Em Cuba, - Same Same
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Em Cuba, - Same Same
EXPERIENCES Viagem a Cuba Os brasileiros Daniel e, na página ao lado, Alexandre: 50 anos de Revolução Cubana em grande estilo Brazilians Daniel and (opposite page) Alexandre: celebrating the 50th aniversary of the Cuban revolution in style Em Cuba, como os cubanos In Cuba, as the Cuba ns do dois amigos decidiram acompanhar a festa de 50 anos da revolução como os nativos. E fizeram de tudo para tentar ver a vida em Cuba como ela é Texto e fotos DANIEL NUNES GONÇALVES* two friends decide to experience the 50th anniversary of the revolution like native Cubans, doing all they can to see life in Cuba as it is Text and photos by DANIEL NUNES GONÇALVES* 86 RED 04 / 2009 EXPERIENCES Viagem a Cuba Dormindo com Che e Raul Sleeping with Che and Raul O plano The plan Só parecia haver um inconveniente quando eu e um amigo decidimos viajar de férias para Cuba com a intenção de fugir do sistema pega-dinheiro-de-turista imposto pelo governo: eu. Sou loiro de olhos azuis, raridade na terra de Fidel Castro, o que dificultaria meu propósito de passar por nativo. Boné e óculos escuros seriam então meu disfarce oficial, e meu comparsa Alexandre, cabelos e olhos castanhos, faria a linha de frente. Estratégia traçada, desembarcamos em La Habana – Havana, para os turistas – a fim de viver 18 dias dormindo e comendo em casas de cubanos. É claro que não desprezaríamos a Cuba dos cartõespostais, e ela estava toda lá: carrões dos anos 50, prédios históricos caindo aos pedaços, belas mulatas dançando salsa, um mojito aqui, um charuto ali. Os cartazes com imagens de Fidel, Che Guevara e outros heróis nacionais lembravam que estávamos às vésperas da festa de 50 anos da revolução, em 1º de janeiro de 2009, principal motivo da nossa aventura. Sem pacotes turísticos, rodaríamos a ilha de oeste a leste, passando por Santiago de Cuba, Trinidad, Cienfuegos, Rancho Luna e Santa Clara. Nas ruas de Havana, o mercado imobiliário funciona com placas caseiras. Abaixo, a escultura em Cienfuegos When a friend and I decided to vacation in Cuba with the intention of bucking the foreign-money-grubbing system imposed by the government, there seemed to be just one hitch: me. My blonde hair and blue eyes, rarities in the land of Fidel Castro, would make it that much harder to pass as a native Cuban. Ball cap and dark glasses would then be my official disguise while my comrade-in-arms Alexandre Costa Val, dark-haired and chestnut-eyed, would make up the front line. Strategy mapped-out, we disembarked in La Habana – Havana, as the tourists know it – with aims of spending 18 days sleeping and eating in the homes of Cubans. Of course, we can’t hate on the postcard images of Cuba and they were all there: those oversized ‘50s cars, historical buildings falling to pieces, beautiful black women dancing salsa, a mojito here, a cigar there. The billboards with images of Fidel, Che Guevara and other national heroes reminded us that we were on the eve of the 50 year anniversary of the revolution, January 1st, 2009, the main motive behind our adventure. Bereft of tourist vacation packages, we would drive across the island, west to east, passing through Santiago de Cuba, Trinidad, Cienfuegos, Rancho Luna and Santa Clara. On the streets of Havana, real estate deals are announced on home-made signs. Down the page, sculptures in Cienfuegos A única alternativa econômica à hospedagem em hotéis é o pernoite nas chamadas “casas particulares” identificadas por uma plaquinha branca e azul, já que não existem albergues por aqui. Nessas residências autorizadas a abrigar estrangeiros, as diárias giram em torno de 25 dólares – o mesmo salário médio mensal de um médico. Nosso quarto com banheiro ficava na casa do engenheiro Humberto Scasso, no bairro universitário do Vedado. As paredes da sala exibiam fotos do anfitrião com ninguém menos que Che Guevara. “El Che foi visitar a gráfica onde eu trabalhava para acompanhar a produção dos jornais da revolução”, contou, cheio de orgulho. Alguns dias e vários colchões vagabundos depois, vimos que a casa de Humberto era quase hotel de luxo. Na semana seguinte, em um casebre simples da praia de Rancho Luna, a cama era pobre, mas o papo enriquecedor. Nas cadeiras de balanço sobre o chão de cimento queimado da varanda, a professora Rosa e o pescador Valdemir Reproso nos falavam de tudo – embora nunca mal de Fidel (como praticamente todos que nos hospedaram). Por duas noites seguidas assistimos juntos, pela televisão, ao mesmo discurso de mais de uma hora que o presidente Raúl Castro proferiu à nação às vésperas do cinquentenário. “Ele e seu irmão Fidel estão certos, temos que trabalhar mais para que o país sustente a revolução”, disse Valdemir. Na manhã seguinte, logo que o sol nasceu, ele pegou no batente para fazer pequenas reformas na casa. Como Castro pedira. Since there’s no such thing as hostels here, the only economic alternatives to hotel accommodations are the nightly stays in so-called “private houses”, identified by small blue and white signs. In these residences, which are authorized to provide lodging for foreigners, the cost of a night’s stay hovers around 25 dollars – the average monthly salary for a doctor. Our rented room and bathroom were located in the house of engineer Humberto Scasso, in the university neighborhood of Vedado. The downstairs walls displayed photos of our host beside Che Guevara no less. “Che came to visit the printing press where I worked to check the production of the newspapers during the revolution,” he proudly explained. A few days and many busted mattresses later, we came to see that Humberto’s house was a kind of a luxury hotel. The following week, in a simple shack on the beach at Rancho Luna, the beds might have been poor but the conversation was rich. In rocking chairs on the burnt cement floors of their veranda, schoolteacher Rosa and fisherman Valdemir Reproso talked about everything – while never badmouthing Fidel (like practically all those who put us up). For two nights straight, we sat together watching President Raul Castro on television as he recited the same hour-plus speech to the nation on the vespers of the half-century milestone. “He and his brother Fidel are right,” Valdemir said, “we need to work harder for the country to sustain the revolution.” The next morning, shortly after the sun had come up, he got to work on a few little things around the house that needed fixing. Just as Castro had asked. Para alugar uma casa de cubanos, entre no site www.casaparticularcuba.org To rent a “private house” in Cuba, visit www.casaparticularcuba.org 88 RED 04 / 2009 89 EXPERIENCES Viagem a Cuba No ônibus barato ouvindo reggaeton On the cheap bus blasting reggaetón Para conjugar a miúda economia local com os altos gastos dos estrangeiros, o governo cubano trabalha com duas moedas: o peso cubano – usado no dia-a-dia da população para comprar, por exemplo, os produtos subsidiados da cesta básica – e o peso convertível, ou CUC, com valor semelhante ao euro e utilização voltada para o turismo. El peso convertible vale 24 vezes mais que a moeda local, o que a torna disputadíssima especialmente pelos “jineteros”, especialistas em ganhar comissões oferecendo hotéis, charutos, passeios e até mulheres para turistas. É fácil adquirir a moeda local nas casas de câmbio espalhadas pelas esquinas. Complicado é botá-la em circulação. Só conseguimos gastar nuestros pesitos comprando comida de rua e tomando ônibus circulares lotados (lá também tem passageiro sem-noção ouvindo rádio no último volume, só que em vez de pagode eles escutam o contagiante reggaeton). Para curtir a boa música ao vivo à la Buena Vista Social Club de casas como o Jazz Club La Zorra y El Cuervo (ruas O e 23, Vedado) não tinha jeito. Eles metiam a faca cobrando em moeda convertível, a 10 CUCs a entrada, 2 CUCs cada mojito. Detalhe: quem leva dólar, em vez de euro, perde 10% do valor de troca numa taxa que desestimula o uso das verdinhas do odiado “imperialismo norte-americano”. In order to connect the meager local economy with the high spending of foreigners, the Cuban government works in two currencies: the Cuban peso, used by the general population to buy, say, subsidiary products to their rations, and the convertible peso, or CUC, whose value is comparable to the euro. El peso convertiblé is worth 24 times the local currency, which makes it in extremely high demand especially among “ jineteros”, specialists who earn commissions by connecting visitors with hotels, cigars, day trips and even escorts. It’s easy enough to acquire the local currency at the money exchange operations found on street corners. What’s difficult is actually putting it into circulation. We were only able to spend our pesitos buying street food and taking crowded city buses (which also contain ill-mannered passengers blasting their radios, but instead of Brazilian pagode, they prefer the contagious reggaetón). Enjoying the quality live music ala Buena Vista Social Club at nightclubs like Jazz Club La Zorra and El Cuervo was out of the question. They charge an arm and a leg in the convertible peso – 10 CUCs at the door and 2 CUCs for a mojíto. One detail: those who bring dollars instead of euros lose 10% on an exchange tax aimed at reducing the circulation of the little green emblems of reviled “American imperialism”. Gastronomia à cubana Cuban gastronomy NOS “PALADARES” – Sem placas na porta e com cardápios informais (e pouco criativos), as casas de cubanos servem comida mais barata e simples que a dos restaurantes. O embargo financeiro sofrido por Cuba limita bastante a variedade da culinária, e o prato de todo dia acaba sendo o moros y cristiano s (mistura de arroz com feijão-preto), carne de porco e salada de repolho. Preços em torno de 7 dólares. NAS RUAS – Usávamos nossos pesos cubanos para enfrentar as mesmas filas dos habaneros e comer a street food deles: pizzetas, oleosíssimas pizzas brotinho vendidas a 5 pesos cubanos; e perro caliente, o cachorro -quente com apenas pão e salsicha. SOBREMESA – Os famosos sorvetes da Coppelia (esquina das ruas L e 23), a sorveteria do filme Morango e Chocolate. Tivemos que ficar quietinh os por quase uma hora na longa fila de sábado à noite para tomar sorvete de abacaxi e pagar o preço para nativos, 32 vezes menos que o de estrangeiros. REFRESCO – Investimos as últimas moedas no granizado, versão cubana de nossas raspadinhas de groselha. AT THE “PALADARES” – With no signs at the door and informal, barely-c reative menus, natives’ houses offer simpler and cheaper food than restaurants. The economic sanction Cuba has been under restrains their cuisine variety, and the everyday dish is just moros y cristianos (rice and black beans), pork and cabbage salad. Prices round seven dollars. On the streets – We would use our Cuban pesos to face the same lines as the habaneros for their street food, pizzetas, super-greasy small pizzas sold for 5 Cuban pesos, and perro caliente, a plain hot dog. DESSERT – The famous ice-cream by Coppelia (L and 23st), the ice cream place from the movie Strawberry and Chocolate. We stood quietly in a line for almost an hour on a Saturday night to have a pineapple ice cream for the price paid by natives, 32 times less then the cost for foreigners. REFREShment – We invested our last coins in a “granizado”, the Cuban version of Brazilian “raspadinha” (currant syrup snow cone) A oleosa pizzeta e, acima, o rango dos paladares e o granizado nas ruas Greasy pizzeta and, above, food from “paladares” and “granizado” in the streets 91 EXPERIENCES Viagem a Cuba Daniel e os carrões pré-revolução. Na página ao lado, a noite de festa e o líder espiritual. Sim, eles acreditam em orixás Daniel and the prerevolution roadsters. On the opposite page, the party and the spiritual leader they visited. Yes, they believe in orishas Tambores, orixás e salsa no Malecón Drums, orishas and salsa at the Malecón Onde o Cadillac é lotação Where Cadillacs double as dollar vans Quando as carangas dos anos 50 são usadas como táxis para representantes do sistema capitalista estrangeiro – nós, no caso –, têm preços em CUC. Acontece o mesmo com os coco taxis, superturísticas motocas com carenagem em forma de coco. Mas quando os cubanos embarcam nestes pomposos Cadillacs e Mercedes, as barcaças se transformam em lotações, e são pagas com moeda local. Era assim que queríamos fazer. Esticamos o dedo para que um velho Ford parasse. Alexandre caprichou no sotaque e perguntou ao motorista: “Centro Havana?”. “Adelante”, respondeu o bigodudo. Quietinho no banco de trás e com a cara mergulhada no jornal, me apertei entre outros dois passageiros. Realizamos nossa missão pagando míseras moedinhas locais para fazer um percurso que não sairia por menos de 5 CUCs num táxi turístico. Faríamos o mesmo em Cienfuegos, uma afrancesada cidadela à beira-mar, quando convencemos o dono de uma charrete a nos dar uma carona, algo proibido para não-cubanos. A rota, nesse caso, teve que ser feita por ruas escondidas, longe da fiscalização das grandes avenidas. Só não conseguimos repetir o feito na hora de viajar para outras cidades. Há rodoviárias e ônibus distintos para quem vem de fora, e fomos friamente ignorados quando tentamos comprar bilhetes no terminal para habaneros. Acabamos compartilhando o ônibus para Santiago com outros gringos que também não tinham reservado os disputados assentos nos aviões que cruzam a ilha. Ao preço de tabela. 92 RED 04 / 2009 When those ‘50s era roadsters are used as taxis for visiting representatives of the foreign capitalist system – in this case, us – the prices are measured in CUCs. The same goes for the coco taxis – hyper-touristy motorbikes shaped like coconuts. But when Cubans take out those pompous Cadillacs and Mercedes, the cars are doubling as sorts of dollar vans, and they’re paid in the local currency. That’s how we wanted to do it. We stuck out our thumbs and an old Ford stopped. Alexandre worked his accent as he questioned the driver: “Downtown Havana?” “Adelante,” he replied under his mustache. Silent in the backseat with my nose deep in a newspaper, I squeezed in between two other passengers. We accomplished our mission, paying a pittance in local money for a trip that would cost no less than five CUCs in a tourist’s cab. We would do the same thing in Cienfuegos, a little Frenchinfluenced town on the shore, when we convinced the owner of a horse buggy to give us a lift, a practice prohibited for non-Cubans. On this occasion, we needed to take back roads in order to avoid the regulators found on busier avenues. Which was not possible when traveling between cities, though. There are bus stations and coaches designated for foreigners and we were coldly ignored when attempting to buy tickets at the Habaneros’ bus station. We ended up sharing the bus to Santiago with other foreigners who had failed to book a coveted seat on one of the planes that crisscross the island. And at market price. Ok, para sermos cubanos de verdade riscamos a turística Varadero do roteiro. E cumprimos uma programação “de raiz”. Em La Habana, fizemos o tradicional footing no Malecón, o mítico calçadão à beira-mar, até na noite de Réveillon, assistindo pipocarem ao longe meia dúzia de fogos de artifício e brindando nossa garrafa de rum com a da família sentada ao nosso lado na mureta. O Natal tinha sido um jantar qualquer, já que o capitalista Papai Noel é persona non grata nesses encontros familiares, e os cubanos se contentam em decorar as casas com luzinhas e desejar felicitad pelas ruas. Em Santiago, fizemos uma oficina rápida sobre como enrolar charutos e embarcamos em duas aulas caseiras de percussão com o músico Manolito Semanat, nas quais aprendemos o bê-ábá da conga e do bongô. Nossas novas gingas de cubano seriam exibidas na volta a La Habana, quando embarcamos em uma roda musical do tradicional bar La Bodeguita del Medio (rua Empedrado, 207), em Habana Vieja, que no passado era frequentado por outro estrangeiro metido a nativo, o escritor norte-americano Ernest Hemingway. Não faltou nem a consulta a um babalaô, líder espiritual do culto aos orixás, versão cubana do nosso candomblé, para ganhar um axé para o Ano Novo. Nossa missão seria encerrada com a festa de 50 anos da revolução, no primeiro dia do ano, fazendo igualzinho aos milhares de nativos que tomaram o trecho do Malecón diante de um monumento chamado de Tribuna Anti-imperialista: arriscando uns passos de salsa, tomando rum e bradando, como autênticos cubanos, “Viva Fidel! Vila La Revolución!”. Okay, to be real Cubans we had to cross touristy Varadero off our list. Instead, we went for a more grassroots activity. In La Habana, we took the traditional walk along Malecón, the mythic promenade on the coast and even on New Year’s Eve, watching the half dozen fireworks popping in the distance and toasting our bottle of rum with family sitting beside us on the seawall. Christmas was just another normal everyday dinner, since capitalist Santa Claus remains a persona non grata at these family gatherings, and Cubans content themselves to decorate their houses with simple lights and wish each other season’s greeting on the streets. In Santiago, we had a quick course on the art of cigar rolling and embarked on two lessons in percussion from musician Manolito Semanat, in which we learned the ABCs of the conga and the bongô. Our newly learned dance steps went on display upon our return to La Habana, when we took part in a jam session at the traditional bar La Bodeguita del Medio, in Old Havana, which in years past was a hangout of another foreigner slumming as a native, American writer Ernest Hemingway. And we couldn’t miss a visit to a babalao, a spiritual leader in the cult of orishas, the Cuban version of Brazilian candomblé, to get a blessing for the new year. Our mission would come to a close with the party for the 50th anniversary of the revolution, on the first day of the year, doing just as thousands of natives who descended upon a stretch of the Malecón in front of the Tribuna Antiimperialista monument: trying out salsa steps, drinking rum and yelling just like authentic Cubans, “Viva Fidel! Viva La Revolución!” * Daniel Nunes Gonçalves é editor da Veja São Paulo e viajante compulsivo nas horas vagas * Daniel Nunes Gonçalves is Veja São Paulo’s editor and a compulsive traveller in his spare time 93
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