Anais do SIMCAM 10 - Associação Brasileira de Cognição e Artes
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Anais do SIMCAM 10 - Associação Brasileira de Cognição e Artes
www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ FICHA CATALOGRÁFICA ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ ! ! ! ! ! ! Anais do SIMCAM 10 X Simpósio de Cognição e Artes Musicais ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Luis Felipe Oliveira editor ! ! ! ! Anais do SIMCAM 10 X Simpósio de Cognição e Artes Musicais ! ! Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP ! José Eduardo Fornari Novo Junior Coordenador Geral ! ! ! ! Campinas, 26 a 29 de maio de 2014 www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP ! ! REITOR José Tadeu Jorge ! VICE-REITOR Álvaro Penteado Crósta ! PRÓ-REITORA DE PESQUISA – PRP Gláucia Maria Pastore ! COORDENADOR DO CENTROS E NÚCLEOS - COCEN Jurandir Zullo Junior ! COORDENADOR DO NÚCLEO INTERDISCIPLINAR DE COMUNICAÇÃO SONORA – NICS Jônatas Manzolli ! ! ! ! ! ! ! ! INSTITUTO DE ARTES – DEPARTAMENTO DE MÚSICA ! ! DIRETOR Esdras Rodrigues Silva CHEFE DE DEPARTAMENTO José Augusto Mannis COORDENADOR DA PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA Antônio Rafael Carvalho dos Santos ! COORDENADOR DE GRADUAÇÃO EM MÚSICA Fernando Augusto de Almeida Hashimoto ! ! ! ! ! ! ! ! EQUIPE DO CENTRO DE PRODUÇÕES (Ceprod) Maio de 2014 www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE COGNIÇÃO E ARTES MUSICAIS ! ! PRESIDENTE Beatriz Raposo de Medeiros ! VICE-PRESIDENTE Maurício Dottori ! SECRETARIA Clara Márcia de Freitas Piazzetta ! TESOURARIA Antenor Ferreira Correa ! WEBMASTER Pedro Paulo Santos ! RELAÇÕES PÚBLICAS Rael B. Gimenes Toffolo ! ! COMITÊ CIENTÍFICO – SIMCAM 10 ! PRESIDENTE Luis Felipe Oliveira ! DIRETORIA CIENTÍFICA Antenor Ferreira Correa, Beatriz Raposo de Medeiros, Clara Márcia de Freitas Piazzetta, Marcos Nogueira, Rosane Cardoso de Araújo, Sonia Ray ! PARECERISTAS Adriano Chaves Giesteira, Ana Cristina Gama Dos Santos Tourinho, Andre Andre Brandalise Mattos, Angelo Dias, Antenor Ferreira Correa, Any Raquel Souza Carvalho, Beatriz Ilari, Beatriz Raposo de Medeiros, Carlos de Lemos Almada, Caroline Brendel Pacheco, Christian Alessandro Lisboa, Cintia Campolina de Onofre, Clara Márcia Piazzetta, Claudia Claudia Regina Zanini, Clayton Daunis Vetromilla, Cleo França Monteiro, Daniel Quaranta, Danilo Ramos, Diana Santiago, Eduardo Gianesella, Edwin Ricardo Pitre Vasquez, Fernanda Albernaz, Gislene de Araújo Alves, Graziela Bortz, Guilherme Bertissolo, Gustavo Gattino, Hugo Leonardo Ribeiro, Indioney Rodrigues, Jorge Luiz Schroeder, José Davison da Silva Júnior, Jose Eduardo Fornari, Juan Fernando Anta, Juan Valentin Mejia, Juliana Duarte Carvalho, Leomara Craveiro de Sá, Lia Rejane Mendes Barcellos, Liana Arrais Serodio, Liliana Harb Bollos, Luis Felipe Oliveira, Marcelo Gimenes, Marcos Fernandes Pupo Nogueira, Marcos Nogueira, Marcus Alessi Bittencourt, Maria Bernardete Castelan Póvoas, Marly Chagas, Maurício Alves Loureiro, Mauricio Dottori, Milson Casado Fireman, Ney Carrasco, Noemi Nascimento Ansay, Norton Dudeque, Pauxy Gentil-Nunes, Rael B. Gimenes Toffolo, Regina Antunes Teixeira Dos Santos, Ricardo Dourado Freire, Rita de Cássia Fucci Amato, Rodolfo Coelho de Souza, Rosane Cardoso de Araujo, Rosemyriam Cunha, Sabrina Laurelee Schulz, Sonia Ray, Thelma Sydenstricker Alvares, Valentina Daldegan, Viviane Beineke. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ X SIMPÓSIO DE COGNIÇÃO E ARTES MUSICAIS – SIMCAM10 ! ! COORDENAÇÃO GERAL José Eduardo Fornari Novo Junior ! COORDENAÇÃO ACADÊMICA Adriana do Nascimento Araújo Mendes ! COORDENAÇÃO ARTÍSTICA Maria José Dias Carrasqueira de Moraes ! APOIO GERAL Elizabeth Fernandes ! APOIO À ORGANIZAÇÃO ACADÊMICA Isadora Conte Pereira, Adriano Kenn Ichi Araújo Caldas, Gerson Branco Abdala, Patrícia Kawaguchi, Cesar Alexandre Henrique dos Santos ! APOIO À ORGANIZAÇÃO ARTÍSTICA Ellen Stencel, Marina Machado, Francine Reis, Giancarlo Staffette, Eliana Azano Ramos, Flávia Cavalcante ! ARTE Ivan Avelar Pedro Paulo Santos ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! PATROCINADORES ! ! Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e Extensão (FAEPEX) da Pró-reitoria de Pesquisa (PRP) da UNICAMP ! Fundação ao Amparo da Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) ! Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! Apresentação Assim como nos outros anos, porém mais marcadamente neste ano, acredito que tenha sido tarefa complicada a de organizar os artigos em subtemas. Essa tarefa coube ao diretor do comitê científico, Luis Felipe Oliveira, a quem agradeço imensamente, desde estas primeiras linhas. Apesar de serem as temáticas bastante variadas no espectro grande de cognição e artes musicais, há sempre o enlace de uma com a outra, o nó de uma em outra, o arremate daqui que pode ser o de acolá. Sendo assim, apresentar estes Anais é como fazer um sobrevoo em que a paisagem é feita de elementos que quase se fundem, portanto, difícil de mapear. Uma das razões disto, é que não há ainda, uma linha mestra teórica de cognição que abrigue os muitos trabalhos que contribuem para este SIMCAM. Na verdade, foram também contempladas, aqui, contribuições mais diretamente ligadas às artes musicais do que à cognição musical. Isso nos leva a entender que mantém-se a vocação do SIMCAM de ser o lugar de aproximação entre o fazer musical e o conhecimento musical. Chamou-me atenção, sobretudo, a preocupação com a questão de como o indivíduo ouve a música e quais os elementos desta audição são processados, identificados e armazenados, o que poderíamos ligar à questão mais lata da percepção. Tais elementos estariam presentes tanto junto ao ouvinte que quer fazer significado da música, ou apenas a escuta por prazer, quanto junto às questões da escuta na musicoterapia. O significado musical, em estudos envolvendo a emoção na música e os gestos, é tema recorrente e que ganhou destaque na argumentação dos autores. Outro assunto bastante tratado é o da memória, tanto nas áreas que dizem respeito à musicoterapia, como naquelas que tratam da criação e performance musical. Há também trabalhos voltados para a aprendizagem, repertório e profissionalização musical, tanto em termos mais psicológicos quanto naqueles de ordem prática do quotidiano do músico. Questões antropológicas e culturais vêm à baila, realçando o fator identitário da música ou a problemática de repertório. Assim fundem-se temas e tópicos que vêm povoar nossas discussões do SIMCAM 10, instalado na cidade de Campinas que comemora 240 anos, e sedia a UNICAMP, universidade em que me formei em Linguística. Aproveito o ensejo para agradecer a acolhida e organização deste SIMCAM ao José Eduardo Fornari e a toda a equipe de trabalho local da Universidade de Campinas. Agradeço, também, a cada autora e autor de trabalho pela contribuição aos Anais do décimo SIMCAM. Finalizo, convidando a todas e todos a buscarem mais sobre cognição musical nestes Anais e desejando ótimo SIMCAM, com o azul do céu de Campinas a nos iluminar. ! Beatriz Raposo de Medeiros presidente da ABCM na gestão 2011 a 2014 ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 Apresentação ! Organizar a décima edição do Simpósio de Cognição e Artes Musicais, o SIMCAM10, foi uma grande satisfação para mim. Brinco que a tarefa do organizador de um evento é similar à de um cão pastor, ao guiar um grande número de ovelhas. O cão não é o dono do rebanho mas deve coordenar a importante tarefa determinada pelo dono, zelando, guiando e tentando satisfazer a todos. Agradeço assim o convite e a confiança que a Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais (ABCM), através da Prof.ª Beatriz Raposo de Medeiros, depositou ao me convidar para realizar esta tarefa. Coordenar um evento é, antes de tudo, lidar com frequentes imprevistos. Em tal ambiente caótico pequenos ajustes podem significar grandes mudanças. Eu me sinto confortável em tais situações, pois de fato esta é a essência da vida. Muitas vezes, do aparente caos emerge a ordem. Isto sempre ocorre em organizações de eventos. Creio que agindo de forma espontânea e vigilante pudemos fomentar esta autoorganização e assim atingir o ótimo resultado obtido na organização do SIMCAM10. Agradeço a participação das Prof.ª Adriana Mendes e da Prof.ª Maria José Carrasqueira, bem como a todos os seus alunos que participaram, respectivamente, da organização acadêmica e artística. Agradeço às equipes do CDC (onde a Débora gentilmente se prontificou em ser a nossa mestre-de-cerimônias) e do Ceprod do Instituto de Artes (IA) da UNICAMP, bem como à sua Direção, por viabilizarem a infra-estrutura e as amenidades para a confortável realização deste evento. Agradeço ao NICS pelo apoio geral e, em especial, à Elizabeth Fernandes, a Beth do NICS, pela dedicação de sempre. O SIMCAM10 foi realizado com os recursos providos pelo NICS, FAEPEX, FAPESP e CAPES. Os cartazes, folders e o transporte de alguns convidados foram pagos pelo NICS. O material gráfico (faixas, banners, crachás, cadernos de resumo, canetas, pastas, etc.) foi pago pelo FAEPEX / UNICAMP. As despesas de viagem e a estadia de todos os 13 convidados foram pagas pela FAPESP (3 convidados estrangeiros e 2 do estado de São Paulo), bem como pela CAPES (7 convidados que vieram de outros estados brasileiros). A CAPES também pagou o transporte local (a van) que esteve disponível durante todo o evento. Os 9 coffeebreaks do evento foram pagos pelo Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS) da UNICAMP. Toda a verba das taxas de inscrição dos participantes deste evento foi coletada e administrada pela ABCM, que realiza todos os SIMCAMs, e gentilmente se prontificou a pagar o coquetel de abertura do SIMCAM10. Como num passeio de montanha-russa, que para alguns pode ser aterrorizante enquanto que para outros é uma grande diversão, organizar um evento também pode ser interpretado de modos diametralmente opostos. Para mim, organizar este evento foi uma estimulante tarefa. Espero que os grandes benefícios que esta empreitada trouxe para mim se equiparem aos benefícios proporcionados a todos os participantes e convidados do SIMCAM10. ! Até uma próxima oportunidade. ! José Eduardo Fornari Novo Junior Coordenador Geral do SIMCAM 10 ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! Apresentação Devo iniciar a apresentação deste volume com um agradecimento à Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais – ABCM. Agradeço especialmente a toda a diretoria da associação e, em especial, à sua presidente, Beatriz Raposo de Medeiros, pela confiança creditada a mim no exercício da função de diretor científico deste importante evento. O complexo trabalho de avaliação dos trabalhos submetidos ao SIMCAM foi realizado pela diretoria científica, conduzido de maneira exemplarmente transparente e responsável pelos diretores de subárea, os quais são professores e pesquisadores de notória competência e seriedade. Expresso minha sincera gratidão aos colegas Antenor Ferreira Correa, Beatriz Raposo de Medeiros, Clara Márcia Piazzetta, Marcos Nogueira, Rosane Cardoso de Araújo e Sonia Ray, diretores de subárea no SIMCAM 10. Este SIMCAM me é particularmente caro por ser sediado em uma instituição com a qual possuo um vínculo bastante grande, especialmente por ser organizado pelo Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora – NICS, centro de pesquisa no qual desenvolvi minha pesquisa de doutorado. Sou especialmente grato a José Eduardo Fornari Novo Junior, pesquisador do NICS, que se encarregou da coordenação geral do evento, contando com o competente auxílio das professoras Adriana Mendes e Maria José Dias Carrasqueira de Moraes, respectivamente nas funções de organização acadêmica e artística, e de Elizabeth Fernandes, como secretaria geral do evento. Apesar de ser uma edição nacional do SIMCAM, neste ano temos a bem-vinda colaboração de pesquisadores estrangeiros ou residentes no exterior que nos presenteiam com suas conferências. Da Argentina recebemos Silvia Malbran, importante nome vinculado ao início dos estudos em cognição musical naquele país, especialmente nas áreas da psicologia da música e nos estudos em percepção musical, e J. Fernando Anta, pesquisador em psicologia da música que participa e colabora com o SIMCAM desde sua primeira edição. Do Canadá, recebemos o brasileiro Marcelo Wanderley, investigador que se interessa por controle gestual em síntese sonora e sensores e atuadores em instrumentos musicais digitais. Nossos três conferencistas dialogam com pesquisadores brasileiros em três mesas redondas, compostas por Adolfo Maia Jr., Danilo Ramos, Fernando Iazzetta, Jônatas Manzolli, Paulo Bertolucci, Rael B. Gimenes Toffolo e Rosane Cardoso de Araújo. Nesta décima edição do Simpósio de Cognição e Artes Musicais, um número bastante expressivo de trabalhos foi submetido e avaliado pelo comitê científico, composto 64 por pareceristas. De um total de 61 trabalhos aprovados, temos a apresentação de 48 comunicações orais e 13 pôsteres. Devemos mencionar, considerando as seis subáreas de pesquisa a partir das quais o SIMCAM se organiza cientificamente, que neste ano recebemos trabalhos que se situam em regiões fronteiriças ou que dialogam com mais de uma dessas subáreas. Nesse sentido, as comunicações orais foram organizadas pensando-se prioritariamente nas tradicionais subáreas de pesquisa do SIMCAM, mas os trabalhos cuja temática e proposta se conectavam mais a outras áreas do que àquelas a quem foram submetidos foram alocados respeitando tal afinidade. No entanto, a estrutura dos Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais permanece organizada pela divisão nas seis subáreas. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 Após todos os textos das comunicações orais, apresentamos também os textos dos pôsteres submetidos ao simpósio. Deixo aqui meus votos de que estes trabalhos contribuam de maneira significativa para o crescimento e a consolidação das pesquisas brasileiras em cognição musical. Boas leituras! ! Luis Felipe Oliveira Diretor Científico do SIMCAM 10 ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Índice Conferências Conferência 1 – Musical Cognition today for cybernetic students Silvia Malbran 18 Conferência 2 – Instrumentos Digitais Musicais Marcelo Wanderley 19 Conferência 3 – Expectación: un eslabón clave entre cognición y emoción musical J. Fernando Anta 20 ! Mesas-redondas Mesa-redonda 1 – Neurociência e Conhecimento Musical Silvia Malbran, Rosane Cardoso de Araújo, Jônatas Manzolli 22 Mesa-redonda 2 – Música contemporânea, suas ferramentas e elementos cognitivos do discurso musical Marcelo Wanderley, Fernando Iazzetta, Rael B. Gimenes Toffolo 24 Mesa-redonda 3 – Cognição musical: emoção e memória Fernando Anta, Paulo Bertolucci, Danilo Ramos Adolfo Maia Jr. 26 ! Grupos de Estudos Grupo de Estudos em Semântica Cognitiva e Música Coordenadores: Marcos Nogueira e Guilherme Bertissolo 29 Grupo de Estudos em Música, Cognição e Saúde Coordenadores: Clara Márcia Piazzetta, Gustavo Gattino, Shirlene Moreira, Tereza Raquel Alcantara Silva 30 Grupo de Estudos em Grupo de Estudos em Sistemas Dinâmicos e Música Coordenadores: Beatriz Raposo de Medeiros, Luis Felipe Oliveira 31 Grupo de Estudos em Grupo de Estudos Criação Musical e Cognição Coordenadora: Sonia Ray 32 ! Comunicações Cognição Musical e Desenvolvimento da Mente Humana Música e resiliência. Caminhos de transformação Sandra Carvalho de Mattos 35 A autonomia e a formação inicial de professores de música Simone Braga, Tais Dantas 40 www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Contribuições da teoria vigotskiana para a educação musical Silvia Cordeiro Nassif, Maria Flávia Silveira Barbosa 48 Análise interpretativa do documentário Tocar y Luchar sob a ótica da Teoria Social Cognitiva Veridiana de Lima Gomes Krüger, Igor Mendes Krüger 57 Autorregulação da aprendizagem e aprendizagem cooperativa: um diálogo na formação do violonista Luan Sodré de Souza, Ana Cristina Tourinho 66 Motivação na prática musical de adolescentes: um estudo de levantamento Rosane Cardoso de Araujo, Margaret Amaral de Andrade 74 Instrumento de avaliação de conhecimento dos elementos do som: aprendizagem musical em contexto de inclusão Teresa Cristina Trizzolini Piekarski, Valéria Lüders 82 O processo construtivista das competências articulatórias: uma análise pós-pesquisa Vilma de Oliveira Silva Fogaça 89 Valoraciones del desarrollo auditivo musical de los estudiantes en prácticas curriculares y extracurriculares Genoveva Salazar Hakim 98 A improvisação na pedagogia pianística: ensino e aspectos cognitivos e psicológicos Laura Longo, Adriana Aggio 107 Implicações da habituação, sensibilização e condicionamento clássico de Pavlov revistos por Kandel no ensino da música César Albino 116 Cognição Musical e Processos Criativos Estudo exploratório acerca da imaginação musical: contribuições da Teoria Histórico-cultural Célio Roberto Eyng, Magda Floriana Damiani 124 Caminhando na Lua: recursos didáticos aplicados à iniciação ao piano Marçal Fernando Castellão, Daniela Vilela de Morais 132 Discussão sobre as dificuldades no processo composicional da obra ‘Sonatina para Piano e Fagote’ Willian Fernandes de Souza 140 O processo de preparação para performance dos alunos da banda marcial CPMG, Ayrton Senna: um estudo sobre o impacto da ansiedade Aurélio Nogueira de Sousa, Sonia Ray 148 A cognição em ambientes de performance: interações entre performer e ouvinte Ana Luisa Fridman 154 Um estudo computacional do processo perceptivo da música de mixagem Danilo V. Granato de Araújo, José Eduardo Fornari 162 Conceituação e adequação dos termos em inglês recall e serial recall ao português brasileiro no contexto da performance musical Anderson César Alves, Ricardo Dourado Freire 169 www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Estratégias de estudo de estudantes de flauta transversal: uma abordagem cognitiva Tilsa Isadora Julia Sánchez Hermoza 175 Teoria do fluxo, educação musical e a percepção de emoção em música por crianças de 6 a 10 anos Kamile Levek, Diana Santiago 183 A improvisação como processo criativo na aprendizagem da clarineta Rosa Barros, Ricardo Dourado Freire 191 Ensino de Violão para alunos não violonistas na Graduação em Música da Escola de Música da UFBA: estratégias para desenvolver o aprendizado Cristina Tourinho, Roberta Gurgel Azzi 199 Analizando la génesis de la creación musical: un estudio introspectivo Sergio Murillo Jerez 207 Expectativa e surpresa: desdobramentos para o compor Guilherme Bertissolo 218 Memórias Musicais: registro de um percurso formativo através da criação em sala de aula Mônica Cajazeira Santana Vasconcelos, Naira de Brito Poloni 227 Breve análise do desenvolvimento sócio-cognitivo e comportamental no aspecto criativo musical de alunos de música Vilma de Oliveira Silva Fogaça 234 Atitude Gestual como agente cognitivo na música escrita para percussão Fernando Chaib 244 O ouvido absoluto não facilita a memorização de melodias Patrícia Vanzella, 253 Coeficientes melódicos da emoção na melodia tonal José Roberto do Carmo Jr. 261 O tempo despendido na prática em condições específicas de privação de retroalimentação sensorial Michele Rosita Mantovani, Regina Antunes Teixeira dos Santos 269 O uso do corpo na preparação para performance Felipe Marques de Mello, Sonia Ray 277 Em Busca de uma definição para o fenômeno do ouvido absoluto Nayana Di Giuseppe Germano, Hugo Cogo Moreira, Graziela Bortz 285 Funções narrativas da música em jogos eletrônicos Alexandre de Souza Ferreira da Silva Pinto 293 Duas abordagens de pesquisa experimental em percepção rítmica Pedro Paulo Kohler Bondesan dos Santos 301 Percepção de emoções em música brasileira a partir da perspectiva do Expanded Lens Model: um estudo preliminar Danilo Ramos, Elder Gomes da Silva 308 !Cognição Musical e Processos Perceptivos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ A influência da expressividade musical na motivação para a escuta no repertório brasileiro para piano Danilo Ramos, Lizzie Maldonado Lessa, Reginaldo Marcos Nascimento 316 Influência do método de mensuração sobre respostas emocionais à música no contexto brasileiro Danilo Ramos, Doris Beraldo, Thiago Tatsch 324 Leitura Textual, Leitura Musical e Audiação: Similaridades e Correspondências 334 !Cognição Musical e Ciências da Linguagem Maria Lucila Guimarães Junqueira, José Eduardo Fornari !Cognição Musical e Saúde Jogos musicais, Transtorno do Espectro Autista e Teoria da Mente: um relato de experiência Viviane Santos Louro 343 O Rock na Musicoterapia Fernanda Franzoni Zaguini, Clara Márcia Piazzetta 351 Evidências do processamento auditivo-musical nos transtornos do espectro autista Gustavo Schulz Gattino, Igor Ortega Rodrigues, Gustavo Andrade de Araujo 358 Cognição musical e saúde: musicoterapia na reabilitação da linguagem: estudo de caso Maria Helena Bezerra Cavalcanti Rockenbach 364 Diálogos entre Musicoterapia e Neurociências: Música e Saúde Clara Márcia Piazzetta 372 A Musicoterapia na preservação da memória de idosos institucionalizados Ivany Fabiano Medeiros, Claudia Regina de Oliveira Zanini 380 A Marginalidade no Repertório para Percussão Bruno Soares Santos 389 A Utilização de Princípios Gestálticos no Estudo da Música Armorial Gilber Cesar Souto Maior, José Eduardo Fornari 396 Música e dança: conhecimentos artísticos e enunciados coletivos Jorge Luiz Schroeder 405 Etnografia de um empreendedorismo em música: o caso de Sebastião Rodrigues e a banda Squema Seis Caio Mourão 414 !Cognição Musical e Estudos Culturais ! Pôsteres A Rítmica Corporal de Ione de Medeiros como uma aliada ao desenvolvimento performático orquestral Abner Santana Bueno www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ 429 Contribuições da Psicologia Histórico-cultural ao estudo da aprendizagem musical de crianças com deficiência intelectual Melody Lynn Falco Raby, Valéria Lüders 437 Influência de dificuldades musicais em percepção e produção na memória operacional para melodias Mariana E. Benassi-Werke, Karen Wise, Marcelo V. Freire, Sarah Hawkins, Maria Gabriela M. Oliveira 445 A experiência de fluxo na prática e estudo cotidiano do violão em alunos iniciantes Anderson Roberto Zabrocki Rosa, Rosane Cardoso de Araújo 453 Crenças de autoeficácia de alunos de instrumento musical: uma pesquisa em andamento Andréa Matias Queiroz 458 Sendo e tornando-se um baterista profissional: uma análise através do modelo Snowball Self Jean Felipe Pscheidt 465 Um Estudo sobre a Educação Musical e o Desempenho da Memória Autobiográfica em Idosos José Davison da Silva Júnior, Diana Santiago 471 Investigação do desempenho em música: a prática e o talento vistos através de exemplos da bibliografia específica César Augustus Diniz Silva 479 A Expressividade na construção da performance musical: concepções e utilização de estratégias por harpistas Arícia Ferigato, Ricardo Dourado Freire 488 Memória de Trabalho e Solfejo Ricardo Dourado Freire, Renata Fleury Centurión Ibarra 495 The influence of loudness and synchrony on pleasure during listening to the drumming section of a Brazilian Samba School Annerose Engel, Sebastian Hoefle, Marina Carneiro Monteiro, Jorge Moll, Peter E. Keller 501 Estabelecendo Relações entre Música do Renascimento Tardio e Prosódia Emocional Carla Carolina Souza Leite Campinas 510 A multidisciplinary technology for the therapeutic support in Music Therapy Elena Partesotti 518 ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! ! ! ! ! ! Conferências ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ 17 Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 18 Conferência 1 ! Musical Cognition today for cybernetic students Silvia Malbran ! The state of the art about Musical Cognition shows new ways of information related to how musical stimuli are perceived, processed, encoded and stored. Advancements in the Neuroscience and the availability of digital sophisticated tools are fruitful contributions to conceptualize, design and put into practice innovative modes of treating musical knowledge. The existing familiarity with electronic devices of children and youngsters pose new challenges for teachers who have to revise their theories and methodologies. The presentation will be focused on the author's musical research with little babies and pre-graduate and postgraduate university students. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 19 Conferência 2 ! Instrumentos Digitais Musicais Marcelo Wanderley ! Nesta apresentação discutirei alguns dos projetos de pesquisa desenvolvidos no laboratório IDMIL (Input Devices and Music Interaction Laboratory) da Universidade McGill, todos relacionados ao desenvolvimento e ao uso de instrumentos musicais digitais (IMD). Entre eles, os projetos McGill Digital Orchestra (2005-2008) et Les Gestes (2010-2013) que consistiram na criação de vários IMDs para performances em grupo e com dançarinos. Discutirei em detalhe questões técnicas do desenvolvimento destes instrumentos: a) sensores para a captação de gestos e movimentos, b) software para a conexão entre os sinais obtidos pelos sensores e as entradas de algoritmos de síntese sonora (mapeamento de dados), assim como c) técnicas de prototipagem rápida como impressoras 3D, assim como aspectos da colaboração entre engenheiros e artistas nos dois projetos. Finalmente discutirei a aprendizagem musical utilizando estes instrumentos, principalmente no contexto do projeto McGill Digital Orchestra que reuniu engenheiros, compositores e performers durante 3 anos e se terminou com uma série de concertos de novas obras para IMDs. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 20 Conferência 3 ! Expectación: un eslabón clave entre cognición y emoción musical J. Fernando Anta ! La música nos provee de un entorno rico, sofisticadamente complejo en el cual desarrollar experiencias significativas: estimula y desafía nuestras capacidades de raciocinio y comprensión, nos sensibiliza frente al medio y los otros, promoviendo así una formación integral de nuestra personalidad. Coincidentemente, un problema de particular interés en la historia de los estudios psicomusicológicos ha sido el de dilucidar cómo es que todo esto sucede. Sintéticamente, la pregunta ha sido ¿por qué la música nos resulta interesante, sugestiva, irritante, o placentera, y no sólo de manera circunstancial, sino en situaciones recurrentes y compartidas? Ciertamente, las respuestas a esta pregunta son varias. Sin embargo, una de ellas ha sido particularmente fructífera, y aún hoy impulsa la indagación tanto teórica como empírica en la materia. Según esta respuesta, la música estimula tanto nuestras competencias cognitivas como afectivas porque promueve nuestras expectativas acerca de los eventos futuros; específicamente, acerca de qué eventos musicales ocurrirán luego en una pieza, y cuándo ocurrirán. Básicamente, la idea es que la generación de expectativas acertadas posibilita nuestra comprensión musical, y viceversa, mientras que el juego entre su negación y su resolución regula nuestras respuestas afectivas frente a la música. Los estudios que vengo realizando sobre el tema, en el ámbito de la Facultad de Bellas Artes de la Universidad Nacional de La Plata (Ar), también dan soporte a esta idea. Sin embargo, abren nuevas interrogantes. En particular, sugieren que nuestras expectativas musicales distan de ser meramente esquemáticas, como se sugiere habitualmente: por el contrario, parecen estar bastante circunscritas al material considerado. Sugieren también que, pese a todo, nuestras expectativas no surgen del material musical sin más, sino que se ven afectadas por los modelos conceptuales con los que abordamos la experiencia de la música. Finalmente, sugieren que los mecanismos cognitivos y afectivos asociados a la resolución/negación de las expectativas musicales operan en gran medida de manera independiente, dando lugar a juicios divergentes acerca de la experiencia. En la conferencia que brindaré en el próximo SIMCAM me propongo compartir y someter a discusión estos hallazgos. El objetivo será, una vez más, profundizar nuestra comprensión acerca de cómo la música se vuelve significativa para nosotros. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! ! ! ! ! ! ! Mesas-redondas ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ 21 Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 22 Mesa-redonda 1 Neurociência e Conhecimento Musical ! Integración Cross-modal y Música Silvia Malbran Los primeros escritos acerca de la integración de las artes datan de los años cincuenta. En los noventa y con el impacto de las nuevas tecnologías los psicólogos de la música advirtieron la necesidad de reconsiderar aquellos incipientes aportes a la luz del impacto que el bombardeo multimedial provoca en auditores y espectadores. Los investigadores realizaron observaciones sistemáticas de las reacciones de sujetos de diferente edad y condición ante productos artísticos especialmente seleccionados. Los estudios mostraron que ciertos pasajes o fragmentos de determinadas realizaciones producían un mayor impacto emocional en el receptor que el resto de la obra. Al analizar las relaciones entre la música y la danza o la música y la escena se observó que el aumento de la comprensión y concomitantemente de la emoción surgía en obras o pasajes que presentaban i) una alta congruencia en los alineamientos temporales, ii) correspondencias estructurales y iii) desarrollos paralelos entre las respectivas sintaxis discursivas. En tal sentido, para seleccionar el material artístico target de los estudios de la autora se analiza previamente la confluencia de las tres variables y el modo en que cada una de ellas interactúa con el resto. En la mesa redonda se hará referencia a los estudios que el equipo de la autora viene realizando en la Argentina con bebés y estudiantes de música de nivel universitario. ! ! Neurociências cognitivas e aprendizagem musical Rosane Cardoso de Araújo Nesta apresentação o objetivo geral é analisar as relações entre as neurociências cognitivas e a aprendizagem musical. Por meio de um breve exame dos objetos de estudo das neurociências e neurociências cognitivas, é apresentada a relação entre estas ciências com a aprendizagem em geral e, na sequência, especificamente com a aprendizagem musical. A aprendizagem é vista relacionada com as neurociências a partir das modificações que ocorrem no sistema nervoso central (SNC) em decorrência de experiências na aquisição de informações. A aprendizagem musical, por sua vez, considerada na relação com as neurociências cognitivas, é abordada neste texto através de diferentes enfoques como a neuroplasticidade cerebral, o desenvolvimento musical geral e a aquisição de habilidades musicais. ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 23 Composição Interativa e Modelos derivados da Neurociência Computacional Jônatas Manzolli Esta palestra explora a convergência entre conceitos desenvolvidos no entorno da musica contemporânea e as formulações que surgiram a partir de novos modelos da neurociência computacional. Apontamos inicialmente que a composição musical evoluiu da notação simbólica de alturas para expressão da organização interna do som. Isto pode ser observado nas técnicas instrumentais expandidas que surgiram nos anos 40 até as estratégias composicionais mais recentes que se utilizam de novas interfaces para expressão musical (new interfaces for musical expression). Entretanto, a possibilidade de operar sobre a dinâmica da organização interna do material sonoro em tempo real, adiciona novas dimensões de informação musical e, consequentemente, introduz novas representações simbólicas. Nos vamos discutir um ponto de vista conceitual e pratico no qual a chamada Teoria da Mente, pode ser aplicada no desenvolvimento de novos sistemas que podem produzir material sonoro no tempo, a partir da interação de modelos simples e independente de uma notação simbólica, a priori. O segundo ponto de convergência que abordamos, faz um paralelo com o ponto de vista que a construção de dispositivos de mundo-real (i.e. robôs) pode ser considerada como a única forma de renovar a Teoria da mente. Para ilustrar nosso ponto de vista, apresentaremos um artigo recente (Vershure & Manzolli, 2013) e um conjunto de sistemas musicais os quais foram concebidos como experimentos de estética incorpora (situated aesthetics) derivados de modelos cognitivos de interação implementados em modelos computacionais. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 24 Mesa-redonda 2 Música contemporânea, suas ferramentas e elementos cognitivos do discurso musical ! Escolha de Ferramentas Tecnológicas para projetos Multi-disciplinares Marcelo Wanderley Com a dramática popularização recente de sensores de vários tipos (posição, velocidade, aceleração, força, etc.) devido a seu uso em larga escala na indústria automobilística, mas também em dispositivos como telefones portáteis, tabletes e consoles de jogo, hoje em dia vêse um importante aumento de seu uso em contextos musicais. Dois exemplos recentes de dispositivos baseados em sensores criados para outros contextos mas amplamente usados em música são o WiiMote (Nitendo) e a Kinect (Microsoft). Embora estes dispositivos sejam muito úteis em várias situações musicais, a explosão de seu uso para a criação musical (cf. o número de artigos na conferência NIME - New Interfaces for Musical Expression) levanta a questão da necessidade de utilização destas ferramentas, isto é, são elas realmente a melhor solução para um problema dado ou são estas usadas principalmente devido a sua disponibilidade (facilidade de acesso e baixo custo)? Nesta mesa redonda gostaria de discutir a influência da escolha das ferramentas técnicas no resultado musical, principalmente focando na escolha de dispositivos baseados em sensores. Para isso citarei exemplos de projetos musicais utilizando dispositivos similares e tentarei comparar a diversas soluções técnicas empregadas, assim como a sua influência no resultado musical. Cognição, experimento, experimentalismo Fernando Iazzetta Dentre as artes a música talvez tenha sido a que mais se prestou a uma formalização por parte das ciências. Notamos não apenas o empréstimo de ferramentas estabelecidas por outros campos – como estética, semiótica, etnologia, antropologia, sociologia, acústica, psicoacústica, neurociência, ciências cognitivas, ciências da informação, computação -, mas a música dispõe de uma disciplina bastante formal, a musicologia, dedicada especificamente a ela. Em parte isso se deve à possibilidade de formalização, quantificação e hierarquização de diversos elementos que constituem sua prática e possibilitam uma abordagem fenomenológica que privilegia a investigação de aspectos perceptivos e cognitivos. Por exemplo, trabalhos tão distintos como a teoria generativa de Lerdahl e Jackendoff ou a tipomorfologia de Pierre Scheffer se apoiam nessa possibilidade de formalização para elucidar questões ligadas à percepção sonora e musical a partir de um processo experimental. Essas abordagens favoreceram o desenvolvimento de um ciclo de investigação que vai do pensamento dedutivo ao indutivo, num processo análogo ao adotado pelas ciências naturais. E para que isso seja eficaz, foi preciso trazer a música para dentro do laboratório, este espaço no qual aquilo que se quer analisar é separado do seu entorno e observado a partir do espaço particular do próprio laboratório. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 25 Partindo deste contexto, nesta apresentação iremos abordar o trabalho do NuSom Núcleo de Pesquisas em Sonologia da Universidade de São Paulo que tem como um de seus principais objetivos interligar as práticas científicas e artísticas, buscando analisar as produções musicais e artísticas dentro dos contextos habituais em elas que ocorrem. A ideia de experimento funciona como um conceito chave para o Núcleo que busca atenuar a distância entre a prática laboratorial e a prática artística, a partir de uma produção experimental, balizada aqui pelo sentido que o termo adquire tanto nas ciências como nas artes, e propondo que o experimento se confunda com o próprio acontecimento artístico. Ou seja, buscamos realizar experiências que não reproduzem o que está no mundo, mas são as próprias ações que criamos no mundo. Por um lado, isso traz uma abordagem empírica que se aproxima do que alguns autores têm chamado de pesquisa performativa. Por outro, inverte o sentido da pesquisa indutiva-dedutiva: ao invés de observarmos os fenômenos para conhecer as causas e as leis que os regem, inventamos resultados para criar conjecturas sobre o seu funcionamento. Nesta apresentação, após uma breve discussão acerca desses pressupostos de investigação, apresentaremos alguns trabalhos realizados no âmbito do NuSom que pretendem fundir as práticas artísticas e científicas e misturar as formas de elaboração do conhecimento. Gradientes sonoros: uma abordagem cognitiva Rael B. Gimenes Toffolo O universo da composição musical contemporânea, principalmente quando se relaciona de alguma forma com os estudos de cognição, tem especial interesse pela percepção; em como o ouvinte percebe aquilo que foi proposto enquanto obra; como as significações emergem dessa relação, entre tantas outras questões. Fica evidente que não há formas de estabelecermos critérios biunívocos que relacionem o som e o que o percebedor por ventura constrói a partir desse som sem que caiamos nas armadilhas do objetivismo ou do subjetivismo. Porém, como diversos estudos da área de significação musical têm demonstrado, podemos pensar em campos de possibilidade de significação que são emergentes do processo perceptual concebido enquanto fenômeno, portanto resultante da relação entre ser/corpo e mundo. Tais campos nos permitem pensar em limiares perceptivos que se relacionam com o nosso viver de alguma forma. Gibson (1966, 1979) propõem que consideremos aquilo que está disponível à percepção humana em uma escala determinada pelos limiares de nossos sistemas perceptivos. Há uma escala em nível humano que difere da do nível físico tanto em dimensões micro, quanto macroscópicas. Dentro desse contexto, quais seriam os limiares musicais mais gerais à percepção humana e que poderiam ser generalizados para os diversos aspectos da significação musical? O musicólogo austro-inglês Mosco Carner (1941) propõe metaforicamente que a oposição básica entre tensão e relaxamento, enquanto movimento musical, esta relacionada a características mais primais dos ritmos corporais. Nesse sentido, pretendemos extrapolar a metáfora de Carner e relacioná-la com as proposições de consciência de Damásio. Acreditamos poder demonstrar que os processos de regulação básico da homeostase em nível de tronco cerebral que organizam os ritmos básicos do corpo – que por sua vez fazem com que emerjam desse processo valorações positivas e negativas – podem fazer emergir limiares e gradações conceituais por vezes opostas, que concebemos muitas vezes como variações entre tensão e relaxamento no universo perceptual musical. Seria então possível chegarmos a uma caracterização básica de quais são os elementos cognitivos mais globais disponíveis às diversas formas de construção discursiva musical? Tais categoriais seriam suficientes? Como um compositor poderia lidar com tais inquietações ó o que se pretendemos abordar nesta conferência. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 26 Mesa-redonda 3 Cognição musical: emoção e memória ! ¿No deberíamos recuperar las ‘sensaciones comunes’ que promueve la música? Fernando Anta Sin duda, la experiencia musical tiene un componente emocional: en mayor o menor medida, y según las circunstancias, la música nos compromete afectivamente, nos moviliza, y en ello radica gran parte de su encanto. Ahora bien, en contraste con la sencillez de esta afirmación, la empresa de conceptualizar dicho componente, de definirlo para su estudio y comprensión, no ha sido nada sencilla. Por el contrario, ha dado lugar a una discusión que aún hoy dista mucho de estar cerrada. Tradicionalmente, los estudios en el tema confiaron en modelos ‘discretos’ para avanzar sobre el problema, a partir de la idea de que la música promueve en nosotros ‘emociones básicas’. Sin embargo, estudios posteriores sugirieron que, en lo que a la experiencia musical se refiere, las categorías ‘básicas’ de descripción de las emociones pueden ser demasiado amplias o imprecisas. Alternativamente entonces, se implementaron modelos ‘dimensionales’ más o menos específicos de la experiencia musical. En la presente mesa redonda argumentaré que, pese al avance que representan, estos modelos aún dejan de lado algunas ‘sensaciones comunes’ que la música promueve en nosotros, largamente señaladas tanto por la Teoría como por la Psicología Musical, y de una importancia capital para definir la carga emotiva de una pieza. Luego, argumentaré que tales emociones se han dejado de lado, al menos en parte, por haber sido apropiadas como categorías de análisis ‘neutras’ por los estudios de corte cognitivista. Finalmente, argumentaré sobre la necesidad de devolver esas ‘emociones comunes’ al dominio afectivo de la experiencia musical y, entonces, de rever una vez más cómo se integran cognición y emoción en música. ! Doença de Alzheimer, música e memória Paulo Bertolucci O modelo de memória supõe a existência de subsistemas até certo ponto independentes. Assim, podemos falar na memória explícita semântica, para conceitos, episódica, para fatos, e na memória implícita. Não se pode pensar na memória sem seus aspectos associados, como a atenção e o colorido emocional. Na doença de Alzheimer (DA) são afetados precocemente os subsistemas da memória explícita, a memória episódica mais que a semântica, pelo menos numa fase inicial. No homem a memória musical tem uma extensa representação e vínculos com o subsistema de memória implícita. Através desta ligação é possível tentar acessar informações da memória explícita, e o estímulo musical poderia ser usado para estimular a memória explícita. Em uma investigação preliminar verificamos que embora pacientes com doença de Alzheimer identifiquem corretamente emoções, o conteúdo afetivo não aumenta a chance de memorização. Por outro lado o mesmo grupo, quando submetido a estímulos musicais, foi capaz de evocar memórias pessoais, desde que a música específica tivesse sido www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 27 uma experiência prévia. Isto indica que a música não é um estímulo inespecífico e que intervenções de reabilitação por musicoterapia deveriam levar em consideração a exposição prévia e que o plano terapêutico deve ser individualizado. Evidências neste sentido, da necessidade de individualização da abordagem musicoterápica também podem ser observadas em relação ao tratamento dos distúrbios de comportamento na doença de Alzheimer. ! Emoções musicais: abordagens multidisciplinares Danilo Ramos As emoções desencadeadas pela música vem sendo estudadas desde a antiguidade. Entretanto, somente a partir do início do século XX este objeto de estudo passa a ser investigado de maneira mais sistemática pelos pesquisadores, especialmente na área da Psicologia, a partir do surgimento de novas teorias que procuram explicar o porquê e de que forma sentimos emoções durante a escuta musical. Neste sentido, algumas abordagens consolidadas pela literatura científica da área para a mensuração das emoções em tarefas de escuta musical serão consideradas, por meio da apresentação dos principais modelos científicos elaborados nos séculos XX e XXI no intuito de explicar os processos psicológicos envolvidos na comunicação emocional entre compositor / intérprete e ouvinte. Também serão apresentados os principais resultados dos estudos realizados pelos pesquisadores do GRUME - Grupo de Pesquisa Música e Emoção, da Universidade Federal do Paraná, que procuram investigar os aspectos psicológicos relacionados às emoções desencadeadas pela música, considerando o contexto musical brasileiro. No final da apresentação, será promovido um debate na busca por novas hipóteses a serem testadas em estudos futuros. ! Algumas Observações sobre a Teoria da Informação, Complexidade e Cognição Adolfo Maia Jr. Apresentamos um breve resumo da Teoria da Informação de Shannon e discutimos alguns pontos de aplicação da Teoria em música tais como: estilo e informação, complexidade da linguagem sonora, cognição (do receptor) e estética. Também apresentamos um breve resumo sobre correlação estatística. Queremos então discutir questões tais como: 1) Que relação (ou correlação) deve existir entre a taxa de informação (sonora) e a capacidade do receptor (audiófilo, em geral, um humano) de decodificar a mensagem sonora? E complexidade da mensagem sonora e sua inteligibilidade (cognição)? 2) Como medir (definir uma medida) para informação semântica? 3) Um modelo em Teoria da Informação para interação da mensagem sonora com o receptor. Os casos da repetição e do ruído. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! ! ! ! ! ! Grupos de Estudo ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ 28 Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 29 Grupo de Estudos em Semântica Cognitiva e Música Coordenadores Marcos Nogueira Guilherme Bertissolo O Grupo de Estudo reunido pela primeira vez no SIMCAM 9 propõe para o SIMCAM 10 discutir as teorias cognitivas do sentido musical e o desenvolvimento de métodos descritivos da forma musical. O referencial teórico abordado será, pois, essencialmente circunscrito à semântica cognitiva e, em especial, vinculado à corrente enativista, discutindo: memória, categorização, metáfora conceitual e sintaxe. Para as sessões do GE no SIMCAM 10 propõese, particularmente, o debate em torno do entendimento do processo semântico revelado em nossas descrições proposicionais da experiência com a música, e serão bem-vindos todos os interessados neste campo de conhecimento, sejam pesquisadores com trabalhos em andamento, pesquisadores recém chegados ou mesmo graduandos e pós-graduandos que desenvolvam ou pretendam desenvolver pesquisa neste domínio. ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 30 Grupo de Estudos em Música, Cognição e Saúde Coordenadores Clara Márcia Piazzetta Gustavo Gattino Shirlene Moreira Tereza Raquel Alcantara Silva Este Grupo de Estudos integra estudos de Música, Cognição, Saúde e Musicoterapia. Com início no SIMCAM de 2010 traz em destaque para os trabalhos de 2014 elementos para discutir sobre as pesquisas realizadas nesse campo. O foco dos trabalhos está no entendimento do uso da Música na Saúde e seus diferentes campos de atuação: no trabalho com pessoas do espectro autista, paralisia cerebral, doenças neurodegenerativas, reabilitação pós lesão neurológica e música e bem estar. Objetiva-se realizar uma revisão sistemática do tema nos itens citados acima e assim ter um panorama desse complexo universo de pesquisas. A partir disso ter subsídios para os debates, durante o evento, sob o olhar da Musicoterapia. ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 31 Grupo de Estudos em Sistemas Dinâmicos e Música Coordenadores Beatriz Raposo de Medeiros Luis Felipe Oliveira Os conceitos e ideias mais disseminados e seguidos na área de estudos sobre cognição evocam uma mente e uma representação mental de uma contraparte da ação ou de algo físico no mundo. Normalmente podemos entender tais conceitos no âmbito do cognitivismo e mesmo do representacionalismo. Embora majoritária, a corrente cognitivista não é a única corrente para explicar a cognição humana. Há pelo menos duas correntes nos dias atuais, o conexionismo e o dinamicismo, que defendem outros princípios para explicar as capacidades humanas. ! Neste GE, trataremos de compreender melhor a relação que pode haver entre teorias de sistemas dinâmicos (ou seja, dinamicismo) e música, ou mais precisamente aspectos cognitivos dessa última. Em outras oportunidades, como no SIMCAM do Rio de Janeiro (2010) e no de Florianópolis (2012), tomamos, como ponto de partida, concepções dinâmicas da linguagem para entender as bases da teoria dinâmica. Isso é penas um ponto de partida. Os pontos de chegada podem ser outros, como aqueles que tentam explicar auto-organização, emergência de padrões, entre outros princípios não dualistas. Toda a reflexão que busca entender como se dão ações, comportamentos e pensamentos humanos de forma a integrar o físico ao abstrato está na via dos sistemas dinâmicos. Um sistema dinâmico envolve tempo e movimento. Não vamos detalhar as suas explicações matemáticas, via equações, mas basta pensar, como exemplo, no movimento de um pêndulo simples, ou mesmo na taxa de inflação ao longo do tempo. No caso do pêndulo, sabemos que haverá mudanças na sua trajetória ao longo do tempo, em relação ao seu ponto de partida, por exemplo. Ele estará mais ou menos distante desse ponto. No caso da inflação (pensemos em apenas um produto/bem a adquirir, para facilitar a visualização de mudanças no tempo), o que está em jogo é a variação do valor do produto em função do tempo. A proposta deste GE é retomar abreviadamente o que já foi visto pelo grupo e alargar os horizontes de estudos atuais que envolvam cognição musical e sistemas dinâmicos. Reflexões dos participantes serão bem-vindas, assim como acréscimo de sugestão à bibliografia, não muito extensa nessa área. Sugerimos, como leitura inicial, o artigo Towards a Musical Gesture in the Perspective of Music as a Dynamical System, que se encontra na página http://icmpcescom2012.web.auth.gr/?q=node/67. Para acessar o artigo, basta usar o recurso de Localizar, a partir do menu Editar, escrevendo o último nome da autora, Beatriz Raposo de Medeiros. O artigo, que não é introdutório e não esgota o assunto, será utilizado apenas como um passo inicial para outras referências e como um exemplo de ideia dinamicista em cognição musical. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 32 Grupo de Estudos Criação Musical e Cognição Coordenadora Sonia Ray Objetivo Geral: identificar possíveis objetos de pesquisa em Criação Musical e Cognição bem como procedimentos metodológicos pertinentes. Histórico: Em 2010, meu primeiro ano à frente do GE Criação Musical e Cognição, o grupo fez um levantamento da produção em Composição e Performance com referência a cognição nos últimos 5 anos com base em publicações de periódicos afins, anais de congressos, teses e dissertações defendidas e livros. Analisando os anais das 5 edições do SIMCAM foram localizados 29 textos sobre performance e 12 sobre composição. Nos periódicos Música Hodie, Permusi, Revista da ABEM, Claves e Em Pauta (de 2005 a 2009) foram localizados 14 trabalhos sobre performance e 17 sobre composição no contexto investigado. Nos anais dos Congressos da ANPPOM (2005 a 2009) foram localizados 20 trabalhos sobre cognição e performance e 13 sobre cognição e composição. A investigação nas dissertações e teses nos PPGs não foi concluída, pois as informações dos últimos 5 anos não estavam completas nos sites da maioria dos programas. Na reunião de 2010 a discussão foi aprofundada e optou-se por definir descritores (palavras-chave) que auxiliassem pesquisadores da área a melhor identificarem suas produções. Em 2012, a proposta do GE foi de discutirmos conceitos e aplicações da cognição musical no processo de criação musical. Em sintonia com o tema do SIMCAM 8, dividimos a discussão em duas etapas: trajetória (fundamentos da ciências cognitivas, suas vertentes e estado da arte dos estudos brasileiros) e perspectivas (que caminhos as pesquisas apontam para um futuro próximo e a médio prazo). As bases para discussão foram publicações dos próprios anais dos SIMCAM (disponíveis no site da ABCM) bem como textos selecionados. Como resultado, foi criado um grupo de discussão on-line que não teve nenhum trabalho publicado. Contudo, as perspectivas levantadas nas discussões apontaram para a necessidade de se discutir mais questões aplicativas a fim de instrumentalizar os pesquisadores recém chegados à área e ampliar a visão dos já atuantes. Em 2013 a proposta foi identificar possíveis objetos de pesquisa em Criação Musical e Cognição, procedimentos metodológicos pertinentes, possíveis associações com pesquisadores de outras áreas e formas de organização de grupos de estudo e de pesquisa interdisciplinares. Pretende-se contribuir com o aprofundamento das questões de pesquisa que têm sido apresentadas nos SIMCAMs nos últimos anos. Em 2014 continuaremos a discussão em busca de maior aprofundamento dos temas discutidos no ano anterior. Questões norteadoras do GE no SIMCAM 10: Quais são os objetos de pesquisa em Criação Musical e Cognição? Como fazer a melhor escolha de metodologia para pesquisas em Criação Musical e Cognição? ! Textos de referência para início das discussões: BORÉM, Fausto; RAY, Sonia. Pesquisa em Performance Musical no Brasil no Século XXI: problemas, tendências e alternativas. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE PÓS-GRADUANDOS EM MÚSICA, 2., Rio de Janeiro, 2012. Anais... Rio de Janeiro: Unirio, 2012. p.121-168. HERCULANO-HOUZEL, Suzana (2002). O Cérebro Nosso De Cada Dia: descobertas da neurociência sobre a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Vieira & Lent. ILARI, Beatriz. Cognição Musical: origens, abordagens tradicionais, direções futuras. In: Mentes em Música. Ilari, B. e Araujo, R.C. (Orgs). Curitiba: Deartes, 2009. Pgs. 158-178. LEVITIN, D. (2007). This is your Brain in Music: the science of a humam obsession. Plume Book: New York. RAY, Sonia (2005). Os conceitos EPM, Potencial e Interferência inseridos numa proposta de mapeamento de Estudos sobre Performance Musical. In: Performance Musical e suas Interfaces. Sonia Ray (Org). Goiânia: Vieira/Irokun. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! ! ! ! ! ! Comunicações Orais ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ 33 Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 34 ! ! ! ! ! ! Cognição Musical e Desenvolvimento da Mente Humana ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 35 Música e resiliência. Caminhos de transformação Sandra Carvalho de Mattos Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PUC-SP [email protected] Resumo: O artigo apresentado oferece considerações sobre a música, seu componente emocional e como pode se tornar um importante suporte nos processos de resiliência para crianças em sofrimento. Apesar dos inúmeros trabalhos que refletem a respeito da música e o comportamento, carecemos de estudos direcionados à resiliência vividos pelo contato com a música. Utilizei como exemplo o relato da pianista Zhu Xiao-Mei que sobreviveu à Revolução Cultural na China sem nunca desistir de si mesma e do desejo de voltar a tocar. A música pode proporcionar um ponto de apoio, um tutor de resiliência em momentos de tormento tanto físico quanto psicológico. Palavras-chave: música, resiliência, cognição musical. ! ! ! Title: Music and Resilience. Paths of Transformation. Abstract: The article hereby presented offers considerations regarding music, its emotional component and how it can become an important support in the processes of resilience for suffering children. Despite the numerous works which reflect music and behavior, there is a scarcity of studies concerning the resilience lived by contact with music. I have used as an example the story told by pianist Zhu Xiao-Mei, who survived China’s Cultural Revolution, without giving up on himself and desire to play again. The music can provide a supporting point, a tutor of resilience in moments of physical torment as well as psychological. Keywords: music, resilience, musical cognition. Este artigo apresenta reflexão sobre a música, seu forte componente emocional e o fato de que ela pode tomar o papel de tutor de resiliência durante os processos de sofrimento. Continuamente queremos ouvir música, queremos nos comover. A música é a linguagem da emoção. Ela nos captura. As canções nos acompanham tanto nas festas quanto na solidão, e mesmo quando estamos machucados procuramos músicas. Elas nos acalentam. Somos expostos a sofrimentos, embora nosso desejo seja a constante sensação de segurança e conforto. Cotidianamente nas aulas de música deparamo-nos com crianças feridas. O sofrimento, seja físico, psicológico, vindo de uma situação externa ou criado por uma dinâmica de estresse, é expresso por apatia, ausência de sentimentos, fuga para dentro de si mesmo. Parece que nada mais resta somente a ânsia por solidão. Crianças angustiadas carregam histórias encobertas e maquiadas com a aparência o mais próximo do praticado pelo grupo. Quando crianças feridas encontram a possibilidade de exprimir seus sentimentos por meios aceitáveis socialmente, desenvolvem processos de reconhecimento e acolhimento de sua expressão de dor. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 36 Resiliência é um termo usado inicialmente pela física para indicar a capacidade de alguns materiais em absorver impactos e retornarem ao estado inicial. O estudo da resiliência sob a ótica da psicologia iniciou com Martin Seligman (2004) e o movimento denominado de psicologia positiva. Segundo o autor a palavra felicidade comporta um conceito muito abrangente. Nossas expectativas podem ser mais precisamente nomeadas como procura do bem estar. O foco de estudo de Seligman (2012) consiste em casos de pessoas que conseguem se reerguer de processos danosos. Muitas vezes é diante da dor que se instaura a potência do significado da vida, assegura Negri (2007). Há pessoas que após viverem situações limites de dor e padecimento afirmam que foi exatamente nesse momento é que encontraram forças para continuar a viver e emergir de outra forma. Elas encontraram o fio que as alavancou para fora do sofrimento e que transformou, num último instante, o teatro que parecia estar acomodado e o final anunciado. Este é o fluxo da resiliência. Deparamo-nos com músicos que contam suas histórias e percebemos que a música pode favorecer o movimento de retorno à vida. Esses casos nos apontam para a importância do estudo da resiliência e a utilização da música como possibilidade de transformação. Na atualidade temos várias pesquisas importantes relacionadas à cognição musical e notamos a lacuna quanto a estudos referentes à resiliência. Ouvimos música para nos distrair, para nos expressar, para nos distanciar, e a utilizamos como forma de estudo. Observar a relação entre a música, a comunicação das emoções e a reestruturação de crianças em sofrimento é de extrema importância para a educação musical. Tocar um instrumento, além de contribuir de forma significativa para o desenvolvimento de nossas vidas, causa um impacto tanto intelectual quanto emocional. Sloboda (2005,2010) já o tem apontado em vários estudos o quanto a música e os estados emocionais que influenciam na relação entre as pessoas e seus efeitos na educação musical. Neste artigo proponho que crianças que vivem estados de obstáculo emocional podem encontrar na música suporte para enfrentar melhor as dificuldades e sobreviver a elas. A música é um elemento nuclear de nossa identidade como espécie. Ouvimos música, tocamos instrumentos, não exatamente porque queremos nos distrair ou nos divertir, mas sim porque não podemos parar de fazer isso. Mesmo que tocar um instrumento fosse algo proibido, e todos fossem destruídos, e não tivéssemos mais qualquer dispositivo para reproduzir o som; ainda assim as canções permaneceriam em nossas cabeças, e continuaríamos a utilizá-la para ordenar nossas ações e criar um senso estruturado do mundo www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 37 em torno de nós, afirma Storr (1993). Nossos antepassados que sobreviveram e se reproduziram passaram a nós essa preferência visceral. Para Levitin (2008) somos uma espécie musical porque voltando a dez mil anos atrás, nossos ancestrais também o eram. A música induz a um estado emocional tanto no performer quanto na pessoa que está simplesmente ouvindo. Ela influencia em larga escala a compreensão cooperativa além de levar informações importantes de uma geração para outra. Nosso cérebro artístico permite a comunicação da paixão e da emoção. Experimentos demonstram o quanto nosso humor direciona a avaliação das situações que vivemos no cotidiano, segundo Steven Mithen (2011). De acordo com as emoções a que somos expostos nossa avaliação sobre nós mesmos é atingida. Mesmo quando vivemos situações negativas, nossa interpretação sobre ela pode ser transformada por meio da música. O autor apresenta uma experiência realizada de monitoramento de pressão sanguínea, respiração, temperatura e movimento da pele que mostra o que ocorre quando somos atingidos pelo som das músicas. Nosso corpo responde imediatamente. A música é avaliada por nosso subconsciente da mesma forma que quando vemos uma cobra ou uma aranha. Ela é automaticamente analisada e provoca uma resposta emocional. Ouvir uma peça musical pode ser tão intenso que não somente traz memórias de uma experiência emocional no passado, como o próprio movimento corporal resulta em um estado físico similar da emoção. O estudo da música pode ser uma pressão na luta contra a angústia. Do vazio que a dor causa nasce um novo acesso à liberdade: o prazer de criar um som. Suas repetições para adquirir a técnica necessária para o avanço pode ser mais que isso para uma criança desolada. Na repetição a criança adquire o controle de uma situação. Vive a sensação de continuar a ser a si mesma, quaisquer que sejam as variações do meio. Somos atraídos repetição. Sacks (2007) afirma que queremos o estímulo que a música nos causa e a recompensa de viver a excitação esperada, por isso sentimos prazer ao repetir uma mesma canção várias vezes. Para suportar melhor as adversidades precoces, a criança desenvolve um mundo íntimo de criatividade onde se refugia da realidade que é muito pesada. A criatividade repara. Transforma o sofrimento em obra de arte. O próprio engajamento artístico pode se tornar um tutor de resiliência, conforme Cyrulnik (2012) nos aponta. Tutor de resiliência é alguém ou algo que nos detém quando tudo desmorona. É uma mão que nos é oferecida para segurar. O tamanho e a intensidade do sofrimento é algo bem relativo, afirma o autor (2009). O estado de dor provavelmente é o mesmo em toda a humanidade, mas a expressão do tormento e o remanejamento emocional do que causou o sofrimento depende dos tutores de resiliência www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 38 dispostos em torno do ferido. Vários músicos relatam períodos de aflição em que foram amparados pela música, entre eles Zhu Xiao-Mei (2008). Esta destacada pianista da atualidade nasceu em Shangai em 1949, já aos oito anos de idade tocava na radio e televisão de Beijing como criança prodígio. Ela narra como sua vida mudou de forma dramática com o início da Revolução Cultural na China. Expõe as dificuldades que viveu, desde o campo de reeducação, as sessões de denúncia e autocrítica, e até as pequenas fugas semanais para tocar piano em um lugarejo próximo, somente por uma hora para não levantar suspeitas. Dizia a si mesma que estava fora da realidade e não pensava senão em tocar música clássica. Apesar dos inúmeros sofrimentos advindos do contexto histórico, mantem-se viva e não abandona a si mesma. Agarrada à sensação de ainda ser um sujeito, de ser um ser dotado da capacidade de liberdade interior e valor pessoal, transpõe os momentos de intensa dificuldade. Sua constituição precoce, suas primeiras informações da vida impregnaram na menina um temperamento, um estilo de comportamento que possibilitou na época da dificuldade e do desequilíbrio, não se deixar arruinar, mas lançar mão de seus recursos internos e encontrar saídas. Deixa a China em 1976. Vaga pelos Estados Unidos à procura de sobrevivência trabalhando e estudando. Aos poucos retorna ao seu centro pessoal entendendo sua própria identidade cultural. Aos 40 anos realiza seu primeiro concerto profissional em Paris onde vive até o momento. Xiao-Mei é um exemplo de sobrevivência e de resiliência. Ela nos demonstra como a música exerce o papel de porto seguro em sua história. Com depoimentos como o de Xiao-Mei podemos aprender a como sobreviver melhor em situações difíceis, estar atentos às crianças ao nosso redor e criar possibilidades a que possam expressar seus sofrimentos e a conviver com sua história. Poderemos contribuir de maneira mais eficaz para que a música possa fortalecer os laços internos de cada um. A arte é um caminho da perfeição técnica, mas a excelência é conseguida por um ser humano que se emociona enquanto toca, enquanto canta, enquanto pratica. A música pode reparar os ferimentos e ajudar a sobreviver. ! Referências CYRULNIK, Boris (2006). Falar de amor à beira do abismo; tradução Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes. _____________ (2004). Os patinhos feios; tradução Monica Stahel. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 39 ______________ (2009) . Autobiografia de um espantalho. Histórias de resiliência: o retorno à vida; tradução Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes. _______________ (2012). Dizer é morrer. A vergonha; tradução Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes. ______________ (2013). Corra, a vida te chama. Memórias; tradução Rejane Janowitzer. Editora Rocco Digital. LEVITIN, Daniel J.(2008). The world in six songs. How the musical brain created the human nature. New York: Dutton. LEVITIN, Daniel J. (2010). A música no seu cérebro. A ciência da obsessão humana; tradução Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. MITHEN, Steven (2011). The singing neanderthals. The origins of music, language, mind and body. Kindle Store: Phoenix Editor. 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Rio de Janeiro: Objetiva. 2008. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 40 A autonomia e a formação inicial de professores de música Simone Braga Universidade Estadual de Feira de Santana [email protected] ! Tais Dantas Universidade Federal da Bahia [email protected] ! Resumo: este artigo traz como proposta considerações a respeito da promoção da autonomia na formação de professores de música, tendo como base as concepções defendidas por Angel Pérez Gómez (1995) e a Teoria da Autodeterminação (Deci, Ryan, 1985). O texto apresenta algumas perspectivas metodológicas utilizadas em um curso de licenciatura em música no Estado da Bahia, nos componentes curriculares Canto Coral I, Expressão Corporal, Regência Coral II e III, Prática de Ensino I, II e III e Fundamentos da Educação Musical I, II e III. As atividades realizadas evidenciaram um maior envolvimento e interesse por parte dos estudantes, ao oportunizar o desenvolvimento de uma atitude docente consciente, crítica e autônoma. Palavras-chave: formação de professores, promoção da autonomia, educação musical. ! ! Title: Autonomy and the initial training of music teachers Abstract: this article presents considerations concerning the promotion of autonomy in music teacher training, based on the concepts defended by Angel Pérez Gómez (1995) and the SelfDetermination Theory (Deci, Ryan, 1985). The paper presents some methodological perspectives focusing on the development of autonomy in the training of music teachers. The aim of the work was to take the student to develop an autonomous attitude as an essential part in the development of their skills.The activities were developed in an undergraduate course in the State of Bahia, in the curriculum components Choir I, Body Expression, Choir Conducting II and III, Teaching Practice I, II and III and Foundations of Music Education I, II and III. The results showed a greater involvement and interest of students, providing the opportunity for developing a conscious teaching attitude, critical and autonomous, through realization of teamwork, group decision making, articulation between theory with practice. The experience approached situations of everyday profession and created opportunities for the appreciation of the teaching profession. Keywords: music teacher training, promotion of autonomy, music education. Introdução Atualmente o campo de atuação do professor de música se caracteriza pela diversidade de contextos, desde iniciativas do Terceiro Setor ao espaço escolar. Quanto a esta diversidade, Queiroz e Marinho (2007) argumentam que a formação inicial deve emergir saberes aos quais possibilitem que os egressos dos cursos de licenciatura em música lidem tanto com conteúdos específicos da(s) música(s) quanto com dimensões metodológicas fundamentais para trabalhálas na realidade educacional do país. Dos saberes, conhecimentos e atitudes a serem desenvolvidos, destaca-se a autonomia por possibilitar ao futuro profissional transitar nestes diferentes contextos e lidar com as diversas peculiaridades existentes, a exemplo do espaço escolar. O desenvolvimento da autonomia é que garantirá a transição por estes contextos diversificados. Neste sentido, este www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 41 trabalho destaca a importância do desenvolvimento da autonomia na formação de professores de música, através do relato de experiências vivenciadas em um curso de licenciatura em música no Estado da Bahia. As experiências tiveram como base teórica as concepções defendidas por Angel Pérez Gómez (1995) e a Teoria da Autodeterminação (Deci, Ryan, 1985). ! Formação e autonomia Apesar da área de Educação Musical brasileira possuir uma literatura significativa abordando a formação de professores de música (ALMEIDA, 2007; ARAUJO, 2006; MOTA, FIGUEIREDO, 2012), ainda carece de concepções, fundamentos e teorias que fundamentem esta formação (CERESER, 2003). No entanto, há uma vasta literatura de área afins, como as áreas de Educação e Psicologia, que pode servir de referência para pesquisas que discutam a formação inicial dos professores de música e o desenvolvimento de habilidades e competências profissionais relacionadas à autonomia, a exemplo das apresentadas a seguir. ! Pérez Gómez: a prática reflexiva e a autonomia Segundo Pérez Gómez (1995) a reflexão, ou construção do pensamento prático do professor, articulado com os conceitos de escola, ensino e currículo, tornam-se importantes para a formação inicial por possibilitar a compreensão dos processos de ensino e aprendizagem e a promoção da qualidade de ensino na escola, ao trazer implicações na mudança de concepções de formação. Pensar na escola como um cenário significativo para a formação, implica em considerar o contexto sociocultural da comunidade escolar, bem como o exercício coletivo da reflexão sobre a prática docente dos envolvidos (licenciandos e professores) e a construção de uma atitude profissional política, sobretudo, para defender a música como área de conhecimento na escola. Na atuação nas escolas, estudantes em formação se experimentam como professores e podem desenvolver a autonomia para lidar com situações diversas. Nesta perspectiva, o autor em parceria com Sacristán (2000), aponta três aspectos fundamentais para serem considerados nesta concepção de formação docente, ao qual a atitude da autonomia encontra-se implícita, quais sejam: 1) Aquisição de uma bagagem cultural de orientação política e social, ao enfatizar as áreas de humanas como eixo central dos conteúdos do curso: História, Políticas Públicas, etc; 2) Desenvolvimento de capacidades de reflexão crítica sobre a prática; 3) Desenvolvimento de atitudes que exigem o compromisso www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 42 político do professor, como intelectual transformador na aula, na escola, no contexto social, com atitude de experimentação, generosidade e colaboração. ! A autonomia segundo a Teoria da Autodeterminação A Teoria da Autodeterminação é uma macroteoria organísmico-dialética que concebe o ser humano como um organismo orientado para o autocrescimento, com uma tendência inata para se engajar em desafios em seu ambiente explorando suas potencialidades, capacidades e sensibilidades (Deci; Ryan, 2004). As teorias organísmicas reconhecem que os ambientes estão em constante mudança e que os organismos precisam ser flexíveis para se adaptar e se ajustar a estas mudanças. Nesta dialética, tanto o indivíduo atua sobre o ambiente, como o ambiente atua sobre o indivíduo (Reeve, 2006). No campo da educação a TAD se volta principalmente para a promoção do interesse dos alunos em aprender, a valorização da educação e o desenvolvimento da confiança nos estudantes em suas próprias capacidades (Deci et al, 1991) ao propor a existência de três necessidades psicológicas básicas: a necessidade de autonomia, a necessidade de competência e a necessidade de pertencer ou de estabelecer vínculos. Para alcançar o bem-estar e a plena saúde psicológica, torna-se essencial a satisfação destas três necessidades (Guimarães; Boruchovitch, 2004). Este trabalho destaca a necessidade de autonomia, que se refere à necessidade de experimentar a vontade e liberdade psicológica de fazer escolhas. Ao experimentar a autonomia, o indivíduo percebe que a escolha das experiências emana de si e possui concordância com seus valores e interesses (Vansteenkiste et al, 2010). Um comportamento é considerado autônomo (autodeterminado) quando o processo de tomada de decisão é guiado pela escolha, interesse e vontade própria (Reeve, 2006). A necessidade de autonomia tem relação direta com a percepção do lócus de causalidade interno. Para sentir-se autônomo o indivíduo precisa perceber que suas ações e decisões emanam de vontade própria, sem a interferência de terceiros. Como coloca Guimarães (2003), os indivíduos com tais características são ditos “origem”, apresentando fortes sentimentos de causação pessoal, em decorrência disto apresenta um comportamento intrinsecamente motivado. É importante ressaltar que a autonomia, ora abordada, não está ligada à ideia de independência ou individualismo. Ao contrário, os autores da TAD defendem que a ideia de autonomia diz respeito aos conceitos de autogoverno, autodireção, autodeterminação, tendo www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 43 como elementos centrais a vontade e a auto-regulação integradora (Gumiarães, 2003). Neste sentido, Reeve e Halusic (2009) defendem que o professor deve refletir, identificar, nutrir e desenvolver recursos internos dos alunos. Professores que apoiam a autonomia devem promover ambientes de aprendizagem estruturados, fazendo com que os alunos percebam fortes relações entre o que fazem e os resultados que obtêm. ! Perspectivas metodológicas no apoio à autonomia Com o objetivo de fomentar tais aspectos, este trabalho traz algumas experiências com foco no desenvolvimento da autonomia na formação docente. As perspectivas metodológicas foram aplicadas em um curso de licenciatura em música no município de Salvador - Bahia. As atividades didáticas foram desenvolvidas nos componentes curriculares Canto Coral I, Expressão Corporal, Regência Coral II e III, Prática de Ensino I, II e III e Fundamentos da Educação Musical I, II e III, procurando atender às demandas de seus programas, mas, sobretudo, levar o licenciando ao desenvolvimento de uma postura autônoma como parte essencial no desenvolvimento de suas competências. ! Apresentação de Seminários Esta metodologia foi aplicada no componente curricular Fundamentos da Educação Musical que é oferecido do segundo ao quarto semestre. Dentre outras atividades, a apresentação de seminários possibilita aos estudantes o contato com novos conteúdos por meio do planejamento e execução de aulas expositivas. Para esta atividade são selecionados artigos e livros cujos temas estão inseridos no programa do componente. Os estudantes desenvolvem o trabalho em equipe e é dada plena liberdade na maneira de executarem a tarefa e de acordo com suas habilidades no planejamento, tomada de decisão em grupo, divisão de tarefas e elaboração de material didático, assim, os estudantes têm a oportunidade de experimentarem a autonomia. Ao final dos seminários a aula assume característica de aula dialógica, oportunizando a discussão dos conteúdos abordados com a participação de todos os estudantes, onde a construção do conhecimento leva em consideração suas experiências e interesses. ! Aulas práticas O componente curricular Prática de Ensino desempenha papel fundamental nos cursos de licenciaturas, por ser um momento em que os estudantes têm a possibilidade de desenvolver e www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 44 potencializar competências como planejamento de aulas, pesquisa e seleção de materiais didáticos e execução de aulas práticas, ao vivenciar as etapas de trabalho docente. As aulas práticas são planejadas e executadas pelos estudantes em pares, simulando o contexto em que estas aulas poderiam ser executadas (Educação Básica ou Terceiro Setor) aplicando conceitos já trabalhados no componente Fundamentos da Educação Musical, de forma a aliar a teoria à prática. Todas as atividades são desenvolvidas de forma a estimular a escolha, o interesse e as competências individuais dos estudantes. Ao final das aulas é realizada uma avaliação coletiva com reflexões as respeito das situações que se aproximam do cotidiano da profissão. Assim são estimuladas as competências autonomia, de tomada de decisão, planejamento, iniciativa, criatividade e valorização da profissão docente. ! Oficinas de Regência Dentre os objetivos desta atividade, as oficinas de Regência buscam integrar os componentes curriculares Canto Coral, Expressão Corporal e Regência Coral. No Canto Coral I e na Regência II, uma pequena parte do repertório desenvolvido, são trabalhadas peças específicas para a formação de corais, tanto infanto-juvenil quanto adulto. Para os estudantes de Canto Coral, o repertório é uma forma de auxiliar na leitura e acesso a partituras de canto coral, além de conhecer formas musicais. Adicionada a vivência vocal, aspectos sobre a peça, compositores, características estilísticas são analisadas sob a orientação dos estudantes de Regência II. Com os estudantes deste componente, após estudo das peças, são fomentadas discussões acerca das características dos arranjos, análise da estrutura musical, trechos mais difíceis, extensão, possíveis vocalizes a serem trabalhados, para realizar planejamento para a aplicação das mesmas, através de oficinas, dirigidas para os estudantes do Canto Coral I. Desta preparação, há um cuidado também centrado no gestual da regência e no desenvolvimento de técnicas de ensaio. Para isso, o componente curricular Expressão Corporal fornecer suporte para um maior entendimento sobre o próprio corpo, tão importante para a atividade da regência e da prática vocal. A prática da condução da oficina, além de favorecer o desenvolvimento de habilidades pedagógicas musicais inerentes a regência, oportuniza o desenvolvimento de habilidades extramusicais, sobretudo, da autonomia por meio da condução do ensaio, gestão da aprendizagem dos estudantes do Canto Coral. Após a experiência, a partir do registro em www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 45 vídeo, são realizadas reflexões e discussões sobre as práticas vivenciadas articuladas ao processo de formação docente. ! Realização de apresentações musicais escolares Após a experiência introdutória vivenciada na Regência II, ao ministrar oficinas dirigidas para os estudantes do Canto Coral I, os estudantes de Regência Coral III, são encorajados a realizar um programa musical, através da atividade canto coral, ao envolver contextos educacionais aos quais tem aproximidade. Como resultado da Lei 11.769/20081, uma parcela significativa já está inserida na Educação Básica, sendo o espaço da preferência da grande maioria para a realização do programa musical. Nesta perspectiva, durante o semestre do desenvolvimento do componente, são ofertadas orientações para a realização do programa musical no espaço escolar: 1) escolha e justificativa do repertório (máximo cinco peças); 2) elaboração de um arranjo específico para o grupo dentre o repertório a ser executado; 3) articulação do programa com o projeto pedagógico escolar; 5) seleção da temática da programação. As orientações influenciam na discussão acerca do que e como ensinar neste contexto. Nesta direção, ao escolher o repertório os estudantes devem apontar conteúdos e atividades para o desenvolvimento do mesmo, o que os induz a realizar o planejamento considerando esta atividade. Outra questão importante abordada é o desenvolvimento de uma postura docente política, defendida por Pérez Gómez e Sácristan (2000). Os estudantes são convidados a refletir e discutir a função da apresentação musical na escola e as possibilidades que a mesma pode contribuir para a valorização da música como área de conhecimento. ! Resultados alcançados Das atividades relatadas, observamos que o apoio à autonomia exerceu um papel importante na aprendizagem dos estudantes. Sendo maior grau de envolvimento, comprometimento, interesse e, sobretudo, valorização da educação musical. Todo o processo percorrido oportunizou o desenvolvimento de uma atitude docente consciente, crítica e autônoma por meio da realização de trabalho em equipe, tomada de decisão em grupo, articulação entre a teoria à prática, vivência de situações que se aproximam do cotidiano da profissão, com o objetivo de oportunizar a valorização da profissão docente. Destas habilidades desenvolvidas, destacam-se as voltadas para o contexto escolar, visto que para a atuação neste espaço é necessário a autonomia para definir conteúdos, atividades, planejamento, entre outros, para www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 46 sistematizar e desenvolver uma prática musical, sobretudo, nas escolas públicas da Educação Básica. ! Conclusão e implicações para a educação musical No ambiente acadêmico, muitos fatores interagem para direcionar a autonomia nos estudantes, como, as relações professor-aluno, o desempenho acadêmico, as expectativas profissionais, a cultura escolar, as relações interpessoais, entre outros. Pesquisas sobre autonomia no ambiente acadêmico vêm proporcionando informações importantes em relação ao desempenho acadêmico. Reeve (2006) coloca que os ambientes que apoiam a autonomia motivam os indivíduos a direcionarem seu comportamento e decidirem sobre como resolver os problemas, indo de encontro a seus próprios interesses e valores. Dentre os benefícios presentes em ambientes apoiadores da autonomia estão: incremento na motivação intrínseca e competência percebida, emoções positivas, aprendizagem de alta qualidade, desempenho e persistência. Quanto à profissionalização enquanto professores de música, ter a prática como eixo desta formação, sobretudo, vivenciada no contexto escolar, oportuniza a articulação entre teoria e prática, ao proporcionar o desenvolvimento de habilidades pedagógicas musicais. Segundo Pérez Gómez e Sacristán (2000) o desenvolvimento de capacidades de reflexão crítica sobre esta prática e de atitudes que exigem o compromisso político do professor, como intelectual transformador na aula, na escola, no contexto social, contribuem para uma formação concebida de forma autônoma, por meio de um processo cooperativo de ação e reflexão, ao ultrapassar os limites da aquisição de conhecimentos meramente técnicos, ao alcançar uma formação mais complexa, ao considerar a formação do profissional com compromisso político, valores éticos e morais. Assim, ao considerar a importância da autonomia na qualidade das aprendizagens e formação docente, ressaltamos a necessidade de aprofundamento e ampliação de pesquisas sobre apoio à autonomia no ambiente acadêmico e o contexto escolar como espaço para a formação, partir de outros enfoques e novos estudos. ! Referências Almeida, C. M. G. (2007). Diversidade Cultural e Formação de Professores de Música: um estudo com licenciandos. 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Theoretical Perspectives on Motivation and Achievement Advances in Motivation and Achievement, Volume 16A, p. 105–165. ! 1 Em 2008 foi homologada a Lei 11.769/2008 que estabelece a obrigatoriedade do ensino do conteúdo música no componente curricular Arte. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 48 Contribuições da teoria vigotskiana para a educação musical ! Silvia Cordeiro Nassif Universidade de São Paulo [email protected] ! Maria Flávia Silveira Barbosa Centro Universitário Adventista de São Paulo [email protected] ! Resumo: Este texto é parte de um estudo teórico que tem como principal objetivo investigar as contribuições da psicologia histórico-cultural para a educação musical e apresenta um recorte específico na psicologia vigotskiana. Partindo de alguns conceitos e noções fundamentais amplamente difundidos no campo da educação musical, busca apresentá-los de maneira articulada à totalidade da teoria, ressaltando seus pressupostos gerais. Entre os temas abordados, com maior ou menor profundidade, estão a concepção de desenvolvimento humano, o conceito de cultura, as relações entre desenvolvimento e aprendizagem, a importância da mediação semiótica, o conceito de zona de desenvolvimento proximal, o papel do professor, a concepção de criação e imaginação, a concepção de linguagem e a função do contexto social para o desenvolvimento musical. Além da apresentação dos conceitos teóricos, o texto procura também, através de exemplos, estabelecer pontes entre as formulações vigotskianas e as práticas pedagógico-musicais. Como principal conclusão deste estudo, afirma-se o ganho educacional qualitativo nas apropriações teóricas de Vigotski que não descartem suas premissas epistemológicas. Palavras-chave: educação musical, psicologia histórico-cultural, teoria vigotskiana, desenvolvimento musical. ! ! Title: Vigotsky’s Theory contributions to music education Abstract: This paper is part of a theoretical study whose main objective is to investigate the contributions of cultural-historical psychology to music education and presents a specific framework into Vigotsky’s psychology. Taking account of some fundamental concepts and notions widely spread in the field of music education, this paper aims at presenting them as articulated to the totality of the theory, highlighting its main general assumptions. Among the themes approached, more or less deeply explained, are the concept of human development, the concept of culture, the relations between development and learning, the importance of semiotic mediation, the concept of zone of proximal development, the role of the teacher, the concept of creation and imagination, the concept of language and the function of social context in music development. As well as the presentation of the theoretical concepts, the paper also seeks, through the use of examples, to establish connections between Vigotsky’s formulations and the pedagogical-musical practices. The qualitative educational gain in the theoretical appropriations of Vigostky’s ideas which do not eliminate its epistemological premises is affirmed as the main conclusion of this study. Keywords: music education, cultural-historical psychology, vigotsky’s theory, music development. Há algum tempo temos notado a presença de elementos da teoria vigotskiana em textos de autores da educação musical1. Pensamos que a incorporação de novas concepções ao ideário da educação musical seja bastante louvável, uma vez que pode ser identificada em nosso país uma forte adesão à perspectiva cognitivista de filiação piagetiana, possivelmente reflexo do poder de sedução que essa perspectiva exerceu, e tem exercido até hoje, no campo educacional. Sem dúvida, os educadores musicais brasileiros que realizaram/realizam www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 49 pesquisas e propuseram/propõem caminhos metodológicos a partir do referencial piagetiano muito contribuíram/têm contribuído para o entendimento do processo de aprendizagem musical – nesse caso, compreendido como construção do conhecimento musical (por exemplo, Beyer, 1996; Kebach, 2007; Deckert, 2008). Entretanto, consideramos que o contraponto ao ideário hegemônico é sempre benéfico; o diálogo no campo das ideias é sempre enriquecedor. Nesse sentido, o interesse pelas obras do psicológio russo, ocorrida mais fortemente na educação em geral a partir dos anos noventa e, na educação musical, nos anos dois mil, parece trazer uma brisa de renovação. A adoção da teoria vigotskiana em estudos da área da educação musical pode, a nosso ver, lançar luz sobre certas questões que outras teorias não esclarecem de modo suficiente ou mesmo deixam de lado2. Não estamos postulando o uso “agregado” dessas teorias, sem levar em conta os fundamentos que as distinguem, aproximando-as através que pontos superficialmente convergentes. Ao contrário, o objetivo deste texto é justamente propor um uso aprofundado e mais completo da teoria vigotskiana, elucidando certas concepções que, uma vez compreendidas, acreditamos, podem trazer importantes contribuições para o campo da educação musical3. Iniciaremos, então, esclarecendo alguns conceitos fundamentais que, a nosso ver, marcam os contornos peculiares da teoria vigotskiana, trazendo-os para o campo da educação musical. Voltar-nos-emos também para os conceitos vigotskianos mais comumente encontrados nos textos de educação musical, procurando integrá-los à totalidade da sua teoria, bem como a outros que podem também colaborar para a elaboração de propostas pedagógicas musicais. ! Conceitos fundamentais da teoria vigotskiana Entre as contribuições mais originais de Vigotski, da qual possivelmente derivam todas as outras, está a sua concepção de desenvolvimento humano. Em suas formulações (Vygotski, 2000), este autor postula a natureza histórico-social das funções psicológicas superiores4. Isso significa dizer que todo o comportamento especificamente humano é constituído a partir de relações sociais; relações que se estabelecem no âmbito da vida social organizada. Essa é a marca distintiva de sua teoria: a historicidade no entendimento do desenvolvimento humano; diferentemente de outras formulações que o entendem como resultado do amadurecimento de estruturas já presentes no indivíduo ao nascer, ou como resultado da influência direta e www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 50 unívoca do meio. Assim, o processo de desenvolvimento é assumido como a incorporação/ apropriação/internalização de modos culturais de ser, sentir, pensar, agir. Na teoria vigotskiana, então, o conceito de cultura ganha destaque e identifica-se com a transformação da natureza pelo homem, através do trabalho conjunto. Para se adaptarem ao meio em que vivem, os homens, ao invés de modificarem seu próprio organismo como fazem as outras espécies animais, transformam a natureza; processo de adaptação indireta, que caracteriza a passagem de uma condição estritamente biológica de existência para uma condição cultural5. Nesse processo, o homem cria instrumentos materiais e psicológicos (signos), que regulam o seu próprio comportamento. No curso de seu desenvolvimento – do nascimento à vida adulta –, o indivíduo não pode contar somente com aquilo que lhe é transmitido naturalmente, mas precisa se apropriar desses instrumentos e signos, resultado de toda a experiência humana anterior (linguagens, ferramentas, objetos, hábitos etc.). A apropriação pela criança desses instrumentos culturais promove uma reorganização psíquica no sentido do autodomínio de seus processos de comportamento (Pasqualini, 2011). Não sendo um dado natural, a apropriação só pode ocorrer através de relações sociais e históricas. Leontiev6 (1978) distingue os modos de adaptação humana em relação ao das outras espécies animais, nos seguintes termos: a actividade animal compreende actos de adaptação ao meio, mas nunca actos de apropriação das aquisições do desenvolvimento filogénico. Estas aquisições são dadas aos animais nas suas particularidades naturais hereditárias; ao homem são propostas nos fenómenos objetivos do mundo que o rodeia. Para as realizar no seu próprio desenvolvimento ontogénico, o homem tem que apropriar-se delas; só na sequência desse processo – sempre activo – é que o indivíduo fica apto para exprimir em si a verdadeira natureza humana, estas propriedades e aptidões que constituem o produto do desenvolvimento socio-histórico do homem (p. 167 – grifos do autor). ! Essa apropriação do mundo que rodeia o indivíduo, condição para o seu pleno desenvolvimento, contudo, não se realiza de maneira direta, mas mediada por signos e por outros indivíduos. Isso significa que não é mundo objetivo enquanto tal que é internalizado no processo de desenvolvimento, mas são as significações sociais nele contidas que vão sendo absorvidas pela criança em desenvolvimento, num processo ativo através do qual elas vão, gradativamente, se convertendo em significações próprias (Pino, 2005). Há, portanto, na constituição do psiquismo humano, uma forte ênfase no que denominamos mediação semiótica, conceito que deixa claro a importância, ao mesmo tempo, dos sistemas simbólicos presentes em uma cultura (os quais condensam as significações de mundo desse grupo www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 51 cultural) e das interações sociais (já que é a partir do contato com os membros da cultura que a criança se apropriará desses universos simbólicos). Com base nessas primeiras ideias vigotskianas sobre o desenvolvimento, já podemos inferir a importância da educação (entendida de modo bastante amplo) para a constituição do ser humano de modo geral, já que, de acordo com essa visão, sem alguma forma de aprendizagem (formal ou informal) não há possibilidade de desenvolvimento psíquico. Podemos inferir também a impossibilidade de qualquer forma de desenvolvimento musical sem a apropriação dos “fenômenos objetivos do mundo” musical, mediada por outros indivíduos em situações sociais de aprendizagem7. Nesse sentido, a educação musical (tomada numa acepção ampla) não é vista como uma forma de fornecer estímulos com vistas a despertar potenciais musicais latentes, mas como responsável, pelas práticas que propõe, pela constituição (ou não), nos indivíduos, de uma certa forma de musicalidade. Depreende-se dessa visão da relação entre aprendizagem e desenvolvimento na qual a primeira é condição para o segundo8, o papel crucial do professor de música, principal mediador, nas situações formais de aprendizagem, das relações significativas que as crianças vão construindo em relação à música. E, nesse sentido, as ações mediadoras do professor são inúmeras e trazem consequências profundas para a aprendizagem musical. Desde a escolha dos repertórios a serem trabalhados, o seu modo de apresentação, as propostas metodológicas de trabalho sobre esses repertórios, até as relações pessoais valorativas que deixam transparecer em relação às músicas e o modo como conduzem suas aulas etc., tudo isso vai influenciar positiva ou negativamente no processo de desenvolvimento musical dos alunos. Numa visão mais “macro”, também a escola desempenha uma função mediadora no processo de aprendizagem musical que pode tanto colaborar quanto atrapalhar ou mesmo impedir o desenvolvimento musical das crianças. Assim, por exemplo, o modo como a escola disponibiliza e organiza os espaços para as aulas de música, a variedade e qualidade dos materiais fornecidos, o empenho ou descaso em incorporar aos seus quadros de funcionários profissionais especializados em música, o modo como coloca a música nos seus tempos curriculares, todas essas ações também trarão consequências diretas ao ensino de música e, portanto, ao desenvolvimento musical dos alunos dessa escola. Além da mediação, outro conceito vigotskiano, amplamente usado na educação em geral e na educação musical em particular, é a chamada zona de desenvolvimento próximo (ou proximal, como é mais conhecido)9. Trata-se de um conceito que aparece em Vigotski diretamente articulado à sua concepção de desenvolvimento psíquico, porém seu “sucesso” e www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 52 difusão nos meios educacionais foram tamanhos que ele acabou por se distanciar, em muitas apropriações que dele foram feitas, das suas origens na psicologia histórico-cultural (expressão usada para designar a vertente da psicologia à qual de filia esse autor). Em suas formulações sobre o desenvolvimento, Vigotski (Vigotskii, 1988) estabelece a distinção entre desenvolvimento real, definido por aquilo que uma criança já consegue realizar sozinha, e desenvolvimento proximal, definido por aquilo que uma criança só consegue realizar com o auxílio de uma pessoa mais experiente (que pode ser o professor ou outra criança mais velha, por exemplo). Segundo esse autor, as ações que só podem ser realizadas com auxílio ainda não fazem parte do repertório de aquisições da criança, mas estão bem perto, provavelmente serão as próximas conquistas no seu desenvolvimento. É um conceito, portanto, totalmente articulado à concepção social e mediada de desenvolvimento humano, que enfatiza especificamente o poder de uma mediação bem realizada de fazer emergir uma função psicológica ou capacidade em alguma área específica. Assim sendo, parte das atribuições do professor seria justamente trabalhar na zona de desenvolvimento proximal (ZDP) da criança, ocasionalmente propondo tarefas que estão um pouco além de suas possibilidades momentâneas, mas sempre tendo o cuidado de participar ativamente dessas situações de aprendizagem. A educação, em outras palavras, deveria procurar se adiantar ao desenvolvimento e não esperar por ele. Em termos de educação musical, considerar a ZDP não significa “dar coisas difíceis”, trabalhando repertórios complexos ou exigindo execuções tecnicamente acima das possibilidades do aluno, como uma leitura superficial de Vigotski poderia dar a entender, mas, a partir do entendimento da função da mediação social no desenvolvimento, o professor efetivamente se colocar numa posição ativa e intervencionista no ensino, não tendo nenhum receio, por exemplo, em proporcionar o contato com modelos a serem eventualmente imitados pelo aluno. A aprendizagem por imitação (não confundir com adestramento ou aprendizagem mecanicista) é, para Vigotski (Vigotskii, 1988), um caminho necessário e em total sintonia com a ideia de ZDP10. Mais do que isso, a imitação é condição para o desenvolvimento da criação, outra questão importante quando pensamos em educação musical. A ideia de criação artística frequentemente aparece associada a outras, como intuição, inspiração, genialidade etc. De acordo com a psicologia histórico-cultural, entretanto, a possibilidade de criação não advém de lugares incertos, não é privilégio de poucos, mas uma característica de todos os seres humanos, desenvolvida desde a infância e cujas raízes estão na função psicológica da imaginação. A imaginação começa a surgir nas primeiras brincadeiras www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 53 de “faz de conta” que a criança realiza na idade pré-escolar. Essas brincadeiras, inicialmente são meras imitações de ações que fazem parte da experiência vivida, direta ou indiretamente, pela criança. Com o desenvolvimento da imaginação, essas ações imitadas na brincadeira vão se ampliando e incorporando elementos novos, num processo que sempre os articula a elementos conhecidos e vivenciados. A brincadeira “faz de conta” é, para Vigotski (2009), a origem da capacidade criadora do homem, a qual nasce, portanto, da experiência prática, da vivência, da ação sobre o mundo conhecido e não de supostas capacidades a priori na criança. Essa questão é particularmente importante para a educação musical, pois vemos, em muitas abordagens metodológicas, propostas de trabalhar com a criação musical, mas sem fornecer elementos prévios, apostando justamente numa criatividade inata. Ao contrário, para ser capaz de criar músicas, uma criança precisa ter contato intenso com repertórios sonoros e musicais variados, os quais serão modificados, transformados e reapropriados de inúmeras formas em suas criações. Outra concepção importante para o campo da educação musical e que marca uma diferença em relação a outras teorias é a concepção de linguagem. Consonante com suas formulações acerca da origem social e histórica das funções psicológicas superiores, para o autor russo, a linguagem não emerge do próprio indivíduo, em um processo natural, e tampouco é apenas o resultado da estimulação do meio; sua origem é, igualmente, histórica e social. De acordo com Pino (1993, p. 14), a linguagem “não nasce no indivíduo para depois socializar-se, mas nasce na sociedade para depois individualizar-se. […] Na linguagem, mais do que em outras funções psíquicas, é evidente que, antes de constituir-se como função do sujeito falante, ela é uma produção dos homens e uma prática social”. Os homens, no curso de sua evolução, criaram/criam sistemas de signos para representar-se e representar a realidade – entre eles, a linguagem. E como criação humana – produção e prática social – a linguagem só pode ser adquirida pelo indivíduo nas relações sociais. Na concepção vigotskiana, a linguagem tem uma função constitutiva do nosso psiquismo: é ela que torna possíveis os processos de conceitualização e elaboração de ideias (Pino, 1993). Trazer essa concepção de linguagem para as reflexões e práticas em educação musical implica considerar, então, a música como um sistema sígnico, criação humana, cuja apreensão só é possível nas relações interindividuais. Nesse processo, é imprescindível a mediação de outros indivíduos que, já tendo se apropriado eles mesmos da linguagem musical, podem partilhar com a criança as significações musicais socialmente elaboradas. A compreensão musical só poderá advir de um profundo e bem orientado mergulho no mundo da música. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 54 Considerações Finais Para finalizar, gostaríamos de dizer que não é nossa intenção desvalorizar o trabalho de outros autores da educação musical que têm procurado na teoria vigotskiana respaldo para uma prática educacional mais significativa. Não estamos postulando a nossa leitura da teoria histórico-cultural como verdade única, apenas desejamos alertar para a importância do uso mais aprofundado e completo das ideias de Lev S. Vigotski (o que, é importante registrar, também vem sendo feito por vários autores da educação musical que assumem a sua perspectiva teórica). Acreditamos que o campo da educação musical terá muito a ganhar com as concepções inovadores formuladas pelo autor russo: a historicidade no desenvolvimento humano; a mediação semiótica na constituição do psiquismo; o modo como entende a relação entre aprendizagem e desenvolvimento e o papel do professor; seus estudos sobre a imaginação e a criação na infância e sobre a linguagem, e outras. Mas pensamos que é necessário assumir essas concepções inseridas na totalidade da teoria para que elas possam contribuir, efetivamente, para a superação de preconceitos há muito arraigados que afirmam a música como privilégio de poucos, consolidando-a como direito de todos os indivíduos. ! Referências Barbosa, K. J., França, M. C. C. (2009). Estudo comparativo entre a apreciação musical direcionada e não direcionada de crianças de sete a dez anos em escola regular. Revista da ABEM, 22, 07-18. Benedetti, K. S., Kerr, D. M. (2008). 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Revista da ABEM, 21, 103-112. 1 Ver Mota (2003), Benedetti e Kerr (2008), Souza (2008), Barbosa e França (2009), Waslawick e Maheirie (2009), Ramos (2011), França (2013), entre outros. 2 Também para Hargreaves e Zimmerman (2006), a abordagem vigotskiana, pelas questões que coloca, tem trazido contribuições importantes e recebido especial atenção nos estudos sobre ensino e aprendizagem das artes. 3 Não vai aqui nenhuma crítica a qualquer forma de apropriação que venha sendo feita de Vigotski. Apenas reiteramos que, do nosso ponto de vista, a inserção desses conceitos na totalidade da teoria pode ser ainda mais produtiva educacionalmente. 4 Vigotski estabelece uma diferença entre funções psicológicas elementares ou primitivas e funções psicológicas superiores. As primeiras vêm com a nossa herança biológica e são comuns a todas as espécies animais. As funções psicológicas superiores são justamente aquelas que nos distinguem dos outros animais, que são caracteristicamente humanas e têm sua origem em processos culturais: a atenção voluntária, a memória mediada, a imaginação, a criação, as diferentes formas de linguagem etc. 5 É importante esclarecer que Vigotski não despreza o fundamento biológico na constituição do nosso psiquismo; é sobre ele que se constituem as funções psicológicas superiores. O biológico, entretanto, não é, necessariamente, um dado definitivo, uma vez que pode ser transformado pela cultura. 6 Alexis N. Leontiev [1903-1979] e Alexander R. Luria [1902-1977] foram os principais colaboradores de Vygotski. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 56 7 Embora considere a importância da aprendizagem informal para o desenvolvimento psíquico, Vigotski dá especial relevância para a instrução formal, pois é ela que permitirá que a criança supere o que esse autor denomina “conceitos espontâneos” (modos ingênuos de compreensão do mundo) e adquira os “conceitos científicos” (formas fundamentadas e sistematizadas de compreensão dos fenômenos). 8 Vale assinalar aqui uma inversão em relação a outras abordagens teóricas nas quais a aprendizagem dependa do desenvolvimento e não conduza a ele. 9 Segundo Prestes (2010), a tradução mais apropriada para esse conceito vigotskiano é zona de desenvolvimento iminente. Neste texto, porém, optamos por manter a forma mais conhecida entre os educadores musicais: zona de desenvolvimento proximal e sua respectiva sigla, ZDP. 10 Contrariamente a essa posição, porém, muitas vezes vemos a noção de ZDP usada em contextos teóricos mais próximos a concepções maturacionistas, que assumem uma certa autonomia do desenvolvimento em relação a fatores externos. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 57 Análise interpretativa do documentário Tocar y Luchar sob a ótica da Teoria Social Cognitiva ! Veridiana de Lima Gomes Krüger Universidade Federal do Paraná/CAPES/PROFCEM [email protected] ! Igor Mendes Krüger ! Universidade Federal do Paraná/PROFCEM [email protected] Resumo: O objetivo do presente trabalho foi relacionar alguns depoimentos extraídos do documentário Tocar y Luchar, lançado no ano de 2004 para as comemorações dos trinta anos do projeto venezuelano mundialmente conhecido como El Sistema e as persuasões verbais, descritas por Albert Bandura na “Teoria Social Cognitiva” (1986) como uma das quatro fontes de desenvolvimento das crenças de autoeficácia dos indivíduos. Para dar conta do objetivo proposto, realizamos uma pesquisa documental de caráter exploratório interpretativo, tendo como fonte de dados o referido documentário. Este documentário teve como objetivo promover o sistema de orquestras venezuelano tanto para seus participantes, comunidade e para a Venezuela em geral, quanto para o restante do mundo. Portanto, foram gravados uma série de depoimentos de músicos de renome internacional, como Simon Rattle, Plácido Domingo, Claudio Abbado, entre outros, visando dar maior credibilidade aos êxitos obtidos por El Sistema em seus 30 anos de existência. Através da análise dos dados, percebemos que as persuasões verbais descritas por Bandura na Teoria Social Cognitiva como contribuintes para a formação de crenças de autoeficácia, e, consequentemente aumento da motivação do indivíduo estão presentes no discurso dos entrevistados. Palavras-Chave: El Sistema, Tocar y Luchar, persuasão verbal, pesquisa documental. ! Title: Interpretative analysis of the documentary Tocar y Luchar from the perspective of social cognitive theory Abstract: The aim of this work was to relate some testimonials taken from documentary Tocar y Luchar, released in 2004 for the commemoration of the thirty years of the Venezuelan project globally known as El Sistema and verbal persuasions, described by Albert Bandura in "Social Cognitive Theory" (1986 ) as one of four sources of development of self-efficacy beliefs of individuals. To realize the proposed objective, we conducted a desk research interpretive exploratory, with the data source said documentary. This documentary aims to promote the system of Venezuelan orchestras both for its participants, community and Venezuela in general, and for the rest of the world. So were a number of written testimonials from internationally renowned musicians such as Simon Rattle, Placido Domingo, Claudio Abbado , among others, aimed at giving greater credibility to the successes obtained by El Sistema in its 30 years of existence. By analyzing the data, we realize that verbal persuasion described by Bandura on Social Cognitive Theory as contributors to the formation of self-efficacy beliefs, and consequently increase the motivation of the individual are present in the interviews. Keywords: El Sistema, Tocar y luchar, verbal persuasion, documentary research. ! ! Introdução O Sistema Nacional de Coros y Orquestas Infantiles e Juveniles de Venezuela, que ficou mundialmente conhecido como El Sistema, foi fundado em 1975 pelo maestro José Antonio Abreu com o objetivo de adaptar a metodologia de ensino musical existente em outros países www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 58 à realidade venezuelana através da prática coral e orquestral. Constitui-se de uma obra social e cultural do estado venezuelano que atualmente atende cerca de 400 mil crianças, jovens e adolescentes, em seus 285 núcleos de formação prática e teórica que estão distribuídos em todo território venezuelano. Devido aos êxitos artísticos, sociais e educacionais que tem alcançado ao longo de seus 39 anos de existência, El sistema é considerado por diversas instituições internacionais como um programa de educação musical e inclusão social único e digno de ser inplementado em todas as nações do planeta. Em 1995 a UNESCO nomeou José Antônio abreu embaixador especial para a criação de um sistema mundial de coros e orquestras, com o objetido de difundir mundialmente a metodologia de ensino utilizada em El Sistema. Atualmente esta metodologia já é utilizada como modelo por mais de 35 países. É crescente o interesse de pesquisadores pelo projeto, mais especificamente pelos fatores que contribuem com o êxito do mesmo, e também pela forma como projetos inspirados em El Sistema estão sendo desenvolvidos ao redor do planeta. Muitas pesquisas estão sendo realizadas sobre os programas inspirados no modelo venezuelano. Em 2013, foi publicada uma revisão de literatura organizada por Creech et al (2013) com base em 130 pesquisas realizadas a nível mundial. As pesquisas estão sendo desenvolvidas sob as mais variadas abordagens, nesta revisão os organizadores identificaram as seguintes categorias de abordagens: questões sociais, emocionais e cognitivas; envolvimento familiar; participação e impacto na comunidade; pedagogia; liderança e rede de empreendedorismo; qualidade das atividades; progresso musical; inclusão; contextualização e carcterísticas culturais específicas dos programas. Neste trabalho o foco de investigação é dado aos aspectos motivacionais presentes em El Sistema e a forma como estes podem contribuir com o êxito do projeto. Nossa hipótese é que a prática de ensino e aprendizagem em El Sistema garante alto nível de motivação, podendo assim, ser um dos fatores que favorecem a obtenção de bons resultados artísticos, sociais e educacionais pelo projeto. Pesquisas que propõem um diálogo entre psicologia/educação/música tem discutido questões cognitivas, sociais e afetivas dos indivíduos a partir de teorias significativas no campo dos estudos motivacionais. Segundo Araújo (2010) dentre as abordagens cognitivistas pode-se destacar o estudo da autodeterminação, expectativa-valor, teoria do fluxo, as crenças de autoeficácia, dentre outras. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 59 Nesta pesquisa o enfoque é dado à questões sociais e cognitivas, portanto, utilizamos como suporte teórico a Teoria Social Cognitiva (1986) proposta por Albert Bandura mais especificamente o que concerne as Crenças de autoeficácia (1997), que segundo Bandura (1997) são as percepções dos indivíduos sobre suas próprias capacidades de desenvolver determinadas atividades. Segundo Bandura (1997), os julgamentos de autoeficácia de uma pessoa determinam seu nível de motivação, pois é a partir desses julgamentos que a pessoa decide quanto esforço e tempo dedicará a uma atividade e o quando será resistente frente à situações adversas. Por exemplo, um aluno que está aprendendo a tocar violino, se ele não acreditar que possui capacidade para aprender a tocar o instrumento provavelmente o seu nível de dedicação para superar os desafios e alcançar um bom desempenho musical será reduzido. Se ao contrário, o aluno acreditar que possui capacidade de aprender a tocar, a dedicação deste para superar as jornadas de estudos necessárias para que se alcance um bom desenvolvimento musical será elevada. Ressalta-se nessa definição que se trata de uma avaliação ou percepção pessoal quanto à própria inteligência, habilidades, ou conhecimentos etc., representados pelo termo capacidade. Não é questão de se possuir ou não tais capacidades; não basta que estejam presentes. Trata-se de a pessoa acreditar que as possua. Além disso, são capacidades direcionadas para organizar e executar linhas de ação, o que significa uma expectativa de “eu posso fazer” determinada ação. (BZUNECK, 2004, p. 116). ! De acordo com Bandura (1997), estas crenças podem ser formadas pelo indivíduo a partir da interpretação de quatro fontes principais: experiências pessoais de êxito, experiência vicária, persuasão verbal e estados físicos e emocionais. Assim, o objetivo do presente trabalho foi verificar a ocorrência de persuasões verbais no documentário Tucar y Luchar, dirigido por Alberto Arvelo e lançado em 2004 com o objetivo de contar a história de El Sistema. Para dar conta do objetivo desta pesquisa foi realizada uma pesquisa documental de caráter exploratório interpretativo, que teve como fonte de coleta de dados o documentário acima citado. ! Persuasão Verbal No Brasil, pesquisas sobre música e motivação com base nas teorias de Bandura (1997) apresentam subsídios importantes para a investigação da motivação com enfoque em diversas áreas do ensino, aprendizagem e desenvolvimento musical. Como por exemplo, os trabalhos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 60 de Cavalcanti (2009); Araújo, Cavalcanti & Figueiredo (2009, 2010); Cereser (2011); Silva (2012). Segundo Bandura (2008), a Teoria Social Cognitiva adota a perspectiva da agência. Ser agente significa fazer as coisas acontecerem de maneira intencional, por meio dos próprios atos, planejamentos, e é autorregulador de suas atividades, levando o homem a refletir sobre seus atos, crenças, ideias e pensamentos. Segundo Bandura (2008), as características básicas da agência humana envolvem aquilo que significa ser humano. As princiais características da agência humana segundo Bandura são a intencionalidade; a antecipação; a autorreatividade e a autorreflexão. De acordo com Pajares e Olaz (2008), Bandura considera a capacidade da autorreflexão como sendo a mais “distintamente humana” tornando-se um aspecto proeminente da teoria social cognitiva , pois é “por intermédio da autorreflexão que as pessoas tiram sentido de suas experiências, exploram suas próprias cognições e crenças pessoais, autoavaliam-se e alteram o seu pensamento e comportamento” (Pajarez & Olaz, 2008, p. 101). Para Bandura (2008) as crenças de eficácia pessoal são os mecanismos centrais da agência humana Segundo Bandura (1997) uma das fontes de desenvolvimento das crenças de autoeficácia é através da persuasão verbal. Os indivíduos podem desenvolver a autoeficácia quando, de alguma forma lhes for comunicado que eles têm competência para desenvolver a atividade em questão. Persuasores desempenham papel importante no desenvolvimento das crenças dos indivíduos, mas não devem ser confundidos com elogios ou louvores vazios. Os persuasores devem cultivar as crenças do indivíduo em suas capacidades, transmitindo confiança verbalmente, estabelecendo ou fortalecendo o senso de confiança do individuo em suas capacidades pessoais. Segundo Bzuneck (2004) as persuasões “serão realmente convincentes se partirem de uma pessoa que goze de credibilidade e, principalmente, se houver a comprovação dos fatos” (p.124). São estas persuasões que acreditamos se tornarem um fator importante para aquisição de bons resultados em El Sistema. Cabe salientar que o documentário que foi analisado é utilizado tanto para apresentar El Sistema para o exterior da Venezuela, quanto para os próprios alunos do projeto. ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 61 Apresentação dos Dados Para o delineamento metodológico deste trabalho optamos pela realização de uma pesquisa documental de caráter exploratório interpretativo. Segundo Gil (2002), “a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com o objetivo da pesquisa” (p.45). Os depoimentos contidos no documentário foram transcritos e posteriormente foi realizada uma análise interpretativa, relacionando os dados transcritos às persuasões verbais propostas por Bandura. Abaixo apresentados os depoimentos extraídos do documentário que elogiam o impacto social alcançado por El Sistema: Cláudio Abbado, Diretor da Orquestra Juvenil Européia sobre El Sistema... Quase ninguém sabe o que está acontecendo aqui na Venezuela, e para mim é o melhor exemplo a ser seguido por todos os países... Desde o ponto de vista musical, humanitário, social, cultural e político, é excepcional... Não acreditava que fosse um nível tão alto de cultura. É fantástico (ABBADO IN ARVELO, 2004). ! Mark Churchill, Diretor do Conservatório New England sobre El Sistema... Esta é uma mensagem para o mundo, é o futuro da música, é um exemplo com o qual todos podemos aprender... Pensamos em programas sociais ao prover de comida, alojamento e atenção médica à quem não possui, e isto é importante, mas o ideal de José Antonio Abreu que alimentando a alma das pessoas, encontrarão a maneira de alimentar-se, de alojar-se a si mesmos, de encontrar as necessidades básicas do homem, crescendo como homens de valor e empenho (CHURCHILL IN ARVELO, 2004) ! Eduardo Mata, Ex-Diretor da Orquestra Sinfônica de Dallas fala sobre o potencial das orquestras juvenis... ! As orquestras juvenis tem o potencial de mudar o perfil sociológico de um país com características como as da Venezuela, Colômbia, Peru ou México. Este projeto é fabuloso, fabuloso em si, e fabuloso também enquanto seu potencial de poder aplicar em outros países (MATA IN ARVELO, 2004). O Diretor da Orquestra Sinfônica de Miani, Eduardo Marturet fala sobre a execução das orquestras de El Sistema... E com expressão da beleza venezuelana de uma forma pura, e o mais importante é de uma forma boa, sem distinção de nenhum tipo, mas, com uma identidade. Essa identidade venezuelana eu creio que dá o movimento, a sonoridade da orquestra inclusive, uma execução impecável (MARTURET IN ARVELO, 2004). ! Também encontramos depoimentos falando sobre a qualidade artística e a expressividade dos venezuelanos: www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 62 O depoimento de Sir Simon Rattle sobre a apresentação da Orquestra Juvenil conduzida por Gustavo Dudamel, um dos maestros formados em El Sistema... Vocês tem aqui um dos mais talentosos jovens diretores que já conheci. Ter escutado ontem uma orquestra tocando Tchaikovsky maravilhosamente, fraseando juntos e comunicando-se mutuamente, é bastante incomum. (RATTLE IN ARVELO, 2004). ! Outro depoimento de Sir Simon Rattle, agora sobre a apresentação da Orquestra Infantil... ! Vimos uma orquestra em que os pés de seus músicos não tocavam o solo (literalmente). Escutei a menor orquestra do mundo dirigida por um dos maiores diretores do mundo... Gustavo, tocando a Marcha Eslava e guiados por um menino de oito anos e não entendo como uma criança de sua idade tenha tanta técnica no violino. E especialmente vi no rosto de todos eles o que sempre acreditei que é a música: alegria, comunicação e alegria (RATTLE IN ARVELO, 2004). O depoimento do tenor Plácido Domingo após assistir uma apresentação da Orquestra e Coro Juvenil.... Quando entrei aqui no Teatro Teresa Carreño, não esperava entrar no céu e ouvir estas vozes celestiais. A verdade é que nunca havia sentido uma emoção tão grande, e senti não só pela emotividade deste momento, mas devo dizer também pela qualidade (DOMINGO IN ARVELO, 2004). ! Abaixo o depoimento de Ronny Marcano, um aluno de trompete de El Sistema... ! Eu tocava corneta porque no núcleo onde eu estava me deram por causa do meu tamanho e minha idade... e depois fui a um seminário de trompete onde conheci um trompetista da Filarmônica de Berlim, Thomas Klamur, que me escutou, disse que minha sonoridade era boa e me trouxe este trompete (RONY IN ARVELO, 2004). O depoimento dos venezuelanos sobre Edcson Ruiz, contrabaixista formado em El Sistema e que hoje é membro da Orquestra Filarmônica de Berlim... O que dizer de Edcson... que ele é o maior orgulho que nasceu aqui no bairro Candelária, para nós é uma honra contar com um jovem talentoso como esse, uma verdadeira estrela da arte, da música. Um gênio para Venezuela, isso é uma coisa que não tem nome... Bom, eu estou conhecendo ele agora não, mas, ma verdade é um orgulho ter um compatriota em uma orquestra tão importante (VENEZUELANOS IN ARVELO, 2004) Categorizamos também comentários a respeito das contribuições de El sistema para o futuro da música: Sir Simon Rattle, Diretor da Orquestra Filarmônica de Berlim fala sobre El Sistema... ! Eu diria que nada é tão importante para a música, como o que está acontecendo aqui na Venezuela (RATTLE IN ARVELO, 2004). ! Parte do assunto, é que as crianças não esperam que as coisas sejam fáceis, assim, estão ansiosos para trabalhar porque o que podem lograr, mas também estão mais www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 63 capacitados para fazer melhor as coisas, porque não há esta sorte da cultura, da crítica, há uma mudança, uma cultura por estímulo, e se algo vai mal, se alguém comete um erro, todos riem disso, e todos sabem “Ok, isso não saiu bem, já saiu melhor”, não existe uma cultura de culpa (RATTLE IN ARVELO, 2004). ! O depoimento abaixo foi feito Sir Simon Rattle ao El Sistema, e José Antonio Abreu leu para os integrantes da Orquestra Juvenil... Se alguém me perguntar onde está acontecendo algo importante para o futuro da música... eu simplesmente diria, aqui, na Venezuela. Vocês não estão vendo isto, porque já está acontecendo aqui há quase 30 anos e vocês estão acostumados. Mas para alguém de fora como eu, é uma força emocional de tal poder, que precisaremos de um tempo para assimilar o que estamos vendo e escutando... e nos dias atuais eu digo, estamos vendo o futuro da música na Venezuela e isso é uma ressurreição (ABREU IN ARVELO, 2004). Devido ao grande interesse que o sistema de orquestras venezuelano tem despertado ao redor do planeta, inúmeros trabalhos acadêmicos, materias de jornais e revistas, entre outros, tem difundio os seus êxitos nos campos sociais, educacionais e artistico/cultural. Porém, poderiamos nos perguntar, sobre qual o impacto que todas estas publicações exercem sobre a motivação dos alunos de El Sistema em permanecer estudando em seus núcleos, ou sobre o quanto todas estas publicações podem exercer influência para motivar pessoas de todas as partes do mundo a criarem núcleos inspirados no modelo venezuelano em suas localidades? São perguntas as quais não temos dados suficientes para responder. Mas, acreditamos que todas as incontáveis publicações referidas acima devam exercer uma influência menor para a motivação dos alunos de El Sistema e para os seguidores do modelo venezuelano ao redor do planeta do que os depoimentos de tantas personalidades da música internacional gravados em vídeo. Baseados no que expomos no presente trabalho, acreditamos que as persuasões verbais apresentadas no documentário possam influenciar positivamente o aumento das crenças de autoeficacia dos alunos de El Sistema, assim como, influenciam pessoas ao redor do planeta a criar núcleos inspirados no modelo venezuelano. Quanto à influência exercida por tais persuasões sobre pessoas de fora da Venezuela que decidam seguir o modelo venezuelano, acreditamos que o que ocorra é um processo de motivação através das experiências vicárias1, que é uma das fontes de desenvolvimento de autoeficácia citada por Bandura na Teoria Social Cognitiva. Neste caso, acreditamos que as persuasões verbais influenciem a motivação através de experiencias vicárias, pois, ao assistir tantos elogios e constatações de êxitos direcionados aos venezuelanos, desperta-se a vontade alcançar êxitos e reconhecimentos semelhantes. Estas experiências podem inclusive estar www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 64 relacionadas com o crescente número de países que já implementaram programas orquestrais inspirados no modelo venezuelano. ! Considerações Finais Com a realização deste trabalho foi possível observar que as persuasões verbais descritas por Bandura como uma das quatro fontes de desenvolvimento de autoeficácia, estão presentes no documentário Tocar y Luchar. O referido documentário teve como objetivo promover o trabalho desenvolvido em El Sistema, tanto no interior da Venezuela, para os participante do projeto, familiares de participantes e comunidade em geral, quando no exterior, para instituições que apoiam ou possam vir a apoiar o projeto, países que ainda não possuem um sistema de orquestras, e público em geral. A ocorrência de persuasões verbais neste documentário nos leva a crer que este pode ser considerado um veículo importante de estímulo para os alunos do projeto, uma vez que o documentário é exibido para os alunos. ! Referências Arvelo, A. (2004). Tocar y luchar [film]. Caracas, Venezuela: Fundación Musical Simón Bolívar. Araújo, R.C; (2010). Motivação e ensino de música. In: Ilari, B; Araújo, R.C. (Org.) Mentes em música. Curitiba: Editora UFPR. Araújo, R. C.; Cavalcanti, C. P. ; Figueiredo, E (2009). Motivação para aprendizagem e prática musical: dois estudos no contexto do ensino superior. ETD : Educação Temática Digital, v. 10, p. 249-272 Araújo, R. C.; Cavalcanti, C. P. ; Figueiredo, E. (2010). Motivação para prática musical no ensino superior: três possibilidades de abordagens discursivas. Revista da ABEM, v. 24, pp. 34-44. Bandura, A. (1986). Social foundations of thought and action: a social cognitive theory. Englewood Cliffs NJ: Prentice Hall. Bandura, A. (1997). Self-efficacy: the exercise of control. New York: Freeman. Bandura, A.; Azzi, R. G.; Polydoro, S. (2008). Teoria Social Cognitiva: Conceitos Básicos. Porto Alegre: Artmed. Bzuneck, J.A.; Boruchovitch, E. (2004). A Motivação do Aluno: Contribuições da psicologia contemporânea. Petrópolis: Editora Vozes. 3ª ed. Cavalcanti, C. R. P. (2009). Auto-regulação e prática instrumental: um estudo sobre as crenças de auto-eficácia de músicos instrumentistas. Dissertação de Mestrado. Curitiba: UFPR. Cereser, C. (2011). As crenças de autoeficácia dos professores de música. Tese de doutorado. Porto Alegre: UFRGS. Creeh, A; González-Moreno, P.; Lorenzino, L.; Waitman, G. (2013). El Sistema and SistemaInspired Programmes: A Literatura review of research, avaluation and critical debates. Califórnia: Sistema Global. Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. 4ªed. São Paulo: Atlas. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 65 Pajares, F.;Olaz, F.(2008). Teoria social cognitiva e auto-eficácia: uma visão geral. In: Bandura, A.; Azzi, R. G.; Polydoro, S. Teoria Social Cognitiva: Conceitos Básicos. Porto Alegre: Artmed. Silva, R. R.(2012). Consciência de autoeficácia: uma perspectiva sociocognitiva para o estudo da motivação de professores de piano. Dissertação de Mestrado. Curitiba: UFPR. ! Notas ! 1 As experiências vicárias são a observação da mesma atividade sendo realizada por outra (s) pessoas. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 66 Autorregulação da aprendizagem e aprendizagem cooperativa: um diálogo na formação do violonista ! Luan Sodré de Souza Universidade Federal da Bahia [email protected] ! Ana Cristina Tourinho Universidade Federal da Bahia [email protected] ! Resumo: Este artigo pretende fazer um diálogo a respeito do conceito da autorregulação da aprendizagem à luz da Teoria Social Cognitiva aplicada ao processo de aprendizagem do violonista. Pretende-se fazer um contraponto com a aprendizagem cooperativa, traçando um caminho pelo qual existe uma confluência entre estes dois processos de aprendizagem. A partir das ideias desenvolvidas, o texto nos leva a refletir uma aprendizagem musical na qual tanto o professor, quanto o aluno tem responsabilidades no processo de construção da aprendizagem e ainda sugere um equilíbrio entre os momentos coletivos e individuais na aprendizagem do instrumento musical. A aprendizagem cooperativa se mostra como um caminho possível para aquisição de ferramentas autorregulatórias que são indispensável para a formação do instrumentista, visto que estes profissionais passam bastante tempo em um momento de estudo individual onde eles precisam auto gerenciar os seus processos de aprendizagem. Focado no processo de construção da aprendizagem musical, e mais especificamente, na formação do violonista, procura-se refletir a respeito de caminhos onde a formação do instrumentista seja mais do que desenvolvimento de habilidades técnicas. Um caminho onde impere a formação do indivíduo para as diversas demandas encontradas na profissão e na vida, levando em consideração os conhecimentos prévios do indivíduo, as suas motivações, ambições, a troca com os seus pares e o desenvolvimento da sua autonomia. Palavras-chaves: autorregulação da aprendizagem, aprendizagem cooperativa, ensino de instrumentos, ensino de violão, teoria social cognitiva. ! Title: Self-regulation of learning and cooperative learning : A dialogue in formation of the guitarist Abstract: This paper aims at a dialogue about the concept of self-regulation of learning in light of Social Cognitive Theory applied to the learning process of the guitarist . In order to make a counterpoint with cooperative learning , tracing a path along which there is a confluence between these two learning processes . The ideas developed , the text leads us to reflect a musical learning in which both the teacher and the student has responsibilities in the construction of the learning process and also suggests a balance between collective and individual moments in learning a musical instrument . Cooperative learning is shown as a possible way to acquire self-regulatory tools that are indispensable for the formation of the performer , as these professionals spend enough time in a moment of self-study where they need to self-manage their learning processes . Focused on the construction process of musical learning , and more specifically , in the formation of the guitarist , seeks to reflect on ways that the formation of the instrumentalist is more than development of technical skills . A path where reigns the formation of the individual to the various demands encountered in the profession and in life, taking into account prior knowledge of the individual, their motivations , ambitions , the exchange with their peers and develop their autonomy. Keywords: self-regulation of learning , cooperative learning , teaching tools , teaching guitar , social cognitive theory. ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 67 A Formação do Instrumentista e a autorregulação da aprendizagem O instrumentista passa boa parte do seu período de formação desenvolvendo trabalhos solitários, visto que, são imprescindíveis os momentos de estudo individual para o seu crescimento. Esta fase implica em concentração e bom direcionamento do esforço dispendido, tarefa intransferível, visto que, é necessário que o estudante desenvolva habilidades que serão maturadas a partir do seu estudo individual. Alguns pesquisadores buscaram entender o processo de estudo do instrumentista, bem como a prática deliberada do instrumento musical. Um significativo número de pesquisadores têm se dedicado a investigar a eficácia da prática deliberada para a aquisição de alto nível de performance em diferentes áreas de conhecimento. Segundo ERICSSON, KRAMPE E TESCH-RÖMER (1993, p. 368), a prática deliberada constitui-se de um conjunto de atividades e estratégias de estudo, cuidadosamente planejadas, que têm como objetivo ajudar o indivíduo a superar suas fragilidades e melhorar sua performance; a realização de tais atividades requer esforço, não sendo, portanto, inerentemente prazerosa. Porém, os indivíduos se vêm motivados a empreendê-las pelo avanço eminente que elas podem proporcionar à sua performance (Santiago, 2006, p.53). ! É neste momento imprescindível que acontecem os avanços e retrocessos considerando que estudar de forma equivocada pode causar danos a técnica dos instrumentistas. Nestas sessões são colocadas em prática as informações adquiridas em aulas, masterclasses, conversas, observações e tantas outras possibilidades de aprendizado. Quando novas informações são relacionadas com conhecimentos prévios, análises, e outras tantas conexões é que de fato irá ser gerado um novo conhecimento aplicado no instrumento. Stefanelli (2009), baseado em Sala e Goñi (2000) diz que "A aprendizagem é mais significativas na medida em que o novo material for incorporado às estruturas de conhecimento do aluno e procurar adquirir significado para ele a partir da relação com o seu conhecimento prévio". Desta forma, são feitas conexões entre conhecimentos anteriores, novas informações e as descobertas no momento da prática, o que irá resultar na construção de novos conhecimentos. Ainda refletindo sobre o processo de estudo do instrumentista e a necessidade do seu momento de prática, Santiago (2010) diz que: "Embora a definição de música e, por conseguinte, da prática musical, varie de cultura a cultura, é da natureza humana que as habilidades psicomotoras necessitem de exercício (ou prática) para se manterem num nível de excelência" (Santiago, 2010, p.131). Sobre isto, Gabrielsson (como citado em Santiago, 2010), destaca dois principais componentes relacionados ao alto nível da performance musical: a compreensão total da música, sua estrutura e significado; e o domínio completo da técnica instrumental". O domínio é atingido por meio da prática. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 68 Tomando como ponto de partida esta reflexão, destaca-se a importância da investigação desse momento solitário do instrumentista, necessário para a construção da sua performance. Nessa etapa o estudante desempenha diversos papeis. Sozinho, irá tomar decisões com relação a seu processo de estudo incluindo a organização do trabalho e metas a serem alcançadas realizando uma auto avaliação, isto é, neste momento ele é o seu próprio professor. Esse processo possivelmente se perpetuará para o resto da sua vida profissional, ao decidir as peças para novos programas de concerto, expandir o repertório e outras situações típicas que envolvem decisões profissionais. Pensando na prática como autoinstrução, existem três fases propostas por Jorgensen (como citado em Fonseca, 2010), são elas: planejamento e preparação; realização, observação; e avaliação, que ainda podem ser subdivididas em mais outras etapas. As estratégias de planejamento e preparação abrangem estratégias para seleção de atividade, organização e estratégias para administração do tempo. As estratégias executivas incluem estratégias de ensaio, estratégias para repartição da prática ao longo da sessão de estudos e estratégias para a preparação de uma apresentação pública. Já as estratégias de avaliação incluem o conhecimento, o controle e a regulação das estratégias como um todo. Com estas premissas, destaca-se a importância do professor de instrumento buscar desenvolver nos seus alunos a capacidade de autogerir seus estudos. Esse processo que pode ser chamado de autorregulação da aprendizagem consiste na capacidade de auto gerenciamento em várias situações do cotidiano. Durante toda a vida, em diversas áreas do desenvolvimento muitos indivíduos naturalmente realizam este processo, como explica a Teoria social Cognitiva: O processo de auto-regulação está presente em todas as pessoas ao longo de toda sua vida, sendo que quanto mais sofisticados seus repertórios comportamentais e suas interações com o ambiente, mais complexos serão seus modos de atuação. Esse processo opera por meio de um conjunto de três subfunções psicológicas que devem ser desenvolvidas e mobilizadas para mudanças auto-diretivas voltadas aos objetivos pessoais: a auto-observação, os processos de julgamento e a auto-reação (Bandura, 1986) (Polydoro; Azzi, 2008. p.152). ! Na perspectiva da Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura, teórico que vai subsidiar as reflexões aqui apresentadas, a autorregulação é apresentada na perspectiva de "um processo consciente e voluntário de governo, pelo qual possibilita a gerência dos próprios comportamentos, pensamentos e sentimentos, ciclicamente voltados e adaptados para obtenção de metas pessoais" (Bandura, 1991 como citado em Polydoro; Azzi, 2009, s/p). A autorregulação está presente em diversas áreas do desenvolvimento humano, inclusive, em processos de aprendizagem. Para Bandura, a autorregulação opera por meio de três processos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 69 que são: o auto monitoramento, os julgamentos avaliativos e as autorreações. As três subfunções atuam de forma integrada e em interação com o ambiente. Em se tratando da autorregulação da aprendizagem, a auto-observação permite que o indivíduo possa realizar um auto exame e identificar as suas necessidades. No processo de julgamento, a partir das detecções, o aluno irá buscar informações, fazer escolhas e buscar ações que possam suprir as necessidades detectadas. Na autorreação, o aluno coloca em prática as ações na intenção de reagir ao problema detectado. Esse ciclo se repete durante todo o tempo. (Polydoro; Azzi, 2009). Zimmerman (como citado em Polydoro e Azzi, 2009), baseado nas ideias de Bandura, concorda que o processo de autorregulação da aprendizagem é cíclico. Para ele, esse formato de aprendizagem remete-se a pensamentos, sentimentos e ações autogeradas que são construídas e ciclicamente aplicadas para aquisição de metas pessoais. Zimmerman elaborou um modelo para organizar a autorregulação da aprendizagem que assim como o de Bandura, propunha três fases cíclicas da autorregulação. Em cada fase ele acrescenta ao modelo proposto por Bandura outras variáveis relacionadas diretamente com a aprendizagem. Uma das fases ele chama de "Fase prévia" onde abrange a análise das tarefas e crenças motivacionais, é importante que o aluno esteja motivado para ter êxito neste processo, e além disso, a crença de auto-eficácia é de extrema importância para o sucesso da autorregulação da aprendizagem, segundo Araújo (2010, p. 120), "uma relação significativa sobre o efeito da crença de auto-eficácia no indivíduo é o processo de autorregulação". Uma outra etapa, ele chama de "fase de realização", dentro desta etapa estão o autocontrole e a auto-observação. A seguinte, ele intitula de "Autorreflexão" onde está contido o julgamento pessoal, reações e auto-reações (Polydoro; Azzi, 2009). Esse modelo sugerido por Zimmerman, mais tarde originou o PLEA (Planejamento, Execução e Avaliação) defendido por Rosário (como citado em Polydoro; Azzi, 2009). Este é um modelo cíclico intrafase. Ele diz que as três fases estão contidas dentro de cada uma. É como se existissem micro fases dentro de cada macro fase, por exemplo: dentro do "Planejamento" teria um PLEA, na "Execução" outro PLEA e na "Avaliação" mais outro PLEA. Este formato deixa mais claro o processo de autorregulação da aprendizagem quando tratamos do estudo de instrumentos musicais. Pois mostra que as tarefas de cada fase do processo são planejadas, realizadas e avaliadas (Polydoro; Azzi, 2009). O estudante de violão no seu processo de formação precisa planejar suas jornadas de estudo, pois deve ter uma visão geral do que precisa fazer para chegar a determinado www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 70 resultado musical. Após planejado o percurso a trilhar, é o momento de executar o que se planejou. Nesta fase, o instrumentista é o seu próprio professor, já que, julga-se que este processo ele fará sozinho. Ele é responsável por se auto-observar, detectar problemas e tomar decisões com o objetivo de resolvê-los. É possível ver claramente o planejamento, a execução e a avaliação nesta fase. A avaliação é indispensável, visto que, é a partir dela que o instrumentista irá, perceber o que funcionou, o que não ficou à contento e redefinir o seu estudo, ou seja, ré-planejar e começar um outro ciclo. Para Santiago (2006), é essencial o desenvolvimento de habilidades autorregulatórias no instrumentista, baseada em Nielsen (2001), ela diz que: (...) Ainda um outro fator essencial para o estudo instrumental refere-se ao desenvolvimento das “habilidades auto-regulatórias” pelo músico instrumentista, ou seja, sua capacidade de planejar o próprio estudo e de se tornar participante ativo do seu próprio processo de aprendizado musical (NIELSEN, 2001, p. 156). Dentre as habilidades auto-regulatórias estão a capacidade de definir objetivos e de planejar e escolher estratégias de estudos, bem como a capacidade de auto-avaliação, autoinstrução e auto-monitoramento (NIELSEN, 2001, p. 165) (Santiago, 2006, p. 54-55). Muitos fatores influenciam na autorregulação do indivíduo e por isso ela pode ser mais ou menos acentuada em cada pessoa. Segundo a Teoria Social Cognitiva "o comportamento é determinado a partir da interação contínua e recíproca entre as influencias ambientais, pessoais e comportamentais: o modelo triádico" (Polydoro; Azzi, 2008. p. 151). Neste caso, a história do indivíduo é fundamental para se entender o comportamento que ele tomará frente aos desafios, bem como, o tipo de educação e os estímulos que ele recebe para desenvolver a sua autonomia. A exemplo, posso citar alguém que foi condicionado a receber e executar ordens, sem que ele pudesse tomar decisões e fazer escolhas frente às situações, esta pessoa tende a ser menos autorregulada por ter sido condicionada a fazer apenas o que os outros mandavam. É possível concluir que o ambiente em que o indivíduo interage é fundamental para o desenvolvimento de habilidades autorregulatórias, sem deixar de falar no temperamento de cada um. (...)a noção de auto-regulação não implica em redução da influencia ambiental, pois o contexto afeta os comportamentos da agência pessoal, como também interfere nas próprias funções auto-regulatórias. Como indica Bandura (1986), isso ocorre por meio de três grandes condições: 1. o ambiente contribui para o desenvolvimento das subfunções que compões o sistema de auto-regulação, oferecendo parte do suporte para a aderência aos padrões internos e facilita seletivamente a ativação ou desengajamento do processo de autoregulação; 2. a experiência (direta ou vicária) possibilita a aprendizagem de como e o que observar, participar no estabelecimento dos padrões pessoais de julgamento; www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 71 3. a experiência interfere na decisão do tipo e da força das auto-reações dirigidas à própria conduta (Polydoro; Azzi, 2008. p.157). É necessário que os estudantes adquiram ao longo da vida um repertório de experiências que proporcionem suportes para futuras ações autorregulatórias. No caso do estudo do violão, é importante que o aluno tenha um leque de informações a respeito da execução do instrumento, para que nos momentos de estudo, possa tomar decisões e fazer escolhas com base em suas informações. Desta forma, a figura do professor é indispensável, pois ele instrumentalizará os alunos para os momentos particulares. Porém, o professor não é a única fonte de instrumentalização, pois nos estudos os alunos não recorrem apenas aos ensinamentos do seu professor, nestas horas também existem influências das suas leituras, dos masterclasses, das conversas tidas com seus pares, de suas observações e do seu conhecimento prévio. O professor ainda pode ajudar, conscientizando os alunos da necessidade de organizar as suas sessões de estudo visando uma prática deliberada, além de direcioná-los para uma prática focada e consciente, mostrando caminhos para tal. ! Aprendizagem Cooperativa e a aquisição de habilidades autorregulatórias "Aprendizagem é o resíduo da experiência. É o que fica conosco quando as atividades acabam, as técnicas e a compreensão que nós obtemos". (Swanwick, 2003, p. 94). Acreditando que a aprendizagem não é o professor que transfere para o aluno, e sim o resultado de experiências vivenciadas pelos mesmos, o professor passa a ser aquele que irá criar oportunidades de construção da aprendizagem. Segundo Paulo Freire (1996), "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção". Desta forma, no caso do instrumentista a aprendizagem de fato acontecerá nos seus momentos de estudo e a sala de aula passa a ser o local onde ele irá se abastecer de experiências e informações. Estas, por sua vez, serão desenvolvidas e relacionadas com o conhecimento prévio do educando, o resultado de todo este processo pode ser que gere um novo conhecimento. Nem sempre o processo de aprendizagem do violão é entendido desta forma, como reflete Tourinho (2007) defendendo o ensino coletivo de violão: O professor de aulas tutoriais se baseia no modelo de Conservatório e defende a atenção exclusiva ao estudante como a única forma de poder conseguir um resultado efetivo. Pode-se argumentar em favor do ensino coletivo que o aprendizado se dá pela observação e interação com outras pessoas, a exemplo de como se aprende a falar, a andar, a comer. Desenvolvem-se hábitos e comportamentos que são influenciados pelo entorno social, modelos, ídolos. (Tourinho, 2007, p. 2) Pensando nisso, pode-se observar a aprendizagem cooperativa como uma forma de criar oportunidades de construção da aprendizagem através da troca com os pares, além de ser um www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 72 ambiente cheio de informações e ferramentas autorregulatórias, visto que, os acertos, as dificuldades, as estratégias e os erros de cada participante do grupo se torna uma potencial ferramenta autorregulatória. Ao afirmar que o/a aluno/a constrói seu próprio conhecimento a partir de um processo interativo, no qual o papel do/a professor/a é mediar entre o /a aluno/a e os conteúdos, o construtivismo sugere a possibilidade de que, em determinadas circunstancias, os alunos possam ser protagonistas desse papel mediador. Os alunos também aprendem com os outros (Monereo, 2005, p. 11). Stefanelli (2009), baseado em Cochito (2004) chega a conclusão que "esse tipo de aprendizagem rege um modelo de aprendizagem democrática que beneficia a assistência mútua de todos integrantes, pois eles se envolvem em diálogos, adquirem o espírito de cooperação (...)". Quando o professor está fazendo considerações em relação a execução de um dos alunos, todos os participantes da classe podem aproveitar as informações como matérias primas para o seu momento de estudo que vem atrelado ao seu momento de autorregulação da aprendizagem. A Aprendizagem Cooperativa é uma metodologia de ensino que utiliza as interações entre os alunos como ferramenta para a construção do conhecimento. Esta alternativa de ensino e aprendizagem potencializa as relações interpessoais na sala de aula, facilitando as trocas de experiências, de dúvidas, de informações e de descobertas. Além disso, essa prática permite que os alunos também se coloquem como responsáveis pela aprendizagem da turma. Pode-se notar os processos de aprendizagem cooperativa através de formatos de aulas que potencialize a interação entre os estudantes de violão como um contraponto aos momentos necessários e solitários de estudo do instrumento e de autorregulação da sua aprendizagem. Pensando nesta perspectiva, os dois momentos se completam. Não isentando a responsabilidade do professor de prover informações e apresentar caminhos onde instrumentistas possam trilhar, nem deixando de considerar a responsabilidade que cada estudante tem na construção do seu aprendizado técnico-musical. Conclusão Como foi possível observar ao longo dessas reflexões existem diversos fatores que interferem diretamente no processo de aprendizagem do instrumento musical. Concordando com a conclusão de Santiago (2006), que "a prática deliberada e a aquisição de habilidades autoregulatórias são de extrema relevância para o desenvolvimento musical dos instrumentistas, favorecendo o alcance de melhores níveis de performance instrumental ", e acreditando que o processo de aprendizagem cooperativa é um caminho viável para a aquisição de habilidades autorregulatórias, concluo que estes dois caminhos podem dialogar de forma bastante eficaz www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 73 no processo de ensino e aprendizagem. Além disso, pode favorecer um equilíbrio entre um momento solitário de estudo do instrumento e um momento rico em trocas, cooperação e cheio de aprendizados que vão além dos musicais, como aquisição de habilidades sociais. Isso pode levar o ensino de instrumento a expandir seus horizontes, caminhar da aquisição de habilidades musicais, para aquisição de habilidades para a vida. ! Referencias Araújo, R. C. (2010). Motivação e ensino de música. In: Ilari, B. S., Araújo, R. C. Mentes em Música. (pp. 111-130). Curitiba: Ed. UFPR. Fonseca, D. S. (2010). Estratégias e técnicas para a otimização da prática musical: algumas contribuições da literatura em língua inglesa. In: Ilari, B. S., Araújo, R. C. Mentes em Música. (pp. 131-151). Curitiba: Ed. UFPR. Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra. Monereo, C., Gisbert, D. D. (2005) Tramas: procedimentos para a aprendizagem cooperativa. Trad. Schilling, C. Porto Alegre: Artmed. Polydoro, S. A. J.; Azzi, R. G. (2009). Autorregulação da aprendizagem na perspectiva da teoria sociocognitiva: introduzindo modelos de investigação e intervenção. In: Psicol. educ. no. 29. 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O método utilizado foi o estudo de levantamento, cujo instrumento de coleta de dados foi elaborado e testado inicialmente com um grupo de 12 jovens musicistas, sendo realizado o Teste Multivariado de Significância. A versão final do questionário foi aplicada a um grupo de 35 estudantes adolescentes com idade entre 12 e 18 anos. Os dados coletados revelaram a existência de vários elementos vinculados à experiência de fluxo na prática musical cotidiana dos adolescentes, principalmente concentração, emoção e metas. O aspecto da motivação pessoal associado com a escolha do repertório foi indicado por 80% dos estudantes como um fator muito significativo. Palavras-chave: estudo de levantamento, adolescentes, teoria do fluxo. ! ! ! Title: Motivation in the musical practice of adolescents: A survey study Abstract: In this research the main objective was to investigate elements of the Flow Theory, by Csikszentmihalyi, in the musical practice of adolescents during the everyday study. The focus of the Flow Theory is the analysis of the quality of the subject’s involvement in the accomplishment of different activities, by means of elements as pleasure and concentration. The methodology employed was a survey. The instrument for data collection was tested with 12 young musicians and was applied Multivariate Test of Significance. The final version of the questionnaire was applied with 35 adolescent students aged between 12 and 18 years. The results showed the existence of elements linked to the experience of flow in the musical practice of everyday teenagers such as concentration, emotion and goals. When associated the aspect of personal motivation with the choice of repertoire, 80% of students reported this as very significant. Keywords: survey, teenagers, flow theory. 1. Introdução Pesquisas que envolvem motivação e música têm sido realizados com base em diferentes referenciais como, por exemplo, os estudos sobre autoeficácia e autorregulação (Bandura 1997; McPherson & McCormick, 2006; Ritchie & Williamon, 2011; McPherson & Zimmerman, 2002; Miksza 2012); sobre a teoria da autodeterminação (Ryan & Deci, 2000; Deci & Ryan 2000); sobre a teoria do fluxo (Czikszentmihalyi, 2003, 1999; Custodero 2005, 2006; Araújo 2008; Araújo e Andrade 2011; Stocchero e Araújo 2012), entre outros. Neste estudo o referencial utilizado foi da Teoria do Fluxo de Czikszentmihalyi (2003, 1999, 1996, 1992, 1990). A questão que norteou esta investigação foi sintetizada na seguinte pergunta: os adolescentes vivenciam em suas práticas musicais cotidianas os diferentes www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ ! Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 75 elementos descritos por Czikszentmihalyi que podem conduzir à experiência do fluxo e consequentemente elevar a motivação para o estudo? Esta questão torna-se relevante à medida que favorece a compreensão de fatores motivacionais intrínsecos na relação do jovem estudante com sua prática instrumental. Neste sentido esta pesquisa foi realizada com o objetivo de verificar a existência de elementos da “experiência do fluxo” na prática musical cotidiana de 35 adolescentes com idade entre 12 e 18 anos. A metodologia usada foi um estudo de levantamento conduzido por meio questionário aplicado para estudantes de música de uma escola de música da cidade de Curitiba (sul do Brasil). ! 2. Teoria do Fluxo (Flow Theory) de Mihaly Csikszentmihalyi De acordo com Csikszentmihalyi (1999) o estado de fluxo ocorre quando a realização de uma determinada atividade é executada pelo sujeito num contexto de equilíbrio entre suas habilidades e os desafios enfrentados. Assim, estando em equilíbrio (desafios e habilidades) o envolvimento do indivíduo na atividade realizada possui uma alta probabilidade de gerar o fluxo, isto é, um estado que mantém a mente concentrada a ponto de proporcionar a perda da noção de tempo, sensação de bem estar e alegria. Alguns componentes acompanham a experiência do fluxo e Csikszentmihalyi (1999) cita especialmente as metas, a emoção e as operações mentais (operações cognitivas). O estabelecimento de metas seria a primeira etapa para que em seguida o indivíduo atinja uma etapa de concentração. As metas são os elementos que focalizam a energia psíquica do indivíduo e se relacionam diretamente com a autoestima na dependência das expectativas e do sucesso. Já as emoções, para Csikszentmihalyi (1999), são os elementos mais subjetivos da consciência. Para o autor as emoções positivas, como felicidade, força ou alerta são estados que ele denomina como de “negaentropia psíquica”, ou seja, uma entropia negativa na qual o sujeito não precisa de atenção para refletir sobre si mesmo, auxiliando a liberação da energia psíquica para a tarefa na qual se pretende investir. As operações mentais cognitivas (particularmente a concentração), por sua vez, são realizadas, segundo Csikszentmihalyi (1999), por meio do pensamento e, na experiência de fluxo, ordenam a atenção, gerando a concentração. A continuidade na vivência da experiência de fluxo proporciona ao sujeito a conquista de uma personalidade autotélica, isto é, uma forma de enfrentar as situações com www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 76 envolvimento e entusiasmo. A realização de uma atividade de forma autotélica “seria realizada por si mesma, tendo a experiência como meta principal” (Csikszentmihalyi, 1999, p. 114). Nesta pesquisa a utilização da teoria do fluxo como referencial de análise dos dados favoreceu a verificação de diferentes elementos motivacionais envolvidos na prática musical de adolescentes. As categorias de análise da pesquisa de campo levaram em consideração os seguintes elementos: a concentração, a emoção, o estabelecimento de metas/estratégias, a presença de indicadores que favorecem a personalidade autotélica (como autoconfiança e crença nas capacidades) e também a motivação pessoal para a prática musical associada (ou não) com o repertório estudado. ! 3. Metodologia A metodologia utilizada foi o estudo de levantamento (ou survey). De acordo com Gil (2000) e Babbie (1999), o estudo de levantamento é um delineamento exploratório que permite verificar dados sobre comportamento de determinado grupo, por meio da interrogação direta. Os participantes desta pesquisa foram 35 estudantes de diferentes instrumentos musicais, adolescentes na faixa etária entre os 12 e os 18 anos regularmente matriculados em uma escola de música da cidade de Curitiba (Brasil). A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário elaborado e testado em estudo piloto realizado com 12 jovens musicistas. A análise do instrumento de coleta de dados foi orientada por meio de um Teste de Significância Univariado, indicando que as pontuações mais altas foram encontradas nos itens "contribuição repertório", "concentração", "objetivos/ metas", bem como maior correlação entre os itens de "motivação para a prática" e "emoção"(SS=0,6; MS=0,6; F=6,69; p=0,041). No estudo piloto, portanto, foram avaliadas a confiabilidade e coerência interna das questões. O questionário foi dividido em duas partes: (A) levantamento de dados para caracterizar os participantes da pesquisa, com questões sobre idade, sexo, instrumento musical, quantidade de horas de prática musical semanal e preferência de repertório; (B) escala Likert para avaliar a incidência de elementos da experiência de fluxo na prática dos participantes: motivação, concentração, metas/estratégias, crença nas capacidades, emoção. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 77 A aplicação definitiva do questionário1 foi realizada em turmas de aulas de teoria musical, com alunos instrumentistas na faixa etária entre 12 e 18 anos, durante duas semanas do mês de março de 2013. Responderam ao questionário 35 alunos. ! 4. Resultados Dos 35 adolescentes participantes da pesquisa, 19 eram meninos e 16 eram meninas. A maioria dos participantes, 18 alunos, eram adolescentes na faixa entre 15 e 18 anos; 15 adolescentes encontravam-se na faixa etária entre 12 e 14 anos; e dois adolescentes não especificaram a idade. Os instrumentos musicais estudados pelos participantes foram: cordas n=11; madeiras n=08; metais n=04; percussão n=02; piano n=09; voz n=01. Quanto à rotina de estudo cotidiana, os 25 dos participantes (71%) afirmaram possuir rotina de estudo “sempre”. Já 20 participantes (57%) declararam que possuíam rotina “às vezes”. Nenhum respondente indicou “não” possuir rotina, o que significa que todos possuíam o processo de estudo como um objetivo cotidiano (uma meta) que, para a vivência da experiência do fluxo, é um importante indicador (Csikszentmihalyi, 1999). A escala Likert aplicada para verificar a vivência dos adolescentes com elementos que favorecem a experiência do fluxo foi organizada em 5 pontos (sempre, quase sempre, às vezes, raramente e nunca), em 10 questões, sendo duas (questões) para cada categoria de análise: Motivação; Concentração e perda da noção do tempo; Sentimento de competência/ autoconfiança; Metas e estratégias; e Emoção: ! A) Motivação: Sobre a motivação dos adolescentes para estudar seus instrumentos a maioria dos alunos (33 alunos = 94%) indicou que estavam “sempre” (13 alunos) ou “quase sempre” (19 alunos) motivados. Nenhum respondente indicou “raramente” ou “nunca”. Sobre a relação da motivação com o repertório (o repertório é decisivo para minha motivação pessoal) a maioria (28 alunos = 80%) confirmou a relevância do repertório para se sentir motivado, sendo que houve mais respostas no primeiro nível da escala “sempre” (18 alunos), indicando, portanto, que o repertório é um fator muito significativo para a motivação pessoal. B) Concentração e perda da noção do tempo: Sobre estes dois elementos do fluxo, 33 alunos (94%) indicaram que realizavam seus estudos “sempre” concentrados (ver gráfico 1). Já www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 78 quando questionados sobre a experiência descrita por Csikszentmihalyi (1999) sobre a “perda da noção do tempo”, 23 alunos (66%) indicaram vivenciar esta experiência “sempre” e “quase sempre”; 8 alunos (23%) afirmaram que “às vezes” vivenciam e 4 alunos (11%) raramente. Nenhum aluno afirmou “nunca” passar por esta experiência. sempre quase sempre às vezes raramente ! Gráfico 1: Concentração durante o estudo C) Sentimento de competência/ autoconfiança: Estes itens foram avaliados considerando-se a opinião dos participantes sobre suas habilidades de instrumentistas. Do total de 35 participantes, 23 alunos (66%) avaliaram que “sempre” ou “quase sempre” tocam bem seus instrumentos, enquanto aos demais (12 alunos = 34%) especificaram que tocam bem “às vezes”. Já quando questionados sobre o domínio técnico do instrumento, 30 alunos (86%) assinalaram que “sempre” ou “quase sempre” têm um bom domínio técnico. D) Metas e estratégias: 29 participantes (82%) afirmaram que “sempre” ou “quase sempre” utilizam metas para gerenciar seus estudos. Sobre as estratégias, 32 alunos (91%) afirmaram que “sempre” ou “quase sempre” as utilizam (ver gráfico 2). sempre quase sempre às vezes raramente ! Gráfico 2: Uso de estratégia para melhorar o estudo do instrumento E) Emoção: Por fim, as últimas questões respondidas eram sobre as emoções dos participantes ao tocar o instrumento e ao tocar músicas que lhe agradavam. Sentimentos de prazer/alegria ao tocar o instrumento foram citados por 31 alunos (88%). Já quando www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 79 questionados sobre a sensação de tocar um repertório que gostavam, 32 alunos (92%) afirmaram que “sempre” (30 alunos) e “quase sempre” (2 alunos), sentiam felicidade com esta experiência. ! 5. Conclusão A partir da observação dos resultados deste estudo foi possível constatar que os alunos participantes desta pesquisa vivenciam, em suas práticas de estudo cotidiano, vários elementos que, de acordo com Csikszentmihalyi (1999) podem gerar o fluxo. Por exemplo, ao analisarmos a primeira categoria – a motivação para prática - foi possível verificar que os índices foram mais elevados quando associados com o repertório executado, isto é, o repertório é um fator decisivo para motivar. Da mesma forma o elemento “repertório” surge na última categoria – a emoção – como um elemento de impacto, pois os índices da emoção (felicidade), vinculados com a questão do repertório, foram maiores. Outros elementos apontados por Csikszentmihalyi (1999) podem ser encontrados no grupo pesquisado, indicando a possibilidade da experiência de fluxo foram a concentração e o uso de metas e estratégias. As metas, conforme o autor aponta, é o primeiro passo para que o estudante atinja um processo de concentração. As estratégias, por sua vez, são elementos que corroboram com o direcionamento do estudo (metas) e igualmente favorecem a ordem na consciência. A maioria dos adolescentes mostrou-se consciente da necessidade da organização do estudo e igualmente podemos associar estes resultados aos bons índices de concentração indicados. Somente a questão da “perda da noção do tempo” – outro elemento significativo da experiência do fluxo – não foi apontando com índices tão elevados quanto à concentração. Por fim a categoria sentimento de competência/ autoconfiança, que é indicado por Csikszentmihalyi (1999) como uma das conseqüências da utilização das metas e da vivência do fluxo nas experiências cotidianas, foi indicada com bons índices pela maioria dos adolescentes. Esta categoria, por sua vez pode trazer também indicativos da personalidade autotélica. Esta pesquisa traz resultados que corroboram com os estudos sobre motivação, cognição e música. Os resultados, portanto, apontam para: a) a necessidade de estratégias para a sistematização do estudo, por meio de metas claras, como forma de melhorar a concentração e www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 80 atingir a “negaentropia psíquica”, tornando mais fácil a fluência da energia psíquica para a tarefa desejada; b) a necessidade da atenção para com a escolha do repertório do aluno, como elemento essencial para motivação intrínseca e emoção “positiva”; e c) a atenção para com o fortalecimento do sentimento de autoconfiança e competência do jovem musicista, por meio do incentivo da busca de objetivos passíveis de serem atingidos, evitando assim preocupação e ansiedade que levem à frustração. ! 6. Referências Araújo, R. C. (2008) Experiência de fluxo na prática e aprendizagem musical. Revista Música em Perspectiva, v. 1, [pp. 39-52]. Araújo, R. C.; Andrade, M. A. (2011). Experiência de fluxo e prática instrumental: dois estudos de caso. Revista DAPesquisa, v. 8 [ pp. 553-563] Bandura, A. (1997). Self-efficacy: the exercise of control. New York: Freeman. Babbie, E. (2001) Métodos de Pesquisa de Survey. Belo Horizonte: Editora da UFMG. Csikszentmihalyi, M. (2003) Good Business: Flow, Leadership and Making of Meaning. New York: Viking. Csikszentmihalyi, M. (1999). A descoberta do fluxo. Psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco. Csikszentmihalyi, M. (1996). Creativity: Flow and the Psychology of Discovery and Invention. New York: Harper Collins. Csikszentmihalyi, M. (1992). A psicologia da felicidade. São Paulo: Saraiva. Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow: The psychology of Optimal Experience. New York: Harper & Row. Custodero, L. A.(2005). Observable Indicators of Flow Experience: A Developmental Perspective on Musical Engagement in Young Children from Infancy to School Age. Music Education Research, July, 07, n2, [pp.185-209] Custodero, L. A. (2006). Buscando desafios, encontrando habilidades: a experiência de fluxo e a educação musical. In: Ilari, B. (Ed.). Em busca da mente musical [pp. 381-399]. Curitiba: Editora da UFPR. Deci, E.L.; Ryan, R.M. (2000) The "what" and "why" of goal pursuits: Human needs and the self-determination of behavior. Psychological Inquiry, 11, [pp.227-268] Gil, A. C. (1999) Métodos e técnicas de Pesquisa Social. 5.ed. São Paulo: Atlas. McPherson, G. E., & Zimmerman, B. J. (2002). Self-regulation of musical learning: A social cognitive perspective. In: Colwell, R. & Richardson, C. (Eds.), The new handbook of research on music teaching and learning [pp. 327–347]. New York, NY: Oxford University Press. McPherson, G. E., & McCormick, J. (2006). Self-efficacy and performing music. Psychology of Music, 34(3), [pp. 321-336]. Miksza, P. J. (2012). The Development of a Measure of Self-Regulated Practice Behavior for Beginning and Intermediate Instrumental Music Students. Journal of Research in Music Education, January 59 (1), [pp.321-338] Ritchie, L.; Williamon, A. (2011). Measuring distinct types of musical self-efficacy. Psychology of Music, 39(1), [pp.328-344]. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 81 Ryan, R. M.; Deci, E. L. (2000). Self-Determination Theory and the Facilitation of Intrinsic Motivation, Social Development, and Well-being. American Psychologist, Washington, 55 (1), [pp. 68-78]. Stocchero, M. A.; Araújo, R. C. (2012). Apreciação musical e envolvimento: um estudo sob a perspectiva da Teoria do Fluxo. Revista NUPEART, v. 10, [pp. 08-29]. ! 1 Para a aplicação do questionário na escola de música foram tomadas providências quanto às questões éticas de pesquisa e para que houvesse a devida autorização da direção da escola. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 82 Instrumento de avaliação de conhecimento dos elementos do som: aprendizagem musical em contexto de inclusão ! Teresa Cristina Trizzolini Piekarski Universidade Federal do Paraná – UFPR Secretaria Municipal da Educação de Curitiba – SME [email protected] ! Valéria Lüders Universidade Federal do Paraná [email protected] ! Resumo: Este artigo apresenta instrumento de avaliação construído para coleta de dados de pesquisa em andamento. Tem como objetivo apresentar dados mensuráveis sobre o conhecimento inicial e final dos participantes da pesquisa. Estes dados serão submetidos a tratamento estatístico e serão utilizados para a análise e discussão dos dados coletados ao final da pesquisa. Laville & Dionne (1999), Moreira & Caleffe (2008), Brito (2003), Hentschke & Del Ben (2003), Fonterrada (2008) entre outros, dão suporte teórico para a construção deste instrumento de avaliação. Palavras-chave: Instrumento de avaliação, aprendizagem musical, coleta de dados. ! ! Title: Tool for evaluation of knowledge of the sound elements: music learning in the context of social inclusion. Abstract: This article presents an evaluation tool built for data collection of ongoing research. The objective is to provide measurable data on the initial and final knowledge of the research participants. These data will be statistically analyzed and will be used for the analysis and discussion of the data collected at the end of the survey. Laville & Dionne (1999), Moreira & Caleffe (2008), Brito (2003), Hentschke & Del Ben (2003), Fonterrada (2008) among others, provide theoretical support for the construction of this evaluation tool. Keywords: Evaluation tool, music learning, data collection. Este artigo apresenta um instrumento para coleta de dados, construído especificamente para pesquisa em andamento, referente ao conhecimento musical de estudantes com deficiência intelectual, inseridos na classe comum do ensino fundamental. Por ser realizada com seres humanos, a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná, que emitiu parecer cosubstanciado1 favorável a sua realização. O objeto desse artigo constitui-se de um instrumento de avaliação, aplicado aos participantes do estudo, para verificar o conhecimento prévio destes estudantes a respeito dos elementos do som, com base nos critérios de avaliação do município de Curitiba, antes do início da ação da pesquisadora. O mesmo instrumento será aplicado ao final do processo para avaliar a aprendizagem musical. A aplicação do instrumento de avaliação será individual conforme protocolo de pesquisa também traçado para este fim. Os resultados da avaliação inicial e final receberão tratamento estatístico por meio do ANOVA (análise de variância), que possibilitará identificar o que os estudantes com deficiência intelectual2 e os estudantes sem www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 83 deficiência intelectual3 sabem sobre os elementos do som, dando a informação dos dois grupos e o que os estudantes dos dois grupos aprenderam após a intervenção pedagógica da pesquisa. Santos (2010) aponta que se deve considerar a avaliação em música como processo, no qual o professor deve utilizar diferentes formas de avaliar. Esta afirmação apresentada no Caderno Pedagógico: critérios de avaliação de aprendizagem escolar da Secretaria Municipal da Educação de Curitiba foi considerado ao longo da pesquisa em campo, na análise e discussão dos dados, porém o instrumento de avaliação aqui apresentado, forneceu informações iniciais do conhecimento do estudante sobre os elementos do som e sobre a aprendizagem ao final do processo pedagógico desenvolvido pela pesquisadora. Para que o instrumento de avaliação fornecesse os dados sobre o conhecimento inicial e final sobre os elementos do som dos estudantes, e os mesmos pudessem ser tratados estatisticamente para serem analisados levou-se em consideração: 1) parte dos estudantes não era alfabetizada, sendo necessário o uso de imagens; 2) as imagens deveriam representar o que se pretendia ser avaliado; 3) as imagens não podiam gerar equívocos relacionados ao tamanho e proporção; 4) as questões relacionadas ao timbre deveriam ser respondidas após a audição de trecho musical; 5) a duração do trecho musical, que não deveria deixar dúvida para identificação do que foi solicitado; 6) as questões deveriam possibilitar ao estudante identificar os elementos do som e 7) uma questão não deveria interferir visualmente em outra, para não gerar dúvidas no estudante. Deve-se destacar que o conteúdo “elementos do som” está presente no ensino da música nas escolas do ensino regular, como também nas Diretrizes Curriculares de Curitiba. Hentschke e Del Ben (2003) apontam que a altura, duração, timbre e intensidade são elementos presentes na música. Mesmo que eles se refiram aos parâmetros sonoros, a sua compreensão é importante, porque que constituem a “matéria-prima” da música, que é o som. As autoras apontam as observações do musicólogo Jean-Jacques Nattiez que afirma que independente da concepção que se tenha de música ou do que é considerado musical, sempre se faz referência ao som, que é condição mínima, mas não suficiente para ser considerado música. O instrumento de avaliação se apresenta em três folhas de papel sulfite tamanho A4, na posição paisagem. A primeira e a segunda folha possuem 3 retângulos com 5 imagens cada, sendo que cada retângulo corresponde a uma questão; a terceira folha possui 2 retângulos com o mesmo número de imagens. Para cada elemento do som, foram elaboradas duas questões, na www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 84 sequência timbre, altura, intensidade e duração. A imagem que corresponde à resposta correta de cada questão era marcada com um X. A pesquisadora apresentou uma a uma das questões, deixando aparente para o estudante somente a questão a ser respondida. Na questão 1 sobre o elemento do som timbre com foco em instrumentos musicais, o estudante escutou um trecho musical4, devendo identificar que é um instrumento de sopro entre as imagens de mulher, homem, criança tocando clarinete, criança tocando piano e criança tocando tímpanos. A questão 2, sobre o elemento do som timbre com foco em vozes humanas, o estudante escutou um trecho musical5 devendo identificar que é a voz de criança entre as imagens de homem, criança tocando clarinete, criança tocando piano, criança tocando tímpanos e crianças. Não se podem confundir as questões acima com testes de musicalidade. Carl Seashore se propôs a pesquisar a natureza da escuta musical, por meio de testes que visavam perceber a capacidade da pessoa em discriminar os parâmetros sonoros isolados, além da capacidade de retenção de ritmos e melodias simples. Por meio desses testes com sons sinoidais, sem considerar a obra musical como um todo, Seashore (1919 como citado em Fonterrada, 2008), acreditava que poderia identificar “talentos” musicais. Já Bentley (1967 como citado em Fonterrada, 2008), fez uso de som produzido por instrumento acústico partindo da premissa poderia também detectar talentos musicais. Podese falar de Gordon (1965 como citado em Fonterrada, 2008), que também tenta medir a acuidade auditiva, sem que tenha vínculo à vivência musical. As duas questões apresentadas no instrumento de avaliação, que envolve a escuta de trecho musical e a discriminação do som escutado por meio de imagem, não visam mensurar a musicalidade do estudante, como pretendiam Seashore, Bentley e Gordon. Elas objetivam saber se as crianças diferenciam timbres e se propõe em registrar o conhecimento prévio, antes da ação pedagógica da pesquisadora e o que aprendeu após as experiências que teve durante a pesquisa nas aulas de música. Piekarski, Filipak e Ramos (2013) constataram que quando a criança tem alguma informação sonora antes da realização de teste de percepção de timbres, possibilita que ela tenha maior número de acertos. Os autores citam Wuytack e Palheiros, que afirmam existir influência do meio sociocultural na percepção e a audição musical. Essas informações tornamse valiosas na análise qualitativa dos dados, pois em conjunto com os demais dados coletados em campo, poderá se constatar os avanços após intervenção pedagógica da pesquisadora ao final da pesquisa. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 85 A compreensão dos elementos do som e a experiência na manipulação e manuseio de diferentes fontes sonoras ampliam a percepção e a consciência, “[...] porque permite vivenciar e conscientizar fenômenos e conceitos diversos.” (Brito, 2003, p.26). Nesse sentido, espera-se que após a experimentação, o manuseio de instrumentos e diferentes fontes de produção sonora, atividades diversas de apreciação, execução nas aulas de música, o estudante seja capaz de identificar diferentes timbres e suas fontes produtoras para responder ao instrumento de avaliação e de utilizá-las em atividades de execução e criação musical. As questões 3 e 4 referem-se à altura do sons. A questão 3 apresenta as imagens do contrabaixo, violino, harpa, piano e violão, em que os estudantes devem marcar qual dos instrumentos possui o som mais grave. A questão 4 apresenta as imagens da tuba, flauta transversa, clarinete, fagote e trompete, sendo que os estudantes devem marcar o instrumento de som mais agudo. Nas questões sobre altura dos sons, utilizaram-se imagens de famílias dos instrumentos musicais. Na comparação entre os instrumentos de corda (de arco, dedilhada e percutida) deseja-se saber qual deles pode produzir o som mais grave e na comparação entre os instrumentos das famílias de metais e de madeira (todos de sopro) deseja-se saber qual deles pode produzir o som mais agudo. Este cuidado se deve ao fato de que a altura do som é muito relativa, pois no mesmo instrumento musical temos possibilidade de produzir sons graves e agudos. Ao utilizar como referência instrumentos musicais da mesma família, elimina-se o que pode gerar engano sobre a altura do som em função da sua fonte produtora. As observações da pesquisadora coletadas no momento da aplicação do instrumento de avaliação são dados que devem ser considerados na análise qualitativa, pois segundo Lazzarini (1998), sabe-se que o ouvido humano possui sensibilidade em frequências de 20 a 20K Hz e pode-se observar uma variação muito grande da capacidade de percepção de alturas entre as pessoas. Também o estudante pode demonstrar no momento de marcar a resposta se conhece o instrumento musical, ou não, aqui já envolvendo a questão do conceito formado fora do contexto formal de ensino da música. Também se destaca que instrumentos musicais tanto de orquestra, quanto populares são conteúdos de música que serão trabalhados durante a pesquisa de campo por meio da apreciação de solos instrumentais, manuseio de imagens dos instrumentos, de vídeos, entre outros. Nesse sentindo, ao final da ação pedagógica da pesquisadora espera-se que os estudantes identifiquem a diferença entre agudo e grave nos instrumentos musicais com imagens no instrumento de avaliação. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 86 As questões 5 e 6 se referem ao elemento do som intensidade. Foram utilizadas as mesmas imagens de instrumentos de percussão para que o estudante marque na questão 5 o instrumento que pode produzir o som mais forte e na questão 6 qual o instrumento musical pode produzir o som mais fraco. As imagens utilizadas foram de kabuletê, pandeiro, ovinhos (ganzá), ganzá (metal) e tímpanos. As questões possuem mudança na sequência das imagens dos instrumentos. Todos os instrumentos que aparecem nas imagens das questões 5 e 6 foram vistos e manuseados pelos estudantes de maneira exploratória, sem a intervenção pedagógica da pesquisadora com exceção dos tímpanos antes da aplicação do instrumento de avaliação inicial.6 Os estudantes terão contato com todos os instrumentos musicais durante a intervenção pedagógica da pesquisadora, por meio de manuseio, de imagem e audição de trechos musicais com o solo e em obras, que serão ouvidos em conjunto com outros instrumentos. As questões 7 e 8 referem-se à duração do som. Utilizou-se imagens de instrumentos musicais de diferentes famílias por não gerarem conflito na interpretação do elemento do som duração em função de sua fonte produtora. A questão 7 quer saber por meio da imagem, qual o instrumento que produz som longo, que é a flauta transversa. Na questão 8, todos os instrumentos de sopro podem produzir sons curtos, mas a única imagem que apresenta instrumentos capazes de só produzirem sons curtos é a dos ovinhos. Nesse artigo, apresenta-se a seguir resultados parciais, obtidos na aplicação do instrumento, em projeto piloto. O teste ANOVA utilizado para comparar a porcentagem de respostas certas de cada grupo de estudantes investigado (com e sem deficiência) sobre as variáveis timbre, altura, intensidade e duração, de maneira geral, mostrou diferença na porcentagem de respostas entre os grupos (F 23,2222; p=0,000119). O teste também mostrou diferença na porcentagem de respostas entre os elementos (F 10,4632; p=0,000014). Não foram encontradas diferenças com relação à interação grupo versus elemento. Conforme a análise de variância, não houve diferença estatística significativa na identificação de timbres e na identificação do elemento do som altura entre o grupo de estudantes com deficiência intelectual e o grupo de estudantes sem deficiência intelectual. Também constatou-se na análise de variância, que não houve diferença estatística significativa na identificação do elemento duração. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 87 Já em relação ao elemento do som, intensidade, houve diferença estatística significativa entre o grupo de estudantes com deficiência intelectual e o grupo de estudantes sem deficiência intelectual (F 3,57; p=0,004). O instrumento de avaliação descrito neste artigo não avalia os produtos musicais dos estudantes participantes da pesquisa. Por meio deste instrumento, buscam-se dados que nem sempre são visíveis por meio da observação direta. Os resultados do tratamento estatístico não concluem a pesquisa (Laville & Dionne, 1999). Ele dá suporte para o estudo da aprendizagem musical no que se refere ao conteúdo elementos do som, que também passará pela análise qualitativa com os dados das filmagens, diário de campo e relatórios descritivos. O tratamento estatístico dos dados coletados por meio do presente instrumento de avaliação, em conjunto com os demais, com base no substrato teórico da pesquisa, permitirão checar a hipótese da pesquisa. Desta maneira, se contribuirá para a Educação Musical e a produção científica em geral, com reflexões sobre a inclusão desses estudantes nas classes comuns, rompendo com paradigmas que dizem respeito à inclusão das pessoas com deficiência intelectual no contexto da escola do ensino regular. ! Referências ! Brito, T. A. (2003). Música na educação Infantil. São Paulo: Peirópolis. Fonterrada, M. T. de O. (2008). De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. 2ª. ed. São Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: FUNARTE. Hentschke, L., Del Ben L. (2003). Aula de Música: do planejamento à prática educativa. In: Hentschke, L., Del Ben, L. (org.). Ensino de Música: propostas para pensar e agir em sala de aula. São Paulo: Moderna. Laville, C., Dionne, J. (1999). A Construção do Saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Adaptação de Lana Mara Siman. Porto Alegre: Artmed; Belo Horizonte: Editora UFMG. Lazzarini, V. E. P. (1998). Elementos de Acústica. Extraído de http://www.fisica.net/ ondulatoria/elementos_de_acustica.pdf Moreira, H., Caleffe, L. G. (2008). Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. 2.ed. Rio de Janeiro: Lamparina. Piekarski, T. C. T., Filipak, R., Ramos, D. (2013, setembro). Efeitos do Manuseio de Instrumentos Musicais sobre o Reconhecimento de Timbres em Crianças de 5 e 6 Anos. Anais do Undécimo Encuentro de Ciencias Cognitivas de la Musica, vol.1, Número 1. Buenos Aires, Argentina. pp. 267 – 271. Extraído de http://www.saccom.org.ar/ actas_eccom/vol1-1_contenido/piekarski_filipak_y_ramos.pdf Santos, C. dos. (2010). Música. In: Caderno Pedagógico: critérios de avaliação da aprendizagem escolar. Secretaria Municipal da Educação. Curitiba: SME, 1, pp. 165-186. Tomazini, C., Ishikawa; C. I. V. (2010). Avaliação Diagnóstica Psicoeducacional. In: Caderno pedagógico: critérios de avaliação da aprendizagem escolar. Secretaria Municipal da Educação. Curitiba: SME, 1, pp. 25-30. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 88 ! *Este texto tem vínculo com o Grupo de pesquisa PROFCEM/CNPq. 1 Parecer Cosubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa n.º 243.185 de 11 de abril de 2013. 2 Estudantes com deficiência intelectual frequentam a classe especial da unidade escolar onde ocorre a pesquisa. 3 Estudantes sem deficiência intelectual frequentam 5.º ano do ensino fundamental da unidade escolar onde ocorre a pesquisa. 4 Nazareth, Ernesto. Apanhei-te cavaquinho. Intérprete: Augusto Meurer. In: A orquestra tintim por tintim. Moderna: 2005. 1 CD, faixa 10, digital, estéreo. 5 Brinquedo cantado tradicional. Melodia e jogo de copos: Lourdes Joséli da Rocha Saraiva. In: Lenga la lenga. Ciranda Cultural: 2006, 1 CD, faixa 1, digital, estéreo. 6 A pesquisadora foi alertada pela equipe pedagógica-administrativa da escola, onde está sendo realizada a pesquisa, da grande dificuldade em realizar reuniões com os pais dos estudantes. Assim, a pesquisadora utilizou os instrumentos musicais como elemento motivador no dia que os estudantes foram convidados a participarem das aulas de música, que fazem parte da pesquisa e levaram um bilhete para casa convidando os pais para uma reunião onde seriam esclarecidos sobre a mesma e assinariam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, documento exigido pelo Comitê de Ética em Pesquisa. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 89 O processo construtivista das competências articulatórias: uma análise pós-pesquisa ! Vilma de Oliveira Silva Fogaça Universidade Federal da Bahia/Programa de Pós-Graduação em Música Bolsista CAPES [email protected] Resumo: Este trabalho é fruto de uma reflexão e análise pós-pesquisa de mestrado. A pesquisa (2010) teve por objetivo estudar o processo de construção das competências articulatórias de um estagiário em Licenciatura em Música. Para a pesquisa, a formação deste passou pelo estudo específico do referencial teórico da Abordagem PONTES que visava através dos resultados do desenvolvimento destas competências articulatórias, que o estagiário promovesse um ensino criativo de música e consequentemente, esse processo de ensino-aprendizagem musical desenvolvesse a mente criativa musical dos seus alunos. A não focou no estudo dos processos cognitivos que estavam implícitos nesta construção sofrida pelo estagiário. Atualmente, em processo de escrita de tese para o doutoramento, o autor revisa o trabalho e nessa fase, atenta para os aspectos cognitivos envolvidos. Assim, tece algumas considerações sobre o processo construtivista das competências articulatórias e utiliza a teoria piagetiana para analisar e esclarecer alguns eventos do transcorrer desse processo. Palavras-chave: Abordagem PONTES, competências articulatórias, teoria piagetiana. ! ! ! ! Title: The constructivist process of articulation competenciess: an analysis post facto Abstract: This text is the result of a post facto analysis and reflection by the author on her master thesis investigative study, which studied the process of building the articulatory competencies of a student-teacher from the Music Education course, educated by the regular music education methods and also had a specific specialization with the PONTES approach. At that time (2010) the researcher aimed not only to develop the articulatory PONTES competencies, but also that the student-teacher could promote a creative teaching of music and consequently, this process of teaching and learning could develop the creative minds of his students. The master degree study did not focus on the study of cognitive processes that were implicit in the development of the student-teacher. Now, when the author is writing her doctoral dissertation, she re-visits this work, and looks more deeply into the cognitive aspects. Consequently, the author of this text develops considerations about the constructivist process of the articulatory competencies and uses the Piagetian theory to analyze and bring more light to some events of the educational process. Key-words: PONTES Approach, articulatory competencies, Piaget's theory. Introdução Em 2010, foi defendido por Fogaça o trabalho “Criatividade Musical: Abordagem PONTES no desenvolvimento das competências articulatórias na formação do professor de música” para a obtenção do título de mestre. A pesquisa teve por objetivo estudar o processo de construção das competências articulatórias de um estagiário em Licenciatura em Música. Este teve uma formação específica ao estudar o referencial teórico da Abordagem PONTES (Oliveira, 2001, 2008), visando através dos resultados do desenvolvimento de competências www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 90 articulatórias, promover um ensino criativo de música e consequentemente, que esse processo de ensino-aprendizagem musical desenvolvesse a criatividade musical dos seus alunos. Durante o período da pesquisa, os aspectos cognitivos não foram observados cuidadosamente, dado que o foco era a análise das construções das competências articulatórias do ponto de vista pedagógico da formação acadêmica do licenciando e nos resultados musicais e de aprendizado musical do processo de desenvolvimento da criatividade musical dos alunos do mesmo. Todavia, desde o ano passado, no processo de escrita de tese, esta autora, ao revisar e analisar seu próprio trabalho após um período de ‘descanso’ e assentamento das informações, pode olhar mais cuidadosamente para os eventos cognitivos implícitos ao processo, mas que são demonstrados com muita clareza. As peculiaridades deste trabalho estão no fato de que em geral, os estudos de educação musical, em especial os voltados para os aspectos cognitivos, são focados no desenvolvimento dos conhecimentos e saberes dos alunos de música. Nesse caso, o foco é o professor de música em formação e em pleno exercício docente. A experiência ocorreu durante seu estágio supervisionado que é o período em que o licenciando experimenta a docência como atividade curricular, seguido de orientação docente, que no caso, foi realizado pela própria pesquisadora que atuou como orientadora de estágio. ! Algo sobre a Abordagem PONTES A Abordagem PONTES é um referencial teórico que vem sendo desenvolvido por Alda Oliveira desde o ano de 2001, em colaboração com o grupo de pesquisa MeMuBa1. A pesquisa foi inicialmente desenvolvida observando as estratégias de ensino dos mestres de tradição cultural popular da Bahia (Brasil). Tentou identificar e compreender de que modo esses mestres asseguravam, através de um processo de ensino-aprendizagem, a perpetuação e manutenção de uma cultura. Durante esse período de observação e coleta de dados, Alda Oliveira atentou para ações pontuais que promoviam a aproximação do mestre ao aprendiz, do novo saber ao saber que o aluno já possuía, da tradição à novidade, que promovia que o processo fluísse de modo contínuo em progresso a um resultado significativo de aprendizagem. Estas ações pontuais foram identificadas como “articulações pedagógicas” ou, metaforicamente, ‘pontes’, que segundo Oliveira: “Por articulação pedagógica entende-se todo o percurso no processo de ensino e aprendizagem (movimento) em direção à construção do conhecimento necessário www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 91 para solucionar problemas, que é realizado na práxis educativa entre indivíduos.” (Oliveira, 2008, p. 05). Aprofundando os estudos no tema “articulações pedagógicas”, Alda Oliveira propôs a Abordagem PONTES (AP), que é definida como “[...] uma proposta de reflexão teórica centrada na racionalidade prática, que visa ajudar na formação de professores de música, desenvolvendo uma atitude docente interativa e colaboradora, através de articulações pedagógicas no processo de ensino e aprendizagem.” (OLIVEIRA, 2008, p. 04). Assim, PONTES é um acróstico formado pelas iniciais das ações pontuais articulatórias (competências articulatórias) que Alda Oliveira denominou (e conceituou cada uma delas) de: Positividade – Observação – Naturalidade – Técnica – Expressividade – Sensibilidade. A partir das observações com os mestres da cultura popular, a pesquisa alcançou o espaço acadêmico. Em 2008, Rejane Harder defendeu, no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da Bahia (PPGMUS-UFBA), a primeira tese de doutoramento embasada na Abordagem PONTES. Desde então, vem sendo realizadas no âmbito do PPGMUS-UFBA, pesquisas em que AP tem sido o principal fundamento teórico para estudar e aplicar os conhecimentos acerca do desenvolvimento das competências articulatórias na formação do educador musical e no exercício do magistério musical. Essas pesquisas foram vinculadas a outros temas de estudo como: formação do estagiário, teatro musical, ensino do instrumento, musicalização infantil, ensino de música em contextos de tradição cultural, criatividade musical, avaliação musical. Hoje, existem duas pesquisas de doutoramento fundamentadas na AP sendo realizados: Souza, que estuda as ‘pontes’ de professores de música em escolas de turno integral do ensino fundamental e Fogaça que realiza uma pesquisa focada nos temas teóricos e filosóficos da Abordagem PONTES, construindo uma análise crítica do desenvolvimento da mesma que é propiciado pela autora da AP e membros do grupo de pesquisa. Também se concentra no aprofundamento do conceito da competência articulatória “naturalidade”. A AP trata a formação do educador musical de modo amplo, global e profundo. A proposta de uma pedagogia criativa é algo que está em seu cerne filosófico. Para isto, esta formação pode ser uma experiência deveras marcante, proporcionando inclusive uma ressiginificação de valores, posturas e princípios, não apenas os docentes, mas também, os que dizem respeito à construção humana do indivíduo: Lida com criatividade pedagógica, com postura docente, adequação e aproximação estratégica aos alunos, às instituições, e também com o aproveitamento das oportunidades (sinais que a vida e as próprias atividades dão a quem está envolvido) www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 92 que aparecem durante a práxis educacional, entendida como relação dinâmica entre teoria e prática, ou seja, teoria/prática. Nesta concepção o professor precisa ser preparado de forma mais global e humana para aceitar as diferenças dos estudantes, e tecnicamente, estar aberto às oportunidades que surgem diante dos seus olhos (sinais) como docente e atento às características de cada contexto e de cada aluno com o seu nível de desenvolvimento e interesses, aos diferentes repertórios, aos diferentes problemas e situações junto a pessoas, instituições, contextos sócioculturais e repertórios. (Oliveira, 2008, p. 5). ! É dada essa riqueza de processo formativo, que trabalho diretamente com reformulação de concepções, conceitos, revisão de valores, condutas, posturas, princípios e consequentemente, caminha para um processo de autoconhecimento ao que se dispõe de fato a mergulhar nessa concepção formativa, que eventos cognitivos significativos são notáveis, ainda que posteriormente ao transcorrer da pesquisa, mas que, de tão rico que foi o processo, nos trás esse novo olhar como mais uma possibilidade de aprendizado acerca dos processos mentais envolvidos na formação com a Abordagem PONTES. ! Breve apresentação do sujeito e do processo O sujeito em questão foi participante de um estudo de caso da supracitada pesquisa. Para proteger sua identidade, foi usado o pseudônimo de “Jean” durante o trabalho. Ele se dispôs a participar de um processo formativo cujo referencial teórico que orientava a construção das competências articulatórias era a AP e através do desenvolvimento destas competências e da construção de uma pedagogia musical criativa, deveria ser promovido durante seu estágio, o desenvolvimento da criatividade musical de seus alunos. O estágio foi realizado no IMIT (iniciação Musical com Introdução ao Teclado), curso de extensão da Escola de Música da UFBA. No processo formativo ministrado pela pesquisadora (também orientadora-docente) com o estagiário, foi realizada a leitura de material bibliográfico acerca da AP, análise e reflexão das aulas, das ações e reações dos alunos, dos resultados musicais e principalmente, por parte do estagiário, uma autorreflexão acerca de suas ações docentes e da identificação de suas ações articulatórias em sala de aula. Durante a análise de dados, foi observado que o processo se desenvolveu em três etapas distintas de formação, compreensão e aplicação desse conhecimento e competências: “A análise de dados foi descrita em três etapas distintas, pois se identificou no estágio do licenciando, três fases de desenvolvimento nas realizações de ‘pontes’ pelo estagiário.” (Fogaça, 2010, p. 72). São estas etapas que trazem notícias de como se construiu mentalmente a construção das competências articulatórias em Jean. Análise será www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 93 feita à luz da teoria piagetiana, que irá estabelecer os eventos mentais de Jean, ocorridos nas etapas com os fenômenos de assimilação, acomodação e adaptação (Dolle, 2005, p. 73-84). ! Etapa 1: Assimilação A Etapa 1 da análise de dados (Fogaça, 2010, p. 77-104) descreve os dados coletados no início do estágio de Jean, contabilizando cinco aulas. Esse período corresponde ao início formativo do estagiário na AP, com leituras, reflexões e questionamento feito por ele, inclusive, consultas à própria autora da AP, por intermédio do seu orientador. Jean parece absorver bem os conceitos da AP, demonstrou compreensão quanto aos princípios e filosofias e seguramente, pode-se afirmar que construiu articulações significativas em sala de aula, que promoveram dentre outros ganhos para a aprendizagem dos alunos, conquistas importantes para o desenvolvimento da criatividade musical, como a atenuação da inibição dos alunos frente ao ato criativo musical e o encorajamento para realização de atividades criativas musicais, resultando num comportamento que mudou de recusas constantes para atitudes de se arriscarem e se empenharem em produzir criativamente. Nessa etapa, percebe-se o processo denominado por Piaget de “assimilação”. Dolle (2005) a descreve como: “incorporação de elementos do meio na estrutura” (p. 75), e cita Piaget2: ! a relação que une os elementos a, b, c, etc., aos elementos x, y, z, etc., é, portanto, uma relação de assimilação, quer dizer, o funcionamento do organismo não o destrói, mas conserva o ciclo de organização e coordena os dados do meio de modo a incorporá-los neste ciclo. (Piaget, 1977, p. 11 apud Dolle, 2005, p. 75). A AP foi o novo “dado do meio” que foi agregado à estrutura que já havia cognitivamente em Jean. A compreensão que Jean demonstrou verbalmente e por meio de ações articulatórias pedagógicas-musicais em sala de aula, demonstrou que o processo de assimilação foi realizado com sucesso. A AP aparentava estar conectada aos elementos que antes já haviam no meio interior (mente) de Jean. Entretanto, o processo de assimilação é seguido retroalimentado pelo processo de adaptação. Esse processo, agora como algo cíclico, nem sempre poderá ser uma tarefa confortável para o que sofre a construção de uma nova aprendizagem. Assim, deu-se o desenvolvimento de características que definiram a Etapa 2. ! Etapa 2: as tensões e conflitos do processo de acomodação e adaptação A etapa 2 (Fogaça, 2010, p. 104- 141) é, a princípio descrita pela autora: www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 94 Esta etapa teve inicio no dia vinte e oito, do mês de abril, do ano de dois mil e nove (28/4/2009) e é marcada pela escassez de articulações pedagógicas e musicais, após um rico período na aplicação da Abordagem PONTES pelo estagiário em sala de aula, que fez parte do seu processo de informação e formação no referencial teórico da referida abordagem. (Fogaça, 2010, p. 104). ! O pesquisador e orientador docente do estagiário, observou que as articulações ocorridas não avançavam em qualidade, nem em quantidade. Isso despertou questionamentos salutares à pesquisa, visto que segundo a orientadora da pesquisa, Alda Oliveira, ninguém havia antes pesquisado as razões pelas quais as articulações não acontecem ou deixam de acontecer. O fato é que, foram encontrados dados relevantes para este fenômeno. A inquietude que foi gerada no pesquisador, foi levada ao estagiário que, após parecer estar muito satisfeito com o próprio desempenho, à medida que o pesquisador-orientador aprofundou os questionamentos acerca do entendimento e aplicação da AP pelo estagiário, e além disso, começou a investigar quais conexões que ele fazia ao conhecimento acadêmico prévio e como ele conciliava os princípios da AP com os saberes construídos anteriormente, vários conflitos começaram a surgir. O estagiário estava desenvolvendo uma aula coerente, seguindo um planejamento de modo bem sucedido, os alunos encontravam-se motivados para as atividades criativas de cunho improvisativo musical, o que poderia estar errado? O fato das articulações tenderem a trazer algo novo para a aula, muitas vezes podem captar um evento imprevisto, um gesto simbólico, uma pergunta, um argumento musical e desenvolvê-lo de modo criativo a ampliar ainda mais os propósitos inicias da aula, ou até, mudar os caminhos, visto que as ‘pontes’ se ligam também a eventos não esperados, gerando portanto, resultados não previstos. Esse era o ponto. A pesquisadora-orientadora, então pôs-se a provocá-lo. Em um relato (idem, p. 115), Jean demonstra estar absolutamente acomodado com o rumo de sua aula, não consegue pensar em problemas que possam estar ocorrendo e não consegue ver, que no processo que ele foi iniciado, não enxergar oportunidades para construir articulações é um problema, pois para Oliveira (2008, p. 19), qualquer evento pode ser ponto de partida para a construção de uma ‘ponte’: uma música, uma argumentação, um silêncio, um sorriso, um gesto simbólico. Então, era preciso provocar o incômodo no estagiário, ele precisava perceber que seu processo de construção não estava acabado e sempre teria algo mais a fazer, como disse Freire: Nada do que experimentei em minha atividade docente deve necessariamente repertir-se. Repito, porém, como inevitável, a franquia de mim mesmo, radical, diante dos outros e do mundo. Minha franquia entre os outros e o mundo mesmo é a www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 95 maneira radical como me experimento enquanto ser cultural, histórico, inacabado, e consciente do inacabamento. (Freire, 1998, p. 55). ! Esse acomodação comportamental e racional de Jean ia de encontro ao processo de acomodação descrito Piaget: Se designarmos este resultado das pressões exercidas pelo meio exterior [...] podemos dizer que a adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação”. (ibdem apud Dolle, 2005, p. 75). É caminho de “abrir espaço” e modificar as estruturas existentes até que, o novo elemento esteja agregado e conectado às estruturas anteriores, e enquanto isto não ocorre, pode haver conflitos e tensões, na reflexão do exercício de uma prática nova, por conta da resistência em modificar as estruturas anteriores. A pesquisadora-orientadora, após extensa investigação dialogal e análise de material coletado (planos e descrição de aula, fichas de um observador independente, registros em vídeo), chegou, juntamente ao estagiário à seguinte conclusão: o entendimento do estagiário de que, o mais importante era apresentar uma aula condizente ao plano feito anteriormente, que isso se chamava (segundo o próprio) “aula coerente” e que ele em algum momento entendeu isto na academia, fez com que ele priorizasse o plano de aula de tal forma, a sacrificar momentos que ele, inclusive sabia, que poderia, ser mais salutares ao processo de ensino-aprendizagem musical e desenvolvimento da criatividade musical, do que a aula planejada por ele. Todavia, ele não se sentia à vontade e seguro, para, surgindo em mente uma ‘ponte’ que o levasse a realizar um desvio no planejamento, ele estaria fazendo o que seria “correto”. Aí entra em choque, o princípio da AP, que, lida com a criatividade pedagógica, obviamente, trabalha muito com o inesperado e com o imprevisto, tirando muito proveito destas oportunidades. Assim o processo de adaptação não fluía. Dolle (2005) cita Piaget (1977) para explicar o evento: “suponhamos [...] que, no meio, ocorre uma variação que transforma x em x’. Ou o organismo não se adapta e há ruptura do ciclo, ou há adaptação, o que significa que o ciclo se modificou fechando-se sobre si mesmo.” (idem apud Dolle, 2005, p. 75). O que se pode deduzir disso é que em algum aspecto os princípios da AP, apesar de assimilados, estavam encontrando rigidez das estruturas anteriores, que por algum motivo, não se permitiam modificar, então houve, conforme previsto por Piaget, a “ruptura do ciclo”. Era preciso promover a adaptação desse novo elemento ao meio, além da assimilação. Com ações reflexivas e fundamentando teoricamente em diversos autores e experiências de outros docentes e o apoio da autora da AP, o pesquisador-orientador auxiliou o estagiário a flexibilizar seus conceitos e princípios, que ora, pareciam se comportar como dogmas. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 96 Etapa 3 e conclusão A Etapa 3 começou efetivamente no início das aulas do segundo semestre do ano letivo de 2009. O pesquisador considera para a pesquisa a relevância das ‘pontes’ no desenvolvimento de uma pedagogia criativa musica e da criatividade musical dos alunos (Fogaça, 2010, p. 142). O registro da Etapa 3 também consta que: “Etapa 3 traz os resultados da medida tomada para que o estagiário tivesse um caminho alternativo e viável para a construção de pontes de articulação em aula: a mudança da maneira de planejar a aula.” (Fogaça, 2010, p. 142). Fica claro que então, a partir desse momento, houve uma mudança nas estruturas cognitivas de Jean, refletida na mudança de planejar a aula, que até então parecia ser um conhecimento tão solidificado nas estruturas mentais de Jean. A partir de então, claramente percebe-se as conexões que Jean começa a realizar entre os princípios da AP e os conhecimento prévios acerca da concepção do exercício docente. Assim, realizando adaptações em seu modo de entender e agregando o novo saber ele finalmente pode aos poucos se sentindo confortável e seguro com uma maneira nova de pensar e agir em sala de aula, se sentindo à vontade para tomar decisões inusitadas em (que geravam novas ‘pontes’) em prol do aprendizado musical do aluno. Jean atingiu a adaptação e aos poucos, as competências articulatórias começaram a surtir efeito significativo no aprendizado e no desenvolvimento criativo musical dos alunos, bem como, passou a fazer sentido primordial na docência de Jean. Dadas tantas transformações e construções cognitivas significativas no estagiário, apesar do aspecto cognitivo não ter sido o foco da pesquisa, hoje parece claro que de algum modo foi notado pela pesquisadora, acerca desse aspecto. Tanto que nas “Recomendações” a pesquisadora ressalta que para a aplicação da Abordagem PONTES, será necessário desenvolver, entre outras coisas, flexibilidade, autoconhecimento, criatividade e alta-conectividade.3 Conclui-se portanto, que a Abordagem PONTES, nesse caso, promoveu um processo de formação com profundas transformações cognitivas no estagiário em Licenciatura em Música. Se um processo gera efeitos significativos na práxis pedagógica-musica, é porque antes, promoveu novas conexões mentais no educador musical, em que ele agregou, ressignificou, transformou e ampliou seus saberes docentes-musicais e significados de vida em prol do aprimoramento do exercício de sua profissão como educador musical. ! Referências ! Dolle, J. M. (2005). Para compreender Jean Piaget. (2 ed.). Lisboa: Instituto Piaget. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 97 Fogaça, V. de O. S. (2010). Criatividade Musical: Abordagem PONTES no desenvolvimento das competências articulatórias na formação do professor de música. Dissertação (Mestrado em Música). Não publicado. Universidade Federal da Bahia, Salvador: 2010. Freire, P. (1998) Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. (9. ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra. Harder, R. (2008). A Abordagem PONTES no ensino de instrumento: três estudos de caso. Não publicado. Universidade Federal da Bahia, Brasil. Oliveira, A. (2008). Pontes educacionais em música. Texto apresentado e distribuído no 17º Encontro Anual da ABEM, São Paulo. Oliveira, A. (2001). La enseñanza de la música: América Latina y el Caribe [Music Education in Latin America and the Caribbean]. V. Fajardo & T. Wagner (Org.). Métodos, contenidos y enseñanza de las artes en América Latina y el Caribe. Paris, UNESCO, 27-30 (in Spanish). 1 Grupo de pesquisa sobre Mestres da Música da Bahia, coordenado por Alda Oliveira cuja pesquisa é apoiada pelo CNPq. 2 Jean Piaget (1977). La naissance de l’intelligence chez l’enfant. 3 Habilidade de realizar conexões entre vários elementos (professor, alunos, contexto sociocultural, repertório, currículo, entre outros) e o tempo real (Fogaça, 2010, p. 231). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! ! 98 Valoraciones del desarrollo auditivo musical de los estudiantes en prácticas curriculares y extracurriculares Genoveva Salazar Hakim Universidad Distrital Francisco José de Caldas (UDFJC) [email protected] Resumen: En el PCAM de la UDFJC1, se han adelantado estudios que buscan comprender de qué manera diversas prácticas musicales curriculares y extracurriculares aportan y se articulan en el desarrollo de competencias auditivas de los estudiantes. En esta etapa, este estudio indaga en la concepción y valoración que tienen estudiantes de diferentes énfasis del PCAM sobre sus desarrollos auditivos en prácticas musicales curriculares y extracurriculares. La metodología es de enfoque cualitativo y comprende: (1) la aplicación de entrevistas a estudiantes de los énfasis de Dirección Musical, Interpretación Instrumental y Composición y Arreglos, y; (2) la definición y aplicación de categorías de análisis y (3) la interpretación de resultados. El análisis se lleva a cabo mediante categorías emergentes de las entrevistas y otras como función, contenidos y materiales vinculados a las prácticas de audición, aplicadas en estudios precedentes. Los resultados se interpretan con categorías como ontologías de la música, modos de conocimiento musical y procesos transmodales y transdominio de la experiencia. Se presentan avances de aspectos de fundamentación teórica y de la etapa de recolección y análisis de información. Palabras clave: desarrollo auditivo musical, procesos transmodales y transdominio, y modos de conocimiento musical. ! Title: Musical listening skill assessments from students in curricular and extracurricular practices. Abstract: In the PCAM of the UDFJC, studies have been advanced in order to understand the ways varied curricular and extracurricular musical practices contribute to and are articulated to the development of students listening skills. At this stage, the study search the conceptions and assessments that students of different Emphasis of the PCAM have about their own listening skills, in curricular and extracurricular musical practices. The methodology follows a qualitative approach and involves: (1) the application of interviews with students from the Emphasis of Musical Conduction, Instrumental Performance, and Composition and Arrangement; (2) the definition an application of analysis categories; and (3) the interpretation of results. The analysis is done throw emerging categories taken from the interviews and from others, that have been used in precedent studies, as functions, contents and materials linked to listening practices. The results are interpreted with categories as music ontologies, ways of knowing music, and cross modal and cross domain processes of experience. Advances in aspects of theoretical foundation and the stage of data collection and analysis are shown in this text. Keywords: musical listening development, cross- modality and cross- domain processes, ways of knowing music. ! ! La audición es una actividad implícita en diversos procesos de formación musical, de índole curricular y extracurricular. En lo concerniente al desarrollo de habilidades auditivas musicales, como puede observarse en estudios sobre musicalidad comunicativa (Español, 2010), este se inicia desde muy temprana edad y se continúa por procesos de enculturación e instrucción, y en situaciones de aprendizaje de carácter formal e informal que involucran modos de relación diversos frente al conocimiento (Green, 2009; Miñana, 2009). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 99 Estudios desarrollados en las últimas décadas, desde la cognición corporeizada, permiten aproximarse a la naturaleza intersubjetiva del aprendizaje y a aspectos de la comunicación humana en la edad más temprana. Al respecto, se observa que nuestra especie comparte formas de comunicación entre el adulto y el bebé que involucran el habla, el gesto corporal y el movimiento, las cuales son muy cercanas a ciertos niveles de estructuración musical. Estas formas de comunicación, estudiadas bajo el concepto de Musicalidad comunicativa, ofrecen una aproximación al entendimiento de las bases intersubjetivas en el aprendizaje humano y musical. Puede decirse que la educación musical, al igual que otros ámbitos de la cognición humana, se soporta en capacidades cognitivas que vienen de nacimiento, y en relaciones esencialmente intersubjetivas. A su vez, la educación musical se concibe como un proceso que tiene lugar durante toda la vida, mediante interacciones y compromisos diversos entre los individuos de una cultura y su entorno. Uno de los factores que se señalan como fundamentales en el aprendizaje musical es la enculturación. De acuerdo con Green (2009), la “enculturación o inmersión en la música y en prácticas musicales del propio entrono, es un factor fundamental que es común a todos los aspectos de aprendizaje musical, bien sea formal o informal.” Respecto del rol de la enculturación en músicas tradicionales, Green señala: En la música tradicional de muchos países, los niños pequeños cotidianamente son involucrados en grupos de actividades del hacer musical, tanto dentro de la casa como por fuera de ésta, y casi siempre desde el nacimiento. Mediante esta inclusión por parte de los adultos y de niños más grandes que los acompañan, ellos desarrollan destrezas musicales en modos similares a como lo hacen con las destrezas lingüísticas. (2009, p. 5-6) ! En el contexto regional del Chocó en Colombia, un ejemplo de inmersión por parte de bebés y niños muy pequeños se observa en las fiestas patronales de San Pacho, en Quibdó. Durante las fiestas, muchas madres se incorporan con sus bebés en la procesión, u observan desde la acera pasar a las bandas de música, de grupos de danza y de pantomima. Los niños más chicos que ya caminan, van de la mano de algún adulto o sueltos moviéndose al ritmo de la música que escuchan y de otros a quienes imitan. Es de señalar que en esta región, una forma de inmersión fuerte en la música desde muy temprana edad es a través del movimiento corporal y del baile. (Salazar, 2013a) Green (2009) diferencia modalidades en la transmisión de las músicas según sean sus tradiciones, en escenarios informales. Estas modalidades pueden ser el trabajo en solitario, entre pares y maestro-alumno, y dejan ver relaciones diversas, unas más jerárquicas que otras, frente a la autoridad sobre el saber. De acuerdo con Green: www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! 100 (…) existen algunas diferencias cruciales entre la manera en que se transmite, por un lado, en la mayoría de músicas campesinas y tradicionales, y, por otro, en gran parte de músicas populares occidentales. Estas diferencias resultan ser muy importantes para la educación musical. Estas diferencias incluyen, en primer lugar, el hecho de que, contrariamente a como se da en la mayoría de ambientes campesinos y tradicionales, muchos de los músicos populares en Occidente o en culturas musicales occidentalizadas no están regularmente rodeados por una comunidad de músicos adultos practicantes de músicas populares con quienes ellos puedan hablar, escuchar, mirar e imitar, o ser iniciados en destrezas y conocimientos relevantes. Por lo tanto, los músicos populares jóvenes tienden a comprometerse en una cantidad importante de aprendizaje en solitario. En segundo lugar, se da una diferencia en cuanto a la comunidad de práctica que está a disposición para los músicos populares jóvenes, la tendencia es a que esta comunidad sea de pares más que de ´músicos-maestros´, o de adultos más competentes. El significado de esto es profundo, en la medida en que afecta el modo completo en el cual se transmiten destrezas y conocimientos en el campo de la música popular, al quitar la carga de la transmisión a una figura de autoridad, experto o miembro mayor de la familia, y dejándola en gran medida en manos grupos de jóvenes aprendices. (2009, p.6) En cuanto a procesos de socialización y a escenarios de aprendizaje, en ocasiones se enfatiza en lo que musicalmente ofrece y valora una cultura “dada” y en la transmisión de tradiciones. Esto puede conducir a concebir el aprendizaje como un producto de acciones unidireccionales que van desde la cultura y la sociedad, en relaciones jerárquicas, hacia el individuo aprendiz. Al respecto, Miñana (2009) menciona: (…) hemos considerado durante años los procesos de socialización como unidireccionales —desde la sociedad adulta hacia la infantil—, y hemos sobrevalorado la importancia de los primeros años en la forma como vamos a vivir en la edad adulta. El mismo concepto de “patrimonio” cultural o inmaterial arrastra en su etimología la herencia paterna que, con activos —y también con pasivos— se lega a las nuevas generaciones. Sin embargo, existen muchas evidencias en las etnografías y en varios estudios sociológicos de que no siempre los niños, los jóvenes o los aprendices necesitan de los adultos o de sus explicaciones, y que con frecuencia es el mundo adulto el que termina cambiando como fruto de su interacción y compromiso con las nuevas generaciones. ! A esta visión unidireccional de la socialización subyace una concepción objetivista de la realidad, en donde el conocimiento y los significados de dicha realidad son concebidos como preexistentes y provenientes de afuera. Por oposición, se tiene una visión de mayor reciprocidad en donde los conocimientos y los significados que otorgamos a nuestra experiencia se construyen en las relaciones e interacciones que tejemos con el entorno. Al respecto, Ingold, según Miñana (2009), señala: “No sobreimponemos significado sobre un mundo (‘naturaleza’ o ‘realidad física’) que pre-existe aparte de nosotros mismos, para vivir debemos habitar en el mundo, y para habitar debemos ya relacionarnos con sus constituyentes. El significado está inherente en esas relaciones” (Ingold, 1994b: 222) o mejor, se construye en esas relaciones. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 101 En contraste con un enfoque unidireccional de la educación y de procesos de socialización, se observan enfoques en donde el aprendizaje se propicia por las interacciones de las personas (niños, jóvenes y adultos) en relaciones y en contextos que son dinámicos. De allí, la necesidad de considerar los actos de aprendizaje más como acciones que se dan en relaciones de reciprocidad entre el individuo y lo que le proporciona su entorno. En esta perspectiva, es de resaltar para el aprendizaje consideraciones como: la inmersión del individuo en comunidades de práctica, su compromiso con prácticas musicales diversas, las valoraciones que se dan en torno a las prácticas del contexto y el tipo de relaciones intersubjetivas que se generan. La complejidad de relaciones que se tejen entre los individuos y su entorno en actos de aprendizaje musical es tenida en cuenta en la orientación dada a una serie de estudios que venimos adelantando enfocados en el desarrollo de la audición musical. Los primeros estudios, realizados entre los años 2010 y 2011, han visibilizado concepciones de desarrollo auditivo desde las propuesta institucional y las prácticas docentes, en asignaturas de diversos campos de la formación musical –instrumental, teórica, compositiva- (Agudelo et al. 2013; Castillo et al. 2011; Salazar 2013a, 2013b Salazar et al. 2011, 2012). La aproximación a las prácticas de audición musical en los diversos escenarios curriculares se ha realizado considerando aspectos como: (1) qué tipo de objetos, procesos y experiencias son considerados música; (2) qué modos de conocimiento participan en las prácticas auditivo-musicales; y (3) qué modalidades perceptuales y de la experiencia se articulan e interactúan con la audición. En el primer caso, se han abordado categorías en relación con ontologías de la música en cuanto a: objeto, proceso y experiencia (Vargas et al., 2007; Vargas et al. 2008; Bohlman, 2001). Respecto de los modos de conocimiento musicales, se consideran las categorías conocimiento proposicional o declarativo y conocimiento no proposicional, o procedimental (Shifres, 2009; Stubley, 1992; Davidson & Scripp, 1992). En relación con de las modalidades perceptuales y de dominios de la experiencia que confluyen en las prácticas de audición, se acude a las categorías transmodalidad y transdominio, respectivamente (Johnson, 1987; Zbikowski, 2002; Martínez 2005, 2009 y Shifres, 2008) Por su parte, las categorías delimitadas para la sistematización y análisis de los datos aplicadas en el estudio referido obedecen a preguntas como: para qué se llevan a cabo prácticas de audición musical, qué aspectos de lo musical se conocen a través de la audición y qué tipo de conocimientos, materiales y relaciones con objetos y personas se articulan con www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 102 dichas prácticas. De esta manera, se aplican las categorías Función, Contenidos y Materiales vinculados con las prácticas de audición (Agudelo et al. 2013; Castillo et al. 2011; Salazar 2013a, 2013b Salazar et al. 2011, 2012). En este estudio se observó que la audición musical, en el ámbito curricular es un proceso que se propone y se da en coordinación con prácticas que involucran aspectos como: la construcción y la aplicación de conocimientos conceptuales y procedimentales; interacciones inter e intrapersonales con instrumentos y materiales de diversa índole; y la inmersión bajo diversas formas de compromiso en músicas de tradiciones culturales variadas. No obstante, el panorama sobre las concepciones del desarrollo auditivo de los estudiantes no se agota en la indagación sobre las propuestas y prácticas curriculares. Por conversaciones y encuentros informales con los estudiantes, se sabe que son diversos los escenarios e interacciones en los que ellos han participado previa y paralelamente al curso de su carrera, lo cual puede facilitar el aprendizaje o en ocasiones entrar en conflicto con propuestas metodológicas altamente formalizadas en las asignaturas. Una segunda etapa de este estudio, en curso, se pregunta por las concepciones que tienen los estudiantes de diversos énfasis frente a sus desarrollos auditivos tanto en contextos curriculares como extracurriculares previos y paralelos a la realización de la carrera. La indagación en dichas concepciones podría arrojar luces a preguntas como: qué tipo de destrezas auditivas han propiciado determinados escenarios e interacciones de aprendizaje musical; de acuerdo con las necesidades de las prácticas musicales y pedagógicas de los estudiantes, qué tipo de destrezas auditivas valoran; y cómo es la articulación o transferencia de competencias auditivas entre los diferentes escenarios de formación y práctica. Es de esperarse que en un estudio sobre las concepciones y valoraciones de los desarrollos auditivos de los estudiantes en escenarios curriculares y extracurriculares se considere y se reconozca el valor que tienen los procesos tanto formales como informales de aprendizaje. De esta manera, se propone observar dichas valoraciones dentro de las dinámicas sociales en las que han surgido, de acuerdo con los testimonios de los estudiantes. A fin de caracterizar lo curricular y lo extracurricular, se plantea la revisión de nociones como lo formal y lo informal asociadas a prácticas, situaciones y estrategias de enseñanza y de aprendizaje (Green, 2009, 2009ª; Folkenstad, 2006; Jenkins, 2011). Una revisión de estas nociones permitirá aprovecharlas para el análisis y nutrirlas de contenido a partir de las particularidades y generalidades encontradas en nuestros contextos de formación y práctica musical. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 103 Objetivo El objetivo de este estudio es indagar por las concepciones que tienen estudiantes del PCAM en cuanto a sus desarrollos auditivos musicales y a la valoración de dichos logros en el contexto de prácticas curriculares y extracurriculares. ! Método La metodología aplicada es de enfoque cualitativo y contempla las etapas: (1) selección de estudiantes a entrevistar y recolección de información mediante entrevistas; (2) sistematización y análisis de información; y (3) interpretación de resultados. Los estudiantes a entrevistar se seleccionaron bajo los siguientes criterios: (1) tener representatividad de tres etapas de formación en la carrera: inicial (semestres I y II), intermedia (semestres V-VI) y final (semestres VIII-IX); (2) Tener en cada etapa representatividad de estudiantes de cada uno de los Énfasis de la carrera : Interpretación Instrumental, Composición y Arreglos, y Dirección Musical; y (3) dentro de los diferentes énfasis y las etapas de formación, tener estudiantes que hayan estudiado en carrera instrumentos asociados a las tradiciones musicales académica, popular y regional campesina. Este estudio se encuentra en la etapa de análisis de las entrevistas. Por consiguiente, se presentan resultados en torno a las etapas iniciales y de sistematización de información. ! Resultados Selección de estudiantes De los criterios establecidos inicialmente para la selección de estudiantes, se pudo cumplir con la mayoría. Sin embargo, se dio el caso de no contar en algunas etapas de formación con el número de estudiantes estipulado para entrevistar. ! Recolección de información mediante entrevistas Las entrevistas se realizaron con preguntas abiertas y las aplicaron estudiantes del PCAM, bajo la orientación de la directora de la investigación. Los entrevistadores tuvieron previamente una fundamentación básica en trabajo etnográfico y respecto del tema de estudio. Se elaboró un listado de preguntas a fin de tener una guía de aspectos a indagar. Las entrevistas se grabaron en audio y transcribieron por el equipo de estudiantes entrevistadores. ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 104 Sistematización, análisis e interpretación de información Las transcripciones de las entrevistas están en proceso de análisis con la ayuda del software NVIVO10. Se cuenta con categorías de análisis e interpretación ya trabajadas en un estudio anterior. De igual forma, también se trabaja a partir de categorías emergentes de los relatos de los estudiantes en las entrevistas, que posibilitan establecer similitudes o diferencias según sea la afinidad de contenido. Categorías de análisis delimitadas: Se tienen en cuenta categorías y subcategorías organizadas bajo los grupos Función, Contenidos y Materiales vinculados a las prácticas de audición. Estas categorías se complementan con otras que aluden a tipos de aprendizaje, y a escenarios de formación y práctica musical, teniendo como foco la valoración que dan los estudiantes a sus desarrollos auditivos. Categorías de interpretación: los resultados son interpretados bajo las categorías: ontologías de la música, modos de conocimiento musical y procesos transmodales y transdominio de la experiencia. ! Conclusiones Como ya se expresó, este es un estudio que se encuentra en su etapa de análisis. De los resultados se espera aportar a la formulación de estrategias que tiendan a mejorar la conexión entre expectativas, procesos y logros tanto desde la enseñanza como del aprendizaje en nuestro contexto sociocultural. Este estudio, a su vez, aspira a movilizar supuestos frente a prácticas informales y formales que conducen a la formación musical en relación con las tradiciones pedagógicas y musicales académicas, populares y regionales. ! Referencias Agudelo, P., Salazar, G., Castillo, F., & Bernal, M. (2013). La audición musical en asignaturas de Composición y Arreglos del Proyecto Curricular de Artes Musicales, UDFJC: Entre lo proposicional y lo experiencial. Calle14: revista de investigación en el campo del arte, 8 No. 11, 24-39. Bohlman, Philip V. (2001) Ontologies of music. En N. Cook & M. Everist (Eds.), Rethinking Music (pp. 17-34) Oxford: Oxford University Press. Castillo, F.; Salazar, G.; Agudelo, P.; y Bernal, M. (2011) Caracterización de las prácticas de audición musical en asignaturas de formación instrumental. En A. Guiena; P. Jaquier; M. Valles y M. Martínez (Eds.) Musicalidad Humana: Debates actuales en evolución, desarrollo, cognición e implicâncias socio-culturales. Buenos Aires: SACCOM. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 105 Davidson, L. and Scripp, L. (1992) Surveying the coordinates of Cognitive Skills in Music. En R. Colwell (Ed.) Handbook of Research on Music Teaching and Learning. New York: Schirmer Books. Español, S. (2010) Performances en la infancia: cuando el habla parece música, danza y poesía. En Epistemus Volumen 1, mayo de 2010, ISSN 1853-0494. Buenos Aires: SACCOM. http://www.epistemus.org.ar/pdf/3_espanol.pdf Folkestad, G. (2006). Formal and informal learning situations or practices vs formal and informal ways of learning. British Journal of Music Education, 23(2), 135. Green, L. (2009) Music, Informal Learning and School: A New Classroom Pedagogy. U.K.: Ashgate. Green, L. (2009a). Response to special issue of Action, Criticism and Theory for Music Education concerning Music, Informal Learning and the School: A New Classroom Pedagogy. Action, Criticism & Theory for Music Education, 8(2), 121-132. Jenkins, P. (2011). Formal and Informal Music Educational Practices. Philosophy of Music Education Review, 19(2), 179-197. Johnson, M. 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Las siglas PCAM y UDFJC corresponden a Proyecto Curricular de Artes Musicales y Universidad Distrital Francisco José de Caldas, respectivamente. La UDFJC es una institución pública de educación superior, del Distrito en Bogotá, Colombia. 1 www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 107 A improvisação na pedagogia pianística: ensino e aspectos cognitivos e psicológicos ! Laura Longo Instituto de Artes – Unicamp [email protected] ! Adriana Aggio Instituto de Artes – Unicamp [email protected] ! Resumo: Sentindo a necessidade de se encontrar novas formas do fazer musical que propiciem aos alunos maior envolvimento, desenvolvimento e prazer no aprendizado do piano, buscamos em autores como Gainza, Swanwick, Sloboda, Gardner, Cecília França e Moema Campos, entre outros, respostas a indagações relativas à pedagogia pianística. Neste artigo procuramos abordar questões relativas à improvisação no âmbito do ensino e nos aspectos cognitivos e psicológicos do indivíduo. Por meio de alguns exemplos de improvisadores e reflexões a respeito de atividades criativas, pretendemos demonstrar que um aluno de instrumento bem estimulado pode desenvolver a habilidade de improvisar e obter vários benefícios musicais e extramusicais com estas práticas. Palavras-chave: improvisação, cognição, pedagogia pianística Title: Improvisation in piano pedagogy: education and cognitive and psychological aspects Abstract: Feeling the need to find new ways of music making that provide students with greater involvement, development and enjoyment in learning the piano, we seek in authors as Gainza, Swanwick, Sloboda, Gardner, Cecília França and Moema Campos, among others, responses to inquiries relating to piano pedagogy. In this paper we address issues relating to improvisation in teaching the cognitive and psychological aspects of the individual. Through some examples of improvisers and reflections on creative activities, we intend to demonstrate that a well stimulated student of instrument can develop the ability to improvise and get several musical and extra benefits with these practices. Keywords: improvisation, cognition, pianistic pedagogy. Introdução ! ! ! ! O grande pianista brasileiro Nelson Freire, no documentário feito por João Moreira Salles em 2003, expressou que adoraria saber tocar jazz, improvisar ao piano. É possível que outros músicos formados por uma abordagem tradicional também partilhem deste sentimento. A divisão de especialidades, em que há músicos que são intérpretes ou regentes, compositores ou improvisadores, ou somente educadores, é algo relativamente recente. No Romantismo as cadências dos concertos eram improvisadas pelo solista, e compositores e intérpretes como Chopin e Liszt, por exemplo, eram também grandes improvisadores e educadores. O estudo das biografias de grandes músicos improvisadores da nossa história, demonstra que todos tiveram ao longo da infância algum tipo de estímulo musical na família ou no ambiente, o que contradiz a teoria de que saber improvisar seja um talento inato www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 108 (Schroeder, 2005). Além disso, ainda não se encontrou nenhuma diferença genética entre crianças talentosas e não talentosas musicalmente (Lehmann, Sloboda & Woody, 2007). Neste texto consideramos improvisação como sendo o processo criativo no tempo real da performance, em que o instrumentista toma decisões enquanto executa, ou seja, cria e toca simultaneamente, e composição como o processo criativo no qual é possível escolher e elaborar as ideias musicais, até que se finalize a obra, podendo, inclusive, decorrer de uma improvisação. Em todas as performances há algum elemento de improvisação, já que deve-se tomar decisões que poderão dar significados diferentes a cada uma delas. Sendo a notação musical algo incompleto, por necessitar de intérpretes que a transformem em som, possibilita várias interpretações nos chamados signos mensuráveis e abstratos. Segundo Fuller (apud França, 2002) “(...) atividades criativas oferecem a oportunidade de exercitar a responsabilidade de tomar decisões compasso a compasso, que deve moldar toda performance”. Infelizmente, em algumas escolas de música, improvisar ou ‘tocar de ouvido’ ainda é uma heresia, e o prazer de tocar pode desaparecer quando o enfoque se mantém apenas na técnica instrumental e na notação musical, sem estimular a expressividade e criatividade do aluno. Para Johnson e Cook este foco nas questões visuais é um fenômeno social: “A sociedade institucionalizada de hoje é centrada na visão: o visual é privilegiado sobre o auditivo e o oral para manter um regime de conhecimento-como-controle (...) a música de ‘arte’ está centrada no texto” (Johnson, 2002, apud Cook, 2007, p.100). Embora a distinção entre habilidades ainda exista, vê-se grande abertura para uma educação musical mais abrangente e universal. No modelo C(L)A(S)P de Swanwick, por exemplo, as expressões Literature studies e Skill aquisition, traduzidas como conhecimento teórico e notacional e aquisição de habilidades técnicas, são atividades de suporte às atividades centrais de Composição, Apreciação e Performance, “mas podem facilmente (e perigosamente) substituir a experiência musical ativa” (França, 2002, p.17), compreendendose composição, nesse contexto, como todas as formas de invenção musical. Nessa tendência rumo a uma educação musical mais abrangente, surgiu na Inglaterra, em 2004, um movimento chamado Musical Futures, para reformular a educação musical, visando trazer para dentro das salas de aula, o ‘tocar de ouvido’, o improviso e o arranjo feito em grupo. Lucy Green, cofundadora do Musical Futures, cita a existência cada vez maior de músicos que ela chama de bi-musicais, ou seja, estão com ‘um pé’ na música clássica e outro no jazz ou no improviso. Como exemplo, citamos a norteamericana Emily Bear, nascida em www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 109 2001, que teve todo o suporte e estímulo necessários por parte da família, para desenvolver suas habilidades musicais como pianista, surgidas bem precocemente. Pode-se vê-la, aos 10 anos, improvisando ao piano no Festival de Jazz de Montreux, e aos 11 anos tocando o concerto de Schumann op. 54 para piano e orquestra, nos Estados Unidos, com a mesma destreza. Vigotsky sugere que no jogo imaginativo, as crianças podem superar o nível esperado para sua faixa etária (apud França, 2002, p.102-103). Pensamento reforçado pela citação de Gainza sobre o estímulo à expressão genuína da criança: A criança faz música respondendo a um impulso interno e a uma necessidade de expressão genuína. Ela somente reage a estímulos externos quando sente que coincide com seus próprios interesses. Por isso o ensino deveria tratar de despertar essa necessidade, esse impulso, antes de pensar na atividade criadora em função dos resultados possíveis (Gainza, 1983, p.5, trad. nossa). ! O médico e musicista norteamericano Charles Limb, em palestra na TEDx MidAtlantic em 2010, falou sobre suas pesquisas, que tratam sobre o funcionamento do cérebro durante a improvisação, e experimentos em que utiliza aparelho de ressonância magnética funcional que registra as atividades cerebrais. Ele constatou que estas atividades são diferentes quando se toca músicas aprendidas e memorizadas anteriormente, e quando se improvisa. Durante a improvisação a zona da criatividade e autoexpressão é ativada (pré-frontal medial), com consequente desativação da zona de autocensura e inibição (pré-frontal lateral). ! A improvisação e o ensino Muitos músicos têm facilidade e gostam de improvisar e criar, enquanto outros músicos veem a improvisação e a composição como uma tarefa difícil e às vezes até inatingível. A diferença pode estar no fato de que alguns as desenvolvem e outros não. Sabe-se que é possível aprender a improvisar através de técnicas específicas, ou mesmo através de uma prática por motivação própria. Dalcroze escreveu sobre o aprendizado da improvisação em seu livro La Musique et nous (1945); ainda hoje, esta disciplina é ministrada aos alunos na escola de música fundada por ele em Genebra. ! Muitos músicos não sabem improvisar, pois na sua infância diminuíram sua sensibilidade original e traíram a imaginação insistindo em exercícios convencionais que não tinham nenhuma relação com a musicalidade. (...) há quem acredite que a faculdade de improvisar é um dom e que seria impossível desenvolvê-la ou despertála graças a estudos especiais. Isto é um grande engano (Dalcroze, 1945, In trad. Poncet, 1981). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 110 Em estudos relatados por Sloboda no livro A Mente Musical (1985, p.271), as crianças de 3 e 4 anos produzem canções espontâneas, muitas vezes elaboradas a partir de elementos de canções aprendidas. Entretanto, à medida que aumenta a preocupação com a imitação, as canções espontâneas vão se tornando mais raras. Se a criança demonstra uma capacidade natural em criar e por diversas razões deixa de lado esse aspecto criativo, podemos notar a grande importância que pode ter um educador musical, no sentido de estimular e proporcionar situações para que a criança continue desenvolvendo sua capacidade criativa. Gainza (2007, p.47) defende que a improvisação sempre deve ser trabalhada nas aulas de instrumento: Improvisar é como falar. Falar se aprende falando, improvisar se aprende improvisando. A improvisação, atividade integrada ao processo de desenvolvimento musical, é sinônimo de jogo, alegria, entretenimento, e também de exploração, inquietude, curiosidade. O jogo musical começa muito antes da aprendizagem sistemática da música e não deve interromper-se ao longo de todo o processo, embora mude de qualidade e de sentido. ! Podemos inferir, então, que é possível ensinar a improvisar. Gainza (2007, p.26) diz que o processo da improvisação pode ser desencadeado por dois tipos de estímulos: (1) Musicais (ou específicos); (2) Extramusicais (ou gerais). Os estímulos musicais são os relativos a materiais ou estruturas sonoras; os estímulos extramusicais se referem a objetos, pessoas, situações de todo tipo, ou condutas humanas, como exemplos: um passeio nas nuvens, um diálogo de um macaco com um bicho preguiça. Estes estímulos, portanto, darão um caminho a ser seguido, subentendendo-se que improvisar não é apenas executar coisas aleatoriamente, mas que há um objetivo ou regra, um pensamento sobre o que se está executando. Gainza (2007, p.28, trad. nossa) chama de ordem ou orientação (consigna) a motivação dada ao aluno e a classifica pelo estilo ou tipo de atividade: 1. Improvisação livre: improvisação espontânea. 2. (a) Investigação – Exploração; (b) Prática (ejercitación): manipulação de materiais sonoros e exercitação dos mesmos. 3. (a) Descrição – relato; (b) Evocação: manipulação de objeto sonoro internalizado com um roteiro a seguir e evocação de climas com estrutura indefinida. 4. (a) Imitação (de um modelo); (b) Correspondências: imitação de um modelo imediato ou internalizado e correspondências com outra linguagem. 5. Jogo com regras: determinar regras para tocar como numa brincadeira. 6. Automatismos motrizes e psíquicos: em primeiro plano, o acaso e o subconsciente, deixando momentaneamente de lado a consciência mental e a consciência auditiva. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 111 O estímulo, dado pelo educador, deve estar de acordo com as possibilidades musicais e técnicas do aluno ao instrumento, e levar em conta seu grau de espontaneidade. Pedir tarefas que estão muito além da capacidade do aluno pode ser fator desestimulante e inibidor do desenvolvimento musical. Seria, portanto, mais adequado iniciar este processo com atividades simples, como criar uma pequena melodia e, à medida que se percebe a absorção de novos conhecimentos e a segurança e confiança com que ele executa, poder-se-ia propor tarefas mais complexas. Sobre o desenvolvimento criativo, Moema C. Campos (2000, p.109) comenta que: “O ato de improvisar tem seu desenrolar próprio, começando com a permissão do experimentar e desenvolvendo-se de acordo com o domínio dos dedos, percepção auditiva, sensibilização e conhecimento da linguagem musical”. Por outro lado, o ato de improvisar favorecerá o desenvolvimento de determinadas habilidades que realimentarão a improvisação. Gainza (2007, p.25, trad. nossa) sintetiza os objetivos específicos da improvisação da seguinte maneira: (1) Aproximação e tomada de contato com o instrumento (e por seu intermédio, com a música); (2) Aquisição dos elementos da linguagem musical; (3) Desenvolvimento da criatividade; (4) Fortalecimento da técnica instrumental. Campos (2000, p.109-110) comenta que: ! A improvisação deveria ser vivenciada juntamente com cada conceito teórico introduzido. Se isso ocorresse, estaríamos, todos os músicos, improvisando no mesmo nível de dificuldade técnica com que interpretamos peças de outros autores. Tanto no aspecto teórico como no técnico, se a improvisação acompanhasse nosso repertório, certamente estaríamos compreendendo com mais facilidade a linguagem e os estilos musicais. Gardner (1994, p.89) relata que: “Indivíduos que mais tarde se tornaram compositores costumavam por volta dos 10 ou 11 anos, experimentar com as peças que estavam tocando, reescrevendo-as, modificando-as, transformando-as em outra coisa – em uma palavra, decompondo-as.”, demonstrando que o repertório aprendido pode ser fonte para novas ideias e que a experimentação sobre o repertório conhecido pode favorecer o conhecimento dos elementos musicais, a ponto de estimular outras atividades criativas. Em entrevista a Santiago (2006, p.58), Berenice Menegale corrobora as palavras de Gardner a respeito de transformações de peças musicais: ! Até pequenas modificações numa peça simples que ela [a criança] está tocando é possível fazer, sem preconceito, sem tirar o caráter ‘sagrado’ da música. Essas sementezinhas podem ser importantes para a criança depois. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 112 A improvisação poderá ajudar o aluno a compreender elementos da linguagem musical, os conceitos da música, que ali estiverem presentes. Então, se falamos de pulso, ritmo, compasso, escala, acorde, fraseado, forma, andamento, expressão, gênero, estilo, todos estes termos musicais podem ser trabalhados a partir da improvisação. Um dos maiores desafios para os improvisadores é a necessidade de prestar atenção a vários aspectos motores e musicais simultaneamente enquanto improvisam, incluindo harmonia, melodia, ritmo, expressão, forma, e coordenação das mãos. Muitos improvisadores reportaram poder monitorar um aspecto por vez de forma consciente (Heuer, 1996; Pashler & Jonhston, 1998 apud Parncutt & McPherson, 2002, p.129). Por isso o ensino da improvisação deve ser desenvolvido de forma gradual, até que se consiga controlar simultaneamente os aspectos ali envolvidos. E então, enquanto a atenção está centralizada em um deles, os outros podem acontecer inconscientemente ou automaticamente. Esse automatismo é necessário ao improvisador mais experiente, para poupar recursos cognitivos a serem usados em decisões mais importantes (Lehmann, Sloboda & Woody, 2007, p.134). Um aspecto importante a ressaltar é que nas atividades de criação não há o certo nem o errado, não há o feio nem o bonito, há uma expressão que se origina internamente e é exteriorizada, e que pode trazer muitos benefícios para o desenvolvimento musical e emocional do aluno ou indivíduo. Vários fatores sociais e emocionais podem trazer bloqueio para o desenvolvimento da criatividade como o medo do ridículo e da crítica, a baixa auto-estima, a dificuldade em lidar com o erro. O educador tem papel fundamental de encorajar o aluno a ter confiança em si próprio ao arriscar-se, criando um clima de confiança e respeito. As possibilidades que podem surgir a partir das improvisações são várias e imprevisíveis. Podem ser ideias para composição e podem aparecer elementos que favorecerão a audição, a técnica, a expressão, o aprendizado de conceitos musicais. Como diz França (1995) “Da experimentação e improvisação com materiais sonoros, as ideias se expandem e gestos expressivos começam a aparecer. A partir desse ponto, as ideias são selecionadas ou rejeitadas até serem organizadas dentro de uma estrutura musical, seja ela notada ou não, de acordo com a necessidade ou possibilidade”. ! Aspectos cognitivos e psicológicos Para demonstrar a dinâmica entre os elementos que caracterizam o discurso, o pensamento e a produção na música, Swanwick (2010, p.23) sintetizou estes elementos como www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ fenômeno Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 113 dinâmico da metáfora, considerando o termo metáfora de forma mais ampla, como uma relação ou intersecção entre dois ou mais domínios, que provoca insights e reorganizações de ideias. Ele dividiu esse processo dinâmico em três níveis: no primeiro as notas agrupadas soam como melodias ou formas expressivas; no segundo as melodias criam novas relações dando vida à música; e no terceiro a música informa a “vida do sentimento”. Embora esse processo psicológico não seja visível e palpável, as evidências são muitas. No livro The Science of Psychology of Music Performance (Parncutt & Mc Pherson, 2002, p.223), há um capítulo sobre a comunicação emocional, escrito por Juslin e Persson, contendo uma tabela onde estão relacionados sentimentos – como alegria, tristeza, raiva, afeto e medo – a um conjunto de características musicais. A alegria, por exemplo, está associada a qualidades sonoras, tais como: andamento rápido, timbre brilhante, staccatos e alta intensidade de som. Embora existam músicas contendo staccatos e que não transmitam alegria, podemos nos lembrar de alguns termos metafóricos como ‘pular de alegria’. A improvisação, sendo um reflexo do que trazemos internamente, pode ser uma forma de trabalhar os próprios sentimentos, de expressar a própria individualidade, ou de compreender melhor os sentimentos implícitos em uma obra musical. “Música é um tipo de realidade virtual, às vezes mais vívida do que a realidade comum” (Swanwick, 2010, p.62). A vivência proporcionada pelas atividades criativas não se limita apenas aos resultados sonoros do ato em si, mas vai muito além, conforme citado no livro The Science of Psychology of Music Performance: ! Alguns artistas descrevem um estado de êxtase quando se entregam a um momento criativo, um estado de fluência (flow state) que propicia ir além do texto literal, mas também além dos próprios limites cognitivos (...) Envolvidos pelo momento, musicistas esquecem-se dos problemas, perdem a autoconsciência crítica, perdem a noção do tempo, e eventualmente sentem que esta atividade está valendo principalmente para seu próprio bem (Csikszentmihalyi & Rich,1997 apud Parncutt & McPherson, 2002, p.119, trad. nossa). Gainza (1990) sugere não restringir a atividade improvisatória a poucas formas, para evitar que seja feita de forma mecânica e esteriotipada, perdendo assim, seu verdadeiro sentido, e complementa: “O aluno improvisará para expressar-se, relaxar-se, gratificar-se, ou para aprender.” Swanwick sintetiza este estudo sobre os benefícios da improvisação no estudo do piano e de qualquer outro instrumento quando diz: “O propósito da música não é, simplesmente, criar produtos para a sociedade. É uma experiência de vida válida em si mesma, que devemos tornar compreensível e agradável” (Swanwick e Jarvis, 1990, apud Swanwick, 2010, p.72). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 114 Considerações finais Consideramos que a prática da improvisação tem uma função muito importante para o indivíduo e deveria estar presente no ensino do piano. A partir das reflexões aqui mostradas podemos inferir que, ao improvisar, regiões cerebrais são ativadas ou desativadas e esta prática tem efeitos tanto no aspecto cognitivo quanto no psicológico. Da mesma forma, que a prática da improvisação no piano constrói um relacionamento saudável com o instrumento, livre de medos e bloqueios, podendo ir além do aprendizado musical, trazendo um equilíbrio potencializado, pode constituir-se numa ligação com o instrumento e a música que perdure por toda a vida. Uma abordagem integrada no ensino do piano, incluindo a improvisação e a criação, sem abandonar outros aspectos igualmente importantes, um ensino que estimule ouvir, tocar, criar, e analisar, permitem que o aluno explore, sinta, descubra e adquira conhecimento. Além de colaborar para a compreensão e interpretação da música de outros, ajuda o aluno a tomar posse da linguagem musical e a poder expressar livremente sua própria música. Um professor sensível poderá ajudar o aluno a expandir seus conhecimentos, sua criatividade, seu desenvolvimento musical e, paralelamente, a promover a autoconfiança e a autoestima, fazendo com que a música faça parte da vida deste aluno de forma prazerosa. ! Referências Campos, M. C. (2000). A educação musical e o novo paradigma. Rio de Janeiro: Enelivros. Cook, N. (2007) Fazendo música juntos ou improvisação e seus outros. In: Per Musi, Revista Acadêmica de Música. n. 16, Belo Horizonte. Dalcroze, E. J. La Musique et nous. (1981). Paris: Ed. Slatkine. (1ª ed. Genève, 1945). Trechos traduzidos por Isa Poncet. In: Apostila do curso de Rítmica Dalcroze no VI Simpósio Internacional sobre o Método Kodály em São Paulo, 1998. França, C. C. (1995). Composição, performance e audição na educação musical. Monografia do Curso de Especialização em Educação Musical, Escola de Música, UFMG, Belo Horizonte. França, C. C.; Swanwick, K. (2002) Composição, Apreciação e performance na educação musical: teoria, pesquisa e prática. In: Em Pauta, Revista do PPGM da UFRGS, v.13, n. 21. Gainza, V. H. (1983) Musica para niños compuesta por niños. Buenos Aires: Barry Editorial. Gainza, V. H. (1990) A improvisação musical como técnica pedagógica. In: Cadernos de Estudo: Educação Musical nº 1 (Org. Carlos Kater). Atravez, p.22-30. São Paulo. Gainza, V. H. (2007) La Improvisación Musical. Buenos Aires: Melos de Ricordi Americana. Gardner, H. (1994). Estruturas da Mente: A Teoria das Inteligências Múltiplas. Tradução Sandra Costa, Porto Alegre: Artmed. Lehmann, A.; Sloboda, J. A.; Woody, R. H. (2007) Psychology for Musicians. Oxford University Press. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 115 Parncutt, R., McPherson, G. (2002). The science and psychology of music performance: creative strategies for teaching and learning. Oxford University Press. Santiago, P. F. (2006). A integração da prática deliberada e da prática informal no aprendizado da música instrumental. In: Per Musi Revista Acadêmica de Música. Belo Horizonte, n.13. Schroeder, S. C. N. (2005) Reflexões sobre o conceito de musicali dade: em busca de novas perspectivas teóricas para a educação musical. Tese de doutorado da FE Unicamp. Sloboda, J. A. (1985). A Mente Musical: a psicologia cognitiva da música. Tradução Beatriz e Rodolfo Ilari. Editora da Universidade Estadual de Londrina. Swanwick, K. (2010). Ensinando música musicalmente. Tradução Alda de Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Ed. Moderna. ! Referências eletrônicas Charles Limb, palestra na TEDxMidAtlantic disponível em: <http://www.youtube.com/ watch?feature=player_embedded&v=BomNG5N_E_0> Acessado em 16/03/2014. Emily Bear, vídeos disponíveis em <http://www.youtube.com/watch?v=pjwws4g7E7c> Acessado em 16/03/2014; <http://www.youtube.com/watch?v=ogH47RXJTyA> Acessado em 16/03/2014 e <http://www.youtube.com/watch?v=YLPWFrErfWE> Acessado em 16/03/2014. Lucy Green, entrevista disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=4r8zoHT4ExY> Acessado em 16/03/2014. Nelson Freire, documentário de João Moreira Salles disponível em: <http:// www.youtube.com/watch?v=rpdoE7iWbJk> Acessado em: 16/03/2014. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 116 Implicações da habituação, sensibilização e condicionamento clássico de Pavlov revistos por Kandel no ensino da música ! César Albino UNESP [email protected] ! Resumo: O artigo aborda a habituação, a sensibilização e o condicionamento clássico desenvolvidos por Pavlov na década de 1930, revistos por Eric Kandel na década de 1960, e sua aplicação no ensino da música. Sabe-se que alguns professores utilizam esse conhecimento de forma intuitiva. Palavras-chave: habituação, sensibilização, condicionamento clássico ! Title: Implications of habituation, sensitization and classical conditioning of Pavlov reviewed by Kandel in music education Abstract: The article discusses the habituation, the sensitization and the classical conditioning developed by Pavlov in the 1930s, reviewed by Eric Kandel in the 1960s, and its application in music education. It is known that some teachers use this knowledge intuitively. Keywords: habituation, sensitization, classical ! O cérebro humano parece ter uma inteligência autônoma para a música, possuindo circuitos nervosos específicos para a informação musical. Atividades musicais diferentes como ouvir música, tocar um instrumento, improvisar ou compor, são atividades complexas que utilizam diferentes áreas do cérebro. Assim, a música como a palavra, é uma das atividades humanas que mais exige de nosso aparato cognitivo. Charles Darwin acreditava que o comportamento humano tenha se desenvolvido a partir do repertório dos animais que foram nossos ancestrais. A partir dessa ideia, surge o ponto de vista de que poder-se-ia aplicar experimentos em animais e extrair dai modelos do comportamento humano. Jean Piaget (1896-1980), biólogo e um exímio observador, formulou muito de suas teorias a partir da observação do comportamento dos animais. Pavlov, na década de 1930, descobriu o condicionamento clássico, uma forma de aprendizagem em que o animal aprende a associar uma resposta comportamental às consequências dessa resposta. Esse processo, juntamente com a habituação e a sensibilização foram revistos na década de 1960 por Eric Kandel que defendia que esses processos de aprendizagem poderiam ser estudados tanto em animais quanto nas células nervosas individuais. Em busca de um método que pudesse comprovar e explicar varias hipóteses que foram levantadas, algumas mais corretas que outras, mas carentes de uma explicação cientifica, Kandel testou na Aplysia1 três padrões de estimulação baseados no trabalho de www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 117 Pavlov com cães para desenvolver três análogos da aprendizagem: a habituação, a sensibilização e o condicionamento clássico. (Kandel, 2009, pg. 188) ! Habituação, a forma mais simples de aprendizagem A habituação ocorre quando o animal percebe um barulho repentino, por exemplo. Ele responde com uma serie de mudanças defensivas em seu sistema nervoso autônomo. Se o barulho é repetido varias vezes, o animal aprende que o barulho pode ser ignorado com segurança. No entanto, se o barulho for interrompido durante certo período de tempo, e então apresentado novamente, o animal voltará a responder a ele. A habituação nos ensina a reconhecer estímulos recorrentes que podem ser ignorados com segurança. Ela permite que o comportamento adquira foco, permitindo a se concentrar em estímulos novos ou associados ao prazer e ao perigo. É portanto importante na organização da percepção. (Kandel, 2009, p. 190) Após a repetição de um estimulo benigno, tanto o animal como a célula, deixam de responder a ele. Kandel descobriu, estudando separadamente células da Aplysia2 a mecânica da habituação aplicando um estímulo fraco a um feixe de axônios que conduz a uma célula (R2), e repetindo o mesmo estimulo por dez vezes, observou que o potencial sináptico produzido pela célula em resposta ao estimulo diminuía progressivamente com sua repetição. Na décima vez, a resposta mostrava apenas um vigésimo da força inicial. A esse processo ele chamou de depressão homossináptica, porque a depressão ocorreu no mesmo caminho neural onde incidiu o estímulo. Após um determinado período sem estímulos (em um outro dia), ele repetia a aplicação e a célula voltava a apresentar uma resposta semelhante à sua força inicial. A esse processo ele denominou de recuperação da depressão homossináptica. (Kandel, 2009, 191-2) A habituação em música é no nosso entender a prática repetitiva de exercícios, estudos, peças e outros itens da música a qual os músicos se submetem. Para muitos, praticar inúmeras vezes o mesmo exercício, ou um trecho musical, é a única forma de proceder. De fato, isso funciona. Porém, como pudemos observar nas observações de Kandel, há um enfraquecimento gradual da força sináptica. De fato, é possível se tornar um músico empregando apenas essa forma de aprendizagem, porém, cada vez mais é menor o número de pessoas que se submetem exclusivamente a esse treinamento. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 118 Sensibilização A sensibilização é uma forma de medo aprendido: ela ensina o animal a prestar atenção e a responder mais vigorosamente a quase todos os estímulos, após um estimulo ameaçador. Um cão, após levar um choque na pata, exibirá respostas exageradas a um som que lhe era antes familiar. Após a apresentação de um estimulo nocivo, tanto o animal sensibilizado como a célula, respondem um pouco mais intensamente a todos os estímulos, inclusive os benignos. Em experimento focando a sensibilização, Kandel aplicou um estimulo fraco ao mesmo caminho neural utilizado no experimento anterior (habituação). Para induzir um potencial sináptico que serviria como referência em relação à responsividade da célula, aplicou os mesmo estímulos uma ou duas vezes e, em seguida, aplicou uma série de cinco estímulos mais fortes (desagradáveis) a um caminho neural diferente à mesma célula. Após os estímulos fortes, a resposta sináptica da célula ao primeiro caminho mostrou-se bastante aumentada, indicando que as conexões sinápticas naquele caminho haviam se fortalecido, por cerca de 30 minutos (facilitação heterossináptica). A resposta amplificada deu-se devido à força maior aplicada ao caminho diferente e não de um pareamento de estímulos fracos e fortes, mostrando semelhanças com a sensibilização comportamental, uma forma não associativa de aprendizagem. (Kandel, 2009, p. 189-90) Entendemos a sensibilização como um reflexo natural ao mundo que nos cerca. A qualquer sinal de perigo, todos nossos sentidos entram estado de alerta. Segundo Dissanayake (2008), a aventura da experiência sensorial nos humanos, além de ter nos conduzido até o atual estágio evolutivo, permitiu o desenvolvimento da compreensão da arte por meio dos sentidos, proporcionando o que conhecemos por experiência estética. ! O trabalho do artista consiste precisamente em combinar e articular dados sensórios simples (luzes, cores, sons) numa configuração que carregue um significado maior do que a mera soma de pequenas experiências sensoriais. A experiência estética proporcionada por sua obra, assim, pode ser considerada uma experiência sensível, ou seja, maior e mais complexa que a simples experiência sensorial, pois portadora de um sentido, de uma significação que se espraia para além dos estímulos elementares provenientes dos materiais empregados. (Duarte, 2001, p.147) João-Francisco Duarte Júnior, na obra, “O sentido dos sentidos” (2001), tece uma crítica à regressão dos sentidos no Século XX: Em suma, o que se procura apontar aqui, com relação ao saber sensível, é que sua desvalorização ao longo dos tempos modernos sofreu um vigoroso incremento em nossa contemporaneidade, e do modo mais paradoxal. Isto é: na medida em que a sociedade industrial www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! 119 sistematizou e ampliou seu ramo de negócios conhecido como “indústria cultural”, visando produzir e vender quinquilharias pretensamente estéticas, e os próprios artistas se deixaram iludir pelas promessas da razão instrumental e de sua filha direta, a tecnologia, destituindo a própria arte de seu aspecto sensível [...] , a educação da sensibilidade humana passou sistematicamente a perder espaço no cotidiano das pessoas. (DUARTE JR. 2001, 152) Duarte defende uma educação dos sentidos: Aqui se insistirá, pois, na necessidade atual e algo urgente de se dar maior atenção a uma educação do sensível, a uma educação do sentimento, que poder-se-ia muito bem denominar educação estética. Contudo, não nesse sentido um tanto desvirtuado que a expressão parece ter tomado no âmbito escolar, onde vem se resumindo ao repasse de informações teóricas acerca da arte, de artistas consagrados e de objetos estéticos. [...] Deve-se entender estética, aqui, em seu sentido mais simples, vibrar em comum, sentir em uníssono, experimentar coletivamente. Portanto, voltar à aisthesis – ou à estesia, em português – talvez seja uma paráfrase de Merleau-Ponty, com sua volta “as coisas mesmas”: um dedicar-se ao desenvolvimento e refinamento de nossos sentidos, que nos colocam face a face com os estímulos do mundo. A educação do sensível nada mais significa do que dirigir nossa atenção de educadores para aquele saber primeiro que veio sistematicamente preterido em favor do conhecimento intelectivo. (DUARTE JR. 2001, 13-4) ! A sensibilização está claramente ligada à escuta, porém, incorporando todos os sentidos e não apenas a audição, de uma forma complexa, ou seja, com todo o potencial que essa forma de aprendizagem está preparado a proporcionar. A força sináptica não é fixa, ela pode ser alterada de diferentes maneiras por diferentes padrões de atividade. A sensibilização e o condicionamento clássico fortalecem a conexão sináptica enquanto que a habituação enfraquece a conexão. Assim, a força da comunicação sináptica entre células nervosas pode ser modificada durante muitos minutos ao se aplicar diferentes padrões de estimulação derivados de protocolos de treinamento específico para o comportamento aprendido em animais e uma segunda e mais importante: a sinapse pode ser fortalecida ou enfraquecida por padrões de estimulação diferentes. (Kandel, 2009, p. 190) ! ! O Condicionamento clássico O condicionamento clássico ocorre depois que um estimulo nocivo é aplicado e repetidamente pareado com um estimulo benigno especifico. Nesses casos, o animal ou a célula respondem www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 120 ao estimulo benigno tão intensamente quanto se ele fosse nocivo. Essa forma de condicionamento ensina um animal a associar um estímulo desagradável com outro estímulo que não provoca nenhuma resposta. O estímulo neutro deve sempre preceder o estímulo aversivo e, consequentemente, passará a prenunciá-lo. Pavlov aplicava um choque à pata de um cachorro como estimulo aversivo, induzindo o animal a afastar a pata numa resposta de medo. Após parear o choque com o barulho de um sino (o sino tocava antes do choque), o cão afastava a pata sempre que o sino tocava. É preciso transcender ao experimento e entender que, diante da complexidade das atividades humanas, o condicionamento clássico deva ser aplicado de acordo com as capacidades humanas. Não estamos lidando nem com cães. nem com máquinas. Interessa aqui o comportamento das células diante das situações. Alguns professores de música3 aplicam essa forma de aprendizagem sem sequer ter ouvido falar de Pavlov e seus experimentos com cães. Sabe-se que a repetição mecânica funciona (habituação). Se você tem de tocar uma passagem difícil, irá praticar a mesma em um andamento lento e ir gradualmente repetindo e acelerando o andamento. Se está realizando essa atividade pela primeira vez4 em sua vida, irá precisar de mais dias nessa disciplina, indo avançando pouco a pouco, até que em um dia, consiga tocar o trecho. É possível até que tenha decorado o trecho. Sabemos que isso funciona e por isso assim fazemos. Foi utilizado estritamente a habituação. Como seria realizar a mesma tarefa por meio da sensibilização? Primeiramente, gostaríamos de salientar que, nas repetições sistemáticas realizadas, foi proporcionada por você mesmo(a) uma experiência sensorial simultânea: você ouvia o que era tocado e provavelmente gostava do que ouvia. Provavelmente ainda, você deve ter iniciado a dura tarefa imbuído de uma vontade de tocar (bem) a peça, porque ouviu a mesma em alguma situação especial em sua vida (experiência estética). Isso fez você suportar a dura rotina. Sem saber ainda, aplicou também o condicionamento clássico ao alterar o andamento do trecho à cada vez que praticava! Essa pequena alteração no andamento, fez com que todas as células envolvidas na atividade (caminho neural) estivessem “ligadas”, tornando todo o processo mais eficiente, como demostrado nos experimentos de Kandel. Pudemos observar a eficiência desse “método” em aulas de saxofone. O aluno estava habituado a tocar a escala cromática no instrumento. Poderia tocar aquilo sem grandes dificuldades quantas vezes fossem necessárias. O professor então, resolveu tocar junto com o aluno a mesma escala, porém, de forma diferente e inusitada, começando depois (cânone), começando em outras notas, tocando tercinas enquanto o aluno tocava colcheias... (as www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 121 possibilidades são infinitas). Nas primeiras vezes, o aluno se atrapalhava e não conseguia tocar aquilo que já tocava sem problemas, mas bastaram algumas tentativas para superar o problema. Ele fazia isso com os olhos arregalados, demonstrando estar a beira do pânico. Seus sentidos (todos) estavam a todo vapor! ! As sinapses Lilian Albano nos apresenta a sinapse: A comunicação dos bilhões de neurônios existentes no corpo humano faz-se por meio de sinapses nervosas, que são o local (situado nas extremidades dos neurônios vizinhos) por onde o estímulo nervoso transmite-se de um neurônio para outro por meio de mediadores químicos conhecidos como neurotransmissores (glutamato, dopamina, serotonina, etc.). Assim, a informação e a transmite para outra célula nervosa por meio dos axônios. A informação, após ser codificada, trafega de um neurônio para outro sob a forma de corrente elétrica. O impulso elétrico ao final de um neurônio transforma-se em químico pela descontinuidade física entre o axônio de um neurônio e o dendrito de outro, voltando a se transformar em elétrico ao tingir o neurônio vizinho. Essa rede de transmissão de informações inclui, portanto, os neurônios, as sinapses nervosas, os neurotransmissores e os receptores, conferindo a este processo a complexidade peculiar do funcionamento cerebral. (Albano, 2013, p. 16) ! Na aprendizagem, os neurônios envolvidos sofrem modificações significativas e duradouras após um período relativo de treinamento. A memória de curto prazo evolui de forma gradativa e natural para a memória de longo prazo e faz isso por meio da repetição: novamente, a prática leva à perfeição. Um padrão de estimulação concebido para mimetizar os padrões usados na indução da aprendizagem em estudos comportamentais pode modificar a eficácia da comunicação de um neurônio com outros. A força sináptica não é fixa, ela pode ser alterada de diferentes maneiras por diferentes padrões de atividade [por isso se torna interessante modificar as estratégias e situações, ao invés de manter sempre a mesma atividade da mesma forma]. A sensibilização e o condicionamento clássico aversivo fortalecem a conexão sináptica enquanto que a habituação enfraquece a conexão. Assim, a força da comunicação sináptica entre células nervosas pode ser modificada durante muitos minutos ao se aplicar diferentes padrões de estimulação derivados de protocolos de treinamento específico para o comportamento aprendido em animais e uma segunda e mais importante: a sinapse pode ser fortalecida ou enfraquecida por padrões de estimulação diferentes. O que mais impressionou a Kandel foi a www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 122 prontidão com que a força das sinapses podia ser modificada pelos diferentes padrões de estímulos, sugerindo que a plasticidade sináptica é inerente à própria natureza da sinapse química, à sua arquitetura molecular. Ou seja, o fluxo de informação nos vários circuitos neurais do cérebro podia ser modificado pela aprendizagem. Dai surge a frase ”não há habito que não possa ser modificado pela aprendizagem” (Kandel, 2009, p. 193) As bases da biologia molecular dos processos elementares foi o produto de um esforço coletivo que combinou a análise comportamental com a neurociência celular e depois a biologia molecular em um processo que durou mais de 50 anos. As descobertas de Kandel aqui apresentadas (habituação e sensibilização), são provenientes de década de 1965. As outras descobertas relacionadas à genética e a perduração da memória de longo prazo, e todo o processo não teriam espaço para discussão neste artigo. Acreditamos no entanto, que as informações aqui lançadas, apesar da vigência, possam trazer uma luz aos professores de música, e que eles possam, a partir delas, incentivar seus alunos a uma prática mais eficiente e divertida da música. ! Referências Albano, L. (2013) Aspectos neurológicos do processo de memorização. In Memória, performance e aprendizado musical: um processo interligado, Lima, Sonia Albano (org.). Jundiai: Paço Editorial. Dissanayake, E. (2008). Homo musicus: how music began. Washington. Duarte, J. F. (2001) O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Criar Edicões. Kandel, E. (2009). Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. São Paulo: Companhia das Letras. Lima, L. O. (1980). Piaget para principiantes. São Paulo: Summus. Meulders, M. (2010). Música e cérebro In Viagem extraordinária ao centro do cérebro,Vincent, J. D. (org.). Rio de Janeiro: Rocco. Rousseau, J. J. (1781/1973). Ensaio sobre a origem das línguas. São Paulo: Abril Cultural. 1 Aplysia: uma lesma-marinha gigante, que é controlado por um pequeno número de células nervosas de grandes dimensões, possibilitando seu estudo em laboratório com o animal vivo e em ação, por isso muito empregada em estudos neurológicos. 2 Uma lesma-marinha gigante, que possibilitou estudos invasivos em suas células. 3 Eu me incluiria nessa lista. 4 Relembrar uma atividade é bem mais fácil que aprendê-la, sem ter tido contato anterior. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! ! ! ! ! ! Cognição Musical e Processos Criativos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ 123 Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 124 Estudo exploratório acerca da imaginação musical: contribuições da Teoria Histórico-cultural ! Célio Roberto Eyng UNIOESTE – FBE [email protected] ! Magda Floriana Damiani PPGE/FaE/UFPel [email protected] ! Resumo: A imaginação, enquanto objeto de estudo, vem sendo analisada a partir de diferentes posicionamentos teóricos. Tendo como referência a Teoria Histórico-cultural, o presente texto analisa o modo de atuação da imaginação musical – compreendida como a capacidade de combinar impressões sensoriais armazenadas anteriormente na memória, com a intenção de criar frases musicais inéditas. Tais impressões sensoriais são consideradas como resultantes de um processo de mediação por instrumentos materiais e semióticos. Com o intuito de iniciar um estudo exploratório sobre a imaginação musical desse ponto de vista teórico, realizaram-se protocolos verbais de sessões de gravação de solos instrumentais do músico/pesquisador, durante um período de nove dias consecutivos, buscando-se identificar os tipos de imagens mentais musicais por ele desenvolvidas. A análise preliminar desses protocolos sugere que as suas imagens mentais musicais combinavam diferentes aspectos (visual, auditivo e motor) de sua ação externa interiorizada no decorrer do seu aprendizado e de sua prática musical. Por sua vez, considera-se que a imaginação musical não pode ser estudada de maneira isolada, sem estabelecer relações com outras funções psicológicas como o raciocínio, a percepção e a memória, dentre outras. A continuidade desta pesquisa envolverá coleta de dados relativos a outros músicos, especialmente guitarristas, no sentido de investigar a interdependência entre a formação de conceitos, a imagética e o desenvolvimento da imaginação musical. Palavras-chave: imaginação musical, mediação, processos criativos, Teoria Histórico-Cultural, formação de conceitos. ! Title: Exploratory study of musical imagination: contributions of Historic-Cultural Theory Abstract: Imagination , as an object of study has been analyzed from different theoretical viewpoints. Based on Historical-cultural theory, this paper analyzes the mode of action of musical imagination - understood as the ability to combine sensory impressions previously stored in the memory, with the intention of creating novel musical phrases . These sensory impressions are considered as resulting from a process mediated by material and semiotic tools. In order to initiate an exploratory study of musical imagination from such theoretical point of view, verbal protocols were written during composing sessions of instrumental solos by the musician/researcher, over a period of nine consecutive days, seeking to identify the types of musical imagery developed by him. Preliminary analysis of these protocols suggests that his musical imagery combined different aspects of his internalized external action in the course of his training and his musical practice (visual, auditory, and motor). The process suggests that musical imagination cannot be studied in isolation, without establishing relations with other psychological functions, such as reasoning, perception, and memory, among others. The continuation of this research will involve collecting data from other musicians, especially guitarists, to investigate the interdependence between the formation of concepts, mental imagery and the development of musical imagination. Keywords: musical imagination, mediation, creative processes, Historical-cultural Theory, conceptual learning. ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 125 A imaginação e a imagética musicais Vygotski (1993), principal expoente da Teoria Histórico-cultural (THC), argumentava que, nos primórdios da psicologia científica, o estudo da imaginação se constituía um enigma insolúvel. No intuito de explicar o funcionamento da imaginação, a escola associacionista (atomista) reduzia-a à memória, considerando que a existência de algumas imagens provoca a formação de outras, a elas associadas. Por sua vez, a psicologia idealista considerava que funções como a memória e a percepção eram casos particulares da imaginação. Ao contestar ambas as posições, Vygotski (1993) argumentava que o fundamento básico desse processo psicológico é que “a imaginação não repete em formas e combinações iguais impressões isoladas, mas constrói novas séries, a partir das impressões anteriormente acumuladas” (p. 423). Vygotski (1993) seguiu a tradição psicológica de sua época ao distinguir a imaginação reprodutora, que pode ser interpretada como a própria memória, porque consiste na “atividade da psique com a qual reproduzimos na consciência uma série de imagens que percebemos por meio de nossos sentidos” (p. 423), da imaginação combinatória ou criadora, baseada na capacidade de combinação dessas imagens anteriormente internalizadas e armazenadas na memória, resultando em “uma nova imagem, inexistente anteriormente” (Vygotski, 1993, p. 423). Esses dois conceitos parecem ser aplicáveis ao campo musical quando se analisa o uso das expressões “imagética musical” (mental imagery) e “imaginação musical”, que costumam aparecer nos trabalhos que discutem o assunto (Clark, Williamon & Aksertijevic, 2012; Hargreaves, MacDonald e Miell, 2012; Sachs, 2007). Considera-se que o primeiro conceito se equaciona com o de imaginação reprodutora e o segundo com o de imaginação criadora. Assim, a imaginação musical poderia ser entendida, em termos da THC, como a capacidade de combinar impressões sensoriais sonoras, armazenadas anteriormente na memória, com a intenção de criar frases musicais inéditas; e a imagética musical, como produto da imaginação reprodutora – ou seja, da memória – por meio da “recriação de sons já existentes” (Hargreaves, MacDonald e Miell, 2012, p. 4). De acordo com Clark, Williamon & Aksertijevic (2012, p. 351) “a imagética musical, do jeito que é utilizada pelos músicos, envolve não somente sons, mas também o movimento físico requerido para criar sons, a imagem da partitura ou do instrumento, e as emoções que o músico gostaria de expressar na performance”. Também Lehmann (1997) – em estudo sobre as estratégias utilizadas por músicos para o aperfeiçoamento da prática e performance musicais – identificou três formas diferentes de representações mentais para memorizar e www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 126 compreender uma estrutura musical: a visualização (visualization), que envolve a imagem mental da partitura ou do movimento necessário à execução instrumental; a audição (audition), por meio da qual o músico é capaz de ouvir internamente os sons sem produção sonora concomitante; e o “ouvido fotográfico” (photographic ear), ou seja, a capacidade de evocar mentalmente trechos da música com o intuito de visualizar e ouvir, internamente, notas individuais memorizadas. De acordo com o autor, tais representações mentais podem ocorrer tanto isoladamente quanto em combinação. Cabe perguntar quais seriam os fatores que influenciam na produção dessas formas de representação mental: o tipo de instrução musical a que o indivíduo foi submetido? As ações do músico durante o aprendizado? As especificidades do instrumento musical praticado? Neste trabalho, com base na THC, parte-se da hipótese de que a imagética musical é formada por meio de processos mediados, sendo essa imagética a base para combinações inéditas, ou seja, para a imaginação musical. Um dos pressupostos básicos da THC é de que a relação dos seres humanos com o mundo é sempre mediada por instrumentos físicos ou psicológicos, que fazem parte de sua cultura; ela nunca é uma relação direta (Vygotski, 1995). Os instrumentos físicos são as ferramentas de trabalho que, na área musical, são, por exemplo, os instrumentos musicais e os computadores. Os instrumentos psicológicos, de acordo com Vigotski (1999, p. 93), “são criações artificiais; estruturalmente, são dispositivos sociais e não orgânicos ou individuais; destinam-se ao domínio dos processos próprios ou alheios [...]”. A linguagem, a representação gráfica dos sons e todo tipo de signos convencionais são exemplos de instrumentos psicológicos. Assim, supõe-se que o tipo de representação mental predominante seria fruto do processo de mediação vivenciado pelo músico para formar sua imagética musical. Pode ocorrer a combinação de mais de um tipo de imagem mental, quando, por exemplo, o músico ouve e visualiza internamente o movimento necessário para a execução da nota musical. Seguindo as idéias de Lehmann (1997), antes mencionadas, pode-se pensar que em um músico familiarizado com a leitura musical tradicional, o processo de interiorização poderia ser mediado pela representação mental dos signos da partitura. Por sua vez, naquele que não lê música com frequência, a mediação poderia ser realizada pela visualização interna dos gestos empregados na execução instrumental. Parece ser possível supor que diferentes combinações podem surgir de acordo com as mediações materiais e semióticas que prevaleceram no decorrer do aprendizado e da prática do músico, como a audição interna dos sons concomitante aos signos ou os gestos imaginados. Mas qual seria o papel da instrução www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 127 musical na formação dessas representações e, consequentemente, na imaginação musical, no ato de compor? Com base na THC, supõe-se que, para o desenvolvimento da imaginação musical, também são determinantes as experiências musicais anteriores do sujeito, que foram mediadas por ferramentas ou instrumentos materiais (os próprios instrumentos musicais) e/ou semióticos (as representações das notas, acordes, variações de dinâmica, dentre outras) e que compõem a imagética musical desse sujeito. Tendo como base estas ideias e com o objetivo de coletar dados iniciais para a realização de uma pesquisa mais ampla sobre a imaginação musical, apresentam-se, a seguir, dados de um estudo empírico exploratório inicial que pretendeu lançar luz sobre alguns aspectos do processo de imaginação musical, com base nas percepções de um músico, durante seus processos compositivos. ! Estudo exploratório O estudo exploratório, conforme argumentação de Gil (2002, p. 41), tem como objetivo “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições”. O estudo exploratório realizado ocorreu no período compreendido entre 05/03/2013 e 13/03/2013 e consistiu na realização de sessões de auto-observação com escrita de protocolos verbais1, durante a composição de solos de guitarra, com a finalidade de produzir material para um CD de Rock. O sujeito da investigação é do sexo masculino, tem 35 anos e possui formação musical teórica – Licenciatura em Educação Artística – Música, concluída em 2002. Atualmente, o músico atua como vocalista, guitarrista e pianista em uma banda de rock. O trabalho compositivo dos solos instrumentais foi realizado de forma individual, a partir de bases harmônicas compostas previamente. As sessões de gravação tiveram duração média de duas horas e aconteceram diariamente. No decorrer do processo criativo, foram gravados desde as improvisações iniciais até o resultado final. Após as gravações e a audição de cada um dos trechos gravados, registros manuscritos, em que eram descritos os processos mentais – como juízos, raciocínios e imagens mentais musicais – que o sujeito percebeu terem ocorrido antes, durante e depois da composição dos solos – iam sendo produzidos, para acompanhar esse processo compositivo. Os dados desses protocolos verbais foram submetidos a um processo de análise de conteúdo (Bardin, 1977) que buscou estabelecer núcleos de sentido que permitissem entender tal processo, desde o ponto de vista de seu autor. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 128 Análise dos protocolos verbais O tipo de imagem mental musical auto-observado pelo músico, tanto na imagética quanto na imaginação – e que foi constante durante o trabalho criativo – envolveu a audição interna dos sons concomitante aos gestos imaginados de pressionar as cordas da guitarra nas diferentes regiões do braço do instrumento musical, o que pode ser classificado, segundo Lehmann (1997), como uma combinação da visualização com audição interna. Supõe-se que tais imagens mentais musicais ocorreram dessa forma devido às aprendizagens e ações do músico no uso do instrumento musical (ele toca violão e guitarra desde a infância), que intercalavam momentos com visualização dos dedos no braço da guitarra, principalmente da mão direita (o músico é canhoto), com momentos em que fechava os olhos ou evitava visualizar o movimento das mãos. Por sua vez, a visualização mental dos gestos concomitante à audição mental dos sons ocorreu de maneira abreviada durante o processo criativo, isto é, foram representadas na mente apenas as pontas dos dedos sobre as cordas do instrumento. Conforme explanação de Vigotski (2009), a imaginação (e a imagética) opera por meio da dissociação, processo que consiste em fragmentar o todo complexo em partes, sendo que “algumas delas destacam-se das demais; umas conservam-se e outras são esquecidas” (p. 36). Durante a redação dos protocolos verbais buscou-se especificar tanto o ato de imaginar quanto o ato de raciocinar, para que se pudesse diferenciar a imaginação (produção de imagens mentais musicais) do raciocínio (elaboração de juízos e raciocínios verbais). Dessa forma, teve-se a intenção de analisar ações mentais envolvidas no processo de criação de um solo instrumental relacionando-as com as ações materiais de gravar motivos e frases musicais. Abaixo, transcrevem-se os protocolos verbais da composição de dois chorus: Antes de começar as gravações da próxima música começo a imaginar o fraseado do solo e a escala que será utilizada sem o auxílio do instrumento. Segue a experimentação com o próprio instrumento para que surjam novas possibilidades de criação melódica (protocolo verbal, 06.03.13). ! O ato de imaginar soluções para a tarefa de criar um solo instrumental começou sem o auxílio do instrumento musical. Pelo fato de que o músico internalizou, no decorrer do seu aprendizado musical, o gesto utilizado na execução das notas com a audição mental concomitante, torna-o capaz de experimentar frases musicais mentalmente, desprovido do contato direto com a guitarra elétrica. No entanto, conforme descrito acima, o músico necessita da prática instrumental para fomentar novas soluções melódicas por meio da improvisação e testar a adequação daquilo que imaginou. Além das mediações instrumentais físicas, a imaginação musical sofre a influência de mediações semióticas, como signos e www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 129 conceitos musicais correlacionados (nota, escala, compasso, arpejo, tríade, dentre outros), que contribuem na busca de soluções para a tarefa proposta. Na continuidade da descrição se observa a influência das mediações semióticas: Pela manhã imaginei algumas frases contrastantes para a música. Agora, à tarde, começo a gravar e desenvolver o trabalho de criação do solo. A primeira frase é salpicada e na sequência subo numa escala ascendente o mais legato possível para cair numa tríade em Lá maior e na volta para Mi reaproveito o material da primeira frase. Na cadência Si – Lá – Mi – Si7 utilizo o motivo rítmico da primeira frase com o final da sessão bastante legato. Não me agrada. A volta para Mi (compassos 7 e 8) soa muito repetitiva e monótona. Começo a imaginar outra solução. Surge a imagem de uma quebra rítmica (penso que pode ser o motivo rítmico que será utilizado para organizar a próxima sessão). Não me agrada a última nota da sessão. Prefiro utilizar as mesmas notas, mas com uma díade. Aperfeiçoo a técnica na frase 1. Mantenho a ideia original e altero o motivo na cadência Si – Lá. Prefiro menos notas com acentuação rítmica para manter coerência entre as frases. Agora imagino como pode começar a segunda sessão do solo. A subida para a próxima região do braço parece mais coerente; também parece interessante soar numa tonalidade menor. Proponho uma frase rítmica com díades. A primeira tentativa parece muito aglomerada de notas. Considero que o solo da segunda sessão deve começar com uma frase rítmica muito intensa. A primeira tentativa de continuidade me agrada na subida para Lá, mas os compassos 7 e 8 não me satisfazem. Vem-me a imagem de um arpejo em Mi maior na região extrema do agudo. Experimento várias vezes as soluções encontradas por meio do improviso (protocolo verbal, 07.03.2013). Os procedimentos adotados pelo músico durante o processo criativo de linhas melódicas estão relacionados à tradição musical de compor valendo-se do encadeamento de motivos com o objetivo de formar frases. Ele busca contrastar as frases musicais com o intuito de evitar a monotonia. Assim, se na primeira sessão o músico enfatiza a elaboração melódica, na segunda sessão a ênfase recai nos aspectos rítmicos. Tal lógica compositiva remete à instrução acadêmica, às lições de análise e composição musical vivenciadas pelo músico, no bojo da tradição musical erudita, o que pressupõe a apropriação de conceitos musicais sistematizados. A função propedêutica da imaginação – que permite antecipar soluções mentalmente e combinar novas frases – é intercalada com juízos e raciocínios que ocorrem após a audição das frases gravadas. De forma anacrônica, imaginação e raciocínio se intercalam enquanto ações mentais importantes para o trabalho criador. Contudo, o músico-pesquisador constatou, por meio da auto-observação, que as imagens mentais musicais que ocorriam durante a composição dos solos instrumentais não representavam tão somente o gesto empregado na execução do instrumento musical, mas o conceito correlacionado. Nesse sentido, num plano sincrônico, a imaginação não estaria desprovida da influência do raciocínio lógico-verbal, pois quando o músico imagina um arpejo ou uma escala, a representação mental do som e do gesto www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 130 empregado na sua execução está imbuída de relações intervalares relativas à tonalidade e às progressões harmônicas. Assim, considera-se que a imaginação musical não pode ser estudada de maneira isolada, sem estabelecer relações com outras funções psicológicas como o raciocínio, a percepção e a memória, dentre outras. Vygotsky (1993, p. 436) considera a imaginação como uma das formas mais complexas de atividade psíquica, justamente por envolver “a união real de várias funções em suas peculiares relações”. Para o autor, todas as funções psicológicas superiores – ou seja, aquelas que caracterizam os seres humanos, diferenciando sua mente daquela de outros animais – estão organizadas em um sistema, exercendo influências, umas sobre as outras. Dessa forma, pensa-se que a imaginação deve ser estudada levando em conta esse aspecto, pois “são características desse sistema as conexões e relações interfuncionais que predominam dentro dele” (Vygotski, 1993, p. 436). No momento, com base no estudo exploratório aqui inicialmente discutido propõe-se, como hipótese de pesquisa, a interdependência entre a formação de conceitos e o desenvolvimento da imaginação musical, esta tendo como ponto de partida a imagética armazenada na mente do compositor. Tal suposição baseia-se também na posição teórica de Vygotski (1996, p. 207): (...) a imaginação e a criatividade relacionadas com a livre elaboração dos elementos da experiência, sua livre combinação, exige como premissa indispensável a liberdade interna do pensamento, da ação, do conhecimento que tem alcançado tão somente os que dominam a formação de conceitos. ! ! Considerações finais Tendo como referência a Teoria Histórico-cultural, o presente texto analisou a imaginação musical, compreendendo-a como a capacidade de combinar impressões sensoriais armazenadas anteriormente na memória, com a intenção de criar frases musicais inéditas. Tais impressões sensoriais, por seu turno, são internalizadas pela mediação de instrumentos materiais e semióticos. A partir da análise inicial do estudo exploratório realizado conclui-se que as imagens mentais musicais combinam diferentes aspectos (visual, auditivo e motor) da ação externa do músico interiorizada no decorrer do seu aprendizado e prática musical, o que fornece um substrato sensorial tanto para a imagética quanto para a imaginação. Supõe-se que a formação de conceitos pode ter implicações no desenvolvimento da imaginação musical. Todavia, pelo fato de que os dados foram obtidos pelo próprio pesquisador, durante sua prática compositiva, torna-se necessário identificar e analisar tipos de imagens mentais www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 131 musicais produzidos por outros músicos, em tarefa semelhante, no caso a composição de solos instrumentais na guitarra elétrica para bases harmônicas de Rock, para que os achados desta pesquisa possam tornar-se mais robustos. ! Referências Clark, T., Williamon, A., & Aksertijevic, A. (2012). Musical imagery and imagination: The function, measurement, and application of imagery skills for performance. In Hargreaves, D., Miell, D., & Macdonald, R. (2012). Musical imaginations: multidisciplinary perspectives on creativity, performance, and perception. New York: Oxford University Press. Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Editora Atlas. Hargreaves, D., Miell, D., & Macdonald, R. (2012). Musical imaginations: multidisciplinary perspectives on creativity, performance, and perception. New York: Oxford University Press. Lehmann, A. (1997). Acquired mental representations in music performance: Anecdotal and preliminary empirical evidence. In Jogensen, H., & Lehmann, A. (1997). Does Practice Make Perfect? Oslo: Norges musikkhoskole, pp. 141-64. Sachs, O. (2007). Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro. São Paulo: Companhia das Letras. Vigotski, L. S. (1999). Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes. Vigotski, L. S. (2009). Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática. Vygotski, L. S. (1993). Obras escogidas. Tomo II. Madrid: Visor. Vygotski, L. S. (1995). Obras escogidas. Tomo III. Madrid: Visor. Vygotski, L. S. (1996). Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor. 1 O sujeito da pesquisa é o primeiro autor deste trabalho. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 132 Caminhando na Lua: recursos didáticos aplicados à iniciação ao piano ! Marçal Fernando Castellão Universidade Vale do Rio Verde [email protected] ! Daniela Vilela de Morais Universidade Vale do Rio Verde [email protected] ! Resumo: Este relato de experiência procurou explorar a iniciação musical ao piano, refletindo sobre a importância da realização de atividades que antecedem a prática da leitura musical. Foram expostas duas situações de aprendizagem de uma mesma obra, dando enfoque aos processos pedagógicos que preparam e conduzem o aluno à leitura consciente do pentagrama. Observamos uma otimização no processo de aprendizado e maior engajamento do aluno em relação aos aspectos expressivos da performance. Palavras chave: iniciação ao piano, leitura de partitura, práticas criativas. ! Title: Walk on the moon: teaching resources applied to the piano for initiation Abstract: This experience report aims to explore the musical introduction to the piano enhanced the importance of conducting activities that precede the practice of musical reading. Two approaches situations of the same work were exposed, focusing on pedagogical processes that prepare the student and lead him to conscious reading of the pentagram. We observed an optimization in the process of learning and greater student engagement for the expressive aspects of the performance. Keywords: introduction to the piano, reading scores, creative practices ! O paradigma da leitura no ensino do piano na atualidade ! A habilidade de leitura de partitura apresenta, atualmente, uma posição central no aprendizado de música em geral e no aprendizado de instrumentos musicais, sobretudo o piano, cuja tradição de ensino, proveniente da cultura europeia de conservatório, ainda prima por este tipo de habilidade e pelo desenvolvimento da técnica instrumental (França & Azevedo, 2012; Moreira, 2007; Teles, 2005; Fonseca & Santiago, 2005 e 1993; Botelho, 2005). A supervalorização da leitura de partitura pode ser evidenciada em todas as fases do aprendizado musical, desde a iniciação através dos métodos disponíveis para o aprendizado do instrumento até a observação dos exames de seleção dos Vestibulares de algumas instituições do país1 que privilegiam questões que envolvem o conhecimento da leitura e escrita musical no pentagrama. Consideramos que a partitura, embora seja uma grande auxiliadora da memória e possibilite uma primeira forma de análise musical segundo Swanwick (1994), seja apenas um entre os vários conhecimentos pertinentes ao aprendizado do piano, e a sua utilização no ensino depende de algumas habilidades e competências aprendidas previamente. Em função www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 133 disso, educadores musicais, como Swanwick (1994, 2003) e Gordon (2000) incentivam os professores a postergar o início do aprendizado da leitura na educação musical e/ou instrumental e empregar uma fase de preparação para ela. Nesse sentido, muitos métodos de ensino do piano se propuseram a elaborar atividades para cumprir tal objetivo2. Essas atividades foram chamadas de pré-leitura e envolvem o uso de clusters em diversas regiões do teclado, conhecimento da sua geografia, nome e ordenação de notas, aprendizado de músicas compostas de dois a cinco sons ensinadas por imitação ou de ouvido e a leitura gráfica ou relativa com uso de bigrama, trigrama e o pentagrama, posteriormente. É precisamente esta fase do aprendizado que este trabalho pretende abordar para fornecer algumas sugestões de ensino e aprendizagem do instrumento a serem trabalhados com o aluno antes do seu contato com a partitura, contribuindo, deste modo, para uma vivência musical sólida e significativa. Entendemos, aqui, que uma vivência musical sólida e significativa é aquela cujas atividades propostas colocam o aluno em contato direto com o fenômeno musical e o permite experienciar a música em seus mais refinados aspectos expressivos, tais como dinâmica, agógica, timbres, forma e caráter, contribuindo para uma tomada de consciência e compreensão sobre os aspectos expressivos e estruturais durante a execução. Segundo Zagonel (1992), a expressão está ligada diretamente ao gesto físico, e a associação entre o gesto físico e o som gera o gesto musical, que é o fenômeno que permite o executante moldar, na mente, estruturas musicais diversas de acordo com o seu entendimento. Teles (2005, p. 7), considera que “a compreensão a respeito dos gestos pianísticos3 pode-se tornar um elemento de fundamental importância na construção de uma execução pianística consistente”, com o que concordamos. Um dos caminhos que possibilitam o aprendizado do repertório sugerido, sem o recurso da leitura, é a imitação. Alguns autores como Teles (2005) e Zagonel (1992) defendem o uso da imitação como ferramenta para a aprendizagem musical rica e significativa. Teles (2005, p. 21) declara que “muitos pedagogos e psicólogos tratam a imitação como sendo um processo de aquisição de conhecimento” uma vez que “traz à tona as qualidades especificamente humanas da mente e leva a criança a novos níveis de desenvolvimento” (Vygotsky, 1998, p. 129). O registro das peças, elaborados pelo professor e aluno, se mostra como um recurso valioso para a percepção das estruturas contidas na música, que serão evidenciadas no papel. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 134 Botelho (2002, p. 40) recomenda que deve-se “permitir que o aluno descreva a música com os seus próprios recursos – uma notação que seja lógica com sua percepção e vivência, como demonstraram os estudos relatados”. Autores como Swanwick (1994) e Gainza (2009) recomendam o uso da improvisação na prática do ensino de música. Gainza (2009, p.11) entende que improvisação é uma atividade que consiste na execução musical instantânea produzida por um indivíduo ou grupo. Acreditamos que através da improvisação temos uma possibilidade de aprofundar o aprendizado da obra e permitir uma maior compreensão sobre a música em si e sua execução. Gainza (2009, p. 14) ainda corrobora esta assertiva ao considerar que “o jogo com as estruturas sonoras e musicais (melodias, ritmos, harmonias, formas, estilos, etc) conduz a internalização das mesmas”. É dessa maneira que podemos inserir a criação/improvisação nas aulas de piano, não como mero recurso ilustrativo, mas como ferramenta imprescindível e fundamental na construção de conhecimento musical (França e Swanwick, 2002, p. 09) e de repertório de possibilidades pianísticas e musicais. É o que pretendemos evidenciar a seguir. Portanto, este artigo pretende compartilhar uma prática de ensino musical aplicada à fase anterior ao aprendizado da leitura, fornecendo uma experiência didática que contemple não somente a decodificação de símbolos, mas também possibilite contato direto com aspectos interpretativos, tais como dinâmicas, texturas e timbres e a consciência desses elementos pelo aluno. Acreditamos que uma experiência musical abrangente contribui para o entendimento dos processos cognitivos envolvidos na habilidade de leitura e ajudam a prevenir a “mecanicidade” da aprendizagem musical que o foco na leitura tende a gerar. ! Metodologia ! Pretendemos mostrar, neste relato, duas situações de aprendizagem de uma mesma peça musical, composta por Castellão (2010), um dos autores deste trabalho, e que envolvem quatro aspectos principais, a saber: 1) a performance baseada no ensino do gesto musical; 2) a imitação como recurso de aprendizagem das músicas; 3) a utilização da criação/improvisação como ferramenta para o refinamento interpretativo; 4) e o registro da obra pelo aluno ou professor como produto de análise e compreensão do que foi executado. A peça apresentada aqui faz parte de um conjunto de peças compostas por Castellão (2010, obra não publicada), com o objetivo de possibilitar ao aluno uma exploração do instrumento e seus recursos expressivos, assim como possibilitar o uso amplo do teclado, dos pedais, a exploração de dinâmicas, de timbres e variações na agógica. Outro objetivo das www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 135 composições é estimular a consciência do aluno sobre a relação entre o movimento realizado e o resultado sonoro obtido promovendo, assim, a formação de uma concepção sobre o gesto musical. A peça escolhida para a realização das duas abordagens de ensino relatadas aqui foi “Caminhando na Lua”, cuja partitura consta na Figura 1: ! ! ! ! ! ! ! ! ! Figura 1 – Partitura da peça “Caminhando na Lua” (Castellão, 2010). Situação de aprendizagem 1 O primeiro relato diz respeito a T., uma aluna adulta, na época, em 2012, com 27 anos, que iniciou seus estudos de piano há 3 anos com um dos autores deste trabalho. O foco do trabalho com a aluna foi a performance baseada no ensino do gesto musical, a composição como recurso para o refinamento interpretativo e o registro da mesma como produto de análise e compreensão do que foi executado (tanto da peça estímulo quanto da sua composição). Depois de trabalhada a peça com T., o que levou uns dois ou três meses até a performance atingir certa qualidade musical, foi proposto que a aluna compusesse e escrevesse sua peça, a partir dos materiais sonoro-musicais e do movimento utilizado na peça estímulo. Durante o aprendizado, foi realizada uma análise estrutural da música4 de modo que a aluna identificou frases e associou o gesto expressivo às mesmas. ! Resultados e Discussão – Situação de Aprendizagem 1 ! Como produto, obteve-se uma peça que reflete o entendimento de T., do ponto de vista musical, técnico e simbólico da peça estímulo, mas com a sua identidade. A partitura de “A Espera”, escrita à mão por T., é reproduzida na Figura 2 a seguir: ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 136 ! ! ! ! ! ! ! Figura 2 – Partitura de “A Espera”, criada por T. (2012). Observamos que T. utilizou os mesmos baixos, e na mesma ordem da peça original, bem como as mesmas notas do tecido melódico, apenas modificando sua ordenação. A aluna já havia improvisado livremente a partir de “Caminhando na Lua”, de modo que, em duas ou três tentativas, “A Espera” ficou pronta. Após a criação de “A Espera”, a aluna utilizou movimentos mais relaxados e conscientes– embora “Caminhando na Lua” utilizasse o mesmo movimento – e mostrou cuidado maior com a sonoridade e os finais de frase, ou seja, houve atenção ao refinamento musical e à expressividade. Pelo fato de a performance de “A Espera” não estar vinculada à leitura, notamos que T. pôde se concentrar mais na música que criava, o que colocou os movimentos físicos e expressivos a serviço dela. Isso mostrou, também, que a aluna já havia entendido o movimento de “Caminhando na Lua”, mas que precisava estar no controle musical para que esse movimento adquirisse naturalidade e, consequentemente, a expressão musical fosse natural e nítida. Podemos concluir que as duas peças foram retroalimentadas uma pela outra, somando contribuição e gerando compreensão musical5. ! Situação de Aprendizagem 2 ! O segundo caso é de A., um aluno, à época, em 2012, com 08 anos de idade. O aluno aprendeu “Caminhando na Lua” por imitação, improvisou e compôs sobre o motivo, fez escolhas interpretativas/expressivas diversas e, assim como T., efetuou o registro da obra como produto de compreensão do que foi executado. O diferencial em relação à T. foi que A. realizou um registro gráfico de algo que não foi composto por ele, pois ainda não havia tido contato com a leitura de partitura. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 137 O aprendizado da peça se deu pela observação da performance da professora concomitante a uma observação minuciosa das frases que compõem a música, bem como sua relação com a questão expressiva e gestual do ato de tocá-la. A escrita da partitura foi realizada por A. somente quando a performance atingiu maturidade expressiva e gestual, o que coincidiu com a memorização da mesma. Assim, o registro da partitura não foi o disparador do aprendizado da mesma, mas a consequência dele. ! Resultados e Discussão – Situação de Aprendizagem 2 ! Após a professora, sob análise de A., escrever a primeira frase, o aluno deu sequência à escrita da segunda e da terceira frase. Perguntas, tais como ‘como fica a escrita do baixo em relação à da melodia que está sobre ele’?, ‘posso escrever as notas umas sobre as outras ou tenho que dar um espaço? Por que?’, ‘tenho que colocar as famílias, para indicar as alturas?’, acompanharam o processo de escrita do aluno. A professora, por meio destas perguntas, provocou associações entre o gesto da performance, o gesto manual das alturas realizado em seguida e a transposição para a escrita gráfica. Todas as marcações de arco de frase e a dinâmica da última nota foram identificadas e realizadas por A. A partitura escrita pelo aluno consta na Figura 3: ! ! Figura 3 – Partitura de “Caminhando na Lua”, escrita por A. (2012) O que se pode perceber é que A. só conseguiu efetuar o registro da partitura após compreender a estrutura da peça, sem o qual o auxílio da professora teria sobrepujado a tarefa de escrita por A. Após a escrita, A. demonstrou maior autonomia na execução da peça, minimizando as falhas de memória. Arriscamos dizer que, tendo compreendido o gesto físico, o gesto expressivo, e associado isto à análise estrutural e expressiva da peça, a escrita, da forma como se deu, contribuiu para reforçar esses dispositivos de aprendizagem, tornando a performance mais segura, tanto do ponto de vista técnico quanto expressivo. Assim como T., www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 138 percebemos um refinamento do gesto expressivo na execução de “Caminhando na Lua”, após a tarefa de escrita da partitura. O processo da escrita, portanto, foi o foco, exigindo de A uma nova forma de pensar e significar a música, diferente de quando o aluno aprendeu apenas por imitação. ! Considerações finais ! O presente artigo pretendeu compartilhar duas situações de aprendizagem musical de uma mesma peça, abordando a fase anterior ao contato com a leitura de partitura, conhecida como pré-leitura. A revisão de literatura apontou a necessidade de se trabalhar atividades que prescindem da habilidade de leitura musical, no entanto, pouquíssimos exemplos de prática foram encontrados. Além disso, houve certa discrepância, na literatura, entre teoria e prática, no que diz respeito à necessidade de realização de um trabalho anterior ao contato com a leitura para fornecer uma “experiência musical” ao aluno e as atividades propostas que consistiam, principalmente, em realizações de gráficos de grave, médio e agudo e a execução de canções de dois a cinco sons. Na tentativa de integrar atividades de criação, apreciação (escuta da própria performance ou a do professor) e análise, procuramos demonstrar um ensino que privilegia sobretudo o entendimento dos mecanismos técnicos e expressivos da execução e que nos servem como preparação para o contato com a leitura a posteriori. Em função do exposto acima, percebemos alcances comuns em ambas as situações de aprendizagem: o aprendizado da peça desvinculado da leitura no pentagrama, quando ainda em maturação por meio da observação minuciosa como subsídio à imitação, da criação como processo de compreensão da obra original, do uso da escrita musical consciente – seja ela convencional ou não – agregaram maior significado ao aprendizado das peças e promoveram uma compreensão musical mais consistente. Desta forma, acreditamos que o aprendizado da leitura convencional, que porventura ocorra futuramente, tenha, por meio de abordagens como estas, uma preparação que envolva não somente os atributos da leitura (noção de movimento sonoro e o automatismo de notas), mas os atributos da análise (percepção de estruturas musicais e suas qualidades expressivas) e compreensão musical (consciência das relações estruturais e expressivas da música). ! ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 139 Referências ! Botelho, A.G. (1976). Meu piano é divertido. São Paulo: Ricordi. Botelho, L. P. (2002). As implicações psicológicas e musicais da iniciação à leitura ao piano. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Fonseca, M. B. P., Santiago, P. F. (1993). Piano-Brincando: atividade de apoio ao professor. Belo Horizonte: Segrac. França, C. C. (1995). Composição, performance e audição na educação musical. Monografia. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. França, C. C., Swanwick, K. (2002). Composição, apreciação e performance na educação musical: teoria, pesquisa e prática. Em Pauta, 13, n. 21, 5-41. Porto Alegre. França, M. F., Azevedo, S. L. (2012). Por uma mudança de paradigma na iniciação musical ao piano. Revista da Abem, 20, n. 27, 141-148. Londrina. Gainza, V. (2009). La improvisación musical. Buenos Aires: Ricordi Americana. __________. (1986). Palitos chinos: 35 piezas em el estilo de los “chop-sticks” tradicionales para el aprestamiento y la ensenãnza del piano y los teclados em general. Buenos Aires: Musimed. Gordon, E. E. (2000). Teoria de aprendizagem musical: competências, conteúdos e padrões. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Kreader, B. et al. (1996a.). Piano lesson. 1-4 Milwaukee: Hal Leonard. ____________. (1996b.). Piano solos. 1-4. Milwaukee: Hal Leonard. ____________. (1996c.). Piano technique. 1. Milwaukee: Hal Leonard. Swanwick, K. (2003). Ensinando música musicalmente. Tradução de Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna. ______. (1994). Intuition, Analysis and Music Education. London: Routledge. Teles, S. (2005). O Gesto Pianístico na Iniciação ao Piano: um estudo exploratório. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Vygotsky, L. S. (1998). Pensamento e linguagem (2ª. ed). Tradução de Jeferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes. Zagonel, B. (1992). O que é gesto musical. São Paulo: Brasiliense. ! 1 Percebemos tal característica nas provas de vestibulares consultadas das seguintes instituições: FUVEST (2013), UNICAMP (2013), UFSCAR (2013) e UNESP (2012). 2 Tivemos acesso aos métodos Divertimentos (2003), Piano Brincando (1993), Palitos Chinos (1986) e Educação Musical Através do teclado (1985). 3A autora entende o gesto pianístico como a associação entre o gesto motor ou físico e o gesto musical, definido por Zagonel. 4Entendemos, aqui, a compreensão musical como a comunhão entre o gesto físico e sonoridade/material sonoro gerando e sendo revelada pela expressão musical consciente. 5 O termo análise presente neste artigo foi tomado em Swanwick (1994, p.59). O autor considera que analisar é tomar uma seção da experiência intuitiva ampla direcionando o foco para esse ângulo. ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 140 Discussão sobre as dificuldades no processo composicional da obra ‘Sonatina para Piano e Fagote’ ! Willian Fernandes de Souza UFRJ [email protected] ! Resumo: O presente artigo oferece uma discussão acerca das dificuldades mencionadas no relatório feito concomitante à obra Sonatina para Piano e Fagote de minha autoria. A discussão prioriza a análise do processo composicional através do olhar sobre o trecho composto e especula sobre a solução encontrada. Com isso, pudemos observar que os momentos de dificuldade coincidiram com pontos estruturais ou de contraste textural na peça. E que ainda, forneceram ideias musicais extras que são usadas posteriormente na composição. Palavras-chave: processo composicional, dificuldades, protocolo de composição, psicologia cognitiva ! ! ! Title: Discussion of compositional process’s difficulties of the work ‘Sonatina para Piano e Fagote’ Abstract: This paper presents a discussion about the difficulties mentioned in the report of my composition Sonatina para Piano e Fagote. This provides information, denominated by the cognitive psychology, as protocol. The discussion highlights the compositional process beyond the scope of determined passages and speculates about the solution reached. We have observed that the moments of difficulties coincide with structural points or with textural contrasts in piece. Thus, those moments have provided extra musical ideas used later. Keywords: compositional process, difficulties, compositional protocol, cognitive psychology Através do relato verbal do compositor sobre sua própria obra é possível abrir discussões sobre o entendimento da mente musical criativa. Tais relatos já são feitos há muito tempo pelos compositores e podemos encontrá-los sob diversas formas: cartas para amigos, músicos e afins; ou mesmo, o próprio compositor escrevendo sobre sua obra, como em ensaios ou livros; e também não é recente o estudo que prioriza o entendimento da gênese de uma obra em detrimento de uma análise do produto final. Sabemos que, “em meados do século XIX, Gustav Nottebohm (1817/1882), talvez inspirado pelos avanços daquela disciplina de seu país, demonstrou a importância da análise profunda dos cadernos de rascunhos onde Beethoven registrou ideias, trechos e esquemas de suas obras”. (Toni, 2007, p.111.) Hoje, em vários centros de pesquisa, ! (…) o estudo dos processos de criação dos compositores possuem uma área denominada, em inglês, de Creative Process, linha de trabalho que possui metodologia muito próxima à Critique Génétique francesa, designação restrita à Literatura e com produção expressiva no Brasil sob a designação de Crítica Genética. Embora a metodologia não seja nova, uma vez que comum à teoria literária e à tradição da filologia alemã. (ibid., p.110-111.) www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 141 Além destas linhas de pesquisa, encontramos nas ciências cognitivas, particularmente na psicologia, um nicho de estudo para os relatos verbais. John Sloboda (1986), com pressupostos da psicologia cognitiva, abre a discussão. Citando Nisbet e Wilson (1977), Sloboda mostra os problemas provenientes desse tipo de abordagem: ! Os relatos destas pessoas são caracterizados pela insistência em dizer que (a) os estímulos influentes são completamente obscuros – o indivíduo não faz ideia de quais foram os fatores que conduziram à solução; e (b), até mesmo o fato de um processo estar ocorrendo é desconhecido do indivíduo antes do momento em que a solução aparece na consciência. (Nisbet & Wilson apud Sloboda, 2008, p.159) Entretanto, Sloboda diz que “apesar de tal pensamento desestruturado ser difícil de ser lembrado, há evidências de que ele não é inconsciente”. (op. cit., p.160). E que “há muitos aspectos do processo que estão abertos à inspeção e ao controle conscientes”. (ibid., p.159) Portanto, partindo da teoria de resolução de problemas, um ramo da psicologia cognitiva, Sloboda vislumbra no protocolo feito em tempo real pelos compositores, fonte para análise. Pois, “se pessoas são requisitadas a verbalizarem seus processos no momento, elas poderão fazê-lo; mas a memória para estes eventos esvai-se muito rapidamente”.1 (ibid., 1986, p.122) Assim, “obteremos o quadro mais detalhado, analisando as verbalizações feitas concomitantemente ao ato”. (ibid., 2008, p.180) Dessa forma, tomaremos como objeto de estudo uma composição de minha autoria, denominada Sonatina para Piano e Fagote2, e o relatório feito em tempo real concomitantemente à ela. Apresentaremos assim, apontamentos e comentários sobre as dificuldades mencionadas no relatório para verificar quais foram suas soluções e especular por que estas teriam ocorrido. Para tanto, foi necessário cotejá-las com uma breve análise do trecho em questão. Assim, encontramos cinco momentos onde há menção a algum travamento ou dificuldade no processo da composição. Porém, por uma questão de espaço selecionamos três delas3. A dificuldade foi vista como uma situação onde havia uma pronta saída, e o travamento como uma situação de dificuldade excessiva, onde a priori não se vislumbrava continuação4. ! 1. Primeiro momento O primeiro momento destacado revela um impedimento em continuar compondo, isto é, um travamento. Esse período de estagnação, que vai do dia 30 de maio a 14 de junho5, é explicitado no relato6 da seguinte maneira: Elevar a tessitura do piano com nota pedal e inserir o movimento cromático no fagote (no mesmo registro do piano para mascarar) e executar a subida cromática no www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! 142 piano até alcançar a escala cromática em 3 vozes (fg., piano m.d., piano m.e.). Contudo, a criatividade travou nesse momento (comp. 53). E no dia 5 de Junho, o impedimento ainda persistia: “Tentei continuar, mas não consegui”. Vale a pena nos atermos ao trecho musical para entender um pouco mais o porquê do travamento. Como dito no diário, há uma subida cromática de compasso em compasso, realizada pelo piano a partir do c.45, e o fagote realiza movimentos cromáticos em semicolcheias a partir do c.48. No c.50, há uma estabilização entre as vozes dos movimentos cromáticos que ora são paralelos ora contrários em permanência por quatro compassos. Essa permanência textural causa aí certa saturação repetitiva, solicitando mudança. No dia 7, começa-se a vislumbrar possíveis caminhos para a continuação do trecho: “Pensei numa possível junção entre fragmentação do discurso e nota-longa e numa possível gradação dessas notas longas até o movimento mais lento. (…) Além disso, em paralelo, realizar uma contração intervalar até chegar em segundas menores para terminar a seção”. E no dia 13 surge outra ideia: “Também visualizei uma opção mais curta: continuar na mesmo figuração e adensar intervalarmente e fazer uma pausa brusca para iniciar nova seção (segundas menores) lenta”. Em suma, objetiva-se duas opções para a continuação: a união dos procedimentos de diluição rítmica e contração intervalar; ou o procedimento de contração continuando na mesma figuração e estabelecendo uma parada brusca. A primeira opção foi escolhida7, como o trecho apresentado na fig. 1 demonstra. A resolução se deu empiricamente ao piano, como demonstra o diário: “Estruturei, mas não funcionou. Ao contrário, fui fazendo ao piano. Aparentemente deu certo”. O resultado (fig.1) foi a diluição rítmica através da inserção gradual de notas longas juntamente com a contração em segundas menores. Se nos detivermos à esta questão intervalar, notaremos que acontece com mais evidência a partir do c.54, quando a mão direita do piano desce uma oitava. Em seguida, no c.55, a relação intervalar vertical apresenta um predomínio de 3ªM, 3ªm e 2ªM8. No próximo compasso, um predomínio de 2ªM e 2ªm. E nas últimas quatro notas do c.58, temos apenas 2ª menores. A reiteração da contração e a finalização do trecho acontecem no c.63, onde há quatro alturas: Fá, Fá#, Sol, Sol#. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 143 ! Fig. 1- Trecho do travamento já realizado. ! 2. Quarto momento O quarto momento revelou uma dificuldade que levou três dias para ser resolvida. No dia 16 de agosto, está escrito no diário: ! Acredito que vou continuar com essa ideia um pouco mais minimalista, mais singela, com o fagote fazendo uma espécie de recitativo. (…) Escrevi do c. 130 até 146. (…) Penso em desmantelar um pouco o ritmo (como no começo, mas não sei como). (…) Agora penso uma espécie de transição sem ainda uma definição do que virá. Se nos detivermos ao trecho musical (fig.2), observaremos uma mudança textural. Também notaremos, do c.130 a 145, a utilização do mesmo grupo de notas da introdução antecedendo tal mudança. Além disso, há uma estabilização em relação ao registro tanto do fagote quanto do piano. Ao final do interlúdio, cs. 146 a 148, vemos a presença dos instrumentos em solo. O fagote repete a frase do piano terminando com nota longa (Dó#) que será um pivô, porém oitava abaixo, para mudança de seção. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 144 Fig.2- Compassos 146 a 151 – Mudança textural. ! Em seguida, percebe-se que o movimento angular no piano e a nota longa no fagote são elementos do interlúdio que se mantém na nova seção. Contudo, existe uma mudança da tessitura aguda para a média tanto do piano quanto do fagote e o ritmo se torna fragmentado como no início da peça. Dessa forma, o piano contrasta, através da articulação e do ritmo fragmentado, com a subseção anterior. Talvez a dificuldade enfrentada fosse a busca9 por onde continuar na composição, além de certa saturação repetitiva. Como descrito anteriormente, há uma configuração textural bastante homogênea nos cs. 130 a 145 que leva ao esgotamento do material harmônico proveniente da introdução. A solução encontrada foi: ! Alargarei algum motivo para ter uma base para construir os motivos fragmentados. (…) Tentarei fazer um contraponto implícito na voz mais grave do zigue-zague. Pegarei, do tema, os dois acordes que giram em torno de Mi@ (comp. 21) para aumentá-los e continuar. Extraindo material do tema e modificando-o, foi possível se deter ao manejo da harmonia. A resolução acontece no dia 18 de agosto: “A escolha dos acordes se deu por tentativa e simpatia (sempre tocadas ao piano)”. ! 3. Quinto momento Já no quinto momento, acontecido no dia 22 de agosto, houve uma dificuldade em relação à busca por algo novo que aconteceu na fase final da composição, assim descrito no diário: “Coloquei na mão direita a melodia [fig.4] a qual eu havia trabalhado nos compassos 149-164 www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 145 [fig.3]. (…) Acho que a busca por algo novo me atrapalha nesse momento, vou continuar escrevendo sem essa preocupação”. Fig.3- Melodia na mão esquerda do piano nos cs.158 a 164 (a mesma melodia dos c.149 a 164). ! Fig.4- Mudança rítmica. ! Se nos detivermos ao trecho composto (fig.4), veremos uma mudança textural não mencionada no relato. O acompanhamento do piano (fig.3) em mínimas passa para a mão direita num ritmo novo, um ritmo em semicolcheias com colcheias sincopadas. Ainda assim, talvez não satisfeito com essa mudança rítmica, há uma busca10 por ‘algo novo’. A partir de então, não há menção no diário de novas inserções de elementos. Contudo, se observarmos a partitura, acontece a aparição de outro ritmo, mais a frente no c.171, também sincopado, geralmente associado a uma brasilidade. Este novo ritmo vem preencher um espaço para que se possa realizar o movimento de contração de registros. Novamente aqui, vemos que a busca pelo o que apresentar só foi possível pelo fato do esgotamento do material utilizado até então. 4. Considerações das dificuldades. Para o primeiro momento de dificuldade, surgiram duas opções: a diluição rítmica com contração ou uma parada brusca com contração. A primeira é usada topicamente e a segunda no c.129, clímax da obra. Trata-se de uma tomada de decisão importante, pois ela define dois pontos culminantes (ou seja, estruturais) da peça. Além disso, a opção da diluição permitiu um contraste gradual levando a uma seção mais lenta abrindo para outras possibilidades expressivas da peça: conduz para um alargamento temporal e um caráter mais longo, denso e pesado. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 146 Sumarizando os cinco momentos de dificuldades analisados, mostraremos, utilizando o gráfico que o piano roll (fornecido pelo Software Sonar) oferece, onde esses momentos aconteceram e para onde as ideias musicais sobressalientes migraram: Fig.5- Gráfico formal mostrando a origem do problema e a migração de algumas das ideias de solução. ! Assim, constatamos que as situações onde há menção às dificuldades, coincidem com pontos de mudança textural e que, com exceção do primeiro, marcam o início de uma nova subseção. Esses momentos, com exceção do último, apresentam alto grau de redundância, levando a certa sensação de saturação. 5. Considerações finais. Com a proposição de Sloboda em analisar as verbalizações feitas no momento em que elas ocorrem, verificamos que, as evidências de que o pensamento desestruturado não tão é inconsciente e que há aspectos do processo abertos à inspeção e ao controle conscientes, se mostra coerente. Pois, voltando à problemática apontada por Nisbet & Wilson pode-se verificar, especificamente no processo composicional da Sonatina para Piano e Fagote, que: • em (a) – “de que o indivíduo não faz ideia de quais fatores conduziram a solução” – a constatação de que o fator que levou à solução foi o contraste (mudança) textural. • em (b) – “de um processo estar ocorrendo é desconhecido do indivíduo antes do momento em que a solução aparece na consciência” – que é realmente difícil saber a www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 147 forma como acontece. Contudo, observamos que nestes momentos de dificuldade houve a geração de ideias musicais além da utilizada topicamente. Considerando que tais considerações se remetem à composição de minha autoria, dessa forma correspondendo à uma abordagem subjetiva, sugerimos buscar em relatos desse tipo se estas dificuldades ocorrem da mesma maneira, ou se não, que outras problemáticas e considerações podem surgir. ! Referências Fernandes, Willian (2013). A composição musical entre a realização prática e sua narrativa: um estudo de caso. Dissertação de Mestrado. UFRJ. Disponível em https:// w w w . a c a d e m i a . e d u / a t t a c h m e n t s / 3 1 9 8 2 5 4 8 / d o w n l o a d _ fi l e ? st=MTM5NTUyODQwNywxNzkuMjEwLjE5LjIxMCw1NTA2NzQ0&ct=MTM5NTUy ODQwNSw1NTA2NzQ0 Slododa, J. (2008). Composição e Improvisação. A mente musical: A psicologia Cognitiva da Música. Londrina: Eduel. ________. (1986). Composition and Improvisation. The musical mind: the cognitive psycholgy of music. Oxford: Clarendon Press. Toni, F. C. (2007). A musicologia e a exploração dos arquivos pessoais. Revista de História, 157, 101-128. Extraído de http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/rh/n157/a06n157.pdf 1 Tradução nossa. 2 A partitura foi anexada pelo sistema de submissão como documento suplementar. Os documentos anexados estão em anonimato. 3 A discussão das cinco dificuldades está em minha dissertação de mestrado, Vale ressaltar que nossas considerações finais abrangem as cinco mencionadas. 4 Isto se reflete no período de permanência em cada momento, pois as dificuldades duraram no máximo dois ou três dias; e o travamento durou quinze dias. 5 A composição foi feita no ano de 2011. 6 O relato está posto no anexo da dissertação e também anexado pelo sistema de submissão como documento suplementar. 7 A segunda opção foi utilizada posteriormente no clímax da seção A’, no c.129. 8 Para evidenciar a contração, a relação intervalar é vista da nota mais grave para intermediária e depois da intermediária para a mais aguda. 9 Interessante notar que no momento de especulação criativa surge uma ideia que será utilizada a partir do c.174. No diário, “Surgiu-me a ideia de usar o motivo zigue-zague na textura. Mas deixarei isso para depois”. 10 Ainda nesse momento de busca, surge a ideia de um ‘parêntese lento’: “Vislumbrei o recurso de aumentar a densidade e colocar um parêntese ‘lento’ para terminar mais rápido”. De fato, esta ideia será usada posteriormente: o aumento da densidade mencionado no diário faz parte dos cs.165 a 181; e o parêntese ‘lento’ fazendo parte dos cs.182 a 189. Já “terminar mais rápido” corresponde à codeta. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 148 O processo de preparação para performance dos alunos da banda marcial CPMG, Ayrton Senna: um estudo sobre o impacto da ansiedade Aurélio Nogueira de Sousa UFG [email protected] Sonia Ray UFG [email protected] Resumo: Este texto aborda o processo de preparação da performance dos alunos das bandas de música de Goiânia, tendo como objetivo geral o impacto que a ansiedade pode causar neste processo. Esta pesquisa foi dividida em dois momentos: A primeira foi uma breve revisão da literatura sobre ensino coletivo de instrumentos de banda e processo de musicalização nas bandas de música no Brasil. A segunda, foi uma pesquisa de campo na qual se deu a aplicação do inventário K-MPAI (Rocha et al, 2011) e da consulta específica sobre prática de performance nas bandas de música de Goiânia. Palavra-Chave: preparação da performance, ansiedade na performance, bandas de música em Goiânia. 1. Introdução O trabalho vem relatar processo de preparação da performance dos alunos das bandas de música de Goiânia, sobretudo se tratando do impacto que a ansiedade pode causar neste processo. O estudo da ansiedade é comum a diferentes áreas do conhecimento, como medicina, esportes, artes e música (SINICO; GUALDA, LOUREIRO, 2013). Há alguns anos já se percebia que a música começara a buscar apoio em outras áreas do conhecimento como a psicologia e as neurociências, como consequência de uma constante preocupação por parte dos intérpretes com o preparo para a performance (RAY, 2005). Na realidade das bandas marciais, observa-se que alunos e professores precisam lidar com problemas de ordem psicológica que interferem de várias formas no processo de ensino-aprendizado (SOUSA; RAY, 2007). O objetivo geral do trabalho é detectar qual o impacto causado pela ansiedade nos alunos desta banda mencionada. Este texto trata particularmente na Banda Marcial do C. E. da Policia Militar de Goiás, Ayrton Senna, e é um recorte do trabalho principal em andamento. A metodologia foi dividida em duas etapas principais. Revisão da literatura sobre ensino coletivo de instrumentos de banda e sobre o processo de musicalização nas bandas de música no Brasil. A segunda, pesquisa de campo na qual se deu a aplicação do inventário K-MPAI www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 149 (ROCHA et al, 2011) e da consulta específica sobre prática de performance nas bandas de música de Goiânia. ! 2. Revisão da literatura sobre ensino coletivo de instrumentos de banda e sobre processo de musicalização nas bandas de música em Goiás A breve revisão de literatura sobre o ensino coletivo de instrumentos e processos de musicalização nas bandas de música no Brasil começa por Kandler (2012), que aponta as diferenças metodologias de musicalização de cada banda, as duas bandas analisadas são as únicas que desenvolvem apreciação musical. Silva (2011) discute a extensão da função do ensaio e também abarca questões pedagógicas que contribui na qualidade dos ensaios realizados nas bandas de música escolares brasileiras. Sulpicio e Guglielmetti (2011) apontam a falta de formação musical adequada dos professores de banda, a pouca oferta de literatura específica sobre ensino de música em bandas, e a falta de cursos acadêmicos de música voltados para a formação de regentes de banda. A necessidade de conhecer os processos de ensino e aprendizagem de música a partir das práticas pedagógicas variadas é destacada por César (2011). Já Maura Penna (2008) relata que a musicalização na escola deve ser orientada e destinada a todos, promovendo a participação mais ampla na cultura socialmente produzida dos alunos. Quanto ao processo de musicalização em bandas, pode-se ressaltar Keith Swanwick (2003) que aborda varias formas de avaliação que o professor pode utilizar com seus alunos e também a auto-avaliação como recurso pedagógico que está presente na atuação de vários regentes de banda em Goiânia (SOUSA E RAY, 2007). Por tudo isso, o estudo de psicologia está se apresentando cada vez mais necessário não apenas como ferramenta de ensino, mas também como um recurso de aprendizado. Não somente proporciona a detecção de hábitos a serem corrigidos (ou modificados) no aprendizado do instrumento como também se transforma em ferramenta de autoavaliação, nesse sentido, elemento indispensável para o aprimoramento do artista (KAMINSKY & RAY, 2012). Pode-se justificar esta relação entre cognição e pedagogia da performance musical no trabalho que vem sendo desenvolvido na cidade de Goiânia com as bandas marciais do pesquisador Aurélio Sousa, o qual tem estudado este tema a partir do processo de preparação da performance e o impacto da ansiedade nos alunos de uma banda marcial da cidade de Goiânia. O impacto da ansiedade dos alunos de banda de música de Goiânia mostrou-se, de forma geral, moderado, uma vez que não há relatos de lesões graves nem de descontinuidade www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 150 da prática em consequência da ansiedade. Contudo, há indícios de níveis de ansiedade, de moderado para alto com ocorrências paralelas ao surgimento de dores e, ainda, associados à falta de informações sobre psicologia da música e cuidados com o corpo na prática musical. Este quadro reforça a premissa maior deste trabalho que é a importância e a necessidade de associação de outras áreas do conhecimento como a psicologia e as neurociências como partes integrantes e constantes no preparo da performance de intérpretes (SOUSA & RAY, 2013). Na discussão sobre música e educação na escola Brasileira, Marisa Fonterrada (2005) aponta a herança da educação musical dos Jesuítas, e o ensino de música e ensino de canto como sinônimo para o seu desenvolvimento ao longo do século XX. Tereza Mateiro e Beatriz Ilari (2011) discutem concepções das pedagogias musicais do século XXI, suas formas de pensar o ensino de música, e apontam a dificuldade da escolha de um método certo. A falta de material pedagógico adequado para desempenho da banda, as dificuldades financeiras para aquisição de métodos e musicas, e a falta de interesse dos alunos, são fatores que faz com que o ensino aprendizado das bandas do estado de Goiás comprometam e gerem algum tipo de lacuna quando este aluno oriundo da banda passe por um processo seletivo em uma universidade de música no Brasil. Toda essa problemática é destacada por Leão e Bertunes (2013). ! 3. Aplicação do inventário K-MPAI (Rocha et al, 2011) e consulta específica sobre prática da performance O Inventário K-MPAI (Kenny Music Performance Anxiety Inventory) é composto por 40 questões que visam medir níveis de ansiedade na performance musical. Foi traduzido para português em 2011 e é aqui utilizado com a autorização do autor da validação brasileira. A medição é feita por uma escala de 0 a 240 pontos. Recentemente a escala foi redimensionada em três níveis onde: baixo = até 90 pontos, moderado = entre 90 e 138 pontos, e alto = acima de 138 pontos (RAY et ali., 2013). O erro de estimação é de aproximadamente 11%. A consulta busca completar informações específicas da prática diária do instrumentista de forma que se conheça como ele lida com aspectos técnicos, físicos e emocionais da prática musical em 11 questões de resposta mista. A aplicação foi realizada em dois dias durante os ensaios da banda. A duração da consulta a cada encontro foi de aproximadamente 2 horas e cada sujeito demorou em média 30 minutos pra responder. A banda participante é composta por 40 integrantes divididos em instrumentos de metais e percussão, onde 39 alunos participaram da aplicação do questionário, e o termo de consentimento foi entregue para o coordenador www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 151 pedagógico e o maestro titular da banda onde eles aprovaram e consideram a aplicação do questionário. A consulta busca conhecer melhor o histórico e os hábitos dos alunos de bandas na prática diária em performances, tendo por base pesquisa anterior que mostrou que a maioria dos alunos de bandas de Goiânia é diretamente influenciado pela sua realidade social e familiar que é interligada a todos os aspectos de sua vida musical (SOUSA, 2010). A consulta aplicada na Banda Marcial do C. E. da Policia Militar de Goiás, Ayrton Senna, mostrou que 90% dos sujeitos sentem desestimulados com suas condições financeiras e 70% relatam que sofre com a falta de bom instrumento para estudar. As questões foram construídas no formato semiaberto como mostra o quadro abaixo. ! 5- Você já desenvolveu algum tipo de lesão no exercício da sua atividade musical? Sim ( ! ! ) Não ( )Se sim, qual (is): __________________________________ Quadro 1: questão extraída da consulta dos alunos da banda CPMG Ayrton Senna 4. Apresentação e Discussão dos Resultados Foram coletadas 39 amostras (95%) de uma população de 40 sujeitos membros da Banda Marcial do C. E. da Policia Militar de Goiás, Ayrton Senna. 12 (30%) sujeitos apresentaram baixo nível de ansiedade, 15 (35%) sujeitos apresentaram nível moderado de ansiedade e 12 (30%) sujeitos apresentaram nível alto de ansiedade. Na consulta específica 99,2% dos sujeitos disseram que estudam instrumento musical ha menos de 5 anos. Apenas 5% estudam mais que 2 horas por semana. 60% realizam algum tipo de alongamento diariamente. 40% dos entrevistados não realiza nenhum exercício físico regularmente e 25% dos que fazem exercícios o fazem tendo como prioridade a busca por maior resistência física. 80% dos entrevistados relataram que nunca tiveram nenhum tipo de lesão física na prática do instrumento musical e 20% relataram que tiveram lesões como dor na mão, formigamento na boca e dores nos dedos. 50% relataram que não se informam sobre lesões e 50% procuram se informar com seu professor de instrumento. Contudo, 50% dos entrevistados já sentiram dores localizadas. Quanto ás práticas corporais 50% conhecem Hatha Yoga e Pilates, 20% conhecem todas as praticas corporais, e 30% não conhece nenhum tipo das praticas citadas. 100% dos entrevistados nunca cursaram a disciplina de psicologia da música. 40% dos entrevistados realizam seu intervalo entre 30 e 60 www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 152 minutos, sendo que em sua grande maioria os outros 60% se dão entre os primeiros 30 minutos ou entre 60 e 90 minutos. 95% dos entrevistados realizam intervalos regularmente, porém não usam este tempo para atividades de alongamento ou de concentração. 70% costumam tomar água e os demais conversam com os colegas ou se dedicam para o estudo de passagens difíceis de uma determinada música. As relações entre ansiedade e a prática diária dos entrevistados mais relevantes é a pouca informação sobre estudos de psicologia da música, sendo que o nível de ansiedade e moderado para alto em mais de 50% da comunidade entrevistada, indicando que a informação sobre estratégias de lidar com a ansiedade poderia mudar este quadro. Umas das principais causas do impacto da ansiedade é a possibilidade de cometer erros diante dos outros e que a ansiedade aumenta de acordo com o tamanho da platéia e a importância do evento, (MIRANDA; YAMADA, FIGUEIREDO, MARIA, 2013). Outro fator que gera grandes indagações e que os sujeitos consultados tem pouco conhecimento sobre psicologia da performance, outro fator observado e a falta de atividades físicas diárias, desenvolvendo algumas lesões especificas de instrumentistas de metais, o que justifica o surgimento de dores localizadas em 20% dos sujeitos. Em diálogos com o professor maestro e os professores de naipes pude observar que não há uma grande preocupação sobre questões da pratica corporal no dia a dia dos estudos dos alunos. 5. Considerações Finais O impacto da ansiedade no processo de preparação para a performance dos alunos da Banda Marcial do Colégio Estadual da Policia Militar do Estado de Goiás, Ayrton Senna, mostrou-se de forma geral moderado, uma vez que não há relatos de lesões especificas de instrumentistas de metais por não terem uma estudo ou acompanhamento de atividade físicas diárias, o que gera uma descontinuidade da prática em função da ansiedade. Portanto, observamos que o nível de ansiedade acontece nos alunos desta banda sendo que paralelamente lesões, dores, falta de atividade física e a falta de informação sobre psicologia da música e sobre cuidados do corpo na prática musical, são agravantes que se destacaram na comunidade desta banda analisada. Como se vê, esta pesquisa vem reforçar a importância de trabalharmos o conhecimento musical associado com outras áreas do conhecimento, como a psicologia e as neurociências, para obtermos melhores resultados no constante preparo da performance de intérpretes. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 153 6. Referencias CÉSAR, Mauro Cislaghi. A Educação Musical no projeto de Bandas e Fanfarras de São José (SC): três estudos de caso. Revista da Abem, Londrina, v.19, n.25 p.63-75, janeiro-julho, 2011. FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira: De Tramas e Fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. KANDLER, A. M. O processo de musicalização em duas bandas do meio Oeste Catarinense. CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA, 22., 2012, João Pessoa. Anais... João Pessoa: ANPPOM, 2012. p. 316-320. LEÃO, Eliane. 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Ana Luisa Fridman Escola de Comunicações e Artes/USP [email protected] ! Resumo: O artigo apresenta um estudo reflexivo sobre as relações cognitivas existentes dentro de processos criativos que envolvem uma performance musical. Nestas relações propõe-se uma atenção especial ao receptor/ouvinte envolvido em um ambiente de performance, citando exemplos de interação entre performer e ouvinte em contextos diversos. Os exemplos aqui apresentados fazem parte de uma pesquisa anterior de doutoramento e ao final do artigo é descrita uma proposta original de interação performer/ouvinte realizada em 2013 durante o XXIII congresso da ANPPOM. O estudo aqui apresentado está amparado nos conceitos de affordances e embodied mind que iniciam o artigo. Palavras-chave: affordances, processos cognitivos, interação performer/ouvinte. ! ! ! Title: Cognition in performance environments: interactions between performer and listener Abstract: The article presents a reflexive study about the cognitive relations within creative processes involving a music performance. In these relationships we propose a special attention to the receiver/listener involved in a performance environment, citing examples of interaction between performer and listener in different contexts. The examples presented here are part of an earlier doctoral research and at the end of this article we describe an original proposal of interaction performer/listener held in 2013 during the XXIII Congress of ANPPOM. The study presented here is supported on the concepts of affordances and embodied mind mentioned at the beginning of the article. Keywords: affordances, cognitive processes, interaction performer/listener. Introdução A abordagem cognitiva que se refere ao receptor/ouvinte, especialmente quando inserido em um ambiente de performance, costuma ser menos frequente nos estudos que abordam a performance musical. Pensando em tratar de processos cognitivos que abordam as interações que podem ocorrer entre performer e ouvinte, trazemos alguns exemplos e reflexões sobre o assunto. Considerando o ouvinte como parte ativa de uma performance e o meio em que estão performer e ouvinte como um meio cognitivo, iniciamos nosso artigo definindo os conceitos de affordances e embodied mind. Nesse sentido, propomos que o ouvinte pode ser visto não apenas como um indivíduo de “ouvidos atentos”, mas também como um ser envolto em suas relações sensoriais e corporais durante uma performance. Alguns dos materiais especificados aqui fazem parte de pesquisa de doutorado concluída em 20131, que estuda alguns procedimentos encontrados nas músicas não ocidentais para, entre outros, discutir as abordagens cognitivas que envolvem a corporalidade. Nesse sentido, os exemplos contidos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 155 aqui fazem parte dessa pesquisa anterior e aqui ilustram também um possível desdobramento da mesma. ! A corporalidade associada a processos cognitivos: affordances e embodied mind O aspecto da corporalidade nos estudos sobre o conhecimento humano é hoje bastante discutido em reflexões sobre o corpo como mediador do conhecimento de um indivíduo através de seu contato com um determinado meio. A ideia de interação com o meio foi estabelecida no conceito de affordances, proposto por Gibson, segundo o qual “As affordances do ambiente são os materiais que este oferece ao indivíduo, e que estes podem ser utilizados para o bem ou para o mal2” (1979, p.127). Sobre as possíveis reflexões a partir das interações entre o indivíduo e um determinado ambiente, considerando suas affordances “Gibson propõe que, em qualquer interação entre um agente e um determinado ambiente, as condições ou qualidades inerentes a cada ambiente definem as ações que o agente vai executar neste ambiente3” (Greeno, 1994). Desse modo, o ambiente modifica o indivíduo, que por sua vez modifica o ambiente, estabelecendo relações cognitivas dinâmicas, baseadas na ação e na incorporação do que é oferecido em um determinado ambiente. Esta ideia de Gibson modificou o conceito que se tinha do conhecimento, tratado anteriormente como estático e independente de suas possíveis interações contextuais. Nessa abordagem do conhecimento em ação e reação com um determinado ambiente, o corpo do indivíduo passou a ter um papel de extrema importância nessa inter-relação. A ideia do corpo como meio ativo para a construção do conhecimento é conhecida hoje por embodied mind, sendo que esta concepção tem sido amplamente discutida na atualidade. O conceito da embodied mind começou a ser tratado na metade do século XX em áreas do conhecimento como a filosofia, a fenomenologia, a educação e a sociologia. Citando os estudos da neurociência, o conceito de embodiment ou corporificação foi recentemente tratado em estudos de Francisco Varela (1946-2001), George Lakoff (1941- ), Robert Turner (1946- ) e Steven Johnson (1968- ), entre outros, sendo definido como a integração entre corpo físico ou biológico com o corpo fenomenológico ou experiencial, sugerindo uma junção entre corpo e mente, numa rede que integra o pensar, o ser e o interagir com o mundo ao seu redor (Varela, Thompson e Rosh, 2001, p. xviii). Um outro ponto incutido no conceito de embodied mind é a ideia de que o conhecimento adquirido de forma particular, ou seja, cada indivíduo pode ter uma relação corpo/mente diferenciada a partir de um mesmo conceito. Cada indivíduo pode incorporar, traduzir e expressar conceitos de forma única, na qual a “compreensão corporificada é sempre aquela formada a partir de um www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 156 determinado ponto de vista, e portanto sempre parcial, ainda que esta compreensão permaneça profundamente nossa4” (Bowman In Bresler, 2004, p.30). Pensando que o meio que envolve o performer e o ouvinte pode funcionar como um todo de cognição e interatividade, com affordances que agem diretamente e unicamente sobre cada indivíduo – seja ele performer ou ouvinte – citamos a seguir exemplos que caminham nessa direção. ! Interação entre performer e ouvinte no gênero tarab Utilizando um exemplo que ilustra possíveis interações entre o performer e ouvinte nas músicas não ocidentais, citamos o exemplo do tarab, um dos gêneros encontrados na música tradicional árabe. A palavra tarab pode referir-se tanto ao gênero da música tradicional árabe quanto a uma sensação geral relacionada ao êxtase, que é a característica marcante desse tipo de manifestação musical. No tarab o ouvinte é considerado como um participante ativo e primordial para alcançar esse êxtase5 junto ao performer. Nos moldes da música tradicional europeia, é comum pensar o ouvinte que vai a um concerto, por exemplo, relacionando a escuta ao seu aspecto cerebral, ou seja, o ouvinte pode ter conhecimentos teóricos sobre o gênero musical que está escutando. Isso estabelece a diferença entre o estágio inicial de apenas ouvir sem conhecimentos prévios e o escutar relacionado aos conhecimentos sobre o que se ouve. No gênero tarab não existe essa distinção, sendo que a palavra sama, que define a escuta, envolve os estágios de ouvir e escutar ao mesmo tempo6. Neste gênero o ouvinte participa ativamente de um processo criativo e pode se expressar livremente durante uma performance. No ápice da participação do ouvinte o público pode bater palmas, cantar e dançar durante uma performance, para que esta termine em um estado de êxtase absoluto. A improvisação no tarab, tem portanto um papel crucial nesse processo, sendo que, nesse caso, a improvisação é associada ao ato de compor durante a performance. ! Efetivamente, na forma completa do tarab, seu desempenho depende de três fatores inter-relacionados: primeiro, um repertório emocionalmente significativo de recursos de composição partilhados pelos participantes no processo de tarab, em segundo lugar, a habilidade do artista de tarab de possuir "alma" e ser capaz de conduzir seu desempenho a um estado adequado de êxtase, e terceiro, a disposição musical do ouvinte e sua sensibilidade de comunicação através de intervenções afetivomusicais durante a performance.7 (Racy In Russel, Nettl, 1998, p.103) ! Ressaltamos aqui não apenas a participação do ouvinte na performance de tarab, mas também os critérios que envolvem essa participação. Nesse gênero o ouvinte precisa de www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 157 conhecimentos prévios e sua intervenção não é feita aleatoriamente, mas sim de uma forma emocionalmente comprometida com um estado de êxtase almejado tanto pelo ouvinte quanto pelo performer. O ouvinte tem então recursos para interagir de acordo com suas emoções, mas há regras para estas intervenções, incluindo o respeito mútuo entre performer e ouvinte para chegarem juntos ao êxtase. Com estas observações não estamos sugerindo diretamente esse tipo de manifestação de uma audiência durante uma performance, mas sim a participação de um ouvinte comprometido com uma escuta atenta. Consequentemente, tanto o performer quanto o ouvinte podem se preparar para uma performance. ! Aula do curso Creative Ensemble, Guildhall School of Music and Drama Tratando da interação entre performer e ouvinte sob outro ponto de vista, trazemos um exemplo dentro de um contexto formativo de pós-graduação. O exemplo que trazemos aqui está inserido no curso Creative Ensemble , que faz parte do mestrado em Leadership oferecido pela Guildhall School of Music and Drama8 e consiste em um grande espaço para o desenvolvimento de processos criativos. Neste trecho vamos exemplificar a colaboração de Dinah Perry, professora do departamento de artes cênicas da Guildhall School of Music and Drama. Esta colaboração trouxe à tona a importância de intervenções de artistas de áreas distintas em processos criativos, além de contribuir para propostas que acabaram por envolver o ouvinte durante a performance. Para termos uma ideia da intervenção da professora Dinah Perry, citamos uma das sessões de criação que pudemos presenciar. Nessa sessão cada grupo tinha que elaborar uma composição a partir de um pequeno texto de livre escolha. Este texto poderia ser extraído de algum material existente ou criado pelo grupo. Em um dos grupos com o qual a professora Perry trabalhou, foi trazido o seguinte trecho, elaborado pelos participantes: "Daqui de cima, todos parecem brinquedos de corda”9 O grupo, formado por três cantoras, uma flautista, um oboísta e um pianista, apresentou uma versão vocal a três vozes feita a partir do trecho. Em seguida, a flautista, o oboísta e o pianista faziam uma improvisação instrumental que dava continuidade ao canto. Amostramos o trecho em versão vocal apresentada pelo grupo: ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 158 ! ! Fig.1. Arranjo vocal elaborado pelos alunos da Guildhall School A professora Perry então pediu para que o grupo discorresse sobre o que gostaria que a peça representasse, que imagem cada um via a partir da frase que havia escolhido. A imagem geral desse grupo era de pessoas observando o movimento de uma grande cidade, do distanciamento, de uma certa melancolia que o tema trazia. Dinah Perry pediu então para que os demais alunos que assistiam ao processo de criação desse grupo incorporassem uma personagem, pensando em pessoas que andam pela cidade. Depois, a professora Perry pediu que, enquanto o grupo realizasse a peça, as outras pessoas interferissem e interagissem sonoramente utilizando as personagens como inspiração, movimentando-se entre os instrumentistas. Depois dessa aula, os integrantes desse grupo repensaram a peça e trabalharam separadamente até o momento de apresentação final desse processo, um evento que reuniu composições de todos os alunos do mestrado em Leadership. No dia da apresentação a plateia foi convidada a andar no palco e assistir a apresentação em movimento, interagindo sonoramente se assim o desejasse. As cantoras realizaram a primeira parte da peça em cima de cadeiras e, na improvisação instrumental que se seguia, os dois instrumentistas de sopro andavam também ao redor do palco, junto com os ouvintes/participantes da plateia, e convidavam todos para se sentarem livremente no palco até a improvisação terminar. Ao final, o som e o movimento foram cessando aos poucos, até que todos – músicos e plateia – sentissem o final da peça como um todo. Observamos que a plateia envolveu-se totalmente com a performance desse grupo, sendo que houve uma sensação geral de que todos estavam participando da peça colaborativamente, interferindo em sua sonoridade final. ! Improvisação interativa a partir de uma canção adaptada para compassos assimétricos A proposta que vamos descrever ocorreu dentro da sessão de apresentações artísticas do XXIII congresso da ANPPOM, realizado em 2013 em Natal, e representa um primeiro desdobramento da pesquisa de doutorado mencionada na introdução deste artigo. Durante www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 159 essa performance, propusemos algumas improvisações baseadas em parâmetros rítmicos complexos ao piano, na qual o ouvinte também podia interagir sonoramente a partir de um material que lhe era ensinado, utilizando voz, palmas e pés. A improvisação que vamos descrever aqui parte de uma melodia africana da Tanzânia, chamada Kalêle10, ilustrada abaixo: ! ! Fig. 2. Canção Kalêle ! Depois de mostrar a versão original para a plateia, apresentamos a versão “assimétrica” da mesma canção, construída a partir de uma estrutura de dois compassos ternários e um quaternário (3/4+3/4+4/4), usando pés e palmas em lugares determinados (fig.3). Propusemos então que a plateia realizasse a estrutura abaixo enquanto um pianista improvisava. Podemos notar que a estrutura apresentada possui alguns espaços para que os participantes pudessem interagir com o pianista se assim o desejassem, ou apenas mantivessem a estrutura proposta. ! ! ! ! Fig. 3. Variação da canção Kalêle, utilizada como base para improvisação Nessa proposta retomamos o conceito de embodied mind e affordances dirigidos especialmente para a cognição corporificada de parâmetros rítmicos complexos, que também norteiam a pesquisa mencionada em nossa introdução. ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 160 Considerações finais O que desejamos mostrar nesse artigo é um caminho que aponte para a criação de ambientes interativos, tanto de performance quanto formativos, nos quais a participação e a conversa com o ouvinte seja considerada e trabalhada. Atentamos também para a necessidade de se formar o ouvinte para adentrar nesse tipo de ambientação de “corpo inteiro”, sendo que o processo de cognição que mencionamos aqui é mais do que cultural ou informativo. Ao pensarmos no ouvinte interagindo durante uma performance, não nos referimos apenas ao ouvinte que age a partir da cognição estrutural ou formal de um determinado gênero. Aqui pensamos no ouvinte envolvido emocionalmente em uma performance e no performer atento ao gesto sonoro e motor do ouvinte. Nossas considerações finais então representam muito mais um início do que uma finalização. O início de uma ideia de música que não invalida a performance tradicional, mas acrescenta outros formatos de estar em um ambiente sonoro. Um formato de ambientação sonora colaborativa, que favoreça a cognição em seu aspecto mais amplo. ! Referências Bowman, W. (2004). Cognition and the Body: Perspectives from Music Education. In Bresler L. (Ed.), Knowing bodies, moving minds: towards embodied teaching and learning (pp. 29-40). London: Kluwer Academic publishers. Fridman, A.L. (2013). Diálogos com a música de culturas não ocidentais: um percurso para a elaboração de propostas de improvisação. Tese de Doutorado não publicada, Universidade de São Paulo, São Paulo. Gibson, J. J. (1979). The Ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin. Racy, A.J. (1998). Improvisation, Ecstasy, and Performance Dynamics in Arabic Music. In Nettl, B.; Russel, M. (Ed.), In the course of performance: studies in the world of musical improvisation (pp. 95-113). London: The University of Chicago. Varela, F.J.; Thompson, E.; Rosh, E. (1991). The Embodied Mind: Cognitive Science and Human Experience. USA: Massachussets Institute of Technology. Schaeffer, P. (1994). Tratado dos Objetos Musicais. Brasília: Edunib. 1 Diálogos com a música de culturas não ocidentais (“XXX”), finalizada em 2013. 2 “The affordances of the environment are what it offers the animal, what it provides or furnishes, either for good or ill” 3 “Gibson proposed that in any interaction between an agent and the environment, inherent conditions or qualities of the environment allow the agent to perform certain actions with the environment” 4 “Embodied understanding is always the view from somewhere, and therefore always partial; yet it remains profoundly ours” www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 161 5 Na música árabe, o êxtase atingido especificamente pelo performer é denominado de saltanah. 6 Nesse trecho é interessante citar a contraposição da ideia de escuta em sua totalidade – incutida na palavra sama – com os estágios de escuta propostos por Pierre Schaeffer, em seu Traité des objets musicaux (1966), descritos como: ouvir, escutar, escutar conscientemente e compreender. A comparação ressalta mais uma vez o aspecto holístico da música não ocidental e o atomístico da música ocidental, embora chame a atenção para a importância de ambos os aspectos para se pensar a escuta musical, a nosso ver/ouvir. 7 “In effect, the full shape of a tarab, performance depends on three interrelated factors: first, an emotionally meaninful stock of compositional devices shared by participants in the tarab process; second, the skill of the tarab artist who possesses “soul” and may be able to render his performance in an appropriate ecstatic state; and third, the listener’s musical disposition and sensitivity communicated through direct emotional-musical input.” 8 A Guildhall School of Music and Drama está sediada em Londres e possui um departamento especialmente focado em relações de transculturalidade na música. Durante o período de doutoramento pudemos aplicar propostas de improvisação em alunos de mestrado durante intercâmbio de 20 dias em janeiro de 2012. 9 "From above, everybody look like wind-up toys" 10 Em um dos cursos realizados na Guildhall School, o pesquisador participou de um trabalho de composição com músicos da Tanzânia, onde a melodia de Kalêle foi ensinada para o grupo. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 162 Um estudo computacional do processo perceptivo da música de mixagem ! Danilo V. Granato de Araújo NICS – IA - UNICAMP [email protected] ! José Eduardo Fornari NICS - UNICAMP [email protected] Resumo: Grande parte da produção musical popular da atualidade advêm da extensiva exploração de processos criativos e improvisacionais da mixagem musical, onde diversos arquivos de som (musicais ou não) são utilizados a fim de criar uma peça ou performance musical. Este trabalho estuda alguns aspectos perceptuais desse estilo musical. Através da utilização de 4 descritores acústicos de baixo-nível (Beat Track, Harmonic Pitch Class Profile, Loudness e Spectral Centroid) este experimento analisou duas peças de renomados DJs (Moby e Sven Vath), de modo a extrair e analisar aspectos sonoros que caracterizam e distinguem tais performances. Os resultados destas análises são aqui descritos e discutidos. Palavras-chave: mixagem, descritores acústicos, DJ, cognição. ! ! ! Title: A Computational Study on the Perceptual Process of Mixing Music Abstract: Most of the popular music production nowadays come from the extensive exploration of creative and improvisational processes of music mixing, where several sound files (musical or not) are merged together to create a new musical performance. This paper studies some perceptual aspects of such musical style. Through the usage of 4 low-level acoustic descriptors (Beat Track, Harmonic Pitch Class Profile, Loudness and Spectral Centroid) our research examined two pieces of renowned DJs (Moby and Sven Vath), in order to retrieve and analyze acoustic aspects that characterize and distinguish this style of performance. Results of these analyzes are here presented, described and discussed. Key-words: mixing, acoustic descriptors, DJ, cognition. 1. Introdução O advento do registro imaterial da música, através do processo de gravação sonora, aproximou a música das artes plásticas. O material sonoro – antes imaterial, efêmero e intangível – agora na forma de arquivo sonoro, passou a exprimir propriedades concretas e tangíveis, podendo ser armazenado, transformado e indefinidamente copiado. Uma das transformações sonoras mais simples e freqüentes é a técnica mixagem. Esta permite combinar, no domínio do tempo, em diferentes proporções e durações, arquivos sonoros diversos, gerando assim um novo objeto sonoro que, apesar de ser uma criação original, possui características perceptuais da sonoridade de seus predecessores. Com o avanço tecnológico, a técnica de mixagem passou a ser realizada em tempo-real, podendo ser explorada com propósitos artísticos, em performances musicais, de onde surgiu uma nova prática musical, aqui referida por “música de mixagens”. A prática desta é referenciada à atuação do Disc Joquey, ou DJ, o profissional que inicialmente lidava com arquivos musicais, www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ ! Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 163 em seus primórdios registrados na forma de discos de vinil. Atualmente o DJ é visto como um artista performático que realiza uma meta-performance musical, onde através de técnicas como a mixagem, cria uma nova performance derivada de performances anteriormente realizadas e registradas na forma de arquivos sonoros. A análise computacional aqui apresentada trata de uma investigação inicial do processo perceptivo deste estilo musical, através do estudo da mixagem criada pelos DJ's e suas transições, utilizando técnicas pessoais e específicas às suas performances. Este estudo propõe uma observação analítica de alguns processos perceptuais através de sua correspondência cognitiva com os dados coletados por meio de algoritmos computacionais conhecidos como “descritores de baixo-nível”, ou LLD (Low-Level Descriptors). Estes foram escolhidos com base no padrão MPEG-7, que descreve e utiliza 17 descritores de baixo nível, conforme especificado em Sikora (2005). Os arquivos sonoros aqui analisados, são gravações de mixagens (performances de DJs) realizadas ao vivo por dois DJs de reconhecimento internacional e de carreira extensa e consolidada. Estes são: Moby (www.moby.com) e Sven Vath (http://www.cocoon.net/). As performances foram selecionadas, primeiramente, por terem sido realizadas de modo tradicional, ou seja, através da reprodução de discos de vinil, e registradas ao vivo, o que minimiza a possibilidade da utilização de arquivos digitais pré-editados ou computacionalmente manipulados. Em segundo lugar, as duas mixagens trabalham o conceito de interpolação musical Lazzarini (2010), explorando artisticamente a passagem entre arquivos sonoros de diferentes músicas, o que remete ao fator criativo artístico especificamente desenvolvido e explorado pelos DJs. A performance analisada de Moby foi retirada de uma gravação ao vivo de 1994, do programa “Essential Mix” da rádio inglesa BBC. Este arquivo está disponibilizado gratuitamente no perfil do site: www.soundcloud.com do blog “Everybody Wants To Be The DJ” (http://goo.gl/MVgD6u). A performance analisada de Sven Vath foi gravada em 2012, durante o festival “Boiler Room” (http://goo.gl/5zsK2O) um famoso encontro de DJs e aficionados que ocorre anualmente em Berlim. ! 2. Análise Computacional Os algoritmos LLD utilizados na analise computacional dos 2 arquivos sonoros das performances dos DJs foram selecionados da biblioteca “Low Level Features“ do software gratuito de análise sonora: Sonic Visualiser (www.sonicvisualiser.org), desenvolvido e www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 164 mantido pela Queen Mary, University of London. Os descritores escolhidos pra realizar essa análise foram: 1) Beat Track (BT), 2) Harmonic Pitch Class Profile (HPCP), 3) Loudness, e 4) Centróide Espectral Linear (CSL). Estes são detalhados abaixo, juntamente com a apresentação dos resultados de suas medidas. ! 2.1 Beat Track (BT) A extração da informação de BT é dada por um descritor de detecção de pulso musical (onset detection), tal como em Lartillot (2008). Nas 2 mixagens analisadas, utilizou-se como parâmetros um número de janelas por bloco de 16.348 e um janelamento de 1.024 pontos, cada janela equivalendo a uma amostra de áudio com cerca de 23ms (numa taxa de amostragem típica de 44.100Hz). Tais valores foram definidos principalmente em relação à pequena duração de cada janela, uma vez que aqui se buscava detectar as oscilações de andamento ocorridas durante uma “virada” (transição entre arquivos musicais), o que muitas vezes pode ser quase que imperceptível. A função de detecção de onset definida para esta análise foi baseada na diferença de janelas da análise espectral do sinal de áudio. ! (a) BT do arquivo: Moby Essential Mix (1994) – 26m a 28m30s (b) BT do arquivo: Sven Vath Live at Boiler Room (2012) – 1h6m00s a 1h07m30s. Figura 1: Análises do BT Ambos os gráficos, das 2 performances, da Figura 1 apresentam progressão de BT similar, sendo a de Moby (Figura 1a) é mais irregular, enquanto que a de Sven (Figura 1b) é mais regular, mesmo entre viradas. Pode-se considerar o fato de que a mixagem realizada por Moby explorou a interpolação e as inserções musicais durante mais tempo e de forma distinta à de Sven Vath, utilizando também de citações da faixa sucessora antes mesmo da mistura efetiva dos arquivos sonoros. Este é um fator de grande importância, pois as interpolações rítmicas são fundamentais para variações dos dados coletados pelos descritores. Considerando que ambas são ótimas performances, percebe-se que a geração de um sentido de continuidade no âmbito musical em cada virada é um elemento perceptível importante neste estilo de criação, o que sugere uma busca à homogeneidade cognitiva. Pode-se assim concluir que uma boa virada deve prover, na maioria das vezes, a manutenção de uma progressão rítmica linear, aspecto este que ambos os artistas aqui estudados realizaram com evidente competência. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 165 2.2 Harmonic Pitch Class Profile (HPCP) HPCP é um descritor que coleta dados temporais multi-dimensionais de alturas musicais (pitch). Este foi desenvolvido por Gomez (2004) e é baseado no descritor Pitch Class Profile (PCP) desenvolvido por Fujishima (1999). O objetivo principal do HPCP é determinar a tonalidade musical. A extração da informação de HPCP das mixagens analisadas utilizou como parâmetros um número de janelas por bloco de 8.192 e um janelamento de 1.024 pontos, calculada via função de Blackman - Seijas (2013). Tais valores foram definidos empiricamente, de acordo com o que se constatou durante o experimento, em termos da necessidade de detalhamento da imagem final da análise (Figura 2), onde a extensão do espectro de frequências foi reduzida para a extensão da audição humana (20Hz - 20KHz). O intuito desta análise foi propiciar a visualização da variação das alturas musicais (frequências dos principais componentes espectrais), especialmente durante o processo das mixagens. ! (a) HPCP do arquivo: Moby Essential Mix (1994) – 26m a 28m30s ! (b) HPCP do arquivo: Sven Vath Live at Boiler Room (2012) – 1h6m00s a 1h07m30s. Figura 2: Análises do HPCP Como pode-se observar, os espectrogramas relativos às informações de HPCP apresentaram resultados interessantes e ricos de informações. Vê-se na Figura 2 a nítida subdivisão das viradas entre faixas durante as mixagens dos DJs: 1) a pré-mixagem (presença apenas de uma faixa), 2) o meio (momento principal da virada aonde ocorre a interpolação entre duas faixas) e 3) o momento pós-mixagem (posterior ao final da virada, onde o DJ permanece tocando apenas a faixa sucessora). Na amostra sonora da mixagem realizada por Moby, o período de pré-mixagem é representado entre os momentos 26m e 27m10s (tempo total: 01m10s). O período entre 27m10s e 28m10s é o meio da mixagem e momento de fusão sonora (tempo total: 01m). A partir de 28m10s, até o fim da amostra, o espectro retrata novamente uma faixa individual, nesse caso a segunda, o que caracteriza o momento final de pós-mixagem (tempo total: 20 segundos). Na mixagem realizada por Sven Vath, podemos definir como período de prémixagem o período representado entre 01h04m30s e 01h06m20s (tempo total: 01m50s). O período entre 01h06m20s e 01h07m00s apresenta o meio da mixagem e o momento de mistura dos sons (tempo total: 40s). A partir de 01h07m00s até o fim da amostra, o espectro www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 166 retrata novamente uma faixa individual, nesse caso a segunda, o que caracteriza o momento de pós-mixagem (tempo total: 30s). Pode-se observar visualmente que mesmo com o momento de transição e a modificação completa entre as faixas, ambas as mixagens retratadas, apresentam um aspecto em comum: a região espectral é mantida relativamente próxima durante todo o decorrer da amostra juntamente com a proximidade da segmentação rítmica, já mencionada na análise anterior. Essa informação pode significar que boas mixagens entre as faixas apresentam HPCP mais contínuos e menos segmentados, contribuindo para a congruência, sutileza e homogeneidade durante o sequenciamento dos elementos musicais envolvidos na mixagem do DJ. ! 2.3 Loudness Loudness é a grandeza psicoacústica que trata da percepção da intensidade sonora. Como diversas grandezas subjetivas, a percepção da intensidade sonora não é linear, mas comportase de modo aproximadamente exponencial e é dependente da frequência da componente sonora. Existem diversas abordagens e escalas para a determinação do valor de Loudness, desde o simples cálculo do RMS (Root-Means Square) do sinal de áudio janelado, até a utilização de escalas específicas, como a phon e a sone – Stevens (1936). O descritor de Loudness utilizado neste experimento é apresentado em Glasberg (2006) onde se utilizou 8.192 janelas de áudio, de 1.024 pontos, cada. O janelamento também foi do tipo Blackman. ! (a) Loudness do arquivo: Moby Essential Mix (1994) – 26m a 28m30s (b) Loudness do arquivo: Sven Vath Live at Boiler Room (2012) – 1h6m00s a 1h07m30s. Figura 3: Análises do Loudness. Os resultados apresentados nos gráficos da Figura 3 mostram a variação e o desenvolvimento da percepção da intensidade sonora no decorrer das duas mixagens. É interessante observar que no caso de Loudness houve maior variação entre os arquivos sonoros do que nas análises dos outros descritores aqui utilizados. Enquanto que a mixagem efetuada por Moby apresenta uma curva de Loudness pouco variante e estável no decorrer de toda a virada (o que sugere que durante todo o período decorrido não houve alterações drásticas, ou significativas, de intensidade sonora) a mixagem efetuada por Sven Vath, em contrapartida, apresenta uma curva, do mesmo parâmetro, com uma variação considerável, especialmente durante os momentos de transição entre faixas onde observa-se movimentos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 167 ascendentes durante a virada, e posteriormente, permanecendo fixo, em um valor superior, após a mudança completa de faixa. ! 2.4 Centróide Espectral (CS) A Centróide Espectral (CS) descreve a mediana (tendência central) da frequência do espectro e costuma ser utilizada para caracterizar a percepção do "brilho" de um som - Grey (1978). A extração computacional dessa informação, ao longo do tempo, utilizou 8.192 janelas de áudio, cada qual com 1.024 pontos, janeladas pela função do tipo Blackman. ! (a) CSL do arquivo: Moby Essential Mix (1994) – 26m a 28m30s (b) CSL do arquivo: Sven Vath Live at Boiler Room (2012) – 1h6m00s a 1h07m30s. Figura 3: Análises do CSL. Ambos os gráficos retratam uma curva estável de CS, com leves variações. As poucas variações drásticas refletem os curtos períodos de transição das faixas utilizadas na mixagem. Supõe-se aqui que a uniformidade da curva CS esteja vinculada à percepção de uma boa virada de DJ, ao interpolar as faixas de modo homogêneo, e aproximando-se da relação perceptual abordada em HPCP. Considerando esta hipótese, pode-se supor que os melhores DJs tenham uma capacidade subjetiva (intuitiva) de selecionar faixas musicais que, ao serem mixadas, apresentem pequena variação da curva de CS e assim, propiciem uma maior percepção de homogeneidade acústica, na passagem entre as faixas musicais. ! 3. Conclusão A análise computacional das amostras sonoras das performances dos DJs demonstrou ser uma poderosa ferramenta para observação de aspectos perceptuais deste estilo musical. Apesar disso, nota-se que ainda existem poucos trabalhos acadêmicos focados no estudo dos aspectos psicoacústicos e cognitivos da música de mixagem. Observou-se que a análise computacional utilizando descritores de baixo-nível possibilita a visualização dos momentos de alteração perceptual, que são normalmente exploradas apenas por métodos subjetivos e acusmáticos de escuta musical. Disso vem a constatação do potencial de desenvolvimento de pesquisas que viabilizem a visualização e a consequente discriminação dos aspectos perceptuais da mixagem musical. Tais resultados sugerem futuros desenvolvimentos para esta pesquisa, tais como: 1) a utilização destes e de outro descritores para a identificação autoral nas faixas individuais da música de mixagem, o que é atualmente uma área que encontra-se virtualmente inexplorada; e 2) o estudo de suas www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 168 possíveis relações cognitivas vinculadas ao conceito de entrainment, conforme definido por Shifres (2006), que trata do processo espontâneo pelo qual diversos eventos regulares – como os eventos rítmicos isócronos, de acentos distintos – se interagem, de modo a se ajustarem até eventualmente se acoplarem em fase, apresentando uma periodicidade em comum. 4. Referências Fujishima, T. (1999). Realtime chord recognition of musical sound: a system using Common Lisp Music, ICMC, Beijing, China, 1999, pp. 464–467. Glasberg, B.R., Moore B.C.J., (2006) Prediction of absolute thresholds and equal-loudness contours using a modified loudness model, J. Acoust. Soc. Am. 120: 585-588. Gomez, E. Herrera, P. (2004). Estimating The Tonality Of Polyphonic Audio Files: Cognitive Versus Machine Learning Modelling Strategies. ISMIR 2004 – 5th International Conference on Music Information Retrieval. Grey, J. M., Gordon, J. W., (1978) Perceptual effects of spectral modifications on musical timbres. Journal of the Acoustical Society of America 63 (5), 1493–1500 Lartillot, O., Eerola T., Toiviainen P., Fornari, J.. (2008). A Unifying Framework for Onset Detection, Tempo Estimation and Pulse Clarity Prediction. 11th International Conference on Digital Audio Effects - DAFx2008. Espoo, Finland. 1 - 4 September 2008 Lazzarini, V. (2010). Técnicas Fundamentais para Instrumentos Computacionais de Síntese e Processamentos de Áudio. ANPPOM: Criação e Tecnologia. Série Pesquisas em Música no Brasil Vol. 2, Goiânia, 2010. Pág. 39 à 69. Seijas, X. Lizarraga (2013). Evaluación y Mejora de La Invarianza Al Timbre de Descriptores Tonales para el uso Efectivo en Aplicaciones Musicales. Escola Superior Politécnica UPF, Barcelona. Shifres, F. (2006). “Tocar juntos: ¿Entrainment, Comunicación o Comunión?” En Sonido, Imagen y Movimiento em la Experiencia Musical, eds. F Shifres; G. Vargas. Buenos Aires: SACCoM. Disponível em: <http://goo.gl/GTdzoR>. Sikora Thomas and al., (2005) MPEG-7 Audio and Beyond: Audio Content Indexing and Retrieval. Publ. Wiley, John and Sons, Inc., August 2005. Stevens, S. Smith (1936). A scale for the measurement of the psychological magnitude: loudness. Psychological Review. 43, Nr. 5,APA Journals, 1936, pp. 405-416 UNSW.“dB: What is a decibel?”. Disponível em: <http://goo.gl/C7DuTW> (acessado em março de 2014). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 169 Conceituação e adequação dos termos em inglês recall e serial recall ao português brasileiro no contexto da performance musical ! Anderson César Alves UFF [email protected] ! Ricardo Dourado Freire UnB [email protected] Resumo: Atualmente nos deparamos com problemas relacionados a várias possibilidades de tradução dos termos recall e serial recall para o português. Em algumas situações, as traduções não transmitem o real significado da palavra no contexto original, criando distorções na compreensão dos conceitos e sua aplicação na performance musical. Neste artigo serão discutidas as possíveis traduções das palavras recall e serial recall para o português brasileiro e a aplicação destes conceitos na performance musical. Palavras-chave: recall, serial recall, performance musical ! Title: Conceptualization and adequacy of the English language terms recall and serial recall to Brazilian Portuguese in the context of cognitive performance. Abstract: Nowadays, we deal with issues regarding the many possibilities in translating the terms recall and serial recall to the portuguese language. In some situations, the translations do not communicate the actual meaning of the words in their original context, leading to distortions in the understanding of the concepts and in their application in musical performance. In this article, we will discuss the possible translations of the terms recall and serial recall to brazilian portuguese and the application of these concepts in musical performance. Keywords: recall, serial recall, musical performance ! ! A utilização direta de anglicismos na pesquisa em música no Brasil oferece problemas semânticos que, muitas vezes, não contribuem para o esclarecimento do conteúdo original do conceito proposto. O uso direto de termos da psicologia cognitiva, originais em inglês, pode ocasionar possíveis distorções pelo uso com base no senso comum. A ambiguidade nas possibilidades de tradução e utilização deve ser evitada e a discussão deste artigo focará nas possibilidades de tradução dos conceitos de recall e serial recall e sua aplicação na área de performance musical e cognição. Este trabalho tem por objetivo central apresentar o conceito de recall e serial recall, discutindo suas implicações no contexto da pesquisa em performance no Brasil, por meio de discussão teórica da literatura em dicionários de inglês, dicionários de psicologia e com teóricos da psicologia cognitiva que lidam com os termos recall e serial recall em música, como Seashore (1938), Sloboda (2005), Hébert & Peretz (1997); Deutsch (1999), Kosslyn & Smith (2007). Dessa forma, pretende-se compreender o sentido das palavras no seu contexto original e propor uma tradução que possa colaborar para seu entendimento e sua www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 170 aplicabilidade nos estudos sobre a performance musical no Brasil. Neste caso, podemos considerar performance musical como: uma arte multidisciplinar por excelência, uma vez que se conecta com outras linguagens e outros saberes, no intuito de expressar a sua dimensão sintática, semântica e pragmática. Para a sua compreensão e execução ela se apropria de elementos diversos assimilados de outras áreas de conhecimento, [...] e de outras ciências, com o intuito de desenvolver aptidões físicas, mentais e psicológicas que interagem não só no momento da execução e do aprendizado musical como também, na formação harmoniosa da personalidade humana (Lima, 2003, p.26-27). ! O processo de codificar e armazenar as informações na memória, assim como as formas de acessar estas informações na memória é objeto de estudo importante na psicologia cognitiva segundo Kosslyn & Smith (2007), e os mesmos processos de armazenamento e acesso as informações também podem ser utilizados na performance musical. Os sistemas sensoriais captam as informações musicais e as armazenam na memória. Uma das formas de acessar essas informações musicais armazenadas na memória se dá por meio de referências melódicas ou rítmicas, porém a pesquisa de Hébert & Peretz (1997) aponta que a qualidade do acesso à informação armazenada na memória obteve melhores resultados através de referências melódicas ao invés de rítmicas. Pesquisa de Hashtroudi (1983) sobre recall na performance musical apresentou dois resultados: o primeiro é relacionado ao nível do processamento profundo da informação musical resulta na melhor qualidade do recall do que o processamento superficial, e em segundo lugar, o nível de processamento da informação musical é o fator determinante na qualidade do recall. Pesquisadores como Franks et al. (2000) e Roediger & Guynn (1996) evidenciaram em suas pesquisas que os músicos desenvolvem estratégias naturais de recall , que podem ocorrer pela utilização das informações musicais intrínsecas na própria música. Segundo Roediger & Guynn(1996) o processo de aprendizagem de musical sob orientação efetiva de um professor de música pode ativar o processamento profundo que codificará os elementos da própria estrutura musical dentro das estruturas cognitivas. O estudo bem elaborado fornece elementos intrínsecos para a codificação da peça musical, e com isso pode corroborar para melhorar o recall da performance musical. Dessa forma, a combinação entre nível de processamento profundo da informação musical com as estratégias desenvolvidas pelos músicos em codificar as informações musicais a partir de elementos intrínsecos na própria música pode ser um elemento que corrobora para a melhora efetiva na qualidade do recall. Portanto, o nível de processamento da informação www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 171 musical e as estratégias intrínsecas desenvolvidas pelo performer para codificar a informação musical a partir dos próprios elementos da música pode melhorar a qualidade do recall na performance musical. ! Recall A análise teórica do uso dos termos recall e serial recall nos contextos originais em inglês podem ser aplicados na performance musical com o intuito de buscar os termos correlatos utilizados em português. A discussão teórica desenvolvida neste trabalho seleciona os principais teóricos e estabelece uma conceituação referencial para servir de paradigma para a escolha de termos que melhor representem a tradução desse conceito para o português. A partir dos termos originais da psicologia cognitiva e dos trabalhos na área de psicologia da música, podemos verificar que recall refere-se a uma ação cognitiva e não a uma habilidade, uma ação que acessa a informações codificadas e armazenadas na memória. Considerando uma ação, a palavra utilizada na tradução deve criar o mesmo tipo de imagem. Neste caso, a característica principal do recall é conhecer as formas e os diferentes tipos de acesso e recuperação das informações armazenadas na memória e, assim, ter melhores rendimentos, obtendo uma melhora efetiva nos resultados da performance musical. A versão mais esclarecedora do termo recall apresenta a palavra “recuperação” como uma unidade semântica que demonstra tanto uma melhor tradução como uma melhor aplicação nos estudos em performance musical. Seashore (1938), em seu livro Psychology of Music, publicou doze regras para o aprendizado eficiente em música. Na terceira regra, o autor descreve a teoria da primeira impressão, na qual a performance musical deve ser elaborada por meio do estudo profundo e deliberado da primeira impressão, tornando-a definitiva e permanente. As repetições futuras devem ocorrer através da recuperação dessa primeira impressão, evitando, assim, a reimpressão. Na sétima regra, Seashore destaca a importância de se praticar somente por meio da recuperação. A construção de uma primeira impressão profunda, e a associação dessas impressões com imagens, é o que progressivamente permitirá que a prática seja realizada de memória, não necessitando do auxílio visual. Sloboda (1985) realizou um experimento com oito adultos que transcreveram melodias populares. Os dados foram analisados e a proposta foi demonstrar o processo de “estruturação do conhecimento na memória musical”. Para a realização dessa pesquisa, foram escolhidos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 172 quatro músicos e quatro não músicos. Foram apresentadas oito sequências de temas populares, e cada um dos participantes ouviu as sequências de trechos por seis vezes. Após a apresentação dos temas, os entrevistados cantaram o conteúdo ouvido anteriormente, que foi gravado pelo pesquisador. A análise empírica dos dados ocorreu por meio da transcrição das gravações dos recalls melódicos apresentado pelas oito pessoas pesquisadas. Concluiu-se, dessa forma, que as recuperações melódicas melhoraram de acordo com o número de repetições, diferentemente das recuperações rítmicas, que não obtiveram melhoras efetivas ainda que através de várias tentativas. Outra importante conclusão da pesquisa foi a ocorrência da preservação da estrutura métrica, o que leva a crer que ela é a principal estrutura para a compreensão melódica. Já as recuperações harmônicas apresentaram melhores resultados naqueles que já possuíam experiência musical. Comprovou-se ainda que não houve melhoras significativas no processo de recuperação que utilizou mais de seis tentativas. ! Serial Recall O conceito serial recall utilizado em materiais verbais poderá ser replicado também em materiais musicais, pois a curva de posição é a mesma para ambos os casos (Deutsche, 1980; Roberts et al. apud Mishra, 2011). Efeitos como o comprimento de uma lista e a posição de uma lista em correta recuperação de memória são tipicamente estudados usando a recuperação serial (Young, 1962). A recuperação na correta ordem serial é um desafio para a sequência de produção de tarefas, tais como performance musical ou discursos verbais (Lashley, 1951), no qual as ações devem ser geradas em série durante a sequência de produção. Indivíduos podem processar informações seriais complexas quando essas são entendidas e organizadas sistematicamente pelos observadores. Dois aspectos de processamento do serial recall são enfatizados, no qual, primeiramente, os músicos têm uma tendência natural em agrupar padrões seriais em sequências ou trechos que são armazenados em padrões unitários, e o segundo aspecto é que há hierarquização dos trechos categorizados. Pesquisas sobre serial recall foram apresentadas com materiais verbais, pois materiais com significado são mais facilmente processados e lembrados do que materiais sem significado. Sequências de palavras que formam sentenças são recuperadas com mais facilidade (Miller, 1956 apud Cowan et al. 2004). O princípio de organização das estruturas seriais é adquirido nos padrões estabelecidos na própria estrutura (Restle & Brown, 1970). Pesquisas com materiais verbais comprovaram que o processo de serial recall ocorre por meio de agrupamentos temporais (Bower & Winzenz, 1969). A pesquisa de Restle & www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 173 Brown (1970) utilizou padrões temporais em música, que consistia em inserir pausas entre os agrupamentos temporais, e os resultados apontam que por meio desse processo houve melhora efetiva na recuperação serial das informações armazenadas na memória. Dessa forma, fica evidente que mesmo em pesquisas com materiais verbais, o processo de armazenamento serial das informações ocorre por meio de agrupamentos intrínsecos na própria estrutura do material, ou seja, o processo de armazenar essas informações pode ocorrer por meio de agrupamentos temporais intrínsecos da própria estrutura desse material. Na pesquisa de Deutsch (1980), um ditado musical foi aplicado a músicos treinados, que tiveram que anotar e recuperar sequências tonais organizadas hierarquicamente. A análise dos resultados apontou que sequências de estruturas tonais foram codificadas e recuperadas com alto nível de precisão e que a segmentação temporal teve efeitos significativos na performance, justificando, assim, que a aproximação temporal é independente da estrutura tonal. Indivíduos criam regras e combinações, seja por estrutura de sequências, seja por sequências temporais, o que evidencia a hipótese de que materiais tonais são codificados em diferentes níveis. O agrupamento temporal é fator importante no processamento das sequências e, dessa forma, pode-se concluir que, se o agrupamento temporal trabalhar em conjunto com as sequências das estruturas, reforçaria os resultados de uma melhora efetiva na performance. Além disso, observou-se que o conflito entre agrupamento das sequências temporais e sequências das estruturas resultará em um declínio no processo de serial recall, prejudicando o resultado da recuperação serial na performance musical. ! Conclusão O estudo indica uma série de palavras correlatas e possíveis na tradução e utilização no português dos termos recall e serial recall. No entanto, conforme proposto por Seashore (1938), a palavra “recuperação” pode ser utilizada com o sentido de recuperação das impressões codificadas e armazenadas na memória, e, segundo pesquisa de Deutsch (1980), o sentido de “recuperação serial”, utilizada originalmente em materiais verbais, também poderá ser utilizado em tarefas envolvidas na performance musical, além de que a recuperação em ordem serial ocorre por meio de sequências próprias hierarquicamente organizada dentro das estruturas musicais e também por sequências temporais inerentes à própria música. Processos cognitivos musicais envolvem-se no armazenamento das informações na memória, e a forma de acessar essas informações codificadas e armazenadas se dá por meio www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 174 de estudos deliberados em recall e serial recall. E estabelecer formas de acessar as informações na memória podem auxiliar na melhora efetiva da performance musical. ! Referências bibliograficas Bower, G. H.; Winzenz, D. (1969).Group structure, coding, and memory for digit series. Journal of Experimental Psychology, v. 80, n. 2. Cowan, N.; Chen, Z.; Rouder, J. N. (2004) Constant capacity in an immediate serial-recall task: a logical sequel to Miller 1956 Psychological Science v15, p.634-640. Deutsch, D. (1980).The Processing of Structured and Unstructured Tonal Sequences. Perception & Psychologists, San Diego, University of California, v. 80. Franks, J. Bilbrey, C. Guant Lien, K. &McNamara, T. (2000). Transfer-appropriate processing(T.A.P.) and repetition priming. Memory and Cognition, 28, 1140-1151. Finney, S. A.; Palmer, C. (2003) Auditory Feedback and Memory for Music Performance: Sound Evidence for an Encoding Effect. Memory & Cognition, v. 31, n. 1, p. 51-64. Hashtroud, S. (1983). Type of Semantic Elaboration and recall. 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Como resultado parcial, foi constatado que a maioria dos participantes adotou no seu estudo diário, estratégias propostas pelo modelo de ensino tecnicista que prioriza o desenvolvimento técnico do intérprete, deixando em segundo plano o pensamento sobre a performance, a qual pode abrir possibilidades para a reflexão acerca da aprendizagem de uma prática eficaz, onde a técnica, a expressividade e a interpretação caminham juntas, o que pode otimizar o tempo e a qualidade de seus estudos e execução das obras estudadas. Palavras-chave: estratégias de estudo, performance flauta transversal. ! Abstract: This paper presents partial results from a master´s degree research in progress. This research has been realized through a cognitive approach about the strategies of practice of five students of flute from a music college in Brazil. The reports were collected through the semistructured interview, and were analyzed according to the model of content´s analyze proposed by Laurence Bardin (2008). As partial result, was verified that the most of the participants has adopted in their daily practice strategies that have been proposed by the model of technicist education from the conservatories, what priorities the technical development of the interpreter instead to propose a performance that enables thoughts about an effective practice, it means, those can enable the monitoring of the results of the learning, and an expressive interpretation from the early practice of the instrument. Keywords: study strategies, flute performance. Introdução “Aprender a aprender”, de acordo com Silva & Sá (1993, p. XX), representa um processo fundamental na construção do papel ativo do aluno, o qual é possível por meio do uso de estratégias. Segundo Jorgensen (2004) as estratégias podem definir-se como: “pensamentos e comportamentos utilizados durante a prática musical, as quais influem na maneira como são selecionados, organizados, integrados e ensaiados os novos conhecimentos e habilidades presentes no estudo diário do instrumento”. No entanto, com a adequação do ensino metodizado proposto pelo modelo tecnicista e adotado por grande parte das Instituições de Ensino Superior (IES), as habilidades de decodificação da partitura assim como a excessiva atenção à técnica, tem sido predominantes www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ ! Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 176 na realização da interpretação musical, deixando de lado a realização de um estudo reflexivo e consequentemente a própria concepção de musicalidade do intérprete. Nesta pesquisa foram observadas as maneiras pelas quais os estudantes de flauta planejam o seu estudo diário, cientes de que o instrumentista no seu estudo individual utiliza, consciente e inconscientemente, estratégias para solucionar problemas ocorrentes durante a execução das obras estudadas. ! Revisão Bibliográfica Grande parte dos instrumentistas, nas etapas iniciais dos estudos, enfrentam dificuldades no momento do aprendizado do repertório e, consequentemente, dificuldades também em sua preparação para a performance. A compreensão musical, afinação e musicalidade muitas vezes são deixadas de lado para dar maior atenção aos aspectos e dificuldades mecânicas da performance (Parakilas, 1999; Swanwick, 1994), além dos aspectos rítmicos e reconhecimento das notas. De acordo com Santos (2011), com o ensino profissionalizante do modelo tecnicista proposto pelo conservatório, do qual sucederam transformações profundas no modelo europeu de pedagogia musical, a formação técnica do instrumento entrou em primeiro plano, fazendo com que os aspectos “operacionais” “passassem a ser estudados isoladamente com mais profundidade e também com certo descompromisso em relação a seus propósitos artísticos”. Esse modelo de ensino atualmente presente em conservatórios e em diversas IES (Fucci Amato, 2006) tem levantado implicâncias relacionadas ao fato de não contemplar o aluno como ser atuante, reflexivo e criativo, em detrimento à aquisição de habilidades específicas restritas ao mero tecnicismo. Sobre isto Esperidião expõe: Ao professor competia à responsabilidade de transmitir os saberes e conhecimentos durante o processo de aprendizagem e ao aluno competia adquirir as habilidades necessárias para a execução instrumental. Com essa intenção, os programas davam primazia à prática instrumental e os conteúdos eram compartimentados em disciplinas organizadas de modo linear, em sequências e fragmentos. (Esperidião, 2003) Autores no campo do aprimoramento da performance ( Barry, Hallam 2002,Williamon, Jørgensen 2004) vem desenvolvendo pesquisas que buscam auxiliar estudantes instrumentistas no uso adequado de estratégias de estudo. Jørgensen (2004) considera a prática individual importante para a formação do performer, já que com o decorrer da experiência aliada à prática correta, o estudante definirá www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 177 as suas próprias estratégias de estudo. Da mesma maneira, durante o estudo individual devem ser determinados objetivos e cumpri-los em função de sustentar um estudo eficaz. “Indivíduos que planejam o que fazer – e sabem por que eles fazem algo e o que eles desejam realizar – podem fazer sua seção prática mais eficiente” (Jorgensen, 2004, p. 89). ! Metodologia: Para a realização deste estudo foram observados cinco estudantes de uma IES, no qual três deles cursam o de bacharelado em música e dois cursam licenciatura em música. Foi observado que a média do grupo em estudo de flauta é de 5 anos, sendo que os níveis relacionados à execução do instrumento variavam entre o quarto e oitavo semestre de cada curso.1 A coleta de dados foi realizada por meio de uma entrevista estruturada e buscou compreender os procedimentos utilizados no estudo diário através da análise do seu discurso. Inicialmente os candidatos responderam questões referentes à sua formação musical, com intuito de traçar o perfil do sujeito da pesquisa. Posteriormente, foi realizada a entrevista estruturada,2 teve o propósito de observar no discurso do participante relatos acerca das estratégias utilizadas no estudo diário do instrumento. Assim, para perceber os significados que emergem dos relatos proferidos, foi escolhido como método a análise qualitativa de conteúdo categorial, temático e frequêncial proposto pela professora francesa Laurence Bardin (2008) no seu livro “Análise de Conteúdo”. Resumimos este procedimento como: (...) um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 2008, p. 44). ! A análise de conteúdo propõe, então, que a informação seja tratada em função de torna- la acessível e manejável, ao ponto em que possa ser feita representações condensadas e explicativas. ! Posterior à exploração das entrevistas coletadas, passamos a codificá-las. De acordo com Bardin (2008), a codificação se refere a transformar o texto bruto por meio de recortes, a fim de que o material trabalhado atinja um grau de representação do conteúdo. As ferramentas www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 178 que tornarão possíveis a identificação e a retirada do texto são as Unidades de Contexto e as Unidades de Registro. A Unidade de Registro (UR) são células significativas podendo ser uma palavra, uma frase ou um tema. Nesse caso, foram extraídas do significado dado às respostas dos participantes. A Unidade de Contexto (UC) “serve de unidade de compreensão para codificar à unidade de registro e corresponde ao segmento da mensagem cujas dimensões são maiores do que aquelas da unidade de registro” (Ibid., p. 133). A categorização tem como objetivo principal proporcionar “uma representação simplificada dos dados brutos” (Ibid., p. 147). De acordo com a autora, “as categorias são classes que reúnem um grupo de elementos […] sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão de caraterísticas comuns desses elementos” (Ibid., p.145). Por se tratar de um artigo baseado em uma pesquisa de mestrado ainda em andamento, serão apresentados os resultados parciais correspondentes à análise de conteúdo da categoria I. “Desafios na Integração dos conhecimentos musicais teóricos e práticos no no estudo de flauta” e da categoria II. “Considerações sobre o pensamento tecnicista: aspectos sobre o estudo de mecanismos”. ! CATEGORIA I: Desafios na Integração dos conhecimentos musicais teóricos e práticos no estudo de flauta U.C.1 A formação acadêmica: pontos positivos: ur 1 Disciplinas são fundamentais para o desenvolvimento integral S5 “Acredito que estas disciplinas sejam indispensáveis e essenciais para o crescimento como músico em geral, não apenas como intérprete, e nos servem para abrir as nossas mentes e os nossos ouvidos para o mundo musical que não está constituído apenas de notas”. S1 “Acredito que tais matérias são essenciais pelo fato de que estão presentes na música em si”. S4 “As disciplinas que levamos enriquecem nosso conhecimento de mundo e consequentemente otimizam a performance musical”. ! U.C 2 Importância da prática do solfejo: ur 1 Como precaução/prevenção daquilo que vai acontecer na peça S5: “Geralmente faço uma leitura mentalmente, olhando rapidamente onde terei mais www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 179 problemas de dedilhados, dinâmicas e afins”. S3: “Solfejo para que antes de tocar já tenha entendido quais as notas que são para ser tocadas. É muito legal de se fazer, se não solfejar, erro”. S4: “Realizo solfejo prévio em voz alta a fim de focar a minha atenção para a divisão rítmica e para as frases”. ur 2 Como treinamento de passagens onde apresentam dificuldades rítmica ou melódica S1: “Em alguns trechos solfejo mentalmente, em outros tento cantar. Alguns com finalidade de ritmo, outros de melodia ou fraseado”. S2: “Solfejo o ritmo em voz alta. Faço isso para facilitar a leitura, sobretudo se o nível de dificuldade rítmica for alto”. ! CATEGORIA II: Considerações sobre o pensamento tecnicista: Aspectos sobre o estudo de mecanismos U.C.: Estudo de técnica ur 1: É o sustento para a construção da música. S4: “Seriam os alicerces de uma construção, o que sustenta, a primeira parte, aquela que ninguém vê, mas que segura a construção em pé”. S1: “Acredito que são uma base para aprimoramentos técnicos, melódicos, etc. De peças que iremos interpretar”. ur 2: Analogia do estudo de técnica com preparo físico-muscular do esportista. S5: “Como um atleta precisa aquecer e fazer seus exercícios diários para alcançar certa resistência e preparo físico para a realização de alguma atividade, acredito que estes exercícios (os exercícios de técnica), de certa maneira, também contribuem da mesma forma para nós, músicos”. ur 3: É uma necessidade. S5: “(...) mas como nem sempre é possível conseguir tempo para todo o estudo, dou prioridade para a parte técnica (…) os exercícios diários são necessários para que consigamos realizar nossas atividades”. ur 4: Considera muito importante. S2: “(os exercícios de técnica) são importantes porque, em minha opinião, são completos. Abrangem todos os assuntos técnicos da flauta”. ur 5: Dificultam a realização de uma performance expressiva. S5: “Procuro pensar na parte interpretativa desde o começo, mas acredito não conseguir www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 180 alcançá-la porque a preocupação com a parte técnica é mais forte”. S2: “Prefiro deixar por último (a busca da musicalidade). Resolvo os problemas técnicos primeiro”. ! Resultados Parciais: Apresentaremos então uma primeira síntese interpretativa das entrevistas, categorizadas a fim de esclarecer os eixos temáticos abordados por essas duas categorias. A categoria I formou-se a partir das duas primeiras perguntas feitas aos entrevistados, nas quais foram abordadas questões a respeito do estudo diário do instrumento e também aspectos das disciplinas obrigatórias para os estudantes de graduação, como, por exemplo, análise, solfejo e percepção musical. Observamos que nos relatos dos participantes existe uma consciência acerca da importância das disciplinas teóricas obrigatórias da grade curricular do curso de graduação e licenciatura em música. A necessidade de cursar certas disciplinas foi destacada como um facilitador da compreensão musical, que pode ser interpretada por aspectos que vão além da simples decodificação de signos. As habilidades necessárias para construir uma melhor qualidade na performance podem ser adquiridas por meio de práticas que estão presentes na formação profissional, por exemplo nas matérias que exercitam habilidades aurais (como no caso da percepção e o solfejo) e de análise. Em relação a este posicionamento, de Paula (2004, p.31) afirma “Não há dúvida de que o fazer musical exige do instrumentista capacitação específica, demandando que, durante sua formação, sejam adquiridas diversas habilidades que o qualificam para o exercício da performance”. Nos relatos dos participantes, a prática do solfejo realizada no estudo diário foi considerada como uma das estratégias para a leitura à primeira vista sem o instrumento, necessária para criar uma visão da música como um todo e identificar situações de dificuldade rítmica e melódica. Reforçando esta postura, Regina Teixeira et al. (2003, p.30) ressalta a importância da leitura cantada na formação superior: “ (..) no contexto da formação profissional de musico em nível superior, cabe a leitura musical permitir a interpretação qualitativamente distinta da musica expressa através de símbolos em uma partitura, e não apenas executa-la de maneira mecânica”. A categoria II “Considerações sobre o pensamento tecnicista: aspectos sobre o estudo de mecanismos técnicos”, surgiu em função das respostas obtidas por meio da pergunta Os dados www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 181 aqui contidos revelaram que para os entrevistados a questão que gera maior preocupação no desenvolver do seu estudo está relacionada à aquisição e à manutenção da técnica. Por isto, a maior parte do tempo do estudo individual persiste em manter a tradição do emprego do estudo mecânico e de aquecimento (escalas, arpejos, sonoridade).3 Esta priorização ao estudo de técnica pode revelar a maneira com que os estudantes lidam com padrões normativos vivenciados ao longo de sua formação, sabendo que a metade dos participantes desta pesquisa iniciaram e adquiriram formação musical pelo sistema de ensino conservatorial. Finalmente na unidade de registro 5, a qual surgiu das respostas obtidas às perguntas 4 e 5 da entrevista, foram apresentadas dificuldades numa prática que envolva o exercício da musicalidade desde etapas iniciais do estudo. ! Discussão Este artigo procurou compreender a maneira em que estudantes de flauta planejam as suas sessões de estudo diário. Observamos que uma das estratégias mais citada pelos participantes revela a adequação ao molde de ensino tecnicista e em relação a isto nos perguntamos, será esta a principal estratégia para construir um estudo mais eficaz? Susam Hallam (2001) afirma que para progredir na prática instrumental, primeiramente é necessário desenvolver habilidades que auxiliem no monitoramento dos resultados da aprendizagem. Do mesmo modo, Jorgensen (2004) afirma que estudo individual é um momento de autoaprendizagem, pois com a ausência do professor os estudantes devem monitorar-se constantemente e elaborar as suas próprias estratégias. Tendo como norte tais considerações, propomos uma reflexão em busca de tornar mais abrangente o estudo da técnica instrumental, compreendendo além de aspectos fisiológicos da execução e realização de movimentos distintos, aspectos expressivos na interpretação instrumental. Da mesma maneira, o emprego de um processo consciente no estudo diário que possibilite a definição de metas, monitoramento das atividades e avaliação crítica de resultados durante a performance pode contribuir para manter o instrumentista focado nos estudos e realizar uma prática que também permita o exercício da musicalidade desde etapas iniciais do estudo. ! Referências: ! BARDIN, L.(2008). Análise de conteúdo (70nd ed.). Lisboa: www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 182 BARRY, Nancy H; HALLAM, Susan. Practice. In: PARNCUTT, Richard;MCPHERSON, Gary. (2002). 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Porto Alegre SWANWICK, K. (1994). Ensino instrumental enquanto ensino de música (v. 4/5, pp. 7-14). In: Cadernos de estudo: educação musical 1 Este trabalho adotará a sigla S para sujeito, seguido do número correspondente à ordem cronológica da realização das entrevistas. Assim, S1 corresponde ao primeiro participante da pesquisa. 2 A entrevista estará disponível nos anexos da dissertação de mestrado, a qual será publicada até finais de 2014. 3 Isto foi afirmado nas falas dos participantes, por exemplo quando o S5 revela que por não dispor muito tempo na sessão de estudo diário, prefere priorizar o estudo de mecanismos técnicos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 183 Teoria do fluxo, educação musical e a percepção de emoção em música por crianças de 6 a 10 anos ! Kamile Levek Universidade Federal da Bahia [email protected] ! Diana Santiago Universidade Federal da Bahia [email protected] ! Resumo: O presente estudo piloto buscou observar características da teoria do fluxo em atividades musicais de improvisação, composição e execução com alunos de 6 a 10 anos da turma de Conjunto Instrumental do curso de Musicalização Infantil da UFBA, do ano de 2013. O estudo também verificou a percepção de emoção em música pelas crianças ao ouvirem suas próprias composições. De acordo com a observação de vídeos gravados durante algumas aulas, 3 das 6 características do fluxo foram identificadas: 1) Concentração intensa e focada no presente momento da ação; 2) Imersão na ação; 3) Senso de controle da ação. Com relação à percepção de emoção em música, a maioria das crianças participantes (87,5%) perceberam a emoção de alegria ao ouvirem suas próprias composições. Portanto, é possível que atividades musicais como composição, execução e improvisação, que estimulam a criatividade, sejam capazes de gerar características relevantes do fluxo, e possivelmente gerar emoções positivas. Palavras-chave: educação musical, teoria do fluxo, percepção, criatividade, emoção em música. ! ! Introdução Quando se está envolvido em criatividade, o ser humano se sente mais completo que em outros momentos (Csikszentmihalyi, 2013). Muitos educadores musicais e pesquisadores de outras áreas vêm estudando o fenômeno da criatividade, pois é criando e inovando que a sociedade evolui, em diversos aspectos. Sendo arte, a música está diretamente relacionada com a criatividade. Estudiosos e educadores musicais buscam maneiras de estimular essa competência em seus alunos. Sabe-se que a educação musical pode e deve ser criativa, sendo possível explorar e desenvolver a capacidade das crianças em sua melhor maneira, motivando-as e realizando atividades capazes de estimular essa competência. Muitos estudiosos da psicologia e da psicologia da música vêm contribuindo para o tema (ver Csikszentmihalyi, 2013; Nakamura, Csikszentmihalyi, 2009; Simonton, 2009; Coleman, 2010), como o pesquisador húngaro Mihalyi Csikszentmihalyi, que desenvolveu a teoria do fluxo, teoria esta que envolve a criatividade, a motivação, a emoção, entre outros elementos fundamentais para o desenvolvimento humano. ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 184 Teoria do Fluxo Vários pesquisadores de áreas distintas têm estudado a Teoria do Fluxo - Flow Theory. Segundo Adessi et al (2006), pesquisas sobre a teoria foram desenvolvidas nos anos 80 e 90, em laboratórios de Csikszentmihalyi e colegas na Itália. As pesquisas nessa época adotaram o "Experience Sampling Method" (ESM), que utilizava pagers para coletar amostras cotidianas, aleatoreamente. Outras áreas também se interessaram pelo conceito do fluxo, que teve também um grande impacto fora da academia, como no esporte profissional, na cultura popular, no comércio, e na política. Atualmente, alguns pesquisadores estudam também o fluxo para o desenvolvimento de jogos educativos (ver Abrantes & Gouveia, 2007; Adessi et al, 2006). O estado de fluxo é a experiência na qual o prazer no desenvolvimento de determinada atividade é proporcionado por meio do equilíbrio entre as habilidades do sujeito e o nível dos desafios enfrentados, a ponto de gerar um alto grau de concentração e satisfação pessoal (ver Cardoso & Araújo, 2010). Permite também, a quem está sob o seu efeito, sentir-se divertido, envolvido e satisfeito com o que está a fazer. Esta satisfação tem como efeito positivo fazer com que o indivíduo seja encorajado a repetir e a concentrar-se na tarefa proposta (Abrantes & Gouveia, 2007). Segundo Nakamura & Csikszentmihalyi (2009), o estado é provocado a partir de elementos afetivos diretamente envolvidos com a motivação, que direcionam uma determinada atividade, executada com bastante concentração e emoção. O fluxo aparece quando o sujeito está completamente envolvido na realização dessa atividade, que lhe gera um desafio capaz de ser cumprido (Cardoso & Araújo, 2010). Algumas características são observadas quando se está no estado de fluxo: fonte: Nakamura & Csikszentmihalyi, 2009 www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 185 Teoria do Fluxo e a Educação Musical Como foi dito anteriormente, o fluxo pode estar diretamente ligado com a criatividade, com a motivação e com a emoção. Com relação à educação musical, pode-se considerar a improvisação e a composição atividades que estimulam a criatividade (Tafuri, 2006), o que pode ser observado no segundo semestre de 2013, nas aulas de Conjunto Instrumental do Programa de Musicalização Infantil da UFBA. Portanto, existe a possibilidade de crianças experenciarem o fluxo em aulas de musicalização, já que as características da teoria condizem com algumas reações das crianças durante as aulas. O presente estudo, piloto, buscou verificar a experiência do fluxo por crianças de 6 a 10 anos de idade, em atividades de composição, improvisação e execução, assim como a percepção de emoção em música com relação às suas próprias composições criadas em aula. ! Metodologia ! Amostra Participaram do estudo 8 crianças matriculadas no Programa de Musicalização Infantil da UFBA, especificamente da turma de Conjunto Instrumental (6 a 10 anos de idade) do segundo semestre de 2013. ! Procedimento Durante o processo composicional e de execução, alguns vídeos foram feitos com a finalidade de observar as características da teoria do fluxo por parte dos alunos. Para verificar a percepção de emoção em música foi utilizada uma folha de respostas. Todos os participantes foram testados em sala de aula, na presença da professora (e pesquisadora) e do professor, já que as aulas do Conjunto Instrumental são ministradas em duplas. Cada criança recebeu uma folha de respostas, giz de cera, e instruções verbais para a realização da atividade. O teste foi realizado com o consentimento dos pais ou responsáveis. ! Instrumento de coleta de dados Os vídeos foram captados pela professora (pesquisadora) com a finalidade de registrar atividades de composição, improvisação e execução, o que resultou na gravação de pequenos trechos das aulas. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 186 A folha de respostas foi baseada em um estudo realizado anteriormente (ver Levek, 2012), contendo quatro carinhas expressivas, correspondentes a cada estímulo musical, desenvolvidas pela artista Mayli Colla. As carinhas expressivas foram desenvolvidas com o intuito de representar as quatro emoções consideradas básicas: alegria, tristeza, medo e raiva, respectivamente. ! Figura 1: carinhas expressivas (fonte: Levek, 2012) ! As crianças deveriam marcar a carinha correspondente à emoção percebida de acordo com o estímulo musical ouvido. ! Estímulos musicais Os estímulos musicais utilizados no estudo foram compostos por crianças, em aula. Um dos estímulos foi composto pela própria turma participante (Composição 2), já que o curso de Conjunto Instrumental envolve criação de arranjos, composições e improvisações. O outro estímulo foi composto pela turma de Conjunto Instrumental do semestre anterior (composição 1), sendo que alguns alunos participaram da composição das duas músicas, pois cursaram os dois semestres. As músicas compostas pelos alunos foram gravadas durante uma das aulas, pela professora (pesquisadora) e executadas pelos próprios alunos. O programa de gravação utilizado foi o Logic Express 9. A captação foi realizada com dois microfones (Shure SM58, Shure SM57). ! Instrumentação das composições Os instrumentos musicais utilizados na Composição 1 (semestre 2013.1) foram: 1 xilofone baixo, 1 xilofone contralto, 1 xilofone soprano, 1 surdo, 1 caixa clara, 1 metalofone, 2 metalofone sopranos, 1 escaleta. Nove alunos estavam presentes no dia da gravação. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 187 Os instrumentos musicais utilizados na Composição 2 (semestre 2013.2) foram: 2 triângulos, 2 tambores em forma de "pirulito", 1 bongô, 1 cajon, 1 xilofone baixo. Sete alunos estavam presentes no dia da gravação. Cabe citar que nem todos os alunos do curso participaram da gravação, mas todos os que realizaram o teste haviam participado da Composição 2. ! Resultados ! Resultados - vídeos VT1 (IMG_0521. MOV) - Composição em pequenos grupos O grupo filmado continha 4 crianças e a eles foi dada a tarefa de realizar uma composição rítmica, utilizando apenas a semínima, pausa de semínima e colcheia, em 8 tempos. O grupo decidiu que cada criança iria compor dois tempos. Os alunos mostraram-se bastante imersos na atividade, especialmente uma das crianças que repetia sua célula rítmica diversas vezes. Pode-se perceber com a observação do vídeo que os alunos apresentaram 3 das 6 características da teoria do fluxo (Nakamura & Csikszentmihalyi, 2009): 1) Concentração intensa e focada no presente momento da ação; 2) Imersão na ação; 3) Senso de controle da ação. ! VT2 (IMG_0522. MOV), VT3 (IMG_0523. MOV) - Execução das composições realizadas em pequenos grupos Aos alunos foi solicitado que tocassem suas composições, com instrumentos de percussão à sua escolha (de acordo com a disponibilidade), com a finalidade de se ouvirem e de mostrar o que tinham feito para os colegas do outro grupo, e vice versa. Nessa atividade, também foi possível reconhecer algumas características do fluxo, perante os dois grupos, de maneira similar. As características identificadas foram: 1) Concentração intensa e focada no presente momento da ação; 2) Imersão na ação; 3) Senso de controle da ação. ! VT3 (IMG_0806. MOV) - Improvisação Individual Ao fim das aulas do Conjunto Instrumental as crianças têm um momento de relaxamento, onde, por vezes, era solicitado a uma das crianças que tocasse uma música criada por ela, para aquele momento. Pode-se observar, neste momento de improvisação, as mesmas www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 188 características identificadas nos vídeos 1 e 2 (VT1 e VT2): 1) Concentração intensa e focada no presente momento da ação; 2) Imersão na ação; 3) Senso de controle da ação. ! VT4 (MOV07147MPG) - Composição do grande grupo Às crianças foi dito que iriam criar uma música. Alguns alunos questionaram, pois queriam criar a música em dupla. Houve um pouco de discussão por parte das crianças para a escolha dos instrumentos que cada um iria tocar na composição, já que muitos alunos queriam tocar o mesmo instrumento (nesse caso, o cajon). A brincadeira do Uni-duni-tê resolveu a questão. Para organizar o grupo a professora (pesquisadora) criou um diálogo com os alunos, perguntando: - O que uma música precisa para ser música? Aluno 1: Notas musicais. - O que mais? Aluno 1: Sentido. Aluno 2: Ritmo. Aluno 3: Um nome. - Mas vocês vão começar essa música como? Alunos 4 e 5: Com triângulo. A criação seguiu com pequenas orientações, sendo direcionada por meio de perguntas, para os próprios alunos definirem a forma, células rítmicas, texto, melodia, etc. Durante o processo de composição, que durou aproximadamente 17 minutos, pode-se observar as mesmas características do fluxo observadas nos outros vídeos: 1) Concentração intensa e focada no presente momento da ação; 2) Imersão na ação; 3) Senso de controle da ação. ! Resultados - percepção de emoção em música De acordo com o teste realizado em aula sobre a percepção de emoção em música pelas crianças alunas do Conjunto Instrumental, pode-se verificar que 7 das 8 crianças testadas (87,5%) perceberam (ou sentiram) alegria ao ouvir as duas músicas, enquanto apenas 1 criança (12,5%) percebeu a emoção do medo ao ouvir a música composta pelas crianças do semestre anterior, assim como apenas 1 criança (12,5%) percebeu a emoção de raiva ao ouvir a composição de sua própria turma. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 189 Cabe citar que a criança que percebeu a emoção de medo não havia participado da composição da música ouvida, já que a criança era uma das que não faziam parte da turma do semestre anterior (semestre 2013.1). ! Discussão De acordo com a observação dos vídeos, pode-se sugerir que as atividades musicais de composição, execução e improvisação com crianças as levam a experenciar características relevantes da teoria do fluxo. Contudo, não se pode afirmar que durante essas atividades as crianças realmente experenciaram o fluxo, já que três das características da teoria não puderam ser percebidas (1. perda da consciência do eu; 2. a atividade é intrinsicamente recompensadora; 3. sensação que o tempo passa mais rápido que o normal). Com relação à análise das folhas de resposta sobre a percepção de emoção em música, pode-se verificar que a grande maioria dos alunos percebeu alegria ao ouvir as composições feitas por crianças. Portanto, é possível que a atividade de composição seja capaz de gerar alegria nas crianças, já que quando ouviram suas composições perceberam a emoção de alegria. É possível também que as crianças reconheçam e se identifiquem com composições de outras crianças, já que nem todos os alunos que ouviram as músicas da presente pesquisa eram os seus compositores (composição do semestre anterior). Contudo, sabe-se que a criatividade está diretamente ligada com a emoção. É possível que o ser humano possa atingir seu maior potencial se estiver imerso em atividades que estimulam sua criatividade, e lhe trazem alegria e prazer. Se atividades musicais são capazes de gerar alegria nas pessoas, é possível que a música seja uma ferramenta capaz de estimular a criatividade e experiências de fluxo, não apenas relacionadas à música, mas à vida de maneira geral. O presente estudo buscou analisar a experiência do fluxo (que está diretamente ligada com a criatividade, motivação e emoção) nas aulas de Conjunto Instrumental do curso de Musicalização Infantil da UFBA, do ano de 2013, assim como a percepção de emoção em música por crianças, ao ouvirem composições próprias e de outras crianças. Futuros estudos deverão ser realizados a fim de contribuir ainda mais com o tema, que é bastante espinhoso e de difícil mensuração e avaliação. Além disso, existem poucos estudos relacionados quando os sujeitos de pesquisa são crianças, o que torna fundamental novas pesquisas na área. ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 190 Referências ! Abrantes, S. & Gouveia, L. (2007). Será que os jogos são eficientes para ensinar? Um estudo baseado na experiência de fluxo. Actas Congresso Challenges. Extraído de http://homepage.ufp.pt/lmbg/com/salbg_challenges07.pdf Adessi, A. et al. (2006). 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Resumo: O presente trabalho é um recorte da pesquisa de mestrado que trata da aprendizagem da clarineta por meio da improvisação. O objetivo foi discutir a literatura sobre improvisação nos contextos da cognição, criatividade e aprendizagem musical buscando definir e clarificar o problema explicitado de modo a possibilitar um maior direcionamento dos estudos sobre o assunto. Foram abordadas questões sobre o processo criativo, improvisação livre e idiomática e aprendizagem instrumental. Como conclusão, observou-se a necessidade de novos estudos sobre a improvisação na aprendizagem instrumental, mais especificamente na aprendizagem da clarineta, bem como estudos que apontem caminhos e metodologias que auxiliem professores e estudantes a incluir atividades criativas em seus cotidianos musicais. Palavras-chave: improvisação, processo criativo, aprendizagem, clarineta. ! Title: Improvisation as a creative process in learning the clarinet Abstract: The present work is part of a master’s research about clarinet learning through improvisation. The objective was analyze the literature regarding improvisation in contexts of cognition, creativity and musical learning seeking to define and clarify the problem explicit to enable deeper studies on the subject. Questions about the creative process, and idiomatic free improvisation and instrumental learning were addressed. In conclusion, there is a need for further research into improvisation in instrumental learning, specifically learning the clarinet, as well as studies that point paths and methodologies that help teachers and students to include creative activities in their everyday musical. Keywords: improvisation, creative process, learning, clarinet. ! ! O conceito de improvisação dentro da área de música tem sido objeto de elaboração de estilos de performance, cada estilo estabeleceu seu próprio vocabulário e sintaxe musicais. A improvisação também foi incorporada às metodologias e propostas de educação musical ativa, nas quais o centro do processo é o aprendiz e a aprendizagem é construída a partir do conhecimento do estudante. Neste artigo, serão discutidos os conceitos de criatividade, oriundos da psicologia e da pedagogia, assim como conceitos de improvisação conforme as práticas de performance, buscando estabelecer um referencial teórico para discussão deste assunto. Os conceitos de criatividade foram discutidos tanto na área de psicologia quanto a área da educação e reconhecem a importância em promover o desenvolvimento do pensamento criativo. Na área da psicologia não existe consenso sobre o que significa ser criativo, mas há uma semelhança nas definições de criatividade, compreendendo-a como um processo que www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 192 envolve a emergência de um produto novo, que pode ser uma ideia ou invenção original (Alencar; Fleith, 2003). Para Burnard (2006), criatividade refere-se aos processos que ocorrem: [...]dentro de várias unidades sociais e culturais, bem como da influência de pais e cuidadores no núcleo familiar, ou na interface dos contextos sociais com amigos e colegas dentro e fora das comunidades escolares e como membros de múltiplas culturas [...]. (Burnard, 2006, p. 354) ! Na área de pedagogia, as teorias construtivistas partem da ideia que o conhecimento é construído ativamente pelos aprendizes e que educar consiste em proporcionar-lhes oportunidades de atividades criativas, que sustentam o processo de construção do saber. (Fino, 2004). A educação musical acompanhou as mudanças da educação geral, autores como Gordon (2003), Elliot (1995), Miner (2007) e Swanwick (2003) consideram importante que professores de música estimulem a imaginação dos alunos e seus potenciais criativos, dandolhes conhecimentos e habilidades para utilizar as ideias produzidas para promover reações espontâneas e criativas. Os autores defendem que a participação em atividades musicais criativas ajuda os estudantes a tornarem-se plenamente envolvidos com a música, estimulando a criatividade, a percepção, a sociabilidade, desenvolvendo conceitos estéticos e criando hábitos de audição crítica. A criatividade na área de educação musical foi explorada por diversas metodologias como Kodaly, Orff e Dalcroze, entre outras, que incorporaram atividades como a composição, a improvisação e o arranjo em suas propostas. No Brasil, essas metodologias europeias foram enriquecidas com características próprias da nossa cultura como ritmos baseados nos gêneros brasileiros e nas melodias folclóricas (Paz, 2013). No entanto, são poucas as metodologias que vinculam atividades criativas à aprendizagem instrumental. Cislaghi (2011) afirma que, mesmo nos dias atuais, a aprendizagem dos instrumentos de sopros ocorre, muitas vezes, sob os preceitos do que se conhece como ensino tradicional, focado na aquisição de habilidades, conhecimentos específicos, cujos conteúdos encontram-se nos materiais e métodos, aplicados por um professor especialista. Busca-se resultados pré-determinados e há pouco ou quase nenhum espaço para atividades de criação (Libâneo, 1994). Sendo assim, é possível notar que existe um amplo campo de estudos a ser explorado na aplicação dos conceitos de criatividade na aprendizagem instrumental. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 193 A partir das considerações acima, um questionamento veio à tona: como a improvisação pode ser compreendida como processo criativo no contexto da aprendizagem instrumental? Frente ao exposto, para contribuir com as discussões sobre a criatividade em música, este trabalho visou conhecer com mais profundidade o processo criativo na aprendizagem instrumental, tendo a clarineta e a improvisação, como focos principais desse estudo. A clarineta foi escolhida devido ao fato dos autores serem clarinetistas e ministrarem aulas de iniciação do instrumento. A opção de utilizar a improvisação como atividade norteadora para as aulas de clarineta tem três razões principais. Primeiro, o processo criativo que se passa na mente de um aluno é geralmente inacessível para o pesquisador, mas uma performance improvisada, criada no momento da aula ou no palco pode ser facilmente observada. Segundo porque muitos gêneros de improvisação são fundamentalmente colaborativos e a observação desta colaboração no palco, no ensaio ou nas aulas é relativamente simples em comparação com as dificuldades de observar a atividades colaborativas em outros contextos (Sawyer, 2000). Por fim, a improvisação é aplicável aos mais diversos conteúdos musicais. Doravante, surgiu a necessidade de compreender com mais profundidade a improvisação como processo criativo e de que forma ela se apresenta na aprendizagem da clarineta. Sendo assim, o objetivo deste estudo é realizar uma revisão bibliográfica acerca dos processos cognitivos que envolvem a aprendizagem da clarineta por meio da improvisação. A proposta é fazer um levantamento do material já publicado e analisar de forma crítica essas publicações de modo a identificar relações, contradições, lacunas e/ou inconsistências na literatura, seguindo os critérios estabelecidos por Ríos (2009). ! Improvisação e composição: características e diferenças entre processos cognitivos Considerando que a improvisação é um recurso que favorece a criatividade e pode ser explorada em muitos contextos, é importante salientar que, além dela, outras possibilidades de atividades como a composição e o arranjo, por exemplo, também são consideradas pelos autores Miner (2007), Schaefer (2003) e Swanwick (2003) como eficientes no desenvolvimento do processo criativo. Os autores destacam a importância da improvisação e da composição como formas de criação em música. No entanto, estas atividades são distintas e exigem habilidades diferentes. (Miner, 2007) Para Sloboda (2008), tanto o improvisador quanto o compositor precisam ter um conjunto de padrões correlatados que possam ser usados, porém o autor considera que "a www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 194 tônica do processo composicional parece ser o trabalho de moldar e aperfeiçoar ideias musicais. Embora um ideia possa surgir espontaneamente, 'sem ser chamada' e instantaneamente, seu desenvolvimento subsequente pode levar anos". Miner (2007) considera composição como o ato de gerar ideias e encontrar as melhores formas de apresentá-las. Muitas vezes, os compositores escrevem suas ideias usando a notação musical, dessa forma as ideias podem ser lembradas, examinadas e reavaliadas até que se chegue à composição final. Azzara (2006) considera que a improvisação é uma expressão espontânea de ideias musicais significativas. Os elementos-chave de improvisação incluem personalização, espontaneidade, antecipação, previsão e interação. Toda a história do desenvolvimento da música é acompanhada de manifestações improvisatórias e, atualmente, a improvisação possui duas vertentes bem definidas: improvisação livre e idiomática. Cada uma dessas vertentes possuiu um universo próprio de valores, características e particularidades. A improvisação idiomática está preocupada principalmente com a expressão de uma linguagem como, por exemplo, jazz, flamenco ou barroco, assumindo a identidade e os valores daquele idioma. Improvisação não-idiomática está liberta de tais pré-requisitos, uma vez que não está amarrada a nenhum principio da tradição musical e é comumente chamada por alguns autores de improvisação livre. O ímpeto para a improvisação livre surge de uma tendência de radicalização dos princípios de renovação constantes na prática musical e desemboca num questionamento amplo, por vezes filosófico, educacional e em última análise, político (Bailey, 1993). ! Processos criativos e improvisação musical Criatividade musical pode ser compreendida como o processo cognitivo através do qual, consciente e inconscientemente, organizam-se padrões musicais familiares em ordens estranhas ou novas. Esse processo requer dois tipos de pensamento: um que gera uma série de novas ideias musicais e outro que escolhe entre essas ideias e as coloca junto, de uma forma que faça sentido musical (Gordon, 2003). O processamento cognitivo durante uma execução musical criativa, como uma improvisação, é bastante diferente do processamento cognitivo que ocorre durante a execução de uma música previamente aprendida. Quando esta segunda acontece, partes do córtex préfrontal são ativados, de maneira que se pode associar este tipo de atividade com o processamentos cognitivos típicos da atividade escolar, como planejamento, a implementação www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 195 gradual de tarefas e a resolução de problemas de esforço. Entretanto, para improvisar, um músico tem de ser capaz de gerar e selecionar ideias musicais em tempo real, sustentando o fluxo da invenção e fazendo uso de um modelo que é fornecido externamente pela cultura Sloboda (2008). Gordon (2003) e Azzara (2006) consideram que a improvisação musical é equivalente ao discurso verbal, pois durante uma conversa, os interlocutores geram respostas originais a estímulos verbais e não-verbais improvisando sobre um determinado assunto a ser discutido. Nesse sentido, Sloboda (2008) compara a improvisação musical com a habilidade verbal de recontar estórias equiparando a estrutura da estória com a forma da música. Para o autor, as duas atividades possuem o mesmo tipo de demanda cognitiva. Cabe notar, que as descrições de improvisação dos autores citados apontam para a improvisação idiomática, pois esta possui estruturas melódicas e harmônicas reconhecíveis e portanto pode ser comparadas à conversa ou a habilidade de recontar estórias. ! Improvisação e aprendizagem Nos últimos anos, a aprendizagem criativa em música tem evoluído tanto em quantidade como em qualidade, Beineke (2012) considera que: "o conceito de criatividade psicológica, bastante difundido na área de educação musical, focaliza os processos de aprendizagem das crianças, valorizando suas descobertas e a maneira como elas interpretam e (re)criam conhecimentos." Muitas vezes, as crianças podem ser observadas ouvindo música e respondendo espontaneamente à essa audição, seja fazendo o seu próprio tipo de música, cantarolando palavras sem sentido ou batendo com mãos ou pés. Essas reações espontâneas podem ser compreendidas como um processo musical criativo. (Miner, 2007) Para Gordon (2003) e Azzara (2006), improvisação na música é análoga à conversa na linguagem. O processo de aprendizagem da música é o mesmo que o processo de aprendizagem de uma língua. Ao aprender uma língua, as crianças absorvem as informações contidas em seu ambiente e naturalmente desenvolvem a capacidade de falar. Em primeiro lugar há o desenvolvimento do vocabulário, em seguida partes de frases, até que se aprende a usar frases completas. Da mesma forma, na música, as crianças aprendem a responder e criar musicalmente por meio do desenvolvimento do vocabulário, de padrões musicais individuais e em seguida, em canções ou peças completas. O desenvolvimento desses vocabulários segue um processo semelhante para o desenvolvimento de vocabulários linguísticos. Ao aprender www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 196 uma língua ,naturalmente as crianças assimilam os padrões de palavras e frases de seu ambiente, tanto através de instrução informal quanto formal e o mesmo acontece com a música (Gordon, 2003; Azzara 2006). Seguindo essa mesma linha de argumentação, Azzara (2006) sugere que existe uma relação forte entre audição, criação, leitura, escrita e análise musical. O autor considera que cada uma delas tem o potencial de influenciar a outra de maneira significativa quando apresentadas no contexto da improvisação. Sendo assim, é possível aprender a ler e escrever música com compreensão, entendendo a música documentada na partitura por meio do contexto que o aluno criou improvisando. É importante lembrar que a notação é a documentação de um processo criativo e aprender a ler e escrever música deve ser apresentado à luz da criatividade. Quando os músicos se expressam, colocando juntos os seus próprios pensamentos musicais na improvisação, eles podem criar, desenvolver e refletir sobre ideias musicais (Azzara, 2006).Por isso, é importante que a aprendizagem musical possa promover essas reações naturais, espontâneas e criativas para a música. A participação em atividades musicais criativas ajuda as crianças a tornarem-se mais plenamente envolvidas com a música tanto na infância quanto na vida adulta ( Elliott , 1995). Nesse contexto, há um amplo campo de estudos a ser explorado no que se refere a aprendizagem da instrumental e mais especificamente à aprendizagem da clarineta por meio da improvisação. Algumas publicações relacionadas à aprendizagem do jazz, como a de Gaspar e Lopes (2011), ressaltam principalmente as questões referentes às práticas de escalas e arpejos com a finalidade de aprender a linguagem jazzística. No campo da iniciação, publicações que tratam especificamente da clarineta não foram encontradas. Contudo, o método "Da Capo Criatividade" de Joel Barbosa (2008) propõe atividades de improvisação para os instrumentos de banda desde a primeira aula, explorando tanto a improvisação idiomática, a partir de uma melodia aprendida, quanto a improvisação livre, por meio da exploração dos recursos de técnica expandida do instrumento. ! Discussão Pode-se aprender a improvisar em qualquer nível, como um iniciante, sem educação instrumental anterior ou conhecimento musical, e como músico profissional. Para os leigos, a improvisação é uma possibilidade de descobrir e desenvolver talentos ocultos. Para os músicos treinados, a improvisação pode proporcionar experienciais totalmente novas e www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 197 estimulantes. Pode-se improvisar em qualquer combinação pensável ou impensável de instrumentos (Stenstron, 2009). Os professores podem incentivar esse tipo de reação espontânea, estimulando a imaginação dos alunos e, ao mesmo tempo, dando-lhes conhecimentos e habilidades para usar as ideias produzidas para ouvir, entender e criar outros tipos de música. (Miner, 2007) No entanto Withcomb (2013) destaca que enquanto alguns professores de música incluem a improvisação com sucesso em suas aulas, outros têm medos de enfrentar esses desafios. Cabe notar que, no estudo de Withcomb (2013), as atitudes dos professores entrevistados em relação à improvisação foram muito positivas, porém esses mesmos professores apontaram obstáculos ao tentar incorporar improvisação, como por exemplo, falta de tempo, falta de experiência de improvisar e falta de treinamento para ensinar improvisação. ! Conclusão A revisão da literatura mostra que suporte para empreendimentos criativos, como a improvisação, tem sido evidentes na educação musical. Práticas de improvisação se mostram benéficas para os aprendizes em muitos aspectos de sua aprendizagem musical. Atividades musicais espontâneas permitem que os alunos possam expressar sentimentos e ideias, podendo combinar as habilidades de executar, ouvir e analisar. A improvisação dá aos estudantes a capacidade de criar ideias musicais únicas e diferentes. Enquanto as configurações de aprendizagem mais tradicionais oferecem muito em termos de desenvolvimento técnico, do ponto de vista cognitivo, percebe-se que a improvisação demanda um maior esforço criativo, na medida em que as partes do cérebro acessadas são distintas. As abordagens na improvisação podem incluir a experimentação de sons diferentes em um ou mais instrumentos sem limites de forma e possibilidades sonoras como acontece na improvisação livre, ao mesmo tempo, pode explorar o desenvolvimento de padrões musicais como tonalidade e harmonia em determinado um estilo particular como acontece na improvisação idiomática. Os professores podem estimular a criatividade na sala de aula por meio da mescla de processos de improvisação, proporcionando um ambiente seguro e acolhedor que valoriza as ideias dos alunos oferecendo oportunidades para que estes improvisem livre ou idiomaticamente em uma variedade de estilos musicais, conforme sugere a literatura. Contudo, a revisão bibliográfica demonstrou que alguns professores não se sentem preparados para incluir a improvisação em suas aulas. Diante do exposto, um grande desafio se apresenta www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 198 para pesquisas posteriores que é como preparar os professores de instrumentos para incluir a improvisação e outras atividades criativas em suas aulas. ! Referências ! Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. (2003). Criatividade: múltiplas perspectivas. Brasília: UnB Azzara, C. D., & Grunow, R. F. (2006). Developing musicianship through improvisation. Chicago: GIA Publications Inc. Bailey, D. (1993). Improvisation: Its nature and practice in music. New York: Da Capo Press. Barbosa, J. L. S. (2008). Da Capo Criatividade: Método elementar para ensino Coletivo ou individual de instrumentos de banda. Jundiaí, São Paulo: Keyboard Editora Musical. Beckstead, D. (2013). 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Muitos cursos não estão aparelhados para oferecer a diversidade de opções (cordas, sopros, percussão) necessária e, por este motivo, o violão, instrumento de baixo custo, facilidade de transporte e polivalente (solista e acompanhador) é muito procurado como Instrumento Suplementar na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia (EMUS-UFBA). Assim, neste artigo, vamos examinar de que forma o violão, em aulas coletivas como “Instrumento Suplementar”, está sendo utilizado por estudantes não violonistas dos diversos cursos de graduação em Música na EMUS-UFBA. Serão descritos os procedimentos realizados com o objetivo de que os estudantes possam desenvolver a leitura e percepção aplicadas ao instrumento, bem como construir repertório em solo e em conjunto, determinado por suas capacidades individuais. O estudo se apoiou na Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura e tentou organizar, com os dados empíricos disponíveis, estratégias que permitissem aos estudantes se apropriarem de formas eficazes na promoção de sua aprendizagem. Palavras-chave: autoeficácia, aprendizagem de instrumento musical, aprendendo violão. ! ! Title: The teaching of the guitar to non-player guitar students in an undergraduate course in Music by the Music School of UFBA: strategies to promote learning Abstract: Students of Music in an undergraduate course often are compelled to learn a second instrument during their undergraduate course. Many courses are not able to offer a diversity of instruments (strings, wind instruments, percussion) which should be offered and thus, the guitar, a cheaper instrument, easier to be transported and more versatile (students can play solo or accompanying someone), is very much requested as a Suplementar Instrument at the Music School of Universidade Federal da Bahia (EMUS-UFBA). That said, in this article, we will present an initial study of the analysis about ways to explore the teaching of the guitar to non-players as way to develop the autonomy of the learner, in the light of the Social Cognitive Theory of Albert Bandura. The teaching of the guitar here discussed happened in many collective classes as “Suplementar Instrument”, a mandatory subject for non-player students of many undergraduate degrees in the Music School at UFBA-EMUS. We will describe the procedures taken as the objective of the students so that they could develop reading and the perception applied to the instrument, as well as build their repertoire solo and as a group, based on their individual capacities. The study is drawn upon the Social Cognitive Theory of Albert Bandura and tried to organize with the empirical data available some strategies that would allow the students to take over the efficient ways to promote learning. Keywords: self-efficacy, musical instrument learning, learning guitar. Aporte teórico e revisão bibliográfica Os pressupostos e princípios que iluminam este trabalho estão alicerçados na Teoria Social Cognitiva (TSC) formulada por Albert Bandura (1986). Com aplicabilidade em diferentes www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 200 campos do conhecimento, estudos no campo da música começam a mencionar a TSC e seus constructos (Cereser & Hentschke, 2009; Kruger & Araújo, 2013; Brazil & Tourinho, 2013; Gama & Dias, 2013). O grupo de pesquisa Formação e Atuação de Profissionais em Música (FAPROM) da UFRGS vem também utilizando a Teoria Social Cognitiva, assim como vários estudantes concluintes de Mestrado e Doutorado da UFRGS a adotaram como referencial. (http://www.ufrgs.br/faprom/ptb_publicacoes.php). Dentre eles, os trabalhos de Mendes e Cernev (2013), Cereser (2011) e Hentschke e Cereser, (2009) se preocupam em dialogar com a concepção teórica de Bandura. ! Objetivos e suas ligações com o referencial teórico A teoria de Albert Bandura é relativamente recente. Em 1986 o autor reuniu suas ideias e investigações, renomeando sua teoria como Teoria Social Cognitiva. Esta teoria vem sendo apropriada e usada por diversos segmentos como educação, esportes e gerenciamento. Segundo Bandura (2008, p. 15) as pessoas “criam objetivos para si mesmas e preveem os resultados prováveis de atos prospectivos para guiar e motivar seus esforços adequadamente”. Aplicado este princípio ao contexto de aprendizagem instrumental, entendemos ser necessário compreender quais são os objetivos dos estudantes e também estimar junto com eles um provável resultado de estudos. No semestre UFBA 2013.2 procurou-se detectar objetivos individualizados no estágio inicial do contato professor-aluno, cuidando para que os mesmos fossem guiados para o melhor aproveitamento possível da disciplina. A forma e o tempo de estudo dedicados ao instrumento estariam então refletidos no melhor desenvolvimento musical do estudante, de acordo com a previsão de um planejamento flexível. Então, permitir maior flexibilidade no estabelecimento de metas e condução das condições para atingi-las permitiria conhecer como o aluno lidaria com as condições de aprendizagem. A TSC e sua discussão sobre autorregulação da aprendizagem, especialmente a partir do detalhamento encontrado nos estudos de Schunk (2008), nos direciona a pensar sobre a perspectiva do estudante no campo da música. Consideramos que, dentro das escolhas feitas em um curso de graduação, que está preparando o indivíduo para o seu futuro profissional e ganho de subsistência, as pessoas precisam aprender a planejar as condições para seu aprendizado, estabelecer objetivos pessoais a curto e médio prazo, e também a se autorregular. Isto implica em um posicionamento proativo, bem diferente do estudante de séries iniciais, que geralmente adota uma atitude passiva de aprendiz. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 201 Entre os objetivos educacionais dos cursos de graduação, a promoção do desenvolvimento da consciência crítica e o estudo consciente do instrumento devem desenvolver no aluno o comportamento de constantemente se perguntar o para que, por que e como desenvolver atividades. Esta postura frente ao desafio de aprender um novo instrumento pretende que o aluno evite estudar mecanicamente e sem objetivos definidos, como frequentemente fazem os amadores ou iniciantes. No senso comum, as escolhas pessoais precisam ser feitas para trazer satisfação e autorrealização. Contudo, considera-se que o processo de aprendizagem de um novo instrumento requer certa dedicação antes que se consigam resultados efetivos. A TSC pode ajudar aos professores a pensar condições de ensino que promovam o desenvolvimento de alunos enquanto agentes de sua própria aprendizagem. Ao considerar que as pessoas podem ser agentes de suas ações, ou seja, atuar com intencionalidade em sua ação, elas se tornam autoinvestigadoras do próprio funcionamento (Bandura, 2008, p. 43). O papel do professor na promoção de condições que provoquem no aluno o desenvolvimento de agência (expressão de Bandura) nas atividades de aprendizagem da música é crucial, pois precisa proporcionar meios para um estudo consciente e estimulador e que ofereça possibilidades de desenvolvimento para uma aprendizagem autorregulada. Neste sentido, conhecer o aluno, acompanhá-lo em seu processo de aprendizagem e oferecer estratégias de estudo para prática são algumas das condições que devem estar presentes em processos de aprendizagem de instrumentos musicais. A seguir, vamos apresentar algumas informações e estratégias utilizadas em uma disciplina (Violão, Instrumento Suplementar) em 2013, na EMUS-UFBA. O objetivo deste trabalho pode ser descrito como um estudo inicial de exploração de estratégias de ensino de violão para não violonistas em direção ao desenvolvimento da autonomia do estudante, à luz da TSC. Para descrever as condições em que a disciplina foi realizada e que permitam ao leitor situar-se, vamos iniciar com a apresentação do perfil dos alunos, seguido de uma descrição dos objetivos da disciplina, das atividades realizadas e dos critérios de avaliação. ! Perfil dos alunos O perfil dos estudantes foi bastante diversificado no que tange à aprendizagem anterior do instrumento. Em sua totalidade, no segundo semestre de 2013, todos eles, ao se matricularem na disciplina, tocavam acordes e podiam acompanhar músicas da mídia em variados graus de dificuldade. Apenas 20% não conhecia a localização das notas no instrumento, isto é, apesar www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 202 de conhecerem a leitura musical nem sempre associavam o que tocavam com a leitura na partitura. Metade tocava peças de média dificuldade, a exemplo de Sons de Carrilhões, mas tinha dificuldade em ler à primeira vista melodias muito simples (que utilizavam semínimas e colcheias, por exemplo). Em nosso primeiro contato detectamos que o aprendizado não associava a leitura musical, sendo mais comum usar modelos audiovisuais, como ver amigos tocando ou aprender utilizando gravações. De forma geral, os alunos do segundo e terceiro semestre de Licenciatura e de Bacharelado em Instrumento possuem ainda pouca fluência na leitura musical, exceção para os alunos de Composição. Apenas um aluno tocava peças de um repertório tecnicamente mais exigente, como a “Fuga BVW 1006” (Bach) e “La Catedral” (Barrios) e não possuía nenhuma dificuldade de leitura à primeira vista. A frequência às aulas semanais se deu de forma regular, sendo que os 25 alunos foram distribuídos em sete grupos; houve apenas uma desistência e uma perda por falta. Pode-se dizer que o grupo monitorou sua própria presença, visto que os estudantes assinavam lista semanal e estavam sempre informados de até quantas aulas poderiam faltar. ! Objetivos da disciplina Na ementa da disciplina, acessada no site da UFBA em 27/12/2013, reza que deveria ser dada “Oportunidade de conhecimento e experimento das particularidades do violão, visando fluência no domínio do instrumento através do estudo e execução das peças em nível de dificuldade elementar”. Sendo assim, o primeiro passo foi o preenchimento de um questionário de sondagem, que incluiu dados para contato e uma avaliação diagnóstica. Em seu primeiro contato com o professor e colegas, o estudante tocou e fez uma leitura simples à primeira vista, o que balizou o seu conhecimento musical aplicado ao instrumento. A dificuldade do repertório coletivo e individual ficou determinada pela condição individual de cada estudante, sendo as peças escolhidas de comum acordo entre estudante e professor. O professor entendeu a disciplina como eminentemente prática, embora fossem feitas conexões e frequentemente dadas informações acerca de períodos e estilos, por exemplo. Mas as atividades estiveram centralizadas na performance instrumental, sendo utilizadas as execuções de peças do repertório violonístico, fossem melodias cifradas ou escritas em partituras, introdução à improvisação e utilização de recursos específicos do violão, como pizzicatos, harmônicos, tambora. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 203 Como os horários dos cursos na EMUS-UFBA incluem aulas nos três turnos, foi praticamente impossível agrupar estudantes pelo mesmo nível de conhecimento e habilidade instrumental. Os sete grupos foram preenchidos com até quatro estudantes por hora, de acordo com a disponibilidade de horário dos mesmos. Coube ao professor estruturar a classe e fazê-la funcionar, de acordo com o material humano disponível. Desta forma, as aulas se desenrolaram em um misto de classe coletiva e masterclass, agregando diferentes experiências e níveis de execução musical. Procurou-se não fracionar a aula em atendimentos individuais, sendo as atividades feitas coletivamente, em sua grande maioria. Quando necessário, os atendimentos individuais foram realizados no formato de pequenos masterclass, com explicações dirigidas explicitamente a todos os presentes. ! Estratégias de ensino Conteúdos como alongamento, aquecimento e técnica, leitura à primeira vista, repertório individual e coletivo estiveram ligados essencialmente aos objetivos de perceber, aprender, recordar, refletir e transferir aprendizados para novos conteúdos e materiais. Estes tiveram tempos diferenciados, dependiam do planejamento e do interesse dos estudantes. Levou-se em conta a motivação dos alunos com um determinado repertório ou atividade. Como as aulas eram coletivas e para pessoas com diferentes níveis de habilidade motora, houve empenho para que todo o grupo estivesse envolvido. Assim, tarefas de ensino como tocar um arpejo de cordas soltas para trabalhar a sonoridade ou uma escala foram realizadas em diferentes andamentos, tocados no dobro da velocidade por quem pudesse tocar mais rápido. Nas escalas, usou-se a repetição de notas com aumento do valor da subdivisão ou mesmo escalas mais rápidas enquanto outros tocavam a mesma escala em notas longas. Utilizaram-se várias técnicas de mão direita, como diferentes combinações de dedos e também sincronia mão direita-mão esquerda, isto é, tocar forte fazendo o mínimo de pressão com a mão esquerda. A sonoridade foi outro ponto técnico explorado, com recomendações de como lixar e cuidar das unhas. Na leitura à primeira vista, geralmente, procurou-se peças simples e curtas, tonais, tendo em mente a previsibilidade harmônica. Foram utilizados também arranjos para várias vozes, com alternância dos estudantes em vozes diferentes a cada rodada de leitura. Ainda com peças à primeira, vista explorou-se o campo harmônico, formação de acordes e cifras. O repertório individual obedeceu ao gosto e preferência dos estudantes. Existiu uma solicitação muito grande de peças brasileiras, principalmente chorinhos e arranjos de música popular urbana. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 204 Avaliação Cada um dos estudantes teve acesso semanal à sua ficha individual, onde assinava presença. A cada mês o professor colocou uma nota e um comentário breve acerca do desempenho individual. Assim, todos estiveram cientes da impressão geral do seu desempenho produzido. Por exemplo, dois estudantes diferentes recebiam a mesma nota numérica, 7, mas com comentários específicos, que poderiam se referir tanto à assiduidade quanto ao desempenho. Foram marcadas três gravações para as peças estudadas. As gravações foram feitas na 5ª, 10ª e 15ª aula, sempre em audições públicas. Os vídeos das gravações foram disponibilizados para todos, e também foi solicitado que os estudantes escrevessem um pequeno parágrafo respondendo a três questões, por e-mail: a) Como me senti tocando em público? b) O que gostei de minha performance na peça que toquei? c) O que posso melhorar para a próxima vez? Considerações sobre os depoimentos serão apresentados a seguir. ! Discussão Segundo Luckesi, “A avaliação da aprendizagem escolar se faz presente na vida de todos nós que, de alguma forma, estamos comprometidos com atos e práticas educativas. [...] todos, estamos comprometidos com esse fenômeno que cada vez mais ocupa espaço em nossas preocupações educativas” (2000). Para a performance musical de graduandos em que o violão não é o instrumento principal, necessita-se determinar com antecipação quais seriam os resultados esperados, visto que estes indivíduos não possuem o tempo exigido para dedicação ao instrumento como em um curso de bacharelado. Pelo perfil individual traçado no início da disciplina e pelos diferentes níveis de habilidade instrumental, os objetivos já ficariam, de certa forma, estabelecidos. Mas a possibilidade de surpresa de desempenho nas aulas de instrumento é sempre muito grande. Assim, estudantes com pouca experiência se sentiram suficientemente motivados para se dedicarem a peças que exigiram bastante estudo, que representaram um desafio técnico e musical. Outros se aplicaram para melhorar a leitura à primeira vista, corrigir problemas técnicos, de sonoridade, cuidar das unhas adequadamente. Pelo menos dois estudantes compraram instrumentos novos que, embora instrumentos de fábrica, eram superiores aos que possuíam anteriormente. Em relação à autoavaliação os estudantes se perceberam nas gravações com uma impressão muito diferente daquela que tinham guardado na lembrança após tocar. “Pensei que tinha saído bem pior” avaliou M, corroborando com a tendência a maximizar o erro de notas. E.E. se sentiu apoiado pelos colegas quando estes se ofereceram para acompanhar a peça que www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 205 ele ia tocar sozinho e confessava ter “receio de errar apesar de ter estudado”. E.S. pediu para incluir uma peça que havia tocado no primeiro semestre, porque “estava bem segura e isso me dará mais confiança”, declarou. Pelo menos dois estudantes não tocaram sozinhos, alegando não estarem preparados para isso. Um dos estudantes, J.H., desenvolveu de forma impressionante a leitura aplicada ao instrumento e melhorou a sonoridade e a posição da mão direita, incentivado pelo professor e pelos colegas, que apoiaram e incentivaram seus esforços. Todos estes aspectos (musicais, comportamentais) podem ser apoiados na TSC e na intencionalidade do professor em conduzir as classes de forma a estimular a premissa de Bandura, de que criamos objetivos e prevemos atos que possam guiar e motivar os nossos esforços adequadamente. Os diferentes níveis de cognição, habilidade motora e predisposição de cada um dos estudantes em cada turma poderiam ser considerados um entrave por muitos professores. Neste caso, foi tomado como uma vantagem, isto é, aproveitaram-se as experiências diversificadas para estimular a auto-observação e aprendizagem. Esclareceu-se que cada um seria comparado consigo mesmo, com o seu próprio desenvolvimento, estudo e aplicação. As gravações individuais mostraram o avanço individual a cada registro, e mesmo quando o avanço não havia sido significativo, sempre algum aspecto positivo foi destacado pelo professor. Para o próximo semestre as audições prosseguirão gravadas, agora no horário da classe, para evitar que os alunos precisem se deslocar fora do horário da aula, o que impediu a participação de alguns estudantes. Os estudantes declararam estar motivados com uma apresentação formal e sugeriram temas de estudo para o próximo semestre, com peças brasileiras e ritmos nordestinos (baião, xaxado, forró). Espera-se que a TSC possa contribuir para a sistematização de procedimentos em classe que permitam aos estudantes um aproveitamento pleno de suas potencialidades enquanto instrumentistas. ! Lista de Referências: ! BANDURA, A. (2008). “O sistema do self no determinismo recíproco”. In: BANDURA, A.; AZZI, R. G. & POLYDORO, S. Teoria Social Cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed. 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Se considera que esas introspecciones suscitan y orientan diversos procesos o herramientas que están relacionadas al crear compositivo y que son interdependientes de estados mentales, como imágenes, sensaciones, afectos, impresiones y memoria. De este modo, se contempla una aproximación compositiva a partir de la valorización de la percepción, imaginación y de los sentidos, además, se vislumbra el desarrollo de órdenes y estructuras por medio de sensibilidades y sensaciones, lo que posibilita la creación de patrones de imágenes, campos imagéticos para componer, crear o recrear realidades musicales cognitivas presentes en nuestro entorno y en nosotros mismos. Palabras clave: percepción, composición, fenómeno ! ! ! ! Title: Analyzing the genesis of musical creation: an introspective study Abstract: In the creative process of partial description of a piano piece “Difracción” on wich aspects of music, past, creating the moments when it sounds think is related, emphasizes the perception of reality as a vehicle to bring about various forms of experiences. It starts from the principle that the perception of things in the world or the apprehension of ideas are conceived as ways of insights and not as references. It is considered that these insights will arouse and guide the various processes or tools that concern the compositional creativity and are interdependent from mental states, such as images, sensation, feelings, impressions and memory. Thus, a conceptualization of the composing starting from an assessment of perception, imagination and the senses is entertained, and the development of structures or orders by means of sensations and sensibilities is considered. This allows for the creation of images patterns, of imagistic field, to compose, create or recreate musical and cognitive realities that are present in our surroundings and ourselves. Keywords: perception, composition, phenomenon La realidad en que vivimos se nos presenta, en parte, como un manojo de “conciencias” — sensaciones, emociones, impresiones, interpretaciones — produciendo formas de conocimientos necesarias para interactuar consigo mismo y con el mundo. Esos modos de conocer la realidad, en la medida que se complementan e interactúan, sufren modificaciones, dan origen a diversas formas de experiencia. Esas ideas implican en la formación de un horizonte conceptual e instrumental, a partir del cual y en el cual sea posible realizar, principalmente, a través de las experiencias sensitivas y perceptivas, intercambios de experiencias entre compositor y su entorno, visual y sonoro. Según esto, la percepción de experiencias sensibles, junto con operaciones de la imaginación y de la memoria, son www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 208 fundamentales para configurar la creación de parámetros de construcción y de materiales sonoros en el proceso compositivo. Para Merleau-Ponty (2006) “el pensamiento objetivo ignora el sujeto de la percepción”. La causa de ese pensamiento objetivo es dada, según Merleau-Ponty, “en un mundo hecho como medio de cualquier acontecimiento posible”, en que la percepción es tratada “como uno de sus acontecimientos” (Merleau-Ponty, 2006, p. 279). De ese modo, la sensación deja de ser un elemento real de la consciencia, pues el acto de percibir se abstrae [1]. Las sensaciones son en parte estados o maneras de ser en el mundo, y como tales, no deberían ser comprendidas aparte de un contexto de cognición más global, en que el ser humano es parte y se relaciona con su medio. “El universo que conocemos no es universo sin nosotros, sino con nosotros” (Morin, 2000, p. 142). Existen diversas sensaciones que pueden ser tomadas como materiales de un proceso creativo, desde sensaciones táctiles, visuales y auditivas, hasta tensiones generadas por ruidos fuertes y repentinos, o incluso por el cuerpo expuesto a velocidades extremas, entre otros. El significado de estas sensaciones se presenta en un ámbito interpretativo que conduce a experiencias e interrelaciones fenomenológicas, es decir, es necesario vivirlas para crear una percepción de esos eventos que, a la vez, comprometen una serie de sensibilidades percibidas en el acto. Es en ese ámbito propiamente dicho que comienza la creación, como un intercambio de experiencias de la consciencia, en el que caben hábitos, valores, ideas, emociones etc. En ese ‘trueque’ es posible reconstruir las imágenes percibidas y como ellas se articulan en el proceso compositivo, en la medida en que hay una continua interacción recíproca entre el compositor y su mundo. Merleau-Ponty explica que nuestra aprensión del mundo no se da como un primer acontecimiento, en el cual se puede aplicar, por ejemplo, la categoría de la causalidad. Esta aprensión se realiza, al contrario, como una recreación o una reconstrucción del mundo en cada momento (Merleau-Ponty, 2006). Esta posibilidad de recreación, no sólo posibilita la reconfiguración de la percepción de las cosas, también, permite transformar el contenido aprendido a partir de un punto de vista artístico. Sin embargo, es necesario que exista el ímpetu por descubrir nuevos modos de existencia de las cosas y, sobretodo, una “tendencia fundamental del ser humano de experimentar una impresión estética en ciertas circunstancias reales y vitales” (Simondon, 2007, p. 198). Es en ese sentido que es posible aludir a lo verdadero, que se origina, en parte, como un proceso subjetivo de creación, y no a partir de materiales pre configurados que determinan la “competencia” musical (Buckinx, 1998) del trabajo realizado. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 209 La pieza “Difracción” [1] El proceso creativo que se presenta aquí, resultó de la asimilación de fenómenos de la realidad, impresiones, sensaciones, afectos, imaginación y memorias, que al desarrollarse sobre un tratamiento estético musical, alcanzaron otras realidades o dimensiones. “Cada mundo singular es un posible mundo real. Y ese mundo real es, también, el mundo vivido por los hombres” (Dufrenne, 1973, p. 46) — que, a partir de la actividad estética, transforma sus ideas por medio de la organización y configuración de experiencias cognitivas en estructuras complejas. En la búsqueda de sentidos y significados como experiencia estética, se siguió el punto de vista del filósofo francés Gilbert Simondon (2007), para quien la actividad estética se origina de una forma “espontánea” de percepción y organización de los seres y de sus maneras de ser en la naturaleza. En sus palabras: En efecto la realidad estética, no puede ser entendida con propiedad ni como objeto ni como sujeto […] la realidad estética no está separada del hombre ni del mundo […] no es ni herramienta ni instrumento […] hay una belleza de las cosas y de los seres, una belleza de las maneras de ser, y la actividad estética comienza por percibirla y organizarla, respetándola cuando esta es producida naturalmente (2007, p. 201) ! Esa realidad, organizada en su estética, es originaria de la sensación, de la realidad de lo sensible, que sin duda está entrelazada con el hombre y con el mundo. Los contenidos estéticos que en principio moldearon y sirvieron para desarrollar la pieza (que serán mencionados más adelante), son ajenos a los elementos musicales convencionales, como: alturas, ritmo, melodías y acordes. Sin embargo, los elementos que fueron utilizados para generar el material sonoro de la pieza — antes de tener contacto con el lápiz y el papel, inclusive con el piano — corresponden de cierto modo a un orden “pre-musical”. Esos aspectos pre-musicales en Difracción, ocurren en diferentes niveles del pensamiento o ideas y son los materiales que generaron la percepción global estética de la pieza. En la tercera parte de la Phenomenology of aesthetic experience, Dufrenne (1973) describe el objeto estético a través de tres planos noemáticos: el sensible, el del objeto representado y el del mundo expreso. A estos tres planos noemáticos corresponden, los niveles de presencia, de representación y de reflexión, como se ilustra en la figura 1. Pero, lo que interesa aquí es exponer, dos de esos tres estados de consciencia mencionados, presentes en Difracción, que corresponden, principalmente, a los materiales pre-musicales; el de la representación e imaginación y el de la reflexión y sentimiento en la percepción general. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Figura 1 Planos noemáticos Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 210 ! ! Figura 1: Nivel de la Reflexión y sentimiento en la percepción general de la pieza. La concepción presente en Difracción es definida, en parte, por la convergencia de reflexiones estéticas construidas a partir de imágenes de naturaleza musical y configuraciones de la imaginación, (que serán abordados en el siguiente nivel) y que pertenecen de manera latente a la memoria. Esta concepción se originó de modo fragmentado, poco antes de comenzar con la escritura de la pieza. El primer aspecto relevante a tratar en este nivel corresponde a un proceso de acumulación, “oposición y convergencia” de informaciones y conocimientos que fueron siendo adquiridos desde el inicio de mi curso de grado hasta la conclusión de Difracción en 2012. Son temas musicales que fueron elaborados en un contexto perceptivo más global, que abarca determinadas estructuras y formas de organización del sistema tonal y del pensamiento atonal. Esas primeras ideas presentes en la composición de la pieza, siendo trabajadas anteriormente en otras piezas, generaron aspectos relacionados no solamente con la composición musical, sino también a los sentimientos y percepciones que emergen de interactuar con las realidades vividas en diferentes contextos, ya que en el hombre parece haber una “necesidad fundamental […] de asimilar experiencias tanto de su entorno como de sus procesos psicológicos internos” (Bohm, 2005, p. 19). La asimilación de esas experiencias trajo nuevas ideas para la composición. Durante mi curso de grado, el aprendizaje teórico y práctico de formas de pensamiento y valores presentes en el sistema tonal, posibilitó alcanzar experiencias musicales www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 211 significativas dentro del sistema tonal. En algunas ocasiones, el desarrollo de esos fundamentos musicales fue importante para que, en aquella época, pudiese reflexionar sobre mi proceso de composición que para ese entonces, estaba más o menos conformado por un sistema de reglas de carácter convencional de organización jerárquica de sonidos. Esa reflexión fue importante para cuestionarme, hasta qué punto, el sistema tonal me podría ser útil para manifestar ciertas experiencias perceptivas que rebasaban aquellas reglas de organización sonora. Aunque, esa reflexión sería abandonada de manera provisional posteriormente, tuvo una función muy importante en otros momentos del proceso compositivo, pues con el pasar del tiempo, mi curiosidad e imaginación la desintegraron en diversos fragmentos, debido que, “toda experiencia vivencial, antes de más nada, es un proceso, así, las relaciones entre las vivencias son relaciones entre procesos” (Piana, 2001, p. 144). Fue a través de esos fragmentos que se volvió posible conectar sensaciones pertenecientes a diferentes momentos de la consciencia. En ciertos momentos creativos, fue posible vivenciar esos contenidos de diversas maneras en tiempo y espacio. A pesar de ser fragmentadas, pero no desvinculadas de un gran todo, esas ideas permitieron, posteriormente, crear una serie de conexiones temporales asociadas a un espacio ficticio, y de ese modo, generar una diversidad de experiencias perceptivas entrelazadas. Por consiguiente, esos fragmentos, al ser reconfigurados en la mente y, al mismo tiempo, constituirse como complemento de un todo, pudieron formar un “pensamiento estético” — pensamiento que según Simondon (2007), “mantiene el recuerdo implícito de la unidad” (p. 197). Simondon (2007), también argumenta que ciertos “nudos claves”, que se destacan de una maraña de cosas en la realidad vivida, pueden formar potencialmente una “red” de pensamientos de naturaleza estética. En ese sentido, “pasiva” por algún tiempo, pero conectada a una red de pensamientos, afectos, percepciones y memorias, aquella reflexión sobre las limitantes de la tonalidad fue relevante, posteriormente, para alcanzar la percepción estética global de Difracción. ! Pensamiento atonal Tanto los recuerdos relativos a los límites que el sistema tonal trajo consigo al trabajo compositivo, como la asimilación gradual de materiales y formas de organización del pensamiento atonal, fueron fundamentales para la apertura de una nueva perspectiva de elaboración musical. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 212 No obstante, ese nuevo abordaje en relación a los materiales — que envuelve un replanteamiento del pensamiento en relación a los procesos compositivos — afectó en parte el proceso creativo. El trabajar con nuevos paradigmas que colocaron a prueba habilidades y desempeños, conllevó a una serie de sentimientos que parecían rechazar los avances de la composición de la pieza. Las impresiones que permanecieron de esa experiencia fueron relevantes para enriquecer el proceso creativo, pues ellas sirvieron para cuestionar la experiencia estética durante la realización de Difracción. En ese mismo contexto, el relacionamiento con el nuevo procedimiento compositivo me llevó a experimentar nuevas posibilidades de organizar los materiales sonoros durante las actividades prácticas. Sin embargo, al liberarme de las reglas que limitaban el proceso creativo y la vivencia de experiencias perceptivas más amplias en el ámbito de la música, ocurrió principalmente una dificultad en comprender y organizar esos materiales en el ámbito de la escucha y de la vivencia estética. De cierto modo, esa experiencia generó una frustración y un sentimiento de inconformidad hacia las formas de pensamiento atonal, de manera similar a lo que había ocurrido anteriormente en relación a las limitaciones presentadas por el sistema tonal para desarrollar mis ideas en la composición. La dificultad de no poder crear imágenes mentales sonoras — desde la perspectiva del nuevo paradigma — para articular la forma musical, conllevó a nuevas reflexiones que fueron poco a poco incorporándose, también de modo fragmentado a las experiencias temporales y espaciales vividas por la imaginación y por los sentimientos. Las reflexiones dadas a partir de la descripción de las experiencias presentadas, a pesar de representar en parte una inconformidad con la realidad musical vivida hasta el momento, apuntan a una compleja red de sentimientos y percepciones que tuvieron una función importante en la maduración de las propuestas introducidas en el proyecto de creación de la pieza. Además, la reflexión sobre esos aspectos, buscaba establecer una posición en la cual fuera posible atisbar más de cerca estas experiencias y así organizar los materiales sonoros a partir de sensaciones. Según Dufrenne (1973), de lo que se trata “es recuperar la apariencia, para descubrir nuevos significados […], la cual es la fuente de la experiencia vivida.” (1973, p. 370). En ese sentido, dentro de ese nivel de conciencia que Dufrenne (1973) propone, podemos percibir que existe una oscilación entre la actitud crítica y la sentimental, pues se observa con cierto tipo de objetividad el proceso creativo. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 213 Nivel de la representación e imaginación ! Existen diversas imágenes mentales que participaron en el proceso pre-musical de Difracción. Esas imágenes constituyen un acto de percepción y de imaginación creativa y normalmente ocurren en un ámbito mental pre-verbal (Bohm, 2005), de imágenes y sensaciones no continuas. Así, muchas veces fue difícil lograr una descripción precisa de estas. No obstante, de alguna manera latente esas imágenes se formaron, generando una representación del objeto estético Difracción. La primera imagen que surgió, es descrita de manera aproximada, como una imagen central, compuesta por dos líneas divergentes, en movimiento, que se dirigen hacia planos distintos y que convergen sucesivamente en un “fondo” indescriptible. La relación de esa imagen con el proceso creativo es muy importante en la medida que ella fue el [destello] encargado de conectar las dos realidades distintas, vividas por mí en diferentes contextos. Es decir, las dos reflexiones sobre el pensamiento tonal y atonal que se fragmentaron en el tiempo. Esa imagen compuesta por dos líneas convergentes se mostró como una percepción clara, auténtica. Conforme la clasificación de Bohm (2005, p.39) al respecto de las formas de percepción intuitiva y lógica, ese destello (flash) puede ser comprendido — de un punto de vista del fenómeno — como un tipo de imagen que escapa completamente a una visión objetiva o discernible de la realidad. Según Bohm (2005) este tipo de flash constituye un acto de percepción que opera normalmente en un ámbito mental pre-verbal. Caracterizado como [único] acto generador de imágenes nuevas y no derivadas de la memoria, es un caso de percepción total en el que se incluye, también, la percepción estética, la percepción de emociones; y es claro que, en ese sentido, su totalidad no puede ser descrita y analizada apropiadamente por el lenguaje (Bohm, 2005). Sin embargo, aunque esa imagen carezca de objetividad visible, ella se presenta como dice Simondon, cargada de una objetividad estética: ! La impresión estética […] hace que el conjunto de los actos del pensamiento sea capaz de superar los límites de su dominio para evocar la realización del pensamiento en otros dominios […] La impresión estética implica sentimiento de la perfección completa de un acto, perfección que le da objetivamente un resplandor y una autoridad por la cual se convierte en un punto destacable de la realidad vivida, un nudo de la realidad experimentada. (Simondon, 2007, p. 198) ! En Difracción, aquel tipo de percepción comprendido como un destello estético condensa de manera fugaz experiencias, memorias y sensibilidades, en una sola impresión. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 214 Aunque, de acuerdo con Dufrenne (1973), este proceso debe ser mediado por la “imaginación, que acciona tal conocimiento convirtiendo aquello que es adquirido como experiencia en algo más concreto” (1973, p. 348). Sin embargo, Bohm (2005) dice que no se debe confundir aquella imagen — en la que convergen dos líneas — como el resultado de un proceso de imaginación. En Difracción, ella es caracterizada como el único acto generador de nuevas imágenes no derivadas por la memoria. En la medida que surge aquel flash, “la imaginación podría disfrazarla, debido a su capacidad de mezclar lo percibido con lo imaginado” (Dufrenne, 1973, p. 370). Pero esa percepción auténtica debe ser destacada como una “percepción real, aquella que sólo quiere ser percepción, sin dejarse seducir por la imaginación, que invita a deambular en torno al objeto percibido o por el intelecto, que para dominar el objeto procura reducirlo a determinaciones conceptuales” (Dufrenne, 2004, p.80). La relación de aquellas experiencias de reflexión (noemas) y la percepción original de las líneas convergentes, originó una dialógica imagética interna en pro de la organización y estructuración de percepciones, sentimientos, memorias y pensamientos — que provenientes de una experiencia global, alcanzaron una impresión estética. Además, esa impresión no fue un fenómeno que surgió de una actitud o disposición [2] indeterminada del compositor. Existe un ímpetu consciente en el creador, una voluntad artística mediada por un imperativo estético, que conduce a ciertas formas, que ya estaban predestinadas a realizarse. Al respecto, Brelet (1957) dice: ! ! El artista no está dirigido por fuerzas inconscientes e impersonales que escapan a su voluntad: en lo más profundo del artista el psicólogo debe reconocer la presencia de una voluntad estética que organiza toda la vida espiritual en función de la misma. (Brelet, 1957, p. 23). La percepción de aquel destello se distingue de otras formas imagéticas traídas por la memoria. Sin embargo, de ella se originaron un conjunto de imágenes que fueron trabajadas en la imaginación. De ese conjunto de imágenes, se destacan tres que surgieron a partir de, y en asociación con, la percepción de las líneas divergentes: (1) la imagen de un movimiento polifónico que es característico de la pieza; (2) el movimiento de ondas del sonido difractadas en el espacio, imagen que determinó el nombre de la pieza — en cuanto a este tipo de asociaciones, Bohm (2005) expone la teoría de que las ideas científicas más profundas y generales sobre el espacio, el tiempo y la organización de materia, se basan en gran medida en la abstracción de la experiencia sensorial, principalmente visual y táctil. Esta visión está www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 215 relacionada a la noción de que las ciencias y las artes presentan, en común, formas estructurales paradigmáticas del pensamiento humano (Kuhn, 1970) — y (3) la imagen de los dedos moviéndose en direcciones contrarias o de manera divergente en el teclado — que aparece principalmente en la introducción de la pieza y posee valor temático. Figura 2. ! ! ! ! ! ! ! ! ! Figura 2: Imagen condensada en la notación musical Ese conjunto de imágenes muestran que ciertas características de la pieza se basaron en posibles asociaciones de la música con otros dominios perceptivos. Todas esas imágenes moldeadas por la imaginación fueron determinantes en el proceso de escritura de la pieza y, como tales, presentan, proporcionalmente, un papel determinante en la formación de los diferentes planos de su estructura. ! ! Figura 3 Estructura del proceso creativo de Difracción www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 216 La importancia de esas imágenes se da por el hecho de que ellas producen un orden jerárquico, de ese modo, ellas configuran la pieza en el tiempo. Así, las reflexiones estéticas y los fragmentos percibidos formaron un primer orden jerárquico. El segundo orden corresponde a la percepción auténtica; y el tercer orden es derivado de un conjunto de imágenes asociadas al segundo orden. La figura 3 ilustra la relación de las jerarquías con relación al proceso de gestación. La creación de estructuras y paradigmas es un proceso fenomenológico, una actividad interna que ocurre antes del umbral de la experiencia consciente (Bohm, 2005). La estructura sería, en esencia, una jerarquía de órdenes en varios planos. En Difracción, particularmente, las diferentes capas o planos de la estructura, perceptibles en la composición, fueron trabajados de forma jerárquica. Planos y jerarquías recibieron grados distintos de importancia durante la elaboración musical, pasando por variaciones continuas durante el proceso de construcción de la pieza y de acuerdo a la incorporación de nuevas imágenes y conceptos. Por ejemplo, las imágenes de escritura polifónica, derivadas del segundo orden y que son originarias de las líneas convergentes, sirvieron para desarrollar eventos musicales particulares, y al mismo tiempo para articular el proceso de escritura de una manera mucho más fluida, facilitando la creación y afectando el orden de las ideas ya establecidas. Se puede decir que la creación de la pieza generó jerarquías y no lo contrario. Es claro que me concentré en buscar, aspectos de la creación musical anteriores, inclusive, al momento en que se piensan las sonoridades. Por ser un asunto poco estudiado, hay en él un gran número de sugestiones, muchas de ellas relativamente originales. Por otro lado, algunas de ellas pueden posibilitar muchos desdoblamientos en trabajos posteriores. Considero que la búsqueda para experimentar la realidad sin desconfiar de nuestros actos de percepción, sin reducirlos a una suma de acontecimientos psicológicos o categorizar los fenómenos percibidos como resultados separados de nuestros sentidos permitió, a lo largo de ese proceso, profundizar la percepción de tal modo que realidades distintas puedan estar asociadas; y así abitarlas dentro de procesos creativos. Se destaca en Difracción, que la convergencia de diferentes realidades no implica una fusión total de los diversos elementos constitutivos de la composición, ni siquiera de las imágenes creadas para generar la continuidad, fluencia y cierre de la forma en el tiempo. Por lo tanto, se entiende que la experiencia de esas percepciones e introspecciones es fundamental para la síntesis de sonoridades. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 217 Por último, es de considerar, que la complejidad en que nuestros pensamientos construyen redes para mantenerse conectados a través de los tiempos vividos por la conciencia, trae potencialidades para estructurar todo un proceso creativo. Referencias Merleau-Ponty, M. (2006). Fenomenología da percepção (3ª ed.). Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Matins Fontes. Nogueira, M. (2009). Da ideia à experiência da música. Claves. 7-21. Extraído de http:// www.ccta.ufpb.br/claves/pdf/claves07/claves07.pdf. Le Moigne, J, L; Morin. (2000). A inteligência da complexidade (3ª ed.). Trad. Nurimar Maria Falci. São Paulo: Pierópolis. Simondon, G. (2007). El modo de existencia de los objeto técnicos. Trad. Margarita Matinez, Pablo Rodriguez. Buenos Aires: Prometeo Libros. Buckinx, B. (1998). O pequeno pomo. Trad. Álvaro Guimarães. Cotia: Ateliê Editorial. Dufrenne, M. (1973). Phenomenology of aesthetic experience. Northwestern University Press. _______. (2004). Estética e folosofia (3. ed.). Trad. Roberto Figuerelli. São Paulo, Brasil: Perspectiva. Bohm, D. (2005). On creativity. Tylor and Francis e-Library. London. Piana, G. (2001). A filosofia da música. Trad. Antonio Angonese. Baurú, SP: Edusc. Brelet, G. (1957). Estética y creación musical. Trad. Leopoldo Hurtado. Buenos Aires: Hachette S.A. Kuhn, T. S. (1970). A estrutura das revoluções cientificas. São Paulo: Perspectiva. ! [1] La pieza es del mismo autor de este escrito y fue escrita a mediados del 2012. [2] Al proponerse descubrir la estructura de la percepción por la reflexión, el intelectualismo desarrolla la noción de juicio, que es frecuentemente tratado como aquello que le falta a la sensación para volverse una posible percepción. Quiere decir, que la sensación deja de ser el elemento real de la consciencia, y el sujeto de la percepción es ignorado”. Es de señalar que “en la fenomenología de Merlau-Ponty, al contrario, la percepción es siempre corpórea, de manera que el cuerpo está siempre saturado con su objeto al percibirlo, y eso contradice cualquier distinción entre el acto perceptivo y su objeto”. (Nogueira, 2009, p. 18) [3] Cabe resaltar aquí, que lo indeterminado, para la fenomenología no ofrece sensación, pues es subjetivo. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 218 Expectativa e surpresa: desdobramentos para o compor ! Guilherme Bertissolo Programa de Pós-Graduação em Música/Universidade Federal da Bahia [email protected] ! Resumo: Nesse artigo enfocarei as noções de expectativa e surpresa em música, de modo a possibilitar possíveis aplicações em composição musical. Inicialmente, discutirei um campo teórico emergente que aborda a expectativa e a surpresa pelo viés dos estudos em cognição, do aprendizado estatístico e da memória. Em seguida, proporei uma abordagem sobre os quatro tipos de surpresas descritos por David Huron, sugerindo aplicações composicionais para cada uma deles em trechos de obras musicais. Palavras-chave: Expectativa, Surpresa, Composição Musical. ! Title: Expectation and surprise: unfoldings for music composition Abstract: In this paper I shall focus the notions of expectation and surprise in music, in order to propose possible applications in music composition. First, I will discuss an emergent theoretical field which approaches expectation and surprises in music through cognition studies, statistical learning and memory. After that, I shall propose a discussion about the four David Huron's types of surprise, suggesting compositional applications for each of them in excerpts of musical works. Keywords: Expectation, Surprise, Music Composition. ! ! 1. Introdução Os padrões de expectativa e surpresa em música são articulados em uma complexa rede de relações entre informações prévias e condições realizadas no ato da escuta de uma obra musical. É a partir da formulação de uma expectativa que se pode surpreender musicalmente. É preciso o estabelecimento de um padrão capaz de projetar o movimento da expectativa. Sem expectativa não há surpresa. É nessa articulação que reside a noção de surpreendibilidade, formulada no contexto da pesquisa de doutorado Composição e Capoeira: dinâmicas do compor entre música e movimento (Bertissolo, 2013). Nesse artigo, propomos discutir algumas noções que abordam o domínio da expectativa, buscando oferecer um terreno fértil para desdobramentos criativos em composição musical. Primeiramente, discutiremos algumas abordagens na teoria para, finalmente, abordar os quatro tipos de surpresa em Huron (2006) com exemplos de aplicação em obras musicais1. ! 2. A expectativa e surpresa na teoria da música A expectativa está no centro da teoria de Meyer. Para ele, “o significado musical incorporado, em resumo, é um produto da expectativa” (Meyer, 1956, p. 35). Ele discute a expectativa a partir da ideia de tendências, como padrões de respostas automáticas, naturais ou aprendidas. Sua abordagem é influenciada pela psicologia da Gestalt, em especial a lei da pregnância (p. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 219 86), da boa continuidade (p. 92), o princípio do retorno (p. 151) e da noção de realização (completion) e fechamento (p. 128). Meyer aborda esses princípios norteadores para analisar melodia, harmonia e métrica: a melodia sobre o prisma do movimento no preenchimento de lacunas, o ritmo através do reconhecimento de agrupamentos em estruturas derivadas dos pés gregos (p. 105), e a tonalidade pela ideia de desvio (p. 215). Meyer, diferencia o que ele chama de inesperado da surpresa, já que quando há uma expectativa, o inesperado é sempre considerado uma possibilidade, não sendo completamente surpreendente (p. 29). Nesse sentido as condições de uma expectativa ativa não são as mais favoráveis para a surpresa, sendo esta mais intensa quando aquela não existe, “onde, em razão de não estar havendo inibição de uma tendência, a continuidade é esperada” (p. 29). Essa definição é, em certa medida, paradoxal. Se a continuidade é esperada, há expectativa. É possível não haver expectativa na escuta? Concordamos com Meyer na assertiva de que a surpresa é mais intensa quando a continuidade é esperada, ou seja, quando a expectativa é de continuidade de um padrão, que é rompido por uma ação que causa surpresa. Samer Abdallah e Mark Plumbley (2009) enfocam a informação dinâmica medida por procedimentos estatísticos, oriundos da teoria da informação, em um modelo baseado em cadeias de Markov. Os autores citam Meyer como ponto de partida para sua abordagem, mencionando uma genealogia para o estudo da expectativa em música, remetendo a Hanslick. A tese básica do artigo é a de que qualidade e estados subjetivos, entre eles a surpresa, a tensão e o interesse/atenção na escuta, estão fortemente relacionadas com medidas da teoria da informação. A abordagem dos autores “explicitamente considera o papel do observador na percepção, e mais especificamente, considera estimativas de entropia, etc, com respeito a probabilidades subjetivas” (p. 90 – grifo original). A hipótese do artigo é de que quando um sujeito ouve uma peça de música, ele mantém um modelo estatístico dinamicamente evolutivo que o habilita a fazer previsões sobre como a peça continuará, baseando-se tanto na sua experiência prévia de música quanto no contexto imediato da peça. Enquanto os eventos se desdobram, ele revisa seu modelo e consequentemente seu estado de crença probabilística, que inclui distribuições preditivas sobre observações futuras (p. 90-1). A partir desses pressupostos, os autores propõem medidas de informação dinâmica construídas, baseadas em princípios gerais de inferências estatísticas; a construção de modelos computacionais que emulam respostas do cérebro humano ao responder a estímulos musicais; e, finalmente, constroem um modelo computacional para certos campos restritos do julgamento estético (p. 31). Uma interessante consideração é a de que essas ferramentas www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 220 poderiam ser relevantes “para entender e modelar processos criativos”, bem como “teriam aplicações em ferramentas para composição auxiliada por computador” (p. 114). Um dos principais pontos desse artigo é a discussão sobre processos de medida de interesse ao considerar organizações muito determinísticas ou caóticas. Segundo os autores, é necessário um equilíbrio entre ordem e caos, unidade e diversidade, não de maneira precisa e correta, mas dependente de cada caso (p. 94). Há que se salientar aqui a consideração de que a surpresa engendra a quebra de um equilíbrio. Em seu artigo sobre a aplicações musicais para metáforas conceituais e esquemas imagéticos baseados na experiência, Brower (2000) combina aspectos dos esquemas de equilíbrio, verticalidade e centro-periferia (figura 1). Qualquer mudança de distribuição tornará a força atuante sobre um lado do corpo temporariamente desequilibrada em relação à sua oposta, resultando em um impulso para ajustar a posição do corpo de modo a restabelecer o equilíbrio (Brower, 2000, p. 330-1). A surpreendibilidade é a quebra de um equilíbrio dinâmico, que revisa nossas condições de escuta, previsibilidade e expectativa. ! ! ! ! ! Figura 1: Esquema para a relação centro-verticalidade-equilíbrio conforme Brower (2000, p. 330) ! É importante salientar que estamos aqui no domínio da percepção ativa, ou seja, um ouvinte mobiliza o aparato sensitivo de modo a direcioná-lo para os aspectos mais promissores no fluxo musical (Abdallah; Plumbley, 2009, p. 95). Os autores empreendem um esforço para estabelecer dez diferentes medidas de informação para padrões de surpresa e previsibilidade (p. 97). Assim, propõem um modelo para experimentos baseados em cadeias de Markov (p. 98). Algumas questões fundamentais são levantadas no artigo. Uma delas é a de que a surpreendibilidade é um dos aspectos que moldam a percepção do tempo, representando uma poderosa ferramenta para modelamento formal. Outro importante aspecto diz respeito à subjetividade, já que o modelo considera também o estado de mente do ouvinte a começar a ouvir a peça e o quanto ele aprende durante a escuta. Finalmente, há que se salientar que o www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 221 que se estabelece na escuta e na articulação entre expectativa e surpresa é uma negociação entre aspectos prévios, que vão desde as condições perceptivas do ouvinte ao iniciar a audição até convenções de estilo e sistemas composicionais preexistentes, e o aprendizado estabelecido no ato da escuta, que permite uma negociação entre passado, presente e futuro no fluxo temporal da obra. Aqui podemos destacar a importância capital das estruturas de memória, alvo do trabalho de Snyder (2000), que parte também das metáforas conceituais e esquemas imagéticos baseados na experiência do corpo. ! 3. Huron e algumas possíveis aplicações composicionais Huron (2006) empreende uma incursão ampla e bem fundamentada sobre a expectativa em música, formulando uma teoria por ele intitulada ITPRA. Essa teoria parte do pressuposto de que existem cinco sistemas de resposta evocados pela expectativa: imaginação, tensão, predição, reação e avaliação (daí a origem da sigla de ITPRA) (p. 7-15). Na figura 2, o autor demostra a articulação dessas instâncias no tempo. ! ! ! ! ! ! Figura 2: Diagrama esquemático do curso do tempo da Teoria da Expectativa ITPRA, ! de Huron (2006, p. 17) A nossa capacidade de gerar expectativa é produto de aprendizado estatístico em relação aos eventos mais comuns na música que estamos mais familiarizados. Nesse sentido, é possível estabelecer bases estatísticas para diversas ocorrências musicais e a relação com o aprendizado (p. 71). Essas bases estatísticas são mais efetivas quando aplicadas a um estilo mais tradicional, ou a um sistema expositivo mais codificado. De fato, Huron propõe insights interessantes ao mencionar dados estatísticos sobre movimentos melódicos, como por exemplo, proximidade entre notas, intervalos comumente ascendentes ou descendentes (p. 76), tendência à inércia (p. 77), ou tendências de preenchimento de lacunas como na abordagem de Meyer (p. 80) e a ideia de organização em arco (p. 85); sobre tonalidade, como www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 222 por exemplo qualias de cada grau da escala (p. 145), estatísticas para aparecimento de graus da escala em melodias em tonalidades maiores (p. 148) e menores (p. 149), probabilidade de continuação diatônica (p. 158) e cromática (p. 159), na probabilidade de progressões de acordes na música Barroca (p. 251) e em canções populares (p. 253); e, finalmente, no tempo, como nas organizações hipermétricas (p. 180), nas suas possibilidades de antecipação (p. 249), ocorrências métricas (p. 195), e suas tendências (p. 244). A condição para a geração e frustração de expectativas está na memória. Nesse ponto do livro, Huron cita Brower e Snyder para desenvolver a ideia de que expectativas ocorrem na memória. Assim, o autor propõe quatro fontes para expectativa e surpresa oriundas de tipos de memória: a esquemática, ligada à memória de longo prazo; a verídica, ligada à memória episódica; a dinâmica, ligada à memória de curto prazo; e a consciente, ligada à memória de trabalho. As surpresas esquemáticas são aquelas em que eventos não conformam padrões de lugar comum, como estilo, por exemplo (p. 270). O autor cita como exemplos aspectos composicionais (o fagote como solista), formais (iniciar-se uma obra orquestral com um solo) e instrumentais (registro superagudo) dos compassos iniciais da Sagração da Primavera, de Stravinsky. Ele também cita como exemplos contextuais a possibilidade da ocorrência de elementos extramusicais, tais como a situação de se ouvir Canto Gregoriano em um elevador, ou um conjunto de Mariachi em uma catedral. As cadências deceptivas e mediantes cromáticas são também estratégias mencionadas (p. 270-5). A ideia de uma surpresa esquemática, na acepção de Huron, depende de esquemas musicais prévios. Os contextos composicionais da música do século XX suprimiram grande parte dos esquemas como referência unívoca de relações. Ao mencionar tais esquemas, estamos referindo à melodia, harmonia tonal, ritmo, formas e técnicas instrumentais. Nesse sentido, uma obra que replicasse hoje as feições do exemplo da Sagração da Primavera, provavelmente não representaria qualquer tipo de surpresa. De fato, o uso de técnicas estendidas, a composição que aplica a textura como determinante da forma, a forma como elemento a porteriori no processo do compor, princípios harmônicos derivados de operações pós-tonais aplicados ao contexto da Capoeira Regional, rítmica complexa, estratégias comumente aplicadas na pesquisa que deu origem a esse artigo (Bertissolo, 2013), podem até sugerir, mas não podem ser univocamente consideradas surpresas esquemáticas no contexto da música contemporânea. As surpresas verídicas são aquelas em que eventos não conformam na obra, ou em www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 223 padrões dela, em aspectos familiares ao ouvinte (p. 275). A estratégia do uso sistemático de citações musicais é citada como exemplo efetivo. Huron menciona um exemplo do compositor Peter Schickele, que altera um final inusual e ousado de Beethoven, do tema de violoncelo do segundo movimento da Quinta Sinfonia, em um final altamente previsível e banal, mudando a função do tema e causando humor pela distorção de um material musical familiar. Segundo Huron, as surpresas verídicas mais comuns estão na atividade dos intérpretes e não dos compositores (p. 277). Os exemplos são erros de performance e nuances interpretativas realizadas diferentemente de uma interpretação fixas (gravação) na qual o ouvinte está familiarizado. A surpresa verídica pode ser mencionada na articulação entre os materiais derivados da Capoeira Regional no caso dessa pesquisa. Os diversos conteúdos melódicos, rítmicos e gravações derivadas do contexto foram mobilizados em processos tais como transformação gradual, distorções, cortes estratégicos, derivação, etc. Nesse sentido, podemos citar a complexa articulação entre padrões mais ou menos reconhecíveis relacionados ao Hino da Capoeira, mobilizados em m'bolumbümba 42, para berimbau e eletrônica em tempo real. Nesse caso, a projeção de expectativa em relação ao Hino seria frustrada pela operação de rotações que distorcem a referência inicial. A surpreendibilidade é o ímpeto para a composição dessa obra e é articulada em diversos dos seus materiais e processos. Surpresas dinâmicas são aquelas em que eventos não obedecem expectativas criadas no curso da escuta da própria obra. No domínio da composição musical, esse é o campo onde podemos interferir de modo mais direto, já que “na surpresa dinâmica, a música é construída de maneira que a obra em si mesma estabelece algumas expectativas específicas da obra que são então violadas” (p. 278). Os exemplos mencionados por Huron são um acorde em fortíssimo marcado por Haydn no tema do segundo movimento da Sinfonia Surpresa, de Haydn, que se sobressai em um contexto pianíssimo (p. 278); e a antecipação do ataque em tempo fraco na repetição do tema do quarto movimento da Nona Sinfonia, de Beethoven (p. 279). O que está veiculado nesse dois exemplos é a surpresa incidindo sobre o que e quando. É no domínio das surpresas dinâmicas que podemos elencar exemplos de aplicação da noção de surpreendibilidade de modo mais eficaz. Em Fumebianas Nº 1, excerto da figura 3, observe que apresento na linha do violoncelo um padrão de cinco notas em semicolcheia. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 224 ! Figura 3: Surpreendibilidade em Fumebianas Nº 1 Nesse contexto, ao se operar a repetição do padrão, o ouvinte projeta a expectativa de que ele se realinhará dentro de 5 tempos (já que 5 tempos X 4 semicolcheias = 20 semicolcheias, e 4 X 5 semicolcheias do padrão = 20 semicolcheias). Entretanto, ao projetar essa expectativa, passo a desenvolver um processo de adição de unidades rítmicas de semicolcheia (nota Lá, inicialmente), gerando uma complexa teia de eventos em métricas não regulares e imprevisíveis. Perceba que o aparecimento dos acentos obedece às marcações na nota Lá, o que, pelo deslocamento operado nas adições, ocorre de maneira irregular e também colabora com a quebra da expectativa em direção à nossa noção de surpreendibilidade. A quarta fonte, a surpresa consciente é mencionada (p. 270), mas não é discutida ou exemplificada. Ela seria produto de eventos que não conformariam pensamentos ou conjecturas explícitos sobre o que ocorreria em uma obra musical. O autor menciona ainda a surpresa “Garden Path”, oriunda de uma definição linguística (teoria do labirinto), quando uma parte inicial de uma sentença precisa ser reanalisada em função do poder desordenador e ressignificador do seu final. O exemplo é a dubiedade rítmica do início da Sonata para Piano, Op. 14, Nº 2, de Beethoven, que, apesar de escrita em métrica ternária, organiza-se de forma binária nos primeiros compassos, causando uma dubiedade que remete à ideia de ressignificação da parte inicial de uma sentença pela interferência da parte final (p. 280). Nesse sentido, também no domínio de m'bolumbümba 4, é preciso salientar as estratégias operadas pela eletrônica em tempo real, que expandem as possibilidades instrumentais do berimbau e por vezes projetam sonoridades e texturas oriundas de realidade acústicas capturadas no ato da performance. Assim, por vezes o ouvinte é submetido à ideia de labirinto, ao veicular a escuta em um processo na ilusão de que seja oriundo do www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 225 instrumento acústico, mas em seguida ele é distorcido e implica na consideração de que essa memória foi driblada e precisa ser reavaliada o fluxo musical. ! 4. Considerações finais A expectativa e a surpresa em música representam importantes elementos para a criação de mundos em composição musical. As abordagens pela memória (Snyder 2000), pelos domínios metafóricos (Spitzer 2004, Nogueira 2009) e pelos esquemas imagéticos (Brower 2000) representam uma alternativa ao formalismo, com grande potencial para aplicação em composição musical, em especial para o ensino, já que permitem discutir experiências criativas que extrapolam aspectos meramente pessoais, poéticos, de gosto ou de direcionamento estético. Finalmente, é preciso mencionar as restrições de aplicabilidade de alguns pontos da teoria de Huron para a criação contemporânea, especialmente aqueles mencionados pela sua ideia de crítica ao modernismo (Huron 2006, p. 350-3). Não é pressuposto que o compositor contemporâneo deva ser guiado pela criação de prazer na plateia, tampouco que deva lidar com estilos preestabelecidos, a não ser criticamente como mencionado por Lima (2012, p. 25) com o seu vetor de criticidade no compor. A ideia de que o aprendizado estatístico molda a expectativa não necessariamente implica na ideia de que fórmulas mais comuns devam ser mais efetivas ou prioritariamente buscadas. É justamente no âmbito do estabelecimento de lógicas ou de subversão delas que se estabelece o ato do compor música. ! Referências Abdallah, S. e Plumbley, M. (2009). Information dynamics: patterns of expectation and surprise in the perception of music. Connection Science, 21 (2-3), 89–117. Bertissolo, G. (2013). Composição e Capoeira: dinâmicas do compor entre música e movimento. Tese de Doutorado não publicada. Programa de Pós-Graduação em Música da UFBA. Brower, C. (2000). A Cognitive Theory of Musical Meaning. Journal of Music Theory, 44 (2), 323–379. Johnson, M. (1990). The Body in the Mind: The bodily Basis of Meaning, Imagination, and Reason. Chicago: University of Chicago Press. Lakoff, G., e Johnson, M. (1999). Philosophy in the Flesh: The Embodied Mind and Its Challenge to Western Thought. New York: Basic Books. _____. (2003). Metaphors we live by. Chicago/London: University of Chicago Press. Lima, P. (2012). Teoria e prática do compor I: diálogos de invenção e ensino. Salvador: EDUFBA. Meyer, L. (1956). Emotion and Meaning in Music. Chicago: Chicago University Press. Nogueira, M. (2009). Metáforas de movimento musical. Anais do XIX Congresso da ANPPOM. Curitiba: Programa de Pós-Graduação em Música da UFPR. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 226 Ramos, D.; Elias, A. (2014). A incessante espera pelo futuro: uma introdução sobre expectativas geradas pela dimensão rítmica em música. PERCEPTA: Revista de Cognição Musical. No prelo. Snyder, B. (2000). Music and Memory: an introduction. Cambrigde/London: The MIT Press. Spitzer, M. (2004). Metaphor and Musical Thought. Chicago/London: University of Chicago Press. 1 É importante mencionar o contexto de aplicação das metáforas conceituais (Lakoff e Johnson 1999, 2003) e dos esquemas imagéticos (Johnson 1990) para as formulações teóricas sobre expectativa e surpresa em música. É importante mencionar os escritos de Spitzer (2004) e Marcos Nogueira (1999) pela consistente abordagem nesse âmbito, representando um interessante contexto teórico para a composição musical; bem como de Ramos e Elias (2014), que, por sua vez, realizaram uma instigante incursão sobre a expectativa no domínio do ritmo, abordando inclusive alguns dos autores que serão discutidos a seguir. 2 Todas os materiais mencionados estão disponíveis na tese (Bertissolo, 2013) e no site http:// guilhermebertissolo.wordpress.com. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 227 Memórias Musicais: registro de um percurso formativo através da criação em sala de aula ! Mônica Cajazeira Santana Vasconcelos UFBA/UEFS [email protected] ! Naira de Brito Poloni UFBA [email protected] ! Resumo: O objetivo deste relato de experiência é apresentar um trabalho desenvolvido no componente curricular “Fundamentos da Educação Musical I” em Programa de Pós Graduação em Música a partir da experiência de duas discentes, uma do mestrado acadêmico e a outra do mestrado profissional. Neste artigo o foco será a relação entre as memórias de vida e de natureza autobiográfica, a partir da recordação de acontecimentos que evocaram estados emocionais positivos e negativos no percurso formativo e de elaboração de uma atividade de criação em ambas as experiências. A atividade teve como objetivo principal a construção de uma criação musical, não necessariamente seguindo os padrões convencionais, uma partitura livre, um “mapa” relativo ao percurso formativo dos discentes, representando as experiências musicais adquiridas e distribuídas ao longo de uma linha de tempo cronológica. A troca de experiências permitiu uma reflexão sobre a representação sonora da trajetória pessoal e de formação profissional. Como resultado, notou-se a integração de diversas interlocuções entre variados perfis musicais de vivências dos discentes. Palavras-chave: memórias, histórias de vida, criação. ! ! ! Title: Musical Memories: record of a training path by creating in room class Abstract: The objective of this report is to present an experience of work in curriculum component "Foundations of Music Education I" in the Graduate Program in Music from the experience of two students, one academic and one professional master's degree. In this article, the focus will be the relationship between life memories and autobiographical nature, from the recollection of events, which evoked positive and negative emotional states in the formative process, and drafting of a creation activity in both experiments. The activity aimed to the construction of a musical creation, not necessarily following conventional standards a free sheet music, a "map" on the training course for students representing musical experiences and distributed along a line of chronological time. The exchange of experiences allows a reflection on the sound representation of personal background and training. As a result, it was noted the integration of several dialogues between profiles varied musical experiences of students. Keywords: memories, life`s history, creation. Introdução Em meios acadêmicos, simpósios, congressos, encontros de vivencias, reuniões de pesquisa científica, os estudos com relatos autobiográficos tem crescido no campo educacional. Abordados em relatos de experiências e/ou metodologia de trabalho docente, percebe-se a construção de conhecimento científico através das memórias. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 228 Segundo estudos as histórias de vida, ou seja, a narrativa dos seres humanos em torno das experiências vividas tem sido utilizada em diferentes áreas das ciências humanas e da formação de professores, através da contextualização de seus princípios epistemológicos e metodológicos à formação do adulto a partir dos saberes experienciais, de participação e testemunho (Souza, 2006). Desde início de 1990, no Brasil, os estudos das narrativas autobiográficas passaram a ser estudadas no campo de atuação educacional como movimento de investigação-formação em pesquisas centradas nas memórias e autobiografias de professores. ! ! [...] a memória tem, para Benjamin, a função de efetivar a compreensão do passado pelo presente, num processo constante de construção e reinterpretação. E o tempo é, para Benjamin, uma atualização das experiências, sentimentos, vivências e representações do sujeito na ‘agoridade’ da lembrança, ou numa visão aristotélica: o tempo é a medida do movimento. A Memória é, nesse sentido, a base para a elaboração, para a constituição de um ponto de vista sobre uma dada realidade, em que o sujeito, assim como um pintor ou desenhista, a partir da sua óptica, da sua perspectiva, descortina e representa à luz do presente o amplo horizonte do passado. (Walter Benjamin citado em Vieira, 2007, p. 26-27). A pesquisa biográfica preocupa-se como “os indivíduos-alunos dão à sua experiência de formação e [...] com a relação com o saber que eles constroem e o lugar ocupado pelas aprendizagens e saberes na sua relação com eles próprios, com os outros e com o mundo”. (Delory-Momberg, 2011, p.55). A experiência biográfica permite a construção de relações entre o saber e a formação discente, contribuindo no processo de ensino aprendizagem: os saberes são contextualizados, são conduzidos de forma que os indivíduos representam suas experiências no convívio acadêmico e social, absorvem as aprendizagens e saberes através de suas próprias construções, relacionando-as consigo mesmo, com os colegas e com as diversidades. ! Memória autobiográfica e Histórias de Vida: Prática de formação na Pós Graduação O termo memória autobiográfica refere-se à habilidade de recordar de forma consciente, experiências individuais vividas no passado. Envolve várias capacidades cognitivas, desde aquela que permite lembrar fatos pessoais do cotidiano, até escrever um livro da própria vida, porém a recordação de eventos pessoais é o seu objeto de estudo por excelência (Brewer, 1986; Rubin, 1998 citado em Gauer; Gomes, 2006). Dos episódios que se vive pessoalmente e cuja memória é duradoura, alguns são recordados com grande facilidade, mais do que outros www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 229 eventos que se repetiram inúmeras vezes. Mesmo que tenha ocorrido uma única vez, esses episódios podem ser recordados de forma detalhada e vívida após anos ou décadas. Segundo estudos nas áreas da neurociência e da psicologia cognitiva, a memória autobiográfica poderá ser entendida “como um tipo especial de articulação de memória, emoção e julgamento. Essa articulação é o que propicia a nós conhecermos o mundo e a nós mesmos, e nos apropriarmos de nossa experiência de uma maneira aparentemente singular na natureza.” (Gauer; Gomes, 2008, p.509). Segundo Pineau (2011), as histórias de vida em formação é um meio de perceber um trajeto de vida em construção. Trazemos conosco experiências pessoais, vividas em contextos variados, influências familiares, educativas, profissionais, culturais e religiosas. É uma carga que envolve memória e emoção, experiências que muitas vezes nos marcam negativamente, e passamos por elas vazios, não reflexivos, sem significado. As histórias de vida são uma democratização do poder da expressão, que cria um espaço social para reflexão, para a construção e para a (re)construção nos espaços acadêmicos de graduação e pós graduação. ! ! Ao considerar a cultura, se circunscrevemos a memória como criação de valores e símbolos, a nossa relação com o ausente, e a formação e expressão identidárias não constituiriam um enigma a ser decifrado. Todavia, o sujeito vive em contextos. De suas relações e tensões nesses contextos emerge a sua história, que foge à qualificação do uno, ancorando-se ou permanecendo à deriva de suas múltiplas experiências. Percebe-se que, para compreender a problemática da identidade, o trânsito passa pela percepção de imaginários temporais, referências fundamentadas para se responder a questões da própria identidade: o que fomos e quem somos. (Ferreira; Grossi, 2007, p. 54) Este relato sistematiza experiências de formação no contexto de duas discentes no curso de mestrado no Programa de Pós Graduação de Música da UFBA, uma no espaço do mestrado acadêmico e a outra no recém implantado, mestrado profissional. A elaboração de memoriais em percursos formativos tem sido cada vez mais utilizada como ferramenta pedagógica na formação inicial e continuada, oportunizando cada docente registrar, refletir e reconstruir sua formação e suas práticas de formação. Uma das propostas desenvolvidas no componente curricular “Fundamentos da Educação Musical I” foi a construção de um memorial descritivo, onde cada discente narrou os percursos de vidaformação musical, frisando os aspectos da atuação como músico e como docente. Cada sujeito elaborou uma representação de suas experiências musicais, distribuídas ao longo de uma linha de tempo, de forma livre (fotografias, vídeos etc) e que demonstrasse “pistas” para a elaboração de uma atividade criativa através de uma composição musical. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 230 ! ! ! ! ! ! ! ! Figura 1 – Exemplo de linha de tempo. Fonte: do Autor ! Na experiência da discente do mestrado profissional (idade: 31 anos), a partitura musical foi criada livremente, inspirada nos processos de partitura e composição/criação de Murray Schafer (1991), que defende a criação de partituras desde o início do ensino musical, por criação de desenhos/símbolos feitos pelos alunos. “É preciso aperfeiçoar os modos de apreensão do som pelo homem, valorizar sua importância, e fazer um profundo trabalho de conscientização a respeito de seu impacto no ambiente”. (Fonterrada, 2011, p.278). O esboço da partitura foi pensado em relação ao tempo cronológico, dividido em três décadas. Inicialmente sua criação foi construída a partir de lembranças musicais, o interesse era mostrar desde as fases de formação inicial até à prática de formação docente. Em seguida foram criados sons para eventos não didáticos (em que a autora descreve problemas educacionais vividos em aulas de música), outros sons para os trabalhos como educadora musical e citações de melodias de algumas músicas de sua formação até a universidade. A composição que resultou nesse trabalho intitulou-se “Musicanda”, possuindo quatro movimentos com a duração de 4’33 (quarto minutos e trinta e três segundos) em homenagem a John Cage, um dos mais controversos e influentes compositores do séc. XX, que rejeita os princípios convencionais da criação musical a favor de uma abordagem radical baseada na improvisação e na construção aleatória de sons. Cada movimento foi pensado em grandes fases, vivida pela autora, os sons foram criados com timbres e texturas simples e complexas, conforme cada fase. Funcionando quase como um baixo ostinato (som que se repete enquanto a melodia acontece), no caso seriam as citações de algumas músicas, sons criados para representar o trabalho com educação e em momentos que a aprendizagem musical não passou por um bom processo de ensinamento. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 231 Após os primeiros testes de gravação, as citações de compositores e os sons característicos de cada momento foram escolhidos, por último os sons de trabalho com educação musical e ensinamentos sem didática adequada. ! ! ! ! ! ! ! ! ! Figura 2 – Partitura livre (influência de Schafer). Fonte: Do autor ! A experiência da segunda discente foi moldada a partir da integração de algumas linguagens artísticas além da música: as artes visuais e a poesia. O processo criativo resultou numa edição de vídeo que constou: 1) A Música (o áudio): uma partitura tradicional e ao mesmo tempo livre, contendo fragmentos de peças musicais aliado a “novos sons” que criassem ambiências que mostravam que em todo percurso de formação houveram momentos de incertezas, inseguranças, crises e conflitos, além da inserção também de uma composição inédita de autoria da mesma discente, produto de um outro componente curricular da Pós Graduação; 2) Artes Visuais e Novas tecnologias: inserção de uma escultura de arame feita pelo artista Juraci Dórea1 utilizando técnica de animação; 3) Poesia: as palavras filosóficas de ‑ um poema intitulado “Estudo 165"de Antônio Brasileiro2 que relata a subjetividade do ser ‑ humano com “suas teogonias, seus dramas, seus soluços”. Considerações Finais Escrever histórias de vida e narrar experiências autobiográficas, compostas por recordações pessoais, educativas e profissionais permitem partilhar aprendizagens e saberes no convívio acadêmico e social. Essas práticas pedagógicas apresentam experiências que envolvem a formação de sujeitos, em espaços diferenciados, a partir de uma perspectiva criativa e de uma abordagem biográfica. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 232 Neste artigo faz-se referência de como um modelo de atividade composicional e criativa, inspirada na narrativa de memórias, com reflexões individuais e do grupo, contribuem na formação dos professores. Nota-se a integração e a interação, desenvolvendo a percepção, reflexão dos discentes no espaço da sala de aula e na construção da identidade pessoal e social. Coopera com a aproximação entre docente e discente favorecendo possíveis indagações futuras, formando indivíduos pensantes e reflexivos. Envolve também várias capacidades cognitivas e emocionais. No processo de recordação consciente de eventos, tanto através das narrativas dos memoriais de formação como pelas imagens e pelas composições evocaram emoções e sentimentos de reviver os acontecimentos tanto aqueles que foram agradáveis (realizações, influências, maturidades, referências etc.), como desagradáveis (frustações, procrastinação, decepções, perdas etc). ! Referências Alencastro, L.da S.(2009). Relações entre estilo cognitivo verbal-visual, recordação e expressão narrativa de eventos autobiográficos. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, UFRGS, Inst. de Psicologia, Programa de pós graduação em Psicologia do Desenvolvimento. Delory-Momberg, C. (2011). Os desafios da pesquisa biográfica em Educação. In: Souza, E. C. de. (org.). Memória, (Auto) Biografia e Diversidade: questões de método e trabalho docente (pp.43-58). Salvador, EDUFBA. Ferreira, A. C. e Grossi, Y.de S. (2007). Da memória: com a venda nos olhos. In: Silva, I. de O. e Vieira, M. L.(org.). Memória, Subjetividade e Educação. (pp. 54). Belo Horizonte, MG: Argvmentvm; Três Corações, MG: Unicor. Re Gauer, G. & Gomes, W.G. (2006). A experiência de recordar em estudos da memória autobiográfica: aspectos fenomenais e cognitivos. Memorandum, 11, 102-112. Extraído de http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a11/gauergomes01. Souza, E. C. de (2006). A arte de contar e trocar experiências: reflexão teórico- metodológicas sobre história de vida em formação. Revista Educação em Questão, v.25, nº 11, jan./ abril (pp. 23 – 39). Natal. Schafer, R. M. (2001). A afinação do mundo. (Trad. Fonterrada, M. T. O). São Paulo: Editora UNESP. ___________________. (1991). O ouvido pensante (Trad. Fonterrada, M. T. O; Silva, M.R.G; Pascoal, M. L.). São Paulo: Fundação Editora UNESP. Vieira, M.L. A metaforização da memória ou a Dialética da rememoração em Walter Benjamin. In: Memória, Subjetividade e Educação. (pp. 26-27). Belo Horizonte, MG: Argvmentvm; Três Corações, MG: Unicor. 1 Juraci Dórea, arquiteto e artista plástico, nasceu em Feira de Santana, Bahia, em 15 de outubro de 1944. Idealizou o Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana. Mestre em Literatura e Diversidade Cultural pelaUniversidade Estadual de Feira de Santana (março de 2003). Dedica-se às artes plásticas desde o começo dos anos 60 e já participou de numerosas exposições no Brasil e no exterior.http://www.uefs.br/nes/juracidorea/ interno.php?secao=biografia www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 2 233 Antônio Brasileiro é escritor e artista plástico. Tem cerca de vinte livros publicados (poesia, ensaio, conto, romance), destacando-se entre eles:Caronte (romance, 1995), Antologia poética (1996), Da inutilidade da poesia (ensaio, 2002), Poemas reunidos (2005) e Dedal de areia (poesia). Como artista plástico, fezcerca de 70 exposições. Doutor em Letras, ensina na Universidade Estadual de Feira de Santana, onde reside atualmente.http://a-brasileiro.blogspot.com.br/ www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 234 Breve análise do desenvolvimento sócio-cognitivo e comportamental no aspecto criativo musical de alunos de música ! Vilma de Oliveira Silva Fogaça Universidade Federal da Bahia/Programa de Pós-Graduação em Música Bolsista CAPES [email protected] ! Resumo: Este trabalho é fruto de uma reflexão e análise pós-pesquisa de mestrado. A pesquisa desenvolvida por Fogaça(2010) teve por objetivo estudar o processo de construção das competências articulatórias de um estagiário em Licenciatura em Música, cuja formação passou pelo estudo específico do referencial teórico da Abordagem PONTES, que visava através dos resultados do desenvolvimento destas competências articulatórias, que o estagiário promovesse um ensino criativo de música e consequentemente, esse processo de ensino-aprendizagem musical desenvolvesse a mente criativa musical dos seus alunos. A pesquisa não focou no estudo dos processos cognitivos que estavam implícitos no desenvolvimento da criatividade musical dos alunos. Todavia, para a realização da pesquisa de doutorado, os dados obtidos durante a pesquisa de mestrado estão sendo revistos e analisado por outras óticas, dentre elas, a sócio-cognitiva. Sendo assim, esse trabalho se propõe a demonstrar e explicar brevemente, o desenvolvimento das competências criativas musicais e a construção e de um perfil comportamental propício ao desenvolvimento da mente criativa musical por parte dos alunos do estagiário mencionado, que foram alcançados através de suas ações pedagógicas articulatórias. Palavras-chave: criatividade musical, aprendizagem musical, articulações pedagógicas musicais. ! ! Title: Short analysis of the socio-cognitive and behavioral development in the musical creative aspect of music students Abstract: This text is the result of a post facto analysis and reflection by the author on her master thesis (2010) investigative study, which studied the process of building the articulatory competencies of a student-teacher from the Music Education course, educated by the regular music education methods and also had a specific specialization with the PONTES approach and intended to promote a creative music teaching in trainee and consequently, this process of music teaching and learning develop creative musical minds of his students. The research did not focus on the study of cognitive processes that were implicit in the development of musical creativity of students. However, for the attainment of a PhD research, data obtained during the master’s research are being reviewed and analyzed by other point of view, among them, the socio-cognitive one. Thus, this study aims to demonstrate and briefly explain the development of creative musical skills, as well as, an appropriate behavioral profile to the development of trainee students creative musical minds mentioned, which were achieved through their pedagogical articulation actions. Keywords: musical creativity, musical learning, musical pedagogical articulations. Introdução Em 2010, foi defendido por Vilma Fogaça o trabalho “Criatividade musical: abordagem pontes no desenvolvimento das competências articulatórias na formação do professor de música” para a obtenção do título de mestre. A pesquisa teve por objetivo estudar o processo de construção das competências articulatórias de um estagiário em Licenciatura em Música, cuja formação foi complementada com o estudo específico do referencial teórico da www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 235 Abordagem PONTES (Oliveira, 2001, 2008) que visava através dos resultados do desenvolvimento de competências articulatórias, que o estagiário promovesse um ensino criativo de música e consequentemente, esse processo de ensino-aprendizagem musical desenvolvesse a mente criativa musical dos seus alunos. Durante o período da pesquisa, o foco foi a análise das construções das competências articulatórias do ponto de vista pedagógico da formação acadêmica do licenciando e nos resultados musicais e de aprendizado musical do processo de desenvolvimento da criatividade musical dos alunos do mesmo. Os aspectos cognitivos, tanto do processo de construção das competências articulatórias do estagiário, quanto do desenvolvimento da criatividade musical de seus alunos, não foram observados detalhadamente. Todavia, desde o ano passado, no processo de escrita de tese, a autora ao revisar e analisar seu próprio trabalho, após um período de ‘descanso’ e assentamento das informações, pode olhar mais cuidadosamente para os eventos cognitivos implícitos ao processo, mas que são demonstrados com muita clareza. Assim, será realizado com base em dados de uma pesquisa de mestrado concluída, uma breve análise do “caminho” de desenvolvimento não apenas da mente musical dos alunos do estagiário, mas também, de uma postura e comportamento favoráveis à manifestação de sua musicalidade e criatividade musical, do surgimento de um indivíduo capaz de propor seu próprio discurso musical. ! Criatividade e Abordagem PONTES A Abordagem PONTES é um referencial teórico que vem sendo desenvolvido por Alda Oliveira desde o ano de 2001, em colaboração com o grupo de pesquisa MeMuBa1, que inicialmente observou as estratégias de ensino dos mestres de tradição cultural popular da Bahia (Brasil), e tentou identificar e compreender de que modo esses mestres asseguravam, através de um processo de ensino-aprendizagem, a perpetuação e manutenção de uma cultura. Assim, Oliveira atentou para ações pontuais que promoviam a aproximação dos saberes de tradição do mestre ao aprendiz. Essas ações pontuais foram identificadas como “articulações pedagógicas” ou, metaforicamente, ‘pontes’, que segundo Oliveira: “Por articulação pedagógica entende-se todo o percurso no processo de ensino e aprendizagem (movimento) em direção à construção do conhecimento necessário para solucionar problemas, que é realizado na práxis educativa entre indivíduos.” (Oliveira, 2008, p. 05). Aprofundando os estudos no tema “articulações pedagógicas”, Alda Oliveira propôs a Abordagem PONTES (AP), que é definida como “[...] uma proposta de reflexão teórica www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 236 centrada na racionalidade prática, que visa ajudar na formação de professores de música, desenvolvendo uma atitude docente interativa e colaboradora, através de articulações pedagógicas no processo de ensino e aprendizagem.” (OLIVEIRA, 2008, p. 04). Assim, PONTES é um acróstico formado pelas iniciais das ações pontuais articulatórias (competências articulatórias) que Alda Oliveira denominou (e conceituou cada uma delas) de: Positividade – Observação – Naturalidade – Técnica – Expressividade – Sensibilidade. A partir das observações com os mestres da cultura popular, a pesquisa alcançou o espaço acadêmico. Em 2008, Rejane Harder defendeu a primeira tese de doutoramento embasada na Abordagem PONTES no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da Bahia (PPGMUS-UFBA). Desde então, vem sendo realizadas, no âmbito do PPGMUS-UFBA, pesquisas em que AP tem sido o principal fundamento teórico para estudar e aplicar os conhecimentos acerca do desenvolvimento das competências articulatórias na formação do educador musical e no exercício do magistério musical. Essas pesquisas foram vinculadas a outros temas de estudo como: formação do estagiário, teatro musical, ensino do instrumento, musicalização infantil, ensino de música em contextos de tradição cultural, criatividade musical, avaliação musical. Hoje, existem duas pesquisas de doutoramento fundamentadas na AP sendo realizados: Souza, que estuda as ‘pontes’ de professores de música em escolas de turno integral do ensino fundamental e Fogaça que realiza uma pesquisa focada nos temas filosóficos e teóricos da Abordagem PONTES, construindo uma análise crítica do desenvolvimento da mesma, que é auxiliado pela autora da AP (Alda Oliveira) e pelos membros do grupo de pesquisa. Esta pesquisa também se concentra no aprofundamento do conceito da competência articulatória “naturalidade”. É importante considerar que no caso da pesquisa a ser colocada neste trabalho, houve uma comunhão de princípios e objetivos entre a AP e o tema “criatividade”, pois “criatividade pedagógica”, que também é fundamental para o desenvolvimento da criatividade musical, está no cerne da proposta da AP, que entre outras construções objetivadas: Lida com criatividade pedagógica, com postura docente, adequação e aproximação estratégica aos alunos, às instituições, e também com o aproveitamento das oportunidades (sinais que a vida e as próprias atividades dão a quem está envolvido) que aparecem durante a práxis educacional, entendida como relação dinâmica entre teoria e prática, ou seja, teoria/prática. (Oliveira, 2008, p. 5). Começando… ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 237 Como foi dito, foi realizado um estudo de caso com um estagiário no contexto já supracitado, com uma turma que começou o ano letivo com oito alunos e terminou com seis alunos, entre 08-10anos de idade. O sujeito estudado se dispôs a participar de um processo formativo específico acerca AP e através do desenvolvimento de competências articulatórias e da construção de uma pedagogia musical criativa, deveria proporcionar durante seu estágio, o desenvolvimento da criatividade musical de seus alunos. O estágio foi realizado num curso de extensão da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia. O sujeito em questão foi participante de um estudo de caso da supracitada pesquisa. Foi usado o pseudônimo de “Jean” para nos referirmos ao sujeito durante o trabalho. O processo formativo ministrado pela pesquisadora (também orientadora-docente) junto ao estagiário, realizado (entre outras ações) através da leitura de material bibliográfico acerca da AP, análise e reflexão das aulas, dos resultados criativos musicais dos alunos, da observação do comportamento do aluno frente às atividades de cunho criativo musical (improvisação musical) e também, da autorreflexão do estagiário acerca de suas ações docentes e da identificação de suas ações articulatórias em sala de aula. O processo descrito a seguir, encontra-se registrado no Capítulo 3 – Análise de Dados, da referida dissertação de mestrado (Fogaça, 2010, p. 77-205). Ao iniciar o estágio, a primeira ação tomada foi uma sondagem realizada pelo estagiário acerca do perfil da turma. O que ele encontrou foi “a dificuldade em conseguir que os alunos se dispusessem a participar das atividades de criação musical2 [...]” (idem, p. 78). Assim, foi pensado que o primeiro passo seria, através da realização de ‘pontes’, criar um ambiente favorável e acolhedor para o desenvolvimento e recepção dos resultados dessas atividades, que pudessem “se arriscar” com alguma segurança e menos timidez. Alencar (1986) considera essa construção de contexto de suma importância no desenvolvimento da personalidade criativa: “na medida ainda que os traços associados à criatividade, como espontaneidade, curiosidade, independência, iniciativa, forem cultivados e reforçados no meio social onde o indivíduo se acha inserido, produções criativas terão mais chances de ocorrer.” (1986, p. 38). Então, aos poucos os alunos foram compreendendo que esta atividade fazia parte da rotina da aula de música e se adaptando à realidade de que todos estavam sujeitos a ela. As atividades de improvisação rítmicas se desenvolviam de modo mais espontâneo e o aluno que porventura não quisesse se arriscar ganhava o apoio dos demais. Esse é um traço comportamental importante, pois a mudança de comportamento não foi somente em relação ao próprio momento criativo, mas também ao momento criativo do outro, o que demonstra que eles estavam encontrando a importâncias da atividade para todo o grupo. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 238 ! Improvisação melódica: novos desafios, conquistas e compressões Como os alunos já estavam confortáveis com as atividades de improvisação rítmica, aos poucos, os elementos melódicos iam sendo inseridos: primeiro ao metalofone, depois ao piano e teclados. Quando esse processo começou a ser iniciado, o comportamento de inibição dos alunos voltou a aparecer, dessa vez, justificado com questões de estética. A grande questão era o pré-julgamento que, provavelmente, não iria ficar bonito’, pois eles achavam que não tinham competência para fazê-lo. Portanto, era preciso fazê-los ganhar confiança e isso exigia mudanças profundas em termos de autoestima, autoconfiança e apreço pelo que eles produziam musicalmente. Atenuar o fator inibidor era fundamental pois, segundo Nachmanovitch, ao falar do papel da “musa” (que propõe) e do “revisor” (que dispõe) na vida do artista, pode-se considerar do aprendiz de arte: “Se o artista julga seu trabalho antes que haja algo a julgar, ocorre um bloqueio ou uma paralisia. A musa é criticada antes mesmo de se manifestar.” (1990, p. 123). Após vários trabalhos com improvisações em escala pentatônica oriental, foram dados inícios aos trabalhos que não seguiam exatamente uma determinação de escala ou modo, apesar de, espontaneamente, serem realizadas produções na escala diatônica de Dó Maior. Durante esse período, a turma também estava aprendendo diversos conteúdos teóricos musicais agregados à prática de performance e jogos musicais, atividades de apreciação musical e unido a isso, o exercício com o desenvolvimento de expressão de suas opiniões e críticas acerca de seus próprio trabalhos musicais, dos colegas e de todo material que era apreciado em sala de aula. Assim, quando foi iniciada essa nova etapa no desenvolvimento da criatividade musical da turma, eles já tinham um material de conhecimento musical em mente, que no início não possuíam. O que ocorreu novamente durante o início de um novo processo criativo musical com a introdução de novos elementos, parecia haver desequilibração e voltar ao estado anterior: não de conhecimento, mas de comportamento. Pensando em termos piagetianos, o que estava em assimilação (segundo Dolle (2005, p. 75) “assimilação” é o processo de agregar um elemento novo ao meio pré-existente, transformando-o, sem destruí-lo) e a acomodação-adaptação3, em termos de conhecimento, se concluía. Os alunos demonstravam manutenção da compreensão de novos conhecimentos musicais, inclusive, expressando-os em suas criações musicais. Todavia, em termos comportamentais, sempre havia uma desestruturação de atitudes por parte dos alunos, que lembram as primeiras fases do processo como: inibições e recusas. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 239 Sempre era preciso recomeçar um trabalho pedagógico-articulatório nesse sentido que resultava em consequências positivas, mas, era preciso que elas se estruturassem de modo mais permanente. Quando eles começaram a realizar as improvisações ao piano, isso foi um ponto positivo, pois eles gostavam do instrumento e fazer a atividade nele era algo motivador. Então, o piano passou a ser usado com maior frequência. Outro recurso utilizado foi aproveitar absolutamente tudo que o aluno expressava musicalmente e também mostrar que até brincando se podia fazer uma improvisação, mostrar simplicidade no processo. Em uma cena, uma aluna se recusou a fazer a atividade que consistia em sentar-se ao piano e improvisar com os colegas assistindo, que encenavam estarem em um concerto, com direito a aplausos no final. Então, a pesquisadora-orientadora realizou uma intervenção pedindo que ela fizesse alguma “coisinha” ao piano, todavia: [...] sua intenção não foi banalizar o procedimento (improvisar), nem o seu produto (música), mas demonstrar simplicidade e conseguir algum material musical que ela encontrasse um caminho para desenvolvê-lo. Muitos improvisos começam com notas aleatórias que irão desenvolver frases, motivos ou até mesmo, temas, à medida que a exploração sonora acontece. (Fogaça, 2010, p. 159). ! Mafiolletti (2005) também está de acordo com o fato de que uma ação despretensiosa poderá tornar-se em uma atividade criativa musical producente e que o fato de nos esforçarmos para proporcionar ao aluno um ambiente favorável para a criação musical, que o sentimento de conforto frente a esse processo esteja acontecendo dentro dele: Entretanto deixar livre para criar não é o mesmo que se sentir livre para criar. Para orientar as crianças que diziam não ter idéias sobre o que fazer nos momentos livres para criar, pensei em como eu mesma fazia para improvisar. Eu sentava ao piano e tocava qualquer coisa; quando fazia algo interessante, voltava a esse ponto e repetia o que tinha feito para trabalhar melhor a idéia [...]. (p. 38). ! De qualquer forma, nesse período, a maior parte da turma já estava começando a apresentar sinais de que conquistas do desenvolvimento da personalidade criativa musical estavam se estruturando. Demonstravam curiosidade durante as atividades, o número de recusas havia diminuído consideravelmente e com frequência, pediam mais uma “rodada” da atividade. ! Um exemplo significativo de desenvolvimento Fogaça (2010, p. 163-166) relata a cena de um início de aula inusitado. O estagiário chegou em sala de aula e o aluno Paulo (pseudônimo) estava tocando teclado, ele improvisava um motivo melódico. O estagiário pediu que ele repetisse e nesse momento chegaram outros colegas que aprovaram o motivo e disseram que gostariam de tocar. O motivo era levemente www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 240 jazzístico, e todos queriam desenvolvê-lo. Paulo ficou muito feliz com a recepção de sua criação musical e a chamou de Black Jack. Assim, promovendo diversas ‘pontes’ com esse instante e esse material musical produzido pelo aluno, Jean passou a utilizar o Black Jack todas as aulas, sempre desenvolvendo ou aprimorando algum conteúdo musical, seja teórico ou prático (performático). A turma gostou de fato desse motivo e ele se tornou uma espécie de refrão para o que passou a ser chamado de “rondó improvisativo”, em que cada um realizava sua improvisação após esse refrão e depois ele era tocado novamente para dar continuidade. Os avanços em termos de complexidade foram muitos. Começando com o metalofone e com improvisações completamente livres, aos poucos, os alunos começaram a entender o sentido de frase e de finalização dentro do modo maior, naturalmente eles improvisavam melodias que ao final pediam uma cadência perfeita. Depois foi pedido que as improvisações durassem quatro ou oito compassos, primeiro sem abordar o termo técnico (compasso) todavia, posteriormente, esse recurso foi usado para explicar o conteúdo. Depois, colocou-se uma base harmônica ao piano, e os alunos, independente se sua improvisação acompanhar ou não a harmonia, deveriam tocar simultaneamente a ela. Aos poucos, os alunos foram desenvolvendo uma percepção interior de caminho harmônico e a maioria teve sucesso em conseguir realizar improvisações completamente adequadas à harmonia implícita no motivo original. Depois desse processo, iniciou a fase em que o Black Jack era tocado no metalofone, Jean executava a base harmônica no teclado e cada aluno realizava uma improvisação ao piano. As improvisações ao piano eram nesse formato ou estilo livre, sem o refrão. Essa fase foi rica em manifestações de estruturação de aprendizagem musical e desenvolvimento de novos conhecimentos, ainda que não tivessem sido abordados de modo sistemático pelo estagiário. Assim, na busca de solução para os problemas encontrados para expressarem sua idéia musical, os alunos que tinham alcançado um nível alto de prazer nas atividades criativas musicais, eles não se contentavam em abandonar suas idéias, eles arriscavam meios de tornalas viáveis. Por conta disto, vários conteúdos que não contavam no primeiro ano desse curso de extensão foram abordados, pois havia uma necessidade musical dessas crianças em ampliar o conhecimento e demonstravam já estarem prontos para receber novos saberes e que já tinham estruturas que pudessem desenvolver de modo significativo esses saberes. Muitas ZDPs (Zona de Desenvolvimento Proximal)4 foram abertas e Jean soube articular novos conhecimentos com a necessidade que os alunos apontavam estes e o potencial de cada um em desenvolvê-lo. Assim, conteúdos como: divisão de compasso, tom e semitom, passagem www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 241 de dedo, cruzamento de mãos (esses dois últimos de execução e performance), foram abordados a partir de necessidades trazidas pelos fazeres criativos musicais dos alunos do estagiário. ! Conclusão Após esses resultados, o pesquisador concluiu que a Abordagem PONTES foi uma importante ferramenta na construção de competências articulatórias do estagiário e viabilizando com sucesso o desenvolvimento da mente e da personalidade criativa musical de seus alunos. De fato, dar liberdade é bem diferente que o aluno se sinta livre e seguro o suficiente para se expor em atos criativos musicais. As questões comportamentais e emocionais devem ser tratadas com seriedade e delicadeza ao mesmo tempo. Foi um trabalho interior intenso por parte do estagiário em manter sua própria motivação (com o apoio do pesquisador-orientador) diante de tantas recusas por um longo período de tempo, todavia o docente deve estar preparado para esses entraves e ter em mente estratégias para superá-los. Quanto ao desenvolvimento da criatividade musical, ficou evidente que as articulações realizadas pelo estagiário, segundo sua formação na AP, foram fundamentais para os alunos vencerem as dificuldades iniciais de inibição, falta de interesse nas atividades de improvisação e falta de estima com a própria produção criativa musical (entre outras), os alunos avançaram em termos de aprendizagem musical de tal forma que foram além do que propunha o conteúdo programático para aquele ano desse curso de extensão, isso, atendendo às necessidades e vontade pessoal de cada um em resolver os problemas que suas idéias musicais traziam, como desafio para a realização de sua produção criativa musical. Por fim, conclui-se que todo o processo foi bem sucedido, começando pelos aspectos pedagógicos até a condução do processo de desenvolvimento da mente criativa musical do aluno de música. ! Referências Alencar, M. E. S. de. (1986) Psicologia da criatividade. Porto Alegre: Artes Médicas. Dolle, J. M. (2005). Para compreender Jean Piaget. (2 ed.). Lisboa: Instituto Piaget. Fogaça, V. de O. S. (2010). Criatividade Musical: Abordagem PONTES no desenvolvimento das competências articulatórias na formação do professor de música. Dissertação (Mestrado em Música). Não publicado. Universidade Federal da Bahia, Salvador: 2010. Harder, R. (2008). A Abordagem PONTES no ensino de instrumento: três estudos de caso. Tese (Doutorado em Música) Não publicado. Universidade Ferderal da Bahia, Brasil. Maffioletti, L. de A. (2005) Diferenciações e integrações: o conhecimento novo na composição musical infantil. Tese (Doutorado em Música). Não publicado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: 2005. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 242 Nachmanovicth, S. (1990) Ser criativo: o poder da improvisação na vida e na arte. (3 ed.) São Paulo: Summus Editorial. Oliveira, A. (2008). Pontes educacionais em música. Texto apresentedo e distribuído no 17º Encontro Anual da ABEM, São Paulo. Oliveira, A. (2001). La enseñanza de la música: América Latina y el Caribe [Music Education in Latin America and the Caribbean]. V. Fajardo & T. Wagner (Org.). Métodos, contenidos y enseñanza de las artes en América Latina y el Caribe. Paris, UNESCO, 27-30 (in Spanish). 1 Grupo de pesquisa sobre Mestres da Música da Bahia, coordenado por Alda Oliveira cuja pesquisa é apoiada pelo CNPq. 2 As atividades de criação musical era de cunho improvisativo, começando com improvisações rítmicas (evoluindo em proposta de complexidade), depois melódicas em escala pentatônica e por fim melódicas livres e com acompanhamento harmônico. 3 Evento em que a estrutura se modifica e se adapta, ou seja, se equilibra, com o novo elemento trazido pelo meio (Dolle, 2005, p. 75). 4 Oliveira (2008, p. 9) ressalta a importância desse conceito criado por Vygotsky dentro dos princípios de atuação da AP, e que em outras palavras seria a distância do nível de potencia que um indivíduo tem de solucionar um problema de modo independente e o nível de possibilidade de potencial que possa ser desenvolvido nele, para que ele solucione novos problemas com a intervenção de um adulto ou outros colegas. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! ! ! ! ! ! Cognição Musical e Processos Perceptivos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ 243 Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 244 Atitude Gestual como agente cognitivo na música escrita para percussão ! Fernando Chaib ! Instituto Federal de Goiás (IFG) [email protected] Resumo: O artigo discorre sobre o conceito de atitude do fenômeno gestual como veículo comunicativo na performance percussiva. Faz-se primeiramente uma breve explanação de cunho antropológico sobre a aplicação desse conceito no quotidiano do indivíduo. Posteriormente incorporamos as relações de atitudes gestuais no fazer musical percussivo. Através da ilustração de alguns exemplos musicais (obras de David Lang, Tan Dun, Mário Laginha e François BernardMâche), buscou-se demonstrar de que maneira as atitudes do gesto poderão interferir nas vias cognitivas de compreensão e comunicação da plateia em determinadas performances musicais. Palavras-Chave: gesto, atitude, cognição, música para percussão, performance. ! ! ! Title: Gestural Attitude as cognitive agent in works for percussion Abstract: This paper discusses concepts of the gestural attitudes as a communicative vehicle under percussive performance, performing a brief anthropological overview about it. Subsequently becomes an observation on the relationship between gestural attitudes incorporating them in percussive music making. Through the illustration of some musical examples (works by David Lang, Tan Dun, Mário Laginha and François Bernard-Mâche), we sought to demonstrate how the gestural attitudes may interfere on the cognitive process of understanding and communication of the audience at certain musical performances. Key-Words: gesture, attitude, cognition, percussion music, performance. 1. Introdução Pesquisas realizadas sobre o fenômeno gestual e suas relações cognitivas abrigam discussões em diversas áreas científicas. Nas Artes, observamos como são recentes os estudos que relacionam o gesto com o fenômeno sonoro em específico: “We are only in the beginning of more systematic studies of gestural affordances of music sound, and needless to say, there are very many theoretical and methodological challenges here” (Godøy, 2010, p.122). Dentre as atuais pesquisas realizadas sobre esse tema, nos chama a atenção a relação do gesto e de suas atitudes perante os fatores cognitivos presentes na transmissão de um conteúdo musical em uma performance percussiva. Observaremos de que forma as atitudes dos gestos podem dinamizar a ação do intérprete, atuando nos processos cognitivos de comunicação, referente aos materiais performativos oferecidos ao público. ! 2. Atitudes do gesto De acordo com Rudolf Laban a compreensão do movimento vem “por intermédio da descoberta das atitudes que prevalecem em relação aos fatores de movimento, ou estão ausentes, numa dada sequência de movimentos” (Laban, 1978, p.170). Percebe-se por esta www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 245 afirmação como o conceito de atitude é condição si ne qua non para o papel comunicativo do movimento enquanto fenômeno gestual. Por outro lado, Morris nos diz que: “[...] muitos gestos são, pela sua própria natureza, capazes de abranger uma vasta gama de mensagens associadas” (Morris et al. 1979, p.23). Assim, um gesto realizado com a mão contendo as pontas dos dedos todas juntas apontadas para cima (Fig.1) poderá significar dúvida, quantidade, crítica, etc., dependendo da região onde o mesmo é subentendido. A situação constituída no momento em que o gesto ocorre também poderá ser um fator determinante de interpretação do mesmo. Um exemplo será o acenar do punho cerrado com dedo polegar levantado e apontado para cima (Fig.1.2): ! Fig.1: Pontas dos dedos juntas, apontadas para cima. Fig.1.2: polegar para cima com o punho cerrado. A ilustração Fig.1.2 significa, em geral, um sinal de aprovação. No entanto, quando esse gesto é realizado no decorrer de uma situação de perceptível reprovação torna-se evidente uma certa atitude de ironia no gesto transmitido. Nessa perspectiva o transmissor, através da conjuntura estabelecida no momento da sua ação, passa a ter um forte ingrediente de implementação no gesto pois, dependendo da sua atitude, poderá alterar o seu significado. A postura corporal talvez seja o meio mais primitivo de se observar as atitudes de um indivíduo. Não é incomum taxarmos certas interpretações de mecânicas no sentido de o intérprete estar administrando a sua execução (e, por consequência, o resultado musical). Mesmo executando-se tudo o que está na partitura de uma forma sistemática, somos capazes de dizer que a interpretação não trouxe emoção ou que houve um distanciamento entre o intérprete e a obra ou entre o intérprete e a plateia. Também conseguimos perceber pela postura corporal do intérprete se a obra está bem preparada. Apenas com o seu corpo o músico é capaz de transmitir um estado de nervosismo ou calma, o que certamente conduzirá o público a adquirir uma sensação de incômodo ou bem-estar: “[...] con sorprendente frecuencia, las personas imitan las actitudes corporales de los demás” (Davis cit. Scheflen, 2009, p.126). O público poderá assumir uma posição de desinteresse e insegurança ou conforto e prazer ao perceber e aceitar essa atitude no intérprete. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 246 Se numa visão antropológica (social) e coreográfica (artística) as atitudes aplicadas sobre o gesto são capazes de pluralizar o sentido da mesma ação, em música não será diferente. Podemos perceber a ocorrência de atitudes gestuais capazes de gerarem diferentes interpretações acerca das informações transmitidas: We may say that musical gestures are in a certain sense objective, but our attitudes towards them is subjective and may vary quite significantly. In other words, just imagining a case of a simple interval, for someone it is “just an interval”, for another one it may be a “cell” or a “motive” and somebody else may consider it even a “theme”, etc. Probably each one will have it own true, approaching the interval with different perspective (Bachrata, 2011, p.57). ! O comentário acima trata das atitudes aplicadas ao gesto musical, citando como exemplos “motivos” ou “temas”. Mas se construirmos uma leitura contributiva para a performance e a interpretação musical começamos a perceber que o próprio gesto corporal do intérprete também se munirá de atitudes para usufruir de maiores requisitos no desempenho de sua performance. Na performance percussiva a atitude do gesto será determinante e perceptível sob diversos aspectos. Uma obra de percussão múltipla, por exemplo, poderá gerar distintas relações entre instrumentos e instrumentista. A atitude do intérprete diante da montagem será determinante para transmitir ao espectador um sentido de homogeneidade ou heterogeneidade. Assim, deve-se levar em conta a preocupação tímbrica, funcional e de fluidez da performance e da obra. As atitudes com as quais o percussionista lida com os instrumentos que compõe a sua montagem ditará o desenvolvimento da sua performance, bem como a transmissão do conteúdo musical. Relativamente aos eventos sonoros, as mesmas poderão ser constatadas através da espacialização e exploração tímbrica sobre os instrumentos. Uma outra forma da agir do percussionista dar-se-á do ponto de vista corporal. Fatores como energia (força) e níveis de tensão/relaxamento do corpo poderão evidenciar distintas atitudes tomadas pelo intérprete no momento da performance. ! 3. O conceito de atitude, aplicado na performance para percussão, em relação à espacialização da montagem A obra Water Music for Solo our Four Percussionists (2004), de Tan Dun, permite a possibilidade de mudança de certas atitudes através das versões solo e para quarteto1. Apesar de o texto musical manter-se igual para as duas versões, o mesmo poderá ter o seu discurso alterado por assumir atitudes diferentes diante das hipóteses de performance. Contudo, fatores www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 247 composicionais e materiais (notação, partitura e instrumentos sugeridos como fontes de exploração sonora), seguem sendo os mesmos. Nesta obra exploram-se elementos geralmente colocados em segundo plano na produção musical tradicional, como a questão visual (luz e espaçamento) e movimento corporal em conformidade com a montagem. A forma da obra poderá ser outro fator atingido, uma vez que na versão a solo é admitida a alteração da ordem das seções, permitindo-se a subtração de algumas partes com a intenção de a performance não perder a sua fluidez em função da sistematização de execução das vozes em conjunto. Aqui discutiremos a espacialização da performance em quarteto. São sugeridas duas alternativas de montagens, evidenciando atitudes distintas sobre a espacialização (Dun, 2004). Uma, com vistas à performance realizada em palco estilo italiano (Fig.1.3) 2: ! Fig.1.3: Performance de Water Music for Solo our Four Percussionists (2004), de Tan Dun: palco estilo ! italiano. A outra proposta de espacialização tem como finalidade a realização da obra num espaço estilo galeria. No caso desta última será praticamente impossível, à versão solo, explorar o efeito estéreo quadrifônico, notoriamente exequível em uma versão para quarteto3. Observando a Fig.1.44 torna-se evidente a existência, no espaço estilo galeria, um maior distanciamento entre os intérpretes além de uma diferente disposição do público. Como consequência, nesse tipo de performance, existe uma maior espacialização do som o que permite ao público identificar diferentes nuances de fraseados além da convergência e fusão tímbrica entre as partes executadas. De fato, o público percebe a massa do som na performance estilo galeria de forma diferente. As informações sonoras aparecem de todos os pontos da sala (pela frente, por detrás e pelos lados). Outro fator interessante a ser observado é que, através dessa perspectiva, será possível captar distintas relações visuais e www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 248 sonoras de dentro do público. Isso ocorre porque nessa disposição, a plateia tem maior mobilidade e possibilidade de acomodações menos “ortodoxas” em relação ao palco italiano. O ângulo de visão e consequentemente o resultado sonoro obtido terão distintos níveis de apreciação para a plateia em relação ao palco italiano (conFigurado como mais tradicional). ! Fig.1.4: Performance de Water Music for Solo our Four Percussionists (2004), de Tan Dun: Perspectiva entre os percussionistas1, 2 e 3 no estilo galeria (espectadores dentro do perímetro das montagens). ! 3.1 O conceito de atitude, aplicado na performance para percussão, em relação ao corpo e à montagem: Sensação de fluência em frases com eventos sonoros discrepantes Em muitos casos o distanciamento tímbrico entre instrumentos de percussão dificulta a realização de ligaduras de frases ou até mesmo a criação de um sentido de fluência ou ininterrupção de um trecho musical. O ritmo escrito muitas vezes pode contribuir para isso, uma vez que notas longas escritas para instrumentos de pouca reverberação podem conduzir a uma sensação de interrupção ou conclusão em trechos que, a partir de uma análise interpretativa, deveriam indicar uma ideia de continuidade. A obra Phènix (1982), de François Bernard-Mâche (para vibrafone e 9 membranofones) possui trechos que alternam motivos entre os instrumentos de lâmina e de peles, gerando frases compostas por distintos sons (Ex. 1): ! ! ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 249 Ex.1: Phènix (Bernard-Mâche, 1982: 02). 2º sis. Linha de cima: peles. Linha de baixo: vibrafone. ! Sugerimos aqui a utilização do corpo para auxiliar na percepção da frase. Familiarizarse com a disposição dos instrumentos na montagem é fundamental para a construção desses gestos. A obra foi executada pelo autor sob duas perspectivas distintas de montagem5 (Fig.1.5 e Fig.1.6): ! Fig.1.5 Fig.1.6 Em Fig.1.5 os instrumentos de pele estão suspensos acima do nível do instrumento, dispostos na posição vertical sob um ângulo de +/- 45º. Nessa montagem o percussionista realiza um leve movimento para frente e para trás nas transições entre os membranofones e o vibrafone. Em Fig.1.6 as peles estão suspensas ao mesmo nível do vibrafone, numa posição horizontal (perpendicular ao chão) e/ou ligeiramente inclinadas para o intérprete. Destaquemos que nessa montagem o movimento das pernas, tronco e cabeça do intérprete será mais necessário e exigido pela disposição dos instrumentos (mais distantes das lâminas do vibrafone). A fluência dos gestos torna-se fundamental para um sentido de frase uno. De acordo com os estudos do movimento corporal que discutem a forma linear, curvilínea ou circular (Laban, 1978) acreditamos que a sua utilização, em congruência com os eventos sonoros, permitirá um complemento à expressividade do intérprete na transmissão do trecho musical e nos processos cognitivos do público. Nas constantes transições de posições do corpo diante do instrumento e também por questões interpretativas, poderão ser transmitidas e verificadas mudanças de expressões próprias pensadas para a performance. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 250 3.2 O conceito de atitude, aplicado na performance para percussão: visualizações de intervenções sonoras pontuais Neste subitem ilustraremos a possibilidade de visualização de intervenções sonoras pontuais em trechos onde a massa de som é homogênea e ruidosa, dificultando a localização auditiva dessas intervenções em uma performance. A obra Este pássaro não é preto (2002), de Mário Laginha e escrita para sete percussionistas, possui um trecho considerável escrito apenas para pratos tocados por todos os intérpretes (Ex.1.2). No momento em que os intérpretes tocam ao mesmo tempo, lado a lado e ajoelhados ao chão (Fig.1.7), a aglomeração de sons dos pratos dificulta a percepção das mensagens sonoras transmitidas individualmente, sendo mais perceptível em termos auditivos o resultado do tutti. ! Ex.1.2: Este pássaro não é preto (Laginha, 2002 ). Parte geral, p.21. C.c.161-164. O ritmo constante, além da prevalência de dinâmicas e técnicas de exploração tímbrica similares, causa uma massa sonora uniforme e particular. A ideia será fazer com que os pontos culminantes individuais escritos pelo compositor (acentos), em diferentes momentos e por distintos intérpretes, surjam dentro da massa sonora que se mantém estática ritmicamente. Fig.1.7: Drumming G.P. Performance de Este pássaro não é preto (Laginha, 2002). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 251 A forma linear (Laban, 1978) poderá auxiliar na transmissão dessa ideia musical. Ao aproveitar o movimento dos pulsos para a execução de notas mais fortes, o intérprete será capaz de realçar o evento sonoro de destaque (acento) fazendo com que o membro responsável por esse ataque realize um gesto linear. Consequentemente através dessa ação, o movimento do pulso (e do braço, eventualmente) será mais destacado, diferenciando o desenho que a baqueta fará no espaço em relação às outras (subirá e/ou descerá mais). A sua forma (reta ou circular) dependerá da interpretação coletiva uma vez que não há ligaduras de frase ou qualquer outra indicação de expressividade. O importante aqui é fazer com que os pontos culminantes sejam mais facilmente identificáveis. Ao utilizarmos o corpo na sua totalidade na performance percussiva, devemos abdicar de uma suposta hierarquia que possa transparecer dos membros superiores e cabeça em relação às outras partes, pois existem outras possibilidades de o gesto e suas atitudes contribuírem para a percepção desses eventos sonoros. Segundo Blom e Chaplin “even when there is only one tiny part of the body moving, the rest of the body serves as background for that part and so is active in a visual way” (Blom e Chaplin, 1989, p.16). Por tanto, caso a interpretação convencione que os movimentos dos braços não devem ser excessivos, a cabeça ou o tronco poderão salientar os acentos através de rápidos movimentos. ! 4. Considerações Finais Entendemos que a atitude do gesto na música escrita para percussão aparece como aspecto fulcral na concepção das ações gestuais estabelecidas na construção de uma performance percussiva e no “jogo” cognitivo estabelecido entre intérprete/público. Desta forma, dependendo das intenções gestuais performativas construídas, o percussionista poderá usufruir desse conceito para a construção da sua performance em conformidade com o conteúdo musical que se queira transmitir. 5. Referências BACHRATA, P. (2011) Gesture Interaction in Music for Instruments and Electroacoustic Sounds. 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(2000/2006) Recycling, Collaging, Sampling. São Paulo: Edição do autor. 1 Não é raro encontrarmos esse tipo de atitude no repertório percussivo. Recycling, Collaging, Sampling (2000/2006), de Edson Zampronha pode ser executada a solo ou com até seis percussionistas. A obra Onze (n.d) de Marco Antônio Guimarães pode ser executada a solo ou com um número indeterminado de percussionistas. 2 Simantra Grupo de Percussão na Casa da Cultura de Santa Comba Dão (Portugal), em 24/02/2012. 3 Salvo com a utilização de sonorização estérea (amplificadores, microfones, canais, etc.). 4 Simantra Grupo de Percussão no Auditório do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro (Portugal), em 09/03/2012. 5 A montagem feita por XXX (fig.1.5) utilizou roto-toms em performance realizada em Novembro de 2010 no VI Festival Internacional de Outono 2010, (Aveiro, Portugal). A montagem fig.1.6 utilizou tom-toms em performance realizada por XXX em Fevereiro de 2011 no IMPULS’11 - 7th International Ensemble and Composers Academy for Contemporary Music (Graz, Áustria). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 253 O ouvido absoluto não facilita a memorização de melodias ! Patrícia Vanzella Universidade de Brasília – Departamento de Música [email protected] ! Michael Weiss University of Toronto – Department of Psychology [email protected] ! Glenn Schellenberg University of Toronto – Department of Psychology [email protected] ! Sandra Trehub University of Toronto – Department of Psychology [email protected] ! Resumo: Um estudo recente investigou o desempenho de adultos em uma tarefa de memória musical e mostrou que melodias vocais são mais lembradas que melodias instrumentais. Usando uma tarefa semelhante, o presente estudo buscou investigar a memória musical de músicos e de não-músicos e, em seguida, comparou o desempenho de músicos portadores e não portadores de ouvido absoluto. Todos os participantes, na primeira fase do experimento, ouviram melodias desconhecidas, apresentadas em diferentes timbres (piano, voz, marimba e banjo). Subsequentemente, os participantes foram testados no reconhecimento das melodias apresentadas na primeira fase quando misturadas a melodias inéditas. Os resultados mostraram, em primeiro lugar, que músicos tem uma memória para melodias melhor do que não-músicos. Mostraram também que o desempenho de músicos com e sem ouvido absoluto não difere em uma tarefa de reconhecimento de melodias. E, por fim, indicaram igualmente que, mesmo entre músicos, as melodias vocais são lembradas com mais facilidade que as instrumentais. Palavras-chave: memória musical, processamento vocal, ouvido absoluto ! ! ! Title: Absolute pitch does not guarantee better memory for melodies Abstract: A recent study compared the performance of adults on a task of musical memory and showed that sung melodies are better remembered than instrumental melodies. Using a similar task, the present study investigated the musical memory of musicians and non-musicians and also compared the performance of musicians with and without absolute pitch. In the first phase of the experiment, participants listened to unfamiliar melodies presented in different timbres (piano, voice, marimba, and banjo). Subsequently, participants were tested on the recognition of previously heard melodies intermixed with new ones. The results showed that musicians have better memory for melodies than non-musicians. The performance of musicians with and without absolute pitch did not differ in the recognition task. And, finally, both among musicians and nonmusicians, vocal melodies were more remembered than instrumental melodies. Keywords: musical memory, vocal processing, absolute pitch Introdução O processamento tonal entre músicos pode apresentar características individuais bastante distintas. Músicos portadores de ouvido absoluto (OA), por exemplo, são capazes de produzir e/ou identificar notas musicais sem nenhuma referência externa (Parncutt & Levitin, 2001), www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 254 enquanto não portadores dessa habilidade necessitam de alguma nota de referência para serem capazes de identificar ou entoar uma determinada altura musical. Indivíduos com OA possuem uma espécie de memória tonal intrínseca e imediatamente associam qualquer frequência sonora a um rótulo específico (ex: 440 Hz = lá), enquanto músicos sem OA não são capazes disso (Bermudez & Zatorre, 2009). O ouvido absoluto não é, contudo, a maneira usual de perceber alturas musicais. Na realidade, em grande parte da população, incluindo músicos, a altura de uma nota musical é percebida através do que se convencionou chamar de ouvido relativo. É o ouvido relativo que nos permite identificar uma melodia familiar quando tocada ou entoada em diferentes tonalidades e que nos permite detectar quando alguém canta ou toca uma nota errada. O ouvido relativo é, portanto, um modo de processamento musical mais relevante que o OA. O OA pode conferir algumas vantagens a quem o possui, como por exemplo ajudar a imaginar uma nota antes de tocá-la (em instrumentos onde as notas não estão prontas ou não podem ser visualizadas) ou cantá-la (sobretudo em obras atonais). No entanto, a literatura descreve que portadores de OA tem mais dificuldade de realizar tarefas que requerem a utilização de ouvido relativo, tais como, por exemplo, tocar um instrumento que esteja em uma afinação diferente da convencional, cantar ou tocar em uma tonalidade diferente da tonalidade escrita em uma partitura ou mesmo reconhecer uma melodia transposta (Miyazaki, 1992, 1993, 1995, 2004; Miyazaki & Rakowski, 2001). Entre músicos, a prevalência de portadores de OA varia de 5 a 50% (Wellek, 1963; Chouard & Sposetti, 1991). Nem todos os portadores de OA, no entanto, conseguem identificar notas musicais com a mesma acurácia. Essa capacidade pode variar significativamente, por exemplo, de acordo com o timbre do estímulo sonoro (Takeuchi & Hulse, 1993; Bachem, 1937). Estudos focalizados nas associações entre timbre e identificação de tons mostram que notas em timbre de piano são as mais fáceis de identificar, enquanto aquelas emitidas como tons puros (sem harmônicos) são mais difíceis (Miyazaki, 1989; Athos et al., 2007; Baharloo et al., 1998; Lockhead & Byrd, 1981). Um estudo mais recente mostrou que, para grande parte dos portadores de OA, tons emitidos pela voz humana são ainda mais difíceis para identificar do que tons puros (Vanzella & Schellenberg, 2010). A significância biológica da voz para o ser humano possivelmente seja parte importante na explicação do achado deste último estudo citado. Além da informação tonal, a voz pode carregar informações linguísticas e paralinguísticas (ex: identidade, estado emocional do emissor, etc.) e é possível que essas informações interfiram na habilidade do portador de OA de identificar www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 255 as notas. Na literatura científica não são poucos os trabalhos que tem apontado para a importância biológica da voz. Há inúmeras evidências de que sinais biologicamente significativos para uma determinada espécie, como cantos ou vocalizações, são processados de maneira preferencial entre seus membros (Ghazanfar et al., 2007; Perrodin, Kayser, Logothetis, & Petkov, 2011; Belin, Zatorre & Ahad, 2002; Gunji et al., 2003). Nessa perspectiva, seria muito plausível imaginar que um timbre biologicamente tão significativo para o ser humano como a voz, com seu status de instrumento musical original, pudesse influenciar no processamento musical (Mithen, 2005). É surpreendente observar, no entanto, que a maioria das pesquisas em cognição musical tem utilizado estímulos de baixa significância biológica - como sons instrumentais ou, ainda com mais frequência, sons digitalizados. Nesse contexto, Weiss et al. (2012) conduziram um estudo no qual buscaram determinar se um estímulo biologicamente significativo como a voz humana poderia facilitar a memorização de melodias. Seus resultados mostraram que melodias cantadas são efetivamente mais lembradas do que melodias instrumentais. Como o referido estudo não selecionou os participantes de acordo com sua formação e experiência musical, decidimos desenhar o presente experimento, utilizando tarefa semelhante, porém no qual pudéssemos comparar tanto o desempenho de músicos com o de não-músicos, como o desempenho de músicos com e sem OA. No presente estudo, usamos como estímulos uma série de melodias desconhecidas, originárias do folclore irlandês, apresentadas em quatro timbres distintos. O experimento constou de duas fases: exposição e teste. Na fase de exposição, foi apresentada uma sequência de melodias. Na fase teste, foi apresentada outra sequência de melodias, na qual melodias inéditas foram intercaladas às melodias que já haviam sido apresentadas na fase anterior do experimento e os participantes julgavam se já as haviam ouvido ou não anteriormente. Nossas hipóteses eram as seguintes: em primeiro lugar, pelo fato da voz ser biologicamente relevante para seres humanos, possivelmente também entre músicos (com e sem OA) a memória de melodias vocais seria superior à memória de melodias instrumentais. Em segundo lugar, pelo fato de indivíduos com treinamento musical usualmente apresentarem desempenho superior a indivíduos sem treinamento em vários testes de cognição musical (Schellenberg & Weiss, 2013), esperávamos que nosso grupo de músicos também apresentasse melhor desempenho do que nosso grupo de não-músicos em uma tarefa de reconhecimento de melodias. Por fim, como o que importa para o processamento melódico é www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 256 na realidade o ouvido relativo e não o OA, uma vez que o que define uma melodia são suas relações intervalares e não a altura absoluta das notas que a compõem, esperávamos que os sujeitos portadores de OA, apesar de possuírem uma memória intrínseca para alturas musicais, não apresentariam memória melódica superior à de não portadores de OA. ! Metodologia Participantes: O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. Os participantes foram recrutados através de anúncios em universidades em São Paulo e Brasília e através de listas de participantes de outros estudos sobre OA realizados anteriormente. Trinta e oito músicos (Midade = 28.3, SDidade = 9.3, 19 do sexo feminino) e vinte não-músicos (Midade = 27.4, SDidade = 7.4, 14 do sexo feminino) participaram do estudo. Foram considerados músicos aqueles que possuíam no mínimo cinco anos de treinamento formal em seu instrumento principal (M = 14.3, SD = 6.6, variação 5 – 40 anos). Entre os músicos, metade (n=19) eram portadores de OA. Os não portadores de OA (Midade = 26.8, SDidade = 7.2, 9 mulheres) tinham uma média de 11.7 anos (SD = 4.8, variação = 5-20 anos) de treinamento musical formal, e os portadores de OA (Midade = 29.8, SDidade = 10.9, 10 mulheres) tinham uma média de 16,8 anos (SD = 7.4, variação = 6 – 40 anos) de treinamento musical. Foram qualificados como não-músicos os participantes que receberam menos de dois anos de aulas de música (M = 0.4, SD = 0.2, variação = 0 – 2 anos). ! Estímulos e Materiais: Os estímulos do presente estudo são uma expansão do conjunto de melodias utilizadas por Weiss et al. (2012), aumentando o conjunto para 48 melodias gravadas em quatro timbres: piano, banjo, marimba e voz feminina (entoando a sílaba “lá”). As dezesseis melodias folclóricas adicionais foram registradas utilizando os métodos descritos em Weiss et al. (2012). A mesma cantora gravou as melodias vocais. Da mesma forma que no estudo anterior, as alturas nas melodias vocais foram corrigidas no Melodyne (Celemony Inc.), software que preserva as características vocais naturais, mas corrige o nível médio da afinação de cada nota, garantindo a mesma afinação para voz e instrumentos. Os experimentos foram realizados em ambientes silenciosos em São Paulo e Brasília, com a presença do responsável pelo experimento. Os estímulos foram apresentados por meio de fones de ouvido da marca Sony, modelo MDR-710. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 257 Procedimento: O experimento consistia em duas fases: exposição e teste. Na fase de exposição, o participante ouvia uma sequência de 24 melodias (seis em cada timbre) apresentadas de maneira randômica. Após ouvir cada uma das melodias, o participante indicava, clicando na tela do computador, quanto aquela melodia lhe agradava. Para isso, usava uma escala de 1 (não gosto) a 5 (gosto) apresentada na tela do computador. Esse procedimento tinha por objetivo maximizar a atenção do participante às melodias e também possibilitar posteriormente uma avaliação sobre uma potencial influência das preferências timbrísticas sobre a memória. A fase teste consistia na apresentação de uma sequência de 48 melodias, na qual melodias inéditas se intercalavam, também de modo aleatório, às melodias apresentadas na primeira fase do teste. O participante julgava, logo após ouvir cada uma das melodias da fase teste, se a mesma lhe era ou não familiar. Para isso, usava uma escala de 1 (com certeza melodia nova) a 6 (com certeza melodia antiga). O timbre de uma mesma melodia não variava entre a primeira e a segunda fase do experimento. Antes da realização do experimento, os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Entre a primeira e a segunda fase do experimento, preencheram um questionário com seus dados demográficos e informações sobre sua formação e experiência musical. Ao final do experimento, realizaram um teste de ouvido absoluto (teste utilizado em Vanzella & Schellenberg, 2010). ! Resultados Teste de ouvido absoluto: Foram considerados portadores de OA os músicos que obtiveram uma pontuação igual ou superior a 19 respostas corretas (de um total de 24) em ao menos um dos quatro timbres do teste de OA (MTotal = 20.49, SD = 0.56). Foram considerados não portadores de OA os músicos que obtiveram pontuação igual ou inferior a 17 respostas corretas em todos os timbres do teste de OA (MTotal = 7.86, SD = 0.74). A título de referência, um desempenho aleatório em 24 tentativas corresponde a seis respostas corretas; uma pontuação igual ou maior que 11 é considerada um desempenho melhor do que o acaso, conforme determinado por uma aproximação unicaudal da distribuição normal para a distribuição binomial sem correção de continuidade. ! Reconhecimento das melodias: Para cada participante, oito escores foram calculados como médias de escores de reconhecimento de melodias em cada timbre (voz, piano, banjo, marimba) e nível de exposição (melodia antiga, melodia nova). Os oito escores são: Voz, www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 258 Piano, Marimba, Banjo (nova e antiga; ex. Voz-Nova, Voz-Antiga, etc.). Cada um desses escores representou a média de seis melodias. Por exemplo: o escore para Voz-nova de cada participante representou a média das seis melodias vocais novas. Para avaliar o seu grau de certeza com relação ao ineditismo ou não da melodia, o participante usou a escala de 1 à 6 mencionada anteriormente. Seu escore para Voz-nova foi calculado, portanto, fazendo-se uma média de cada uma de suas indicações. Assim, se para cada uma das seis novas melodias ele indicou 4, 3, 6, 2, 4, 2, seu escore Voz-nova seria 3,5. Quanto mais altos os escores, mais certeza de que as melodias já haviam sido escutadas. Em seguida usamos os escores acima para calcular quatro escores de diferença, um para cada timbre, nos quais os escores para melodias novas foram subtraídos dos escores das melodias antigas (escores positivos são indicativos de memória; escore máximo=5). Por exemplo: escore Voz-Antiga menos escore Voz-Nova = escore de diferença do timbre vocal. Um modelo de efeitos mistos de análise de variância (ANOVA) foi utilizado para comparar esses escores de diferença, com a condição de musicalidade (n = 20 não-músicos, n = 38 músicos) como variável entre-indivíduos e a condição de timbre (voz, piano, banjo, marimba) como variável intra-indivíduos. Observou-se um efeito robusto relativo à musicalidade, F(1, 56) = 10.218, p = .002, partial η2 = .154, visto que o desempenho na tarefa de memorização foi no geral melhor para o grupo de músicos (M = 2.104, SEM = 0.132) do que o de não-músicos (M = 1.438, SEM = .138). Houve também um efeito importante relacionado ao timbre, F(1, 56) = 27.772, p < .001, partial η2 = .332. Este efeito deveu-se a escores mais altos, ps < .01 (corrigidos por comparações múltiplas utilizando o método de Bonferroni), para a voz (M = 2.374, SEM = .155) do que para cada instrumento: piano (M = 1.759, SEM = .127), banjo (M = 1.764, SEM = .128), ou marimba (M = 1.601, SEM = .144), que não diferiram um do outro, ps > .7. Por fim, não houve interação entre musicalidade e timbre, F < 1, ou seja, ambos os grupos apresentaram padrões semelhantes de resposta (escores de reconhecimento mais elevados para as melodias vocais que as instrumentais). Subsequentemente, por meio de uma outra ANOVA, comparou-se o desempenho de músicos com e sem ouvido absoluto na tarefa de reconhecimento de melodias (não-músicos foram excluídos dessa análise). A variável entre indivíduos foi o status Ouvido Absoluto (músicos com OA, músicos sem OA) e a variável intra-indivíduos foi o timbre (voz, piano, banjo, marimba). Além do efeito principal robusto do timbre, evidente na análise anterior (ou seja, a vantagem vocal), não houve outros efeitos: músicos com e sem OA não diferiram quanto ao desempenho no reconhecimento em geral, F < 1, e não houve interação entre o www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 259 status de OA e o timbre F < 1. Em resumo, não foram encontradas evidências que OA influencie a memória para melodias na presente tarefa. ! Conclusões ! Neste estudo investigamos a memória musical de músicos e não-músicos utilizando uma tarefa de reconhecimento de melodias. Ao contrário de prática recorrente observada em grande parte dos estudos em cognição musical, utilizamos estímulos vocais, ao invés de apenas estímulos instrumentais ou sintetizados. Essa escolha nos permitiu obter algumas informações sobre memória melódica a partir da comparação do efeito de estímulos com maior e menor significância biológica. A importância da voz humana no processo de memorização melódica ficou evidente em nossos resultados: tanto músicos como não-músicos mostraram mais facilidade em recordar melodias que lhes foram apresentadas no timbre vocal do que nos timbres instrumentais. Por outro lado, na comparação dos timbres instrumentais entre si, nenhum deles mostrou um processamento preferencial. Isto é, não houve preponderância de um timbre instrumental específico no processo de reconhecimento das melodias. Apesar de ainda não serem evidentes os mecanismos que levam nosso cérebro a tratar o timbre vocal de forma preferencial, este estudo deixou claro que o timbre dos estímulos pode ser uma variável importante em termos de suas consequências para ouvintes humanos. Conforme esperávamos, a memória melódica de músicos mostrou-se superior à de não músicos no conjunto dos timbres apresentados. Vários estudos na literatura tem relatado desempenho melhor de músicos do que não-músicos em uma série de tarefas auditivas, sejam elas musicais ou de outra natureza (Schellenberg & Weiss, 2013). Nossos resultados corroboram, portanto, dados da literatura. Por fim, em busca de um melhor entendimento sobre a memória musical de indivíduos que apresentam diferentes modos de processamento tonal, comparamos o desempenho de músicos com e sem OA. Em primeiro lugar, encontramos mais uma vez o “efeito voz”. Em ambos os grupos, melodias vocais foram mais lembradas que melodias instrumentais. Também não houve diferença entre esses grupos com relação à memorização das melodias instrumentais. Além disso, com relação à capacidade de reconhecer melodias em geral, não houve diferença de desempenho entre músicos com e sem OA. Em outras palavras, possuir ouvido absoluto não facilita (mas também não dificulta) a memória para melodias. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 260 Referências ! Athos, E. Z., Levinson, B., Kistler, A., Zemansky, J., Bostrom, A., Freimer, N., Gitschier, J. (2007). Dichotomy and perceptual distortions in absolute pitch ability. Proceedings of the National Academy of Sciences USA, 104, 14795-14800. Bachem, A. (1937). Various types of absolute pitch. Journal of the Acoustical Society of America, 9, 146-151. Baharloo, S., Johnston, P. A., Service, S. K., Gitschier, J., Freimer N. B. (1998). Absolute pitch: An approach for identification of genetic and nongenetic components. American Journal of Human Genetics, 62, 224-231. Belin, P., Zatorre, R. J., Ahad, P. (2002). Human temporal-lobe response to vocal sounds. Cognitive Brain Research, 13, 17-26. Bermudez, P., & Zatorre, R. J. (2009). 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Todas as emoções básicas, como a alegria, a tristeza, a ira, etc. podem ser consideradas como representações lexicais dos diferentes graus de valência e ativação, que são contínuos (Barret, 2006). Como se sabe, a música não é capaz de expressar conteúdos conceituais, mas talvez seja capaz de expressar graus de valência e ativação. Neste estudo, exploramos essa hipótese através da análise de quarenta canções do Beatles. Nós assumimos que a valência é: (i) inversamente proporcional à taxa de elocução, (ii) diretamente proporcional à extensão da tessitura, e (iii) apresenta uma correlação estatística significante com o modo (maior ou menor). Nesse sentido, taxa de elocução, tessitura e modo podem ser considerados coeficientes musicais de um conteúdo emocional. Dado que os coeficientes são expressos numericamente (i.e. número de semitons, número de sílabas por minuto) eles podem ser tomados como a medida do conteúdo emocional de uma melodia. Para testar tal hipótese, coletamos dados de uma enquete realizada na Internet sobre o perfil emocional de canções dos Beatles. Foram mensurados os coeficientes melódicos de vinte canções consideradas “tristes” e vinte outras consideradas “alegres”. Resultados preliminares sustentam a hipótese de que há uma forte correlação entre valência, de um lado, e taxa de elocução, tessitura e modo, de outro. Palavras-chave: canção popular, coeficientes melódicos, emoção. ! ! ! Title: Text setting grammar in pop songs Abstract: Valence and arousal are basic concepts of the modern theory of emotions (Russell, 1980). Any basic emotion, such as joy, sadness, anger, etc, can be seen as the lexical or conceptual representation of different degrees of valence and arousal, which are dimensional and continuous in nature (Barret, 2006). As we know, music is not able to express conceptual contents, but perhaps it can at least map the degrees of arousal and valence. This study explores this idea through the analysis of forty Beatles melodies. We hypothesize that the valence is (i) directly proportional to the singing rate, (ii) inversely proportional to the pitch range and (iii) has a statistically significant correlation with the mode. Thus, singing rate, pitch range, and mode can be considered melodic coefficients of the musical emotional meaning. As the coefficients are expressed by numbers (i.e., the number of semitones, the number of syllables per minute), they can be used to measure the emotional content of a melody. To test this hypothesis, we gathered data from two Internet surveys about the emotional content of Beatles songs. In this pilot study we measured and analyzed the melodic coefficients of twenty songs judged “sad” by the informants, and twenty songs judged “happy”. Our preliminary results support the hypothesis that there is a strong correlation between valence on one side, and singing rate, pitch range and mode on the other. Keywords: pop song, melodic coefficients, emotion O problema A música parece ser uma linguagem especializada na expressão da emoção (Mithen, 2005:267). Ouvir uma canção é perceber uma cadeia de sons associada a um certo estado emocional, que atua como seu significado. Mesmo quando o principal efeito da música é de ordem fisiológica, como no caso da dança, ainda assim há um componente emocional a ela www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ ! Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 262 associado. Pelo fato de ter um grande poder de penetração na psique, a música pode nos remeter a conteúdos emocionais básicos ou primitivos de uma maneira muito mais eficaz e direta que a língua o faria, e talvez por essa razão dificilmente encontramos pessoas a ela indiferentes. A emoção pode ser abordada seja por um ponto de vista categorial, seja por um ponto de vista contínuo (Ekman, 1992; Russel, 1980; Juslin & Sloboda, 2009). Do ponto de vista categorial, as emoções comportam-se como estados discretos que são nomeados como “alegria”, “tristeza”, “medo”, etc. Baseado num experimento sobra a resposta emocional associada às expressões faciais, Paul Ekman (1992) mostrou que, a alegria, a tristeza, o medo, a cólera, a repugnância e a surpresa são transculturais, ou seja, são estados emocionais reconhecíveis entre sujeitos pertencentes a diferentes culturas. Quaisquer que sejam as emoções básicas e qualquer que seja seu número, parece haver um consenso quanto ao fato de elas serem manifestações discursivas de estados contínuos e profundos do sujeito. Trabalhos como os de Russel (1980), Watson e Tellegen (1985) e sobretudo Barret (2006) mostram que há um nível basal comum a todas as emoções, no qual um número reduzido de variáveis contínuas dariam conta das flutuações das emoções lexicalizadas. Estas variáveis contínuas são a valência (atratividade ou repulsividade) e a ativação (calma ou excitação). Ou seja, os estados emocionais admitem um estrato superficial – categórico e discreto –, constituído pela emoções lexicalizadas, sob o qual se abriga um estrato profundo constituído por grandezas contínuas. Nesse sentido, a valência e a ativação são primitivos emocionais. Eles estão na base de toda e qualquer emoção, mas não se confundem com elas. A valência, que pode ser definida como o grau de atratividade ou repulsividade associado ao objeto pelo sujeito e está na base de distinções categóricas como alegria/tristeza e irritação/encantamento. A ativação, por outro lado, constitui a dimensão energética associada a qualquer emoção e está na base de oposições categóricas como serenidade/encantamento (ambas eufóricas) e melancolia/ irritação (ambas disfóricas). A figura a seguir representa esquematicamente a relação entre emoções e primitivos emocionais (fig.1). Figura 1. Relação entre emoções discretas e primitivos emocionais www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 263 Valência e ativação são grandezas ortogonais, o que significa que a toda valência está associado um grau de ativação e a todo grau de ativação está associada uma valência. Assim, por exemplo, embora a alegria e a satisfação sejam ambas valências positivas (eufóricas), a primeira tem um grau de ativação maior que a segunda. Do mesmo modo, irritação e tristeza possuem valências negativas (disfóricas), mas diferem pelo grau de ativação, maior na primeira e menor nas segunda. ! Hipótese dos Coeficientes Musicais Na melodia tonal grandezas musicais (tom, andamento, etc) e primitivos emocionais são mutuamente dependentes, ou seja, diferenças no significante (grandezas musicais) espelham diferenças no significado (primitivos emocionais) e vice-versa. A primeira hipótese que defendemos neste trabalho é a de que os primitivos emocionais se correlacionam com quatro grandezas musicais: andamento, dinâmica, tessitura e modo. Essas grandezas serão consideradas coeficientes musicais dos primitivos emocionais e receberão as seguintes denominações: (1) o andamento ou coeficiente cinemático (Cc) é a medida da velocidade com a qual é executada uma melodia e aqui é tomada como o número de sílabas por minuto; (2) a tessitura ou coeficiente entoacional (Ce) constitui a extensão tonal da melodia de uma canção, ou seja, a diferença em semitons entre a nota mais grave e a mais aguda, inclusive; (3) o modo ou coeficiente modal (Cm) está diretamente relacionado à valência. Na música popular (com raras exceções) encontramos apenas os modos maior e menor, aos quais atribuiremos arbitrariamente os valores Cm = +1 (melodias em modo maior) e Cm = -1 (melodias em modo menor); (4) a dinâmica ou coeficiente dinâmico (Cd) é o correlato acústico da ativação. Sua unidade de medida é o Sone (μS). ! Hipótese da distribuição dos coeficientes Há relações específicas entre os primitivos emocionais e os coeficientes musicais. A valência, que mede a atratividade ou repulsividade do objeto associado à emoção está diretamente ligada ao andamento, ao modo e à tessitura. A expressão da valência positiva (eufórica) está quase sempre associada ao andamento acelerado e à tessitura estreita e vice-versa. Sabe-se também que o modo menor tem um efeito de sentido disfórico, favorecendo sua associação à www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 264 valência negativa. Por outro lado, o grau de ativação associado à emoção não parece relacionado a estes coeficientes, mas apenas à dinâmica, que mede a intensidade da emoção. Dadas as limitações de espaço desta apresentação, no limitaremos a analisar o papel dos três primeiros coeficientes na produção de efeitos de sentido emocionais. Uma vez que a variação da valência é diretamente proporcional à variação do andamento (quanto maior a valência, maior o andamento), inversamente proporcional à extensão da tessitura (quanto maior a valência, menor a tessitura) e diretamente proporcional ao modo (valência positiva está associada ao modo maior e vice-versa), ou seja, dado que a um único primitivo emocional estão associados três coeficientes musicais, é possível reduzir estes últimos a um único valor numérico, que chamaremos Coeficiente Tensivo da Melodia (Ct), segundo a fórmula (1): ! (1) C =t Cm +(C c/C e) ! Dois exemplos ilustrarão este ponto. Se tomarmos duas canções conteúdo emocional claramente distintos como, por exemplo, Twist and shout (2) e Because (3), teremos os seguintes resultados: ! (2) C =t Cm +(C c/C e)= (+1)+ 138/8= 17,25 ! (3) C =t Cm +(C c/C e)= (− 1)+79 /19= 3,15 Vê-se que fórmula expressa sinteticamente a solidariedade entre os coeficientes modal, cinemático e entoacional (significante) e sua correlação com a valência (significado). Nossa percepção intuitiva do conteúdo tímico das duas canções, confirmada por testes de percepção (ver adiante) afirma que Twist and shout é eufórica e Because disfórica, e esta percepção é retratada pelos valores que emanam do seu significante, 17,25 para a primeira e 3,15 para a segunda. Tomemos agora, como segunda ilustração, a primeira (4) e a segunda parte (5) da canção Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, que apresentam um claro contraste no que diz respeito ao conteúdo emocional. Aplicando-se a fórmula do coeficiente tensivo aos valores das duas partes da melodia obtemos o seguinte resultado: ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 265 (4) C =t Cm +(C c/C e)= (+1)+ 82/8= 11,25 (5) C =t Cm +(C c/C e)= (+1)+ 82/15= 6,46 Observa-se que a fórmula expressa a diferença a primeira parte, mais eufórica (Ct=11,25), a segunda, menos eufórica (Ct = 6,46). Convém salientar que a fórmula do coeficiente tensivo não é uma equação matemática, dedutivamente encontrada, mas a simples reprodução sintética e simbólica de uma relação aproximada entre grandezas do significante musical. Em outras palavras, assim como outras fórmulas empíricas (como a fórmula do “peso ideal”, por exemplo, que associa peso, estatura, sexo e faixa etária) a fórmula do coeficiente tensivo retrata de maneira rudimentar certas relações aproximadas entre diferentes grandezas. Se andamento, tessitura e modo se associam para expressar a valência, a dinâmica, por outro lado, expressa de maneira independente o grau de ativação. Parece que a hipótese mais simples (que naturalmente deverá ser aferida e testada) consiste em supor que, independentemente da valência, ou seja, da maior ou menor atratividade do objeto, a competência do sujeito para entrar em conjunção com o objeto se reflete num certo nível de intensidade, associado à valência mas independente dela. O sujeito pode desejar o objeto mais ou menos, com maior ou menor intensidade. ! Representação dos coeficientes Ao reduzir as variáveis andamento, modo e tessitura a uma única grandeza, a fórmula do coeficiente tensivo permite que estabeleçamos uma relação biunívoca entre duas variáveis independentes do plano do conteúdo (valência e ativação) e duas variáveis independentes do plano da expressão (coeficiente tensivo e coeficiente dinâmico). A partir desse procedimento é possível tomar cada par de variáveis independentes como dois eixos de um plano cartesiano (x, y). O estudo piloto que realizamos para investigar as relações entre primitivos emocionais e coeficientes musicais baseou-se num corpus de 40 canções dos Beatles. Nossos dados provêm de duas enquetes realizadas na Internet com as questões “Quais as mais tristes canções dos Beatles e quais as mais alegres?”. Estas questões foram respondidas por 42 informantes, com 206 “votos” (cada informante podia apresentar uma listas de canções). As 40 canções selecionadas para análise, 20 em cada grupo, foram as que receberam mais votos em termos absolutos. Na classe das canções tristes, as mais votadas pelos informantes foram Because, www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 266 You’ve got to hide your love away, The long and widing road, You never give me your money, Julia, Yer blues, Hey Jude, Golden Slumbers, Free as a bird, Let it be, For no one, The fool of the hill, Yesterday, She is leaving home, While my guitar gently weeps, Eleanor Rigby, Strawberry fields forever, Girl, In my life e Nowhere man. Já a lista das canções mais alegres na opinião dos informantes contém Two of us, Penny Lane, Getting better, Hello goodbye, Good day sunshine, Honey pie, Do you want to know a secret, Martha my dear, Back in the USSR, Yellow submarine, She loves you, Lucy in the Sky with Diamonds, I wanna be your man, All my loving, Octopus’s garden, Here comes the sun, I’ve just seen a face, Please please me, Eight days a week e Twist and shout. A partir da seleção da lista das 40 canções, passamos à etapa da coleta e análise dos dados musicais. Através da análise das partituras obtivemos os valores dos coeficientes modal (modo) e entoacional (tessitura), e a partir das gravações originais obtivemos os valores dos coeficientes cinemático (andamento) e dinâmico (intensidade). Assim, para ficarmos nos exemplos extremos, a melodia de Because apresenta uma ampla tessitura (19 semitons), em tonalidade menor (-1) e é interpretada num andamento desacelerado (79 Bpm). Aplicando a fórmula da valência, obtemos o valor 3,15. No extremo oposto temos a canção Twist and Shout, que apresenta tessitura estreita (8 semitons), em tonalidade maior (+1) e andamento acelerado (138 Bpm), de onde resulta o valor 17,25. Em outras palavras, o conjunto de 40 canções tem Coeficientes tensivos que variam entre 3,15 (Because) e 17,25 (Twist and shout). Este resultado é coerente com a classificação dada pelos informantes, que classificaram a primeira como “triste” e a segunda “alegre”. Mas a operacionalidade dessa metodologia somente será válida se os valores tensivos corresponderem, ainda que aproximadamente, às duas classes apresentadas pelos informantes, ou seja, espera-se que as canções consideradas tristes apresentem valores tensivos baixos e aquelas consideradas alegres valores tensivos altos. Vejamos agora o resultado que estes valores aferidos nos oferecem em termos de tensividade das linhas melódicas. A figura a seguir (figura 2) ilustra os dois grupos de canções: ! ! ! ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 267 Figura 2. Coeficiente tensivo das canções do corpus. ! O eixo vertical corresponde ao coeficiente tensivo (0 a 20) e o eixo horizontal às quarenta canções do corpus. As primeiras vinte canções (em azul) correspondem às canções consideradas “tristes” pelos informantes, as últimas vinte (em vermelho) as consideradas “alegres”. Vê-se que a fórmula empírica proposta produz um resultado relativamente conforme com os dados dos informantes. Há uma estreita região comum, cujo coeficiente tensivo varia entre 6 e 8, na qual o algoritmo não distingue as canções consideradas “tristes” e “alegres”. De fato, enquanto os informantes produzem um resultado categorial (pois são convidados a classificar as canções em duas categorias), a fórmula produz um resultado gradual. Quando a enquete apresenta ao informante a questão sobre canções tristes ou alegres, há aí uma oposição exclusiva implícita (ou exclusivo). O informante tem que decidir por uma ou por outra possibilidade excluindo a outra. Por outro lado, o algoritmo trabalha com grandezas numéricas e pode distribuir as canções em quaisquer pontos entre os extremos “triste” e “alegre”, tornando visível uma região de neutralização, na qual os traços do plano da expressão não são tão característicos. Trata-se de uma oposição participativa (ou inclusivo). Será esta talvez uma marca do estilo pop, se comparado ao “excessos” do rock and roll e do estilo romântico? ! Referências Colombetti, G. (2005) “Appraising Valence”, Journal of Consciousness Studies, 12, No. 8–10, pp. 103–126. Ekman, P. (1992) An argument for basic emotions. Cognition & Emotion, 6, 169-200. Fontanille & Zilberberg (2001) Tensão e significação, São Paulo : Humanitas. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 268 Gerling, C. C.; Santos, R. A. T.; Domenici, C. (2008) “Reflexões sobre interpretações musicais de estudantes de piano e a comunicação de emoções”, In: Musica Hoje, v.8, n.1, p. 11-25. Goertzel, Ben (2004) A General Theory of Emotion in Humans and Other Intelligences. Greimas & Fontanille (1993) Semiótica das paixões. São Paulo:Ática. Mithen, S. (2005) The Singing Neanderthals. The origin of Music, language, Mind and Body. London: Phoenix. Russel, (1980) “A circumplex model of affect”, Journal of Personality and Social Psychology, 39,p. 1161-78. Tatit, L.(1994) Semiótica da Canção: Melodia e Letra. São Paulo: Escuta. Zentner, M. R. & Eerola, T. (2009). Self-report measures and models. In Juslin, P. & Sloboda, J. (Eds).Handbook of Music and Emotion, pp. 187-221. Oxford University Press: Oxford, UK. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 269 O tempo despendido na prática em condições específicas de privação de retroalimentação sensorial ! Michele Rosita Mantovani Instituto de Artes - UFRGS [email protected] ! Regina Antunes Teixeira dos Santos ! Instituto de Artes - UFRGS [email protected] Resumo: O presente estudo teve como objetivo investigar o tempo despendido na abordagem inicial de peças para piano por estudantes de diferentes níveis acadêmicos, submetidos a condições especificas de estudo com privação de retroalimentação visual, aural e cinestésica. Estudantes de música (N = 12) da graduação (iniciantes, meio e final de curso) e de pós-graduação, seguindo um delineamento experimental tipo hierárquico foram submetidos a quatro condições de estudo: (i) Condição A: Decodificação Visual com retroalimentação cinestésica e privação da retroalimentação auditiva; (ii) Condição B: Decodificação Visual com a privação das retroalimentações aural e cinestésica (prática mental); (iii) Condição C: Decodificação Aural com retroalimentação cinestésica e privação da retroalimentação visual da partitura (“tocar a música de ouvido”); (iv) Condição D: Decodificação Aural sem retroalimentação cinestésica com a privação das retroalimentações visual e cinestésica. Em A, contatou-se relativo efeito do nível acadêmico no tempo de prática entre os participantes de início, meio e fim de curso. Na condição B, não houve efeito do nível acadêmico. Na condição C, houve efeito relativo entre os participantes de início e fim de curso e pós-graduação. Na condição D, ocorreu também o efeito relativo entre os participantes de início e fim de curso e pós-graduação. Palavras-chave: modalidades sensoriais, condições de prática, performance. ! ! ! Title: Spent time in practice under specific conditions of sensorial feedback privation Abstract: The present study aimed at investigating the time of practicing spent during the initial approach to piano pieces by students belonging to different academic levels, submitted to specific studying conditions with visual, aural and kinesthetic feedback privation. Undergraduate and graduate students (N = 12) belonging to different academic levels (freshman, sophomore and senior) were submitted to four different studying conditions: (i) Condition A: visual decodification with kinesthetic feedback and privation of auditory feedback; (ii) Condition B: visual decodification with privation of auditory and kinesthetic feedbacks (mental practice); (iii) Condition C: auditory decodification with kinesthetic feedback and privation of visual feedback from the score (`playing by ear`); (iv) Condition D: auditory decodification without kinesthetic feedback and privation of visual and kinesthetic feedbacks. In A, there was a relative effect of the academic level in time spent in practice among the participants from the beginning, middle and end of the course. In condition B, there was no effect of the academic level. In condition C, there was a relative effect among the freshmen, seniors and graduate students. In condition D, relative effect among the freshmen and seniors, and graduate students. Keywords: sensorial modalities, practicing conditions, performance. Introdução Aprendizagem musical, do ponto de vista psicológico, envolve o processamento da memória. Modelos e pesquisa da psicologia da memoria têm-se preocupado em esboçar esse fenômeno em termos de decodificação, armazenamento e recuperação. Segundo Ginsborg (2005), o www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 270 armazenamento sensorial consiste na recepção de estímulos extraídos do ambiente, por meio dos sentidos, ou seja, das modalidades sensoriais. Para Gruhn (2005), as informações que percebemos através dos sentidos, fazem-nos perceber e atribuir-lhes significados, de acordo com o nosso conhecimento prévio e de nossas representações mentais. Para Aiello e Williamon (2002), as memórias (e representações) visuais, aurais e cinestésicas estão amplamente conectadas ao conhecimento semântico musical, pois dependem da compreensão da estrutura musical, da harmonia e de outros aspectos musicais para serem formadas. Assim, nas atividades de preparação de uma dada peça no instrumento, o músico vai lidar com tipos de representações e modalidades sensoriais que vão ajudá-lo, em dependência de seu nível de expertise, a formatar o produto que esta sendo preparado. Segundo Chaffin, Logan e Begosh (2009), a memória motora ou cinestésica permite que ações sejam executadas automaticamente a partir da retroalimentação sensorial das articulações, músculos e receptores sensíveis ao toque Os músicos se referem a este tipo de memória como ter a música “nas mãos”, um conhecimento implícito que, para ser acessado, precisa da execução física ao instrumento. A memória visual funciona como uma espécie de memória “fotográfica”, referente à lembrança da partitura, como saber a localização exata de uma determinada passagem na página, tanto quanto à lembrança postura corporal no instrumento (como as mãos sobre o teclado), como em forma de uma representação espacial. (Ginsborg, 2005, p. 13). Para Chaffin, Logan e Begosh (2009), a memória auditiva permite que as pessoas “escutem” melodias em suas cabeças independentemente das outras modalidades sensoriais. Na construção de uma performance musical, a memória auditiva auxilia o instrumentista a imaginar e criar referências sonoras no direcionamento das linhas, assim como nas intenções de expressão. Uma abordagem empregada por pesquisadores acerca da memória em música diz respeito às restrições de retroalimentação aural, visual e/ou cinestésica. A literatura tem colocado a importância da representação mental para a performance do expert (Lehmann & Ericsson, 1997). Outro aspecto evidenciado na literatura da prática mental para construção de representações motoras e auditivas (Lehmann, 1997). Por exemplo, Highben e Palmer (2004) investigaram o efeito de dois tipos de prática mental (aural e motora) na aprendizagem de uma peça não-familiar para uma performance. Os autores concluíram que pianistas com habilidades aurais bem desenvolvidas foram menos afetados nos testes de memorização pela remoção da retroalimentação aural durante a prática. A imagem aural mais precisa foi considerada importante para a performance de memória. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 271 A maioria dessas pesquisas investiga o efeito da privação de retroalimentações sensórias na performance de memória. Ao nosso conhecimento, ainda não foi estudado a privação dessas modalidades na abordagem inicial de uma peça. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo investigar o tempo despendido na abordagem inicial de peças para piano por estudantes de diferentes níveis acadêmicos, submetidos a condições específicas de estudo com privação de retroalimentação visual, aural e cinestésica. ! Método Uma amostra de 12 voluntários, estudantes de piano com média de idade de 22,58 ± 3,42), participaram deste estudo. O delineamento experimental adotado foi do tipo hierárquico (nested design) e levou em conta dois fatores: (i) quatro condições de estudo com privação das retroalimentações sensoriais, a saber: Condição A: Decodificação Visual com retroalimentação cinestésica e privação da retroalimentação auditiva; Condição B: Decodificação Visual com a privação das retroalimentações aural e cinestésica, ou seja, estudo também denominado de prática mental; Condição C: Decodificação Aural com retroalimentação cinestésica e privação da retroalimentação visual da partitura, ou seja, “tocar a música de ouvido”; Condição D: Decodificação Aural sem retroalimentação cinestésica com a privação das retroalimentações visual e cinestésica, isto é, sem ler a partitura e sem tocar. (2) Quatro níveis de desenvolvimento acadêmico: (i) Início de curso (1º a 3º semestre), codificados como I1, I2 e I3) ; (ii) Meio de curso ( 4º a 6º ), M4, M5 e M6; (iii) Fim de curso ( 7º e 8º semestre), F7, F8 e F9; (iv) Pós-Graduação (PG), participantes cursando mestrado e/ou doutorado, PG10, PG11 e PG12. O estimulo foi constituído de quatro trechos, de cerca no máximo 24 compassos, extraídos de sonatas de Haydn, distribuídos como medida randômica em um quadrado latino para melhor distribuição e realizado em triplicata. Em cada condição de estudo, os participantes ficaram sós em uma sala e puderam estudar a peça estipulada por tempo indeterminado, até sentirem-se satisfeitos(as) e/ou considerar a peça como estudada. As técnicas de coleta de dados foram: (a) registro da performance da peça com todas as retroalimentações sensoriais reagregadas; (b) entrevista semiestruturada cujo roteiro contemplou questões referentes às estratégias desenvolvidas, o foco de atenção e tipo de fonte perceptiva recorrida. Cada pianista realizou quatro encontros para o experimento, que geraram quatro performances gravadas, e, consequentemente, quatro entrevistas semiestruturadas para cada www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 272 participante. Considerando as 48 situações de coletas, o conjunto de dados resultou num total de 48 performances e 48 entrevistas. Os dados foram transcritos e tratados qualitativamente e quantitativamente. Para maiores detalhes, vide Mantovani (2014). ! Resultados e Discussões O tempo despendido na realização das tarefas pode funcionar como um indício tanto do grau de facilidade/dificuldade enfrentado pelo participante em uma dada condição de estudo, assim como de seu grau de expertise. Estima-se que tarefas mais difíceis ou níveis mais elementares de expertise (iniciante, por exemplo) possam exigir mais tempo em sua execução. Não se pode negligenciar que esse tempo despendido pode ser afetado por aspectos tais como nível de concentração e engajamento dos participantes, bem como a qualidade almejada do produto a ser atingido em cada condição. Dessa forma, a variável tempo foi analisada sob dois aspectos, inter-relacionados: a natureza da condição de estudo e o nível acadêmico. A Figura 1 apresenta o tempo gasto pelos participantes dispostos em cada condição de estudo. A Figura 1 aponta que as condições A e B foram aquelas em que foi despendido o menor tempo de prática entre todos os níveis acadêmicos. Em ambas as condições (A e B), o tempo de preparação dos estudantes foi bastante similar, haja vista a mediana de 12 e 10 min resultante em cada condição, respectivamente (observada no detalhe dos diagramas de caixa da Figura 1 a e b). Na condição A, dez dos doze participantes realizaram o estudo em média de 11,90 ± 5,76 min e mediana de 12 min. Dois participantes de início de curso levaram um tempo significativamente superior em comparação com os demais níveis, apesar de considerarem a tarefa fácil, configurando-se como observações extremas (outliers), conforme ilustração do diagrama de caixa correspondente. Na condição A, pode-se observar uma tendência de diminuição do tempo gasto para realização do estudo à medida que desloca-se dos participantes de início aos de fim de curso (indicada pela curva tracejada). Esse comportamento sugere um potencial efeito do nível acadêmico nessa condição de estudo. O tempo médio dos participantes de pós-graduação foi maior que a média dos participantes de meio e fim de curso. Nesse caso, não se pode negligenciar que os participantes de pósgraduação dispõem de um nível de expertise mais diferenciado que lhes possibilitam a perseguir um nível qualitativamente diferenciado de realização, e isto pode ter ocasionado um tempo maior de estudo. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 273 Figura 1. Efeito do nível acadêmico no tempo despendido na prática em cada condição de estudo: (a) Condição A; (b) Condição B; (c) Condição C; (d) Condição D. I = Inicio de curso; M = Meio de curso; F = Fim de curso; PG = Pós-graduaçao. No detalhe, diagrama de caixa, considerando o conjunto de dados para determinada condição de estudo. N = 12. ! Para a condição B (Figura 1), o nível acadêmico também não influenciou no tempo de estudo: com exceção do participante I1, todos os outros pianistas (N=11) realizaram a tarefa numa margem de tempo próxima, com média de 11,36 ± 6,10 min. e mediana de 10 min. Onze pianistas (inclusive o pianista I1) já haviam realizado este tipo de estudo em outras situações, em geral com uma peça já aprendida, e apenas um pianista (participante M5) disse nunca ter estudado desta forma, o que também não afetou a média de tempo de estudo nesta condição. O nível acadêmico, porém, refletiu-se na percepção sobre a tarefa: todos os pianistas de inicio e meio de curso e um pianista da pós-graduação (participante PG11) consideraram-na difícil, enquanto que os demais pianistas de fim de curso e pós-graduação, fácil. Para as condições C e D (Figura 1), pode-se observar que a maior dispersão no tempo de estudo ocorre entre os estudantes do nível de meio de curso (media de 39,45 ± 13,9 min, mediana 37, para a condição C e para a condição D, a média é de 39,3± 29.5 min, mediana de 39). Na condição C, pode-se considerar que a experiência prévia com este tipo de atividade também colaborou para a homogeneidade do tempo em relação aos níveis acadêmicos: dos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 274 doze participantes, dez deles relataram que já aprenderam a tocar alguma música “de ouvido” (os dez participantes afirmaram ter aprendido músicas do repertório popular e apenas quatro dentre esses afirmaram ter aprendido também músicas do repertório erudito); dois participantes de meio de curso (M4 e M5), nunca haviam estudado desta forma. Nota-se ainda que, além da experiência com este estudo, nesta amostra investigada, a média de tempo despendido na tarefa foi menor quanto maior o nível acadêmico (exceto para os participantes de meio de curso, conforme mencionado anteriormente). Em relação à condição D, observa-se (Figura 1) que a média de tempo despendido reduziu à medida que o nível acadêmico aumentou, porém com resultados diferenciados, conforme dito anteriormente. Cabe salientar que o tempo fora afetado pela dificuldade dos participantes em realizar a tarefa sem o instrumento e pela ênfase na transcrição da gravação por parte de todos os pianistas, o que consequentemente inibiu o foco sobre a performance e levou a exaustão e desistência de 8 participantes. O relato abaixo exemplifica estas impressões: ! ! Eu não consigo, sem o piano eu fico sem chão e aí eu bloqueio, eu não consigo ouvir, eu tento, eu não consigo. Eu não acertei nenhum ritmo, não acertei nada. Eu me sinto sem um pedaço mesmo. (...) eu tô frustrada, na verdade. Porque eu fiquei pensando, “ah, tirei de ouvido com o instrumento, sem o instrumento não vai ser tão difícil”. Mas eu me senti totalmente sem referência. (Condição D, F9, p. 20) PG10 e os demais pianistas (I2, I3, M4, F8 e PG12) foram os únicos a executarem a peça no piano num resultado bastante próximo ao da gravação. Em termos de facilidade/dificuldade na realização da condição D, o nível acadêmico não é foi fator influente: todos os pianistas consideraram a tarefa difícil e nenhum deles relatou total satisfação com a performance, excetuando um pianista (PG12) que considerou a tarefa fácil e sentiu-se satisfeito com sua performance. Todos os pianistas (exceto PG12) também relataram não terem vivenciado nenhuma experiência semelhante além da realização de ditados durante as aulas de percepção musical cursadas na graduação. O conjunto de dados foi analisado por escalonamento multidimensional (MDS), que é um método de estatística inferencial exploratória, feito através de dados de similaridade (ou dissimilaridade) que indicam, através de medidas numéricas ou por ordenação, o quanto são próximos ou percebidos como semelhantes os objetos (estímulos) em estudo (Hair et al., 2009). A Figura 2 mostra o MDS resultante do tempo gasto pelo conjunto de participantes nas quatro modalidades. Dessa forma, de acordo com o mapa perceptual resultante, interpretou-se a abscissa como sendo o recurso de áudio e de partitura, enquanto a ordenada, como sendo o www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 275 recurso de teclado. Em outras palavras, esses recursos correspondem aos canais aural e visual (abscissa) e cinestésico (ordenada). Segundo a Figura 2, a condição A encontra-se próxima da condição B (similaridade) na dimensão áudio/partitura, mas próxima da condição C, na dimensão teclado, distinguindo-se (por dissimilaridade) da condição D. Relação análoga existe entre a condição B com as condições A e D. O mapa perceptual resultante comprova a disposição do delineamento metodológico da presente pesquisa em termos de disposição (similiaridade / afastamento), bem como de complementaridade de modalidade perceptivas 0,8 0,6 0,4 A C 0,2 (com) Partitura (sem) Audio -0,8 (com) Teclado envolvidas. (sem) Partitura (com) Audio 0,0 -0,6 -0,4 -0,2 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 B -0,4 -0,6 -0,8 (sem) Teclado -0,2 D ! Figura 2. Mapa perceptual obtido por escalonamento multidimensional. Considerações Finais Pode-se afirmar que na condição A, contatou-se relativo efeito do nível acadêmico no tempo de prática, visto que houve uma redução na quantidade despendida à medida que o nível acadêmico aumentava entre os participantes de início, meio e fim de curso. Na condição B, não houve efeito do nível acadêmico sobre o tempo de realização da tarefa. Na condição C, houve efeito relativo do nível acadêmico no tempo de prática entre os participantes de início e fim de curso e pós-graduação, onde o tempo decresceu à medida que o nível acadêmico aumentou. Na condição D, ocorreu também o efeito relativo do nível acadêmico no tempo de prática entre os participantes de início e fim de curso e pós-graduação, onde o tempo decresceu à medida que o nível acadêmico aumentou. Em suma, na amostra investigada, as condições de privação apresentaram efeitos peculiares em relação ao tempo despendido na prática tanto em termos de níveis acadêmicos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 276 como de competências pessoais. Considerando que tais privações limitaram a qualidade dos produtos atingidos, propõe-se que essas condições de estudo aqui investigadas possam vir a complementar a atividade da prática instrumental e/ou atividades de percepção musical. ! Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq pela bolsa de mestrado concedida e ao financiamento (Projeto Universal 472652/2012-5). ! Referências Aiello, R., Williamon, A. (2002). Memory. In R. Parncutt, G. McPherson (Eds.), The science and psychology of music performance (pp. 167-181), New York: Oxford University press. Chaffin, R., Logan, T. R., Begosh K. T. (2009). Performing from memory. In S. Hallam, I. Cross, M. 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Expert pianists´ mental representations: Evidence from successful adaptation to unexpected performance demands, In A. Gabrielsson (Ed.) Proceeding of the Third Triennial ESCOM Conference (pp., 165-169), Uppsala: Upssala University. Mantovani, M. R. (2014). Privações de retroalimentações sensoriais em condições de estudo: um experimento com estudantes de piano em diferentes níveis acadêmicos. Dissertação (Mestrado em Práticas Interpretativas) Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 277 O uso do corpo na preparação para performance ! Felipe Marques de Mello PPG-UNESP [email protected] ! Sonia Ray UFG e PPG-UNESP [email protected] ! ! Resumo: O presente texto aborda estratégias utilizadas por instrumentistas quanto ao uso do corpo na preparação para performance musical. A metodologia adotada consiste em um levantamento bibliográfico baseado em uma pesquisa em andamento. Inicialmente, foca-se a utilização de técnicas de aquecimento, alongamento e fortalecimento muscular e sua importância para o músico performer. Em seguida, é abordada a preparação para a utilização do corpo em relação aos gestos físicos presentes na realização da performance. Conclui-se que enquanto técnicas de alongamento, aquecimento e fortalecimento muscular são cada vez mais utilizadas, ainda há pouca ênfase na preparação prévia dos gestos físicos utilizados pelo músico na performance. Palavras-chave: preparação para performance, uso do corpo na performance musical, cognição musical, gesto físico na performance. Title: The use of the body in performance preparing ! ! Abstract: The present work discusses strategies used by instrumentalists on the use of the human body when preparing for musical performance. The methodology includes a bibliographical study based on an ongoing research. Initially, the focus will be on the use of warming, stretching and strengthening exercises and their importance to the performer followed by the preparation for the use of the body - physical gestures presented in the performance. Final consideration implies that while stretching, warming and strengthening exercises techniques are more and more used there is still little emphasis on a previous preparation of the gestures used by the musician during a performance. Keywords: performance preparation, body use in musical performance, musical cognition, physical gesture in performance. Introdução No início do século XXI, o estudo do corpo envolvendo a preparação para performance tem se ampliado significativamente. Isto é uma consequência do crescimento das pesquisas na área da psicologia da performance e, sobretudo, do fortalecimento da ABCM e do surgimento da ABRAPEM, entidades que estimulam as pesquisas nesta subárea da música. Estudos que relacionam corpo e performance têm se destacado na literatura fora do Brasil desde o final do século XX. Entre os principais autores, destacam-se Jane Davidson e Eric Clarke, os quais são referências para os estudos de cognição e performance musical. Os trabalhos relacionados ao corpo se desdobram, principalmente, em duas linhas de pesquisa distintas. A primeira refere-se ao aquecimento, alongamento e fortalecimento corporal como meio de prevenção de problemas musculares (Andrade e Fonseca, 2000; Ray, www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 278 2002; Poderiva, 2004; Ray e Marques, 2005; Santiago, 2005; Vieira, 2008; Ray, 2009; Vieira, 2010). A segunda aborda o movimento do corpo na interpretação e expressão musical (Clarke, 1999; Davidson, 1999, 2002, 2012; Zavala, 2012; Póvoas, 2009, 2012; Domenici, 2013). No tocante ao uso do corpo como prevenção de problemas físicos, estudou-se a literatura disponível em língua portuguesa, vez que esta conta com a maior parte das pesquisas relacionadas ao alongamento, aquecimento e fortalecimento muscular do músico. No que diz respeito ao gesto físico, foram analisadas publicações em português e inglês. No entanto, ambas abordam predominantemente a relação entre movimento corporal e expressividade musical, sendo poucas as referências que tratam da preparação dos gestos físicos do músico. Assim, o presente trabalho expõe uma revisão de literatura sobre esses dois principais assuntos referentes ao uso do corpo na preparação para performance musical e a importância dessa preparação corporal tanto para a prevenção de problemas físicos quanto para a expressividade musical. ! Alongamento, aquecimento e fortalecimento muscular Os problemas relacionados à condição física do músico não são incomuns, porém também não são naturais. Diversos intérpretes consagrados já tiveram sérios problemas físicos e, muitas vezes, estes acarretaram o fim de suas carreiras. Assim, as pesquisas relacionadas à preparação corporal e psicológica estão crescendo bastante nos últimos anos, principalmente nesse início do século XXI. Fatores apontados como responsáveis pelos problemas físicos dos músicos “[...] estão separados em três grandes grupos: sobrecarga muscular, problemas de natureza psicológica e situações que contribuem para o agravamento do stress físico.” (Andrade, 1986, apud Andrade e Fonseca, 2000, p. 120). A sobrecarga muscular pode se dar por três motivos: o aumento do tempo destinado ao instrumento, o aumento das atividades musicais e até mesmo a adaptação a um novo instrumento (p. 118). Os problemas de natureza psicológica podem ocasionar ansiedade, medo de palco (p. 120) ou pânico de palco (Ray, 2009), bem como tensões musculares. “O tensionamento em instrumentistas pode ser causado pela alta carga de estresse, predispondo à ansiedade.” (Poderiva, 2004, p. 96). Por fim, as situações que contribuem para o agravamento do estresse físico estão ligadas principalmente a duas causas: a sobrecarga de trabalho ou de apresentações e a utilização inadequada do instrumento (Andrade e Fonseca, 200, p.120), a qual pode envolver problemas de postura, entre outros. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 279 De acordo com um estudo realizado por Andrade e Fonseca (2000, p. 125), foram levantadas quatro hipóteses que podem ser consideradas as principais causas do estresse físico do músico. Para estes autores, a primeira alternativa diz respeito à postura, não necessariamente ao instrumento. A segunda envolve a postura do músico com o instrumento, que se apresenta com vícios técnicos e excesso de tensão. A terceira hipótese abriga as lesões relacionadas com vícios técnicos, porém não ligados à postura e sim à tensão e contraturas musculares, sobrecarga articular ou neuromuscular. Finalmente, a última alternativa faz referência às doenças orgânicas. Davidson (1999, p. 81) demonstra que a tensão corporal pode acarretar diversos efeitos psicológicos e fisiológicos negativos ao intérprete e, em casos extremos de estresse, pode impossibilitar a carreira do músico devido a bloqueios absolutos. Sendo assim, torna-se necessário que no momento de preparação do intérprete e das obras musicais ocorra uma interação entre corpo e mente, gerando confiança e autocontrole ao músico. Como visto no estudo de Andrade e Fonseca, nem todos os fatores se referem ao uso do instrumento. O primeiro aponta problemas posturais do músico sem o instrumento, de tal forma que este problema não deve afetar apenas músicos. Dessa forma, algumas alternativas como a utilização da Técnica de Alexander, ou, até mesmo, estabelecer alguns exercícios diários de alongamento e aquecimento (Ray e Marques, 2005) podem ser fundamentais para a boa saúde do músico. Ray (2002, pg. 73) utiliza como exemplo os “Phases Warm-up Exercises”, de Diana Gannett, para demonstrar a importância do aquecimento muscular para a prática musical. Além do aquecimento, é importante ressaltar o alongamento e fortalecimento muscular. O primeiro é importante para o aumento da flexibilidade dos movimentos musculares e o segundo “[...] garante a musculatura a condição de suportar os movimentos do corpo.” (Ray e Marques, 2005, p. 1223), já que muitas vezes o músico não possui uma musculatura adequada para realizar passagens que dependem de um esforço físico maior e que consequentemente geram lesões musculares. Santiago (2005, p. 1471), através de um estudo de Fry (1986), explica que um intervalo de 5 minutos entre períodos de estudos de 20 a 30 minutos promove a recuperação muscular e das juntas. Nesse caso, tudo indica falta de preparação física. Conforme descrito no estudo supracitado de Ray e Marques, o fortalecimento muscular também deve estar presente na preparação do músico, evitando assim os desconfortos físicos durante a preparação para performance, bem como durante a própria performance. Poderiva (2004, p. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 280 96) complementa que a atividade musical “[...] requer um bom condicionamento físico, alongamentos específicos e pausas sistemáticas”. Poderiva (2004) destaca ainda a importância do estudo e do desenvolvimento corporal como parte fundamental da preparação para performance (p. 55). Outro fator importante para a prevenção de problemas físicos do músico destacado pela autora é o controle respiratório, pois a oxigenação das células inibe a descarga do ácido lático no organismo, diminuindo assim a presença da dor (p. 97). Tendo em vista que a preparação corporal é fundamental para a prática musical, existem alguns estudos sobre o uso da técnica de Alexander para os músicos. Nesse sentido, exercícios de alongamento e aquecimento, mesmo que não diretamente voltados para músicos, podem ser de grande importância. Vieira (2008) estuda o uso da Técnica de Alexander em violonistas, porém seus estudos podem servir para os músicos em geral. A autora deixa claro que “[...] o corpo é uma consciência de aprendizado em si.” (p. 273) e enfatiza que o movimento corporal não deve estar ligado ao processo de imitação e sim através do aprendizado sobre o próprio corpo. Para Vieira (2010), a Técnica de Alexander “[...] propõe o controle consciente de todos os aspectos envolvidos na atividade, o que leva a um melhor desempenho físico.” (p. 158), além de quebrar o ciclo vicioso de tensões. Ray e Marques (2005) ensinam que “[...] o aquecimento e o alongamento muscular das principais articulações do corpo podem ser conseguidos simultaneamente através de movimentos amplos, lentos e coordenados com a respiração.” (p. 1225). Ademais, como foi destacado por Vieira (2008) em seu estudo sobre a Técnica de Alexander, todo esse processo deve ser feito através da consciência do músico sobre o seu próprio corpo. A preparação física não está ligada apenas aos aspectos de aquecimento, alongamento e fortalecimento muscular, mas também deve estar presente no processo de preparação gestual de uma performance musical. O corpo precisa estar bem preparado para realizar todos os movimentos necessários para o músico se expressar no palco. Como se pretende demostrar adiante, a expressão musical caminha junto com a expressão corporal. ! O gesto corporal na performance Através de vários estudos realizados por autores estrangeiros, desde o final do séc. XX, na área de psicologia da música e, recentemente, por autores brasileiros preocupados com essa seara, vem se destacando a utilização do gestual do músico como um fator importante para a expressividade musical. Esse gestual, voluntário ou involuntário, demonstra que, além da www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 281 mente, o corpo também auxilia a expressão musical tanto do ponto de vista do público quanto do próprio músico. Algumas áreas, como a música de câmara, já se utilizam do gesto físico com maior propriedade, de tal forma que a comunicação visual gera suportes para a sincronia e expressão musical. Clarke (1999, p. 66) compreende as comunicações visuais (movimentos do corpo, expressões faciais e também a respiração) como fatores fundamentais para a comunicação entre os músicos, seja no momento de acertar os “pontos de apoio” da obra ou até mesmo para auxiliar em fatores expressivos. Tais comunicações podem ser caracterizadas em dois grupos: as verbais e as não verbais. Estas se mostram fundamentais no momento da performance, já que nesse momento não há possibilidades de diálogos (Davidson, 1999, p. 84). A preparação gestual, seja respiratória, facial ou motora, é importante para o entendimento entre os músicos, podendo ser previamente preparadas e treinadas durante os ensaios. A comunicação não verbal não auxilia apenas os intérpretes, mas conferem também ao público informações fundamentais para o entendimento da obra. Para o público, as “movimentações expressivas” realizadas pelo intérprete facilitam as percepções da obra musical, indicando para os mesmos a intenção musical do intérprete (Davidson, 1999, p. 86). Contudo, para a preparação corporal para a prática musical, necessário se faz um treino repetitivo. Nesse sentido, Davidson (1999) escreve sobre as competências motoras. De acordo com a autora, com “[...] uma prática sistemática, [os movimentos] se apuram e automatizam até que não seja mais necessária uma atenção específica a cada movimento durante a performance musical.” (p. 82). Assim, pode-se concluir que a memória muscular tem grande importância para a realização da performance. Essa memória não está ligada apenas aos movimentos técnicos do instrumento, mas também a movimentos corporais que auxiliam a expressão musical. Póvoas, no entanto, descreve que os gestos físicos racionalizados tornam a realização dos movimentos corporais mais objetiva (Póvoas, 2009, p. 225). Portanto, no momento de preparação para performance, deve existir uma prática sistemática e ao mesmo tempo consciente de cada movimento realizado pelo intérprete. Somente assim o indivíduo será capaz de utilizar os movimentos físicos como um meio de expressão musical. Diferentemente de alguns autores da psicologia da música que sugerem a expressão como um fenômeno apenas mental (Clarke, 1999, p. 71), Clarke entende que o movimento físico influencia diretamente a expressividade no momento da performance musical (p. 72). O www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 282 mesmo autor destaca que o corpo está ligado à sensibilidade musical (p. 70). Por derradeiro, Clarke demonstra, através de um estudo de Davidson, que diversos movimentos também podem ser considerados expressivos, porém não práticos, tornando-se movimentos desnecessários no que se refere à produção dos sons do instrumento. Grande parte desses movimentos corporais são realizados de maneira inconsciente. Eles são espontâneos, vez que estão relacionados à intenção mental do intérprete, não podendo ser desligados e acionados a qualquer momento (Davidson, 1999, p. 83). Por outro lado, estudos mais recentes demonstram que os movimentos podem ser treinados e inseridos de acordo com a intenção do intérprete (Zavala, 2012). Importa ressaltar que Póvoas (2006, apud Póvoas 2012), ao mencionar a importância da preparação dos movimentos corporais, alerta que um padrão mal organizado pode prejudicar a execução musical. Para Clarke (1999), uma performance musical em alto nível “[...] requer uma combinação notável de competências físicas e mentais.” (p. 62). De outra parte, Werktreue (como citado em Domenici, 2013, p. 82) define uma performance ideal como uma demonstração de controle do corpo, evitando expressões faciais e movimentos espontâneos. Nessa trilha, este autor defende que todo movimento utilizado pelo intérprete que “[...] extrapola o absolutamente necessário à realização da obra deve ser evitado, ocultado ou desconsiderado [...]” (p. 82). Portanto, dever-se-ia coibir qualquer artifício que ameace a integridade da obra musical, afirmando a autoridade do compositor. Entretanto, através de revisões de literatura e de pesquisa de campo, Davidson (1999, 2002, 2012) demonstra que o corpo do intérprete, ou seja, a expressão corporal, afeta diretamente a imagem do público em relação à obra musical. A utilização de gestos físicos na performance tem demonstrado, através de trabalhos desde o final do século XX, ser uma ferramenta de expressão musical que afeta tanto o músico quanto o público em geral, o que torna as pesquisas sobre a preparação corporal importantes não apenas para a saúde do músico, mas também para os mesmos se expressarem. ! Conclusão Da revisão de literatura sobre os dois temas referentes ao uso do corpo na preparação para performance, que será aprofundada com o andamento da pesquisa, podem-se extrair algumas conclusões parciais. A principal é que diversos recursos podem ser utilizados para a preparação física do músico. No tocante à prevenção de problemas físicos, concluiu-se que alguns cuidados, tais como o alongamento, aquecimento, fortalecimento muscular e até www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 283 mesmo a respiração estão sendo cada vez mais utilizadas e que devem receber maior atenção por parte dos músicos, vez que podem evitar grande parte dos problemas físicos que lhes acometem, além de auxiliar em uma longa e saudável carreira musical. Em relação à utilização de gestos físicos na preparação para performance, a revisão de literatura permitiu constatar que há um crescimento significativo dessa área, no Brasil, nos últimos anos, sendo que no exterior tais pesquisas são realizadas desde o final do século XX. Entretanto, as pesquisas relacionadas à preparação gestual para a performance musical não costumam conferir ênfase à preparação propriamente dita. Estas publicações tratam da importância do movimento corporal como um fator expressivo do músico, bem como o fato de que este movimento corporal possibilita ao público uma maior compreensão da obra musical. Apesar disso, alguns estudos relatam que uma preparação consciente dos gestos físicos pode acarretar diversos ganhos no que se refere à expressividade musical. ! Referências Andrade, E. e Fonseca, J. (2000). Artista-Atleta: reflexões sobre a utilização do corpo na performance dos instrumentos de cordas. Per Musi, Vol. 2, p.118-128. Belo Horizonte. Clarke, E. (1999). 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Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 285 Em Busca de uma definição para o fenômeno do ouvido absoluto ! Nayana Di Giuseppe Germano Instituto de Artes da UNESP [email protected] ! Hugo Cogo Moreira Psiquiatria / UNIFESP [email protected] ! Graziela Bortz Instituto de Artes da UNESP [email protected] ! ! ! Resumo: O fenômeno do Ouvido Absoluto (OA) é um tema bastante curioso e estudado por pesquisadores de diversas áreas: músicos que em geral se interessam em descobrir como portadores de OA se relacionam com a música, ou neurocientistas que estudam as peculiaridades da memória humana. Este trabalho se propõe a discutir questões de cunho teórico em relação aos problemas e dificuldades na definição do fenômeno do OA. Com esta finalidade em mente, abordaram-se as definições fornecidas por diversos autores, que quando comparadas deixam claras as divergências na compreensão do OA, com muitos aspectos não consensuais. Além disso, muitas destas definições são curtas e sucintas, não abarcando todos os aspectos ligados ao fenômeno. Um bom entendimento das problemáticas envolvidas na definição do OA, de todas as peculiaridades associadas ao fenômeno, é etapa essencial para todo estudo consistente e bem sedimentado desta habilidade. Palavras-Chave: ouvido absoluto, constructo, taxonomia, critérios. ! ! ! Title: Seeking a Definition for the Absolute Pitch Phenomenon Abstract: The phenomenon named Absolute Pitch is a very interesting subject studied by researchers of many fields: musicians in general who are interested in finding how AP-possessors relate to music or neuroscientists who study the human memories´ peculiarities. This paper discusses theoretical aspects regarding problems and difficulties in defining AP. For this purpose, the different definitions given by many authors are compared, making clear the divergences over the comprehension of AP phenomenon, with many non-consensual aspects. Moreover, many definitions are short and succinct, unable to embrace all aspects related to the phenomenon. A good solid grasp of all the questions related to the definition of AP and all the peculiarities associated to the phenomenon constitutes a key step for every consistent and well-grounded study of this ability. Keywords: absolute pitch, construct, taxonomy, criteria. Introdução O fenômeno do Ouvido Absoluto (OA) tem sido objeto de estudo desde o século XIX. Em um intervalo de cento e trinta anos, de 1860 a 1990, cerca de cem artigos foram publicados sobre o assunto. Nas últimas décadas, contudo, houve um aumento significativo de pesquisas sobre o tema, com a publicação de, pelo menos, mais outra centena de artigos (Levitin, 2006). Esta www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 286 habilidade ou traço cognitivo peculiar é corriqueiramente definido sucintamente como: traço cognitivo caracterizado pela capacidade de identificar a altura de qualquer tom isolado usando rótulos como dó (261 Hz) e/ou de produzir um tom específico (através do canto, por exemplo) sem nenhuma referência externa. (Bachem, 1937; Baggaley, 1974; Ward, 1999). Estudar o fenômeno do OA é importante tanto para músicos quanto para neurocientistas que têm como campo de estudos a memória e os mecanismos neuronais humanos, pois é uma capacidade intrigante e até desafiadora para ambas as áreas. Músicos que estudam o fenômeno geralmente buscam entender de que forma portadores de OA se relacionam com a música, se há diferenças musicais relevantes entre portadores e não portadores do fenômeno, se para a aprendizagem musical o OA é essencial, se os portadores possuem facilidade maior que não portadores em certos exercícios de percepção musical, se há um treinamento eficaz para a obtenção do OA, etc. Já a neurociência busca no estudo do fenômeno investigar se a memória de longo prazo para tons está relacionada com o OA (Levitin, 1994) e até mesmo se há relações entre o processamento da fala e o processamento de alturas (se estes são processados no mesmo local no cérebro, por exemplo) (Benassi-Werke et al, 2010). Em testes de hipóteses em que se pretende comparar grupos distintos de sujeitos no que tange uma dada habilidade (como, por exemplo, desempenho em tarefas de memória de longo prazo envolvendo sujeitos com ou sem ouvido absoluto), ambas as medidas envolvidas em tal verificação devem ser precisas, acuradas, fidedignas e válidas, como a medida que se deseja comparar e o que distingue um sujeito como pertencente de um grupo ou não. No caso do exemplo acima citado, as duas variáveis envolvidas (desempenho em tarefa de memória e “status” de pertencimento ou não ao grupo) compartilham de uma similaridade: são fenômenos/constructo1 latentes; ou seja, não observáveis diretamente. Para classificar alguém como “portador de OA”, da mesma forma que classsificar alguém como deprimido, ou como portador de esquizofrenia ou como superdotado, faz-se necessário que critérios que definam tal manifestação sejam avaliados. A falta de definição de critérios e a testagem desses como consequências da existência de um dado fenômeno por meio de procedimentos/técnicas estatísticas apropriadas podem comprometer os resultados. Nessa comunicação, tratar-se-á da natureza do que se chamou de consensuais e não consensuais para descrever as convergências e divergências na definição dos critérios do fenômeno do OA. ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 287 Critérios utilizados para a definição do fenômeno do OA e suas variações Existem várias características atribuídas ao fenômeno do OA, algumas são consensuais entre os autores, outras não são. É consensual atribuir ao OA relação direta com a memória de longo prazo (Parncutt & Levitin, 2013; Deutsch, 2002; Miyazaki & Ogawa, 2006), uma vez que o fenômeno se manifesta a partir da associação de uma determinada frequência com o nome da nota aprendida pelo portador. Também é consensual definir o fenômeno como uma forma de processamento auditivo que segmenta o contínuo das alturas em categorias estáveis (Bachem, 1937; Deutsch, 2002). Muitos são os parâmetros não consensuais abordados em diferentes estudos. Tais parâmetros muitas vezes foram descobertos por meio de testes auditivos elaborados pelos próprios autores. Grande parte dos estudos aponta para o fato do OA ser um fenômeno de reconhecimento de tons imediato, no qual os portadores identificam a frequência solicitada auditivamente em até três segundos (Theusch, Basu & Gitschier, 2009), porém algumas pesquisas sugerem que talvez parte dos portadores de OA necessite de um pouco de reflexão para a identificação de uma frequência solicitada, sendo que essa reflexão varia de cinco segundos podendo chegar, em casos mais extremos, a quinze segundos. (Germano et al, 2013). Apesar de vários testes serem feitos com base em sons senoidais, muitos autores afirmam que é uma característica do OA possuir algumas ou muitas limitações para timbre, de fato, uma pequena parcela dos portadores de OA são capazes de reconhecer frequências em todo e qualquer timbre (Bachem, 1937; Vanzella & Schellenberg, 2010; Germano et al, 2013). Além disso, embora o som senoidal seja muito utilizado por ser considerado um “som neutro” (pois não possui nenhum harmônico, somente uma única frequência), sua utilização é controversa, principalmente porque o reconhecimento da frequência depende da sua intensidade (Stevens, 1935). A habilidade de identificação das frequências de acordo com o registro no qual os estímulos são emitidos é outra variável adotada por alguns autores para a distinção entre os diferentes tipos de OA. A dificuldade em determinado registro não é considerada um critério para classificar um voluntário como não portador, uma vez que um grande número de portadores de OA possui algum tipo de dificuldade em relação a este parâmetro sonoro (Bachem, 1937; Germano et al, 2013). Vários pesquisadores consideram erros de ½ tom como acerto parcial em testes, ou seja, tais erros são considerados aceitáveis, constituindo outro critério importante para a definição www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 288 do OA. Apenas uma pequena parcela das pessoas consideradas portadores de OA é capaz de identificar com grande precisão todas as notas do total cromático (Vanzella & Schellenberg, 2010), havendo grande interesse no estudo das razões pelas quais este tipo de erro é tão comum. A questão da voz é muito polêmica em meio aos estudos sobre o OA. Alguns estudos apontam que poucos portadores de OA são capazes de cantar uma nota solicitada sem referência imediatamente, outros portadores necessitam de um pouco de reflexão e ainda há portadores que não conseguem cantar mesmo refletindo (Bachem, 1937; Germano et al, 2013; Parncutt & Levitin, 2013). Há ainda estudos que apontam que o reconhecimento auditivo de timbres não vocais são mais fáceis de serem identificados pelos portadores de OA, pois a voz é processada automaticamente por um mecanismo específico (associado à linguagem), o que pode interferir na identificação de alturas (Vanzella & Schellenberg, 2010). Outro critério não consensual sobre a definição do OA diz respeito à quantidade de frequências rotuladas por uma pessoa. Por exemplo, alguns estudos consideram que o reconhecimento de apenas uma nota sem referência (normalmente o Lá 440 Hz) pode ser entendido como um tipo de OA (Bachem, 1937). A existência de tantos critérios não consensuais na definição da habilidade do OA levanta a seguinte dúvida: o que é OA? Dessa forma, parece prudente questionar: quais são os critérios usados para definir tal habilidade? Ainda, pode-se perguntar se o OA comporta-se de forma dicotômica: ou seja, dividindo a população entre aqueles que possuem e aqueles que não possuem tal habilidade. Em suma, questiona-se não apenas os critérios para a avaliação desse fenômeno, mas também a natureza do mesmo. Dada a não normatização de critérios para a definição de tal fenômeno, será que diversas pesquisas realizadas até hoje estão medindo o mesmo fenômeno cognitivo chamado de OA? Esta discussão taxonômica é relevante, pois é necessária a utilização de critérios para definir um dado fenômeno. Esses critérios devem ser inequívocos, discriminativos e acurados o suficiente para que seja possível medir de forma confiável o fenômeno em questão (no caso, o OA). A inclusão ou exclusão de um ou mais critérios modifica a concepção teórica de um dado modelo. Esse processo de seleção ou não de diferentes critérios para a composição de um modelo podem fornecer evidências de quão bom (ou não) os próprios critérios o são para a descrição e testagem do ajustamento e pertinência teórica desse fenômeno latente (ou seja, que não é observável diretamente). O uso de testes, escalas e avaliações não validadas para explorar um fenômeno cujos próprios critérios não convergem para uma solução que seja testável (modelos são www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 289 passíveis de teste) dificulta, ou mesmo impossibilita o diálogo entre pesquisadores, além de comprometer a interpretação dos resultados de experimentações, uma vez que diferentes constructos podem estar sendo medidos. ! Delimitação da habilidade cognitiva Procurando uma definição mais completa e precisa da natureza do OA, podemos começar nos questionando sobre a natureza desse fenômeno latente, ou seja, se este é um fenômeno/ modelo dicotômico, contínuo ou híbrido. Se o OA for um fenômeno dicotômico, ele seria uma bipartição entre possuir ou não a habilidade (em outras palavras, estar vivo implica em não estar morto e vice-versa), dessa forma, não existe uma gradação da habilidade. Se o OA for um fenômeno contínuo, ele seria pensado com uma linha ininterrupta sem divisões em sua extensão, tendo num extremo a inexistência de qualquer habilidade de percepção musical e noutro extremo a posse de grande quantidade do traço lantente (ou seja, uma audição extremamente acurada). Por fim, se o OA for considerado um fenômeno híbrido, os sujeitos poderiam ser definidos como portadores e não portadores de OA, porém, dentro de cada uma dessas classes, a habilidade perceptiva possuiria um espectro contínuo, ou seja, dentro tanto da classe de sujeitos portadores como não portadores de OA, existiriam aqueles com maior e menor habilidade de percepção. Parece que a maioria dos autores propõe que o OA é um constructo categórico de classes (embora não utilizem esta terminologia). Por exemplo, o estudo de Bachem (1937), aponta a existência de diferentes graus ou níveis de ouvido absoluto. Takeuchi & Hulse (1993) também descrevem diferenças significativas na percepção de tons entre os portadores de OA, tanto no que se refere à extensão da sensibilidade a timbres e registros como no que se refere ao grau de precisão e consistência na identificação e produção de tons. Apesar de muitos autores definirem o OA exclusivamente com base no reconhecimento auditivo, há outros aspectos que podem ser considerados para a elaboração de uma definição do OA. Por exemplo, a memorização da relação entre uma frequência e um rótulo também pode ser avaliada a partir da emissão vocal. Este aspecto pode ser medido pelo canto de uma nota solicitada sem referência, uma capacidade não muito recorrente entre os portadores de OA (Germano et al, 2013). A capacidade de emissão vocal sem referência está presente em diversas definições de OA, como no caso do dicionário Grove de Música, que propõe: Ouvido Absoluto é a habilidade seja de identificar o croma (classe de altura) de qualquer tom isolado usando rótulos como Dó 261 Hz ou apenas Dó (Ouvido Absoluto “passivo”), ou a capacidade de www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 290 reproduzir um croma específico – por exemplo, cantando ou ajustando a frequência de um gerador de senóide – sem referência externa (Ouvido Absoluto “ativo” Bachem, 1937; Baggaley, 1974; Ward, 1982). Ambas as habilidades podem ser chamadas de “Ouvido Absoluto para tons – Tone-AP”. O OA pode também envolver o reconhecimento seja de perceber se uma peça familiar é tocada no tom correto (passivo) ou cantar uma canção familiar na tonalidade correta (ativo), essa habilidade é conhecida como “Ouvido Absoluto para músicas – piece-AP”. (Parncutt & Levitin, 2013). ! A maior parte dos pesquisadores dedicados ao estudo do OA elaboram testes capazes de medir a audição (especificamente a capacidade de identificação de frequências) em diversas situações, os quais são utilizados tanto para a separação entre portadores e não portadores de OA como para a classificação dos portadores em diferentes classes (Bachem, 1937; Takeuchi & Hulse, 1993; Germano et al, 2013). Estes testes contribuem para o aumento do conhecimento sobre este fenômeno e expande a bibliografia existente, fornecendo informações sobre medições de diversos aspectos relacionados ao OA, tais como: quais são os timbres mais fáceis no reconhecimento de alturas, se a idade do portador tem ou não relevância na aquisição do fenômeno, se o OA funciona sempre da mesma forma para todos os portadores, o que o cérebro de um portador possui de diferente do cérebro de um não portador. É comum nos depararmos com autores que tendem a restringir a habilidade do OA somente para músicos, algo compreensivo, uma vez que é com músicos que os testes podem ser aplicados com maior precisão. No entanto, alguns pesquisadores destacam a possibilidade da existência desta habilidade em não músicos (Levitin, 2000). O tipo de teste feito com esses grupos não pode ser o mesmo teste aplicado em músicos, pois é de se supor que os voluntários não saberiam como rotular nomes de notas do mesmo modo que um músico o faria. Em não músicos, os testes realizados se resumem em solicitar ao voluntário que cante uma peça (canção ou melodia) na altura correta (original) sem referência externa (Levitin, 2000). Outra preocupação fundamental na elaboração e avaliação de testes relativos ao OA refere-se à possibilidade de que o voluntário utilize outras habilidades na realização da tarefa solicitada. No caso do reconhecimento de tons, a atuação do Ouvido Relativo (OR) é uma preocupação real, talvez impossível de ser totalmente eliminada destes testes (Ward, 1982; Costall, 1985), embora a identificação de respostas lentas possa ser considerada evidências confiáveis do uso do OR (Bachem, 1954). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 291 Os critérios usados para definir o fenômeno do OA são diversos, algumas vezes totalmente contrários entre diferentes autores. Faz-se necessário que cada um dos critérios e modelos propostos sejam estudados e avaliados no que tange à acurácia, precisão, dimensionalidade e estrutura da concepção teórica adotada. No entanto, isto somente é possível se forem utilizados critérios e testes de modelos por meio de uma área da estatística conhecida como modelagem de equações estruturais2 (Bollen, 1989). Do ponto de vista teórico, a definição do fenômeno do OA per se carece de critérios e testagem dos mesmos. O aprimoramento de um modelo demanda uma maior exploração conceitual e paradigmas que busquem isolar os elementos pertinentes a tal percepção auditiva. Nesta linha de raciocínio, observa-se que há ainda muito a ser pesquisado sobre a natureza do fenômeno do OA. ! Referências Bachem, A. (1937). Various types of absolute pitch. Journal of the Acoustical Society of America, 9: 146-151. Bachem, A. (1954). Time Factors in Relative and Absolute Pitch Determination. JASA, xxvi, 751–3. Baggaley, J. (1974). Measurement of absolute pitch. Psychology of Music, 22: 11-17. Benassi-Werke, M. E; Queiroz, M; Germano, N; Oliveira, M. (2010). Memória de Curto Prazo para Melodias: Efeito das Diferentes Escalas Musicais. Anais do VI Simpósio de cognição e artes musicais. Rio de Janeiro. Bollen, K. A. (1989). Structural Equation with Latent Variables. New York: Wiley. Costall, A. (1985). 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(1982). Absolute Pitch. The Psychology of Music, ed. D. Deutsch (New York, 1982, 2/1999), 265–298. Ward, W. D. (1999). Absolute Pitch. In D. Deutsch (Ed.). The Psychology of Music. San Diego: Academic Press, (pp.265-298). 1 Aquilo que é elaborado ou sintetizado com base em dados simples, especialmente um conceito: os constructos da ciência. 2 Técnica estatística multivariada que permite avaliar, simultaneamente, relações entre múltiplos construtos. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 293 Funções narrativas da música em jogos eletrônicos ! ! Alexandre de Souza Ferreira da Silva Pinto Programa de Pós-Graduação em Música - UFRJ [email protected] Resumo: O presente artigo busca expor os resultados parciais do desenvolvimento de um método de análise de funções narrativas da música em produtos audiovisuais interativos e, em especial, em jogos eletrônicos. A pesquisa em questão tem como estudo de caso as funções narrativas das músicas do jogo Super Mario brothers, de acordo com a teoria narrativa desenvolvida por Annabel J. Cohen, em seu The functions of music in multimedia: a cognitive approach. Fica demonstrado o caráter imprescindível da música na construção da narrativa do jogo e sua contribuição para a boa fluência das ações e decisões de seus usuários. Palavras-chave: funções narrativas, música de jogos eletrônicos, composição para audiovisual. ! Abstract: This paper presents the partial results of research about an analytical method of narrative functions of music in audiovisual and interactive production, especially in video games. In this stage, the research is focusing on a case study of the narrative functions of the songs from Super Mario brothers, according to the narrative theory developed by Annabel J. Cohen, discussed in her The functions of music in multimedia: a cognitive approach. I try to show the essentiality of music in the construction of the narrative of the game and its contribution to the good fluency of the users’ decisions and actions. Keywords: narrative functions, videogame music, audiovisual composition. ! 1. Introdução Em 2004, segundo o site da revista Isto é: Dinheiro, a indústria de games já superava a indústria do cinema e se tornava a maior indústria de entretenimento do mundo (Isto é: Dinheiro, 2004). O Brasil encontra-se em pleno desenvolvimento na área e, em 2012, de acordo com o site do Sebrae (www.sebrae2014.com.br), já ocupava o quarto lugar como maior mercado do mundo no segmento de jogos digitais, com 35 milhões de usuários (Sebrae, 2014). Apesar dos números da indústria de games, a história dos jogos eletrônicos é recente. Em 1958, Willy Higinbotham criou o Tennis programming, também conhecido como Tennis for two, que foi considerado o primeiro jogo eletrônico já feito. O jogo não possuía som, era processado por um computador analógico e jogado por meio de um osciloscópio (Reis, 2005, p. 44). O jogo Space invaders, lançado pela Taito, em 1978, foi o primeiro jogo eletrônico a possuir “música de fundo”. Tratava-se de apenas quatro notas graves e cromáticas tocadas em loop. A interação entre música e imagem era notável, pois as notas marcavam a marcha dos alienígenas e aceleravam de acordo com o progresso do jogador (Collins, 2005, p.2). O presente artigo investiga as funções narrativas da música na mídia audiovisual, e dedica especial escopo no estudo de caso do jogo Super Mario brothers. O termo “narrativa” www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 294 é aqui entendido tal como tratado por Muniz Sodré: “um discurso capaz de evocar, através da sucessão de fatos, um mundo dado como real ou imaginário, situado num tempo e num espaço determinados.” (1988, p.75) ! 2. Funções da música em uma narrativa Annabel J. Cohen é professora do departamento de psicologia da University of Prince Edward island, no Canadá, e possui uma extensa pesquisa na área de percepção e cognição musical, com extensão para multimídia. Sua pesquisa na área inclui artigos como Understanding musical soundtracks (1990) e How music influences the interpretation of film and video: approaches from experimental psycology, music as a source of emotion in film (2005). Cohen aborda em seu artigo The functions of music in multimedia: a cognitive approach (1998) as possibilidades funcionais da música em multimídia pela perspectiva da psicologia. Segundo a autora, recentes pesquisas na área de neurofisiologia e psicologia indicam que a música ativa funções específicas do cérebro que são separáveis dos domínios verbais e visuais, e estabelece oito categorias em que as funções narrativas da música podem ser organizadas. ! • Função de mascaramento: Segundo a autora, a música mascara sons indesejáveis de três formas. A primeira forma é baseada em pesquisas da psicoacústica, que indicam que sons graves mascaram sons agudos. A segunda forma de mascarar sons indesejáveis, de acordo com Cohen, está relacionada às pesquisas de Albert Bregman (1993 apud Cohen, 1998) e William Gaver (1993 apud Cohen, 1998), que demonstram que ouvintes desejam escutar eventos coerentes. A música, por apresentar um discurso coerente, ocupa a limitada atenção auditiva que de outra forma seria dissipada por sons estranhos. A terceira forma apresentada pela autora observa que sons misturados em uma sequência de sons são mais difíceis de serem detectados. Nesse caso, independentemente da superposição ou da extensão de frequências, a presença da música dificulta a audição de outros sons. • Função de fornecer continuidade: Cohen salienta que a música é som organizado no tempo, e essa organização ajuda a conectar eventos diferentes em outros domínios. Assim, uma interrupção na música pode sinalizar uma mudança na narrativa ou, reciprocamente, a música contínua pode também indicar a continuidade do tema corrente. A música, segundo a autora, funciona como um tipo de “cola” que vai conectando eventos multimídia de diferentes domínios em uma só direção. A www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 295 função de continuidade ou interrupção da ação é uma técnica comum da composição musical para filmes. • Função de direção da atenção: A autora observa que os estímulos visuais e auditivos podem ser descritos em duas dimensões, sendo elas “significado” e “características estruturais”. Cohen observa que, quando os padrões auditivos sincronizam mimicamente com os padrões visuais, a atenção é direcionada para esse padrão visual, mais que para outro que não seja congruente com a informação auditiva. • Função de induzir humor ou sentimento: Cohen aponta as pesquisas de Pignatiello, Camp e Rasar (1986 apud Cohen, 1998) como evidências da capacidade que a música possui de alterar o humor ou o sentimento de um espectador. Os autores citados selecionaram e compilaram trechos de músicas que consideravam tristes, alegres ou neutras. Após a apresentação da fita, os entrevistados completaram cartões colocando como estavam se sentindo. Ficou claro com o julgamento do resultado que a música tinha alterado seus sentimentos na direção esperada. Cohen coloca a necessidade de distinguir a “indução de sentimento” e a “comunicação de significado”. A autora aponta que a “indução de sentimento” muda a forma como uma pessoa se sente, enquanto a “comunicação de significado” apenas transmite a informação. • Função de comunicar significado: Segundo Cohen, diferentes características da música transmitem significado emocional. Por exemplo, tristeza é transmitida por andamento lento, contornos melódicos descendentes, notas graves e modo menor, e felicidade é transmitida por andamento rápido, “acelerandos”, notas agudas e modo maior (Levi, 1982; Trehub, Cohen, Gerriero, 1985 apud Cohen, 1998). A autora verifica que a comunicação de significado emocional ou significado por associação (épocas, culturas e eventos) é particularmente efetiva em situações ambíguas. • Função de auxílio à memória: A autora observa que a música pode assumir o significado daquilo que ela acompanha. Esta é a racionalização da técnica operística conhecida como leitmotiv (Gorbman, 1987; Gregory, 1995 apud Cohen, 1998). Cohen coloca que um motivo musical pode significar um indivíduo, um tema, de tal modo que na ausência do indivíduo ou de pistas visuais, a música sozinha fará o espectador imaginar o indivíduo ou o tema. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 296 • Função de estímulo e atenção focal: Cohen coloca que, de acordo com o modelo em que a mente possui locais separados para componentes da música, é um simples fato que onde há música, mais áreas do cérebro estão ativas. Uma maior atividade do cérebro pode aumentar a concentração no foco de atenção primário e filtrar distrações como o entorno do monitor ou tela, pessoas nas proximidades, ou o desconforto de uma cadeira. O alto nível de estímulos pode fazer crescer o impacto da experiência multimídia, fazendo com que ela pareça real. • Função de estética musical: A autora alerta que uma música não atraente pode perturbar o ouvinte e que certas características da personalidade podem determinar se um indivíduo pode ou não lidar com uma música de fundo. Cohen exemplifica apontando que uma pessoa introvertida pode precisar ou querer menos estímulos, e ! que uma música de fundo pode não aumentar a experiência multimídia a este nível. As classificações criadas por Cohen coincidem com os trabalhos de outros autores da área, como Johnny Wingstedt (2005) e Randy Thom (1999), mas seu artigo se destaca pela ausência de uma visão unicamente técnica dessas funções. As classificações criadas pela autora são fruto de pesquisas na área de percepção e cognição realizadas por ela e por outros pesquisadores. Esse conjunto de fatores tem justificado o caráter referencial que os resultados da pesquisa de Annabel J. Cohen têm para o desenvolvimento do método analítico empregado na presente pesquisa. ! 3. As funções narrativas da música em Super Mario Bros A escolha do jogo Super Mario brothers como estudo de caso no presente artigo tem como base a importância que o jogo alcançou na história dos jogos eletrônicos. Segundo o site Nintendo World, o jogo foi considerado pelo instituto britânico Onepoll como o melhor jogo eletrônico de todos os tempos (Andrade, 2010). Em 2010, em comemoração ao aniversário de 25 anos de lançamento do jogo, uma avenida do bairro Arcosur, em Zaragoza, na Espanha, recebeu o nome de Super Mario Bros (Nintendo World, 2010). Uma matéria disponível no site da emissora de televisão Bandeirantes apresenta o jogo em questão como o segundo jogo eletrônico mais vendido de todos os tempos (Sarda, 2012). A história do jogo, segundo consta no seu manual, começa quando os Koopas, famosos pelo uso de magia negra, invadem o reino dos cogumelos e transformam seus habitantes em pedras, tijolos e plantas. A única pessoa capaz de desfazer o feitiço é a princesa Toadstool, www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 297 filha do rei cogumelo, que se encontra nas mãos do rei Koopa. Mario, o herói da história, ouve sobre a situação e sai em uma missão para libertar a princesa Toadstool e restaurar o reino dos cogumelos. O jogo nos apresenta um total de dezoito efeitos sonoros, seis músicas e seis pequenas “fanfarras”. Entende-se aqui por “música” as composições musicais de maior duração, e por “fanfarra” os pequenos motivos temáticos reincidentes. A análise funcional do jogo aqui desenvolvida visou apenas às músicas e fanfarras, considerando o quadro de funções narrativas acima exposto. Super Mario brothers é um jogo dividido em oito mundos, cada um possuindo quatro fases. A tela de abertura do jogo não possui música ou sons, o que pode representar a falta de necessidade de músicas que cumpram a função de mascaramento. As músicas overworld, underworld, underwater e castle são responsáveis pelo papel de “música de fundo” de todas as fases do jogo, cada uma delas aparecendo em cenários específicos. A especificidade de uso dos temas musicais proporciona um caráter de função de auxílio à memória. As quatro músicas supracitadas também apresentam características da função de prover o efeito de continuidade, pois, ao trocar de cenário durante uma mesma fase, a música é interrompida por um efeito sonoro e muda de acordo com o novo cenário. A música Starman acontece quando o jogador absorve uma “estrela” que proporciona invencibilidade temporária. A música age em conjunto com um estímulo visual (luzes piscam e são emitidas pelo corpo do personagem principal), o que se caracteriza como função de direção de atenção. A particularidade do tema, que atua como um leitmotiv, também caracteriza a função de auxílio à memória. A última música, Ending theme, aparece apenas no fim do jogo, surgindo para apontar a vitória do jogador. A música possui características presentes na função de induzir humor ou sentimento, pois o mesmo busca realçar a sensação de conquista pós confronto com o vilão do jogo. Ending theme, assim como as outras músicas, é particularmente utilizado em um caso específico, caracterizando também a função de auxílio à memória. Hurry up fanfare é uma fanfarra que aparece para observar que o tempo para conclusão da fase está acabando. Logo após seu término, o tema da fase em vigência volta acelerado, apressando e gerando ansiedade no jogador. A fanfarra hurry up possui características da função de auxílio à memória e de fornecer continuidade, enquanto todos os temas que ocorrem após a fanfarra tornam-se parte da função de induzir humor ou sentimento. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! 298 Figura 1: Fases overworld, underworld, underwater e castle. Castle victory ocorre ao final das últimas fases de todos os mundos, logo após derrotar o vilão responsável pelo castelo. O objetivo da fanfarra citada é a sinalização do fim da fase. A mesma apresenta características presentes na função de auxílio à memória e na função de fornecer continuidade. A fanfarra Mario theme é apenas um pequeno trecho do tema Overworld, e é utilizada em conjunto com uma animação que aponta a transição de uma fase para outra. As características da fanfarra são representadas pela função de fornecer continuidade. Death fanfare é uma fanfarra utilizada para indicar a morte do personagem principal. Sua especificidade na utilização sugere a função de auxílio à memória, enquanto a interrupção e a mudança repentina que ocorre de um tema qualquer para a fanfarra Death, além da consequente volta ao início da fase, ou para o game over, sugere a função de fornecer continuidade. A fanfarra game over é usada para indicar o fim do jogo e a derrota do jogador. Game over acontece sempre após a fanfarra Death e sua utilização específica para a situação sugere a função de auxílio à memória, enquanto a mudança de fanfarras e sua consequente mudança para a tela que ilustra a derrota sugere a função de fornecer continuidade. ! 4. Conclusões parciais A análise funcional aplicada ao conteúdo musical do jogo Super Mario brothers mostrou a importância da função de auxílio à memória para um jogo eletrônico, função observada em www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 299 todas as inserções musicais do jogo. O mesmo ocorre com a função de proporcionar continuidade, que mostra a necessidade de garantir conexão entre os eventos da narrativa de um jogo eletrônico. A presente pesquisa vem propondo elucidar questões pertinentes à composição musical de jogos eletrônicos e, em especial, do jogo Super Mario brothers, dando especial atenção à investigação da identificação de funções narrativas da música ao longo do jogo. Os resultados parciais já apontam para evidências de efetividade do conteúdo musical para o bom uso de produtos audiovisuais interativos como os jogos eletrônicos, bem como para o caráter imprescindível desse conteúdo com respeito ao necessário auxílio à memória. Os resultados até este ponto obtidos também provocaram a implementação de nova etapa da pesquisa, que visa à investigação das relações de elementos do fluxo musical, tais como contornos melódicos, timbre e ativação rítmica, com os efeitos narrativos pretendidos pelo roteiro do jogo em questão. ! Referências ! Andrade, I. (2010). Super Mario bros: O melhor game da história. Acessado em http:// www.nintendoworld.com.br/2681-ARTIGOS-SUPER-MARIO-BROS-O-MELHORGAME-DA-HISTORIA, em 15/01/2014. Cohen, A. J. (1998). The functions of music in multimedia: a cognitive approach. In: International Conference on Music Perception and Cogntion, 5, Seoul. Proceedings of the fifth international conference on music perception and cogntion. 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Resumo: Neste artigo vamos apresentar duas abordagens de pesquisa experimental em música, visando uma reflexão sobre suas possibilidades de aplicação, o que constitui nosso objeto de estudo de doutoramento. Para cada estratégia, comentamos um artigo correlato especifico. A primeira, a Entrevista trata de uma aproximação mais tradicional, com apresentação de exemplos musicais para apreciação dos sujeitos e avaliação estatística dos resultados obtidos. A singularidade do artigo escolhido é abordar a influencia da interação entre fatores estruturais (ritmo e alturas) e fatores da performance (articulação e andamento) na percepção de anacruses. A segunda estratégia trata das evidencias a respeito da possibilidade da captação direta em eletroencefalograma (EEG) do sincronismo neuronal (neuronal entrainment) associado à pulsação e à métrica musical. Encerramos discutindo as vantagens de cada estratégia na nossa pesquisa em andamento. Palavras-chave: EEG, pesquisa experimental, percepção, ritmo. Title: Two strategies of experimental research on rhythmic perception Abstract: In this article we address two approaches for experimental research in music, targeting a reflection on their application possibilities, as is our object of study PhD. For each strategy, we comment a specific correlate article. The first, the interview comes to a more traditional approach, presenting musical examples for consideration of subjects and statistical evaluation of the results. The uniqueness of the chosen article is to discuss the influence of the interaction between structural factors (rhythm and pitch) and performance factors (articulation and tempi) in the perception of anacruses. The second approach dealing with evidence regarding the possibility of direct neuronal entrainment uptake in electroencephalogram (EEG) associated with the pulsating and musical meter. We finished discussing the advantages of each strategy in our ongoing research. Keywords: EEG, experimental research, perception, rhythm. 1. Introdução A pesquisa experimental em percepção do ritmo musical tem se beneficiado muito do desenvolvimento das neurociências e da neuropsicologia. Em virtude do avanço tecnológico tanto computacional quanto na modernização e na ampliação ao acesso de equipamentos de diagnóstico por imagens do cérebro, esse campo de estudos atualmente tem gerado conhecimento tanto para a área de música, quanto ela própria tem sido usada como paradigma para se estudar a cognição humana. Nesse sentido, o mecanismo da percepção do ritmo musical, apesar de apresentar-se ainda com muitos aspectos a serem desvendados, já conta com um corpus de conhecimento considerável, tendo sido acumulado de forma mais sistematizada a partir dos anos 1970. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 302 Neste artigo, apresentamos duas abordagens de pesquisa experimental em música, visando uma reflexão sobre suas possibilidades de aplicação, o que constitui nosso objeto de estudo de doutoramento. A primeira, trata de uma aproximação mais tradicional, com apresentação de exemplos musicais para apreciação dos sujeitos e avaliação estatística dos resultados obtidos. A singularidade desta abordagem refere-se ao estudo sobre fatores estruturais (p.ex., intervalos duracionais) que influem na percepção de anacruses, estudando, em principio, a variação de uma estrutura básica CLL (curto-longo-longo) e LCC (longo-curto-curto). A segunda abordagem trata das evidências a respeito da possibilidade da captação direta em eletroencefalograma (EEG) de sincronismo neuronal (neuronal entrainment) associado à pulsação e à métrica musical. Esta captação é obtida através da técnica de Potenciais Relacionados a Eventos (ERP – Event Related Potential) com o uso de estímulos ambíguos, que não tendem para nenhuma interpretação métrica especifica. Esta técnica EEG de Potenciais Evocados de estado estável (steady state Evoked Potential) no estudo do sincronismo neuronal para pulso e métrica musical tem indicado uma maneira segura e não invasiva de observar o comportamento da percepção frente a estímulos musicais estruturados a partir da perspectiva do ritmo mais tradicional, presente na música popular e na música de tradição européia ocidental na qual persiste uma hierarquia temporal com agrupamentos de unidades e subunidades em sua grande maioria binária ou ternária. ! 2. Estratégia 1: Entrevista Consiste na apresentação de exemplos sonoros a sujeitos e coleta da apreciação deles em relação aos estímulos. Focaremos essa estratégia, apoiados em experimento realizado sobre a percepção de anacruses (LONDON, CROSS, & HIMBERG, 2009). Neste artigo, intitulado The Effect Structural and Performance Factor in the Perception of Anacruses contendo dois experimentos, foram elaborados 36 estímulos, com exemplos musicais em que a estrutura rítmica consistia em duas seqüências básicas de três intervalos temporais: CCL e LCC (proporções de 1:1:2 e 2:1:1 respectivamente). O objetivo foi avaliar a influência da interação entre fatores estruturais (ritmo e alturas) e fatores da performance (articulação e andamento) na percepção de anacruses. A hipótese era de que a percepção anacrúsica recairia principalmente sobre a estrutura CCL, onde se presume que o acento tético seja www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 303 predominantemente percebido na nota longa, ou então no som inicial e o final desta seqüência conforme as regras de preferencia onde a tendência é acentuar o primeiro e o último sons de um grupo de três ou mais sons. (POVEL & OKKERMAN, 1981) . Estes dois experimentos consistiam na participação de sujeitos em três níveis de expertise musical (menos de 5 anos de estudo, de 5 a 10 anos de estudo e mais de 10 anos), onde o primeiro consistia em verificar as interações das duas estruturas rítmicas sem melodia e com vários tipos de estruturas melódicas (ascendentes, descendentes, com graus conjuntos, com saltos intervalares) e em andamentos distintos. O segundo experimento aproveita os resultados do primeiro para refinar a avaliação do efeito do aumento do andamento na percepção das anacruses. O sujeitos foram convidados a ouvir os estímulos e percutir com palmas o tempo das melodias, em momentos em que percebessem que o alinhamento de suas frases com o acento forte indicando se a percepção foi anacrústica ou não-anacrústica, como se pode observar no Exemplo 1. ! ! Exemplo 1: Observa-se a mesma melodia com duas interpretações e níveis métricos distintos; a de cima em interpretação anacrúsica (acento métrico fora de fase com o inicio da melodia) e a de baixo com ! interpretação não-anacrúsica (em fase com a melodia). No experimento 1, com estímulos isotônicos, foram encontrados indícios de que os padrões CCL são mais sensíveis a mudanças de interpretação na interação com diferentes andamentos, havendo grande impacto na mudança de sua percepção de tético para anacruse, quando adicionada qualquer estrutura melódica. (LONDON, CROSS, & HIMBERG, 2009, p. 110) No experimento 2, verificou-se haver uma mudança sistemática na percepção da www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 304 anacruse à medida que o andamento aumenta. (LONDON, CROSS, & HIMBERG, 2009, p. 111) ! 3. Estratégia 2 : Mapeamento do "neural entrainment" através de EEG O conceito de “entrainment“, seria “um processo biológico que compreende na sincronia adaptativa de oscilações internas da atenção com um evento externo.¨ (JONES, 2009: 83),1. Conseqüentemente, o “Neural Entrainment“ decorre de teoria aceita atualmente, onde os neurônios sincronizam com estímulos cíclicos externos, oscilando na mesma freqüência. Partindo desses pressupostos, o experimento descrito no artigo Tagging the Neuronal Entrainment to Beat and Meter (NOZARADAN et al., 2011) que poderia ser traduzido como algo próximo de “Mapeando a sincronização neuronal para o beat e a métrica” descreve a observação da sincronização neural através do EEG e também acaba por mapear as características do seu ciclo como binário ou ternário. No experimento a estratégia de utilização do EEG foi eficaz na medida em que apresenta um estímulo acústico com pulsação de 2.4Hz, ou 144 BPM (batidas por minuto) e fisicamente neutro, ou seja, que não privilegia acentuações ciclicamente binárias ou ternárias e no entanto pede para os sujeitos imaginarem acentuações indutoras de métricas com base primeiramente em dois e depois em três. O artificio utilizado foi medir o comportamento do impulsos gerados no cérebro por estímulos auditivos externos chamados Potenciais Evocados (EP, Evoked Potentials), mais precisamente com a técnica de Potenciais Relacionados a Eventos, (ERP, Event Related Potentials). Estes, são observáveis através Eletroencefalograma (EEG), e da Ressonância Magnética (MEG), as “duas principais técnicas de estudo da dinâmica do processamento auditivo no cérebro humano”.2 (LARGE, 2008: 118) O resultado obtido nas imagens geradas pelo EEG demonstram representações cerebrais diferentes para cada uma das métricas imaginadas. Assim a leitura possível é que as diferentes imagens da codificação cerebral obtida para cada um dos ciclos harmônicos do estímulo original (2.4Hz, ou 144 BPM) seja o binário (1.2Hz ou 72BPM) ou o ternário (0.8Hz ou 48BPM), indicam a compatibilidade com um mapeamento da qualidade de sincronização realizada pelos sujeitos. Esta abordagem de potenciais evocados de estado estável (Steady State Evoked Potential) no estudo do sincronismo neuronal para pulso e métrica musical tem indicado uma www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 305 maneira eficiente de observar o comportamento da percepção frente a estímulos musicais estruturados a partir da perspectiva do ritmo mais tradicional, presente na música popular e na música de tradição européia ocidental na qual persiste uma hierarquia temporal com agrupamentos de unidades e subunidades em sua grande maioria binária ou ternária. ! 3.1 Potenciais Relacionados a Eventos A técnica Event Related Potentials (ERP) inicialmente foi nomeada de Evoked Potentials (EP) ou Potenciais Evocados porque eles eram ¨potenciais elétricos evocados por estímulos (em oposição aos ritmos espontâneos EEG)¨ (LUCK, 2005, p. 6) Posteriormente com o desenvolvimento da Neurociência Cognitiva, conjuntamente com o incremento na capacidade de processamento computacional, ganhou maior reconhecimento, e sua importância está ligada a alta resolução temporal em relação às duas outras técnicas mais modernas que são a Ressonância Magnética Funcional (fMRI, Funcional Magnetic Ressonance Imaging) e a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET, Positron Emission Tomography), sendo considerada um complemento à estas últimas (LUCK, 2005, p. 6). Em resumo, entre os sinais pós-sinápticos captados dos disparos das redes de neurônios cerebrais, os potenciais elétricos evocados por estímulos (auditivos, visuais, etc...) contem uma forma característica de onda análoga, cujas componentes são classificadas de acordo com a latência e a natureza dos picos (positivos ou negativos) em que são registradas após a ocorrência do estimulo original. Por exemplo, o pico inicial nos primeiros 100 ms da onda evocada representam a resposta neuronal para o sinal físico provocado pelo estímulo, chamado também de P1 ou P100 (P para positivo) e de componente ¨exógeno¨, ou seja, que depende mais das características de fatores externos. Já aqueles picos que ocorrem mais tardiamente por volta dos 300 ms (P3 ou P300), por exemplo, a componente da resposta sensorial é considerada ¨endógena¨, pois depende mais de fatores internos. (LUCK, 2005, p. 11) ! Conclusão A estratégia da Entrevista para a avaliação da percepção de estímulos, constitui a base de qualquer avaliação digamos, “subjetiva” de um estímulo físico. Ela revela o tipo e o nível de interpretação que o sujeito faz do sinal físico que lhe é apresentado. Porem, no caso de www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 306 estímulos musicais, indivíduos sem uma formação musical podem não distinguir declaradamente a diferença de um ciclo binário de outro ternário, e isso nos leva a um questionamento: a diferenciação entre um metro ternário de um binário contida em estímulos externos, pode ser ouvida e processada mesmo que não seja conscientemente notada? Ou significa apenas que o sujeito musicalmente leigo não distingue nominalmente as diferenças (apesar de alguma maneira ¨percebe-las¨) e com algum treinamento ele pode ser capaz de nomear adequadamente um ou outro? Como se dá neurofisiologicamente a interpretação da métrica musical e a conseqüente sincronização do sujeito com o estímulo acústico externo? A capacidade de perceber ou distinguir uma pulsação cíclica estaria vinculada diretamente a um nível mais alto de processamento da informação no cérebro? Nesse ponto uma questão interessante se coloca: até onde o processamento de um estimulo físico sonoro cíclico é resultado da ontogenia? Em outras palavras, o processamento de um sinal acústico em ciclo binário como tal é inato ou aprendido? Se é um pouco de cada, o quanto ou em que parte, é resultado de sua interação com o meio? Nesse sentido a estratégia de avaliação através da técnica ERP, pode ser a mais eficiente em revelar diferenças na codificação de sinais binários e ternários. E isto decorre da sua maior precisão temporal em relação ao PET e ao fMRI que demandam muito mais processamento computacional no registro temporal dos dados. O tipo de experimento com Potenciais Evocados de Nozaradan abre caminho para interessantes desdobramentos, indicando talvez a possibilidade de observar a interpretação realizada por um sujeito, e dizer como seu cérebro codificou este estimulo, em qual categoria ele classificou o sinal, no caso, binário ou ternário. As conseqüências desses tipo de desenvolvimento para o campo da música são interessantes, na medida em que poderemos por exemplo calibrar melhor a interpretação musical no sentido tanto de diminuir as ambigüidades rítmicas na leitura de obras musicais, quanto no sentido contrario, aumentando o grau de ambigüidades métricas para provocar uma escuta mais ativa e participante do público ouvinte. ! Referências JONES, M. R. (2009). Musical Time. In S. Hallam, I. Cross, & M. Thaut (Eds.), Oxford Handbook of Music Psychology (Oxford Library of Psychology). OXFORD UNIVERSITY PRESS. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 307 LARGE, E. W. (2008). Resonating to musical rhythm: theory and experiment. In Psychology of time (pp. 189-232). LONDON, J., CROSS, I., & HIMBERG, T. (2009). The Effect Structural and Performance Factor in the Perception of Anacruses. Music Perception: An Interdisciplinary Journal , 27 (2), 103-120. LUCK, S. J. (2005). An introduction to the event-related potential technique. MIT Press. NOZARADAN, S., PERETZ, I., MISSAL, M., & MOURAUX, A. (2011). Tagging the Neuronal Entrainment to Beat and Meter. The Journal of Neuroscience , 31 (28), 10234-10240. POVEL, D.-J., & OKKERMAN, M. (1981). Accents in equitone sequences. Perception & Psychophysics , 30 (6), pp. 565-572. 1 ¨(...) Entrainment is a biological process that realizes adaptive synchrony of internal attending oscillations with an external event. (...)¨ 2 (...)Electroencephalography (EEG) and magnetoencephalography (MEG) are the two main techniques for studying the temporal dynamics of auditory processing in the human brain (...) (LARGE, 2008: 218) www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 308 Percepção de emoções em música brasileira a partir da perspectiva do Expanded Lens Model: um estudo preliminar ! Danilo Ramos Universidade Federal do Paraná [email protected] ! Elder Gomes da Silva Universidade Federal do Acre [email protected] ! Resumo: o objetivo deste trabalho foi investigar respostas emocionais de músicos e não-músicos a partir da perspectiva do Expanded Lens Model. Participaram deste estudo 20 músicos e 23 nãomúsicos, os quais julgaram a percepção das emoções Alegria, Raiva, Serenidade e Tristeza a trechos musicais do repertório brasileiro, por meio de uma escala numérica de 0 a 10. Para cada emoção investigada, o teste estatístico ANOVA foi aplicado para comparar as respostas emocionais dos ouvintes por meio do design experimental: 2 x grupos (músicos versus não músicos) 4 x repertório (música de concerto europeia, música de concerto brasileira, música popular brasileira e música de tradição oral/regional brasileira). Os resultados demonstram que não houve diferença no julgamento entre o grupo de músicos e não-músicos para quaisquer emoções ou repertórios. No âmbito dos repertórios entre si, apenas os julgamentos para a emoção Raiva apresentaram diferenças estatísticas marginais entre os grupos. Novas pesquisas são recomendadas, especialmente sobre a emoção Raiva, no intuito de explicar os processos psicológicos envolvidos nas respostas emocionais de ouvintes músicos e não músicos no repertório brasileiro. Palavras-chave: Expanded Lens Model, música brasileira, respostas emocionais à música. ! Title: Perception of emotions in Brazilian music throug Expanded Lens Model perspective: a ! ! preliminar study. Abstract: the purpose of this work was to investigate emotional responses from musicians and nonmusician through Expanded Lens Model perspective. 20 musicians and 23 nonmusicians judged the perception of Happiness, Angry, Serenity and Sadness to Brazilian musical excerpts, through emotional scale (range: 0-10). To each emotion investigated, an analysis of variance was run to compare emotional responses from listeners through experimental design: 2 groups (musicians and nonmusicians) 4 x repertoire (Western classical music, Brazilian classical music, Brazilian popular music and Brazilian traditional music). Results showed that no statistical differences among judgments were found between groups to any emotion or repertoire. By considering the repertoire per si, only judgments of Angry presented a marginal statistical difference between groups. New researches are recommended, especially about Angry, in order to explain psychological processes involved in emotional responses to Brazilian Music by musicians and nonmusicians listeners. Keywords: Expanded Lens Model, brazilian music, emotional responses to music. Introdução A emoção tem sido objeto de um grande número de estudos realizados em música, sobretudo nas últimas décadas. Diferentes abordagens e perspectivas têm sido providenciadas para a compreensão dos processos ligados à comunicação emocional em música, dentre os quais o Expanded Lens Model, que pressupõe a utilização de códigos musicais chamados pistas www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 309 acústicas por compositores e intérpretes com o intuito de promover a comunicação de emoções como a Alegria, a Raiva, a Serenidade e a Tristeza (Juslin & Lindström, 2010; Juslin & Timmers, 2010). Entretanto, a maior parte dos estudos nesta área tem considerado apenas o repertório de concerto de tradição europeia ou, em menor frequência, a música pop ou jazz (Becker, 2010). Estes estudos não consideram de maneira sistemática a influência da relação entre o repertório musical envolvido e o ambiente no qual o sujeito está inserido, o que dificulta a compreensão deste aspecto da experiência musical. Seriam as pistas acústicas descritas do Expanded Lens Model (Juslin & Lindstroom, 2010) universalmente empregadas para a comunicação emocional ou teriam uma especificidade cultural? E, supondo que as vivências cotidianas proporcionadas pelo ambiente no qual o sujeito está inserido interfiram de fato na comunicação emocional, a expertise musical poderia exercer também alguma influência sobre a percepção de emoções? Estas são as principais perguntas que nos levaram a realizar este estudo preliminar, no qual se apresentam aqui os principais resultados. ! Metodologia Participantes: 43 indivíduos participaram deste estudo, sendo 20 músicos (14 homens, 6 mulheres) e 23 não-músicos (9 homens, 14 mulheres). A média de idade dos participantes músicos variou entre 19 e 29 anos (média 23 anos), enquanto para não-músicos a variação ocorreu entre 20 e 32 anos (média 26 anos). O tempo de estudo musical dos participantes músicos variou entre 4 e 20 anos (média 10 anos). Os participantes foram recrutados conforme a legislação vigente1. ! Materiais e equipamentos: foram utilizados 10 computadores da marca Dell (processador Intel Dual Core 2.4GHz, 1GB RAM, 500GB HD), 1 notebook da marca Sony linha Vaio (processador Intel Core i5 2.5GHz, 4GB RAM, 500GB HD), 10 fones de ouvido da marca Phillips modelo SHP1900 e 1 pen drive da marca Kingston (4GB). Os trechos musicais foram editados com o auxílio do programa Sound Forge Audio Studio 10.0. Para o mapeamento das pistas acústicas, foi utilizado um questionário virtual produzido com auxílio da ferramenta Formulário da plataforma GoogleDocs e aplicado junto a estudantes do GRUME - Grupo de Pesquisa Música e Emoção da Universidade Federal do Paraná. A tarefa experimental foi preparada e aplicada com a suíte E-Prime 2.0 (E-Studio e E-Run) em uma sala silenciosa, com paredes lisas, de forma a não distrair os participantes durante a realização da tarefa. Para www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 310 tabulação e análise de dados, foram utilizados os programas E-Merge (da suíte E-Prime 2.0), Microsoft Excel 2013 e Statistica 8.0. ! Material musical: foram utilizados 64 trechos musicais de 20 segundos, distribuídos entre quatro repertórios (música de concerto europeia, música de concerto brasileira, música popular brasileira e música de tradição oral/regional brasileira). Dentro de cada repertório foram incluídos quatro trechos musicais para cada uma das quatro emoções investigadas no estudo: Alegria, Raiva, Serenidade e Tristeza. Os trechos musicais foram selecionados a partir de uma revisão das pistas acústicas do Expanded Lens Model e dos demais indicadores não contemplados pelo modelo, como, por exemplo, as letras das canções populares ou as características das manifestações tradicionais às quais as músicas estejam ligadas. Desta forma, no âmbito de cada repertório foram incluídos 16 trechos, sendo quatro por emoção. A música de concerto de tradição europeia foi utilizada com o intuito de fornecer uma linha de base para a análise e discussão dos dados. Os trechos utilizados para esta categoria foram retirados do estudo de Peretz, Gagnon e Bouchard (1998), já que sua eficácia para a comunicação emocional é conhecida pela literatura científica2. ! Procedimento: os trechos foram divididos em dois lotes possibilitando a realização do experimento em um tempo considerado curto (média aproximada: 19 minutos para ambos os grupos). Todos os trechos foram apresentados de maneira aleatória. Além disso, foram criadas quatro ordens de apresentação das emoções a serem julgadas (p. ex., Tristeza, Serenidade, Alegria e Raiva) de modo a não condicionar as respostas dos participantes. As ordens de apresentação das escalas emocionais também foram distribuídas de maneira aleatória. Todos os participantes julgaram a taxa de percepção das quatro emoções para cada um dos trechos apreciados em seu lote, mesmo que o trecho tenha sido escolhido em função de uma determinada emoção-alvo. Entretanto, neste trabalho apresentamos e discutimos somente os resultados dos julgamentos para as emoções-alvo. Por exemplo: para os trechos musicais que foram selecionados para a categoria Alegria, foram analisadas apenas as respostas emocionais da emoção Alegria entre os grupos e repertório. O mesmo procedimento foi empregado para as demais emoções investigadas. A taxa de percepção foi avaliada pelos participantes em uma escala de 0 a 10, em que 0 representou [emoção] não percebida e 10 representou [emoção] muito percebida. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 311 Análise de dados: os dados foram submetidos ao teste estatístico ANOVA com medidas repetidas. O post hoc utilizado foi o Newman-Keuls. Foram consideradas diferenças estatísticas significativa níveis de p < 0,05. O delineamento experimental utilizado para os testes ANOVA e post hoc Newman-Keuls foi específico para cada emoção. Assim, para a emoção Alegria, por exemplo, os testes foram aplicados considerando as médias dos julgamentos da emoção-alvo entre os repertórios e grupos de participantes (2 grupos x 4 repertórios). Estes procedimentos foram repetidos para cada uma das demais emoções (Raiva, Tristeza e Serenidade). ! Resultados e Discussão A Figura 1 apresenta a média dos julgamentos para a emoção Alegria. O teste ANOVA não indicou diferenças significativas entre os grupos de músicos e não-músicos, repertórios ou na interação entre estes dois fatores. Figura 1. Médias dos julgamentos da emoção-alvo Alegria. ! A Figura 2, por sua vez, apresenta a média dos julgamentos para a emoção-alvo Raiva. De um modo geral, o teste ANOVA indicou diferenças entre os repertórios estudados, independente dos grupos de participantes (F = 2,88; p = 0,04). Entretanto, estas diferenças não foram identificadas com o post hoc Newmann Keuls para esta variável em questão. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 312 Figura 2. Médias dos julgamentos da emoção-alvo Raiva. ! A Figura 3 apresenta a média dos julgamentos para a emoção-alvo Tristeza, para qual tanto o teste ANOVA não revelou diferenças significativas no âmbito dos grupos ou repertórios, ou, ainda, na interação entre estes dois fatores. ! ! Figura 3. Médias dos julgamentos da emoção-alvo Tristeza. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 313 Por fim, a Figura 4 apresenta a média dos resultados dos julgamentos para a emoçãoalvo Serenidade. Como nos resultados anteriores, o teste ANOVA não revelou diferenças significativas entre os grupos, repertórios ou na interação entre estes dois fatores. ! ! Figura 4. Médias dos julgamentos da emoção-alvo Serenidade. A partir dos dados levantados neste estudo, foi possível concluir que músicos e nãomúsicos parecem perceber igualmente as emoções comunicadas pela música no repertório brasileiro, tanto quanto no repertório de tradição europeia. Além disso, as emoções Alegria, Serenidade e Tristeza não apresentaram diferenças significativas no julgamento em quaisquer dos repertórios estudados. A emoção Raiva, por outro lado, apresentou uma diferença marginal e, neste sentido, pode-se supor que este resultado tenda a ser consistente. Em relação a escuta musical, os resultados encontrados sugerem, portanto, que músicos e não-músicos parecem ter uma participação semelhante no ambiente em que estão inseridos e por isso estariam igualmente hábeis em perceber as emoções comunicadas em música no repertório brasileiro. De fato, como Rogoff (2005) e Valsiner (2012) pontuaram, o desenvolvimento cognitivo acontece essencialmente em um dado ambiente, em uma troca permanente entre o indivíduo e seu contexto sociocultural. Para Bordieu (2012), ainda, todo indivíduo constrói seu habitus – disposições herdadas e transformadas constantemente a partir destas relações – o que poderia explicar o motivo pelo qual ambos os grupos apresentaram www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 314 respostas parecidas, já que pertencem a um mesmo contexto sociocultural que pode, então, ter originado habitus de escuta semelhantes. Com relação aos repertórios musicais empregados, os julgamentos para cada um deles em relação às emoções Alegria, Serenidade e Tristeza não apresentaram diferenças significativas, reforçando a validade do Expanded Lens Model, mesmo que a variedade do emprego de certas pistas acústicas possam ter influenciado a percepção emocional dos ouvintes entre os diferentes tipos de música empregados. Embora seja cedo para apresentar uma taxonomia das pistas acústicas utilizadas para comunicação emocional em música brasileira, os resultados do presente trabalho apresentam um caminho para uma análise mais sistemática de tais pistas, devido à coerência entre os julgamentos. Outras análises necessitam ser realizadas considerando o julgamento das emoções entre si em comparação com a emoção-alvo. Este estudo continua em andamento e uma análise mais apurada dos dados em relação a análise das respostas emocionais das emoções que não sejam as emoções-alvo está sendo feita. O resultados destas análises serão publicadas em breve. Ademais, são necessários também novos estudos, sobretudo no que diz respeito à emoção Raiva, talvez por meio da exploração de outras pistas acústicas não contempladas pelo Expanded Lens Model ou por meio da ampliação da amostragem dos trechos musicais e dos ouvintes, na busca pela obtenção de dados mais consistentes. ! Considerações finais Os resultados preliminares deste estudo indicam que o ambiente cultural no qual o indivíduo está inserido pode exercer um papel importante para a percepção de emoções em música, independente da a expertise musical do sujeito, uma vez que as emoções Alegria, Serenidade e Tristeza ofereceram julgamentos mais homogêneos. Entretanto, pelo fato de os dados do presente estudo apresentarem uma heterogeneidade das respostas emocionais para a emoção Raiva em função do repertório musical empregado e do nível de conhecimento musical dos participantes, a realização de estudos mais aprofundados sobre respostas emocionais à música envolvendo esta emoção parece ser necessária. Além disso, conforme pontuado anteriormente, outras análises estatísticas mais aprofundadas estão sendo feitas no presente estudo, nas quais se espera publicá-las futuramente, com o intuito de aprofundar as discussões aqui levantadas. ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 315 Agradecimentos Agradecemos à CAPES, à Universidade Federal do Acre e aos membros do GRUME - Grupo de Pesquisa Música e Emoção da Universidade Federal do Paraná, pelo suporte à realização desta pesquisa, bem como a todas as pessoas que gentilmente se disponibilizaram a participar do experimento. ! Referências Becker, J. (2010). Exploring the habitus of listening: anthropological perspectives. In: P. N. Juslin & J. A. Sloboda (Eds.), Handbook of Music and Emotion: Theory, Research, Applications (pp.127-157). New York: Oxford University Press. Bordieu, P. (2012). O poder simbólico. Trad.: Fernando Tomaz. 16ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Juslin, P. N. & Lindström, E. (2010). Musical Expression of Emotions: Modelling Listerners’ Judments of Composed and Performed Features. Music Analysis, 29, 334-364. Juslin, P. N. & Timmers, R. (2010). Expression and communication of emotion in music performance. In: P. N. Juslin & J. A. Sloboda (Eds.), Handbook of Music and Emotion: Theory, Research, Applications (pp.453-489). New York: Oxford University Press. Peretz, I., Gagnon, L. & Bouchard, B. (1998). Music and emotion: perceptual determinants immediacy and isolation after brain damage. Cognition, 68, 111-141. Rogoff, B. (2005). A natureza cultural do desenvolvimento humano.Trad.: Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed. Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Trad.: Ana Cecília de Sousa Bastos. Porto Alegre: Artmed. 1Dados do projeto na Plataforma Brasil do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP): Música e emoção no contexto brasileiro. 2Os trechos musicais empregados no presente estudo podem ser acessados em < http://goo.gl/J2zPmZ>. O mapeamento das pistas acústicas presentes nos trechos em questão foi produzido com o auxílio de um questionário virtual aplicado junto aos membros do GRUME - Grupo de Pesquisa Música e Emoção da Universidade Federal do Paraná e seu resumo pode ser visualizado em <http://goo.gl/6Q4hNe>. As pistas comumente referenciadas pelo Expanded Lens Model, por fim, podem ser encontradas no trabalho de Juslin e Lindström (2010). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! 316 A influência da expressividade musical na motivação para a escuta no repertório brasileiro para piano Danilo Ramos Universidade Federal do Paraná [email protected] ! Lizzie Maldonado Lessa ! Universidade Federal do Paraná Reginaldo Marcos Nascimento Universidade Federal do Paraná ! Resumo: O objetivo deste estudo foi verificar se a percepção da expressividade da performance musical pode influenciar a motivação para a escuta. Um experimento foi realizado com participantes não músicos, cujas tarefas eram ouvir trechos musicais e em seguida preencher escalas de diferencial semântico (alcance 0-10) relacionada ao nível de expressividade da performance e logo após ouvir os mesmos trechos musicais e preencher e mesma escala, porém, relacionada ao nível de motivação para escuta. Cinco trechos musicais do repertório erudito brasileiro, executados ao piano, com duração de 20 segundos foram selecionados e apresentados de forma aleatória, em três versões: trechos executados por pianistas profissionais, trechos executados por pianistas em formação e trechos MIDI, totalizando 15 trechos musicais. O teste ANOVA mostrou que há relação entre o nível de expressividade e o de nível de motivação para a escuta em função da expertise musical dos pianistas. Neste sentido, quanto mais expressiva foi considerada a performance musical, mais os ouvintes relataram querer ouvi-la novamente. Palavras-chave: expressividade musical; motivação para a escuta; expertise musical. ! ! ! Title: Musical expressivity influences motivation to listening musical tasks in Brazilian repertoire for piano Abstract: The purpose of this study was verifying if the perception of the performance musical expressivity could influence the motivation for listening musical tasks. An experiment was made with nonmusicians participants, whose tasks involved listening to musical excerpts and filling in a semantic differential scale (range 0-10) related to the level of performance expressivity and listening to the same musical excerpts and filling in the same scale, but in relation to level of listening motivation. Five music excerpts from Brazilian classical repertoire played on piano, with 20 seconds duration were selected and presented in a random order in three versions: played by professional pianists, played by piano students and excerpts played by MIDI, totalizing 15 musical excerpts. An analysis of variance showed a relation among the level of expressivity and the level of listening motivation in function of the musical expertise from participants. In this sense, more expressive was considered the musical performance, more participants related to want listening to it again. Keywords: musical expressivity; listening motivation; musical expertise. Introdução O hábito de ouvir música acompanha o ser humano desde o ventre materno ao longo de toda a sua vida, nas suas experiências sociais, emocionais, culturais e educacionais (Gembris & Davidson, 2002). A música é capaz de expressar emoção, beleza, movimento, energia, tensão, www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 317 fé religiosa, identidade pessoal, condições sociais, sendo que componentes emocionais estão presentes em todas estas manifestações musicais (Juslin & Person, 2002). Neste sentido, as pessoas parecem usar a música para regular, liberar e reforçar as emoções que o indivíduo está sentindo, visando desfrutar de um momento para confortar-se ou para aliviar o estresse (Juslin &Västfjäll, 2008). Tanto os relatos biográficos quanto estudos empíricos acerca do estudo das emoções desencadeadas pela música sugerem que os músicos muitas vezes tem a intenção de transmitir emoções aos ouvintes. Isso se dá através da maneira expressiva de tocar, o que muitos artistas consideram como o aspecto mais importantes da performance musical (Juslin & Person, 2002). Assim, dominar a habilidade de expressar emoção em música é uma competência importante para um artista (Woody, 2000). A comunicação expressiva da performance musical pode compreender vários aspectos de um caminho complexo, em que as informações podem ser acrescentadas ou modificadas. Neste caminho, as seguintes etapas podem ser envolvidas: a produção criativa do compositor, o modo como as informações são fixadas na partitura, as intenções interpretativas e expressivas do(s) instrumentista(s), a produção e gravação da música pelo intérprete e a resposta emocional do ouvinte. Assim, pesquisas tem buscado identificar e quantificar a correlação entre variações de parâmetros resultantes de performances e as intenções do intérprete na comunicação ao ouvinte, a partir de diferentes aspectos da música (Loureiro, 2006). Segundo Juslin e Persson (2002), um conjunto considerável de pistas acústicas relacionadas a andamento, volume, ritmo, pulsação, articulação, timbre, vibrato, pausas foram associadas a emoções básicas do ser humano (alegria, tristeza, medo, raiva e amor, por exemplo) por meio de uma adaptação de um modelo científico chamado Expanded Lens Model. Assim, quando o artista e ouvinte associam as mesmas pistas a determinada emoção, ocorre a acurácia da comunicação emocional. Portanto, o centro de uma performance musical expressiva parece estar relacionado a manipulação de parâmetros de som, como ataque, sincronismo, timbre, entre outros (Juslin & Persson, 2002). A expertise musical é um termo que se refere a quão excelente é o músico na habilidade musical que desenvolve (Lehmann, Woody & Sloboda, 2007). Segundo os autores, esta expertise parece ser um fator importante para a aquisição de habilidades musicais relacionadas a expressividade musical. Neste sentido, é possível inferir que quanto mais tempo de estudo o performer tiver no curso de sua vida, mais expressiva será a sua performance, desde que manipule os parâmetros do som de maneira adequada. Segundo Lehmann, Woody e Sloboda (2007), questões musicais que lidam com expectativa, surpresa, www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 318 tensão, relaxamento fazem parte de escolhas estéticas importantes nas performances expressivas e estão sempre presentes nas interpretações musicais. Segundo Juslin e Persson (2002), uma performance musical mais expressiva pode permitir com que os músicos mostrem aspectos mais profundos e pessoais do seu trabalho. Entretanto, os autores ainda argumentam que, para adquirir um alto nível de expertise musical e, consequentemente, atingir a altos níveis de expressividade em suas performances, é necessário que, no curso de sua história musical, o performer se sinta sempre motivado. O termo motivação é derivado do verbo em latin “movere” que indica o movimento que direciona o indivíduo a uma determinada ação, feita de determinada maneira em busca de um objetivo. Em uma perspectiva psicológica, a motivação parece ser um processo desenvolvido no interior do indivíduo e que o impulsiona a agir mental e fisicamente, mantendo o indivíduo disposto a usar seus esforços para alcançar determinado objetivo. Segundo Reeve (2006), a motivação pode definir as causas do comportamento, o que dá início e fim a uma ação e a intensidade do grau de persistência. É importante considerar que a motivação para a escuta de determinada obra ou estilo musical pode estar intimamente relacionada com as preferências musicais do indivíduo. Hargreaves, North e Tarrant (2009) definem o termo “preferência musical” como o gosto por uma música em comparação com outra em um momento específico. Já o termo “gosto musical” refere-se ao padrão geral das preferências do indivíduo durante longos períodos de tempo. Segundo os autores, qualquer explicação sobre gosto e preferências musicais deve levar em conta as características de três componentes importantes: a pessoa (idade, sexo, treinamento musical, contexto cultural), a música (estrutura, estilo, complexidade, familiaridade) e a situação de escuta (trabalho, lazer, situações de entretenimento, presença ou não de outras pessoas). Hargreaves et al (2009), em seu modelo de feedback recíproco afirmam que os três componentes citados se influenciam mutualmente de uma maneira dinâmica e bidirecional, o que faz com que o gosto e preferências musicais estejam em constante fluxo. Apesar do estudo da comunicação emocional entre compositor, intérprete e ouvinte estar sendo feito de maneira sistemática pelos pesquisadores em Cognição Musical, até onde se sabe, nenhum estudo foi realizado no sentido de verificar sistematicamente a relação as respostas emocionais à música e o estado motivacional desencadeado no ouvinte. Neste sentido, o presente trabalho propõe verificar se a percepção da expressividade musical pode influenciar a motivação para a escuta musical em uma população de ouvintes brasileiros não www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 319 músicos. Acredita-se que quanto mais expressiva for a execução musical (devido aos diferentes níveis de expertise das performances musicais selecionadas para este estudo), maior será a motivação dos ouvintes para ouvi-la novamente. ! Método Participantes: 33 indivíduos de ambos os sexos (homens = 14 / mulheres = 19) que não receberam instrução formal em música nos últimos dez anos, classificados no presente estudo como não músicos, com idade entre 16 e 72 anos (média = 36 anos). Todos relataram não ter problemas de audição. Equipamentos: o experimento foi realizado em uma sala silenciosa, com paredes brancas. Utilizou-se um Notebook Acer Aspire M5 481T e outro Notebook Semp Toshiba STI UB 1401 para a apresentação dos trechos musicais; dois fones de ouvido da marca Philips SHM1900 para a escuta dos trechos musicais; programa Statistica 8.0 para a análise de dados. Foi utilizado o programa e-Prime para o registro das respostas dos participantes e um questionário complementar para obtenção de dados pessoais, dados relacionados ao hábito de escuta dos participantes e dados sobre impressões dos participantes sobre o experimento. Caracterização dos trechos musicais: o material musical consistiu de 5 trechos musicais do repertório erudito brasileiro executados ao piano solo, com 20 segundos de duração cada um. Cada trecho musical foi apresentado em 3 versões: uma executada por um pianista profissional, uma executada por um pianista em formação e uma versão MIDI, totalizando 15 trechos musicais. As versões MIDI foram geradas por meio da transcrição das partituras originais no programa Finale 2012 e tiveram um tratamento de áudio que incluía uma mudança de timbre com a ajuda do programa EZkeys® Upright Piano e a inclusão de um ruído ambiente com o programa Audacity 2.0.3. O tratamento das versões MIDI tinha a finalidade de equalizar os áudios com as versões executadas pelos pianistas profissionais e em formação. Os trechos referentes às versões do pianista profissional e do pianista em formação foram obtidos através de download do sítio YouTube em formato mp4 convertidos para o formato mp3 (320 kbps) e editados no programa Audacity 2.0.3. Procedimento: o experimento foi rodado com a presença de dois participantes por vez na sala experimental, que recebiam as seguintes instruções: “Você vai dar sua contribuição para um estudo em Cognição Musical. Sua primeira tarefa consiste em escutar um trecho musical e julgar o quanto ele foi expressivo. Em outras palavras, você deve escutar e avaliar, em uma escala de 0 a 10, o quanto cada trecho musical lhe transmite emoções, sendo 0 equivalente à www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 320 “o trecho musical não me emocionou nada” e 10 “o trecho musical me emocionou muito”. O trecho musical será reproduzido quando você pressionar a barra de espaço. Você deverá proceder a esta tarefa para todos os outros trechos musicais. Após ter sido realizado o julgamento do último trecho aparecerá a seguinte mensagem: “Agora as regras do jogo mudaram. Sua tarefa, a partir desse momento, consiste em avaliar o quanto você se sente motivado a ouvir novamente cada trecho musical, ou seja, você deverá julgar, em uma escala de 0 a 10 o quanto ficou com vontade de ouvir o trecho musical novamente, sendo 0 equivalente a “não gostaria de ouvir o trecho musical novamente” e 10 equivalente a “gostaria muito de ouvir o trecho musical novamente”. Esta tarefa consiste em julgar a motivação que o trecho musical apresentado lhe inspira a ouvir novamente. Você deverá proceder a esta tarefa para todos os outros trechos musicais. Lembramos que para esta pesquisa não há respostas certas ou erradas. Sendo assim, as suas respostas são de caráter individual. Peço que vocês executem o experimento todo em completo silêncio”. As apresentações dos trechos e das tarefas foram feitas em ordem aleatória entre os participantes. O experimento teve a duração média de 15 minutos. Ao final do experimento, o pesquisador aplicou o questionário complementar. Análise de dados: Um teste ANOVA foi empregado para comparar a média das respostas dos participantes em função do grupo de trechos musicais apresentados (executados pelos pianistas profissionais, pianistas em formação e gravações MIDI) para cada variável dependente mensurada no estudo: expressividade e motivação para a escuta, configurando-se um design experimental 3 (versões de apresentação das peças) x 5 (trechos musicais). ! Resultados A Figura 1 ilustra as médias de respostas dos participantes sobre a relação entre expressividade e motivação em função da expertise musical de pianistas no repertório erudito brasileiro: ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 321 Figura 1. Médias de respostas dos ouvintes nas escalas de diferencial semântico (alcance: 0-10) em função da motivação para a escuta e da expressividade ! musical de pianistas profissionais, de nível médio e de performances MIDI. O teste ANOVA mostrou uma diferença estatística significativa entre as médias gerais de respostas para os dois tipos de medidas envolvidas: expressividade e motivação para a escuta (F 28,753; p = 0,0000001), o que indica que as médias de respostas gerais para expressividade foram maiores do que as médias de respostas gerais para motivação para a escuta, independentemente das versões dos áudios apresentados. O teste ANOVA também mostrou uma diferença estatística significativa entre as respostas dos participantes para as três versões das gravações apresentadas trechos executados por pianistas profissionais, trechos executados por pianistas em formação e trechos MIDI), independentemente da medida envolvida (expressividade ou motivação para a escuta): (F 18,394; p = 0,000001). O teste ANOVA não mostrou diferenças estatísticas significativas na interação entre as variáveis dependentes (expressividade e motivação para a escuta) e a variável independente empregada no estudo (nível de expertise da performance musical). Com relação as medidas de expressividade, o post-hoc Newman Keuls mostrou uma diferença estatística para os níveis de expressividade entre os pianistas profissionais e pianistas em formação (p = 0,000131) e entre os pianistas profissionais e o MIDI (p = 0,000008). O teste mostrou diferenças estatísticas marginais para os níveis de expressividade entre os pianistas em formação e os trechos MIDI (p = 0,050565). Este dado significa que os trechos musicais executados pelo pianistas profissionais foram considerados como mais expressivos que os trechos musicais executados pelos pianistas em formação e que, por sua vez, foram considerados como mais expressivos em relação aos trechos MIDI. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 322 Com relação as medidas de motivação para a escuta, o post-hoc Newman Keuls mostrou uma diferença estatística para os níveis de motivação entre os pianistas profissionais e pianistas em formação (p = 0,001720) e entre os pianistas profissionais e o MIDI (p = 0,00001). O teste não mostrou diferenças estatísticas para os níveis de motivação para a escuta entre os pianistas em formação e os trechos MIDI. Estes resultados sugerem que, quanto mais expressivas foram as performances dos pianistas, mais os ouvintes tiveram vontade de ouvi-las. ! Discussão e Conclusão O presente estudo teve como objetivo verificar se a percepção da expressividade musical pode influenciar a motivação para a escuta musical para um público de ouvintes não músicos. Os resultados mostram que os trechos musicais da categoria pianistas profissionais foram considerados como sendo os mais expressivos e os que tiveram maiores índices de motivação para a escuta. Os resultados também mostram uma diferença estatística significativa entre os trechos musicais executados pelos pianistas profissionais em comparação aos trechos musicais executados pelos pianistas em formação e trechos MIDI, tanto na variável dependente expressividade quanto na variável dependente motivação para a escuta. Entretanto, os resultados mostraram que a variável expressividade obteve maiores índices na escala utilizada do que a variável motivação para a escuta. Este último dado sugere que a variável expressividade foi mais sensível que a variável motivação para a escuta. Segundo Loureiro (2006) diferenças entre performances são percebidas com clareza, mesmo por ouvintes não especializados, o que faz com que uma performance inexpressiva seja quase sempre menos apreciada que uma interpretação expressiva da mesma partitura. Os dados obtidos no presente estudo parecem corroborar com a autora, uma vez que os pianistas profissionais utilizaram recursos musicais mais sutis em relação as pistas acústicas relacionadas a expressividade, o que, provavelmente, ressaltou o conteúdo emocional dos trechos. As análises feitas durante a seleção dos áudios empregados no presente estudo tornou possível perceber que a manipulação das dinâmicas e de tempo das performances selecionadas eram diferentes, em relação a intensificação dos pontos culminantes das frases, a delimitação de seus inícios e suas terminações, por exemplo: as frases que se sucediam mostravam entre si uma hierarquia de ênfases que colaborava para a exposição dos momentos de maior atividade emotiva, conforme os critérios estabelecidos por Juslin & Persson (2002). Além disso, os rubatos davam aos trechos uma naturalidade rítmica que poderia ser associada www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 323 à maneira natural da fala ou do canto, conforme os dados encontrados pelos mesmos autores. Neste sentido, a presente pesquisa pode contribuir para futuros estudos na área de Cognição Musical não só em relação ao controle de variáveis envolvidas na relação expressividade musical e motivação para escuta, mas também em relação a uma seleção adequada de material musical a ser testado em pesquisas experimentais que tenham como base os critérios emocionais estabelecidos por Juslin e Persson (2002) e suas possíveis aplicações no contexto brasileiro, uma vez que nos trechos selecionados, os elementos musicais parecem ter sido bem administrados para o controle das variáveis envolvidas no estudo. Ao analisar os questionários complementares preenchidos pelos ouvintes, percebeu-se que variáveis mais sutis como aptidão musical, critérios de escuta, estilo musical e familiaridade aos trechos musicais merecem um estudo aprofundado no futuro. O GRUME – Grupo de Pesquisa Música e Emoção da UFPR tem se dedicado ao estudo destas variáveis, na busca por uma maior compreensão dos processos psicológicos envolvidos nos aspectos emocionais e motivacionais da escuta musical, especificamente no contexto brasileiro. ! Referências Gembris, H. & Davidson, J. W. (2002). Environmental influences. In R. Parncutt, G. E. Mcpherson (Ed.), The science and psychology of music performance: strategies for teaching and learning. New York: Oxford University Press. Hargreaves, D. J., North, A. C., & Tarrant, M. (2006). Musical preference and taste in childhood and adolescence.” In Gary McPherson (ed.) The child as musician: a handbook of musical development. New York/Oxford: Oxford University Press. Juslin, P. N., & Person R. S. (2002). Emotional communication. In R. Parncutt & G. E. Mcpherson (Ed.), The science and psychology of music performance: strategies for teaching and learning. New York: Oxford University Press. Juslin, P. N., & Västfjäll, D. (2008) Emotional responses to music: the need to consider underlying mechanisms. Behavioral and Brain Sciences, 31, 559-75. Lehmann, A., Sloboda, J. & Woody, R. (2007). Psychology for musicians: understanding and acquiring the skills. New York: Oxford University Press. Loureiro, M. A. (2006). A pesquisa empírica em expressividade musical: métodos e modelos de representação e extração de informação do conteúdo expressivo musical. Opus Revista da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música/ Anppom, 12, 07-32. Reeve, J. (2006). Motivação e emoção (L. A. F. Pontes, Trad.). Rio de Janeiro: LTC. Woody, R., (2000). Learning expressivity in music performance: an exploratory study. Research Studies in Music Education, 14, 14-23. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! 324 Influência do método de mensuração sobre respostas emocionais à música no contexto brasileiro Danilo Ramos Universidade Federal do Paraná [email protected] ! Doris Beraldo Universidade Federal do Paraná Thiago Tatsch Universidade Federal do Paraná ! Resumo: O objetivo deste estudo foi analisar o curso de respostas emocionais à música em ouvintes brasileiros e compará-las após a aplicação de duas metodologias de mensuração. 28 participantes não músicos ouviam 15 trechos musicais do repertório erudito europeu utilizados em um estudo prévio. Em uma primeira mensuração, sob a perspectiva do Modelo Circumplexo de Russel (MCR), a tarefa era ouvir cada trecho e, por meio de um teste de escolha forçada, associá-lo às emoções Alegria, Raiva, Tranquilidade ou Tristeza (grupo controle de emoções). Em uma segunda mensuração, sob a perspectiva da Geneva, Emotional Music Scale (GEMS), os participantes ouviam os mesmos trechos musicais e escolhiam uma lista de adjetivos emocionais (grupo experimental de emoções). Os participantes respondiam ambas as escalas em duas situações: respostas emocionais sentidas ou percebidas. A ordem de apresentação dos trechos musicais e das metodologias de mensuração foi distribuída aleatoriamente entre os participantes. O design experimental utilizado foi 2 x metodologias (MCR versus GEMS) 2 x categorias de respostas (emoções sentidas versus emoções percebidas). O teste estatístico ANOVA indicou diferenças significativas para as respostas emocionais dos ouvintes entre as duas metodologias de mensuração para as emoções Alegria, Tranquilidade e Tristeza. Não foram encontradas diferenças significativas entre as duas metodologias de mensuração para a emoção Raiva. Além disso, não foram encontradas diferenças em relação as categorias de respostas (sentidas ou percebidas) mensuradas para nenhuma emoção investigada. Os resultados deste estudo sugerem que o teste de escolha forçada pode limitar a intepretação dos dados acerca das respostas emocionais à música em ouvintes brasileiros. Palavras-chave: métodos de mensuração, respostas emocionais à música, contexto brasileiro. ! Title: Influence of the method of mensuration on emotional responses to music in Brazilian context. Abstract: The purpose of this study was to analyze the course of emotional responses to music in Brazilian listeners and comparing them after the application of two methods of mensuration. 28 participants nonmusicians listened to 15 musical excerpts from classical western music employed in a previous study. The first mensuration, based on Russel Circumplex Model (RCM approach), the task was listening to each musical excerpt and, through a forced-choice test, associates it to Happiness, Angry, Sadness or Tranquility (control group of emotions). The second mensuration, based on Geneva Emotional Music Scale (GEMS approach), participants listened to the same excerpts and chose and adjective list of emotions (experimental group of emotions). Participants answered both scales in two situations: felt or perceived emotions. The order of presentation of the musical excerpts and mensuration methodologies of mensuration was randomized among participants. Design experimental employed was 2 x methods of mensuration (RCM versus GEMS) 2 categories of responses (felt versus perceived emotions). An analysis of variance showed significant differences to emotional responses from listeners between the two methods of mensuration to Happiness, Tranquility and Sadness. No differences were found between the two methods of mensuration to Angry. Furthermore, no differences were found in relation to the www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! 325 categories of responses (felt or perceived) to any emotion investigated. Results obtained in this study suggest that the forced-choice test can limit the interpretation of data about emotional responses to music in Brazilian listeners. Keywords: methods of mensuration, emotional responses to music, Brazilian context. Introdução Nos estudos que envolvem música e emoção, é possível encontrar o objetivo comum entre os pesquisadores em compreender os processos psicológicos existentes na relação entre intérprete e ouvinte durante uma performance musical. A contínua busca em compreender estes processos, aliada a estudos desenvolvidos em Cognição Musical, levaram a ampliação do conhecimento científico acerca desta questão. A comunicação emocional pode ser entendida como situações em que o músico tem a intenção de comunicar emoções especificas aos ouvintes (Juslin & Persson, 2002). Além disso, Lisboa e Santiago (2006) e Ramos e Santos (2010) afirmam que é possível que o intérprete possa aprender a manipular os elementos musicais (pistas acústicas) para transmitir a emoção desejada aos seus ouvintes. Portanto, compreender como ocorre este processo pode auxiliar no aperfeiçoamento da performance musical, no intuito de fornecer elementos para que os intérpretes proporcionem experiências e sensações agradáveis a seus ouvintes. Para a mensuração das respostas emocionais à música, o emprego do Modelo Circumplexo de Russel (1980) considera uma análise bidimensional construída sobre um referencial cartesiano, em que um eixo está relacionado à valência afetiva (agradabilidade musical, que pode ser positiva ou negativa) e ao arousal (estado de excitação fisiológica, que pode ser alto ou baixo). Segundo este modelo, as respostas emocionais à música sempre estão localizadas em um dos quatro quadrantes formados pelas duas dimensões. Entretanto, Zentner, Granjean e Scherer (2008) propõem uma abordagem de mensuração das emoções desencadeadas pela música por meio do uso de uma lista de adjetivos denominada Escala Emocional Musical de Genebra. Os autores afirmam que trata-se de um instrumento adequado para mensurar as respostas emocionais à música, pelo fato de ter sido desenvolvida a partir de vários experimentos considerando contextos musicais diversos, bem como um estudo aprofundado sobre léxicos ligados a respostas emocionais especificamente para a música, considerando a língua nativa do indivíduo. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é observar o curso das respostas emocionais à música no contexto brasileiro e compará-las entre dois métodos de mensuração: o primeiro baseado no Modelo Circumplexo de Russel (Russel, 1980) e o segundo baseado na Escala Emocional Musical de Genebra (Zentner, Scherer & www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 326 Grandjean, 2008). O intuito deste trabalho é verificar se o método de mensuração influencia as respostas emocionais à música dos participantes do presente estudo. ! Método Participantes: 28 indivíduos de ambos os sexos (16 homens e 12 mulheres), com idade entre 17 e 61 anos (média = 37,03 anos) participaram do estudo. Apenas sete deles receberam instrução formal em música nos últimos dez anos. Todos os participantes relataram não ter problemas de audição. ! Equipamentos: o experimento foi realizado em uma sala silenciosa, com paredes brancas. Foi utilizado um Notebook Dell Inspiron 14 e um MacBook Pro da Apple com fones de ouvido da marca Philips SHM1900 para a escuta e apresentação dos trechos musicais, além dos programas e-Prime para o registro das respostas dos participantes e Statistica (versão 8.0) para a análise de dados. Um questionário complementar foi empregado para obtenção de dados pessoais, dados relacionados ao hábito de escuta dos participantes e dados sobre impressões dos participantes sobre o experimento. ! Caracterização dos trechos musicais: o material musical consistiu de 15 trechos musicais de obras do repertório erudito ocidental. Para cada emoção investigada no presente estudo (Alegria, Raiva, Tranquilidade e Tristeza) foram selecionados três trechos musicais com 20 segundos de duração, sendo assim denominados ALE1, ALE2 e ALE3, para os trechos representativos da emoção Alegria, TRA1, TRA2 e TRA3 para os trechos representativos da emoção Tranquilidade, TRI1, TRI2 e TRI3 para os trechos representativos da emoção Tristeza e RAI1, RAI2 e RAI3 para os trechos representativos da emoção Raiva. A seleção das músicas foi obtida a partir de um estudo prévio feito por Ramos (2008). Os autores do presente estudo apontam os trechos empregados na pesquisa de Ramos (2008) como aqueles que foram os mais representativos de cada emoção investigada. A Tabela 1 ilustra o trecho musical associado a cada emoção que ele representa: ! ! ! ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! 327 Tabela 1. Trechos musicais utilizados no estudo de Ramos (2008). Procedimento: foram realizados dois testes, um que envolveu um escolha forçada e outro que envolveu uma lista de adjetivos. As categorias emocionais empregadas foram selecionadas a partir do Modelo Circumplexo de Russel (1980). Cada participante realizou o teste individualmente. A tarefa consistia de ouvir um trecho musical e, logo após a escuta, dar o julgamento emocional ao trecho ouvido, em duas condições: a primeira condição envolvia um teste de escolha forçada, no qual o participante deveria escolher apenas uma dentre quatro emoções: Alegria, Raiva, Tranquilidade ou Tristeza. A segunda condição envolvia uma lista de adjetivos, no qual o participante deveria escolher apenas um dentre nove grupos de emoções. A Tabela 2 ilustra os grupos de emoções que foram apresentados aos participantes: ! ! Tabela 2 - Grupos de emoções empregados na lista de adjetivos utilizada no presente estudo. Em ambas as condições (teste de escolha forçada e lista de adjetivos), os participantes respondiam a duas perguntas: (1) que emoção você percebeu durante a escuta? (2) Que emoção você sentiu durante a escuta? Tanto a ordem de apresentação dos trechos musicais, quanto as duas condições de resposta do teste (escolha forçada e lista de adjetivos) e o tipo de www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 328 resposta (sentida ou percebida) foram distribuídas aleatoriamente entre os participantes. Terminado o estudo, os participantes eram encaminhados para fora da sala experimental para o preenchimento dos questionários complementares. Cada sessão experimental durava aproximadamente 40 minutos. ! Análise dos dados: O teste ANOVA foi empregado para comparar as médias das porcentagens de respostas dos julgamentos emocionais dos participantes aos trechos musicais, por meio do design experimental 2 x metodologias (ELM versus GEMS) 2 categorias de respostas (emoções sentidas versus emoções percebidas). O post-hoc Newman Keuls fez uma análise pareada entre os grupos. ! Resultados A Tabela 3 ilustra os valores em porcentagem para cada trecho musical, em relação ao método empregado e também em relação a respostas dos participantes sobre emoções percebidas e emoções sentidas: ! Tabela 3 - Valores em porcentagem para cada trecho musical, em relação ao método de mensuração empregado e em relação a respostas emocionais percebidas e sentidas. Foram consideradas apenas as taxas de porcentagens mais altas obtidas em cada um dos testes. ! Em relação à emoção Alegria, para o trecho ALE1, o teste ANOVA mostrou diferenças estatísticas entre as respostas emocionais dos ouvintes, em função do método de mensuração das emoções empregado (F 8,04636; p=0,008542). Para este trecho, o teste Post-Hoc Newman Keuls mostrou diferença entre as respostas referentes a emoções percebidas no teste de Russel e na GEMS (p=0,002062) e entre emoções sentidas no teste de Russel e na GEMS (p=0,043025). Para o trecho ALE2, o teste ANOVA mostrou diferenças estatísticas entre as www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 329 respostas emocionais dos ouvintes, em função do método de mensuração das emoções empregado (F 28,5882; p=0,000012). Para este trecho, o Post-Hoc Newman Keuls mostrou diferença entre as respostas entre as emoções percebidas no teste de Russel e na GEMS (p=0,004356) e entre as emoções sentidas no teste de Russel e na GEMS (p=0,005218). Para o trecho ALE3 o teste ANOVA mostrou pequenas diferenças estatísticas entre as respostas dos ouvintes em função do método de mensuração empregado (F 3,6423; p=0,049). Para este trecho, o Post-Hoc Newman Keuls mostrou diferença entre as respostas entre as emoções percebidas no teste de Russel e na GEMS (p=0,001203) e entre as emoções sentidas no teste de Russel e na GEMS (p=0,012332). Para os três trechos representativos da emoção Alegria, não foram encontradas diferenças estatísticas entre as emoções sentidas e percebidas tanto no teste de Russel quando na GEMS. Para todos os trechos da emoção Raiva, o teste ANOVA não mostrou nenhuma diferenças estatística entre as respostas emocionais dos ouvintes, nem em função do método de mensuração das emoções empregado (Modelo de Russel e GEMS) e nem entre o tipo de julgamento dos ouvintes (emoções percebidas e sentidas). Em relação à emoção Tranquilidade, para o trecho TRA1, o teste ANOVA não apontou diferenças estatísticas entre as respostas emocionais dos ouvintes, nem em função do método de mensuração das emoções empregado (Modelo de Russel ou GEMS) e nem entre o tipo de julgamento dos ouvintes (emoções percebidas ou sentidas). Para os trechos TRA2 e TRA3, o teste ANOVA mostrou diferenças estatísticas entre as respostas emocionais dos ouvintes, em função do método de mensuração das emoções empregado (Modelo de Russel ou GEMS), sendo (F 4,52174; p=0,043123) e (F 8,69099; p=0,006524), respectivamente. Entretanto, para ambos os trechos, o Post-Hoc Newman Keuls não mostrou nenhuma diferença estatística entre as respostas emocionais dos ouvintes em função do tipo de julgamento dos ouvintes (emoções percebidas e sentidas). Em relação à emoção Tristeza, para os trechos TRI1, o teste ANOVA mostrou diferenças estatísticas entre as respostas emocionais dos ouvintes, em função do método de mensuração das emoções empregado (Modelo de Russel ou GEMS), sendo (F 5,26829; p=0,029714). Para o trecho TRI2, o teste ANOVA não apontou diferenças estatísticas entre as respostas emocionais dos ouvintes em função do método de mensuração das emoções empregado (Modelo de Russel ou GEMS). Para o trecho TRI3, o teste ANOVA mostrou diferenças estatísticas entre as respostas dos ouvintes em função do método de mensuração empregado (F 10,26761; p=0,003462). Para este trecho, o teste Post-Hoc Newman Keuls mostrou www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 330 diferença entre as respostas entre as emoções percebidas no teste de Russel e na GEMS (p=0,004183) e entre as emoções sentidas no teste de Russel e na GEMS (p=0,000516). Finalmente, para os trechos TRI1 e TRI2, não foram encontradas diferenças estatísticas entre as emoções sentidas e percebidas tanto no teste de escolha forçada (baseado no Modelo Circumplexo de Russel) quanto na lista de adjetivos (baseada na GEMS). ! Discussão O presente estudo teve como objetivo observar o curso das respostas emocionais à música no contexto brasileiro e compará-las entre duas metodologias de medida, com o intuito de verificar se o método de coleta de dados interfere na obtenção deste tipo de dado. O principal resultado obtido foi uma diferenciação no julgamento dos ouvintes em função da emoção a ser avaliada. Para a emoção Alegria, por exemplo, notou-se que o método interferiu na avaliação dos julgamentos dos ouvintes. Os resultados do presente estudo apontam que as respostas dos participantes para a emoção Alegria podem ser subdivididas em três subgrupos diferentes, identificados neste estudo como os grupos de categorias emocionais 1, 6 e 7 da GEMS. Isso significa que, para trechos musicais idênticos, quando outras opções de escolhas emocionais relacionadas a emoção Alegria são oferecidas aos ouvintes, eles percebem ou sentem outras emoções mais sutis, enquanto que em teste de escolha forçada, os participantes tem que escolher a opção Alegria por não haver outras opções para respostas emocionais mais específicas. Este resultado corrobora os resultados encontrados por Zentner, Scherer e Grandjean (2008). O mesmo argumento é citado Juslin e Sloboda (2001). Segundo os autores, apesar de contribuírem para uma análise de dados mais precisa, a abordagem bidimensional parece limitar as pesquisas sobre respostas emocionais à música, na medida em que fornece apenas pistas para identificar as escolhas emocionais dos ouvintes de maneira mais geral. Neste sentido, segundo os autores, em referência ao Modelo Circumplexo de Russel, “as emoções que são colocadas no mesmo quadrante da matriz circular do modelo em questão podem, de fato, ser muito diferentes” (Juslin & Sloboda, 2001, p.78). Outro resultado importante obtido no presente estudo foi a não diferenciação entre respostas emocionais dos participantes referentes a emoções sentidas ou percebidas para as quatro emoções envolvidas no estudo. Este dado parece corroborar parcialmente os dados obtidos por Zentner, Grandjean e Scherer (2008), que apontam diferenças estatísticas bastante significativas entre respostas sentidas e percebidas dos participantes de sua pesquisa. Entretanto, os autores associam estas diferenças encontradas em função de outras variáveis www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 331 que não foram mensuradas no presente estudo, como comparações em relação ao estilo musical a ser apreciado, à situação de escuta (dentro de uma sala experimental ou em uma sala de concerto, por exemplo) e o ambiente cultural no qual o indivíduo está inserido (o estudo de Zentner, Grandjean e Scherer foi realizado no contexto musical europeu). Valsiner (2012) pontua, em sua pesquisa, que o ambiente é um fator importante para o desenvolvimento cognitivo do indivíduo, na medida em que a troca permanente entre o indivíduo e seu contexto sociocultural influenciam o comportamento humano nas mais variadas atividades cognitivas (como, por exemplo, a música). Neste sentido, o fato de o presente estudo envolver respostas emocionais de ouvintes brasileiros à música de concerto europeia pode ter influenciado o tipo de julgamento emocional dos participantes. Finalmente, a GEMS foi um instrumento de medida construído com o objetivo de criar uma lista abrangente de palavras genuinamente específicas para a mensuração de respostas emocionais à música, enquanto que, segundo o Modelo Circumplexo de Russel (1980) parece poder ser aplicado a outros contextos emocionais mais gerais. Neste sentido, lançamos a hipótese de que as diferenças entre as respostas emocionais dos participantes do presente estudo entre estes dois instrumentos podem ser assim explicadas. Novos estudos estão sendo realizados no GRUME (Grupo de Pesquisa Música e Emoção) da Universidade Federal do Paraná, na busca por uma melhor compreensão dos processos psicológicos envolvidos nas respostas emocionais à música. ! Referências Juslin, P. N. & Persson, R. S. (2002). Emotional communication. In: R. Parncutt & G. E. McPherson (Eds.), The science and psychology of music performance: strategies for teaching and learning (pp. 219-236). New York: Oxford University Press. Juslin, P. N., & Sloboda, J. A. (2001). Music and emotion: Theory and research. Oxford University Press. Lisboa, C.A., & Santiago, D. (2006, agosto). A utilização das emoções como guia para a performance musical. Anais do XVI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música (ANPPOM), Brasília, DF, Brasil, 1045. Ramos (2008). Fatores emocionais durante uma escuta musical afetam a percepção temporal de músicos e não músicos? Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Brasil. Ramos, D. & Santos, A. R. C. (2010). A comunicação emocional na performance pianística. Música em Perspectiva, 3(2) 34-49. Russel, P. A. (1980) A circumplex model of affect. Journal of Personality and Social Psychobiology, 39, 1161-1178. Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Trad.: Ana Cecília de Sousa Bastos. Porto Alegre: Artmed. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 332 Zentner, M., Grandjean, D., & Scherer, K. (2008) Emotions Evoked by the Sound of Music: Characterization, Classification, and Measurement. Emotion, 8(4), 494–521. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! ! ! ! ! ! Cognição Musical e Ciências da Linguagem www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ 333 Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 334 Leitura Textual, Leitura Musical e Audiação: Similaridades e Correspondências ! Maria Lucila Guimarães Junqueira IA - UNICAMP [email protected] ! José Eduardo Fornari NICS - UNICAMP [email protected] ! Resumo: O som é o elemento comum tanto à música quanto à linguagem. Em ambas, a função do som é comunicar conceitos e incitar estados emocionais. Uma vez que estes fenômenos são complexos, com enorme diversidade de âmbitos e contextos, este artigo propõe estudar apenas alguns paralelos fundamentais entre a origem e o desenvolvimento da comunicação sonora na musica e na linguagem. Para isso, utiliza-se aqui a “audiação”; uma teoria de aprendizado musical através de uma abordagem baseada na compreensão do fenômeno sonoro, no sentido de identificar o seu significado essencial. Parte-se aqui do processo cognitivo de leitura textual, onde se faz uma análise embasada em princípios da neurociência e da psicologia cognitiva, através de estudos referentes à identificação das bases neurais do aprendizagem. Levando-se em conta o atual consenso entre neurocientistas, de que os leitores, frente a um texto, acessam duas vias de leitura simultaneamente: a lexical e a fonológica, este artigo infere a possibilidade de utilização desta mesma estratégia na leitura musical. Argui-se assim que a identificação notacional dos elementos (notas musicais) pelo leitor de uma partitura pode também seguir o mesmo processo de aprendizado. Para tanto usamos a audiação no sentido de identificar o seu significado primordial. Esta é uma informação que transcende o fenômeno psicoacústico e nos permite estabelecer suas diferenças sonoras cognitivas, tanto qualitativas quanto contextuais. Palavras-chave: Música, Linguagem, Audiação. ! Title: Textual reading, Musical reading and Audition; Similarities and Mailings. Abstract: Sound is a common element in music and language. In both, its role is to communicate concepts and incite emotional states. Since these phenomena are complex, with great diversity of fields and contexts, this article proposes to study a few fundamental parallels between the origin and development of sound communication in music and language. For this, here is used to “audiation," a musical learning theory through a network based on sound understanding of the phenomenon, to identify its essential meaning approach. Here is part of the cognitive process of textual reading, where there is an analysis based on principles of neuroscience and cognitive psychology from studies relating to the identification of the neural bases of learning. Taking into account the current consensus among neuroscientists that readers ahead of a text, two-way access simultaneously reading: lexical and phonological, this article infers the possibility of using this strategy in reading music. If Argui so the identification of notational elements (musical notes) by a score reader can also follow the same learning process. For this we use the audiação to identify its primary meaning. This is information that transcends the psychoacoustic phenomena and allows us to establish their cognitive sonic differences, both qualitative and contextual. Key-words: Music, Language, Audiation !! 1. Música e Linguagem ! Desde os primórdios da humanidade, o som vem sendo utilizado e organizado ao longo do tempo de modo a criar tanto a música quanto a linguagem falada. É conhecida a frase de www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 335 (Pinker, 1997, p. 524), que compara a música a algo inútil, mas extremamente sedutor; ao referir-se a esta como “auditory cheesecake”. Para Pinker, a atração que a música exerce ao ouvinte teria bases evolutivas semelhantes àquelas que tornam normalmente muito atraentes ao paladar alimentos gordurosos e doces (como o cheesecake), pois estamos geneticamente programados a apreciar, e a nos viciar, em alimentos muito calóricos. Do mesmo modo que o cheesecake é saboroso porque representa um hiper estímulo do paladar, para Pinker, a música é atraente ao ouvinte porque representa um hiper estímulo da cognição sonora, desenvolvida ao longo da evolução especificamente para o entendimento da linguagem. Já para outros pesquisadores, como Daniel Levitin, a música não é um efeito colateral da evolução da linguagem humana, mas seu parceiro, que cumpre uma função de apoio e colaboração ao processo de comunicação humana, onde apenas a informação semântica não basta. É também essencial para o entendimento de uma mensagem compreender o contexto emocional em que esta se baseia. Há muito tempo que se questiona a respeito da maneira como a música é capaz de evocar emoções no ouvinte. Os gregos antigos atribuíam duas funções à Música: a Mimesis (uma imitação ou transformação de uma realidade externa) e a Catarse (a purificação da alma através de uma experiência afetiva). A primeira função é bem representativa e pode ser entendida como uma teoria do conhecimento. Já a segunda função considera o efeito que a Música produz na mente do indivíduo. A Catarse aponta para o modo como a música interfere no estado emocional do ouvinte. (Juslin, Sloboda, 1989, p.47). Diversos autores afirmam que a Música e a Linguagem possuem numerosas características em comum, especialmente no que se diz respeito às suas estruturas e funções. Segundo Mithen (2005) e Patel (2008) é possível que, enquanto a linguagem cumpre a função de criar estruturas sonoras com significado semântico, a música cumpriria a função complementar de incluir a esta comunicação, o seu significado emocional. Por isso, muitos pesquisadores afirmam que música e linguagem compartilham das mesmas origens ontogenéticas e filogenéticas, conforme é mencionado em Brown (2000). Música e Linguagem, ambas são atividades sociais que servem para comunicar, compor e direcionar conceitos, comportamentos e emoções, de um membro de uma comunidade aos demais,( Molino, 2000; Cross e Tolbert, 2009). Sob outra ótica, pode-se estudá-las como sendo atividades individuais, mesmo que num plano abstrato como as habilidades cognitivas do indivíduo Jackendoff e Lerdahal (2006). As atividades sociais e individuais da música e da linguagem têm raiz evolutiva. Seus meios de expressão e formação dependem de uma série de www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 336 conhecimentos, crenças, e hábitos; que cada indivíduo traz consigo, e que são manifestados, desenvolvidos e atualizados através de ações corporais, tanto sensoriais (psicoacústicas) quanto motoras (gestuais). É possível estabelecer paralelos com a origem e o desenvolvimento das competências musicais e linguísticas no indivíduo (ontogênese) e da sua comunidade (filogênese). Também estarão envolvidos outros componentes integrantes, tais como: o objeto sonoro, sua estruturação composicional e o seu significado. É relevante nesta comparação observar a existência de certos parâmetros em comum, entre a linguagem e a música, tais como a existência de: acento; duração; altura sonora; a constatação e a evocação de emoções; e o despertar das hipóteses e conclusões, no campo de seus significados (Igoa, 2010, p. 97). É importante estudar até que ponto a arquitetura neuro-cognitiva dos modelos mentais de processamento musical e linguístico compartilham de fato de uma mesma estrutura cerebral, bem como estudar quais seriam as suas características em comum, dentro de seus processos de representações sonoras Peretz e Coltheart (2003). ! 2. Leitura Textual A Linguagem escrita é uma aquisição recente na história da nossa espécie e por isso ainda não dispõe de um aparato neurobiológico preestabelecido. Cosenza pondera “A linguagem escrita precisa ser ensinada, é necessário o estabelecimento de circuitos cerebrais que sustentem o que se faz, por meio de dedicação e exercício” (Cosenza, 2011, p. 101). A aprendizagem da leitura modifica os caminhos neurais do cérebro humano, inclusive fazendo com que ele reaja de forma diferente a estímulos linguísticos e visuais; bem como no modo como processa a linguagem falada. A tradição ocidental manteve por muito tempo a separação entre as ciências humanas (das comunidades) e as ciências biológicas (dos indivíduos). A partir de 1970, com a emergência das neurociências e dos progressos tecnológicos que permitiram um conhecimento mais aprofundado do cérebro humano, tornou-se possível iniciar o estudo da identificação das bases neurais de nosso psiquismo (Dehaene, 2012, p. 9). A leitura é um dos exemplos das muitas atividades culturais que a espécie humana criou num passado remoto. Sabe-se que em todos os indivíduos, de todas as culturas humanas, a mesma região cerebral é responsável pela decodificação das palavras escritas, o que implica na possível existência de uma base biológica para a leitura. Ao mesmo tempo existe o modelo cerebral da “plasticidade generalizada”. Este afirma que, em termos de aprendizado, as www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 337 estruturas neurais do cérebro são tão flexíveis e maleáveis que não restringem a amplitude das atividades humanas. Também se tem o “relativismo cultural”, onde alguns teóricos do século XX arguiram que a natureza humana não é imposta a nós, enquanto espécie biológica, mas que esta é construída progressivamente, de modo maleável, por imersão, na cultura a que pertencemos (Dehaene 2012, p.20). De fato, não existe oposição dessas duas correntes ao modelo biológico, mas sim diferentes perspectivas na proposição de modelos explanatórios de um mesmo fenômeno, o que vem a incorporar, engrandecer e aprofundar o estudo dos processos de leitura. Já o modelo da “Reciclagem neuronal” baseia-se na hipótese das Prérepresentações. “Nosso cérebro se adapta ao ambiente cultural, não absorvendo cegamente tudo que lhe é apresentado, em circuitos virgens hipotéticos, mas convertendo a outro uso as predisposições cerebrais já presentes. É um órgão fortemente estruturado que faz o novo com o velho. Para aprender novas competências, reciclamos nossos antigos circuitos cerebrais de primatas – na medida em que tolerem um mínimo de mudança”. (Dehaene, 2012, p. 164-165) Ainda segundo ele, “O cérebro não teve tempo para evoluir sob a pressão dos limites da escrita. Foi a escrita que evoluiu a fim de levar em conta os limites do nosso cérebro.” (Dehaene, 2012, p.21). O nosso genoma adaptou-se e desenvolveu circuitos cerebrais intrínsecos e específicos para a leitura. O modelo de reciclagem neuronal explica através da história da evolução da escrita e justifica os traços de uma incessante manufatura evolutiva que adapta os objetos da escrita aos limites de nosso cérebro. Todas as escritas do mundo compartilham de similaridades que parecem refletir os limites de nossos circuitos visuais. O sistema nervoso central apresenta um processamento paralelo de informação neural, onde múltiplos elementos (neurônios) concomitantemente transmitem e efetuam operações simples, formando coalizões (redes neurais) que podem cooperar ou competir umas com as outras, criando processos neurais estimulantes ou inibidores (Dehaene, 2012, p. 59). Sabe-se que o processamento da escrita começa nos olhos. Somente o centro da retina humana (a fóvea) possui uma resolução de imagem suficiente para o reconhecimento e a discriminação dos detalhes dos caracteres das letras. A cadeia de letras é desmembrada em milhares de fragmentos pelos componentes da retina, e é reconstituída e reconhecida pelo sistema visual. A seguir extrai progressivamente o conteúdo dos grafemas no final ativar duas grandes vias paralelas de processamento cerebral: a fonológica e a lexical. A primeira permite converter a sequência de letras em sons da língua (os fonemas). A segunda acessa uma espécie de “dicionário mental”, onde são armazenados os significados semânticos das palavras (Dehaene, www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 338 2012, p.25). Pode-se perguntar: quando se pratica a leitura mental silenciosa, o leitor passa das palavras escritas ao seu significado sem acessar o aparato vocal da pronúncia, ou transforma as letras em objetos acústicos, e logo a seguir, em significado? Hoje há um consenso de que adultos acessam duas vias de leitura simultaneamente: a lexical e a fonológica, que funcionam, em mútua cooperação. ”Dispomos todos de uma via direta de acesso às palavras que nos evita pronuncia-las mentalmente antes de compreendê-las”. (Dehaene, 2012, p.40). A leitura muda é uma etapa automática deste processo, já na leitura verbal (em voz alta), as duas vias colaboram, cada uma contribuindo com a verbalização. (Dehaene, 2012, p. 124). ! 3. Leitura Musical Segundo, Sloboda “A leitura musical requer a execução de uma resposta complexa, na qual há pouco espaço para desvios em tempo e qualidade” (Sloboda, 2008, p. 89). A ação da leitura musical depende de diversas habilidades que envolvem a decodificação de símbolos gráficos (notas, ritmos, articulação, dinâmica), noção de sentido da capacidade de agrupar, associar e reproduzir figuras rítmicas, além da transformação da leitura em ação motora no caso de tocar um instrumento ou de cantar. Sabe-se que as informações sensoriais são recebidas no cérebro simultaneamente em dois hemisférios (esquerdo e direito). Ligados por um feixe de fibras nervosas, “corpo caloso”, que transmite informações entre eles, de tal modo que desenvolvem e processam informações de maneira específicas. O Hemisfério esquerdo (lógico) funciona como um processador em série que processa detalhes e símbolos, a linguagem, analisando de forma linear, buscando diferenças, elaborando a contagem de números e por isso responsável pela percepção do tempo. O Hemisfério direito (Gestalt) tem aptidões de processamento em paralelo, como o reconhecimento de imagens, padrões rítmicos, constatação e evocação de emoções, localização espacial, entendimento de metáforas, comunicação gestual e intuição. Este hemisfério lida com o processamento de informações subjetivas, holísticas (globais) e artísticas. O ideal é que os dois hemisférios cerebrais funcionem de forma integrada e homogênea, embora de fato exista normalmente a predominância de um desses hemisférios sobre o outro (Bucher, 2009, p.9). Segundo (Brito, 2010, p. 177), “A música tem códigos de registro e notação que surgiram em virtude da necessidade de fixar as ideias musicais e, assim preservá-las”. Também afirma que a linguagem musical, como uma forma de expressão temporal, acontece www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 339 num plano de coordenadas cartesianas, onde as dimensões são: tempo e espaço, e os sinais de notação criados para registrá-la são auxiliares da memória individual e coletiva. ! 4. Audiação Em Educação Musical, a notação musical não é necessariamente o ponto de partida. Esta é uma ferramenta introduzida devido à necessidade musical e pedagógica do ensino musical (Renard, 1982). A criança, ao ouvir um evento sonoro de curta duração, muitas vezes intuitivamente realiza um gesto (movimento corporal com intenção), traduzindo assim o som escutado em expressão corporal. Segundo Brito, esta ação intuitiva é uma primeira forma de registro, que é traduzido corporalmente de forma espontânea, integrando o som ao movimento. A etapa seguinte para a criança é transformar os gestos sonoros em desenhos, trazendo para o registro gráfico aquilo que a percepção auditiva desta criança identificou, num processo sequencial que segue e respeita níveis de percepção, cognição e consciência (Brito 2010, p. 179). A compreensão do fenômeno sonoro, no sentido de apropriação do significado musical, parece ainda ser a incógnita que procuramos desvendar. Foi a partir do trabalho dos pedagogos da primeira metade do século XX que tais questionamentos, ainda que de ordem mais filosófica do que científica, fossem abordados. É fato que a maneira como se aprende e assimila música é um fator decisivo para o desenvolvimento das muitas qualidades de audição, bem como é também fundamental tornar consciente a atitude e a necessidade do ouvinte perante a música. Audiação é um termo criado por Edwin Gordon que se refere ao processo cognitivo pelo qual a mente dá significado aos sons musicais. Não é o mesmo que percepção auditiva, que trata apenas da recepção e do tratamento do som pelo sistema auditivo. A audiação é a capacidade de ouvirmos internamente, com compreensão, sons que podem nem mesmo estar acusticamente presentes. Através do processo de audiação, ouvintes podem atribuir significado à música que escutam, executam, improvisam ou compõem1. Gordon dedicou boa parte de sua vida ao ensino musical e ao desenvolvimento da sua teoria de aprendizagem musical. Não é uma metodologia específica para o ensino musical, mas algo sobre como as pessoas, em especial as crianças, aprendem música. Esta teoria visa orientar os professores de música em tentar estabelecer nos alunos, desde a primeira infância até a fase adulta, objetivos curriculares sequenciais que desenvolvam a audiação rítmica e tonal. Gordon acreditava que a música é aprendida da mesma forma que aprendemos nossa língua materna. Estabeleceu quatro etapas de aprendizagem musical: A primeira é a fase da www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 340 vida uterina até o nascimento onde absorvemos os sons da língua materna. Na segunda fase, tentamos imitar os sons que escutamos e identificamos. A terceira fase inicia-se o processo onde pensamos através da linguagem estabelecendo estruturas sintáticas correspondentes aos nossos pensamentos. Finalmente improvisamos frases próprias utilizando palavras aprendidas com sentido, lógica e significado semântico. Segundo Gordon, aprendemos a ler e a escrever em consequência da experiência que adquirimos ouvindo, imitando, pensando e improvisando com as palavras. Numa entrevista sobre problemas que afetam a educação musical da atualidade, no âmbito do ensino instrumental, Gordon enfatizou que deveriam ser ensinados os dois instrumentos: o que se está fisicamente tocando, e o que está na mente do aluno. “O instrumento por si só não tem boa afinação; o instrumento é apenas uma extensão do corpo humano. É uma extensão da capacidade de audiação do intérprete."2 ! 5. Conclusão Este é um trabalho teórico que trata das similaridades e das correspondências entre as leituras textuais e musicais, intermediadas pelo processo da audiação. Conclui-se que a música não é, em si, uma linguagem, apesar de algumas vezes ser definida como tal. Porém, o seu processo de aprendizagem é análogo ao que ocorre na linguagem verbal. Começa-se por aprender palavras soltas, antes de ser possível constituir frases inteiras, de modo a estabelecer uma conversação. Depois desta aprendizagem inicial as crianças não se limitam a imitar aquilo que ouvem, mas passam a ser capazes de formular as suas próprias questões, construindo frases próprias e usando as palavras de seu próprio vocabulário. Talvez fosse interessante que no ensino formal de música, ocorresse algo semelhante. Dever-se-ia iniciar ensinando padrões tonais e rítmicos às crianças, com os quais estas posteriormente viessem a “conversar” através da música. Da mesma forma que não aprendemos poemas antes de sermos capazes de construir frases, em música talvez não devêssemos iniciar por Mozart e Haydn antes que o aluno fosse capaz de usar seu próprio vocabulário musical e assim construir suas próprias frases e composições musicais. Em suma, deveríamos seguir o que propõe o método Suzuki, estimulando o estudante a começar a tocar sem o aparato de notação musical. No entanto, a metodologia tradicional de ensino musical costuma seguir a via oposta, induzindo as crianças a ler uma partitura antes de ouvi-la ou tenta-la imitar. Porém a imitação sem a consciência do gesto musical nada ensina. É preciso deixar que as crianças cantem e dancem antes de serem capazes de tocar um instrumento. A compreensão do fenômeno sonoro, no sentido de www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 341 apropriação do significado musical, parece ainda ser a incógnita que procuramos desvendar. Conforme (Caspurro, p. 1-2) “É uma variável que está além do mero fenômeno psicoacústico e que permite estabelecer uma diferença qualitativa e contextual”. Referencias bibliográficas Brito, T. A.(2010). A Música na Educação Infantil, São Paulo (SP); Ed. Petrópolis. Bucher, H.(2009). Leitura à primeira vista, Vitória (ES). Copyright por Hannelore E. Buscher Caspurro, H R.. (n.d.). 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O objetivo é promover uma breve discussão sobre como a aprendizagem musical, através de jogos educativos, pode contribuir com o desenvolvimento da Teoria da Mente em pessoas com TEA e ao final, relatar uma experiência de aluno com este diagnóstico, que além de aprender música, melhorou o desenvolvimento da Teoria da Mente. A metodologia utilizada foi revisão bibliográfica para fundamentação teórica, a partir das bases de dados do Pubmed, Lilacs, Scielo, revistas e anais dos congressos da Associação Brasileira de Educação Musical e SIMCAM e dos bancos de dados das bibliotecas de música da USP e UNESP, além de livros significativos sobre o assunto. Para o relato de experiência foram utilizados os registros da aula de música do aluno em questão, que é integrante de um grupo inclusivo de música e teatro do grande ABC, em São Paulo, desde 2006. Os resultados apontam que a aprendizagem musical pode contribuir para o desenvolvimento da Teoria da Mente em pessoas com TEA, além de colaborar em outras questões como tomada de decisão e autonomia. Palavras-chaves: transtorno do espectro autista, teoria da mente, jogos pedagógicos musicais. Title: Pedagogical musical games, autistic spectrum disorder and theory of mind: an experience report Abstract: The thematic focus of this article is Autism Spectrum Disorder (ASD), Theory of Mind (TM) and music education. The goal is to promote a brief discussion of how musical learning through educational games, can contribute to the development of theory of mind in people with ASD, and ultimately relate an experience of students with this diagnosis, which in addition to learning music improved the development of Theory of Mind. The methodology used was a literature review to theoretical , from the databases PubMed, Lilacs, Scielo, magazines and the Annals of the Brazilian Association for Music Education and SIMCAM and databases of music libraries USP and UNESP, plus books significant on the subject. For the case report was used records from the music class of the student in question , which is part of an inclusive group of music and theater in São Paulo since 2006. The results show that musical learning can contribute to the development of Theory of Mind in people with ASD, and collaborate on other issues such as decision making and autonomy. Keywords: autism spectrum disorder, theory of mind, pedagogical musical games. ! O Transtorno do Espectro Autista (TEA) O autismo foi descrito pela primeira vez pelo psiquiatra americano Kanner em 1943, a partir do estudo com 11 crianças que possuíam características semelhantes entre si no que se referia a um comportamento atípico. Apesar dessa descrição inicial, foi somente no início dos anos 60 que as pesquisas sobre esse quadro evoluíram, pois até então, acreditavam que as características típicas dessa patologia eram advindas de sérios problemas emocionais (Pereira, 1999). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 344 Em 1976, a Drª Lorna Wing, resumiu as características desse quadro diagnóstico no comprometimento de três áreas específicas: imaginação, socialização e comunicação. Também foi ela que deu os primeiros passos para o conceito de um espectro autista, ou seja, uma constelação variável de dificuldades dentro das três áreas citadas. Outra característica enfatizada por Wing foram os movimentos repetitivos, chamados de estereotipias (somente motoras) e ecolalias (referentes à repetição da fala). Toda sua teoria ficou conhecida como “Tríade de Wing”. Em suma afirma que independente do grau do autismo, todos terão comprometimentos na socialização, comunicação e imaginação (Leal, 1996). Desde que foi relatado pela primeira vez, os critérios diagnósticos têm se modificado nas diferentes edições dos manuais de classificação dos transtornos mentais, tanto da Organização Mundial da Saúde (2003), quanto da Associação Americana de Psiquiatria (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais - DSM) (Teixeira et al, 2010). Pelo DSM-IV (APA, 2002), ainda amplamente utilizado, o autismo é classificado como um transtorno global do desenvolvimento (TGD), que se caracteriza pelo desenvolvimento acentuadamente atípico na interação social e comunicação e pela presença de um repertório marcadamente restrito de atividades e interesses, além do uso constante de estereotipias (movimento e fala repetitiva). Já DSM-V (Apa, 2013), ainda recente, propõe a substituição do termo Transtorno Global do Desenvolvimento para Transtorno do Espectro Autista (TEA) e compila em três categorias (grave, moderado e leve) o que antes eram os diversos tipos de autismo (Espectro Autista; Síndrome de Asperger; Autismo de Alto Funcionamento; Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outras Especificações - TID-SOE -, dentre outros). De acordo com Klin (2006), esse grupo de condições afeta aproximadamente 1 em cada 200 indivíduos, sendo a maior parte meninos e seus sintomas típicos devem aparecer antes dos 36 meses. Bosa (2006) coloca que até o presente momento, o autismo não tem uma cura, mas há diversos tratamentos e possibilidade de melhora desse quadro. Quanto mais cedo o tratamento começar, melhor o prognóstico. Isto implica tratamento psicoterapêutico, educacional e social. ! TEA e Teoria da Mente Ottoni (2006) comenta que muitos dos estudiosos contemporâneos do autismo, caracterizam esta síndrome como uma incapacidade ou deficiência na aquisição da Teoria da Mente. Araújo (2005, p. 24) completa essa colocação dizendo que “crianças com autismo, carecem das habilidades cognitivas sociais necessárias a uma teoria da mente e é possível que a www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 345 impossibilidade para adquirir uma teoria da mente possa ser resultante de um déficit na capacitação básica para a interação.” A Teoria da Mente, nomeada assim pelas ciências cognitivas no final da década de 70, pelos estudiosos Premack & Woolruff, nada mais é do que a capacidade que temos de atribuir estados mentais a outras pessoas. Para isso, é necessário que estejamos equipados com uma habilidade que nos permita desenvolver uma medida, isto é, um sistema de referências que viabilize comparações entre nosso mundo interno, subjetivo e o mundo externo, dos outros. Em suma, a Teoria da Mente nos possibilita prever sobre os sentimentos e pensamentos alheios, criar hipóteses e tomar decisões (Caixeta & Nitrini, 2002). Pinheiro e Camargo Júnior (2005, p.65) colocam: A Teoria da Mente (TM) não deve ser compreendida como uma teoria conscientemente elaborada, mas como um mecanismo que permite um tipo especial de representação, a representação de estados mentais [...] Para tanto, não basta apenas desenvolver uma representação interna a respeito das coisas, mas também é necessária a capacidade de refletir sobre essas representações. Esse processo de metarrepresentação, a habilidade de estabelecer “crenças sobre crenças sobre crenças” estaria comprometida no autismo. ! De acordo com estudos de Wimmer e Perner (1993, p. 117), a partir dos 18 meses a criança já é capaz de diferenciar o real do faz de contas. Essa é a primeira ordem: a “crença”. Por volta dos 4 anos, elas começam a atribuir estados mentais a outras pessoas, o que inaugura o segundo estágio da TM, ou seja, a “crença sobre a crença”. A terceira fase se dá após os 5 anos, onde a criança começa ter a capacidade de estabelecer a crença do outro sobre a crença dela: “crença sobre crença sobre crença”. As crianças com autismo conseguem, no máximo estabelecer uma certa TM até o segundo estágio, mas somente através de muito treino (Pinheiro & Camargo júnior, 2005). Conforme Kafies et al. (2008), no autista a estrutura interna de linguagem está alterada e a externa distorcida interferindo no domínio da linguagem verbal (registro e estruturação de códigos), enquanto processo cognitivo. Para que haja Teoria da Mente precisa haver linguagem desenvolvida, pois a língua é um dos aparatos da cognição. Por não ter linguagem desenvolvida, o autista não consegue compreender o contexto ao seu redor e isso dificulta a habilidade de prever o que os outros estão pensando e sentindo (elementos essenciais da Teoria da Mente). Williams e Wrigth (2008) enfatizam que alguns aspectos da memória, em autistas, são profundamente eficazes, principalmente para assuntos pelos quais se interessam. Por isso, com frequência querem repetir uma mesma ação feita anteriormente, pois lembram-se dela. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 346 Mas geralmente, não conseguem usar a memória para planejamentos futuros, devido à dificuldade de contextualização dos fatos e situações, por terem atraso no desenvolvimento e na compreensão da linguagem. ! Jogos musicais, TEA e Teoria da Mente Conforme Campagne (1989), o jogo educativo se relaciona a duas questões: 1.Função lúdica: propicia a diversão, o prazer e até o desprazer (lidar com a perda); 2.Função educativa: ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo. O equilíbrio entre essas duas funções é o objetivo do jogo educativo. O jogo favorece o aprendizado pelo erro e estimula a exploração e a solução de problemas. Além de potencializar o aprendizado moral, integração no grupo social e a aquisição de regras (Kishimoto, 2003). É muito mais fácil e eficiente aprender por meio de jogos. Isso é válido para todas as idades e para todos os perfis de pessoas, inclusive para quem tem TEA. Nesse contexto, a proposta é ir além do jogo, do ato de jogar, para o ato de antecipar, preparar e improvisar dentro do jogo, ampliando, desse modo, a capacidade do jogo em si a outros objetivos, tais como: a profilaxia, o desenvolvimento de habilidades, a percepção do grupo, o desenvolvimento da teoria da mente e a colaboração na tomada de decisão. Consoante Padilha (2008) a música é de grande utilidade para crianças com autismo, pois as ajudam a serem mais espontâneas quanto a comunicação, diminuindo o isolamento e a ecolalia. Além disso, a música colabora no desenvolvimento do aparato sensorial e na socialização quando é utilizada em atividades em grupos (Miller e Eller-miller, 1989). Assim como, devido sua propriedade não-verbal, é uma ferramenta eficaz para o desenvolvimento da linguagem (Wigram & Gold, 2006). A educação musical foca seus princípios no desenvolvimento de habilidades cognitivas a partir de atividades sensório-motoras, baseadas nos parâmetros sonoros (altura, duração, intensidade, timbre e massa sonora). Esses parâmetros, expandidos, levam a uma consciência musical ampla, atingindo os conceitos de melodia, ritmo, harmonia e análise musical, formando assim, uma linguagem musical complexa. Dentro da musicalização, essas questões são trabalhadas através do corpo, com atividades lúdicas específicas, que associam gestos e movimentos a conceitos musicais mais abstratos, criando um link entre corpo, linguagem e abstração (Mateiro et al., 2011). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 347 Sendo assim, os princípios pedagógicos musicais podem colaborar também com o desenvolvimento da linguagem, comunicação, tomada de decisão e desenvolvimento da TM em pessoas com TEA. Através do incentivo de pequenas tomadas de decisões no ato de improvisar musicalmente em jogos coletivos, gradativamente o aluno com TEA pode começar a perceber o contexto em que está inserido e com isso, desenvolver a habilidade de compreender o universo ao seu redor e de criar coisas cada vez mais complexas. Para decidir, por exemplo, que som ou ritmo fazer, dentro de uma atividade de improvisação coletiva, a pessoa precisa primeiramente observar o que os outros estão fazendo. Num segundo momento, necessita comparar o que todos estão executando para chegar à conclusão se há um ritmo, som ou ideia principal que conduz a música improvisada coletivamente. A terceira fase é criar uma “imagem interna” do som ou ritmo que pretende fazer e logo em seguida, observar pela escuta interna se o que está imaginando está adequado musicalmente com o conjunto. Para saber se dará certo o que pretende improvisar, o individuo precisa se remeter mentalmente a um futuro imediato, imaginando o seu som juntamente com os demais. Só depois desse ato interno poderá decidir se vai ou não executar aquele som ou ritmo imaginado. Sendo assim, os jogos musicais podem contribuir com o desenvolvimento da teoria da mente. ! Relato de caso Juliano (nome fictício), tem 34 anos e um quadro de TEA grau leve, com ecolalia, no qual seu foco de habilidade é a música. Mesmo tendo muita facilidade para aprender tocar vários instrumentos, ouvido absoluto e uma afinação tecnicamente perfeita, preserva as características básicas do espectro autista: dificuldades com todo aparato cognitivo, pouca teoria da mente desenvolvida, estereotipia da fala (ecolalia), dificuldade de interação social e na comunicação. Esse jovem adulto faz parte do elenco do grupo cênico-musical Trupe do Trapo, desde 2006. Esse grupo, que trabalha com a união da música ao teatro, é formado por pessoas entre 15 e 76 anos, com e sem deficiências. As maiores dificuldades de Juliano, nas primeiras aulas do grupo, eram: 1. o excesso de ecolalia (repetia alto, por horas, o que ouvia durante o dia); 2. a falta de concentração nas atividades (começava andar pela sala quando a atividade não lhe interessava); 3. dificuldade em manter contato visual com as pessoas; 4. dificuldade para compreender o contexto ao seu redor e as propostas das atividades solicitadas; 5. Falta de www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 348 iniciativa para realizações espontâneas e criativas; 6. Impossibilidade de ter tomada de decisão. Atualmente, Juliano apresenta pouca ecolalia (que se manifesta somente nas horas em que não está fazendo as atividades artísticas), possui comunicação com o olhar e manifestação de afeto (joga bola com os amigos e cumprimenta todos com abraço). Ele também consegue tomar iniciativas e decisões dentro do processo artístico, algo que antes não realizava, mesmo com intervenção do professor. Hoje, sua atenção e concentração é sensivelmente maior e ele consegue se comportar socialmente de forma adequada, percebendo muito melhor o contexto ao seu redor. Todos esses ganhos são resultados de anos de trabalho. A metodologia empregada nas aulas do grupo é baseada em jogos musicais (Dalcroze, Orff, Koellreutter, dentre outros) e cênicos-musicais (Viola Spolin) e no desenvolvimento das etapas da psicomotricidade (Bateria psicomotora de Vitor da Fonseca). Para a criação ou adaptação das atividades é sempre levado em consideração o momento neurológico, psicológico e pedagógico em que o aluno se encontra, ou seja, são trabalhadas as lacunas ou necessidades de cada um (no que se refere ao processo cognitivo e neuropsicomotor) e enfatizado (aproveitado de forma artística) os talentos ou potenciais latentes em cada pessoa (Louro et al., 2009). As atividades são, em sua grande maioria, feitas em grupo: jogos musicais, criação de cenas, improvisações musicais, desenhos, colagens e expressão corporal. Especificamente para Juliano, foi traçado um plano pedagógico para auxiliar no desenvolvimento da Teoria da Mente a partir de Gomes (2005, p. 232-260), isto é, primeiramente através da pura imitação dos colegas, num segundo momento, o incentivo da percepção de si em relação a imitação realizada. O próximo passo foi a busca da compreensão dessa imitação e a partir desse momento, reflexão sobre o ato. Por último, transposição da ação para outras realidades. Baseado nesses pressupostos, as atividades para Juliano foram criadas da seguinte forma: • Primeira etapa: atividades de imitação e socialização – jogos colaborativos cênicos, musicais e psicomotores para estimular o contato visual, a percepção de si e do outro. • Segunda etapa: atividades de improvisações direcionadas – jogos cênicos-musicais no qual em determinados momentos eram pedidas tarefas ou improvisações por parte dos alunos; • Terceira etapa: atividades coletivas de criações livres – criações de cenas e de trilhas sonoras em grupo (Arten et al., 2007). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 349 A partir desses procedimentos, realizados gradativamente, Juliano melhorou (e vem melhorando) significativamente. Prova disso é que em certa ocasião (em 2011) houve um desencontro por parte do grupo em relação a um local que tinham marcado para se encontrar, pois iriam juntos até um teatro. Juliano não chegou na hora marcada e por isso o grupo partiu sem ele. Para surpresa de todos, Juliano conseguiu chegar sozinho ao teatro, pois antecipou suas ações e foi buscar na internet, o mapa de acesso ao local combinado, sem que o incentivassem a fazer tal coisa. Esse tipo de antecipação seria impossível por parte dele no início do processo pedagógico musical. Isso nos aponta a importância de se promover uma educação musical calcada em princípios metodológicos bem direcionados a partir de atividades específicas para trabalhar as necessidades de cada aluno. Por isso, os professores de música precisam se preparar para lidar com a inclusão, pois cada vez mais esses alunos farão parte de suas aulas. ! Referências Araújo, C. (2005). 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Nesse gênero musical existem inúmeras possibilidades sonoras às quais permitem que conexões sensoriais sejam estabelecidas entre os participantes, para garantir a experiência musical do corpo e da mente. O corpo recebe as vibrações no momento em que são tocadas as notas e percebidas pelo cérebro através dos órgãos sensoriais. Esta pesquisa bibliográfica foi realizada através de busca em livros, artigos, revistas especializadas e bibliotecas virtuais. Os resultados apontam para o groove e o timing como elementos importantes na reabilitação emocional, física, psicológica e social do ser humano. Palavras chave: rock, groove, neurociência, musicoterapia. ! ! ! Abstract: This research was motivated by the observation elements that are part of the aesthetic of rock. The objective was to understand in what sense the rock may contribute to a transformative sensory experience in music therapy. In this genre there are numerous sonic possibilities which allow sensory connections are established among the participants to ensure the musical experience of body and mind. The body receives the vibrations when the notes that are played and perceived by the brain through sensory organs. This literature was performed by searching in books, articles, journals and virtual libraries. The results point to the groove and timing as important elements in the emotional, social rehabilitation, physical, psychological and human. Keywords: rock, groove, neuroscience, music therapy. Introdução O rock brasileiro teve início no final dos anos 50 e através de algumas bandas, influenciadas pelo estilo Inglês e Americano de se tocar rock, abriram espaço para dezenas de outras bandas que surgiriam apenas na década de 80. O BRock, foi uma sigla criada pelo jornalista Arthur Dapieve para designar o período em que o rock brasileiro se consolida e adquire visibilidade: os anos 1980 (Rochedo, 2011, p.11). Através da expressão dos jovens em resposta à política militarista, o rock brasileiro tornou-se um poderoso elemento cultural, portanto, um movimento que remete à mudança, flexibilidade, inquietude, transição, rebeldia e contestação. (Rochedo, 2011). O rock nos dias de hoje faz parte da vida dos brasileiros e o que era música de protesto se transformou em música popular consumida por pessoas de todas as idades. A relação do rock com a sociedade atual acontece através da facilidade em acessar redes-virtuais para escutar músicas e em descobrir os novos estilos e gêneros do rock. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 352 No rock brasileiro existem vários estilos desse gênero, do mais harmonioso melódico até os mais progressistas e radicais que nos anos 1960 apontam para um sentido político amplo, que inclui a relação de poder e contestação de costumes numa nova forma de relacionamento musical, propondo então a troca, a integração com o grupo, estimulando o público a sair da convencional passividade. (Rochedo, 2011). A autora considera o rock como uma arte que surge da necessidade de enfrentarem os padrões morais e comportamentais para que os indivíduos possam ingressar na esfera pública, assumindo responsabilidades sociais e dando sentido às mesmas. Quando o assunto é tocar um instrumento em uma banda de rock, a linguagem musical se torna subjetiva, expressiva e em movimento. Esse conjunto de fatores elementares chamou a atenção uma vez que interessa ao trabalho musicoterapêutico, ou melhor, através da prática do rock uma experiência musical pode ser transformadora? O que a literatura descreve dessas experiências? Na musicoterapia, o rock proporciona uma ativa relação com a performance do corpo ao se considerar o volume dos instrumentos e o ritmo não convencional, assim como o timbre e o timing1. A percepção que o ouvinte tem a partir dos movimentos corporais e sensoriais podem ser reconhecidos através dos estudos dos processos psicológicos e cognitivos de tempo e volume. Quando elementos fazem parte do fazer musical, no que diz respeito às sensações provocadas no organismo, o rock proporciona uma experiência musical única. Para Aigen (2001 apud Pavlicevic 2004, p. 34), o rock na musicoterapia faz sentido pelo groove2 inerente à prática do próprio rock, uma vez que esse incorpora a ética, os valores, a estética nas relações sociais da própria cultura. Com base numa revisão bibliográfica, em língua estrangeira sobre o rock e seus elementos na musicoterapia, música e neurociências (Aigen, 2005, 2014; Levitin, 2006; Lichtehsztejn, 2009; Pavlicevic, 2004, Overy,2009), identificou-se que as atividades musicoterapêuticas com o rock podem atingir uma variedade de indivíduos, mesmo sem conhecimento musical prévio, pois compartilham uma construção musical envolvida pelo timing e pelo groove. O foco da discussão sobre esses elementos musicais do rock, presentes na literatura específica da musicoterapia, oportuniza reflexões sobre essa atividade nos dias de hoje ao se considerar os estudos neurocientíficos em especial quanto ao tempo, o sincronismo e atividades musicais em grupo. A partir dos estudos já realizados uma possibilidade futura é a utilização do rock brasileiro nas práticas musicoterapêuticas pouco explorado até o momento. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 353 Os elementos do rock na musicoterapia Da experiência musical com a prática do rock é possível à percepção das sensações reveladas através do corpo. Na musicoterapia o rock aparece associado ao groove, ou seja, uma prática onde se pode recriar um estilo musical a partir de seus elementos estéticos e deste modo o corpo se envolve ao sentir a vibração de todos os instrumentos. O rock precisa da sensibilidade para acontecer e o corpo é o receptor sensorial das vibrações do ritmo e do volume dos instrumentos amplificados. Cada ouvinte reage diferentemente aos timbres, as alturas e a performance, tanto por uma questão de gosto, como também, pela forma de escuta e das sensações que são provocadas no organismo. Para alguns pesquisadores como Baugh (2013) o rock é uma questão de timing, de saber tocar na batida ou um pouco à frente ou atrás dela. Diferentemente, na perspectiva de Schutz e Benzon (citado por Pavlicevic, 2004), o timing é a centralidade do tempo e o tempo de estar no tempo juntos, numa fluência de movimentos que provocam a sensibilidade. Kenneth Aigen (2014), musicoterapeuta norte americano, usa análises musicológicas para revelar as conexões entre os elementos da música, da cognição, do emocional e a meta física em musicoterapia. Esse pesquisador publicou sobre a música pop norte americana em musicoterapia e metodologias de pesquisa qualitativas. Para o autor as convenções musicais compartilhadas têm características de um estilo, no aspecto de que qualquer estilo é essencialmente o groove, ou seja, quando o caminho para a individualidade humana passa pelo aprendizado social e cultural, esse tipo de engajamento cultural requer um suporte com a música. (Aigen, 2014). Os instrumentos geralmente utilizados em uma banda de rock variam entre bateria, percussão, cordas, sintetizador (teclado eletrônico) e até eventualmente algum instrumento de sopro que podem ser utilizados pelos participantes incluindo as vozes. A maneira como cada participante interage com seu instrumento, conduz todo o movimento musical. A potência da música em quanto ação humana dependerá de como esses participantes interagiram uns com os outros sob a influência do ambiente em que estão. A experiência musical nesta ocasião é um elemento que dialoga com o corpo em forma de sensações e podem ser percebidas pelo grupo através da percepção da previsibilidade da estrutura musical, enquanto estímulos, para que o movimento corporal possa ser suficiente para a interação da pessoa com seu instrumento no grupo. Aigen (2002 apud Lichtenztejn, 2009, p. 39) afirma ainda que os atributos do groove incluem aspectos de relações tonais e escalas típicas utilizadas no estilo, relações harmônicas, www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 354 características rítmicas, estilo em produzir sons num determinado instrumento e o uso dinâmico da instrumentação. Na medida em que se percebem os elementos do rock na musicoterapia, podemos estabelecer durante a experiência musical, um ambiente confortável mesmo que não familiar, para sentir a música que se estabelece pela fluência contínua do fazer musical entre os participantes. Para a pesquisadora Katie Overy (2009), música é claramente não apenas um estímulo passivo, um estímulo auditivo, está engajado na multissensorialidade das atividades sociais, portanto, todos os sons musicais são criados pelos movimentos do corpo humano. O fazer musical acontece em grupos e envolve a sincronização de ações físicas com precisão temporal e uma extraordinária flexibilidade. (Overy, 2009, p. 489). Daniel Levitin (2006), neurocientista comportamental americano, em seu livro “This is your Brain on Music”, traz o tempo como um fator importante na transmissão de emoção, pois músicas com andamentos rápidos tendem a ser considerado como felizes, e canções com andamentos lentos como triste. Esta é uma simplificação, mas que detém uma série notável de circunstâncias, em muitas culturas, e em toda a vida de um indivíduo. A partir desses autores, é possível perceber o destaque dado aos elementos musicais: tempo, timbre, intensidade. A simplicidade da estrutura musical é outro fator de destaque, pois permite um canal acessível do participante para qualquer pessoa, inclusive sem formação musical. Contudo, o que chama a atenção não são os elementos em si, mas sim, quando esses estão em ação juntos. Ou seja, isso é feito por pessoas que ao participarem mantém esses elementos, integrados. Por isso o próximo item aborda esses aspectos importantes do Groove e do Timing, considerando o fluxo como a base para uma ação transformadora da experiência musical. As pesquisas neurocientificas oferecem um aporte significativo para esse entendimento. ! Groove, timing, fluxo e neurociência Katie Overy (2009) publica estudos sobre as pessoas tocarem juntas num mesmo tempo. Essa experiência musical entendida como o compartilhamento de afetividade e movimento, é colocada também como um poderoso aspecto para a terapia. A escuta musical implica em escutar outra pessoa. Sempre que estamos em experiências musicais estamos trocando ou compartilhando experiências entre pessoas. A experiência de estarem sincronizados no tempo e ainda no ambiente musical, com a flexibilidade e variedade humana cria-se um poderoso sentimento de união e demonstra aos ouvintes a cooperação e a força de um grupo social. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 355 (Overy et al., 2009 p. 495). Portanto, para a autora, parece provável que a experiência compartilhada da imitação, sincronização e afetos, são elementos chave do comportamento musical, que podem ser cruciais ou ao menos importantes na musicoterapia. A pesquisadora destaca também a ação do Sistema de Neurônios Espelho nessas atividades. A sensação de conforto nas relações sociais é relevante para analisarmos como na musicoterapia são utilizados os improvisos nos estilos populares. (Aigen, 2014). Se observarmos que no estilo do rock existem características peculiares na maior parte das bandas, é necessário perceber através das características culturais de um grupo, o groove que se estabelece. Para Aigen (2002, apud, Lichtenztejn, 2009, p. 39), a maneira como o paciente vivencia as relações inter e intrapessoais, ou seja, suas vivências subjetivas e também as relações na prática musicoterapêuticas, podem ser reveladas a partir dos atributos da música criada por aquelas pessoas da mesma cultura como uma expressão da experiência coletiva. A linguagem musical do rock em geral, compõe-se de uma simplicidade em desenrolar o ritmo, a melodia e o volume dos instrumentos. A sensação de conforto que a música proporciona começa no próprio corpo e em como ele se torna uma fonte de prazer e não apenas uma fonte de frustração, que se estende para a aceitação social com os colegas do grupo, portanto expande-se para uma cultura maior através das relações. (Aigen 2014). Essa dinâmica acontece quando todos os instrumentos se conectam numa mesma linguagem musical. O timbre dos instrumentos define a intensidade, o volume e o timing, para criar-se então, o ambiente do fluxo. Levitin (2006), sustenta que a música rock tem timbres novos, não familiares e emocionantes. No rock em sua performance ou na maneira em que os instrumentos são combinados, cria-se um sistema que unifica todos os instrumentos: o baixo, a bateria, a guitarra e a voz, que pode gerar algo novo e inusitado. O que se pode definir desse gênero musical é que o timbre de um grupo de rock para outro é estritamente diferente. Estudos neurocientíficos sobre a percepção musical descrevem a música pela funcionalidade da mente humana, como processos psicológicos e cognitivos para o entendimento do tempo, da melodia, da intensidade, dos timbres como um todo; um fluxo contínuo. Levitin (2006) aceita a questão de que o movimento das melodias e dos timbres entra em sincronia em outra dimensão quando a música começa a ser tocada e define o fluxo como a modificação do som ao ser iniciado. ‘Fluxo’, também foi definido por Pavlicevic (2004), como o continuo movimento de energia. Essas movimentações podem ser observadas pelas amplitudes das freqüências que define o fluxo no desenvolvimento da música. As ondas www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 356 sonoras chegam ao nosso corpo e servem de estímulos para o organismo, motivado pela sensoriedade das funções neurológicas. Na musicoterapia a fim de estabelecer uma continuidade no processo terapêutico, o musicoterapeuta faz as intervenções para que, cada participante possa fazer parte do fluxo na experiência. Trabalha-se assim com resposta sensorial, movimento, precisão, velocidade, a construção psicológica e o volume também são observados para alcançar a estabilidade positiva e proporcionar uma experiência musical transformadora com os elementos da música e os elementos do rock. ! Considerações Finais Considerando a junção entre uma experiência pessoal como instrumentista em grupo de rock com esse estudo bibliográfico, chegou-se a alguns entendimentos dos elementos da música e elementos que constituem um estilo musical. O timbre dos instrumentos revela o estilo do rock proposto pelos participantes, assim como o tempo da música, define o andamento da melodia. A intensidade pode variar de um estilo de rock para outro, ou seja, a música pode se tornar mais intensa ou menos variando de acordo com a proposta musicoterapêutica. Desta forma é possível identificar no groove o timing de cada participante em relação à música tocada para sustentar o fluxo. Os estudos neurocientíficos contribuem para musicoterapia em compreender a experiência musical vivida pelo ser humano a partir da percepção e sensoriedade. Na musicoterapia as ações das atividades musicais estão voltadas para o indivíduo e em como a música contribui para este indivíduo se relacionar com o mundo externo de forma saudável. O rock na musicoterapia pode contribuir com a sociabilização do participante no grupo. A ação do sistema dos neurônios espelho favorece a previsibilidade, a imitação, as ações motoras, o reconhecimento da intencionalidade, integrando-o a um contexto musical que proporciona através do ritmo do rock, uma efetividade motriz, social, emocional e psicológica do indivíduo. Compreendeu-se através deste estudo que o groove e o timing nos momentos musicoterapêuticos com o rock, promovem uma naturalidade no indivíduo de ambientar-se confortavelmente, revelando a importância destes elementos para ação transformadora na experiência pessoal de cada um, através da musicoterapia. Dentro deste contexto esta pesquisa abre a possibilidade de novos estudos com o rock brasileiro pouco explorado na literatura da musicoterapia. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 357 Referências Aigen, K. (2005). Music-Centered Music Theraphy. Editora Barcelona. Aigen, K. (2014). The Study of Music Therapy: Current Issues and Concepts. Editora Routledge. Baugh. B. (1994). Revista Novos Estudos. Prolegômenos a uma Estética do Rock.(Ed. 38). Extraído de: http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/ 72/20080625_prolegomenos_a_uma_estetica_do_rock.pdf Levitin, D. J. (2006). This is your brain on music: The Science of a Human Obsession. London: Editora Dutton. Lichtehsztejn, M. (2009). Música & Medicina. Buenos Aires: Ediciones Elementos. Overy, K. (2009). Being together in time: Musical Experience and the Mirror Neuron System. United Kingdom: University of Edinburgh. Pavlicevic, M. (2004). Community Music Therapy. London, Edição de Jessica Kingsley. Rochedo, C. A. (2011).“Os Filhos da Revolução”: A Juventude Urbana e o Rock Brasileiro dos Anos 1980”. Dissertação de Mestrado. Niterói.Universidade Federal Fluminense. Extraído de: http://www.historia.uff.br/stricto/td/1525.pdf 1 Timing significa o momento onde acontece a sincronicidade dos instrumentos rítmicos com as melodias. O timing no rock é a escolha do instante onde a intensidade pode acontecer. Tradução própria. (Baugh, 2013). 2 O groove refere-se a um sentido intuitivo de estilo como processo. Uma participação cheia de sentimento positivo, onde a ranhura é um lugar confortável para ser. (Aigen, 2001, apud Pavlicevic, 2004, p.85). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 358 Evidências do processamento auditivo-musical nos transtornos do espectro autista ! Gustavo Schulz Gattino Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] Igor Ortega Rodrigues Universidade Federal do Rio Grande do Sul Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente [email protected] Gustavo Andrade de Araujo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente [email protected] Resumo: o processamento auditivo- musical de indivíduos com transtornos do espectro autista (TEA) pode ser explicado por uma capacidade auditiva menos complexa ou por uma capacidade auditiva focal. O objetivo deste estudo de revisão é discutir estas duas teorias a partir de achados da literatura dos últimos sete anos. Os resultados da revisão apontam para prejuízos no processamento da música relacionados a um crescimento cerebral precoce (do nascimento até os seis anos de idade) e por alterações de funcionamento em áreas como o cerebelo, córtex orbitofrontral, núcleo caudado e neurônios espelho. Ainda que várias evidências já tenham sido descobertas, este tema precisa ser melhor explorado em estudos de ressonância magnética funcional em amostras maiores do que as já estudadas para a obtenção de evidências mais contundentes. Pode-se afirmar a partir dos estudos encontrados que a música causa um efeito único para os indivíduos com TEAs e que os resultados destes estudos podem ser aproveitados para intervenções terapêuticas. Palavras-chave: música, transtornos do espectro autismo, processamento auditivo musical ! Title: Evidence from the auditory-musical processing in autism spectrum disorder Abstract: autism spectrum disorders (ASD) represent a complex behavioral disorder with multiple and different levels of severity etiologies. These disorders are characterized by impairments in social interaction, communication and the fixation on routines and interests. The auditory -musical processing in these individuals can be explained by a less hearing capacity or by a focal hearing. It is suspected that the damage in music processing are related to early brain growth until and by alterations of functioning in areas such as the cerebellum, orbitofrontral cortex, caudate nucleus and mirror neurons. Although several evidences have been discovered , this issue needs to be further explored in studies of functional magnetic resonance imaging in larger samples than have been studied to obtain corroborative evidence . What can be said is that music causes a unique effect on these individuals and these can be exploited for therapeutic interventions as the music therapy intervention. Keywords: music, autism spectrum disorder, auditory-musical processing ! Introdução Os transtornos do espectro autista (TEA) representam uma desordem comportamental complexa, com etiologias múltiplas e diferentes níveis de gravidade (Amitai et al ., 2012; Hurwitz et al .,2012 ). Estes transtornos são caracterizados por prejuízos na interação social, www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 359 comunicação e pela fixação em rotinas e interesses. Os TEA são diagnosticados a partir dos três anos de idade e atualmente não há um marcador biológico que defina a presença ou a ausência do autismo. No entanto, existem várias alterações neurológicas comuns apresentadas pelos indivíduos com TEA. Estas alterações neurológicas estão diretamente relacionadas com os efeitos neurofisiológicos nestes indivíduos. Dessa forma, o objetivo deste manuscrito é descrever estas alterações e correlacionar com os efeitos da música nestes indivíduos. ! Considerações do processamento auditivo musical nos TEA Os indivíduos com TEA apresentam um funcionamento sensorial atípico (Samson et al., 2011). No entanto, este funcionamento no que se refere à música ainda não é compreendido totalmente pelos pesquisadores (Wan et al., 2012). O processamento auditivo- musical é explicado por uma série de teorias. No entanto, não há um consenso sobre elas. Alguns relatam que os indivíduos com TEA possuem uma capacidade auditiva menos complexa do que os indivíduos de desenvolvimento típico. Outros atribuem uma capacidade auditiva focal nos TEA, enquanto que o esperado seria uma capacidade auditiva global. Esta capacidade auditiva focal pode também explicar os casos dos grandes gênios musicais autistas que apresentam uma grande habilidade para tocar e compreender estruturas musicais complexas da música que no entanto, não conseguem muitas vezes perceber o sentido metafórico ou sentimental presente numa determinada peça (Wan et al., 2012). Suspeita-se que o processamento auditivo-musical possa ser explicado em primeira instância pelo crescimento precoce do cérebro de uma pessoa com TEA desde os primeiros meses até os 5 anos de idade (Rapin & Goldman, 2008). Este crescimento causa um aumento anormal no peso e no volume cerebral que afeta tanto a massa cinzenta quanto a substância branca (Ecker et al., 2012). Essas diferenças anatômicas estruturais são mais proeminentes durante a vida pós-natal precoce e a infância. Devido a este crescimento anormal, algumas áreas cerebrais ficam mais desenvolvidas do que outras e dificultam a transmissão de informações de forma homogênea para diferentes áreas do cérebro. Neste sentido, o processamento auditivo-musical ocorre nas pessoas com autismo assim como o trânsito em uma grande cidade: ele acontece, porém de uma forma mais lenta que o normal (isto explicaria o processamento menos complexo). Ao mesmo tempo, um crescimento cerebral precoce pode resultar em algumas áreas do cérebro maiores do que outras. Dessa forma, o indivíduo poderá ter um grande desenvolvimento de áreas do lobo temporal e frontal ( tal como ocorre em muitos indivíduos) e estes irão apresentar um processamento auditivo- www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 360 musical focal. Existem ainda algumas diferenças anatômicas em regiões específicas do sistema nervoso central como o cerebelo, o complexo amígdala-hipocampo, as áreas de Broca e Wernicke, o córtex orbitofrontal e o núcleo caudado (Wan et al., 2012) em pessoas com TEA. Assim, vamos destacar a relação de algumas destas com o processamento auditivo-musical. As alterações do cerebelo envolvem tanto funções cognitivas como funções sócioemocionais no indivíduo (Fatemi et al., 2012). Anomalias nesta região podem causar prejuízos na percepção rítmica em indivíduos com autismo grave ou profundo e ao mesmo tempo explicam as dificuldades destes indivíduos em expressar ou compreender sentimentos complexos na música. Dentro do cerebelo há uma região nomeada vérmis anterior e esta região é responsável pelo controle do ritmo no nosso corpo. Indivíduos com autismo leve ou moderado dificilmente apresentam prejuízos nesta região. Anormalidades no córtex orbitofrontal e núcleo caudado talvez sejam as mais intrigantes para o entendimento dos efeitos neurofisiológicos nos TEA. Estas regiões estão diretamente relacionados a comportamentos repetitivos e estereotipados e prejuízos sócioemocionais (Travers et al., 2012). Ao mesmo tempo, estas regiões também estão relacionadas diretamente com o processamento musical. O córtex orbitofrontal é um dos centros de processamento musical no cérebro e é responsável por nossas respostas mais complexas relacionadas à música no que diz respeito à compreensão de suas estruturas (harmonia, melodia), atribuição de significados metafóricos e relação direta com a sensação de prazer de expectativa (sentir prazer por esperar uma determinada parte da música). A região do núcleo caudado (localizada nos gânglios da base) está diretamente relacionada com a liberação do neurotransmissor dopamina (relacionado à sensação de prazer) no encéfalo. Esta liberação de dopamina ocorre quando a pessoa sente prazer ao escutar música. Portanto, o estímulo musical pode ser usado para estimular habilidades sócio-emocionais e diminuir comportamentos repetitivos e estereotipados justamente por sobrepor áreas responsáveis por estas funções, como é feito pela musicoterapia (Kim et al., 2008; Gattino et al., 2011). Alguns estudos têm indicado outras peculiaridades do processamento auditivo-musical principalmente ao que se refere à compreensão e expressão de sentimentos atribuídos à música (Lai et al., 2012). A percepção de sentimentos em expressões faciais é um dos grandes desafios para pessoas com TEA (Peterson et al., 2012). O conteúdo emotivo dessas expressões torna-se muitas vezes imperceptível para estes indivíduos. Todavia, a percepção de sentimentos como alegria e tristeza numa peça musical é processada da mesma forma nos www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 361 indivíduos com TEA quando comparados com pessoas de desenvolvimento típico (Quintin et al., 2012). Em outras palavras, o entendimento de sentimentos num contexto musical torna-se mais claro para um sujeito com TEA do que a visualização de expressões faciais (Bhatara et al., 2010). O mesmo pode ser dito para a expressão de sentimentos. Muitas vezes as pessoas com TEA têm dificuldade para expressar através de gestos, expressões faciais e através da linguagem verbal o que sentem (Peterson et al., 2012). Entretanto, no contexto musical há uma manifestação de emoções mais evidente que permite muitas vezes que a música seja um facilitador de comunicação para estes indivídos (Quintin et al., 2011). Ainda, indivíduos com TEA possuem mais facilidade para memorizar a percepção de alturas sonoras em comparação com indivíduos típicos. Estes fatores descritos acima evidenciam ainda mais a possibilidade do uso da música para fins terapêuticos, como já realizado e evidenciado pelos estudos da musicoterapia (Kim et al., 2008; Gattino et al., 2011). Outra região de extrema importância para a compreensão do processamento auditivomusical são os neurônios espelho. Estes estão associados ao processo de imitação e memória musical (Wan et al., 2010). Quando ouvimos uma música ou assistimos a execução de uma peça que sabemos tocar ou cantar, o nosso cérebro ativa áreas (neurônios espelho) com a intenção de tocar ou cantar mentalmente aquela canção que já foi aprendida num primeiro momento. Neste sentido, essa sobreposição de áreas relacionadas com prejuízos nos TEA e habilidades musicais, faz com que o sujeito com TEA estimule algumas áreas prejudicadas por outras vias (estímulos musicais) e dessa forma restabeleça algumas funções antes prejudicadas (Thaut et al., 2009). A imitação musical normalmente não está afetada nestes indivíduos. ! ! Considerações finais Diversas evidências apontam para um funcionamento auditivo-musical diferenciado em pessoas com TEA. No entanto, esse funcionamento precisa ser melhor explorado em estudos de ressonância magnética funcional em amostras maiores do que as já estudadas para a obtenção de evidências mais contundentes. Ao mesmo tempo, poucos estudos discutem as grandes capacidades musicais de autistas de alto funcionamento e esses estudos ainda precisam ser melhor avaliados para que se possa entender o que ocorre no sistema nervoso central destes indivíduos enquanto tocam ou escutam música. O que se pode afirmar é que a www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 362 música causa um efeito único para os indivíduos com autismo e os resultados dos estudos apresentados neste manuscrito podem ser aproveitados para intervenções terapêuticas. ! Referências Amitai M, Peskin M, Gothelf D, Zalsman G.(2012). Autism spectrum disorders: updates and new definitions. Harefuah.151(3):167-70, 88. Bhatara A, Quintin EM, Levy B, Bellugi U, Fombonne E, Levitin DJ (2010). Perception of emotion in musical performance in adolescents with autism spectrum disorders. Autism Res.3(5):214-25. Ecker C, Suckling J, Deoni SC, Lombardo MV, Bullmore ET, Baron-Cohen S, et al. (2012). Brain anatomy and its relationship to behavior in adults with autism spectrum disorder: a multicenter magnetic resonance imaging study. Arch Gen Psychiatry. 69(2):195-209. Fatemi, S. H., Aldinger, K. A., Ashwood, P., Bauman, M. L., Blaha, C. D., Blatt, G. 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Future Neurol. 5(6):797-805. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! 364 Cognição musical e saúde: musicoterapia na reabilitação da linguagem: estudo de caso Maria Helena Bezerra Cavalcanti Rockenbach AACD-RS – Associação de Apoio à Criança com Deficiência [email protected] ! Resumo: Este trabalho tem por objetivo demonstrar como a utilização da Musicoterapia e de canções pode ajudar na reabilitação da linguagem em pacientes afásicos, com sequelas de AVC isquêmico e/ou hemorrágico. Será descrito um estudo de caso de A. S. (53 anos), vítima de um acidente cerebral isquêmico submetido a sessões de Musicoterapia em um Centro de Reabilitação Neurológica em Porto Alegre. Através da musicoterapia neurológica foram desenvolvidas técnicas e estratégias musicais para o treinamento motor, sensorial e cognitivo da linguagem, com o objetivo da reabilitação, do desenvolvimento e do funcionamento adaptativo. Entre os resultados obtidos observou-se a melhoria no canto, na inteligibilidade da fala e produção fonêmica através de pistas visuais e auditivas, melhora da articulação e do ritmo durante a fala e adequação do paciente à sua condição atual. Palavras-chave: musicoterapia, música, reabilitação da linguagem ! ! ! ! Abstract: This work aims to demonstrate how the use of music therapy and songs can help in language rehabilitation in aphasic patients with sequelae of ischemic stroke and/or hemorrhagic. A case study will be described in A. S. (53 years), a victim of cerebral ischemic accident underwent music therapy sessions in a Neurological Rehabilitation Center in Porto Alegre. Through neurologic music therapy techniques and musical strategies for sensory, motor and cognitive training of language with the goal of rehabilitation, development and adaptive functioning were developed. Among the results were observed improvement singing, speech intelligibility and phonemic production through visual and auditory cues, improved articulation and rhythm during the speech and the adequacy of the patient's present condition. Keywords: music therapy, music, language rehabilitation Comunicação verbal e musical: semelhanças entre a linguagem verbal e musical. Processamento musical no cérebro A linguagem verbal como a musical são propriedades inerentes ao ser humano e permitem o intercâmbio de mensagens produzidas com uma clara intencionalidade expressiva e comunicativa. Não há canção sem versos, sem melodia. Música e poesia têm na canção consolidada sua união. A função da melodia é dar suporte à palavra, da qual é inseparável. A canção é vista como um todo composto por unidades mínimas de significado, oriundas da fusão da linguagem verbal com a musical. Essas unidades são articuladas por meio de uma dinâmica. Texto, ritmo, melodia, harmonização vocal e instrumental, estilo, caráter, tessitura, extensão, personagem, gestual fazem parte da composição de uma canção. Cantar envolve a fusão da música e da linguagem ao longo de um espectro contínuo. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 365 Há paralelos possíveis entre a linguagem e a música do ponto de vista neurofuncional. Ambas são responsáveis pela recepção e pelo processamento auditivo (fonemas, sons), visual (grafemas da leitura verbal e musical), da integridade funcional das regiões envolvidas com atenção e memória e das estruturas [...] responsáveis pelo encadeamento e organização temporal e motora necessárias para a fala e para a execução musical (Muszkat, Correia e Santos, 2000, p. 73). ! Mas há aspectos específicos da linguagem musical apontados por Monmany (citados por Ferrari, 2007), que são: a) a dimensão artística da linguagem da música que confere às construções sonoras uma significação essencialmente distinta da significação baseada em conceito da linguagem; b) o fato de que na linguagem verbal nem todas as combinações de possíveis fonemas são incorporadas na fala e tampouco adquirem significado, ao contrário da música, em que todas as combinações sonoras são, a priori, possíveis e podem alcançar um significado e c) a dimensão harmônica da música que torna possível combinar sons de diferentes alturas emitidos simultaneamente. Investigações sobre linguagem e música no cérebro (Patel, 1998a; 2003b ) evidenciam que, na linguagem, os padrões tonais correspondem à trajetória das frequências fundamentais de vogais que originam a entonação da fala. E na música os padrões tonais são determinados pela trajetória das frequências fundamentais das notas musicais que caracterizam as melodias, que, no canto, correspondem à trajetória das vogais nas sílabas. Borchgrevirk (1991) descreve como melodias são predominantemente rítmicas ou predominantemente melódicas. Essa predominância influencia o grau de lateralização hemisférica. Portanto, diferentes melodias conduziriam a diferentes níveis de envolvimento. Esta teoria também apoia a utilização de canções no tratamento de distúrbios da comunicação, devido a esse engajamento bilateral. É provável que as melodias rítmicas sejam mais úteis para estimular o hemisfério esquerdo em pacientes com lesões no hemisfério esquerdo (HE) e a utilização de frases mais melódicas indicadas para pacientes com danos no hemisfério direito (HD). Zatorre (1984) descobriu que o hemisfério esquerdo ativa o início de um canto, mas o desempenho do canto só ocorre quando ambos os hemisférios são simultaneamente ativados. Correia et al (1998) pesquisaram a lateralização das funções musicais em pacientes com epilepsia parcial e sem conhecimento musical. Na investigação foi inferido que a presença do foco no hemisfério cerebral direito afeta o desempenho de reconhecimento melódico. E nos casos com foco no hemisfério esquerdo, a reprodução e a organização rítmica estão mais comprometidas. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 366 Na mesma direção, Muszkat (2012) e Ballone (2010) referem a existência de uma lateralização hemisférica para a música, ou seja, o hemisfério direito apresenta-se preponderante para a discriminação do contorno melódico, do aspecto emocional da música e dos timbres nas regiões temporais e frontais, enquanto o ritmo, a duração, a métrica e a discriminação da tonalidade ocorrem no hemisfério esquerdo do cérebro. O hemisfério cerebral esquerdo também processa a altura, estando relacionado exatamente com as áreas da linguagem, que reconhecem a sintaxe musical. A figura a seguir ilustra o processamento das funções musicais no cérebro: Figura 1. Processamento musical no cérebro. Fonte: Levitin, 2010 ! Pelo que foi exposto, pode-se concluir que durante as atividades musicais que realizamos, seja de percepção, execução ou composição da música, as mesmas envolvem bilateramente regiões em todo o cérebro. No entanto, todas essas informações sobre o funcionamento cerebral só puderam ser obtidas a partir do desenvolvimento de tecnologias de neuroimagem, como magnetoencefalografia (MEG), tomografia por emissão de pósitrons (TEP) e ressonância magnética funcional (RMF). E, com certeza, devido à complexidade e questões abertas sobre o tema, muito ainda terá que ser explorado nessa área. Musicoterapia na reabilitação neurológica de afásicos: neuroanatomia e patologias da linguagem e intervenções musicoterapêuticas Para uma melhor intervenção musicoterapêutica com pacientes afásicos e saber sobre o seu funcionamento, é necessário ter, além de nossa musicalidade como musicoterapeutas, o conhecimento de aspectos de anatomia e de patologias da linguagem. As atividades musicais devem ser adaptadas ao nível de dificuldade do paciente e classificadas, segundo Davis www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 367 (2000), dentro das categorias de estímulo sensorial, reabilitação da memória, reabilitação da percepção e das estratégias de execução. No entendimento atual, conforme (Pedroso & Rotta, 2006), as áreas instrumentais da linguagem anatômica para uma melhor compreensão dos distúrbios de comunicação são: 1. Área de Broca. 2. Fascículo arqueado. 3. Área de Wernicke. 4. Circonvulação angular ou prega curta. 5. Circonvulação supramarginal. 6. Fibras de associação (corpo caloso + fascículo arqueado). 7. Áreas subcorticais (quadrilátero de Pierre Marie + tálamo). 8. Área frontomesial anterior e 9. Hemisfério direito não- dominante, responsável pela prosódia e pelo pragmatismo. Patologias da linguagem, segundo os autores, afetam a comunicação oral e dependem da lesão do sistema nervoso. Lesões do sistema nervoso podem provocar disfonias, disartrias e afasias. Disfonias são alterações da fonação e ocorrem em afecções primitivas da linguagem e lesões nervosas que afetam as cordas vocais. Disartrias são distúrbios articulatórios condicionados por lesões do sistema nervoso periférico e podem ser decorrentes de múltiplas causas. A fala é lenta, monótona, anasalada, disfônica, de difícil compreensão. Afasias são definidas como alteração da compreensão e/ou produção de mensagens verbais devido a uma lesão cerebral recente, adquirida do sistema nervoso central. A etiologia predominante nos afásicos são os acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e traumatismos cranianos (TC). Os dois tipos de acidentes vasculares cerebrais (AVCs), que provocam afasias são: 1. Acidente vascular isquêmico (AVCI) em que um coágulo bloqueia o fluxo sanguíneo uma área do cérebro e 2. Acidente vascular hemorrágico (AVCH) em que o sangramento ocorre dentro ou em volta do cérebro. Os dois tipos de afasias mais observadas nos pacientes em reabilitação são: A afasia de Broca e a afasia de Wernicke. 1. A afasia de expressão ou motora ocorre na área de Broca (região posterior, inferior, no hemisfério dominante para a linguagem-HE). Compreende a artéria cerebral média (divisão superior), provoca agramatismo (alteração morfossintática) e é usualmente associada à disartria espástica. O insight é preservado, há déficits neurológicos adicionais comuns e o campo visual está intacto. 2. A afasia de Wernicke é uma lesão do giro superior/posterior do lobo temporal esquerdo e atinge a artéria cerebral média (divisão inferior). A compreensão e a escrita são alteradas, há parafasias e jargões. A fala é composta de muitas palavras de função e poucos substantivos ou verbos. Há quadrantopsia superior e hemianopsia. Tal mapeamento sugere que nesses locais seriam processadas algumas das habilidades necessárias para produção e interpretação da fala. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 368 As neurociências têm demonstrado como a experiência musical modifica estruturalmente o cérebro. Segundo Muszkaft (2012), citado anteriormente, as alterações fisiológicas decorrentes da audição musical são múltiplas e vão desde a modulação neurovegetativa dos padrões de variabilidade dos ritmos endógenos, da frequência cardíaca, dos ritmos respiratórios, dos ritmos elétricos cerebrais, dos ciclos circardianos de sono vigília, até a produção de vários neurotransmissores ligados ao sistema de recompensa e prazer e ao sistema de neuromodulação da dor. O mesmo autor também afirma que treinamento musical e exposição prolongada à música prazerosa, aumentam a produção de neurotrofinas produzidas em nosso cérebro, em situações de desafio. Isso pode determinar não só aumento da sobrevivência de neurônios como mudanças de padrões de conectividade na chamada plasticidade cerebral. Graças à plasticidade cerebral, a música hoje é compreendida como uma ferramenta eficaz de efeitos positivos na atenção, no processamento semântico, na memória, nas funções motoras e nas emoções do indivíduo. Sacks (2007), Kolb & Wishaw (2002) citam casos de afásicos que perderam a capacidade de elaboração da linguagem oral, incapazes de falar, mas que, apesar disso, preservaram a sua habilidade musical. Cantar músicas e praticar exercícios vocais pode, portanto, ajudar pacientes afásicos a melhorar a sua extensão vocal e a naturalidade da sua voz. Como a linha melódica de uma canção frequentemente contém um maior número de frequências vocais do que uma expressão falada, o ato de cantar dá oportunidades para modificar e ampliar o pitch de uma pessoa com anormal ou pouca frequência vocal, como veremos em nosso estudo de caso. ! Estudo de caso: A. S. (53) afásico A. S. é um paciente diabético, hipertenso e fumante, com alteração da fala e de memória. A hipótese, inicialmente diagnosticada pelos médicos, foi afasia de expressão. Teve um acidente vascular isquêmico (AVCI) embólico em maio de 2009, o qual resultou em afasia e hemiparesia direita. A tomografia computadorizada de crânio (TC), feita em 08/07/2009, deu como laudo: lesão de possível etiologia isquêmica, em território de artéria cerebral média, sem desvios de estrutura de linha média, sem efeito de massa. A.S. foi encaminhado ao setor de Musicoterapia pela Avaliação Global de Adultos do Centro de Reabilitação Neurológica. Iniciou no setor de Musicoterapia em 10/07/2011, com atendimento individual semanal, de 40min, e teve alta do setor em 19/12/2012. Também frequentou o grupo fono e música, semanalmente, e, atualmente, segue as orientações da musicoterapeuta em âmbito privado. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 Os objetivos a 369 curto prazo com A. S. foram: a) estimular a comunicação musical, verbal e gestual; b) melhorar a frequência de palavras no canto de canções; c) melhorar a prosódia e articulação das palavras e d) melhorar a autoestima e a memória. Os objetivos a longo prazo foram: a) melhorar a inteligibilidade da fala e articulação das palavras; b) melhorar a articulação e o ritmo durante a fala espontânea; c) estimular o raciocínio, a memória, planejamento de ações e o juízo crítico ; d) possibilitar a catarse de sentimentos e emoções e e) adequar o paciente à sua condição atual. ! Métodos, técnicas e instrumentos musicais utilizados no processo musicoterapêutico Foram utilizadas as seguintes técnicas de musicoterapia neurológica: movimento pela música (Thaut e Davis); b) terapia de entonação melódica (MIT),1 com o objetivo de melhorar a linguagem através do canto; c) treinamento musical e sensorial de orientação (MSOT); d) treinamento para o controle da atenção (MACT); e) treinamento das funções executivas e f) execução instrumental terapêutica. Além dessas técnicas, outras foram utilizadas tais como as técnicas de: a) audição, re-criação, improvisação e composição musical (Bruscia , 2000); b) expressão gestual e corporal para comunicação da musicalidade; c) utilização de fotos, parlendas, títulos e frases de canções e d) pranchas musicais feitas pela musicoterapeuta. Os instrumentos musicais terapêuticos mais utilizados foram o piano e/ou teclado para melhorar funções do paciente e possibilitar movimentos mais precisos na coordenação dos membros superiores (MMSS), bem como em atividades de percepção rítmica, temporal e espacial. Os instrumentos de percussão como bateria, pandeiros, chocalhos e guizos também auxiliaram na discriminação auditiva para favorecer o reconhecimento sonoro/melódico, auxiliar no processo terapêutico da reabilitação da fala e proporcionar melhor organização e planejamento. ! Resultados obtidos A afasia não pode ser curada, mas a intervenção musicoterapêutica pode fazer com que muitas pessoas possam compreender e produzir uma linguagem de forma mais eficaz, em parceria com a Fonoaudiologia, para se comunicar melhor com os outros. Na alta de A. S. puderam ser inferidas, através da avaliação de sessões em vídeos, melhoria no canto, na percepção rítmica e melódica, na inteligibilidade da fala e melhor produção fonêmica através de pistas visuais e auditivas. A. S. pode perceber e comparar www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 370 alturas, intensidades, duração e timbres, bem como diferenciar sons com alturas definidas. Também foi observada melhora da articulação do ritmo durante a fala espontânea, na articulação dos fonemas s/z/f/v/e/r (comprovados pela fonoaudióloga do paciente) e na leitura compreensiva. As intervenções musicoterapêuticas, além da reabilitação física do paciente, também se mostraram relevantes na parte emocional, atenuando sintomas de depressão e ansiedade, levando A. S. a se adaptar à situação atual e a conviver com suas limitações e potencialidades. A inclusão da Musicoterapia e de musicoterapeutas na reabilitação da fala ainda necessita de muitas incursões no campo das Neurociências e da Música, mas acreditamos em um futuro promissor, com pesquisas e investigações, baseadas em evidências, contribuindo para as ciências e consolidando nossa prática como profissionais. ! Referências Muszkat, M.; Correia, C.M.F. & Campos, S.M. (2000). Música e Neurociências. Rev. Neurociências. 8 (2), 70-75. Ferrari, D. K. (2013). Genesis de las funciones musicales. In Musicoterapia: Aspectos de la sistematización y la evolución de la práctica clínica (pp.44-45). Buenos Aires: MTD Ediciones. Patel A.D., Peretz I., Tramo M & Labreque R. (1998). Processing prosodic and musical patterns: A neuropsychological investigation. Brain & Lang 61(1), 123-144. Pateln A., D. & Daniele J. R. (2003). An empirical comparison of rhythm in language and music. Cognition 87 (1), B35-B45. Borchgrevink, H. M. (2008). O cérebro por trás do potencial terapêutico da música. 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E ainda hoje é utilizada por musicoterapeutas e fonoaudiólogos como forma de estimulação da linguagem verbal. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 372 Diálogos entre Musicoterapia e Neurociências: Música e Saúde ! Clara Márcia Piazzetta UNESPAR – Campus II FAP [email protected] ! Resumo: Neste trabalho são apresentados os resultados parciais de uma pesquisa bibliográfica sobre o tratamento dado à Música em Musicoterapia nos trabalhos em Musicoterapia e Neurologia. A pesquisa tem por objetivo conhecer as experiências musicais dessa prática e como a Música é considerada ao envolver as estruturas e o funcionamento cerebral em ação, a plasticidade cerebral. O desenho de pesquisa segue por busca textual em periódicos indexados brasileiros, estrangeiros e Anais de Congressos nas áreas de Musicoterapia, Neurologia e Neurociências. Os dados parciais revelam o interesse das áreas da saúde, pelos estudos do impacto das técnicas baseadas na música, e musicoterapia em pessoas, com traumas pós acidente vascular cerebral, degeneração do cérebro e aspectos cognitivos no espectro autista. Até esse momento foi necessária uma mudança de dimensão da pesquisa para o âmbito de música e saúde uma vez que muitas destas pesquisas são realizadas por pesquisadores não musicoterapeutas. O entendimento do diálogo existente entre musicoterapia e neurociências e o tratamento dado à música é perpassado do estudo de pesquisas em Música e Saúde. Palavras-chave: saúde, música, neurociência, musicoterapia. ! ! Title: Dialogues between Neuroscience and Music Therapy: Music and Health Abstract: In this work the partial results of a literature search on the treatment given to Music in Music Therapy jobs in Neuromusic therapy are presented . The research aims to understand the musical experiences of this practice and how music is considered to involve the structures and functioning brain in action , and thus , brain plasticity . The research design follows a text search on Brazilian and foreign Annals of Congress in the areas of Music Therapy , Neurology and Neuroscience journals indexed . The preliminary data show the interest of the health field, about the studies of the impact of music - based techniques and music therapy in people with post stroke, brain degeneration and cognitive aspects in the autistic spectrum. Until that time it was necessary to change the size of the research to the field of music and health since many of this research is developed by researchers not music therapists . Understanding the existing dialogue between neuroscience and music therapy and the treatment given to the music requires the study of music and health research Keywords: health, music, neuroscience, music therapy. Introdução O campo da reabilitação neurológica com o uso de atividades musicais é relativamente recente. Em Musicoterapia tem-se o registro da importância de estudos do cérebro desde as primeiras publicações de Gaston (1964 e 1968). Para esse autor a estética da música vinha ao encontro de explicações biológicas para o interesse do homem pela música. Ao final do século XX em meados de 1990, Michael Thaut sistematizou a proposta por ele denominada Musicoterapia Neurológica com uma premissa básica: por atividades musicais coloca-se em ação áreas não musicais. Esse autor a define como: “aplicação terapêutica da música para estimular mudanças nas áreas cognitivas, motoras e de linguagem após doença neurológica”. (Moreira et al, 2012). No Brasil Correa et al (1998) estudaram a lateralização das funções www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 373 musicais e discutiram aspectos cognitivos da experiência musical considerando o funcionamento do hemisfério direito (HD) e hemisfério esquerdo (HE). A publicação de estudos neurocientíficos sobre música e cérebro é fluente na Academia de Ciência de Nova York (New York Academy of Sciences) no século XXI. Eles estão permeados por uma [inter]ação terapêutica da música sobre a mente e o corpo das pessoas. Deste modo, entender o poder de ação da música envolve compreender o funcionamento e a estrutura cerebral envolvidos na percepção dos elementos da música e também da experiência musical em sua totalidade. Existe um interesse significativo da área da saúde (neurologia e neurociências) quanto aos efeitos da terapia do movimento, terapia baseada na música, terapia da fala, terapia da entonação melódica, e da musicoterapia sobre o cérebro de pessoas que sofreram lesões por acidente vascular cerebral, traumatismo crânio encefálico e degeneração neurológica (Overy, & Molnar - Szakacs, 2009; Schlaug, et al. 2011; Schlaug, et al, 2009; Schlaug, 2010; Bunketorp Käll et.al 2012; Kim & Tomaino, 2008; Jun et al. 2012, Zipse et al. 2012). Um interesse foi encontrado também com os estudos de trabalhos com crianças autistas (Srinivasan & Bhat, 2013; Gattino et al. 2011). A escuta e a produção musical ativam múltiplas estruturas cerebrais envolvidas em processos cognitivos, sensoriomotores e emocionais (Koelsch, 2009). O campo da neuromusicoterapia mostra-se como uma parte deste universo que se redimensiona quanto ao uso da Música na Saúde. É certo que no campo da prática clínica de base neurológica, o resultado das ações destas experiências musicais mostra-se muito pontual. Ou seja, os programas de reabilitação neurológica consideram a capacidade de aprender e reaprender de cada pessoa. Aprender pelas atividades musicais competências não propriamente musicais. Os programas de neuroreabilitação com a música usam de atividades rítmicas, melodias e de movimento com células rítmicas e ou melódicas algumas vezes separadamente. Muito do contexto musical, como um todo, mostra-se diferente devido à sua aplicabilidade funcional. Com isso o questionamento básico dessa pesquisa é: como a Música é considerada nesses contextos compreendendo a existência de um diálogo entre Musicoterapia e Neurociências? A pesquisa tem por objetivo conhecer, nesse universo, as experiências musicais e como a Música é considerada ao envolver as estruturas e o funcionamento cerebral em ação, a plasticidade cerebral. Os resultados parciais mostram a amplitude desse estudo que de a uma única linha de trabalho, neuromusicoterapia, chega à Música e Saúde. O interesse da neurociência recai sobre o resultado da utilização da Música (por musicoterapeutas ou não) no funcionamento cerebral. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 374 Na neuromusicoterapia o foco está na aplicação de técnicas musicais / musicoterapêuticas específicas conforme a necessidade do paciente. Isso se mantém desde a publicação de Gaston (1964, 1968), pois, os mecanismos dessas ações não são atualmente totalmente conhecidos, assim, o inicio desse diálogo se faz pelo reconhecimento da relação existente entre ambos: musicoterapia e neurociência. Nesse momento não são apresentados dados estatísticos quanto ao uso de termos específicos de cada área nos textos, mas sim uma reflexão preliminar da amplitude desse campo em desenvolvimento: música e saúde. Na Neurociência é perceptível a utilização dos trabalhos musicoterapêuticos, e na Musicoterapia os estudos neurocientíficos já estão presentes? Um diálogo entre Musicoterapia e Neurociência leva ao entendimento dessa troca de conhecimentos. A quantificação das citações e co citações nas publicações, bem como a quantificação dos periódicos encontrados embasam os resultados finais. ! O desenho da pesquisa Uma pesquisa bibliográfica com busca textual em periódicos indexados brasileiros, estrangeiros e Anais de Congressos na área de Musicoterapia e Neurociências usou as palavras-chave: neuroreabilitação, autismo e musicoterapia, cognição musical. Elementos da pesquisa bibliométrica são aplicados quanto à incidência das palavras definidas como palavras-chave; quantificação das citações / co autorias e quantificação dos periódicos. A pesquisa Bibliométrica surge no início do séc. XX e seu nome é atribuído a Paul Otlet (1934) que utilizou a palavra em seu livro Tratado da Documentação (Silva et. al. 2011). Por bibliometria entende-se a analise da “atividade científica ou técnica pelos estudos quantitativos das publicações. Ou seja, os dados quantitativos são calculados a partir de contagens estatísticas de publicações ou de elementos que reúnem uma série de técnicas estatísticas, buscando quantificar os processos de comunicação escrita” (SILVA, et all. 2011, p.113). Isso permite a visualização do conhecimento construído sobre uma determinada área. ! Contexto e reflexão As discussões e reflexões sobre o que seja Música para o trabalho da Musicoterapia é dinâmica. Nos anos de 1980 era importante ao musicoterapeuta ter conhecimentos de música, psicologia da música, psiquiatria, (Bruscia, 2000). O século XXI com os avanços acelerados no campo da comunicação e tecnologia as áreas da musicologia, e neurociências avançam rapidamente. Os estudos de música e cérebro são absolutamente dinâmicos e exigem do www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 375 musicoterapeuta outros entendimentos e discernimentos. Aigen (2014) alerta para uma questão simples: trabalhos com música na saúde não caracteriza a musicoterapia. O musicoterapeuta convive nos dias atuais com uma pressão significativa percebida devido ao crescimento mundial da área Música e Saúde. Parece em primeira estância que se trata de um campo de atuação de musicoterapeutas, mas isso não se confirma numa dimensão ampliada, pois os trabalhos apresentados são realizados, em sua grande maioria, por profissionais não musicoterapeutas. Nesse campo de atuação junto à área hospitalar existem também outras discussões, como por exemplo: Música na medicina; Musicoterapia e Medicina. Um texto publicado na revista on line US News health discute a Música como remédio para o cérebro humano (Shulman, 2008). Nos Annais: The Neurosciences and Music III—Disorders and Plasticity, Koelsch (2009), publica: uma perspectiva neurocientífica sobre a Musicoterapia. O autor aborda cinco fatores importantes nos estudos de música e cérebro (atenção, emoção, cognição, comportamento e comunicação). Considera-os na musicoterapia como moduladores1 de: atenção, emoção, cognição, comportamento e comunicação. Apresenta através dos estudos um breve panorama de sua importância para os efeitos do trabalho da musicoterapia. A diversidade de trabalhos e considerações na direção de Música e Saúde nos move a conhecer a realidade dos trabalhos de Musicoterapia na reabilitação neurológica. a tese principal desse discurso deve ser que a música, baseada nas suas propriedades de estímulos únicos e processos diferenciais no sistema nervoso central, evoca respostas que podem ser usadas para modificar o comportamento humano de maneira previsível e terapeuticamente significativa nas atividades funcionais. (Thaut, apud Moreira, 2012, p. 23). ! A previsibilidade do alcance da técnica é um fator diferenciado quando se leva em conta a polissemia da música. Esse cuidado com a eficácia da aplicação na pesquisa de Kim & Tomaino (2008), sobre a reabilitação da fala em pacientes afásicos, está no protocolo de atividades (técnicas) importantes para a eficácia do tratamento. Trata-se de um protocolo organizado com sete técnicas, a partir de pesquisas no campo da musicoterapia e afasia. São elas: cantando músicas familiares; respirando entre sons de sílaba única; fala musical assistida (ou orientada); canto de “deixas” dinâmicas; as “deixas” de fala rítmica; exercícios de motricidade oral; entoação vocal. Essa seqüência de técnicas ao iniciar com “cantando músicas familiares” considera o contexto único de cada pessoa, sua cultura. Como se trabalha muito a partir do canto a relação humana entre o musicoterapeuta e o paciente é evidenciada. Kim & Tomaino (2008) www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 376 destacam que a música é sim usada como uma ferramenta e assim o seu andamento é modificado para chegar a alcançar as possibilidades de cada paciente. As intervenções também podem ser individuais e com duração de no máximo 30 minutos. Os estudos de Schlaug e colaboradores (2009, 2010, e 2012) trazem resultados de pesquisas de Música e cérebro e destacam nessa terapêutica com base na música a quantidade de intervenções. O tempo de duração não precisa ser superior a 30 minutos, contudo quanto mais vezes forem feitas durante a semana melhor será. Os estudos da recuperação da fala pela plasticidade cerebral são o foco de interesse desses pesquisadores. Eles discutem deste modo, não a qualidade da experiência musical, mas a quantidade de intervenções e qual dos elementos musicais são responsáveis pelo tratamento. Assim, as melodias quando cantadas colaboram com a recuperação da fala. A experiência de percutir instrumentos ou mesmo produzir sons pelo corpo é entendida como capacidade de coordenação motora que ativa o sistema motor responsável pela articulação e cadência no discurso. O impacto da experiência musical recai na compreensão do mecanismo colocado em ação (neurônios homólogos, homotópicos, sistema de neurônios espelhos) na complexa plasticidade cerebral (Schlaug, et al. 2011; Schlaug, et al, 2009; Schlaug, 2010; Bunketorp Käll et.al 2012, Overy, & Molnar - Szakacs, 2009 ). Kathie Overy & Istvan Molnar - Szakacs (2009) ao estudarem o modelo de Shared Affective Motion Experience (SAME) trazem uma reflexão baseada em evidências, sobre quanto complexa e poderosa é a experiência musical para a terapia. A percepção e o fazer musical em conjunto se faz possível por que escutar musica é escutar pessoas, fazer música em conjunto é se relacionar com outras pessoas e para isso um sistema de atenção, imitação, sincronização de tempo musical é fundamental. Para esses pesquisadores o Sistema de Neurônios espelhos (MNS) tem um papel importante no mecanismo de ação da música no cérebro. O ambiente de estudo sobre musicoterapia e autismo discute o ganho significativo no âmbito da comunicação não verbal. A experiência de tocar em conjunto favorece a interação e comunicação (Srinivasan & Bhat, 2013; Gattino, 2010). As publicações destacadas aqui demonstram uma inerente interação entre os estudos neurocientíficos sobre Música e cérebro e a Musicoterapia . Um complementa o outro, seja pelas evidências clínicas oferecidas pelas pesquisas, seja pela complexidade da reabilitação neurológica pós trauma embasadas por atividades musicais. Estudos neurocientíficos fundamentam a duração das intervenções, não superior a trinta minutos e quanto mais vezes www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 377 for possível, melhor será para a ação da plasticidade cerebral. Também a prática clínica na musicoterapia ressalta o caráter da totalidade da experiência musical e o campo da significação, “ouvir musica é ouvir pessoas”, da ênfase ao relacionamento humano. As pesquisas e as práticas clínicas devem se relacionar e Aigen (2014) faz um alerta para o entendimento da especificidade do trabalho musicoterapêutico uma vez que as pesquisas buscam evidências para aprimorar uma prática. Deste modo nem todos os resultados de pesquisas estão diretamente relacionados com o trabalho prático (clínico) de musicoterapia. O que se apresenta nos textos é um consenso de que os resultados de pesquisas podem ser argumentos significativos para entendimentos profundos dos resultados positivos alcançados pela Musicoterapia. ! Considerações Parciais Os resultados parciais desta pesquisa apontam para reflexões em âmbitos mais amplos do que resultados específicos e explicativos da ação terapêutica da música. Com isso, apesar destas pesquisas serem recentes o tema da terapêutica musical embasa o campo científico da musicoterapia desde meados do século XX. Percebe-se que continua em evidência a força da experiência com a música, complexa e misteriosa para o tratamento de lesões neurológicas. Uma novidade se percebe no âmbito do desenvolvimento da capacidade de comunicação e interação em crianças autistas. Os neurocientistas estão interessados em compreender os mecanismos de funcionamento da plasticidade cerebral na estimulação múltipla do sistema nervoso. Os musicoterapeutas demonstram os trabalhos clínicos e dão subsídios para as pesquisas dos neurocientistas. Quando um olhar e uma escuta são colocados sobre esses ambientes lado a lado pode-se desvelar a integração. Contudo apenas o tempo poderá dar mais visibilidade e funcionalidade para esse diálogo natural. Enquanto os efeitos da Música sobre as pessoas se mantiverem dinâmicos mais interesse em estudos que expliquem as bases de funcionamento desse mecanismo poderoso para o funcionamento do cérebro existirão. O papel da Musicoterapia pode ser o de manter a totalidade desse acontecimento em meio ao olhar científico que separa para explicar, uma vez que se ocupa da relação que cada pessoa estabelece com a música, sua musicalidade única. Está voltada para a pessoa e para a experiência musical como um todo. A música é uma ferramenta para um fim que não apenas a música: estimular o cérebro. As leituras realizadas não possibilitaram uma leitura qualitativa do fazer musical. Estudos da www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 378 valoração dada à música permitirão um entendimento mais aprofundado de como a Música é considerada no âmbito de Música e Saúde. ! Referências Araújo, C. A. (2006). Bibliometria: evolução histórica e questões atuais. In: Em Questão, Porto Alegre, v. 12, n. 1, p. 11-32, jan./jun. Disponível em: http:// revistas.univerciencia.org/index.php/revistaemquestao/article/viewFile/3707/3495 acessado em 11/06/2013 Aigen, K. (2014). The Study of Music Therapy: Current Issues and Concepts. Editora Routledge. Bunketorp Käll, L.; Lundgren-Nilsson, Å.; Blomstrand, C.; Pekna, M.; Pekny, M. and Nilsson, M. (2012). The effects of a rhythm and music-based therapy program and therapeutic riding in late recovery phase following stroke: a study protocol for a three-armed randomized controlled Trial. BMC Neurology, 12:141. Bruscia, K. (2000). Definindo Musicoterapia. Enelinvros: Rio de Janeiro. Correa. C.; Muszkat, M;Vicenzo, N; Campos,C (1998), Lateralização das funções musicais na epilepsia parcial. Arq Neuropsiquiatr . 56(4):747-755 Gaston. E. T. (1964). The Aesthectic experience and biological man. Journal of Music Therapy, 1 (1), 1-7 Gaston. E. T. (1968). Man and Music. In. E. Thayer Gaston (Ed), Music in therapy (pp.7-29) New York. Macmillan. Gattino, G. S.; Riesgo, R. S.; Longob, D.; Leitec, J. C. L. e Faccinia, L. S. (2011). Effects of relational music therapy on communication of children with autism: a randomized controlled study. Nordic Journal of Music Therapy, volume, 20. Issue 2. Jun, E.-M.; Hwa Roh, Y.; Kim, M. J.(2012). The effect of music-movement therapy on physical and psychological states of stroke patients. Blackwell Publishing Ltd 22 Journal of Clinical Nursing, 22, 22–31. Kim, M.; Tomaino, C. M.(2008). Protocol Evaluation for Effective Music Therapy for Persons with Nonfluent Aphasia. Top Stroke Rehabil ;15(6):555–569 . Levitin, D. J. (2006). This is your brain on music: The Science of a Human Obsession. London: Editora Dutton. Lichtehsztejn, M. (2009). Música & Medicina. Buenos Aires: Ediciones Elementos. Moreira, S. V.; Alcântara-Silva, T. R. M.; Silva, D. J.; Moreira, M. (2012). Neuromusicoterapia no Brasil: aspectos terapêuticos na reabilitação neurológica. In. Revista Brasileira de Musicoterapia Ano XIV n° 12 / 2012, p. 18-26. Disponível em: http://www.revistademusicoterapia.mus.br/revistademusicoterapia122012.html acessado em 11/06/2013 Over, K. (2009). Being together in time: Musical Experience and the Mirror Neuron System. United Kingdom: University of Edinburgh. Pavlicevic, M. (2004). Community Music Therapy. London, Edição de Jessica Kingsley. Schlaug, G.; Marchina, S.; Wan, C. Y. (2011) The Use of Non-invasive Brain Stimulation Techniques to Facilitate Recovery from Post-stroke Aphasia. Neuropsychol Rev 21 p. 288–301 Schlaug, G.; Marchina, S.; Norton, A.. 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O aumento da população idosa está evidenciado por estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU). Frente a este inevitável aumento da população idosa, torna-se necessário associá-lo à manutenção/ melhoria da qualidade de vida, principalmente considerando os idosos que vivem institucionalizados. A Musicoterapia pode atuar como uma das modalidades de tratamento para o indivíduo idoso, visando a reabilitação e/ou preservação de suas funções cognitivas. Este estudo, de metodologia quali-quantitativa, tem como principal objetivo investigar a contribuição da Musicoterapia para a preservação da memória de pessoas idosas institucionalizadas. Realizou-se uma pesquisa experimental em uma instituição asilar de Goiânia, com um grupo fechado composto por seis idosos, com idades entre 65 e 75 anos. As intervenções musicoterapêuticas foram aplicadas por um período de quatro meses, totalizando dezesseis sessões de sessenta minutos cada, sendo uma vez por semana. Antes e depois das intervenções foi aplicado o teste MINIMENTAL (Mini Exame do Estado Mental). Durante as intervenções estabeleceram-se categorias que avaliaram a memória durante todo o processo através do Protocolo de Observação de Aspectos Relativos à Memória e Interação dos Idosos elaborado pelas autoras do trabalho. Foi possível observar, através da aplicação do MINIMENTAL, que houve melhora na memória de evocação, escrita, desenho e cálculo, enquanto as outras funções foram preservadas. A Musicoterapia viabilizou a preservação das funções cognitivas, especialmente na memória de longo prazo, semântica e episódica. Tendo em vista os resultados satisfatórios obtidos nesta pesquisa, acreditase no tratamento musicoterapêutico como intervenção que preserva a memória interferindo assim positivamente na qualidade de vida dos idosos institucionalizados. Palavras-chave: musicoterapia, idoso, memória. 1. Introdução A expectativa de vida da população mundial vem aumentando consideravelmente nas últimas décadas. Segundo as estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU), até 2025, ter-se-á mais de 840 milhões de pessoas idosas1 no mundo, fato que trará ao Brasil a posição de sexto maior país em termos de população idosa (ONU, 2003). De acordo com os dados mencionados pelo IBGE (2002), estima-se que no Brasil, nos próximos vinte anos, a população idosa representará cerca de 13% da população total, chegando a ultrapassar trinta milhões de pessoas – fato evidenciado pelo processo de envelhecimento ocorrer em um nível mais acelerado nos países em desenvolvimento, classificação em que se encontra o país (ROSSETO, 2008). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 381 Este intenso crescimento da população acima de sessenta anos, acoplado à ampliação de sua expectativa de vida, implica diretamente na necessidade de maior observância da sociedade em preservar e proporcionar qualidade de vida2 a esta faixa etária. A ONU menciona cinco princípios fundamentais em benefício do idoso: a independência, a participação, os cuidados, a autossatisfação e a dignidade. Em paralelo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece um conceito de envelhecimento saudável, especificado como “envelhecimento ativo”, caracterizado como: ! um processo no qual é permitido ao indivíduo perceber o seu potencial para o bemestar físico, social e mental ao longo do curso da vida, e que essas pessoas participem da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades, usufruindo ao mesmo tempo de proteção, segurança e cuidados adequados (RIBEIRO, 2008, p. 2). ! Uma parcela significativa de perdas demonstra-se inevitável ao longo da vida. Um exemplo é a mudança entre as fases da vida: a primeira ocorre no momento do nascimento, onde perdemos o acolhimento do útero materno; posteriormente, acontecem perdas na infância, adolescência, na juventude, na fase adulta e velhice, culminando na morte como a perda fatal e irreversível (KOVÁCS, 1992; TAVARES, 2001; TEIXEIRA, 2008). Dentre as perdas recorrentes e mais relevantes para a diminuição da qualidade de vida da população idosa, está a diminuição gradativa da capacidade de memorização, ou até mesmo a perda profunda em alguns casos. Essas alterações geralmente trazem diversos malefícios, que podem englobar desde dificuldades nas relações interpessoais e nas AVDs (Atividades de Vida Diária) a outros aspectos físicos e psicológicos essenciais para a vida de todos os indivíduos. De acordo com Helene & Xavier (2003), a memória se constrói a partir da: identificação de regularidades na ocorrência de eventos, onde o sistema nervoso passa a gerar previsões (probabilísticas) sobre o ambiente. Então, passa a agir antecipatoriamente e a selecionar as informações que serão processadas – um processo de "cima-para-baixo" – o que confere grande vantagem adaptativa [...]; o sistema nervoso pode gerar ações que levem aos resultados desejados e atuar no sentido de selecionar determinados tipos de informação para processamento adicional, isto é, direcionar sua atenção (p. 1). Segundo Levitin (2010), “mais de um século de investigações neuropsicológicas permitiram-nos estabelecer mapas das áreas funcionais do cérebro e organizar operações cognitivas específicas” (p. 98). Assim, pôde-se identificar que o lobo temporal é uma das áreas associadas simultaneamente “à audição e à memória” (ibidem, p. 99). Para o autor, a intensa capacidade da música como fator estimulante das áreas cerebrais pode ser assim explicada: www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 382 A atividade musical mobiliza quase todas as regiões do cérebro de que temos conhecimento, além de quase todos os subsistemas neurais. Os diferentes aspectos da música são tratados por diversas regiões neurais: o cérebro vale-se da segregação funcional para o processamento musical, utilizando um sistema de detectores cuja função é analisar determinados aspectos do sinal musical, como altura, andamento, timbre, etc. [...] Várias dimensões de um som musical precisam ser analisadas – geralmente envolvendo vários processos neurais quase independentes –, para em seguida serem reunidas e formarem uma representação coerente daquilo que estamos ouvindo (ibidem, p. 100). ! Neste sentido, Souza (2008) afirma que a música “sonoriza as épocas vividas, traçando uma rede de comunicação que com estímulo musical é acionada, fazendo-nos associar as etapas do nosso próprio envelhecer, muitas vezes de forma sucessiva e simultânea” (p. 188). Na musicoterapia, a música e/ou seus elementos múltiplos (ritmo, altura, timbre, intensidade, harmonia, melodia, cadências, imitações, sequências, textura, forma, frase, motivos, modulações, etc.) são utilizados com objetivos terapêuticos. Bruscia (2000) expõe a abrangência e as especificidades deste processo: “a música é mais do que as próprias peças ou sons: cada experiência musical envolve uma pessoa, um processo musical específico e um produto musical de algum tipo, possuindo significado para os clientes” (p. 100). Pretende-se apresentar neste artigo parte dos resultados de uma dissertação de mestrado que investigou as contribuições da Musicoterapia na manutenção ou melhora da memória em idosos institucionalizados, envolvendo importantes aspectos relacionados à Cognição Musical. ! 2. Objetivos Investigar como a Musicoterapia pode prevenir as perdas de memória decorrentes do processo de envelhecimento. ! 3. Materiais e Métodos A pesquisa realizada possuiu abordagem quali-quantitativa. A coleta de dados foi realizada com moradores de uma casa lar de um Complexo Gerontológico. Na primeira fase da pesquisa a musicoterapeuta realizou visitas convidando os idosos para participarem e, quando concordavam, assinavam o TCLE - termo de consentimento livre e esclarecido. A inserção da musicoterapeuta no campo ocorreu após a aprovação do projeto no comitê de ética da universidade em que se realizou o estudo. Os critérios de inclusão foram: ambos os sexos; ter idade entre 65 e 75 anos; assinatura do TCLE; residir na instituição escolhida; ser independente; não apresentar perdas e/ou déficit de memória; e, não apresentar comprometimento mental. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 383 As intervenções musicoterápicas foram realizadas uma vez por semana por um período de quatro meses totalizando 16 (dezesseis) sessões, utilizando as experiências musicais definidas por Bruscia (2000) como: Recriação e Audição musical. Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados qualitativos: a Ficha Musicoterapêutica, com dados pessoais e musicais dos participantes, - preenchida na mesma data de aplicação do TCLE; registros de todas as intervenções por meio de relatórios e filmagens das sessões; Protocolo de Observação de Aspectos Relativos à Memória e Interação dos Idosos na sessão grupal de Musicoterapia foi preenchido ao final de cada sessão; e Entrevista Final - com questões semi-estruturadas que foram respondidas individualmente após o final do processo musicoterapêutico. Como recurso quantitativo aplicou-se o Mini Exame do Estado Mental - MINIMENTAL, antes e após as intervenções. ! 4. Resultados Finais Sobre o grupo participante do estudo, a escolaridade variou entre primário incompleto e ensino fundamental completo. O grupo foi fechado, composto por seis participantes. Para auxiliar na elaboração da análise qualitativa das memórias trabalhadas durante as intervenções musicoterapêuticas, foi estabelecido um protocolo de avaliação - Protocolo de Observação de Aspectos Relativos à Memória e Interação dos Idosos, que foi baseado no perfil do grupo atendido, a partir das sessões iniciais, e nos estudos realizados sobre os diferentes tipos de memória. Os critérios foram elaborados a partir de frases interrogativas, que foram respondidas pela musicoterapeuta de forma objetiva no final de todas as sessões durante o processo musicoterápico. A primeira categoria do protocolo abrangeu aspectos cognitivos como: atenção, compreensão e memória de curto prazo. Esta categoria foi composta pelas seguintes questões: 1. Estava atento no momento em que foi dada a consigna? 2. Compreendeu a consigna? 3. Prestou atenção no momento de realizar atividade? 4. Conseguiu realizar a atividade? 5. Conseguiu lembrar das atividades/músicas da sessão anterior? A segunda categoria consistiu em avaliar a capacidade de interação dos participantes e as respostas corporais e verbais obtidas a partir dos estímulos musicais. Para isto, elaboraramse as seguintes questões: 6. Estabeleceu contato visual com outro participante? 7. Interagiu com outro participante? 8. Estabeleceu contato visual com a musicoterapeuta desde o início da sessão? 9. Reagiu corporalmente diante dos estímulos musicais? www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 384 A terceira categoria foi elaborada com o objetivo de avaliar a memórias de Curto Prazo e Imediata. Formularam-se as seguintes questões: 10. Cantou trechos de canções? 11. Cantou canções completas? 12. Escolheu instrumento musical espontaneamente? 13. Acompanhou com instrumento e/ou cantando? Com a elaboração das questões objetivamos reunir possíveis critérios para avaliar as memórias de curto prazo, imediata, episódica e semântica3. Separamos as treze questões supracitadas em três categorias, observando critérios de similaridade: a Categoria 1 reúne as questões de número 1 a 5, que aferem os aspectos que estão intimamente ligados à memória: atenção, compreensão, capacidade de executar tarefas e de reter informações. A Categoria 2 engloba as questões de número 6 a 9, que estão relacionadas ao convívio social e às relações interpessoais dos integrantes. A Categoria 3 reúne as questões de número 10 a 13, que aferem os aspectos musicais que avaliaram as memórias durante as intervenções musicoterapêuticas no referido grupo. As pontuações estabelecidas para avaliar os critérios foram: (0) não correspondeu; (1) correspondeu em parte e (2) sim, correspondeu. Foi realizada uma apuração da pontuação obtida por cada participante durante todo o processo. A aplicação do Protocolo de Observação de Aspectos Relativos à Memória e Interação dos Idosos apontou para uma ampliação das relações interpessoais e da liberdade de expressão verbal e não verbal, que foi facilitada pela musicoterapeuta, através de experiências musicais (BRUSCIA, 2000), que estimularam a comunicação entre os participantes e a terapeuta. De acordo com Millecco Filho, Brandão e Millecco (2001), a Musicoterapia é uma terapia que promove a autoexpressão e incentiva a ampliação do potencial criativo e da capacidade comunicativa, mobilizando aspectos biológicos, psicológicos e culturais. Observou-se a viabilização da expressão das emoções dos participantes, principalmente através do canto. Ao longo do processo musicoterapêutico, a maioria dos idosos apresentou dificuldade em evocar e memorizar as letras das canções que faziam parte de seu histórico musical. De acordo com Wagner; Trentini; Parente (2009), “os idosos normais tendem a queixar-se de dificuldades cognitivas diversas, especialmente de falhas de memória” (p. 224). Durante as intervenções musicoterapêuticas, os idosos demonstraram bastante satisfação ao vivenciar experiências musicais que proporcionaram relacionar fatos vividos com a música. Na sétima sessão, por exemplo, o grupo reviveu e compartilhou momentos do www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 385 passado. Essas reminiscências são ferramentas que podem auxiliar a ressignificar a vida e amenizar as perdas decorrentes do envelhecimento. Essas atividades musicais auxiliaram os participantes a recordar o passado e suscitaram comentários que expressaram satisfação, como: “Quando eu era criança lá na roça a gente cantava com pai que tocava sanfona e era cantador”. O objetivo das atividades foram resgatar as memórias de longo prazo, episódica e semântica. Estas memórias geralmente estão preservadas em idosos saudáveis e, a partir destas, pode-se atuar em benefício da memória de curto prazo. Apesar de a maioria dos participantes não ter conseguido memorizar as letras das canções integralmente, observou-se que houve aprendizado dos trechos não conhecidos e/ou recordação daqueles trechos esquecidos, como ocorreu com a canção Linda Cigana (autoria de Wanderley Monteiro). Millecco Filho, Brandão e Millecco (2001) descrevem ser comum grupos de Musicoterapia para idosos “dedicarem grande parte das sessões às canções e histórias que marcaram suas respectivas adolescência e juventude” (p.100). Os autores acreditam que essas canções sejam uma forma de resgatar “um pouco da potência e da intensidade, que geralmente se contrapõem ao desânimo e à desvalorização social sofrida e introjetada” (Op. Cit.). Com a aplicação do MINIMENTAL, apresentado no gráfico a seguir em caráter comparativo, pode-se notar que houve melhora nos seguintes itens: orientação temporal - 3 participantes; cálculo - 1 participante; memória de evocação - 2 participantes; escrita - 2 participantes; desenho - 1 participante, enquanto os demais itens mantiveram-se na maioria dos participantes. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! Gráfico 1. Descrição dos dados obtidos a partir aplicação do MINIMENTAL antes e depois das intervenções musicoterapêuticas. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 386 Diante do exposto, percebeu-se que a utilização da música, na condição de estímulo para a memória, demonstrou-se uma possibilidade terapêutica viável, pois se obteve desenvolvimento positivo ou preservação na capacidade de memorização dos idosos institucionalizados participantes do estudo, mantendo-se assim sua autonomia e capacidade cognitiva no período de tempo observado, no decorrer das intervenções musicoterapêuticas. Acredita-se que se é possível contribuir para a melhora ou preservação da memória, pode-se retardar ou até mesmo evitar a necessidade de recorrer às internações em unidades de ILPI Instituições de Longa Permanência para Idoso, o que também viabilizará melhoras para a qualidade de vida. ! Referências ! BRASIL. Plano de ação internacional sobre o envelhecimento, 2002/Organização das Nações Unidas. Tradução de Arlene Santos, revisão de português de Alkmin Cunha; revisão técnica de Jurilza M.B. de Mendonça e Vitória Gois – Brasília: Secretária Especial dos Direitos Humanos, 2003. Disponível em: http:// www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/biblioteca.pdf>. Acesso em: 9 jan. 2013. BRUSCIA, Kenneth E. Definindo Musicoterapia. Trad: Mariza Velloso Fernandez Conde. Rio de Janeiro; Enelivros. 2000. HELENE, André Frazão; XAVIER, Gilberto Fernando. A construção da atenção a partir da memória. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?scriptid. Acesso em: 23 jun. 2011. KOVÁCS, MJ. Morte e desenvolvimento humano. 4.ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992. 253p. LEVITIN, Daniel J. A música no seu cérebro: a ciência de uma obsessão humana. Trad. Clóvis Marques. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. MILLECCO,L.A.F; BRANDÃO, M.R.E; MILLECCO, R.P. É preciso cantar. 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Trata-se de um constructo que agrupa cinco categorias maiores: utilidade social, felicidade/afeto, satisfação, alcance de objetivos pessoais e vida normal (BRASIL, apud ZANINI e cols., 2009). 3 Ressalta-se que esses critérios foram elaborados especificamente para o grupo analisado nesta pesquisa, considerando as características do mesmo. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! ! ! ! ! ! Cognição Musical e Estudos Culturais www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ 388 Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 389 A Marginalidade no Repertório para Percussão ! Bruno Soares Santos Deca – INET - MD Universidade de Aveiro, Portugal Bolsista da CAPES – Proc. Nº 1136/12-7, Brasil [email protected] ! Resumo: O presente trabalho faz parte de uma revisão de literatura que incide na música contemporânea para percussão, mais precisamente para instrumentos de percussão marginais ao repertório percussivo central. Os conceitos centrais abordados são os de marginalidade, sobretudo nos trabalhos de Carlos Stasi, e o conceito de literatura menor presente em Kafka: por uma literatura menor de Deleuze e Guattari. Palavras-chave: Percussão, música do século XX\XXI, marginalidade, literatura menor. ! Title: Marginality in Percussion Repertoire Abstract: This paper is part of a literature revision that focuses on contemporary music for percussion, more precisely percussion instruments marginal to the canonical percussive repertoire. The approached concepts are marginality, in Carlos Stasi’s works above all, and the concept of minor literature present in Deleuze and Guatarri’s Kafka: for a minor literature. Key-words: Percussion, XX\XXI century music, marginality, minor literature. ! ! ! 1. Introdução ! O início do século vinte foi um período de alterações importantes no repertório escrito para percussão no âmbito da música de concerto. Um amadurecimento da percussão ocidental ocorreu junto com o nascimento da era moderna e da arte de vanguarda. Em um movimento de busca por novas possibilidades tímbricas, a arte ocidental para percussão incorporou vários instrumentos de origens diversas como os gongos, a conga, o vibrafone e as maracas. Apesar de todo o experimentalismo presente na música para percussão desde o início do século XX criou-se um repertório percussivo padrão. Há uma preeminência dos instrumentos de lâminas como a marimba e o vibrafone e instrumentos orquestrais como a caixa-clara nas peças dedicadas a um só instrumento. Alguns instrumentos situam-se à margem deste repertório central1. ‑ Através de obras escritas para alguns destes instrumentos em posição periférica de compositores como Amadeo Roldan, Javier Alvarez, Iannis Xenakis, Maurice Kagel, Cergio Prudencioe ou Greg Beyer este texto propõe uma reflexão em torno do conceito de marginalidade, sobretudo presente na obra do percussionista Carlos Stasi, e do conceito de literatura menor presente no libro Kafka: por uma literatura menor de Deleuze e Guattari. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 390 2. Análise Bibliográfica Estes instrumentos em posição marginal são muitas vezes considerados simples e deficientes. Isso é retratado no trabalho de Carlos Stasi sobre a Guira da República Dominicana. O executante da Guira, que é um símbolo da música dominicana, não é considerado um músico naquele país (Stasi, 1998). Esta representação2 depreciativa comum a estes instrumentos faz ‑ com que o repertório dedicado a eles se situe à margem do programa de estudos de conservatórios e universidades. Mesmo fora do âmbito da música é possível perceber esta posição marginal de certos instrumentos. O mercado de instrumentos musicais exemplifica esta questão. A marca Latin Percussion se promove “como um respeitado produtor de instrumentos latinos mas utiliza termos incorretos para os mesmos, sem nenhum interesse em retificar tais erros” (Stasi, 2001:4). Os próprios materiais didácticos reforçam essa representação deturpada de instrumentos musicais. É o caso da Enciclopédia de Percussão de John Beck (Beck, 1995: 251-261) que utiliza fotos de instrumentos manufacturados por esta marca para representar instrumentos de percussão latino-americanos. No âmbito da música de tradição ocidental, Graciela Paraskevaídis coloca a marginalidade da linguagem musical latino americana em discussão ao abordar as razões pelas quais alguns estudiosos não consideram as Ritmicas 5 e 6 de Amadeo Roldan como as primeiras obras escritas para grupo de percussão. Estudiosos como Odile Vivier e Fernand Ouellette consideraram a peça de Roldan “primitiva” e “puramente folclórica” por ser baseada em ritmos e danças afro-cubanas (Paraskevaidis, 2002:12). Através desta lógica Paraskeivadis questiona a validade da obra de Schoeberg Opus 23, Nº 5: “Schönberg utiliza a valsa de sua própria tradição Vienense como Roldán o faz com o son e a rumba. Schönberg pode. Roldán não” (Idem). A posição marginal de uma linguagem musical, ou de uma cultura, se torna ainda mais evidente ao percebemos que a permeabilidade entre culturas presente em obras musicais é por vezes posta em oposição ao conceito de “música pura”. Steven Schick (2006) cita como exemplo a afirmação de Jacques Lonchampt sobre a obra Rebonds de Iannis Xenakis, presente na epígrafe da versão publicada desta obra. Segundo Lonchampt, Rebonds seria livre de qualquer “contaminação folclórica” e seria uma “música pura” (Lonchampt apud Xenakis, 1989). A obra, escrita para percussão múltipla, tem em sua instrumentação, entre outros, bongós e tumba3 (instrumentos latino americanos). A obra foi composta no mesmo período que a obra Okho para três djembes africanos (citada acima). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 391 Nestas duas obras, apesar de Xenakis não ser influenciado por ritmos africanos ou latino americanos ou outras características musicais destas culturas, ele foi influenciado pelo material sonoro destas culturas. O timbre passou a ser de uma importância imensa na música a partir do século XX e, para além disso, “o que Xenakis demonstra tão persuasivamente é que a escolha do material sonoro em si desempenha um papel considerável na determinação de como ele será utilizado” (Schick 2006:204). Isto implica num conhecimento de técnicas tradicionais referentes a instrumentos musicais utilizados na música contemporânea. Ainda segundo Schick, “qualquer um que toque djembe em qualquer contexto, inevitavelmente, também coloca as mãos directamente sobre o DNA sonoro da música africana” (idem). Isso nos leva a considerar que a ‘contaminação’ ocorre também pelas mãos do intérprete e “que o compositor não está realmente no controle de como uma influência manifesta-se na sua música" (Dashwood, 2011:19). Possivelmente este pode ser um fator importante que propicie um maior leque de possibilidades interpretativas neste tipo de repertório (Santos, 2013:4). Apesar da falta de uma linguagem percussiva definida e assentada no repertório dedicado a certos instrumentos marginais, o uso de técnicas de um instrumento tradicional, referentes aos djembes por exemplo, mas com “vocabulário mirrado e sintaxe incorrecta” (Deleuze e Guattari 1986:48) tem estado cada vez mais presente no repertório da percussão contemporânea. São difíceis os critérios para a definição de uma expressão artística marginal. Segundo Deleuze e Guattari, que escrevem sobre literatura, é necessário se passar anteriormente por um outro conceito, o conceito de literatura menor (Deleuze; Guatarri, 2003:42). Este conceito diz respeito ao uso de uma língua maior por uma minoria. O exemplo usado no livro é o da literatura de Kafka. Estes conceitos foram usados para a criação de critérios interpretativos na minha performance da obra Temazcal de Javier Alvarez (Santos, 2013). Segundo Deleuze e Guattari, a desterritorialização é uma característica presente na literatura menor. O alemão utilizado por Kafka como possibilidade literária é, para os Judeus de Praga, uma língua desterritorializada. Além da desterritorialização, a literatura menor possui mais 2 características: a conotação política e o valor coletivo. Todas estas características podem ser encontradas no repertório que insere os instrumentos marginais de percussão na música de tradição ocidental contemporânea. Considero aqui a linguagem ‘maior’ como a linguagem de origem dos instrumentos: a linguagem da música do oeste africano que utiliza os djembes por exemplo. Considero como www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 392 um uso ‘menor’ desta linguagem a sua utilização na música de tradição ocidental: a utilização dos djembes em Okho por exemplo. No caso, a linguagem marginalizada é ironicamente a linguagem ‘maior’. Estes instrumentos musicais tradicionalmente usados para expressar um certo discurso musical se encontram fora do seu espaço nativo, de maneira que a própria linguagem musical se torna desterritorializada pois ela é agora evocada por um sujeito estranho a ela. O trabalho de Cergio Prudencio e da Orquestra Experimental de Instrumentos Nativos ilustra bem esta análise. Este trabalho, iniciado em 1980, contou com o estudo da música do altiplano andino, dos meios de produção do som de seus instrumentos e das técnicas instrumentais relativas a esta música, e com a criação de novas linguagens musicais baseadas nestes estudos (Prudencio, 1984). Este trabalho teve grande impacto no fazer musical e na educação musical na Bolívia, além de desenvolver uma nova linguagem baseada nos estudos de técnicas interpretativas de instrumentos do folclore boliviano. A sua conotação política se encontra na exploração de uma expressão musical contemporânea da América Latina. O valor colectivo encontrado neste repertório talvez seja o seu ponto mais delicado. Ao representar elementos sonoros de determinados grupos culturais, uma obra pode ser considerada como uma apropriação estereotipada que utiliza estes elementos como produtos de mercado. Este fato fica evidente na obra Exotica de Maurice Kagel. Nesta peça para instrumentos não-europeus, Kagel deseja que o músico toque instrumentos que não saiba tocar, e isso resulta em sons provocativos: uma metáfora à forma da representação imperialista do outro pelo Ocidente. Exótica é um “monólogo euro-centrista” (Pelisnky, 1995:56) onde a voz do outro é calada para ser musicalmente útil. A identidade dos instrumentos musicais, segundo Kevin Dawe, situa-se na “intersecção dos mundos materiais, sociais e culturais” (Dawe, 2003:175). Por esse motivo Exotica causa tanto impacto: a má utilização dos instrumentos manifesta um desrespeito a uma coletividade imaginada e inexistente. Kagel não indica quais instrumentos devem ser utilizados, mas eles não podem ser europeus. Este facto explicita a crítica de Kagel à única colectividade presente na peça: a europeia. A visão crítica do compositor argentino foi sem dúvida necessária, sobretudo em situações como a da estreia de Exotica: a peça foi encomendada para fazer parte da exposição Weltkulturen und Moderne Kunst durante os jogos olímpicos de Munique em 1972, um evento com grande projecção internacional. ! www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 393 3. Considerações Finais A falta de referências é sem dúvida um desafio em interpretações de obras que utilizam instrumentos com pouca representatividade no repertório canônico percussivo. Muitas vezes há uma ‘interpretação do instrumento’ no lugar de uma interpretação de uma obra. O imediatismo presente no mundo da música contemporânea, no qual a rapidez na preparação de um concerto é necessária, muitas vezes impede o músico de quebrar a barreira da descoberta do instrumento. Ser capaz de segurar o berimbau sem ter dores na mão esquerda já é um grande desafio por exemplo, como apontado por Beyer (2004). A resistência física ao berimbau, necessária na peça de Beyer Bahian Counterpoint (2002)4, é um exemplo de ‑ técnica que não se adquire imediatamente. É preciso ser um especialista em berimbau para tocar este tipo de repertório? Até que ponto realmente estamos com as mão no DNA de outras culturas ao interpretar obras deste repertório? As técnicas desenvolvidas por percussionistas que interpretam música contemporânea muitas vezes não vão além das técnicas presentes nas obras que são executadas. Um exemplo disto é a preparação da peça Mantis Walk in a Metal Space de Javier Alvarez, para steel drums, grupo instrumental e eletrônica. Esta obra pode vir a ser um treino de uma coreografia ao Steel Drum no lugar do aprendizado das técnicas e o mapeamento deste instrumento5. Fatores como o aumento do arsenal de percussão na música contemporânea e o imediatismo frequentemente presente na preparação de concertos muitas vezes criam ambientes nos quais aprendemos a tocar uma obra, mas não aprendemos a tocar os instrumentos para o qual a obra é escrita. Apesar disso, a composição para estes instrumentos tem aumentado nos últimos trinta anos. Compositores como Javier Alvarez, Pierluigi Billone e George Aperghis têm escrito solos para instrumentos como as maracas sul-americanas, os temple bells tibetanos e o tombak iraniano. Haverá algum paralelo entre este crescimento e a aparição da world music? Não obstante obras originais para esses instrumentos marginais podem contribuir para o desenvolvimento de novas formas de representação dos mesmos. O uso melódico e harmónico do reco-reco de mola na obra Xavier Guelo do próprio Stasi, por exemplo, desafia a representação comum dos raspadores no contexto da música contemporânea. O uso dos raspadores na música ocidental contemporânea, como a peça Das Guiro de Michael Colquhoun, questiona o cânone presente no repertório padrão da percussão na academia (Stasi, 1998:146). Dessa maneira novas perspectivas são oferecidas tanto para a música contemporânea quanto para os raspadores. Segundo Stasi, as respostas do público à peça www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 394 Xavier Guelo servem para exemplificar como representações comuns dos raspadores são, além de mudadas, dispensadas (Stasi, 1998:148). Tal ruptura gerada pelas obras citadas por Stasi cria um movimento que desloca as linguagens musicais, ou expressões culturais (no caso, a música contemporânea ocidental e o universo representacional do reco-reco) para um espaço híbrido. Este espaço propicia um novo discurso musical. Isto fica evidente pelo fato de suas peças comunicarem efectivamente com públicos de música popular e erudita: teatros, bares e até centros de jazz (Stasi, 1998:149). A produção de sentido musical a partir desta multiplicidade cultural referida acima se encaixa no conceito de terceiro espaço. Este conceito, proposto por Homi Bhabha, representa o espaço no qual significados de uma cultura podem ser relidos e apropriados, onde é explícita a insustentabilidade da ideia de uma cultura original e pura (Bhabha, 1994:55). Este espaço propicia a interação das diferenças. Para além disto ele pode fazer outras possibilidades surgirem ao deslocar as “histórias que o constituem” (Rutherford, 1990:211). e dar nascimento a uma “nova era de negociação de significado e representação” (idem). ! Referências Alvarez, Javier, Rhythm as Motion Discovered, pp. 203-231, Em: Contemporary Music Review, vol. 3 no.1, 1989. Beyer, Greg. O Berimbau: A Project of Ethnomusicological Research, Musicological Analysis, and Creative Endeavor. Nova Iorque: Manhattan School of Music, 2004. Dashwood, Richard. Composing With Anthropology: The Manifestation of Influence in Interactions between Western and Non-Western Music. Dissertação de Mestrado, University of Huddersfield. (2011). Dawe, Kevin. 2003. “The Cultural Study of Musical Instruments.” In The Cultural Study of Music, edited by Martin Clayton. New York and London: Routledge. Deleuze, Gilles; Guattari, Félix. Kafka: para uma literatura menor. Tradução e prefácio de Rafael Godinho. Lisboa: Assírio &Alvim. 2003. Nettl, Bruno. 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El Merengue: Evolución, medios de comunicación e industrias culturales, 2005 Xenakis, Iannis. Rebonds. Editions Salabert, Paris. 1989. Partitura. Conceito de Bruno Nettl (1995) que designa um conjunto de obras musicais “que num determinado contexto cultural adquiriram já um valor patrimonial inquestionável” (Sardo, 2011:197). 1 De acordo com várias propostas da antropologia sobretudo a de Paul Rabinow (1986) as representações definem o modo como os sujeitos percebem o universo pessoal e intersubjetivo que os circunda, a partir de objetos, movimentos, ações e emoções. 2 3 Uma conga grave. 4 Obra que foi interpretada no recital de primeiro ano do doutoramento no dia 11 de Julho 2012 no Gretua (Universidade de Aveiro). 5 Comunicação pessoal com Miguel Bernat em 10 de abril de 2012. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 396 A Utilização de Princípios Gestálticos no Estudo da Música Armorial ! Gilber Cesar Souto Maior Universidade Estadual de Campinas [email protected] ! José Eduardo Fornari ! NICS – Universidade Estadual de Campinas [email protected] ! Resumo: Música Armorial é a vertente musical do Movimento Armorial, termo cunhado por Ariano Suassuna, que se refere ao fenômeno de origens e dimensões multiculturais, surgido na região Nordeste do Brasil e que promoveu a criação de um gênero musical singular. A busca por uma sonoridade nacional e erudita através da utilização de instrumentos populares com as principais influências contidas na colonização da região nordeste do nosso país, englobando particularmente as culturas: Ibérica, Africana e Indígena. Este gênero apresenta uma sonoridade única que pode ser percebida tanto pelo ouvinte leigo e analisada pelo ouvinte perito. Antonio José Madureira foi o fundador e idealizador do Quinteto Armorial na década de 1970, grupo que tinha o intuito de utilizar como base a instrumentação popular primitiva. Madureira foi o responsável por alcançar a sonoridade ideal que Suassuna pretendia para o movimento que encabeçava. Neste trabalho pretendemos apresentar uma análise musical tradicional da peça “Repente” do álbum (LP) Do Romance ao Galope Nordestino de 1974, reconhecendo os modos utilizados na música nordestina, e os motivos rítmicos e melódicos. Além disso, a utilização de princípios gestálticos nos auxiliará através da percepção a separar motivos característicos contidos no universo musical da região nordeste e que serviram de referência para a composição de Madureira Palavras-chave: movimento armorial, Antonio José Madureira, Gestalt, Análise musical, Música Brasileira. ! ! ! Title: Using Gestalt Principles in the Study of Armorial Music Abstract: Armorial Music is the musical arm of the Armorial Movement , a term coined by Ariano Suassuna , which refers to the phenomenon of multicultural origins and dimensions , appeared in northeastern Brazil and promoted the creation of a unique musical genre. The search for a national scholarly and sound through the use of folk instruments and the main contributions contained in the colonization of the northeast region of our country , particularly encompassing cultures : Iberian , African and Indian . This genus has a unique sound that can be perceived both by the lay listener and analyzed by the expert listener. Antonio José Madureira was the founder and creator of Armorial Quintet in the 1970s, a group that was intended to use as a base primitive folk instrumentation. Madureira was responsible for achieving optimal sound that Suassuna intended for the movement headed . In this paper we intend to present a traditional musical analysis of the play " Repente" album ( LP ) Do Romance ao Galope Nordestino 1974 , recognizing the modes used in northeastern music , and the rhythmic and melodic motifs . Furthermore , the use of Gestalt principles help us to sort through the perception characteristic motifs contained in the musical universe of northeastern region and served as reference for the Madureira’s composition. Key-words: Armorial Movement, Antonio José Madureira, Gestalt, musical analysis, Brazilian Music. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 397 1. Introdução Assim como para um historiador, o tempo é o elemento que ordena os eventos históricos, compostos de: momentos, incidentes, episódios, épocas e eras; para o músico, uma obra musical, apesar de constituída por elementos sonoros isolados, é composta pela organização estrutural destes elementos mesmo ao longo do tempo. Os motivos, as frases, as passagens, as seções e os movimentos, são definidos pelos limites perceptuais humanos da natureza acústica dos sons e as conseqüentes interpretações psicológicas que ocorrem através deles. (TENNEY & POLANSKY, 1980, p.205) Neste contexto, a música armorial é um estilo musical que representa o referencial histórico tratado pelo movimento armorial; termo cunhado por Ariano Suassuna, que simboliza e representa as manifestações populares do Nordeste Brasileiro. Cada manifestação popular, ou folguedo popular, possui suas próprias características e elementos musicais, quer sejam: rítmicos, melódicos ou harmônicos. O reconhecimento de um contexto único, ou forma da música armorial, dentro de uma multiplicidade de valores, pode ser estudado pelos princípios da Gestalt. Este é o paralelo que pretendemos traçar neste trabalho, reconhecendo suas características únicas, já que é possível verificar, dentro dos folguedos populares ritmos, que existem harmonias, melodias e rítmicas similares que representam esta sonoridade. Neste trabalho utilizaremos os princípios da Gestalt de forma a auxiliar no entendimento da sonoridade típica de alguns trechos da peça de música armorial: “Repente”, composta por Antonio José Madureira. A teoria da Gestalt foi fundamentada por: Max Wertheimer (1880/1943); Wolfgang Kohler (1887/1967); e Kurt Koffka (1886/1941) e João Gomes Filho afirma: “De acordo com a Gestalt, a arte se funda no princípio da pregnância da forma. Ou seja, na formação de imagens, os fatores de equilíbrio, clareza e harmonia visual constituem para o ser humano uma necessidade, e por isso, considerados indispensáveis – seja numa obra de arte, num produto industrial, numa peça gráfica, num edifício, numa escultura ou em qualquer outro tipo de manifestação visual.” (2004, p.17) ! 2. Princípios Gestálticos Esses princípios, conforme definidos em (FILHO, 2004, p. 103 e 104) são: 1) Unidade: Partes presentes na obra musical. Por exemplo, a unidade pode ser representada por uma determinada rítmica, e poderá permanecer em apenas um instrumento, ou até ser citado em outros; 2) Segregação: Capacidade de perceber/separar os elementos (unidades) dentro de www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 398 uma única paisagem sonora; 3) Continuidade: A sensação de como as partes de um todo se sucedem de forma coerente, sem quebras ou interrupções no seu curso ou trajetória; 4) Semelhança/Proximidade: Elementos próximos que tendem a ser percebidos como juntos e assim gerar a ideia de unidades dentro de um “todo”; 5) Unificação: Igualdade ou semelhança produzida pelo objeto. Coesão sonora, a harmonia. Apesar de a textura sonora ser diferente, e aliado ao princípio de semelhança deixa perceptível a unificação do todo; 6) Pregnância da forma: princípio básico que nos conduz a finalizar intuitivamente uma frase, acorde ou rítmica antes da sua execução e dependendo das condições dadas se torna simples a sua percepção; 7) Regras de Proximidade e Mudança: Essas podem ser utilizadas em certos agrupamentos de elementos musicais e são divididos, segundo pesquisas feitas por Diliège, relatada na dissertação de Fálcon (2011, p.54 e 55), como regras: (1) Legatto ou Pausa; (2) Ataque; (3) Registro; (4) Dinâmica; (5) Articulação; (6) Duração; (7) Timbre. ! 3. Planos Sonoros Segundo Falcón (2010, p.2) o plano sonoro é o som ou conjunto de sons que é percebido dentro de uma textura musical. Trata tanto o som, de modo geral, de um grupo de instrumentistas, ou também pode ser a função de partes desse todo sonoro, tal como uma rítmica executada por determinado instrumento, uma escala ou progressão harmônica. Definimos como Planos Sonoros, cinco situações que escolhemos dentro da obra analisada, que remetem à estruturas rítmicas e/ou melódicas da sonoridade popular da música do Nordeste Brasileiro. Estes são representados pela sigla PS. “Repente” é a forma como são conhecidos os diversos tipos de cantoria, executada pelos cantadores do Nordeste. O termo designa a cantoria que é feita “de repente”, isto é, na hora, ou seja, de improviso. Normalmente os repentes são cantados em cima do gênero Baião, e as violas fazem o ritmo como base, enquanto o violeiro elabora mentalmente a sua poesia improvisada. O nosso PS1 é o baixo do violão, no início da peça, mostrado na figura 1 que faz uma figuração rítmica tradicional de Baião muito utilizado no Zabumba1. Podemos perceber nessa marcação feita pelo violão duas subunidades dentro de uma unidade maior. Abaixo verificamos tais subunidades traçando um paralelo entre a rítmica do zabumba, pela maceta (baqueta que percute a membrana superior) e o bacalhau (baqueta mais fina que percute a membrana inferior do tambor), e os bordões2, deixando assim um padrão. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 399 ! ! Figura 1: Paralelo entre a Zabumba e o Violão. ! É possível perceber através do princípio da semelhança/proximidade a origem dessa rítmica estabelecida para o violão. Além disso, o princípio da continuidade é presente já que forma um padrão constante na introdução da peça. Essas mesmas características são encontradas na condução rítmico-harmônico da viola nordestina conforme figura 2. ! Figura 2: Paralelo entre a Zabumba e a Viola nordestina. ! A regra de proximidade e mudança é perceptível no PS2, que é representado pelo Marimbau ao iniciar a obra com uma nota pedal. Verificamos através da regra 6 deste princípio os dois padrões estabelecidos pelo marimbau: PS2a (semínimas contínuas) e PS2b (colcheias contínuas), ver figura abaixo: www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 400 ! Figura 3: Detalhe do pedal inicial marcado pelo Marimbau, de acordo com a regra de mudança de duração. Um padrão é proposto, e em seguida, um novo padrão rítmico é estabelecido. ! Outro PS importante é a estrutura rítmica do tema principal. O compositor a criou seguindo uma estrutura silábica utilizada nas sextilhas. A sextilha possui uma métrica e uma rima que se estruturam sobre as sete sílabas por verso, que é a frase, e seis linhas por estrofe (FERREIRA, 2012, p.135). Através do princípio da pregnância da forma é possível, para quem conhece esse tipo música vocal, reconhecer e finalizar intuitivamente essas frases. Abaixo temos um exemplo desse tipo de cantoria intitulada com o mesmo nome, Sextilhas3 interpretada pelos cantadores Pinto do Monteiro e Zé Pequeno: To sin-ti-no é mor-ma-ço Que-ro o meu cor-po dá fim E to-do o ca-lor do mun-do Jo-gou-se em ci-ma de mim Num pen-sei que o Re-ci-fe Fi-zes-se ca-lor as-sim ! O PS3 representado pela melodia do tema principal forma o padrão estrutural desta cantoria, conforme figura 4. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 401 ! ! Figura 4: Tema 1 (principal) seguindo a estrutura de uma sextilha, executado no Marimbau. O nosso PS4 é percebido na ponte, e é bem definido através do princípio da segregação, onde é possível diferenciar duas unidades, a flauta e o violino, dentro da paisagem sonora. A flauta surge como contracanto4 do violino, executando a mesma ideia de maneira inversa, porém deixando as texturas sonoras se complementarem. ! ! Figura 5: Ponte executado pelo Violino e Flauta. Marcações de motivos, semi-frases e frases. No tema 2 é apresentado o PS5 na forma de imitação, com o violão iniciando o tema e a viola repetindo um compasso depois. Muitos duos de melodias nordestinas utilizam essa forma de composição, muito utilizada no período Barroco. Esse tipo de imitação idêntica é conhecido como resposta, e ela é uma imitação da melodia principal conhecida como proposta. (KOELLREUTTER, 1996, p.42) Observe na figura 6 que na metade do tema 2 a melodia varia de modo, iniciando no ré mixolídio (alteração na sétima) e finalizando na descendente em ré dórico com terça e sétima www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 402 menor, fá natural e dó natural, enquanto eles trabalham a imitação, gerando uma sensação de harmonia, uma coesão sonora com essas duas vozes separadas por intervalos de terça. Para auxiliar essa unificação tem-se o marimbau que serve como apoio para o que está sendo proposto pelas cordas dedilhadas, violão e viola nordestina. ! ! Figura 6: Tema 2 com detalhes mostrando o cânone entre o Violão e Viola, acompanhados pelo pedal marcado ao Marimbau. Conclusão Este trabalho trata da utilização dos princípios gestálticos para estudar alguns aspectos característicos e singulares da música armorial. Foi possível constatar que o conhecimento dos princípios gestálticos de fato abre novas possibilidades de análise musical, fazendo com que o músico aprecie a peça musical não apenas de maneira técnica, mas de modo contextualizado, de modo que seja válido observar as características musicais que são indispensáveis para a estrutura de uma obra musical desse estilo, indo além da simples análise de modos e escalas musicais utilizadas característicos da música armorial. No caso da música Nordestina, é de grande importância o seu entendimento cultural para garantir uma boa performance, principalmente no que diz respeito à criação melódica e rítmica, que é baseada não apenas numa estrutura musical trazida no passado pelos colonizadores e outros povos que ajudaram na formação do cenário folclórico de cada estado da região do Nordeste. O conhecimento de características da música vocal e instrumental nordestina, com o auxílio de princípios gestálticos, nos propiciou separar alguns dos elementos rítmicos, melódicos e estruturais que servem de base para as composições armoriais. Pretendemos dar prosseguimento a esse estudo ao analisarmos o comportamento da sonoridade nordestina e verificarmos, através de an;alises computacionais, o registro gráfico das características únicas desse estilo musical que não podem ser grafadas em notação www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 403 musical tradicional. Ao que sabemos, esta é uma pesquisa única que procura, além de resgatar este importante e pouco divulgado movimento da música brasileira, estudar os registros do comportamento sonoro peculiar da música dessa região. Para tanto, foi de fundamental importância o auxílio técnico, histórico e musical do compositor Antonio José Madureira, fundador do Quinteto Armorial, responsável por auxiliar Ariano Suassuna a encontrar a sonoridade adequada que caracterizasse este momento histórico. Assim como uma pintura representa um determinado período e técnica; onde os seus diferentes elementos (cores, traços e proporções) dão vida e compõe uma forma, na música, como arte dos sons organizados, tanto uma nota musical quanto um ruído possuem características que podem ser analisadas separadamente mas que juntas, compõem um único contexto. Cada período musical, no contexto do seu gênero ou associado à uma forma de dança, possui seu próprio conjunto de elementos constituintes que o caracterizam, onde a análise gestáltica permite, até certo ponto, entender e separar os elementos constituintes formados de unidades e padrões. Tal ferramenta mmostrou ser de grande valia para se analisar uma música tão rica em elementos diversos, que representam uma grande mistura de comunidades e influências culturais, como é o caso da música armorial. ! Referências FERREIRA, Maíra Soares. (2012) A rima na escola, o verso na história. São Paulo/SP; Boitempo. 2012. FALCÓN, Jorge Alberto. (2013) Quatro critéios para a análise musical baseada na percepção auditiva. Dissertação de mestrado na UFPR, 2011. Disponível em:http:// w w w . a c a d e m i a . e d u / 5 9 9 4 6 4 / QUATRO_CRITERIOS_PARA_A_ANALISE_MUSICAL_BASEADA_NA_PERCEPCA O_AUDITIVA. (Acesso em: 08/06/2013). FALCÓN, Jorge Alberto.(2010) Aplicação das leis da Gestalt para a detecção de padrões rítmico-melódicos na música Kashmir de Led Zeppelin e seu uso como ferramenta analistica. Revista eletrônica de musicologia, Volume XIII. Janeiro. Disponível no link: http://www.rem.ufpr.br/_REM/REMv13/04/gestalt_led_zeppelin.htm.(Acesso em 02/06/2013). GOMES FILHO, João. (2004) Gestalt do Objeto: Sistema de leitura visual da forma. 6ª edição, São Paulo: Escrituras Editora. GUEST, Ian. Arranjo (1996) Método prático vol. 1 /. Rio de Janeiro/RJ: Editado por Almir Chediak. Lumiar Editora. KOELLREUTTER, Hans Joachim. (1996) Contraponto Modal do século XVI Palestrina /. Brasília, DF: Musimed Editora. MONTEIRO, Pinto do; PEQUENO, (1980) Zé. Acelerando nas asas do juízo. Disco independente. TENNEY, James; POLANSKY, Larry (1980). Temporal Gestalt Perception in Music. Journal of Music Theory, Vol24, nº2. (Autumn 1980). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 404 1 O zabumba é um instrumento usado em diversos ritmos, e no Nordeste brasileiro o encontramos numa das principais formações musicais de nosso país, os trios nordestinos, onde além dele tem o triângulo e o acordeon. 2 As três cordas graves do violão, 4ª ré, 5ª lá e 6ª mi. As três cordas agudas são conhecidas como primas, e são elas 3ª sol, 2ª si e 1ª mi. (FILHO, s/d, p.13 e 15) 3 Sextilhas é o título da faixa 1 do álbum (LP) independente “Pinto do Monteiro e Zé Pequeno: Acelerando nas Asas do Juízo”. 4 Segundo GUEST, 1996, p.95, o contracanto é uma melodia que soa (combina) com um determinado canto dado. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 405 Música e dança: conhecimentos artísticos e enunciados coletivos ! Jorge Luiz Schroeder Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP [email protected] ! Resumo: Este trabalho tem como objetivo refletir sobre algumas questões que concernem ao trabalho colaborativo entre musicistas e bailarinas, partindo de uma concepção das manifestações musicais e coreográficas como produtos culturais e, em consequência direta disto, abordando-as nas suas dimensões simbólica e significativa. Tomando como base uma atividade de improvisação coletiva iniciada há quatro anos, com alunas e alunos dos cursos de graduação em dança e música, pretendo refletir principalmente sobre as dificuldades que bailarinas e musicistas mostraram de entender as propostas enunciativas artísticas uns dos outros (movimentos versus músicas). Outro ponto importante são as diferenças entre as formas de falar sobre as próprias atividades (conceitos, noções, termos, expressões e jargão) estabelecidas em cada campo de atividade artística que, embora muitas vezes utilizem termos idênticos (tais como dinâmica, variação, desenvolvimento, frase, células, cores, densidade, força etc.), estes carregam sentidos incompreensíveis e, em certos casos, intransponíveis de uma área a outra. Como trabalho numa instituição de formação de bailarinas e bailarinos (Departamento de Artes Corporais da Unicamp), mantenho durante toda a discussão uma preocupação com os vários papéis da música na formação profissional em dança, ou seja, um pano de fundo educacional.Como fundamentação teórica utilizo as reflexões sobre a linguagem feitas pelo Círculo de Bakhtin, em especial as noções de enunciação e discurso, e as teorias dos campos de atividades sociais e de habitus desenvolvidas por Pierre Bourdieu. Palavras-chave: Música e dança, Enunciação e discurso, Campo e habitus. ! Title: Music and dance: artistic knowledge and collective speech Abstract: This paper has the objective to reflect on a few questions relating to the collaborative work between musicians and dancers, from the point of view of the concept of musical and choreographic manifestations as cultural products and, as a direct consequence of this, approaching them in their symbolic and meaningful dimensions. Based on a collective improvisation activity initiated four years ago with graduation students from the courses of dance and music, I intend to reflect on the main difficulties that dancers and musicians have manifested in understanding the artistic enunciative proposals from one another (movements versus music). Another important point is the number of differences between the way to speak about their own activities (concepts, notions, terms, expressions and jargon) established in each artistic field which, although many times using identical terms (such as dynamics, variation, development, phrase, cells, colors, density, strength, etc), carry incomprehensible meanings and, in certain cases, insurmountable meanings from one area to another. As I work in an institution for the formation of dancers (DACO – Department of Body Arts – Unicamp), I keep the concern, throughout this discussion, with the various roles of music in the professional formation in dance, that is, an educational background. As a theoretical foundation, I make use of the reflections on language proposed by the Bakhtin Circle, especially the notions of speech and discourse, and the theories of social activities and habitus developed by Pierre Bourdieu. Key-words: music and dance, speech and discourse, field and habitus ! ! Palavras iniciais Este trabalho de pesquisa, que ainda está em andamento, iniciou-se a partir de uma disciplina que ministrei semanalmente para alunas e alunos dos cursos de graduação em música e em www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 406 dança da Unicamp durante seis semestres (de 2010 até 2012). A proposta para esses cursos foi a de elaborarmos enunciados artísticos em conjunto, e a estratégia eleita para isso foi a improvisação coletiva. É importante ressaltar, todavia, que o foco das nossas atenções não foi direcionado para os processos de improvisação (no formato mais comum como eles acontecem na música e na dança1), até porque para isso existem disciplinas especialmente montadas tanto no curso de graduação em música quanto em dança2. Este não é, portanto, o assunto que será abordado neste texto. Nas disciplinas ministradas, utilizamos a improvisação apenas como uma estratégia de elaboração mais rápida de enunciados coreográficos-musicais. O foco dos encontros foi direcionado para os modos de “dizer”, coreograficamente e musicalmente, as nossas interações, os nossos diálogos, quando tentamos elaborá-los coletivamente. Desejávamos criar, dançar e tocar em conjunto e observar o que resultaria disto. Tínhamos o desejo de experimentarmos a elaboração de discursos coletivos nos quais tanto a música quanto a dança participassem em condições de igualdade (tanto quanto possível) na elaboração e desenvolvimento das ideias. E assim procedemos por algum tempo. O curioso desta experiência foi observar a enorme e crescente dificuldade que os alunos demonstravam em compreender o que é que estava acontecendo. Surgiram muitas dúvidas, numerosas e extensas discussões sobre os modos de estimular a realização dessas pequenas cenas musicais coreográficas improvisadas, e incontáveis (e díspares) interpretações dos resultados obtidos. Em resumo, não chegávamos a um consenso: não conseguíamos realizar algo que agradasse igualmente a todos e, ao mesmo tempo, não conseguíamos nem refletir nem nos expressar sobre as razões desses “fracassos”. Foi então que resolvi aproveitar dessa problemática, que surgia praticamente pronta, para a elaboração de uma investigação mais profunda sobre esses “diálogos difíceis”, tanto verbais quanto artísticos, que enfrentamos na situação prática de tocar e dançar juntos. Através, principalmente, das teorias discursivo-enunciativas, elaboradas pelo Círculo de Bakhtin3, e das reflexões sobre a economia das trocas simbólicas, propostas por Pierre Bourdieu4, foi possível estabelecer algumas bases de interpretação (eixos explicativos) sobre o que estaria ocorrendo entre nós nos encontros. Por um lado, estávamos tentando associar gêneros de discurso diversos num só enunciado – gêneros estes que implicam eixos semântico-axiológicos distintos. Por outro lado, não tínhamos muita consciência de quais eram esses gêneros de discurso que usávamos cada um de nós para formarmos nossos enunciados artísticos, tornando nossas conversas (tanto artísticas quanto verbais) um www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 407 verdadeiro tatear no escuro. Nos semestres restantes dos nossos encontros, aproveitei para observar como as propostas práticas de improvisação eram recebidas pelas alunas e alunos, como suas atitudes responsivas as acatavam ou não, como solucionavam ou não os atritos surgidos dessas propostas. O foco das minhas observações passou a ser, então, o de buscar, através de explicitações mais precisas dos pontos de conflito, alguns indícios que fornecessem informações sobre as características das concepções artístico-discursivas dos participantes. Como todas as bailarinas participantes eram alunas do curso de dança, e todos os músicos, alunos do curso de música, supus que partilhariam mais ou menos de ideias artísticas aproximadas, todas provindas de uma prática universitária ainda em processo, e uma provável diversidade de concepções certamente se mostrariam mais como matizes de uma mesma concepção mais geral e poderia ser reunida em dois grandes grupos: o das bailarinas e o dos músicos. Aos poucos, e com a ajuda das noções de enunciado e gêneros do discurso propostas por Bakhtin (2003), fui coletando, além das ações propriamente artísticas, elementos, noções, termos e expressões utilizados pelos participantes dos encontros que, embora muitas vezes fossem os mesmos nas duas áreas, não carregavam os mesmos significados. Abro agora um parêntese para introduzir ao leitor algumas das noções dos teóricos envolvidos no trabalho, teóricos esses que, embora oriundos da linguística e da sociologia, criaram princípios explicativos para os fenômenos simbólicos em geral e, dessa forma, colaboraram para o entendimento das manifestações artísticas abordadas nesta pesquisa. A noção de gênero do discurso e alguns exemplos Vamos começar com a ideia de enunciado e de discurso, ou melhor, de gêneros do discurso. Segundo Bakhtin: O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais ou escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, aos quais denominamos gêneros do discurso (Bakhtin, 2003, pp. 261-2, grifos do autor). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 408 A citação é um pouco extensa mas resume todos os pontos importantes que gostaria de partilhar aqui. Bakhtin associa o emprego da língua aos campos da atividade humana. Isto quer dizer que a associação de pessoas para realizar alguma tarefa conjunta e contínua (os campos de atividade) implica num modo específico de expressão, ou seja, mesmo dentro de uma só língua, como o português, encontramos formas de expressão variadas (gêneros jurídico, científico, religioso, artístico etc.), muitas vezes até difíceis de entender por pessoas que não estejam ligadas aos campos de atividades específicos. Vejam que, na citação, Bakhtin afirma que os três elementos de qualquer enunciado (conteúdo temático: o que se fala; estilo: o modo como se fala; construção composicional: a organização estrutural da fala) são determinados “pela especificidade de um determinado campo da comunicação”. Em outras palavras: a depender da atividade exercida pelo grupo, o enunciado muda, e os sentidos dele apreendidos também. Aqui temos uma chave importante para a compreensão da nossa problemática: as expressões (me refiro às verbais) utilizadas na música e na dança se diferem por terem sido elaboradas e utilizadas em campos de atividade artística diferentes; e algumas delas chegam ao ponto de não serem claramente compreendidas pelos participantes da outra área (apenas como exemplo cito: dinâmica, frases – de movimento e musicais –, desenvolvimento, unidade, contraste etc., que em cada área designam elementos e noções distintas, e muitas vezes conflitantes). Por sua vez, Pierre Bourdieu oferece uma abordagem muito próxima a esta quando expõe sua noção de campos de atividades sociais. Ao pesquisar, por exemplo, sobre o processo de autonomização da produção intelectual e artística, Bourdieu propõe uma visão de como esse processo prevê, de certa forma, a formação de um campo mais restrito de atividades. Nas suas próprias palavras: ! (…) o processo conducente à constituição da arte enquanto tal é correlato à transformação da relação que os artistas mantêm com os não-artistas e, por esta via, com os demais artistas, resultando na constituição de um campo artístico relativamente autônomo e na elaboração concomitante de uma nova definição da função do artista e de sua arte (…) como a afirmação de uma legitimidade propriamente artística, ou seja, do direito dos artistas legislarem com exclusividade em seu próprio campo – campo da forma e do estilo –, ignorando as exigências externas de uma demanda social subordinada a interesses religiosos ou políticos (…) (Bourdieu, 1999, p.101, grifos do autor). Tentando amarrar as duas ideias, podemos dizer que para os dois autores a formação de um campo de atividades está diretamente vinculada, entre outras coisas, à elaboração de uma forma específica de atuação e de comunicação, ou seja, uma forma específica de agir e uma forma específica de falar sobre essas ações. E essa forma específica de ação e de comunicação www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 409 implica na eleição de valores e significados mais ou menos específicos do campo que a elaborou, já que se pretende, com a elaboração de um campo, se desvincular das intrusões decisórias de outras instâncias alheias a ele. De certa forma, a utilização desses parâmetros de interpretação citados acima foram possíveis, por exemplo, quando certos termos utilizados nos encontros causavam desconforto. Quando propusemos utilizar como estrutura de um dos improvisos o “desenvolvimento de uma só ideia, de um só tema”, a incompreensão se instalou na dúvida sobre quais seriam os limites que caracterizaria (e que, por consequência, sua transgressão descaracterizaria) essa linha imaginária do “desenvolvimento”, qual tipo de modificação da ação (musical ou coreográfica) amarraria ou não a concretização de um “desenvolvimento” de uma ideia única. A proposta era que ora um grupo, ora outro, comandassem o improviso e lançassem suas ideias iniciais e as desdobrassem numa só unidade significativa. Nesse caso, as bailarinas pareciam ter muito mais liberdade ao “desenvolver” suas ideias coreográficas iniciais e ir muito mais longe do que o “desenvolvimento” das ideias musicais iniciais propostas pelos músicos. Para os músicos, as bailarinas pareciam transgredir a ideia inicial constantemente; enquanto para as bailarinas, o “desenvolvimento” musical dos músicos parecia monótono. Muitas dúvidas também apareciam no que significaria “uma só ideia”, “um só tema”. Seria um só “movimento” (para as bailarinas)? Uma “frase de movimentos”? Um só “estado” ou uma só “qualidade” de movimentos (leve, pesado, direto, indireto etc.)? Por sua vez, para os músicos: seria uma só célula? Uma só ideia melódica? Uma paisagem sonora? Mesmo decidindo separadamente uma dessas possibilidades para cada grupo, à realização do experimento se seguiam muitas discussões e dúvidas sobre os supostos êxitos ou fracassos da realização. Um outro conflito pode ser citado ainda como exemplo. Ocorreu quando a proposta guia para a improvisação foi a seguinte: executá-la em duas seções contrastantes (parte A e parte B). Numa primeira vez, os músicos lideraram a mudança. Numa segunda vez, as bailarinas. A identificação das mudanças de partes (que deveriam ser “extremamente contrastantes”) de um grupo pelo outro causou bastante confusão. Músicos não perceberam claramente as seções propostas pelas bailarinas, e vice-versa. Por um lado, a noção de “contraste” se mostrou totalmente incompatível entre as áreas: os contrastes na música não estimulavam mudanças de atividade coreográfica nas bailarinas porque não lhes pareciam “contrastantes” o suficiente, e, por sua vez, os “contrastes” apresentados pelas bailarinas pareciam seccionar a improvisação em muito mais partes do que apenas as duas propostas. Por outro lado, também a proporção www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 410 entre as durações dessas seções se mostrou bem diferente. Entre os músicos havia uma tendência a igualar as seções em durações mais ou menos parecidas (proporção aproximada de metade do tempo total para cada seção). Entre as bailarinas essa preocupação não se mostrou presente, suas seções variavam bastante em tamanho e na relação das partes (proporção de uma parte para quatro ou cinco, para cada seção). ! A noção de enunciado e alguns exemplos Outra noção importante para a compreensão das nossas atividades de improvisação é o enunciado que, segundo Bakhtin, é a unidade de sentido no âmbito da língua em funcionamento. A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura gramatical – não chega ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas mas de enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam. (...) Aprender a falar significa aprender a construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e, evidentemente, não por palavras isoladas) (Bakhtin, 2003, p.283). ! Ou seja, o aprendizado da língua materna se dá por mergulho nas suas unidades de sentido (os enunciados) e, como consequência, por um esforço de respondermos a esses sentidos gradualmente captados na interação verbal com os outros falantes da mesma língua. Este processo parece bastante plausível também para a apropriação dos sentidos artísticos. Assim como não ouvimos ou pronunciamos “palavras”, “mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis...”, ou seja, “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (Bakhtin, 2009, pp. 98-99), também não ouvimos ou tocamos “notas” ou “acordes”, e não dançamos “movimentos” ou “deslocamentos”, mas ouvimos e vemos coisas atraentes ou repugnantes, acalentadoras ou irritantes, estimuladoras ou entediantes. E assim como a palavra na língua, os sons na música e os movimentos na dança estão carregados de sentidos ideológicos ou vivenciais. Afinal, é através do enunciado significativo que a música e a dança entram na vida, e também que a vida entra na música e na dança. Desse modo é possível entender que o músico que toca e a bailarina que dança elaboram seus enunciados a partir de certos gêneros de discurso artístico que apresentam de modo mais estável (lembrando a citação no início deste texto) conteúdo temático, estilo e construção composicional, e é a partir dessas práticas discursivas, tornadas esquemas de compreensão, percepção e ação, que criam as suas www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 411 respectivas formas de compreender e valorizar os outros enunciados artísticos: o gênero do discurso torna-se também referência para a apreciação. Portanto, voltando aos emaranhados dos nossos encontros de improvisação, não apenas nossas falas ocorriam em movimentos de fricção, mas também nossas músicas e coreografias. Isto porque os eixos semânticos-axiológicos (de significação e valores), que cada um carregava para os encontros, provinham das trajetórias únicas e particulares de cada participante dentro de um terreno artístico topograficamente acidentado e não linear, na dimensão da significação, embora fosse um terreno comum. Foi então que a partir da explicitação de algumas características do enunciado feitas por Bakhtin (2009) pude identificar algumas características também das formas de enunciar das bailarinas e músicos que me levaram a supor certos gêneros discursivos estáveis por trás das improvisações. Contudo, a “transposição” de uma teoria de uma área à outra não se faz sem a exigência de transformações, desdobramentos, acréscimos, reformulações, críticas e adaptações5. Há certa homologia entre os limites do enunciado verbal e os limites dos nossos enunciados artísticos coletivos, como afirma o próprio Bakhtin6: nossos enunciados, embora ‑ coletivos, supunham um início e um final através dos quais era possível alternar os “falantes”, evidentemente não imediatamente, como não se tratava de diálogo face a face; mas levávamos em conta um público existente (às vezes os próprios músicos ou bailarinas) ou fictício. No entanto, essa “troca de falantes” também ocorria internamente aos nossos enunciados, numa espécie de diálogo interno. Foi possível perceber que havia uma alternância entre protagonistas e coadjuvantes na própria ação de enunciar (algo próximo das noções musicais de “solista” e “acompanhante”). Por momentos, alguma bailarina ou músico poderiam assumir o protagonismo da enunciação encabeçando alguma ideia parcial que iria, de certo modo, orientar os outros participantes através de uma espécie de orientação significativa. Mas é bom lembrar que esse tipo de alternância de protagonistas dentro de nossa improvisação irá ser mais profundamente investigada, pois ela se deu a partir de algumas informações microscópicas (espécie de “dixi”) emitidas pelo protagonista que informavam aos outros participantes sua vontade de protagonizar um momento do evento. Esse “dixi”, que frequentemente marcava o início e o final da ação de protagonizar um momento criativo e estabelece a distinção momentânea de papéis, pelo que pude observar até agora, sua forma também dependia do gênero de discurso artístico incorporado pelo protagonista. E ele nem sempre foi entendido pelos outros participantes. Ainda foi possível perceber um fenômeno www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 412 que posso chamar provisoriamente de atribuição de protagonismo, através do qual o grupo de participantes, por razões que irei ainda investigar, passava a se orientar por alguma ideia específica oferecida por um dos participantes, tornando-o – várias vezes à sua revelia – protagonista temporário da improvisação, algo como um contágio significativo. Houve ainda casos que chamei de isolamento, nos quais alguns participantes ficavam “na sua”, afastados do que ocorria com o resto do grupo, sem interação aparente. ! Palavras finais Minha insistência em observar e enfatizar aquilo que “não deu certo”, os “fracassos”, os “desentendimentos” e “incompreensões”, com referência ao momento empírico desta pesquisa, é para explicitar que esses são os momentos mais fecundos para a observação daquilo que, em virtude da familiaridade adquirida pelo uso corrente, constante e intenso de certos sistemas de significação, de certos gêneros de discurso, se torna para os artistas uma espécie de marco zero, de dimensão tácita, ao redor do qual não cabem questionamentos. A partir dos “erros” está sendo possível observar aquilo que se instaura como “acertos”. E é nesse processo de apropriação, nem tão aleatório mas nem tão determinista, que se estabelecem os modos de expressão. E a apropriação desses modos de expressão (dos eixos semânticos-axiológicos) se dá tanto na formação artística (cursos, aulas, conservatórios ou academias de dança) quanto pelo mergulho nas práticas artísticas. Há uma imbricação bastante profunda e complexa entre aquilo que sistematicamente nos é ensinado e aquilo que informalmente absorvemos do nosso entorno social e cultural (a educação “difusa”, como denomina Bourdieu, 2003, a apropriação dos valores culturais). Muito do “extra-artístico” envolve a nossa compreensão significativa da nossa prática artística (ou mesmo da nossa recepção como público), mas isso é assunto para um outro texto. ! Referências Bakhtin, M. M. (2003). Estética da criação verbal (4ª ed.). São Paulo: Martins Fontes. Bakhtin, M. M. (2009). Marxismo e filosofia da linguagem (13ª ed.). São Paulo: Hucitec. Bourdieu, P. (1999). A economia das trocas simbólicas (5ª ed.). São Paulo: Perspectiva. Bourdieu, P. (2001). Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Bourdieu, P. (2009). O senso prático. Petrópolis, RJ: Vozes. Brandist, C. (2012). Repensando o círculo de Bakhtin. São Paulo: Contexto, 2012. Faraco, C. A. (2009). Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 413 1 Na área técnica da música, ver, por exemplo, Tiné, P. J. de S. (2011). Harmonia: fundamentos de arranjo e improvisação. São Paulo: Rondó; Chediak, A. (1987). Harmonia e improvisação. 2 v. Rio de Janeiro: Lumiar, 1987; e Lima, S. A. de e Albino, C. (2009). A improvisação musical e a tradição escrita do ocidente. Música em Perspectiva: Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da UFPR – v.2, n.1 (mar.2009) – Curitiba: DeArtes. Na área da dança, ver, por exemplo, Haselbach, B. (1989). Dança – improvisação e movimento. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; Valente, R. G. (2012). A improvisação de dança na (trans) formação do artistaaprendiz. Tese de Doutorado não publicada, Universidade Estadual de Campinas, Campinas SP. E ainda, no teatro, ver, por exemplo, Chacra, S (2010). Natureza e sentido da improvisação teatral. São Paulo: Perspectiva. 2 No curso de música, as disciplinas que abordam a improvisação são as Práticas Instrumentais. No curso de dança, são os Ateliês de Criação. 3 Sobre o Círculo de Bakhtin, ver Faraco (2009) e Brandist (2012). 4 Ver principalmente Bourdieu (1999, 2001 e 2009). 5 Um texto muito interessante sobre esse assunto é o de Lahire (2002), no qual elabora a ideia de “prolongamento crítico” no uso de uma teoria (no caso, a de Pierre Bourdieu). 6 “A alternância dos sujeitos do discurso (falantes), que determina os limites dos enunciados, está aqui representada com excepcional evidência [ele se refere ao diálogo face a face]. Contudo, em outros campos da comunicação discursiva, inclusive nos campos da comunicação cultural (científica e artística) complexamente organizada, a natureza dos limites do enunciado é a mesma” (Bakhtin, 2009, p.279). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 414 Etnografia de um empreendedorismo em música: o caso de Sebastião Rodrigues e a banda Squema Seis ! Caio Mourão Programa de Pós-Graduação Música em Contexto – UnB [email protected] ! Resumo: Por diversas razões músicos deixam de ser prestadores de serviço para se tornarem empresários na sua área de atuação. Nesse momento inicia-se um conflito sobre o senso de pertencimento identitário a um determinado grupo social (músico ou empresário). Para compreender as motivações e conflitos emocionais que afloram nessa situação, esse artigo propõe-se a analisar a trajetória de vida do músico empresário Sebastião Rodrigues, o Tiãozinho, desde o início de seus empreendimentos, ainda na infância, até o começo do seu negócio de maior sucesso, a banda Squema Seis, em meados de 1980. Para guiar esse estudo, serão utilizados textos das áreas da motivação, psicologia e sociologia da música, sociologia das emoções e administração. Os motivos de se tornar um músico empresário, elencados pelo entrevistado, foram a não aceitação de suas opiniões por parte dos seus antigos “patrões”, a necessidade e a identificação de várias falhas no serviço prestado por outros profissionais do ramo. Quanto ao senso de pertencimento identitário do entrevistado, concluiu-se que, apesar dele não possuir racionalmente um sentimento de pertencimento a nenhuma das duas facetas sociais apresentadas (músico ou empresário), sua identidade era a de músico empresário, ou seja, uma personalidade oriunda da união indissociável entre ambas as facetas. Palavras-chave: motivação, pertencimento, empreendedorismo musical. ! ! Abstract: For any reasons some musicians left to be free lancers to start musicians business. In this moment begins disturbs on identity belonging sense, because two social groups (musician and businessman) are present in the same person. To understand the motivations and emotional conflicts that raise in this situation, this article want to analyze the life’s trajectory from the musician entrepreneurship Sebastião Rodrigues, the Tiãozinho, since the begin of his entrepreneurships, in his childhood, until the begin of his bigger business: the Squema Seis band, at the middle of 1980. To conduct this study, we will use essays from scientist’s areas of motivation, psychology and sociology of music, emotional sociology and business. For him, the motivations to be one musician business was the disagree of his ancient “bosses” about his ideas, the necessity and the identification of many bad services in his business segment of market. About his identity belonging sense it observed that, although he doesn’t have rationality one belonging sense about musicians or business men, his identity was musician business, sounds like one personality born from both identities. Keywords: motivation, belonging, music entrepreneurship. 1 Introdução Esse artigo propõe-se a analisar as motivações que levaram o músico empresário Sebastião Rodrigues, o Tiãozinho, a formar a banda de baile brasiliense Squema Seis. Um dos questionamentos chave desse estudo está relacionado a seu sentimento de pertencimento: por tratar-se de um músico e um empresário ao mesmo tempo, sua afinidade identitária estaria direcionada mais a um desses dois grupos sociais que ao outro, ou haveria uma sensação de mistura dessas facetas? Como essas facetas contribuíram para construção de sua identidade? O período da trajetória de vida de Tiãozinho, analisado no artigo, vai do início de seus empreendimentos, ainda na infância, até o começo da banda, em meados de 1980. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 415 A metodologia de pesquisa qualitativa foi baseada no estudo de caso e utilizou a técnica da entrevista em profundidade, com Tiãozinho e pessoas de seu convívio, em encontros realizados durante o mês de novembro e dezembro de 2013. ! 2 Vertentes teóricas Entre as principais vertentes teóricas desse artigo estão os estudos sobre motivação e sociologia da emoção. As pesquisas de Chiavenato (2008, 2006, 2002) sobre empreendedorismo e administração de empresas servirá como elemento comparativo das tarefas acumuladas pela mesma pessoa. ! 2.1 Motivação Os estudos sobre a motivação apontam para a existência de duas orientações principais da mesma, a saber: motivação intrínseca e motivação extrínseca (BORUCHOVITCH, 2001; GUIMARÃES, 2001; BZUNECK, 2001). A primeira (intrínseca) consiste na “escolha e realização de determinada atividade, por sua própria causa, por esta ser interessante, atraente ou, de alguma forma, geradora de satisfação” (GUIMARÃES, 2001, p.37). A atividade, dessa forma, é o fim em si mesmo (autotelismo). No caso da música, seria o fazer musical, desprovido de razões externas. A motivação extrínseca seria, segundo Neves & Boruchovitch (2004), o engajamento em determinada atividade como forma de obtenção de recompensas externas. Dessa forma, o músico que estuda para obter notoriedade perante seus pares, ou o artista que visa o lucro financeiro na produção de suas obras, são exemplos de motivação extrínseca. Vinculada à motivação extrínseca, está a crença de auto eficácia, o que Bandura (1986) define como o julgamento do indivíduo acerca de suas capacidades de organização e execução de tarefas. Segundo o autor, pessoas com um elevado índice de auto eficácia acreditam ser capazes de lidar com os diversos acontecimentos da sua vida. De igual maneira, pessoas com um baixo índice de auto eficácia desconfiam da sua capacidade de transpor barreiras e, de acordo com Bzuneck (2001) e Cavalcanti (2009), tais indivíduos tendem a desistir facilmente de uma tarefa, tão logo surjam dificuldades que o tirem de sua zona de conforto. ! 2.2 Emoção Goleman (1995) assevera que o ser humano possui duas mentes, uma responsável por pensar (racional) e outra por sentir (sentimental). Segundo ele, a mente racional é mais atenta, www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 416 ponderada e reflexiva, o que Guiddens (1993) relaciona como sendo um traço social da personalidade tipicamente masculina; enquanto a mente sentimental é impulsiva, imediata e por vezes ilógica, o que Guiddens (1993) elenca como um traço social da personalidade tipicamente feminina. A sociologia das emoções defende que as emoções são diversas e plurais, variando de uma sociedade para outra e variando no interior de uma mesma sociedade ou cultura, a depender da classe, do gênero, da idade etc. De acordo com Hochschild (2008; 1983) e Lazzarato & Negri (2001) as emoções podem ser controladas e negociadas para fins comerciais e afetivos. De igual maneira, segundo Elias (1994), Becker (2008) e Guiddens (1993) o descontrole das emoções pode causar sofrimento nas pessoas, sendo responsável por crises identitárias. ! 3 Sebastião Rodrigues: início da carreira Primogênito de uma dona de casa e um assistente ferroviário com seis filhos, Sebastião Rodrigues, o Tiãozinho, nasceu na cidade de Silvânia, município de Goiânia, em 16 de fevereiro de 1948. Negro e de família humilde, desde jovem teve a necessidade de trabalhar para auxiliar seus pais. Contudo, segundo afirma, não trabalhava para a compra de bens comuns de sua casa (mercado, água, luz), apenas para a compra de pertences pessoais e para pagar por seu divertimento. Já atou como engraxate, menino de recados, jornaleiro, guitarrista, arranjador, vendedor, diretor musical e empresário de bandas. Atualmente é proprietário de uma imobiliária destinada a administrar o aluguel de seus mais de vinte imóveis, que variam de apartamentos e casas residenciais, a salas e lojas comerciais, além de contar com aplicações financeiras em ações e outros investimentos. Sempre gostou de ter seu próprio dinheiro e não representar um “peso” a ninguém de quem precisou: ! Quando eu tava em São Paulo, eu morei na casa do Riba1. Fiquei num hotel e ele não aceitou e foi me tirar de lá. E quê que eu fazia? Já não ganhando muito, mas eu ia lá sempre no supermercado fazer umas compras... Comprava as coisas e tal... Eu nunca fui folgado... Não dou conta de ser folgado. De igual maneira, diz nunca ter pedido dinheiro emprestado a ninguém, a não ser do banco, hipotecando sua casa para investir em equipamentos de som e iluminação: “Pra músico isso era muito difícil (obter uma hipoteca). O gerente (do banco) fez isso porque ele era muito meu amigo. Músico não tinha crédito na praça. Agora... Dinheiro emprestado não, nunca”. Depois de tocar em muitas bandas e casas noturnas de Goiânia, mudou-se para Brasília, na década de 1970, para integrar como guitarrista o conjunto Raolino e seus big boys, famosa banda de baile brasiliense. Posteriormente, fez parte da banda Super Som 2000, de www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 417 propriedade do cantor Joãozinho, que iria se tornar seu sócio na banda Tom Maior. Guitarrista autodidata, Tiãozinho ganhou prestígio entre os músicos por sua aguçada percepção auditiva (harmônica e melódica) e pela capacidade de construir linhas melódicas em improvisações, o que possibilitou a ocupação de cargos de direção musical, além de guitarrista, em muitos conjuntos musicais. Tiãozinho relata que, naquela época, era comum, aos músicos brasileiros que aspirassem uma carreira de sucesso, a mudança para o Rio de Janeiro ou São Paulo que, segundo ele, era “onde os artistas estavam e as coisas aconteciam”. Green (2005; 2008), em seu estudo com músicos populares e estudantes secundaristas no processo de aprendizagem informal da música, ressalta a importância da aprovação dos feitos realizados, pelo grupo ao qual se faz parte, pelos pares, na fortificação da personalidade individual. A autora revela o papel das apresentações musicais públicas como uma espécie de “termômetro” da aceitação do desempenho de alguém pelos outros, independente do tamanho do evento2. Assim, seguindo a tendência de muitos, Tiãozinho mudou-se para São Paulo, apesar de casado e com a primeira filha, Juliana, recém-nascida: ! Aí eu falei com a Valma (ex-mulher) que eu iria viajar e que não preocupasse comigo. Eu precisava resolver umas coisas e manteria contato. E fui pra São Paulo. Fiquei lá uns sete, oito meses... Mas eu me decepcionei quando vi as condições de vida que meus ídolos passavam (...). Os caras do Jongo Trio3 me convidaram pra dirigir o conjunto, montar os arranjos vocais, fiscalizar o horário que o pessoal chegava no ensaio... Mas eu não quis. Eu ganhava mais ou menos o que seria mil, mil e duzentos reais por evento, por show lá. Um bom cachê... E voltei (para Brasília) ganhando em torno de cem reais para tocar em uma churrascaria perto do CONIC4, na banda Tom Maior. Apesar de sua situação profissional em São Paulo parecer promissora, em vista da condição da maioria dos músicos de Brasília à época, Tiãozinho lembra que muitos dos consagrados músicos do eixo Rio-São Paulo passavam necessidades financeiras, o que o fez pensar na possibilidade de voltar à Brasília. A instabilidade financeira era algo que o incomodava. Contudo, voltar à antiga cidade para receber cachês que giravam em tono de cem reais, se comparados a moeda atual, não era nada estimulante para ele. Foi quando Tiãozinho recebeu um convite de sociedade. ! 3 O primeiro empreendimento musical Quando em São Paulo, Tiãozinho fala que recebeu um convite para se tornar sócio do conjunto musical Tom Maior, que era a segunda banda, em ordem de importância, do também músico empresário Joãozinho. A primeira, como já comentado, era a Super Som 2000, ambas de Brasília: www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 ! 418 Ele (Joãozinho) me telefonou perguntando se eu queria ser sócio dele em 50% na Tom Maior. Daí, como eu “tava” descontente com as coisas que eu via os grandes músicos passarem... Devendo aluguel... Pedindo dinheiro emprestado... Eu topei. Mas eu não tinha dinheiro pra botar... E ele já tinha uma aparelhagem... Eu tinha que comprar metade, pra ficar certo... 50%... Mas eu não tinha dinheiro… Na sociedade, Tiãozinho dirigiria musicalmente a banda Tom Maior, enquanto seu sócio, Joãozinho, cuidaria da venda do serviço do conjunto. Gerber (1990) fala da importância de, em uma sociedade, os sócios firmarem um acordo claro, de preferência por escrito, das obrigações de cada um na empresa. O primeiro acordo financeiro entre os dois dizia que Tiãozinho iria pagar Joãozinho aos poucos, com o que fosse ganhando na banda. Contudo, recebendo cachês que giravam em torno de cem a cento e cinquenta reais, Tiãozinho percebeu que demoraria muito para que conseguisse quitar sua dívida. Nesse meio tempo, com seis ou sete meses de convivência, Tiãozinho percebeu que, por mais se esforçasse em seu trabalho, nunca a banda Tom Maior chegaria ao mesmo patamar de importância que a Super Som 2000, tendo Joãozinho como sócio, pois o mesmo não abria mão de ter esta banda como a mais significativa para ele. ! Nessa época, Tiãozinho lembra que se orgulhava de ser um músico que: ! “Iniciava a vida”5 já com uma casa própria, financiada pelo BNH6. Naquela época tinha saído uma lei... Uma norma... Determinação... Sei lá, que reconhecia o músico como trabalhador7. Com isso eu era muito amigo do gerente do banco e ele conseguiu o financiamento da casa pra mim. Era uma casa da X Norte8. Voltando à questão da sociedade com Joãozinho, considerando as circunstâncias em que o entrevistado se encontrava: recebendo pouco, tendo sua liberdade de gestão limitada pelo sócio, sem perspectiva de crescimento econômico, e considerando-se, como ele próprio afirmou, o “provedor da família”, via-se obrigado a modificar o rumo dos acontecimentos: Eu não ligo em ser o segundo lugar... De ser o terceiro, o quarto, ou o quinto lugar. Mas deixe que a vida decida isso, e não alguém. Com o Joãozinho eu via que nunca deixaria de ser o segundo lugar. E foi aí que eu decidi romper a sociedade (...). No começo ele não quis, e se propôs a aumentar minha cota. Aí eu disse que, mesmo que ele me desse 105%, eu não queria ser mais sócio dele. ! Nesse momento de sua vida Tiãozinho teve a ideia de pegar um financiamento no banco para comprar toda a banda Tom Maior de seu sócio: “Eu pensei... Pensei... E acabei chegando à conclusão que essa era a única saída. Eu tinha que hipotecar minha casa... Não tinha outra saída”. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 419 É interessante notar que a casa, a que ele se refere, era seu único bem de valor significativo e que, nessa época, além de ser casado, já era pai de uma filha, e que hipotecou a casa para comprar aparelhos de som e luz, o que, para muitos, pode representar uma loucura. Essa ação se enquadra bem na definição de empreendedor, trazida por Gartner (1990), conceituando-o como alguém além do mundo dos negócios: pessoas que, mesmo sem fundarem suas empresas ou iniciarem seus próprios negócios, estão preocupadas e focalizadas em assumir riscos e inovar continuamente. Quanto ao papel de sua esposa, na decisão de hipotecar a casa, ele lembra: “Eu comuniquei ela (ex-mulher) ... Ela sabia... Mas não tinha o que fazer... Só tinha aquele caminho”. A aparente “passividade” de sua ex-mulher, quanto a não influenciar negativamente sua decisão de hipotecar a casa, vai ao encontro das ideias de Hochschild (1983; 1989; 1997; 2008) ao analisar como as mulheres administram suas emoções, quais os custos e benefícios de fazer isso em público e na vida privada. Assim, o trabalho emocional de apoio ao ex-marido, realizado por Valma, que aparentava não dispor de meios objetivos, ou capacidade, para auxiliá-lo em decisões como aquela (hipotecar a casa), foi de tal forma profundo, que não consistia em uma representação, mas em um habitus, ou seja, aquilo que se tornou carne (BORDIEU, 1983). Hochschild (1983), analisando o comportamento de aeromoças americanas, mostra como elas expropriam emoções profundas da vida privada e utilizam-nas em sua atividade de trabalho. Contudo, contrapondo as ideias de Goffman (1988), para o qual a separação entre o “eu” e “meus sentimentos” ocorre na superfície (nas expressões do corpo), no trabalho das emoções definido por Hochschild (1983), a separação dá-se na profundidade, no esforço de sentir, de treinar-se para isso e de mostrar esse sentimento, não sendo portanto uma representação. Guiddens (1993), analisando as negociações emocionais feitas por homens e mulheres, mostra o contraste que existe entre razão e emoção, e que esta é normalmente associada à mulher, enquanto aquela, ao homem. Da mesma forma, o papel de manutenção material doméstica é normalmente atribuído ao homem, enquanto que para mulher está reservada a condição de gestora emocional do lar. Tais ideias representam bem o papel de provedor material ao qual Tiãozinho se atribuía dentro da família: No início do casamento a Valma (ex-mulher) trabalhava. Ela era professora primária. Mas o que ela ganhava era só pra ela, pra comprar suas coisas. Eu era o provedor da casa. Graças a Deus a sua (referindo-se a minha pessoa) geração é diferente da minha. Você não precisa mais ser o único que tem que prover. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 420 Quanto ao empréstimo feito com o banco, em função da hipoteca de sua casa, Tiãozinho lembra com orgulho que realizou sua quitação muito tempo antes do previsto: Eu hipotequei pra pagar em quinze anos... E quitei em um ano e seis meses. O banco ficou meio sem compreender isso... (risos) O banco não compreendeu, quero dizer, burocraticamente. Porque fazer as contas e tal... Ver os juros que seriam abatidos... Dá um pouco de trabalho pra eles, né? Esse acontecimento certamente reforçou seu ímpeto empreendedorístico, motivando-o a assumir novos riscos. ! 4 Os motivos de se tornar empresário Quando indagado sobre os motivos que o levaram montar a banda Squema Seis, cujo nome está vinculado a seu apelido9, ele diz que montou o conjunto por três motivos: ! 1) Não aceitação de suas opiniões por parte dos seus antigos “patrões”. Tiãozinho definese como um “homem de ideias” e um “inquieto”, além de se considerar um “bom funcionário”, quando prestava serviços em outras bandas: Eu sempre procurei dar o meu melhor em todo lugar que passei. Sempre fui um bom funcionário. Sou um homem de ideias. Nunca consegui fazer “vista grossa”10 em relação a qualquer problema que eu julgava que precisasse ser reparado. Independente de quem fosse o conjunto. E eu procurei sempre levar soluções. Sempre fui inquieto com isso. ‑ ! Contudo, julga que seus antigos “patrões” não “davam muita bola” para suas sugestões e se desanimava com isso. Pode-se perceber que essa motivação é intrínseca, pois não havia uma causa externa que justificasse esse sentimento de desvalorização, como, por exemplo, outra proposta de sociedade por parte de algum empresário. A sensação de subutilização de sua mão de obra e o quase total descaso por suas ideias administrativas, por parte dos proprietários das bandas as quais prestou serviço, foram suficientes para gerar essa motivação de descontentamento. ! 2) Necessidade. Tiãozinho diz ser um indivíduo “movido pela necessidade” em seu sentido amplo. Em um momento em que ele falava sobre um problema de relacionamento que estava enfrentando com um cantor da banda, depois de dois anos de convivência, lembra: No dia dois de janeiro eu pedi uma reunião com todos: músicos, equipe técnica, motorista, pra falar sobre a saída do Pedro11. Comecei a conversa assim: “O Pedro, a quem admiro, não acredito que haja um cantor de baile melhor que ele, no Brasil. Podem existir iguais a ele, mas melhores, não acredito. Quando eu o conheci, ele cantava no canequinho12, lembra Pedro? – E o fitava nos olhos – (...) Agora, eu estou anunciando, com muito pesar, muita pena, e de novo com medo13 (...), que eu estou abrindo mão do ‑ ‑ ‑ www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/ Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014 421 Pedro. Eu não concordo com você (se referindo ao Pedro), mas é o seu sentimento e esse eu respeito. E pra gente vai ser uma tarefa muito árdua (...), mas eu não tinha nada quando eu nasci, e hoje já tenho um conjunto. (...) Eu tenho um defeito grave: eu gosto de desafio. Gosto, não: eu sou movido a desafio. Sou movido por necessidade (grifo nosso)”. ! A necessidade financeira também influenciou a decisão do entrevistado em “montar o conjunto”, afinal, como ele mesmo diz: “Eu estava desempregado, com mulher e filho. E eu era o homem, né? Eu era, e deveria ser, o provedor da família. Quando a Juliana estava com dois meses de idade, eu virei e falei pra Valma: ‘Olha... Tô indo viajar... Não preocupa não... Logo dou notícia...’”. Essa motivação é extrínseca, pois teve como móvel sua preocupação em prover materialmente a si e a sua família. ! 3) Identificação de várias falhas no serviço prestado por outros profissionais do ramo. Tiãozinho diz ter ajudado a “montar” o Super Som 2000, e que sempre procurava “corrigir o que achava que estava errado”. Mesmo em São Paulo, grande cidade que, em tese, haveria profissionais exemplares do show business brasileiro, Tiãozinho se surpreendeu com a, segundo ele, “falta de profissionalismo” das pessoas. Segundo o depoimento de um exintegrante do Squema Seis, Tiãozinho Era muito, mas muito exigente (enfatiza). Ele passava uma sensação estranha na gente, tipo se tivesse espiando a gente toda hora, entendeu? Pra piorar a situação, ele tinha um “puta ouvido14” e “sacava15” qualquer merda que a gente fizesse... Na hora! Qualquer errinho ele percebia... O neguinho era foda! (risos) ‑ ‑ ! Essa motivação foi ao mesmo tempo intrínseca e extrínseca. Intrínseca pois inicialmente Tiãozinho não vislumbrava nenhum benefício em identificar e procurar sanar as falhas que encontrava em “qualquer lugar que fosse trabalhar”, segundo afirmou. Fazia isso apenas porque achava que tinha que ser feito, ou seja, pela finalidade em si (autotelismo). Sua motivação nesse item também foi extrínseca, pois, em um segundo momento, Tiãozinho percebeu que poderia aproveitar essa capacidade crítica e ativa em seu próprio negócio. ! 5 Identidade A ide
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