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ANAIS DO III CONGRESSO DE
INICIAÇÃO CIENTÍFICA DO
CURSO DE DIREITO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E
TECNOLOGIA DE IBAITI
ISSN 2179-1880
Nº 11
Julho - 2015
Esta edição contém produção científica produzida no
Curso de Direito da FEATI – Ibaiti.
Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880
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REVISTA ELETRÔNICA DA FEATI
Faculdade de Educação Administração e Tecnologia de Ibaiti (FEATI),
Mantida pela Associação de Ensino Superior de Ibaiti (AESI).
Edição - Nº 11 – julho de 2015
Av. Tertuliano de Moura Bueno, 1400 - Vila Flamenguinho – 84.900-000 - Ibaiti - PR - Tel. (43) 3546-1263
CONSELHO EDITORIAL – CURSO DE DIREITO
Evaldo Gonçalves Leite
Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Letícia Fátima Ribeiro
Ronny Carvalho da Silva
COORDENAÇÃO
Ronny Carvalho da Silva
Solicita-se permuta.
Os textos são de inteira responsabilidade de seus autores.
Os trabalhos aqui publicados foram cedidos pelos autores em virtude de apresentação no III Congresso de
Iniciação Científica promovido pelo Curso de Direito da FEATI entre os dias 01, 02 e 03 de Junho de 2015.
Anais do III Congresso de Iniciação Científica : Curso de Direito.
Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti. -- n. 11 (2015) - .
Ibaiti (PR) : a Instituição, 2015 v.
ISSN 2179-1880
1. Direito - periódico I. Simpósio Internacional de Direito. II. Congresso
de Iniciação Científica. III. Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia
de Ibaiti.
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ÍNDICE
PRODUÇÃO DOCENTE E DISCENTE
Educação política: pressuposto para o exercício pleno da cidadania no Estado
06
Democrático de Direito.
A reforma agrária como instrumento de efetivação dos direitos fundamentais
14
A sociologia de Pierre Bourdieu
30
As implicações da terceirização nas trabalhadoras da limpeza: o sofrimento em
45
questão
Penhora on-line de ativos financeiros: análise crítica da importância do instituto na
56
era da informatização.
68
O apedrejamento de Soraya M. e o caleidoscópio jurídico.
Análise da coesão e coerência nas produções textuais dos alunos: orientações aos
professores de língua portuguesa que atuam nos anos finais do ensino fundamental e
90
médio
No rastro dos imigrantes: a esperança de um mundo novo, o Brasil para os haitianos
114
O estado regional autonômico
123
O ônus da prova e o sistema acusatório no direito processual penal brasileiro
137
Reflexões sobre a cultura do capital: relações do trabalho e educação
143
TRABALHOS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA
Controle de constitucionalidade brasileiro e o direito comparado
157
A execução da pena e o cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana
183
O fenômeno das sociedades anônimas
198
Aplicação da pena de morte no Brasil
208
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APRESENTAÇÃO
Pelo terceiro ano consecutivo temos a grata satisfação de apresentar à comunidade
acadêmica e ao público em geral o resultado dos esforços de professores e alunos no
desenvolvimento da pesquisa e da iniciação científica no âmbito de nosso curso de Direito.
Sabemos que o desenvolvimento de uma instituição de ensino não se mede
estritamente e necessariamente pela sua dimensão de infraestrutura física, o qual, embora
relevante, não merece maior prestígio do que a dimensão humana e das ideias que essa
dimensão pode produzir, graças à participação ativa dos membros da comunidade acadêmica
no desenvolvimento de uma criticidade construtiva, em que as reflexões e o pensamento
possam encontrar livre espaço para sua construção.
Assim é na FEATI, onde buscamos incentivar o Acadêmico, por diferentes
modalidades, à manifestação de sua criticidade, partindo do universo da pesquisa para, em
um segundo momento, construir suas próprias proposições para a busca de soluções
adequadas aos diferentes desafios da vida contemporânea.
Nesta edição vemos os trabalhos dos professores e dos alunos do curso de Direito,
demonstrando, assim, o esforço e dedicação deles na pesquisa científica, no diagnóstico e
discussão de temas relevantes na seara do Direito Constitucional e que impactam
decididamente na realidade da vivência quotidiana dos direitos fundamentais em sociedade.
Nosso objetivo é que as contribuições aqui reflexionadas possam se tornar
conhecidas do grande público e que nosso curso cresça ainda mais na profundidade dos
temas que tratar, valorizando cada dia mais a pesquisa científica, a fim de que haja uma
manutenção adequada dos níveis de qualidade do ensino, mas, acima de tudo, para que
tenhamos bons egressos que, ao voltarem para a sociedade depois de frequentarem os
bancos desta instituição, possam perceber os graves problemas que ainda afetam a
construção de uma Nação verdadeiramente democrática, pluralista e inclusiva, enfim, para
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que encontrem criticamente o caminho da busca incessante da efetivação de nossa
Constituição e dos Direitos Humanos em nosso País.
A verdadeira educação que desejamos imprimir no curso de Direito da FEATI é aquela
que possa transformar o oprimido, libertar o cativo, trazer luz às trevas da ignorância,
renovar os hábitos, promover a pessoa humana e sua dignidade, enfim, uma “educação
como prática da liberdade” (Paulo FREIRE), capaz de fazer de nossa Constituição uma força
viva na sociedade e não “mera folha de papel” (LASSALE).
É o que sonhamos... É o que buscamos... Todos os que nesta edição publicaram
compartilham do mesmo sonho. Parabéns ao Curso de Direito da FEATI por possuir valorosos
professores e dedicados alunos! Vamos avante!
Ibaiti-PR; Julho de 2015.
Prof. Me. Ronny Carvalho da Silva
Coordenador do Curso de Direito da FEATI
Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra
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EDUCAÇÃO POLÍTICA, PRESSUPOSTO PARA O EXERCÍCIO PLENO DA CIDADANIA NO ESTADO
DEMOCRATICO DE DIREITO.
Prof. Ronny Carvalho da Silva
Professor e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e
Tecnologia de Ibaiti. Procurador do Município de São José da Boa Vista. Mestre em Direito
pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Gilson Proença de Meira
Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade de Educação,
Administração e Tecnologia de Ibaiti
1 INTRODUÇÃO
Todos são chamados a opinar na escolha dos representantes políticos a cada dois
anos, votando e elegendo candidatos para a representação política nas três esferas de
atuação política, quais sejam, as esferas municipal, estadual e federal, no entanto é cediço
que a população brasileira ainda pode ser compreendida dentro de um contexto de
analfabetismo político caracterizado pela falta de consciência política dos eleitores e da
compreensão adequada do fenômeno político, da relevância do voto, da participação
popular através dos mecanismos de democracia direta e outros temas ligados com o
exercício pleno da cidadania.
Diante das nefastas consequências de uma analfabetismo político para a condução
política da Nação, e a partir dessa ótica, algumas reflexões devem ser realizadas com o
objetivo de se tentar conhecer mecanismos aptos à uma mudança de panorama,
vislumbrando uma busca por condições efetivas de consciência cidadã por parte dos
cidadãos.
Acredita-se que a problemática se assenta na inexistência de uma educação
alicerçada em práticas libertadoras cunhadas sob o enfoque da política e sua importância
social, partindo do pressuposto que as pessoas não são educadas politicamente de forma
adequada para a participação ativa e consciente da vida em sociedade.
Nesse contexto, o presente artigo aborda o tema da educação política como
pressuposto para o exercício pleno da cidadania no estado democrático de direito brasileiro,
tendo por referência essencial a obra do pedagogo Paulo Freire.
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2 EDUCAÇÃO POLÍTICA PARA EXERCÍCIO PLENO DA CIDADANIA CONSTITUCIONAL:
Tem-se percebido que a educação e o educador em diversos níveis de protagonismo
educacional, seja do primário ao ensino superior, tem descuidado do papel político da
educação, como instrumento de inclusão no exercício da cidadania.
Sob a ótica de Paulo Freire, há um erro evidente no processo educacional atual que se
preocupa tão somente com a transferência meramente de conteúdos técnicos, sem
preocupação alguma com a formação e a transformação do indivíduo como ser consciente
de seus deveres políticos e do exercício pleno da cidadania.
Conforme leciona o educador (FREIRE, 2001, p. 51):
Para finalizar, gostaria de sublinhar um equívoco: o de quem
considera que a boa educação popular hoje é a que, despreocupada
com o desvelamento dos fenômenos, com a razão de ser dos fatos,
reduz a prática educativa ao ensino puro dos conteúdos, entendido
este como o ato de esparadrapar a cognoscitividade dos educandos.
Este equívoco é tão carente de dialética quanto o seu contrário: o que
reduz a prática educativa a puro exercício ideológico.
Inegável, pois, que a educação deve ser entendida como um ato político por si só,
sendo descabido o pensar em educação de forma desvinculada da política, tratando da
política e sua fenomenologia apenas como uma disciplina da grade educacional.
Deve-se, portanto, privilegiar uma educação que possa conferir ao indivíduo uma
capacitação para o exercício pleno de sua cidadania, através do surgimento de um
reconhecimento de sua inserção no contexto democrático, assim como no conhecimento de
quais instrumentos democráticos estão previstos constitucionalmente para a
instrumentalização dessa participação efetiva.
Nos dizeres de Freire (1999, p. 20), deve haver uma “educação para a decisão, para a
responsabilidade social e política”, a fim de que o indivíduo possa primeiramente adquirir
consciência de seu papel histórico, sua colocação historicamente estabelecida, a partir da
qual possa adquirir a consciência de sua cidadania, dos seus direitos, dos seus deveres, por
conseguinte sua organização e participação inclusiva na vida comum da sociedade.
Inegavelmente em termos de educação política há uma falta generalizada de
conhecimento e interesse popular, de uma visão mais aguçada da vida pública, há ausência
de processos pedagógicos voltados à capacitação do indivíduo acerca dos processos que
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direcionam a vida em sociedade, bem como sobre o Estado e a formação das estruturas de
poder político.
Vale dizer que há uma cultura institucionalizada para desestimular a participação
popular na política diante da ausência de uma educação política que proporcione o
entendimento massificado dos instrumentos jurídicos e políticos de participação popular, da
compreensão do papel das instituições políticas, da exata noção do significado dos direitos e
garantias fundamentais, assim como dos deveres fundamentais que tocam aos cidadãos.
Ademais, o Estado burocratizado dificulta ainda mais o entendimento e a participação
ativa dos cidadãos no processo político, vez que o modelo de Administração Pública, calcado
no formalismo exagerado, dificulta sobremaneira o exercício da cidadania, seja porque o
próprio servidor é vítima de uma educação não política, seja porque o cidadão que busca os
serviços e as informações do Poder Público desconhece os caminhos e instrumentos
adequados de efetivação de suas demandas.
Por meio da educação política, é possível a superação de um modelo de fatalismo
ontológico assumido pelas classes sociais inferiorizadas, de modo a que o discurso possa ser
modificado e reproduzido de maneira diversa. Conforme Freire (2003, p. 49):
Este fatalismo, às vezes, dá a impressão, em análises superficiais, de
docilidade, como caráter nacional, o que é um engano. Este
fatalismo, alongado em docilidade, é fruto de uma situação histórica
e sociológica e não um traço essencial da forma de ser do povo.
Com efeito, a suposta mansietude do povo brasileiro decorre mais de sua
incapacidade de mobilização social e política, por desconhecimento de suas potencialidades
constitucionalmente estabelecidas, do que uma característica antropológica do grupo
formativo da população brasileira.
É preciso romper com esse lastro de autoritarismo pedagógico, de modo a
estabelecer na educação inclusiva o modelo de educação para a política, evidenciando os
modelos, as práticas, os instrumentos e as prerrogativas do exercício pleno da cidadania, sem
descuido com os deveres constitucionalmente estabelecidos.
Assim, pois, é preciso assumir realmente a politicidade da educação, educando a
todos para serem e se tornarem cidadãos plenos, conhecedores de seus direitos e deveres, e
com consciência para lutar por uma transformação real da nossa realidade social na busca da
efetivação do texto Constitucional.
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A omissão de educação política é a continuação da exclusão histórica das massas
populares na participação política do estado. Isso acontece desde a Grécia antiga passando
pela idade média até os dias atuais, apenas mudaram os critérios para permitir o exercício da
cidadania, de voto censitário, ou seja, do grande proprietário de terras a alfabetizado (aquele
que sabe ler e escrever), e isso é feito utilizando de vários instrumentos alienantes, em
destaque a educação usada como instrumento de domesticação, para formar o homem
objeto.
Que a alfabetização tem que ver com a identidade individual e de
classe, que ela tem que ver com a formação da cidadania, tem. É
preciso, porém, sabermos, primeiro, que ela não é a alavanca de uma
tal formação – ler e escrever não são suficientes para perfilar a
plenitude da cidadania –, segundo, é necessário que a tornemos e a
façamos como um ato político, jamais como um que fazer neutro.
(FREIRE, 2001, p.30)
Dessa forma, é possível entender que a educação política é um pressuposto para o
exercício pleno da cidadania, de modo que se torna necessário e urgente que as pessoas
tenham maior acesso a ela, a fim de conhecerem os mecanismos de participação popular, as
garantias fundamentais e os postulados básicos e essenciais de uma vivência democrática
plena.
Inserido nesse contexto, deve ser dada primazia ao estudo e conhecimento da
Constituição republicana, a constituição cidadã de 1988, como elemento primordial de
aglutinação dos anseios políticos essenciais e fundamentais da sociedade politicamente
organizada.
Conforme destaca Canotilho (2003), há algumas questões fundamentais que devem
ser pensadas e respondidas pelos cidadãos de modo a se tornar evidente um protagonismo
político-constitucional adequado dos cidadãos.
Segundo o mestre de Coimbra, todos os cidadãos deveriam ter condições de
responder adequadamente às seguintes indagações:
(…) o que é uma constituição e porque é que a constituição assumiu
centralidade política e jurídica nos modernos estados constitucionais;
qual o direito posto numa lei fundamental?; qual a melhor
constituição e quais os problemas políticos agitados pelo direito
constitucional? (CANOTILHO, 2003, p. 29)
Perguntas fundamentais que, uma vez respondidas pela maioria da população,
resultaria na adequada compreensão do fenômeno político-constitucional e
consequentemente aumentariam os níveis de entendimento e valorização dos processos
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constitucionalmente estabelecidos para manifestação e participação popular nas decisões
políticas fundamentais, notadamente no que se refere aos instrumentos de participação
democrática direta.
Conforme a máxima schmittiana (SCHMITT, 1996, p. 47): “No fundo de toda
normatização reside uma decisão política do titular do poder constituinte, ou seja, do povo
(…).”
Nesse sentido, Canotilho (2003, p. 1441) esclarece que:
A organização do poder político pela constituição não se limita à
criação de órgãos e definição das respectivas competências e funções.
À constituição pertence definir os princípios estruturantes da
organização do poder político (…).
Assim, plenamente perceptível que, de fato, a constituição é antes de mais nada um
reflexo de decisões políticas fundamentais de um povo, e assim sendo, tais decisões políticas
precisam ser bem compreendidas para serem vivenciadas em um contexto de aproximação e
percepção dos seus objetivos fundamentais.
Enquanto essa adequada compreensão do papel político da constituição e da vivência
política do cidadão dos postulados fundamentais previstos constitucionalmente, nãos parece
crível que haverá uma efetivação da cidadania plena e do princípio democrático.
Com efeito, a cidadania implica no reconhecimento de que ao cidadão é reservado o
direito e o dever de participação política, ou seja, influenciar decididamente nos destinos da
coletividade agrupada sob o que ficticiamente restou denominado por Estado.
Cabe à educação o papel de fornecer os cabedais de informação e competências a
serem transferidas aos educandos, de modo a que esses, se apropriando desses conceitos
constitucionalmente estabelecidos, possam efetivá-los na vivência prática do quotidiano.
Não é sem razão que a própria Constituição estabeleceu que à educação compete
preparar o indivíduo para “o exercício pleno da cidadania” (art. 205), de modo que não se
pode compreender a educação, como visto alhures, como mera transferência de conteúdos
profissionalizantes e técnicos, mas sim como um processo de formação política do indivíduo
visando prepará-lo para bem exercer seus direitos e deveres perante a coletividade, bem
compreendo seu papel como “ser político” (Aristóteles), apto a manejar os instrumentos de
efetivação da democracia direta previstos constitucionalmente.
Bem salienta Fachin (2012, p. 206):
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O capítulo reservado à educação, à cultura e ao desporto revela
preocupação com a cidadania. Estabelece que a educação,
compreendida como direito fundamental, deve estar voltada ao
pleno desenvolvimento da pessoa humana (…).
Portanto, a educação bem compreendida como um ato político de educar para
preparar para a cidadania, deve ser oportunizada para todos, caso contrário estar-se-á
mantendo as massas incultas nas trevas da ignorância, não permitindo que se assenhorem
de seus direitos e deveres políticos em plenitude.
Assevera Paulo Freira (2003, p. 128):
Por que não fenecem as elites dominadoras ao não pensarem
com as massas? Exatamente porque estas são o seu contrário
antagônico, a sua “razão”, na afirmação de Hegel, já citada. Pensar
com elas seria a superação de sua contradição. Pensar com elas
significaria já não dominar.
Por isto é que a única forma de pensar certo do ponto de vista
da dominação é não deixar que as massas pensem, o que vale dizer: é
não pensar com elas.
Em todas as épocas os dominadores foram sempre assim –
jamais permitiram às massas que pensassem certo.
Com efeito, a cidadania plena somente poderá ser alcançada com a participação ativa
da sociedade, de todas as camadas que compõe o substrato social, notadamente as
categorias que compõe a grande maioria e que integram os grupos mais vulneráveis dos
trabalhadores assalariados, urbanos e rurais, e demais classes trabalhadoras que sempre
tiveram seu direito à educação negligenciado pelo Estado, elitizado que sempre foi.
A cidadania plena que se pretende atingir ultrapassa meros conceitos teóricos e se
consubstancia em uma capacidade reativa da sociedade em se comportar politicamente
dentro do quadro geral do constitucionalismo, sob o manto das inúmeras possibilidades de
participação ativa.
Nos dizeres de Silva (2004, p. 104-105):
A cidadania está aqui num sentido mais amplo do que o de titular de
direitos políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o
reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade
estatal (art. 5º, LXXVII). Significa aí, também, que o funcionamento do
Estado estará submetido à vontade popular. E aí o termo conexiona-
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se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1º),
com os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III), com os objetivos da educação (art. 205),
como base e meta essencial do regime democrático.
A educação é o principal instrumento para que alcance a cidadania plena, preparando
o individuo para o exercício do seu status activae civitatis, ou seja, participar ativamente da
condução política do país, influindo decididamente nas decisões que possam acarretar
mudança de paradigmas e adoção de rumos e programas de Estado, com considerável
influência sobre todos os integrantes da sociedade.
3 CONCLUSÕES
A Constituição republicana de 1988 conferiu uma série de direitos e deveres aos
cidadãos brasileiros sob uma perspectiva jamais vista anteriormente. Não é sem razão que a
Constituição de 1988 é reconhecida como a “Constituição-cidadã”, dado seu avançado rol de
prerrogativas políticas e de participação popular na vida política do país.
Inobstante os avanços alcançados na conquista de direitos e prerrogativas que
conferem aos cidadãos um estruturado arcabouço jurídico-constitucional de exercício pleno
de cidadania, verifica-se que o status activae civitatis não encontrou ainda ressonância na
vida prática quotidiana da sociedade.
A percepção nítida dos descompasso entre a previsão jurídico-constitucional e sua
efetivação, no que se refere aos instrumentos de participação popular previsto na Lei Maior,
não deixa dúvidas quanto à baixa interação do povo com os referidos instrumentos
constitucionais.
Facilmente se pode constatar que a sociedade brasileira, de um modo geral, não
compreende adequadamente as ferramentas de participação democrática previstos na
constituição e que permitiria uma participação ativa nas decisões políticas fundamentais.
De igual modo o exato reconhecimento da importância dos institutos de participação
política, de democracia direta e as de democracia participativa, dos conselhos comunitários,
da iniciativa popular, entre outros, não fazem parte da cultura popular e não há um interesse
generalizado pelo conhecimento desses mecanismos.
Mal se sabe votar e mal se sabe a relevância do “saber votar”, de modo que apenas
se trata o direito ao voto como uma “obrigação” que se não se pode furtar sob pena de
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penalizações, mas não se reflete criticamente sobre o instituto e seu papel fundamental na
formação do corpo político que estará à frente do corpo político nas esferas de poder.
Cumpre reconhecer, dessa forma, a importância da educação política como
instrumento eficaz de formação cidadã, através da implantação de uma cultura para a
formação de um corpo social consciente de seu papel na condução da vida política da Nação
que integram.
O desprezo por uma educação verdadeiramente inclusiva e que trate dos fenômenos
políticos constitucionalmente estabelecidos, implica na baixa concretização de valores tão
caros à Nação e conquistados às duras penas pelas gerações que antecederam a esta.
Cumpre, assim, reconhecer a educação política como mecanismo de efetivação de uma
cidadania plena, assim compreendida como a cidadania verdadeiramente vivenciada no
quotidiano das pessoas.
Enquanto a educação não libertar o homem e a mulher do jugo das elites
dominantes, que dizem o que é bom e que dirigem as vidas das massas menos favorecidas
como que desprovidas de uma capacidade de se autogovernarem, não se alcançará a
efetivação da cidadania plena, concluindo que a democracia brasileira ainda precisa de
concretização, não bastando seu enunciado formal no texto constitucional. Somente a
educação política poderá transformar nossa democracia em força viva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CANOTILHO, José Joaquim Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.
7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FREIRE, Paulo. Política e Educação: Ensaios. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 36ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. Trad. Francisco Ayala. Madrid: Alianza Editorial,
1996.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.
FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
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A REFORMA AGRÁRIA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Prof. Edson Luiz Zanetti
Professor da Faculdade de Educação Administração e Tecnologia de Ibaiti – FEATI/UNIESP.
Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino – ITE, Bauru.
Paulo Fernando Zanetti
Engenheiro Agrônomo pela Faculdade de Agronomia e
Engenharia Florestal de Garça- FAEF.
INTRODUÇÃO
A atividade exercida pelo homem do campo é assunto que merece especial atenção
dos governantes do nosso país, para a realização de uma política agrária eficaz conforme os
ditames constitucionais e, as previsões legais estabelecidas, garantindo-se o fornecimento de
alimentos e outros bens retirados da terra, para o consumo da população, a justa
distribuição de terras, empregos no campo.
A propriedade da terra é um direito fundamental, deve ser bem planejada e
organizada a sua distribuição a fim de garantir vida digna àqueles que dela utilizam como
fonte de sustento.
A má distribuição de terras no Brasil tem razões históricas. Quando se implantou a
adoção do regime das sesmarias implantado em nosso país há quase 500 anos, ficou
demonstrado que, embora tenha sido importante para o povoamento das terras brasileiras,
foi um dos principais responsáveis pelo processo de latifundização de nosso solo.
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Enfraquecido pelo autoritarismo político, o Brasil não aderiu aos movimentos sociais que,
no século XVIII, democratizaram o acesso à propriedade da terra e mudaram a estrutura
fundiária em toda Europa e nos Estados Unidos. (CARDOSO, 1997, p. 17)
O Brasil é o quarto maior país do mundo em extensão territorial. Possui 8.547.403
quilômetros quadrados, atrás apenas da Rússia, da China e do Canadá. Para se ter uma ideia,
tem extensão de terras equivalentes a toda Europa, excetuando-se a área pertencente à
Rússia. Somos o país que tem a maior extensão de terra agricultável do mundo (VARELLA,
1998, p. 132).
Além disso, reúne condições climáticas e a fertilidade do solo mais favoráveis
que de outros países.
Com todo o privilégio natural disponível, a estrutura do campo deveria estar melhor
preparada para acolher as reivindicações dos trabalhadores rurais. No entanto, vivenciamos
o cenário onde a maioria desses não tem um pedaço de terra para plantar, enquanto uma
minoria da população é proprietária da maior parte das terras brasileiras.
1 ASPECTOS CONCEITUAIS
O instituto da reforma agrária se compõe de um conjunto de medidas cujo
objetivo é promover a distribuição de terras para a devida utilização e exploração da
propriedade agrária, visando atender aos princípios da justiça social.
A ideia central deste instituto é a desapropriação de áreas rurais improdutivas e a
consequente transferência da posse e propriedade da terra a trabalhadores rurais que não
possuem terras para plantar.
A Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, no Art. 1º, § 1º, cuidou de conceituar a
reforma agrária nos seguintes termos:
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Art. 1º, § 1º – Considera-se reforma agrária o conjunto de medidas
que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante
modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos
princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.
Raphael Augusto de Mendonça Lima em brilhante exposição, ao conceituar reforma
agrária, acrescenta o aspecto da eficiência:
A reforma agrária é a modificação da estrutura agrária deficiente de
um país, ou de uma região, para torná-la eficiente, de acordo com
uma política do Poder Público, a ser executada segundo as
instituições jurídicas que foram especialmente elaboradas a sua
execução, modificando, assim as até então existentes. (LIMA, 1997, p.
231)
Pinto Ferreira afirma ser “[...] a mudança dos traços essenciais e total da atual
estrutura agrária em um sistema de distribuição, utilização e exploração da propriedade
agrícola, tendente à democratização da propriedade rural”. (FERREIRA, 1994, p. 458).
Portanto, a melhor distribuição de terras é a base da reforma agrária. Contudo, como
explica, Paulo Torminn Borges, “[...] não se trata de distribuição de terras pura e
simplesmente, mas envolve a ideia de corrigir o que estiver mal feito, atentando aos
princípios da justiça social”. (BORGES, 1991, p. 22)
Concluímos que o conceito de reforma agrária é bastante amplo, não se prendendo
apenas ao aspecto da melhor distribuição de terras, mas envolvem outras medidas que
atendem o bem-estar social, a produtividade e incentivos ao homem do campo.
2 A RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
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A relativização do direito de propriedade é um dos pilares do modelo de
desapropriação que foi se construindo ao longo dos anos, principalmente, para fins de
reforma agrária.
Durante séculos, a propriedade privada se apresentou como um dos mais
importantes direitos conquistados no decorrer da história. Era concebida como direito
inviolável.
A noção de propriedade como direito ilimitado, se contrapunha ao pensamento de
alguns estudiosos desde a Grécia antiga. Aristóteles dizia que a terra teria de cumprir um
papel na sociedade. (VARELLA, 1998, p. 202).
Na medida em que o bem-estar social foi se transformando no maior valor a ser
defendido pelos homens e pelos Estados, o direito de propriedade, aos poucos, foi perdendo
o seu caráter absoluto, com muito mais intensidade no século passado (PAULSEN, 1998, p.
132), até se formar o convencimento de que a propriedade deve atender a sua função social.
Um dos primeiros estímulos à relativização da inviolabilidade do direito de
propriedade e, consequentemente, para a reforma agrária, provém do século XVIII, com a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que no Art. 17, fez ressalva à
inviolabilidade do direito de propriedade nos seguintes termos:
Art. 17: Ninguém poderá ser privado da propriedade, que é um
direito inviolável e sagrado, senão quando a necessidade pública,
legalmente verificada, evidentemente o exigir e sob condição de justa
e prévia indenização.
Mais de 100 anos depois, no dia 15 de maio de 1891, o Papa Leão XIII, publicou a
encíclica Rerum Novarum. Esse documento reconheceu o caráter natural do direito de
propriedade, ressalvando-se, todavia, o cumprimento de sua função social. É a partir desta
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encíclica que a Igreja começou a destacar a importância da função social da propriedade.
(ABINAGEM, 1996, p. 160).
A Constituição do México, de 05 de fevereiro de 1917, também contribuiu para o
assunto. Previu que as terras e águas compreendidas nos limites territoriais do país,
pertenciam à nação mexicana. No seu Art. 27, como observa Olavo Acyr de Lima Rocha, “[...]
deixou assentado que a nação teria sempre o direito de impor à propriedade privada as
modalidades de aproveitamento dos elementos naturais suscetível de apropriação”. (ROCHA,
1992, p. 72).
É bastante festejada a Constituição de Weimar de 1919, que no seu Art. 153,
assegurou que o uso da propriedade constitui um serviço para o bem comum. Neste período
ocorreram reformas agrárias em países como: Alemanha, Áustria, Checoslováquia, Estônia,
Lugoslávia e Polônia. (ROCHA, 1992, p. 72 ).
Enfim, aos poucos foi se concretizando a noção de que o absolutismo não é mais da
propriedade em si mesma, mas sim, a sua função social, que constitui o seu perfil
constitucional adotado na maioria dos Estados (SILVEIRA, 1998, p. 13). Com efeito, abriramse as portas para a concretização da reforma agrária nos Estados.
3 EVOLUÇÃO JURÍDICA DA REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL
Importante anotar que são três as modalidades de desapropriação reconhecidas no
direito brasileiro: desapropriação por necessidade ou utilidade pública; por interesse social e
por interesse social para fins de reforma agrária.
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Nota-se que desde a Constituição do Império e a Primeira Republicana, a
possibilidade de desapropriação da propriedade particular esteve prevista, no entanto, se
limitava à modalidade necessidade ou utilidade pública.
Na época de vigência dessas Constituições, surgiram alguns movimentos sociais lutando
por melhores condições de vida. Marcelo Dias Varella informa que “[...] tanto no período colonial
quanto após a declaração da independência, é possível observar a ocorrência de diversas
rebeliões de caráter nitidamente agrário” (VARELLA, 1998, p. 132 ). No entanto, tais movimentos
foram logo abafados pelo governo do país.
Com a promulgação da Constituição de 1946, no Art. 141, § 16, incluiu-se a
modalidade de desapropriação por interesse social, mediante prévia e justa indenização em
dinheiro. No entanto, essa modalidade de desapropriação somente foi regulamentada a
partir da Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, quase vinte anos depois. Nas palavras de
Ismael Marinho Falcão:
Infelizmente, a norma constitucional quanto à desapropriação por
interesse social, ficou como letra morta até 1962, quando veio à luz a
Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, definindo os casos de
desapropriação por interesse social. (FALCÃO, 1995, p. 61).
A lei acima mencionada tratou de assuntos como: a decretação da desapropriação
por interesse social para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu
uso ao bem estar social e, a definição para se considerar o interesse social e o prazo para
efetivar a aludida desapropriação.
Mas, o passo decisivo para a implantação da reforma agrária no Brasil, ocorreu por
meio da Emenda Constitucional nº 10, de 10 de novembro de 1964, que acrescentou seis
parágrafos ao Art. 147 da Constituição de 1946. No parágrafo primeiro, previu-se a
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desapropriação da propriedade rural mediante pagamento de prévia e justa indenização em
títulos especiais da dívida pública, resgatáveis no prazo máximo de 20 anos.
Nasceu assim, a modalidade de desapropriação por interesse social para fins de
reforma agrária. Nelson Demétrio alvitra que “[...] a Emenda Constitucional nº 10 rompeu o
dique que opunha formal resistência ao instrumento jurídico para o processamento da
reforma agrária brasileira”. (DEMÉTRIO, 1988, p. 33)
No mesmo sentido, Olavo Acyr de Lima Rocha (1992, p. 72) assevera que:
Foi com as modificações de fundo inseridas na Carta Magna de 1946
pela Emenda nº 10, de 10/11/1964, que se tornou possível a efetiva
execução em nosso país da reforma agrária com mais de 40 anos de
atraso com relação àquelas levadas a efeito na Europa.
Nos cofres públicos não havia recursos disponíveis para pagar os proprietários das
áreas desapropriadas. Além disso, “[...] pagar em dinheiro seria premiar quem não cumprisse
sua função social” (NASCIMENTO, 1997, p. 170). A indenização em títulos da dívida pública
representa um grande marco para a justa divisão de terras. O risco de sofrer uma
desapropriação, obrigou os proprietários a tornar suas terras produtivas, cultivando-as de
acordo com suas capacidades.
Entre outras alterações também implementadas pela Emenda nº 10, se destacam: a
competência exclusiva da União para promover a desapropriação agrária, a obrigação de se
indenizar em dinheiro as benfeitorias úteis e necessárias constantes na área desapropriada e,
a isenção de imposto incidente sobre a transferência da propriedade expropriada.
Ato contínuo, o Estatuto da Terra, que entrou em vigência no dia 30 de novembro de
1964, definitivamente, se propôs a resolver a questão. Nas palavras de Nelson Demétrio:
“[...] desencadeando a permissibilidade da reforma agrária em termos jurídicos, condizentes
e adequados às necessidades que inspiram e informam a ordem econômica e social”
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(DEMETRIO,1988, p. 34). Os ideais almejados pela classe dos trabalhadores rurais sem-terra,
enfim, se transformariam em realidade.
4 A REFORMA AGRÁRIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, mais uma vez foi assegurada a
hierarquia constitucional à reforma agrária. Além de se estabelecer o poder geral de
desapropriação prevista no Art. 5º, inc. XXIV, trata da reforma agrária com especialidade,
conforme dispõe o Art. 184:
Art. 184: Compete à União desapropriar por interesse social, para fins
de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua
função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da
dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis
no prazo de até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão e
cuja utilização será definida em lei.
Seguindo as disposições anteriores, o constituinte originário estabeleceu a
competência privativa da União para desapropriar imóvel rural que não esteja cumprindo a
sua função social para o fim de reforma agrária.
Importante destacar a opinião de alguns autores, para quem, na disputa travada
entre os ruralistas e os sem-terra, na época da feitura da Constituição, os primeiros tiveram
vantagem, pois a Constituição teria abordado mais a política agrícola que a reforma agrária.
Nesse sentido, cabe mencionar a observação de José Afonso da Silva que assim se expressa:
“[...] enquanto a esta se opuseram inúmeros obstáculos, àquela tudo ocorre liso e natural,
porque aí é a classe dominante no campo”. (SILVA, 2003, p. 803).
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Discussões à parte, em nosso sentir, a Constituição abordou muito bem os dois
institutos. É clara a vontade do constituinte em promover a política agrícola e a reforma
agrária no Brasil.
Para regulamentar o disposto na Constituição Federal, foi promulgada a Lei nº 8.629,
de 25 de fevereiro de 1993, Lei da Reforma Agrária, que dispõe do modelo de
desapropriação para fins de reforma agrária da propriedade rural que não cumpre com a sua
função social.1
4.1 Propriedades imunes à reforma agrária
Estabelece a Constituição da República que não será objeto de desapropriação
a propriedade rural produtiva e a pequena e média propriedade rural, se o
proprietário não tiver outra, conforme a dicção do Art. 185, incs. I e II.0
A Lei nº 8.629/93, no Art. 4º, inc. II, considera a pequena propriedade rural, aquela
cuja área estiver compreendida entre 01 (um) e 04 (quatro) módulos fiscais. No inciso III,
dispõe que média propriedade é a área superior a 04 (quatro), até 15 (quinze) módulos
fiscais.
Anota-se que além da pequena e média propriedade rural ressalvada, se a
propriedade é produtiva e cumpre a sua função social, mesmo que seja de grande extensão,
não poderá ser desapropriada. A propósito, o art. 6º da Lei nº 8.629/93, estabelece:
1
Art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.629/93: Compete à União desapropriar por interesse social, para
fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.
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Art. 6º: Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada
econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de
utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices
fixados pelo órgão federal competente.
O exame do enunciado acima evidencia, desde logo, que são dois os elementos
essenciais para a constatação de uma propriedade rural produtiva: grau de utilização da terra
e grau de eficiência na exploração.
É de grande relevância a norma estabelecida, pois o Brasil precisa de propriedades
produtivas, que gerem renda para o país, além da produção de alimentos, biocombustíveis e
outros produtos levados ao mercado de consumo. Se a propriedade rural, mesmo sendo de
grande extensão, atender à função social, à luz de nossa realidade, não deve ser
desapropriada.
Por fim, cumpre também anotar que além de ser imune à desapropriação para o fim
de reforma agrária, a pequena propriedade rural, desde que trabalhada pela família, não
será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes da atividade produtiva,
conforme dispõe o Art. 5º, inc. XXVI, da Constituição Federal de 1988, assegurando o
princípio da dignidade da pessoa humana.
4.2 Uma melhor organização nos assentamentos de reforma agrária
Hodiernamente, é compreensível a noção de que não basta promover a distribuição
de terras, mas é fundamental que haja eficiência e organização nos projetos de reforma
agrária no país. Necessariamente, os beneficiados devem ser aqueles que não têm terra e
querem um pedaço de chão para plantar.
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Para esclarecer este ponto, citamos o noticiário do Jornal Nacional, 2 do dia 12 de
novembro de 2007, que exibiu uma matéria que põe em dúvida a eficácia dos projetos de
reforma agrária realizados no Brasil. Foram apontadas ilegalidades ocorridas em
assentamentos rurais nas cidades de Uberlândia, Campo Florido e Ibiá, todas, no Estado de
Minas Gerais. Constatou-se que áreas desapropriadas para o fim de reforma agrária estão
sendo vendidas pelos colonos.
No assentamento de Uberlândia, dos 87 lotes, 48 foram vendidos. Em Campo Florido,
usineiros teriam demonstrado interesses pelas terras dos assentamentos. Na cidade de Ibiá,
os lotes que deveriam atender aos fins da reforma agrária, acabaram virando chácaras.
Se analisarmos os diversos assentamentos de reforma agrária, certamente
constataremos que esse tipo de ilegalidade não acontece somente em Minas Gerais, mas
também, em outros Estados da Federação.
No dia 15 de fevereiro de 2013, o Jornal Estado de São Paulo3 publicou matéria
revelando a ousadia em alguns assentamentos, onde se chega a utilizar anúncios em jornais
para venda de lotes.
É, justamente, para corrigir este tipo de distorção, que se exigem maiores cuidados,
não se admitindo a entrega de terras a pessoas que não sabem, ou não querem cultivá-las.
Precisamos de reforma agrária, mas que os beneficiários, realmente, sejam os que realmente
necessitam e querem trabalhar com a terra.
Evidente que existem assentamentos rurais eficientes em nosso país, onde a reforma
agrária tenha dado certo. Contudo, é necessário o aperfeiçoamento do sistema, para que a
área objeto de reforma agrária seja adequadamente aproveitada pelos colonos.
2
Disponível em: <http://www.jornalnacional.globo.com/jornalismo>. Acesso em: 13 mar. 2008.
3
Disponível em: < http:// www.politica.estadao.com.br/noticias/geral,venda-de-lote-da-reformaagraria-e-anunciada-em-jornal,997428 >. Acesso em 25 jul.205.
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Importante também observar, que a disponibilizarão de recursos financeiros e o
acompanhamento técnico a esses trabalhadores, são condições imprescindíveis para que
possam se manter na posse terra e viver com dignidade.
5 O LATIFÚNDIO NO BRASIL
No ensinamento de Eduardo Bratz, o “[...] latifúndio é a nomenclatura atribuída
a grandes extensões de terras que são cultivadas de forma precária, deficiente, com
tecnologias arcaicas que proporcionam baixa produtividade”. (BRATZ, 2007, p. 52).
O Estatuto da Terra, no Art. 4º inc. V, alíneas ‘a’ e ‘b’, dispõe que se considera
latifúndio o imóvel rural que:
Art. 4º, inc. V – [...].
a) exceda a dimensão máxima fixada na forma do Art. 46, § 1º, alínea
‘b’, desta lei, tendo-se em vista as condições ecológicas, sistemas
agrícolas regionais e o fim a que se destine;
b) não excedendo o limite referido na alínea anterior, e tendo área
igual ou superior à dimensão do módulo de propriedade rural, seja
mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas
e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja, deficiente ou
inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão no
conceito de empresa rural.
Desse modo, o latifúndio pode ser definido em duas modalidades: o de extensão
incompatível com o previsto na lei, levando-se em conta as condições ecológicas,
sistemas agrícolas regionais e o fim a que se destine e o imóvel rural de área igual ou
superior ao módulo rural que seja inexplorado, ou com incorreta utilização.
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Constata-se que na primeira modalidade, o latifúndio por extensão não se constitui
apenas pelo tamanho da área nas mãos do proprietário ou possuidor. A impossibilidade de
cultivar grandes áreas é um componente imprescindível para a configuração desta
modalidade. Como assevera Cristiane Lisita Passos, “[...] latifúndio hoje denota não o
tamanho do imóvel, mas a sua inexploração ou exploração ineficiente”. (PASSOS, 2004, p. 55).
Na segunda modalidade, o possuidor ou proprietário considerando as características
e a extensão do imóvel tem condições de explorar a terra e, mesmo assim, não o faz, ou a
utiliza de forma inadequada.
É importante frisar que o latifúndio é incutido à estrutura econômica do nosso
país. Muitos grupos financeiros apesar de atuarem em diversas áreas da atividade
econômica, se propõem a adquirir grandes quantidades de terras, e com elas fazem
suas especulações e, na maioria das vezes, as mantêm intactas.
Não tendo condições para explorar áreas de até 120 km², proprietários permanecem
na posse da terra, não vendem, não arrendam e nem produzem. Consequentemente, no ano
de 2003, constatou-se que apenas 25% da área territorial brasileira é ocupada para a
exploração rural. (VILELA, s.d., p. 199).
Em estudo ao assunto aqui abordado, Carlos Frederico Marés, lembra do pensamento
de Lucke no século XVI, de que “[...] a apropriação está limitada, porém, à possibilidade de
uso, dizendo que a ninguém é lícito ter como propriedade mais do que pode usar”. (MARÉS,
2003, p. 23).
Justiça seja feita. O Brasil não precisa de gente que se apoie em suas terras com o
objetivo de especulação ou de aparências, mas sim, de pessoas que trabalhem a terra. Por
essa razão, dentro das condições constitucionalmente amparadas, deve o latifúndio ser
desapropriado para o fim de reforma agrária.
A propriedade privada é elevada à condição de direito fundamental, e sendo esta
rural, desde que produtiva, propõe escopo para a consolidação da dignidade da pessoa
humana. Encerramos esta parte com o pensamento de Júlio José Chiavenato, para quem
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“[...] nada no Brasil mudará enquanto não eliminarmos a fonte da miséria: o latifúndio”.
(CHIAVENATO, 1996, p. 06).
6 CONCLUSÕES
É notória e complexa a situação dos trabalhadores sem-terra, compreendendo-se
que muitos desses, há décadas, esperam por um pedaço de chão para produzir, quando, na
verdade, observamos que a justa distribuição de terras no Brasil ainda está longe de se
realizar.
Enquanto isso, alguns privilegiados são proprietários da maior parte das terras
brasileiras. Pessoas que não pretendem e não querem produzir, utilizam a terra com fins
especulativos, na expectativa de que depois de alguns anos o valor comercial da terra nua
seja bem superior ao de hoje, no mercado imobiliário.
A desapropriação é medida necessária para resolver a questão, que na maioria dos
casos, envolve latifúndios improdutivos que desconsideram completamente, a função social
da propriedade. Só assim se tornará possível a tão esperada reforma agrária no Brasil,
objetivando-se o acesso à terra a quem dela precisa e quer cultivá-la.
O estado democrático de direito, a dignidade da pessoa humana não se coaduna com
a precária política de reforma agrária no Brasil, é necessário incentivos políticos e
econômicos para formar acampamentos rurais e após criar condições dignas para manter
esta categoria de trabalhadores no cultivo da terra.
Não restam dúvidas que o setor rural precisa de maior atenção por parte do Estado.
Como todo cidadão urbano, os moradores e trabalhadores do campo também necessitam de
condições de vida digna, principalmente, com a merecida valorização do trabalho que
exercem.
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Por tudo se impõe uma reforma agrária como efetivação dos direitos fundamentais.
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A SOCIOLOGIA DE PIERRE BOURDIEU
Profa. Flavia Wegrzyn Martinez
Professora do Curso de Direito e Pedagogia da Faculdade de Educação,
Administração e Tecnologia de Ibaiti. Doutoranda em Educação pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Jeferson de Campos
Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e
Tecnologia de Ibaiti
1 INTRODUÇÃO
Pierre Bourdieu, um intelectual intensamente afinado com as principais antinomias
do tempo presente, foi o mais respeitável sociólogo público de sua geração, não apenas na
França, mas também em todo o mundo. Realizou críticas ao neoliberalismo que, por sua vez,
alcançaram amplas audiências extra-acadêmicas. A insistência de Bourdieu acerca da
reflexividade tornou-se incansável, assegurando que sua proposta não era de denunciar ou
incriminar os colegas cientistas, mas no sentido de libertá-los das ilusões escolásticas que no
seu entendimento, nascem das condições especiais nas quais eles produzem o
conhecimento, pois para Bourdieu, conhecer profundamente “as condições de produção do
conhecimento é a condição necessária para a produção de um conhecimento melhor”
(BURAWOY, 2010, p.26).
Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo apresentar e compreender a
grandeza do legado de Bourdieu. As reflexões teóricas no texto se dão especialmente partir
dos conceitos de campo e habitus de Pierre Bourdieu. Da mesma forma, o texto realiza
discussão acerca da teoria sociológica do autor, destacando suas contribuições para o campo
da educação.
A escolha pelos conceitos de habitus e campo se deve ao fato de
representarem uma importante contribuição de Bourdieu ao pensamento sociológico, pois
tais conceitos, aponta o autor, permitem uma melhor compreensão do mundo social, assim
como dos múltiplos espaços que o compõem, considerando suas hierarquias e lutas internas,
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revelando os aspectos conflituosos e as relações de poder que permeiam as relações
humanas.
Primeiramente, o texto apresenta uma concisa abordagem sobre a trajetória
intelectual do autor com intento de compreender a gênese de sua teoria sociológica. Em
seguida realiza-se uma discussão sobre esses dois conceitos, ao lado de outros, não menos
importante, como capital cultural e violência simbólica. É indispensável salientar que os
conceitos de campo e habitus representam uma unidade na sociologia de Bourdieu, o que
implica em dizer que ambos os conceitos não podem ser separados quando aplicados na
pesquisa. Portanto, neste texto, serão tratados separadamente apenas para efeito de
exposição didática.
2 A PRAXIOLOGIA DE PIERRE BOURDIEU
Pierre Felix Bourdieu (1930-2002), pertence ao grupo de filósofos da renomada École
Normale Supérieur de Paris e viveu o conjunto de ritos da instituição, destinados a produzir
uma convicção íntima e uma adesão inspirada, que o constitui filósofo” (BOURDIEU, 2013, p.
24). Bourdieu, embora não deixasse de intervir no campo filosófico, como expressam as
obras, A ontologia política de Martin Heidegger, 1988, e Meditações pascalinas, 1997
(BOURDIEU, 2013), interessa-se pela sociologia de modo que faz dela sua vocação e seu
combate. Bourdieu tem sua vida acadêmica, marcada por um trabalho científico de grande
fôlego, regular, cotidiano, sistemático, persistente, sólido polêmico.
A formação inicial de Bourdieu se deu no campo da Filosofia nos anos de 1950, na
Escola Normal Superior de Paris e na Sorbonne, entretanto a partir do período vivido na
Argélia (1955-1960), se dirigiu para a área das Ciências Sociais, em especial para a
Antropologia e a Sociologia. A mudança em direção às Ciências Sociais parece estar ligada a
sua origem social modesta e provinciana, fato que não lhe propiciava as disposições exigidas
à época para o exercício da disciplina rainha na França (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009, p. 9).
Tendo Bourdieu passado pela experiência difícil, em âmbitos subjetivos, de inserção
simultânea em dois universos culturais distintos (o familiar e o da elite escolar), atribuía a si
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mesmo uma espécie de habitus clivado, produto da dissonância entre a alta consagração
escolar e a baixa extração social (BOURDIEU, 2004).
Nosso autor ao longo de 45 anos, desenvolveu uma sociologia em que se estuda “[...]
a lógica da dominação social nas sociedades de classe e os mecanismos pelos quais ela se
disfarça e se perpetua” (CATANI 2007, p. 74). Suas obras são caracterizadas por ultrapassar as
fronteiras disciplinares, pois compreendem estudos em diversos campos das Ciências Sociais
(Sociologia, Antropologia, Sociolonguistica). Assim, como são compostas por grande
variedade temática, pois o autor escreve sobre fenômenos tão díspares, como: “religião,
artes, escola, a linguagem, a mídia, a alta costura, o gosto, entre tanto outros. Essas
disposições intelectuais ecléticas conduziram-no à recusa de todo monismo metodológico
(BOURDIEU, 2004). Para tanto, Bourdieu utiliza em seus estudos, das mais variadas técnicas e
métodos de pesquisa, como: observação etnográfica, medição estatística, pesquisa por
questionário, trabalho com fontes documentais até então inusitadas (NOGUERIA; NOGUEIRA,
2009).
Bourdieu relata que muitas das disposições intelectuais que possui em comum com a
geração estruturalista, principalmente com Althusser e Foucault devem-se ao fato de não ter
aceitado o existencialismo, presente na época de 1950, em que a fenomenologia, na sua
variante existencialista, estava no auge. Dessa forma, rejeitou o humanismo, no sentido de
complacência em relação ao vivido.
Segundo Bourdieu (2004), o estruturalismo foi muito importante, pois pela primeira
vez, uma ciência social se estabeleceu como disciplina respeitável, e até mesmo dominante.
Lévi-Strauss denominou sua ciência de antropologia, ao invés de etnologia, reunindo assim o
sentido anglo-saxão e o filosófico alemão. Ao mesmo tempo Foucault traduziu a
Anthropologie, de Kant (BOURDIEU, 2004). Tais fatos são responsáveis por enobrecerem a
ciência do homem, então fundada, deve-se à referência a Saussure. Entretanto, Bourdieu
afirma não se incluir dentro da corrente estruturalista, e elenca dois motivos para tanto: “[...]
primeiro porque estou separado dela por uma geração escolar (fui aluno deles) e também
porque rejeitei o que me pareceu ser uma moda [...]” (BOURDIEU, 2004, p. 16).
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Sendo assim, ao desenvolver sua teoria sociológica, Bourdieu (2004, p. 18) afirma que
apesar de aplicar o “modo de pensamento estrutural ou relacional na sociologia, resistiu com
todas as forças às formas mundanas do estruturalismo”. Dessa forma, a teoria sociológica na
visão de Bourdieu (2004), visa estabelecer a articulação dialética entre os indivíduos e as
estruturas sociais. Ademais, o conhecimento praxiológico proposto pelo sociólogo Pierre
Bourdieu,
procura
estabelecer
uma
relação
dialética
entre
os
conhecimentos
fenomenológico e objetivista na construção da teoria da prática ou modos de
engendramento das práticas. Para o autor, o conhecimento praxiológico não extingue as
aquisições do conhecimento objetivista, mas vai além, de maneira a integrar o que a postura
objetivista aboliu para produzir suas formulações teóricas. Para tanto, o autor entende que a
estruturação das práticas e da sociedade é realizada por meio da dialética do processo
interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade (BOURDIEU, 2003).
Na teoria bourdieusiana, o método praxiológico pode ser definido da seguinte
maneira:
O conhecimento que podemos chamar de praxiológico tem como
objeto não somente o sistema das relações objetivas que o modo de
conhecimento objetivista constrói, mas também as relações
dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas nas
quais elas se atualizam e que tendem a reproduzi-las, isto é, o duplo
processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da
interioridade: este conhecimento supõe uma ruptura com o modo de
conhecimento objetivista, quer dizer um questionamento das
questões de possibilidade e, por aí, dos limites do ponto de vista
objetivo e objetivante que apreende as práticas de fora, enquanto
fato acabado, em lugar de construir seu princípio gerador, situando-se
no próprio movimento de sua efetivação (BOURDIEU, 1994, p. 47).
Dessa forma, a praxiologia de Pierre Bourdieu é compreendida como um método,
que objetiva realizar uma leitura da complexidade do mundo social, utilizando como
instrumento as práticas das ações humanas a fim de obter tal compreensão. Bourdieu, foi
um intelectual intensamente afinado com as principais antinomias do tempo presente, foi o
mais respeitável sociólogo público de sua geração, não apenas na França, mas também em
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todo o mundo. Realizou críticas ao neoliberalismo que por sua vez, alcançaram amplas
audiências extra-acadêmicas. A insistência de Bourdieu (2004) acerca da reflexividade
tornou-se incansável, assegurando que sua proposta não era de denunciar ou incriminar os
colegas cientistas, mas no sentido de libertá-los das ilusões escolásticas que no seu
entendimento, nascem das condições especiais nas quais eles produzem o conhecimento.
3 O CONCEITO DE CAMPO
O conceito de campo surgiu nos estudos de Bourdieu como uma “estenografia
conceitual” que conduziria todas as opções práticas de pesquisa do sociólogo, sobremaneira
a sua recusa à alternativa da interpretação interna da explicação externa, perante as quais
entendia o sociólogo, estavam colocados todos os produtos culturais. (BUSETTO, 2006, p.
114). No primeiro terço de seu percurso intelectual, Bourdieu (1989) define o conceito de
campo assim como avança na elaboração da sua teoria geral da economia dos campos. Dessa
forma, para o autor, a estrutura social de uma determinada sociedade encontra-se
fundamentada na divisão social do trabalho, fato que permite aos agentes munidos de suas
práticas, e as instituições, movimentarem-se no campo de um mercado material e de um
mercado simbólico. Assim, o conceito de campo proposto por Bourdieu (2001), define-se
como espaço onde ocorrem as relações entre os indivíduos, grupos e estruturas sociais, com
uma dinâmica que obedece a leis próprias, acendida pelas disputas de poder ocorridas em
seu interior. Para nível de compreensão, a estrutura de uma campo é definida como “um
estado da relação de força entre os agentes ou as instituições engajadas na luta ou, se
preferirmos, da distribuição do capital específico que, acumulado no curso das lutas
anteriores, orientam as estratégias ulteriores” (BOURDIEU, 1983, p. 90).
De uma maneira geral, todos os campos se estruturam a partir de relações de aliança
ou conlito entre os seus diferentes agentes que lutam pela posse dedeterminadas formas
específicas de capital. As hierarquias no interior de cada um desses campos se estabelecem
pela maior ou menor detenção, por parte dos agentes, dessas formas específicas de capital.
Dentro de um campo, Bourdieu (1989) aponta a hierarquia dos objetos legítimos,
legitimáveis ou indignos, cujos temas de interesse são definidos ideologicamente e
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transmitidos. Para compreender como funciona a estrutura do campo,
é necessário
considerar a hierarquia social dos campos científicos.
[...] com meios e fins diferenciados conforme sua posição na
estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação
ou a transformação de sua estrutura. Algo como uma classe ou, de
modo mais geral, um grupo mobilizado para e pela defesa de seus
interesses (BOURDIEU, 2008, p 50).
Nos campos de produção de bens simbólicos, a forma específica do capital que instiga
as lutas na essência do campo é o capital simbólico expresso em configurações sob formas
de reconhecimento, legimidade e consagração, podendo ser institucionalizadas ou não, que
os diversos agentes ou instituições obtiveram e aculumaram durante o percurso das lutas no
interior do campo ( BOURDIEU, 1989).
É necessário, ainda destacar a diferença entre os conceitos de campo e aparelho na
sociologia de Bourdieu. A noção de aparelho reintroduz, para o sociólogo, um mero
funcionalismo nas Ciências Sociais. Fato que justifica Bourdieu, não se denominar, escola,
estado, igreja e partido como aparelhos, mas sim como campos, pois:
Num campo, os agentes e as instituições estão em luta, com forças
diferentes e segundo as regras constituídas deste espaço de jogo,
para se apropriar dos lucros específicos que estão em jogo neste jogo.
Os que dominam o campo possuem os meios de fazê-lo funcionar em
seu benefício; mas devem contar com a resistência dos dominados.
Um campo se torna aparelho quando os dominantes possuem os
meios de anular a resistência e as reações dos dominados. Isto é,
quando o baixo clero, os militantes, as classes populares, etc., não
podem fazer mais do que sofrer a dominação; quando todos os
movimentos são de cima para baixo e os efeitos de dominação são de
tais que a luta e a dialética constitutivas do campo cessam
(BOURDIEU, 1983, p. 106-107).
Dessa forma, o funcionamento de um campo depende da existência de “ objetos de
disputas e de pessoas prontas para disputar e jogo, dotadas de habitus, que impliquem o
conhecimento e reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputas
(BOURDIEU 1983, p. 89). O poder, em sua dimensão simbólica, isto é, trata-se de um poder
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invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber
que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU, 1989).Nessa perspectiva,
Bourdieu (2008) assegura que compreender o campo sob a ponto de vista da conformação
simbólica alude em pensar em qual posição se encontra o agente social, da mesma forma,
em “descobrir que o jogo que se joga nele tem qualquer coisa de ambíguo e mesmo
qualquer coisa de suspeito” (BOURDIEU, 2004, p. 123).
4 CONCEITO DE HABITUS
O conceito de habitus é primordial na obra de Bourdieu. Trata-se de um conceito que
possui suas raízes no pensamento aristotélico e na Escolástica medieval. Palavra de origem
latina, o habitus expressa “a noção grega de hexis utilizada por Aristóteles para designar
então características do corpo e da alma adquiridas em um processo de aprendizagem”
(SETTON, 2002, p. 61). Mais exatamente, hexis, significa “uma moral que se tornou hexis,
gesto, postura ”(BOURDIEU, 1983, p. 104). “o recurso à noção de habitus, um velho conceito
aristotélico-tomista que repensei completamente, como uma maneira de escapar dessa
alternativa do estruturalismo sem sujeito e da filosofia do sujeito” (BOURDIEU, 2004, p. 22).
Dessa forma, o habitus, necessidade tomada virtude, produz
estratégias que, embora não sejam produto de uma aspiração
consciente de fins explicitamente colocados a partir de um
conhecimento adequado das condições objetivas, nem de uma
determinação mecânica de causas, mostram-se objetivamente
ajustadas à situação. (BOURDIEU, 2004, p. 23)
Nessa perspectiva o conceito do habitus, é entendido como princípio gerador das
práticas, dessa forma, torna-se um significante instrumento para a compreensão das atitudes
que estruturam e originam as práticas habituais dos agentes.
Para compreender tal conceito, este não pode estar dissociado do conceito de campo,
uma vez que o campo é arquitetado como um espaço socialmente multidimensional,
embutido de relações sociais, nos quais os agentes se relacionam compartilhando certos
interesses comuns.
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Assim, o habitus é então concebido como um sistema intrincado de esquemas
individuais, socialmente compostos de arranjos estruturados (na sociedade) e estruturantes
(nos pensamentos), obtidos nas experiências cotidianas, invariavelmente orientadas nas
funções e ações da atuação cotidiana. Ademais, esse habitus é incorporando durante a vida,
isto é, uma subjetividade socializada (BOURDIEU, 2004). Não
é
aprendido
de
forma
mecânica, mas é o produto de uma aplicação sistemática de princípios coerentes que passa
da prática para a prática, não necessitando de explicitação e conscientização. Este conceito
nos é bastante oportuno, pois, torna-se indispensável à discussão suscitada sobre o conceito
de habitus, para compreendermos por que a reprodução das práticas é ordenada e não se
configura ao acaso nem tampouco, as ações individuais.
A cultura dominante contribui para a integração real da classe
dominante ( assegurando uma comunicação imediata entre todos os
seus membros e distinguindo-os das outras classes); para a
integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, à
desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas; para a
legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das
distinções ( hierarquias) e para a legitimação dessas distinções. Este
efeito ideológico, produ-lo a cultura dominante dissimulando a
função de divisão na função de comunicação: a cultura que une
(intermediário de comunicação) é também a cultura que separa
(instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo
todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela
sua distância em relação à cultura dominante. (BOURDIEU, 2009.
p.11)
Refletir a relação entre indivíduo e sociedade fundamentado na categoria habitus
alude pensar que o individual, o pessoal e o subjetivo estão atrelados socialmente, e são
coletivamente construídos. “O habitus é uma subjetividade socializada” (BOURDIEU, 1992, p.
101). Neste sentido, o habitus promove o equilíbrio das ações que vão construindo uma rede
contínua de determinadas ações. Dessa forma, o autor se depara com o conceito, no qual
acredita oferecer subsídios para compreensão das relações entre as estruturas e as práticas,
sociedade e indivíduo. Nesse contexto, alude que a condição para existência está
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interiorizada sob a égide de atitudes inconscientes de ação, sob o propósito de estruturas da
subjetividade.
Assim, o habitus surge como um conceito hábil em conciliar a divergência aparente entre
realidade exterior e as realidades individuais. Um conceito capaz de propagar o diálogo entre
o mundo objetivo e o mundo subjetivo das individualidades. Dessa forma, o habitus para
Bourdieu (1992) produz ações e reproduz práticas, porque o esquema gerado historicamente
certifica sua presença no futuro, seja através do modo de perceber, pensar, fazer e sentir.
Nesse sentido, incorpora-se na reprodução das práticas, porque ao longo da história foi
interiorizado pelos sujeitos. Desta maneira, o conceito de habitus é entendido como um
sistema de projetos individuais, mas socialmente constituído de estruturas social, ao passo
que se torna adquirido pelas experiências vividas, e atuam nas ações do agir cotidiano
(SETTON, 2002). Quando este habitus se torna estruturado, é capaz de produzir
representações, opiniões, acerca das produções simbólicas, articulando dessa forma
dialeticamente os sujeitos e a estrutura social. Assim, os sujeitos constroem as
representações como base a um guia prático para determinada ação. Nesse contexto, o
habitus se traduz numa dimensão essencial a se compreender no processo de constituição
das representações sociais, notadamente no entendimento das especialidades que abarcam
as diversas interpretações dos contextos sociais (DOMINGOS SOBRINHO, 2000). Da mesma
forma Setton (2002) considera que o habitus sustenta a especificidade da formação da
identidade pessoal e grupal dos indivíduos na atualidade. Setton (2002) lembra que Bourdieu
não desconsidera a existência de grupos populares na disputa pela cultura legítima, por isso
que a posse desse capital (privilégio de poucos) revela a concorrência de diferentes grupos
sociais para a aquisição de algo que sirva como elemento não somente de legitimação, como
também de distinção social. Nesta perspectiva, esse habitus é incorporando durante a vida,
isto é, “uma subjetividade socializada” (BOURDIEU, 1992, p. 101).
5 BOURDIEU E A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
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Na década de 1960, despontam os problemas relacionados às desigualdades
escolares, ambiente que predominavam nas Ciências Sociais. Com inspirações funcionalistas
em que a escolarização tinha um papel duplo no processo de superação do atraso
econômico ocasionado pelas Guerras Mundiais. Até o momento a escola era vista como
garantia de igualdade de oportunidades. A crise abrange questões que envolvem as
concepções de educação da época. Pesquisas realizadas pelos governos inglês, americano e
francês demonstram que o desempenho dos alunos na escola não dependia apenas deles
mesmos, mas aponta para o peso da origem social sobre os destinos escolares (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2002). Enquanto os modelos educacionais vigentes em 1950 viam na escola uma
instituição de promoção da igualdade, meritocracia e justiça social, Bourdieu revela um
sistema de reprodução e de legitimação das desigualdades sociais, sendo as escolas o meio
pelo qual se mantém e se legitimam os privilégios sociais.
A análise da educação passa a ter um novo quadro teórico, pois ao indagar sobre a
neutralidade da escola, o autor ressalta que os alunos são cobrados e avaliados a partir de
gostos e crenças das classes dominantes. Dessa forma, a escola é concebida como uma
instituição que contribui para a reprodução e a legitimação da dominação exercida pelas
classes dominantes (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009). No intento de justificar os mal
entendidos e as duras críticas que obteve na ocasião da publicação obra a Reprodução:
Elementos para uma teoria do sistema de ensino, em 1970, Bourdieu (2012), com vistas a
explicar que não defendia a reprodução, e nem mesmo a compreendia como inevitável,
discorre que “[...] Quando você diz as coisas são assim, pensam que você está dizendo as
coisas devem ser assim, ou é bom que as coisas sejam dessa forma, ou ainda, o contrário as
coisas não devem ser mais assim.” (BOURDIEU; PASSERON, 2012, p. 14). A gênese do
pensamento bourdieusiano em relação à escola se ampara na noção do arbitrário cultural,
tendo como pano de fundo uma concepção antropológica de cultura, no sentido de que
nenhuma cultura possa ser definida como superior a outra.
Na perspectiva de Bourdieu, (2009, p.72) a conversão de um arbitrário cultural em
cultura legítima, “só pode ser compreendida quando se considera a relação entre os vários
arbitrários em disputa e determinada sociedade e as relações de força entre os grupos ou
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classes sociais presentes nessa mesma sociedade”. Para a sociologia de Bourdieu, a educação
não se trata de um objeto indiferente, neutro, mas constitui-se como um eixo central, no
sentido de que por meio da instituição escolar, são revelados não apenas os mecanismos do
conhecimento social, ou mesmo as formas que fazem os agentes se reconhecerem e
conhecerem suas instituições e sistemas de instituições, mas também são mecanismos de
poder. Ou seja, o conhecimento das formas que legitimam e sancionam, seja através da
força, ou especialmente pela violência doce do convencimento. São estes os mecanismos de
poder, pelos quais as filosofias ou representações do poder eufemizam o próprio poder
(BOURDIEU, 1992).
Dentro dessa lógica, deve-se compreender o interesse da escola pela opção por
determinados temas, os quais irão compor o currículo e os conteúdos escolares. A escolha
de tal composição orienta-se em função dos conhecimentos, valores e interesses das classes
dominantes. Ademais, as disciplinas acadêmicas mais prestigiosas são de certa forma,
aquelas que proporcionam o desenvolvimento de habilidades valorizadas pelos setores
sociais dominantes. Assim, “toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica4,
pois é imposta por um poder arbitrário, resultante de um arbitrário cultural” (BOURDIEU;
PASSERON, 1992, p. 63). Nesse contexto, a violência simbólica se sustenta no fato de que a
escola opere a partir da inculcação, doutrinação ou mesmo a dominação. Para tanto, induz as
pessoas a raciocinarem e a agirem de forma que não possam perceber que estão
legitimando a ordem vigente.
Para Bourdieu (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009, p. 75):
O efeito de legitimação provocado pela ocultação das bases sociais
do sucesso escolar é duplo: manifesta-se tanto sobre os filhos das
camadas dominantes quanto sobre os das camadas dominadas. Os
primeiros, pelo fato de terem recebido sua herança cultural desde
muito cedo e de modo difuso, despercebido, insensível, teriam
dificuldade de se reconhecer como “herdeiros”[...] O segundo grupo,
4
Trata-se do fenômeno da “relação encoberta entre a aptidão escolar e a herança cultural” (BOURDIEU,
1997 apud NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009, p 74).
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por outro lado, sendo incapaz de perceber o caráter arbitrário e
impositivo de uma cultura escolar, tenderia a atribuir suas
dificuldades escolares a uma inferioridade que lhes seria inerente,
definida em termos intelectuais (falta de inteligência) ou morais
(fraqueza de vontade).
Desse modo, o sistema educacional contribui para reproduzir a partir da violência
simbólica relações de dominação. Dessa forma, Bourdieu compreende o processo educativo
como uma espécie de ação coercitiva, e por sua vez, define a ação pedagógica como um ato
de violência (BOURDIEU; PASSERON, 1992). Para Dubet apud Nogueira; Nogueira (2009) a
teoria de Bourdieu, de certa forma, explica alguns fatos como: os casos improváveis de
sucesso escolar em meios populares, os quais são vistos como exceções que confirmam a
regra, e que reafirmam a autonomia relativa do sistema escolar, alimentando a ilusão, tida
como necessária, de neutralidade em seu funcionamento. Nesse sentido, há homologias
entre as formas de funcionamento do campo escolar e os esquemas de perceber e avaliar e
de agir no mundo (habitus) das classes dominantes. Fato este, que justifica não ser por acaso
que os filhos pertencentes a classes dominantes obtêm mais sucesso na aquisição da cultura
escolar e, assim, ingressam mais ampla e facilmente na universidade. Nesse sentido, os
membros de famílias que possuem apreciável capital cultural, tanto intelectual quanto
material, adquirem um habitus social concordante com o habitus escola.
Assim, a cultura surge como um bem que pode confirmar a condição dos sujeitos,
uma vez que o acesso à cultura e sua aquisição entre os grupos sociais distintos conferem
aos mais privilegiados um poder real e simbólico que os torna hábil a apresentar os melhores
desempenhos escolares, e uma constante relação de naturalidade com as práticas sociais e
culturais as quais são mais valorizadas socialmente (SETTON, 2002, p. 80-81). Dessa maneira,
a escola contribui com a reprodução social, ou seja, para a garantia da dominação pelos
setores sociais dominantes.
No intuito de contribuir e cumprir com sua função de reprodutora social, a instituição
escolar se ampara no fato de que a escolaridade é obrigatória. E nesse sentido, trabalha na
perspectiva e na inculcação de que a cultura escolar é o principal meio, que os excluídos, cuja
oportunidade escolar já foi dada, acreditem ser suas inaptidões naturais as responsáveis pelo
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insucesso escolar. Sem perder de vista a historicização, a seleção que a escola realiza resulta
numa nobreza escolar hereditária. Assim, essa nobreza de escola comporta uma parte
importante de herdeiros da antiga nobreza de sangue que reconverteram seus títulos em
títulos escolares (BUSETTO, 2006). Bourdieu compreende a relação de comunicação
pedagógica como uma relação formalmente igualitária, que reproduz e legitima, no entanto,
desigualdades pré-existentes.
O argumento do autor é o de que a comunicação pedagógica, assim como qualquer
comunicação cultural, exige, para sua plena realização e aproveitamento, que os receptores
dominem o código utilizado dessa comunicação (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009). Contudo, a
aparente democratização da escola, o ingresso de categorias sociais no campo escolar e
apesar do considerável contingente de diplomados, ainda assim, a escola não é garantia de
ascensão social. Nessa expectativa, a escola torna-se responsável pela desvalorização dos
títulos. Dessa forma, o aumento no número de diplomados fez com que alguns diplomas,
como o do ensino secundário e uma parte do ensino superior, mantenham valor nominal
como no passado, porém simbólica e economicamente desvalorizados em relação a período
anteriores (BOURDIEU, 1998, p. 220-221). A incapacidade do ensino escolar avalizar um
posto coerente com as expectativas ligadas à posse de tal título, os agentes mais
culturalmente desfavorecidos passam a enxergar a escola como fonte de decepção, visões
explícitas que, vez ou outra, agitam o mundo escolar, como o movimento de maio de 1968 e
as contestações dos liceus nos anos de 1980 e 1990 na França (BUSETTO, 2006).
Pensando com Bourdieu, a instituição escolar, no intuito de conservar sua função de
reprodutora social substitui gradualmente as desigualdades escolares, antes de acesso ao
ensino, agora pelas desigualdades de currículos, e de cursos atrelados ao quesito de
hierarquias, repletos de valores que lhe são atribuídos socialmente. Pois para Bourdieu,
conhecer profundamente as condições de produção do conhecimento é a condição
necessária para a produção de um conhecimento melhor (BURAWOY, 2010).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Pierre Bourdieu um dos mais proeminentes intelectuais da modernidade, no âmbito
das ciências humanas, denominado e reconhecido como um polemista. Considerado um
autor de leitura intricada, difícil, e em certos pontos até mesmo incompreensível, pois como
dizia Burawoy (2010, p. 25) “os tolos correm por até os anjos temem pisar. Ocupar-se
criticamente dos trabalhos de Pierre Bourdieu é dessas tarefas intimidantes ou, quem, sabe,
temerárias”.
Bourdieu, criticou aos que ele considerava servos do poder, e que assim, viviam a
serviço da elite, afrontou o fundamentalismo de mercado que na sua visão, distorcia a lógica
dos campos de produção cultural. Assim, sua teoria impulsionou e inovou os estudos na
sociologia quando defende a praxiologia como uma opção para a análise sociológica, que por
sua vez, é capaz de fazer reflexões sobre as diversas e distintas sociedades. Pois o autor
compreende que as condições objetivas de existência são concretizadas através das ações e
atividades humanas, por meio, de práticas que são desempenhadas pelos agentes nas
múltiplas situações e condições de existência. Suas reflexões acerca da escola enfocava,
especialmente o modo pelo qual a cultura e a instituição educativa penetrava nas classes
dominadas, de forma a contribuir para reprodução social. Embora sua teoria receba grandes
críticas, de autores como: Snyders e Perrenoud, no sentido de que a respectiva teoria, seja
um tanto generalizada, é fato que a sociologia da Educação de Bourdieu, apresenta o mérito
de acordo com Nogueira; Nogueira (2009) de ter fornecido os fundamentos para a ruptura
com a ideologia do dom, pois a partir de Bourdieu, tornou-se praticamente impossível
compreender as desigualdades escolares, meramente, como fruto das discrepâncias naturais
entre os indivíduos.
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____________Esboço de auto-análise. São Paulo: Companhia das Letras, 2004
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____________Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
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Campinas, SP: Papirus, 2008.
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São Paulo, v. 5, p. 74-83, 2007.
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identidades coletivas. In: MOREIRA, Antonia Silva Paredes; OLIVEIRA, Denise Cristina de.
(Org.) Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB, 2000. p. 117-130.
NOGUEIRA, C. M. M.; NOGUEIRA M. A. A sociologia da educação de Pierre Bourdieu: limites
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NOGUEIRA, Maria Alice & NOGUEIRA, Claudio Marques Martins. Bourdieu & a Educação.
Belo Horizonte: Autêntica, 2009
SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura
contemporânea. Revista Brasileira de Educação, 2002, n.20. p. 60-70.
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AS IMPLICAÇÕES DA TERCEIRIZAÇÃO NAS TRABALHADORAS DA LIMPEZA: O SOFRIMENTO EM
QUESTÃO
Prof. Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Professor da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti – FEATI.
1 INTRODUÇÃO
Os sistemas de trabalho dentro das organizações passaram por amplas modificações nos
últimos tempos. Pelos meios da observação, avaliação e pesquisa, podem-se delinear princípios de
atuação do próprio operário, ou trabalhador, em suas ações rotineiras dentro e fora do seu local de
trabalho. Este processo de estudos sobre novos sistemas de trabalho se fortaleceu com o advento de
novas ferramentas tecnológicas, que serviriam para o aumento da produtividade e, como
conseqüência, do capital das organizações, ou seja, o trabalho voltado para a acumulação de capital.
De acordo com Antunes (1999), na década de 70, este sistema de acumulação de capital
entrou em crise. O autor atribui esta crise aos seguintes pontos: Rendimento baixo da taxa de lucro,
causados pelo aumento do salário do trabalhador, conquistados pelas lutas sociais; esgotamento do
padrão de acumulação taylorista/fordista de produção; crise estrutural do capital e seu sistema de
produção; maior concentração de capitais ocasionado pelas fusões entre empresas; crise do welfare
state (Estado do bem-estar social); privatizações, que desregulamentava e flexibilizava o processo
produtivo.
Desta forma, não se pode afirmar que o declínio das formas de acumulação de capital
ocorreu apenas pelos pontos abordados por Antunes (1999), mas também, por fatores que em todo
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o século XX exerceram forte influência no mercado financeiro, como a Crise de 1929, ocasionando a
depressão e os desempregos, conforme abordado por Drucker (1973).
Assim, com a reestruturação das organizações, um novo sentido do trabalho emergiu, como o
sistema Toyota fez com que passasse de uma “empresa insignificante, à posição de terceira
montadora do mundo” (MAXIMIANO, 2008). Com seus fundamentos voltados para a eliminação de
desperdício e fabricação com qualidade, a sua organização faz com que haja um maior
comprometimento e envolvimento do trabalhador não só na produção, mas também no processo de
decisão.
Desta forma, o operário se tornou polivalente, multifuncional e qualificado, quebrando com
grandes pirâmides hierárquicas para uma estrutura horizontalizada, conforme Castillo (1996 apud
ANTUNES, 1999) o chama de “liofilização organizativa”. Neste sistema as organizações fazem uso de
eliminações de pessoas, transferências, enxugamento de unidades produtivas e, principalmente, a
terceirização.
A terceirização, para Fontanella (1994), é uma tecnologia de administração que consiste na
compra de bens e/ou serviços especializados que se integram na condição de atividade-meio à
atividade-fim da empresa compradora do serviço, “estabelecendo uma relação de parceria” entre
empresa terceirizada e empresa compradora, afirma Giosa (1997), deixando para a empresa apenas o
serviço específico. A empresa terceirizada realiza suas atividades com um conhecimento particular
sobre certa operação, sem fazer parte do quadro de funcionários da empresa que compra os serviços.
E a terceirização traz um novo significado sobre o trabalho e as condições de trabalho, visto
que, o foco das empresas ainda se baseia na produção de bens, reconhecendo apenas a excelência
ou o que representa sua atividade mais lucrativa.
Contudo, esta pesquisa irá confrontar os efeitos da terceirização no trabalhador e na empresa
que compra o serviço de terceiros, utilizando o diagnóstico organizacional, que tem por objetivo “a
identificação e análise das complexas inter-relações entre o indivíduo e o contexto do trabalho,
compreendido a nível social, organizacional, grupal e individual, com vistas a dar subsídios para a
intervenção do psicólogo” (ZAVATTARO, 2010).
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2 MATERIAL E MÉTODO
A pesquisa foi desenvolvida em uma Instituição de Ensino, na cidade Ourinhos – São Paulo,
na qual adotaremos o nome fictício de IE. Para aquisição de dados, foram utilizadas entrevistas, com
12 funcionárias, todas do sexo feminino, entre 3 meses a 8 anos de atuação na Instituição no setor de
limpeza de uma empresa terceirizada. Também foi realizado uma entrevista com o diretor
administrativo da instituição de ensino que solicita o serviço terceirizado.
O instrumento utilizado para a coleta dos dados foi um roteiro de entrevistas semiestruturado, baseando-se no Diagnóstico Organizacional desenvolvido por Zavattaro (2010), bem
como observações durante o expediente e conversas com funcionários da Instituição de Ensino. Para
a autora,
O diagnóstico psicossocial na organização tem como objetivo a identificação e
análise das complexas inter-relações entre o indivíduo e o contexto do trabalho,
compreendido social, organizacional, grupal e individual, com vistas a dar subsídios
para a intervenção do psicólogo (p. 1).
A autora propõe uma análise da organização utilizando quatro pontos que possibilitam ter
uma compreensão sistemática das relações existentes com o trabalho. São eles:
- Nível Social: são analisadas as participações da instituição dentro do contexto social, qual
sua importância para a cidade e sua região, seus projetos sociais, participações em políticas públicas,
programas que auxiliem o desenvolvimento social, programas de inserção de alunos em um curso
superior.
- Nível Organizacional: um olhar para a própria política da instituição, com seus objetivos,
suas metas, sua missão, seus projetos e, o fundamental de nossa pesquisa, a relação com seus
trabalhadores, respeito aos limites físicos e psíquicos dos trabalhadores, possibilidade de
participação em decisões da instituição, bonificações, qualidade na convivência de trabalho,
oportunidades de crescimento dentro da instituição. Sendo a pesquisa com trabalhadores
terceirizados, procurou-se entender como se estabelece a relação entre a instituição e os
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terceirizados, o envolvimento entre trabalhadores das distintas partes (terceirizados e contratados
pela IE), a participação dos terceirizados e sua importância para a instituição.
- Nível Grupal: neste plano, a análise restringe-se para o grupo de trabalhadores terceirizados,
pois é nesta parte que se pode ter uma compreensão de como se dá a formação dos grupos de
trabalho, horários, objetivos de trabalho, comunicação entre funcionários, formação de sub-grupos,
conflitos existentes entre funcionários, angústia do grupo em relação ao trabalho.
- Nível Individual: focalizado na individualidade do trabalhador terceirizado, suas angústias,
seus desejos, seus pensamentos sobre o trabalho, o significado do trabalho, sua individualidade
dentro do grupo de trabalho.
A entrevista para a coleta dos dados foi aplicada no próprio ambiente de trabalho da IE, e
aconteceu individualmente, durante o período de trabalho, normalmente no período da tarde. Sendo
assegurado e esclarecido o anonimato e a privacidade dos dados obtidos, até mesmo de não
concluírem a entrevista ou não desejarem responder qualquer pergunta, se assim desejassem. Para a
análise dos dados foram utilizados recortes de suas falas, de acordo com o tema aqui estabelecido,
fazendo parâmetros dos resultados com base na literatura pesquisada.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A instituição de ensino atua na área do ensino superior há mais de 40 anos, manteve durante
muito tempo uma política de trabalho arcaica, sem um plano administrativo, fazendo uso de
contratações por indicações, sem treinamento de funcionários, não dando importância para a
concorrência, clientela, tecnologia e políticas de ação na área educacional.
A IE foi constituída na década de 70, porém no final da década de 2010 houve uma
estruturação, com um novo campus, com uma nova direção, trazendo novos cursos e,
principalmente, uma mudança na cultura organizacional. Estas mudanças fizeram com que a IE se
inovasse ao iniciar um trabalho de crescimento educacional, fazendo modificações pedagógicas e
estruturais, adquirindo um terreno de 27 alqueires, do qual fazem parte diversas estruturas voltadas
para aprendizagem, pesquisa e estágio.
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Nesta nova transformação da IE, deu-se ênfase também para o marketing, em que projetos
de divulgação, de captação de novos alunos e de propaganda, fizeram com que esta tenha perto de
4.000 alunos de mais de 60 cidades da região. Este trabalho foi possível por meio de novas políticas
de atuação, de atenção à concorrência e principalmente pelas Bolsas Reembolsáveis ofertadas pela
própria instituição e órgãos do governo, como o FIES e o PROUNI.
Seu trabalho hoje visa alcançar o título de Centro Universitário. Assim fez mudanças
administrativas, como: na forma de contratação através de concurso, de novas políticas atuantes de
professores e alunos, reestruturação da hierarquia de cargos, novos departamentos, importância
para a pesquisa científica. Isto fez com que a IE deixasse de ter valores tradicionais ainda familiares
sem normas estabelecidas de contratação, bonificação, salários, entre outros.
Para compreender a terceirização dentro de uma instituição de ensino, é necessário
contextualizar a necessidade e as causas principais da contratação de uma empresa, no caso, do setor
de limpeza, para realizar seus serviços. Na entrevista com o diretor administrativo, que chamaremos
de OCR, uma das questões propostas foi sobre o motivo para se estabelecer o vínculo com a empresa
terceirizada (MC). Segundo OCR, como a instituição de ensino trabalha “especificamente com
educação, ensino, a direção achou melhor deixar as funções que não fazem parte deste setor para
empresas com competência no assunto, como a MC com a limpeza, e com o apoio destas empresas a
IE pode pensar só na educação, e buscar excelência”. Este pensamento parte para uma das
características da terceirização, onde a empresa concentra-se no seu produto estratégico, naquilo que
é capaz de fazer melhor, com competitividade e maior produtividade e as tarefas secundárias e
auxiliares são realizadas por empresas que se especializaram de maneira mais racional e com menor
custo (FARIA, 1994 apud VALENÇA, 2002).
Com isto, a contratação dos funcionários pela IE não ocorre, pois o contrato se dá entre a IE e
a empresa terceirizada, sem levar em consideração o trabalhador. No contrato “é estipulado o
trabalho e o número de funcionários. Assim, a MC fica responsável em manter o número de
funcionários estipulado pelo contrato”, diz OCR. Buscando obter uma resposta para as formas de
contratação e de relação entre funcionários da MC e seus proprietários, não foi possível esclarecer os
fatos, visto que, seus proprietários não aceitaram realizar a entrevistas, tampouco informar qualquer
dado.
A não participação da direção da MC na pesquisa fez com que fosse necessário questionar as
formas de contratação através das próprias funcionárias que, atribuíram suas contratações por
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distintos modos, como indicação: “Uma amiga me indicou” (N, 8 anos de trabalho na IE); ou por
análise de currículo: “levei o currículo na MC e fui chamada na semana seguinte” (A. P., 3 meses); ou
por uma conversa pelo telefone: “estava necessitando de emprego, telefonei para a MC e arrumei
emprego no momento, no dia seguinte vim para a IE” (S., 1 ano). Com isto, percebe-se que, mesmo a
MC passa por mudanças na estruturação organizacional, pois as contratações estão sendo mais
exigentes, mesmo sendo uma simples análise de curriculum vitae.
Nesta relação de contratação, sem critérios de escolha, faz da função de limpeza carregar um
significado forte para as funcionárias, pois como disse OCR “elas sabem de seu trabalho”,
classificando assim, como sendo uma atividade simples, de que parte das pessoas já tenham
conhecimento inato em limpeza, e com isto já saibam varrer, lavar, enxugar, ter cuidados com a
saúde, aplicar produtos químicos, e como a própria funcionária revela, esta função já esta carregada
com estas características simplistas, “não tive treinamento, pois já sabia sobre limpeza” (A. P., 3
meses). Se analisarmos pelo fato do funcionário poder realizar uma construção de seu próprio
trabalho, isto traz ganhos positivos, como aponta Santos (2009), “significando a possibilidade real de
os trabalhadores exercerem o controle sobre sua atividade, facilitando a regulação dos desgastes
físicos e emocionais”. Por outro lado, quando se faz uso de materiais tóxicos e prejudiciais à saúde, o
treinamento, a instrução é essencial para se manter a saúde no trabalho. Mas de acordo com OCR,
este treinamento não é de responsabilidade da IE: “solicito o trabalho da MC, ela é responsável em
cobrir o contrato de limpeza”.
Outro ponto a ser questionado, sobre a participação das funcionárias no processo de
construção de seu trabalho é quanto à comunicação, seja ela para desenvolver idéias para a IE, seja
para o funcionamento de seu trabalho. Sobre isto, foi questionado a OCR o poder de comunicação
das funcionárias na questão funcional: “sobre o operacional sim, suas atividades, seus pedidos, como
o de compra de produtos, de equipamentos, são vistos, mas de acordo com nossas possibilidades,
principalmente financeira”, que normalmente acontece visando o produto mais barato a IE, deixando
assim de investir conforme a necessidade e o conhecimento das funcionárias sobre seu trabalho e os
equipamentos de trabalho, isto é característico do processo de terceirização, onde “deixa de investir
alto em tecnologia e qualificação profissional” (LEÃO; OLIVEIRA; DIAS, 2008).
Através de uma análise grupal, conforme proposta por Zavattaro (2010), sobre as funcionárias
terceirizadas, que exercem seu trabalho de segunda a sexta, 24 horas, divididos em 3 turnos que são
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das 7 horas às 17 horas, 17 horas às 23 horas e das 23 horas às 7 horas; e no sábado, das 7 horas às
17 horas. Pode-se dizer que se formam grupos de trabalho conforme o turno e afinidade, “tenho
bons relacionamentos, mas há aquelas que me relaciono mais” (R. C., 2 meses). Em algumas falas,
principalmente das mais novas de trabalho são poucos os indícios de conflito, “sei contornar os
problemas entre funcionários” (A. P., 4 meses), “não vi nada ainda” (A. P., 3 meses) referindo-se aos
conflitos. Porém, em outras entrevistas surgem alguns indicadores de conflito, como foi os casos de S
(1 ano) “o relacionamento é bom, alguns momentos de conflito, mas tem que saber contornar”, ou
mesmo de L (7 anos) “tem muita fofoca, por isso bastante conflito” (J, 1 ano e 1 mês) “tenho
relacionamento bom, mas sempre tem conflitos, pois algumas mulheres já vêm estressadas de casa,
cada uma tem seu temperamento, mas tem que saber respeitar cada uma”.
Isto nos possibilita aproximar da desconstrução de identidade social, pois para Ashforth; Mael
(1989 apud MACHADO, 2003) “essa identidade é guiada pela necessidade do indivíduo de ser no
mundo, assim como pela sua necessidade de pertencer a grupos sociais”. Mas a qual grupo elas
pertencem? Grupo da limpeza? Grupo da IE ou da MC? Isto gera conflitos internos por buscar
compreender o seu EU neste mundo. Machado (2003) descreve a identidade através do conceito de
si, do indivíduo,
o conceito de si é, portanto, uma construção mental complexa, fruto de uma
relação dialética que considera o indivíduo igual a seus pares, mas único na sua
existência, na sua experiência e vivência pessoal. igualdade e a diferença
permeiam a todo o momento as tentativas de auto-representação por parte dos
indivíduos. Assim uma identidade bem construída é aquela que delineou os limites
entre a individualidade e os grupos aos quais a pessoa está vinculada. O resultado
é que, embora reunidos na presença física, o eu e o grupo se encontram separados
nos processos psíquicos.
Contudo, há uma identificação com a IE, já que realizam suas tarefas nela, suas refeições,
suas responsabilidades, “gosto muito de trabalhar na IE, e fala para todo mundo que trabalho aqui”
(L. 7 anos). A identificação com a IE, resulta quando a “identidade do outro reflete na minha e a
minha na dele” (CIAMPA, 1987 apud COUTINHO et al, 2007), assim, qual é então a identidade da IE?
O que ela faz? Por parte de OCR, diretor administrativo, sabe-se que é uma instituição de ensino; por
parte das funcionárias, “não sei nada do que a IE faz, o que ela faz?” (J, 1 ano e 1 mês), “não, não sei
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o que a IE faz” (J, 2 meses), “não sei o que ocorre na IE” (A. P., 3 meses), “não, mas seria importante
saber para passar para os outros, acredito que só estou ali para limpar” (L, 7 anos). Pensando nisto,
da identidade sendo uma troca entre o EU e o OUTRO, podemos entender que o compromisso da
instituição com o trabalhador seja uma lacuna, que em outras empresas seria realizado por uma
"integração", no entanto, estamos falando de trabalhadores que não possuem sua importância
financeira para a instituição, mas como um gasto que sempre deve ser "cortado".
Segundo OCR, esta falta de conhecimento das funcionárias sobre a instituição faz parte de
um processo de implantação, já que nos últimos anos está trabalhando para uma nova política de
atuação. OCR compreende esta dificuldade quanto às funcionárias conhecerem a IE com sua história,
seus objetivos, suas metas, “pensamos que estes assuntos deveriam ser por escritos, mas isto é uma
falha, ainda não conseguimos”.
Nesta resposta, se percebe um possível descaso, este podendo ser involuntário com os
terceirizados, e até com seus próprios funcionários, que em observações também apresentam
indícios de falta de conhecimento sobre a IE, uma instituição de ensino não conseguir colocar no
papel sua história, suas metas e seus objetivos, uma contradição. Talvez, por pensar apenas no lado
operacional dos funcionários, que só tem à satisfação “quando se dá o cumprimento do esperando”
(OCR), ou seja, “procuramos avisar para que seja feito o trabalho operacional”, já que “são
funcionárias da MC”. Pensado nisto, Pinto; Quelhas (2008) diz que “as empresas devem ter
consciência que são as pessoas que produzem e fazem a diferença na competitividade e qualidade
dos produtos e serviços oferecidos, sejam elas terceirizadas ou não”. Pois para os funcionários o
vínculo com a IE, ou mesmo o trabalho de modo geral, é de muito significado. Como aponta Spink
(1991), a organização compreende-se como “fluxos de ações e significados”, e que “permite
encontrar pessoas com quem os contatos podem ser francos, honestos, com quem se pode ter prazer
em trabalhar, mesmo em projetos difíceis” (MORIN, 2001).
4 CONCLUSÃO
A pesquisa sobre a terceirização revelou a precariedade dos trabalhadores terceirizados em
situação de trabalho. Seguindo a lógica do mercado global, que define a terceirização como uma
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forma administrativa de se cortar gastos, percebe-se como os trabalhadores terceirizados são
deixados de lado dentro da empresa.
A IE deixa de realizar processos em prol do trabalhador e julga que a empresa terceirizada é
responsável pelo trabalhador, que se vê obrigado a trabalhar em um novo ambiente, com diferentes
sistemas, produtos e companheiros de trabalho. Este efeito cria uma dificuldade de identificação do
sujeito com o seu trabalho: sou funcionário de qual organização? Para quem trabalho? O que faço?
São questões que fazem do trabalhador uma “máquina ambivalente”, de contradições:
trabalho para a IE ou para a FS? O que tenho que fazer? Mas o que a IE faz? E neste contexto
instauram-se os conflitos internos do trabalhador, responsáveis pelos sofrimentos angustiam e
conflitos dentro da organização. Trabalhadoras que são abandonado dentro de suas dúvidas, sem seu
reconhecimento, sem sua participação e sem ser ouvido.
Nesta pesquisa pode-se confirmar a situação deste trabalhador terceirizado, que só serve
para a limpeza e só será “bem aceito” se limpar direito. Não importa a sua história, sua família, seus
desejos, seus sonhos, seus conhecimento, o que vale é apenas varrer, lavar, esfregar, fazer o trabalho
subalterno. Como disse Weil (1942, p. 162) "as coisas representam o papel dos homens, os homens
representam o papel de coisas: eis a raiz do mal".
O trabalhador como uma “coisa” que só está na instituição para fazer o seu trabalho
operacional. Tornar o trabalhador único responsável por suas ações, por sua qualidade, pelo seu
temperamento, faz da instituição um organismo perverso, capaz de lucrar com a agonia do outro sem
mesmo ter alguma responsabilidade.
No caso das funcionárias terceirizadas para a limpeza da IE, os fatos se confirmam:
representam um papel de coisa. Elas entram e saem sem a IE saber de suas vidas, o que importa são
os números de funcionários estabelecidos dentro do contrato. A citação de Costa (2008) trás um
convite ao leitor para pensar na situação de trabalho dos homens de hoje, fazer uma crítica,
questionar e transformar a forma de ação do homem com o seu trabalho, fugindo das características
alienantes.
Letrados e iletrados não estariam, por princípio, impedidos de conversar. O que
afasta esses sujeitos assim classificados segundo o prisma da cultura formal não é a
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habilidade de um e a inabilidade do outro, a habilidade e a inabilidade de ler e
escrever. A reificação da cultura – processo que faz pensá-la como mercadoria a ser
consumida – é que promove esse pensamento e falseia o que vem antes. Ainda que
dotados de conhecimentos diferentes – cultura adquirida em livros ou em
invernadas – estaríamos todos em condição de conversar. Pra você conhecer um
sujeito bem, basta dar um pouquinho de poder pra ele. Não precisa ser muito, não.
Um cadinho só de poder pra você saber quem é o cara. Aí você conhece ele de
verdade. A dominação de humanos sobre humanos pode ser explicada segundo
diversas razões. Na era da cultura fabricada e embalada para venda e compra, a
autorização para uns governarem outros, a autorização para exercer a força e o
comando, parece ser atribuída ao controle da técnica e do conhecimento
formalizado. Talvez seja por isso que vejamos tanta necessidade de alguns –
pretensiosamente portadores de cultura – desqualificarem expressões populares de
grande altura e importância sociais. Não devemos ignorar a força desses sujeitos.
Nem o nosso poder (COSTA, 2008, p.378) (Grifo do autor).
Enfim, pensar no trabalho, adotando qualquer sistema de trabalho, é pensar no homem
utilizando sua capacidade, seu conhecimento, sobre a natureza do trabalho, a ponto de criar o seu
produto, a sua ferramenta, e em conjunto com a organização, poder contribuir para as diversas
formas de produção de bens. Desta forma, cabe à organização fomentar uma gestão de pessoas que,
de alguma forma, possa contribuir para o desenvolvimento organizacional, para um maior
envolvimento de seus trabalhadores e terceirizados, de forma respeitosa e verdadeira.
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Boitempo, 1999.
COUTINHO, M. C.; KRAWULSKI, E.; SOARES, D. H. P. Identidade e trabalho na contemporaneidade:
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GIOSA, L. A. Terceirização: uma abordagem estratégica. 5 ed. São Paulo: Pioneira, 1997.
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São Paulo: Atlas, 2008.
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desregulação da atividade: o caso da terceirização da limpeza urbana e o trabalho dos garis.
Produção, v. 19, n. 1, p. 202-213, 2009.
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ZAVATTARO, H. A. Diagnóstico Psico-Social. Disponível em: <http://xa.yimg.co
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23 set. 2010.
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PENHORA ON-LINE DE ATIVOS FINANCEIROS: ANÁLISE CRÍTICA DA IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO NA
ERA DA INFORMATIZAÇÃO.
Prof. Evaldo Gonçalves Leite
Professor do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e
Tecnologia de Ibaiti
1 INTRODUÇÃO
A penhora on-line é um mecanismo moderno utilizado pelo poder judiciário, que
autoriza o Juiz através de uma solicitação eletrônica bloquear instantaneamente as contas correntes
dos executados.
Para MARINONI (2007) a penhora de dinheiro é a melhor forma de viabilizar a
realização do direito de crédito, já que dispensa todo o procedimento destinado a permitir a justa e
adequada transformação de bem penhorado – como o imóvel – em dinheiro, eliminando a demora e
o custo de atos como a avaliação e a alienação do bem a terceiro.
Continuando, MARINONI acrescenta que, além disso, tal espécie de penhora dá ao
exequente a oportunidade de penhorar a quantia necessária ao seu pagamento, o que é difícil em se
tratando de bens imóveis ou móveis, os quais possuem valores “relativos” e, por isto mesmo, são
objeto de venda em leilão público, ocasião em que a arrematação pode ocorrer por preço inferior ao
de mercado.
2 PENHORA ON-LINE: TIPIFICAÇÃO LEGAL E PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES
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A penhora on-line acabou por consagrar-se legislativamente, primeiro na esfera
fiscal (CTN, art. 185-A, na redação dada pela CL 118/2005)5, depois se materializando na execução
civil comum (CPC, art. 655-A, na redação dada pela Lei 11.382/2006). Antes da consagração
legislativa, entendia-se que a penhora on-line, era apenas uma forma diferente de apreender
dinheiro, já que estava implicitamente autorizada pelo CPC, art. 655,I. (REIS, 2009, p. 43).
A norma que disciplina a penhora eletrônica na execução civil comum (art. 655-A,
CPC), aplicável tanto à execução de título extrajudicial como à de título judicial (por força do artigo
475-R, CPC), assim leciona:
“Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou
aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à
autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio
eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado,
podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor
indicado na execução.
§ 1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou
aplicação até o valor indicado na execução.
§ 2º Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em
conta-corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta
lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade.
§ 3ºNa penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será
nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a
5
“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem
apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz
determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente
por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens,
especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e
do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.
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forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas
mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de
serem imputadas no pagamento da dívida.”
Assim, foi a penhora on-line tratada como penhora de dinheiro, embora seja, na
verdade, uma penhora de crédito e por isso foi colocada em primeiro lugar na ordem de preferência,
se bem que essa ordem seja flexível, como expressamente diz o art. 655, caput, do CPC. (THEODORO,
2007, p. 69). A penhora on-line realmente mais se aproxima de uma penhora de crédito que de uma
penhora de dinheiro. O banco depositário recebe ordem para não entregar o valor ao seu credordepositante e passa, por força da penhora, a ser depositário judicial (REIS, 2009, p. 44-46).
Conforme se depreende, a penhora on-line depende de requerimento do
exeqüente, isto é, o requerimento genérico de cumprimento da sentença, em caso de título judicial,
ou a simples propositura da ação de execução, no caso de título extrajudicial, não são suficientes para
a determinação de uma penhora on-line, é preciso requerimento específico, como se vê no art. 655A. Claro que isso, em certos casos práticos, pode ser superado por força de princípios maiores,
especialmente porque o bloqueio não funciona como penhora, mas sim como medida assecuratória
do cumprimento da decisão judicial.
Pode o provimento judicial consistir em simples requisição de informações sobre
ativos financeiros em nome do executado ou em decretação de indisponibilidade imediata, mas as
informações limitar-se-ão à existência, ou não, de depósito ou aplicação até o valor indicado na
execução (art. 655-A, § 1º).
Eventual impenhorabilidade dos valores retidos deve ser alegada e comprovada
pelo executado, eis que o prazo para os embargos à execução não tem mais qualquer pertinência
com a penhora, deve-se entender que a alegação de impenhorabilidade na execução por titulo
extrajudicial pode dar-se por meio de petição simples, sem necessidade de observância de prazo.
Já, o prazo para a Impugnação ao Cumprimento de Sentença somente se inicia
após a intimação da penhora (art. 475-J, § 1º), por isso a impenhorabilidade deve ser sustentada na
própria impugnação (art. 475-L, III) em caso de execução de título judicial. A propósito, a intimação
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da penhora on-line não apresenta qualquer particularidade e deve dar-se pelos meios regularmente
previsto na legislação (art. 475-J, §1º), por publicação, na pessoa do advogado do executado,
primeiramente, e na pessoa do representante legal ou pessoalmente, conforme o caso.
Muito embora tratar-se de um sistema inovador de máxima eficácia, que se
consubstanciou na assim chamada penhora on-line em alusão ao fato de que se dá no ambiente
virtual da internet, quase imediatamente após o comando da autoridade judiciária, tornando dessa
forma um feito executivo muito mais célere, visto que bloqueiam instantaneamente as contascorrentes do executado garantindo a execução, tal sistema tem encontrado vários óbices, tendo sido
alvo de críticas de vários doutrinadores e operadores do direito.
3 ATIPICIDADE LEGAL E INCIDENTES DA PENHORA ON-LINE
Assim, temas pertinentes ao estudo “penhora 0n-line”, que dado a sua
característica é extremamente útil à seara judicial, convém apreciar as divergências apresentadas e
discutidas pela visão dos adversos.
Como bem leciona Luiz Rodrigues Wambier (2007), de um lado, trata-se,
indubitavelmente, de mecanismo moderno, com aptidão de realizar, mais rapidamente, o direito do
credor na obtenção do dinheiro que lhe é devido, o que materializa o princípio da máxima
efetividade. A realização ilimitada desta medida executiva, no entanto, é suscetível de causar dano
irreparável à empresa executada, que pode ter não apenas a obrigação executada a adimplir, mas
também outras obrigações, que se relacionem à sua manutenção diária, e que podem vir a ser
descumpridas em razão da penhora realizada.
Baseiam-se prioritariamente no conceito da proporcionalidade, que se lastreia na
maior satisfação da pretensão de um direito através da adequada restrição ao outro, ou seja “nem
mais nem menos”, onde o ônus dar-se-á até a medida do necessário, visando a ponderação dos
valores envolvidos com o objetivo de harmonizar os direitos em deslinde.
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Assim, visto que o instituto utiliza-se dos benefícios que a informática oferece com
intuito de amenizar a morosidade processual, pode acarretar, pela ausência de critérios definidos,
complicações e situações que poderiam ser evitadas. É possível que ocorra que os numerários
encontrados em conta-corrente se enquadrem no rol do artigo 649 do CPC, pois os valores
depositados podem estar comprometidos a pagamentos futuros, podendo ser anulados os atos
praticados, não se esquecendo que pode haver onerosidade para o devedor. Visto isto, os críticos do
sistema on-line alertam para o fato que a determinação judicial afeta todas as contas bancárias do
executado, sem analisar o valor necessário para o cumprimento da obrigação, o que pode resultar em
excesso de penhora.
Outra divergência quanto a eficiência do penhora on-line reside nas alegações de
que não se consegue liberar os possíveis saldos excedentes com a mesma eficiência do bloqueio. Se
porventura ocorrer embaraços ao devedor, este imediatamente aciona o Juízo e o desbloqueio é
imediato.
Questão semelhante foi enfrentada em arestos do Superior Tribunal de Justiça. A
prova da impenhorabilidade de bens levados à constrição deve ser produzido por quem a alega. Esse
foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o recurso proposto
pelo Banco Rural S.A. contra Indústrias Reunidas de Colchões Ltda – Ircol e outros.
Em execução de título extrajudicial, foi indeferido o bloqueio de saldo disponível
em contas-correntes do executado, ao fundamento de não ter sido “comprovado nos autos que o
valor ali encontrado não seja proveniente do salário”. Inconformado com a decisão, o Banco Rural
interpôs agravo de instrumento. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento, ao
entendimento de que a penhora sobre salário é vedada por Lei: “Nesse caso, incumbe ao exequente
o ônus da prova de que o saldo encontrado na conta corrente do executado não é proveniente de
salário, a teor do artigo 333, I, do CPC”, decidiu. O Banco, então, recorreu ao STJ.
Em seu voto, o relator, ministro Luiz Felipe Salomão, destacou que, sendo direito
do exequente a penhora preferencialmente em dinheiro, a impenhorabilidade dos depósitos em
contas-correntes, ao argumento de tratar-se de verba salarial, consubstancia fato impeditivo do
direito do autor, recaindo sobre o réu o ônus de prová-lo.
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Segundo o ministro, por outro lado, no caso, a exigência de o exequente provar
que os saldos e conta-corrente não possuem natureza salarial, somente poderia ser atendida
mediante a prática de ilícito penal, consistente em violação de sigilo bancário. O ministro Salomão,
então, apenas permitiu ao executado a impugnação do pedido do banco, em prazo curto a ser fixado
pelo juízo, que poderá, se for o caso, determinar a indisponibilidade dos recursos para não tornar
sem efeito a medida. O relator ressaltou, ainda, que, não havendo comprovação do alegado pelo
executado, a penhora deverá ser levado a efeito.
Em se tratando de execução por quantia certa, certo é que o uso desse sistema
torna a penhora menos onerosa tanto ao Estado, tendo em vista a desburocratização dos atos
processuais, como também para o devedor, visto que não haverá custo de registro de penhora, oficial
de justiça, etc.
De tal sorte que os benefícios trazidos pelo instituto ora analisado, eficiente e
rápido, demonstram que as mazelas mencionadas são infinitamente inferiores que os benefícios
auferidos pela aplicação da prestação jurisdicional através da penhora on-line.
4 DA PENHORA EM DINHEIRO NA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
Na execução por quantia certa, que visa a expropriar bens do devedor a fim de
satisfazer, em dinheiro, o direito do credor consagrado em título executivo. Precede à
desapropriação, naturalmente, a identificação, a apreensão e a avaliação dos bens que serão objeto
da alienação (REIS, 2009, p. 39).
Quando a penhora, ou seja, a apreensão de bens, recai sobre dinheiro
pertencente ao devedor, simplifica-se, sobremaneira, a execução por quantia certa, pois se tornam
logicamente desnecessárias as fases da avaliação e de alienação dos bens, cuja finalidade objetiva é
convertê-los em valor monetário, coisa que o dinheiro já tem em si mesmo. Sucede que, para que
essa penhora ocorra, admitindo-se que não tenha sido o devedor a oferecer a moeda à constrição
judicial, é necessário que, previamente, se tenham identificados a existência e o paradeiro do
numerário.
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Destarte o manuseio que desfruta o dinheiro, sempre foi óbvio entender o porquê
da dificuldade que sempre representou, no âmbito processual, a penhora de moeda sem a iniciativa
do executado. Parece intuitivo que o executado, por sua própria condição de devedor inadimplente,
geralmente não apresente situação de liquidez aparente, pois, ou realmente não tem dinheiro, ou, se
o tem, será tentado a ocultá-lo, quer dizer, não tomará iniciativa alguma no sentido de oferecer a
moeda de que tenha a propriedade, para saldar o débito em execução. Acresce que, a despeito de
figurar em primeiro lugar na ordem dos bens penhoráveis, o dinheiro em espécie é extremamente
apto à ocultação, e isso terá facilitada, ao longo do tempo, sua subtração às medidas executivas.
5
ANÁLISE DA VISÃO FINANCEIRA FRENTE AO MUNDO GLOBALIZADO E OS AVANÇOS DA
INFORMATIZAÇÃO
Mas essa condição do dinheiro para esconder-se tem sido dificultada à proporção
que o sistema financeiro oficial absorve o fluxo de capitais e as operações econômicas em geral,
tornando cada vez mais raras, e até suspeitas, as transações com moeda sonante acima de
determinado valor.(REIS, 2009, p. 40-42).
Os recursos que circulam pelas instituições financeiras, em função da informática,
são hoje plenamente suscetíveis de rastreamento, daí que a penhora em dinheiro saiu do patamar de
impraticabilidade para vir a tornar-se, atualmente, a medida executiva de menor esforço e de máxima
eficácia, que se consubstanciou na assim chamada penhora on-line, em alusão ao fato de que se dá
no ambiente virtual da internet, quase imediatamente após o comando da autoridade judiciária.
A penhora on-line não se limita a apreender certo bem do devedor e deixa-lo à
disposição do credor, como nas clássicas penhoras de bens. Na verdade, prepondera na ordem de
penhora on-line o propósito de identificação de bens do devedor.
Nesse sentido, a pesquisa dos bens (assunto que, como regra, precede a penhora
e fica normalmente a cargo, em primeiro lugar, do credor, e só depois do Juízo) é imensamente
facilitada pelo fato de o Banco Central centralizar todas as informações relacionadas ao sistema
financeiro nacional. Em semelhante situação, a pesquisa de bens passa a ser teoricamente infalível, e
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é esse sítio que é estabelecido em torno de determinado tipo de operação do devedor que desperta
em alguns o sentimento de que a penhora on-line vai além de um simples procedimento executivo,
para atingir a própria liberdade e privacidade do devedor.
Uma vez identificado o numerário em nome do devedor, ele é imediatamente
apreendido e colocado à disposição do Juízo. Aqui reside o espírito da chamada penhora on-line. É
mais um procedimento de rastreamento e indisponibilidade de bens, que justifica a terminologia
bloqueio on-line. O Estado assume a função de pesquisar bens do devedor. Daí que a
indisponibilidade decorrente do bloqueio on-line pode ser usada também como medida coercitiva,
tornando indisponível certo numerário do devedor até que ele cumpra a obrigação de fazer.
A novidade da penhora on-line não está tanto em implicar a apreensão de
dinheiro em mãos de terceiro, nem a tecnologia inovou pelo simples fato de se mandar ao Banco
Central uma comunicação eletrônica em vez de um ofício em papel.
A novidade foi antes fática que jurídica e consistiu na transparência da vida
financeira privada que se deu a partir da progressiva substituição do dinheiro pelas transações
bancárias. Já não é possível dissimular facilmente o itinerário do dinheiro, nem a condição financeira
pessoal. A penhora on-line é uma consequência natural do progresso fantástico no gerenciamento de
informações que a tecnologia permitiu, como o são, também, as medidas administrativas e criminais
de repressão às ilicitudes praticadas no ambiente financeiro, a tributação das operações bancárias, as
restrições creditícias impostas a consumidores inadimplentes e tantas outras medidas jurídicas que
tomam por base o conhecimento a respeito da movimentação financeira dos particulares. Chegou-se
a dizer que a realidade virtual instaurada pela tecnologia está por transformar o dinheiro apenas em
uma informação. (LÉVY, 2003, p. 53)
E não é possível desvencilhar-se disso: por um lado, a vida moderna impõe a
utilização das instituições financeiras como depositárias dos valores em dinheiro, quer por razões de
segurança individual, quer pela praticidade e pela atualização monetária, quer, enfim, pelo semnúmero de outros inconvenientes que a guarda de dinheiro em espécie traz para o seu proprietário;
por outro, ao usar o sistema bancário, o titular do dinheiro expõe-se a ter sua vida financeira
conhecida nos menores detalhes. E assim se fecha o circulo que leva necessariamente à
transparência da vida financeira privada, e esta, por sua vez, produz uma série de consequências
jurídicas importantes, sendo a penhora on-line apenas uma delas.
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6 PENHORA ON-LINE E O DIREITO À TRANSPARÊNCIA, INTIMIDADE E PRIVACIDADE
Pelo visto, não eram completamente despropositadas aquelas preocupações e
reservas que a jurisprudência apresentou quando começaram a surgir os primeiros casos de penhora
eletrônica, exigindo que antes se esgotassem os meios executivos tradicionais para só depois admitir
que se lançasse mão da penhora on-line. Temia-se que a banalização desse tipo de ordem pudesse
representar um abalo ao sistema financeiro, e acreditava-se, também, que a penhora on-line, por ser
uma medida com forte cunho intervencionista, punha em xeque o direito à intimidade,
consubstanciado no sigilo bancário.
Percebeu-se depois que não se tratava de uma agressão à intimidade, mas sim de
uma nova concepção de intimidade, bem mais restrita que aquela que se conhecia antes do advento
da realidade virtual. Agora a intimidade tem que se compatibilizar com os valores da sociedade da
hiperinformação. A esfera íntima, hoje, restringe-se àquelas condutas que não trazem influencia
sobre a vida das demais pessoas, embora possam ser por elas influenciadas. (LORENZETTI, 1998, p.
492). E está claro que o devedor inadimplente influencia outras pessoas com sua conduta – sem
dúvida, pelo menos seu credor é diretamente influenciado -, por isso é injustificável a alegação de
intimidade para proteção patrimonial nesse caso.
Outra distinção interessante foi lembrada pela Ministra Carmen Lúcia, do STF, no
julgamento do RE 461.366-DF, entre segredos do “ser” e segredos do “ter”. Só os primeiros seriam
realmente absolutos, não os demais, que teriam surgido como exacerbação do individualismo.
Cogitou-se também, em outro recurso perante do STF (RE 418.416-SC), que os dados bancários
seriam absolutamente invioláveis, com base no artigo 5º, XII, CF (“é inviolável o sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no
ultimo caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal”), mas o Supremo declarou que a inviolabilidade
referida no mencionado dispositivo constitucional restringe-se apenas à comunicação desses dados,
que não pode ser interceptada, mas não aos dados em si. (REIS, 2009, p. 42).
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7 OPERAÇÃO DE BLOQUEIO E DESBLOQUEIO DOS ATIVOS FINANCEIROS
Como ensina o ilustre Juiz Federal Nazareno César Moreira Reis (REIS, 2009, p. 4748), convém anotar que nas operações de bloqueio/desbloqueio não se chega a conhecer
completamente as transações patrimoniais do executado. Apenas se sabe se ele tem ou não recursos
para serem bloqueados até o valor indicado na ordem. Já a requisição de informações, como se verá
adiante, é de duvidosa constitucionalidade quando empregada além de certo limite na execução civil,
pois pode implicar o conhecimento completo sobre a vida financeira do executado e revelar até
mesmo a existência e conteúdo de dados caducos.
A norma do artigo 655-A do CPC, deixa em aberto uma série de questões que
podem surgir por ocasião da efetivação da penhora: excesso de penhora, penhora de conta conjunta,
penhora de dinheiro de terceiro que esteja na conta do executado, penhora de valores já
penhorados, etc. Tudo isso deverá ser resolvido no caso concreto pelo magistrado, segundo os
princípios que regem a penhora física. Às vezes, porém, o regulamento do Bacen Jud avançou e
conferiu às próprias instituições financeiras certas capacidades decisórias que, na verdade, em caso
de impugnação de algum interessado, podem ser revistas pelo juiz. Por exemplo, o artigo 9ª, § 4º do
Regulamento do BacenJud, diz que caberá à instituição financeira definir em qual conta ou aplicação
financeira recairá o bloqueio de valor quando o executado possuir saldo suficiente para atender à
ordem em duas ou mais contas ou aplicações financeiras. Está claro que essa decisão da instituição
financeira pode ser revista pelo juiz, a requerimento de executado, para atender ao princípio da
menor onerosidade possível ao devedor (art. 620.CPC).
Ressalte-se, também, que a circunstância de a penhora on-line, ao contrario das
penhoras clássicas, ser feita praticamente sem a participação de serventuário da justiça, o Bacen e,
secundariamente, as instituições financeiras em geral é que assumem a função de destinatários das
ordens judiciais. Faz com que essas instituições passem a ser participes do processo (CPC art.14) e,
por isso, assumam graves responsabilidades processuais, que devem ser fiscalizadas pelo juiz.
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8 CONCLUSÃO
Dessa forma, a edição da Lei n.º 11.382/06, que acresceu o artigo 655-A, caput e
parágrafos, é uma de conseqüências basilares, qual seja, a expressa incorporação, ao Código de
Processo Civil brasileiro, de disposições viabilizadoras do manejo da penhora on line,
operacionalizada, no Brasil, por meio do sistema BacenJud.
Destarte, buscou-se inicialmente que, mais do que a eficácia formal das normas, o
Direito tem se ocupado da investigação sobre sua efetividade. O direito processual, por seu caráter
instrumental, destinado que é à garantia da autoridade do ordenamento jurídico, não foge a esta
regra. Por isso, a falta de efetividade do processo judicial, seja por sua morosidade, seja pela
insuficiência de seus instrumentos para fazer chegar às mãos do credor o que lhe é devido, é um
problema crônico, um mal jurídico de proporções sócio-econômicas.
Do que se expôs, espera-se que a difusão da ferramenta resulte em maior
efetividade no cumprimento da sentença, resultando em economia de tempo, esforços e recursos,
tanto para as partes, quando para o Erário, haja vista a previsível racionalização de recursos.
Com a penhora on line definitivamente legitimada pelo Código de Processo Civil,
espera-se que o feito judicial possa cumprir os seus desígnios, deixando de funcionar como escudo
aos devedores.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Araken de, Cumprimento de Sentença. Rio de Janeiro. Ed. Forense. Ano 2006.
LÉVY, Pierre. O que é virtual? Tradução Paulo Neves, São Paulo: 34, 2003, p. 53. Em cheque o
direito à intimidade, consubstanciado no sigilo bancário.
LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. São Paulo:RT, 1998.
MARINONI Luiz Guilherme, Curso de Processo Civil, Teoria Geral do Processo, v. 1, 2ª. ed., São Paulo,
Ed. Revista dos Tribunais, 2007.
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NEGRÂO Theotonio, Código de Processo Civil, Editora Saraiva, 39º Edição, ano 2007.
REIS Nazareno César Moreira Reis, artigo publicado na Revista Júris Plenum, ano V, n. 30.ano 2009.
THEODORO JR. Humberto. A reforma da execução de título extrajudicial. Rio de
Janeiro:Forense 2007.
WAMBIER Luiz Rodrigues, WAMBIER Teresa A. Alvim, MEDINA José M. Garcia, em BREVES
COMENTÁRIOS À NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL CIVIL 3, Editora Revista dos Tribunais,
2007.
VENOSA Sílvio de Salvo, Novo Código Civil, Editora Jurídico Atlas, 2º Edição, ano 2002.
SANTOS Washington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro, Editora DelRey, ano 2001.
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O APEDREJAMENTO DE SORAYA M. E O CALEIDOSCÓPIO JURÍDICO.
Prof. Diego Nassif da Silva
Professor do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e
Tecnologia de Ibaiti.
Analista Judiciário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
INTRODUÇÃO
Enterrada até o tórax. Os braços amarrados junto ao corpo, acima dos cotovelos. Sem
ter como fugir ou se proteger, foi apedrejada até a morte por seus familiares, autoridades e
vizinhos do pequeno povoado, conforme fora sentenciado. Do cadáver insepulto depositado
de véspera à beira do riacho sobraram apenas alguns ossos, ignorados pelas feras selvagens.
Quem é Soraya M.? Uma menina de 9 anos no único registro impessoal que restou da sua
existência.
A história que nos é contada pelo filme ‘O Apedrejamento de Soraya M.’ tem origem
no livro homônimo escrito por Freidoune Sahebjam, jornalista franco-iraniano que, em
agosto de 1986, no vilarejo de Kuhbpayeh, no Irã, foi abordado por Zahra, tia de Soraya que,
em sua última conversa com a protagonista, prometeu contar sua tragédia ao mundo.
Em resumo, Soraya Manutchehri sofria a violência doméstica do marido, Ghorban-Ali,
carcereiro local que, querendo se casar com Malaka – menina de 14 anos oferecida pelo pai
condenado à morte em troca da liberdade –, para obter o divórcio sem ter de pagar pensão e
devolver o dote de Soraya, arma um teatro público de acusações infames no intuito de
sujeitá-la a um tribunal corrupto e assim condená-la à morte por adultério segundo
costumes religiosos locais.
Penas cruéis, degradantes, desumanas e de morte, devido processo legal, corrupção,
islamismo, Estado laico, direitos humanos, minorias e grupos vulneráveis, igualdade de
gênero, violência doméstica e familiar contra a mulher. De qual tema trata o filme? Como
qualquer recorte de realidade, os fatos comportam diferentes abordagens, sempre a
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prestigiar um ângulo, enfatizar outro aspecto, lançar luz a um terceiro sentido. O presente
artigo propõe-se, assim, a transitar brevemente em meio a algumas dessas múltiplas janelas
que esta obra artística de não-ficção abre na seara jurídica, encontrando argumentos que
permitam concretamente guiar a percepção e a busca por transformação da realidade
denunciada.
1 PENAS CRUÉIS, DEGRADANTES, DESUMANAS E DE MORTE
Dentre os métodos de execução da pena capital existentes na atualidade
(decapitação, eletrocussão, enforcamento, injeção letal, fuzilamento e apedrejamento),
aquela sofrida por Soraya sem dúvida é uma das mais cruéis:
El Código Penal iraní es muy concreto sobre la forma en que se llevará
a cabo la ejecución y los tipos de piedras que deben emplearse. El
artículo 102 establece que, para la ejecución por lapidación, los
varones serán enterrados hasta la cintura y las mujeres hasta el
pecho. El artículo 104 establece, en relación con la pena por
adulterio, que las piedras empleadas no deberán ser “tan grandes
como para matar a la persona de una o dos pedradas, ni tan
pequeñas que no puedan calificarse de piedras”. Esto deja bien claro
que el propósito de la lapidación es infligir un gran dolor y una
muerte lenta (ANISTIA INTERNACIONAL, 2008). 6
Quando o Irã se tornou uma república islâmica, em 1979, passou a adotar a Sharia,
ou seja, normas jurídicas baseadas na interpretação de escritos da religião islâmica. Com
6
Tradução livre: “O Código Penal iraniano é muito concreto sobre a forma em que se levará a cabo a
execução e os tipos de pedras que se devem empregar. O artigo 102 estabelece que, para a execução por
lapidação, os homens serão enterrados até a cintura e as mulheres até o peito. O artigo 104 estabelece, em
relação à pena por adultério, que as pedras empregadas não deverão ser ‘tão grandes como para matar a
pessoa com uma ou duas pedradas, nem tão pequenas que não possam qualificar-se de pedras’. Isto deixa
bem claro que o propósito da lapidação é infligir grande dor e uma morte lenta.”.
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isso, penas como o apedrejamento se tornaram parte do código penal. Entre os chamados
delitos contra a vontade divina (hudud) apenados com lapidação está o adultério, que deve
ser comprovado por testemunhas presenciais, por confissão (repetida quatro vezes) ou pelo
‘conhecimento’ do juiz de que o delito de fato ocorreu. Apesar de ser prevista também para
homens, a maior parte das pessoas condenadas à lapidação são mulheres (ANISTIA
INTERNACIONAL, 2008).
Embora o filme seja ambientado em 1986, sabe-se que a prática ainda é atual no Irã
considerando que em 2010 Sakineh Mohammadi Ashtiani restou condenada à esta pena de
lapidação após controverso processo judicial. O caso chamou a atenção da mídia
internacional, tendo o presidente brasileiro à época pleiteado ao líder iraniano a concessão
de asilo à condenada. O pedido foi negado, mas, por pressão da comunidade internacional a
pena capital foi suspensa (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2014).
Não obstante a condição de república islâmica permaneça na atualidade, é de se
ressaltar que a morte por apedrejamento não constitui tema pacífico mesmo entre religiosos
islâmicos, existindo países de orientação islâmica que não a adotam. O certo é que, após
recorrentes denúncias de afronta aos direitos humanos na década de 2000, uma forte
pressão internacional se abateu sobre os países que ainda aplicam penas cruéis,
degradantes, desumanas e de morte7.
Além do trágico desfecho, a pena de apedrejamento tem o claro propósito de infligir
dor e humilhação, podendo ser considerada cruel, degradante, desumana. Acerca da possível
distinção Gomes (2008) relata que o tratamento degradante “ocorre quando há humilhação
de alguém perante si mesmo ou perante outros, ou leva a pessoa a agir contra sua vontade
ou consciência”, ao passo que o tratamento desumano impõe “esforços que vão além dos
limites razoáveis (humanos) exigíveis”, englobando, portanto, a pena ou tratamento
degradante. Quanto às penas cruéis, Galvão (1995, p.173) informa serem aquela que
7
Dentre tanto outros, veja-se o caso de Safiya Hussaini, condenada à lapidação por adultério na Nigéria,
em 2002 em CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de
inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2005, p. 37.
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“intensificam o sofrimento da vítima desnecessariamente, revelando no agente uma
brutalidade além do normal”.
Por sua vez, Nilo Batista e Raul Zaffaroni (2003, p.233), à luz do princípio da
humanidade, lecionam:
2. Em função do princípio da humanidade, toda pena que se torna
brutal em suas consequências é cruel, como aquelas geradoras de um
impedimento que compromete totalmente a vida do indivíduo
(morte, castração, esterilização, marcas cutâneas, amputação,
intervenções neurológicas). Igualmente cruéis são as consequências
jurídicas que se pretendam manter até a morte da pessoa, porquanto
impõem-lhe um sinete jurídico que a converte em alguém inferior
(capitis diminutio). (...).
3. Uma pena que não é cruel em abstrato, ou melhor, em relação ao
que acontece na maioria dos casos, pode porém tornar-se cruel em
concreto diante de certa pessoa ou de certas circunstâncias
peculiares (...).
Melhor posição, porém, parece ser a adotada por Moraes (2005, p.336) que, dentro
da noção de penas cruéis compreende a tortura, os tratamentos degradantes e os
tratamentos desumanos, numa mesma escala que, por todas as vias “acarretam
padecimentos físicos ou psíquicos ilícitos e infligidos de modo vexatório para quem os sofre",
ou seja, “refletem uma mesma realidade” (ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2008, p.140) repudiada
tanto à luz da dignidade da pessoa humana.
A propósito, no ponto, prevê a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) da
Organização das Nações Unidas (ONU, 1948):
Artigo 3° Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança
pessoal.
(...)
Artigo 5° Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Embora não tenha sido expressamente vedada a pena de morte, na Resolução 2857
(XXVI), de 1971, a Assembleia Geral da ONU (1971) afirmou que:
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(...) para garantir plenamente o direito à vida consagrado no artigo
3.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o objetivo
principal a atingir é o de reduzir progressivamente o número de
crimes puníveis com a pena de morte, tendo em conta a conveniência
de abolir essa pena em todos os países;
Neste rumo, seguidas resoluções foram editadas na ONU pedindo a moratória global
das execuções obtendo em 2014 o número recorde de 117 estados membros favoráveis à
medida) (ONU, 2014). E não poderia ser diferente, pois, Nas palavras de José Afonso “uma
constituição que assegure o direito à vida incidirá em irremediável incoerência se admitir a
pena de morte” (2008, p.201-202).
No Brasil, excetuada a Carta de 1937 - art.122, §13 -, todas as constituições limitaram
a pena de morte aos crimes militares em tempo de guerra, destacando por vezes a expressão
'guerra externa' (BULOS, 2008, p. 272). Atualmente a Constituição de 1988, dispõe no seu
art. 5º, inciso XLVII, que não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada pelo
Presidente da República, nos termos do art. 84, inciso XIX, hipótese em que o método de
execução previsto é o fuzilamento - Decreto-Lei 1.001/69, art.56.
Num aspecto mais amplo, porém, importante ressaltar que os recentes conflitos
armados no Oriente Médio, no norte da África e no sul da Ásia tem apontado na
radicalização da violência e na retomada da pena capital – muitas praticadas com requintes
de crueldade inerentes aos propósitos terroristas de vários grupos, notadamente o
denominado Estado Islâmico.
2 ISLAMISMO, ESTADO LAICO, UNIVERSALIDADE E HISTORICIDADE DOS DIREITOS
HUMANOS
Ao contrário do que as recentes manifestações islamofóbicas do mundo ocidental
transparecem, brutais penas capitais conduzidas sob o manto do Estado não são exclusivas
do islamismo. Pelo contrário: a lei mosaica (Lei de Moisés), e que, portanto, compõe a Torah
e a Bíblia Cristã, preveem várias hipóteses de para o apedrejamento – o que de modo algum
estaria previsto expressamente no Corão, mas em relatos da vida de Maomé.
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Seja como for, mostra-se equivocado considerar a Sharia, enquanto produto jurídico
da religião islâmica, a razão do trágico tratamento dispensado a Soraya. Quantas 'bruxas' não
forma queimadas pela Igreja Católica e quantas outras pessoas não tiveram as mais absurdas
mortes determinadas em nome da religião ou de qualquer outra espécie de crença ou culto
ao longo da história? De outra parte, quantas execuções da pena capital, mesmo em países
laicos, não se transmutaram em sessões brutais de aniquilação da dignidade humana?
Nos países com regime democrático, os Estados Unidos e o Japão são os únicos a
praticar a pena capital. Ao lado deles, China, Irã, Iraque, Paquistão e Sudão respondem por
91% das execuções praticadas em 2006 (ANISTIA INTERNACIONAL, 2015).
O filme ‘A Espera de Um Milagre’ chocou o público ao dramatizar algumas execuções
na cadeira elétrica. Já na vida real, mesmo sendo considerado o mais avançado, a injeção
letal, que promete levar o condenado à morte sem dor, já foi protagonista de episódios como
o de Clayton Lockett, em Oklahoma, Estados Unidos, que agonizou por cerca de meia hora
após a aplicação do composto supostamente letal e indolor (UOL, 2014).
De toda sorte, mundo afora a pena capital não encontra apenas na religião seu
fundamento de legitimidade e tanto em estados laicos como em estados cuja autoridade
ampara-se em alguma ordem religiosa a pena capital está a afrontar direitos humanos
reconhecidos pela ONU.
Uma das características dos direitos humanos é a sua universalidade, porque
inerentes à condição humana. São destinados a todas as pessoas, sendo ‘impensável a
existência de direitos fundamentais circunscritos a uma classe, estamento ou categoria de
pessoas’ (BREGA FILHO, 2002, p. 62).
Essa característica da universalidade dos direitos humanos representa um grande
desafio quando confrontado com o direito à liberdade religiosa ou mesmo à condição de
minoria cultural. De fato, muitos dos direitos reconhecidos como universais acabam
encontrando algum óbice em culturas e religiões por todo o globo. Um exemplo disso é a
cultura de algumas tribos indígenas sul-americanas de matar o recém-nascido que apresente
alguma deficiência ao nascer. Difícil de ser constatada, esta prática, que nos remete à Grécia
Antiga – onde o filho deficiente deveria ser arremessado do monte Taigeto –, de um lado
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encontra amparo no respeito à cultura da minoria indígena (DUDH, art. 18 e art.231 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CR/88), de outro, porém, afronta um
dos mais elementares direitos humanos, o direito à vida.
Contudo, muitos princípios e costumes da cultura grega e indígena são elogiados e
respeitados por pessoas de grupos culturais diversos. Nesta linha, Noah Feldman publicou
artigo lembrando que por muito tempo, até meados do século XIX, em diversos aspectos, a
Sharia dispensava às mulheres tratamento mais equânime em relação aos homens do que a
legislação dos países ocidentais:
To many, the word 'Shariah' conjures horrors of hands cut off,
adulterers stoned and women oppressed. By contrast, who today
remembers that the much-loved English common law called for
execution as punishment for hundreds of crimes, including theft of
any object worth five shillings or more? How many know that until
the 18th century, the laws of most European countries authorized
torture as an official component of the criminal-justice system? As for
sexism, the common law long denied married women any property
rights or indeed legal personality apart from their husbands. When
the British applied their law to Muslims in place of Shariah, as they
did in some colonies, the result was to strip married women of the
property that Islamic law had always granted them — hardly progress
toward equality of the sexes. (FELDMAN, 2008).8
Sob esta perspectiva a própria noção de civilização ou de desenvolvimento torna-se
equívoca, chamando atenção para uma outra característica não menos importante dos
direitos humanos: a historicidade. Ou seja, como qualquer direito, os direitos humanos
8
Tradução livre: “Para muitos, a palavra ‘Shariah’ evoca horrores de mãos cortadas, adúlteros
apedrejados e mulheres oprimidas. Por outro lado, quem hoje se lembra que a mui-amada common law
inglesa evocava por execução para punição por centenas de crimes, incluindo o roubo de qualquer objeto no
valor de cinco shillings ou mais? Quantos sabem que até o século XVIII, as leis da maioria dos países europeus
autorizavam a tortura como um componente oficial do sistema de justiça criminal? Quanto ao sexismo, a
common law denegou por muito tempo às mulheres casadas quaisquer direitos de propriedade ou mesmo
personalidade jurídica distinta da de seus maridos. Quando os ingleses aplicaram sua lei para os muçulmanos
no lugar de Shariah, como fizeram em algumas colônias, o resultado foi tirar das mulheres casadas a
propriedade que a lei islâmica sempre lhes concedeu – um árduo progresso rumo à igualdade dos sexos.”
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surgiram de “condições históricas objetivas” (SILVA, 1998, p. 180) que permitiram seu
reconhecimento. Toda busca pela positivação, proteção e implementação de direitos
pressupõem sua negação ou ameaça. Os próprios dogmas da dignidade da pessoa humana e
do mínimo existencial são constructos culturais frutos de nosso tempo. Aceitar que povos e
culturas diferentes encontram-se em momentos ou dimensões diferentes equivale a aceitar
que as condições históricas condicionam o grau ou o tipo de efetivação dos direitos humanos
formalmente reconhecidos assim como podem impulsionar o reconhecimento e positivação
de outros direitos.
Situando-se a questão entre universalidade (formal) e historicidade (material) a
melhor solução destes casos difíceis certamente não passa pela eliminação dessas religiões e
culturas locais e minoritárias, protegidas contra tal espécie de violência (DUDH, art. 30). Mas
também não se harmoniza com o negligenciamento dos direitos das pessoas vítimas dessas
práticas religiosas e culturais. Nestes termos, a eliminação de uma prática ofensiva a um
direito humano não deve se confundir com a própria religião ou cultura, que, em cada caso,
dentro do possível a cada tempo, se não admitir uma mudança estrutural do costume, deve
abrir mão da sua execução e propagação, sob pena de intervenção estatal – algo, de fato,
deveras dificultoso em estados não laicos.
Assim, mesmo que os direitos humanos tais como o direito à liberdade religiosa seja
colocada em sérias dúvidas nos estados não laicos, não está necessariamente nesta
condição, na religião ou na cultura em si a origem da ofensa sofrida por Soraya. Sem dúvida a
Sharia foi utilizada na condução do seu processo bem como na fixação da sua pena, contudo,
a ausência do devido processo e o ímpeto dos corruptos julgadores mostrou-se fator
determinante ao trágico desfecho.
3 DEVIDO PROCESSO DE DIREITO E PROCESSO HERMENÊUTICO
Ao contrário do que afirmou Montesquieu, os juízes não são simplesmente a boca
que profere as palavras da lei. Existem condições elementares à interpretação e aplicação de
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qualquer lei ou paradigma jurídico e que passam muito além do domínio da língua falada e
escrita – deles cuida a hermenêutica jurídica.
A subsunção do fato à norma, ou seja, a adequação de uma conduta ou fato concreto
à norma jurídica (norma-tipo) comumente esbarra se não na ambiguidade e imprecisão do
código linguístico, nas dificuldades do processo de reapresentação do sentido normativo à
luz de fatores contextuais, tais como a completude e harmonia do próprio sistema jurídico,
fins, valores, cultura, tempo e lugar. Em resumo, somente diante do caso posto é que se
torna possível dar vida e concretude à norma jurídica. Eis a lição de Eros Grau:
O fato é que praticamos sua interpretação não – ou não apenas –
porque a linguagem jurídica seja ambígua e imprecisa, mas porque
interpretação e aplicação do direito são uma só operação, de modo
que interpretamos para aplicar o direito e, ao fazê-lo, não nos
limitamos a interpretar (=compreender) os textos normativos, mas
também compreendemos (=interpretamos) os fatos. (GRAU, 2003,
p.40)
(...) a interpretação do direito não é uma atividade de conhecimento,
mas sim construtiva, portanto decisional, embora não discricionária,
(...). (GRAU, 2003a, p.62)
Isso, contudo – note-se bem –, não significa que o intérprete,
literalmente, crie a norma. Dizendo-o de modo diverso: o intérprete
não é um criador ‘ex nihilo’, ele produz a norma – não, porém, no
sentido de fabricá-la, mas no sentido de reproduzi-la. (GRAU, 2003a,
p. 80-81)
Marçal Justen Filho acrescenta no seguinte sentido:
A textura aberta da linguagem também não produz autonomia para o
aplicador, o qual tem compromisso com o sistema normativo e com a
vontade legislativa. Cabe escolher um dentre os sentidos possíveis,
comportados pela expressão linguística. Ou seja, há limites quanto às
escolhas possíveis. Mais ainda, o aplicador tem o dever de respeitar a
vontade normativa e eleger, no elenco limitado das acepções
possíveis, a alternativa reputada mais adequada. (JUSTEN FILHO,
2005, p. 157)
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Se a norma jurídica depende desse processo hermenêutico para sua aplicação ao
caso concreto, cada caso concreto deve passar pelo devido processo hermenêutico para se
garantir que é a norma jurídica que está sendo aplicada – e não a vontade particular dos
julgadores. Trata-se de mais uma decorrência do advento do chamado Estado de Direito,
expressão de Welker, utilizada pela primeira vez em 1813 (FERREIRA FILHO, 2002, p. 2).
Os ingleses chamaram de Rule of Law – ou supremacia do direito – o conjunto de três
princípios que, após alcançar as doutrinas jurídicas continentais, converter-se-iam nos
princípios do Estado de Direito:
a) Legalidade – Ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão
em virtude de lei. No De Legibus at Consuetudinibus Angliae, Henri Bracton expressa a ideia
do primado da lei: 'Ipse autem rex non debet esse sub homine sed sub deo et sub lege quia
lex facit regem' – não é o rei que faz a lei, mas a lei que faz o rei (BOBBIO, 2002, p. 169-170);
b) Isonomia – a igual sujeição de todos (inclusive autoridades) perante a lei e aos
tribunais comuns, sendo, no fundo, a manifestação de dois elementos da noção material de
lei: a generalidade e a impessoalidade;
c) Devido Processo Legal (ou Due Process of Law) – que é a consagração pelo direito
comum das liberdades do cidadão ante a sua sujeição ao controle de juízes e tribunais
ordinários, independentes e imparciais (FERREIRA FILHO, 2001, p.100-106).
Tratando-se a Sharia de normas jurídicas, naturalmente o julgamento de Soraya
careceu não apenas de um devido processo legal, com acusadores e defensores para
exercício do contraditório e ampla defesa, mas também de um devido processo
hermenêutico realizado conjuntamente com juízes ordinários, independentes e imparciais,
garantindo que a acusada somente restaria obrigada a fazer ou deixar de fazer algo em
virtude de lei geral e impessoal (DUDH, art. 7º, 10 e 11).
O filme deixa bem claro que isso não ocorreu, colocando a seguinte questão: a Sharia
foi devidamente aplicada; ou melhor, é a Sharia que se aplicou?
A inescusável participação do intérprete no processo hermenêutico releva igualmente
a sua susceptibilidade a aspectos de ordem social, tais como a cultura (patriarcal na maior
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parte do mundo) incluindo aí os preconceitos e discriminações dirigidas a minorias e grupos
vulneráveis.
Com isso em vista, no filme, mais o que a sumariedade do julgamento de Soraya,
impressionou a cega aceitação do veredito pelo povo da comunidade onde vivia, revelando
que a condenação não era esperada, mas desejada em sua maioria9.
4 MINORIAS, GRUPOS VULNERÁVEIS, IGUALDADE DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR
Na Revolução dos Bichos, Orwell (s.d., p.93) provoca: “Todos os animais são iguais,
mas alguns animais são mais iguais do que os outros”. A igualdade entre todas as pessoas
prevista nas declarações de direitos constituiu uma afirmação, não uma constatação. Nesse
contexto, a diferença pode surgir como razão de prestígio ou de segregação. Nos estados em
que todos são iguais em direitos mínimos, considerando que a igualdade é tratar
desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade, o tratamento diferenciado
somente se justificaria para um tratamento melhor. “Quatro pernas bom, duas pernas
melhor!” (s.d., p.93) – baliram as ovelhas.
Assim, o reconhecimento da diferença tornou-se um privilégio, revelando a luta pelo
direito à diferença uma nova dimensão no contexto da luta pela igualdade protagonizada
pelos grupos historicamente excluídos. Igualdade esta muitas vezes conquistada
nominalmente através das legislaturas, mas sem efetividade principalmente por abraçar um
indivíduo ideal e abstrato (normal) ignorando a realidade das pessoas concretamente
9
Além da multidão não esconder a avidez por encontrar culpados, o linchamento de Fabiane Maria de
Jesus, no Guarujá/SP, em 2014 é prova da força de que historicamente dispõem justiceiros de plantão, não
raro encontrando na porção mais vulnerável ou estigmatizada da sociedade, o destino de toda espécie de
ofensa. (UOL. Mulher linchada carregava bíblia com fotos das filhas. Uol notícias: violência em São Paulo, 06
de
maio
de
2014.
Disponível
em:
<http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agenciaestado/2014/05/06/mulher-linchada-carregava-biblia-com-fotos-das-filhas.htm>. Acesso em: 25 de fev. de
2015). A letra de 'Geni e o Zepelim', de Chico Buarque, revela o que veremos adiante: que o processo de
humilhação e subjugação de outrem são utilizados tanto pelo indivíduo quanto pela sociedade para satisfazer
seu anseio de conquistar/exibir poder.
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estabelecidas. Em resumo, ao indivíduo pós-moderno já não basta ser reconhecido como
igual, ele deve ser reconhecido em sua diferença.
E de fato, as relações de igualdade elementares à democracia não são apenas de
ordem socioeconômica, mas também de natureza sociocultural. Para tanto, mais do que
contrariar a ordem jurídica então vigente, foi necessário ir de encontro com as normas e
práticas sociais estabelecidas. A normalidade constituiu uma terceira barreira para quem se
depara com os outros, com a exclusão, com a indiferença, com a intolerância. Sobretudo a
fragmentariedade da modernidade líquida pôs abaixo diversos paradigmas, problematizando
o indivíduo situado, multifacetado.
Diferentemente dos chamados grupos vulneráveis (vitimizados, não dominantes ou
hipossuficientes) nas minorias é possível extrair uma noção de identidade entre seus
membros 10. É que, embora nos grupos vulneráveis se possa constatar eventual estigma, um
descrédito em função de um atributo comum não condizer com um comportamento ou o
status que exercem ou almejam (atributo x estereótipo), tal condição implica efeitos em
relações específicas e delimitadas de hipossuficiência em dado aspecto objetivo da vida
social. Não se é, e.g., idoso, criança, jovem, consumidor, empregado em tempo integral e por
toda a vida e nem sempre isso é um fator relevante de discrímen na sociedade. Já o mesmo
não se pode dizer de negros, mulheres, grupos étnicos e religiosos, e.g., casos em que o
estigma aferido a dado tempo e lugar em uma certa sociedade é sempre integral e
generalizado, pois dizem respeito ao seu ser (e não a um estar 11), levando a um círculo
vicioso de exclusão, vulnerabilidade e violação de direitos.
10
Importante salientar que o processo de identificação não precisa ser feito pelo próprio indivíduo de
modo autônomo e voluntário. Ou seja, a identidade pode ser feita de maneira externa ao indivíduo, sendo na
verdade muitas vezes imposta a ele pelo meio social.
11
A distinção é tênue mas fundamental, pois entre o ser e o mero estar existe um contínuum. Uma dada
condição outrora restrita a certas relações sociais pode vir a ser generalizada pela sociedade, tornando-se
marca social indelével sobre dado grupo populacional, dominando seu convívio social a tal ponto que passe a
integrar a consciência pessoal dos indivíduos que o integram (identidade), que a partir daí passam a viver esta
condição.
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É esse fator subjetivo, intrínseco à sua condição humana, que torna um grupo
populacional, identificado pelo estigma criado pelas normas sociais em torno da sua
diferença, em uma minoria. E é a consciência dessa diferença e da inexorabilidade em
relação a sua existência que faz surgirem em minorias mais politizadas, ante sua latente
vulnerabilidade social, ações de autoafirmação, ditas ações afirmativas.
O feminismo, enquanto luta pelo direitos das mulheres, enquadra-se como
movimento de ação afirmativa de uma minoria. Nesse âmbito, citando Rosiska, Bonavides
(2001, p.70) confirma que “no radical confronte entre os sexos, que não se tem podido
evitar, vê-se que o ‘feminismo da igualdade se prolonga como feminismo da diferença’”,
vindo a complementar (2001, p.71):
O trabalho é a redefinição do feminismo mal-compreendido, um
caminho diferente do que aquele equivocadamente trilhado de busca
de ‘igualdade de condições com os homens’ na vida pública,
simplesmente porque os valores femininos, o universo feminino, nas
suas específicas condições e circunstâncias, é imprescindível, não
precisa ser descartado, e deve ser elevado. O padrão masculino, seu
modo de ser e agir, não é o melhor do mundo, aliás, é numa cultura
hegemônica masculina que o Ocidente está naufragando.
A desigualdade de gênero ainda é realidade mesmo em repúblicas democráticas
como o Brasil. É possível citar à exaustão estatísticas demonstrando o impacto do sexismo
nos salários, nos cargos e empregos, nas eleições e em diversas outras posições de destaque.
Mesmo em face disso, não se pode ignorar as relevantes conquistas quando se tem em
comparação a realidade de mulheres como Soraya. E nesta comparação, a semelhança que
salta aos olhos logo no primeiro momento é a violência doméstica e familiar, que, não
obstante também atingir crianças, jovens e idosos, amplamente encontra as mulheres como
principais vítimas no Brasil e na maior parte do mundo.
De destaque mundial, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), surgiu como resposta
normativa a esta chaga que acomete os lares brasileiros. Publicada a 8 de agosto de 2006, a
lei traz uma série de medidas inovadoras no intuito de facilitar o acesso à justiça e à tutela
dos seus direitos, tais como a previsão de criação de Juizados de Violência Doméstica e
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Familiar contra a Mulher e de delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e
centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de
violência doméstica e familiar. Também prevê medidas protetivas de urgência cujo pedido
dispensa a intervenção de advogado. E embora opte pelo caminho da maior criminalização,
com aplicação de penas mais graves e restrição de direitos – gerando fundadas críticas
(BREGA; SALIBA, 2006, passim) –, não se pode negar que seu principal papel é o de propiciar
à mulher, que geralmente se encontra submetida a uma posição de vulnerabilidade,
instrumentos para reclamar e fazer valer seus direitos e sua dignidade.
Mas nenhum instrumento legal opera por si mesmo e o Conselho Nacional de Justiça
(2013) aponta que, após uma inicial queda, a violência doméstica e familiar contra a mulher
continua a apresentar números alarmantes no Brasil. Além da melhoria da estrutura de
atendimento pelo Estado, necessário ressaltar que, muitas vezes a falta do pedido da medida
protetiva pela vítima da violência redunda na ausência de deflagração do aparato posto à sua
disposição. Arrefecidos os ânimos, os laços familiares, a relação com os filhos, a fé no amor e
a paixão frequentemente aparecem como mote para renunciar à proteção estatal.
Não se pode ignorar que considerável parte da violência doméstica contra mulheres
encontra-se vinculado ao elemento passional – não raro associado ao consumo de drogas
(lícitas e ilícitas). A paixão sem dúvida é um dos mais arrebatadores sentimentos do ser
humano, capaz de conduzi-lo em meio aos mais delirantes e absurdos pensamentos e atos.
Mas nem sempre é assim. Além de desordens psíquicas e psicossociais, os costumes e a
cultura influenciam decisivamente o comportamento humano.
Especificamente no filme em tela, tem-se claro que a agressão e morte de Soraya não
eram motivadas por alguma paixão que Ghorban-Ali nutria em relação a ela, nem se
evidencia qualquer moléstia que o impedisse de estar consciente de seus atos. O que fica
claro, todavia, é uma posição de dono, de posse, que o marido deve exercer socialmente
sobre a esposa e filhos.
Apropriação e consumo são outra faceta das relações sociais para com o gênero
feminino.
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5 A MULHER E A CULTURA DE CONSUMO
A condição humana é o que hoje, juridicamente, permite impede que se tratem
negros, índios, mulheres como objetos de direitos, e não sujeitos de direito. Hannah Arendt,
mulher, judia, imigrante, pensadora, encontrou nessa condição o fundamento de um direito,
o maior de todos: o direito a ter direitos. Direitos estes brutalmente negados a grupos
populacionais por todo o globo sob o manto dos totalitarismos. A retomada do paradigma
jusnaturalista não representou o mero resgate do liberalismo kantiano, mas o reencontro da
humanidade à luz do existencialismo:
O primeiro esforço do existencialismo é o de por todo homem no
domínio do que ele é e de lhe atribuir toda responsabilidade de sua
existência. E quando dizemos que o homem é responsável por si
próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua
restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens.
(SARTRE apud AQUINO, 1997, p. 317)
Como esclarece Brito (2010, P.187-188), em sua acepção jurídica, pessoa é sinônimo
de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica, sendo incorreto afirmar que a pessoa tem
direito à personalidade, uma vez que, antes, é desta que surge a capacidade, a aptidão, a
habilidade, de ser sujeito de direitos e obrigações. Por uma ficção jurídica, passou-se a
atribuir personalidade a entes que não eram humanos. Hoje, aliás, se reconhece a
titularidade de direitos e obrigações a entes despersonalizados, como o condomínio edilício,
a herança jacente ou vacante, a massa falida e o nascituro.
Nesse passo, a característica mais evidente da pessoa, enquanto pessoa humana, é a
própria condição humana, que lhe confere uma dignidade inerente, não podendo jamais ser
considerada objeto de direito, mas sempre sujeito de direitos. Em outros termos, a pessoa
humana é sempre um fim em si, o valor-fonte de todos os valores12.
12
A colocação é de Miguel Reale: “Pode parecer paradoxal, mas é substancialmente verdadeira a
afirmação de que, quanto mais são vertiginosas as mutações resultantes do desenvolvimento científico e
tecnológico, mais ainda se impõe o encontro de soluções serenamente baseadas no primado da razão tendo
como referencial a integralidade da pessoa humana, valor-fonte de todos os valores e direitos universais, por
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Nem sempre foi assim. A retomada do paradigma do direito natural é recente na
história da humanidade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das
Nações Unidas, principal paradigma deste horizonte, não completou sequer 70 anos.
Artigo 6°. Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em
todos os lugares, da sua personalidade jurídica. (ONU, 1948)
É natural, portanto, que esse processo de dignificação (quando não de humanização
mesmo) se encontre diferentes níveis ou etapas ao redor do planeta. Vale mencionar a lição
de Reinero Antônio Lérias:
(...) os homens nascem, vivem e morrem sob uma cultura de
legitimação de formas de poder de um dado grupo social sobre outro.
Nas sociedades greco-romana, onde a escravidão era legítima, o filho
de um escravo era criado desde os primeiros dias de vida sob o da
inevitabilidade de sua posição de submissão; (...). Outrossim, o
mesmo acontecia com o servo de gleba, ou vilão, no feudalismo,
porquanto era educado para ser subalterno a uma ordem social
ditada e legitimada pela religião (...). (...) o mesmo se deu e se dá com
o assalariado contemporâneo, que busca de um lado, manter o
emprego, mesmo que sob condições aviltantes de outro luta, sem
cessar por melhores condições de vida. (2008, p.115)
Essa matriz produtiva encontra-se na raiz da intolerância. Como explica citado autor
(2008, p.123), a Revolução Agrícola levou à domesticação de equinos, bovinos, muares, entre
outros, para movimentar os instrumentos agrícolas, “mas nos lugares em que estes animais
não existiam, o expediente utilizado foi a substituição deles por seres humanos”, tendo feito
uso da escravidão “as grandes ‘civilizações’ da antiguidade”. Esclarece, ademais, (2008,
p.123) que “escravidão não significava cor de pele, pois a própria palavra inglesa para
escravo, ‘slaves’, quer dizer eslavos” e mesmo grupos étnicos africanos praticavam a
escravidão com outros povos, não subsistindo qualquer justificativa para a associação da cor
de pele à escravidão senão ideologias, inclusive de matriz religiosa, historicamente
estabelecidas também sobre as bases da eugenia.
ser o homem o único ente cujo ser é seu dever ser”. (REALE, Miguel. Paradigmas da Cultura Contemporânea.
2. tir. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 143)
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Ora, outra forma de apropriação de seres humanos por outros ‘superiores’ é o
sexismo, pelo qual o gênero feminino historicamente torna-se vítima do homem. Lérias
relata diversas práticas sociais que revelam a posição de submissão e desprestígio da mulher
nas culturas de sociedades de todo o mundo em várias épocas, destacando que, porquanto
os direitos das mulheres tenham sido reconhecidos pelas sociedades ocidentais a partir da
Revolução Francesa, “os exemplos e críticas podem ser citados ‘ad nauseum’, porquanto a
distância entre o discurso e a realidade é abissal” (2008, p. 121). A exemplo, cita a luta pela
conquista do útero, decidir livremente ter ou não filhos, e a luta contra a publicidade
midiática “que procura transformá-la em uma mercadoria de consumo, o mito da sexysimbol; outro expediente utilizado por aqueles que consideram ainda ser a sociedade
humana propriedade do macho” (2008, p. 122).
Neste horizonte percebemos que Soraya não é só vítima da violência doméstica
(principal vertente na discriminação de gênero), da religião, da corrupção e violência estatal,
das maiorias da sociedade local, mas de toda a humanidade, que, alimentando doces sonhos
de apropriação e consumo, estende sua sede de poder sobre tudo e sobre todos.
Geoge Orwell, no seu distópico 1984, revela pelas bocas de torturador e torturado:
- Como é que um homem afirma seu poder sobre outro, Winston?
Winston refletiu.
- Fazendo-o sofrer.
- Exatamente. Fazendo-o sofrer. A obediência não basta. A menos que
sofra, como poder ter certeza que ele obedece tua vontade e não a
dele? O poder reside em infligir dor e humilhação. (...). (2005, p. 254)
E então, como um brinquedo velho, Soraya foi abusada, humilhada e descartada não
apenas para que se legitimasse a obtenção de um novo ‘brinquedo’, capaz de satisfazer os
desejos de apropriação e consumo de seu ‘dono’, mas também para provar à comunidade o
poder que exercia sobre ela.
CONCLUSÃO
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O presente artigo se propôs a discorrer acerca de algumas das múltiplas perspectivas
jurídicas que o filme 'O Apedrejamento de Saraya M.', uma obra artística de não-ficção, foi
capaz de despertar ao denunciar a tragédia ocorrida com uma mulher no Irã em meados da
década de 1980.
Adotando como base diversos recortes desta realidade retratada, permitiu-se
expandir sua análise para situações de âmbito geral e impessoal. Com isso, foi possível
identificar uma relação que reforça não só a mensagem final da obra artística - a história de
uma mulher para o mundo - mas que também une todas as mulheres no mundo, ou melhor,
toda a humanidade, em torno da história de uma só mulher.
Soraya não foi apenas vítima de pena de morte - em si uma frontal violação do direito
humano à vida -, mas de uma pena cruel, degradante, desumana que, embora prevista
também para homens, tem evidentemente encontrado nas mulheres seu principal alvo,
sendo recorrentes os relatos internacionais de mulheres condenadas à lapidação em
diferentes países.
Nesse passo, observou-se que, apesar da adoção de escritos religiosos como base da
ordem normativa estatal ser incompatível com o estado laico, esta condição, verificada com
certa frequência junto a povos islâmicos, não é por si causa determinante para a adoção da
pena de morte ou, especificamente, da pena de lapidação nem do tratamento dispensado às
mulheres - até mesmo porque a pena de morte é prevista em estados laicos assim como, no
passado, tratamento pior já foi dispensado a mulheres bem como a crimes em geral em
repúblicas democráticas ocidentais.
Com isso, percebe-se que embora a historicidade dos direitos humanos constitua
fator relevante no processo de reconhecimento e efetivação universal, tal não significa
necessariamente uma vedação ou impedimento, devendo ser reclamada sua implementação
seja individualmente mediante o exercício hermenêutico em tribunais ordinários,
independentes e imparciais caso a caso, seja mediante a luta social e política cotidiana no
reconhecimento da dignidade inerente à condição humana, especialmente na proteção de
grupos vulneráveis e minorias.
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A obra cinematográfica em questão, neste aspecto, deixou claro que não só as provas
de adultério foram forjadas como o julgamento foi viciado, não sendo possível ter garantia
de que a condenação ou a pena de apedrejamento aplicada foi fruto da Sharia, da vontade
individual dos juízes ou mesmo para satisfazer os anseios da comunidade - o devido processo
de direito lhe foi negado. Em todo caso, ficou evidente a posição de vulnerabilidade social de
Soraya dada a sua condição de mulher, uma minoria à qual, por definição, são negados
direitos por uma condição inerente à sua existência, à sua identidade, à sua diferença.
Nesta linha, a violência doméstica e familiar sofrida por Soraya surge como traço mais
universal entre as mulher nas culturas patriarcais, amplamente majoritária no mundo, seja
em função de uma dada condição particular de vulnerabilidade, seja em função da cultura
sexista, dominadora e, por isso, violenta tendente a consumir, como um objeto, suas vidas e
seus sonhos.
Por fim, percebe-se que a Soraya, assim como a muitas mulheres vítimas de toda
forma de violência mundo afora, o que de fato foi negado foi a própria condição humana.
Diante deste quadro, as palavras atribuídas a Jean-Paul Sartre ganham verdade: “A violência,
seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”, uma derrota da
humanidade.
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ANÁLISE DA COESÃO E COERÊNCIA NAS PRODUÇÕES TEXTUAIS DOS ALUNOS:
ORIENTAÇÕES AOS PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA QUE ATUAM NOS ANOS FINAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO
Profa. Hilda Morais do Paraizo Ribeiro
Professora da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti
Professora da Rede Estadual de Ensino.
1 INTRODUÇÃO
A prática de reestruturação de textos, atrelada às atividades de análise linguística,
fundamenta-se na concepção de linguagem como interação, uma vez que o texto é tratado,
pelos professores de Língua Portuguesa, como o foco central para o trabalho em sala de aula.
A reescrita propicia ao aluno condições de reelaborar o seu texto, a partir das escolhas
lexicais adequadas para cada situação de produção. Após refletir sobre a função das palavras
no contexto em que estão inseridas, o educando percebe o verdadeiro sentido da
organização textual, articulando o plano da expressão e plano do conteúdo. A análise
linguística, por sua vez, contribui para a compreensão dos aspectos formais que se articulam
para a estruturação das ideias de forma coerente e coesa.
Dessa forma, quando se toma o texto como ponto de partida e de chegada para o
ensino e aprendizagem da língua, o trabalho com a prática escrita deixa de ser fragmentado
e passa a abordar, simultaneamente, os aspectos pragmáticos e semânticos da linguagem. Os
alunos, ao se sentirem sujeitos dessa forma de conduzir o trabalho, tornam-se usuários
concretos da língua e, consequentemente, participantes do discurso.
Nessa perspectiva, o trabalho com a linguagem escrita relaciona-se ao momento
concreto de sua produção, pois o próprio texto produzido pelo aluno chama novas propostas
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de escrita. Com base nisso, antes do momento da produção de textos, é fundamental
oferecer ao aluno um momento de trocas de ideias, de debates, de formação de opiniões
sobre o que se vai escrever. Sempre que o professor trabalhar com a atividade de produção
de textos, deve proporcionar aos alunos informações provenientes das mais variadas fontes
e momentos para reflexões sobre o tema solicitado. Essa estratégia permite ao aluno
confrontar dados, refletir sobre eles e formar opiniões para registrá-las por meio da escrita.
Considerando essa forma de pensar o trabalho com o texto em sala de aula, esta
pesquisa visa mostrar, por meio de estudos teóricos e análises de textos produzidos pelos
alunos, o quanto o encaminhamento do trabalho com a reescrita, na abordagem da
concepção de linguagem como interação, contribui para o perfeito entendimento dos
mecanismos da coesão e dos efeitos da coerência presentes nos discursos, conforme a
especificidade do texto e das condições de produção das quais se resultou.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 CONCEPÇÕES DE LINGUAGENS
Em se tratando do ensino e aprendizagem da produção de textos, o professor deve
propiciar ao aluno subsídios para mover-se no espaço de interação. Para isso é necessário
levar em conta a concepção de linguagem que orienta o trabalho no cotidiano escolar.
Segundo Geraldi (2001, p. 41), três concepções podem ser apontadas, são elas: a linguagem
é a expressão do pensamento; a linguagem é instrumento de comunicação; a linguagem é
uma forma de interação.
A discussão proposta para este trabalho procurará situar-se no interior da terceira
concepção, ou seja, linguagem como interação humana, atividade, ação interindividual.
Nesse pressuposto, acredita-se que os caminhos que levam o aluno a dominar a escrita
passam pelo comprometimento de um trabalho que privilegie essa concepção de linguagem.
Na perspectiva dessa visão de ensino, a Língua é considerada parte constitutiva do
homem, considerada em seu caráter histórico, geográfico e social; linguagem e homem são
realidades inseparáveis, o texto deve ser tratado como núcleo de todo e qualquer trabalho; o
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erro é interpretado como tentativa de comunicação, pois a sala de aula é o espaço de
interação e produção de discurso.
Se as ações da sala de aula forem pautadas na concepção interacionista da
linguagem, é fato que o trabalho está voltado para um sujeito que é ativo em sua produção
lingüística. Assim, o texto, centro de investigação, ganha valor, pois se forma num real
processo de interlocução, ou seja, existe direção pré-estabelecida para as ideias externadas
por meio da língua escrita.
Segundo Geraldi (1995, p. 137), para produzir um texto em quaisquer situações, por
mais ingênuas que sejam, é preciso que:
a) se tenha o que dizer;
b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer;
c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer;
d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem
diz (ou, na imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo);
e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d).
É apenas nessa circunstância, de efetiva interação, que o aluno pode tornar-se
sujeito do que diz. Nessa perspectiva urge a necessidade de trabalhar em sala de aula o
discurso como própria prática da linguagem, conduzindo o ensino na direção de levar o aluno
a refletir e compreender o processo de escrita como trabalho que lhe permite estabelecer
interlocução com o outro.
Sob a perspectiva interacionista, o ensino da língua exige do professor reflexão
constante sobre sua prática em sala de aula, a fim de realizar um tratamento dinâmico,
“vivo” da linguagem nas atividades de produção escrita.
Nas aulas de Língua Portuguesa, o aluno não pode perder de vista o aspecto
sóciocomunicativo para compreender melhor as condições de escrita, estabelecendo, dentro
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do contexto escolar, a distinção entre “produção de texto” e “redação”. A partir dessa
compreensão, produzir textos na escola torna-se mais significativo para os discentes.
Com base nas ideias anteriores, a escola não deve limitar-se a um espaço em que as
atividades correspondam a solicitações de exercícios metalinguísticos e a produção de texto
constitua-se como mais uma tarefa escolar para os alunos questionarem: total de linhas e
valor. Quando isso acontece, percebe-se a escrita apenas como forma de avaliação que causa
preocupação aos alunos quanto à nota, Isso reforça a ideologia que vê a escrita como uma
atividade exclusivamente escolar, sem contexto de produção e sem estratégias adequadas
para tal.
Para evitar tal situação, é necessário adotar a o entendimento de que a prática da
leitura e a prática da escrita são atividades significativas para a constituição do sujeito
produtor do texto.
Isso implica, durante o processo de produção de textos, falar a outrem de algo que
lhe seja interessante, que volte para algum fim, que haja partilha. Dessa forma, quem
produz, compromete-se, pois produz para alguém, sem o qual não há discurso, não há
interação, não há o que dizer, nem como dizê-lo, mas apenas tarefas a cumprir.
Trabalhar em sala de Aula com a produção de textos é dar voz ao aluno, é
encaminhá-lo a compreender a sua própria história, é dar-lhe a oportunidade de assumir-se
como sujeito do processo interlocutivo. Daí, se o aluno constitui-se sujeito da ação de
aprender a sua própria história, co-responsável pelo seu processo de aprendizagem, é
indicativo que o ensino da Língua Portuguesa se caracteriza no texto, e responde a
necessidade dos falantes enquanto usuários ativos da língua materna.
Leitura e escrita, para adquirem sentido, precisam se concretizar como experiência
que registra ações de pessoas ou grupos, garantir o processo histórico da humanidade,
sistematizá-lo e melhor compreendê-lo, suavizá-lo. Escrever, portanto, significa agir no
processo, compartilhar idéias, dar novos sentidos às palavras.
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Assim, nesta pesquisa, o trabalho com a linguagem escrita relaciona-se ao momento
concreto de sua produção. O objeto vivido e os conhecimentos prévios constituem ponto de
partida, pois o próprio texto produzido pelo aluno chama novas propostas de escrita. Com
base nisso, antes do momento da produção de textos, é fundamental oferecer ao aluno um
momento prévio de trocas de ideias, de debates, de formação de opiniões sobre o que se vai
escrever. Sempre que o professor trabalhar com a atividade de produção de textos, deve
proporcionar aos alunos informações provenientes das mais variadas fontes e momentos
para reflexões sobre o tema solicitado. Essa estratégia permite ao aluno confrontar dados,
refletir sobre eles e formar opiniões para registrá-las através da escrita.
Produzir um texto na escola é, pois, realizar uma atividade de elaboração que se
apura nas situações interlocutivas criadas em sala de aula; é um trabalho de
reflexão individual e coletiva e não um ato mecânico, espontaneísta ou meramente
reprodutivo. (AZEVEDO E TARDELLI, 2004, p.45).
O discurso não acontece no vazio, deve-se levar em conta a situação e as condições
de produção.
2.2 ELEMENTOS DA TEXTUALIDADE: COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAL
Falar em textos coesos e coerentes não significa que o produtor tenha clareza do
que seja realmente essa coesão e, conseqüentemente, essa coerência. Por isso, o intuito
desta pesquisa é, com o trabalho de reescrita do texto, contribuir para compreensão dos
recursos que permitem a manifestação dessas propriedades.
2.2.1 Coesão Textual
Tendo em vista a função de articular os vários segmentos do texto, a coesão é fator
fundamental para o estabelecimento da unidade de sentido e da unidade temática do texto.
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Reconhecer, portanto, que um texto é coeso é reconhecer que suas partes estão interligadas,
que há continuidade e unidade de sentido.
Segundo Antunes (2005, p.50), “é importante, pois, ressaltar que a continuidade
que se instaura pela coesão é, fundamentalmente, uma continuidade de sentido, uma
continuidade semântica, que se expressa, no geral, pelas relações de reiteração, associação e
conexão”. Para que essas relações se concretizem, são necessários vários procedimentos e
recursos. Antunes (2005, p. 51) indica os procedimentos e recursos de cada relação textual
responsável pela coesão, conforme descrição no quadro a seguir:
A COESÃO DO TEXTO
Relações
textuais
Procedimentos
recursos
1. reiteração
1.1 Repetição
1.1.1 Paráfrase
1.1.2 paralelismo
1.1.3 Repetição

De unidade do léxico
Propriamente

De unidade da
1.2 substituição
1.2.1 substituição
Retomada por:

1.2.2 substituição
Lexical
2.1 Seleção
Lexical
Retomada por:

sinônimo

hiperônimos

caracterizadores
situacionais

retomada por elipse
Seleção de

por antônimos
palavras
semanticamente
próximas

por diferentes modos
de relações de
1.2.3 Elipse
2.Associação
pronomes ou
parte/ todo
3. conexão
3.1 estabelecimento
Uso de diferentes
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De relações
sintático-semânticas
entre termos,
orações,
períodos,
parágrafos e blocos
supraparagráficos
Conectores:

preposições

conjunções

advérbios e

respectivas locuções
Quadro 1: A propriedade da coesão do texto - relações, procedimentos e recursos.
Com base nos itens do quadro acima, é possível observar que as relações textuais
responsáveis pela coesão são promovidas por meio de quatro procedimentos. Esses
procedimentos se efetivam através dos recursos que são ações de repetir, de substituir
através de anáforas e catáforas ou por palavras semanticamente equivalentes, de associar
palavras de acordo com o sentido e com a intenção pretendidos na interação, de promover a
ligação entre orações e períodos fazendo uso dos conectores. Os conectores também devem
ser entendidos como elementos que se responsabilizam pela consistência discursivoargumentativa que o sujeito pretende dar ao seu texto.
A coesão não é apenas mera ocorrência de elementos linguísticos presentes no
aspecto formal do texto, ela se relaciona, em muitas situações, com a coerência do texto,
principalmente quando se refere à coerência sintática e à coerência local que “advém do
bom uso dos elementos da língua em sequências menores, para expressarem sentidos que
possibilitem realizar uma intenção comunicativa.” (KOCH e TRAVAGLIA, 2006, p. 41)
Para o estabelecimento da coerência é necessário conhecer os elementos
linguísticos e sua relação com o contexto da situação de produção. A unidade de sentido do
todo do texto é estabelecida na interlocução entre os usuários de acordo com a situação
comunicativa e com os recursos linguísticos empregados.
No âmbito da Linguística Textual, a coerência é vista como uma propriedade
diretamente ligada à possibilidade de o sujeito estabelecer um sentido para o texto, trata-se
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do estabelecimento de uma relação, tanto semântica como pragmática, entre os elementos
de uma sequência linguística, criando uma unidade de sentido, construída pelo leitor quando
um texto faz sentido para ele.
Separar coesão de coerência não é tão simples quanto, às vezes, parece. A coesão
constitui um dos fatores da coerência que contribui para a linguística do texto. Para Koch e
Travaglia (2006, p. 52), coesão e coerência “são duas faces do mesmo fenômeno”.
Sendo a coesão uma manifestação da coerência na superfície textual, os textos
organizados com diferentes recursos coesivos exigem eficientes mecanismos de
compreensão para identificar a coerência. O que se pretende com o ensino da língua, na
perspectiva textual e interativa, é um trabalho dinâmico que aborde os recursos linguísticos
de forma que possibilite a intenção da situação comunicativa concreta. Se houver equívoco
no uso dos elementos linguísticos e estruturais e falta de clareza das características do leitor
e das finalidades para as quais o texto foi redigido, o interlocutor não conseguirá estabelecer
o sentido do texto.
Por isso, este trabalho adota como fundamental as ideias de Antunes (2005, p.169),
quando salienta: “um estudo científico e consistente da linguagem somente pode ter como
objeto o texto e suas propriedades, o texto e suas regularidades, o texto e seus modos de
ocorrência, o texto e seus efeitos”.
O professor não pode deixar de abordar, na sala de aula, o pensamento de que os
elementos linguísticos da coesão não são os únicos necessários para que a coerência seja
estabelecida. Haverá sempre necessidade de conhecimento prévio: lingüístico, textual e
conhecimentos exteriores ao texto (conhecimento de mundo, dos interlocutores, da
situação, de normas sociais).
O conhecimento linguístico é responsável pela compreensão do texto verbal, pois
constituem as regras da língua, utilizadas para comunicação oral e/ou escrita.
O conhecimento textual garante a circulação entre os diversos gêneros textuais.
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O conhecimento de mundo, tanto formal como informal permite a partilha entre
escritor/falante e leitor/ouvinte no entendimento do texto.
Para parte significativa dos professores das séries finais do Ensino Fundamental e
Ensino Médio, que se vê perante um trabalho com as teorias da Linguística Textual, percebe
com mais relevância a coesão nos textos de seus alunos. Na perspectiva de inovar o modo de
ensinar, pode acontecer que alguns professores reproduzam para seus alunos listas de
elementos coesivos no intuito de facilitar o processo da escrita. Além disso, ao corrigir os
textos dos alunos, destacam exclusivamente os aspectos coesivos, deixando de lado a
possibilidade de discutir os sentidos do texto, ou seja, o que o aluno “disse” ou “tentou
dizer” através da escrita. As categorias coesivas sobrepõem à importância da coerência
Por exemplo, o poema abaixo é coerente para o leitor que possui familiaridade com a
profissão de professor, porém, possui marcas coesivas mínimas:
O despertador,
O banheiro,
A cozinha,
A mesa
A rua,
A escola,
O sino,
Os cumprimentos,
Os alunos,
A chamada,
O quadro negro,
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O livro didático
A conversa,
O debate,
As provas,
As correções,
A recuperação,
A nota,
O sino,
A casa.
Eis o dia-a-dia do professor.
O poema ajuda a mostrar que os elementos de coesão não são os principais
responsáveis pela textualidade, o necessário para entender este texto é o conhecimento
textual e o conhecimento de mundo, pois possui mínimos elementos coesivos; no entanto, o
leitor é capaz de construir para o texto um sentido possível: as atividades dos professores
todos os dias.
As teorias sobre coesão, já descritas pela literatura, embora não sejam suficientes
para resolver os problemas de coerência que aparecem nos textos dos alunos, deverão ser
conhecidas por todos os professores de Língua Portuguesa. Nas linhas a seguir serão
apresentados alguns esclarecimentos.
Segundo Koch e Travaglia (2006, p. 47 – 48) há duas grandes modalidades de coesão:
a sequenciação e a remissão. A coesão sequenciadora, seria aquela por meio da qual se faz o
texto avançar, garantindo-se a continuidade dos sentidos. Faz-se por meio de duas
categorias: com recorrências das mais diversas ordens: de termos ou expressões, de
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estruturas (paralelismo), de conteúdos semânticos (paráfrase), de elementos fonológicos ou
prosódicos (rima, aliteração, assonância) e de tempos verbais.
Enquanto alguns elementos conectivos que “costuram” os enunciados que
constituem o texto formam o que se chama de coesão sequenciadora, outros elementos que
têm a função da retomada e sinalização do texto formam chamada coesão por remissão
(referencial ou remissiva). É essa a função dos elementos anafóricos e catafóricos.
O termo anáfora é usado para designar expressões que se reportam a outras
expressões, a enunciados, a conteúdos, já referidos no texto, relacionando, assim, dois
elementos, sendo um deles o antecedente e outro o elemento anafórico, As anáforas podem
ocorrer como pronomes, diversos tipos de numerais, advérbios pronominais e artigos
definidos; por meio de recursos de natureza lexical como sinônimo, hiperônimos, nomes
genéricos, expressões definidas; por repetição de um mesmo grupo nominal ou parte dele;
por elipse.
Já, o termo catáfora é entendido pelo uso de elementos coesivos responsáveis pela
antecipação de referentes em um texto. Exemplo: “As palavras do diretor foram estas: o
horário de início e de término das aulas precisa ser respeitado pelos alunos e também pelos
professores”. Observa-se neste período um caso de catáfora, a oração “o horário de início e
de término das aulas precisa ser respeitado pelos alunos e também pelos professores” tornase coesa porque foi anunciada por meio do uso do pronome demonstrativo estas que a
precede.
Nessa perspectiva, o intuito desta pesquisa é, com o trabalho de reescrita do texto
pelo próprio aluno, contribuir para compreensão dos recursos pelos quais as propriedades
de coesão e coerência se manifestam.
2.2.2 A coerência segundo Charolles
Sobre a coerência, pode-se afirmar que não existe regra formal para determiná-la. O
texto somente se tornará coerente quando interlocutor possui conhecimentos que permitam
a compreensão da mensagem. Porém, também não dá para afirmar que qualquer conjunto
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de palavras seja um texto. Para que uma sequência de palavras seja admitida como texto é
preciso que respeite certa linearidade combinatória, proporcionada pela relação existente
entre os constituintes textuais. Charroles, citado por Val (2006, p. 20–27), estabelece o que
chama de Metarregras, que, segundo o autor para que um texto seja coerente e coeso, são
fundamentais os seguintes requisitos: a repetição, a progressão, a não-contradição e a
relação.
Assim, a Metarregra de repetição define que um texto é tanto mais coerente quanto
mais houver, no seu desenvolvimento, elementos de referência. Esses elementos perpassam
todo o desenvolvimento textual, garantindo-lhe unidade. Esses recursos contribuem para a
coerência tanto microestrutural quanto macroestrutural, pois favorecem para que o tema
desenvolva-se de modo contínuo, por meio de uma espécie de ‘fio textual’ condutor que
permite a continuidade e a progressão textual.
Já, a metarregra de progressão é o complemento da repetição e indica que para um
texto ser considerado coerente não deve apresentar elementos que se repetem sem
constituição de textualidade, ou seja, que caminham em círculo, sem renovação das ideias.
A Metarregra da não-contradição, por sua vez, enfatiza que para um texto ser
coerente não se deve afirmar uma situação contrária a si mesma tanto nas ideias explícitas,
como implícitas. A contradição acontece também na coesão quando se empregam, de forma
inadequada, os tempos verbais, os advérbios, as conjunções, o uso do vocabulário, entre
outros recursos coesivos. Nesses casos o significante empregado não condiz com o
significado que se espera.
Finalmente, a Metarregra de relação propõe que para um texto ser coerente, os
fatos deverão ser pertinentes e exercerem papéis de causa e conseqüência, um em relação
ao outro.
É fundamental o produtor verificar se o texto tem continuidade, não se contradiz,
possui fio condutor que sustente a significação e amarre as ideias às situações desenvolvidas.
É frequente, nos textos dos alunos, a ausência de fatos ou relações expressas. Se o professor
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conseguir detectar essas incoerências, terá condições de contribuir com a produção do
aluno, sem ferir a intenção e o tipo textual selecionado pelo produtor. Assim, reforçará ao
educando que todo discurso precisa ser facilmente compreendido pelo recebedor que possui
conhecimentos prévios e capacidade de pressuposição e inferência. Embora o que faz
sentido para um recebedor pode parecer absurdo para outro, um texto que não acrescente
nada ao conhecimento do recebedor constitui má produção. A textualidade depende da
situação de produção, por isso não dá para perder de vista a fundamental importância de
redigir na escola o que acontece no dia-a-dia.
Não se podem negar as imensas dificuldades dos alunos, mesmo do último do
Ensino Médio, quanto à elaboração de textos coerentes, orais e, especialmente, escritos. Isso
se deve ao fato de que um conjunto de palavras só funciona como texto quando contempla
em si as propriedades textuais. Com base nessa situação, optou-se em trabalhar, nesta
pesquisa, com as características da coesão e da coerência textual.
2.3 A CORREÇÃO E REESCRITA DO TEXTO DO ALUNO: AS PROPRIEDADES DA COESÃO E DA COERÊNCIA
TEXTUAL
Na perspectiva deste estudo, o texto produzido no contexto escolar constitui o
objeto de trabalho da análise linguística, logo é submetido ao processo de reescrita pelos
alunos. É importante ressaltar que a prática de análise linguística, por meio da reescrita do
texto do aluno, teve sua primeira divulgação com a publicação do livro: O texto na Sala de
Aula, organizado por João Wanderley Geraldi, em 1984. Esta obra propôs um
redirecionamento para o ensino de língua materna, apontando como foco o plano de uso
desta língua na interação entre os sujeitos. E, também, propôs um estudo organizado por
meio de três práticas: a prática da leitura de textos; a prática da produção de textos e a
prática da análise linguística. Salienta-se, ainda, que o princípio fundamental da prática de
análise linguística, segundo Geraldi (1984, p.63), é “partir do erro para auto-correção”.
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A partir do momento que as ideias defendidas na obra organizada por João
Wanderley Geraldi chegaram às escolas públicas, a expectativa foi trabalhar com a reescrita
do texto do aluno de forma positiva. O autor (aluno) passou a ser visto como sujeito, cujos
discursos não deveriam ser corrigidos apenas no enfoque gramatical, mas sim observadas às
relações presentes no contexto enunciativo.
De acordo com Bakhtin (1997, p. 332), “a reprodução do texto pelo sujeito [que se dá
num processo de volta ao texto, releitura, nova redação] é um acontecimento novo,
irreproduzível na vida do texto, é um novo elo na cadeia histórica da comunicação verbal.”
A importância do ato de reescritura do texto está no diálogo do sujeito-autor com o
resultado do seu produto e, consequentemente, com seu interlocutor. Este processo
possibilita ao aluno ver aquilo que antes não via em seu texto. O ato de reescrever permite
ao autor perceber que o texto é um produto inacabado, é construção de conhecimento, é
ambiente de interação. Para Sercundes (2004, p.89),
Partindo do próprio texto, o aluno terá melhores condições de perceber que
escrever é trabalho, é construção do conhecimento; estará, portanto, mais bem
capacitado para compreender a linguagem, ser um usuário efetivo, e
conseqüentemente aprender a variedade padrão e inteirar-se dela.
Para a atividade de reescrita, o professor fornece marcas no texto do aluno por
meio de códigos de correção pré-definidos ou ainda faz interferência direta, por meio da fala,
de comentários ou questionamentos orais e/ou escritos, para que o aluno tenha condições
de exercer o papel de reescritor das próprias ideias. Isso estabelece interação entre alunoescritor e aluno-leitor que, repensando, ajusta suas expressões para submetê-las a um
segundo leitor. O aluno continua o processo de reescritura de texto, passa a se preocupar
mais com a forma como os leitores verão seu texto. E, assim, passam a perceber a
importância da reescrita, já que as possíveis modificações têm como objetivo tornar o texto
mais claro e adequado ao leitor/ouvinte.
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A reescrita deve ser entendida como uma atividade em que o aprendiz, na
elaboração da primeira versão do seu texto, já teve todos os encaminhamentos necessários
para o processo de produção. É necessário ter consciência dos limites do aluno no momento
da reestruturação do texto, é impossível corrigir o que não se sabe. Para o aluno exercer o
papel de modificador do seu trabalho, é preciso dar-lhe condições para isso. Segundo
Menegolo (2005, p.77), o contato do aluno com o seu próprio texto estabelece a relação de
maior confiabilidade em relação à sua produção, dá-lhe a condição de olhar para o seu texto
com uma visão mais crítica e às mudanças, pois ganha condições de sujeito avaliador.
Sendo assim, o aluno, no momento que recebe o seu texto para reestruturação,
assume o papel de sujeito-leitor e a posição de avaliador do seu próprio produto. Um
trabalho que retoma os conhecimentos adquiridos nos anos escolares, alternando os papéis
de leitor e escritor, fazendo com tranquilidade as escolhas dos recursos formais e estruturais
que a língua lhe disponibiliza, ou seja, segundo Geraldi (1995, p.164), “dizer o que quer dizer
na forma que escolheu”. O estilo vai se aperfeiçoando ao longo dos anos escolares, ora no
que se refere à coesão e coerência, ora fazendo reflexões, levantando hipóteses e
questionamentos sobre os sentidos por meio do processo de interlocução/interação entre
professor e aluno num processo dialógico. Isso é o que se faz necessário planejar em relação
ao trabalho de reestruturação de textos no cotidiano escolar.
2.4 A PRODUÇÃO
DE
TEXTOS
NO
UNIVERSO ESCOLAR
DA
EDUCAÇÃO BÁSICA: ANÁLISE
DE
TEXTOS
PRODUZIDOS PELOS ALUNOS
Considerando o trabalho do professor em sala de aula uma realidade complexa, o
tema desta pesquisa buscou tratar de alguns aspectos dessa realidade, rediscutindo, assim, a
prática de leitura, de produção de textos e de análise linguística, em especial, como essas
práticas são trabalhadas no contexto escolar da Educação Básica. Sabe-se que as teorias
produzidas pela Linguística não são as únicas que o professor lança mão em sua prática,
porém constituem parte importante para o perfeito entendimento da língua por seus
usuários. Junto aos conhecimentos linguísticos devem estar presentes os saberes sócio-
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históricos, responsáveis pela concretização das atividades de interação entre os
interlocutores.
A urgência da concretização de um trabalho com a língua em sala de aula que não
se fixe apenas no repasse de regras e na cobrança de atividades metalinguísticas a partir de
palavras, frases soltas, ou do texto apenas como pretexto para o ensino da gramática foi o
que levou à realização de um trabalho que objetiva discutir a linguagem de forma dinâmica e
dialógica, tendo como foco central os estudos referentes à coesão e coerência textual. A
Pesquisa foi norteada pelos seguintes questionamentos:
- o que se escreve na escola é lido e analisado ou apenas corrigido?
- há interlocução em sala de aula por meio dos textos produzidos pelos alunos?
- o autor, aluno, retoma seu texto após intervenções dos colegas e/ou professor?
- o texto produzido pelo aluno circula dentro e/ou fora do ambiente escolar?
- as atividades trabalhadas em sala de aula vão ao encontro das necessidades
apresentadas nos textos dos alunos?
- o trabalho com a gramática leva em conta a condição para a estruturação coesiva e
coerente dos textos ou apenas preocupa-se com as nomenclaturas?
A seguir, um esboço da proposta de ação “Leitura, produção de textos e prática de
análise linguística por meio da reescrita dos textos dos alunos: propriedades da coesão e
coerência textual”, realizada no 3º período do programa do Professor PDE/2007, bem como
uma breve análise dos textos produzidos pelos alunos, conforme orientações dos professores
nas aulas.
O trabalho realizado pelo Professor PDE, juntamente com os professores de Língua
Portuguesa das séries finais do Ensino Fundamental e Médio, do município de Ibaiti,
fundamentou-se na concepção dialógica da linguagem e na concepção de escrita como
trabalho. Nessa perspectiva, a reescrita passou a ser entendida como uma atividade em que
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o aprendiz, na elaboração da primeira versão do seu texto, já teve todos os
encaminhamentos necessários para o processo de produção. O educador, então, apropriouse da necessidade de conhecer os limites do aluno no momento da reestruturação do texto,
pois é impossível o aluno corrigir o que não sabe. É necessário dar condições para o aluno
tenha atitudes críticas em relação a sua própria produção.
As atividades desenvolvidas pelo professor PDE, durante a implementação dessa
proposta foram:
1- Apresentação do trabalho aos professores da Disciplina de Língua Portuguesa,
atuantes nas séries finais do Ensino Fundamental e Ensino, Médio do município de
Ibaiti, em conversa individual e em pequenos grupos;
2- Disponibilização de subsídios teóricos aos professores por meio da apresentação de
textos de autores que discutem o trabalho com a leitura, produção de textos, coesão,
coerência e análise linguística por meio da reescrita do texto do aluno;
3- Acompanhamento semanal e orientações que se fizeram necessárias durante o
período de desenvolvimento do trabalho.
O desenvolvimento da proposta, em sala de aula, se deu a partir dos seguintes
passos:
1- Atividade prévia – leitura, análise de textos, de filmes, conversa em sala de aula,
debates, entre outras atividades reconhecidas e trabalhadas pelo professor para dar
suporte à prática de produção textual do aluno;
2- Sensibilização sobre o ato de redigir;
3- Atividades de produção de textos pelos alunos;
4- Análise, correção e intervenções do professor;
5- Reestruturação e reescrita do texto pelo aluno;
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6- Trabalho, em sala de aula, para esclarecer as dificuldades apresentadas em relação à
coesão e coerência textual;
7- A análise linguística com base na produção textual do aluno;
8- Circulação, no ambiente escolar e/ou na comunidade, do texto reescrito pelo aluno.
Na perspectiva do trabalho realizado pelos professores em sala de aula, segue a
síntese dos resultados da proposta por meio da análise de fragmentos de dez textos,
construídos pelos alunos, sobre diversos assuntos. São analisados fragmentos da versão do
texto após as atividades de reestruturação. A análise se detém nos aspectos formais que
dizem respeito ao mecanismo de coesão textual e as ocorrências que permitem ao texto
tornar-se coerente.
A seguir, fragmentos dos textos que foram selecionados para estudo neste trabalho,
bem como as respectivas análises, conforme as relações textuais da reiteração e da conexão.
[...] A água é muito importante para nossa vida, porque a gente utiliza
a água para lavar as mãos, lavar louças, lavar roupas, fazer comida,
fazer higiene corporal, lavar calçadas, etc.
[...] Vamos economizar água, pois 97% da água do nosso Planeta são
salgadas, apenas 3% são doces. (ALUNO A).
O aluno faz uma afirmação para iniciar a argumentação, a seguir utiliza
corretamente os conectivos porque e para, indicando a explicação e a finalidade
respectivamente, do assunto em questão, dando, assim, consistência aos seus argumentos.
Além disso, no aspecto da coerência, pôde-se observar que as ideias progridem, pela
colocação em forma gradativa, das utilidades da água. Também, dando continuidade ao
desenvolvimento do texto, o aluno faz um pedido aos habitantes do Planeta, a argumentação
introduzida pelo conectivo, pois, com o intuito de sustentar o seu pedido.
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[...] por isso ao redor das minas de água não pode desmatar, porque
se um dia a água acabar, ninguém poderá reclamar.
[...] Ela é um elemento da natureza indispensável a todos os seres
vivos. (ALUNO B).
A partir dos fragmentos acima, é possível verificar a importância do trabalho com a
reescrita do texto do aluno, uma vez que a ideia desenvolvida, embora simples, torna-se
significante, tanto no aspecto coesivo como no que diz respeito à continuidade, repetição,
progressão e articulação. Coerência e coesão textual são objetos de estudo pertinentes para
a escola em geral, não se deve limitar apenas à disciplina de Língua Portuguesa.
[...] Um dia Mônica estava andando e de repente ela escorregou
numa casca de banana.
A Mônica foi para o hospital para fazer curativo. E Cebolinha foi até o
hospital para ver a Mônica levar agulhada.
__Se você der risada, Cebolinha, vai apanhar!
__HA, HA,HA!!!!!!!!!!!!
E ele apanhou da Mônica!!!!!!!!!!!! (ALUNO C).
[...] Um dia Cebolinha estava dormindo e de repente ele acordou, saiu
da casa dele e foi para casa da Mônica e ela também estava dormindo
(ALUNO D).
Observando a produção dos alunos, é possível perceber o emprego dos pronomes
pessoais do caso reto em posição anafórica, amarrando as ideias, identificando e retomando
os personagens envolvidos na história. Isso permite progressão ao discurso, eliminando,
dessa forma, as repetições desnecessárias.
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Também a preposição até, utilizada no discurso, contribui para confirmar a noção de
espaço apropriada pelo narrador. Percebe-se, também, a recorrência temporal por meio da
expressão Um dia, utilizada pelos alunos no início de cada fragmento acima.
Já nos fragmentos abaixo, podem ser notadas ocorrências dos recursos de relação
textual, responsáveis pela conexão sintático-semânticas entre termos, orações e períodos.
Percebe-se o uso de conjunções em todos os textos que compõem o corpus deste trabalho.
Também não se pode negar o correto uso da substituição gramatical por meio de pronomes,
em posição anafórica na maioria dos fragmentos.
Que a educação é indispensável na vida de um ser humano é fato,
mas será que ela vem alcançando seus verdadeiros objetivos?
(ALUNO E)
Gostaríamos que tudo fosse do jeito que planejamos, porém entre o
que pensamos e o que realmente é, há uma grande lacuna. (ALUNO
F)
Embora o Brasil tenha avançado no campo da educação nas últimas
décadas, ainda há muito para ser feito. (ALUNO G)
Percebe-se nos fragmentos acima a relação de oposição por meio do emprego das
conjunções mas, porém e embora. O correto uso desses conectores leva o leitor a visualizar
uma argumentação contrária àquela que estava sendo apresentada pelo autor. Essas marcas
orientam o interlocutor sobre o caminho seguido durante a produção do texto, além de
garantir a compreensão do discurso, uma vez que a coesão existe em função da coerência.
Essas propriedades mantêm íntimas relações. Também foi possível registrar, no fragmento do
aluno E, o recurso da substituição quando o pronome pessoal do caso reto foi utilizado para
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retomar a palavra educação. Isso assegura a continuidade do texto pela articulação e
encadeamento dos diferentes segmentos quando o educando faz as escolhas adequadas
para referenciar ideias relatadas anteriormente.
A educação se faz importante, tanto para o desenvolvimento do país,
quanto para o nosso próprio desenvolvimento. (ALUNO H)
Observa-se, no fragmento acima, a relação de comparação entre os segmentos da
argumentação pelo uso dos conectores tanto [...] quanto, contribuindo para a manutenção
da textualidade.
Katiane era uma pessoa muito revoltada, pois na sua infância passara
por sérios problemas. (ALUNO I)
A educação é fundamental no desenvolvimento de um país, pois é
por meio dela que se tem o desenvolvimento tecnológico, o científico
e o econômico. (ALUNO J)
Nos fragmentos acima, é possível analisar a relação de justificação ou explicação,
por meio do uso do conectivo pois, esclarecendo o relatado no segmento anterior para
garantir a interpretabilidade do texto.
Sabe-se que há muita dificuldade por parte dos alunos quanto ao uso adequado dos
conectores nos textos, porém com o trabalho de reestruturação, percebe-se que esses
conectores ganham significados coerentes com o sentido que o educando realmente quer
dar ao seu texto.
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Enfim, as atividades discutidas e realizadas pelo coletivo dos professores enfocam
de forma inovadora as práticas de leitura, produção, correção e análise de textos,
mobilizando o fazer no cotidiano escolar. Para Sercundes (2004, p. 95), “o próprio texto
fornece os conteúdos que serão estudados. Cabe ao professor, nesse caso, indicar os itens a
serem trabalhados a fim de que os alunos assimilem novos conceitos, e a cada reescrita
novos tópicos surgirão”. A atividade de leitura/escrita/reescrita é o fator primordial para o
aprimoramento do texto do aluno. Não há como melhorar a escrita por “decreto”, como
também não é possível ensinar a leitura e a escrita sem ler e escrever. É só o trabalho
comprometido com a linguagem que terá condições de dar conta do ato de redigir. Isso é o
que se comprovou com a implementação desta proposta.
5 CONCLUSÃO
Por tudo o que foi exposto neste estudo, fica claro que a forma de conduzir o
trabalho com a escrita é significativa e fundamental no desenvolvimento da capacidade de o
aluno produzir textos coesos e coerentes.
Após a leitura e análise do texto do aluno, o professor tem elementos para
identificar os problemas remanescentes e que precisam ser abordados de forma mais
sistemática, inclusive as questões gramaticais que devem ser estudadas em sala de aula, pois
não há como construir texto sem gramática e não há gramática se não for para a construção
de textos.
Os problemas identificados ao longo do processo de reescrita do texto do aluno
orientam o professor na elaboração de um diagnóstico mais confiável daquilo que o aluno já
sabe e do que ainda precisa aprender. Não se encontra e trabalha todos os recursos coesivos
em um texto. A atenção dada a um recurso em cada texto pode ser suficiente.
A forma como se trabalha a produção e a correção do texto do aluno é basilar, pois
é ela a responsável pelo êxito do trabalho em sala de aula. Se essa produção/correção for
bem direcionada, as intervenções realizadas pelo professor podem levar o aluno a refletir
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sobre os significados do texto que produziu, não perdendo de vista, porém, o processo
interativo por meio do qual o texto ganha sentido. Além disso, as intervenções do professor
funcionam como elementos motivadores para o aluno realizar as ligações no interior do
texto. Muitas vezes, os problemas de coerência ocorrem pela dificuldade do aluno identificar
o referente textual.
O diálogo sobre o conteúdo do texto é fundamental para levar o aluno a tornar seu
texto coerente para a situação comunicativa concreta a qual se destina. O texto produzido na
sala de aula, desde que não se resuma a uma página para se atribuir notas e/ou conceitos,
permite esse movimento em busca da aprendizagem, tanto em relação a um possível
replanejamento dos conteúdos gramaticais, visando às necessidades dos aprendizes em
relação ao aspecto formal da língua quanto aos processos de reelaboração que demandam
raciocínio e reflexão, tornando-os sujeitos sociais da escrita coesa e coerente.
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NO RASTRO DOS IMIGRANTES: A ESPERANÇA DE UM MUNDO NOVO, O BRASIL PARA
OS HAITIANOS
Prof. Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Professor da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti.
Dionecleu de Oliveira Kawata
Acadêmica do Curso de Direitos da Faculdade de Educação,
Administração e Tecnologia de Ibaiti.
Stephanie Alves
Acadêmica do curso de Direitos da Faculdade de Educação,
Administração e Tecnologia de Ibaiti.
1 INTRODUÇÃO
“O cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas”.
Alphonsus de Guimarães
Neste crescimento econômico das nações ditas subdesenvolvidas, o Brasil se destaca
pela sua ascendência econômica, revelando uma imagem do país das oportunidades, com
oferta de trabalho, de um povo receptível e belas paisagens. O país, mostrando todas as suas
“qualidades”, se torna uma fonte de esperança para o imigrante que deixa em sua terra natal
toda uma vida, se desprende de amigos, familiares e de uma terra que lhe trazia segurança
para encontrar seus desejos e sonhos.
Na busca pelos seus desejos, o imigrante vislumbra a sua chance de mudança num
outro país muitas vezes desconhecido e, de forma clandestina, adentra num território
perigoso, ríspido, sem praias e sem sombras. No anseio de se conservar, se subestima a
trabalhos escravos, se alimenta de pequenos restos, quase não dorme, passa largos períodos
atrás de máquinas de costura, de pouca iluminação, mas, nada destas aventuras lhe tira a
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imagem, o sonho do sucesso, de vitórias e glórias, de regressar e ser reconhecido pelo
aventureiro que fora cheio de tesouros.
Esta é a labuta de um imigrante, sujeito incapaz de mostrar seu valor produtivo, sem
conquistas, sem perspectivas, e principalmente, sem um futuro próspero em sua terra,
vislumbra a terra que emana leite e mel. Dessa maneira, acredita numa terra diferente, cheio
de esperança, assim, sai do vazio para se encher de confiança.
Se nos dias de hoje, muito se fala sobre a complexidade da sociedade em colapso,
ocasionado por um “capitalismo selvagem”, em que a ganância faz com que o homem
desprovido de “capacidades” seja lançado à marginalidade, como então, juntar forças,
agarrado em sua esperança, para corromper esta camada grossa de injustiças.
Sabendo do valor da esperança, é possível criar projetos onde o sujeito, agora não
unicamente o imigrante, possa elaborar um novo estilo de vida e buscar na confiança e na
coragem, a energia necessária para transformar o seu lugar de convivência.
O presente artigo buscou pelo estudo sobre o colapso da imigração, seus
fundamentos na Teoria Histórico-estruturalista, os defensores desta corrente em especial
Charles Wood, Gino Germani, Paul Singer e Michael Piore, ao estudarem o processo
migratório, adentram em vários processos para fim de chegar a um entendimento dentro de
um dado sistema, para essa teoria o fator imigratório é interdependente, sendo assim não
seria aconselhável, estudar apenas um aspecto de forma isolada.
2 REVISÃO DE LITERATURA
O ato de migrar ultrapassa as fronteiras físicas de abandonar uma região para se
estabelecer em outra. Existe uma reconstrução de significados para o sujeito que migra, pois
se trata de uma nova cultura, com hábitos, línguas e regras, diferente do que se conhece.
A saída da terra natal para um novo espaço deve-se a uma busca de melhores
condições de vida que, para Singer (2008), as mudanças devem ser analisadas distintamente,
sem que haja a separação das decorrências globais. Desta forma, as migrações de africanos
para a Europa não devem ser vistos com os mesmos olhares para com as migrações de
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japoneses para o Brasil durante a Segunda Grande Guerra. Isto porque, as migrações
ocorrem em diferentes contextos, mas que segue o mesmo princípio: “quem migra leva
consigo sonhos de uma vida melhor para si e suas famílias, de obter sucesso econômico
rápido e de regressar vitorioso, o quanto antes, à sua terra natal” (SILVA, 2006, p. 157).
Jerusalinsky (2000) atribui ao desenvolvimento industrial como um dispositivo para a
imigração. Ou seja, com o avanço das tecnologias, o sujeito artesão, antes detentor do saber
sobre o seu produto perde seu espaço. Não é mais necessário este sujeito artesão transmitir
o seu conhecimento, pois as novas ferramentas tecnológicas dão conta de produzir. Com isto,
o sujeito artesão, o trabalhador, perde seu significado, perde seu valor.
Quer dizer, o sujeito vê-se na necessidade de migrar. Já não pode ficar
em sua cidade, tem que ir estudar e trabalhar em outro lugar. Para
não ficar fora do circuito produtivo e sofrer uma perda de valor de
seu trabalho vê-se obrigado a deslocar-se para aquele lugar onde o
objeto é produzido tal e como a sociedade industrial o concebe. O
lugar passa a ser pólo, tanto de saber como de força, para a
determinação dos agrupamentos humanos. Assim de produzem as
macrópolis (JERUSALINSKY, 2000, p. 42).
Macrópolis como a cidade de São Paulo recebem inúmeros imigrantes vindos de
vários países, principalmente dos países de baixo índice de desenvolvimento na América
Latina. Eles vêem na cidade o “coração da economia nacional” (BAENINGER, 2005, p. 87),
criam o imaginário da cidade das oportunidades, principalmente pela atual colocação do país
no cenário econômico mundial, ostentando grande prestígio e importância para a América
Latina.
Mas, sua chegada cheia de esperança, não se torna um “caminho sem espinhos”: ela
é turbulenta, cruel, sem um pouso e sem alimentação. O imigrante encontra no trabalho
ilegal, como escravo, um meio de conquistar algum dinheiro para se sustentar e pagar a sua
viagem. Se antes a vida árdua o fez encher-se de energia para buscar uma nova vida, porque
então se manter num mundo penoso?
Podem-se entender as distintas dificuldades enfrentadas por um imigrante,
começando pela língua, mas, por outro lado, vale se apossar de seu histórico de vida e dos
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valores enraizados, naturalizados. Para uma ruptura dos valores antigos exige-se coragem e
esperança, embasando no passado triste e doloroso. Para Freud (1996 [1927-1931], p. 15):
[...] faz-se sentir o fato curioso de que, em geral, as pessoas
experimentam seu presente de forma ingênua, por assim dizer, sem
serem capazes de fazer uma estimativa sobre seu conteúdo; têm
primeiro de se colocar a certa distância dele: isto é, o presente tem
de se tornar o passado para que possa produzir pontos de
observação a partir dos quais elas julguem o futuro.
Portanto, o sujeito se submete a estas formas de atividade - trabalho escravo - pois
fazem parte de seu referencial vivenciado no passado. Assim, toda angústia, todo sofrimento
vivido em sua terra natal, de alguma forma, é novamente repetida, de tal modo que, o
imigrante pode construir esta nova concepção de vida por ele desejada. Este fato pode ser
visto na pesquisa elaborada por Rizek, Georges e Silva (2010, p. 125), onde “os fluxos
migratórios de populações acostumadas a condições precárias de vida, contribuíram para a
naturalização das formas de trabalho precário”.
Estes eventos - reviver o passado - nos remete a algo importante dentro dos estudos
de Simone Weil, o enraizamento. Para Weil (1996, p. 347) “o ser humano tem uma raiz por
sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos
certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro”. Dentro desta coletividade o
imigrante é desenraizado (BOSI, 2003), adota uma nova cultura, sem perder sua esperança
amarrada nas vivências do passado.
Elaborar uma nova cultura - interiorizar, exteriorizar e objetivar - fazendo parte da
dialética da sociedade (BERGER, 1985). Nesta nova civilização, o sujeito imigrante é o
estranho com formas indígenas, com hábitos rudimentares, da fala torta, de pouca verba,
sem abrigo, sem nada, apenas com sua esperança de uma vida melhor. Elaborar uma vida de
luto que, “só será feita quando todos os laços tiverem sido soltos e os fios estiverem
novamente em condição de poderem ser usados para fazer novos laços e para dar novos
nós” (ROCHA, 2007, p. 268).
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Porém, a dialética da sociedade é complexa. Não basta refazer os nós, é necessário
refazer esses nós dentro de uma sociedade onde o estranho é o próprio imigrante, lidar com
suas forças internas dentro de uma sociedade desconhecida e capciosa.
O estranho despedaça a rocha sobre a qual repousa a segurança da
vida diária. Ele vem de longe; não partilha as suposições locais – e,
desse modo, ‘torna-se essencialmente o homem que deve colocar em
questão quase tudo o que parece ser inquestionável para os
membros do grupo abordado. Ele ‘tem de’ cometer esse ato perigoso
e deplorável porque não tem nenhum status dentro do grupo
abordado que fizesse o padrão desse grupo parecer-lhe ‘natural’, e
porque, mesmo se tentasse dar o melhor de si, e fosse bem-sucedido,
para se comportar exteriormente da maneira exigida pelo padrão, o
grupo não lhe concederia o crédito da retribuição do seu ponto de
vista (BAUMAN, 1998, p. 19).
O estranho imigrante haitiano sem aparato é conduzido até a marginalidade do plano
social, e lá, é submetido ao mundo dissoluto. O Estranho não é mais ameaça, não representa
mais o perigo. Ele é tentador e, aproveitando-se de suas emoções, de suas necessidades e de
sua esperança, a sociedade opressora o leva para a escuridão do submundo e o faz escravo,
um retorno à horda primeva – vida em comunidade - dos tempos modernos.
3 PROCESSO MIGRATÓRIO DERIVADO DE SUA HISTÓRIA
Germani (1974) salienta que para obter um estudo eficaz sobre o fenômeno
migratório é preciso não apenas entender os fatos que fizeram o imigrante deixar sua terra
mãe, e sim estudar toda a trajetória, avaliar as condições culturais, sociais, subjetivas e
objetivas tanto no país de origem quanto no país que pretende migrar, isto é, em todo o
sistema.
O estudo buscou analisar a imigração haitiana para o Brasil em três níveis: ambiental,
normativo e psicossocial. Se tratando do nível ambiental ele fica caracterizado pelos fatores
de expulsão do seu país de origem, pela atração por outra terra e pelas ações
comunicacionais e de acesso dentro desse sistema analisado. O nível normativo é formado
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pelos padrões comportamentais e sociais, papeis importantes no entendimento do ciclo
migratório, uma referência para esses indivíduos calcular a sua existência dentro de uma
nova terra.
O nível psicossocial vem observar as ações e as expectativas concretas dos indivíduos,
ou seja, a esperança de um mundo melhor. Singer resalta que os processos migratórios são
sempre condicionados a história. Essa recente imigração de haitianos para Brasil, deve ser
analisado a partir dos processos sofridos pelos dois países, pois como Germani salienta, é
preciso entender, analisar e compreender as conjecturas dentro dos dois atores, de ambos os
países, isto é, Haiti e Brasil.
Portanto, a primeira república negra do mundo não pode ser analisada de forma
pontual e simplória, é necessário um estudo de sua história, marcada por intervenções,
regimes ditatoriais, corrupções e desastres ambientais, originando a atual realidade
socioeconômica e política do Haiti. A princípio a ex-colônia francesa sofreu treze anos de
lutas, das quais muitos derramaram sangue para conseguir a liberdade. Em 1804 se tornou a
primeira republica negra do mundo, nada fácil para a ex-colônia francesa que, de 1915 a
1934, foi ocupada por tropas dos EUA que alegaram a ocupação no território haitiano para
garantir os interesses estadunidenses no período da primeira guerra mundial.
Em janeiro de 2010 o Haiti sofreu um terremoto de magnitude sísmica de 7,3 na
escala Richter, o país estava se recuperando de três furacões que havia lhe atingido em 2009,
com esse terremoto aprofundou a pobreza no Haiti, a situação socioeconômica estava
totalmente abalada. Porto Príncipe foi duramente destruído, a relatos que 80% das
construções foram destruídas, entre elas o próprio palácio presidencial, o número de mortos
chegou a 300 mil pessoas, 1,5 milhões ficaram desabrigados em razão desse tremor, o país
ficou desolado e tamanha precariedade, totalmente destroçado.
4 DESTINO BRASIL
Após o tremor de 2010 que ocasionou um desastre imenso no Haiti deixando o país
desolado, sem meras expectativas de vida em sua terra mãe, os haitianos começam a refugir
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em outras terras, umas delas é o Brasil. Eles escolhem o país para se refugir da pobreza do
Haiti, sonha nesse país começar novamente, com esperança de uma vida melhor, eles
começam a entrar no Brasil de maneira tímida, mas logo após os primeiros imigrantes se
estabelecerem na nova terra e ser na maioria das vezes bem recebidas, isso faz com quem
mais imigrantes haitianos deixem seu país e adentre em outro território, sendo a maior parte
no Brasil, que se intensificou no final de 2011 e começo de 2012, onde no começo entravam
no país cerca de dez imigrantes ilegal por dia.
Porém, nos dias atuais fica difícil à contagem desses imigrantes, entram por várias
cidades brasileiras, mas a relatos que o número chega ser de oitenta a cem pessoas por dia
entrando ilegalmente no país, segundo o Ministério das Relações Exteriores o montante de
haitianos em solo brasileiro já supera 50 mil haitianos, sendo que só em 2015 a relatos de
que 7 mil haitianos entraram no país. Conforme o Ministério da Justiça, o Brasil libera 100
vistos por mês para cidadãos haitianos.
Como o Brasil é liderança na Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti –
MINUSTAH, isso faz do Brasil ainda mais atrativo para os haitianos, pois eles observam a
quantidade de organizações não governamentais brasileiras atuando e que atuaram após o
terremoto de 2010, isso aos olhos dos haitianos torna o Brasil um país acolhedor, um bom
local para se refugir e começar novamente. A princípio, os imigrantes solicitam refúgio,
embasam-se no Direito Internacional dos Refugiados e na Legislação Brasileira, o Conselho
Nacional de Refugiados - CONARE, porém os motivos deles (desastre natural,
socioeconômico) não se enquadram na perseguição atribuída ao direito internacional, muito
menos a legislação vigente do Brasil, porém como eles já estavam em solo brasileiro, o
CONARE passou o caso ao Conselho Nacional de Imigração - CNIg que concedeu o visto
humanitário para que o imigrante haitiano posso trabalhar e estudar no Brasil, o CONARE
outorgou um protocolo que possibilita ao imigrante haitiano cadastrar como pessoa física,
ou seja, possuir o Cadastro de Pessoa Física - CPF, a carteira de trabalho e Previdência Social .
Assim, o imigrante passa a ter direitos, e esses direitos visa assegurar os direitos dos
imigrantes no país, pois muitas vezes por estarem ilegalmente no país eles são explorados,
mão de obra barata, horas de trabalhos excessivos dentre outras situações precárias.
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Deve se observar que a Policia Federal não tem capacidade de tomar conta, atender
sozinha essa demanda imensa de imigrantes ilegais que entram no país todos os dias, pois a
polícia está empenhada em combater o tráfico de drogas, o tráfico de animais silvestres, o
crime de "colarinho branco", o contrabando, entre outros. Portanto é insatisfatória a
capacidade de deixar todos os demais deveres para apenas tomar conta desses imigrantes
que entram e estão no país. Seria mais eficaz se existisse um órgão/agência federal
determinado para visar esses imigrantes.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil não possui recurso técnico para receber essa quantia de imigrantes haitianos
em massa, tão pouco recurso para os entes competente, ou seja, os policiais federais
deixarem seu serviço e ficar visando estabelecer os cuidados a serem tomados com os
imigrantes que entram no país, a polícia federal não tem possibilidades de atender de forma
ampla os imigrantes que entram e o que estão em território brasileiro.
Porém, deve-se observar que conforme os autores da Teoria Histórico-estruturalista,
esse movimento migratório esta relacionado ao desenvolvimento do país, pois se esses
imigrantes tem essa visão lá fora, é por que o país escolhido tem essa ampla economia
diversificada dando ênfase à esperança de um mundo melhor.
Partindo num contraposto a Bauman (1998, p. 10), de que “qualquer valor só é um
valor graças à perda de outros valores, que se tem de sofrer a fim de obtê-lo”, talvez isso
represente uma verdade, mas, não precisa ser normalmente assim. Pois assim, a afirmação
pode ser usada para responder questões de injustiças sociais, sofrer para dar valor,
retornando ao dogma do sofrimento como forma de obter um lugar no paraíso. As relações
sociais não precisam existir no sofrimento, seus membros podem caminhar juntos, mesmo
que haja pedras e espinhos no caminho, esta é a minha esperança, e porque não confiá-la, já
que é a última que morre.
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REFERÊNCIAS
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BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
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conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.
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2003.
FREUD, S. [1927-1931]. O Futuro de uma Ilusão, O mal-estar na civilização e outros
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Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
GONÇALVES, O. Migrações e Desenvolvimento. Porto: Fronteira do Caos, 2009.
JERUSALINSKY, A. Papai não trabalha mais. In: O valor simbólico do trabalho e o sujeito
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RIZEK, C. S.; GEORGES, I.; SILVA, C. F. Trabalho e imigração: uma comparação Brasil-Argentina.
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ROCHA, Z. Esperança não é esperar, é caminhar: Reflexões filosóficas sobre a esperança e
suas ressonâncias na teoria e clínica psicanalíticas. Rev. Latino-Americana de Psicopatologia
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SILVA, S. A. da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados, v.
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SINGER, P. Migrações internas: considerações teóricas sobre o seu estudo. In Singer, P.
Economia Política e Urbanização. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1973.
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1996.
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O ESTADO REGIONAL AUTONÔMICO
Prof. Ronny Carvalho da Silva
Professor do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e
Tecnologia de Ibaiti. Procurador do Município de São José da Boa Vista.
Jeferson de Campos
Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e
Tecnologia de Ibaiti.
1 INTRODUÇÃO
O Estado Autonômico é o modelo de estado mais novo no mundo, criado pela
Constituição Espanhola de 1978, se mostra um modelo de Estado muito complexo e de
pouco estudado e conhecido pelos operadores do Direito e pelos apreciadores da Ciência
Política. Por se tratar de um modelo relativamente novo e assim pouco estudado, tal
trabalho se mostrar de fundamental importância na tentativa de fornecer a sociedade de
modo geral uma compreensão e um estudo sobre o Estado Autonômico, visto que as
principais literaturas sobre o tema se encontram dentro do Direito Espanhol, logo, em outro
idioma, o que torna o estudo do tema ainda mais complexo, assim tal artigo tem como um
dos objetivos sanar parte dessa escassez acerca do tema.
O tema quando é posto como um problema ou objeto de pesquisa se torna algo de
difícil analise, justamente pela falta de literatura sobre o tema. Dentro da literatura brasileira,
mais especificamente dentro da área das Ciências Jurídicas, os textos são raridade, escassos,
o que torna a análise do Estado Autonômico muito mais complexa. A literatura que comporta
de modo quase satisfatório o tema é encontrada dentro do Direito Constitucional Espanhol
com alguns doutrinadores e no Direito Constitucional Português.
O problema do tema dentro das Ciências Sociais Brasileira, mais precisamente
dentro do Direito e da Ciência Política, é justamente a falta de material e de análises sobre o
Estado Regional Autonômico, assim, o referente trabalho tem como um dos objetivos,
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fornecer algum tipo de informação útil para o entendimento desse novo tipo de Estado,
fundamentado nos trabalhos realizados por estudiosos europeus, buscando, assim chegar a
um estudo satisfatório sobre o tema.
2 CONCEITUAÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO
Para Silva Junior (2009), Estado seria uma figura abstrata criada pela sociedade. O
mesmo ainda diz que podemos entender o Estado como sendo uma sociedade política
fundada pela vontade de unificação e desenvolvimento do homem, com a intenção de
regularizar e manter o interesse público.
O conceito de Estado vária com certa frequência, sempre acompanhando o tempo e o
espaço, assim, conforme a época o entendimento sobre o que é o Estado muda.
Para o professor Cristiano Menezes (2010), Estado é uma sociedade política dotada
de algumas características próprias, ou dos elementos essenciais que a distinguem das
demais, como: povo, território e soberania.
3 DAS FORMAS DE ESTADO: CONCEITUAÇÃO
As formas de Estado são os modos pelo qual o Estado organiza seu povo, sua
soberania e seu território.
Sobre as formas de Estado, Silva (2008) ensina:
As “formas de Estado” se referem a uma noção estruturante do
poder político dentro de determinado território, além de ser uma
forma didática de se caracterizar a maneira em que se dá a
distribuição irradiante deste poder, dentro desse território. Trata-se
também das formas em que os Estados se organizam para a
realização de suas tarefas e o desenvolvimento de suas atribuições,
dentro das competências definidas no texto organizatório básico –
Constituição -, sejam tarefas políticas ou administrativas.
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Logo, as “formas de Estado” dizem respeito à projeção do poder no
interior de uma base territorial, absorvendo como critério a
“existência, a intensidade e o conteúdo de descentralização políticoadministrativa de cada um”. (SILVA, 2008, p. 150).
Assim, a partir do entendimento de Silva (2008), as formas de Estado são algo meio
abstrato que diz respeito apenas à forma da estrutura política do território, além de ser algo
que demonstra o modo de distribuição do poder dentro desse território.
4 ESTADO FEDERAL
O Estado Federal é um Ente Soberano circunspeto por diversos entes territoriais
dotadas de um governo próprio em cada um deles. Geralmente, os estados, conhecidos
também como estados federados ou entes federativos, possuem autonomia, ou seja,
possuem um grudo de competências que são garantidas pela Constituição ou Lei Maior do
Estado como um todo. Essa autonomia não pode ser abolida ou modificada de modo
unilateral pela união. Porém, nesse sistema, apenas o Estado Federal é tido como Soberano,
tanto para o Direito Local (no caso o Direito Brasileiro) como para fins que versam sobre
Direito Internacional. Segundo o entendimento do Direito Internacional, apenas o Estado
Federal (União) possui personalidade internacional, ou seja, é considerado sujeito de Direito
Internacional, pois é capaz de adquirir direitos e contrair obrigações no plano internacional,
bem como de reivindicar os seus direitos na esfera internacional.
Sobre o Estado Federal Silva diz:
A característica marcante da forma de Estado federal, diz respeito à
descentralização política existente. É a própria Constituição quem
estabelece núcleos de poder político, conferindo autonomia aos
entes federados, mas retirando-lhes a soberania, que é própria do
ente federal (poder central). (SILVA, 2008, p. 150).
5 ESTADO UNITÁRIO
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No Estado Unitário, qualquer unidade subgovernamental pode ser criada ou extinta e
ter seus poderes alterados pelo governo central.
Sobre o Estado Unitário, explana Barros:
O Estado unitário não se constitui de estados-membros: é um estado
só, uno, ainda que se possa subdividir em regiões (como a Itália), ou
em províncias (como o Brasil na época do Império), ou em
departamentos (como a França). Pelo que, no estão unitário, apenas
há uma constituição: a constituição nacional. (BARROS, p. 1)
Silva (2008) ensina:
No que tange ao Estado Unitário, esta forma de Estado é
caracterizada essencialmente pela absoluta centralização do poder
político, levando-se em conta o território do Estado, onde não há
fontes simultâneas de irradiação desse poder, como ocorre nos
Estados Federais. É de se dizer que há um “único suporte para a
estatalidade”, no sentido de que há uma única organização jurídica
de Direito Público detentor das competências políticas típicas de um
estado, como a defesa, produção legislativa, etc.
Esse modelo de Estado é considerado um modelo simples, que pode ter duas
vertentes: Um Estado Unitário Centralizado e um Descentralizado, conhecido também como
Estado Regional.
6 ESTADO UNITÁRIO CENTRALIZADO
O Estado Unitário Centralizado é caracterizado pelo modo simples de sua estrutura
política. Nesse modelo de Estado Unitário, existe apenas uma ordem jurídica, política e
administrativa.
No que tange a centralização Bonavides (1967) relata:
Referida ao Estão unitário, a centralização abrange as seguintes
formas: centralização política e centralização administrativa, segundo
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BURDEAU; centralização territorial e centralização material, no dizer
de
DABIN;
centralização
concentrada
e
centralização
desconcentrada, na terminologia mais usual dos modernos
publicistas. (BONAVIDES, 1967, p. 105).
Assim, o Estado Unitário Centralizado, é considerado um Estado Unitário Puro.
7 DO ESTADO REGIONAL AUTONÔMICO: O ESTADO UNITÁRIO DESCENTRALIZADO
No Estado Unitário Descentralizado, conhecido também como Estado Regional
Autonômico, ocorre a descentralização do exercício das competências.
A descentralização política leva a formação de regiões tidas como autônomas assim,
elas são descentralizadas politicamente e administrativamente, desde modo, elas podem
elaborar leis, se for o caso.
Quando Bonavides escreveu a primeira edição de seu livro “Ciência Política”, no ano
de 1967, o entendimento de Estado Regional Autonômico era limitado, assim, ao
analisarmos o referente livro, não teremos um entendimento adequado sobre o tema.
Quando se fala em apenas regionalização, ou Descentralização Administrativa, ocorre
apenas no âmbito administrativo, porém, quando se tange sobre Regiões Autônomas,
compreende-se a descentralização tanto política, quanto administrativa.
No que tange a Regionalização, Silva (2008) ensina.
Esta descentralização gradual é responsável pelo surgimento do
fenômeno da “regionalização” do Estado unitário, que conforme sua
intensidade
se
consubstancia
em
estados
totalmente
descentralizados – como em Espanha - , ou parcialmente – como em
Portugal. A este modelo convencionou-se chamá-lo por “Estado
regional” ou Estão autonômico”. (SILVA, 2008, p. 152).
Sobre o Estado Unitário Regional Autonômico, A Felizes (2007) explica:
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O modelo de Estado Unitário Regional foi introduzido pela primeira
vez em 1931 em Espanha, influenciando a Constituição Portuguesa, a
segunda vez foi em Itália em 1948 e só depois em Portugal em 1971,
sob revisão de 1933 e em 1976.
Há 3 modelos de Estado Regional: o modelo que separa o Estado
Parcial (ex: Açores e Madeira) e integral (todo dividido: Itália e
Espanha) e o Estado Regional Homogêneo ( se todas as regiões têm
os mesmos poderes, como o caso de Portugal) e o heterogêneo
(regiões tem mais poderes que outros) – por ex: Espanha, Bascos e
Baliza tem mais poderes e Itália. (A FELIZES, 2007, p. 1).
8 DO ESTADO REGIONAL AUTONÔMICO ESPANHOL
No caso da Espanha, a descentralização administrativa e legislativa é desenvolvida de
baixo para cima. As províncias se unem em regiões que constroem seu estatuto de
autonomia e avocam competências na Constituição.
A Espanha é uma monarquia parlamentar, com um monarca hereditário que exerce
como Chefe de Estado – o Rei da Espanha, e um parlamento bi-cameral (Deputados e
Senadores), as Cortes Generales.
Desde a Constituição Espanhola de 1978, a Espanha está dividida em 17
Comunidades Autônomas e duas cidades autônomas (Ceuta e Melilla). Essas duas cidades
tem capacidade administrativa superior à de um município, mas são inferiores as
comunidades autônomas espanhola, pois não possuem câmaras legislativas propriamente
ditas. Das comunidades autônomas, as de Galiza, País Basco, Andaluzia e Catalunha,
possuem condições de “Nacionalidades Históricas”, ou seja, são comunidades autônomas
que possuem identidade cultural coletiva e linguística diferente das demais comunidades da
Espanha. Essa “Nacionalidade Histórica” é reconhecida na Constituição, juntamente com um
“Estatuto de autonomia”.
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No que tange as Comunidades Autônomas, a Constituição Espanhola de 1978 regula:
Art. 2: A Constituição fundamenta-se na indissolúvel unidade da
Nação Espanhola pátria comum e indivisível de todos os espanhóis, e
reconhece e garante o direito à autonomia das nacionalidades e
regiões que a integram e a solidariedade entre todas elas.
(CONSTITUIÇÃO ESPANHOLA DE 1978).
O artigo 148 da mesma constituição regula as concorrências das Comunidades
Autônomas na questão das matérias:
Art. 148: As comunidades Autônomas poderão assumir concorrência
nas seguintes matérias: Organização das instituições de
autogoverno; As alterações dos termos autárquicos compreendidos
em seu território; Ordenação do território, urbanismo e morada; O
fomento do desenvolvimento econômico, Proteção do Meio
Ambiente; Patrimônio monumental; Promoção do desporto,
Assistência social, Previdência; Higiene; Portos e Aeroportos; entre
outros.
Segundo a Constituição Espanhola e o Estatuto de Autonomia, a Espanha é dividida
entre as seguintes Comunidades e Cidades Autônomas: Andaluzia, Aragão, Principado das
Astúrias, Ilhas Baleares, País Basco, Ilhas Canárias, Cantábria, Castela-La Mancha, Castela e
Leão, Catalunha, Ceuta, Estremadura, Galiza, Comunidade de Madrid, Meliha, Região de
Múrcia, Comunidade Foral de Navarra, La Rioja, Comunidade Valenciana.
Atualmente, a Espanha é considerada um dos países mais descentralizados no
mundo. Todos os seus territórios administram de forma local seus sistemas de saúde e
educação, concomitantemente aspectos do orçamento público; alguns deles, como é o caso
do País Basco, administra seu orçamento sem a supervisão do governo central da Espanha.
Navarra, País Basco e a Catalunha, possuem suas próprias policias, completamente
autônomas. Excluindo Navarra; a policia da Catalunha e do País Basco substituem em seus
territórios a Policia Federal Espanhola.
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9 ESTADO PORTUGUÊS
A República Portuguesa é um país que possui soberania e é caracterizado como um
Estado Unitário. A lei fundamental que rege a nação portuguesa é a Constituição de 1976.
Essa Constituição prevê a realização de referendos de consultado popular, entretanto, o
resultado pode ser anulado politicamente.
O Estado Português é dividido em 18 distritos continentais e duas Regiões Autônomas
que correspondem aos Arquipélagos de Açores e Madeira. Antes da Constituição de 1976, os
arquipélagos estavam vinculados à estrutura geral dos distritos, porém, possuíam uma
estrutura de administração diferente.
Com a nova Constituição, Açores e Madeira passaram a ter o Estatuto de Região
Autônoma, deixando assim de serem distrito, passando a ter autonomia e assim, um
estatuto político e administrativo, além de órgãos de governo próprio como no Estado
Espanhol.
Até o ano de 2011, a divisão portuguesa era a seguinte:
Lisboa, Leiria, Santarém, Setúbal, Beja, Faro, Évora, Portalegre, Castelo Branco,
Guarda, Coimbra, Aveiro, Viseu, Bragança, Vila Real, Porto, Braga, Viana do Castelo. Além das
Regiões Autonômicas de Açores e Madeira.
Com base na divisão, Portugal é composto por três regiões: Portugal Continental (que
corresponde a todo o território português), Região Autônoma dos Açores (que corresponde
à região autonômica do arquipélago de Açores) e Região Autônoma de Madeira (que
corresponde à região autonômica do arquipélago de Madeira).
Ao analisar a Constituição Portuguesa vigente, encontramos em seu artigo sexto:
Artigo 6.º Estado Unitário
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1. O Estado é unitário e respeita na sua organização e
funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da
subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da
descentralização democrática da administração pública.
2. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões
autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos
de governo próprio.
A Felizes (2007) defende a idéia de que apenas a Itália e a Espanha são realmente
Estados Regionais Autonômicos; Portugal é apenas um Estado Unitário, visto que possui
apenas duas Regiões Autonômicas e as mesmas tem a qualidade primaria de Arquipélago.
10 ESTATUTOS POLÍTICO-ADMINISTRATIVOS DAS REGIÕES AUTONOMICAS PORTUGUESAS
O Estatuto Político-Administrativo da Região Autônoma dos Açores e da Madeira são
diplomas legais de natureza para-constitucional que enquadra o regime de autonomia de
cada região, definindo as competências de cada uma delas e o funcionamento dos órgãos
políticos. Cada uma das duas regiões autonômicas possui um Estatuto, o da Região dos
Açores é conhecido como EPARAA e o da Madeira como EPARAM.
Cada estatuto é na sua essência uma Constituição Regional que forma o regime
autonômico autorizado pela Constituição da República.
No artigo 161 da Constituição da República Portuguesa, esta prevista a competência
de aprovação dos estatutos político-administrativos das regiões autônomas.
Artigo 161.º Competência Política e Legislativa
Compete à Assembléia da República:
a)...
b) Aprovar os estatutos político-administrativos das regiões
autônomas;
c)...
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131
d)...
e) Conferir às assembléias legislativas regionais as autorizações
previstas na alínea b) do nº 1 do artigo 227º da Constituição.
O artigo 226 da Constituição da República Portuguesa regula o rito de aprovação dos
Estatutos das Regiões Autonômicas:
Artigo 226.º Estatutos
1. Os projectos de estatutos político-administrativos das regiões
autónomas serão elaborados pelas assembleias legislativas regionais
e enviados para discussão e aprovação à Assembleia da República.
2. Se a Assembleia da República rejeitar o projecto ou lhe introduzir
alterações, remetê-lo-á à respectiva assembleia legislativa regional
para apreciação e emissão de parecer.
3. Elaborado o parecer, a Assembleia da República procede à
discussão e deliberação final.
4. O regime previsto nos números anteriores é aplicável às alterações
dos estatutos.
11 STATUS DA “CONSTITUIÇÃO REGIONAL”
Apesar do status de Constituição Regional, Canotilho (2013) entende que tanto
Açores quanto Madeira não pode recusar a aplicação das 40 horas semanais aos funcionários
públicos como prevê lei Nacional.
Sobre o caso em questão, houve recentemente discussões sobre as horas semanais
de trabalho do servidor público, assim, o Governo Regional de Açores solicitou ao
Constitucionalista da Universidade de Coimbra, José Gomes Canotilho, um parecer sobre o
caso.
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Em matérias do mesmo âmbito e provavelmente mais problemáticas
do ponto de vista jurídico-constitucional", a jurisprudência do TC
"não apoia, no caso, uma posição favorável à defesa da autonomia
legislativa regional para o estabelecimento de um horário normal de
trabalho dos trabalhadores em funções públicas diferente do
definido" no referido decreto da Assembleia da República (AR).
(CANOTILHO, 2010, JusJornal p.1)
Para Canotilho, a Constituição Portuguesa permite que as Regiões Autonômicas de
Açores e da Madeira legislem sobre matérias enunciadas nos Estatutos, e também podem
legislar em matérias reservadas apenas à Assembléia da República, porém, nesse caso,
necessitam de uma autorização da Assembléia Republicada para que possam legislar sobre
tais matérias.
Sobre os Estatutos, Silva (2008) concretiza:
Pode-se assim, verificar algumas características em que o modelo de
Estado Regional se aproxima do modelo federal: a competência
política das regiões na elaboração de diplomas legislativos próprios e
a capacidade tributária atribuída a tais entes regionalizados.
Também os entes regionais possuem um documento organizatório
básico – à semelhança das constituições estaduais – que são os
denominados “estatutos de autonomia”. Há referencias na doutrina
de que os estatutos de autonomia estão a cumprir os mesmo papel
institucional das constituições estaduais, além de possuírem a
mesma proteção jurídico-constitucional.
Em razão destas semelhanças e por outros aspectos, mais há quem
diga que a diferenciação entre Estado federal e regional não é
“cientificamente consistente”, ao passo de tratar-se de uma distinção
meramente formal-normalista. (SILVA, 2008, p. 153).
No que tange o Estado Português, no qual Silva (2008) estudou com afinco, sendo
conduzido por Canotilho; firma:
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Tomando-se por base o modelo português, facilmente se verifica
que, em razão do modelo e do estágio da autonomia das regiões dos
Açores e da Madeira, não há que se falar em uma federalização do
Estado Unitário português. Este continua mantendo suas
características unitaristas, posto que ainda a tomada das decisões
encontram-se em sede de órgãos de soberania da República, e
tampouco a tendência que se nota é a da concessão de autonomia a
uma parcela maior do território português, que encontra-se apenas
conferida aos arquipélagos.
Deferentemente do que ocorre em Espanha, onde o modelo de
regionalização acomoda-se mais facilmente ao lado de um modelo
federalizado, em face da própria regionalização total do Estado e do
crescente nível da autonomia dos entes regionais. (SILVA, 2008, p.
153).
12 CONCLUSÃO
Levando em consideração os aspectos aqui analisados, não podemos falar em um
Estado Unitário concretizado de maneira satisfatória, pois como visto, tal Forma de Estado
possui suas ramificações e apesar do Estado Português e Espanhol (analisados aqui com mais
afinco) estarem vigorando há algumas décadas, ainda estão jovens quando analisados pelo
panorâmico histórico e desta forma é necessário à realização de estudos detalhados no que
tange o Estado Regional Espanhol e Português para entendermos de modo satisfatório a
verdadeira filosofia e o cerne de tal modo de Estado. Entretanto, podemos concluir que no
que tange o Estado Regional Autonômico, o Espanhol esta melhor organizado e
caracterizado, visto que o Estado Português é apenas um Estado Unitário de modo
centralizado, permitindo apenas a autonomia regional a Açores e Madeira; tal permissão é
concedida a essas duas regiões apenas pelo fato de serem arquipélago, pois se estivessem
em território português como os distritos, certamente Açores e Madeira não gozariam de
Autonomia Regional.
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O Estado Regional Autonômico seria provavelmente uma saída interessante para
países pequenos territorialmente, pois permitira com que cada região/estado desse país
fossem independentes, podendo assim adotar políticas próprias sem uma intervenção
massiva do governo maior. Entretanto, países com uma faixa territorial maior, como é o caso
do Brasil e da Rússia, tal forma de Estado não se mostra tão satisfatória, pois devido à
extensão, existem estados/regiões isoladas que dificultam o crescimento político-economico
de tais, tornando um Estado Regional Autonômico uma espécie de suicídio para países
continentais que por ventura venham adotar tal forma em sua plena totalidade.
REFERÊNCIAS
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2009.
Disponível
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jun. 2008.
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O ÔNUS DA PROVA E O SISTEMA ACUSATÓRIO NO DIREITO PROCESSUAL PENAL
BRASILEIRO
Prof. Claudiney Alessandro Gonçalves
Professor do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e
Tecnologia de Ibaiti.
Procurador Legislativo da Câmara Municipal de Japira/PR.
Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FEATI.
Regra geral, temos sempre a ideia de que o Direito Processual Penal serve para
concretizar as penas contidas no direito material, efetivando sanções acaso alguém venha a
ser condenado pela prática de um crime.
O Processo Penal, assim, é utilizado como instrumento para a aplicação do Direito
Penal, servindo como meio para a correta aplicação das normas penais ao caso concreto,
ordenando como será solucionado o embate entre o poder/dever de punir do Estado e os
direitos fundamentais do particular, no caso a sua liberdade, regulando assim um
procedimento nos casos em que o direito do Estado e o Direito do cidadão entram em
colisão.
Neste sentido, é a definição de Processo Penal exteriorizada por Luís Gustavo
Grandenet Castanho de Carvalho (p. 31), vejamos:
O direito processual é o ramo do direito que sintetiza, de maneira
mais marcada, o conflito entre o ius puniend do Estado e o ius
libertates do particular. Não se trata, pois, de mero ordenamento
acerca da marcha processual, mas antes de tudo a exteriorização do
modo pelo qual o sistema jurídico-político resolve aquele conflito.
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A nossa Constituição Federal aponta o sistema acusatório no Direito Processual Penal
brasileiro, sendo que uma das características deste sistema é a nítida separação entre as
funções de acusar, defender e julgar.
Cabe ao Ministério Público a titularidade da Ação Penal Pública (Artigo 129, inciso I,
da CF), e, ao particular, na Ação Penal Privada, neste último caso, nas hipóteses em que
nosso Código Penal assim ordena.
A função de realizar a defesa é atribuída ao advogado constituído, ao defensor
nomeado, ou então, ao Defensor Público, nas Comarcas onde a Defensoria Pública esteja
instalada. O reconhecimento do advogado e do defensor estão descritos nos artigos 133 e
134 da Constituição Federal.
Por fim, cabe ao Magistrado o julgamento do réu, sendo que em regra devem ser
obedecidos o princípio da persuasão racional, respeitando no decorrer do processo, os
princípios da ampla defesa, do contraditório e da publicidade, com vistas a um processo
penal justo.
Vislumbra-se, portanto, a distinção dos autores da função de acusar, quer seja o
Ministério Público, quer seja o ofendido, este último, como já falado, nas ações penais
privadas e, ainda, na ação penal privada subsidiária da ação pública condicionada à
representação, nos casos de inercia do titular originário (Ministério Público).
O réu portador de direitos intransigíveis, devendo ser observadas todas as garantias
que constitucionalmente estão descritas em nossa Carta Maior, a qual determina que
ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, ou seja,
aquele processo onde todas as garantias previstas na lei são devidamente observadas.
Particularmente, acredito que no Brasil utilizamos o sistema acusatório, não em sua
forma pura, mas com alguns nuances contidos em todo o ordenamento jurídico processual
penal. Dentro do sistema acusatório o magistrado deverá utilizar o sistema do livre
convencimento motivado ou da persuasão, sendo este “o sistema reitor no Brasil, estando o
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juiz livre para decidir e apreciar as provas que lhe são apresentadas, desde que o faça de
forma motivada (art. 93, IX, CF)”. (TÁVORA, 2014. p. 533).
Acredita-se, desta forma, que a liberdade para o Juiz julgar é plena, desde que o faça
de forma fundamentada nos elementos que se transformaram em prova durante a ação
penal. Neste caso, causa estranheza o que está contido no artigo 156, do Código de Processo
Penal, o qual autoriza o juiz, de oficio, a ordenar e determinar, mesmo antes de iniciada a
ação penal e no curso da instrução, a realização de provas e outras diligências, realizando
atos investigatórios que comprometem a imparcialidade do Magistrado.
A realização de atos investigatórios pelo juiz acarreta ofensa ao Sistema Acusatório,
até porque não cabe ao magistrado a incumbência de provar algo, uma vez que está em
condição “suprapartes”.
Toda a proatividade do magistrado, quer seja no decorrer do inquérito policial quer
seja na ação penal deve ser vista com ressalvas e com muito cuidado para eu não seja ferida
a imparcialidade do juiz, que é o maior dom do julgador.
Neste sentido, é a brilhante lição processual de Norberto Avena (p. 7)
Considerando que este sistema rege-se pela imparcialidade do
magistrado, relegando-se a polícia judiciária a atividade investigatória
sob o controle externo do Ministério Público (artigo 129, II, da CF)
divergem a doutrina acerca da constitucionalidade da produção de
provas ex ofício pelo juiz.
No intuito de reconhecer a existência do sistema acusatório, o qual, por sua natureza,
é o que mais apresenta segurança jurídica, pois que oferece a oportunidade de manifestação
a ambas as partes, e com a intuição de que se mantenha a necessária distinção entre as
funções de acusar, defender e julgar, para que seja mantido o processo sob o sistema do
contraditório, é a lição AURY LOPES JUNIOR citado por EDUARDO AIDÊ DE CAMARGO (2015,
p. 30):
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“É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não
se rompa, e, portanto, é decorrência lógica e inafastável que a
iniciativa probatória esteja (sempre) nas mãos das partes. Somente
isso permite a imparcialidade do juiz”
Em que pese parte da doutrina entender que o direito criminal brasileiro, mesmo
com o advento da Constituição Federal ainda possui resquícios do sistema inquisitivo, milito
na doutrina que entende que qualquer fragmento inquisitivo por parte do magistrado deve
ser repelido, pois afeta a imparcialidade do julgador, acarretando, portanto, em ofensa às
garantias constitucionais prevista para um processo legal e justo.
Corroborando a tese, importante a diferenciação que o doutrinador Renato Brasileiro
de Lima faz entre o sistema inquisitorial e o sistema acusatório, vejamos:
Como se percebe, o que efetivamente diferencia o sistema
inquisitorial do acusatório é a posição dos sujeitos processuais e a
gestão da prova. O modelo acusatório reflete a posição dos sujeitos
processuais, cabendo exclusivamente às partes a produção do
material probatório e sempre observando os princípios do
contraditório, da ampla defesa, da publicidade e do dever de
motivação das decisões judiciais. Portanto, além da separação das
funções de acusar, defender e julgar, o traço peculiar mais importante
do sistema acusatório é que o juiz não é, por excelência, o gestor da
prova. (CAMARGO, 2015, p. 31).
Contudo, por muitas e muitas vezes verifica-se na prática criminal, ou seja, no
transcorrer das ações penais, que há, nas sentenças proferidas pelos juízes, independente do
grau de jurisdição, quase sempre uma mera repetição das alegações contidas no inquérito
policial, com o intuito de, e diga-se, de forma disfarçada, trazer para dentro do processo
penal, que deveria ser regido pela forma do contraditório, elementos colhidos no inquérito
policial, o qual, por sua própria natureza investigativa preliminar é regido pelo sistema
inquisitivo, maculando assim, com as garantias do contraditório e ampla defesa.
Nesse sentido (CAMARGO, 2015 p. 31):
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A fraude (do sistema bifásico repartido em fase inquisitorial e
processual) reside no fato de que a prova é colhida na inquisição do
inquérito, sendo trazida integralmente para dentro do processo e, ao
final, basta o belo discurso do julgador para imunizar a decisão. Este
discurso vem mascarado com as mais variadas formas, do estilo: a
prova do inquérito é corroborada pela prova judicializada; cotejando
a prova policial com a judicializada; e assim todo um exercício
imunizatório (ou melhor, uma fraude de etiquetas) para justificar uma
condenação, que na verdade está calcada nos elementos colhidos no
segredo da inquisição. O processo acaba por converter-se em uma
mera repetição ou encenação da primeira fase.
Ora, entende-se que se o processo penal brasileiro migrar para o sistema acusatório
puro, os direitos e garantias individuais do cidadão serão otimizados, até porque caberá
exclusivamente à parte acusatória o ônus de comprovar que alguém é culpado pela prática
de um delito e acabaria a possibilidade do magistrado, de forma camuflada, vestir-se como
acusador quando, na verdade, teria apenas o papel de julgador.
CONCLUSÃO
Concluindo entendo, portanto, pela inconstitucionalidade do artigo 156, do Código de
Processo Penal, uma vez que tal dispositivo legal aponta na existência da figura de um juiz
inquisitor, ferindo, de morte, o Sistema Acusatório.
Ressalte-se ainda, que a função inquisitiva do magistrado afeta a sua imparcialidade,
que seria o maior dom que um juiz pode ter.
Por fim, entendo, que o julgamento da causa deve estar alicerçado sempre no
princípio do livre convencimento motivado, mas que se deve buscar algo novo e não nas
meras repetições do que foi colhido no Inquérito Policial, o que muitas vezes distorce a
função tão nobre do magistrado de ser apenas um julgador não se transformando em um
juiz inquisitor.
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REFERÊNCIAS
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MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao Código de Processo Penal: à luz da
doutrina e da jurisprudência, doutrina comparada. 3ª. ed. São Paulo: Manole, 2013.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 9ª.
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REFLEXÕES SOBRE A CULTURA DO CAPITAL: RELAÇÕES DO TRABALHO E EDUCAÇÃO
Eliangela Maria
Discente da Faculdade de Educação,
Administração e Tecnologia de Ibaiti – FEATI.
Prof. Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP.
Docente da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti – FEATI
1 INTRODUÇÃO
Por que na oficina? Tal questão se sobressai em meios a tantas outras possíveis de se
averiguar conforme a organização do trabalho. Mas que lugar é este na qual o pai quer ver o
seu filho com tanta aspiração? Este lugar ultrapassa a fronteira do lugar quanto estrutura
física, ele é mais amplo e complexo.
Este lugar traz consigo um sentimento de ser contratado e assim ter seus direitos, seu
salário, com isto, poder seguir sua vida: trabalhando e ganhando no final do mês. A oficina
tem um sentido de felicidade, sendo este lugar “construído e produzido num dado processo
socioeconômico” (SPINK, 2001, p. 15). A oficina evita os riscos de ser um desempregado. O
trabalho é feito com peças, parafusos, óleos, entre outros instrumentos que, no início, trás
certa dificuldade, mas com o tempo, a atividade se torna uma rotina.
ROTINA, s.f. Caminho já trilhado e sabido; costume; hábito; prática
constante; uso geral. (BUENO, 1996, p. 584)
A prática constante de um trabalhador dentro de uma oficina, uma vida toda
dedicada a uma oficina. Uma prática de tantos significados que faz o próprio sujeito deseje o
seu filho neste mesmo ofício, a rotina cria o hábito e também a acomodação. O trabalho
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ganha um maior sentido de sobrevivência, do que outros fatores como: crescimento,
aprendizagem, autonomia, na qual foram apontados por Morin; Tonelli; Pliopas, (2007).
A sobrevivência faz a acomodação e, talvez este o ponto a ser pensado: a
acomodação dentro de uma sociedade de grandes conquistas, de liberdade, desejos,
aspirações. Assim, qual é o lugar das perspectivas para estes jovens? Não são incitados a
procurar um lugar no mundo desconhecido ou preferem buscar a felicidade evitando o
desprazer num lugar palpável?
Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se
libertam em comunhão... Somente quando os oprimidos descobrem,
nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua
libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua
convivência com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser
feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece
fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja
associado a sério empenho de reflexão, para que seja práxis. [...] Os
oprimidos, nos vários momentos de sua libertação, precisam
reconhecer-se como homens, na sua vocação ontológica e histórica
de ser mais. A reflexão e a ação se impõem, quando não se pretende,
erroneamente, dicotomizar o conteúdo da forma histórica de ser do
homem. (FREIRE, 1987, p.52).
O mesmo ocorre com a perspectiva dentro da escola. Ela e o objetivo da educação
vêm se transformando ao longo da história da humanidade (escolas gregas, romanas,
medievais). Conforme a sociedade se modifica a educação também se diferencia. Com o final
da Segunda Guerra Mundial, o mundo vive uma era de capitalismo, do consumo
desenfreado, uma sociedade que se torna cada vez mais tecnológica em que o mais
importante não é o ser em si, mas o que ele possui. Assim a economia que era voltada para o
campo passa a ser das cidades, e a escola nesse contexto “passa a ser o instrumento por
excelência para viabilizar o acesso a este tipo de cultura” (SAVIANI, 2007), ou seja, a
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sociedade vê na escola a responsável pela adequação das pessoas no novo modelo de
sociedade que estava surgindo.
Com isso, a ideia de escola pregada passou de um lugar de absorção de conhecimento
para um lugar que possibilitará ter uma profissão e, com isso, ter uma ascensão econômica.
Nessa perspectiva, as crianças, hoje, chegam às escolas apenas para “passar de ano”,
caso contrário, no futuro, elas não terão um bom emprego, isso é o que espera tanto dos
alunos como de seus pais. Nesse mesmo ponto de vista, crescem cada vez mais a procura por
cursos profissionalizantes, como veremos mais a frente, onde o aluno se forma rapidamente
e “está apto para o mercado de trabalho”.
2 O LUGAR DA PERSPECTIVA
O texto abaixo é de autoria de Machado de Assis, chamado “Idéias de um canário”, na
qual apresenta um diálogo entre um canário preso em uma gaiola dentro de uma loja de
belchior e um homem:
[...] — Perdão, mas tu não vieste para aqui à toa, sem ninguém, salvo
se o teu dono foi sempre aquele homem que ali está sentado.
— Que dono? Esse homem que aí está é meu criado, dá-me água e
comida todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagarlhe os serviços, não seria com pouco; mas os canários não pagam
criados. Em verdade, se o mundo é propriedade dos canários, seria
extravagante que eles pagassem o que está no mundo.
Pasmado das respostas, não sabia que mais admirar, se a linguagem,
se as idéias. A linguagem, posto me entrasse pelo ouvido como de
gente, saía do bicho em trilos engraçados. Olhei em volta de mim,
para verificar se estava acordado; a rua era a mesma, a loja era a
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mesma loja escura, triste e úmida. O canário, movendo a um lado e
outro, esperava que eu lhe falasse. Perguntei-lhe então se tinha
saudades do espaço azul e infinito.
— Mas, caro homem, trilou o canário, que quer dizer espaço azul e
infinito?
— Mas, perdão, que pensas deste mundo? Que cousa é o mundo?
O mundo, redargüiu o canário com certo ar de professor, o mundo é
uma loja de belchior, com uma pequena gaiola de taquara,
quadrilonga, pendente de um prego; o canário é senhor da gaiola que
habita e da loja que o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira.
No diálogo entre o canário e o homem, corrente em todo o texto, Machado de Assis
busca esclarecer o que vem a ser o mundo. De forma precisa, o mundo acaba sendo o
espaço que se convive, na qual tem conhecimento e profundidade sobre o cotidiano, sendo o
desconhecido uma ilusão.
O medo da perda do controle de si e do meio circundante, marcará a
divisão profunda a que o sujeito é submetido. O meio advém
inapreensível, o contexto torna-se incompreensível, surpreendente e
fora de controle (ZUGUEIB NETO, 2007).
Fora do campo de convivência, esta a oficina, o mundo se torna obscuro e cheio de
artimanhas capazes de engolir a si e aos filhos. Desta forma, o homem se vê preso na
“armadilha da estrutura estratégica” (ENRIQUEZ, 1997).
Em suma, o homem tem liberdade e autonomia para fazer o que bem entender, ele
pode apresentar a sua criatividade como também expor a sua arte, ele tem a possibilidade
de conhecer este mundo desconhecido, mas não o faz. Ele está preso às condições atraentes
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da organização. Aqui é bom estar, se o lugar não lhe trás felicidade, as causas são do próprio
trabalhador.
Tendo a organização o principal propósito o de agregar os valores capitalistas a fim de
obter maiores lucros. Para isto, a organização inventa mecanismos da pior espécie a fim de
cumprir o esperado: o lucro. Visto isto nas empresas hipermodernas de Pagès et al (2008),
que tem por característica criar um pensamento que a empresa é tão boa e propicia vários
ganhos que o próprio trabalhador não pode se voltar contra ela.
Assim, qual o lugar da perspectiva? Quase não existe, se não existe. O trabalhador
não observa nada melhor do que a organização em que se está e deseja este lado “bom” da
organização para o filho e que ele encontre a felicidade ali como o próprio pai. Não existindo
assim, um homem de vivências, de experiências.
A perspectiva apenas é alimentada pelas técnicas para uma melhor produção, sem
um questionamento, uma crítica, ou mesmo, um trabalho na qual o trabalhador possa expor
a sua subjetividade. Percebemos então uma nova forma de alienar o trabalhador, tendo o
consentimento do mesmo, incapaz de pensar em novas perspectivas e não conseguindo sair
das amarras da organização.
Esta formação tecnicista da qual virou uma especialidade da educação
contemporânea, esta vinculada no crescente aumento de escolas destinadas a esse fim
(EDUCAÇÃO, 2010). Perceptível cada vez mais a criação de cursos técnicos, de laboratórios
técnicos, sendo a sociedade fundada em valores técnicos e não humanos. A perspectiva,
então, é técnica.
Esta tecnicidade agrava problemáticas, como Rubem Alves ([2002] 2012) afirmou, a
educação deve ser para a cidadania, de que importa ao aluno sobre as somas dos ângulos
internos de um triângulo ou sobre enzimas, procariontes, eucariontes, de que vale estas
informações aos alunos, isto traz a revolta dos alunos e com razão. A criança quer saber
sobre coisas do mundo que a encante, que as preencha, que lhe traga algum interesse, que a
motive a conhecer e a transformar o seu ambiente, a sua sociedade. Criança não quer saber
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sobre plantas rastejantes ou subaquáticas, criança quer enfiar a mão na terra, se sujar,
molhar, quer ver aquela pequena semente se tornar uma linda flor roxa.
O Amyr Klink deu uma entrevista há pouco tempo e eu recebi a
entrevista dele por e-mail e ele fala uma coisa que eu achei muito
legal. Perguntaram a ele qual era o projeto que ele tinha de educação
para os filhos dele e ele contou que ele colocou os filhos dele em
escolas comuns e que tinha problemas com as escolas, que as coisas
não tinham a ver com a vida, tantas coisas que as crianças têm que
aprender que não têm nada a ver. Aí ele disse que gostaria que as
crianças dele aprendessem do jeito que ele viu acontecer numa ilha
na costa, se não me engano, da Noruega. Ele disse que lá nessa ilha
que ele citou, o nome eu não sei, as crianças aprendem construindo
uma casa viking. Enquanto elas constroem a casa viking, elas vão
aprendendo tudo o que é necessário sobre a ciência. (ALVES, [2002]
2012).
Educação para a cidadania e não para reproduções alienantes de fórmulas, teorias,
sistemas. Educação para libertar o pássaro preso em sua gaiola. Libertar o aluno preso nas
salas de aula. Libertar para transformar, e não reproduzir. Dando novos valores à educação,
deixando de ser apenas instituições que legitimam o poder, conforme descrita por Michel
Foucault (1984).
A educação deve pautar-se na relação do sujeito para com o seu mundo, e não
fundamentada e descrita pelas técnicas. A educação prepara o homem a conhecer o seu eu e
o seu valor.
3 A PERSPECTIVA TECNICISTA/CAPITAL
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Como fica a sociedade se todos os nossos alunos forem estudar na Harvard ou no
M.I.T. (Massachusetts Institute of Technology)? Onde estarão os encanadores, cabeleireiros,
eletricistas, mecânicos, pedicures?
Tal questão foi levantada por um educador coreano em um documentário sobre a
Educação na Coréia do Sul, desejando expor o interesse quase que supremo dos alunos de
saírem do país e irem ter uma formação nas renomadas universidades americanas. Isto para
que possam conseguir competir em um mercado competitivo que exige profissionais de
excelência.
Esta realidade não é apresentada apenas pelos coreanos, ela é global. No Brasil a
estimativa é que houve um aumento de 14% de alunos que foram estudar no exterior,
segundo relatório da "Education at a glance", de 2010 (RIBEIRO, 2011). Uma das possíveis
razões fora esclarecida por Lia Faria:
O mundo de hoje é plural. O próprio mercado de trabalho é mais
competitivo e acaba levando as pessoas a buscar garantir um
diferencial em relação aos que permanecem no país. Quem não tem
curso no exterior fica em desvantagem. (FARIA, 2011 apud RIBEIRO,
2011, p. 1).
Nesta perspectiva, como podemos compreender o sentido da educação? De acordo
com Rothberg (2006) a educação passa a ser um meio de enfrentar os problemas
econômicos da atualidade. Ou seja, a educação tem a responsabilidade de preparar o aluno
para as adaptações das crescentes mudanças para a produção.
Esta concepção elege como contexto preponderante o fato de que as
tecnologias do sistema produtivo transformam-se rapidamente na
atualidade e requerem sujeitos sempre dispostos a adquirir novas
habilidades, correspondentes a diferentes processos industriais e
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comerciais. Daí a necessidade de formar pessoas versáteis, capazes
de aprender novas tarefas tão rapidamente quanto mudam as
características dos recursos tecnológicos e das interfaces com os
quais elas devem lidar diariamente. (ROTHBERG, 2006, p. 86).
Ao contrário da educação grega que consistia em preparar o jovem para ser um bom
cidadão, privilegiando a ética, a política, o corpo, a filosofia. Ensinando o jovem a conhecer a
si próprio. Conhece-se te a ti mesmo. Podemos pensar como fez Edgar Morin (2002, p. 2): "a
relação educação-cultura é inseparável da relação com a história, com a política, com a
sociedade, com o planeta". A Grécia vivenciava outro cotidiano, outras relações se
estabeleciam.
Paulo Freire em seu livro “Pedagogia libertadora” defende uma educação de
conscientização, desalienação e problematização, uma educação de diálogo crítica, na qual,
se tenha uma consciência de sua condição existencial, esse, então, seria o verdadeiro
objetivo da educação, conscientizar os seus alunos para que eles sejam críticos, que tenham
opinião e lute pelos seus direitos.
Hoje os tempos são outros, uma era envolvida por tecnologias, de guerras de
precisão, de redes sociais virtuais, do fim das grandes fronteiras, das longas viagens em curto
tempo, do "santo" Google e suas informações, do fast food; hoje os tempos são outros, e a
educação deve ser outra; a educação acompanha a cultura. Então, porque não discutirmos a
atual conjuntura de nossa cultura?
Esta sociedade com sua cultura pautada nos modelos econômicos capitalistas. Esta
sociedade que para Morin (2002) é tão catastrófica, para Bauman (2001) uma sociedade
líquida, para Freud ([1927-1931] 1996) um mal-estar, e tantos outros que questionam a
legalidade deste sistema na qual estamos inseridos. A sociedade e sua cultura devem ser
repensadas.
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Mas o simples fracasso deste modelo moderno de sociedade, que nos
prometeu um futuro ordenado pela ciência, não significa que
resultará uma sociedade menos desigual e mais justa. Mas, como a
tecnologia produziu rachaduras irreversíveis no modo como a
sociedade se organizava, uma brecha sem dúvida se abriu, um ponto
de vazão, capaz de fazer ruir relações e conceitos opressivos,
permitindo uma nova configuração de forças, e gerando novos
acordos. Mas, para isso, precisamos ter coragem de rever valores e
modelos, e o mais difícil talvez seja encarar o quanto obsoletos estão
nossos saberes. Precisamos rever o modo como estruturamos nosso
conhecimento, nosso pensamento, nossa educação. (MOSÉ, 2012, p.
1).
A autora ainda explica que os projetos da sociedade moderna não beneficiaram
ninguém, pelo contrário, acarretou maiores problemas: a desigualdade africana, guerras
afegãs, catástrofes ecológicas, violência em grande escala, individualismo. E a educação
contribui para estes acontecimentos. A educação, ou as instituições, ensina desde criança o
individualismo, a concorrência, a falsa história (de mocinhos vs. bandidos), do poder pelo
saber, da soberania científica, a desigualdade. O ensino, desta forma, não ensina, são apenas
palavras soltas sem reflexão. Introduzidas. Não é filosofia, é imposição tendo como lema o
desenvolvimento.
As áreas em que isso ocorre vão da oferta direta de cursos,
presenciais e a distância, à produção de materiais instrucionais, na
forma de livros, apostilas e softwares, às empresas de avaliação, ou,
mais precisamente, de medida em larga escala, às consultorias
empresariais na área e até mesmo à ação de consultores do meio
empresarial que assessoram tanto a inserção de empresas
educacionais no mercado financeiro, quanto direcionam
investimentos de recursos para a educação. São facetas de acentuada
transformação do panorama educacional em escala mundial
(OLIVEIRA, 2009).
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Conforme o artigo de Oliveira (2009), este crescimento de "investimento" na área
educacional, nada mais significa que, na educação, encontrou-se um meio de se obter lucros,
aproveitando as péssimas condições da educação ofertadas pelo Estado. Com isto, neste
discurso de que para se desenvolver, conseguir um lugar ao sol, instituições que visam o
capital utilizam todo o seu arsenal para capturar um aluno, aproveitando-se de um discurso
"para você se preparar para o mercado de trabalho"13 ou para "entrar mais rápido no
mercado de trabalho"14.
Enfim, nos deparamos em uma educação dedicada aos cursos técnicos prometendo
benefícios ilusórios. Se antes a pergunta estava direcionada em onde encontrar os
encanadores, pedicures, eletricistas. Agora me pergunto, onde iremos colocar tantos
técnicos alienados em um discurso capitalista?
4 CONCLUSÃO
Se, iniciamos este artigo nos referindo diretamente as escolhas do trabalhar e sua
relação com o trabalho. No discorrer, invertemos a análise direcionando para a educação,
esta que, direta ou indiretamente, está dando moldes à relação inicial, entre homem e o
trabalho.
Nesta união entre educação e trabalho, podemos dizer que existem objetivos.
Vinculados aos desígnios sociais que, claramente, pauta-se do capitalismo, não seria tolice
dizer que estas instituições, e muitas outras, não seguiria para esta vertente.
Sendo assim, podemos analisar sobre dois pontos. Primeiro, o homem com o seu
trabalho. Quais são os seus anseios? O seu futuro. Tem-se uma tendência em se acalmar em
13
Discurso do SENAC-PR, em seu site.
14
Discurso da TecPUC, em seu site.
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águas amenas evitando assim, os riscos das águas profundas, que trará instabilidade,
insegurança e, o mais tenebroso, o risco de se estar desempregado. Segundo, homem com a
educação. Na busca incessante por um trabalho seguro que lhe traga benefícios, o sujeito se
apega cada vez mais em diferentes cursos e formações. Sem objetivo, sem foco, a
quantidade se torna alheio a suas escolhas, quanto mais curso, maior é a chance de ser
chamada a uma entrevista de trabalho. Existe a idéia errônea de quanto mais cursos em meu
currículo, mais estou preparado para o mercado de trabalho. Nisto a educação é apenas para
o preparo ao mercado de trabalho e suas concorrências.
Por fim, porque não um terceiro ponto que surge nesta conclusão. O sujeito
mergulhado nestas instituições capitalistas. Na ânsia de obter um lugar ao sol, o sujeito
abraça a idéia ilusória e alienista do discurso capitalista. De que, para ser alguém, o sujeito
deve estar trabalhando, por contrário é vagabundo e sem-vergonha. E ainda, pela
sobrevivência, o sujeito deve estar abarrotado de dinheiro, para isto, não importa os
sacrifícios, o sujeito deve fazer.
Para que haja uma modificação destes paradigmas, devemos modificar uma cultura
pautada no capital. É preciso construir uma nova forma de apresentação na sociedade.
Assim, por onde iremos começar? Deveria ser dentro da própria educação.
Suponhamos que alguém o traga para o outro lado do muro.
Primeiramente ele ficaria ofuscado e amedrontado pelo excesso de
luz; depois, habituando-se, veria as várias coisas em si mesmas; e, por
último, veria a própria luz do sol refletida em todas as coisas.
Compreenderia, então, que estas e somente estas coisas seriam a
realidade e que o sol seria a causa de todas as outras coisas (PLATÃO,
2000, p. 298).
Esse pequeno trecho pertence ao Mito da Caverna escrito por Platão entre os anos
385-380 a.C., apesar desse texto ter sido escrito há tanto tempo em outras realidades, ele se
encaixa perfeitamente na nossa realidade, onde a intensificação do capitalismo tornou o
homem alienado, incapaz de compreender o sistema que está inserido. Onde ter um
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emprego com carteira assinada, possuir essa “segurança” passa a ocupar o lugar de maior
importância na sua vida. O papel do educador como mediador é o de levar para o outro lado
do muro e mostrar a luz do sol que é o verdadeiro conhecimento. Assim o homem por si só
conseguirá sair da escuridão e visualizar a sua realidade.
Eu estava olhando para vocês e para todo mundo lá fora, naquela
farra da música, aquela felicidade, e a gente pergunta para que a
gente vive, a gente vive para aquilo, gente, o objetivo da vida é
brinquedo (ALVES, 2012).
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TRABALHOS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA
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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO E DIREITO COMPARADO
Aparecido Arnaldo da Silva
Flavio de Jesus Maciel
Paulo Donizeti Jansen Romaniuk
Sâmela Marcielle Sene Bueno
Acadêmicos do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e
Tecnologia de Ibaiti
1 INTRODUÇÃO
Grande contribuição deu o Doutor Mauro Cappelletti no Direito Constitucional,
através do seu trabalho e conhecimento, no que tange a Constitucionalidade das leis e sua
aplicação no direito comparado.
O Brasil viveu um grande momento de superioridade por parte da classe dos mais
abastados e dos poderosos, enquanto a ampla massa dos hipossuficientes padecia com a
forma de governo, sem compartilhar do poder e da seleção de quem governaria os entes
formadores da Federação. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, advieram
transformações expressivas na maneira de governar o país, principalmente quanto à
participação do povo.
A Constituição Federal ocasionou diversos direitos ao povo para que pudesse
partilhar efetivamente da democracia e ratificar ser o legítimo detentor do poder. Isso
assenta o surgimento de movimentos e organizações sociais, sobretudo das categorias
menos defendidas e até então dominadas e sem voz ativa para lutar pelos seus direitos,
consolidando a cidadania.
Entretanto é necessário que se busque cada vez mais melhorias para o cidadão e que
o Estado nunca retroceda diminuindo os direitos alcançados. Para isso é primordial que a
Constituição seja vigiada e resguardada, servindo como verdadeira base do ordenamento
jurídico, para que não surjam leis ou decisões de encontro com a Lei Máxima.
O Brasil é um país ainda muito jovem e precisa se espelhar e buscar modelos
controladores empregados no plano exterior, principalmente em países do velho mundo que
já vivenciaram muitas lutas de classes no intuito de conquistar uma justiça social verdadeira,
protegendo os mais fragilizados e os direitos humanos. Nesta linha, faz-se imprescindível o
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controle de constitucionalidade, principalmente no tocante à comparação às formas
efetivadas no cenário internacional, o qual será demonstrado a seguir.
2 O QUE É CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Compreende-se por controle de constitucionalidade a constatação da concordância ou
ajustamento entre um ato jurídico, sejam atos normativos ou leis e a Constituição Federal, no
que tange à formalidade e a materialidade dessa norma.
A Constituição, como norma fundamental do sistema jurídico, regula
o modo de produção das leis e demais atos normativos e impõe
balizamentos a seu conteúdo. A contrariedade a esses mandamentos
deflagra os mecanismos de controle de constitucionalidade aqui
estudados. Cabe indagar: um ato inconstitucional é inexistente,
inválido ou ineficaz? Ou é tudo isso, simultaneamente? O domínio
adequado desses conceitos e a uniformização da terminologia, nem
que seja por mera convenção, ajudam a superar dificuldades
aparentes e reduzem os problemas a sua dimensão real. (BARROSO,
2012, p. 24).
A Carta Magna com seus mandamentos tem como objetivo impor um parâmetro de
base de como interpretar e aplicar as demais leis e princípios, isto é, a Constituição tem
supremacia sobre qualquer conteúdo jurídico inferior. Para tanto deixa espaço para que os
legisladores possam atuar em áreas específicas, tais como Direito Penal, Direito Civil, Direito
do Trabalho, Direito Tributário entre outros, porém estas normas devem seguir o que rege a
Carta Magna, e toda vez que há um desaparelhamento (a lei ou norma é inconstitucional)
deve entrar em ação o controle de constitucionalidade, o qual é entendido como o poder de
controlar uma norma mediante uma atividade de fiscalização de sua validade e da
conformidade das leis e atos normativos do poder público, sempre tendo em vista uma Lei
Suprema.
Este instituto surgiu no Brasil em 1890, com influência Norte-americana,
devidamente abaixo mencionada por Mendes e Branco (2012, p.1.472):
O regime republicano inaugura uma nova concepção. A influência do
direito norte-americano sobre personalidades marcantes, como a de
Rui Barbosa, parece ter sido decisiva para a consolidação do modelo
difuso, consagrado já na chamada Constituição provisória de 1890
(art. 58, § 1º, a e b). O Decreto n. 848, de 11-10-1890, estabeleceu,
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no seu art. 3º, que, na guarda e aplicação da Constituição e das leis
nacionais, a magistratura federal só intervirá em espécie e por
provocação da parte. “Esse dispositivo (...) consagra o sistema de
controle por via de exceção, ao determinar que a intervenção da
magistratura só se fizesse em espécie e por provocação de parte”.
Estabelecia-se,
assim,
o
julgamento
incidental
da
inconstitucionalidade, mediante provocação dos litigantes. E, tal qual
prescrito na Constituição provisória, o art. 9º, parágrafo único, a e b,
do Decreto n. 848, de 1890, assentava o controle de
constitucionalidade das leis estaduais ou federais.
E tem maior aprimoramento com a Constituição Republicana de 1891, com o controle
Difuso:
A Constituição de 1891 incorporou essas disposições, reconhecendo a
competência do Supremo Tribunal Federal para rever as sentenças
das Justiças dos Estados, em última instância, quando se
questionasse a validade ou a aplicação de tratados e leis federais e a
decisão do Tribunal fosse contra ela, ou quando se contestasse a
validade de leis ou de atos dos governos locais, em face da
Constituição ou das leis federais, e a decisão do Tribunal considerasse
válidos esses atos ou leis impugnadas (art. 59, § 1º, a e b). (MENDES e
BRANCO, 2012, p.1.472).
Assim, fica claro que a norma jurídica deve estar embasada e constituída em outra
hierarquicamente superior, sobre pressuposto de ser considerado um ato írrito sua flagrante
desconformidade, e, portanto consolidando o sistema de compatibilidade vertical do
ordenamento jurídico.
3 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO COMPARADO
O controle judicial é efetuado de forma a garantir uma justiça constitucional, como
um guardião dos preceitos fundamentais que regem a Constituição. Ressalta-se, contudo que
em alguns países o controle é efetuado por outros órgãos que não o judiciário, judicial
review, assim denominados controle político.
Desta forma, o direito comparado estuda as partes que diferem e se assemelham
entre as leis dos países, fazendo uma análise completa no sistema jurídico político da nação a
ser estudada. E atualmente, com o avanço da globalização, é de suma importância este
estudo para os operadores do direito.
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A seguir, estão descritas de maneira concisa, como é executado o controle de
constitucionalidade em treze países: Espanha, Itália, Argentina, Áustria, Chile, Alemanha,
Paraguai, França, Portugal, Uruguai, Estados Unidos, Venezuela e Peru.
Na Espanha, o controle é o concentrado.
A Constituição Espanhola, de 1978, que [...] adota o modelo
concentrado de controle, declara em seu art. 164, ser o Tribunal
Constitucional
intérprete
supremo
da Constituição e
órgão
jurisdicional superior, em todo o território espanhol, em matéria de
garantias constitucionais. O Tribunal Constitucional, que não integra
formalmente o Poder Judiciário, é composto de doze magistrados,
nomeados pelo Rei da Espanha, sendo que quatro deles são
indicados pelo Congresso, quatro pelo Senado, dois pelo Governo e
dois pelo Conselho Geral do Poder Judiciário. Exige-se para o cargo
formação jurídica, reconhecida competência e quinze anos de
exercício profissional. O mandato é de nove anos, renovando-se em
um terço, a cada três anos. É vedada a recondução, salvo se o juiz
tiver exercido menos de três anos de mandato. [...] As sentenças
proferidas
pelo
Tribunal
Constitucional,
que
declaram
a
inconstitucionalidade, produzem efeitos contra todos (devem ser
seguidas por todos os órgãos públicos, pelos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário). (CARVALHO, 2008, p. 388-389).
Este controle de constitucionalidade espanhol seria uma contrariedade ao que
executa o legislador, operando como se fosse um legislador contraproducente, tendo como
resultado a possível invalidação das normas, sempre que avistar a forma infiel da
Constituição, que é o alicerce de sua legitimidade. O controle espanhol, conforme aqueles
que o defendem, impulsiona a segurança do sistema jurídico.
Já na Itália tem-se o seguinte:
[...] a Constituição de 1947 criou a Corte Constitucional, competente
para julgar controvérsias relativas à legitimidade das leis, e dos atos
com força de lei, do Estado e das regiões; os conflitos de atribuições
entre os diversos poderes do Estado, entre os Estados e as regiões; as
acusações contra o Presidente da República e os Ministros (art. 134).
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A Corte Constitucional, órgão colegiado, especial, autônomo e
independente dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, possui
autonomia normativa, administrativa, financeira e contábil, além de
auto-organização. [...] Cabe também ao Ministério Público e às partes
suscitar a questão de inconstitucionalidade. (CARVALHO, 2008, p.
387-388).
Nesta nação, ao aparecer casual investigação a respeito da constitucionalidade de
uma norma jurídica, em uma situação concreta, compete ao juiz responsável pela causa o
dever de suspensão do processo e repasse da incompatibilidade encontrada para análise da
Corte Constitucional.
Em relação ao controle político na Itália, Cappelletti (1999, p. 30-31) destaca que:
[...] típico exemplo de controle político – não judicial – pode ser
oferecido de resto, pela própria Constituição italiana, a qual prevê,
contudo, [...] um controle propriamente judicial, confiado à Corte
Constitucional. Tal controle político compete, na Itália, ao Presidente
da República que tem, é certo, o dever de promulgar as leis
aprovadas pelo Parlamento, mas que pode, quando o julgue
oportuno, suspender esta promulgação, pedindo às Câmaras, com
mensagem motivada, que submetam o texto legislativo a uma nova
deliberação.
Na Itália, o Presidente da República torna aplicável uma lei que foi antes aprovada no
Parlamento e pode também se achar cabível tornar suspensa esta lei, repassando para as
Câmaras e assim um novo texto para a lei passará a ser determinado.
Já na Argentina é cumprido o controle difuso ou aberto. A Corte Suprema de Justiça
se responsabiliza por ele e entre seus membros, há juristas reconhecidos e com exercício de
profissão de no mínimo oito anos, sendo os mesmos escolhidos pelo Presidente da República
e esta determinação tem que ser aprovada por 2/3 (dois terços) dos senadores argentinos.
O controle de constitucionalidade, no sistema constitucional
argentino, é jurisdicional difuso ou aberto [...] cabendo a todos os
juízes exercitá-lo, a despeito de o art. 116 dizer que cabe à Suprema
Corte e aos tribunais inferiores o conhecimento e a decisão de todas
as causas que versarem matéria constitucional ou de legislação
federal. A previsão do controle de constitucionalidade, no texto
constitucional argentino, é apenas indireta, e não direta ou
específica. [...] Não existe na Argentina o controle concentrado, como
existente no Brasil, por meio da ação direta de inconstitucionalidade.
(CARVALHO, 2008, p. 390)
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No entanto, na Áustria, é apontado um novo conceito, conferindo ao Tribunal
Constitucional a aptidão para determinar temas da ordem, através de petição feita pelo
Governo, com alusão às leis dos estados, ou as mesmas em relação às leis federais. Afirma
Oliveira (2008, p.38), “[...] No modelo austríaco, o magistrado é proibido de se pronunciar no
que tange à constitucionalidade da lei, cabendo esta função tão-somente à Corte
Constitucional”.
Segundo o doutrinador Cappelletti (1999, p. 104), a respeito do modelo austríaco:
De fato, esta Constituição não só criou uma especial Corte
Constitucional – o Verfassungsgerichtshof – na qual “concentrou” a
competência
exclusiva
para
decidir
as
questões
de
constitucionalidade, mas, além disso, a Constituição austríaca confiou
a esta Corte um poder de controle que, para ser exercido, necessitava
de um pedido especial (“Antrag”), isto é, do exercício de uma ação
especial por parte de alguns órgãos políticos.
O controle de constitucionalidade na Áustria tem efeito erga omnes, ou seja, quando
uma lei é declarada ineficaz, o efeito atinge a todos os cidadãos.
No país sul-americano, Chile, o controle é misto e de maneira facultativa poderá ser
preventivo, como citado abaixo:
No Chile [...] predomina o sistema de controle de constitucionalidade
misto, ou seja, concreto e abstrato, com a presença de um Tribunal
Constitucional e de uma Suprema Corte. Os processos para a
inaplicabilidade das normas inconstitucionais e atuações em casos
individuais correspondem à Suprema Corte. [...] As decisões dessa
Corte têm efeitos inter partes e não levam à nulidade da norma
impugnada, mas simplesmente à sua inaplicabilidade ao caso
concreto. Já as decisões do Tribunal Constitucional, que exerce,
sobretudo, um controle preventivo sobre os projetos de reformas
constitucionais, cuja iniciativa se restringe a alguns órgãos políticos
(Presidente da República, qualquer das Câmaras, ou minorias
parlamentares mais significativas), têm efeitos erga omnes. Esse
controle preventivo incide também sobre os tratados ou convenções
internacionais submetidos à aprovação do Congresso. [...] O controle
preventivo da constitucionalidade é facultativo dos projetos de lei
durante sua tramitação legislativa e das reclamações, no caso de o
Presidente da República não promulgar uma lei quando deva fazê-lo.
(CARVALHO, 2008, p. 391).
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Nesta nação o controle do Tribunal de Justiça se cumpre anteriormente à criação das
leis, de maneira preventiva. É executado pelo Presidente da República, Câmaras ou
parlamentares, em relação ao trâmite dos projetos de lei, tratados e decretos com eficácia
legislativa.
Com referência ao controle alemão tem-se o seguinte:
O Tribunal Constitucional Federal, da Alemanha, decide recursos
constitucionais interpostos por cidadãos, com base em terem sido
lesados, pelo Poder Público, nos seus direitos fundamentais ou em
direitos que a Lei Fundamental enuncia e por distritos e comunas,
com base em seu direito de autoadministração. [...] O Tribunal
Constitucional Federal é chamado a decidir quando um direito do
Estado federado violar a Lei Fundamental e quando o Tribunal
constitucional de um Estado federado julgar diversamente de uma
decisão do Tribunal Constitucional Federal ou do Tribunal
constitucional de outro Estado. (MELO, 2008, p. 155).
A respeito desse controle Cappelletti (1999, p. 109) compara-o ao italiano,
diferenciando ambos do austríaco.
Contudo, na Itália como na Alemanha, diferentemente da Áustria,
todos os juízes comuns, mesmo aqueles inferiores, encontrando-se
diante de uma lei que eles considerem contrária à Constituição, em
vez de serem passivamente obrigados a aplicá-la, têm, ao contrário, o
poder (e o dever) de submeter a questão de constitucionalidade à
Corte Constitucional, a fim de que seja decidida por esta, com eficácia
vinculatória.
A questão da constitucionalidade na Alemanha não é somente poder dos juízes
superiores, como também àqueles de níveis inferiores, que podem transmitir à Corte
Constitucional, para que a mesma decida sobre o caso. O efeito decisivo é erga omnes e com
efetividade ex nunc. E esta decisão tem capacidade legislativa e acopla todos os órgãos do
país e dos estados e também os tribunais e autoridades, sem exceção.
No país vizinho ao Brasil, o Paraguai, há o controle concentrado, que é de
competência da Suprema Corte de Justiça.
O controle de constitucionalidade no sistema constitucional do
Paraguai [...] caracteriza-se como judicial concentrado na Suprema
Corte de Justiça e na sua Sala Constitucional. Não se trata de sistema
difuso-incidental propriamente dito, pois cabe apenas à Sala
Constitucional da Suprema Corte exercer esse controle, em sistema
direto-concentrado, ressaltando-se que eventualmente um membro
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de outra Sala pode requerer que um julgamento se faça não só pela
Sala Constitucional, mas pelo Plenário da Corte. (CARVALHO, 2008, p.
392).
O modelo paraguaio tem efeito inter partes. O único conflito entre os efeitos inter
partes e erga omnes surge somente em situações relacionadas com os atos normativos.
Na França, o controle é efetivado de forma preventiva através de um órgão exclusivo
chamado de Conselho Constitucional ou Conseil Constitutionnel, não se tratando de um
controle jurídico, mas sim político, que o exerce da promulgação de uma lei, sendo que sua
pronúncia é obrigatória como explica Cappelletti (1999, p. 28):
[...] Quando um texto legislativo ou um tratado internacional já está
definitivamente elaborado, mas ainda não promulgado, o Presidente
da República, o Primeiro Ministro ou o Presidente de uma ou de
outra Câmara do Parlamento (isto é, da Assemblée Nationale ou
Sénat) pode remeter o próprio texto legislativo ao tratado ao Conseil
Constitutionnel, a fim de que este se pronuncie sobre sua
conformidade à Constituição. Para algumas leis, ditas “orgânicas (“lois
organiques” de que se pode dizer grosso modo, que concernem
especialmente a organização dos poderes públicos), o
pronunciamento do Conseil Constitutionnel é, ao contrário, sempre
obrigatório. O Conseil Constitutionnel deve decidir dentro de um mês
ou, em certos casos, dentro de oito dias; neste interim, a
promulgação da lei fica suspensa.
Sobre o controle francês, Moraes (2003, p. 584) destaca:
O modelo francês prevê um controle de constitucionalidade
preventivo a ser realizado pelo Conselho Constitucional, que, no
transcurso do processo legislativo, poderá, desde que provocado pelo
Governo, ou pelo presidente de qualquer das Casas legislativas,
analisar a constitucionalidade de uma proposição ou de uma
emenda, antes de sua promulgação, devendo pronunciar-se no prazo
de oito dias. [...] A excepcionalidade prevista no art. 37.2 da
Constituição francesa [...] previu uma forma de controle repressivo de
constitucionalidade. Trata-se da possibilidade de o Conselho
Constitucional francês analisar abstratamente a repartição
constitucional de competências entre o Governo e o Parlamento.
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Salienta-se que anteriormente à promulgação, enviam-se as leis para o Conselho, que
irá determinar a constitucionalidade. E a decisão tomada atinge as autoridades do âmbito
administrativo e judiciário.
No também país europeu, Portugal, o controle pode ser de aptidão do Tribunal
Constitucional, conforme as palavras de Melo (2008, p. 155):
A Constituição de Portugal [...] dispõe que a declaração de
inconstitucionalidade ou ilegalidade produz efeitos desde a entrada
em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a
repristinação das normas que haja revogado. [...] Por motivo de
segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de
excepcional relevo e devidamente fundamentado, poderá o Tribunal
Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da
ilegalidade com alcance mais restrito.
Nota-se o controle de forma abstrata, concreta e preventiva da constitucionalidade e
também a inconstitucionalidade de maneira omissiva.
Já no Uruguai, o controle é concentrado, conforme elucida Carvalho (2008, p. 392):
Pelo art. 239, 1º, da Constituição do Uruguai, de 1967, cabe à
Suprema Corte de Justiça julgar originariamente os delitos contra a
Constituição e contra o Direito das Gentes, podendo a lei dispor sobre
instâncias a serem percorridas nos diversos Juízos, conforme cada
caso. O sistema de controle de constitucionalidade adotado no
Uruguai é o concentrado.
No Uruguai o controle é o concentrado, sendo realizado um estabelecimento de
inconstitucionalidade das normas, tendo como objetivo o alcance da invalidação da lei para
estabilizar a segurança da ordem jurídica.
O sistema norte-americano criou às Constituições rígidas em contraposição das
constituições flexíveis, ressalta-se que até então, nos estados europeus não existia algo
semelhante.
O controle do tipo norte-americano tem função declaratória e efeitos
restritos às partes do processo. Admite-se que a lei nasceu
inconstitucional e o ato judiciário apenas o reconhece. [...] A
declaração de inconstitucionalidade tem repercussão ex tunc, ou seja,
projeta-se para o passado e, por consequência, nulifica as leis, os atos
administrativos e civis praticados contra a Constituição. (MELO, 2008,
p. 152).
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Nos Estados Unidos o controle é difuso, onde todos os órgãos do sistema judiciário
têm esse poder controlador. É denominado por alguns juristas como "sistema americano",
pois para alguns, esse modelo de controle iniciou nos Estados Unidos, em 1803. Há também
o instituto stare decisis, em que uma decisão da Suprema Corte é relacionada a todos os
Tribunais, inferiores e superiores.
Antes das eleições presidenciais, realizadas no final de 1800, nos Estados Unidos, o
Presidente John Adams e seus aliados derrotados, tanto no legislativo como no executivo,
em um de seus últimos atos como Presidente, John Adams, fez aprovar uma lei
reorganizando o Poder Judiciário, pois ainda detinham a maioria no Congresso, para poder
manter sua influência. Indicando John Marshall para Presidente da Suprema Corte. Logo à
frente, em 27 de fevereiro de 1801, uma nova lei (the Organic Act of the District of Columbia)
autorizou o Presidente a nomear quarenta e dois juízes de paz, tendo os nomes indicados
sido confirmados pelo Senado em 3 de março, véspera da posse de Thomas Jefferson. John
Adams, assim, assinou os atos de investidura (commissions) dos novos juízes no último dia de
governo, ficando seu Secretário de Estado, John Marshall, encarregado de entregá-los aos
nomeados.
Pois bem: tendo um único dia para entregar os atos de investidura a todos os novos
juízes de paz, Marshall não teve tempo de concluir a tarefa antes de se encerrar o governo, e
alguns dos nomeados ficaram sem recebê-los. Thomas Jefferson tomou posse, e seu
Secretário de Estado, James Madison, seguindo orientação do Presidente, recusou-se a
entregar os atos de investidura àqueles que não os haviam recebido. Entre os juízes de paz
nomeados e não empossados estava William Marbury, que propôs ação judicial (writ of
mandamus), em dezembro de 1801, para ver reconhecido seu direito ao cargo. O pedido foi
formulado com base em uma lei de 1789 (the Judiciary Act), que havia atribuído à Suprema
Corte competência originária para processar e julgar ações daquela natureza. A Corte
designou a sessão de 1802 (1802 term) para apreciar o caso.
Sucede, contudo, que o Congresso, já agora de maioria republicana, veio a revogar a
lei de reorganização do Judiciário federal (the Circuit Court Act, de 1801), extinguindo os
cargos que haviam sido criados e destituindo seus ocupantes. Para impedir questionamentos
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a essa decisão perante a Suprema Corte, o Congresso suprimiu a sessão da Corte em 1802,
deixando-a sem se reunir de dezembro de 1801 até fevereiro de 1803. Esse quadro era
agravado por outros elementos de tensão, dentre os quais é possível destacar dois:

Thomas Jefferson não considerava legítima qualquer decisão da Corte que
ordenasse ao governo a entrega dos atos de investidura, e sinalizava que não iria cumpri-la;
b) a partir do início de 1802, a Câmara deflagrou processo de impeachment de um
juiz federalista, em uma ação que ameaçava estender-se até os Ministros da Suprema Corte.
Foi nesse ambiente politicamente hostil e de paixões exacerbadas que a Suprema
Corte se reuniu em 1803 para julgar Marbury v. Madison, sem antever que faria história e
que este se tornaria o mais célebre caso constitucional de todos os tempos.
Marbury v. Madison foi a primeira decisão na qual a Suprema Corte afirmou seu
poder de exercer o controle de constitucionalidade, negando aplicação a leis que, de acordo
com sua interpretação, fossem inconstitucionais. Assinale-se, por relevante, que a
Constituição não conferia a ela ou a qualquer outro órgão judicial, de modo explícito,
competência dessa natureza. Ao julgar o caso, a Corte procurou exibir que a atribuição
decorreria do sistema. A argumentação de Marshall acerca da supremacia da Constituição,
da necessidade do judicial review e da competência do Judiciário na matéria é primorosa.
Marbury v. Madison, portanto, foi a decisão que inaugurou o controle de
constitucionalidade no constitucionalismo moderno, deixando assentado o princípio da
supremacia da Constituição, da subordinação a ela de todos os Poderes estatais e da
competência do Judiciário como seu intérprete final, podendo invalidar os atos que lhe
contravenham. Na medida em que se distanciou no tempo da conjuntura turbulenta em que
foi proferida e das circunstâncias específicas do caso concreto, ganhou maior dimensão,
passando a ser celebrada universalmente como o precedente que assentou a prevalência dos
valores permanentes da Constituição sobre a vontade circunstancial das maiorias legislativas.
Vislumbra-se que posteriormente a decisão no caso Marbury v. Madison (1803), o
controle de constitucionalidade Americano passou a ser considerado difuso. Vez que todos
os juízes e tribunais são capazes de analisar a constitucionalidade das leis. A lei passou a ser
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considerada nula e não anulada. Destarte o Congresso Nacional Americano não se declarava
em relação a esta lei apontada como nula, por inferir que esta nunca existiu.
Semelhantemente segue o modelo Venezuelano de controle:
O controle de constitucionalidade, na Venezuela, é misto, pois todos
os juízes podem manifestar-se sobre a constitucionalidade (controle
difuso), sendo ainda de competência da Sala Constitucional do
Supremo Tribunal de Justiça exercer o controle concentrado (arts. 333
a 336 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela, de
2000). [...] Também prevê um controle preventivo, em que o
Presidente da República, ao receber um projeto de lei, tem o prazo de
dez dias para promulgação. (CARVALHO, 2008, p. 393).
O controle utilizado na Venezuela é de caráter misto, onde todos os juízes dos
tribunais se manifestam em relação à constitucionalidade, com um controle difuso e
concentrado de responsabilidade da Sala Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça.
Sucede, além disso, um controle preventivo praticado sobre os projetos de lei do país.
Diferentemente visualiza-se o modelo peruano de controle político e não judiciário:
No Peru, o controle de constitucionalidade é denominado de dual ou
duplo, pois compreende um sistema difuso, a cargo de juízes e
tribunais, e um sistema abstrato e concentrado em um Tribunal
Constitucional, criado pela Constituição de 1993, que não integra o
Judiciário. Pela Constituição de 1980, o controle concentrado era
exercido pelo Tribunal de Garantias Institucionais, extinto pelo golpe
do então Presidente Fujimori, em abril de 1992. (CARVALHO, 2008, p.
393)
No Peru, a Constituição define que não há finalidade retroativa na sentença do
Tribunal que expressar inconstitucionalidade, totalmente ou parcialmente, no que concerne
às normas legais.
3.1 O Controle de Constitucionalidade no Direito Comparado segundo Mauro
Cappelletti
Garantir a supremacia da Carta Magna por meio de um controle é uma das formas
mantenedoras da vontade dos constituintes, limitando as modificações pela “justiça
constitucional”. Esse instituto em alguns países é cumprido por órgãos políticos, não
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pertencentes à esfera judiciária, realizando o controle preventivo. Como exemplo pode-se
citar a própria história das instituições legais mexicanas, ou seja, no Supremo Poder
Conservador, criado pela “Siete Leyes Constitucionales de 1836, inspirado no Senat
Conservateur da Constituição francesa de 1799”.
A nação francesa é a que mais apresenta exemplos de controle político, pois por
motivos históricos e ideológicos defende a eliminação de um controle judicial, não aceitando
a intervenção judiciária na atividade legislativa. Porém a Constituição de 1958 prevê o poder
“difuso” dos juízes de controlar a consonância das leis à Constituição, mas também assegura
que uma norma legislativa ou um tratado internacional ainda não promulgado, poderá ser
remetido, pelo Presidente da República, Primeiro Ministro ou Presidente de Câmara do
Parlamento, ao Conseil Constitutionnel, que os analisará e pronunciará sobre sua
constitucionalidade, sendo que para leis orgânicas o pronunciamento será obrigatório.
Para alguns os EUA foi o pioneiro desse instrumento controlador com o caso Marbury
versus Madison de 1803. Realmente antes do sistema norte americano de judicial review, os
Estados europeus não criaram nada similar. A Constituição norte americana apresentou uma
rigidez que não pode ser modificada por lei ordinária, mas somente pelo processo revisional.
Já a inglesa é em grande parte não escrita, tendo caráter flexível. Na Itália o Estatuto
Albertino possuía essa característica, que foi inteiramente ab-rogado e suprimido a partir da
republicana (rígida) de 1948. A americana de 1787 fixou sua supremacia, impondo aos juízes
o poder e o dever de não aplicar leis contrárias à Constituição.
A supremacia constitucional quanto às leis ordinárias não teve como primeiro caso o
Marbury versus Madison, existiram mais antigos sistemas jurídicos como o Direito ateniense,
em que o nómos, lei em sentido estrito e se aproximando das constitucionais, e o pséfisma,
decreto, só podiam ser alterados pela revisão constitucional. Também temos segundo Platão
que, a lei precisa reproduzir a ordem divina, superior e imutável, e não os interesses
mutáveis das classes humanas; Aristóteles afirmava que a lei era uma norma superior às
paixões do homem, formulando a doutrina da supremacia da lei.
Na Idade Média o direito natural era taxado como norma superior, emanada de Deus,
servindo de base para todas as outras normas, sendo que John Lock afirmava o supreme
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power do legislativo, mas também que este poder era limitado pelo direito natural.
Entretanto, a positivação desse direito ocorrerá apenas com a rigidez constitucional, iniciado
com a Constituição dos Estados Unidos.
No tocante ao aspecto subjetivo existem dois tipos de controle: o difuso, também
chamado de sistema americano, em que o poder controlador compete a qualquer órgão do
poder judiciário; e o concentrado, analogamente designado de tipo austríaco, no qual o
poder será de um único órgão judiciário. Eles se impuseram recentemente em mais de um
país, demonstrando evidente força de ampliação.
A doutrina basilar do organismo do controle judicial difuso é muito coerente e de
extrema simplicidade, raciocinando-se que a competência dos juízes é a interpretação das
leis, com o intuito de aplicá-las a casos reais quando impostos a julgamentos, sendo que a
regra mais evidente é que ocorrendo contraste entre duas normas, deverá ser aplicada a
prevalente. Quando ocorrer divergência entre disposições de análoga força normativa,
prevalecerá a que satisfizer princípios jurídicos, como o da especialidade, por exemplo.
Porém, se o contraste se der entre leis de força normativa diversa, o juiz deverá aplicar a
norma constitucional.
A simplicidade deste raciocínio faz brotar uma dúvida sobre a estranha razão de a
Áustria preferir o controle concentrado, e isso ter repercutido em outras Constituições
recentes de países do civil law, como na Espanha, Itália, Iugoslávia, etc. Ocorre que no
controle difuso todos os órgãos judiciários possuem o poder e o dever de não aplicar leis
inconstitucionais, sendo assim, a entrada, nos sistemas de civil law, do processo americano
de controle, resultaria a não aplicação de uma lei julgada inconstitucional por alguns juízes, e
talvez a aplicação por outros que não vislumbrassem o contraste com a Constituição.
Também poderia ocorrer que o mesmo órgão judiciário mudasse de opinião sobre a
desconformidade da lei que não estava sendo aplicada e passasse a aplicá-la. Tudo isso
poderia resultar em um grave conflito entre órgãos e uma instabilidade jurídica.
No Japão se manifesta o inconveniente quando após uma primeira ou uma série de
não aplicações de certa norma por parte das Cortes, qualquer cidadão interessado na não
aplicação da mesma lei propõe uma nova ação em juízo, sobrecarregando o sistema
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judiciário. Esses problemas de incerteza e conflito poderiam ser evitados, como na Suíça, que
possui um órgão supremo da justiça que traz decisões para o caso concreto, as quais se
estendem com eficácia erga omnes da norma taxada inconstitucional.
Estes fatos foram evitados nos Estados Unidos, como em outros países de commom
law, com o controle difuso, em que vigora o princípio do stare decisis, quando uma decisão
do mais alto tribunal vincula todos os tribunais inferiores na mesma jurisdição. A questão é
que embora surjam divergências entre as Cortes (estaduais e federais), elas serão decididas
pela Suprema Corte que trará uma decisão vinculatória para os demais órgãos judiciários
com eficácia erga omnes, não se limitando apenas ao fim da não aplicação da lei a um caso
concreto, mas em outros casos iguais, gerando, em regra, um efeito retroativo. Se uma lei é
declarada inconstitucional pela Suprema Corte, permanece no ordenamento, mas é tornada
uma lei morta, que não produz efeitos.
Para alcançar um resultado semelhante, os países sem o princípio do stare decisis,
precisavam confiar as decisões de constitucionalidade das leis, com eficácia erga omnes, a
um órgão como a Suprema Corte dos EUA, evitando os conflitos e a incerteza jurídica. Assim,
a Áustria julgou necessário criar uma Corte Constitucional, sendo adotada a mesma medida
pela
Tchecoslováquia
e,
depois
pela
Espanha,
Itália
e
Alemanha,
os
quais
contemporaneamente adotaram o controle concentrado. Neste sistema a norma não poder
ser declarada inconstitucional por qualquer juiz, demonstrando o poder de interpretar e
aplicar o direito no caso concreto. Eles devem taxar como boas as leis existentes, mas na
Itália e na Alemanha possuem a competência de suspender o processo diante de pendência,
arguindo a constitucionalidade perante o Tribunal Especial.
Na França a supressão de um controle propriamente judicial de constitucionalidade
foi imposta vagarosamente em suas Constituições, taxadas como rígidas. Isso se deu por
razões históricas, pois antes da Revolução, era muito comum o adentramento do judiciário
na esfera dos outros poderes, revelando um abuso na aplicação da norma. Acrescente-se a
isso a incompatibilidade da intervenção dos juízes no legislativo, contrariando a ideia de
Montesquieu da separação dos poderes. Em contradição a esta concepção francesa, a norteamericana utiliza a ideia de um controle e equilíbrio recíproco entre os poderes, sendo que o
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judiciário controla a validade constitucional das leis e atos administrativos, e o legislativo e o
executivo escolhe e nomeia os componentes da Suprema Corte.
Após analisada a aparência “subjetiva”, faz-se válido o exame do aspecto “modal”
(como os temas de constitucionalidade podem ser arguidos diante dos magistrados donos
da decisão), sendo muito clara a diferença entre o sistema norte-americano, que
subjetivamente é difuso e no modal se exerce em via incidental, ou seja, no caso de processo
comum e na proporção em que a decisão seja relevante para o caso concreto; e o austríaco,
que é concentrado e exercido em via principal, em que os juízes não possuíam poder de
controle e nem aplicação de leis consideradas inconstitucionais, mas apenas a Corte
Constitucional.
Contudo, devido a este sistema ter se mostrado insuficiente, a Constituição austríaca
de 1929 modificou-o, sendo que atualmente sob o modal apresenta um caráter híbrido, no
qual os órgãos judiciários ainda não realizam o controle das leis, mas estão legitimados a
solicitar à Corte que o efetue, porém limitando-se ao caso concreto submetido a seu
julgamento. Assim como na Áustria, na Itália e na Alemanha, os juízes comuns são proibidos
de efetuar tal controle, o qual é de competência especial das Cortes Constitucionais.
Resta analisar ainda o fenômeno do controle sob um terceiro e importantíssimo
aspecto, o dos efeitos emanados da decisão judicial, seja de órgãos judiciários comuns, no
controle difuso, ou então de órgãos especiais, as Cortes Constitucionais europeias.
Novamente aparece o contraste entre o sistema austríaco e o norte americano. Neste, a lei
inconstitucional é avaliada definitivamente nula, assumindo o caráter de um controle
simplesmente declarativo, com eficácia especial, ou seja, inter partes e, em regra, com efeito,
ex tunc; já naquele, a Corte não declara a nulidade, mas a anulabilidade da lei que, é válida e
eficaz até a publicação do pronunciamento do órgão, apresentado um caráter de controle
constitutivo de invalidade e de ineficácia de normas contra a Constituição, com eficácia geral,
ou seja, erga omnes e, com efeito, ex nunc.
Na Itália e na Alemanha, da mesma maneira que na Áustria, a sentença declaratória
de inconstitucionalidade pelas Cortes possui eficácia erga omnes; tornando a lei para todos e
para sempre.
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Pode ocorrer que uma lei tenha sido aplicada pelos órgãos públicos e sujeitos
privados por muito tempo e gerado todos os efeitos possíveis, mas que posteriormente seja
declarada inconstitucional, então como fica a situação dos efeitos já produzidos? Acontece
que a Constituição é um documento vivo e, portanto está sujeita a constante mudança de
suas normas, acompanhando a evolução da sociedade. Portanto, em matéria penal, as
Cortes americanas consideram que, antes de transitado em julgado a sentença condenatória,
nenhuma pessoa será forçada a cumprir uma pena atribuída com base em uma lei
posteriormente declarada inconstitucional, também assim dispõe expressamente a lei alemã
e a italiana.
Em assunto civil e, às vezes, administrativo tem-se respeitado alguns efeitos
concretizados, determinados através de lei depois afirmada oposta à Constituição. Isso em
razão de que ocorreriam repercussões mais graves sobre a paz social se a decisão foi outra.
4 O CONTROLE CONSTITUCIONAL NO DIREITO BRASILEIRO
A norma jurídica deve estar embasada e constituída em outra hierarquicamente
superior, sobre pressuposto de ser considerado um ato írrito sua flagrante desconformidade,
assim consolidando o sistema de compatibilidade vertical do ordenamento jurídico.
São reconhecidos três pressupostos classicamente apontados pela doutrina para
existência do Controle de Constitucionalidade:

A existência de uma Constituição formal, ou seja, em sua elaboração
preocupa-se muito mais com a forma, necessariamente sendo escrita e unitária, pois seus
preceitos devem estar consagrados formal e solenemente em um único documento.

A existência de uma Constituição rígida, assim é dotada de supremacia formal,
pois seu processo de alteração é mais dificultoso, solene, complexo que as alterações das
demais normas infraconstitucionais.

Um órgão com competência para exercer o controle concentrado, que no
Brasil é o Supremo Tribunal Federal.
A inconstitucionalidade pode existir por ação ou omissão, enquanto esta é sustentada
pela inexistência de uma norma, pois a incompatibilidade reside exatamente na inércia
“deliberandi”, ou de não deliberar no silêncio legislativo, ou seja, é a situação em que o
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legislador tem o dever de elaborar uma norma, mas silencia, fica inerte e não produz os atos
normativos indispensáveis a regular as normas de eficácia limitada; aquela é também
conhecida por positiva ou por atuação e pressupõe a existência de uma norma
inconstitucional, ou seja, uma norma que vai de encontro à Constituição.
A inconstitucionalidade por ação pode ser dividida em formal e material como explica
Paulo e Alexandrino (2008, p. 695):
Inconstitucionalidade formal ocorre quando há um desrespeito à
Constituição no tocante ao processo de elaboração da norma,
podendo alcançar tanto o requisito competência, quanto o
procedimento legislativo em si. O conteúdo da norma pode ser
plenamente compatível com a Carta Magna, mas alguma formalidade
exigida pela Constituição, no tocante ao trâmite legislativo ou às
regras de competência, foi desobedecida. [...] Inconstitucionalidade
material ocorre, portanto, quando o conteúdo da lei contraria a
Constituição. O processo legislativo pode ter sido fielmente
obedecido, mas a matéria tratada é incompatível com a Carta Política.
Seria o caso, por exemplo, de uma lei que introduzisse no Brasil a
pena de morte em circunstâncias normais, que padeceria de
inconstitucionalidade material, por afrontar o art. 5º, XLVII, da Lei
Maior.
Para melhor entendimento didático as inconstitucionalidades Formal e Material serão
abaixo exemplificadas, sendo também abordada ainda a inconstitucionalidade de uma lei por
quebra de decoro parlamentar que surge como uma nova modalidade doutrinária:

Formal: também conhecida como nomodinâmica, é um vício que repousa
sobre a forma de se elaborar a norma, o trâmite formal e processual de formação não é
respeitado. Podendo assim ser dividido em três:
a.1) Vício Formal Orgânico: é um vício relacionado ao ente federativo que legisla, por
exemplo: legislar sobre Bingos e Loterias, neste caso o Supremo Tribunal Federal, mediante a
Súmula Vinculante de número dois, diz que esta competência é da União, se o Estado legisla
surge o vício formal orgânico.
a.2) Vício Formal Propriamente Dito: se divide em objetivo ou subjetivo, enquanto
este é o vício que está relacionado à fase de iniciativa, de forma que se um deputado
encaminha um projeto que é de iniciativa reservada do Presidente como, por exemplo, fixar
ou modificar os efetivos das Forças Armadas, esse projeto é um ato natimorto pois tem vício
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formal subjetivo; aquele é um vício nas demais fases, por exemplo, um projeto de lei
complementar sendo aprovado por maioria simples tem vício formal objetivo, pois a
legislação exige maioria absoluta para aprovação.
a.3) Vicio Formal por violação a Pressupostos Objetivos do ato. Para melhor
entendimento convém lembrar os pressupostos para a criação de municípios, haja vista que
o município deve ser criado mediante Lei Estadual, porém desde que observados os
requisitos objetivos, quais sejam, art. 18, parágrafo IV, uma Lei Complementar Federal que
estabelece o procedimento de plebiscito e estudo de viabilidade, havendo a criação sem
observar esses pressupostos objetivos, há um vício formal por violação a pressuposto
objetivo.
b) Material: também conhecida como nomoestática, é um vício que se repousa sobre
o conteúdo ou ato normativo. Desta forma, ocorre quando é desacatado o teor de uma
norma constitucional com o mesmo assunto, de maneira parcial ou completa.
c) Quebra de Decoro Parlamentar: cumpre aqui também citar este vício, uma espécie
que está sendo ventilada na doutrina, pois ainda não é reconhecida pelo Supremo Tribunal
Federal. Nada mais é que a possibilidade de ser declarado inconstitucional por vício de
quebra de decoro parlamentar, ato normativo aprovado mediante propina. Tendo por
baluarte o Professor Pedro Lenza, Mestre e Doutor pela USP:
O grande questionamento que se faz, contudo, é se, uma vez
comprovada à existência de compra de votos, haveria mácula no
processo legislativo de formação das emendas constitucionais a
ensejar o reconhecimento da sua inconstitucionalidade. Entendemos
que sim, e, no caso, trata-se de vício de decoro parlamentar, já que,
nos termos do art. 55, § 1.º, “é incompatível com o decoro
parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso
das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a
percepção de vantagens indevidas”. (LENZA, 2012, p. 255).
Para Lenza, a aplicabilidade da norma é legítima desde que haja em sua elaboração
imparcialidade do legislador, desta forma subentende-se que em uma lógica proporcional
inversa que qualquer ato normativo terá sua invalidade quando constatado interesse diverso
em sua elaboração, assim com a cassação do legislador em caso de sentença transitada em
julgado, uma lei viciada também deverá perder sua legitimidade.
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Desta maneira o doutrinador defende que sejam consideradas inconstitucionais as
normas legisladas mediante influências pecuniárias, assim, uma vez julgados e condenados
os legisladores, as propostas objetos do interesse pessoal das partes envolvidas no processo
deverão também perder sua eficácia, sob a ótica de que a aceitabilidade e aplicabilidade dos
efeitos contínuos das normas absolvem a conduta de seu legislador.
5 MOMENTOS DO CONTROLE NO BRASIL
O controle pode ser realizado de forma preventiva, ou seja, será analisado antes da
introdução da lei no sistema jurídico, ou de maneira repressiva, depois que já foi aprovada e
introduzida no ordenamento.
5.1 Controle preventivo
Este instituto é utilizado antes da promulgação de lei ou emenda constitucional,
podendo ser praticado pelo Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário.
Conforme as palavras de Mascarenhas (2010, p. 166), “o controle é preventivo
quando ocorre antes ou durante o processo legislativo, ou seja, quando busca impedir a
entrada em vigor do ato inconstitucional”.
- Poder Legislativo: realizado através das CCJ, Comissão de Constituição e Justiça.
Estão presentes em todas as casas legislativas e o objetivo principal é analisar a
constitucionalidade dos projetos de lei;
- Poder Executivo: é feito através do veto jurídico. Sendo aprovado o projeto de lei
pelo legislativo, o executivo poderá vetá-lo por inconstitucionalidade, em que teremos o veto
jurídico. Já o veto político ocorre quando a situação é contrária ao interesse público;
- Poder Judiciário: acontece no momento em que um parlamentar impetra mandado
de segurança para obstar o prosseguimento de um projeto de lei inconstitucional. Ex:
Cláusula de Barreira, os partidos políticos para terem acesso aos recursos do fundo
partidário e ao horário político de rádio e televisão, precisam ter um número mínimo de
parlamentares. Isso fere o direito da minoria, portanto é inconstitucional.
5.2 Controle repressivo
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Em regra é realizado pelo judiciário através do controle difuso ou concentrado, mas
excepcionalmente poderá ser feito pelo legislativo em duas situações: o Congresso Nacional
rejeita uma Medida Provisória inconstitucional expedida pelo Presidente da República, ou
susta um Decreto ou uma Lei Delegada. Mascarenhas (2010, p. 166) destaca acerca do
controle repressivo:
Excepcionalmente, a Constituição Federal adotou duas hipóteses de
controle de constitucionalidade repressivo a ser desenvolvido pelo
próprio Poder Legislativo, quando as normas jurídicas aprovadas, em
vigor e dotadas de eficácia, são retiradas do ordenamento jurídico
por apresentarem um vício que as inquina de inconstitucional.
Portanto, este controle não ocorre sobre o projeto de lei, mas sim sobre a própria lei
em vigência. Sendo que Riccitelli (2007, p. 81) aponta ainda uma excepcionalidade do
controle repressivo que pode ser realizado pelo poder executivo:
O caput. e o respectivo inciso I do art. 23 da CF/88 estabelecem ser
de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
municípios a responsabilidade de zelar pela Constituição. Referida
determinação é corolário legal da atribuição exclusiva ao Presidente
da República, aos governados e aos prefeitos sobre a possibilidade de
estes e apenas estes, por meio de ato administrativo expresso e
formal, negarem o cumprimento de uma lei ou de um ato normativo
considerados flagrantemente inconstitucionais, conforme decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF, RTJ 151/331).
Como no preventivo, nota-se também o poder controlador repressivo dos três
poderes, trabalhando de forma independente e harmônica, realizando a fiscalização dos atos
de outra esfera e garantindo a supremacia da Constituição Federal.
6 CONTROLE DIFUSO
É aquele em que a lei pode ser declarada inconstitucional por qualquer juiz, desde
que seja analisado um caso concreto e que a inconstitucionalidade seja matéria incidente.
Os Tribunais só podem declarar uma lei inconstitucional pela maioria absoluta dos
seus membros ou dos membros do órgão especial. Assim reza a Constituição Federal em seu
Art. 97. “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do
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respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público”.
O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 10, “Viola a cláusula de
reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora
não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público,
afasta sua incidência, no todo ou em parte”.
Sendo assim, quando vislumbrar uma situação inconstitucional, o órgão fracionário
deverá submeter à apreciação de todo o Tribunal, para que pelo voto da maioria absoluta
declare ou não a situação irregular, ficando os membros vinculados a agirem conforme a
decisão proferida.
7 CONTROLE CONCENTRADO
Esta denominação é recebida pelo fato do controle estar concentrado em um único
tribunal. Podendo ser averiguado em cinco circunstâncias: ADI (Ação Direta de
Inconstitucionalidade Genérica), IF (Representação Interventiva – ADI interventiva), ADO
(Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão), ADC (Ação Declaratória de
Constitucionalidade) e ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental).
8 A NOMEAÇÃO DO TRIBUNAL RESPONSÁVEL PELO CONTROLE CONCENTRADO NO ÂMBITO
FEDERAL
A nossa Carta Magna traz em seu Capítulo III, na Seção II do Poder Judiciário, a
maneira como é formado o Supremo Tribunal Federal:
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros,
escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de
sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação
ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão
nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a
escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Este tema foi bem explanado em recente artigo publicado por Leite (2015, p. 02) no
jornal Panorama Regional:
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Desde a Constituição de 1946 os ministros do Supremo Tribunal
Federal são nomeados pelo Presidente da República dentre os
brasileiros maiores de 35 anos, com notável saber jurídico e
reputação ilibada, após a aprovação pelo Senado Federal. Nos dias
atuais, infelizmente, verificou-se que esse processo nem sempre
levou a sério o necessário saber jurídico, bem como prevaleceu como
principal critério a sintonia do escolhido com o grupo político que
está no poder.
Compete ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição, entretanto nota-se
uma ofensa até à cláusula pétrea da Separação dos Poderes no momento da nomeação dos
onze ministros, pois se percebe o executivo influenciando em muito no órgão máximo do
poder judiciário de nosso país.
Leite (2015, p.02) afirma ainda que:
Chegou-se ao extremo de indicar para a Suprema Corte do país um
ministro bastante jovem que havia prestado concurso para ingresso
na magistratura de São Paulo e foi reprovado. Incrível, o não saber
jurídico não foi nenhum obstáculo para a sua nomeação, porque
outra credencial havia para lhe garantir a vaga: tratava-se do fato de
ele ter sido advogado do PT.
A separação dos poderes idealizada por Montesquieu afirmava que os três poderes
deveriam ser independentes e harmônicos entre si, porém chegou-se a um ponto em que
esta harmonia está muito próxima e causando dúvidas, pois se alcançou a situação de ser
nomeado um ministro que não detém um notável saber jurídico para o órgão Supremo do
Judiciário. É notável o interesse político do poder executivo no momento da escolha,
inclusive que foi aprovada pelo Senado Federal, ou seja, o legislativo também está
influenciado.
É importantíssimo que os três poderes trabalhem sintonizados em prol da sociedade,
mas nomear alguém para um cargo tão importante somente pelo interesse político chega a
ser uma afronta à Constituição da República e ao Estado Democrático de Direito, pois não se
preencheu os requisitos que a Lei Máxima trouxe elencado no artigo 101, devendo tal
nomeação ser taxada como inconstitucional por não ter seguido à norma constitucional,
deixando assim a Corte Suprema em uma situação de estranheza perante os cidadãos
brasileiros.
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9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As argumentações exemplos e a dinâmica colocada em relação à Constitucionalidade
no Direito Comparado mostrou a importância de seu estudo e aplicação em vários países,
bem como deixou claro a autoridade da supremacia das normas fundamentais, limitando as
transformações através da justiça constitucional, seja ela difusa ou concentrada.
A sociedade é disciplinada pelo direito, que tem função primordial de considerar os
valores humanitários como alicerces da construção social, no qual o valor jurídico supremo é
a dignidade da pessoa humana. Contudo, a constante mutação dos valores culturais,
políticos, sociológicos e econômicos devem ser atualizados e implantados de forma
harmônica no ordenamento jurídico, ou seja, compatível com o conteúdo da Constituição
Federal.
É pressuposto da Carta Magna o controle e elaboração de normas, no que tange sua
constitucionalidade, vez que o os atos normativos a luz da norma essencial necessitam
passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça que deverá usar da máxima rigidez
no intuito de preservar os basilares princípios que a norteiam, pois sem esse rigoroso
controle as normas infraconstitucionais seriam taxadas como constitucionais, inexistindo
assim a distinção formal entre as espécies. Dessa forma o controle é o óbice do imperfeito,
no que concerne a disciplinar os erros formais e materiais.
Este sistema pode ser preventivo ou repressivo, difuso ou concentrado, estando
intimamente ligado à escola doutrinária em que se baseia a estrutura e organização jurídica,
buscando-se resguardar os elementos legais primados na obediência aos preceitos
fundamentais, a fim de instituir um Estado Democrático destinado a assegurar os direitos
sociais e individuais como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
O maior problema encontrado foi no tocante à nomeação dos Ministros do STF, haja
vista que causa certa desconfiança por parte da população quando um Chefe do Executivo
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realiza um ato sem observar os requisitos previstos na Constituição, principalmente quando
esta ação preenche um cargo de guardião da própria Lei Máxima.
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rev. e atual – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.
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7ª ed. rev. Atual - São Paulo: Saraiva, 2012
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Inconstitucionalidade no Brasil: uma análise da influência dos modelos norte-americano,
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RICCITELLI, Antonio. Direito Constitucional: teoria do Estado e da Constituição. 4 ed. rev. –
Barueri, SP: Manole, 2007.
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A EXECUÇÃO DA PENA E O CUMPRIMENTO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
Junior Evaldo Goltz
Luciano Bruno Figueredo
Acadêmicos do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e
Tecnologia de Ibaiti
1 INTRODUÇÃO
É alarmante a situação prisional de nosso país, falta estrutura física e até mesmo
política para a correta manutenção da população carcerária brasileira. Nosso ordenamento
jurídico, e, principalmente o ordenamento penal, se mostra evidentemente repressivo no
tocante às formas de punição, prescrevendo aos crimes quase sempre a pena de privação da
liberdade.
Durante anos, a ideia de melhor forma de punir era a da pena mais grave,
infelizmente nossos legisladores não estavam atentos às correntes doutrinárias que se
posicionam no sentido de que a forma mais propícia a impelir a formação de criminosos é a
certeza da pena, e não a sua maior severidade.
Talvez seja este o motivo de nosso sistema repressivo se pautar tanto para a pena
privativa de liberdade, basta observar que no Código Penal as substituições de pena desta
espécie por penas restritivas de direitos se mostram muito escassas, abrangendo poucos
casos.
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Como se não bastasse, nosso sistema carcerário se mostra falido, existem poucos
lugares para tantos detentos, o Estado que tanto se preocupa em prender os criminosos,
pouco esforço dispensa para oferecer a eles vida digna durante seu período de sanção.
Não é difícil ver nos noticiários notas sobre a superpopulação dos presídios, nem tão
pouco sobre o descaso em que se encontram os presos. Nesta situação que se afirma o
presente trabalho, mostrar que deve ser exercido a execução da pena respeitando os direitos
fundamentais precípuos da pessoa, deve ser garantido, sem sombra de dúvidas, a obediência
ao princípio da dignidade da pessoa humana a aqueles que estão em processo de
cumprimento de pena.
2 EXECUÇÃO DA PENA E SUA REGULAMENTAÇÃO
Antes de se adentrar ao assunto de execução da pena, necessário se faz tecer alguns
comentários sobre as infrações penais e suas sanções previstas por nosso código repressivo.
Desta feita, importante classificação nos é dada por Kuehne (2010, p. 12):
“O Sistema Punitivo Brasileiro apresenta-se, de certa forma,
hierarquizado, posto que as infrações penais são classificadas em 5
(cinco) aspectos distintos, quais sejam: infrações de bagatela ou
insignificantes; infrações de menor potencial ofensivo; infrações de
médio potencial ofensivo; infrações graves e infrações etiquetadas
como hediondas, com hipóteses, neste último caso, assemelhadas,
quais sejam: o tráfico ilícito de entorpecentes, a tortura e o
terrorismo. ”
Com exceção da primeira infração, onde são consideradas não culpáveis, pois, o
Direito Penal deve se preocupar com infrações que ofendam ao menos um bem jurídico
razoável, as demais classificações, em regra, apresentam cada uma um certo tipo de se
executar a pena, algumas de forma mais rigorosa, outras de forma menos severa.
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Como exemplo, veja-se os crimes hediondos, estes por serem tidos como mais graves,
possuem uma forma mais rigorosa de punição, uma vez que o regime inicial de cumprimento
de pena será sempre o fechado, a progressão de regime é mais demorada (2/5 se primário e
3/5 se reincidente), além do fato de não serem atingidos por graça, indulto ou anistia.
A Lei que trata de todo o processo de execução penal é a Lei n. 7.210 de 11 de julho
de 1984, a qual disciplina a execução em consonância com os direitos do preso, e, acima de
tudo, com sua ressocialização.
Mencionado dispositivo não apenas regula como será executada a pena, mas, sim,
regulamenta todas as etapas desta, como deverão as autoridades públicas agirem em
relação aos presos, quais direitos estes possuem, como serão tratados, suas classificações
para individualização da pena, suas punições administrativas, a progressão de regime, a
oferta de recursos básicos do ser humanos a estes, como por exemplo, educação, assistência
religiosa, entre outros.
É, pois, e acima de tudo, uma importante fonte de aprendizagem sobre o correto
tratamento penitenciário, apresentando, na teoria, perfeita sintonia com os direitos
fundamentais, mas o que se vê na prática é totalmente o contrário, apenas se tem notícia da
desumana situação prisional e o descaso das autoridades públicas e da sociedade com
aqueles que estão em processo de recuperação social.
3 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
No centro do direito encontra-se o ser humano, o fundamento e o fim de todo o
direito é o homem, em qualquer de suas representações, vale dizer, todo o direito é feito
pelo homem e para o homem, que constitui o valor mais alto de todo o ordenamento
jurídico. O homem é sujeito primário e indefectível do direito, ele é o destinatário final tanto
da menor quanto da mais elevada norma jurídica.
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Constitui lugar comum a afirmação de que o interesse público ou social deve
prevalecer sobre o individual. Mas isso é apenas pensar no homem de forma coletiva.
Quando se prioriza um interesse público ou social em detrimento de um interesse individual,
supõe-se estar a tutelar, ainda que de forma indireta, o interesse de um número maior de
pessoas, ainda que não individualizadas. Assim, seja por que ângulo for, o ser humano está
no centro de toda e qualquer reflexão jus-filosófica.
Portanto, todos os princípios constitucionais encontram sua razão e origem no
homem, fundamento de todo o dever ser. E, justamente por ser fundamento, o homem não
constitui, em si, um princípio, pois o fundamento não é um princípio, mas a justificação
radical dos próprios princípios.
No plano jurídico, como em tudo mais, o homem é a medida de todas as coisas. A
finalidade última do direito é a realização dos valores do ser humano. Pode-se, pois, dizer
que o direito mais se aproxima de sua finalidade quanto mais considere o homem, em todas
as suas dimensões, realizando os valores que lhe são mais caro.
Um indivíduo, pelo só fato de integrar o gênero humano, já é detentor de dignidade.
Esta é qualidade ou atributo inerente a todos os homens, decorrente da própria condição
humana, que o torna credor de igual consideração e respeito por parte de seus semelhantes,
analiticamente, define-se a dignidade da pessoa humana como: a qualidade exata e distintiva
de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração.
A despeito de todas as suas diferenças físicas, intelectuais e psicológicas, as pessoas
são detentoras de igual dignidade. Embora diferentes em sua individualidade, apresentam,
pela sua humana condição, as mesmas necessidades e faculdades vitais.
A dignidade é composta por um conjunto de direitos existenciais compartilhados por
todos os homens, em igual proporção, contesta-se aqui toda e qualquer ideia de que a
dignidade humana encontra seu fundamento na autonomia da vontade, decorre da própria
condição humana, independe até da capacidade da pessoa de se relacionar, expressar,
comunicar, criar, sentir. Dispensa a autoconsciência ou a compreensão da própria existência
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do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para
uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos
mesmo aquele que já perdeu a consciência da própria dignidade merece tê-la (sua
dignidade) considerada e respeitada.
Dentro dessa linha de pensamento, há que reconhecer que o conjunto de direitos
existenciais que compõem a dignidade pertence aos homens em igual proporção. Daí não ser
possível falar em maior ou menor dignidade, pelo menos no sentido aqui atribuído à
expressão, de conjunto aberto de direitos existenciais. O homem apenas por ser homem não
perde a sua dignidade, por mais indigna ou infame que seja a sua conduta.
Quando se atribui a alguém a imagem de indigno ou quando se afirmar que alguém
não tem ou perdeu a dignidade a expressão está sendo utilizada com sentido diverso, para
fazer referência ao conceito desfrutado por alguém no meio social, à sua respeitabilidade. A
qualificação de indigno não pode, portanto, ser tomada como referente a alguém privado de
direitos existenciais, mas a alguém merecedor de censura, castigo ou pena, em razão de
algum comportamento contrário às regras de decoro, moral ou direito.
A dignidade pressupõe, portanto, a igualdade entre os seres humanos. Este é um de
seus pilares. É da ética que se extrai o princípio de que os homens devem ter os seus
interesses igualmente considerados, independentemente de raça, gênero, capacidade ou
outras características individuais.
3.1. Igualdade de indivíduos e de interesses
O princípio da igual consideração de interesses consiste em atribuir aos interesses
alheios peso igual ao que atribuímos ao nosso interesse.
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Não por generosidade que consiste em doar, em atender ao interesse alheio, sem o
sentimento de que, com isso, se esteja a atender a algum interesse próprio, mas por
solidariedade, imposta pela própria vida em sociedade. O solidário é aquele que defende os
interesses alheios porque, direta ou indiretamente, eles são interesses próprios.
A igual consideração de interesses, é importante frisar, constitui não um princípio de
igualdade absoluta, já que esta é impossível alcançar, mas um “princípio mínimo de
igualdade”, que pode impor até um tratamento desigual entre as pessoas, se necessário for
para a diminuição de uma desigualdade.
O outro ponto da dignidade é a liberdade em sua concepção mais ampla, que permite
ao homem exercer plenamente os seus direitos existenciais, pois este necessita de liberdade
interior, para sonhar, realizar suas escolhas, elaborar planos e projetos de vida, refletir,
ponderar, manifestar suas opiniões. Isso não quer dizer que o homem seja livre para ofender
a honra alheia, expor a vida privada de outrem ou para incitar abertamente à prática de
crime. A liberdade encontra limites em outros direitos integrantes da personalidade humana,
tais como a honra, a intimidade, a imagem.
Liberdade exige responsabilidade social, porque sem ela constitui simples capricho, o
exercício da liberdade em toda a sua plenitude pressupõe a existência de condições
materiais mínimas. Não é verdadeiramente livre aquele que não tem acesso à educação e à
informação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, ao lazer.
3.2. A Declaração Universal dos Direitos Humanos
Já em seu art.1º, põe em destaque os dois pilares da dignidade humana: Todas as
pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e
devem agir em relação umas das outras com espírito de fraternidade.
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Sempre que se cuida do tema da dignidade humana é lembrada a afirmação Kantiana
de que, o homem de uma maneira geral, todo o ser racional existe como fim em si mesmo, e
não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade, daí que extraiu o
princípio fundamental de sua ética que age de tal maneira que pode usar a humanidade,
tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente, como
fim e nunca simplesmente como meio.
Tratar o outro como fim significa reconhecer a sua inerente humanidade, pois o
homem não é uma coisa; não é, portanto, um objeto passível de ser utilizado como simples
meio, mas, pelo contrário, deve ser considerado sempre e em todas as suas ações como fim
em si mesmo. A dignidade constitui, um valor incondicional e incomparável, em relação ao
qual só a palavra respeito constitui a expressão conveniente da estima que um ser racional
lhe deve prestar.
A existência de uma dignidade inerte a todo homem não significa, em absoluto,
afirmar que ele seja bom por natureza. A motivação principal e fundamental, tanto no
homem, como no animal, é o egoísmo, quer dizer, o ímpeto para a existência e o bem.
Diferentemente de Kant, que fundamenta sua ética, outras coisas, é a circunstância de que o
homem é capaz de guiar o seu egoísmo pela razão e pelo cálculo, perseguindo seus objetivos
de modo planejado. Daí porque os animais podem ser chamados de egoístas, mas apenas o
homem pode ser chamado de interesseiro.
4. REALIDADE PRISIONAL BRASILEIRA
Há muito tempo que se tem a notícia de que a situação prisional brasileira se
apresenta de forma extremamente precária, fato este que vem sendo ignorado pela
sociedade, pois ninguém dá aos presídios a importância que deveria.
A realidade é que, a forma como são aplicadas as penas, sem o mínimo de respeito
aos presos, colocando-os em lugares superlotados (lugares onde caberiam um certo número
de presos apresenta-se com o dobro, ou mais), com a falta de alimentação adequada, com a
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ausência de apoio educacional, religioso, de saúde, jurídico, tudo isto viola a dignidade da
pessoa.
Apesar da lei de Execução Penal prever que um de seus objetivos é a ressocialização
do preso, tal fato não se vê no dia-a-dia prisional, a repreensão como é aplicada hoje, longe
está de conseguir ressocializar alguém.
Com efeito, importante a seguinte passagem de uma revista jurídica:
“Vários fatores culminaram para que chegássemos a um precário
sistema prisional. Entretanto, o abandono, a falta de investimento e o
descaso do poder público ao longo dos anos vieram por agravar ainda
mais o caos chamado sistema prisional brasileiro. Sendo assim, a
prisão que outrora surgiu como um instrumento substitutivo da pena
de morte, das torturas públicas e cruéis, atualmente não consegue
efetivar o fim correcional da pena, passando a ser apenas uma escola
de aperfeiçoamento do crime, além de ter como característica um
ambiente degradante e pernicioso, acometido dos mais degenerados
vícios, sendo impossível a ressocialização de qualquer ser humano. “15
E não para por aí, as notícias de que a situação prisional se mostra de forma
extremamente precária é cotidiana na vida dos jornais, veja-se:
“Com pouco mais de seis mil presos, o RN tem déficit de pelo menos
2,1 mil vagas nas suas prisões. Exemplos do quadro estão no
Complexo João Chaves, em Natal: os presos “amontoados” da
unidade masculina de regime fechado não têm banho de sol; e a
unidade semiaberta “mais parece um lixão”, diz o CNJ, que visitou o
estado em abril e maio. Na maior unidade do RN, a Penitenciária de
Alcaçuz, em Nísia Floresta, há, além da superlotação (705 presos para
15
Sande Nascimento de Arruda. A ineficiência, as mazelas e o descaso presentes nos
presídios
superlotados
e
esquecidos
pelo
poder
público.
In:
<<
http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/59/sistema-carcerariobrasileiro-a-ineficiencia-as-mazelas-e-o-213019-1.asp >> acessado em 17 de maio de 2015, às 09h34.
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420 vagas), esgoto a céu aberto e pavilhões depredados — “não há
mais grades de contenção ou que isolem os andares”. Desde 2007,
foram 20 mortes violentas de presos na unidade: “quem matar o
outro preso com maiores requintes de crueldade ganha prestígio e se
torna líder. Houve uma morte (em 2011) em que um preso, que já
matou cinco na unidade, esfaqueou outro, decapitou-o e o estripou,
espalhando suas vísceras pela cela e ainda comeu parte do fígado da
vítima. Uma total selvageria”, afirma o relatório. ”16
Diante destas atrocidades e infelizmente realidades retratadas pelas notícias acima, é
de se convir, sem sombra de dúvidas, que os presídios brasileiros se encontram falidos, não
proporcionam sequer o mínimo de dignidade aos detentos, tratam estes como seres
excluídos, deixou-se de pensar no caráter educativo da pena, de sua finalidade de
ressocialização, tudo o que se faz é “jogar” o criminoso em uma sela e literalmente o
abandonar.
Como se viu, a realidade dos presídios é realmente problemática, como se pode
convir que em um estabelecimento público possam existir tantas barbáries, como admitir
que aqueles a quem incube cuidar dos detentos são os mesmo que o abandonam? Trata-se
de uma triste realidade brasileira, e que deve ser mudada. Conforme brilhantemente exposto
por Mauricio Kuehne, não é tarefa que cabe apenas ao Poder Público, mas também à
sociedade como um todo:
“Não se pense, como erroneamente alguns setores procuram
proclamar, que os problemas devem ser resolvidos pelo Judiciário ou
pelo Poder Executivo. Ledo engano. Todos os Poderes e toda a
sociedade, por seus diversos segmentos deve ser mobilizada, pois o
retorno do homem, após o cumprimento da pena, se dará
exatamente, dentro da sociedade que temporariamente o alijou. ”
16
Alessandra Duarte e Flávia Ilha. Presídios brasileiros têm cotidiano de atrocidades e barbáries. In:
<< http://oglobo.globo.com/brasil/presidios-brasileiros-tem-cotidiano-de-atrocidades-barbarie11275493 >> acessado em 17 de maio de 2015 às 09h48.
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Com efeito, a fim de mudar esta triste realidade, o Poder Judiciário vem procurando
soluções para o problema, tentando, por sua parte, fazer com que reduza o nível de descaso
com os condenados nos presídios.
O Conselho Nacional de Justiça, nos últimos anos, vem aprovando várias resoluções
com o intuito de melhorar a fiscalização sobre os presídios, procurando manter a boa
condição e o respeito aos direitos fundamentais do preso.
Entres elas, peço licença para citar alguns trechos, que seguem abaixo:
“RECOMENDAÇÃO 20, de 16.12.2008
Art. 1º. RECOMENDAR aos Tribunais que:
I – Proporcionem aos juízes e servidores das varas com competência
em matéria de execução penal, no mínimo anualmente, como
atividade de capacitação, a participação em seminários e cursos em
matéria criminal, execução criminal e de administração das varas de
execução penal, visando à maior integração, à difusão das boas
práticas e ao aprimoramento da execução penal;
II – Forneçam a estrutura necessária aos juízes para a realização de
inspeções a unidades prisionais, em cumprimento às normas contidas
no art. 66, inciso VII, da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84);
[...]
RECOMENDAÇÃO 21, de 16.12.2008.
RESOLVE RECOMENDAR aos Tribunais:
I – A implementação do termo de cooperação técnica celebrado entre
o Conselho Nacional de Justiça e o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial, com a interveniência da Confederação Nacional da
Industria, notadamente com relação à qualificação profissional de
presos e egressos do sistema prisional;
II – A adoção de programas de recuperação e reinserção social do
preso e do egresso do sistema prisional, inclusive com o
aproveitamento de mão-de-obra para serviços de apoio
administrativo no âmbito da administração do Poder Judiciário, tendo
como fundamento o disposto no artigo 24, XIII, da Lei 8.666/93; [...]
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Como visto, o Poder Judiciário está trabalhando para oferecer sua contribuição à
recuperação dos presídios brasileiros, implementando medidas que possam diminuir o
descaso com os detentos. Contudo, como já falado acima, não é responsabilidade apenas do
Poder Judiciário, mas sim de todos os demais Poderes, inclusive a sociedade como um todo,
em oferecer meios para a mudança desta triste realidade, pois somente assim haverá
realmente a recuperação do criminoso, diminuindo o índice de criminalidade no país.
5 DIREITOS ASSEGURADOS AOS PRESOS
O Legislador, principalmente o constituinte, ao prever que poderiam surgir exageros
do Estado na aplicação da pena, bem como, de outro lado, poderia haver descaso, garantiu
às pessoas em geral direitos considerados fundamentais, que de forma alguma podem ser
retirados da pessoa, e outros ditos como protetores da população carcerária.
Veja-se a finalidade dos direitos fundamentais, apontadas por Ferreira Filho, citado
por MORAIS (2010, p. 30):
“A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla
perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de
competência negativa para os poderes públicos, proibindo
fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual;
(2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer
positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir
omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas
por parte dos mesmos (liberdade negativa).
Os direitos fundamentais, amplamente defendido por nossa atual Constituição, prevê
um rol exemplificativo de garantias, dispostas em sua maioria no artigo 5º, que devem ser
obedecidas, e proporcionados aos cidadãos pelo Estado.
Dentre alguns, temos, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, que
assegura vida digna, ou seja, que apresente ao menos o mínimo necessário para sua perfeita
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fruição, há também o direito à educação, direito à saúde, à igualdade, direito à imagem,
direito à livre manifestação de pensamentos, direito à segurança, direito ao trabalho, direito
à livre escolha de religião entre outros.
A Constituição Federal assegura ao processado o direito à ampla defesa, ao
contraditório, à presunção de inocência, à não autoincriminação, enfim, assegura o devido
processo legal, não permitindo que alguém seja privado de seus bens ou de sua liberdade
senão em virtude de um processo que siga todos os ditames legais.
Por sua vez, ao ser condenado, a pessoa não perde seus direitos fundamentais, e, por
consequência, todos devem ser respeitados. É certo que alguns direitos sofrerão restrições
em virtude da própria pena ou de seus efeitos, como é o caso do direito de ir e vir, de
intimidade, direito de votar, de exercer cargo ou função pública, mas aqueles que não forem
atingidos pela pena devem ser propiciados ao preso, pois é de lei, que ao apenado é
assegurado todos os direitos não atingidos pela condenação.
Desta forma, todos os demais direitos que a pena não restringe devem ser
proporcionados aos presos, como o caso do direito de saúde, educação, auxílio moral, direito
ao trabalho, direito a ter sua integridade física e moral preservada, direito à alimentação
adequada, enfim, mesmo em cumprimento de pena é, por lei, o Estado obrigado a
proporcionar vida digna aos Apenados.
6. CONCLUSÃO
Pelo todo acima explanado, é de se notar que ainda hoje não houve uma perfeita
combinação entre o poder/dever de punir do Estado e o respeito aos direitos fundamentais
do indivíduo apenado.
Com efeito, basta lembrar que estão em jogo direitos fundamentais, de um lado o
direito à segurança, amplamente almejado pela sociedade, de outro, os próprios direitos
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fundamentais da pessoa humana, que, de igual forma, também são desejados pela
comunidade geral.
O princípio da dignidade humana, por ser fundamental, e, por via de regra não ser
atingido pela condenação, sempre deve ser propiciado ao preso, não é porque a pessoa foi
considerada culpada e está durante o processo de cumprimento de pena que deixa de ser
considerada humana, e, por consequência, deve ser-lhe proporcionado pelo Estado o
respeito à sua dignidade, veja-se importantes palavras de Rogério Greco (2008, p. 9)
discorrendo sobre tal princípio:
“Uma qualidade irrenunciável e inalienável, que integra a própria
condição humana. É algo inerente ao ser humano, um valor que não
pode ser suprimido, em virtude da sua própria natureza. Até o mais
vil, o homem mais detestável, o criminoso mais frio e cruel, é
portador deste valor. “
Desta forma, para que a pena seja executada de forma correta, deve haver uma
proporcionalidade entre tais direitos, haja vista ambos serem fundamentais. Assim, deve-se
“pesar” um e outro, ora aumentando o respeito a um, ora a outro, mas nunca lhe
diminuindo tanto a ponto que cheguem a se extinguir. Os direitos e garantias não são
absolutos, mas não podem ser negados ou extintos, devem ser balanceados e adequados à
pena.
Portanto, é notório que a forma como hoje se aplica a execução penal não é
adequada, não respeita o mínimo dos direitos dos presos, todos os dias nos presídios a
convivência se dá em meio a atos bárbaros, crimes cruéis, drogas, falta de alimentação, falta
de higiene, descaso, tudo isso faz parte do cotidiano dos presídios.
É necessário, portanto, uma ampla atuação conjunta de todos os poderes públicos
para que seja mudado esta situação, de forma principal a atuação do Poder Executivo, em
oferecer maiores verbas públicas aos presídios para que possam assegurar maior dignidade
aos detentos.
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Contudo, esta não é uma luta isolada dos Poderes, a sociedade como um todo
também deve tomar partido nesta luta, é a sociedade quem deve ficar, por sua parte,
cobrando atitudes dos Poderes responsáveis. A sociedade não deve excluir os presidiários,
tendo-os como pessoas sem importância, afinal, após o período do cumprimento da pena o
condenado volta aos seios da sociedade, é nela que continuará sua vida.
Assim, somente com a responsabilização social e com o trabalho conjunto dos
Poderes de nosso país é que começará a mudar esta triste realidade, somente após criar-se a
consciência de que a punição deve ser balanceada com os direitos fundamentais da pessoa,
principalmente o direito da dignidade da pessoa humana, é que a execução da pena será de
forma digna e proporcionará maiores e melhores resultados.
REFERÊNCIAS
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Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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2010.
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GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martin Claret.
2003.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 4. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. V. 1.
AVENA, Norberto. Execução Penal: esquematizado. 1. ed. São Paulo: Forense, 2014.
Referencias - Notícias
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barbáries. In: << http://oglobo.globo.com/brasil/presidios-brasileiros-tem-cotidiano-deatrocidades-barbarie-11275493 >> acessado em 17 de maio de 2015 às 09h48.
ARRUDA, Sande Nascimento de. A ineficiência, as mazelas e o descaso presentes nos
presídios
superlotados
e
esquecidos
pelo
poder
público.
In:
<<
Revista Eletrônica da FEATI – nº 11 – Julho/2015 – ISSN 2179-1880
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http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/59/sistema-carcerariobrasileiro-a-ineficiencia-as-mazelas-e-o-213019-1.asp >> acessado em 17 de maio de 2015,
às 09h34
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O FENÔMENO DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS
André de Oliveira da Cruz
Waldemar de Moura Bueno Neto
Acadêmicos do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e
Tecnologia de Ibaiti.
1 INTRODUÇÃO
Nesse artigo apresentar-se-á a sociedade não somente como parte de um sistema
positivo jurídico, mas como um fenômeno a ser analisado, aplicando a esse a pergunta
filosófica por excelência; Quid Est? Buscando, assim, extrair sua essência, criando uma
relação entre outras áreas do saber para usá-las como fonte do direito.
Após analisado o problema em lato sensu, desde a sua evolução histórica, será então
exposto quais seriam as atitudes ideais do ordenamento jurídico frente a esse fenômeno - as
sociedades anônimas.
2 HISTÓRIA DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS
No decurso do tempo é possível delinear três fases pelas quais a sociedade anônima
passou: a de privilégio, autorização e liberdade.
A nominada “fase de privilégio” diz respeito à etapa em que as sociedades anônimas
eram constituídas como um privilégio concedido pelo governo - Estado - a determinadas
pessoas. Era, na verdade, como que uma descentralização do poder do Estado.
Essas primeiras sociedades anônimas surgiram à época das grandes navegações, em
meados do século XVII; e um grande exemplo é a Companhia das Índias Ocidentais constituída nos países baixos em 1621, sendo que essa, inclusive, teve grande participação
na história colonial pátria, tal como relata Rubens Requião:
Seu escopo (diz em relação à Companhia das Índias Ocidentais) era
patrocinar a conquista do Brasil, tanto que enviou expedição armada,
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ocupando o Nordeste e nomeando seu administrador o Príncipe de
Nassau, conhecido personagem histórico. (REQUIÃO: 2000)
Nota-se, portanto, que a supracitada companhia tinha poderes políticos, privilégio de
um Estado - em lato sensu, sendo capaz de nomear um Príncipe para governar a referida
área. No caso específico, os poderes foram delegados pelo soberano Holandês por meio de
uma carta real, a qual outorgava à Companhia o poder de efetuar pactos e alianças, de
construir fortalezas, de armar exércitos, entre outros poderes, de modo a proteger o local
governado.
Fica claro, portanto, que esse privilégio é uma forma de descentralização do poder do
governante, concedendo a uma companhia privada o poder de praticar atos que, até então,
eram uma prerrogativa real.
Com o advento da revolução francesa e, logo após, a ascensão de Napoleão I; foi, em
1807, através do Code de Commerce (código comercial) em seu artigo 37, declarado que as
sociedades anônimas não poderiam existir sem a autorização do governo. Chega-se, então, à
segunda fase das sociedades anônimas. O código revolucionário acima citado institui o
sistema autorizativo; e, levando em conta a influência que as codificações napoleônicas
tiveram em vários outros países, ela é, sem dúvida, a precursora dessa segunda fase.
Nessa fase destaca-se a atuação do estado não mais como outorgante, que concede a
constituição dessa sociedade por meio de privilégios reais, mas agora como um regulador,
intervindo na sua formação, i.e, podendo aceitar ou não seu nascimento.
Em 1862, século XIX, a França e a Inglaterra firmaram um acordo que autorizava a
Inglaterra a ter suas sociedades funcionando livremente em território francês, entretanto, na
Inglaterra o regime era liberal, i.e, não havia intervencionismo estatal. Lá as sociedades se
formavam e operavam sem o controle do Estado. Visto que as sociedades anônimas de
origem inglesa tinham o privilégio de não serem controladas pelo Estado, e que na França
atuariam de forma livre, conforme disposto em convenção - levando em conta que as
sociedades francesas viviam o regime autorizativo - as sociedades inglesas tinham muito
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mais vantagens no território francês que os próprios franceses.
A situação supracitada levou os empresários franceses a formarem suas companhias
na Inglaterra para que, voltando à França, tivessem plena liberdade, tal qual as inglesas por
natureza a tinham. Essa reação foi espontânea, foi a única possível no momento para poder
garantir o equilíbrio econômico.
A França, levando em conta o “exílio” de suas sociedades empresárias e os reclamos
das mesmas - pedindo para serem livres das amarras estatais, em 1863 promulgou uma lei
de transição, na qual as sociedades anônimas ganharam liberdade parcial, visto que a lei só
concedia tal liberdade às sociedades que o capital não ultrapassasse vinte milhões de
francos.
O período de liberdade plena veio, para os franceses, em 1867, com a promulgação
de uma lei que concedeu plena liberdade para as sociedades comerciais, incluem-se as
sociedades anônimas.
Plena liberdade de constituição e de atuação, esse é o período de liberdade das
sociedades anônimas, é a terceira etapa do desenvolvimento dessas mesmas. No Brasil as
sociedades anônimas se libertaram por meio do Decreto n°8.821 de 30 de dezembro de
1882.
Eis, portanto, as três etapas pelas quais passou a sociedade anônima. É interessante
notar que, embora tecnicamente esteja-se vivendo hoje o período de plena liberdade, ainda
ocorre de essas sociedades serem limitadas pela legislação estatal, tal como ocorre no Brasil,
isto porque o Estado moderno tem uma tendência socializante; isto ocorre, principalmente,
nos países subdesenvolvidos.
Portanto, embora seja possível traçar uma linha histórica do desenvolvimento das
sociedades anônimas em etapas, nota-se que ela não fica vinculada a tal evolução, pois,
como dito anteriormente, as sociedades anônimas, no Estado moderno, encontram as
mesmas dificuldades que encontravam nas codificações revolucionárias de Napoleão, e isto
ao mesmo tempo em que existem sociedades que são concedidas por meio de privilégio
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estatal - tal qual o caso da Companhia das Índias Ocidentais - (exemplos: Petrobrás S.A e
Eletrobrás S.A), e isso ocorre em um período que, segundo a história, deveria ser de plena
liberdade.
3 NATUREZA
A análise das sociedades anônimas não pode se limitar a uma análise positiva legalista - mas deve ser tão ampla quanto for possível. Toda a norma jurídica deve ter o seu
respaldo na realidade, i.e, nos fatos, portanto, ao se regulamentar determinado assunto o
legislador deverá buscar auxílio em outras ciências correlativas.
Portanto, existe uma relação intrínseca entre a ciência econômica e o direito
comercial, que estuda as sociedades anônimas do ponto de vista jurídico, sendo que o direito
comercial é, em parte, dependente da ciência comercial. O doutrinador “Carvalho de
Mendonça” explicou magistralmente a relação do direito comercial e as ciências econômicas:
Sabemos como nos tempos atuais se desenvolve o crédito. A
maior parte da riqueza acha-se concentrada em títulos entregues à
circulação. Como será possível fixar a noção científica dos títulos e
documentos representativos dessa riqueza, como letras de câmbio,
títulos ao portador, cheques, conhecimentos de depósito e warrants,
debêntures, ações, de companhias e etc., sem o estudo da teoria
econômica do crédito? Como explicar a estrutura e a finalidade das
sociedades e companhias, especialmente cooperativas hoje tão em
voga, sem estudar previamente as relações entre o capital e o
trabalho? Cego ficará quem se limitar ao estudo material dos textos
das leis comerciais sem a luz da economia política. O direito vive e
floresce com a evolução desta ciência, e o comercial, sobretudo, não
se compreende sem ela, sua base fundamental (CARVALHO DE
MENDONÇA: 1953).
As sociedades anônimas - anônima, pois os seus sócios não são claramente dispostos
- são pessoas jurídicas de direito privado, sendo um poderoso mecanismo de captação de
recursos com a finalidade de formar um grande capital; usando-o para a exploração de
atividade econômica.
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Esse tipo de sociedade tem o seu capital dividido em ações que são vendidas ao
público para a captação de recursos, e tem como chamariz a sua responsabilidade limitada,
por meio de proteção do ordenamento jurídico ao valor da emissão das ações, i.e, cada
acionista responderá apenas à parcela equivalente ao valor de suas ações (em nossa
legislação se encontra tal proteção no artigo 1° da lei 6.404 de 1976).
Isso acaba por tornar a sociedade anônima uma espécie popular de poupança,
extremamente eficaz ao capitalismo, pois o capitalismo nada é sem a existência da
poupança, tal como explica Alceu Garcia em um artigo de sua autoria:
A pobreza é o estado natural da humanidade. Para sobreviver o homem precisa
satisfazer suas necessidades e desejos, i.e, precisa consumir. Para consumir é necessário
antes produzir, e a produções pressupõe meios de produção. Originariamente a natureza põe
à nossa disposição apenas dois meios, ou fatores, de produção: o trabalho e a terra. O
esforço humano combina e desloca os recursos naturais de modo a torná-los aptos para o
consumo. Para aumentar a produtividade do trabalho, e ipso facto o consumo, contudo, um
terceiro fator de produção é fundamental: o capital. A condição sine qua non para a
existência de capital é a poupança, ou seja, a restrição do consumo corrente, e investimento,
isto é, o posterior emprego do trabalho e terra (e tempo) economizados na fabricação de
ferramentas que por sua vez se traduzirão em maior consumo futuro (GARCIA: 2002).
Com essa grande capacidade de produzir poupança a Sociedade anônima elevou o
capitalismo ao que ele é hoje, pois sem ela não seria possível o acumulo de capital suficiente
para, por exemplo, promover a revolução industrial. Em vista a isso a sociedade anônima se
tornou a representação mesma do poder econômico.
E, em vista de todo este poder acumulado, ela tem hoje extrema influência, e suscita
preocupação em vários setores - juristas, economistas, teólogos e etc., pois, dada a sua
enorme importância, a sua gerência tem grande impacto na política e na sociedade em geral.
A falência de uma grande sociedade pode levar até mesmo um estado à falência e a
uma grande crise econômica cujo tamanho será relativo ao tamanho e importância que essa
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sociedade possui.
E desse aspecto surge discussões a respeito do intervencionismo estatal ou
liberalismo econômico. Especialmente no Brasil, vemos um quadro legal em que o Estado
tem amplos controles sobre a economia, por meio de agências reguladoras e outras políticas
econômicas.
4 ASPECTO JURÍDICO
Para que a poupança de capital de uma sociedade anônima seja eficaz é necessário
que haja segurança jurídica capaz de fornecer àqueles que poupam, através da compra de
ações, a proteção do ordenamento jurídico.
Como fundamentos sine qua non para poupança, é necessário: a garantia à
propriedade privada; estabilidade jurídica e livre mercado; e a propensão individual para
poupar. Portanto, cabe ao ordenamento jurídico a proteção do instituto da propriedade
privada, pois, sem a existência dessa ninguém se verá disposto a poupar, tendo em vista que
seu capital pode ser constantemente roubado por bandidos ou pelo próprio Estado. Nesse
sentido disse Alceu Garcia o seguinte:
A estabilidade das normas jurídicas e o respeito ao direito de propriedade criam um
clima favorável, sobretudo para investimentos pesados e de retorno a longo prazo,
minimizando-se os riscos políticos e jurídicos, pois para os empresários os riscos de mercado
já são uma preocupação suficiente. A cooperação voluntária e mutuamente benéfica vigente
no livre mercado assegura a soberania dos consumidores, fazendo com que a poupança
formada seja investida em linhas de produção que resultem em bens de consumo desejado
pelos “soberanos”, segundo suas escalas de valores e a utilidade que atribuem aos bens e
serviços. Os empresários, por não terem meios de forçar os consumidores a adquirirem seus
produtos, não têm alternativa senão combinarem os fatores de produção de maneira a
satisfazer a demanda futura estimada a um dado preço, correndo os riscos de falhas de
previsão (GARCIA: 2002).
Como foi visto acima a atuação do direito deve ser no sentido de proteger a
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propriedade privada, garantia de livre mercado - sem embaraços estatais, para que isso
desperte o desejo, propensão, de poupar.
4.1 NO BRASIL
No Brasil as Sociedades Anônimas estão sob a égide da lei n° 6.404 de 1976, que
dispõe sobre a organização, formação, fiscalização e outros aspectos relativos às S.A, e quem
se encarrega de tal fiscalização e controle é a C.V.M - Comissão de Valores Mobiliários - que é
uma autarquia federal destinada ao controle do mercado de ações.
Como fora citado no final da parte histórica a atual tendência em relação à
constituição das sociedades anônimas é de voltarem para os dois primeiros estágios privilégio e autorização - e no Brasil isso não é diferente, nesse reina uma tendência
socializante e intervencionista, de cunho Keynesiano (Keynesiano diz respeito ao famigerado
Estado do Bem Estar Social).
Quanto à constituição de sociedade por ações é importante destacar que ela pode ser
de dois tipos: capital aberto e capital fechado. A de capital fechado não está sujeita às
mesmas condições burocráticas para sua formação, visto que suas ações são vendidas
somente em um círculo fechado. Interessa aqui analisar-se as sociedades abertas
(compreende as sociedades que vendem as suas ações ao público por meio da bolsa de
valores e mercado de balcão) que necessitam passar por um processo moroso para sua
constituição.
Em vista do grande poder econômico que uma sociedade anônima acumula, o Estado,
de tendência Keynesiana, cria uma série de regras burocráticas para que a sociedade
anônima atue.
Segundo o artigo 116 da lei das Sociedades Anônimas (Lei n° 6404/76), que trata a
respeito do acionista controlador - administrador, o controlador deve usar o poder a fim de,
além de realizar aos interesses internos da sociedade, servir a interesses externos ao da
sociedade, caracterizando isso o princípio da função social da propriedade, não sendo nada
mais que uma espécie de gerência do Estado sobre a propriedade privada, que não é
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absoluta, a fim de garantir o bem estar social acima citado. O doutrinador Marcelo M
Bertoldi disse o seguinte a respeito do artigo 116:
Entre os primeiros encontramos tudo aquilo que traga satisfação dos participantes da
empresa, tais como os acionistas, os titulares de valores mobiliários outros, seus empregados
e administradores. No que diz respeito aos interesses extra-empresariais, são eles
relacionados à comunidade da qual a sociedade faz parte.
Essas duas ordens de interesses ou objetivos acabam por consagrar o primado da
função social da propriedade, abandonando a “teoria do exclusivo atendimento dos
interesses acionários e, até mesmo, dos interesses intra-empresariais em seu conjunto, como
objetivo da atuação de controladores e administradores” (BERTOLDI: 2009).
Portanto, como foi exposto pelo doutrinador agora citado, os interesses do
empresário devem-se subjugar à nebulosa função social da propriedade, isso, por sua vez,
causa notórios embaraços à atuação da vontade empresarial, ou seja, aos seus interesses
econômicos. Ora, há quem diga que dar ao empresário o poder absoluto de controle da
sociedade pode colocar em risco a comunidade na qual ele está inserida ou à comunidade
em geral, pois uma má administração pode levar aquela sociedade à falência e, por
consequente, a uma crise econômica local ou nacional.
E isso - em relação à má administração - é verdade, porém, não é o Estado a entidade
indicada à tutelar essas sociedades, a sua atuação - no sentido de proteger a função social da
propriedade - em vez de ajudar a comunidade dependente dessa sociedade acaba por
ofendê-la, isto, pois, a sua atuação nesse sentido acaba por ferir o princípio da propriedade
privada e o do livre mercado (livre ação) que por sua vez inibi a possibilidade de existência de
um clima favorável ao empreendedorismo, tal como relata Alceu Garcia citado
anteriormente.
No caso acima citado se a C.V.M entendesse que houve uma má administração no
sentido de ferir a função social da propriedade, poderá ela impor sanções administrativas e
até mesmo suspender o controlador do comando da sociedade. Tal como relata o
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doutrinador Marcelo Bertoldi:
Aquela autarquia exerce efetivo controle externo da sociedade, com vistas a reprimir
o abuso de poder de controle, podendo, inclusive, suspender o controlador de suas
atividades na companhia.
As sanções aplicáveis pela C.V.M às sociedades anônimas se encontram dispostas na
Lei 6.385, de 7 de Dezembro de 1976, especialmente nos seus artigos 9 e 11.
Toda essa atuação Estatal, embora tenha as melhores intenções, acabam por inibir a
livre iniciativa, e, por conseqüente, a existência de um mercado saudável e de sociedades
saudáveis. Ludwig Von Mises, um dos mais brilhantes economistas que já passaram por este
mundo, pertencente à escola de economia austríaca, nos deixou inúmeros livros tratando do
livre mercado e da economia socialista, dentre suas obras é interessante destacar a seguinte
lição em relação ao controlador da sociedade:
É do interesse do administrador sério, que deseja uma carreira sólida
— e que não está meramente empenhado em obter um lucro
passageiro —, representar os interesses de seus acionistas em todas
as situações e evitar manipulações que possam trazer-lhes prejuízos.
Logo, o sucesso de uma empresa não depende meramente da adoção
de motivos éticos. Os interesses econômicos são também essenciais
(VON MISES: 2012).
Portanto, o tão vituperado interesse econômico é, em si, um fator importantíssimo
para o bom desenvolvimento da economia e o desenvolvimento da nação, o oposto do
simulacro que é apresentado nos centros acadêmicos brasileiros e pelo mundo a fora. Não
basta somente haver moral e ética nas relações econômicas, mas é importante também o
interesse econômico, que age como combustível para que tal desenvolvimento ascenda.
5 CONCLUSÃO
Após analisada toda a sua questão histórica e as suas três fases notar-se-á que a
época de ouro das Sociedades Anônimas é a época em que sua formação era livre, sem
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embaraços, isso, pois, como foi visto nesse artigo, a Sociedade Anônima é uma espécie de
poupança, e, para que haja poupança de forma saudável é necessário cumprir aqueles
requisitos que em um sistema de autorização ou de privilégio não seriam alcançados.
Frente a isso o ordenamento jurídico deve ser capaz de proporcionar segurança
jurídica aos empreendedores sem causar embaraços à livre ação, pois, se o Estado intervir
diretamente nas decisões dos administradores acaba por retira-lhes a discricionariedade de
atuação, a sua capacidade de ser livre enquanto controlador de uma sociedade anônima e,
por consequente, o interesse econômico tão vital para o bom desenvolvimento econômico
de uma nação.
BIBLIOGRAFIA
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial - Volume 2. São paulo: Saraiva, 2000.
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Direito Comercial Brasileiro - Volume I. Rio de Janeiro:
Livraria Freitas Bastos, 1953.
BERTOLDI, Marcelo M. Curso Avançado de Direito Comercial / Marcelo M. Bertoldi, Marcia
Carla Pereira Ribeiro. -5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
VON MISES, Ludwig. O Cálculo Econômico Sob o Socialismo. Brasil: Instituto Ludwig Von
Mises, 2012.
GARCIA,
Alceu.
Estado
Poupança
e
Miséria.
Abr.
2002.
Disponível
em:
http://www.olavodecarvalho.org/convidados/0144.htm. Acesso em: 20 de Maio de 2015.
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APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE NO BRASIL
Aparecido Arnaldo da Silva
Flavio de Jesus Maciel
Paulo Donizeti Jansen Romaniuk
Sâmela Marcielle Sene Bueno
Acadêmicos do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e
Tecnologia de Ibaiti
1 INTRODUÇÃO
Muito embora na antiguidade para que aqueles que se sentiam ofendidos sendo
esses os sujeitos passivos no crime ou parentes, aplicava-se a pena de morte, ou aplicar o
mesmo castigo ao sujeito ativo para que houvesse um sentimento de que se fez justiça.
Vislumbram-se no código de Hamurabe por volta de 1780 AC, no reino de Babilônia, os
primeiros indícios da Lei de Talião, conhecida como “olho por olho, dente por dente”, onde o
autor do delito deveria sofrer castigo idêntico ao crime por este praticado. Muito embora
para nossa época seja computada como esdrúxula, absurda, para os tempos em que foi
utilizada parecia a mais adequada. Houve uma mudança de pensamento na maioria dos
países após o início da implantação das Constituições, notadamente após a eclosão da
Revolução Francesa, que pregava a “liberdade, igualdade e fraternidade”, passou-se a
valorizar os direitos humanos.
2 A PENA DE MORTE NA ANTIGUIDADE
Já na Grécia antiga Platão falava em pena de morte (... em parte porque aí se lida com
assuntos sagrados e em parte por que são as sedes dos deuses sagrados; e nesses serão
realizados apropriadamente os julgamentos por homicídio e de todos os crimes passíveis de
serem punidos com a morte...).
As penas a serem aplicadas em tais casos serão a morte, a prisão, os
açoites, determinadas posturas humilhantes, sentado, de pé, exposto
à porta de um templo nas fronteiras do território, ou multas em
dinheiro às quais já nos referimos antes. Nas situações em que a pena
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é a morte, os juízes serão os guardiões das leis associados à corte dos
magistrados do último ano, selecionados pelo mérito. (Platão, 1999, p
359).
Verifica-se que a pena de morte era uma variante das penas impostas, sendo todas
elas de certo modo degradantes e humilhantes, buscava não fazer o infrator sentir-se
punido, mas sim mostrar a sociedade que ao cometer uma infração seriam penitenciados de
maneira exemplar.
Frente à pressão exercida por parte da sociedade para implantar a pena de morte no
Brasil, esse seria um retrocesso aos ganhos relativos aos direitos humanos, entretanto não se
pode deixar que a opressão imposta pelo crime, seja uma determinante dos rumos tomados
na nação, deve-se buscar para tanto alívios ainda que amargos, mas, sobremaneira
constitucionais.
Não se pode pôr em discussão o problema da licitude ou
oportunidade da pena de morte sem levar em conta o fato de que
não se trata do único remédio para o delito e que existem penas
alternativas. (BOBBIO, 1909, p. 173).
Desta forma, deve-se primeiramente buscar a função social da pena, com base na
dignidade da pessoa humana, respeitando os princípios constitucionais e penais que regem e
protegem a sociedade, sempre a aplicando de forma gradativa e proporcional, pois se feita
indiscriminadamente chegar-se-á o dia em que nenhuma sanção será mais eficaz para o
controle social.
3 PRINCÍPIO DA PENA E A CONSTITUCIONALIDADE DA PENA DE MORTE
Para discorrer sobre a mais severa das penas, a de morte, é necessário primeiramente
entender a função e a aplicabilidade.
Conforme o Código Penal Brasileiro, em seu art. 59:
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime. (grifo nosso).
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Em meias palavras, pena é uma espécie de sanção dada ao cometimento de
condutas delituosas que tem como função primeiramente de reprovar e prevenir novas
condutas, inibir o corpo social pelo grau de severidade imposta, e reeducar o condenado
evitando a reincidência. Capez assim define o conceito de pena:
[...] sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal,
consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua
readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação
dirigida à coletividade. (CAPEZ, 2011, p. 386)
Para melhor compreensão da finalidade da aplicabilidade a pena apresenta três teorias:
a) Teoria absoluta ou da retribuição: cuja funcionalidade é a punição do agente que
comete a infração penal. A pena, assim nada mais é que a retribuição do mal injusto, por outro mal justo, não garantindo uma finalidade socialmente útil.
b) Teoria relativa, finalista, utilitária ou da prevenção: a pena parte de uma premissa
prática e imediata prevenindo o crime de forma especial ou geral. A prevenção é especial
quando tem por objeto a readaptação e adequação do egresso a impedir novas práticas criminosas e de prevenção geral quando atinge o corpo social, assim as pessoas não cometem
crimes pelo medo da punição.
- Prevenção geral: Negativa – [...]. A pena aplicada ao autor da infração penal tende a refletir junto à sociedade, evitando-se, assim, que
as demais pessoas, que se encontram com os olhos voltados na condenação de um de seus pares, reflitam antes de praticar a infração
penal; Positiva – [...] infundir, na consciência geral, a necessidade de
respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito,
promovendo a integração social.
- Prevenção especial: Negativa – neutraliza-se aquele que praticou a
infração penal, com sua segregação no cárcere; Positiva – a finalidade
da pena é unicamente em fazer com que o autor desista de cometer
futuros delitos. Tem um caráter eminentemente ressocializador. (Greco, 2011, p.126).
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c) Teoria mista, eclética, intermediária ou conciliatória: nada mais é que a função
dupla da pena em primeiramente prevenir o crime e secundariamente em punir o delito.
Afirma Greco (2011, p. 127) que:
Pela redação do artigo 59, do CP, podemos concluir que adotou-se,
no Brasil, a TEORIA MISTA ou UNIFICADORA DA PENA, visto que há a
conjugação da necessidade de reprovação com a prevenção do crime,
unificando as teorias absoluta e relativa da pena.
Contudo, a pena deve primordialmente respeitar os princípios fundamentais, quer sejam: o princípio da legalidade ou da reserva legal que prediz que não há crime sem lei anterior que o defina, não há pena sem prévia cominação legal; e o princípio da anterioridade
onde a lei não retroagirá, salvo em benefício do réu.
Assim, apresentados os fundamentos acima, previamente nota-se que a adoção da
pena de morte torna-se não tão somente inconstitucional, mas também incompatível com os
princípios apresentados dada que a premissa da pena é a ressocialização do apenado.
No Brasil a pena de morte ou pena capital que nada mais é que uma sentença
aplicada pelo poder judiciário que consiste em retirar legalmente a vida de uma pessoa
julgada culpada de ter cometido um crime considerado pelo Estado como suficientemente
grave e justo de ser punido com a morte, é admitida tão somente em caso de guerra
declarada e sua execução dar-se-á mediante fuzilamento, em outras circunstâncias é taxada
como inconstitucional devido ao princípio do não retrocesso dos direitos e garantias já
alcançados, assim nos reza a Constituição da República Federativa do Brasil:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei [...]
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.
84, XIX;
[...]
Nesta linha, existe o princípio da humanidade que veda a tortura e o tratamento
desumano ou degradante a qualquer pessoa, proibindo então a pena capital. Salientando-se
ainda o direito à vida:
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[...] é o direito de não ter interrompido o processo vital, senão pela
morte espontânea e inevitável. A Constituição tutela a vida como o
mais importante bem do homem, proibindo a pena de morte, salvo
em casos de guerra declarada. A proibição à pena capital constitui limitação material explícita ao poder de emenda (cláusula pétrea —
núcleo constitucional intangível), nos termos do art. 60, § 4º, IV, da
Constituição Federal. Se a Constituição proíbe a imposição da pena de
morte ao condenado, mesmo após o devido processo legal, o Estado
deve garantir a vida do preso durante a execução da pena. (CAPEZ,
2011, p. 421-422)
Aprofundando um pouco mais, indica Greco (2011, p. 22):
A vida é um dos direitos fundamentais defendidos pelo Estado e se
encontra protegido contra proposta de Emenda tendente a abolir os
direitos e garantias individuais. Existem alguns autores que não admitem que a pena de morte seja restabelecida sequer por meio de uma
nova ordem constitucional. De acordo com estes autores, embora o
poder constituinte originário não encontre limites no poder constituinte anterior, em matéria de direitos humanos, não se admitem regressões.
Na realidade este instituto constitucional proibitivo protege mais o Estado do que a
própria sociedade, entretanto resguardando a nação estará abrigando os cidadãos e
garantindo a liberdade de cada um, assim nos indicou Beccaria (1764, p.52):
A morte de um cidadão apenas pode ser considerada necessária por
duas razões: nos instantes confusos em que a nação está na
dependência de recuperar ou perder sua liberdade, nos períodos de
confusão quando se substituem as leis pela desordem; e quando um
cidadão, embora sem a sua liberdade, pode ainda, graças às suas
relações e ao seu crédito, atentar contra a segurança pública,
podendo a sua existência acarretar uma revolução perigosa no
governo estabelecido.
Nota-se que este tipo de punição deve ser aplicado apenas em situações em que os
direitos da coletividade possam estar correndo riscos, mas não quando se tratar do direito de
apenas um indivíduo ou de certa classe, sendo que assim apenas estaria caracterizada uma
vingança pelo delito cometido e não uma situação de proteção social. Porém, o autor afirma
que em períodos normais, quando o governo esteja aceito por toda nação e o Estado bem
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defendido externa e internamente, a morte deverá ser aplicada quando for o único meio que
possa impedir novos crimes.
4 RETROCESSO NA HISTÓRIA EVOLUTIVA DO DIREITO
A pena de morte leva a uma proximidade extrema com os momentos mais sangrentos
da história. Tudo o que a evolução do Direito conquistou, é tratado de forma desprezível.
Nunes (2013, p. 343) destaca que:
O Direito postula pela vida, luta pela sua manutenção e dignidade.
Onde não há vida não há Direito. Foram séculos de evolução – bem
verdade que aos trancos e solavancos – para que o Direito se fosse
depurando de mazelas que não lhe poderiam ser inerentes. Foram
extirpados os castigos físicos, a escravidão, a tortura, o racismo,
dentre outras iniquidades. Logo, [...] Direito é, desde logo, a priori
conhecer certos princípios, e dentre estes está o da necessária
garantia da vida humana, como condição básica da própria existência
social.
A vida é um princípio de extrema importância ao Direito, sendo ela um bem maior e a
função essencial do Direito é protegê-la. Acabar com a vida de outrem é um ato de
bestialidade, é um desrespeito a todos os princípios de direitos humanos, jogando na latrina
tudo aquilo que contribuiu para o Direito ser o que é hoje. O Estado que apóia este
retrocesso na evolução do Direito não faz nenhum bem à sociedade, ele simplesmente
torna-se equiparado ao assassino, ele acaba com a vida de um indivíduo. Nunes (2013, p.
349) ressalta que, “Estado e homicida passam a se equivaler. O Direito fica rebaixado ao nível
do assassino. Ambos passam a ter, como ponto comum, o desprezo pela vida humana”.
O Direito e o Estado, que tem como função serem bons modelos para a sociedade,
estimulam a ira, a raiva a vingança e a insensatez ao se efetivar a pena de morte.
Há situações em que esta pena é praticada, onde o indivíduo que recebê-la, além de
estar prestes a perder o seu bem maior que é a vida, recebe como um ato de covardia do
Estado, antes de sua execução, tratamentos de natureza humilhante, como por exemplo, o
condenado ter seus olhos vendados, ser amarrado e receber mais de dez tiros na sua
execução. Nunes (2013, p. 349) argumenta que, “A pena de morte é a instituição da vingança
pública, é pura irracionalidade”.
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O Estado, sendo garantidor dos direitos da sociedade, jamais deve trazer um
ananismo aos direitos adquiridos. Pena de morte: praticá-la é constituir o Código de
Hamurabi aos dias atuais, com a Lei de Talião (olho por olho e dente por dente).
5 A INEFICÁCIA DA APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE
A história da humanidade demonstra a falência de tal punição, sendo que as
experiências realizadas por todos os séculos não conseguiram alcançar o objetivo desejado,
que seria a diminuição da criminalidade. Afirma Beccaria (1764, p. 52) que:
[...] essa verdade está assente no exemplo dos romanos e nos vinte
anos em que reinou a imperatriz da Rússia, a benfeitora Isabel, que
forneceu aos chefes dos povos uma lição mais ilustre do que todas as
brilhantes conquistas que a nação apenas alcança ao preço do sangue
de seus filhos.
Modernamente nos indica Zaffaroni (2003, p. 118-119):
No plano político e teórico essa teoria permite legitimar a imposição
de penas sempre mais graves, por que não se consegue nunca a
dissuasão total, como demonstra a circunstância de que os crimes
continuam sendo praticados. Assim, o destino final desse caminho é a
pena de morte para todos os delitos, mas não por que com ela
obtenha a dissuasão, mas sim por que esgota o catálogo de males
crescentes com os quais se pode ameaçar uma pessoa.
A aplicação de tal penalidade demonstrará a falência do direito, o qual serve para
regular a vida em sociedade, e do sistema, principalmente no tocante à organização do
sistema prisional brasileiro que tem por finalidade a reintegração do preso, após
cumprimento da punição, em meio à sociedade de forma efetiva, aceitando as regras e
respeitando o convívio de forma harmônica.
O cientista político Maurício Santoro declarou em artigo publicado pela revista
eletrônica superinteressante que: “Em todos os lugares onde a pena de morte é aplicada,
inclusive em democracias como os EUA e a Indonésia, ela é usada de maneira
desproporcional contra minorias étnicas e religiosas, pobres e grupos marginalizados, com
poucos recursos econômicos e sem boas conexões políticas”.
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Afirmou ainda que: “Não existem soluções mágicas para resolver problemas ligados
aos crimes. Elas passam pela construção de relações de confiança entre Estado e sociedade,
por policiais bem treinados e equipados, um sistema judiciário eficaz”.
No mesmo artigo afirmou o jornalista Carlos Marchi que: “As leis e os sistemas
judiciários são estruturados para proteger e favorecer os poderosos. Um pouco mais num
país, um pouco menos num outro, desde que o mundo é mundo”.
O principal problema encontrado é a manutenção de um sistema que consiga
efetivamente realizar sua função e readequar o infrator para a vida social, mas infelizmente
não é o que se nota em nossa nação, primordialmente devido aos grandes escândalos de
corrupções envolvendo pessoas do alto escalão político, que vendem sua honra e desviam
quantidades exorbitantes de verbas públicas que poderiam ser destinadas a resolução dos
problemas carcerários e da educação. Muitas vezes são estes sujeitos que estão incumbidos
da elaboração de nossas leis que se tem que respeitar e que colocam enorme distância entre
as classes sociais. Beccaria (1967, p. 55) narra sobre o assunto em sua época “[...] Essas leis
foram feitas por quem? Homens opulentos e donos do poder, que nunca deram ao trabalho
de visitar a miserável cabana do pobre, que não viram dividir um pão grosseiro entre os
filhos famintos e a mãe aflita”.
É bem verdade que na época de Beccaria o regime político era tirânico e as injustiças
eram bem maiores, mas vive-se atualmente uma democracia aparente, que na realidade se
assemelha em muito com a monarquia, pois filhos de deputados federais se transformam em
deputados estaduais, amigos de políticos assumem função de confiança, como na antiga
nobreza. Existe uma troca de comando, entretanto os grupos e os nomes são sempre os
mesmos.
Há que se analisar que a pena de morte não deveria nem sequer ser matéria de
discussão do povo, mas sim de quem está no poder e recebe para legislar e administrar,
principalmente por se tratar de uma sanção irreversível, ninguém pode devolver a vida
extinguida, reparando o erro cometido durante julgamentos de uma justiça precária e cheia
de falhas. Nunes (2013, p. 350) destaca que:
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O senso comum não é apto para pensar técnica, ética e
racionalmente essa questão [...] Para reforçar esse aspecto de que há
questões que não podem ser submetidas a plebiscito, cite-se o
exemplo dado por Evandro Lins e Silva: “Ninguém indagará se o povo
quer ou não quer determinado tipo de vacina, cuja aplicação a ciência
demonstrou ser a maneira de prevenir doenças e epidemias”.
Assim afirma também Greco (2011, p. 22):
A população, revoltada com o aumento da criminalidade, entende
que tais penas poderiam ser adotadas para que se tentasse inibir a
prática de infrações penais graves. Estudos indicam, contudo, que a
aplicação da pena de morte ou de caráter perpétuo não parece ter
efeito algum sobre as taxas de homicídios.
Na realidade acontece uma inércia do Estado em dar uma resposta condizente para a
sociedade, fazendo o sistema realmente funcionar e punindo de forma severa àqueles que
atentam contra as liberdades do povo. O maior problema encontrado é que normalmente
quem está no poder acaba por esquecer de que é um representante do povo, e desta forma
deve tomar decisões como o real detentor do poder quer e não baseado em troca de favores
e apoio político.
O legislador deve observar inclusive que uma das funções do princípio da legalidade é
proibir a criação de crimes e penas pelos costumes, sendo que somente mediante a
elaboração e promulgação de uma lei é que se pode criá-los. Assim, não se podem invocar
normas consuetudinárias para fundamentar uma punição ou agravar a pena, portanto a
vontade do povo deve ser analisada, mas não é o pressuposto primordial para a criação de
normas penais.
Nota-se ainda, que mesmo punições severas não realizam o controle social,
diminuindo a criminalidade. Muitos seres humanos não cometem brutalidades por
respeitarem o próximo e seguirem uma religião e uma doutrina que busca a felicidade e o
bem do seu semelhante.
6 O CONTROLE SOCIAL ATRAVÉS DA RELIGIÃO
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Religião: principal meio de controle social. É o conjunto de sistemas de crenças que
estipula o que cada um deve fazer e quais atitudes devem tomar para através da espiritualidade e dos valores morais sempre fazer o bem para o próximo, buscando a harmonia e o respeito de todos os indivíduos que convivem em sociedade e buscam o bem de toda raça humana.
As pessoas que frequentam a igreja, independente de qual doutrina é seguida,
sempre aprendem ensinamentos bons, que trazem situações de respeito, paz e amor. Este
fato é o que transforma tal instituição na maior controladora da sociedade.
De alguma forma, todos os seres humanos têm conhecimentos sobre a existência de
alguma religião como meio de ligação que estabelece um vínculo com uma autoridade
espiritual suprema, sendo que a origem desta não se dá pela necessidade material e sim pela
espiritual. Cada povo tem como fator de equilíbrio social e de seguimento aos preceitos
sociais, as crenças religiosas.
O fato é que muitas religiões sofreram mudanças ao longo do tempo, devido ao
processo de desenvolvimento econômico, do domínio do capitalismo, o avanço científico,
dentre outros fatores. Tudo isso proporcionou ao homem uma nova visão da vida, e com isso
as religiões passaram a conciliar suas doutrinas com o conhecimento científico e com o
avanço constante da humanidade.
Percebe-se que a crença em um Deus e a fé, é o que inibe ou impulsiona a maior
parte dos homens de fazerem o mal. O temor de uma punição divina pela ação ou omissão é
muito maior do que a da penalidade jurídica, neste caso, portanto, a paz social ou a guerra se
dão muito mais pelo seguimento das doutrinas religiosas, a que questões políticas e
econômicas, funcionando a religião como uma parceira do sistema jurídico como controlador
e regulador da sociedade.
7 A PRISÃO PERPÉTUA E COM TRABALHOS FORÇADOS COMO OPÇÃO SUBSTITUTIVA A
PENA DE MORTE
O medo não pode servir como parâmetro para a aplicação de uma punição em uma
sociedade democrática de direito, sendo que a pena capital precisa ser substituída pela restrição à liberdade no âmbito global.
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Tendo em vista a agressividade aos direitos universais do homem e a dignidade da
pessoa humana pela aplicabilidade da pena de morte, dois institutos: a prisão perpétua e a
pena de trabalhos forçados, não menos polêmicos, mas de menor grau ofensivo surgem
como opção discussão para substituir a pena capital em uma alternativa remota de
normatização a fim de dar uma melhor resposta à sociedade quanto ao cumprimento de
uma sanção eficaz, porém ressalta-se que tais institutos são rejeitados pela comunidade
internacional sendo ainda, sua implementação proibida em nosso sistema jurídico como será
demonstrado abaixo.
Embora o Art. 5º, XLVII, alíneas a e b proíbam as penas de caráter perpétuo e de
trabalhos forçados, os quais já estão previstos nas convenções da Organização Internacional
do Trabalho, que dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas as
suas formas e ainda como meio de coerção como expressamente demonstrado pela
convenção 29:
Artigo 1º. Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir a utilização
do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais
breve espaço de tempo possível. Artigo 2º 1. Para fins desta Convenção, a expressão "trabalho forçado ou obrigatório" compreenderá
todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente. (OIT,
1930, p.1).
A ainda a convenção 105:
Artigo 1º. Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir toda forma
de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso.
Artigo 2º. Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a adotar medidas
para assegurar a imediata e completa abolição do trabalho forçado ou
obrigatório, conforme estabelecido no Artigo 1º desta Convenção.
(OIT, 1959, p.1)
Desta forma a normatização da prisão com exercício de trabalhos forçados ainda que
destituídos de eficácia constitucional e de norma supranacional, não diferentemente da pena
de prisão perpétua, surgem como opções mais humanas, ou menos cruéis, de punir o
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infrator, se comparadas a pena de morte como demonstra Beccaria (1764, p.53) na seguinte
afirmação:
O espetáculo atroz, porém momentâneo, da morte de um criminoso,
é um feito menos poderoso para o crime, do que o exemplo de um
homem a quem se tira liberdade, tornado até certo ponto uma besta
de carga e que paga com trabalhos penosos o prejuízo que causou à
sociedade. [...] essa ideia terrível assombraria mais vivamente os
espíritos do que o temor da morte, que se vê entrevê apenas um
momento numa obscura distância que diminui o horror.
Nesta linha, vislumbra-se que a forma de fazer com que o infrator realmente pague
pelos seus delitos é a substituição da pena de morte pela prisão perpétua, pois indivíduos
capazes de cometer atrocidades cobertas de hediondez que mereça a morte, normalmente
nem ao menos creem na existência de um “Deus” que irá puni-lo após o final da vida
humana. Portanto, esta penalidade não causaria sofrimento algum devido à falta de crença
em uma vida espiritual, sendo que o período do processo e da possível condenação seria o
pequeno instante de angustia sofrida pelo delituoso.
Uma pena para ser justa precisa ter apenas o grau de rigor suficiente
para afastar os homens da senda do crime. Ora, não existe homem
que hesite entre o crime, apenas das vantagens que este enseje, e o
risco de perder para sempre sua liberdade. Deste modo, portanto, a
escravidão perpétua, que substitui a pena de morte, tem todo o rigor
necessário para afastar do crime o espírito mais propenso a ele.
(BECCARIA, 1764, p. 54).
Sendo assim, enquanto a execução do preso ocorre de uma maneira rápida em que o
povo irá esquecer, a prisão perpétua se prolonga no tempo e estará constantemente
servindo de exemplo do que irá acontecer com aquela pessoa que cometer o mesmo delito
que empreendeu quem está cumprindo tal pena. Enquanto aquela desempenha todas as
suas forças em um só tempo, esta fica alastrada por todo o curso da vivência do delinquente.
8 ECONOMICIDADE ESTATAL DAS PENAS
A pena de morte é uma maneira mais econômica de o Estado conseguir punir o
infrator, pois não precisará realizar gastos com alimentação, segurança, água, luz, entre
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outros tantos serviços utilizados na manutenção de um preso em regime fechado. No
tangente aos trabalhos forçados nos indica Greco (2011, p. 22), “O que a Constituição quis
proibir, na verdade, foi o trabalho que humilha o condenado pelas condições como é
executado. Não pode ser espancado para trabalhar nem ter sua refeição suspensa”.
A aplicação de uma penalidade de prisão combinado com trabalhos forçados seria
uma maneira de demonstrar a sociedade que o infrator está sendo acoimado, e a ele caberia
pagar por seu desacerto.
O suplício é, por assim dizer, a multiplicação da pena de morte: como
se a pena de morte não bastasse, o suplício mata uma pessoa várias
vezes. O suplício responde a duas exigências: deve ser infamante (seja
pelas cicatrizes que deixa no corpo, seja pela ressonância de que é
acompanhado) e clamoroso, ou seja, deve ser constatado por todos.
(BOBBOIO, 1909, p. 153).
Essa manifestação da paga do crime com a pena em que o Estado deixaria de arcar
com todas as despesas feitas frente à manutenção do infrator em cárcere, revelaria de tal
maneira àqueles que estejam ou tendam a estar à beira da marginalização, refletir e apurar
que o crime não teria uma recompensa, se capturado, falando na pena capital, porém estaria
evidente uma punição severa que alcançaria os crimes considerados hediondos. Essa
modalidade de repreensão proposta aliviaria sobremaneira o já superlotado sistema
carcerário do país, onde os presos ficam em cadeias por falta de espaço nas penitenciárias, e
não há uma separação adequada desses presos, com características e delitos diferenciados.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto conclui-se que a pena capital, pena de prisão perpétua ou de
trabalhos forçados, encontra barreiras legais, morais e religiosas para sua implementação.
Sugerir a adoção de tais institutos não poucos polêmicos, a priori vem ao encontro das
respostas eficazes aos anseios vingativos dos entes das inúmeras vítimas das barbáries
quotidianas. Em segundo plano seria uma forma de aplicar uma pena condizente ao fato
praticado pelo indivíduo que insiste em não se adequar a convívio harmônico social.
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Portanto, conclui-se que a admissão dos referidos institutos em nosso ordenamento
pátrio, de fato trata-se de um retrocesso, uma incapacidade não tão somente do Estado, mas
de toda a sociedade de gerir as dificuldades que permeiam o convívio social: ideias,
comportamentos, culturas, desigualdades econômicas, e por fim juridicamente é o
reconhecimento da falência das demais normas, ou seja, falência do direito na proteção do
bem jurídico tutelado, ou seja, a vida.
REFERÊNCIAS
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2003.
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Rio de Janeiro, Editora Elsevier, 2004. 7ª Reimpressão
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CAPEZ, Fernando. Direito Penal Parte Geral. 15º ed. São Paulo, Saraiva, 2011.
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