eram enterrados índios mortos nas batalhas. A presença indígena era muito forte na região e os conflitos com índios muito comuns. Alguns moradores de Praia Grande afirmam que sua bisavó era índia, sendo “pega a laço”. No rio Ribeira de Iguape na sua margem direita encontra-se uma localidade conhecida como Praia Grande limitando-se à Nordeste pelo Bairro do Funil, ao Norte pelo bairro Descalvado, à Noroeste o bairro Cotia e a Oeste o bairro Braço do rio Pardo. Nesse lugar viviam muitas famílias que plantavam arroz, feijão, milho, mandioca e cana de açúcar além da criação de pequenos animais para consumo doméstico como galinhas e porcos. No local também existia uma olaria de propriedade da família Corimba. Subindo o rio Ribeira até a Barra do rio Pardo, do lado de Praia Grande que faz divisa com o estado do Paraná existiam inúmeras famílias que se dedicavam à plantação de arroz, feijão, cana de açúcar, mandioca, frutas como a jaboticaba, banana e o abacaxi. Eles tinham engenhos e produziam a rapadura e o açúcar ”amarelo” (açúcar mascavo). Schmidt, em 1908, relata a presença de uma população, no rio Pardo divisa com o Paraná. Segundo ele: “as suas margens são habitadas por lavradores que tiram vantajosos resultados dos trabalhos (pg. 97).” Esses lavradores comercializavam com Curitiba por ser mais fácil o acesso. Para os moradores de Praia Grande o período de 1920 a 1940 foi o auge do desenvolvimento para a comunidade devido ao crescimento demográfico e a comercialização de seus produtos na cidade de Iporanga, Apiaí e também no 38 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). estado do Paraná1. Segundo Srº Antonio Marmo Pereira de Souza2, em 1940, Praia Grande era maior que Iporanga em número de habitantes. Em 1969, a PPI (Procuradoria do Patrimônio Imobiliárioa) do estado de São Paulo promoveu a titulação das terras na localidade de Praia Grande. Segundo os moradores durante o processo ocorreram vários problemas. O Srº Antonio Marmo Pereira, Clotilde Mariano Pereira e Messias Pereira de Freitas descrevem o processo de titulação: (Clotilde) – Nesse terreno aí, desde córrego pra cima até quase a barra do rio Pardo e ali pra cima no córrego da Aberta. Ali tudo era, tudo nós tinha folha de partilha desse terreno (Antonio) – Tudo da Curimbada. (Clotilde) - Da Curimbada tudo. Depois que veio esse negócio de terra cada um vai ser titulado no lugar onde ficava cada um tirava um pouco de terra. Daí um tirava, outro tirava um pouco. Daí aquele que sobrava, porque o compadre Laurindo quando foi tirar o pedaço dele (...) eles não deixaram. (Rose) – Você ficou sem pedaço? (Laurindo) - É! (Antonio) – Quando Benedito Mario que era meu primo, então deram pra ele, sendo que ele mora aqui. Então o topógrafo pra deixar uma dessas áreas livre. Pegou o título de Benedito Mario, que morreu, jogou lá em baixo, porque depois ficar fácil pra depois compra do Benedito Mario. É certo, com certeza, eu não tinha pra quem falar isso mas era comprado. Chega aqui “Ah! Se ficar com mais de dez alqueires você vai pagar um imposto danado”. Amedrontado todo mundo “Ah você não vai poder paga”. Ou então você passava o direito da roça pra o fulano. Por que o topógrafo chamava-se (...) esse camarada, entendeu. Com o propósito de deixar a terra pra esses, pra essa máfia que ta aí até hoje. Área que tem suspeita de ter minério, que está totalmente coberta de mata pra poder tirar título para poder tirar dinheiro no lá banco para outros afins. (Messias) – Mesmo o título da minha mãe. Nós somos três filhos, então no termo nós merecemos, né. Se fosse nessa documentação, 1 Por causa da proximidade física e fácil acesso. Ele também conta que em 1932, seu pai Manuel Francisco Pereira escondeu em Praia Grande revolucionários paulistas que lutavam contra Getúlio Vargas. Como não podia levar mantimentos de Iporanga para Praia Grande pois o rio estava sendo vigiado. Tinha que escondê-los no fundo da canoa chegando em um determinado ponto mergulhava no rio e usando um bambu para respirar atravessa o trecho vigiado pelo inimigo. Seu pai chegou a esconder armas dos revolucionários em sua casa que tiveram que ser enterras com sal no fundo da casa em Iporanga para se deteriorarem mais rápido. 2 39 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). errada, tinha que ter pelo menos oito alqueires de terra cada um. No título da minha mãe não consta nem sete alqueires. (Antonio) – O! seu Benedito Celestino de Moura teve acho que o local o área maior tem. Uma das melhores porque. Dera pra ele exatamente pelo motivo de dar o título pra ele e comprar dele de volta. Graças a Deus ele teve cabeça, entendeu, igual compraram de Benedito Florindo.Deram depois falavam “não tem condição de pagar a terra”. Não foi isso compadre? Apesar que ele ficou também, num momento falaram alguma coisa. (Clotilde) – O fulano, né. Ele alega que ele comprou de Joana Corimba. (Rose) - É fala isso!? (Clotilde) – Fala. (Antonio) – Tá na documentação dele. Ele não tem mas ta lá. Ele comprou uma posse, né. Donde através de cartório, lá, falsificaram um recibo de Joana Corimba. (Rose) – Está que ele morava aqui? (Clotilde) – Hem? (Rose) – Mostrava que ele residia, então, ele tinha direito em ter o título? (Antonio) –Ele tava morando lá. (Rose) – Dizendo que tinha alguma coisa que ele mostrasse que ali era a terra dele. (Antonio) – Ele dizia que tinha comprado de Joana Corimba. Agora pergunta pra ela quem era Joana Corimba?Ela é mais velha do que eu. (Clotilde) – Era minha vó. Nem eu conheci minha vó. Clotilde Mariano Pereira tem 76 anos. Sua avó Joana Pereira de Souza nasceu aproximadamente em 1860. Quando Srª Clotilde nasceu sua avó já havia morrido. Portanto, em 1969, quando foi realizada a titulação em Praia Grande, Joana Pereira de Souza já estava morta. Durante o processo de titulação a família Corimba perdeu parte de suas terras, pois diminuíram o terreno que seus avós haviam comprado e em alguns casos das terras localizadas em frete ao núcleo de Praia Grande. No título aparece o nome de João Francisco dos Santos e Outros. Como o Srº Antonio Marmo Pereira de Souza foi a PPI e conversou comum juiz que, segundo ele, para não criar mas confusão colocou no título de João Francisco 40 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). dos Santos o termo “ e Outros” que quer dizer que os demais moradores de Praia Grande que foram titulados também têm direitos sobre aquelas terras. Além dos casos citados acima, existem outros que nos ajudam a entender a ocupação atual do território de Praia Grande. Algumas pessoas de fora da comunidade que se diziam amigos das famílias da comunidade levaram os documentos para registrar o título em nome dos moradores e acabavam registravam em seu nome ou simplesmente não registrando o título. Outro caso, foi de pessoas da comunidade que não tinham registro civil e conseguiram o título. E, logo em seguida, venderem suas terras para grandes fazendeiros da região. Um outro caso peculiar foi o de Gregório Pereira da Silva que comprou as terras onde vive atualmente, de Luiz Neves de Ayres de Alencar por meio de um contrato de compra e venda sem registro em cartório. Luiz Neves de Alencar se comprometeu em passar o título para o SrºGregório chegando a levar seus documentos com o pretexto de tirar seu título. Porém, quando Gregório procurou o cartório nada havia sido feito. O mesmo aconteceu com Antonio Ramalho, irmão de Ana Ramalho que vive, atualmente, na terra. Todos esses casos nos ajudam a entender como pessoas que não pertencem à comunidade de Praia Grande entraram no território e hoje tem título dessas terras. Após a titulação, nas décadas de 70 e 80, esses grupos de fora da comunidade começaram a ocupar suas áreas usando membros da comunidade para derrubar a mata, vender a madeira e fazer um pasto para o gado. Pelas fotos aéreas de 19853, nota-se que as matas nativas foram destruídas nas áreas que pertencem aos fazendeiros de fora da comunidade. Fato interessante é que ao percorrer o território durante o trabalho de campo para elaboração do R.T.C pudemos perceber que os lugares que os fazendeiros abandonaram a mata se regenerou. Segundo os moradores de Praia Grande, várias nascentes de água haviam secado devido ao desmatamento desordenado. Laurindo Gomes, que já foi Presidente da Associação de Quilombo de Praia Grande, cita um caso de uma nascente que havia 3 Essas fotos aéreas do Vale do Ribeira foram realizadas pela Fundação ITESP em 1987, folhas n. 05 e 12. 41 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). secado, depois que o fazendeiro desmatou a área para fazer pasto, devido às restrições das leis ambientais, ele abandonou a área e a mata voltou a crescer, e com ela a água voltou a brotar. As questões ambientais têm preocupado a comunidade, aflorando conflitos, porque percebeu-se que muitas pessoas de fora da comunidade invadem seu território para pescar na época da piracema, matam pacas para vender sua carne até a caça esportiva dos macacos bugiu existe no lugar. No território de Praia Grande existe uma fauna e flora diversificada que é motivo de orgulho para seus moradores que procuram preservá-la contra a ação de intrusos. Segundo Antonio Marmo Pereira de Souza: “Tinha um pessoal trilhando pra matar Jacú. Eu fiz um esparramo com eles”. O pai de Antonio Manuel Francisco Pereira de Souza, antes de morrer, pediu para que ele preservasse a fauna do lugar e, não deixasse ninguém derrubar a mata. A área situada na margem esquerda do rio Ribeira de Iguape em frente ao núcleo de Praia Grande foi um dos lugares que o pai do Srº Antonio pediu para que fosse preservada. Mata em regeneração da “Reserva Florestal” de Praia Grande A Comunidade de Praia Grande chama o lugar de “Reserva Florestal” e o reivindica como pertencente ao território tradicional da comunidade já que muitos 42 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). moradores já falecidos viviam naquele local. Porém, eles não querem que a cobertura vegetal da área seja destruída utilizando o local como uma reserva sustentável. Alguns tipos de cipó utilizados pelos moradores para a confecção de peças de artesanato, de utensílios domésticos e para o trabalho na roça crescem somente nesse lugar, como o Timbopeva e Embu, Taquara de Lixa e Taquara de Poça é usada na confecção de peneiras de arroz e feijão, vassouras, cestos para armazenar e transportar produtos da roça, etc. A maior parte dessas terras estão nas mãos de dois fazendeiros da região João Francisco dos Santos e Núcio Roberto Chieffi. Segundo os moradores eles estão interessados em transformar a área em pasto. Além disso, essa área é rica em minérios como o chumbo. Após a titulação alguns membros da comunidade que obtiveram o título venderam suas terras, mas a maioria das famílias permanece no território de seus antepassados à aproximadamente 140 anos. Uma parte da comunidade está situada em terras tituladas de membros da comunidade que residem em São Paulo. Outro grupo tem título, mas suas casas e plantações estão em terras de pessoas que não pertencem à comunidade. É o caso de Maria da Paixão e seu neto Décio Ribeiro. O irmão de Maria da Paixão vendeu metade de suas terras para um fazendeiro de fora da comunidade, porém a venda não foi firmada no papel. As terras de Maria da Paixão estão situadas ao lado das terras do irmão (João Pontes Pacífico). Sua casa está construída na parte das terras que o irmão não tinha vendido ao fazendeiro. Mas, o fazendeiro questiona isso alegando que é o dono de todo o lote. Esse fato já levou a alguns conflitos entre Maria da Paixão e o fazendeiro Geremias de Oliveira Franco que chegou a soltar seu gado nas plantações de Maria da Paixão. Um outro caso parecido é o de Pedro Pereira da Silva que tem sua casa construída nas terras, pelos documentos apresentados, de Silvio Pereira de Souza. Segundo Pedro Pereira da Silva o topógrafo quando mediu suas terras colocou a divisa em lugar errado. A terras de Silvio Pereira de Souza é menor do que está registrado no título. 43 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Os únicos moradores da comunidade que são titulados e moram em suas terras são Clotilde Mariano Pereira e Carlos Guedes. Uma boa parte das terras tituladas está nas mãos de fazendeiros que não pertencem à comunidade. Segundo os moradores essas terras são as melhores para o plantio, porém estão sendo usadas como pasto para o gado. No perímetro 40º de Apiaí existe uma faixa de terra devoluta onde residem algumas famílias da comunidade e dois moradores de João Surrá plantam nessas terras com autorização da Comunidade de Praia Grande. Além disso, tem uma fazenda de um posseiro conhecido como “João” que não pertence à comunidade mas, seu caseiro que reside na área pertence à comunidade de Praia Grande. Durante os anos 90 a comunidade de Praia Grande começou a viver ameaça representada pela construção da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, projetada pela Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo Votorantim que suscitou a emergência e a visibilidade do segmento negro no campo. “Uma vez que as barragens determinariam o alagamento de parte de seus territórios. A organização de um movimento social centrado no reconhecimento do caráter peculiar da ocupação territorial negra imemorial do vale tomou contorno contra a construção de barragens no curso do rio Ribeira de Iguape ou em outros que interferissem no curso normal do rio” (LA-MPF, 1998, 112). O território de Praia Grande será na sua grande maioria inundado pela barragem da Usina Hidrelétrica do Funil que é a próxima da lista após a construção da Hidrelétrica do Tijuco Alto. Algumas projeções4 chegam a afirmar que 97% do território de Praia Grande seria atingido. A luta contra as barragens apoiada pela Igreja Católica da região tem levado essas populações a discutirem sua condição de donos da terra e o processo de titulação ocorrido em 1969. Levando-os a lutar pelo território tradicionalmente ocupado pelos seus antepassados. 4 Maura Campananili. Tijuco Alto volta a preocupar quilombolas, pg. 02 44 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). 4.2. MODO DE VIDA A comunidade de Praia Grande está situada em uma região de difícil acesso devido ao relevo acidentado, formado por morrarias sendo que a maior parte do território está circundado pelos rios Ribeira de Iguape e Pardo. Esses aspectos geográficos propiciaram a construção de um modo de vida próprio profundamente relacionado com o território que ocupam. Seus moradores se enquadram na definição de Rinaldo Arruda (1999) para “populações tradicionais”, ou seja, “daquelas que apresentam um modelo de ocupação do espaço e uso dos recursos naturais voltados principalmente para a subsistência, com fraca articulação com o mercado, baseado em uso intensivo da mão de obra familiar, tecnologia de baixo impacto derivada de conhecimentos patrimoniais e, normalmente, de base sustentável” (pg. 80). A vida da comunidade é marcada pelo trabalho duro na roça, o medo freqüente das enchentes, a dificuldade de acesso à cidade de Iporanga e a devoção aos santos da fé católica, como São Gonçalo, São Sebastião e Nossa Senhora de Aparecida. Atualmente, o único acesso da comunidade à cidade de Iporanga é realizado pelo rio em um percurso de cerca de 35km de barco ou canoa . Uma outra opção é pegar uma carona de carro ou perua escolar da Cidade de Iporanga até o Descalvado, depois seguir a pé até chegar em frente ao núcleo de Praia Grande e atravessar o rio de canoa. 45 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). A canoa é o principal meio de transporte da Comunidade O percurso de canoa, que é o principal meio de transporte da maioria dos moradores, leva quatro horas para subir o rio e duas para descer. Além disso, o percurso é perigo devido às corredeiras espalhadas por todo rio Ribeira. Corredeira do Funil no rio Ribeira de Iguape. Neste local acontecem acidentes freqüentes com embarcações. 46 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). A maioria das famílias da comunidade já perderam um parente que morreu afogado no rio. Atualmente, a principal reivindicação da comunidade é a construção de uma estrada da cidade de Iporanga até Praia Grande. As crianças só podem cursar até o quarto ano do ensino fundamental, em Praia Grande, depois disso, ou ficam sem estudar ou tem que morar com um parente em Iporanga para terminar os estudos, somente visitando a família nos finais de semana e férias escolares deixando de ajudar a família na “lida” na roça. As pessoas com doenças mais graves são deslocadas com muita dificuldade pelo rio até Iporanga para receber atendimento de emergência, pois o hospital mais próximo fica em Pariquera-Açu. Um outro fato que assusta a comunidade são as enchentes do rio Ribeira que levou algumas famílias a perderem suas casas. Registro de uma enchente no rio Ribeira de Iguape O bairro possui um agrupamento central onde se encontra a capela de Nossa Senhora de Aparecida, o Posto de Saúde, a Escola Estadual de 1ª à 4ª séries 47 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). do ensino fundamental e um Centro Comunitário onde são realizadas reuniões e festas, além de quatro famílias que residem no local. O Posto de Saúde não possui nenhum equipamento para exames, nem médico fixo . Ele funciona com um agente comunitário que é o encarregado da distribuição de remédios para os moradores do bairro e transporte de pacientes até a cidade de Iporanga para consultas médicas. O Posto possui um telefone comunitário que foi instalado pelo PSF (Programa de Saúde da Família) que funciona precariamente. Sendo sua manutenção responsabilidade do município. Vista parcial do núcleo da Comunidade Praia Grande A Comunidade possui um total de 26 famílias dispersas pelo seu território. Suas casas são de taipas cobertas com telhas de barro ou sapê não possuindo rede de água e esgoto. 48 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). A água consumida pelos moradores vem de nascentes situadas no topo dos morros. Eles não têm luz elétrica mas tem um sistema de luz solar que faz funcionar uma lâmpada na casa durante algumas horas por dia. Os moradores de Praia Grande são basicamente agricultores familiares que produzem para o autoconsumo. O excedente é trocado com os vizinhos e em alguns casos comercializado em Iporanga. Eles plantam arroz, feijão, mandioca, cana-de-açúcar, milho, café e frutas como amora, jaboticaba, abacaxi, banana, mamão, etc. Além, das hortas de quintal onde se cultivam plantas medicinais, verduras e legumes que são utilizados como complemento para alimentação familiar. Alguns produtos como a farinha de mandioca, o arroz e feijão são comercializados em Iporanga, a jaboticaba vendida no Paraná. Eles também, criam alguns animais para o consumo doméstico como galinha, porcos e algumas cabeças de gado. Um dos alimentos mais consumidos é o peixe, que até alguns anos atrás era abundante na região. Um dado importante a destacar é a contaminação desses peixes por chumbo que se deposita no fundo do rio onde peixes como o corimba5, cascudo, bagre e lambari se alimentam de plantas do fundo do rio. Esse problema foi mencionado por um dos moradores de Praia Grande. Em uma conversa com 5 O peixe corimba que existem hoje no rio, segundo os moradores, escaparam de tanques durante as enchentes. 49 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Antonio Ribeiro nós fizemos um comentário sobre a beleza de Praia Grande e que ali era o Paraíso. Ele nos respondeu que “para quem é de fora é fácil dizer que aqui é o paraíso . Que não tem problemas”. E continuou: “eu não conheço São Paulo pra dizer algo a respeito. Porém, aqui em Praia Grande nos temos problemas sim. O rio está cheio de chumbo.” Recentemente a Associação de Quilombos de Praia Grande vem organizando uma roça comunitária de cana-de-açúcar para fazer melaço para comercializar em Iporanga. A maioria dos moradores possui moendas de cana-deaçúcar, construídas artesanalmente bem como farinheiras ou casas de farinha. Casa de farinha de Praia Grande 50 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Moenda de cana-de-açúcar de Praia Grande O sistema de plantio é realizado por meio da coivara6 que vem sendo utilizados a gerações por essas populações. Os moradores de Praia Grande sabem os locais onde sua família já plantou e que pode ser roçado novamente.Porém, os plantios das roças obedecem a limites tradicionais de ocupação do território. O que tem levados alguns moradores de Praia Grande a plantarem em terras que não foram tituladas em nome de pessoas de fora da Comunidade gerando conflitos entre os atuais donos e moradores de Praia Grande. Outros são obrigados a caminhar horas para chegar a um local bom para plantar, pois as terras próximas e boas para o plantio estão nas mãos de pessoas de fora da comunidade. Ana Ramalho, moradora de Praia Grande, afirma que o fazendeiro conhecido como Tiquinho de Peter soltou gado na sua roça de arroz e não pagou o prejuízo. Maria da Paixão também teve um problema semelhante com um fazendeiro conhecido como Geremias. 6 A utilização do fogo para preparar do solo para o plantio. “A queima da vegetação posta para secar...nutre a terra de componentes de rápida absorção, ao passo que os troncos deixados para apodrecer lentamente nas roças... abastecem o solo de nutrientes que são absorvidos aos poucos, ao mesmo tempo em que as espécies plantadas crescem” (LA-MPF,1998:130). Após uns três anos as roças são abandonadas com o objetivo de preservar trechos de território durante períodos de tempo necessários à recuperação de seus recursos naturais renováveis. 51 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Segundo o relato dos moradores o método de plantio tem mudado muitos pouco ao longo dos anos. Cada família tem sua roça independente das outras, porém em época de colheita ou quando alguém quer aumentar sua plantação são realizadas as reunidas ou mutirão e as trocas de dia. Nas reunidas a comunidade ou parte dela é convidada para ajudar no roçado e em contrapartida o dono da roça se responsabiliza pela alimentação, de todos, e em alguns casos pelo baile que acontece durante a noite. Atualmente, esses bailes não são muitos freqüentes. Segundo Clotilde Mariano Pereira, antigamente, existia mais bailes. Os mais famosos eram na casa de Isabel Pontes que morava em frente da localidade de Praia Grande. Segundo ela “Reunida para roçar. Fazia o baile para dançar. O dono da roça ficava com o serviço quando não tinha baile tinha que pagar.” A troca de dias é a mais utilizada atualmente quando alguém precisa de ajuda na roça convida algumas pessoas para “a lida” e se compromete a pagar esse trabalho ajudando os nas suas roças. Raramente essa ajuda nas roças é paga em dinheiro. A maior parte dos moradores vivem da lavoura e do salário mínimo das aposentadorias7. O fato dos moradores de Praia Grande conseguirem sobreviver do que produzem é motivo de grande orgulho para a comunidade. Segundo o Benedito Celestino de Moura: (Benedito) - Eu gosto da minha luta, viu. Então, eu acho que um cabra não quer trabalhar fica aí encolhido, sem trabalhar e tá na boa, né. Ô meu Deus do céu, deixa essa bendita cesta, não dê essa cesta. Dê terra pra plantar. (Rose) - Dê ajuda de outra forma, né. (Benedito) - Dê ajuda e rencomenda, pode rencomenda. Não desmata a cabeceira da água, né. Não desmata as cabeceiras das águas. Deixa as cabeceiras da água na sombra, roça pro um lado roça pra outro e deixa ela assim a beleza, né. E faz o que ele quizer. Eu acho que não é defeito, isso aí. Não é? Não é defeito. E pega essa cesta e deixa lá. Aqueles homens que estão debaixo da ponte que não tem nada disso pra nada, pra vive, de pra lá, né. (Patrícia) - Não tem meios pra plantar. (Benedito) - Não tem meios de sair, né. Não tem modo. Não tem meios de sair, então dê essa cesta. Não pra um cara aqui do mato que tá, agüenta se virá tem de tudo, que é isso? É ou não é? 7 Existe um caso de um casal de Antonio Peniche de Matos e Ana Rosa Miranda Pedrozo de Matos que trabalham para um posseiro de fora da comunidade. 52 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Assim, eles não vêem com bons olhos os programas de cesta básica providos pelo governo, sendo considerando uma ofensa. O fato de serem auto-suficientes na produção de alimentos é reconhecido até por outras comunidades negras do Vale e pelos moradores de Iporanga que fazem uma certa diferenciação entre os moradores de Praia Grande e de outras comunidades de quilombo do município. A maior parte da comunidade é composta por católicos8. Sendo a capela do bairro consagrada a Nossa Senhora de Aparecida. Onde acontece uma grande festa no dia 12 de outubro em sua homenagem. Atual capela foi construída em 1981. Antes dela, existia a “Casa de São Sebastião” (ver localização no mapa histórico) feita de taipas onde a população do lugar se reunia para rezar. 9 A devoção a São Sebastião é comum no bairro sendo, esse santo, o protetor dos desamparados. No dia 20 de janeiro a comunidade comemora o dia de São Sebastião, nas terras de Nhá Paula, no lugar onde existia uma antiga casa da família que foi levada pela enchente. O lugar é enfeitado por flores e bandeirinhas de papel, reze-se o terço. Após a reza tem café com “mistura” (bolo de tipos variados e biju). Também é grande a devoção a São Gonçalo de Amarantes. Santo português cujo culto foi permitido pelo Papa Julio III em 1551. Ele é padroeiro dos violeiros, protetor contra as enchentes, enfermidades e casamenteiro. Em Praia Grande, é comum a promessa feita para São Gonçalo, paga com a Romaria ou Dança de São Gonçalo que pode ser realizada no dia que for mais conveniente para o devoto. No momento de necessidade o devoto pede: “Deus de potência para São Gonçalo me ajudar”. A Romaria de São Gonçalo é realizada no maior cômodo da casa onde os móveis são retirados só ficando o altar que é enfeitado com os materiais mais 8 A Igreja Católica teve e tem um papel importante na luta das comunidades negras do Vale do Ribeira pela terra e Praia Grande não é uma exceção. Ela tem orientado e impulsionado a comunidade de Praia Grande a lutar contra as barragens e os orientando a buscarem seus direito como remanescentes de comunidade de quilombo. 9 Neste local também eram administradas aulas de alfabetização para adultos e crianças. 53 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). diversos como bexigas, flores e bandeirinhas de papel de seda e crepom. A Romaria é tocada por um mestre de cerimônia e um contra mestre. São feitas duas filas o mestre canta a entoada e puxa sua fila para um lado e o contramestre toca a viola e puxa sua fila em sentido contrario. Ela é realizada à noite só quando a promessa é para um defunto que a Romaria tem de ser de dia. As Romarias de São Gonçalo, terços, bem como, as festas são espaços de socialização para moradores do bairro de Praia Grande onde os velhos podem contar suas histórias relembrar o passado, encontros amoroso são possíveis, as mulheres, que são um grupo muito unido em Praia Grande, trocam experiências. Altar enfeitado para a Romaria de São Gonçalo Os moradores de Praia Grande utilizam no seu dia a dia vários tipos de remédios caseiros para os mais diferentes males. A Quina que é extraída da casca de uma árvore local serve para dor de barriga, dor de cabeça, gripe e pressão alta. Benedito Celestino de Moura nos deu a receita de como utilizar essa planta: 1 colher de mandioca (goma) 1 pitada de sal 54 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Raspa de Quina (1 colher) Limão Uma outra planta muito usada é o Tranchai como chá para dor de garganta, também pode ser usada a ampicilina em folha. Além dessas, temos: - esmalina : dor de estômago; - casca de jataí : é vitamina, fortalece o sangue; - aroeira: para ferida, banho e pó; - quebra pedra: rim; - pata de vaca: diabete e coluna; - sete sangria: pressão alta e afina o sangue; - espinheira santa: estômago, queimação e calmante; - pariparol: fígado - chapel de couro: coluna e dor no corpo; - cabriúva: chá com ovo e pinga é um fortificante. Uma prática muito comum é a utilização da banha do lagarto para curar picada de cobra. Segundo Laurindo Gomes, as pessoas costumam ter a banha do lagarto em casa, em um vidro. A banha é tirada do lagarto, esquenta-se ao fogo para derreter e toma-se em seguida, ou passa-se no local da picada de cobra, esse método é utilizado em animais e seres humanos. Os casamentos se dão com freqüência com os parentes (entre primos) do Bairro de João Surra, porém isso não é uma regra. Segundo os moradores de Praia Grande os casamentos entre primos acontecem devido ao isolamento do bairro em relação às cidades mais próximas Existem também casamentos com pessoas vindas de outras comunidades como Pilões ou do município de Barra do Turvo. As relações de parentesco são importantes para se entender a dinâmica da ocupação do território. É por meio do casamento ou adoção que muitas pessoas entraram no território e passaram a fazer parte da comunidade. Uma outra maneira é a 55 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). permissão formal de alguém da comunidade que tenha terras que não estejam sendo ocupadas. Em uma conversa com Antonio Marmo Pereira de Souza, fiz algumas perguntas sobre parentes dele que não estavam morando no território de Praia Grande. Ele negou que fossem seus parentes, porém diante da minha insistência, explicou que pode acontecer de ter “desligado o parentesco”. Isso se dá, segundo ele, quando um parente trapaceia o outro, não presta um favor a um parente, bebe demais, etc. E ele completa “tem o mesmo sangue, mas às vezes não tem relações”. De uma forma ou outra as relações de parentesco funcionam como mediadoras do acesso a terra e da inclusão ou exclusão do grupo. Assim, essa comunidade construiu um espaço social marcado pela terra e pelo parentesco estabelecendo as regras e as práticas próprias referentes ao uso da terra bem como ao direito à mesma. 56 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante a elabora deste relatório foram levantadas algumas questões ligadas à história e aos atuais problemas enfrentados pela Comunidade de Praia Grande que devem ser encaminhadas para devida providencia, são elas: - A Comunidade de João Surrá que faz divisa com Praia Grande e tem sua história profundamente ligada a de Praia Grande tem passados por muitas dificuldades com os fazendeiros que querem expulsá-los da terra onde vivem. Recentemente, membros da Igreja Católica que atuam na região entraram em contato com a Fundação ITESP para que fosse feito o trabalho de reconhecimento desta Comunidade como Remanescente de Quilombo. Porém, nada pudemos fazer pois a Comunidade de João Surrá se encontra no estado do Paraná. Dessa foram, se faz necessário o encaminhamento da questão para a Fundação Palmares para as dividas providências; - A Comunidade de Praia Grande sofreu em 1969, um processo de titulação que os levou a perder parte de seu território ou a não conseguir receber o título das terras onde residem. Assim se faz necessário uma investigação dos títulos obtidos em 1969, pelo processo de titulação realizado pela PPI (Procuradoria do Patrimônio Imobiliário) do Estado de São Paulo. Para que essa comunidade possa ter assegura a posse efetiva de todo o território historicamente ocupado pela mesma. Com base no estudo técnico-científico da Comunidade de Praia Grande considero que os trabalhos antropológicos não deixam dúvidas sobre a origem quilombola da mesma. Essa Comunidade ocupa o mesmo território a pelo menos 140 anos. Sua origem remonta à história da mineração na região que corresponde, atualmente, ao município de Iporanga. Escravos fugitivos ou libertos e seus descendentes se instalaram em uma localidade próxima a Iporanga, em terras devolutas ou simplesmente abandonadas pelos seus donos. Posteriormente, 57 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). subiram o rio chegando à Praia Grande. Após a abolição da escravidão compraram as terras onde residiam. Nesse local, eles desenvolveram um modo de vida próprio articulado a sociedade mais ampla. Possuindo semelhanças estruturais com as demais populações rurais da região, que Maria Isaura Pereira de Queiroz (1973) chama de bairros rurais. Contudo, o que os diferenciam das outras comunidades de quilombos da região é o fato de serem autosuficiente na produção de alimentos para o autoconsumo fato de orgulho para a comunidade. Dessa forma, à posse efetiva da terra é de fundamental importância para a manutenção de seu modo de vida e a garantia de sua existência ao longo do tempo. Tal como enunciado pelo Grupo de Trabalho: “Isto quer dizer que o território, em todo seu perímetro, necessário à reprodução física e cultural de cada grupo étnico/tradicional só pode ser dimensionado à luz da interpretação antropológica e em face da capacidade suporte do meio ambiente circundante tendo em vista a necessidade de garantir a melhoria de qualidade de vida de seus habitantes, através da implementação de projetos econômicos adequados, conservando-se os recursos naturais para as gerações vindouras” (pg. 24). Atualmente, a maior ameaça enfrentada pela Comunidade de Praia Grande é a construção da usina hidrelétrica do Funil projetada com uma barragem de 70 metros de altura, formando um reservatório de cerca de 34 Km2 , inundando mais de 97% do seu território10. Foi o engajamento do grupo na luta contra as barragens que os impulsionou a buscarem o reconhecimento, assegurado pela lei, como Comunidade de Quilombos assim a luta contra a barragem nunca foi dissociada da luta pela terra. Dessa forma, o reconhecimento tornou se um argumento a mais na luta contra a construção das barragens. 10 Maura Campanili. Tijuco Alto volta a preocupar quilombolas, 2001. 58 ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002). Concluímos: - que os membros da comunidade Praia Grande são remanescentes de comunidade de quilombos, de acordo com as definições que embasam os critérios oficiais de reconhecimento adotados pelo Estado de São Paulo, e devem, portanto, gozar dos direitos de tal identificação lhes assegura. - que se faz urgente à regularização fundiária do território quilombola aqui demonstrado, de área 1.584,8341 ha. ____________________________________________ PATRICIA SCALLI DOS SANTOS Antropóloga 59 6. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Alfredo W. B. de. 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Registros do Livro de terras de Iporanga (1855) 71